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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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I - HISTÓRIA GERAL DO DIREITO

17) Dos povos sem escrita ao desenvolvimento dos moldes do direito


moderno – Muito pouco, naturalmente, se conhece sobre os ordenamentos
jurídicos dos povos sem escrita, pois eles representam a pré-história do Direito,
onde a indistinção com relação a outras ordens normativas (religiosa, moral,
política), bem como a própria diversidade de normas e o senso de
responsabilidade coletivizada, são fatores que dificultam a qualificação de
eventuais regras de convívio como expressão do Direito.

Se é verdade que a invenção da escrita propiciou a documentação


das relações humanas juridicamente relevantes e possibilitou a elaboração de leis
ou decisões que pudessem ser conhecidas por toda a sociedade de uma maneira
uniforme (dificultada pela transmissão oral), também não se pode deixar de
anotar que os diferentes povos, numa escala que não foi seqüencial,
desenvolveram distintas experiências no tratamento de situações juridicamente
relevantes.

De tal forma, a conformação do Direito tem na sociedade romana o


seu primeiro grande momento, especialmente na esfera do direito privado. Por
seu turno, os gregos desenvolveram instituições políticas essenciais para o
desenvolvimento do direito público82. Contudo, mesmo sem rivalizar com a
experiência greco-romana, outros povos da antiguidade desenvolveram leis,
negócios jurídicos e instituições políticas que favoreceram a consolidação do
Direito, além de terem desenvolvido idéias e experiências que tiveram forte
influência sobre o Direito (e.g., egípcios, povos cuneiformes, hebreus, hindus).

82
André Castaldo, Introduction historique au droit. 2. ed. Paris: Dalloz, 2003, p. 1-42. Jean-Louis Thireau. Introduction
historique au droit. 2. ed. Paris: Flammarion, 2003, p. 17-93.

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As instituições gregas e romanas, nas suas distintas perspectivas,


complementam-se, como fonte, respectivamente, de elementos essenciais à
gênese do direito público e à consolidação do direito privado.

Sob tal perspectiva, não se pode falar propriamente de um direito


público a partir da experiência grega, ou mesmo romana, mas é inegável a
influência de alguns conceitos essenciais à afirmação do Estado e da política83.
Tanto na Grécia como em Roma, as diferenças entre os indivíduos e a primazia do
poder nas mãos do soberano são os principais fatores para o questionamento da
afirmação de um direito público. Alguns conceitos fundamentais foram
desenvolvidos, a organização do Estado se apresentou de forma mais nítida, mas
o equilíbrio das funções estatais, o controle do poder e a ampliação da
participação dos cidadãos, num ambiente de liberdade e submissão ao Direito,
apenas nos autorizam a vislumbrar um direito público em gestação.

Em sentido oposto, o direito privado, aquele destinado à regulação


das relações jurídicas essenciais ao jogo jurídico desenvolvido pelos cidadãos, com
a garantia dos institutos reguladores da vida (p. ex.: o casamento, a filiação, a
propriedade, o contrato, a sucessão), embora encontrassem tratamento anterior,
se amoldam no curso do direito romano com um nível de desenvolvimento
invejável. E, neste particular, podemos afirmar que o direito privado é um legado
romano.

83
Nas cidades gregas e em Roma, se dá a invenção da política, vislumbrada como arte de governar um grupo social.
Política (politeia), deriva do termo grego polis (cidade), equivalente ao termo latino civitas, do qual deriva o substantivo
cidadão e o adjetivo cívico. Sob o signo da res publica, os romanos designaram a coisa pública, fonte da noção de
república. O desenvolvimento das concepções de forma de governo, a partir da monarquia (vivenciada na Grécia e em
Roma), atribuindo um poder hereditário, com ascendência política, religiosa, militar e judiciária, ainda que, em diferentes
níveis, compartilhado com os membros das grandes famílias e com as assembléias populares. Posteriormente, afirmam-se
os governos aristocráticos (séculos VIII-VI a.C.) na Grécia. Em algumas cidades gregas, com ênfase para Atenas,
desenvolve-se um regime democrático, não vislumbrado em Roma. Em distintas proporções, os princípios do direito
público, de forma mais ou menos nítida, se afirmam (Jean-Louis Thireau, Introduction..., cit., p. 18-19).

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A expansão do Império levou consigo a invejável técnica jurídica


desenvolvida para a regulação da vida, globalizando o direito romano num feito
cultural que sobrepujou a força das armas.

Mais notável é que o direito romano, ainda que simplificado, mesmo


sujeito a alterações e a todas as vicissitudes imagináveis, tenha permanecido além
do Império, não apenas na experiência bizantina.

Não fossem bastantes os dois fenômenos acima observados, é do


sumo do direito privado romano que se extrai o direito moderno, seja pela sua
permanência em vastos países, ou pelo renascimento e pela recepção, efetivando,
a partir da codificação, uma terceira globalização do direito romano.

A) Experiências Antigas e Medievais

18) A escrita e a afirmação do Direito enquanto meio de organização


social - No terceiro milênio antes de Cristo já se verificam, no Egito e na
Mesopotâmia, os primeiros escritos de natureza jurídica. Posteriormente, também
entre Elam, Hititas, Fenícia, Israel, Creta e Grécia são observados regramentos de
caráter jurídico84.

Se é incontestável que a história exerce grande influência na


construção do futuro, sendo muito nítidos alguns ecos dos direitos cuneiformes na
experiência jurídica romana, há também uma significativa influência do
desenvolvimento científico para determinar a realidade histórica. Assim,
paradoxalmente o futuro pode alterar a compreensão que se tem do passado, pois

84
John Gilissen, Introdução histórica ao direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 51. Federico
Lara Peinado e Federico Lara Gonzáles, Los primeros códigos de la humanidad, Estudio preliminar, Madrid: Tecnos,
1994, p. IX.

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sempre está aberta a possibilidade de descoberta de textos legais mais antigos do


que aqueles de que dispomos.

Portanto, a localização de textos de conteúdo legal transformaram o


conhecimento da afirmação do Direito, com a identificação de textos que
apresentavam uma aparência de Códigos, compilando os usos e costumes, bem
como relacionando Direito e religião85.

Numa construção centenária, o fenômeno jurídico exorbita os limites


que lhe eram determinados no final do século XIX e início do século XX, período
em que eram enfatizadas as experiências romana, grega e hebraica, como
representativas da experiência jurídica na antigüidade. Foi a pesquisa
arqueológica, com a localização de publicações e elaboração de traduções de
documentos jurídicos, que propiciou o conhecimento de experiências egípcias e de
textos cuneiformes (na Mesopotâmia), representando, estes últimos, uma
verdadeira guinada na compreensão histórica do Direito86.

Assim, deve-se ter presente que, embora as civilizações grega e


romana sintetizem a cultura ocidental, sendo inegável o condicionamento das
famílias jurídicas relacionadas à experiência européia (romano-germânica e
common law), a influência dos povos do Oriente Próximo é considerável, estando
na gênese da própria noção de sistema jurídico87.

Essa realidade é muito significativa para a introdução histórica ao


Direito, uma vez que uma parte da doutrina adota cortes arbitrários na
determinação do objeto de pesquisa, preservando a exposição a partir das

85
Federico Lara Peinado e Federico Lara Gonzáles, Los primeros códigos de la humanidad, cit., p. IX-X.
86
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 51.
87
Justino Adriano Farias da Silva, “Notas ao código de hammurabi”, in Estudos Jurídicos, v. 26, nº 68, set./dez., 1993, p.
100.

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experiências grega e romana ou mesmo da tradição jurídica de um determinado


ordenamento a partir da consolidação de sua unidade histórica ou de épocas
específicas. Contudo, ao procederem de tal forma, deixam de expressar a
afirmação de determinados elementos que representam a consolidação dos
postulados do Direito.

Dentre os elementos centrais que afirmam o estágio da experiência


jurídica num determinado ordenamento destacam-se:

a) Individualização88 como superação da coletivização da


responsabilidade – quando se observa o tratamento do sujeito
de direito pelo ordenamento, a definição de uma
responsabilidade individual por atos jurídicos é fundamental, pois
é uma das primeiras expressões de justiça (a cada um o que é
seu – cuique suum tribuere). Em tal contexto, uma solidariedade
clânica, representativa de uma coletivização da responsabilidade,
é um verdadeiro contra-senso. Então, questiona-se como
justificar um Direito expressivo da justiça quando ele nada mais
é do que uma vingança dirigida ao grupo. Como justificar que
um membro de um grupo seja responsabilizado por uma coisa
que não fez? Ordens arcaicas adotam tais práticas até hoje,
como aqueles grupos em que a indisciplina de um membro
resulta na responsabilização de todos, realidade pródiga nos
filmes relativos às carreiras militares.
b) Generalização da expressão do Direito através de leis
escritas – A generalização do conteúdo expressivo do Direito
88
Preferimos a utilização do termo individualização ao individualismo, pois a carga valorativa deste último induz à
concepção de uma sociedade com valores egoístas expressos em modos de produção social que não reproduzem a
solidariedade humana e a preservação de valores fundamentais ao bem estar individual que muitas vezes são

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aos seus destinatários (súditos, cidadãos, agentes públicos etc),


começa a construir um dos pilares que, uma vez retirado, faria
ruir toda a força normativa do ordenamento jurídico. Embora o
postulado não esteja ainda claramente determinado, é consabido
que a vinculação à lei e a presunção de seu conhecimento têm
na norma escrita um elemento essencial, sintetizado a partir do
axioma: ‘Ignorantia legis, naeminem excusat’.

c) Crescente possibilidade de adoção de regras abstratas –


Embora nas experiências mais antigas o nível de abstração seja
muito menor do que aquele observado com a consolidação dos
sistemas jurídicos, especialmente o romano, é incontestável que
a escrita possibilita a abertura para normas que requeiram
interpretação, em lugar de regras de direito estrito, que não
deixam qualquer margem de análise.

d) Adoção de critérios mais definidos com relação ao poder


de julgar – Este poder de dizer o direito (jurisdição –
iurisdictio), a partir de leis que expressem a soberania, ainda que
tidas como a vontade do soberano, reveladora de uma inspiração
divina, abre caminho para uma separação de momentos que,
posteriormente, ficaria muito clara com a divisão das funções
estatais (administrativa, legislativa e judicial). Cria-se, portanto,
o caminho para o pensamento jurídico, muitas vezes com a
delegação do poder de aplicar a lei emanada do soberano, cuja
atuação volta-se à revisão de tais soluções, através de recursos
ou cassações. Também será a experiência romana que afirmará,

absolutamente distintos da experiência histórica, como será observado a partir da análise de textos legais das civilizações
mesopotâmicas.

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crescentemente, este elemento, mas a definição de leis escritas


já é um mecanismo para afastar a reunião plena entre o poder
de dizer a lei, aplicá-la na administração do Estado e verificar a
adequação de condutas.

e) Afirmação dos elementos que propiciarão o


desenvolvimento de sistemas voltados à completude, à
coerência e à unidade – Por fim, uma jornada absolutamente
relevante para o desenvolvimento do sistema jurídico é aquela
que, empiricamente, ampliará o domínio do Direito, esta
somente visível embrionariamente, especialmente quando
confrontamos as codificações cuneiformes. Pois, a busca da
completude89, ainda que involuntária, é uma tendência
vislumbrada pela maior abrangência dos textos normativos ao
longo do tempo (confrontem-se, e.g., as compilações anteriores
e o Código de Hammurabi90). A unidade e a coerência são dois
outros valores muito importantes, pois a aplicação una (a todos
as mesmas regras que, nas suas distintas condições, aos
mesmos se apliquem) e coerente (aos mesmos casos as mesmas
decisões relativas à regra una), são dois elementos
fundamentais. Se também aqui é certo que as condições de
poder absoluto ou aristocrático tendem a gerar distintas classes
de cidadãos, o que perdurará em Roma e se perpetuará, em
diversas escalas, até os séculos XVIII, XIX e XX (com a
escravidão e a sonegação de direitos às mulheres). Sob outro

89
A completude poderia ser sintetizada, de forma ampla, como a busca, para muitos ‘utópica’, dos sistemas jurídicos no
sentido de regular todas as condutas existentes no âmbito social. Ao aceitarmos que o sistema não é completo, estaremos
diante de lacunas, mas dependendo da nossa concepção, poderemos dizer que a supressão de lacunas é uma forma
regulada ou regulável pelo sistema.

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prisma, também não é falsa a ilação de que a lei escrita auxilia,


mesmo sob o sentido formal, a construção dos elementos do
pensamento que irão, ao longo dos tempos, efetivar, sob
distintos prismas, a prevalência da igualdade.

Portanto, são cinco elementos que nos permitirão definir o grau


evolutivo de um sistema jurídico e, num sentido mais amplo, do próprio modo de
produção social por ele representado.

Utilizando os referidos parâmetros, podemos confrontar os direitos


dos povos sem escrita e os direitos da antiguidade para demonstrar tal realidade:

Parâmetro Povos sem escrita Antiguidade

individualização - difícil estabelecimento num - já observada a partir da


sistema estritamente casuístico civilização egípcia
generalização - fragmentação inerente à - constatada em remissões
(a partir de leis escritas) expressão oral do Direito egípcias e nos textos
cuneiformes
abstração - difícil no plano oral - tendência crescente desde os
(regras abstratas) direitos cuneiformes,
consolidada especialmente a
partir do período clássico do
direito romano
critérios de jurisdição - centrada na subjetividade do - pode ser observada entre os
chefe (rei, líder religioso) egípcios, com a organização
de órgãos jurisdicionais
elementos essenciais ao - construção assistemática, - formação cíclica de
desenvolvimento de um incompleta, incoerente e concepções sistêmicas, maior
sistema jurídico diversa abrangência, tendendo à
(completude, coerência e completude, afirmação de
unidade) mecanismos de preservação
da coerência e de formação da
unidade

90
Como bem alerta Jayme de Altavila, seria impróprio considerar que o Código de Hammurabi ‘é tão bom quanto
aqueles dos modernos estados europeus’, mas não há dúvida que ele está direta ou indiretamente relacionado com o
desenvolvimento de tais sistemas (Origem dos direitos dos povos, São Paulo: Ícone, 1997, p. 37).

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Portanto, o que se observa é que os “direitos” dos povos sem escrita


representam um resquício da regulação da sociedade, onde os fenômenos
jurídico, social, político, econômico, moral e religioso se encontram amalgamados
numa ordem primitiva, sendo muito difícil qualificar como Direito essa ordem
costumeira e casuísta. Por seu turno, a escrita e o Direito se revelam unidos na
formação de ordens complexas e na afirmação dos fatores essenciais à afirmação
de um sistema jurídico.

Com relação aos povos sem escrita, deve-se também ter presente
que não se trata de um elemento historicamente datado, se é certo que há
técnicas de aferição de usos e costumes de uma sociedade, ainda que não
existam relatos escritos, não é menos verdade que ainda hoje são observados
grupos sociais que não desenvolveram a escrita.

GILISSEN demonstra que a escrita se apresenta em diferentes


momentos históricos e remanesce até hoje:

“É preciso portanto distinguir a pré-história do direito e a história do


direito, distinção que repousa no conhecimento ou não da escrita. O
aparecimento da escrita e, em consequência, dos primeiros textos
jurídicos situa-se em épocas diferentes para as diversas civilizações;
assim, para os Egípcios, a transição data de cerca de 28 ou 27 séculos
antes da nossa era; para os Romanos, cerca dos séculos VI ou V antes da
nossa era; para os Germanos, do século V da nossa era; para certos
povos da Austrália, da Amazónia, da Papuásia, da África Central, data
do século XIX ou mesmo do século XX”91.

Ou seja, ainda hoje são identificados povos que não desenvolveram


a escrita, sendo possível identificar determinados elementos inerentes ao
desenvolvimento de regras sociais desprovidas de expressão escrita, ainda que os

91
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 31.

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diferentes estágios de desenvolvimento cultural possam apresentar diferenças


substanciais entre os diversos grupos.

Assim, entre os povos sem escrita, a fonte principal do Direito é o


costume, cuja obediência tem forte conteúdo religioso, demonstrando o alto nível
de indistinção com a crença prevalente (medo de pragas, soluções retiradas do
julgador e entregues a forças da natureza, etc.). Mas também se verifica a
obediência por fatores de inserção no grupo (opinião pública) ou, talvez, por
imposição política, com sanções muitas vezes desproporcionais, determinadas pelo
chefe (da família, do clã, da etnia, da religião) ou por um grupo de pessoas de
uma casta ou faixa etária (anciãos). Não há proporcionalidade nas sanções, que
podem envolver a morte, a mutilação, a escravidão, a sujeição a rituais
degradantes, como também a expulsão do grupo, muitas vezes conducente à
escravização por grupos inimigos ou até à morte (por inimigos ou por força da
natureza)92.

As demais fontes, embora prejudicadas pela falta de expressão


escrita, já podem ser verificadas, seja através de regras estabelecidas pelo
detentor do poder ou por grupos de pessoas, aproximando-se da noção de lei, ou
ainda, através de precedentes, onde a solução de casos anteriores serve de
parâmetro para os conflitos posteriores. Não é excluída, ainda, na experiência
histórica, a adoção de provérbios e adágios, como síntese de costumes
prevalentes numa determinada sociedade93.

Além das fontes do Direito, pode-se mesmo observar a prevalência


de determinados institutos, como a família, o clã, a união entre pessoas
(casamento), a relação entre parentes, os níveis sociais (classes, relações servis,

92
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 37.
93
Idem, p. 38.

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escravidão), os graus de apropriação dos bens, quando configuradores de uma


propriedade ou posse (com a sedentarização), bem como os mecanismos de
produção e alienação de bens (troca).

Esses usos podem ser transmitidos com o tempo, influenciando as


respectivas sociedades no seu desenvolvimento, como as sociedades matrilineares
(centradas sobre a linhagem da mãe) e patrilineares (centradas sobre a linhagem
do pai), as unidades familiares ou associativas (maiores ou menores), a
propriedade (ou posse) coletiva ou individual.

Tal compreensão, embora dificultada pela falta de documentação, é


essencial para o tratamento de grupos inseridos nas sociedades contemporâneas,
onde a preservação de culturas dizimadas no período colonial, muitas delas com
elevado grau de desenvolvimento, a despeito de não adotarem a escrita, é um dos
pontos fundamentais para a afirmação de uma sociedade mais justa. É o caso da
preservação dos direitos dos povos indígenas na América Latina, onde a
construção do respeito às tradições, aos usos e costumes dessas comunidades,
ainda hoje existentes, é fundamental para o próprio desenvolvimento humano.

19) Os povos antigos e a afirmação do Direito - Até hoje não foram


descobertos “códigos” egípcios, nem mesmo livros jurídicos. Porém, é
inquestionável que foi uma das civilizações pioneiras, na história da humanidade,
a desenvolver um sistema jurídico individualista, rompendo assim com os modelos
arcaicos94.
As primeiras expressões do Direito com base em fontes legislativas
(leis), foram estabelecidas pelos povos mesopotâmicos (Sumérios, Acadianos,

94
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 52.

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Hititas e Assírios), a partir da redação de textos jurídicos designados como


95
“códigos”, com regras minimamente abstratas .

Entre os Hebreus, segundo registros bíblicos, também é verificada


uma preocupação com o ordenamento social através de métodos jurídicos.

Na Grécia, embora não se vislumbrem grandes textos jurídicos, o


trabalho dos pensadores sintetiza aspectos ligados ao direito e à justiça.

A exemplo de outros povos antigos, como na Mesopotâmia, é


fundamental observar que os gregos e os romanos não desenvolveram uma
unidade política verdadeira96. Este fator é de fundamental importância, pois a
unidade do poder é um elemento essencial para que as regras jurídicas alcancem,
num determinado tempo e lugar, o condão de forma principal de regulamentação
social.

Por seu turno, o Império Romano, teve o condão de construir uma


unidade política, estabelecendo um sistema jurídico pujante e, sob muitos
aspectos, valioso e influente até os dias de hoje, tendo o seus momentos
culminantes nos períodos da República e do Império, especialmente nos séculos II
e III d.C., a partir do período clássico do direito romano.

De tal forma, os romanos, principalmente nos períodos clássico e


pós-classico, sintetizaram tudo o que os outros ordenamentos jurídicos da
antiguidade tinham desenvolvido, realizando um sistema jurídico inigualável até
então. Formularam regras de direito e redigiram vastos livros jurídicos, daí a sua
identificação com a própria criação da ciência jurídica, pois muito do que os

95
Idem, ibidem.
96
Jean-Louis Thireau, Introduction historique au droit, Paris: Flammarion, 2e. ed., 2003, p. 16.

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jurisconsultos romanos escreveram no passado está atualmente representado nos


97
direitos da família romano-germânica .

20) Civilizações egípcia e mesopotâmica – Como bem demonstra Justino


Adriano Farias da Silva:

“Foi na bacia mediterrânica que se formaram as civilizações mais


antigas e significativas de que temos conhecimento: a egípcia e a
mesopotâmica. A vantagem que elas levam sobre as demais, reside
justamente nos fatores geográficos que a região apresentava: duas
regiões de planícies ou de vales, às quais o clima assegurava bastante
calor, ao mesmo tempo que grandes rios vindos de regiões de
abundante pluviosidade, trazem água farta e, com ela, o húmus
necessário à fertilização. A agricultura tornou-se elemento
importantíssimo, portanto.
Nada teriam conseguido, entretanto, se não tivessem se organizado
politicamente em estados regidos por ordenamentos jurídicos bem
estruturados”98.

Quando observados a concepção kelseniana, de que o Estado é uma


ordem jurídica centralizada, podemos até questionar se o Estado é ou deve ter
uma ordem normativa centralizada, mas a centralização é um fator que não se
constrói artificialmente, o que nos conduz a afirmar que alguns fatores são
necessários à efetivação do Direito enquanto ordem normativa da sociedade.

Observam-se, aí, fatores que se conjugam, pois a regulação


normativa de uma sociedade requer que este grupo de pessoas seja estável e este
equilíbrio requer a consolidação de um modo de produção social, onde as relações
entre as pessoas representem aspectos cuja relevância requer proteção (como os
contratos: e.g., compra e venda, troca; as relações familiares: e.g., casamento,
uniões, defesa dos filhos; os regimes de transmissão de bens após a morte:

97
Idem, ibidem.
98
Justino Adriano Farias da Silva, “Notas ao Código de Hammurabi”, in Estudos Jurídicos, vol. 26, nº 68, 1993, p. 101-
102.

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regime geral de sucessão; a definição de condutas indesejáveis, qualificadas e


punidas enquanto crime; a ordenação dos procedimentos para julgamento e
efetivação de decisões etc.).

Daí a estreita relação entre a afirmação de um povo e a sua


estabilização num determinado espaço geográfico, consolidando as noções de
povo e território, dominantes num determinado momento temporal. Domínio este
que, além de expressar uma opção sedentária, um regime social e uma ordem
econômica, detém condições de fazer prevalecerem as variadas fórmulas de
ordenação social, muitas vezes atingindo um grau de independência e
coercitividade que vão caracterizar, com maior ou menor relação frente aos outros
fatores (poder, religião etc.), um ordenamento coercitivo, aplicado não como mera
expressão da força, mas como opção de preservação de valores representativos
daquela sociedade.

O mapa a seguir, desenvolvido pela Universidade Complutense de


Madrid, expressa um momento do desevolvimento dos povos mediterrânicos,
particularmente um momento em que estarão em gênese algumas das mais
relevantes experiências sociais, aquelas representativas das codificações pré-
romanas, onde já é constatada, em escalas que comportarão variações
significativas, a definição dos fatores essenciais ao florescimento do Direito
enquanto ordem de regulação da vida social:

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Mapa da Universidade Complutense de Madrid: www.ucm.es

Estas civilizações, observadas num determinado espaço geográfico,


conheceram distintos momentos históricos, dentre os quais costumam ser
destacados quatro:

a) período pré-sargônico (final do IV e início do III milênio


a.C.): transformação social significativa (revolução urbana), com
a afirmação dos sumérios e surgimento das primeiras cidades,
desenvolvimento de técnicas de irrigação e invenção da escrita,
com uma ordem política teocrática, onde os modos de produção
eram detidos principalmente pelos templos, responsáveis pelo
desenvolvimento e distribuição da produção;

b) período sargônico (iniciado aproximadamente em 2.340


a.C.): caracterizado pela perda de poder dos templos e
fortalecimento do palácio real, com o desenvolvimento mais nítido

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da propriedade privada e elementos que demonstram uma


preocupação com a execução de obras públicas;

c) período da terceira dinastia de Ur: a superação de um


período de anarquia consolidou a prevalência de Ur, onde a
propriedade e a centralização do poder já são visíveis;

d) período babilônico: A destruição de Ur (2.003 a.C.) pelos


elamitas modificou a ordem social, gerando uma ordem de
pessoas livres, com direitos subjetivos, cidadãos (awilum), com
poder e influência, indiscutivelmente se trata do momento de
maior desenvolvimento econômico e social, onde se expressarão
os momentos mais significativos da experiência jurídica99.

Neste último momento é que nós verificaremos a ascenção de


Hammurabi ao trono de Babel (1.792 a.C.), com a implantação de um modelo
administrativo singular, com forte influência no desenvolvimento econômico e
social, práticas militares também inovadoras, na medida em que deixa de destruir
cidades e erradicar povos, absorvendo a experiência das civilizações conquistadas,
diferentemente de outros povos, como os acadianos, mas gerando uma regulação
muito mais detalhada e uma forma de expressão das regras sociais que se
apresenta através de um ‘código’ (Código de Hammurabi) cujo nível de
detalhamento é singular. Pois será Hammurabi, um líder em ascenção, vindo de
uma região menos influente no período que, com a sua habilidade militar,
diplomática, administrativa e política, desenvolverá um documento que
influenciará a humanidade na construção de uma concepção jurídica até então
não conhecida.

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21) Direito no Egito - Como ponto principal do Direito no Egito, devemos ter
ciência de que a evolução jurídica daquele povo está estreitamente ligada à
evolução política. De forma simplificada e como forma de exemplo, podemos
concluir que quando o faraó tinha o poder (período imperial), o Direito ascendia e
quando este o perdia (períodos intermediários), a evolução jurídica decaía.

Historicamente, pode-se afirmar que por volta do ano 5.000 a.C,


época em que ainda não existiam os faraós, conhecida como período “pré-
dinástico”, a sociedade era constituída basicamente por clãs, os quais,
posteriormente, sedentarizaram-a, criando aldeias-estado.

As aldeias-estado formaram províncias que viriam a constituir os


reinos do Alto e do Baixo Egito.

Por volta do ano 3.000 a.C. surgiram as primeiras dinastias, quando


os reinos foram unificados. É desta época o surgimento da escrita e o calendário.

As instituições egípcias foram fortemente marcadas pela alternância


de períodos individualistas. Tal realidade pode ser observada nos períodos:

a) imperiais, com significativa concentração de poder e garantia da


livre disposição de bens e de direitos subjetivos, além de uma
marcante distinção entre sociedade civil e Estado; e,
b) intermediários, nos quais uma ordem feudal se afirmava, sem
um distinção clara entre sociedade civil e Estado, com marcante
influência sobre o ordenamento jurídico100.

99
100
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 53.

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Não foram localizadas leis egípcias específicas, porém o


conhecimento que temos do direito egípcio se baseia numa ampla gama de atos
jurídicos práticos como contratos, testamentos, decisões judiciárias e atos
administrativos, entre outros, e que em muitos destes documentos são referidas
leis.

Este conjunto de atos jurídicos já representa uma sociedade onde o


grau de desenvolvimento do Direito é considerável, na medida em que o conunto
de situações regulamentadas apresenta uma inquestionável individualização das
relações jurídicas e uma importante vinculação aos atos dos tribunais que surgem
como expressão da prestação jurisdicional.

A despeito dessa realidade e mesmo da possibilidade de que sejam


localizados textos legais, há uma clara gravitação entre modelos mais e menos
desenvolvidos de ordenamento jurídico no curso dos períodos imperiais e
intermédios.

21.1) Antigo Império - No Antigo Império, a monarquia torna-se


unitária e poderosa e o direito privado apresenta certo individualismo devido ao
desenvolvimento da economia de trocas.

Há um estado jurídico próximo ao dos romanos e ao que


conhecemos hoje, havendo o individuo isolado em face do poder com liberdade
101
real para dispor de sua pessoa e de seus bens .

Foi o primeiro sistema jurídico desenvolvido que se tem noticia, com


todo o poder vinculado à pessoa do rei, que governa com seus funcionários
102
(remunerados) agrupados em Departamentos .

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Nesta época, há tribunais organizados pelo rei, nos quais o processo


103
é escrito, ainda que de forma parcial .

Conforme já referido, em que pese não existam provas concretas de


sua existência, sabe-se que a lei provavelmente tenha sido a principal fonte de
104
direito, sendo promulgada pelo rei após parecer de um Conselho de legislação .

Neste período, houve um direito público disciplinador e um direito


privado individualista (habitantes iguais perante si, ainda que prisioneiros de
105
guerra fossem escravizados) .

Como curiosidade da época, temos que na sociedade egípcia da


época o marido e mulher são colocados em pé de igualdade. Os bens são
alienáveis e a pequena propriedade domina, havendo o desenvolvimento de
106
diversos contratos tais como a venda, o arrendamento e a doação .

21.2) Primeiro período senhorial - Com o fim da V Dinastia


Egípcia, há a formação de uma oligarquia social baseada em nobreza sacerdotal,
evoluindo-se para um regime senhorial 107.

Separadas do poder central, diversas províncias desenvolveram um


sistema feudal, ainda que algumas cidades do Delta conservem o direito
108
individualista do período anterior .

101
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed.,1995, p. 53.
102
Idem, ibidem.
103
Idem, ibidem.
104
Idem, p. 54.
105
Idem, ibidem.
106
Idem, pág. 55.
107
Idem, ibidem.
108
Idem, ibidem.

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Em razão desta situação, os contratos tornam-se escassos e algumas


terras tornam-se inalienáveis. Da mesma forma, ao contrário do ocorrido no
Antigo Império, reforça-se o poder paternal e marital, introduzindo-se o direito à
109
primogenitura e o privilégio de masculinidade .

21.3) Médio império - Com a XII Dinastia, há o renascimento do


poder central com a reunificação do Egito, com o conseqüente direito
110
individualista renovado .

Afirma-se que no século XVI a.C. há um sistema jurídico semelhante


ao do antigo Império tanto no direito público como no privado, preponderando a
lei, a igualdade jurídica dos habitantes, inclusive entre filhos e filhas,
111
desaparecendo a escravidão .

21.4) Segundo período intermediário - As evoluções ocorridas


no Médio Império retrocedem em razão das invasões dos Hicsos, bem como por
influência do clero.

21.5) Novo império - Este período caracteriza-se por ser um


terceiro ciclo ascendente da evolução do direito egícpio, retornando a um estado
tal como o do Antigo Império, porém com mais avanços como a completa
capacidade jurídica das mulheres e a igualdade jurídica entre filhos e filhas no que
se refere à matéria de sucessão.

109
Idem, ibidem.
110
Idem, ibidem.
111
Idem, pág. 56.

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Existe uma grande evolução jurídica neste período devido à maior


liberdade e a maior produção agrícola, além de sabermos que houve uma forte
organização administrativa e judiciária.

22) Direitos Cuneiformes – Não houve, na Mesopotâmia, a exemplo de várias


sociedades da antiguidade, uma centralização e permanência do poder nos
aspectos temporal e geográfico, porém, os povos daquela região são responsáveis
pelo desenvolvimento dos primeiros textos legais conhecidos até a atualidade,
designados, a exemplo do que ocorre na atualidade, embora com distinções
significativas, como ‘códigos’.

Como já foi observado, o Código de Hammurabi não é o primeiro


texto jurídico conhecido, embora seja o mais influente, portanto, devemos citar os
textos jurídicos mais antigos de que se tem conhecimento:

 Código de Ur-Nammu, na Suméria, com 32 artigos,


aproximadamente do ano de 2.040 a.C., com relação a este texto
paira uma discussão tendente à afirmação de que foi Shulgi quem
decretou o Código e não Ur-Nammu;

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 Código de Eshnunna (1.930 a.C);

 Código de Lipit-Ishtar (1880 a.C);


 Código de Hammurabi, apontado como o mais importante
monumento jurídico da antigüidade, com 282 artigos112.

Imagens: www.smith.edu
O Código de Hammurabi, hoje exposto no Louvre, é um bloco de 2,25 m de altura e 1,90 de circunferência na
base, na parte superior está a imagem de Hammurabi, na parte inferior está o texto, com 46 linhas e 3.600 linhas.

Embora não seja o texto legal mais antigo de sua época, como já
demonstramos, o texto do reinado de Hammurabi é representativo de uma
perspectiva transformadora113.

112
O conteúdo e outros elementos referentes ao Código de Hammurabi podem ser observados no seguinte site:
http://paginas.terra.com.br/arte/hammurabi/prologo.html.

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HAMMURABI (1726-1686 a.C.)114

HAMMURABI – Sucedendo seu pai, Sin-Muballit,


Hammurabi sucedeu seu pai em 1792 a.C., com um
poder limitado em função das disputas na região da
Mesopotâmia, mas com habilidade conseguiu manter
sua autonomia, aproveitando a política de pactos e
alianças dos reis contemporâneos. Revelando-se um
grande conquistador e estrategista, Hammurabi
conseguiu expandir a sua esfera de influência, mas
também se revelou um grande administrador,
regulando as margens do Eufrates, construindo
canais, incrementou a navegação, a agricultura e o
comércio, também se dedicou a reconstruir as
cidades vencidas, reedificando e ornamentando seus
templos e assim captando a confiança dos vencidos.
Mas as suas habilidades de gestor se revelaram na
busca pela implementação do Direito em seu país,
enquanto instrumento de unidade interna, mas
também revelando-o como um monarca do Oriente
antigo dedicado à afirmação da justiça.
imagem: http://www.globalsecurity.org

A área de influência política de Hammurabi na região pode ser


observada a partir do seguinte mapa:

imagem: www.ucm.es

113
Há uma tradução disponível na internet: http://paginas.terra.com.br/arte/hammurabi/index.html.
114
Emanuel Bouzon, O Código de Hammurabi, Introdução, Petrópolis: Vozes, 8ª. ed., 2000, p. 15 et seq.

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O Código de Hammurabi desenvolveu um sistema jurídico


bastante aprimorado, sobretudo no que tange ao direito privado, regrando
hipóteses de venda, arrendamento, depósito, empréstimo a juros, contrato social
etc. O direito obrigacional, embora não apresente uma teoria abstrata, já revela
aspectos importantes, embora guarde relação com o direito anterior em alguns
aspectos, como a utilização da filha como garantia e a possibilidade de tomar
outra mulher caso a esposa fosse estéril.

Em seu prólogo, é mantida a tradição de legitimação divina das leis,


prática verificada ao longo dos tempos115, como demonstração de uma
pressuposição necessária ao direito posto pelo detentor do poder116.

115
Jayme de Altavila menciona que tal realidade é preservada inclusive em Portugal, como se observa através do
‘Prólogo e Lei de Confirmação’ das Ordenações do Reino, em 1643, por D. João IV (Origem dos direitos dos povos. São
Paulo: Ícone, 1997, p. 38.
116
“Quando Anu o Sublime, Rei dos Anunaki, e Bel, o senhor dos céus e da terra, decretaram o destino da terra,
assinalaram a Marduk , o todo-poderoso filho de Ea, deus de tudo o que é direito, o domínio sobre a humanidade,
fazendo dele grande entre os Igigi. Eles chamaram a Babilônia por seu nome ilustre, fizeram-na grande na terra, e
fundaram nela um reino perene, cujas fundações são tão sólidas quanto as do céu e da terra. Então Anu e Bel chamaram
por meu nome, Hammurabi, o príncipe exaltado, que temia a deus, para trazer a justiça na terra, destruir os maus e
criminosos, para que os fortes não ferissem os fracos; para que eu dominasse os povos das cabeças escuras como
Shamash, e trouxesse esclarecimento à terra, para assegurar o bem-estar da humanidade.
Hammurabi, o príncipe de Bel sou eu, chamado por Bel sou eu, fazedor e promotor de riquezas, que favorece Nipur e
Dur-ilu, sublime patrono do E-kur; que restabeleceu Eridu e purificou a adoração do E-apsu; que conquistou os quatro
quadrantes do mundo, que fez grande o nome da Babilônia, que alegrou o coração de Marduk, seu deus a quem
diariamente presta suas devoções em Sagila; descendente real de Sin, que enriqueceu Ur, o humilde e reverente que leva
riquezas ao Gish-shir-gal; o rei branco, escuta de Shamash, o poderoso, que fez novamente as fundações de Sipar; que
revestiu de verde as pedras tumulares de Malkat; que fez grande o E-babar, que é tal qual os céus, o guerreiro que
guardou Larsa e renovou o E-babar, tendo a ajuda de Shamash.
O senhor que garantiu nova vida a Uruk, que trouxe água abundante para seus habitantes, que levantou o topo de Eana,
e assim aperfeiçoou a beleza de Anu e Inana; escudo da terra, que reuniu os habitantes espalhados de Isin; que colocou
muitas riquezas ao E-gal-mach; o rei protetor da cidade, irmão do deus Zamama; que com firmeza fundou as fazendas
de Kish, coroou de glória o E-me-te-ursag, dobrou os grandes tesouros sagrados de Nana, administrou o templo de
Harsag-kalama; a cova do inimigo, cuja ajuda sempre traz a vitória; que aumentou o poder Cuthah; adorado do deus
Nabu, que dá alegria aos habitantes de Borsippa, a Sublime; o que não se cansa por E-zida; o rei divino da cidade; o
Claro, o Sábio, que ampliou os campos de Dilbat, que fez as colheitas por Urash.
O Poderoso, o senhor a quem o cetro e a coroa foram destinados, e que se cobre com os trajes da realeza; o eleito de
Ma-ma; que fixou os limites do templo de Kish, que bem dotou as festas sagradas de Nintur; o provedor solícito que
forneceu alimentos e bebidas para Lagash e Girsu, que ofereceu grandes oferendas de sacrifício para Ningirsu; que
capturou o inimigo, o Eleito do oráculo que cumpriu a predição de Hallab, que alegra o coração de Anunit; o príncipe
puro, cuja prece é aceita por Adad; que satisfez o coração de Adad, o guerreiro, em Karkar, que restaurou os vasos de
adoração no Eudgalgal; o rei que deu vida à cidade de Adad; o guia de Emach; o rei principesco da cidade, o guerreiro
irresistível, que deu vida aos habitantes de Mashkanshabri, e trouxe abundância ao templo de Shidlam.
O Claro, Potente que penetrou na caverna secreta dos bandidos, salvou os habitantes de Malka da desgraça, e fixou os
lares deste povo na abundância; que estabeleceu presentes de sacrifício puros para Ea e sua amada Dam-gal-nun-na,
que fez seu reino grande para sempre; o rei principesco da cidade, que sujeitou os distritos do canal sobre o Ud-kib-nun-
na Canal à vontade de Dagon, seu Criador; que poupou os habitantes de Mera e Tutul; o príncipe sublime que faz a face
de Nini brilhar; que apresentou refeições sagradas à divindade de Ninazu, que cuidou de povo e das necessidades deste,

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O Código de Hammurabi desenvolveu um sistema jurídico bastante


aprimorado, sobretudo no que tange ao direito privado, regrando hipóteses de
venda, arrendamento, depósito, empréstimo a juros, contrato social etc.

Além de tais aspectos, observa-se o desenvolvimento de sistemas


mais complexos de prestação jurisdicional, com a criação de tribunais, ainda não
representados por agentes dedicados integralmente ao Direito, mas por
sacerdotes e agentes laicos. Em tal contexto, verifica-se também o surgimento de
mecanismos recursais, seja através de uma câmara de apelações onde oficiavam
juízes do rei e mesmo pela possibilidade, em última instância, de recorrer ao
próprio rei117.

O direito obrigacional, embora não apresente uma teoria abstrata, já


revela aspectos importantes, embora guarde relação com o direito anterior em
alguns aspectos, como a utilização da filha como garantia e a possibilidade de
tomar outra mulher caso a esposa fosse estéril.

Dentre os pontos relevantes do Código de Hammurabi encontra-se o


desenvolvimento da Lei de Talião, conhecida pela noção “olho por olho, dente por
dente”, uma concepção que atualmente não pderia nos seduzir, mas que marca
uma individualização da responsabilidade, com significativa evolução no
tratamento jurídico para os parâmetros da antigüidade, inaugurando uma

que deu a eles um pouco da paz babilônica; o pastor dos oprimidos e dos escravos; cujos feitos encontram favor frente
aos Anunaki no templo de Dumash no subúrbio da Acádia; que reconhece o direito, que governa pela lei, que devolveu à
cidade de Assur seu deus protetor; que deixou o nome de Ishtar de Nínive permanecer em E-mish-mish.
O Sublime, que reverentemente se curva frente aos grandes deuses; sucessor de Sumula-il; o poderoso filho de Sin-
muballit; o escudo real da Eternidade; o poderosos monarca, o sol da Babilônia, cujos raios lançam luz sobre a terra da
Suméria e Acádia; o rei, obedecido pelos quatro quadrantes do mundo, adorado de Nini sou eu. Quando Marduk
concedeu-me o poder de governar sobre os homens, para dar proteção de direito à terra, eu o fiz de forma justa e
correta... e trouxe o bem-estar aos oprimidos”. (http://paginas.terra.com.br/arte/hammurabi/prologo.html).
117
Justino Adriano Farias da Silva, “Notas ao Código de Hammurabi”, cit., p. 104.

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concepção de proporcionalidade, ainda que absoluta e até exótica sob as lentes do


presente.

A Lei de Talião é muito significativa na observação daquelas noções


que serão desenvolvidas como expressões da responsabilidade, que tanto naquele
período quanto mais tarde, entre os romanos, não apresentará significativa
distinção no tocante aos planos civil e penal (divisão afirmada na modernidade).

As regras de talião ficam bem claras já no início do texto de


Hammurabi:

Ҥ 1
Se um awîlum acusou um (outro) awîlum e lançou sobre ele (suspeita de) morte mas não pôde
comprovar: o seu acusador será morto”.
§2
Se um awîlum lançou contra um (outro) awîlum (uma acusação de) feitiçaria mas não pôde
comprovar: aquele contra quem foi lançada (a acusação de) feitiçaria irá ao rio e mergulhará
no rio. Se o rio o dominar, seu acusador tomará para si sua casa. Se o rio purificar aquele
awîlum e ele sair ileso: aquele que lançou sobre ele (a acusação de) feitiçaria será morto e o
que mergulhou no rio tomará para si a casa de seu acusador.
(...)”

No plano da responsabilidade já são observadas regras com


formulação mais abstrata, bem como o desenvolvimento de noções de proteção
dos vizinhos frente aos danos causados por animais ou coisas sob a
responsabilidade de um terceiro.

Uma outra esfera significativa é observada na proteção contratual,


onde se constata a clara percepção de que a proteção e regulamentação dos
negócios jurídicos entre as pessoas é um fator essencial ao desenvolvimento.

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Esta influência do Direito no desenvolvimento econômico é


118
facilmente percebida nas palavras de MAX WEBER :

imagem e informações sobre Max Weber: http://www.faculty.rsu.edu/%7Efelwell/Theorists/Weber/Whome.htm

“Sin embargo, los bancos de la Antigüedad sólo excepcionalmente eran empresas privadas. Éstas tenían
que sufrir uma ruda competencia por parte de los templos y de los bancos del Estado.
Los templos antiguos funcionaron al principio como cajas de depósito. Ésta era su primordial misión
como bancos; en cuanto cajas de depósitos de los templos eran bienes sagrados, y quien ponía la mano
sobre ellos cometía un sacrilegio. El templo de Delfos era un lugar de custodia de tesoros para numerosos
particulares y especialmente la caja de ahorros típica de los esclavos. Abundantes inscripciones
atestiguaban que el dios había comprado la libertad de los esclavos; en realidd, la manumisión se había
logrado com los ahorros de los esclavos, quienes los habían confiado al templo para su custodia y para
sustraerlos a la codicia del dueño. Exactamente la misma función de cajas de depósito desempeñaron
otros varios templos en Babilonia, Egipto y Grecia, mientras que en Roma volvieron a perder muy
pronto la condición de cajas de depósito. Por esta razón los templos de la Antigüedad fueron también
grandes prestamistas particulares. El prestamista en gran escala se encontra ya sin duda en el Código de
Hamurabí. Pero, en general, el templo era el lugar oficial de custodia de dinero y el otorgante de
préstamos particulares y empréstimos públicos. Desempeñan este papel: en Babilonia, el templo del dios
solar en Sippar; en Egipto, el de ammon; la caja de Estado de la Liga marítima griega era el templo de
Atenea. La banca privada tenía otros competidores en los bancos del Estado. La nacionalización de
la banca, cuando se produjo, no debió su origen, como en la Edad Media, a la mala administración
(quiebras) de los banqueros particulares, sino que se debió a razones fiscales. Las operaciones de cambio
se habían convertido en uma actividad muy lucrativa, y, además, por razones políticas, se consideraba
ventajoso controlar el mayor número posible de depósitos de particulares. En casi todas las ciudades
helenísticas, y muy especialmente en las de los Tolomeos de Egipto, existió, por este motivo, un monopolio
bancario ral. sin embargo, estas fundaciones nada tenívan que ver com las funciones de los modernos
bancos del Estado: emisión de billetes, regulación del patrón monetario, política monetaria; eran pues,
istituciones puramente fiscales. Revélase el poder extraordinario de la clase capitalista de los caballeros
romanos, por la circunstancia de que éstos lograron impedir que el Estado implantase en la banca un
monopólio semejante” (grifamos).

A regulamentação da produção agrária também é um elemento


essencial, que será preservado e detalhado nos Códigos novecentistas
(modernos), expressão de uma ordem social e econômica que se afirmam no
sentido da produção primária.

118
MAXIMILIAN WEBER (1864-1920) – Economista político e sociólogo alemão, fundador dos estudos modernos de
sociologia e pesquisador da administração pública. A obra citada é: Historia Económica General, México: FCE, 1997, p.
223-224.

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Por seu turno, como forma de preservação dos valores daquela


sociedade, é inequívoca a proteção da família, a partir de regras relativas ao poder
familiar, ao casamento e ao divórcio, ao adultério, dentre outros fatores.

No plano de assistência e preservação da segurança, dois preceitos


muito significativos demonstram um nível de proteção muito elevado, pois,
enquanto o § 22119 determina que a pena para o assalto é a morte, os dois
dispositivos seguintes atribuem à cidade (Estado, Palácio), o dever de indenizar no
caso de não serem solucionados, respectivamente o assalto ou a morte, como se
observa abaixo:

Ҥ 23
Se o assaltante não foi preso, o awîlum assaltado declarará diante de deus todos os seus
objetos perdidos; a cidade e o rabiãnum, em cuja terra e distrito foi cometido o assalto o
indenizarão por todos os objetos perdidos.
§ 24
Se foi uma vida (o que se perdeu), a cidade e o rabiãnum pesarão uma mina de prata para a
sua família”.

Portanto, podemos identificar no Código de Hammurabi a fonte


histórica mais aproximada das noções contemporâneas de proteção jurídica da
sociedade, fruto de um desenvolvimento econômico e social genuínos, que
evidencia o auge de um determinado período e influencia as concepções jurídicas
que serão desenvolvidas a partir da antiguidade para se afirmarem na experiência
social posterior, com ênfase para a experiência romana, o seu renascimento e a
gestação dos Códigos e das Constituições que expressam a experiência jurídica
moderna e nos desafiam quando examinamos as sociedades pós-modernas.

119
“§ 22. Se um awîlum cometeu um assalto e foi preso: esse awîlum será morto”.

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c) Direito Hebraico

23) Formação do povo hebreu e desenvolvimento do Direito – Constituído


por tribos nômades, o povo hebreu, beneficiário do pacto com Jeová (Yhvh,
Deus), por meio do patriarca Abrahão, gerou uma ordem moral baseada no poder
divino, representado por uma religião monoteísta, regendo o povo judeu até o
cativeiro no Egito120.

Se as características do direito dos hebreus não demonstram um


considerável avanço, como será observado com relação aos romanos, não é
menos certo que a influência das religiões daquele povo derivadas condicionará
substancialmente a cultura ocidental, pois o povo hebreu, especialmente os
cristãos, conquistará os seus conquistadores romanos e formulará uma série de
preceitos que constituirão o direito moderno.

Radicado na Mesopotâmia, Abrahão (aproximadamente 2.100 a.C.)


teria recebido uma mensagem divina, para que abandonasse a sua terra (Ur, na
Caldéia), buscando o local onde seria ‘fundado’ o povo de Deus, Canaã na
Palestina.

Abrahão foi sucedido por seu filho Isaac e posteriormente por seu
neto, Jacob, que teve 12 filhos, dentre os quais José, vendido ao faraó egípcio
como escravo, que com base no seu talento se tornou Governador e homem de
confiança do faraó, incentivando o comércio com os hebreus e o desenvolvimento
do seu povo.

120
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1995, pág. 66.
Sobre o assunto: “Elle doit retenir l’attention car, grâce à la diffusion de la Bibble, cette monarchie va donner beaucoup
plus tard, au haut Moyen âge, des références dans tout l’Occident chrétien. On en reiterera deux leçons: d’une part, le
caractère trés religieux do pouvoir royal, qui fournira aux Caroligiens le modèle d’une societé véritablement
théocratique (quoique l’exemple de Melchisédech, roi et prêtre, soit exceptionnel) et, d’autre part, et comme le montre la
rouauté de David, l’idée qu’un pacte lie le roi et le peuple: cette référence contractuelle aura un gran écho” (André
Castaldo, Introduction historique au droit, Paris: Dalloz, 2e. ed. 2003, p. 2).

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No período posterior a Abraão, os conflitos com vizinhos e uma


considerável seca levou o povo hebreu a migrar para o Egito, onde permaneceria
por mais de 400 anos.

Porém, o fortalecimento dos hebreus passou a representar um risco


para os egípcios, que os reduziram à escravidão. Mas, além de tal medida, por
determinação do faraó egípcio, como forma de controlar o povo hebreu, foi
determinada a morte dos filhos varões, apenas preservando-se a vida das filhas
mulheres.

Seria justamente um desses bebês destinados à morte o destinado à


libertação do povo hebreu, pois seus pais, o tendo escondido dos egípcios por três
meses, quando não mais poderiam preservar a vida do bebê, colocaram-no numa
cesta e o jogaram ao Nilo. Nesse percurso, ao ouvir um choro de bebê, a filha do
faraó viu o cesto boiando, resgatando o menino e dando-lhe o nome de Moisés,
‘nascido das águas’, sob tal proteção cresce e forja os talentos para uma missão
muito importante.

Moisés representado por Michelangelo


Vaticano
direitos reservados

Moisés (Móshe, ‫מֹׁשה‬,


ֶ Mōšeh, ‫ىسوم‬, Mūsa, Musse) , é o
líder do Êxodo, conduzindo o povo hebreu do cativeiro no Egito para a Terra

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Prometida121, firmando o novo pacto através do decálogo, recebido no Monte


Sinai122.

A Moisés é atribuída a autoria do Pentateuco, composto dos


seguintes livros: Gênesis, Êxodo, Levitício, Números e Deuteronômio. Os judeus
têm, portanto, em Moisés o seu principal legislador.

Quando observamos as regras contidas no Êxodo verificamos um


conjunto de regras muito aproximado das regras constantes do Código de
Hammurabi, com regras que também afirmam proporcionalidade aos moldes de
talião, como a regra da vida por vida (Ex, 21, 12)123.

121
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1995, pág. 66.
122
20 OS DEZ MANDAMENTOS - 1Então Deus pronunciou todas estas palavras:2"Eu sou o Senhor teu Deus, que te
fez sair do Egito, da casa da servidão. 3Não terás outros deuses diante de minha face. 4Não farás para ti escultura, nem
figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra.* 5Não te
prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos
pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, 6mas uso de misericórdia até a milésima geração com
aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. 7"Não pronunciarás o nome de Javé, teu Deus, em prova de
falsidade, porque o Senhor não deixa impune aquele que pronuncia o seu nome em favor do erro. 8Lembra-te de santificar
o dia de sábado.* 9Trabalharás durante seis dias, e farás toda a tua obra. 10Mas no sétimo dia, que é um repouso em honra
do Senhor, teu Deus, não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem
teu animal, nem o estrangeiro que está dentro de teus muros. 11Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e
tudo o que contêm, e repousou no sétimo dia; e por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o consagrou. 12Honra teu
pai e tua mãe, para que teus dias se prolonguem sobre a terra que te dá o Senhor, teu Deus. 13Não matarás.* 14Não
cometerás adultério.* 15Não furtarás. 16Não levantarás falso testemunho contra teu próximo. 17Não cobiçarás a casa do teu
próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem
nada do que lhe pertence."* 18Diante dos trovões, das chamas, da voz da trombeta e do monte que fumegava, o povo
tremia e conservava-se à distância. 19E disseram a Moisés: "Fala-nos tu mesmo, e te ouviremos; mas não nos fale Deus,
para que não morramos." 20Moisés respondeu-lhes: "Não temais, porque é para vos provar que Deus veio e para que o seu
temor, sempre presente aos vossos olhos, vos preserve de pecar". 21E o povo conservou-se à distância, enquanto Moisés
se aproximava da nuvem onde se encontrava Deus. 22O Senhor disse a Moisés: "Eis o que dirás aos israelitas: vistes que
vos falei dos céus. 23Não fareis deuses de prata, nem deuses de ouro para pôr ao meu lado. 24Tu me levantarás um altar de
terra, sobre o qual oferecerás teus holocaustos e teus sacrifícios pacíficos, tuas ovelhas e teus bois. Em todo lugar onde eu
fizer recordar o meu nome, virei a ti para te abençoar.* 25Se me levantares um altar de pedra, não o construirás de pedras
talhadas, pois levantando o cinzel sobre a pedra, tê-la-ás profanado. 26Não subirás ao meu altar por degraus, para que se
não descubra a tua nudez."
123
Algumas regras básicas podem ser verificadas nos capítulos 21 et seq. do Êxodo, e.g.: “211"Estas são as leis que
exporás (aos israelitas):2quando comprares um escravo hebreu, ele servirá seis anos; no sétimo sairá livre, sem pagar
nada. 3Se entrou sozinho, sozinho sairá; se tiver mulher, sua mulher partirá com ele. 4Mas, se foi o seu senhor que lhe
deu uma mulher, e esta deu à luz filhos e filhas, a mulher e seus filhos serão propriedade do senhor, e ele partirá
sozinho. 5Porém, se o escravo disser: æEu amo meu senhor, minha mulher e meus filhos; não quero ser alforriadoÆ,
6
seu senhor o levará então diante de Deus e o fará aproximar-se do batente ou da ombreira da porta, e furar-lhe-á a
orelha com uma sovela; desta sorte o escravo estará para sempre a seu serviço.* 7Se um homem tiver vendido sua filha
para ser escrava, ela não sairá em liberdade nas mesmas condições que o escravo. 8Se desagradar ao seu senhor, que a
havia destinado para si, ele a fará resgatar; mas não poderá vendê-la a estrangeiros depois de lhe ter sido infiel. 9Se a
destinar ao seu filho, tratá-la-á segundo o direito das filhas. 10Se tomar outra mulher, não diminuirá nada à primeira,
quanto à alimentação, aos vestidos e ao direito conjugal. 11Se lhe recusar uma destas três coisas, ela poderá partir livre,

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Segundo Gilissen, o Povo hebreu entende que aquele Direito é dado


por Deus, sendo, portanto, imutável. Os rabi (Mestres) são os intérpretes
autênticos deste Direito, com poderes adaptá-lo à evolução social, mas não para
124
modificá-lo .

Vicente Ráo salienta que:

“A lei de Moisés, primeira lei escrita no direito hebraico, remonta à época da constituição
nacional do povo de Israel, a qual se inicia com o êxodo do Egito e a revelação mosaica (cerca
de 1500 anos antes da era cristã). Ela não trouxe inovações radicais, antes aceitou e
sancionou uma parte dos costumes e das leis que devem ter vigorado entre os hebreus nas
épocas anteriores, naquela fase incipiente da civilização hebraica, quando ainda não existia o
conceito de povo ou nação, mas sim o de família (Abraão) e de tribo, quando a vida era
simples, cingida às atividades agropastoris e à forma mais rudimentar do comércio. Essa
simplicidade se reflete poderosamente na lei mosaica, cuja virtude principal reside no fato de
ter transformado num verdadeiro código as normas não escritas da primitiva sociedade de
nômades. Em artigos simples, breves e precisos, estabelece o Pentatêuco normas de conduta
para uma sociedade que já tem uma sede territorial e uma ordem estatal, ao menos em
formação. São normas que regulam a legislação do trabalho (a escravidão ou servidão, o
repouso semanal obrigatório), a propriedade, o homicídio, o furto, a lesão corporal, o incêndio,

gratuitamente, sem pagar nada." 12"Aquele que ferir mortalmente um homem, será morto. 13Porém, se nada premeditou,
e Deus o fez cair em suas mãos, eu lhe fixarei um lugar onde possa refugiar-se.* 14Mas, se alguém, por maldade, armar
ciladas para matar o seu próximo, tirá-lo-ás até mesmo do meu altar, para matá-lo. 15Aquele que ferir seu pai ou sua
mãe, será morto. 16Aquele que furtar um homem, e o tiver vendido, ou se este for encontrado em suas mãos, será morto.
17
Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe, será punido de morte.* 18Quando, em uma contenda entre dois homens, um dos
dois ferir o outro com uma pedra ou com o punho, sem matá-lo, mas o obrigar a ficar de cama, 19aquele que feriu não
será punido, se o outro se levantar e puder passear fora com seu bastão. Mas indenizá-lo-á pelo tempo que perdeu e os
remédios que gastou. 20Se um homem ferir seu escravo ou sua escrava com um bastão, de modo que ele morra sob sua
mão, será punido. 21Se o escravo, porém, sobreviver um dia ou dois, não será punido, porque ele é propriedade do seu
senhor. 22Se homens brigarem, e acontecer que venham a ferir uma mulher grávida, e esta der à luz sem nenhum dano,
eles serão passíveis de uma indenização imposta pelo marido da mulher, e que pagarão diante dos juízes. 23Mas, se
houver outros danos, urge dar vida por vida, 24olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, 25queimadura
por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.* 26Se um homem, ferindo seu escravo ou sua escrava, atinge-lhe o
olho e o faz perdê-lo, deixá-lo-á ir livre em compensação de seu olho. 27E, se lhe deitar fora um dente, deixá-lo-á ir livre
em compensação do dente. 28Se um boi ferir mortalmente um homem ou uma mulher com as pontas dos chifres, será
apedrejado e não se comerá a sua carne; mas o dono do boi não será punido. 29Porém, se o boi era já acostumado a dar
chifradas, e o dono, tendo sido avisado, não o vigiou, o boi será apedrejado, se matar um homem ou uma mulher, e seu
dono também morrerá. 30Se, para resgatar sua vida, lhe for imposta uma quitação, ele deverá dar todo o preço que lhe
tiver sido imposto. 31Se o boi ferir um filho ou uma filha, aplicar-se-á a mesma lei. 32Mas, se ferir um escravo ou uma
escrava, pagar-se-á ao seu senhor trinta siclos de prata, e o boi será apedrejado. 33Se alguém deixar uma cisterna
aberta ou cavar uma sem cobri-la, e nela cair um boi ou um jumento, o proprietário da cisterna pagará uma
indenização: 34reembolsará em dinheiro o proprietário do animal morto, e este será seu. 35Se o boi de alguém der uma
chifrada no boi de um outro, e este vier a morrer, venderão o boi vivo e repartirão o valor: repartirão igualmente o boi
morto. 36Mas, se o boi era já acostumado a dar chifradas, seu dono, que não o vigiou, pagará boi por boi, e receberá o
animal morto."
124
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1995, pág. 66.

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algo de relações internacionais, o mútuo, a calúnia, o instituto matrimonial, a assistência


social, a sucessão, o resgate, a constituição e jurisdição dos tribunais, a prova testemunhal, a
guerra.
A lei mosaica, rigidamente codificada como era, vigorou, entre os hebreus praticamente sem
modificações ou acréscimos, desde a formação do Estado judaico, através dos períodos dos
Juízes e dos Reis, até a destruição do primeiro Templo pelos babilônicos (586 A.C.)”125.

No cativeiro babilônico, os hebreus desenvolvem um novo direito, o


direito oral, em um período no qual eles entram em contato com vários povos, os
persas, os gregos e os romanos, com uma considerável modificação das condições
de vida, com um forte intercâmbio comercial. Neste momento tem início o
processo de criação do direito oral, que iria se perfectibilizar nove séculos
depois126.

Vicente Ráo menciona que se afirmam duas leis:


a) a lei oral (Thorah Cheb’al-Pé); e
b) a lei escrita (Thorah Chebikhtav)127.

A prevalência da lei escrita é inquestionável, pois era a “lei


suprema, infalível, sacrossanta”, regra que foi preservada mesmo após a
codificação da lei oral. De acordo com Vicente Ráo: “A lei oral, formada pelo
Sofrim (escritores), Anchei Haknesset Hagdolah (os homens da Grande
Assembléia) e Tanaim (sábios), teve sempre um caráter subsidiário”128.

O processo de codificação da lei oral seguiu a seguinte trajetória:


1º) Michná (Repetição), 192 d.C., obra do último Tanaim, Rabi
Iehudá Hanassí, num código considerável, abrangendo todas as
esferas do direito, da religião e da moral129;

125
RÁO, Vicente. O direito..., cit., p. 169-170.
126
RÁO, Vicente. O direito..., cit., p. 170.
127
Idem, ibidem.
128
Idem, ibidem.
129
“A Michná se divide em seis partes, das quais a primeira (Zerain – sementes), a terceira (Nachim – mulheres) e a
quarta (Neziquim – danos) constituem, por assim dizer, o corpo do direito civil: a primeira compreende as leis rurais e a

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2º) Guemaras (Aperfeiçoamento), na Palestina e na Babilônia (420


e 492 d.C.), fruto do processo de interpretação da Michná, através
das escolas de doutores (Amoraim) palestinense e babilônica,
constituindo um conjunto de comentários da primeira recolha da lei
oral; redundando, o conjunto de ambas no:

Talmud
(Estudo)

imagem: http://www.talmud.de

O Talmud é o “corpo da legislação hebraica”130.

Trata-se de um direito que tem como fonte principal a Bíblia, ou,


como adverte Vicente Ráo, “mais precisamente, naquela parte que se chama
Torah, constituída dos Cinco Livros de Moiséus (Pentatêuco). O direito hebraico
não se reporta, pela sua origem, à autoridade humana, isto é, ao legislador, mas à
autoridade divina. Por isso desconhece a distinção entre direito sacro e profano.
Uma religiosidade igual envolve todos os aspectos e os atos da vida e todos os
preceitos que governam o homem, e, pois, também os que incidem na esfera do
direito”131.

propriedade imobiliária; a terceira ocupa-se com o direito matrimonial e com o divórcio; a quarta trata de obrigações
civis, da usura, dos danos à propriedade, da sucessão, da organização dos tribunais, do processo, dos efeitos da
decisões judiciárias” (RÁO, Vicente. idem, p. 170-171).
130
RÁO, Vicente. O direito..., cit., p. 170-171.
131
RÁO, Vicente. O direito..., cit., p. 169.

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Mas o povo hebraico vai ser dividido em dois: a) Israel ao norte


(ocupado pelos Assírios em 721, a.C.); e, b) Judá, no sul, a partir de Jerusalem
(que resistiu até 586, a.C.), embora tenha sido frequentemente invadido pelos
persas, macedônios e romanos. Tal realidade é representada pelo mapa abaixo:

imagem: www.portalplanetasedna.com.ar

Pois, ao longo do tempo, estes dois povos criaram duas realidades


jurídicas, muito próximas, mas com traços próprios, como bem demonstra a
representação efetivada por Gilissen132:

132
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1995, pág. 70-71.

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Direito Hebraico Fonte Comum Direito Canônico


THORA = Lei Escrita ANTIGO TESTAMENTO Jus Divinum
PENTATEUCO:
- Gênese;
- Êxodo:
Decálogo (sécs. XVI-XII)
Código da Aliança (sécs. XII –XI)
- Levitício:
Código sacerdotal (séc. V)
- Números
- Deuteronômio (sécs. VII a V)
Lei Oral (séc. V. a.C. – séc. I Evangelhos (séc. I-II)
d.C. - Atos dos Apóstolos
Michna (séc. III) – Yebouda - Epístolas
Hanassi Patrística (sec. III-IV), textos
Guemara (séc. III – V) dos Padres da Igreja
- Palestina Coleções Canônicas
- Babilônia - Denis le Petit (sec. VI)
Talmude Decreto de Graciano
- Palestina (séc. IV) (aproximadamente 1140)
- Babilônia (séc. V) Decretais de Gregório IX
Código Maîmonide (séc. XII) (1234)
Código de Caro (séc. XVI) Corpus juris canonici (séc.
XVI).

A influência cultural dos hebreus é fortemente marcada pelos


preceitos revelados, valendo-se da solidez das instituições religiosas e da história
para, num Império Romano onde eram preservados os costumes e os
ordenamentos jurídicos dos povos conquistados, efetivamente conquistarem os
conquistadores, num processo contemporâneo à própria elaboração dos
Evangelhos e que culmina com a conversão de Constantino I (306-337 d.C.). Mas,
até o referido momento, duas civilizações terão cumprido a importante missão de
reunir os elementos fundamentais para o desenvolvimento da cultura ocidental.

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