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Informações da série:
VIRGIN RIVER

1. Virgin River (2007) / Um lugar para sonhar

2. Shelter Mountain (2007) / Um lugar para amar

3. Whispering Rock (2007) / A rocha dos sussurros

4. Ao Virgin River Christmas (2008) / Um novo dia

5. Second Chance Pass (2009) / Sempre fiel

6. Temptation Ridge (2009) / Tentação no vento

7. Paradise Valley (2009)

8. Forbidden Falls (2009)

9. Angel's Peak (2010)

10. Moonlight Road (2010)

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Sinopse
Aos vinte e cinco, depois de passar os últimos cinco anos
cuidando de sua mãe, chegou o momento de que Shelby
experimente o que é a liberdade e a aventura. É hora de viajar,
de ir à universidade e de apaixonar­se. Mas quando visita
Virgin River, tropeçar com o Luke Riordan, que não era
precisamente o que tinha em mente.

Luke era um bonito piloto de helicóptero que deixou o


Exército depois de vinte anos no corpo, quatro guerras em suas
costas e de ter sido derrubado em três ocasiões. Em seus trinta
e oito anos, é um homem duro e enfastiado, que é todo um
perito nas aventuras de uma só noite e em evitar o
compromisso.

Tecnicamente, Luke e Shelby não parecem ser um para o


outro, mas há vezes o que alguém quer e o que alguém precisa
são coisas completamente distintas. Duas coisas muito
diferentes e muito boas.

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Capítulo 1
Shelby estava a uns quinze quilômetros do rancho de seu
tio Walt, quando teve que parar no acostamento da estrada 36,
a mais frequentada entre Virgin River e Fortuna, atrás de uma
caminhonete que lhe pareceu vagamente conhecida. Embora
fosse a estrada que cruzava as montanhas a partir de Red Bluff
a Fortuna, era de duas pistas. Deixou o jipe vermelho em ponto
morto e saiu. Por fim tinha deixado de chover e brilhava um sol
de verão, mas a estrada estava molhada e com atoleiros de
barro. Olhou ao longe e viu um homem com um colete refletivo
laranja que levantava um sinal para deter uma fila muito longa
de carros. O desvio ao rancho de seu tio estava atrás da
próxima colina.

Pulou uns atoleiros e se aproximou da caminhonete que


tinha adiante para perguntar ao condutor se sabia o que estava
acontecendo. Sorriu ao olhar pela janela.

—Bem, doutor...

O doutor Mullins a olhou pela janela baixada.

—Bem, menina. Veio passar o fim de semana montando a


cavalo? — Perguntou ele com seu tom resmungão de costume.

—Desta vez não, doutor. Vendi a casa de minha mãe em


Bodega Bay. Fiz a bagagem imprescindível e vou passar uma
temporada com o tio Walt.

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—Definitivamente?

—Não, ficarei uns meses. Estou de passagem.

A careta de chateação do doutor se suavizou um pouco,


mas só um pouco.

—Minhas condolências outra vez, Shelby. Espero que


aguente bem.

—Estou cada vez melhor, obrigado. Minha mãe estava


preparada para partir — Shelby assinalou com a cabeça para a
estrada. —Sabe o que está acontecendo?

—Parte do acostamento afundou — Respondeu ele. —


Passei a caminho do hospital. Metade desta pista caiu encosta
a baixo. Eles estão reparando.

—Um guard­rail viria bem.

—Só existe nas curvas fechadas. Nas retas como esta


temos que nos arrumar sozinhos. Foi uma sorte que nenhum
veículo caísse pela borda. Seguirá assim durante uns dias.

—Quando chegar a casa de Walt, não penso voltar a


passar por esta estrada em um tempo — Replicou ela dando de
ombros.

—Posso perguntar o que está pensando? — Disse ele


arqueando uma de suas sobrancelhas.

—Bom, enquanto visito a família, farei algumas


solicitações as escolas de enfermagem — Respondeu com um
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sorriso. —Uma escolha bastante natural depois de ter passado
anos cuidando da minha mãe.

—Não, justo o que necessitava! — Exclamou o Doutor com


o cenho franzido, como sempre. —Tomarei uma bebida para
suportá­lo.

—Ao menos, isso será fácil — Replicou Shelby entre


risadas.

—Está vendo? Outra impertinente.

Ela voltou a rir. Adorava esse ancião mal­humorado.


Shelby se virou, o doutor apareceu na janela e os dois
observaram o homem que se aproximava e que havia descido
da caminhonete que tinha parado atrás do jipe de Shelby.
Tinha o cabelo em um corte militar, ao qual ela estava muito
acostumada, porque seu tio era um general reformado do
Exército. O desconhecido usava uma camiseta negra apertada
nos ombros, largos e musculosos, a cintura e os quadris eram
estreitos e as pernas largas. Entretanto, o que mais a fascinou
foi como se aproximava, com uma economia de movimentos.
Sem pressa, confiante, arrogante... Levava os polegares metidos
nos bolsos e andava com indolência. Quando se aproximou
mais, ela pôde captar um leve sorriso ao olhá­la, de cima abaixo
com olhos brilhantes. «Nem sonhe», disse a si mesma com outro
sorriso.

Ao passar ao lado de seu jipe, olhou as caixas que


estavam dentro e logo seguiu para onde ela estava junto a

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janela aberta do doutor.

—É seu? — Perguntou assinalando o jipe com o queixo.

—Sim.

—Para onde se dirige?

—Para Virgin River, e você?

—Também — Ele sorriu. —Sabe o que está acontecendo?

—Caiu o acostamento — Respondeu o doutor com um


grunhido. —Só funciona uma pista por causa das obras. A que
vai a Virgin River?

—Tenho umas velhas cabanas no rio. Vivem no povoado?


— Perguntou ele.

—Eu tenho família ali — Respondeu Shelby oferecendo a


mão. —Me chamo Shelby.

Ele estreitou a pequena mão.

—Luke Riordan — Virou para o doutor com a mão


estendida. —Senhor...

O doutor não lhe estreitou a mão e se limitou a fazer um


gesto com a cabeça. Tinha as mãos tão retorcidas pela artrite
que nunca estreitava uma mão.

—Mullins...

—O doutor Mullins viveu toda sua vida em Virgin River. É

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o médico do povoado — Explicou Shelby ao Luke.

—Encantado em conhecê­lo, senhor.

—Outro fuzileiro? — Perguntou o doutor com uma


sobrancelha arqueada.

—Do Exército, senhor — Luke ficou muito reto e olhou


para Shelby. —Outro fuzileiro...?

—Alguns de nossos amigos, que trabalham no povoado,


são fuzileiros reformados ou fora de serviço. Seus amigos vêm
de vez em quando e alguns estão na ativa ou na reserva.
Entretanto, meu tio, com quem viverei uma temporada, serviu
no Exército. Agora está reformado — Shelby sorriu. —Não
aguentará muito tempo fora com esse corte de cabelo. Não sei o
que acontece com os homens com o cabelo raspado.

Ele sorriu com paciência.

—Não temos que padecer com essas coisas que os secam.

—Ah, os secadores de cabelo, claro.

Enquanto seguiam esperando, abriram a outra pista para


que passasse um ônibus escolar. A julgar pela quantidade de
veículos que havia em sua fila, não iria a nenhuma parte
durante um bom momento, por isso não havia pressa em voltar
para seus carros. Ficaram de pé na estrada e isso acabou sendo
um grande engano para Luke. Viu o ônibus que avançava em
grande velocidade pela outra pista, mas também viu um
atoleiro muito grande. Ficou entre o ônibus e Shelby e a
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empurrou contra a janela do doutor. Tampou­a com seu corpo
bem a tempo para sentir o barro nas costas.

Shelby conteve uma gargalhada e se disse que era todo


um machão. Luke ouviu uma freada, balbuciou uma maldição
enquanto a afastava e se voltou olhando com fúria ao ônibus. A
condutora, uma mulher de uns cinquenta anos com cara
redonda e uma boina de pele negra, apareceu pela janela e lhe
sorriu.

—Sinto muito, amigo. Não pude evitar.

—Teria evitado se tivesse ido muito mais devagar.

Ela, para assombro de Luke, riu.

—Não ia muito depressa. Tenho um horário — Gritou a


mulher. —Quer um conselho? Se afaste do caminho.

Ele notou que a nuca lhe abrasava e realmente queria


reclamar. Quando se virou, Shelby estava tampando um sorriso
com a mão e o doutor tinha um brilho nos olhos.

—Luke, tem uma pequena mancha nas costas —


Comentou Shelby tentando controlar os lábios. A cara do
doutor seguia igual, impaciente e irascível, exceto pelo brilho
dos olhos.

—Molly leva trinta anos conduzindo esse traste amarelo


por estas montanhas e ninguém conhece melhor a estrada.
Suponho que não viu o atoleiro desta vez.

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—Ainda não é setembro! — Queixou­se Luke.

—Conduz todo o ano — Explicou o doutor. —Cursos de


verão, competições esportivas... Sempre há algo. É uma Santa,
eu não faria esse trabalho nem por todo o ouro do mundo. Que
importância tem um atoleiro? — O doutor pôs em marcha sua
ruidosa caminhonete. —Já é a nossa vez.

Shelby voltou para o seu jipe e Luke a seguiu, indo para a


sua caminhonete, que levava um reboque acoplado. Ouviu que
o doutor gritava às suas costas.

—Bem­vindo a Virgin River, moço! Se divirta!

**********

Shelby McIntyre tinha passado meses arrumando a casa


de sua falecida mãe em Bodega Bay, mas tinha conseguido ir
quase todos os fins de semana do verão a Virgin River para
montar a cavalo. Seu tio Walt também a tinha visitado muitas
vezes, para fiscalizar as obras de remodelação, que tinha
contratado pessoalmente. No final do verão, Shelby tinha as
bochechas rosadas e as coxas bronzeadas, porque sempre
subia as calças curtas tudo o que podia. Suas coxas e traseiro
estavam muito firmes de cavalgar e os olhos resplandeciam de
boa saúde. Levava seis anos fazendo habitualmente esse
exercício.

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Quando parou diante da casa de Walt essa vez, em
meados de agosto, tinha uma sensação completamente distinta.
A casa foi vendida, todos os seus pertences estavam em seu jipe
e aos vinte e cinco anos começava uma vida nova. Tocou a
buzina, desceu e se esticou. Seu tio Walt saiu em seguida,
levou as mãos aos quadris e sorriu.

—Bem­vinda... ou deveria dizer bem­vinda a casa?

—Isso.

Aproximou­se e o abraçou. Walt media quase dois metros,


tinha o cabelo prateado e espesso, as sobrancelhas cheias e
escuras e os braços e costas como os de um lutador. Era um
homem muito forte para seus sessenta e poucos anos. Abraçou­
a com força.

—Estava a ponto de ir ao estábulo para selar seu cavalo.


Está cansada? Tem fome?

—Estou desejando montar a cavalo, mas acredito que


deixarei para mais tarde. Passei mais de quatro horas no jipe.

—Tem o traseiro moído, né? — Disse entre risadas.

—Sim — Respondeu Shelby esfregando o traseiro.

—Cavalgarei pela margem do rio durante uma hora.


Vanessa foi ver a construção nova, e meter­se nos assuntos de
Paul, mas voltará a tempo para cozinha­te um bom jantar de
boas­vindas.

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Shelby olhou seu relógio. Só eram três e meia.

—Eu irei ao povoado enquanto cavalga e Vanessa


inspeciona sua casa nova. Saudarei Mel Sheridan e verei se
consigo convencê­la a ir beber uma cerveja para celebrar minha
mudança de residência. Voltarei a tempo para poder ajudar
com os cavalos antes do jantar. Tiro as coisas do jipe antes?
Coloco­as na casa? — Perguntou.

—Deixe aí. Ninguém vai mexer em nada. Paul e eu, o


descarregaremos antes do jantar.

—Podemos combinar para montar juntos amanhã de


manhã — Propôs ela com um sorriso.

—Boa ideia. Algum inconveniente para fechar a casa?

—Fiquei mais emocionada do que tinha esperado.


Acreditei que estava preparada.

—Se arrepende?

Ela o olhou com seus enormes olhos cor de avelã.

—Chorei durante os primeiros setenta e cinco quilômetros.


Até que comecei a me animar. Estou convencida.

—Perfeito — Lhe deu uma palmada. —Me alegro muito de


que tenha vindo.

—Só uns meses. Logo, viajarei um pouco e começarei com


o pé direito na escola. Há muito que não sou estudante.

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—A vida aqui costuma ser muito tranquila. Aproveite.

—Sim... — Ela riu. —Até que há um tiroteio ou um


incêndio no bosque.

—Bom, queremos manter o interesse.

Seu tio a acompanhou até o jipe.

—Me espere para limpar as quadras e dar de comer aos


cavalos.

—Desfrute desse momento com uma amiga — Disse ele. —


Não teve muitos durante os últimos anos. Já limpará muitos
excrementos de cavalo enquanto estiver aqui.

—Obrigado, tio Walt. Não chegarei muito tarde.

Ele a beijou na frente.

—Eu disse para que tome o tempo que quiser. Cuidou


muito bem da minha irmã. Ganhou um montão de tempo.

—Até dentro de um par de horas — Se despediu ela


dirigindo­se ao povoado.

**********

Luke Riordan entrou em Virgin River com a Harley


Davidson bem presa na caixa de sua caminhonete alargada e

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com o reboque do pequeno trailer. Fazia sete anos que não
passava por ali e notou algumas mudanças. A porta da igreja
estava fechada com tabuas, mas o que recordava de uma
cabana velha e abandonada no centro do povoado, estava
recuperada, tinha carros e caminhonetes estacionados diante
do alpendre e um pôster de ABERTO na janela. Parecia que
estavam construindo uma ampliação atrás da cabana. Como ele
também estava pensando em fazer algumas reformas decidiu
dar uma olhada ao que tinham feito ali. Estacionou a um lado,
desceu da caminhonete e entrou no trailer para colocar uma
camisa limpa.

A tarde de agosto estava quente, mas havia uma ligeira


brisa fresca. Seria uma noite muito fria na montanha. Ele não
tinha estado na casa onde planejava viver e que tinha estado
vazia há um ano. Se estivesse inabitável, teria o trailer.
Respirou fundo. O ar estava tão limpo que quase lhe doeu os
pulmões. Era uma mudança enorme em comparação com os
desertos do Iraque ou El Paso. Era o que precisava.

Entrou na cabana reformada e se encontrou em um bar de


povoado muito agradável. Olhou ao redor com complacência. O
piso de madeira reluzia, brasas resplandeciam na chaminé e as
paredes tinham troféus de caça e pesca. Havia cerca de uma
dúzia de mesas e um balcão largo e brilhante com uma estante
atrás, cheia de garrafas de licor e de copos que rodeavam um
salmão dissecado que deveu pesar pelo menos dezoito quilos
quando o pescaram. A televisão, em um canto e no alto, estava

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ligada num programa de notícias nacionais, mas sem som. Um
par de pescadores, reconhecidos pelos coletes e chapéus cor
cáqui, achava­se sentados em um extremo do balcão jogando
cartas. Uns homens com calças jeans e camisas de trabalho
estavam bebendo algo em uma mesa. Luke olhou o seu relógio.
Eram quatro da tarde. Aproximou­se do balcão.

—O que posso lhe servir? — Perguntou o garçom.

—Uma cerveja fria, por favor. Este lugar não estava aqui
na última vez que passei pelo povoado.

—Então, faz muito que não passa por aqui. Abri­o faz
mais de quatro anos. Comprei­o e o converti nisto.

—Pois fez um grande trabalho — Disse tomando o copo de


cerveja. —Eu também quero fazer algumas reformas —
Estendeu a mão. —Luke Riordan — Se apresentou.

—Jack Sheridan. É um prazer.

—Comprei algumas cabanas ao lado do rio Virgin que


levam anos vazias e caindo pela encosta.

—As cabanas de velho Chapman? — Perguntou Jack. —


Morreu no ano passado.

—Sim, eu sei. Tinha vindo caçar com meu irmão e um par


de amigos quando as vimos pela primeira vez. Meu irmão e eu
pensamos que a localização, justo ao lado do rio, podia
compensar investir algum dinheiro. Reparámos que as cabanas
não eram usadas e quisemos compra­las, arruma­las, vende­las
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depressa e ganhar algum dinheiro. Entretanto, o velho
Chapman nem sequer quis ouvir uma oferta...

—Teria ficado sem teto — Comentou Jack passando um


pano pelo balcão. —Não teria tido muitas possibilidades, estava
completamente sozinho.

Luke deu um gole na cerveja fria.

—Efetivamente. Compramos todo o terreno. Incluindo a


sua casa, e lhe dissemos que podia ficar lá sem pagar nada,
enquanto vivesse. Foram sete anos.

—Um bom acordo para ele — Jack sorriu. —Uma atitude


inteligente da sua parte. Não é fácil encontrar um terreno por
aqui.

—Demo­nos conta de que o terreno, por estar na margem


do rio, valia mais que as cabanas que havia lá. Eu não pude
voltar desde então. O meu irmão veio uma vez para dar uma
olhada e disse que tudo seguia igual.

—O que te impediu?

—Bom... — Luke acariciou a barba incipiente. —O


Afeganistão, Iraque, Fort Bliss e alguns lugares mais.

—No Exército?

—Sim. Vinte anos.

—Eu passei vinte anos nos fuzileiros — Replicou Jack. —


Decidi que passaria os vinte seguintes servindo algumas
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bebidas aqui, caçando e pescando.

—Parece um bom plano.

—Meu plano descarrilou quando conheci uma bela


enfermeira e parteira chamada Melinda — Jack sorriu. —Eu
estava bem, mas essa mulher devia ser proibida de usar calças
jeans.

—Porquê?

—Não me deixam ir pescar.

Luke não se importava de ver um homem satisfeito com a


sua vida e sorriu.

—Fez isto com suas próprias mãos? –perguntou-lhe.

—Quase tudo. Me ajudaram um pouco, mas eu gosto de


me dar o mérito quando posso. Este bar está feito na medida.
Eu instalei as prateleiras e pus o piso de madeira. Não me
atrevi com o encanamento nem a instalação elétrica e tive que
contratar alguém, mas com madeira me saio bem. Consegui
acrescentar um cômodo muito amplo nos fundos, para viver ali.
Pastor, meu cozinheiro, vive aí agora e também está ampliando­
a porque sua família está crescendo, mas gosta de viver no bar.
Vai fazer reformas nessas cabanas?

—Primeiro verei como está a casa. Chapman já era


bastante idoso quando compramos tudo. Certamente, a casa
necessitará um pouco de reforma. No pior dos casos, posso
arrumá­la e viver nela. No melhor, posso reabilitar a casa e as
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cabanas e vende­las.

—Onde está o seu irmão?

—Continua no Exército. Sean está destinado na base


aérea de Beale, em um U­2. No momento, estou sozinho.

—Onde serviu?

—Nos helicópteros de combate Black Hawks.

—Uau! — Jack sacudiu a cabeça. —Vão a lugares


perigosos...

—Nem me diga isso. Escapei por um fio.

—Caiu?

—Não! — Respondeu Luke com indignação. —Me


derrubaram mais de uma vez, mas em um momento de lucidez
decidi que não voltariam a fazê­lo.

—Algo me diz que estivemos nos mesmos lugares e, ao


melhor, ao mesmo tempo — Comentou Jack.

—Também viu alguns combates, verdade?

—Afeganistão, Somália, Bósnia, Iraque, duas vezes.

—Mogadíscio — Confirmou Luke sacudindo a cabeça.

—Sim, os deixamos em um bom embrulho. Espantou­me


— Se lamentou Jack. —Perderam muitos companheiros. Sinto
muito.

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—Foi horrível. Um destes dias, Jack, nos embebedaremos
e falaremos dessas batalhas.

Jack o agarrou pelo braço.

—Pode estar seguro. Seja bem­vindo.

—Agora, me diga aonde posso ir me divertir à noite,


mulheres incluídas, a quem posso chamar se necessitar ajuda
com as cabanas e a partir de que hora posso tomar uma cerveja
aqui.

—Faz muito que não saio para procurar mulheres. Os


povoados da costa têm alguns lugares que estão muito bem.
Tente em Fortuna ou Eureca. Em Ferndale tem Brookstone Inn,
com um bom restaurante com bar. A parte velha de Eureca
sempre esta bem. Para algo um pouco mais... íntimo, há um
pequeno bar em Garberville que tem uma máquina de música
— Deu de ombros. —Recordo ter visto alguma garota bonita por
ali. Se necessitar ajuda para a remodelação, tenho ao homem
indicado. É um amigo meu que trouxe parte da empresa de
construção de sua família de Oregon e está fazendo a ampliação
de Pastor. Ajudou­me a terminar minha casa. É um construtor
fantástico. Vou procurar um de seus cartões.

Jack foi para a parte de trás e acabava de desaparecer


quando duas mulheres entraram no bar e Luke esteve a ponto
de ter um ataque do coração. Eram duas loiras preciosas. Uma
de uns trinta anos com o cabelo dourado encaracolado e a
outra, muito mais jovem, com uma inesquecível trança cor de

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mel que lhe chegava até a cintura. Era a garota da estrada, a
que tinha salvado do banho de barro... Shelby. A duas usavam
calças jeans agarradas e botas. A do cabelo dourado, além
disso, levava um pulôver de ponto solto e Shelby, a mesma
camisa branca com as mangas arregaçadas, o pescoço aberto e
atada na cintura. Tentou não olhar fixamente, mas não pôde
evitar, embora elas não se fixassem nele. O primeiro que
pensou foi que não teria que ir a Garberville. Sentaram­se em
uns tamboretes do balcão justo quando Jack voltava.

—Olá, querida.

Jack se inclinou por cima do balcão e beijou a mais velha


das duas mulheres. Luke supôs que esses seriam os jeans
ilegais que não lhe deixavam ir pescar. Que homem não
renunciaria a ir pescar para passar mais tempo com uma
mulher como essa?

—Apresento­as a um vizinho novo. Luke Riordan, esta é


Mel, minha mulher, e Shelby McIntyre; tem família aqui.

—Um prazer — Disse ele às duas mulheres.

—Luke é o dono das cabanas do velho Chapman que ficam


junto ao rio e está pensando em reforma­las. É ex­soldado, de
modo que o deixaremos ficar.

—Bem­vindo — Saudou Mel.

Shelby não disse nada. Sorriu e abaixou um pouco as


pálpebras. Calculou que teria uns dezoito anos, uma menina.

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Em realidade, se fosse mais velha, possivelmente lhe tivesse
pedido o número de telefone nessa estrada enlameada. Eureca
ou Brookstone não podiam superar isso, embora as duas
estivessem fora de seu alcance. Mel era a esposa de Jack e
Shelby parecia muito jovem. Uma jovenzinha muito sexy, disse­
se com certo calor. Entretanto, sua presença era promissora. Se
era possível encontrar duas mulheres tão formosas em um
pequeno bar de Virgin River, tinha que haver algumas mais por
essas montanhas.

—Tome — Jack lhe deu um cartão. —É de meu amigo


Paul. Neste momento, também está construindo uma casa para
minha irmã menor, Brie, e seu marido, ao lado da nossa, e
outra para ele mesmo e sua esposa.

—Minha prima — Particularizou Shelby.

Luke arqueou as sobrancelhas como se perguntasse algo.

—Paul se casou com minha prima Vanessa, a chamamos


de Vanni. Estão vivendo com meu tio Walt e eu viverei com eles.

—Quer uma cerveja, Mel? — Perguntou Jack a sua


mulher. —Shelby...?

—Vou tomar uma bebida com Shelby e depois irei para


casa para cuidar das meninas para que Brie possa jantar com
Mike — Respondeu Mel. —Só queria passar para te dizer onde
estarei. Darei o jantar as crianças e os colocarei para dormir.
Vai trazer algum jantar do Pastor quando for para casa?

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—Claro.

—Eu irei para casa, para ajudar com os cavalos —


Comentou Shelby —, mas antes tomarei uma cerveja.

Luke compreendeu que pelo menos tinha vinte e um anos.


A não ser que Jack não fizesse muito caso das limitações de
idade em seu pequeno e remoto bar, o que era muito possível.

—Será melhor que vá indo... — Disse Luke.

—Espera um momento — Lhe pediu Jack. —Se não tiver


que ir, às cinco costumam vir os fregueses habituais e é uma
ocasião perfeita para conhecer os vizinhos.

Luke olhou seu relógio.

—Acredito que posso ficar um momento.

Jack riu.

—Amigo, o primeiro que tem que desaparecer é esse


relógio.

Jack deu uma cerveja a Shelby e um suco a sua mulher.

Luke falou com Jack sobre a reforma do bar enquanto as


mulheres seguiam com sua conversa.

—Me perdoe, vou acompanhar minha mulher para fora —


Disse Jack dez minutos depois. Luke ficou com Shelby.

—Observo que trocou de roupa — Comentou Shelby.

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—Bom, pareceu­me conveniente. O ônibus escolar me
pegou inteiro.

Ela riu ligeiramente.

—Não tinha te agradecido por salvar minha camisa.

—Não precisava — Replicou ele antes de dar um sorvo de


cerveja.

—Vi essas cabanas. Eu gosto de montar a cavalo e passar


pelo rio. Têm um aspecto espantoso.

—Não é de admirar — Luke riu. —Com um pouco de sorte,


ainda têm alguma solução.

—Foram construídas faz muito tempo, quando ainda se


usavam bons materiais. Isso diz minha prima. Bom, espera que
sua família venha para cá com você?

Ele sorriu enquanto dava outro sorvo de cerveja. A


pergunta, tão cedo e tão direta, tinha­lhe surpreendido.

—Não — Respondeu ele—. Tenho minha mãe e meus


irmãos espalhados por aí.

—Não tem esposa? — Perguntou ela com um leve sorriso.

—Não tenho esposa.

—Bem, má sorte — Lamentou ela.

—Não tem que se compadecer. Shelby. Eu gosto.

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—É um tipo solitário?

—Não. Sou um tipo solteiro.

Ele soube que era sua ocasião para perguntar se ela tinha
alguma relação especial, mas lhe pareceu improcedente.
Embora soubesse que conhecê­la melhor certamente não era
prudente, pôs um cotovelo no balcão, apoiou a cabeça na mão e
a olhou nos olhos.

—Está de visita?

Ela assentiu com a cabeça enquanto dava um sorvo de


cerveja.

—Quanto tempo ficará no povoado?

—Ainda não sei — Jack já havia retornado e Shelby deixou


a cerveja sem terminar e um par de dólares. —Irei ocupar­me
desses cavalos. Obrigado, Jack.

—Shelby, por que não pede meia cerveja? — Perguntou


ele.

Ela deu de ombros, sorriu e estendeu a mão para Luke.

—Encantada de voltar a te ver, Luke. Até mais tarde.

—Claro — Lhe estreitou a mão.

Observou­a enquanto se afastava. Não quis fazê­lo, mas a


visão era irresistível. Quando voltou a olhar para Jack, este
sorriu e começou a fazer coisas atrás do balcão.

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Antes das sete, Luke tinha conhecido Pastor... ou John
para sua esposa e seu enteado. Conheceu Paige, a esposa do
Pastor, Brie, a irmã caçula de Jack, e seu marido, Mike. Voltou
a ver o doutor Mullins e passou o momento com alguns de seus
novos vizinhos. Deleitou­se com um dos melhores salmões que
já tinha comido, ouviu algumas historias do povoado e se
sentiu como mais um da turma. Enquanto esteve ali, outros
passaram para jantar ou beber algo e saudaram ao Jack e ao
Pastor como velhos amigos.

Entrou um casal e apresentaram ao Luke. Eram Paul


Haggerty, o construtor, e Vanessa, sua esposa.

—Jack me chamou — Explicou Paul. —Disse que seremos


vizinhos.

—Isso é muito otimismo — Replicou Luke. —Ainda não


passei por minhas posses.

—É seu o trailer que está lá fora? — Perguntou Paul.

—Como precaução — Respondeu Luke entre risadas. —Se


a casa estiver inabitável, não terei que dormir na caminhonete.

—Se quiser que dê uma olhada, diga­me isso sem duvidar.

—Agradeço por isso mais do que pode imaginar.

Luke acabou ficando mais tempo de que tinha previsto. Na


realidade, quando os amigos de Jack começaram a se despedir,
ele seguia ali tomando uma xícara de café com Jack. Todos
pareciam simpáticos, mas estava bastante atônito com as
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mulheres. Podia aceitar que Jack tivesse encontrado uma
mulher bonita em Virgin River, mas pareciam estar por todos
lados. Shelby, Paige, Brie e Vanessa eram muito bonitas. Teve a
esperança de poder divertir­se um pouco no povoado do lado.

—Vai querer conhecer Walt, o sogro de Paul — Disse Jack.


—Está reformado do Exército.

—Sim? — Perguntou Luke. —Acredito que Shelby disse


algo assim.

—Um general de três estrelas. Um bom tipo.

Luke grunhiu sem querer e baixou a cabeça. Jack pareceu


entendê­lo.

—Sim, o tio Walt de Shelby.

—Shelby, a de dezoito anos?

Jack riu.

—É um pouco mais velha que isso, mas é jovem,


reconheço. Está bem, verdade?

Luke pensou que isso não podia passar por alto.

—Olhei­a uma vez e me senti como se fossem me prender


— Respondeu entre as risadas de Jack. —Não poderia ser mais
perigosa. Jovem, bonita e vivendo com um general de três
estrelas.

—Bem... — Jack voltou a rir. —Mas já está crescida... e

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muito bem crescida, diria eu.

—Não penso em me aproximar — Replicou Luke.

—O que você disser.

Luke se levantou, deixou dinheiro no balcão e estendeu a


mão.

—Obrigado, Jack. Não esperava esta acolhida. Me alegro


de ter passado pelo povoado antes de ir para a casa.

—Se pudermos ajuda­lo, deixe­nos saber. Estamos felizes


em tê­lo entre nós, soldado. Você vai gostar disso.

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Capítulo 2
A família Sheridan estava acostumada a jantar junta no
bar, muitas vezes com amigos, e depois Mel ia para casa para
colocar as crianças para dormir, enquanto ele ficava até fechar.
Essa noite em especial, Mel havia voltado logo para casa para
liberar Brie de cuidar de seus filhos e Jack saiu um pouco
antes e tinha levado o jantar para casa.

Seguia lhe assombrando a satisfação que sentia quando


voltava para casa com sua família. Fazia três anos, era um
homem solteiro que vivia em um cômodo junto ao bar e não
tinha nenhuma vida doméstica. Nesse momento, não podia
imaginar­se noutra vida. Não deixava de pensar que a essas
alturas, seus sentimentos para sua esposa deveriam ter se
situado em uma espécie de complacência, mas sua paixão por
ela, a intensidade de seu amor, crescia cada dia.

Ela tinha lhe apanhado o coração com seu amor e se


apropriou dele, de corpo e alma. Não sabia como tinha podido
viver tanto tempo sem esse amor, não sabia por que havia
outros homens que o evitavam e acabou entendendo aos seus
amigos que levavam anos vivendo assim.

Não era nada do outro mundo: uma comida na mesa da


cozinha, um bate­papo sobre o bar, o vizinho novo e a volta de
Shelby durante uma boa temporada, enquanto se candidatava
as escolas de enfermagem. Entretanto, para Jack era a parte

28
mais importante do dia, o momento em que tinha Mel para ele
somente e seus filhos estavam deitados.

Quando lavaram os pratos, Mel foi tomar banho enquanto


ele ia buscar lenhas para acender a lareira do dormitório
principal, porque já começava a esfriar as noites. O outono
chegava cedo às montanhas. Uma vez feito tudo isso, rodeou a
casa para recolher o lixo e levá­lo ao povoado pela manhã.
Tirou as botas na porta da cozinha e ao passar pela lavanderia
também tirou a camisa e as meias três­quartos e as meteu na
máquina de lavar roupa. Quando chegou a seu dormitório, não
ouviu a ducha, pendurou o cinturão no armário e foi ao quarto
de banho principal.

Ao abrir a porta, viu Mel diante do espelho, a cobri­se


rapidamente com a toalha. Quando viu o reflexo dos seus olhos
no espelho, captou certo ar de culpa.

—Melinda, o que está fazendo? — Perguntou enquanto


baixava o zíper das calças para tirá­las e tomar banho.

—Nada — Respondeu ela evitando o seu olhar.

Ele franziu o cenho, aproximou­se, levantou­lhe o queixo e


olhou­a nos olhos.

—Está a esconder­se de mim? — Perguntou com espanto.

—Jack, estou a decair — Replicou ela ajustando mais a


toalha.

—O que? — Perguntou ele com tom de brincadeira. —Do


29
que está falando?

Ela respirou fundo.

—Os meus seios estão caindo e ao traseiro se pendura


sobre as minhas coxas. Tenho barriga e, se por acaso isso não
fosse bastante, estou cheia de estrias. Pareço um balão vazio —
Mel apoiou uma mão no peito granítico de seu marido. —É oito
anos mais velho que eu e está em plena forma.

Ele começou a rir.

—Acreditei que estava tentando ocultar uma tatuagem ou


algo assim. Mel, eu não tive dois filhos. Emma só tem uns
meses. Se dê um pouco de tempo.

—Não posso evitar. Tenho saudades do corpo que tinha.

—Bem... — Ele a abraçou. —Se pensas isso, é que não


cumpro com meu dever.

—É verdade — Insistiu ela apoiando a cabeça sobre o


tapete macio de pelos no peito.

—Mel, está cada dia mais bonita. Adoro seu corpo.

—Já não é o que era...

—É melhor — Ele tentou lhe tirar a toalha, mas ela


resistiu. —Vamos... — Ela deixou­a cair. —Este corpo é
maravilhoso para mim. Incrível. Mais excitante e irresistível a
cada dia.

30
—Não pode dizer isso de verdade.

—Pois eu digo — A beijou nos lábios enquanto lhe


acariciava um seio com uma mão e deslizava a outra até seu
traseiro. —Este corpo me deu tanto... Venero este corpo —
Levantou­lhe ligeiramente o seio. —Olha.

—Não posso suportá­lo — Se queixou ela.

—Olhe, Mel. Se olhe no espelho. Algumas vezes, quando te


vejo assim, não posso respirar. Cada pequena mudança
melhora, faz que seja mais desejável para mim. Não pode
pensar que não sinto admiração absoluta pelo corpo que me
deu os meus filhos. Me deu tanto prazer que às vezes eu acho
que poderia ficar louco. Querida, você é perfeita.

—Peso nove quilos mais que quando me conheceu —


Argumentou ela.

—Que tamanho usa agora? — Perguntou entre risadas. —


Um quarenta?

—Não tem nem ideia. É muito mais que um quarenta,


aproxima­se de uma de quarenta e seis.

—Meu Deus! — Exclamou ele. —Nove quilos mais que


tenho que dominar...

—E se me deixasse engordar e engordar?

—Seguiria sendo você? Quero você. Quero o seu corpo,


Mel, porque é você. Entende, verdade?

31
—Mas...

—Se eu sofresse um acidente e perdesse as pernas,


deixaria de me querer e me desejar?

—Claro que não! Não é o mesmo.

—Não somos nossos corpos. Tivemos sorte com nossos


corpos, mas somos mais que isso.

—O que te chamou a atenção foi meu traseiro dentro de


uns jeans.

—Meu amor por ti é muito mais profundo que isso e sabe.


Entretanto — Ele sorriu —, ainda me saem os olhos das órbitas
quando te vejo com esses jeans. Se tiver engordado nove quilos,
foram parar nos lugares adequados.

—Estou pensando em fazer uma operação de redução de


abdômen.

—O que é uma bobagem.

Beijou­a com paixão, acariciou suas costas nuas e em


poucos segundos ela estava se deixando arrastar pelas
sensações.

—A primeira vez que fiz amor contigo acreditei que tinha


sido o melhor de minha vida — Seguiu ele. —A melhor
experiência de minha vida. Acreditei sinceramente que nunca
poderia melhorar, mas não é verdade. Cada vez é mais
profunda e mais intensa que a anterior.

32
—Vou deixar de comer a comida do Pastor, que engorda
muito — Disse ela quase sem respiração. —Vou me empenhar
em que faça saladas.

Agarrou­lhe uma mão, levou ao abdômen e começou a


desce­la.

—Acho que não vou ter tempo para tomar uma ducha —
Comentou ele com a voz rouca. —A não ser que queira tomar
outra comigo.

—Jack...

—Sabe quanto te desejei aquela primeira noite? —


Sussurrou ele. —Te desejei mais todas as noites depois. Vamos
— Se inclinou e a tomou nos braços. —Vou te demonstrar o
quão formosa é — Deixou­a brandamente na cama. —Quer que
acenda a lareira? — Perguntou ele com uma gargalhada.

Percorreu lhe os quadris com as mãos e baixou mais os


seus jeans.

—Jack, se começar a não gostar, me dirá isso? Por favor.


Quando ainda estiver em tempo de fazer algo.

Ele a beijou apaixonadamente.

—Se isso acontecer alguma vez, Melinda, lhe direi —


Voltou a beijá­la. —Que bem sabe...

—Você não sabe nada mal — Sussurrou ela fechando os


olhos.

33
—Alguma pedido especial? — Perguntou ele.

—Tudo o que faz é especial — Sussurrou ela.

—Muito bem. Faremos um pouco de tudo.

**********

Luke parou diante da casa e das cabanas em plena


escuridão e utilizou uma lanterna muito grande para iluminar
tudo. No ano anterior, quando o velho Chapman faleceu,
cortaram o fornecimento elétrico. Só pôde ver uma casa negra
como um poço e umas cabanas desmanteladas com as janelas
tampadas com tábuas. Esperaria o dia seguinte para
inspecionar com mais rigor.

Entretanto, o som do rio era maravilhoso. Lembrou­se por


que gostou desse lugar na primeira vez que o viu. O som do rio,
os mochos, o assobio do vento entre os pinheiros, os grasnidos
dos patos de vez em quando... Embora fizesse frio, tirou várias
mantas e decidiu dormir com as janelas do trailer abertas para
ouvir o rio e os animais do bosque.

Com os primeiros raios de luz, ficou de jeans e de botas e


saiu. O céu tinha tons rosados e o ar era fresco e úmido. Pôde
ver o rio que baixava formando pequenas cascatas que os
salmões no outono voltavam para desovar. Na borda oposta
havia quatro cervos bebendo água. Como era de esperar, a casa
34
e as cabanas tinham um aspecto desolador, eram como um
grão na face dessa preciosa paisagem.

Como efetivamente tinha esperado, haveria muito trabalho


pela frente, mas tinha muitas possibilidades. Podiam vendê­lo
nesse momento pelo valor do terreno ou podia melhorar as
construções e conseguir um preço muito melhor. Além disso,
tinha que fazer algo produtivo enquanto pensava no que fazer.
Podia tentar procurar um trabalho como piloto de helicópteros
para o transporte de medicamentos ou na indústria privada.
Respirou uma baforada de ar. Entretanto, nesse preciso
instante, essa pequena parte de terra junto ao rio era perfeita.

Foi inspecionar a casa. O alpendre da entrada era amplo e


bonito, mas teria que reforçá­lo, lixá­lo e pintá­lo. A porta
estava trancada e ao forçá­la estilhaçou um pouco o batente.
Naturalmente, o interior era repugnante. Não só não o tinham
limpado desde muito antes que Chapman morresse, mas
também, depois, alguns animais o tinham tomado como
guarida. Ouviu­os escapulir e viu os rastros das pegadas no pó.
Estaria cheio de ratos, guaxinins e talvez gambás. Esperava que
não houvesse algum urso. Teria que dormir uma boa
temporada no trailer.

Tampouco cheirava muito bem. Tudo seguia como o dia


que faleceu Chapman. Até a cama continuava desfeita como se
acabasse de se levantar. O chão estava cheio de roupas sujas,
na cozinha, as comidas tinham apodrecido e se petrificado e
toda a mobília estava no local. Uns móveis horríveis,

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antiquados e deteriorados. Os eletrodomésticos também
pareciam de outro século e não tinham esvaziado a geladeira
antes que cortassem a eletricidade. O aroma era horrível.

Ao entrar pela porta principal havia uma sala de estar de


um tamanho aceitável, com uma lareira de pedra de bom
aspecto. À esquerda estava a sala de jantar, grande e vazia,
separada da cozinha por um balcão meio afundado. A cozinha
era suficientemente ampla para pôr uma mesa com quatro
cadeiras ou, melhor ainda, um balcão central.

Justo em frente havia um pequeno vestíbulo com um


quarto para as instalações de um lado, e um banheiro com
banheira de outro. Em frente havia um dormitório. O idoso
tinha deixado armários e cômodas enormes, a cama era grande
e com quatro postes. Luke não gostou dos móveis, mas eram
sólidos e duradouros e certamente também seriam valiosos.

Deu meia volta e voltou para sala de estar, onde viu uma
escada que subia ao segundo piso. Subiu com muito cuidado
porque não confiava na resistência dos degraus. Além disso,
estava escuro. Se não recordava errado, havia dois dormitórios
de bom tamanho sem banheiro. Ouviu mais animais que
escapuliam. Desceu correndo. Veria o piso superior quando o
exterminador tivesse passado por ali.

Ficou no meio da sala de estar e pensou. A boa notícia era


que o lugar parecia completamente condicionado para poder
viver ali. A má notícia era que: o que teria que fazer, seria caro
e teria que se dedicar por muito tempo. Teria que se desfazer de
36
tudo menos dos móveis do dormitório. Não servia nem para
vendê­lo como de segunda mão. Teria que lixar o chão, trocar
os móveis e bancadas da cozinha, tirar o papel de parede, lixar
e pintar as portas, janelas e rodapés... ou trocá­los.

Entretanto, e para começar, acabar com esse aroma e o


montão de imundície, ia ser um autêntico pesadelo. Embora, ao
menos, era algo que ele podia fazer com a ajuda de um
exterminador. Inspecionaria o telhado mais tarde.

Saiu da casa e abriu a porta da primeira cabana. Era mais


do mesmo. Os móveis estavam meio podres e o chão cheio de
desperdícios. As cabanas tinham um só cômodo e estavam anos
sem serem usadas, por isso os pequenos fogões e as geladeiras
de tamanho industrial eram antiquados e certamente não
funcionariam. Ele se dava bem com a madeira e a pintura, mas
não se atrevia a se meter com o gás e a eletricidade. Tinha seis
cabanas que necessitariam aquecedores de água, fogões,
geladeiras e móveis novos. Tinha que subir aos telhados para
comprovar como tinham suportado o passar dos anos, mas de
onde estava lhe parecia que faltavam muitas telhas ou estavam
podres. Além disso, teria que lixar e pintar a madeira do
exterior das cabanas e teria que trocar todas as janelas.

Fez um cálculo aproximado. Estavam em princípios de


setembro. De janeiro a junho, antes que as pessoas fossem
acampar e passear, tudo era lento e úmido nessa parte do
mundo. Se pudesse arrumar a casa e as cabanas para a
primavera, poderia pô­las à venda ou as alugar. Se para então

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se aborreceu das montanhas, jogaria o ferrolho e iria a San
Diego, onde estava destinado seu irmão Aiden e havia muitas
praias e trajes de banho, ou a Phoenix, onde vivia sua mãe
viúva que agradeceria eternamente sua companhia. Sempre
podia procurar um trabalho em algum aparelho que voasse se
quisesse.

Desenganchou o reboque da caminhonete, baixou a Harley


Davidson e a estacionou diante da casa. Tirou umas luvas de
trabalho, uma vassoura, uma pá e uma caixa de ferramentas
da caminhonete e começou a recolher por fora da casa. Podia
encher a caixa da caminhonete com os lixos e se por no
caminho para Eureca para que voltassem a religar os
fornecimentos de energia e gás, podia contratar um
exterminador e alugar um contêiner, também podia se desfazer
de uma boa quantidade de resíduos.

Ao meio­dia, tinha um bom monte de lixo diante do


alpendre e tinha que carregá­lo na caminhonete. Fazia mais
calor e estava suando como um trabalhador braçal, por isso
tirou a camisa. Estava carregando uma poltrona destruída e
com três pernas quando a viu. Ficou petrificado com a poltrona
por cima da cabeça.

Estava em uma luz, montada em um grande cavalo


malhado, com manchas brancas. Sorriu­lhe. Era pura e
inocente como o mel. Luke não pôde se mover. O cavalo era
precioso. Ela levava umas calças curtas de cor cáqui e
arregaçadas sobre as coxas bronzeadas, botas de caminhar com

38
meias três­quartos brancas, camiseta branca de manga curta e
um colete também cor cáqui, daqueles que usavam os
pescadores. Com a trança loira que lhe caía até a cintura e o
chapéu de aba aparentava uns quinze anos. A ideia de que
parecia um crime sexual o afligiu e recordou­se que tinha trinta
e oito anos.

O cavalo empinou, chutou o chão, soprou e jogou a cabeça


para trás, mas a moça que o montava nem se alterou.
Dominava­o com delicadeza e facilidade.

—Tinha que vê­lo com meus próprios olhos — Comentou


ela. —Você já pôs as mãos à obra com toda a animação. Wow!
— Ela riu. —Parece que vai ter trabalho.

Ele jogou a poltrona dentro da caminhonete e tirou um


lenço do bolso para secar o rosto suado.

—Talvez você não veja as possibilidades que tem tudo isto.


Nesse caso, vou te impressionar.

—Já estou impressionada. Parece­me um trabalho


descomunal. Onde me criei, havia umas velhas cabanas como
estas ao lado da praia. Era uma adolescente. Quase nunca
eram usadas e os Chicos se metiam dentro para fumar
maconha e... fazer outras coisas. Até que um dia elas
desapareceram. Foram demolidas.

—Quando era uma adolescente? — Luke meteu o lenço no


bolso. —A semana passada?

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—Faz dez anos — Ela riu.

—Então, não fez mais aniversário.

—Por que não pergunta isso? — Desafiou Shelby.

—Muito bem. Quantos anos têm exatamente?

—Vinte e cinco. E você?

—Cento e dez.

Ela voltou a rir e ao fazê­lo inclinou a cabeça para trás e a


trança desceu pelas suas costas.

—É verdade, acreditava que era muito velho, mas quantos


anos têm?

—Trinta e oito. Isso fica muito longe de seu campo de tiro.

—Isso depende — Replicou ela dando de ombros.

—Ah...!

—Depende de quem tenha no campo de tiro.

Gostei, disse para si mesmo sem muito convencimento.


Era algo entre a paquera e a leve provocação. Era um homem
com poucos escrúpulos e menos domínio de si mesmo. Não era
uma boa ideia que ela fizesse isso. Era muito tentadora.

—Monta muito bem nesse cavalo tão bonito.

—Chama­se Chico. Meu tio Walt ficou com um potro.


Então parecia mais dócil. Terá que conhecer os cavalos.

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—Sobrevoei muitos cavalos que corriam em liberdade pelo
deserto. São animais incríveis.

—Sabe montar?

—Faz muitos anos que não monto em um.

—Você pesca? – Perguntou ela.

—Quando tenho oportunidade. Você caça?

—Não — Respondeu ela com firmeza. —Nunca disparei em


nada vivo, mas tiro ao prato e eu o faço bem. Ultimamente me
dedico à jardinagem e a cuidar de crianças. Também leio muito.

—O que faz aqui? — Perguntou ele aproximando­se.

—Em Virgin River? Vim passar uma temporada com


minha família antes de voltar a estudar. Tio Walt, Vanni e Paul
e meu primo Tom, são a minha família.

—Não — Ele sorriu. —O que faz aqui, me fiscalizando?

—Esqueçeu, estou fiscalizando as cabanas — Respondeu


ela com um sorriso. —Vim algumas vezes no verão passado.
Pensei que desapareceriam algum dia. Não seria mais fácil
construir umas novas?

—É possível que fosse mais fácil, mas não mais barato.


Além disso, estava procurando algo que fazer.

—Por quê? Foi despedido do seu trabalho ou algo assim?

—Deixei o Exército.

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—Como meu tio! — Exclamou ela com as sobrancelhas
arqueadas.

—Não é igual. Sou um mero oficial, piloto de helicópteros.


Jack me contou que seu tio se retirou como general de três
estrelas. É muito diferente.

Ela sorriu, mas também ruborizou um pouco.

—Só me lembrava de que se retirou. Já não está no


comando.

Ele se fixou em seu rubor. Evidentemente, queria


paquerar. Entretanto, não o fazia de forma natural. Ele podia
facilitar­lhe. Sabia sossegar a uma mulher e gostava.

Estava sentindo um arrebatamento de autêntico desejo,


mas decidiu se conter. Havia dito que tinha vinte e cinco anos,
mas já teria alguma ocasião ido em um bar que não fosse o do
Jack? Iria sair tosquiada. Agarrou a camisa do corrimão do
alpendre e a pôs.

—Não faz falta que se vista... ao menos, por mim — Disse


ela. —Me aproximei de ver seu projeto, nada mais. Estava por
aqui perto.

Ele riu e não abotoou a camisa.

—Claro, somos vizinhos — Comentou ele com um sorriso.


—Deveria voltar ao trabalho, se não quiser nada mais.

—Não. Estou segura de que te verei pelo bar de Jack.

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—É o único lugar do povoado onde se bebe uma cerveja,
assim seguro que me verá.

—Então, boa sorte — Shelby levantou as rédeas e Chico


retrocedeu. —Até mais tarde.

Luke a observou afastar­se pela borda do rio. Quando


cruzou o arvoredo, instigou o cavalo para que acelerasse. A
trança voou detrás dela pela velocidade. Seu traseiro, pequeno
e jovem, movia­se com segurança sobre a cela de montar. No
que estava pensando? Perguntou a si mesmo. O que estava
sentindo? Não podia saber o que uma beleza tão miúda em um
cavalo tão grande podia despertar nele! Quase, era o maior
engano a que se expôs. Entretanto, não podia negar que
gostaria de acaricia­la dos pés à cabeça. Começou a rezar para
ter bom julgamento e domínio de si mesmo em relação a isso,
mas seria a primeira vez.

**********

Shelby voltou para casa de seu tio Walt pensando que


Luke possivelmente tivesse acreditado que estava paquerando
com ele, mas não era seu tipo absolutamente. Estava centrada
em seus planos. Viajaria um pouco enquanto esperava que a
aceitassem em alguma universidade. Sozinha. Recordava a
alegria de viajar com sua prima à Costa Leste ou a Europa para
passar um par de meses no verão. Entretanto, não tinha estado
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nas ilhas do Caribe nem no México, França, Itália e Japão.
Gostaria de fazer um cruzeiro e então ir à Itália ou
possivelmente ao sul da França. Uma vez recuperadas as
forças, ingressaria na universidade, procuraria um trabalho de
meio período e tomaria algumas aulas antes que o curso oficial
começasse no outono. Voltaria para a vida de estudante.

Possivelmente tivesse alguma pequena aventura no


cruzeiro ou em alguma das viagens. Naturalmente, não com um
homem como esse, era muito maduro, entre outras coisas. Se
tinha convencido só de olha­lo. Ele sabia tudo sobre os homens
e as mulheres e ela sabia muito pouco. Parecia um pouco
perigoso e muito... físico. Assustava­a. Parecia um guerreiro
com tantas tatuagens.

Inquietou­se ao vê­lo com o peito nu, mas o cavalo em que


ia montada lhe deu muita segurança. Tinha umas costas
enorme e musculosa e um arame de espinheiro tatuado no
bíceps esquerdo. O abdômen era plano e duro com uma fileira
de pelos que descia do peito e desaparecia nos jeans. A barba
incipiente fez que seu sorriso fosse provocador e a tinha
estremecido. Além disso, tinha um ar indolente. Tomaria o que
gostasse dela e a teria esquecido na manhã seguinte.

Entretanto, quando o olhou, sentiu que um calor se


apropriou dela. Tinha algo tentador, algo que parecia proibido.
Até o desalinho lhe a sentava bem. Apesar de sua sensatez,
perguntou­se se não seria interessante. Sua resposta imediata
foi que não, que ele, não seria. Sua aventura seria com alguém

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que usasse uma camisa polo, que tivesse o cabelo bem cortado
e as bochechas barbeadas como o traseiro de um bebê, que não
tivesse tatuagens e, se fosse possível, que tivesse um título
superior. Não um aterrador piloto do Black Hawk doutorado em
aventuras de uma noite.

**********

Mel irrompeu na cozinha do bar. Pastor estava de costas


para ela, com as mãos na pia.

—Pastor... — Ele não se virou. —Pastor... — Ele seguiu


sem alterar­se. —John!

Ele deu um coice, virou e desligou o aparelho de música


que estava ouvindo com os fones de ouvido.

—Mel... Apareceu como um fantasma.

—Não exatamente — Replicou ela. —Eu gritei. Escuta,


temos que falar — Acrescentou enquanto se sentava em uma
banqueta.

—Claro.

—Engordei nove quilos desde que estou aqui. Quatro


quilos e meio por ano. Quando tiver quarenta anos, pesarei
noventa quilos.

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Ele franziu o cenho sem saber muito bem o que tinha que
dizer. Esboçou um sorriso vacilante.

—Bom, não está mau.

—Sim está mau!

Ele quase deu um salto pelo tom irado de sua voz e voltou
a franzir o cenho.

—Preste atenção — Seguiu ela. —Tem que começar a


cozinhar coisas que não engordem tanto. Entendeu?

—Ninguém se queixou da comida, Mel. É saborosa...

—Eu sei, mas você cozinha para homens que fazem um


trabalho muito físico. Menos você, que está todo o dia na
cozinha provando de tudo. Não sei o que faz para não engordar.

—Limpo muito, levanto pesos...

—Claro, tem muito músculo e isso queima calorias, mas


as mulheres não têm a mesma musculatura, John. Tem que
deixar de utilizar creme de leite, manteiga e essas coisas. Além
disso, não são saudáveis, não são boas para o peso, o
colesterol, a tensão... Não são boas para o coração. Faça mais
saladas, mais verduras que não flutuem em manteiga. Não
posso ser a única pessoa deste povoado que esteja engordando
por sua comida.

—Saladas? — Perguntou ele. —Não estou acostumado a


fazer muitas saladas.

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—Já sei, — Replicou ela com cansaço — mas temos que
fazer algumas mudanças. Umas mudanças sem importância.
Compre pão integral para os sanduiches. Não faça massa e
batatas para cada comida. Faça saladas e ofereça frutas
frescas.

—Dou muita fruta.

—Sim, em bolos.

—Você come bolo quase todos os dias — Lhe recordou ele.


—Você adora meus bolos. Acredito que come mais que
ninguém.

Ela fez uma careta de desgosto.

—Vou deixar de fazê­lo. Por favor, se importaria de


oferecer alguma comida mais leve? Se não, não poderei comer
sempre aqui. Terei que fazer minha comida em casa e colocá­la
em algum recipiente. Esta loucura tem que acabar. Não posso
seguir engordando assim. Não vou ser uma gorda!

Pastor inclinou a cabeça.

—Jack se queixou do seu aspecto? — Perguntou ele com


cautela.

—Claro que não — Respondeu ela com impotência. —


Acredita que sou perfeita.

—Viu...

—John, acredito que não está prestando atenção. Tenho


47
que fazer regime. Quer que eu escreva o que necessito?

—Não — Respondeu ele com tom abatido. —Acredito que


entendi.

—Obrigado. Isso era o único que eu queria. Necessito de


um pouco de ajuda, nada mais.

—Queremos que seja feliz — Replicou ele medindo todas


as palavras.

—Isso me faria feliz — Mel desceu da banqueta. —


Obrigado, isso era o que queria falar contigo.

Quando partiu, Pastor ficou pensativo um bom momento.


Logo, voltou para onde estavam trabalhando os homens. Viu
Jack falando com Paul no cômodo que tinha sido seu
dormitório. Os dois usavam capacetes. Esperou até que se
virassem. Paul deixou escapar um suspiro, sacudiu a cabeça,
deu duas pernadas, agarrou outro capacete e o deu a Pastor.

—Não vou repetir isso — Disse Paul. —Não pode entrar


aqui com a cabeça desprotegida.

—Bem, claro.

Pastor colocou o capacete, que era pequeno e ficou no


cocuruto.

—Tem a maior cabeça do povoado — Disse Paul. —


Estamos levantando o segundo piso. Está procurando me
pertubar.

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—Certo, já entendi. Escute — Disse Pastor dirigindo­se a
Jack. —Mel acaba de vir. Queixou­se da comida.

—Mel...?

—Sim. Diz que minha comida a engorda.

Jack riu.

—Ah, isso! Sim, está incomodada com isso. Não se


preocupe.

—Me pareceu que tinha que me preocupar. Estava muito


cheia...

—Teve dois filhos em menos de dois anos e uma


histerectomia. Além disso, embora não goste que o recorde, está
ficando mais velha. As mulheres ficam um pouco mais...
cheias.

—Como sabe?

—Tenho quatro irmãs — Respondeu Jack. —O que mais


preocupa às mulheres é o tamanho de seus peitos e seu
traseiro. E das coxas, também falam muito das coxas.

—Ela gritou comigo — Insistiu ele, quase atônito. Paul riu


e Jack sacudiu a cabeça. —Lhe disse que as mulheres ficam
mais cheias com a idade? — Perguntou Pastor.

—Pareço que quero morrer? Além disso, não acredito que


esteja engordando, mas minha opinião a esse respeito não vale
grande coisa.
49
—Quer saladas e fruta fresca.

—Custa muito? — Perguntou Jack.

—Não — Respondeu Pastor. —Mas também não a obrigo a


comer bolo todos os dias.

Paul soltou uma gargalhada.

—Quer que use menos manteiga e creme, Jack — Seguiu


Pastor com tom queixoso. —Assim, não estará tão saboroso.
Não posso fazer molhos sem manteiga, creme, gordura e
farinha. Às pessoas adoram o salmão com molho, os fettuccines
Alfredo, a truta recheada, os guisados com o molho bem
espesso... Há pessoas que vem de muito longe por minha
comida.

—Sei, Pastor. Não tem que mudar tudo, mas faça algo
para Mel. Uma salada, um peito de frango na brasa, peixe sem
molho de creme, esse tipo de coisa. Sabe o que fazer, verdade?

—Claro. Não crê que quer que todo o povoado faça regime?
Diz que minha forma de cozinhar não é saudável.

—Ora! Acredito que é uma fase, mas se não quiser voltar a


ouvir falar do tema, lhe dê alface — Jack sorriu. —E uma maçã
em vez de bolo.

Pastor sacudiu a cabeça.

—Acredito que, diga o que diga, vai ficar suscetível.

—Disse que era o que queria, não?


50
—Sim.

—Que a força te acompanhe — Lhe desejou Jack com um


sorriso.

51
Capítulo 3
Shelby teve que fazer algumas adaptações que não tinha
esperado durante as duas primeiras semanas que passou em
Virgin River. Na casa dos Booth era parte de uma família, o
quinto integrante de uma família atarefada, ativa e onipresente.
Era uma situação desconhecida.

Quando Tom chegou do acampamento de instrução, para


passar dez dias de licença antes de ir a West Point, a família
voltou a crescer. Vanessa e Paul colocaram o bebê em seu
quarto e Shelby ocupou o dormitório de convidados e o quarto
de crianças, para que Tom recuperasse seu quarto. Além disso,
Brenda, a noiva de Tom, estava com ele, eram inseparáveis. A
casa dos Booth era grande, mas para Shelby parecia que
estavam como sardinhas em lata. Estava acostumada a dispor
de muito espaço na pequena casa de Bodega Bay, só com sua
mãe. Havia momentos de solidão e de silêncio. Ali não tinha
solidão se não fosse montar a cavalo. Além disso, sempre havia
alguém que queria acompanhá­la.

Houve algo mais que surpreendeu Shelby por completo, e


nem sequer tinha podido intui­lo. Vanessa sussurrou uma
noite quando Tom estava com a Brenda, e Walt estava saindo
pela porta. Ele disse que ia tomar uma cerveja.

—Uma cerveja... — Comentou Vanessa. —Aposto minha


mão direita como vai ver Muriel e demorará muito em beber

52
essa cerveja. Não virá jantar — Piscou­lhe um olho. —Papai tem
uma mulher.

—Não pode ser! — Exclamou Shelby.

—Asseguro­lhe isso — Vanessa sorriu. —Suspeitei que


estavam começando a ser algo mais que vizinhos, mas chegou
Tom e você e ele ficou mais por aqui.

—Conhece­a?

—Viu o filme Never Too Late?

—Sim — Respondeu Shelby sem sair de seu assombro. —


Eu adorei.

—Muriel St. Claire. Fazia o papel da recém­divorciada.

—Está aqui? — Perguntou Shelby boquiaberta.

—Comprou o rancho que está rio abaixo, uns dois


quilômetros daqui. Retirou­se para Virgin River. Deixou de fazer
filmes e está reformando a casa sozinha. Só vi três vezes, papai
e Muriel no mesmo cômodo, são muito discretos. Mas te direi
que lhes brilham os olhos quando estão juntos. Perguntei a
papai se podíamos convidá­la para jantar e ele respondeu que
não se importa em sair uma noite de vez em quando. Também
disse que havia muito tempo para isso. Acredito que tentam
não se mostrar em público. Apostaria algo a que está
acontecendo alguma paixão, mas nenhum dos dois vai
confessar. Assim que pergunto algo, ele se fecha.

53
—Tio Walt tem uma mulher...? — Perguntou Shelby
pasmada. —Uma atriz famosa...?

—Bom, demorou bastante. Acredito que não lhe passou


pela cabeça quando minha mãe morreu há cinco anos. Todo
mundo necessita de alguém. A idade não tem nada que ver,
mas eu gostaria que o fizessem abertamente. Eu adoraria lhe
ouvir falar de todos os famosos que conhece.

Todos tinham a alguém especial, até seu tio Walt. Ela


tinha sido uma jovem bastante normal, embora um pouco
tímida. Tirou boas notas, teve algumas amigas e participou das
atividades do colégio. Depois do colégio teve um trabalho de
meio período na biblioteca e inclusive saiu com alguns garotos.
Foi a bailes e ficou dormindo nas casas das amigas. Suas
amigas estavam acostumadas a sair em turma mais que em
casais. Algumas tiveram namorados no instituto que eram
muito sérios, mas a maioria, e Shelby entre elas, sentia­se mais
felizes se conseguisse ter um par para os bailes de fim de curso.

Talvez tivesse sido mais prudente do que as garotas de


sua idade, mas sua mãe foi muito sincera sobre sua gravidez
acidental e seu breve matrimônio, divorciou­se quando ela era
um bebê. Não ia permitir que lhe acontecesse o mesmo. Soube
que amadureceria tarde. Embora não tinha pensado que tão
tarde...

Tinha dezenove anos quando a vida normal de uma jovem


parou de repente e lhe caíra toda uma série de
responsabilidades novas. Tio Walt esteve plenamente disposto a
54
custear os cuidados de uma enfermeira na casa de sua irmã,
mas ela falou com ele.

—Não vai ser um assunto muito longo. Realmente, terá


morrido muito antes do que eu gostaria de pensar. Dedicou­me
toda sua vida adulta e sempre me deu prioridade. Se eu não
posso lhe dedicar uns anos da minha, o resto de minha vida
não importará um nada.

Até que tudo terminou e se encontrou com o momento de


refletir. Antes que Vanessa lhe tivesse contado isso de seu tio,
pensou que queria entrar no mundo das mulheres de sua
idade, de suas amigas, e ter o mesmo que elas tinham; as
relações, o amor físico e romântico, o idealismo, a paixão e
inclusive, os esforços. Queria tudo isso. Queria sentir­se plena.
Queria um homem.

**********

Walt chamou um par de vezes na porta da casa de


hóspedes de Muriel e logo a abriu. Muriel tinha arrumado o
velho barracão para viver ali enquanto trabalhava na casa
principal. Ao contrário das outras vezes que a visitava, quando
ela o recebia com a roupa de trabalho e o esperava para tomar
banho, daquela vez, não só estava de banho tomado e
arrumada, mas também tinha posto uma mesa com pratos,
talheres e uma vela. Ele sorriu e lhe deu um saco com comida
55
do bar de Jack. Depois, inclinou­se para acariciar Luce e Buff,
os cães lavradores.

—Parece uma celebração — Comentou ele, assinalando a


mesa.

—É. Já terminei os pisos de acima. Uma capa de pintura


no dormitório e no vestíbulo e poderia viver ali se quisesse.
Além disso, ontem comprei um aparador para a sala de jantar.
Encontrei­o nesse pequeno antiquário que há perto da Arcata.
É grande e não posso descê­lo da caminhonete. Poderia me
ajudar amanhã?

—Claro.

—O que é? — Perguntou ela olhando no saco.

—Costeletas, batatas cozidas e feijão­verde.

—E bolo? — Perguntou ela cheirando.

—E bolo, naturalmente.

—Aonde disse a sua filha e a sua sobrinha que ias? —


Muriel inclinou a cabeça e lhe sorriu.

—Disse que ia tomar uma cerveja — Respondeu ele


sorrindo também.

—Walt, não pensa que já se divertiu o bastante? Estou


segura de que não engana ninguém e, além disso, não sei o que
pensar do fato de que me escondas assim.

56
Ele pôs uma expressão de assombro.

—Muriel, eu não te escondo. Absolutamente! Além disso,


tomei uma cerveja enquanto esperava a comida.

—Então, por que não me convidou para jantar com sua


família?

—Quer ir jantar?

—Walt, não vou deixar que se livre disto. Recorde, sei o


que estou fazendo, eu conheço os homens. Nem balanças nem
retrocede. Estou encantada de ser sua amiga, sempre que não
haja nada de mau.

Ele baixou a cabeça um instante.

—Muito bem. Pegou­me — Reconheceu ele com certa


inquietação. —Estou passando isso maravilhosamente bem
montando a cavalo e jantando contigo aqui. Inclusive, te
ajudando a lixar, pintar ou colocar os móveis. Mas estou
esperando que me diga algo muito ao estilo de Hollywood, como
que as relações românticas lhe parecem vulgares e pouco para
você e que a assustam.

Ela riu.

—O que é isto? Acaso não é uma relação? Eu também


passo muito bem. Além disso, isso não é o que dizem em
Hollywood.

—O que dizem?

57
—Bom, quase sempre vai em um jornal e que fica perto do
mercado. Diriam algo assim como que pegaram ao St. Claire em
uma aventura sórdida ou que pegaram ao marido de St. Claire
com um traje de banho de mulher — Ela deu de ombros, mas
ele tinha uma expressão tão desconcertada em seu rosto duro e
atraente, que deixou o saco de comida na mesa e pôs os braços
na cintura. —Por acaso acredita que deixo que venha a me
aporrinhar porque é o único homem disponível de minha idade?

Ele arqueou uma sobrancelha cheia e escura.

—Eu sou?

—Isso pouco importa. Eu nunca poderia deixar de


paquerar com um trintão arrumado!

O fez rir. Essa era a questão do assunto, sempre o fazia


rir.

—Eu não estou surpreso, mas também não há muitos.

—Walt, por favor... Tenho meio de transporte, se Virgin


River não me divertisse...

Aproximou­se dele, rodeou lhe o pescoço com os braços e


lhe deu um beijo na boca que fez com que esbugalhasse os
olhos. Entretanto, ela não se afastou e conseguiu que ele
abraçasse seu corpo esbelto entre seus poderosos braços,
estreitando­a contra si, que separasse os lábios, que separasse
os dela e lhe desse, pela primeira vez desde que se conheceram
há quase três meses, um beijo apaixonado, profundo e úmido.

58
Foi fantástico, prazeroso e longo. Quando por fim a soltou um
pouco, ela se afastou e o golpeou no peito com o dedo
indicador.

—Agora, deixa de ser um tolo ou complicarás tudo. Irei


jantar na sexta­feira. Você cozinhará e eu levarei o vinho.

—Muito bem — Disse ele quase sem respiração. —Para


jantar... Com a família...

—Não porque esteja disposta a me comprometer, mas sim


porque eu gostaria de conhecer sua família. É mais, gostarão de
me conhecer e saber que não corre perigo.

Começou a tirar recipientes do saco e a deixá­los na mesa.

—Acredita que o repetiremos? — Perguntou ele. —Um


beijo assim...

—Acaba com todas essas tolices, está bem?

—Sim, estou de acordo com isso — Respondeu ele.

Uma atriz um pouco mais velha para ser curvar a um


general entrado em anos e curtido. Em realidade, tremiam­lhe
os joelhos e sentia algo que lhe vibrava por dentro. Com um
pouco mais de tempo, ia sentir outra coisa, algo que não sentia
muito frequentemente, mas sim o suficiente para saber que
ainda funcionava.

—Talvez, depois das costeletas. Agora, estou um pouco


irritada contigo.

59
—É uma pena — Replicou ele. —Eu estou encantado
contigo.

—Não deveria ter dado o primeiro passo. Os homens ou


são muito ambiciosos ou nada ambiciosos — Soou o telefone. —
Desculpe­me — Pediu ela.

Ele ouviu sua parte da conversação.

—Mmm... Agradeço muitíssimo que se lembre de mim,


mas teria que ser algo incrível para que voltasse ao cinema...
dentro de um ano? Já veremos o que tem dentro de um ano,
Mason. De verdade, não vou voltar para Los Angeles para fazer
um papel secundário em um filme insignificante... estou indo
muito bem e tenho cavalos e cães... Não se trata dos cavalos e
dos cães, é que me afastei do cinema e não acredito que tenha
algo interessante para mim. Muito bem, me mande o roteiro e o
lerei, mas duvido muito que vá mudar de opinião... Claro,
Mason, eu também.

Desligou e Walt tinha uma expressão áspera.

—Se importa se eu perguntar...?

—Era Mason, meu representante.

—E ex­marido? Não é quinze anos mais velho que você?


Não era hora de que se aposentasse com... setenta e um anos?

—Esse homem é a prova de fogo.

—Quer que volte?

60
—Quer que trabalhe e eu não tenho vontade — Olhou
para Walt e enrugou a testa um segundo porque ele tinha o
cenho franzido, mas riu. —Walt, está preocupado? Fique calmo,
ele me liga quase todos os dias. Algumas vezes manda uns
roteiros, mas são um lixo. Mason sempre tenta tudo para ver se
algo me tenta — Se aproximou e lhe acariciou o peito. —De
verdade, teria que me oferecer “E O Vento Levou”, para que
sequer me tente para isso — Sorriu. —Agora, poderíamos comer
as costeletas do Pastor? Estou morta de fome!

Ele acariciou o seu sedoso cabelo loiro com as mãos


grandes e curtidas.

—Morta de fome? Quando nos conhecemos só comia aipo


e purê de grãos­de­bico.

—Eu sei e estar contigo começa a se notar em meu


traseiro.

—Eu gosto, Muriel. Acende a vela e se sirva.

**********

Uns dias mais tarde, Vanessa e Shelby estavam muito


nervosas enquanto arrumavam a casa para a famosa convidada
que vinha para o jantar. A teriam para si mesmas, para fazer
todas as perguntas sobre as estrelas de cinema que ensaiaram
entre elas. Queriam uma exclusiva, mas não queriam ser tão
61
indiscretas como a imprensa sensacionalista. Naturalmente,
queriam saber coisas como quem era o homem mais sexy com
quem fora para cama.

—Não pode perguntar isso — Exclamou Shelby com os


olhos arregalados.

—Claro que não — Concedeu Vanessa. —Tenta pensar


como lhe perguntar se alguma figura sólida de Hollywood
resultou ser um fiasco.

As duas puseram­se a rir.

Walt ouviu quase tudo da cozinha. Empenhou­se em


cozinhar, era o que tinha prometido a Muriel, e se encontrou
perguntando­se pelas respostas a essas perguntas. Vanessa e
Shelby não deveriam perguntar­lhe, mas possivelmente ele sim
o fizesse com o tempo.

Tom, a quem só restavam dois dias de licença antes de ir a


West Point, levou Brenda. Chegaram uns minutos antes que
Muriel e quando Brenda se uniu a Vanessa e Shelby, a emoção
subiu de intensidade.

Quando Muriel entrou, deu duas garrafas de vinho ao tio


Walt, se virou e se encontrou com três mulheres ansiosas,
emocionadas e ruborizadas que a olhavam fixamente. Ela riu.

—Antes que comecem lhes direi que não conto segredos.

Tudo foi muito mais fácil. Sentaram­se à mesa de jantar,


beberam vinho, tomaram aperitivos e perguntaram sobre
62
Hollywood. Vanessa, Shelby e Brenda puderam corresponder e
lhe contaram tudo o que sabiam sobre Virgin River. Mas se
essas três jovens fossem autênticas fãs, saberiam que Muriel só
lhes contou histórias antigas, que todo mundo sabia ou que
foram publicadas. Era inteligente e já tinha passado por isso.
Sua forma de vida era como uma fantasia para o comum dos
mortais, mas estava sendo sincera, não contava segredos. Sabia
coisas pelas quais alguma revista terião pago muito dinheiro,
mas estavam no cofre de sua memória.

Que ela soubesse, todas as histórias de Virgin River, os


romances apaixonados, as brigas, as mortes, os êxitos e os
fracassos, eram autênticas.

—Nestes momentos, um dos romances mais comentados


no povoado é entre uma garota muito conhecida e inteligente, a
ponto de acabar o colégio, e um cadete de West Point —
Comentou Vanessa arqueando uma sobrancelha.

—Não! — Exclamou Brenda com espanto. —As pessoas


falam de nós?

Todo mundo riu por sua ingenuidade.

—Dizem algo ruim? — Insistiu ela entre as gargalhadas de


todos.

—Claro que não, Brenda — A tranquilizou Muriel por fim.


—Todo mundo espera que passem por West Point e a
universidade, juntos. Parecem feitos um para o outro.

63
—De verdade? — Perguntou ela com tom orgulhoso.

Para uma garota de dezessete anos, era uma honra que


Muriel St. Claire a adulasse.

Embora tivessem ficado até bastante tarde, a beber café e


comer cheesecake, a noite acabou chegando ao seu fim. Walt e
Muriel insistiram em que eles se ocupariam dos pratos.

—Muriel prometeu, já que doaria um rim antes de pensar


em cozinhar algo — Disse Walt.

Uma vez sozinhos na cozinha, Muriel foi para a pia, e ele


ficou atrás e a beijou no pescoço.

—Lidou muito bem com o interrogatório. Distração,


resistência e fuga. Poderíamos ter te empregado no Exército.

Ela se virou entre seus braços.

—O que fiz para ganhar a vida era muito mais perigoso,


mas estou de acordo contigo, sou hábil.

—Então, vamos limpar a cozinha para que possa te


acompanhar para casa e passar um momento longe das
crianças.

—Eu gosto da ideia.

No extremo oposto da casa, Tom saiu pela porta principal


com Brenda, abraçou­a e ela riu. Beijou­a apaixonadamente.

—O que te parece ser a metade de um casal encantador?

64
— Perguntou.

—Prefiro não pensar nisso — Respondeu ela. —Me lembro


que só restam dois dias antes de que você parta.

—Então, será melhor que estejamos sozinhos. O que te


parece isso?

—Mmm... quanto antes, melhor.

Na sala, diante da chaminé, Paul estava sentado em uma


poltrona de couro com Vanni em seu colo. Passava um dedo ao
redor da sua orelha e lhe dava beijos na têmpora. Puderam
ouvir as risadas de Muriel e do general na cozinha, e o motor da
caminhonete de Tom que se afastava com sua noiva dentro.

—Como vão as obras da casa? — Perguntou­lhe ela em


um sussurro.

—Estou trabalhando o mais depressa que posso. Morro de


vontade de ter um lugar só para nós — Beijou­a levemente nos
lábios. —Assim que tenha avançado um pouco com o edifício,
escaparemos ao Grant Pass e não diremos a ninguém onde
estamos.

Ela riu.

—Paul, só temos que deixar o bebê com sua mãe.


Ninguém nos incomodará se estiver ocupada com Matt.
Podemos fazer o que quisermos.

Ele deixou escapar um grunhido e lhe beijou o pescoço.

65
—Não vai perguntar o que quero?

Ela riu e se estreitou contra ele.

Fora, no alpendre, Shelby olhou o céu entre as risadas da


cozinha, o ruído do motor da caminhonete do Tom e os
cochichos diante da lareira. Tentou imaginar o rosto de sua
mãe entre as estrelas, como era antes de adoecer, sua
vitalidade, sua beleza, seu bom humor e seu bate­papo agudo.
Como fazia muitas vezes, centrou seus pensamentos em sua
mãe e se dirigiu a ela em voz baixa.

—Eu gostaria que estivesse conosco na mesa, foi muito


divertido. Todo mundo ria e contava piadas ou fofocas. Além
disso, ver o tio Walt com uma mulher... Era muito diferente de
quando estava com a tia Peg, ele estava mais animado. Está
feliz, mamãe, diverte­se como nunca pensei que o faria. E
Muriel, por ser famosa, é muito normal e muito graciosa.
Deveria ter visto o Paul e Vanni juntos. Vanni chegou a me
preocupar muito quando perdeu primeiro a sua mãe e depois,
seu jovem marido. Temi que nunca voltasse a ser feliz de
verdade. Paul é uma bênção para ela e para toda a família.
Também sei que Tom e Brenda só pensam no que vai lhes
custar estar separados, mas como se olham... Recordam aos
pintinhos que víamos juntas. Há tanto amor flutuando nesta
casa... De verdade, nunca pensei que em um povoado tão
pequeno pudesse haver tanta vida, tantos romances. Sou muito
afortunada por ter este lugar e estar com minha família.
Algumas vezes, embora eu tenha toda esta gente ao meu redor,

66
eu sinto sua falta. Algumas vezes, estou muito sozinha.
Acredita que alguma vez chegará minha hora? Pergunto­me
isso todo o momento.

**********

Mel Sheridan tinha trabalhado dois anos com o doutor


Mullins e nesse tempo se casou com o Jack e tinha tido dois
filhos. O trabalho não tinha sido fácil, o doutor era um
rabugento, mas tinham travado uma boa relação trabalhista e
uma amizade muito especial. Não concordavam em muitas
coisas, mas se entendiam bastante bem. Ela era partidária de
seguir as normas legais ao pé da letra e o que lhe importava era
que sua gente, seu povo, seguisse adiante o melhor que
pudesse, independentemente de ninharias como a lei.
Enquanto ficava, o doutor Mullins podia arriscar o que fora
para fazer seu trabalho e fazê­lo bem.

Mel se deu conta de que ele certamente teria trazido para


o mundo todo o povoado, pelo menos, aos menores de quarenta
anos. Era muito mais que o médico. Era a espinha dorsal do
povoado, o confessor, o amigo e o curandeiro. Ele não tinha
outra família. Virgin River era sua família.

Mel e o doutor, embora nenhum dos dois fosse nada


sentimental, tinham chegado a gostar um do outro. Os dois se
respeitavam entre grunhidos. Ele sustentava que não
67
necessitava de uma enfermeira com ares de superioridade para
fazer o seu trabalho e ela se queixava de que era tão teimoso e
intratável que os tolos residentes com os quais tinha trabalhado
em Los Angeles pareciam umas irmãs da caridade a seu lado.
Era amor sincero.

Ele não a considerava uma filha, nem ela via uma figura
paternal nele, mas ele tratava os filhos dela como se fossem
seus netos. Nunca havia dito nada do gênero, mas bastava ver
o brilho de seus olhos quando tomava um em seus braços. Isso
fazia que lhe transbordasse o coração de carinho e orgulho.

Mel estava bebendo um café na cozinha da clínica na


primeira hora da manhã.

—Bom dia — Grunhiu ele.

—Bom dia, alegria da festa — Replicou ela com um


sorriso. —Que tal a artrite?

—É o pior dia de minha maldita vida.

Ele abriu o armário que havia em cima da pia, tirou um


frasco de anti­inflamatórios e tomou duas cápsulas.

—Pior que ontem, que foi o pior dia de sua maldita vida?
— Perguntou ela.

Ele se virou e a olhou arqueando uma sobrancelha branca


e espessa.

—Sim — Respondeu ele tragando as cápsulas sem água.

68
—Bem, sinto muito. Tem que ser horrível. Ouça, pensei
em algumas coisas com Shelby. Ela vai cuidar dos bebês. Na
verdade, caiu do céu. Brie está ficando muito grávida e embora
adore cuidar de meus filhos às quartas­feiras, acredito que é
uma boa ideia que descanse e que desfrute de seu estado. Além
disso, Shelby adora vir aqui. Deixaremos que nos ajude, que
cuide das crianças, que use os seus conhecimentos e que
aprenda o que se faz em uma clínica rural. Verá uma parte da
medicina que não se limita a cuidar de uma pessoa terminal.
Está desejando começar. O que lhe parece?

—Que cuide das crianças me parece bem. Não sei se


teremos bastante trabalho para lhe pedir que nos ajude.

—Sei, mas tem muito tempo. Além disso, enfermaria não é


o mesmo que cuidar de alguém. Sei que não é a mesma
experiência que terá quando for à universidade, mas é algo.
Pode contar­lhes as histórias de um médico rural, adorará.
Além disso, quando tiver pacientes, a levarei comigo: eu gosto
de sua companhia. É doce e esperta. Considero­a uma espécie
de protegida. Nunca tive uma. Sempre fui eu a protegida.

—Melinda, vamos aborrecê­la de morte — Replicou ele.

—Pode ensiná­la a jogar cartas. Talvez encontre uma


garota de quem possa ganhar.

—Só de pensar em que haja outra mulher por aqui, me dá


um ardor no estômago.

—Não deveria ter ardor no estômago, sobre tudo, quando


69
lhe tiraram a vesícula. Devem ser os ácidos. Dói?

—Tenho setenta e dois anos e artrite, você o que acha?

—Acredito que deveríamos dar uma olhada.

—Ora! Estou bem. Sou velho, nada mais. Estou esgotado.

Ela riu. Não tinha mudado grande coisa durante esses


dois anos. Usava muito mais a bengala porque a artrite estava
judiando dele. Tinha setenta e dois anos e sua vida não tinha
sido confortável. Trabalhou enquanto esteve na universidade,
sem ajuda de sua família, e passou os seguintes quarenta e
cinco anos ocupando­se sozinho das necessidades de um
povoado, com o material mais rudimentar e sem nenhum tipo
de seguro. Quando ela, atônita, arqueou uma sobrancelha ao
inteirar­se, ele se limitou a dar de ombros.

—Por aqui não nos denunciamos, pelo menos, por


questões médicas — Lhe explicou.

Nunca tinha se casado, nem tinha tido filhos e contou a


Mel que não tinha família. Tinha­lhe muito carinho, embora a
tirasse de sério de vez em quando. Efetivamente, havia se
esgotado.

—Serão os ácidos, agora há umas coisas muito boas para


isso — Disse ela.

—Eu sei, Melinda. Sou médico.

—E não um médico qualquer — Replicou ela com um

70
sorriso. —O médico mais insuportável dos três condados. Você
que se arrume sozinho — Então, lhe ocorreu algo. —Poderia
pedir ao Pastor que trouxesse alguma comida que não lhe desse
tanto ardor no estômago.

—Por que eu faria algo assim? Cozinha como os anjos.

—Bom, pedi­lhe comida com pouca gordura. Esteve muito


complacente, para ser o Pastor. Eu engordei desde que cheguei
aqui.

Ele levantou os óculos e a olhou da cintura para baixo.

—Mmm...

—Não faça isso!

—Eu disse algo? — Perguntou ele colocando os óculos


outra vez.

Ela cruzou os braços e o olhou com raiva.

—Não se queixe por seu peso — Seguiu ele esfregando o


seu proeminente abdômen. —Ao menos, tem a vantagem de dar
a luz...

Ela arqueou uma sobrancelha com malícia.

—Deveria deixar de beber esse uísque ao final de cada dia.


Faria bem para o ardor no estômago.

—Melinda — Replicou ele com seriedade —, preferiria que


me tirassem os olhos.

71
Capítulo 4
Luke não demorou muito em fazer os acertos necessários
para poder dormir em uma cama de verdade, em uma casa de
verdade, e poder usar uma ducha de verdade. Primeiro, o
exterminador tampou as ratoeiras e pôs armadilhas. Luke
limpou a fundo e tirou coisas inúteis. Logo, colocou um estrato
e um colchão novos, e uma geladeira que funcionava. Em um
par de semanas tudo tinha mudado completamente, mas os
dias eram longos e sujos. Doíam­lhe os músculos e restava uma
quantidade de trabalho que parecia não ter fim.

Não tinha dado cinco horas, quando já estava de banho


tomado e se dirigia para beber uma cerveja e comer um pouco
da maravilhosa comida que serviam no bar de Jack. Levava um
minuto esperando que o atendessem quando Mel entrou no bar
com um bebê no colo, um menino pela mão e uma bolsa de
fraldas pendurada no ombro. Nem bem entrou, o menino caiu
de joelhos e começou a gritar.

—Que estranho... — Mel viu Luke. —Luke, toma —


Entregou­lhe o bebê para poder agachar­se e levantar o
menino. —Não houve nada. Não chore, nem sequer se
machucou. — Estava a ponto de levantar­se quando ouviu a
voz de seu marido.

—Mel...

Ela o olhou e Jack, detrás do balcão, aponto para Luke


72
com a cabeça e um sorriso. Luke sustentava o bebê tão longe
quanto lhe permitiam seus braços, com expressão de
perplexidade, enquanto Emma dava chutes e se retorcia. Mel se
pôs a rir, levantou­se, se aproximou e pegou o bebê.

—Perdão, Luke. Fazia muito tempo que estive perto de um


homem que não soubesse o que fazer com um bebê.

—Sinto muito — Replicou ele. —Não tenho muita


experiência com essas coisas.

—Tudo bem, eu me equivoquei — Não pôde evitar de voltar


a rir. —No dia que conheci o Jack, havia uma recém­nascida na
clínica e ele a pegou como se fosse um profissional.

—Eu era quase um profissional — Jack saiu do balcão. —


Tinha quatro irmãs, oito sobrinhas e outra mais a caminho —
Explicou ao Luke.

—Uma família prolífica — Comentou Luke. —Eu não sei


grande coisa de bebês.

—Se quer aprender um pouco de bebês, este é o lugar


indicado — Disse Mel. —Não acredito que existam virgens em
Virgin River. A taxa de natalidade está aumentando.

—Os bebês e eu somos... incompatíveis.

Jack se agachou diante do balcão.

—Vamos, vaqueiro — Estendeu as mãozonas para o


David. —Venha com o papai.

73
—Papai!

David agitou os braços gordinhos e cambaleou a toda


velocidade para o Jack. Ele o jogou ao quadril e voltou atrás do
balcão.

—O que deseja? — Perguntou ao Luke.

—Uma cerveja fria da torneira.

—Feito — Jack tirou diretamente uma cerveja com uma


mão e a deixou no balcão. —Que tal a casa?

Luke levantou a cerveja com muito mais gana que a um


bebê.

—É um desastre. Certamente, deveria ter tacado fogo —


Deu um sorvo. —Entretanto, tirei toda a porcaria da casa e
limpei o suficiente para poder dormir e tomar banho. Comecei a
arrumar as cabanas. Terei que pedir conselho ao Paul.

—Talvez já se tenha dado conta que é muito bom


trabalhar com o Paul, se quiser fazer muitas coisas por sua
própria conta. Oxalá ele tivesse estado por aqui quando estive
trabalhando no bar.

Com uma coordenação assombrosa, Paul entrou para


beber uma cerveja com a poeirenta roupa de trabalho ainda
posta. Justo atrás, o doutor Mullins entrou coxeando, uniu­se
ao grupo de homens no balcão e levantou um dedo a Jack para
lhe pedir o uísque. Chegaram mais alguns vizinhos que se
sentaram em nas mesas. O bar era um lugar muito agradável e
74
familiar onde todo mundo sabia qual era seu lugar e relaxava
para beber algo antes de jantar.

Paul perguntou ao Luke pela casa e as cabanas.

—Vou te pedir que lhes dê uma olhada, mas antes, quero


tirar a sujeira das cabanas. Trouxe um contêiner de Eureca e
contratei um exterminador. Se as visse agora, sairia correndo
apavorado.

—Não me assusto facilmente — Replicou Paul —, mas vá


em frente. Irei quando quiser.

Luke tentou não olhar para a porta. Levava duas semanas


dizendo­se que não ia ali para vê­la. Ia porque as pessoas e o
ambiente eram justamente o que procurava em um bar
pequeno e acolhedor das montanhas.

Os homens eram afáveis e dispostos a ajudar, as


mulheres, inconcebivelmente formosas. Que seguisse
imaginando­a montada nesse cavalo enorme, com a trança a
esvoaçar enquanto galopava... isso era natural em um homem,
não podia evitar.

Jack se inclinou sobre o balcão e falou em voz baixa.

—Alguns de meus amigos virão dentro de umas semanas


para caçar.

—Jack... — Disse Mel da outra ponta do cômodo. —Outra


vez!

75
Não lhe fez caso e Paul riu.

—Acredita que torturamos os cervos — Explicou Jack com


um tom de voz normal. —Adora ver meus amigos, mas não
suporta que cacemos. Por que não consegue uma licença para
caçar cervos e nos acompanha?

—É um bom plano — Disse Luke.

—Luke, eu tinha muitas esperanças depositadas em você


— Se queixou Mel através do bar.

Uma mulher com botas de borracha enlameadas, cabelo


branco e crespos e uns óculos muito grandes de aro preto
entrou no bar e se sentou em uma banquinho ao lado do
doutor.

—Luke, te apresento Hope McCrea, a intrometida do


povoado.

—Senhora McCrea...

—Outro fuzileiro? — Perguntou ela ao Jack.

—Não, Hope. Deixamos que venham alguns do Exército,


desde que não sejam muitos.

—Faz algo especial? — Perguntou­lhe ela sem dar voltas.

—Especial? — Repetiu Luke inclinando a cabeça.

—Estou procurando um professor e um pastor —


Respondeu ela. —Pouco pagamento e muito mau horário — Ela

76
levantou um dedo e Jack lhe deixou a bebida. —Trabalhos de
sonho.

Ele riu.

—Asseguro­lhe que não posso ocupar esses postos.

Então, entrou ela. Luke engoliu em seco e vibrou por


dentro. Levava o cabelo solto, um cabelo denso e ondulado onde
um homem podia afundar as mãos. Tinha na cabeça a imagem
de suas grandes mãos ao redor de fina cintura dela. Parecia
não usar maquiagem, salvo algo brilhante nos lábios, mas
tampouco o necessitava. Quando o viu, baixou levemente os
cílios, mas sorriu. Tímida, vulnerável e necessitada de um
homem forte. Sandices...

Justo atrás de Shelby entrou um homem de uns sessenta


anos, alto, com ombros largos e cabelo grisalho. Não era seu
pai, mas se pareciam muito. Luke sentiu uma pontada na boca
do estômago e se levantou imediatamente. Conhecia um general
assim que o via, com ou sem uniforme. Walt, com uma mão
sobre um ombro de Shelby, estendeu a outra para Luke.

—Deve ser o novo soldado. Eu sou Walt Booth. Que tal


está, moço?

—Senhor... — Luke estreitou sua mão. — Luke Riordan. É


um prazer conhecê­lo.

—Descanse — Disse ele com um sorriso. —Seja bem­


vindo. Jack, você me daria uma cerveja?

77
—Sim, senhor.

Shelby afastou Paul delicadamente para poder ocupar a


banqueta que havia ao lado de Luke. Paul arqueou as
sobrancelhas com curiosidade, mas Luke não se sentaria
enquanto o general não o fizesse. Não levava tanto tempo fora
do Exército para haver relaxado sobre coisas como hierarquia.
Entretanto, olhou­a e ela sorriu com um ligeiro brilho nos olhos
que possivelmente se devesse a que estava desfrutando pelo
tenso que se sentia perto de seu tio. Mesmo assim, deu­se
conta de quão expressivos e sensuais que eram seus olhos cor
avelã. Tinha que deixar de lado, disse a si mesmo. Essa
agitação fazia que sentisse umas cinquenta coisas e todas eram
um engano. Não jogava com jovens inocentes que,
evidentemente, procuravam um amor sincero, nem com seus
protetores tios generais do Exército.

Ele não se apaixonava. Apaixonou­se uma vez, quando era


muitíssimo mais jovem, e lhe deixou um buraco no coração
onde cabia um carro de combate. Depois daquilo, converteu­se
em um homem que não se apegava. Era um frívolo que gostava
de brincar, não de assentar. Nunca ficava em um lugar, nem
com uma mulher durante muito tempo.

A jovem Shelby era tão transparente que se via claramente


o que queria... ou necessitava. Gostaria de envolver um homem
com seus sentimentos e acorrentá­lo ao seu coração para
quebrá­lo ao meio. Então, para escapar, iria fazer muito dano.
Despedaçaria o seu coração jovem e tenro, e estragaria tudo

78
para o homem que pudesse aparecer mais tarde e a quisesse de
verdade.

O general se sentou por fim para conversar um pouco


sobre o Exército. Repassaram seus destinos e combates
enquanto ele conseguia cheirar a delicada fragrância de Shelby.
Aturdia lhe a cabeça e embotava as suas ideias.

Quando Walt acabou por dirigir a sua atenção para Hope e


o doutor, ele notou o fôlego dela na face quando se inclinou
para falar.

—Avançou muito com a casa e as cabanas?

Quis ser duro e indiferente, até cruel, mas quando a


olhou, os olhos dela o derreteram como se fosse de manteiga.

—O máximo que pude. Tenho um lugar para viver que não


está sobre rodas. Vai dar mais trabalho do que tinha
imaginado. O que você tem feito?

—Estive ajudando Mel com as crianças, enquanto ela


trabalha. Também a ajudei algumas vezes com os pacientes.
Monto a cavalo, cuido do bebê de Vanni e Paul e do tio Walt... A
verdade, pouca coisa. Deveria me aproximar dali e te ajudar
com os trastes velhos.

—Não — Replicou ele. —É um trabalho horrível, muito


sujo para você.

—Poderia observar. — Ela disse com um sorriso tão bonito


que lhe disparou o coração.
79
—Se fizer isso, Shelby, eu não faria nada. Me distrairia
completamente.

Ela pareceu surpreender­se.

—É muito amável por dizer isso.

Ele lhe cobriu a mão que tinha em cima do balcão. Foi um


contato muito breve, quase um roçar, mas lhe abrasou nas
vísceras. Estava metido em uma boa confusão. Não sabia o que
era mais assustador, se não conseguir alguma coisa com ela ou
a reação do general se o fizesse.

—Não parece um lugar incomparável? — Perguntou ela.

—Virgin River?

—Isso é óbvio. Referia­me ao bar de Jack. Eu adoro vir


aqui e encontrar sempre um rosto amável.

—Passei algumas vezes por aqui nas últimas duas


semanas e não vi seu rosto amável.

Arrependeu­se ao dizê­lo. Não podia brincar com isso.

—Bem... — Ela riu. —Meu primo Tom estava em casa de


licença. Viemos algumas vezes, mas em família. Somos uma
multidão em casa com todos nós, Tom e sua noiva. Já foi para
West Point e imagino que virei mais frequentemente.

—Você gosta do bar de Jack — Comentou ele.

—Criei­me em um povoado pequeno da costa. Embora seja

80
muito maior que este, também é acolhedor. Havia um velho
botequim que se chamava Sea Shack, com conchas e redes
pelas paredes e muitos aldeãos, mas também turistas. Sempre
podia contar com que houvesse algum cliente habitual, nunca
tinha que me preocupar por estar sozinha.

—Onde? — Perguntou­lhe ele.

—Em Bodega Bay, ao sul daqui. Se aqui tem bosques,


cervos e ursos, em Bodega Bay há mar, navios de pesca, alguns
escarpados, baleias e golfinhos.

Ele apoiou a cabeça na mão como se estivesse ficando


hipnotizado, pouco a pouco. Imaginou­a na praia com um traje
de banho muito, muito pequeno.

—Tem bom aspecto. É onde vive?

—Já não — Respondeu ela. —Minha mãe faleceu na


primavera passada, deixou­me a casa e a vendi.

—Sinto muito — Disse ele depois de recuperar­se da


surpresa.

—Obrigado. Tampouco vou ficar em Virgin River;


finalmente vou estudar. Agora estou de férias. Enquanto estou
aqui, estou apresentando candidaturas.

—Quanto tempo vai durar as férias? — Perguntou ele sem


se dar conta.

—Certamente, uns meses. Também pensei em fazer

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algumas viagens. Estou procurando pela internet. Logo,
decidirei sobre a universidade. Irei procurar alojamento e um
trabalho de meio período e também assistirei a algumas aulas
para ir me adaptando ao ritmo. No entanto, voltarei por aqui
para rever a Tom. Ele terá permissão nas férias.

Walt os interrompeu para dirigir­se ao Luke.

—É verdade o que Jack me contou? Também tem um


irmão piloto de Black Hawks? Toda a sua família está louca?

Luke se virou para o general com a esperança de que não


captasse a luxúria em seus olhos.

—Relaxe, senhor. Ao menos, não são tanques de guerra —


Replicou Luke.

—Moço, resulta que eu gosto dos tanques de guerra.

**********

Quando saiu do bar, Luke foi a Garberville, embora o que


queria fosse dormir. Tinha o corpo moído, mas a cabeça não
parava de dar voltas. Além disso, havia uma parte de sua
anatomia que estava muito necessitada. Fazia muitíssimo
tempo que não tinha uma reação assim e por acaso a última
vez também foi pela filha de um general. Tinha sido há anos e
ele foi inusitadamente inteligente e partiu sem olhar para trás.

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Estava tentando tirar essa moça da cabeça, gostaria de
deixar de sentir essas espetadas abrasadoras por todo o corpo.

Encontrou o bar muito facilmente. Era uma pocilga que


fez que se sentisse muito arrumado e inconfundivelmente
militar com o cabelo rapado e a camisa justa. Ali havia muitos
homens com camisas xadrez, cabelo comprido, tranças, barbas
e bigodes. Estava abarrotado às nove da noite. Encontrou uma
banqueta em um balcão de um cômodo muito ruidoso, cheio de
gente. Pediu uma cerveja e um copinho de uísque. Tinha
chegado o momento de deixar de pensar nela. Quando partiu
do bar de Jack, já tinha imaginado que a acariciava e seu tio
lhe dava um tiro.

Bebeu o uísque de um sorvo e desfrutou da cerveja.


Acertei em cheio, disse a si mesmo com ironia. Tinha ido parar
em um povoado diminuto, onde todos se reuniam no mesmo
bar algumas noites na semana, e em vinte e quatro horas já se
estremeceu pela única mulher que tinha que evitar a todo
custo. Entretanto, a luxúria o tinha apanhado entre suas
garras e ela o atraía sem poder remediar.

Entendia muito bem que acariciá­la não era o problema.


Eram adultos, não eram adolescentes. Podia seduzi­la, deitar­se
com ela, desfrutar dela e que ela desfrutasse dele sem que isso
fosse um problema excessivo. Tinha a sensação de que caía
bem ao general e ao Paul. O problema chegaria depois: não
levaria a sério, não seguiria adiante e ela choraria. Faria sem se
apaixonar, quando ela era uma jovem que, claramente,

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necessitava de um amor sincero e duradouro. Isso acabaria
mau e, com ele, não era uma possibilidade, mas uma certeza.
Há mais de doze anos que não sentia nada parecido com o que
Walt Booth queria para a sua sobrinha.

Vinte minutos depois, o garçom lhe serviu outra cerveja e


olhou para ele.

—Das mulheres do outro extremo do balcão — Explicou


ele.

Não tinha reparado em ninguém mais. Sua cabeça se


centrou nessa pequena preciosidade. Esboçou um pequeno
sorriso.

—Agradeça­lhes.

—Gostariam de saber se quer acompanha­las para beber


algo.

—Vou ter que partir em seguida — Disse ele.

Entretanto, pensou que esse era mais seu estilo. Umas


garotas modernas e complacentes que se acotovelavam no
balcão e convidavam desconhecidos para tomar algo.

—Eu repensaria isso... — Replicou o garçom com uma


sobrancelha arqueada.

—Claro — Luke sorriu. —Por que não?

Deixou um pouco de dinheiro no balcão para pagar suas


bebidas, tomou a cerveja e se dirigiu para o outro extremo do
84
balcão. Havia três e para todos os gostos. Uma loira, uma
morena e uma ruiva. Tinham vinte e poucos anos e haviam
bebido bastante.

—Senhoras... — Saudou­as. —Obrigado pela cerveja. Um


grupo de amigas que saiu à noite?

Elas deixaram escapar umas risadinhas.

—Bom, já não somos amigas — Respondeu uma delas


enquanto lhe deixavam lugar para que se sentasse no banco do
centro.

—São do povoado? — Perguntou ele.

—Sim, somos de Garberville — Respondeu outra. —E


você?

—Estou de passagem — Mentiu. —Tenho uma casa junto


ao rio. Gosto de caçar ou pescar.

Chamavam­se Luanne, Tiffany e Susie. Eram secretárias,


estavam no bar para um happy hour e, parecia que nenhuma
deixava de beber para dirigir. Duas estavam divorciadas e uma,
Luanne, disse nunca ter sido casada. Vestiam saia jeans curtas
que mostravam suas longas pernas, saltos e tops justos que
ressaltavam seus decotes. Tinham peitos altos e firmes e cabelo
espesso. Sem querer, pensou que Shelby era muito mais sexy
com suas calças jeans, botas, camisa branca arregaçada, seu
rosto sem maquiagem e deixando tudo à sua imaginação.

Inteirou­se de que todas se criaram por ali e lhes


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perguntou quais eram seus lugares favoritos para ir de noite.
Reconheceu ter deixado o Exército há pouco tempo, depois de
ter passado muito tempo pilotando helicópteros, mas não falou
dos combates. A essas garotas não se importavam com
assuntos internacionais e depois que ele disse que seu último
destino tinha sido Texas, elas não lhe pediram mais detalhes.
Queriam saber coisas mais práticas. Era casado? Ficaria muito
tempo por ali?

Em dez minutos, Luanne já lhe tinha posto a mão em seu


joelho por baixo do balcão. Quase deu um coice pela surpresa.
Ela passou­a pelo interior de sua coxa e agarrou­lhe o pulso.

—Eu gostaria de poder me levantar, Luanne.

Pareceu­lhe muito engraçado e ele soube que se queria


aliviar a tensão, não lhe custaria muito. Expôs­se a
possibilidade de um momento, mas por um momento. Não
podia imaginar isso.

Como se tivessem combinado, Tiffany e Susie se afastaram


para os banheiros, mas Luke se deu conta de que ficaram em
uma mesa. Iam deixa­los sozinhos. Tentou manter uma
conversa com Luanne, que só era capaz de falar do seu
trabalho como secretária, de roupa e das suas amigas. Tinha o
irritante hábito de passar a mão nos cabelos a três por quatro.

Teve que lhe retirar a mão da coxa outra vez e se inclinou


para ela.

—Não quer que me excite, verdade?


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Ela se inclinou mais e roçou sua bochecha com a dele.

—E se quisesse?

—Seria um engano. Não estou exatamente livre.

Ele se perguntou por que haveria dito isso. Mais que livre,
estava à beira do desespero.

—Não me importa excessivamente — Sussurrou ela.

Não estava em seu melhor momento para jogos tão


difíceis. Desculpou­se, disse­lhe que voltaria em seguida e a
deixou no balcão. Foi ao banheiro e se deu conta de que não
estava a salvo em nenhum lugar. Não estava a salvo com
Shelby nem longe dela. Essa Luanne era mais seu tipo, parecia­
se com outras muitas com as quais teve relações sexuais, sem
problemas nem compromissos. Só tinha um pequeno
inconveniente, quanto mais o provocava, menos gostava. A
franqueza da sobrinha do general lhe tinha quebrado a
possibilidade de ter uma aventura de uma noite sem
complicações. Decidiu que não voltaria para o balcão e que
escaparia.

Saiu do banheiro e se encontrou encaixotado contra a


parede do estreito corredor em penumbra. Luanne o tinha
apanhado.

—Wow! — Exclamou ele levantando as mãos como se o


tivessem detido para não tocá­la.

Ela o olhou com seus olhos sensuais e frágeis, esboçou


87
um sorriso inclinado e lhe colocou algo distraidamente no bolso
dianteiro da calça. De sua privilegiada posição, pôde olhar seu
impressionante decote e os dois saudáveis peitos que o
formavam. Adorava peitos. Muitas vezes pensava que se Deus
lhe tivesse dado peitos, não poderia deixar de tocar­se.

Ela o tinha contra a parede do corredor que levava aos


banheiros. Um homem passou a seu lado, sorriu ligeiramente e
seguiu seu caminho. Luanne ficou na ponta dos pés e o beijou
nos lábios. Luke notou a incipiente ereção. Ela o rodeou com os
braços, meteu­o no banheiro de senhoras, empurrou­o contra o
lavabo e fechou o trinco. Fez com tanta destreza que fico claro
que não era a primeira vez que o fazia.

Embora o envergonhasse, tampouco era a primeira vez


para ele, mas não tinha se espantado. O que recordava era que
esse era o momento de tirar um preservativo do bolso e ir ao
ponto. Fazia muito que não estava com uma mulher e seria algo
rápido. Ela estava mais que desejosa, estava entregue. Colocou
a mão no bolso para ver o que ela tinha lhe dado. Tirou algo
suave e rendada. Eram umas diminutas calcinhas vermelhas e
negras.

—Você está brincando — Balbuciou ele guardando­a outra


vez no bolso.

—Te parece que estou brincando? — Perguntou ela com a


língua pastosa.

—Luanne, não vou fazer isso aqui.

88
—Quer ir a algum lugar?

—Não. Não vamos a nenhum lugar.

—Estou segura de que posso fazer com que mude de


opinião.

Ele negou com a cabeça.

—Não. Se importaria de me deixar sair do banheiro de


senhoras?

—Por quê? Eles não pensam em me rechaçar.

Magnífico curriculum, disse­se ele para si mesmo e


contendo a risada.

—Há vários motivos. Está bêbada, não me conhece e eu


não sei onde estiveste, embora suspeite que em muitos lugares
— Agarrou­a pelos braços e a afastou com firmeza e delicadeza
ao mesmo tempo. —Não deveria fazer isto. Poderia te acontecer
algo.

Foi abrir a porta e se encontrou com uma mulher entrada


em anos que estava esperando para entrar.

—Senhora...

Luke, sem perder um segundo, foi até sua caminhonete


com a esperança de poder sair do estacionamento antes que o
assaltasse uma Luanne sem calcinhas. Em que pese o seu bom
julgamento, se ela o seguisse, temia padecer um momento de
debilidade e acabar debaixo dessa saia tão curta. Nunca tinha
89
tido medo de algo assim. Quando saiu para a estrada, abriu a
janela e jogou o objeto vermelho e negro. Logo, parou para
comprar seis cervejas. Teria que deixar de ir ao bar de Jack
uma temporada, até que seu cérebro se esquecesse de suas
partes baixas.

**********

Jantar com os Booth foi tão agradável enquanto Tom, o


filho de Walt, estava de licença, que voltaram a convidar Muriel
na semana seguinte. Tinha a esperança de que se convertesse
em algo habitual. Ela adorava.

Muriel estacionou a caminhonete diante de sua pequena


casa parecida com um barracão. Tinha deixado a luz acesa
para os cães e os ouviu ladrar antes de fechar a porta da
caminhonete. Essa era a família que a esperava em casa. Buff,
que só tinha uns meses, tinha que ficar na casinha de cachorro
quando ela não estava na casa porque continuava sendo muito
destrutivo. Luce sabia defender­se, só com dois anos, mas
passava quase todo o tempo ao lado da casinha cuidando de
Buff.

Tirou o cachorrinho da casinha e se agachou para


acariciá­lo e brincar com ele.

Tinha tido um bom tempo com Walt e os meninos. Eram

90
estimulantes. Estavam transbordantes de vida e riam muito
apesar de que todos eles tinham passado momentos horríveis.
Walt, naturalmente, apreciava muitíssimo a sua família e lhe
parecia muito divertida, mas sabia quão impressionantes eram?
Perguntou a si mesma.

Quiseram saber como começou a fazer filmes.

“—Foi uma casualidade ridícula — Lhes tinha contado. —


Eu tinha uns quatorze anos quando me escolheram na sala de
aula, para fazer um anúncio sobre um serviço público. Então,
apareceu um representante e convenceu meus pais para que me
deixassem fazer um papel muito pequeno em um filme. Eu o fiz
bem para alguém com quatorze anos e sem experiência. Chegou
um papel um pouco maior e outro um pouco maior e eu cresci.
Aos dezessete anos terminei o último ano a toda velocidade para
poder participar de outro filme.

—Seus pais não tiveram um ataque? —perguntou Vanessa.

—Não tive pais assim. Estavam assombrados que estivesse


me acontecendo isso. Estava ganhando dinheiro e na crista da
onda. Hollywood sempre se fixou nos aspirantes incrivelmente
jovens. Mas aos vinte e um anos casei com meu agente, que
tinha trinta e seis. Isso quase enlouqueceu o meu pai, mas era
um rancheiro muito rude e se recompôs. A vida era muito distinta
por estas montanhas quando eu era jovem. Se uma garota de
quinze anos tinha alguma relação com um homem maior de
trinta anos, o pai da garota os casava. Hoje o teriam detido.

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—Esteve muito tempo casada com ele?.

—Cinco anos. Segue sendo meu agente e amigo.

—Por que não ficou casada? — Perguntou­lhe Shelby.

—Não me queria como eu gostaria que me quisesse —


Muriel deu de ombros. —Eu queria uma família, um lar, raízes...
Ele queria um Oscar.

—Perdoe a minha ignorância, mas ganhou algum Oscar? —


Perguntou Vanessa.

—Nomearam­me três vezes. Me roubaram.”

Além disso, nunca conseguiu a família nem o matrimônio


devotado que a teria sustentado na ausência dos filhos e dos
Oscar. Depois de conhecer a família de Walt, pensou que
embora tivesse tido a ocasião de ter uma família, nunca teria
conseguido criar filhos adultos, fortes, independentes e bem
preparados como esses. Ao menos, não com seu trabalho.

Acariciou o pescoço e as orelhas dos dois cães, beijou­os e


lhes disse que os queria.

Então, ouviu o motor de uma caminhonete. Parou, a porta


se fechou e uns passos de botas cruzaram o alpendre. Conhecia
todos esses sons. Bateram na porta. Isso sim foi inesperado.

—Entre, Walt.

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Ele ficou na porta com a jaqueta de antes, os jeans e o
chapéu. Olhou­a sentada no chão com os cães e sorriu. Os cães
se aproximaram dele agitando as caudas.

—Não terá te ocorrido trazer um pouco mais daquela


sobremesa maravilhosa, não? — Perguntou ela enquanto se
levantava.

—Não, sinto muito.

—Quer café?

—Despertar­me­ia — Deixou o chapéu em uma cadeira e


estendeu a mão para ajudá­la a levantar­se. —Venha. Onde
dormem os cães? — Perguntou Walt abraçando­a.

—Na cama, comigo — Respondeu ela entre risadas.

Olhou­o e se perguntou se ele saberia quão bonito era e


sólido. Era um homem em que se podia confiar. Não oscilava
em nenhum sentido. Gostava dos homens assim.

—Acha que lhes importará passar uma noite no chão?

—Vai dar esse passo, Walt?

Beijou­a de tal forma que não fez falta que respondesse à


pergunta.

—Muriel, tenho sessenta e dois anos e não tinha previsto


isto.

—Não teme que sejamos motivo de falatório?

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—Pequena, um presidente me deu uma bronca. Não vou
me assustar com uns falatórios. O que me preocupa é que me
ache velho.

Ela riu.

—É poucos anos mais do que eu e quase irresistivelmente


bonito.

—Pensa que sou bonito?

—Sim... e sexy.

—Bem, se for assim, Muriel, eu quero acariciar cada lugar


de seu corpo e que vejamos juntos o nascer do sol — Os cães se
meteram entre suas pernas para que alguém brincasse com
eles. —Talvez tenha que fazer algo com estes animais.

—Se acalmarão dentro de um minuto — Assegurou ela. —


Mas você não o faça.

94
Capítulo 5
Shelby, Mel e o doutor estavam jogando uma partida de
cartas na cozinha da clínica enquanto os bebês cochilavam,
algo que se tornou um hábito muito comum na parte da tarde.
O doutor não ia muito melhor com Shelby do que tinha ido
durante os dois últimos anos com Mel. As mulheres estavam
lhe dando uma surra.

—São umas mulheres desumanas.

—Acredito recordar que a semana passada ganhou um par


de mãos — Comentou Mel.

—Ora! — Ele se levantou, agarrou a bengala e saiu da


cozinha.

—Posso fazer algo mais para lhes ajudar além de ser a


terceira na partida de cartas? — Perguntou Shelby. —
Necessitam que ordene as fichas? Limpe algum armário de
remédios ou a sala de reconhecimentos? Faça inventário?

—Amanhã é dia de consulta e tenho três grávidas e quatro


exames. Como trabalha aqui, pode me ajudar. O que te parece?

—Um dia muito tranquilo.

—A medicina rural pode ser tranquila ou enlouquecedora


— Explicou Mel. —Este povoado é tão pequeno que alguns dias,
ou semanas, podem transcorrer sem que aconteça nada. De

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repente, aparece um vírus e todo mundo está perdendo um
pulmão, além de ter um acidente ou entrar em trabalho de
parto. Terá que estar preparado para tudo ou nada.

Shelby não se cansava das histórias que Mel lhe contava


sobre a sua carreira como enfermeira, dos dias desatinados nas
urgências de uma grande cidade à medicina em um povoado
pequeno. Para Shelby, a febril atividade nas emergências de um
hospital lhe parecia apaixonante, embora não sabia se gostaria
de viver em uma grande cidade. Entretanto, ser enfermeira em
um povoado tão pequeno como esse não a estimulava o
bastante. Cada vez estava mais convencida de que poderia
acabar nas emergências ou em uma sala de cirurgia de um
lugar como Santa Rosa, que não era nem grande nem pequeno,
ou em Eureca ou Redding.

—Ao chegar do hospital de uma grande cidade, houve uma


coisa que me surpreendeu na medicina em um povoado
pequeno. Seus pacientes se convertem em seus amigos quase
imediatamente. Se não puder lhes fazer algo a tempo, não só
parece ter enganado a um paciente, mas também a um amigo.
Por exemplo, quase nenhuma mulher daqui tinha feito
mamografias periódicas. Quando por fim consegui que uma
fundação sem fins lucrativos trouxesse uma equipe de raios X
portátil para poder examinar as mulheres com mais de
quarenta anos, se diagnosticou um câncer muito avançado em
uma de minhas melhores amigas e morreu. Continuo a me
recriminar por não o tê­lo feito antes.

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—Você sente que você não pode sempre fazer tudo.

—Pelo contrário — Replicou Mel. —Sinto que tenho que


pensar em tudo e fazer de tudo. O doutor e eu somos a única
coisa que muitas destas mulheres do campo têm, elas não têm
seguro. Convenci quase todas a fazerem a citologia. Chamo,
insisto, e as trago e só pagam os custos do laboratório.

—É fácil passar por você.

—Mas não deveria acontecer.

—Não foi prioritário durante os últimos anos — Comentou


Shelby entre risadas. —Entretanto, queria falar sobre isso.

Mel ficou imediatamente tensa.

——Desde quando não faz?

—Nunca fiz.

—O que?

—Não tenho quase nenhum risco — Respondeu Shelby


baixando o olhar. —Nunca tive relações sexuais.

Mel se inclinou para diante.

—Isso é bastante pouco comum na sua idade.

—Não tive namorado. Saí com alguns rapazes no colégio,


mas nada sério. Sou o fruto de uma gravidez acidental e minha
mãe me criou sozinha. Se não tivéssemos tido a sorte de contar
com o tio Walt, a vida teria sido muito complicada para nós.

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Minha mãe sempre se sentiu muito culpada por ter que aceitar
sua ajuda. Aterrava­me a ideia de que pudesse me acontecer
algo assim. Sobretudo, dava­me medo decepcionar minha mãe
e meu tio Walt.

—Foste muito prudente.

—Sim. Também era tímida. Logo, quase me encerrei para


cuidar de minha mãe. Os únicos homens que tratei eram
médicos casados, enfermeiros ou voluntários. Aqui estou eu,
provavelmente seja a primeira virgem de vinte e cinco anos que
conhece. Por favor, eu não gostaria que todo o povoado se
inteirasse de que sou uma introvertida em fase de recuperação
que viveu vinte e cinco anos com sua mãe.

—Shelby, sabe que nesta clínica tudo é confidencial. Você


mesma jurou segredo quando decidiu nos ajudar. Além disso,
todo mundo te admira pelo que fez por sua mãe. Foi
desinteressado. Além disso, se me permite dizê­lo, parece muito
segura de si mesma.

—Bom, superei muito desse timidez enquanto a cuidava.


Tive que ser enérgica para me certificar de que recebia o
tratamento que necessitava. Uma vez que se aprende a se
manter segura ante um neurologista tolo, pode tratar
perfeitamente ao rapaz do supermercado. A timidez já não me
intimida, sou uma recém­chegada ao mundo livre e
desconhecido e quero estar preparada.

—Honestamente, não quero que a primeira coisa que entre

98
dentro de você seja um espéculo, mas deveria reconhecer. Não
só há câncer cervical, também há câncer de útero ou de ovário.
Tem que estar preparada. Quando chegar o momento, não
acredito que deva preocupar­se, não acredito que siga tendo o
hímen com o que montas a cavalo.

—Pergunto­me se acontecerá alguma vez — Replicou


Shelby com um suspiro.

—Acontecerá — Mel sorriu. —Te perguntarei uma coisa. É


importante para você que se note que a primeira vez é a
primeira?

—Não me importa grande coisa.

—Acredito que posso te examinar sem que mude muito as


coisas — Mel tomou fôlego. —Vamos fazê­lo.

—Agora? — Perguntou Shelby com receio.

—Sim. Tire a roupa. Te verei na sala de exames. Já sabe


onde estão as batas.

Uns minutos mais tarde, Mel entrou na sala de exames e


Shelby estava sentada na maca.

—Respire — Disse Mel com um sorriso. —Não vai


acontecer nada — Ajudou Shelby a posicionar­se e apoiou uma
mão em cada coxa. —A boa notícia é que tenho as mãos muito
pequenas.

—Graças a Deus.

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Mel riu, tomou uma banqueta e colocou as luvas.
Escolheu um espéculo e depois pegou outro menor ainda.

—Bem, há uma surpresa — Comentou ao introduzi­lo. —O


hímen segue intacto em parte. Surpreende­me depois do
quanto que montas a cavalo — Recolheu a prova da citologia e
tirou o espéculo. —Pude superá­lo com o algodão, mas é
possível que rompa o que fica de hímen quando te apalpar o
útero e comprove os ovários.

—Alguma vez tinha que acontecer. Embora esperava


perdê­lo como o perdem as outras garotas.

Mel riu.

—Assim será melhor para você. Comprovarei tudo e te


darei uma pílula confiável. Nada de surpresas desagradáveis
para você, Shelby.

—Uma virgem de vinte e cinco anos... Quantas se veem


que não estejam em um convento?

—Não é a primeira — Mel lhe apalpou delicadamente o


útero. —Como não tem sintomas nem problemas, não vou
introduzir mais a mão por hoje. Tem os períodos regulares?

—Como um relógio.

—Alguma dor entre os períodos?

—Nenhuma.

—Tudo está bem, Shelby — Mel se levantou e tirou as


100
luvas. —Normalmente, primeiro faço o exame dos peitos, mas,
dadas as circunstâncias, preferi começar pela pélvis. Vejamos.

Separou­lhe a bata para lhe apalpar delicadamente os


seios.

—Tomarei a pílula anticoncepcional, embora não necessite


no momento — Comentou Shelby. Não seria ético que Mel lhe
perguntasse se tinha algum candidato. Outro inconveniente de
exercer em um povoado pequeno era ver os olhares ardentes
que se intercambiavam no bar.

—Bom, parece­me saudável ter uma vida sexual com um


parceiro digno de confiança. Acredito que não é saudável ficar
grávida sem querer. Escolha com muito cuidado. Esteja
preparada. Não faça tolices. Há outra coisa que, certamente,
não preciso de dizer, mas...

—Os preservativos — Disse Shelby com um sorriso e as


bochechas ruborizadas. —Certamente deveria ter alguns se por
acaso...

Mel lhe deu umas palmadas na mão.

—Eu adoro ter mulheres bonitas e inteligentes como


pacientes. Vista­se e te darei algumas... provisões.

**********

101
Shelby estava saindo da clínica ao fim da jornada quando
algo lhe chamou a atenção. Deu meia volta e voltou a entrar.

—Mel...?

—Mmm? —Mel levantou o olhar do computador. —O que


houve?

—Há algum homem mais velho que viva na igreja embora


esteja fechada?

—Como...?

—Olhe — Disse Shelby.

Mel saiu ao alpendre e olhou para o extremo da rua. Ali,


na porta, com um casaco esfarrapado, numas calças de homem
muito grande e umas botas, estava Cheryl Chreighton.

—Meu Deus...

—O que...? — Perguntou Shelby.

—Retornou.

—Quem?

—Conheci Cheryl quando cheguei ao povoado. Era jovem e


alcoólatra, de uns trinta anos. Eu estava decidida a encontrar
uma maneira de que se metesse em algum tratamento, mas ela
desapareceu. Não a tínhamos visto há um ano ou assim.
Poderia ter perguntado pelos arredores, mas... Bom, não era
minha paciente. Além disso, eu estava grávida, outra vez

102
grávida, então...

Então teve dois filhos e lhe fizeram uma histerectomia.


Custara­lhe bastante ocupar­se dos pacientes a seu cargo.
Cheryl não era sua paciente, mas vivia no povoado e Mel não
podia suportar a ideia de que uma mulher de trinta anos fosse
a bêbada do povoado. Necessitava uma segunda oportunidade e
tinha voltado.

**********

Luke se manteve um tempo afastado do bar de Jack,


afastado de Shelby. Esperou poder esquecê­la, mas a luxúria
tinha vida própria. Pensou nela e se amaldiçoou por ser tão
estúpido. No entanto, ocupava seus pensamentos e enquanto
ela descansava em um canto tranquilo de sua cabeça, ele
avançou com a casa e as cabanas e bebeu sua cerveja.

O Exército enviou os seus pertences da casa, coisas que


tinham sido quase tanto tempo armazenados, enquanto esteve
fora do país como numa casa.

Luke teve um duplex em El Paso e alugou a outra metade


a outro soldado. Então, quando deixou o Exército, vendeu­o.
Não tinha muitos móveis, o que resultou ser uma vantagem,
mas eram bons. Decidiu pôr os móveis do dormitório, grandes e
cinza, em um dos cômodos do piso superior. Tinha um sofá de

103
módulos em canto, estofado com um tecido parecido com o
veludo, uma poltrona enorme e um móvel estofado que servia
de mesinha e para apoiar os pés em cima. Pôs tudo na sala e
cobriu com panos até que tivesse terminado de lixar e pintar.

Tinha um mobiliário muito bonito para a sala de jantar.


Era uma mesa escura e quadrada e oito cadeiras... a mesa
perfeita para jogar pôquer. Podia conseguir algumas banquetas
para formar jogo, mas primeiro queria arrumar o balcão que o
separava da cozinha. A cozinha estava muito melhor com os
eletrodomésticos novos, mas ainda tinha que trocar as
bancadas e os armários. Já tinha ido ao Redding para pedi­los
e podia instalá­los ele mesmo. Além disso, de passagem,
comprou o verniz e a tinta para os pisos de madeira.

Entre as coisas que tinham enviado havia talheres, roupa


de cama, uma televisão de tela gigante e uma antena
parabólica, centenas de fitas, DVDs, livros e CDs. Não havia
muita roupa porque tinha passado muito tempo de uniforme.
Seu armário sempre foi escasso e funcional, algo que lhe
parecia muito bem.

Estava preparado para aventurar­se outra vez no bar de


Jack. Por um lado, esperava que ela não estivesse ali para que
ele pudesse cumprir com sua decisão de manter­se afastado
dela. Por outro lado, queria que estivesse, tê­la ao alcance,
porque a decisão não lhe parecia definitiva.

Acontecia­lhe alguma coisa com ela. Ao princípio pensou


que a atração se devia a que estava nesse povoado tão pequeno
104
e com tão poucas opções, mas se lembrou de Luanne e desse
bar em outro povoado, e se deu conta de que não se tratava
disso. Embora não tivesse gostado de Luanne, era muito
provável que aparecesse uma mulher mais atraente.
Normalmente, gostava de uma mulher que não lhe convinha,
não necessitava uma lei do Congresso para passar para outra
que não lhe desse dor de cabeça. Não sabia o que tinha Shelby,
mas estava contando muita com ajuda de Deus para passar
sem ela.

Acabava de sair da ducha depois de um dia muito árduo,


quando viu uma figura que passava muito perto da casa. O rio
estava bastante longe para que as pessoas que iam pescar,
passear ou correr não tivesse que passar tão perto. Olhou pela
janela do quarto com a toalha enrolada à cintura. Nada. Foi até
à cozinha e olhou pela janela da sala de jantar. Havia um rapaz
grande ou um homem a mexer no contêiner. Era corpulento e
um pouco carregado de ombros. Tinha ouvido dizer que havia
vagabundos que viviam no bosque. Poderia ter gritado para que
partisse, mas o que tinha de mau que mexesse entre esses
refugos? Não estava atirando­os nem nada parecido. Além
disso, não deixava restos de comida para não atrair os ursos.

O homem se virou e Luke esteve a ponto de dar um salto


pela surpresa. Não pôde saber sua idade com certeza, mas
havia duas coisas evidentes: tinha síndrome de Down e um
olho arroxeado com muito mau aspecto.

Luke se escondeu porque não quis assustá­lo.

105
Uma hora mais tarde, saiu da casa para tomar uma
cerveja no bar de Jack e quando passou perto das cabanas, viu
que a porta da sexta, a mais afastada da casa, fechava­se
lentamente.

Tinha um inquilino.

**********

Luke tinha passado uns dias longos e solitários. Nada ia


sentar lhe tão bem como uma cerveja fria e um pouco de
companhia. Quando entrou, Jack o saudou como a um velho
amigo.

—Bem, fazia muito que não te via. Como estão as coisas?

—Sujo e desagradável, mas estou avançando muitíssimo


— Luke sorriu.

—Uma cerveja?

—Sim! O que fez Pastor para esta noite?

—Está terminando um guisado de veado — Respondeu


Jack. —O melhor que provei em minha vida. Vai ficar para
jantar?

—Agora, certamente.

Quando Luke bebeu meia cerveja, Paul entrou com a

106
roupa de trabalho ainda posta e se sentou em um banco ao
lado do Luke.

—Tudo bem, Luke?

—Bastante bem, estava pensando em te fazer uma visita.


Poderia mandar alguém para que olhe um par de coisas?
Necessito que um profissional inspecione os telhados da casa e
das cabanas e comprove a instalação elétrica.

—Está certo, e mais, irei eu mesmo. Jack... — Paul


levantou um dedo e deixaram uma cerveja gelada diante dele.
—O que te parece amanhã de tarde? Por volta das cinco,
quando ainda há luz.

—Perfeito — Luke olhou algumas vezes por cima do


ombro, sem saber se rezar para que ela não aparecesse ou para
que aparecesse nesse preciso instante. —Ficará para jantar? —
Perguntou ao Paul.

—Não — Respondeu ele depois de dar um sorvo. —Uma


ruiva preciosa vai cozinhar para mim esta noite. Além disso, se
Deus for misericordioso, o general terá outros planos.

O bar se encheu com vizinhos, alguns pescadores e um


grupo de caçadores. Luke pediu outra cerveja para esperar pelo
guisado e então, aconteceu. Ela chegou finalmente. Quase
tinha se convencido de que essa noite ia se livrar da tentação,
mas não. Seria pior que de costume. Jeans agarrados, blusa de
seda debaixo de um colete de tecido de vaqueiro, o cabelo solto
como se lhe suplicasse que o tomasse entre as mãos...
107
Foi diretamente ao balcão e Paul lhe passou um braço
pelos ombros.

—Tudo bem?

—Tudo — Respondeu ela. —Olá, Luke.

—Olá.

—Está melhor com as cabanas? — Perguntou Shelby.

—Sim, muito melhor.

—Vou para casa — Disse Paul esvaziando o copo de


cerveja. —Vai para o jantar? — Perguntou para Shelby.

—O tio Walt vai passar a noite fora — Disse ela. —Ficarei


jantando aqui. Luke parece muito sozinho — Acrescentou com
um sorriso malicioso. —Irei para casa mais tarde.

Paul lhe deu um beijo na cabeça.

—Que Deus abençoe você e Muriel.

Partiu tão depressa que Shelby riu.

—Não poderia ser mais evidente — Comentou Shelby.

—Muriel? — Perguntou Luke.

—Uma vizinha muito bonita que se mudou do outro lado


dos prados. O tio Walt esteve muito ocupado desde que chegou.

—De verdade?

108
Ela apoiou um cotovelo no balcão e o rosto na mão.

—Não se importa que te acompanhe, verdade?

—Na verdade, terei que partir.

Jack se aproximou e ouviu o último comentário.

—Acreditei que fosse ficar para jantar. Quer cerveja,


Shelby?

—Sim, obrigado — Jack lhe serviu a cerveja e se afastou


outra vez. —Ia ficar até que cheguei? Não é muito adulador.

—Acredito que posso jantar algo — Disse ele um pouco


morto de calor.

—Não se preocupe, asseguro que posso jantar com


alguém.

—Não, não me importa.

—Não venho todas as noites e acreditava que não


tínhamos nos encontrado, mas o perguntei ao Jack e me disse
que não veio tomar uma cerveja. Algumas semanas, acredito...

Onze dias, disse­se ele em pensamento.

—Ia fazer uma exceção quando eu apareci. Não tinha me


ocorrido que estivesse me evitando. Ficou nervoso ou algo
assim? — Perguntou­lhe ela.

—Wow — Ele sacudiu a cabeça. —Não levo tanto tempo


fora do Exército para me esquecer das hierarquias. Seu tio...

109
—Não o vejo por aqui — Lhe interrompeu ela. —Se trata só
do meu tio?

—É muito bonita, Shelby, e só é uma jovenzinha. Sim, me


afeta.

—Então, estamos empatados — Ele a olhou com


perplexidade. —Você é um homem atraente que, evidentemente,
conhece muito mais o mundo do que eu e é mais velho. Me
assusta.

Ele riu por sua inocência.

—Viu? É como jogar lenha ao fogo. Andemos com cuidado,


de acordo? Me conte o que fez hoje.

—Não há nada que contar. Além disso, isto me interessa.


Eu gostaria de saber o que está acontecendo. É por que sou
muito mais jovem que você ou que não te caio bem?

Ela corou e ele se envergonhou. Evidentemente, tinha tido


que ter coragem para falar disso, mas queria esclarecê­lo e ele
decidiu contar­lhe.

—Sabe o que acontece, Shelby. É jovem e delicada. Muito


jovem e delicada e sou muito destrutivo para as coisas jovens e
delicadas.

Ela riu.

—Estou segura de que sempre encontra uma maneira de


escapar.

110
Luke se deu conta com certa admiração de que ela não se
assustava facilmente. Além disso, o que estava sobrecarregando
não era que ele tinha visto e sentiu uma onda familiar de
luxúria, mas que parecia possível que a ela tivesse acontecido o
mesmo. Salvo que ela tinha sentimentos profundos e os
sentimentos dele eram superficiais, físicos. Uma vez satisfeita a
luxúria, não ficaria grande coisa para ela. Ela acabaria
machucada. Sempre tinha podido evitar esse tipo de coisas,
mas era muito tentadora. Conter­se ia ser uma tortura e ceder
seria um suicídio.

—Eu gostaria que seu tio Walt fosse um sargento


reformado — Disse ele.

Luke estava acostumado a limitar suas conquistas a


povoados um pouco afastados para não encontrar uma e outra
vez com a mulher quando tudo tivesse acabado... nem com seu
tio. Antes de se meter na cama, sempre lhes dava «o bate­papo»:
ele não se apaixonava nem queria assuntos de longo prazo.
Tinha motivos, motivos pessoais e com fundamento, para
acreditar que não podia ter relações sérias. Perguntou­se como
receberia Shelby «o bate­papo». Dado sua idade, certamente se
poria a chorar.

Tinha tentado não tocá­la, mas ao estar ali sentado a seu


lado, tomando uma cerveja, cheirando seu doce aroma e
olhando esses grandes olhos cor de avelã, cada vez lhe parecia
mais claro que estava destinado a fracassar. Era questão de
tempo, possivelmente, questão de horas.

111
—Bom, tenho que reconhecer que você tampouco é
exatamente o que teria pensado. Tinha imaginado alguém de
uns vinte e seis anos, com mais cabelo, uma polo ou,
possivelmente, uma camisa branca impecável e abotoada —
Disse ela com um sorriso.

Ele ficou pasmado. Levava todo esse tempo lutando contra


a atração e ela tinha pensado em outra coisa.

—Sou muito velho para você, simples assim.

—Certamente, mas tampouco há muitos homens solteiros


por aqui. Você se destaca.

—Deveria ampliar seu raio de ação — Propôs ele.

—Até que o faça, não sejamos ridículos. É uma cerveja e


um pouco de janta. Dá na mesma o quão velhos sejamos e
quem é meu tio.

Ele sorriu. Algumas vezes, parecia ter mais de vinte e


cinco anos. Era muito rápida. Normalmente, o inconveniente
das garotas de sua idade era a tolice. Ela era sincera e direta e
ele respeitava isso.

—Esteve montando a cavalo. Tem as bochechas


queimadas — Comentou ele.

—Todos os dias. Alguns dias, duas vezes.

—Desde quando monta um cavalo?

—Desde que era muito pequena. Sou a filha única da


112
única irmã de tio Walt e meus pais se divorciaram quando era
um bebê, assim que meu tio cuidou de mim. Ele me ensinou.
Acreditou que aprender a dominar animais grandes me daria
confiança — Deu de ombros e baixou o olhar. —Era muito
tímida.

Ele se lembrou dela montada naquele cavalo grande e com


manchas brancas.

—Não é nada tímida montada nesse cavalo e tampouco é


tímida comigo.

—Eu sei. Esforcei­me muito. Não sei grande coisa de você,


além de que pilotava helicópteros no Exército. O que me diz de
sua família? Só sei que tem um irmão que também pilota Black
Hawks.

O pai de Luke tinha sido eletricista e trabalhado muito e


embora ganhasse bem a vida, não sobrava muito dinheiro para
coisas como a educação universitária. Tinha que criar e educar
cinco meninos.

—Eu sou o maior e o primeiro que se alistou. Não me


custou me decidir porque sempre me tinha gostado da ideia do
Exército. Eu adorava me pôr a prova. Colin foi atrás, acabou o
colégio e entrou no Exército. Passou pela escola de oficiais e foi
aos Black Hawks. Alden subiu um degrau a mais. Passou pela
escola universitária de formação de oficiais e recebeu uma
bolsa da Armada para estudar Medicina. Não me pergunte
como, mas Sean encontrou uma vaga na Força Aérea e está em

113
um U­2. Foi o que se meteu comigo no negócio das cabanas.
Paddy, Patrick, entrou na academia da Armada e pilota um F­
18.

Ele sorriu ao vê­la boquiaberta.

—Por todos os Santos, são cinco!

—Sim — Ele acreditou que ia ter que se sentar sobre a


mão para não lhe acariciar o cabelo. —Uma prolífera família
irlandesa. Sean e Patrick pilotam aviões. Acreditam que quanto
mais rápido, melhor. Mas isso é porque nunca pilotaram um
Black Hawks.

—Mais rápido, mais alto e, o melhor, mais seguro.

—É possível — Luke riu.

—Quantas vezes caiu?

—Nunca caí. — Respondeu ele com orgulho —, mas me


atingiram no total de três vezes. Em Mogadiscio, no Afeganistão
e no Iraque. Já não vão voltar a me dar tiros no céu. Quero que
o mais perigoso que faço seja dar marteladas perto do dedão.

Falaram um momento dos planos que tinha para as


cabanas. Podia concentrar­se no exterior enquanto fizesse bom
tempo e quando os ventos do Pacífico trouxessem o frio e a
umidade, poderia trabalhar dentro.

—Chapman deixou a casa desmantelada, mas a estrutura


parece sólida. Terá que dedicar trabalho para arrumá­la. É

114
pequena, mas bastante grande para mim. Além disso, se um
irmão ou dois aparecerem, há lugar. Entretanto, considero­a
provisória. Quando a tiver terminado, estarei procurando um
trabalho como piloto de helicópteros de resgate ou, inclusive,
no setor privado. Entretanto, há muito pouco trabalho com
helicópteros e me alegro de ter algo que fazer enquanto sondo o
mercado trabalhista.

—Aonde irá?

—Aonde puder — Respondeu ele dando de ombros.

Shelby se inteirou de que os irmãos eram muito unidos e


se reuniam quando estavam na mesma parte do mundo. Seu
pai havia falecido, mas sua mãe vivia em Phoenix e se reuniam
ali periodicamente. Perguntou­lhe se tinha muitos sobrinhos.

—Todos são solteiros — Respondeu ele. —Não há crianças


por nenhum lado.

Não lhe contou muitas coisas de si mesma, só que estava


disposta a seguir com sua formação.

—Separei dinheiro da venda da casa para os estudos.


Antes, eu gostaria de fazer algumas viagens, possivelmente um
cruzeiro, porque, em qualquer caso, não posso entrar na escola
até o outono que vem. Estou bastante nervosa, faz muito que
não sou estudante.

—O fará muito bem — Replicou ele com um repentino


orgulho pela ambição dela.

115
—No momento, não faço nada.

—Até quando?

—Até princípios do ano — Ela deu de ombros. —Não tenho


muito que fazer, exceto dar uma mão a todo mundo, e já estou
me aborrecendo um pouco.

Lhe fez rir e que se sentisse cômoda. Tomou uma segunda


cerveja e uma terceira.

—Já quer jantar algo? — Perguntou ele por fim.

—Estou morrendo de fome.

Quando Jack lhes serviu o guisado, muitos dos aldeãos


estavam partindo, mas ficavam alguns pescadores e não havia
nenhuma pressa para que Luke e Shelby partissem. Pediram
um café e conversaram uma hora mais antes que Shelby
olhasse seu relógio.

—Acha que já deixei bastante tempo aos pombinhos?

—A julgar pela cara do Paul, todo tempo é pouco.

—Nem me diga isso.

Ela se levantou e colocou a mão no bolso da calça jeans.

—Não, Shelby, deixe para mim.

Luke tirou sua carteira e deixou umas notas no balcão.

—Tome cuidado, Luke — Disse ela em tom zombador. —Se

116
me convidar para jantar, pensarei que você gosta.

Ele pôs uma mão na cintura dela.

—Esse é o problema. Eu gosto.

Estava mais que desassossego pela idade dela e por seu


tio. Estava seguro de que quando tudo terminasse, lhe daria
um tiro. Entretanto, o tinha apanhado. Esperou que sua morte
fosse rápida e pouco dolorosa.

Um estremecimento lhe percorreu a coluna quando foi até


a porta na frente dele. Quando saiu, ficou no alpendre e olhou o
céu diáfano e salpicado com um milhão de estrelas. O vento
assobiava entre os pinheiros e um mocho piava de vez em
quando.

Luke lhe rodeou a cintura com os braços e a estreitou de


costas contra ele. Ela fechou os olhos brandamente e se
deleitou com a sensação de ter esse corpo fornido tão perto. Ele
passou o rosto pelo cabelo e, apesar do assobio do vento entre
os pinheiros, ela ouviu seu fôlego ao inalar seu aroma. Então,
notou que lhe separava o cabelo e que lhe passava os lábios e a
língua pelo pescoço.

—Mmm — Sussurrou ele. —Adorei.

Ela inclinou a cabeça para um lado para lhe oferecer


melhor acesso.

Essa inclinação do pescoço era um incentivo maior do que


ele estava acostumado a pedir. Levou­a para um extremo do
117
alpendre, a um rincão escuro. Tinha começado a sentir­se
embriagado pela sensação de seu pescoço sob seus lábios. Seu
aroma doce e delicado flutuava ao redor dele e quis levá­la a
algum lugar para despi­la e deleitar­se com o resto de seu
corpo. Olhou­a nos olhos.

—Estou seguro de que isto é um engano monumental —


Disse com uma voz rouca.

Acariciou seus braços e esboçou esse sorriso delicado,


maravilhoso e cativante.

—É irresistível, Shelby, e nunca tive muita força de


vontade.

—Sou uma novata nisto de paquerar com homens mais


velhos e perigosos. Agora é quando deveria me desculpar?

—Novata? — Perguntou ele. —Deve ser algo natural


porque está dando resultados.

—Possivelmente tenha mais dote para a vida social do que


tinha imaginado — Replicou ela rendida.

Não havia «talvez» possíveis, tinha tomado uma decisão


desatinada. Não ia esperar por um homem mais jovem e
refinado. Tinha decidido que precisamente o que lhe parecia um
inconveniente, parecia uma vantagem. Tinha experiência. Sabia
o que estava fazendo. Era o que necessitava. Seus braços ao
redor dela e seus lábios no pescoço eram uma maravilha. Fazia­
o com delicadeza.

118
—Sabe o que significa enredar­se com alguém como eu? —
Perguntou ele.

—Perigo? Aventura? — Ela tomou fôlego. —Que me parta


o coração? Não me assusta tanto como eu te assusto, Luke.

Ele baixou lentamente os lábios e roçou nos dela.

—Está segura? Acredito que sabe aonde leva toda esta


paquera. Não sou um menino. Isto acaba em algum lugar e
nus.

—Não se precipite — Disse ela com um fio de voz. —Não


vou tirar a roupa.

—Ainda...?

Ela notou seu fôlego, quente e sexy, nos lábios.

—Talvez nunca — Murmurou ela.

—Talvez — Sussurrou ele. —Eu gosto dessa expressão,


«talvez».

Beijou­a brandamente nos lábios. Percorreu lhe os flancos


com as mãos por baixo dos braços e os levantou para que lhe
rodeasse o pescoço com eles. Puxou­a pela cintura, estreitou­a
contra si e a beijou mais profundamente. Podia notar seus seios
e desejou baixar os lábios até um deles, mas a essa mulher
terei que levar pouco a pouco. Além disso, o alpendre não era o
lugar indicado. Necessitava mais intimidade para fazer o que
queria fazer. Separou os lábios, ela separou os seus e lhe

119
passou a ponta da língua pela boca. Pôs uma mão em seu
traseiro e a apertou com força contra ele. Estava excitado,
havia­o debilitado.

Ela deixou escapar um pouco parecido a um gemido,


estreitou­se contra sua ereção e abriu a boca. O beijo foi
ardente, úmido, profundo e longo. Tinha acertado em uma
coisa: ela podia moldar seu pequeno corpo ao dele de uma
forma que podia torná­lo louco. O único que lhe ajudava a
manter a prudência era a certeza de que uma vez consumado
tudo isso, seria bom e agradável para os dois.

—Tenho a sensação de que não sou o que esperava —


Sussurrou ela contra seus lábios. —Não tenho muita
experiência.

—Já sei. Eu sim a tenho.

Voltou a beijá­la, abraçou­a com força e notou um leve


estremecimento entre seus braços. Afastou um pouco a cabeça
sem deixar de pegá­la no traseiro e apertá­la contra ele.

—Tem razão, Shelby. É uma caixa de surpresas.

Ela suspirou ligeiramente e sorriu.

—Não sabe o quanto.

—Shelby — Lhe acariciou o cabelo e a cabeça. —Como é


possível que uma jovem tão formosa e encantadora como você
não tenha um homem em sua vida?

120
Ela baixou o olhar um instante.

—Não tive tempo. Minha mãe dependia completamente de


mim — O olhou nos olhos. —Cuidei dela. Esse foi um trabalho
de dedicação plena. Até que morreu.

Ele ficou atônito e mudo um momento.

—Quanto tempo? — Perguntou com delicadeza.

—Cinco anos ou assim.

—Shelby...

—Foi minha escolha. Era o que queria fazer.

Beijou­a com suavidade na cabeça.

—Pouca gente faria isso.

—Certamente, mais do que imagina.

Ficou impressionado que o tinha comovido. Levantou­lhe o


queixo com um dedo e a beijou levemente nos lábios.
Introduziu a mão entre o denso cabelo da nuca e a beijou com
delicadeza nas têmporas, na boca e nos olhos.

—Não. Só um tipo de pessoa faria algo assim: o tipo de


pessoa como você.

Essa jovem reunia todas as belezas que imaginou: as


físicas e as espirituais. Voltou a beijá­la nos lábios.

—Vou te acompanhar ao seu carro — Acrescentou ele.

121
—Parece­me que trocaste de opinião sobre esta... paquera.

Ele negou com a cabeça. Oxalá pudesse trocar de opinião,


isso era o que tinha que fazer. Quando chegasse o momento
adequado para ela, quando a tensão tivesse deixado lugar ao
desejo, quando não houvesse mais «o talvez», ela iria a ele e lhe
faria amor lenta e interminavelmente, sem se importar com as
consequências. Não seria nem muito depressa nem muito lento,
seria delicioso. Não era uma boa ideia, mas era a única que
tinha.

—Não — Replicou ele. —Nunca volto atrás.

Ela riu.

—Pequena surpresa.

—Antes que isto chegue mais longe, vamos falar de


algumas coisas — Disse ele.

—De que coisas?

—Das expectativas. Tem que saber no que poderia estar se


colocando, enquanto tenha tempo para analisar.

Ela acariciou a sua bochecha.

—Estou desejando você.

Ele lhe deu um beijo.

—Vamos, é hora de que volte para casa.

122
Capítulo 6
Shelby não queria deixar Luke, gostaria de continuar com
os beijos e as carícias, mas compreendeu que tinha razão em
pôr um pouco de distancia entre eles se não estava disposta a
chegar mais longe. Deixou que a acompanhasse ao jipe e
partiu. Entrou na casa de Walt e a encontrou na penumbra e
silenciosa. Havia uma luz acesa na sala para ela e o 4x4 de seu
tio não estava estacionado fora. Só eram dez, mas estava
segura de que Vanni e Paul começaram a fazer assim que o
bebê dormiu.

Estava muito alterada para dormir. Tirou as botas,


acendeu a lareira, colocou a manta que havia no sofá ao redor
dos ombros e se aconchegou na poltrona de couro. Abraçou­se
sonhadoramente.

Teriam passado uns quinze minutos quando Vanessa saiu


de seu quarto, vestida com um robe e chinelos de couro. Sorriu
para Shelby, foi à outra poltrona, tirou os chinelos, subiu os
pés descalços e tampou as pernas nuas com o robe.

—Te acordei? — Presumiu Shelby.

—Não estava dormindo.

Shelby riu com cumplicidade.

—Incomodei vocês?

123
—Absolutamente. Realmente, estava pensando em você e
me perguntava quando voltaria para casa.

—Fica acordada por mim para se certificar de que volto sã


e salva?

—Não — Respondeu Vanessa entre risadas. —Sim. Paul


me contou que tinha ficado jantando com o Luke.

—Evidentemente. Além disso, Paul não foi o único em


voltar para casa para te informar, todo mundo nos olhou
enquanto saímos do bar de Jack. Menos mal que não estou
tentando ocultar nada, não? Menos mal que não tenho quinze
anos.

—Acredito que Luke talvez seja um pouco mais velho para


você.

—Ele é. Também me deixou muito claro que sou muito


jovem para ele — Shelby riu ligeiramente. —E não sabe nem a
metade...

—Querida, me criei entre soldados e eles têm algumas


arestas bastante ásperas. A vida que levam e as coisas que têm
que fazer os coloca no lado mais duro da vida. Endurecem.
Podem se tornar insensíveis, impetuosos e... bem, aprendem a
viver o momento sem olhar para trás. Sabe o que quero dizer.

—Diria o mesmo do tio Walt, Jack ou Paul?

Ela negou com a cabeça.

124
—São homens bastante especiais — Vanessa se calou um
momento. —Esteve muito tempo encerrada com a sua mãe,
perdeu virtualmente o princípio da juventude de uma mulher e
quando necessitaria de uma mãe para falar com ela, não a tem.
Possivelmente você e eu deveríamos falar um pouco dos
homens, e das relações.

—Vanni, está preocupada comigo.

—Não posso evitar. Sei quantos anos tem, mas também


sei quão inexperiente é.

Shelby esteve a ponto de lhe dizer que ele tinha bastante


experiência pelos dois.

—Não pode ter essa conversa comigo como se tivesse treze


ou dezesseis anos. É verdade, não conheço mundo, mas
tampouco sou ignorante. Quando fiquei em casa e abri esse
parêntese em minha vida, tinha livros e televisão. Não terei tido
experiências na própria carne, mas estive observando. Vivi os
problemas sentimentais de Scarlet O'Hara e Anna Karenina,
mas adiante, Vanni, me diga tudo o que acredita que tenho que
saber — Disse ela com um sorriso.

—Você gosta dele.

—Sim. Não esperava isso, mas tampouco posso evitá­lo.

—Sabe exatamente o que está fazendo?

—Não — Shelby riu. —Sei o que eu gostaria de fazer, mas


sou tão torpe e novata que me assombra que não se aborreça
125
comigo. Sou uma mulher de vinte e cinco anos que está
passando pela puberdade tardia. Quando devia ter aprendido
tudo isso no colégio, era muito tímida. Dava­me medo paquerar
e que os meninos rissem de mim. Poderia ter aprendido mais
tarde, quando já era um pouco maior e mais arrojada, mas
estive ocupada — Deu de ombros. —Aqui me tem, tentando­o
pela primeira vez com um homem, cuja primeira vez certamente
foi antes que eu nascesse.

—Não quero que se machuque — Sussurrou Vanessa. —É


a pessoa mais encantadora e delicada que conheço.

—Vanni, quase não conheço Luke Riordan, mas não é


meu cavalheiro andante. Fez todo o possível por me dissuadir,
mas, sejamos sinceras, não foi um ataque frontal da sua parte.
Reconhece que minha idade o assusta. O muito covarde...

Vanessa riu.

—Quando penso bem — Seguiu Shelby —, minha primeira


escolha seria um homem completamente diferente. Alguém de
uma idade mais parecida com a minha, menos corrompido,
alguém que vem e diz que não vai parar num obstáculo...

Vanessa se incorporou com os olhos fora das órbitas.

—Ele disse isso?

—Não com tantas palavras, mas captei a mensagem — Ela


sentiu um estremecimento delicioso. —Além disso, embora me
atraísse um homem mais jovem, também teria mais experiência

126
que eu, inclusive poderia estar divorciado e ter filhos.
Entretanto, sei um par de coisas sobre Luke. É possível que
seja um pouco rude, mas também é carinhoso, amável e
paciente — Lhe brilharam os olhos ao olhar a sua prima. —
Beijou­me — Sussurrou como se fosse um segredo. —Nunca
tinham me beijado assim. Foi incrível.

—De verdade?

Shelby assentiu com a cabeça.

—Não pode imaginar quão bem o faz. Mas não se


preocupe, disse­lhe que não ia me despir... embora queria fazê­
lo...

—Shelby! — Exclamou Vanessa sem poder acreditar —


Você disse isso? — Perguntou então.

—Claro que sim, mas o alpendre do bar de Jack não me


pareceu o lugar indicado. Além disso, fazia frio. Quero dizer, eu
não tinha frio. Luke me rodeava como uma camisa de força.

Vanessa deixou escapar uma risada relutantemente.

—Eu também gosto dele — Seguiu Shelby —, mas não o


suporta porque o tio Walt o aterroriza. Sabe de uma coisa?
Adoro que apesar disso não possa resistir. Sabe o que significa
para alguém como eu?

Vanessa ficou em silêncio um bom momento.

—O que posso fazer? — Perguntou­lhe então.

127
—Vejamos. Eu gostaria de ter alguém com quem pudesse
falar sobre isto, pelo que estou passando, embora acredite que
para mim está muito claro. Pode falar comigo sem contar ao
Paul os meus assuntos pessoais?

—Claro — Respondeu Vanessa com um sorriso. —Além


disso, os homens não se importam com estes assuntos. Por
onde começamos?

—Pode me contar sua primeira experiência neste terreno


— Propôs Shelby.

Vanessa olhou para o colo um segundo.

—Para começar, eu não era tímida no instituto... nem na


universidade... nem quando trabalhei nas linhas aéreas...

Shelby riu.

—Bem, isto é muito prometedor!

**********

No dia seguinte. Luke se levantou cedo, como quase


sempre. Entretanto, essa manhã tinha que fazer algo na cabana
número seis. Tirou o pão, a maionese, a mostarda, a mortadela
e o queijo e fez meia dúzia de sanduiches. Envolveu­os e os
meteu em uma bolsa com duas latas de refrigerante e umas
batatas fritas. O sol estava despontando quando abriu a porta
128
da cabana.

O homem estava dormindo feito um novelo em um sofá


desconjuntado. Luke se agachou a seu lado, mas ele não moveu
nem um músculo. Estava sujo e se perguntou quanto tempo
estaria sem teto. Sacudiu­o levemente e o homem abriu
lentamente um olho. Esfregou os olhos e se sentou com muita
dificuldade.

—Quanto tempo está dormindo aqui? — Perguntou Luke.

Ele deu de ombros e bocejou.

—Algumas noites. Irei embora.

—Trouxe algo para comer — Disse Luke enquanto lhe


dava a bolsa.

—Não tenho dinheiro.

—É de graça. Como se chama?

—Art — Respondeu pegando um sanduiche e metendo­o


inteiro na boca.

—Calma... — Aconselhou Luke entre risadas. —Quem te


bateu?

—Foi sem querer — Respondeu ele sem deixar de mastigar


e de engolir. —Disse que foi sem querer.

—Quem o fez sem querer?

—Stan — Respondeu ele. Engoliu tudo e pegou outro

129
sanduiche. —Meu chefe no supermercado.

—Mmm. De onde é?

—De Eureca — Respondeu enquanto desembrulhava o


sanduiche. —Cheguei entre as árvores grandes. Eu gosto
dessas árvores tão grandes.

—As sequoias. Veio andando dali?

Ele deu de ombros e engoliu.

—Fiz um pouco de carona. Não se deve andar de carona.


Então caminhei entre as árvores grandes.

—Sim, são muito bonitas. Quantos anos você tem?

—Trinta. Meu aniversário é em novembro — Atacou outro


sanduiche.

—Seus pais vivem em Eureca?

Ele negou com a cabeça.

—Minha mãe está morta. Eu estava numa casa de


acolhida, mas se fico ali, tenho que trabalhar no supermercado,
para o Stan.

Luke seguia agachado. Só tinha conhecido a um menino


com síndrome de Down quando era pequeno. Era mais jovem,
da idade de seu irmão Sean, e os seus irmãos e ele o protegiam.
Ninguém se atrevia a meter­se com ele, porque teriam de se ver
com os Riordan. Era o menino mais encantador do mundo.

130
Luke sabia que tinham fama de serem pessoas muito bondosas.
Entretanto, o chefe deste lhe batera na cara. Por que faria
alguém algo assim? Art tinha escapado de um mal tratador.
Não sabia a pessoa que o tinha sob sua tutela? Embora
pudesse ser igual...

Pensou em chamar alguém para que o ajudasse. No


entanto, não pensou nisso mais que cinco segundos. Não podia
permitir que voltassem a levá­lo a um asilo ou algo assim onde
o maltratassem.

—Necessita um trabalho onde ninguém te bata?

Ele deu de ombros e mastigou.

—Eu poderia necessitar de um pouco de ajuda. Talvez, se


te deixar um lugar para dormir, poderia fazer algumas tarefas.
Parece bom? — Art assentiu com a cabeça sem olhá­lo nos
olhos. —Sabe contar?

Art o olhou e engoliu.

—Claro que sei contar, não sou idiota.

—Claro que não é idiota — Luke sorriu. —Posso deixar


que durma no trailer enquanto arrumamos uma cabana.
Buscarei um saco de dormir e roupa limpa. O que te parece?

Ele tragou a última parte de sanduiche.

—Como se chama?

—Luke — Respondeu ele enquanto se levantava.


131
—Muito bem, Luke.

—Quando tiver terminado de comer, vá ao trailer e se lave.


A água não está muito quente, mas levarei um sabão e umas
toalhas. O que te parece?

—Muito bem, Luke.

—É um teto e uma cama. Arrumaremos a cabana para


que tenha um pouco mais de espaço, mas o trailer não está
mau. É melhor que isto.

—Obrigado, Luke.

—De nada, Art.

Luke voltou para a casa e rebuscou em suas coisas. Era


grande, mas tinha uma cintura estreita e nada serviria ao Art.
Pegou um roupão que nunca usava, um par de toalhas. Sabão,
travesseiros e um saco de dormir, e voltou para a cabana.
Esperou que não tivesse entrado em pânico e fugido, porque
necessitava ajuda.

No entanto, Art tinha ido, como lhe havia dito, ao trailer. A


ducha, bem fria e diminuta, estava ligada. Luke bateu na porta.

—Art... Art!

—Sim...

—Posso te dar um roupão, sabão e toalhas?

—Sim. Não me olhe.

132
—Não olharei. Ponha o roupão e lavarei essa roupa. Está
asquerosa, Art.

—Está suja — Corrigiu Art.

Estava muito mais que suja. Luke lhe deu o sabão dentro
da ducha e pendurou as toalhas e o roupão nos ganchos de
fora. Recolheu com receio a roupa do chão, deixou os sapatos, e
levou­a para casa. Entretanto, trocou de opinião antes de
entrar. Estava tão asquerosa e certamente teria tantos insetos
que nem sequer quis colocá­la em sua máquina de lavar roupa.
Além disso, estava desgastada e a roupa interior cinza, mas o
moletom era recente. Luke se deu conta de que Art tinha estado
vestido assim na casa de acolhida. Rebuscou na caixa de
ferramentas, tirou uma fita métrica e voltou para o trailer.
Entrou e encontrou Art com o roupão azul. Art deu um pulo.

—Não se preocupe. Vi que sua roupa está em um estado


horrível. Não tenho nada do seu tamanho, mas como vai
trabalhar para mim, vou te comprar algo. Sabe seu número?

—Quarenta.

—O que é quarenta, Art?

Ele deu de ombros.

—Não importa. Medirei a sua cintura. Claro que é a


cintura, mas necessito...

Lembrou­se de que não podia lhe medir a perna da calça.


Tinha pedido que não o olhasse e compreendeu que
133
possivelmente lhe tivesse passado algo embaraçoso, se não
horrível. Mediria a das calças que ia jogar fora.

Art ficou muito quieto enquanto lhe media a cintura.


Quarenta. Esse homem era bastante competente. O tempo diria
o quanto, mas já tinha tomado uma decisão. Daria lhe a
oportunidade de ter um teto e de não ser maltratado. Mais
tarde, pensaria nos detalhes.

—Que número tem de pé?

—Dez — Respondeu Art. —Largos. Muito largos.

—Muito bem. Irei comprar um pouco de roupa porque a


sua está inutilizada. Depois, me ocuparei de que jante. Amanhã
falaremos de suas tarefas. Pode ficar aqui dentro até que volte?
Demorarei mais de uma hora.

Ele olhou o saco de dormir que havia em cima da cama do


trailer.

—Posso abri­lo?

—Claro. Tire um cochilo se quiser — Luke lhe sorriu. —


Tem bom aspecto uma vez lavado. Quanto tempo passou
andando?

Ele deu de ombros, mas não pôde ser muito, o moletom


era bastante recente. Devia ter sofrido muito em pouco tempo
para chegar nesse estado.

—Voltarei, mas fique aqui dentro. Não quero que assuste

134
ninguém vestido com um roupão.

—É seu roupão — Replicou Art.

—Te dou de presente, amigo. Nunca o vesti. Acredito que


minha mãe me deu de presente. Acredito que me dá de
presente um em todos os Natais. Talvez queira evitar que eu
passeie nu.

—Minha mãe morreu.

Luke o segurou pelo braço com delicadeza.

—Sim, já me disse isso. Sinto muito.

—Tenho uma casa de acolhida, mas não quero voltar para


esse trabalho.

—Entendo, Art. Não tem que fazer esse trabalho. Neste


trabalho, ninguém te baterá. Entendeu?

Ele esboçou um sorriso leve, lento, faminto e espancado.

—Entendi, Luke.

Duas horas mais tarde, Art tinha roupa nova. Umas


calças e umas camisas jeans largas, cueca e meias três­quartos
novas e um tênis esportivo novo, negro porque os mancharia
com seu trabalho. Também lhe levou uma escova de dentes e
pasta de dente, um pente, lâminas descartáveis e creme de
barbear. Luke fez hambúrguer para o jantar e se certificou de
que sabia onde estava tudo no trailer. Logo, observou­o
enquanto se barbeava para comprovar que sabia usar bem a
135
lâmina de barbear.

—Passará bem a noite sozinho?

—Eu gosto daqui — Respondeu Art. —Desejei que o trailer


fosse meu assim que o vi.

—Não partirá, verdade?

—Agora vou te ajudar, Luke.

—Tenho água engarrafada e algumas barrinhas nutritivas


se por acaso tiver fome antes que amanheça. Se te acontecer
algo, já sabe onde estou. Estou na casa, de acordo?

—De acordo.

Ele se sentou na cama, rodeou os joelhos com os braços e


se balançou.

—Necessita algo mais, Art?

—Não.

—Então, até manhã na primeira hora. Tomaremos o café


da manhã juntos.

—De acordo. Obrigado, Luke.

Luke voltou para sua casa. Essa noite não sairia se por
acaso Art necessitasse de algo, embora isso significasse não se
encontrar com Shelby. Sentiu­se um pouco irritado, não se
importaria de senti­la quinze ou vinte minutos apertada contra
si e a beija­lo, mas nesse momento tinha outro assunto entre

136
mãos, um que não tinha previsto. Se Art podia ajudá­lo, seria
uma boa decisão para os dois. Se Art necessitava mais ajuda da
que ele podia lhe oferecer, a buscaria. Entretanto, no momento,
tinha encontrado utilidade para um dos muitos roupões da sua
mãe.

**********

Um par de dias depois, Shelby, montada em Chico, parou


na clareira que havia diante das cabanas de Luke, embora não
se aproximasse muito. Também tinha selado Plenty e a tinha
levado com ela. A tarde de setembro era ensolarada e pôde ver
Luke agachado no telhado de uma das cabanas. Embora
usasse jaqueta porque estava fresco, pôde ver claramente as
costas dele, nua, bronzeada e muito larga. Era uma visão muito
prazerosa e se deleitou com ela. Então, Plenty relinchou e ele
olhou por cima do ombro. Levantou­se e se virou para olhá­la.
Ela sorriu quase sem querer. Era impressionante com o peito
nu, barba incipiente, jeans e um cinturão de ferramentas. O
que havia dito ela do homem barbeado, com uma pólo ou
camisa branca...?

—Parece­me que perdeu um cavaleiro — A saudou ele.

—Na realidade, estou procurando um — Disse ela. —Quer


descansar um pouco? Quer ver se pode montar?

137
—É uma prova?

—Não — Ela riu. —Continuarei gostando de você, mesmo


que caia.

Ele desceu pela escada, agarrou a camisa do último


degrau e a pôs. Ficou aberta e ela cravou os olhos no cinturão
de ferramentas. Ele tinha as mãos na fivela para tira­lo, mas
não as moveu. Quando ela o olhou nos olhos, comprovou que
estava sorrindo. Tinha a apanhado, disse a si mesma.

—O que faz aqui? — Perguntou Luke.

—Faz um par de dias que não te vejo. Está me evitando


outra vez?

—Deveria, mas não o tenho feito. Tive que fazer coisas. O


general sabe que vinha aqui?

—Claro. Os cavalos são dele.

—Shelby... — Ele tirou o cinturão de ferramentas e


abotoou a camisa. —O que ele disse?

—Disse: “Tome cuidado com esse piloto do Black Hawks.


Têm fama de tratar mal às mulheres.”

Ele meteu a camisa dentro da calça.

—Deus... — Lamentou­se ele. —Por que não vai e me


deixa em paz antes que me deem um tiro?

Ela riu.

138
—Não disse isso. Disse: “Avisa ao Luke que Plenty às
vezes morde e pode empinar.” Terá que estar atento.

—Empinar? — Perguntou ele com certa inquietação.

—Normalmente, não o faz com alguém em cima, mas se


for cair, segure as rédeas. Pode ser complicada quando se
comporta mal, mas, geralmente, dá gosto montá­la.

—Bem, tenho a sensação de que isto vai ser humilhante.


Aonde vamos?

—Podemos ir rio acima para ver as cores das árvores. Pode


ir?

—Tentarei — Respondeu ele. —Volto em seguida.

Foi à primeira cabana e olhou para dentro. Art estava


fazendo exatamente o que lhe tinha pedido; varrê­la e fazer um
monte com o lixo no centro da cabana, que estava vazia de
móveis.

—Art, vou sair um momento. Se importa?

—Não — Respondeu Art sem apartar o olhar do que estava


fazendo.

—Te avisarei quando voltar.

—De acordo, Luke.

Luke voltou para Shelby e os cavalos, se aproximou de


Plenty e lhe acariciou o pescoço com cautela. Ela mostrou os

139
dentes como se fosse mordê­lo, mas se conteve.

—Leva algo como um rifle? — Perguntou ele a Shelby.

—Para que?

—Ursos. Seguem por aí pescando.

—Tenho um repelente. Além disso, sou muito rápida.

—Sim — Ele sorriu. —Já vi na última vez que esteve aqui.


Eu não o sou. Espero poder me manter na cela — Foi à
caminhonete e tirou um Remington 338. —Me sinto melhor se
não tiver que depender de você para me proteger.

—Bobo — Replicou ela com um sorriso. —É muito bonito,


mas é muito mais rifle de que necessita.

—Faz que me sinta um homem.

Quando começou a prender o rifle com as correias da sela


de montar, Art apareceu na porta da cabana e os olhou com a
vassoura entre as mãos.

—Quem é? — Perguntou Shelby.

—Já te conto — Respondeu ele montando na égua. —Vá


adiante.

Seguiu­a para o rio e se afastaram das cabanas.

—Esse homem se chama Art. Encontrei­o abrigando­se em


uma de minhas cabanas. Estava esfarrapado, imundo e ferido e
fugindo. Trabalha para mim em troca de comida e um lugar

140
para dormir.

—Vive contigo? — Perguntou ela.

—Não. Coloquei­o no trailer enquanto arrumamos uma


cabana para que possa viver aí e por isso não passei pelo bar
nos últimos dois dias, queria me certificar de que pode cuidar
de si mesmo. Só necessita água quente, cereais pela manhã,
sanduiches de mortadela e queijo para almoçar e jantar e um
lugar macio para deitar. É bastante incrível. Não é muito
experiente, mas é muito cuidadoso e tenta de tudo com muita
firmeza. É um bom ajudante, mas prefiro que não digamos
nada a ninguém até que eu saiba o que lhe aconteceu. De
acordo? Não sei do que foge exatamente, mas não quer voltar.
Alguém lhe deu um olho roxo. Não tem família.

—Está protegendo­o — Afirmou ela em tom de surpresa.

—Estava mexendo no meu lixo como se necessitasse de


alguma coisa — Luke deu de ombros. —Apareceu aqui.

—Poderia ter­lhe dito que se fosse.

—Não há nenhum motivo. Tem síndrome de Down, é bom


e simples. No entanto, se estiver procurando­o algum bastardo
que o atingiu, não quero que saiba que está escondido aqui. Ao
menos, até que eu saiba o que fazer com esta situação.

—Sabe uma coisa? Tenta dissimular que é bondoso —


Replicou ela. —Acredito que é amável por natureza.

—Shhh — Avisou ele. —Vai arruinar a minha reputação.


141
—Ainda não tem nenhuma. Ninguém sabe muito bem
como te qualificar — Ela levantou a cabeça para olhar os
pinheiros e as enormes sequoias mescladas com carvalhos com
as folhas amarelas e laranjas. —Não é impressionante?

—Impressionante. O que te parece em comparação com a


costa?

—No momento, uma mudança maravilhosa — Respondeu


ela, olhando­o com um brilho nos olhos. —Vejo muitas
possibilidades neste lugar.

—Outra vez flertando comigo. Não tem medo de seja uma


mordida maior do que possas mastigar, menina?

—Refere­se a você?

—Sei que o sou — Grunhiu ele.

Ela riu. Enquanto subiam o rio para as montanhas, Luke


não pôde evitar que lhe parecesse divertido montar a cavalo,
uma experiência muito agradável. Se Plenty se mantivesse ao
lado de Chico, não atrás, não haveria problema. Falaram pouco
e ao cabo de uns vinte minutos, Shelby parou Chico ao pé de
um caminho inclinado que leva a um planalto.

—Acha que pode subir? — Perguntou ela. —A subida é


acentuada, mas a vista é impressionante.

—Posso tentar. Deixe­me ir na frente para que esta égua


não morda a Chico por trás.

142
—Adiante.

O atalho era bastante largo para avançar com comodidade


e ziguezagueava para aliviar a inclinação. Demoraram uns vinte
minutos em chegar ao topo e uma vez ali, o vale, com o rio e o
que parecia um vinhedo, se estendiam debaixo deles. Luke
respirou fundo e admirou a paisagem. Pôde ver uma série de
trilhas para caminhada e um par de estradas abandonadas que
uma vez devem ter sido usadas para o transporte de toras.

Shelby se aproximou e também respirou fundo. Podia­se


ver até muitos quilômetros de distância por cima das copas das
árvores. Tirou o chapéu e agitou a trança. Ficaram um bom
momento sentados, sem dizer nada. Até que Luke ouviu um
ruído. Olhou à direita e viu um filhote de urso brincando
chafurdando debaixo de uma árvore. Embora tivesse uns
quatro meses e era bastante grande, seguia sendo um filhote de
urso.

—Merda... — Sussurrou ele.

Onde havia um filhote de urso, sempre havia uma mãe.


Com efeito, pela esquerda se aproximava a mãe. Colocaram­se,
sem perceber, entre a mãe e seu filhote, e ela era muito grande.

—Para baixo, para baixo — Apressou Shelby. —Vai para


frente.

Shelby foi pelo caminho descendo a colina com Luke em


seus calcanhares, mas a um ritmo tão rápido que Plenty não
podia morder Chico. Os ursos tinham as patas dianteiras mais
143
curtas que as traseiras e era uma má ideia correr costa acima
ou em plano, mas costa abaixo estavam em desvantagem,
caíam em seguida.

Shelby cutucou Chico com o extremo das rédeas e Luke


cravou os calcanhares nos flancos de Plenty. Esperou não cair,
não era tão bom cavaleiro como Shelby e o caminho descia
fazendo ziguezagues a cada poucos metros. A ursa deixou
escapar um rugido aterrador. Esperou poder sacar o rifle se
chegasse a se aproximar. Enquanto Shelby e ele seguiam pelo
caminho, a ursa descia em linha reta, entre árvores e arbustos.

Viu Shelby adiante dirigindo as rédeas com uma mão,


enquanto que a outra tirava o repelente. Afastou­se um pouco
se por acaso decidisse utilizá­lo, mas a prioridade era escapar,
não queria disparar na mãe de um filhote de urso.

Em poucos metros, aconteceu. A ursa tropeçou nas


pernas dianteiras e se converteu em uma bola peluda que
rolava descontroladamente. Shelby e Luke puxaram as rédeas e
a viram passar. Luke tirou o rifle e o preparou.

—Não atire nela — Pediu Shelby.

—Só se tiver que fazê­lo.

A ursa parou, sacudiu­se, levantou­se sobre as patas


traseiras, rugiu e se afastou em direção contrária, para reunir­
se com seu filho.

—O que te parece sair voando daqui? — Propôs Luke.

144
Shelby deu uma palmada na garupa de Chico, e saiu
correndo entre risadas, para o assombro de Luke. Ele a seguiu
de perto e se manteve bastante bem para alguém que não
estava disposto a largar um rifle que era mais comprido que seu
braço.

Quando chegaram a baixo, junto ao rio, ela não diminuiu


o passo. Ao contrário, cravou os calcanhares nos flancos de
seus arreios e saiu voando com o eco de sua risada retumbando
entre as árvores. Até o sangue árabe da Plenty era insuficiente
para que Luke se mantivesse à altura do cavalo malhado. Não
havia ninguém perto do rio, mas não pôde evitar perguntar­se o
que teria pensado alguém que o tivesse visto perseguindo­a
com um rifle na mão. Entretanto, ela não deixava de rir as
gargalhadas. Shelby estava sentada na sela e era esplêndida.
Era leve, ágil, veloz e corajosa. Chegou às cabanas com um
sorriso vitorioso, as bochechas coradas e os olhos brilhantes
enquanto o esperava na clareira do bosque.

Nesse momento, Luke compreendeu algo que não


imaginara. Essa jovem gostava da aventura. Gostava da
velocidade. O susto com um urso a tinha iluminado mais que o
sol. Ele não se enganava e não acreditava saber tudo sobre as
mulheres, mas sabia quando prestava atenção. De repente,
Shelby estava mais viva do que tinha estado durante toda a
tarde. Excitou­o quase insuportavelmente.

—Foi divertido — Disse ela.

—Sim, quando a ursa se foi. Você gosta de se exibir.


145
—Não tenho muitas ocasiões de me exibir. Monto bem a
cavalo.

—Isso é verdade — Concedeu ele enquanto parava ao se


lado. —Vem cá.

Ela se aproximou e se inclinou para ele. Ele baixou a


cabeça e lhe deu um beijo breve, mas intenso. Explorou sua
boca lenta e profundamente. Cada beijo o aproximava mais do
que lhe parecia a pior ideia que tinha tido em sua vida... e a
mais inevitável. Rodeou sua cintura com os braços e ela o
agarrou pelos ombros.

—Vai me matar — Disse ele quando se afastou. —Passe


algumas horas comigo.

—Não. Ainda, não — Ela deu de ombros. —Sinto muito se


estou te provocando.

Ele se afastou e desmontou.

—Shelby, não acredito que sinta. Acredita que tem a faca e


o queijo na mão e que tenta que eu o sabia — Replicou ele,
embora não pôde evitar sorrir.

—Até mais tarde, para tomar uma cerveja.

—Talvez.

—Vamos... — Ela riu. —Não é possível que seja mais


valente que você. Quantas vezes você entrou em combate?

—Isto é muito diferente. É um povoado muito pequeno e é


146
a única sobrinha de um general.

—Certo — Shelby tomou as rédeas com um sorriso


malicioso. —Não seja covarde.

**********

Luke foi tão pouco covarde que foi cinco noites seguidas
ao bar. Quando o general estava com sua sobrinha, Luke partia
antes que servissem o jantar e levava um pouco do que fizesse
Pastor, para Art e ele mesmo, entre outras coisas, bolo, que
deixava Art louco. Fazia milhares de anos que não cortejava
uma garota sem tocá­la, mas podia fazê­lo com Shelby e,
inclusive, buscava isso. Não demoraria muito em insinuar algo
mais, em lhe dar «o bate­papo» e em chegar até o final, o que
fazia com que lhe abrasassem as vísceras.

Trabalhava muito durante o dia e se ocupava de que Art


comesse aceitavelmente bem. Dava­lhe cereais e frutas pela
manhã, sanduíches ao meio­dia e alguma janta com verduras
que pudesse esquentar no micro ondas enquanto via televisão
quando ele não estava em casa.

Tinha passado quase uma semana do susto da ursa.


Depois, tinha metido todos os móveis da casa na sala de jantar
e estava lixando o chão da sala. Estava pensando em tomar
uma ducha e ir tomar uma cerveja bem fria com Shelby e,

147
esperava receber seus escassos e significativos beijos quando
ouviu uma buzina. Deixou a lixa e foi ao alpendre. Seu irmão
Sean desceu do jipe com um sorriso e os olhos resplandecentes.
Luke franziu o cenho. Isso não entrava em seus planos.

—Olá, irmão — Saudou Sean. —O que acontece?

—O que faz aqui?

—Tirei uns dias da esquadrilha e pensei em te honrar com


a minha companhia. Queria ver o que estava fazendo por aqui.

Luke só pôde pensar em quanto demoraria para estar


sozinho com Shelby.

—Bem — Disse ele sem entusiasmo. —Me alegro. Por que


não me ligou?

—Desde quando liguei? Vai ao povoado ou algo assim?

—Não. É que foi um dia exaustivo.

—Se banhe e vamos à costa. Vamos ver se encontrarmos


um par de...

Isso significava um par de cervejas e de mulheres.

—Vá você. Esta noite não gostaria de sair.

—Desde quando? Vamos.

—Vou ao povoado tomar uma cerveja. Há um bar. Um


lugar familiar e agradável. Pode me acompanhar ou ir sozinho à
costa. Também há outro lugar mais perto, um bar em

148
Garberville. Vi garotas ali.

—Parece emocionante. Está ficando velho? —perguntou


Sean.

Luke franziu o cenho. Não era muito oportuno. Estava a


ponto de encontra­se com uma beleza de vinte e cinco anos, e
ia aparecer com o irmão caçula que só tinha trinta e dois? O
piloto de aviões espiões, mais jovem, mais bonito, com mais
dinheiro e uma vida mais interessante. Um oficial. O general
não duvidaria em preferi­lo. Olhou Sean dos pés à cabeça.
Estava bronzeado, tinha o cabelo loiro­escuro e uma covinha de
menino mau ao sorrir e não lhe faltavam recursos para
conquistar às mulheres. Bons recursos. Ele tinha tomado
emprestado mais de um.

—Não te alegra ver­me? — Perguntou Sean. —O que se


passa?

—Vai trabalhar enquanto estiver aqui?

—Durante o dia. Quando o sol se põe, eu gostaria de ter


um pouco de diversão. Tenho a sensação de que vai ser um
problema por aqui.

—Esta noite vou ao bar de Jack. Amanhã falaremos sobre


a noite de amanhã — Disse ele dirigindo­se à casa.

—Está bem —disse Sean chateado. —Isto vai ser


maravilhoso — Nesse momento, Art e sua vassoura apareceram
na porta da terceira cabana. —Quem é? — Perguntou a Luke.

149
—Art, amigo, venha aqui — Chamou Luke. —Art,
apresento­lhe o meu irmão Sean. Sean, apresento­te a Art. Está
me dando uma mão. Dorme em uma das cabanas.

—Olá — Saudou Sean estendendo uma mão.

—Olá, Sean. — Art lhe estreitou a mão e voltou para a


cabana que estava varrendo.

—Luke, o que está havendo?

—Nada, estamos tirando o trabalho adiante. Art se


apresentou procurando um lugar para ficar. Trabalha muito
todo o dia em troca de teto e comida. Entretanto, não vamos
dizer a ninguém que está aqui. Quer passar despercebido, está
fugindo de uma casa de acolhida horrível.

—Jesus, Maria e José! — Exclamou Sean.

Quarenta minutos mais tarde, Luke e Sean estavam na


caminhonete de Luke e se dirigiam para o povoado. Quando
estacionaram diante do bar, Luke viu o 4x4 Chevrolet do
general e esperou que Shelby estivesse com ele. Antes de
desligar o motor se dirigiu a seu irmão.

—Se você captar alguma coisa lá dentro que tem alguma


relação comigo, fica de fora. Se a tocar, é homem morto.

—Muito bem. Começo a entender — Sean sorriu. —Isto vai


ser muito divertido.

Sean saiu de um salto e começou a subir as escadas, sem

150
conseguir disfarçar a curiosidade. Luke o seguiu de perto e
esteve prestes de chocar­se contra ele quando parou ao entrar.
Walt e Shelby estavam sentados junto ao balcão e se viraram ao
ouvir que alguém estava entrando. Luke o agarrou com firmeza
pelo ombro para lhe recordar o que lhe havia dito.

—Caralho... — Sussurrou Sean.

Luke o sacudiu levemente pelo ombro e o empurrou para


diante.

—General Booth... Shelby McIntyre... Apresento­lhes ao


meu irmão Sean.

—Senhor... Senhorita... — Saudou­os Sean.

Luke estava atrás dele e não pôde ver seu sorriso, mas
soube que foi muito amplo e com covinha. Franziu um pouco
mais o cenho. Por que não teve irmãs? Jack lhes pôs um par de
cervejas e Sean começou a se divertir à custa de Luke.

—Tinha proposto ao meu irmão que fôssemos à costa


tomar umas cervejas e vermos as garotas, mas o que me
respondeu? Que não queria, que preferia vir a este pequeno bar
em Virgin River... Embora não tenha dito porque. Que
coincidência tão incrível que esteja aqui, senhorita McIntyre.

Ela riu. Pareceu­lhe brincalhão e cordial, duas coisas que


Luke não era.

—Por favor, meu nome é Shelby. Ele sabia que estaria


aqui. É quase um encontro marcado.
151
—De verdade? Não há mais nenhuma em casa?

—Temo que não — Respondeu ela. —No entanto, tenho


entendido que vocês sim são em mais irmãos.

—Alden, Colin e Paddy. Entretanto, eu sou o mais rico e o


mais bonito.

—E o mais insuportável — Interveio Luke.

—Que lugar ocupa? — Perguntou Shelby.

—Sou o quarto. Luke é o mais velho — Olhou para seu


irmão por cima do ombro. —E muito maior. Além disso,
acredito que minha família e sua família estiveram em guerra
durante milhares de anos — Brincou ele antes de dar um sorvo
de cerveja. —As guerras dos Riordan e os McIntyre... Me alegro
de que tenham acabado.

—Nenhum se casou?

—Que eu saiba, dois tentaram e desistiram. Eles


asseguram que não foi sua culpa — Respondeu ele com um
sorriso.

Luke ia leva­lo para casa e dar­lhe uma surra. Entretanto,


Shelby estava encantada, o general tinha um inconfundível
sorriso malicioso e as rugas ao redor dos olhos de Jack
indicavam que também estava se divertindo bastante.

Outros foram chegando e Luke lhes apresentou a Sean. Ao


cabo de uns minutos, Sean se inclinou sobre o balcão do bar

152
para dirigir­se a Jack.

—Que mulheres... É incrível.

—Todas têm parceiro, amigo. A não ser que queira tirar


essa jovem preciosa de seu irmão mais velho.

Sean e o general tiveram uma larga conversa sobre os


irmãos Riordan.

—Como se consegue toda uma família de militares? —


Perguntou Walt.

—Não sei, senhor — Respondeu Sean. —Imagino que por


falta de imaginação. Luke foi o primeiro, assim que saiu do
colégio. Foi à Academia da Aeronáutica e a passou muito bem.
Somos uma família irlandesa, católica e numerosa e meu pai
era eletricista, não podia mandar todos nós para a universidade
e tivemos que procurar alternativas. Fardas militares, serviço
ativo... o que fosse. Entretanto, resulta que eu gosto desta vida.

Então, Shelby disse a Sean que estava ali de visita e, pela


primeira vez, passou pela cabeça de Luke algo espantoso, o que
aconteceria se não estivesse preparado quando ela decidisse
partir? Tinha dedicado muita energia mental para pensar no
desastre que aconteceria quando estivesse com ela, mas não
lhe tinha ocorrido que pudesse passar justamente o contrário.

Se Luke estava mais silencioso do que de costume, podia


se dever a que Sean não se calava. A isso e ao receio de que
estivesse perdendo o tempo com Shelby, quem ia partir dentro

153
de uns dias. Uns dias muito longos.

Juntaram várias mesas quando começaram a servir o


jantar e Sean se sentou ao lado de Shelby, entreteve­a e a fez
rir. Luke não riu tanto. Para começar, não era tão engraçado
como Sean e, além disso, estava mal­humorado. Sean tinha
monopolizado a atenção e por isso, quando recolheram os
pratos, Luke saiu para tomar ar fresco. Ao cabo de pouco
tempo, ela apareceu, sorriu­lhe ligeiramente e sacudiu a
cabeça.

—Está muito infeliz... — Comentou ela com ironia.

—Eu o odeio — Replicou Luke em tom abatido.

—Vamos... Não seja rancoroso. Seu irmão me cai bem —


Ela se aproximou dele. —Me parece que está com ciúme.

—Suponho que sim — Balbuciou ele.

Sentia­se velho, com trinta e oito anos e a ponto de


cumprir trinta e nove. Sentia­se menos educado que Sean,
chato e aposentado.

—Parece um pouco absurdo que fique ciumento quando


não para de repetir que cometo um engano ao paquerar
contigo.

—Vou deixar de dizer isso agora mesmo.

—Não me tinha enganado — Comentou ela. —Me dizia


isso e logo me dava um beijo que me deixava tremendo dos pés

154
à cabeça. É muito evidente, Luke.

Shelby fez algo que não teria imaginado fazia um ano, nem
fazia um mês. Entretanto, tomou um par de taças de vinho e
riu com Sean, embora não com Luke. Rodeou lhe a cintura com
os braços e ele também rodeou a dela.

—Faz tempo que não me beija. Dois dias — Recordou ela.

Ele, por fim, sorriu.

—Eu sei, asseguro­lhe isso.

—Mas agora esta de mau humor.

—Não tem nada há ver com te beijar. Eu gosto de te beijar.

—Por que não tenta outra vez para ver se segue gostando
disso?

Ele a abraçou com mais força.

—E o general...?

Ela riu.

—Certamente, adoraria. Esteve muito preocupado porque


não sabia me divertir. Estou segura de que me considera chata
e uma solteirona.

—Não é.

—Chata?

—Nem solteirona.

155
Deu­lhe um beijo profundo, intenso e possessivo nos
lábios que ela tinha separado para recebê­lo. Por um segundo,
pensou que tinha que possui­la nesse instante, mas antes
tinha que lhe recordar que não podia contar com ele a longo
prazo. Como muito, seria uma aventura. Uma aventura
fabulosa e muito agradável. Entretanto, em vez de dizer­lhe
recebeu a pequena língua dela e deixou escapar um gemido.
Não quis acabar e se concentrou em convertê­lo no beijo mais
comprido da história com a esperança de que os
surpreendessem, de que todo mundo soubesse que era dele.
Sua mulher. Podia notar seus peitos e não pôde imaginar nada
mais apetecível que tomar um com a mão. Apartou os lábios,
mas não muito.

—Seu irmão é muito atraente — Disse ela lhe roçando os


lábios.

—Quando chegarmos em casa, vou lhe dar uma surra que


não esquecerá.

Ela riu.

—Vocês gostariam de dar um passeio a cavalo amanhã? —


Perguntou­lhe. —Temos uma bela Appaloosa chamada Shasta.
Tem muitas manchas e é muito dócil.

—Não quero que ele vá a nenhum lugar conosco.

—Luke... — Repreendeu­o ela.

—De verdade. Quero que fique à margem. Tenho muitas

156
coisas que fazer contigo — Ele deu de ombros. —Montar a
cavalo, tomar cervejas, jantar... mas comigo apenas.

—Será melhor que tenha paciência — Recomendou ela.

—Quanta?

Deu­lhe um beijo muito leve nos lábios.

—Quanto tempo vai ficar Sean?

—A sério, vou mata­lo e esconder o corpo.

—Quanto tempo? — Insistiu ela com um sorriso.

—Disse que ficaria uns dias, mas não sabe nada da sua
morte iminente.

—O que me diz de amanhã pela manhã? Posso passar por


sua casa quando o sol esquentar um pouco e daremos um
passeio ao longo do rio.

—É o que quer de verdade?

—Acredito que seria um detalhe de boa vizinhança da


minha parte.

—Muito bem — Ele suspirou —, mas não ria das piadas.


Isso me tira do sério.

157
Capítulo 7
Walt deixou que Shelby e Luke tivessem um momento no
alpendre do bar. Embora não muito tempo. Saiu fazendo muito
ruído e olhou breve e seriamente a Luke, só para ver se podia
fazê­lo tremer de remorso e medo. Luke não o fez, mas sim
soltou lenta e reticentemente os ombros de Shelby. Walt, por
fim, os tinha surpreendido.

—Vou embora — Disse o general. —Vem agora ou mais


tarde, Shelby?

—Irei contigo, tio Walt.

Já no caminho de casa, Walt se dirigiu a Shelby.

—Seguro que foi difícil criar esses Riordan.

Ela se limitou a suspirar e a Walt pareceu que o fez


sonhadoramente.

Uma vez em casa, Walt lhe disse que iria à casa de Muriel
para beber algo antes de se deitar, que tinha um par de coisas,
uma surpresa, no 4x4. Adorava que Muriel reconhecesse o
motor de seu carro, os seus passos nas tábuas do alpendre e
sua maneira de bater na porta.

—Entre, Walt.

Entusiasmava­o pensar que era o único que podia


chamar. Entrou e saudou os cães. Ela estava sentada na cama

158
com uma postura muito cômoda, os óculos postos e o que
parecia um guia no colo.

—O que é isso que segura? — Perguntou ela.

—Um pequeno entretenimento que não queria desfrutar


sozinho.

Deixou um reprodutor de DVDs portátil ao lado dela com


quatro DVDs que lhe custara muito encontrar. Havia muito
poucos filmes dela em DVD. Ela os olhou.

—Walt...! — Exclamou ela. —O que fez? — Afastou um. —


Essa não. Apareço nua...

—Muriel, já te vi nua e eu gosto.

—Sei, mas me viu nua na penumbra enquanto tentávamos


que os cães não subissem na cama. Aí fico nua com um ator,
um diretor, todos os técnicos do filme e, receio, todo mundo,
dos que limpavam o set até os que nos levavam a comida.

Ele se sentou na beira da cama.

—Não é complicado despir­se assim?

—Não o entenderá, mas para mim é mais fácil isso que me


despir diante de você. Não me importava o que todos eles
pensassem, porque era mero trabalho. Era importante no
roteiro, se não, o teria rechaçado — Deu de ombros. —Além
disso, meus pais estavam mortos.

Ele a beijou levemente nos lábios.


159
—Custou para você tirar a roupa para mim?

—Sim — Reconheceu ela. —Queria estar à altura de suas


expectativas. Sinto­me melhor desde que decidiu ser insaciável.
Está seguro de que tem sessenta e dois anos? Não baixou muito
o ritmo.

—Sinto­me vinte anos mais jovem quando estou contigo.


Além disso, não só esteve à altura de minhas expectativas,
deixou­me boquiaberto — Ele agarrou o DVD que ela tinha
rechaçado. —Comecemos por este.

Ela riu.

—É um roteiro? — Perguntou ele olhando os papéis que


tinha na mão.

—Sim. Não se preocupe, é uma porcaria.

—Perfeito. Muriel tem que começar a ir ao bar de Jack


para jantar conosco. Cada dia está mais interessante. Você não
gostaria de perder isso

—De verdade? — Perguntou ela sentando­se com as


pernas cruzadas.

—Minha inocente e pequena, Shelby, escolheu um


homem. Estou seguro de que se precipitou, é muito para ela, é
um bárbaro temerário de trinta e oito anos que passou vinte
pilotando um Black Hawks. Parece como se pudesse acabar
com um exército de hunos só com as mãos. Entretanto, quando
a olha, seus olhos brilham com todo tipo de pecados. Além
160
disso, eu o assusto, algo que eu adoro. Esta noite se apresentou
com um irmão menor, mais arrumado, mais divertido, muito
mais sociável e agudo, muito mais seguro de si, mesmo quando
estava com Shelby... — Riu. —O bárbaro esteve a ponto de
matá­lo. Não vai querer perder tudo isso?

—Shelby escolheu ao tipo mais velho? — Perguntou ela.

—Acredito que o fez ao vê­lo.

—Mas é um bárbaro. O que te parece?

Walt se inclinou para tirar as botas. Ergueu­se e a olhou


com esses olhos imponentes de general.

—Se lhe fizer mal, o matarei.

Muriel sacudiu a cabeça, pegou o DVD e o meteu no


aparelho.

—Shelby estará muito agradecida — Replicou ela com


ironia.

Ele ficou ao lado dela, apoiou­se na parede, estirou as


pernas e tirou Buff e Luce da cama.

—Acredito que ela desfruta por dentro com o medo dele.


Estou desejando ver o filme.

—É uma tolice.

—Clint Eastwood não é. Eu gosto de Clint Eastwood.

—Você não gostará neste filme. É romântico e não bate em

161
ninguém.

—Mas se despiu diante dele. Quero ver a cara que fez.

—Muito bem — Concedeu Muriel. —Se te fixar bem,


poderá ver uma expressão parecida com a indiferença. Viu um
montão de atrizes nuas e domina suas emoções. Não o tentei no
mais mínimo.

—Pobre coitado.

Walt ligou o DVD.

—Está decidido a vê­la? — Perguntou­lhe ela.

—Estou desejando.

—Vou me aborrecer de morte — Comentou ela recostando­


se nos travesseiros e bocejando.

—Quer que desperte quando estiver nua?

—Desperta quando você tiver se despido — Respondeu ela


bocejando outra vez.

**********

Mel recebeu uma chamada muito importante na clínica.


Deligou, respirou fundo e olhou o relógio, eram dez da manhã.
Pegou o celular e chamou Shelby, mas ninguém respondeu no

162
rancho, teriam saído a montar a cavalo. Chamou Brie.

—Olá. Preciso de uma babá. Posso tentar encontrar Jack


se estiver...

—Acabo de vê­lo partir do bar em sua caminhonete —


Disse Brie. —Passarei para pegar as crianças.

—Obrigado, tenho que fazer uma coisa e é possível que


demore umas horas.

Mel desligou e entrou no escritório do doutor Mullins.

—Consegui — Disse Mel. —Consegui um lugar para


Cheryl Chreighton em um centro de desintoxicação.

—Como fez isso? — Perguntou ele sem poder dissimular o


assombro.

—Não foi fácil. Tive que fazer centenas de chamadas. Teria


sido imensamente mais fácil se tivesse cometido um delito por
culpa da bebida. O tratamento teria sido parte da sentença.

—Ela sabe o que você fez?

—Não — Respondeu Mel. —Não quis lhe dar tempo para


que pensasse: se embebedaria e mudaria de opinião.
Entretanto, se a levar de surpresa e entrar no programa, terá
alguma oportunidade.

—Exatamente — Reforçou ele.

—Sim. Não voltarei a conseguir se ela recair. Vou para lá.

163
Levarei sua caminhonete e deixarei o Hummer para os
pacientes.

—Seria melhor a caminhonete de Jack — Comentou ele.

—Não posso. Não posso misturar Jack, nem a sua


caminhonete. Poderia transmitir uma mensagem equivocada.
Usarei a sua caminhonete e deixarei o Hummer — Insistiu ela
lhe dando as chaves.

Jack e Cheryl tinham uma história. Muito antes que Mel


aparecesse, Cheryl esteve muito apaixonada por Jack e ele a
rechaçou de uma forma bastante brusca.

—Boa sorte — Desejou ele tomando as chaves.

Quando Brie levou as crianças, Mel percorreu com a


caminhonete as poucas quarteirões que havia até a casa dos
Chreighton. Estava desmantelada, como outras casas desse
quarteirão. As pessoas pareciam se acostumar às paredes
descascadas e os telhados meio caindo. Além disso, essa família
não tinha dinheiro. Só o pai trabalhava e eram trabalhos
ocasionais quando os encontrava. Bateu na porta e passou um
momento antes que a abrisse uma mulher muito obesa. Nunca
tinha visto a mãe de Cheryl Chreighton, o que era muito
estranho em um povoado desse tamanho. Entretanto, pareceu­
lhe que essa mulher não tinha saído de casa fazia meses,
possivelmente, anos. Tinha um cigarro entre os dedos
amarelados e o cenho franzido.

—Cheryl está?
164
—Quem é?

—Meu nome é Mel Sheridan. Sou a enfermeira e parteira.


Trabalho com o doutor Mullins.

—É você — A mulher a olhou de cima abaixo. —É a


mulher de Jack.

—Sim. Cheryl está? — Voltou a lhe perguntar Mel.

—Está tirando um cochilo — Respondeu a mulher


enquanto se virava para que a seguisse.

—Poderia acordá­la?

—Posso tentar.

Mel seguiu­a em uma cozinha muito pequena onde,


evidentemente, fazia a vida. Havia um montão de jornais e
revistas, copos de café sujos, latas de refrescos vazias, um
cinzeiro transbordando, uma caixa de bolachas aberta e uma
pequena televisão no balcão. A senhora Chreighton foi até um
quarto que era uma ampliação feita de qualquer maneira no
fundo da casa. A porta não se fechava, não tinha mecanismo, e
havia um buraco onde deveria ter estado o trinco.

—Cheryl! Cheryl! Cheryl! — Mel a ouviu gritar. —Há uma


mulher que quer te ver!

Se ouviram umas queixa, a senhora Chreighton voltou


para a cozinha e se sentou em sua cadeira, que rangeu sob seu
peso.

165
Mel pensou que era uma casa de vícios. A mãe era viciada
de comida e cigarros, Cheryl em álcool e ninguém sabia a droga
que preferia o pai. Certamente, era viciado a estas duas
mulheres e seus problemas.

Cheryl apareceu na porta de seu dormitório com a roupa


do dia anterior, o cabelo emaranhado e os olhos inchados e
meio fechados.

—Tem um minuto? — Perguntou Mel.

—Para que? — Disse Cheryl.

—Vamos lá fora para falar um momento.

Saiu para que Cheryl a seguisse. Mel esperou na calçada,


diante da casa, até que Cheryl saiu e ficou nos degraus do
alpendre.

—Está sóbria neste momento?

—Estou bem — Respondeu Cheryl passando os dedos


entre o cabelo revolto e gordurento.

—Te interessa estar sóbria? Ficar sóbria.

—Estou às vezes. Muitas vezes, não bebo.

—Posso te internar para que faça um tratamento, Cheryl.


Para que siga um programa de desintoxicação. Será uma
terapia de vinte e oito dias e uma boa ocasião para deixar a
bebida. Mas tem que decidi­lo agora.

166
—Não sei...

—É sua única oportunidade, Cheryl. Te levarei e te


internarei. O condado arcará com os gastos, mas só tem esta
oportunidade. Se a rechaçar agora, acabou­se. É tudo o que
posso fazer.

—Quem te disse para fazer? — Perguntou ela.

—Ninguém. Pensei que poderia ser útil um pouco de ajuda


e a busquei. Por meus meios. Não, nem sequer o disse ao Jack.
Poderia tentar. Sabe que não pode fazê­lo sozinha.

—Perguntou a minha mãe?

—Não perguntei a ninguém. Tem mais de vinte e oito anos,


não? Quer que te ajudem? Tome um banho e prepara uma
bolsa, não necessita de grande coisa. Têm máquina de lavar
roupa e secadora, toalhas e lençóis limpos, comida saudável e
muita gente como você que quer deixar de beber. A todo mundo
custa, mas são especialistas e se alguém pode te ajudar, são
eles.

Ela se olhou os pés, as botas sujas e desatadas.

—Algumas vezes, tenho uns tremores espantosos.

—Como todos. Têm medicamentos para que os supere no


princípio — Mel olhou seu relógio. —Não posso ficar enquanto
pensa nisso.

—Onde está esse lugar?

167
—Em Eureca.

Cheryl moveu um pouco os pés e levantou a cabeça.

—De acordo.

—Muito bem. Tome banho e prepare a bolsa. Voltarei


dentro de meia hora para te buscar.

Como havia dito, Mel voltou meia hora depois e recolheu


Cheryl, que levava suas coisas em uma bolsa marrom de
supermercado. Limpou­se e lavou o cabelo, embora tivesse
secado com a toalha. Certamente, não teria secador. Cheirava a
sabão misturado com algum licor. Mel supôs que tinha dado
um gole para reunir forças.

—Disse a seus pais aonde vamos? — Perguntou Mel.

—Para a minha mãe — Cheryl deu de ombros. —Eu disse


a minha mãe.

—Alegrou­se?

Cheryl voltou a dar de ombros e apartou o olhar.

—Disse que certamente é uma perda de tempo e dinheiro.

Mel esperou que Cheryl voltasse a olhá­la.

—Não é — Replicou antes de tomar fôlego. —Vamos.

Não falaram muito durante o caminho até Eureca, mas


Mel se inteirou de que Cheryl passou um ano na casa de um
primo em outra cidade nas montanhas, até que seu pai foi

168
procura­la. Cheryl tinha tido algumas ilusões fora de seu
alcance, tinha querido entrar nas Forças de Paz, viajar no
estrangeiro, ser enfermeira, professora e veterinária. Em troca,
tinha afogado seus sonhos no álcool. Já não tinha amigos em
Virgin River, só tinha a seus pais.

—Não tem que me contar nada que não queira me contar,


mas tenho curiosidade — Comentou Mel. —Sei que não vai ao
bar de Jack, como consegue a bebida?

—Mmm... Há uma loja de licores em Garberville, mas,


normalmente, meu pai me leva algo para que não dirija.

—Entendo.

—Pretendo deixar de beber a todo o momento — Seguiu


Cheryl —, mas começo a tremer e fico louca, meu pai se ocupa
de mim, até que tudo passe.

Mel se deu conta de que a volta para casa seria um


problema enorme, porque seus pais, as únicas pessoas com as
que podia contar, não pareciam capazes de mantê­la em bom
estado. Possivelmente pudessem lhe encontrar algum lugar em
Eureca onde trabalhar, viver e ir a reuniões até que se
acostumasse a estar sóbria e pudesse voltar para Virgin River
curada. Era a última hora da tarde quando Mel voltou para o
povoado, entrou na clínica e devolveu as chaves ao doutor.

—Missão cumprida? — Perguntou­lhe o doutor.

—Já está.

169
—Seu marido esteve te procurando.

—O que lhe disse?

—Que tinha um encargo... médico.

—Seguro que morre de curiosidade. Irei recolher as


crianças e despistar ao Jack. Dou por terminada a jornada.

—Chamarei por telefone se surgir algo emocionante — Ela


se virou para partir, mas ele a chamou. —O que fez é
maravilhoso. Não acredito que tenha muitas possibilidades,
mas foi algo elogiável.

—Obrigado.

—Levo anos vendo­a afundar­se e nunca confiei nela. Me


alegro que alguém o tenha feito, de que você o tenha feito.

Ela notou que esboçava um sorriso.

**********

Durante os três dias anteriores, Luke tinha ido a casa dos


Booth com Sean para dar alguns passeios a cavalo. Não o tinha
feito por Sean, naturalmente, mas sim por Shelby, porque lhe
agradava passear com alguém. Além disso, embora o chateasse,
ela se dava muito bem com seu irmão.

O resto do tempo, Luke e Sean trabalharam juntos.

170
Terminaram os pisos da casa e logo se concentraram na cabana
número um para o novo inquilino.

—A teremos pronta dentro de alguns dias, Art — Art se


emocionou muitíssimo de poder ter sua própria casa. —Alguma
vez teve uma casa? — Perguntou­lhe Luke.

—Para mim sozinho? — Disse Art. —Não.

—Acredita que poderá ter uma casinha para você sozinho?

—Sim — Respondeu ele assentindo com a cabeça.

—Uma pergunta, Art. Na casa de acolhida, quem fazia a


limpeza?

Ele deu de ombros.

—Tínhamos que assinar.

—Assinar? — Perguntou Luke sem entendê­lo.

—No caderno — Respondeu Art com impaciência. —Tinha


que assinar no caderno quando queria usar a máquina de lavar
roupa.

—De verdade? Você as lavava?

—Sim, todos nos lavávamos.

—Tinha outras tarefas na casa de acolhida? — Perguntou


Sean.

—Fazer a cama, arrumar a roupa e o quarto, lavar os

171
pratos, passar aspirador, limpar os banheiros...

Luke arqueou uma sobrancelha.

—Acredito que está preparado para ter sua casa. Com um


pouco do ADT da máquina de lavar roupa...

—ADT? — Perguntou Art com o cenho franzido.

Sean lhe deu uma palmada nas costas.

—Aprendizagem do trabalho. Venha, te ensinarei a tirar a


pintura velha do exterior da cabana para que possamos deixá­
la impecável.

—Isso é ADT? — Perguntou Art.

—Efetivamente.

Quando Art começou com sua tarefa, Sean voltou dentro


com Luke.

—O que vai fazer com ele?

—Neste momento, precisa sentir­se a salvo, Sean.

—Se afeiçoará a você.

—É possível — Luke deu de ombros. —Tinha um trabalho


e, segundo o que conta, cuidava de si mesmo. Acredito que só
necessita de um pouco de supervisão. Como não vou a
nenhuma parte, o que tem de mau que ande por aqui?

Art colocou a cabeça pela porta.

172
— Sean, pode me dar um pouco mais do ADT?

Luke olhou para seu irmão.

—Vai se afeiçoar a você...

—Não ficarei suficiente tempo.

Avançaram muito entre os três. Ao acabar, Luke preparou


uma sopa e queijo fundido para Art e logo, foi com Sean para
jantar no bar de Jack. Shelby, seu tio e Muriel, a vizinha dos
Booth, estavam ali. Antes de partir, beijou­a breve e
maravilhosamente nos lábios, mas Sean, por desgraça, não
pôde fazer nada com os lábios, salvo falar.

—Esta noite vamos à costa ou, ao menos, a Fortuna —


Disse Sean no dia seguinte. —Só vou ficar um dia mais e estou
cansado de entreter a sua namorada.

—Não é minha namorada, mas também estou cansado de


que faça isso.

—Estou seguro de que conhece outra garota em algum


lugar, uma garota com amigas. Faça um favor a seu irmão e a
chame.

—Não penso assim. Vá e se divirta.

—Qual é sua jogada, Luke?

Luke respirou fundo. Tinham conseguido não falar disso,


embora fosse muito evidente.

173
—Sabe qual é a minha jogada, Sean, e não quero que se
meta no meio.

—Vamos, Luke, pode retomar o fio quando eu tiver


partido.

—Não me interessa. Tenho outras coisas na cabeça.

—Sim... Shelby... Como não podemos compartilhar a


garota, vamos procurar um pouco de ação. Além disso, seu tio
a olha como um falcão.

—Estou me ocupando desse flanco. Irmão, não se meta


nisto. Tenho coisas que fazer com ela.

—Está se colocando em algo espinhoso — Replicou Sean.


—É jovem e inocente, todo mundo pode notar. É encantadora e
poderia magoá­la facilmente. É melhor manter isso em mente.

—Está controlado — Replicou Luke, embora não fosse


verdade.

Nunca tinha tido nada menos controlado. Já não podia


parar. Era como um trem descarrilhado no que se referia a
Shelby.

—É vulnerável. Indefesa, possivelmente — Insistiu Sean.

Luke sabia. Normalmente, as garotas de vinte e cinco anos


não eram tão ingênuas, mas Shelby, apesar de tudo, parecia
mais terna que uma mulher de vinte e cinco anos normal e
comum. Possivelmente fosse porque tinha estado encerrada

174
cuidando de sua mãe dos dezenove aos vinte e quatro anos e
suas experiências mundanas eram muito limitadas. Sabia
muito bem qual era sua vulnerabilidade, esse fundo delicado
que um homem como ele, sem pensar, poderia ferir. Ainda
assim, mesmo que soubesse, não poderia parar.

—Vou ter que ir para algumas coisas — Disse Luke. —Vou


comprar um aquecedor de água e uma pia para a cabana de
Art. Faça o que quiser e esta noite te levarei para jantar em
algum lugar, mas não ao bar de Jack — Disse Luke, que não
tinha vontade de que Sean seguisse lidando com Shelby. —
Entretanto, não me interessam as mulheres. Iremos em dois
carros.

—É um plano... Um plano penoso, mas um plano.

Fizeram­no exatamente assim. Jantaram um bife no


Fernadale e quando Sean se dirigiu ao bar, ele voltou para
casa. Sean chegou à primeira hora da manhã. Sorria levemente
e, evidentemente, estava mais relaxado do que quando o deixou
a noite anterior. Os homens Riordan refletiam a tensão da
abstinência no pescoço e nos ombros. Ao Luke assombrava que
ainda pudesse girar a cabeça.

—Se não se importar que lhe diga isso, nunca tinha te


visto assim — Comentou Sean.

—Como?

Sean pôs os olhos em branco.

175
—Está perseguindo essa garota e está tão tenso que vai
fazer poeira os molares. Não só não convém a você, mas é um
veneno para ela.

Luke pensou em explicar que levava semanas sem ser


capaz de pensar em outra coisa e não se lembrava de quando
algo tinha acontecido, que, quando a rodeava com os braços,
perdia a cabeça. Entretanto, conhecia muito bem seus irmãos e
todos eram iguais com as mulheres; rápido e sem
preocupações. Eles não passam disso. Sean agarrou seu ombro
e sacudiu a cabeça quase com tristeza.

—Boa sorte...

—Não é o que pensa.

—Sim, isso é o que penso. Está tão dedicado a essa


mulher que não pode fazer nada. Estou querendo saber como
termina.

—Eu também.

176
Capítulo 8
O bar de Jack fechou no último fim de semana de
setembro. Jack, Pastor, Paul, Mike e suas esposas foram a
Grants Pass, no Oregon, ao casmento de Joe Benson, fuzileiro e
arquiteto que tinha projetado as casas de todos eles e tinha
trabalhado durante anos com o Paul no Oregon. Não era
casualidade que Joe fosse se casar com uma das melhores
amigas da Vanessa, de quando eram aeromoças, conheceram­
se em Virgin River quando Nikki foi visitar Vanessa.

Para um casamento que se organizou em um mês, foi


muito bonito e elegante. Aquele casamento, ao contrário dos
casamentos descontraídos de Virgin River, celebrou­se em uma
igreja linda do centro da cidade e houve um festejo seguido de
baile e jantar no famoso Hotel Davenport. Havia limusines e
homens vestidos com smoking por todos os lados, para não
dizer nada dos acertos florais e do menu do jantar, que
impressionou muito ao Pastor. Nikki tinha sido dama de honra
da Vanessa duas vezes e esta lhe devolveu a honra.
Acompanharam­na outras duas amigas, Abby e Addison.

Quando as quatro começaram a voar juntas, Abby e


Addison compartilharam um apartamento em Los Angeles,
enquanto Nikki e Vanessa foram companheiras de quarto em
São Francisco. As quatro fizeram as mesmas viagens e três ou
quatro dias por semana faziam escalas nas mesmas cidades e
hotéis. Tinham ido às compras juntas, tinham saído pelas
177
noites juntas, tinham tido toda uma série de namorados
terríveis, tinham­se apoiado umas nas outras nos momentos
maus e riram muitíssimo nos bons. Naquele momento, as
quatro eram casadas. No entanto...

—Abby não está um pouco silenciosa? — Perguntou


Vanessa a Addison.

—Não quer falar sobre isso, mas o seu marido está em


turnê com o grupo desde que eles eram casados... desde um
ano atrás.

—Sabia que a situação era mal — Comentou Vanessa. —


Ele não fica em casa? Ela não vai vê­lo?

—Não acredito. Não diz nada, é como se fosses tirá­la do


eixo isso. Naturalmente, veio sozinha.

Abby e seu marido se casaram depois de um namoro


muito curto e quase imediatamente, Ross desapareceu e levou
todo o romantismo e felicidade de Abby. Cada dia era mais
distante e silenciosa.

—Abby, tudo bem? Que tal vai tudo com o Ross? —


Perguntou­lhe Addison em um sussurro.

—Shhh... Hoje é o dia de Nikki — Respondeu Abby. —Não


quero falar disso agora.

Abby aguentou muito bem, sorriu nas fotos e levantou a


taça para brindar, mas desapareceu quando o baile ia começar.
Addison e Vanessa notaram imediatamente. Pensaram em
178
segui­la e lhe dizer que era uma má ideia, mas, ao final,
decidiram deixá­la em paz. Não quis falar do seu matrimônio,
sobretudo, no casamento de uma amiga e possivelmente
necessitasse uma boa choradeira que a aliviasse sem um
montão de amigas lhe perguntando por seus assuntos.

**********

O restaurante do hotel Davenport era um dos melhores de


Grants Pass e um dos favoritos do doutor Cameron Michaels.
Jantava ali uma vez ao mês com alguns colegas e seus
cônjuges. Compartilhava o consultório com outros três
pediatras, dois homens e uma mulher, magníficos médicos e
todos casados. Como começava a ser habitual ultimamente,
Cameron não tinha par, embora pudesse ter procurado uma
mulher que o acompanhasse. As mulheres gostavam de sair
com ele e seus colegas sempre lhe ofereciam alguém. Havia
muitas enfermeiras para esse papel.

Entretanto, tinha trinta e seis anos e estava


desencorajado. Levava muito tempo procurando a mulher
adequada, embora não parecia que fosse encontrá­la. Inclusive
começou a apaixonar­se pela preciosa Vanessa fazia uns meses
e se sentiu bastante doído quando lhe disse que tinha entregue
seu coração a outro homem. Não só amava outro homem,
casou­se com ele imediatamente. Na primavera passada, não

179
muito.

Não seguia apaixonado e inclusive admirava o homem com


o que se casou, Paul Haggerty. Era um bom homem, forte e
íntegro. O problema de Cameron não era que tivesse o coração
quebrado, mas sim o tinha cansado. Era bonito, moreno, de
olhos azuis, covinhas e um sorriso resplandecente. Além disso,
tinha êxito porque era masculino, mas de bom coração e as
mulheres se sentiam atraídas por ele. Já deveria ter encontrado
à mulher que o atraísse igual. Queria apaixonar­se, queria
amar tanto a alguém para convertê­la em sua esposa. Era
médico de família e pediatra, ter uma esposa e filhos
significaria muito para ele.

As mulheres que se apaixonavam por ele sempre eram as


menos indicadas. Muitas mães jovens cravavam seus grandes e
vulneráveis olhos nele, mulheres jovens, formosas e casadas.
Procurava uma esposa, não um marido furioso que o
perseguisse.

Tinha tido um par de relações sérias que não tinham


durado muito e tinha havido muitas mulheres para passar o
tempo, questões breves e superficiais. Podia conseguir uma
mulher quando quisesse, mas estava cansado dessa série de
relações sem sentido, estava farto das piadas das enfermeiras
sobre os pediatras playboys, estava esgotado de procurar.

Seguia sendo o sétimo sem parceira e rechaçava as ofertas


de seus amigos para lhe apresentar mulheres. Aborreceu­se de
tudo isso e se deu conta de que sua incapacidade para se
180
conectar o tinha abatido. Além disso, ter relações sexuais sem
sentimentos, o deixava vazio por dentro. Estava melhor
sozinho.

Quando terminou o jantar com seus colegas, observou­os


irem juntos para suas casas, com suas esposas e seus filho,
enquanto ele iria para a sua casa, muito grande e muito
silenciosa. A perspectiva lhe pareceu tão deprimente que foi ao
bar para tomar algo antes de se deitar. Era tarde e o bar estava
quase vazio, parecia que quase todos os hóspedes do hotel
estavam em um casamento ruidoso e irritantemente alegre que
se celebrava no salão de baile.

Uma vez no balcão, pediu só um uísque. Não estava tão


ansioso para beber como para não ir para casa ainda e passou
a maior parte de seu tempo olhando fixamente para o copo em
vez de bebendo. Ao cabo de trinta minutos, tinha a taça quase
cheia e começou a pensar em enfrentar a solidão de sua casa.
Levantou­se, tirou a carteira para deixar uma nota no balcão e
se fixou nela. Havia uma mulher sentada numa mesa em um
canto escuro. Também olhava fixamente sua taça e também
estava sozinha.

Cameron pensou em lhe dizer algo, mas se lembrou de


como costumavam terminar esses encontros. Não queria outro
contato vazio ou, pior ainda, encontrar alguém que gostasse e o
defraudasse. Entretanto, era formosa e parecia um pouco triste.

—Algo mais, doutor? — Perguntou­lhe o garçom.

181
—Não, obrigado. Ela está muito tempo ali? — Perguntou
assinalando para o canto com a cabeça.

—Mais do que você.

—Sozinha?

—Não sei — O garçom deu de ombros. —Suponho...

Cameron deixou o dinheiro e tomou seu copo. Aproximou­


se da mesa. Quando a olhou, ela levantou seus delicados olhos
marrons para olhá­lo. Tinha um ar clássico e sofisticado, com o
cabelo loiro, quase platinado, que se frisava por debaixo dos
ombros. Tinha as maçãs do rosto altas, a cara ovalada, as
sobrancelhas arqueadas da mesma cor que o cabelo e uma
boca rosada, mas não sorriu.

—Posso comprar­lhe uma bebida? — Perguntou ele.

—Estou tomando água com gás. Não acredito que seja


uma companhia muito boa.

—Esta noite, eu tampouco sou a alegria da festa. Por isso


estava passando um momento no balcão. Estou seguro de que
em cinco minutos podemos dizer se somos duas pessoas
infelizes.

Ela levantou ligeiramente os ombros como se tivesse rindo


de seus pensamentos.

—Posso me sentar? — Perguntou ele.

—Na verdade, acredito que prefiro estar sozinha.


182
Mesmo assim, ele se sentou em frente dela.

—Seguro que não posso te trazer algo um pouco mais


forte? Algo me diz que te faria bem.

—Não. Deveria partir.

Ele riu ligeiramente.

—Bem... e eu que acreditava que estava desanimado...


Você sim que está caída. O que aconteceu?

—Se importaria em me deixar? — Ela suspirou. —Não


tenho vontade de flertar nem de falar de meus problemas, de
acordo?

—Muito bem. Não flertarei, nem falarei de seus problemas


— Ele acabou o copo e se levantou.

Cameron foi ao balcão, pediu outro uísque e um coquetel


de champanhe e voltou para a mesa. Deixou o coquetel diante
dela e se sentou.

—O que é isto? — Perguntou ela.

—Coquetel de champanhe. Pareceu­me que te convinha


algo doce e sexy.

—Muito acertado — Comentou ela em tom zombador.

—Obrigado — Ele sorriu. —Evidentemente, necessita


algumas lições sobre como se compadecer de si mesma. Para
começar, não se faz com água com gás.

183
Ela levantou a taça e deu um sorvo.

—Assim que eu gosto — Ele voltou a sorrir e pôs uma mão


sobre a dela. —Está segura de que não quer falar?

—Estou segura — Ela afastou a mão. —Quer falar?


Falemos de você. Disse que estava desanimado.

—Efetivamente. Saí para jantar com uns amigos e quando


partiram, dei­me conta de que não queria voltar para casa.
Comprei uma casa muito bonita, mas muito grande, muito
silenciosa e vazia.

—Compre móveis — Replicou ela.

Ele sorriu.

—Está cheia de móveis. Por certo, como se chama?

Abby o pensou um instante para decidir se era uma boa


ideia entrar em tantos detalhes. Desviou o olhar para o balcão e
voltou a olhá­lo.

—Brandy — Respondeu ela afinal.

—Prazer em conhecê­la, Brandy. Eu me chamo Cameron.


Meus amigos me chamam Cam. Tenho muitos móveis, não é
disso o que tenho saudades.

—Entendo. Busca uma mulher. Seguro que há algo nas


Páginas Amarelas...

Ele riu, tomou seu copo e deu um sorvo.

184
—Não, Brandy. Isso é o que menos gostaria esta noite —
Ele se deixou cair contra o respaldo da poltrona. —Melhor
dizendo, possivelmente seja o que estou procurando, mas não é
o que está pensando. Não estou procurando uma garota. Já tive
muitas garotas. Estou surpreso de ter trinta e seis anos e
seguir solteiro.

—Não se casou?

—Nem estive perto de me casar.

Ela inclinou a cabeça e o olhou.

—O que acontece contigo?

—Não sei. Tenho um bom trabalho, bons amigos, uma


casa grande e bonita, escovo os meus dentes...

—Não é feio — Seguiu ela. —Não deveria ter problemas


para encontrar uma mulher que queira casar­se contigo e
gastar o seu dinheiro — Ela esboçou um sorriso.

—É incrível. Não se parece com minha mãe, mas diz o


mesmo.

—É um fugitivo da justiça? Um assassino em série ou algo


assim?

—Em Grants Pass? — Perguntou ele entre risadas. —Aqui


não se pode escapar sem pagar o estacionamento. Não, cumpro
a lei até o tédio. Nem sequer me excedo na velocidade.

Abby levou a taça aos lábios.


185
—Acredito que tinha razão sobre a água com gás. Não é
uma bebida para sentir lástima — Deu outro sorvo. —Quanto
tempo faz que não está... emparelhado?

Ele foi sentar se na poltrona que havia ao lado da dela.

—Mmm... bastante — Respondeu. —Faz uns meses estive


o bastante... entusiasmado, mas ela se casou com outro. Muito
depressa. Já estava pensando nele enquanto eu tentava seduzi­
la.

—Rompeu o seu coração.

—Não, absolutamente. Não fomos um casal. Eu esperava


que fôssemos, mas quando tudo terminou, me dei conta de que
nunca tinha começado. Ela nunca participou. E você? Desde
quando?

—Bom... — Ela baixou o olhar e sacudiu a cabeça. —É


muito difícil de dizer. Acredito que é possível que tenhamos isso
em comum. Eu me sentia num casal, mas ele, não.

Ele voltou a tomar­lhe a mão e, dessa vez, ela o permitiu.

—Acabam de romper? — Perguntou ele.

—Não. Terminou faz algum tempo. Leva pelo menos seis


meses com outra pessoa.

—Dói?

Ela tomou fôlego.

186
—Fui num casamento. Os casamentos são uns lugares
terríveis para as mulheres que estão sozinhas. Dá muito bons
resultados nos filmes porque é tragicômico.

—Parece como se acabasse de escapar de um casamento


— Comentou ele.

—A mera ideia de que a noiva lançasse o buque e eu


pudesse estar entre as solteiras que fossem agarrá­lo fez que
saísse correndo para o bar.

—Para afogar as mágoas em água com gás? Menos mal


que apareci — Ele deu a volta, chamou a atenção do garçom e
levantou dois dedos. —Me conte sobre o casamento.

—Prefiro não te contar isso — Ela apoiou a cabeça na mão


com um gesto de cansaço.

—Por quê?

—Porque nesse lugar havia tanto amor sincero que dava


vontade de vomitar.

—De verdade? — Ele riu. —Você foi da parte da noiva ou


do enjoativo noivo?

—Da noiva — Respondeu ela entre risadas.

O garçom levou as bebidas.

—Tenta me embebedar?

—Não, intento que saia do buraco. Está triste e uma

187
mulher tão bonita como você não tem por que sentir isso. Beba.
Acredito que se sentirá melhor — Ele sorriu. —Ou mais
estúpida.

—Sim — Ela voltou a rir. —É muito possível...

—Passei milhares de noites horríveis como esta, quando


acreditava que tudo sai bem aos outros. Entretanto, se quisesse
te embebedar, você estaria bebendo uísque e eu coquetel de
champanhe. Não te acontecerá nada. Eu, entretanto, começo a
estar melhor pouco a pouco. Me conte do casamento, me faça
rir.

Ela deu outro gole, acabou a taça e a afastou.

—Muito bem. Conheceram­se faz cinco meses quando


tiveram um encontro apaixonado ou algo assim. Logo, deixaram
de se ver por dois meses, mas voltaram juntos. Formaram um
casal durante dois ou três meses inteiros. Os dois asseguram
que foi amor à primeira vista. Não podem se separar um
segundo. Nesse lugar havia tanta paixão que me punha os
cabelos arrepiados.

Se por acaso tudo isso não era bastante irritante, contou­


lhe, que também havia uma série de amigas que estavam
perdidamente apaixonadas por uns homens maravilhosos,
sexys e carinhosos que tinham conhecido nos lugares mais
insuspeitos. Ela, entretanto, tinha tido uma sorte nefasta com o
sexo oposto. Desde da escola.

Isso foi o ponto de partida para começar a falar e rir dos


188
piores encontros e relações que podiam imaginar­se.
Repassaram encontros desastrosos, situações nas que
chegaram a parecer perseguidores e artimanhas vergonhosas,
mas melhoraram de humor. Ajudava que alguém visse a parte
cômica. Pareciam duas pessoas que nunca acertavam com o
parceiro indicado. Ele tinha trinta e seis anos e ela trinta e um,
mas nenhum o tinha encontrado. Enquanto falavam, pegavam
na mão um do outro, de vez em quando. Passou mais de uma
hora sem que se dessem conta e passou prazerosamente, algo
que surpreendeu mais a ela que a ele. Ele voltou a levantar dois
dedos e lhes levaram outras duas bebidas.

—Quantas chances você daria ao noivo e a noiva? —


Perguntou ele.

—Sou a menos indicada para dizê­lo. Não julgo.

—Já somos dois. Bom, desejo­lhes o melhor — Ele sorriu.


—Também desejo o melhor a você, Brandy. Isto que está
passando terminará. Só te olhando e falando contigo tomando
um par bebidas, sei que encontrará o homem adequado. Me
diga uma coisa. O que busca uma mulher como você em um
homem?

—Falamos de um encontro ou de algo mais?

—Das duas coisas. Comece pelos encontros.

—Muito bem. Se for sair uma noite, só peço... boas


maneiras. Sempre que for um homem que me atraia. Quanto ao
resto, tenho uma lista com dez coisas por ordem.
189
Ele soltou uma gargalhada.

—Está brincando comigo?

—Não — Respondeu ela com tom indignado. —Minha tia


Kate me disse faz muito tempo que fizesse uma lista. Sempre
tem razão e fiz uma lista. É muito boa. Só tem um
inconveniente, às vezes minto para mim mesma sobre se ele
atende essas virtudes. Quando o faço, pago com juros.

—Tenho que sabê­la, Brandy. Diz­me a lista.

—Não posso. É muito pessoal.

—Eu poderia necessitar de uma lista — Argumentou Cam.


—Possivelmente esse seja meu problema, que não tenho uma
lista. Prometo que não direi nenhuma palavra.

—Muito bem — Concedeu ela a contra gosto. —Talvez me


equivoque na ordem. Do quarto ao sétimo podem intercambiar­
se. Além disso, não posso dizer o primeiro, terá que pular isso.

—De acordo.

—O segundo é senso de humor. Então sinceridade. Tem


que entregar­se, ser digno de confiança e arrumado, não sou
exigente, mas não abandonado. Bonito... para mim. Não um
homem enorme, a não ser um que me pareça atrativo, como
Liam Neeson — Cam riu. —Têm que gostar de crianças. Sei que
dizer isso a um homem que acaba de conhecer é assinar sua
sentença de morte e intento não dizer­lhe, mas quero ter filhos.
Tenho trinta e um anos, não resta muito tempo. Tem que
190
ganhar a vida aceitavelmente e me encontrar irresistível.

—É uma lista muito boa — Disse ele com certo tom de


surpresa. —Uma lista bem pensada.

—Obrigado. Dediquei­lhe muito tempo.

Ele sacudiu a cabeça. Se fosse fazer uma lista, essa lhe


valeria. Realmente, não lhe ocorria nada da lista que ele não
pudesse cumprir, se a mulher o encontrasse atraente. Mesmo
assim, seguia sozinho

—Uma lista perfeita.

—Essas coisas me parecem as elementares.

—Muito bem, então o que os homens de sua vida


deixaram de cumprir?

Ela deu um gole pensativamente.

—Mmm... a parte dos filhos e encontrar­me irresistível.


Um pouco em ser organizados. Além disso, até o momento, aos
homens que me pareciam dignos de confiança, simplesmente
não se importavam. Quanto à entrega, encontrei­me com uma
série de impostores. Que também indica que não eram sinceros
— Ela sorriu. —Isto não é tão inofensivo, está me subindo à
cabeça.

—Melhor. Assim se esquecerá do casamento. Muito bem.


Brandy, comparou sua lista de requisitos em contrário? Está se
apaixonando por homens bonitos, divertidos, que ganham

191
muito dinheiro e que cumprem o número um — Ele sorriu ante
a expressão de surpresa dela e compreendeu que sua dedução
era acertada. —Sou mais preparado do que pareço.

—Não está nada bêbado. Isso foi muito inteligente.

Ele deixou de sorrir e a olhou nos olhos.

—Me alegro muito de que não esperasse o buquê de flores.

—Acredito que eu também.

—É preciosa quando ri.

—Está me atacando. Antes era mais sutil.

—Tomei três copos, pelo menos — Replicou ele. —A


sutileza brilha por sua ausência.

—Pelo menos?

—Tomei vinho no jantar.

Pegou sua mão e lhe deu um beijo muito leve no pulso.


Ela pôs uma expressão de surpresa, possivelmente de
apreensão, e foi retirar a mão, mas ele a sujeitou. Percorreu lhe
o braço com a outra mão, tomou o cotovelo e passou
delicadamente os lábios pelo interior do braço. Quando
levantou a cabeça e a olhou, comprovou que seus quentes olhos
marrons se obscureceram. Pegou­a pela cintura e a beijou
brandamente no ombro nu. Ouviu que ela tomava fôlego.
Aproximou­se mais, até que seus lábios quase roçaram os dela.

192
—Brandy... — Sussurrou ele.

Ela deixou escapar um som quase inaudível enquanto


fechava lentamente os olhos e ele a beijava com delicadeza. Os
lábios dela tremeram e ele a beijou com um pouco mais de
firmeza, mas brevemente.

—Tenho boas maneiras requintadas — Disse ele quando


se separou.

—Isso parece — Reconheceu ela. —Devo estar bêbada.


Estou beijando um desconhecido em um bar.

—Acredito que nos temos feito bons amigos. Conhecemos


nossos segredos mais ocultos e abafados.

—Não nos conhecemos tanto como para nos beijar em um


bar.

—Havia te dito que vou ficar aqui esta noite? — Perguntou


ele. —Não deveria dirigir. Vou me registrar e voltarei.
Poderíamos tomar outra taça ou uma água com gás. Também
pode subir comigo se quiser. Podemos ver um filme ou
conversar. Beber algo sem nos preocupar com nada. O que
prefira. Não estaríamos sozinhos.

—Isso seria um autêntico disparate — Replicou ela. —Faz


isto muito frequentemente?

—Não. Há anos. Quando era mais jovem, fazia muitas


sandices, mas se acaba crescendo. Estas coisas não me
aconteciam quando vinha por aqui. O que pensa?
193
—Acredito que recorde e que não é uma boa ideia.

—Estou dizendo a verdade. Não estou bêbado, mas


tampouco devo conduzir. Irei pedir um quarto.

—Que acontecerá se quando voltar eu não estiver?

—Suponho que desejará ser prudente, mas não parta.


Espere­me e se não quiser subir ao meu quarto, ficaremos até
que fechem o bar e então te deixarei em um táxi. Eu gostaria
disso. Falaremos, riremos e, talvez, beijaremos.

—Em um bar? — Perguntou ela com um sorriso.

—Olhe ao redor — Ele riu. —Não há ninguém — Agarrou­a


pela mão, levantou­se, inclinou­se e lhe beijou levemente a
bochecha. —Voltarei em seguida. Me espere, não vou obrigar te
a subir, está a salvo — Olhou ao garçom por cima do ombro. —
Está nos olhando e me conhece, não vou te arrastar daqui.
Como te disse, eu tenho muito boas maneiras.

Saiu do bar e fez o que havia dito que faria. Era tarde, não
havia ninguém na recepção e demoraram muito pouco em lhe
dar um quarto com cama dupla, jacuzzi e bar. Pediu utensílios
para barbear­se e quando abriu o pacote viu o essencial: um
barbeador elétrico descartável, espuma, pasta de dente, escova,
pente e preservativos. Voltou para bar. Naturalmente, ela
partiu, como teria feito qualquer mulher com dois dedos de
juízo. Sentiu­se profundamente desiludido, não deveria haver
partido do bar tão cedo e sozinho. Entretanto, deveria tê­lo
esperado. Aos cinco minutos soube que era inteligente e
194
refinada e nenhuma mulher assim subiria ao quarto de um
desconhecido.

Mesmo assim, tinha esperado que ficasse no bar um


momento mais.

Poderia ter cancelado o quarto e voltado para sua casa


quando comprovou o fracasso de sua intenção de subir com
uma desconhecida divertida, sexy e formosa, mas não estava de
plantão, nem tinha que trabalhar no dia seguinte pela manhã.
Decidiu ficar por lá. Possivelmente visse um filme e acabasse
dormindo. Preferia isso a escutar o silêncio ensurdecedor de
sua casa. Foi para os elevadores e ali, justo diante deles, estava
a perfeita desconhecida com um traje de noite de seda dourada.
Notou que lhe resplandeciam os olhos e que o sorriso lhe
chegava até o mais profundo do peito.

Cameron se aproximou, tomou­a pela mão, inclinou­se e a


beijou levemente na testa. As portas do elevador se abriram,
pegou em seu braço e entrou com ela.

—Está tremendo — Sussurrou ele. —Está assustada?

—Apavorada. Nunca pensei que faria algo assim.

—Não tem que estar assustada. Eu adoraria que viesse


comigo, mas não é obrigada, naturalmente.

—Poderia ser o maior engano e o mais estúpido de minha


vida — Ela riu. —Ou, talvez, o segundo maior — Acrescentou.

—Não acontecerá nada. Não quero uma mulher que não


195
me queira. Já sabemos que temos muitas coisas do que falar...
— Levantou­lhe o queixo e a beijou breve e delicadamente nos
lábios. —Pode mudar de opinião e partir quando quiser. Não
vou me opor.

—E se fosse o maior engano de sua vida? — Perguntou


ela.

—Não me preocupa. É formosa, encantadora e eu gostei.


Dá­me igual.

Voltou a beijá­la com um pouco mais de intensidade. As


portas se abriram e a levou ao quarto. Uma vez dentro, deixou
os utensílios para se barbear, tomou a cara com as mãos,
beijou­a sensualmente na boca e lhe passou a língua pelos
lábios. Quando ela uniu sua língua a dele, deixou escapar um
gemido de prazer e colocou a língua dentro de sua boca, que
tinha sabor de champanhe e morangos. Então, notou que ela
também introduzia sua língua.

—Uísque escocês — Sussurrou ela.

—Posso trocar para vodca se o preferir.

—Eu gosto de uísque — Disse ela voltando a beijá­lo.

Rodeou­a com seus braços.

—Já me sinto melhor — Sussurrou ele. —E você?

—Como louca. Completamente louca.

—Sim — Concordou ele com uma risada —, mas aprecio


196
isso no momento.

Lhe rodeou o pescoço com os braços e notou que ele


baixava uma mão até o traseiro para estreitá­la contra si. Tinha
braços fortes e firmes, mas não opressivos, poderia ter
escapado de seu abraço sem nenhum esforço. Em vez de sentir­
se assustada, começou a sentir­se segura e querida.
Naturalmente, sabia que não tinha nada que ver com o amor,
era tão somente contato físico, mas quando seu mundo dava
voltas, esse atraente desconhecido se parecia como uma
âncora.

O primeiro que pensou deveria ter­lhe devolvido o bom


senso e ter­se afastado dos seus braços, mas aconteceu
justamente o contrário. Lembrou­se de que tinha um marido e
do contrato pré­nupcial, no qual prometia fidelidade. Em caso
de divórcio, não receberia uma pensão se tivesse sido infiel.
Naturalmente, ele não tinha feito essa promessa e levava seis
meses vivendo com outra mulher. Pediu­lhe o divórcio fazia
nove meses, mas ela não tinha assinado os documentos nem
dito nada a nenhuma de suas amigas. Não se importava com a
pensão; tinha o coração quebrado. Nenhuma quantidade de
dinheiro poderia repará­lo.

—Isto está errado — Disse ela.

—Pode ser muitas coisas, querida, mas não tem nada de


errado. Estamos solteiros, somos adultos e...

—Eu não — Afirmou ela.

197
Ele ficou petrificado um instante.

—Estou seguro de que somos adultos, assim imagino que


se refere a que não é solteira.

Ela assentiu com a cabeça e os olhos brilhantes.

Ele já se afastou um pouco, embora não parecia poder


soltá­la de tudo.

—Espero que ele não esteja atrás da porta com uma


arma...

—Está a seis meses vivendo com outra mulher. Me


notificou nove meses atrás. Fui adiando o inevitável. Não
porque eu o queira de volta, mas porque... — Ela baixou o
olhar. —Não deveria ter me casado com ele, mas não podia
imaginar que me divorciaria depois de apenas um mês, que me
abandonaria em poucas semanas depois de nos casarmos...

Olhou­a com compaixão.

—Não é a toa que se sinta destroçada por dentro. Sinto


muito. Fixei­me em que não usa aliança.

—Levava no casamento, diante de minhas amigas.


Quando cheguei ao bar, decidi que já estava bem. Não pude
suportar mais esta farsa. Está na minha bolsa. Sinto ter me
esquecido. Não é uma questão que interesse a você. Deveria
partir.

—Tranquila. Normalmente, sairia correndo ante uma

198
mulher casada, mas não estou enganando esse canalha. Fique
e se esqueça de tudo durante um momento.

Voltou a abraçá­la e beijá­la com força. Acariciou lhe as


costas e entregou­se à sua boca, ao seu beijo arrebatador. Suas
mãos eram grandes, suaves e transmitiam confiança. Seu peito
era feito pedra contra os seios dela. Notou uma palpitação entre
as pernas e soube que ia cruzar a linha. Precisava sentir algo,
levava muito tempo intumescida pela dor. Além disso, teria
partido antes que amanhecesse. Voltaria para sua casa,
assinaria os documentos e começaria a refazer sua vida de
algum jeito. Tinha chegado o momento de seguir adiante.

Beijou­o com uma avidez tão apaixonada e ousada que


quase se esqueceu de tudo o que a tinha levado àquele bar para
se compadecer de si mesma. Beijaram­se com tanta intensidade
que lhe fraquejaram os joelhos. Estava começando a sentir algo
outra vez, algo que gostava.

Tirou os sapatos com os pés, levou­a para cama, sentou­


se na borda e a olhou de cima a baixo. Puxou­lhe um pouco a
mão e a sentou no colo. Segurou­a pela cintura, rodeou­lhe o
pescoço com os braços e se deixaram levar por uns beijos
profundos, úmidos e intermináveis. Notou que uma mão lhe
acariciava um seio e estremecia nas entranhas. Ela levou as
mãos à sua nuca e começou a baixar lentamente o zíper do
vestido. Ele também levantou as mãos e baixou o zíper até o
final. O vestido de seda dourada caiu até a cintura e deixou à
vista seu pequeno sutiã.

199
—É muito formosa — Sussurrou ele antes de beijá­la por
cima da roupa íntima.

Ela segurou a cabeça e se inclinou seu rosto em seu


cabelo.

—Perdi o juízo — disse ela ao ouvido.

Começou a desabotoar a sua camisa e acariciou seu peito


sem pelos.

—Perdi o juízo completamente.

—Posso parar — Disse ele. —Se não for o que quer, só tem
que dizê­lo.

—Não pare.

Debaixo dela, através da seda do vestido e das delicadas


calcinhas, podia notar sua ereção. Ele, com as mãos em seu
traseiro, colocou­a em cima. Ela se arqueou até que ele deixou
escapar um grunhido do mais profundo da garganta. Voltou a
beijá­la com voracidade, tirou­lhe o sutiã e a estreitou contra
seu peito nu. Sentiu os seios que se avultavam e um desejo
nesse lugar que tinha estado vazio e insatisfeito durante tanto
tempo. Só podia pensar em sentir­se desejada e plena.

Cameron deitou­se na cama e a deitou ao seu lado.


Beijou­a enquanto tomava os seios com as mãos. Passou a
ponta da língua por seus mamilos, sugou brandamente e ela
gemeu de prazer. Voltou a beijá­la na boca, ela introduziu a
língua e foi ele quem gemeu.
200
Desceu a mão e a introduziu debaixo do vestido. Ela
levantou os quadris para que o tirasse. Quando o teve pelos
joelhos, agitou as pernas e o mandou ao chão formando um
montão de seda dourada. Só ficava uma minúscula calcinha e
ele passou a mão sobre a proeminência.

—Quero tirar sua calcinha, me diga se está tudo bem —


Pediu com a voz áspera.

—Sim — Ela sussurrou.

Introduziu a mão debaixo do tecido.

—Sofreste muito, verdade, querida?

—Não estrague tudo.

—Vejamos o que posso fazer.

Tirou­lhe a calcinha e separou suas pernas com a mão.


Seus dedos longos e delgados fizeram o seu caminho através da
escuridão úmida e ele soltou um gemido longo e profundo.
Seguiu baixando, encontrou o ponto sensível e endurecido e ela
ofegou; tampou sua boca aberta com a sua e seguiu
acariciando­a. A reação foi instantânea e o encantou. Tomou a
língua dela com a boca e introduziu um dedo, enquanto riscava
pequenos círculos com o polegar no clitóris.

—Deus... — Ela sussurrou enquanto se arqueava contra


sua mão.

—É perfeita. Continue, querida, toma­o, não custa nada.

201
Sinta­se melhor.

Começou a mover os quadris e ele introduziu mais o dedo


sem deixar de massagear com o polegar. Ela levantou mais os
quadris, prendeu a respiração, apertou o traseiro e ele sentiu os
espasmos em sua mão. Um orgasmo muito intenso que a
abalou até que ela cair em seus braços. Ele parou sua mão,
mas não a retirou. Beijou­a suavemente nos lábios ofegantes,
quando ele prendeu a respiração. Quando voltou a respirar
normalmente, ele retirou a mão lentamente.

—Eu acho que você precisava — Comentou ele.

—Ohhh...

—Melhor? — Perguntou ele entre risadas.

—Não tem nem ideia.

—Tenho bastante ideia — Disse ele.

—Por que o fez?

—Era o que você precisava. O resto vai ter que ser o que
você quiser, não vou tirar vantagem de você.

—Você não fez.

—Está pronta para tirar minhas calças?

Ela lhe acariciou o peito até o abdômen, soltou o cinto e


baixou o zíper.

—Deus te abençoe — Sussurrou enquanto ela o tomava

202
com a mão e ele estremecia. —Brandy, tenho proteção, espere
um segundo.

Cam foi procurar os utensílios para barbear­se, tirou o


preservativo e, quando se virou, tirou os sapatos de um chute,
deixou cair a camisa e se desfez da calça. Com o preservativo
posto, ajoelhou­se na cama e se inclinou para beijá­la na boca.

—Vai ser o que quiser e como quiser. É a sua vez — Disse


gentilmente.

Ela respondeu separando as pernas. Ele se colocou entre


elas e entrou lentamente para enchê­la com sua ereção ansiosa.
Ela se moveu a seu ritmo e se arqueou. Ele deixou escapar um
gemido pelo esforço de conter­se. Fazia muito tempo e isso era
uma desvantagem. O único que importava era que ela não se
arrependesse de nada nessa noite. Estava em transe, surpreso
com o quão confortável se sentia com ela, como se já tivesse
estado lá. Seguia seus movimentos com naturalidade e sentiu
como se levassem anos fazendo isso. Não recordava haver se
sentido assim e se perguntou se teria perdido o juízo. Também
se perguntou se seria verdade que só havia um parceiro perfeito
para cada homem e para cada mulher; e se procurou por anos
até que, de repente, encontrou com a correta, com a qual
cheirava, sabia e era perfeitamente adequada.

Investia com lentidão e profundidade enquanto ouvia os


suspiros suaves que indicou que estava no caminho certo. Ela
começou a mexer os quadris ao compasso e quando acelerou o
ritmo, ele empurrou com mais força e mais depressa. Ele se
203
continha como podia para que ela tivesse a oportunidade de
alcançar outro orgasmo. Não demorou muito, estava
transbordante de desejo sexual. Levantou os quadris, conteve o
fôlego e ele notou que se comprimia ao redor de sua ereção
entre palpitações.

—Sim... — Sussurrou.

Ele, com um estremecimento, se deixou levar e a


acompanhou no clímax enlouquecedor.

Abraçou­a quando entrou em colapso debaixo dele e a


acariciou com carinho enquanto se recompunha. Não quis
afastar­se, não quis abandonar seu corpo e ficou um bom
momento abraçando seu esbelto corpo até que saiu, mas seguiu
abraçando­a.

—Está bem, querida? — Perguntou­lhe.

—Mmm... Bem.

—Que tal cumpri com o número um?

Ela, quase sem querer, riu ligeiramente.

—Se houver algo que aprendi, é que é um engano elogiar o


comportamento de um homem na cama.

—É maravilhosa. Como um forno abrasador e poderoso.


Acreditei que iria desmaiar — Sussurrou ele.

Ela riu.

204
—Você não estava mau.

—Obrigado. Só por curiosidade, por que é o número um?

Ela deu de ombros.

—Suponho que não me ocorreu onde pô­lo. É algo muito


importante em um casamento.

—É — Ele a beijou na bochecha. —Desculpe­me por um


minuto.

Cam foi ao banheiro e quando voltou, tinha o cenho


franzido e uma toalha ao redor da cintura. Sentou­se na cama
ao lado dela.

—Brandy, tenho que te dizer uma coisa. O preservativo


estava... furado.

—Meu Deus...

—Não houve nada. Sou médico. Há um serviço de


emergências para estas situações. Se na segunda­feira for ver o
seu médico, prescreverá algo para prevenir a gravidez. Se não
puder te dar, passe por meu consultório na segunda­feira e
farei uma receita.

—Estou tomando pílula — disse ela.

—Bem, é um alívio. Sinto muito, querida, devemos


denunciar o hotel.

—Não vai acontecer nada, certo?

205
—Não deveria. Sou muito prudente... não te expus a nada
— Afastou seu o cabelo do rosto. —Sinto muito. Não queria que
se preocupasse com nada. Sobretudo, quando sei tudo o que
está passando.

—Não está preocupado de que eu tenha te... exposto a


algo? — Perguntou ela com um sorriso. —Não me conhece.

—Posso cuidar das minhas preocupações — Ele também


sorriu. —Farei muitos exames de laboratório se acreditar que
são necessários.

—Não tem por que me acreditar, mas tive que me fazer um


exame completo quando... quando ele partiu. Faz bastante
tempo.

—Obrigado por me dizer isso Brandy — Ele se deitou e a


abraçou. —Se estiver bem, isso é o único que me preocupa
neste momento. Quanto a mim, cumpriu com toda minha lista
e com acréscimo.

—Isto não deveria acabar nunca.

—Não tem por que acabar — Replicou ele lhe beijando o


pescoço. —Eu, certamente, não quero que acabe.

—Mas acabará — Disse ela com certa tristeza.

—Isso depende de você. Eu gostaria de te conhecer


melhor.

—Terei que pensar nisso.

206
—Pense — Concedeu ele. —Tentarei te oferecer estímulos.

Começou a acariciá­la e ela gemeu com uma reação


imediata. Ele também estava excitado e ela pôde notá­lo em sua
coxa.

—Pensa que o próximo preservativo aguentará? —


Perguntou ela.

—Acredito que não importa muito... agora.

Passou muito tempo antes que dormissem. Fizeram amor


uma e outra vez e cada vez foi mais doce e satisfatório que o
anterior. Não deveria ter sido tão natural, mas foi. Ela, por ter
estado tão tensa e assustada, se desinibiu em seguida,
entregou­se a suas carícias e reagiu com uma paixão que o
surpreendeu e emocionou. A intimidade física foi maior e mais
profunda do que tinha podido imaginar. Tinha tido muitas
aventuras de uma noite, mas não recordava nenhuma como
essa. Queria conhecer melhor essa mulher e não só na cama.

Pela manhã cedo, quando o sol acabava de despontar, ela


despertou.

—Tenho que partir — Sussurrou ao ouvido dele.

—Ainda não — Replicou ele.

Passou­lhe os dedos entre o cabelo.

—Foi uma noite linda, mas tenho que partir.

—Quero voltar a te ver. Me diga como posso entrar em


207
contato contigo.

—Minha vida é uma bagunça agora. Tem que entender, se


não, esta noite não teria ocorrido...

—Um pouco de bagunça não me dá medo...

—Me deixe fazer o que tem que ser feito, para canalizar as
coisas um pouco, e então vou entrar em contato contigo. Pode
fazer isso?

Ele a beijou profundamente.

—Acredito que se passarmos mais tempo juntos,


poderíamos nos apaixonar. Quero saber se é possível. O nosso
me dá muito boa sensação.

Ela não pôde evitar rir.

—Cameron, seduziu­me em um bar.

—Sei. Foi um golpe de sorte. Quando acontece algo assim


de fantástico? Não quero deixá­la ir.

—Não vai tentar me impedir de ir, certo?

—Claro que não, mas eu gostaria de pedir o café da


manhã. Se não vai ficar, pelo menos, eu gostaria de vê­la
novamente. Sair com você, conversar...

—Anote seu número ou me dê um cartão.

—Me diga seu sobrenome. Dê­me um número, se você não


vai me dar seu endereço. Sabe que não tem que ter medo de

208
mim.

Ela suspirou e acariciou sua bochecha.

—É muito importante que, neste momento, sinta que


tenho as rédeas. Entenda, por favor.

Ele o pensou um instante e sorriu. Deu­lhe um beijo e se


levantou da cama. Recolheu o sutiã e a calcinha do chão e os
deu a ela. Sua calça estava jogada em uma poltrona e a vestiu,
sem roupa intima, enquanto ela colocava a sua. Deu­lhe o
vestido de seda dourado e ela se vestiu e se virou para que lhe
subisse o zíper. Cam tirou a carteira do bolso traseiro, abriu­a,
procurou um cartão e entregou.

—Quero que se sinta a salvo e que tem as rédeas, como


ontem à noite. Adiante, me indague.

—Talvez, você queira indagar a mim — Replicou ela com


um leve sorriso.

—Não. Vou deixar que me diga tudo o que queira que eu


saiba. É a melhor maneira de começar.

—Obrigado — Sussurrou ela.

—Não me faça esperar muito tempo, Brandy. Embora não


possa vê­la até que tenha resolvido seus assuntos, eu gostaria
de falar com você. Estar em contato, nada mais. Saber que está
bem. Prometo que terei paciência com todo o resto.

—Claro — Ela sorriu. —Como não ia fazê­lo?

209
Capítulo 9
Outubro chegou às montanhas e encheu de colorido os
arredores de Virgin River. Fazia duas semanas que Mel, Jack e
seus amigos haviam retornado das bodas de Joe e o outono se
notava no ambiente. As noites eram frias e folhas de todas as
cores embelezavam as encostas.

O doutor estava no computador da recepção quando Mel


entrou da cozinha.

—As crianças estão tirando um cochilo. O que faz?

—Jogando — Respondeu ele. —Por certo, sabe algo de


Cheryl Chreighton?

Mel negou com a cabeça.

—O tratamento é secreto. Se Cheryl não nos pôs na lista


de pessoas que podem chamá­la, não temos como obter
nenhuma informação. Chamei para obter informações e me
disseram que não estava em sua lista, o que me faz pensar que
segue ali. Poderia ir falar com sua mãe, mas ela é...

—Não está bem e não é nada sociável — Disse o doutor. —


Me parece malvada como uma serpente. Se eu fosse Cheryl, ela
não estaria na lista.

—Eu ia dizer exatamente o mesmo, mas com mais


delicadeza — Comentou Mel com um sorriso. —Vai ficar por

210
aqui durante uma hora ou duas?

Ele a olhou por cima dos óculos.

—Quer sair um momento?

—Não quero lhe dar mais trabalho, mas estão dormidos na


cozinha...

O doutor voltou a olhar o computador.

—As crianças nunca me deram trabalho. É uma das


melhores coisas que fez.

Ela riu.

—Se não estivesse de acordo, me chatearia que não


apreciasse em sua justa medida o meu trabalho de enfermeira.

—Vá daqui — Ladrou ele. —Tire um descanso. Darei um


grito quando tiverem despertado.

—Está seguro? Se a artrite e a acidez lhe incomodam...

—Você é a única que me incomoda — Interrompeu­a. —


Diga ao Jack que está na hora de ir ao rio.

—Está no alpendre do bar arrumando as iscas. Acredito


que se adiantou muito.

Quando era dia de consulta, Mel levava as crianças à


clínica. Como David estava crescendo depressa, passava mais
tempo com seu pai que com ela. Jack levava seu filho para dar
recados, comprar provisões para o bar e, inclusive, levava­o às

211
costas enquanto servia, mas sempre tomava a mamadeira da
tarde na clínica e dormia a sesta no chiqueirinho que havia na
cozinha. Emma, depois de mamar, também dormia a sesta com
seu irmão na cozinha.

Naturalmente, o doutor estava encantado de tranquilizar,


trocar e embalar aos filhos do Mel. Adorava­os. Grunhia um
pouco quando tinha que cuidá­los, mas jamais se negou. Mais
ainda, quando ela procurava outra pessoa, ele parecia traído ou
ofendido, como se o tivesse considerado muito velho.

Era um dia muito normal e uma linda tarde de outubro.


Perto da uma e meia, Mel deixou as crianças dormindo a cargo
do doutor e encontrou Jack no alpendre provando umas iscas
de pluma, muito bonitas. A temporada de pesca estava em seu
melhor momento. O outono era excelente para pescar salmões,
trutas e esturjões. Jack era um pescador magnífico.

—As coisas ficaram muito interessantes em seu bar —


Comentou Mel.

—Um pouco tensas e acaloradas — Ele riu. —Pensa que


alguém deveria falar com o Luke e avisá­lo sobre este lugar?

—Acreditei que já tinha aprendido a lição — Brincou ela.


—Esteve metido em quase todas as relações sentimentais do
povoado...

—Sim, mas esta é diferente. Assim que Shelby o viu, foi


como se tivesse fixado o objetivo. Ela o quer. Notou a tensão da
cara dele? Estão lhe saindo rugas.
212
—Sim, por quê? Ela é adorável. Diria que ele deveria estar
emocionado.

—Bom, a primeira noite que a viu disse que a olhou e


pensou que iam prendê­lo. Talvez tenha problemas por sua
idade.

—Bobagens — Replicou Mel. —Nós também levamos


alguns anos — O agarrou na coxa. —Entretanto, estou te
alcançando.

—Também tem o general. É um pouco intimidante.

—Walt é um gatinho e acredito que aprecia ao Luke. Além


disso, os dois são soldados.

—Se Luke não ceder, vai explodir — Disse Jack.

—Como sabe que não o tem feito? — Perguntou ela.

—Já o olhou bem? Sua postura, seus olhos... Te asseguro


que faz muito tempo que não... solta o lastro.

—Jack!

—O gracioso é que Shelby não se altera — Seguiu Jack


sem fazer caso da reprimenda de sua mulher. —É uma mulher
muito pouco comum.

—O que quer dizer?

—Olhou­se num espelho quando nos atrasamos um


pouco? Se nota no rosto que necessita de... carinho — Jack

213
sorriu.

—Não é verdade!

Ela riu porque sabia que era verdade e também sabia por
que Shelby não notava. Shelby não sabia o que era um homem
satisfaze­la, não ansiando por seu amante.

—Além disso, nunca passa muito tempo — Acrescentou


Mel.

—O que me alegra. Note o General. Um homem satisfeito...

—Não pode saber. Walt atua como sempre e tem o mesmo


aspecto de sempre — Insistiu ela.

—O General tem aspecto de que uma mulher formosa que


se mudou para casa ao lado e quer ser um bom vizinho. Seus
olhos brilham e sorri com maliciosamente.

Mel o olhou com os olhos entrecerrados.

—Acredita sinceramente saber quais são as expressões do


rosto que correspondem a um homem que faz amor?

—Sei — Respondeu com um sorriso. —E mais, me


considero um perito.

Sentou­se com ele e passaram uma hora falando dos


novos romances. Realmente, havia muita gente pendente.
Ninguém sabia o que passava fora do bar, mas Shelby e Luke
foram frequentemente tomar uma cerveja, algumas vezes
também jantavam, e eram inseparáveis. Costumavam se olhar
214
como se tivessem passados vários dias esperando para estarem
juntos nesse momento. Em troca, o general aparecia menos
pelo povoado e todos se perguntavam se estaria com a estrela
de cinema.

Eram três horas quando o ônibus escolar vazio atravessou


o povoado. Molly ia fazer a rota. Como passava em todos os
povoados da região, ao final do dia tinha que recolher os alunos
de ensino fundamental, secundária e superior para levá­los de
volta. Era uma jornada longa para os filhos dos rancheiros e
granjeiros, cujos pais os levavam de manhã para tomar o
ônibus e os recolhiam de tarde. Quando passou pelo bar, Molly
tocou a buzina e saudou Jack e Mel com a mão.

—Essa mulher irá para o céu — Comentou Mel. —Minha


ideia de inferno é estar presa em um ônibus cheio de crianças
barulhentas e bagunceiras duas vezes por dia. Não sei como ela
o faz.

Mel olhou o relógio, podia se corrigir as horas quando


passava o ônibus de Molly. Tinha que despertar seus filhos da
sesta e cruzou a rua a caminho da clínica. Caminhava com
calma, era uma tarde perfeita de outono. Quando esteve perto
do alpendre, ouviu o pranto das crianças. Não era um mau
sinal em si mesmo, podiam estar despertando nesse momento,
mas o doutor lhe teria avisado se sabia que estava perto e se
não, os teria tranquilizado ele mesmo.

Estava acontecendo algo: soube imediatamente. Pôs­se a


correr antes de chegar ao alpendre, subiu os degraus, entrou e
215
o que viu a deixou aterrada. O doutor estava deitado no chão
desmaiado. Emma, só com cinco meses, estava a seu lado, de
costas e com a cara vermelha por medo, dor ou as duas coisas.
David continuava na cozinha e gritava com todas as suas
forças.

Não soube a quem atender primeiro, se a Emma ou ao


doutor. Emma estava chorando, isso queria dizer que estava
consciente, e o doutor estava imóvel. Fez o que o instinto lhe
dizia sempre que fizesse: voltou para a porta aberta e gritou.

—Jaaaccckkk!

Ele a tinha visto correr e entrar precipitadamente. Foi


para lá e quando ela gritou já tinha chegado. Ela tomou Emma
e a entregou a ele. Depois, aproximou­se do doutor e o virou de
costas.

—Veja se Emma está bem — Gritou para Jack. —Pode tê­


la derrubado ao cair.

O doutor tinha os olhos abertos e fixos. Examinou­o: não


respirava, nem tinha pulso. Começou a reanimação
cardiorrespiratória. Tombou sua cabeça para trás, para abrir a
entrada de ar, soprou duas vezes para os pulmões, e
pressionou no esterno com as mãos cruzadas para tentar que
seu coração funcionasse.

—Está bem? — Perguntou a Jack.

—Acredito que sim — Respondeu ele. —Fez xixi, mas não

216
tem hematomas, nem sangra.

Mel pôs a boca sobre a do doutor e voltou a tentar


introduzir ar nos pulmões. Depois de lhe dar outros trinta
segundo de massagens cardíacas, perguntou ao Jack se tinha
algum galo na cabeça. Jack passou a mão pela delicada cabeça.

—Não noto nada.

Mel voltou para a respiração boca a boca, até que, quase


sem fôlego, dirigiu­se ao Jack outra vez.

—Veja como David está. Se estiver bem, chame alguém.


Um helicóptero ambulância. Necessito do desfibrilador.
Necessito da minha maleta.

Jack saiu correndo da cozinha. David estava de pé no


chiqueirinho e gritando. Assim que viu seu pai deixou de gritar,
gemeu e estendeu uma mão.

—Papai!

—Fique aí, filho.

Jack deixou a Emma em seu berço, voltou correndo à


entrada, encontrou a maleta de Mel atrás do balcão, deixou­a
ao lado dela, agarrou o estojo do desfibrilador e o levou. Ela já
tinha rasgado a camisa do doutor.

—Reaja... — Sussurrou ela antes de voltar a lhe fazer a


respiração boca a boca.

Jack estava pegando o telefone quando ouviu uns passos


217
que se aproximavam correndo e viu Pastor parando na porta.
Jogou uma olhada, entrou correndo e se ajoelhou em frente de
Mel.

—Posso lhe ajudar — Disse enquanto começava a


pressionar o peito do doutor.

Mel abriu o estojo do desfibrilador e o pôs em marcha. O


desfibrilador portátil era igual ao que levavam nos aviões
comerciais. Pôs as placas no peito.

—Atenção à descarga, Pastor.

Ouviu­se um zumbido mecânico e o aparelho falou com


uma voz mecânica. «Comprovando o paciente. Preparado.
Afaste­se».

—Se afaste!

Pastor afastou as mãos e Mel soltou a descarga. Procurou


o pulso, mas não o encontrou.

—Maldito seja, doutor.

Mel rebuscou na maleta enquanto Pastor fazia o boca­a­


boca. Começou a preparar uma injeção intravenosa e levantou
a bolsa de soro. Jack pegou. Ela leu as etiquetas de duas vias e
tirou duas seringas de injeção. Acrescentou epinefrina à injeção
e logo atropina. Jack estava agachado ao seu lado sujeitando a
bolsa por cima da cabeça.

—Já mandaram um helicóptero. Chamei Shelby para que

218
nos ajude e June Hudson, em Grace Valley.

—Já não pode fazer nada mais — Mel pegou a bolsa. —


Traga um suporte para o soro e se ocupe das crianças.

Quando retornou e pendurou a bolsa, ela reacendeu o


aparelho. A voz mecânica os avisou.

—Se afaste! — Gritou para Pastor.

Ele afastou as mãos e o doutor se arqueou com a


descarga. Mel colocou o estetoscópio e lhe auscultou o peito.

—Doutor, não nos faça isto — Pediu. —Eu preciso de você!


— Exclamou enquanto recomeçava a massagem cardíaca. —
Faça o boca­a­boca em trinta segundos: duas baforadas
profundas. Dez, onze, doze...

Mel não se deu conta que seus filhos tinham deixado de


chorar. Jack estava com eles atrás dela. Mel soltou duas
descargas mais e o auscultou. Quando conseguiu ouvir os
rotores do helicóptero, suas lágrimas caíam sobre o peito do
doutor e Pastor estava sentado sobre os calcanhares.

—Não pare! — Bramou a ele.

O cozinheiro, lentamente, inclinou­se para diante e voltou


a fazer boca­a­boca no idoso.

—Como pode nos fazer isto? — Perguntou ela com raiva


para o corpo inerte que tinha entre as mãos.

Os paramédicos entraram correndo, apartaram Mel e


219
Pastor e se colocaram de ambos os lados do doutor.
Examinaram­no rapidamente enquanto Mel dizia os
medicamentos que tinha administrado e as vezes que tinha
empregado o desfibrilador. Puseram lhe os eletrodos de um
eletrocardiograma portátil no peito e seguiram fazendo uma
massagem cardíaca.

Mel retrocedeu até ficar com as crianças e Jack, que tinha


a um em cada lado do quadril. Ela apoiou o rosto em seu peito.
David deixava escapar uns leves soluços de emoção e escondeu
o rosto cheio de lágrimas no ombro de seu pai. Mel tomou
Emma nos braços, comprovou que estava bem e voltou a
concentrar­se no intento de reanimação. Passaram alguns
minutos e Shelby entrou correndo.

—Leve o bebê — Disse Jack. —A encontramos no chão ao


lado do doutor. É possível que a tenha derrubado. Não
pudemos despi­la para examiná­la com atenção, mas parece
que está bem.

Shelby levou Emma fora da recepção e voltou em seguida


com o bebê, já tranquilo, contra o ombro.

—Despi­a e parece que está bem. Não tem hematomas


nem nada assim.

—Possivelmente ele notasse o que ia acontecer e a


deixasse no chão — Comentou Mel. —Não estava em cima dela.
Poderia tê­la matado — Acrescentou com os olhos chorosos.

Jack a agarrou pelo ombro. Ao cabo de vinte minutos, um


220
dos médicos de emergência se sentou nos calcanhares e olhou
para Mel por cima do ombro.

—Não reage.

—Não! — Gritou Mel dando um passo adiante.

Jack a sujeitou.

—Mel, não se pode fazer nada.

—Não... — Repetiu ela com mais calma e sacudindo a


cabeça.

—Não conseguiram que reagisse e nós tampouco — Disse


o homem. —Quem é o forense?

—Ele — Respondeu ela entre soluços. —Se não for um


homicídio, ele assina os atestados de óbito.

—Lhe administraram abundantes medicamentos e


eletricidade, senhora — Interveio o outro paramédico. —Quer
que cuidemos disso?

Ela conteve o fôlego.

—Levem­no ao Redding para que lhe façam a autópsia.


Tenho que saber o que lhe passou.

—Sim, senhora, mas sabemos com certeza.

Ela negava com a cabeça.

—Não tinha problemas cardíacos.

221
—Claro, essa é a questão — O médico se levantou. —Se
podem tratar os problemas cardíacos, mas não uma embolia
coronária maciça ou um aneurisma, se não souber que o tem.
Tenho que preencher alguma papelada. Fique por aqui.

O primeiro médico voltou para helicóptero enquanto o


outro recolhia as coisas. Mel se ajoelhou ao lado do doutor e lhe
fechou os olhos. Tirou­lhe os eletrodos e distraidamente,
carinhosamente, alisou seus cabelos brancos do peito e as
cheias sobrancelhas. Inclinou­se e lhe beijou a testa entre
lágrimas.

—Você é um desconsiderado — Sussurrou. —Como se


atreve a partir assim?

Apoiou um instante a bochecha em sua cabeça: estava


começando a ficar frio.

Quando o levaram, ela os seguiu. Uma pequena multidão


se reunia lá fora. Paige e Brie, Connie e Ron, Lydie Sudder e
outros. Olhou­os e uma lágrima muito grande rodou pela
bochecha.

—Sinto muito — Disse ela. —Sinto muitíssimo. Tentei com


toda minha alma.

Jack apareceu a seu lado e a abraçou.

A noite que o doutor morreu, Jack, depois de deitar as


crianças, foi à cozinha e serviu um pouco de brandy para sua
esposa e para ele. Voltou para a sala, onde Mel estava

222
amontoada em um sofá diante da chaminé. Deixou as taças na
mesa auxiliar e se sentou na poltrona de couro, em frente dela.

—Venha querida.

Ela levantou e se sentou em seu colo. Lhe deu a taça de


brandy e, rodeando suas costas com um braço, tomou a outra.

—Estava preparado — Disse Jack. —Deixaremos que


parta em paz para que possa vigiar o povoado mais do alto.

—Estou levando isso muito mal — Replicou ela.

—Sei. Por isso nos temos um ao outro — Jack deu um


sorvo. —Temos que recordar quem foi e o que esperava de nós.
Quereria que o brindássemos, que agradecêssemos tudo o que
ele fez, e que nos despedíssemos com pouco sentimentalismo.
Era um tipo duro. Nunca gostou da suscetibilidade.

—Eu gostaria de ter dito que o queria.

Jack riu.

—Sabia que o queria, mas se te houvesse posto melosa


com ele, teria ladrado como um cão de caça.

—Ao povoado vai custar se despedir dele.

—Mesmo assim, partiu e nós também o faremos — Deu­


lhe um beijo na têmpora. —Chama amanhã ao hospital e lhes
diga que não é preciso que lhe façam a autópsia. Que não o
estripem. Não temos que saber nada mais.

223
—Tenho que saber se teria podido salvá­lo — Replicou ela
com suavidade.

—O que haveria dito ele?

—Haveria dito: “Não esbanje seu fôlego”.

Olhou para Jack com uma lágrima na bochecha e ele a


beijou.

—De acordo — Seguiu ela. —Terei que fazer muitas coisas.


Revisar suas coisas... O que vamos fazer sem um médico? —
Perguntou como se acabasse de se dar conta.

—Shelby ajudará por um tempo e começaremos a


procurar. Amanhã pela manhã. Te acompanharei à clínica e
revisaremos suas coisas pessoais para ver se há um diário ou
deixou um testamento. Organizaremos tudo para que o povo
possa se despedir de seu bom amigo quanto antes possível e
possamos fechar a ferida.

—Tem razão — Reconheceu ela. —Ele não teria querido


que o chorássemos. Não.

—Não sei o que faria sem você.

—Seria muito desventurada — Respondeu ele brincando


com ela. —Pelo doutor.

—Pelo doutor. Pelo médico rural mais insuportável dos


três condados — Mel soluçou. —Vou sentir falta dele.

Embora Mel e o doutor não tinham comentado o que


224
aconteceria a clínica se algo lhe acontecesse, ele não tinha
querido que o povo e sua enfermeira e parteira tivessem
problemas. Em uns documentos datados logo depois que ela e
Jack se casassem, há dois anos atrás, tinha­lhe legado a
clínica, livre e sem encargos, em usufruto enquanto vivesse que
evitaria o testamento. Tinha graça imaginá­lo fazendo algo tão
efetivo, tão moderno, mas era impossível imagina­lo
contratando a um advogado. Também, na gaveta superior da
sua escrivaninha, a simples vista se ela tivesse olhado, havia
uma velha e gasta caderneta de poupança. O doutor tinha
acumulando pequenas quantidades de dinheiro durante
quarenta e cinco anos e perto de um ano antes de morrer, tinha
posto Mel de co­titular. Embora soubesse que tinha assinado
documentos para que ele pudesse tê­la na folha de pagamento,
tinha assinado a conta sem inteirar­se. Ele deveria ter ido
pescar no Alaska, porque ele tinha bastante dinheiro.
Entretanto, o doutor não se permitiu partir do povoado mais do
que um par de dias. Mesmo assim, sentiu­se muito comovida.
Sem dizer jamais uma palavra e sendo bastante econômico com
os elogios, tinha­a considerado uma companheira em seis
meses depois de chegar a Virgin River.

Na caderneta deixou uma petição muito concisa escrita


com sua trêmula mão. Queria que o incinerassem e
pulverizassem suas cinzas pelo rio do povoado. Mel chamou
Harry Shipton, o Pastor de Grace Valley, para que pronunciasse
umas palavras enquanto espalhassem as cinzas na curva mais
ampla do rio. Puseram­se comunicados no bar e no hospital.

225
Quatro dias depois de sua morte, Jack e Mel fecharam o
bar e a clínica e foram na caminhonete até o rio, onde quase
não podiam caminhar pela estrada. Centenas de pessoas de
Virgin River, dos povoados vizinhos e do hospital se reuniram
nas duas bordas do rio. Ao aproximar­se, encontraram­se com
uma caminhonete estacionada que tinha a carroceria cheia de
flores: gladíolos, cravos, rosas e margaridas. Um homem lhe
deu uns caules muito compridos.

June Hudson, da clínica de Grace Valley, seu marido Jim


Post e Elmer Hudson, o pai dela e médico de Grace Valley antes
que June o substituísse, estavam na borda do rio ao lado de
John Stone, colega de trabalho de June, e Susan, sua esposa.
Mel foi junto a eles e recebeu e deu abraços e condolências.

—Mel, se necessitar de alguma ajuda com a clínica, John


e eu poderíamos te dar uma mão — Se ofereceu June.

—Obrigado. É possível que lhes mande alguns pacientes


durante um tempo. Não sei o que vamos fazer a respeito do
médico.

—Muitos povoados pequenos da região se arrumam sem


um porque os pacientes só têm que conduzir um pouco mais.
Enquanto isso, eles têm você.

—Olhe toda essa gente — Comentou. —Quem ia pensar


que um homem tão mal­humorado como o doutor ia congregar
uma multidão assim.

—Sempre foi resmungão — Interveio Elmer Hudson. —Eu


226
o fui com a idade, mas Mullins já era irascível quando o
conheci, faz quarenta anos.

Mel notou que tinha vontades de rir entre as lágrimas.

—A primeira noite que cheguei em Virgin River, tirou meu


carro de uma vala, meu BMW conversível recém estreado. Suas
primeiras palavras cheias de amabilidade foram: “Esse traste
não vai servir de nada por aqui”. Vou sentir falta desse velho.
Era como um avô para meus filhos.

—Quando eu morrer, quero que em meu funeral haja


tanta gente... e vinte mais para chateá­lo — Disse Elmer
Hudson enquanto olhava a sua filha. —Contrata­os se fizer
falta, June.

—Claro papai.

Harry Shipton se aproximou da borda do rio. A multidão


se separou para que pudesse passar. Levava uma camisa azul,
umas calças de algodão cor cáqui e uma Bíblia na mão.

—Reunimo­nos aqui para nos despedir de um bom amigo.


O doutor Mullins foi médico de Virgin River durante mais de
quarenta anos e, segundo o que me contaram algumas pessoas
que o conheceram de antes, nunca se importou que o
agradecessem ou pagassem. Só se importou que seu povo, sua
família, tivesse toda a assistência médica que ele podia dar.
Salvou vistas, alimentou aos doentes, trouxe pessoas ao mundo
e fechou os olhos de quem faleceu. Rezemos.

227
Todos inclinaram a cabeça enquanto recitava a oração de
São Francisco de Assis, o salmo vinte e três e o Pai Nosso.

—Não se pode dizer muito mais sobre nosso amigo, mas


me dá medo que um raio caia sobre nossas cabeças se nos
pusermos um pouco sentimentais. O doutor apreciava quatro
coisas na vida: as palavras sinceras e diretas, o trabalho árduo,
os bons amigos e um uísque aceitável ao final do dia.

Tomou a urna com as cinzas e as espalhou pelo rio.


Depois, arrojou um copo com uma líquida cor âmbar.

—Vá com Deus, bom amigo.

Quando as cinzas começaram a descer rio abaixo, uma


chuva de flores caiu das bordas para acompanha­las.
Lentamente, reticentemente, as pessoas começaram a afastar
do rio. Logo, Jack abriu o bar para quem queria brindar pelo
amigo que partiu.

Todo mundo ficou triste cm o falecimento do doutor e


esperavam com vontade que os amigos fuzileiros de Jack
chegassem duas semanas depois. Sempre aproveitavam o final
da temporada de caça ao cervo. Não era o esquadrão completo,
sobretudo, porque todos eles estiveram no fim de julho para dar
uma mão quando o incêndio do bosque ameaçou o povoado.
Josh e Tom chegaram de Reno. Joe Benson e Nikki, recém­
casados, vieram de Grants Pass e ficaram na casa do general
com Vanessa e Paul. E se contasse com Mike Valenzuela,
228
Pastor e Jack, só faltaram Corny e Zeke.

Mel esperava com ansiedade sua visita, mas seguia um


pouco atarefada para desfrutar como sempre. Com a ajuda de
Shelby, tinha levado a clínica, visitado os pacientes e revisado
os documentos do doutor e seus objetos pessoais. Mais de
quarenta anos de coisas acumuladas exigiam trabalho e eram
muito emotivos. Estava esvaziando seu quarto, desfazendo­se
da roupa, livros e móveis, e preparando seu dormitório como
quarto de convidados ou aposento de outro médico, se
encontrassem algum.

Tinha muitas saudades dele. Uma vez que limaram suas


pequenas diferenças, começou a apreciar seu cenho franzido e
a achar graça de seu temperamento resmungão.

Ouviu uma buzina e levantou a cabeça de um calendário


muito antigo do doutor.

—Chegaram — Disse para Shelby.

—Quem? — Perguntou a jovem.

—Os rapazes. O esquadrão de Jack. Terminamos por hoje.


Necessitamos de suas risadas, asseguro­lhe isso.

Mel tomou nos braços o bebê, Shelby agarrou David e


cruzaram a rua para o bar. Quase não tinham cruzado a porta
quando Tom Stephens começou a lhe dar voltas, enquanto Josh
tomava David dos braços de Shelby e o levantava por cima da
cabeça para comprovar quanto pesava.

229
—Shelby, apresento Josh Phillips — Disse Mel quase sem
fôlego. —É médico de emergências em Reno. Este bárbaro é
Tom Stephens, piloto de helicópteros de transporte da mesma
cidade.

Tom lhe rodeou os ombros com um braço.

—Já sei que passou um par de semanas muito ruins,


querida. Há algo que possa fazer?

Lhe bateu no peito.

—Sinto a falta dele Tom. É tudo o que fica.

—Já... ninguém queria que esse velho moço partisse.


Esteja onde estiver, asseguro que há boa pesca.

—Mal­humorado como era, asseguro que os peixes estão


envenenados — Brincou ela. —Me alegro que tenham vindo.
Necessitamos um pouco do que trazem. Este bar esteve muito
silencioso. Bom, menos pelo martelar.

—Não nos distinguimos por sermos silenciosos — Tom riu


e tomou a Emma nos braços. —Vejamos como está nossa
menina. Está engordando... Graças a Deus, parece­se com
você, Mel. Teria me espantado se tivesse a mesma cara que esse
homem tão feio com o qual se casou.

—Eu acho que ele é bonito — Replicou ela.

A notícia de sua chegada se difundiu por todo o povo.


Certamente, Jack teria avisado pelo telefone da cozinha. Saíram

230
Mike e Pastor e Walt, Joe e Paul chegaram da casa do general.
As cinco, os homens se reuniram e os vizinhos começaram a
aparecer: os Carpenter, Connie e Ron, da loja da esquina, Joy e
Bruce, Harv, o encarregado das linhas elétricas, Hope McCrea
e, finalmente, Muriel St. Claire.

Mel não estava tão feliz como costumava estar, mas sua
presença a animou. Luke Riordan se apresentou um pouco
depois das cinco e Mel se deu conta de que os olhos de Shelby
resplandeceram como de costume. Na reunião a primeira hora
da tarde tinha sido muito murcha desde o falecimento do
doutor, mas tudo pareceu melhorar um pouco graças aos
fuzileiros. Os amigos acolheram muito bem ao Luke e a
conversa em seguida girou ao redor de distintas missões, para
averiguar se tinham amigos em comum ou tinham participado
da mesma batalha. Começaram a chegar mais mulheres e Luke
observou com certo assombro que os homens as saudavam
como se fossem irmãs ou namoradas. Quando Paige saiu com
seu bebê, todos o passaram de um ao outro entre abraços e
louvores por sua beleza, como se fossem seus tios. Ao
Christopher, seu filho, também o montaram em vários ombros.
Brie também chegou de seu trailer, seu lar até que
terminassem a casa, e todos lhe passaram a mão pelo ventre,
como se cada um tivesse sido quem tinha engendrado o bebê, e
logo felicitaram Mike por seu extraordinário acerto.

—Amigo, o que deixaste aí é excelente — Lhe felicitou


Josh.

231
—Querida, está mais impressionante que nunca! —
Exclamou Tom.

Quando apareceram Vanessa e Nikki, repetiu­se todo o


processo: os abraços efusivos e os beijos. Foi uma experiência
completamente desconhecida para Luke. Não tinha visto nada
parecido nem em sua própria família. Entretanto, interessou­
lhe como tratavam todas às esposas dos outros, como se as
adorassem tanto como às próprias, com um carinho que não
era nada superficial, com uma intimidade profunda e muito
respeitosa. A confiança estava implícita e esse carinho parecia
sincero. Era evidente que se sentiam muito seguros de suas
relações.

Pastor estava fazendo peixe, arroz e verduras. Sua


expressão, geralmente séria, tornou­se alegre e Luke nunca
tinha visto um sorriso tão amplo. Serviu­se comida e bebida, o
ruído subiu de volume e cada vez fez mais tarde. As mulheres
foram desaparecendo lentamente para cuidar de seus filhos.

Luke se integrou comodamente nessa irmandade. Aliviou


um remorso que teve em algum momento, ele também tinha
tido saudades de seus amigos do Exército. Entretanto, quando
se deu conta de que as mulheres foram se retirando, olhou para
Shelby. Mel tinha posto uma jaqueta e, com ajuda de Jack,
saiu do bar com seus filhos deixando­a sozinha.

Sua relação acabava de começar a subir de temperatura


quando morreu o doutor. Nas duas semanas que tinha
passado, tinha­a abraçado de vez em quando, mas ela só tinha
232
apoiado a cabeça em seu peito e suspirado com cansaço e
tristeza. O falecimento do doutor tinha sido uma carga muito
pesada, tanto para o trabalho como para os sentimentos. Tinha
freado seu intento de sedução definitiva.

Luke se aproximou dela antes que partisse ou começasse


a falar com alguém. Animou­se quando lhe sorriu.

—Não a vi tanto como teria gostado de ver — Disse ele.

—Foram uns momentos muito complicados. Que tal está?


— Perguntou ela.

—Atarefado. Tive que fazer muitas coisas ao não te ter por


perto para que me distraísse. Que tal você?

Ela deu de ombros.

—Estivemos revisando as coisas do doutor. Não foi fácil


para Mel. Acredito que está muito triste, mas é muito forte.

—Que tal você, querida? — Ouviu­se perguntar.

—Eu não estava tão unida ao doutor como Mel. Acredito


que sua relação era intensa, divertida e enfrentada, mas cheia
de confiança. Se diziam de tudo, embora não se notasse a
primeira vista, mas se queriam. Passou dias me contando
histórias sobre ele. Por exemplo, ia a assentamentos de
vagabundos no mais profundo do bosque. Poderiam ter sido
perigosos, mas tentou ajudá­los sem lhe importar sua
integridade física. Também pulava as normas para que tudo
saísse bem no povoado, com sua gente. Era um símbolo. Estou
233
me inteirando de muitas coisas.

—Está cansada — Luke passou­lhe um dedo pela


bochecha.

—Trabalhei muito. Não sei o que Mel teria feito se não


tivesse tido a sorte de que eu estava aqui. Que tal vai sua casa?

—Há goteiras no telhado. Paul vai voltar para me ajudar —


Luke sorriu. —Entretanto, lixei e envernizei os chãos, pintei as
paredes e instalei armários e prateleiras novas. O alpendre é
sólido e as cabanas têm novos abrigos cobertos pela pessoa que
Paul me mandou — Seu sorriso se fez mais amplo. —Posso
acender a chaminé de noite e posso usar o banheiro, embora
ainda tenha que fazer muitas coisas para que seja agradável.
Art tem uma casinha boa. Está muito orgulhoso. É a primeira
vez que tem uma casa própria.

—Quando tivermos terminado com as coisas do doutor,


passarei para vê­la.

—Temos que passar um tempo juntos, você e eu.

—Estaria muito bem, mas está indo caçar...

—Estou indo caçar — Confirmou ele. —Logo, terminará e


pensaremos em outra coisa.

—Comprometi­me com Mel e a clínica, em trabalhar todos


os dias.

—Lamento tudo o que esta perdendo.

234
—Obrigado, mas não me acontecerá nada.

—Então, me acompanhe ao alpendre — Pediu ele. —Deixe


que te abrace um minuto antes que se vá.

—É a melhor parte de meu dia — Disse ela


acompanhando­o agarrados pelo braço.

Quando todas as mulheres partiram, apareceram as


cartas e os charutos. Juntaram as mesas e repartiram as
cartas. Luke aproximou uma cadeira e aceitou com entusiasmo
um bom e gostoso charuto. Todo mundo se sentou, menos
Jack.

—Vou para casa, rapazes — Disse ele. —Mel me disse que


ficasse, mas está levando mal desde que o doutor...

—Claro — Disse alguém.

—Está sofrendo — Acrescentou outro.

—Diga­lhe que a amamos — Seguiu um terceiro. —Tudo


isto pesa no coração.

—Eu direi — Falou Jack. —É muito dura, mas algumas


vezes lhe cai bem que eu esteja perto. Às quatro da manhã?

—Às quatro da manhã. Preparados — Confirmou Pastor.

—Se não tiver vindo... — Começou a dizer Jack.

—Não é necessário que dê explicações, amigo — Lhe


interrompeu Paul. —Mel vem primeiro.

235
—Detesta que mate animais e normalmente os mato de
toda forma...

—Não precisa dar explicações, sargento — Repetiu Joe. —


É uma dessas vezes...

—Não coloquem fogo no bar — pediu Jack enquanto vestia


a jaqueta.

**********

Cameron passou umas semanas tensas e decepcionantes


ao não saber nada de Brandy depois da noite que tinham
passado juntos. Era sua sina. Parecia como se cada vez que
tinha entre os braços uma mulher da qual podia apaixonar­se,
ela desaparecia antes de que pudesse amarrá­la.

Voltou para hotel Davenport quando estava o mesmo


garçom. Não sabia como se chamava, mas o garçom se dirigiu a
ele como se o conhecesse.

—Tudo bem, doutor? Sirvo­lhe algo?

—Sim, por favor. Lembra­se da mulher que conheci aqui


faz umas semanas? Não retornei depois.

—Vagamente — Respondeu ele dando de ombros de uma


forma muito eloquente.

236
Cameron estava seguro que se lembrava perfeitamente
porque o bar estava quase vazio, mas parte de seu trabalho
consistia em não ver nada.

—Estou tentando encontrá­la. Não sei seu sobrenome.

—Sinto muito, doutor, eu tampouco.

—Bom, como pagou a bebida que tomou antes que eu


chegasse?

—Assinou o recibo. Era hóspede do hotel.

—Graças a Deus! Pode procurar a fatura ou algo?

—Me despediriam — Respondeu ele com seriedade.

—Disse que estava em umas bodas. Poderia saber em que


bodas?

—O diretor poderia lhe dar os nomes do faturamento. Os


sobrenomes não lhe dirão grande coisa, mas estou seguro de
que se chamar o jornal, dirão se publicaram alguma resenha.

Foi o que fez Cameron e foi muito simples. Naturalmente,


não lhe disseram nada sobre a mulher que estava procurando,
mas soube que tinha sido as bodas de Jorgensen & Benson.
Joe Benson era um arquiteto em Grants Pass.

Foi ao estúdio de Joe e lhe deu um cartão.

—A noite que se casou, conheci uma das convidadas de


suas bodas no bar do hotel. Chamava­se Brandy, mas não sei

237
seu sobrenome. Poderia me ajudar?

—Brandy? Não conheço ninguém que se chame assim.

—Está certo? Era uma mulher bonita, de um metro


sessenta, com o cabelo comprido e loiro claro, olhos escuros,
trinta e um anos e com um vestido dourado.

—Amigo — Ele riu. —Acaba de descrever metade das


convidadas. Minha esposa foi aeromoça e as bodas estava cheia
de mulheres impressionantes dessa idade. Como perdeu sua
pista?

—Prefiro não dizer — Cameron baixou o olhar um


instante. —Parece que já não tenho chance com as mulheres.

—Sinto muito, doutor. Ficarei com o cartão e perguntarei


a minha esposa. Servirá de algo?

—Não acredito, mas me conformarei. A maioria dos


convidados a suas bodas eram de Grants Pass?

—Não. Na realidade, a maioria veio de fora. Minha família


é daqui, mas a de Nikki é de São Francisco e suas amigas, de
todos os lados.

Cameron ficou um momento em silêncio.

—Ela e eu nos entendemos muito bem.

—Não ficou com seu sobrenome e número de telefone? —


Perguntou­lhe Joe.

238
Cameron riu com amargura.

—Pediu­me que deixasse que ela entrasse em contato


comigo. Não o fez e não sei por que. De verdade, foi... — Ele
tragou saliva. —Não sei por que — Repetiu.

Joe meteu as mãos nos bolsos, olhou ao redor e sacudiu a


cabeça.

—Sinto muito por você, entendo, mas não estou seguro de


que possa te ajudar.

—Perguntará a sua esposa?

—Claro.

—Eu ligarei — Disse Cameron e se foi.

Chamou Joe uns dias mais tarde, mas ele lhe disse que
sua esposa não tinha nenhuma amiga nas bodas que se
chamasse Brandy e sua descrição podia encaixar com três
amigas, todas casadas. As possibilidades eram infinitas.
Inventou o nome, possivelmente tivesse discutido com seu
marido, poderia ser um divórcio complicado. Possivelmente ela
estivesse reconsiderando o divórcio... ou ele. Se tivesse dois
dedos de frente, esse desgraçado não a deixaria partir.

Fora qual fosse a verdade, ela não pensava em manter


contato com ele, senão, já o teria feito.

Acabou, disse a si mesmo, não voltaria a falar com garotas


bonitas nos bares. Deu­se conta de que isso não lhe levantava o

239
ânimo. Um de seus companheiros tinha comentado que
ultimamente o notava abatido. Disse­lhe que não passava nada,
mas sabia que sim passava algo. Ela se tinha se esfumado e ele
seguia perguntando­se por que. Tudo o que recordava daquela
noite lhe confirmava que poderia ter ido bem juntos. Fez um
esforço para tratá­la como se fosse o ser humano mais especial,
embora não lhe custou nada porque ela era.

Uma noite foi o último a sair do consultório e começou a


arrumar a sala de espera. Havia brinquedos e revistas por todos
os lados e a recepcionista não fazia grande coisa para deixá­la
em ordem ao final da jornada. Com quinze minutos a deixaria
em ordem para que o pessoal de limpeza pudesse fazer seu
trabalho. Guardou os brinquedos e começou a amontoar os
livros para crianças e as revistas para seus pais. Então, viu­a
olhando­o de uma pequena foto em um rincão da capa da
revista People. Deixou­se cair em uma cadeira para crianças e a
olhou fixamente. Se não era ela, parecia­se muito. Olhou o
titular: Kid Crawford se divorcia de sua terceira esposa.

Leu a notícia. Era ela. Kid Crawford, uma estrela do rock,


casou­se pela terceira vez com uma aeromoça que conheceu em
um vôo. Ficaram casados menos de um ano. Ele fez alguns
cálculos. Ela disse que lhe apresentou os documentos do
divórcio fazia nove meses, o que significava que tinham estado
casados de verdade uns três meses. Não era a toa que estivesse
deprimida.

Havia mais fotos, entre outras, de sua primeira e segunda

240
esposas e de sua noiva nesse momento, com quem estava
vivendo seis meses antes do divórcio. Possivelmente, o mais
difícil de assimilar era que essa mulher tão refinada, doce e
irrepreensível tivesse estado casada com esse homem barbudo,
sujo, com jeans rasgados, óculos escuros, tatuagens e
correntes.

Isso podia explicar a tristeza e solidão dela. Tomou a


revista e foi ao estudio de Joe Benson. Joe se levantou e
estendeu a mão.

—Olá, doutor. Sinto não poder te dizer nada mais sobre a


misteriosa convidada das bodas.

Cameron lhe mostrou a revista.

—Conhece­a?

A expressão de Joe foi muito eloquente. Não pôde


dissimular.

—Abby — Disse ele por fim. —Sinto muito, doutor, tive a


sensação de que podia ser ela.

—Mas não me disse isso.

Joe se encolheu de ombros.

—Não podia fazê­lo, doutor. A verdade é que senti muito


por você, sinceramente. No entanto, terá que tomar cuidado
quando deixamos às mulheres a cargo de homens que não se
conhece. Embora esteja seguro de que é digno de confiança,

241
não o conheço.

—Entendo — Reconheceu Cameron.

—Segundo minha esposa, Abby teve um ano horrível. Me


horrorizaria complica­lo mais — Joe golpeou a revista com o
dedo. —Foi atroz.

Cameron franziu o cenho e sacudiu a cabeça.

—Como pôde terminar com um canalha assim?

—É um canalha, mas todo isso é fachada. Não tem esse


aspecto. Estou seguro de que seus fãs não o reconheceriam.
Chama­se Ross e não o conheci, mas minha esposa esteve em
suas bodas intima e secreta e diz que é um homem bonito,
limpo e encantador. Embora não dure muito, temo.

—Entendo. Segue tendo meu cartão? — Perguntou


Cameron tirando a carteira do bolso.

Joe o deteve levantando uma mão.

—Tenho — Respondeu ele.

—Se pudesse lhe dizer que eu gostaria de saber algo


dela... alguma vez...

—Posso tentar.

—Se não saber nada de você, darei por encerrado este


assunto.

—Claro. Pedirei a minha esposa que entre em contato com

242
ela.

Passaram um par de dias sem receber nenhuma chamada


e soube que não a receberia. Se ela tivesse algum interesse,
esse era um bom momento para começar uma relação que não
fosse como a dessa estrela do rock desatinada. Obrigou­se a
aceitar a realidade, tinha sido uma aventura de uma noite.

243
Capítulo 10
Abby MacCall Crawford, Brandy por uma noite em sua
vida, tinha um plano muito singelo quando voltou para Los
Angeles das bodas em Grants Pass. Ia assinar os documentos
do divórcio, libertar­se e refazer a sua vida. Ao fim e ao cabo,
seu matrimônio com Ross Crawford terminou quase assim que
começou e embora, teoricamente, tinha sido a senhora
Crawford durante nove meses, ele tinha vivido seis meses com
outra mulher e não o tinha visto nem falado com ele durante
dez. Isso deveria ser um mero formalismo imposto durante
muito tempo.

Entretanto, não ia ser tão simples.

Primeiro, teve que contratar um advogado porque havia


“condições” na oferta de acordo de Ross. Seu marido tinha feito
algumas faturas impressionantes em seu cartão de crédito,
quase todas durante a separação. Metade correspondia a ela,
embora ganhasse dez vezes menos que ele. Diminuir a
quantidade à terceira parte do que pedia Ross lhe custou uma
dinheirão em honorários do advogado e seguiu lhe deixando
com uma dívida que não poderia pagar nunca. Além disso,
perguntou­se pela milionésima vez como tinha podido meter­se
nessa confusão.

Ross Crawford a deslumbrou com seu acostumado flerte e


ela se apaixonou em seguida e até o fundo. Era músico, tocava

244
baixo em um grupo com alguns discos conhecidos. Conheceu­o
em um avião. Sua presença na primeira classe era muito
distinta da que tinha em cena. Ia impecável com umas calças
de algodão, uma camisa branca, o cabelo bem cortado,
barbeado e com um sorriso arrebatador. Tinha muito carisma e
senso de humor. Em cena levava umas calças jeans rasgadas,
correntes, uma barba de três dias, que só deixava crescer
quando ia atuar, e um cabelo comprido e emaranhado que era
postiço. Conhecia seu grupo e riu ao pensar que era o mesmo
homem. Abby se apaixonou por uma estrela do rock um pouco
famosa e inclusive viu sua cara mais de uma vez na capa das
revistas sensacionalistas.

Quando o conheceu, Ross voltava para Los Angeles depois


de ter passado por um tratamento de desintoxicação de drogas,
um segredo cuidadosamente oculto do público. Entretanto, o
segredo não era que tivesse consumido drogas, mas sim tivesse
deixado de fazê­lo: as estrelas de rock que consumiam drogas
tinham um aura que os fazia parecer mais inalcançáveis e
perigosos e ser mais populares. Que estivesse em reabilitação
não fez que deixasse de vê­lo e estava orgulhosa dele. Ele ia
todos os dias às reuniões e não parava de falar do programa.
Sua sinceridade era cativante. Disse­lhe que outros do grupo
não consumiam. Mais ainda, foram eles que exigiram que
mudasse de vida se quisesse continuar no grupo. Disse as
palavras mágicas: estava limpo como um anjo e as provas de
urina periódicas o demonstravam, queria uma vida estável,
uma esposa, uma família, algo digno pelo que voltar para casa.

245
Abby se casou tão depressa porque, de qualquer forma,
passava todos os dias e noites com ele. Depois de só umas
semanas de felicidade conjugal, Ross voltou à turnê com o
grupo. Chamadas diárias só duraram um par de semanas mais
e embora ela tivesse podido organizar sua programação de voos
para que seguisse a excursão, lhe disse que ia estar muito
ocupado com o grupo, os ensaios, as viagens e as atuações
exaustivas. Mas ela soube que havia tornado a consumir
imediatamente. Notou em sua voz. Primeiro foram às frases
arrastadas do álcool, que logo se mesclaram com a euforia da
cocaína. Então, ele deixou de responder as suas chamadas e
ela ficou com a secretária eletrônica.

Sua ingenuidade a encheu de tanta vergonha que passou


meses fingindo que não havia nada errado, que só lhe custava
estar separada dele quando estava em excursão. Até que sua
foto com outra mulher começou a aparecer nas revistas. Então,
seu advogado a chamou e lhe apresentou os documentos. Ross
não se incomodou em chamá­la. Quando se reuniu com
algumas amigas nas bodas de Nikki em Grants Pass, todo
mundo sabia que se separaram fazia tempo e teve que suportar
sua compaixão. Por isso, escapou do festejo antes que
terminasse e partiu da cidade na primeira hora da manhã.

A maravilhosa noite de amor nos braços de um


desconhecido foi um ponto de inflexão. Foi uma absoluta
casualidade. Quando ele a deixou no bar para pedir um quarto,
ela não pensava em passar a noite com ele. Levantou­se da

246
mesa e foi aos elevadores para subir ao seu quarto. Entretanto,
quando o encontrou acreditando que estava esperando­o,
derreteu­se ao ver a expressão de seu rosto, tão sexy e
encantador. Quando a pegou pela mão e a abraçou com
delicadeza, a necessidade de que a abraçassem e a tratassem
com amor superou qualquer sentido comum que pudesse ter
tido.

Nesse momento, alegrava­se de ter acontecido aquela


noite. Algo lhe ensinou que a vida não tinha terminado, que
quando o divórcio fosse definitivo, poderia encontrar a
felicidade algum dia. Sua intenção foi voltar a trabalhar, tomar
cuidado de não aproximar­se dos passageiros sedutores e
recuperar­se da desalentadora experiência que tinha tido com o
amor. Então, recomeçaria do zero. Quando o processo de
divórcio e o de recuperação tivessem terminados, possivelmente
entrasse em contato com esse maravilhoso desconhecido e
chegasse a conhecê­lo melhor.

Entretanto, esse dia gélido de finais de outubro, sem que o


divórcio estivesse definitivo, estava na consulta de seu médico e
chorando efusivamente.

—Não sei como aconteceu. Tomei pílula toda minha vida e


nunca...

O doutor Pollock tomou a mão entre as suas.

—Posso lhe dizer exatamente o que aconteceu. Estava


tomando antibióticos para uma infecção no ouvido e isso fez

247
que o anticoncepcional oral fosse ineficaz. Não te avisaram
disso quando receitaram o antibiótico?

—É possível.

Quem sabia o que haviam dito? Tinha que tomar algo para
curar os ouvidos porque estava voando. Quando se deu conta
de que doíam e tinha que voar três dias, foi imediatamente à
clínica da linha aérea. Se lhe disseram algo sobre os métodos
anticoncepcionais, nem teria dado atenção, tampouco os
necessitava. Seu marido a largou e seus advogados a tinham
chamado todas as semanas para falar do divórcio. Então, um
médico jovem e bonito a encontrou, triste e sozinha, no bar de
um hotel, convidou­a a um par de coquetéis de champanhe,
levou­a ao seu quarto e fez amor de uma forma incrível e
inesquecível. Um perfeito desconhecido. Estava grávida de um
perfeito desconhecido.

—Deus santo — Sussurrou ela. —O que vou fazer?

—Tem algumas opções — Respondeu o médico. —No


entanto, deve tomar o mais rapidamente possível para decidir
se vai continuar com a gravidez. Quanto mais atrasar, mais
complicado será.

Por um instante, pensou em entrar em contato com


Cameron Michaels. Nikki a tinha chamado para lhe perguntar
se queria vê­lo, que tinha estado no estúdio de Joe para
procurar uma maneira de entrar em contato com uma mulher
cuja descrição encaixava com a dela. Abby se fez de parva: não

248
pensava em dizer o que tinha acontecido nem a suas melhores
amigas.

—Bom — Comentou a sua amiga. —Conheci um par de


homens muito simpáticos no bar do hotel, mas o nome não me
soa conhecido.

Já era muito tarde. Se voltasse a vê­lo, saberia que a tinha


deixado grávida e se veria atada a ele para toda a vida, embora
fosse o pai de seu filho. O que aconteceria se desse conta de
que não queria ter uma relação permanente com ele? Não podia
correr esse risco. Que essa noite tivesse estado perfeito não
queria dizer nada. Até o Ross esteve perfeito mais tempo!

Então, tudo se complicou muitíssimo. Como se o divórcio


não tivesse sido o bastante, tudo piorou quando se viu
perseguida constantemente por pessoas com câmaras e ávidas
dos detalhes mais acidentados. Ross tinha se convertido em
isca para a imprensa mais sensacionalista.

Além disso, havia outro assunto escorregadio, o acordo


pré­matrimonial. O advogado de Ross lhe mandaria dez mil
dólares todos os meses se tivesse sido fiel durante o
matrimônio. Quando assinou o acordo, pareceu­lhe quase
absurdo. Se ela prometesse ser fiel durante o matrimônio e se
divorciassem lhe pagaria essa quantidade até que ela voltasse a
se casar. Os homens ricos tinham que fazer acordos como esse
para que as esposas, se duravam pouco, não dar o fora com
seus milhões. Ela não tinha esperado durar pouco.

249
Se soubesse que estava grávida, Ross ou os cães de caça
de seus advogados poderiam demonstrar que tinha tido
relações sexuais com outro homem antes que o divórcio fosse
definitivo. Renunciar à pensão, dava­lhe igual, mas as faturas
que Ross lhe tinha deixado eram enormes e eram dele, não
dela.

Poderia ter o filho se encontrasse a maneira de ocultar a


gravidez. Demorou duas semanas para partir de Grants Pass,
voltar para Los Angeles, procurar um advogado e assinar os
documentos, embora então demorasse outro mês em ser
solteira, e um bom ginecologista poderia fixar a data com
muitíssima precisão graças ao ultrassom. A menor dúvida a
levaria a um tribunal, o que lhe custaria mais ainda. Ela não
era uma estrela do rock milionária, era uma aeromoça e
gastava todos os seus ganhos em viver, economizar e pagar a
hipoteca de sua pequena casa. Tinha que se esconder bem,
nem sequer podia voltar para Seattle com sua família para
esperar o parto.

Decidiu imediatamente. Ia ter o filho, mas ninguém


poderia saber, até que o bebê tivesse uns quantos meses.

**********

Quando Paul Haggerty decidiu transladar parte de sua


empresa de construção para Virgin River, a única exigência de
250
sua mãe foi que levasse seus netos uma vez ao mês a Grants
Pass para visitá­la. O único filho que tinha desde que se casou
com a Vanessa era o pequeno Matt, fruto do anterior
matrimônio dela, mas para Marianne Haggerty, Matt era tão
neto como se fosse de Paul. Além disso, para Vanessa essas
viagens para ver a família dele, eram uma mudança de ares que
adorava e os aproveitava para que Matt também visse seus avós
biológicos, Carol e Lance Rutledge.

Matt não estava desfrutando como sempre desse fim de


semana de princípios de novembro. Estavam lhe saindo os
dentes, tinha tido diarreia e se resfriou. Quando no sábado pela
manhã começou a tossir muito, Vanessa e Paul pensaram em
levá­lo a emergência, mas Paul quis que o visse um médico em
quem pudesse confiar. Pegou o telefone e chamou Cameron.

—Cameron, sou eu, Paul Haggerty. Sinto muitíssimo te


incomodar em sua casa, mas estou visitando minha mãe e meu
filho está doente. Tem febre, diarreia e uma tosse muito feia.
Seria possível que o visitasse ou poderia nos recomendar
alguém a quem levá­lo?

—Não tenho nada que fazer, Paul. Leve seu filho ao


consultório e darei uma olhada — Respondeu Cameron. —Irei
dentro de meia hora para abrir a porta.

—Não sabe quanto agradeço por isso. Acredito que Vanni


está muito nervosa. Melhor dizendo, eu estou muito nervoso.

Quando Vanessa e Paul chegaram ao consultório, ela não

251
pôde dissimular a preocupação.

—Venha... — Cameron lhe rodeou os ombros com um


braço. —Não nos preocupemos até que saibamos por que temos
que nos preocupar. Vá, que grande! — Exclamou enquanto
tomava o bebê nos braços. —Dobrou de tamanho!

—Cameron, eu não sei como agradecê­lo. Estava tranquila


até que começou a tossir.

Matt, como se quisesse confirmar, deixou escapar uma


tosse longa e profunda que fez com que lhe congestionasse o
rosto.

Cameron o pôs na mesa de exames e auscultou seu peito.


Então, tomou a temperatura, olhou os ouvidos e a garganta e
lhe apalpou o corpo pequeno e roliço.

—Ainda lhe dá o peito? — Perguntou Cameron.

—Três vezes ao dia. Pela manhã, na sesta da tarde e ao


deitá­lo.

—Muito bem, te direi o que vamos fazer, embora ele não


vá gostar disso. Poderia ser difteria ou, ao menos, bronquite.
Tem boa cor e não lhe custa respirar, mas essa tosse de
cachorro é muito reveladora. Tenho que vê­lo por raios X, mas
marcarei antes. Não quero que esteja em uma sala de espera
cheia de gente doente ou que infecte um ambiente com pessoas
que torceu o tornozelo. Receitarei antibióticos, um pouco de
inalação e uma boa dose de Tylenol infantil para a febre. Terá

252
que lhe dar líquidos suaves, soros orais para a reidratação.
Nada de leite materno, sucos e nem comida. Os antibióticos
costumam dar diarreia e já tem um pouco: não vamos piorar o
quadro. Quando chegarem em casa, passem um bom momento
na ducha, fazendo muito vapor para que lhe descongestione o
peito.

—Muito bem — Disse ela.

—Observe­o com atenção. Se lhe custar respirar ou se


asfixiar o mais mínimo, me chame para nos reunir na
emergência. Darei o número de meu celular. Entretanto,
acredito que o pegamos a tempo. Muito líquido suave, Vanni, e
Tylenol a cada quatro horas. Sabe o que fazer se a febre subir?

—Um banho frio? — Perguntou ela.

—Temperado — Respondeu ele. —Não o deixe muito


tempo. Encharca­o, passe um pano pelo corpo e seque. Tem
trinta e oito de febre: antes do Tylenol. Não é para se assustar
na sua idade. Caso se aproxime de quarenta, me chame
imediatamente. Deveria poder controlá­la com o Tylenol.

Cameron deu os medicamentos, pendurou a garrafa de


oxigênio e conseguiu colocar as cânulas no nariz apesar da
resistência do bebê. Sustentou­o nos braços enquanto aspirava
o oxigênio e se tranquilizou em seus peritos braços.

—Quando pensam voltar para Virgin River?

—Amanhã pela tarde — Respondeu Paul.

253
—Eu gostaria que ficassem perto até que esteja claro que
está se recuperando. Não lhe cairia nada bem passar horas no
assento traseiro do carro. Os ataques de difteria costumam
apresentar­se de noite. É possível que não durmam muito
durante duas noites. Podem marcar a volta até na terça­feira?

—Faremos o que diga — Respondeu Paul tomando


Vanessa pela cintura.

—Muito bem. Se não tiverem que trazê­lo antes,


auscultarei na terça­feira pela manhã. Se estiver bem, poderão
se pôr à caminho. O doutor Mullins poderá vê­lo quando
voltarem para Virgin River. Certamente tenha tratado muitos
casos de difteria em todos os anos que está ali.

Paul e Vanessa se olharam e logo olharam ao Cameron.

—Cameron, sinto muito — Disse Paul. —Suponho que não


pode se inteirar. O doutor Mullins morreu recentemente, há
mais de um mês.

—O que? — Perguntou Cameron surpreso. —O que


aconteceu?

—Não estamos seguros — Paul deu de ombros. —Mel o


encontrou desmaiado no chão da clínica e tentou reanimá­lo,
mas não conseguiu. Emma, a recém­nascida, estava tombada
ao lado dele, como se a tivesse tido nos braços quando teve o
ataque ao coração ou o que fosse.

—É horrível. Como está Emma?

254
—Bem, graças a Deus.

—Como se arruma o povo?

—Mais ou menos — Respondeu Paul. —Mel faz o que pode


na clínica. Shelby, a prima de Vanni, esta um tempo ali de
visita e vai todos os dias à clínica para ajudá­la com as
crianças, os pacientes e a papelada. Os doutores Stone e
Hudson, de Grace Valley, ocupam­se dos pacientes que Mel não
pode ver, mas só verificar todas as coisas do doutor,
acumuladas durante mais de quarenta anos, está machucando
Mel. Ela está triste e transbordando de trabalho. Além disso, a
pequena Emma tem seis meses.

—Ao menos, no momento tem Shelby — Seguiu Vanessa.


—Entretanto, Shelby está de visita. Pensa em partir depois das
férias. Cameron, sinto que não nos ocorresse te chamar.

—Por que o faria? — Tranquilizou­a Cameron. —O vi só


uma vez e falei com ele menos de uma hora. Levei uma boa
bronca em tão pouco tempo e me pareceu claro que era um
médico rural fantástico que se preocupava com sua gente. Além
de vocês, não tínhamos amigos em comum. Entretanto, é uma
perda muito grande para Virgin River — Matt estava respirando
melhor e não tossia graças ao oxigênio. —Sinto muito.

—Mel pôs anúncios para pedir um médico, mas quem ira


querer ir a um povoado desse tamanho? Não tenho nem ideia
de quanto cobram, imagino que o que lhe deem. Sei que Mel e
Jack aproveitam vinho, carne e outros produtos de pacientes

255
que pagam com o que tiram da terra.

Cameron riu.

—Não está mau. Não acredito que lhes faça muita falta as
companhias de seguros.

—Isso não é um problema em Virgin River — Paul riu. —


Muita pouca gente tem assistência médica.

Cameron colocou o estetoscópio nos ouvidos e auscultou


ao Matt.

—Está um pouco melhor. Por favor, deem minhas


condolências a Mel. O doutor era um pouco áspero, mas estou
seguro de que tinha um coração de ouro — Olhou Vanessa e
Paul e sorriu. —Como estão vocês dois?

—Bem — Respondeu Paul. —Estou construindo em Virgin


River. Estou construindo uma casa para Vanni e tenho outras
duas obras — Beijou­a na bochecha. —Acredito que Vanni
poderia te convencer de que não cometeu um grande engano ao
casar­se comigo.

Ela sorriu ao Paul para confirmar que estava feliz.

—Continuamos vivendo com meu pai — Explicou ela —,


mas a casa estará terminada antes do Natal. Além disso, é nas
terras de meu pai, assim seguiremos perto, mas não muito
perto.

—Parece perfeito.

256
—Estamos começando a pensar em outro filho — Disse
ela.

—Deveriam. Tenham enquanto possam — Recomendou


Cameron.

—Paige teve uma menina no verão passado. Brie espera


para o Natal.

—Não param de chegar — Disse Cameron entre risadas.

—Ouvi dizer que Virgin River é um lugar muito fértil —


Comentou Vanessa rindo também.

—Você gosta de pescar, Cameron? — Perguntou Paul.

—Faz muito que só sou médico — Respondeu ele.

—Venha pescar — Convidou Paul. —Tire alguns dias. Te


levarei ao rio. Os salmões estão começando a chegar e os
esturjões estão muito gordos.

—Parece apetecível. Você pesca muito?

—Não. Tenho trabalho, mas se vier, escaparei um par de


manhãs: tenho bons capatazes. Senão, te mandarei com o
Jack. Jack adora ter qualquer desculpa para ir ao rio.

—Pensarei nisso — Disse Cameron enquanto tirava as


cânulas do nariz de Matt. —Escute, Vanessa. Faça como eu
disse, dê só líquidos suaves, soros reidratantes. Se não
tratarmos a diarreia junto aos problemas respiratórios, se
desidratará. E coloca­o em vapor, de acordo?
257
—De acordo — Respondeu enquanto tomava o bebê dos
braços. —Quanto lhe devemos?

—Por favor... — Cameron riu. —O que te parece passar


um dia no rio?

—Trato feito — Paul sorriu e estendeu a mão. —Não sabe


quanto lhe agradecemos isso.

—Me alegro de que tenham me chamado. Este menino tem


que ficar bem.

**********

Cameron Michaels não chamou a ninguém em Virgin


River. Tomou três dias e se apresentou sem mais. A primeira
coisa que fez foi passar pela clínica e encontrou Mel grudada no
computador.

—Olá — Saudou ele.

—Olá — Ela se levantou. —O que te traz por aqui?

—Não sei se Paul e Vanni comentaram isso, mas acabo de


me inteirar sobre o doutor. Tinha uns dias livres e quis te dar
as condolências em pessoa.

—Obrigado. Foi uma perda muito grande.

—Como vai a busca do novo médico?

258
—Sem respostas — Respondeu ela dando de ombros —,
mas não é uma surpresa, quase não começamos a procurar.
Além disso, Hope passou anos procurando um médico que
ajudasse ao doutor e ninguém respondeu. Eu era o que mais se
parecia e, sinceramente, se não tivesse sido porque minhas
circunstâncias eram especiais, tampouco teria pensado em
Virgin River.

—Posso perguntar por que... circunstâncias especiais?

—Claro — Disse ela. —Gostaria de uma xícara de café?

—Adoraria — Respondeu com um sorriso.

—Sente­se, te trarei isso.

Shelby estava sentada na mesa da cozinha repassando


uns papéis. As crianças estavam dormindo, um no chiqueirinho
e o outro no berço portátil. Mel pegou o café e a convidou a
acompanhá­los no escritório do doutor para não despertar os
seus filhos. Uma vez ali, Mel os apresentou e Cameron voltou a
expressar suas condolências.

—Estive aborrecendo Shelby com histórias dos anos que


passei em Los Angeles — Disse Mel. —Era viúva quando
conheci o Jack. Meu marido era médico de emergência.
Trabalhamos juntos durante anos antes que morresse. Queria
começar de zero fora de lá. Encontrei Virgin River no registro de
enfermeiras, onde deixei meu curriculum. Vim sem conhecer.

—E achou perfeita para você? — Perguntou­lhe Cameron.

259
—Nem muito menos — Respondeu ela. —O povoado não
era como diziam, o salário era miserável, a cabana que ia ser
minha casa grátis era uma choça que estava caindo, mas
abandonaram um bebê no alpendre do doutor e fiquei um
pouco — Deu de ombros. —Me afeiçoei em seguida e logo me
apaixonei por Jack. Agora estou entregue. A medicina aqui é
completamente distinta da que estava acostumada na cidade. É
como cuidar de uma família. Estas pessoas são meus amigos.
Além disso, naturalmente, se Jack está aqui, eu também
estarei.

—Mas o que significa ser médico aqui? — Perguntou


Cameron.

—Temos que ser flexíveis e criativos — Respondeu ela


entre risadas. —Também nos viria bem um pediatra, certo,
Shelby?

—E como. Não param de chegar bebês a este povoado.

—Não acredito que tenhamos muitas possibilidades de


encontrar um médico novo e, sinceramente, isso me tira o sono.
Não quero ser sua única alternativa se ocorrer algo como um
acidente de trânsito grave ou de caça. Entretanto, um médico
nunca prosperará economicamente aqui. Muitos pacientes
pagam com o que tiram de ranchos ou vinhedos. Mais comida
do que poderia comer em minha vida e menos dinheiro do que
se necessita para seguir adiante. Tenho escrito para pedir um
seguro que cubra o exercício da medicina. O condado faz cargo
do meu, compreende a vantagem de ter uma parteira por aqui,
260
mas embora não creia nisso, o doutor nunca teve seguro.
Nunca o denunciaram nem teve seguro — Deu de ombros. —
Espero que se encontrássemos um médico, o condado se
ocuparia. Pus­me em contato com as faculdades de medicina
para que algum residente de medicina familiar faça estágio em
medicina rural, poderia estar aqui sob a supervisão de John
Stone ou June Hudson. Se conhecer algum...

—É possível — Disse ele. —Eu comentarei sobre isso.

—Não sei o que vou fazer quando ficar sem Shelby.

Cameron olhou a jovem.

—Estou de passagem — Explicou Shelby. —Cuidei muito


tempo de minha mãe, que tinha câncer, e agora estou passando
um tempo com meu tio Walt antes de ir a uma escola de
enfermagem.

—Walt Booth? — Perguntou ele.

—Sim. Sou prima da Vanessa.

—De Bodega Bay. Sim, falaram de você.

—Não está brincando comigo? Você os conhece?

—Nos apresentaram — Respondeu ele simplesmente. —


São muito simpáticos.

—Posso ajudar Mel um pouco mais, mas já mandei os


pedidos de ingresso. Para mim, ser enfermeira é a evolução
natural depois de passar anos cuidando de minha mãe.
261
Embora me custará, porque faz muito que não sou estudante —
Comentou Shelby.

—Mas o que tem feito é extraordinário — Disse Mel


agarrando­a pela mão.

—Boa sorte — Lhe desejou Cameron. —Então, Mel, como


se arruma agora com os pacientes?

—Agora mesmo, mando muitos para Grace Valley, June


Hudson e John Stone passam meio­dia por aqui de vez em
quando para ver algum paciente.

—É um lugar maravilhoso para viver — Disse ele.

—Sim, mas uma pessoa tem que ganhar a vida. A que veio
além de nos apresentar suas condolências?

—O filho de Paul e Vanessa adoeceu quando foram a


Grants Pass e Paul me ofereceu passar um dia no rio como
pagamento por meus serviços. O problema é que não o avisei
que viria e não vou fazer com que cumpra. Pensei que veria
como vai por aqui e faria uma visita em sua casa.

—Inteirei­me da difteria de Matt — Comentou ela.

—Felizmente, os antibióticos deram resultado. Posso dar


uma olhada na clínica? — Perguntou ele.

—Claro. É um lugar pequeno e funcional — Disse Mel com


certo orgulho enquanto se levantava. —Por aqui, doutor.

O primeiro que fez foi abrir a geladeira para mostrar que


262
guardava tanto plasma e sangue como comida. Shelby seguiu
com seus papéis na cozinha, enquanto Mel mostrava a sala de
exames e a de tratamentos. No escritório do doutor havia
algumas caixas amontoadas em um rincão.

—São coisas pessoais do doutor — Explicou Mel. —Vou


mandar para a biblioteca de sua universidade. Vamos ao piso
de cima.

Mostrou o único quarto de hospital do povoado, o amplo


banheiro e o dormitório do doutor, completamente vazio e
recém­pintado.

—Os móveis do doutor eram quase tão velhos quanto ele.


Dei­os de presente e comprarei uns novos. Se não
encontrarmos um médico, o adaptarei para que possa ficar
dormindo quando tivermos um parto aqui.

—Boa ideia — Disse Cameron —, mas como chega ao fim


de mês?

—Não me custa. Jack têm os ganhos. Está aposentado do


Exército e o bar não nos fará ricos, mas dá dinheiro. Além
disso, tenho economias. A clínica é minha graças à
generosidade do doutor. Está livre de encargos. Enquanto os
pacientes não tem seguro, quase sempre podem custear os
gastos de laboratório, raios X e medicamentos e de vez em
quando cobramos uns vinte dólares. As pessoas daqui são
muito agradecidas e estão acostumadas a ter um pouco de
dinheiro na celebração do Natal. O mais importante é que

263
nunca perdemos dinheiro e todo o material já está pago —
Suspirou. —Quando Jack abriu o bar, dava de comer quase
sempre ao doutor. Quando os bombeiros, a polícia ou os
guardas florestais estiveram trabalhando por aqui, Jack lhes
deu de comer de graça. O ajudante do xerife e seus rapazes
passam de vez em quando para comer de graça. Há uma
patrulha de tráfico que também vem. Jack e Pastor servem a
qualquer que faça um serviço ao povoado.

Cameron riu e sacudiu a cabeça.

—Como eles podem pagar?

—Quando os pacientes pagam em espécie, vão


diretamente à cozinha de Pastor e comemos isso logo — Mel
sorriu. —As pessoas não trazem coisas só quando estão
doentes, trazem constantemente tudo o que lhes pode sobrar.
Um cesto de maçãs, um saco de tomates ou feijões verdes...
Pastor cozinha, engarrafa, embala e congela. Ele adora. Uma
boa fatura de um paciente pode significar meia vitela ou vários
meses de leite fresco. Além disso, Jack tem tudo o que
necessita, Cameron — Ficou um pouco mais séria. —A primeira
noite que cheguei a este povoado, Jack me pareceu o dono do
bar e restaurante. Não demorei para me dar conta de que é
muito mais. Faz um pouco de tudo: desde reparar carros ou
caminhonetes a construção. Nunca vai buscar mantimentos
sem antes comprovar o que podem necessitar meia dúzia de
anciãs ou alguma mãe que acaba de dar a luz. Se eu estou
ajudando num parto, Jack fica acordado toda a noite para o

264
caso que eu precise de algo. Detesto que cace, mas quando sai
para caçar, comemos os melhores pratos de veado que possa
imaginar. Pastor, ele e inclusive Mike, pescam quase todo o
peixe que se come no bar. Tudo acaba se enquadrando — Ela
deu de ombros. —Este lugar é muito singelo, Cameron.
Algumas vezes se parece mais a uma comunidade que a um
povoado. Entretanto, Jack é o centro do povo e se ocupa de
todo o mundo. Pode perguntar.

—Estou seguro de que se perguntar, todos me dirão que


você também o é — Replicou ele com um sorriso.

—Faço o que posso. As mulheres são minha especialidade.

—Não demorou para se apaixonar por este lugar.

—É gratificante — Respondeu ela. —O hospital de Los


Angeles me pagava bem e ali tinha alguns trabalhos
apaixonantes, mas é uma cidade muito cara. Não estou segura
de que compensasse ter esse salário tão bom. Enquanto a
clínica me dê de comer e me pague a gasolina, não necessito
nada mais. Além disso, sinto­me muito melhor por fazer o que
faço. Esta gente me necessita de verdade.

Ele a olhou um momento em silêncio.

—Encontrou o seu lugar.

—Sim. Tenho tudo — Mel riu. —Menos um médico. Viria


bem um médico. É um povoado pequeno, mas necessitamos de
atenção médica.

265
—Acredito que é possível que a inveje.

—Não é necessário — Mel sorriu. —É uma vida diferente.

—Eu imagino — Pegou seu braço. —Bom, deveria passar


na casa dos Booth para lhes dizer que estou aqui. Jantará esta
noite no bar?

—Irei às cinco. Ficarei uma hora ou assim. É a temporada


de caça das aves aquáticas e Jack fica até tarde. Eu vou para
casa para deitar as crianças.

—A verei as cinco — Disse Cameron. —Outra vez, sinto


muito sua perda.

—Obrigado. Era um resmungão, mas sinto falta dele.

**********

Cameron foi à casa dos Booth, mas não havia ninguém.


Primeiro olhou nos estábulos e então foi de carro ao edifício em
construção. Havia muita atividade, entrou e encontrou Paul no
centro do salão olhando a habitação quase terminada.

—Olá — Saudou Cameron.

—Cam! — Exclamou Paul. —O que faz aqui?

—Tinha um par de dias e quis expressar minhas


condolências a Mel. Já sei que não te avisei e não penso em

266
pedir que cumpra a oferta de ir pescar.

Paul estendeu a mão.

—Não seja ridículo. Posso escapar uma manhã.

—Não se preocupe. Temos muito tempo para ir pescar.


Tenho que falar contigo de uma coisa.

—Claro. O que quer?

—Estou a ponto de fazer um disparate e não posso fazê­lo


se não for muito franco... não tem nada que ver com Vanessa.

**********

As crianças estavam dormindo na clínica, Shelby estava


no bar tomando um refresco e Mel estava sentada nos degraus
do alpendre, quando Bruce lhe levou o correio.

—Alguma amostra para o hospital? — Perguntou ele.

—Não — Respondeu ela olhando o envelope.

—Muito bem. Tenho que acabar logo. Que passe um bom


dia.

Mel se levantou e entrou. Fazia sol, mas estava


refrescando. Havia o nome de Cameron Michaels e o abriu.
Pensou que era muito cortês. Certamente seria uma carta para

267
voltar a expressar suas condolências ou para agradecer. Tirou
algumas folhas grampeadas. O cabeçalho dizia: Curriculum de
Cameron Michaels. Ficou boquiaberta.

Leu­o. Era formado em Medicina de Família e Pediatria e


tinha muitos anos de experiência, era o médico sonhado. Ainda
não tinha fechado a boca de tudo quando pegou o telefone e
marcou o número de seu escritório em Grants Pass.

—Ficou louco? — Perguntou­lhe quando atendeu.

—Certamente — Ele riu —, mas que conste que não estou


louco de tudo. Pensei que podia te dedicar um ano. Demorarei
poucos meses em saber se me adapto e não te deixarei de
repente. Pedi um afastamento.

—Mas, Cameron... seu lar não está ali? Não tem amarras?

—Não suporto essa casa: coloquei­a à venda. Se voltar,


procurarei algo muito diferente.

—Os amigos e a família? Alguém... já sabe... não há


alguma mulher...?

—Nada que me detenha aqui, Mel. Posso levar meus


móveis para o dormitório.

—Já falamos do salário...

—Não é o que mais me importa. Viverei na clínica, comerei


no bar e sei que será justa com o salário.

—Wow! — Exclamou ela. —É verdade que esteja


268
acontecendo isto?

—Bem, Mel, necessito de uma mudança. Uma mudança


provisória, mas talvez seja definitivo. Se crê que sou apto, irei
depois do Natal.

Ela ficou muda um instante.

—Ho­ho­ho! — Exclamou ela como Papai Noel.

Ele riu.

269
Capítulo 11
Os dias frios e ventosos de novembro deram passagem a
um sábado ensolarado e excepcionalmente quente, o dia
perfeito para Luke trabalhar no exterior da casa ou nas
cabanas... ou o dia perfeito para outra coisa.

Colocou uma jaqueta de couro bastante gasta e foi


comprovar que Art tivesse muitas tarefas para ficar ocupado
quase todo o dia. Shelby ia tirar o dia livre na clínica. Ainda era
cedo quando foi para a casa do general na Harley Davidson.
Aproximou­se da porta com o casaco na mão. Shelby abriu com
calças jeans, pulôver e o cabelo solto.

—Quer cavalgar em minha montaria para variar? —


Perguntou ele. —Hoje não faz frio.

—Nisso?

—Você e eu sozinhos, Shelby.

Ela sorriu.

—Estou a salvo contigo nesse cavalo? — Perguntou.

Ele deu­lhe o casaco.

—Bom, conduzirei com cuidado. Deveria pôr uma jaqueta,


algo ao redor do pescoço, botas e luvas. É possível que queira
prender o cabelo.

270
—Por que não... — Disse ela. —Entre enquanto me
preparo.

Ele entrou na casa e, impressionado, olhou ao redor. O


general preparou bem sua aposentadoria. Ouviu um bebê por
onde partiu Shelby. Luke foi até a janela e olhou as terras do
general. Os cavalos estavam no cercado e a certa distância
podia ver a casa que Paul estava construindo para sua esposa e
para ele. Continuava tendo muito material de construção ao
redor, mas parecia quase terminada por fora. Também viu o
que lhe pareceu uma lápide em um pequeno montículo perto
dos estábulos. Não soube o que podia ser.

—Bom dia, Luke.

Deu a volta e viu Vanessa com o bebê apoiado no quadril.

—Olá — Saudou ele. —Parece que a casa vai muito bem.

—Espero que nos tenhamos mudado antes do Natal.


Deveria ir vê­la alguma vez, Paul é um gênio.

—Irei.

—Que tal está indo sua casa e suas cabanas?

—Melhor do que esperava. Vou levar Shelby para uma


volta na Harley. O general não se importará, verdade?

—Shelby já é maior de idade — Respondeu Vanessa com


um sorriso.

Shelby entrou no cômodo. Tinha colocado uma jaqueta


271
com franjas nos braços, franjas que ondulariam com o vento.

—Preparada. Isto me abrigará o suficiente, certo?

Ele sorriu: estava maravilhosa.

—Acredito que sim — Respondeu.

—Não sei quando voltarei — Disse ela a Vanessa. —Espero


que ninguém me necessite.

—Esteve trabalhando muito. Se divirta — Desejou


Vanessa. —E tome cuidado com isso.

Não sabia quão bem fazia em acautelá­la, pensou Luke,


mas o perigo não estava na motocicleta.

Shelby meteu a trança no casaco e montou atrás dele.


Rodeou sua cintura com os braços e saíram pelo caminho em
direção à estrada e os bosques de sequoias. Fazia frio entre as
árvores, mas acabaram indo ao pé das colinas rochosas onde
estava sol e as ovelhas pastavam. A moto sempre fazia que
Luke se sentisse feliz e estimulado, o vento na cara lhe dava
energia.

Luke gostava de sentir seus pequenos braços agarrando­o.


Sair de moto com esses braços ao seu redor era muito melhor
que ir sozinho. Algumas vezes, ela apoiava a cabeça em suas
costas enquanto atravessavam vinhedos ou hortas com árvores
frutíferas, sem frutas. As colinas estavam marrons nesse
momento, mas na primavera seriam de um verde incrível.
Quando fizesse mais calor, gostaria de leva­la à costa, para
272
entrarem no mar. Continuaria ela ali na primavera? Ele
continuaria?

Levavam pouco mais de uma hora quando tomou um


caminho poeirento que rodeava uma pequena colina com gado
pastando. Parou a moto, apoiou­a no suporte e desceu. Tirou o
capacete e a ajudou a tirar o dela. Pendurou­os no guidão e
voltou a sentar de costas para ficar de frente para ela, que
tinha as bochechas ruborizadas e os olhos brilhantes. Passou­
lhe as mãos por debaixo dos joelhos e a atraiu para ele até que
passou as pernas dela por cima das suas coxas. Segurou­a pela
cintura, inclinou­se para frente e a beijou nos lábios. Ela os
separou imediatamente. Além de alguns beijos furtivos no
alpendre do bar, tinham tido muito pouco contato físico
ultimamente. Shelby tinha tido muito pouco tempo desde que
morreu o doutor.

—Gostou de andar de moto? — Perguntou ele.

—Me encantou.

—Você gosta de velocidade?

—Sempre fui muito prudente — Ela riu —, mas gostei.

—Tentei não correr muito — Disse ele com uma voz rouca
como veludo desgastado.

Passou­lhe uma mão pelas costas, pela trança. Puxou­a


pela nuca com uma mão imensa e a beijou com mais
intensidade. Ela se derreteu. Introduziu os braços por debaixo

273
de sua jaqueta e sua pequena língua em sua boca. O mundo
dele cambaleou. Beijou­a com avidez e a estreitou com mais
força contra si, até que a teve escarranchada sobre o colo.
Pegou em seu traseiro com as mãos e se deleitou com os
gemidos e suspiros dela, que rebolou sobre sua ereção.

—Shelby... — Sussurrou ele afastando­se minimamente de


sua boca. —Temos que falar.

Ela sorriu.

—Estava esperando por isso: o bate­papo.

—Shelby, deveria sair correndo como uma alma penada do


diabo. Digo a sério. Nunca fui digno de confiança em relação às
mulheres e tampouco tenho bons freios. Não quero te fazer mal.

—Está tentando me assustar outra vez, Luke?

—Sim. Estou tentando assustá­la. Preveni­la. Utilize a


cabeça, Shelby. É jovem e encantadora. Eu só sou um canalha
irresponsável excitado. Cometeria um engano se mesclando
comigo.

Passou­lhe um dedo pela orelha.

—Luke, já estou um pouco mesclada contigo e você se


mesclou comigo.

—Shelby, no melhor dos casos serei algo provisório. Não


vou ficar.

—Eu tampouco.
274
Ele suspirou e sacudiu a cabeça.

—Me conhecem por devorar mulheres como os tubarões


devoram mergulhadores. Não te convenho.

—Deita­se com muitas mulheres agora mesmo? —


Perguntou ela.

Fazia tanto tempo que não estava com uma mulher que
nem se lembrava da última. Isso fez que ficasse mais vulnerável
ao encanto incrivelmente sedutor de Shelby.

—Só tenho uma mulher em minha cabeça. Meu cérebro é


como um míssil e se não se separar do alvo, temo que posso
acabar fazendo algumas coisas pelo qual me odiará. Então, seu
tio Walt me dará um tiro.

Ela riu.

—Sempre avisa às mulheres para que não se envolvam


contigo antes de se lançar a devorá­las?

—Nunca. Isso me impediria de me deitar com elas, mas


você me preocupa. Precisa se apaixonar, posso cheirar isso Eu
não me apaixono, não finco raízes, nem me entrego, passo
como um tubarão entre os mergulhadores.

—Sabe uma coisa, Luke? — Perguntou ela com um


sorriso. —Acredito que é possível que se preocupe mais em se
apaixonar por mim que o reverso.

—Não deveria pensar assim.

275
—Já disse que é possível, não que o espere.

—Não o espera?

—Vou viajar e estudar. Você vai arrumar as cabanas e


vende­las. Deixou isso muito claro. Me avisou umas cem vezes.
Agora, sou eu quem te avisa.

—Quer uma aventura com alguém que é muito mais velho


do que você?

Ela se limitou a rir e ele quis sacudi­la.

—Você tem idade suficiente. Dentro de pouco, todas estas


advertências serão desnecessárias — Disse ela jogando a
cabeça para trás entre risadas.

Ele, com as mãos em seu traseiro, balançou­a levemente e


a olhou com os olhos como ferros quentes.

—Bem, me parece que não é muito mais velho ainda —


comentou ela antes de beijá­lo na boca e lhe arrancar um
gemido.

—Deveria levar mais a sério. Meu histórico não é muito


exemplar. Estive com muitas mulheres e não durei nada com
nenhuma.

—Sinto muito, Luke. Estou segura de que é muito


perigoso — Disse em tom zombador. —É que não quero te
desencorajar. Eu adoro como me beija — Rebolou os quadris
sobre ele. —E isto... Mmmm. Não sei o que fazer com isto.

276
Ele voltou a lhe devorar a boca com avidez e paixão. Ela
voltou a rodeá­lo com os braços. Deleitou­se tanto com o sabor
dela que quase perdeu a noção de onde estava. Por muito que
lhe falasse de todas suas mulheres e de não poder ficar com
nenhuma, não podia recordar haver se sentido um pouco
parecido a isso. Nunca havia se sentido tão alterado e o que
estava acontecendo com Shelby era tão intenso que estava a
ponto de perder o juízo. Beija­la dessa maneira durante dois
minutos, se tornaram quatro, e notar seus peitos firmes e
jovens, embora fosse através do pulôver, estava excitando­o
muitíssimo.

Ela lhe correspondeu com sua boca, acompanhou­o com


sua língua e fez que ele estremecesse uma e outra vez. Tinha
perdido o medo ou o acanhamento. Ele estava sentindo­se cada
vez mais incômodo. Entretanto, beijou­a mais.

—Maldita seja, Shelby, não diga que não te avisei.

—Me avisou, me avisou, me avisou...

—Deveria estar com um jovem sério que te proteja e te


cuide, não com alguém como eu.

—É possível que o faça algum dia. Neste momento, só peço


uma coisa: que não haja outra mulher enquanto estiver comigo,
é o único que quero. Não quero entrar em um harém. Poderá
fazê­lo?

—É o que estou fazendo — Luke suspirou. —Nem sequer


tenho que me esforçar. É a única mulher que desejo. Começo a
277
te desejar com toda a minha alma.

—Sabe que não me importa — Replicou ela lhe passando


os dedos por sua curtida bochecha.

—Será melhor que pense assim.

—Também sabe que não pensei em outra coisa —


Replicou ela.

—Muito bem — Ele entrelaçou os dedos com os dela. —


Tem duas alternativas. Tente ser ajuizada. Posso te levar para a
sua casa ou te levar para a minha. Ou resolvemos aqui e agora
ou ... continuamos.

Ela sorriu, inclinou­se e o beijou nos lábios com


delicadeza.

—Vamos continuar — Sussurrou ela.

**********

Luke estacionou a moto diante de sua casa, desceu e a


apoiou no suporte. A ajudou a tirar o capacete e o pendurou no
guidão. Beijou­a nos lábios e a tomou nos braços. Levou­a para
dentro, fechou com trinco e foi rápido e impacientemente ao
dormitório.

Estava ofuscado; só podia pensar em que logo estaria

278
curado. Quando a tivesse tido, recuperaria o juízo. Entretanto,
em que pese o seu desespero, estava decidido a que não fosse
muito rápido. Seria lento e delicado e faria que se sentisse tão
bem que desmaiaria. Então, ele se curaria.

Sentou­a na cama com suavidade. Tirou a jaqueta, tomou


a jaqueta dela e as deixou na cadeira. Tirou suas botas,
ajoelhou­se diante dela, tirou­lhe as botas lentamente, também
lhe tirou o pulôver por cima da cabeça e a beijou com
delicadeza no ombro, peito e pescoço. Ela estremeceu e ele a
abraçou um instante enquanto se recordava que tinha que
toma­la com calma e tranquilizá­la, que com ela não seria um
tubarão.

O sutiã desapareceu e sua língua deu vida a seus mamilos


até endurecê­los. Deitou­a com cuidado, abriu suas calças
jeans e tirou. Ela levantou o traseiro para ajudá­lo e pôde ver
seu incrível corpo nu com uma parte de tecido diminuto e
quase transparente. Introduziu um dedo por baixo do elástico.

Ele tirou a roupa muito mais depressa e ficou só com a


cueca de tecido até o meio da coxa. Inclinou­se sobre ela e
começou a beijá­la por todo o corpo, do pescoço até os joelhos.
Deitou com as coxas sobre as dela e o peito sobre o dela e lhe
devorou a boca. Ouviu­a gemer, notou que se arqueava e que a
ereção palpitava contra seu ventre.

—Tem uns dez segundos para mudar de ideia — Olhou em


seus olhos cor avelã e viu que sorria levemente e negava com a
cabeça. —Está segura?
279
Perguntou embora não sabia o que faria se ela tentasse
detê­lo. Era como um trem desgovernado a toda velocidade.

—Tem um preservativo, Luke?

—Sim.

—Então, estou segura.

Ele tirou a cueca e pegou um preservativo da gaveta da


mesinha. Pensou, vagamente, que era estranho que os tivesse
ali quando nunca tinha levado uma mulher a sua casa. Nunca
tinha gostado de levar mulheres à sua cama. Entretanto,
Shelby estava ali e lhe parecia algo natural. Colocou o
preservativo em um tempo recorde, mas a acariciou com
lentidão. Tirou essa peça diminuta do encaixe e lhe pareceu
ouvir que se rasgava. Possivelmente lhe devesse uma calcinha.
Acariciou o seu ventre, a púbis e seguiu descendo. Separou­lhe
as pernas e prestou uma atenção especial à pequena
protuberância, um contato que fez que ela gemesse e se
pressionasse contra sua mão. Os dedos abriram caminho até
encontrá­la úmida e disposta. Ele também estava disposto a
elevar­se à estratosfera.

Tinha que ir com calma, tinha que ser prazeroso para ela.
Ficou em cima e pressionou com cuidado. Encontrou o
caminho e avançou enquanto ela levantava os quadris, mas se
encontrou com certa resistência. Empurrou um pouco, com
delicadeza, mas estava fechada. Possivelmente não tivesse
dedicado tempo suficiente para prepará­la. Olhou­a nos olhos e

280
lhe afastou o cabelo.

—Querida, é muito pequena...

—Não acontece nada — Sussurrou ela.

Entretanto, sim acontecia algo. Seguiu estimulando­a


enquanto a beijava para certificar­se de que estava lubrificada e
excitada. Não podia entrar embora ela estivesse disposta. Não
queria forçar, não podia ser doloroso, tinha que ser prazeroso.
Acariciou sua bochecha.

—Não acontece nada, Luke. Faça.

—Há algo que não vai bem — Replicou ele sacudindo a


cabeça.

—É a primeira vez — Sussurrou ela.

Ele se afastou instintivamente. Estava tão assustado que


quase amoleceu.

—Não é possível. Tem vinte e cinco anos.

Ela se limitou a assentir com a cabeça e fechou


lentamente os olhos. Ao fazê­lo, brotaram­lhe duas lágrimas
que partiram o coração dele. Como era possível que uma
mulher tão formosa e sexy seguisse sendo virgem?

Beijou essas lágrimas com carinho.

—Shelby... Isto não está certo.

—Não acontece nada — Sussurrou ela outra vez. —

281
Chegou o momento. Quero que seja você.

—Mas já te fiz chorar e não comecei ainda.

—Luke, juro­lhe isso, estou disposta.

Ela introduziu uma mão entre os dois e o segurou. Ele


conteve o fôlego.

—Esperei muito para que isso acontecesse — Seguiu ela.


—Por favor, não me faça esperar mais.

A notícia de sua virgindade tinha a vantagem que o


ajudaria a ir mais devagar. Na realidade, quase o tinha
dissuadido, mas estava louco por ela e decidiu levá­lo a cabo.

—Muito bem, querida — Beijou­a com suavidade nos


lábios. —Tentarei que seja mais agradável para você. Confie em
mim e deixe que eu faça tudo, de acordo?

—De acordo — Respondeu ela.

Não era precisamente um especialista no corpo feminino,


mas sabia um par de coisas. Lhe faria mal se não estivesse
lubrificada e distendida e só havia uma maneira de obtê­lo com
certeza. Beijou­a por todo o corpo e baixou até o centro, até
esse ponto erógeno que lambeu. Ele gemeu de prazer, ela era
doce e embriagadora. Agarrou­o pelos ombros enquanto se
arqueava e deixava escapar uns sons leves que lhe indicaram
que ia pelo caminho certo. Acariciou seus seios e passou os
polegares pelos mamilos. Seus suspiros se converteram em
ofegos, que se converteram em gritos surdos. Seguiu lambendo­
282
a até que as palpitações fossem espasmos, cravou­lhe os dedos
nas costas e lhe pressionou a cabeça com os joelhos enquanto
alcançava um orgasmo que pareceu apropriar­se dela para
sempre. Não se moveu até que se desmoronou debaixo dele.

Levantou­se lentamente, um pouco a contra gosto, e


voltou a beijar­lhe todo o corpo até que alcançou seus lábios.

—Melhor — Sussurrou ele.

—Quero o resto — Pediu ela sem fôlego.

—Chegaremos lá, querida. Temos que nos dedicar um


pouco de tempo.

Beijou­a com ternura um momento antes que seus dedos


voltassem corpo abaixo. O que não tinha esperado era que seu
objetivo mudasse radicalmente: de morrer de vontade por
entrar nela para livrar­se de seu desejo insaciável, tinha
passado a desejar que esse momento fosse inesquecível para
ela, sobretudo, se era sua primeira vez, embora fosse um
disparate. Encontrou o que sabia que se encontraria entre suas
pernas: suas dobras estavam úmidas, inflamadas e
distendidas.

Quando notou que já se repôs, voltou a lhe acariciar esse


pequeno ponto que a alterava por completo. Quando deixou
escapar sons de avidez e se moveu contra sua mão, colocou­se
para entrar lentamente nela. Olhou­a no rosto disposto a parar
assim que fizesse a menor careta de dor. Não podia lhe causar
dano algum. Seguia notando certa resistência, mas muito
283
menor que antes. O corpo da mulher era milagroso. Não havia
nada como um clímax arrasador para que se distendesse.
Moveu­se com cuidado, pouco a pouco, até que entrou e a
encheu. Ficou quieto para que se acostumasse à sensação de
tê­lo dentro e logo viu que esboçava um leve sorriso de
satisfação.

—Deveria ter me dito isso — Sussurrou ele enquanto a


beijava com delicadeza.

—Teria saído correndo.

—Possivelmente estivesse melhor preparado.

—Parece­me que estava bastante preparado e quero


conhecer isto, quero que me ensine.

Começou a mover­se com movimentos lentos, profundos e


regulares, olhando seu rosto e curtindo o seu sorriso. Levantou
suas pernas, dobrou­as pelos joelhos e a agarrou pelos quadris.

—Mova um pouco os quadris, querida. Me ajude a


encontrar o ponto exato. Temos que encontrá­lo juntos.

Beijou­a uma e outra vez na boca ofegante. Ela se moveu


um pouco e, repentinamente, jogou a cabeça para trás.

—Meu Deus... Meu Deus... Meu Deus...

Ele sorriu e a olhou.

—É isso — Sussurrou ele. —Me referia a isso. O ponto do


amor.
284
Luke se adaptou ao ritmo dela e deixou escapar um som
carregado de luxúria.

—Esta é minha garota. Sabe o que quer, verdade, querida?

—Sim — Respondeu. —Sim...

—Não dói?

—Não — Sussurrou. —Meu Deus...

Os sussurros se fizeram mais apaixonados e seus


movimentos mais rápidos e profundos. O ritmo se acelerou, ela
levantou os quadris, cravou instintivamente os calcanhares na
cama para se ajudar a arquear­se contra ele. Ficou paralisada,
ofegou e se fechou ao redor dele com tanta intensidade e paixão
que o cérebro dele ficou em branco. Voltou a apropriar­se dela
durante um momento tão longo e maravilhoso, com um prazer
tão cego e espasmos tão inconcebíveis que o arrastaram a um
clímax enlouquecedor. Nunca havia sentido nada parecido.

—Luke! — Exclamou ela com um sussurro apaixonado.

Ouvir seu nome pronunciado por ela fez que fosse mais
incrível ainda.

Então, ela voltou lentamente para a realidade entre seus


braços e lhe pareceu a parte mais emocionante. Ele a abraçou e
a acariciou lentamente enquanto recuperava o fôlego e se
serenava.

Algo tinha acontecido dentro dele. A tensão tinha

285
desaparecido e agradecia o alívio físico, mas não estava
completamente satisfeito. Não queria abandonar seu corpo.
Tinha estado onde ninguém esteve e lhe parecia o lugar mais
maravilhoso que podia imaginar. Sempre abraçava um bom
momento às mulheres depois de fazer amor para demonstrar
que sabia trata­las, mas desta vez o fazia porque não podia
soltá­la. Quando pensou que ela iria de sua cama, sentiu­se
vazio por dentro. Abraçá­la, beijá­la e acariciá­la parecia
perfeito, natural e normal.

Ela deixou escapar um profundo suspiro de satisfação e


ele soltou seu corpo com desgosto. Recostou­se em um
cotovelo, apoiou a cabeça na mão e a olhou brincando
distraidamente com seu cabelo.

—Foi tudo o que esperava que fosse? —Perguntou ele.

—Bem... — Respondeu ela com uma leve risada. —Agora


sei do que falavam as garotas. Foi melhor do que imaginava.

—Muito bem. Embora posso acreditar que não tinha tido


relações sexuais, vai te custar me convencer de que nunca
tinha tido um orgasmo. Eu comecei os ter aos doze anos, por
meus meios.

—Sim, eu também o tenho feito, mas é completamente


distinto. Wow...

Beijou­a no pescoço, o ombro e a orelha.

—Vai ter que me ajudar a entender isso.

286
—Não é muito interessante, Luke. Se pensar, já sabe.
Minha mãe adoeceu quando eu tinha dezoito anos. Nunca a
deixei sozinha muito tempo — Deu de ombros. —Saía um
pouco com amigos, mas nunca me emparelhei com um garoto.
Inclusive tive alguns encontros, mas foram muito aborrecidos.
Os dois últimos anos me dediquei plenamente em ajudar a
minha mãe — Lhe acariciou o cabelo por cima da orelha. —
Amadureci tarde, não?

Ele a olhou e sacudiu a cabeça.

—Não sei como é possível. Todos estão cegos em Bodega


Bay? Quase me deixa em coma a primeira vez que te vi.
Deveriam ter se atirado porta abaixo.

—É um mundo completamente novo para mim, Luke —


Lhe acariciou o rosto. —Esta liberdade... Pensar em mim
mesma... Flertar com um homem... — Shelby sorriu. —Um
homem perigoso — Deixou de sorrir. —Algo como isso não
poderia ter acontecido enquanto eu me preocupava em saber se
minha mãe estava bem em casa.

—Também é um terreno desconhecido para mim, Shelby.


Nunca o teria previsto.

—De verdade? — Ela sorriu. —Temia isso e por isso não


quis lhe dizer até que fosse muito tarde e não pudesse voltar
atrás.

—Não me meto em coisas como esta. Há cem motivos


pelos quais não deveria estar nu na cama com você neste
287
momento — Deu­lhe um beijo na têmpora. —Cento e um agora
que sei que é virgem.

—Era — Corrigiu ela. —Ninguém tinha estado dentro de


mim e é... Wow... — Sacudiu a cabeça.

—O que sou? — Perguntou ele lhe passando o cabelo por


detrás da orelha. Ela riu ligeiramente.

—Reconheço que não sei muito sobre homens, mas


suspeito que é melhor dotado que o homem médio. Além disso,
é incrível. Sempre ouvi dizer que a primeira vez é incômoda —
Ela sorriu. —Esta foi fantástica.

—Acredito que se o tivesse sabido, teria partido do


povoado pelo bem dos dois.

—Me alegro de que não o tenha feito. Foi perfeito.

—Bastante perfeito, mas, maldita menina, nunca o tinha


feito antes.

—O que?

—Tenho trinta e oito anos e é a primeira virgem com quem


estou. Por que chorou?

Ela baixou o olhar.

—É um pouco constrangedor ser tão mais velha e...

—Querida... — Beijou suas pálpebras. —Foi muito doce,


mais doce que qualquer outra coisa que tenha feito.

288
Ele se deitou de costas e olhou o teto. Sua cabeça estava
cheia de ideias loucas, especialmente, não podia imaginar que
não tinha havido outro homem em sua vida, em seu corpo.
Nunca teve uns sentimentos tão possessivos. Não tinha certeza
se era porque era Shelby ou que não tinha entrado nela até que
ele a havia possuído.

—Serei sincero contigo, isto me altera.

—Já me dei conta — Replicou ela rindo.

—Sério, Shelby. Te desejo outra vez. Não quero que saia


desta cama.

Ela ficou de boca aberta e se apoiou nos cotovelos.

—Terei que ir em algum momento, antes que organizem


uma equipe de busca.

—Dispararei contra qualquer um que toque essa porta.


Espere, volto em seguida.

Ele se levantou da cama e foi ao banheiro para se desfazer


do preservativo.

Quando voltou, ela viu o primeiro homem nu dos pés a


cabeça. Sorriu. Era muito formoso. Era impressionante que um
homem assim se dirigisse a ela. Deitou ao seu lado, abraçou­a e
a acariciou entre as pernas.

—Que tal se encontra?

—Lasciva — Respondeu ela estreitando­se mais contra ele.


289
—Sangra um pouco.

—Não tem importância. Não se preocupe.

—Está dolorida?

Ela negou com a cabeça e o notou crescer contra a coxa.

—Poderei sair andando daqui? — Perguntou ela em tom


zombador.

Ele a beijou nos lábios.

—Não, no momento, mas não se preocupe, te tratarei com


gentileza.

**********

Luke a levou para casa na caminhonete. A moto teria sido


muito brusca para suas partes delicadas. Quando estacionou
diante da casa do general, ela se inclinou para ele. Pegou seu
rosto com uma mão e a beijou nos lábios. Todos iriam dar­se
conta. Tinha a bochecha avermelhada pelo roçar de sua barba,
os lábios quase arroxeados pelos beijos e em seus olhos se
refletia toda uma tarde do melhor sexo que ele jamais tinha
feito.

—Deveria esconder todas as armas de fogo e objetos


afiados — Sussurrou ele sem deixar de beijá­la.

290
—Se preocupa demais — Replicou ela. —Sou uma pessoa
adulta.

—Voltarei a te ver? — Perguntou ele.

—Logo.

—Quero te ter deitada de costas durante todo um mês.

Ela riu.

—Luke, não permita que ninguém te diga que não é


romântico.

Deu­lhe um último beijo nos lábios e desceu da


caminhonete para ir para casa. Não viu ninguém e se alegrou.
Não gostaria de chegar no meio de um jantar com Vanessa,
Paul e tio Walt. Tampouco havia nenhuma atividade na cozinha
e se perguntou se estariam todos no bar de Jack. Foi ao seu
quarto, tirou a jaqueta e as botas e se deitou na cama. Ficou
olhando o teto e depois de dez minutos, ouviu a porta da frente
abrindo. Vanessa, com ar sonolento, colocou a cabeça no
quarto de Shelby.

—Pareceu­me ouvir alguém que vinha a casa.

—Acreditei que não havia ninguém — Disse Shelby.

—OH... — Vanessa bocejou. —Matt está tirando uma sesta


monumental e eu o acompanhei — Esfregou os olhos e a olhou.
—Bem... aconteceu.

—Uma e outra vez e outra vez — Disse Shelby entre


291
risadas e voltando para a cama.

Vanessa entrou e se sentou na borda da cama.

—Bem­vinda a bordo — Disse com um leve sorriso. —


Como se sente?

—Como se tivesse passado toda a tarde fazendo amor com


uma vagina nova e maravilhosa. Deveria tomar um bom banho
na banheira.

—Foi bom?

—Indescritível. Como se não tivesse estado viva até hoje.


Vanessa, foi tão delicado comigo...

—Não estará se apaixonando por ele, certo? — Perguntou


Vanessa. —Tenho a sensação de que Luke tem o coração um
pouco duro.

—Sim, deu­me esse bate­papo. Não gosta de prender­se ou


comprometer­se — Shelby riu. —É o que menos me preocupa.

—Querida... isso me dá medo. Não sei se está preparada.

—Queria que fosse virgem toda minha vida? Se me fizer


chorar, superarei, mas te direi que não me trata como um
homem que vá quebrar o meu coração. Além disso, se o fizer,
você e eu, não passamos por coisas piores e nos recuperamos?
— Perguntou­lhe.

—Sim, certamente. Vejo que te tratou bem.

292
—Não diga a ninguém porque arruinaria sua reputação,
mas é o homem mais delicado que conheci. Tem medo de que
tio Walt lhe dê um tiro.

—Meu pai coloca medo nos rapazes.

Vanessa riu ao se lembrar de que Paul também teve medo


da mesma coisa.

—Onde está todo mundo? — Perguntou Shelby.

—Paul continua trabalhando e não sei onde está meu pai.


Tinha pensado em começar o jantar. Te ocorre algo?

—Sim — Respondeu ela sentando­se. —Vou me colocar na


banheira durante uma hora e então vou voltar.

—Tão cedo?

—Não posso evitar. Paul e você são uma companhia


estupenda, mas quero estar com esse homem — Shelby sorriu.
—Acha que tio Walt ficará furioso?

—Não se preocupe, é possível que tampouco venha para


casa. É bastante perspicaz com estas coisas. Não disse grande
coisa quando Paul escapulia do meu quarto. Vá se quiser. Eu
posso me ocupo da casa.

—Obrigado, Vanni.

Tinha que voltar. Não pelo sexo, já não podia mais, mas
queria saber como ele a receberia. Receberia bem? Tinha
acabado com ela ao menos por esse dia? Tinha muita
293
curiosidade sobre o mundo dele. Tinha­lhe avisado de que não
contasse com ele e logo a tinha tratado como uma rainha. Não
tinha prometido que a amaria, mas lhe havia dito coisas muito
carinhosas e encantadoras: que era formosa, que nunca tinha
feito nada tão doce, que não queria que partisse... Podia dizer
coisas assim e não querê­la?

Depois de um banho muito comprido, foi à cozinha.


Vanessa estava no fogão e Matt estava sentado em seu
cadeirão. Paul estava sentado na mesa da cozinha com o jornal
aberto diante dele. Seguia usando a roupa poeirenta do
trabalho, porque ela tinha estado ocupando o banheiro. Olhou­
a e o sorriso para saudá­la foi transformando­se lentamente em
um eloquente gesto de surpresa, até que ficou com a boca meio
aberta. Ela devia estar resplandecente.

Shelby rebuscou no porta­garrafas e tirou uma garrafa de


vinho.

—Acha que tio Walt pode prescindir disto? — Perguntou a


Vanessa.

—Claro. Pode leva­lo.

—Não me esperem acordados — Disse Shelby.

—Shelby... — Paul se levantou da mesa e lhe rodeou os


ombros com um braço. —Sabe que se necessitar de algo, o que
seja, pode me chamar — Ofereceu lhe dando um beijo na testa.

—Bem, não se pode ter muitos segredos por aqui.

294
—Ninguém me disse nada — Replicou Paul. —Não fez
falta.

—Alguém avisou Vanni quando entrou em sua cama à


noite? — Perguntou ela com suavidade. —Paul, ele é
maravilhoso, mas não sou uma ingênua. Sei que tipo de
homem ele é — Deu de ombros. —Neste momento, é o que
quero e se comporta muito bem comigo.

—Será melhor que o faça. Pode lhe dizer que se não o fizer,
terá que se ver comigo.

—Não acredito que tenha que dizer­lhe — Shelby ficou na


ponta dos pés e lhe deu um beijo na bochecha. —Deixe por
minha conta. Tenho um homem em minha vida, afinal.

Ela se recordou que possivelmente não fosse durar muito,


mas, no momento, era um bom homem.

**********

Luke pensou que se colocou em uma confusão. Levou­a


para a sua casa por volta das quatro da tarde e não tinha
suportado, não queria que partisse. Em vez de curar­se,
desejava­a mais que nunca. Não só seu corpo, mas também
toda ela: sua risada delicada, sua juba sedosa, sua maneira
amável e firme de tratá­lo e tudo o que havia em sua vida.
Acautelou a si mesmo para não mesclar­se com alguém tão
295
inocente e tinha resultado que o inocente era ele, que não
estava preparado para esse arrebatamento de sentimentos.
Cada vez que se recordava dela, sussurrando para que a
ensinasse como agradá­lo, sentia um estremecimento de desejo,
que quase acabava com ele, fraquejavam lhe os joelhos.

Essa noite não tinha ido ao bar tomar uma cerveja. Não
gostaria de estar com ninguém que não Shelby. Nesse
momento, quando pensou nela, os olhos lhe abrasaram de
desejo, sentiu descargas elétricas por todo o corpo. Não podia
estar no mesmo lugar que ela e conter as mãos. Ficou em casa
para sentir tudo isso em privado.

Foi à cabana de Art e o ajudou a preparar um frango com


verduras de lata. Falaram um momento sobre o que fariam nas
cabanas pela manhã e voltou para casa. Fez um sanduiche,
bebeu uma cerveja e tomou uma ducha contente de estar
sozinho. Sua cabeça soltava fumaça ao recordar quando a
abraçou, acariciou sua a pele de veludo e sentiu seu fôlego no
peito. Ainda podia cheirá­la e saborear seu sabor, apesar da
cerveja.

Nunca em sua vida se havia sentido assim. Nunca.

Só com os jeans postos, descalço e sem camisa, sentou­se


no sofá da sala diante da lareira, apoiou os pés na banqueta,
agarrou uma garrafa de cerveja pelo pescoço e pensou em seu
corpo impressionante, em seus lábios voluptuosos e, muito, no
que sentiu ao estar dentro dela. Tinha­lhe avisado para que
tomasse cuidado com ele, que era um quebra­corações. Era um
296
idiota por pensar que nunca haveria uma mulher a quem
desejaria se unir, por pensar que poderia deleitar­se com ela e
seguir como se não tivesse acontecido nada.

Ouviu um motor e a luz dos faróis entrou pela janela.


Levantou­se contendo a respiração. Por um instante, esteve
seguro de que era Walt que tinha ido lhe dar seu castigo por
haver se metido com Shelby. Ouviu uma suave chamada na
porta. Quando abriu, viu­a com uma mochila pendurada de um
ombro e seu sorriso arrebatador. Notou que o peito se inchava
como se fosse estalar e que os olhos lhe resplandeciam.

—Está aqui... — Comentou ela.

Ele abriu os braços e ela se deixou cair neles.

—Onde acreditava que eu estaria?

—Não sei — Ela o olhou. —Passando a noite por aí, à


espreita.

—Carinho, esta tarde me tirou toda a vontade de sair à


espreita.

Luke fechou a porta sem soltá­la.

—Certamente, não deveria ter retornado.

—Por quê?

—Bom, é possível que me tenha excedido um pouco com o


prazer. Estou dolorida.

297
Acariciou sua bochecha, levantou seu queixo e a beijou
com delicadeza nos lábios.

—Só te abraçarei. Sinto muito se te fiz mal.

—Luke, não foi tanto você como a novidade. Foi muito


cuidadoso. É que queria sentir seus braços ao redor de mim um
pouco mais — Ela riu e apoiou o rosto em seu peito. —Queria
cheirar seu peito.

Ele deixou escapar um suspiro e a abraçou com mais


força. Só estava começando a admitir, mas estava apaixonado
por ela, estava perdido.

—Aonde sua família acredita que foi?

—Contigo. Para passar a noite, se quiser que eu fique.

Ele a apartou e a olhou com o cenho franzido.

—O que disse?

—Se importa?

—Tanto faz quem saiba, mas o que você disse?

—Não tive que dizer a ninguém — Respondeu ela. —Paul e


Vanni me olharam uma vez e me disseram que tomasse
cuidado. Todos acreditam que sou muito frágil e que você é um
libertino. Eu não o sou... e você tampouco — Ela sorriu.

Pegou a mochila e a deixou no balcão que separava a


cozinha da sala.

298
—Antes fui rude contigo ao tentar te dissuadir, ao tentar
te assustar. Sinto muito.

Ela sacudiu a cabeça.

—Luke, tinha tomado uma decisão. Não te deu conta?

Ele estava começando a entender.

—Quando tomou a decisão?

—Não imediatamente. Tinha que te conhecer um pouco.


Além disso... — Ela riu. —Além disso, estava esse cinturão de
ferramentas.

—Tinha que passar algumas provas, certo, Shelby?

—Sim — Ela sorriu. —Tinha que ser alguém irresistível e


com experiência.

—Algumas vezes sou inconsequente, posso ser insensível e


pouco considerado com os sentimentos. Não teve medo de que
te fizesse mal?

—Nem por um segundo — Respondeu ela negando com a


cabeça. —Trouxe uma garrafa de vinho...

—Abrirei e te servirei um copo. Então terminarei a minha


cerveja — Tirou­lhe a jaqueta, pendurou no respaldo da cadeira
e começou a lhe desabotoar a camisa. —Vamos para a cama.

—Não disse brincando. Acredito que me excedi. Não


deveria ter vindo...

299
—Só quero te sentir contra mim, só quero te acariciar um
pouco. Não vou fazer nada que te doa. Quero que fique melhor
— Beijou­a na boca. —Talvez demore uns dias, mas não quero
me separar de você.

—Mas não será muito tentador estarmos nus na cama?

—Não. É importante para mim. Vou cuidar bem de você.

Abriu­lhe a camisa e lhe beijou os seios.

—Meu Deus... — Sussurrou ela. —Talvez seja muito


tentador para mim.

Ele levantou a cabeça e sorriu.

—Não se preocupe, querida. Sei como solucionar isso —


Deu a volta para o dormitório. —Levarei um copo de vinho.

**********

Luke estava flutuando em um sonho incrível e dominado


pelo êxtase. Todo seu corpo se estremecia incrivelmente
enquanto ela se ocupava dele. Ia chegar a um clímax tão
transbordante que poderia afundar a cama. Seu grunhido o
despertou e se deu conta de que não era um sonho. Olhou para
baixo, viu seu cabelo cor de mel e ficou boquiaberto.

—Shelby! — Agarrou­a pelos ombros e a levantou para ele.

300
—Shelby, venha — Olhou em seu rosto. —Querida, o que está
fazendo?

—Te fiz algum mal?

—Mal? Santo céu...

—Nunca o fiz antes e não estava segura...

—Por que está fazendo­o agora?

—Bom, não tinha dormido nunca com um homem e não


conseguia dormir com... isso nas costas — Ela sorriu. —Você
não duvida em me agradar...

—Shelby, se dá conta do que esteve a ponto de fazer?

Lhe acariciou o peito e o beijou nos lábios.

—Não tenho experiência, Luke, mas tampouco sou uma


ignorante.

Ele a abraçou com força.

—Querida...

—Fiz muito errado? Talvez devesse me ensinar.

—Errado...? — Ele riu.

—Isso significa que o tenho feito bem?

—Não é necessário que o faça. É muito novo para você...

Ela sorriu.

301
—Resulta que eu gosto quase tanto te agradar como que
me agrade — Deu­lhe um beijo. —Fique tranquilo.

Percorreu seu corpo com os lábios, chegou ao ventre e ele


estremeceu involuntariamente. Jogou a cabeça para trás e
grunhiu. Sua vida tinha mudado muito em um só dia para
assimilá­lo. Não podia merecer essa mulher e suas paixões
incondicionais. Então, estalou e viu estrelas. Notou as lágrimas
nos olhos e soube que não eram pelo orgasmo. Ela voltou a
subir pelo corpo e o beijou nos lábios.

—Parece­me que gostou.

—Deus... — Ele não podia recuperar o fôlego. —Estou


morto, isso é o que acontece. Além disso, contra todo
prognóstico, fui para o céu.

—De tanto que gostou?

—Não só por isso; tudo. Nunca tinha passado um dia


como este em toda minha vida.

—Eu acreditava que tinha acontecido muitos dias assim.

—Jamais, querida. Jamais. Tenho medo de despertar.

Beijou­a profundamente enquanto a abraçava com toda


sua alma. Não tinha esperado que a mulher mais encantadora
do mundo lhe proporcionasse o prazer mais enlouquecedor de
sua vida.

—Além disso, acredito que agora talvez eu possa dormir

302
um pouco — Comentou ela entre risadas antes de lhe sussurrar
algo ao ouvido. —Luke, obrigado. Conseguiu que tudo fosse
maravilhoso. Me abrace. Me deixe dormir entre seus braços.

Ele a abraçou e ela apoiou a cabeça em seu ombro,


adaptou­se perfeitamente ao seu peito. Acariciou suas costas e
seu traseiro, enquanto sua respiração foi sossegando, e deixou
escapar um suspiro já adormecida.

Era o melhor que tinha lhe acontecido. Esperou não


estraga­lo.

303
Capítulo 12
Walt foi ao estábulo na primeira hora da manhã,
encontrou­se com Shelby limpando um comedouro e deu um
salto de surpresa ao vê­la.

—Bom dia — Saudou ela com um tom muito animado.

—Quando veio aqui?

—Recentemente, algo como meia hora. A manhã está tão


bonita que decidi ver o que podia fazer. Logo, regarei o estábulo
e tomarei o café da manhã.

Ele se aproximou dela com o cenho franzido.

—Shelby, não passou a noite em casa.

—Refere a esta manhã, verdade? Você tampouco passou a


noite em casa.

—Shelby...

—Estive com Luke, mas já disse a Vanni para que não se


preocupasse.

—Toda a noite?

—Toda a noite — Respondeu ela com firmeza e o queixo


um pouco levantado.

Ele ficou em silêncio e olhando­a por debaixo dessas

304
sobrancelhas imponentes. Ela se apoiou na pá e o olhou aos
olhos sem medo.

—Quer me dizer algo? — Perguntou ela.

—Vamos dar um passeio a cavalo para falar de algumas


coisas.

—Vou ignorar o passeio, tio Walt. Gostaria de fazer


algumas coisas esta manhã, mas posso lhe dedicar alguns
minutos para que solte o que te oprime o peito.

—Não sei por onde começar — Ele suavizou a expressão.


—Shelby, querida...

—Walt — Ela omitiu intencionadamente o «tio». —Deixe­


me ajuda­lo porque vamos resolver isso mais depressa. Eu
gosto dele. É muito amável comigo. Não fui impulsiva: dei
muitas voltas. Não tenho dúvidas, é um bom homem. Sei que
aparenta ser um tipo duro e temerário, como muitos homens
deste povoado à primeira vista, mas não é assim comigo. É
muito cuidadoso. Não obstante, você o preocupa muito.

—Ele não me desgosta, é que não o conheço bem de tudo.


Além disso, sei muito sobre os homens como Luke, tive
centenas ao meu mando.

—Refere a homens como Luke e como você: soldados.


Homens que vão à guerra, endurecem um pouco e parecem um
pouco inconscientes... — Ele abaixou a cabeça um instante. —
Pode agradecer a Vanessa que já tenha tido esta conversa

305
comigo... Sobre soldados, sua formação, como vivem e essa
personalidade irascível e canalha que adotam no Exército. Você
tampouco é assim, verdade, tio Walt? Dissimula os sentimentos
mais delicados? É duro e imutável e não se permite ter
remorsos pelo dano que tem que causar? — Aproximou­se dele.
—Passei muitos anos perto de você quando estava crescendo.
Vi jovens soldados tremer dos pés à cabeça quando passava ao
seu lado, mas sempre tratou à tia Peg e a Vanni como se
fossem joias. Luke, como você, tem um lado encantador.

—Prometi a sua mãe que te vigiaria, que te cuidaria.

—E o faz — Replicou ela. —Estou segura de que estaria


mais tranquilo se ficasse em casa esperando a que um jovem
simpático da paróquia fosse te pedir permissão para me levar
para passear, mas isso não vai acontecer, graças a Deus. Luke
Riordan me atrai e eu o atraio. Estou tendo um romance, tio
Walt. Por fim, estou tendo um romance. Já era a hora e não vai
conseguir que me sinta culpada, nem pô­lo nervoso. Agradeço
sua preocupação, mas é meu assunto.

Walt teve que fazer um esforço para não retroceder um


passo.

—Se estou preocupado é porque... Querida, só quero que


seja feliz... Não quero que te façam mal. É possível que esteja
escapando das suas mãos.

Ela se aproximou outro passo e o olhou com uma


convicção absoluta nos olhos.

306
—Acreditava que ia me preservar para o casamento? —
Perguntou ela com uma sobrancelha arqueada.

—Sou muitas coisas, mas acredito que ninguém pode me


acusar de ser tolo ou antiquado — Ela inclinou a cabeça como
se duvidasse. —Ou de não ter os pés na terra — Acrescentou
ele com um grunhido.

Ela riu levemente.

—Não sei se Luke me fará mal, mas ninguém pode fazer


muito a respeito. Não sei se pode entender, mas me alegro de
poder ter meus desenganos finalmente, como têm feito as
demais garotas — Olhou­o com seriedade. —Por que todo
mundo pensa que sou tão frágil? Acha que os últimos cinco
anos foram fáceis para mim? Crê que não teria que ser uma
mulher valente para passar a noite com um homem quando seu
tio, excessivamente protetor, poderia estar em casa carregando
uma espingarda? Asseguro que, se Luke Riordan acabar me
partindo o coração, vai ser menos complicado do que muitas
coisas que tive que ultrapassar nos últimos anos. É uma nova
aventura para mim e não vai me dissuadir por mais dura que
seja.

—E seus planos? — Perguntou ele. —A viagem? A escola


de enfermagem? A vida nova?

—Parece­me ridículo até que o pergunte — Respondeu ela.


—As mulheres não têm que escolher entre a educação e uma
relação. Não tenho que renunciar a nada.

307
Walt ergueu uma mão, tomou sua reprimenda com um
levantar de ombros e a acariciou entre os dedos.

—Não estou aqui para te dissuadir de nada, nem acredito


que seja frágil. Realmente, acredito que é muito dura. Acredito
que precisava me certificar de que é prudente. Algumas vezes,
estas aventuras podem deixar cicatrizes no coração.

—Não tenho medo — Replicou ela sacudindo a cabeça. —


Não seria a primeira. Vanni me contou que sofreu centenas de
desenganos.

—Sua mãe lutou com quase todos —Walt deu de ombros.


—Você está atada a mim.

—Você não é um cara mau a quem se amarra.

—Tome cuidado... — Acariciou a bochecha. —Sempre me


esqueço da força de vontade que tem. Luke Riordan poderia se
arrepender de ter se metido neste... este...

—Romance — Terminou ela. —De verdade, não posso


acreditar que esteja acontecendo algo tão errado com tudo isto.
Estou saindo com alguém, Walt, como você. Não é casado, nem
é padre, nem nada ao estilo — Ela arqueou uma sobrancelha.
—Todo mundo desta família tem alguém, até o Tom, com
dezoito anos. Será melhor que se acostume à ideia de que sou
igual aos outros.

—É um pouco diferente — Corrigiu ele com um sorriso. —


Melhor, certamente.

308
—Bobagem. Só quero ser normal. Vai levar isso bem?

—O que quer dizer?

Ela cruzou os braços.

—Sabe muito bem o que quero dizer.

—Só quero me certificar de que não te aconteça nada de


ruim — Disse ele. —É uma mulher adulta. Se tiver tomado uma
decisão, só espero que seja para o bem — Beijou­a novamente
na testa. —Vai passar esta noite em casa?

—Sinceramente, espero que não. Vou te dizer.

**********

Luke estava no topo da escada raspando a pintura seca da


cabana número três, quando o 4x4 do general chegou à sua
casa. Tinha estado esperando esse momento, mas não sabia
quando nem como chegaria. Desceu lentamente, colocou a
camisa e secou o rosto com um lenço.

—Luke — Disse o general sem lhe estender a mão como de


costume.

—Senhor.

—Minha sobrinha passou as últimas noites fora de casa.

309
—Não está armado, certo, senhor?

—Eu sabia onde estava, naturalmente. Teve a delicadeza


de dizer isso à família para que não nos preocupássemos.
Entretanto, pensei que você e eu deveríamos ter um bate­papo.

—Adiante, senhor.

Luke esperou que não notasse o nó que tinha no


estômago. Não lhe tinha medo, sabia que Walt não ia lhe dar
um tiro, mas sim tinha medo que o general conseguisse
convencer Shelby, pelo meio que fosse, que estava cometendo
um engano muito grande. Acabava de começar e faltava muito
para que estivesse disposto a renunciar a ela.

—Passou todas as noites contigo e não montou a cavalo.


Não sei o que pensar — As bochechas de Walt obscureceram. —
Não montou a cavalo.

Luke baixou o olhar e notou que suas bochechas ardiam.

—Senhor, sinceramente, não tinha estado tão incomodado


em toda minha vida.

—Ela diz que tem dores nas costas...

—Então, é possível que tenha dores nas costas...

—Quero que fique uma coisa muito clara. É possível que,


algumas vezes, Shelby lhe pareça tímida e insegura de si
mesma, mas é muito teimosa. Faz o que gosta. Sempre o fez.
Pode começar devagar, mas quando decide, o faz. Tentei por

310
todos os meios que não hipotecasse sua vida com sua mãe.
Midge poderia ter ido a um hospital, ao menos, no final.
Entretanto, não consegui. Shelby tinha decidido — Ele tomou
fôlego e sacudiu a cabeça. —Eu não estava seguro de que
emparelhar­se contigo fosse uma boa ideia, embora não me
desgoste.

—Eu tampouco queria que o fizesse, senhor, mas, como


diz, é teimosa.

—Muito bem, isso nos leva diretamente à medula do


assunto: não posso te acusar de pressioná­la nem de se
aproveitar dela. Sabia bastante bem que tinha te jogado o olhar
e o tinha no ponto da mira.

—Acredito que tem razão, senhor.

—Eu acredito que a sorte está do seu lado. Deixou­o muito


claro: pensa passar muito tempo em sua casa. Quando estiver
aqui, será melhor que se porte como um cavalheiro, Riordan.

—Não o duvide, general.

—Eu gostaria de saber que planos tem no que se refere a


minha sobrinha.

—Com o devido respeito, senhor, parece­me errado falar


de meus planos contigo antes de fazê­lo com ela. Além disso,
até com risco de lhe parecer desrespeitoso, Shelby e eu quase
não temos...

—É suficiente — O general levantou uma mão. —Sei como


311
ia acabar a frase.

Luke tomou fôlego.

—Ia dizer que estamos começando a nos conhecermos.


Senhor, certamente tenha chegado mais longe do que um pai
ou um tio gostariam, mas eu preciso que saiba que trato Shelby
com todo o respeito do mundo quando está comigo. Considero­
me responsável por seu amparo, e que esteja a salvo comigo. A
trato com muita consideração.

—Melhor assim. Quero­a muito. É muito especial.

—Sim, senhor, muito especial.

—Não desconheço as relações, moço. Tenho dois filhos que


passaram por umas quantas: minha filha já enterrou um
marido sendo muito jovem...

A lápide, pensou Luke. Tinha que perguntar a Shelby.


Tinha pensado é obvio que Paul era o primeiro marido da
Vanessa.

—Entendo que as coisas não saem sempre como a gente


quer — Seguiu Walt. —Algumas vezes, estas coisas não saem
bem, não sou tão ingênuo. Ainda terá que ver se isto entre você
e minha sobrinha chega a ser duradouro, mas se lhe fizer
algo... — O general conteve o fôlego. —Sabe do que estou
falando?

—Não estou seguro — Respondeu Luke com o cenho


franzido.
312
—Se a maltratar, bater­lhe, engana­la, ou trata­la com
crueldade o...

—Pelo amor de Deus! — Exclamou Luke interrompendo­o


e com um tom de indignação. —Posso saber do que está
falando? Por quem me toma?

Walt deu de ombros.

—De acordo, não tenho nenhum motivo para suspeitar de


você, mas vi muitas coisas. Tive homens muito distintos sob
meu comando. Acredito que tenhamos deixado tudo claro.

—Está claro! Nunca faria algo assim a nenhuma mulher!

—Então, perfeito. Porque teria te matado.

—Se eu tivesse deixado — Replicou Luke com paixão. —


Com o devido respeito, senhor, conheci mais de um general que
eram uns desgraçados.

—Senti que tinha de esclarecer um par de questões.

—Considere esclarecidas!

Luke passou a mão pela nuca.

—Bom, não vim aqui para te dissuadir de que veja minha


sobrinha. Como recentemente sua mãe faleceu, sinto­me algo
mais protetor do que gostaria Shelby. Pareceu­me que não te
incomodaria saber que tenho limites.

—Eu também — Replicou Luke com serenidade e

313
veemência.

—Então, acredito que tudo está claro.

O general se virou para partir. Luke o observou e em um


milésimo de segundo pensou em como se sentiria se tivesse que
entregar Shelby a um homem.

—Senhor — O general se virou outra vez. —Já que temos


falado sobre isso com franqueza e os dois acreditam que o mais
importante é que Shelby não sofra, eu gostaria que soubesse
algo: nos dois sabemos que Shelby pode aspirar a algo muito
melhor que eu, mas não a enganei; a evitei e a desencorajei. Fui
completamente sincero com ela. Não sou um bom partido e não
procuro uma relação duradoura. Estou seguro de que Shelby
entendeu, mas não vou trata­la mal, darei o melhor que há em
mim. Se lhe servir de consolo, minha mãe me mataria se
maltratasse uma mulher. Se ela não o conseguisse, o fariam
meus irmãos.

—Perfeito — Walt esboçou um sorriso. —Eu gosto das


famílias unidas.

—Serei um descarado, mas um descarado bastante


civilizado — Luke estendeu a mão; —Eu gostaria que
pudéssemos ser amigos, ao menos, por Shelby.

Walt duvidou, mas lhe estreitou a mão.

—Se comporte como Deus manda.

—Sim, senhor. Você também, senhor.


314
**********

Depois de um dia muito comprido trabalhando nas


cabanas, Luke foi para casa quando o sol se aproximava do
horizonte. Acendeu a lareira e tomou uma ducha. Quando
estava saindo, ouviu que se abria a porta da casa. Colocou uma
toalha ao redor da cintura, saiu e viu Shelby com uma bolsa
marrom.

—Bem... — Disse ela olhando­o. —Não perdeu tempo...

—O que traz aí? — Perguntou ele.

—Quando saí da clínica, parei no bar e comprei um pouco


de janta para que pudéssemos ficar esta noite. Trouxe um
pouco de bolo para que Art possa comer a sobremesa conosco
se quiser.

—Irá querer. Art nunca rechaçou um pedaço de bolo.

Ela o olhou com atenção e riu.

—Luke, nem sequer tirei a jaqueta e vejo uma elevação na


toalha.

—Então, tire isso. Aguentará jantar mais tarde?

Ela deixou a bolsa na mesa, tirou a jaqueta e o abraçou.

—Tive muito trabalho na clínica, estive rodeada de

315
crianças e pessoas doentes. Pode me dar um pouco de tempo
para que me limpe?

Ele a beijou levemente nos lábios.

—Claro.

—Não demorarei.

Shelby foi ao dormitório para tirar as botas e a roupa.


Luke foi à cozinha e olhou dentro da bolsa com o jantar. Tirou o
bolo e o meteu na geladeira. Logo, cheirou a comida que ficava.
Cheirava uma maravilha, mas a verdade era que Pastor nunca
fazia uma comida medíocre. Pegou pratos e talheres e abriu
duas cervejas. Então, ouviu a água cair na banheira e foi de
volta ao banheiro. Cheirou algo feminino. Duas noites antes,
Shelby tinha levado algumas de suas coisas: xampu, cremes,
etc. Ele disse que as deixasse, algo que não tinha feito com
nenhuma mulher. Essas coisas sempre lhe tinham dado
claustrofobia. Entretanto, desta vez, gostou de fazê­lo, como se
assim não tivesse que deixá­la partir muito cedo, como se o
xampu e os cremes fossem reféns e ela tivesse que ficar mais
tempo.

Entrou no banheiro quando ela estava se metendo na


banheira. Tinha o cabelo recolhido no alto da cabeça e havia
espuma. Tinha pensado em dar sua cerveja e sentar­se na
tampa da privada para conversar enquanto se banhava, mas
teve outra ideia. Jamais tinha visto um banho de espuma.
Deixou a cerveja no lavabo, tirou a toalha e se meteu dentro.

316
—Vai transbordar! — Exclamou ela entre risadas.

—Esta banheira não é bastante grande — Se queixou ele


enquanto se sentava com a torneira pregada nas costas.

Passou suas pernas pelos lados da cintura dela, levantou­


lhe as pernas, pô­las em cima de suas coxas e a atraiu para si
para abraçá­la.

—Está como uma cobra — Disse ela sem deixar de rir.

—Estou impaciente — Replicou ele beijando­a no pescoço.


—Me custa muito passar todo o dia te esperando.

—Ainda não me limpei bem.

—Ajudarei.

Luke agarrou o sabão, passou­o nos ombros, nas costas,


nos seios, nos braços e mais abaixo, até que ela deixou escapar
um ronronado de prazer. Então, tomou a toalha para o rosto e
a limpou com suavidade.

—Quero te dizer uma coisa.

—Outro bate­papo? Mais condições? — Perguntou ela.

—Não. Fui a uma clínica de Eureca justo depois da


primeira noite que passamos juntos. Fiz uns testes para estar
seguro, embora estivesse muito seguro. Queria que soubesse
que estou bem apesar do meu passado obscuro. Não tema, não
vou te contagiar com nada.

317
—Bem, você tem sido muito atencioso — Ela o apertou
contra si, peito contra peito.

—Ninguém tinha estado com você. Queria que estivesse


completamente tranquila.

—Aprecio isso.

—Recebi os resultados bem a tempo. Não tenho


preservativos na banheira, mas há outra coisa...

—Estou tomando pílula.

—Não me tinha contado — Replicou ele.

—Sinto muito. Não tive em conta suas preocupações:


estava me ocupando das minhas.

—É uma boa notícia para mim — Luke se inclinou e a


beijou. —Queria te contar outra coisa, seu tio me fez uma
visita.

—De verdade? Não deveria tê­lo feito. O que disse?

—Que sabia onde tinha passado todas as noites e que não


gostava que não pudesse montar a cavalo.

—Meu Deus... — Lamentou­se ela.

—Foi, de longe, um dos piores momentos de minha vida.

—Sinto muito, Luke. Falarei com ele e...

—Não é preciso. Nos acertamos — Ele a balançou contra

318
seu peito. —Me neguei a dar explicações, ameaçou­me com
consequências funestas se te maltratasse ou tratasse com
crueldade, tentei convencê­lo de que podia ser civilizado se me
propunha a isso e no final apertamos a mão.

—Meu Deus — Disse Shelby. —O tio Walt e eu já


tínhamos tido uma conversa sobre isso. Ele me disse para ter
cuidado com você e eu lhe disse que não ia me impedir te ter
nenhuma relação que escolhesse apesar das coisas ruins.
Prometeu comportar­se bem.

—Deu­lhe um sermão? — Perguntou Luke com um


sorriso. —Me defendeu?

—Surpreende­se? Surpreende­se que possa me manter


firme? Todo mundo pensa que sou uma tola, sem
temperamento?

—Não, é muito encantadora e Walt queria certificar­se de


que está a salvo comigo.

—Disse­lhe a verdade? Disse que eu não estou? Disse que


é perigoso, perverso e um tubarão com as mulheres? —
Perguntou em tom zombador e lhe mordendo o lábio inferior.

—Não é necessário que alguém saiba que fui o primeiro,


verdade?

Ela se deixou cair para trás e o olhou.

—Por quê? Quer que seja um segredo?

319
—Eu gostaria que fosse algo nosso. Privado. Pessoal. É
muito especial — Ele sorriu. —Não tinha tido uma experiência
assim em minha vida... e tive um montão de experiências.

—E eu não tive nenhuma — Replicou ela.

—Mas eu nunca estive com alguém como você. É


impressionante. Me deixa louco. Estamos vivendo quase como
um casal. Pelo amor de Deus, eu não faço essas coisas.

—Viu? Tentei te avisar. Talvez eu deveria ter dado o bate­


papo.

—Sim, não previ isso. Seu tio também queria saber os


planos que tenho com você. Eu disse que era algo que tínhamos
que falar, você e eu.

—Luke, não deveria mentir.

—Não menti. Neste momento, tenho planejado fazer amor


até que me suplique que pare.

—Bom, isso é hoje. O mais provável é que dentro de duas


semanas esteja cansado de mim. Recordo­te que nunca
aguenta muito tempo com uma mulher.

Ele acariciou um seio e baixou a mão até deixá­la entre


suas pernas.

—Que tal está aqui em baixo?

—Bem.

320
—Não dói?

—Você tem sido muito atencioso. Não sabia que poderia


fazer bem dormir tão pouco, mas acontece que eu gosto — Ela
riu. —Mais do que eu tinha imaginado. Nunca pensei que viria
todos os dias. Parece que estou sendo uma autêntica sem
vergonhada.

—Continue sendo, posso com isso — Lhe esfregou com


suavidade. —Está se abrindo, florescendo...

—Mmm...

Levantou­a, colocou­a sobre seu colo e entrou sem


dificuldade.

—Meu Deus — Sussurrou ele. —Santo céu...

Tomou um mamilo entre os lábios e mexeu lentamente


com os quadris. Ela segurou a cabeça contra seu peito e
embalou entre os sons suaves e maravilhosos que ele amava.
Em poucos minutos, ela tinha alcançado o topo do prazer que a
estremecia entre palpitações. Pressionou­lhe a cabeça com mais
força contra ela, ele entrou mais profundamente e explorou com
tanta força que ficou cego por um instante. Aferrou­se a ela
entre ofegos e quis que esse momento não acabasse jamais.
Então, ouviu uma risada.

—Alguém vai ter que secar o chão...

—Mmm...?

321
—Luke Riordan, está em uma banheira de espuma.

—Bem... — Disse ele sem fôlego.

—O que pensariam as pessoas? Um piloto do Black


Hawks, rude, grande e conquistador metido em uma banheira
de espuma.

—Será melhor que não conte ou te castigarei —


Respondeu ele tentando recuperar o fôlego.

Ela voltou a rir.

—Poderia ser interessante. Nunca sei por onde vai sair.

Essa noite, muito depois do jantar e de ter passado um


momento diante da lareira, Luke estava reclinado na cama,
com a cabeça apoiada em uma mão e olhando Shelby
dormindo. Estava acomodada, com as costas e o perfeito
traseiro contra ele. Podia ver seu perfil. Dormia como um bebê,
satisfeita, aprazível e embriagada de sexo.

Soube que era perigosa desde o preciso momento em que


a viu, mas não soube quão letal podia ser. Tinha trazido à tona
sentimentos que acreditava ter dominado, estava perdido e
apavorado. Adorava­a. Não podia suportar a ideia de que isso
fosse acabar.

Uma vez, quando era muito mais jovem, sentiu algo quase
tão profundo e intenso. Tinha vinte e quatro anos quando
conheceu a formosa Felícia de cabelo negro, tão negro como asa
de corvo. Tinha reavivado em seus braços, em seu corpo. Nunca
322
havia se tornado tão apaixonado antes nem voltou a fazê­lo
depois. Se surpreendeu com a paixão e dedicação que senti­o,
mas se entusiasmou. Ele amou com toda sua alma um ano e
então teve que partir para uma missão. Foi para a Somália.
Quando o conflito estava no pior, seu rosto o ajudou a
aguentar, deu­lhe um motivo poderoso pelo que lutar. Tinha­
lhe entregue sua vida. Ia amá­la até o dia que morresse.

Quando voltou, comprovou que tudo tinha sido mentira,


que nunca tinha sido sua. Tinha sido infiel desde antes que
partisse e o abandonou no mesmo dia que voltou. Foi uma
separação amarga que o deixou marcado. Dizer que lhe partiu o
coração, seria dizer muito pouco. A dor foi tão forte durante um
par de anos que acreditou que ia mata­lo. Quando cessou a
dor, encontrou­se vazio por dentro. Tomou uma decisão
irrevogável: não voltaria a passar por isso. A partir desse
momento, sua relação com as mulheres se tornou mera
diversão. Não estava disposto a ser vulnerável com as
mulheres, não ia expor­se a essa dor.

Entretanto, ao lado de Shelby, tudo era doçura e ternura.


Era uma mulher incrível. Quis tomá­la entre os braços e lhe
dizer quanto a amava, dizer até onde estava disposto a chegar
para que fosse feliz, suplicar que mudasse seus planos ou o
incluísse neles.

Entretanto, não o faria. Era muito arriscado. Outro


desengano o mataria. Não entregaria seu coração. O problema
era que já o tinha feito sem querer.

323
**********

Walt Booth tinha observado o andar da remodelação da


casa de Muriel durante quase seis meses. Tinha­a ajudado um
pouco, mas ela era extraordinariamente ciumenta de seu
trabalho e queria ter o mérito de tê­lo feito por si mesma.
Enquanto observava, compreendeu algumas coisas. Fazer uma
remodelação e modernização podia ser caro, mas era fácil. Além
disso, as casas como a dele eram muito comuns. Só se
necessitava dinheiro e um construtor. O que estava fazendo
Muriel, devolvendo toda sua beleza original, era uma arte. Bom,
estava renovando­a em grande medida. Tinha eletrodomésticos
novos e não pensava sentar­se em poltronas severas nem
dormir em colchões de cem anos. Estava desejando receber a
televisão plana e o equipamento de música. Além disso, podia
esconder tudo isso em armários antigos.

Em meados de novembro o chamou.

—O que está fazendo? — Perguntou ela.

—Estou cuidando da criança enquanto Vanni está no


povoado. Voltará em seguida. Por que pergunta?

—Quero que venha assim que puder — Respondeu Muriel.

Nunca tinha que pedir duas vezes. Quando estacionou, ela


estava esperando­o no alpendre da casa principal. Tinha as
324
mãos nos bolsos e seu fôlego era como um moinho de vapor ao
redor dela.

—O que aconteceu? — Perguntou quando desceu do 4x4 e


se aproximou dela.

Seu rosto se iluminou com um sorriso resplandecente.

—O que aconteceu? Nada! Walt, está terminada.

Muriel tinha acabado as escadas fazia um par de meses,


mas seguia vivendo no barracão acondicionado, porque não
tinha querido tirar os móveis e viver em uma casa meio vazia,
quando estava muito bem onde estava.

—Está preparado?

—Preparado.

Ela abriu a porta de par em par e ele se encontrou na sala;


as velhas casas dos ranchos não tinham vestíbulo. A madeira
escura do piso reluzia e os rodapés e as molduras eram da
mesma cor escura e envernizada. Ele a tinha ajudado a
levantar as partes mais pesadas, mas ela as tinha talhado com
uma pequena serra radial. As paredes, preparadas por ela
mesma, estavam pintadas de verde. O corrimão estava lixado e
envernizado para combinar com as molduras e adornos e a
parede da escada era de uma cor bege escura, os tetos eram
também bege, mas um pouco mais claro. Justo em frente, a
mesa de jantar, com as mesmas cores que a sala, tinha um
arco de nogueira. As cortinas deveria tê­las colocado fazia

325
pouco. A lareira estava embutida no marco de madeira escura
original.

A cozinha era de uma cor amarela muito viva e uma parte


estava empapelada com uns desenhos de rosas de estilo antigo.
Os armários e prateleiras eram originais, lixados e pintados,
mas tinha tirado as portas e instalado uns cristais escuros. A
pia e os eletrodomésticos eram novos e brancos, mas tinha
mantido a alavanca da bomba de água. Inclusive tinha lixado e
pintado as venezianas e os batentes. As luminárias que se
derrubava na cozinha e na sala de jantar eram as antiguidades
com instalação elétrica nova. Havia uma porta à despensa e
outra à adega.

—É incrível — disse ele.

O piso superior era igual de impressionante: os chãos do


corredor reluzentes, três dormitórios pintados de cores distintas
e um quarto de banho, muito pequeno para uma estrela de
Hollywood, ao lado do dormitório maior. Não havia habitações
com banheiro nem guarda­roupas, mas cada detalhe da casa
original estava encerado, envernizado, pintado ou empapelado.
Era preciosa, quase como digna de um museu.

—Esta será meu quarto, no alto da escada —Disse ela. —


Comprei um montão de colchas, mas são feitas à mão. Também
comprei almofadas de bordados antigos. Colecionei­os durante
anos. Além disso, tenho retratos de meus pais, avós e bisavôs
para pendurar nas escadas. Temos alguns antepassados índios,
nativos americanos, e, assombrosamente, conservo alguns
326
retratos deles. Também tenho um par de paisagens em
aquarela que recolhi faz anos e guardei com um cuidado
especial para este momento.

Ele riu sacudindo a cabeça.

—Não se espera que uma mulher nomeada para o Oscar


viva assim.

—Bobagens. Para mim, há coisas mais importantes que o


Oscar. Embora tenha que reconhecer que me chateia muito que
nunca me dessem um — Sorriu e o pegou pela cintura. —Tinha
alguns móveis especiais em um armazém. A mudança chega
amanhã. Estará comigo quando montarem a cama?

—Estarei encantado de ficar em seu dormitório floreado.


Além disso, se alguma vez consigo ficar sozinho em casa, ficará
comigo em meu dormitório sóbrio e masculino, com banheiro e
uma ducha muito grande, sem portas.

—Ficarei — Ela sorriu.

—Muriel, esta casa... supera tudo o que tinha podido


imaginar. Tem um dom, um talento extraordinário. Não posso
expressar quão impressionado estou... e orgulhoso. Estou
muito orgulhoso de você.

—Obrigado. Eu também estou orgulhosa de mim.


Deveríamos beber algo e fumar um charuto.

—Nunca me ocorreu trazer algum.

327
—Não se preocupe. Comprei uma garrafa e uma caixa de
charutos havanos. Deixarei todas as luzes da casa acesas,
sentaremos no alpendre do barracão, passaremos um frio de
morte, beberemos uísque escocês, fumaremos um havano e
olharemos a casa.

—Tem charutos?

—Sim. Não acredita que Mike Valenzuela vá me prender,


verdade?

—Caso soubesse, seria complicado tirar os fuzileiros do


povoado de seu alpendre.

Ela riu.

—Eu gostaria de inaugurá­la quando tiverem chegado os


móveis e tenha pendurado os quadros. Acha que virá alguém?

—É Muriel St. Claire — Respondeu ele com o cenho


franzido. —Acredito que virá todo o povoado.

—De verdade? — Perguntou ela surpreendida. —Seria


maravilhoso — Enrugou a frente como se o tivesse pensado
melhor. —O que farei de comida?

**********

Luke e Shelby entraram nessa deliciosa rotina de casal

328
recente e ela ficava para dormir quase todas as noites. Então,
levantava muito cedo, ia ao estábulo de Walt para dar uma
mão. Ás vezes dava um passeio a cavalo e tomava o café da
manhã com ele, tomava banho e se trocava para ir ao povoado,
onde sua tarefa principal consistia em que a vida profissional
de Mel fosse suportável. Ajudava na clínica e vigiava as
crianças. Luke se maravilhava com sua energia, sua diligência.

Luke e Art trabalhavam todos os dias nas cabanas e Luke


se orgulhava de que Art se defendesse sozinho. Não era o
melhor cozinheiro, mas podia esquentar no micro­ondas o
jantar algumas noites e jantava com Luke e Shelby em outras.
Tomava banho e se barbeava todos os dias, escovava os dentes,
lavava a roupa e fazia a cama todas as manhãs. Luke tinha
enchido seus armários de comida saudável e produtos de
limpeza que não eram tóxicos. Art tinha fruta para o café da
manhã e almoço. Mantinha imaculada a cozinha e o banheiro.
Podia viver sozinho sempre que houvesse alguém perto se
necessitasse de conselho, tinha algum problema ou teria que
lhe recordar coisas como que lavasse os lençóis e as toalhas.
Luke lhe disse que quando as cabanas estivessem terminadas,
ele poderia ser o vigia. Ocupou­se de que levassem os resíduos,
de que tudo estivesse em ordem, e tinham trabalhado juntos
para arrumar e pintar tudo o que precisasse.

—Sente falta de seus amigos da casa de acolhida? —


Perguntou­lhe Luke.

—Sinto falta de Netta e Payne — Respondeu dando de

329
ombros. —Sinto falta da minha mãe, mas eu gosto de estar
aqui, ao lado do rio — Acrescentou com um sorriso. —Gosto da
minha casa, onde não tenho que assinar nada para usar a
máquina de lavar roupa.

—Está me ajudando muito bem, Art. Obrigado.

—De nada, Luke — Disse ele com um sorriso de orgulho.

Na última hora, Shelby se reunia com Luke no bar de


Jack ou levava algo para jantar em sua casa. Estavam juntos
todos os dias. Eram um casal e todo o povoado sabia.

A categoria de casal público era algo em que Luke não


tinha pensado, mas era o preço por abraçá­la toda a noite. As
pessoas tiveram a delicadeza de não fazer muitos comentários,
embora fizessem muitas brincadeiras sobre a água de Virgin
River. Muitos homens tinham ido ao povoado em busca de
silêncio e tranquilidade, ou para caçar e pescar, e tinham
acabado unidos a uma mulher. Luke ria ou não fazia caso,
porque sentia uma estranha satisfação quando o relacionavam
com ela dessa maneira, gostava, assombrosamente, de poder
rodeá­la com o braço em público ou que não o importasse que
os surpreendessem beijando­se no alpendre. Shelby estava tão
relaxada e natural que ele não ia se queixar.

Quando todo o povoado soube com certeza que estavam


juntos, chegou o momento de apresentar Art, de lhe dar a
oportunidade para que fizesse amigos. Art levava quase dois
meses nas cabanas e só Shelby e Paul o tinham visto ou

330
sabiam que existia. Os dois concordaram em não dizer nada,
enquanto se esclarecia se estavam procurando­o.

Art já adorava Shelby. Se terminasse cedo na clínica e


fizesse um bom dia, ela ia às cabanas com Plenty e montava Art
no cavalo. Era como uma criança de dez anos que pesava uns
noventa quilos e se emocionava tanto que Luke ria e tinha que
se virar para não ofendê­lo. Luke começou a levá­lo de vez em
quando ao bar para convidá­lo a um refresco e, possivelmente,
jantar com Shelby. Não lhe surpreendeu que o aceitassem com
muita amabilidade.

Ao vê­lo no cavalo, Luke decidiu comprar uma vara de


pescar para que pudesse guardá­la na cabana. Ensiná­lo a
lançar o anzol teve suas complicações, mas Art adorava
aprender coisas novas. O rio estava muito perto e Art podia ir
pescar um momento quando não estava trabalhando. Luke
ficava feliz ao ver esse grandalhão que ia sozinho ao rio.
Independente e contente.

Houve uma pequena festa em casa de Muriel St. Claire, e


Luke, Shelby e Art foram juntos. Acabava de reabilitá­la ou,
como dizia o general insistentemente, de restaurá­la.
Efetivamente, parecia uma casa de cem anos recém­
inaugurada. Inclusive os retratos, familiares segundo ela, eram
antigos. Os mais antigos eram de *daguerreótipo. Além de um
sofá de módulos e uma poltrona, modernos, tudo era de época,
até o enorme armário que ocultava a televisão e o equipamento
de música.

331
Luke estava impressionado do trabalho que tinha feito,
mas alguns dos aldeãos, sobretudo as mulheres, tinham
esperado algo mais ao estilo de Hollywood. Quase todos tinham
essas coisas velhas, que lhes tinham chegado de geração em
geração, e lhes pareciam normais. Naturalmente, não tinham
mimado e restaurado suas coisas velhas como tinha feito
Muriel, mas eram habitantes de um povoado pequeno e
desejavam móveis mais modernos. O que queriam saber era se
tinha saído com Clint Eastwood ou Jack Nicholson. Quando
respondeu que quase não os conhecia, embora tivesse feito
filmes com eles, pareceram um pouco decepcionados.

*O daguerreotipo (em francês: daguerréotype) foi o primeiro processo fotográfico a ser

anunciado e comercializado ao grande público. Câmara de daguerreotipo.

Não era tão interessante para ser uma estrela.

Umas cem pessoas passaram por sua casa e sorriu cada


vez que alguém expressava sua surpresa porque preferisse essa
velha casa no povoado, em vez de uma mansão de mármore em
Hollywood.

Para Luke, não tinha sentido que sua mãe fosse tão
convencional. A vida era exatamente como ele a queria. Era um
homem e não perdia muito tempo dando voltas a esse assunto:
os homens não pensavam muito nos sentimentos. Só queria
que nada mudasse.

Então, chamou a sua mãe e lhe explicou que não poderia

332
ir a Phoenix passar o Dia de Ação de Graças. Resultou que
esse ano só iria Sean. Colin estava no Iraque, Paddy embarcado
e Aiden ficaria no hospital para poder ter o Natal livre. Sua mãe
ficou decepcionada porque não o via desde agosto. Então, falou
de Art e ela, naturalmente, disse­lhe que o levasse.

—Não acredito que possa mãe — Replicou Luke. —Fugiu


de uma casa de acolhida porque alguém o maltratou. Estou
quase seguro de que não faço nada ilegal por lhe dar cobertura,
mas não acredito que seja uma boa ideia tirá­lo do Estado. Ao
menos, até que tenha conseguido solucionar um pouco sua
situação, o que exigirá certa investigação e assessoramento
legal. Só é um Dia de Ação de Graças, certamente te veja no
Natal. Seja boa e não me repreenda.

—Não te repreendo.

—Sim o faz, não tem compaixão — Ele riu.

—É que não quero que fique sozinho no Dia de Ação de


Graças — Replicou ela.

—Não tem nada, mãe, não se preocupe.

Entretanto. Luke não ia estar sozinho, ia à casa do general


com Art. Tinham­no convidado através de Shelby e se deu
conta imediatamente de que era uma ordem. Ele teria preferido
não envolver­se mais com a família, mas era impossível evitar.
Se alguém vivia em um lugar como Virgin River, via­se
envolvido desde o primeiro dia que pisasse no povoado. Não
aconteceria nada, só um jantar em um dia de festa não era
333
muito pedir. Art foi bem recebido e para Luke caíam bem o
general e os Haggerty. Não podia negar que se Shelby tivesse
sido sua prima ou sua sobrinha, ele teria sido tão protetor
como eles, mas se comportavam como se respeitassem a
escolha dela e o tratavam bem.

Quando estava começando a aceitar tudo, a vida bem


organizada de Luke descarrilou por uma chamada de seu irmão
Sean.

—De modo que não deverá comer peru — Reprovou Sean.


—O que acontece? Não está muito longe.

—Tenho coisas para fazer, Sean. Já expliquei à nossa


mãe. Não posso deixar Art nem levá­lo.

—Isso me disse ela. É o único motivo?

—Porque não seria?

—Não sei — Respondeu ele como se soubesse. —Muito


bem, então se alegrará com o que vou dizer: levarei nossa mãe
à Virgin River para passar o Dia de Ação de Graças.

Luke ficou mudo um momento.

—O que? — Exclamou. —Por quê?

—Porque você não vem a Phoenix e gostaria de ver as


obras que está fazendo, ver seu ajudante e sua garota.

—Não irá me fazer isto — Disse Luke com tom ameaçador.


—Diga que não vai fazer!
334
—Sim, como não pode ir para casa de mamãe, nós vamos
para a sua. Pensei que te faria muito feliz — Acrescentou Sean
entre risadas.

—Não tenho lugar para vocês e não há hotel no povoado.

—É um mentiroso. Tem lugar. Tem três dormitórios e seis


cabanas nas que está trabalhando há três meses. Mas se o que
diz é verdade, há um motel em Fortuna que tem lugar.
Enquanto mamãe tenha o quarto bom da casa, lençóis limpos e
não haja ratos, tudo irá bem.

—Muito bem. Você vem e te matarei.

—O que há? Não quer que mamãe conheça a garota ou o


ajudante?

—Vou te esquartejar antes de te matar!

Sean riu.

—Mamãe e eu chegaremos na terça­feira pela tarde.


Compre um peru grande, tá bem?

Luke ficou um momento paralisado, silencioso e


pensativo.

Tinha levado uma vida bastante desenfreada, menos esses


dois anos com Felícia, quando esteve domesticado. Tinha
pilotado helicópteros de combate e estado com muitas
mulheres. Seu celibato era real, mas bem aventureiro. Seus
irmãos eram exatamente igual a ele ou, possivelmente, como

335
seu pai, que não se casou até que teve trinta e dois anos. Não
era um idoso, mas para essa geração sim era um pouco mais
velho para fundar uma família de cinco filhos. Eram uns
irlandeses joviais. Todos tinham sido muito ousados, não
tinham se arrependido de nada e se moveram depressa.

Entretanto, nenhum deles tinha dormido jamais com uma


mulher que não fosse sua esposa sob o mesmo teto que sua
mãe. Tinha trinta e oito anos e tinha ido quatro vezes à guerra,
disse a si mesmo enquanto ia de um lado a outro da pequena
sala. Essa era sua casa e ela era uma convidada. Podia
censurar o que quisesse e rezar o rosário até que lhe saíssem
calos nos dedos, mas isso não era de sua incumbência.

O seguinte que pensou foi que ela contaria tudo. Até o


mais mínimo desde que tinha cinco anos, todas as jovens nas
que tinha depositado muitas esperanças, cada indiscrição, a
noite que passou na cadeia, quando o pegaram nu com a filha
do subdiretor do instituto. Tudo, desde multas de velocidade a
romances. Assim funcionava a típica família disfuncional
irlandesa: negociavam com segredos. Podia comportar­se como
esperava sua mãe, o que ela considerava correto e próprio de
um cavalheiro e lhe parecia inútil, rígido e convencional, ou
podia esquecer­se da prudência, fazer as coisas a sua maneira
e explicar as histórias de sua mãe para Shelby mais tarde.
Entre outras, a história da Felícia.

Para o Luke não tinha sentido que sua mãe fosse uma
dissimulada. Era uma mulher de sessenta e um anos formosa,

336
alta e elegante, que ficou viúva aos cinquenta e três anos,
quando ele tinha trinta, e seguiu viúva e dedicada a seus filhos
militares. Mantinha o cabelo tingido de vermelho intenso, como
em sua juventude. Embora com reparos, algumas vezes
desejava que sua mãe encontrasse alguém que a fizesse
esquecer­se de seus filhos e suas vidas pessoais.

Maureen Riordan era inteligente, vital e divertida. Era


intrépida e, em que pese a sua fé católica, tinha algumas ideias
reformistas. Depois de ter cinco filhos em dez anos, seu
sacerdote lhe disse que mantivesse suas crenças e rechaçasse o
controle de natalidade: replicou para que ele fizesse algo que
nunca confessou. Não houve um sexto filho. No fundo, não
tinha tantos defeitos, só uns princípios muito rígidos que não
tentava aparentar, caso cumprissem suas exigências. Também
tinha uma insatisfação absoluta porque seus filhos não se
casavam e lhe davam netos. Os filhos eram, pela ordem: Luke,
Colin, Aiden, Sean e Patrick e tinham de trinta e oito a trinta
anos. Todos solteiros. Maureen estava um pouco perplexa e
desesperada.

Havia uma lei muito estrita na família que tinha ido


assentando­se mediante amargas brigas: ninguém contava
segredos da família a recém­chegados sem pagá­lo com
acréscimo. Ao Luke parecia que a história de sua mãe lhe
plantando cara ao sacerdote sobre o controle de natalidade era
divertida, mas a ela não o parecia e um trato era um trato.
Podia mantê­la calada respeitando seus princípios e não

337
contando histórias sobre ela. Podia mantê­la calada se não
dormisse com Shelby enquanto estava ali: durante cinco noites.

Teria que matar Sean.

**********

—Shelby... — Começou a dizer ele enquanto ela relaxava


entre seus braços depois de ter feito amor apaixonadamente. —
Há uma complicação com o Dia de Ação de Graças.

—Mmm...?

Ele tomou fôlego.

—Meu irmão Sean virá e vai trazer minha mãe.

—Estupendo — Disse ela levantando a cabeça e sorrindo.

—Não é estupendo — Replicou ele com tom abatido.

—O que há, Luke? — Ela riu. —Não é uma má notícia.


Ficarei encantada em conhecer sua mãe.

—Sim, mas... É um pouco rígida...

Shelby voltou a rir.

—De acordo. Não o é o tio Walt? Poremos dois talheres a


mais. Será divertido. O rígido tio Walt e a rígida... Como se
chama sua mãe?

338
—Maureen, mas não vamos fazer isso. Não vamos juntar
todos como se fosse uma família feliz. Sabe o que me parece
tudo isso. Eu não gosto de criar essas expectativas... Isto não
é... Isto não pode ser...

Ela riu mais ainda.

—Se importaria em deixar de ser tão paranoico? Não é


uma festa de noivado, é o Dia de Ação de Graças. Reunimos as
pessoas que nos importam. Também vai levar Art e ele não
complicado tudo isso da família. Luke, não se atole.

—Tira­me os nervos a ideia de juntar as duas famílias. É


possível que tenha me aceito como sou, mas não estou
convencido de que seu tio o tenha feito... e sei positivamente
que minha mãe não o tem feito.

—Tanto faz. É um problema deles. Já falamos sobre isto.


Conheço­te bastante bem embora tenha se esforçado por ser
meu maior mistério.

—Bem... Mesmo assim, todo este assunto da família... Não


é o que tinha pensado.

—Sei — Confirmou ela. —Tinha pensado em conquistar


uma garota que não fosse do povoado, tê­la na cama de noite e
longe o resto do tempo, sem que entrasse em sua vida
cotidiana. Desgraçadamente, neste momento estamos no
mesmo povoado e temos os mesmos amigos.

Ele se perguntou como sabia disso. Nunca lhe tinha

339
contado o que tinha esperado a princípio.

—Mas relaxe, tudo sairá bem — Seguiu ela. —Todos


somos bons amigos e vizinhos. Uma pergunta, a sua mãe se
importaria em vir a nossa casa em vez de comer o peru com
você, seu irmão e Art?

Ele ficou um momento em silêncio.

—Não. Ela adoraria — Respondeu chateado.

—Entendo — Ela riu. —Tem medo de que eu lhe caia


bem...

—Shelby, basta. Sabe qual é meu problema com tudo isto.

—Suponho que o problema é com sua mãe, porque eu não


te fiz nada. Nós dois sabíamos no que estávamos nos
colocando. Eu tenho planos e você tem planos: isto é provisório.
Não é isso o que disse? Provisório. Então, só se trata de duas
famílias que se reúnem no Dia de Ação de Graças — Ela sorriu.
—Eu gosto de Sean, ele é atraente.

—Ele me parece um espantalho e um tolo.

Ela riu.

—Mas vai haver um inconveniente — Disse ela.

—Qual...?

—Não vou poder passar a noite contigo enquanto sua mãe


estiver aqui.

340
Ele se apoiou em um cotovelo e a olhou.

—Não vai?

Ela deu de ombros.

—Sinto muito. É um pouco antiquado, mas também é


excessivo para mim. É sua mãe. Não posso ficar como não
posso te levar para casa quando meu tio está lá. Espero que
entenda.

—Mas, Shelby, eles sabem que nós fazemos... o que


fazemos.

—Não é o mesmo — Replicou ela. —Não vou fazê­lo sob o


mesmo teto que eles. Se vivêssemos juntos, como um casal
comprometido... Mas estamos nos vendo para ter relações
sexuais. Não vou fazer com sua mãe na mesma casa.

—Se não puder...

—Sinto muito, não posso. Por respeito. Não o farei.

—Ela vai ficar cinco noites — Lhe acariciou o cabelo que


caía sobre seus ombros. —Cinco.

—Bom, suponho que poderei conseguir que Mel te dê algo


para que não fique louco.

—Isso é o que quer? — Perguntou ele. —Quer que


passemos as cinco noites separados?

—Não, isso é o que vai acontecer, Luke. Todos temos as

341
nossas normas. Agora, quero que relaxe. Só é um jantar e será
divertido.

—Claro.

Estava atônito que Shelby não tivesse aproveitado a


ocasião para prendê­lo em uma relação mais séria, mas não
tinha reconhecido que tampouco queria transpassar esse limite
com sua mãe para não parecer que se intimidava ante ela.
Entretanto, não deveria ser assim. As mulheres não atuavam
assim. Ela era muito fria. Parecia como se não estivesse
apaixonada por ele. Estava desperdiçando intencionadamente
uma ocasião de apanhá­lo.

**********

Muriel e Walt passaram todo o dia no carro procurando


antiguidades pelas montanhas. Ele jamais tinha feito algo
assim. Tampouco tinha cozinhado para uma mulher nem tinha
ajudado a restaurar uma casa. Ela pegava e desdobrava um
jornal de Garberville entre as mãos.

—Há um celeiro onde vendem coisas há um quilômetro —


Informou Muriel.

—Para que queremos ir a um celeiro onde vendem coisas?

—Como te expliquei cinquenta vezes, nunca se sabe. Uma

342
vez comprei um lavabo incrível de cento e cinquenta anos em
uma dessas vendas que fazem nos celeiros.

—Parece­me que sua casa não necessita de mais móveis.

—Mas é o que eu gosto! Algumas mulheres gostam de


beber dry martinis e eu gosto de procurar antiguidades e
objetos de coleção.

—Também bebe dry martinis.

Ela sorriu.

—Orgulho­me de ser muito completa.

Ele estacionou na borda, deu a volta e a olhou com o


pulso esquerdo apoiado no volante.

—Muriel, te convidaram para passar o Dia de Ação de


Graças em algum lugar?

—Em uns quantos.

—Vai ao sul?

—Não decidi — Respondeu ela. —Alguns amigos foram


muito atenciosos ao me convidar.

—Importa­se se te pergunto que amigos?

—Não os conhece, Walt.

—Tanto faz.

Ela tomou fôlego.

343
—Susan Sarandon me convidou para ir com sua família.
Uma família encantadora. Adoro seus filhos. Meu amigo George
tem reservas em um restaurante para alguns amigos...

—George?

—Não é novo. George Clooney. É encantador. É um pouco


jovem para mim e neste momento está saindo com uma garota
de trinta e tantos. Poderia ser sua mãe. Realmente, conheci
George faz uns anos, graças a sua tia. Também recebi uma
chamada de um amigo de sempre, Ed Asner. Tem uma pequena
família que vai reunir­se em sua casa. Naturalmente, Mason
quereria que fosse com ele, sua quarta esposa, os filhos dela e
seus netos — Muriel riu. —Somos muito modernos, verdade?
Convidar para jantar sua ex­esposa. Naturalmente, vinte por
cento de mim é muito atraente para ela — Riu ao ver o gesto de
perplexidade de Walt. —Sua comissão, Walt. É o que ele se leva
quando trabalho.

—Mmm... Então, vai?

—Não sei, por quê?

Ele estava um pouco incomodado e olhou para outro lado.

—Vamos receber Luke Riordan e sua família. Se quisesse


nos acompanhar, seria maravilhoso.

—Walt...

Ele a olhou nos olhos, a seu sorriso.

344
—O que?

—Espera que eu não aceite?

—Por que pergunta isso?

—Não me olhou ao me pedir isso.

—Ah. Me perdoe. É que, sei que quer que o nosso


relacionamento seja... informal.

—Quando eu disse algo assim? — Perguntou ela entre


risadas.

—Quando disse que tinha casado cinco vezes e não


pensava voltar a fazer esse disparate.

Isso lhe fez graça e pôs uma mão na coxa dele.

—Walt, teria que acontecer muitas coisas para que


pensasse sequer em me casar outra vez. Já sei quão destrutivo
é o matrimônio. Digo “sim, quero” e ocorre uma explosão
cósmica: os homens mais sexys e fabulosos se convertem em
animais incorrigíveis ou em idiotas sem remédio. Estou
amaldiçoada, não faria isso a ninguém. Entretanto, não vou
evitar uma boa relação e parece como se esta estivesse tomando
a aparência de uma relação muito boa. Eu adoraria
acompanhá­los no jantar do Dia de Ação de Graças, mas como
nos dois conhecemos minhas limitações, eu me ocuparei de
recolher e esfregar.

Ele arqueou as sobrancelhas e sorriu.

345
—De verdade?

—Por que não?

—Por exemplo, porque não sou Susan Sarandon nem


George Clooney.

—Nem Ed Asner, que é muito especial para mim, mas é


Walt Booth e está na mesma altura. Entretanto, tome cuidado,
Walt, as pessoas acreditarão que estamos a sério.

Ele sorriu.

—Até com o risco de te dar um susto de morte, estou


muito sério contigo, Muriel. Além disso, aspiro exatamente a
uma boa relação... e a uma boa máquina de lavar pratos.

346
Capítulo 13
Quando Sean e Maureen chegaram na última hora da
tarde da terça­feira, Luke estava preparado. Tinha limpado a
casa de cima abaixo, pintado as paredes, lixado e envernizado
os pisos e refeito a cozinha, embora ainda ficassem muitas
coisas que terminar. Os móveis eram bons e a casa parecia
melhor. Deixaria seu quarto para sua mãe e seu irmão dormiria
no andar de cima. Como não havia móveis no outro dormitório
desse andar, ele ficaria no sofá. A lareira estava acesa, havia
vinho na geladeira, costeletas e uma pequena churrasqueira
que tinha comprado. Havia dito a Shelby que conheceria sua
mãe na quarta­feira de noite, porque antes queria estar um
pouco com ela. Não era esse o motivo, naturalmente. Poderia
ter dito a Shelby que fosse na terça­feira quando terminasse o
que tivesse que fazer no povoado, mas isso poderia parecer
como se estivesse desejoso e sua mãe não necessitava de
muitos estímulos.

Embora lhe chateasse a intromissão, estava feliz de ver


sua mãe. Imaginava que ao cabo de dois dias estaria menos
feliz, mas quando ela desceu do 4x4 de Sean, sorriu de orelha a
orelha. Não parecia que tivesse sessenta e um anos, nem que
tivesse que tomar medicamentos para a pressão e o colesterol.
Tampouco aparentava ser uma dona­de­casa que tinha criado
cinco filhos. Parecia sofisticada e vestia calça jeans, botas e
jaqueta de couro. O que o derreteu de verdade foi seu sorriso e

347
seu olhar. Seu sorriso era impressionante e resplandecente,
tinha dentes grandes, fortes e brancos. Além disso, não
recordava uma só vez em que seus olhos verdes não tivessem
brilhado. Nesse momento estavam um pouco enrugados pelo
sorriso.

—Luke! Querido! — Exclamou ela correndo para o


alpendre para abraçá­lo.

Reteve­a entre os braços um bom momento.

—Como está, mamãe?

—Desejando chegar — Afastou­o para olhá­lo. —Tem bom


aspecto. Temia que estivesse pálido e magro.

—Por que estaria pálido e magro? — Luke olhou por cima


de seu ombro e viu Sean, que tirava várias malas do 4x4. —
Quanto tempo pensam em ficar?

—Até no domingo, mas não sabia bem o que teria que


trazer para um lugar como este.

—Então, trouxe tudo isso?

—Muito engraçado. Onde está Art? E Shelby?

—Shelby...? — Perguntou ele.

—Sean me contou tudo sobre ela. É preciosa, jovem, a


única sobrinha de um general, monta muito bem a cavalo, está
louca por você, etc.

348
—Mamãe, ela não está aqui. Está em sua casa. Pedi­lhe
que venha amanhã de noite para te conhecer e nos convidaram
para a casa de seu tio para o Dia de Ação de Graças.

—Ah... — Ela pareceu decepcionada. —Estava desejando


cozinhar para vocês.

—Podemos fazê­lo — Ele viu o céu aberto. —Seguro que o


entenderão: não nos vemos com tanta frequência...

—Não seja ridículo. Tenho muito tempo para cozinhar e


lhes deixar as sobras. O que levaremos a família de Shelby para
o jantar?

Ele franziu o cenho. Possivelmente passassem mais de


dois dias antes que a emoção se esgotasse.

—Bem... Já tem tudo.

—Temos que levar algo mais — Replicou ela. —Bolos,


feijões, pão, algo...

—Vou pegar a bagagem, mamãe.

—Muito bem. Então, me mostrará este lugar maravilhoso.

Luke desceu os degraus do alpendre e sua mãe entrou


para dar uma olhada. Aprendeu algo ao ter cinco filhos com um
pai muito rigoroso; não os ofenderia levantando um dedo
quando estivessem ao redor, exceto em assuntos domésticos.
Eles não deixariam que ela carregasse a bolsa de compra ou a
bagagem se estivessem presentes. Luke foi ao 4x4, onde Sean

349
estava descarregando muitas malas para apenas cinco noites.

—Eu diria que pensava estar indo num cruzeiro —


Comentou Sean.

—Sua morte será lenta e dolorosa.

—Vamos! Que abelha te picou? Teve tempo de sobra para


fazê­la mudar de ideia. Está emocionada de ter vindo, é
evidente.

—Falou sobre Shelby? Nem sequer te disse o que há com


ela! Não pode manter a boca fechada?

—Peço perdão; piloto um avião espião. Tenho uma


margem de segurança muito ampla. Falei de Shelby para te
chatear — Sean sorriu. —Ouvi bem? Vamos jantar na casa do
general?

—Me escute atentamente porque se estragar algo, eu te


matarei. É jovem e inexperiente, não é meu tipo. Sou muito
velho para ela e não estamos a sério. Seu tio está treinado em
combate corpo a corpo e não acha engraçado que eu goste dela.
Não é o habitual, de modo que mantenha sua bocarra fechada.
Advirto­lhe isso.

—Certo isto está te pondo sensível — Comentou Sean com


um meio sorriso. —Significa que está ardendo. Onde está Art?

—Em sua cabana. Irei buscá­lo assim que tenhamos


levado a bagagem para casa — Luke pegou duas bolsas. —
Aonde acreditava que ia?
350
—Quer causar boa impressão em seus amigos. Teria
podido evitar se tivesse ido dois dias a Phoenix.

—Levo anos tentando te evitar, mas não desaparece —


Balbuciou Luke. —Foi tua ideia e sabe disso. Não me chateie.

—Dentro de três segundos retrocederemos vinte anos e


estaremos nos derrubando pelo chão. Não vamos fazer isso por
ela, certo? Ela se preocupa com o que esta fazendo. A mim,
não, mas a ela, sim.

Luke agarrou outras duas bolsas com muito esforço e as


levou ao alpendre.

—Ponha suas coisas em meu quarto. Você dormirá em


acima. Vou procurar por Art.

Luke desceu do alpendre e foi à cabana do lado. Chamou e


abriu a porta. Art estava sentado na borda da cama
minuciosamente feita, como todos os dias. Estava asseado e
penteado e pôs as calças novas que Luke tinha lhe comprado.
Tinha as mãos agarradas diante dele e parecia apavorado.

—Art...

—Já chegaram?

—Sim. Quer ir saudá­los?

Ele se levantou e passou as mãos pelas calças com um


gesto nervoso. Também veementemente, assentiu com a
cabeça.

351
—O que acontece? Só são Sean e minha mãe. Já conhece
Sean. Se deram bem. Está preocupado com algo?

Ele negou bruscamente com a cabeça. Luke se aproximou


dele.

—Está alterado com algo. O que te afetou tanto?

—Nada. Tomei banho e não comi os sanduíches, como me


disse.

Luke sorriu. Art adorava sanduíche de mortadela.

—Tem muito bom aspecto. Só queria que jantasse bem e


se te enchesse com sanduíches, não teria fome. Comerá uma
costeleta conosco.

—A costeleta é dura. Não uso bem a faca porque não a uso


muito. Além disso, minha boca ficará cheia de carne. Tenho a
cabeça grande, mas a boca pequena, isso dizia Stan.

—Isso te preocupa? — Luke sorriu. —Te ajudarei. Usará


bem a faca, como faz com todas as ferramentas. Cortaremos
partes pequenas da costeleta. Por certo, não acho que sua boca
seja pequena. Te ouço todo o dia e não diria que sua boca é
pequena. Vamos, é a primeira pessoa pela qual perguntou
minha mãe.

—Minha mãe faleceu.

—Eu sei, Art. Minha mãe te cairá bem. Você lhe cairá
bem.

352
—Não sou como todo mundo.

—Eu disse a ela que você tem síndrome de Down. Sabe


perfeitamente o que é. Tínhamos um bom amigo com síndrome
de Down; não vai decepcionar ninguém. Tudo acabará muito
bem.

—Você acha?

—Isso é o que o preocupa? Não vai acontecer nada, minha


mãe é muito simpática. Ao menos, com as pessoas que não são
seus filhos. Vamos para que tudo se esclareça. Acredito que
nunca tinha te visto como se estivesse assustado.

—Tomei banho e não comi sanduíches. Bom, um, comi


um.

—Tudo bem — Luke riu. —Tinha fome? Aqui comemos


quando temos fome. Não se preocupe por isso.

—Sei. Sei — Art retorceu as mãos.

—Vamos acabar com isto. Não é a rainha da Inglaterra.


Tranquilo.

Art foi devagar. Luke teve que esperá­lo várias vezes no


caminho para a sua casa, que era muito perto. Quando abriu a
porta de sua casa, sua mãe e Sean tomavam vinho.

—Olá — Saudou Maureen com entusiasmo. —Você deve


ser Art...

Art entrou, olhou ao chão e assentiu com a cabeça.


353
—Então, entre. Me alegro muito de te conhecer finalmente.
Espero que tenha fome, acredito que vamos ao bar de Jack.

Luke olhou para Sean com o cenho franzido. Isso podia


danificar sua intenção de que a relação com Shelby parecesse
informal. Sean deu de ombros e olhou para outro lado.

—Jack me cai bem — Afirmou Art hesitantemente.

—Tenho costeletas — Disse Luke. —Acreditava que íamos


ficar em casa.

Maureen saiu da cozinha e se aproximou de Art.

—As costeletas aguentarão, queremos ir ao povoado. É um


pouco tímido, Art? — Perguntou ela com delicadeza.

Ele assentiu com a cabeça, mas sem brutalidade.

—Pois não tem que ser tímido comigo, porque estava


desejando te conhecer e ouvi dizer que ajuda muito ao Luke.

Art levantou o olhar.

—Não é a rainha da Inglaterra.

Maureen olhou para Luke com os olhos entrecerrados. Era


um olhar de advertência que os meninos chamavam de “ande
com cuidado”.

—Mas quase o sou, Art, e espero que seja muito amável e


simpático.

Ele assentiu com a cabeça.

354
—Claro que o será — Seguiu ela. —Agora, apertaria a mão
ou abraçaria à mãe do Luke?

Ele ficou sem saber o que fazer. Maureen o rodeou com os


braços, estreitou­o contra si e o balançou.

—É maravilhoso que ajude Luke. Encantou­me te


conhecer.

—Minha mãe faleceu.

—Sinto muito. Então, ainda necessitará mais do abraço de


uma mãe — Ela sorriu. —Vamos nos dar outro abraço.

Ele levantou os braços para abraçá­la. Luke sorriu embora


tentasse sentir­se vexado por essa invasão.

**********

Maureen os conquistou. Não só a Shelby e à sua família,


mas todo o povoado. Para ser rigoroso, Maureen não conheceu
todos os habitantes de Virgin River, mas sim conheceu quem
Luke considerava seus novos amigos, impressionou­os e fez que
Luke parecesse melhor.

Começaram com um jantar no bar de Jack a noite que


chegaram e, naturalmente, Shelby estava ali. As apresentações
começaram logo. Naturalmente, por que não estaria ali? Não
tinha nada melhor a fazer e ele não a tinha convidado para a
355
sua casa. Seu rosto se iluminou de uma forma que fez que
Luke sentisse remorsos. Sean a abraçou como se fossem
grandes amigos e fez as apresentações porque era o mais
sociável, o espontâneo. O general entrou com a famosa Muriel e
todos ficaram para jantar com Mel, Jack, Brie e Mike. Não
houve maneira de tirar Maureen da cozinha e não deixou de
fazer perguntas a Pastor e Paige sobre como levavam o bar.
Além disso, enquanto fazia as perguntas sujeitava nos braços o
seu bebê. Luke colocou a cabeça para ver o que estava fazendo
e saiu antes que ela começasse com a cantilena de que tinha
cinco filhos bonitos e saudáveis, mas nenhum neto.

Maureen tinha o dom de conhecer às pessoas, de que se


sentissem cômodos e de mostrar suas melhores virtudes. Por
exemplo, manteve­se perto de Art e muitas vezes tomou sua
mão, o que indicava sua amabilidade e carinho. Fez que o
general risse, ganhou Mel e Brie, adulou Shelby e se fez amiga
íntima de Muriel em questão de minutos. Um olhar furtivo ao
general disse a Luke que estava quase emocionado com os gens
que ele tinha recebido.

No dia seguinte, o jantar foi mais íntimo, com Art e


Shelby, e comeram as costeletas que tinha guardado. Então,
Luke se inteirou de mais coisas da vida de Shelby das que não
tinha tido tempo de perguntar. Matt, o primeiro marido de
Vanessa, sua prima, foi um fuzileiro que perdeu a vida em
Bagdad. Paul era seu melhor amigo e foi testemunha de suas
bodas. Quando Matt faleceu, Paul esteve ao seu lado no

356
nascimento de seu filho e depois de muitas vacilações acabou
confessando a Vanessa que a amava desde o primeiro dia que a
viu, mas que Matt a tinha levado antes. Nenhum homem
íntegro se metia no terreno de seu amigo. Nesse momento
estavam juntos e Paul exercia a função de pai do filho de seu
melhor amigo. Foi uma história tão romântica que Maureen
suspirou e enxugou umas lágrimas.

Shelby lhes contou outras histórias do povoado. A


chegada de Mel depois da morte violenta de seu primeiro
marido, a odisseia de Mike e Brie; como Pastor encontrou Paige
e formaram uma família e uma vida que ele nunca esperou ter.
Maureen estava encantada com as histórias dos amigos de
Luke, histórias que Luke desconhecia. Luke conhecia poucos
dados concretos sobre as pessoas que tinham chegado a se
tornar seus amigos. Os homens não contavam as coisas como
as mulheres.

O Dia de Ação de Graças foi um êxito determinante na


casa do general. Maureen conheceu o resto da família, riram
muito e as histórias familiares que se contaram foram
inofensivas, das que não levantavam suspeitas. Luke estava
orgulhoso de sua mãe. Era um exemplo de vitalidade,
compassiva, com senso de humor e uma beleza transbordante
de força. Além disso, nem sequer se vislumbrou seu lado rígido.
Depois de conhecê­la minimamente, ficava claro que era reta e
rigorosa, mas só criticava aos seus filhos, ninguém mais.

Ele se deu conta, quase com um sobressalto, de que ela o

357
melhorou. Eles haviam aceitado, sem dúvida, mas permaneceu
um mistério para os Booth e para o povoado. Era um soldado
profissional, solteiro embora gostasse das mulheres, solitário e
se apresentou como um homem com quem era difícil de ter
intimidade. Chegando Maureen, ele se tornou um filho amado,
um homem generoso que tinha tomado a cargo de Art, um
homem sem objeções a Shelby, um homem normal de quem
podiam se esperar coisas boas. O General e Paul, lenta mas
visivelmente, começaram a olhar de forma diferente. Foi tratado
como um membro da família, como alguém em quem podiam
confiar não alguém suspeito.

Qualquer homem normal teria sido grato e aliviado, mas


Luke pensou que tinha suas desvantagens. Muito preocupado
com as esperanças que poderia abrigar Shelby, mas isso era
algo que podia controlar. Não sabia o que poderia fazer com as
esperanças de sua família e de todo um povoado que tinha
começado a considerá­lo digno de confiança e com intenções
respeitáveis. Ficou silencioso, taciturno, embora desejoso de
que Maureen e Sean partissem para poder voltar para sua vida
pessoal com Shelby, com quem desejava fazer amor.

Por fim, chegou o domingo pela manhã. Arrumaram a


bagagem. Art tomou o café da manhã com eles antes de ir
pescar no rio e Sean se preparou para levar a sua mãe ao
aeroporto. A levaria no 4x4 para Sacramento, colocari­a em um
avião para Phoenix e ele voltaria para a base aérea de Beale,
onde estava destinado.

358
Luke saiu ao alpendre com a taça de café. O sol
resplandecia, mas fazia frio. Tinha acendido a lareira. Maureen
não demorou para sair com a jaqueta posta e sua taça de café.

—Tudo preparado? — Perguntou Luke.

—Tudo. Sean está usando sua ducha. Demorará dez ou


quinze minutos. Pensei que poderíamos aproveitar esse
momento. Não falamos.

—Passamos cinco dias juntos — Luke deu de ombros. —É


quase um recorde.

Entretanto, ele soube que ela não se referia a isso.

—Luke, passou muito tempo desde Felícia — Comentou


com delicadeza antes de dar um sorvo de café.

—Muito tempo — Confirmou ele. —Já superei.

—Ela era a exceção, não a regra — Continuou Maureen. —


Não deveria dar como obvio que as relações não podem sair
bem porque uma mulher tenha te tratado mal.

Luke não disse nada, embora quisesse gritar. Não tinha


levado mal, ele voltou acreditando que ela estava esperando um
filho dele e comprovou que era de outro.

—Shelby é uma jovem maravilhosa. Estão muito bem


juntos.

—Mãe...

359
—Não se trata só dela. É evidente que te ama, mas
também se trata de você. Assim que se aproxima de você, esses
sulcos de tensão do seu rosto relaxam e se suavizam. Cai a
máscara resmungona que usa para se proteger e passa a ser
quente e carinhoso. Sente­se bem, tira o melhor que há em
você, te diverte. Tem algo especial com ela.

—Tem vinte e cinco anos.

Maureen sacudiu a cabeça.

—Acredito que isso não é importante. Parece­me que não


tem nada que ver com a forma de se comunicar...

—Há coisas que não entende sobre Shelby. Não só é


jovem, tampouco teve muitas relações. Esteve cuidando de sua
mãe e não viu o mundo de verdade. Em muitos aspectos, é uma
menina.

—Sei tudo referente a sua mãe, mas não é uma menina —


Replicou Maureen. —Se necessita maturidade e valor para fazer
o que fez. Que não tenha tido muitas relações com homens
jovens não quer dizer que não tenha experiência. Além disso,
não lhe importa sua idade.

—Importará. Sou muito mais velho. Quando ela tiver


trinta e cinco anos, eu terei quase cinquenta. Estará com um
velho.

—Aos cinquenta? — Ela riu. —Gostei dos cinquenta —


Afirmou ela dando de ombros desdenhosamente. —Foi uma boa

360
idade. Só tinha vinte e três anos quando casei com seu pai e
nunca o considerei muito velho para mim. Ao contrário, estar
com um homem maduro que já não tinha dúvidas, fez que me
sentisse melhor em muitos sentidos. Era sólido e estável. Deu­
me tranquilidade e era muito bom comigo.

Luke ficou muito reto.

—Não vou me casar. Shelby vai seguir seu caminho,


mamãe. Quer ter uma profissão e um marido jovem, quer uma
família.

—Você sabe disso? — Perguntou ela.

—Claro que sei — Respondeu ele. —Pensa que não


conversamos? Não nos demos falsas esperanças. Ela sabe que
não quero uma esposa, que não quero filhos.

Maureen ficou um bom momento em silêncio.

—Uma vez você quis — Disse por fim.

Luke deixou escapar uma gargalhada carregada de raiva.

—Estou curado.

—Tem que pensar numa coisa. A vida que levou depois de


Felícia, não te deu tranquilidade de espírito. Imagino que é
normal que um homem queira evitar os riscos quando lhe têm
feito mal, mas não durante treze anos. Se aparecer a pessoa
indicada, não dê por obvio que acabará mal porque acabou faz
muito tempo. Conheço esta jovem como conheci Felícia, Luke.

361
Shelby não se parece nada com ela. Nada.

Luke franziu os lábios, olhou um segundo para outro lado


e deu um sorvo de café.

—Obrigado, mamãe. Me lembrarei disso.

Ela se aproximou dele.

—Vai te doer tanto deixá­la partir como doeu que Felícia te


abandonasse. Lembre­se.

—Parece­me que não sou eu quem está fazendo hipóteses


— Replicou ele com impaciência. —O que te faz pensar que todo
mundo quer um matrimônio convencional e filhos? Fui muito
feliz durante os últimos doze anos. Passei por provas da minha
maneira. Passei bem, tive amigos, algumas relacionam...

—Esteve contando os anos, não vivendo­os. Há mais


coisas na vida, Luke. Espero que chegue a ver que pode
conseguir tudo, que neste momento está em uma situação
muito boa. Seus anos no Exército lhe deixaram uma pensão
quando ainda é jovem. Está saudável, é inteligente, tem
recursos e tem uma boa mulher. Está entregue a você. Não há
nenhum motivo para que fique sozinho o resto de sua vida. Não
é muito tarde.

Ele tinha aguentado seu suave olhar enquanto falava, mas


olhou para outro lado em vez de rebatê­la. Não pensava o
mesmo, pensava que sim era muito tarde. Via uma moça
formosa disposta a viver com ele e a ter um filho ou dois até

362
que um dia despertasse e se desse conta de que ainda não
tinha vivido de verdade. Teria passado de cuidar de sua mãe
doente a estar com ele. Seguiria sendo jovem, formosa e
apaixonada e se arrependeria de não ter olhado com
perspectiva, de não ter procurado alguém que pudesse lhe
oferecer mais. Maureen se equivocava. Se Shelby lhe concedia
uns anos antes de recuperar o bom senso e abandoná­lo, doeria
muito mais. Muitíssimo mais.

—Escute — Ela disse com serenidade às suas costas. —


Não sei o que pode acontecer com Felícia para fazer o que fez.
Não é fácil encontrar um homem que sabe o que quer, poderia
ter conseguido tudo com você. Entretanto, era muito tola, não
via além de seu nariz. Jogou ao mar por um capricho ridículo.
Possivelmente pensasse que tinha motivos lógicos. Teve a
oportunidade de tê­lo, mas deixou um bom homem, uma vida
agradável e um futuro promissor.

Luke virou com raiva nos olhos.

—Basta. Não tem que me explicar isso. Já sei que Shelby


não se parece com a Felícia.

—Não estava falando de Shelby — Replicou Maureen. —


Falava de você. Desta vez seria você que iria atirar ao mar por
uma ilusão ridícula. Não jogue ao mar a melhor oportunidade
de ser feliz que você pode ter.

—Basta — Repetiu ele em tom de súplica.

Não era fácil intimidar Maureen.


363
—Você se agarrou a essa raiva por muito tempo. É hora de
permitir­se viver a vida que você realmente quer.

Se olharam um momento nos olhos, até que Sean saiu


pela porta com um sorriso de orelha a orelha.

—Pronta para ir? Mamãe? Luke?

Os dois demoraram um segundo em repor­se.

—Claro — Respondeu Maureen lhe dando a taça. —Vou


um momento ao rio para me despedir de Art.

—Sim, eu também vou me despedir — Sean deu a taça


para Luke.

Ele os esperou ao lado do 4x4 de Sean até que voltaram.


Sua mãe tinha um sorriso enorme e os olhos verdes lhe
resplandeciam.

—Luke, querido, foi maravilhoso. Adorei sua casa, as


cabanas, o povoado e seus novos amigos. Acredito que se
decidisse ficar, poderia estar a gosto — Ela se aproximou dele e
lhe deu um beijo na bochecha. —Muito obrigado por tudo. Vou
chama­lo em breve.

—Que seja breve de verdade — Pediu Luke. —Sean,


conduza com cuidado. Deixa­a no avião inteira.

**********

364
Luke ficou pensativo quando sua mãe e seu irmão
partiram. Sabia aonde ela queria chegar. Inclusive, reconhecia
que tinha certa lógica, mas ela não entendia que embora ele
tivesse coragem para correr esse risco, não podia impor a
Shelby uma prova assim. Era jovem e inocente. Ele estava
curtido e corrompido e engolir os sentimentos se converteu em
um costume.

Poderia ter trabalhado em uma das cabanas, mas não o


fez. Foi de um lado a outro. Nem sequer podia lavar os pratos e
as taças do café da manhã, sua mãe os tinha lavado. Lavou os
lençóis e as toalhas. Foi da casa ao alpendre e do alpendre à
casa. Viu Art que voltava do rio, que o saudava com a mão, que
entrava por um momento em sua cabana, e que voltava a ir ao
rio. Teria ido comer algo? Pensou em comprar um pouco de
roupa. Possivelmente lhe comprasse um colete de lona, um
chapéu de pescador e uma cesta.

Queria muitíssimo a sua mãe e não suportava decepciona­


la. Não se tratava do que ele queria, tratava­se de sobreviver.
Não podia entender?

Tinha­o aborrecido com suas teorias. Tinha que recordar o


passado dela. Não era como as mulheres de sua geração.
Pensou em entrar num convento, embora fosse uma jovem
muito formosa, tinha­o visto em fotografias. Embora ela nunca
falasse de nada inadequado, seu pai disse que sua mãe era
pura como a neve. Luke o interpretou como que era virgem aos
365
vinte e três anos, algo inusitado nos tempos que corriam. Luke
não ia atrás de mulheres assim. Até recentemente.

Entretanto, isso era completamente distinto. Shelby não


tinha sido virgem nessa idade porque tivesse estado se
reservando, mas sim porque não tinha tido a oportunidade.
Isso era o que necessitava nesse momento: oportunidades. Uma
formação, uma profissão, experiência e, efetivamente, uns
quantos homens mais para que pudesse decidir por si mesma o
que lhe convinha mais. Não era uma boa ideia que uma jovem
tão inteligente, curiosa e grata pelas coisas boas da vida como
Shelby ficasse bloqueada. Ele parecia o melhor só porque foi o
primeiro, mas não era o melhor, por qualquer meio.

Mesmo assim, uma parte dele desejava que a fantasia de


sua mãe fosse realidade, que se encontrasse acidentalmente
com a pessoa ideal, que se lançasse sem esperar um segundo
para conquistá­la e que fossem felizes durante os trinta,
quarenta ou cinquenta anos seguintes.

Desgraçadamente, não tinha só a ver com a sua má


experiência. Tinha conhecido muitos homens durante os
últimos vinte anos e muito poucos mantinham relações sólidas,
muitos tinham padecido por uma mulher. Era um tipo curtido e
não estava acostumado a falar de sentimentos com outros
homens, mas tinha consolado a alguns soldados jovens que
tinham sofrido por um amor perdido. Os mesmos homens que
não duvidavam em entrar em um combate sanguinário podiam
cair de joelhos por uma mulher que não tinha mantido suas

366
promessas.

Sua mãe não sabia do que estava falando. Sua mãe não o
entendia. Tinha boa intenção, desejava o melhor para ele, mas
se enganava ao ver tudo cor de rosa.

Então, Shelby chegou à sua casa num carro. Era primeira


hora da tarde e ela sabia que sua mãe e Sean tinham partido
pela manhã. Ele levantou da cadeira de balanço do alpendre e a
observou descer do jipe com o cabelo solto, como ele gostava.
Levava calças jeans justas, botas e um colete em cima do
pulôver de pescoço fechado. Ficou ao lado do carro e lhe sorriu.
Podia ter esperado para ir ao bar de Jack para vê­lo ou a que
ele chamasse para lhe dizer que o espaço estava livre, mas não
tinha esperado, tinha ido.

—Onde está Art? — Perguntou ela.

—Pescando.

—Perfeito — Comentou com um sorriso.

Ele se esqueceu de tudo o que tinha pensado, sorriu e


notou que desvanecia a tensão do rosto, o pescoço e os ombros.
Riu e meteu os polegares nos bolsos. Ela fechou a porta do
carro, subiu correndo os degraus do alpendre, rodeou­lhe o
pescoço com os braços e a cintura com as pernas e o beijou nos
lábios. Riu sobre os lábios separados dele, mas só um instante.
Ele se deleitou com a doçura de sua boca sem poder mover­se
desse ponto do alpendre. O único importante para ele nesse
momento era tê­la entre os braços, cheirá­la e sentir sua boca
367
na boca dela.

—Me acalmarei — Prometeu ele quase sem separar os


lábios. —A tomarei com calma.

—Não faz mal — Replicou ela em um sussurro


entrecortado. —Não tem que tomar nada com calma por mim,
porque tenho muita pressa.

—Santo céu — Sussurrou ele. —Está segura?

—Estou segura de que morro por você, Luke.

—Santo céu — Repetiu ele antes de levá­la assim até o


dormitório e tombar­se com ela na cama.

—Não pude sair antes e não sabia quando...

Ela começou a lhe tirar a roupa, enquanto ele tirava a dela


de uma vez. O colete e o pulôver foram primeiro e
acompanharam à camisa dele ao chão. Ele a deteve um
instante com a boca ávida e voraz. Ela escapou de seus lábios.

—As botas, Luke. Temos que nos tirar as botas.

Ele deixou escapar uma gargalhada carregada de luxúria.

—Seria interessante fazê­lo só com as botas. Tiraremos os


jeans e voltaremos a pôr as botas.

—Alguém poderia fazer algum dano — Replicou ela. —Se


apresse.

Luke pensou que ia morrer ao vê­la assim, apressando­o,

368
necessitando­o.

—É uma emergência, querida? — Perguntou ele.

—Não sabe o quanto — Respondeu ela. —As botas, se


ocupe das botas.

Um brilho zombador iluminou os olhos dele. Tirou as


botas e tirou muito lentamente as dela. Era divertido ver Shelby
desenfreada. Agarrou­a pelos pulsos, levantou seus braços
acima da cabeça e lhe beijou delicadamente o corpo por cima
do sutiã, no abdômen, no queixo, no pescoço. Ela riu.

—Se importaria...?

—Necessita de algo? — Perguntou ele provocadoramente.

—Estou o dia todo esperando que estivesse sozinho outra


vez.

Soltou os jeans com calma e introduziu a mão.

—Luke! Brincaremos mais tarde! — repreendeu­o ela.

Ele riu, soltou­lhe as mãos, baixou­lhe os jeans e tirou os


seus.

—Vou durar dois minutos — Avisou ele.

—Não acredito que eu dure mais que isso — Replicou ela.

Levantou­lhe as pernas, acariciou­a um pouco e foi direto


ao assunto. Entretanto, Shelby tinha tomado a dianteira,
estava mais ansiosa que ele, o que lhe parecia impossível.

369
Rodeou sua cintura com as pernas e ao cabo de uns segundos
o deixou estupefato com um clímax demolidor que o
transportou a outro mundo. Conteve um grunhido para tentar
durar e que ela se deixasse arrastar. Quando começou a
relaxar­se, ele também se deixou levar e soltou toda uma
semana de tensão, preocupação, dúvidas e paranoias. Estava
no único lugar onde queria estar.

Então, chegou essa parte que já adorava, quando a


abraçava enquanto voltava para a vida, aliviada, apaziguada,
congestionada e feliz.

—Foi uma vergonha — Se queixou ela. —O que me fez?

—Nada que você não me tenha feito também — Respondeu


ele lhe dando um beijo. —Senti sua falta.

—Sim, mas foi uma semana estupenda. Acho que temos


pouco tempo para lidar com essas separações.

—Eu odiava a minha mãe todas as noites — Brincou ele


enquanto saía dela.

—É fantástica. Tem sorte, tem uma mãe maravilhosa.

Ele se deitou de lado e a abraçou. Pareceu­lhe curioso que


o primeiro que lhe passou pela cabeça fosse que se inteirou de
mais coisas de Shelby por ouvi­la falar com sua mãe, que pelo
tempo que tinham passado juntos, mesmo tendo sido intenso e
intimo. Algo fez que se sentisse mal.

—Me fale de sua mãe — Pediu ele abraçando­a.


370
—Era sensacional. Se minha mãe tivesse viva, nossas
mães teriam se dado muito bem. Antes de adoecer era toda
energia. Era bonita, te mostrarei umas fotos outra hora.
Sempre trabalhou. Teve que fazê­lo, claro, porque meu pai nos
abandonou antes que eu nascesse. Meu tio Walt era uma ajuda
muito considerável, mas... Embora ela trabalhasse a jornada
completa, sempre assistia a cada concerto, apresentação ou o
que eu fizesse no colégio. Não só encontrava tempo para que
fossemos amigas, nós fomos amigas íntimas. Todos detestavam
as suas mães, brigavam todo o momento, mas eu ia às compras
e ao cinema com a minha — Shelby ficou um pouco chorosa. —
Agradeço um montão que tivéssemos isso quando eu era uma
adolescente. Não é o normal.

—De fato — Confirmou ele afastando o cabelo do seu


rosto.

—Sabe? Brigava com seus pais?

—Tenho quatro irmãos. Todos nós brigávamos. Seguimos


brigando.

—Como pode dizer isso? Sean é encantador.

—Deixa de dizer elogios sobre ele — Ordenou Luke. —É


um chato e um trapaceiro. Me conte mais coisas.

—Está seguro? É chato isso.

—Não me parece assim.

—Muito bem. Depois que ela teve que parar e começou a


371
me necessitar, já não pudemos sair juntas, mas isso não
impediu que nos divertíssemos. Nós adorávamos ler e eu lia
para ela até muito tarde. Li “E O Vento Levou” e “Anna
Karerina”, embora já os tivéssemos lido. Nós adorávamos esses
amores profundos e complicados. Também víamos comédias
românticas e chorávamos. Logo falávamos das tolices que
faziam as garotas e das que faziam os rapazes, sobre o que
estava errado e, naturalmente, sobre o que estava muito bem.
Elaboramos nosso homem perfeito com esses personagens.
Fomos muito parecidas. Ela tampouco tinha tido seu homem
perfeito. Comentávamos o que tinha que dizer um homem para
cair rendida. Ao estilo de Jerry Maguire.

—Quem é Jerry Maguire? — Perguntou ele acariciando


seu ombro nu.

—Tom Cruise.

—Ele é baixo.

Shelby sorriu.

—Eu também.

—O que disse? — Perguntou ele entre risadas. —Qual é


seu estilo? Sempre quis ter um bom estilo.

—Que me complete.

—De verdade? — Luke arqueou as sobrancelhas. —O que


quer dizer?

372
—Faz que me sinta plena. — Ele franziu o cenho. —Não
sou uma pessoa plena sem você.

—Ah. Acredito que não poderia dizer algo assim.

—Nos inventávamos nossas melhores frases e falávamos


de como seria o homem perfeito.

—Como era seu homem perfeito? —perguntou­lhe ele.

—Nada parecido com você, mas tudo mudou e se


converteu em você — Respondeu ela.

—Qual era sua frase perfeita?

—É uma tolice.

—Diga isso. Eu quero saber.

—É só é uma frase, uma fantasia. Não pode utilizá­la, não


seria igual se eu te disser. Além disso, se a empregar com outra
mulher, direi a meu tio Walt que tem feito algo terrível e te
matará.

—Shelby, estamos nus e acabamos de fazer amor


maravilhosamente. Neste momento, as ameaças de morte são
uma vulgaridade. Tenha um pouco de educação. Me diga a
frase perfeita.

Ela ficou em silêncio, mordeu o lábio inferior e pensou um


momento.

—É tudo o que necessito para ser feliz — Ela o olhou nos

373
olhos e sorriu com acanhamento. —Só é uma frase. Escrever
guias e novelas românticas esteve na lista de coisas que eu
gostaria de fazer.

Lhe acariciou o cabelo cor de mel e a beijou na cabeça.

—Shelby, acredito que é tudo o que necessito para ser feliz


—sussurrou ele.

Ela o olhou um bom momento nos olhos e sorriu.

—Em minha fantasia, ele não diz “acredito” — Shelby riu.


—Sua mãe te convenceu para que vá a Phoenix no Natal?
Disse­me que ia tentar.

—É possível que vá alguns dias. Não vou repetir esta


experiência de cinco dias. Não aguento um reencontro. Quase
me matou — Luke sorriu. —Percebe que você deixou de ser
uma virgem tímida a uma predadora? Shelby, saiu da casca. E
muito.

—É possível que você me tenha tirado. Não acha isso?

—Tinha que estar disposta.

—Estava disposta — Confirmou ela acariciando seu rosto.


—Para você.

**********

374
Era o domingo seguinte ao Dia de Ação de Graças e Walt
não se recordava de ter estado na cama com uma mulher nua
no meio da tarde. Quando era jovem, o Exército o tinha
esmagado e, além disso, o primeiro filho chegou assim que se
casará com Peg. Suas vidas giraram ao redor da vida familiar e
do que exigia a vida de um oficial. Quando chegou a general,
teve um ajudante de serviço na casa. Nenhum dos dois era
recatado, mas assim que tentavam fazer algo tão ousado como
tomar banho juntos, algum de seus filhos adolescentes chegava
e começava a esmurrar a porta. Riu de seus pensamentos.

—Há algo que você acha que é engraçado? — Perguntou


Muriel.

—Sim, nós, que fazemos amor pela tarde com dois cães
dormindo aos pés da cama. É fantástico, Muriel. Fantástico. Me
alegro de que não haja espelhos no teto.

—Eu também — Ela riu. —Melhor não pensarmos no


aspecto que temos.

—Não é o que tínhamos, mas segue tendo o corpo de uma


moça. De verdade.

—Sabe o que é o que mais gosto de você? Sua inteligência.


Embora seja um mentiroso, sabe perfeitamente o que tem que
dizer.

—É possível que o que vou dizer não seja acertado, mas


vou dizer. Não tinha feito amor desde que Peg morreu. Até que
te conheci.
375
Ela levantou o queixo para olhá­lo.

—Walt, eu não tinha feito amor desde antes que Peg


morresse.

—De verdade? — Perguntou ele com assombro. —É


incrível. É feita para o sexo.

—Suponho que pretendia ser uma adulação — Replicou


ela com o cenho franzido.

—Digo a sério. É uma amante maravilhosa. Uma


companheira. Companheira não cruza o limite, verdade?

—Não cruza o limite, mas se aproxima muito.

—Não quer nos considerar um casal informal que...?

—Não — O interrompeu ela. —Tomar café ou beber algo é


informal. A intimidade é...

Soou o telefone e ela se virou para responder, mas Walt a


agarrou pelo braço.

—O que é a intimidade?

—Deliciosa, muito deliciosa — Ela sorriu. —Posso


atender?

—Alguém da sua família está morrendo ou um amigo


íntimo?

—Que eu saiba, não.

376
—Então, podemos não...

—Walt, vou atender — Ela se virou e atendeu. —Alô. Olá.


Jack, o que houve? De verdade? Chama­se Mason? Sim, pode
lhe dar a direção. É meu agente. Jack, obrigado por me
perguntar isso antes. Fez muito bem. Poderia ter sido qualquer
um — Quando voltou a se virar, ela suspirou. —Um homem
dirigindo um Bentley e com um chapéu muito curioso acaba de
apresentar­se no bar de Jack e lhe perguntou se sabia minha
direção. É Mason.

—O que faz aqui?

—Não tenho nem ideia, mas suponho que terá alguma


proposta magnífica ou um roteiro e terá pensado que se me
pressionar diretamente conseguirá algo. Não o conseguirá.

—Por que disse ao Jack que lhe dê a direção?

—Olhe, é possível que Mason me chateie com seu


empenho em minha carreira, inclusive depois de estar tentando
deixar o cinema, mas fomos bons amigos e leais durante mais
de trinta e cinco anos e...

—E ex­marido — Particularizou ele.

—Nem nos damos conta disso. De verdade, estou em


dívida com ele. Tirou­me de alguns embaraços. Minha profissão
pode ser muito complicada. É possível que se engane um pouco
com projetos que não são o que parecem, mas se alguma vez vê
que há algo em minha carreira que não vai como deveria ir,

377
entra como um leão e se encarrega de tudo. Por isso vamos nos
vestir e ser gentil, não é?

—Tenho uma ideia. Podemos recebê­lo como Deus nos


trouxe para o mundo para que saiba como estão as coisas. O
que te parece?

—Uma crueldade. É o único que vai me ver assim. Seja


amável com Mason. Irá embora antes se o for e deixe que me
ocupe dele.

—Vou tomar uma ducha.

—Walt, está sendo um pouco evidente, não parece? —


Perguntou ela vestindo a calça jeans.

—Quando te perguntar quem está na ducha, você pode


responder que é Walt, um amigo pouco mais que informal e
menos que um casal legal, que vai partir sem brigar com
ninguém.

—Muito bem — Ela riu —, mas vai embora antes de você


descer.

Mason entrou dez minutos mais tarde. Muriel o abraçou e


ele elogiou sua beleza, embora não estivesse maquiada e levava
vários meses sem fazer manicure. Era mais baixo que ela,
vestia um casaco de cachemira, sapatos Gucci e um chapéu cor
vermelha que lhe cobria a cabeça meio calva. Tinha uma barba
grisalha e olhos azuis que parecem um pouco demasiado
brilhantes. Ou tinha um roteiro muito especial ou tinha tomado

378
cocaína.

Walt apareceu quando estava lhe servindo uma taça de


chá em sua cozinha recém­inaugurada. Apareceu vestido.

—Mason, apresento a Walt Booth, meu...

—Acompanhante habitual — Terminou ele.

Mason estendeu a mão e olhou para Muriel com uma


sobrancelha arqueada. Ela negou com a cabeça e riu.

—Walt é meu vizinho e um amigo muito bom. Muito bom.

Walt se serviu uma cerveja da geladeira para demonstrar


que não era um convidado.

—Mason — Seguiu Muriel —, acabemos com o mistério.


Para que veio até Virgin River?

—Eu tinha esperado que viesse a minha casa no Dia de


Ação de Graças para falar disto, mas como não foi... Tenho um
roteiro para você que é o Oscar certo. É uma comédia
romântica, mas tem seu lado sério. Jack Nicholson quer que
seja a protagonista. Só você. Está disposto a assinar o contrato
se aceitar o papel. É sua oportunidade, Muriel. Sei que te dei
muitas porcarias que rejeitou, certamente com razão, mas tem
que olhar este. Os produtores tem dinheiro e estão testando
três diretores que ganharam um Oscar.

Fez­se silêncio e ninguém moveu um músculo. Muriel


soube que seu silêncio incomodou Walt. Estava acostumado a

379
que ela se negasse imediatamente.

—Trouxe o roteiro?

—Sim. Leia. Ao menos, fale com eles. Não importa se te


apetece trabalhar, se eu permitisse que o rejeitasse sem pensar,
deviam me prender por fraude.

—Muito bem — Ela se levantou. —Te instalarei na casa de


hóspedes. Walt, não vá. Volto já. Por aqui, Mason.

Deixaram a cozinha para a porta da frente. Levou Mason e


duas malas até a sua moradia anterior e voltou dez minutos
mais tarde com um roteiro. Walt estava sentado à mesa,
esperando.

—Direi como acontece este tipo de coisas — Comentou ela


sem preâmbulos. —Este projeto poderia me entusiasmar e
quando tiver me comprometido, Jack Nicholson e os diretores
desaparecerão e terei que me arrumar com o que se apresente
no set. Quando estava na ativa, podia me permitir
eventualidades assim porque afinal sempre saía um filme
aceitável. No entanto, apesar de nem mesmo olhar para isto —
Muriel levantou o roteiro —, não vou deixar meus cavalos, nem
minha casa nova, nem você por algo que não esteja gravado em
pedra. Entendeu, Walt?

—Ele vai ficar? — Foi o único que respondeu Walt.

**********
380
Mason Fielding só ficou uma noite e no meio da amanhã
do dia seguinte estava a caminho de Los Angeles. A primeira
hora da tarde, Walt chegou montado em Liberty e esperou que
ela selasse a Sweety, seu cavalo de raça.

Foram ao longo do rio. Estava frio e os cavalos soltavam


vapor pelos focinhos. Ainda não tinha nevado, mas se nublava,
o ar estava suficiente frio para que no dia seguinte houvesse
uma boa camada branca.

—Olhou o roteiro? — Perguntou Walt.

—Eu o li duas vezes.

—Duas vezes? — Perguntou com assombro.

—Não é o roteiro técnico. Só são cento e trinta e cinco


páginas de diálogos.

—É bom?

—Muito bom. Trocaria um par de coisas, mas a escritora


melhorou, era o que todos estávamos esperando dela.

—Uma escritora?

—Sim. Este será seu segundo filme importante e o


primeiro foi muito bem recebido. Era uma roteirista muito
jovem quando começou. Agora tem minha idade, mais ou
menos.

—Mmm... É tão bom que você pode pensar nisso?

381
—É tão bom que posso falar de pensar nisso. Ainda não
respondi nada ao Mason. Estou na fase de me expor a isso.

—Quando diz que pode falar sobre pensar nisso o que


implica?

—Reuniões para polir detalhes, decidir os protagonistas e


os secundários, os diretores, etc.

—Significa voltar para Los Angeles?

—É possível que não. Os atores e diretores continuam


gravando. As reuniões por videoconferência dão bons
resultados. É o tipo de roteiro que pode sair redondo se o fizer
bem. Entretanto, se algumas coisas deslizarem fora dos eixos
ou não se puder reunir o elenco acertado, pode ser mais outro
filme ligeiramente divertido.

—Não acontece isso com muitos roteiros?

—Não. Com a maioria, se sabe o que pode dar de si desde


o começo. Este tem muitas possibilidades, mas o que mais me
atrai no papel é que poderia ser eu mesma.

—Você mesma de verdade? — Perguntou ele.

—Uma mulher que vive no campo e não se deslumbra por


Hollywood. Acredito que a roteirista deu um toque
autobiográfico. É uma escritora que odeia Hollywood e vive em
uma fazenda com só animais por companhia, como cães,
cavalos e cabras. Como tem talento, um ator, algo mais velho,
vai a ela para que escreva um roteiro que impulsione sua
382
carreira antes que seja tarde demais. Não têm nada em comum
e têm tudo ao mesmo tempo, por isso a relação é complexa
enquanto vão seguindo adiante com um roteiro entre eles.
Umas vezes é muito divertida e outras muito sentimental e
comovente. Apaixonada por momentos e com muitos
sentimentos. Além disso, não há vestidos com grandes decotes
nas costas nem joias.

—Está pensando — Afirmou ele.

—Não posso evitar. Sempre me vi em papéis assim com as


pessoas adequadas, mas nunca se apresentou. É um filme
sobre o passar da vida. Como em O lago dourado, mas com
protagonistas um pouco mais jovens.

—Um reaparecimento? — Perguntou ele. —Uma estrela


que volta para a tela grande?

Ela o olhou com espanto e parou o cavalo.

—Muito bem, vamos deixar uma coisa clara. Não sou uma
estrela de idade avançada para me expor a um reaparecimento.
Sou uma atriz e me parece um trabalho sério. Uma prova que
tenho que superar. Neste trabalho, as oportunidades boas de
verdade são muito escassas. Mas não sou uma estrela que está
envelhecendo, Walt. Trabalho para ganhar a vida e não é um
trabalho fácil, mas se fizer isso direito, as compensas podem
ser consideráveis. O orgulho não é a menor.

—Tem que ser um pouco indulgente comigo. Não sei


grande coisa sobre seu trabalho. Além disso, não disse que é
383
uma estrela que está envelhecendo.

—Pensou­o — Replicou ela.

—Não pode acreditar nisso.

Ela soprou lentamente como se estivesse meditando algo.

—Mmm. Parece­me que você gostaria de fazê­lo — Seguiu


ele.

—Eu não gostaria de me afastar daqui, como acontece


com o personagem principal — Olhou para Walt. —Tampouco
gostaria de me afastar de você, mas que não te suba à cabeça.

Ele esboçou um leve sorriso antes de rir.

—Te adulei a vaidade, verdade? — Perguntou ela.

—Não, me lembrei de algumas coisas. Não sei quanto sabe


do Exército, Muriel, mas cada curso de formação especial, cada
promoção, a cada novo destino implica em outro compromisso.
Passar de capitão para comandante te prende outros quatro
anos no Exército, por exemplo.

—Entendo, coisas suas.

—Não tive que pensar nada durante os primeiros vinte


anos. Já tinha passado oito e devia outros quatro quando
conheci Peg. Quando cumpri os vinte e podia me retirar com a
pensão de coronel, Vanni tinha onze anos e Tom nem sequer
tinha nascido. Eu tinha possibilidades de chegar mais longe e,
como em seu projeto, tudo podia desmoronar em qualquer
384
momento se não contasse com os colaboradores adequados.
Além disso, meus destinos eram cada vez mais complicados.
Estive no Pentágono, em zonas de guerra, no serviço
diplomático no exterior. Cada vez que me encontrava em uma
dessas encruzilhadas, Peg e eu nos sentávamos, explicava­lhe o
que implicava. Tentava ser honesto com os sacrifícios que teria
que fazer toda a família e eu, e sempre finalizava dizendo que
poderia parar naquele momento e ser feliz, se ela me pedisse
para não aceitasse, eu o faria.

Muriel estava silenciosa e sombria. Ela não estava lhe


dando essa oportunidade. Embora gostasse de sua vida nesse
momento, ela tomaria a decisão.

—Peg era muito independente — Seguiu ele —, mas


dependia de mim em alguns sentidos. Necessitava­me como
marido, pai de seus filhos e fonte de ganhos. Eu também a
necessitava. Ela sempre acabava me dizendo que eu tinha que
cumprir todas as ambições que tivesse, e ir aonde pudesse fazer
mais o bem e que todos me seguiriam. Nunca fez que me
arrependesse. Algumas vezes lhe custou muitíssimo.

Muriel meditou um instante.

—Deve ter sido uma mulher muito notável.

—Foi — Reconheceu Walt, que tomou a mão. —Você


também o é, Muriel. Tem que cumprir todas suas ambições.
Tampouco eu gostaria de me afastar de você, mas ficarei aqui e
apoiarei cada passo que dê, cheio de orgulho.

385
Ela o olhou transbordante de amor, embora nenhum dos
dois tivesse pronunciado essa palavra. Seus olhos brilharam e
teve que franzir os lábios para que não tremessem. Os homens
lhe tinham dedicada muitas adulações com o passar do tempo,
tinham elogiado sua beleza e inteligência, mas nunca lhe
haviam dito nada assim. Piscou e tomou fôlego.

—Basta — Pediu ela. —Não choro se não me ordenar isso


o diretor.

Walt riu, inclinou­se para diante, rodeou seus ombros com


um braço e a estreitou contra si.

—Terá que se despir neste filme? — Perguntou ele.

—Um momento. Se importa?

Ele sorriu maliciosamente.

—Não da maneira que pensa.

386
Capítulo 14
Durante as duas semanas seguintes ao Dia de Ação de
Graças, a atividade foi mais febril que o habitual em Virgin
River e se necessitou de toda a ajuda possível. Começou­se
levantando uma árvore de Natal enorme entre o bar e a igreja.
Pelo que entendeu Luke, só era o segundo ano que faziam uma
árvore assim e era uma ideia do prefeito. Necessitavam todos os
homens possíveis para cortar a árvore, levá­la ao povoado,
levantá­la e iluminá­la e decorá­la com a ajuda de uma
plataforma hidráulica de aluguel. Tinha fitas azuis, brancas e
vermelhas, estrelas douradas e distintivos de unidades
militares. Pretendia ser uma homenagem aos homens e
mulheres que velavam por todos e quando Luke viu o que
estavam fazendo, soube que tinha escolhido o povoado certo.
Era a primeira vez em muitos anos que se sentia em casa.

Depois de acender a árvore, mais três casas foram


concluídas e teve de mudar três famílias. Estava disposto a
ajudar.

Pastor e Paige tinham que voltar para seus aposentos


ampliados atrás do bar. Paul transladou a sua pequena família
e seus móveis para casa que tinha feito atrás dos estábulos do
general. Para terminar, os Valenzuela ocuparam sua casa nova
junto à dos Sheridan. Ao longo de toda essa série de
acontecimentos, Brie esteve muito ocupada preparando­se para
dois momentos muito importantes: a mudança para a sua casa
387
nova e dar a luz. Algumas pessoas a vigiavam protetoramente
para que não fizesse muitas coisas. Mike estava perto de sua
esposa e Jack vigiava de perto a sua irmã caçula.

Brie acabava de colocar o último objeto dobrado na gaveta


quando teve a primeira contração. Faltavam duas semanas
para o Natal. Jack, quase tão animado como se fosse seu filho,
contou a todos que entravam no bar que Brie tinha estado em
trabalho de parto quase todo o dia. Mike chamou para mantê­lo
atualizado. Quem já tinha ouvido alguma vez o dono de um bar
informando sobre o tempo que passava entre as contrações?
Jack o fez.

Então, tudo se precipitou e arrastou ao Luke. Shelby


estava cuidando dos filhos de Mel para que pudesse ajudar Brie
e Luke estava no bar, quando chamaram para dizer que o
nascimento era iminente. O bar ferveu de atividade.

—Mel diz que está muito perto — Informou Jack. —


Vamos!

Luke não sabia o que estava acontecendo. Ia desaparecer


discretamente para que todos eles pudessem fazer o que fossem
fazer, quando Pastor o chamou à cozinha e começou a dar
ordens.

—Luke, me ajude a montar tudo isto. Pode meter em uma


caixa a comida para que eu ajude Paige a levar as crianças.
Jack se ocupará dos licores e dos charutos. Paige, chame Paul
e Vanessa e conte o que está havendo. Eles dirão ao general.

388
Luke teve que fazer o que lhe haviam dito. Meteu em uma
caixa tudo o que Pastor tinha tirado da geladeira e da
despensa: uma churrasqueira, pãezinhos, batatas fritas,
conservas, salada de couve, bolo, filetes de salmão temperados
e preparados para assar e um recipiente muito grande com
arroz e ervilhas. Viu que Jack passava muito depressa com
uma caixa cheia de charutos e licores.

—Vejo você lá — Disse­lhe Pastor depois de alguns


minutos.

—Onde? — Perguntou Luke sem entender nada.

—Na casa de Brie e Mike. Vamos fazer uma festa.

—Uma o que?

Pastor soprou com paciência.

—Brie está tendo o bebê. Todos nós vamos quando nasce


um bebê, se não for em plena noite. Entretanto, acabam de
mudar­se e não sei o que terão para comer e beber. Acredito
que nos excedemos. Podemos deixar algumas coisas.

—Espera um segundo — Pediu Luke. —Não está no


hospital?

—Não — Respondeu Pastor como se a pergunta o tivesse


desconcertado. —Vai ter o filho em sua casa com a Mel e o
doutor Stone. Já falamos o bastante.

Foi para a casa e pelo caminho não deixou de pensar que

389
esperava que não o obrigassem a participar de tudo. Decidiu
nesse momento que não ficaria lá. Todo esse assunto de bebê
não era seu plano favorito. A casa estava cheia de gente.
Vanessa e Paige estavam no salão com as crianças pequenas.
Jack levava David apoiado no quadril e estava na cozinha cheia
de homens. Pastor se encontrava preparando panelas nos
fogões, o general servia bebidas e Paul pegava pratos pequenos,
guardanapos e talheres. Luke deixou a caixa com a comida e
disse que ia partir.

—Nem pense, não vai a nenhuma parte — Interveio Jack


bruscamente. —Minha irmã está tendo um filho, o primeiro, e
esta é a seção de festividades.

—Um momento — Replicou ele. —Não me saio muito bem


com os bebês, já o comentamos, não sei o que fazer com eles.

—Por favor... Não vamos te obrigar a fazer nada — Jack


riu. —Sabe comer, levantar um copo e fumar um charuto? A
equipe de partos está ocupando­se da parte chata.

—Não deveria haver um pouco de tranquilidade e menos


gente?

—Não incomodaremos — Pastor passou uma mamadeira


ao Jack para que a desse a David. —Vai estrear o berço. Dê boa
noite, David.

O menino meteu a mamadeira na boca, apoiou a cabeça


no ombro de Jack, com os olhos meio fechados e abriu e fechou
uma boquinha rechonchuda.
390
—E se ela...? — Luke não pôde terminar a pergunta.

—Se ela, o que?

—Gritar ou algo assim — Respondeu Luke com certos


receios.

Jack rodeou os ombros de Luke com o braço que ficava


livre.

—Viu? Tem que ficar, amigo. Está na hora de aprender


algo sobre o ciclo da vida. Nunca se sabe, poderia te acontecer
alguma vez.

—Não vai acontecer nunca. Meu tempo já passou.

Alguns homens levantaram a cabeça e se ouviu uma


risada sufocada.

—De verdade? — Perguntou Jack. —Pobrezinho, que pena


me dá. Eu tinha mais de quarenta anos quando Mel me pegou.
Todos temos a mesma idade aproximadamente, menos Pastor.
Segue sendo jovem, embora pareça mais velho que nós.

Walt deu uma bebida ao Luke.

—Eu tinha quarenta e quatro anos quando Tom nasceu.

—Acredito que vai ter que buscar outra desculpa — Disse


Jack. —Além disso, estive esperando para te perguntar algo.

—O que?

—Bom, pensei uma coisa. No Natal costumamos ir a

391
Sacramento, mas este ano, como não há médico no povoado e
Brie acaba de dar a luz, minha família vai vir aqui. São um
montão. Eu tenho lugar para meu pai e as crianças se os
colocarmos de dois em dois, e a cabana está livre outra vez,
mas um Valenzuela está chegando ao mundo e aposto o que
quiser que vamos ver muitos mexicanos por aqui. A família de
Mike é maior que a minha. Amigo, não temos lugar. Como estão
suas cabanas? Tem alguma que possa alugar?

Luke arqueou as sobrancelhas. Não tinha esperado isso.

—Estão habitáveis e já estão com os eletrodomésticos


novos, embora não estejam instalados. Terei que pintá­las por
dentro e os móveis estão pedidos, embora não os entregaram.
Graças a Paul, todas têm teto, portas e janelas novas. As
bancadas e os armários das cozinhas estão instalados, mas sigo
pondo rodapés. Pus novos aquecedores de água.

—Com um pouco de ajuda com a pintura e os


eletrodomésticos, crê que terá um par pronto para o Natal? —
Perguntou Jack.

—Suponho que sim — Respondeu Luke. —Se entregarem


logo os móveis. Mas, Jack, inclusive com sua ajuda, será pouco
tempo.

Paul se aproximou.

—De onde têm que chegar os móveis? Talvez possamos


recolhê­los com um caminhão da empresa.

392
—De Eureca. Camas, sofás cama, mesas pequenas,
cadeiras, etc. Era o próximo, depois de pintar e instalar os
eletrodomésticos.

—Então, as terminaremos — Afirmou Jack. —Seria


perfeito. Senão, teríamos que pendurar toda essa gente nas
árvores. Já volto — Disse antes de ir deitar ao David.

Então, Shelby apareceu na cozinha. Sorria de uma forma


delicada e misteriosa com um brilho especial nos olhos.

—Não pensei que viria — Disse ela.

—Eu tampouco.

—Mel me pediu para dizer que não vai demorar muito —


Informou aos outros homens da cozinha. —Além disso, também
disse que não devem se embebedar.

—Não nos embebedamos nas festas de nascimentos —


Replicou Pastor com indignação. —Menos Paul. Ele se
embebedou quando Matt nasceu, mas isso é completamente
distinto.

Luke não podia deixar de olhar a cara sorridente de


Shelby.

—O que está fazendo?

—Estava cuidando dos filhos de Mel para que pudesse


acompanhar Brie, mas Vanni e Paige já estão aqui e posso
observar. Brie não se importa. Nunca vi um parto.

393
—Está disposta?

—Claro — Respondeu ela antes de lhe dar um beijo na


bochecha. —Até mais tarde

Luke tinha acabado rapidamente a primeira bebida e


estava dando conta da segunda, entre brincadeiras e risadas
em voz baixa, quando Mike apareceu no salão com um vulto
muito pequeno envolto em uma manta rosa. Mike se aproximou
primeiro das mulheres, Vanessa e Paige. Enquanto
murmuravam e sorriam de orelha a orelha, os homens saíram
da cozinha para ver a cena. A expressão de Mike era uma
mescla de esgotamento e felicidade, a normal em um homem
que tinha ajudado sua esposa a trazer para o mundo o seu
primeiro filho. Seu sorriso era radiante e seus olhos refletiam
cansaço por fora embora brilhassem por dentro.

Luke começou a lembrar. Foi há muito tempo e o tinha


enterrado profundamente em sua memória. Aproximou­se de
Mike com um sorriso emocionado, afastou a manta rosa para
vê­la melhor e, inclusive, dirigiu­se a ele.

—Parabéns, amigo.

Quando Felícia lhe anuncirá que estava grávida, estava


muito alterada. Era algo imprevisto e não estava preparada.
Ele, entretanto, notou que um sentimento de orgulho lhe
brotava por dentro. Disse que não contasse para ninguém, que
não queria que todo mundo soubesse antes de ter se habituado
à ideia. Naquele momento, ele estava tão unido a seus moços

394
que não podia guardar segredos, sobretudo, segredos como
esse. Contou­lhes tudo, brindaram, embebedou­se um pouco e
o levaram a sua casa.

Contra os desejos dela, chamou seus pais e irmãos.


Estava transbordante de orgulho masculino e a vida tinha dado
um significado novo para ele. Nem sequer tentou compreender
o comportamento inédito dela. Era um jovem que esperava um
filho e ela estava grávida, não havia nada que compreender.
Aguentou o estado de ânimo irritável dela e tentou ter
paciência. Observou­a enquanto começava a se notar a
gravidez.

Lhe disse que era um menino e recebeu uma chamada


segundos depois de receber essa notícia. Tinha que ir a
Somália. Não deveria demorar muito, era uma missão de paz.
Iriam com os fuzileiros e voltaria logo. Teve a sensação de que
podia fazer algo porque sua mulher e seu filho estariam
esperando­o. A euforia durou muito e lhe pareceu que assim
deviam se sentir os homens quando descobriam petróleo.

No entanto, deu muito errado na Somália. Perderam­se


vidas no Mogadíscio e, em certos sentidos, foi um milagre que
não houvesse mais baixas. Quando voltou para sua casa, o
primeiro que viu foi o ventre enorme de sua esposa. Deveria tê­
la olhado nos olhos, mas não pôde evitá­lo.

—Não é teu — Ele não estava seguro, mas acreditava que


ela o disserá antes de saudá­lo. —Não queria lhe dizer isso
quando estava em uma missão, mas retornaste são e salvo.
395
Acabou. Parto agora. Vou com o pai. Sinto que tenha
acontecido assim. Não deveria ter se gabado. Eu lhe disse para
não o fazer.

Ele, como em um piscar de olhos, perguntou­se como era


possível que fosse sua culpa por estar orgulhoso. No início,
pensou que era uma piada absurda. Logo, pensou que havia
um engano, que não tinha tido tempo para estar com outro
homem. Fazia amor com ela constantemente. Continuando,
pensou que ela não podia lhe fazer isso quando tinha dedicado
cada célula de seu corpo a adorá­la.

Quis matar alguém. A ela, possivelmente, ou ao pai, que


resultou ser um oficial superior, um homem ao que estava
obrigado a obedecer. Um homem que tinha estado com eles na
Somália e que sabia que estava esperando um filho com a
esposa de outro homem.

Passaram os meses como em uma neblina. Bebeu muito,


evitou as pessoas, meteu­se em brigas sem motivo, encerrou­se
em uma solidão muito escura e desejou estar morto. Notou
uma mão no ombro antes de chegar a recordar o escândalo, a
vergonha do ridículo, a compaixão.

—Tudo bem? — Perguntou­lhe Jack devolvendo­o à


realidade. —Tinha visto alguma vez algo tão encantador?

Luke voltou a enterrar tudo. Tinha aprendido a fazê­lo


muito bem em treze anos.

—Tem muito cabelo negro nessa cabecinha — Respondeu


396
com um sorriso.

Luke recordou brevemente que o dia mais feliz de sua vida


foi quando recebeu as ordens de traslado e poderia afastar­se
de Felícia e seu marido. Teve a sorte de manter uma carreira no
Exército. Esteve um tempo fora de controle e o tinham
sancionado mais de uma vez. Como tinha se comportado
heroicamente na Somália e havia retornado para sua mulher,
grávida de nove meses, o abandonasse, seus superiores foram
um pouco indulgentes com ele. O traslado lhe deu uma
segunda oportunidade e o ajudou a assimilar tudo.

Estava esgotado e queria partir da casa dos Valenzuela.


Entretanto, os homens o tinham rodeado e apanhado na
celebração. Enquanto esteve submerso no passado, Muriel St.
Claire tinha chegado e se uniu aos homens. Havia comida e
fofocas. Ao final, arrastaram­no ao alpendre, onde repartiram e
acenderam os charutos. Muriel ficou com os homens, aceitou
um charuto e algo de beber e lhes fez rir. Se tivessem sido um
grupo de mulheres, teriam começado a contar histórias de
partos, mas só se fizeram alguns comentários. Jack havia
trazido para o mundo os seus filhos e Pastor quase desmaiou
quando Paige deu a luz. O doutor John Stone foi fumar um
charuto e a conversa voltou para trabalho que ficava por fazer
nas cabanas de Luke para que pudessem alojar os Sheridan e
os Valenzuela, quando fossem ao povoado no Natal.

Luke não sabia que tinha estado inusitadamente


silencioso. Olhou o relógio e ficou atônito ao ver que era quase

397
meia­noite. Tinha estado imerso no passado, tinham
transcorrido as horas e não sabia muito bem o que tinha
passado a seu redor. Então, Shelby apareceu a seu lado e o
olhou.

—É preciosa, verdade?

Lhe rodeou os ombros com um braço.

—Shelby, os bebês são como os cachorrinhos, nenhum é


feio — Luke deixou o charuto em um cinzeiro. —Vou para casa.

—Já não me necessitam aqui. Quer companhia?

Apertou seus ombros com o braço. Era exatamente o que


necessitava. Necessitava de alguém delicado, carinhoso e digno
de confiança. Essa jovem tinha o assombroso dom de que tudo
parecesse certo em sua vida, perfeito.

—Pode estar segura que sim — Respondeu ele.

398
Capítulo 15
Jack Sheridan necessitava de um lugar para sua família
mais do que Luke imaginou. No dia seguinte ao parto de Brie,
apresentou­se pela manhã com Paul e outros seis homens em
três caminhonetes. Luke saiu da cabana número dois ao ouvir
os motores e sorriu enquanto os homens desciam.

—Parece como se fôssemos levantar um celeiro entre todos


nós.

—Também poderíamos fazê­lo. Diga o que temos que fazer


e onde — Pediu Jack.

Luke lhes mostrou a cabana de Art, que já estava


terminada. Luke não era decorador, mas estava arrumada e
tinha móveis e eletrodomésticos. Art tinha uma cama dupla,
uma mesa com quatro cadeiras, uma poltrona grande com
descanso de pés e um abajur para ler, tudo novo. Tinha fogões,
micro­ondas e uma geladeira pequena que cabia debaixo da
bancada, também novas. As janelas tinham persianas de
madeira e havia uma zona acarpetada. Art contava com pratos,
copos, lençóis e toalhas. No banheiro, bastante grande, havia
uma máquina de lavar roupa e uma secadora, pequenas, e
armários. Todos os homens percorreram a cabana assentindo
com a cabeça.

—Luke, ficou muito bonita — Felicitou Jack. —O fez muito


bem.
399
Ele mostrou uma cabana que não tinha terminado ainda.
Os eletrodomésticos estavam no meio da habitação, as
persianas seguiam nas caixas para colocar depois de que
tivesse pintada, o carpete estava enrolado contra a parede e as
latas de tintas se amontoavam junto a uns pincéis.

—Parece simples — Comentou Paul. —Dois dias. Quatro


se conseguir mais material.

—Quatro dias? — Perguntou Luke sem sair de seu


assombro.

—Só teremos que mover as coisas e pintar. Somos rápidos


— Paul sorriu. —O fazemos muitas mais vezes que você.

—Como temos apenas um ou dois pintores, existem


apenas dois pincéis — Explicou Luke.

—Não importa, viemos preparados, até trouxemos alguns


rodapés se por acaso não tivesse todos. Se não temer que
danifiquemos tudo, acredito que é uma boa ocasião para que vá
a Eureca, carregue uma caminhonete com os móveis e compre
o que precisar para as suas cabanas.

—E deixa­los trabalhando? — Perguntou Luke. —Não


posso fazer isso.

—Espera para ver a minha família e a dos Valenzuela —


Replicou Jack. —Vá e compre lençóis e toalhas.

Luke pensou um instante. Tinha que fazer algumas coisas


importantes em Eureca. Tinha chegado o momento de
400
investigar o trabalho e a casa de acolhida de Art. Tinha que
conhecer seu passado para ajudá­lo em seu futuro. Não
demoraria muito para comprar lençóis, toalhas, travesseiros e
louças.

—Estão seguros? Vigiem Art, caso se emocione um pouco


com tanta gente. Algumas vezes ajuda muito, já sabem o que
quero dizer.

—Claro, não tem nada. Onde ele está?

—Se não estar aqui, está no rio — Luke sorriu. —Me ajuda
muito menos desde que lhe comprei a vara, mas a geladeira
está cheia de peixe. Temo que parte vai acabar em seu bar.

—Nunca rechaçamos as contribuições — Disse Jack


descendo uma escada da caminhonete.

Luke ficou observando como tiravam oleados, escadas,


caixa de ferramentas, pincéis e rolos das caminhonetes. Então,
foi até o rio e encontrou Art.

—Olá. Art. Estão mordendo?

—Sim — Respondeu ele lançando a linha e recuperando­a


lentamente.

—Jack, Paul e alguns homens vieram para trabalhar nas


cabanas — Luke riu quando Art o olhou com os olhos
iluminados. —Estou seguro de que gostariam que lhes desse
uma mão se quiser.

401
—De verdade?

—Claro, mas terá que lhes deixar que lhe digam como
pode ajudá­los melhor, de acordo?

—De acordo — Respondeu ele com um sorriso de


felicidade.

—Eu vou a Eureca por algumas coisas, quer algo?

—Não. Talvez faça muitas coisas com Paul e Jack —


Respondeu ele.

—Seguro. Vamos, voltaremos juntos.

Art adorava estar com as pessoas, sobretudo, com pessoas


que o tratavam com respeito. Além disso, também adorava
participar, embora com certo acanhamento, do trabalho de
outros homens. Embora isso fizesse que se precipitasse
algumas vezes.

Ao Luke bastaram um par de horas em algumas lojas para


encher dois carros com coisas para as cabanas. O que queria
fazer de verdade era visitar certo supermercado. Tinha tentado
não pensar no que Art tinha sofrido, mas tinha falado um par
de vezes com ele e tinha conseguido saber onde estava. Era o
Supermercado de Griffin, na rua Simmons.

Não era um mau supermercado, embora estivesse um


pouco velho. Olhou ao redor e tomou um carrinho. Não
demorou nem trinta segundos em ver um menino com
síndrome de Down que enchia bolsas e na fruteira perguntou
402
algumas coisas a uma mulher que demorou para lhe responder
e em encontrar as palavras adequadas, o que lhe fez pensar que
tinha alguma deficiência. Se fixou na placa com seu nome. Se
chamava Netta e Art havia dito que sentia falta dela.

—Quem é o diretor? — Perguntou­lhe Luke.

—Mmm... Mmm... Stan. É Stan.

—Onde posso encontrar Stan?

—Talvez, esteja na parte de trás — Respondeu ela dando


de ombros.

Antes que Luke pudesse procurar Stan, outro atendente


apareceu a seu lado.

—Posso lhe ajudar, senhor?

Luke esboçou o melhor de seus sorrisos.

—Queria falar com o diretor. Esta senhora diz que é Stan.

O empregado era um homem de trinta e muitos anos,


limpo, que se expressava bem e vestia um avental verde.
Devolveu o sorriso ao Luke.

—Sou o subdiretor. Posso fazer algo por você?

—Não estou seguro — Luke deu de ombros. —Acabo de


comprar uma loja pequena em Clear River, menor que esta. A
questão é que sai a bom preço e ali não há uma loja de
alimentação neste momento, acredito que é uma boa

403
oportunidade — Explicou Luke, embora não sabia que lojas
havia em Clear River. —Vou contratar um par de pessoas de
jornada completa e outras de jornada parcial. Vou ter que
ajustar o orçamento uma temporada no que se refere às folhas
de pagamento. Me interessei pelos empregados desta loja. São
amáveis, parecem produtivos e são... limitados.

O homem não trocou de expressão.

—Efetivamente, está procurando Stan. É uma ideia dele.


Sua irmã tem uma espécie de residência e ele dá trabalho a
muitos deles. Entretanto, possivelmente deveria pensar melhor.
Se forem devagar ou se desorientarem, pode ser desesperador.
Eu trabalho muito bem com eles, mas... — O homem sacudiu a
cabeça. —Incomoda algumas pessoas.

—Meu irmão menor tem síndrome de Down — Mentiu


Luke. —Sei como estimulá­lo.

—Então, tem paciência para isso?

—Sim — Respondeu Luke entre risadas. —Agora tem um


bom emprego. É muito feliz sendo independente. Nunca faltou
ao trabalho, faz as tarefas da casa, sempre tem dinheiro no
banco... É um sonho feito realidade.

—Para começar, tem que ser um trabalho pouco


complicado como encher bolsas, abrir caixas ou limpar. Até
repor as estantes pode ser muito complicado para alguns deles.

—Todo mundo tem capacidades distintas, mas entendo o

404
que quer dizer. Então, onde posso encontrar Stan?

—Me siga.

Luke o seguiu e as surpresas começaram imediatamente.


De entrada, Stan era jovem, certamente, não tinha nem trinta
anos. Era enxuto, muito menor que Art, mas de aspecto
agressivo. Recebeu Luke com as sobrancelhas negras franzidas
e receoso. Não havia nenhum motivo para mostrar esse receio
se não esperasse algum conflito. Seu tamanho só o despistou
um segundo. Stan estava no comando e Art nunca lhe teria
devolvido um golpe. Art tampouco tinha mentido. Stan tinha
batido em Art com toda certeza.

Luke voltou a lhe contar a história da loja imaginária, tão


convincentemente quanto pôde. Evitou a parte do irmão com
síndrome de Down e se centrou no trabalho árduo, nos salários
baixos e que assistissem ao trabalho para manter um baixo
orçamento. Stan assentiu com a cabeça e deu de ombros
muitas vezes.

—Não posso te ajudar, amigo — Concluiu ele. —Eureca


está muito longe de Clear River e estes meninos não podem
dirigir.

Luke pensou que não tinham nada de meninos, mas não


deixou de sorrir e propôs a Stan lhe convidar a uma cerveja
para falar desse negócio porque não eram competidores. Stan
gostou da ideia da cerveja e aceitou tirar um descanso.
Enquanto saíam do supermercado, não disse a ninguém aonde

405
ia e olhou a todos com cara de poucos amigos. Os empregados
não pareciam contentes, nem sequer o amável subdiretor.
Considerar Stan um tolo abusivo podia ser acertado, mas
também podia ser muito simples. O que Luke queria saber era
o que tinha acontecido com Art e por que Stan não tinha
informado o seu desaparecimento. Compreendeu algo com a
cerveja.

—Minha irmã tem uma casa de acolhida para estes


atrasados. Ajudo­a dando trabalho a estes meninos — Contou
Stan. —Os tem ocupados e fora da casa.

—Alguma vez lhe dão problemas? — Perguntou Luke.

—Tiram­me do meu juízo. Quantas vezes têm que ser


ensinados ou temos que lhes dizer as mesmas coisas?
Entretanto, tem razão em uma coisa: são baratos e vêm
sempre. Talvez consiga que alguém monte uma casa de
acolhida em Clear River. Não dá muito trabalho. Só tem que
estar limpa e passar nas inspeções.

Luke imaginou alguém sem preparo para levar um lugar


assim e que só o fazia pelo dinheiro. Sentiu­se furioso, mas
dissimulou.

—Poderia matar dois pássaros de um tiro. Tenho uma ex­


mulher que está sempre incomodando com o dinheiro.

—É uma ideia. Deixaria de pagar a sua ex.

—Poderia falar com sua irmã? Crê que me contaria como

406
se faz?

—Estou seguro de que não se importaria. O que vai fazer


enquanto as crianças estão trabalhando, não é? — Stan lhe deu
uma direção e algumas instruções. Estava bastante perto da
loja. —Diga que vai de minha parte.

—Não sabe quanto lhe agradeço isso.

Luke deixou Stan na loja e seguiu as instruções que tinha


lhe dado. Quando bateu na porta, quase caiu de costas com
outra surpresa. Shirl era mais jovem ainda que Stan. Teria
vinte e oito anos se muito, vestia uma saia muito curta e justa,
um pulôver com um decote que mostrava quase todo o seu
peito e um cabelo muito negro com uma faixa rosa. Não era a
mãe Teresa de Calcutá e, naturalmente, estava mascando
chiclete. Quase não pôde vislumbrá­lo, mas lhe pareceu que o
interior era pequeno, arrumado e com móveis velhos. Foi a
primeira vez que caiu na conta de que os dois empregados
incapacitados que tinha visto no supermercado usavam roupa
limpa, mas gasta. Art parecia como se tivesse sido um indigente
toda sua vida, mas só estava sujo e suas roupas quase caía aos
pedaços. Shirl não gastava muito dinheiro em vesti­los. Abriu a
porta com cautela.

—Olá — Saudou ele enquanto tirava a carteira, abria e


voltava a fechá­la imediatamente, como se lhe tivesse mostrado
algo oficial. —Estou procurando por Art.

—Art? — Perguntou ela retrocedendo um pouco. —Quem é

407
Art?

—Art Cleary.

—Mmm... Acredito que está trabalhando.

—Passei por ali. Não está trabalhando — Replicou Luke.

—É o tipo da loja? — Perguntou ela com o cenho franzido.


—Meu irmão me chamou e me disse...

—Bom, isso era uma espécie de desculpa — Ele deu de


ombros. —Estou procurando pelo Art. É uma visita oficial de
seguimento. Segundo nossa documentação, faz muito que não
o visitamos, nada mais.

—De acordo, de acordo — Ela levantou as mãos com


cansaço, como se a tivessem apanhado. —Ele fugiu esta
manhã. Disse que ia ver uma tia muito velha que tinha em
Redding. Chamei, mas não ninguém respondeu, nem tinha
secretária eletrônica. Algumas pessoas são muito atrasadas.
Estava a ponto de chamar o Serviço Social, mas estou segura
de que ele terá ido fazendo uma parada e de que sua tia se
ocupará de que volte. Estava lhe dando a oportunidade de que
se apresentasse. Não quero que lhe aconteça nada. O que vai
fazer? Vai me multar?

Era a primeira mentira, porque Art estava com ele um par


de meses.

—Faça uma coisa — Propôs Luke. —Siga tentando ficar


em contato com a tia. Quanto menos se saiba disto, melhor
408
para o Art e melhor para você, né? — Luke lhe piscou um olho.

—Sim — Ela sorriu. —É verdade.

—Por que não me aponta a direção e o número de telefone


da tia? Eu o encontrarei ali. Posso trazê­lo de volta antes que se
compliquem as coisas.

—Não tem a direção? É seu familiar mais próximo.

—Me economizaria um tempo — Respondeu ele com outro


sorriso. —Para lhe ser justo, tenho coisas melhores que fazer do
que seguir seu rastro, mas tenho esta atribuição.

Luke se perguntou quantos residentes com incapacidades


teriam escapado ou teriam desaparecido enquanto Shirl e Stan
ficavam com a contribuição mensal que recebiam dos Serviços
Sociais, dos seguros ou do Estado. O que aconteceria com o
pagamento do supermercado?

—Solucionarei isso — Seguiu Luke. —Talvez tenha que


fazer alguma papelada. Não se preocupe. É uma boa garota por
tê­lo aqui. Esta gente está acostumada a ser uma confusão.

—A mim que vai dizer isso? Os tenho visto demasiado


durante um ano...

Ele não conhecia outros, mas não havia ninguém mais


encantador e desejoso de agradar que Art.

—Me ocuparei disto e o trarei. Não precisa dizer nada —


Luke arqueou as sobrancelhas. —Não queremos que tenha

409
algum problema, verdade?

—Isso é — Respondeu ela. —Quer entrar e tomar um


café... ou algo mais?

—Obrigado, mas vou buscá­lo correndo. Embora eu volte,


o que te parece?

Luke partiu e voltou para Virgin River com seu


carregamento. Decidiu não correr riscos e pediria ajuda de Mike
e Brie. Esperaria depois do Natal para que desfrutassem de seu
bebê e da visita da família e então os visitaria. Explicaria com
atenção o trabalho que Art fazia e como era a casa de acolhida
onde esteve. E perguntaria o que podia fazer para que Art
ficasse com ele. Se não fosse possível que ficasse com ele, se
ocuparia de que a próxima residência fosse mais honrada. A
experiência de Mike e Brie com a lei e seu cumprimento,
poderiam ajuda­lo a decidir como agir. Além disso, gostaria que
investigassem Stan e Shirl. Eram um casal de jovens vândalos
cuidando de muitas pessoas incapacitadas. Dava a sensação de
que estavam se aproveitando do sistema em benefício próprio.

**********

Luke decidiu que teria que passar um par de dias em


Phoenix durante o Natal. Se não o fizesse, não sabia quantos
Riordan poderiam se apresentar em Virgin River e não tinha

410
paciência para isso. Se fosse a Phoenix, apaziguaria a sua mãe
e aplacaria a seus irmãos.

Com tudo o que estava por vir em suas cabanas durante


as férias, tinha que se certificar que tudo estava bem
organizado e planejado. Para começar, tinha que ter certeza de
que Jack e Mike poderiam monitorar tudo o que precisavam
suas famílias, enquanto ele estivesse fora, porque Art não
poderia lidar com o que eles precisavam seus convidados.

Quanto ao Art, estaria bem durante um par de dias,


embora não gostasse de deixá­lo sozinho. Pediria ajuda a
Shelby e ao general. Art deveria poder jantar com alguém,
receber alguns presentes que ele lhes daria antes de partir e ter
a sensação de estar em família. Sabia, antes de pedir­lhe que
estariam encantados de acolher Art e lhe oferecer um Natal
memorável.

À parte, estava Shelby. Espremeu seu cérebro para que


lhe ocorresse um presente. Queria que soubesse o que
significava para ele, mas não sabia bem o que comprar. Era o
tipo de mulher a quem compraria algo brilhante e
resplandecente, mas não estava preparado. As mulheres
estavam acostumadas considerar as joias como degraus para o
matrimônio, mas algo como um pulôver dava a entender que se
importava. Saiu do empasse da única forma que sabia.
Comprou­lhe botas de pele de avestruz feitas à mão que
custaram seiscentos dólares, fazia mais de doze anos que não
gastava tanto com uma mulher, nem sequer com sua mãe.

411
Tinha pensado em comprar uma sela, mas as botas lhe
pareceram mais pessoais. Trocaram os presentes de Natal
pouco antes que ele partisse e quando ela abriu o presente e
viu as botas, chorou. Ninguém lhe tinha dado um presente
assim em toda sua vida e ele se alegrou do acerto, quando ela
começou a beijá­lo por todos os lados. Abraçou­a e embalou­a.

—Nunca tinha te visto chorar — Comentou ele com tom


sentimental.

—Já viu demais para um ano...

—Mas estas lágrimas são de alegria. É diferente.


Significam que acertei.

—Acertou completamente. É incrível. É exatamente o que


teria me dado eu mesma. São como minha própria pele, poderia
dormir com elas postas.

—Mas alguém poderia ferir­se — Recordou ele entre


risadas.

Recebeu de presente uma jaqueta de couro quase tão cara


como as botas e igualmente pessoal.

—Não passa nada se não a usar muito. Sei que você adora
sua jaqueta de piloto e é muito sexy com ela, mas pode usá­lo
naqueles momentos em que você se veste um pouco.

Perguntou por todas as coisas que planejava fazer antes


de morrer o doutor e estava tão ocupada ajudando Mel, por
exemplo, o pedido para entrar na Escola de Enfermagem. Lhe
412
disse que tinha apresentado solicitações nas melhores
universidades de Califórnia, mas ainda era Natal e setembro
ficava muito longe.

—Também apresentei uma solicitação na Universidade


Estatal de Humboldt, que fica muito perto, se por acaso queira
decida ficar onde estou. Têm uma licenciatura muito boa em
Enfermagem.

Era sua oportunidade para dizer o quanto que gostaria


que o fizesse, que gostaria de tê­la ali para sempre. Mas, algo
fechou sua garganta.

—Parece que pensou em todas as possibilidades, querida


— Disse ele em troca.

**********

Só foram três irmãos para passar o Natal em Phoenix e a


estadia de Luke seria a mais curta.

—Com o Art e as cabanas cheias durante os feriados, não


posso me ausentar muito tempo — Explicou.

—E com Shelby — Acrescentou sua mãe enquanto fazia


um ovo pochét.

Luke não disse nada. Sean e sua mãe traziam muito


frequentemente o nome de Shelby na conversa, mas ele não se
413
alterava.

Suas tradições consistiam em comer, ir à igreja e rir.


Chamaram Colin do Golfo Pérsico e Paddy do navio onde estava
embarcado. Uma vez recebidas às chamadas, podiam ir do
apartamento. Não deixavam que sua mãe cozinhasse na
véspera do Natal, embora fosse o que mais gostaria de fazer.
Levaram­na a um restaurante de Scottsdale onde tinham umas
costeletas inesquecíveis. Logo, voltaram para o complexo
residencial onde estava apartamento e os quatro jogaram bilhar
na sala de entretenimentos comum. Mais tarde, à meia­noite,
foram à missa do galo. Então, Maureen resplandeceu ao
apresentar três de seus filhos aos seus amigos, ao sacerdote e
às irmãs que conhecia.

—Vou para o inferno — Comentou Luke ao Aiden. —


Comunguei e não tinha pisado em uma igreja desde a ultima
vez que visitei a mamãe.

—Como eu — Sussurrou Aiden.

—Já somos três — Interveio Sean.

Os três riram tão ruidosamente que Maureen os olhou


com o cenho franzido.

A tradição de sua família desde que eram adultos consistia


em abrir os presentes depois da missa, mas os presentes eram
menos importantes para eles que poder abrir por fim uma
garrafa e fazer alguns brindes já que estavam juntos essa noite.
Tinham comprado generosos presentes a sua mãe. Luke lhe
414
tinha agradado com um vale para um relógio Chanel que havia
nas lojas de departamentos Dillards. Aiden lhe tinha comprado
uma figurinha de Lladró muito cara para sua coleção. Sean lhe
deu um iPhone. Os irmãos se deram presentes mais modestos.
Luke recebeu uma assinatura de uma revista de motocicletas e
um pulôver horrível. Sean deu de presente ao Aiden uma
assinatura da revista Penthouse.

—O que é isto? — Perguntou Aiden ao ver o cartão do


presente.

Aiden tinha trinta e quatro anos, era ginecologista da


Marinha e tratava às militares na ativa e a muitas esposas de
fuzileiros e marinheiros, embora ele não tivesse uma esposa.

—Pensei que você gostaria de saber como podem ser as


mulheres quando não está examinando­as.

—Que atencioso — Replicou Aiden, com ironia. —Não sei


como lhe agradecer isso.

—Não há de que.

Luke deu de presente umas camisas a seus irmãos, mas o


presente de Maureen a seus três filhos os deixou pasmados.

—É para o spa de Camelback — Disse ela com orgulho


enquanto lhes dava os tickets. —No dia de Natal estará aberto
de onze as três e fiz as reservas. Tive que fazê­la faz meses.
Enquanto faço o peru e as guarnições, podem receber uma
massagem, fazer manicure ou o que queiram.

415
Eles se olharam com os olhos esbugalhados.

—Obrigado, mamãe. É maravilhoso — Disse Sean.

—É genial, mamãe. Muito obrigado — Acrescentou Aiden.

—Que original, mamãe, um milhão de obrigado —


Concluiu Luke.

—Já sei que se consideram muito viris para essas coisas,


mas provem, vocês adorarão!

No dia de Natal, enquanto Maureen fazia o peru, Sean,


Aiden e Luke encontraram um bar aberto e afogaram o remorso
de não estar fazendo a manicure. Quando voltaram para o
apartamento de sua mãe, ela não parou de dizer quão relaxados
pareciam.

**********

O jantar de Natal foi, como sempre, fabuloso. O que mais


agradava a sua mãe era tratar com atenção sua família e todos
comeram muito, o que a agradou muitíssimo. Luke seria o
primeiro em partir, na manhã seguinte. Enquanto se acabava o
último dia com sua mãe e seus irmãos, foi ficando cada vez
mais pensativo. Pensou no que Shelby havia dito que nos
primeiros dias do ano partiria. Quando todos se deitaram, ele
se serviu algo de beber e sentou na penumbra da sala de sua

416
mãe.

Aiden o encontrou ali sentado e bebendo um uísque.


Serviu­se outro e sentou em frente de seu irmão. Era um dos
que tinha tentado o matrimônio. Foi por pouco tempo e, além
disso, foi ele quem rompeu. Depois não sofreu, sentiu alívio.

—Podemos conversar — Propôs Aiden.

—Sobre o que?

—Sobre por que parece como se seu cão tivesse morrido.


Shelby, imagino.

—Não — Replicou Luke dando um gole. —Isso não vai


acontecer.

—Então, imagino que não tem nada que ver com sua
insônia, nem seu estado de ânimo. Aconteceu algo com as
cabanas, o povoado ou seu ajudante e inquilino?

—Aiden, nada está me preocupando. É que passei três


meses trabalhando como uma mula para reconstruir e
acondicionar uma casa e seis cabanas.

Aiden deu um gole de uísque.

—De acordo com Sean e mamãe, ela tem vinte e cinco


anos e é impressionante.

—Sean é um tolo que não pode se ocupar de seus


assuntos. Só é uma menina.

417
—Só é uma menina que te tem alterado.

—Obrigado — Luke se levantou e terminou o uísque. —


Você tampouco parece estar muito melhor. Vou me deitar.

—Espere. Ponha outro, me conceda dez minutos, tá bem?


Somente te farei um par de perguntas, de acordo? Não sou
como Sean, não vou te chatear. Entretanto, não falou muito
disto e tenho curiosidade.

Luke pensou um segundo E, insensatamente, foi à


cozinha e se serviu um pouco mais de uísque. Voltou, sentou­
se e apoiou os cotovelos nos joelhos.

—O que quer saber? — Perguntou bruscamente.

Aiden riu.

—Calma. É só uma menina? Não é sério?

—Efetivamente. Está visitando sua família e partirá em


seguida.

—Ah, não sabia. Acreditava que vivia ali.

—É uma visita longa — Concedeu Luke. —Sua mãe


morreu na primavera passada. Está passando uns meses com
seu tio até decidir algumas coisas, como onde quer viver, a
universidade que vai cursar, viajar e essas coisas. Isto é
provisório, nada mais.

—Mas se para você for sério, não há nenhum motivo para


que não siga adiante.
418
—Para mim não é sério — Replicou Luke com os lábios
muito apertados.

—Muito bem, entendido. É sério para ela?

—Ela tem planos. Não a peguei, Aiden. Me ocupei de que


entendesse que não quero formar uma família. Disse que
poderia encontrar melhores homens, não fui feito para isso.
Entretanto, quando estou com uma mulher, sei tratá­la bem.
Se ela procurava algo permanente, equivocou­se de lugar.
Assim são as coisas.

—Sempre?

—O que quer dizer? Ninguém desta família tem interesse


nisso.

—Bobagem. A mim interessa sim. Sean diz que está se


divertindo muito, mas a verdade é que tem uma cabeça oca. Eu
gostaria de ter uma esposa e uma família.

—Não tentou uma vez? — Perguntou Luke mais relaxado


por estar falando sobre Aiden.

—Sim, tentei muito. A próxima vez que tentar, procurarei


encontrar uma mulher que não seja louca e não se medique —
Aiden sorriu. —Isso é o que acontece quando não se dá conta
dos sintomas porque é uma fera na cama — Deu de ombros. —
É o que estou procurando.

—Era ardente? — Perguntou Luke com um sorriso.

419
—É claro que sim.

—Parecia com um coelho.

—Pior que um coelho — Confirmou Aiden. —Entretanto,


ouvi dizer que esta impressionante garota de vinte e cinco anos
é encantadora.

—O tolo do Sean... — Balbuciou Luke.

—Mamãe.

—É igual. Já conhece mamãe, leva muito tempo com essa


campanha de matrimônio e de netos.

—Então, não é encantadora? — Perguntou Aiden.

—É encantadora — Reconheceu Luke —, mas tem suas


complicações. Sua mãe teve esclerose lateral e Shelby esteve
cuidando dela até que morreu. Não viveu. Terminou o instituto
e quase não saiu de sua casa. Sua ideia de uma noite fantástica
era ler para sua mãe ou ver um DVD com ela. Teve liberdade
durante seis meses e foi uma liberdade muito complicada. Por
isso está com seu tio, para se recuperar. Como transição. Tinha
que ouvi­la contar. Não é fácil que te necessitem vinte e quatro
horas do dia e se encontrar de repente sozinha e ter que cuidar
apenas de você mesmo. Tem vinte e cinco anos, mas é muito
inexperiente, não tem experiência de vida. Se parece com um
detento em liberdade vigiada.

Aiden ficou um pouco boquiaberto.

420
—Wow — Tomou fôlego. —Mamãe sabe?

—Com certeza que sim. Falaram muito, o que, não foi uma
boa ideia. Mamãe a adora. O que mais gostaria é pescá­la. Uma
má ideia — Acrescentou Luke sacudindo a cabeça.

—Bem, parece que sofreu. Que tal vai com a transição?

—Acredito que bem — Luke deu de ombros. —Nunca se


daria conta de que passou por tudo isso.

—O que aconteceu? Não tinha dinheiro para que a


internassem?

—Não. Havia dinheiro de sobra, seu tio queria interná­la,


mas Shelby não permitiu. Disse que sua mãe era sua melhor
amiga.

Aiden ficou um bom momento em silêncio.

—Parece uma jovem incrível.

—Ela é. É muito afável, não adivinharia que pode ter tanta


convicção. Obstinação.

—Força — Acrescentou Aiden. —Entrega.

—Bom, terá que ser forte para fazer algo assim, não? Sim,
é muito forte, mas parece frágil — Luke sorriu. —Até que a vê
montada em um cavalo.

Aiden voltou a ficar em silêncio dando alguns goles.

—O que vai fazer? — Perguntou com calma.

421
—Fazer? — Repetiu Luke. —Nada.

—Nada?

—Tem que seguir com sua vida. Ficou para trás. Lembra­
se quando saiu da Faculdade de Medicina depois de passar
anos sem poder viver? O que fez?

—Me casei com uma louca — Respondeu Aiden com um


sorriso pouco convincente.

—Shelby fez o que tinha que fazer, cuidou de sua mãe, e


agora chegou sua vez. Vai estudar novamente. Diz que vai ser
enfermeira, mas acabará sendo doutora ou algo assim, já vejo.
Fala pouco, mas é muito inteligente. Tem dinheiro porque
vendeu uma casa livre de encargos e pode viajar pelo mundo e
pagar doze anos de universidade. Já sabe o quão importante é.
Nós estivemos por todo mundo e vale a pena vê­lo.

Aiden riu.

—Espero que veja lugares melhores do que nós. Você viu


um montão de desertos e eu estive embarcado...

—Mas tudo conta — Interrompeu­o Luke. —Isso são as


experiências. Ela é jovem e tem tempo. Te digo isso, é tão
bonita que os homens a perseguirão. Nunca lhe aconteceu
antes. No colégio era jovem e saiu com um par de meninos
durante pouco tempo, mas perdeu muito do acanhamento. Teve
que se endurecer enquanto cuidava de sua mãe e enfrentou
médicos, hospitais e companhias de seguros — Lhe brilharam

422
os olhos com orgulho. —Lhe asseguro isso, já está preparada.
Chegou sua hora.

Aiden pensou que estava deixando­a partir pelo bem dela,


embora isso ia mata­lo. Deixou­se cair contra o encosto e deu
um gole de uísque.

—E se decidir ficar com seu tio para sempre?

Luke riu.

—Não o fará. Seria um desperdício.

—Se o fizesse?

—Reconheço, me acomodei. A perseguição é um pouco


aborrecida e me agradou ter uma garota encantadora e bonita à
mão, mas isso só é comodidade. Estou perdendo o folego. Há
um bar muito agradável em Virgin River ao que acode um
grupo de boas pessoas ao acabar a jornada. Têm a melhor
comida do mundo e ninguém pôs a máquina de discos desde
que cheguei ao povoado. Levam­no um par de fuzileiros e nos
conectamos. Estragou­me. Perdi o interesse pelos bares
ruidosos e cheios de fumaça com garotas que procuram um
paquera. Estive pensando... Se pudesse alugar as cabanas,
trabalhar e viver ali, tomar uma cerveja no bar de Jack, caçar e
pescar... Asseguro­lhe isso, é uma vida quase perfeita. Deveria
ir alguma vez.

Aiden se deixou pensar um momento antes de falar.

—Terá que ser muito velho para apreciá­lo como uma vida
423
quase perfeita?

Luke riu.

—Uns trinta e oito anos, vinte no Exército e quatro


guerras. Entretanto, agora estou pensando em ficar em um
lugar durante um tempo. Possivelmente procure algo por ali,
como transporte médico num helicóptero ou algo assim.

—Poderia alguém como eu entrar em um povoado pequeno


como esse?

—Têm uma parteira e todos a adoram — Luke riu. —Tem


que ter muita competência.

—O que quero dizer, é se alguém menor de trinta e oito


anos poderia gostar dessa vida ou terá que ser um velho anti­
social e corrompido.

Luke captou o que queria dizer e apertou os lábios com


firmeza.

—Pensa que uma moça escolheria isso em vez de licenciar­


se na universidade ou viajar pelo mundo? Crê que aconteceu
alguma vez? Acredito que as mulheres jovens como Shelby
poderiam acreditar que preferem essa vida e em dois anos dar­
se conta de que desperdiçaram suas vidas e estão aprisionadas.
Então, tudo vai para o inferno.

—Isso é uma conjetura — Rebateu Aiden. —É uma mulher


inteligente, entregue, obstinada e com iniciativa que enfrentou
muitas coisas e sabe o que quer.
424
—Me enganou. Disse que perguntaria um par de coisas e
está me chateando.

—Que possibilidades têm de voltar a encontrar alguém


assim, quando ela partir de Virgin River?

Luke se levantou e deixou a taça.

—Não se trata disso — Replicou. —Vou para a cama.

**********

O dia de Natal, na última hora, Shelby se apoiou no


cercado do curral e observou seu primo Tom, que estava
vigiando Art, que montava em Chico. Art quis montar Chico
desde que o viu, mas era muito cavalo para ele. Tom, não
obstante, esteve encantado de conceder­lhe isso e quando
tivesse terminado, ela levaria Art para a sua cabana e Tom iria
ao povoado procurar por sua noiva. Deu um coice quando
notou uma mão no ombro. Com o ruído dos cascos não tinha
ouvido Vanessa se aproximar. Shelby olhou para Vanessa, mas
voltou a dar a volta secando os olhos.

—Vamos... — Disse Vanessa. —Não pode fingir. Houve


algo entre o Luke e você.

—Nada. De verdade, nada.

Vanessa a agarrou pelos ombros e lhe deu a volta.


425
—Algo aconteceu — Insistiu. —Brigaram?

—Não, nada disso. É que... — Shelby não pôde terminar a


frase.

—O que, querida? O que houve?

Os olhos de Shelby humedeceram outra vez e deu de


ombros.

—É que sinto falta dele.

—São dois dias, nada mais...

—Eu sei — Shelby soluçou. —Me teria entusiasmado que


tivesse ligado para me desejar Feliz Natal, mas não soube mais
dele. Me quer como se significasse tudo para ele, mas não o diz.
Não sei por que. Por que será, Vanni?

Vanessa passou um dedo por sua bochecha e secou uma


lágrima.

—Não conheço Luke tanto como você.

—Parece como se quisesse manter certa distância entre


nós.

—Disse que não choraria.

—Não. Disse que se me fizesse chorar, eu superaria. Ainda


não me arrependi de nada.

—Dói, verdade?

426
Shelby respirou fundo.

—Acredito que sou tão ingênua como pensava todo


mundo. Apaixonei­me por ele sem querer.

—Querida...

Vanessa a abraçou e Shelby apoiou a cabeça em seu


ombro.

—Vai custar renunciar a ele — Shelby deixou escapar uma


gargalhada sombria. —Vai me custar muito se me deixar partir,
mas eu superarei. O que posso fazer? Não posso fazer outra
coisa.

**********

O dia depois do Natal, enquanto Walt cuidava do menino


para que Vanessa pudesse se ocupar do papel de parede da
casa nova, Shelby foi de carro para a casa de sua vizinha.
Bateu na porta e ouviu os cães que lhe davam a bem­vinda.
Muriel abriu a porta com um sorriso de orelha a orelha.

—Posso tomar uma xícara de café? — Perguntou Shelby.

—Claro. Entre. Houve algo?

—É possível. Tenho que falar sobre o Luke com alguém


que não seja da família.

427
—Bem. É uma honra. Teria imaginado que iria para Mel.
São muito amigas.

—É verdade, mas tem sua família no povoado. Pensei que


possivelmente, não sei... Muriel, possivelmente possa me dizer
algo que não saiba sobre... Já sabe... Os homens.

—Se dá conta de que me casei cinco vezes e nenhuma vez


consegui me sair bem? — Perguntou Muriel enquanto ia para a
cozinha. —Não foi minha culpa, eu juro, mas...

—Acredito que posso ser uma tola.

—Eu o fui centenas de vezes. Sou uma especialista —


Muriel riu e serviu uma xícara de café. —Conte o que está
havendo. Não direi uma palavra a ninguém, inclusive, a Walt.

Shelby lhe contou um resumo. Conheceu­o, apaixonou­se,


aceitou esse plano de que não fosse nada definitivo porque ela
tinha grandes planos e não lamentava. Nesse momento, ela
queria mais, mas ele seguia com a mesma ideia e ela sofria.

—Quando ele disse que não ia criar raízes e não queria


nada de matrimônio nem de família, pensei sinceramente que
se encaixava perfeitamente com o que eu estava procurando. Ao
menos, nesse momento. Jamais me mentiu. Nunca me deu
falsas esperanças e sempre me tratou como se fosse de ouro.
Possivelmente fosse eu quem mentiu a ele ao acreditar que era
o que eu queria. Entretanto, as coisas mudaram. Sigo querendo
viajar e estudar, mas também quero um parceiro, uma família,
uma relação em que possa confiar. Não quero estar com um
428
homem que vá me deixar, justo quando eu creio que não posso
viver sem ele.

—Querida... Eu também quis tudo isso.

—De verdade?

—De verdade. Não me dei bem e espero que você se saia


melhor.

—Mas sua carreira é impressionante!

—Tive muita sorte nisso — Muriel pegou suas duas mãos.


—Tenho um par de más notícias. A primeira: você não pode
mudar as pessoas. Se não mudar a si mesmo, má sorte. A
segunda: você quer o que quer e necessita o que necessita.

—Sigo procurando um acordo, concessões...

—Shelby, há muitas concessões em uma relação. Aprenda


a viver com as cuecas jogadas pelo chão e manchas de pasta de
dente no espelho. Aprenda a não abrir a boca embora dê voltas
em círculos durante horas dirigindo o carro porque não quer
perguntar o caminho. Entretanto, não há concessões com o que
se sente no mais profundo da alma, com os desejos mais
valiosos que farão que sua vida seja plena.

—Não?

Muriel negou com a cabeça.

—Pode se obrigar a seguir tentando. Inclusive, poderia


encontrar a maneira de obrigá­lo a seguir tentando, mas teria
429
um gosto amargo. Não compensa.

—Você não seguiu tentando. Arrepende­se de estar


sozinha?

—Não estou sozinha, Shelby — Replicou com paciência. —


Não tenho marido, o que é diferente. Tenho uma família de
amigos maravilhosa. É muito melhor que ter um homem com o
qual não sou compatível, asseguro­lhe isso, embora acreditasse
que o adorava.

—Claro — Disse Shelby. —Adoro a sua maneira de ver as


coisas.

Muriel riu.

—Tenho muita prática de ver as coisas. Muita mais do que


gostaria.

Falaram da vida de Shelby e da de Muriel até que


acabaram com o café. Shelby se surpreendeu de ter algo
minimamente em comum com esse símbolo de Hollywood.

—O que faço? — Perguntou Shelby ao cabo de um par de


horas.

—Saberá o que fazer. Não te precipite, querida, mas


tampouco espere muito. Chegará um momento de clareza e
compreenderá que é chegado o momento de cuidar de si
mesma. Não tem por que renunciar aos seus sonhos, Shelby.
Nunca aceite menos. Nunca.

430
Capítulo 16
Depois de passar as férias em Portland com seus pais,
seus irmãos e suas famílias, Cameron Michaels rumou para
Virgin River, arrastando um reboque com seus livros, o
computador, os móveis do dormitório, suas roupas, a televisão
e o aparelho de som. Tinha trocado o Porsche por um 4x4 para
poder percorrer os vales e as montanhas. Quando estacionou
diante da casa do doutor, Mel saiu imediatamente ao alpendre.

—Bem­vindo, doutor — Saudou­o com um sorriso.

Shelby saiu da clínica logo atrás dela.

—Olá, Cameron. Como foi a viagem?

—Não esteve mal — Respondeu ele. —Ao menos, aqui se


vê o sol. Em Portland não parava de chover.

—Deixe o reboque e todo o resto — Lhe indicou Mel. —Vou


pegar o bebê e iremos ao bar de Jack. Então, os rapazes o
ajudarão a descarregar. Esta noite ficará em nossa casa, até
que preparemos seu dormitório.

Shelby deu a volta e entrou na clínica outra vez.

—Não quero ser uma carga — Replicou ele.

Mel riu.

—Deixemos claro uma coisa. Veio ao meu povoado para

431
trabalhar em troca de uma miséria e não quer ser uma carga?
Ficará conosco esta noite e enquanto for necessário.

Shelby voltou com a Emma enroscada em seu peito, o


casaco de Mel pendurado no braço e as chaves da clínica na
mão. Fechou a porta. Mel vestiu o casaco e pegou o bebê.

—Onde está o menino? — Perguntou Cameron.

—Com seu pai, servindo no bar. Está com a mochila.


Então, deixou arrumado os seus assuntos sem inconvenientes?
— Perguntou Mel.

—Foi como a seda. Tive uma oferta pela casa em três dias,
vendi quase todos os móveis e o que mais eu gostava deixei em
um guarda­móveis, troquei o carro esportivo por um 4x4 e
passei o Natal com minha família.

Começaram a cruzar a rua para o bar.

—O que disseram desta ideia? — Perguntou Shelby.

—Acreditam que fiquei completamente louco — Cameron


riu. —É possível que seja verdade, mas o que importa?

—De verdade, não posso entender por que fez isto —


Interveio Mel.

—Pelo mesmo que você, Mel — Replicou ele.

—Não é possível. Meu coração parecia estar em


pedacinhos. Tinha que encontrar algum lugar simples e
tranquilo para repensar minha vida. Para curar as feridas,
432
estar sozinha e não muito sozinha.

—Pelo mesmo que você, Mel — Repetiu ele.

—Um momento — Ela parou. —Tem que haver algo mais.

—Uma noite nos embebedaremos e compararemos nossos


corações destroçados, o que te parece?

Pegou­o pela manga.

—Isto não tem nada haver com nenhum de nossos, mmm,


amigos comuns, verdade?

—Não, Mel. Não tem nada haver com Vanessa — Shelby


arregalou os olhos e Cameron a olhou. —Antes que Paul
aparecesse e lhe dissesse o quanto a amava, saí um par de
vezes com ela. Nada mais, um par de vezes. Senti­me
decepcionado quando escolheu outro, mas não me partiu o
coração. Não há motivo para se preocupar.

—Menos mal — Se tranquilizou Mel. —Me preocupei por


um segundo. Quero dizer, há boas fofocas no povoado, mas não
poderia ser tão bom.

Cameron riu.

—Vou amar. Aprenderei a pescar com mosca em meus


dias livres.

—Vai ter um montão deles — Comentou Mel enquanto


subia os degraus do alpendre.

433
Aparentemente, Cameron não estranhou que houvesse
tantos carros e caminhonetes na rua, mas tampouco estava a
par das atividades nessa época do ano. De janeiro a junho,
costumava chover e tudo era muito tranquilo em Virgin River. A
temporada de caça tinha terminado e se pescava pouco, mas
quando entrou no bar, um bar abarrotado de gente, ouviu­se
uma explosão de saudações. Ele, atônito, ficou congelado
enquanto o alvoroço acalmava lentamente. Jack saiu do balcão
com David se retorcendo na mochila.

—Entre, Doc. Seja bem­vindo.

Logo chegou Paul com a mão estendida, Vanessa lhe deu


um abraço e um beijo na bochecha e Walt também deu um
efusivo abraço. Pastor quase lhe rompe as costelas ao abraçá­lo
e seguiram Paige, Mike e Brie com o bebê recém­nascido. Então
chegaram as apresentações a outros amigos e vizinhos do
povoado e dos ranchos dos arredores. Deram­lhe uma cerveja
fria, montou­se um bufe delicioso e seguiram as saudações e as
palmadas nas costas de agradecimento. Entre a multidão
estavam os doutores June Hudson e John Stone e suas
famílias, que ofereceram seus serviços e ajuda quando os
quisesse. O pai de June, o doutor Hudson, ofereceu­se a vir
para Virgin River acompanhá­lo nas primeiras visitas de médico
rural e a ir ao rio.

—Podemos aperfeiçoar sua técnica antes que comece a


verdadeira temporada de pesca — Propôs.

Cameron comeu, bebeu, conheceu pessoas do povoado e,


434
pela primeira vez em muito tempo, sentiu­se parte de algo
pessoal e importante. Algo entusiasta e delicado ao mesmo
tempo. Havia poucas pessoas solteiras nessa multidão tão
jovial, mas não o afetou como o tinha abatido sair com seus
colegas de trabalho casados, quando se sentiu como se não
encaixasse em nenhum lugar. Ali se sentiu um deles, embora
não tivesse uma esposa com quem compartilhar tudo.

Ao início da noite, Mel lhe disse que Jack o levaria para


casa e ela o veria mais tarde. Jack a ajudou a colocar à família
no 4x4 para que pudesse deitá­los. Pouco a pouco, as pessoas
foram se despedindo e ao redor das nove, o bar pareceu se
esvaziar de clientes habituais que lhe desejaram boa noite e
voltaram a expressar seu agradecimento e suas mais calorosas
boas­vindas. Ficaram Jack, Pastor e Cameron. Jack tirou um
par de copos.

—Normalmente, servimos um gole ao final do dia, quando


o bar fica vazio. Vou te levar para casa se quiser outro.

—Pode estar certo — Confirmou Cameron. —Jack, isto


que fez foi maravilhoso.

Jack serviu três copos com o melhor uísque de malte.

—Eu não fiz nada, Doc. São coisas que acontecem,


quando se difunde a notícia. É um lugar muito espontâneo.

—São maravilhosos.

—Não têm muito dinheiro, não são sofisticados, não têm

435
lido os clássicos, ao menos a maioria, mas este lugar tem
coração. De verdade, é algo muito singelo. Não podem
engrossar muito sua conta corrente, mas conhecem o valor da
amizade e da gratidão. Nunca passará fome, nem estará
sozinho. Assim, o administra o povo. Você gostará.

—Nunca me senti menosprezado em meu trabalho, mas


isto é novo para mim — Cameron levantou o copo para brindar
com o Jack e Pastor. —Pelos bons começos.

—Pela satisfação — Acrescentou Jack.

Cameron bebeu.

—Me alegro muito de ter feito isto.

—Teve que ser muito difícil, Doc — Comentou Pastor.

—Foi para você? — Perguntou Cameron.

—Não — Respondeu Pastor. —Quando cheguei aqui e vi o


que Jack tinha montado, nem pensei nisso.

—Posso entendê­lo. Obrigado por me dar a oportunidade


— Acrescentou Cameron.

**********

Shelby partiu da recepção de Cameron quando a multidão


começou a se dissolver. Luke levou Art em seu carro e ela os

436
seguiu em seu jipe. Quando chegaram, ela foi à cabana de Art
para se certificar de que tudo estava em ordem.

—Tudo bem, Art?

—Muito bem — Respondeu ele com um sorriso.

—Queria comprovar como estava tudo antes de me deitar.


Que durma bem.

—Que sonhe com os anjinhos — Lhe desejou ele repetindo


algo que lhe dizia de vez em quando.

Ela riu.

—Não se esqueça de rezar.

—Não me esqueço nunca — Assegurou ele.

—Não se esqueça de escovar os dentes.

—Não me esqueço nunca — Repetiu ele.

Shelby foi ao alpendre da casa do Luke, onde ele a


esperava com um sorriso.

—Acreditava que eu tinha salvado sua pele, mas ele te


adora.

—Não acredito que seja tanto — Replicou ela deixando que


ele a abraçasse. —Em algum momento, deveria falar com
alguém sobre ele. Que seus parentes saibam onde está, talvez,
que o visitem. Estou segura de que não se importarão que ele
viva aqui, sempre que estiver cuidado e saudável.

437
—Sim. Já tenho feito algo. Descobri de onde saiu e não é
um bom lugar. Falarei com o Mike e a Brie para encontrar a
maneira de liberá­lo — Contou ele lhe dando um beijo.

—E ficará aqui — Perguntou ela afastando­se um pouco.

Luke se encolheu de ombros.

—Não vou adotá­lo. Darei um lugar para viver e ele fará


algumas tarefas. Mas não deveria trabalhar para alguém que
bate nele.

Voltou a beijá­la e entrou com ela.

—Ficará responsável por ele?

—Shelby, não é uma carga para mim. Não necessita que o


vigiem muito. Basta que tenha um lugar seguro.

—O que acontecerá quando vender as cabanas e partir


daqui?

Ele deu de ombros.

—Se o fizer, não acredito que seja difícil de encontrar um


bom lugar, que não seja uma fraude aos serviços sociais.

—Mas não se preocupa que isso o prejudique, desoriente?

—Sei que é muito sensível e o farei com cuidado, mas não


me preocuparei até que seja necessário.

Shelby o conhecia fazia uns meses, um par deles


intimamente, e tinha feito que se apaixonasse. Para ela era

438
incrível pensar como a estremecia. Não lamentava ter esperado
tanto para descobri­lo, porque estava segura de que nunca teria
podido ser parecido com outro homem. Era um milagre. O
destino a tinha unido ao homem perfeito para ela. Quando a
tocou, acreditou que ele sentia o mesmo. Entretanto, não deu
mais indícios.

Depois de fazer amor, ele a abraçou. Poderia beijá­la,


acariciá­la e abraçá­la indefinidamente. A desconcertava que
pudesse ser tão carinhoso e tão entregue sem amá­la. Se
perguntava como conseguia. Acreditava que se chegasse a
entendê­lo, possivelmente pudesse se separar sem ficar em
pedacinhos. Virou­se, se apoiou em seu peito e o olhou nos
olhos.

—Há um médico novo no povoado e Mel já não vai me


necessitar tanto. Estou aqui desde agosto e cada vez tenho
menos coisas para fazer.

Lhe acariciou as costas e o traseiro sensualmente.

—Eu te manterei ocupada para que tenha algo que fazer.

Ela o olhou com os olhos transbordantes de amor. Como


era possível que não se desse conta? Não seria a primeira em
dizer que o amava. Tampouco podia perguntar isso, seu
orgulho não permitiria. Entretanto, não era tão orgulhosa como
para não lhe dar uma oportunidade.

—Já mandei todas as solicitações para estudar


Enfermagem. Estou esperando as respostas. Te recordo que
439
inclusive mandei uma à Universidade de Humboldt, se por
acaso entrar em razão e decidir que não pode viver sem mim.
Têm um programa magnífico.

Apartou­lhe o cabelo por cima dos ombros.

—Estou certo de que há muitos programas magníficos por


aí. Verdade?

Ela assentiu com a cabeça e tentou lhe mandar uma


mensagem por telepatia para que dissesse que a amava e que
gostaria que ficasse ali com ele.

—O daqui é tão bom como qualquer outro.

Ele, em vez de falar, abraçou­a com força e lhe deu a volta


até que esteve em cima dela. Então, deu­lhe um beijo na boca
profundo e abrasador e começou a acariciá­la lentamente para
provocá­la outra vez. Ela, com um suspiro de decepção, se
entregou a ele, e a essas sensações, sabendo no mais profundo
de seu coração que isso poderia ser tudo o que conseguiria
dele.

**********

O dia de Ano Novo, Abby chamou Vanessa da casa de seus


pais em Seattle.

—O que te pareceria se fosse te fazer uma visita? —


440
Perguntou­lhe.

—Perfeito — Respondeu Vanessa. —Não podia ter


escolhido um momento melhor! Mudamos para a casa nova
antes do Natal e ainda há muitas coisas que fazer. Pode me
acompanhar à costa para as compras e me ajudar a arrumar
tudo por aqui.

—Eu adoraria te dar uma mão. Quando posso ir?

—Quando quiser — Respondeu Vanessa.

—Então, vá fazendo a cama de convidados, porque sairei


dentro em um par de dias.

O dia que partiu, Abby deu um beijo em seus pais ao


amanhecer e se pôs rumo ao sul. Assim que montou no carro,
relaxou tanto que seu ventre esticou na cinta elástica das
calças. Levava uma geladeira portátil com comida e bebida e só
parou para colocar gasolina e comer um pouco. A última hora
da tarde, passou diante da casa do general, tomou a curva que
rodeava os estábulos e se dirigiu para a flamejante casa nova.
Tocou a buzina e desceu do carro. Vanessa saiu com um
sorriso resplandecente de felicidade. Abby foi para Vanessa,
mas esta se deteve repentinamente com os olhos espantados.
Abby não colocou o casaco e sua amiga estava lhe passando a
mão pelo ventre ligeiramente volumoso.

Vanessa se compôs e a abraçou com todas as suas forças.

—Não me disse que viria acompanhada — Comentou com

441
um suave sorriso.

—Vanni, fiz uma confusão.

—Vamos entrar, querida. Parece­me que quer falar de


algumas coisas.

Havia algo que cheirava maravilhoso no forno. Matt


engatinhava pelo chão da sala e se agarrava aos móveis para se
levantar e Paul, conforme contou Vanessa, não tinha chegado
ainda em casa porque, certamente, teria passado pelo bar do
povoado para tomar uma cerveja com seus amigos.

—Por que não me contou isso? — Perguntou Vanessa.

—Para começar, porque estou envergonhada. Saio de um


problema para me colocar em outro. Os únicos que sabem que
estou grávida são meus pais, meu médico... e você.

—Sabe que farei o que for para te ajudar, mas não vai
poder passar muito tempo sem dizê­lo.

Abby sacudiu a cabeça.

—Nas bodas de Nikki e Joe, todas sabiam que o divórcio


estava a ponto de sair. Não podia suportar falar disso, mas
então, o matrimônio com Ross se acabou fazia muito. Se estiver
ciente das notícias sensacionalistas, saberá que levava mais de
seis meses vivendo com outra mulher quando o divórcio
finalizou.

—Sinto muito... Não leio essa imprensa.

442
—Devia ter assinado os documentos do divórcio no dia que
me pediu isso — Abby deixou escapar uma gargalhada. —Te
contei que me pediu isso? Um homem ameaçador me chamava
todas as semanas. Eu deixava a secretária eletrônica atender.
Não soube nada do Ross, pessoalmente, há mais de um ano.
Não me pergunte por que esperei, porque não queria que
voltasse comigo. Acredito que fiquei paralisada pela surpresa.
Além disso, sentia­me estúpida por ter casado com ele, por ter
acreditado que o conhecia, quando, evidentemente, não o
conheço. Rasgou­me. Assim que cheguei em Los Angeles depois
das bodas, assinei o divórcio. Um mês depois, era uma mulher
livre.

—Acho que foi melhor assim.

—Eu estou segura disso. Sabia que o conheci quando


estava em tratamento de desintoxicação? Foi maravilhoso
durante um tempo... mas bem curto. Era delicado, encantador
e ia todos os dias às sessões. Quando estávamos há seis
semanas casados, voltou para a excursão e para se drogar. Mas
eu a tinha aborrecido, Vanni. Assinei um contrato pré­
matrimonial. Era muito simples: em caso de divórcio, eu teria
uma pensão compensatória se tivesse sido fiel durante o
matrimônio. Não tinha nenhum motivo para que essa condição
me preocupasse. Entretanto, com o divórcio, seu advogado
apresentou faturas de cartões de crédito que nem sequer eram
minhas. Passei a dever milhares de dólares, dezenas de
milhares. Necessitava dessa pensão para pagar minha parte de

443
suas faturas.

—Grande porco! — Exclamou Vanessa. —Não tem por que


se sentir culpada.

—Não me sinto — Abby passou as mãos pelo ventre. —


Aconteceu justo antes que assinasse o divórcio e foi definitivo.
Não importa que ele já estivesse vivendo com outra mulher.

—Quem é o pai? — Perguntou Vanessa com toda a


delicadeza que pôde.

—Não posso falar disso, Vanni. Sinto muito. Foi uma


aventura de uma noite com um desconhecido. Um
desconhecido absolutamente encantador e carinhoso. Se não
estivesse grávida, entraria em contato com ele para conhecê­lo
melhor. Poderia lhe dedicar meu tempo para saber se é um
homem adorável de verdade. Dedicaria muitos mais meses do
que dediquei a Ross. Entretanto, agora é um risco excessivo.
Saberia que é o pai. O que aconteceria se não fosse tão
maravilhoso como me pareceu? Vanni, não sei nada dele, salvo
que foi encantador comigo naquela noite. Ross o foi por mais
tempo e olhe o resultado. Não posso me arriscar. Não posso
expor os bebês a isso.

—Bebês? — Perguntou Vanessa.

—Acabo de saber. São gêmeos — Respondeu Abby


baixando o olhar.

—Santo céu.

444
—Isso digo eu. Por isso estou tão gorda já.

—Então, o que pensa fazer? — Perguntou Vanessa.

—Tenho que me esconder em algum lugar até que os


bebês tenham alguns meses. Suponho que uma vez nascidos,
ninguém da equipe legal de Ross, poderá demonstrar que não
cumpri o contrato pré­matrimonial e me dizer para devolver a
pensão, mas se alguém descobre que estou grávida, poderia me
obrigar a fazer um teste para determinar quando ocorreu. Foi
pouco antes que o divórcio fosse assinado. Me dá um medo
atroz que possam demonstrá­lo. Vanni, não posso pagar essas
faturas que me endossaram.

—Perguntou a alguém como seu ginecologista?

—Sim. Pode­se fixar a data da gravidez. Tenho que


desaparecer até que pagar as faturas e deixar de aceitar a
pensão, até que os bebês sejam maiores e Ross perca o
interesse. Por isso, pedi um afastamento sem salário na linha
aérea e procurarei algo que possa alugar por aqui. Mudei o
endereço para a casa de minha mãe em Seattle, e ela me
mandará o correio. Incluí a minha mãe em minha conta em
Seattle e me mandará dinheiro por ordem de pagamento para
não deixar rastros. Serão uns seis meses ou algo assim — os
olhos se encheram de lágrimas. —Vanni, não quero esse
dinheiro, mas não tenho outra maneira de pagar as faturas e
viver.

Vanni tomou a mão.

445
—Abby, nem te ocorra ter remorsos! Ele te enganou,
mentiu, se drogou...

—Sim, mas eu fiquei grávida — A interrompeu Abby. —


Exceto o dinheiro que necessito para saldar as faturas,
encontrarei uma maneira de devolver­lhe tudo. Não quero seu
dinheiro. É como se estivesse me sujando. Tenho que passar
tudo isto. Então...

—Além disso, não vai alugar nada. Ficará aqui conosco!

—Não posso.

—Não pode ficar sozinha e grávida de gêmeos! Não vou


permitir isso! Paul não vai permitir também! Vamos te ajudar.
Temos uma enfermeira e parteira maravilhosa, chama­se Mel.
Conheceu­a nas bodas de Nikki e Joe, mas também há um
ginecologista fantástico em Grace Valley e acaba de chegar um
pediatra ao povoado. Um velho amigo. Como verá, tudo está se
solucionando.

Abby começou a chorar e Vanessa a abraçou


imediatamente com muito carinho.

—Está tudo bem — Sussurrou Vanni. —Não chore.


Esperamos bebês maravilhosos! — Matt engatinhou até ela,
sentou­se agarrando joelhos e começou a balbucear. —Com
efeito, nunca choramos por alguns bebês.

—Vanni, não sei o que vou fazer. Não só não deveria ter
um, é impossível ter dois. Mas os desejo muito!

446
**********

Abby se instalou com Vanni e Paul e se sentiu a salvo pela


primeira vez em muitas semanas, mas não estava preparada
para que a apresentassem ao povoado. Nas vezes que foram
jantar no bar de Jack, ela ficava em casa. Ainda a
envergonhava se apresentar como uma mãe solteira, embora
nesses dias e a nessa idade não era incomum. No fim de
janeiro, pediu uma entrevista com Mel para que a examinasse.
Era o momento de pensar na preparação do parto, que pagaria
em dinheiro. Quando foi à entrevista, ficou tão cativada como
tinha previsto Vanessa. Além disso, o profissionalismo de Mel
ao tratá­la, foi estimulante.

—Uma mãe solteira, não é? Isso tem seus obstáculos, mas


é afortunada. Terá os gêmeos, tem bons amigos e uma saúde
perfeita. Não sei o que mais pode querer.

—Estou nervosa. Quero que nasçam saudáveis, quando


for apropriado e logo...

—Sabe como vai trabalhar e cuidá­los?

—Assim que tenham o tempo suficiente, voltarei para a


minha família. Minha mãe me ajudará. Está muito emocionada.

—É uma boa ideia. Com uma família que te ajude, poderá


solucionar as coisas. Tem duas alternativas. Pode dar a luz no
447
hospital com John Stone, em Grace Valley, ou pode dar a luz
comigo e com a ajuda de John. Eu não dou anestesia, mas são
gêmeos e serão menores. Certamente será um parto mais
rápido e fácil. Faremos exames de ultrassom para nos certificar
de que estão na posição adequada. Além disso, podemos contar
com John Stone se precisar de algo especial, como uma
cesárea. É maravilhoso. Também temos a sorte de ter um
pediatra fabuloso. Sabia que Paul ajudou no nascimento de
Matt?

—Ouvi algo — Respondeu ela.

—Foi um nascimento maravilhoso. Fizemos uma festa.


Todo mundo estava esperando na casa do general. Paul pensou
que não aguentaria, mas esteve perfeito.

—Esta poderia ser a única vez que dê a luz.

—Não faça planos precipitados — Replicou Mel. —É jovem


e fértil. Ficam uns anos para mudar de ideia.

—Isto me tomou de surpresa — Reconheceu Abby.

—De verdade? — Mel riu. —Os meus dois me tomaram de


surpresa, sou uma especialista. Se vista, te esperarei lá fora.

Abby estava muito bem enquanto se vestia. Inclusive lhe


parecia melhor para ir ao povoado. Decidiu que tudo ia ficar
bem. As pessoas eram simpáticas e compreensivas. Mel era
carinhosa, divertida e encantadora, tudo o que uma mulher
podia pedir de uma parteira.

448
Quando saiu, Mel estava à espera na recepção.

—Tudo parece perfeito, Abby. Tem suficientes vitaminas


ou preciso te dar mais?

—Não é necessário — Respondeu Abby. —Eu trouxe um


bom carregamento de meu outro ginecologista.

—Perfeito.

Quando os olhos de Abby se abriram arregalados, os de


Cameron fizeram o mesmo. Ele estava sentado atrás do
mostruário olhando o computador. Estava com um paciente em
uma sala de exames, quando ela entrou e não se viram. Mel se
deu conta de que estavam se olhando nos olhos.

—Abby, apresento o doutor Michaels. Cameron, Abby


MacCall.

—Olá — Ele a saudou se levantando.

—Prazer em conhecê­lo — Disse ela.

Ele se aproximou e estendeu uma mão que ela estreitou


hesitantemente.

—Abby... MacCall?

—Sim, olá.

—Ficará em Virgin River?

—Vim visitar uns amigos.

449
—Eu sou novo aqui. Você gostará do lugar.

—Mmm, não vou ficar muito tempo. Será melhor que vá


indo.

—Te verei por aqui.

—Claro.

Abby esteve a ponto de sair correndo. Cameron ficou com


os olhos cravados nela e quando fechou a porta, voltou­se para
Mel.

—Acreditava que ia ficar até o parto. Aconteceu algo muito


estranho.

—Sim — Confirmou ele. —De quanto tempo está?

—De quatro meses. Por quê?

Ele olhou para seus pés um instante e voltou a olhar para


Mel.

—Eu a conheço. Conheço­a bastante bem, mas não a


tinha visto fazia quatro meses.

—Estou um pouco perdida.

—Quatro meses — Repetiu ele.

—Esclareça.

Cameron, depois desse tempo na clínica, já sabia que para


Mel os assuntos de seus pacientes eram estritamente

450
confidenciais.

—Acredito que poderia ser o pai.

Mel ficou boquiaberta e demorou um momento em se


refazer.

—Onde está vivendo? — Perguntou­lhe Cameron.

—Com Vanni e Paul.

—Merda. Esse bebê é meu — Afirmou Cameron sacudindo


a cabeça.

—Bebês — Corrigiu Mel. —São gêmeos.

—Merda dupla. Tenho que sair um momento. Não sei


quanto tempo ficarei fora. Não espero paciente algum.

Cameron agarrou seu casaco do gancho que havia atrás


da porta principal e recolheu sua maleta, que a partir desse
momento seria como uma extensão de seu braço.

—Espere um segundo — Pediu Mel enquanto passava


atrás do balcão, abria um armário e tirava um par de frascos
muito grandes de vitaminas. —Toma. Se se encontrar em uma
situação delicada, sempre pode fingir que estava levando isto.

—Obrigado, Mel, e sinto...

—Posso dar como obvio que vocês dois não têm uma...
relação? — Perguntou ela com um sorriso.

Ele também sorriu, mas estava doído, melancólico.

451
—Não dê nada por garantido neste momento. A não ser
que tivemos um... encontro.

**********

Bateram na porta dos Haggerty uns dez minutos depois de


Abby voltar da visita à parteira. Ela não ligou e seguiu
dobrando a roupa para colocar em uma mala. Quando chegou,
a casa estava vazia. Tocaram à campainha e bateram a porta,
mas Abby não abriu.

Mais do que outro encontro com Cameron, o que a


preocupava era a desculpa que daria a Vanni para partir tão
repentinamente. Não estava preparada para lhe dizer que o
homem que a tinha deixado grávida vivia ali. Depois, também a
preocupava para onde ir. Não podia ir para Grants Pass com
Joe e Nikki, estavam muito perto do lugar do delito. Cameron
sabia que era amiga de Nikki. Possivelmente encontrasse algum
povoado desconhecido na costa onde não conhecesse ninguém.

Tinham deixado de chamar, mas segundos depois alguém


se dirigiu a ela.

—Não tem que sair correndo.

Ela deu um salto pelo susto e se virou completamente


pálida.

452
—Como entrou?

—A chave estava debaixo do vaso de barro. Eu também a


escondia ali. Não é muito original. Além disso, é pouco comum
que fechem a porta à chave em Virgin River. Abby, é muito
tarde para que saia correndo.

Ela levantou o queixo, mas tinha os olhos cheios de


lágrimas. Levou uma mão ao ventre como se quisesse protegê­
lo.

—Abby, o que teme? — Cameron entrou no dormitório. —


Acredita que vou te fazer algo? Sabe que não o faria, se tivesse
querido te fazer algum dano, tive a ocasião perfeita no Oregon.

—Cameron, tudo isto é muito complicado e não quero que


se complique mais. Por favor.

Ele deu de ombros, meteu as mãos nos bolsos e se apoiou


no batente da porta.

—Me diga por que tem tanto medo de que te complique a


vida e deixe de fazer a mala, por favor. Não sou seu inimigo.

Ela se deixou cair na cama com o rosto entre as mãos e


começou a soluçar. Cameron se sentou ao lado dela com muito
cuidado e lhe rodeou os ombros com um braço.

—Não vou dizer nem fazer nada que possa te pôr nervosa
ou te assustar — Sussurrou ele. —Se não quer que ninguém
saiba nada sobre nós, sobre aquela noite, não direi nenhuma
palavra.
453
—Não quis que aquela noite ocorresse como ocorreu — Ela
levantou o rosto e o olhou com os olhos chorosos. —Não estava
te esperando nos elevadores. Ia ao meu quarto. Não queria
passar a noite com um desconhecido.

—Por que passou? Por que uma amiga de Vanessa foi a


minha cidade?

—Fomos todas, eram as bodas de nossa amiga Nikki. Joe


é o melhor amigo de Paul. Até Jack e Mel estavam nas bodas.

—Está brincando comigo? Não vi nenhum rosto


conhecido.

—Oxalá tivesse visto — Ela soluçou. —Nos teríamos


economizado um montão de problemas os dois.

—Não te obriguei. Não foi uma noite ruim para você. Já


sabe que para mim foi maravilhosa.

—Foi um tremendo mal­entendido — Replicou. —Eu


acabava de passar por um divórcio espantoso rematado com
fotos na imprensa sensacionalista.

—Eu sei. O li porque estava te procurando. Queria ter


outra oportunidade contigo.

Ela se voltou para ele e o agarrou pela jaqueta com


desespero.

—Se souberem quem sou, onde estou e que estou grávida


e também que é o responsavel, seria muito ruim para mim,

454
muito. Não sabe quanto.

Cameron quis saber exatamente a que se referia, mas seu


pânico era evidente. Se a encurralasse por menos que fosse,
voltaria a se afastar dele.

—Abby, acredito que aqui está bem. Acredito que ninguém


em Virgin River nos relacionará.

—Você o fez — Replicou ela lhe soltando a jaqueta.

—Eu estava te procurando e o motivo não era ruim.

—Nem sequer me conhece!

—Bom, isso é discutível. Entretanto, limitaremos a sua


percepção no momento. Não me conhece o suficiente para estar
tranquila, mas pode comprovar o que quiser de mim facilmente.
Mais facilmente que eu de você. Então, está se escondendo?
Esconde­se dele ou de mim?

—Nem sequer me ocorreu que tivesse que me esconder de


você. Não tinha nem ideia de onde estava. De verdade, não pode
saber. Por favor, não me pergunte por que.

—Um contrato pré­matrimonial espinhoso, imagino.

—Deus! Quem te disse isso?

—Li na revista People.

—Meu Deus! Quanta gente acredita que sabe?

—Não sei, mas ninguém daqui se dará conta de que é essa

455
mulher. Reconheci seu rosto na capa e li a história porque
desejava saber algo. Não me inteirei de grande coisa. Só me
inteirei dos fatos. Ele a abandonou à poucas semanas depois de
se casar, foi com outra mulher e pediu o divórcio. Dizia algo de
que um contrato pré­matrimonial pudesse ser o motivo que se
atrasou, mas não sei que papel tem em seu drama. Só sei que
esse fantoche se casou contigo e te abandonou. Considero­o
uma escória por tê­lo feito e um tolo.

—Eu me meterei em uma confusão monumental se contar


para alguém.

—De acordo — Concedeu ele, assentindo com a cabeça. —


Não escreverei a minha família para contar

—Muito engraçado. Isto é muito sério.

—De acordo, nos poremos sérios. Não é minha paciente,


mas tudo o que acontece nessa clínica é confidencial. Mel e eu
podemos consultar todos os arquivos, mas são completamente
confidenciais. Não poderia fofocar sobre você mesmo se
quisesse, mas nenhuma norma me impede de falar contigo e
tenho a sensação de que tudo isto tem que ver comigo.

—Não são seus.

—Sim, eles são — Sorriu com paciência. —Mas não tema.


O único que me importa agora é que esteja bem. Não vou ser
insistente, porque sei como deve se sentir por ter acontecido
numa noite imprevista, acidental. Abby, eu sinto muito. É
minha culpa. A seduzi e tive um acidente com o preservativo.
456
—Eu tive um acidente com a pílula, porque estava
tomando antibióticos.

—Então, isso explica tudo. Não sabia as contraindicações?

Ela negou com a cabeça e soluçou. Ele lhe deu um lenço e


ela secou as lágrimas.

—Nem sequer estou segura de que me avisassem na


clínica. Se o fizeram, é possível que não estivesse prestando
atenção, porque estava me preparando para ir a essas bodas e
meu matrimônio se foi a baixo. Foi uma época muito tensa e
tive uma infecção de ouvido.

—Então, por que veio aqui?

—Neste momento tenho que ser muito discreta — Ela deu


de ombros. —Enfim, vai adivinhar tudo em qualquer caso.
Espero que possa confiar em você, porque...

—Não lhe demonstrei isso? — Perguntou ele com toda a


delicadeza que pôde. —Eu tentei.

—Sim, mas Ross também me demonstrou isso. Durante


um par de meses foi o homem mais encantador que conheci. Ao
final desse par de meses, voltou em excursão e a consumir
drogas, sua vida se converteu em um trem descarrilhado.

—Muito bem, já percebi. Entretanto, acredito que não


tenho muito em comum com ele. Por exemplo, não tenho todo
um histórico de infidelidades e consumo de drogas.

457
—Mas entenda, eu não sei.

—Como te disse, pode saber o que quiser de mim muito


facilmente. Poderia começar por Vanni.

—Vanni? — Perguntou ela com surpresa.

—Sim. A mãe de seu primeiro marido tentou nos


emparelhar e saímos algumas vezes antes de Paul. Exerci
medicina em Grants Pass por vários anos, pode perguntar aos
médicos dali. Pergunte a Mel, ela me contratou e vou ficar um
ano.

—O que faz aqui?

—O médico daqui, a quem conheci um pouco, morreu faz


uns meses. Necessitavam de ajuda e eu conhecia este lugar. É
especial, já o verá. Agora, me conte esse problema que te aflige.
Não é a gravidez, isso não é um problema. Por que está se
esconde em Virgin River? Tem medo que alguém vai reconhece­
la?

Ela suspirou profundamente e contou. Não tinha muitas


alternativas. Se ele soubesse o que temia, poderia manter a
boca fechada.

—Isso é o que te aflige tanto? Abby, só se trata de


dinheiro.

—Só? É muitíssimo dinheiro! Eu não endossei nenhuma


dívida, mas me sinto afortunada de que só fossem os cartões de
crédito. Imagino que uma estrela do rock pode gastar aos
458
tubos.

—Abby, são questões legais — Explicou ele com calma. —


Podem contra atacar. Só temos que pensar na melhor colocação
e...

—Basta! — Interrompeu ela. —É meu problema! Só


necessito de tempo para respirar!

Cameron não estava muito preocupado pelo contrato pré­


matrimonial e a dívida. Ele não podia solucioná­lo com
dinheiro, não tinha tanto, mas estava seguro de que tinha que
haver alguma forma de tentar um acordo. Sua maior
preocupação era que a mãe de seus filhos gêmeos confiasse um
pouco nele. Pousou uma mão ligeiramente em seu ventre.

—Foi ao médico desde o começo? Tudo vai bem? Sente­se


bem?

Ela assentiu com a cabeça, mas dessa vez levantou o


olhar.

—Muito bem — Respondeu ela. —Se não se estragou por


ter os nervos destroçados, suponho que estarei bem.

—Devia ter me chamado — Ele sorriu. —Poderia ter


ajudado.

—Tinha medo de me misturar com alguém a quem não


conhecia. Já me magoei uma vez. Que eu soubesse, podia ser
um perturbado.

459
—Poderia ser, mas não sou.

—Não posso estar certa de nada, nem de ninguém. Tem


que entender. Não tome como algo pessoal, mas tenho que ser
prudente.

—Fumei um baseado na universidade — Reconheceu ele


com um sorriso. —De resto, sou relativamente ajustado.

—Relativamente?

—Sim. Fiz alguns disparates como, deixar uma carreira


profissional para vir a um povoado de seiscentos habitantes,
onde não me pagam quase nada porque é calmo e limpo e as
pessoas fazem que me sinta útil. Minha família pensa que fiquei
louco — Acrescentou entre risadas. —Além disso, não tive
nenhuma alteração da personalidade grave na puberdade.

—Quando te vi na clínica, fiquei apavorada.

—Isso é a primeira coisa que temos que resolver —


Comentou ele. —Não há o menor motivo para que tenha medo
de mim. Nunca te faria mal. Por que iria fazê­lo? O que iria
ganhar? Eu gostaria de poder te conhecer um pouco. Já te
disse em outro momento que eu gostaria de te conhecer. Não
vou te chatear nesta ocasião sendo desalmado ou um déspota
— Cameron sorriu. —Tem uma lista e “déspota” não está nela.

—Além disso, é muito atento — Acrescentou ela com


suavidade.

Pela primeira vez em todo o dia, ela o olhou de verdade.


460
Estava diferente daquela noite. Vestia calças jeans, camisa
xadrez e botas.

—Tem que me prometer que não vai fugir — Pediu isso a


ela. —Nos comportaremos como se acabássemos de nos
conhecer. Não tem que dizer que já nos conhecíamos nem a
Vanni. Não é minha paciente e posso querer te conhecer. A
verei por aí, irá de vez em quando ao bar de Jack e eu janto ali.
Se te ver por aí, podemos nos tornar amigos. Por isso tentava
me pôr em contato contigo. Só queria vê­la outra vez. Tentar. —
Ele sorriu. —Vamos lá... gosta de mim, você sabe.

—Como explicará que se interessa por uma mulher


grávida e solteira? — Perguntou ela.

—Abby, se olhe no espelho — Respondeu ele com uma


gargalhada.

—Deveria partir antes que aconteça algo.

—Não pode partir — Replicou ele com calma e firmeza.

Não queria ser implacável com ela, mas tampouco deveria


ter que dizer o que ela poderia saber se pensasse um pouco.
Teria removido Roma para encontrá­la se soubesse que estava
grávida dele. Podia demonstrar que era o pai com uma prova de
DNA.

—Tem que me dar um pouco de tempo — Seguiu ele. —


Tenho um interesse pessoal nisto.

—Exatamente por isso não te chamei. Assusta­me chegar


461
a te conhecer e decidir que não é o tipo de homem que quero
para meus filhos.

Ele sorriu e arqueou uma sobrancelha.

—De verdade? O que aconteceria se chego a te conhecer e


digo que não é a mulher indicada para criar meus filhos? Que
eu não esteja incomodado, nem vá dar a luz, não significa que
sejam menos meus filhos.

—Deus... — Sussurrou ela com um evidente tom de


surpresa e certo medo.

Ele se levantou, pegou­a pelas mãos e a ajudou a se


levantar. Rodeou sua cintura com o braço, estreitou­a contra si,
abraçou­a com ternura e lhe acariciou ligeiramente as costas,
até que ela se tranquilizou e se apoiou nele. Afastou­se um
pouco e a olhou nos assustados olhos.

—Só quero que recorde uma coisa — Sussurrou ele.

Beijou­a delicadamente nos lábios, afastou­se e sorriu.


Voltou a beijá­la com suavidade, mas foi movendo a boca com
sensualidade até que ela, lenta e reticentemente, abraçou­o e
fechou os olhos. Não deixou de beijá­la até que lhe devolveu o
beijo e separou os lábios. Como não sabia quando poderia
voltar a fazê­lo, aumentou o beijo, deleitou­se e deixou que ela
também se deleitasse. Quando se afastou, ele sorriu.

—Bem, agora se lembra — Sussurrou ele antes de beijá­la


outra vez.

462
Ele se separou a contra gosto.

—É um bom começo. Não temos nada que temer e tudo


que ganhar. Agora, vou deixar que se refaça e que desfaça a
mala.

463
Capítulo 17
Ness, o bebê dos Valenzuela, tinha quase seis semanas
quando Luke os chamou para perguntar se podia passar por ali
com Art.

Art estava muito nervoso. Asseou­se, colocou uma roupa


recém­lavada e o casaco novo e não parou de se mover durante
todo o trajeto da caminhonete.

—Pare um momento — Pediu Luke entre risadas. —


Conhece Mike e Brie. Só é um bebê.

—Não o tocarei — Lhe assegurou ele como se fosse uma


promessa.

—Se quiser tocá­lo, peça com amabilidade. Se lhe


disserem que não, é não.

—De acordo.

—Além disso, não faremos barulho quando estivermos


perto dele — Avisou Luke.

Art assentiu com a cabeça. Luke lhe ofereceu para levar o


presente embrulhado com fitas cor de rosas. Eram dois
sapatinhos feitos de crochê.

Quando Mike abriu a porta, Art o entregou com orgulho.

—Obrigado — Disse Mike com um sorriso. —Quer entrar?

464
—De acordo — Respondeu Art. —Não farei ruído. Posso
tocá­lo? Ao bebê...

—Minha mulher é a encarregada das petições especiais,


mas é muito generosa. Eu a chamarei.

Mike deixou o presente na mesa baixa que havia diante do


sofá e desapareceu dentro da casa. Uns segundos depois,
voltou para a sala atrás de Brie, que levava a bebê envolto em
uma manta e sorria para Art.

—Me alegro de te ver, Art. Como está?

—Muito bem.

Brie lhe mostrou o bebê.

—Art, apresento Ness. Ness, apresento Art.

—OH...! — Exclamou ele em um sussurro. —OH!

—Está dormindo. Quando acorda, grita com toda a sua


alma.

—Com toda a sua alma — Repetiu Mike. —Quando tiver


quinze anos, vai me matar. Já grita como uma garota. É
aterrador.

—Art, se quiser, pode tomá­la nos braços.

Art fez um fugaz gesto de medo, mas limpou as mãos nas


calças e as estendeu com as palmas para cima.

—Não — Brie riu. —Assim não. Tire o casaco, vem para a

465
cadeira de balanço e se sente. Fique confortável. Quero que a
segure assim.

Brie embalou­a nos braços. Art se sentou imediatamente


na cadeira de balanço e estendeu os braços. Brie lhe deixou
pegar o bebê.

—Não aperte, é muito frágil. Segure assim.

Ele a olhou maravilhado um instante e voltou a olhar para


Brie, com um sorriso de orelha a orelha.

—Não pesa nada! — Exclamou em voz muito baixa.

—É verdade. Terá que se acostumar — Confirmou Brie


sentando­se ao lado dele.

—Quer algo de beber, Luke? — Perguntou Mike. —Você


quer algo, Art, quando terminar de segurar o bebê?

—Segurarei o bebê — Respondeu Art. —Shhh, que sonhe


com os anjinhos — Disse à menina.

Isso chegou à alma de Luke. Ficou mudo um instante pela


ternura de Art, que tinha repetido as palavras de Shelby.

—Não, obrigado — Respondeu ao Mike quando se repôs.


—Mas também viemos por outro motivo. Art e eu necessitamos
do seu conselho.

—Claro — Mike se sentou. —O que podemos fazer?

—Não contei detalhadamente como nos conhecemos Art e

466
eu.

A quem havia perguntado, sempre respondeu que Art


tinha aparecido e tinha ido muito bem para fazer alguns
trabalhos. Contou a história verdadeira, que o encontrou
dormindo em uma das cabanas, com um olho roxo. Que havia
fugido. E que deu abrigo para que trabalhasse com ele. Então,
contou­lhes a visita à Eureca, ao supermercado e à casa de
acolhida.

—A mãe de Art faleceu e ele não quer voltar para essa


casa de acolhida, não quer trabalhar no supermercado de Stan
e eu gostaria que ele ficasse onde está. É um bom amigo e me
ajuda muito. Entretanto, não queremos infringir nenhuma lei.
Quero saber com quem tenho que falar e o que fazer para
seguir o procedimento correto.

—Wow! — Exclamou Mike. —É complicado.

—Se tiver que voltar para uma casa de acolhida, não pode
ser essa e se tiver que ser outra, eu o visitarei todos os dias se
precisar para me certificar de que é a indicada. Eu gostaria
muito de fazer o que tiver que ser feito para que fique em Virgin
River, onde está mais feliz. Mas temos que fazer direito.

Brie olhou Art com atenção.

—Quantos anos você tem? —Perguntou com delicadeza.

—Trinta. Em dezessete de novembro, Luke, Shelby e eu


comemos bolo.

467
—Ganhou algum dinheiro no supermercado?

Ele assentiu com a cabeça.

—Assinou os talões de seu pagamento para que pudessem


cobrar? — Ele voltou a assentir com a cabeça. —Assinou algum
outro cheque? — Assentiu com a cabeça outra vez. —A quem
deu os cheques?

—A Shirlley ou Stan — Respondeu Art.

—Lhe deram o dinheiro?

Ele sorriu e assentiu com a cabeça.

—Davam­me quinze dólares todas as semanas.

—Muito bem. Art, sabe que está tutelado pelo Estado?


Sabe que se tutela que é tutela judicial?

Ele franziu o cenho. Brie, que tinha sido promotora


pública em Sacramento e que nesse momento era assessora do
promotor do distrito do condado de Humboldt, olhou seu
relógio e se dirigiu a Luke.

—Posso comunicar ao promotor do distrito, mas te direi o


que acredito. Art é um homem de trinta anos, um adulto.
Poderia receber um subsídio porque é órfão e incapacitado.
Poderia estar em uma casa de acolhida subvencionada pelo
Estado através dos serviços sociais, mas se não estiver tutelado
pelo Estado, não tem por que ficar ali. Se partir, tem que dar
um endereço novo para receber o subsídio, que não irá à casa

468
de acolhida. Quanto ao outro assunto, certamente terá que
investigá­lo. Posso chamar por telefone ao promotor do distrito.
Pode me dar algum nome?

Luke procurou no bolso do casaco e tirou um papel com


os nomes, números de telefone e endereços de Stan e Shirley.

—Mike, deixou­te a cargo — Disse Brie enquanto se


levantava.

—Claro.

Mike esperou que sua mulher partisse e,


despreocupadamente, sentou­se ao lado de Art se por acaso o
necessitasse, embora estivesse carregando o bebê muito bem.
Se inclinou para diante e apoiou os cotovelos nos joelhos.

—Art, é o primeiro bebê que toma nos braços? —


Perguntou com amabilidade.

—Sim. É seu primeiro bebê?

—O primeiro. Fizemos muito bem por ser o primeiro,


certo?

—Muito bem. Eu gosto do cabelo pontudo que tem — Art


olhou Mike nos olhos. —Posso ficar com Luke?

—Tudo vai sair bem — Respondeu Mike. —Veio para a


pessoa certa. Brie sabe tudo de tudo.

Passaram vinte minutos e Art não se cansou de segurar o


bebê dormindo. Então, Brie voltou a entrar na habitação.
469
—Tudo esclarecido. Art pode viver onde quiser. Terão que
ir à Seguridade Social para recolher as cópias de alguns
documentos, de certidão de nascimento de Art, da mudança de
endereço para o subsídio e de um montão de papelada. Deverá
começar a receber os cheques do subsídio poucas semanas
depois de terminar os trâmites. Se quiser receber uma
subvenção por lhe dar alojamento...

—Não é necessário — A interrompeu Luke.

—Pense nisso. O seguro saúde faz parte da subsídio e é


considerável. A não ser que possa depender de você e possa
inclui­lo em seu seguro saúde do Exército. Em qualquer caso,
tem que fazer o pedido. Um pouco de papelada ordenará as
coisas — Brie sorriu. —Na verdade, muita papelada exaustiva.

—E Stan e Shirl? — Perguntou Luke levantando­se.

—Estão investigando. A julgar pela reação do promotor do


distrito, diria que eles tenham concluído o negócio.

—Bem — Luke passou uma mão pelo cabelo rapado. —


Não sabia que seria tão simples.

—Bom, conheço as pessoas certas. Bem­vindo a Virgin


River, Art.

Brie se inclinou, acariciou a cabecinha de sua filha e lhe


deu um beijo no cabelo. Art também inclinou a enorme cabeça
e lhe deu outro beijo muito leve.

Essa noite, Luke não pôde esperar nem um segundo para


470
contar a Shelby o bem que, ao parecer, estavam saindo as
coisas para Art graças a Brie.

—Então, pode ficar com você para sempre? — Perguntou


ela.

—Para sempre é muito tempo, mas pode ficar enquanto


queira — Disse Luke.

—O que acontecerá quando vender as cabanas?

—Ainda não estão à venda — Respondeu ele dando de


ombros. —Se as vender, posso lhe encontrar um lugar que seja
seguro.

—Se as vender...? — Perguntou ela com o pulso acelerado.

—Parece que me sinto cômodo aqui — Ele riu


ligeiramente. —Me surpreendo uma barbaridade. Pensei que a
estas alturas já estaria meio louco.

—Comentou algo sobre um trabalho com helicópteros.


Solicitou algo?

—Vi um helicóptero de distribuição de jornais em Dallas e


outro de resgate na Georgia, nada para mim. Só levo seis meses
fora do Exército. Tenho muito tempo. Agora, o importante é que
Art se sinta bem.

Shelby não disse nada. Esperou que ele dissesse algo


deles, de seu futuro, sobre algum plano no qual entrassem os
dois. Entretanto, esperou em vão porque nada tinha mudado

471
—Enquanto estiver aqui — Seguiu Luke —, poderei cuidar
de Art, não dá muito trabalho.

—Claro — Replicou Shelby. —É uma notícia muito boa.


Estou segura de que serão muito felizes juntos.

**********

Amar Luke era como uma droga para Shelby. Não sabia
muito bem quanto tempo aguentaria com essa relação nem
como deixar que prosseguisse, mas sim sabia com certeza que
ele não ia lhe dar mais do que já tinha e isso não era
vinculativo de qualquer maneira. Era mais do que apenas sexo,
mas a intimidade com ele a deixava cativa. Também havia
carinho. Sentia­se segura em termos de amizade, mas sem a
palavra «amor», sem compromisso, chegaria um dia em que ele
diria, sem aviso prévio, o que não sentia o suficiente para
continuar com aquilo. Nesse dia, ela morreria.

Era o momento que Muriel tinha avisado. O momento de


clareza que indicava que eu tinha que seguir em frente.

O tempo foi bastante suave até final de janeiro, quando


uma tempestade de neve do norte cobriu de neve as montanhas
e trouxe um fevereiro de frio, chuva e gelo. Os dias ficaram
curtos e escuros. A neve não durava muito, mas o gelo era
imprevisível e traiçoeiro. Houve muitos acidentes de carro por

472
causa da pouca visibilidade e gelo nas estradas. Todo mundo ia
muito abrigado em Virgin River.

Uma tarde, Shelby se dirigia ao povoado para conversar


um momento com Mel, que sempre era compassiva, mas clara e
direta com seus conselhos. Seu tio Walt a tinha avisado de que
tomasse cuidado com as placas de gelo escuro. Pelo caminho,
foi ensaiando como explicar a Mel que não tinha acontecido
nada de mal com Luke, mas também nada de bom, que Luke
estava disposto a encarregar­se de Art, mas que nem sequer lhe
dissera que sentiria sua falta, o qual, era muito eloquente.
Necessitava que dissesse que a amava e não acreditava que isso
fosse pedir muito.

Diminuiu a velocidade ao ver algo que lhe pareceu um


montão de escombros na beira da estrada. Então, através da
neve, viu um movimento nesse montão. Ao aproximar­se, um
menino se levantou enquanto outra pessoa seguia agachada.
Pisou no freio e dominou o derrapagem até parar. Desceu de
um salto do jipe e o que viu a deixou atônita. Uma menina de
uns seis anos estava ao lado de um menino sentado no chão,
agarrava um ombro com uma mão e tinha uma expressão de
dor. Também tinha um corte na cabeça e o braço caía­lhe de
uma forma pouco natural. A menina chorava com os olhos
muito abertos e aterrorizados.

Shelby se ajoelhou ao lado deles e acariciou à menina na


cabeça e nos ombros.

—O que houve? — Perguntou.


473
—O ônibus — Respondeu o menino girando a cabeça
ladeira abaixo.

A uns trinta metros, o ônibus amarelo se mantinha em


um equilíbrio muito instável. A parte de trás se apoiava em
uma árvore enorme e a dianteira apontava para baixo. Se algo
se movesse, cairia como um torpedo se chocando com todas as
árvores antes de bater no fundo, que estava muito longe.

—Meu Deus — Sussurrou Shelby agachando­se junto as


crianças. —As crianças estão no ônibus?

—Está cheio de crianças — Respondeu ele com um gemido


de dor. —Quando saiu da estrada, fomos sair pela porta de
emergência — Explicou com lágrimas nos olhos. —Só pude tirar
Mindy antes que se movesse e caísse mais.

—E se arrastaram até aqui em cima.

—Sim. Se tentarem sair, pode cair. Tenho o ombro


deslocado. Terá que puxar com força e voltar a colocá­lo.

—Aguente. Aguente — Shelby voltou para a estrada e


gritou com todas as suas forças e as mãos em concha sobre a
boca. —Não se movam, vou procurar ajuda.

Ajudou ao garoto a se levantar, pegou a mão da menina e


abriu a porta traseira do jipe. Ele tentou subir.

—Pode me arrumar o ombro? — Perguntou ele. —Só tem


que...

474
—Estamos a dois minutos do povoado. Aguente e o médico
fará isso.

Ela, apesar dos escorregões, conseguiu que os dois


subissem e colocou o hodômetro no zero para que indicasse a
distância exata desse ponto.

—Quantas crianças há no ônibus? — Perguntou já à


caminho.

—Não sei exatamente. Algumas crianças não foram hoje


por causa do tempo. — Respondeu —Umas vinte, a maioria,
pequenos.

—Sabe o que houve?

—O gelo. Pensei que ela o tinha controlado, mas a parte de


trás caiu encosta abaixo. Foi uma sorte que Mindy e eu não
ficássemos esmagados porque estávamos sentados atrás.

—Sabe se há alguém mais ferido?

—Não vi nada quando comecei a me arrastar.

—Mindy, querida, está bem? Dói algo?

—Os joelhos. Quero ir com minha mamãe! — Gritou ela


entre soluços.

—Há quanto tempo aconteceu? — Perguntou Shelby ao


menino.

—Há pouco. Você apareceu em seguida.

475
—Um golpe de sorte. Me alegro muito.

Ao aproximar­se do povoado, já havia areia no asfalto,


mas o que viu a deixou aterrorizada. Havia muita gente metida
em seus carros que esperava o ônibus para recolher seus filhos.
Ao menos, estavam metidos nos carros e podiam supor que o
ônibus se atrasou por causa do tempo. Esperou que não se
dessem conta de que ia entrar com essas crianças na clínica,
que estava no extremo oposto da quadra. Estacionou diante da
porta.

—Fique aqui enquanto vou procurar médico. Têm que me


dar meio minuto. Poderão?

—Sim — Respondeu o menino. —Vá depressa.

Shelby entrou correndo. Cameron saiu do escritório e Mel


da cozinha. Shelby tentou manter a calma.

—Há duas crianças no meu jipe. Uma menina de uns seis


anos e um menino de uns dezesseis, com um corte na cabeça e
o ombro deslocado. O ônibus do colégio saiu da estrada. Há
vinte crianças presas nele e o ônibus se mantém em equilíbrio
contra uma árvore, mas pode cair a qualquer momento. Está a
seis quilômetros e trezentos metros daqui.

—Meu Deus! — Exclamou Mel. —Vamos para estas


crianças — Acrescentou enquanto se dirigia para a porta.

Shelby a agarrou pela manga do pulôver.

—Espere. Os pais estão esperando na parada do ônibus.


476
Se notarem que houve um acidente, pode aumentar o pânico e
tentarão resgatá­los. Podem desequilibrar o ônibus e se
despencará.

Mel olhou Shelby com serenidade.

—Chame o número de Emergências. Então, chame Jack,


Conte a ele, diga onde foi o acidente e avise sobre os pais. Ele
saberá o que tem que fazer. Chame também Connie, a da loja
da esquina, e diga que temos uma emergência. Peça que venha
como se não houvesse nada. Nos ocuparemos das crianças do
jipe e quando estiverem atendidos, deixaremos com a Connie e
iremos ao lugar do acidente. Entendido?

—Entendido — Confirmou Shelby enquanto ia ao telefone.

Estava chamando Jack quando Mel e Cameron voltaram a


entrar na clínica com as crianças. Viu que Cameron levava o
menino para a sala de tratamento e que Mel levava a menina à
sala de exames. Estava falando com Connie quando ouviu um
berro do menino. Certamente, Cameron tinha puxado o braço
para colocá­lo na articulação.

Shelby foi de um lado a outro enquanto esperava. Então,


pegou o telefone e chamou Walt para que procurasse ajuda.
Pensou que se havia alguém com veículos ou maquinaria
pesada que pudesse ser útil, esse era Paul. Pediu a seu tio que
o buscasse se por acaso pudesse fazer algo. Então, graças a
Deus, Connie entrou na clínica e, justo nesse momento, Mel
saiu da sala de exames.

477
—O ônibus do colégio teve um acidente — Explicou
enquanto agarrava seu casaco. —Certamente necessitam de
primeiros socorros. Temos que ir imediatamente. Há uma
menina pequena na sala de exames. Chama Mindy. Parece que
só tem uns arranhões, mas tem que ajudá­la a entrar em
contato com sua mãe. Cam está cuidando de um menino maior.
Alguém tem que ficar na clínica, Connie. Meus filhos estão
dormindo na cozinha, a ponto de despertar. Chama para pedir
ajuda se a necessitar, mas Shelby tem que ir comigo. Poderá
fazê­lo?

—Claro — Respondeu dando de ombros. —Chamarei Joy


agora mesmo. Virá em seguida.

Cameron saiu da sala de tratamentos.

—Connie, aí dentro há um menino de dezesseis anos. Com


dor no ombro porque estava deslocado e tem a cabeça
enfaixada. Dei­lhe um analgésico e lhe pedi que fique onde está
para descansar. Pode chamar seus pais, mas não quero que
parta até que alguém possa examiná­lo mais tarde. Lhe diga
que tenha paciência — Cameron colocou o casaco e agarrou a
maleta. —Vamos.

**********

Jack foi o primeiro a chegar ao lugar do acidente. Pastor

478
chegou pouco depois. Tirou cordas e polias da caminhonete,
atou­as a uma árvore, agarrou­se e baixou até o ônibus. O
lugar estava escorregadio pela neve e o gelo, e mesmo
acostumado, caiu de joelhos mais de uma vez. Quase tinha
chegado, quando olhou para cima e viu Pastor olhando para
ele.

O motor estava desligado e o ônibus tinha a parte traseira


apoiada em uma árvore muito grande. Não havia nem o mais
mínimo movimento. Se aproximou o máximo que pôde da janela
do motorista.

—Molly!

A janela se abriu lentamente e Molly o olhou.

—Jack... — Disse ela com um fio de voz.

—Pode conseguir que ninguém se mova no ônibus? —


Perguntou. —Estamos esperando ajuda e médicos de
emergência.

—Ficarão quietos, mas estamos muito assustados.

Ele ouviu um pranto muito fraco dentro do ônibus.

—Eu sei. Sabe se há feridos?

—A partir das duas primeiras filas, nem ideia, Jack. Todos


dizem que lhes dói algo, mas que podem ficar quietos.

Ele olhou para a parte traseira do ônibus. Parecia como se


a qualquer movimento pudesse soltá­lo e deixá­lo cair.
479
—Molly, o ônibus está muito instável. Necessitamos de
ajuda para estabilizá­lo antes de tirar todos. Entendeu?

Ela voltou a colocar a cabeça para dentro e se dirigiu às


crianças em um tom comedido e firme.

—Não podemos mover nem um músculo. Temos que ficar


completamente quietos até que prendam o ônibus para que não
possa cair. Já está chegando ajuda e vão nos tirar daqui. Não
movam nem um músculo. Me digam se entenderam.

Jack ouviu umas vozinhas trêmulas.

—Quantos são, Molly?

—Dezoito — Respondeu ela.

—Muito bem. Podem demorar um pouco. Feche a janela


para que o calor não saia. Ficarei aqui até que cheguem. Tudo
acabará bem.

—Claro — Disse ela com um sorriso vacilante antes de


fechar a janela.

A tentação de tirar todas as crianças que pudesse era


quase irresistível. Além disso, lhe revolviam as entranhas a
mera ideia de estar ali, preso a uma corda, enquanto o ônibus
caía e se estatelava. O mas difícil de aguentar nessas situações
era sempre a espera. Atuar não custava nada. Algumas vezes o
fazia sem pensar, por instinto, e resolvia a situação. Entretanto,
esperar por ajuda sem poder fazer nada era uma tortura.

480
Jack se moveu para a direita para agarrar­se a uma árvore
e não ficar pendurando todo o momento. Olhou pelas janelas do
ônibus. Fazia um frio gelado. Esperou que eles pudessem fazer
algo, antes de se encontrar com a alternativa de se expor ao que
fosse pior: que as crianças caíssem montanha abaixo ou que se
congelassem aí dentro. Pareceu­lhe que tinha passado uma
eternidade antes que ouvisse uns motores.

—Pastor, cuide para que ninguém se aproxime, exceto as


equipes de emergência! As crianças do ônibus estão tentando
não se mover, mas é difícil!

—Sim! Já chegou ajuda, Jack!

O céu escureceu lentamente e lhe pareceu que passou


outra eternidade antes que ouvisse uns veículos pesados.
Supôs que eram os carros de bombeiros. De repente, a
escuridão se clareou por um refletor que chegou de cima.
Alguns focos iluminaram o ônibus.

O vento aumentou e ficou mais frio. Ouviu­se o ruído de


cabos e dois bombeiros começaram a descer. Um se aproximou
da janela do motorista e o outro foi a um lado para examinar o
chassi com uma lanterna. Um terceiro, com botas e material
pesado, também baixo preso por um cabo muito grosso.
Enquanto Jack observava, os três começaram a trabalhar
debaixo do ônibus e engancharam o cabo ao eixo com uns
ganchos gigantes. Não pôde evitar olhar o relógio e passou
quase meia hora antes que dois saíssem debaixo do ônibus. O
terceiro se dirigiu a ele.
481
—Pode subir até em cima com uma criança?

—Pode ter certeza — Respondeu Jack. —Também posso


voltar para buscar mais.

—Já o diremos — Replicou o bombeiro.

Então, foi à porta de emergência e a abriu com muito


cuidado. O ônibus se balançou levemente, mas estava preso
pelo cabo. O bombeiro gritou dentro do ônibus.

—Prestem atenção. Têm que escutar atentamente e fazer o


que lhes peço. O ônibus continua instável. Vamos tirá­los
lentamente, de um em um. Primeiro terão que sair os da frente
para manter o peso na parte de trás. Têm que descer pelo
corredor de um em um e muito devagar. Ninguém começará a
descer pelo corredor até que tenha saído o anterior. Todos
entenderam? Se não tiverem entendido algo, perguntem antes
que comecemos.

Ninguém disse nada. Jack se soltou da árvore, agarrou­se


às cordas e se aproximou do bombeiro que estava na porta
dianteira.

—Muito bem, motorista, você é a primeira — Gritou o


bombeiro. —Mostre a eles como se faz.

—A motorista é a última — Gritou ela. —Não vou


abandonar as minhas crianças. Se adiante, Becky, ninguém
tem que mostra­lo Quando Becky tiver saído, irá a Anna. É
muito fácil. Já está quase solucionado, crianças.

482
Assim que a trêmula menina saiu pela porta, o bombeiro a
agarrou e a passou para Jack.

—Se agarre no meu pescoço — Sussurrou. —Já está


quase em casa.

Enquanto ele subia, a equipe de resgate estava baixando


presa a cabos.

A visão quando chegou em cima quase o deixou pasmo. As


luzes que iluminavam a zona eram os holofotes de Paul. O cabo
que segurado o ônibus estava agarrado a uma grua, também de
Paul. Além da equipe de resgate, havia veículos por todos lados.
No mais alto havia uma ambulância de emergências e um carro
de bombeiros. A um lado estava a ambulância de Grace Valley
com os doutores Stone e Hudson preparados e de outro o
Hummer de Mel, acompanhada de Cameron e Shelby. Também
havia muita gente que se mantinha atrás do perímetro de
segurança que tinham esboçado os agentes do xerife. Parecia
como se todo o povoado tivesse acudido.

Ouviu­se um estrondo de alegria assim que deixou a


menina no chão. Cameron se aproximou correndo, tomou­a nos
braços e a levou ao Hummer para examiná­la. Outra menina
chegou atrás do Jack e se ouviu o mesmo alvoroço.
Lentamente, um a um, dezoito crianças entre seis e dezesseis
anos chegaram ao alto da ladeira. Uma clavícula podia estar
rota e havia abundantes hematomas, arranhões e golpes na
cabeça. O doutor Stone levou na ambulância a um que podia
ter um golpe mais grave na cabeça.
483
Jack se aproximou da beira do ladeira para ver como
subia Molly ajudada por dois bombeiros. Ergueu a mão para
ajudá­la a ficar de pé. Sangrava pelo queixo e tinha a jaqueta
manchada. Todo o povo estalou em gritos de júbilo. Ela olhou
para Jack com lágrimas nos olhos.

—Ficaram loucos? — Perguntou ela em voz baixa. —


Acreditava que me linchariam.

—Pelo gelo? — Perguntou Jack.

—Juro que ia muito devagar pelo gelo...

—Molly, você manteve a calma. Manteve quietas dezoito


crianças. Certamente, salvou as suas vidas.

—Jack, nunca tinha estado tão assustada.

Lhe rodeou o pescoço com uma mão e a estreitou contra


seu peito.

—Eu tampouco — Jack tomou fôlego. —Eu tampouco.

**********

Luke tinha ido ao bar para pegar um jantar para Art,


Shelby e ele mesmo. Ao encontrá­lo fechado, inteirou­se do
acidente e, como todo mundo, foi para lá. Quando chegou, o
resgate estava tão organizado que não se aproximou muito.

484
Ficou atrás da faixa do perímetro de segurança, detrás de uma
multidão de familiares e aldeãos, e observou com fascinação a
equipe de resgate que trabalhava com a ajuda do Pastor, do
general, Mike Valenzuela e Paul com alguns de seus
empregados. Também viu Shelby com Mel e Cameron e a viu
correr por uma criança para levá­la ao Hummer e examiná­la.
Estava no meio, ajudava a dar os primeiros socorros,
Tranquilizava os pais alterados e atendia qualquer petição de
Mel, Cameron ou, inclusive, dos médicos de emergência.
Parecia como se o tivesse feito toda sua vida.

Finalmente, depois de uma hora de pé saindo fumaça pela


boca, viu que os bombeiros tiravam a motorista, a mesma que o
salpicou no dia que chegou ao povoado. Segundo as conversas
que pôde ouvir ao redor, Jack tinha estado ali embaixo,
pendurado por uma corda, e a tinha tranquilizado enquanto ela
fazia todo o possível para que as crianças ficassem quietas e
não tentassem escapar. Viu que Jack a abraçava e Shelby a
pegava pela mão e levava para a ambulância para que olhassem
seu queixo. Mel as seguiu e ficou enquanto a atendiam.

As pessoas começaram a partir, acompanhando seus


filhos ao hospital ou levando­os para casa. Luke se aproximou
de Shelby enquanto ela guardava as coisas no Hummer.

—Olá — Saudou ele. —Alguma novidade?

Ela deu um pulo.

—Luke! Quanto tempo esta aqui?

485
—Algo mais de uma hora. Quando cheguei, isto estava
cheio de bombeiros, polícia e médicos e tive que ficar atrás da
barreira como todo mundo. Não quis te distrair.

—Viu o ônibus aí embaixo?

—Não quis me aproximar. Havia muita gente.

—Os focos seguem acesos. Deveria olhar. É aterrador.

—Contam que você encontrou duas crianças feridas que


conseguiram sair antes que caísse e foi procurar ajuda.

Mel apareceu a seu lado antes que Shelby pudesse


responder.

—Efetivamente — Confirmou Mel. —Teria ficado


impressionado, Luke. Ela não vacilou. Fez exatamente o que
tinha que fazer e se manteve completamente tranquila.
Eficiente, segura e correta — Mel sorriu. —Será uma enfermeira
incrível. Deveria estar muito orgulhoso dela.

—Estou e não me surpreende absolutamente — Assegurou


Luke rodeando os ombros de Shelby com um braço.

Ela pensou que tinha que resolver tudo aquilo. Não


necessitava do conselho de Mel nem de ninguém. Tinha lhe
dado todas as oportunidades, mas ele não havia dito uma
palavra sobre o que sentia por ela nem sobre a possibilidade de
viverem juntos. Tinha que seguir adiante antes que não
pudesse fazê­lo. Os olhos se encheram de lágrimas.

486
—Tenho que terminar com isto, Luke. Irei com Mel e
Cameron à clínica para esvaziar o Hummer e guardar as coisas.
Nos veremos logo.

—Está chorando? — Perguntou ele com suavidade.

—Estou um pouco sobrecarregada.

Ele franziu o cenho pelo brilho de seus olhos.

—Claro — Beijou sua testa. —Não se preocupe.

487
Capítulo 18
Uns dias mais tarde, Shelby estava nos estábulos na início
da manhã. Ninguém da família Booth estava andando a cavalo
e só ir da casa aos estábulos era uma tortura. Walt tinha
deixado uma cafeteira onde se guardavam rédeas e selas,
porque era impossível que o copo chegasse quente da casa.
Embora os estábulos fossem aquecidos, Shelby vestia luvas
muito grossas, cachecol, jaqueta de camurça... e as botas de
pele de avestruz. Sempre as usava.

Walt entrou quando ela estava dando de comer aos


cavalos.

—Olá, cheguei muito antes de você — Saudou ela.

—Como quase sempre. Faz um frio terrível.

—Não estamos nos trópicos. Vamos tomar um copo de


café enquanto os cavalos comem. Tenho que te contar algo
estupendo.

Ele arqueou uma sobrancelha e estendeu um braço para


que ela passasse para o quarto onde estava a cafeteira. Ela
serviu dois copos e acrescentou leite em pó e sacarina a uma, a
de seu tio.

—Falei com alguém na Universidade de São Francisco.


Não é oficial, mas parece que vão me admitir. Além disso, se me
admitirem, me disseram que posso frequentar as aulas de verão

488
se quiser. Posso ficar de ouvinte. Não me virá mal ir a algumas
aulas — Shelby sorriu de orelha a orelha. —Não estarei muito
longe, tio Walt. Verei você, Paul e Vanni muito frequentemente.

—E a Universidade de Humboldt? — Perguntou. —Disse


que...

—Acredito que São Francisco me convém mais. Entre


outras coisas, há mais vida social.

—É que Humboldt está aí ao lado. Ao lado de todos nós.

—Sei. Fui muito feliz aqui, tio Walt, mas já estou


preparada para levantar vôo.

Ele pensou um instante.

—É uma boa notícia, Shelby. Por você — Walt brindou


com o copo de café.

—Obrigado. A questão é que terei que ir logo para


encontrar algum lugar que não seja no campus. Não posso ficar
nos alojamentos dali até outono, quando estiver matriculada no
curso completo. Entretanto, pensei e acredito que não sirvo
para esse tipo de vida, que sou sete anos mais velha que a
média dos recém­chegados. Me alegro de me sentir obrigada a
buscar um lugar. Sempre posso trocar de ideia e voltar para o
campus, mas estou segura de que ficarei em meu lugar. Posso
ter companheiros de apartamento se encontrar alguém com
quem tenha algo em comum, para começar, a idade e,
possivelmente, a experiência da vida — Shelby sorriu. —Para

489
todos vocês, sou muito jovem, mas para eles, sou uma velha.

—Posso entender.

Ela olhou a taça, mas voltou a levantar o olhar.

—Vou ter que ir muito em breve, tio Walt, para ir me


adaptando e conhecer às pessoas. Já sabe.

—O que é muito em breve? — Perguntou ele.

—Muito em breve — Repetiu ela —, mas antes tomarei


essas férias que me prometi a mim mesma. Vou passar duas
semanas em uma praia do Hawai — Shelby riu. —Se antes não
estava muito tentada, o clima das últimas semanas me
convenceu. Tenho que voltar a ver o sol.

—Merece isso. Quando crê que o fará?

Ela o olhou aos olhos.

—Em seguida. Dentro de um par de dias — Ele ficou


mudo e um pouco boquiaberto. —Já organizei tudo. Sabia que
pode fazer tudo pelo computador? — Ela voltou a rir. —Tudo,
dos bilhetes de avião ao hotel e o aluguel do carro.

—Sim, sabia — Respondeu com o cenho franzido.

—Eu não tinha ido nunca a nenhum lugar desde que


passava o verão e as férias contigo aqui quando era pequena e
sempre mandava os bilhetes. É muito simples. Basta dar umas
datas e um cartão de crédito e...

490
—Shelby — Interrompeu ele —, o que está havendo?

Ela apertou os lábios e deixou escapar um suspiro.

—Não parece, mas levo seis meses aqui. É hora de seguir


em frente.

—Entendo, mas é muito repentino.

—Sinto muito, não é como parece, mas estive organizando


tudo e não quis dizer nada até que estivesse fechado. Espero
que não se incomode, tio Walt, porque voltarei de visita. Não há
nenhum motivo para que não o faça.

—Seu estado de animo mudou ultimamente.

—Estive pensando em tudo isto — Replicou ela dando de


ombros.

—Não é preciso que responda, mas Luke tem algo a ver?

—Não, claro que não.

—Está segura?

Ela se virou.

—Estive pensando em algumas coisas e... — Shelby voltou


a olhar a seu tio. —É muito tentador ficar aqui e assim para
sempre. Poderia viajar a partir daqui e ir para as aulas a parti
daqui. Simplesmente, é que não há futuro nisso. Estou
pensando como um boxeador. Quero sair vencedora.

—Ele te fez mal, Shelby?

491
—Pelo contrário. Tudo é tão agradável que se ficar outros
seis meses assim, poderia ficar outros seis anos. Entretanto, tio
Walt, nunca chegará a ser tudo o que quero que seja. Nada vai
trocar. Minha roupa estará pendurada em seus armários e eu
passarei quase todas as noites em sua casa. Procuro algo mais
a longo prazo.

Walt franziu os lábios e sacudiu a cabeça.

—Esse bastardo miserável — Balbuciou ele em voz baixa.

—Basta — Disse ela bruscamente. —Isso te surpreende?


Seja justo. Eu me apaixonei muito por Luke. Sempre foi
maravilhoso comigo e certamente gostaria que eu ficasse. Mas
não leva a nenhuma parte. Em definitivo, estaria me
conformando e não é o que quero fazer.

Ele olhou ao chão e voltou a sacudir a cabeça antes de


tomar um gole de café.

—Luke e eu tivemos algo, mas o próximo homem que


passar pela minha vida será mais que algo. Quero tudo. Luke
me avisou desde o começo que se procurava isso, não ia
encontrar nele. De verdade, se for sincera comigo mesma,
nunca o duvidei.

—Portanto, é a sua decisão?

—Por completo. Nem mesmo disse ao Luke ainda. Além


disso, te ordeno categoricamente que não o trate como se
tivesse feito algo errado. Me entendeu? Se não fizer isso, vai

492
está indo para ficar mal comigo. Ficou claro?

—Se isso for o que quer...

—Isso é o que quero — Shelby riu. —Dentro de um ano,


estará muito arrependido de ter deixado que eu partisse.

—Acredita nisso de verdade?

—Pode estar seguro. Encontrará outras mulheres, é bonito


e pode ser encantador, mas não encontrará nenhuma como eu.
Uma vez que tenha começado minha nova vida, a sorte dele
terá acabado.

—É muito mais dura do que parece — Afirmou ele entre


risadas.

—Sei. Não deveria me subestimar tanto. É seu engano


maior, como é o de Luke.

—Querida, só quero que seja feliz. Se tudo o que planejou


te faz feliz, eu a apoio. Sempre que ele não tenha te feito mal.

—Não me fez. Foi estupendo comigo, mas quero algo que


não pode me dar. Quero tudo, tio Walt.

—Então, faça e me diga o que posso fazer para ajudar.

—Claro — Ela olhou ao redor. —Posso terminar aqui em


cinco minutos. Vá ler o jornal.

—Está segura? Posso te ajudar a...

—Não. Quase terminei. Vá. — Insistiu ela lhe tirando o

493
copo de café.

—É incrível, Shelby — Ele a beijou na testa. —Estou


orgulhoso de você.

—Obrigado, tio Walt. Significa muito para mim.

Ele deixou os estábulos e ela o olhou para ele através da


porta aberta enquanto subia a colina. Quando esteve longe,
quando esteve segura de que não voltaria, lágrimas rolaram
pelas bochechas. Foi até Chico, agarrou seu pescoço e chorou
contra sua cara.

**********

Luke estava tirando do forno um bolo de carne que Pastor


tinha feito, quando o brilho dos faróis entrou pela janela. Pegou
uma garrafa de vinho Merlot que acreditava que Shelby gostaria
e um saca­rolha, mas a porta da casa não se abriu. Olhou­a
fixamente com certa impaciência e ao comprovar que não
entrava, foi até ali, abriu­a e saiu.

O jipe estava diante do alpendre, mas ela não estava


dentro. Estava pensando que teria ido convidar Art quando a
viu sentada em uma das cadeiras de balanço do alpendre.
Vestia a jaqueta de pele e um cachecol muito grosso e tinha as
mãos metidas nos bolsos.

494
—O que faz aqui? — Perguntou desconcertado. —Tem que
estar meio gelada.

—Ia te chamar agora mesmo — Respondeu ela.

—Chamar? — Ele riu. —Desde quando chama?

—Luke, esta noite não vou entrar.

—O que...? — Ele se aproximou. —O que há?

—Sabia que isto ia chegar, mas quando o ônibus caiu pela


encosta cheio de crianças, foi um momento decisivo para mim.
Vou me dedicar a isso, a ajudar a salvar vidas. Espero não
voltar a ver um ônibus caindo montanha abaixo, mas se o ver,
necessitarão de alguém como eu para ajudá­los e isso é o que
quero fazer. Luke, eu... — Shelby tomou fôlego. —Sei que me
quer por mais que tente dissimular.

—Claro que te quero — Confirmou ele aproximando um


passo mais.

Ela se levantou da cadeira de balanço.

—Lembra­se quando disse que queria me apaixonar algum


dia, mas não o esperava de você? Quando disse, era verdade.
Entretanto, me apaixonei por você. Foi sem querer, mas
aconteceu, e você não me corresponde.

—Shelby, eu te amei todas as noites, algumas, mais de


uma vez.

Ela riu, mas aquilo não era nada divertido.


495
—Sei. Seguro que avançou nesse sentido. A questão é que
necessito que diga que me ama, que quer viver comigo.
Necessito algo mais que me deitar contigo todas as noites.
Embora serei sincera e direi que me custa renunciar a isso.

—Então, não renuncie — Replicou ele.

—Também preciso ouvir que está apaixonado por mim.


Quero um parceiro de verdade e uma família, Luke. Um filho,
pelo menos, um.

—Shelby, querida, tem seus planos. Estudar, viajar, uma


profissão salvando vidas...

—Isso é completamente certo. As garotas já não têm que


escolher entre educação, profissão e família. O mundo mudou.
Posso viajar, estudar, me formar em uma profissão que me
apaixone e, além disso, ter uma relação sólida. Como fazem os
homens. Olhe Mel e Brie.

Ele baixou a cabeça e olhou pro chão.

—Não faz falta que o diga. Deixou muito claro desde o


começo. Isso não vai acontecer contigo. Por isso eu parto. Vim
me despedir. Dentro de dois dias vou para o Hawai. Estou
enchendo o carro, irei a São Francisco e de lá pegarei um vôo.
Então, volto para São Francisco e procurarei um apartamento.
Talvez aceito um emprego de tempo parcial e frequentarei
algumas aulas como ouvinte enquanto espero para começar o
curso. A Universidade de São Francisco vai me admitir.

496
—Shelby...

Luke estendeu a mão e quando ela não a pegou, ele a tirou


do bolso e aproximou­a de si.

—Estou congelando — Seguiu ele. —Vamos para dentro e


me conte seus planos.

—Quero que tudo isto passe depressa. Quero que me


recorde como alguém forte e segura de si mesma. Certamente
sabe dizer «adeus» melhor que eu. Não quero que tudo vá para o
inferno.

—Eu nunca digo adeus — A meteu na casa e a agarrou


pelos braços. —Não é um pouco repentino?

—Faz tempo que sabia que ia acontecer. Isto era o melhor


que podia fazer, mas queria te dizer um par de coisas. Quero
que saiba que não me arrependo de nada. Sei que não te dei
muitas opções, porque estava decidida que fosse meu primeiro
homem, meu primeiro amor. Além disso, acertei em quase tudo.
Conseguiu que tudo fosse perfeito para mim. Não acredito que
passe um dia sem recordar, sem sentir seus braços, seus
lábios... Obrigado, Luke, por me tratar como se me amasse.
Cada vez que me tocava, acreditava que me amava.

—Está dizendo que não vai voltar jamais?

—Estou segura de que voltarei para visitar minha família,


mas esperarei estar segura de que não vou me meter em seu
espaço. Quero dizer, se eu sego adiante, você também o fará.

497
Eu entendo. Terá o xampu de outra garota em sua ducha antes
que eu...

—Não permito que ninguém deixe o xampu em minha


ducha — Interrompeu ele abraçando­a. —Shelby, tire o casaco
e fique um momento.

—Não. Tenho medo de ficar cinco minutos mais do que


devo, porque é possível que nunca tivesse coragem para partir
— Se afastou e o olhou. —Sabia que foi completamente sincero
comigo, Luke. Entendi que você gosta que as coisas sejam
singelas e livres, e que não quer as complicações que implicam
comprometer­se com uma mulher. Não quer uma família.
Imagino que nem todo mundo a quer. Sabia, mas um pouco
muito leve me dizia por dentro que me amava o suficiente para
mudar. Pensei que talvez fosse esse homem, o homem que diria
o acertado e me reteria para sempre.

Passou a mão entre o cabelo.

—Shelby, querida, te disse que era uma má escolha se


procurava isso. Faria promessas se pudesse mantê­las.

—Fez e as manteve. Fez todo o tempo. Prometeu que


nunca se prenderia a uma mulher e o fez. Pensei que a mulher
indicada poderia mudá­lo, mas me dei conta de que estava
enganando a mim mesma, quando contou o que fez pelo Art.
Não só o aceitou e o cuidou, comprometeu­se com ele para que
estivesse protegido toda sua vida. Então tive a certeza de que
não te assustava o compromisso. O que não pode fazer é viver

498
comigo. Deve faltar algo. Não sou suficiente para que corra esse
risco.

—Não falta nada — Replicou ele. —Nada. Entretanto, não


sou uma boa escolha e tem que fazer muitas coisas. Te vi no
dia do acidente. Nasceu para ajudar os outros. Tem que seguir
essa vida e ver mais o mundo de que viu, Shelby. As
possibilidades que se apresentam...

—Se se tratasse disso — Interrompeu ela —, estaríamos


falando de como consegui­lo. Juntos. Há um milhão de
maneiras de resolver isso entre você e eu, mas... não existe esse
«você e eu». Ao menos, como eu tinha esperado que fosse.

—Crê que está preparada para algo assim, mas não está.
Acaba de nascer. Agora tem que abandonar o ninho, voar.

—Luke, não acabo de nascer. Estive em lugares onde


desejo com toda minha alma que nunca esteja. Quando
pensava, dava­me conta de que tinha se comprometido com o
Exército, seus irmãos, amigos e sócios em negócios, mas Art foi
quem fez que me desse conta da verdade.

—Art é diferente, Shelby. Não tem aonde ir e se eu não


pudesse tomar conta dele, encontraria algum lugar digno. Não é
o mesmo, tem que sabê­lo. O Exército? Shelby, por favor, eles
me tinham , não eu a eles. Ou era um soldado ou um desertor.

—Sandices. Todo mundo tem uma data limite se não se


reengajar. Estava comprometido e me orgulho de você por isso.
Orgulho­me de você por tudo, sobretudo, pelo Art. Se não for
499
logo, temo que ficarei para sempre sem ter ouvido sequer o que
preciso ouvir e isso me romperia o coração.

Ele sacudiu a cabeça com a dor refletida nos olhos, mas


não a soltou.

—Sabia que acabaria te fazendo dano e nunca quis te


fazer algum. Quero o melhor para você, Shelby.

—Acredito sem duvidar o mínimo. Não teria sido capaz de


fazer amor como tem feito se não me quisesse, se não fosse
sincero. Se estou ferida é porque me custa muito renunciar a
você e estou tão terrivelmente apaixonada por você — Uma
lágrima caiu pelo rosto e se separou dele. —Fique tranquilo,
Luke, eu sei que vou pensar em você o tempo todo.

—E quanto a Art? Não vai dizer onde vai?

—Não posso — Respondeu ela com um fio de voz. —Me


derrubaria. Luke, por favor, diga para ele. Diga que foi algo
inesperado e que escreverei. Fará isso, por favor?

Ia partir quando ele, bruscamente, agarrou­a, abraçou­a e


a beijou na boca com desespero. Ela, embora não quisesse,
devolveu­lhe o abraço e separou os lábios, mas deixou escapar
um lamento. Enquanto a beijava, Luke captou o sabor de suas
lágrimas. Quando deixou de beijá­la, ela apoiou a cabeça em
seu peito e chorou um instante muito breve, fez um esforço
muito valente.

—Adeus, Luke — Se despediu em um sussurro. — Você foi

500
tudo para mim. Tudo o que eu necessitava. Sinto não ter sido
suficiente para você. Talvez, algum dia conheça alguém que o
seja.

Quando partiu, ele ficou um bom tempo parado. Ouviu o


motor do jipe tanto a partida, viu os faróis que se acendiam e
quando o ruído do motor se desvaneceu, ele ainda seguia de pé
no mesmo lugar. Então, deixou cair a cabeça.

**********

Apesar do frio, algumas pessoas de Virgin River se


atreveram a se reunir no bar de Jack para jantar. Paul e
Vanessa levaram Abby, e Mel e Cameron chegaram da clínica.
Mike Valenzuela tomou uma cerveja antes de ir para casa,
onde, segundo ele, sua filha estaria gritando como uma
possessa. Walt ficou o tempo exato para recolher algo para
jantar com Muriel. Vanessa se alegrou de que Cameron se
sentasse ao lado de Abby e, por um segundo, chegou a pensar
que possivelmente esses dois pudessem... Entretanto, fixou­se
na forma que ele tinha de olhá­la nos olhos e em que ela
baixava as pálpebras quase com acanhamento. Abby não era
tímida. Ela, naturalmente, sentia­se vulnerável e era muito
provável que não fosse o melhor momento para receber os
cuidados de um homem solteiro, mas... Cameron se inclinou
para lhe dizer algo em voz baixa e ela assentiu com a cabeça e

501
um sorriso. Então, lhe tocou a coxa por debaixo da mesa e lhe
deu uma leve palmada para tranquilizá­la que se converteu em
uma carícia. Vanessa teve que fazer um esforço para não ficar
olhando fixamente.

Ninguém ficou até tarde. Fazia muito frio. Ninguém


pareceu dar­se conta de que Vanni estava especialmente
silenciosa. Uma vez em casa, Vanni deitou o bebê e Paul ficou
dormindo na cama com um livro no colo. Ela se retirou
silenciosamente de seu quarto. Abby seguia na sala. Estava
acomodada no sofá diante da lareira com uma manta de viagem
nos ombros. Vanni se aproximou, levantou um pouco a manta
e se sentou a seu lado.

—O que houve? — Perguntou Abby. —Não pode dormir?

—Não. Estive pensando.

—O que pensava?

—Em matemática.

Abby riu.

—Sinto muito, não posso te ajudar. Nunca me dei bem


com a matemática.

—Partiu da festa de Nikki e Joe. Sabíamos que estava


abatida, que Ross e você estavam nas últimas, embora não
falasse disso. Pensamos que teria ido ao seu quarto para sofrer
sozinha e também pensamos em ir te buscar, mas decidimos
que algumas vezes uma mulher quer estar sozinha, lamber as
502
feridas, pensar e, possivelmente, chorar.

—E bem...

—Agora estava pensando nas possibilidades de que tivesse


conhecido alguém essa noite em Grants Pass. Alguém muito
amável e encantador. Alguém tão sexy e bonito que te tentasse
a passar um momento com ele. Alguém a quem conheço.

—Vanni...

—É um bom homem. Abby. Um homem muito bom. Veio


ao nosso povoado para nos ajudar. Perseguiu­me um pouco,
mas quando se deu conta de que estava apaixonada por Paul,
não só se retirou como um cavalheiro, mas sim nos ajudou
mais de uma vez.

—Vanni, não o conheço.

—Então, proponho que chegue a conhecê­lo. Em seguida.


Só vendo como se olhavam, pude saber que algo está passando
entre vocês. Os bebês são dele, verdade? — Abby baixou o
olhar. —Bom, se, no pior dos casos, não pode se apaixonar por
ele, ao menos pode deixar que seja um pai para os meninos.
Não é um descarado como Ross, ele é íntegro. Além disso,
resulta que eu sei que significaria muito para ele.

Fez­se um silêncio muito comprido.

—Acha que todo mundo sabe?

—Não. Ninguém te conhece tão bem como eu e te recordo

503
que também conheço a ele. Adivinhei por acaso. Além disso, eu
também estava em Grants Pass. Abby, vai ter que confrontá­lo.
Ele sabe?

—Não demorou muito em adivinhar — Respondeu Abby.


—No preciso momento em que estava tentando evitá­lo.

—Bom, isso já não tem mais volta. Posso saber o que


aconteceu?

—Ele estava sozinho no bar, como eu. Passamos um par


de horas conversando e rindo, os dois sozinhos. Eu tinha a
cabeça completamente confusa. Deixei que me levasse ao seu
quarto. Nunca quis que acontecesse algo assim. Foi um
engano.

—Isso eu não sei. Poderia ter sido o destino. O que pensa?

—Ele acredita que ninguém sentirá se ficarmos amigos.


Entretanto, Vanni, tem que entender uma coisa. Não vou me
lançar de cabeça a uma relação com alguém a quem não
conheço muito bem. Vai exigir tempo e pode não acabar no
conto de fadas que você gostaria que fosse. Essa noite fomos
duas pessoas desiludidas que necessitávam consolo. Nada
mais. Estou segura de que não temos muito em comum para
uma relação sensata.

—Mmm... me ocorrem um par de coisas.

**********
504
Quando Walt chegou na casa de Muriel, os cães foram
correndo saudá­lo, mas Muriel, não. Encontrou­a sentada à
mesa da cozinha com um caderno de notas e uma taça de
vinho. Ele levantou a bolsa.

—Trouxe bolo de carne e alho amassado do bar de Jack.

Ela o olhou do outro extremo da cozinha.

—Vou fazê­lo. Walt. Vou voltar para Los Angeles para


trabalhar.

Ele tinha esperado. Estava encantada com o roteiro desde


que o leu e ele soube que não iria se resignar. Deixou a bolsa
na prateleira, foi ao armário, tirou a garrafa de uísque antigo
que ela reservava para as ocasiões especiais e se serviu de um
copo. Logo, sentou­se à mesa em frente dela.

—Conte tudo.

—Certamente, deveria ter te contado isso antes, quando


começou a parecer que ia sair como eu queria, mas intento não
ser excessivamente otimista sobre os possíveis entendimentos.
Quase pela primeira vez, resultou que eu era a escolhida desde
o começo. Diane Keaton era a possível alternativa. É um bom
papel, Walt. Uma boa oportunidade.

—Então, por que não parece contente?

Ela deu de ombros.

505
—Não pensava passar assim os próximos seis meses. Vai
ser muito trabalho. Além disso, logo, quando estrear o filme,
terei que fazer a promoção e isso também é muito trabalho.
Acima de tudo, não posso fazê­lo daqui. Estarei um tempo em
Los Angeles e na primavera e princípios do verão irei a Montana
para rodar os externas.

Ele deu um sorvo e pegou sua pela mão.

—Já falamos sobre isto, Muriel. Se quiser fazer o filme,


vou de apoiar e não quero ser uma de suas preocupações.

—Tenho que partir amanhã para começar os ensaios —


Ela disse com um leve sorriso.

—Amanhã? — Perguntou ele sem sair de seu assombro. —


Meu Deus! Não deveria estar fazendo a bagagem?

—Não é necessário. Só tenho que levar os cosméticos.


Posso levar os cães, incluí­los no contrato. Mandarão alguém
para que fique na casa de convidados e se ocupe dos cavalos.
Além disso...

—Por que não necessita roupa? — Perguntou ele.

—Tenho um apartamento pequeno, mas muito agradável


em Los Angeles. Deixei um armário cheio. Essa roupa não me
serviria aqui e a que uso aqui não me serviria ali. Pensei que ao
cabo de um ano teria vendido ou alugado, mas agora me vem
muito bem. Deixei que um par de amigas o usasse para alojar
os familiares que vão visita­las e está em boas condições.

506
—Nunca tinha me falado dele.

Por um instante, alegrou­se de que não o tivesse feito. Se


tivesse sabido que ela conservava outra casa, possivelmente
não tivesse sido tão otimista sobre suas oportunidades.

—De verdade, nunca pensei que fosse voltar a utilizá­lo se


não visitava Los Angeles ou algo assim.

—Muriel, os cães serão um inconveniente enquanto roda o


filme?

—Não — Respondeu ela com firmeza. —O estúdio


atribuirá alguém para que os leve para passear, dê­lhes de
comer e tudo isso enquanto eu trabalho.

—Deixe que eu cuide disso. Deixe que eu também cuide


dos cavalos.

—Walt, não posso te pedir...

—Não pediu, Muriel. De verdade, é por egoísmo. Não quero


imaginar alguém vivendo na casa de convidados, nem aos cães
passeando no cimento quando posso deixá­los correr pela
margem do rio. O que tenho que fazer além de cuidar de um
bebê de vez em quando? Shelby partiu, Paul e Vanni têm sua
casa e, além disso, cuido dos meus cavalos todos os dias.

—É muito incômodo, Walt.

—Eu me ofereci. Sem compromisso — Acrescentou ele. —


Não me ofereci para que se sinta comprometida comigo em

507
nenhum sentido. Quem sabe, esse Jack “Seja qual for o seu
nome”, poderia ser o homem com o que sempre sonhou.

—Já está ciumento dele?

—Efetivamente — Respondeu ele se deixando cair contra o


respaldo da cadeira com o cenho franzido. —Ele vai passar os
próximos seis meses contigo e eu, não.

—Bom, não tem a mais mínima oportunidade — Replicou


ela com suavidade.

Walt pensou que Peg se sentiu assim quando ele partia


longe e durante muito tempo, como se tivesse havido a mais
mínima oportunidade de que não houvesse retornado para ela.

—Já conheço isso, Muriel. As separações por trabalho são


um pouco complicadas, mas podem ser superadas facilmente.
Quer que te leve ao aeroporto?

—Eu gostaria. Só até o Garberville.

—Vai tomar um voo charter?

—Não. Vão mandar um avião particular.

—Bom, isso não conheço — Comentou ele com uma


sobrancelha arqueada. —Quer bolo de carne ou prefere subir,
que te tire a roupa e me despeça como Deus manda?

Ela riu.

—Podemos deixar o bolo de carne para o café da manhã.

508
—Boa ideia — Ele se levantou e a pegou pela mão. —
Vamos, carinho. É minha última ocasião de te mimar antes que
lhe deem o Oscar. A que hora sai seu voo?

—Quando eu chegar.

À manhã seguinte, Walt a levou a aeroporto de Garberville,


onde a esperava um avião particular. O piloto e o auxiliar de
voo, impecavelmente uniformizados, esperavam­na ao pé da
escadinha e se desfizeram em cuidados. Ela só levava uma
pequena bolsa de viagem e se vestia com jeans, jaqueta de
couro, botas e um chapéu texano. Os fez esperar enquanto
dava um beijo comprido e profundo em Walt.

—Se houver alguma pausa na rodagem, virei para te ver.


Chamarei assim que chegue.

—Muriel, deixa de se mostrar relutante e triste. Quer fazê­


lo e quero que o faça. É uma boa atriz e por isso tem esta
oportunidade. Deixe­os impressionados. Além disso, se Jack
«Seja qual for o seu nome» te paquerar, mande­o passear. Já
tem um namorado.

—Eu direi — Assegurou ela entre risadas.

—Além disso, tenho boa pontaria.

—Efetivamente. Obrigado por cuidar dos animais.


Significa muito para mim.

—Para mim também.

509
Ele ficou em meio desse frio gelado, enquanto o avião
particular se afastava. Olhou até que deixou de vê­lo. Quão
único pôde pensar foi que possivelmente não voltasse, que
possivelmente lhe dessem o Oscar e a tentassem para fazer um
outro filme. Um avião tinha ido pegá­la e nem sequer tinha tido
que fazer as malas. Tudo isso não a tinha impressionado
absolutamente. Essa era a verdadeira vida dela. Por que tinha
acreditado que podia significar algo para ela? Possivelmente
tivesse deixado de ser dele.

**********

Mel ouviu que uma caminhonete parava diante da clínica


e pensou que seria Bruce que levava o correio e lhe perguntaria
se tinha que levar alguma amostra ao hospital. Saiu ao
alpendre, mas não reconheceu a caminhonete. Franziu o cenho
quando uma mulher desceu pela porta do acompanhante. Era
uma mulher atraente de trinta e poucos anos, magra, morena e
com as bochechas rosadas. Olhou para Mel e sorriu com certo
acanhamento.

—Olá — Saudou a desconhecida.

Mel voltou a franzir o cenho, mas também sorriu.

—Olá. No que posso ajudá­la?

—Já me ajudou.
510
Ela subiu ao alpendre. Levava uma maquiagem muito
leve, calças jeans justas, um pulôver de pescoço alto e colete
acolchoado. Então, Mel caiu em si. Era Cheryl Chreighton! Sua
transformação era espantosa. Em só uns meses, sua cútis
havia se tornado rosa, os olhos cristalinos, perdeu mais de dez
quilos e não só estava asseada, estava atraente e quase
sofisticada. Alguém tinha cortado o seu cabelo e lhe tinham
ensinado a se pentear. Além disso, sorria.

—Por todos os Santos!

—Isso digo eu — Replicou Cheryl. —Por todos os Santos e


por você.

—Está impressionante — Seguiu Mel em um sussurro.

—Obrigado. Eu devo a você — Disse Cheryl com muita


seriedade.

—Não, deve isso a você mesma — Replicou Mel com


veemência. —Eu só fiz umas chamadas por telefone. Você tem
feito o esforço. Veio para casa?

—Não — Respondeu Cheryl rindo. —Este lugar não me


convém. Tenho um emprego e compartilho uma moradia. Não é
uma casa de acolhida, mas se parece, estamos em reabilitação.
O emprego não é grande coisa, mas tampouco necessito de
grande coisa no momento — Cheryl tragou saliva e baixou o
olhar. —Não acredito que volte. Aqui não há reuniões nem
essas coisas — Voltou a olhá­la com decisão e deu de ombros.
—Não acredito que fosse feliz em um lugar onde era a bêbada
511
do povoado. Não a bêbada do povoado normal e comum, uma
bêbada do povoado pior que a normal e comum.

—Sabe que isso não deveria te importar, mas sim


necessitar das reuniões. Uma reabilitação sem reuniões é como
uma operação sem levar pontos.

—Sim — Cheryl riu —, acertou em cheio.

—Há quanto tempo está sóbria? — Perguntou Mel.

—Cento e vinte e sete dias. Acredito que não posso contar


o dia que me levou. Estava cega. Parece­me que nunca deixarei
essas reuniões, embora já não quero beber. Senhora Sheridan,
não quero perder o que consegui. Vou a reuniões todo o tempo,
até duas vezes ao dia. Se tiver que fazê­lo toda a vida, parece­
me bem.

Mel esteve a ponto de lhe pedir que a chamasse pelo nome


de batismo, mas se conteve. Era o momento de Cheryl e podia
fazer o que quisesse.

—Muito bem. Está maravilhosa — A felicitou Mel com um


sorriso.

—Tenho que ver meus pais. Não tornei a vê­los desde que
parti daqui com você.

—Estou segura de que se alegrarão de te ver.

—Não sei — Cheryl riu. —Minha mãe pensou que tudo


isso da reabilitação era um absurdo e meu pai acreditava que

512
distribuiu a bebida muito bem e que eu a tinha sob controle.
Isso pode explicar algumas coisas. Além disso, nenhum dos
dois está bem. Tenho que vê­los, mas não posso ficar.
Tampouco teria vindo sozinha. Acompanha­me minha
protetora.

Mel se inclinou um pouco para olhar dentro da


caminhonete e viu uma mulher grisalha que a saudou com a
mão. Pensou que se alegrava de que fosse uma mulher mais
velha que, certamente, estava há muitos anos sóbria. Isso seria
um bom exemplo para o Cheryl.

—Também gostaria de reparar um pouco o mal que tenho


feito — Seguiu Cheryl. —Não acredito que possa ver todo o
povoado, mas queria ver você e ao doutor e, possivelmente,
Jack.

Mel ficou emocionada um momento e se deu conta de que


tinha saído sem casaco. Estremeceu e os olhos se encheram de
lágrimas.

—Cheryl, sinto muitíssimo. Alguém deveria ter te dito. Não


faz mal que seus pais não o fizessem. O doutor faleceu
repentinamente no outubro passado. Não sabemos o motivo.
Pôde ser o coração. Não se fez a autópsia.

—O doutor está morto?

—Sinto muito, Cheryl — Mel piscou e lhe caiu uma


lágrima. —Estava feliz porque tinha decidido fazer o
tratamento. Estaria muito orgulhoso de você.
513
—É incrível quão depressa podem trocar as coisas.
Sempre foi amável comigo — Cheryl fez um esforço por
recuperar­se. —Não sei se alguma vez lhe fiz algo terrível que
deva reparar, mas...

—Não fez — Replicou Mel precipitadamente. —Na


realidade, foi amável comigo. Faz muito tempo, ofereceu­se para
cuidar do meu filho e limpou aquela cabana horrível que Hope
McCrea me deu como alojamento grátis.

—Não me lembro de ter cuidado de seu filho.

—Me acredite, foi amável comigo.

—Obrigado. Entretanto, sei que fui um pesadelo para o


Jack. Não sei se devo ir vê­lo e lhe dizer que sinto muito.

—Claro que tem que vê­lo, embora já sei que não lhe
guarda rancor. Entretanto, Jack se sentirá feliz de te ver sóbria
e com um aspecto tão bom.

—Está segura?

—Estou segura, Cheryl.

—Fiz propostas ao Jack... Também tenho que me


desculpar por isso com você. Quero dizer, eu gostaria de lhe
explicar que foi pela bebida. Não estou louca — Cheryl sorriu.
—Bom, não mais louca que a maioria das bêbadas.

Mel riu ligeiramente.

—Isso deveu ocorrer muito antes que eu o conhecesse.


514
Não tem que se desculpar comigo e estou segura de que Jack o
entenderá. Além disso, não pode imaginar o feliz que se sentirá
porque está em reabilitação. Cheryl, eu não lhe disse que te
levei a um centro de recuperação.

—Não? — Perguntou Cheryl com assombro. —Acreditava


que todo o povoado sabia.

—Nem o doutor nem eu o teríamos contado. Não


falávamos de assuntos médicos.

—Bem, eu não esperava isso.

—Já que sabe, pode esperá­lo. E mais, nunca ouvi um


comentário no povoado. Ao fim e ao cabo, não foi a primeira vez
que desapareceu por um tempo.

Fez­se um silêncio e as duas se olharam nos olhos.

—Obrigado, senhora Sheridan. O que fez por mim foi


maravilhoso.

Mel sentiu um nó na garganta e esteve a ponto de chorar.


Tinham sido as mesmas palavras que lhe disse o doutor. Como
teria gostado de vê­la assim diferente, tão linda e falando com
tanta sensatez. Mel pensou que ele estava vendo.

—Me alegro muito de que tenha dado resultado e estou


orgulhosa de você. Vá ver o Jack e a seus pais. Voltará alguma
vez?

—Claro, se você quiser.

515
—Quero. Seria muito bom.

Quando Mel voltou a entrar na clínica, foi ao escritório que


tinha sido do doutor e que nesse momento compartilhava com o
Cameron. Não havia pacientes, seus filhos estavam dormindo e
Cam tinha saído para fazer visitas. Estava sozinha e podia fazer
o que quisesse. Baixou a cabeça entre os braços e chorou.
Chorou de alegria por Cheryl e chorou de uma forma especial
pelo doutor ausente, porque sabia o que teria significado para
ele ver que ela tinha saído de um poço tão escuro. Olhá­la era
estimulante e ouvi­la era assombroso! Era uma pessoa
completamente distinta. Além disso, ainda era jovem e tinha a
oportunidade de levar uma vida plena e frutífera.

Ao cabo de meia hora, ouviu o motor de um veículo, voltou


a pensar que podia ser Bruce com o correio, secou os olhos e
saiu ao alpendre. Efetivamente, era Bruce, que lhe entregou um
pacote e perguntou se tinha amostras.

—Não, hoje não tenho nenhuma — Respondeu ela.

—Perfeito. Terminarei antes.

Enquanto ele subia na caminhonete, Mel olhou para o


alpendre do bar e viu que Jack saía rodeando os ombros de
Cheryl com um braço. Pararam, deram­se um abraço e ela
desceu os degraus para subir na caminhonete que estava
esperando­a. A caminhonete se afastou.

Jack ficou no alpendre olhando sua esposa. Ela pôde ver o


sorriso de carinho, orgulho e agradecimento de seu marido,
516
embora estivesse do outro lado da rua. Cheryl tinha contado.
Ele a saudou com uma mão e ela fez o mesmo.

517
Capítulo 19
Aiden Riordan parou diante da casa de Luke e tocou a
buzina antes de descer do carro. Luke saiu com cara de poucos
amigos e um olhar de perplexidade.

—Pode se saber o que está fazendo aqui? — Perguntou


Luke.

—Leva dez dias sem atender o telefone! — Disse seu irmão


com raiva. —As secretárias eletrônicas também funcionam
aqui!

—O telefone não funciona — Replicou Luke virando para


voltar para a sua casa.

Aiden pôs os olhos em branco, sacudiu a cabeça e o


seguiu. Entrou na casa atrás de Luke, tirou as luvas de couro e
olhou ao seu redor. Luke se sentou no sofá de módulos e o
olhou de cima a baixo com o cenho franzido.

—Muito bonito — Comentou Aiden antes de ir conectar o


telefone da cozinha.

—Vai lamentar muito ter feito isso.

—O que aconteceu? Recebe muitas chamadas? —


Perguntou seu irmão.

—Eu as chamaria de intenções de chamadas. Não quero


falar por telefone. Isso inclui você também.

518
—Bem, agora está trancado comigo.

Aiden tirou uma cerveja da geladeira, abriu­a e foi para


sala. Sentou­se e se dirigiu ao Luke sem sequer tirar a jaqueta.

—Assim que te deixou.

—Do que está falando?

—Estou falando de Shelby. Deixou você e se sente


afundado na miséria.

Luke o olhou com fúria e sem dizer nada.

—Te deixou e parece uma desgraça. Tive que vir até aqui
para me certificar de que não era um cadáver de dez dias e não
está sendo nada hospitaleiro.

—Ninguém te pediu isso.

—Não me diga! Desde quando o irmão mais velho pediu


algo ou mostrou debilidade? É o homem de aço, não? Venha,
Luke... Não se viu. Está com mau aspecto.

—Estive trabalhando — Replicou ele.

—Tolices. Não há mais trabalho. Diga­me o que aconteceu.

—Não aconteceu nada. Tudo tem sido muito tranquilo por


aqui. Não desejo falar com ninguém. Isso é tudo.

Aiden olhou para o chão, sacudiu a cabeça e riu para si


mesmo.

519
—Irmão, me toma por tolo. Pensa que pedi um
afastamento urgente para vir até aqui e te salvar a vida sem ter
me informado de nada? Liguei para o bar, a esse bar pequeno e
encantador que você gosta tanto. Faz tempo que não te veem
por ali. Falei um bom tempo com Jack, ele me deu o telefone de
Walt Booth e falei com ele. Acontece que Shelby foi para o
Hawai para passar umas férias ao sol, antes de ir para São
Francisco e procurar um apartamento, para começar um curso
que iniciará dentro de alguns meses. Foi embora do povoado.
Como já tivemos essa conversa uma vez, imagino o motivo.
Afastou­a. Não pode dizer­lhe o que sente, porque você acha
que é errado para ela. Também continua com medo que cada
mulher que conheça te engane. Segue tomando decisões pelos
outros, sem lhes perguntar sua opinião. Ela pensou que você
não se importava, foi tão longe quanto podia e você está
afundado na miséria.

Luke olhou ao seu irmão com fúria antes de falar.

—Vou arrancar suas entranhas.

Aiden sorriu e deu um sorvo de cerveja.

—Não me diga. Por quê?

—Chamou o general para falar de mim?

—Sim, e ao dono do bar. Mas recebi a chamada de Sean,


que recebeu a chamada de mamãe, e deveria se alegrar de que
Paddy e Colin estão fora do país. Vamos ver, por que não
respondeu o maldito telefone e disse a todo mundo que está
520
ocupado e não pode falar? Pode saber­se o que está fazendo?

—Salvando a minha vida? — Perguntou Luke. —


Afastamento urgente e salvar minha vida? Do que está falando?

Aiden se inclinou para diante com expressão séria.

—Já passamos por isso. Fomos jovens e as circunstâncias


eram completamente diferentes, mas tenta imaginar o que
supõe ver seu irmão mais velho, a pessoa que mais admira no
mundo, a ponto de afundar até o fundo. Aterroriza a qualquer
um. Isso não vai acontecer novamente. Ninguém vai deixar isso
acontecer outra vez.

Luke respirou fundo.

—Olhe, não é nada do outro mundo. Shelby se limitou a


seguir os seus planos. Quer viajar e estudar. Eu estou me
adaptando. Me dê uma semana, estarei como novo.

Aiden o olhou fixamente durante um segundo.

—Bobagens.

O telefone soou antes que Luke pudesse dizer alguma


coisa.

—Viu? Por que conectou essa porcaria? — Gritou Luke.

Aiden foi ao telefone e respondeu.

—Sim, mamãe, estou aqui... Está bem... Sim, tomei­lhe o


pulso... Está vivo e não lhe aconteceu nada... Sim, mamãe...

521
Sim, mamãe... Mamãe! Acabo de chegar! Me deixaria... Sim,
mamãe. Adeus... Eu também te quero.

Antes que Aiden pudesse sentar­se, o telefone soou outra


vez e Luke soltou um palavrão. Aiden respondeu.

—Por todos os Santos, acabo de chegar! Se importaria de


me dar dez minutos para me inteirar do que está havendo?...
Sim, está bem. Chamarei a todos, mas nos deixem em paz!

Aiden voltou para sua cadeira e sua cerveja.

—Viu? — Perguntou Luke.

—Sim, mas, evidentemente, desligou o telefone depois que


começassem a te chamar e não tomou a moléstia de dizer a
ninguém que estava bem. O que teria passado se Shelby tivesse
chamado para te dizer que tinha pensado melhor e decidido
ficar aqui até que começassem as aulas?

—Ela não vai me chamar.

—E se o fez?

—Não teria sido uma boa ideia.

Aiden, atônito, ficou em silêncio um minuto. Sua cabeça


dava voltas a toda velocidade, até que esboçou um sorriso
ardiloso.

—Desligou­o porque teria sido incapaz de não responder,


esperando que fosse ela.

522
—Ficou louco.

—Preferiu que pensasse que não estava aqui, que nada


mais deixou e que já estava procurando garotas. Luke... —
Aiden riu. —Talvez queira passar algum tempo com você. Talvez
queira dar uma outra oportunidade para que pensasse.

Luke sacudiu a cabeça com impotência, levantou­se e foi à


cozinha para tomar uma cerveja.

—Teria sido uma decisão equivocada — Replicou quando


voltou para a sala.

—Muito bem, voltamos para o mesmo ponto. Vai ser


sincero comigo ou vamos ter que beber outras seis cervejas
para que se solte. Já não bebo muito. Estou de guarda
permanente, já sabe...

—Acreditava que já o tinha explicado — Replicou Luke


com chateação. —É uma jovem preciosa. Tem vinte e cinco
anos, mas lhe subtraíram uns quantos anos que esteve atada a
uma inválida. Pediriam a identidade na maioria dos bares. Eu
fui seu primeiro homem de verdade! Tem que fazer coisas!
Adquirir experiência! Esteve entregue muito tempo. Tem que
sair e...

—E não tentá­lo com você para comprovar ao cabo de um


par de anos que se cansou — Aiden terminou a frase por ele.

Luke se levantou e passou a mão pelo pescoço.

—Não está preparada para escolher nada. Talvez pense


523
que o está, mas não é verdade.

—Porque você não o esteve? — Perguntou Aiden.

—É muito jovem!

—Porque você o foi?

Luke não respondeu e deu as costas a seu irmão.

Aiden também se levantou, aproximou­se de seu irmão e


lhe pôs uma mão no ombro.

—Não foi muito jovem quando se casou com a Felícia. Não


foi muito ingênuo, nem inexperiente quando tinha vinte e cinco
anos. Foi ativo e fiel e sabia o que sentia. Teve paixão e
compromisso suficiente para não trocar de ideia. Foi esmagado
por alguém que não estava a sua altura. Sinto muito, amigo,
mas não foi sua culpa. Alguma vez vai se convencer disso? Você
não a enganou! Foi ela!

—Ela não foi o suficiente — Replicou Luke com uma


risada sombria. —Foi isso que me disse.

—Felícia? — Perguntou Aiden sem poder acreditar. —Me


parece que havia muito mais do que dizia sobre isso.

Luke deu a volta.

—Shelby. Disse­me que sabia que não era suficiente...

—Santo céu — Sussurrou Aiden antes de meditar um


instante. —Muito bem, não nos embebedamos e nos

524
lamentamos. Vamos jantar algo aceitável. Podemos falar sem
gritar e quando estiver convencido de que está bem e não vai
desligar o telefone, te deixarei tranquilo.

Luke assentiu levemente com a cabeça.

—Quer ir a esse bar que você gosta tanto? — Perguntou


Aiden.

—Não — Respondeu Luke imediata e bruscamente. —


Necessito um pouco mais de tempo. Vamos para Fortuna. Há
um lugar onde servem peixe...

Aiden o levou e jantaram em um pequeno e agradável


restaurante que havia ao lado do rio. Pediram o mesmo, um
fato muito frequente em sua família. Aiden queria entender
algumas coisas, mas conhecia Luke e sabia que perguntar
diretamente não daria resultado. Aiden o fez falar do povoado,
das pessoas, das cabanas e do que acreditava que acabaria
fazendo com suas posses.

Quando comprou a casa e as cabanas, fez para obter um


benefício assim que fosse possível. Nesse momento, Luke estava
pensando em esperar um ano para ver como as alugava nas
férias. Em Virgin River não havia motel nem albergues e podia
ser muito rentável, sem ter que dedicar muito trabalho. Se
dessem ganhos aceitáveis, podia tentar comprar a parte de
Sean e levá­lo como único proprietário. Luke se assentaria
como não tinha feito durante mais de vinte anos. Estava
disposto a fincar raízes, mas o aterrorizava pedir a alguém

525
como Shelby que também o fizesse, porque ela podia mudar de
ideia e isso o mataria. Aiden decidiu provocá­lo.

—Essa Shelby tem que ter algo especial para te ter


apanhado. Não é próprio de você, se enredar com uma garota
do mesmo povoado e menos ainda, com a sobrinha de um
general.

Luke riu.

—Sua beleza. No primeiro dia que passei pelo povoado, me


encontrei com ela duas vezes. Acreditei que tinha uns dezoito
anos e isso me dissuadiu, irmão.

—Era a única garota bonita dos três condados? —


Perguntou Aiden.

—Não sei — Respondeu Luke. —Acredito que tomei um


golpe na cabeça. Foi um caso de torpor grave. Tentei me
esquecer por todos os meios, mas, muito em breve, quão único
pude fazer foi terminar o que tinha começado. Você passou por
isso.

—Efetivamente — Reconheceu Aiden, que se tinha casado


por torpor. —Foi então quando começou a perder o interesse?

Luke ficou em silêncio um instante.

—Não se perde interesse por alguém como Shelby. Dá


igual por muito que o tente.

—Parece­me que fazia muito que não sentia algo assim.

526
Luke olhou Aiden nos olhos.

—Sei o que está fazendo. Não quero passar muito tempo


falando disto. Não quero que a coisa se agrave. Necessito de
tempo.

—Se apaixonou profundamente — Comentou Aiden.

—São coisas que passam. Acabou a conversa.

—Só quero estar seguro de que poderá seguir adiante


sem... — Aiden não terminou a frase.

—Sem ficar completamente louco? Acredito que aprendi


algumas coisas, Aiden. Não pode ficar pior, mas até que
melhore precisa deixar como está.

—É uma pena que não pudesse aguentar, Luke. Há pelo


menos cinquenta por cento de chance que tenha se equivocado
com ela, com você mesmo e com o resultado da coisa toda.
Poderia ser feliz todos os dias de sua absurda vida e, em vez
disso, está tentando esquecê­la de qualquer maneira.

—Essa é a questão, Aiden. Há cinquenta por cento de


chance de que um de nós esteja equivocado, mas não sabemos
quem.

No dia seguinte, depois do café da manhã, Aiden colocou a


bolsa de lona no carro e estreitou a mão de seu irmão.

—Procure­a, Luke. Lhe diga a verdade, diga que te


aterroriza, mas que a quer.

527
—Obrigado por ter vindo, Aiden — Luke sorriu. —Sei que
só queria me ajudar. Conduza com cuidado.

**********

Quase tinha chegado o momento de que Shelby tivesse


que partir do Hawai, mas não sabia se estava preparada e
estava pensando em ficar outra semana antes de ir para São
Francisco. Não sabia se o sol e o descanso estavam lhe fazendo
bem ou seria preferível confrontar outra prova.

Tinha embalado tudo na casa de seu tio, tinha carregado o


jipe e tinha ido a São Francisco para tomar o voo ao Hawai e
não ter que voltar para Virgin River para recolher o carro. O jipe
estava no estacionamento do aeroporto esperando­a para que
desse o seguinte passo em sua nova vida, que não lhe
interessava o mais mínimo. As árvores e as montanhas a
tinham cativado e o estrépito da cidade não a atraía. Nada era
comparável ao silêncio, o céu espaçoso e a beleza natural que a
rodeavam. Sentia falta dos cavalos. Perdeu muito menos...

Tinha escolhido o alojamento com muito cuidado. Era um


hotel junto à praia e com um restaurante bastante bom.
Pensou em visitar um pouco a ilha, mas não o tinha feito.
Também tinha pensado ler muito, mas, pela primeira vez em
sua vida, tinha a mente muito dispersa para deixar­se prender
por uma boa novela. Pôde ler inclusive quando sua mãe estava
528
pior e deixar­se levar por uma boa história tinha sido um
consolo. Em realidade, o restaurante do hotel era excepcional,
mas seguia tendo saudades da comida do Pastor, de um fogo
crepitante, das risadas de seus amigos e do contato da mão de
seu amante por debaixo da mesa. Menos no café da manhã,
quase todas as comidas eram levadas pelo serviço de quarto.
Estava muito sozinha, escondida atrás dos óculos de sol, como
queria estar.

Todos os dias passeava pela praia até onde pudesse


chegar, algumas vezes, durante horas. Tinha tomado sol em
uma tenda ou relaxou debaixo de uma palhoça, com os olhos
fechados como se estivesse dormido, como se descansasse, mas
sangrava por dentro. Se alguém a visse cuidadosamente com
atenção, teria podido ver uma lágrima de vez em quando. Fazia
tantos esforços para contê­las quando estava com seu tio e sua
prima, que não se deu conta dos sentimentos que reprimia.
Começou a chorar assim que levantara voo e, apesar dos
esforços, seguiu quase todo o trajeto até o Hawai. Teve a sorte
de ir sentada ao lado de uma carinhosa senhora mais velha que
lhe rodeou os ombros com um braço.

—Querida, está claro que se trata de uma desilusão


amorosa — Disse a mulher.

A melhor novela da história não podia transmitir


completamente quanto doía uma desilusão, nem o quanto se
chorava. Era como a morte, mas com o agravante de que seguia
viva.

529
—Faz um dia lindo — Disse uma voz masculina.

Ela girou a cabeça e viu o homem na tenda que estava a


sua direita. Havia muitas tendas vazias pela praia e piscina,
mas ele tinha tido que escolher essa.

—Lindo — Repetiu ela tentando não lhe fazer caso.

—Tenho entendido que chove muito. Choveu?

—Por favor, estou dormindo — Replicou ela.

—Acredita que terá deixado de dormir na hora do jantar?


Eu adoraria convidá­la para jantar.

Ela o olhou e levantou os óculos de sol.

—Não, obrigado.

—Então, posso convidá­la para uma bebida? Um may


tailandês ou um Bloody Mary?

—Vou ter que me afastar ou o fará você? — Perguntou ela


sem olhá­lo.

Ele riu.

—Mas que gênio, Shelby.

Ela deu um coice e ficou meio sentada.

—Alguém te disse o meu nome? — Perguntou ela sem sair


de seu assombro.

—Não — Respondeu. —Eu já sabia. Perguntei onde

530
poderia te encontrar. Aqui são muito discretos, mas quando dei
sua descrição, o encarregado das toalhas me disse onde podia
estar.

Ela se sentou de todo com a boca aberta.

—Aiden Riordan — Se apresentou ele estendendo uma


mão. —Como você está?

Muda pela surpresa, ela a estreitou lentamente. Era


bonito, mas não se parecia nada nem com Luke nem com Sean.
Era moreno, com sobrancelhas negras e cheias, olhos verdes
como os de sua mãe e um sorriso muito agradável.

—O médico?

—Ginecologista, para ser mais exato. Prazer em conhecê­


la.

—Pode saber­se o que está fazendo aqui?

Ele deu levemente de ombros.

—Pensei que alguém deveria explicar a atitude de Luke, se


isso for possível.

Ela, ainda um pouco chocada, sentou­se em um lado da


cadeira, pôs os pés na areia e o olhou.

—Ele te mandou?

—Não! — Aiden riu. —E mais, quando se inteirar, vai ser


terrível. É possível que tudo isto seja uma perda de tempo, mas

531
eu tenho a sensação de que há algumas coisas importantes dele
que você não conhece. Por outro lado, estou seguro de que você
conhece coisas dele que prefiro não saber.

—Isto... isto é um disparate...

—Nem me diga isso. Na família há uns quantos bocudos,


mas nunca nos metemos nos assuntos de outros irmãos até
este ponto. Embora Luke seja um caso especial.

—Por quê?

—Alguma vez te contou que se casou quando era muito


mais jovem?

Ela demorou um pouco em assimilar.

—Bem, isso poderia explicar algumas coisas — Comentou


ela depois de um momento.

—A explicação é mais complicada. Certamente tenha


ouvido centenas de histórias sobre divórcios desagradáveis,
mas neste se mesclaram uma série de acontecimentos que
afetaram muito a Luke e lhe deixaram alguns efeitos
secundários.

Ela baixou o olhar.

—Suponho que não confiou o bastante em mim. Se não,


me teria contado — Replicou ela.

—Não tem nada haver com confiança, Shelby. Ele tentava


com toda a sua alma não se apegar muito a você. Não se saiu
532
muito bem, teria que vê­lo. Parece um cadáver, está desfeito.

Ela se inclinou para diante.

—Quando o viu?

—Faz um par de dias. Não, não lhe disse que ia tentar te


encontrar. Não teria gostado da ideia.

—Está bem? — Perguntou ela com preocupação.

—Não. Suponho que poderia se refazer, mas você e eu


temos que falar e logo, que seja o que Deus quiser. Luke se
casou quando tinha vinte e quatro anos. Era um flamejante
piloto de helicópteros de combate e se casou com uma garota
que conheceu no Alabama, uma autêntica beleza sulina que
deu uma reviravolta em sua vida. Possivelmente fosse a garota
mais bonita do sul. Começaram a sair e a fazer planos em
seguida, casaram­se em poucos meses e ele era o homem mais
feliz da terra. Como era o mais velho, os outros irmãos
observavam cada passo que dava. Todos queríamos ser como
ele, igualmente preparados e seguros de nós mesmos. Todos
queríamos entrar no Exército, conseguir um milhão de
condecorações e ascensões, nos casar com a garota mais bonita
e sexy do mundo e levar uma vida plena de aventuras e paixão.

—Algo saiu errado, eu temo.

—Vejamos, naquele momento, Colin estava estacionado do


outro lado do país, eu estava no último ano da universidade,
Sean tinha dezenove anos e estava na Academia da

533
Aeronáutica, Patrick seguia no colégio e Luke estava esperando
um filho, o primeiro da família, um varão. Foi o primeiro que se
casou. Luke estava feliz, exultante, muito apaixonado e muito
emocionado pelo filho. Então, o mandaram à Somália, ao
Mogadiscio. Viu o filme Black Hawk que saiu?

—Sim, e acredito que não quero voltar a vê­lo.

—Foi ao Luke foi abatido e ferido, mas é o homem mais


corajoso que conheço. Foi horrível para o Exército. Tudo deu
errado. Ele, no entanto, pôde sobreviver e se comportou
heroicamente. Salvou vidas e o condecoraram por sua coragem.
Voltou para casa o mais rápido que pôde porque seu filho
estava a ponto de nascer. Ainda tinha as feridas dessa batalha
quando teve que lutar em outra. Não estava nem cinco minutos
em casa quando sua esposa lhe disse que o bebê que concebeu
meses antes dele ir a Somália não era seu. Era de um capitão,
de um superior do Luke, de um homem que lutou com o Luke,
de quem chegou a receber ordens. Além disso, ia abandoná­lo
para viver com o pai do bebê.

—Meu Deus... — Foi tudo o que ela pôde dizer.

—Esse soldado jovem e duro se sentiu humilhado. Era


jovem, Shelby, tinha vinte e cinco anos. Houve um revoo em
seu quartel porque um oficial tinha seduzido à esposa de um de
seus homens. Não foi um divórcio qualquer, esteve a ponto de
sair nas capas das revistas, diziam que ia acusar o capitão e
Luke parecia um tolo. Além disso, tinha que seguir suportando
a guerra. Tinha muita frentes abertas ao mesmo tempo.
534
Desilusão amorosa, escândalo, humilhação, decepção,
síndrome pós­traumática pela batalha, dor por ter visto morrer
seus companheiros — Aiden tomou fôlego. —Tentou se
suicidar.

—Luke? Não posso imaginar isso. Posso imaginar a raiva,


mas...

—Não o fez da maneira típica. Afundou­se como um


torpedo. Bebia muito e dirigia. Voava quase bêbado. Alguém o
tirou da esquadrilha. Se metia em brigas. Ia a lugares onde
podia estar seguro de que lhe dariam uma boa surra entre
vários homens. Acabou várias vezes no hospital pelas brigas e
por um acidente de carro que teve sozinho. Certamente, não te
tenha contado tudo isto, mas sim me contou isso. Queria
morrer.

Ela demorou um bom momento para assimilar isso.

—Não é a toa que não queira ter uma relação muito


pessoal...

—Há muitas coisas que podem destroçar um homem, mas


Luke teve que escolher. Não era apenas um casamento que saiu
errado, Shelby, foi tudo com uma esposa desleal no meio.
Demorou um par de anos em levantar cabeça e isso mudou
tudo. Deixou de ser cuidadoso e correu muitos riscos. Além
disso, começou a mover­se muito depressa. Não renunciou às
mulheres, mas sim às amarras.

—Isso explica muitas coisas. Disse­me que não se


535
apaixonava, que passava pelas mulheres como um tubarão
entre os mergulhadores.

—Muito típico dele — Aiden sorriu.

—Acreditei completamente nele — Reconheceu Shelby. —


Acreditei que poderia aguentar, até que, tolamente, pareceu­me
que eu era um pouco diferente para ele. Aí estraguei tudo — Ela
tomou fôlego. —Devo tê­lo afligido com essa conversa sobre
filhos.

—Que conversa? — Perguntou ele.

—Disse­lhe que queria um parceiro dedicado e pelo menos


um filho. Ele replicou que nunca o encontraria nele, mas eu
pensei... — Shelby deu de ombros.

—Leva muito tempo dizendo isso. Talvez o pense agora,


mas quando acreditou que ia ter um filho, era o homem mais
feliz do mundo. Sinto muito que não o tivesse.

—Deu a desculpa de que era muito mais velho. Acredito


que se tivesse confiança em mim, teria me contado sobre o seu
matrimônio e seus motivos, nos teria dado a oportunidade de
solucionar tudo.

—Bem, nega muito a evidência disso. Além do mais,


segundo o que me contou, parece como começou protegendo­
se, mas ao avançar em sua relação foi protegendo você.

—A mim?

536
—Falou­me de sua mãe, de como se dedicou de corpo e
alma a ela durante uns anos, que não teve uma liberdade
verdadeira. Minhas condolências, por certo.

—Obrigado. É possível que você o entenda porque é


médico, Luke não o entendeu. Não foi um sacrifício. Eu não era
uma refém. Eu fazia exatamente o que queria fazer. Estava
muito unida a minha mãe. Ajudar alguém no fechar da porta
deste mundo e passar ao outro é algo muito especial, muito
íntimo. Eu não renunciava a nada, estava fazendo algo que a
maioria das pessoas não sabe o que é.

—É uma forma muito admirável de lidar com as coisas —


Comentou ele com um sorriso.

—Eu não sou admirável — Replicou ela com modéstia


sincera. —Estava em um grupo de apoio e aprendi muito.

—Levou uns golpes muito fortes durante o último ano.


Primeiro perdeu a sua mãe e então, ao Luke.

Seus olhos se alagaram, mas ela falou com serenidade.

—Não me arrependo do que entreguei a nenhum dos dois,


Aiden, não mudaria nada. Nunca teria deixado a minha mãe
aos cuidados de ninguém mais, nem pude evitar de me
apaixonar pelo Luke — Shelby esboçou um sorriso vacilante. —
Soube quase imediatamente que ele seria meu primeiro amor.

Aiden lhe acariciou a mão que tinha sobre o joelho.

—Parece­me que nunca tinha se apaixonado assim.


537
—Nunca me tinha apaixonado absolutamente —
Confessou ela. —Minha vida ficou limitada pouco depois que
terminasse o instituto e durante o instituto não era uma garota
que saísse muito. Luke tinha razão em uma coisa: eu não vivi
esse tipo de coisas. Poderia haver me topado com algum tolo
insensível, mas foi com Luke. Foi muito bom comigo, muito
carinhoso. Foi maravilhoso. Não posso lamentar. Por muito que
me doa, não posso me arrepender de um só dia com ele.
Quando me disse que queria que ficasse somente entre nós
porque era muito especial, acredito que comecei a pensar que
possivelmente mudasse seu princípio de não entregar­se...
comigo...

—Só entre vocês? — Perguntou Aiden sem entender o que


queria dizer.

—Que ele tinha sido o primeiro — Ela baixou o olhar. —


Tal e como me sinto, provavelmente vá ser o único.

Aiden ficou em silêncio, atônito, e olhando esse rosto tão


doce. Depois do que Luke tinha passado com sua esposa, tinha
ido dar com alguém puro? Não era a toa que estivesse tão
desolado. Teve que ter vislumbrado uma espécie de sonho
impossível, uma mulher boa e doce que seria só dele e em que
podia confiar.

—Meu Deus — Sussurrou Aiden. —Não é a toa que esteja


tão mal.

—O que?

538
—Shelby, casou­se com uma garota que era menos
parecida com uma virgem do que alguém possa imaginar. Era
sexy e coquete. Tinha saído muito e, ao parecer, nunca deixou
de sair. Luke teve que pensar que se aquilo lhe tinha doído,
morreria se acontecesse algo parecido com você.

—Não posso acreditar que pudesse pensar que eu era


assim — Replicou ela.

—Acredito que chegou o momento de que tomemos um


Bloody Mary, dar um passeio ao longo da praia e, em seguida,
vamos jantar.

À manhã seguinte, quando Aiden ia para o aeroporto,


Shelby se despediu com um abraço, como se fosse um amigo de
verdade. Estiveram falando toda a tarde e durante o jantar.
Depois, sentaram­se na praia, à luz da lua, até muito tarde.
Quase toda a conversa girou ao redor da relação de Luke com
ela, mas também falaram dos outros irmãos, do passar de
Aiden pela Faculdade de Medicina e do exercício da medicina a
bordo de um navio ou em uma base naval. Ela falou de sua
infância, da sua mãe, do resto de sua família e do muito que
gostava das montanhas, dos cavalos e da tranquilidade
silenciosa de Virgin River. Se tornaram bons amigos.

—Pensei algo muito estranho — disse para Aiden


enquanto estava ao lado do táxi.

—O que?

—Luke tenta me resgatar ao me deixar partir. Não quer


539
que eu renuncie a nada e me acomode. Entretanto, a confusão
quem tem é ele. Ele é quem necessita que o resgatem.

—Possivelmente — Aiden riu —, mas como nunca


reconhecerá, certamente seja impossível.

—Cuide dele, Aiden — Pediu ela.

—Farei o que possa. Irá para São Francisco? — Perguntou


enquanto subia no táxi que o levaria ao aeroporto.

—Talvez fique outra semana. Na verdade, não tenho muita


pressa de chegar lá. Acreditava que tinha que seguir adiante,
fazer algo. É assombroso quanto se demora para esquecer.

—Não se esquece, Shelby, adapta­se.

Ela riu levemente.

—Obrigado, Aiden, por vir até aqui para falar comigo. Não
sabe quanto me ajudou.

—Isso eu espero. Luke tem razão em uma coisa, é


especial. Boa sorte.

—Igualmente.

**********

Quando a luz dos faróis entrou pela janela da sala, Luke

540
estava sentado diante da lareira, ouvindo música com os pés no
alto e o olhar perdido. Fora estava chovendo, mas não esperava
ninguém. Olhou o relógio. Eram oito horas. Se fosse outro
irmão ou, pior ainda, sua mãe, não ia poder se dominar. Tinha
atendido ao telefone. Era verdade que não tinha falado muito,
mas tinha atendido. O assunto de Shelby ainda lhe doía, mas
estava melhorando. Ao menos, dormia.

Abriu a porta e viu o jipe. Ela estava apoiada no capô, com


os braços cruzados e molhando­se com a gélida tempestade de
neve. Deu­lhe um tombo no coração. Tinham passado quase
três semanas desde que a viu a última vez e os sentimentos não
o tinham deixado em paz. Seguia querendo­a tanto que lhe
doía.

—Não me disse nada sobre Felícia — Gritou ela.

—Isso foi há muito tempo. Como soube? — Gritou ele.

—Tanto faz. Não confiava o suficiente em mim para me


contar isso.

—Foi há anos e não tem nada que ver com nada — Ele foi
ao alpendre. —Não sabia que ia voltar.

—Ninguém sabe que estou aqui — Replicou ela. —Pensa


que serei tão horrível como ela?

—Não. Pensa que eu sou o melhor que pode conseguir?

Ela deu de ombros com o cabelo molhado e as bochechas


ruborizadas.
541
—E se fosse? O que fiz de errado? Acreditei que tinha
demonstrado que sabia muito bem o que queria. Acredita que
sou volúvel? Acredita que sou tão jovem e estúpida que não sei
quando amo verdadeiramente alguém?

—Não é estúpida, nunca acreditei nisso. Jovem... é


possível.

—Ah. Acreditava que era um amor de adolescente?

—Não, não tem nada de adolescente. Deixa de se ensopar.

—Não o farei até ter esclarecido algumas coisas. Se não


estivermos de acordo, irei para a casa do general, mas não vou
a São Francisco. Nunca vivi em uma cidade grande e eu não
gosto disso. Eu gosto de viver aqui.

—Venha ao alpendre ao menos e falaremos. Está


chovendo, faz frio e...

—Não — Interrompeu ela bruscamente. —Talvez eu tivesse


muitas esperanças e muito depressa, mas você teve muito
poucas. Não quero que outro homem me acaricie, jamais. Aqui
estão as únicas mãos que quero, as suas, só as suas.

Ele não pôde evitar sorrir ao vê­la orgulhosa e teimosa sob


a chuva com os braços cruzados.

—Então, por que partiu? Nunca pus inconvenientes a te


acariciar.

—Queria me bronzear. Além disso, acreditava que não me

542
amava. Quero algo mais, eu quero tudo. Quero ter um filho
algum dia. Não tem que ser em breve, mas quero ter ao menos
um filho e tem que ter um pai. É uma condição sine qua non.

Ele riu com a cabeça para trás.

—O que acredita que seja sine qua non?

—Acredito que sou a única mulher que amou em sua vida.


Tentou se liberar de mim o mais rápido possível porque ficava
nervoso. Acreditei que não confiava em mim, mas agora
acredito que não confia em si mesmo. Não quero um homem
assim. Necessito um homem com guelra e seguro de si mesmo.
Que tenha suficiente confiança em si mesmo para não me
abandonar. Necessito um homem que não tenha medo de
correr algum risco por algo importante.

—Corri mais de um risco e não me assusta. Venha para o


alpendre.

—Não até que me diga que, se o nosso amor é sólido, se


haverá um relação verdadeira e uma família. Não quero ouvir
mais sandices de não se comprometer. Isso é uma besteira,
Luke. Pode tomar o tempo que queira para estar seguro, tenho
paciência, mas não vou renunciar a você.

—Não necessito tempo para estar seguro — Ele sorriu. —


Sei o que sinto.

—Segue com o mesmo? Segue com o pensamento de que


nunca acontecerá?

543
—De acordo, acredito que poderia acontecer e se
acontecer, seria com você. Sempre pensei que você merecia
mais.

—Mais do que qualquer coisa que eu quis no mundo? Vê


que tolo resulta ser?

Luke teve que rir. Era uma mulher fora do normal.

—Shelby, venha aqui. Não tenho que pensar em nada. É o


mais sólido que tive em minha vida. Venha aqui.

—Acreditava que não era suficiente para você, mas era


demasiado. Além disso, não é você que deve decidir o que eu
mereço. Mereço um homem que me veja engordar por seu filho
e sinta orgulho. Amor e orgulho.

—De acordo — Concedeu ele. —Eu te amo. Venha aqui.

—Não é suficiente. Tem que dizer algo que me convença de


que a aposta compensa. Percorri muitos caminhos e o percorri
sozinha. Estou apostando por você. Em nós. Te amo e você me
ama e estou farta de perder tempo com sandices. Diga o que
tem que dizer por uma vez. Diga algo... profundo.

Ele a olhou fixamente, deixou de sorrir pouco a pouco, pôs


os braços em súplicas, tomou fôlego e notou que os olhos se
enchiam de lágrimas.

—É tudo o que necessito para ser feliz, Shelby. É tudo o


que necessito...

544
Surpreendeu­a de verdade. Deixou cair os braços e ficou
momentaneamente boquiaberta.

—É tudo — Concluiu ele. —Me apavora, mas quero tudo


com você. Eu te amo para toda a vida. Quero o que você quer e
quero­o imediatamente.

—O que?

—Tudo, Shelby. Quero que seja quem pregue os pés à


terra, a mãe de meus filhos, minha melhor amiga, minha
esposa e minha amante. É uma tarefa considerável — Luke
respirou fundo. —Se você não quebrar, eu tampouco.

—Está seguro?

—Seguro de que me aterroriza que mude de ideia ou


seguro de que quero tudo? Sim, meu amor, estou seguro.

—Não mudarei de ideia — Disse ela em voz baixa.

—Não posso te ouvir! — Gritou ele. —Não posso te ouvir


porque se empenha em ficar sob a chuva!

Ela subiu correndo ao alpendre e se jogou em seus braços.


Ele a levantou do chão e a beijou na boca com voracidade. Ela
deixou escapar uma lágrima de alívio.

—Sou o suficiente? — Perguntou ela.

—Mais do que suficiente, sempre foi. Te quero com toda a


minha alma. Nunca quis que partisse. Não sei se isto é justo
para você...
545
—Façamos um trato. Eu decido o que é justo para mim e
você decide o que é justo para você. Vamos deixar de decidir
um pelo outro. A ideia é avançar juntos. É um pouco mandão.

—Tenho muitas falhas.

—Só quero que me ame o suficiente para viver comigo.


Não tem que prometer isso amanhã, mas tem que nos dar essa
oportunidade.

—Pode ser amanhã. Pode ser esta noite. Te perder quase


me mata.

—Meu Deus... Pode me amar para sempre? — Perguntou


ela com um suspiro.

—Certamente, mais ainda. Acredito que não tenho


escolha. Poderá aguentar?

—Me ponha a prova.

Fim

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

ROBYN CARR
Robyn Carr quis ser enfermeira e estudou em uma escola

546
superior para isso. Entretanto, como esposa das Forças Aéreas
se encontrou viajando de base em base. Durante suas gravidez,
quando teve que fazer repouso, afeiçoou­se à leitura e mais
tarde começou a escrever novelas. Seu primeiro escrito
permanece segundo ela «enterrado e nunca verá a luz». Foi em
uma conferência da RWA onde uma escritora lhe animou a
seguir escrevendo, pois via talento nela. Seu primeiro
manuscrito foi vendido ao Little, Brown and CO. Dois anos
depois e publicado com o título de Chelynne.

Passou quase vinte escrevendo novelas românticas,


históricas e contemporâneas. Depois escreveu novelas de
incerteza, livros de não­ficção e algum guia não publicado.

Foi em uma oficina da Universidade de San Diego, onde


pensou em escrever sobre mulheres reais, com verdadeiro
humor («rir através de um livro, mas não um livro que seja uma
paródia»), e com histórias reais. Nasceu assim a série Virgin
River: uma pequena população do Norte de Califórnia com
fuzileiros aposentados que amam suas mulheres, e são
inspiração para aqueles que acreditam nas relações positivas. A
série foi coroada com prêmios e se criou uma comunidade de
fãs, com um bar de Jack virtual.

Enquanto isso, ela e seu marido têm seu lar em Las


Vegas, realiza entrevistas a autores famosos para seu “Chat
Carr” e realiza frequentes viagens a Humboldt em Califórnia,
onde a série Virgin River está ambientada.

547
***

© 2009 Robyn Carr.

Título original: Temptation Ridge

Publicada originalmente por Olhe Books, março 2009

Traduzido pela Ana Curva do Andrés

© Harlequin Iberica, outubro 2010

Coleção Olhe N° 259

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