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Amor

Por Acaso

MÍDDIAN ♥ MEIRELES
1ª Edição
2016
Copyright © 2016 MÍDDIAN MEIRELES

Todos os direitos reservados à Editora Nix. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios
existentes sem autorização da Editora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n° 9.610/98, punido pelo artigo

184 do Código Penal.

Equipe Editorial:

Capa & Diagramação Digital: Míddian Meireles

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Essa obra foi escrita e revisada de acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa. O autor e o revisor entendem que a
obra deve estar na norma culta, mas o estilo de escrita coloquial foi mantido para aproximar o leitor dos tempos atuais.
Agradecimentos
Todos os dias vemos acontecimentos tristes na televisão, jornais, ou até mesmo próximo a gente.

Só que às vezes as situações tristes podem ser apenas o começo de tudo. E foi justamente isso
que eu quis trazer nesse livro para vocês.

A minha família sempre. Meus amores. Os melhores. Sempre. Amo mais do que tudo! <3

Nessa estrada da vida, que às vezes parece tão deserta de verdadeiros amigos e também
tão solitárias. A convivência me fez acreditar que o amor ainda existe, e pessoas maravilhosas
podem mudar toda sua vida em questão de segundos.

Aos meus dramáticos, Marta, Rita, Tati e Maik, pela dose diária de drama recomendada. E
pela amizade, risada e companheirismo sem igual

As minhas Betas, Thu e Taci, que foram as primeiras pessoas a me apoiarem, não apenas nesse
livro que ganhou personagens com seus nomes, mas também em todos os outros. As minhas outras
duas betas lindas e tão importantes quanto, Thais e Kami, minhas outras metades “betalísticas”, que
me apoiam e me xingam quando preciso.

À Carlie Ferrer, minha BFF, diva, sócia, quando crescer, quero ser igual a você. A Maria Rosa,
amiga e sócia pelo companheirismo. Obrigada a vocês pela amizade e por dividirem comigo esse
sonho que é a Nix. Já começamos a colher os frutos desse sonho e em breve poderemos dizer:
Conseguimos!

As estrelinhas da Nix, por nos ajudar a renovar nossos esforços, nos dar orgulho e motivos
para lutar.

As amigas da Panela de Pressão, diariamente comigo.

As minhas Princesas de sempre. Minhas leitoras queridas. A todos.

Cada passo, cada obstáculo, cada barreira ultrapassada, cada vitória vencida, devo a vocês.
Obrigada por estarem sempre comigo e lutarem para que eu possa seguir em frente.

Amo vocês!

Beijos,
Amor

Agradecimentos

Sinopse

Prólogo

Um

Dois

Três

Desconhecido

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Epílogo

Sobre a Autora
Sinopse
Pode uma vida milimetricamente programada, mudar por causa de um pequeno detalhe?

Pode uma pessoa que não buscava nada mais do que satisfação pessoal, mudar por causa de uma troca?

Alice é uma mulher linda e determinada, que dividia seu tempo com o trabalho e os preparativos do seu casamento com seu
melhor amigo. Ela viu sua vida mudar da água para o vinho, quando se deparou com uma situação que ela nunca poderia prever.

André é um médico pediatra, que divide sua vida entre o hospital e a curtição. Até que um dia ao substituir seu melhor amigo em
um plantão, atende uma emergência de uma bebê recém nascida que muda sua vida completamente.

Um Acaso. Um encontro. Uma nova paixão. E uma única certeza: Um pequeno ato de Amor pode mudar tudo.
“Não sei se o acaso quis brincar
Ou foi a vida que escolheu
Por ironia fez cruzar
O seu caminho com o meu...”

Acaso – Ivan Lins


Prólogo
Sexta-feira era sem sombra de dúvidas o dia mais almejado da semana para as pessoas
normais. Era aquele dia em que depois de desejar a semana toda que chagasse logo, se passava
cada hora do dia em questão contado os segundos para que pudesse dar por encerrado o
expediente e acabar definitivamente a semana, encontrar os amigos, tomar um chope geladinho e
ai sim dar oficialmente a semana por encerrada. Mas bem, não para mim, porque pelo visto
oficialmente eu também não era uma pessoa normal.

Como toda semana acontecia, meus colegas de escritório haviam saído pontualmente às 17h,
ávidos e ansiosos para esse programa que para era tão clichê que eu não via graça em perder
meu tempo fazendo. Ao contrário deles, eu estava ainda em minha sala, revisando processos e
mais processos, tentando adiantar os inúmeros casos que trabalharei nos próximos meses.

Suspiro cansada, quando termino as anotações que fiz no caso de um cliente, que estava
entrando com um processo contra uma mineradora, que como se não bastasse ter invadido as
terras que não lhe pertenciam, ainda poluíram um olho d’agua, que privou o abastecimento de
água potável que ele fornecia gratuitamente para mais de vinte famílias que dependiam dela
para sobreviver.

Eu não era uma especialista em direito ambiental, na verdade minha área era direito
empresarial, mas esse caso em especial havia sido um pedido da minha melhor amiga, Thuany,
para que eu pudesse representar o pai do seu ex-namorado, pois apesar de também ser
advogada, queria evitar brigas com Marcos, seu marido, agora que estavam recém-casados.
Marcos não fazia o tipo ciumento, era super tranquilo e confiava nas esposa de olhos fechados,
porém esse seu ex-namorado era como um limite rígido para ele, apesar dele ter sido seu
namorado ainda na adolescência.

Como eu não podia negar esse favor a minha melhor amiga, acabei pegando o caso e ao
contrario dela, que certamente estava agora em seu terceiro copo de chope, para depois ter uma
noite quente com o marido, eu estava aqui ainda trabalhando e estudando o que poderíamos
fazer com esse processo. Mas ao contrário do que possa parecer, eu não estava com inveja. Eu
amava minha profissão. Trabalhei e estudei arduamente para me formar. Também suei bastante
juntamente com meus amigos para tornar nosso escritório de advocacia um dos maiores e melhores
escritórios jurídicos do estado. E tudo isso em menos de dez anos de funcionamento.
Apesar disso, confesso que essa noite eu daria tudo por uma taça de vinho e uma massagem
deliciosa nos pés, feita obviamente pelo meu delicioso namorido. Talvez se eu não demorasse tanto
aqui poderia fazer exatamente isso, com exceção da parte que envolvia meu namorado, Caio, que
eu certamente não poderia contar, pois fazia mais ou menos uma hora que ele havia passado na
minha sala para se despedir, pois estava fazendo mais uma viagem a trabalho. Dessa vez seu
destino era Recife, local para onde nosso escritório estava abrindo uma nova filial e ficaria por lá
durante toda a semana.

Limpei meus óculos de grau pela vigésima vez desde os últimos quinze minutos, apenas para
constatar o que eu já sabia: eu não estava conseguindo me concentrar. Minha cabeça já estava
começando a doer. Minha vista a pesar. Minha fome a me incomodar. Era o cansaço de uma longa
semana de trabalho cobrando seu preço. E quando isso acontecia, eu sabia que não adiantava
forçar, pois eu simplesmente não conseguia produzir. Só me restava ir para casa, aprontar uma
massa e beber um vinho para acompanhar, ouvindo uma boa música, antes de finalmente deitar-me
a minha cama.

Amanhã recomeçaria minha rotina diária, iria para minha ioga, como fazia três vezes na
semana, salão, para depois voltar para casa e organizar minhas coisas, minha agenda da semana,
ainda que seja sábado.

Finalmente dei-me por vencida e me levantei da minha confortável cadeira. Fui em direção ao
banheiro, mas quando estava prestes a abrir a porta, lembrei-me que não poderia utilizá-lo, pois
estava sendo realizada uma nova reforma nele. Isso era coisa de Caio, ele era categórico em
exigir que nosso escritório passasse por reformas de tempos em tempos, porque dizia que o
ambiente era nosso cartão de visitas e por esse motivo as reformas por aqui aconteciam pelo
menos uma vez ao ano. Eu insistia em dizer a ele que era um exagero, mas quando o Sr. Ferrer,
meu noivo, dizia alguma coisa nenhum de nós sócios costumava se opor, até porque hoje ele era o
sócio majoritário.

Como eu teria de usar o banheiro dos estagiários, porque Caio costumava deixar a porta do
seu escritório trancada quando saía, aproveitei para pegar logo minha bolsa porque logo depois
iria embora. Como era de se esperar a essa hora da noite, os corredores do escritório estavam
desertos. Andando em direção ao banheiro, passei em frente à porta que um dia pertenceu a
Rebeca, mas há pouco mais de quatro meses estava fechada, pois ela vendeu sua parte na
sociedade para Caio e eu não a tinha visto desde então. Até hoje à tarde.

Caio e eu começamos a namorar desde o primeiro ano do ensino médio. Ao contrário dos
relacionamentos dessa época da adolescência que se desgastam ao entrar na faculdade, com a
gente não aconteceu, ao contrário dos nossos colegas. Por sorte optamos pelo mesmo curso e
mesmo após mais de dez anos juntos, as coisas entre nós podem ter mudado muito, nos damos muito
bem. Já moramos juntos há dois anos, somos noivos há cinco e com foi ao lado dele que passei
pelas minhas maiores conquistas e perdas. Ele sempre esteve comigo para me apoiar.

Na faculdade fizemos grandes amigos, que hoje fazem parte da sociedade do nosso
escritório. O que era o caso de Rebeca, antes dela simplesmente sair, dizendo que iria embora
para França. Sem mais ela partiu.

Foi uma surpresa para vê-la hoje. E quando a encontrei, ela parecia nervosa e curiosa,
perguntei quando ela havia voltado de Paris e ela me pareceu sem jeito. Rebeca disse que
precisava conversar comigo, mas Caio acabou chegando e ela certamente ficou constrangida de
falar o que fosse em sua presença.

Antes que ela pedisse seu desligamento, houveram boatos pelo escritório de que ela estava
tendo um caso com um homem casado. Sei que às vezes as pessoas falam demais, especialmente
quando se trata de um ambiente de trabalho, mas ainda assim Thu e eu decidimos perguntar a ela
e Rebeca acabou negando.

Quando chegasse em casa vou lhe telefonar. Já que ela está de volta para cidade, talvez a
gente possa marcar uma noite de queijos e vinhos amanhã, como estávamos costumadas a fazer. E
com suas amigas, com certeza ela se sentirá mais a vontade para se abrir.

Entro no banheiro e lavo o rosto na pia, tentando de alguma maneira aliviar meu cansaço.
Estava prestes a passar batom nos lábios para dar uma corzinha aos mesmos, quando algo no
reflexo do espelho atrás de mim me chamou a atenção.

Antes mesmo que eu me desse conta do que estava fazendo, segui até a última porta e a abri.
A primeira coisa que vi foi o líquido vermelho manchando todo o chão e foi impossível que não
tivesse certeza de que aquilo ali era sangue. Mas o que vi no canto, simplesmente me chocou.

― Oh meu Deus! ― levei a mão à boca sem conseguir acreditar.


Um
André

Eu estava destruído!

Eu deveria saber que não seria uma boa ideia sair direto do plantão para uma noitada. Mas
na hora me pareceu uma ótima ideia encerrar a noite com alguns chopes e uma mulher em minha
cama, para então depois descansar. O que foi o que realmente aconteceu.

Só que o que eu não esperava era que a noite se estenderia até a manhã e que no exato
momento que tomasse banho e me preparasse para finalmente dormir depois de uma noite em
claro, fosse intimado para cobrir o plantão do meu melhor amigo.

Aos olhos de qualquer pessoa eu poderia negar. Porém eu não poderia negar nada para
Bruno, que estava além de ser meu melhor amigo, ele era o irmão que eu não tive e como se já
não bastasse isso, o calhorda também estava internado, tomando glicose no hospital onde ele quem
deveria estar tomando conta dos pacientes e não ao contrário. Será que ele exagerou na noitada?
Imagina.

Precisei tomar quase uma garrafa inteira de café para conseguir me manter acordado
durante as primeiras horas de atendimento. Sorte que sou bastante atencioso e cuidadoso com
meus atendimentos e não tive problema algum com os pacientes, que com certeza tiveram o mesmo
atendimento cuidadoso da minha parte.

Na hora do almoço, pulei a refeição e comi apenas um sanduíche, antes de dar uma pausa e
finalmente ter a chance de tirar um cochilo. Acordei dele revigorado. Meu organismo costumava
precisar de poucas horas de sono para poder se recompor, acho que meu relógio biológico já
trabalhava em ritmo de médico.

A tarde passou rapidamente. Entre um atendimento e outro, o tempo pareceu realmente voar.
Acho que quando a gente trabalha fazendo o que gosta, não tem cansaço e nem tempo ruim,
porque realmente trabalhamos com prazer. Entregamos-nos de fato ao que fazemos. Eu amava ser
pediatra por isso. Amava cuidar das crianças. Cuidar dos pequenos e poder ter a chance de vê-
los melhores, para mim era a melhor coisa que existia. Para mim não existia nada mais prazeroso
do que isso e por isso me doava tanto aos meus pacientes.

Como de costume, toda vez que estou perto de terminar um turno, passo para dar uma olhada
em todos os meus pacientes internados para ver como estavam reagindo ao tratamento prescrito.
Eu trabalhava nesse hospital desde a época em que fazia residência em pediatria. E como se
tratava de um hospital particular, eu tinha uma autonomia um pouco maior para exercer meu
trabalho.

Passei em cada quarto, leito de enfermaria e passei todas as recomendações necessárias para
cada enfermeira chefe que estava de plantão em cada ala. Cheguei a trocar algumas palavras
com colegas e me despedi de alguns pacientes.

Estava terminando de preencher uma alta médica para um menino de seis anos, que havia
dado entrada na emergência com crise asmática e depois da nebulização e do broncodilatador
ministrado, estava pronto para ser liberado. Apesar de estar dando sua alta, tinha inclusive
conversado com sua mãe para que ela procurasse um pneumologista pediátrico, para que ele
fizesse um tratamento de asma para que suas crises não sejam frequentes. Foi quando senti um
toque suave em meu ombro e me senti paralisar.

― Que não seja quem estou pensando... Que não seja quem estou pensando... ― murmurei
baixinho, como se fosse um mantra.

― O que você disse? ― perguntou a voz de taquara rachada atrás de mim e eu estremeci.

Droga! Dessa vez eu não tive tanta sorte!

― Nada. ― respondi, me virando e dando de cara com uma morena escultural que eu
conhecia muito bem. ― Como vai, Milena? ― perguntei, tentando dar meu melhor sorriso simpático.

Sim. Esperava que eu conseguisse!

― Tudo bem. Só chateada porque você sumiu e nunca mais atendeu minhas ligações. ―
ronronou, passando suas unhas vermelhas em meu antebraço, em uma tentativa patética de me
seduzir. E a única coisa que fez comigo foi tentar conter o desejo de revirar os olhos por isso.

Milena era uma mulher bonita, gostosa para caralho, mas era apenas isso. O que tinha de
bonita e gostosa, tinha de mimada, chata e irritante na mesma intensidade. Pena que uma parte
especifica da minha anatomia demorou a perceber isso, pois acabamos namorando por cerca de
um mês.

Esse um mês de namoro foi definitivamente meu recorde pessoal. Na época que namoramos,
fazíamos faculdade de medicina na mesma instituição e talvez tenha sido exatamente por isso que
tenhamos demorado tanto tempo juntos, pois eu realmente não tinha muito tempo para ela.
Isso foi há cinco anos. Só que apesar de ter se passado tanto tempo do nosso término, Milena
não parece disposta a me deixar esquecer desse meu erro em envolver-me com ela e está sempre
me marcando, me ligando, tentando vencer-me pelo cansaço acho eu.

Confesso que em parte a culpa disso é minha, não apenas porque me envolvi com ela quando
ainda era jovem e tolo, mas porque vez ou outra acabei cedendo suas investidas e fui para cama
com ela.

Julguem meu pau por isso!

Só que mais uma vez tentei deixar ela no passado e desde que ela veio trabalhar aqui no
hospital, o que eu tenho certeza não ter sido coincidência, visto que existem milhares de hospitais
em nossa cidade, tenho evitado-a deliberadamente e tenho levado a melhor. Uso para mim mesmo
a desculpa de que não posso me envolver com o pessoal do trabalho.

Sim. Eu tenho vencido! Parabéns para mim!

― Desculpe, Milena. Mas você sabe bem como é a vida corrida de médico. ― tentei soar
educado, virando novamente para terminar de preencher a ficha do meu paciente, torcendo para
que ela se tocasse.

Mas eu definitivamente não tinha tanta sorte assim.

― Termino meu plantão às seis da manhã. O que você acha de sairmos amanhã para
almoçarmos e depois darmos uma “esticadinha”. ― indagou, encostando-se ao meu lado do
balcão.

Sim. Ela não desiste!

Não precisava ser um gênio para sacar que “esticadinha” era código para sexo. Se ela não
fosse ela, eu até toparia. Mas se tratando dela eu definitivamente não estava interessado. Por isso
dessa vez não consegui me controlar e me vi revirando os olhos diante sua proposta, o que fez
com que a enfermeira que estava em minha frente risse baixinho.

― Infelizmente não vai dar, Milena. Estou aqui cobrindo o plantão do Bruno, sendo que o meu
havia terminado um pouco antes de vir cobrir o dele. Então antes de começar a atender no
consultório amanhã depois do almoço, pretendo aproveitar cada segundo de sono perdido. Fica
para próxima.

Senti que Milena iria retrucar e eu sabia que dessa vez eu não seria tão sutil com meu fora,
porém a enfermeira chefe me chamou e eu não iria ficar mais um segundo ali. Não dei mais a
chance que ela dissesse nada, me despedi rapidamente, antes de ir até a enfermeira, que parecia
alarmada.

― Está tudo bem, Rute? ― perguntei preocupado, para a senhora que era uma ótima
profissional e com quem aprendi tanto desde que comecei a trabalhar ali.

― Dr. André, me desculpe. Sei que o senhor já estava de saída e imagino o quanto não deve
estar cansado depois de ter dobrado seu plantão, mas é que acabaram de ligar avisando que tem
uma ambulância vindo para cá. É uma emergência. Precisamos da sua ajuda.

Por mais exausto que eu estivesse, jamais negaria ajuda a alguém. Era meu dever. Eu havia
feito um juramento. Havia jurado honrar minha profissão. Eu não sabia ainda, mas naquele
momento minha vida estava prestes a mudar.
Dois
Alice

Eu já estava a não sei quanto tempo sentada nesse banco, vendo as pessoas passarem por
mim, indo e vindo de um lado ao outro, mas eu simplesmente não conseguia reagir. Aquele clima e
ambiente hospitalar que eu tanto odiava, parecia querer me consumir. Estar ali me trazia tantas
lembranças ruins, me fazendo sentir aquela sensação opressora que eu tanto tentava evitar no meu
dia a dia.

Eu odiava hospitais. Odiava quando criança, pois ainda que tivéssemos ido até um hospital
para o nascimento do meu irmão, acabou que esse dia de alegria se tornou um dia de pesadelo.
Eu tinha sete anos na época. E como se não bastasse ter perdido meu irmão, também perdi a minha
mãe, por causa de uma complicação durante o parto. Desde aquele dia meu pai foi muito mais do
que meu pai e minha mãe, ele se tornou tudo que eu tinha.

Mas essa não era minha única lembrança triste de um hospital, pois quando eu já era adulta,
perdi meu pai, o amor da minha vida, meu melhor amigo, companheiro, para um acidente vascular
cerebral há pouco mais de seis meses. E sem ele nunca mais consegui sentir-me completa.

Só que por mais que eu odiasse e que fosse difícil estar aqui, que eu soubesse que havia feito
a minha parte e tudo que eu podia, ainda assim me vi incapaz de sair de onde estava sentada e ir
embora desse hospital, antes que eu tivesse qualquer notícia. Eu simplesmente não conseguia ir.
Algo me prendeu e eu não sabia explicar o que.

Um pouco depois que cheguei, os policiais vieram até mim e eu dei meu depoimento sobre o
acontecido. Por mais nervosa que estivesse, por mais agonizante que fosse essa situação, eu sabia
que era o procedimento padrão. Afinal, fui eu quem o encontrou ali. Por isso deixei meu lado
advogada responder todas as perguntas que me fizeram durante enquanto depus.

Jamais esqueceria aquela cena. Depois do local ensanguentado, a primeira coisa que vi foi o
pezinho e ao dar-me conta de que na verdade se tratava de um bebê eu praticamente entrei em
choque. Felizmente consegui recobrar minha consciência e consegui chamar por socorro. A
ambulância não demorou a chegar e em poucos minutos chegamos ao hospital mais próximo.

Não pensei muito antes de vir. Eu não podia ir para minha casa e fingir que nada disso
aconteceu. Não podia simplesmente seguir com a minha vida sem ter certeza que estava tudo bem
com aquele bebê. Não. Eu não podia deixar de estar ali naquele momento. Era mais forte do que
eu.

Eu estava com tanto medo. Não sabia explicar. Eu costumava planejar cada passo que eu
dava e apesar de não estar em meus planos para os próximos quatro anos ao menos, sempre
adorei crianças e era apaixonada pela pureza e alegria que nos transmitiam. E na hora em que vi
aquele bebê tão pequeno e inocente jogado como se não fosse nada naquele chão frio do
banheiro, algo em mim em mim se rendeu aquele serzinho.

Uma parte minha inevitavelmente recordou-se de Antônio, meu irmãozinho que eu nem ao
menos tive a chance de ver seu rosto, que eu nunca tive a chance de conhecer. E essa pobre
criança havia sido abandonada daquela maneira tão cruel, transformando sua chance de vida a
nula e desde aquele momento me vi incapaz de me afastar.

Desde então foi impossível não me perguntar em como uma pessoa poderia ser tão louca e
fria a ponto de abandonar uma criança recém-nascida no banheiro. Estava além de
irresponsabilidade, era uma monstruosidade. Quem quer que tenha abandonado aquele bebê
merecia ser punido. Merecia pagar por tamanha barbaridade. Merecia sofrer.

Cumprir pena por abandono de incapaz e tentativa de homicídio qualificado era pouco para
esse monstro. Eu costumava ser bastante racional, principalmente conhecendo tão bem as leis do
nosso país como eu conhecia, porém agora me via desejando que o Brasil não fosse o país da
impunidade, onde sempre tem uma brechinha em favor ao julgado.

Com monstruosidades desse tipo, eu gostaria que o sistema judiciário fosse algo mais parecido
com o Código de Hamurabi. Do tipo lei de talião, “olho por olho, dente por dente”. Ou que os
direitos humanos não se enquadrassem em pessoas tão cruéis assim. Mas ainda que na maioria das
vezes nosso sistema seja falho, me encarregarei pessoalmente de fazê-la pagar por isso.

Apesar da fome de antes, não consegui comer nada com o embrulho no estomago que me
encontrava. Agora já estava no terceiro copo de café, esperando por notícias, quando uma porta
de onde eu sabia ser localizada a UTI Neonatal se abriu.

Santa mãe de Deus! Perdoe-me por pensar nisso diante essa situação!

Pensamentos definitivamente impróprios surgiram em minha mente e eu demorei alguns


segundos para finalmente voltar a mim, pois de lá saiu um homem muito, mas muito bonito. Na
verdade, ele era além de lindo, mas também gostoso para cacete.
Sim. Eu era comprometida, mas também não era cega!

O rapaz vestia roupas claras sob um jaleco branco e com sua postura dominante não tive
duvidas de que ele era médico. Ele era alto, com porte extremamente másculo, pele clara,
levemente bronzeada. Seus cabelos eram claros, cortados bem baixinhos, o que evidenciava seu
rosto másculo e bem desenhado. Mesmo de longe foi impossível não notar os olhos, que eram de
um azul claríssimo.

Sacudi a cabeça, tentando recobrar o juízo que eu costumava me orgulhar em ter, pois desde
nova não costumava me impressionar por um homem bonito. Mas eu definitivamente deveria estar
muito nervosa e muito cansada para estar praticamente babando por esse desconhecido.
Principalmente quando eu tinha um noivo muito bonito que não deixava nada a desejar.

Achei que era hora de tomar uma atitude e quando dei por mim caminhava em direção ao
balcão de informações da enfermaria, porque eu definitivamente precisava de notícias. Precisava
descansar. Estava precisando desesperadamente de um descanso depois de uma semana cansativa
e um dia ainda mais exaustivo.

― Por favor, eu preciso de informações sobre o bebê que chegou na ambulância. ― pedi de
uma só vez e a enfermeira me olhou, antes de perguntar:

― Como é o nome da criança?

― Er... Er... Eu não sei, ela é recém-nascida.

― Qual seu grau de parentesco com ela? ― perguntou desconfiada e eu engoli em seco.

― Nenhum... Eu... Eu...

― Senhora, me desculpe, mas infelizmente não podemos passar informações sobre o estado
de saúde dos pacientes para pessoas que não sejam da família.

Eu iria retrucar, porém uma voz grossa interrompeu:

― Algum problema, Ellen?

Senhor? Que vez orgástica é essa?

Eu não precisava ser muito esperta para saber que o dono daquela voz era o médico
tentação que eu havia babado agora a pouco.

― Não, Dr. Apenas essa senhora, que queria informação sobre um paciente.
― Posso ajuda-la? ― ele perguntou, olhando diretamente para mim.

Achei que ele poderia ser de alguma ajuda, mas nada me preparou para quando eu
finalmente o vi de perto. Como se fosse possível, ele conseguia ser ainda mais bonito olhando
diretamente para mim. Seu rosto era tão bem desenhado, que parecia ter sido feito a pincel. Seu
maxilar era quadrado, lhe dando um ar mais másculo, fazendo com que ele parecesse um lindo
menino mau. Tudo isso em conjunto com seus olhos intensamente azuis, era de acabar com o juízo de
qualquer um. E confesso, essa obra perfeita fez coisas estranhas comigo com apenas um olhar.

Acorda, Alice! Ele está esperando uma resposta!

― Eu... Er... E-eu...

Droga! O que deu em mim? Como assim estou gaguejando? Logo eu que era ótima em meus
discursos? Jesus!

― Sou o Dr. André. ― ele estendeu sua mão para me cumprimentar e antes que fizesse um
papel ainda pior, tratei de reagir e aceitei o aperto de mão, mas tratei de puxá-la rapidamente.

― Desculpe pela bagunça. Mas eu estou um tanto quanto nervosa. Meu nome é Alice. Estou em
busca de notícias do bebê recém-nascido que foi encontrado mais cedo.

― Você por um acaso tem algum parentesco com ela? ― perguntou curioso.

Ela? Era uma menina?

― Não, na verdade fui eu quem a encontrei no banheiro do escritório da minha empresa. ―


falei rapidamente, com medo de mais uma recusa.

― Ah! Foi você? ― ele perguntou olhando-me, seus olhos subindo e descendo pelo meu corpo,
sem pudor algum. ― Bom, já que é assim tudo bem. Fui eu quem atendeu a pequena. Eu terminei
meu plantão, já estava de saída, mas se você me acompanhar até meu consultório, posso passar as
informações para você, Salvadora.

Eu queria ficar irritada. Juro que queria, mas isso não aconteceu. Primeiro a sua olhada
descarada e agora ele estava me chamando de Salvadora? Pois bem, era estranho para que eu
deixasse uma dessas passar. Não era do meu feitio aceitar esse tipo de coisa. Eu deveria estar
realmente muito cansada e preocupada, porque não era do meu feitio deixar uma coisa dessas
passar. Eu era muito feminista para meu próprio bem.

― Ana, aqui está o prontuário da Valentina. Qualquer coisa que acontecer com a pequena, já
sabe, não hesite em me ligar. De qualquer forma, amanhã antes mesmo de atender na clínica, darei
uma passadinha aqui para ver como ela está reagindo. ― ele disse, olhando para enfermeira.

― Sim, Dr. Pode deixar que qualquer coisa avisaremos. Agora o Doutor, por favor, trate de ir
para casa descansar, pois se um já não é fácil, imagine dois plantões. Não é mole não. ― ela disse
em tom de falsa repreenda e ele sorriu, antes de deixar um beijo em sua testa.

― Pode deixar. ― se virou para mim. ― Pode me acompanhar, Alice? ― ele me chamou com
um sorriso de molhar calcinha.

Minha Nossa! Que sorriso era esse? Ele não podia sorrir assim!

Não pude fazer mais nada além de assentir, porque estava morrendo de medo de abrir a
boca e dela sair alguma besteira, tamanha descompostura estava apresentando desde que o vi.
Voltei até a cadeira onde estava sentada e havia deixado minha bolsa, peguei-a e ajeitei minha
saia peplum, sentindo uma necessidade estranha de parecer bem.

Respirei fundo e encontrei com ele no meio do caminho, que assim que cheguei deu espaço
para que eu fosse a sua frente. Enquanto andava na direção que ele havia indicado, pude sentir
seu olhar sob meu corpo, mais precisamente em minha bunda coberta pela saia comportada, mas
estranhamente isso também não me incomodou.

Sério. Onde estava a feminista que existia em mim mesmo?

Quando finalmente chegamos em seu consultório, ele me ofereceu a cadeira em frente a sua
mesa para que sentasse e segui para o outro lado da mesa onde fez o mesmo. E quando o fez,
me olhou, realmente me olhou. O lindo médico em minha frente me olhou de uma forma tão
profunda que eu me senti desnuda. Era como se ele estivesse olhando para dentro de mim e isso
me deixou insegura. Coisa que eu definitivamente não era.

Droga! Ele também não deveria me olhar e me intimidar assim!

― Então, Alice. Sobre a pequena Valentina...

― Valentina? ― o interrompi e ele sorriu.

― Sim. Eu juntamente com os profissionais responsáveis pelo seu atendimento, começamos a


chama-la assim, porque definitivamente o que ela tem de pequena, também tem de valente. ―
explicou com um sorriso que eu tive de retribuir, sentindo um enorme alivio e alegria por saber que
ela estava realmente lutando pela sua vida.
― Então ela está realmente bem? ― perguntei, temerosa.

― Dentro das limitações dela, sim, ela está. ― respondeu e antes que eu pudesse lhe
perguntar o que ele queria dizer com isso, ele continuou: ― Quando ela chegou aqui no hospital
foi atendida imediatamente e encaminhada para um leito de UTI para os devidos procedimentos.
Ela era obviamente prematura, estava com aproximadamente sete meses de gestação ou até
menos. E como eu disse, a Valentina apresenta nesse momento um quadro de saúde estável, apesar
de ter dado entrada no hospital com hipotermia e esteja respirando com ajuda de aparelhos.

Oh meu Deus!

― Mas então o quadro dela é realmente grave? ― engoli o bolo em minha garganta quando
perguntei.

― Sim, Alice. Infelizmente sim, é bem grave. A pequena só realmente sobreviveu, pois depois
do parto a placenta ficou presa a ela por meio do cordão umbilical. Ele não foi cortado e foi isso
que possibilitou a passagem e sangue para ela até terem prestado os primeiros socorros.

― Meu Deus! Isso é tão...

― Absurdo né? Eu sei. ― ele disse e segurou minha mão, fazendo com que um choque elétrico
do seu toque espalhasse por todo meu corpo, provavelmente ocasionado pela surpresa do seu ato.

Ai Jesus! Aqui estava ficando quente ou é impressão minha?

― Enquanto eu realizava os procedimentos necessários para lhe prestar o devido atendimento,


foi impossível que eu não amaldiçoasse a “feitora”, porque para mim é um absurdo chama-la de
mãe, por ter feito o que fez. ― terminou de falar, ainda segurando a minha mão.

― Durante esse tempo em que estivesse esperando por notícias também estivesse me
perguntando como um ser humano é capaz de tamanha crueldade. ― falei com pesar.

― É porque obviamente se trata de uma pessoa sem coração. ― concordei e achei que
precisava soltar sua mão, pois já havia ficado tempo demais permitindo seu toque. E quando o fiz,
ele pigarreou, antes de continuar: ― Infelizmente vemos muitos absurdos nesses dias de hoje.

― Apenas não entendo. ― confessei.

― Sei que não. ― ele sorriu para mim. ― Desculpe perguntar, Alice. Sei que você a encontrou
e de certa forma tem se preocupado desde então. Tanto que está aqui até agora esperando por
notícias suas. Você gostaria de vê-la por um minuto? ― ele perguntou e eu fiquei surpresa.
― Sim. Eu adoraria. ― respondi, sorrindo.

***

Cumpri todos os procedimentos necessários, vesti as roupas adequadas para que pudesse
entrar na UTI Neonatal e com o coração quase na boca não demorou para que eu chegasse em
frente a sua incubadora.

Senti uma emoção sem igual quando a vi ali. Valentina era tão pequena. Parecia uma
bonequinha de tão delicada que ela era. Foi impossível conter a emoção que senti olhando para
ela.

― Ela é linda não é? ― André perguntou ao meu lado e eu sorri, ainda tentando controlar o
bombardeio que sentia diante a pequena.

― Muito. Mas é tão pequena. ― não reconheci minha própria voz ao responder.

― Ela chegou aqui pesando apenas 900g. ― ele disse. ― Mas acredito que em breve ela
ganhará mais peso. ― sorriu, olhando para ela.

Há anos eu me sentia sozinha, mesmo que estivesse rodeada de outras pessoas. Assim como
eu, Valentina também não tinha ninguém. Só que ao contrário de mim que tive uma chance, ela
ainda tão pequena havia sido abandonada à própria sorte. Ela não tinha uma família. Ou até
mesmo uma mãe. Ou um pai. Se tivesse ela certamente não estaria aqui. Só que a partir de agora
seria diferente.

Mais uma vez algo dentro de mim se modificou e ainda que fosse cedo para se dizer
qualquer coisa, olhando para ela eu prometi que a partir desse momento ela teria a mim.
Três
André

Acordei com o barulho do despertador tocando. O meu desejo era ignora-lo e continuar com
meu doce sonho, só que por mais que a minha vontade de continuar ali sonhando com aquela bela
ruiva dos olhos verdes, o dever me chamava.

Fiz minha higiene matinal e após um café da manhã reforçado, segui direto para academia do
meu prédio, onde passei a próxima hora me exercitando, mas ainda assim não conseguindo deixar
de me lembrar daquela linda.

Ainda podia me lembrar de cada detalhe sobre ela. Sua pele era branca e suave. Eu já
estava prestes a ir embora, mas quando a vi foi impossível me controlar. Minha vontade era de ir
até ela e aproveitei que ela foi até o balcão, seguindo até o seu lado. Seu perfume era suave e
tentei me conter enquanto ela parecia tão abalada quanto eu com esse encontro.

Estava prestes a abrir minha boca para lhe perguntar de novo, mas as palavras morreram em
algum lugar entre meu cérebro e minha boca quando realmente a olhei. Pisquei, porque como um
idiota total, mas eu simplesmente não podia evitar me sentir mexido com o que eu estava vendo.

Linda era uma palavra fraca para descrevê-la. Seus olhos eram grandes e verdes. Leves
sardas pontilhavam a pequena ponte de seu nariz e suas bochechas estavam bem definidas. Seus
lábios tinham uma cor de morango. Era exatamente o tipo de boca que faziam os homens
enlouquecerem. E eu poderia dizer a mesma coisa do seu corpo, apesar das suas roupas
comportadas.

Compartilhamos de um momento sublime ao lado da pequena Valentina e na hora de nos


despedirmos, parecia que nenhum de nós queria fazê-lo. Era como se tivéssemos nos ligado de
alguma maneira e era exatamente assim que eu me sentia desde então.

Impossível esquecer seu olhar enquanto nos despedíamos, e, ainda que nós já tivéssemos dito
um “boa noite, até logo”, por um momento nenhum de nós se moveu. Um rubor se espalhou por todo
seu rosto, deixando a mulher decidida que ela parecia ser, ainda mais encantadora.

― Eu realmente preciso ir. ― ela sussurrou e eu sorri.

E mesmo sem querer, ela acabou indo embora, deixando-me sem esquecê-la.
Depois de mais um banho, preparei uma lasanha congelada e segui animado para o hospital.
Ainda não estava no horário do meu turno no consultório, mas eu estava mais do que ansioso para
ver com meus próprios olhos se a pequena estava bem mesmo, apesar de já ter ligado mais do
que três vezes para conferir isso. Era impossível não me sentir protetor com relação Valentina. Eu
apenas queria me certificar de que ela estava realmente bem. Queria ter certeza de que seu
quadro tinha se agravado ou não. Eu me conhecia, só sossegaria quando finalmente estivesse ao
seu lado e verificasse isso por mim mesmo.

Em todos esses anos de medicina, muita coisa mexeu comigo. Principalmente por me entregar
de corpo e alma ao que eu fazia. Mas o caso dessa pequena mexeu comigo não apenas pela
crueldade do ato, mas também porque apesar das barreiras que a vida colocou desde o momento
em que nasceu, ela parece lutar com todas as suas forças para continuar com seu coraçãozinho
batendo.

Eu sempre me dei ao máximo por todos os meus pacientes. Sempre me entreguei 100% para
ajuda-los. Ficava mais do que aliviado, ficava feliz por vê-los se recuperando. Mas confesso, que
no momento que prestamos os primeiros socorros e ela se estabilizou, o alivio que senti por vê-la
tecnicamente bem, ultrapassou qualquer um que senti outrora.

Admito, não apenas a pequena Valentina, mas também a Alice haviam despertado sentimentos
até então desconhecidos por mim. Por conta de um acaso elas haviam entrado em minha vida e eu
não sabia explicar o que era isso que sentia agora.

Sempre fui uma pessoa centrada e enquanto dirigia rumo ao hospital, tentei mais uma vez não
pensar sobre as duas, mas via que isso parecia cada vez mais difícil. Eram sentimentos diferentes,
mas ainda assim sentimentos que de alguma forma nos uniam.

Na pequena eu pensava sobre a minha necessidade de fazê-la melhorar. De vê-la bem. De


ter a chance de poder vê-la sorrindo em um futuro não tão distante.

Com a Alice era diferente. Uma necessidade de vê-la novamente, de estar ao seu lado. De
poder tê-la de uma forma que jamais quis ter alguém.

Era estranho, mas rapidamente as duas pareciam ter tomado algo de mim e eu apenas sentia
que não poderia me afastar nem se quisesse. E confesso, era estranho até para que eu pensasse
dessa maneira e admitir isso como verdade. Essa constatação de alguma forma me assustava, mas
também não era capaz de me fazer parar.

Nunca fui um cara medroso. Muito pelo contrário. Nunca tive medo de lutar pelo que queria.
Senão nem ao menos teria saído da pequena cidade do interior que havia nascido para vir tentar
a sorte na capital, para poder tentar a sorte de ingressar no tão concorrido curso de medicina da
faculdade federal. E o que é pior: sem um real no bolso. Apenas com a cara e com a coragem.
Então não, eu nunca fui uma pessoa que temia pelo desconhecido e não seria agora que isso
mudaria.

Quando finalmente cheguei ao hospital, estacionei meu carro em minha vaga cativa e segui
caminhando pelo estacionamento, antes de cumprimentar o segurança que fazia a ronda dali. Meu
telefone começou a tocar, peguei o aparelho do meu bolso e sorri ao ver o nome da minha irmã
piscando na tela.

― Boa tarde para irmã mais linda que eu tenho. ― atendi sorridente e pude ouvir seu riso do
outro lado da linha.

― Isso porque sou a única, idiota. ― respondeu ainda rindo.

― Mas não quer dizer que isso deixa de ser verdade. ― reiterei, porque para mim minha
irmã era ao lado da minha mãe as mulheres mais lindas do mundo. E agora esse time havia
ganhado mais uma integrante: Alice. Mas ainda que eu achasse minha irmã linda, ela era tão
delicada quanto um coice de cavalo.

― Então, Dé... ― ela começou a falar e eu inevitavelmente fiz uma careta, porque sabia que
quando ela começava assim, acabava sobrando para mim.

― O que a senhora quer, dona Taciana? ―fui logo direto, porque eu também não era de
rodeios.

― Nossa, Dé! Que horror! Porque eu tenho que querer alguma coisa por querer falar com
você e lhe chamar para jantar? Não sou eu a irmã tratante, que vive marcando e desmarcando
nossos encontros. ― resmungou e eu suspirei, porque sabia que ela tinha razão e sempre
reclamava disso.

― Taci, você sabe muito bem como minha vida é uma loucura. Esses dias até dormir para mim
foi um luxo. Mas ainda assim me desculpe por isso, sei que estou em falta com a minha irmãzinha.
― disse a ela, ao mesmo tempo em que cumprimentava os funcionários da recepção.

― Tudo bem. Mas sabe, irmão, se eu não soubesse que você vive ciscando por ai, me
preocuparia com a situação das suas bolas. Porque você certamente precisará delas para que eu
possa ser tia um dia. Mas pelo visto quem vai ficar para titio é você. Como sei que ao menos sua
vida sexual está em dias, não irei reclamar muito. A não ser claro, sobre o fato de você sempre me
deixar sozinha. ― fez drama e eu revirei os olhos.

Sim. Essa era minha “doce” irmãzinha!

Taciana era quatro anos mais nova do que eu e era filha do segundo casamento de minha
mãe com meu padrasto, que eu tinha como pai. Assim como eu havia feito, Taci também veio para
capital quando passou no vestibular de pedagogia.

Felizmente nessa época eu já morava em um apartamento só meu, embora fosse alugado e


tivesse que dar de cara com suas calcinhas penduradas na torneira do chuveiro. Moramos juntos
durante seus quatro anos de curso e foi nesse período que ela conheceu Sidney, seu namorado e
agora noivo. Há cerca de dois anos os dois resolveram morar juntos e minha irmã agora o
chamava de namorido.

Não foi fácil para mim aceitar que minha única irmã havia crescido e agora dividia a vida
com outro homem. Relutei no início, porque para mim ela sempre seria minha princesinha sem papas
na língua, a minha “mulinha”, como eu tão carinhosamente a chamava e ela odiava, mas foi preciso
deixá-la ir.

Isso se tornou mais fácil com o tempo, pois eu pude ver o quanto Sidney a amava e a tratava
bem, exatamente como ela merecia. Fora que eu realmente tirava o chapeú para o cara, porque
minha irmã fazia ele cortar uns dobrados. Ela definitivamente não havia nascido para ser mulher
submissa. Muito pelo contrário. Ela era o “homem” da relação. Tinha horas que eu sinceramente
achava que escutaria um “Sim, senhora!” vindo do meu cunhado.

Quem olhava Taci de fora com seu jeitão e língua afiada, não imaginava a professora doce e
amorosa que ela era com seus alunos primários. Mas ela era sem dúvidas uma profissional sem
igual, que com certeza havia nascido para lecionar. E apesar das nossas brincadeiras, era também
uma irmã maravilhosa e uma amiga mais do que fiel.

― Tenho minha masculinidade mais do que assegurada. Meus ovos estão bem também.
Obrigado por perguntar. Não se preocupe com isso, porque eles definitivamente estão sendo bem
utilizados.― eu ri e pude ouvir sua contagiante gargalhada do outro lado.

― Eu imagino que sim, irmão. ― respondeu, ainda rindo.

― Mas me diga logo o que você quer.

― O que você acha de um jantar hoje a noite? ― perguntou, parecendo ansiosa.


― Estou chegando no hospital. Por mim beleza. Mas teria problema levar uma pessoa comigo?
― perguntei, me sentindo estranhamente envergonhado.

Silêncio.

― Taci, você ainda está ai? ― chamei, olhando também para a tela do meu aparelho,
conferindo que a ligação ainda estava ativa.

― Estou. ― ela finalmente respondeu. ― Apenas precisei de alguns segundos para assimilar o
fato de você ter conhecido alguém e me perguntar se pode trazê-la. ― disse e agora foi a minha
vez de rir.

É isso era realmente inesperado da minha parte!

Eu não sabia se Alice aceitaria, até porque nem ao menos estavamos saindo realmente, mas eu
queria estar com ela e queria que minha irmã a conhecesse. Taci era minha melhor amiga e sua
aprovação era importante para mim.

― Na verdade, conheci duas. ― brinquei.

― Mas estava muito bom para ser verdade, André! Como você pode ser tão...

― Lindo? Gostoso? ― perguntei, provocando-a.

― André, seu idiota! Esse tipo de atitude é inadmissivel! ― bradou do outro lado e eu ri.

― Mana, eu realmente adoraria que continuássemos esse papo amistoso, mas realmente
preciso desligar. Tenho uma gatinha a minha espera.

― OK! ― bufou. ― Esteja aqui às oito e eu não aceito desculpas dessa vez.

― Tudo bem. Até mais tarde, irmãzinha. Te amo.

― Te amo também. Juízo.

***

Depois de me preparar e conferir seu prontuário, segui até a UTI Neonatal para finalmente
poder ver minha pequena Valentina. Ela nasceu muito prematuramente, deveria permanecer na
incubadora e respirando com ajuda dos aparelhos até que estivesse forte o suficiente para
respirar sozinha. Não apenas eu, mas toda a equipe temos certeza que do jeito que ela tem
lutado, em breve ela poderá sair dali. Temos fé nisso.
Apesar da minha vontade de faze-lo, eu não poderia pegá-la no colo ainda, pois diante as
circunstancias em que ela foi encontrada, ainda corria o risco que ela pegasse uma infecção, ainda
que tudo esteja limpo e esterelizado como se deve. Por isso o melhor é que enquanto seu sistema
imunologico não se fortalece, o contato tem de ser o mínimo possível. E ela era tão pequena, que
parecia uma pequena boneca de porcelana. Mesmo com toda minha expericiencia com bebês, no
alto dos meus 1,90, tinha até receio de pegá-la.

Mesmo que o médico de plantão já tivesse feito, monitorei seus sinais vitais, verifiquei sua
medição e depois passei boa parte do tempo em que estive ali velando-a.

Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Em algum momento desde a sua chegada, essa
pequena havia feito uma grande mudança em mim. E olhando para esse serzinho lindo, tão cheio
de luz, agradeci a Deus por poder ver seu peitoral subir e descer a cada respiração que ela tão
bravamente dava.

Naquele momento, senti um novo sentimento me tomar. Não era apenas o sentimento de dever
cumprido, era um sentimento de paternidade que ela já havia feito aflorar em mim. E nesse
momento eu decidi: eu lutaria por ela.
Desconhecido
Eu não podia acreditar que essa merda estava acontecendo. Que aquela vadia havia cometido
à audácia de querer passar por cima do nosso acordo e achar que poderia revelar toda
verdade. Como ela ousou achar que poderia ser mais do que eu?

E mais do que isso: Que depois de tentar me afrontar, acabasse prematuramente dando à luz a
aquele ser indesejado, justamente no último lugar que ela deveria sequer colocar os pés.

Era muita merda acontecendo ao mesmo tempo. E eu nem ao menos poderia fazer qualquer
coisa agora, porque poderia ser o mesmo que me entregar. Só que eu precisava dar um jeito de
resolver tudo. Nem que para isso eu realmente precisasse sujar minhas mãos para dar um fim nisso
tudo.

Eu sabia que a primeira coisa que fariam era investigar as imagens do local e eu tratei de dar
um jeito de acabar com elas. Em seguida disquei o número do seu celular e embora ela certamente
soubesse que eu ligaria, não tinha duvidas de que também estava com medo do que eu faria com
ela por causa do seu deslize. Ela não deixaria de me atender justamente porque sabia que seria
muito pior se não atendesse.

― Alô. ― sussurrou baixinho, sua voz trêmula.

― Bela cena, vadia.

― Me de-desculpe... Eu-eu não queria...

― Não queria? Sim! Você queria uma cena! Quero você fora da cidade! Não quero que você
apareça mais, entendeu? ― perguntei em um rosnado.

― E-u... Eu não posso... Tive complicações. Estou sangrando... ― a interrompi:

― Não me interessa! Você ainda não entendeu que não me importo com você? Você é apenas
um meio, nunca será um fim.

― Eu entendi. ― respondeu em um fiapo de voz e eu sabia que ela estava chorando.

― Acho bom que tenha entendido mesmo. Caso contrário, farei com que você entenda. E isso
não é uma ameaça. É meu último aviso. ― falei, antes de desligar o telefone.

No início ela era um corpo gostoso para que eu me aliviasse. Extravasasse tudo que eu sentia.
Tornando-a a submissa que eu não poderia ter em casa. Fazendo coisas que eu não poderia fazer
com a mulher que eu amava. Usando muitas vezes da violência. Mas depois ela tornou-se minha
cúmplice. Só que uma hora as pessoas se tornam descartáveis e era o que ela havia se tornado
para mim.

Eu esperava que não precisasse chegar a tanto. Mas eu não me oporia em fazer o possível
para fazê-la calar-se de uma vez por todas.
Quatro
Alice

Eu praticamente não havia pregado o olho durante noite. Eu não havia chegado tão tarde do
hospital, que depois de um banho relaxante, praticamente me obriguei a comer algo e o máximo
que consegui foi tomar uma sopa daquelas prontas. Ainda assim não foi fácil tomá-la até a ultima
gota e depois de finalmente conseguir, achei que seria melhor ir para cama descansar, porque eu
sabia que o dia havia sido demais para mim e na manhã seguinte teria um dia cheio, embora o
final de semana tivesse apenas começado.

Por mais que tivesse tentado descansar, passei a noite praticamente em claro. E a cada vez
que fechava os olhos, as cenas de horas atrás pareciam se repetir em minha mente. Ainda não
podia acreditar que aquilo havia acontecido e não tinha dúvidas de que nunca poderia esquecer
aquele momento.

Adormeci um pouco antes do nascer do Sol, mas não consegui dormir por muito tempo. Acordei
cedo como de costume e antes de começar a organização da minha casa para lá de organizada,
tratei logo de enviar uma mensagem para Ana, minha organizadora de casamento, desmarcando
nossos compromissos do dia. Eu sabia que ela iria pirar porque tínhamos muita coisa importante
para decidir sobre a cerimônia e a recepção. E eu certamente também estaria pirando se não
estivesse com minha cabeça completamente focada em outra coisa que não fosse meu casamento.

Só depois de enviar a mensagem para Ana, que me lembrei sobre Caio e me senti uma
péssima noiva. Procurei pelo aparelho por algum sinal de vida que ele tivesse dado e encontrei
apenas uma mensagem de texto recebida uma da manhã, dizendo que ele havia chegado ao hotel
e que estava indo dormir, pois estava cansado e suspirei aliviada, pois não sabia se estava pronta
para contar a ele o que aconteceu.

Mas parecendo saber que estava pensando nele, meu telefone começou a tocar e eu respirei
fundo antes de finalmente atender.

― Alô. ― atendi, hesitante.

― Alô? É assim que você me atende? Por que você não me disse nada, Alice? Que merda
aconteceu que você não me ligou? ― Caio perguntou de uma só vez.
― Do que você está falando?

Ela não poderia saber, poderia?

― Não se faça de desentendida. Sobre o que aconteceu no escritório, Alice. O feto que você
encontrou na ultima noite.

― Como você sabe disso? ― perguntei.

― Eu deveria saber pela boca da minha noiva e sócia, mas não. A notícia simplesmente está
em todos os jornais. ― falou com sarcasmo e eu pude perceber pelo seu tom de voz que Caio
estava furioso.

― Você estava viajando e eu não estava em condições de falar sobre isso. Foi tudo muito
corrido. Prestei depoimento e saí do hospital tarde da noite. ― tentei explicar.

― O que diabos você estava fazendo no hospital?

― Como o que eu estava fazendo lá, Caio? Um bebê foi abandonado. Estava esperando
notícias dela! ― falei o obvio. Estava começando a me irritar com essa conversa.

― O feto não morreu? ― perguntou, parecendo surpreso.

― Feto? É um bebê, Caio Ferrer. Na verdade é uma linda menina. E sim, graças a Deus ela
está viva e lutando bravamente por sua vida. Hoje irei até lá novamente ver como ela está.

― Você não pode continuar indo nesse hospital! ― falou alarmado.

Mas o que?

― Claro que vou! Por que motivos eu não poderia ir? – perguntei, cada vez mais irritada e a
impressão que eu tive foi de que ele demorou cerca de um minuto para finalmente responder:

― Porque isso não será bom para imagem do escritório. Já basta ter acontecido bem embaixo
do nosso teto. Você continuar a vê-la, só irá fazer com que usem justificativas para atrelarem ainda
mais a nós a responsabilidade sobre o acontecido.

Ele estava falando sério?

― Eu não me importo com isso, Caio. Na verdade, estou mais do que a disposição da polícia
para prestar qualquer esclarecimento e ajudar com as investigações. Inclusive já me adiantei e
antes que nos solicitassem, já dei permissão para que a equipe de segurança forneça qualquer
material necessário das fitas de nossas câmeras. ― falei decidida e novamente ele ficou em
silêncio.

― Alice, não quero você metida nessa história...

― Tarde demais, Caio. Eu encontrei uma bebê ainda presa a placenta no banheiro do nosso
escritório. Como você não me quer metida nessa história? Eu já faço parte dela! E digo mais, faço
questão de colocar essa pessoa que fez isso com ela atrás das grades. Nada que eu fizer será
capaz de apagar os danos que ela já causou a essa criança, mas no que depender de mim ela
não ficará impune! ― esbravejei.

― Alice... ― o cortei quando senti que ele voltaria a retrucar:

― Eu não quero falar sobre isso, Caio. Nada do que você me disser vai me fazer mudar de
ideia. Você me conhece melhor do que isso, sabe que eu não deixarei de cumprir exatamente o
que estou dizendo. ― parei para respirar. ― A propósito, eu estou bem, mesmo que você não
tenha perguntado como estou. Quando você voltar conversamos, tenho que desligar. ― falei e não
dei a chance de Caio retrucar, antes de desligar em seguida.

Eu não queria acreditar que Caio estava sendo tão frio diante as circunstancias. Eu o conhecia
bem demais. Sabia que ele nunca foi muito de agir com a emoção, que ele sempre foi mais razão,
mas eu apenas não esperava que ele fosse tão insensível diante um caso tão sério e comovente
como esse.

Admito, estava decepcionada com ele. Achava que conhecia o homem que com o passar dos
anos aprendi a amar, mas a cada dia que passava ao seu lado, podia ver o quão diferente e
distante ele estava daquele cara que comecei a namorar desde o primeiro ano do ensino médio.
Aquele que fazia planos comigo de melhorarmos o mundo e extinguir a injustiça quando finalmente
tivéssemos nosso tão sonhado diploma de direito.

Levantei do sofá depois de ficar um tempo ali pensando sobre tudo que estava acontecendo e
quando estava a caminho da cozinha, para me preparar uma salada, o som de mensagem do
aparelho em minha mão me chamou atenção. Por um momento achei que pudesse ser Caio, se
desculpando ou qualquer coisa do tipo, mas eu deveria saber o quanto ele era teimoso quando
queria. Mas me surpreendi verdadeiramente quando li o que estava escrito ali:

“Bom dia, Alice.

Dormiu bem?
Passando para avisar que a pequena passou a noite maravilhosamente bem. Vou passar a
tarde atendendo no consultório, mas se quiser dar uma passada aqui no hospital lá pelas seis,
poderia ir com você para que possa vê-la. O que me diz?

Beijos, André.”

Quando terminei a mensagem pude sentir meu coração bater forte em meu peito e me via
sorrindo como há muito não fazia. Primeiro porque estava inegavelmente feliz e aliviada pela
Valentina estar bem, o que fez com que uma paz enorme me preenchesse. Mas admito que também
existia um outro motivo, não tão oculto assim para que me sentisse dessa maneira: Era pelo simples
fato de estar recebendo uma mensagem sua.

Eu sabia que não devia me sentir assim. Especialmente quando tinha um noivo, que apesar dos
seus defeitos não merecia que eu me sentisse dessa forma com outro homem. Fora que Dr. André
certamente não deve estar interessado em mim dessa maneira. Não da maneira que eu
erroneamente estava. Ele era homem, era instintivo. Fazia parte da natureza do homem caçar.

André na certa não agiria assim se soubesse que eu era noiva, coisa que eu convenientemente
não havia admitido. Ou até agiria, vai saber, eu não o conheço de fato para saber a forma que
ele agia em torno das mulheres.

Suspirei e balancei a cabeça, me repreendendo. Pelo visto eu estava enlouquecendo. Depois


de um simples acaso, eu estava criando história onde não tinha. Logo eu que era tão orgulhosa por
calcular cada passo que dava, agora me via perdendo o compasso por causa de uma pessoa que
vi apenas uma vez e malmente conhecia. Só que eu tinha que admitir que em uma coisa nessa
minha maluquice era justa: eu realmente precisava rever cada coisa que envolvia a minha vida.

Hesitei antes de lhe responder. Não poderia simplesmente lhe confessar que estive pensando
nele desde que nos despedimos. Então achei que deveria responder sem lhe dizer muita coisa.

“Dormir bem. E você?

Obrigada por me deixar a par do seu estado. Por favor, qualquer novidade sobre ela me
avise.

As seis estarei ai.

Beijos, Alice.”
-

“Não tão bem quanto gostaria.

Pode deixar que qualquer coisa aviso.

E depois jantar?”

Nesse momento eu dei um gritinho e não sabia bem o porquê. Eu sabia que poderia não ser
uma boa ideia sair para jantar com ele, mas eu apenas queria estar ao seu lado. Mas me contive e
me limitei a responder:

“Jantar parece bom.”

“;) Contando os minutos. Até mais tarde.

Beijos.”

O que ele queria dizer com “contando os minutos”?

Achei melhor não lhe responder mais nada. Eu não queria pensar sobre isso. Não. Eu nem
poderia estar ansiosa para saber o que ele queria dizer com isso. Mas ainda assim foi inevitável
não me sentir dessa maneira.

Jesus! O almoço teria de esperar! Eu precisava era de um banho para tentar colocar minhas
ideias no lugar!

***

Tentei, realmente tentei seguir minha rotina sabática, mas eu simplesmente não consegui. E o
fato de meu telefone tocar o tempo todo, com os repórteres me ligando em busca de uma
entrevista, não me ajudava em nada.

Desliguei meu telefone fixo e deixei meu celular no silencioso, tendo como única exceção o
número de André, porque ele poderia entrar em contato comigo para dar notícias da Valentina. O
que era o que eu dizia para mim mesma ser o único motivo de ter tomado tal atitude.
Por isso decidi parar de postergar e me arrumei para ir mais cedo para o hospital, porque
simplesmente não aguentava mais esperar. Peguei minha bolsa e conferi se tinha tudo que
precisava, nessa hora minha campanhia tocou.

― Quem será? ― me perguntei em voz alta.

Abri a porta para dar de cara com minha melhor amiga, Thuany, que estava diante de mim
com uma cara nada boa.

Acho que me ferrei!

― Por que diabos você não atende a merda do seu telefone? ― o furacão loiro não esperou
que eu respondesse antes de passar por mim como um raio.

Droga! Esqueci de falar com ela!

Apesar de ser um ano mais nova que eu, e do seu jeitão expansivo, alegre e “foda-se” de ser,
Thuany tem uma veia super protetora nela, que faz com que ela sinta uma necessidade tremenda
de tomar conta e defender com unhas e dentes todos que a ama. E desde que meu pai morreu, sua
necessidade de proteção para comigo cresceu a níveis estratosféricos.

― Desculpe, Thu. Mas meu dia tem sido cheio. O telefone não parava de tocar e por isso
achei melhor silencia-lo, porque definitivamente a última coisa que eu queria era falar com alguma
repórter. ― confessei, me sentindo cansada.

― E você não pensou que justamente por isso sua melhor amiga poderia estar preocupada?
― perguntou além de irritada, mas também visivelmente magoada e eu fiz uma careta.

Sim! Eu havia vacilado feio com ela!

― Por favor, Thu, me desculpe. Mesmo. ― fui até ela, abraçando-a ― Esqueci completamente
de te dizer que eu estava bem.

― Alice Boaventura esquecendo de alguma coisa? Ok. Isso é novidade. ― ironizou e eu revirei
os olhos. ― Me conta logo o que aconteceu com você? ― pareceu se dar conta do que eu vestia e
logo tratou de perguntar: ― E para onde você está indo vestida assim? Toda arrumada? ―
perguntou, se sentando confortavelmente em meu sofá. E eu inevitavelmente me senti como se
estivesse sido flagrada.

Vamos lá, Alice. Ela é sua melhor amiga!


― Ok. Que bom que você está sentada. Vou te contar a história desde o começo.

E foi o que fiz.

***

― Meu Deus! Que loucura! Nem imagino como reagiria diante essa situação. ― ela disse
pesarosa e eu apenas assenti. ― E o Caio? Que ideia de jerico essa dele de não querer que você
se envolva? Que idiota insensível! ― bradou irritada e eu concordei.

Ainda bem que alguém de fora de toda essa situação concordava comigo. Fazia com que eu
me sentisse um pouco aliviada em saber que eu não estava de todo errada em relação aos meus
julgamentos em meio a turbilhão de emoções que me envolvi.

― Nem me fale. Nem estou querendo pensar sobre isso agora, sabe? Eu sei que Caio não é
perfeito, mas eu também não esperava uma atitude fria dessa por parte dele. Onde já se viu se
preocupar com a imagem do escritório quando existe algo maior do que isso? ― perguntei
retoricamente, me sentindo cada vez mais revoltada com ele diante a situação.

― Você tem razão. ― ela voltou a concordar comigo e se levantou, indo em direção à
cozinha. ― Mas você ainda não me respondeu. Para onde você está indo? ― gritou de lá.

― Vou ver a pequena. ― sorri, indo até ela.

― Arrumada desse jeito? ― indagou, parecendo desconfiada e eu senti meu rosto queimar.

― Er... Não sei do que você está falando. ― me fiz de desentendida e logo olhei para o
relógio. ― Mas olha, nem vi o tempo passar. Estou atrasada, Thu. Preciso ir. ― desconversei e
Thuany levantou sua sobrancelha, olhando cada vez mais desconfiada para mim.

― Sei. ― respondeu em tom irônico. ― Ela está em que hospital?

― No Santa Inês.

― Humm... Se eu não me engano é lá que meu ex trabalha. Vou ligar para minha amiga mais
tarde e lhe perguntar. ― disse pensativa.

― Pois é. Mas eu tenho que ir. Como o Santa Inês é um hospital particular, vou ver como está à
questão do tratamento dela. Não vou poder vê-la agora, mas quero ir mais cedo justamente ver
isso. ― respondi e não era de todo mentira, pois apesar da ansiedade que estava sentindo para
chegar, eu realmente já tinha a intenção de fazer exatamente isso.
― Ali. ― Thu se aproximou quando começou a falar e segurou minhas mãos antes de
continuar: ― Eu conheço você e sei o grande coração generoso que você tem. Te entendo. Sei que
você está realmente preocupada com a bebê, mas você tem alguma noção de quanto custa uma
diária na UTI Neonatal? ― neguei. ― É uma fortuna, amiga. Você não acha que está se
envolvendo demais?

Eu sabia que ela estava certa. Eu me via cada vez mais envolvida com a situação, só que eu
também não queria me desvencilhar da vida da pequena Valentina. Era mais forte do que eu.

― Eu sei que você tem razão. Admito. Estou sim muito envolvida. Mas eu também não quero me
afastar dela agora, Thu. Não quando eu sinto essa necessidade de cuidar dela. ― confessei.

― Amiga, eu não a julgo por isso. Mas você sabe que quanto mais envolvida estiver, pior será
para você se afastar depois. Assim que a Valentina tiver alta médica, ela terá que ir para um
orfanato. E ficará lá até que a justiça dê sua guarda para algum casal que esteja aguardando
por sua vez na fila de adoção.

Eu não havia pensado dessa maneira. Lógico que eu sabia como funcionava o processo de
adoção e também sabia o quanto ele poderia ser demorado. Mas eu não poderia sequer pensar
na possibilidade de não poder cuidar da pequena. Então por isso tomei a decisão da minha vida:

― Eu vou adotar a Valentina.


Cinco
André

Trabalhar em um consultório, era completamente diferente de trabalhar em um plantão. Por


incrível que pareça, por mais cansativo que fosse. Por mais que eu adorasse acompanhar o
crescimento dos meus pequenos pacientes, havia algo muito recompensador em participar
efetivamente da melhora deles. Além disso, eu era um cara bem inquieto, tinha energia de sobra e
por isso definitivamente preferia o ritmo elétrico do hospital.

Por isso mesmo depois de passar à tarde em atendimento, me vi andando pelas enfermarias e
quartos dos hospitais, não apenas para passar o tempo, mas também porque eu gostava de
verificar meus pacientes para ter certeza de que tudo estava caminhando certo para suas
melhoras iminentes.

Tentei me conter, postergando minha visita para Valentina, porque de alguma maneira eu acho
que estava me testando. Queria apenas confirmar o que eu já sabia. Queria provar para mim
mesmo, que eu estava fazendo a coisa certa.

Depois de me perguntar o máximo que pude, fui vê-la e mais uma vez me senti como se ela
me pertencesse. Tudo sempre em torno dela me fazia desejar ser algo mais.

Eu queria ser seu pai, seu criado de verdade. Mas Deus não quis que fosse, mas em nada isso
mudava o sentimento que havia tomado meu coração. Não planejei amá-la, mas quando a vi eu me
apaixonei instantaneamente. Simples assim.

Como não podia carrega-la, aconchega-la em meu peito, para fazê-la sentir meu coração,
limitei-me a colocar minha mão pela ventanas de acesso a ela da incubadora. Ela estava
acordada, com seus olhinhos comprimidos, apertou meu dedo com sua mãozinha pequena e uma
emoção ainda maior me envolveu. Lágrimas picaram em meus olhos, alimentando em meu peito um
amor jamais experimentado por mim antes.

― Sou eu, o papai, Princesa. É tão bom ter você comigo. Quero poder ter a chance de ser seu
super-herói, seu melhor amigo, seu protetor. Você é tão pequena e frágil, anjo, mas prometo que o
papai cuidará e sempre estará aqui por você. ― prometi, emocionado com minhas próprias
palavras.

E eu faria exatamente isso.


***

Ela estava ali novamente e era como se o mundo todo houvesse ganhado cores e brilhos que
apenas ela parecia ter capaz de deter e antes da conhecê-la eu não sentia falta. Mas agora eu
sabia que existia e não queria perder.

Em apenas um encontro, Alice me mostrou motivos para seguir, abrindo caminhos que eu nem
mesmo sabia existirem. Seu simples e poderoso sorriso já me desarmava por completo e fazem com
que surjam sentimentos, tornando-me refém de seus doces encantos.

Era apenas nosso segundo encontro, mas não precisei de mais nada para mostrar que era ela a
razão de tudo para mim. Pois, de repente, em um sorriso, um olhar, meu mundo todo mudou e se
resumiu a apenas duas pessoas que agora inegavelmente me tinham por completo.

Alice era perfeita. Desde o primeiro momento em que pus meus olhos sob ela, não tive dúvidas
disso e não precisei conhecê-la mais para ter a certeza de que essa era a verdade, embora eu
quisesse conhece-la mais a fundo e descobri-la mais e mais a cada dia.

― Oi. ― ela disse com um sorriso tímido, pois eu simplesmente não conseguia reagir desde que
me vi de frente a ela.

Deus! Eu parecia um bobo! Um bobo apaixonado!

― Oi. ― respondi, me obrigando a parar de parecer bobo e me aproximei, segurando sua


cintura e beijando seu rosto.

Seu cheiro tão gostoso invadiu minhas narinas e eu quase tremi diante seu poder sobre mim.
Meus lábios se demoraram um pouco mais nela, beijando o cantinho dos seus, nossas bocas quase
se tocando.

Meu Deus! Tenho que me controlar!

― Como a pequena passou o dia? ― ela perguntou, tentando manter a naturalidade diante a
situação incomum que estávamos e se afastou.

― Ela passou o dia bem. Felizmente está reagindo maravilhosamente bem ao tratamento. Como
você deve saber, quando se está na UTI, a alimentação do prematuro algumas vezes é iniciada
através de soros nutritivos que são colocados na veia. Esses soros ajudam o bebê a se recuperar, e
quando estiver melhor pode passar a se alimentar por sonda. E acho que em breve veremos isso
acontecer.
― Jura? ― ela perguntou com um sorriso de um milhão de dólares e eu concordei. ― Isso é
bom. Não é? ― de repente pareceu incerta.

― Na verdade isso é ótimo. ― voltei a sorrir. ― A sonda é um pequeno tubinho que é colocado
na boca do bebê e vai até o estômago, e também pode ser a primeira opção de alimentação
para prematuros, dependendo do seu estado de saúde. Essa sonda é colocada porque muitos
prematuros ainda não sabem sugar e deglutir. Conforme seu estado de saúde estiver melhor, que
ela continue evoluindo como já está, estou com esperanças que em breve poderemos começar a
alimentá-la dessa maneira, para depois passarmos para uma mamadeira. ― sorri, porque eu
estava na expectativa de ver isso acontecer.

― Ahhhhh! Sim! Isso é maravilhoso! ― ela comemorou e me abraçou, fazendo-me agora também
refém do seu calor.

Perdi-me com ela em meus braços, apertando seu corpo contra o meu. Sem ser preciso me
mover, com um só abraço Alice me elevou e me levou para outro lugar. Se eu pudesse, não a
soltaria. Ficaria com ela em meus braços. Para sempre.

Mas ainda existia um mundo que dependia de nós para seguir e foi por isso que me afastei e
lhe perguntei:

― Vamos ver a pequena?

Ela novamente sorriu com a menção da pequena que havia nos conquistado e eu jurei naquele
momento que faria de tudo para ver aquele sorriso lindo em seus lábios. Eu faria de tudo para nós
três vencermos juntos cada batalha.

***

Depois de alguns momentos desfrutando da companhia da bonequinha, com pesar nos


despedimos dela e seguimos rumo ao nosso jantar. Foi difícil convencer Alice de jantarmos com ela.
Imagino o quanto para ela ser intimidador jantar na casa da minha irmã. Mas depois de um pouco
de persuasão da minha parte, ela acabou aceitando.

No carro, apesar do seu nítido nervosismo, conversamos banalidades e eu fiquei feliz em


descobrir algumas coisas sobre ela. Ela era advogada, trabalhava em um escritório em que era
sócia com seus amigos. Perdeu a mãe e o irmão quando tinha apenas sete anos. E há pouco menos
de um ano também teve de se despedir do pai.

Como médico, a cada dia víamos pessoas perdendo suas vidas. Mas eu ainda era aquele quem
não se acostumava com isso. Meu pai faleceu quando eu ainda era muito novo e desde que minha
mãe se casou novamente, que tenho meu padrasto como pai. Eles já haviam passado dos cinquenta,
mas eu não podia sequer pensar na possibilidade de perdê-los um dia.

E saber que minha ruiva não tem família, me deixa triste por ela, por tudo que imagino que ela
tenha sofrido por isso. Por ela estar sozinha. Mas eu faria de tudo para que ela não se sentisse
mais sozinha. Provaria a ela que eu estaria ali por ela de agora em diante.

Quando chegamos à porta do apartamento da Taci e meu cunhado, toquei a campanhia e


enquanto esperávamos, percebi que ela parecia um pouco desconfortável.

― Está tudo bem. Não precisa se preocupar. ― garanti e ela corou.

― Er... Eu não sei o que sua irmã pode pensar sobre nós. Ela pode não gostar de ter uma
estranha na sua casa acompanhada do seu irmão. ― admitiu e eu sorri.

― Já disse que não precisa se preocupar. A Taci é uma garota incrível, ela não irá pensar
nada. Não se preocupe com isso. ― afirmei e ela sorriu fraco.

― Olá. ― Taci abriu a porta e nos recebeu com um enorme sorriso.

― Oi, irmãzinha. ― beijei seu rosto e a levantei, fazendo com que seus pés ficassem fora do
chão enquanto eu a abraçava, como eu costumava fazer sempre e ela ria.

Coloquei-a no chão e sorri olhando para ela. Minha irmã era minha moleca. Era minha baixinha.
A morena linda do sorriso fácil e de uma simpatia sem tamanho. Eu a amava demais.

― Taci, essa é Alice. Alice, essa é minha irmã, Taciana.

― Oi. É um prazer te conhecer, Alice. ― Taci foi até Alice, abraçando-a como se a conhecesse e
realmente gostasse dela, o que eu percebi ser verdade quando ela piscou para mim.

― O prazer é todo meu. ― Alice respondeu sorrindo, embora eu percebesse que ela estava um
pouco sem jeito. Acho que ela não esperava a recepção da minha irmã.

― Vem. Vamos entrar. ― Taco abriu a porta para que entrássemos. ― Sidney! Eles chegaram!
― ela gritou seu noivo, assim que chegamos à sala.

― Oi. Oi. ― meu cunhado colocou a cara para fora da porta que eu sabia ser da cozinha. ―
Deixa só eu lavar as mãos e vou cumprimentar vocês. ― disse para gente.

― O cheiro está delicioso. ― eu disse, quando sentamos no sofá.


― Obrigada. ― minha irmã disse com um sorriso convencido no rosto.

― Até parece que foi você que cozinhou. ― brinquei, bagunçando seu cabelo e Taci resmungou
alguma coisa, enquanto voltava a arrumá-lo e eu podia claramente ouvir meu cunhado rir de
dentro da cozinha.

― Isso é injusto. Ninguém corta temperos como eu. ― se defendeu, fazendo com que eu e Alice
ríssemos.

― Ah! Isso eu tenho que concordar. ― meu cunhado falou, assim que se juntou a nós na sala. ―
A Taci é a melhor ajudante de cozinha que eu poderia ter.

***

O jantar estava delicioso como sempre, meu cunhado cozinhava maravilhosamente bem e
enquanto comíamos, conversávamos e o jantar se seguiu em um clima amigável. Como eu imaginei
que aconteceria, Alice se deu super bem com a minha irmã e isso era ótimo, porque Taci era minha
melhor amiga e sua aprovação era mais do que importante para mim.

Ajudei minha irmã tirar os pratos e foi nesse momento oportuno que ela escolheu para dizer o
que eu já sabia: ela havia adorado Alice. Taci era muito transparente, honesta e apesar de não
destratar ninguém que não merecesse, a maneira que ela interagiu com minha irmã só meu deu
certeza de que eu havia tomado à decisão certa em trazê-la.

― Então... Temos uma novidade para contar. ― minha irmã disse, quando estávamos tomando
um café, sentados no sofá.

― Não venham me dizer que marcaram a data do casamento! ― eu disse rindo, porque eu
sempre pegava no pé dos dois quanto a isso. E o olhar dos dois entregou tudo. ― Sim. Vocês
marcaram! Até que enfim! ― levantei para abraça-los e parabeniza-los.

― Parabéns! ― Alice também abraçou minha irmã, mas eu notei que de alguma maneira ela
havia ficado introspectiva ao saber da novidade e eu decidi que lhe perguntaria sobre isso
depois.

― E para quando marcaram? ― perguntei e os dois trocaram um olhar cúmplice.

― Para daqui a dois meses. ― foi meu cunhado que respondeu.

― Mas já? ― perguntei, porque eu sabia que era pouco tempo para que minha irmã
conseguisse fazer tudo que ela desejava fazer, mesmo que ela tenha planejado isso por tanto
tempo.

― Er... Achamos melhor casarmos antes da barriga aparecer. ― ela disse simplesmente.

Demorei alguns segundo para assimilar o que ela havia dito e quando finalmente entendi,
comecei a rir, antes de ir novamente até minha irmã cumprimenta-la.

Eu seria tio. Nem podia acreditar nisso!

Por um momento pensei em lhe contar sobre a Valentina e o meu desejo de adotá-la. Eu já havia
me decidido quanto a isso e sabia que de uma forma ou de outra ela iria me apoiar, estaria ao
meu lado. Mas eu achei melhor aguardar um pouco para lhe dizer. A pequena ainda precisava
vencer mais algumas barreiras para enfim se tornar minha filha. Mas como estive desde que
chegou a aquele hospital, eu estaria ao seu lado para que ela continuasse a se sair vitoriosa em
cada uma.

Minha coisa tinha acontecido em um curto período de tempo. E ainda tinha Alice. Eu sabia que
não havíamos tido nada, mas de alguma forma ou de outra, por mais cautelosos que estivéssemos
quanto a dar o primeiro passo, eu sabia que aconteceria algo entre nós. Era inevitável, ficaríamos
juntos.

Eu nem ao menos sabia como ela reagiria diante essa minha decisão, mas eu esperava que ela
também me apoiasse e pudesse, quem sabe, vir a ser a mãe que a Valentina precisará. E que
pudéssemos vir a formar uma família.

― Isso foi inesperado. Não estávamos esperando para agora. Passei muito tempo tomando
remédio e quando parei há pouco mais de um mês, achei que ainda fosse demorar um tempinho
para que finalmente engravidasse. ― Taci disse, me fazendo sorrir.

― Estou feliz por vocês, mana.

― Eu sei que está. E te chamei aqui não apenas para contar essa novidade. Mas para pedir
sua ajuda. ― levantei a sobrancelha desconfiado, dando entender para que ela continuasse: ―
Como você sabe, o papai chega essa semana. Eu não quero mentir para ele, mas você sabe como
ele é. Preciso da sua ajuda para lhe contar que vai ser avô.

***

Não sei que horas saímos da casa da minha irmã e meu cunhado. Mas sei que foi maravilhoso.
Foi bom demais ver a forma como eles interagiram e receberam Alice e ela pareceu bem demais
com isso.

Eu não queria me afastar da Alice. Queria ficar com ela. Mas sabia que a melhor coisa a se
fazer era leva-la para casa e não meter os pés pelas mãos.

Ela não havia ido de carro para o hospital. O que eu achei providencial para adiar nossa
partida. Por isso quando encostei meu carro em frente a seu prédio luxuoso, não sabia o que dizer.
Acho que nenhum de nós sabia. Pela primeira vez na vida estava com medo de falar besteira,
tomar alguma atitude precipitada ou até mesmo errada.

― A noite foi maravilhosa. Adorei conhecer sua irmã e seu cunhado. ― Alice quebrou o silencio
e eu sorri.

― Sim. Foi bom estar com vocês. ― concordei e antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa,
me surpreendi quando perguntou:

― Você quer subir? ― a pergunta foi feita de forma tímida e ela conseguiu ficar ainda mais
linda dessa maneira.

Eu sabia que a melhor coisa a se fazer era negar. Não porque eu não quisesse subir, porque
Deus, como eu queria. Mas eu apenas estava com receio de nos precipitarmos. Só que nesse
momento eu descobri uma coisa: eu não conseguia negar nada a ela.

― Tudo bem.

Subimos no elevador em silêncio. Nós dois parecendo hesitantes no início, tentando de alguma
maneira resistir ao magnetismo de atração que o elevador nos envolvia. Com muita relutância,
finalmente conseguimos chegar ao décimo andar. Achei que nunca chegaríamos. As coisas estavam
complicadas para o meu lado. Nunca me senti assim, como uma pessoa que sedenta no deserto.
Mas era assim que eu estava: sedento por ela. Estava por um triz de lhe atacar.

Andamos ainda em silêncio para porta do seu apartamento e novamente hesitei.

― Alice... Eu não sei se é uma boa ideia. ― finalmente confessei e ela assentiu.

― Talvez não. Mas eu realmente preciso conversar com você. Tem algumas coisas que...

O que ela diria foi interrompido pela sua porta que se abriu. Surpresos, nós dois olhamos para
um homem alto que a olhava com cara de pouco amigos.

― Alice, onde você estava? Eu estava te ligando feito um louco... ― ele finalmente pareceu se
dar conta que eu estava ali e sua carraca só fez piorar: ― Quem é esse homem, Alice?

― Ca-caio... Er... Esse...

― Eu volto de viagem preocupado com você. Você simplesmente não atende ao telefone e
quando aparece tarde da noite, me chega com um homem em nossa casa? ― perguntou puto da
vida.

Nossa casa? Ele disse mesmo isso?

― Eu acho que é melhor...

― É melhor mesmo. ― ele me interrompeu. ― Eu e minha noiva temos muito o que conversar.

Caralho! Ela era noiva?

Eu não poderia acreditar que isso era verdade.


Seis
Alice

No momento em que chamei André para subir ao meu apartamento, eu sabia que poderia ser
um erro. Mas nós dois precisávamos conversar. Eu precisava não apenas lhe dizer como estava me
sentindo diante as coisas que estávamos vivendo, como se de alguma forma o universo estivesse
conspirando ao nosso favor.

Só que embora isso tudo fosse intenso entre nós, eu precisava lhe dizer sobre meu passado
com Caio. Ou melhor dizendo, sobre meu presente, já que nós dois ainda erámos noivos e
certamente não teríamos nenhum futuro.

Não podíamos mais ignorar os sentimentos que nos golpearam e eu tinha mais do que certeza
que eram recíprocos. Ele me deu a certeza disso a cada sorriso, brincadeira e olhares cúmplices
que trocamos, que diziam mais do que mil palavras e havíamos compartilhado durante toda noite.
Era apenas difícil não sentirmos a energia que pairava sobre nós.

Às vezes demoramos anos e até mesmo uma vida para conhecermos uma pessoa. Mas outras
vezes nem é preciso tanto. E eu não precisei de muito tempo para saber o homem maravilhoso que
ele era.

André é com certeza um cara de caráter, cheio de atitudes, sensível, simpático, inteligente,
divertido, gentil, lindo, quente e mais do que isso: Foi o cara que me fez enxergar além. Fez-me
querer mais. Fez-me acreditar em algo maior. Mas descrever isso agora, parece ser quase
impossível.

E era. Para tentar entender e definir tudo que estava acontecendo conosco, primeiro
merecíamos ser honestos um com o outro. Precisávamos conversar. Conversa essa que foi
subitamente interrompida pela chegada inesperada de Caio.

Agora André olhava para mim não apenas surpreso, mas também parecendo extremamente
magoado pelo que tinha acabado de ouvir. Eu não o julgava por isso. Certamente teria a mesma
reação caso acontecesse comigo.

Ele deveria estar achando que eu era uma vadia. Uma vadia que além de não dizer que era
comprometida, dava mole para outro cara, quando tem um noivo a esperando em casa. Eu não
sabia por que eu simplesmente não havia lhe dito antes que eu era noiva. Era uma besteira que eu
não deveria ter cometido. Não tinha porque lhe esconder isso. Não quando eu queria fazer as
coisas da maneira correta.

Mas a chance de fazer as coisas de forma certa definitivamente havia passado. E agora por
um erro meu, corria o risco de perder algo que eu sabia ser verdadeiro.

― Melhor mesmo eu ir. ― André disse, parecendo engolir um bolo do tamanho de uma laranja.

― André... ― tentei falar, mas nada mais do que seu nome saiu dos meus lábios.

― Não se preocupe, Alice. Qualquer novidade lhe mando uma mensagem. Boa noite para
vocês. ― ele me falou, antes de nos dar as costas e entrar no elevador que ainda estava ali no
meu andar.

Eu não consegui dizer mais nada enquanto ele se afastava. Apenas o vi indo embora, como se
estivesse me dizendo o “adeus” que eu não queria lhe dar. Levando consigo uma parte minha que
ele inefavelmente já havia conquistado.

Obriguei-me a entrar. Não poderia simplesmente ficar parada ali. Já bastava o que havia
deixado de fazer. Onde tinha deixado à situação ir. Tinha que começar a agir e logo.

― Quem é esse cara? ― Caio perguntou, assim que a porta de casa bateu atrás de nós.

― André é o médico que atendeu a Valentina.

― E quem diabos é Valentina?

― Valentina é como batizaram a bebê que foi encontrada no nosso escritório. ― expliquei.

― Valentina? Você já deu até nome para o feto? ― perguntou com uma careta de nojo. ― E
que merda você estava fazendo com ele? E até a essa hora da noite? ― perguntou exaltado. ―
Não, na verdade você deveria me dizer por que porra você continua envolvida nessa história. Eu
já havia lhe dito que queria você longe disso! ― bradou e eu fiquei chocada com sua arrogância.

Eu precisei de todo meu autocontrole para não partir para cima dele. Como ele podia falar
um absurdo desses?

Quem era essa pessoa diante de mim?

― Pare de trata-la como um feto! Como se fosse um nada! ― gritei. ― É um bebê! Que tem
coração que bate em seu peito. Igualmente você tem no seu. Ou eu pelo menos achava que tinha.
― respirei fundo antes de continuar. ― Não que isso seja da sua conta, mas você não é meu pai
para querer mandar em mim! E em segundo lugar, eu já lhe disse que o que eu faço em relação a
ela não está em discussão! Eu não quero e nem irei me afastar de Valentina. Muito pelo contrário.

― Me desculpe, amor. Eu perdi a cabeça. ― ele se aproximou, me abraçando e eu


inevitavelmente quis me afastar. ― Minha semana foi cheia. Eu estava preocupado com essa
confusão que aconteceu. Tentei falar com você e não consegui. Isso me deixou insano, preocupado
que pudesse ter acontecido algo contigo. E quando você finalmente chega, aparece com aquele
cara. Sei que você se compadeceu desse... Er... Desse bebê, mas eu apenas não queria você
envolvida nisso. Eu te conheço, sabia que você ficaria sensibilizada com essa história e a última
coisa que quero é vê-la sofrer. Por isso que acho melhor que você se afaste.

Tudo nele agora me parecia distante do que eu achava conhecer. A cada palavra dita, eu via
como se ele estivesse interpretando um personagem. Um personagem que eu definitivamente queria
me afastar.

― Eu vou repetir mais uma vez, Caio. ― disse ao me afastar. ― Eu não quero e não irei me
afastar dela. ― respirei fundo, tomando fôlego antes de continuar: ― Na verdade, eu decidi que
irei dar entrada ao processo de adoção da Valentina. ― falei de uma vez e Caio me olhou como
se tivesse nascido uma terceira cabeça em mim.

― Você só pode estar ficando louca! ― falou incrédulo, antes de começar a rir com desdém.
― Lógico que eu não irei adotar aquele feto. Nem mesmo a própria mãe quis, já que a largou no
lixo, você acha mesmo que vou querer?

Eu não pensei duas vezes antes de lhe dar um tapa certeiro na cara. Nunca, em todo esse
tempo em que conheço Caio, achei que ele pudesse ser tão frio e cruel. Eu estava mais do que
chocada. Eu estava indignada com a sua postura.

― Lave bem a boca antes de falar dela! Eu não quero ouvir você falando assim da minha
filha novamente! Até porque eu ainda não sei se você entendeu direito a equação, Caio. Porque o
que eu disse aqui, é que “eu” ― fui falando, dando ênfase na palavra. ― iria adotá-la. Em
momento algum usei a palavra “nós”. Até porque na verdade não existe mais “nós”. No último dia
eu estive preocupada em como falar sobre isso com você. Sobre como arrumar uma maneira menos
dramática ou dolorosa de terminar tudo, mas obrigada. ― eu lhe dei um sorriso amarelo. ― Você
acaba de facilitar a minha vida, porque não precisarei de mais argumentos para lhe dizer além
de: Acabou, Caio. Nós acabamos aqui. Agora.

Inesperadamente ele começou a rir. Mas não era um riso de quem estava achando alguma
graça no que eu tinha dito, mas sim um riso de escárnio, desprezo, desdém. E olhando para essa
pessoa descontrolada diante de mim, eu constatei que eu definitivamente não conhecia essa pessoa
em minha frente.

― Não. Não acabamos, Alice Boaventura. Você não pode simplesmente me descartar como se
eu fosse uma merda qualquer, porque eu não sou. ― ele disse, me segurando forte em meu braço.
― Dentro de quatro meses iremos nos casar, sabe por quê? Porque você não é merda nenhuma
sem mim. ― concluiu, deixando-me ainda mais chocada do que já estava.

― Caio, me solte agora. ― exigir, tentando manter meu tom de voz firme, apesar de por
dentro estar tremendo.

— Você não pode me largar. Não por fazer isso com um homem como eu, Alice. Não pode me
deixar depois de anos juntos. Um casamento marcado, não é assim que as coisas funcionam. ― sua
boca se aproxima da minha e ele sussurra: — Vamos para nosso quarto, porque foderei com você
como você precisa e depois de você saber a quem você pertence, esquecerei esse seu momento de
estupidez e deixaremos toda essa besteira de lado.

Eu não posso acreditar! Ele está ficando louco?

Sem que ele perceba, uso minha outra mão para apertar-lhe os ovos. E como ele não
esperava uma reação dessas da minha parte, foi pego completamente de surpresa. Por isso não
tem outra reação a não ser gemer. Aproveito sua vulnerabilidade para lhe dar o meu recado:

— Caio Ferrer. Você me conhece muito bem e sabe que eu não sou nenhuma submissa ou
mulher que deixa que ditem as regras da sua vida, pois eu sou a única dona dela. Eu decido com
quem e se vou ou não me casar. Estou sendo honesta com você, eu não quero mais ficar com você.
Não irei me casar com você. E não ouse querer tentar me forçar ou me submeter, ou até mesmo
pensar em encostar a mão em mim. Não hesitarei em deixa-lo sem ovos e coloca-lo atrás das
grades depois disso.

Apertei ainda mais seus ovos, usando de quase toda a força que poderia usar para esmagá-
lo, apenas para deixar claro meu ponto. Caio solta um gemido sofrido e me olha com um tipo de
pavor no olhar.

Quando vejo que ele entendeu exatamente meu ponto, alivio o aperto e me afasto, porque
não quero mais estar perto desse homem que eu um dia achei conhecer. Ele coloca as mãos na
cabeça e solta o ar com força, emitindo um ruído profundo. Eu sei que ele está com dor e de
alguma forma eu gosto de saber que tenha lhe dado o que merecia.
— Alice, pare com isso, eu não estava falando sério, jamais obrigaria você a ficar comigo.
Acho que nós dois precisamos de um tempo... Não sei. Talvez seja por causa dos preparativos do
casamento. Eu sei que não tenho ajudado muito. Que estou sempre ocupado, trabalhando, tentando
expandir nosso escritório... Mas eu juro, que irei dar mais atenção a você. A ajuda-la com as coisas
do casamento. Mas por favor, nunca mais me olhe ou repita uma coisa dessas...

― Caio...

― Não, Alice. Não diga nada. Apenas vamos esperar as coisas se ajeitarem.

Ele pegou sua carteira e as chaves no aparador ao lado da porta, onde ele costumava
deixar sempre. E eu? Eu fiquei ali, nervosa com tudo que havia acontecido, mas eu não queria que
houvesse mais nada que desse brechas para que ele entendesse diferente, por isso achei melhor
reafirmar:

— Desculpe, Caio, mas eu não vou mudar de ideia. — falei tão baixinho que temi que ele não
tivesse escutado o que eu disse.

— Se é isso que você quer, Alice. Ok. Eu estou saindo. Não tenho hora para voltar. Não acho
bom que eu fique aqui enquanto você me parece tão confusa. Mas amanhã conversaremos. ―
disse com um pesar enorme na voz e pela primeira vez na noite, ele me pareceu sincero.

Então Caio se foi. E eu fiquei ali, não sei por quanto tempo assustada com o rumo que as coisas
haviam tomado. Eu ainda não podia acreditar que dez anos da minha vida haviam se resumido a
isso. Mas depois de um tempo decidi que não adiantava ficar me lamentando. Só que eu era muito
decidida para voltar atrás em uma decisão que era mais do que certa para todos nós. Nós dois
não tínhamos mais futuro. Não voltaria atrás nisso.

***

Dormir no quarto de hospedes não foi a experiência de sete cabeças que eu achei que pudesse
ser. Talvez, no fundo, eu já soubesse que isso mais cedo ou mais tarde aconteceria. Por isso acabei
acordando mais cedo e segui até a cozinha, onde comecei a preparar meu café.

Ao contrário do que disse, Caio acabou retornando para casa. Eu olhei no relógio e vi que eram
três da manhã. Eu o conhecia, ele certamente acreditou que me faria mudar de ideia. Só que tiro
saiu pela culatra quando ele descobriu que o quarto que um dia foi nosso estava vazio e o quarto
de hospedes onde dormi estava trancado.
Esperaria que Caio acordasse, para então entrar no quarto e começar a tirar minhas coisas de
lá. Eu não queria discutir. Na verdade não tinha mais nada para que pudéssemos falar sobre nós.

Enquanto esperava, mandei mais uma mensagem para o André e exatamente como havia
acontecido com as outras, eu não recebi resposta alguma. Eu tinha que desfazer esse mal
entendido. Desculpar-me pelo que aconteceu, mas eu não tinha como fazer isso hoje. Não sabia
onde ele morava, apesar dele ter comentado que era no bairro vizinho. Então o jeito seria esperar
até amanhã, quando eu sabia que ele daria plantão no hospital.

― Bom dia. ― Eu disse, quando finalmente Caio apareceu na cozinha, quase às nove da manhã.

― Bom dia. ― murmurou, indo até a máquina de expresso, onde começou a fazer sua xícara de
descafeinado, como ele gostava. ― Mamãe me ligou. O Cauã chegou de Londres. ― ele começou
a falar.

― E? ― incentivei que ele continuasse, enquanto comia meu mamão com mel.

― Ele chegou de surpresa e ela nos chamou para almoçarem em sua casa.

― Caio, eu não acho que eu deva ir. Vá ver seu irmão. Vou ficar aqui e arrumar minhas coisas,
quando você chegar eu não estarei mais aqui.

― Você vai continuar com essa teimosia? ― ele perguntou, me olhando com a sobrancelha
erguida.

― Não é teimosia, Caio. Tomei uma decisão e em nome de todos esses anos que passamos
juntos, espero que você respeite. ― falei decidida e ele riu, balançando a cabeça, antes de
afastar sua cadeira de uma vez, se levantar e dizer:

― Você está saindo? Ok. Saiba que não irá demorar para que você se arrependa da burrada
que está cometendo. E quando isso acontecer, estarei aqui te esperando, Alice. ― e mais uma vez
ele me deu as costas e saiu.

***

Quando terminei meu café, Caio não estava mais em casa e eu agradeci por isso. Liguei para
Thu e contei por alto o que havia acontecido, omitindo a parte sobre meus sentimentos por André,
porque eu achava que essa conversa deveria acontecer apenas quando essa coisa entre nós
estivesse clara.

O apartamento era de Caio. Eu morava com ele desde que terminamos a faculdade e por isso
foi estranho colocar anos da minha vida em uma quantidade limitada de caixas. Passamos o dia
todo arrumando minhas coisas. E durante todo o dia não tive notícias de Caio e tampouco de
André, ainda que eu verificasse meu celular a cada meia hora.

Marcos, marido da Thu, nos ajudou a tirar as caixas do apartamento. Ele também havia
conseguido um apart hotel na firma onde ele trabalhava, onde eu ficaria até que arrumasse um
lugar decente para morar. Levei apenas o essencial para lá e o restante das coisas, foram para
casa deles.

Cheguei ao apart já passava das dez da noite. Estava morta de cansaço. Quebrada por todo
esforço do dia. Tudo que eu precisava era de um banho quente e cama. Mas quando me deitei, o
que mais queria fazer era poder ver minha pequena Valentina. Sabia que não poderia vê-la,
especialmente essa hora, tentei ligar, mas como imaginei mais uma vez não quiseram me passar
nenhuma informação sobre ela.

Frustrada, me dei por vencida. Tentando aliviar o aperto do meu coração.

***

O dia começou estranho para mim. Estava ansiosa e não sabia por que, já não estava mais
aguentando comigo mesma. Achei por bem desmarcar todos os meus compromissos, porque eu
sabia que o dia não seria produtivo, que não adiantava que eu ficasse dando murro em ponto de
faca, pois isso só faria mal a mim mesma.

Então liguei para o escritório, pedindo para desmarcar meus compromissos da manhã. Eu não
estava com disposição para trabalhar, então pedi para que tudo fosse reagendado. Eu e Thu já
tínhamos conversado sobre a questão da adoção e ela iria reunir todos os documentos necessários
para ir à Vara da Infância e Juventude, onde iria dar entrada ao processo de adoção e logo
pediria a guarda provisória da pequena.

Ela poderia não ter nascido de mim. Mas definitivamente havia nascido para mim. Ela era
minha filha, eu estava indo lutar por ela.
Sete
André

Ela era noiva! Noiva!

O quão idiota eu fui por não perceber ou simplesmente perguntar se ela tinha alguém em sua
vida?

No momento em que ele disse que era seu noivo, eu olhei para ela e esperei que ela dissesse
que ele estava brincando, que era apenas uma brincadeira de mau gosto. Ou que ele fosse algum
amigo ou algo assim. Mas ela não o fez. Um nó doloroso se formou em meu peito, vindo do nada e
eu me vi incapaz de reagir. Apenas sabia que deveria sair dali o mais rápido possível e foi o que
fiz.

Deixei-me envolver rápido demais, coisa que nunca havia feito em minha vida. Só que me
envolvi a tal ponto, que acabei ignorando tudo que acontecia ao meu redor. Obvio que uma mulher
como ela não estava disponível. Alice era um pacote completo. Linda, inteligente, carismática, tudo
que qualquer homem poderia querer.

Só que o querer não era o suficiente para tê-la.

***

No domingo mesmo que não tivesse que trabalhar fui para o hospital ver a Valentina. Eu já
havia pesquisado na internet sobre adoção e na segunda ligaria para minha ex-namorada, que é
advogada, para ver o que poderia fazer para finalmente darmos inicio ao processo.

Tentei não pensar muito sobre Alice. Estava me tornando tão patético, que cheguei até mesmo
a pensar que se ela me desse alguma esperança de futuro, faria de tudo para fazê-la feliz,
inclusive casar-me com ela na hora que quisesse se fosse preciso.

Mas eu não podia pedir para que ela tentasse uma coisa, que eu sabia que ela não
arriscaria. Alice havia acabado de me conhecer. Ela jamais trocaria o certo pelo duvidoso. Nem eu
faria isso em seu lugar. Só que eu não podia continuar a pensar sozinho em situações hipotéticas,
porque “e se” não poderiam fazer parte da minha vida agora que eu seria pai da Valentina.

Como se não bastasse passar as duas últimas noites insone, ignorando as mensagens e a
vontade de ir até Alice e pedi-la para largar dele e ficar comigo, porque até eu estava
começando a me achar insano. Não tive animo para academia quando a manhã de segunda feira
chegou e a primeira coisa que soube quando cheguei para o meu plantão, foi que Valentina
estava em estado grave e instável.

Fiquei fora de mim. Estava envolvido demais e não poderia ser seu médico dessa maneira e
sabendo que eu daria tudo de mim para ela, controlei minhas emoções e fui atender minha
pequena. Assim que entrei para que pudesse ver o que estava acontecendo, soube que seu estado
havia se agravado nas primeiras horas da manhã, após entrar em estado de choque e ter um
sangramento na região do umbigo.

Eu sempre lutava pelos meus pacientes. Dava tudo de mim para dar-lhes a chance e muitas
vezes até mesmo ajudar a “voltarem” a vida. Mas a cada vez que eu perdia um paciente, era
como se fosse a primeira vez. E saber que quem estava partindo era apenas uma criança inocente,
com tanto para viver, não facilitava em nada a sensação de perda e incompetência que me
assolava naqueles momentos.

E eu já havia prometido que estaria ao seu lado, não poderia permitir que Valentina morresse
pelas minhas mãos. Eu nunca me perdoaria caso isso acontecesse.

Fizemos todos os procedimentos necessários e após termos feito tudo para que a estabilizasse,
diagnosticamos que ela estava com um quadro de hipotermia, causada pela infecção. Agora ela
continuaria à base de antibióticos, sendo monitorada com mais atenção, cuidando ainda mais para
que seu quadro não piorasse.

***

À tarde mandei uma mensagem para Thuany, dizendo que precisava falar com ela e que
assim que tivesse uma folga iria até seu escritório. Limitei-me a dizer que iria precisar de sua ajuda
como advogada, não falaria por mensagem sobre um assunto tão sério e eu a conhecia muito bem
para saber que ela certamente surtaria se eu fizesse isso.

O restante do dia, me revezei em atender na emergência e a cada intervalo que tinha,


voltava para UTI para verificar como a pequena estava reagindo e felizmente não tivemos mais
surpresas ruins durante o restante do dia.

Sai da UTI um caco. Físico, mas principalmente emocionalmente. Eu precisava de um banho, um


jantar reforçado e da minha cama para descansar. Só não sabia que daria de cara com Alice,
assim que passasse pela porta.
― André, o que está acontecendo? Não me deixaram ver a Valentina. Ninguém me deu
informações sobre ela. Você não me atendia. ― ela começou a falar, nitidamente preocupada.

― Está tudo bem agora, Alice. ― falei, um tanto seco e segui até o balcão, onde comecei a
passar algumas informações para seu prontuário, tentando manter a tranquilidade que eu não
sentia estando em sua presença.

― Como assim está tudo bem agora? O que aconteceu, André? Pelo amor de Deus! ― seu tom
de voz alarmado me fez ter pena por estar punindo por não poder ser quem eu preciso.

Estava sendo injusto. Alice não havia me prometido nada. Nós nem ao menos tínhamos tido
nada para que eu pudesse me sentir magoado dessa maneira.

Por isso respirei fundo e pedi a Deus que me desse forças mais uma vez naquele dia.

― O quadro da pequena está instável. Ela teve uma piora e desde então temos feito tudo
para que ela se estabilizasse.

― Ela está bem? ― perguntou com lágrimas nos olhos.

― Sim. Felizmente está. ― assegurei.

― Eu posso vê-la? Por favor.

― Me desculpe, Alice. Mas não posso permiti sua entrada. Ela está debilitada. Passou por
muita coisa hoje. Amanhã talvez eu possa abrir essa exceção.

Eu queria abraça-la. Eu precisava. Não apenas porque sabia que nesse momento ela precisava
do meu abraço, mas porque eu precisava do seu. Só que meu instinto de autopreservação não
permitiu que eu desse o braço a torcer.

― André, não me trate como se fosse uma paciente qualquer. ― falou em tom magoado e eu
engoli em seco. ― Eu não sou qualquer uma.

Não. Ela não era. Eu sabia disso.

Mas também não podia deixar que ela entrasse mais. Eu havia praticamente me escancarado
para ela, mas só que permitir que ela continuasse a me envolver era um erro. Um erro que eu não
poderia cometer uma outra vez.

― Me desculpe. Eu só estou cansado. ― tentei remediar, mas acabei usando uma desculpa que
era apenas em parte verdade.
Eu apenas não poderia ser injusto. Ela estava preocupada, não poderia fazer isso com ela!

― Eu tentei falar com você desde sábado. ― Alice falou, quando eu finalmente terminei de lhe
contar todas as complicações que a pequena teve e eu suspirei.

― Alice, eu só achei que era melhor evitar trazer problemas para você. Seu noivo certamente
não ficou feliz com a minha presença aquele dia. ― minha voz saiu mais amarga que eu esperava
que saísse.

― Sobre o Caio, eu ia te contar... Eu...

― Você não me deve satisfação, Alice. Nós acabamos de nos conhecer. Você não era
obrigada a me dar um diário da sua vida apenas porque eu estava babando por você. ―
resmunguei, mal humorado, mas me enganei em achar que ela retrucaria, pois um sorriso lindo e
sexy surgiu em seu rosto.

Puta merda! Por que eu tenho de achar tudo sobre ela atraente?

― Por que está sorrindo? ― perguntei, ficando irritado.

― Porque você acabou de admitir que estava babando por mim. ― ela disse e apesar de
sorrir, seu rosto corou.

É. Eu disse isso mesmo! Como sou idiota!

― Podemos conversar? Quem sabe um jantar? ― ela perguntou, antes de segurar minha mão.

― Eu não sei. Eu estou cansado, Alice. O plantão foi realmente puxado. Eu não dormi bem
depois de sábado. E essa situação com a Valentina me deixou completamente esgotado. ― me
afastei e passei a mão em meu cabelo, tentando manter meu controle.

Ela tinha um noivo, cara! Não posso esquecer isso!

― Eu entendo. Mas eu só queria que tivéssemos uma privacidade maior para conversarmos. Eu
tomei uma decisão e gostaria de dividir com você. Por favor. ― seu olhar e tom de súplica
acabaram derrubando o restante das minhas defesas.

Droga! Como eu poderia dizer não a ela?

― Ok. Se você não se importar, poderíamos ir ao meu apartamento. ― sugeri, mesmo não
sabendo se poderia ser uma boa ideia. ― Você gosta de massa? ― perguntei incerto e ela sorriu.
― Adoro.

***

No caminho para meu apartamento, contei para Alice como seria o tratamento da Valentina de
agora em diante. Dando ênfase na importância de cada fase. Eu era médico e sabia o quanto era
difícil para todos. A vida do bebê internado na UTI neonatal é cheia de altos e baixos. São
pequenas vitórias e revezes inesperados, seguidos de novas conquistas.

Eu sabia o quanto Alice estava envolvida com a Valentina. A cada pergunta que ela fazia, a
cada vez que ela falava da pequena só provava o quanto ela estava ali por ela. Eu sei que ela é
noiva. Que ela tem alguém em sua vida, mas de alguma maneira saber que ela talvez pudesse
apoiar minha decisão de adotar Valentina, só ajudava a fortalecer isso.

Chegamos ao meu apartamento e Alice olhava tudo ao nosso redor com curiosidade, como se
quisesse realmente conhecer cada pedacinho dali. E de alguma maneira estranha, eu gostei de
notar que ela parecia não apenas se encaixar ali, mas também gostar.

Eu ganhava razoavelmente bem como médico, não tão bem como ela certamente deveria
ganhar sendo sócia de um escritório advocatício, mas bem o suficiente para poder pagar um
apartamento confortável de classe média alta, que eu orgulhosamente havia terminado de pagar
a pouco tempo.

Eu não era um exímio cozinheiro, mas quando moramos sozinhos aprendemos a nos virar. E se
eu não tivesse a certeza do quanto a minha massa era boa, certamente não arriscaria um convite
de jantar nem para meu pior inimigo se o tivesse. Coloquei a água na panela e enquanto esperava
ela ferver, deixei Alice no sofá respondendo alguns e-mails, enquanto tomava um banho.

Quando voltei, a agua já estava no ponto e tratei logo de colocar a massa, antes de começar
a preparar o molho carbonara. Alice perguntou se eu precisava de ajuda, mas não esperou que
eu respondesse antes de começar a me ajudar.

Não sei explicar a sensação gostosa de contentamento que se espalhou dentro de mim, mas
apenas parecia certo tê-la ali e me vi inconscientemente desejando que ela fizesse parte desse
universo que era apenas meu, mas teria o maior prazer de chamar de “nosso”.

***

― Hm... Está delicioso. ― ela gemeu assim que experimentou o macarrão e eu sorri orgulhoso
do meu trabalho.
― Bom saber. Espere até você experimentar meu prato especial. ― falei, pomposo.

― E seria?

― Macarrão instantâneo com salsicha. ― confessei, nos fazendo rir.

― Não vejo a hora de experimentar. ― Alice falou e eu sorri, antes de mais uma vez lembrar-
me que eu não poderia criar esperanças.

Droga! Como fui me apaixonar tão rapidamente assim?

― Eu terminei com ele. ― ela disse, interrompendo o silêncio constrangedor que havia se
formado diante de nós e eu fiquei sem ação por alguns instantes.

― O que você disse? ― perguntei, querendo ter certeza de que eu havia escutado realmente
isso.

― André. ― ela disse meu nome e suspirou, antes de continuar: ― Não estava dando mais
certo entre nós. Depois que você saiu de lá, eu apenas fiz o que tinha de fazer. ― mais outro
suspiro. ― Tentei falar com você no momento em que você deu as costas para mim, mas eu
simplesmente não consegui. Eu tinha que conversar com Caio. Resolver-me com ele de uma vez por
todas, mas em respeito aos dez anos que passamos juntos. A tudo que vivemos. ― ela segurou
minha mão e disse olhando diretamente para mim: ― Me desculpe. Eu deveria ter te dito que havia
outra pessoa. Mas apesar de ter errado em não lhe contar toda verdade logo, eu devia aquela
conversa. Devia isso a todos nós. ― falou e eu assenti.

― Alice, eu nunca fui um cara de relacionamentos. Nunca tive alguém que eu gostasse e
quisesse manter em minha vida. E embora as coisas tenham acontecido rápido demais, eu não tenho
dúvidas do que quero.

― Eu também não. ― ela falou sem hesitar, embora sua pele branquinha estivesse ruborizada.

― Então para onde vamos a partir daqui? Diga-me o que você quer. ― eu tive que lhe
perguntar, porque eu ainda estava receoso com tudo e sabia que eu precisava saber se eu não
estava nessa página sozinho.

Alice pareceu tão surpresa com minha pergunta direta, que parou o caminho que o garfo com
macarrão fazia.

― O que eu quero? ― ela perguntou.


― Sim, Alice. Eu preciso saber. O que você quer comigo?

Se antes era apenas um rubor, agora depois de colocar seu garfo no prato, seu rosto estava
completamente envergonhado. Mas apesar da sua timidez, eu já a conhecia o suficiente para
saber que ela não se intimidaria com isso. Ela abriu a boca e, em seguida, deu de ombros, antes
de responder exatamente o que eu queria:

― Você.

Meu coração disparou e por um momento eu não me sentia como se fosse capaz de falar.

― Eu? ― agora eu parecia um estupido.

― Eu quero você, André. Eu realmente quero ficar com você. ― ela disse, corando ainda mais.
― Eu estive com apenas uma pessoa ao longo da minha vida e quando eu decidi que não a queria
mais, também sabia que eu queria ficar com você. É louco, insano... Mas eu quero. Quero isso. Nós
dois... E isso inclui a Valentina... Eu não sei se é isso que você quer...

― É claro que eu quero. ― respondi, sem hesitar.

― É? ― Ela perguntou e eu ri, sentindo-me mais leve e completo do que me senti algum dia.

― Eu achei que você soubesse, porque para mim você parece tão surpresa, como se não
pudesse acreditar que eu possa querer ter um relacionamento e quem sabe daqui a algum tempo
formar uma família com você. ― Ela sorriu e balançou a cabeça.

― Eu também quero isso. ― confirmou e eu ri. ― Hoje eu dei entrada ao processo de adoção.
Vou adotar a Valentina.

Mais uma vez essa mulher me surpreende. Mostrando para mim o quanto estamos ligados.
Reafirmando que eu tenho feito as melhores escolhas desde que me permiti apaixonar-me e
envolver-me por ela.

― Acho que pensamos parecidos. Era exatamente isso que eu faria essa manhã, mas diante as
circunstancias, tive que adiar isso.

― Você quer adotá-la? ― perguntou.

― Sim.

― Você quer ficar com ela e comigo? ― Meus lábios se curvaram em um sorriso e meu
coração disparou forte em meu peito.
― Eu acho que queria isso desde o primeiro momento que as vi. Eu queria você. Mas também
quero ter a chance de ser seu pai. Eu estive esperando para falar sobre esse assunto com você,
mas confesso que estava assustado com tudo. Talvez também estivesse com medo de você não
querer a mesma coisa que eu. Eu não consigo descrever o que sinto por você nesse momento, Alice.
Mas desde a primeira vez, isso apenas tem se intensificado. É misterioso, inexplicável, avassalador,
mas é sublime e verdadeiro. Parece tão pouquinho o quanto nos conhecemos, mas a sensação que
eu tenho é que nos conhecemos desde muito antes. E eu não me importo em te dizer, apenas quero
que você entenda, que eu amo você, quero ficar com você e serei capaz de tudo, moverei o mundo
para fazê-las feliz.

O olhar emocionado em seu rosto apenas me confirmou que eu havia dito e estava fazendo a
coisa certa. A fome esquecida, o jantar completamente ignorado, levantei-me e fui até ela. Peguei
Alice pelas mãos, fazendo com que ela levantasse, antes de puxá-la para mim. Passo meus braços
ao redor da cintura, olhando diretamente nos seus olhos digo:

― Estou falando sério, Alice. Se você me quer de verdade, você me tem. ― afirmei e ela
pressionou a palma das mãos em meu peito.

― Eu quero você de verdade.

― Isso é bom. Porque eu te quero muito. ― disse, antes de abaixar meu rosto em direção a
ela.

Quando me aproximei de seus lábios, eu quase pude sentir o sabor doce de seus lábios
carnudos. Eu sabia que quando finalmente meus lábios tocassem nos seus, eu estaria perdido e não
teria mais volta para nós. Mas eu realmente não me importava de fazer essa viagem sem volta. Na
verdade, eu queria desesperadamente fazer essa viagem.

Antes que ela pudesse falar, eu varri meus lábios nos dela. Foi apenas um roçar de lábios, mas
o choque que viajou através do meu corpo, quase me fez perder o ar dos meus pulmões.

― Acho que estou com grandes problemas com você, ruiva. ― sussurrei baixinho e ela riu
gostosamente, mas o som se perdeu quando eu finalmente pressionei minha boca contra a dela.

Era como se o mundo ao nosso redor estivesse parado. O contato parecia certo, tão necessário
quanto respirar. O beijo foi suave e lento, mas quando ela deslizou suas mãos em meu cabelo, para
descê-la a minha nuca, eu aprofundei o beijo, dando a ela o que ela silenciosamente pediu e eu
tão desesperadamente precisava.
Meus lábios deslizaram sobre os dela, nossas línguas duelando de uma maneira deliciosa e
sem igual. Seu gemido gostoso aqueceu meu sangue, fazendo com que tudo de mim se resumisse
apenas a ela. Alice tinha gosto de suco de morango que ela tomava e algo mais doce que parecia
ser só dela.

Automaticamente minhas mãos caíram para os seus quadris e eu apertei-a contra mim,
levantando-a do chão. Ela correspondeu, suas pernas logo se enrolaram em volta da minha cintura
e não demorou para que estivéssemos contra a parede, encaixando nossos corpos juntos, como se
precisássemos nos fundir.

Essa noite beijá-la era tudo o que eu tinha planejado, mas nesse momento, a sensação do seu
corpo contra o meu foi a minha ruína. Eu já estava perdido nela. E juntos nos perdemos da forma
mais gloriosa possível.
Oito
Alice

A noite havia sido maravilhosa. Perdi senso de tudo quando nossos lábios finalmente se
encontraram, exceto do seu corpo e do quanto eu o queria para mim, mais precisamente dentro de
mim. Nós não transamos ou fizemos sexo, nós fizemos. Foi uma loucura, delicioso, maravilhoso,
sublime. E eu parecia não conseguir o suficiente dele. E ele parecia sentir o mesmo por mim.

Estar com André, beijar sua boca, fazer amor com ele, estar em seus braços, em sua vida, era
simplesmente onde eu deveria estar. E ainda que tudo entre nós tivesse acontecendo na velocidade
da luz, eu não tinha porque temer, porque sabia que o que havia entre nós era verdadeiro.

A manhã chegou depois da nossa primeira noite juntos e eu não queria abrir os olhos,
justamente porque não queria acordar desse doce sonho que eu estava vivendo. Mas André
conseguiu ser bem persuasivo e a forma como me acordou, tomando tudo de mim, acabou de se
tornar a minha forma preferida de acordar.

Eu tinha uma audiência hoje e não poderia perdê-la. Por isso, não poderia visitar a Valentina
pela manhã e mesmo que André tenha ligado para hospital e se informado sobre seu estado de
saúde, me garantindo que estava tudo bem, ainda assim fiquei com o coração apertadinho, doida
para vê-la.

Depois de um banho juntos, ele nos preparou um café da manhã delicioso. Seus plantões eram
apenas nas segundas e quintas e com exceção dos domingos que eram livres, o restante dos dias
ele atendia no ambulatório do hospital mesmo. Por isso marcamos de nos encontrar para o almoço
e depois dele iríamos juntos ver a pequena.

Como estava sem carro, André fez questão de deixar seu carro comigo e como eu precisava
chegar ao fórum em menos de uma hora, não discuto, antes de seguir para o apart hotel que seria
minha casa por tempo indeterminado e trocar de roupa.

A audiência foi tranquila. A vitória era certa. Era um caso de tentativa de assédio sexual. A
vítima era minha cliente, e aluna do segundo ano do ensino médio, que covardemente estava sendo
chantageada pelo seu professor de química.

Felizmente o covarde não conseguiu chegar às vias de fato e a situação entre eles foi apenas
verbal, por gestos e escrito, visto que ele a assediava até mesmo por mensagens. Caso contrário,
ele poderia inclusive ser enquadrado por estupro.

O caso foi montado com bastantes provas fornecidas pela vítima, que tinha além das
mensagens enviadas por ele, também uma gravação em que provava que ele a estava
chantageando e também as gravações da câmera de segurança que a própria escola forneceu
quando foi feita a denuncia pelos pais da garota.

Só que a situação do indivíduo se agravou ainda mais quando outras duas alunas, tomaram
coragem após serem incentivadas pela iniciativa da minha cliente, também provaram que foram
assediadas por esse mesmo professor.

O réu foi condenado a três anos de prisão. Para mim isso ainda era pouco, comparado ao
estrago psicológico que ele causou a essas garotas, mas eu fiquei aliviada em saber que ele pelo
menos não faria mais mal a nenhuma garota inocente. E saber que estamos começando a
realmente lutar contra violência contra nós mulheres, me dava esperanças de que em um futuro não
muito distante, talvez pudéssemos viver em um mundo muito melhor.

***

Voltei para o escritório, pois depois da audiência tinha uma reunião com o pai do ex-
namorado da Thuany e depois disso seguiria de lá para o hospital. Quando cheguei, minha
secretária me informou que ela já estava na minha sala com meu cliente e eu entrei justamente no
momento em que eles riam de alguma coisa que ele havia dito.

Thuany era de uma cidade pequena do interior do estado e como segundo havia me dito, sua
família era vizinha há muitos anos da família do seu ex e como eu já sabia, ela gostava muito de
todos eles e eles realmente pareciam se dar muito bem.

― Olá. ― eu disse, ao passar pela porta.

― Oi, Ali. Desculpe invadir sua sala, mas eu não sabia se você demoraria muito no fórum e
por isso não quis deixar Tio Carlos plantado na sala de esperas. ― Thu se explicou.

― Imagina, Thu. Sem problemas. Não se preocupe com isso. ― estendi minha mão para o
senhor moreno e bem apessoado que estava diante de mim e me apresentei: ― Como vai, Sr.
Carlos? Meu nome é Alice Boaventura, sou amiga da Thuany e sua nova advogada. ― ele sorriu e
quando fez isso eu tive a ligeira impressão de que já conhecia esse sorriso de algum lugar, só não
sabia dizer qual.

― O prazer é todo meu, Alice. Fico feliz em saber que irei ser representado por uma moça
tão bonita e simpática como você. ― falou e eu sorri, sem jeito.

― Tio Carlos, assim o senhor fará Alice se apaixonar. Não acho que tia Maria vá gostar de
saber que você veio para cidade apenas destruir um pobre coração. ― Thu brincou e eu ri.

― Jamais faria isso com essa adorável moça, Thutuca. ― brincou, beijando minha mão como
um cavalheiro, me fazendo corar fortemente.

Meu telefone tocou e eu o peguei apenas para me certificar se era alguma novidade de
André, mas era só mais uma mensagem de Caio que eu estava ignorando propositalmente.

― Algum problema, amiga? ― Thu perguntou, parecendo preocupada e eu forcei um sorriso.

― Não, era apenas Caio querendo conversar. Ele ainda não aceitou bem saber que eu
realmente sai de lá. ― confessei, enquanto Sr. Carlos nos olhava com curiosidade.

― Ele estava aqui quando cheguei hoje de manhã. Perguntou se eu sabia onde você estava,
porque ele tentou falar com você e você não o respondeu. ― deu de ombros. ― Eu me limitei em
responder que você estava em uma audiência.

― Problemas com homens? ― Sr. Carlos, perguntou parecendo realmente interessado.

― Não. Eu apenas terminei um noivado há poucos dias.

― E ele não aceitou bem isso? ― insistiu.

― Acho que não. Estávamos há dez anos juntos. Erámos noivos. Morávamos juntos há algum
tempo já. Acho que talvez demore um tempinho para que ele se acostume. ― dei de ombros.

― Sabe, às vezes eu não entendo vocês jovens. Meu filho parece fugir de relacionamentos,
quando eu vejo que ele claramente precisar de alguém. Já minha filha, tem um ótimo
relacionamento e ao invés de formalizar as coisas, acha normal adiar os planos do casamento e
morar com ele. ― fez uma careta engraçada.

― O que o senhor já está falando de mim, em Papai? ― uma voz conhecida perguntou e eu
me virei para a porta para ver a Taci, irmã de André, passando por ela. ― Alice? ― ela
perguntou, ao mesmo tempo em que eu:

― Taci?

― Eu não posso acreditar que você é a amiga da Thu que ela falou que será a advogada do
papai! ― exclamou, vindo ao meu encontro, animada para me abraçar.
― Nossa! Que surpresa! ― falei, porque realmente estava surpresa. Jamais imaginaria que
encontraria com eles aqui.

― Vocês se conhecem? ― Thu parecia surpresa.

― Sim. Conhecemo-nos. André levou a Alice foi jantar com a gente lá em casa no sábado. ―
Taci explicou, com seu jeito expansivo de ser.

― Você conheceu o André também, Ali? ― pareceu ainda mais surpresa. ― Pera ai. Você
disse que o André levou alguém para jantar na sua casa? Ok. Essa para mim foi definitivamente a
maior surpresa de todas. ― Thu terminou de falar e sorriu para mim de uma forma maliciosa e eu
a conhecia muito bem para saber que ela já havia sacado que estava acontecendo algo entre nós
dois. Mesmo que eu tenha propositalmente ocultado essa parte sobre nós.

E só depois dela dizer isso, que eu me dei conta que esse André, o meu André, também era o
André que era seu ex-namoradinho de adolescência.

― Ah! Então você é a adorável moça que minha filha não para de falar e o meu filho me
disse que eu iria conhecê-la em breve? ― Sr, Carlos perguntou, com um sorriso satisfeito no rosto.

― Acho que sim. ― respondi, antes de rir sem jeito.

Olhei para Thuany, para encontrar no olhar da minha melhor amiga algo como: “Agora eu
entendi tudo, sua safada!”

― Pai, não deixe a Alice constrangida, coitada. Deixe para mamãe fazer isso nas reuniões de
família em casa. ― Taci disse, fazendo com que os três começassem a rir e eu me visse com o rosto
cada vez mais quente de vergonha.

― Vou adorar ver essa cena. Tio, será que não tem dois lugares à mesa, um para mim e outro
para o Marcos? Não podemos perder a Alice sendo bombardeada por perguntas pela tia Maria,
do tipo sobre o casamento iminente e futuros netos. ― eles voltaram a rir e eu queria matar minha
amiga, antes de finalmente poder me enfiar em um buraco.

― Claro que sempre teremos um lugar para você, Thutuca. Agora por favor, parem de deixar
minha nora constrangida. ― Sr. Carlos falou, acabando de acabar comigo.

***

― Oi. ― eu disse, assim que cheguei para nosso encontro em frente ao hospital.
― Oi, linda. ― André beijou meus lábios suavemente. ― Vamos? ― concordei e ele segurou
minha mão, antes de seguirmos caminhando para um restaurante que tinha ali do lado.

Não demoramos a chegar e logo fizemos nosso pedido. Como estava faltando ao minha ioga
nos últimos dias, pedi apenas uma salada caeser e André um bife ao molho madeira. Para
acompanhar, pedimos suco de graviola e sorrimos um para o outro quando ambos falaram ao
mesmo tempo no momento em que o garçom perguntou.

― Então... ― ele começou a falar, ao mesmo tempo em que acariciava suavemente meu rosto.
― Recebi uma mensagem me ameaçando e uma ligação interessante do meu pai agora a pouco.
― disse, tentando controlar o riso e pela milionésima vez naquele dia me vi corando.

― Meu Deus! Não quero nem imaginar o que ele tenha te dito. ― cobri meu rosto com as
mãos. ― Eu definitivamente não esperava encontrar seu pai. Muito menos imaginava que você
fosse o ex-namorado da Thu que o Marcos tem tanto ciúmes.

― Não se preocupe com isso, amor. Eu já queria que você o conhecesse mesmo. Queria
aproveitar que ele estava na cidade para fazer isso. Mais cedo ou mais tarde meu pai teria que
conhecer minha namorada. Então melhor que seja cedo. ― paralisei com suas palavras, mas ele
apenas continuou, como se não tivesse dito nada demais: ― E sobre a Thuany, você como amiga
dela deve saber que a Thu é apenas uma boa e especial amiga para mim. Erámos muito novos e
inexperientes quando namoramos. As coisas entre nós não deram certo justamente porque não
eram para ser. ― ele beijou-me docemente, antes de completar: ― E saber que você é amiga da
Thutuca, só reafirmou o que eu já sabia: Não foi o acaso que fez com que a gente se encontrasse,
de uma forma ou de outra nós nos encontraríamos. Apenas era para ser.

Como resistir a isso?

***

Já de volta ao estacionamento do hospital, nós estávamos animados para passar um pouco de


tempo com a pequena, quando uma ambulância encostou-se à entrada da emergência e de dentro
dela os socorristas correndo, começaram a retirar a maca com uma paciente desacordada. E
quando me olhos focaram, me choquei com o rosto conhecido que vi ali.

― Rebeca. ― sussurrei seu nome.

Oh meu Deus! O que havia acontecido com ela?


Nove
Alice

Eu não sabia o que tinha acontecido com ela, pois os socorristas não disseram muita coisa
enquanto entravam com ela pela emergência. Fiquei sem saber como reagir, estava preocupada
demais com o que poderia ter acontecido com ela para que precisasse dar entrada na
emergência. André, no entanto me acalmou e me garantiu que iria em busca de informações.

Ele percebeu o quão preocupada eu estava com a minha amiga e por isso achou melhor
cancelar suas duas últimas consultas daquele dia, pois me disse não querer me deixar sozinha e
que eu estivesse alegando que estava tudo bem.

Ele também ligou para Thu, lhe contando sobre o que havia acontecido com nossa amiga e
exatamente como imaginei que aconteceria, ela também ficou preocupada e garantiu que assim
que saísse da sua audiência, daria um jeito de vir direto para cá.

Por mais louca que estivesse para ver minha filha, achei por bem não visita-la. Ela ainda
estava fraca do susto de ontem e eu não queria passar minha preocupação para pequena.
Quando eu tivesse a certeza que Rebeca está bem, ficaria o tempo que permitissem que eu ficasse
com ela na UTI.

― Amor, falei com um dos enfermeiros que estava no atendimento quando sua amiga chegou.
― André disse, assim que chegou da sua procura por informações.

― E o que ele disse? ― perguntei, temerosa, pois sua cara de preocupação não escondia que
a situação dela não parecia ser boa.

― Sua situação é delicada. ― falou com pesar.

― Delicada? Como assim?

― Quando foi à última vez que você a viu? ― perguntou com cuidado.

― Na sexta-feira. ― respondi, mesmo que não estivesse entendendo o motivo da sua


pergunta.

― E a que horas foi isso? ― insistiu?

― Não sei... Foi um pouco antes de o expediente acabar. Acho que era um pouco depois das
quatro da tarde.

― Você não notou nada de diferente nela? Ela não parecia diferente do que você estava
acostumada?

― Não... Quer dizer... ― ponderei. ― Ela parecia um pouco nervosa. Eu não a via há algum
tempo. Dois meses, três meses eu acho. Ela disse que queria conversar comigo, mas não tivemos
tempo para conversar porque Caio apareceu. ― respondi, mas olhei para ele e perguntei: ― Por
que você está perguntando isso?

― Vem comigo, amor. ― ele pegou minha mão e entramos em um consultório, que parecia
estar vazio e nos sentamos no pequeno sofá que havia ali. ― O que os socorristas passaram para
nós, foi que sua amiga estava no aeroporto, quase de partida para São Francisco, quando então
passou mal e alguém chamou por socorro.

― São Francisco? Nos Estados Unidos? ― perguntei e ele acenou. ― O que ela ia fazer lá?
Que eu saiba ela estava morando em Paris.

― Eu não sei. O que sei é que foi feito o pedido de socorro e a trouxeram para cá, pois
encontraram e sua bolsa uma solicitação médica de exame, pedido por um médico aqui no hospital.
Então como poderia ser alguma remissão do que a fez vir para o hospital no sábado, acharam
melhor trazê-la aqui, já que ela estava desacordada e aqui teriam o seu histórico médico.

― Ela esteve aqui no hospital no sábado? ― o interrompi para perguntar.

― Sim. No sábado ela deu entrada na emergência alegando dores abdominais fortes.
Segundo ela as causas eram suas cólicas menstruais. O médico que a atendeu achou melhor fazer
um exame mais detalhado, ela não queria, queria apenas um remédio para aliviar a dor e depois
de muita insistência acabou dizendo que faria o tal exame. Só que ela fugiu do hospital, não fez
exame algum.

Eu não estava entendendo.

― Então ela está com problemas? ― tive que perguntar.

― Amor, problema não chega nem perto. ― ele suspirou, parecendo pensar direito em como
me diria. ― Rebeca está com uma hemorragia fortíssima e ela sabia disso, pois carregava consigo
absorventes para evitar que vazasse. O fato de ela ter se negado socorro mesmo sabendo disso,
apenas prejudicou sua situação. O médico que a atendeu não tem dúvidas: Ela passou por um
parto ou como ela omitiu isso do médico que a atendeu, acreditamos que tenha sido um aborto
completo.

Oh meu Deus!

― Você não sabia que ela estava grávida, não é? ― ele perguntou, quando me viu chocada
e eu neguei.

― Há alguns meses ela decidiu vender sua sociedade no escritório e sem nos dizer muita coisa,
disse que estava se mudando para Paris.

― Eu acho que ela já estava grávida quando isso aconteceu, linda. ― ele disse com cuidado.

― Er... Não sei. Isso talvez faça sentido. ― concordei. ― Mas por que será que eu acho que
você ainda não me disse tudo, André? ― perguntei, vendo claramente o pesar em seu olhar.

― Porque eu ainda não disse. ― respirou fundo, como se estivesse ganhando forças para
continuar a falar: ― Os exames preliminares feitos antes da cirurgia, só reafirmaram o que um
exame em sua bolsa dizia: Rebeca estava grávida, sim. Estava grávida de cerca de 28 semanas.

Ai. Meu. Deus.

― Isso... Você... Quer... Er... Não... Que... ― gaguejei, sem sequer conseguir formar uma frase.

― Sim, amor. Eu não acho que tudo isso seja coincidência. Tenho certeza de que foi a Rebeca
quem deixou a Valentina naquele banheiro quando você a encontrou.
Dez
Alice

Rebeca que realmente passar por uma cirurgia. Só que sua hemorragia estava pior do que os
médicos acharam que estivesse e devido a uma infecção do pós-parto, os médicos não tiveram
alternativa a não ser fazer a retirada do seu útero. Por ironia e por castigo do destino, ela não
poderia mais ter filhos.

Eu ainda não sabia como me sentir diante tanta novidade. Ainda não entendia que motivos ela
poderia ter para esconder uma gravidez dos seus amigos. E como se não bastasse isso, abandonar
a própria filha, um bebê inocente, no chão do banheiro, como se não fosse nada.

Mas embora tudo isso me enfurecesse sobremaneira, eu estava ali em seu quarto, um dia após
a sua cirurgia. Ela ainda não havia acordado desde que chegara ao hospital. Mas eu estava ali.

Passei a noite sem conseguir dormir direito. André ficara a noite inteira tentando me convencer
a esperar um tempo para conversar com ela, pois estava preocupado comigo, mas eu disse que
ficaria bem quando soubesse toda sua verdade.

Queria apenas entender o que a tinha levado a fazer tudo isso. Queria entender como uma
amiga tão doce poderia ter sido tão vil e cruel. Como poderia ter agido dessa forma com uma
pessoa inocente, que em nada tinha a ver com seus erros. Mas ainda assim foi deixada a própria
sorte.

Ainda não sabia como reagiria quando ela acordasse. Não sabia também se estava
preparada para isso, pois estava ansiosa e não de uma forma boa.

Estava respondendo alguns e-mails com os casos que havia passado para os advogados,
enquanto estivesse ausente. Foi então que na tela piscou uma mensagem.

“Soube da Rebeca. Espero que ela esteja bem. Você ainda está no hospital com ela?

Estou voltando para Recife hoje. Queria conversar com você quando voltasse, Ali.

Não podemos simplesmente acabar com nossa história assim.

Eu amo você.
Saudades, Caio.”

Fiquei algum tempo lendo e relendo sua mensagem. Não sabia o que lhe responder. Também
não estava com paciência para lidar com Caio agora. Eu já havia dito tudo a ele. Sabia que nossa
história havia sido longa, mas não tinha porque tornarmos longo nosso término e postergar o que já
era certo.

Como as coisas não estavam sendo de acordo como ele queria, temia que lhe dizer minha
localização o levasse até ali. Não queria esse confronto agora. Não quando Eu tinha coisas mais
importantes, como a Valentina para me preocupar.

“Não, não estou. Tive algumas coisas para resolver.

Desculpe, Caio. Mas não sei o que você poderia queria conversar, quando claramente não
temos mais nada a dizer.

Boa viagem, Caio.

Beijos, Alice.”

Respirei fundo e fiquei por algum tempo pensando como seria daqui para frente, visto que
Caio e eu podemos não ser mais noivos, mas ainda somos sócios do escritório. Teria que pensar
sobre isso quando ele voltasse.

Segui para o banheiro e lavei meu rosto. A noite passada definitivamente estava cobrando
seu preço. Estava com olheiras enormes causadas pela noite sem dormir e isso só fazia com que
minha pele já branca, parecesse ainda mais pálida.

Sequei meu rosto com papel toalha e peguei o balm labial para passar em meus lábios. Estava
com a mão na maçaneta, prestes a sair do banheiro, quando foi surpreendida pela voz da
Rebeca.

― O que está fazendo aqui? ― ela perguntou e o seu tom de voz alarmado, me fez pensar
duas vezes antes de sair pela porta e ver quem estava com ela.

A pessoa com quem ela falava, era certamente alguém que ela não queria ver. O que talvez
justificasse suas atitudes, apesar de não ser desculpa para fazê-las.
― Eu disse a você que era meu último aviso. Disse que era para você ir embora.

A voz não que falou, não apenas surpreendeu-me, como também me deixou incapaz de
acreditar que isso era verdade e que era realmente ela quem estava ali.

― Caio. ― sussurrei para mim mesma.

Meu Deus! Não poderia ser!

― Caio... ― Rebeca voltou a falar. ― Er... Eu tentei ir embora. Juro que tentei. Mas passei mal
e fui trazida para o hospital desacordada. Ainda nem sei como cheguei agora. Onde estou. ―
Rebeca parecia desesperadamente querer se explicar e ele riu sem humor algum.

― Diga a verdade, Rebeca. Você queria era me foder! ― disse em um rosnado.

― Não... Eu...

― Por que então você voltou, Rebeca? Eu disse que era para você sumir. Disse para dar um
jeito de se livrar dessa criança. Mas o que você fez, sua idiota? Não me obedeceu! Voltou e foi até
o escritório atrás de Alice com o único intuito de me foder! ― sua voz agora soou ameaçadora de
uma maneira que eu não reconheci ter ouvido um dia.

Meu Deus! Eu não podia ficar aqui parada sem fazer nada!

Rapidamente digitei uma mensagem:

“ Ainda estou no quarto da Rebeca, me tranquei no banheiro. Caio está aqui. Eles não sabem
que estou aqui. Acho que ele é o pai da criança. Acho que ele deve tê-la ameaçado de alguma
maneira, porque ela parece estar com medo dele.”

Como sabia que aconteceria, a resposta não demorou:

“Cacete! Não saia dai e não deixe que eles saibam onde está! Fique calma, meu amor. Estou
indo ai e levando os seguranças comigo.”

Eu não pretendia sair. Ainda estava paralisada e surpresa demais com tanta coisa
acontecendo ao mesmo tempo. Não conseguia fazer nada além de respirar.

Além do que, se Rebeca estava com medo de Caio de alguma maneira, era porque ela
certamente sabia que ele era capaz de fazer alguma coisa contra ela. Eu não seria tola em me
expor assim.

― Você deve estar se deliciando né? Porque Alice além de ter encontrado aquele feto que
você cuspiu, ainda por cima me abandonou. Disse que queria terminar. Não queria mais se casar
comigo. Ainda por cima saiu de casa, como se eu fosse um merda qualquer. Então me diga: Você
tem algo a ver com isso?

― Não... Não... Caio. Eu nem ao menos sabia que vocês dois haviam terminado. Eu não falo
com Alice desde sexta. Eu juro. Estive mal durante todo o final de semana. Tentei ir para o hospital,
mas acabei fugindo quando quiseram me examinar, porque eu não queria deixar rastros. Quando
você me ligou, me mandando ir embora, eu apenas não pude porque minha hemorragia estava tão
forte, que eu nem mesmo me aguentava em pé.

― Ai você resolve passar mal e vir parar justamente onde aquele ser está internado? ― ele
perguntou com desdém.

― Ela está viva? ― Rebeca perguntou, parecendo realmente chocada.

― Vai me dizer que você não sabia disso, vadia? Confessa que você planejou isso. Planejou
levar essa gravidez adiante. Planejou fazer com que nossos amigos depois ficassem comovidos. E
enquanto isso, ficasse me chantageando com o bebê e tudo mais.

― Eu não sabia, Caio. ― ela chora. ― Eu jurava que a bebê estava morta quando a deixei lá
naquele banheiro. ― ouça-a fungar. ― Prometo que assim que estiver melhor, pego minha filha e
sumo de uma vez por todas da vida de vocês. Juro que jamais contarei a ninguém sobre o desvio
de dinheiro, seus negócios e também sobre o Pai da Alice.

No momento em que ela disse isso, eu quase deixo o celular cair, pois desde que André me
enviou a mensagem, meu lado advogada falou mais alto e eu havia começado a gravar o que
conversavam. Eu pensei que talvez pudesse usar o que eles disseram no processo de guarda da
Valentina, mas agora eu acho que descobriria muito mais.

Apenas a menção do meu pai fez meu coração saltar, fazendo-o quase chegar à boca.

O que eles têm a ver com meu pai?

― Mas é claro que você não falará nada a ninguém, Rebeca. Afinal, defunto não dá com a
língua nos dentes.
― Solte ela. Agora!

Foi instintivo. Eu sabia que se não saísse do banheiro naquele momento, ele poderia mata-la. O
que eu certamente não permitiria que acontecesse, nem com a pior pessoa do mundo. Além disso,
se Rebeca morresse, eu poderia jamais saber o que eles tinham a dizer sobre meu pai.

Eu era uma advogada conceituada, que havia colocado alguns maus elementos atrás das
grades nesses poucos anos de profissão. Exatamente por isso meu pai achou que seria melhor que
eu pudesse me defender caso eu precisasse. E por isso agora eu apontava uma arma para ele.

― Alice. ― ele murmurou meu nome, realmente chocado por eu estar ali, mas isso não o fez se
afastar dela.

Ao contrário de Caio, Rebeca parecia chorar não apenas de alívio, mas também de vergonha,
de medo.

― Solte ela, Caio. Agora. ― repeti, de forma ameaçadora e ele se afastou.

― Você não está entendendo. ― ele tentou dizer.

― Não, Caio. Eu entendi. Você é um crápula que me traía com ela. Mas ainda assim não posso
permitir que você a machuque. Então se afaste dela e vocês dois me contem o que sabem sobre
meu pai. ― ordenei, ainda apontando a arma para ele.

― Cale a boca, Rebeca! ― ele gritou para ela, mas ainda assim se afastou, quando percebeu
que eu não me intimidaria por ele.

― Durante todos esses anos Caio e eu mantivemos um caso. Eu sempre achei que ele pudesse
te deixar, mas ele nunca fez. Eu era idiota e ainda assim me subjugava. Há pouco tempo descobri
sobre os desvios que Caio fazia no escritório e passei a usar isso ao meu favor. Só que de alguma
maneira ele conseguiu reverter todas as provas contra mim. Dinheiro no exterior. Obras
superfaturadas com a minha assinatura. E quando eu descobri a gravidez, ele apenas riu e disse
que se eu não tirasse essa criança e não fosse embora, ele usaria tudo isso contra mim e me
colocaria atrás das grades. ― confessou e ele começou a rir.

Meu Deus! Como ele era sínico!

Durante dez anos eu estive literalmente dormindo contra o inimigo. Alguém que eu realmente
não conhecia. Alguém que definitivamente nunca existiu. Eu estava cada vez mais enojada.

― E onde meu pai entra nessa história? ― perguntei, porque por mais chocada que eu
estivesse, eu tinha de saber.

― Seu pai começou a desconfiar de nós dois, Alice. ― foi Caio quem disse, parecendo sem
paciência.

― Ele matou seu pai, Alice. ― ela disse, em um sussurro.

― Não. Você está errada. Meu pai teve um AVC, quando estava...

― Eu e Caio costumávamos nos encontrar em um apartamento que ele costumava usar comigo
e com suas outras vadias e seu pai o seguiu. De alguma maneira seu pai conseguiu contornar a
segurança e subiu até lá. Caio abriu a porta e ele o confrontou. Eu estava lá, eu vi. ― falou com
pesar, chorando sem parar e eu inevitavelmente comecei a chorar também. ― Caio não matou
diretamente, mas indiretamente sim. Quando ele passou mal, eu tentei socorrê-lo, mas Caio não
deixou que eu fizesse. Ele me segurou e impediu que eu fosse até ele. Ficou assistindo seu pai
agonizar e quando eu fui até ele já era tarde demais

Durante tanto tempo eu me perguntei o que havia acontecido para que me pai tivesse tido um
AVC, quando ele tinha uma saúde perfeita, por mais que tivesse passado dos quarenta. Eu sabia
que esse tipo de coisa poderia acontecer com qualquer um e Caio além de ter deixado que ele
morresse, me deixou acreditar que havia sido uma fatalidade, quando na verdade ele era o único
culpado.

― Como... Você... Pode? Como pôde negar socorro para meu pai! ― eu gritei, ensandecida,
apontando a arma em sua direção.

― O que você vai fazer, Alice? Atirar em mim? Você sabe que não vai! ― provocou.

Não conseguia sequer assimilar o fato de que poderia existir uma pessoa tão ruim assim, que
achava normal brincar e machucar as pessoas. Quantas pessoas não haviam sido machucadas por
ele? Quantas pessoas não sofreram por sua causa?

― Meu pai era tudo que eu tinha, Caio. Tudo. Você sabia disso! ― grito e o fato dele não
sentir um pingo de pesar pelo que fez, me deixa ainda mais fora de mim.

Meu Deus! Ele deixou que meu pai morresse!

― Ele iria me tirar você! Contaria toda verdade! Você ia me largar! ― grita, parecendo nem
um pouco arrependido.

― Você é louco! Louco!


― Ok. Eu sou louco. E dai? Agora vocês já sabem de toda a história. Nada do que eu fiz será
desfeito. Mas vocês também não podem fazer nada contra mim. Não tem prova alguma de que eu
roubei, matei ou ameacei. ― sorriu, sínico.

― Na verdade tem. ― eu levantei meu celular onde estava onde mostrava o aplicativo que
gravava nossa conversa e no mesma hora em que disse isso, a porta do quarto se abre e por ela
dois policiais entram e vão em sua direção.

― Senhor Caio. O senhor está preso. Você tem o direito de permanecer calado e responder
apenas na presença dos seus advogados. Porque qualquer coisa que disser pode ser usado contra
você.

― Amor, você está bem? ― André entrou, me puxando contra si, antes de olhar para mim por
inteira, como se quisesse ter certeza de que eu estava bem.

***

Eu estava abalada com o que havia acontecido, mas ainda assim segui para delegacia para prestar depoimento. André não saiu

do meu lado em momento algum. Ele disse que estaria sempre comigo e quando ele disse isso, pela primeira vez em tanto

tempo eu soube que não estava mais sozinha.

Caio estava preso e por todos os crimes que cometeu, ele ficaria preso por um bom tempo. Eu
sinceramente esperava que ele apodrecesse lá dentro. Rebeca também seria processada e já
havia sido chamada a comparecer a delegacia assim que tivesse alta.

Horas depois voltamos para o hospital, porque apesar de querer desesperadamente


descansar depois de tudo isso, eu precisava mais do que tudo da minha pequena. Eu precisava da
sua força. De saber que apesar de tudo eu a tinha também.

Estávamos indo em direção a UTI, quando uma enfermeira chegou alarmada e disse as
palavras que me fizeram perder o chão.

― Dr. André, Dr. André... ― respirou fundo, como se tivesse acabado de correr uma maratona
e continuou: ― Estávamos tentando falar com o senhor. Sinto muito, Dr. O Doutor não estava aqui.
Fizemos tudo o que pudemos, mas infelizmente ela se foi. ― disse com pesar.

Não conseguia ver mais nada ao meu redor. Ouvia as pessoas em torno de mim, mas não
conseguia assimilar nada que não fosse o conforto do abraço do homem que eu amava. Eu
chorava copiosamente, sem conseguir me conter, sem conseguir me controlar, sendo embalada por
ele.

Ele tentava falar comigo, mas ainda assim eu não ouvia. Eu não queria chorar mais. Não
queria mais continuar a chorar por uma dor que eu sabia que sempre carregaria. Eu havia
perdido mais uma pessoa que eu amava. Todos aqueles que amam de alguma maneira acabam
indo. Por isso eu sabia que eu precisava chorar. Colocar para fora a dor de mais essa perda que
eu sentia. De uma perda que eu certamente jamais me cicatrizaria.

Chorei e chorei. E não queria sentir mais nada e agarrei de bom grado o momento em que fui
levada pela a escuridão.
Epílogo
Às vezes precisamos de tão pouco para ser feliz. Mas às vezes também precisamos enfrentar
nossos fantasmas, para podermos finalmente seguir em frente e quem sabe ter a chance de ser
feliz.

Haviam passado oito meses desde aquela tarde. Haviam passado oito meses em que
desmoronei de uma forma que eu achei que não fosse capaz de me reerguer.

Por isso agora eu estava aqui. Frente a frente ao seu tumulo. E lhe dizia as palavras que por
tanto tempo eu precisei dizer, mas não tive forças para fazer.

― Desculpe demorar a aparecer. Eu só não sabia o que dizer. ― limpei minha garganta. ―
Na verdade eu sabia, porque a única coisa que eu posso fazer é lhe agradecer. Agradecer pelo
presente, que mesmo sem querer tu me destes. Agradecer por ter me dado à honra de ser mãe,
mesmo que eu não tenha gerado-a em meu ventre. Por direito de coração, não por imposição da
biologia. Agradecer pela benção, e desde o dia em que Deus colocou-a em meu caminho que eu a
amo de coração e agradeço por ter tido essa sorte. Pois desde o primeiro instante despertou em
mim um amor incondicional. É minha filha, hoje e para sempre, independentemente da tirania da
biologia, das imposições do sangue, da própria vida, pois eu a sinto meu onde mais importa: no
coração! Obrigada por tudo.

Quando terminei de falar, senti uma mãozinha em meu rosto, como se quisesse limpar minhas
lágrimas e garantir que estava ali para mim. Eu sorri, olhando para minha linda pequena guerreira
valente, minha Valentina, que sorria de volta para mim com o sorriso banguelo mais lindo que
poderia existir. Meu anjinho lindo e abençoado.

Eu não podia colocar em palavras o quanto eu era feliz por tê-la em nossas vidas e
justamente por isso, que precisei vir até o túmulo de Rebeca, que faleceu naquele dia, para lhe
agradecer por ter me dado tamanho presente.

Lembro a dor que eu senti ao pensar que a quem a enfermeira se referia era a pequena e
quando ela disse isso, não consegui ouvir mais nada, nem mesmo André tentando me dizer que
nossa filha estava bem.

Depois do mal entendido, foram dias de luta com a Valentina na UTI. Mais uma luta que lutamos juntos, como uma família deveria

fazer. Com um mês de nascida, eu havia mudado tudo e criado uma nova rotina para minha vida. Via-
me dividida entre o escritório, onde eu passava o mínimo de tempo possível, e o hospital, que era o
lugar onde eu me via cada vez mais presente.

Valentina foi crescendo mais a cada dia. Ganhou peso e mesmo ainda sendo tão pequena,
ficava cada vez mais forte. Saber disso me fazia feliz. Fazia-me feliz poder acompanhar suas
pequenas vitórias a cada dia.

André continuou sendo seu médico, o melhor que ela poderia ter e não me surpreendi em nada
sua dedicação para com a pequena, eu sabia que ele seria assim. Nós sabíamos que ele fazia por
ela muito mais do que um médico qualquer fazia, afinal ele era o pai da pequena que era nossa.
Ele foi incansável na busca pela sua vitória e essa vitória também foi dele.

As semanas foram se passando e André tinha respeitado o tempo que eu havia pedido para
nós, pois apesar de ter certeza de quanto o amava, queria fazer as coisas com calma. Não
porque eu não tinha certeza do que queria, mas porque além da Valentina ser nossa prioridade no
momento, havia acontecido tanta coisa, que uma “pausa” se fez necessária. Só que a cada dia que
passava não tinha como negar que a conexão entre nós estava cada dia mais forte. E não
demorou muito para que eu me rendesse e lhe dissesse “sim”.

A primeira vez que pude pegá-la em meu colo, foi como se um pedaço meu finalmente houvesse
voltado para o lugar e esse pedaço eu sabia ser a pequena que eu carregava nos braços.

Olhava para ela tão linda, tão pequena, tão nova e indefesa, mas desde seu nascimento já
estava lutando pela vida e era impossível não me perguntar como Deus podia permitir que alguém
tão pequeno passasse por tudo isso. Eu pedia desesperadamente a Ele que ela pudesse vencer
isso e sair dali.

Viver no ambiente de UTI, era exatamente o que diziam ser: Eram pequenas vitórias e outros
dias em que parecíamos dar alguns passos para trás depois de dar um para frente, mas logo
seguidos de novas conquistas. Não há um dia em que não se chore, seja de alegria ou tristeza.

O importante é não desanimar enquanto não chega o grande dia: voltar para casa forte e
saudável nos braços dos pais. E esse dia finalmente chegou.

Era como um momento da consagração. Havia passado tanto tempo ali dentro, vendo mães e
bebês entrarem e saírem dali, que parecia até ter um ritual de celebração: os funcionários e as
mães de UTI fazem um corredor polonês e a mãe e seu bebê são aplaudidos enquanto saem. Mas
não é um aplauso curto, um aplauso de parabéns. É um aplauso misturado com muitas, muitas
lágrimas. Era como se todos ali festejassem a vitória daquele bebê e desejasse o mesmo para as
próximas.

Por André ser o médico responsável por quase todas as crianças que estavam ali, Valentina
parecia ter um carinho e cuidado maior por parte de todos. As pessoas, tanto médicos,
enfermeiros, funcionários, mães de pacientes, até mesmo os pequenos pacientes vibravam por ela e
quando ela finalmente pode comemorar essa vitória, não apenas a UTI, mas todo o hospital
pareceu entrar em festa.

Valentina estava com seis meses quando isso aconteceu. É como se neste dia eu tivesse
realmente conseguido mostrar ao mundo porque tinha tanto orgulho dela. Mostrar ao mundo que a
pequena era o nosso maior troféu.

Eu fiquei tanto tempo planejando detalhes minuciosos do casamento com Caio, mas hoje eu sei
que nada disso importa quando não se está com a pessoa certa, não existe casamento perfeito.
Depois do lindo pedido de casamento que meu marido me fez, eu só fiz um pedido a ele: que nos
casássemos apenas no civil, porque cerimônia, festa, eu só iria querer passar por isso quando
nossa pequena estivesse ao nosso lado e pudesse compartilhar desse momento conosco.

Depois do nosso casamento no civil, que aconteceu no dia do aniversário de dois meses da
pequena, nós ganhamos mais uma batalha, que foi finalmente conseguir sua guarda. Guarda esta
que também foi devidamente comemorada por nós, mas sem dúvidas não teve comemoração
melhor do que finalmente pudemos ter a chance de tê-la no seio do nosso lar.

Hoje Valentina estava com oito meses, era uma menina doce, meiga, inteligente, apaixonada
pelo pai e eu não poderia poder querer mais para minha vida. Só que mais uma vez Deus foi
generoso conosco e Valentina terá um irmãozinho em breve. Mais precisamente daqui a cinco
meses.

A cada vez que eu olho para minha filha e meu marido é impossível não pensar no quanto sou
sortuda. Nada saiu como planejado. Eu tive muitas perdas, decepções na vida. Só que isso ficou
para trás. Afinal, nem sempre o que sonhamos ou planejamos é o que nos fará feliz.

Mas hoje eu tenho meus três amores e sei que quem me deu tantos presentes não foi à sorte.
Não foi o destino ou até mesmo o acaso. Quem me deu a honra de tê-los foi Deus e eu não
poderia estar mais feliz pelo nosso amor.

Nosso amor nos levou muito mais além do que esperávamos, ou imaginávamos. Levou-nos mais
além do que sonhávamos. O amor uniu não apenas dois corações, duas pessoas, dois corpos e uma
só alma. Ele uniu uma família.
Minha pequena família me ensinou a viver. E hoje eu vivo, vivo por motivos, vivo para fazê-los
sorrir, para fazê-los feliz. Não vivo um amor por acaso, vivo apenas para amá-los.

Fim...
Você quer ajudar uma criança, mas não sabe como?

1. Ajude um orfanato com doações

2. Apadrinhe afetivamente uma criança

3. Faça trabalho voluntário

4. Participe do Programa Família Acolhedora

5. Adote uma criança

Faça sua parte!


Ajude!
Você poderá mudar a vida de uma criança e fazê-la Feliz!
Sobre a Autora
Míddian Meireles
Filha única e nada mimada. Mas ainda assim eu era aquela
menina que trocava um quarto de brinquedos, por uma caneta e
um papel mesmo antes de aprender a escrever. Era aquela que
escrevia no diário sobre o seu dia a dia, mas também sobre seus
medos, sonhos e desejos. Aquela que odiava Matemática, mas
adorava Redação. Hoje, Mãe, esposa, amiga, viciada em
maquiagem e sapatos. Aquela em que seus fiéis companheiros
para a Insônia são os livros e por essa paixão resolveu usar a
imaginação e escrever suas próprias histórias.

Contato: contato@mimeireles.com

Perfil | Grupo Face | Página Face | Site | Wattpad

Outras obras da Autora:

~Série Destino ~

- ERA UMA VEZ O AMOR – Primeiro livro da Trilogia Era uma Vez

- ERA UMA VEZ OUTRA VEZ – Segundo livro da Trilogia Era uma Vez

~Série Destino ~

- UM CASAMENTO QUASE REAL – Primeiro Livro da Série Real

- UM AMOR REAL – Segundo Livro da Série Real

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