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Dar a resposta da vida: o exemplo do Beato Maximiliano Kolbe

Freising, 1979

O teólogo francês Marc Oraison nas suas memórias conta o modo digno de reflexão no
qual ele encontrou a via ao sacerdócio a partir da medicina. Como cirurgião tinha tido diversas
ocasiões em que havia lutado contra a doença e contra a morte, e teve de experimentar em modo
sempre mais profundo os limites da arte médica e do seu poder. E então escreve: “Diante da
morte e por tudo o que eu não era capaz de fazer, se tornou sempre mais forte em mim o desejo
de tornar presente, diante da morte, a Ressurreição, ou seja, de celebrar a Missa”. Para ele,
tornar-se sacerdote não significava abandonar aquilo que visava como médico, mas antes, via a
resposta definitiva e plena à morte só na Ressurreição. Tornar presente a Ressurreição de Cristo
e nela também a nossa: isto pode se cumprir apenas em virtude do mandato sacerdotal.

Tornar presente a Ressurreição – esta expressão me voltou à mente quando, durante a


semana de Pentecostes, pude celebrar a Eucaristia com o Papa João Paulo II no campo de
concentração de Auschiwitz-Birkenau. Foi um pensamento emocionante e uma experiência
tocante, naquele lugar terrível de semeadura de morte, naquela terra de mortos, na qual quatro
milhões de pessoas tinham encontrado a morte, experimentar a presença da Ressurreição como
única resposta verdadeira e suficiente. Foi emocionante experimentar como aquele lugar que
comemora o ódio e a desumanidade se tenha transformado em um lugar de vitória do amor de
Jesus Cristo e da vida.

E só assim se torna compreensível também a oferta da vida do Padre Maximiliano Kolbe.


Torna-se evidente, de fato, que aquele seu morrer, aquele seu celebrar até o final a Missa da sua
vida, foi um sinal de esperança e de vitória porque brotava da fé na Ressurreição de Jesus Cristo,
porque a partir daquela fé se tornou presente a Ressurreição. Assim o Papa pôde considerar o
que era o lugar da maior humilhação do homem como um lugar da vitória do amor, onde a força
do amor de Jesus Cristo tinha se revelado mais forte do que toda anulação do humano.
Ficou claro para mim também a resposta a uma pergunta feita tantas vezes. Quantas
vezes, de fato, foi dito: depois de Auschwitz é possível crer em um Deus bom? E então entendi
isto: exatamente porque existe Auschwitz precisamos da fé, necessitamos da presença da
Ressurreição e da vitória do amor; só a Ressurreição pode fazer surgir à estrela da esperança que
nos permite ainda de viver.

Tornar presente a Ressurreição. Caros jovens amigos, com esta expressão, de fato, fica
descrita a natureza do sacerdócio. No seu significado mais profundo quer dizer ser autorizados
para atualizar esta realidade na terra dos mortos deste mundo, onde a morte e as suas forças
continuam a realizar a sua colheita. Quer dizer atualizar a presença da Ressurreição e dar em tal
modo a resposta da vida, uma resposta que é mais forte do que a morte.

Por isso, no mais íntimo núcleo do ministério sacerdotal, do qual hoje vocês assumem a
missão, é e permanece celebrar a Eucaristia do Senhor, atualizar no meio de nós, no Corpo e
Sangue de Jesus Cristo, a sua morte e a vitória do amor. É a partir disso e sobre este ponto que a
vida de vocês deve sempre medir-se, e é a partir daqui que vocês devem encontrar a justa
estrada. Celebrar a Eucaristia, de fato, não significa simplesmente cumprir um rito.

As orações de Ordenação dizem: “Imitamini quod tractatis” (imitai o que celebrai!). Deixem,
pois, que este evento determine a medida e o modo do ser de vocês, que isso se torne
verdadeiramente o centro mais profundo da vida de vocês.
Tornar presente a Ressurreição significa viver pessoalmente nela e dela. Isto pode
acontecer no modo justo somente se conhecemos o Ressuscitado. Quando, depois de
Pentecostes, foi preciso eleger pela primeira vez um apóstolo na Igreja, o critério fundamental foi
este: o pré-escolhido devia ter conhecido Jesus Cristo, devia ter se sentado à mesa com Ele,
devia tê-lo escutado, devia ter encontrado o Ressuscitado.

Somente se conhecemos Cristo, se percorremos juntos dele as suas estradas, se tivermos


aprendido a conhecer a sua voz, se ele fala à nossa vida, se tivermos encontrado o Ressuscitado,
somente então viveremos o mandato de tornar presente a Ressurreição no mundo de hoje.

Por isso queria exortá-los nesta hora ainda uma vez a buscar sempre novamente a
comunhão com Jesus Cristo, a viver diante d’Ele, a aprender os Seus caminhos, a escutar a Sua
voz, a colocar as mãos no Seu lado aberto. Faz parte disto também à comunhão com a Santa
Igreja. Porque somente em comunhão com os Doze e com os Setenta era possível caminhar com
Jesus.

Um Jesus buscado fora desta comunhão com a Igreja seria um Jesus inventado por nós;
Ele vive, porém, só no centro da Igreja, que é o seu Corpo. Exatamente no viver a Igreja, no crer
em comunhão com ela e assim edificá-la, encontramos o Senhor. Tornar presente a Ressurreição,
então, não significa conservar a liturgia em uma taça de vidro, mas levar continuamente, a partir
dela, a vida e o amor ao mundo, ir ao encontro das pessoas para doar-lhes vida e amor.

Quem crê na Ressurreição não precisa buscar ansiosamente a si mesmo e a própria


autorrealização e de ver se por acaso lhe escapa alguma coisa daquilo que a vida lhe oferece,
mas sabe que o seu espaço é a eternidade, e que pode dedicar-se em atitude de serviço aos
outras sem medo. A pressa que quer desfrutar até o fundo o instante, o medo que teme que
pudesse fugir algo da vida, são manifestações de um mundo que não conhece a Ressurreição. É
precisamente apegando-se ao instante atual que muitos perdem o tempo. Por isso devemos ser,
em virtude da fé na Ressurreição, homens que têm tempo, que não têm medo de não receber a
própria parte da vida, mas que, por sua vez, na grande liberdade do amor eterno, podem dedicar-
se sem ânsias ao serviço dos seus irmãos.
Também o celibato pode ser compreendido somente a partir daqui. Não deve basear-se
sobre um “não”, sobre o ceticismo ou inclusive sobre o desprezo pelas pessoas, porque então não
seria capaz de perseverar e contrariaria a intenção de Jesus Cristo. Por outro lado, o celibato
deve ser encorajamento à fidelidade, encorajamento à confiança. Deve nascer da coragem de
quem, em vistas da eternidade, ousa viver uma vida em que o amor aberto de Deus nos envolve
totalmente.

Em ocasião da minha visita à Polônia, o bispo de Katowice me contou que os seus


[seminaristas] teólogos, depois do terceiro ano de estudos, devem por um ano trabalhar em minas
ou em fábricas. E explicou que retornam todos reforçados por uma nova alegria; diante da dureza
da vida cotidiana experimentada naquele intervalo de tempo, não apenas se liberam da
mentalidade estreita de quem pretende negociar com a vocação para obter vantagem ou
comodidades, mas, sobretudo, escutam continuamente os operários repetir: “Precisamos do
sacerdote! Esperamos por ele”. E assim, eles experimentam como, na acinzentada monotonia
deste nosso tempo, uma coisa diversa, a luz da Ressurreição só pode levar a este mundo uma
alegria de festa, a qual se revela realmente necessária para viver.

Não sei se entre nós na Alemanha, se, se desenvolvesse tal estágio, se ouviria algo de
semelhante dos nossos trabalhadores. Talvez nós todos, por causa da nossa falta de fé, somos
demasiado presos à busca pelo momento, do que a vida pode ainda nos oferecer, do que o tempo
ainda nos reserva. Em verdade, temos apenas mais urgentemente a necessidade da liberdade, da
calma que deriva da fé na Ressurreição; precisamos do espaço do infinito e da luz da esperança,
que somente pode tornar livre a nossa vida. É assim o mandamento do presente momento: que
sejam testemunhas da Ressurreição: “sereis minhas testemunhas” (At 1, 8). São essas as
palavras que hoje vocês levarão.

As palavras do Senhor, porém, não são apenas um pedido, mas antes de tudo uma
promessa. São graça e dom. E assim fazem parte de tal mandamento também estas palavras: “Eu
estarei convosco todos os dias, até o final do mundo” (Mt. 28, 20). Quanto mais nos tornamos
testemunhas, mas poderemos experimentar a graça desta presença, também nos momentos
escuros. O Senhor, que os envia, possa ser a sua luz, a sua esperança, a sua realização.

Fonte: J. RATZINGER, Opera Omnia, vol. XII: Annunciatori della Parola e Servitori della vostra
gioia“, Libreria editrice Vaticana, pp. 645-649. Trad. Pe. Anderson Alves.

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