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Copyright © 2017 Diane Bergher

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos

descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança

com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Camille Chiquetti

Capa: Layce Design

Diagramação Digital: Layce Design

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São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte

dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o

consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98

e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Prefácio
Prólogo
Penélope
Capítulo 1
Penélope
Capítulo 2
Penélope
Capítulo 3
Felipe
Capítulo 4
Penélope
Capítulo 5
Penélope
Capítulo 6
Felipe
Capítulo 7
Penélope
Capítulo 8
Penélope
Capítulo 9
Felipe
Capítulo 10
Penélope
Capítulo 11
Penélope
Capítulo 12
Felipe
Capítulo 13
Penélope
Capítulo 14
Penélope
Capítulo 15
Felipe
Capítulo 16
Penélope
Capítulo 17
Penélope
Capítulo 18
Felipe
Capítulo 19
Penélope
Capítulo 20
Penélope
Capítulo 21
Felipe
Capítulo 22
Penélope
Capítulo 23
Penélope
Capítulo 24
Felipe
Capítulo 25
Penélope
Capítulo 26
Penélope
Capítulo 27
Felipe
Capítulo 28
Penélope
Capítulo 29
Penélope
Capítulo 30
Felipe
Capítulo 31
Penélope
Capítulo 32
Penélope
Capítulo 33
Felipe
Capítulo 34
Penélope
Capítulo 35
Penélope
Capítulo 36
Felipe
Capítulo 37
Penélope
Capítulo 38
Penélope
Capítulo 39
Felipe
Capítulo 40
Penélope
Capítulo 41
Penélope
Capítulo 42
Felipe
Capítulo 43
Penélope
Capítulo 44
Penélope
Capítulo 45
Felipe
Capítulo 46
Penélope
Capítulo 47
Penélope
Capítulo 48
Felipe
Capítulo 49
Penélope
Capítulo 50
Penélope
Epílogo
Felipe
Nota da Autora
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Um amor para Penélope promete ser uma revolução para os livros de época, visto que se
passa no Rio de Janeiro em plena Belle Époque. Esta é uma época pouco conhecida pelos leitores
devido à alta contextualização de Londres em livros famosos, o que não soa de forma ruim, porém
pouco valoriza a linda cultura brasileira.
Penélope e Felipe são um dos casais mais revolucionários aos quais tive a honra de
conhecer, e sim, uso a palavra conhecer pela forma com que a autora os descreve, fazendo com
que eu me sentisse presente no enredo. Uma verdadeira particularidade presente em todas as
obras da mesma. Acredito que as Crônicas da Sociedade Carioca, uma coluna de fofoca da
época, também deu um charme a mais ao livro e fico imensamente honrada de ter sido convidada
para escrever algo tão importante na construção da obra.
Em meio a tantas intrigas e comentários invejosos, toda a trama vai se desenrolando e nos
transforma de meros expectadores para participantes ativos do enredo. Caracterizo, para mim,
essa narração como uma das melhores nas quais tive o prazer de ler.
Cinthia Basso
Sentia um aperto muito forte no peito. A ansiedade crescia cada vez mais dentro de
mim. Aquele corredor escuro me deixava ainda mais nervosa. O banco em que estava sentada era
frio e duro. Papai estava há horas dentro da sala da Madre Superiora. Meu futuro estava sendo
decidido. O que seria de mim? Sentia um medo terrível quanto ao meu futuro, não queria ser
largada num convento. Meu Deus, eu nem fiz 15 anos ainda! E se papai não voltasse mais para o
Brasil e me esquecesse aqui para o resto da minha vida? Eu poderia estudar, sim, eu poderia
estudar e ser uma mulher instruída, mas as oportunidades para as mulheres já não são boas para
quem tem uma família, imagine para quem não tem.
— My daughter! – Meu pai se aproxima. — Darling, a Madre Superiora lhe aceitou aqui
pelo tempo que for necessário.
— Papai, eu não quero ser uma freira!
— Sim, angel, eu sei que não quer ser uma freira. A Madre me garantiu que ninguém lhe
forçará a seguir a vida religiosa. Deixei uma contribuição generosa para sua estadia. Além disso,
nomeei um tutor para você. E é claro que você poderá contar com sua madrinha, Penélope. – Papai
pega uma de minhas mãos e beija. — Desculpe-me, angel, não esperava deixá-la sozinha justo
agora que sua mãe não está mais entre nós. – Faziam 6 meses que mamãe havia falecido, vítima
de uma forte gripe. Eu havia passado a maior parte destes últimos meses na casa da minha
madrinha, a viúva de um rico banqueiro, no Rio de Janeiro, onde papai havia me buscado há 5
semanas para retomar nossas vidas em São Paulo.
— Eu compreendo, papai! Mas sinto medo. – Olhei para baixo e alisei a minha saia lilás.
Meu estômago embrulhou e um nó subiu pela garganta. Papai iria viajar para a Inglaterra e eu
iria ficar sozinha. Eu nunca havia ficado sozinha antes. — E se o senhor não conseguir voltar,
papai?
— Oh, minha filhinha... Não posso mentir para você. É uma mocinha e há a possibilidade de
eu não voltar, querida. – As lágrimas inundaram meus olhos. Algo dentro de mim dizia que papai
não voltaria. — Se por alguma razão, eu não voltar, você não ficará desamparada, angel. Tem
minha palavra que nada lhe faltará, Penélope.
— Eu o amo, papai! Você é meu único parente vivo. – Eu queria que um buraco se abrisse
embaixo de meus pés e eu pudesse entrar dentro dele. Eu queria gritar para o mundo que não
importava meu conforto financeiro, eu apenas queria estar ao lado do meu pai.
— Angel, não tornemos tudo mais difícil. – Ele se esforçava para não demonstrar fraqueza.
— Você precisa ser forte e prometer que irá se cuidar e se comportar. Se eu pudesse, eu lhe
levaria junto, querida. Mas você sabe que não seria apropriado. – Eu concordei com a cabeça. —
Quero que saiba que carregarei você sempre no meu coração. Agora, prometa para seu velho
pai.
Ergui os ombros e sequei minhas lágrimas antes de responder.
— Eu prometo, papai! Serei uma boa garota, forte o suficiente! – Dei uma fungada e
abracei meu pai, pois poderia ser meu último abraço. — O senhor promete que me escreverá?
— Sempre que puder, eu escreverei, filhinha! – Ele beijou minha testa e puxou minha
cabeça para seu peito. Notei ele tirar um lenço do bolso e conduzi-lo até seus olhos. Ergui minha
cabeça e percebi que seus lindos olhos azuis estavam cheios de água. Ele me amava, era certo, e
estava sofrendo, assim como eu sofria. — A Madre tem o endereço do meu advogado, ele será
seu tutor e também de sua madrinha. Suas coisas foram levadas para seu quarto.
Uma dor profunda rompeu meu coração. Havia chegado o momento de me despedir do
meu pai, o meu único parente vivo. – Papai, o senhor promete que não me esquecerá?
— Claro que não, angel! Como poderia esquecer de minha princesa! Você sempre será
minha joia mais rara. – Ele depositou um beijo em cada uma das minhas bochechas, depois mais
dois em cada uma das minhas mãos. — Agora, preciso ir! – Levantou-se e aprumou-se, limpando
sua impecável casaca e colocando o chapéu na cabeça. — Adeus, my sweet girl.
— Adeus, papai! – Fiquei ali sentada naquele corredor frio e úmido, apenas olhando meu
pai se afastar.
A dor da despedida não cabia mais dentro de mim. Em menos de 6 meses, eu havia não só
perdido minha mãe, mas também meu pai e, no fundo da minha alma, eu sabia que o havia
perdido para sempre.
Eram 10 horas da manhã e o sol estava a pino. Fazia muito calor no Rio de Janeiro.
Também pudera, era início do mês de março. Estava sentada numa charrete de aluguel com destino
à chácara de verão da família Gusmão de Albuquerque. A matriarca da família, minha madrinha,
encontra-se adoentada e solicitou minha ajuda. Conforme a charrete avançava no caminho, as
árvores e o clima serrano da Grande Tijuca me lançavam numa nostalgia profunda. O ar fresco
da floresta atingiu minha face, fechei os olhos e inspirei o cheiro da mata.
Não podia acreditar que a madrinha estivesse tão doente como havia escrito no bilhete. Ela
esteve comigo em São Paulo há 40 dias e estava com boa aparência. Mas se ela estivesse me
pregando uma peça, não iria escapar de uma boa puxada de orelha. A madrinha era dada a
fricotes e podia muito bem, estar exagerando. É claro que, no final, acabaria apenas a beijando e
a mimando, era incapaz de repreendê-la.
— Senhorita, chegamos! – O condutor me avisou. Eu abri os olhos e me admirei com a
beleza do lugar. Havia me esquecido o quanto eu gostava da chácara de verão da família. Tirei
algumas moedas da minha bolsa e entreguei ao condutor, que me ajudou a descer do veículo. —
Obrigada, senhor!
— Agradecido, senhorita. Tenha uma boa estadia. – Ele me cumprimenta com um aceno de
chapéu.
Arrumei meu chapéu e passei as mãos pelo meu casaco. Meu Deus, aquele casaco estava
acabando comigo. Não entendia o porquê das pessoas copiarem a moda da Europa se aqui faz
mais calor. Peguei minha mala e fui em direção a porta. Dei duas batidas e logo fui atendida por
um criado muito bem vestido. Coisas da madrinha, pensei. Como ela mesma dizia, era filha de um
visconde e deveria primar pelo impecável.
— Bom dia, senhor! – Sorri para o homem sério.
— Bom dia, senhorita! Em que posso ajudá-la?
— Minha madrinha, a Senhora Gusmão de Albuquerque, me aguarda.
— Claro, deve ser a senhorita Penélope. – Eu assenti e fiz a reverência. Não podia ter um
berço de ouro, mas havia recebido a melhor educação que o dinheiro pudesse comprar. Ao menos,
era o que papai me dizia. — Acompanhe-me senhorita.
Atravessamos três enormes salões e chegamos numa espécie de biblioteca, sim, era uma
biblioteca muito bem iluminada. Grandes portas de vidros estavam abertas e era de onde entrava
uma agradável e refrescante brisa.
— Penélope, minha querida! Devia ter nos avisado que viria! Eu mandaria um carro ir
buscá-la no Centro!
— Não queria lhe causar incômodo, madrinha!
— Você e suas bobagens, minha querida afilhada. Venha e me dê um abraço! – Ela era
adorável! As covinhas no seu rosto apareceram assim que ela sorriu para mim. — Você está bonita
como sempre, querida!
— A senhora também parece muito bem, Dona Violeta! Fiquei tão preocupada com a
senhora. – Depositei um beijo no rosto dela.
— Não ando nada bem, Penélope! – Ela deu batidinhas no meu rosto. — Minha pressão
não anda nada bem. Não sei se passarei deste verão, querida. – Ela me puxa para a direção de
Flora, a filha caçula. — Flora, minha filha, venha até aqui e cumprimente a Penélope. – A garota
se levanta num farfalhar de saias de seda. Uma massa de cachos castanhos caíram sobre suas
costas.
Flora havia se transformado numa bela mulher. Vestia um conjunto de saia e blusa de seda
num rosa suave, delicadamente bordado num fio mais claro. Os cabelos estavam presos com uma
fita de cetim branca. Os olhos esverdeados remetiam a pureza de seu espírito. Me senti tão
pesada perto dela. Eu usava uma saia e um casaco lisos acinzentados. Meus cabelos pretos como a
noite estavam puxados para trás e presos num coque discreto. Havia me acostumado com aquelas
roupas e aquelas cores, afinal, havia me tornado uma preceptora.
— Bom dia senhorita Penélope. – Flora sorriu para mim.
Retribui o cumprimento com uma reverência.
— Apenas me chame de Penélope. Você está adorável!
— Obrigada! – Ela corou. — A senhorita que é muito bonita. Nunca vi olhos tão azuis! São
quase violetas.
— Alguém me chamou?
— Não, mamãe! Apenas estava a falar que os olhos da senhorita Penélope, quero dizer, da
Penélope, são tão azuis que chegam a ser violetas.
— Oh querida! São mesmo. Penélope é uma formosura de moça. Vamos ter que
encomendar um guarda-roupas novo para você, minha querida!
— Guarda-roupas novo? – Espantei-me com a colocação de minha madrinha. Para quem
estava com os dias contados, ela estava muito animada.
— Sim! Como bem sabe, estou adoentada e não poderei acompanhar a Flora em todos os
bailes e saraus, e claro que contarei com sua ajuda, meu bem. – A madrinha sentou-se numa
cadeira e deu leves batidinhas para que eu me sentasse ao seu lado. – Será perfeito, minha
querida! Assim você poderá circular entre os melhores partidos da sociedade carioca.
— Madrinha? Ai, ai... – Ela era impossível. Deveria ter imaginado que madrinha sairia com
uma das suas. — Não quero me casar. E mesmo se quisesse, não haveria um bom partido para
mim, sou uma simples preceptora, filha de uma antiga serviçal da casa dos seus pais.
— Você bem sabe que não é assim que as coisas são, não sabe? – Ela me olhou com
lágrimas nos olhos. — Deixe-me feliz, querida! Aceite mais esse encargo, se é assim que prefere
que as coisas sejam, chamemos de encargo e acompanhe minha Flora.
— Madrinha, não existe nada que a senhora não peça chorando que eu não faça sorrindo,
não é?
A madrinha levantou como um raio e começou a dar várias ordens, ao mesmo tempo em
que contava sobre a chegada do quarto filho de Berenice, a sua terceira filha, casada com um
médico de São Paulo. Fiquei chocada com a notícia. Eu e Berenice fomos muito próximas durante a
temporada em que vivi com a família. Temos praticamente a mesma idade, o que leva a triste
conclusão de que me tornei uma solteirona.
— Berenice ficará muito feliz em saber de sua chegada, Peny! – A madrinha continuava a
falar quando uma menina passa correndo com um furacão pela nossa frente. — Eloíse... Quantas
vezes eu tenho que falar-te para não correr como uma doida dentro de casa! – Minha madrinha
gritou atrás da menina. — Flora, vá atrás de Eloíse. Ela não pode continuar se comportando como
um moleque.
— Sim, mamãe! – Flora levantou-se e foi atrás da menina.
— Eloíse é minha neta. Filha do meu primogênito Felipe. Lembra-se do Felipe, querida? –
Confirmei, embora não me lembrasse muito bem dele. Sabia de sua existência e que era bem mais
velho do que eu. Acho que na época em que estive vivendo no palacete da família, ele estava
viajando para o exterior. — Ela é uma menina adorável, mas muito travessa. Não há preceptora
que dê conta dela. A última pediu demissão há dois dias. Nem quero ver quando Felipe descobrir.
— E a mãe dela? – Perguntei curiosa, pois deveria existir uma mãe.
— Infelizmente ela morreu de complicações no parto. Foi uma lástima.
— Mamãe, a senhora viu a Eloíse? – Uma voz grave veio das portas. Quando me virei,
avistei um homem elegante e muito bem vestido. Dentro de roupas de montaria, exalava
masculinidade por todos os poros. Assim que o fitei, reconheci aqueles olhos esverdeados. Era
Bento, meu querido amigo de infância.
— Peny!
— Bento! É você mesmo? – Levantei-me extasiada com o tamanho dele. Ele havia se
transformado em um lindo e forte homem. Ele me abraçou e eu corei de vergonha.
— Bento, isso é modos de cumprimentar uma dama?! Bem sei que vocês brincaram juntos,
mas Penélope é uma mulher feita agora e merece ser tratada como uma dama! – A madrinha
ralhou com ele.
— Desculpe-me, senhorita Penélope! – Bento fez uma reverência para mim e olhou para
sua mãe. — Mamãe, como a senhora não me comunica que Penélope nos visitaria? Eu sempre sou o
último a saber das coisas.
— Oras, oras... Se você ficasse um pouco mais em casa, convenho que saberia. Essa
criatura aqui, Peny, é um desnaturado de um filho. Só rezo que encontre uma boa moça e se case
logo para colocar um pouco de juízo!
Bento beijou a mãe no rosto.
— Peny, não dê ouvidos para minha mãe. Ela exagera. Mas conte-me sobre você! Conte-me
tudo, absolutamente tudo!
Penélope se perdeu no meio da conversa de mãe e filho. Havia se esquecido do quanto
aquela família falava. Flora se juntou e animou ainda mais o ambiente. Divertiu-se com as histórias
da família, chegou a gargalhar em alguns momentos.
Haviam se passado 10 dias desde minha chegada na chácara de verão dos Gusmão
de Albuquerque. A madrinha estava animada com os preparativos do que ela chamava de
enxoval meu e de Flora. Eu aproveitava os tempos livres para passear pela propriedade. A
natureza e a tranquilidade do lugar me faziam bem. Na maioria das vezes, Bento me
acompanhava. Eu gostava de sua companhia. Conversávamos sobre vários assuntos. Bento era um
homem inteligente e muito charmoso. As criadas da casa haviam me dito que era um dos melhores
partidos do Rio de Janeiro e que muitas das mocinhas casadouras brigavam a tapas pela atenção
dele. Estávamos dando uma volta no lago, naquela tarde, e resolvemos nos sentar num banco para
um pequeno descanso.
— Peny, você está diferente hoje! – Ele me fitou, enquanto eu fechava minha sombrinha.
— Deve ser a roupa. Sua irmã Flora me emprestou este vestido. Minhas roupas são mais
pesadas e quentes para o clima do Rio de Janeiro.
— Por que você não solta o cabelo, Peny? – Fiquei envergonhada e corei.
— Não sou mais uma menina, Bento. – Foi a única resposta que consegui dar.
— Deixe-me vê-la. – Bento puxou meu rosto para seu lado. Tirou os grampos que prendiam
meu cabelo e lentamente desenrolou-os. — Como eu imaginava que seria. Você se transformou
numa mulher magnífica, Penélope. – Não sabia o que responder ou para onde olhar. — Ei... Não
fique acanhada! Sou seu amigo Bento, lembra-se? – Eu assenti, mais ainda me sentia estranha com
a proximidade de Bento. Ele já não era aquele menino de antes. Era um homem feito e muito bem
feito, eu diria.
Eloíse gritou e Bento saiu correndo para ver o que tinha acontecido, para meu alívio. Não
queria problemas, estava tão perto de completar 25 anos e ganhar definitivamente a herança de
meu pai. Voltei a enrolar meu cabelo no coque de sempre. Era melhor assim. Eu e a vaidade nunca
conseguimos nos acertar muito bem. Houve um tempo em que eu quis parecer mais bonita, conhecer
um homem gentil e me casar. Mas as coisas nem sempre aconteciam como desejávamos. Crescer
sozinha me ensinou muita coisa, dentre as quais, que os homens podem nos trazer muitos problemas.
Meu pai poderia ter me deixado um bom dote, mas nada foi capaz de apagar o peso de ter
nascido bastarda. Nenhuma família de bem, era assim como se denominavam, aceitaria a presença
de uma bastarda, a não ser como preceptora das filhas e olha lá. Também existiam aqueles que
apenas me queriam como amantes e muitas foram as propostas que recusei. Não daria aos meus
filhos o mesmo destino a que fui fadada.
— Juro-te, Peny, Eloíse vai deixar meu irmão sem cabelos na cabeça. – Bento voltou a se
sentar ao meu lado.
— Ou, no mínimo, irão embranquecer logo! – Falei, deixando as divagações de lado. —
Faz pouco que a conheço, mas devo dizer que Eloíse é muito travessa.
— Você não acredita no que ela estava fazendo! Ela amarrou um ganso numa árvore e
estava tentando olhar dentro da goela do bicho. É lógico que o ganso bicou a menina no rosto!
Agora, diga-me, Peny, o que vamos dizer para o pai dela? Sem falar que ele vai enlouquecer
quando descobrir que a preceptora de Eloíse se demitiu. Mamãe acha melhor deixar para avisá-lo
quando partirmos. Presumo que saiba que vamos retornar à cidade no início da próxima semana. –
Eu assenti. — É uma pena, não acha? Gosto tanto daqui, de toda a tranquilidade deste lugar.
— Devo concordar com você, Bento! Retornar para a cidade e encarar uma lista
interminável de saraus e bailes não é nada animador. – Nós dois rimos.
Bento levantou-se e me ofereceu sua mão.
— Vamos, querida! Preciso resolver umas pendências financeiras da chácara e devo
acompanhá-la até a casa.
Percorremos todo o trajeto em silêncio, apreciando o canto dos pássaros. Bento se despediu
de mim e dirigiu-se à casa do administrador da chácara. Quando cruzei a porta, um vulto passou
por mim e um vaso se estilhaçou no chão. Uma voz grave chegou até meus ouvidos.
— Eloíse! – A voz vinha do andar de cima e aproximava-se da grande escadaria. —
Eloíse, é melhor você não se esconder, vai ser pior. – Dei alguns passos em direção da escada. —
Eloíse, não brinque comigo. – A voz parecia ficar cada vez mais grave. Senti umas mãozinhas
agarrando minha cintura. Olhei para baixo e vi Eloíse apavorada, tremendo muito.
— Eloíse, o que você aprontou dessa vez? – Perguntei.
— É meu pai... Ele acabou de chegar e está muito furioso porque a dona Socorro foi
embora. Ajude-me por favor, senhorita Penélope.
— Por que está com tanto medo, querida? – O coração de Eloíse dava saltinhos no peito.
— Ele vai me dar uma surra de cinto! – Fiquei chocada com o que ela acabava de me
dizer.
— Ah, mas não vai mesmo... – Senti um calor atrás de mim e a mesma voz grave chegou
aos meus ouvidos.
— E posso saber quem a senhora acha que é para me impedir de dar um corretivo em
minha filha? – Viro-me e dou de cara com dois olhos castanhos me encarando. Ele está tão próximo
de mim que consegui sentir o calor de sua respiração em minha pele. Meu Deus, ele é enorme. Os
cabelos castanhos caiam nos olhos. Segurava o cinto em uma das mãos. — Além disso, fique a
senhora sabendo que esta casa é minha. – Ele bufava.
— Claro que sei que o senhor é o dono desta casa e que Eloíse é sua filha. – Falei arcando
as costas para trás. Eloíse continuava agarrada na minha cintura. — Mas isto não lhe dá o direito
de bater nela. Vivemos em pleno século XX, afinal...
— Afinal o que?! Essa menina conseguiu espantar cinco preceptoras em menos de 4 meses!
Uma preceptora a cada 20 dias, aproximadamente.
— Mas isso não quer dizer absolutamente nada! – Ele arqueou uma sobrancelha. — Eloíse
é uma menina arteira, mas uma boa preceptora a teria colocado na linha.
— Ah claro... Além de não conhecê-la, agora a senhora ainda se sente confiante suficiente
para julgar a capacidade das preceptoras da minha filha. Quem a senhora pensa que é?
— Penso que sou uma preceptora! – Foi a única coisa que consegui falar. Aquele homem
era intimidante.
— Inferno! Mamãe já arrumou uma substituta. É incrível como eu sou sempre o último a
saber das coisas. – Virou-se e foi em direção ao balcão de mogno. Muito furioso, descansou os
braços em cima do móvel.
— Desculpe-me senhor, mas não sou a nova preceptora de Eloíse. – Ele voltou a me
encarar. — Eu acho que Eloíse deveria se retirar para seus aposentos, senhor. – A menina não
desgrudava de mim.
— Suba, Eloíse! Mas não pense que se livrou de conversar comigo.
A menina não pensou duas vezes e correu para seu quarto, deixando-me só com aquele
homem bestial e muito enfurecido.
— Com licença, mas devo me retirar também. Foi um prazer conhecê-lo.
Ele me pegou pelo braço assim que passei pelo seu lado.
— Não senhora! Quero saber quem é e o que faz em minha propriedade. – Apesar da
barba farta, tinha um maxilar forte. O seu olhar profundo me encarava. Senti um tremor invadir
minhas entranhas.
— Sou Penélope Lillian Ferreira. – Fiz uma reverência o mais formal possível. — Prazer em
conhecê-lo. Sua mãe, a senhora Gusmão de Albuquerque, é minha madrinha. – Tentei manter a voz
firme. — Acredito que o senhor não me conheça, pois as vezes que visitei sua família não fui
apresentada ao senhor.
— A senhora é uma convidada de minha mãe?
— Sim... Perdão... Mas ainda sou uma senhorita. – Ele arqueou novamente a sobrancelha.
Aquele gesto começou a me dar nos nervos. — A madrinha me escreveu solicitando minha
presença para ajudá-la.
Ele se serviu de uma taça de licor e sentou-se em uma poltrona que estava próxima.
— Desculpe-me, senhorita Penélope. Eloíse me deixa muito nervoso.
— Entendo.
— Acredito que não entenda o que é criar uma filha sem mãe. – Ele tomou um longo gole
do licor.
— Sinto muito, senhor. Porém, acredito que bater em sua filha não será a solução. – Ai meu
Deus, porque eu fui soltar isso? Ele arqueou a sobrancelha de novo e fechou a cara. Nunca tive
medo de cara feia, mas aquele homem começava a me dar medo. O jeito que me olha é estranho,
provoca-me calafrios. — Com licença, senhor Felipe. – Espero que ele se levante, um cavalheiro
sempre se levanta quando uma dama pede licença para se retirar, mas ele não se move.
— Aconselho que a senhorita não se intrometa mais nos meus assuntos. Sou o pai de Eloíse,
além de ser o chefe desta família desde o dia em que meu pai faleceu, sou eu quem decide a
melhor forma de educar minha filha.
Senti uma vontade louca de bater na cara daquele homem infernal. Engoli o desejo de
volta para meu estômago. Ele estava coberto de razão, ele era o chefe da família e o dono da
casa, quem eu era para chamar sua atenção? Mas se ele achava que eu iria me desculpar, ele
estava enganado. Ergui meu queixo e me retirei. Estava determinada a manter minha honra. Afinal,
eu era convidada da madrinha e não dele. Que ele e sua soberba fossem para o inferno.
Não consegui pregar o olho a noite inteira. Eu ainda não podia acreditar no que a
antiga preceptora de Eloíse havia contado para a governanta quando foi buscar seus pertences
no nosso palacete do Centro do Rio de Janeiro. Esperei alguns dias para ver se minha mãe ou
talvez meu irmão tivessem a decência de mandar algum aviso do ocorrido. Não só não enviaram
qualquer recado, como se fizeram de desentendidos quando toquei no assunto.
Já havia perdido a conta de quantas preceptoras Eloíse teve ao longo dos meses. Não há
outra explicação para o mau comportamento da minha filha a não ser o excesso de mimos que
recebeu. Estava determinado a dar-lhe um bom de um corretivo. Quem sabe uma boa surra de
cinto colocasse algum juízo na cabeça da menina. Quando eu achei que conseguiria colocar minhas
mãos nela, a danadinha se livrou e saiu correndo pela casa, aos gritos e pedindo socorro à avó.
Mas dessa vez, eu estava determinado e nem as súplicas da Dona Violeta, ou da Flora, seriam
capazes de livrá-la do castigo que lhe aguardava.
O que não esperava era encontrar uma mulher estranha para protegê-la. Ela vestia uma
roupa que parecia já ter sido usada pela minha irmã. Os cabelos estavam presos num coque baixo
e eram de um negro intenso. O mais impressionante na desconhecida foi o azul profundo de seus
olhos. Nunca, em meus 33 anos, vi alguém com olhos tão azuis. É claro que Eloíse estava agarrada
na saia da desconhecida. Penélope, esse era seu nome e é afilhada da minha mãe. Como nunca
ouvi falar nessa afilhada? E por que minha mãe havia convidado a afilhada para uma temporada
em nossa casa?
Durante o jantar, não bastasse todo o incidente com Eloíse, minha mãe ainda infernizou
minha vida, culpando-me pela ausência de Penélope no jantar.
— Felipe, como pode ser tão insensível com nossa convidada? Penélope é filha de uma
querida amiga. Seu pai ficaria horrorizado com sua falta de educação e civilidade. – O sermão só
findou quando me comprometi em me desculpar com a doce Penélope.
Sim, é assim que mamãe a chama: doce Penélope, que para mim de doce não tem nada.
Nunca vi uma mulher tão brava e durona na vida, sem falar naquele par de olhos azuis. Devo me
cuidar com aqueles olhos, são armadilhas para qualquer homem desprecavido.
Rolei mais algumas vezes na cama e desisti de voltar a dormir. Levantei e fui atrás do meu
relógio de bolso. Eram 6 horas. O calor infernal entrava pela janela aberta. O melhor era ir para
o jardim e dar um passeio. Lembrei-me da cachoeira que ficava próxima aos estábulos e, decidido
a ir me refrescar, vesti-me e saí dos meus aposentos. Talvez pudesse cavalgar antes do desjejum.
A água gelada foi revigorante. O mês de março estava sendo muito quente. Ao menos
dessa vez, as travessuras de Eloíse haviam me feito o favor de me tirar do Rio de Janeiro por
alguns dias. Nado até a margem do riacho e quando ergo a cabeça encontro um par de olhos
azuis me fitando. Penélope não conseguia esconder o susto diante de minha nudez parcial. Tenta
articular algumas palavras, mas não consegue pronunciá-las.
— Bom dia, senhorita! – É claro que ficaria constrangida, afinal, ainda era uma donzela. —
Posso ajudá-la em algo, senhorita Penélope?
— Ajudar-me? Não entendi! Não estou em apuros para precisar de ajuda. – Penélope
resmungou ainda com os olhos vidrados no meu corpo. Cruzei os braços e fiquei esperando sua
próxima reação. Ela arranhou a garganta e continuou. — Pelo contrário, quem precisa de ajuda é
o senhor. Onde estão suas roupas? – Penélope se virou de forma a me dar as costas. Suas
bochechas adquiriram uma cor rosada. Ela estava com vergonha e foi impossível segurar o riso.
— Na sua frente. – Respondo.
— Na sua frente o que? – Atrapalhada, ela pergunta.
— Minhas roupas, senhorita... Estão logo a sua frente. Poderia alcançá-las para mim?
— Ah sim... O senhor costuma nadar assim sempre?
— Assim como? – Era divertido vê-la constrangida.
— Sem roupas. O senhor deve admitir que não é um hábito recomendável a um homem que
ocupa uma posição como a sua.
— Não entendi!
— O senhor é um pai e chefe de família, como bem me lembrou ontem à noite. E sendo
assim, não deveria nadar por aí em roupas pouco apropriadas. – Touché, penso. A afilhada da
dona Violeta não deixa barato. — Como o senhor poderá exigir um bom comportamento de Eloíse,
se o senhor mesmo não dá o exemplo? Esses trajes não são nada...
— Senhorita Penélope, dê-me as roupas e, por favor, pare de falar.
— O senhor é um grosso. – Ela soltou. — Além de me expor a um momento íntimo, grita
comigo.
A reprimenda da minha mãe voltou na minha cabeça. Aquela mulher despertava o ogro
que mora dentro de mim, definitivamente.
— Senhorita Penélope, peço sinceras desculpas pelo meu comportamento de ontem e por
hoje também. Está coberta de razão. Agora, por favor, jogue-me as minhas roupas, assim poderei
acompanhá-la até a casa para o desjejum.
Num gesto rápido, Penélope jogou as roupas em minha direção. Vesti-me rapidamente.
— Pronto, pode abrir os olhos, se quiser. – Ela se virou e sorriu lindamente. — Agora, diga-
me o que a senhora faz tão distante da casa grande. Não é apropriado uma dama andar sozinha
essas horas da manhã.
— Vim tomar um pouco de ar fresco. A noite foi abafada e não consegui dormir direito.
Pelo que vejo, o senhor também não conseguiu dormir muito bem.
— Vamos! – Falei e ela esperou que eu oferecesse o braço para conduzi-la, mas não o fiz,
só para vê-la mais uma vez contrariada. Como permaneceu calada, resolvi falar. — Então minha
mãe é sua madrinha? – Ela assentiu. — Quero avisá-la que a senhorita é bem-vinda em nossa
casa, apesar de termos começado mal. Enfim, sinta-se à vontade em nossa propriedade.
— Obrigada, senhor! Logo que me desincumbir de minhas obrigações com sua mãe,
pretendo retornar para as minhas atividades em São Paulo.
Meu Deus, ela era muito direta e orgulhosa. Nem meu pedido formal de desculpas foi
suficiente para amansá-la. Se ela queria guerra, então, ela teria guerra.
— Você é quem sabe de suas obrigações, não é? Apenas peço que se mantenha afastada
dos assuntos que envolvam minha filha.
Diante da indiferença dela, peguei-a pelo braço e fitei-a. Para minha surpresa, Penélope
me encarou e com o queixo erguido, respondeu-me.
— Se o senhor acha que irei me abster de impedi-lo de bater em uma criança, o senhor se
engana. Posso ser uma simples preceptora, mas não compactuarei com maus tratos. Agora, se me
der licença, gostaria de me retirar. – Podia jurar que tinha visto um relâmpago de ira nos olhos
azuis de Penélope. Soltei-a. Ela fez uma reverência e retirou-se para dentro da casa.
Encontrei-a alguns minutos depois para o café da manhã, acompanhada de mamãe e meus
irmãos. Todos conversavam animadamente até eu chegar.
— Bom dia, meu filho! – Mamãe me cumprimentou.
— Bom dia mamãe, bom dia a todos! E Eloíse, onde está? – Perguntei após cumprimentar
todos.
— Oras, que pergunta estranha! Eloíse está no quarto, você a colocou lá de castigo. –
Mamãe responde. Eu mesmo coloquei-a de castigo, depois de desistir de dar uma surra na
encrenqueira. Como pude me esquecer desse detalhe? — Felipe, você anda trabalhando demais. –
Mamãe continuou a falar.
— Tens razão, mamãe! Decidi ficar e aproveitar alguns dias aqui. Voltarei com vocês.
— Espero que tenha se desculpado com a nossa querida Penélope.
— Claro que sim, mamãe! – Do outro lado da mesa, um par de olhos azuis me fitavam. —
No entanto, parece que a senhorita Penélope não aceitou minhas sinceras desculpas.
A preceptora se endireitou na cadeira e respondeu.
— Claro que aceitei, senhor Felipe. O senhor foi desculpado.
Penélope se calou depois disso e baixou o olhar para sua xícara. Confesso que ela era
uma mulher intrigante, sem mencionar que muito confiante em si própria. Sua postura era impecável,
passaria perfeitamente por uma dama da nata social, se não fossem as roupas simples e o
penteado que lembrava uma velha. Penélope voltou a conversar animadamente com meu irmão
Bento. Ela abria covinhas nas bochechas quando sorria. Pronto, agora além dos olhos azuis,
também ficarei admirando as covinhas dela. Preciso tomar jeito.
— Mamãe, como Bento e Penélope se conheceram? – Perguntei para saciar minha
curiosidade.
— Penélope esteve conosco em diversas oportunidades. Porém, se não me engano, em
todas elas você estava fora, ou em viagens ou em estudos. Ela e Berenice tem a mesma idade e
tornaram-se próximas.
Então a senhorita mandona era uma solteirona.
— Por que ela não se casou?
— Porque nunca quis procurar um marido. O que é um absurdo que pretendo corrigir em
breve.
— Mamãe, a senhora está a pensar em dar uma de casamenteira?
— E por que não daria? Não será nada demais arrumar um bom partido para a Peny,
agora que sua irmã também entrará para o mercado matrimonial. – Dona Violeta iria sair com uma
das suas.
Durante todo o dia, por um milagre de Nossa Senhora Aparecida, não me encontrei com
o senhor Felipe. Até agora fico me perguntando como dois irmãos podem ser tão diferentes entre
si. Coitada da vivente que se casou com ele, pobrezinha da mãe de Eloíse, por isso deve ter
morrido cedo. Se bem que aquele corpo... Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tire da minha
cabeça tais pensamentos pecaminosos. Penélope, você está apenas impressionada, garota. Nunca
tinha colocado seus olhos em cima de um homem nu antes em sua vida! E que corpo! Toda vez que
me lembro do tamanho do peito dele, sinto um calor subir do fundo da minha barriga. E quando
lembro... Penélope, pare com isso!
Também de nada adianta ser tão bonito e ser tão mal educado e mandão.
— Eu o odeio, senhor Felipe Gusmão de Albuquerque! Nem que o senhor fosse o último
homem na face de terra e eu precisasse desesperadamente me casar, eu jamais me casaria com o
senhor! – Falo sozinha, na tentativa de afastar os pensamentos impuros e nada apropriados para
uma donzela.
— Senhorita Penélope! – Flora me chama. — Mamãe pediu para que a senhorita organize
sua bagagem. Felipe decidiu retornar antes ao Rio de Janeiro e iremos acompanhá-lo. Ai, senhorita
Penélope! Não vejo a hora de retornar ao Rio de Janeiro e ir a todos os bailes. Não posso
acreditar que finalmente terei pretendentes. – Flora me abraçou feliz. Queria eu ter a animação
dessa menina.
— Partiremos quando? – Perguntei, soltando-me do abraço de Flora.
— Amanhã cedo. Felipe quer partir na primeira hora da manhã para evitar o sol a pino do
meio dia. Com licença, senhorita Penélope! – Flora se despediu e partiu para seus aposentos.
Saí em direção ao jardim para um passeio. O dia estava muito abafado para ficar dentro
de casa. Costumeiramente, Bento me acompanhava nos passeios. Infelizmente, nesta tarde não
poderia me acompanhar. Caminhar entre as árvores na companhia de Bento era um dos momentos
de que eu mais gostava do dia. Bento era cavalheiro da cabeça aos pés, além de ser muito
inteligente e divertido. Passei pelo lago e detive-me ali por alguns minutos. Fechei minha sombrinha
e molhei as mãos na água. Passei um pouco no pescoço. O calor estava insuportável.
Como era meu último dia na chácara, não seria nada mal conhecer um pouco mais da
propriedade. Deixei-me levar pela vontade de conhecer o lugar, passei por algumas colinas e
perdi-me na beleza do lugar e nos meus pensamentos. Em breve, completaria 25 anos e receberia
a herança do meu adorado pai. Não podia acreditar que, ao retornar a São Paulo, teria dinheiro
suficiente para comprar uma casa, contratar funcionários e abrir uma escola para jovens moças.
Desde o dia em que fui deixada no convento por meu pai não penso em outra coisa a não ser em
abrir uma escola para meninas, uma segunda opção para aquelas que não têm aonde ir e que
também não se encaixam nos padrões de um convento. Apesar de todos os avanços científicos, ser
mulher ainda era um fardo muito pesado para algumas.
Senti uma gota de água na ponta do meu nariz, depois outra e mais outra. Olhei em
direção ao sul e vi que um forte temporal estava prestes a cair na minha cabeça. Olhei para o
oeste e me apavorei, não enxerguei mais a casa grande. Algo me dizia que eu acabava de me
perder. Tentei manter-me calma, refleti um pouco e cheguei a conclusão de que deveria tentar
retornar pelo caminho que acabava de fazer. Andei alguns metros e a forte chuva me alcançou.
Em questão de minutos, eu estava encharcada. Pronto era só o que faltava, perdida e encharcada
da cabeça aos pés. Minha sombrinha de pano não conseguiu me proteger, também pudera, foi
feita de um fino tecido, apenas para proteger do sol e não da chuva. Continuei caminhando pela
estrada, talvez alguém passasse e se dispusesse a me ajudar.
Poças de água se formavam na estrada. Ergui minha saia e notei que minhas sapatilhas
foram arruinadas pelo barro. Minhas saias começavam a pesar e tudo isso começou a transformar
a caminhada numa tortura. Ouvi um forte trovão. Precisava encontrar um abrigo ou poderia ser
atingida por um raio. Olhei para o lado e enxerguei algumas árvores. Não era o lugar mais
seguro para me abrigar, mas melhor do que ficar na estrada. Sentei-me numa raiz aparente de um
enorme ipê. Pensei em rezar, mas nenhuma oração me vinha à mente. Sempre acontecia isso
quando ficava nervosa. As horas custavam a passar, a noite se aproximava e a chuva não dava
tréguas.
— Minha Santa Terezinha... Deixe-me pensar... Quem é mesmo a Santa que nos protege
contra as tempestades? Lembrei! – Passo a recitar a oração que a Irmã Celeste me ensinou:
Santa Bárbara, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos furacões,
fazei que os raios não me atinjam, os trovões não me assustem e o troar dos canhões não me abalem
a coragem e a bravura. Ficai sempre ao meu lado para que possa enfrentar de fronte erguida e rosto
sereno todas as tempestades e batalhas de minha vida, para que, vencedor de todas as lutas, com a
consciência do dever cumprido, possa agradecer a vós, minha protetora, e render graças a Deus,
criador do céu, da terra e da natureza: este Deus que tem poder de dominar o furor das tempestades
e abrandar a crueldade das guerras. Santa Bárbara, rogai por nós.
Repeti a oração até cair num cochilo. Estava tendo um sonho lindo, com um anjo maravilhoso
anunciando minha chegada ao céu até ser acordada por um imbecil e muito lindo do Felipe
Gusmão de Albuquerque.
— Senhorita Penélope, acorde, por favor!
— Não precisa gritar, senhor Felipe. Não sou surda, estava apenas a cochilar.
— O mundo está se acabando de tanta água e a senhorita consegue cochilar?!
— Bem... Cada um faz o que acha que é melhor! – Ele me estendeu a mão e eu a peguei.
— Venha, vou levá-la para casa antes que adoeça. Estão todos muito preocupados com a
senhorita.
— Sinto muito! – E sentia mesmo. — Saí para um pequeno passeio e acabei me perdendo.
Não era minha intenção trazer transtornos e preocupações.
— Vamos. – Ele fez sinal para que eu me dirigisse para o cavalo.
— Não sei montar. – Respondi.
— Não há problema. – Ele subiu na cela e estendeu a mão para mim.
— Não vou dividir a montaria com o senhor. – Ele me encarou com um olhar sarcástico,
percorrendo todo o meu corpo. Foi então que eu percebi que minha camisa branca de algodão
estava totalmente colada ao meu corpo. É claro que eu corei e num ato involuntário tentei cobrir o
meu colo com a sombrinha.
— Eu, se fosse a senhorita, não recusaria minha oferta. A chuva não parece que irá cessar
tão cedo, sem falar que se eu deixá-la aqui não terá como voltar. Diante de seus atuais trajes, não
é aconselhável permanecer sozinha numa estrada escura e vazia. Nem todo mundo será tão
cavalheiro como eu.
Ele acabava de insinuar que meus trajes não eram apropriados para uma donzela. E não
eram mesmo. Eu estava indecente com a roupa encharcada. Tentei desgrudar a camisa branca dos
meus seios, mas a situação só piorou.
— Eu aceito. – Falei.
— Tire a saia de cima antes de montar. Ela está encharcada e será um peso desnecessário.
– Ele ordenou.
— Não vou tirar minha saia! O senhor enlouqueceu se acha que ficarei nua na sua frente!
— Você não ficará nua. Não seja dramática! Por baixo dessa daí, tem outra que eu bem
sei.
— E como o senhor sabe que existe outra?
— Ah... Acredito que a donzela não queira que eu lhe conte como eu fiquei sabendo da
existência de outra saia embaixo dessa daí. – Ele sorriu maliciosamente.
Era óbvio que ele já tinha despido muitas mulheres para saber que existia bem mais do que
uma anágua. Penélope, você é uma tola! Desabotoei os botões da saia e tirei-a. Para meu
desespero a anágua, também branca, grudou-se nas minhas pernas e aquele sorriso malicioso
voltou para o rosto de Felipe. Reuni toda a minha coragem e estendi a mão para ele, que me
puxou para frente do seu corpo. Senti um alívio ao sentir o calor de seu corpo em minhas costas.
Ele puxou sua capa e me envolveu nela.
Durante todo o trajeto Felipe se manteve calado e taciturno, não que não fosse um
homem taciturno, mas naquele momento, a seriedade era mais intensa. Eu, por outro lado, sentia-me
muito confortável. O que era uma loucura. Devia estar passando por uma espécie de confusão
mental, provocada pela agonia de me ver perdida em meio a uma tempestade de fim de verão. O
calor do seu corpo aquecia minha pele de uma maneira deliciosa. Oh... Minha Santa Terezinha, eu
devo estar louca mesmo! Os braços dele são tão fortes, tão duros, tão perfeitos... Pare com isso,
Penélope Lillian! Nossa Senhora do Perpétuo Socorro... O cheiro dele é divino, lembra-me madeira
com um toque de sândalo, um cheiro tão masculino. Tenho que parar com isso, imediatamente! Você
é uma donzela, Penélope!
Foram os 20 minutos mais longos da minha vida. Ainda bem que a chuva era fria o
suficiente para refrescar minha face, melhor, o meu corpo inteiro. Nunca em minha vida, um homem
conseguiu despertar tantos sentimentos dentro de mim. Não que eu estivesse acostumada e me
encontrar nesse tipo de situação. Passei praticamente minha mocidade dentro de um convento.
Nunca estive tão próxima e de maneira tão íntima perto de um homem. É lógico que eu me sentiria
atraída, não é mesmo?
Ao chegarmos, um criado nos aguardava e Felipe entregou as rédeas para ele. Num
movimento rápido, saltou para fora da montaria. Mal tive tempo de piscar quando senti suas mãos
envolverem minha cintura, puxando-me para baixo. Um calafrio percorreu meu corpo, assim que
suas mãos tocaram minha fina roupa de baixo. Pude sentir o calor de suas mãos e pensamentos
obscenos tomaram conta da minha mente. Assim que meus olhos encontraram os seus, meu coração
saltou no peito. Levaria dias para compreender a intensidade do que havia sentido naquele
momento. Borboletas se agitavam dentro do meu estômago e uma vontade louca de ser beijada
tomou-me. Definitivamente, eu havia enlouquecido. Senti um ódio mortal por mim mesma e pela
fraqueza de minha carne. Eu havia me transformado num poço de luxúria, justamente eu, a
determinada e focada Penélope, a que havia prometido jamais fraquejar na presença de um
homem. Apesar de não ter optado pela vida religiosa, eu havia feito meu voto de castidade, um
voto sincero de que jamais iria me entregar a qualquer homem. Homens sempre foram e
continuarão a ser fonte de problemas. Bem sei o que mamãe teve que suportar para viver seu
amor com meu pai.
Felipe arrumou a capa encharcada nas minhas costas.
— Vamos! – Falou determinado, colocando uma mão atrás das minhas costas, de maneira a
me empurrar em direção à porta. Assim que cruzamos a soleira, a madrinha veio em nossa direção.
Estava branca como uma vela e com os olhos marejados.
— Querida! Graças a Deus que Felipe lhe encontrou! – Suas mãos rechonchudas e
manchadas pela idade vieram em direção ao meu rosto.
— Perdão, madrinha! Desculpe-me por trazer preocupações. – Tentei acalmá-la.
— Nunca mais faça uma coisa dessas, Penélope! Vamos, meu bem! Você precisa de um bom
banho quente. Olhe só para você, totalmente encharcada. Precisa se aquecer, antes de ficar
resfriada.
Enquanto a madrinha distribuía um punhado de ordens aos criados, procurei Felipe. Queria
agradecer pela gentileza de ter ido ao meu resgate. Quando estava prestes a abrir a boca, fui
interrompida pela minha adorável madrinha.
— Felipe, querido... Já pedi para que providenciem um banho quente para você também. –
Ela foi ao encontro do filho para um abraço. — Você foi um verdadeiro herói, querido! – Violeta
falou carinhosamente. Porém, Felipe reagiu de forma fria, sob meu ponto de vista. Mesmo com a
mãe, ele consegue ser tão distante e frio. Limitou-se a dar um beijo no topo da cabeça da mãe e
retirou-se. Como eu poderia ter me sentido atraída por um homem como ele?!
Duas horas mais tarde, banhada e aquecida, recebi a visita de Bento e Flora. Bento que
havia ajudado nas buscas para me encontrar, demonstrou preocupação com meu estado de saúde.
Trouxe-me um livro de Eça de Queiroz para me distrair e esquecer um pouco das horas de
angústia que havia passado. Tentei explicar-lhe, inutilmente devo dizer, que não foram tão
apavorantes assim. Flora, por outro lado, estava preocupada com o fato de que a forte chuva
pudesse comprometer nossa partida para o Rio de Janeiro na manhã seguinte.
— Aquiete-se, Flora! Felipe apenas adiou por algumas horas nossa partida. Não sairemos
sem antes saber as condições reais da estrada. – Bento nos explicou.
— Que Deus nos ajude e que a estrada esteja em condições para a viagem. Não suporto o
fato de permanecer nesse fim do mundo nem mais um dia quando todas as minhas amigas já se
encontram no Rio de janeiro. – Flora revirou os olhos em sinal de frustração.
— Não ligue para as lamentações da minha irmã, Peny! – Bento fez questão de falar. —
Mamãe manda cumprimentos e votos de uma boa e restaurativa noite de sono.
— Agradeça ela por mim, Bento!
— Darei seu recado, querida. Agora vamos, Flora. Devemos deixar a senhorita Penélope
descansar, pois o dia foi cansativo e um tanto longo para ela.
Esperei Flora e Bento se retirarem. Puxei os lençóis e me aninhei na suavidade dos lençóis
perfumados. Olhei para o livro de Eça de Queiroz, mas não senti vontade de lê-lo. Também ainda
não sentia sono e sabia que precisava distrair minha mente com algo, pois inevitavelmente iria
acabar pensando no primogênito da minha amada madrinha. Como um homem podia ser tão dono
de si?! Tão soberbo. Tão egocêntrico. Tão lindo. Tão atraente.
— Pare com isso! – Grito, como se um grito fosse suficiente para espantar pensamentos tão
impuros. O calor tomou conta do meu corpo e precisei jogar as cobertas para longe. O calor
continuava a me perturbar, levantei e abri uma fresta na janela. O ar fresco que entrou aplacou o
calor agoniante.
Joguei-me na cama novamente. É claro que eu havia ficado impressionada com a
situação. Não era Felipe quem me perturbou, necessariamente. A verdade era clara como a luz
solar. Felipe era um homem e como eu nunca estive tão próxima de um homem antes, fiquei
impressionada com tudo. Era perfeitamente compreensível que eu iria ficar impressionada, sem
falar que Felipe, Deus... Felipe era tão cheio de músculos, forte, alto, sentir sua respiração no meu
pescoço foi tão bom, ai, ai... Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus, estou novamente
suspirando por aquele ser odioso. Ai como desejei que aquela maldita mão subisse um pouco mais.
Horas mais tarde, cansada de lutar contra meus pensamentos no senhor Felipe, bocejei e
senti, muito feliz, que o sono havia chegado.
Até que enfim eu havia conseguido chegar em casa com a encrenqueira da senhorita
Penélope sã, salva e intocada. Assim que a deixei aos cuidados de minha mãe, retirei-me para
meus aposentos, onde um banho quente me esperava. Finalmente, a casa estava em silêncio e pude
seguir para o escritório, uma boa dose de conhaque acalmaria meus nervos. Inferno! Já não
bastasse ter que tomar conta de três mulheres, ainda preciso me preocupar com uma forasteira
maluca. Sim, porque somente uma maluca sairia para dar um passeio no final do dia e com uma
tempestade a caminho.
Servi-me de mais uma dose de conhaque. Somente o torpor do álcool para abafar o
estrago que aquela mulher conseguiu fazer comigo. Por pouco, não perco o controle e não avanço
para cima dela. Vê-la com aquela camisa fina e branca colada em seu corpo acendeu-me a
luxúria. Os mamilos saltavam como dois pêssegos maduros prontos para serem chupados. Algo
dentro de minhas calças começou a tomar forma. Inferno! Sou um homem, afinal de contas... Mas
ela é proibida para mim, além de ser afilhada de minha mãe, é uma donzela. Solteirona, eu sei,
mas uma donzela. Pelos diabos, uma linda e luxuriante donzela.
Quando eu acreditei que havia domado a fera prestes a sair de dentro de minhas calças,
eu tive a ideia de mandá-la tirar a saia. É óbvio que ela relutou em aceitar minhas ordens. Teria
sido melhor que não tivesse obedecido, porque quando a vi somente com a anágua, a fera
resolveu se manifestar novamente e recusou-se a acomodar-se nos próximos 20 minutos, que foi o
tempo em que levamos para chegarmos em casa. Procurei pensar em outras coisas, focar no
trabalho que me esperava no banco, nas melhorias do palacete, na minha estufa de rosas, até nas
travessuras de Eloíse, eu pensei. O cheiro cítrico da moça só conseguia atiçar ainda mais a fera
contida dentro de mim. Penélope tinha um cheiro fresco, algo que lembrava limão, talvez laranja,
com um fundo de verbena. Jamais conseguiria esquecer aquele cheiro maravilhoso. Tentei não
tocá-la, ou tocá-la o mínimo possível. A cada movimento brusco do cavalo, sentia a maciez da pele
de Penélope. Uma pele intocada, pensei. O desejo aflorava cada vez mais dentro de mim. Era um
desejo estranho, devo dizer. Penélope não é a mulher apropriada para mim. É mandona, além de
altiva demais. Aquele cabelo preso de maneira firme e sem graça, deixava-a mais velha. Ninguém
poderia imaginar o corpo voluptuoso de Penélope vendo-a sempre com roupas tão simples e
cinzentas. Tão imprópria, mas tão pecaminosamente quente, doce e cheirosa.
Preciso parar com isso.
— Ela não será uma boa esposa para você, Felipe! – Penso alto, olhando para o marrom
do conhaque.
Simplesmente, foi um momento de fraqueza. Já fazia pouco mais de três meses que não me
deito com uma mulher e o jejum prolongado acabou nublando minha mente. Essa era uma
explicação lógica para o que acabava de me acontecer.
Com o retorno de Joaquina ao Brasil, o melhor a ser feito era pedi-la em casamento. Antes
de partir para uma temporada na Europa, Joaquina tinha sido categórica ao afirmar que não
aceitaria menos do que um pedido de casamento para que continuássemos a nos ver. Ainda havia
o problema com Joaquina para resolver... Minha vida, definitivamente, parecia ter saído dos eixos
há muito tempo. Tudo era mais simples se eu e Joaquina continuássemos a ser apenas amantes.
Afinal, nos três últimos anos tudo havia funcionado perfeitamente dessa maneira.
— Desculpe-me... Achei que estava vazio. – Bento entra no escritório.
— Não tem problema, irmão. Sirva-se de um conhaque e faça-me o favor de distrair-me. –
Talvez uma conversa com meu irmão pudesse aplacar o conflito que me atormentava no momento.
— Está com uma cara, Felipe. Problemas?
— Estou apenas cansado e preocupado.
— Essa preocupação tem nome, Joaquina.
Concordei. Era melhor que Bento acreditasse que era Joaquina a fonte das minhas
preocupações. Não que ela não o fosse, mas no momento a mulher que realmente me perturbava
dormia no andar de cima de minha casa de campo. Meu pensamento me traiu novamente e
imaginei-a deitada com os cabelos negros e longos esparramados sobre os lençóis brancos de
algodão.
— O que pretende fazer com Joaquina? A data do seu retorno se aproxima. – Bento me
pergunta com olhar sério.
— Não sei ao certo. Porém, considero a hipótese de me casar com Joaquina. Ela é uma
mulher bonita, sofisticada e mantém ótimas relações sociais. Ainda devo considerar que nós nos
damos muito bem.
— E quanto a sua filha? Não acho que Eloíse vai gostar de Joaquina como madrasta.
— Não importa o que Eloíse achará a respeito. Joaquina será uma ótima influência para
minha filha, Bento. Eloíse está precisando de um pulso firme. Mamãe e Flora a mimam muito. Eloíse
é uma menina de 8 anos e comporta-se como um moleque de 6 anos.
— Não concordo com você, Felipe. Eloíse é uma menina muito inteligente e um pouco ativa
demais para a idade. Mas é uma menina adorável, que implora para que você a note. – Fecho a
cara em sinal de frustração. Não estava disposto a manter aquela conversa de novo. — Tudo bem!
Não vou voltar ao mesmo assunto. Você é o pai, além de dono de sua vida. Faça o que achar que
seja melhor.
— Como está a convidada de nossa mãe?
— Penélope? – Assenti com a cabeça. — Está bem. Penélope é uma mulher forte, não será
uma simples chuva de final de verão que a colocará de cama, irmão.
— O que você sabe sobre ela?
— Creio que não mais do que você. Fazia mais de uma década que não a via. Penélope
devia ter uns 14 anos, eu acho, da última vez que a vi. Passou uma temporada em nossa casa no
Rio de Janeiro. Ela acabava de ter perdido a mãe e o pai dela deixou-a aos cuidados dos nossos
pais. Depois de um tempo, ele retornou e os dois voltaram para São Paulo. Berenice se tornou mais
próxima dela e contou-me que seu pai havia sido chamado para retornar imediatamente para a
Inglaterra...
— Inglaterra?
— Sim, o pai de Penélope é inglês. Ele não poderia levá-la consigo, então, Penélope foi
confiada aos cuidados de um convento. Você precisava a ter conhecido naquela época, irmão. Eu
tinha 17 anos, eu acho... Apaixonei-me perdidamente por ela. Foi a moça mais linda que eu havia
posto meus olhos. – A empolgação de Bento em descrever Penélope começou a me irritar. — Ela
usava os cabelos soltos, eram tão longos que chegavam até a cintura, tão lisos que lembrava a
seda negra. É claro que outros também perceberam a graciosidade da nossa hóspede e do nada
papai foi obrigado a lidar com uma horda de visitantes. – Meu irmão faz uma pausa e sorri. —
Pode esperar, meu irmão, Penélope vai quebrar muitos corações quando chegar ao Rio de Janeiro.
— Não podemos estar falando da mesma mulher. – Falo de forma sarcástica.
— Mesmo que você não acredite em mim, estamos falando da mesma Penélope. Quando os
homens solteiros colocarem os olhos na dama em que mamãe quer transformá-la, caíram
perdidamente apaixonados por ela, assim como um dia eu me apaixonei.
— Não seja tolo, Bento. Penélope é apenas uma simples preceptora. Confesso que o azul
violeta dos seus olhos chamam a atenção, por outro lado, ela é tão sem atrativos, além de ser muito
mandona.
Meu irmão solta uma gargalhada.
— Penélope é uma mulher muito forte, uma lutadora, Felipe. Nos últimos dias, ficou claro
que a vida a fortaleceu ainda mais. Tornou-se uma mulher disciplinada e focada em seus objetivos.
Nada e ninguém a desviaram de seus objetivos. Mas, eu sei que no fundo ela continua a ser a
menina doce que foi um dia.
Dessa vez, fui eu quem soltou uma gargalhada.
— Você é um romântico incurável, Bento!
Faz exatos cinco dias que chegamos ao Rio de Janeiro. Fui acomodada em um dos
aposentos na ala reservada para a família no imponente palacete dos Gusmão de Albuquerque,
que se ergue majestoso no final de uma das avenidas mais glamourosas da cidade maravilhosa.
Uma das criadas me falou que o palacete tem 22 cômodos e ocupa uma área total de 50 mil
metros quadrados, embelezada por uma exuberante mata nativa. É um verdadeiro oásis em meio
a loucura do Rio de Janeiro.
Desde que cheguei, não fiz outra coisa a não ser provar vestidos, sapatos e chapéus. É um
entra e sai de costureiras e sei mais lá quem. É claro que Flora está empolgada com tudo, afinal,
será sua aguardada apresentação na sociedade. A maioria das amigas de Flora já foram
apresentadas e ela vive reclamando que irá converter-se em uma solteirona se não conseguir um
bom partido nesta temporada.
— Eu simplesmente não perdoarei o Felipe se eu não conseguir me casar ainda este ano. –
Flora revirou os olhos para a Madrinha.
— Minha filha, já conversamos muito sobre isso. Eu e seu irmão entendemos que adiar sua
apresentação em sociedade lhe traria maior experiência para escolher seu marido. Pare de
reclamar! Deveria nos agradecer! Eu e seu irmão poderíamos muito bem escolher seu marido. – A
madrinha tentou colocar um pouco de juízo na cabeça da garota.
— O que você faria em meu lugar, Peny? – Aflita, Flora me fitou.
— Eu acredito que você seja uma privilegiada, Flora. – Não sabia o que falar, na verdade.
Flora era uma moça com muita sorte, sua família a ama tanto a ponto de preocupar-se com seu
futuro e seu bem-estar.
— Não ligue para essa menina, Peny! – Minha madrinha sentou-se cansada. — Este vestido
é o que você usará no baile em que Flora debutará, minha querida. – Dona Violeta pega um
vestido em cor vermelho carmim nas mãos.
— Mas madrinha, eu não me sentirei confortável nessa cor!
— Penélope Lillian, essa cor lhe cai maravilhosamente bem.
— É mesmo, Peny! – Flora concorda com a mãe. — Queria eu poder usar um vermelho
como este, mas não, sou uma donzela imaculada e preciso usar esse branco terrível, que me deixa
ainda mais pálida.
— O vestido precisa de alguns ajustes. Além disso, precisamos apertar mais o espartilho. –
A modista falou para minha madrinha.
— Se a Madame apertar ainda mais meu espartilho, sufocarei, de certo! – Madame Marie
Lamartine era uma modista parisiense muito requisitada entre as mulheres da alta sociedade
carioca. Todas as damas queriam que seus vestidos fossem criados e confeccionados em seu ateliê.
— Não reclame, mademoiselle! Ingrid, deixe que eu aperto este espartilho. – Ingrid, a
ajudante da modista se retirou e Madame se aproximou, para meu desespero. Assim que ela
puxou as fitas mais para fora, jurei que minhas costelas tivessem sido quebradas, meus seios
saltaram para cima e meu quadril foi jogado para trás. — Perfeito! – Madame falou animada.
— Não conseguirei caminhar com este espartilho tão apertado. E muito menos respirar. –
Senti vontade de sair correndo daquela sala. E o teria feito se não tivesse sentido mais um puxão.
— Olha para você, chérie! Seu corpo adquiriu um perfeito formato de “S”. Se Rei Edward
do Reino Unido lhe visse agora, ficaria encantado. – Ela riu e eu corei.
Logo em seguida, Ingrid me ajudou a vestir o vestido. Madame Lamartine se aproximou e
ajustou melhor o decote e as mangas em renda que caiam sobre meus braços. A saia era em
formato de sino e o corpo do vestido era todo trabalhado em renda.
— Minha Nossa Senhora Aparecida! Este decote está muito baixo. – Resmunguei. Onde já
se viu uma preceptora usar um decote tão indecente! Ainda bem que não precisarei pedir emprego
no Rio de Janeiro, pensei.
— Peny, querida, você está deslumbrante. – Os olhos da madrinha faiscavam de felicidade.
Verdade devia ser dita, a cor havia caído bem com o tom da minha pele e dos meus cabelos.
— É verdade! Ficou perfeito, Peny!– Admirada, Flora me fitava.
— Não sei não! – Resmunguei, novamente. Eu chamaria atenção demais dentro de um
vestido com decote e cor tão ousados.
— Não seja tola, Peny! – Flora me repreendeu. — Madame Lamartine é especialista no
assunto e acabou de voltar da França.
Madame Lamartine concordou com a cabeça.
— Para compor o conjunto, deverá usar um par de luvas também vermelhas. Já no cabelo,
vamos prendê-lo em um charmoso penteado adornado por pérolas. Atrevo-me a dizer que os
homens cairão aos seus pés, chérie.
Depois de ver-me liberta dos grilhões do espartilho, tratei de sair daquela sala
imediatamente. Precisava de um pouco de ar puro. É inconcebível entender como as mulheres ainda
se sujeitam a usar espartilhos tão apertados. Vesti rapidamente meu velho conjunto de saia cinza e
blusa branca e tomei o rumo do jardim, onde me sentei e apreciei o agradável final de tarde.
Madrinha já havia me avisado que assim que Flora começasse a receber seus pretendentes teria
que abandonar meu antigo guarda-roupa. Isso me preocupava, confesso. Desconfiava que minha
adorada madrinha estava mais empenhada em arrumar um bom pretende para mim do que para
a filha.
A brisa fresca batia no meu rosto. Abri meu livro, mas fui interrompida por uma voz grave
que já conhecia muito bem.
— Então, a senhorita é uma sufragista? – Felipe se senta ao meu lado, sem ao menos me
cumprimentar ou pedir licença. É um mal-educado mesmo!
— Não entendi! – E não havia entendido mesmo a pergunta. É sempre assim quando o vejo
e isso me dá nos nervos. Meu coração dispara e não consigo pensar direito, apenas fico aí,
embasbacada com o queixo, mãos, tórax, boca dele.
— Sim, pois está lendo Stuart Mill. – Ele interrompe meus devaneios “Felipescos”, ao se
referir ao autor do livro que pretendia ler, A Sujeição das Mulheres. — Esse pensador ficou
conhecido por ser um ferrenho defensor do direito ao voto das mulheres.
— O senhor é bem informado! – Soltei sem querer.
— Já o li, na verdade! Achei-o muito avançado para a época em que foi escrito. Diga-me
sua opinião sobre o assunto. – Felipe me encara esperando uma resposta.
— Quanto ao livro em específico, ainda não o li para dar meu parecer. Já, quanto ao fato
das mulheres poderem votar, e digo mais, terem o direito de serem votadas, sou totalmente a favor.
Nada mais justo.
— A senhorita é detentora de ideias muito avançadas para uma simples preceptora. –
Senti meu sangue subir. Quem ele achava que era para julgar minha capacidade como
educadora?! — Não sei se os chefes de família aceitariam a senhorita ensinando suas filhas se
soubessem o tipo de leitura que mantém. – Sinceramente, senti um desejo incontrolável de jogar o
livro na cabeça dele!
— É claro que não indico este tipo de leitura para minhas alunas, embora eu acredite que
seria de grande utilidade se todas tivessem a oportunidade de ler esse tipo de conteúdo. – Felipe
segurou o queixo, determinado a me enervar ainda mais. — Sinceramente, não sei o porquê de
manter esse tipo de conversa com o senhor. O que eu ensino ou deixo de ensinar é um problema
meu, além do fato de que somente eu deva me preocupar com meus empregadores. – Muito
irritada, levanto-me do banco e deixo-o sozinho. É muita petulância para meu gosto.
— Se tanto preza a igualdade entre gêneros, porque não retorna e mantém uma discussão
comigo, senhorita Penélope?
Minhas pernas, abruptamente, param de se mover ao ouvir suas palavras. Viro-me em sua
direção. Reconsidero a opção de jogar o livro na cabeça dele. Mas assim que o vejo, jogado no
banco com as pernas esticadas e a gravata frouxa, minha mente é levada a relembrar o dia em
que me salvou da tempestade e todo o calor de seu corpo grudado no meu. Pronto, lá estou eu
novamente nos devaneios “Felipescos”. Isso está se tornando um hábito detestável. Ele sorri para
mim e penso que meu coração vai parar de bater. Penélope Lillian Ferreira, tome jeito e concentre-
se!
— Então, mudaste de ideia? – A voz grave de Felipe novamente ressoa e chega até os
meus tímpanos, nublando ainda mais os meus pensamentos. Tento me recompor passando a mão na
minha saia e prendendo um fio solto de volta no coque. Infelizmente, não consigo organizar
qualquer resposta à altura, viro-me e tomo a direção do palacete, deixando-o com um sorriso
presunçoso no rosto. Ai Felipe, como odeio você! Literalmente, hoje não é o meu dia.
Entro no palacete e subo as escadas como um vento. Sinto-me irritada. Não consigo
entender as intenções de Felipe. Quando estamos na companhia de outras pessoas, trata-me como
se eu não existisse e quando nos encontramos a sós, é tão atrevido a ponto de sentar-se no mesmo
banco que eu e travar uma conversa sem qualquer pedido de licença.
— Eu o odeio! – Esbravejo, jogando o livro em cima da minha cama assim que fecho a
porta do meu quarto com força.
Meia hora depois, escuto batidas na porta.
— Senhorita Penélope! Dona Violeta pede que a senhorita desça... A senhorita precisa
fazer a prova dos chapéus.
— Avise-a que já irei. – Gritei para Amélia, uma das criadas. Sem qualquer dúvida, hoje eu
não devia ter levantado da cama. Como havia me esquecido dos chapéus?
No dia seguinte, uma Flora entusiasmada corre de um lado para o outro da casa,
totalmente envolvida com os últimos detalhes da organização de seu baile. As cozinheiras estão
aflitas e com medo de não darem conta de confeccionar os quitutes que serão servidos, as criadas
dividem-se entre lustrar os móveis e polir a prataria. A madrinha alegou dor de cabeça e retirou-
se logo após o almoço, deixando tudo sob a supervisão de Flora e da governanta.
— Peny! – Flora entra na biblioteca como um furacão. — Preciso de um favor seu! – Assenti
com a cabeça em sinal de concordância. — Com mamãe indisposta, estou assoberbada! Por favor,
poderia olhar Eloíse por mim?
— Claro, Flora!
— Precisamos de uma preceptora para ela, mas Felipe está com dificuldades de encontrar.
— Não se preocupe, Flora! Posso assumir as funções de preceptora de Eloíse até que
contratem uma. – Flora agradeceu minha disponibilidade com um carinhoso abraço.
Saí da biblioteca e fui à procura da menina. Até que enfim alguém havia me dado algo
interessante para ser feito, além de provar vestidos e chapéus.
— Senhora Helga, onde posso encontrar Eloíse? – Perguntei assim que avistei a governanta
da casa. A senhora Helga é uma alemã de meia idade, com um semblante carregado e muito
taciturno. Os alemães têm a fama de serem muito sérios e a senhora Helga confirmava isso.
— Está no jardim. Acredito que na companhia do senhor Bento, senhorita Penélope. – Helga
responde com seu sotaque carregado.
Madrinha me disse que ter uma governanta alemã era muito chique. Dona Violeta é filha
de um visconde português e casou-se por amor com um banqueiro brasileiro que fez fortuna por
meio do trabalho árduo. Esse casamento, fora dos moldes para nossa época, acabou ajudando
muito aos dois, pois a união da nobreza com a burguesia auxiliou-os no reconhecimento e na
aceitação da família tanto no seio dos monarquistas quanto no seio dos republicanos. Em outras
palavras, a família Gusmão de Albuquerque transitava muito bem tanto de um lado quanto do
outro, o que apenas colaborou para os negócios, atraindo muito clientes para o banco e triplicando
a fortuna da família.
Avistei Eloíse sentada num dos bancos do jardim, encolhida e cabisbaixa. Fui até ela e
acomodei-me ao seu lado.
— Olá Eloíse! O que faz aqui sozinha e tão quieta? – Era estranho ver Eloíse quieta. Ou
estava doente, ou estava matutando alguma travessura.
— Estou entediada! Ficar entediada me deixa triste. – A menina me respondeu, com os
olhinhos marejados. Nunca a tinha visto tão abatida.
— Oh querida! Tenho uma boa notícia para você! Enfim, eu acho que será uma boa notícia.
Passaremos mais tempo juntas. O que acha de eu lhe dar algumas lições até a nova preceptora
chegar? – Tentei animá-la.
— Isso que é boa notícia! – Eloíse solta um gritinho e pula no meu pescoço. Agora sim
consegui reconhecer a Eloíse. Seus olhinhos negros como a noite me fitavam felizes. Eloíse é uma
menina linda, de uma beleza incomum. Os olhos são tão escuros que lembram duas jabuticabas e
os cabelos são castanhos claros, quase loiros. Quando crescer, tornar-se-á uma mulher muito bonita.
— Prometo que irei me comportar, senhorita Penélope. É entediante não ter o que fazer. Aprendi
muito bem a lição, sabe. Estudar é muito chato, mas não ter o que fazer pode se tornar mais chato.
— Aprender é uma das coisas mais gostosas da vida, Eloíse! – Toquei meu dedo na ponta
do narizinho dela. — E pode ser muito divertido também. Diga-me o que você mais gosta de
aprender? Sobre plantas e árvores, animais, talvez sobre os grandes pensadores gregos?
Eloíse dava saltinhos de felicidade.
— Eu gosto muito de animais. Quando crescer, quero me tornar uma exploradora das
savanas africanas!
— Exploradora das savanas africanas?
— Sim! Quero acampar nas savanas e ficar ali observando os leões, quero criar um diário
e nele escrever tudo que irei descobrir sobre os leões e leoas também!
Comecei a rir. A animação de Eloíse era contagiante.
— Pois muito bem, espero que quando estiver na África venha a se lembrar de mim,
mocinha! Também espero que me escreva regularmente. Porém, antes de você ir para as savanas
africanas, é muito importante estudar e aprender tudo o que possa para se tornar a melhor
exploradora das savanas africanas.
— A senhorita acha mesmo?
— Claro que acho. Uma boa exploradora deve conhecer várias línguas, saber matemática,
geografia, história, ciências. Então, por onde iremos começar?
— Acho que hoje quero aprender mais sobre geografia, senhorita Penélope!
Eloíse me puxou pela mão e tomamos o rumo da casa. Passamos mais de 3 horas estudando
a geografia das savanas africanas e as diferenças com as matas nativas brasileiras. Eloíse se
mostrou uma estudante entusiasmada, fazia perguntas o tempo todo. Sempre soube que Eloíse era
uma menina inteligente, apenas em olhar para ela. A menina precisava apenas ser instigada
corretamente e isso eu sabia fazer muito bem.
— Muito bem, Eloíse! Pararemos por aqui. – Separei ainda alguns livros de história para
ela ler e combinei de nos encontrarmos novamente para continuarmos nossas lições.
Assim que saímos da biblioteca, encontramos com Bento.
— Boa tarde, lindas damas. – Eu e Eloíse fizemos uma reverência em sinal de
agradecimento.
— Tio Bento! – Eloíse correu para o abraço do tio. — A senhorita Penélope me ensinou
coisas incríveis sobre as savanas africanas. – Ela dava saltinhos e gritinhos.
— Isso é ótimo, querida! Assim poderá se tornar uma excelente exploradora. – Pelo visto,
Bento também sabia dos sonhos da menina. Se o pai dela soubesse que estamos a incentivando
com isso, cortará nossos pescoços. Ainda bem que a guilhotina ficou no passado. — Peny, mamãe
me pediu para que repasse algumas danças com você. Ela me adiantou que você sabe os passos
básicos.
— O senhor dará aulas de dança para a senhorita Penélope, tio? Eu também quero ter
aulas de dança. – Eloíse puxa a casaca de Bento.
— Bem, se Peny concordar e a senhorita prometer se comportar, poderá nos acompanhar
na aula de dança. – Bento responde, afagando os cabelos da sobrinha, que promete comportar-se
como uma verdadeira dama.
— Então, vamos todos para a sala de música! – Bento ofereceu-nos os braços. — Alfred já
nos aguarda a postos no piano para executar as músicas.
— Alfred toca piano? – Incrédula, pergunto. Alfred é o famoso mordomo inglês da
madrinha. Sim, Dona Violeta fez questão de contratar uma governanta alemã, um mordomo inglês,
uma cozinheira francesa e um jardineiro japonês. Ainda preciso descobrir o porquê o jardineiro ser
japonês.
— Sim e muito bem! Flora também o toca divinamente, mas está ocupada com os
preparativos do baile.
As horas passaram muito rápido e foram muito divertidas. Bento era um sujeito galante e
bajulador. Até Eloíse percebeu nossa sincronia.
— Vocês dois formam um excelente casal de baile! – Ela nos falou, abrindo covinhas nos
cantos da boca.
— Lembra-se quando esteve em nossa companhia? – Bento me encarou. — Você era tão
linda, Peny! Apaixonei-me por você, mas você nem me notava. – Ele ri. — Nem ousei me declarar.
Afinal, um garoto como eu não teria tido chances e papai já tinha problemas que chega com tantos
pretendentes no seu pé. – Confesso que corei com o comentário.
Depois que voltei para São Paulo, Berenice me escreveu e relatou-me a paixão de Bento
por mim. Aparentemente, com o tempo Bento superou a paixão e tocou sua vida e foi melhor assim,
pois apenas o vi e ainda o vejo como um irmão.
— Ainda bem que me recuperei dessa paixão! – Ele fala rindo, depositando um beijo em
minha bochecha.
Ao erguer meus olhos em direção à porta, avisto Felipe nos encarando seriamente.
— Papai! – Eloíse gritou. — O senhor não vai acreditar! – A menina correu em direção ao
pai e, numa narrativa ofegante, detalhou o nosso dia. Felipe, por sua vez, não desgrudava os olhos
de Bento que ainda me segurava pela cintura. Sua reprovação era evidente. Com certeza, uma
eventual união entre eu e seu irmão não seria aceita por ele.
— Com licença! – Afastei-me de Bento. — Obrigada pela aula, Bento. Mas devo me retirar.
Daqui a pouco o jantar será servido.
— O prazer foi todo meu, Peny! – Bento beija minha mão, enquanto Felipe continua a nos
olhar. A fúria parecia saltar pelos seus olhos. Despedi-me de todos. Assim que passei por Felipe,
jurei ter ouvido um resmungo. Abaixei a cabeça e segui em direção as escadas. Ele que fosse para
o inferno, não tinha feito nada demais, apenas tomado uma aula de dança.
O dia havia sido cansativo no banco, ansiava por minha poltrona e uma dose do meu
melhor uísque escocês antes do jantar. Um sossego que apenas conseguia no meu escritório
particular, meu recanto silencioso dentro de uma casa em polvorosa. Naquele dia em particular,
nosso mordomo não estava no seu posto para me receber, tudo estava em completa harmonia e
isso era suspeito demais. Ouvi risadas vindas da sala de música. Ao me aproximar mais do cômodo,
as notas de uma valsa tocadas ao piano chegaram até mim. Então, o silêncio se devia aquilo.
Encontrei-os animados e felizes. Alfred, elegantemente acomodado ao piano, executava uma das
famosas valsas de Strauss. Bento e Penélope deslizavam pela sala e Eloíse batia palmas
entusiasmada, sentada em uma das cadeiras. Nenhum dos presentes percebeu minha chegada e
resolvi me manter quieto apenas observando a bucólica cena.
Foi então que Bento reduziu a proximidade entre e ele e Penélope, sussurrou algo que fez
a dama sorrir e corar. Um ciúme forte se apossou de minha alma, fazendo-me desejar retirá-la dos
braços do meu irmão e tomá-la para mim.
— Papai! – Eloíse me avistou. — O senhor não vai acreditar. A senhorita Penélope me deu
aulas de geografia para me ajudar a me tornar uma grande explorada. Além disso, o tio Bento
está nos ensinando a valsar corretamente... – Eloíse me contava detalhes do seu dia incrível ao
lado da preceptora, mas eu não conseguia prestar atenção em mais nada, a não ser a mulher que
estava nos braços do meu irmão.
Uma raiva súbita invadiu meu ser, Penélope não era a mulher certa para mim. Um
banqueiro viúvo e rico como eu precisa de uma mulher influente e não uma preceptora com ideais
avançados como Penélope, mas ela é tão linda e atraente!
Eloíse continuava a relatar todas as coisas magníficas que havia feito. Eloíse era assim,
quando começava a falar, nada a parava.
— Com licença! – Penélope se afastou de Bento. — Obrigada pela aula, Bento. Mas devo
me retirar. Daqui a pouco o jantar será servido.
— O prazer foi todo meu, Peny! – Bento beija sua mão. Senti o sangue se aquecer em
minhas veias assim que ela passa perto de mim, e foi impossível conter um resmungo de frustração
ao imaginá-la nos meus braços sendo embalada ao som de uma valsa.
— Boa noite, Felipe! – Bento me cumprimenta.
— Boa noite! – Respondo de forma seca. Precisava me recompor logo ou Bento perceberia
meu ciúme, mas fui incapaz de segurar minha língua e meu ego de macho ferido. — Ao que tudo
indica estraguei seu momento romântico com a senhorita Penélope.
Bento me olha de esguelha.
— Em primeiro lugar, não lhe devo satisfações, irmão! Sou maior de idade e não cabe a
você fazer julgamentos ao meu respeito. Em segundo lugar, eu e Peny... – Já estavam íntimos dessa
forma, a raiva apenas se intensificou dentro do meu peito. — Como dizia, eu e Peny apenas somos
amigos. No entanto, confesso que é uma mulher magnífica e o homem que desposá-la será um
sortudo. E não falo apenas de sua beleza, Felipe, mas também de sua espirituosidade e
inteligência. Penélope não é mulher para qualquer homem, irmão. – Bento foi em direção ao
aparador das bebidas e serviu-se de um refresco.
— Por que não apareceu no banco, Bento? – Perguntei com o intuito de mudar o rumo da
conversa.
— Pare com isso, Felipe! Você sabe que não suporto passar o dia trancado entre quatro
paredes. – Meu irmão era o exemplo perfeito do que se chama de dândi. Um homem boêmio,
charmoso, que cuida da aparência com esmero, um legítimo apreciador das coisas boas da vida e
que não nasceu para o trabalho.
— Pois saiba que mandarei descontar as faltas de seu ordenado. – Respondi de forma
firme. Era tempo de meu irmão ter uma ocupação responsável. — Na sua idade, eu já era casado
e presidia o banco.
— Não entrarei no mérito desse assunto novamente, Felipe. Meu final de tarde foi
agradável demais para ser estragado pelos seus resmungos.
Aquilo me irritou ainda mais. Como se eu tivesse tido opção na vida. Como primogênito, as
responsabilidades chegaram cedo à minha vida e tive que as aceitar sem qualquer
questionamento. Precisava ter uma conversa séria com a Dona Violeta. Era certo que minha mãe
estava dando dinheiro para Bento, o que explicava o fato de não estar comparecendo ao
trabalho.
— Até logo, Felipe! – Aceno com a cabeça. — Vejo-o no jantar e melhore esse humor, pelo
bem da família! – Minha vontade era socar seu nariz. Bento gostava de cutucar a onça com a vara
curta.
Logo após Bento sair, também me retirei e fui para o meu escritório. Minha cabeça latejava
e meus pensamentos insistiam em levar-me para uma dama de olhos azuis. Verdade seja dita,
Penélope era a preceptora mais atraente que conheci, além do fato de despertar em mim
sentimentos que há tempos não sentia. Seu sorriso cativante não saia da minha cabeça. Meu irmão
não poderia estar interessado nela, não suportaria vê-lo desposando-a, mas não poderia fazer
nada para impedi-lo se estivesse determinado a isso. Nossos pais haviam nos ensinado que o
casamento só valeria a pena se fosse por amor, eu mesmo havia me casado por amor. Seria
insuportável vê-la todo dia e saber que meu irmão havia passado a noite enroscado ao corpo
dela, tão quente e macia, pelos infernos, Penélope deveria ter o corpo que enlouqueceria qualquer
homem. Alguém no meio de minhas pernas tomou forma, era sempre assim quando pensava na
preceptora, desde o primeiro dia que a vi, tão altiva e soberba, mas tão sensual e intrigante na
defesa dos direitos da minha filha. Uma leve, mas firme batida na porta me tirou do torpor que me
encontrava.
— Pode entrar. – Falo alto.
— Com licença, senhor Felipe! – Era ela, sua voz doce e suave era inconfundível. Quando
um homem pensa que as coisas não podem ficar piores, simplesmente, elas pioram de vez. Bufei.
Penélope arranhou a garganta em sinal de preparo para cumprir sua tarefa. — Sua mãe, minha
madrinha, solicita sua presença. O jantar será servido dentro de 30 minutos.
— Dança muito bem, senhorita Penélope! – Qual o propósito de falar aquilo? Como sempre,
ela respondeu-me que não havia entendido. — Acredito que a senhorita dança muito bem. Percebi
que executa muito bem os passos da valsa.
— Eu sei dançar, senhor Felipe. Recebi aulas quando jovem e também acompanhei alunas
em suas aulas de dança. – Ela pareceu sincera.
Levantei-me e, por um breve instante, fitei-a.
— Eloíse falou-me que passou a tarde na sua companhia e que você a ensinou geografia.
— Sim. Flora estava muito ocupada com os preparativos do baile e pediu-me que passasse
algumas horas com Eloíse. Inclusive, gostaria de perguntar ao senhor se posso continuar dando
aulas para Eloíse até a nova preceptora chegar. – Penélope limpou a saia e passou as mãos no
cabelo. Era uma mania dela, que revelava apreensão, na maioria das vezes.
— Não me importo. Pode continuar a ensiná-la. Aceita uma dose de uísque ou licor?
— Obrigada, mas não costumo beber. – Respondeu-me de maneira seca. — Como o
recado já foi dado, peço licença...
— Espere! – Girei meu corpo em sua direção.
— Sim? – Ela voltou-se para mim.
— Você e meu irmão estão apaixonados? – Imbecil! Repreendi-me, mentalmente.
— Por que a pergunta? – Suas bochechas coram levemente.
— Mais cedo... Na sala de música, você e meu irmão estavam muito próximos e deram-me
a entender que são mais do que amigos. – Penélope estufou o peito e seus olhos brilharam ainda
mais. Era ira, percebo.
— Eu e seu irmão somos apenas amigos. Considero-o como um irmão. Meus sentimentos são
apenas fraternos e sinto muito carinho por ele, desde a época em que éramos adolescentes. –
Diminuí a distância que nos separava. — O senhor pode ficar tranquilo, pois não pretendo seduzir
seu irmão. Como já tenho dito em outras oportunidades, minha permanência nesta casa se deve
para atender a um pedido de sua mãe. Assim que cumprir minha promessa, voltarei à São Paulo. –
Definitivamente, ela falava demais e, ao invés de fazer-me afastar, ela apenas conseguia me atrair
para mais perto. Seus lábios pareciam ser doces, a veia no seu pescoço pulsava delicadamente,
atraindo-me cada vez mais, queria tocar aquele pescoço pecaminoso. A luxúria nublava meus
pensamentos. Penélope dá dois passos para trás. Eu continuo a avançar para cima dela, que
continua a falar, incansavelmente. — Enfim, da minha parte, o senhor não tem nada o que temer.
Sei que não sou um bom partido para o Bento e que o senhor... – Alcancei-a e segurei-a pela
cintura. Ela tinha uma cintura muito fina e perfeita. Suas mãos subiram até o meu peito e arcou-se
para trás.
— A senhorita poderia fazer o favor de parar de falar?! – Aquela falação toda estava
me irritando, na verdade.
— Mas... – Ela arfou e assim que seus olhos encontraram os meus, fui incapaz de segurar-
me e abocanho sua boca.
Beijo-a insanamente, sem pensar nas consequências. Minha língua invade a sua boca e
enrolo-a na sua, sugando cada partícula do seu sabor. É deliciosa, quente e totalmente inocente,
minha doce Penélope. Uma menina num corpo ousado de mulher. Acaricio suas costas. O calor do
seu corpo, aquele mesmo calor que me consumiu em cima do cavalo, acabara de se tornar minha
perdição. Eu deveria parar, mas não conseguia. Penélope era o néctar dos deuses. A maciez de
sua boca havia incendiado cada pedaço do meu corpo. Pressionei-a contra meu quadril enquanto
afundava cada vez mais minha língua dentro de sua boca. Seu perfume fresco chegava até meu
olfato como um elixir afrodisíaco. Vozes vindas do corredor fizeram-me retroceder e libertá-la da
prisão dos meus braços. Firmei-me no encosto da poltrona e respirei profundamente, meus músculos
tremiam de desejo e se não fossem as vozes a deter-me, Penélope estaria com as saias levantadas
neste momento, totalmente à mercê da minha luxúria.
Encarei-a, segundos depois. Mexas negras do cabelo de Penélope se soltaram do coque.
Seus cabelos eram tão lisos, lembravam a seda negra. Os lábios estavam vermelhos e inchados.
— Desculpe-me! – Minha voz saiu tremida. — Diga para minha mãe que não estou com
fome. – Precisava sair dali ou voltaria a tomá-la entre meus braços. Determinado, deixei-a só e
atordoada.
Ele havia me beijado. Felipe acabava de beijar-me, de uma maneira indecente e
escandalosa. Cada parte do meu corpo, cada músculo e cada gota de sangue se escaldou com o
seu toque. Ninguém havia me beijado daquela forma, claro que alguns homens tentaram a proeza,
mas eu nunca permiti que fossem além de um simples encostar de lábios. E aí estava eu totalmente
desmazelada, eu havia permitido que Felipe me beijasse, eu havia retribuído a um beijo de Felipe.
Se não fossem as vozes vindas do corredor, era suposto de que ele avançaria o sinal e eu
permitiria, meu Deus, onde eu estava com a cabeça?! Odeio você! Pensei assim que um pouco de
juízo voltou a circular entre meus neurônios.
— Desculpe-me! – Ele falou, afastando-se de perto. — Diga para minha mãe que não
estou com fome. – Passou as mãos entre seus cabelos e tomou a direção da porta.
— Espere! – Grito e sinto meu rosto se aquecer. Eu estava com muita raiva de Felipe. Quem
ele pensava que era para se atrever a me beijar?! Minha Santa Rita, proteja-me deste homem com
beijo delicioso, proteja-me daquela língua indecorosa. Sacudo a cabeça, precisava parar de
pensar em Felipe e no beijo de Felipe. Onde eu estava mesmo? Ah sim... Se ele pensa que vai me
beijar e sair daqui como se nada tivesse acontecido, ele não perde por esperar. Saí em disparada
atrás de Felipe. Encontro-o aos pés da grande escadaria. — Não se atreva a subir essa escada! –
Falo determinada. Ele gira seu corpo para que pudesse ficar de frente para mim e,
sossegadamente, debruça-se no corrimão em madeira. Minha raiva elevou-se na décima potência.
— O senhor pensa que eu sou quem para me beijar daquela forma e sair como se nada tivesse
acontecido? – Coloco minhas mãos na cintura. Eu estava muito brava, mas muito brava. Ele me fita
e abre um sorriso maroto. — Não me olhe desta forma, senhor Felipe. Não foi nada cavalheiresco
o que o senhor acabou de fazer. – Repreendo-o.
— Ah é? – Ele sorriu de novo e borboletas voaram na minha barriga. — Eu não beijei
sozinho, senhorita Penélope! – Era muito sarcasmo para um homem só. Não aguento e,
impulsivamente, desfiro uma bofetada em seu rosto.
— Você se aproveitou de uma dama indefesa! – Ralho com ele.
— Dama? Concordo absolutamente. Agora, indefesa, poupe-me!
Ergo novamente minha mão para esbofeteá-lo novamente, porém, Felipe me impede de
atingir meu alvo, segurando-me pelo punho. Minha respiração se torna pesada. A raiva latejava
em meu peito.
— Não se faça de santa, senhorita Penélope! A senhorita desejava aquele beijo, digo mais,
a senhorita gostou do nosso beijo. Eu queria falar-lhe o quanto era desprezível, infelizmente, não
deu tempo para isso. – Felipe me puxa, abocanha minha boca e avança com sua língua para
dentro dela.
Nossa Senhora do Bom Conselho, dai-me forças para aguentar a tentação que esse homem
me inflige. Não caia na tentação, Penélope! Não retribuía este beijo. Tento me manter focada em
outros pensamentos, mas o sabor de Felipe é enlouquecedor. Sinto uma de suas mãos entre meus
cabelos, ele acabava de retirar os grampos dos meus cabelos, que caíram pelas minhas costas. A
outra mão desceu suavemente pelas minhas costas, deixando-me em brasas. Não aguentando mais
resistir, deixo-me levar pelo desejo e entrego-me ao prazer do momento. Abracei-o com força, eu
precisava tê-lo mais próximo de mim. A sensação de estar nos braços de Felipe nublou todas as
minhas capacidades de permanecer inabalável, sequer de pé eu conseguiria ficar. Solto um
gemido, assim que seus lábios se desgrudaram dos meus.
— E depois você diz que não gostou? – Felipe fala, encostando sua testa na minha. Ele era
o homem mais belo que eu havia posto os olhos. — Você não pode mais negar que gostou do
beijo, Penélope. – Que ódio que eu senti ao ouvi-lo! Como ele podia se atrever a brincar comigo
dessa maneira?! Sem pensar duas vezes, dou uma joelhada nas suas “joias masculinas”. Felipe urra
de dor.
— Isso é para o senhor não rir da minha cara, seu ogro! – Estava soltando fogo pelas
ventas e, decidida, dou outra joelhada, atingindo perfeitamente o seu orgulho de macho. — E isso
é para nunca mais me beijar!
— Inferno, Penélope! Quer me aleijar, sua louca?! – Felipe leva as mãos até aquele lugar
que eu fico até com vergonha em falar.
— Você não viu ainda o que eu sou capaz de fazer! E para você, eu sou senhorita
Penélope. Por fim, faça-me a gentileza de avisar sua mãe que pretendo jantar em meus aposentos.
– Recolho meus cabelos e puxo-os para frente. Tento me recompor da melhor forma possível. Faço
uma reverência e subo as escadas. Insolente, era isso o que Felipe era, um desgraçado de um
atraente insolente!
Assim que tive a certeza de que Felipe não mais me avistava, saio correndo como uma
condenada para o meu quarto. Cruzo a porta e tranco-a. Meu coração batia tanto que parecia
que iria sair pela boca. Ando até a cômoda e despejo água fresca na bacia. O calor que brotava
do meu corpo parecia que iria virar um fogaréu a qualquer momento. Lavo o rosto a fim de conter
o suor que insistia em pingar.
— Odeio você, Felipe! – Grito para minha imagem no espelho. Eu precisava acreditar que
odiava aquele homem. Felipe não era o homem certo para mim, nenhum homem seria o certo, na
verdade. — Nunca mais vai deixá-lo chegar perto de você, Penélope Lillian Ferreira! Você sabe o
que homens como Felipe querem com uma moça como você. – Falei novamente para o espelho. No
fundo, sabia que não conseguiria resistir mais aos avanços de Felipe depois do beijo. A solução era
manter-me afastada dele. Adiar qualquer contato e evitar ficar a sós com Felipe era o melhor a
ser feito.
Jogo-me na poltrona, pego um leque e começo me abanar. O calor parecia só ter
aumentado. Trato de tirar minha saia e camisa.
— Nunca pensei que essa cidade fosse tão quente! – Exclamo frustrada por não conseguir
me refrescar. Jogo-me na cama, após abrir as janelas, e acabo adormecendo.
Meia hora depois, acordo com batidas na porta. Molhada de suor, despertei assustada com
a intensidade do meu sonho. Felipe sem camisa, despia-me pecaminosamente, beijava-me
lascivamente e dizia-me palavras indecorosas.
— Peny, abra a porta! Sou eu, Flora, querida.
— Só um momento! – Grito. Não podia abrir a porta toda suada e só com as roupas de
baixo.
— Você está bem? – Flora pergunta-me aflita.
— Estou um pouco indisposta apenas. – Pego meu penhoar e visto-o. Rapidamente tranço
meu cabelo e seco meu rosto com uma tolha de linho. — Olá Flora! – Abri a porta e tentei ser
cordial.
— Por Deus, Peny! O que acontece com você? Sua aparência está péssima. – Imagine se ela
tivesse me visto antes, pensei.
— Estou com enxaqueca. Minhas regras desceram. – O que era uma mentira.
— Oh... Entendo! Vou pedir para que Dionísia lhe prepare um dos seus chás. São ótimos
para as cólicas. Acho melhor nem descer para o jantar. – Sinto um alívio invadir minha alma. Não
estava preparada para encarar o maldito do Felipe.
— Prefiro jantar aqui mesmo, se não se importarem.
— Claro que não nos importaremos, querida! É claro que sentiremos sua falta, Peny.
Seremos apenas eu e mamãe. Bento foi ao clube jogar pôquer e Felipe se retirou para seus
aposentos alegando dor de cabeça. – Então era assim que se chamava a dor ocasionada por
joelhadas nas joias masculinas. Deixei um sorriso escapar. Que Nossa Senhora, em todas as suas
aparições, me perdoasse, mas um imenso orgulho brotou dentro de mim. — Havia planejado ler
para você alguns capítulos de O Cortiço de Aluísio Azevedo.
— Que pena! Mas não nos faltará oportunidade para isso.
— Aluísio é um escritor fabuloso. Porém, não comente nada com mamãe. Ela não aprova
este tipo de leitura. Diz que não é o tipo de coisa que uma moça de família deva ler, sequer
pensar em ler. – Flora revira os olhos em sinal de frustração. Já havia lido o livro em questão e,
pessoalmente, havia apreciado muito a sua leitura. No entanto, Aluísio de Azevedo, em seu esforço
de retratar a realidade, explicitava a vida humana em seus aspectos mais sórdidos e imundos.
— Não se preocupe, querida! Não comentarei com a madrinha.
— Sabia que me compreenderia, Peny! – Flora me abraça feliz. — Você poderia me
emprestar seus exemplares do Ateneu e da Normalista. Não venha me dizer que não os tem, que
bem os vi em cima de sua mesa outro dia.
— Flora, quem sabe você poderia começar com os livros do Machado de Assis! A Mão e a
Luva é um romance maravilhoso... Não quero confusões com seu irmão. – Se Felipe descobre que
empresto esses tipos de livros para sua irmã mais nova, enfrentarei problemas. E já chega os que
tenho.
— Não contarei para ninguém. Por favor, Peny!
— Hoje não! Mas prometo que irei pensar sobre o assunto. Agora, se me der licença,
gostaria de voltar para a cama. – Flora abre um sorriso, beija-me e sai feliz. Sinceramente, essa
família seria minha perdição.
Despertei com uma enxaqueca terrível e sabia perfeitamente o motivo dela: Felipe e
seu beijo indecente. Onde já se viu beijar uma convidada daquele jeito?! Custei a pegar no sono e
quando o fiz sonhei com ele a noite toda. Esse homem ainda vai me causar problemas. Aleguei dor
de cabeça, o que não era uma mentira, e não desci para o café da manhã. Não queria ter que
enfrentá-lo, muito menos aquele sorriso sarcástico nos lábios.
— Bom dia, Peny! – Madrinha se aproxima e abraça-me. — Querida, não seria melhor
chamar um médico para lhe examinar? Preocupo-me com as constantes crises de enxaqueca que
lhe afligem nos últimos dias. Isso poderá colocar a perder sua apresentação na sociedade carioca!
— Minha apresentação na sociedade carioca? – Amo minha madrinha, mas dessa vez ela
havia passado dos limites.
— Quer dizer, a apresentação de Flora! – Ela tenta desconversar.
— Madrinha, o que a senhora está aprontando? Não me enrole! – Peguei-a pelas mãos e
beije-as. Havia sido muito rude, percebi. Afinal, madrinha apenas queria meu bem. — Perdoe-me,
madrinha! Não queria parecer rude com a senhora, mas não quero que tenha expectativas quanto
a eu me casar com um bom partido e ter filhos. Isso não é meu sonho e a senhora sabe muito bem.
— Ai Peny! Não me conformo com sua decisão, querida. Sei que você não quer ter a
mesma vida que sua mãe, mas as coisas são diferentes agora. Além de minha proteção, seu pai
garantiu-lhe fundos suficientes para ter aos seus pés um homem decente e de boa família.
— Estou decidida, madrinha! Não me casarei e tenho outros planos para minha herança.
Nada apagará a mácula do meu nascimento, nenhum dinheiro é capaz de apagar isso. – Percebo
que novamente fui dura com Dona Violeta.
— Nem mesmo o amor, Penélope?
— Nem mesmo o amor, Dona Violeta! Se assim o fosse, papai não teria me deixado sozinha
no Brasil para nunca mais voltar.
— Quem sabe um dia, querida... Um dia, seu coração seja tocado pelo amor e suas
convicções se abalem o suficiente para você se deixar amar. – Minha madrinha era uma romântica,
pensei.
— Madrinha, não é necessário chamar um médico. Prometo que estarei bem para o baile. –
Trato de mudar de assunto. Percebo que os olhos dela brilharam de entusiasmo.
— E você usará o vestido vermelho? – Ela era impossível.
— Sim, eu usarei o vestido vermelho, se isso lhe deixará feliz. – Cedi diante de sua
animação.
Passei o restante do dia na companhia de Eloíse. Ensinei história e matemática para a
menina, além de algumas lições de inglês. Assim que contei a ela sobre meu pai ser inglês, ela não
parou de me perguntar como se chamava em inglês qualquer objeto que enxergava. Confesso que
me diverti muito com Eloíse. É uma menina esperta e tagarela. Depois de jogarmos peteca,
sentamo-nos embaixo de uma mangueira para um piquenique.
— Senhorita Penélope?
— Sim.
— Posso lhe fazer uma pergunta? – Assinto com um chacoalhar de cabeça. — Por que a
senhorita não se casou? – Hoje era o dia, pensei. Primeiro a avó, agora a neta.
— Por que não quero me casar. – Julguei melhor falar a verdade. Eloíse era uma menina
muito inteligente e logo perceberia uma eventual mentira.
— Sabe, eu também não quero me casar quando crescer. Porque serei uma explorada nas
savanas africanas.
Foi impossível segurar o riso.
— Querida, você poderá se casar com um explorador das savanas africanas.
— Acho difícil encontrar um. – Eloíse revira os olhos e eu caio na gargalhada. Ela tinha
razão, devo admitir. — Mas não é somente por isso. – Levanto as sobrancelhas em sinal de
curiosidade. — Eu acredito que nenhum garoto vai ser capaz de me amar.
— Isso é bobagem, Eloíse! Você é apenas uma criança ainda. Como sabe que nenhum
garoto não irá se apaixonar por você?
— Eu sei sim! – A menina se levanta de supetão e cruza os bracinhos. — Papai não me
ama, sabe!
Sinto um aperto no meu coração e chamo Eloíse para meu colo.
— Eloíse, meu bem, é claro que seu pai ama você.
— Não ama não! – Ela teimou. — Ele não gosta que eu o abrace, briga o tempo todo
comigo, não brinca comigo e sequer lê um livro para mim. Ele me odeia e eu acho que é porque eu
matei mamãe. – Seus olhinhos se enchem de lágrimas.
— Eloíse, não fale uma coisa dessas! Você não tem culpa pela morte de sua mãe! E quanto
ao seu pai, penso que ele apenas esteja preocupado com sua educação, querida. – Aquilo me
cortou o coração. A verdade era que Felipe não era um pai amoroso. Felipe não era amoroso com
ninguém, para ser sincera.
— Diga-me, senhorita Penélope, o que devo fazer para papai me amar? – Sinto uma
lágrima se formar no meu olho, mas precisava contê-la. Entendia perfeitamente a frustração de
Eloíse, o desejo insano de querer ser amada, do medo de não ser boa o suficiente para alguém. A
vida, às vezes, parecia ser injusta. No caso da minha, havia sido várias vezes injusta. Eu não sabia
o que responder para Eloíse e simplesmente abraço-a e assim ficamos por minutos, contemplando o
nada e nossa solidão. Eu e Eloíse tínhamos mais em comum do que poderia imaginar.
Eloíse quebra o silêncio.
— Sabe, senhorita Penélope, eu gosto da senhorita! – Um lindo sorriso se forma no rostinho
redondo e corado do sol.
— Eu também gosto de você, Eloíse! E você pode me chamar apenas por Peny, quando
estivermos só nós duas.
— É assim que vovó a chama, não é? – Concordo.
— Vamos recolher tudo... Precisamos voltar para a casa. – Levanto-me e começo a
organizar nossa cesta.
— A senhorita poderia se casar com meu tio! – Eloíse estava determinada a me casar com
alguém, era certo.
— Eu e seu tio somos apenas amigos, mocinha. Pode tirar essas ideias da cabeça! –
Repreendo-a.
— A senhorita não o acha charmoso?
— Eloíse! – Fecho a cara para demonstrar minha irritação com o comentário. — Agora,
vamos!
De volta ao palacete, Frau Helga me avisa que madrinha nos aguardava na sala de visitas.
Inutilmente, tentei argumentar que precisava me trocar, quando a governanta abriu as portas que
davam acesso à saleta particular de Dona Violeta, anunciando minha chegada. Passo as mãos em
minhas saias para alisá-la e tirar algumas folhas grudadas. Estava suada e com os cabelos
soltando-se do coque.
— Penélope, querida, olhe quem veio visitá-la! – Fala minha madrinha assim que me avistou.
— Doutor Magalhães e seu adorável filho. – Doutor Magalhães era um velho advogado a quem
meu pai confiava seus negócios, inclusive, a ele foi concedida minha tutela quando precisou partir à
Inglaterra.
— Penélope, querida, você está mais bela do que nunca! – Meu tutor vem ao meu encontro
e abraça-me.
— Olá doutor! O senhor está muito bem, pelo o que vejo. – Respondo.
— Peny realmente irá causar em sua aparição pública, não acha, meu velho amigo? –
Doutor Magalhães concorda com madrinha, para meu espanto. Os dois só podiam estar
mancomunados na tarefa de arrumar-me um marido. — Querida, este adorável cavalheiro é
Danilo, filho do doutor Magalhães, um advogado tão brilhante quanto o pai, devo dizer. Danilo já
assumiu a maioria dos casos do pai e tem feito um ótimo trabalho.
Um rapaz se aproxima de mim e faz uma reverência. Não pude deixar de observar o azul
de seus olhos. Danilo estende sua mão para que possa beijar minha mão, num gesto muito
cavalheiresco.
— É um prazer conhecê-la, senhorita Penélope. Meu pai costuma falar da senhorita sempre
que volta de São Paulo.
— O prazer é meu, doutor! – Coro de vergonha diante dos meus trajes nada apropriados
para uma apresentação.
— Danilo é um dos melhores amigos de Felipe, Penélope. Os dois cresceram juntos, não é
Magalhães? – O velho advogado concorda. — Venha querida! – Madrinha me puxa para uma
poltrona. — Tome um licor conosco.
Não tive escolha e aceitei o licor. As horas transcorreram de forma agradável. Danilo se
mostrou gentil e educado, além de divertido. Descobri que havia se formado em Direito na mesma
turma que Felipe, quem considerava um irmão. Confesso que isso me soou estranho, como poderia
duas pessoas tão diferentes serem tão próximas?
Meu dia no banco não poderia ter sido pior e para fechar com chaves de ouro, ainda
consegui discutir com Bento. Na verdade, descontei toda a minha frustração do ocorrido com
Penélope no meu irmão. Penélope acabaria me enlouquecendo. Ela negou, mas apreciou tanto
quanto eu aquele beijo. A boca de Penélope é tão doce e macia, daria tudo para prová-la
novamente. Tudo seria mais simples se ela não fosse afilhada e pelo visto protegida de mamãe.
Devo afastá-la de mim antes que seja tarde.
Assim que pisei no interior do palacete, Alfred me recebeu.
— Sua mãe e alguns convidados aguardam o senhor para o jantar. – Solenemente, o velho
mordomo anunciou. Nem em mil anos, conseguirei me acostumar com este homem. Mamãe e suas
ideias sem cabimento. Só ela mesma para contratar um punhado de empregados estrangeiros.
— Quem são os convidados? – Pergunto.
— Os Magalhães, senhor.
Julguei melhor me refrescar e trocar de roupa antes de me reunir aos convidados. Sempre
fui um homem prático e não me demoraria, sequer prescindia de ajuda de um criado. Ao contrário
de Bento, nunca fiz questão de ter um valete a minha disposição.
Pouco mais de meia hora, já me reunia com a família e convidados. Encontrei-os
conversando animadamente na sala de música. Aparentemente, Flora havia acabado de executar
uma música ao piano. Mamãe tomava seu licor enquanto ouvia alguma tese do doutor Magalhães.
Próximo a uma janela, avistei Penélope e Danilo folheando um livro e rindo. Senti o sangue
esquentar nas minhas veias ao avistá-los, pareciam tão confortáveis na companhia um do outro. Eu
não devia estar com ciúmes, eu sei; porém, para minha irritação, eu estava morrendo de ciúmes de
Penélope. Ela estava muito diferente. Acho que era o novo penteado, talvez o vestido que usava.
Nunca a vi usar um vestido antes. O que usava tinha um decote discreto e é na cor azul marinho,
ressaltando ainda mais o violeta dos seus olhos. Era um anjo e nada menos.
Depois de cumprimentar mamãe, Magalhães e Flora, aproximo-me dos dois. Penélope foi a
primeira a perceber minha aproximação. Ela cora quando nossos olhos cruzam.
— Felipe! Que bom vê-lo, amigo. – Danilo estende a mão para me cumprimentar. No
entanto, não consigo desviar minha atenção de Penélope, de sua boca. — Acabei de oferecer-me
para ser o primeiro par da senhorita Penélope no baile de Flora. – Danilo prossegue. O bendito
baile. Havia esquecido totalmente dele. — Porém, a senhorita Penélope está reticente em aceitar-
me para sua primeira dança. – Já era demais.
— É claro que a senhorita Penélope está reticente, Danilo! A primeira dança deverá ser
minha, o anfitrião do baile. – Penélope arregala os olhos.
— O argumento é plausível, amigo! Então, que a segunda dança da senhorita Penélope
seja minha. – Danilo argumenta.
— Com licença, cavalheiros! Falam como se não estivesse presente. Acredito que a decisão
de quando e com quem dançar pertença apenas a mim. – Altiva como uma rainha, Penélope nos
encara.
— Como uma perfeita dama que sei que é, não se recusará a dançar a primeira dança
com seu anfitrião, não é mesmo, Senhorita Penélope? – Fiz questão de sorrir para ela.
— E muito menos para o melhor amigo do anfitrião! – Danilo não perdeu a oportunidade, o
bastardo.
— É claro que não, cavalheiros! Dançarei com todos, no entanto, aviso de antemão que sou
uma péssima dançarina. – Penélope concorda a contragosto e retira-se para junto de minha mãe.
O jantar foi servido e para aumentar o meu estado de irritabilidade, Danilo acomodou-se
ao lado de Penélope. O fato de tornarem-se íntimos um do outro tão depressa me enfureceu.
Passei a maior parte do jantar sem dizer um amém sequer. E foi melhor assim, pois teria sido capaz
de jogar Penélope em cima de um ombro e trancá-la em seu quarto, só para afastá-la de Danilo,
ou talvez poderia ter dado um soco na cara do meu melhor amigo. E só em pensar nisso é
assustador. Maldita hora que sucumbi ao desejo de beijá-la.
Depois da sobremesa, que por sinal, estava deliciosa, fomos para a sala de estar, onde os
cavalheiros tomaram um copo de conhaque e as damas, uma xícara de café, exceto minha mãe,
que nunca dispensava sua taça de licor. Eu e Doutor Magalhães conversamos sobre os negócios e
planos de expansão do banco. Planejava a abertura da primeira filial em São Paulo, o que
atrairia correntistas e investidores entre os industriários paulistas.
— Se Bento continuar a se comportar de forma inconsequente como vem feito, não há como
deixar a filial sob sua administração. – Falo.
— Tenha paciência, Felipe! É uma questão de tempo. O ano mal começou. Bento ainda nos
surpreenderá.
— Não sei não, Doutor Magalhães. Meu irmão não demonstra qualquer interesse pelos
assuntos do banco.
— Com licença! – Minha mãe se aproxima, interrompendo nossa conversa. — Felipe, eu e
Magalhães precisamos tratar de negócios. – Os dois se retiram, tomando o rumo da biblioteca.
Desde a morte de papai, mamãe mantém negócios com o Doutor Magalhães. Se não conhecesse
Dona Violeta muito bem, até poderia desconfiar que mantém um relacionamento com o velho
advogado. Mas papai e Magalhães eram amigos próximos e seria impossível uma coisa dessas.
Flora havia se retirado. Provavelmente, já estaria em seu quarto, perdida em um dos seus
romances de mulherzinha. Uma risada desvia minha atenção para o outro lado da sala. Era ela
rindo. Penélope ria de alguma coisa que Danilo havia falado. A risada de Penélope era melodia
aos meus ouvidos. Os olhos azuis brilhavam intensamente, as bochechas estavam coradas. Ela
estava alegre. Nunca a tinha visto tão alegre e eufórica. Danilo não conseguia desviar o olhar
dela, aquilo me enervou, quem ele achava que era para chegar e ficar flertando com ela? Alfred
se aproxima dos dois e Penélope toma a direção da biblioteca, após se despedir de Danilo,
educadamente. Olhando-a assim, poderia se acreditar que se trata de uma verdadeira e perfeita
dama, até corou quando Danilo beijou sua mão. Bem, verdade seja dita, Penélope é uma perfeita
dama, mas não a dama certa para mim. Passaríamos mais tempo brigando do que qualquer coisa,
ela tem o dom me tirar do eixo. Se bem que poderíamos nos reconciliar na cama...
— Em que pensa, amigo? – Danilo me tira dos devaneios.
— Nada de importante. – Respondo. — Para onde foi a senhorita Penélope?
— Sua mãe a chamou para participar da reunião secreta entre ela e meu pai. – Danilo
fala em tom sarcástico. Todos nós daríamos um dedo para descobrir que tipo de negócios os dois
mantêm.
— Seu pai não irá deixá-lo a par destes negócios? – Pergunto, pois Magalhães passou
todos os negócios e processos para o filho cuidar.
— Não! Os negócios que mantêm com sua mãe estão na lista que ele pretende concluir
antes de morrer. O estranho disso é a senhorita Penélope ser chamada.
Concordo com a cabeça, mas acabo me lembrando que pode ter uma explicação lógica
para isso.
— Há forte probabilidade de mamãe a chamar para tratar dos futuros pretendentes de
Penélope. – Danilo cruza os braços, pensativo. — Algo me diz que mamãe vai dar uma de
casamenteira.
— Isso é ótimo! Se assim o for, irei me candidatar. O que acha da ideia, Felipe? – Pergunta
idiota, foi isso que desejei responder.
— Você se candidatar à pretendente da senhorita Penélope? – Solto assustado.
— Qual o problema, Felipe? – Penélope é uma mulher bonita, delicada, culta, inteligente e
uma ótima companhia. Além disso, está na hora de casar-me, não acha?
Agora, ele havia extrapolado todos os limites.
— Penélope, delicada? Não estamos a falar da mesma mulher! – Sério, Danilo me encara.
— Está certo! Ela é uma mulher muito bonita, mas não sei se viria a ser uma boa esposa para você,
Danilo.
— Pois, acredito que você esteja de implicância com Penélope, Felipe. É claro que ela seria
uma boa esposa. Quantas vezes, você conversou com ela ou procurou conhecê-la melhor? –
Mantenho-me em silêncio. — É claro que não. Você acredita que todas serão como Gisela.
— Essa sua mania de trazer minha falecida esposa para a conversa é irritante, Danilo.
— Você precisa superar o que aconteceu, Felipe. Nem todas as mulheres são como a
falecida. Ademais, você nem sequer conseguiu provas quanto a traição.
— Por favor, Danilo... Mudemos de assunto ou te deixarei sozinho aqui. Sabes o quanto o
assunto Gisela me aborrece.
Depois que os Magalhães foram embora e todos se recolheram em seus aposentos, vou
para a biblioteca a fim de encontrar algum livro para distrair-me, não sentia sono e,
provavelmente, uma insônia estava prestes a colocar em xeque minha noite de descanso. Acabei
não encontrando nada do meu agrado.
Abro as cortinas para deixar a luz do luar iluminar o ambiente e desligo todas as
lâmpadas do ambiente. Apesar de fazer questão de instalar uma rede de energia elétrica em
nossa casa, como saudosista que sou, gosto de apreciar o brilho de uma noite estrelada.
Espreguiço-me em uma das confortáveis poltronas que mamãe mandou vir de Paris. Escuto o
ranger da porta se abrir e chinelos se arrastando no chão, o frescor do perfume de Penélope
invade minhas narinas. Era ela, aquele delicioso cheiro a denunciava. Ela não me avista e procuro
manter silêncio para não chamar sua atenção. Penélope se dirige até um dos enormes estandes em
madeira de lei, remexe entre alguns livros. Os cabelos negros caem pelas costas, tão negros como
as plumas de um cisne negro. Minhas mãos se aquecem diante do desejo de tocar a suavidades
dos fios. Penélope tira um exemplar com capa de couro vermelha, encosta-se no estande. Antes de
abrir o livro, puxa os cabelos para o lado, levando o véu negro para frente de seu corpo. Os
cabelos agarram-se nos seus seios, deixando descoberto parte do seu suave pescoço. O felino que
habita minhas calças volta a tomar vida.
Penélope havia se transformado na minha maior tentação e não saberia dizer por quanto
tempo conseguiria resistir. Ela se movimenta, jogando os cabelos de volta para trás. Acredito que
tenha encontrado seu livro. Com um arrastar de chinelos e sem desviar os olhos das páginas, ela
senta-se na poltrona oposta à minha. Ergue sua camisola e puxa as pernas para cima, expondo
parte de suas torneadas pernas. A imagem do nosso beijo, a possibilidade de acariciar as suas
malditas pernas apropria-se do meu cérebro. Deixei um urro escapar. Penélope ergue a cabeça,
percebendo minha presença, acaba gritando.
— Sou eu! – Tento acalmá-la.
— O senhor é mesmo um maluco! Isso são horas de ficar escondido?! – Pronto, lá vinha ela
com 7 pedras na mão.
— Estou na minha casa, ao final e ao cabo de tudo. – Respondo.
— Isso não lhe dá o direito de me matar de susto! – Funga, indignada. — Mas tem razão.
A casa é sua, vou me retirar.
Vejo-a calçando os chinelos.
— Acho que precisamos conversar. – Não devia ter falado, no entanto, ainda não estava
preparado para que partisse.
— Conversar? – Penélope se levanta da poltrona. — Não tenho nada para conversar com
o senhor.
— Pois, acredito que tenha. – Mas era uma mandona mesmo! — Deve-me desculpas pelas
joelhadas. – Algo incontrolável dentro de mim faz-me aproximar de Penélope.
— O senhor mereceu ao final e ao cabo. – Provocativa, responde-me. Sua resposta foi
como um atiçador de brasas dentro de mim. Alargo meu passo e puxo-a para meus braços,
exigindo sua boca colada na minha. Acabava de viciar-me naquele sabor, no sabor doce de
Penélope. Nunca mais conseguiria beijar outra sem compará-la com Penélope.
Felipe acabava de assustar-me, na biblioteca. O infame está sempre a surpreender-me
em situações nada apropriadas. Dessa vez, estou apenas de camisola e com as pernas totalmente
descobertas.
—- Sou eu! – Felipe tenta me acalmar.
— O senhor é mesmo um maluco! Isso são horas de ficar escondido?! – Irritada, repreendo-
o.
— Estou na minha casa, ao final e ao cabo de tudo. – Felipe responde.
— Isso não lhe dá o direito de me matar de susto! – Respiro fundo para tentar manter a
compostura. — Mas tem razão. A casa é sua, vou me retirar. – Calço meus chinelos.
— Acho que precisamos conversar. – Os olhos de Felipe tornam-se mais intensos e um
calafrio percorre minha espinha.
— Conversar? – Levanto-me da poltrona determinada a quebrar nossa conexão, mas não
consigo me mover, não consigo fugir dali. — Não tenho nada para conversar com o senhor.
— Pois, acredito que tenha. Deve-me desculpas pelas joelhadas. — Felipe reduz a
distância entre nós.
— O senhor mereceu ao final e ao cabo. – Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, porque fui
responder para ele? Felipe se aproxima ainda mais. Meu coração dispara, começo a suar, um calor
invade meu corpo assim que sinto suas mãos colarem na minha cintura, puxando-me para perto de
seu corpo e beijando-me.
O beijo do Felipe coloca a prova minha capacidade de manter-me sobre duas pernas. O
cheiro de Felipe me provoca arrepios escandalosos. O calor dos seus lábios é enlouquecedor. Sua
língua invade minha boca, atraindo-me para uma espécie de dança indecente. As mãos fortes
acariciam minhas costas e borboletas levantam voo no meu estômago, ou será na minha barriga?
Não consigo resistir ou afastá-lo para longe, entrego-me ao momento de corpo e alma. Não sei
muito bem o que devo fazer, mas procuro retribuir o beijo, abraçando-o pelo pescoço.
As mãos de Felipe estão por todas as partes do meu corpo e quando menos espero estou
deitada sobre a poltrona com Felipe sob meu corpo. Afasto minhas pernas para que possa se
acomodar. Felipe puxa minha camisola para cima. Sinto um arrepio no interior da minha coxa. Algo
dentro de mim está prestes a estilhaçar-se. Uma trilha de beijos e pequenos chupões é deixada
por Felipe em meu pescoço. Suas mãos abandonam minhas coxas e concentram-se em abrir os
botões da minha fina camisola.
— Por Deus, Penélope, você vai me matar! Você será minha perdição... Penélope! – Felipe
geme meu nome e sinto algo explodir no meio das minhas pernas, assim que abocanha um dos
mamilos. Foi uma explosão deliciosa, confesso, no entanto, estranha. Havia lido em um livro como se
dava a união entre um homem e uma mulher e, sem qualquer dúvida, Felipe não havia feito
qualquer coisa para tanto. Sua boca volta a exigir a minha. Instintivamente, agarro seus braços.
Como desejei tocar seus braços fortes. Noites sonhando com isso. — Tão linda e perfeita... – Mais
um beijo. — Tão molhada e pronta para mim. – Felipe havia desprendido o cordão que prendia
meus calções. Eu precisava detê-lo, mas verdade seja dita, eu não queria detê-lo.
Algo dentro de mim crescia cada vez mais, um desejo insano de deixá-lo me tocar, eu
precisava de Felipe como prescindia do ar para respirar. Deixo-me levar e, num ato impulsivo,
minhas mãos deslizam até os botões de sua calça. O ranger da porta nos tira do devaneio. O
corpo de Felipe se contrai e num gesto silencioso pede-me para me manter calada.
— Senhor? – É a voz do mordomo inglês da madrinha.
— Sou eu Alfred! – Felipe coloca-se de pé rapidamente. Sinto-me estranhamente
abandonada. Felipe é tão quente...
— O senhor precisa de mais alguma coisa? – Alfred pergunta ao seu patrão.
— Não! Pode se recolher, Alfred. – O mordomo se retira. — Recomponha-se, Penélope! –
Felipe fala praticamente aos gritos, deixando-me à beira das lágrimas. Como ele pode fazer isso
comigo? — Por todos os santos, por favor, não chore agora! Brigue comigo, faça qualquer coisa,
mas não chore, Penélope. Isso não poderia ter acontecido. Você tem ideia do equívoco que
estávamos prestes a cometer? – Ele acabava de me considerar um equívoco e isso doeu. — Se não
fosse Alfred nos interromper... Nem quero pensar no que poderia ter acontecido!
— Cala a boca! – Grito. Recusava-me a escutá-lo. Suas palavras me feriam. Seco uma
lágrima que escorreu do meu olho. — E se tivesse acontecido, Felipe? O que você faria comigo? –
Solto uma gargalhada histérica. — Você teria que se casar comigo, por obrigação, não é? E seria
muito para você! O poderoso banqueiro Felipe Gusmão de Albuquerque casado com uma simplória
preceptora.
— Eu não falei isso, inferno!
— Mas pensou isso, Felipe! Não se preocupe, ninguém saberá o que aconteceu entre nós
dois nesta biblioteca. Levarei nosso segredo ao túmulo. – Arrumo como posso minha camisola e
corro para fora. Precisava sair dali antes que me colocasse a chorar como uma donzela indefesa.
Não queria que Felipe sentisse piedade ou pena de mim.
— Penélope! – Felipe me alcança nas escadas e segura meu braço. — Desculpe-me! Eu não
devia ter deixado as coisas chegarem onde chegaram... – Era perceptível o nervosismo de Felipe.
— Já falei que ninguém saberá do que aconteceu entre nós. Tem a minha palavra, senhor!
— Eu a machuquei? – Nego com a cabeça, por mais que me sentisse ferida. — Perdão
Penélope, eu não queria... Mas, eu não resisti.
— Por favor, senhor... – Engulo o choro, que insiste em sair. — Largue-me e deixe-me ir
para meus aposentos dignamente. – Felipe solta meu braço. Subo as escadas com toda a
dignidade que fui capaz de reunir. Assim que cheguei ao meu quarto, atiro-me na cama e, sem
conter as lágrimas, choro toda a frustração, raiva e desespero que senti. Felipe não podia ter
brincado comigo dessa forma.
Passaram-se dois dias do meu encontro com Felipe na biblioteca. Foram dois longos
dias, em que meu humor oscilou entre o mau e o péssimo. Felipe não cruzou meu caminho nesse
tempo. Fiz questão de evitá-lo, alegando enxaqueca. Se Alfred não tivesse entrado na biblioteca,
eu não teria sido capaz de parar Felipe e teria entregue minha virgindade a ele. Não que isso
fosse um problema, pois não pretendo me casar com Felipe, nem com outro qualquer, mas
poderíamos gerar um filho e o que seria dessa criança? Jurei para mim que nunca submeteria uma
criança ao suplício pelo qual passei e de certa forma ainda passo.
Amanheci com olheiras profundas. Também pudera, duas noites que praticamente não
consegui pregar os olhos, não porque não desejasse, mas sim porque me recusava a fechar os
olhos e ter sonhos eróticos com Felipe como protagonista das principais cenas. A chegada do
mordomo da madrinha foi providencial; sem dúvida alguma, evitou o pior. No entanto, Alfred
poderia ter se demorado mais, assim eu poderia ter saciado um dedinho do desejo de tocá-lo.
Mentir é pecado também, logo, não negarei o quanto Felipe me atrai.
— Ai, Judite! Se você apertar mais um pouco o espartilho, juro que sufocarei. – Já devo ter
falado o quanto abomino espartilhos, sim, eu detesto ficar presa nesse objeto do diabo. O Santo
Papa deveria dispensar penitência a toda mulher que usa espartilhos.
— Não reclame, senhorita Penélope! Para que o vestido tenha o caimento perfeito, o
espartilho deverá ser apertado corretamente. – Judite, a criada pessoal da madrinha, fala-me.
— Ocorre que não quero morrer sufocada ou sofrer alguma fratura nas costelas. –
Resmungo.
— Perfeito! – Judite amarra as fitas do espartilho. — Nem foi tão difícil assim e a senhorita
ainda respira. As compressas com chá de camomila suavizaram suas olheiras, senhorita. – Olhei-me
no espelho e realmente as olheiras haviam sumido completamente. — Agora sente-se na cama,
senhorita. Dessa forma, ficará mais fácil para vestir o vestido sem desmanchar o penteado.
— Sabe o que penso, Judite? Você é muito mandona para meu gosto. – Reclamei.
— Apenas estou cumprindo com minhas obrigações, senhorita Penélope. Levante-se para
que possa fechar os botões.
— Sim senhora! – Judite me olha com espanto e fico preocupada. — O que foi Judite?
Algo de errado com o vestido?
— Oh não! A senhorita está simplesmente divina. Olhe-se no espelho. – Viro-me de modo a
ficar de frente para o espelho e fixo os olhos na imagem da nova mulher a que fui convertida.
— Judite, o que foi que você fez comigo? Devo dizer que operou um milagre.
— Não seja boba! A senhorita é uma mulher bonita, apenas ajudei a deixá-la irresistível. –
A criada ri.
— Peny, minha querida afilhada, você está maravilhosa. Madame estava totalmente certa
quanto a cor. O vermelho enalteceu sua beleza. – Madrinha aperta minhas bochechas. — Lembre-
se de tempo em tempo apertar suas bochechas para deixá-las coradas. – Mas isso seria fácil,
pensei. Algo dentro de mim dizia que, toda vez que cruzasse o caminho do Felipe, eu ia corar.
Então, para que deveria me preocupar em apertar as bochechas?
Dona Violeta me entregou um estojo de veludo verde. Eu sabia que se tratava de um colar
e um par de brincos de pérolas.
— Não vou usá-las, madrinha! Já conversamos a respeito das joias.
— Nem pense em recusar as joias, Penélope Lillian Ferreira! Será uma desfeita para sua
madrinha. Judite venha, quero que você prenda o colar de pérolas em volta do penteado da
minha afilhada.
Judite envolveu o elaborado coque com o colar. Era um coque alto, que deixava meu
pescoço totalmente descoberto. Madrinha me ajudou a prender os brincos e vestir as luvas também
vermelhas. Apesar de não me reconhecer naquelas roupas, era certo de que eu estava atraente. O
pensamento me traiu e levou-me a Felipe e em sua boca indecente.
— Penélope, falo com você. – Minha madrinha me tira do meu momento devaneios
“Felipescos”. — Então, como estava a falar, Felipe dançará primeiro com Flora, somente os dois no
salão. Assim que a valsa terminar, Felipe entregará a irmã para Bento e irá ao seu encontro para
tirá-la para dançar...
— Eu e Felipe? Dançar? – Meu coração dispara e minha boca seca. Atônita com a notícia,
deixo-me cair na cadeira, sem nem me importar com o aperto do espartilho.
— Sim, você e Felipe. Felipe é o irmão mais velho e, na ausência do pai, deve dançar a
primeira dança com a irmã. Para dar início ao baile, nada melhor do que Felipe dançar com você
e Bento com Flora.
— Não vai me dizer que está anotado em alguma regra estrangeira de etiqueta,
madrinha? – Nossa Senhora das donzelas em desespero tenha piedade de mim. Só me restava
rezar.
— Claro que não! Resolvi inovar e será original você dançar com Felipe. Não dou uma
semana para que estejam copiando minha ideia. Será um sucesso, Peny! - Ai meu Deus... Dona
Violeta fará nome na alta sociedade carioca às minhas custas.
— Não é uma boa ideia, madrinha. Sou uma péssima dançarina. – Senhor todo
misericordioso, tende piedade dessa vossa humilde filha e tire da cabeça de madrinha esta ideia
estapafúrdia.
— Isso é conversa para boi dormir, Peny! Bento me garantiu que você dança como uma
pluma.
— Deixe Bento me conduzir, então! Por favor, madrinha. Eu treinei com Bento e sinto-me
mais confiante se ele for meu par. – Nossa Senhora Aparecida intercede por mim, uma última prece
sempre é bem-vinda em momentos de desespero profundo.
— Absolutamente, não será possível. Você dançará com Felipe e Bento com Flora. Não há o
que temer, Felipe é tão ou melhor dançarino do que Bento. – Dois dias fugindo de Felipe para
nada. Que Deus me ajude e derrame sobre mim toda a coragem necessária para não virar um
tomate maduro na frente de Felipe. — Peny, será apenas a primeira dança de muitas que virão ou
você acredita que ficará sentada num canto fazendo o papel de floreira?
— Floreira? – Pergunto.
— Sim, como um vaso de flores. – Não contive o riso e solto uma gargalhada. Dona Violeta
era impossível.
— Pois acredite, madrinha, estaria muito feliz em ser a floreira do baile. Uma preceptora
não deve chamar atenção para sua figura. – Tento fazê-la mudar de ideia, afinal, a esperança é
a última que morre.
— Querida! – Madrinha pega uma das minhas mãos e dá suaves batidinhas. — Esta noite,
você é apenas minha querida e adorada afilhada. Esqueça a preceptora e divirta-se. Isso é uma
ordem, Penélope Lillian Ferreira e ai de você não cumpri-la! Vamos! Felipe e Bento nos aguardam
para receber os convidados.
— A senhora pode descer, madrinha! Estarei junto de vocês em 10 minutos. – Não estava
preparada para encontrar Felipe. Na verdade, nunca estaria preparada para enfrentá-lo depois
do nosso último e indecente encontro.
— Tudo bem, mas se dentro de 10 minutos a senhorita não estiver ao meu lado lá embaixo,
faço Felipe buscá-la!
Senti vontade de gritar um não. Felipe era o motivo para me recusar a descer, inferno!
— Estarei lá. Confie em mim, madrinha! – Beijo-a na testa. — Venha, Judite, ajude-me com
o cabelo, eu acho que um dos grampos não ficou bem preso. — De volta à cadeira, acomodo-me.
Judite confere todos os grampos no meu cabelo.
— Penso que a senhorita está com medo. Não há sequer um fio fora do lugar. – Judite
cruza os braços na minha frente. — E este medo tem nome e sobrenome: Felipe Gusmão de
Albuquerque.
— Eu com medo do senhor Felipe. Só pode estar a brincar, não é, Judite?
— Se não está com medo, deveria, senhorita! O senhor Felipe olha para a senhorita como
se fosse devorá-la a qualquer momento.
— Imagine só! Foi apenas impressão sua, Judite. – Tento desconversar. — O senhor Felipe
não é do tipo de homem que gastaria seu tempo com uma simples preceptora como eu.
— Então, por que não desce logo e para de arrumar desculpas?
Touché! Judite acabava de deixar-me numa saia justa.
— Tens razão, Judite! É apenas um baile, não há nada e ninguém a temer. – Estufo o peito,
apesar de que já está mais do que estufado pelo efeito do espartilho, respiro fundo e tomo a
direção do corredor.
Seja forte, Penélope!
Dois malditos dias se passaram e eu sequer consegui colocar os olhos em Penélope. Era
óbvio que passou os dois dias se esgueirando pelos cantos para não cruzar comigo. No entanto,
esta noite, não poderia mais fugir de mim. Teria que dançar comigo. Dona Violeta não poderia ter
feito melhor, pensei, e deixei escapar um sorriso.
— Onde se meteram mamãe e Peny? – Bento pergunta. Escutá-lo chamá-la pelo diminutivo
do nome, irritava-me.
— Mulheres. Vamos nos sentar, porque de pé cansa. – Dirijo-me a uma das cadeiras que
foram colocadas em uma das paredes da nossa sala de estar principal, agora convertida em salão
de baile.
Sento-me e cruzo as pernas. Eu devia um pedido de desculpas sinceros a Penélope. Mas
como o faria decentemente, se toda vez que a vejo sinto meus hormônios se rebuliçarem? Bento
continuava a murmurar reclamações pelo atraso das damas. Precisava prometer a Penélope que
não a tocaria mais, mas como o faria, se algo incontrolável tomava conta de meu ser toda maldita
vez que sentia o seu perfume? Se Joaquina ao menos estivesse no Brasil, poderia me aliviar com
ela.
— Felipe! – Mamãe me chama, com um grito. — 5.000 réis pelos seus pensamentos! –
Curiosa, Dona Violeta ri.
— Onde está Penélope? – Bento pergunta eufórico. — Ela devia estar conosco, não devia?
— Está descendo dentro de instantes. Algo me diz que Penélope está nervosa. Queridos,
vocês não imaginam o quanto Peny está bonita! – Dona Violeta suspira.
E estava mesmo. Nenhuma palavra seria capaz de expressar a beleza de Penélope. Assim
que a vi majestosa no topo da escada, meu coração parou de bater. Meus olhos foram incapazes
de desviar da figura elegantemente vestida e arrumada.
— Encantadora e magnífica! – Bento solta, tirando-me do torpor que me achava. O
sentimento de posse tenta apoderar-se do meu juízo, assim que vejo Bento oferecendo a mão para
pajeá-la até nós.
Bento e Penélope se aproximam e mamãe fala algo que não consigo entender, pois toda
minha atenção se foca na mulher vestida de vermelho a minha frente
— Felipe, por Deus, tente se focar no presente. – Levo uma cotovelada de mamãe. — Não
vai cumprimentar nossa querida convidada? – Na verdade, eu queria muito mais do que
cumprimentar. Engoli em seco na tentativa de disfarçar o volume que se formava dentro das minhas
calças.
— Boa noite, senhorita Penélope! – Praticamente, ronrono as palavras.
— Felipe Gusmão de Albuquerque, você pode fazer melhor que isso! – Dona Violeta queria
que eu fizesse o que? Soltasse fogos de artifício. Inferno, as mulheres conseguem ser inconvenientes.
— Senhorita Penélope, espero que se sinta à vontade em nossa casa e consiga se divertir. –
Levo outra cotovelada de mamãe. Eu sabia o que ela queria e antes que mamãe me enlouqueça,
cumpro sua ordem silenciosa, pego a mão da preceptora e levo-a a minha boca. Como poderia me
satisfazer apenas com um beijo na mão quando havia tido mais, quando havia conhecido o sabor
de sua boca, cheirado seu perfume, acariciado a delicadeza da sua pele... — Você está
divinamente bela! – Tornei-me um autômato, além de um imbecil apaixonado, que não pensa no
que falará.
— Obrigada! – Corando, Penélope responde. Literalmente, eu estava perdido. O macho
dentro de mim lutava ansioso para libertar-se. Queria-a somente para mim, ninguém poderia vê-la
tão formosa e única. Meus olhos pousaram no generoso decote que se abria em seu colo,
revelando parte de seus macios e alvos seios. Eram perfeitos, feitos sob medida para minhas mãos,
que se coçavam de vontade de tocá-la.
— Vamos, nossos primeiros convidados acabam de chegar! – Mamãe me tira de meu
momento erótico.
— Seca a baba, irmão! – Bento sussurra.
— O que? – Pergunto.
— Seca a baba que escorre no canto de sua boca. – Ele ri. Inferno, se até Bento percebeu
o quanto Penélope mexe comigo, outros não demorarão. Bento é tão desligado com coisas deste
tipo.
Mamãe insistiu para que Penélope permanecesse ao nosso lado de modo que fosse
devidamente apresentada aos convidados. Foi um inferno me conter ao lado de Penélope. Essa
mulher tem o dom de roubar minha razão, simplesmente, paro de raciocinar corretamente. Cada
olhar lançado para seu decote, cada sorriso malicioso, cada beijo que se demorava além do
indicado pelo decoro, embrulhava-me o estomago. Queria jogá-la no ombro e trancá-la dentro de
um quarto para que ninguém pudesse vê-la e desejá-la. O homem das cavernas, que sequer sabia
existir dentro de mim, quase se lançou em cima de um imbecil que a convidou para uma valsa. Justo
uma valsa, uma dança tão íntima. Mamãe que me desculpasse, mas eu precisava de uma bebida.
Deixo Bento no meu lugar e parto em busca de uma taça de espumante.
Ao retornar, encontro Danilo conversando com Penélope. Inferno, lá estava novamente o
maldito ciúme corroendo minhas entranhas. Nem com Gisela, minha falecida esposa, eu havia sido
tão ciumento.
— Felipe! – Danilo nota minha presença. Um farfalhar de saias e um cheiro inebriante, o
cheiro fresco de Penélope, chega a minhas narinas. Pelos diabos, como uma mulher pode cheirar
tão bem?
— Boa noite, amigo! - Cumprimento Danilo.
— Felipe! – Mamãe se aproxima para avisar que os músicos acabaram de se acomodar
em seus lugares e que, em breve, Flora seria anunciada. Graças a Deus, Penélope se afastaria de
Danilo. — Perdão, querido! – Dona Violeta dá batinhas no rosto do meu amigo. — Depois terás
sua chance com Penélope! Peny, meu bem, com certeza concederá uma dança para o Danilo, olhe
para ele, querida, é um excelente partido! – Penélope cora e Danilo estufa o peito, como um pavão
que se exibe para conquistar a fêmea.
— Mamãe, não seja inconveniente! – Se minha mãe achava que iria me calar diante de um
comentário tão estapafúrdio, estava enganada.
— Felipe, não há motivos para agir como um irmão mais velho com Peny. Ela tem idade
suficiente para escolher seus pares. – Reviro os olhos frustrado. No entanto, Dona Violeta estava
coberta de razão. — Vamos logo, sua irmã não tolerará atrasos. Bento, acompanhe Penélope até
as escadas, assim que Felipe terminar de dançar com Flora...
— Sim, mamãe, nós estaremos a postos, não se preocupe! – Bento responde. Nossa mãe
conseguia ser insistente quando queria.
Pronunciei algumas palavras em agradecimento pela presença de todos e anunciei a
entrada da minha irmã caçula. Ela desceu as escadas lindamente sob os aplausos dos presentes.
Flora e Bento haviam herdados os olhos claros de mamãe, diferente de mim e de Berenice, que não
pôde estar presente no baile em razão da gravidez avançada. Tentamos convencer Flora a adiar
sua apresentação na sociedade para depois do nascimento do bebê, mas ela se recusou a perder
mais um ano. Flora era teimosa ao extremo, só perdia para Eloíse em teimosia. Assim que os
músicos começaram a executar a primeira música, conduzi Flora pelo salão. Ela radiava felicidade.
À medida que a música avançava para a conclusão, um torpor tomava conta da minha alma. A
expectativa em dançar a valsa com Penélope, em tê-la tão próxima do meu corpo, convertia-se em
um poderoso elixir revigorante.
O último acorde foi executado e uma salva de palmas homenageou Flora. Bento e Penélope
se aproximaram para a troca de casais. Meu sangue ferveu assim que sua delicada mão encostou
na minha. Ela fez uma reverência breve, mas elegantemente executada. O pianista dedilhou as
primeiras notas de Danúbio Azul, de Strauss. Penélope posiciona sua mão em cima de meu ombro e
eu a puxei para perto de mim. Meus pensamentos nublaram-se com as lembranças da noite que a
tive sob meu corpo. O hálito quente de Penélope atinge meu pescoço e arrepios percorrem todo
meu corpo. Aspiro o frescor do seu perfume e delicio-me com o calor do seu corpo, praticamente
colado ao meu. Nossos olhares se cruzam e perco-me no azul profundo dos seus olhos. Tudo
desaparece ao nosso redor, restando apenas eu e ela. Instintivamente, puxo-a para mais perto a
cada giro que a música exige.
— Se tentar qualquer coisa, juro que chuto suas bolas novamente. – Inferno, ela precisava
quebrar a magia do momento.
Eu precisava evitar Felipe a qualquer custo, mas assim que sinto suas mãos tocarem
minhas costas, algo dentro de mim começa a quebrar. Era assim que ficava toda vez que Felipe me
tocava: quebrada. Concentrar-me nos passos da valsa e acompanhar a melodia da música não
adiantou de nada. Felipe era ousado e a cada giro, puxava-me para mais perto. Meu coração
saltita de euforia, calafrios percorrem minhas costas, estava a um passo de me perder naquilo que
ousei apelidar de devaneios “Felipescos”, um estado de espírito caótico, onde perco completamente
o controle de minhas ações e pensamentos. Não poderia deixar isso acontecer, não mesmo.
Concentre-se, Penélope! Esqueça que você dança com o homem mais lindo e másculo do baile.
— Se tentar qualquer coisa, juro que chuto suas “joias” novamente. – Eu precisava pará-lo,
mas ele era ousado e um leve sussurro chega aos meus tímpanos.
— Nós dois sabemos que não é bem um chute que você deseja me dar, senhorita Penélope!
– Eu coro. Nunca corei tanto na minha vida.
— O senhor não deveria mencionar tais palavras diante de uma donzela. - Tento me
afastar, mas não consigo. Felipe é forte demais. E essa maldita valsa que não acaba mais.
— Ah senhorita Penélope, não falei nada demais. Ou a senhorita nega que deseja me
beijar novamente?
— Então é isso! – Aliviada, suspiro.
— Posso saber o que a senhorita pensou? – Felipe me olha com um sorriso sarcástico
estampado no rosto. Que ódio, caí direitinho no trocadilho de palavras!
— Oras! O senhor não sabe mesmo respeitar uma donzela. Então, por favor, cale-se e não
volte a falar comigo até esta maldita dança terminar. – Cuspo as palavras.
— Muito bom saber que desfruta dos meus beijos, senhorita Penélope. – Fala-me, sem
afastar o sorriso presunçoso do rosto.
— Recuso-me a responder tamanha grosseria! – Na verdade, fiquei sem palavras. O
bastardo do Felipe era muito ardiloso com elas. — E só não o chuto novamente, porque seria um
escândalo e minha madrinha, a quem tenho muito apreço, não merece um desgosto depois de dias
de planejamento. Sem falar que Flora não nos perdoará jamais...
— Por todos os Santos e Santas que habitam o céu, por favor, a senhorita poderia parar
de falar? – Estava prestes a esbofeteá-lo quando escuto as notas finais da valsa. Finalmente, a
interminável valsa havia chegado ao fim.
— O senhor é um mal-educado, senhor Felipe. Não entendo como dois irmãos podem ser
tão diferentes. – Acabo falando mais do que devido. Felipe segura firme meu braço.
— Eu sou mal-educado? Sim, devo ser um mal-educado mesmo, depois de hospedá-la em
minha casa. – Felipe me arrasta pelo corredor a fora. — Deixe-me lembrá-la, senhorita Penélope,
quem foi mesmo que saiu em meio a uma tempestade para procurar uma louca desvariada e
perdida?
— Louca desvariada? – Solto uma gargalhada histérica. — Quer saber, o senhor foi
porque quis. Eu não precisava de ajuda!
— Claro que não! – Ele solta uma gargalhada. — Seja humilde uma vez na vida, senhorita
Penélope, e agradeça a seu salvador.
— O senhor me chamou de orgulhosa? O senhor que vá para o inferno, senhor Felipe!
Tenho várias danças e vários cavalheiros mais cordiais e gentis me esperando. — Aliso meu vestido,
quando ia estufar o peito, lembro-me de que não precisava, já estava estufado o suficiente pela
força do espartilho.
— Nem pense em cometer mais uma insanidade, Penélope! – Felipe bufa.
— Não sou uma louca, já lhe disse. Ademais, o senhor não manda em mim. Sou uma mulher
adulta e independente. – Felipe reduz a distância entre nós dois. Imagens da noite na biblioteca se
formam em meu cérebro. — Por favor, nunca mais me chame por Penélope. Para o senhor, sou
senhorita Penélope. – Os olhos de Felipe escurecem à medida que se aproximava de mim.
— Peny! – Reconheço a voz de soprano de Danilo.
— Não esqueci de nossa dança, Danilo! – Falo alto. — O senhor Felipe apenas me
acompanhou até aqui, porque os giros da valsa me deixaram tonta. Mas já me sinto bem
novamente. – Felipe retira-se para o lado, dando-me passagem.
— Então, Danilo pode lhe chamar por seu apelido? – Felipe resmunga.
— Senhorita Penélope, para o senhor, não se esqueça. – Sussurro, fazendo questão de
piscar os olhos. Deleito-me ao vê-lo contrair o maxilar em sinal de irritação. Mas Felipe não perdia
por esperar. Penélope Lillian Ferreira dá um boi para não entrar numa briga, mas quando entra,
dá uma boiada para não sair. — Vamos Danilo, não vejo a hora de pisar novamente no salão! –
Danilo beija minha mão e oferece-me o braço, como perfeito cavalheiro que o é. Estava
determinada a aproveitar a noite, mesmo que tivesse que me converter no assunto mais comentado
dos próximos dias.
Depois da dança tendo Danilo por par, seguiram-se outras. A lista de espera só aumentava,
mas os meus pés, não acostumados, pediam por um descanso. Bento percebeu minha aflição e veio
ao meu socorro.
— Graças a Deus, você apareceu, Bento! Não suportarei mais uma dança. – Bento me
conduz até uma cadeira colocada estrategicamente em um dos cantos da sala para que as damas
pudessem descansar.
— Os cavalheiros não fazem outra coisa a não ser elogiá-la, Peny! Mamãe, por sua vez,
está em polvorosa com seu sucesso.
— É o meu fim, Bento! Se a notícia deste baile chegar a São Paulo, não conseguirei nenhum
emprego como preceptora. – Na verdade, meus planos de abrir uma escola para moças estariam
ameaçados caso a notícia do baile chegasse a São Paulo. Porém, não poderia revelar a Bento a
existência de minha herança. Temia chamar a atenção de pretendes mercenários. E o que menos
necessitava, no momento, era ter que conviver com mais este tipo de confusão.
— Esqueça isso, querida! Uma vez na vida, Peny, aproveite a noite. – Bento me repreende.
Ele tinha razão.
— Tudo bem! Mas antes de voltar para a loucura do baile e de cavalheiros me cortejando
e implorando por uma dança, preciso beber algo!
— Espere-me aqui... Buscarei um refresco para você.
Desfaço o laço que prende meu leque no vestido e abano-me. Sorridente, Danilo se
aproxima. Só agora percebo o quanto é bonito. É alto, não tanto quanto Felipe e Bento, mas tem
um porte atlético, olhos azuis e cabelos negros. O fraque lhe deixou mais charmoso, confesso.
— Até que enfim, terei sua atenção apenas para mim, sem ter que competir com um bando
de otários! – Danilo abre um sorriso encantador, assim que se coloca na minha frente.
— Não seja tolo, Danilo. – Rio.
— Não sou Tolo, Peny! – Danilo puxa seu relógio de bolso e confere as horas. — Faz 2
horas, 36 minutos e 21 segundos desde que a deixei na companhia do filho do presidente da
empresa de gás. – É impressionante como Danilo me faz sentir bem em sua presença. — Permita-
me acompanhá-la em seu descanso? – Danilo aponta para a cadeira vazia ao meu lado.
— Claro! Fique à vontade. Será um prazer ter sua companhia. – Respondo.
Passamos alguns minutos conversando. Danilo era um homem encantador e muito inteligente.
Contou-me sobre seus esforços para ver aprovado o que chamam de Código Civil, um compilado
de regras e normas que daria segurança às relações privadas. Danilo explicou com grande
entusiasmo que seria um grande marco para a história das letras jurídicas brasileiras.
Olho para o outro lado da sala e avisto madrinha acenando em nossa direção. Ela está
radiante dentro de um lindo vestido azul turquesa.
— Dona Violeta é uma dama adorável. – Danilo comenta. Concordo, acenando de volta.
Ela se despede da convidada com quem falava e atravessa o salão, vindo em nossa direção.
— Peny e Danilo, vocês não fazem ideia, meus queridos, do quanto ficam bonitos juntos.
Minha grande amiga Lucíola foi enfática em afirmar que os dois nasceram um para o outro! – Coro
diante do comentário da madrinha. — Uma união dos dois seria uma benção enviada dos céus,
devo dizer. Imaginem os filhos lindos que nascerão de vocês! – Meu rosto esquenta ainda mais.
Provavelmente, deveria estar com a aparência de um tomate maduro prestes a cair do galho.
— Fico feliz que pense dessa forma, Dona Violeta. – Animado, Danilo fala. — É claro que
se a senhorita Penélope permitir, gostaria de conhecê-la melhor. – Por Santa Brígida, ele estava
pedindo permissão para me cortejar. — Poderíamos caminhar no Passeio Público ou talvez
visitarmos o Jardim Botânico. Flora poderá nos acompanhar.
— Tenho certeza que Penélope adorará, Danilo. – Olho com o semblante fechado para a
madrinha. Havia enlouquecido de vez. — Nem me olhe assim, querida! Um passeio pela cidade
apenas lhe fará bem, Peny. Felipe, querido! – Pronto, agora ela acabava de chamar quem não
devia! Madrinha seria minha perdição. Felipe se aproxima e Dona Violeta continua seu falatório,
sem dar margem para que fosse interrompida. — Diga-me, querido, Danilo e Penélope formam ou
não um bonito casal? – Felipe fechou a cara. Era óbvio seu desprezo pela minha pessoa. — Dizia
que uma eventual união entre os dois seria uma dádiva de Deus. Teríamos miniaturas de
“Penélopes” e “Danilos” a correr. Magalhães ficaria orgulhoso dos netos...
— Mamãe, por favor, contenha-se! – Felipe segura o braço da mãe e sussurra em seu
ouvido, mas ela consegue se livrar do aperto.
— Por Deus, Felipe, deixe o homem de negócios por esta noite no banco. – Felipe a olha
como se fosse capaz de fuzilá-la. A ira era perceptível em seu semblante. Eu que não desejava
ficar perto dos dois.
— Danilo, não acha que está um tanto abafado? – Falo e Danilo entende minha intenção.
— O que acha de darmos uma volta no jardim? Alguns convidados foram para fora para
apreciar a agradável noite estrelada. – Felipe levanta-se e estende a mão. Assim que estendo
minha mão, assusto-me com um grito de Felipe.
— Danilo... Preciso falar com você, agora!
— Prometi acompanhar Penélope até o jardim. – Danilo argumenta ao amigo.
— É urgente! – Felipe fala dando as costas e pisando fundo.
— Perdoe-me, mas é melhor atendê-lo. Deve ser algo urgente. – Danilo parte e é
perceptível sua irritação com Felipe.
Assim que Danilo saiu, repreendo a madrinha.
— Dona Violeta, a senhora não pode insinuar coisas a respeito de mim e Danilo. Ai, ai...
Lembre-se do que me prometeu, madrinha!
— Não foi uma insinuação, Peny! Você e Danilo formam um bonito casal. Ele é um bom
homem e com certeza poderá lhe fazer feliz. – Ela não desiste mesmo!
— Madrinha, quantas vezes teremos que ter essa conversa? A senhora sabe que não
desejo me casar e que tenho outros planos em mente. – Sinto-me exausta, tanto pelas sucessivas
danças que fui obrigada a conceder quanto pelo falatório de madrinha.
— Você poderá abrir a sua tão sonhada escola para moças e casar-te também! Tenho
certeza de que Danilo não se oporá. É uma mente progressista, querida. Não será uma mulher
independente como você que será capaz de afugentar Danilo.
— A senhora, por ventura, se perguntou se Danilo me atrai?
— Penélope Lillian, não acredito que não achou o Danilo um belo exemplar masculino! –
Solto uma gargalhada, chamando a atenção mais do que devido. Dona Violeta era impossível!
— É claro que o acho bonito, mas não a ponto de desejar qualquer aproximação maior.
Considero-o um bom amigo e só.
— Então, trate de levantar seu traseiro lindo e jovem dessa cadeira. Há uma fila de
cavalheiros querendo uma dança. – Suponho que madrinha se excedeu na quantidade de copos
de espumante que bebeu. — Quero apresentá-la para o filho de um rico fazendeiro. – Desisto,
porque Dona Violeta não desistirá de arrumar um marido para mim, ao menos não nesta noite.
— A senhora ganhou, porém, preciso beber um refresco antes. Bento já deveria ter voltado
com meu copo de cidra.
— Bento foi buscar um refresco para você? – Concordo com a cabeça. — Querida, com
certeza, ele foi atacado por uma horda de mocinhas casadouras. Vamos... Uma dama elegante
jamais sente sede ou calor. – Ao menos, consegui descansar um pouco, penso.
Dancei com vários rostos diferentes durante as 3 horas de baile que se seguiram. Todos
foram muito amáveis comigo e trataram-me com muita cordialidade. Tudo havia sido perfeitamente
planejado e executado, desde a decoração até os doces finos que foram servidos com esmero
para agradar o refinado paladar da alta sociedade carioca. Flora estava radiante e feliz com
sua impecável estreia na sociedade. Bento também parecia ter se divertido muito, em que pese, o
ter visto diversas vezes em fuga ou escondendo-se de algumas das amigas de Flora.
Estranhamente, não havia mais visto Danilo, nem Felipe. Madrinha, depois de se despedir dos
últimos convidados, aproxima-se de mim e Flora.
— Vocês viram Felipe? – Num gesto rápido, negamos. — Onde ele se enfiou? Que belo
anfitrião Felipe foi. Sumiu e sequer deu o ar de sua graça! O que dirão nossos convidados?!
— Felipe estava muito estranho esta noite, mamãe. – Flora fala. — Felipe é sempre muito
sério, mas hoje ele ultrapassou todos os limites possíveis.
— Deve estar enfurnado naquele maldito escritório. – Madrinha comenta e não deixo de
perceber sua preocupação. — Amanhã falarei com ele. Com licença! Estou cansada demais e
pretendo me recolher o mais breve possível. – Flora acompanha a mãe, também alegando cansaço.
Restam somente eu e os criados. Desfaço os laços dos meus sapatos e, assim que os
descalço, uma sensação de liberdade me invade. Odeio sapatos apertados, odeio espartilhos e
tudo que possa restringir meus movimentos. Decido tomar um ar no jardim, antes de subir até meus
aposentos. O esplendor das estrelas era convidativo para a contemplação. Exalo profundamente o
aroma do orvalho que começa a se depositar nas folhas verdes das heras e figueiras que
embelezam o jardim.
— Acabou a exibição? – O hálito quente de Felipe chega até meu pescoço. — Fale-me,
Penélope, qual será o privilegiado que ocupará um lugar em sua cama? – Sinto meu sangue ferver.
Como poderia ter a audácia de falar-me uma infâmia dessas!?
— Você bebeu, só pode! – Felipe acabara de ofender-me.
— Sim... Eu... Bebi... E muito. – Felipe se aproxima de mim. Ele fede a conhaque. — Você me
deixa louco, Penélope. Desde aquela maldita noite em que pude sentir sua maciez, cheirar seu
perfume fresco, deliciar-me em suas curvas, provar do sabor de sua boca, não faço outra coisa a
não ser desejá-la. Por todos os demônios, Penélope, eu sou homem e você é a mulher mais
provocante e divina em que coloquei os olhos. – As fortes e quentes mãos de Felipe agarram
minha cintura.
— Largue-me, Felipe! Você não está sóbrio o suficiente para avaliar o que acaba de dizer-
me. – Tento me desvencilhar, mas ele é forte demais, grande demais, lindo demais, atraente
demais... Sem devaneios “Felipescos”, Penélope! Ele está bêbado e não sabe o que faz ou diz.
Procuro recuperar o juízo. Eu sou a sóbria e devo manter-me focada.
— Não largarei, Penélope! Quero beijá-la. – Felipe avança para cima de mim, mas viro o
rosto evitando que ele atinja seu objetivo. — Não seja difícil, Peny! Odeio quando lhe chamam de
Peny... Só eu posso lhe chamar pelo seu diminutivo... Penélope... – Ele arfa. — Você é só minha e de
mais ninguém, entendeu? – Felipe puxa meu rosto de maneira que seus olhos encontrem os meus.
Meu coração dispara.
— Por favor, pare com isso! Você não sabe o que diz! – Felipe me puxa para seus braços e
beija meu pescoço. Estou prestes a ceder, mas é errado. Empurro-o para longe.
— Por favor, não suporto mais ficar longe de você e do seu corpo, carinho! – Como
gostaria de dizer-lhe que também o desejava. — Você me tortura, Penélope! Por que? Diga-me o
porquê? Eu imploro. – Porque você é um idiota, Felipe Albuquerque de Gusmão, um idiota lindo e
apaixonante, mas um imbecil. Como desejo pôr para fora o que realmente sinto por ele.
Felipe volta a reduzir a distância entre nós. Afasto-me antes que seja tarde e não consiga
mais resistir. Ouvi-lo falar palavras tão doces, mesmo que em razão do torpor do álcool, é uma
carícia para meus ouvidos e para minha alma. Não podia mais negar, eu havia me apaixonado
por Felipe; e esta realidade enerva-me.
Ele tropeça em uma pedra e cai. Sem sucesso, tento ajudá-lo.
— Felipe, por favor, tente se ajudar. Você é muito pesado, não consigo erguê-lo.
— Venha até mim, Penélope. Deixe-me amá-la. Farei de você a mulher mais feliz do mundo.
– Felipe me puxa e caio em seu colo. Ele deposita uma de suas mãos em meu decote. — Tão
quente e doce, minha Penélope. – As borboletas adormecidas dentro do meu estômago acordam e
estão prestes a levantar voo. Estou a um passo de me jogar ao abismo. Desejo-o tanto que chega
a doer. — Deixe-me provar mais uma vez de sua doçura, carinho? – Nossa Senhora das donzelas
prestes a cometer uma insanidade, protegei-me! Preciso ser forte e retirar-me do alcance de
Felipe. No entanto, sou fraca e acabo por abraçá-lo.
A língua de Felipe avança para dentro de minha boca. As borboletas levantam voo e
perco-me entre sensações indescritíveis. O sabor misturado de conhaque com tabaco me excita
ainda mais e algo dentro de mim clama para que continue a deliciosa e tortuosa exploração. Suas
mãos baixam meu decote e acariciam delicadamente meus seios.
— Precisamos parar, Felipe! – Balbucio entre gemidos de prazer. Felipe não responde pois,
sua boca se ocupa com meu pescoço. Nunca imaginara o quanto era bom ser beijada no pescoço.
— Isso não é certo! Você está bêbado e eu... Não deveria estar aqui com o senhor! – Seus lábios
chegam até meus seios e não consigo conter um gemido. Preciso ser forte, preciso dar um fim em
tudo. Não é certo, apesar de ser a coisa mais incrível que vivi até então. Aproveito uma distração
de Felipe e saio de seus braços. Rapidamente, puxo a taça do vestido para cima, de forma a
cobrir meus seios. — Chega, Felipe! Isso é loucura!
— Volte aqui, carinho! Preciso de você, Penélope.
— Não é de mim que você precisa, Felipe! Você está bêbado e precisa de um banho frio e
de um café bem forte. Há coisas que não podem ser feitas e decididas quando se está
embriagado.
— Não seja uma menina má! – Como queria ser má. Nossa Senhora das donzelas
excitadas, livre-me de pensamentos tão escandalosos! Felipe resmunga, tentando se levantar, sem
êxito. — Preciso me aliviar, carinho.
— Como?
— Estou duro, Penélope! – Felipe aponta para o meio das suas penas. Sinto as bochechas
esquentarem.
— Não escutei isso! – Falo, tapando meus ouvidos. — Buscarei ajuda! Não se preocupe. –
Corro para dentro do palacete antes que eu me atire de volta nos braços de Felipe.
— Inferno, Penélope, volte aqui! – Frustrado, Felipe grita.
No interior do palacete, choco-me com a figura altiva e impecável de Alfred.
— Oh... Alfred... O senhor Felipe precisa de ajuda. Ele está lá fora.
— Irei ajudá-lo, com certeza. A milady precisa de alguma coisa?
— Presumo que a casa de banho esteja desocupada. – Alfred me olha surpreso.
— Desculpe-me, mas não há água quente. O fogo já foi apagado. – Respondeu-me.
— Não tem problema, a noite está abafada mesmo, um banho frio me fará bem.
— Água fria, milady?
— Sim, água fria. Desejo me banhar e refrescar-me.
— Mas está muito tarde para um banho frio, milady.
— O calor do Rio de Janeiro é insuportável! – O mordomo retira-se. — Somente água fria
para acalmar meu estado de espírito no momento!

Crônicas da sociedade carioca


Já afirmava Austen que os homens afortunados eram considerados propriedades pelas mães
casadouras. E o que diria a senhorita revolucionária se visse o mesmo papel desempenhado por uma
madrinha com demasiada vontade de ver sua pupila casada com um bom partido? De fato, Austen
mudaria suas concepções.
A sociedade carioca se deleitou com o baile oferecido pela família Gusmão de Albuquerque e
também se sentiu curiosa acerca da hóspede presente na mansão. Lady F. deleitou os convidados com
a sua presença altiva e encantadora, enquanto o anfitrião demonstrava profundo pesar com as
investidas dos demais cavalheiros presentes. O rebuliço que tal baile causou pode ser ouvido até
mesmo de Paris, capital da moda e dos bons costumes, quem dirá no Rio de Janeiro, lugar conhecido
pelos seus boatos escandalosos e de falsa modéstia.
Que a disputa para a valsa da senhorita em questão estava acirrada e estarrecedora, nós já
sabemos, mas o que ainda fica em pendência, atiçando os pensamentos mais comprometedores é qual
dos cavalheiros a Lady considerou como bom partido? Levando em consideração que a maioria
presente, possui inúmeras propriedades, sendo perfeitamente capaz de manter os custos de uma
esposa apreciadora da mais alta moda Parisiense.
Após tantos elogios, só posso crer que a mansão da renomada família Gusmão de
Albuquerque amanhecerá completamente florida e preenchida pelo odor dos muitos tipos de flores que
serão entregues ao raiar do dia, juntamente com os cartões em caligrafia elegante convidando a mais
nova hóspede da sociedade para um passeio no belo dia.

Por Lafaiete Boaventura.


Desperto tarde e com uma dor de cabeça terrível. Não lembro como cheguei até minha
cama. A última recordação foi de Penélope em meu colo, indecentemente escarranchada no meu
colo. Penélope me enlouquece, não suporto mais vê-la tão próxima e não tocá-la da maneira que
desejo. Maldito vestido vermelho, malditos olhos azuis, maldito corpo pecaminoso... Levanto-me da
cama e vou em busca da bacia de água para lavar meu rosto. Não devia ter bebido tanto.
— Por que você tem que ser tão bonita, senhorita Penélope, tão soberba e tão imprópria?
– Bato no encosto da poltrona com o punho.
Não bastasse a vontade incontrolável de tirá-la dos braços de cada homem com quem
dançou, briguei com meu melhor amigo por ciúmes. Quando mamãe insinuou que Danilo e Penélope
seriam o casal perfeito, o homem bruto que sequer sabia existir dentro de mim, quis sair para fora.
Quando Danilo a convidou para um passeio no jardim, foi impossível conter o impulso de tirá-lo de
perto dela. No entanto, Danilo é um homem inteligente e percebeu minha desculpa. Necessitei
inventar uma nova desculpa. Disse-lhe que Penélope não lhe era apropriada, que um advogado
brilhante como ele não poderia se casar com uma simples preceptora, filha de uma antiga criada
da família de minha mãe, que ela poderia apenas estar interessada em seu dinheiro. Danilo
desferiu-me um soco no rosto. Danilo praticava pugilismo quando jovem e tem um gancho de
esquerda pesado. Olho-me no espelho e uma marca roxa formou-se em meu maxilar.
— Nunca mais permitirei que se refira a senhorita Penélope de forma tão vil, Felipe. O fato
de seu casamento com Gisela não ter sido bem-sucedido, não lhe dá o direito de julgar os outros.
Você é meu melhor amigo... Eu esperava mais de você, Felipe! – Danilo saiu do escritório, muito
alterado.
Não devia ter falado tamanha asneira, eu sei. Porém, o ciúme de Penélope me faz perder
o juízo, não consigo agir civilizadamente vendo-a na presença de outros homens, mesmo sendo meu
irmão ou meu melhor amigo. Isso precisa ter um fim ou será meu fim.
Depois que Danilo se retirou, despejei uma boa dose de conhaque em um copo e, num gole
só, bebi todo o líquido. Tentei voltar para o baile, afinal, era minha casa, eu era o anfitrião. Assim
que piso de volta no salão, vejo-a novamente numa sucessão de troca de pares. Penélope havia
roubado todas as atenções para si. Esfolaria viva a infeliz modista que sugeriu essa cor
escandalosa para ela. Algo insano tomou conta da minha alma. Eu precisava me retirar ou não
responderia mais pelos meus atos. Voltei para o escritório e copo atrás de copo senti o torpor do
álcool me aliviar.
Escuto uma batida na porta.
— Com licença, senhor! – É Jorge, o valete de quarto de Bento. — Sua mãe pergunta se
deseja se juntar à família para o almoço. Dona Violeta apenas aguarda o senhor para mandar
servi-lo. - Inferno, não podia ter dormido tanto.
— Diga para minha mãe que, dentro de 20 minutos, descerei.
Desço as escadas e deparo-me com uma quantidade imensa de flores e folhagens
espalhadas por todos os cantos. Não eram as mesmas flores escolhidas por mamãe e Flora para
decorar o baile. Aliás, todos os móveis haviam retornado para os seus lugares. Nossos criados são
muito eficientes, penso, e mereciam uma gratificação pelo excelente trabalho. Retorno para as
flores. Da onde poderiam ter vindo? Ao chegar na saleta que as damas da família costumam
utilizar, mais vasos de plantas e ramalhetes adornam os móveis.
— Bom dia, Felipe! – Mamãe me olha carrancuda. Aproximo-me dela e deposito um beijo
em sua testa. — Estou muito irritada com sua postura ontem.
— Por favor, mamãe, agora não. Minha cabeça está latejando e meu humor não é dos
melhores para receber reprimendas.
— Problemas no banco? – Gostaria de falar-lhe a verdade. Contar-lhe que a fonte dos
meus problemas estava sentada a sua frente, compenetrada em um livro. Penélope estava mais
bonita. Os cabelos estavam parcialmente presos. A roupa também deveria ser nova. Era um
conjunto impecável de saia azul com uma camisa de renda branca.
— E as flores? Presumo que o baile foi um sucesso e as flores foram enviadas para Flora.
— Alguns ramalhetes foram enviados para Flora, outros para mim, em agradecimento.
Porém, a maioria deles, inclusive aquela enorme cesta... – Mamãe apontou para uma cesta de vime
repleta de rosas vermelhas. — Foram enviados para Penélope. – Dona Violeta suspira e eu bufo
em sinal de frustração. — O que foi, Felipe?
— Nada, apenas acredito que Penélope roubou para si as atenções que deveriam ter sido
todas de Flora.
— Se sua irmã não se importou com isso, não há motivos para você complicar, Felipe.
— Com licença! – A governanta entra com um grande ramalhete de flores do campo. —
Senhorita Penélope! – Frau Helga precisou chamá-la duas vezes para ser percebida. — Mais
flores para a senhorita.
— Ah sim! Dê-me o cartão e, por gentileza, coloque-as na água. – Só então ela percebe
minha presença e cora.
— Quem as enviou? – Eufórica, mamãe pergunta. Sento-me do lado de mamãe para
apreciar a bucólica cena.
— Foi Danilo! Ele também pede desculpas por ter saído sem se despedir. – Penélope
responde.
— Muito estranho Danilo ter se retirado sem se despedir. Felipe, você sabe o que pode ter
ocorrido? – Dona Violeta me fita, ansiosa por uma resposta.
— Assuntos de trabalho. – Minto descaradamente.
— Meu Deus, Felipe, o que aconteceu com seu queixo? – Só então lembro-me da marca
roxa no meu queixo.
— Foi um acidente... Nada grave, não se preocupe, mamãe! Afinal, vamos ou não almoçar?
– Propositadamente, troco o assunto.
— Dentro de 15 minutos o almoço será servido. – Mamãe levanta e retira-se, deixando-nos
sozinhos. Penélope volta a se concentrar em sua leitura. Não consigo desviar os olhos dela.
— Então, senhorita Penélope! – Lembro-me de que não posso chamá-la apenas por
Penélope ou Peny. — Já decidiste qual será o primeiro cavalheiro a enviar um cartão de
agradecimento pelas flores?
Penélope fecha o livro e encara-me.
— Ainda não, senhor Felipe! Acredito que devo agradecer a todos, sem distinção, uma vez
que todos foram muito amáveis comigo. Talvez, o senhor pudesse me aconselhar. – Noto um leve
toque de ironia em sua voz. Era uma megera mesmo, minha doce Penélope. — Estou indecisa,
senhor Felipe! – Ela leva uma das mãos ao coração. — Não sei se devo agradecer primeiro ao
senhor Carlos da Fonseca ou ao senhor Elias Pereira Marques.
— Pois penso que não deve se preocupar com estes dois! – Solto sem querer.
— Não o entendo! – Penélope revira os olhos, apenas para provocar-me. — Carlos e Elias
me pareceram excelentes pessoas, tão gentis e educados. – Uma ova que aqueles dois
mulherengos ousariam a tocar na minha Penélope. O maldito ciúme de volta.
— Estes homens não são companhias apropriadas para a senhorita.
— Quem decide sou eu, não acha, senhor Felipe?! – Por todos os demônios, está para
nascer mulher mais teimosa do que Penélope.
— Você vive sob meu teto e preocupo-me com a segurança da senhorita. Carlos da
Fonseca e Elias Pereira Marques são membros de famílias conceituadas, porém, são boêmios, sem
falar da fama de mulherengos que possuem.
— O senhor não pode julgá-los, senhor Felipe! – Penélope, num sobressalto, levanta-se,
alisando sua saia. Essa sua mania apenas me deixa duro.
— Posso saber o porquê? – Procuro intimidá-la.
— Oras... Preciso mesmo relembrá-lo dos acontecimentos desagradáveis a que o senhor
tem me sujeitado? – Ela cora e não resisto a vontade de rir. — Pois bem, o senhor não perde
oportunidade alguma de seduzir-me, senhor Felipe! – Agora, ela havia ido longe demais.
— A senhorita fala como se eu fosse o único culpado pelo o que acontece entre nós dois,
mas sabemos que a senhorita também não resiste a meu charme! – Ela bufa.
— O senhor é um mal-educado, senhor Felipe!
— Confessa, Penélope! – Levanto-me e aproximo-me. — Confessa que você me deseja
tanto quanto eu a desejo! Ontem à noite, no jardim, você precisou de muita força de vontade para
se afastar de mim...
— Você se lembra?
— Claro que me lembro, sua tola! Lembro-me de cada gemido que você soltou. Estava
bêbado, mas não ao ponto de esquecer-me de nosso interlúdio romântico, Penélope. – Estava a
ponto de puxá-la para meus braços. Não consigo encontrar explicação pelo desejo que sinto por
essa mulher. Eu a quero e irei enlouquecer em razão disso. Eu teria cedido ao desejo insano que
me tomou se não fosse Flora entrar como uma louca na sala.
— Peny... Você não vai acreditar...
— Acreditar no que? – Penélope pergunta.
— Orlando, o filho do visconde de Bragança e Melo, e seu primo mais velho, aquele que
você dançou, lembra-se? – Penélope assente. — Os dois pedem nossa companhia para o matinê
de amanhã do Lumière Cinematógrafo. Iremos, não é? – Empolgada além do devido, Flora abraça
a preceptora. Arranho a garganta de modo que minha irmã perceba minha presença. — Felipe,
não havia notado você aqui.
— Como sempre, eu seria o último a saber a respeito deste peculiar convite. – Repreendo
Flora, cuja animação se esvai.
— Dessa vez, não irá estragar minha alegria, irmão mais velho. Conversei com mamãe e
ela autorizou-me a aceitar o convite, desde que Peny também aceite. – Era óbvio que teria o
dedinho, ou melhor o corpo inteiro de Dona Violeta envolvido nesse assunto.
— Irei com vocês! – Penélope e Flora me fitam com semblante de quem havia visto um
defunto levantar do túmulo. — O que foi? Faz tempo que não vou ao cinematógrafo. Disseram-me
que há excelentes películas sendo exibidas. Escreva uma mensagem, Flora, comunicando ao par de
cavalheiros para que nos encontrem na bilheteria do cinematógrafo. – Falo em tom autoritário
para que não reste brecha para ser contraditado. Nunca que iria deixá-las sozinhas, nem que
precisasse comparecer em todos os eventos agendados para os próximos meses. — Outra coisa,
quero uma lista dos eventos sociais que fomos convidados, Flora, para que possa me organizar
para acompanhá-las. – Dou as costas para as duas e saio da sala antes que Flora jogue algum
objeto em minha cabeça.
Olho-me no espelho para conferir o impecável trabalho de Judite.
— A senhorita está uma princesa! – A criada pessoal da madrinha fala eufórica.
Meu vestido de cetim na cor azul turquesa realça o azul dos meus olhos. Diferentemente do
vestido carmim, este não tem mangas ou rendas. As luvas são longas e cobrem a maior parte dos
meus braços. Minha silhueta é evidenciada pelo espartilho e pela saia levemente sobressaliente na
parte de trás. Judite elaborou um requintando penteado, onde pequenos fios negros se
desprendiam do coque alto, de onde também saiam exuberantes plumas azuis.
— Judite, devo concordar que fez um ótimo trabalho com as plumas. – De início, fui contra
a ideia de Judite prender plumas no meu cabelo. Achei-a estapafúrdia, por supor que poderia vir
a parecer um daqueles pavões que ornamentam alguns jardins luxuosos. Confesso, porém, que me
agradei com o resultado.
— Perfeição é a palavra correta para descrevê-la, senhorita Penélope. – Judite me fita
com os olhos marejados. — Dona Violeta acertou em escolher o colar de rubis. – A criada abre o
estojo preto e retira de dentro um magnífico colar de rubis. Meus olhos lacrimejam diante da
recordação trazida pelo colar. — Está emocionada, querida? A senhorita tem muita sorte em ter
uma madrinha como Dona Violeta. Acredito que ela guardou estas joias especialmente para a
senhorita. Nunca as vi com uma delas. – Judite prende o colar em meu pescoço esguio. A criada
estava certa, madrinha havia guardado as joias para mim, o que ela não sabia e não deveria
ficar sabendo é que as joias pertenceram a minha amada mãe. Elas me pertenciam por direito e,
por medo, havia adiado o momento de usá-las. Era dolorosa a lembrança que cada peça me
trazia.
— Flora está pronta? – Pergunto na intenção de mudar o rumo da conversa.
— Sim, antes mesmo de vir para cá, Flora já havia descido. Ela lhe aguarda na companhia
dos irmãos. Por essa razão, não podemos nos demorar mais, senhorita. – Judite chama minha
atenção. — O senhor Felipe não tolera atrasos. – Enrugo a testa em sinal de irritação e a criada
solta uma risadinha.
— O que foi Judite?
— Eu quem deveria fazer essa pergunta, senhorita. Essa implicância que a senhorita e o
senhor Felipe nutrem um pelo outro me parece apenas disfarçar a forte atração que um sente pelo
outro.
— Por Deus, Judite! Eu e o senhor Felipe? – Arregalo os olhos.
— Perdoe-me, senhorita! Mas todos os empregados da casa já notaram os olhares
apaixonados que nosso patrão lhe lança.
— Judite, todos vocês são uns mexeriqueiros! Eu e Felipe... Não é possível, absolutamente!
— Nós gostamos da senhorita! – Judite pega minhas mãos. — A senhorita é respeitosa,
justa e cordial com todos. Seria realmente maravilhoso se a senhorita se convertesse na Senhora
Gusmão de Albuquerque. Não queremos que vá embora! – A demonstração de carinho de Judite
enternece meu coração.
— Querida Judite, fico imensamente feliz em saber que me tem em tão elevada estima. No
entanto, meu lugar não é aqui.
— Eu sei. – Judite suspira. — A senhorita foi uma benção para essa casa. Veja Eloíse, em
pouco mais de um mês comporta-se melhor. Isso é um verdadeiro milagre. E não é somente isso.
Bento mal parava em casa, deixando a mãe sempre preocupada. O passatempo favorito de Flora
era contrariar o irmão mais velho que, por sua vez, só tinha olhos para o trabalho. Não me
entenda mal, senhorita! Gosto muito de trabalhar para os Gusmão de Albuquerque. São justos e
pessoas de boa índole. Porém, desde a morte da esposa do senhor Felipe, uma nuvem negra paira
sobre esta casa.
A simples menção de Felipe faz minha mente retornar a tarde de domingo, no
cinematógrafo. Será que ele poderia estar apaixonado por mim? Verdade seja dita, ele mal
deixou o sobrinho do Visconde se aproximar. Foi até engraçado quando ele se acomodou entre eu
e Flora e a todo o momento lançava olhares furiosos para nossos acompanhantes. Meia maldita
hora ao lado de Felipe, inalando seu almirascado perfume, foi enlouquecedor, uma bela distração
para todos os meus sentidos. Não me pergunte nada a respeito da película, sequer lembro-me do
nome.
— Senhorita Penélope? – Judite me tira do meu momento devaneios “Felipescos”. — A
senhorita se sente bem? – Não, queria responder.
— Estou apenas com calor, Judite. Acredito que nunca conseguirei me acostumar com o
clima desta cidade, o que é um dos motivos para retornar à São Paulo. – Olho-me novamente no
espelho. — Judite, esse decote está muito baixo, não acha?
— Oh não! Está na medida certa. Seu colo é muito bonito.
Somente agora percebo o quanto fui ingênua em deixar tudo por conta de Madame
Lamartine e Dona Violeta. Sinto-me uma cortesã em tais trajes. Judite resmunga algo e retira-se,
deixando-me para trás. Sentia-me insegura. O decote do vestido é ousado, mostrava mais do que
devia ser mostrado por uma preceptora. O colar de rubi ao redor do meu pescoço contrastava
com minha pele leitosa e com o azul turquesa do vestido, chamando mais atenção para o meu colo.
— Agora é tarde, garota! – Penso alto. Deveria ter me preocupado com este tipo de coisa
antes e não agora.
Quando chego na sala, Felipe não desgruda os olhos de mim. Não consigo conter a
vergonha e coro. Será que Felipe também se sente atraído por mim? Nossos olhos se encontram e
ele abre o sorriso mais encantador do mundo, repleto de promessas indecentes. Santa Luzia,
protegei meus olhos da tentação que Felipe me inflige, por misericórdia. Sinto uma comichão
chegar ao meio das minhas pernas. Calma, Penélope, é somente satanás a tentar-te, ele deseja que
você se desvie de seu caminho. Bento se aproxima, no entanto, Felipe é mais rápido.
— Pode deixar que eu mesmo acompanho a senhorita Penélope, Bento! – É um abusado
mesmo. Felipe me oferece o braço sem sequer me cumprimentar. Uma faísca elétrica agoniante,
porém, prazerosa, percorre meu corpo ao enganchar-me em Felipe e, sem querer, deixo escapar
um gemido. — Sente-se bem, senhorita? Está um tanto ofegante...
— É o calor do Rio de Janeiro. – Meu Pai, de onde tirei uma resposta tão idiota?! Felipe sorri
e meu coração volta a disparar.
— Precisa acostumar-te com o clima do Rio de Janeiro, senhorita Penélope. – Não sei ao
certo o porquê, mas tive a impressão que havia um duplo sentido nas palavras de Felipe.
— É esse maldito espartilho que me sufoca. – Solto sem querer. Minha Nossa Senhora das
donzelas faladeiras, ajude-me a ser mais diligente com o que for falar na frente de Felipe.
— Quem sabe um dia vocês mulheres consigam se livrar dos grilhões do espartilho! – Felipe
me encara e pisca um olho. — Particularmente, acho mais atraente as curvas naturais e macias de
uma mulher, especialmente as suas. – Chocada, paro abruptamente nossa caminhada. — O que foi,
senhorita Penélope? Naquela noite, na biblioteca...
— Como quer que esqueça o que aconteceu entre nós, se não perde a oportunidade de
lembrar-me? – Séria, encaro-o.
— E quem lhe falou que desejo esquecer? – Felipe acaricia meu rosto com o dorso da mão.
Uma tempestade se forma em meu interior. Ondas de desejo pulsam aquecendo meu sangue. Solto
seu braço a fim de dispersar o ardor que toma conta de mim, a fim de afastar a lascívia que
domina meus pensamentos, mas ele não permite; ao contrário, enlaça-me pela cintura com um
braço e com o outro livre, eleva sua mão até meu queixo, forçando-me a encontrar seu olhar.
Perco-me no castanho da sua íris, que me fazem recordar duas taças de xerez. Por Deus, eu o
quero, desejo-o insanamente colado ao meu corpo. — A senhorita não sai dos meus pensamentos! –
Sua voz grave e rouca deixa-me a beira do abismo. Estou perdida, eu sei. — O frescor do seu
perfume, enlouquece-me! – O hálito quente de Felipe torna-se um elixir afrodisíaco. Algo dentro de
mim estilhaça-se e empurra-me para os fortes braços de Felipe. — A delicadeza da sua pele,
senhorita Penélope, viciou-me. – E a mim também. Preciso senti-lo novamente. — O adocicado
sabor de sua boca transformou-me num homem insanamente apaixonado. – Solto um gemido. —
Estou cansado de lutar pelo que sinto pela senhorita... Penélope, não há um minuto do meu dia ou
da minha noite em que deixo de pensar em seus belos cabelos negros e lisos como um pedaço da
mais pura e cara seda, em seu nariz arrebitado e insolente, na sua boca perfeita, rosada e
ousada. E, depois disso tudo e na tentativa frustrada de tirá-la dos meus pensamentos e sonhos,
ainda resta a senhorita e seus profundos olhos azuis vitrificados a pertubar-me. Estes olhos,
senhorita Penélope, capturaram a minha alma. – O chão parece ter sumido sob meus pés. A lógica
abandonou-me por completo. Meu sangue escaldado circula num ritmo frenético. Cada extensão da
minha pele clama por um toque de Felipe. — Sabe o que desejo, senhorita Penélope? – Nego com
a cabeça, tonta pela luxúria que me consome. — Desejo muitas coisas, para ser honesto, dentre as
quais, chamá-la pelo seu apelido apenas e proibir que outro o faça, levá-la de volta para seu
quarto e escondê-la de todos os olhares que sei que lançar-lhe-ão no sarau. Entretanto, neste
momento, o que mais desejo é beijá-la e provar novamente de seu gosto. Permita-me, senhorita
Penélope? – Consinto levemente com a cabeça. Encontro-me num estado catatônico e profundo,
totalmente absorta nos meus devaneios “Felipescos”.
Felipe encosta os lábios nos meus, alçando-me a uma espécie de sonho erótico, uma prévia
do que seria dividir um leito com um homem viril e determinado. Procuro alguma santidade por
ventura escondida nos recônditos da minha mente. No entanto, não as encontro. Todas as Mártires e
Santas da Igreja Católica me abandonaram. Eu sei... Sou uma garota má, muito má e mereço o
castigo de ser abandonada. Mas é tão bom ser má, confesso.
— Felipe... Peny... – É a voz de Bento. Acabo por ser atingida por um forte tapa da
realidade, forçando-me a sair do torpor mental ocasionado por Felipe.
— Estamos a caminho, Bento! – Felipe grita para o irmão. — Nós dois, senhorita Penélope,
ainda precisamos conversar... – A determinação e objetividade de Felipe é admirável. — Porém,
esta noite, peço que permaneça ao alcance de minha vista, carinho. Não suporto ver uma horda de
urubus a rodear-lhe. – Ele estava com ciúmes, meu pai! Parecia que meu juízo começava a dar sinal
de vida. Preciso perguntar para Dionísia o que colocou no refresco de hoje, pois Felipe não mostra
sinais de embriaguez. — Vamos? – Felipe estende o braço e eu, ainda em estado parcial de torpor
e falta de juízo, aceito, deixando-me conduzir para fora do palacete, como uma simplória boneca
de pano.
Durante todo o trajeto até o palacete dos Pinto de Almeida, uma ilustre família
portuguesa, permaneci em total estado vegetativo. As palavras de Felipe não saiam de minha
cabeça. Ele nunca havia sido tão doce e carinhoso, tão gentil e educado. Se já era praticamente
impossível resistir ao Felipe ranzinza e grosseiro, agora, nessa nova versão, eu literalmente estava
perdida. Ainda acho que Dionísia colocou alguma erva ou poção no prato que foi servido no
almoço, talvez, na sobremesa.
Estávamos sentados apreciando a melodiosa voz da primogênita dos anfitriões do sarau. A
jovem declamava uma das belíssimas poesias de Luís Vaz de Camões. Eu conhecia aquela poesia
em particular, ela falava do amor, mas não um amor qualquer e sim um amor avassalador, que
rompe os obstáculos e infiltra-se no âmago do coração: “Amor é um fogo que arde sem se ver. É
ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer.”
Olho para o lado e vislumbro a figura altiva e apaixonante de Felipe. Não seria mais
capaz de negar meus sentimentos por ele. Para minha perdição, estava apaixonada por Felipe
Gusmão de Albuquerque; eu queria viver essa paixão e já não me importava os riscos que
pudesse correr. Eu o queria, eu o desejava, eu necessitava ser dele. Solto um suspiro baixo, que
vem a ser notado por Felipe, o meu amor. Não sei ao certo em que momento a raiva e a irritação
deram lugar à paixão e ao amor, mas já não importava sabê-lo, eu o amava e queria-o para mim
e isso era assustador. Felipe percebe meu olhar em sua direção e, carinhosamente, desliza sua mão
sobre a minha. Meus batimentos cardíacos aceleram-se em sinal de excitação. A voz melodiosa da
jovem cedeu lugar para o dedilhar de notas musicais ao piano. Felipe larga minha mão e um
sentimento de abandono percorre todo meu corpo.
Durante duas horas, nada foi capaz de desviar minha atenção de Felipe. Entre suspiros e
gemidos, absorvi cada partícula possível de Felipe, inalei seu cheiro e desfrutei de sua companhia
silenciosa. Penélope Lillian Ferreira estava perdidamente apaixonada por Felipe Gusmão de
Albuquerque e não havia mais nada a ser feito, penso.
Assim que as apresentações findaram, um pequeno baile se iniciou. Percebo o esforço de
Felipe em permanecer junto de mim e de Flora, já que Bento foi capturado por uma das
ensandecidas mães que o queriam para genro. Entretanto, o decoro acabou nos afastando e sem
querer estava nos braços de um desconhecido valsando uma das famosas composições de Chopin.
Confesso que não era um total desconhecido, pois havia se apresentado. Chamava-se Luís, filho de
um rico industriário de São Paulo, recém-chegado da Europa. Não conseguia me concentrar na
dança. Havia perdido de vista Flora. A última vez que a vi estava na companhia das amigas.
Felipe e Bento também haviam sumido.
— Desculpe-me a indiscrição! – Luiz aproxima sua boca do meu ouvido, aproveitando-se de
um giro. — És a dama mais bela da noite.
— Obrigada! – Consigo responder. Luiz continua a falar, mas não consigo me concentrar.
Estou com o pressentimento de que algo estranho está por acontecer.
— Senhorita Ferreira! Algum problema?
— Sinto-me tonta. – Minto descaradamente. Desejo interromper essa dança o mais breve
possível e ir atrás dos meus acompanhantes.
— Acompanho a senhorita até a sacada. O ar fresco da noite lhe fará bem. – Concordo
com a cabeça. Luiz conduz-me para fora da pista e oferece-me o braço. Nem um sinal de Felipe,
Flora ou Bento. Um garçom passa por nós e Luiz pega duas taças de espumante.
— Beba, querida! Um pouco de álcool lhe fará bem, formosura. – Impressão minha ou ele
quer me embebedar? Desconfiada, aceito a taça e assim que sua atenção é desviada, aproveito e
jogo o líquido em um vaso de flores que encontrei à minha direita, perfeitamente acomodado em
uma mesa. — Bebeste muito rápido.
— Estava sedenta, na verdade! – Dou meu melhor sorriso.
Chegamos até a sacada prometida. Respirar o ar fresco da noite foi esplendoroso, ainda
mais quando se está sufocada por um apertado espartilho. O cavalheiro, nem tão cavalheiro assim,
reduziu a distância entre nós dois. Eu dei alguns passos para trás e acabei esbarrando no
parapeito de ferro da sacada. Ele desliza uma das mãos pela minha face corada.
— Estou encantado por sua beleza, senhorita Ferreira. – Que novidade, pensei. Passou
toda a valsa a flertar descaradamente comigo. Esses homens são uns abusados mesmo! —
Disseram-me que a senhorita tem a todos os homens do Rio de Janeiro aos seus pés. – Sua mão
desliza lentamente pelo meu pescoço até atingir o topo do meu colo. Sabia que este decote me
traria problemas.
— O senhor poderia fazer a gentileza de retirar sua mão de mim?! – Peço com gentileza,
contendo-me para não o chutar. Não é apropriado um escândalo. O que madrinha iria pensar de
mim?
— Não seja tímida, querida! – Petulante.... Quem pensa que é para me tratar com tamanha
intimidade? — Conheço seu tipo, benzinho. – O abusado passa dos limites.
— Por quem me toma? – Bufo.
—Não se faça de santinha, senhorita Ferreira. Sei o que mulheres do seu tipo desejam. –
Surpresa com tamanho atrevimento, meu queixo cai. É um descarado mesmo. Luiz sobe a mão até
minha nuca. Santa Agheda me proteja, pois ele irá me beijar. Fecho os olhos, na tentativa de fazer
desaparecer o medo que toma conta do meu ser.
— Tire suas mãos imundas dela! – Para meu alívio, a voz de Felipe chega até meus ouvidos.
Quando abro os olhos, Luiz está caído ao chão e Felipe puxando as mangas de sua casaca para
baixo.
— Você está bem? – Felipe aproxima-se e eu jogo-me em seus braços. — Por Deus,
Penélope, será que algum dia, irá me obedecer? Lembro-me de ter-lhe dito para não te afastar.
— Ai Felipe... Senti tanto medo! – Felipe me abraça e sinto-me segura. Não consigo conter
as lágrimas nos meus olhos.
— Calma, carinho... Pronto, passou! – Felipe beija minha testa e meu coração enche-se de
ternura por ele. — Vamos para casa, Penélope. Por hoje, já basta de confusões.
— Mas e Flora? – Preocupe-me com o paradeiro da caçula dos Gusmão de Albuquerque,
afinal, era minha obrigação como acompanhante saber do seu paradeiro.
— Está com Bento nos esperando lá fora. – Felipe endureceu o maxilar, o que lhe era
característico quando estava irritado. — Flora ultrapassou todas regras possíveis do decoro. –
Felipe solta-se de mim e apoia-se no parapeito.
— O que aconteceu? – Pergunto aflita.
— Agora não é o momento para explicar-lhe. Vamos antes que alguém nos note aqui. –
Felipe estava certo. Logo, alguém perceberia a confusão na sacada.
Durante o caminho, todos permaneceram em absoluto silêncio. A única interação entre os
três irmãos se resumiu em trocas de olhares furiosos. Ao cruzarmos a porta, o relógio deu 10
badaladas.
— Flora, para o meu escritório agora! – Felipe ordena, pisando fundo em direção ao
santuário masculino chamado escritório. Flora fita Bento com um pedido velado de ajuda nos olhos.
— Dessa vez, não lhe ajudarei. – Bento fala. — Você ultrapassou todos os limites.
Flora pega uma de minhas mãos, puxando-me para junto dela, como se lhe fosse sua única
salvação, no momento. Ao cruzarmos as portas talhadas em madeira que davam acesso ao
escritório, Felipe senta-se na cadeira atrás de sua mesa e Bento desatina a falar.
— Não acredito, Flora... Como pode deixar-te levar por um sujeito como aquele? – Para
meu espanto, era Bento que praticamente gritava com a irmã. Senhor, o que essa menina aprontou?
— Mas Bento... Eu e Yuri... Eu gosto dele! – Uma lágrima escorreu molhando a face de
Flora.
— Ele não, Flora! Você sabe do que este russo vive, de onde ele tira o dinheiro para
bancar sua vida luxuosa. – A menina negou com a cabeça e Bento a agarrou pelos braços. Meu
Deus, o que acontecia com o Bento tranquilo e carinhoso? Coloquei-me entre os dois.
— Você enlouqueceu, Bento! Não percebe que Flora está apavorada. – Determinada, falo.
— Pergunte para minha irmã o que fazia num dos cantos mais escuros do jardim dos Pinto
de Almeida. Pergunte também com quem ela estava, Peny!
— Deixe-a se explicar ao menos. – Falo, na tentativa de estabelecer uma trégua entre os
irmãos.
— É sempre assim, Peny! Eles nunca me escutam ou importam-se com meus sentimentos. –
Flora se joga na poltrona e cai aos prantos, como uma menina indefesa.
— Bento, olha o que você fez! – Decepcionada, encaro meu amigo e vou para perto de
Flora.
— Acalme-se, irmão! – Vejo Felipe levantar-se tranquilamente de sua cadeira e aproximar-
se.
— Você fala isso porque não os flagrou aos beijos como eu! – Bento fala, aproximando-se
do aparador para servir-se de alguma bebida. Felipe o seguiu. Estava confusa com toda a
situação, Felipe calmo quando deveria estar soltando fogo pelas ventas e Bento nervoso quando
devia estar tranquilo.
— O que você fez, Flora? – Pergunto em tom de voz baixo, praticamente um sussurro.
— Eu e Yuri nos conhecemos no Cinematógrafo, no domingo. Sei que não devia ter saído
com ele para fora, mas não resisti. Tem algo nele que me atrai muito. Eu não consigo dizer não
para ele. – Pode crer que eu lhe entendo muito bem. Sinto o mesmo pelo seu irmão, reflito.
— Nossa Senhora, Flora, quem é Yuri? – Pergunto.
— Apenas sei que é um imigrante russo e que seu nome é Yuri Volkov.
— Yuri Volkov. – Felipe fala. — É alguém que nunca mais deverá chegar perto de você,
Flora. Esse homem não presta.
— Mas ele pareceu-me ser um bom sujeito, além de parecer ter uma situação financeira
confortável. – Flora balbucia.
— Ele é podre de rico, irmã! Ocorre que sua riqueza não nos vem ao caso. Seu
namoradinho é um imigrante que fez fortuna a partir da exploração de casas de diversão, jogos e
sei mais lá o que.
— E qual é o problema, Felipe? Não entendo. Ele é um empresário, um homem de negócios,
assim como você e como papai foi um dia. Mamãe, mesmo sendo filha de um nobre português
casou-se com nosso pai.
— Não nos compare, mocinha! Não a quero mais perto de Yuri Volkov. – Flora tenta falar,
mas Felipe a interrompe. — Prefiro vê-la sofrer agora do que depois. Além disso, agradeça que
foi Bento quem a viu e não outro qualquer, pois isso impediu que seu nome caísse na boca dessas
fofoqueiras que se criam nesses tipos de eventos sociais... – Felipe toma fôlego. — Se tiver juízo,
não comentará nada com mamãe a respeito. Ela nunca aprovará um namoro seu com este tipo de
homem. Agora, retire-se para seu quarto.
Flora seca suas lágrimas que insistem em molhar seu belo rosto. Ajudo-a a levantar-se.
Parte-me o coração vê-la tão triste. Homens são mesmo uns seres insensíveis. Quem sabe a sós,
Flora consiga se acalmar e contar-me o que de fato aconteceu entre ela e esse tal de “Volsov”.
Minha família, sempre minha família em detrimento da minha vida. A noite não poderia
ter sido pior. Todos os meus planos frustraram-se diante do comportamento inapropriado da minha
irmã caçula. Havia planejado passar horas agradáveis ao lado de Penélope, cortejá-la e
conhecê-la melhor. Cansado de lutar contra a atração que sinto por ela, tomei a decisão de
aproximar-me de Penélope da forma correta. Tudo corria muito bem até Bento chamar-me para
ajudá-lo a resgatar nossa inocente irmã das garras do mais ardiloso e perigoso empresário do Rio
de Janeiro. Yuri Volkov chegou ao Brasil e, em menos de 8 anos, construiu um império, explorando
cassinos de jogos, teatros, cafés e parques de diversão. Aparentemente, seus negócios são
revestidos de legalidade, mas todos sabem que seus estabelecimentos são meras fachadas para
uma rede de prostituição e tráfico de drogas amplamente disseminado. Há quem afirme que Yuri
Volkov é o principal braço da máfia russa na América Latina. Sejam verdadeiros ou não os boatos
que circulam a respeito do russo, não quero minha irmã perto dele.
Não bastasse toda a dor de cabeça ocasionada por Flora, Penélope havia sumido do salão
de baile. Levei mais de 10 minutos para encontrá-la, também em situação comprometedora. Talvez
seja o caso de pensar em interditar minha mãe. Onde já se viu nomear uma mulher tão
encrenqueira para ser acompanhante de Flora? Duas doidas juntas é confusão na certa. Quando a
vi nos braços daquele presunçoso do filho do Arantes, não contive minha fúria e parti para cima
do infeliz. Atingi-o com um forte gancho de direita. O “almofadinha” caiu desacordado no chão.
Para minha surpresa, Penélope se jogou nos meus braços, foi então que percebi sua aflição.
— Ai Felipe... Senti tanto medo! – Ela começou a chorar e puxei-a para meu abraço.
Desejava consolá-la.
— Calma, carinho... Pronto, passou! – Beijei-a na testa. — Vamos para casa, Penélope. Por
hoje já basta de confusões. – E assim chegamos em casa.
Termino meu uísque. Bento já havia se retirado há mais de meia hora. Passava da meia
noite e amanhã seria um dia cheio no banco. Às vezes, o fardo de ter nascido primeiro que os
outros esgotava-me. Parte da culpa por estar sobrecarregado se devia a mim mesmo, por
proporcionar a Bento uma juventude livre de obrigações. A única que não me deu problemas foi
Berenice, diferente de Flora, sempre foi tranquila e obediente. Não bastasse isso, ainda havia
Penélope que da noite para o dia transformou minha vida numa roda gigante de emoções. Ao
falar na moça, vejo-a sair dos aposentos de Flora, ainda dentro daquele vestido com decote
ousado. Não é de admirar que o sonso do Luiz Arantes levou-a para longe dos olhares curiosos.
— Felipe. – Penélope sorri e meu coração dispara.
— Como ficou minha irmã? – Pergunto apreensivo. Bento havia passado dos limites. Flora é
uma menina rebelde, mas muito doce e sonhadora também.
— Ela adormeceu. Vocês dois foram muito duros com ela, principalmente, Bento. Flora é
apenas uma menina.
— Eu sei! – Penélope estava coberta de razão.
— Você parece abatido. – Penélope aproxima-se e acaricia meu rosto com a mão. Sua
pele é delicada e o simples roçar atiça meu corpo. Impulsivamente, agarro sua mão e beijo-a
demoradamente. Ela arfa sob meu toque e isso me dá a certeza de que também me deseja.
— Ah Penélope... Você é minha perdição!
— Peny, para você sou apenas Peny! – Era o maldito sinal de que precisava para puxá-la
para meu abraço e beijá-la ferozmente. E assim o fiz. O corpo de Penélope amolece diante de
meu toque. Seu beijo é quente e viciante. Penélope é inexperiente nas artes do amor e isso apenas
a torna mais desejável. Capturo sua língua atrevida e com ela simulo uma dança de acasalamento.
Tão excitante minha Penélope. Ela entregava-se com prazer e volúpia.
— Eu a quero tanto, Peny! – Falo, assim que termino o beijo, sem, no entanto, afastar-me por
completo de seus lábios.
— Eu também o quero, Felipe! – Inferno, ela acabara de dizer-me que me deseja e isso é
como jogar pólvora em um incêndio. Pego-a pela nuca e fito-a.
— Se quiser que eu pare, tem que me dizer agora, carinho, pois se prosseguirmos, não
serei capaz de conter-me.... – Ela arfa, está quente e deliciosa, minha doce Penélope. — Necessito-
a, carinho!
— Eu não quero que pare. – Capturo sua boca novamente, num beijo libidinoso e repleto
de promessas, ergo-a em meu colo. Algo tentou avisar-me que depois dessa noite, Penélope
impregnar-se-ia na minha pele e que jamais minha vida seria a mesma.
Levo-a para meu quarto e deposito-a em minha cama. Penélope era a visão do paraíso, a
minha visão do paraíso. Alguns fios negros desprenderam-se do coque, as bochechas estavam
coradas e a boca inchada, resultado dos meus beijos. Seu peito subia e descia, deixando-me à
beira de um ataque, queria possuí-la o mais rápido, mas não podia o fazer tão apressado. Minha
doce Penélope é uma donzela e devo amá-la com cuidado e paciência de forma ser o menos
doloroso. Ajoelho-me diante da cama, desamarrando cada um dos seus sapatos. Subo pelas suas
pernas até encontrar a bainha de suas meias, tratando de deslizá-la para baixo, uma de cada
vez. Deposito beijos molhados na curva de seu pescoço, enquanto abro os botões do vestido. Os
olhos de Penélope brilham como dois topázios azuis. Retiro seu colar e deposito-o em minha mesa
de cabeceira. Assim o faço com as plumas de seus cabelos. Enfio meus dedos entre os suaves e
perfumados fios de cabelos, puxando-a novamente para um beijo, onde afundo-me na mais pura e
inebriante luxúria. Sento-me na cama e puxo-a para meu colo, incentivando-a para que desabotoe
minha camisa, enquanto desfaço o aperto dos laços do espartilho, jogando-o para longe. Assim
que a livro da camisa, uma imagem perfeita de seus seios quase me cega.
— Você é tão bela, carinho! – Roço a ponta do seu mamilo e este intumesce. Giro-a
lentamente para que se deite. As pequenas e delicadas mãos de Penélope passeiam pelo meu
tórax. Vê-la possuída pelo desejo excita-me ainda mais. Sugo um dos seus pequenos botões
rosados, depois o outro, extraindo dela um rouco e torturante gemido.
— Nossa senhora... Felipe, algo dentro de mim acabou de explodir!
— Deixe os santos fora disso, carinho! Agora, é somente eu e você, mais ninguém, Peny! –
Desfaço o laço que prende seus calções, deslizando minha mão até sua rosada e frágil abertura.
Sinto-a contrair-se. — Relaxe, carinho. Prometo ser cuidadoso.
— Não sinto medo! – É claro que minha corajosa Penélope não sentiria medo. Tão forte, tão
tenaz e determinada, minha Penélope.
— Carinho, não tem ideia o quanto sofri por não poder tocá-la, o quanto lutei contra meus
sentimentos... – Ansiava por fazê-la minha, marcá-la como minha, enterrar-me dentro de seu corpo
e ali perder-me para sempre. Desde o primeiro momento que a vi, um frenesi doentio apossou-se
de cada célula do meu corpo. Deliciava-me ao sentir o gosto de cada parte exposta do corpo de
Penélope.
— Felipe, por Deus, não sei o que pretende, mas você precisa fazer algo... – Ela soltou um
gemido frustrado. — Há algo dentro de mim que está me consumindo...
— Isso se chama desejo, carinho! Não o segure, Penélope. Entregue-se para mim. – Sussurro
em seu ouvido. Beijo seu pescoço, depois o vale entre seus seios, a barriga e, por fim, mordisco o
interior de suas coxas até chegar ao seu monte de vênus.
— Ai Jesus Maria José, isso é bom! – Penélope se contorce sob o meu jugo, deixando-se
levar pelo prazer. Afasto-me o suficiente para livrar-me das calças, sob protestos e resmungos de
Penélope. Minha doçura é gulosa e exigente, percebo. – Senhor, é tão grande... Isso não vai caber
dentro de mim. – Acabo por gargalhar e ela me dá um tapa. — Não ria, seu bastardo!
— Como sabe que meu amigo aí embaixo deverá entrar dentro de você, carinho? –
Coloco-me entre suas pernas. Penélope cora.
— Tenho o hábito de ler... Ademais, já presenciei o acasalamento dos porcos, na fazenda
de propriedade da última família para que trabalhei. Tem certeza, que isso não vai me machucar?
— Confia em mim, carinho! – Beijo-a e Penélope relaxa aos poucos. Ergo uma de suas
pernas de modo que fique mais confortável. Volto a acariciá-la lascivamente. Penélope não
demora a voltar a entregar-se. Não sou mais capaz de segurar-me e aos poucos penetro-a.
Deixo-a acostumar-se com minha invasão antes de movimentar-me em seu interior.
— Isso é bom! – Ela fala.
— Prometo que ficará melhor. – Aumento a intensidade do movimento. Instantaneamente,
Penélope responde, o que facilita nosso encaixe. Sinto-a mexer-se, o que me conduz ao delírio.
Somos um só corpo, uma só alma. — Carinho, venha comigo, entregue-se para mim... Não serei mais
capaz de segurar-me... – Perco-me em Penélope, em seu calor, em seu toque, em seu sabor. A cada
novo gemido que extraio de Penélope, uma nova onda de prazer apodera-se do meu corpo e a
cada nova investida para dentro de seu corpo, deixo uma parte de mim lá. Ela finca suas unhas em
minhas costas e grita, o que foi suficiente para derramar-me em seu interior.
Exausto e saciado, deito-me ao lado de Penélope, puxando-a para meus braços. Ela abre
um sorriso lindo, encantando-me além do devido. Sim, estou perdidamente enfeitiçado pela
preceptora e não me importo nem um pouco se o que acabamos de fazer não foi correto.
Penélope acaricia meu tórax.
— Machuquei-a? – Pergunto.
— Não. Você foi maravilhoso... Nunca pensei que fosse possível sentir o que senti. – Meu
coração se aquece com tamanha sinceridade. A felicidade não cabe dentro de mim. Uma certeza
atinge-me de imediato. Penélope é minha e não conseguirei mais viver sem tê-la em meus braços e
em minha cama.
Puxo-a para cima do meu colo.
— Monte em mim, carinho! – Ela obedece e sua entrega confiante me fascina. Amo-a mais
uma vez, deixando-a dessa vez explorar meu corpo. Penélope é uma alma livre e, por mais que
de início seu jeito incomodou-me, não suportaria vê-la agindo de outra forma, negando sua
essência.
Depois de atingirmos mais uma vez o ápice do prazer, Penélope, minha bela preceptora,
adormece corada e realizada, aconchegada no calor dos meus braços. Deixo-me embalar pela
cadência de sua respiração, acariciando seus longos e negros cabelos até adormecer.
Desperto com Felipe acariciando meus cabelos.
— Carinho, preciso levá-la até seus aposentos, antes que os criados despertem.
— Ah não, estou com sono, muito sono ainda! – Apenas resmungo. Felipe puxa-me para
seus braços e imagens do que fizemos tomam conta da minha cabeça. Sabia que era errado ter
me entregado a Felipe, mas não me arrependo de nada do que vivemos. – Não quero acordar,
Felipe. Não quero despertar, estou exausta.
— Eu sei, carinho! No entanto, é necessário. Precisamos manter sua reputação intacta.
— Não me importa a minha maldita reputação! – Resmungo.
— Dizes isso agora, mas assim que virarmos o assunto da criadagem, tenho certeza que me
atirará a primeira coisa ao seu alcance. – Felipe beija-me e meu corpo desperta de imediato ao
seu toque lascivo. — Prometo que te recompensarei mais tarde, mas agora preciso cuidar para
que volte em segurança ao quarto. Felipe levanta-se e vai atrás de suas roupas. O corpo de
Felipe era melhor do que aquelas estátuas expostas em museus, nada sobrava ou faltava, tudo
metricamente distribuído. Quando lembro do seu corpo grudado ao meu durante a noite, algo
dentro de mim manifesta-se, exigindo mais daquilo. Nunca mais seria capaz de rechaçá-lo e isso
era preocupante, eu sei.
Felipe retorna com um cobertor e envolve-me delicadamente nele.
— Vamos, carinho! Vou levar-te para sua cama. – Deixei-o cuidar de mim. Sentia-me como
uma preciosidade e isso fazia-me bem. Sentia-me plena e realizada como mulher e desejava que
este momento não se findasse.
— E minhas roupas? – Pergunto, preocupada.
— Depois, eu volto para buscá-las. – Enlaço o pescoço de Felipe e beijo-o, também queria
sentir seu viciante sabor, um sabor de bebida destilada com um leve fundo de tabaco.
Entramos no meu quarto e Felipe acomoda-me em minha fria cama. O cobertor desliza,
revelando uma das minhas pernas. Felipe não resiste e desliza sua mão quente e forte, colocando-
se sobre meu corpo. Como está com a camisa aberta, não resisto a tentação e toco-o com desejo.
— Não podemos, carinho. – Frustro-me. — Já fizemos isso muitas vezes... É muito para sua
primeira noite, Peny.
— Beije-me, Felipe! – Sem hesitar, Felipe toma minha boca num beijo implacável, colocando
à prova minha sanidade. — Fique comigo ao menos até eu adormecer. – Imploro e ele atende meu
pedido, deitando-se em minha apertada cama de solteira, puxando-me para seu colo.
Ali deitada sobre o forte tórax de Felipe, adormeço como uma criança acariciada e
mimada.
Desperto perto do meio dia, com um sentimento profundo de realização. Um leve ardor
atinge o meio de minhas pernas e todas as cenas da noite de amor vivida com Felipe invadem
minha mente. Eu já não poderia ser a mesma Penélope, havia me tornado uma mulher, Felipe havia
me feito mulher, a sua mulher. Dou-me conta de que visto minha camisola, mas não me recordo de
tê-la vestido. Com certeza, Felipe vestiu-me depois que adormeci. Levanto-me da cama e encontro
um cravo vermelho sobre minha escrivaninha, com um bilhete escrito por Felipe.
“O cravo vermelho é para você, pois representa o viver o amor por e para a pessoa amada.”
Pego o cravo e levo até meu nariz, de forma a exalar seu perfume. De seu jeito, Felipe
conseguiu entrar no meu coração machucado, de uma maneira estranha e nada convencional,
confesso. Sempre tão determinado e objetivo, jamais poderia supor que fosse um romântico,
mostrou-se tão carinhoso e cuidadoso. Uma pontada de insegurança aperta meu coração. Nossa
Senhora das mulheres apaixonadas, não permita que Felipe esteja apenas brincando com meus
sentimentos! Não suportarei ser abandonada por outro homem. Pare com isso, Penélope Lillian
Ferreira. Permita-se viver o momento, o seu presente e o seu presente é Felipe.
Escolho um vestido rosado com gola alta e tranço meus cabelos. Pela primeira vez na vida,
sinto vontade de ficar bonita. Desço as escadas feliz e encontro madrinha sentada em sua poltrona
preferida.
— Bom dia, madrinha! Desculpe-me o atraso.
— Não há problema algum, querida! – Aproximo-me e beijo-a. — Você está radiante,
Peny! Conte-me qual foi o passarinho verde que avistou? – Foi impossível conter o riso.
— Bento e Flora, onde estão?
— Bento acompanhou Felipe; assuntos importantes para tratar no banco. Flora sente-se
indisposta. Eloíse já almoçou. Logo, seremos apenas nós duas.
Depois do almoço, reuni-me com Eloíse para suas lições e juntei-me a madrinha e Flora para
o chá da tarde, ao final da tarde. Flora permaneceu calada a maior parte do tempo. Já madrinha
parecia estar alheia aos acontecimentos da noite anterior. Sentia-me desconfortável e egoísta por
não conseguir esconder ou disfarçar minha alegria, enquanto Flora mal conseguia esconder sua
tristeza.
— Vocês duas estão tão estranhas! – Madrinha nos fita com seriedade. — Enquanto uma,
que deveria estar radiante, está cabisbaixa. Por sua vez, Penélope sempre tão séria e
compenetrada, hoje, está radiante. Acredito que me devem uma explicação!
— Não foi nada demais, madrinha! Devo admitir que me diverti ontem, à noite. – Falo.
— Enquanto que para mim, foi um tédio. – Flora revira os olhos.
— Ainda acho que tem homem envolvido nesta história. – E tinha mesmo, solto um riso.
— Imagina, madrinha! – Dona Violeta pegou seu folhetim preferido e fitou-nos.
— Estou curiosa para ler a próxima crônica do senhor Lafaiete Boaventura. Peny, querida,
você simplesmente foi notada pelo senhor Lafaiete e descrita como a dama mais encantadora do
nosso baile. Leia você mesma, querida. – Madrinha entrega-me o jornal e meu coração dispara
pelo choque com o que meus olhos assimilam.
— Minha Santa Edwiges! – Levo a mão ao pescoço. — Lady F. sou eu. – Atordoada,
exclamo. — Este sujeito, esse tal de Boaventura descreve-me como uma mulher fútil, atrevo-me a
dizer que uma mercenária. – Indigno-me.
— Não foi bem isso que ele quis dizer. – Flora manifesta-se.
— Como não? Escute isso: “Que a disputa para a valsa da senhorita em questão estava
acirrada e estarrecedora, nós já sabemos, mas o que ainda fica em pendência, atiçando os
pensamentos mais comprometedores é qual dos cavalheiros a lady considerou como bom partido?
Levando em consideração que a maioria presente, possui inúmeras propriedades, sendo perfeitamente
capaz de manter os custos de uma esposa apreciadora da mais alta moda Parisiense.”
— Querida, ele apenas lhe elogiou. – Madrinha tenta apaziguar-me. — Além disso, penso
que você não merece menos do que um cavalheiro rico para lhe desposar. – Se ela soubesse o que
eu e seu primogênito fizemos embaixo do seu teto, acho que mudaria de ideia a respeito. Sacudo
a cabeça, a fim de livrar-me de tais pensamentos indecorosos.
— Boa tarde, senhora e senhoritas! – Felipe acabava de chegar e foi impossível conter
minha felicidade ao vê-lo. Ele tirava a casaca e entregava a Alfred.
Um calor intenso apodera-se do meu corpo, estou escaldada só em vê-lo. Agora,
compreendo o porquê de sentir tanto calor, não era o clima abafadiço do Rio de Janeiro. Felipe
foi ao encontro da irmã e, ternamente, beijou-a na bochecha. Flora aceitou o beijo, mas acabou se
retirando em seguida.
— Felipe, você também parece que viu passarinho verde! – Felipe contrai o maxilar,
sinalizando que não havia entendido a colocação da mãe. — Todos vocês estão estranhos hoje,
devo dizer. Até Bento acordou carrancudo. O mais estranho é seu súbito bom humor, Felipe.
— Foi o sarau, o responsável. – Felipe sorriu, dando uma piscada de olho em minha
direção. Meu coração dá cambalhotas com esse simples gesto. — O evento dos Pinto de Almeida
estava impecável, mamãe! Boa música, boa comida e boa bebida. – Felipe joga-se em uma
poltrona de apenas um lugar. Meus olhos deslizam até sua braguilha e um calafrio atinge o meio
de minhas pernas. Controle-se, Penélope e pare de pensar como uma devassa.
— E quanto a seus irmãos, o que tem a me dizer? – Madrinha não desiste mesmo.
— Os dois tiveram uma discussão. A senhora sabe como Flora consegue nos tirar do sério
quando quer. Às vezes, tenho a leve impressão de que Flora tem a idade de Eloíse.
— Estranho, muito estranho! Flora e Bento não discutem. Acostumei-me com as discussões
entre você e Flora; porém, entre Bento e Flora é novidade. Subirei e conversarei com ela. –
Madrinha pede licença e retira-se da sala, deixando-nos a sós. Felipe cruza as pernas e eu coro,
sentindo-me exposta demais.
— Como passou seu dia, carinho? – Felipe abre um sorriso que me hipnotiza.
— Bem, eu acho!
— Você acha? Não entendi, Penélope. – Felipe levanta-se e percebo que ele reduz a
distância entre nós até acomodar-se na mesma poltrona que eu, sem sequer preocupar-se em pedir
minha concordância. Esse seu jeito de tomar para si o que quer é fascinante e desconcertante ao
mesmo tempo. Felipe puxa-me para seu colo, encostando seus deliciosos lábios em um dos cantos
de minha boca. Uma explosão de sentimentos percorre meu corpo e agora entendo o quanto o
desejo, insanamente o desejo. — Senti sua falta, carinho. – Sussurra em meu ouvido, levando-me ao
delírio. Arfo, dominada pela luxúria e por pensamentos obscenos. Perco-me no sabor
enlouquecedor de seu beijo. — Não há uma parte do meu corpo que não a deseje, Peny. – Como
esse homem consegue falar tanto, eu não consigo reunir um pensamento lógico sequer, não encontro
as palavras, entro em um estado grave de dislexia. Suas mãos entram por baixo do meu vestido,
eu sei o quanto isso é indecente, porém, não consigo pará-lo, ao contrário, aperto minha coxa uma
contra a outra, incentivando-a a prosseguir sua tortuosa exploração. Felipe tem dedos habilidosos,
que imitam o movimento de sua língua. Jamais poderia supor que dedos poderiam servir para esse
fim. — Geme para mim, carinho. Inferno, Penélope, você é tão deliciosa aqui. – Seus dedos
acariciam um ponto lá embaixo que me faz arfar. — Você está pronta para me receber, carinho.
— Oh... Aqui não, alguém poderá nos surpreender. – Resmungo em sua boca, agarrando-
me num resquício de juízo que ainda não havia me abandonado.
— Tens razão! – Felipe afrouxa o aperto e abandona minha boca e eu lamento sua
atitude. — Quero mostrar-te uma coisa, carinho. – Felipe levanta-se da poltrona, levando-me
consigo. Gentilmente, arruma minha saia.
— Para onde vamos? – Curiosa, pergunto.
— É uma surpresa! – Os olhos castanhos claros de Felipe fitam-me e meu corpo pede para
abraçá-lo novamente. Entendendo minha intenção, Felipe pega minha mão, conduzindo-me para
fora do palacete. — Vamos, antes que a possua aqui mesmo.

Crônicas da Sociedade Carioca


Um Sarau seria a melhor maneira de se passar o tempo em uma noite tão encantadora, caso
não contasse com a presença de uma das mais belas damas que já tive o prazer de admirar. Chopin
ficaria ensandecido com a delicadeza de tal Lady, assim como criaria uma valsa em sua modéstia
homenagem, para clamar toda a sua esplendorosa altivez.
De certa forma, vale ressaltar a beleza da nova atenção da sociedade, Lady A. Que causou
imensa falta durante um período em que esteve ausente, impossibilitando os cavalheiros de apreciar
uma curta valsa em sua companhia. Sabemos que Lordes Russos não são bem vistos na sociedade
carioca, o que me leva a questionar, cabe à dama aceitá-lo com tal reputação?
Após essa breve reflexão, informo ainda que a família carioca mais renomada foi vista se
retirando do Sarau com perceptível urgência e falta de decoro. Cabe a esse que vos fala especular os
motivos de tamanha falta de elegância para com os anfitriões da família Pinto de Almeida, que
estavam tão estarrecidos com a falta de algumas das flores solicitadas para a decoração que não
perceberam a retirada por parte de seus convidados.
Por outro lado, os convidados presentes prestaram demasiada atenção ao ocorrido e posso
afirmar com apreciada certeza que ainda hoje saberei o motivo de tal ação. Creio que essa
informação se dará por parte dos famosos mexeriqueiros da sociedade, mas quem sou eu, senão um
deles?
A única diferenciação por parte da minha pessoa é a elegância com a qual narro os fatos.
Deixando a responsabilidade de preencher as lacunas da história com a imaginação de vossas
senhorias.

Por Lafaiete Boaventura.


Estufa de flores. Ele havia me trazido para uma estufa de flores. A estufa era em vidro
e no meio dela havia uma fonte com alguns bancos estrategicamente posicionados. Várias espécies
de flores, samambaias e folhagens embelezavam o local. O colorido e o perfume era uma atração
à parte.
— Felipe, este lugar é maravilhoso! Como ninguém me mostrou tudo isso? – Admirada,
pergunto. Felipe abre um sorriso encantador, um daqueles que me faz arrepiar da cabeça aos
pés.
— Porque ninguém tem autorização para entrar aqui. É meu refúgio, carinho! A botânica é
minha paixão. É aqui, no meio de tanta beleza, que meu espírito descansa da vida cheia de
responsabilidades que sempre me cercou. – Felipe deposita suas mãos sobre minha cintura,
puxando-me para mais perto. — Penélope, trouxe-te para cá por um motivo! Carinho, você passou
a fazer parte desse lugar, você é como uma dessas flores, melhor, você é a rainha dessas flores,
você é minha paixão! – Meu coração saltita no peito, descompassadamente. Um arrepio percorre
meu corpo, sinalizando o quanto Felipe envolvia-me, eu precisava dele. Tomo a iniciativa e encosto
meus lábios nos seus. — Tão doce, tão perfumada, tão delicada, mas tão vigorosa e forte quanto
uma rosa silvestre. – Felipe arfa e entrego-me ao beijo.
Assim que Felipe afasta-se de minha boca, avisto um canteiro com cravos vermelhos.
— Oh... O cravo que me deixou, foi você que o cultivou?
— Sim!
— Por que um cravo, se acabou de chamar-me de rosa silvestre? – Curiosa, pergunto.
— Por que recebeste rosas demais aos longos dos dias, Penélope! Não seria tão óbvio
assim... – Felipe faz uma pausa e beija delicadamente meus lábios. — Ademais, pretendo dar-lhe
muitas flores, carinho! A cada dia, uma flor diferente, pois a rainha das flores merece ser
agraciada com todas elas. Venha! – Felipe puxa-me para que me sente em um dos bancos. —
Ninguém nos atrapalhará! Mantenho ordens claras para que ninguém entre aqui, a não ser em
caso de morte. – Ri com seu comentário. Felipe é tão direto e pragmático em suas colocações. É tão
estranho conhecer seu lado romântico.
Aceito o convite de Felipe. Preocupo-me com a rapidez com que tudo aconteceu. No
entanto, cansei de fugir do sentimento incontrolável que nutro por Felipe. Se antes quando era um
bastardo resmungão, já era difícil, agora então, tão amoroso, gentil e atencioso, torna-se uma
tortura manter-me distante dos seus braços. Verdade seja dita, sinto-me no paraíso num lugar tão
belo e ainda aconchegada a Felipe. Uma dor atravessa meu coração. Maldita dor que sempre me
acompanha, o medo de ser abandonada me atormenta desde o dia em que papai me deixou no
convento e nunca mais voltou, sequer uma carta enviou-me. Não suporto mais viver acompanhada
pelo fantasma do abandono.
— O que lhe ocorre, carinho? – Felipe puxa meu queixo, de modo que nossos olhos se
encontrem. — Está tão pensativa, Penélope.
— Não é nada demais! – Respondo, desviando meus olhos de Felipe.
— Você se arrepende do que aconteceu... Bem... Você entregou-se para mim, carinho, e
preocupa-me que você...
— Não! – Interrompo-o. — Não me arrependo, Felipe. Eu o quis tanto quanto você! – Felipe
me fita com os olhos cheios de desejo e, sem pensar duas vezes, lanço-me para seus braços. —
Apenas tenho medo que tudo acabe, que tudo não passe de mais um sonho e que a qualquer
momento serei forçada a despertar. – Confesso.
— Não podemos mandar no destino, carinho. Mas, saiba que meu coração é seu e que
farei tudo que for possível para mantê-la perto de mim.
Felipe puxa-me para seu colo, abrindo minhas pernas e posicionando-me de frente para si.
Suas mãos deslizam pelas minhas pernas, numa exploração agoniante. Enlaço-me em seu pescoço e
deixo-me levar pela cadência de seu pecaminoso beijo. A cada investida de Felipe em minha boca,
em cada toque de sua mão em minhas pernas, fogos de artifícios espalham-se pelo interior do meu
corpo. Beijá-lo é uma experiência notável, devo dizer. Uma prévia poderosa do que pode
acontecer entre um homem e uma mulher. Felipe desfaz o laço dos meus calções. Suas mãos são
habilidosas, exploram com suavidade e precisão. Lentamente, introduz dois dedos, levando-me à
beirada de um precipício de sensações, atraindo-me para mais perto, eu quero me jogar, sim, eu
desejo me jogar e sentir tudo o que me foi prometido. – Arfo em aflição.
— Você vai matar-me, carinho! – Felipe desliza a boca pelo meu pescoço.
Involuntariamente, jogo minha cabeça para trás para facilitar-lhe o acesso. Os dedos continuam a
tocar-me intimamente, empurrando-me cada vez mais para o precipício. — Venha para mim,
Penélope. Deixe-me fazê-la feliz, carinho. – Sim, eu quero ser feliz nos braços de Felipe. Quero
desmanchar-me em seu colo. Uma onda eletrizante, uma corrente elétrica, atinge-me com força.
Sinto-me prisioneira de um desejo insano. Quero libertar-me. Algo dentro de mim, que não sei
definir bem o que seja, parece avolumar-se.
— Senhor, Felipe, por favor toque-me mais... Eu preciso... – Imploro.
— O que? – Felipe sussurra e desliza seus dedos mais fundo. — Aqui, carinho? – Sim,
justamente ali, penso apenas, sem conseguir reunir os fonemas necessários. — Onde, Penélope?
Diga-me onde você quer que a toque.
— No botão mágico. – Consigo falar e Felipe ri, atendendo meu pedido e levando-me ao
ápice do prazer.
— Isso, Penélope... Deixe-se levar por mim. Venha para mim, carinho.
— Oh... O que foi isso? – Assustada, mas saciada, pergunto.
— Você entregou-se ao prazer carnal, Penélope.
— Como sabe? – Solto sem querer. Deus, como sou idiota.
— Você abriu-se para mim e molhou minha mão, carinho. – Felipe encosta seu rosto no meu
pescoço.
— Mas e você? Não deveríamos... – Coro. — Bem... Não deveríamos estar unidos para isso
acontecer?
— Não necessariamente, querida.
— E você? Oh, Felipe, você está tão “rígido”... – Sinto minhas bochechas corarem. — Quero
fazer algo por você também.
— Você fará, carinho, mas não agora. – Gemo pela promessa implícita contida nas
palavras de Felipe. — Ainda não acabamos. Pretendo tê-la novamente, carinho, mas mais tarde.
Combinamos de encontrar-nos quando todos estivessem recolhidos em seus aposentos.
Separadamente, para não levantarmos suspeitas, saímos da estufa. Minutos depois, a família
reúne-se para o jantar. Todos se faziam presentes. Aparentemente, Bento parecia ter superado
suas diferenças com Flora. Eu não consigo prestar atenção na conversa, nem tirar os olhos de
Felipe. A cada troca de olhares, a mesma sensação de corrente elétrica dominava meu corpo. Foi,
então, que compreendi o porquê de homens e mulheres cometerem loucuras em nome da paixão e
do desejo. Durante anos, perguntei-me o que fez meus pais se unirem, mesmo quando as
convenções sociais não permitiam. Houve momentos em que me revoltei com suas decisões e
atitudes. Ao final, encontro-me na mesma situação que meus pais, perdidamente apaixonada por
Felipe Gusmão de Albuquerque.
— Peny! – Bento acabava de chamar minha atenção. — Em que mundo está, querida?
— Desculpe-me! Apenas estava distraída.
— Perguntava se aceitou algum dos pedidos que recebeste.
— Na verdade, apenas comprometi-me com Danilo. – Felipe contrai o maxilar.
— Então, Danilo conseguiu o que outros não conseguiram, senhorita Penélope?! – Bento ri.
— A Senhorita Penélope não tem necessidade alguma de aceitar os convites, Bento. –
Felipe responde, jogando um olhar furioso para o irmão.
— Eu sei, Felipe! Porém, Penélope tornou-se a dama mais cobiçada da temporada e Danilo
foi o escolhido por Penélope.
— Eu não o escolhi! – Respondo, nervosa com a suposição levantada por Bento. — Apenas
aceitei seu convite para um passeio.
— Peny, sejamos sinceros! Um passeio é muito para um cavalheiro diante de uma bela e
disputada dama! – Felipe esmurra a mesa. Nossa Senhora das mulheres encrencadas, acuda-me e
não deixes estes dois brigarem.
— Não seja tolo, Bento! Não há nada demais dois amigos fazerem um passeio. Além do
mais, eu estarei presente. – Arregalo os olhos diante das palavras de Felipe.
— Como? – Madrinha interviu. — Amanhã é sexta-feira, um dia comum de trabalho no
banco.
— Folgarei, amanhã! – Felipe arranha a garganta. — Comprometi-me de levar Eloíse para
um passeio. – Madrinha solta um gemido em sinal de admiração. — O que foi, mamãe? Não posso
passear com minha filha?
— Claro que pode, Felipe! No entanto, não é do seu feitio passear com Eloíse e num dia
com expediente no banco.
— Se Eloíse e Felipe acompanharão Danilo e Peny ao Passeio Público, não há mais
necessidade para fazer-me presente. – Flora declara.
— É claro que sim! – Madrinha responde. — Danilo e Penélope necessitam conhecer-se.
Enquanto isso, você fará companhia para seu irmão, além de freá-lo em sua proteção excessiva.
Os quatro travam uma espécie de batalha de palavras. Perco-me entre tantos planos e
considerações. Madrinha tentava persuadir Felipe a não nos acompanhar, argumentando que a
presença de Flora seria suficiente para afastar as maledicências. Felipe, por outro lado, não
arredava o pé. Flora parecia querer aproveitar a oportunidade para encontrar-se com seu
admirador, fato que passou desapercebido por todos. Bento estava disposto a tirar seu irmão do
sério com várias insinuações deselegantes. E eu, bem, eu degustei tranquilamente minha sobremesa.
Não era páreo para uma família ensandecida.
Não há coisa que me enfurece mais do que as insinuações de meu irmão. Bento havia
passado dos limites ao considerar a atenção de Penélope com Danilo mais do que mero respeito e
cordialidade. Penélope era minha e não suportava pensar em vê-la nos braços de outro. Minha
adorável preceptora havia aceitado o convite para um passeio com meu melhor amigo e
advogado, para meu desespero. Agindo pelo calor do momento, decidi que iria acompanhá-los,
mesmo que ninguém tivesse solicitado minha companhia. Afinal, eu era o chefe da família e não
devia satisfações a ninguém. Precisava tomar uma atitude em relação à Penélope. Minhas intenções
sempre foram nobres em relação à afilhada da minha mãe. Planejei cortejá-la decentemente e
dentro do mais estrito decoro. No entanto, Penélope tem um efeito avassalador sobre meu juízo.
Toda vez que a vejo, sou lançado num torvelinho de emoções e perco a capacidade de agir
racionalmente.
O mais correto a ser feito é pedi-la em casamento. No entanto, não posso fazê-lo de forma
precipitada. Em que pese, não ter prometido nada mais para Joaquina a não ser algumas noites
de prazer, preciso dar um fim em nossa relação antes de comprometer-me com Penélope. Por outro
lado, até que não a converta em minha esposa, terei que suportar uma horda de urubus a
rodeando. Não sei se estou preparado para isso, sinceramente. Cada olhar que é lançado para o
corpo de Penélope, uma onda de fúria invade meu ser. É como se todos quisessem ver e tocar o
que havia sido feito apenas para mim.
Havia passado novamente a noite na cama com Penélope. Depois que todos se recolheram
e a casa estava em absoluto silêncio, dirigi-me até o quarto dela para consumar o que começamos
na estufa. Bati na porta e uma Penélope corada apareceu, jogando-se em meu pescoço.
— Você demorou! – Ela arfou. Meu desejo apenas ganhou forma dentro de minhas calças.
Exigi sua boca e, violentamente, suguei cada partícula de seu sabor. — Desejo-te unido a mim,
Felipe. – Ela implorou suavemente e fui incapaz de negar-lhe.
— Minha doçura é gulosa! – Falei entre um beijo e outro.
— Não se atreva a dizer-me que devemos ir com calma, Felipe. Algo dentro de mim... Existe
algo dentro de mim que me deixa inquieta. – Penélope deslizou as mãos por dentro de minha
camisa. — Quero grudar-me em você, Felipe.
— Oh, carinho! Também desejo grudar-me em você. – Uma Penélope atrevida abriu a
braguilha das minhas calças e, espontaneamente, enfiou as mãos dentro de meus calções,
agarrando meu membro. Pelos diabos, ela não tinha noção do efeito que causava. Fechei a cara,
contraindo o maxilar e Penélope, assustada, afastou-se.
— Desculpe-me! Fiz algo de errado? – Trouxe-a para mais perto.
— Não, querida! Não pense que fizeste algo de errado, carinho. Pelo contrário, Peny, foi
perfeito e divino sentir a suavidade de sua mão. Ocorre que quero dar-lhe prazer e se você
continuar com suas carícias, meu amigo aí embaixo não resistirá por muito tempo. – Ela sorriu e tive
a certeza de que havia me compreendido. Era muito esperta, minha doce preceptora.
— Não quero que resista, Felipe! Não se contenha, por favor. – Foi o suficiente para jogá-
la na cama e num puxão, arrancar todos os botões da sua camisola.
— Sem carícias, então? – Ela assentiu. — Você está preparada para receber-me, carinho?
— Sim. – Ela murmurou.
— Deixe-me ver! – Deslizei uma de minhas mãos até sua abertura. Ela estava pronta e
molhada para receber-me. Tirei minhas calças e posicionei-me sobre seu corpo. Ela arfou assim que
avancei forte e duro para dentro de seu corpo. Penélope me recebeu com paixão, correspondendo
com intensidade cada uma das minhas investidas. Nunca havia sentido tanto prazer antes. Penélope
havia me viciado, eu sei.
Deixá-la ao amanhecer foi um martírio. Não queria deixá-la. Um sentimento de posse
tomava-me toda vez que deveria despedir-me de meu amor. Sim, Penélope é o meu amor e não
deixarei que ninguém a tome de mim. Fui até a estufa e cortei um galho de jacinto azul para
deixar em seu quarto, com uma mensagem: “O azul do jacinto lembra-me o encanto de seus olhos.”
Depois de uma manhã trabalhosa no banco, eis que me encontro a caminhar nos corredores
verdes do Passeio Público, de braços dados com uma Flora irritada. Eloíse corre atrás de alguns
passarinhos. Danilo e Penélope seguem a alguns metros de distância à frente. Penélope parecia
divertir-se com a conversa. Danilo, diferente de mim, sempre foi um ótimo orador e capturava com
facilidade a atenção de todos. O interesse de Danilo por Penélope era visível. O bastardo sequer
tentava disfarçar. Precisava arrumar uma desculpa para trocar de par. Queria Penélope
enganchada em meu braço o mais rápido possível.
— Estou com sede, Felipe! O que acha de irmos até a Confeitaria Colombo para tomarmos
um chá? – Eis minha oportunidade.
— Acredito ser uma ótima ideia. – Apressamos nosso passo para reduzir a distância que
nos separava de Danilo e Penélope. Logo que nos aproximamos, tratei de falar. — Podemos tomar
um chá na Confeitaria Colombo. O que acham da ideia?
— Mas já?! – Danilo exclamou. — Ainda tenho muito a mostrar para a senhorita Penélope.
— Se não se importar, Danilo, adoraria fazer uma pausa para uma boa xícara de chá, em
que pese um copo de refresco seria mais apropriado. – Penélope responde e meu coração alivia-
se. Sem perder tempo, ofereço meu braço.
— Então que seja um bom copo de refresco! – Penélope aceita meu braço. O perfume
fresco de Penélope inebriou todos os meus sentidos, trazendo-me recordações da noite anterior.
Danilo, sem poder opor-se, oferece seu braço à minha irmã. Reduzimos nosso passo de forma a
aumentar a distância. Na verdade, queria pegar Penélope no colo e levá-la para algum canto
reservado. Sei que é errado nutrir tais pensamentos, mas o que posso fazer se Penélope atiça-me
a ponto de desejá-la em qualquer lugar?!
— Então, senhor Felipe, apreciou o passeio? – Mas é uma abusada mesmo. Fala-me como
se não tivesse percebido o meu incomodo ao vê-la de braços dados com o meu melhor amigo.
— Devo confessar que foi um inferno vê-la de braços dados com meu melhor amigo! –
Desabafo. Foi torturante. Penélope leva a mão até a boca, na tentativa de conter a risada. — E
você ainda se diverte, carinho!
— Felipe, você está com ciúmes!
— Claro que estou com ciúmes! Você é minha, Penélope. E qual homem ficaria feliz em ver
sua mulher nos braços de outro? – Penélope é minha mulher e farei de tudo para formalizar isso o
mais rápido possível. Ela cora diante de minhas palavras. Sou tomado por uma vontade louca de
beijá-la.
Chegamos na confeitaria e fomos acomodados numa ampla e espaçosa mesa. Flora e
Danilo preferiram beber o tradicional chá inglês. Eu acompanhei Penélope no refresco de laranja e
Eloíse degustou uma taça de sorvete. Por falar em Eloíse, ela havia se comportado como uma Lady
durante todo o passeio.
— Eloíse, querida, sua boca está suja de sorvete. – Penélope a repreendeu e, para meu
espanto, Eloíse atendeu à solicitação da preceptora, levando o guardanapo até sua boca. Minha
filha era outra menina. Penélope conseguira fazer o que tantas outras falharam.
Alguns conhecidos vieram nos cumprimentar. Não gostei nenhum pouco dos olhares que
lançaram à Penélope. Um deles atreve-se a trocar algumas palavras com ela.
— A senhorita recebeu minhas flores, senhorita Penélope? – Penélope assente. — Espero
que tenha gostado das rosas brancas.
— Obrigada pela gentileza. – Penélope responde. – Seu ramalhete era um dos mais lindos
e perfumados. – Penélope pisca. O sujeito retira-se e aproveito a distração de Danilo e Flora para
falar com Penélope.
— Você lembra-se desse sujeito ou das flores que lhe enviou? – Irritado, pergunto.
— Não. Como quer que me recorde de tantos rostos e ramalhetes? Apenas julguei melhor
agradecer. Se ele tivesse me enviado lírios ou magnólias seria mais fácil para lembrar-me, mas
rosas foram tantas que me perdi. – Penélope sorri e meu coração apaixonado dispara em meu
peito. Sim, estava perdido e completamente apaixonado por Penélope.
— Felipe. – Ouço meu nome. Assim que me viro em direção à voz, deparo-me com a figura
de Laurentina Gomes Peixoto, a irmã mais nova de Joaquina. Inferno! — Não se cumprimenta mais
aos amigos, querido Felipe? – Levanto-me para cumprimentá-la.
— Como tem passado, Laurentina? – Deposito um beijo em sua mão coberta pela luva.
Laurentina é loira e baixinha como sua irmã Joaquina.
— Tenho passado bem! Senhor, senhoritas. – Laurentina faz uma breve reverência. — Não
vai apresentar-me à sua amiga, Felipe?
— Claro. Perdoe-me! Esta é a senhorita Penélope Lillian Ferreira, afilhada de minha mãe.
Penélope, Laurentina foi uma grande amiga de minha falecida esposa Gisela. Laurentina olhou
altiva para Penélope.
— Então, esta é a famosa dama que roubou os corações de metade dos homens do Rio de
Janeiro! Não se fala em outra coisa depois que o senhor Lafaiete Boaventura a descreveu na sua
coluna semanal. – Precisava ler a coluna do tal de Boaventura. — Minha irmã não gostará nada
de saber o que andam a falar pelos salões cariocas, Felipe. – Laurentina sussurra em meu ouvido.
Vejo Penélope enrijecer-se na cadeira. — É claro que sua adorável hóspede apenas será assunto
até o retorno de minha irmã. Ela desembarcará na próxima semana e converter-se-á, de certo, no
principal assunto das principais colunas sociais. – Laurentina volta a falar alto, para logo em
seguida aproximar sua boca novamente no meu ouvido. — Joaquina não aceitará tamanha
humilhação.
— Não sei do que fala! – E não sabia mesmo.
— Falo da palhaçada que o Boaventura insinuou na última coluna. Joaquina não admitirá
ser trocada por uma fulaninha qualquer. – Percebo que Penélope se sentiu desconfortável.
— Não sei do que fala e não admito que se refira a senhorita Penélope dessa forma. – Se
Laurentina queria me intimidar, perdeu seu tempo.
— Danilo, por favor, poderia me acompanhar até em casa? Sinto-me exausta. – Uma ova
que Danilo iria acompanhá-la. Maldita hora que Laurentina apareceu. Danilo foi ágil ao atender o
pedido de Penélope. A mim apenas restou despedir-me de Laurentina e pajear minha irmã até
nossa casa. Era visto que acabava de encrencar-me com Penélope.
Subo as escadas correndo, sem despedir-me decentemente de Danilo. Felipe havia me
enfurecido. Quem aquela megera da Laurentina pensava que era para me chamar de fulaninha?!
E o que ela quis insinuar com a chegada de sua irmã? Lágrimas insistem em escorrer pelos meus
olhos. Odeio sentir-me assim, odeio chorar. Fecho a porta do meu quarto e encosto-me nela. Ouço
o barulho de sapatos batendo no assoalho de madeira, os barulhos ficam cada vez mais próximos,
até converterem-se em batidas na porta.
— Por Deus, Penélope, abra a porta! – Felipe fala. — Não me faça arrombá-la!
— Não quero abrir. – Respondo. Não queria que Felipe me enxergasse aos prantos.
— Penélope, pela última vez, abra esta maldita porta ou irei colocá-la a baixo. – Não
duvido que Felipe coloque abaixo a porta e isso converter-se-ia num escândalo. A última coisa que
desejo neste momento é um casamento por obrigação. Abro a porta e afasto-me até a janela.
— Carinho, olhe para mim!
— Não! – Respondo. Felipe reduz a distância. — Não se atreva a aproximar-se. – Ordeno.
— Pelos diabos que vou me manter distante, Penélope!
— Não se aproxime, Felipe. É uma ordem!
— E desde quando eu cumpro alguma ordem?!
— Se você se aproximar mais, juro que jogo este vaso na sua cabeça. – Pego um vaso de
flores de cima da mesa ao lado.
— Você acha que um vaso será capaz de deter-me, Penélope? – É um bastardo mesmo.
— Quem é Laurentina, Felipe? – Viro-me em sua direção, ainda com o vaso nas mãos.
— Ninguém importante, carinho.
— Não me chame de carinho, seu bastardo! – Jogo o vaso na direção de Felipe, que se
abaixa, desviando-o. O vaso se parte em mil pedaços ao cair no chão. — Diga-me, então, quem é
a irmã dela? – Felipe continua a avançar para perto. Pego um livro e jogo na sua direção, que
desvia novamente.
— Elas foram amigas da minha falecida esposa. – Felipe encontra-se a passos de distância
e quando menos espero, suas mãos fortes e quentes puxam-me para seus braços ainda mais fortes
e quentes. Sou lançada com força aos devaneios “Felipescos”. — Você chorou, carinho!
— Chorei de raiva, de ódio. – Frustrada, respondo. — Aquela... Laurentina sei lá do que,
irmã de sei lá de quem, chamou-me de fulaninha. Eu escutei, Felipe. – Felipe acaricia meu rosto e
sinto o chão sumir sob meus pés.
— Peny, paixão, não considere o que Laurentina falou. Ela é uma mulher fútil, carinho. –
Felipe encosta seus lábios nos meus. — Você pode quebrar o quarto inteiro, a casa toda se
desejar, mas nunca vire as costas para mim. Não suporto sua indiferença, carinho. – Felipe ergue
meu queixo e seus olhos castanhos claros me capturam. — E não chore mais, Penélope. Você é
importante para mim e não quero vê-la chorar.
— Oh Felipe! Não suporto ser humilhada. – Felipe seca minhas lágrimas com sua boca.
Cada beijo depositado é uma fagulha pecaminosa. Só então que percebo que não apenas
entreguei meu corpo a Felipe, mas também meu coração.
— Jamais se sinta humilhada, carinho. Você é melhor do que qualquer dama da sociedade
carioca. Apenas seja você mesma. Seja a Penélope altiva, sagaz e inteligente pelo qual me
apaixonei e tudo ficará bem.
— Mas você não me suportava, no início. – Falo.
— Apaixonei-me por você desde o primeiro dia, carinho! Lutei muito contra os sentimentos
que você me despertou e fui um fraco, pois perdi. Quero fazer as coisas certas com você. Por essa
razão, preciso que me dê um tempo para organizar minha vida, carinho.
— Felipe! – Tento interrompê-lo.
— Deixe-me terminar. Quero converter-te na Senhora Gusmão de Albuquerque, carinho. –
Meu coração dispara. Eu havia entendido mal ou Felipe acabava de pedir-me em casamento? —
No entanto, há coisas que precisam ser esclarecidas e para isso preciso que confie em mim.
— Felipe, não quero que te sinta obrigado a casar-te comigo! – Respondo.
— Não nos casarmos está fora de cogitação, Penélope, não depois do que aconteceu entre
nós dois. – Meu coração se aperta. Sinto-me frustrada e decepcionada. Era lógico que Felipe
cumpriria com sua obrigação e pedir-me-ia em casamento. Nunca fui uma romântica, sequer
desejava casar-me, no entanto, incomodava-me o fato de Felipe sentir-se obrigado a casar-se
comigo para reparar um erro. Quando eu deixaria de ser um erro para alguém? Primeiro para
meus pais, agora para Felipe. Talvez, a irmã Pilar tivesse razão, uma vez nascida do pecado,
nunca seria capaz de livrar-me dele. — O que foi, carinho? – Afundo meu rosto no peito de Felipe.
As lágrimas voltavam a formar-se nos meus olhos.
— Não foi nada! – Não era o momento para conversar sobre meus fantasmas. Sequer
tinha certeza se haveria um dia certo para falar sobre eles com Felipe. — Apenas me beije, Felipe!
– Imploro pelo seu beijo como uma sedenta por água. Desejava perder-me novamente nos
devaneios “Felipescos” e esquecer a confusão dos meus sentimentos.
— Carinho, diga-me que confiará em mim! – Felipe insiste.
— Não costumo confiar nas pessoas, Felipe. Espero que não me arrependa em dar-lhe um
voto de confiança. – Felipe aperta o abraço e toma minha boca. Sua língua invade-me,
provocando-me calafrios. Beijar-lhe havia se tornado um vício. Senti-lo tomar para si o que queria
deixava-me à beira da loucura. Em fração de segundos, estávamos deitados em minha pequena
cama.
— Não suporto vê-la na companhia de Danilo, carinho.
— Também não gostei em vê-lo com Laurentina! – Abro os botões da camisa de Felipe e
deixo minhas mãos acariciem sua pele macia.
— Minha doce Penélope é possessiva! – Felipe beija-me novamente. — Só tenho olhos para
você, carinho. Você ainda vai matar-me... – Abro a braguilha das calças de Felipe. Uma batida na
porta é ouvida e Felipe resmunga. — Inferno!
— Quem é? – Pergunto alto.
— Sou eu, Flora. Abra a porta, Peny.
— Só um pouco. – Respondo e Felipe levanta-se. – O que faremos, não posso abrir a porta
com você aqui.
— Não vejo a hora de casarmos, carinho. – Felipe me agarra e beija-me no pescoço.
— Deixamos o assunto do casamento para outra hora. Agora, trate de esconder-te. –
Felipe enfia-se embaixo da minha cama. Empurro seus sapatos para baixo da cama também.
Olho-me no espelho e tento colocar no lugar os fios soltos do meu cabelo. Puxo as meias para cima
e coloco a roupa no lugar.
— Peny, o que lhe aconteceu? – Flora invade meus aposentos, assim que abro a porta. Rezo
para que ela não perceba os cacos do vaso no chão. – Danilo está lá embaixo querendo saber
notícias suas. Você apenas lhe disse que se sentia indisposta. Não vai me dizer que é outra crise de
enxaqueca!
— Sim. – Levo minha mão até a cabeça, fingindo uma dor de cabeça intensa.
— Devemos chamar um médico, Peny. Mamãe tem razão, estas enxaquecas podem
significar coisa mais séria.
— Não! – Praticamente, grito. — Quer dizer, não é necessário, Flora. Não é de agora que
tenho crises de enxaqueca. Provavelmente, foi o calor do Rio de Janeiro. Um pequeno descanso e
sentir-me-ei melhor.
— Mas Peny, a temperatura está agradável hoje! – Acabo de ser pega na mentira.
— Não estou acostumada com o clima do Rio de Janeiro, Flora.
— Isso é verdade.
— Por favor, transmita minhas sinceras desculpas ao Danilo.
— Você mesma poderá desculpar-se. Mamãe acabou de convidá-lo para o jantar. – E eu
acabava de encrencar-me.
— Bem, deixarei você descansar. Além disso, ainda tenho que procurar por Felipe. Meu
irmão sumiu. – Despedi-me de Flora e fechei a porta. Felipe sai de baixo da cama, resmungando
por ter batido a cabeça.
— Sem chamegos com Danilo, Penélope. – Definitivamente, era um abusado.
— Por quem me toma, Felipe?
— Você é minha, carinho! – Felipe aproxima-se, enlaçando-me num aperto quente e
luxurioso. Deixo-me levar e entrego-me ao beijo de Felipe.
É claro que o jantar havia sido conturbado. Danilo foi extremamente atencioso e educado
comigo. Madrinha, em total desrespeito com as regras de decoro, colocou-nos sentados um ao lado
do outro. Felipe permaneceu o tempo todo com o semblante taciturno. Era um ciumento mesmo. E eu,
bem eu apenas tinha olhos para o infame do Felipe. Nossa Senhora de Lourdes, não havia homem
mais fascinante do que Felipe. Tudo seria mais simples e fácil se houvesse me apaixonado por
Danilo, um homem mais centrado e tranquilo do que Felipe. Infelizmente, não se manda no coração.
Só podia ter sido castigo por todas as vezes que pensei mal dos meus pais. Sempre os achei
inconsequentes, papai abandonou tudo para viver com minha mãe, no Brasil.
Depois do sucesso do baile, Madrinha não parava de falar sobre sua vontade em
promover um sarau. Inclusive, está mexendo seus pauzinhos para contratar uma soprano italiana.
Sinceramente, eu não sei de onde Dona Violeta tira essas ideias. Flora andava aos suspiros pelos
cantos. Algo me dizia que estava apaixonada pelo russo, o tal de “Zolkov”, a quem Felipe e Bento
não podiam ouvir falar. Aproveito a distração dos cavalheiros e aproximo-me de Flora.
— Tudo bem com você, querida? – Pergunto.
— Ah Peny... – Flora suspira. — Estou completamente e perdidamente apaixonada. – Eu
também, penso, olhando para Felipe, que se encontra relaxado do outro lado da sala.
— Não vai me dizer que se apaixonou pelo tal do russo? – Flora confirma com um gesto
rápido de cabeça. — Flora, não me diga que anda se encontrando às escondidas com este
sujeito?! – Repreendo-a. Que espécie de acompanhante havia me convertido, por Deus?
— Peny, por favor, não me venha você também com lições de moral. No coração não se
manda! O que posso fazer se eu me apaixonei por Yuri? Ele não é tudo o que Felipe e Bento
falaram. E mesmo se o fosse, continuaria a amá-lo. – Não poderia julgar Flora, eu mesma me
encontrava na mesma situação, apaixonada por seu irmão mais velho, sem falar que havia me
entregado à Felipe. Nossa Senhora das Donzelas desonradas, será que Flora havia cometido a
mesma loucura que eu? — Peny, você precisa me ajudar! Bento está no meu pé e desconfia que
ando me encontrando com Yuri às escondidas.
— Eu? – Santa Apolônia, só me faltava essa! Além de fornicadora e desonrada, virarei
alcoviteira.
— Sim! – Flora me fita com os olhos verdes. Ela consegue me cativar a danada. — Não
posso contar com a ajuda de ninguém, Peny, a não ser a sua.
— Você tem certeza que esse Yuri é o homem da sua vida? – Ela consente. — E que ele
corresponde seu amor?
— Ele quer se casar comigo, Peny!
— Tudo bem, ajudar-lhe-ei, Flora. – Quem eu era para negar-lhe ajuda, afinal? Flora
abraçou-me calorosamente.
— Preciso de sua ajuda para despistar Bento, amanhã. Felipe anda muito estranho e
desligado nos últimos dias, mas Bento está no meu pé o tempo todo.
Prometi a Flora que manteria Bento distraído. Com certeza, Felipe ficaria enciumado e
castigar-me-ia à noite, mas confesso, que gosto muito dos castigos de Felipe, levam-me ao céu.
Provocá-lo tornou-se meu principal passatempo. Penélope Lillian Ferreira, foco! Concentre-se em
Flora e pare de pensar em Felipe e em estar na cama com Felipe.
— Posso saber o que as damas tanto cochicham? – Bento aproxima-se.
— Assunto de damas, oras! – Respondo. — Bento, amanhã poderíamos ensaiar mais
algumas danças? Não quero dar vexame no baile do embaixador inglês. – Era a desculpa
perfeita para manter Bento ocupado.
— Para quem não queria ouvir falar em bailes, a senhorita está muito animada, devo dizer.
– Bento sorri.
— Ouvi falar que o baile oferecido pelo embaixador inglês é um evento impecável, digno
dos mais ilustres salões de Londres! Não pretendo fazer feio.
— Peny, minha querida, você jamais fará feio. – Bento pega minha mão e deposita um
beijo. Olho para o lado e vejo dois pares de olhos me encarando. Não bastasse Felipe ser um
ciumento, ainda tenho que lidar com Danilo. Por todos os santos da Igreja Católica, é muito para
minha pessoa.
— Posso juntar-me? – Danilo aproxima-se e eu respondo com um breve sim. — Parece
melhor da enxaqueca, Penélope.
— Ah sim, muito melhor. – Felipe não tira os olhos de nós.
— Penélope, Danilo poderia ser seu professor de dança. Desculpe-me, mas amanhã, tenho
um compromisso inadiável. – Quando estava prestes a negar a ajuda de Danilo, já que minha
intenção não era aprender a dançar e sim distrair Bento para que Flora pudesse sair
despercebida, escuto a voz de Felipe.
— Não há necessidade! Danilo é um advogado muito ocupado e eu mesmo poderei ser o
professor da senhorita Penélope. – Danilo praticamente engoliu Felipe com os olhos. Pensei que os
dois iriam se engalfinhar, mas Danilo conteve-se, para minha sorte, era um verdadeiro cavalheiro.
— Obrigada senhores, mas sinto-me mais à vontade para tomar aulas com Bento. – Felipe
contrai o maxilar. Estou encrencada, eu sei.
— Mas Peny, meu compromisso é importante. – Sim, eu sei que é importante vigiar a irmã
mais nova.
— Por favor, Bento, não quero fazer feio no baile do embaixador inglês. – Finjo decepção.
Sou ótima para interpretação. Irmã Raquel me dizia que tinha uma ótima veia para as artes
cênicas. Bento acaba por concordar, para o alívio de Flora. Felipe me olha carrancudo. Estou
enrascada, eu sei. Felipe é muito possessivo e complicará a situação, até prevejo a cena que terei
que enfrentar.
— Ao menos, deixe-me acompanhá-la ao baile, Penélope. – Danilo não desiste mesmo. Não
sei o que responder. Encontro-me em maus lençóis.
— Não há necessidade alguma, Danilo. – Felipe responde de forma seca. — As damas
estarão devidamente acompanhadas por mim e Bento.
— Pelo contrário, Felipe. – Bento chama a atenção do irmão. — A presença de Danilo será
de grande ajuda. Não podemos esquecer que Volkov está rodeando nossa irmã. – Flora nos olha
irritada e sai, bufando e sem despedir-se. Eu também agiria assim. Homens são seres indelicados
mesmo.
Enquanto Bento e Danilo traçam planos para manter o russo afastado de Flora, Felipe me
puxa para a outra sala.
— Ai Felipe, assim você me machuca. – Reclamo do seu aperto em meu braço.
— Que história é essa de exigir que meu irmão lhe dê aulas de dança, Penélope?! – Jesus
Maria José, o que falo para Felipe? Seduza-o, Penélope. Sim, irei seduzi-lo. Mas nunca fiz isso.
Como devo proceder, meu Deus? Não gosto de agir sob pressão, acabo me complicando ainda
mais. — Não revire os olhos para mim, Penélope. – Felipe me repreende.
— Não revirei os olhos!
— Claro que sim!
— E qual o problema nisso? – Intrigada, pergunto.
— O problema que toda vez que você revira os olhos, sinto um desejo de jogá-la nos
ombros e trancá-la em meu quarto. – Era minha oportunidade de trocar de assunto e esquivar-me
de respondê-lo. Reviro os olhos, novamente, dessa vez de propósito. Felipe avança para cima de
mim, pressionando-me contra a parede. Sinto sua virilidade ganhar volume e meu corpo acende-se
com a promessa pecaminosa. — Estou com saudades, carinho! – Felipe desliza suas mãos pelas
minhas costas. — Não suporto mais encontrá-la pelos cantos, Penélope. Precisamos conversar
seriamente a respeito do nosso casamento. – Ele tinha que quebrar o encanto do momento ao falar
em casamento. Não sei se estou preparada para abrir mão de meus sonhos e casar-me. Tomo a
decisão de calá-lo com um beijo. Felipe não pensa duas vezes e avança para dentro da minha
boca. Sentir sua língua invadir minha boca e enrolar-se em minha língua me enlouquece, meu corpo
responde instantaneamente. — Você ainda vai me matar, carinho! – Felipe resmunga sem
desgrudar sua boca da minha. — Pensei em você o dia todo.
— Eu também, Felipe! Irás visitar-me, mais tarde? – Pergunto ansiosa.
— Não sei se devo. – Felipe desliza sua língua pela extensão do meu pescoço. — Não é
certo, Peny. Alguém poderá nos surpreender. Ademais, quero agir certo com você, carinho. – Gemo,
em sinal de frustração.
— Por favor, Felipe! – Sussurro e estremeço diante da minha falta de decoro. Minha Nossa
Senhora das Donzelas Defloradas, a que me converti? Uma descarada, só pode!
— Ah Peny, como posso negar-lhe um pedido? – Felipe puxa-me para junto de si e meu
corpo entra em ebulição. Quero-o dentro de mim, sim, quero sentir cada extensão de Felipe dentro
de mim. Preciso recuperar meu juízo. Felipe exige novamente minha boca e o resto de juízo que me
restava dilui-se, dando espaço apenas para os devaneios ”Felipescos” até Felipe afastar-se
ofegante. — Encontro-te mais tarde, quando todos estiverem recolhidos em seus aposentos. – Felipe
afasta-se. O vazio deixado por Felipe atinge meu coração e assusto-me com a intensidade dos
sentimentos que o primogênito de Dona Violeta me provoca.
Havia me convertido em um tolo apaixonado, eu sei. Cada pensamento no dia era dela,
de minha bela preceptora. Penélope havia se convertido no centro das minhas atenções. Sou viúvo
há anos e, por ser homem, tive meus casos, mas nenhuma conseguiu capturar meu coração como
Penélope o fez. Penélope é como o ópio, viciou-me. Quero-a todas as noites em minha cama,
quero-a apresentá-la à sociedade como minha esposa. Não me importo se é uma simples
preceptora. No entanto, é tão difícil conversar sobre casamento com Penélope. Tenho a impressão
que ela evita a todo custo o assunto. E isso tem sido enlouquecedor, pois conforme os dias passam,
mais homens parecem aglomerar-se no rabo da saia da minha Peny. Sim, sou um bastardo de um
ciumento possessivo. Nem eu sabia que o era até Penélope chegar e mudar tudo, quebrar todas as
regras.
Neste momento, encontro-me numa conversa tediosa com um grupo de cavalheiros nos
salões da magnífica embaixada inglesa. Não se fala em outra coisa a não ser na tão aguardada
chegada do Duque de Cumberland. Comenta-se que o “almofadinha” da nobreza inglesa
desembarcou no Brasil há dois dias para tratar de assuntos particulares. Com certeza, mamãe irá
querer recepcioná-lo e só em pensar nessa possibilidade, sinto medo. Os eventos que mamãe
organiza consomem minha paciência e reduzem nossa fortuna consideravelmente.
Penélope, como sempre, está rodeada de homens. Isso é enervante, confesso. Não sei onde
Dona Violeta estava com a cabeça quando pediu para Penélope ser a acompanhante de minha
irmã. Ela mal dá conta de livrar-se de seus pretendes, oxalá, conseguirá ficar de olho em Flora. De
todos os vestidos que usou, o desta noite, é de longe o mais bonito. O verde lhe caiu bem, sem
qualquer questionamento. Como sempre a modista foi generosa no decote. Sei que devia estar
acostumado com isso, mas não consigo controlar meus ciúmes toda maldita vez que o olhar de
algum macho é desviado para o seu decote. Uma ova que essa Madame parisiense continuará a
costurar os vestidos de Penélope depois do nosso casamento. Sim, porque ela irá se casar comigo,
não há dúvidas.
— Felipe, você viu nossa irmã? – Bento pergunta.
— 15 minutos atrás, a vi na companhia de mamãe. – Respondi, sem desviar os olhos da
direção em que Penélope se encontrava. Bento resmunga mais alguma coisa e sai. Magalhães pai
se aproxima de Penélope, parece que ele está lhe apresentando alguém.
— Quem é aquele sujeito que está junto do Doutor Magalhães? – Pergunto para o
cavalheiro ao meu lado.
— É o Duque de Cumberland. – Era só o que faltava mesmo! Penélope ser cortejada por
um nobre e ainda um duque. O “almofadinha” teve a audácia de beijá-la na mão. E Penélope
ainda sorri para ele, inferno! O sorriso de Penélope é só meu. Tenho que acabar com a festa do
infeliz.
— Felipe, meu amor! – A voz fina de Joaquina chega aos meus ouvidos. Chegava quem
não devia.
— Boa noite, senhora Coutinho do Amaral. – Era melhor chamá-la pelo seu sobrenome.
— Meses distantes e você me recebe desta forma tão fria e impessoal, Felipe?
— Devemos manter as aparências. – Respondo.
— Bem sabe que nunca me importei com o decoro, querido. – Trato de não alimentar falsas
esperanças. — Como estava Paris?
— Maravilhosa, querido, em que pese, aparentemente o Rio de Janeiro fervilha com a
presença da afilhada de sua mãe. Não se fala em outra coisa a não ser o desejo de Dona Violeta
casar a filha e a afilhada com um bom partido. – Joaquina abre um sorriso de canto. — Até um
duque acaba de entrar na fila de admiradores!
— Nem tudo é como falam. – É claro que Joaquina destilaria seu veneno em Penélope.
Sempre fora uma rica e exibicionista dama, viúva de um dos mais ilustres senadores da República,
sempre gostou de chamar a atenção para si.
— Querido, precisa me apresentar a adorável hóspede. – Assinto com a cabeça. — Antes,
porém, quero matar as saudades, Felipe. Venha me visitar amanhã à noite, querido.
— Joaquina! - Aproximo-me da viúva. — Preciso conversar seriamente com você. E antes
que você e sua irmã tirem conclusões precipitadas, não é nada do que imaginam. – Preciso
terminar meu romance com Joaquina o mais rápido possível, para poder casar-me com Penélope.
— Não entendi! – Joaquina comenta algo mais, no entanto, minha atenção é desviada para
o salão de baile, onde Penélope é conduzida elegantemente pelo Duque. Pareciam íntimos.
— Formam um bonito casal. – Uma ova que formam um bonito casal. Já basta minha mãe a
insinuar que Penélope e Danilo formam o casal perfeito. Frustrado, bufo. Joaquina coloca sua mão
em meu braço. — Não vai me convidar para uma valsa, Felipe? – Joaquina é uma mulher sedutora
e de uma beleza clássica, loira, com olhos castanhos, mais baixa do que Penélope. — Vamos Felipe,
seja um cavalheiro! – Joaquina exige minha atenção.
— Há vários cavalheiros que adorariam tê-la como par, Joaquina. – Não conseguiria me
concentrar na dança com Penélope nos braços de outro.
— Bem que Laurentina me adiantou que as coisas estavam estranhas. O que acontece com
você, Felipe? Também foi fisgado pela bastarda?
— Não admitirei que se refira à senhorita Penélope de forma tão maldosa, Joaquina. – O
nascimento de Penélope era uma incógnita para a maioria das pessoas, o que acabava por
aguçar a imaginação dos fofoqueiros de plantão.
— Correm pelas salas das mais altas damas da sociedade carioca que a afilhada de Dona
Violeta Gusmão de Albuquerque é filha ilegítima de um inglês, Felipe. Sua mãe não toma jeito
mesmo, acolhendo e fazendo-nos misturar com uma qualquer sem berço. – Não aguentei as
palavras de Joaquina e, discretamente, puxei-a para um canto reservado do salão.
— Já falei que não gosto que você se refira a minha mãe como uma louca!
— Ai Felipe, você está me machucando! – Afrouxo o aperto do braço. Como pude
considerá-la como esposa, meu Deus?
— Nunca mais, Joaquina, ouse a falar de minha mãe ou de qualquer um de minha família,
o que inclui Penélope! – Soltei-a, definitivamente. — Com licença, mas preciso encontrar minha
família. – Parto deixando-a para trás, não responderia se a infeliz abrisse a boca mais uma vez.
Joaquina era venenosa quando se sentia ameaçada ou contrariada.
Aproveito o intervalo do baile e aproximo-me de Penélope. Estou determinado a ser seu
próximo par. E que o mundo se exploda com suas regras de decoro.
— Com licença! – Considero a possibilidade de repetir a saudação em inglês.
— Sua Graça, apresento o senhor Felipe Gusmão de Albuquerque, meu anfitrião e
primogênito de minha madrinha Violeta. Senhor, este é Lorde Willian George McCrudden, décimo
primeiro Duque de Cumberland e vigésimo Visconde de Alverstoke. – Além de Duque, é também um
Visconde! Penso que é muito título para um homem só! Penélope nos apresenta e para minha
surpresa, ele compreende muito bem o português.
— É um prazer conhecê-lo, senhor! – O duque fala acentuando o som da letra R e faz uma
reverência impecável, logo após estende sua mão, de forma a cumprimentar-me da maneira
brasileira.
— Sua Graça conheceu meu pai. – Penélope fala de forma tímida. É desconfortável para
Penélope falar do seu pai. Uma ideia que somente uma mente atormentada pelo ciúme é capaz de
ter passa por minha cabeça: o pai inglês de Penélope poderia ser uma pessoa influente e ter
arranjado um bom casamento para ela. — Senhor! – Penélope fala. — Sua graça acabou de
comentar que meu pai ficaria muito feliz ao saber que a família Gusmão de Albuquerque me
acolheu.
Agradeço o que pareceu ser um elogio e convido Penélope para a próxima dança. Os
músicos retornam aos seus lugares e despeço-me de Sua Graça “almofadinha”. Sinto-me aliviado
por finalmente tê-la em meus braços.
Ser conduzida por Felipe num dos mais bonitos salões que conheci, ao som de uma das
polcas de Strauss, remetia-me aos momentos que dividimos nas madrugadas. Sua postura altiva e
impecável deixava-me eufórica. Sentia-me dentro de um sonho, para ser sincera, um daqueles
sonhos em que as princesas são resgatadas por belos príncipes montados em garanhões. A polca
era uma das minhas danças favoritas, por exigir dos pares giros e pulinhos animados.
— Não deveria ter sido uma polca. Inferno! – Felipe resmunga.
— Por que não?
— Muito curta. Em breve, terei que entregá-la para outro. Não é de bom tom, dançarmos
mais de uma música. – Ele tinha razão. Felipe aproveita um giro e aproxima sua boca do meu
ouvido. — Estou com saudades, carinho. Ainda não tive a oportunidade de dizer o quanto está
bonita, Peny. A minha rainha das flores. – Os batimentos do meu coração aceleram. Cada elogio
recebido de Felipe, fazia-me feliz, muito feliz, eu ansiava por seus elogios, eu queria ficar bonita
para ele. Nunca um homem havia despertado tanto dentro de mim. Meu corpo fora escravizado
por Felipe. — Não posso impedi-la de dançar, mas por favor, não cometa o equívoco de sair do
salão de baile. Não responderei por meus atos se ver-lhe nos braços de mais um bastardo. –
Assinto com um leve gesto de cabeça.
— O que foi Felipe? – Alguma coisa havia capturado a atenção de Felipe, preocupando-o.
— Acredito ter visto minha irmã e o desgraçado do russo! – Nossa Senhora das mocinhas
desajuizadas, falei tanto para Flora não encontrá-lo.
— Tem certeza? Você pode ter se enganado.
— Absoluta certeza. Conheço aquele russo, mesmo de olhos fechados. – Felipe contrai o
maxilar, o que significa que está muito irritado. — Assim que a música findar, parto em busca de
minha irmã. – Era melhor não contrariá-lo.
— Por favor, Felipe, não tome nenhuma atitude precipitada.
— Prometo que me esforçarei. Carinho, você também tem que me prometer que não se
envolverá em confusão e que não dançará novamente com o duque. Não quero aquele
“almofadinha” tocando-lhe novamente. – Mais um para lista negra do possessivo Felipe, penso e
seguro-me para não rir. Se Felipe soubesse a verdade sobre o duque.
— Não seja ciumento, Felipe. Precisarás acostumar-se com a presença do Duque de
Cumberland. Afinal, ele conheceu meu pai e pretende visitar-me.
— Uma ova que irei permitir a presença dele em nossa casa. – Acabava de complicar-me.
— Felipe, não seja infantil! Não pode proibi-lo de entrar em sua casa. Seria praticamente
uma afronta para as relações diplomáticas. – Os últimos acordes da polca foram tocados.
— Depois conversaremos sobre isso! Carinho, apenas me prometa que não dançará mais
com ele. – Felipe beija minha mão. — Apenas uma dança para cada cavalheiro. – Felipe despede-
se com uma piscada discreta de olho. Aqueles olhos quentes como o conhaque eram minha
perdição, eu sabia.
Precisava encontrar Flora antes de Felipe para evitar uma catástrofe de proporções
homéricas. O sumiço de Flora e nossa retirada apressada do sarau dos Pinto de Almeida havia se
convertido na fofoca dos últimos dias, tudo graças à boca grande do senhor Lafaiete Boaventura.
Se coloco minhas mãos naquele bastardo, juro que acabo com a raça dele! Claro que é apenas
uma maneira de dizer, afinal, sou uma dama. No entanto, vontade é que não me falta de
estrangulá-lo. Deu-me o maior trabalho esconder o periódico de madrinha. A danada é viciada
naquela coluna.
Cruzo o salão de baile apressada, porém, sou interrompida por diversos cavalheiros que
desejam uma dança. O aperto do espartilho também não me ajuda. Maldito objeto de tortura!
— Senhorita Ferreira! – Ouço uma voz esganiçada, eu conheço essa voz. Interrompo minha
caminhada e viro-me em direção de onde vinha a voz e deparo-me com duas figuras loiras e
arrogantes. Uma delas era a bruaca da Laurentina.
— Sim! – Respondo, tentando controlar-me.
— Quero apresentá-la a minha querida irmã, a senhora Coutinho do Amaral. – Penso em
uma das pinturas tranquilizantes de Monet e faço cara de paisagem. Aproximo-me calmamente das
duas.
— É um prazer conhecê-la senhora! – Procuro executar muito bem minha reverência.
— O prazer é todo meu em conhecê-la, Penélope. – Ela sorri e não gosto da forma
informal utilizada para dirigir-se a minha pessoa. — Posso chamá-la pelo seu primeiro nome? Não
vejo motivos para que se sinta ofendida, afinal, sou conhecida de longa data da família que te
acolheu, além de amiga íntima de Felipe. – Algo nessa história de amizade íntima não cheira bem.
— Não me sinto ofendida, ao contrário. – Forço mais uma vez a minha melhor cara de
paisagem. Felipe tem muito o que explicar, caso contrário, não toca mais um dedo em mim.
— Espero que nos tornemos amigas, querida. – A senhora Coutinho “Falsa” do Amaral
deposita sua mão enluvada em meu braço. Definitivamente, não simpatizo nenhum pouco com ela.
— Como está a viver na mansão dos Gusmão de Albuquerque, nossos encontros serão frequentes
de agora em diante. Devo dizer que podemos até dividir o mesmo teto, querida. – Como assim
dividir o mesmo teto? Nossa senhora das mulheres sem paciência, o que essa infeliz está a insinuar-
me?
— Perdoe-me, mas não compreendi corretamente.
— A senhorita não sabe? – Claro que não sei, minha paciência está no limite. Ainda preciso
encontrar Flora antes do pior acontecer. Com certeza, Flora não seguiu meu conselho e foi ao
encontro do russo mafioso, que ela jura que não é mafioso. Foco, Penélope, e livre-se dessa mulher
impertinente logo.
— Infelizmente, não sei de nada. Eu deveria saber algo?
— Nem todos o sabem, mas eu e Felipe estamos praticamente noivos. Antes de partir para
uma temporada na França, ele praticamente pediu-me em casamento. É tão certo que me pedirá
para ser sua esposa que até comprei todo meu enxoval em Paris. Também sou viúva a longa data
e uma união minha com Felipe seria muito apropriada – Sinto o chão sumir sob meus pés, as
pessoas e o salão giram ao meu redor. Não podia ser verdade. Felipe não podia ter me
enganado dessa forma. Ele não poderia ter me enganado de maneira tão vil. — Sente-se bem,
querida? – A loira azeda pergunta. — De súbito, ficou tão pálida.
— Foi apenas um mal-estar. Já passou. – Na verdade, não havia passado e nem sei se iria
passar. Sentia-me nauseada, um forte sentimento de traição invadiu minha alma. Levei mais de um
quarto da minha vida para confiar em um homem e entregar-me a ele e quando dou esse
importante passo, ele me trai. O que seria de mim?
— Penélope, querida, não o conte para ninguém, peço-lhe, nem mesmo a Felipe. Não
queremos que vire assunto de mexeriqueiras antes do anúncio. – Joaquina dá palmadinhas em
minhas mãos e despede-se altiva e sorridente, deixando-me para trás, numa confusão de
sentimentos.
Sem pensar duas vezes, lanço-me em direção às escadas que davam acesso à entrada
principal do salão. Não seria nada inconivente em ter o poder de transformar-me em uma formiga
e poder passar despercebida. Lágrimas de frustração e decepção insistiam em formar-se em meus
olhos. Eu não conseguia raciocinar direito, não conseguia entender, Felipe falava a todo momento
em casamento, dava-me a entender que desejava desposar-me, insistia muito na ideia, aliás.
Praticamente aos prantos, chego ao saguão principal do luxuoso prédio da embaixada
inglesa e encosto-me em uma das colunas romanas que adornavam o requintado recinto. Fecho os
olhos, na intenção de reunir coragem suficiente para voltar ao salão e encarar Felipe depois do
que a infeliz da Joaquina me falou.
— Penélope. – Era o duque a me chamar, percebo pelo seu carregado acento britânico.
— Sua graça. – Seco meus olhos com a mão. Cumberland tira um lenço de seu bolso e
oferece-me.
— Apenas Willian, please! O que aconteceu? – Não consigo conter as lágrimas e volto a
chorar. Sinto-me tão frágil.
— Estou com frio! – Willian tira seu paletó e coloca-o sobre meus ombros. — Devo estar
resfriada, sabe.
— Let's go! Vamos, Penélope. Acompanhar-te-ei até o palacete dos Gusmão de
Albuquerque.
— Não sei se é o certo a fazer, Willian. Mal nos conhecemos e as pessoas ainda não o
sabem.
— Ninguém ficará sabendo, Penélope, se este for o seu desejo. Cuidarei para que nossa
partida não seja percebida, se isto lhe for importante. Quanto a mim, não me importa que falem a
respeito, because estou aqui por você.
— Eu sei, mas preciso acostumar-me com a ideia antes, conhecê-lo melhor, Willian. Por
favor, tire-me daqui. – Cumberland puxa-me para seus braços e deixo-me ser acolhida. Um buraco
dentro do meu coração acabava de ser aberto e não tinha condições de recusar carinho neste
momento.
— Darling, estou aqui para cuidar de você. Agora, você tem a mim e não deixarei que
nada de mal aconteça. Não a pressionarei, but... Mas algo me diz que alguém lhe fez mal. – O alto
inglês puxa meu queixo para cima, de forma que eu possa fitá-lo. Seus olhos são tão azuis e só
então percebo o quanto é bonito. — Sei que acabamos de nos conhecer, mas você é importante
para mim, Penélope.
— Ah Willian... Preciso que tenha paciência comigo. Tudo é tão novo!
—Eu sei, Darling! E prometo que não a pressionarei. Por hoje, apenas deixe-me cuidá-la.
Seria levada para casa no automóvel de Cumberland. Nunca havia andado num carro
mecânico antes. Os Gusmão de Albuquerque tinham um, mas preferiam ainda fazer suas viagens
no jeito tradicional. O automóvel do duque era luxuoso e ostentado pelo brasão do Ducado de
Cumberland. Willian percebeu meu choque ao ver a insígnia da nobre família.
— É apenas um brasão, Penélope! De hoje em diante, terás que se acostumar com ele.
— Eu sei. A madrinha e o Doutor Magalhães conversaram comigo a respeito, Willian. No
entanto, não me sinto preparada para isso. – Não sabia se um dia estaria preparada para isso, na
verdade. O duque acomoda-se ao meu lado dentro do automóvel. — Gostaria de fazer uma
pergunta.
— Pois faça! – Gentil, ele responde.
— É sobre papai. Faz tempo que ele morreu? – Sabia que não era o momento adequado
para tocar no assunto, mas não fui capaz de resistir.
— Há 3 anos. – Volto a chorar. Meu Deus, desde quando havia me convertido em uma
chorona?
— Ele lhe amava, Penélope. Sempre falava de você com muito amor.
— Se ele me amava, por que me abandonou? Por que me deixou para trás?
— Certa vez, perguntei o porquê de não te ter levado para a Inglaterra e ele explicou-me
que seria mais feliz neste país. Ele acreditava que os ingleses não a receberiam bem, Penélope, e
você sabe que ele não queria correr o risco de vê-la humilhada.
— Por eu ser uma bastarda! – O peso de ter nascido fora de um casamento legítimo nunca
me abandonaria. Sempre tentei compreender os motivos do meu pai. Agora, talvez, que havia me
entregado à Felipe, eu o entendia. Eu poderia estar grávida de Felipe e o que seria dessa
criança? Felipe havia pedido Joaquina em casamento e, se eu realmente estivesse grávida, meu
filho ou filha seria fadada ao mesmo destino. Nossa Senhora das virgens defloradas permita que
não esteja grávida de Felipe. — Sua Graça veio ao Brasil, a pedido do meu pai, para
acompanhar o recebimento de minha herança? – Pergunto.
— Yes e também para conhecer-te melhor. – Cumberland sorri. — Sente-se melhor? –
Preocupado, pergunta.
— Sim. Acredito que me resfriei mesmo. – Não queria falar sobre os reais motivos que me
levaram a sair do salão aos prantos.
— Deixei ordens para que um dos meus funcionários avisasse Lady Violeta sobre sua saída
e também despachei outro para que comunicasse os criados da casa que estivessem a postos para
recebê-la.
— Obrigada! Nunca antes alguém teve tanta consideração com minha pessoa.
— Penélope, não estás mais sozinha! Estou aqui para proteger-te e ninguém me impedirá
de cumprir ao compromisso a que me foi confiado. – Disso eu tinha certeza. Meu pai costumava
falar dessa forma e apesar de ter me magoado ao deixar-me para trás, nunca me faltou com a
verdade e sempre cumpriu com suas promessas. Ele foi embora, pois necessitou voltar à Inglaterra,
mas deixou-me amparada. As irmãs do Convento respeitavam meu espaço e davam-me liberdade.
Papai ainda havia nomeado Doutor Magalhães como meu tutor. Fora ele quem gerenciou minha
fortuna durante estes 10 anos. E ainda tinha minha madrinha, que nunca me faltou e sempre me
deu muito carinho. Papai havia conhecido Fernão Benício Gusmão de Albuquerque em Londres e foi
lá que se tornaram amigos. Mamãe havia sido uma das criadas de quarto da madrinha, ainda
quando era solteira. Ao casar-se com meu padrinho, mamãe a acompanhou ao seu novo lar e foi lá
que conheceu meu pai.
Usei de todas minhas forças para manter-me controlada e sem chorar durante o trajeto.
Não queria dar uma impressão de fragilidade ao duque. Eu nunca antes tinha me comportado
dessa forma. O duque me acompanhou até a porta da casa dos Gusmão de Albuquerque, assim
que chegamos, e despediu-se educadamente, deixando-me na companhia de Frau Helga, que me
aguardava com sua austeridade de sempre.
— Agradeço a disposição, mas não há necessidade de acompanhar-me, Frau Helga. Este
modelo é mais simples e conseguirei facilmente trocar-me. – Falo. A governanta consente com breve
gesto de cabeça e retira-se.
Subo as escadas e assim que chego ao meu quarto, desabo na cadeira estofada colocada
em frente à penteadeira. Abro uma caixinha e guardo as joias que madrinha havia me entregado
horas antes. Dessa vez, era um conjunto de colar e brincos de esmeraldas, também de minha mãe.
Todas as joias de mamãe foram confiadas ao cofre dos Gusmão de Albuquerque e faziam parte
da minha herança. Não me lembro de todas elas, só sei que são várias. Papai a mimava muito,
presenteando-a com joias e objetos de todo o mundo. Madrinha costuma dizer-me que herdei de
mamãe a cor dos cabelos e a cor da pele. Esforço-me tanto para não apagar da memória as
poucas recordações que tenho dela. Faz tanto tempo que nos deixou. Papai sofreu tanto, ele a
amava mais do que tudo, nem as convenções sociais conseguiram afastá-los. Somente agora dou-
me conta do quanto os dois se amaram.
Aparentemente, Cumberland estava no Rio de Janeiro a fim de cumprir as últimas vontades
do meu pai. Madrinha e doutor Magalhães haviam comentado algo a respeito, no entanto,
acreditavam que algum funcionário seria enviado para representar o duque e não o próprio. Foi
um choque ser apresentada ao Duque de Cumberland em pessoa. Imaginava-o diferente, mais
soberbo, confesso. Entretanto, havia se revelado um cavalheiro agradável e gentil. Eu estava feliz,
permitindo-me desfrutar da linda festa, principalmente, da companhia de Felipe, o meu amor, até a
maldita da Joaquina apresentar-se como uma assombração. Que ódio! Felipe teria muito o que me
explicar, entretanto, não sabia se queria que ele se explicasse. É um bastardo mesmo se acha que
vai enganar-me desse jeito.
Olho para minha cama e sou atingida por recordações de Felipe dividindo-a comigo. O
infame me visitou todas as noites, mesmo diante da promessa de casamento com outra. Uma dor
profunda atinge-me e não resisto mais a pressão das lágrimas, que se acumulam em meus olhos.
Anos fugindo dos homens para nada. Anos esgueirando-me pelos cantos para passar
despercebida entre meus patrões, para ceder aos encantos de um patife. Como pude me enganar
tanto? Cansada de chorar e tentar encontrar justificativas para o que Joaquina me falou, acabo
adormecida.
Acordo com batidas secas e duras na porta.
— Penélope, inferno, abra a porta! – Não acredito que o infame do Felipe tem a audácia
de bater na minha porta.
— Não vou abrir. – Determinada, respondo.
— Abra a porta, Penélope. Fique a senhorita a saber que... Estou furioso com seu
comportamento.
— Não me importa sua fúria, Felipe. Pouco me importa, aliás. Não abrirei a porta e pronto.
– Quem ele pensava que era para ter o direito de enfurecer-se, oras!
— Abrirá a porta, Penélope, nem que eu tenha que colocá-la abaixo.
— Pois coloque, então! Não irei abri-la, já o disse. A senhora Coutinho do Amaral, sua
noiva, não gostará nem um pouco de saber que o senhor anda a pôr abaixo as portas dos quartos
de preceptoras. Imagine o escândalo. – Pronto, falei!
— Maldição! Então, é isso. Escute-me, não é o que estás a pensar, Penélope.
— Como não é o que eu penso, Felipe? – Encosto-me na porta.
— Carinho, por favor, abra a porta. Deixe-me explicar. Não é como Joaquina falou. –
Felipe bufa do outro lado da porta. Isso não é bom sinal, mas não me importo nem um pouco.
— Saia daqui, Felipe! Não quero ver você e nem falar com você. – Também posso ser
impossível.
— Tudo bem, Penélope. Posso ter perdido a batalha, mas não a guerra. Aguarde-me! –
Nossa Senhora das garotas encrencadas, o que ele fará?
Se Penélope acredita que se livrará de conversar comigo, está enganada. Desço as
escadas e tomo o rumo do meu escritório. Preciso de uma bebida forte para aplacar a fúria que
me domina. Mulheres são enlouquecedoras na maioria das vezes, inferno! Primeiro, Flora esgueira-
se para fora do salão e como previ, iria se encontrar com o russo. Se não tivesse chegado a
tempo, tenho certeza que iria surpreendê-los em situação constrangedora e não haveria mais
salvação para minha irmã a não ser casá-la com Volkov.
— Por Deus, Flora, onde deixaste o juízo?! – Repreendi-a, assim que os alcancei. — Agora
percebo que Bento estava coberto de razão.
— Mas Felipe... – Flora resmungou.
— Sem “mas”. Você retornará agora comigo para o salão, Flora. – Pego-a pela mão e o
maldito do russo se interpôs entre nós.
— Não admitirei que a machuque! – Mesmo sendo alto e forte, Volkov não me intimida.
— Yuri, por favor, uma briga agora não é apropriada. – Flora toca o braço do russo com
carinho, revelando intimidade. Senti meu sangue ferver. — Felipe não me machucaria.
— Kóchetchka, tem certeza? – Flora assentiu. — Olha senhor, minhas intenções com sua irmã
são as melhores. – Soltei uma gargalhada.
— Se são as melhores não deveria estar esgueirando-se com ela pelos cantos. Minha irmã
é uma moça de família e você, seu infame...
— Se o faço dessa forma é porque você e seu irmão não me dão oportunidade de
cortejá-la. – Seu sotaque era forte e irritante. Estava prestes a perder o controle.
— Você sabe o porquê e aviso-o pela última vez, mantenha-se distante de minha irmã.
Vamos Flora. – Olhei para minha irmã. — Retornemos ao salão ou juro-te que será a última vez
que comparecerá em um baile nesta temporada.
— É melhor eu ir, Yuri. – Flora falou.
Quando retornamos ao salão, deixo ordens claras para que Flora não se afaste de mamãe
e rezo para que obedeça. Não avistei Penélope em lugar nenhum. Pronto, agora era a vez de
Penélope desaparecer, lembrei-me do que aconteceu no sarau e um frio percorreu minha espinha.
— Onde está a senhorita Penélope, mamãe?
— Peny não se sentiu bem e foi para casa.
— Como foi para casa? – Por que sou sempre o último a saber das coisas? Penélope sentiu-
se mal e ninguém me avisa.
— Sim, foi para casa. – Dona Violeta se fez de desentendida.
— Quem a levou?
— Sua graça, o Duque de Cumberland. – Eu não podia estar ouvindo bem, o Duque de
Cumberland levou a minha Penélope para casa?
— Como? – Perguntei novamente.
— Felipe, você ouviu-me bem. O Duque de Cumberland se ofereceu para levar Penélope
para casa e não vi problema algum. – Minha mãe era louca e definitivamente deveria ser
internada. Estou perdido no meio dessas mulheres.
— Como não viu problema algum, mamãe!
— Felipe, não seja exagerado! – Mamãe deu batidinhas no meu rosto. — Sei que se
preocupa com Penélope como um irmão, mas lhe garanto que minha afilhada chegou bem em casa.
Fiquei sem palavras diante da falta de juízo de minha mãe. Encontrei Bento e avisei-o que
precisava retornar ao palacete o mais rápido possível, deixando mamãe e Flora sob sua
responsabilidade. Demorei mais do que devido para chegar em casa, pois precisei encontrar um
carro de aluguel, o que não foi tarefa fácil. Subi diretamente para o segundo piso e bati na porta
de Penélope.
— Não vou abrir. – Penélope respondeu para meu alívio. Ela estava segura em seus
aposentos e era o que importava.
— Abra a porta, Penélope. Fique a senhorita a saber que... Estou furioso com seu
comportamento. – Ela não devia ter saído do salão sem avisar-me e ainda na companhia de um
homem.
— Não me importa sua fúria, Felipe. Pouco me importa, aliás. Não abrirei a porta e pronto.
– Uma ova que não abrirá a maldita da porta.
— Abrirá a porta, Penélope, nem que eu tenha que colocá-la abaixo.
— Pois coloque, então! Não irei abri-la, já o disse. A senhora Coutinho do Amaral, sua
noiva, não gostará nem um pouco de saber que o senhor anda a pôr a baixo as portas dos
quartos de preceptoras. Imagine o escândalo. – Inferno, Joaquina havia destilado seu veneno e eu
estava encrencado.
— Maldição! Então, é isso. Escute-me, não é o que está a pensar, Penélope. – Ela precisava
abrir a maldita porta.
— Como não é como eu penso, Felipe? – Percebi sua voz mais próxima.
— Carinho, por favor, abra a porta. Deixe-me explicar. Não é como Joaquina falou. –
Bufei. Precisava me controlar ou colocaria tudo a perder, eu sei.
— Saia daqui, Felipe! Não quero ver você e nem falar com você. – Por Deus, não existia
mulher mais teimosa do que Penélope.
— Tudo bem, Penélope. Posso ter perdido a batalha, mas não a guerra. Aguarde-me! – Ela
que me aguardasse, Felipe Gusmão de Albuquerque não é homem de deixar as coisas passar.
Depois de beber um bom copo do melhor uísque escocês, sentado em minha confortável
poltrona de couro, tenho uma ideia brilhante. Essa poltrona sempre foi meu refúgio em momentos
de dúvida e desespero, devo dizer. Levanto-me e tiro minha casaca, também desfaço o nó da
gravata. É hora de colocar meu plano em ação. Penélope não perdia por esperar. Passo pela
cozinha e saio para fora, contornando o casario até chegar embaixo da janela de Penélope. As
luzes ainda estavam acessas. Como imaginara, uma laranjeira ficava próxima. Subi entre os galhos
e consegui avistar a silhueta de Penélope, meu coração dispara. Não há qualquer dúvida de que
eu amo essa teimosa. Meu amigo leão, aquele que mora dentro de minhas calças, também acorda
ao vê-la despir-se. Preciso mandar cortar essa árvore. E se alguém já teve a ideia de subi-la para
espionar minha Penélope? Procuro algum galho mais firme, de maneira a suportar meu peso e que
me permita aproximar-me para mais perto da janela. O melhor seria surpreendê-la chegando sem
ser notado, mas é impossível. Tomo a decisão de jogar um galho na janela. O barulho do galho
atingindo o vidro da janela desperta a atenção da preceptora. Em questão de segundos, Penélope,
lindamente, surge na janela.
— Felipe, o que faz em cima da árvore, seu maluco? – Meu Deus, como amo o azul dos
olhos de Penélope.
— Sim, carinho, sou maluco, mas por você! – Abro meu melhor sorriso.
— Não quero falar com você! – Penélope fecha a cara. É uma megera mesmo. — Então, é
melhor descer logo dessa árvore, antes que se machuque.
— Não tenho como descer. Os galhos são muito frágeis e não sustentarão meu peso. –
Forço meu melhor olhar sedutor.
— Ninguém mandou subir.
— Maldição Penélope! Deixe-me entrar e explicar-lhe tudo. – Está para nascer mulher mais
teimosa e linda. Confesso que sua teimosia age como pólvora em meu corpo. Sinto um desejo louco
de amarrá-la no pé da cama e enterrar-me nela toda vez que me desafia. — Aliás, a senhorita
também me deve explicações. – Penélope bufa de irritação e acredito ser melhor não tocar no
assunto, no momento. — Vamos Penélope, deixe-me entrar ou poderei me ferir seriamente. –
Penélope dá sinais de que poderá reconsiderar.
— Tudo bem, você pode entrar, mas quero que se retire tão logo coloque os pés no chão. –
Uma ova que sairia! Permaneço calado, pois não é bom cutucar a onça com vara curta.
Consigo entrar com segurança no quarto de Penélope, um ambiente que apenas me remete
recordações prazerosas, confesso. O cheiro fresco de Penélope está impregnado nos móveis, nas
paredes, nos quatro cantos. Aproximo-me dela.
— Nem pense em chegar perto, Felipe. – Penélope pega a jarra de água na mão.
— Você não será capaz de impedir-me com uma jarra.
— Seu bastardo! – A jarra voa sobre minha cabeça. Logo, em seguida, um crucifixo, que
consigo salvar antes de cair ao chão. — Seu desgraçado de um traidor. – A lista de xingamentos
só aumenta. Continuo avançando para perto dela até conseguir pegá-la pelas mãos e prendê-la
contra a parede. Essa mulher me deixa louco de desejo. As bochechas rosadas de Penélope são
um convite para o pecado. A boca carnuda e aberta são minha perdição. Não resisto e beijo-a.
Enfio minha língua dentro de sua boca sem dó nem piedade, esquecendo-me de Joaquina, do
Duque, ninguém mais importava naquele momento, apenas eu e Penélope. Prenso-a contra a
parede, fazendo-a com que sinta minha virilidade. Penélope arfa, liberando aos poucos toda a
tensão acumulada. Solto seus pulsos para que possa responder ao meu toque. Ergo-a nos meus
braços e levo-a até a cama, onde perco-me no calor do seu corpo e na doçura de seus beijos.
Desperto nos braços de Felipe e as recordações do que acabamos de fazer atingem-me.
— Bom dia, carinho! – Felipe sorri e meu coração dispara.
— Bom dia nada! O senhor acha que me traz para cama e todos nossos problemas serão
resolvidos?! – Era um bastardo se pensava que deixaria as coisas passarem. Afinal, até que prove
em contrário, ele estava noivo de Joaquina.- Você promete que irá me escutar, sem jogar-me ou
bater-me? – Assinto com a cabeça e Felipe beija-me. É um indecente mesmo. – Nunca pedi
Joaquina em casamento, Penélope. – Fala sem desgrudar seus lábios da minha boca.
— Ela deu a entender que o casamento de vocês é um fato certo. – Não consigo controlar
a irritação em ouvir o nome da infeliz. — Que tipo de relacionamento você mantem com a senhora
Coutinho do Amaral, Felipe? Não se atreva a mentir!
— Nunca prometi nada à Joaquina. – Reviro os olhos. Algo me dizia que tinha mais coisa
nesta história.
— Desembucha, Felipe! – Ordeno.
— Tudo bem, mas não reclame depois. Joaquina ficou viúva muito jovem e às viúvas é
tolerado alguns comportamentos que não são apropriados para uma donzela. Sou homem,
Penélope, é difícil resistir às tentações da carne.
— Claro, para vocês homens sempre existe uma justificativa. Entretanto, para nós mulheres
nada é permitido. A cascavel peçonhenta é sua amante e tudo está bem. Quanto a mim, não posso
chegar perto de Danilo ou Cumberland que você se irrita.
— É diferente, carinho. Você é uma moça solteira. – Olho irritada para Felipe. — Não se
irrite, Peny! Sei que a seduzi, desonrei-a, mas pretendo reparar o erro. – Essa maldita conversa de
novo. Não quero que Felipe se case comigo por me considerar um erro. Desvio minha atenção para
o lado. — Olhe para mim, carinho, não há o que ser feito, precisamos nos casar. Você não é tão
ingênua a ponto de não saber que pode estar carregando um filho meu. – Não desejo conversar
sobre isso e retomo o assunto Joaquina.
— O que pretende fazer em relação à Joaquina?
— Conversarei com Joaquina e colocarei um ponto final em nosso caso. É com você que
quero ficar. – Felipe puxa-me para seu colo e não sou capaz de repeli-lo. Estou cada dia mais
perdida. Homem dos infernos. Tão lindo e másculo. — Confie em mim, amor! – Meu coração saltita
de felicidade. Felipe havia me chamado de amor. Se ele dissesse que me amava, largaria tudo
para ficar com Felipe, largaria o sonho da minha escola. Beijamo-nos ferozmente. Felipe abandona
minha boca e olha dentro dos meus olhos. Sinto um frio percorrer cada centímetro de minha pele.
— Por que saiu do baile sem mim, Penélope?
— Porque estava irritada com toda a história do seu noivado com a viúva alegre.
— Por que com Cumberland? Deve-me uma explicação, senhorita. – Felipe acaricia meu
rosto.
— Oras, foi uma coincidência. Encontrei-o no saguão e, como cavalheiro que é, ofereceu-se
para acompanhar-me. – Felipe aparentava não estar satisfeito com a explicação. Porém, não
queria fornecer maiores detalhes sobre sua proximidade com meu pai.
— Por Deus, Penélope, quando irás refletir nas consequências dos teus atos? – Felipe
levanta-se e vai à procura de suas calças. — Nunca mais quero-a na presença daquele
“almofadinha”, já basta aguentar Danilo a cortejar-lhe descaradamente. – Sorrio diante da
admissão de seu ciúme. — Não ria, carinho, você é minha e não suporto sequer pensar em outro
tocando-lhe.
— Nem eu! – Deixo escapar.
— Minha Penélope é ciumenta! – Felipe abre um sorriso encantador, que coloca à prova
minha capacidade de ficar em pé. Ainda bem que estou sentada na cama. Em passos rápidos,
alcança-me, abraçando minha cintura e exigindo minha boca. — Estamos perdidos, carinho. Não há
outro remédio a não ser casarmos.
— Será? Ainda estou irritada contigo, Felipe.
— Acreditava que havia me perdoado, carinho! O que mais falta para me dar seu
perdão? Talvez mais beijos aqui. – O infame me beija no oco do pescoço e derreto-me toda. — Ah
não! Acredito ser aqui. – Desliza uma das mãos até o meio de minhas pernas.
— Você é um indecente, Felipe!
— Sou mesmo, mas apenas quando estou na sua companhia. – Meu coração tomba
novamente. Nossa Senhora das mulheres loucamente apaixonadas, proteja-me! — Não posso mais
ficar aqui. O sol se ergue no horizonte e os criados logo assumirão seus afazeres na casa.
— Por favor, termine o que começou. – Mordisco seu queixo.
— Outra hora carinho! – Sim, eu sei, Felipe consegue ser mais ajuizado que eu. O que
posso fazer se o toque de Felipe me deixa louca de desejo?! Depois de beijarmo-nos, Felipe
despede-se e toma o rumo do seu quarto. Volto a dormir.
Na tarde seguinte, saio para dar um passeio com Eloíse e Flora na recém-inaugurada
Avenida Central. A desculpa perfeita para Flora encontrar seu russo. Quando Felipe descobrir que
estou ajudando Flora, serei uma mulher encrencada.
— Para onde foi tia Flora? –Eloíse pergunta enquanto chuta uma pedra.
— Não chute as pedras, Eloíse! Uma dama deve se comportar em ambientes públicos.
— Ser uma dama é enfadonho, Peny. – Eloíse estava coberta de razão. Aos homens era
permitido tantas coisas mais agradáveis como cavalgar escarranchado e não precisam usar
espartilhos sufocantes também. — Titia não deveria estar conosco?
— Sua tia deve ter entrado em alguma loja. – Que desculpa mais descabida. Tenho que
chamar a atenção de Flora, ela não pode trazer Eloíse junto quando pretende se encontrar com o
“Zilok”.
— Não sei não! Tia Flora anda estranha, ultimamente. Eu acho que ela está apaixonada.
Ouvi uma conversa do papai com o tio Bento sobre isso. – Era terrível mesmo essa criança.
— Eloíse, a senhorita não deve escutar a conversa dos adultos.
— Eles até falaram de enviar a tia Flora para São Paulo antes do final da temporada de
bailes. O assunto é sério, Peny. – Essa menina era um anão, só podia. É mais esperta que muita
gente. Precisava conversar com Flora a respeito. O mundo era mesmo machista e injusto. –
Precisamos ajudá-la, Peny!
— Como ajudá-la, Eloíse?
— Eu ouvi minha tia falar sobre um russo com a senhorita. – Santa Matilde, essa menina era
uma anã, sem qualquer dúvida.
— Eloíse, não comente com mais ninguém o que escutou. – A menina concorda com a
cabeça.
— Que tarde agradável para um passeio não acham, senhoritas? – Um cavalheiro de
porte atlético e voz melodiosa, elegantemente vestido em um paletó de casimira clara, acabava de
aproximar-se.
— Perdão? O senhor falou conosco? – Pergunto.
— Sim. É um prazer conhecê-la, sou Juliano Nogueira. – O homem retira seu chapéu de
palha e estende sua mão para cumprimentar-me. Lembro-me de uma conversa de Flora com
Madame Lamartine. Parecia que o chapéu de palha era a última moda entre os dândis.
— Penélope Lillian Ferreira. – Estendo minha mão e recebo um beijo leve. Acabo corando.
— E esta é minha pupila Eloíse Cristina Gusmão de Albuquerque. – O homem voltou-se para a
menina e sorriu, revelando dentes alinhados e brancos, cabelos bem aparados. Era muito bonito,
confesso.
— É um prazer conhecê-la Senhorita Eloíse. – O homem também deposita um beijo na
mãozinha de Eloíse, que acaba fazendo cara de nojo.
— Cumprimente o cavalheiro, querida!
— Mas Peny, vovó sempre me diz que não devo dar intimidade aos estranhos.
— Sua avó está coberta de razão, porém, está acompanhada por um adulto, Eloíse, e pode
cumprimentar o cavalheiro. – Não existe meio termo para Eloíse, definitivamente. A contragosto, a
menina cumprimenta o cavalheiro.
— As senhoritas sempre passeiam por aqui? – Ele pergunta.
— Às vezes. – Por educação, respondo.
— Quero um doce de coco, Peny. – Eloíse puxa minha saia, assim que avista um menino com
um tabuleiro de cocadas. Pego minha bolsa para tirar o dinheiro, mas Juliano me impede.
— Faço questão! – Ele se dirige até o menino e compra cocadas para todos nós. Seria rude
de minha parte recusar a gentileza. Enquanto Eloíse devora sua cocada, procuro com os olhos por
Flora.
— Gostei do senhor! – Eloíse fala de boca cheia. – Também enviará flores para Peny?
— Eloíse! – Repreendo-a. Essa menina não toma jeito mesmo. — Não dê atenção para
Eloíse, senhor Nogueira.
— Mas é verdade, Peny! Todos os homens do Rio de Janeiro mandaram flores para a
senhorita. Judite falou... – Interrompo-a antes que saia mais inconveniências e eu morra de tanta
vergonha. Essa menina não tem qualquer filtro na boca.
— Eloíse!
— Não se preocupe, senhorita Ferreira. Conheço a sua fama.
— Minha fama! – Nossa Senhora das Donzelas vítimas de mexericos, livrai-me das falações
inapropriadas que insistem em cair na boca do povo.
— Perdoe-me, senhorita, mas sou músico e estive presente no baile da embaixada inglesa.
Um dos músicos ficou doente e fui contratado para substitui-lo. – Um músico, que interessante.
— O senhor me perdoe, mas precisamos ir ao encontro da tia de Eloíse. Foi um prazer
conhecê-lo e obrigada pelos doces. – Digo preocupada com a demora de Flora.
— Obrigada, senhor. – Atrapalhada, Eloíse faz uma reverência e meu coração enche-se de
orgulho. — Sempre passeamos por aqui, senhor. – A menina dá uma piscadela de olho. É uma
descarada mesmo. Despedimo-nos e partimos.
De longe, avistamos Flora saindo de algum estabelecimento e apressamos nosso passo
para alcançá-la.
— Tia Flora! – Eloíse desatina a falar. — Onde estava? Estávamos preocupadas. –
Impressionante, eu sei, mas Eloíse tem mais juízo que Flora.
Por falar na moça, seu chapéu está fora de lugar e o penteado desalinhado.
— Tia, conhecemos um cavalheiro muito elegante, ele ficou caidinho por Peny.
— E quem não fica caidinho pela senhorita Penélope, Eloíse? – Flora ri. Estava corada e
feliz. O amor faz isso com a gente. Só em pensar em amor, lembro-me de Felipe e um ardor desce
até o meio das minhas pernas. Tornei-me uma devassa, eu sei.
— Sem insinuações, senhorita Eloíse! O senhor Nogueira apenas foi gentil. Apenas isso. –
Reviro os olhos. — Chega de bobagens e vamos logo, já nos demoramos muito. – Aguardo Eloíse
distanciar-se e aproximo-me de Flora. — Seu chapéu está fora do lugar! Nem vou falar que seu
cabelo um dia foi preso em um belo coque.
— Está tão ruim assim? – Preocupada, Flora pergunta e eu concordo com a cabeça.
— Você deve ser mais cuidadosa, Flora. – Por todas as Mártires da Igreja Católica, eu agia
como uma alcoviteira. Mas o que posso fazer? Preocupo-me com a reputação dessa menina.
— Eu sei, Peny. Mas não resisto e quando vejo estou nos braços do Yuri. Ele é tão atraente.
– Entendo-te, querida! Acontece o mesmo comigo toda vez que me encontro sozinha com seu irmão.
Foco, Penélope Lillian Ferreira!
— Porém, vocês dois não podem continuar com encontros clandestinos. Se um dos teus
irmãos descobre, estaremos encrencadas.
— Eu sei. Eu e Yuri vamos dar um jeito nisso. Iremos fugir para nos casar! – Santa Patrícia,
essa menina havia enlouquecido, só pode. — Nem me olha com essa cara de espanto, Peny. Não
há mais o que fazer. – Ai senhor, o que Flora foi fazer?
— Flora, você e... – Travo ao recordar o que fiz com Felipe. — Bem, você e Yuri fizeram
aquilo? – Acabo corando.
— Aquilo? Não sei do que fala, Peny! – De certo, Flora não sabia a verdadeira origem dos
bebês.
— O que pergunto é se você e o russo apenas se beijaram? – Pergunta por negação é
sempre apropriada para situações constrangedoras.
— Sim e justamente por isso precisamos nos casar. – Nossa senhora das virgens
despudoradas, Flora não sabia de nada mesmo. — Eu o amo, Peny, e quero ser desposada por
ele. Você precisa ajudar-nos. – Pronto, era o que faltava! Penélope, a alcoviteira e ajudante de
pombinhos em fuga. Não sei se estou preparada para isso.
— Vamos querida! Não é lugar e hora para tratarmos de um assunto tão delicado. – Flora
concorda.
— Antes, diga-me quem é esse tal de Nogueira?
— Na verdade, não o sei. – Balanço os ombros. — Ele apareceu e apresentou-se como
Juliano Nogueira, disse-nos que é um músico.
— Juliano Nogueira? Ai Jesus Maria José! – Flora para de caminhar. — Juliano Nogueira é
filho de um poderoso senador da República, mas renegou a família para viver da música. É um
boêmio, Peny. Lenita contou-me que ele agora é conhecido por Julian Nogueira. Não acho uma boa
ideia voltar a vê-lo. – Era o que me faltava, Flora me aconselhando.
— Em primeiro lugar, não pretendo encontrar-me com ele novamente. E mesmo se o
quisesse, que mal haveria? Ele é apenas um cavalheiro que preferiu a música ao invés da riqueza
dos pais. Não é um leproso, Flora. – Flora pega meu braço.
— Não sei muito a respeito. O que sei foi através do pouco que escutei em casa e também
por meio de Lenita. Escute, Juliano e Gisela foram apaixonados.
— A falecida esposa de Felipe? – Surpresa, pergunto.
— Sim. Lenita contou-me que Gisela foi cortejada por Juliano e as famílias estavam felizes
com a união até Juliano jogar tudo para o alto em nome da música. Foi então que os pais da minha
falecida cunhada se apressaram para arrumar um novo casamento. – Meu queixo cai com
tamanha revelação. — Era jovem, mas tenho muito fresco na minha memória as brigas de Felipe
com Gisela. Eles ficaram casados por pouco mais de um ano e mais discutiam do que qualquer
outra coisa. Felipe nunca mais foi o mesmo, Peny. – Flora volta a apertar meu braço. — Não
comente com ninguém sobre esse encontro. Se a família de Lenita sabe, é muito provável que Felipe
também saiba do envolvimento de Gisela com Juliano. Isso apenas o irritará e meu irmão está tão
radiante nos últimos dias. Ademais, não sabemos ao certo o que é verdade e o que é mentira no
meio disso tudo.
Eloíse aproximou-se novamente e um aperto atravessou meu coração. E se Eloíse fosse...
Não... Não poderia supor tamanha asneira. Mas que ela poderia, poderia, mas não é apropriado
pensar assim. Sou tirada do meu torpor mental por uma voz a chamar-me.
— Senhorita Penélope! – Olho para trás e vejo a figura galante de Danilo.
— Senhor! – Aceno para Danilo, que já está mais próximo agora.
—Não sei como você consegue lidar com tantos deles no seu encalço. – Flora sussurra
abrindo um sorriso tímido para Danilo.
— Senhoritas! – Danilo cumprimenta e Eloíse, prestes a jogar-se no pescoço de seu
padrinho, arrepende-se e faz uma reverência, dessa vez mais bem executada para meu orgulho.
— Que feliz coincidência as encontrar. Eloíse, minha adorada afilhada, a cada dia mais linda. – A
menina abre um lindo sorriso, deixando as covinhas à mostra.
— Vamos Eloíse! – Flora pega a mão da sobrinha. — Na certa, Danilo deseja um tempo a
sós com Peny. – Flora deixa transparecer sua mágoa em relação ao fato do advogado ter
ajudado os irmãos na vigia para que não se encontrasse como o russo no baile de ontem à noite.
As duas partem, deixando-me para trás com Danilo e obrigando-me a aceitar seu braço.
— Está tão linda, senhorita Penélope! – Hoje, definitivamente, não é meu dia.
— Obrigada! – Timidamente, respondo. — Pode me chamar apenas por Penélope.
— Está bem. Penélope, tenho algo a dizer. – Ai minha Nossa Senhora, em todas as suas
aparições, faça que não o diga o que eu penso que dirá. — A senhorita é uma mulher bela e
inteligente e desde o primeiro dia que a vi, não sai dos meus pensamentos. Enfim, gostaria de
fazer-lhe a corte. – Engulo seco. — Sei que não é a forma, nem o local apropriado para
perguntar-lhe isso, mas não tenho tido muitas oportunidades de conversar a sós com a senhorita e
eu ficaria imensamente feliz se me desse uma chance... – Sem saber o que dizer, paro
abruptamente de caminhar. Não quero magoá-lo, Danilo é um homem gentil e educado e sei que
será um excelente marido, mas não posso enganá-lo, meu coração e todo o rosto do meu corpo
pertence a outro, pertence a Felipe.
— Danilo, não é nada contra sua pessoa, sabe... Mas não posso lhe dar falsas esperanças.
– Corta-me o coração vê-lo decepcionado.
— Não precisa me responder agora, Penélope. Apenas peço-te que reflita a respeito.
Acredito que poderei ser um bom marido, posso não ter todas as posses que outros candidatos a
sua mão possuem, porém, sou capaz de sustentá-la com dignidade.
— Oh... Não é sua fortuna ou a ausência dela que me impede de aceitar sua corte.
Simplesmente, não tenho planos de casar-me no momento. – Sinto-me uma traidora em parte, é
claro, pois também não me resolvi a respeito da proposta de casamento de Felipe, se é que se
pode chamar aquilo de proposta. O infame do Felipe apenas decretou que iremos nos casar e
ainda por cima em decorrência de uma necessidade. Danilo acaricia meu rosto e não consigo sentir
nada mais do que um carinho, não provoca toda a explosão de sentimentos do toque de Felipe.
— Não sabe o quanto seria um homem feliz se aceitasse minha corte. – Danilo leva uma de
minhas mãos até seus lábios. Nossa Senhora das mulheres apaixonadas pelos homens errados, por
que meu coração não bate mais forte por Danilo? Ele é tão bonito, inteligente, carinhoso, seria tudo
mais simples.
— Danilo, por favor, não insista! Não quero ser rude, mas...
— Tudo bem. No entanto, se mudar de ideia, estarei aqui por você. – Concordo com um
simples e rápido gesto de cabeça.
— Por favor, se não se importa gostaria de ir logo para casa. Estou cansada e temo que
minha enxaqueca esteja prestes a retornar. – Dessa vez, não era mentira. Era muita coisa para
uma tarde só.
Termino de conferir um contrato importante e assino-o. Retiro de dentro da gaveta de
minha mesa um estojo vermelho. Meus pensamentos são rapidamente levados à noite do baile em
minha casa e no vestido indecoroso de Penélope. Nunca mais conseguirei olhar para a cor
vermelha sem recordar-me de Penélope. Horas antes, um mensageiro do melhor joalheiro da
região chegou e entregou-me minha encomenda, um conjunto de pulseira e brincos de diamantes
para presentear Joaquina. Pretendo dar um fim em nosso relacionamento sem maiores
contratempos e as joias com certeza irão ajudar-me na árdua tarefa. Joaquina tem um gênio
terrível e não quero que complique as coisas, pois pretendo casar-me com Penélope o mais breve
possível.
Ao chegar na mansão dos Coutinho do Amaral, para minha infelicidade, Joaquina me
aguardava em seus aposentos, apenas dentro de seu fino penhoar. Sua postura sedutora somente
complicava a situação.
— Aceitarei os diamantes, Felipe, mas como um presente seu. Jamais aceitarei nosso
término. – Era lógico que Joaquina aceitaria as joias, status e poder sempre lhe agradaram, se não
fosse assim não havia se casado com um homem 30 anos mais velho. Joaquina tenta abraçar-me,
mas a impeço.
— Joaquina, por favor, não complique. Vivemos momentos prazerosos juntos, mas acabou.
— Não aceito, Felipe! Diga-me o que aconteceu para mudar de ideia em relação a nós
dois? Embarquei rumo à Europa praticamente comprometida com você.
— Bem lembrado, Joaquina! O porquê disseste para a senhorita Penélope que éramos
noivos, quando sequer insinuei algo a respeito? – Ela está prestes a perder o controle, percebo,
mas que se dane. Joaquina tentou envenenar Penélope contra mim.
— Então, a bastarda é o motivo, não é? O que pretende, Felipe? Casar-te com uma
fulaninha qualquer, sem berço, uma escória da sociedade?! – Aperto os dedos em punho, na
tentativa de conter minha fúria.
— Não permitirei que ofenda a senhorita Penélope na minha presença, Joaquina! Não lhe
devo satisfações da minha vida e muito menos com quem irei me casar.
— Não o nega, o que significa que é verdade! – Joaquina solta uma risada histérica. —
Arrepender-te-ás mais uma vez, Felipe. Não aprendeste a lição? Claro que não! O teimoso do
Felipe Gusmão de Albuquerque não se cansará de ser enganado. – Estou prestes a perder o
controle, no entanto, não darei o gosto para Joaquina.
— Lembrar-me de Gisela, não me fará voltar atrás quanto minha decisão de terminar
nosso caso, Joaquina. Nunca lhe prometi nada mais do que algumas noites de prazer, fui honesto e
você aceitou minhas condições. Espero que possamos nos relacionar apenas como amigos a partir
de hoje, porque não há mais nada além de amizade. E se não for para sermos apenas bons
amigos, o melhor é não nos vermos mais. – Nada me faria voltar atrás. Em que pese a ter
considerado como esposa, não a amava e estava determinado a desposar Penélope.
Saí da casa de Joaquina e fui direto para a minha. Acreditava que com o tempo, a viúva
esqueceria nosso caso e arrumaria uma nova aventura, pois nosso relacionamento não passou de
uma simples aventura. Joaquina não era uma santa e, antes de mim, teve outros amantes, de certo,
logo o vazio de sua cama seria preenchido. Era uma mulher bonita e atraente, pretendentes não
faltariam.
Em casa, encontro Bento e Danilo conversando descontraidamente enquanto tomavam suas
doses de conhaque.
— Onde esteve, Felipe? – Meu irmão pergunta. — Passei por sua sala antes de vir para
casa e seu assessor falou-me que havia saído mais cedo. – Por um milagre, Bento havia ido para o
banco.
— Precisei atender alguns compromissos fora do banco. – Bento e Danilo sabiam de meu
caso com Joaquina, mas se contasse que havia terminado com a viúva, na certa iriam querer
explicações e não quero expor Penélope ainda mais, não até estarmos oficialmente comprometidos.
— O que faz aqui, Danilo? Algum problema?
— Apenas fiquei de encontrar meu pai aqui. – Danilo responde, mas tenho certeza que se
aproveitou da presença do pai para visitar minha Penélope. Assim que oficializar nosso noivado,
tratarei de pôr um fim nessa fila de homens a perseguir Penélope. Não suporto mais isso.
— Felipe, contava para Danilo sobre sua ideia de enviar Flora para fazer companhia para
Berenice. – Havia me esquecido completamente de Flora, maldição!
— Acredito que é uma atitude precipitada em mandá-la para São Paulo. A temporada
está apenas no início. – Danilo comenta enquanto sirvo-me de uma boa dose de conhaque.
— Justo por ser o início da temporada. Flora só me deu dor de cabeça até então. Não
pretendo perder a cabeça até o final. – Digo.
— Flora não os perdoará se mandá-la para São Paulo. Sempre foi seu sonho debutar. –
Danilo tinha razão.
— E o que sugere, então? – Bento tira as palavras da minha boca.
— Pedir auxílio para a senhorita Penélope. É uma dama inteligente e muito responsável.
Seria uma grande aliada na ofensiva contra o russo. – Solto uma risada.
— A senhorita Penélope? – Danilo me fita surpreso. — A senhorita Penélope mal consegue
conter a horda de homens agarrados na barra de sua saia.
— Se Penélope tivesse aceitado minha corte, garanto que isso não seria mais um problema.
– Danilo solta e levanto-me rapidamente.
— O que? Você pediu a mão de Penélope em casamento?! – Estou furioso e a ponto de
pegar Danilo pelo colarinho.
— Apenas pedi para cortejar-lhe. – Danilo levanta-se.
— Dá no mesmo! Como pôde fazer uma coisa dessas embaixo do meu nariz? – Estou
prestes a partir para cima de Danilo.
— Felipe, acalme-se. – Bento coloca-se entre nós dois. — Penélope é apenas nossa
convidada e afilhada de mamãe, não temos o direito de intervir em suas decisões. – Bento tinha
razão, eu sei.
— Desculpe-me, Danilo! – Falo. Precisava ter uma conversar séria com Penélope e rápido.
— Olha... – Danilo passa as mãos nos cabelos. — Vou considerar que você está nervoso
com a situação envolvendo Flora e o Volkov e relevar mais uma vez, Felipe. De toda forma, ela
não aceitou. – Para meu alívio, Danilo fala.
Sentamo-nos e escuto uma risada deliciosa, vinda do corredor. É ela, reconheceria aquela
risada a quilômetros de distância. Penélope estava de braços dados com o Duque de Cumberland.
Logo atrás vinha mamãe e Magalhães. Era hoje o dia que iria cometer um crime.
— O que faziam na biblioteca? – Levanto-me irritado e aperto os dedos a fim de conter a
fúria e pergunto a Bento.
— Quando cheguei já estavam na biblioteca. Mamãe deu instruções para que não fossem
interrompidos. – Não gosto nenhum pouco disso, só me faltava que... Não, recuso-me a pensar em
tamanha loucura. Uma ova que deixarei mamãe acertar um casamento de Penélope com o duque
“almofadinha”. Percebo que Danilo também não gostou nenhum pouco da aproximação dos dois.
— Está sabendo o motivo dessa reunião peculiar, Danilo? – Pergunto.
— Não. – Ele responde irritado. — Espero que não seja o que estou pensando. Papai não
seria louco. – Não gosto nenhum pouco do seu comentário.
— Do que fala, afinal? – Bento pergunta, tirando as palavras de minha boca novamente.
— Meu pai é tutor de Penélope. – Fato interessante, confesso. — Foi nomeado quando seu
pai partiu para a Inglaterra e deixou-a no Convento.
— Há possibilidade do pai de Penélope ter enviado o Duque para buscá-la e levá-la para
a Inglaterra? – Bento volta a perguntar. Meu irmão sempre foi um curioso e essa sua mania de
querer saber de tudo, sempre enervou-me além da conta, porém, dessa vez, tem se mostrado um
grande aliado.
— Não acredito que o duque tenha vindo para o Brasil apenas para isso. O pai de
Penélope faleceu há alguns anos. Diante das recusas de Penélope em aceitar minha corte, penso
que possa haver algum compromisso entre ela e Sua Graça. – Um ciúme avassalador toma conta
de minha alma. As dúvidas se acumulam em minha cabeça. Penélope sempre desconversa quando o
assunto é nosso casamento. Será que está comprometida com o duque? Não, ela não teria se
entregado a mim, se tivesse comprometida.
— Cavalheiros, parem de cochichar e venham cumprimentar a Sua Graça. – Mamãe
interrompe nossa conversa. Sou o último a cumprimentar o duque “almofadinha”. Aproveito e lanço
um olhar sério na direção de Penélope, quero que saiba o quanto não me agradou vê-la
enganchada em outro homem. — Cavalheiros, faço questão de que jantem conosco. – Inferno, nem
devia ter levantado da cama! Jantares de Dona Violeta poderiam estender-se por horas a fio e eu
precisava conversar com Penélope, contar que havia rompido com Joaquina.
Antes do jantar, mamãe insistiu para que degustássemos uma taça de licor para abrir o
apetite. Cumberland havia monopolizado as atenções de Penélope, o que era muito irritante, nem
mesmo Danilo, com sua ótima lábia, conseguia fazer páreo ao inglês.
— Não se preocupe, Felipe! – Bento aproxima-se com sua taça de licor em mãos. — Peny
está apenas curiosa em relação a Cumberland. Afinal, nossa hóspede não deixa de ser uma
inglesa e nunca pisou em solo inglês em sua vida.
— Não sei do que fala, Bento! – Irritado, respondo. Aliás, a irritação não me abandonou
desde que pisei em minha casa.
— Admita, irmão! – Bento ri. — Admita que se apaixonou pela linda afilhada de nossa
mãe. – Minha vontade era dizer que estava sim apaixonado por Penélope, tirá-la de perto do
duque “almofadinha”, jogá-la nos ombros e levá-la para meu quarto, onde daria uma bela de
umas palmadas em seu traseiro delicioso. — Vamos, Alfred acaba de anunciar que o jantar será
servido – Bento chama minha atenção.
Ficar constrangida é uma das coisas que aprendi no convívio com os Gusmão de
Albuquerque. Sempre fui uma dama ou ao menos pensava ter sido uma até o dia que coloquei
meus pés nesta casa. Por obra e graça de Dona Violeta, também conhecida por minha madrinha,
encontro-me sentada à mesa entre duas elegantes e altivas figuras: Danilo Magalhães e o Duque
de Cumberland, enquanto na cabeceira da mesa, à minha direita, Felipe fuzila-me com seus olhos
castanhos claros, não tão claros, devo dizer, já que a fúria parece ter deixado sua íris mais escura
ou seria apenas o efeito de suas pupilas dilatadas? Bem, não vem ao caso!
Danilo e Willian parecem travar uma briga de palavras, um querendo descobrir do outro
quais as reais intenções comigo. Felipe, por sua vez, não consegue relaxar seu maxilar,
permanecendo calado a maior parte do tempo. Madrinha e doutor Magalhães discutem sobre a
última remessa de vinhos vinda da França. Flora brinca com seu pedaço de pudim no prato, seu
olhar está perdido, provavelmente, deva estar pensando no russo. Bento conversa animadamente
com Eloíse. Sim, nesta noite, por insistência de Willian, foi permitida a presença da menina à mesa.
Não esperava tal atitude de um duque. Só por isso, ele ganhou alguns pontinhos comigo.
— Está tão bonita esta noite, Penélope! A cor lavanda lhe cai magnificamente bem. –
Galante como nunca, Danilo elogia meu conjunto de saia e camisa rendada na cor lavanda. Optei
por um modelo com gola alta, no qual foi preso um belo broche de ouro, por sugestão de
madrinha. Meus cabelos estavam parcialmente presos.
— Obrigada Danilo! – Procuro mudar o rumo da conversa. Felipe está soltando fogo pelas
ventas e isso não é bom sinal. — Sua Graça pretende ficar ainda muito tempo no Brasil?
— O tempo que for necessário para dar encaminhamento nos assuntos que me trouxeram
ao Brasil. Além disso, pretendo retornar acompanhado ao meu país. – Willian responde.
— Então Sua Graça pretende se casar? – Felipe pergunta descaradamente. Madrinha ao
seu lado o repreende com o olhar.
— Desculpe a indelicadeza do meu primogênito, Sua Graça! – Sem jeito, madrinha fala.
— No problem! Sorry... Bem, como dizia, não me senti ofendido com a pergunta do senhor
Felipe. Sou um homem livre e desimpedido e nunca se sabe.
Madrinha trocou o assunto da conversa para meu alívio e todos nos dirigimos para a sala
de estar principal, onde nos seria servido o chá. Tradição inglesa que Dona Violeta fez questão de
importar para a mansão Gusmão de Albuquerque. Sentia-me cansada e aproveito a distração dos
cavalheiros para aproximar-me de uma janela e respirar um pouco de ar puro. Esse tumulto de
homens suga minhas energias, sinto-me exausta. Sinto o toque de alguém no meu cotovelo. Era
Felipe, percebo pelo cheiro almirascado. Sou capaz de reconhecer esse cheiro à quilômetros de
distância. Felipe me conduz até o corredor.
— Por Deus, Penélope, você quer me matar, só pode! – Felipe fala apressado, colando seus
lábios nos meus.
— Está louco, Felipe! E se alguém nos pegar? – De certo, estaria perdida.
— Não me importo nenhum pouco, confesso. – É um infame mesmo.
— Eu estaria arruinada, Felipe. – Olho para os lados para verificar se realmente estamos
sozinhos.
— Você já está arruinada, carinho! E se alguém nos pegar, estaria fazendo um favor. –
Acabo dando um tapa em seu braço.
— Nem brinque com isso! Sentir-me-ia péssima, sem falar no desgosto da madrinha. –
Felipe beija-me novamente e perco-me em seu sabor. Aquela boca infame era minha perdição.
— O que fazia com Cumberland na biblioteca? – Santa Maria Madalena, rogai por mim!
Não quero ter que responder tal pergunta. Dessa vez sou eu que grudo os lábios em Felipe. Só
assim para fazê-lo esquecer do assunto. Não estou preparada para revelar ainda. — Precisamos
conversar seriamente. Posso encontrar-te mais tarde? – Consinto com a cabeça. Despedimo-nos e
retornamos para a sala.
Estava ansiosa para livrar-me de todos e ficar a sós com Felipe. Sabia que não era certo
toda essa atração, mas não consigo dominar o impulso de atirar-me em seus braços. Minha vida
está de pernas para o ar. E pensar que eu apenas queria receber minha herança e abrir minha
escola para moças em São Paulo. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que confusão fui meter-me.
Bem que sabia que essa ideia de acompanhar Flora nos eventos sociais iria complicar-me.
Madrinha aproxima-se.
— O que houve, minha querida? – Com carinho, pergunta. Meu coração enche-se de
ternura.
— Nada em especial, madrinha. Apenas pensativa sobre os últimos acontecimentos.
— Foi uma surpresa para todos o Duque ter tido o trabalho de sair de seu castelo e vir
para o Brasil para acompanhar as tratativas. Deve se sentir incomodada e também receosa. Isso é
perfeitamente normal, Peny.
— Eu sei, madrinha! Mas tudo é tão novo para mim. Papai pode ter deixado tudo
preparado, mesmo assim não consigo sentir-me segura. Ademais, não quero deixar o Brasil, nunca
o quis, na verdade. – Abro meu coração.
— Acho que deves dar uma chance para Cumberland, querida! Ele não te forçará a nada.
Sua Graça deixou muito claro que sua vontade será respeitada.
— E se não me aceitarem na Inglaterra? A senhora sabe muito bem que sou filha ilegítima
de um inglês, o fruto de um concubinato.
— Terás a proteção do Duque de Cumberland, Penélope. Duvido que alguém terá a
coragem de tratá-la mal. – Madrinha pega minhas mãos, sempre foi tão carinhosa. — Seu pai
lutou muito para deixar-lhe segura e reconhecida, passou por cima de muitas adversidades,
colocou-se contra pessoas poderosas, acredito que o mínimo que possa fazer em sua memória é
aceitar o que lhe é oferecido. Na Inglaterra, além de protegida, poderá conhecer a cultura de seu
país. Afinal, você é inglesa, querida. – Talvez madrinha estivesse certa. Por outro lado, algo dentro
de mim dizia que nunca deixaria de ser uma estrangeira em solo inglês.
Escutamos alguns relâmpagos, a chuva logo bateu nos vidros das janelas. As luzes das
lâmpadas apagaram-se. Madrinha bateu a sineta e Alfred recebeu ordens para providenciar as
velas. Ficamos ali por pouco mais de uma hora, trocando conversas amenas. A tempestade não
dava trégua. A penumbra das velas parecia ter acalmado os ânimos dos cavalheiros. Felipe havia
tomado assento ao meu lado e vez ou outra acariciava discretamente minha mão ou meu pescoço,
aproveitando-se da distração dos demais.
— Está ficando tarde e não é seguro sair numa tormenta dessas. – Madrinha falou. —
Pedirei a Frau Helga que prepare aposentos para que os cavalheiros possam se recolher. Apesar
da cidade estar mais segura após o brilhante trabalho de Passos, os cavalheiros poderão adoecer.
– Dona Violeta bate sua sineta novamente e dá instruções para que os melhores quartos de
hóspedes sejam preparados. — Inclusive, tenho uma ideia brilhante! – Madrinha bate palmas em
sinal de animação. — Como amanhã é sábado e se o dia amanhecer bonito, estão todos
convidados para passar o dia conosco. Nossa propriedade é um verdadeiro oásis na selva de
pedra que se transformou o Rio de Janeiro. Não aceitarei um não como resposta! – Nenhum dos
cavalheiros recusou o convite. Dona Violeta era muito persuasiva quando queria. Eu mesma havia
sido convencida em várias oportunidades. — Flora, querida, para emparelhar o número de damas
ao número de cavalheiros, acredito que seja bom mandar chamar suas amigas. – E assim, madrinha
seguiu dando ordens até a hora em que todos resolveram se recolher.
Eu fui uma das primeiras a querer me retirar para o conforto do meu quarto. Despedi-me
de todos e ainda passei no quarto de Eloíse para ver se estava tudo bem. Havia me apegado a
Eloíse. Era uma boa menina, apesar de travessa. Também estava ansiosa para encontrar-me com
Felipe. Esperava que conseguisse chegar até meu quarto sem ser visto. A casa estava em
polvorosa com a acomodação dos hóspedes de última hora.
Ao chegar aos meus aposentos, tiro as forquilhas que prendiam meus cabelos e escovo-os.
Minha cabeça, assim como meu coração, encontravam-se confusos. Precisava conversar seriamente
com Felipe, precisava confiar em alguém e abrir meu coração e nada mais justo de que este
alguém fosse Felipe, o homem a quem entreguei-me, a quem confiei meu corpo. Apenas não sabia
se encontraria a coragem suficiente para fazê-lo. Troco meu vestido por minha camisola de cetim.
Até minhas camisolas de algodão foram substituídas por peças elegantes do ateliê de Madame
Lamartine. Preferia as antigas que eram mais confortáveis, mas Felipe gostava destas, dizia que
realçava minha beleza. Coro só em pensar nas indecências que me falava.
Como Felipe foi meu primeiro homem, não sei dizer como os outros são ao dividirem a cama
com uma mulher, mas Felipe é insaciável. Tiro de dentro do bolso da minha saia a carta escrita por
papai, que Willian me entregou hoje mais cedo. Aliso as letras do meu nome no envelope. Guardo-
a na gaveta da escrivaninha. Não me sinto preparada para lê-la. Pego Dom Casmurro, de
Machado de Assis e deito-me na cama para ler enquanto aguardo Felipe chegar. Já é a terceira
vez que o leio e ainda não perdi a esperança de decifrar o enigma: Capitu traiu ou não Bentinho?
Eis a questão.
Nem Capitu e Bentinho conseguiram prender minha atenção. Estava ansiosa pela
chegada de Felipe. Justo hoje que escolhi uma camisola rendada vermelha. Sei que gosta quando
visto vermelho. Às vezes, desconheço-me, confesso, tão despudorada. Escuto burburinhos no
corredor, alguém estava rindo. Visto meu penhoar e pego uma das velas, a energia elétrica ainda
não havia retornado. Ao abrir a porta, dou de cara com um casal trocando carícias, ao que
parecia.
— Senhorita Penélope! – Assustada, Judite fala. Que devassa essa Judite, dando-se ao
desfrute com um homem em pleno corredor. Tudo indica que eu e Felipe não somos os únicos a
esgueirar-se pelos cantos em encontros furtivos. Aproximo-me mais, tendo o cuidado de erguer a
vela para iluminar o rosto do “Dom Juan” da criada.
— Bento! – Nossa Senhora dos Aflitos, Bento e Judite... Não que tenha algo contra os dois
juntos, longe disso. Judite é uma moça adorável e diga-se de passagem, muito bonita, com cabelos
castanhos escuros assim como seus olhos, pele de uma cor azeitonada e curvas esplendorosas. Seus
pais são italianos, precisamente do sul da Itália, e vieram para o Brasil para tentar a sorte assim
como vários outros europeus. Enfim, é uma boa moça e só espero que Bento não esteja brincando
com os sentimentos da menina.
— Peny, não é o que você está pensando! – Bento gagueja. É um infame igual ao seu
irmão.
— Não penso nada, para falar a verdade. Estou apenas surpresa.
— Senhorita Penélope, por favor, não conte para os patrões. Prometo que nunca mais me
verá em situação comprometedora. – Judite está apavorada, coitadinha, sei que o que ganha na
casa dos Gusmão de Albuquerque ajuda na renda de sua família.
— Não se preocupe, Judite, não pretendo comentar com ninguém. Porém, acredito que
vocês dois deveriam ser mais cuidadosos. Se fosse a madrinha ou outro a surpreendê-los estariam
muito encrencados. – Aliás, esse conselho valia para mim também. Judite pediu licença e correu em
direção às escadas que davam acesso ao andar inferior.
— Bem... Acho que o melhor a fazer é retirar-me, já está tarde. – Se Bento achava que ia
escapar do puxão de orelha, estava enganado.
— Bento Gusmão de Albuquerque, espero que não esteja apenas brincando com o coração
de Judite. Ela é uma boa moça e não merece ser machucada. – Bento me fita com seu par de olhos
esverdeados e logo em seguida passa os dedos entre seus cabelos.
— Olha... Penélope... – Bento hesita. — Não sei ao certo o que acontece entre eu e Judite
para ser sincero. Judite é uma mulher bonita, atraente e divirto-me em sua companhia.
— Bento... – Sou interrompida por risadas. Era madrinha enganchada ao braço do doutor
Magalhães. Os dois param em frente aos aposentos da madrinha. Eles pareciam muito íntimos.
Assim que o velho advogado acaricia o rosto da madrinha, meu queixo cai. E eu que pensava que
era a única devassa da casa.
— Mamãe! – Bento solta.
— Bento, Penélope, o que fazem ainda acordados?
— Mamãe, o que a senhora faz a uma hora destas e ainda acompanhada por um homem?
– Homens são machistas mesmo. Bento é igual ao Felipe no quesito excesso de machismo. Para
homens, tudo é liberado, porque é coisa de homem. Sempre argumentos vazios.
— Poupe-me, Bento! Sou uma viúva e não devo mais satisfações a ninguém. – Pelo jeito ser
viúva tinha suas vantagens. — Eu e Magalhães não estávamos fazendo nada demais, apenas
apreciando a companhia um do outro. – Olhando por este ângulo, madrinha não estava fazendo
nada demais mesmo.
— Quando Felipe ficar sabendo... – Não quero estar aqui, penso.
— Nem pense em falar para Felipe ou trato de deserdá-lo, Bento. Não sou uma donzela e
sei muito bem cuidar do meu nariz. – Touché para a madrinha! Doutor Magalhães sempre tão
falante, não pronunciou uma sílaba sequer. Aí tinha.
— Não sabia que a sala de estar havia mudado de lugar! – Mais um Gusmão de
Albuquerque se junta à confusão. — O que acontece aqui? – Felipe pergunta e fixa seu olhar no
meu decote, foi então que percebi que havia esquecido de dar o laço no penhoar.
— Não foi nada, Felipe! Apenas doutor Magalhães que não encontrou seu quarto. –
Madrinha era uma descarada. Mas tiro o chapéu pela belíssima encenação. Dona Violeta entrou
rapidamente para seu quarto e doutor Magalhães tratou de retirar-se logo em seguida.
— E a senhorita, o que faz aqui fora de seus aposentos e com roupas... – Felipe
embaralha-se com as palavras. Bento encosta-se na parede, com um sorriso sarcástico no rosto.
Pronto, ia acabar sobrando para mim que não tinha feito nada demais, apenas estive no lugar
errado e na hora errada. — Quer saber... O melhor que temos a fazer é todos irmos para cama.
– Felipe contrai o maxilar. Olho para Bento com semblante taciturno, talvez ele compreenda que
está em desvantagem e se resolver abrir a boca vai acabar sobrando para ele também.
— Tens razão! Boa noite, irmão, Penélope. – Ele entendeu. Felipe espera Bento retirar-se
para falar.
— Por Deus, Penélope, não posso virar as costas que esta casa entra em polvorosa.
— Não se irrite, Felipe! Apenas nos encontramos por um acaso. – Julguei melhor omitir
alguns fatos. Felipe estava irritado demais para saber das inconveniências de seu irmão e mãe.
Aproximo-me dele.
— E você... – Felipe bufa. — O que faz com tão pouca roupa fora de seu quarto?
— Escutei um barulho e saí para fora, Felipe. Era doutor Magalhães perdido. Estava até
nervoso, o pobrezinho.
— Doutor Magalhães nervoso? É sempre tão calmo que chega a irritar. Voltando ao
assunto, não quero vê-la com roupas intimas a desfilar pela casa, Penélope. – Que novidade!
Reviro os olhos.
— Não revira os olhos para mim, Penélope!
— Ai Felipe, você é um ciumento mesmo. Não fiz nada demais. Apenas saí para fora do
quarto por curiosidade.
— Com uma camisola indecente embaixo desse pedaço de pano fino, Penélope. Nem vou
comentar o fato de que é vermelha e que essa cor em você me enlouquece. – Felipe cruza os
braços.
— É nova, queria fazer uma surpresa. Mas você demorou tanto. Onde esteve?
— Nem me fale, carinho! – Felipe aproxima-se encurralando-me contra a parede. —
Cumberland e Danilo não paravam de beber e falar. Maldita tempestade! – Felipe beija meu
pescoço e derreto-me toda.
— Ai Felipe, aqui não! Vamos entrar. – Era melhor irmos para meu quarto logo, até porque
a noite já estava mais do que agitada e eu não queria ser a próxima a ser flagrada em situação
comprometedora.
— Vamos logo, carinho! Não vejo a hora de apreciar sua camisola vermelha. – Felipe
sussurra no meu ouvido. É um indecente mesmo. Escutamos um arranhar de garganta. Meu coração
dispara no peito, fomos pegos.
— Algum problema? – Dessa vez, era Danilo acompanhado de Willian. O que os dois
faziam juntos?
— A senhorita Penélope perdeu um objeto de grande estima e estava ajudando-a a
encontrá-lo. – Felipe se apressa em explicar.
— Sim, cavalheiros, perdi uma forquilha de cabelo que foi de minha falecida mãe. – Mentir
estava se tornando minha especialidade, por todas as Santas e Mártires da Igreja Católica, eu ia
direto para o inferno.
— A senhorita está branca, sente-se bem? – Willian se aproxima com uma vela. Que visão
este homem possui, pelos céus, como pode perceber a tonalidade de minha pele com apenas a luz
da vela a iluminar.
— Deve ser a enxaqueca! A senhorita Penélope sofre com crises de enxaqueca. – Danilo
também se aproxima. Sinto vontade de gargalhar ao pensar que estava em um harém de homens.
Bem sei que só existem harém de mulheres, mas não seria nada mal se existissem haréns de
homens. Mais uma coisa para minha lista de “coisas machistas”. Foco Penélope Lillian Ferreira.
— Sim, sinto que minha enxaqueca está prestes a voltar. É melhor retornar para meus
aposentos e descansar. Obrigada pela gentileza, senhor Felipe. De certo, amanhã os criados
encontrarão minha forquilha.
— Não se preocupe com isso, Penélope! Posso comprar-te outras forquilhas... – Preciso
avisar Willian para que não me trate com tanta intimidade. Não é o momento para revelar ainda.
— Mas este é especial, foi de minha mãe. Com licença, cavalheiros, mas realmente preciso
retirar-me, estou exausta.
Entro no meu quarto e fecho a porta sem olhar para trás. Bastava de confusão. Ainda
sentia o coração disparado, por pouco não fomos flagrados. Nossa Senhora das Donzelas sem
juízo, só tenho a agradecer-te pela proteção. Uma coisa é certa, se tiver que me casar com Felipe
que seja do jeito tradicional e não em decorrência de um escândalo. Que dia, que noite! Não há
mais nada para acontecer. Deito-me na cama. Espero que Felipe não seja tão maluco a ponto de
tentar voltar para meu quarto. Quando estou prestes a pegar no sono, escuto batidinhas na porta.
Levanto-me e abro uma fresta na porta.
— Só voltei para dar-lhe um beijo de boa noite! – Felipe coloca a cabeça para dentro do
quarto. — Não pretendo permanecer e passar a noite contigo, carinho! Não é seguro.
— Tens razão! Mas sentirei sua falta. Acostumei-me com seu calor. – Não resisto e enlaço-
me em seu pescoço. — Justo hoje que escolhi uma camisola especial. – Felipe geme e um volume
forma-se dentro de sua calça, percebo.
— Você ainda me matará, carinho! – Não resisto e beijo-o.
Eram 6 da manhã e eu não havia conseguido pregar o olho. Noite infernal! Restou-me
apenas esbravejar pela ausência do calor de Penélope ao meu lado, sinto a falta da minha
preceptora, do cheiro fresco da minha doçura. Não suporto mais tantos homens a pôr os olhos no
que é meu. Penélope é minha e não admitirei ninguém a me passar para trás. Depois de tanta
confusão para uma noite só, não consegui falar para Penélope o mais importante, que eu havia
colocado um ponto final no meu caso com Joaquina. Devia ter aproveitado os poucos minutos de
intimidade para contar, mas apenas consegui beijá-la. Inferno, aquela mulher foi forjada
especialmente para mim, não há outra capaz de enlouquecer-me e saciar-me como Penélope.
Não suporto vê-la sendo cortejada por Danilo, sei que é um bom sujeito e talvez, mereceria
mais que eu uma oportunidade com Penélope, talvez ele conseguisse fazê-la realmente feliz. Danilo
não é um homem marcado como eu, seu coração é livre e nunca foi ocupado pelo amor, seria o
mais óbvio Penélope casar-se com Danilo, porém, não tenho forças suficientes para abrir mão de
Penélope. Por outro lado, a aproximação do Duque de Cumberland preocupa-me mais. O
“almofadinha” demonstra uma intimidade irritante em relação à Penélope e ela, por sua vez, não
se sente constrangida por ser tratada com tamanha deferência. Devo descobrir as reais intenções
do nobre em relação à Penélope.
Tinha pensado em passar a manhã de sábado no banco trabalhando, precisava ler alguns
contratos. Diante da presença de Danilo e do Duque não me resta alternativa a não ser ficar em
casa. Uma ova que deixarei minha Penélope à mercê daqueles dois, nem aqui, nem na China que
deixarei os dois a cortejarem descaradamente. O dia havia amanhecido com sol e com certeza
Dona Violeta iria dar seguimento aos seus planos malucos de um piquenique nos jardins do
palacete. Amo minha mãe e que ninguém nunca duvide o quanto meus sentimentos são fortes, mas
Dona Violeta consegue deixar-me louco na maioria das vezes. Nessas horas, sinto falta de papai,
ele sabia muito bem como lidar com as excentricidades de mamãe.
Depois de aprumar-me dentro do meu mais elegante traje de passeio, desço as escadas
para o desjejum. Encontro uma mesa muito bem arrumada, as embaixadas de prata e as
porcelanas portuguesas brilhavam sobre a impecável toalha branca, era a melhor louça da casa,
percebo. Até parecia que estávamos hospedando o Rei da Inglaterra e não um simples Duque.
— Bom dia, Felipe! – Mamãe me cumprimenta com um sorriso no rosto.
— Bom dia, mamãe! Vejo que a senhora madrugou!
— Sim, não podia deixar tudo para os criados. É muita responsabilidade ser anfitriã de um
nobre inglês, Felipe, ainda mais o Duque de Cumberland! – Aí tinha! A agitação da mamãe parecia
passar do normal.
— O que tem Cumberland que lhe coloca em uma posição privilegiada em relação aos
outros nobres, mamãe? – Era chegada a hora de Dona Violeta explicar-me algumas coisas.
— Ele é um duque, Felipe! Ademais, o pai de Cumberland, o duque anterior, manteve
relações com seu pai. – Muito interessante! Então, papai manteve alguma espécie de contato com o
duque anterior, assim como o pai de Penélope. Preciso descobrir a identidade desse sujeito que
abandonou a filha no convento.
— Presumo que meu pai, o duque e o pai de Penélope foram amigos? – A pergunta
acabou saindo mais como uma afirmação do que um questionamento. Mamãe ficou sem jeito.
— Se considerarmos... – Dona Violeta engasga-se. — Bem, podemos dizer que sim! Por
Deus, Felipe, pare de fazer-me perguntas, eu mal acordei e sequer fiz meu desjejum. – Era melhor
não insistir, sabia que Dona Violeta não responderia mais nada.
Meus familiares e hóspedes foram chegando aos poucos para o desjejum e depois das 10
horas reunimo-nos na porção leste dos nossos jardins. Uma pequena tenda foi montada na área
calçada que ficava perto da fonte inspirada na Fontana di Trevi, mais uma das excentricidades de
mamãe, já que o gramado ainda estava molhado devido à forte chuva da noite anterior. Penélope
estava muito elegante dentro de um conjunto de saia fúcsia e blusa de seda branca. Gostava
quando vestia cores fortes, que acabavam por destacar ainda mais seus belos olhos azuis. O
cabelo estava totalmente preso dentro de um elegante chapéu de palha. Todo meu estupor diante
da beleza de minha amada esvaiu-se assim que meus olhos foram postos no cavalheiro que a
pajeava: Cumberland. Fechei os punhos de modo a tentar conter a fúria dentro de mim. Mamãe e
Doutor Magalhães riam. Essa proximidade dos dois também me preocupava. Era só o que me
faltava, mamãe de namorico com um dos velhos amigos de papai. Bento, com rosto enrugado, em
clara demonstração de irritação, falava com Flora. Muito provável que estava tentando colocar um
pouco de juízo na cabeça da nossa irmã. As amigas de Flora alimentavam os passarinhos que
bebiam água na fonte. Eloíse aproximou-se de Penélope, convidando-a para uma partida de
peteca. Senti orgulho de minha filha ao exigir a atenção da preceptora. Bem feito para o
“almofadinha”. Uma ova que ele chega e pensa que vai roubar a mulher dos outros assim na
maior facilidade. - Irei ganhar da senhorita! –Eloíse dava pulinhos, tamanha era sua empolgação. –
Sentei-me em um dos bancos e apreciei o cenário bucólico, que seria perfeito não fosse a presença
fastidiosa de certos cavalheiros. Bem que Penélope poderia já estar carregando um filho meu.
Engravidá-la antes do casamento não é o certo, eu sei, mas que facilitaria muito meu trabalho,
facilitaria.
Eloíse e Penélope divertem-se e meu peito enche-se de orgulho. Penélope era uma boa
influência para minha filha. Havia sido um tolo ao acreditar que não seria uma boa esposa e,
sinceramente, não sei onde estava com a cabeça quando pensei em desposar Joaquina. Ela nunca
conseguiria chegar aos pés de minha Penélope. Por mais que minha mãe ou que a sociedade viesse
a dizer que Penélope não era a mulher certa para mim, ela havia sido feita para mim, somente
para mim e que todos fossem para o inferno.
— Senhorita Penélope, cuidado! – Danilo grita, o que me fez desviar a atenção para
Penélope, que se deslocava rapidamente para trás em direção à fonte, a fim de alcançar a peteca
lançada por Eloíse. Levanto-me de supetão, queria chegar perto dela e evitar que caísse, mas era
tarde, ela havia caído sentada dentro da fonte. Penélope solta um fraco gemido. Corro em direção
à fonte, com o coração disparado de tamanha preocupação.
— A senhorita está encharcada! – Eloíse comenta. Penélope estava absolutamente molhada
da cabeça aos pés. Cumberland já havia se colocado dentro da fonte para ajudá-la, enquanto
que Danilo aguardava fora para apanhá-la. Tudo havia acontecido rápido demais. A camisa
branca de Penélope agarrava-se no seu corpo, revelando além do devido para o meu gosto e
deixando Danilo de queixo caído. O infame não conseguia nem disfarçar o sorriso maroto. É um
patife mesmo ao desejar a mulher do próximo, tudo bem que ele ainda não o sabe, mas não deixa
de ser a mulher do próximo. Ao menos, Cumberland parecia não ter notado as curvas da minha
Peny.
— Sente-se bem? – O duque pergunta, demonstrando uma preocupação exagerada para
meu gosto.
— Sim... Quer dizer, eu acho que sim. – Penélope leva a mão à cabeça, manchando seus
dedos com sangue. — Eu bati a cabeça. – Meu coração dispara.
— Alcance-me ela, Sua Graça. – Danilo fala. É claro que não o deixarei tocar no que é
meu. Inferno! Coloco-me na frente de Danilo para que Cumberland entregue-me meu amor.
— Deixe-me carregá-la, afinal, é minha hóspede e, bem, minha responsabilidade. – Falo
com voz determinada para que não haja qualquer dúvida a respeito de minhas ordens. — Bento,
mande chamar um médico urgente e Flora, peça para que Frau Helga providencie um banho
quente, imediatamente.
— Senhor Felipe! – Odeio quando me chama de maneira tão formal. — Não foi nada
demais, apenas um corte superficial na cabeça.
— Como não foi nada demais? Pessoas já morreram em decorrência de infecção em um
simples corte. – Admito que estava nervoso e preocupado, mas era a desculpa perfeita para
mantê-la longe de certos cavalheiros insistentes.
— Posso andar, senhor! O senhor acabará por se molhar também. – Cumberland entrega-
me Penélope e não a deixo se soltar dos meus braços. Aproximo minha boca de seu ouvido.
— Cuidarei de você, carinho! – Sussurro. — E, por favor, não me chame mais por senhor. –
Penélope aconchega-se no meu ombro. Estava morrendo de saudades, do seu cheiro fresco, dos
seus gemidos. Disparo em direção à casa. Quero chegar antes dos outros para poder ao menos
roubar-lhe um beijo inocente.
— Ai Felipe, porque essas coisas sempre acontecem comigo? Desastres me perseguem. –
Aperto-a ainda mais contra meu corpo. No fundo, Penélope é apenas uma menina que precisa de
cuidados e de muito amor. Meu coração aperta-se só em imaginar o quanto sofreu durante a
última década, longe de sua família. Isso teria que ter um fim, sim, teria um fim assim que colocasse
uma aliança em sua mão esquerda, nunca mais deixaria algo ou alguém machucá-la.
Ao chegar nos aposentos de Penélope, deposito-a em uma cadeira. Evito a cama, pois está
molhada. Não aguento e beijo-lhe castamente no topo de sua cabeça.
— Tudo ficará bem, carinho! Logo, o médico virá. Nada que um bom banho quente não
resolva, carinho. Eloíse e suas manias...
— Não brigue com Eloíse, Felipe! Ela não teve culpa de nada.
— Inferno, Penélope, você poderia ter se machucado seriamente.
— Eu sei, mas sua filha não tem culpa. Foi uma fatalidade ocasionada por minha falta de
atenção. Prometa-me que não castigará Eloíse? Não agora que Eloíse está se comportando melhor.
– Uma das coisas que teria que me acostumar ao casar-me era o amor incondicional que Penélope
parecia nutrir por minha filha. — O que foi, Felipe? Não posso acreditar que sente ciúmes de uma
menina pequena. – Penélope leva a mão na cabeça e geme de dor.
— Carinho, não se mova! – Preocupo-me com o ferimento, pois pode ser algo mais sério do
que um simples corte.
— Felipe, saia já daqui! – Mamãe entra como um furacão e é seguida por Judite, sua
criada pessoal. — Peny precisa de cuidados e não de reprimendas. – Eu nem estava
repreendendo-a.
— Ficarei bem, prometo! – Penélope sussurra. Não quero deixá-la para trás machucada e
precisando do meu carinho.
— Vamos Felipe! O que ainda faz aqui dentro? – Mamãe coloca as mãos na cintura,
imitando uma açucareira. A muito custo, retiro-me do quarto, deixando um pedaço do meu coração
ali.
Uma hora depois, o médico que atendeu Penélope vem ao meu encontro no escritório.
Preferi aguardar as notícias longe dos demais cavalheiros. Minha preocupação com o estado de
saúde de Penélope era perceptível e ainda precisava manter sua reputação intacta.
— Então, doutor Pereira, como passa a afilhada de minha mãe? – Pergunto aflito ao
médico.
— O corte foi superficial, senhor. Não houve necessidade de pontos. O que mais me
preocupa é a pancada na cabeça. Por isso, recomendei que fique em repouso no dia de hoje e
que não durma nas próximas 3 horas.
— O senhor acredita que algo grave pode ter acontecido? – Inferno, uma pancada na
cabeça sempre é preocupante.
— Acredito que não. A senhorita Ferreira conversa lucidamente. Porém, recomendo que
mantenham um olho nela e, em qualquer sinal de alteração, mande-me avisar.
— Doutor, amanhã, a senhorita Ferreira poderá nos acompanhar ao teatro?
— Se ela continuar estável, não vejo problemas. Como lhe falei, o repouso é apenas
necessário por hoje. Deixei prescrito algumas gotas de láudano para ministrar-lhe, caso sinta dor.
Separo as notas de dinheiro e entrego ao médico, que se despede. Doutor Pereira é um
ótimo e prestativo médico, atende a anos nossa família. Alfred o acompanha até a porta e eu rumo
à sala. O andar debaixo está em absoluto silêncio. Resolvo subir as escadas e mais silêncio. Onde
poderiam ter se enfiado todos? Bato na porta e escuto a voz de Penélope dando-me permissão
para entrar. Meu coração parece sair da boca quando vejo Cumberland sentado elegantemente
na cadeira ao lado da cama de Penélope. Era só o que me faltava!
— Onde está sua acompanhante, senhorita Penélope? – O povo desta casa havia
enlouquecido em deixar Penélope sozinha no quarto e na presença de um homem.
— Madrinha voltou para o jardim e Judite precisou levar minha roupa molhada para a
lavanderia. Sua Graça ofereceu-se, gentilmente, para fazer-me companhia, pois não devo dormir.
– Penélope bocejou.
— Sim, o médico acabou de falar-me que além de permanecer acordada, deve repousar.
— Faço questão de pagar os honorários do médico. – Cumberland interrompe nosso
diálogo.
— Já o paguei. – Quem esse duque “almofadinha” pensava que era para oferecer-se a
pagar as despesas médicas da futura Senhora Gusmão de Albuquerque. Vou dar um soco nesse
homem, bem no meio da fuça dele.
— Então, reembolsar-lhe-ei, senhor. – Já era demais. Estou prestes a partir para cima de
Cumberland. Atravessa o Atlântico para vir pagar as contas da minha “quase” noiva... Bufo.
— Cavalheiros, quem deve pagar essa conta sou eu, tenho fundos suficientes para isso. Por
favor, senhor Felipe, fale com o doutor Magalhães, que é o meu tutor. – Falando em tutor, era
chegada a hora de conversar seriamente com o advogado.
— Mas eu faço questão. – Cumberland insiste.
— O médico foi pago e não há mais o que ser discutido. – Falo sério para que entendam
de uma vez por todas. Sento-me na cadeira que fica em frente à escrivaninha.
Não os deixaria sozinhos nem que a vaca tossisse. O duque pareceu não se importar com
minha presença e engatou uma conversa sobre as belezas de Londres, se é que se poderia falar-
se em belezas. Londres jamais chegaria aos pés das belezas naturais do Rio de Janeiro. Sinto-me
despeitado, eu sei. E, enciumado também.
Recuperei-me bem do tombo do dia anterior, ao menos fisicamente, já que moralmente
ainda me sentia envergonhada. Tais coisas só acontecem comigo mesmo. Fui bajulada e
paparicada por todos, incluindo Felipe que praticamente expulsou todos os cavalheiros do meu
quarto e deixou-me aos cuidados de Frau Helga. Preferia a Judite. Frau Helga é uma boa mulher,
mas é tão fechada e fria que chega a ser assustador. É claro que essa foi a intenção de Felipe,
que nenhum homem tivesse a audácia de cruzar a soleira da porta do meu quarto. Mas o tiro saiu
pela culatra e, no final, nem ele conseguiu entrar. Duas malditas noites sem conseguir tocá-lo, tudo
porque é um ciumento incorrigível.
— Oh... Meu Deus, você está linda! – Flora entra no meu quarto, elogiando mais um dos
modelos de Madame Lamartine. — De todos os modelos que Madame desenhou, este é de longe o
mais bonito.
— E o mais atrevido, devo dizer! Olhe estas costas. – Viro-me para que Flora possa ver
minhas costas totalmente expostas. — Se já não bastasse o decote, agora irei mostrar as costas.
Sinto-me uma cortesã despudorada.
— Não seja exagerada, Peny! Madame Lamartine sabe muito bem o que faz. Você está
perfeita e maravilhosa, fará um bonito par com o Duque. – Havia esquecido totalmente do duque.
Felipe não gostará nada disso, mas bem feito para ele, quem mandou colocar Frau Helga de
guarda-portas. — O azul em contraste com o dourado caiu-lhe divinamente. Parece uma princesa.
– Verdade seja dita, o vestido era belíssimo, muito bem acinturado, feito de um tecido leve e
bordado com predarias na cor dourada e azul. — Qual joia mamãe separou para você usar nesta
memorável noite?
— Madrinha separou um par de brincos em ouro e topázios azuis, que fazem conjunto com
estes pentes. – Abaixei minha cabeça para que Flora pudesse ver as joias. Judite prendeu meus
cabelos em um coque frouxo. A menina leva muito jeito para penteados.
— Fico admirada com as joias que mamãe lhe empresta.
— Foram de minha mãe! Madrinha as guardou para mim.
— Todas as que você usou até hoje são suas? – Flora estava espantada.
— Sim e acredito que tenham outras, pois papai costumava presenteá-la com joias em
todas as oportunidades. Por favor, peço-te que não comente com ninguém. – Flora concordou em
manter segredo sobre as joias. Peguei meu leque e minha pequena bolsa de mão e saímos felizes
para encontrar com madrinha e os demais cavalheiros. Nunca havia assistido uma ópera e estava
empolgada.
Descemos os degraus da escadaria e não consegui concentrar-me em nada a não ser em
Felipe. Estava lindo, recém barbeado e com o cabelo penteado para trás. Nossos olhares se
cruzaram, eu amava a íris castanha de seus olhos, um frio percorreu toda a extensão da minha
espinha, sentia saudades de seus beijos, de suas carícias.
— Senhorita Penélope! – Willian estende sua mão para ajudar-me a descer os últimos
degraus. — Está belíssima e será uma honra para mim pajeá-la esta noite. – Agradeci a gentileza
e o elogio com um breve aceno de cabeça. Felipe contraiu o maxilar e isso não era um bom sinal,
eu sei. — Vamos! Seguiremos mais a senhorita Flora no meu automóvel.
Durante o caminho até nosso destino, Willian nos explicou que seria uma apresentação da
Ópera O Guarani, em sua homenagem. Meu coração disparou diante da expectativa e um certo
receio tomou conta de minha alma. Chegaria acompanhada do grande homenageado da noite e
viraria assunto das mexeriqueiras de plantão pelos próximos meses, sem falar no infame do
Lafaiete Boaventura, que já havia comentado além do devido. Nem quero ver quando a madrinha
descobrir que ando escondendo os periódicos.
Assim que pisamos no teatro uma horda de pessoas ilustres vieram ao nosso encontro a fim
de cumprimentar e bajular Sua Graça, o Duque de Cumberland. É lógico que me senti um peixe
fora d’água. Num sussurro rápido, Willian lembrou-me de que deveria me acostumar com atenções
desse tipo. Não sei se serei capaz, em algum momento futuro, forjar um sorriso falso. A verdade
era que queria estar nos braços de Felipe. Não o havia visto desde que cheguei, estava
preocupada e enciumada também. Para meu alívio, avistei-o assim que chegamos no camarote
reservado para Willian. Fomos acomodados na primeira fileira, sinto-me como um faisão exposto
no Zoológico Real de Londres.
— Estou com muitas saudades, carinho! – Sentado atrás de mim, Felipe sussurra e meu
coração dispara. — Estou a ponto de arrancá-la desse “almofadinha” da nobreza e levá-la para
longe. – Como queria estar com Felipe bem longe daqui. Aproveito a distração de Willian e de
Flora para falar.
— Também senti saudades, Felipe.
— Como está o ferimento em sua cabeça?
— Está sarando. – Nossa conversa é interrompida por Willian, que me chama para
observar a pouca roupa do tenor que representa Peri.
Durante o intervalo, nosso camarote foi invadido por figuras da nata social carioca e por
outras pessoas não tão importantes, mas que queriam sua oportunidade com o Duque de
Cumberland, incluindo a viúva Coutinho do Amaral, cuja atenção foi voltada para Felipe. Que
raiva!
— Não irá me apresentar a Sua Graça, senhor Felipe? – Joaquina ergue seu leque, num
coquete sedutor. Gentilmente, Felipe apresenta-a ao Duque.
— Está deslumbrante, querida! – Joaquina aproxima-se a ponto de conseguir cochichar. —
Pena que não tem estirpe e classe suficiente para usar um vestido da alta costura. – Engulo em
seco, na tentativa de controlar-me e não avançar para cima da viúva. — Quero que saiba que
conheço seu tipo, Penélope, e não admitirei que roube Felipe de mim. Então, escute meu conselho,
casa-te logo com teu Duque e embarque no primeiro navio rumo à Inglaterra. – Quem ela pensa
que é para falar-me uma coisa tão desprezível?
Peço licença a todos e retiro-me do camarote antes de dar uma bolsada na cabeça
daquela mulher. Não tenho sangue de barata, afinal de contas. Como Felipe conseguiu envolver-se
com uma mulher dessas? Nossa Senhora de Fátima, homens só conseguem pensar com a cabeça de
baixo, só pode. Uma mão me puxa para baixo de uma escada, assim que termino de descer a
escadaria que dava acesso ao camarote.
— Felipe! Você enlouqueceu. – Solto, diante da surpresa.
— Inferno, Penélope, estava indo para onde feito um furacão?
— Para qualquer lugar longe daquela sua amante. – Estou prestes a derramar-me em
lágrimas. Não suporto chorar, ainda mais por um homem. A que me converti?
— Carinho, terminei com Joaquina, há dois dias. Estou livre e desimpedido para casar-me
com você. – Felipe encosta seus lábios nos meus e meu corpo parece prestes a entrar em
combustão.
— Não é o momento para falarmos sobre casamento. Sinto-me esgotada para ter essa
conversa. – Desabafo.
— Precisamos conversar, Penélope! Você pretende se esquivar até quando sobre um
assunto que não tem mais o que ser feito a não ser marcar a data?! Eu a desonrei, inferno!
— Felipe, estamos embaixo de uma escada de um teatro lotado, como queres que eu fale
sobre casamento? – Não o deixo responder, grudando-me em sua boca. — Deixamos isso para
depois, já que me encontrou, quero apenas aproveitar o momento e beijá-lo. – Acredito que tenha
aprendido a seduzir, pois sinto um volume dentro das calças de Felipe formar-se. É um bastardo
mesmo, tão lindo, tão cheiroso, tão quente... Felipe beija toda a extensão do meu pescoço e, com
pressa, puxa minhas saias para cima. Suas mãos grandes e fortes chegam até o laço dos meus
calções e perco-me na promessa do que virá depois. Sou arremessada para cima de um balcão.
Felipe abre a braguilha de suas calças.
— Pelos diabos, a que você me converteu? Diga-me, Penélope! Não sou um santo, mas
nunca havia tomado a uma mulher embaixo de uma escadaria antes. – Não consigo conter o
sorriso. Meu peito estufa de orgulho. Felipe coloca-se no meio das minhas pernas e avança firme e
forte. Estou prestes a desfalecer em seus braços, uma explosão de fogos de artifício nubla minha
visão.
— Casa-te comigo, Penélope? Prometo amá-la todas as noites e todas as manhãs, carinho.
– Felipe afasta-se e sua ausência é dolorida. — Diga sim, Penélope! Esqueça a todos e diga que
será só minha? Diga sim que a saciarei, carinho.
— Sim! – Não sou capaz de negar-lhe mais nada e seja o que Deus quiser. Felipe
preenche-me novamente com estocadas rápidas, tomando minha boca numa dança excitante.
Explodirei de paixão. Ondas de desejo atravessam meu corpo de ponta a ponta. O medo de
sermos pegos apenas deixava tudo mais delicioso, confesso. — Venha para mim, amor! Seja minha!
– Estou perdida mesmo e entrego-me ao momento de corpo e alma.
Consumida por um desejo desesperador, entrego-me a Felipe, embarcando numa
viagem sem volta para o paraíso. Cada partícula do meu ser foi consumida por Felipe. Se pudesse
eternizar esse momento o faria. De qualquer maneira, estaria eternizado para sempre em minha
memória, o dia em que a certa e focada Penélope havia cedido, havia enlouquecido de amor e se
entregado de corpo e alma a um homem, não um homem qualquer, mas o homem que de fato ama.
— Diga novamente, carinho! Diga-me que te casará comigo? – Felipe afasta meu rosto do
seu peito a fim de poder fitar-me. Embriago-me em seus olhos cor de âmbar.
— Sim, Felipe! Eu me caso com você. – Depois da loucura deste encontro, o que mais
restava-me a não ser aceitar sua proposta de casamento?
— Você me fará o homem mais feliz do mundo, Penélope. – Felipe puxa-me para seu
abraço e começa a traçar beijos deliciosos por toda a extensão do meu pescoço e colo.
— Por favor, Felipe! – Tento recobrar o juízo. — Escute-me, casar-me-ei com você, mas
peço-te que tenha paciência, preciso resolver algumas pendências em relação a minha herança.
— Esqueça a herança, carinho! Tenho dinheiro suficiente para enchê-la de joias, vestidos e
tudo o mais que desejar.
— Não, Felipe! Não esquecerei minha herança e se realmente quiser casar-te comigo terás
que respeitar minhas decisões. – Tento libertar-me do aperto de Felipe. — Não esperei todo este
tempo para desistir agora. Papai me deixou uma herança cheia de imbróglios para evitar que
qualquer mercenário se aproveitasse dela. Além do mais, tenho planos para ela. Acostume-se,
Felipe, pois pretendo ser uma mulher independente. – Felipe puxa-me contra seu corpo, de maneira
que eu desça do balcão seguramente.
— Precisamos retornar, Penélope, a pausa de 20 minutos está prestes a acabar.
Conversaremos sobre isso mais tarde. Tenho certeza que entraremos em um consenso, carinho! – Até
imagino que tipo de persuasão ele usará. — Apenas trate de livrar-se de Cumberland.
— Não posso livrar-me dele, Felipe! – Aliso a saia do vestido, rezo para que meu cabelo
esteja em ordem. — A herança está atrelada ao Duque. – Felipe enruga a testa em sinal de
frustração. — Preciso que confie em mim, Felipe, assim como confiei em você quando prometeu que
daria um fim em sua relação com Joaquina.
— Isso não me soa bem, Penélope!
— No tempo certo, contar-te-ei tudo a respeito. Peço-te que aguarde mais um pouco. –
Felipe assente e beija-me, foi um beijo casto de despedida. Quando estou prestes a subir a cortina
para voltar à vida real, Felipe puxa-me de volta.
— Entreguei-te meu coração, Penélope. Não o machuque! – Não pretendia o machucar, isso
era certo. A verdade era que eu sentia muito medo de machucar-me também.
Parto sem olhar para trás, pois se assim o fizesse, não seria capaz de deixá-lo. Esbarro em
Flora e levo um susto. Ela parecia estar escondendo-se de algo, além de corada e com o penteado
fora do lugar.
— Peny, que susto, ainda bem que a encontrei. Pensava que fosse Bento. Encontrar-te foi
uma benção, devo dizer.
— Flora, por onde andava? Você está péssima... Seu cabelo...
— Você também não está muito melhor, Penélope Lillian!
— Meu cabelo? Os fios são muito lisos e os pentes não foram capazes de segurá-los. –
Flora cruzou os braços.
— Aham... E quanto ao seu espartilho? Ele está fora do lugar. Diga-me quem foi o
escolhido? Danilo, Cumberland, talvez o Nogueira, o vi mais cedo.
— Não desconverse, mocinha! Esteve se encontrando com o mafioso russo?
— Quantas vezes preciso falar que Yuri não é um mafioso! Preciso de um álibi para
despistar Bento e pelo visto, você também precisa. – Flora pega minha mão e arrasta-me para sei
lá onde. — Vamos para a saleta das damas, assim podemos colocar nosso cabelo no lugar.
— Mas iremos nos atrasar! – Preocupada, falo.
— Melhor nos atrasar do que chegarmos toda desmazeladas. Ademais, não esqueça que
você é minha acompanhante, logo, não haverá problemas. – Sigo-a. Por mais que não concorde,
Flora estava certa. Estava tão ou mais enrascada que ela. — Está decidido, Peny! Eu e Yuri
fugiremos no dia do sarau em comemoração ao seu aniversário. – Santa Catarina, Flora havia
perdido o juízo.
— Como assim?
— O plano é perfeito, Peny. Fugiremos e consumaremos nosso casamento antes da
cerimônia, assim Felipe e Bento não poderão fazer nada a não ser aceitar, pois estarei desonrada.
Você sabe que um casamento depende dos proclamas e isso na maioria das vezes exige dias. –
Literalmente, Flora havia perdido o juízo. — O que foi, Peny?
— Não sei não! E se esse russo não casar com você?
— Claro que vai, confio em Yuri. – Que Deus a escutasse, porque se esse homem não
cumprisse sua promessa, seria o fim de Flora.
Fomos tiradas de nossa conversa, assim que a campainha anunciou que apresentação seria
retomada dentro de instantes. Subimos as escadas que davam acesso aos camarotes num farfalhar
de tecidos. Quando estava prestes a cruzar a porta para reunir-me ao meu par e os outros, um
aperto em meu braço me faz retroceder. Era a noite dos encontros inesperados.
— Perdão, senhorita! – Juliano Nogueira me fita com semblante ansioso.
— Estou atrasada, Senhor Nogueira. – Flora já havia entrado e logo Felipe ou Willian
viriam atrás de mim.
— Esperei encontrar a senhorita na rua, mas infelizmente, não tive sorte. Preciso conversar
com a senhorita e não posso mais esperar. É sobre Eloíse. – Meu coração disparou em meu peito,
havia me apegado à menina e lembrei-me do que Flora havia me contado. — Recebi uma
proposta para tocar no exterior. Partirei no próximo mês e não tenho muito tempo, preciso de sua
ajuda.
— Realmente, não posso ficar mais. – Lembrei-me de que fiquei de acompanhar Flora ao
chapeleiro, na verdade, uma desculpa para um encontro com o russo. — Próxima terça-feira,
podes me encontrar na Rua do Ouvidor, por volta das 14 horas? – Seria uma desculpa perfeita
para encontrá-lo, precisava saber o que tinha a falar-me sobre Eloíse.
Nogueira concorda e despede-se com um rápido aceno de cabeça. Entro apressada no
camarote.
— Já estava a ponto de sair a sua procura! – Willian cochicha em meu ouvido. A ópera
havia sido retomada.
— Desculpe-me, encontrei uma conhecida de São Paulo! – Pronto, agora havia me
convertido numa mentirosa também. Onde vou parar, por todos Santos e Santas da Igreja Católica?
Palmas anunciavam o final do último ato. Estava eufórica com a experiência, incluindo
aquela que tive embaixo da escadaria. A letra cantada em italiano apenas havia deixado tudo
mais emocionante. Flora agarra meu braço.
— Veja Peny! Yuri me acenou. – Com certeza, havia pessoas mais loucas que eu e Felipe.
— Se um dos seus irmãos percebe, somos duas mulheres mortas!
— Só ser for Bento, porque Felipe parece que viajou para a lua. Vai dizer-me que não
escutou os suspiros dele durante o espetáculo?
Meus olhos encontraram os de Felipe e ele abriu o sorriso mais lindo que os meus olhos
tiveram o privilégio de ver. Acabo corando. Danilo aproxima-se oferecendo-se para pajear-me.
Estive tão envolvida com Felipe que sequer havia notado a presença do advogado.
— Até que enfim consegui um pouco de sua atenção! – Danilo fala.
— Não seja dramático, Danilo
— Como não ser? Sua Graça monopolizou suas atenções. Confesso que fiquei enciumado
com sua proximidade com o duque.
— Danilo, já conversamos sobre isso. Eu e você somos apenas bons amigos. – Quando ele
iria convencer-se e desistir?
— E quanto a você e Sua Graça?
— Não seja tolo. Sua Graça é um conhecido de meu pai de longa data e apenas tem sido
prestativo em nome de um compromisso que assumiu perante meu pai.
— Saiba que respeito sua decisão quanto a nós dois, por outro lado, não medirei esforços
para conquistá-la, Penélope. – Desisto de explicar-lhe que o tenho apenas por um querido amigo.
Homens conseguem ser cansativos, às vezes.
— O que falam? – Bento pergunta e Danilo responde. — Felipe está em maus lençóis com
a viúva alegre. – Bento fala apontando para Joaquina e Felipe. — Tudo indica que meu irmão
quer livrar-se da Coutinho do Amaral e não está obtendo êxito. Vou lá ajudá-lo. Danilo, com sua
permissão, levarei Peny comigo, assim conseguirei trocar de par. – Sinto uma vontade enorme de
abraçar Bento pela brilhante ideia.
Efetuamos a troca de pares e um forte sentimento de pertencimento, de estar no lugar certo,
invade-me.
— O que achaste da ópera? – Pergunto. Felipe abaixa a cabeça de modo a ficar mais
perto do meu ouvido.
— Quanto ao espetáculo, não o sei responder. Só tive olhos para a belíssima dama sentada
a minha frente. Foi impossível concentrar-me em outra coisa a não ser no seu cheiro fresco.
— Senti falta de suas flores e recados. – Felipe havia me acostumado mal. Acordava
ansiosa para descobrir qual seria a flor que havia deixado.
— Não pense que me esqueci de sua flor, carinho! Apenas fui precavido para evitar
comentários maldosos, afinal, tínhamos visitas.
Eu havia conseguido convencê-la a casar-se comigo. Não podia acreditar que havia a
feito dizer um sim. Era só uma questão de tempo para fazê-la uma Gusmão de Albuquerque,
apenas precisava manter minha cabeça no lugar e não colocar tudo a perder em razão de meu
ciúme doentio. Apenas teria que esperar um mês, um maldito mês para oficializar nossa união.
Penélope pediu-me para aguardar seu aniversário de 25 anos. Havia algo em torno de sua
herança. Sem muito o que ser discutido, pois Penélope era a teimosia em pessoa, aceitei sua
condição, principalmente, pelo fato de que mamãe pretendia homenagear Penélope com um sarau,
ocasião perfeita para oficializar nosso casamento. Inclusive, já havia encomendado o mais lindo
anel ao meu joalheiro de confiança, havia sido uma encomenda especial, a mais linda safira azul
que o dinheiro pudesse comprar, um par perfeito com seus olhos cor de violeta. É claro que me
esforcei para convencê-la do contrário e impus uma condição que julguei muito apropriada,
manter-me-ia afastado de sua cama até nosso casamento. Seria um bastardo se não me
preocupasse com sua reputação. As escapadas para seu quarto tornavam-se cada vez mais
perigosas. Pensei que a faria mudar de ideia, mas como sempre, Penélope não cedeu a minha
exigência e foi um inferno manter-me longe de seu corpo na última noite.
— Foi sua decisão, Felipe! Você o quis dessa forma, então, retire-se! – Havia me dito com
um sorriso presunçoso no rosto.
— Irei, carinho! Porque sei que será para o nosso bem. – Beijei-a e parti para o vazio do
meu quarto, onde perdi-me no pensamento de como conseguiria passar um mês longe de Penélope,
depois de ter provado de sua doçura.
Bento entra sorrateiramente e interrompe meus pensamentos.
— Algumas moedas por seus pensamentos? – É um milagre vê-lo no banco.
— Nada de especial! – Respondo.
— Continuo a querer pagar por seus pensamentos, irmão! Nos últimos tempos, seus
pensamentos parecem estar em qualquer lugar menos no aqui e agora. – Segurei as palavras
dentro de minha boca para não confessar o motivo da minha distração. — Diria que você está
apaixonado, não fosse o fato de ver-te muito desconfortável na presença de Joaquina. Foi
impressão minha ou queria livrar-se dela?
— Terminei com Joaquina! – Não era homem de rodeios e fui direto ao ponto. — Aliás,
devo agradecer-te por ontem. Não sabia o que fazer para livrar-me da viúva. – Bento ergue uma
sobrancelha, demonstrando espanto. — O que foi? – Pergunto.
— Definitivamente, você está estranho. Seja qual for a razão ou pessoa responsável por
essa decisão súbita de livrar-se da viúva, embora eu tenha minhas desconfianças, avise-me quando
sentir-se seguro, para que eu possa agradecê-la. Nunca gostei de Joaquina mesmo.
— E Flora como tem se comportado? – É melhor para todos trocar de assunto.
— Não sei não, Felipe! Flora está muito quieta para o meu gosto. Ontem, comportou-se
impecavelmente, devo dizer.... Sequer jogou uma olhadela para Volkov. Fiquei preocupado quando
desapareceu no intervalo. Se não fosse o mesmo bando de mães enlouquecidas por um bom
partido para suas filhas, não a teria perdido de vista. – Bento suspira. — Acredito, porém, que não
fez nada demais, pois esteve com Penélope. – Aí tinha! Penélope havia estado comigo embaixo da
escadaria do teatro. Só em lembrar-lhe tão quente e macia, o leão que mora dentro de minhas
calças ameaça acordar.
— Felipe! – Bento tira-me do meu torpor.
— Sim! O que dizia?
— Dizia que devemos tomar alguma atitude em relação a Flora. Talvez devemos considerar
a hipótese de deixá-la ser cortejada pelo russo.
— Não sei se é uma boa ideia, Bento. Sabemos muito bem todos os boatos que circulam em
nosso meio. Volkov nunca foi visto com bons olhos pela sociedade carioca.
— Eis a questão! E se tudo que falam não passam de boatos apenas? Talvez, devêssemos
contratar um investigador para levantar a ficha completa do sujeito. Flora é ardilosa quando quer
e estou cansado de correr atrás dela, principalmente se considerarmos que você não tem ajudado
muito. – Contraio o maxilar, era só que me faltava ser repreendido pelo meu irmão mais novo.
— O que quer insinuar com isso, Bento?
— Que alguma coisa, que eu acho ser mulher, anda tirando tua atenção. – Inferno, nem
mais isso eu tinha direito!
— Não seja tolo! – Respondo. — Mas irei considerar sua ideia e procurar um detetive para
que levante o passado de Volkov.
— E quanto a Joaquina? Não irá me contar o que lhe fez mudar de ideia em ralação a
desposá-la? – Bento não iria desistir de tirar alguma coisa de mim, então tratei de respondê-lo com
a verdade ou parte dela.
— Em breve, saberás o motivo. Por ora, basta saber que percebi que um casamento exige
mais do que apenas conveniência. – Bento levantou-se e bateu em meu ombro.
— Fico feliz que tenha percebido isso antes de ter cometido a maior burrada de sua vida,
irmão. Avise mamãe de que não me esperem para o jantar. Pretendo terminar meu trabalho aqui e
passar a noite no clube. – Olho de esguelha para Bento. — O que foi? Também sou filho de Deus
e mereço uma folga de toda essa perseguição em relação à Flora.
— Mamãe não gostará nem um pouco de saber que passará a noite de segunda-feira na
farra. Não chegue tarde, quero-o no banco cedo pela manhã. – Magalhães havia me convencido
de que deveria dar uma segunda chance a Bento, o velho advogado acreditava que ainda se
revelaria um ótimo administrador.
Havia tido uma reunião pela manhã com Magalhães. Estava intrigado com o fato de ter
sido nomeado tutor de Penélope e tentei extrair dele alguma informação. Nada, absolutamente
nada, foi-me revelado sob o pretexto de não poder quebrar o sigilo profissional. Minha mãe
deveria saber algo, mas seria praticamente impossível tirar de Dona Violeta qualquer informação,
conhecia-a bem o suficiente para saber que segredos eram segredos. O que mais me preocupava
era o fato do pai de Penélope tê-la prometido em casamento a Cumberland, o Duque
“almofadinha”. Se isso fosse verdade, estava determinado a fazer qualquer coisa para tê-la ao
meu lado, até mesmo um duelo.
Pego minha casaca e visto-a. Era o dia do mês que me reunia com mamãe para fechar as
contas da casa e fazer os pagamentos aos empregados, ainda queria ir até a estufa para pegar
uma flor para Penélope. Na noite anterior, havia me dito que sentiu falta delas. Pretendia mimá-la
com uma linda criação minha, uma rosa azul, mas não um azul qualquer e sim um azul quase
violeta, que havia florescido recentemente e faria um lindo par com minha doce Penélope.
Depois de despachar todos os assuntos domésticos, rumei para a estufa a fim de colher a
linda rosa azul. Encontro Penélope tranquilamente sentada num banco de nosso jardim, à sombra
de um salgueiro, lendo um dos seus livros com ideias feministas. Aquele banco em particular era
afastado dos olhos e a imponência do salgueiro centenário nos daria a intimidade necessária.
— Que susto, Felipe! O que faz uma hora dessas em casa? – O brilho dos olhos azuis de
Penélope praticamente me cega, sempre havia sido assim, desde o primeiro dia que a tinha visto.
Estava corada e a simplicidade de suas roupas não conseguia a deixar menos desejável.
— Tinha assuntos da casa para tratar. – Penélope abre um sorriso e meu coração parece
sair pela boca. — Tenho uma coisa para você, carinho! – Agacho-me e levo a rosa azul que
escondia às minhas costas para seu colo.
— Para mim?
— Sim, carinho. É uma das minhas mais bonitas criações. E, para a rainha das flores nada
mais do que o melhor, não é? – Penélope, minha doce preceptora, abre seu mais lindo sorriso e só
então consigo perceber as covinhas que enfeitavam sua boca quando sorria.
— É perfeita! Não sabia que existiam rosas azuis.
— Não existem, Peny. – Sento-me ao seu lado e puxo-a para meu abraço. — Eu a criei a
partir de alguns cruzamentos, o que me levou muito tempo e força de vontade, devo dizer.
— Você é um verdadeiro artista, Felipe! Um artista das flores. Sinto-me honrada em ser
presenteada com belíssimo exemplar. É um galanteador, além de tudo.
— É minha futura esposa, carinho! Quero enchê-la de mimos.
— Ficarei mal-acostumada desse jeito! – Ela solta uma gargalhada. É tão bom ouvir seu
riso. Beijo o topo de sua testa e um sentimento forte de ternura percorre cada milímetro do meu
corpo. Havia me envolvido com Penélope a ponto de não suportar uma vida longe dela.
— Quais os compromissos para a semana? – Espicho minhas pernas e Penélope aconchega-
se contra meu tórax, trazendo suas pernas para cima do banco.
— Para minha sorte, serão poucos eventos nesta semana. Amanhã, acompanharei Flora à
loja de chapéus e na quinta-feira, será a vez de acompanhar Sua Graça a um chá oferecido por
uma grande dama da sociedade carioca. – Reteso meu corpo em sinal de frustração. Prometi a
mim mesmo não agir no calor do ciúme, mas sou incapaz de esconder meu desconforto. — O que
foi, Felipe?
— Não gosto nenhum pouco de vê-la em compromissos sociais com Cumberland, Penélope.
— Flora e madrinha me acompanharão. Além do mais, já conversamos a respeito. –
Resmungo e sou surpreendido com um roçar de lábios. Incapaz de resistir ao toque de Penélope,
invado sua boca, agarrando-a pela cintura com força. Minha doçura havia se tornado uma
sedutora descarada e totalmente deliciosa.

Crônicas da Sociedade Carioca


Nesse final de semana, a casa dos Gusmão de Albuquerque hospedou um nobre mais do que
célebre. O Duque de Cumberland, assim como o senhor Magalhães, necessitaram pernoitar na
conhecida mansão devido a intempéries. O que só posso especular deva ter causado imenso
desconforto aos moradores.
Não sabemos ademais é se o anfitrião demonstrou hospitalidade para com os mesmos.
Chegaram aos meus discretos ouvidos, que Lady F. e Lady. A. aprontaram algumas peripécias e
acabaram por não ficar em bons lençóis. O que dizer de damas que se arriscam em jogar peteca?
Sem hipocrisia vos falo que não conheço muitas ladys que se permitam a tal disparate.
A apresentação de ópera em homenagem ao futuro marido de alguma senhorita pura e
inocente foi realizada na noite seguinte, tendo direito até mesmo a um camarote exclusivo para seus
convidados. Que receio dizer, foram muitos, dentre eles estavam o seu anfitrião na noite anterior, Lady
F., Lady A., Lady C.A. e vários cavalheiros respeitáveis (com imensa fortuna), devo ressaltar.
As atenções foram todas monopolizadas pela muito aclamada pupila da sociedade, que
pareceu de fato, muito à vontade com todos os olhares, inclusive com os de um nobre perfeito para
desposar a senhorita em questão.
A outra senhorita (não a considero lady, devo confessar, porém respeito o decoro), citada na
coluna anterior, estava tentando conseguir a resposta que tanto comentei. Temo dizer que pelo que
observei, tais intenções por parte do banqueiro eram irreconhecíveis. Lady C.A me parecia furiosa e
tentava disfarçar sua rejeita sorrindo para todos os presentes. Nada seria mais aceitável por parte
dela, que busca somente manter seu alto padrão na sociedade e certo cavalheiro, que não queria
receber sua atenção.
Durante a pausa tão esperada pelos casais escandalosos, várias senhoritas e senhores foram
vistos saindo com imensa falta de perspicácia. Acredito que poderiam disfarçar suas intenções, dando
uma pequena pausa entre uma escapadela e outra, porém, o que um casal apaixonado não é capaz
de fazer para dar vazão aos seus sentimentos? Não citarei nomes, em respeito a tais probabilidades
de casório, mas creio eu que não fui o único a perceber, para infortúnio dos pombinhos.
Direi ainda algo pelo qual serei crucificado, mas caro banqueiro, a viúva mais temida dos
salões da alta sociedade também reparou em sua inocente saída. Receio lhe dizer que esse ato não lhe
será perdoado.
Após o retorno da apresentação, foi possível que todos notassem alguns convidados em total
desmazelo, então não serei o único culpado por citá-los aqui, quando tais pessoas não se preocupam
com os olhares mais atentos.
Ouçam esse mexeriqueiro que vos fala: caros senhores e senhoritas tenham mais perícia nas
próximas vezes. Sou totalmente discreto com minhas colunas, mas as mães casamenteiras da sociedade
carioca são totalmente sinceras e temo dizer, mas carecem de bom senso em algumas ocasiões.
Aumentando os fatos e deixando clara a sua indignação com a falta de decoro e respeito aos bons
costumes, incluindo de forma maldosa nomes e acabando com a reputação dos citados, por puro
deleite de prazer.
E somente para afirmar, não adianta esconder as colunas das demais senhoras curiosas a
respeito dos acontecimentos. O tempo somente deixa a notícia mais esperada e verídica para tais
olhares.
Por Lafaiete Boaventura
Eu e Flora saímos de casa com a desculpa de que precisávamos comprar chapéus novos.
Ao chegarmos no Centro, deixo-a na companhia de seu cavalheiro russo. Rapidamente, ela nos
apresentou. Yuri Volkov era um sujeito garboso, um tanto intimidante, mas muito bonito, um belo
exemplar da civilização russa, devo dizer. O senhor Nogueira havia me enviado um bilhete através
de um moleque, onde dizia-me o local que iria me esperar. Procurei vestir um dos conjuntos mais
simples do meu novo guarda-roupa para não chamar tanta atenção para minha pessoa. Sentia-me
péssima por mentir, mas minha curiosidade era maior. Determinada avanço para dentro do parque
onde o cavalheiro me aguardava num banco mais reservado. Acabo tropeçando numa pedra e se
não fosse a rapidez de Nogueira, havia beijado o chão. Tudo culpa desse maldito modelo de saia.
Era simples, num tom pastel, mas sua cauda era enorme. Não sei onde estava com a cabeça
quando o escolhi.
— A senhorita está bem? – Ele pergunta. Sinto-me estranha nos braços dele e trato de
afastar-me logo.
— Desculpe-me, senhor! Culpa desse maldito conjunto. Haverá o dia em que às mulheres
será permitido o uso de calças. – Bufo em frustração. Afinal, para os homens tudo sempre foi
tolerado. Nogueira ri. — Perdoe-me, mas qual o motivo do riso? – Nunca tolerei ser motivo de risos.
— Oh... Seria uma imagem dos deuses vê-la dentro de calças. – Mas era um descarado
mesmo.
— Assim, o senhor ofende-me. Sou uma mulher de decência e mereço respeito. – Acabo
corando.
— Perdoe-me, Senhorita Ferreira, não quis soar indelicado. Apenas, não resisti! Sua beleza
é cantada pelos boêmios em todos os bares do Rio de Janeiro, mas vê-la pessoalmente, é muito
para meus olhos. – Minha Nossa Senhora das mulheres apavoradas, não bastasse virar notícia do
mexeriqueiro do Lafaiete, agora virei assunto de bar.
— A água dessa cidade só pode ter sido contaminada por alguma substância altamente
tóxica... Nunca vi tamanho atrevimento por metro quadrado.
— Não a entendi! – Nogueira levanta as sobrancelhas.
— Esquece! Afinal, estamos aqui para outra coisa. – Quero logo tratar de escutá-lo e voltar
para encontrar Flora.
— Não sei nem por onde começar, na verdade. – Nogueira faz sinal para que me sente.
— Oras, pelo começo. – Ele tira seu chapéu de palha num gesto elegante. Sua voz é tão
melodiosa, deve ser um ótimo cantor.
— Bem... Há anos atrás, eu e a mãe de Eloíse fomos noivos. Estávamos apaixonados e
felizes com o nosso noivado, mas havia a música. – Nogueira hesita por alguns minutos, em sinal de
clara apreensão. — Gisela não foi capaz de renunciar a tudo e ir contra seus pais para
acompanhar-me. Fui expulso e deserdado por meu pai, nosso compromisso foi rompido. Quanto ao
resto, a senhorita já deve saber.
—Sim! Gisela casou-se com o Senhor Felipe.
— Há pouco tempo, fiquei sabendo que Eloíse pode ser minha filha, senhorita Ferreira. –
Meu queixo cai. Minhas desconfianças iniciais poderiam ser mais do que meras desconfianças de
uma mente fértil como a minha. — A mesma pessoa que me revelou isso, também me confirmou que
Eloíse nasceu prematura. Há vários indícios que levam a crer que a menina pode ser minha filha,
pode ser uma Nogueira e não uma Gusmão de Albuquerque. Não é condizente falar com a
senhorita sobre tais assuntos, és uma moça solteira. – Nogueira passa as mãos pelos cabelos,
revelando desconforto com o tema.
— Entendo perfeitamente, senhor Nogueira. Posso ser uma donzela, mas sou uma mulher
instruída e sei que a falecida Gisela poderia ter mentido quanto a idade do bebê para despistar
a família do marido.
— A senhorita é surpreendente! – Coro.
— Não, senhor Nogueira, apenas sou uma filha concebida fora do sagrado sacramento do
casamento. Temas como este chegaram cedo em minha vida, infelizmente.
— Sinto muito! – Ele parecia ser sincero.
— Não sinta, senhor! Já foi mais difícil, sabe. Com o tempo, acabei a acostumar com tal
fato. – Nogueira concorda com a cabeça. — Mas o que queres que eu faça a respeito? Não vejo
para que posso lhe ser útil.
— Minha fonte está para me entregar uma carta que poderá confirmar minha
paternidade. Quanto a senhorita, apenas peço-te que me ajude a aproximar-me de Eloíse.
— O senhor não acha prematuro? – Preocupo-me com Eloíse.
— Tenho quase por certo que Eloíse é minha filha, senhorita. Como lhe adiantei, recebi uma
proposta para tocar por uma temporada no estrangeiro e tenho pouco tempo para ficar com
minha filha. Além disso, fontes garantiram-me que Felipe não a tolera, mal dá atenção para sua
filha. Eu amei Gisela e não gosto de saber que nossa filha não recebe o amor que lhe é devido
por direito. – Meu coração aperta no peito. No período em que estive entre os Gusmão de
Albuquerque, Felipe mal se aproximou de Eloíse e quando o fez, sempre era para repreendê-la.
Não havia carinho, não havia ternura. Mas estaria passando por cima de Felipe se levasse Eloíse
até Nogueira.
— Não sei se posso ajudá-lo!
— Senhorita Ferreira, olhe para mim! – Ele segura minhas mãos. — A senhorita conhece as
dificuldades de crescer como uma filha ilegítima, dizem por aí que seu pai a deixou num convento
quando ainda era muito jovem para entender os perigos da vida. – Todas as memórias do
passado, guardadas tão bem dentro do meu coração, foram expostas, toda a mágoa retornou com
força. — A senhorita deveria ser a primeira a entender-me e apoiar-me. – Mas eu amava Felipe.
Não poderia fazer algo que poderia vir a machucá-lo.
— Não! Não posso ajudá-lo. O senhor sequer sabe se suas suspeitas são reais. Eloíse pode
ser filha de Felipe e não do senhor. – Eu precisava me segurar num fio de esperança de que Eloíse
era filha de Felipe, era uma legítima Gusmão de Albuquerque. Mas eu não o era uma legítima...
Uma fisgada dolorida atravessa minha cabeça. — Ademais, o senhor foi deserdado. Como pensa
em sustentar Eloíse, caso ela realmente seja sua filha?
— Se aceitar a proposta de tocar fora do Brasil, ganharei um bom dinheiro.
— Então, trate de ganhar dinheiro suficiente para mantê-la! Só depois venha me procurar.
Não tirarei Eloíse do conforto e da segurança que os Gusmão de Albuquerque lhe dispensam. –
Felipe não me perdoaria nunca.
— Por misericórdia, dai-me apenas a chance de conhecer minha filha antes de partir.
Apenas alguns encontros. Prometo que farei parecer apenas encontros do acaso. Ela tem os olhos
de Gisela, é tão bela. – Nogueira deixa uma lágrima escorrer e não sou capaz de negar-lhe
alguns poucos encontros.
— Tudo bem! Mas terá que me prometer que não a deixará sequer desconfiar que
conheceste sua mãe. – E que Deus me ajudasse, pois sou incapaz de resistir às lágrimas de um
possível pai desesperado em ver a filha, quando eu mesma fui impedida de ver meu pai ou
despedir-me dele.
— Obrigada, senhorita Ferreira! – Nogueira leva minhas mãos enluvadas aos lábios, em
sinal de gratidão. — A senhorita não se arrependerá, posso garantir-lhe.
— Darei um jeito de avisar-lhe quando sairei na companhia de Eloíse para um passeio.
Despeço-me de Nogueira e retorno para a Rua do Ouvidor para encontrar Flora, que me
esperava na frente da loja de chapéus, com uma caixa em mãos.
— Aonde se meteste? Consegui encontrar Yuri e ainda comprar um chapéu novo e nada de
aparecer, Peny! – Com razão, Flora repreende-me. Estava muito atrasada.
— Desculpe-me! Estava por aí caminhando e vendo as vitrines e esqueci-me do tempo. –
Desconverso, embora desejava compartilhar com Flora o que Nogueira havia me falado.
— Vamos. Quero estar em casa antes de Felipe e Bento. Eu e Yuri...
Flora falou sobre Yuri durante todo o caminho para o palacete. Apenas consegui gravar o
nome do russo, porque meus pensamentos oscilavam entre Eloíse, Gisela, Nogueira e Felipe, não
havendo espaço para qualquer outra coisa. Sentia-me dividida entre a lealdade a Felipe e aquilo
que meu coração dizia para fazer. Eloíse tem o direito de saber quem é o seu pai verdadeiro e
receber todo o carinho e amor dele. Nogueira pareceu verdadeiro e fragilizado com a descoberta
de ser pai de Eloíse, não me sentia capaz de afastá-lo. Por outro lado, Felipe poderia não gostar
da aproximação. É tão orgulhoso que jamais admitiria que não é o pai de Eloíse.
— Peny? – Flora chama minha atenção.
— Sim!
— Sente-se bem? Não deu um “piu” até aqui. – Acabávamos de cruzar a soleira da porta
principal.
— Estou com dor de cabeça. – Dessa vez era verdade. Também sentia um pouco de
náuseas. Um pouco comum, eu acredito, pois meu encontro com Nogueira deixou-me chocada.
— Oh, Peny! Precisa consultar um médico. Tem se queixado regularmente de enxaqueca.
— Não se preocupe, querida! Apenas preciso de um descanso. – Subo as escadas e jogo-
me na cama assim que entro em meus aposentos. Sinto um sono incontrolável. É estranho uma
caminhada ao ar livre me dar tanto sono.
Desperto mais tarde, com batidas na porta. Era Judite a mando da madrinha.
— A senhorita sente-se bem?
— Sim, Judite! Estou sonolenta, mas a dor de cabeça passou. Acredito que me expus em
excesso ao sol.
— O passeio foi exaustivo, pelo visto! A senhorita dormiu por 3 horas seguidas.
— O que? – Não podia acreditar que havia dormindo tanto.
— Estão todos aguardando a senhorita para o jantar. O senhor Felipe está em cascos
porque a senhorita ainda não desceu. Até não sei como não colocou essa porta abaixo.
— Santa Marta! – Salto da cama.
— É melhor chamar todos os santos mesmo, porque o senhor Felipe está possesso. Bem que
lhe disse que o patrão tem uma queda pela senhorita, precisa ver como está preocupado com a
senhorita.
— Não é hora de gracinhas, Judite! Ajude-me a trocar-me, por favor.
Entediada era a palavra correta para descrever meu estado de espírito no chá
oferecido ao Duque de Cumberland pelos Moreira Sales. Tudo estava impecável, um perfeito chá
servido à moda inglesa, com a pontualidade e eficiência dos britânicos seguida à risca. A conversa
de Willian com o patriarca da família acerca do cultivo do café era mais interessante do que das
refinadas damas. A matriarca queixava-se que o ruge deixava a pele do rosto muito oleosa.
Madrinha discursava acerca dos benefícios do abacate para os cabelos secos. Flora e Lenita, a
caçula do casal anfitrião, cochichavam num dos cantos da sala entre sorrisos displicentes. Os
Moreira Sales apenas tinham filhas mulheres, eram 3 no total, todas em idade para o casamento. A
mais velha delas, Pierina, tinha uma língua afiada e parecia se dar muito bem com um mexerico.
— Leu a última coluna do senhor Lafaiete Boaventura, senhorita Penélope? – Já até previa
onde ela queria chegar.
— Lamentavelmente, não tive a oportunidade de lê-la.
— Todos nos perguntamos como o senhor Boaventura tem acesso a informações tão
privilegiadas. Também andam a dizer que a Senhora Coutinho do Amaral está a cuspir fogo pelas
ventas em razão das insinuações do jornalista. – Pierina tapou sua boca com a mão, num gesto
coquete, afim de conter o riso.
— O que o senhor Boaventura insinuou? – Pierina havia despertado minha curiosidade.
— Não nos diga que não leu a coluna publicada esta semana?! – Paulina, a irmã do meio
exclamou e eu neguei com a cabeça. – O Senhor Boaventura insinuou que um certo banqueiro foi
visto em atitude suspeita na noite de domingo durante o intervalo do espetáculo “O Guarani”.
— Como a viúva foi vista no seu balcão... – Completa a mais velha. — Todos sabem que a
Senhora Coutinho do Amaral quer casar-se com o certo banqueiro. – Nossa Senhora das mulheres
roubadoras de pretendes alheios, quanta fofoca maledicente. — Mas até eu queria casar com
aquele certo banqueiro. Ninguém pode negar que é um pedaço de mau caminho. Há um vagão
inteiro de pretendes na fila. – Mas é uma descarada mesmo essa Pierina. Como pode falar assim
de Felipe, praticamente na frente de sua família?
— Se bem que eu prefira ao seu irmão. Aquele par de olhos azuis esverdeados, ai meu
coração! – Santa Joana D’Arca, dai-me paciência com essas duas.
— Daqui menos de um mês, todos serão bem-vindos em nossa propriedade rural. Para
marcar o aniversário de minha querida afilhada, Penélope, promoveremos uma festa rural, com um
belíssimo sarau. – Madrinha faz questão de falar alto para atrair a atenção de todos. O que foi
uma surpresa. Até então sabia que seria agraciada com um sarau, mas não uma festa rural.
Madrinha e suas manias de copiar os costumes estrangeiros. — Contarei com a ajuda dos criados
de Sua Graça para os preparativos. É claro que Madame Lamartine está confeccionando um
belíssimo modelo para a grande homenageada – Festiva, madrinha completa. Pronto, lá ia eu para
mais provas e apertões.
— A senhora não me falou nada a respeito de um novo vestido, madrinha! – Deixo
escapar.
— Não quis lhe sobrecarregar com frivolidades, querida! Andaste abatida e achei por
bem já mandar confeccionar seu vestido. Madame Lamartine tem suas medidas, assim dentro de
algumas semanas estará pronto para a prova. Escolhemos um modelo belíssimo. – Era lógico que
haviam escolhido um modelo belíssimo e também indecente. Ai, ai, Dona Violeta, a senhora é muito
ardilosa, devo dizer. De certo, já sabia que iria me negar a aceitar mais um vestido. Se continuasse
nesse ritmo, minha herança transformar-se-ia em tecidos e linhas num piscar de olhos.
— Sejamos justos! – Willian intervém no bate papo das damas. — A Senhorita Ferreira
enaltece qualquer modelo. – Que comentário amável, muito inapropriado, mas amável mesmo
assim.
O chá terminou sem mais nenhum contratempo ou comentário desagradável por parte das
irmãs Moreira Sales. O motorista de Willian nos deixou em casa por volta das 7 horas da noite. É
claro que um chá oferecido a um nobre britânico teria sido servido às 5 horas. A sociedade
carioca esforçava-se para agradecer a Sua Graça, ao final e ao cabo.
Não conseguia segurar os olhos abertos, tamanho era meu sono. Havia passado a semana
com sono, talvez estivesse prestes a ser vítima de um resfriado. Como estava saturada de chá e
brioche, despeço-me de todos e vou para meu quarto. Sinto saudades de Felipe. Durante toda a
semana, havia me evitado, sob o pretexto de manter minha reputação intacta. É claro que não
seria a primeira a dar o braço a torcer. Ele que viesse me procurar.
Desperto na manhã seguinte com uma tontura incômoda e uma fome descomunal. Abro as
cortinas e o sol estava alto no céu. Provavelmente, todos haviam feito seu desjejum. Toco a sineta e
aguardo uma criada para pedir meu café da manhã. Sou capaz de comer um boi inteiro, tamanha
é minha fome. Em cima de minha escrivaninha, encontro um galho de uma colorida flor, numa mescla
perfeita entre o branco e o rosa, com um bilhete.
“Nada melhor do que a astromélia para expressar a saudade que sinto do meu amor.”
Felipe esteve aqui enquanto dormia, aquele infame poderia ter me acordado. Imagens
indecentes do que poderíamos ter feito na madrugada povoam minha mente. Foco Penélope Lillian
Ferreira, logo você estará casada e suas noites serão recheadas de obscenidades.
Depois da aula de Eloíse, fomos dar um passeio no Zoológico. Estávamos estudando os
animais africanos e nada melhor do que uma visita ao zoológico. A brisa outonal era convidativa
para um passeio ao ar livre e seria a oportunidade perfeita para levá-la ao encontro de seu
suposto pai. Este assunto continuava a incomodar-me, confesso.
— Peny, o leão é o animal mais magnífico, não acha? – Eloíse dava saltinhos. Era pura
felicidade.
— Em ferocidade, devo admitir que o é, Eloíse. Porém, a girafa também é incrível.
— Que surpresa agradável, encontrá-las aqui. – Nogueira aproxima-se e pisca para mim.
— Senhor Nogueira! O senhor poderia nos comprar algodão doce! – Eloíse não toma jeito
mesmo. Sou interrompida pelo músico, assim que estou prestes a repreendê-la.
— E que cavalheiro seria eu se não ofertasse um doce para a tão bela e elegante dama?!
– A menina estufa o peito em sinal de orgulho e executa uma belíssima reverência. Eloíse vai dar
trabalho quando mais crescida, isso posso prever.
— A senhorita também quer? – Eu concordo com um rápido chacoalhar de cabeça e
observo-os se afastar em direção ao vendedor de algodão doce, umas das maravilhas deste novo
século.
Era prazeroso e realizador ensinar uma menina curiosa e cheia de vida como Eloíse. Era um
espírito livre e cuidar para que desabrochasse era o mínimo que eu poderia fazer. Amava minhas
alunas e sentiria falta delas uma vez casada com Felipe. De todo modo, não pretendia abrir mão
do sonho da minha escola para moças. Talvez, abrisse o estabelecimento aqui no Rio de Janeiro
mesmo.
Eloíse corre em minha direção e entrega-me o algodão doce. Como um furacão, retorna
para junto de Nogueira, que parece ter muita paciência com crianças agitadas como Eloíse. O
cheiro adocicado aguça meu estômago e faz salivar minha boca. Não me recordava de ter
gostado tanto de guloseimas.
— Eloíse lhe adora! – Ofegante, Nogueira senta-se no banco ao meu lado, um tempo
depois.
— É uma menina encantadora, só precisamos ter jeito para levá-la. Acredite, senhor
Nogueira, Eloíse conseguiu despachar muitas preceptoras até eu chegar. – Solto um riso ao
lembrar-me da fúria de Felipe quando o conheci.
— Então, a senhorita operou um verdadeiro milagre.
— Imagine! Não sou Santa para operar milagres.
— Indubitavelmente, Eloíse lhe adora e não sei o que será dessa menina quando terás que
ir embora. – Na verdade, não pretendia ir embora, mas não devia falar-lhe. Não era apropriado,
não até o meu aniversário. — Pois um dia a senhorita irá embora ou não?
— Um dia talvez!
— E o que será de minha filha?
— Para início de conversar, o senhor não tem certeza se ela é de fato sua filha, senhor
Nogueira. – Ele toca meu braço, interrompendo-me.
— Juliano, por favor!
— Bem... Senhor Nogueira, quero dizer Juliano, também não devemos colocar a carroça na
frente dos bois, não é?
— Preocupo-me com minha filha. E, sim, Eloíse é minha filha. Estou a um passo de ter uma
prova de que é sangue do meu sangue, senhorita Ferreira. – Arregalo os olhos diante de tanta
certeza. O músico ajoelha-se diante de mim e pega uma das minhas mãos. Meu coração dispara,
quero sacudi-lo para que não faça o que eu acho que fará.
— Senhorita Ferreira, considerando o fato de que minha filha a admire, de que és uma
mulher magnífica tanto por fora quando por dentro, daria-me a honra de cortejá-la? – Nossa
Senhora das Mulheres em situação desesperadora, de novo não! — Nós três poderíamos deixar
toda essa confusão para trás e viver fora do Brasil. Minhas intenções são honradas e respeitosas,
senhorita. Poderíamos ser muito felizes. – Fácil falar quando seu coração bate
descompassadamente por outro homem. Levanto-me bruscamente, quase derrubando-o. Não
acredito que ele teve a impertinência de fazer-me tal proposta. Foco Penélope Lillian Ferreira!
— Oras, senhor... – Não consigo encontrar as palavras. — Senhor Nogueira, vamos fazer
de conta que não me fizeste tal proposta. Está bem para o senhor?
— Mas eu a fiz!
— Sim, eu sei! – Explodo. — Mas para o bem de todos, considere que não o fez. Se queres
continuar vendo sua suposta filha, que aliás ainda não é até provar-me o contrário, é melhor fingir
que não o fez. – Parto em busca de Eloíse, não vejo a hora de livrar-me de Juliano Nogueira.
Dez dias, o inferno de dez dias, sem sentir o calor de Penélope em meus braços. Dez dias
apenas com beijos roubados. Maldita ideia de concordar em esperar sua festa de aniversário. Ao
contrário, já podíamos estar com os proclamas em andamento e, no seu aniversário, Penélope
poderia ser minha esposa. Não, mas a megera tinha que dificultar minha vida.
— Ah Penélope, quando converter-te-ei em minha esposa, trancar-te-ei no quarto por um
mês!
— Qual é o problema desta vez, Felipe? – Flora aproxima-se. Estava radiante num vestido
floral.
— Nada de importante, o de sempre.
— Tens um minuto para mim? – Assinto com a cabeça e peço para que ela se sente em uma
das poltronas do meu escritório.
— Estive conversando com Peny, que me convenceu a falar com você ou Bento acerca de
Yuri. Bento está intransigível, praticamente impossível pronunciar o nome Yuri.
— E o que te leva a crer que comigo será diferente? – Estranho a colocação, pois Flora
sempre foi mais próxima de Bento do que de mim.
— Você esteve mais tranquilo, Felipe. – Flora parece constrangida com o comentário. —
Além disso, você é o meu irmão mais velho e acredito ser justo tentarmos conversar. Eu gosto do
Yuri, Felipe. Ele é bom para mim. Deixe-o fazer-me a corte.
— Flora! – Maldição, não queria brigar com minha irmã. — Yuri não é um partido
apropriado para você. Ele não é o tipo de homem para uma moça de família como você. Diga-me,
Flora, o que será de você quando a sociedade difamar-te pelo simples fato de ser esposa de um
mafioso? – Os olhos esverdeados de Flora brilham pelas lágrimas contidas.
— Não importa!
— Agora, pensa dessa forma, mas quando virar o assunto principal dos salões,
arrepender-se-á amargamente.
— Mas Felipe... Você e Bento estão sendo injustos, sequer deram a oportunidade de ouvir
Yuri.
— Nem sempre as coisas são justas aos nossos olhos, Flora. Nem sempre o certo a ser feito
é o justo e há males que são necessários. Daqui alguns anos, mais amadurecida, dar-nos-á razão.
— Eu sabia que iria ser por nada. – Flora seca as lágrimas com as mãos e meu coração
aperta, mas como o irmão mais velho e na ausência de papai, preciso agir com a razão. — Quero
que saiba que só vim até você porque Penélope insistiu, mas sempre soube que não seria capaz de
mudar de ideia.
Flora retira-se e logo em seguida, entra mamãe para pedir mais dinheiro.
— Não seja resmungão, Felipe. Não podemos fazer feio na festa rural. – Mas também não
precisa nos levar à falência. Entrego um cheque assinado no valor solicitado por mamãe.
— E a senhorita Penélope? – Não a tinha visto ainda.
— O que tem Penélope, Felipe?
— Onde está?
— Em seu quarto. Penélope foi ao Jardim Botânico com Eloíse e voltou indisposta. Já falei
para aquela menina consultar um médico, anda queixando-se de enxaqueca e indisposição, a
coitadinha. Às vezes, acho que não conseguirá acostumar-se com o clima tropical do Rio de Janeiro.
– Estanho o comentário de mamãe, pois Penélope não havia me dito nada a respeito de não se
sentir bem. — Posso saber o motivo de seu interesse súbito por minha afilhada? – Maldição, havia
falado demais.
— Apenas queria conversar com a senhorita Penélope acerca dos avanços de Eloíse, afinal,
ela assumiu a responsabilidade de instruí-la.
— Não acredito que irás incomodá-la por uma bobagem dessas, Felipe. Eloíse não poderia
estar em mãos melhores. – Se mamãe soubesse o quanto aprecio as mãos de Penélope em meu
corpo. — Felipe! – Dona Violeta me chama a atenção antes de certo leão acordar, graças a Deus.
— O que foi, mamãe? – Não faço a menor ideia do que havia falado.
— Dizia que você precisa providenciar uma nova preceptora para Eloíse. Não é de bom
tom que Penélope continue a desempenhar essa função? – Enrugo a testa e cruzo os braços, este
tema é interessante.
— E posso saber o porquê? – Sim quero saber o porquê, já que mamãe não sabe que irei
me casar com sua afilhada.
— Porque... Porque... – Dona Violeta havia ficado tensa, era certo que escondia alguma
coisa. — Bem, Penélope, com certeza, receberá boas propostas de casamento e seu marido não irá
querer que continue a dar aulas para Eloíse. – De minha parte, não via problema algum em
Penélope continuar dando aulas para minha filha, é claro que pretendia pô-la em férias, afinal,
manteria Penélope ocupada no meu quarto por alguns dias.
— Se for essa a razão, não devo ter pressa!
— Felipe, meu filho, em que mundo esteve nos últimos tempos? Há uma horda de pretendes
batendo em nossa porta desde que Penélope foi apresentada, é questão de tempo para que ela
ceda aos encantos de um deles. – Mamãe não precisava ter me lembrado dessa parte
desagradável. Ela se aproxima e dá suas habituais batidinhas em meu rosto, saindo em seguida
num farfalhar de saias engomadas.
Aproveito a quietude da casa para visitar Penélope em seu quarto. Bato na porta, por duas
vezes seguidas e nada da minha preceptora. Forço a maçaneta, não está trancada à chave. Tenho
a impressão que meu coração parou de bater assim que sou atingido pela imagem da minha
doçura esparramada na cama, apenas de camisola. A suavidade de seus cabelos negros são uma
carícia para o travesseiro, confesso que sinto inveja do objeto. Está corada e mais bela do que
nunca. Há algo de mágico em sua imagem, que não sei explicar ao certo o que seja, algo a mais,
algo que não havia notado antes. O cheiro fresco e intoxicante de Penélope chega as minhas
narinas, fazendo-me cambalear. Fui transportado para o céu, só pode. Penélope é a imagem da
perfeição. O ressoar de sua respiração embala meus pensamentos em direção a uma paz nunca
antes sentida. Ajoelho-me e acaricio seus cabelos, tão sedosos, tão brilhantes. Não resisto e levo a
mão até seu ombro descoberto. Sua pele é quente e suave como um pêssego, tudo em Penélope é
divino. Ali fico por alguns minutos até Penélope se mexer e tirar-me do êxtase em que me
encontrava.
— Felipe! – Penélope abre lentamente as pálpebras e fico cego pelo brilho de seus olhos, o
mesmo brilho azul que me capturou desde o princípio. — Estou com tanto sono!
— Dorme, carinho! – Olhar para ela apenas me bastava, desfrutaria apenas de sua
imagem, do seu perfume e de sua presença.
— Fique comigo um pouco, então! – Ela encolhe-se para o lado, abrindo espaço para mim
e assim que me posiciono na cama, puxo-a para meu colo. — Eu te amo tanto! – Penélope deixa
escapar que me ama entre um bocejo e outro. Ela havia dito que me amava, mesmo que pudesse
ser apenas em sonho, ela me amava. Talvez para mim fosse o bastante. Dessa vez, havia chego
primeiro e não deixaria ninguém a tirar de mim.
Era tão bom tê-la nos meus braços, velando seu sono, um sono tão calmo e profundo, ficaria
dias a fio apenas segurando-a no colo. Ela era tudo o que precisava para viver, minha comida
favorita, minha bebida dos deuses.
— Que poder você tem, doçura, para colocar-me caído assim aos teus pés? – Sussurro.
Escuto batidas na porta e lembro-me de não ter a trancado, inferno.
— Senhorita Penélope! – Acredito ser a voz de Judite, mas não tenho certeza. — Dona
Violeta mandou avisar-lhe que a Sua Graça virá para o chá. – Uma ova que vou deixar minha
doçura ser acordada apenas para fazer sala ao “almofadinha” da nobreza. — Novas batidas,
preciso esconder-me. Lentamente, afasto Penélope para o lado e meto-me embaixo da cama. A
porta é aberta. — Dona Violeta que me desculpe, mas não irei acordá-la. É um pecado fazê-la
despertar, dorme tão tranquila. – Boa menina! Devo me recordar de aumentar o salário de Judite.
Escuto passos e a voz da criada afastando-se para o outro lado do quarto. — Tenho certeza que
o senhor Felipe anda lhe mandando flores. Olhe só esta daqui! – Judite se referia a magnólia que
havia deixado no início da manhã. — Nunca estive dentro da estufa do patrão, mas quem esteve
garante que é um berçário das mais lindas flores. Os dois podem até enganar os outros, mas eu
sei que estão apaixonados. Por falar no patrão, ainda tenho que encontrá-lo. Parece que os
Magalhães foram convidados para o chá também. Jurava que ia o encontrar aqui. – Judite ri e
sai.
Saio debaixo da cama e sinto um fisgão na perna. Maldição, não tenho mais idade para
isso. Apesar de toda a agitação, Penélope não se moveu. Rapidamente, afago seus cabelos e
encosto meus lábios em seu rosto.
— Até mais, carinho! Logo, estaremos casados e espero não ter mais que me esgueirar
pelos cantos ou esconder-me embaixo de sua cama para estar contigo. – Maldição, hora de voltar
à realidade, estava tão bom.
Estou prestes a morrer sufocada. Não suporto mais nenhum aperto no espartilho. Estou
fazendo a última prova do elegante vestido para a festa do meu aniversário. É um modelo com
fundo branco, rendado na cor preta e com delicados bordados. É magnífico, devo confessar.
— Por favor, Ingrid, sufocarei dentro deste espartilho se apertá-lo mais. Não suportarei
mais nenhum milímetro. – Falo para a assistente de Madame Lamartine. Desesperada, Ingrid sai em
busca da modista. As duas retornam minutos depois.
— Teremos que alargar o vestido novamente! – Ingrid fala, irritada. — Não sei se teremos
tempo suficiente para ajustá-lo. A Senhorita Ferreira engordou novamente. – Era minha terceira
prova e em todas elas, fez-se necessário alargá-lo. O que era estranho, pois nunca tive problemas
desse tipo.
— Mademoiselle não dê ouvidos para Ingrid! – Madame Lamartine comenta e tenta puxar
o espartilho, mas é impossível, de fato havia engordado. — Traga-me os alfinetes, Ingrid.
— Ingrid tem razão, Madame. Tenho exagerado nos doces. – Morro por uma tigela de
ambrosia da Dionísia. Nem eu sabia que gostava tanto de ambrosia. Não posso esquecer a
quantidade de guloseimas que tenho comido nos passeios com Eloíse e o senhor Nogueira. — E se
no dia do baile, eu não entrar no vestido? – Pergunto preocupada.
— Não se preocupe, chérie! Faltam apenas 3 dias para usá-lo e até lá não terá
engordado o suficiente para não caber no vestido.
— E este decote, a senhora não poderia fazê-lo subir um pouquinho. Estou achando-o tão
baixo. – Meus peitos praticamente saltavam para fora.
— Não posso fazer nada a respeito, querida! Seus peitos parecem ter aumentado também.
Se não fosse uma donzela, diria que está grávida. – Engoli em seco.
— O que a senhora falou?
— Que se não fosse uma moça solteira, diria que está grávida. – Sinto uma tontura e parto
em busca de uma cadeira. — O que houve, chérie? – Madame pergunta.
— Que dia é hoje? – Precisava saber que dia era hoje. Minha Nossa Senhora das mulheres
perdidas, como fui esquecer...
— Dia 07. Mas por que? Oh... A senhorita desconfia de que esteja grávida? – Concordo
com a cabeça. O mais óbvio era que estivesse grávida. Minhas regras não desciam a dois meses.
— Madame, devo estar grávida... – Faço uma pausa para criar coragem. — Minhas regras
estão atrasadas, além disso sinto um sono descomunal, indisposição e muita fome. Recentemente,
tenho tido náuseas.
— Mon dieu! De fato, a senhorita está grávida. São muitos os sintomas indicativos, chérie.
— Por favor, não o comente com ninguém. – A modista aproxima-se e segura minhas mãos,
na tentativa de me tranquilizar. Eu tremia mais do que uma vara verde desde o momento que havia
me dado conta de que meu sangramento, normalmente regular, não havia descido.
— Escute-me, chérie! Espero que o responsável por sua situação assuma a você e ao filho
que gerou. – Ele já havia inclusive me pedido em casamento. — Caso as coisas se compliquem,
saiba que há quem poderá lhe ajudar, Senhorita. – Santa Lídia, o que essa mulher está falando?
Olho-a com espanto. — Serei clara! Caso o pai do filho que carrega no ventre não assumir suas
responsabilidades, conheço uma curandeira que poderá lhe fazer uma beberagem. Em poucos
dias, o bebê descerá com o sangramento. – Já tinha ouvido a respeito das beberagens, mas não
teria coragem de fazê-lo, mesmo que Felipe não assumisse a criança. Meu filho não tem culpa de
os pais serem tão irresponsáveis.
— Tudo se resolverá! Peço apenas que guarde segredo, Madame. Não quero expor minha
madrinha e sua família aos mexericos. – O que era uma verdade.
Saí do ateliê praticamente aos prantos. Foi quase impossível conter o choro diante da
madrinha e de Flora. Grávida, eu estava grávida. Justo eu que sequer queria me casar. Era visto
que ia acabar grávida de Felipe. Com exceção das últimas semanas, nossos encontros eram
frequentes ao ponto de termos gerado um filho. Minha mãe só havia engravidado uma única vez e
tenho na memória seu desejo de ter tido mais crianças, chegou inclusive a procurar uma curandeira,
que lhe disse que seu ventre era seco. Na época, não havia entendido nada do que a curandeira
havia falado. Acreditava que poderia ser como mamãe e que não seria capaz de gerar. Bem feito,
Penélope Lillian Ferreira, da próxima vez, você fecha a boca antes de falar dos outros. Quando
cheguei no palacete, não sei o que faria primeiro, se chorava ou se vomitava. Corro em direção às
escadas.
— Peny, assim que retornarmos à Capital, marcarei uma consulta com nosso médico. Essa
enxaqueca está demais, para meu gosto. – Madrinha grita. Se ela soubesse que a enxaqueca, no
meu caso, tinha outro nome e que seu filho era o causador, minha Nossa Senhora das mocinhas
aflitas, estou perdida.
Depois que coloquei para fora todo o almoço, lavo meu rosto e sinto-me aliviada e uma
fome desesperadora surge dentro do meu estômago. Santa Teresinha de Ávila, essa criança tem
que se decidir, afinal, ou deixa sua mãe de barriga cheia ou não. Não posso ficar comendo e
vomitando o tempo todo. Tiro meu vestido, não vejo a hora de livrar-me do espartilho. Olho-me no
espelho. Em pouco tempo, não seria possível esconder a barriga. Quanto tempo ainda me resta
para que a barriga fosse visível aos outros? Preciso contar a Felipe, mas não quero fazer antes do
meu aniversário. Jogo-me na cama. Falta pouco. É isso que irei fazer, aguardarei para depois do
meu aniversário para contar a Felipe que será pai. Talvez até lá meu sangramento apareça e tudo
não passará de um alarme falso. Dar-me-ei três dias para acostumar-me com a notícia. Escuto
batidas na porta. É Flora, que entra sem ao menos aguardar minha permissão.
— Peny? Você está branca, o que aconteceu?
— É a enxaqueca de novo. – Juro por todos os Santos e Mártires da Igreja Católica que
depois que contar a Felipe, nunca mais irei jogar a culpa dos meus problemas na enxaqueca. Foi
castigo dos céus, só pode.
— Mamãe ficou preocupada, Peny! – O cheiro adocicado do perfume de Flora fez as
náuseas retornarem. — Mandou-me até aqui, já que o ciático está lhe incomodando para subir as
escadas. Acredita que ela cogita a hipótese de transferir seus aposentos para o andar inferior.
— Não duvido que o faça! Flora, querida, importa-te se eu permanecer deitada? Sinto-me
indisposta.
— Claro que não! Um descanso lhe fará bem. Porém, é aconselhável não postergar muito a
ida ao doutor Pereira. – Flora puxou uma cadeira para perto da cama. — O grande dia
aproxima-se, Peny! É claro que eu e Yuri contamos com sua discrição. – Não estou em condições de
discutir com Flora, então, apenas concordo. O cheiro adocicado faz meu estômago contorcer-se.
— Flora, querida, por favor, reconsidere, pense duas vezes antes de dar este tipo de
passo, melhor, pense quatro vezes.
— Você fala isto porque não sabe o que é estar apaixonada! – Oh... Eu sabia muito bem o
que era estar apaixonada, tão bem que o resultado agora crescia em minha barriga.
— Apenas quero seu bem. – Falo.
— Oh... Peny, não se preocupe. Eu e Yuri nos amamos e isso é o que importa. – Flora
aproxima-se e beija-me. — Por que não nos chamou para vê-la no vestido?
— Quero que seja uma surpresa! – Mais uma mentira para minha lista interminável de
pecados. Imagine o tamanho da penitência que receberei do padre.
— Peny, Flora! – Eloíse entra aos berros no quarto, jogando-se em cima da cama. Flora a
repreende, mas de nada adianta. Eloíse empolgada é incontrolável.
— Peny, não iremos para nossa aula? – Ela devia estar a falar das nossas aulas ao ar livre,
onde encontrávamos o senhor Nogueira. Eloíse havia se apegado ao homem.
— Eloíse, fale baixo, por favor! Peny está com enxaqueca. – Flora chama sua atenção.
— Então, não teremos aula? – Eloíse era assim, fazia uma pergunta atrás da outra e
somente respondia àquilo que lhe era do seu interesse.
— Não, querida! Prometo que compensaremos outro dia. Flora, por favor, abra as janelas.
– O cheiro do perfume de Flora estava insuportável.
— Vovó acabou de avisar-me que embarcaremos para a chácara depois de amanhã.
Podemos ter aulas lá também. Será que vovó convidou o senhor Nogueira para seu aniversário? Eu
gosto tanto dele. Eu acho que ele gosta da senhorita. Até perguntou-me se a senhorita tinha
namorado.
— E o que você respondeu? – Santa Pelágia, algo me diz que era melhor não ter
perguntado.
— Respondi que a senhorita não tinha um namorado, mas que a fila de candidatos ao
cargo cresce a cada dia.
— Eloíse, você não tem idade para essas coisas.
— Mas ouvi Judite falar que a fila de candidatos é mais grande que a fila para pegar o
pãozinho que o Padre José dá na missa de Santo Antônio, na última quarta-feira de cada mês. O
que não entendi é porque papai vai colocar todos eles para correr. – A menina cruza os bracinhos.
— Eloíse! Já o disse que pare de perturbar a senhorita Penélope! – Flora a expulsa do
quarto, saindo logo em seguida. Graças a Deus, consigo ficar sozinha e sem o cheiro adocicado a
embrulhar-me o estômago.
Dois dias depois, estávamos na propriedade rural dos Gusmão de Albuquerque, a
mesma em que havia conhecido Felipe, um forte sentimento tomou-me. Andava com os nervos à flor
da pele. A gravidez havia me convertido numa mulher de humor delicado. Flora e eu havíamos
viajado na companhia de Willian. Depois do meio dia, os convidados começavam a chegar para a
festa rural da madrinha. Baús e valises eram retiradas dos carros elegantes. Não se falava em
outra coisa, no último mês, a não ser na festa de madrinha. Meus enjoos pareciam ter dado uma
trégua. Enjoos de gravidez são terríveis por si só e quando se quer escondê-los, é um verdadeiro
suplício. Neste momento, passeava com Willian à sombra das belíssimas árvores da propriedade.
— O que lhe ocorre, Penélope? – Willian pergunta. — Lady Violeta comentou que suas
crises de enxaqueca se tornaram recorrentes.
— Madrinha exagera! – Willian interrompe o passo e fita-me com olhar interrogativo.
— Sua saúde não é exagero, Penélope. Quero que esteja bem para quando partirmos
para a Inglaterra. A viagem é cansativa, embora seja feita na primeira classe.
— Ainda não me decidi, Willian. – Na verdade, não havia muito a ser feito, deveria me
casar com Felipe o mais rápido possível. Seria o mais certo. Por que tenho tantas dificuldades em
fazer o certo? Willian não iria me querer com um filho na barriga.
— Darling, tenho a impressão que está com problemas! – E dos grandes, para ser sincera.
— Lembra-te que já conversamos acerca de confiança? Estou aqui por você e precisa confiar em
mim, Penélope.
— Estou tentando, Willian! Mas tudo é tão novo e diferente. Quero confiar em você,
também sei que papai não teria lhe enviado até mim se não soubesse de suas boas intenções.
Porém, foram anos de solidão e falsas esperanças. A cada ano que passava, a cada estação que
mudava, eu esperei por papai, esperei que ele voltasse e me tirasse do convento e que seríamos
uma família feliz novamente. A menina cresceu, Willian, tornou-se uma mulher desconfiada, com
grandes dificuldades de abrir-se para os outros. Essa é Penélope, Willian! É difícil mudar velhos
hábitos de uma hora para outra. – Sua Graça leva minhas mãos aos seus lábios.
— Você se transformou numa mulher bela e forte. Entendo as dificuldades pelas quais
passou, Penélope, mas é chegada a hora de virar a página. Vim para o Brasil para buscá-la,
assim prometi e assim pretendo fazê-lo, leve o tempo que for necessário, não tenho pressa. Apenas
dê-me a chance de fazê-la feliz, Penélope.
Toda a pressão a que fui submetida no último mês havia acabado comigo. Estava cansada
de cavalheiros me fazendo pedidos inusitados ou declarando-se, estava cansada de madrinha
querer-me casada com um bom partido, estava cansada de tudo e de todos. Willian era apenas
mais um, a cereja no topo do bolo. Também estava cansada de fugir, de evitar as respostas que
deveria dar.
— Willian, vamos retornar, por favor! Estou cansada. – Ele suspira, dá seu braço para
enganchar-me.
Voltamos em silêncio para a casa grande. Cumberland era um cavalheiro da ponta dos
cabelos até os pés, tudo era na medida certa, sem excesso, sem falhas. Era bonito, galante,
educado e muito charmoso. Um ótimo partido, diria madrinha. Deveria ser muito disputado em
Londres. Havia vindo ao Brasil por mim e ainda precisava aguentar meu mau humor de grávida
recém descoberta.
Fiquei sabendo por Judite que Felipe havia chegado a pouco na companhia de Bento e dos
Magalhães. Havia o evitado a todo custo nos últimos dias. Era receio de não conseguir esconder
minha gravidez. Depois que havia me dado conta de tal fato, era como se todos olhassem para
mim e pudessem ver meu segredo.
Durante o jantar, mal havia tocado na comida, sentia-me sem fome. A oscilação no meu
apetite agora tinha uma explicação ao menos. Flora dedilhava ao piano algumas músicas e a
caçula dos Pinto de Almeida cantava lindamente. Tudo parecia festivo e alegre, mas eu precisava
respirar ar puro. Sorrateiramente, saio para uma das varandas. Estou perdida no brilho das
estrelas, quando sinto um calor atrás de mim. Era Felipe, entregando-me o xale que eu havia
esquecido.
— Impressão minha ou estás me evitando, Penélope?!
— Impressão sua, Felipe! – Tento disfarçar meu constrangimento.
— O que lhe passa, carinho? – Felipe vira-me, de modo que consiga encará-lo. É tão
lindo... Deixo um suspiro sair.
— Apenas com saudades, Felipe! Muitas saudades. – Era a mais pura verdade. Senti falta
do carinho, do calor de Felipe. Havia me acostumado com sua presença na minha cama durante as
madrugadas.
— Também sinto sua falta! – Felipe puxa-me para seu abraço, como ansiei por um abraço
de Felipe. — Logo, estaremos comprometidos, Penélope. Mas posso tentar aplacar a saudade com
um beijo. – Felipe ergue meu queixo com um dedo e um leve roçar de barba é o anúncio perfeito
para o que vem a seguir.
Perder-me nos devaneios ”Felipescos” havia se tornado minha principal diversão e sequer
havia notado o quanto gostava disso. Suas mãos massageavam minhas costas num jogo injusto, pois
havia muito pano separando-me do seu calor. Queria-as sobre minha pele. Quero-o só para mim,
em todas as partes do meu corpo. Felipe desgruda sua boca da minha, encostando sua testa na
minha. Sentir seu cheiro era um bálsamo para minha alma atormentada por dúvidas.
— Venha até mim esta noite! – Estava com saudades e mais grávida do que estava, não
iria ficar. Precisava de Felipe ao meu lado e que tudo fosse para o inferno. Foco, Penélope Lillian
Ferreira! Não há necessidade de blasfêmias. Quem sabe se o seduzisse, ele se renderia aos meus
encantos e atenderia meu chamado.
— Definitivamente, há algo de estranho com você. Passa dias me evitando e agora queres
minha companhia na madrugada.
— Ai Felipe... – O bastardo poderia ao menos facilitar as coisas, mas se assim o fizesse,
não seria Felipe. Mordisco sua orelha e sussurro. — Por favor, amanhã irás me pedir em casamento
mesmo. Quero-o tanto que chega a doer.
— A futura senhora Gusmão de Albuquerque é uma descarada! – Felipe solta uma
gargalhada. — Uma descarada atrevida e deliciosa, devo dizer. – Mordisca meu pescoço e
derreto-me toda. — Darei um jeito de vê-la mais tarde. Não tranque sua porta, assim não correrei
o risco de chamar a atenção dos convidados ao bater.
Separadamente, retornamos para a sala, onde foi anunciado um pequeno torneio de
gamão para passar o tempo. Madrinha havia anunciado que uma verdadeira festa rural
precisava de emoção e nada melhor do que um torneio de gamão. Os cavalheiros empolgaram-se
com a ideia e logo apostas começaram a ser cantadas na grande sala. Homens e suas manias de
apostar em tudo. A algazarra era tanta que madrinha pegou um copo e bateu nele com uma
colher.
— Cavalheiros, por favor, escutem-me. Acabei de ter uma ideia sensacional! – Não sei se
por medo do que iria sair de dentro da boca de Dona Violeta ou em razão da gravidez, mas sinto
meu estômago embrulhar. — É de todos sabido que esta festa foi pensada e organizada para
comemorar o aniversário de minha querida afilhada, a senhorita Penélope Lillian Ferreira. Logo,
nada mais justo de que o grande prêmio deste pequeno e singelo torneio seja um beijo da nossa
belíssima aniversariante. – Meu queixo cai. Pronto, acabava de encrencar-me. Letras luminosas
piscavam em minha frente só de imaginar a próxima crônica do senhor Lafaiete Boaventura:
senhorita F., a maior beijoqueira do Rio de Janeiro. — O que me diz, querida? – Madrinha fita-me
na espera de uma resposta. Tinha vontade de correr, desparecer, evaporar. Meu coração dispara
assim que cruzo com o olhar de Felipe, que discretamente mexeu a cabeça em sinal de negativa.
— É necessário mesmo? – Todos fitavam-me. O pavor ditava os batimentos do meu
coração.
— Querida, será apenas um simples roçar de lábios. – Madrinha era uma despudorada.
Como era um simples roçar de lábios?
— Vamos, Peny, é apenas uma brincadeira. – Flora junta-se à loucura de sua progenitora.
Acabo concordando com um simples gesto. Tinha a impressão de que havia entrado num
estado intenso de catatonia. Nossa Senhora das mulheres totalmente encrencadas e sem sorte, faça
com que não haja ganhador!
— Não se preocupe, Penélope! – Era a voz de Willian. — Não gosto do gamão, mas irei
competir apenas para livrar-lhe de um inconveniente. – Sua Graça pisca para mim e parte em
direção ao doutor Magalhães que parecia exercer a função de árbitro do jogo.
— Sou o melhor no gamão, senhorita Penélope! Este beijo já é meu. – Danilo passa por mim,
rindo. Atrás dele, veio uma fila interminável de cavalheiros para deixar-me uma palavra ou mesmo
para pedir-me uma palavra de boa sorte.
— Senhores! – Doutor Magalhães chama a atenção e os burburinhos cessam. — As
primeiras partidas serão entre nosso anfitrião, o senhor Felipe Gusmão de Albuquerque, e o senhor
Régis Antunes da Fonseca, e entre Ricardo Noronha Magalhães e Jorge Gama do Porto. – Santa
Isabel da Hungria, até Felipe entrou para a competição. Pronto, já tinha meu jogador favorito.
Enquanto as mesas eram organizadas para o jogo, Felipe aproxima-se.
— Vou matar minha mãe! Odeio o gamão, mas jamais deixarei alguém beijar-lhe sem uma
boa luta. – Felipe pisca e sai exalando masculinidade por todos os poros. É claro que meu coração
dispara, tão lindo, tão... Foco, Penélope Lillian Ferreira.
Não conseguia tirar os olhos de Felipe, que resistia bravamente, partida após partida.
Havia chego entre os quatro melhores no gamão, mas foi derrotado por Danilo, que enfrentaria
Cumberland, na final. Ao menos não seria um estranho a quem teria que beijar. Confesso que meu
coração tombou quando Danilo gritou vitória. Até a promessa de subir a escadaria da Igreja da
Nossa Senhora da Penha eu havia feito para que Felipe ganhasse essa disputa descabida. Se bem
que não sei se conseguiria subir tantos degraus. A cara de Felipe não era das melhores, devo
dizer. Estava prestes a pular em cima de Danilo. Ah, mas madrinha dessa vez não escaparia de um
belo sermão. Oras... Onde já se viu colocar-me numa situação tão constrangedora! Tudo bem que
fui desonrada, mas isso não me converteu em uma beijoqueira de plantão. Meu comportamento
estava longe de ser o mais decoroso, admito. Mas ainda passava longe de ser uma oferecida.
— Isso não ficará assim! – Felipe passa por mim feito um furacão.
Uma ova que vou deixar qualquer um beijar minha Penélope. Raiva define-me no
momento. Maldito gamão! Se tivesse sido as cartas, com certeza ganharia com folga de qualquer
adversário, mas o gamão? Detesto o gamão, até Bento conseguia ganhar de mim no gamão.
Mamãe havia enlouquecido, só pode. Sua determinação em casar Penélope havia passado de
todos os limites. A solução era voltar para a sala e anunciar nosso noivado. Era o mais seguro a
ser feito. Por outro lado, tenho certeza que Penélope irá lançar sua fúria sobre mim. Havíamos
acordado diferente e sei o quanto Penélope é arisca, não posso colocar tudo a perder agora que
estou a um passo de tê-la para mim. Tomo uma dose de conhaque na tentativa de aplacar a fúria
dentro de mim. Um cão raivoso, devo dizer, havia me transformado num cão raivoso, assim que
Danilo lançou-me um sorriso presunçoso de vitória. Ele e o “almofadinha” da nobreza disputariam o
beijo de Penélope, inferno!
Um pouco mais controlado, retorno ao salão. Aparentemente, Cumberland e Danilo estavam
numa espécie de empate técnico. Admito que os dois jogavam muito bem. A concentração dos dois
era admirável. Cada movimento no tabuleiro era exaustivamente estudado. O silêncio apenas era
quebrado pelo tique taque dos ponteiros do grande relógio fixado na parede. Parecia que alguns
cavalheiros haviam feito apostas em dinheiro. Minha sala havia se convertido em um grande clube
de apostas, onde o prêmio principal e mais disputado era minha mulher. Mais uma que Dona
Violeta apronte e eu a interno no sanatório mais próximo.
— Gamão! – Danilo grita extasiado com a vitória. Meu amigo havia aniquilado o duque
com a vitória máxima no jogo, havia ganhado sem retirar nenhuma das peças do adversário.
— A vitória lhe foi merecida. Nunca havia enfrentado alguém como o senhor no gamão. –
Sua Graça estende a mão de modo a cumprimentar o grande vencedor. Danilo era o melhor no
gamão e, no fundo, senti orgulho do meu amigo.
— Não foi nada fácil ganhar, confesso. Sua Graça é um ótimo jogador. – Danilo aperta a
mão de Cumberland. As damas, antes dispersas em outras atividades, aglomeravam-se junto a
mesa de jogos. — Vamos ao meu prêmio, pois não abrirei mão dele depois de uma vitória tão
difícil. – Aperto os dedos em punho. Uma ova que Danilo irá beijar Penélope, nem aqui nem no
inferno ele tocaria no que é meu. Precisava encontrar uma solução rapidamente.
— Peny, querida! – Mamãe a chama. Estava sentada num dos cantos da ampla sala de
jogos com um livro no colo. Tentava fazer-se de desentendida, porém, mamãe era ardilosa o
suficiente para encurralá-la, fazendo-a se levantar e vir em nossa direção.
Os convidados afastavam-se para dar passagem à Penélope. Era tão bela e altiva, minha
preceptora. Queria tomá-la em meus braços e tirá-la dali. Sinto um orgulho tão grande de
Penélope, apesar de receosa, sim, ela estava receosa, era medo nos seus olhos, eles não estavam
tão brilhantes como de costume, mas mesmo assim, não se intimidou. Afasto-me e vou até a direção
das escadas. Subo alguns degraus e chamo por Penélope em alto e bom tom, para que não
tenham dúvidas.
— Senhorita Penélope! Preciso de sua ajuda. É Eloíse. – Tento dar uma maior dramaticidade
para a minha voz, descendo os últimos degraus da escada. — Teve um pesadelo e chama pela
senhorita. – Penélope dispara em minha direção, mas é impedida por Danilo.
— Mas e meu prêmio? – Danilo fala e sinto um desejo descomunal de partir para cima do
bastardo do meu melhor amigo. Penélope olhava para mim e Danilo, com olhos confusos.
— Desculpe-me, senhor! Mas Eloíse necessita de mim e não há como dar-lhe seu prêmio
neste momento. – Para falar a verdade, nunca permitirei que Penélope lhe dê o prêmio, Danilo!
Penso, aliviado.
— Eu irei! – Pronto, agora era a vez de Flora atrapalhar meus planos.
— Não, irmã! Eloíse foi clara, ela quer a senhorita Penélope. Sabe muito bem que minha
filha apegou-se à senhorita Penélope. – Seguro Flora pelo braço para evitar que suba as escadas,
senão meu plano iria por água abaixo. Antes que mais alguém dê seu pitaco, conduzo Penélope
para o andar de cima. Puxo-a em direção ao seu quarto. Esse maldito beijo seria impedido, nem
que para isso eu tenha que trancá-la a sete chaves.
— Felipe, por Deus... Já passamos dos aposentos das crianças!
— Eloíse, está bem! – Empurro-a para dentro do dormitório. — Não houve pesadelo algum,
Penélope. Eloíse deve estar em seu décimo quinto sono, considerando o quanto é tarde da noite. Foi
apenas uma desculpa. – Pego-a pelo pescoço e fito-a para que tudo fique claro entre nós dois. —
Eu deveria ter ganhado essa maldita disputa, carinho! Mas não tive sorte o suficiente para isso. –
Penélope não precisava saber que era um péssimo jogador de gamão. Bufei em frustração. — No
entanto, jamais deixarei que outro a toque. Eu lhe amo, Penélope! Amo tanto que não cabe dentro
de mim tanto amor e ele é todo seu.
— O que você disse Felipe? – Penélope, minha doçura, olha-me perplexa.
— Que eu amo você mais que qualquer coisa, Penélope. – Deixo a vontade de tocá-la
tomar conta de mim e puxo-a para um beijo repleto de promessas. Minha língua invade sua boca,
capturando-a no meu desejo insano de marcá-la para sempre como minha. Nossos sabores se
confundem e tornam-se um só. Seu gosto de chá de anis mistura-se com o ardor do conhaque,
colocando-me à beira de um precipício de sentimentos desconhecidos. Eu a amava mais que
qualquer coisa, quero-a só para mim, a todo momento. Mas teria que ser depois, pois precisava
voltar para os convidados, antes que alguém viesse nos procurar e perceber meu engodo. —
Entendeste, carinho? Eu a amo! – Falo sem afastar-me completamente de sua boca. É dolorido
afastar-me quando apenas quero enterrar-me em Penélope. — Preciso descer. Fique aqui... –
Beijo-a novamente. — Assim que todos estiverem devidamente recolhidos, voltarei para pôr fim em
nossa conversa. – Era uma promessa que fazia questão em cumprir, nem que para isso tivesse que
mandar para cama cada um dos convidados. Afinal, eu era o anfitrião, alguma vantagem me era
devido.
Deixo Penélope na segurança de seu quarto e volto para nossos convidados.
Aparentemente, todos estavam entretidos. Alguns, inclusive, já haviam se retirado. Foi muito difícil
convencer Flora de que Eloíse havia se acalmado. A todo custo, minha irmã queria ir para junto da
sobrinha. No final, estávamos apenas eu e Bento.
— Irmão, estou orgulhoso de você! – Bento bate nas minhas costas. — És um grande
estrategista. O melhor, devo confessar.
— Não o entendi! Do que fala, afinal? – Ergo uma sobrancelha em sinal de dúvida.
— Falo sobre sua excelente atuação para impedir Danilo de receber o beijo da mais bela
dama da festa de mamãe. Tiro meu chapéu para você, Felipe! – Bento gesticula como se estivesse
realmente tirando um chapéu e continua com sua explanação. Vamos ver até onde a mente fértil de
meu irmão consegue ir. — Embora acredite que tudo seria mais fácil se você declarasse seu amor
pela bela dama e a pedisse em casamento. Evitaria tantas inconveniências, Felipe. – Como se já
não o tivesse feito, mas o que posso fazer se a bela dama em questão é um poço de teimosia e
complicações?
— Não sei do que fala, Bento!
— É claro que sabe! É um sujeito inteligente, Felipe, caso contrário, não teria triplicado nossa
fortuna. É um dos banqueiros mais bem-sucedidos do país. E mesmo que negue, está escrito na sua
cara que está completamente caído de amor por certa dama de olhos azuis. Vai por mim, Felipe, já
o estive em seu lugar e sei bem o quanto é difícil. Então, deveria me ver como um aliado na sua
jornada para conquistá-la. Depois, quando estiver encrencado o suficiente, não diga que não
avisei. – Bento sai rindo. Era só o que me faltava! Receber conselhos amorosos de meu irmão mais
novo. Eu, Felipe Gusmão de Albuquerque? Era só o que me faltava mesmo.
Dou mais algumas ordens à Alfred e parto para o quarto de Penélope. Não via a hora de
encontrá-la. Estava com saudades da minha megera preferida. Era tão quente e provocativa na
cama quanto fora dela e isso me transformava praticamente num homem sem controle. Penélope
despertava meu lado mais primitivo, mais selvagem. Encontro-a dormindo na poltrona. Sua cabeça
pendia levemente para o lado e seu pescoço convidava para um carinho. Queria beijá-la ali,
naquela parte descoberta do pescoço. Seu peito subia e descia numa cadência ritmada, a cada
subida, o rosado dos seus mamilos era um convite para a perdição. Coloco-me aos seus pés e
acaricio seus tornozelos descobertos. A camisola fina de seda mal escondia sua delicada pele.
Minhas mãos sobem até suas coxas, onde detenho-me para uma carícia mais demorada.
— Felipe. – Penélope arfa. — Demoraste muito, meu amor! – Como gosto de ouvi-la
chamar-me por seu amor.
— Agora estou aqui, carinho! – E pretendia demorar-me por aqui.
— Estou com tanto sono!
— Eu sei. Venha, irei botá-la na cama, Peny. – Pego-a no colo e levo-a até sua cama. Era
uma cama de solteiro, inferno. Sempre a colocavam em um quarto com cama de solteiro.
— Ando tão cansada, Felipe.
— Precisa ir ao médico, carinho! Mamãe falou-me que sua enxaqueca está cada dia pior. –
Devia deixá-la descansar. Penélope andava abatida.
— É outra coisa... – Penélope boceja. — Tenho algo a contar-lhe, Felipe. Mas agora só
penso em dormir. – Outro bocejo e a certeza de que teria que me contentar com apenas o calor
de seu corpo durante a noite, pois jamais a deixarei sozinha e à mercê de uma horda de homens
dentro de minha casa. Uma ova que a deixarei desprotegida. Que espécie de homem seria eu se
a deixasse sozinha?
Havia despertado tranquilamente após uma boa noite de sono. Lembro-me apenas
de Felipe levar-me para cama e ter adormecido. O sono de uma grávida era algo a ser estudado
melhor. Os enjoos não haviam retornado e havia conseguido alimentar-me melhor. Aparentemente, o
plano de Felipe de tirar-me do salão de jogos havia tido êxito, pois ninguém comentou o ocorrido.
Sentia-me feliz e realizada, pois Felipe havia declarado seu amor por mim. A casa grande da
fazenda estava em polvorosa, os preparativos para a grande festa de logo mais estava em pleno
vapor, cozinheiras e arrumadeiras extras foram contratadas entre as camponesas da região. Seria
o acontecimento do ano, segundo madrinha. Uma soprano italiana havia sido contratada para
entreter os convidados e um grande baile seguiria após o sarau.
O sábado havia amanhecido com a promessa de um belíssimo dia. As damas passeavam e
trocavam conversas entre os bancos e jardins da propriedade. Os cavalheiros também
aproveitaram para cavalgar e exercitar-se ao ar livre. Madrinha havia planejado inúmeras
atividades para entreter seus convidados. Algumas famílias haviam trazido suas crianças e Eloíse
divertia-se com elas. Depois de uma caminhada, sentei-me embaixo de uma laranjeira e abri um
dos meus romances preferidos Wuthering Heights.
— Peny, o que faz aqui sozinha? – Flora fala, sentando-se ao meu lado.
— O silêncio me faz bem. – Respondo.
— Os cavalheiros andam a dar-lhe nos nervos, acredito. – Concordo com a cabeça. —
Diga-me, Peny, o porquê de não ser seu desejo um bom casamento?
— Quero ser dona do meu nariz, Flora. Fazer as coisas e tomar minhas decisões de acordo
com minha consciência e quando julgá-las apropriadas. Além do mais, cresci sem um homem por
perto e não vejo necessidade de agora o ter ao meu lado.
— Mesmo agora que tem o Rio de Janeiro inteiro aos seus pés? – Flora sorri. — Pois
acredito que deve existir algum que lhe fisgou, Peny. – E havia mesmo e eu o amava tanto. Acabo
corando.
— Bem... Admito que há um e antes que me pergunte, logo revelarei o nome do meu
escolhido. – Flora me abraça feliz. — E quanto a você e o Yuri? Irão mesmo fugir?
— Sim e não há nada e nem ninguém que me faça mudar de ideia. Está tudo preparado,
até minhas malas. Ai Peny, meu coração dispara só em pensar que serei resgatada por meu herói e
sairemos a cavalgar em busca de nossa felicidade. – Nossa Senhora em todas as suas aparições,
eu grávida e Flora a fugir com um russo a quem todos falam ser um mafioso. Gostaria de
repreendê-la, mas quem sou eu depois de tudo o que deixei acontecer para o fazer.
— Flora, querida, prometa que caso algo não aconteça de acordo com o planejado, irás
procurar ajuda. Não hesite, Flora!
— Agradeço suas palavras, Peny. És tão boa para mim. – Flora abraça-me. Fiz uma prece
para que Deus a acompanhasse e a protegesse. — Mamãe mandou-me até ti para avisá-la que
devemos tirar a sesta, ela a quer belíssima e sem olheiras. Recomendou que faça compressas de
camomila e que não se exceda para evitar uma crise de enxaqueca.
— Madrinha é uma exagerada mesmo. – Rimos com tantas recomendações de Dona
Violeta. — Mas ela tem razão, a noite será longa e o melhor é descansar, Flora!
— Sim!
— Preciso te perguntar sobre algo... Mas não sei por onde começar. – Ler em algum livro
parecia ser mais fácil do que explicar, mas eu precisava fazer a pergunta.
— Quem sabe pelo começo. Somos amigas ou não somos? – Concordo. — Amigas não
devem temer uma a outra.
— Você e Yuri irão fugir juntos e acredito que você não saiba o que pode acontecer entre
um homem e uma mulher quando ficam sozinhos em um quarto. – Gaguejo, mas preciso criar
coragem, não deixarei Flora ir para seu destino às cegas. —Quero dizer, há uma intimidade muito
grande quando o casal vai para sua noite de núpcias. – Necessariamente, não precisa ser na noite
de núpcias, eu sou a prova viva disso, caso contrário, não estaria grávida.
— Ainda bem que posso falar a respeito disso contigo, Peny. Devo dizer que este assunto
me é muito curioso, não tenho a mínima ideia de como se dá essa tal de intimidade. O que sei é
que sinto uma espécie de frenesi toda vez que Yuri me toca. É algo indescritível, Peny, uma espécie
de necessidade, uma necessidade de algo que não sei o que é. Acredito que Yuri também sinta o
mesmo. Você me entende, Peny?
— Absolutamente... Quer dizer, acredito que entenda. Alguns livros que li deram-me uma
noção acerca da união de corpos. – Nossa Senhora das donzelas defloradas, a que me converti?
Pareço até uma cafetina dando conselhos para suas cortesãs.
— União de corpos? – Flora fita-me curiosa. Aliás sua curiosidade era muito intrigante.
— Flora, nunca observou os animais na fazenda? – Oh... Santa Francisca, ajude-me a
encontrar as palavras.
— Não. Jesus... O que tem os animais com a intimidade dos casais?
— Não se preocupe! Yuri saberá o que fazer. – Sinto que estou prestes a explodir de
vergonha.
— Tem certeza que Yuri saberá o que fazer?
— Absoluta! – Bem, certeza mesmo eu não tenho, mas não tenho mais condições de falar
sobre esse assunto. — Vamos que precisamos descansar. – Puxo Flora pela mão.
Suspeitava que a garota havia entrado em um estado de catatonia. Também fiquei
chocada quando descobri a verdade acerca dos bebês. Foram semanas, confesso.
— Peny, você acredita que eu deveria ter observado os animais? Sim, porque ainda dá
tempo, se isso me fizer mais experiente para Yuri!
— Não há necessidade, Yuri saberá o que fazer. – Dou por encerrado o assunto e partimos
para a casa grande. Sei que não falei nem o básico da coisa toda, mas ao menos Flora não irá
fugirá com o russo sem ter uma ideia de como as coisas acontecem. Sinto-me aliviada por ter lhe
dado uma noção.
Flora e eu nos separamos, pois precisava encontrar Eloíse. Ao chegar na casa grande,
tenho a infeliz surpresa de encontrar a oferecida da Joaquina, o que esta mulher fazia em minha
festa de aniversário? Não suporto essa viúva, tão desfrutável para o meu gosto.
— Não se cumprimenta mais aos conhecidos?! – Ela fala em minha direção. É a soberba em
pessoa, essa Joaquina.
— Boa tarde, senhora! – Respondo, a contragosto.
— É um prazer revê-la! Fiz questão de fazer-me presente nas comemorações de seu
aniversário. Não perderia por nada seus 25 anos, Penélope. Mas diga-me, pretende converter-te
de vez em uma solteirona caquética ou casar-te-ás de uma vez por todas com o Duque? – Mas é
uma abusada mesmo. De onde tirou essa ideia estapafúrdia de Willian e eu?
— Não é do seu interesse, presumo!
— És uma insolente! Tenho certeza que sua fachada de boa moça cairá logo e Felipe dar-
se-á conta com que tipinho se envolveu.
— Não sei do que fala, senhora.
— Não se faça de tonta, Penélope. Todos sabem do seu berço infame. De certo, aprendeu
com sua mãe a arte da sedução e Felipe saberá que a fruta não cai longe do pé, eu mesma tratei
de abrir-lhe os olhos, querida. – Lágrimas se formam em meus olhos.
— Não admito que fales do que não sabe, senhora, e muito menos que ofenda a memória
de minha mãe. Posso não ter o mesmo berço que a senhora, mas isso não lhe dá o direito de
ofender-me. Dou-lhe um conselho, senhora, tome cuidado, pois poderá morrer sufocada com seu
próprio veneno. – Parto para meu quarto, deixando-a só, não lhe darei o gosto de revidar. Odeio-
a tanto, como pode ser tão mesquinha?

Crônicas da Sociedade Carioca


Estou sentindo um imenso contento em saber que a coluna está conquistando o coração das
senhoras mais dóceis e fico deveras convencido em admirar os mexericos que tais palavras acabam
por gerar. Seria estarrecedor se despertasse o ódio de algumas damas da sociedade, porém temo
dizer que não consigo agradar à todas e digo tão somente a verdade. Cabe a vós aceitar minha
opinião e expressar descontento, porque afirmo com imensa certeza que não irei negar o que vero se
diz.
Todos foram convidados para uma encantadora festa no campo, celebrando o aniversário da
altiva pupila da sociedade, tendo os jogadores de gamão disputado um beijo da lady, não se
importando nem mesmo com os falatórios que a ação despertaria. O ato em si era tão desejado, que
os cavalheiros quase saíram aos tabefes para vencer o jogo de fato enfadonho.
Todos perceberam a relutância do anfitrião em deixar a homenageada dar o prêmio ao
merecido campeão. Há quem diga que a filha do senhor em questão estava mesmo padecendo, mas
eu, como sábio homem que sou e muito observador, devo admitir, não acreditei em uma palavra
proferida para retirar a moça do salão. O mais esplêndido é que as desculpas funcionaram e o senhor
com o qual competia, acabou por sair da festa sem nem mesmo sentir o perfume da senhorita, ficando
com apenas o rastro do mesmo.
Enquanto o anfitrião sumiu por um determinado tempo, as ladys que disputavam sua atenção
foram vistas com as vozes extremamente alteradas, abandonando totalmente o bom decoro e
lançando para o alto, profanações memoráveis. Estapafúrdia que se encerrou com a chegada do lorde
já citado, dito ainda que o mesmo se mostrava igualmente alardeado.
E como passou despercebido à multidão presente na mansão rural dos Gusmão de
Albuquerque a falta de lady A., já é uma grande incógnita. Notei que a senhorita se esgueirava com
perícia em meio à multidão, enquanto seu irmão tentava inutilmente impedir que suas pretendentes
partissem para a agressão.
Temo ter dado vozes ao escândalo, mas garanto aos mais odiosos que lady A. virá a ser
senhora V., deixando dessa forma muitas solteiras realmente frustradas com o ótimo matrimônio que
arranjaste.
Por Lafaiete Boaventura
Pronto, nem todo o sono do mundo irá dar jeito na minha cara inchada de tanto chorar.
Não suporto quando usam minha família para atingir-me. Judite havia feito o possível para
disfarçar as marcas vermelhas que enfeitavam meu rosto. Ao menos estava sem olheiras, tão
costumeiras nos últimos dias.
— Está belíssima, senhorita Penélope! – Judite termina de fechar os últimos botões do meu
vestido. — Madame Lamartine foi muito ousada em escolher o preto para a senhorita. Encantará a
todos. Anime-se, senhorita! Afinal, é seu aniversário.
— Estou cansada, Judite! – Desanimada respondo.
— Este cansaço e indisposição, sem falar no fato de que está mais cheinha para o meu
gosto, diria que a senhorita...
— Não o fale! Eu lhe proíbo, Judite. Não quero que minha enxaqueca retorne. – Sei que
acabei de ser grosseira com Judite, mas não suportarei ouvir de Judite que estou grávida e
acabarei por derramar-me em lágrimas e todo seu trabalho para arrumar-me será em vão.
Ademais, o que os ouvidos não escutam, o coração e o juízo fingem não existir.
— Como desejar, senhorita!
— Perdoe-me, Judite! Estou com os nervos à flor da pele. – Sinto remorso pela falta de
jeito com a criada, sempre tão prestativa. Timidamente, ela sorri.
— Está pronta, senhorita! Dona Violeta e o restante da família lhe aguardam para
recepcionar os convidados.
— Não vem comigo, Judite?
— Apenas até a escadaria. Ficarei com as crianças, pois a babá de Eloíse está com febre.
Qualquer necessidade poderá encontrar-me no cômodo das crianças.
Ao chegar na sala, coloco-me ao lado de Willian para receber os convidados. Madrinha
fez questão de que Sua Graça também recebesse os convidados, uma vez que a ideia da
comemoração havia partido dele. Felipe estava azedo, eu sei, pude perceber em seu olhar
inquiridor. Era bem feito para ele, quem mandou em convidar a viúva ladina. Nem vou falar que
estava ressentida com o fato, convidá-la justo para o meu aniversário. Bento e Flora revezavam
entre os convidados para garantir que todos se sentissem confortáveis. Flora estava digna de uma
princesa, seu vestido era num tom azul claro e seus cabelos caiam em uma cascata de caracóis
elaborados, resultado das mãos habilidosas da criada de quarto de madrinha. Afasto-me por um
breve instante dos convidados para beber um refresco.
— És a dama mais bela da noite, carinho! – Felipe sussurra em meu ouvido. — O que lhe
ocorreu, está triste por alguma razão específica?
— Não foi nada! É a enxaqueca. – Ocasionada pela sua queridíssima viúva, que ódio.
— Irás ao médico assim que chegarmos ao Rio de Janeiro. Farei o anúncio, Penélope,
durante o baile. – Nem mesmo a notícia do anúncio do nosso noivado conseguiu animar-me. Felipe
sorri para mim e toda a raiva por Joaquina desvanece. Era tão lindo e seria meu marido.
Tento falar para Felipe que tome cuidado com Joaquina, mas sua atenção é exigida por um
grupo de cavalheiros. Não gostei do que Joaquina insinuou e depois do lamentável episódio, não
consegui afastar um sentimento estranho, pressentia que algo de ruim estava prestes a acontecer.
Acomodei-me entre Flora e Willian para assistir as várias apresentações programadas por
madrinha. O ponto alto foi o espetáculo da soprano italiana. Adelina Barbone era seu nome, dona
de uma voz impecável e afinada, devo dizer. Permito-me por um momento esquecer a confusão da
minha vida, esquecer que estava grávida, esquecer de Felipe e, em especial, de Joaquina. Deixo-
me levar pela voz melodiosa da cantora, naquele momento era apenas Penélope, sem passado a
ditar as regras e sem futuro a preocupar-me. Estava cansada de pensar nas coisas, no que
deveria fazer ou deixar de fazer.
Após o sarau, os convidados se fartaram numa mesa de comidas, haviam os mais variados
tipos de doces e salgados, enquanto os criados afastavam as cadeiras de modo a dar espaço
para o baile. Estava sem apetite e também não queria dar motivos para os enjoos. De certo, tirar-
me-iam para dançar e os giros das valsas poderiam embrulhar-me o estômago. Eu e Felipe
abriríamos o baile, mas o infame havia sumido e Bento assumiu seu lugar para desgosto da
madrinha, que não estava nos seus dias mais tolerantes, devo dizer. Procuro Felipe, com os olhos,
pelos quatro cantos do salão e não o encontro, assim como não encontro Joaquina. Um desespero
está prestes a tomar-me. Pare de pensar em besteiras, Penélope. Felipe irá anunciar compromisso
com você. Deixe de ser neurótica. Por mais que tentasse desviar minha atenção para outras coisas,
não conseguia deixar de pensar que Felipe poderia estar com Joaquina.
Dança após dança, um desfile interminável de cavalheiros a acumular-se na minha lista e
nada de Felipe aparecer e o pior que Joaquina também não havia dado o ar de sua graça.
Havia me transformado num autômato, não havia conseguido me concentrar nas músicas ou nos
passos das danças. O primeiro intervalo para descanso dos músicos havia sido anunciado. Peço
licença ao último cavalheiro que foi meu par e sigo em direção a uma cadeira. Sinto-me nervosa e
fragilizada com o sumiço de Felipe. No meio do caminho, sou interrompida por um aperto em meu
braço.
— Senhor Nogueira, o que faz aqui? Não sabia que o senhor havia sido convidado. –
Estranho a presença do músico.
— Na verdade, não fui. Estavam precisando de um músico e dei um jeito de ser contrato.
Preciso falar com a senhorita.
— Agora não o posso! Estou no meio de um baile.
— É urgente. Venha comigo. – Nogueira me conduz entre a multidão. Chegamos no
corredor e entramos numa saleta que era usada apenas pela família. Sabia que na porta seguinte,
estava o escritório usado por Felipe. Tento espichar o pescoço para ver se consigo avistá-lo. Talvez
estivesse com algum problema. Antes de retornar ao salão, daria uma passada pelo escritório. Não
me conformo com este sumiço.
— Senhor Nogueira, não posso demorar-me muito... Por gentileza, diga-me logo o que tem
a falar.
— As coisas não saíram como planejado. Houve uma mudança nos planos...
— Planos? Quais planos? O senhor está sendo tão evasivo. – Nogueira demonstrava
nervosismo.
— Aproximei-me de Eloíse para conquistar a confiança e o amor de minha filha.
— O senhor não sabe com certeza se Eloíse é sua filha. Não passam de suposições, já
conversamos em outras oportunidades a respeito, senhor Nogueira. – Tento trazê-lo à razão. Devia
estar louco em falar tamanha coisa justo embaixo do teto dos Gusmão de Albuquerque.
— Em breve, Felipe saberá que Eloíse não é sua filha. – Nogueira solta e tenho a leve
sensação de que parei de respirar.
— Isso é uma brincadeira? Só pode ser uma brincadeira de mau gosto. – Não se deve
brincar assim com uma mulher grávida.
— Não o é. A dama que detém a carta deixada por Gisela recusou-se a entregar-me, mas
disse-me que irá entregá-la a Felipe. – Sento-me em uma poltrona, minhas pernas não são mais
capazes de segurar-me de pé. — Assim que Felipe tomar conhecimento da verdade acerca da
paternidade de Eloíse, tenho certeza que irá mandá-la para longe de mim.
— Como o senhor pode ter tanta certeza? Essa dama pode ter se equivocado ou mesmo
estar brincando com o senhor. Sim, pode ser uma brincadeira de péssimo gosto, eu sei, mas pode
ser uma brincadeira. – Não quero acreditar que Eloíse não é filha de Felipe.
— Penélope, escute-me, a mulher que detém a carta era uma das amigas mais próximas de
Gisela. Ela não brincaria com uma coisa séria. Gisela confiava nela, eram melhores amigas.
— Mas...
— Não há “mas”, Penélope. De fato, Eloíse é minha filha. E não permitirei que Felipe
afaste-a de mim. Já basta ele ter se casado com a mulher que eu amei. - Nogueira ajoelha-se
diante de mim e toda a tensão acumulada ao longo do dia é liberada através das lágrimas que
deixo escapar. Não suporto mais tanta pressão.
— O que pretende fazer?
— Fugir, você, eu e Eloíse. – Engulo em seco. Ele havia enlouquecido, só pode.
— Eu? Fugir?
— Eu me apaixonei por você, Penélope! Faz tempo que uma mulher não mexe tanto comigo.
Além disso, Eloíse lhe adora. Poderemos constituir uma família. Casa-se comigo, Penélope?
— Eu... Eu não posso! – Levanto-me e vou em direção à janela, preciso de ar puro.
— Eu posso lhe fazer feliz. Eu sei que sou um ninguém desde que meu pai me deserdou,
mas tenho reais chances de crescer em minha profissão lá fora.
— Não, você não entende, mas eu... – Não consigo concluir a frase, pois sinto-me tonta.
Algo dentro de mim me diz para afastar-me dele, mas um mal súbito nubla minha visão. Nogueira
impede-me de cair ao chão.
— Penélope, que pouca vergonha é essa? – É Felipe. Nogueira me solta pelo susto em ver
Felipe praticamente em cima de nós. Tento me sustentar no batente da janela. Felipe agarra-me
pelos braços, no instante seguinte. — O que você foi fazer, Penélope?
— Não admitirei que a machuque, não percebe que Penélope teve um mal súbito?! –
Nogueira vem ao meu socorro, mas Felipe acaba lhe atingindo com um soco no rosto.
— Diga-me algo, Penélope! Eu iria anunciar nosso casamento e o que você faz? – Tento
falar, mas Felipe impede-me. — Desde quando?
— Mas eu não fiz nada, Felipe! – As lágrimas insistem em cair, estou chocada com tudo e
magoada por não me dar ouvidos.
— Não se faça de santa! – Joaquina fala e uma dor atravessa meu coração. — Nogueira
não deve ser o único. Bem que falei que essa mulherzinha não era uma boa influência para sua
filha.
— Joaquina saia imediatamente daqui! – Felipe esbraveja. — Quanto a você, Nogueira,
quero que suma da minha frente, antes que eu acabe com sua raça. – Felipe avança em direção a
Nogueira e coloco-me entre os dois.
— Saia daqui, Nogueira! – Imploro para que saia antes que alguma tragédia aconteça.
— Está com medo de que acabe com a vida do seu amante, Penélope? – Felipe solta uma
gargalhada e isso me machuca profundamente.
— Pare com isso, Felipe! Você me ofende desse jeito.
— Para quem são suas lágrimas? Para ele, justo para ele, Penélope. Joaquina contou-me
tudo... Fui um tolo em confiar em você, tens se encontrado com o maldito do Nogueira e ainda tem
levado minha filha junto.
— Por favor, escute-me! Não nego que tenho levado Eloíse para ver o senhor Nogueira,
mas não tenho nada com ele, Felipe.
— Contra fatos não há argumentos, Penélope! – Sinto meu estômago embrulhar. Não
consigo conter o choro.
— Felipe! – Bento entra aos berros na sala. — Flora fugiu com o Volkov. Vamos, podemos
ainda alcançá-los. Danilo e Cumberland já partiram a cavalo.
— Inferno, mais isso! – Felipe esbraveja e Bento sai, deixando-nos sós novamente. — Irei
atrás de minha irmã... Quando retornar, não quero mais vê-la na minha frente. – Ele sai batendo a
porta, deixando-me para trás, sozinha, desesperada e carregando um filho dele.
Nada podia ter dado tão errado quanto esta noite, inferno. Penélope havia me traído, eu
não podia acreditar que tudo o que Joaquina havia me falado horas antes havia se convertido na
mais terrível das realidades. Já não bastava toda a desconfiança acerca da paternidade de Eloíse
a pesar nas minhas costas, havia surpreendido Penélope nos braços do bastardo do Nogueira.
Havia me acostumado com o fato de Gisela não ter me amado. Sei que havia cometido o maior
erro da minha vida ao casar-me com ela, apesar dos conselhos de Danilo e de mamãe, julguei que
meu amor iria ser o suficiente para nós dois e não foi. Gisela entregou-se ao amargor e a tristeza.
Mas Penélope... Ah com Penélope, pensei que fosse diferente. Tão cheia de vida, tão Penélope...
Não posso ter errado tanto, julguei que me amava, amava-me tanto quanto eu a amava. Maldita
hora que atravessou meu caminho e infiltrou-se na minha pele. Não bastasse pegar Penélope com
outro, ainda Flora a dar-me dor de cabeça. Se colocar as mãos nesse russo, é bem capaz de
acabar com ele tamanha é minha fúria.
Consegui convencer Bento para que permanecesse na fazenda. Estava muito nervoso para
tratar de dispensar nossos convidados e ainda ter que dividir o mesmo teto que Penélope. Mandei
preparar minha montaria, troquei rapidamente de roupa e peguei a estrada. Cavalgar a
madrugada inteira não conseguiu aplacar meu ânimo. Estava nervoso e mal conseguia esconder
minha irritação quando encontrei Danilo. Havíamos parado em cada pousada na estrada e em
cada canto do Rio de Janeiro e nada, nenhum maldito sinal do russo e de minha irmã.
— Felipe! – Danilo me chamou. — Temo dizer, mas nós dois sabemos o que Volkov queria. –
Com o adiantado da hora, não haveria mais nada a ser feito a não ser aceitar o casamento do
russo com Flora.
— Eu sei, mas não me conformo com isso. – Praguejei.
— Estamos cansados e sujos. De nada adianta insistirmos nas buscas quando sabemos que
não querem ser encontrados. – Estávamos no meio da rua, sem saber para onde ir. Mais de 12
horas haviam se passado desde que saíra da fazenda. — Bento já deve ter retornado para o
palacete. Dona Violeta deve estar preocupada. – Danilo bateu nas minhas costas. Ele tinha razão.
Quando chegamos à mansão, Bento chamou-me para o escritório. Parecia preocupado.
— E então? – Pergunta. Nego com um balanço de cabeça. Vou até o aparador e sirvo-me
de uma bebida. Precisava de algo forte ou iria enlouquecer. — Penélope sumiu! – Meu irmão solta.
— Como? Penélope sumiu?
— Trate de falar baixo, em primeiro lugar. Mamãe não deve saber que Penélope está
desaparecida. Ela não suportará mais essa notícia, tivemos que chamar o médico. Espero que saiba
para onde ela foi, Felipe, já que a vi pela última vez em sua companhia.
— Inferno! – Lembro-me de tê-la expulsado no calor do momento, sem medir as
consequências.
— O que foi Felipe? Olha só, espero que você não tenha feito uma bobagem... – Bento
passa as mãos pelo cabelo. — Eu lhe vi na companhia de Joaquina e aquela mulher é ardilosa o
suficiente para ter te metido em uma confusão, irmão.
— Tive uma discussão com Penélope e acabei expulsando-a.
— Meu Deus, Felipe, onde estava com a cabeça? Juro que se não estivesse tão preocupado
com Penélope e Flora, dar-te-ia uma bela de uma surra. Eu não sei o porquê, nem quais foram as
circunstâncias de ter-te feito agir sem pensar, mas cometeste o maior equívoco da sua vida, Felipe,
pois você pode ter perdido a mulher da sua vida.
— O que você disse? – Desde quando Bento havia se convertido num conselheiro
sentimental.
— Eu disse que a mulher que realmente lhe importou em toda sua vida pode estar a
quilômetros de distância de você e ainda correndo perigo. Não seja tolo, Felipe, sua paixão por
Penélope está gravada em sua testa, em letras garrafais. – Bufo. — Ela deixou um bilhete,
praticamente um enigma. Judite, a criada de quarto de mamãe, pensou ser endereçado para o
doutor Magalhães. Mostrei-o e ele, por sua vez, achou prudente ir procurá-la na estação do trem.
Magalhães acredita que Penélope voltará para o convento. Cumberland foi atrás dela, eu queria
ter ido junto, mas o velho advogado me impediu.
— A que horas? – Aflito, pergunto.
— Há mais de 4 horas. Ele ficou de nos mandar notícias. Estava prestes a sair atrás de
Cumberland quando você chegou.
A porta do escritório é aberta num supetão. Cumberland invade o escritório sem ser
anunciado e avança para cima de mim, atingindo-me com um forte gancho de direita.
— Vou matá-lo! – Cumberland grita. Na tentativa de contê-lo, Bento também é atingido. —
Você acha que seduz minha irmã e a abandona grávida?!
— Não sei do que fala. – Respondo, massageando meu maxilar.
— Falo de Penélope, de quem mais falaria? Juro-te que acabarei com você, seu cretino,
nem que para isso tenha que destruir toda a sua família. – Eu havia ouvido mal, só pode! Penélope
era irmã de Cumberland, irmã de um duque, e estava esperando um filho meu. — Penélope é
minha irmã. Meu pai, o duque anterior, lutou para reconhecê-la e estou aqui para garantir que
minha irmã, uma legítima Lady, tenha o tratamento que sempre lhe foi merecido. Ela embarcará
comigo para a Inglaterra, assim que consiga se restabelecer.
— Como se restabelecer? – Bento pergunta e eu desabo na cadeira. Penélope está
grávida. Eu desejei tanto engravidá-la e, de fato, eu a engravidei.
— Encontrei-a na estação. Como previsto por doutor Magalhães, minha irmã iria embarcar
para São Paulo, mas sentiu-se mal, o que atrasou a partida do trem.
— Como ela está? – Pergunto, com uma dor no coração.
— Penélope foi exposta a grandes emoções e, em razão dos enjoos, não tem se alimentado
corretamente. – O inglês bufa. — Não sei por quê estou lhe dando satisfações! Penélope e o
bebê não lhe dizem mais respeito, desde o momento que você a expulsou. – Doutor Magalhães e
Danilo entram e nos chamam a atenção para que falássemos mais baixo. — Já falei tudo o que
deveria ter falado. Passem bem! – Cumberland se retira altivo. Nunca imaginei que o
“almofadinha” tinha sangue quente nas veias.
— Saiam! – Olho para a porta e vejo a figura pálida de minha mãe. — Saiam todos,
quero falar a sós com meu primogênito.
— Mamãe, por favor! Não estou com cabeça.
— Sente-se, Felipe! Presumo que há muito o que me explicar. – Não era o momento de
contrariá-la, percebo. Dona Violeta, na maioria das vezes, era uma mãe amorosa e carinhosa, digo
na maioria das vezes, pois houve momentos, e ainda haviam, que não nos poupava de um belo
puxão de orelha. Quando isso ocorria, o melhor a ser feito era obedecê-la.
Contei-lhe tudo o que havia acontecido entre mim e Penélope. É claro que nossas
intimidades entre quatro paredes não foram detalhadas, embora acredite que mamãe desconfie,
pois lhe era sabido como os bebês eram feitos.
— Então, deixaste-te levar por uma mente maquiavélica como a de Joaquina e acusaste
Penélope, a mulher a quem havia pedido em casamento, de traição, sem ao menos deixá-la
explicar-se? Onde estão seus modos, Felipe? – Sinto-me como um garoto que ainda usava calças
curtas. — Só falta dizer-me que o filho que Penélope espera não é seu? Acredito que já assisti a
esse drama uma vez. – Ela se referia às minhas suspeitas de Eloíse não ser minha filha.
— Mãe! – Tento interrompê-la em vão.
— Deixe-me terminar! Cometeste um dos maiores equívocos na vida, acredito que ainda
pior do que ter se casado com Gisela. Penélope é uma boa moça, tão diferente de Gisela, e será
bem feito se ela não lhe perdoar. Foste infantil, Felipe. Penélope era uma menina meiga e
carinhosa quando foi deixada pelo pai no convento. A história do amor impossível dos pais a
marcou, Felipe. Matthew Edward McCrudden, o duque anterior, conheceu minha criada Laura, uma
das minhas mais queridas amigas, e apaixonou-se por ela. Antes de tornar-se duque, Matthew
precisou ceder às exigências do pai e casou-se com uma nobre para gerar um herdeiro. Assim que
Willian nasceu e considerando que havia cumprido com sua obrigação, Matthew veio ao Brasil,
onde passou a viver com Laura em concubinato. Foi então que nasceu Penélope. Porém, com a
morte do seu irmão e administrador, Matthew precisou retornar à Inglaterra. À época, ele
considerou que Penélope ficaria melhor amparada no Brasil. Extremamente protetor com a filha,
deixou-a sob a tutela de Magalhães e nomeou Fernão como uma espécie de conselheiro, posição
que passei a desempenhar assim que Fernão morreu. Matthew construiu uma fortuna no Brasil, que
hoje constitui a herança de Penélope. Para evitar que alguns sem caráter se aproximassem da filha
para tirar vantagem da sua riqueza, o duque criou várias exigências, dentre as quais, que
Penélope apenas poderia usufruir de seus bens quando atingisse a idade de 25 anos, mesmo que
viesse a casar-se antes disso. Penélope, hoje, é uma das mulheres mais ricas do Brasil. Todos os
vestidos, todas as joias, absolutamente tudo que Penélope usou até o momento foram custeadas ou
retiradas de sua herança.
— E o tal do Willian? Que papel ele tem em tudo isso? A senhora não pode supor o quanto
de ciúmes a proximidade dele com Penélope provocou-me?
— A vinda de Willian nos surpreendeu. Não o esperávamos. Supõe-se que Matthew e
Willian aproximaram-se a ponto de Willian pegar para si a responsabilidade de zelar pela irmã.
Com a morte da duquesa, o jovem sentiu-se livre para cumprir a promessa que havia feito ao pai
e veio ao Brasil para tratar pessoalmente dos interesses da irmã.
— Inferno, mãe! A senhora deveria ter me contado desde o início. Teria evitado tanta dor
de cabeça. Não sei nem o que pensar.
— Filho, antes de procurar Penélope, pois acredito que deva fazê-lo e dar-lhe a chance de
explicar-se, faça as pazes com seu passado. Liberte-se dessa dúvida que lhe atormenta. Procure
Nogueira e esclareça as coisas com o rapaz. Pelo seu bem e pelo bem de Eloíse. Algo dentro de
mim, uma voz que tenho evitado de escutar anos a fio, diz-me que Joaquina sabe mais do que
alega saber. Nunca suportei aquela mulher. Se assim o fazia, era em respeito a Gisela. Toda vez
que Joaquina a visitava, mais triste sua esposa parecia ficar. – Mamãe levanta-se e dirige-se à
porta, onde para e volta-se para mim. — Felipe, orgulho-me do homem que se tornou, é justo,
responsável e protetor, merece ser feliz e se Penélope é a mulher de sua vida, como eu realmente
acredito o ser, lute por ela. Busque-a e traga-a para casa, a ela e ao meu neto. Quanto a Flora,
não há nada mais a ser feito a não ser aguardá-los e preparar o seu casamento com o sujeito que
a raptou. Você e Bento ainda precisam explicar-me muitas coisas. Não pense que você e seu irmão
livrar-se-ão disso.
Dois dias haviam se passado. Estávamos instalados na casa do embaixador inglês.
Willian, meu irmão, havia me resgatado na estação de trem. Os enjoos pareciam controlados e o
repouso havia me feito bem. O fato de contar-lhe que estava grávida e ter se disposto a cuidar
de nós dois acalentou meu coração machucado. Madrinha e doutor Magalhães enviaram-me flores,
com um recado de que, em breve, visitar-me-iam. Danilo e Nogueira tentaram me visitar, mas
Willian os impediu, alegando que precisava de sossego. Bento foi o único a quem permiti visitar-
me. Era meu amigo e sua companhia sempre me fora agradável. Havia me contado acerca de
Eloíse, de madrinha e de Flora, que havia se comprometido oficialmente com o russo. Ao final, os
planos de casamento de Flora haviam dado certo e, dentro de 30 dias, casar-se-ia com o amor de
sua vida.
— Por que Flora não veio me ver? – Pergunto ao meu amigo.
— Flora só sai em companhia de mamãe. Dona Violeta a leva em rédeas curtas. – Rimos.
— Penélope, não irás perguntar-me de Felipe? – Na verdade, era o que mais desejava fazê-lo,
mas sabia que quanto mais falasse em Felipe, mas machucada restava.
— Não acredito ser o certo a ser feito, Bento. Felipe feriu-me. Preferiu ouvir Joaquina a
mim.
— Ele quer ver-te.
— Para que? Para jogar na minha cara que o filho que carrego não é dele? Não suporto
mais ser acusada, Bento, não faço outra coisa desde o dia que nasci a não ser defender-me de
acusações, que culpa tenho se meus pais não se casaram? Assim que o médico autorizar,
embarcarei para a Inglaterra, onde pretendo criar meu filho ou filha.
— Peny! – Bento aproxima-se da cama onde mantenho repouso e pega minha mão. —
Felipe sabe que o filho que carrega é dele. Sequer levantou dúvidas a respeito, Peny. Ele esteve
com Nogueira e os dois foram até Joaquina e esclareceram tudo.
— Como esclareceram tudo? – Curiosa pergunto.
— Os dois a pressionaram e ela acabou por entregar a carta que Gisela havia deixado
para Felipe. – Então, havia de fato uma carta, mas não era endereçada a Nogueira e sim a
Felipe. — Na carta, Gisela admite que amava Nogueira e que pretendia fugir com ele para a
Argentina. Os planos frustraram-se em decorrência da gravidez. Ela confirmou que Eloíse é filha
de Felipe, pois jamais deitou-se com Nogueira antes de engravidar. – Um alívio inunda minha alma
e lágrimas escorrem pelo meu rosto. — Não é maravilhoso, Peny?! – Bento aperta minha mão.
Concordo com a cabeça.
— Então, Eloíse de fato nasceu prematura? – Pergunto, secando as lágrimas que insistem em
sair dos olhos. Bento assente.
— Felipe esclareceu todo seu passado para voltar para você livre de dúvidas e amargor,
Peny. Dê-lhe uma chance.
Bento saiu com minha promessa de que iria pensar a respeito de receber Felipe. Ainda me
sentia fragilizada para encará-lo. Tinha medo que todo o amor por Felipe me cegasse, sempre
havia sido assim com Felipe, acabava enredada num torpor mental e carregada por sentimentos
que faziam-me entregar-me a ele, sem medir as consequências dos meus atos. Por outro lado,
poderia ser injusta se ao menos não tentasse ouvi-lo. Escuto resmungos que vinham da janela. Eu
conhecia aqueles resmungos!
— Felipe! – Nossa Senhora do Menino Jesus de Praga, Felipe acabava de sair detrás das
cortinas da janela. Estava desmazelado, totalmente desfeito, com o cabelo despenteado, mas
continuava tão lindo.
— Inferno, Penélope! Olhe a que me converti, um homem desesperado pela mulher amada,
que precisa cometer as maiores loucuras para poder vê-la, falar-lhe o quanto a ama. Eu sei que
mereço tal tratamento, fui um patife ao mandá-la embora naquela noite. Mas já basta, acredito
que já fui castigado o bastante! Não suporto mais ficar longe. – Felipe limpa as mangas da camisa
e passa as mãos pelos cabelos a fim de arrumá-los, aproximando-se da minha cama. — Eu amo
você, Penélope! Quero-a para sempre junto de mim, a esquentar minha cama e iluminar minha vida
para todo o resto. – Desejava jogar-me em seus braços, mas o orgulho e o receio de ser
abandonada impedia-me. Não conseguia falar e apenas virei meu rosto para um lado, pois se o
fitasse toda minha armadura, tão bem erguida, sucumbiria a Felipe. — Perdoe-me, Penélope! Fui
um tolo em não a deixar explicar-se, em ter caído no jogo de intrigas que Joaquina criou... Olhe
para mim, carinho! Diga-me que não me ama. – Puxa meu rosto em sua direção e sou incapaz de
negar meu amor assim que nossos olhos se encontram.
— Amo você, Felipe! Não o nego! Mas não sei se conseguirei apagar de minha memória o
fato de ter duvidado de mim. Sei que agi errado em levar Eloíse ao encontro de Nogueira, mas
não o fiz por mal e, em nenhum momento, quis trair-te.
— Infelizmente, não posso mudar o passado ou ser capaz de apagar meu comportamento
desprezível, Penélope. Porém, prometo-te que se ainda me quiser, não medirei esforços para fazê-
la muito feliz, a ponto de fazer-te esquecer tão lamentável episódio.
— Ai Felipe! – Eu sabia que acabaria a ceder aos encantos do infame do Felipe. Puxo-o
para meus braços e deixo-me beijar. A mesma boca indecorosa, o mesmo sabor, o mesmo
sentimento. Amava-o e não seria mais capaz de viver sem estar em seus braços.
— Casa-te comigo, Penélope? Casa-te comigo e faça-me o homem mais feliz do mundo. –
Felipe tira um lindo anel de dentro de uma caixinha.
Eu tanto havia ansiado para que Felipe me pedisse em casamento por razões maiores do
que apenas a responsabilidade. Ele estava ali diante de mim, jurando seu amor e prometendo-me
fazer feliz. Eu merecia ser feliz, eu queria ser feliz e não havia como ser longe de Felipe.
— Você promete que nunca me abandonará, nem a mim, nem a nosso filho? – Eu precisava
perguntar, pois todos a quem entreguei meu coração haviam me deixado.
— Carinho, eu juro que nada me fará sair do teu lado, que nada e ninguém conseguirá
manter-me afastado de você e do nosso filho. Juro amá-la e protegê-la, Lady Penélope Lillian
Ferreira McCrudden.
— Eu aceito, mas se você ousar não cumprir suas promessas, embarcarei no primeiro navio
para a Inglaterra. – Felipe puxa minha mão e desliza o anel no meu dedo. Era uma pedra azul tão
grande e tão bela, da cor dos meus olhos.
— Não a deixarei fugir, carinho! Se por ventura o fizer, irei buscá-la, mesmo que tenha que
escalar a mais alta das torres. – Felipe tira as botas e entra embaixo das cobertas. É um infame
mesmo. Depois de dias, consigo rir. Foi uma risada carregada de lágrimas, devo dizer, mas
lágrimas de felicidade. — Dizem que filhas de duques são mantidas a sete chaves em torres
altíssimas. – Ri.
— Senti sua falta. – Aconchego-me em seus braços. Felipe desliza suas mãos até meu
ventre, acariciando nosso filho. — Será um escândalo nosso casamento. Até as proclamas saírem
minha barriga estará visível.
— Casaremos hoje mesmo se quiser. Quero-te em nossa casa, amor! – Fito-o com olhar
interrogativo, pois nunca havia falado em casamento sem o cumprimento das formalidades. —
Danilo encontrou um jeito de nos casar, sem os entraves das proclamas, amor. Iremos até o bispo
para requerer a realização de um casamento em segredo, sob a justificativa de que desejamos
sair do estado pecaminoso em que temos vivido e, bem assim, legitimar nosso filho que está para
nascer.
— Casamento em segredo? Isso existe? – Vivi anos dentro de um convento e nunca havia
ouvido falar a respeito.
— Existiram, querida! Danilo garantiu-me que o bispo poderá ser incentivado a retomar a
prática de tal casamento com uma contribuição generosa para a reforma da catedral. Depois
disso, passaremos um bom tempo na fazenda, eu, você e Eloíse. Claro, se você aceitar a companhia
de Eloíse, já perdi muito tempo com minha filha.
— Claro que aceito Eloíse junto de nós, mas e os seus negócios? O banco?
— Bento ficará no meu lugar! Já chega de vida mansa para meu irmão. Nunca mais,
Penélope, nunca mais ficarei longe de você. Apenas retornaremos para o casamento de Flora com
o bastardo do russo. Até lá os mexeriqueiros nos esquecerão. Por que não me contaste que estava
grávida?
— Eu iria contar, no dia do meu aniversário. Mas... – Felipe interrompe-me com um beijo.
— Não precisa falar mais. Agi errado com você e nunca serei capaz de perdoar-me.
Coloquei-te em perigo, a você e a nosso filho. Nem vou mencionar o fato de que dei ouvidos a
Joaquina. Graças a ela, vivi atormentado pela suspeita de Eloíse não ser minha filha. Perdi os
melhores anos da minha filha, porque Joaquina prendeu-me num jogo perverso de intrigas.
— O que de fato ocorreu para que você suspeitasse que não fosse o pai de Eloíse? –
Pergunto.
— Gisela casou-se comigo virgem, pois o comprovei. Ocorre que Joaquina levou-me a
acreditar que ela manteve um caso extraconjugal com Nogueira. O jogo de intrigas começou logo
após Gisela falecer no parto de Eloíse. Na carta que Gisela me deixou, ela esclarece que meses
depois do nosso casamento, retomou seu caso amoroso com Nogueira, mas quando o fez já estava
grávida de mim. – Meu queixo cai diante da revelação. — Como ela sabia que o filho era meu,
desistiu de fugir com Nogueira. Para fechar o círculo de intrigas, Joaquina iludiu Nogueira de que
Eloíse era sua filha e não minha, omitindo fatos e deturpando outros.
— Nossa Senhora das mulheres lentas de raciocínio, deixa pensar um pouco... – Tomo
fôlego. — Então, tanto você quanto Nogueira foram manipulados pela Joaquina? Gisela de fato
lhe traiu, mas apenas após já estar grávida de um filho seu. Santa Maria dos Pobres Coitados,
para que Joaquina faria uma coisa dessas?
— Para fazer-me casar com ela. – Mas é uma mente maquiavélica, que vontade de a
esbofetear.
— Eu também agi errado, Felipe. Alguns dias antes do meu aniversário, dei-me conta de
que esperava um filho e deveria ter ido imediatamente até você para contá-lo. Meu maldito medo
em confiar nas pessoas impediu-me e não somente a isso... Pediu-me em casamento, ao menos
indiretamente, e sempre evitei dar-te uma resposta, pois temia que casar-se-ia comigo para
reparar um equívoco e não por amor.
— Nunca seria para reparar um equívoco, Penélope. Na época, talvez não o soubesse com
tanta certeza quanto agora, mas eu sempre lhe amei, desde o primeiro dia que a vi, no dia em
que me impediu de castigar minha filha, a quem agora tenho orgulho de chamar de filha. Daquele
dia em diante, não fiz outra coisa a não ser amar-lhe, carinho. Além do mais, não me importa se
seu pai é um duque, se sua mãe foi uma serviçal, se é uma das mulheres mais ricas do país, nada
disso me importa. Apenas você me importa e nada além.
— Isso quer dizer que poderei fazer o que quiser com minha fortuna? – Empolgada,
pergunto e Felipe concorda. – Não te oporás se eu aplicar parte do dinheiro na construção de
uma escola para moças?
— Penso que será um ótimo investimento. Não se esqueça que sou um empresário, não
tenho qualquer problema em ter uma esposa com tino para os negócios. – Rimos e beijamo-nos
demoradamente. Não podia estar tão feliz, confesso.
Convencer Felipe de que poderíamos aguardar mais um dia para casarmos foi um feito
e tanto, devo dizer. Ele e Willian quase trocaram socos. Madrinha havia enviado um vestido para
ser usado na cerimônia, era um modelo mais simples e feito para não chamar tanta atenção. Para
adornar meu cabelo, uma delicada tiara cravejada de pequenos diamantes. A esposa do
embaixador ajudou-me a prender o cabelo. Willian acompanhou-me até Felipe, que me entregou
um ramalhete de rosas brancas, eu sabia que eram de sua estufa. Trocamos as alianças e votos de
amor e respeito mútuo diante do próprio bispo. Bento e Flora foram testemunhas de Felipe,
enquanto Judite e Danilo foram as minhas. Madrinha e doutor Magalhães nos aguardavam no
palacete para um discreto brinde, onde também passaríamos nossa noite de núpcias. Em dois dias,
no mais tardar, viajaríamos para a fazenda, a fim de fugir dos comentários quanto ao nosso
casamento apressado.
— Vocês dois enganaram-me direitinho! – Madrinha fala, abraçando-me carinhosamente.
— Dentre tantos, nunca poderia imaginar que seria Felipe o escolhido. Seja bem-vinda, minha
querida. Felipe não poderia ter escolhido melhor nora para mim, minha adorada afilhada, o
sucesso da temporada.
— E a senhora ainda conseguiu casá-la, Violeta! – Doutor Magalhães cumprimenta-nos.
— Não lhe falei que Penélope não voltaria para São Paulo solteira, Magalhães?
Simplesmente, sou um arraso como madrinha. – Os dois trocaram um olhar cúmplice.
Acreditava que era questão de tempo para os dois anunciarem suas bodas, havia algo a
mais entre eles, que ia além de uma simples amizade, uma faísca que só dois apaixonados
poderiam produzir.
— Tudo teria sido mais fácil se vocês dois tivessem assumido logo que se amavam, nem ter-
me feito passar por um papelão. – Danilo nos repreende, com razão. Fico feliz por ter aceitado
nossa união. Danilo é um bom homem e merece encontrar alguém que o faça feliz, que o ame de
verdade.
— Peny! – Eloíse corre até mim e abraça-me com força. — É minha mamãe, agora. – Ela
dava pulinhos de alegria. — E também me dará um irmãozinho.
— Santa Maria, onde ouviu a respeito de seu irmão? – Estava com saudades da menina e
de suas estripulias, confesso.
— Ouvi na cozinha! Dionísia falou que papai comeu a sobremesa antes do jantar, por isso,
você ficou grávida, Peny. – Sinto as bochechas esquentarem. O infame do Felipe ainda tem a
audácia de soltar uma gargalhada.
— A sobremesa foi irresistível, minha filha! – Felipe fala e todos acabam rindo. Meu marido
aproxima-se e enlaça-me, abocanhando meus lábios na frente de todos, para minha vergonha.
Uma salva de palmas nos ovaciona.
— Muito bem! – Uma voz fina chega aos meus ouvidos. — O casamento do ano acaba de
acontecer e não se tem mais a dignidade de comunicá-lo aos amigos. – Viro-me para trás e
deparo-me com a figura imponente e odiosa de Joaquina. Apoio-me em Felipe para não cair, pois
sinto as pernas falharem.
— O que faz aqui? – Felipe pergunta. — Não é mais bem-vinda em nossa casa, senhora!
— Não se ocupe comigo, Felipe. Apenas vim desejar meus mais sinceros votos de
infelicidade, pois farei questão de tornar a vida dos dois um verdadeiro inferno. Deixou-me para
casar-se com essa daí. – Joaquina aponta seu dedo petulante em minha direção. — Pois
engravidou-a, não é? Quero ver o que as mais elegantes damas dirão quando souberem que a
senhora Felipe Gusmão de Albuquerque gerou mais um bastardo.
— Basta! – Felipe praticamente gritou e só não partiu para cima de Joaquina, porque foi
contido por Danilo e Bento. — Nunca mais use sua boca suja para ofender minha esposa, meus
filhos, minha família.
— Meu filho, não gaste seu latim com essa mulher... Tão vulgar! – Madrinha intervém. —
Quem poderá dar-lhe crédito, principalmente agora que meu primogênito se casou com a irmã do
Duque de Cumberland e a mais rica herdeira do Brasil! Ninguém ousará falar um "a" sequer de
Lady Penélope.
— Irmã do Duque de Cumberland? – Joaquina resmunga. Estava espantada com a
revelação.
— Sim e também filha mais nova do duque anterior. Acredita mesmo que as mais distintas
damas da sociedade carioca deixaram de receber Lady Penélope em seus círculos, senhora
Coutinho do Amaral? Se eu fosse a senhora, compraria o mais rápido possível uma passagem, só
de ida, para Paris. Ouvi dizer que há excelentes cabarés para se trabalhar por lá. – Touché para
a madrinha. — Retire-se de nossa casa e nunca mais ouse nos ofender ou não terei qualquer
pudor em expulsá-la com minhas próprias mãos. Aliás, já deveria ter o feito há muito tempo e não
deixarei mais para depois. – Madrinha, que não estava para brincadeira, parte para cima da
mulher, agarrando-a pelos cabelos e puxando-a até a porta, onde num empurrão a joga para
fora, batendo a porta atrás de si. Foi engraçado ver Dona Violeta deixar sua postura impecável
de dama, confesso.
— Obrigada, muito obrigada! – Abraço madrinha, pois era a melhor madrinha do mundo.
— Mas ela tem razão, madrinha! Todos falarão quando o bebê nascer, pois já estou com mais de
dois meses.
— Oh querida! – Madrinha dá palmadinhas em meu rosto. — Não lhe contei que existe
uma tradição em nossa família? – Nego com a cabeça. — Pois há uma tradição na família Gusmão
de Albuquerque, os seus primogênitos nascem prematuros. Muitos deles nasceram prematuros, devo
dizer.
— Eu nasci prematuro? Só pode ser uma brincadeira. – Felipe pergunta perplexo.
— Sim, meu filho. E não é uma brincadeira! Seu pai também comeu a sobremesa antes do
jantar. E como diz o ditado, filho de peixe, peixinho é. – Todos gargalham, com exceção de Felipe
que parecia ter entrado em um estado profundo de apoplexia. — Peny, querida, é melhor
recolher-te! Está grávida e passaste por muitas emoções nos últimos dias. Judite a ajudará em seus
novos aposentos.
Subi com Judite para meus novos aposentos. Tudo estava impecável e perfumado. Era um
quarto com decoração feminina. Judite havia me explicado que o quarto fora da falecida Gisela.
Em que pese o carinho com que arrumaram tudo, não me sentia confortável em estar naquele lugar.
Preferia o meu quarto ou o de Felipe. Após escovar meus cabelos, deito-me na cama e fecho os
olhos para descansar até Felipe chegar, mas acabo adormecendo. Resmungos acordam-me. Era
Felipe. Nunca conheci um homem tão resmunguento, mas não seria Felipe sem os resmungos. Uma
tropa de criados o seguiam.
— Quero saber quem mandou colocá-la neste aposento? Penélope é minha esposa e, a
partir de hoje, dormirá em minha cama, no meu quarto. – Felipe joga minhas cobertas no chão e
pega-me em seu colo, sem qualquer esforço.
— Senhor, perdoe-me! – Frau Helga fala.
— É imperdoável! Onde já se viu a Senhora Gusmão de Albuquerque neste quarto?
— Felipe... – Tento interrompê-lo, não é necessário tanto por tão pouco. Coitados dos
criados.
— Fala amor! – Ele me olha e meu coração dispara. Meu amor não cabe dentro de mim. —
Está uma delícia nesta camisola indecente. – Felipe entra em seu quarto e deposita-me em sua
cama. Beija a ponta do meu nariz e volta sua atenção para os criados. Como pode ser tão
descarado na frente dos criados? Acabo corada.
— Não admitirei mais uma coisa dessas!
— Acreditávamos que a senhora Penélope ocuparia o mesmo quarto da falecida senhora.
– Alfred explica-se.
— Pois pensaram errado, muito errado. O lugar de minha esposa é ao meu lado. Então,
tragam todas as coisas de minha esposa para meu quarto.
— Sim senhor! Providenciarei imediatamente. – A governanta dispõe-se a corrigir ela
mesma o equívoco.
— Imediatamente não! Minha esposa precisa repousar, deixe para mais tarde. – Meu
marido expulsa todos do quarto e passa a chave na fechadura.
— Não havia necessidade de chamar a atenção dos criados, Felipe!
— Como não havia necessidade? Não quero você em outro lugar a não ser no nosso
quarto. Quando voltarmos, poderá decorá-lo à sua maneira. – Felipe tira os sapatos e a camisa,
depois engatinha sobre a cama até chegar perto o suficiente para beijar-me. Minhas mãos
coçavam para tocá-lo. — Não a quero no quarto que foi de Gisela. Você não tem nada em comum
com minha falecida esposa. Mandarei destruí-lo.
— Por que vocês não dividiam o mesmo quarto? – Sou curiosa demais para segurar-me.
— Ela não quis! Julguei melhor respeitar sua privacidade. – Concordei com um leve aceno
de cabeça. — Mas com você, amor, será diferente, não será?
— Eu acho que irei querer um quarto só para mim! – Falo rindo e reviro os olhos.
— Ah senhora Gusmão de Albuquerque... Acredito que terei que amarrá-la nesta cama,
então! – Felipe beija meu pescoço enquanto suas mãos acariciam minha barriga. — Amo você,
Penélope Gusmão de Albuquerque, minha esposa.
— Também amo você, Felipe Gusmão de Albuquerque, meu marido.

Crônicas da Sociedade Carioca (e mexeriqueira)


Posso afirmar que a lady citada na última coluna conseguiu o que tanto desejava. Será, de
fato, uma senhora da alta sociedade, tendo seus escândalos esquecidos completamente com a chegada
do iminente matrimônio.
O Rio de Janeiro inteiro caiu em total rebuliço com a descoberta das intenções do duque.
Acredito ter passado a mensagem errônea de que o lorde desejava desposar a pupila da sociedade, e
qual não foi a surpresa em descobrir que a lady em questão é uma nobre dama inglesa? Fiquei
estarrecido por não ter afirmado com maior enfoque as minhas desconfianças, ficando somente a
cargo da minha mente considerada senil, desconfiar de intenções tão gentis e carinhosas de um irmão
para com a irmã.
Creio estar sendo precipitado em vos dizer, mas a nobre dama não está avantajada? Talvez
seja esse o motivo para o mais notório Gusmão de Albuquerque se casar em segredo, evitando os
falatórios das mais odiosas invejosas.
Corre pelos corredores da mansão o grande mexerico de que o mesmo comeu a sobremesa
antes do jantar. Ora, mas que audácia! Não poderei eu julgar tal falta de decoro, quando a senhorita
é a mais elegante e graciosa dama disponível, cabendo ao lorde usar as armas da sedução para
desposá-la antes de seus rivais.
A amarga lady C.A. apareceu pelos salões de baile à procura de um novo peixe para fisgar
sua isca. Só posso dizer senhores, cuidado com a trama da senhora, é conhecida por estragar
casamentos e causar intrigas entre cavalheiros... E será mesmo um infortúnio presenciar as teias
enfeitiçando com louvor vossas senhorias.
Após tantos acontecimentos reveladores, posso finalmente citar os nomes dos presentes em
minhas colunas. Mas, é claro, como forma de parabenizá-los pelos excelentes laços confirmados.
Desejo a vós: Penélope Lilian Ferreira McCrudden Gusmão de Albuquerque um excelente matrimônio,
assim como para a prendada Flora Gusmão de Albuquerque Volkov, que suas peripécias a façam uma
esposa feliz.
Com tanto, receio também desejar minhas felicitações à matriarca da família citada, visto que
mesmo com os anos de esplendorosa viuvez, se vê em um pequeno romance com um cavalheiro
notoriamente respeitado.
Todos arrumaram seus pares, faltando somente o senhor B. A., que sofre com as investidas das
mães casamenteiras e foge com a mesma rapidez que um gato foge do banho, dos laços do
matrimônio.
Por Lafaiete Boaventura
Não sou uma pessoa perfeita, tenho plena consciência dos meus defeitos, sou ciumento e
possessivo, também resmungo muito. Apesar disso, considero-me um privilegiado, se fosse mais
religioso, diria que fui abençoado, pois a mulher mais perfeita do mundo dorme em minha cama e
carrega meu filho no seu ventre. Penélope tornou-se a minha razão de viver, a minha razão de
começar de novo, a razão para mudar quem eu costumava ser. Por Penélope, eu moveria céus e
terras, eu morreria e mataria. Viver por ela é o meu maior incentivo.
— Senhor! – Abílio, meu secretário e assessor, entra em minha sala. Havia deixado
Penélope em casa indisposta, estava no final da gravidez e preocupava-me muito, queria estar do
seu lado quando o bebê nascesse. Meu coração acelera quando me lembro que minha esposa está
prestes a parir, da outra vez, quando Eloíse nasceu, além de quase perder minha filha, havia
enviuvado. Se algo assim acontecer com minha doce Penélope, não suportarei. — Sua esposa
acabou de entrar em trabalho de parto. – Abílio fala.
— Inferno! – Jogo a caneta-tinteiro na mesa. — Eu sabia que não devia ter deixado
Penélope em casa. Onde está Bento quando preciso do infame? – Para variar, precisei vir até o
banco porque meu irmão havia desaparecido e não cumprido com suas obrigações. Pego o paletó,
chapéu e parto em disparada para o palacete. Espero que tenham chamado o médico.
Ao chegar em casa, encontro Flora agoniada na sala de estar principal.
— Onde está minha mulher? – Jogo o paletó e o chapéu para Alfred. — O médico já
chegou? Mamãe está com Peny? Como está minha esposa? – Minha irmã, agora mais madura em
razão do casamento, aproxima-se e pega minhas mãos.
— Felipe, acalme-se, se não o médico será mais útil a você do que a Peny. Ela está bem,
irmão! A bolsa rompeu, mas as contrações ainda estão fracas. – Não consigo acreditar em Flora.
Preciso ver Penélope com meus próprios olhos.
— Maldição, Flora! O que você sabe sobre partos? – Corro para o andar superior, quero
chegar logo e ficar com Penélope, permanecer ao seu lado. Forço a fechadura e ela não abre.
Por mil demônios, onde já se viu trancar a porta numa hora tão imprópria! Bato com força na porta
para que alguém venha abri-la.
— Felipe, não precisa colocar abaixo a porta! – Mamãe tenta impedir-me de entrar. —
Nem pense que entrará! Penélope está em trabalho de parto e não é lugar para homens. – Dona
Violeta fecha a porta.
— Mas o médico é homem! – Bufo em frustração.
— Ele é médico, Felipe! Sua esposa está indo muito bem... – Penélope grita.
Mamãe que me desculpe, mas vou entrar de qualquer jeito. Invado o quarto e encontro
minha esposa gemendo de dor e pálida demais para meu gosto.
— Senhor, o que faz aqui? Por favor, é melhor retirar-se. – Uma ova que me retirarei. A
mulher é minha, o filho é meu e permanecerei.
— Doutor Pereira, quem lhe pagará os honorários? Eu! Logo, ficarei e não discutimos mais.
– O médico olhou-me com os olhos esbugalhados. – Trate de cuidar de minha esposa e filho,
assegure-se de que os dois sobrevivam.
— Felipe, por Deus, pare de brigar com o doutor! – Penélope resmunga. Está deitada na
cama com alguns travesseiros nas costas. — Estou passando um inferno aqui, deixe o médico
cumprir com seu ofício. – Aproximo-me de minha esposa e beijo-a na testa. Está ofegante e suada.
— Obrigada senhora! Agora, por favor, tente concentrar-se na respiração. Senhor! – O
médico olhou para mim, mas era incapaz de desviar minha atenção de Penélope, ela sofria e eu
não podia fazer nada por ela. — Sua esposa está indo muito bem, é saudável e teve uma ótima
gestação, não há nada a temer. – Mesmo assim continuava preocupado e se Penélope, meu amor...
Não ela não me deixaria, não depois de me fazê-la amar tanto.
As horas custavam a passar no relógio. Penélope estava em trabalho de parto há exatas 5
horas. Nunca havia imaginado que poderia ser tão difícil. Ajudei-a a andar pelo quarto, pois o
médico havia dito que caminhar poderia acelerar o nascimento. Inferno, esse médico devia estar
louco, só pode! Penélope gemeu de dor e suas pernas fraquejaram. Pego-a no colo e levo-a até
nossa cama.
— Doutor Pereira, em que faculdade estiveste? – Matarei esse médico até o final de tudo e
depois castrar-me-ei, pois nunca mais verei minha doçura passar por isso de novo.
— Cala a boca, Felipe! – Penélope grita, enfiando as unhas na minha mão. — Não aguento
mais. Tirem essa criança de dentro de mim.
— Carinho, calma! – Tento tranquilizá-la em vão.
— Vamos Penélope! Falta pouco. – O médico incentiva-a. — Empurre, Penélope. – Minha
esposa agarra-se a mim com muita força.
Meu desejo mais profundo era estar em seu lugar. Ao gemido de Penélope, seguiu-se um
choro. Havia um bebê e muito sangue, tudo ficou nublado de repente...
Desperto, perguntando-me como havia conseguido adormecer durante o nascimento do meu
filho. Ainda estava em nossa cama. Olho para o lado e vejo minha doçura com um bebê enrolado
no colo, era meu filho, ele havia nascido e estava aninhado no colo de sua mãe, agora, mais
corada. Ela não havia morrido, graças a Deus.
— Felipe, queres matar-me do coração, seu infame! – Amo-a até mesmo quando me xinga,
confesso. Seus olhos estavam tão azuis.
— O que aconteceu? O que perdi?
— Desmaiou, você desmaiou, Felipe, quando seu filho nasceu. É um menino, forte e saudável
como o pai, devo dizer! – Levanto-me para vê-lo. Ele estava agarrado no dedo de sua mãe, minha
adorada Penélope, meu grande amor. Eu agora era pai de um menino e o orgulho não cabia em
mim. — Diga-me alguma coisa, Felipe.
— Obrigada querida! – O que mais poderia falar-lhe? Não conseguia encontrar as
palavras corretas para descrever o que de fato sentia. Beijo nosso filho, o nosso milagre.
— Por todas as Santas e Mártires da Igreja Católica, juro que nunca mais deixarei você
acompanhar outro parto. Não faz ideia do desespero que senti quando o vi desfalecer em meus
braços. – Penélope deixa cair uma lágrima. — Estou exausta, Felipe.
— Maldição! Não haverá outra vez! – Encho-a de beijos.
— Diga-me, como pretende impedir uma próxima vez? Sim, porque se pensa que não
dormirá mais comigo, está enganado. – Penélope fuzila-me com os olhos e isso não é um bom sinal.
— Acalme-se, carinho! Acabou de parir e não deve ficar nervosa. – Encosto-me na
cabeceira da cama e puxo Penélope para o meu colo. Ficamos aí, como dois tolos, olhando para a
carinha enrugada do nosso bebê. Nem posso acreditar que é um macho, meu filho.
— Felipe!
— Sim.
— Pensei em um nome para ele. O que acha de Phillip?
— Phillip... Mas é Felipe na língua inglesa.
— Exatamente. Veja bem, sou inglesa e o homem que amo chama-se Felipe, nada melhor
de que o fruto de nosso amor se chamar Phillip Gusmão de Albuquerque, nosso pequeno Phill.
— Quem sou eu para negar-lhe um desejo, meu amor? Para a rainha da minha vida, tudo,
absolutamente tudo. Amo-a tanto, Penélope, que não cabe dentro de mim tanto amor.
Não podia estar mais feliz.
Tenho dito que escrever e contar estórias fazem parte da minha essência. Eu e as palavras
nos sintonizamos muito bem desde sempre. Quando criança pequena, passava horas desenhando
bolinhas e tentando imitar letrinhas. Ir à escola e aprender a ler e a escrever foi mágico, uma
espécie de grito de independência. Em 35 anos de existência (sim, eu sou velhinha já), sonhos foram
conquistados, ideais transformados, esperanças renovadas, mas sempre uma coisa permaneceu
firme e forte comigo: as palavras.

Quando criança também me fantasiava de princesa com os vestidos e colares de minha


mãe. Criava um mundo mágico, um verdadeiro conto de fadas, com bailes, damas, chás e tudo mais
que minha imaginação permitisse. Escrever Um Amor para Penélope foi como voltar para a infância,
além de ter se tornado uma das experiências mais marcantes de minha vida adulta. Um desafio a
que me propus sem muitas expectativas; a intenção era acima de tudo, me divertir, compartilhar
coisas belas e mágicas.

Gostar de história e museus foi de grande ajuda para criar cenários bucólicos. Ser
romântica ao extremo e acreditar no amor foi o ingrediente mais poderoso para chegar ao fim de
mais um projeto, de mais uma estória, de mais um “felizes para sempre”.

Um Amor para Penélope foi concebido para ser um simples e delicioso romance de época.
Penélope e Felipe foram criados para descobrirem lentamente o amor. Eles se revezariam na
narrativa; uma mulher e um homem que se desejariam e que teimariam em se entregar ao forte
sentimento que despertariam um no outro. Sentimentos estes que ditaram o rumo dos acontecimentos
e que os levaram a uma paixão desenfreada, permeada por ciúmes, mexericos e sedução, envolto
num cenário deslumbrante de bailes, saraus e passeios pelas lindas paisagens do Rio de Janeiro
do início do século passado.

Aquilo que teve a simplória pretensão de ser apenas um treino tornou-se algo grande,
chegou ao topo no ranking, o número 1 em ficção histórica no site onde ficou hospedado. A alegria
não cabe em mim. A gratidão e carinho por cada leitor é imensa.

Um Amor para Penélope é e sempre será um grande feito para mim. Meu primeiro romance
de época e meu primeiro livro narrado em primeira pessoa. Um romance que teve a pretensão de
mostrar-me que devo acreditar mais em mim e que aquilo a que apelido de ”maluquices” merece
ser compartilhado.

Com carinho, Diane Bergher.


Agradeço a vocês queridos leitores, antes de tudo! Sem cada um de vocês, Um Amor para
Penélope não teria sido o sucesso que foi na internet. Agradeço o carinho, apoio, compreensão e
amizade que vocês me ofereceram ao longo dos capítulos.
Agradeço a Julia Lollo, que me instigou a escrever uma estória em primeira pessoa. Sem
aquela conversa pelo Facebook, não estaria aqui agradecendo por mais um livro concluído.
Obrigada, Julinha, por me fazer sair da zona de conforto!
Agradeço a Natália Chimenez, que acreditou no potencial da estória e não deixou de dar-
me o apoio para continuar seguindo. Obrigada, Nat, pela força que me deu, em especial, quando
éramos somente nós duas a comentar os capítulos na internet!
Agradeço a Cinthia Basso por topar embarcar nas minhas maluquices e criar o Lafaiete
Boaventura. Sem nosso mexeriqueiro favorito, Um Amor para Penélope não teria o mesmo charme e
glamour. Obrigada, Ci, por nos brindar com tanto talento, criatividade e disposição!
Agradeço à querida Lady Abreu, uma das minhas primeiras leitoras, descolada, antenada e
uma mulher moderna que não hesitou em aceitar meu convite para voltar no tempo. Aliás,
agradecemos à Lady pelas cenas mais picantes entre Felipe e Penélope, as introduzi para
convencê-la a ler. Obrigada, Lady, por acreditar na escritora aqui! Você é demais, garota!
Agradeço a outra querida, a quem dei o apelido de “potinho de mel”, Sheri, a diva dos
comentários na internet. Acreditem, a Sheri faz poesia nos comentários. Obrigada, Sheri, por toda
a doçura que espalhou em Um Amor para Penélope.
Agradeço a Milene Cristy e seu Instagram literário Meus Trechinhos do Wattpad, que ajudou
a divulgar Um Amor para Penélope com posts fofos e criativos. Obrigada, Mili, e parabéns pelo
lindo e original trabalho!
Agradeço a Clara, uma querida leitora também da internet, por ter me presenteado com
artes e capas maravilhosas para a Série Belle Époque. Clara, minha talentosa amiga, além de
gratidão, sinto muito orgulho pela sensibilidade e criatividade de seu trabalho impecável. Parabéns!
Agradeço as minhas parceiras e amigas do Blog Chá das Seis, pelo incentivo e apoio na
divulgação de Um Amor para Penélope. Obrigada Keli, Ci, De, Je e Nat por fazerem parte da
minha vida!
Agradeço a minha querida revisora Camille Chiquetti, pelo carinho e empenho dispensado
ao meu trabalho. Obrigada por respeitar minha obra, acima de tudo!
Agradeço a Layce Design, minha querida e talentosa capista e diagramadora pelo
trabalho impecável e carinho dispensado a minha obra. Por fim, a gradeço a Deus, pela infinita
bondade de me agraciar com o dom da escrita.
Diane Bergher é gaúcha de nascimento. Adotou Florianópolis como o lugar para viver com
o marido e filho. É advogada com duas especializações na área e formação
em coaching e mentoring. Uma leitora compulsiva e escritora por vocação, acredita que sonhar
acordada, fantasiar mundos e transformar realidades é a vocação da sua alma. Quando Ela
Chegou, sua primeira obra, foi lançada na internet. Com um texto delicado e sensível, o romance
conquistou o público feminino do site em que está hospedado.
QUANDO ELA CHEGOU
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SINOPSE
Apaixonada por arquitetura e história, Camila Rossini sonhava se tornar uma arquiteta para
trabalhar com restauração e conservação de prédios históricos. Jovem, linda, de personalidade
forte e destemida, perfeccionista e detalhista ao extremo, Camila precisou assumir a presidência da
construtora da família quando seu irmão mais velho sofreu um grave acidente de trânsito.
Empenhada em manter os negócios da família, Camila deixa de lado seus sonhos e passa a
viver para a empresa durante anos. Depois de um longo noivado, é abandonada no altar, o que a
leva a questionar as escolhas que fez na vida e a embarcar numa viagem para o exterior.
Ao retornar para o Brasil, Camila decide recomeçar sua vida e realizar seus antigos sonhos.
Muda-se para o Rio de Janeiro e aceita o cargo de assistente do genioso e controlador Murilo
Mendonça Castro de Alcântara, um arquiteto talentoso e um mulherengo incorrigível. Uma forte
atração surgirá entre os dois, fazendo-os sucumbir a uma tórrida paixão, que poderá mudar o
curso de suas vidas para sempre.
Quando ela chegou é o primeiro livro da Triologia Ela, que narra os encontros de casais de
mundos diferentes que descobrem no amor seu elo mais profundo.

SEMPRE FOI VOCÊ


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SINOPSE
Depois de uma década e de escolhas erradas, Pedro reencontra a mulher de sua vida.
Pedro e Melissa foram namorados na juventude, mas o destino os impediu de ficar juntos. Melissa
casou-se com o melhor amigo de Pedro após ter fugido para o exterior. Pedro, por sua vez, casou-
se com a irmã mais nova de Melissa. Com o retorno de Melissa ao Brasil, agora viúva, a paixão
adormecida entre os dois renasce ainda mais forte.
Preso a um casamento fracassado, Pedro precisará lutar para reconquistar o amor e a
confiança de Melissa. Em meio a segredos e intrigas familiares, poderá o amor ser capaz de
vencer?

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