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XVI Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia-Online (CILTec-Online)


17 a 19 de novembro de 2023

Anais do
EVIDOSOL/CILTec –
Online, v. 11, n. 1
(2023)
ISSN 2317-0239

O INÍCIO DO CICLO
Seção: Artigo

Trilha: Interdisciplinar DAS ABELHAS EM


THE BEE MEETING,
em Ciências Humanas.

José Ignacio Ribeiro Marinho


Universidade Federal de Juiz de Fora
josebrenatti@gmail.com
DE SYLVIA PLATH:
https://orcid.org/0000-0002-7136-8537
http://lattes.cnpq.br/1190055152229839
Mathias Vinícius Santos Rocha
uma análise temático-
Universidade Federal Fluminense
mathias_vsr@id.uff.br estrutural
https://orcid.org/0009-0008-2131-1031
http://lattes.cnpq.br/6813388130798843

Contribuição dos autores:


José Ignacio Ribeiro Marinho: Resumo
Análise dos dados, pesquisa, escrita – Ancorada em revisão de literatura, a presente pesquisa
revisão e edição. tem por objetivo geral, sob a égide do confessionalismo
Mathias Vinícius Santos Rocha: norte-americano (vertente literária modernista das
Metodologia, conceituação, escrita – décadas de 1950 e 1960), analisar temático-
revisão e edição.
estruturalmente o poema The Bee Meeting, da escritora
Sylvia Plath (1932-1963). Na visão do estudioso Rodrigo
Garcia Lopes (2018), o presente poema (ao lado de outros
quatro) constitui o chamado “ciclo das abelhas”, cujo eixo
temático vincula-se, especificamente, ao contexto da
apicultura em suas variadas vertentes. Assinala-se que tais
poemas encontram-se no fim do livro Ariel (1965) – livro
este que foi publicado após a morte da escritora. A fim de
termos embasamento quanto à análise temático-estrutural,
recorremo-nos às pesquisas empreendidas por Bakhtin
(2020), Moisés (1974), Plath (2017), dentre outros.

Palavras-chave: Literatura norte-americana, Modernismo,


Este trabalho está licenciado com uma Confessionalismo, Sylvia Plath.
licença Creative Commons Atribuição
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Internacional
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17 a 19 de novembro de 2023

1 Introdução refletindo a filosofia da Geração Beat de rejeitar as normas


convencionais e buscar uma autenticidade pessoal e
A cena literária norte- experiências genuínas; o segundo procura abordar questões
americana dos anos 1950 e 1960 como identidades, relacionamentos, traumas e questões
é marcada por uma série de existenciais, diferenciando-se na ênfase exploratório-
autores e obras notáveis que introspectiva de emoções profundas e frequentemente
estiveram aliados a um dolorosas – Anne Sexton (1928-1974), Robert Lowell (1917-
reconhecimento de questões 1977) e Sylvia Plath (1932-1963) são algumas das figuras do
socioculturais que permeavam o chamado movimento confessionalista; seus trabalhos exploram
mundo, como a Guerra Fria, o suas próprias batalhas internas, oferecendo visões íntimas de
conformismo e o suas vidas.
conservadorismo, o boom
Na presente pesquisa, exploraremos, temático-
econômico, o surgimento da
estruturalmente, certas questões relacionadas à literatura
cultura pop, dentre outras.
confessional plathiana, utilizando-nos do poema The Bee
No decorrer dos anos de
Meeting, escrito pela poeta Sylvia Plath. Para a consolidação
1950, os Estados Unidos foram
deste trabalho, ancorar-nos-emos na bibliografia do filósofo
testemunhas de movimentos
russo da linguagem, Mikhail Bakhtin.
artísticos que impactariam
especialmente a literatura
modernista, dentre alguns desses
2 Nos trilhos do confessionalismo norte-
movimentos podemos citar dois: americano: Sylvia Plath (1932-1963)
a Geração Beat e o
Confessionalismo.
Sylvia Plath, reconhecida como contista, poeta e
romancista de renome, deixou sua marca no mundo literário
Enquanto o primeiro é
através de sua rica e complexa produção artístico-literária. Sua
caracterizado por uma
habilidade de mergulhar profundamente em emoções e
abordagem não convencional da
experiências pessoais contribuiu para a sua identificação com o
escrita e pela exploração de
estilo confessional, cujas bases estão alicerçadas nas obras
temas como liberdade,
literárias norte-americanas das décadas de 1950 e 1960. Nesse
descontentamento social,
contexto literário, a autora compartilha a cena com outros
espiritualidade e experimentação
intelectuais do mesmo panteão, como Anne Sexton e Robert
– com trabalhos representativos
Lowell, todos engajados em explorar os recantos interiores da
como o romance On the Road,
psique humana e dar voz às angústias existenciais de sua época.
de Jack Kerouc (1922-1969),

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No âmbito de sua obra, a segunda coletânea de poemas, Ariel (1965), foi apenas
destaca-se seu romance The Bell publicada alguns anos após a morte da autora, porém não da
Jar (1963) – “A redoma de mesma maneira que ela planejara. Somente décadas depois, em
vidro” no Brasil –, sendo apenas 2004, que essa edição idealizada pela autora viria à luz das
o começo de uma narrativa prateleiras editoriais.
profunda e perturbadora. Por ter sido uma escritora ambiciosa, no sentido
de uma dedicação de trabalho não apenas
Publicado sob o pseudônimo de poético — Sylvia praticava métricas desde
criança —, mas também intelectual, ela segue
Victoria Lucas, o romance disputada por vários lugares dos estudos
direciona os holofotes sobre a literários (Siqueira, 2022, p. 53).

personagem Esther Greenwood,


A tentativa de buscar possíveis explicações racionais
uma estudante que se encontra
para certas atitudes da poeta (como o extermínio corpóreo),
imersa em uma atmosfera
bem como de justificar sua vida por meio de conjecturas e/ou
carregada de crises emocionais –
rótulos redutores, acabam por transformá-la em um ser
uma representação, portanto, das
mitológico, encobrindo, por vezes, seu material temático-
tensões internas que muitas
estético.
jovens enfrentavam àquela
Através das perspectivas oferecidas por quem se dedica
época.
à leitura, é possível discernir o que está sendo observado (se é o
Além de sua prosa
autor propriamente dito ou uma persona que ele criou), mesmo
marcante, Sylvia Plath também
que essa compreensão não seja universalmente compartilhada,
se destacou como uma poeta
dentro do contexto textual. O filósofo da linguagem, Mikhail
formidável. Seu livro de poemas
Bakhtin (1895-1975), tece observações sobre essa
publicado enquanto em vida,
personificação dentro de obras:
The Colossus and Other Poems
(1960), é um testemunho lírico Se levarmos em conta todos os fatores
aleatórios que condicionam as declarações do
de sua habilidade de explorar autor-pessoa sobre suas personagens — a
crítica, sua verdadeira visão de mundo que pode
temas complexos e de mergulhar sofrer fortes mudanças, seus desejos e
pretensões, [...] veremos com absoluta
nas profundas experiências evidência o quanto é incerto o material que
humanas. Com uma voz poética deve emanar dessas declarações do autor sobre
o processo de criação da personagem. [...] O
intensa e reflexiva, Plath teceu autor-criador nos ajuda a compreender também
o autor-pessoa (2020, p. 6).
um mosaico de emoções e
reflexões, abordando questões de Destaca-se que, no contexto do movimento

identidade, relações interpessoais confessionalista norte-americano, Sylvia Plath não esteve

e as lutas internas que moldam isolada, dado que não lhe faltou a oportunidade de se conectar

nossa existência. Por outro lado, com outros autores contemporâneos. Como ilustração, é

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interessante notar que Robert interpretada como forma de expressão que aponta para
Lowell atuou como professor de possíveis direções em relação ao que o autor pretende
Plath, assim como de Anne comunicar. Indo além de simples figura de linguagem, a
Sexton. Não apenas alegoria pode representar uma estratégia para não revelar o não
compartilhavam a mesma esfera expresso, mascarando os sentimentos envolvidos na
acadêmica, mas também nutriam composição poética ou até mesmo ocultando situações
afeto uns pelos outros (como cotidianas, que podem abarcar sentimentos como ciúme e/ou
Anne Sexton e Sylvia Plath). vingança.
Movida pelas suas O próprio poema em análise, que demarca o início do
experiências e guiada pela denominado “ciclo das abelhas”, pode ser considerado uma
escrita, Plath mergulhou em alegoria por excelência. Quando se trata do termo "alegoria",
temas pessoais em sua obra. de acordo com o Dicionário de termos literários, de Massaud
Frequentemente abordava Moisés, ele implica em “indicar outro ou fazer alusão a outro,
questões envolvendo a vida ao falar de uma coisa enquanto se refere a outra, — uma
familiar, o papel da mulher na linguagem que encobre outra, uma história que sugere outra”
sociedade, o desafio do trabalho (1974, p. 14).
sob o domínio masculino, a Fundamentando-se nesse pressuposto, os postulados
morte, a violência e a denúncia bakhtinianos, relacionados aos estratos semântico-discursivos
de regimes opressores. Além que abrangem temas, autor-personagem e ficcionalização,
disso, também explorou a também serão empregados para enriquecer a análise do texto.
convivência com a depressão
patológica, sua trajetória como Por dentro de si mesma a vida interior não é
rítmica e — podemos falar em termos mais
uma estudante honrada com amplos — não é lírica. A forma lírica aí se
introduz de fora e expressa não a relação da
títulos prestigiosos, o tema do alma vivenciadora consigo mesma mas a
relação axiológica do outro como tal com ela.
suicídio e a opressão que o amor [...] Tudo o que é interior na personagem parece
poderia impor. inteiramente voltado para fora, para o autor, e
foi elaborado por ele (2020, p. 153-154).

3 As abelhas na O pai de Sylvia, Otto Plath, era uma referência no

poética plathiana estudo das abelhas. Seu livro, Bumblebees and Their Ways
(1934), ainda é amplamente respeitado atualmente – durante
Uma das marcas sua infância na Alemanha, foi carinhosamente apelidado de
estilísticas presentes na poesia de “Beinen-Konig” (rei das abelhas). Ao imigrar para os Estados
Sylvia Plath é a alegoria. Esta, Unidos, assumiu o cargo de professor de entomologia, na
em um sentido amplo, pode ser Universidade de Boston. A perda de Otto Plath, quando Sylvia

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tinha somente oito anos, teve um Para analisar o poema, recorremos à segunda edição
profundo impacto sobre seus bilíngue do livro Ariel, publicado pela editora Versus, no ano de
sentimentos e pensamentos ao 2018, com tradução de Rodrigo Garcia Lopes e de Cristina
longo de toda a sua vida. Macedo1.
Os poemas escritos pela A estada em Court Green ganhou uma importância
autora acerca das abelhas vão singular na vida de Plath e de sua família, além de ser o local
muito além de uma mera onde deu vida à maioria dos poemas que compõem a coletânea
exploração de diminutas Ariel, representou a primeira moradia que escolheu ao deixar os
criaturas, como uma figura de Estados Unidos e estabelecer-se na Inglaterra. Essa transição de
paralelismo – pelo contrário, um espaço para outro, portanto, implica uma interação com
apesar de sua fragilidade indivíduos de diferentes horizontes, inseridos, por exemplo, em
evidente, com seus corpos um contexto linguístico-cultural específico. No poema ocorre
minúsculos e asas ainda algo similar, dado que o eu-lírico inicia a seção com uma
menores, esses seres desafiam as pergunta retórica, considerando-se a premissa de que uma
próprias leis da física. Mesmo ponte é um elemento destinado a conectar pontos de partida e
com corpos que carecem de uma de chegada, assim também se desenrolava, à época, a trajetória
aerodinâmica propícia ao voo, as de vida de Plath.
abelhas, alheias a todas essas Entre as figuras notáveis que emergem na descrição,
adversidades, continuam a surge um vendedor de abelhas, que não necessariamente se
desempenhar suas funções. No trata de um apicultor como se poderia presumir. Ao utilizar os
entanto, direcionemo-nos ao ano artigos definidos para apresentar esses elementos, o texto
de 1962, mais especificamente proporciona uma espécie de delimitação, como se somente
no início de setembro. Nesse esses seres estivessem presentes, sendo únicos em sua
período, Sylvia Plath, então representação. Essas funções específicas, por analogia, ecoam
casada e mãe de dois filhos, nas tarefas das próprias abelhas no interior da colmeia, posto
encontrava-se estabelecida em que estas integram um grupo de insetos notáveis por sua
Court Green, em Devon, capacidade de coexistência social. Esse enxame, composto por
Inglaterra. Em meio a esse operárias, zangões e uma rainha, opera em uma colmeia com
contexto, a poeta deu vida a The papéis bem definidos, trabalhando para produzir mel e
Bee Meeting (“A Reunião das aguardando o cumprimento de suas funções na colônia por
Abelhas”, em português). parte das operárias designadas.
Nestes alvéolos, representados metaforicamente pelas

4 A análise estrofes, estão depositados todos os “pólens” capturados pela


poeta ao longo dos seus dias, e, consequentemente, fazem com
1 (Plath, 2018, p. 164-167).
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que nós tenhamos essa sensação específicas e as cores delas, acompanhadas de viseiras e de
de imersão, de idas e vindas, proteções. A paisagem delineada pelos temas explorados pelo
como Bakhtin cita, “a lírica não eu-lírico até este ponto começa a adquirir uma nova dimensão:
visa a criar para a personagem aquilo que poderia ser interpretado como uma representação
um caráter acabado, não traça poética de um ciclo entre vida e morte, agora se desvenda como
um limite nítido entre o conjunto uma visita a um campo que abriga uma colmeia, onde uma
da sua alma e toda a sua vida tarefa ainda não mencionada será realizada. Nesse espaço
interior [...] a ilusão da aberto, a vegetação rasteira se assemelha a corações entediados,
autopreservação da personagem murchos, evocando uma imagem de sangue gotejando sobre o
e de sua posição interior” (2020, solo.
p. 154-155). O eu-lírico sente-se "É o espinheiro que cheira tão? / Seu corpo estéril,
provocado ao perceber que está anestesiando seus filhos" (Plath, 2018, p. 165). Evidencia-se
desprotegido, os olhares que o que, no final de 1962, a relação matrimonial entre Plath e
julgam sugerem uma ausência de Hughes estava entrando em colapso. Ao longo dos anos, o
afeto. vínculo entre os dois sempre se mostrou tumultuado, como
Ao longo do poema indicado pela própria poeta em algumas de suas entradas em
somos apresentados a vários seus diários, onde menciona descontentamentos: “quem sabe a
elementos, como a asclépia, que quem o próximo livro de Ted está dedicado? A seu umbigo. Seu
se destaca por sua textura suave, pênis. Pela primeira vez o percebi presunçoso, enganador”
frequentemente empregada na (Plath, 2017, p. 449). Nesse cenário, Plath emprega um
produção de fibras têxteis, elemento de ficcionalização, uma vez que faz uso das
utilizada como matéria-prima na ferramentas líricas pertinentes. Em relação à definição desses
confecção das vestimentas que valores, “a lírica é uma visão e uma audição do interior de mim
foi dada para a proteção do eu- mesmo pelos olhos emocionais e na voz emocional do outro: eu
lírico, evocando uma associação me escuto no outro, com os outros e para os outros” (Bakhtin,
com os macacões 2020, p. 156).
tradicionalmente utilizados na No contexto do poema, mesmo que o eu-lírico ainda
apicultura. Encerrando a estrofe, esteja em pleno desconhecimento de sua própria identidade, ele
o repetir da expressão “meu persiste em sua busca por compreender seu lugar naquela
medo” emerge – contudo, sociedade entre os aldeões. Contudo, o procedimento cirúrgico
surgem os questionamentos: mencionado na sexta estrofe gera questionamentos. Seria essa
Medo de quem? Medo de quê? A intervenção um transplante ou uma transferência efetuada por
imagem dos aldeões retorna com mãos solidárias? A figura que envolve esse ato permanece
mais detalhes, suas vestimentas enigmática. Plath, agora adotando uma abordagem

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metalinguística, nos conduz a operárias da colmeia, já que os animais agem por instinto
uma nova perspectiva. Com a enquanto os seres humanos possuem a capacidade racional para
presença das abelhas, tomar decisões.
observamos sua fragilidade De forma semelhante à Sylvia Plath e à antiga rainha,
sendo exposta ao vento. aspiravam a afirmar suas vocações. Enquanto uma buscava
Certamente, a fumaça alude ao ocupar os espaços na esfera literária como uma escritora
fumo empregado para atordoar renomada por suas obras, a rainha, por sua vez, resguardada nas
os insetos e dificultar seus profundezas da colmeia para evitar que fosse capturada devido
ataques às pessoas presentes – à sua idade avançada, ansiava por permanecer em seu papel.
mas as abelhas não Em seu diário Plath fazia as afirmações constantemente:
compreendem as intenções
O que mais horroriza é a noção de inutilidade:
humanas; diante disso, são instruída, brilhante, promissora, e decaindo em
direção à meia-idade indiferente. Em vez de me
tomadas pelo pânico. Em meio a dedicar a escrever, perco-me nos devaneios,
essa situação, o eu-lírico se incapaz de superar a desilusão das recusas. [...]
Ler, estudar, “fazer minha própria cabeça”, por
sensibiliza pelas abelhas e busca minha conta apenas, não é só o melhor. Preciso
da realidade alheia, de trabalho, para me sentir
se camuflar, assemelhando-se às realizada. Jamais me tornar mera esposa e dona
de casa. [...] Cansei da incerteza terrível de
outras plantas do ambiente. nossas vidas vagas. (Plath, 2017, p. 605)
O eu-lírico assume uma
Concluindo o poema, a exaustão assola o eu-lírico, que,
espécie de “personagem” aos
após atravessar todo o “rito sagrado da apicultura”, executado
olhos das abelhas, enquanto sua
pelos aldeões (os quais já não se revelam iguais como antes),
aparência semelhante à de uma
agora repousa imobilizado sobre um palco, sujeito a uma
planta o mantém presente na
cirurgia realizada por um ilusionista, cujas facas geram terror a
cena. Imóvel e observador, o eu-
ponto de descolorir a atmosfera. O destaque é concedido ao
lírico acompanha em silêncio os
pilar que domina o palanque, enquanto os holofotes o banham
aldeões em sua busca pela
em um brilho intenso, preparando-se para o último truque. As
abelha-rainha. Com uma
facas se movem nas sombras, na obscuridade, em um local
inteligência quase humana, a
isolado onde apenas o eu-lírico pode acessar, mantendo sua
abelha-rainha permanece
mente resguardada. O pilar outrora pálido e inerte se
resguardada nas profundezas da
metamorfoseia na jovem que emerge da escuridão, não
colmeia, possivelmente se
hesitando em expressar sua exaustão. Após os eventos, todos
alimentando do mel ali
são desmascarados, revelando-se figuras comuns da sociedade.
armazenado. A rainha pode ser
No entanto, simultaneamente, o eu-lírico não compartilha o
interpretada como uma metáfora
mesmo espaço que esses envolvidos.
da poeta, ou até mesmo das

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jornada de iniciação, trabalho árduo e recompensas adocicadas.
A intersecção entre sua vida e obra resulta em uma poesia que
5 Conclusões Finais pode ser saboreada metaforicamente, onde cada linha é uma
gota de mel produzida no meio das adversidades.
Plath perseguia a escrita
Em última análise, Sylvia Plath permanece uma figura
com uma tenacidade vital. Seus
literária única, cuja determinação, habilidade e resiliência
silêncios e desafios, como
permeiam cada página de suas obras. Sua busca por expressão e
mulher em uma esfera literária
significado, sua exploração das experiências femininas e sua
dominada por homens, nunca
busca por autenticidade são manifestadas em sua poesia,
diminuíram a intensidade de sua
tornando-a uma voz atemporal e profundamente humana.
expressão. Sua escrita
Assim, o mel literário produzido por Sylvia Plath continua a ser
habilmente utilizava métricas e
degustado por leitores de todas as gerações, alimentando
formas consagradas,
mentes e corações com a complexidade de sua visão poética e
demonstrando que podia
sua vida vivida intensamente.
assimilar e expandir as tradições
literárias estabelecidas. Ao
entrelaçar suas experiências Referências
pessoais com sua produção
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo
literária, Plath criou uma teia
Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2020.
intrincada de confissões e
reflexões, revelando-se tanto MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo:
operária quanto rainha em suas Cultrix, 1974.
obras, navegando entre seus
deveres cotidianos e sua paixão PLATH, Sylvia. Ariel. Edição restaurada e bilíngue. Trad.
criativa. Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo. 2. ed.
A alegoria das abelhas Campinas: Verus Editora, 2018.
proporciona uma lente singular
PLATH, Sylvia. Os diários de Sylvia Plath; 1950-1962. Edit.
para compreender a vida e a
por Karen V. Kukil. Trad. Celso Nogueira. 2. ed. São Paulo:
literatura de Plath. Ela é, ao
Globo, 2017.
mesmo tempo, a operária e a
rainha, produzindo mel através SIQUEIRA, Emanuela. Fênix ruiva, escrita que come o tempo.
de suas experiências e desafios. Suplemento Pernambuco, Pernambuco, v. 194, n. 1, p. 48-62,
A apicultura, prática presente ao abril, 2022.
longo de sua vida e inspiração
para seus escritos, reflete uma
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