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7º Curso de Formação Continuada da Olimpíada Nacional em História do Brasil: “Patrimônio Cultural e Ensino de

História: Desafios do e no Tempo Presente” - Campinas – 06 de fevereiro a 16 de abril de 2023 - ONHB-Unicamp

Patrimônios sensíveis e ensino de história


Marcelo Henrique Leite
O convite para escrever um texto a professores a respeito do tema de patrimônio
sensíveis é uma alegria por dois motivos. O primeiro é o fato de inspirar que nas práticas de
ensino, construção das aulas e eleição de temas, os patrimônios sensíveis possam ser
incorporados. O segundo fato se deve a eu ser, também, professor da educação básica, e
uma das coisas mais importantes para um professor é falar com seus pares.

Escolhi, metodologicamente, criar um texto que pudesse sugerir um diálogo ao que


passo que compartilhasse referências e reflexões sobre o tema. Um texto-carta, talvez.
Enfrentar este tema em sala de aula é complexo. As razões para isso se devem ao fato de
que os currículos e bases nacionais não acompanham o correr da vida. Dito de outra forma,
há necessidades que emergem da vida que não são incorporadas de imediato em estruturas
educacionais, as quais são pensadas para não serem atualizadas na velocidade dos
acontecimentos. Um exemplo é como a emergência dos acontecimentos relativos ao Black
Lives Mater não estão em currículos, mas isso inundou a sala de aula. Outro exemplo, em
São Paulo, foi, em 2021, o incêndio a estátua do Borba Gato. Certamente, cada região e
estado tem suas questões que atravessam planejamentos e expectativas de professores e
professoras.

Há que considerar também que estudantes são, também, peças-chave para trazerem
questões do mundo contemporâneo para a sala de aula. Certamente, sendo docente, algum
momento se deparou com isso. Me recordo o quanto o incêndio do Museu Nacional, em 2018,
foi pauta em todas as séries que eu dava aula. No entanto, o museu não é um conteúdo.
Como foi uma demanda dos estudantes, adaptei a questão a cada série: sexto ano, falamos
da importância dos documentos; com o oitavo ano havia o gancho de ali ter sido o palácio
da família real; com o 9º ano discuti museu e memória, pois falávamos sobre memória da
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ditadura antes de visitarmos a um museu sobre memoria da ditadura, que no caso era o
Memorial da Resistência (SP).

Adaptar conteúdo ou fazer qualquer inversão, sabemos bem que não é simples e
depende da escola a qual você atua. Essa corda bamba entre alunos, escola e nossas
aspirações enquanto docentes tornam nosso ofício complexo em muitos âmbitos. A proposta
aqui é, portanto, compartilhar questões relativas ao tema dos patrimônios sensíveis para que
possa, de algum modo, inspirar.

A noção de passados sensíveis aqui, toma os estudos fisiológicos do sentido de sensível


como referência metafórica. Vejamos. Um machucado na pele, geralmente é feito por um
estímulo violento, por exemplo uma queimadura. Rapidamente os neurônios da pele emitem
um sinal para o cérebro. Esse sinal é a dor, a qual significa que algo está errado, causando
desconforto. O corpo começa o processo de restaurar o lugar machucado. Até o processo de
cicatrização, essa região fica em estado de hipersensibilidade. Somente após o corpo
conseguir reparar o dano, forma-se a cicatriz que, em linhas gerais, passa a significar duas
coisas: aquela região foi interpelada por um estímulo violento e que ali não dói mais, mas
um dia esteve hipersensível. Muitas das cicatrizes no corpo acabam sendo esquecidas no dia
a dia, no entanto, quando a notamos certamente nos lembramos do porquê ela está ali.

Em linhas gerais, uma região sensível do corpo dispara sinais de dor em reação ao
toque nos locais com as terminações nervosas hipersensíveis. Esse toque causa incômodo.
Assim, passados sensíveis seriam os eventos que quando abordados disparam sinais de
desconforto no tecido social. Essa perspectiva de reflexão sobre tais eventos, aqui neste
texto, tem interface com os estudos sobre passados presentes1 e passados não encerrados2.

A partir dos anos 90, museus e monumentos não tentam mais, esconder as gotas de
sangue. Mario Chagas, ao analisar os museus brasileiros, sobretudo no início do século XX,

1
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória. Arquitetura, monumento, mídia. Rio de Janeiro, Aeroplano Editora. 2000.
2ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Trad. Fernando Coelho e Fabrício Coelho.
Rio de Janeiro: FGV, 2016.
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mostra que esses estiveram, em suas fundações, ancorados em um certo espírito


comemorativo, pensado por e para as elites oligárquicas. Essas instituições buscavam a
construção de memórias do poder, representando os interesses das oligarquias, sendo essa
a razão pela qual as gotas de sangue eram silenciadas.

Para estes museus, a celebração ideológica é a pedra de toque. O culto


à saudade, aos acervos valiosos e gloriosos é o fundamental. Eles
tendem a se construir em espaços pouco democráticos onde prevalece
o argumento da autoridade, onde o que importa é celebra o poder
sobre os outros grupos.3

A partir da segunda metade do século XX, vemos emergir movimentos para


tombamentos de lugares, criações de museus e até mesmo memoriais virtuais que não
escondem as “gotas de sangue”. Muito pelo contrário, é o sangue e a dor de grupos
violentados, em grande parte pelo Estado, que tematizam e tratam esses lugares.

***

Nos anos de 1970, lugares de passados sensíveis passaram a ser pauta de discussões
na UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura),
levando, por exemplo, ao reconhecimento como patrimônio um dos mais conhecidos campos
de concentração, Auschwitz-Birkenau, na Polônia, em 1979. A onda preservacionista desse
tipo de patrimônio envolve prisões, manicômios, locais de torturas oficiais e clandestinas em
países que estiveram sob regimes ditatoriais, locais do tráfico de africanos, cemitérios,
leprosários, entre outros que atestem – ou possam vir atestar - a violência e a exclusão de
grupos.

No caso brasileiro temos exemplos de como o debate chegou aqui. Diferentes órgãos
preservacionistas - sejam na ordem estadual, seja federal, ou municipal – tem voltado
atenção para lugares sensíveis para alguns grupos. Cristina Meneguello é uma historiadora

3 CHAGAS, Mario. Há uma gota de sangue em cada museu. Chapecó: Argos, 2015, p.34.
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com seus estudos voltados a essa temática. Um de seus estudos se refere aos leprosários 4.
Os pedidos de tombamento dos asilos-colônia se iniciam nos anos 1990, mas é apenas no
século XXI que há a efetivação da preservação. Podemos citar alguns exemplos no Estado
de São Paulo: Antigo Asilo Colônia Aimorés (atual Instituto Lauro De Souza Lima), em Bauru;
Sanatório Padre Bento, em Guarulhos; Preventório Santa Terezinha, Carapicuíba; Hospital
Pirapitingui, em Itu. A questão dos leprosários – locais de isolamento compulsório de
infectados pela hanseníase - joga luz não somente a entendê-los como espaços que
rememoram a história da saúde pública, mas, sobretudo, está intrínseco os temas de dor e
violência.5

No caminho dos leprosários, há outros locais que envolvem discursos sanitárias: os


hospitais psiquiátricos. Em Minas Gerais, há o Hospital Colônia de Barbacena 6. Seu
tombamento é de 1996, e atualmente funciona o Museu da Loucura. Viviane Borges traz um
mapeamento importantes desses lugares espalhados pelo Brasil. A datação desses lugares é
em sua maioria no século XXI, atestando mais uma vez a tendência contemporânea do
debate sobre esses espaços. Alguns outros lugares como esse são: o Museu Bispo do Rosário
de Arte Contemporânea, criado em 2001, na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro;
Memorial do São Pedro, criado em 2002, no Hospital São Pedro, em Porto Alegre; Centro de
Documentação e Pesquisa do Hospital Colônia Sant’Ana, criado em 2011, no antigo Hospital
Colônia Sant’Ana, atual Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina. A loucura, assim como a
lepra, foi e é parte de um discurso de higienismo social e desumanização dos sujeitos que
são enquadrados como loucos. O debate acerca da humanização dos pacientes considerando
loucos remonta os anos 1970 com a luta antimanicomial no Brasil.

4 Leprosário é o nome popular para os asilos-colônias de internação compulsória para as pessoas contaminadas pela
hanseníase. Segundo Meneguello, o isolamento compulsório dos doentes foi a principal política adotada pelo poder público
contra a lepra, associando-se à consolidação da capacidade do Estado brasileiro agir sobre territórios e populações como
um projeto modernizador. (2018; p.349)
5 DICA ONHB: Em 2016, na edição 08, na fase 03, a questão 33 abordou esse tema.
6 DICA ONHB: Em 2019, na edição 10, na fase 04, a questão 35 abordou o tema.
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Os espaços prisionais brasileiros ganham o debate público também. Vivian Borges


também realiza estudos sobre o tema. A discussão do tema pela historiadora parte da
implosão do espaço penitenciário onde ocorreu o massacre do Carandiru7, em 1992, na
cidade de São Paulo. Esse caso, como mostra a historiadora, não é isolado 8. Em 1994, foi
destruído o Presídio de Ilha Grande, localizado no Rio de Janeiro. Hoje abriga o Ecomuseu
Ilha Grande. Esses espaços prisionais tem ganhado outros significados para os temas que
envolve memória e História, pois se observamos, na primeira metade do século XX, a partir
do SPHAN (1937) as câmaras-cadeiras do período colonial foram tombadas sobre os
pretextos arquitetônicos; muito diferente dos motivos das discussões envolvendo os
patrimônios prisionais hoje. Nesse sentido, O Memorial da Resistência, em São Paulo, foi uma
prisão do sistema brasileiro, em funcionamento desde a Primeira República até 1983, em
seus últimos anos servindo a estrutura ditatorial da última ditadura brasileira. Em outras
palavras, a discussões sobre patrimônio e cadeias hoje suscitam temas que estão na ordem
do dia, como: reparação, justiça e verdade.

Em 1978, ilha de Gorée, no Senegal, foi reconhecido como patrimônio pela UNESCO
por ter sido o maior centro de tráfico de escravos nas costas africanas. Quase quarenta anos
depois, em 2017, o Cais do Valongo9, no Rio de Janeiro, passou a também incorporar essa
lista. A partir da localização oficial, em 2011, o Cais começou a ser estudado por
pesquisadores da área. Assim, a chancela de patrimônio veio a partir do passado traumático
para os milhares de africanos e africanas desembarcados como mercadorias para servir a um

7 O Massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de outubro de 1992. O episódio foi a repressão violenta da Polícia Militar a uma
rebelião. Acredita-se que pelo menos 111 detentos foram assassinados na ação policial. Não houve punições aos
responsáveis pela justiça brasileira.
8 Viviane Borges cita outros exemplos. Ela aponta o nome do presídio e o ano de sua construção: Complexo Penitenciário

Frei Caneca (1850, RJ), o Presídio de Tiradentes (SP, 1930), o Carandiru (1956). Outros tiveram parte de suas edificações
postas abaixo, como o Presídio Central de Porto Alegre (RS, 1940) e Presídio do Ahú (PR, 1903). E de alguns só restam
ruínas, como o da Ilha Anchieta (SP, 1902). Sobre o assunto de espaços prisionais e memória, Márcio Siligman-Silva discute
a obra "Pássaro Livre/Vogel Frei", dos alemães Horst Hoheisel e Andreas Knitz, de 2003, em que os artistas criam uma obra
para discutir o esquecimento do presídio Tiradentes. Para saber mais, acessar:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac0208200301.htm
9 Ver mais em: LIMA, Mônica. História, Patrimônio e Memória Sensível: o Cais do Valongo no Rio de Janeiro. Outros

Tempos, vol. 15, n. 26, 2018, p. 98


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sistema econômico, que no Brasil, perdurou por mais de três séculos. Márcia Chuva ao
discutir sobre os patrimônios de herança africana no Brasil, costura a patrimonialização do
Cais a uma discussão do que a autora chama por paradigma de direitos10, pois a historiadora
vê o tombamento do Cais, assim como o seu entorno, como o Quilombo da Pedra do Sal e o
Cemitério dos Pretos Novos, não uma busca estritamente genealógica acerca dos
desembarques forçados, mas sim por reparação e justiça.

O que é certo, é que essa forma de interpretar o patrimônio, pela dor, no Brasil, tem
uma marca: a sua diversidade temática, espacial e temporal. Seja a questão de uma história
de longa duração, como a escravidão ou a loucura; ou mesmo histórias recentes do período
republicano, como o massacre do Carandiru ou os lugares prisionais da ditadura civil militar.

De antemão, chama atenção o fato de os exemplos narrados estarem, em sua maioria,


localizados no Sul e Sudeste do país, o que talvez coubesse uma reflexão que não será
possível para este texto. Embora haja variações temáticas, entende-se que há uma intenção
permeando essas práticas de preservação: verdade, justiça e reparação. Lanço uma questão-
chave para seguir no debate: Afinal, por que a dor, o sofrimento, o trauma, estão na ordem
do dia para as reflexões sobre memória e patrimônio?

A forma como eu opero o movimento de análise dos espaços de dor e violência partem
de duas questões: a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) e a noção de crime
contra a humanidade. Em primeiro lugar é necessário compreender o mundo que após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) cria uma organização internacional: a ONU. A
organização tem como carta de fundação a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948.

Os direitos humanos são compostos por três esferas que interagem entre si, segundo
Lynn Hunt: naturais (inerentes nos seres humanos), iguais (os mesmos para todo mundo) e

10Sobre paradigma de direitos, ver em: CHUVA, Márcia. Entre a herança e a presença: o patrimônio cultural de referência
negra no Rio de Janeiro. ANAIS DO MUSEU PAULISTA. São Paulo, Nova Série, vol. 28, 2020, p. 1-30
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universais (aplicáveis por toda parte). Em linhas gerais, a carta assegura direitos femininos,
discussões de respeito e igualdade racial, sexualidade, liberdade religiosa, imigração, entre
outros. A bandeira de tolerância e denúncia de violências embasam a declaração.

O discurso dos Direitos Humanos e o combate a intolerância deram força, por exemplo,
aos movimentos pelos direitos civis da população negra contra apartheids como nos Estados
Unidos, nos anos de 1960, e na África do Sul, nos anos de 1990. Cabe ainda ressaltar que
nesse contexto também houve as ações de descolonizações nos continentes africano e
asiático, colocando em xeque as dominações das nações europeias. Esse cenário me parece
ser uma forma de compreender o porquê a dor ganha espaço: O discurso de combater
injustiças e violências a grupos étnicos, raciais, sociais.11

No livro A invenção dos direitos humanos, Hunt é importante para pensar sobre a ideia
de “crimes contra a humanidade”. Vejamos.

As fotografias tiradas na libertação dos campos de extermínio nazistas


mostravam as consequências estarrecedoras do antissemitismo, que
tinha sido justificado pelo discurso da supremacia racial ariana e da
purificação nacional. Os julgamentos de Nuremberg de 1945-6 não só
chamaram a atenção do grande público para essas atrocidades, mas
também estabeleceram o precedente de que os governantes, os
funcionários e o pessoal militar podiam ser punidos por crimes "contra
a humanidade".12

As fotografias só existem porque houve um lugar para uma atrocidade ocorrer. Assim,
o que se pode entender é o papel dessas discussões sobre humanidade, a partir de formulada
a noção de Direitos Humanos. Esse é o segundo ponto. Lyn discute que essa ideia de crime
contra a humanidade só foi possível justamente por se entender que há uma humanidade,

11 O caso dos Direitos Humanos também é fundamental nos anos de 1980 para ações de ONGs (Organizações Não
Governamentais). ONGS como Anistia Internacional (fundada em 1961), Anti-Slavery International (uma continuação da
Sociedade Antiescravidão), Human Rights Watch (fundada em 1978) e Médicos sem Fronteiras (fundada em 1971). Esses
exemplos dados por Lyn nos ajuda a compreender melhor como o discurso dos direitos humanos vai ganhando espaços a
partir de sua formulação.
12 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, P.203.
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ou seja, uma ideia universal de sermos todos iguais. Ora, se somos todos iguais, e compomos
uma humanidade, não se justifica qualquer atrocidade, ou privação de direitos, a grupos.
Keila Grinberg ao tratar da escravidão como um passado sensível tem um exemplo elucidante
sobre o tema: “Em 2001, o tráfico atlântico de africanos escravizados para as Américas foi
classificado pela Organização das Nações Unidas como um crime contra a humanidade. A
Conferência de Durban, realizada no mesmo ano, foi central na definição do conceito de
reparação aplicado ao passado escravista.”13 Deborah Neves também tem exemplos nesse
sentido. Ela cita o caso de, a partir de 2012, os países do Mercosul assinarem o “Princípios
Fundamentais para as Políticas Públicas sobre Sítios de Memória”, que objetiva o tratamento
aos lugares que se referem as violações aos direitos humanos na América do Sul durante os
regimes militares.

Assim, um outro ponto importante é não ver a carta de 1948 como um apogeu dos
direitos, mas sim como um início de um processo que vai ganhando força, por exemplo, em
instituições governamentais como ministérios, e até mesmo a base para políticas
educacionais14. Talvez esse ponto seja fundamental para aproximar a patrimonialização dos
lugares da dor e os Direitos Humanos o entendimento, a partir de convenções internacionais,
que qualquer violência fere direitos naturais, como a vida.

Os lugares de passados sensíveis não atestam apenas a morte, mas sobretudo as


violações de direitos que, em 1948, se garantiu todos os humanos possuírem. É nesse sentido
que seja um ponto chave, pois há um movimento de humanizar as vítimas, ou seja, de
afirmar que ali haviam pessoas que tinham família, sexualidade, etnia, trabalho, liberdade,

13 GRINBERG, Keila. O mundo não é dos espertos: história pública, passados sensíveis, injustiças Históricas. Hist.
Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.153.
14 Vejamos o que Sefner e Pereira dizem sobre esse assunto: Fruto mais visível para o campo escolar desse percurso das

políticas públicas em direitos humanos foram dois atos do Executivo federal fazendo cumprir disposições da legislação: a
promulgação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2006) e das Diretrizes Nacionais da Educação
em Direitos Humanos (Brasil, 2013). Mas há uma extensa legislação nos níveis estadual e municipal que indica essa
obrigatoriedade. Em particular, os estados constituíram Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos (CEEDH) a
partir da instalação dos Conselhos Estaduais de Direitos Humanos. Essa estrutura alcança todas as unidades da Federação.
(2018; p.17)
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domicílio, nacionalidade, língua, religião, opiniões sobre o mundo, visões políticas, e até
mesmo sonhos, planos, desejos. Ora, essas características nos constituem como indivíduos
e são atestadas na Declaração de 1948. Portanto, não seria apenas sobre a morte e ao luto,
mas também sobre vida e a luta.

***

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