Você está na página 1de 8

CRISTINA MENEGUELLO

JULIO BENTIVOGLIO
Copyright © 2022, Cristina Meneguello & Julio Bentivoglio. (organizadores)
Copyright © 2022, Editora Milfomes.
Rua Carij6s, 720, Lj. or, Ed. Delta Center, Jardim da Penha, Vit6ria, ES, 29.060-700.
Compra direta e fale conosco: https://editoramilfontes.com.br
editor@editoramilfontcs.com.br
Brasil

Editor Chefe
Prof Dr. Bruno César N~iscimento

Conselho Editorial
Prof Dr. Alexandre de Sa Avelar (UFU) • Prof'. Dr'. Aline Trigueiro (UFES) • Prof Dr. Andre
Ricardo Vasco Vallc Pereira (UFES) • Prof Dr. Anthony Pereira (King's College, Reino Unido) •
Prof Dr. Antônio Leal Oliveira (UVV) • Prof. Dr. Arnaldo Pinto Junior (UNICAMP) • Prof Dr.
Arthur Lima de Ávila (UFRGS) • Prof Dr. Arthur Ocdvio de Melo Araújo (UFES) • Prof'. Dr'.
Caterine Rcginensi (UENF) • Prof. Dr. Cesar Albenes de Mendonça Cruz (EMESCAM) • Cilmar
Franceschetto (Arquivo Publico do Estado do ES) • Prof. Dr. Cristiano P. Alencar Arrais (UFG) •
Prof. Dr. Diogo da Silva Roiz (UEMS) • Prof Dr. Edson Maciel Junior (UFES) • Prof. Dr. Eurico Jose
Gomes Dias (Universidade do Porto) • Prof. Dr. Fabio Franzini (UNIFESP) • Prof. Drª. Flavia Nico
Vasconcelos (UVV) • Dr'. Flavia Ribeiro Botechia (UFES) • Prof'. Drª. Fernanda Mussalim (UFU) •
Prof Dr. Hans Urich Gumbrecht (Stanford Univcrsity) • Prof'. Dr'. Helena Miranda Mollo (UFOP) Estátuas, Monumentalidade e História
• Prof. Dr. Heraldo Ferreira Borges (Mackenzie) • Prof'. Dr' Janice Gusmão (PMS-Gestão) • Prof
Dr. João Pedro Silva Nunes (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) • Prof Dr. Josemar Machado de
Oliveira (UFES) • Prof Dr. Julio Bentivoglio (UFES) • Prof Dr. Jurandir Malerba (UFRGS) • Prof'.
Dr'. Karina Anhezini (UNESP - Franca) • Prof Dr. Leandro do Carmo Qi_.tinrão (IFES-Cariacica) •
Prof'. Dr'. Lucia Bogus (PUC/SP) • Prof'. Drª. Luciana Nemer (UFF) • Prof Dr. Mareio Seligman-
n-Silva (UNICAMP) • Prof'. Dr'. Maria Beatriz Nader (UFES) • Prof'. Dr'. Maria Cristina Dadalto
(UFES) • Prof'. Dr". Marina Temudo (Tropical Research lnstitute, Portugal) • Prof Dr. Marcelo de
Mello Rangel (UFOP) • Prof'. Drª. Marta Zorzal e Silva (UFES) • Prof Dr. Nelson Camatta Moreira
(FDV) •Prof. Dr. Pablo Ornelas Rosa (UVV) •Prof Dr. Paulo Gracino de SouzaJr. (IUPERJ) •Prof
Dr. Paulo Roberto Neves da Costa (UFPR) • Prof. Dr. Rafael Cerqueira do Nascimento (IFES-Gua-
rapari) • Prof'. Dr'. Rebeca Gonrijo (UFRRJ) • Prof Dr. Renato de Almeida Andrade (UFES) • Prof
Dr. Ricardo Marques de Mello (UNESPAR) • Prof Dr. Rogerio Naques Faleiros (UFES) • Prof'.
Me. Satina Prisdla Pimenta Mello (Multivix/ Esdcio) • Prof Dr. Sergio Alberto Fcldman (UFES)
• Prof Dr. Timothy Powcr (University of Oxford, Reino Unido) • Prof Dr. Thiago Lima Nicodemo
(UNICAMP) • Prof Dr. Ueber Jose de Oliveira (UFES) • Prof Dr. Valdei Lopes de Araujo (UFOP) •
Prof. Dr. Vitor de Angelo (UVV) • Prof'. Dr' Ver6nica Tozzi (Universidad de Buenos Aires) • Prof'.
Drª. Zaira Bomfante dos Santos (CEUNES - UFES) • Prof. Dr. Wilberth Claython Ferreira Salgueiro
(UFES) • Prof Dr. William Berger (UFES) ·Profa. Dra. Adriana Pereira Campos (UFES) • Profa. Dra.
Carla Noura Teixeira (UNAMA) • Prof Dr. Carlos Garriga (Univcrsidad dei Pais Vasco, Esp) • Prof
Dr. Claudio Jannotti da Rocha (UFES) • Prof Dr. Claudio Madureira (UFES) • Pro( Dr. Daniel Miti-
diero (UFRGS) • Prof. Dr. Edilton Meireles de Oliveira Santos (UFBA) • Prof Dr. Gilberto Stürmer
(PUC/RS) • Prof Dr. Juliano Heinen (FMP) • Prof Dr. Leonardo Carneiro da Cunha (UFPE) • Prof.
Dr. Marco Antônio Rodrigues (UERJ) • Prof. Dr. Mareio Cammarosano (PUC/SP) • Profa. Dra.
EDITORA MILFONTES
Mariana Ribeiro Santiago (UNIMAR) • Prof Dr. Plaron Teixeira de Azevedo Neto (UFG) • Prof Dr.
Ricardo Jose de Britto Pereira (UDF) • Profa. Dra. Viviane Coelho de Scllos-Koerr (UNICURIT!IlA)
Vitória, 2022
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida
ou transmitida por qualquer forma e/ ou quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação digital) sem a permissão prévia da
editora.

Revisão
De responsabilidade exclusiva dos organizadores

Capa
Imagem da capa:
Autor: não citado, logo, tenho declarado que não existe intenção de violação de Atualizar monumentos e (des)ativar hist6rias ......................................... 7
propriedade intelectual Valdei Araujo
Semíramis Aguiar de Oliveira Louzada - aspectos
Monumentos, conflitos e narrativas da hist6ria ..................................... 17
Projeto Gráfico e Editoração Manica Lima, Hebe Mattos, Keila Grinberg & Manha Abreu
Lucas Bispo Fiorezi
Introdução .......................................................................................................... 35
Impressão e Acabamento Cristina Meneguello & Julio Bentivoglio
HelpBook
Ca1ne contra pedra .......................................................................................... 43
Cristina Meneguello

"O que é um monumento senão uma mem6ria permanente?" Os


memoriais confederados nos Estados Unidos contemporâneos ...... 83
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Arthur Lima de Avila
C822 Corpos e Pedras: estátuas, monumentalidade e história/
Cristina Meneguello & Julio Bentivoglio (organizadores) Comemorando a ditadura, celebrando o capital: uma leitura do
Vitória: Editora Milfontes, 2022. monumento a Castelo Branco em Porto Alegre ................................. 105
278 p.: 23 cm.
Caroline Silveira Bauer
ISBN: 978-65-5389-001-5
A mulher mais discreta: escritas do passado e do presente na Marcha
1. História 2. Monumentos 3. Estátuas I. Meneguello, Cristina das Vadias de Curitiba ................................................................................. 129
II. Bentivoglio, Julio III. Título. Cl6vis Gruner

CDD 909.83 A cidade em disputa: políticas de mem6ria e movimentos negros no


Recife (!990-2010) .......................................................................................... 149
Isabel Cristina Martins Guillen

~is são as vÍtimas de um monumento? Breves notas sobre a poHtica


de mem6ria na Hungria de Viktor Orban ............................................ 177
Alexandre de Sd Avelar
A "antiga" imperatriz acéfala da Martinica: iconoclastia e
antirracismo como problemas para o historiador/professor ......... 1477
Francisco das Chagas Fernandes Santiago JÚni.or e
Estatuas
1
em transe: v1"d a e morte dos monumentos c1v1cos
1.
............. 225
Marcelo Abreu (Ufop) Prefácio
substituição da esdtua de Unin em Odessa: ou o episodio em
que Darth Vader e a ficção triunfaram sobre Unin e o nacionalismo
ucraniano ........................................................................................................... 247
Julio Brntivoglio

Sobre as autoras e os autores ...................................................................... 275


Valdei Araujo

O tempo presente sempre foi um desafio para a


historiografia disciplinada. Nas lutas por sua delimitação como
ciência no século XIX a política era despolitizar o historiador
e afasd-lo dos conflitos da cena publica. Mesmo que a imagem
de um profissional frio e imparcial tenha servido tanto para o
elogio quanto para a crítica da disciplina, ela permaneceu como
alegoria de uma virtude historiadora. Mesmo que essa suposta
virtude venha sendo mais e mais questionada, a verdade e que
a historiografia teve sempre dificuldade em abordar o presente.
Não e este o caso deste livro.
Reunidos pelos organizadores, diversos historiadores foram
convidados a pesquisar, escrever e mobilizar seus repertorios
profissionais em torno de um fenômeno do tempo presente: a onda
crescente de ataques e deslegitimação de monumentos historicos.
O problema enfrentado e ele mesmo uma aporia se visto pelo senso
comum disciplinar que toma o historiador como uma especie de
guardião da memoria. o que teríamos a dizer sobre a derrubada
e. atualização de esdtuas e monumentos? A julgar pelos respostas
aqui reunidas, a historiografia tem muito a contribuir.
O livro funciona como um manifesto que convida os
historiadores a participar mais ativamente nas disputas pelas
historias que se materializam nos espaços publicas, a participar da

7
Cristina Meneguello
Julio Bentivoglio

No ano de 2020, o tema do destino dos monumentos no


espaço público vicejou mais uma vez. Como se da comumente
nas mídias jornalísticas do establisliment e nas mídias ageis de
"comentaristas" nas redes sociais, o tema apresentou-se com ares
de novidade e até de ineditismo, associado as manifestações do
movimento Blaá Lives Matter que se seguiram ao assassinato do
afro-americano George Floyd em 25 de maio de 2020, pelo policial
Derek Chauvin, que ajoelhou-se sobre seu pescoço por oito
minutos e quarenta e seis segundos, na intersecção da Chicago
Avenue e da 38th Street, em Minneapolis, Minnesota, EUA. O
crime gerou uma série de protestos antirracistas, dentre os quais
uma onda de derrubada e remoção de monumentos em varias
cidades norte-americanas. Mas, foi o Reino Unido que forneceu
a essa narrativa a sua forma visual mais potente: a derrubada,
rolagem pelas ruas e arremesso ao rio, em 7 de junho de 2020, da
esdtua do comerciante de escravos Edward Colston.
A contundência daquelas iniciativas, que se estenderam em
diversos pa!ses, possibilitou o revigoramento da discussão sobre o
urban fallism,' fenômeno vastamente estudado sobretudo a partir
da derrubada das esdtuas nas reações decoloniais da África e
da América, nas guerras do Oriente Médio e no p6s-comunismo
europeu. Porém, o novidadismo jornaHstico que acompanhou
a discussão teve como efeito colateral o apagamento da luta

r FRANK, Sybille; RISTIC, Mirjana. Urban fallism: rnonuments, iconoclasm and


activism. City, v. 24, n. ')-4, 2020, p. 552-5G4.

35
Corpos e Pedras: esráwas, nwnwnenralidade e hist6ria Cristina 1\![eneguello & Julio Bentivoglio

organizada de movimentos que, ha decadas, mobilizam-se pela lugares, dentre os quais uma jovem adolescente afro-americana de
ocupação e contestação de símbolos e monumentos em espaços r6 anos de idade em Ohio. 2

publicos. Nesses processos, se a derrubada ou desfiguração das


esdtuas tem caráter iconoclasta, não menos importantes são as
batalhas por meio de abaixo-assinados por remoções de placas,
bustos e alteração de nomes de ruas, rodovias e predios públicos;
alteração ou criação de leis que impeçam homenagens a personagens
colonialistas; ocupações temporárias e arte urbana que contestem
marcos urbanos naturalizados e, mais importante, o campo de
batalha em torno destas questões no ensino de hist6ria.
Passado o tempo, o local do assassinato de Floyd tornou-se
um memorial/altar efêmero, constantemente ocupado por flores ou
homenagens e, na intersecção das ruas, foi plantado um pequeno
jardim.

Figura n: Letreiro "Colston Hall" sendo removido do edificio hom6nimo, em 15 de


junho de 2020, Bristol. Imagem retirada de Tristan Cork, "How people in Bristol are
stripping the city ofEdward Colston themselves", Bristol News, 16/6/2020. https://www.
bristolpost.co.uk/news/bristol-news/how-people-bristol-stripping-city-422883o?utm_
source=linkCopy&utm_medium=social&utm_campaign=sharebar.

Por sua vez, enquanto a esdtua de Colston aguarda em um


dep6sito sua parcial re-entronização, mas agora em um museu de
Bristol, a cidade acelerou o empreendimento que teve início em
2017, da retirada do nome de Colston de ruas, escolas e predios

publicas. A "de-colstonização" - remoção do nome de Colston de


pelo menos vinte locais na cidade - começou com a troca silenciosa
Figura 10: Altares efêmeros a Floyd, marcando o lugar do evento. (Imagem retirada do nome de um pub em 2017, seguida da alteração do nome, em
de Sara Sidner, "The place where George Floyd died is a now sacred space and a 2018, de uma escola e do Colston Hall, e de varios abaixo-assinados
battleground", CNN, 14/03/ 2021 https:/ / edition.cnn.corn/ 2021/ 03/14/us/rninneapolis-
george-floyd-square-battleground-soh/index.html). para a remoção da esdtua em questão, aparentemente ignorados
pela municipalidade. A derrubada de Colston do pedestal, em
Em 20 de abril de 2021, no mesmo dia em que o policial
2020, ainda que relacionada aos acontecimentos nos EUA, tinha seu
Chauvin foi condenado pelo crime contra Floyd, ocorria, em local
pr6prio tempo e historicidade.
pr6ximo, o funeral do jovem negro Daunte Wright, de 20 anos
de idade, abatido por uma policial num semaforo em Minnesota,
2 Second night of protests in Minneapolis after ofticer shoots dead Black motorist
fato que gerou uma serie de protestos; ainda, naquele mesmo dia, France 24, l3/04/202r. https://www.france24.com/en/amerícas/20210413-second-nighr-of~
a polícia norte-americana abateu a tiros seis pessoas em diferentes protests-in-minneapolis-after-officcr-shoots-black-motorist-dead.

37
Corpos e Pedras: estd:cuas, monwnentalidade e hist6ria Cristina Meneguello & Julio Bentivoglio

No Brasil, com alguma disdncia daqueles eventos, é mais de São Paulo. J Tal projeto "Dispõe sobre a proibição de homenagens
fácil visualizar os efeitos do debate que não parece ter ecoado a escravocratas e eventos históricos ligados ao exercício da prática
para muito além dos meios acadêmicos e dos movimentos sociais escravista, no âmbito da Administração Estadual direta e indireta",
organizados. Num primeiro momento, o foco voltou-se para os considerando como escravocratas "agentes sociais individuais ou
marcos da celebração do genoddio indígena, com a recorrente coletivos comprometidos com a ordem escravista no Brasil" (não apenas
percepção dos bandeirantes retratados na capital paulista, num detentores de escravos), vedando nesse sentido a denominação de
arco argumentativo que vai do justiçamento estético contra a logradouros públicos, de prédios estaduais, rodovias estaduais, locais
esdtua do Borba Gato, mostrengo de concreto de Júlio Guerra, públicos estaduais, a edificação e instalação de bustos, estátuas e
e chega ao Monumento as Bandeiras de Victor Brecheret, mais monumentos por qualquer dos Poderes no Ambito do Estado de São
facilmente defensável pelas sensibilidades modernistas, ponto Paulo e sugerindo que as homenagens já existentes sejam removidas
constante de tensão e manifestação na capital paulista. Seguiu- e musealizadas. 4 Ainda segundo esse projeto, - demanda hist6rica
se, em aulas, palestras e pela imprensa, uma coleta por exemplos do movimento negro sobre os modos de narrar a história do Brasil
nacionais de escravocratas homenageados em praça pública, que - a lei uma vez aprovada e publicada concede 12 meses para que
retornou com Joaquim Pereira Marinho, cuja esdtua esd postada equipamentos públicos sejam renomeados, após parecer de uma
diante do Hospital Santa lzabel, em Salvador ou o monumento a comissão de avaliação.
Duque de Caxias, também em São Paulo, duplamente rejeidvel
Em nivel federal, a deputada Taliria Petrone (PSOL-RJ)
por sua condição de escravocrata e por sua atuação na Guerra do
apresentou o Projeto de Lei nº 5.923/2019 que "Dispõe sobre a proibição
Paraguai. ~ando o tema começou a desinteressar os mass-media, já
de homenagens a proprietários de escravos, traficantes de escravos,
era tarde para nos indagarmos sobre a aparente invisibilidade dos
pensadores que defenderam e legitimaram a escravidão em monumentos
monumentos públicos no Brasil, sobre o desconhecimento por parte
públicos, estátuas, totens, praças e bustos ou qualquer outro tipo de
das pessoas, em geral, a respeito dos personagens que representam,
monumento". Alterou-se a proposta inicialmente apresentada que se
direta ou alegoricamente, ou do constante estado de abandono em
que se encontram. Menos ainda para evocar episódios da história do
a
estendia proibição de juntas comerciais e empresas de registrarem
marcas com expressões, figuras, desenhos ou quaisquer outros
ativismo crítico em torno de monumentos, no Brasil e no exterior,
anteriores aos eventos de 2020.
a
sinais relacionados escravidão, tais como "casa grande e senzala",
"senzala", "sinhá", "negreiros", "navio negreiro", "escravocrata",
Tanto aqui quanto em outros países, esses processos vem "mucama" dentre outros. O projeto havia sido originalmente
ocorrendo há décadas e, se não se intensificaram em parte pelas proposto em novembro de 2019 (marcando o mês da Consciência
condições trazidas pela pandemia, essa visibilidade abriu espaço para
outras importantes iniciativas por politicas públicas de combate 3 Ver: https://www.aLsp.gov.br/propositura/7id=rnoo327788.
ao racismo. Na falta de imagens locais, a estátua de Colston sendo 4 Projeto da deputada Erica Malunguinho, do mandata O!:illombo (Malunguinho
refere-se a seu mandato no feminino), que declarou: "Os monumentos, por exemplo, são
a
atirada no rio empresta a força de sua narrativa visual página do materiais da mem6ria coletiva, de forma que eles são utilizados para documentar o passado
abaixo-assinado organizado pelo LAB Cidade (Laboratório Espaço das sociedades e povos. A Hist6ria oficial do Estado brasileiro ainda reproduz narrativas
LJUe excluem as experi~ncias das populações negrns e ind!genas. Esta manifestação do
a a
Público e Direito Cidade, ligado Faculdade de Arquitetura e racismo estrutural cria barreiras para a efetivação plena da democracia". Cabe, assim
Urbanismo da Universidade de São Paulo) em apoio ao projeto "reescrever a hist6ria". ("Depurada propõe lei para remover est:ltuas de escravocratas em
São Paulo. UOL Notícias, 25/06/2020. Disponivel em: https://noticias.uoLcom.br/politica/
de lei 404/2020, ainda em tramitação na Assembleia Legislativa u 1ti mas-no ti ci as/ 2020 /o G/ 25 / deputada-pro toco la-p1-que-preve-r emoc ao-de-esta tu~1s-de­
escravocra tas-em-sp .h tm). Acesso em 22 ago. 202i.

39
Corpos e Pedras: estáwas, monumentalidade e história

Negra) mas voltou a ganhar relevância no momento dos protestos OS MONUMENTOS DE SP


antirracistas de 2020. Desde dezembro de 2020, está parado na Mesa
Diretora da Câmara no Congresso Nacional.
Tais esforços não apenas requalificam homenagens existentes
como trazem propostas para o futuro, evitando apagamentos e monumentos

esquecimento impostos às memorias negras e indigenas, recusando


necropoliticas em que a historia está ausente. Às vesperas do
aniversário de vinte anos da Lei 10.639/03, que torna obrigatorio retratam pessoas

o ensino da historia e cultura afro-brasileira e africana em todas


as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental ate o
ensino medio - modificada pela Lei n.645/08, que incluiu o ensino 1
'
de historia e cultma indigenas - esses são os campos de combate retratam
homens

que pervadem o social, por meio de políticas públicas, a educação


entre elas.
1 1 18 1
Por fim, complementar aos monumentos que ofendem, há homens
brancos
não
identificado
homens
árabes
homens
indlgenas
homens
negros
homens
orientais
mulheres não mulheres
brancas identificado negra
ainda a questão de determinadas imagens e sua representatividade
Figura 12: Representatividade nas esdtuas paulistanas. Instituto P6lis, "A presença negra
no espaço público - como um outro territorio de invisibilidade. nos espaços públicos de São Paulo" https://polis.org.br/estudos/presencanegra/pdf, p. 17.
Pesquisa do Instituto Polis indicou que, na cidade de São Paulo,
De fato, o iconoclasmo não e apenas um ato de violência que
dentre 367 monumentos existentes, 200 retratam pessoas, dos quais
deforma um objeto: ele tambem cria novos sentidos para aqueles
169 homens, dentre os quais - excluidos os casos em que não e possivel
signos quebrados. A remoção de monumentos faz parte do direito à
identificar visualmente - apenas 4 homens negros e 4 indigenas; 24
cidade e à memoria coletiva das cidades, em busca de reconhecimento
monumentos retratam mulheres, apenas uma delas representa uma
social, o que se intensifica numa sociedade atravessada pelo
mulher negra. 5
racismo estrutural e por condnuos negacionismos relacionados ao
Os casos aqui mencionados não são tmicos ou isolados, mas caráter supostamente benefico da escravidão no pais ou do caráter
podem ser vistos como exemplares. Reações imediatas aos protestos supostamente suave dos anos de ditadura militar. O iconoclasmo
antirracistas e à derrubada de estátuas provaram-se parcialmente poHtico que questiona o legado da escravidão, do colonialismo, da
equivocadas - tanto as de um alarmismo conservacionista que temeu ocupação do territorio, do racismo, da violência de Estado, reafirma
pelo fim das estátuas no espaço público quanto o triunfalismo que não há democracia possivel dentro desses parâmetros. A
ingênuo de que aqueles gestos seriam o prenúncio de alterações memoria cultural, um espaço dinâmico e permanente de narrativas
permanentes na representatividade e nas lutas decoloniais. em disputa, pode ser um antidoto para o esquecimento; uma
memoria que procura um lugar no futuro, em eventos reatualizados
5 Instituto P6lis. "A presença negra.nos espaços públicos de São Paulo". Novembro para o presente, numa vida alem da vida. Mas, como um espaço de
de 2020. ln: https://polis.org.br/estudos/prescncanegra/. Observe-se que ainda não havia significados e apreensões plurais, o exerdcio da representatividade
sido inaugurada a escultura Tebas Imortal, monumento a Joaquim Pinto de Oliveira que
homenageia o arquiteto negro Tebas (r72r-r8rr), na Praça Cl6vis Bevilaqua, centro de São e da inscrição de marcas na paisagem urbana, ocorre mediante
Paulo, de autoria de LumumbaAfroindigena e Francine Moura.

!
Corpos e Pedras: estátuas, monumentalidade e história

relações de força e de usos do passado constantemente reencenados


e reatualizados, que se prendem a histórias e a lutas particulares.
Se Colston atirado à agua não inaugura nem e o apice desse confrontos entre corpos e estátuas
debate, cabe à sociedade organizada imaginar outras formas de
ocupar os espaços publicos, renomeando-os, substituindo-os,
confrontando-nos com outros monumentos, requalificando sua
iconografia. Ou mesmo avaliando a possibilidade de sua realocação
na cidade ou supressão. Claro esd que os monumentos têm uma
legitimidade construída de acordo com o próprio momento histórico
que os envolvem; e que se transformam em marcos, dentro de Cristina Meneguello

nossas cidades. Essas marcas, por vezes, são cicatrizes. Resultado de


E no que se tomará a humanidade no dia pr6ximo em que o povo das
lutas e, invariavelmente, de violências ou arbitrariedades. Se formos estátuas tiver se tornado tão abundante nas cidades e nos campos,
considerar a remoção das cicatrizes como forma de luta pertinente, que mal poderemos circular nas ruas de pedestais? (Louis Aragon, O
camponts de Paris, 1926)
resta aos historiadores considerar os mecanismos do relembrar e do
esquecer. Abre-se espaço, assim, para que os historiadores possam
refletir sobre o tema da destruição ativa dos monumentos e das Da morte das esdtuas
dimensões da memória e da história.
No ano de P-)46, foi lançado o enigrnatico La mort et les
Este livro reune ensaios produzidos desde meados de junho statues (A morte e as esdtuas), alburn fotogdfico com imagens
de 2020 e constituem uma radiografia bastante plural que toca no colhidas por Pierre Jahan e comentadas por Jean Cocteau. 1

problema dos monumentos, da memória e do ativismo envolvidos Durante a ocupação alemã em Paris, esdtuas de bronze retiradas
em sua inscrição e percepção na paisagem urbana em diferentes de seus pedestais pelos alemães foram acumuladas, como ferro
cidades. Eles versam sobre lutas atuais, mas tambem antigas velho, num arrnazern no 12º arrondissement. Clandestinamente,
em torno destas questões, oferecendo um conjunto de reflexões Pierre Jahan fotografou, entre 1941 e 1942, esdtuas de figuras
sistematicas desenvolvidas por historiadoras e historiadores publicas, crianças, centauros, braços e pernas, crocodilos,
brasileiros interessados neste campo de problemas; iluminando todos empilhadas com partes faltantes ou sendo carregadas
objetos particulares, examinando-os sob diferentes perspectivas por guindastes. Anos mais tarde, Jeam Cocteau percebeu a
mediante perguntas e respostas pontuais. Um significativo aporte potencialidade desse material reunido e teceu, para cada
para qualquer pessoa interessada, especialista ou não, em conhecer fotografia, cornendrios que oscilam entre a descrição e o surreal.
mais de perto e sob variados :ingulos a extensão de urna questão No "sonho mau de um poeta", um político em sobrecasaca jaz ao
permanente, vivenciada em diferentes realidades históricas e lado de um crocodilo; "Deitado em uma banheira, Marat encontra
2

culturais.
l O original encontra-se depositado junto ao Mus~e Carnavalet, em Paris, que

a
guarda algumas fotografias não utilizadas rnl edição e anotações mão. o album e demais
materiais podem ser visualizados em: https://www.parismuseescollections.paris.fr/fr/
m usee-carnavalet/ oe uvre s/ album-de-la-mort-e t-les-s tatues.
2 JAHAN, Pierre; COCTEAU, Jean. La more et les statues. Paris: Les Editions do
Compass, 1946, p. 14.

42 43

Você também pode gostar