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Herdeiros

Malamam
Livro 4

Marco
À beira do precipício.


Por Joice Bittencourt
Copyright © 2018 Joice Bittencourt Romances.
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, a distribuição e o
armazenamento, no todo ou em parte, por quaisquer meios, sem autorização
prévia da autora.

Obra:
Marco – À beira do precipício.

Série:
Herdeiros Malamam
Livro 4

Autora:
Joice Bittencourt
joicerbittencourt@gmail.com

Joice Bittencourt Romances
Novembro de 2018
#ficaadica

Este é um romance, uma obra de ficção, onde desejo que minhas leitoras
possam deixar a realidade e mergulhar de cabeça. Qualquer semelhança com
nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência. A não ser que
você encontre um médico lindo, disponível e com o sobrenome “Malamam”.
Nesse caso: me chama!!!!
Leia com o coração, se imagine nas situações e seja o seu personagem
favorito. É isso que espero. Se nas páginas deste livro, eu conseguir passar os
sentimentos vividos por Marco, Damaris ou quem quer que seja, estarei
realizada.
Aprecie sem moderação!
Sinopse
Depois de encontrar o amor da sua vida, o cirurgião Marco Malamam
tenta se distanciar de seus demônios e abandonar de uma vez por todas a
cocaína, que lhe acompanha há um longo tempo.
Não foi um pedido, mas sim uma exigência de Damaris, sua noiva
grávida, que coloca a sobriedade dele como uma condição para continuar em sua
vida.
Inocente quem promete e mais inocente quem acredita. Nada é tão
simples quanto parece.
Escondendo os erros e sustentando uma mentira pesada demais, Marco
faz o que pode, mas escorrega e perde o controle da situação.
Desgastado pelas mentiras, o relacionamento de Marco e Damaris
enfrenta o seu pior momento quando tudo vem à superfície.
Grávida, sozinha e profundamente magoada, Damaris decide que só o
amor não será o suficiente e o abandona, deixando Marco à beira do precipício.
Na balança da vida, o que pesará mais?

Sumário
#ficaadica
Sinopse
Anteriormente em Marco : Entre o amor e o vício:
Uma nova ovelha
Família, temos novidade
As surpresas não param
Mar de insegurança
De médico para médico
É preciso resistir
Eu sou um viciado
Tudo para ela
Não sou um príncipe
Menino ou menina?
A ovelha sempre será negra
É o fim
Vazio
Depois da explosão
De volta ao lar
Um sinal
Querida, cheguei!
Epílogo
Ibogaína
Anteriormente em :
Marco – entre o amor e o vício...
Uma nova ovelha
Marco
Por que estou mais nervoso do que na minha primeira cirurgia? Era para
eu estar calmo, afinal meu papel é dar apoio e realizar desejos na primeira fase
dessa nova jornada.
Se ela se confirmar, é claro.
Depois de saber da chance de termos feito um bebê, corri na farmácia e
comprei cinco testes no mesmo dia. Quase fiquei de joelhos para Damaris acabar
logo com essa aflição, mas ela não quis de jeito nenhum. Acho que ela está mais
assustada do que animada. Enquanto eu, estou empolgado.
Ter um filho ainda não tinha passado pela minha cabeça, mas agora que
passou, eu quero. Andei até encomendando uns livros na internet. Ela não sabe.
― Gatona, já deu tempo de fazer cinco litros de xixi. Abre a porta.
― Com você aí fora fica difícil. Vai para a sala. ― ela grita do outro lado
da porta.
Ando de um lado para o outro e, sem opção, vou para a sala dando a ela a
privacidade que quer.
Olho para o relógio, abro a geladeira várias vezes, tento comer uma
maçã. É impossível esquecer que ela está lá dentro mijando em um potinho para
descobrir se teremos um bebê.
Mas que droga de eternidade para um troço simples.
Desisto de esperar e bato a porta da geladeira ofegando de ansiedade,
mas quando dou um passo em direção ao corredor, ela aparece com os cinco
testes na mão.
Inspira, expira, inspira... expira.
Puta que pariu! É isso que sentimos quando vamos enfartar?
― E então?
― Não sei.
― Como assim, Dama? Quer me matar?
Ela é pequena e parece ainda menor com os ombros encolhidos e os
olhos úmidos. Sei que não está triste, mas sim preocupada.
― Tem que esperar uns minutinhos.
― Se tivéssemos ido no hospital seria mais fácil.
― E todos ficariam sabendo. ― rebate.
― Acha mesmo que vou conseguir guardar segredo sobre isso? Te
adianto que já marquei um jantar na casa dos meus pais para essa noite.
Ela quase cai para trás.
― Está de brincadeira?
― Não. ― beijo seu nariz.
― Marco, ainda não sabemos. E se eu não estiver grávida?
― Tudo bem. Desde que voltamos você ainda não viu os meus pais e
mamãe está cobrando uma visita.
― Ah claro! Chegaremos lá dizendo: oi, nós voltamos... e teremos um
bebê.
― Exatamente.
― Marco, você não existe.
Olho para os testes dispostos encima da mesa. Meu coração batendo mais
rápido do que de cavalo de corrida.
― Já podemos ver.
― Acho que sim. ― ela pega um, mas desiste e fecha os olhos ― Olha
você.
Viro todos sem olhar o resultado. Arrasto uma cadeira, sento e puxo
Damaris para o meu colo. Ela está com os olhos cobertos pelas mãos tremulas.
Seguro em seus pulsos e conto até três.
― Vamos lá!
Olhamos juntos. Organizados em fila, os cinco testes de marcas
diferentes traziam o resultado em uma espécie de letreiro digital.
― Oh meu Deus! ― ela grita e enterra a cabeça em meu pescoço.
Acho que nunca tive algo tão precioso nos meus braços. Abraço-a com
força acariciando seu cabelo e dizendo o quanto a amo baixinho em seu ouvido.
― Parabéns para nós, gatona! Agora é oficial, teremos um bebê em
alguns meses e isso é maravilhoso. Eu estou muito feliz. Sei que essas suas
lágrimas não são de tristeza, minha coruja. Confie em mim, nós seremos uma
família feliz para caralho.
― Estou chorando de emoção... e preocupação.
― Eu sei. Eu sei.
Seguro o seu rosto olhando em seus olhos. Preciso que ela entenda que
estamos juntos nessa. E que mesmo já tendo feito escolhas erradas, estou
determinado a ser melhor a cada dia; por mim, por ela e agora por esse bebê.
― Marco, e sua família?
Sim, ela está preocupada com o que todos vão pensar porque não os
conhece tanto quanto eu.
― Minha família fará uma festa bem barulhenta para comemorar.
Finalmente ela sorri.
Essa é a minha chance.
Deixo Damaris na sala e vou até o quarto de hóspedes, vejo se tudo está
como eu planejei, abro as janelas e volto para a sala.
― Gatona, venha aqui.
Ela olha desconfiada, deixa os testes onde estão e vem. Cubro seus olhos
com a minha mão e andamos até o quarto de hóspedes. Não me surpreende que
ela esteja tremendo.
Eu mesmo ainda estou tremendo e um pouco bobo, sem acreditar.
― Está preparada para a surpresa?
― Não sei.
― Você vai gostar.
― Tem flores e balões como da outra vez?
― Hum... não.
― É de comer?
― Você acabou de descobrir que está grávida e já quer comer? Devo me
preocupar?
― Palhaço.
Abro a porta, entro com ela e paro exatamente no meio do quarto.
― Ontem, contei uma mentira. Disse que estaria em uma reunião com
meu pai e meus tios, mas não era verdade. Eu nunca participo dessas reuniões.
Só Nina mesmo. Eu estava aqui.
― Por que mentiu?
Tiro a mão que cobria seus olhos e paro ao seu lado. Damaris parece não
acreditar no que vê e como se uma torneirinha fosse aberta, leva a mão à boca e
começa a chorar sorrindo ao mesmo tempo. A cena é divertida porque ela não
sabe se faz um ou outro.
― Como fez isso?
O antigo quarto de hóspedes agora está vazio, as paredes com papel de
nuvens imitando o céu e uma cortina branca. Não comprei os móveis porque
quero que ela escolha, mas só de entrar já é possível entender que pertence a um
neném.
― Sou um homem prendado.
― Mas não tínhamos certeza de nada.
― Certeza não tínhamos, mas tive fé que teríamos um positivo.
Ela leva a mão a barriga.
― E tivemos.
― Tivemos sim. ― concordo. ― Tem mais uma coisa.
― O quê?
Retiro a caixinha que já estava incomodando no meu bolso.
― Quer casar comigo?
Se antes ela estava chorando, depois do pedido ela fica imóvel. Olha para
as alianças dentro da caixa e depois para mim, sem responder à pergunta.
Qual é? Isso não se faz com um homem. Desse jeito ficará viúva antes do
casamento.
― Quem cala consente? ― pergunto cheio de esperança.
― Eu aceito, gatão.
Uau! Essa foi por pouco.
Envolvo Damaris em meus braços, aconchegando minha noiva e meu
filho em meu calor. Que loucura! Olho o quarto vazio e um filme passa pela
minha cabeça, me fazendo sorrir. Será que é sorte ou alguém lá em cima está
torcendo por mim? Não que eu mereça, mas aceito de bom grado.
No futuro, quando me perguntarem como eu estava aos trinta anos, direi:
Eu estava no início da melhor fase da minha vida.
Que venham os próximos trinta!

Família, temos novidade
Damaris
...dias depois...
Preciso arrancar esse sentimento daninho de dentro de mim. Sinto-me
culpada de várias formas possíveis, primeiro por ter agido sem nenhuma
responsabilidade e, em consequência disso, estar gerando uma vida que não
pediu para existir. Segundo, por não ter feito o mínimo esforço para reverter a
situação, já que fui moralmente incapaz de tomar um contraceptivo de
emergência. Pode parecer inofensivo para muitos, mas para mim não é.
Talvez eu tenha conceitos retrógrados... A velha máxima de criança
criada pela avó.
Por último, e pior, vem a culpa por perceber que o motivo de estar tão
mal é algo maravilhoso. Um filho. Meu filho não será um fardo, será amado por
mim e pelo pai dele. É desejado. Como posso ter qualquer sentimento que não
felicidade?
Ninguém é só festa, não é mesmo? Eu também não sou. Nos últimos dias
sou uma confusão de sentimentos controversos, dúvidas e culpas. Quem sabe
isso sejam os tão falados hormônios da gravidez dando as caras?
― Gatona, você demora a ficar pronta? ― Marco aparece na porta do
quarto.
― Não.
A resposta sai tremula, minha boca está seca. Não sou muito boa em
esconder o que sinto.
― Está tudo bem?
Segurando a escova de cabelo com as duas mãos, não preciso de tempo
para pensar na resposta.
― Não.
Através do espelho, vejo Marco se aproximar com um sorriso aberto,
mas que não é o suficiente para esconder a sua preocupação. Ele é assim; por
isso me apaixonei. Este homem é o tipo de pessoa que avalia o que quer que seja
sob um viés de autoproteção, onde o humor tende a amenizar quase tudo.
Mais que depressa, ele vem até mim.
― Sabe o que eu vejo? ― pergunta e eu nego com um movimento de
cabeça ― Uma mulher gata que precisa urgentemente trocar os óculos, porque é
incapaz de enxergar o próprio reflexo no espelho.
― Marco...
Ele ergue o dedo, me impedindo de continuar.
― Não, não, não. Deixe-me concluir. Vejamos a nossa realidade pela
minha ótica, ok?
― Vá em frente.
― Quais são as chances de alguém encontrar o amor da vida em uma
escada de hospital? Quase zero, mas conosco aconteceu. Num piscar de olhos,
era amor. Resumindo: Descobrimos que somos feitos um para o outro, eu cometi
erros, você me perdoou. Ou eu espero que sim.
― Eu te perdoei, Marco.
― Graças a Deus! ― ele me beija ― Como se fosse pouco, voltamos há
tempo de descobrirmos juntos que fizemos um filho na véspera de natal.
Lembrar daquele dia mexe muito com o meu corpo. A forma como tudo
aconteceu e o que ele foi capaz de provocar em mim... Não há outra pessoa que
consiga derrubar todas as minhas barreiras.
Talvez no fundo, bem no fundo... eu torcesse para ter parte de Marco
dentro de mim. É louco admitir, mas sinto que é a verdade.
― Eu já suspeitava e não fiz nada para impedir. Eu poderia ter evitado...
revertido a situação.
O sorriso dele desaparece instantaneamente. O que eu disse o aborreceu
de tal forma que não consegue disfarçar.
― O que quer dizer?
― Marco... Eu poderia ter tomado a pílula do dia seguinte naquele
momento, se tivesse um pouco mais de coragem, mas eu não tive. As coisas
seriam diferentes. Eu poderia ter evitado essa gravidez.
― Não seja por isso. ― seu tom fica mais carregado ― Quer abortar?
Podemos ir ao hospital agora mesmo e tirar o bebê. Ainda está em tempo.
Não! Isso não!
Levo a mão à boca, horrorizada com a sua proposta. Como ele pode me
propor algo assim? Matar o nosso filho?
― Como tem coragem?!
Estou tão chocada e enojada, que resisto aos seus braços que tentam me
rodear, empurro o seu peito com toda a minha força afundando as unhas na carne
sem pena. Sinto raiva e luto, mas ele insiste e por fim acabo cedendo.
Amarrada em seus braços fortes, com a respiração acelerada e o rosto
molhado por lágrimas, ouço-o dizer:
― Viu? Era isso que eu precisava te mostrar, Dama. Você não seria capaz
de matar o nosso filho. Ele é nosso! Nós fizemos juntos, nos amando naquele dia
de entrega e paixão. Como o resultado de um acontecimento incrível pode ser
indesejado? Pare de se culpar por algo que não acredita. Eu sou muito feliz pela
sua decisão e me magoaria profundamente descobrir que tomou o outro
caminho.
― Eu não poderia...
― Eu sei, Dama. Eu sei disso.
Suas palavras tiram grande parte do peso sobre as minhas costas como se
os medos perdessem importância.
Por que estou chorando?
Limpo as poucas lágrimas discretamente na camisa de Marco que não
percebe, e se percebeu, fingiu muito bem.
― Quer ir ao jantar? ― ele pergunta, carinhoso.
― Claro!
― Tem certeza? Podemos ligar e dizer que preferimos ficar aqui
transando feito macacos no cio. ― ele pisca para mim ― Meu pai entenderia. Eu
falo que a minha noiva grávida tem ataques de tesão e que, como um bom
homem, tenho que saciá-la apropriadamente.
Que horror!
Dou um tapa em seu ombro. Não sei como pode brincar com uma coisa
dessas.
Ridículo!
― Espero que esteja brincando, Marco. Olha...
― Ah, tô sim. ― diz, mas não levo fé nenhuma.
― Juro que te mato se me fizer passar uma vergonha dessas na frente dos
seus pais.
Mais tranquila, consigo afastar os pensamentos ruins e me concentrar no
que tenho nas mãos. Saber da vida que cresce dentro de mim e ter Marco
constantemente me lembrando do quanto me ama, é encorajador. Se não o
tivesse visto como vi, jamais diria que luta por sua sobriedade.
Saímos do apartamento dele rindo com suas opções para contarmos a
novidade para a família. No elevador, ficamos os dois de frente para o espelho,
imaginando quais os traços que o bebê herdará de cada um. Espero que os olhos
sejam os do pai, a boca... tudo. Marco é tão lindo. Quero um mini Marco.
― O que acha de passarmos em uma farmácia? Pensei em comprar uma
chupeta e uma fralda geriátrica para vestir. Acho que eles logo matariam a
charada.
Olho-o horrorizada.
― N-não.
― Seria divertido.
― Seria chocante. Já posso imaginar a sua mãe caindo dura na minha
frente.
Paramos no farol e ele olha para mim com um enorme sorriso no rosto.
Vejo todos os seus dentes. Ao redor da boca, vincos se formam deixando bem
clara a sinceridade do sorriso que vai de orelha a orelha.
― Minha mãe irá desmaiar de felicidade.
― Por você engravidar a sua ex-namorada?
― Por eu engravidar a mulher da minha vida. Por ela saber que você é a
melhor pessoa para mim. São tantos motivos para ela ficar feliz.
― Você acredita mesmo no que diz? ― pergunto enquanto o observo
dirigir.
― Você não?
Por que eu não acreditaria quando ele é tudo o que é?
Na verdade sei a resposta. Estou calejada, cansada de acreditar e
desacreditar. Sinto que cheguei ao limite, como se fosse estourar ao menor sinal
de traição. É exatamente essa a palavra, porque sinto-me traída quando Marco
escolhe a droga.
O meu silêncio não passa despercebido e ele insiste.
― Dama, você acredita quando digo que é a mulher da minha vida?
Vejo que nos aproximamos da portaria do condomínio, retiro o sinto e me
aconchego em Marco com os braços agarrados envolta dele.
― Eu acredito.
Depois de uns quarenta minutos, chegamos ao condomínio dos meus
sogros. Sogros? Que estranho falar dessa forma.
Mais uma vez me surpreendo com a beleza e a tranquilidade do lugar que
não parece fazer parte da cidade de São Paulo. Quando Marco estaciona em
frente à casa dos pais, o silêncio ganha algumas notas mais italianas e fica
evidente que essa não é uma casa qualquer. No jardim, os filhos de Nina
aprontam e brincam tirando a atenção de um dos seguranças do local. O homem
vestindo um terno azul-marinho parece se divertir com a traquinagem das
crianças.
― Jorge! ― Marco o cumprimenta.
― Como vai, Marquinho? Que moça bonita.
Marco me puxa para junto de si, beija a minha cabeça e responde cheio
de orgulho:
― Linda, não é? Eu tenho bom gosto e ela teve sorte.
Nossa! Muito sensato.
Paramos bem no meio do passeio de pedras quando Marco percebe uma
mocinha correndo em nossa direção. Ele se abaixa e ela pula em seu pescoço
gritando “o tio Marco chegou! O tio Marco chegou!” com uma vozinha
estridente que de longe deve ser ouvida. Mesmo comendo algumas sílabas e
esquecendo de respirar entre as palavras, ela consegue se fazer entender.
― Aprontando, Lia?
― Na...não. Vigiando o Lipe e o Luiz. Meninos!
Fala com a mesma certeza de sua mãe. É uma mini Nina, porém, com
cabelos e olhos pretos feito jabuticaba. Tem os tons do pai com o gênio da mãe.
Conheço pouco o Rodrigo, marido de Nina, mas pelo que vi é um amante dos
esportes e da natureza, daqueles que levanta às 5h da manhã para pedalar.
― Cê vai casar é? ― quase não entendo o que a garotinha de uns 3 anos
fala, mas Marco parece não ter dificuldades e faz uma “tradução simultânea”
para mim.
― Quem lhe contou isso, Sophia?
― Minha mãe.
― Sua mãe é uma fofoqueira.
A mocinha parece não gostar nem um pouco, fecha a cara e cruza os
bracinhos.
― Vai casar ou não?
― Vou. ― ele pisca e beija a testa da sobrinha antes de se levantar ―
Mas é segredo.
― Tá. ― ela beija os dedinhos fazendo um X na frente da boca. Uma
gracinha. ― Segredo guardado.
― Ótimo! Deixa eu te apresentar. Esta aqui é a Damaris, minha noi...
namorada. Ela é muito legal.
A menina olha para mim sem dar muita importância, acena dizendo um
“oi” fofinho e sai correndo para brincar com os irmãos. Bem coisa de criança
mesmo.
Marco me abraça enquanto admira os sobrinhos. Aproveito para inspirar
o seu perfume gostoso de banho recém tomado e loção pós-barba. Retribuo o
contato completamente confortável em seus braços tomando aquele sopro de
coragem.
― Por favor, vamos com calma. ― peço baixinho em seu ouvido. ―
Nada de chegar gritando aos quatro cantos que estou grávida e vamos nos casar.
Espera eu me sentir mais confortável. E principalmente, não cria caso com o seu
pai hoje.
― Diga novamente, por favor. Gostei de ouvir.
Abaixo os óculos e o encaro sorrindo.
― Estou grávida e vamos nos casar.
― De novo?!
― Chega! Estou falando sério, Marco. Não seja adiantado demais, temos
tempo para contar com calma.
Ele beija a ponta do meu nariz.
― Vai dar tudo certo, Dama.
A empolgação está estampada na sua cara, posso ver a alegria brilhar.
Aposto que não considerará nada do que falei. Insisto mais uma vez.
― Talvez seja melhor esperar mais algumas semanas, quem sabe até um
pouco mais.
Ele não concorda e nem discorda, apenas me olha e depois me beija.
Antes que possamos nos separar, a porta se abre e Sarah aparece sorridente ao se
deparar com a cena romântica.
― Que lindos! Isso era tudo o que eu queria ver. Vocês juntos novamente
alegra o meu coração.
― Ainda bem que temos muitos médicos na casa, porque acho que hoje
o seu coração vai ficar bem alegrinho, mãe.
Dou uma cotovelada nele.
Como pode? Nem passou pela porta e já está assim. Ele não se aguenta
sem soltar uma piadinha.
Depois de um abraço caloroso, entramos. Acho que para qualquer pessoa
é esquisito chegar à casa do namorado, principalmente quando sua família está
toda lá. Todos se conhecem e se gostam e eu sou a única estranha dentre eles.
A sala está bem cheia. Matteo e Pérola sentados no sofá ao lado de um
casal mais velho. A semelhança do senhor com o pai de Marco é gritante, não
restam dúvidas que são irmãos. Belinda que já conheço, está sentada no tapete
ao lado de uma outra prima absurdamente bonita. Olho sem jeito para as duas
imaginando que assumam um comportamento indiferente a mim, mas isso não
acontece.
Belinda levanta rapidamente e vem em minha direção para um abraço
animado e depois se volta para a outra mulher e diz:
―Milena, esta é a Damaris, namorada de Marco. E responsável pelo meu
novo apartamento. ― grita animadíssima.
Eu e Marco nos olhamos sem entender do que ela fala.
― Como? Que apartamento, peste?
Ela revira os olhos, demonstrando toda a sua impaciência e explica:
― Simples, primo. Vocês precisam de privacidade e espaço para ficarem
juntos sem ter ninguém por perto atrapalhando. Não sirvo para ser vela mesmo.
Então vendi o meu carro e algumas joias para comprar um apartamento aqui.
Isso não é o máximo?
Belinda pula animada com a novidade, mas todos permanecem sem
reação. Milena sorri, mas não passa disso. Doutor Leônidas, que eu ainda não
havia visto, sai do escritório fitando a sobrinha com o cenho franzido, depois
olha para o irmão e para a cunhada.
― Bento, a sua caçula está de mudança para cá?
Entendi, este é o pai da maluquete e do primo que mora fora do país.
Lembro de Marco já ter falado sobre o seu tio Bento e a sua tia Safira.
― Está. Já é grandinha, dona do próprio nariz.
― E formada. ― Belinda se intromete, dizendo orgulhosa.
― Exatamente. ― o pai dela concorda ― Terminada a faculdade, não há
nada que a segure em BH. Conversamos muito, e será bom para ela aprender que
o mundo pode ser... complicado.
A expressão de Sarah denuncia que discorda do cunhado. Sensata, ela
argumenta:
― Belinda, sair da casa dos pais não é como um acampamento. Você
estará deixando todo o conforto para se virar sozinha. Nós sempre estaremos
aqui para te ajudar no que for preciso, mas mãe é mãe e a sua estará em BH.
― Não esquenta, tia Sarah, eu estou disposta a enfrentar as dificuldades.
Sinceramente, estou ansiosa por elas.
Ficando de pé, o tio Bento corta o clima.
― Vejamos pelo lado bom: Eu e a minha mulher teremos a casa só para
nós. Isso pode ser interessante.
Ele e a esposa trocam um beijo carinhoso. Sarah não se aguenta e diz:
― Não sei como vocês conseguem. Só de pensar nos meus filhos longe,
passo mal. Gosto de ter todos perto de mim. Primeiro Antony saindo do país,
agora Belinda trocando Belo Horizonte por São Paulo? Safira, como você
aguenta?
A mulher mais velha que acabo de conhecer olha sem grande emoção
para a irmã e solta o ar demonstrando impaciência.
― Que exagero, Sarah. Eles são adultos, Belinda já fez 23 anos, Antony
quase 35 anos. Um dia eu também quis ganhar o mundo e fui atrás dos meus
sonhos. Todas nós fizemos o mesmo ou ainda estaríamos colhendo morangos.
― Mas nós viemos atrás de melhores oportunidades, mana. Eles
nasceram com tudo a mão, só precisam dar sequência ao legado da família.
― Talvez este seja o problema, minha cunhada. ― Bento interrompe as
duas ― Nossos filhos querem conquistas próprias. O que nos cabe é assistir e
aplaudir. Sabe, há uns anos atrás eu até fazia planos. Imaginava Tony
administrando o MAH-BH, com filhos, família e eu assistindo cada passo novo e
mimando os netos. Atualmente penso só no agora, porque o futuro não me cabe.
Vai que eu morro e perdi tempo pensando?
― E não vai demorar. ― fala Dr. Leônidas sorrindo com as sobrancelhas
arqueadas. ― A idade chegou, irmão.
Os dois parecem se divertir com a brincadeira.
― Você é mais velho, Léo, será o primeiro a morrer de nós três. Lembre
de deixar algo para mim no testamento. Só aceito ir depois de você e de
Lorenzo.
― Sem chance. Vou enterrar os dois.
Antes de responder, Bento parece ponderar.
― Se bem que do jeito que é teimoso, bem capaz de enterrar todo mundo
e ficar para semente.
Incomodada com o assunto, Sarah corta os irmãos.
― Que mórbido! Vamos servir o jantar. Estamos comemorando e não
enterrando ninguém.
Sinto a mão de Marco circular a minha cintura e tento não ficar nervosa,
mas é impossível. Sei que ele vai abrir a boca. Passo os olhos por todos diante de
nós, sentados confortavelmente e desprevenidos. Apenas eu e ele de pé em uma
posição privilegiada como se o momento tivesse sido ensaiado.
Não tenho o que fazer. Ele irá falar.
― Você está certa, mãe, hoje é dia de comemorar. Estamos dando às boas
vindas à Damaris... ― respiro aliviada. Oh... era isso que ele tinha para dizer. ―
E ao nosso filho.
Ah, porcaria de boca solta!
Todos, simplesmente todos olham para nós. No corredor vejo duas
funcionárias espiando, seus rostos espantados denunciam o choque. Milena,
Belinda, Pérola e Matteo soltam um “uau” enquanto meus sogros e os tios de
Marco permanecem atônitos. Sarah leva a mão à boca e olha para a minha
barriga, depois para o filho e para o marido. Doutor Leônidas estuda o meu
rosto.
Sinto-me um animal empalhado.
Marco poderia ter esperado o jantar. Poderia ter esperado ao menos eu
estar sentada, mas não. Ele simplesmente soltou a bomba sem qualquer aviso e
agora está aqui sorrindo como se esta fosse a situação mais normal do mundo.
Ninguém parece feliz.
Meus olhos caem para o chão e de lá para a porta. Sentir a rejeição das
pessoas foi ainda pior do que ter que lidar com a minha própria.
― Que notícia maravilhosa, meu filho!!!! ― a voz de Sarah sai
embargada e me surpreende ― Vocês têm certeza?
Com os braços estendidos, ela corre até nós para um abraço triplo.
― Temos sim, mãe. Damaris fez vários testes. Ela está grávida com
certeza, e logo teremos um filho.
― Então temos todos os motivos do mundo para comemorar. Um neto.
― ela olha para o marido ― Lembra como se sentiu quando descobriu que eu
estava grávida, Leônidas?
Posso estar errada, mas acho que ela sutilmente puxou a orelha do
marido. Pareceu uma dica discreta que só eles poderiam entender. Não sei. Seja
lá o que for, funcionou. Doutor Leônidas parecia sem reação, talvez até mesmo
contrariado, mas de repente acordou.
― Nunca irei me esquecer, Ninfa. ― pai e filho se abraçam ― Parabéns,
meu filho! Tenho certeza que você está vivendo um grande momento.
― O melhor.
― Eu sei exatamente como é. Estou feliz por vocês.
― Obrigado.
― Obrigada! ― digo também.
Talvez a família esteja acostumada, mas eu percebo a mudança que a
presença do pai provoca sobre Marco. É como uma chave. Tenho a sensação que
ele veste uma carapaça série e retilínea na intenção de parecer mais homem,
mais responsável. Ao mesmo tempo, é como se ele afrontasse o pai. São
coisinhas tão pequenas que somadas mudam tudo.
― E essa aliança brilhando que estou vendo daqui? ― pergunta o tio de
Marco sorrindo para o sobrinho.
Depois do comentário, todos olham para as nossas mãos. Devo estar
vermelha.
― Oh, meu Deus! É verdade. Para quando preciso mandar fazer o
vestido? Não me diga que fará as pressas por causa do bebê. ― fala a tia Safira e
Milena completa.
― Até parece, gente. Isso é do tempo de vocês.
Sarah e Safira se fingem de ofendidas e eles começam um debate
divertido sobre as diferenças entre o tempo atual e o passado. Segundo os mais
velhos, eles eram bem moderninhos.
A mãe de Marco olha a espera de um posicionamento e me vejo obrigada
a dizer algo. Ficar vermelha e engolir a língua não resolverá nada.
― Ainda é um pedido recente. Não conversamos sobre isso, nem
decidimos nada.
Marco me abraça e completa.
― Fiquem tranquilos porque quando tivermos uma data, vocês serão
informados.
A resposta é aceita, mas mesmo diante da explicação o assunto
casamento se torna pauta. Vestido, festas, convidados e possíveis datas são
sugeridas por todos, até os homens tem opiniões a dar e eu me contento em sorrir
e balançar a cabeça.
Casamento nunca foi um sonho meu, muito menos um casamento
tradicional. Ouvir todos falando a respeito me constrange um pouco, mais por
não compartilhar do mesmo desejo do que por qualquer outra coisa. Quero estar
com Marco, ser a mulher dele, não necessariamente entrar de vestido em uma
igreja.
Marco não estava errado quando disse que sua família faria festa com a
notícia. Eles podem ser muito barulhentos quando querem, mas conseguem ser
ainda mais receptivos. Nunca, em toda a minha vida, me senti tão bem quista e
tão cuidada como agora.
Durante o jantar fui paparicada por todos, dos empregados aos familiares.
Sarah ligou para a irmã, Dora, contou a novidade do nosso bebê e do
apartamento de Belinda. Para mim e para Marco eles dizem “que maravilha” e
para Belinda dizem “você só pode estar brincando”.
Olhando de fora é engraçado, mas para ela, uma jovem começando a
vida, deve ser estressante ter que lidar com todos dizendo o que você deve ou
não fazer. Por mais maluquinha que ela seja, já é uma adulta e deve ter crédito
para começar. Eu nunca tive uma família grande me monitorando e cheguei viva
até aqui. Belinda também irá chegar.
― Não sei como a sua prima aguenta.
― Ela gosta. ― Marco responde ― Belinda sempre gostou de ser o bebê
da família. Nunca tentou ou deu sinais de que precisasse de espaço. Ela mesma
alimenta toda essa redoma.
― Acho que mudar de cidade é um sinal de querer independência.
― Mudar para cá? Ela tem mais família aqui do que lá.
― Mas aqui não são os pais dela.
― Pior. São os meus, muito mais protetores do que tia Safira e tio Bento.
Se ela quisesse mesmo independência, iria para Nova Iorque, Paris, Barcelona.
O que ela quer aqui é novidade, porém, sem deixar o conforto e a segurança.
Olhando por esse lado, talvez ele tenha razão.
Garanto a Marco que ficarei bem quando o pai o chama para conversar
em particular. Mesmo reticente, ele vai.
As portas francesas que dão para o jardim dos fundos estão abertas e
aproveito para respirar sob menos pressão e recuperar a tranquilidade. Para quem
não está acostumado, os Malamam podem ser um tanto quanto sufocantes.
Em uma noite tão linda, seria um pecado não contemplar o céu estrelado
em noite de verão. O condomínio é silencioso, nem parece estar dentro de São
Paulo.
― Eles já te cansaram?
Olho para trás e encontro Milena segurando uma taça de sorvete
― Imagina... ― minto e ela não parece acreditar em mim.
― Não conte a ninguém, mas nem nós mesmos suportamos a
quantidade de energia que produzimos. Foi uma boa que cada parte
tenha ido para um canto. Deus me livre se todos ainda estivesse em
São Paulo convivendo diariamente.
Ufa! Pelo menos ela me entende
Milena é linda, do tipo que intimida e causa furor nos homens. Alta, com
os quadris largos e seios muito fartos, chama a atenção. É uma mulher, acredito
que na casa dos trinta anos, e seus olhos me dizem que tem personalidade forte.
Os cabelos lisos e muito pretos contrastam com a pele branca e os olhos azuis.
Ela me lembra personagens de livros de vampiros e seu batom vermelho só
facilita a imaginação.
― Eles são muito agradáveis. ― digo e ela levanta uma sobrancelha
―Talvez um pouco agradáveis demais pela sua expressão, mas eu ainda não tive
a chance de conhecer o lado negativo disso.
― Ah você terá, pode ter certeza. São como açúcar, é preciso ter
moderação.
Uau! Animadora.
― Nunca tive uma família grande como a sua. Acho que terei chance de
viver uma realidade diferente.
― Você vai gostar.
― Devo acreditar nisso? ― brinco.
Ela dá uma colherada no sorvete e responde:
― Deve sim. Eu amo a minha família e você também irá amá-los com o
tempo. Mas não posso negar que as vezes precisamos de um descanso depois de
longas doses de convivência. Sabe como é: intervenção demais atrapalha.
― Você mora aqui em São Paulo? ― pergunto.
― Não. Moro no Rio. Estou de férias e Belinda me chamou para ajudar
na escolha do novo apartamento. Não pude recusar um pouco de diversão.
Sem dúvida deve ser muito divertido. Mesmo tendo vinte e poucos anos,
Belinda é como uma menina de dezessete, até mesmo na aparência.
Pequenininha e sorridente, lembra uma das Barbies que eu tive.
― Beli nunca deixou de ser o bebê da família. Ela é uma figura.
Maluquinha, mas tem bom coração.
― É sim. Gostei dela de cara.
Milena pergunta sobre a gravidez, que saber sobre mim, como estou me
sentindo no meio de tanta novidade e se oferece como amiga, caso eu precise
conversar. Ela conta que mora no Rio desde muito nova e que gosta da vida que
tem lá. Me divirto com a sua forma de falar, tem um sotaque forte e uma postura
quase intimidante.
Dona de si. Mais de uma vez me pego admirando-a.
Não deve ser fácil se relacionar com alguém tão autossuficiente. Milena
tem luz própria e imagino que isso intimide as pessoas.
― Você é casada?
― Não. ― ela raspa o final do pote de sorvete ― Ainda não encontrei
alguém que me aguentasse.
― Sério?
― Ah... ― suspira ―é a vida, não é mesmo? Uns encontram o amor,
outros fogem dele. Eu diria que jogo nas duas frente, porque vivo encontrando
amores e fugindo deles.
― Fiquei curiosa.
― Tive poucos relacionamentos sérios, quase nenhum na verdade.
Prefiro amigos com benefícios. Meu trabalho, meus amigos e minha família
levam toda a minha energia. Imagine seu eu ainda precisar administrar um
relacionamento amoroso?
― Definitivamente não é nada fácil administrar uma vida amorosa.
Tenho aprendido isso.
― A sua me parece bem simples. Vocês estão apaixonados, vão se casar.
O que há de complicado nisso?
Olho para ela e não consigo evitar a risada. De tudo que eu e Marco
poderíamos ser; simples não entra na lista.
― Imagino que você saiba melhor do que eu, onde me meti quando me
descobri apaixonada pelo seu primo. Não é simples.
― Discordo. ― arregalo os olhos para ela ― Marco tem um problema e
percebo um homem disposto a lutar quando ele te olha. A chave é lutar junto. Se
o cenário fosse diferente, eu mandaria você correr, mas não é o caso.
A forma simplória e despreocupada como ela coloca as coisas, faz com
que eu me sinta culpada. De alguma maneira as suas palavras me acertaram.
De repente meus olhos estão cheios de lágrimas e um nó dolorido força
em minha garganta.
― Sou tão fraca. ― confesso. ― Ele precisa de alguém que o apoie e
não de uma pessoa como eu.
― Ei! Não foi isso que eu disse. Quero dizer que acho que você é essa
mulher que irá lutar junto com ele e derrotar os seus demônios.
― Temo que não...
Limpo o rosto, completamente envergonhada com a minha própria
reação. Eu não sou assim. Milena se aproxima com um meio sorriso e me
abraça. Ela é mais carinhosa do que aparenta, ou quer aparentar.
― Damaris, acho que seus hormônios estão falando mais alto agora.
Fique tranquila, não estou te julgando.
― Só pode. Estou um pouco descontrolada ultimamente. Desculpe.
― Sem desculpas, pelo amor de Deus. Vamos falar de outra coisa,
porque se o Marco aparecer aqui e te encontrar com esse rosto vermelho, vai
arrancar a minha pele e fazer um tamborete.
― Oh, que horror!
Rimos juntas e ela imediatamente muda de assunto, contando mais sobre
si mesma.
Enquanto conversamos, Milena me mostra algumas fotos de amigos em
seu celular. Fica claro que sua vida é muito movimentada. Imagens de mulheres
lindas e sorridentes ao redor de mesas ou em festas badaladas, chamam a minha
atenção.
Mesmo rindo dos casos que ela conta e me divertindo com a sua
companhia, vez o outra uma lágrima inconveniente escapa. Estou bem, feliz e
aliviada, mas mesmo assim sabe-se lá o motivo, poucas gotas teimam em vir a
superfície.
Devo concordar: são os hormônios.
― O que você fez com ela, Milena?
Olhamos em direção a porta. Marco vem como um torpedo, com o rosto
fechado e os olhos fixos na prima. Ele realmente parece aborrecido.
― Ela não fez nada. ― me coloco entre os dois ― Eu que estou um
pouco emotiva.
Falar como me sinto, faz Marco mudar o foco da sua atenção, ele olha
para mim examinando minhas expressões minuciosamente. Quando percebe que
estou mais desconcertada do que triste, me abraça.
― Ela está mesmo grávida, primo. Vou deixar vocês sozinhos. ― sinto a
mão de Milena sobre o meu ombro ― E Damaris, vamos marcar alguma coisa
eu, você e Belinda. Será uma noite de garotas.
Com o rosto colado ao peito de Marco, respondo:
― Vamos sim. Marco te manda o meu número e combinamos. Vou
adorar.
Quando Milena desaparece dentro da casa e ficamos finalmente sozinhos,
meu noivo solta a sua pérola:
― Vamos sim? Vou adorar? Você nem a conhece para querer ter uma
noite de garotas com ela.
― Desde quando você se incomoda sobre eu sair?
― Desde que está grávida e que seja com Milena.
Uau! Isso não pode ser sério.
― Sim. Sua prima, se bem me lembro.
― O que não muda em nada o fato de ser uma devoradora de homens.
Eu não ouvi isso.
― Sabe que você fica bonitinho com ciúmes? Vou tentar causar mais
desse sentimento controverso no senhor meu noivo. ― dou um selinho, mas ele
não corresponde. ― Vai ficar assim? Se me negar um beijo agora, posso fazer o
mesmo mais tarde.
― Não estou de jeito nenhum, Dama. Só que eu acho que enquanto
mulher grávida, você não precisa sair a caça com as minhas primas. Belinda e
Milena são solteiras e estão à procura, você é muito bem comprometida.
― Elas são legais comigo. Isso é o que deveria importar.
― Não disse o contrário.
― Jura? ― sou sarcástica. ― Pareceu bem pejorativo o tom que você
usou para dizer “sair a caça”.
Ele balança a cabeça e volta finalmente a sorrir. Nos beijamos... ele me
beija e eu aceito feliz o carinho.
Estamos sozinhos no jardim dos fundos. Daqui podemos ouvir a família
conversando no interior da casa, mas não os vemos e nem somos vistos. Marco
anda comigo até um canto mais escuro e começamos um daqueles beijos que
deveriam censurados. As mãos dele vão para o meu cabelo e as minhas
escorregam pela sua barriga e costas, atiçando ainda mais a fera. Sou presa
contra uma parede de pedras e içada até que enrolo as pernas ao seu redor. O
beijo tem pressa, fome um do outro e entrega. É dessa forma que gostamos.
Os hormônios não só me fazem chorar, mas também me fazem ferver.
Estou quase entrando em combustão de desejo
― Vamos para casa? ― ele pergunta mordendo o meu pescoço ― Quero
você sobre a nossa cama.
Não tenho nem o que pensar.
― Vamos.
As surpresas não param
Marco
Eu esperei as mais diversas reações do meu pai. As piores. Preciso
confessar, porque isso é exatamente o que ele me oferece sempre que algo novo
acontece. Sempre que eu escorrego para fora do trajeto normal, do fluxo ideal.
Talvez esse tenha sido exatamente o problema. Coloquei a novidade
como um erro aos olhos dele e não foi assim que aconteceu.
― Sente-se, temos muito para falar, não é mesmo?
― Se for para me dizer o quanto o meu filho é precipitado ou recriminar
as minhas escolhas, nem precisamos ter essa conversa.
― Cala a boca e senta na porra da cadeira, Marco.
Cheguei a abrir a boca para responder, mas não fiz. Mesmo com todos os
nossos altos e baixos, uma mínima noção de hierarquia me segura quando penso
em descumprir uma ordem do meu pai.
Frustrado, sento. Cruzo os braços na altura do peito deixando clara a
minha indignação e o encaro de igual para igual.
― Lembra quando a sua irmã apareceu grávida antes mesmo de terminar
a faculdade?
― Claro.
Como eu poderia esquecer?
Eu e Matteo fomos até a casa do Rodrigo feito dois loucos condenando-o
por ter tirado a virgindade da nossa irmã. Mal sabíamos que ela nem era virgem
quando eles começaram a namorar e que ele ainda não sabia da gravidez.
Coitado! Foi uma briga feia que só terminou quando duas viaturas apareceram e
nos levaram presos.
Meu pai segura uma caneta enquanto fala.
― Naquele dia eu pensei no quanto o futuro brilhante dela poderia ser
afetado por uma gravidez não planejada. Pensei na criança. O relacionamento
dela com o Rodrigo não parecia ter futuro. Por meses não consegui olhar na cara
do filho da puta sem lembrar que ele tinha comido a minha princesinha.
Tento disfarçar o sorriso.
Só o meu pai para colocar as coisas dessa forma.
― Foi complicado mesmo.
― Sabe o que eu pensei quando você contou que será pai?
Por mais que eu tentasse, era impossível decifrar o que passava pela sua
cabeça branca. Seus olhos frios e azuis não desgrudavam dos meus e as
sobrancelhas se mantinham levantadas. Monalisa seria mais simples de ler.
― Coitada dessa criança? ― joguei no ar.
Era uma piada com fundo de verdade, mas meu pai não sorriu.
― Pensei que finalmente você fez algo em que eu não posso colocar
defeito. ― vejo orgulho em seu rosto ― Estou feliz. Feliz para caralho por você
e por tudo que sei que irá mudar de alguma forma, Marco. As nossas brigas, todo
o caos que já enfrentamos, nada disso teve poder de te fazer pensar sobre as suas
escolhas. Você sempre foi e fez.
― Eu...
Ele me interrompe com o dedo em riste.
― Escute. Não estou te recriminando aqui. Estou colocando as cartas na
mesa. Eu não posso reconstruir o Marco que nasceu há mais de trinta anos atrás
e apagar as suas dores. Apenas um amor ou um filho conseguem tamanha
façanha. E te digo isso de cadeira, porque eu mudei muito, muito mesmo.
― Acho que precisarei mudar até de nome então, porque tenho o amor e
o filho.
Ele nega com a cabeça.
― Não, meu filho. Você tem tão pouco que precisa ser melhorado... tão
pouco. O homem que está aqui na minha frente é um dos melhores que já vi, só
precisa de poucos ajustes.
Era sincero, estava evidente para mim. Ele deixou claro que o meu bebê
não era visto como um problema. Saber disso me fez relaxar e baixar a guarda.
Mesmo tentando parecer despreocupado, por dentro eu estava com o cu
na mão. Na melhor das hipóteses, meu pai iria rir e aconselhar a Damaris a fugir
com o nosso filho porque eu seria uma merda de pai. E na pior, ele... Nossa! É
melhor nem externar a pior.
Nada disso aconteceu. Doutor Leônidas Malamam parece genuinamente
feliz com a novidade.
Ele se levanta e nos serve um copo de conhaque.
― O que pretendem fazer agora? ― pergunta, estudando-me.
― Quero me casar. Se ela quiser, mudamos para uma casa com quintal
ou um duplex com mais espaço para a Britz.
― Pretendem dar esse nome ao bebê? Marco...
― É a cachorrinha da Dama.
Vejo o alívio imediato.
― Poderiam fazer o casamento aqui no jardim, como eu e sua mãe
fizemos há algumas décadas. Temos espaço para todos que quiserem convidar.
Concordo com a cabeça, achando engraçado o rumo da conversa. Não
era isso que eu tinha em mente quando saí de casa. Definitivamente não era.
Sentar amigavelmente com o meu pai, conversar sobre os meus planos de futuro
e casamento, beber juntos. Estou bastante surpreso.
― Vou falar com a Damaris e te digo depois o que ela decidiu.
Ficamos em silêncio por um instante. Meu desejo era levantar e dar tudo
por encerrado antes que as coisas piorem. Quanto mais tempo sozinhos, maior a
chance de uma simples fagulha estourar os toneis de pólvora. Não precisamos
dar chance ao azar.
A necessidade de falar está estampada na cara dele. Uma veia saltando
loucamente em sua testa me diz que ele precisa colocar algumas coisas para fora
ou morrerá. Meu pai é extremamente expressivo e qualquer coisa que passe pela
sua cabeça, fica evidente em suas feições.
― Pode perguntar, pai. ― dou carta branca.
Não posso negar, ele está se comportando muito melhor do que o
esperado. Ajeitando-se na cadeira, ele pergunta:
― Há quanto tempo você está limpo?
― Tempo o suficiente.
Ele concorda com a cabeça, mas seus olhos estão inquietos. Claro que
não confia no que digo... e nem deveria.
― Sabe que como mãe, Damaris defenderá o bebê de qualquer pessoa,
não sabe?
― Até mesmo de mim. ― completo com um nó esquisito no peito e ele
concorda com a cabeça.
― Qualquer erro agora pode te custar um preço muito alto. Existem
coisas que não voltam jamais, meu filho. Eu vi de perto o seu tio errar onde ele
jamais poderia. Não sei se aguento te ver sofrer algo parecido. Damaris é uma
mulher incrível, mas agora ela será uma mãe melhor ainda e isso potencializa as
coisas.
― Eu não vou falhar. Não com os dois.
― Se eu puder te ajudar...
― Eu sei. ― corto-o.
Não sei, mas não quero um momento “bonitinho” de pai e filho agora.
Estamos bem, sabemos que estamos bem e ponto.
― Não se esqueça nunca.
Dois sentimentos estavam muito claros dentro de mim quando deixei o
escritório: alívio e pressão. Controversamente, os dois ao mesmo tempo em um
embate desgastante. Fiquei aliviado por não escutar do meu pai as palavras que
imaginei e por perceber que meu filho é bem-vindo à nossa família... Mas a
pressão sobre mim pareceu piorar no instante que a consciência assentou. Todos
estão crentes, inclusive aquele que sempre duvidou.
Tentando fugir de tudo, eu e a minha Dama nos trancamos no
apartamento e desfrutamos de uma noite gostosa.
Damaris desceu do carro ofegante, chamou o elevador e ficamos nos
pegando enquanto esperávamos. Quem se importa com câmera quando o desejo
fala mais alto que a razão? O tempo chuvoso e as luzes fracas só deixaram tudo
ainda mais íntimo. Subimos trocando carinhos, fiz promessas sujas no seu
ouvido e a vi ficar vermelha ao lembrá-la que provavelmente estávamos sendo
observados. Seu rosto ganhou o mesmo tom indecente de quando goza. Uma
delícia!
Um passo atrás, vejo Damaris digitar a senha da fechadura que trocamos
ontem. Ela tecla a sua senha e entra, logo depois aciona todos os interruptores e
deixa o apartamento completamente iluminado. É sempre assim. Ela não gosta
do escuro.
Que coisa louca ser espectador da minha própria vida. Desde que saímos
da casa dos meus pais, estou observando a minha Dama e estudando suas ações,
pelo modesto prazer de admirá-la enquanto pensa que não.
Linda!
Damaris deixa a bolsa sobre o sofá e vai imediatamente para a cozinha,
enche um copo de água e bebe como se não fizesse isso há dias. Meu foco vai
para os lábios colados ao vidro, os movimentos de sua garganta e o mover de seu
colo. Os seios quase não aparecem no decote, mas eu sei exatamente o que a
roupa esconde dos olhos alheios. E saber o que tem ali, alimenta o meu desejo.
― O que foi? ― ela pergunta ao me pegar no flagra.
― Estou te admirando.
― Parecia me devorar.
― Ainda não. ― vou até ela ― Por enquanto só constatando o quanto
você faz parte de tudo. E para não perder o costume, estava imaginando o que
farei com esse corpinho.
Puxo-a para junto de mim e mantendo uma das mãos na base da sua
coluna, a faço sentir como estou duro. Seu rosto está encostado em meu peito,
mas percebo que sorri. Essa felicidade genuína me faz completo. Saco o celular
e abro o aplicativo de músicas sem me preocupar em escolher, simplesmente
seleciono a reprodução aleatória e o deixo sobre a bancada.
― Que romântico o meu noivo está. Temos até música.
― Acho que são os hormônios da gravidez.
Ela solta uma gargalhada.
― Desde quando você tem hormônios de grávida, Marco? O bebê está
dentro de mim, não de você.
― Ah, não duvide. Estou totalmente grávido.
― E o que está sentindo agora? ― pergunta olhando diretamente em
meus olhos por cima das suas lentes.
Só há uma coisa que eu sinto neste exato momento.
― Amor.
― Marco...
Cheiro o seu pescoço delicado e deixo o perfume tomar conta de mim.
Jamais imaginei que uma pessoa pudesse mexer tanto comigo a ponto de alterar
o meu desejo e os meus planos. Nem nos meus piores pesadelos imaginei
precisar de alguém como preciso dela. E se antes isso seria um pesadelo dos
mais devastadores, se tornou um sonho e hoje é a melhor realidade.
― Você é tão especial para mim, gatona, que preciso olhar para ter
certeza que é real.
― Eu estou aqui de verdade e quero ficar.
Não me surpreende o brilho familiar em seus olhos úmidos. Identifico e
reconheço o que deseja. Ela me quer.
Minhas mãos passeiam por suas costas com falsa inocência, tocando e
deslizando em pontos que já conheço. Sei exatamente onde ela me quer e como
me quer.
Agarro-a com um dos braços sob seus joelhos e o outro apoiando as
costas. Damaris deita a cabeça em meu peito e vamos assim até o quarto onde a
cama ainda está desarrumada, com os lençóis amontoados em um canto. Mas
não a quero na cama. Não agora. Coloco-a no chão e fico de joelhos, mirando
fixo em seus olhos.
Minha coruja esperta.
― Gosto de você aí. ― diz com um sorrisinho safado escapando pelo
canto dos lábios.
― Estarei sempre de joelhos por você.
― É mesmo?
Penso melhor.
― Não. Na verdade, gosto de estar aqui por mim. A visão daqui de baixo
é maravilhosa... o perfume e o sabor também são os melhores.
Faço carinho em seus pés, indo e voltando entre eles e o início das coxas
pálidas. Amo esse tom. Damaris foge de sol o máximo que pode, se mantendo
clarinha e sensível. Qualquer pegada mais forte, deixa marcas. É bom ver os
vergões vermelhos após as noites mais quentes.
― Assim fica melhor? ― ela levanta um pouco do vestido expondo parte
da tanga. ― Melhora a paisagem?
Confirmo com a cabeça e me inclino um pouco para trás para ter uma
visão ainda mais privilegiada.
Quem vê cara, definitivamente não vê fogo no rabo. Quem diria que por
trás desses óculos e cabelos sempre bem presos se esconderia uma mulher tão
fogosa?
Sou um cara de sorte. Alguém no céu acha que mereço mais do que
deveria ter.
― Um pouco mais. ― peço. Meu pau já se aperta dentro da calça.
― Assim?
― Mais...
― Talvez assim?
Ao invés de subir mais o vestido, Damaris escorrega a mão para baixo e
se acaricia por cima do algodão rosado e quando seus dedos sobem até o
umbigo, vejo suas dobras desenhadas sob o pano.
Puta merda! Que boceta linda.
Chego mais perto, subo apalpando até o meio da sua coxa porque sei que
quer mais. Adoro vê-la querendo, precisando de mim. É bom saber que não sou
o único desesperado aqui. Quando não chego onde ela deseja, Damaris afasta
ainda mais as pernas e empurra o quadril em minha direção. A humidade começa
a transpor o tecido fino.
― Excitada, gata?
― O que você acha? ― sorri mordendo o lábio.
― Acho que está contraindo a boceta enquanto espera. É gostoso fazer
isso? Estou certo? ― ela concorda ― Hum! Comigo aí dentro deve ser melhor.
Mostra.
Damaris afasta a tanga. Inclino-me um pouco mais, chego bem perto, a
ponto de sentir o cheiro de mulher que vem dela e faz de mim um animal
descontrolado. Com os olhos fechados para apreciar melhor, esfrego o nariz na
fenda molhada e escorregadia.
Gostosa para caralho.
― Chupa, Marco.
― Para que a pressa?
― Chupa...
Ainda não.
Tenho dó de acabar com uma brincadeira tão gostosa quanto essa. Vamos
levar as coisas a outro patamar e ver aonde vai.
Suas reações levam o meu desejo a outro nível. O tesão faz minha pele
vibrar, meus músculos estão tensos e contraídos, mas não tão rígidos quanto o
meu pau. Esse sim está implorando por um pouco mais de espaço. Mordo por
dentro das coxas de Damaris, indo de uma para a outra sem pressa até chegar ao
topo e depois de inalar profundamente, mordo por cima da calcinha deixando
minha boca desenhada pela saliva.
― Estou sendo castigada?
― Não. Recompensada.
― Jura?
Distribuindo beijos entre as pernas dela, aproveito para me livrar da
minha calça. Jeans é uma merda nessas horas. Demora, mas por fim, consigo
ficar só com a cueca. Meu pau força o tecido fino que evidencia sua anatomia.
Também estou melado.
― Vem aqui, gatão. ― Damaris segura o meu cabelo e me puxa para si
esfregando o meu rosto contra a sua boceta. A tanga divide seus lábios, mal
colocada, mas a visão é excitante.
Tenho uma mulher safada cheia de vontades. Assim fica impossível de
resistir.
― Que persuasiva, Dama.
― Te convenci?
― Completamente. Sou influenciável.
Agarro sua bunda com as duas mãos e trago-a mais para perto. A
calcinha que só atrapalhava, voa pelos ares. Minha boca já conhece o caminho, o
gosto e o prazer de tê-la de todas as formas. Agradá-la é natural. Brinco com seu
clitóris e lábios chupando e lambendo mais e mais sem pressa seguindo para
onde seus gemidos e sussurros me levam.
Estar com Damaris é como ter duas, três mulheres em uma. Em alguns
momentos ela é séria e centrada, daquelas que perde a noção do tempo enquanto
se dedica a alguma coisa que quer fazer com perfeição. Vi isso em sua casa
enquanto cuidava das plantas que tanto ama e nas vezes que a observei
escondido no hospital. Já nos nossos momentos de lazer, é animada, pra cima,
quase uma criança feliz que precisa gastar sua energia antes que exploda. Os
passeios nas feiras livres da cidade se tornaram meu passatempo favorito desde
que conheci essa mulher.
E que mulher tenho em minhas mãos.
E agora, reage como se derretesse de desejo, sensível ao mais simples
toque. Entregando-se ao prazer. Chego a ficar entretido com o balé dos seus
braços, suas mãos deslizando pelos seios e apertando os biquinhos duros para
intensificar o que sente.
Agarro o meu pênis com força, me masturbando freneticamente. Meu
gemido sai junto com o dela. Estamos em sincronia.
― Vem. Me come agora, Marco. ― diz ela, tentando puxar o meu
pescoço.
Subo esfregando nossos corpos, trazendo-a para mim até que esteja com
as pernas envolvidas ao meu redor. Na pressa, quase caio, mas consigo me
reequilibrar.
― Você me deixa tonto, gatona.
― Não me deixe cair.
― Jamais.
Caminho trocando as pernas, bambeando de tesão até a cama. Tateando
com os pés, focado no beijo faminto que trocamos, esbarro na madeira e
tombamos juntos sobre o colchão.
― Oh, me come, por favor. Vem, Marco. ― ela se coloca de quatro no
meio da cama.
― Adoro te ver pegando fogo, Dama.
Enfio a mão entre suas pernas agarrando a boceta inteira. Está quente e
molhada.
― Deliciosa.
Estar dentro dela é uma sensação que não consigo descrever. Perco-me
de prazer. É como droga... melhor, muito melhor do que qualquer droga que eu
já tenha experimentado, porque nenhuma delas é capaz de dar prazer sem um
saldo negativo. Com Damaris o saldo é sempre positivo.
Estou dominado pelo instinto animal de ter e receber prazer, quando uma
preocupação passa pela minha cabeça.
― Estou sendo muito bruto? ― pergunto sem parar com as investidas.
― Não.
A resposta monossilábica sai tão automática que não me convence.
― Tem certeza? Temos um bebê agora. ― paro os movimentos, mas
permaneço dentro dela.
― É sério, Marco? ― confirmo ― Não engravidei hoje, o bebê já passou
por isso antes.
― Mas agora que temos certeza, devemos pegar leve.
Ela bufa, irritada e diz entre os dentes:
― Juro que se continuar com esse assunto, terá que começar do zero. ―
arranha a aminha pele ― Anda! Eu estou quase lá, não deixe uma grávida passar
vontade.
Claro que não deixarei a minha grávida passar vontade de trepar.
Para demonstrar que entendi o recado, seguro a raiz de seus cabelos e
puxo-a para trás fazendo-a arquear as costas. Digo sacanagens ao pé do seu
ouvido, mordo a pele branquinha do pescoço e volto a foder como antes.
É disso que ela gosta. É assim que nós gostamos.
Uma hora depois, suados e satisfeitos, caímos exaustos sobre a cama.
Damaris deita a cabeça em meu peito e sei que está escutando o meu coração
batendo forte feito um cavalo de corrida. Ela sempre faz isso.
De onde estou tenho uma visão privilegiada: a curva do corpo dela se
encaixa ao meu, sua bunda tem uma pelugem clara que se arrepia enquanto
acaricio suas costas. Mesmo abatida pelo orgasmo intenso, ainda se arrepia com
o meu toque, posso sentir os mamilos duros contra a minha pele.
― Imagina quando a barriga estiver enorme. Quero te comer de lado
segurando lá na frente até onde o braço alcançar. ― falo baixo com um sorriso
no rosto.
― Espero não ficar tão grande assim.
― Dizem que no final a boceta quase esmaga o pau do cara. O canal
diminui, dificultando a penetração. Acho que estou um pouco ansioso por isso.
― Quer que eu esmague o seu pau?
O tom de oferta me faz soltar uma gargalhada.
― Você pode fazer o que quiser com o meu pau. Só espero que nunca
pare de usá-lo. De resto, está bom.
De repente ela salta e para sentada sobre mim.
― E se eu quiser mais agora mesmo? ― diz com aqueles olhos
desafiantes.
Encaixo minha mão entre nossos corpos até alcançar a sua entrada. Está
quente e inundada pelo gozo que jorrei a pouco. Não sou o tipo de homem que
sente nojinho, muito pelo contrário, saber que ela está tão cheia que derrama o
meu sémen, me excita.
― Posso precisar de um tempo para me recuperar, mas garanto que não é
só o meu pau que pode te dar prazer
― É?
― É.
Penetro-a com dois dedos, depois o terceiro.
― Oh, sim...
― Quer apostar, gatona?
― Quero perder. ― responde manhosa com os olhos fechados enquanto
movo os dedos dentro dela.
Isso sim é um fim de noite perfeito.
Mar de insegurança
Damaris
Três dias depois do jantar na casa dos pais de Marco, fui chamada para
almoçar com Belinda e Milena. As duas estão animadas escolhendo móveis e
decoração para o primeiro apartamento da caçula dos Malamam.
O bistrô escolhido por elas fica a duas quadras do apartamento de Marco.
Nós estivemos aqui outro dia e foi maravilhoso. Eles servem a melhor torta mil
folhas que eu comi na vida.
Entro procurando por elas. A risada de Belinda chega primeiro aos meus
ouvidos. As duas estão sentadas em uma mesa externa, que fica em um jardim
todo especial que o dono cultiva nos fundos do estabelecimento.
Ao notar a minha presença, elas ficam de pé.
― Só vou perdoar o atraso porque está esperando um bebê.
― Desculpe, gente. Eu deveria mentir, mas não vou. Deitei no sofá para
assistir uma reportagem e dormi. Simplesmente apaguei.
― Normal nessa fase, Damaris. ― diz Milena ― Seu corpo está
evitando gastar energia.
Eu sei que a fase é de mudanças, mas se o meu corpo tentar acumular
mais energia, irá entrar em curto. Onde eu encosto, durmo.
― Como está o baby, Damaris? ― Belinda pergunta deixando o cardápio
encima da mesa.
― Ótimo. Amanhã teremos a nossa primeira consulta.
― Já quero saber que roupinhas comprar.
― Eu e Marco estamos tentando segurar a ansiedade e deixar as coisas
andarem no tempo certo, mas é difícil. Ele quer saber logo o sexo, montar o
quarto, escolher o nome. Eu prefiro esperar. Na verdade não prefiro... só acho
que prefiro.
As duas se olham e Milena balança a cabeça sorrindo.
― Talvez você só não queira ceder ao desejo dele de saber e aí diz que
não quer. ― olhando fixamente para Belinda, ela diz ― Isso é muito comum.
― O que? Por que está olhando para mim, Milena?
― Estava? Nem percebi.
― Acha que eu sou do contra?
― Você, Belinda? Imagina. ― diz Milena, ironicamente.
Como não rir com essas duas? Tirando os olhos que parecem ser a marca
registrada da família, elas são completamente diferentes, tanto no físico quanto
no comportamento. Uma loira, outra morena, uma alta e imponente, a outra
baixa e divertida. Chega a ser engraçado de olhar.
― Talvez seja isso mesmo. ― confesso ― Marco chegou de uma forma
a minha vida que mal posso me lembrar como as coisas eram sem ele. Às vezes
acho que já não consigo pensar como um indivíduo.
― Isso te incomoda? ― Milena pergunta.
Me incomoda?
Bem... eu não usaria essa palavra, mas sim me assusta. Dormir e acordar
pensando em outra pessoa parece errado. Ontem eu estava almoçando no
hospital e ele estava de folga, nada demais. Quando percebi comecei a digitar
uma mensagem para saber se ele havia comido e se estava bem. Naquele
momento senti como se estivesse invadindo a privacidade de alguém, mas
mesmo desconfiando que agia errado, esperei pela resposta e sorri satisfeita ao
recebê-la.
― Tenho medo de colocar o meu coração em uma mesa de apostas...
― E acabar ficando sem ele?
Olho em silêncio para Milena. É isso.
― Exatamente.
Diante da minha revelação, as duas se afetam. Com o seu jeito
expansivo, Belinda se estica inteira até mim e sem se importar com nada, me
abraça. Ela agarra o meu corpo com os dois braços e aperta forte sem vergonha
alguma de demonstrar os seus sentimentos de forma aberta e descontraída.
Milena, mais comedida, passa o braço por cima da mesa e afaga os meus dedos
com um sorriso no rosto que me diz compreender o que estou sentindo.
― Damaris, ― começa Milena ― melhor do que ninguém, nós sabemos
exatamente tudo o que Marco já passou e imaginamos a batalha que ele ainda
deve estar enfrentando para conseguir ser um homem melhor, futuramente um
bom pai. Acredite, você não está sozinha.
― Obrigada... A família de vocês é muito unida. Acho que nunca vi nada
como isso. Marco e Matteo moram no mesmo prédio, trabalham no mesmo
hospital e ainda se telefonam. Eles têm as chaves dos apartamentos um do outro
e do carro também.
Olho sem entender nada quando Belinda solta um gritinho. Ela olha
sorrindo e arranca um envelope da bolsa.
― Falando em apartamento. ― a loira coloca o envelope sobre a mesa
― Aqui está o termo de posse do meu. Adivinhe? Seremos vizinhas de prédio!
Oh meu Deus! Ela não estava brincando.
― Sério?!
― Seríssimo! É pequeno e precisa de algumas reformas, mas é o meu
primeiro apartamento.
― Parabéns!
Depois de comemorarmos com suco de tomate, voltamos a conversar e
acabo falando um pouco mais sobre mim.
Conto a elas um resumo da minha história e o porquê de ser sozinha.
Sinceramente, meus pais nunca fizeram falta para mim. É bem resolvido dentro
da minha vida, por mais que eu perceba que os outros sentem pena ou ficam sem
jeito de tocar no assunto. Acredito que a minha bisa desempenhou um papel
maravilhoso... a ponto de eu não precisar de quem não precisou de mim.
― Carambolas! Deus me livre ficar sem meus pais.
― Belinda! ― Milena repreende a prima.
― O que foi? Só comentei.
Milena abre a boca para falar com a prima, mas eu a impeço. Não precisa
de tanto. Eu entendi o que a Belinda quis dizer e sei que não foi por mal.
― Está tudo bem, não me ofendi. Acreditem, a gente só sente falta de
quem realmente importa. No meu caso, sinto falta da minha bisa que já se foi.
Belinda, visivelmente constrangida, tenta se desculpar.
― Sou uma tonta mesmo. Desculpe, Damaris. Acho que não tenho muito
tato com essas coisas de manter a boca fechada.
― Que bobagem! De verdade, não me ofendi. Está tudo bem para mim.
Sério!
Depois de um almoço divertidíssimo, partimos em direção ao novo lar de
Belinda. O apartamento de um quarto no Itaim sem dúvidas custa mais do que a
minha casa inteira, e quem sabe mais umas duas da vizinhança.
Dinheiro pode não comprar a felicidade, mas ele definitivamente traz
muitos benefícios.
Ainda está tudo vazio e branco, apenas as paredes e o chão, mas a
cabecinha da prima de Marco funciona como uma máquina e todas as mudanças
estão na ponta da língua.
― Vou derrubar essa parede que divide o quarto da sala. Quero um
ambiente único, com cara de casa da Barbie.
Milena balança a cabeça discordando.
― Prima, isso aqui vai ser a sua casa, não de uma boneca. Estamos
falando de vida adulta.
― Sim, e por isso tem que ter a minha cara.
Ninguém pode dizer que ela está errada.
― Quando você diz Barbie, quer dizer rosa, com brilho, plumas e
espelhos? ― pergunto.
― Exatamente! ― ela olha para Milena e aponta para mim ― Está
vendo? Ela entendeu de cara o que eu estou falando. Não é nenhum absurdo.
― Uhum! Perfeitamente normal. ― fala Melena com ironia.
Entusiasmada, Belinda anda pelo apartamento contando o que quer fazer,
como quer mudar e onde quer colocar cada uma das coisas. O presente do pai
dela para a nova fase é a reforma do lugar. E pelo que entendi, saindo de casa e
ganhando asas, Belinda recebera parte da sua herança. É uma coisa que os
Malamam fazem quando os seus filhos vão para o mundo.
― Tem um celular vibrando. ― Milena comenta. Ficamos todas em
silêncio para escutar e percebo que é o meu.
Estamos sentadas no chão do ap, conversando sobre mudança de vida,
reforma e coisas para fazer em São Paulo.
― Oi, gato! ― atendo.
― Minha gatona perdeu o caminho de casa?
― Perdi. Está sentindo a minha falta?
Ele respira profundamente. Posso ouvir o som da televisão baixinho.
― Cheguei em casa e não te encontrei. Acho que estou mal-acostumado
a te ter sempre comigo. Posso ir te buscar?
― Eu...
A resposta não saiu a tempo. Sorrindo, Milena arrancou o telefone da
minha mão. Acho que teremos problemas.
― Fique tranquilo, primo, porque eu mesma a levarei para casa esta
noite.
Ela escuta o que ele fala e de maneira debochada, responde:
― Sim, eu disse noite. Você entendeu perfeitamente. Qual o... ― ela se
cala, escutando o que ele diz ― Estou ciente que ela está grávida, Marco. E
também que não está morta, por tanto, pode sair para um barzinho com a gente.
― Milena afasta o celular da orelha e consigo escutar a voz do meu noivo ― Se
você não melhorar o seu linguajar, irei desligar todos os nossos telefones e
prometo que só apareço com ela aí amanhã.
Meu pai amado! Ela quer matar o pobre.
― Milena... ― grito, sorrindo de nervoso.
― Tchau, primo. Até a meia noite ainda é hoje!
Fico sem palavras. Pela expressão no rosto de Milena e Belinda, posso
afirmar que as duas estão se divertindo muito com a brincadeira. Só não posso
dizer o mesmo de Marco. Pude ouvir sua voz irritada e sentir o nervosismo em
cada nota, imagino que ele tenha ficado possesso.
― O que ele disse? ― pergunto preocupada.
― Sabe que não prestei atenção.
Belinda finge um telefone com a mão e diz ironicamente:
― Deve ter dito que vai arrancar a sua cabeça se não devolver a mulher
dele nos próximos vinte minutos.
― Mais ou menos por aí. Algo como: “Milena, não teste a minha
paciência quando se trata de Damaris e do nosso bebê. Quero os dois em casa
agora. O dia de meninas acabou.
― Ele ficou bravo assim? ― Uau! Talvez tenha sido uma má ideia.
― Ah, ele irá sobreviver.
Com o coração angustiado, fico de pé e cato a minha bolsa. Não acho que
elas compreendam o impacto que isso pode ter.
― Chegou a minha hora, gente. Amei o dia com vocês, mas preciso ir.
Não sei se é uma boa ideia ficar instigando o Marco assim, ele ainda está em
recuperação.
As duas discordam imediatamente.
― Ei, relaxa! ― diz Belinda ― Ele vai sobreviver.
Ele vai, mas talvez eu não.
O que elas não entendem é que eu me preocupo com ele e não quero ser
o gatilho para uma recaída.
― Damaris, ― Milena vem até a mim ― O Marco é um homem grande
e viveu até hoje sem você. Ele sabe muito bem se virar, mas está fazendo uma
tempestade no copo d’agua. Você não pode ceder agora ou irá ceder sempre.
Ela tem razão.
― Acho que o bebê está mexendo com ele. ― digo ― Marco não é o
tipo de cara que me poda, só está se adaptando.
― Eu sei. Por isso mesmo você deve colocar os limites.
É obvio que entendo o que ela quer dizer. Só tenho medo de estar
forçando demais a barra para ele.
Decido que o melhor é balancear as coisas e não pender para lado
nenhum. Concordo em sair com elas, mas antes, envio uma mensagem para
Marco dizendo que estou bem e que logo estarei com ele.
Do apartamento vamos para um bar a beira de uma piscina na cobertura
do hotel onde Milena está hospedada. Olhando em volta, nada denuncia que
estamos em São Paulo. Palmeiras altas com folhas verdes, espreguiçadeiras de
palha e guarda-sóis laranjas fazem parecer que estamos na praia em um final de
tarde.
É espantoso para mim perceber que dezenas de pessoas tranquilamente
socializam enquanto a cidade funciona aos nossos pés. Nunca imaginei.
Provavelmente já passei milhares de vezes na calçada deste hotel e nunca me dei
conta que no topo teria este oásis.
A noite cai e enquanto seguimos engatadas em uma conversa sem fim,
Belinda e Milena aceitam todas as rodadas de bebidas oferecidas pelo garçom.
Com elas não tem tempo ruim, o negócio é se divertir. Diz a loira que essa é a
despedida dela da farra, pois a partir da próxima semana mergulhará na
residência.
― O que os seus pais acharam da sua escolha para a residência? ―
pergunto.
― No começo todos pareceram chocados, sem acreditar que eu levaria a
frente. Acho que eles não levam fé em mim. Só entenderam que o assunto era
sério quando viram todos os papeis, quando vendo o carro para vir para cá.
― Eu mesma não acreditei. ― confessa Milena.
Belinda acabou de se formar em medicina, como praticamente todos os
membros do clã Malamam. Era esperado que ela fizesse a sua residência em um
dos hospitais da rede MAH. Contrariando todas as apostas, ela fez a prova para
outra instituição e foi aceita.
― Nem o Tony acreditou quando eu contei. Foi o primeiro a saber. Nem
me importa, sabia? Não quero ser mais uma com o sobrenome que chega
primeiro, porque as pessoas sempre pensam que somos beneficiados e acabam
construindo uma imagem que não é real.
― Vai mudar de sobrenome? ― brinca Milena, rindo da impetuosidade
da prima mais nova.
Belinda dá mais um gole e sem conter a expressão matuta, responde.
― Estou registrada como Belinda Barcelos no hospital.
Ficamos as três em silêncio diante da revelação. Belinda não só está
seguindo um caminho próprio, como também irá camuflar o fato de pertencer à
família médica mais importante do país. Acho que todos irão se surpreender.
― Não contem a ninguém. Não quero que pensem que sinto vergonha da
nossa família. Longe disso. Só quero ser capaz de escrever a minha história.
Fica estampado no rosto de Milena que algo está errado para ela. Não sei
o que poderia haver de tão grave em uma pessoa querer seguir os seus próprios
passos, mas pela expressão que vejo, a novidade não seria vista com tanta
indiferença pela família Malamam.
― E você, Milena, pensa em trocar o Rio por São Paulo? ― pergunto,
com a intenção de mudar de assunto.
Ela dá um grande gole em seu copo antes de responder.
― Sem chance. Eu moro em um flat no Leblon que consegue ser menor
do que o apê da Belinda. Quando não estou no hospital ou no meu consultório,
estou com os amigos em algum barzinho. Como pode ver, sou da turma do copo
e das raízes.
― Aaah, posso ver. ― concordo, levantando as sobrancelhas por cima
dos óculos.
― Eu sou da turma do chocolate. ― diz Belinda.
― Você nem tem idade para beber, Beli. ― é nítido que está implicando
com a prima ― Se a polícia bater aqui vão achar que eu estou permitindo esse
absurdo. Garçom, leite por favor!
Caio na gargalhada.
― Eu tenho 23 anos. Não se irrite porque já chegou nos quarenta.
Velinha!
― Trinta e quatro, ninfeta.
― Está com o pezinho nos quarenta, Milena. Está ficando velha.
Divirto-me assistindo as duas.
― Criança, não se engane. Estou na minha melhor fase, você um dia
chegará onde estou. Com vinte e três uma mulher ainda tem tanta coisa para
aprender sobre si mesma que nem imagina.
Belinda é impulsiva, ainda tem olhar de menina e não quer ficar por
baixo no debate.
― Está me chamando de criança? Já sou uma mulher. ― fala a loira com
o queixo erguido e os braços cruzados sob os seios.
― Já teve um orgasmo? ― Milena pergunta, querendo colocar a prima
contra a parede. Belinda engasga, fica vermelha e quase perde o ar. Sua reação é
o suficiente, dispensa respostas ― Oh, eu sabia! Um bebê.
― Eu tive orgasmo sim. Tive vários. Perdi as contas.
Não, ela não teve. Isso ficou claro pela forma embaraçosa que recebeu a
pergunta.
Ainda no bar com as meninas, enviei uma mensagem para Marco
dizendo que estava a caminho. Ele respondeu um seco “ok” e não disse mais
nada. Desde que a gravidez foi confirmada, semana passada, fui pouco a minha
casa, somente pegar algumas roupas, cuidar das minhas plantas e pedir a minha
madrinha que alimentasse a Britz por alguns dias.
Chego ao apartamento e encontro tudo escuro. Marco não está.
Agora ele não é mais um residente. Independente de ser ou não da
família, precisa conquistar o seu espaço e provar que está preparado para o
cargo. Provar o seu valor é uma constante na vida do meu noivo.
Preparo o jantar me segurando para não ligar para ele. talvez eu devesse
ligar e perguntar onde ele está e com quem. É o meu noivo, o que teria de errado
nisso?
Não! Preciso me conter ao invés de ser a louca que surta sempre que o
homem não está nas suas vistas. Afinal, também quero ter o meu espaço
respeitado.
Estou colocando a mesa, quando a porta se abre. Com um aspecto
cansado, Marco deixa a sua pasta ao lado da porta e vai até o banheiro. Depois
de lavar as mãos, ele se junta a mim na mesa de jantar.
― Vocês estão bem? ― pergunta sério.
― Estamos muito bem.
Por mais que queira ficar no seu espaço, ele não resiste, estica o braço e
acaricia a minha barriga antes de começar a comer.
― Achei que você estivesse em casa.
― Eu estava, mas voltei para o hospital.
Esperei por perguntas sobre o meu dia de garotas, no entanto, isso não
aconteceu. O silêncio não é algo comum entre nós e já estava me incomodando,
por isso resolvi perguntar sobre o seu dia.
― O que tinha de tão importante para fazer no hospital?
Recebo um olhar cansado.
― Ocupação. Não queria ficar aqui angustiado e precisava ocupar a
minha cabeça com alguma coisa que não fosse você ou...
A frase morre. Eu sei o que ele iria dizer, mas não disse. Marco respira
fundo e volta para a sua comida.
― Hoje o cheiro do perfume da sua prima me enjoou. ― a simples frase
puxa a sua atenção e imediatamente tenho seus olhos atentos sobre mim.
― Sentiu mais alguma coisa?
― Tive certeza de sentir cheiro de peixe em um copo de água com gás.
Org, que nojo! Quase vomitei.
― Está enjoada agora?
Nego com a cabeça.
― Comprei um picolé de limão e resolveu. Estou bem.
Falar sobre mim foi o suficiente para aguçar o Marco que estava fechado
dentro de si mesmo. A partir daí, respondi mil perguntas sobre como estou me
sentindo e o nosso bebê. Em nenhum momento ele questionou sobre o dia que
passei com as suas primas, tudo o que eu disse sobre isso foi por vontade
própria. E mesmo assim, percebi o seu incômodo ao escutar.
Independente do seu amargor, preferi não dar bola e segui como se não
estivesse percebendo a birra. Contei sobre o apartamento de Belinda, sobre o
restaurante onde comemos e sobre o bar com entusiasmo. Se ele quer ficar de
cara feia, terá que ficar sozinho.
Enquanto Marco retirava a mesa e colocava os pratos na lava-louças,
aproveitei para ir tomar um banho quente. Não quis comentar, mas vejo o quanto
ele está evoluindo em seus hábitos domésticos desde que vim para cá. Isso sim é
uma vitória.
Enrolo-me em uma toalha e saio do banheiro. Marco está deitado na
cama segurando um livro.
Será que ele pensa que me engana?
― Sobre o que fala esse livro, gatão? ― pergunto.
― Como?
― O livro. Sobre o que fala o livro que você está lendo?
― É... Fala sobre... ― ele vira olha a contracapa, passando os olhos
rapidamente pela sinopse.
Eu sabia! Não está lendo coisa nenhuma.
― É... sobre os fundamentos da medicina chinesa. Matteo deixou aqui há
uns dois anos atrás.
― Oh... talvez o seu dia tenha sido cansativo. Cansativo o suficiente para
te fazer esquecer sobre o que está lendo. Perda de memória recente?
Percebendo a minha ironia, ele fecha o livro e bufa.
― Deve ser.
― Ou será mal de burro?
Com as sobrancelhas unidas, me encara sem entender e eu começo a rir.
Não seja por isso, eu explico.
― Minha bisa dizia isso quando eu ficava “aborrecida”. Mal de burro. ―
não me contenho e começo a rir com a minha própria explicação ridícula. Sento
ao pé da cama, perto dele, mas sem invadir o seu espaço. ― Desculpe, não
resisti.
― Você é a mulher mais linda que eu já vi.
Sua declaração me pega de surpresa. Ele sabe ser encantador mesmo
quando está intragável.
― Linda o suficiente para ganhar um carinho?
― Nunca vou te negar um carinho, Dama.
Inclino a cabeça e suspiro, deixando bem clara a minha frustração.
― Hoje ainda não recebi nenhum, nem um tiquinho assim.
Marco não resiste e sorri abertamente.
Agora sim! Aí está o meu menino grande com o seu característico sorriso
no rosto e brilho nos olhos.
Marco sai de onde está e em um único movimento chega até mim, toma-
me em seus braços e caímos os dois sobre a cama. É como um urso em toda a
sua força e tamanho. Aproveito sem pressa, não me faço de rogada. Nada se
compara a satisfação de estar em seus braços, sentir o seu cheiro e peso sobre
mim.
Estar com as meninas foi divertido, um programa que eu não fazia há
algum tempo, acho que eu estava precisando conhecer pessoas novas e viver um
momento assim, mas nada se compara com o que estou sentindo agora.
Aperto meus braços em torno do pescoço dele, sinto o aroma do
shampoo misturado com o creme de barbear. Como é gostoso.
― Estou ansioso para amanhã.
― Eu também.
― Será às 9h, certo? ― concordo com a cabeça ― Quer passar naquela
pâtisserie para tomar café?
Meu cérebro só ouve “red velvet”. Estou viciada no bolo daquele lugar.
Nos últimos cinco dias estive lá três vezes.
― Oh, por favor, sim!
― Temos uma nova formiguinha por aqui? ― diz ele em tom de
brincadeira.
― Tudo culpa do seu filho.
― Ou filha. ― Marco acrescenta.
Não. Sinto que teremos um menininho. Na minha cabeça posso ver o seu
rosto.
― É difícil explicar, apenas sinto. Teremos um menino. ― espero para
ver a sua reação, mas não há nada diferente ― Não quer um menino?
Ficando de joelhos ao meu lado, ele espalma a mão sobre a minha
barriga. O carinho é terno e por algum motivo faz meus olhos fecharem. Sinto
paz.
― Ainda não pensei sobre isso. Agora, ouvindo você dizer, posso te
afirmar que se você parisse uma árvore eu amaria da mesma forma.
Simplesmente não importa o que será, já é o meu amor.
― Oh, Marco...
Estico a mão até o seu rosto tocando a pele, meus dedos raspando na
barba baixa. Mesmo com a sua carga de problemas, Marco é um homem como
poucos. Vejo nitidamente o quanto quer ser melhor do que é, o quanto se esforça
para não falhar e por isso mesmo que falhe, valeu a tentativa.
Esta semana senti a tensão crescer dentro dele como se fosso um jarro
cheio de água chegando ao limite da capacidade. Noites atrás me peguei sozinha
na cama, levantei sem fazer qualquer ruído e fui de ponta de pé pelo
apartamento. Como eu imaginava, ele estava no estúdio. Diante da tela em
branco ele ficou imóvel por um longo tempo, os olhos vidrados como se ali
estivesse um mistério a ser revelado. Por mais de uma hora esperei que ele
fizesse algum movimento, mas nada aconteceu. O sono venceu a curiosidade e
mesmo inquieta, voltei pra cama.
No dia seguinte, enquanto ele se arrumava, fui até o estúdio e encontrei a
tela com um único risco e nada mais. Ele não conseguiu desenhar nada. E esta
não foi a parte que mais me preocupou. Esborrando para fora da lixeira estavam
várias folhas amassadas ou rasgadas, todas com o mesmo traço sem definição.
Agora, olhando em seus olhos, sei que tenho o homem que conheci e me
apaixonei, mas em seus momentos de caos particular, na bagunça reprimida que
só ele conhece, há uma intensidade com a qual eu não sei lidar... e acredito que
nem ele saiba.
― Por que me olha como se não me conhecesse?
Pisco os olhos voltando a realidade.
― Eu te conheço, gatão. ― sorrio para disfarçar o constrangimento.
Marco inclina um pouco a cabeça analisando minhas feições de tal forma
que penso que pode ler minha alma. O sorriso de dentes a mostra aparece e com
ele o brilho nos olhos, ele diz:
― Farei o que me pediu.
― O que quer dizer? Não lembro de ter pedido nada.
― Estou procurando um psicólogo. Vou começar a me tratar, Dama.
Graças a Deus!
Ele está colaborando, dando um passo enorme em direção a sua
recuperação. Isso me deixa mais feliz do que qualquer coisa poderia.
― Que ótimo, Marco! Parabéns, meu amor!
― Tenho certeza que precisarei de outros profissionais e um
acompanhamento longo porque sinto que não estou bem, Dama. Eu quero estar
bem, quero de verdade, mas não posso mais mentir. ― ele abaixa a cabeça,
mostrando toda a sua fragilidade ― Não me abandona sem me deixar tentar, por
favor.
Oh, meu Deus! Como me dói vê-lo sofrer assim.
― Eu estou aqui. Enquanto você estiver lutando, eu estarei ao seu lado.
Não pense o contrário.
― Eu ― ele coloca a minha mão sobre o seu coração ― só tenho
motivos para continuar. Não irei desistir, Dama.
De médico para médico
Damaris
A moça da pâtisserie trouxe o meu bolo com todo o capricho
acompanhado de um frappuccino. Marco preferiu ficar no café preto e pediu um
sonho de creme. Não pude deixar de notar os olhares trocados entre a menina do
caixa e a atendente que nos servia. Mesmo discretas, ficou evidente que o
motivo dos sorrisinhos era o meu noivo.
― Você está abalando corações. ― olho para ele e depois para as moças.
― Eu?
Se fazendo de desentendido para mim? Ah, por favor!
― Não, eu... Aff! Aposto que elas estão imaginando como você é na
cama. Mulheres fazem isso, sabia?
Ele junta as mãos abaixo do queixo e estreita os olhos em minha direção.
Está se divertindo.
― É mesmo? E o que mais as mulheres imaginam?
Discretamente investigo se alguém poderia me ouvir, penso um pouco e
só então falo:
― Pela forma que elas se olharam, tenho certeza que estão avaliando as
suas proporções. Se é que me entende... mãos, pés, formato do rosto e o desenho
dos músculos que fazem relevo na camisa.
― Só isso? ― vejo a malícia estampada em sua cara de pau.
― Obvio que não.
― É o que você faria? ― ele pergunta sorrindo.
Aceno que sim com a cabeça.
― Mas eu não daria tanta bandeira. Pelo seu tamanho, devem estar
supondo que tenha um pinto enorme, daqueles de filme de sacanagem.
Agora sim eu o surpreendi.
Marco engasga com a própria saliva e dá um gole no café para se
recuperar. Talvez tenha ficado um pouco vermelho.
― Pinto?
― Do que eu chamaria?
― Pau, cacete, pênis... mas não pinto.
― Tá. Elas devem estar estipulando o tamanho e espessura do seu pau.
― falo baixo para ninguém ouvir.
Olhamos os dois para o balcão onde estão as moças e as pegamos no
flagra. Marco, sem um pingo de vergonha, sorri para elas com cara de “eu sei o
que estão pensando”. Não me aguento, abaixo a cabeça e começo a rir sozinha.
Pobres mulheres. Como não admirar um exemplar tão bem esculpido como o
meu noivo?
Pode olhar, gente, eu deixo.
― Como você descreveria o meu pau? ― arregalo os olhos para ele ―
Aproveitando o assunto, já que você resolveu deixar a timidez em casa.
Ignoro ao máximo a vontade de desviar o olhar. Estou gostando da
brincadeira. Seus olhos brilham ansiosos pela minha resposta.
― Hum... Eu diria que o que você esconde entre as pernas foi
minuciosamente feito para se encaixar entre as minhas.
Está suficientemente bem explicado.
― Isso é uma constatação e não uma descrição. ― o tom fica mais
pesado ― Quero detalhes.
― Marco, isso é constrangedor.
― Por que fica constrangida falando de sexo e não fazendo sexo?
Boa pergunta!
Fazer é natural, acontece como uma dança e flui sozinho.
Olho mais uma vez para a mesa, na tentativa de amenizar o
constrangimento. Ele me deixa sem jeito as vezes. Muitas vezes, devo admitir.
― Eu não sei responder a essa pergunta.
― Damaris, tente. Comece descrevendo o meu pau. Quero muito ouvir
isso. E depois me diga por que fazer sexo é mais fácil do que falar sobre.
Caramba! O homem acordou inspirado hoje.
Penso um pouco.
― Seu pinto... Ou melhor... Seu pau é exatamente o que aquelas
mulheres estão imaginando. Você é um homem proporcional, não deixa a desejar
em nada. Mas...
― Mas? ― ele solta, assustado.
Levo a mão à boca para não gargalhar.
― Mas, ele é levemente curvado para a direita. ― chego mais perto,
apoiando os cotovelos ― O que faz uma mágica louca quando estou de quatro
ou por cima. Talvez seja esse o seu segredo.
― Uau! Acabo de descobrir que tenho um pau mágico. Isso pode
valorizar o meu passe, cuidado.
― Oh, eu tomo cuidado. ― ergo as sobrancelhas ― Acha que saio por aí
fazendo propaganda da minha varinha mágica? Claro que não. É segredo de
estado.
― Pelo amor de Deus! Varinha? Cajado mágico. Martelo mágico,
marreta mágica... sei lá. Qualquer coisa., menos varinha.
― Homens... nem sei o que dizer depois dessa.
Sem se importar com as pessoas a nossa volta, ele termina o seu café e
diz:
― E a segunda parte?
― Sobre verbalizar sobre sexo: acho que tirando o Breno, e as vezes a
Suellen, nunca falei abertamente com ninguém. Acredito que seja falta de
costume mesmo. ― dou de ombros ― Fazer é natural. Você conhece os códigos
que desbloqueiam a minha timidez, quando estamos sozinhos a última coisa que
sinto é vontade de me fechar.
Falo tudo de uma vez sem dar tempo das minhas bochechas ficarem
vermelhas, e então espero o que ele tem a me dizer, mas Marco não fala nada.
Com os olhos serrados e um semi sorriso escapando dos lábios, ele esfrega a
mão no cabelo e respira fundo.
Espero, mas ele não diz nada.
― Não vai comentar? ― pergunto.
Ele coloca o dedo em riste sem conseguir disfarçar a diversão, pensa por
dois segundos.
― Sabe o que mais me cativa em você?
Nego e me ajeito na cadeira a espera do que vem.
― A quantidade de mulheres diferentes que esconde dentro de si. No
hospital é uma: recatada, discreta, profissional, quase isolada. Em casa é outra:
vaidosa, leve e simpática com os vizinhos. Mas comigo? Comigo você é uma
mulher diferente de todas, a soma delas com uma picância viciante. Nunca sei
exatamente onde começa uma e termina a outra.
― E de qual gosta mais? ― pergunto.
― Da soma.
Não contenho o sorriso, meu coração galopa dentro do peito.
Marco me conquista a cada dia com o seu modo espontâneo de ver o
mundo. Quando foi que me apaixonei tanto assim? Onde eu estava com a cabeça
quando simplesmente permiti?
Não sei as respostas, mas não me arrependo de nada quando encaro esses
olhos brilhantes e desejosos. Esqueço os problemas, varro as diferenças para de
baixo do tapete e simplesmente permito que ele me ame.
Saímos animados para a nossa primeira consulta com o obstetra. O
mesmo médico que me acompanha desde que fiquei mocinha e não entendia
nada do que estava acontecendo com o meu corpo. Ele tem a minha confiança,
adquirimos um vínculo e não trocaria isso por nenhum dos excelentes
profissionais do MAH. Meus sogros pareceram um tanto desconfortáveis, mas
não deixei margem para pitacos sobre isso.
Marco em nenhum momento questionou a minha decisão, mas fez uma
busca pelo CRM do Dr. Aloísio e ligou para um amigo pedindo referências.
Apesar de achar um exagero, já que conheço o meu médico, vi que ele está
realmente preocupado em garantir que eu e o nosso bebê tenhamos o melhor
possível.
Não vou levantar uma batalha por isso.
No elevador do prédio de salas comerciais, olho para Marco através do
espelho. Não estamos sozinhos, outras pessoas esperam por seus andares em
silêncio na caixa metálica. Eu estava bem até chegar aqui, mas repentinamente
minhas mãos começaram a suar e um friozinho flutua a boca do meu estômago.
― Bom dia. Tenho uma consulta de pré-natal com o Dr. Aloísio às 9h.
A secretária, que estava com o telefone pendurado na orelha, pede o
cartão do plano e minha identidade. Entrego os documentos e me junto a Marco
no sofá de espera. É um local pequeno, somente uma recepção clássica e um
consultório, divididos por uma parede.
Credo! Quanto mais perto chegamos da consulta, mais nervosa eu fico.
― Sua mão ficou gelada. Está tudo bem? ― Marco me olha preocupado.
― Sim.
― Tem certeza? Quer que eu pegue uma água?
― Não. Estou bem.
Ele inclina a cabeça com as sobrancelhas marcadas e ligeiramente
franzidas.
― Não tem certeza ou não quer água?
― Vou me sentir melhor se você parar de fazer perguntas.
Estou realmente bem, apenas um pouco ansiosa. É um momento
importante, afinal é a nossa primeira consulta. Já estive sentada nesta cadeira
muitas vezes, mas nenhuma delas envolvia uma vida que cresce dentro do meu
corpo.
A secretária me chama, devolve os documentos e diz que serei a próxima.
Meu estado de espírito quase me força e dizer a ela que não há mais ninguém
aqui, então, obviamente serei a próxima. O que seria uma tremenda grosseria e
não combina comigo, mas foi o que veio à minha cabeça.
Credo! Preciso controlar essa ansiedade.
Folheio umas revistas enquanto Marco responde seus e-mails pelo
celular. Um pouco mais de meia hora de espera até que a porta se abra e uma
moça quase explodindo saia por ela. É uma mulher bonita, vestindo uma
jardineira jeans e top, os cabelos presos e nenhuma maquiagem. Parece cansada.
Senhor! Eu diria que será daqui para a sala de parto. Se der um espirro, a
criança sai.
Por favor, não espirre.
― Tudo certo? ― ouço a secretária perguntar à mulher.
Tanto eu quanto Marco estamos hipnotizados com a barriga e olhamos
indiscretamente. É horrível, mas não consigo evitar.
Com os dedos inchados, ela alisa toda a circunferência e responde,
cansada.
― Sim. Finalmente temos uma data. Se ela não nascer em três dias,
iremos induzir o parto. Graças a Deus, porque eu já não aguento mais estar
grávida. Esse finalzinho é o mais demorado.
― É assim mesmo. Vai chegando no final e todas chegam aqui loucas
para passar para a próxima fase e conhecer os seus bebês.
― Não vejo a hora.
Acabei de descobrir que estou grávida e já não vejo a hora de conhecer o
meu bebê. Imagine ela.
O diálogo das duas chama a minha atenção e preciso me conter para não
entrar na conversa enchendo a desconhecida de perguntas. Olho para o lado e
vejo que Marco não está muito diferente disso.
― Ela está enorme. ― digo baixinho, impressionada.
Sinto seus dedos se espalharem sobre a minha barriga.
― Vou piscar e você estará igual a ela.
Olho mais uma vez para a mulher. Será que quero mesmo ficar assim?
― Pois é...
― E isso te assusta. ― afirma e não sinto julgamento em sua voz.
Sim, assusta. Meu Deus, como assusta.
― É tão evidente assim?
― Pode não parecer, mas presto atenção nas coisas. Vejo que está
preocupada e tensa na maior parte do tempo e sei que tenho grande
responsabilidade nisso, mas quero que saiba que estarei aqui. ― deito a cabeça
em seu ombro ― Quando você estiver igual uma vaquinha desajeitada, eu ainda
estarei aqui.
Vaquinha?
― Era para soar romântico?
― Não. Era só para te fazer sorrir. Consegui!
Por dois segundos, olho séria para ele, mas caio na gargalhada. Seu plano
deu certo.
― Bobo! Só ri para não te deixar sem graça.
Ele beija a minha testa e em seguida os meus lábios ainda sorrindo.
― Vou fingir que acredito, mas saiba que antes desse sorriso chegar aqui
― passa o polegar pela minha boca ― ele aparece aqui. ― com a testa colada a
minha, ele foca em meus olhos e pisca.
A recepcionista chama pelo meu nome.
― Damaris, pode entrar.
Mesmo já tendo feito este caminho várias vezes, quando Marco fica de
pé e estende a mão para mim, sinto o meu coração disparar. É engraçado como
as coisas ganham outro peso dependendo da perspectiva. Antes eu vinha para
exames de rotina, agora estou aqui para iniciar o meu acompanhamento
gestacional.
Respiro fundo. É só o primeiro passo.
Entramos no consultório e Dr. Aloísio fica de pé para nos receber.
Sempre com um tranquilizador sorriso no rosto, o homem na casa dos cinquenta
e poucos anos, imprime profissionalismo e competência sem precisar de pompa.
A descrição foi um dos principais motivos que me fizeram escolhê-lo como meu
ginecologista.
― Como vai, Damaris? Não esperava vê-la tão cedo assim. Seus exames
estão em dia. Sentem-se, por favor.
Acomodo-me na cadeira com Marco ao meu lado.
― Vou bem, doutor. ― prendo as mãos entre os joelhos ― Este é Marco,
meu noivo.
Os dois se cumprimentam.
― Olha só, temos um casamento à vista. Parabéns ao casal! Casar é um
passo importante, recomendo.
― Obrigada.
― Obrigado. ― Marco diz junto comigo.
Enquanto abre o meu prontuário no computador, ele continua:
― Mas me digam. O que traz o casal ao meu consultório? Imagino que
queiram fazer os exames pré-nupciais.
Marco esboça um sorriso seguido de um “ops”.
― Não, doutor Aloísio. Nós pulamos algumas etapas do processo.
O médico olha para Marco e então para mim.
― Está grávida! É uma notícia maravilhosa, Damaris. Do ponto de vista
médico, eu poderia dizer que realmente pularam algumas etapas, mas vou ficar
apenas com as felicitações, querida. Parabéns aos novos papais!
As palavras de carinho e o ambiente amistoso me deixam mais tranquila
e confortável.
A consulta se dá de forma descontraída, nada do que eu esperava.
Respondemos várias perguntas e ouvimos todas as orientações e dicas. Qualquer
informação é bem-vinda agora. Tudo o que eu tenho certeza é que preciso de
informações para não enlouquecer.
Entre questionamentos simples como a data da última menstruação e se
tenho tomado algum medicamento, esbarramos em uma pergunta que fez a
minha coluna gelar.
― Fuma, bebe ou faz uso de algum entorpecente?
― N... não. ― respondo baixo.
A minha resposta deve estar dentro do que ele imaginava, porque a sua
expressão não se altera em nada. Depois de digitar a minha resposta, doutor
Aloísio abre a boca para a próxima pergunta, mas Marco o interrompe.
― Eu já fiz uso de drogas, doutor.
Não digo nada. Para ser sincera, nem mesmo olho para o lado. O tom de
voz firme e direto denuncia o quanto Marco está desconfortável com a
revelação. Nem imagino o quanto seja constrangedor admitir isso.
Em resposta, doutor Aloísio olha para Marco por cima dos óculos, mas
não é julgamento que vejo, é admiração.
― E o que você usa exatamente?
― Usava. Não uso mais. ― corrige Marco e puxa o ar com dificuldade
― Eu usava... co-cocaína... frequentemente. ― mais uma respiração profunda
― Usei por toda a minha vida adulta entre pausas e recaídas.
Nossa! Ouvir isso dói tanto. Não por mim, mas por ele, por temer que se
prejudique com o uso dessas porcarias, por medo de perdê-lo para um inimigo
cruel que é o vício. Sinto uma dor física só de imaginar a possibilidade de um
dia acordar e não ter Marco ao meu lado... principalmente por um inimigo triste
e silencioso como esse.
― Há quanto tempo está sem cheirar?
Marco se endireita na cadeira. A pergunta o deixa muito incomodado.
Questiono-me se tem algo a esconder.
― Pouco tempo, mas é definitivo.
― Fico feliz em saber disso. Infelizmente preciso lhe orientar quanto as
consequências que o uso indiscriminado de drogas pode trazer a todo o seu
corpo, inclusive às suas células reprodutivas.
Sem permitir que o médico se estenda, Marco fala com a voz um pouco
mais tensa:
― Também sou médico, doutor. Sei exatamente quais são os riscos e
consequências do meu desvio de conduta para a minha saúde. Podemos pular
essa parte e falar apenas sobre Damaris e o nosso filho.
As veias da mão de Marco descansando sobre a minha perna, estão
saltadas. Olho para o seu rosto e vejo que não é somente ali. Os músculos do seu
pescoço, ombros e rosto estão contraídos e a expressão não esconde a angustia
que sente.
Provavelmente na intenção de amenizar as coisas, doutor Aloísio se
dirige a mim:
― Vou solicitar alguns exames e prescrever uma medicação de rotina.
Além disso deixarei prescritos medicamentos que podem ajudá-la caso sinta dor
de cabeça, enjoos ou cólicas. É muito comum nesse comecinho ter incômodos
porque o corpo está se adequando a nova realidade.
― Tudo bem. ― respondo ― Doutor... o fato de Marco ter usado essas
coisas por um longo tempo... Em que isso pode afetar o nosso filho?
Sinto Marco endurecer ao meu lado.
― Bem, em algumas coisas. A maioria dos estudos é voltada para mães
dependentes e não pais. No entanto, algumas evidências apontam que o consumo
dessas substâncias pode afetar o desenvolvimento físico, cognitivo,
comportamental, memória e linguagem dos bebês.
― Caramba!
É como um choque para mim.
― Mas preciso lembrar que os estudos dizem que pode acontecer, não
que irá acontecer. Qualquer um está suscetível a coisas assim.
― Mas os filhos de usuários estão no grupo de risco. ― diz Marco, sério.
Doutor Aloísio balança a cabeça afirmativamente e volta a prescrever os
exames e remédios.
Enquanto esperamos, Marco passa o braço ao meu redor e aproveito para
me aconchegar no seu calor. Mesmo consciente do seu passado, me machuca
escutar o que escutei. Acredito que será sempre assim.
― Damaris, pode me emprestar o cartão do seu plano, por favor? ―
mesmo sem entender, entrego a ele e espero que verifique algo no computador
― Como eu suspeitava.
― Qual o problema? ― falo de imediato.
Não pode ter nenhum problema. É um plano de saúde pago pela empresa
e tenho certeza que eles não falhariam em seus débitos.
― Bem... o seu convênio cobre as consultas e exames, mas ele não cobre
o parto. Mesmo que você mude a abrangência, esbarraríamos no período de
carência legal.
Ah não! Ele está certo.
― Quando eu entrei no MAH não pretendia engravidar tão cedo e optei
pela cobertura básica, pois ela não teria custo. ― digo mais para mim do que
para eles.
― Você está no comecinho da gestação. Não se preocupe, faremos de
forma que consiga pagar o parto particular da melhor maneira. Minha secretária
irá informar a vocês sobre os valores e parcelamentos possíveis.
Marco toma a frente.
― Isso não será problema, doutor. Eu gostaria que o meu filho nascesse
no hospital da minha família, assim como eu nasci. Todos os outros valores
posso acertar imediatamente.
É nítida a surpresa no rosto do médico.
― A sua família possui um hospital?
― Sim. O M.A.H, onde Damaris também trabalha pertence a minha
família.
Pronto! A palavrinha mágica foi dita. Se existe um sobrenome que abre
portas e sorrisos em São Paulo, é este.
― Que surpresa. Você é um Malamam?
― Desde que nasci. Pelo menos foi o que me disseram.
Doutor Aloísio sorri.
― É um excelente lugar para ter o seu bebê. ― ele olha para mim ―
Terei muito prazer em ajudar o próximo prodígio da medicina a vir ao mundo.
Mas preciso admitir que estou curioso. Você está carregando o herdeiro de um
império médico, um bebê que já nascerá com o diploma assinado. E mesmo
assim está aqui no meu consultório. Por quê?
Não somente ele, mas também Marco me olha a espera da resposta.
― Sinto-me confortável e segura aqui. Não vejo motivo para mudar. ―
olho para Marco ―Quem importa não fez objeções. Isso basta.
― O que você decidir, gatona.
Deixamos o consultório mais tranquilos e animados com a jornada que
teremos pela frente.
― Já que estamos de folga, o que acha de irmos à casa da sua madrinha
para contar as novidades?
― Acho uma ótima ideia.
É preciso resistir
Marco
Depois de mofar no trânsito, finalmente chegamos a Osasco. Damaris
tenta disfarçar, mas está nervosa e temerosa com a reação que sua madrinha terá
ao saber que teremos um bebê e que estamos noivos.
Primeiro uma parada na casa dela, onde me distraí com Britz enquanto
Damaris cuidava das suas plantas e em seguida fomos à padaria conversar com
dona Santa.
Por volta das 11h da manhã o movimento estava baixo. Fomos recebidos
com o carinho de sempre e depois de contar sobre os acontecimentos do bairro,
ela nos convidou para sentar no escritório que fica nos fundos.
― Mas quem é vivo sempre aparece. Achei que tinha se esquecido de
mim doutor.
A madrinha de Damaris é uma senhora divertida e espirituosa. Identifico-
me com ela.
― Eu estive enrolado, mas posso dizer que o pior passou. Finalmente
terminei a minha residência.
― Parabéns! Não vou dizer que sei o que isso significa, mas estou feliz
por você ter concluído mais uma etapa da sua vida.
Com Damaris ao meu lado, agradeço à Santa pelo carinho.
― Nem precisa parabenizar muito, Dinda. Ele terminou só mais uma
fase, ainda falta uma segunda residência para ele chegar onde quer. A jornada é
longa.
Quanto entusiasmo para falar que ainda tenho dois anos me fodendo para
conseguir chegar onde planejei. No entanto, esses planos terão que esperar na
geladeira. Existe um bebê a caminho e não serei eu o louco que irá passar
madrugadas de plantão com a minha mulher grávida em casa. Tudo foi para
segundo plano e a única prioridade atual é me manter limpo e participar em tudo
que eu puder.
― Por hora esses planos terão que esperar. Temos outras prioridades no
momento. ― digo olhando para Santa, e pelo canto do olho percebo a confusão
no rosto de Damaris.
Espiando-me por cima dos óculos com uma ruguinha entre as
sobrancelhas, ela diz:
― Isso é novidade para mim.
― Por que irá adiar o seu sonho, rapaz? ― Dona Santa pergunta,
limpando as mãos em um pano de prato branco e cruzando os braços sob os
seios.
Essa é a minha deixa.
Não tenho saco para ficar enrolando ou procurando a melhor forma de
contar o que não está errado e nem pode ser mudado. Não que eu queira que seja
mudado, mas as pessoas podem pensar diferente de mim.
Com um braço, puxo Damaris para mais perto de mim e sinto-a enrijecer
imediatamente, sabendo que irei contar. Minha gata tímida. Sendo o mais obvio
possível, espalmo a mão sobre o ventre ainda discreto de Damaris e digo
pausadamente:
― Tenho oito meses para me dedicar a um sonho muito mais especial. E
esse não pode esperar.
Demora um pouco, mas sou compreendido. Dona Santa olha para a
minha mão e então para Damaris, depois para mim e para a minha mão
novamente. Seus olhos se arregalam e ela parece incapaz de formular uma frase
completa, repetindo “Ai meu Deus” diversas vezes.
― Filha, isso é verdade? ― pergunta emocionada. Damaris confirma
com a cabeça ― Ai meu Deus! Minha menininha vai ser mamãe. Ave Maria
Santíssima.
Percebo que o momento é delas, me afasto um pouco e deixo que façam
suas coisas de mulheres. Elas se abraçam, choram, sorriem, tudo ao mesmo
tempo.
Foi melhor ter contado de uma vez. Damaris levaria o dia inteiro com
essa mania de preparar o terreno. Uma bobagem. Muito melhor com emoção.
― Eu vou descer, preciso dar um telefonema. Fiquei à vontade.
É mentira, mas não sou idiota e imagino que elas queiram um pouco de
privacidade para conversar.
No salão da padaria, procurando alguma coisa que ocupe o meu tempo,
pego o telefone e busco nos meus contatos. A primeira tentativa é Matteo, mas
ele não me atende. Provavelmente está de plantão. Tento Luca, meu primo que
mora no Rio, mas quem atende é a secretária dizendo que ele está com paciente.
Acho que sou o único desocupado hoje.
Minha última cartada é internacional. Seleciono o nome de Tony, meu
primo que mora na Califórnia, irmão de Belinda. O celular chama uma, duas,
cinco vezes e nada. Quando estou quase desistindo, ele atende.
― Para você me ligar a essa hora, ou alguém morreu ou fui a sua última
opção.
― Ninguém morreu.
Ele ri com voz de sono.
― Já que é assim, posso desligar na sua cara, filho da puta. São sete da
manhã, Marco.
― São 11h da manhã, quase hora do almoço.
― Aí. Aqui estamos quatro horas atrasados, o que me dá o direito de
bater o telefone na sua cara.
― Você ainda não sabe da novidade, não é?
Espanta-me que a notícia não tenha se espalhado pelos quatro cantos.
― Opa! Acordei. Que novidade? Cheguei ontem de viagem, estava em
Dubai. Tem uns dias que não falo com os meus pais.
― Vou ser pai.
― Uou!... Que notícia mais... legal. É uma boa notícia? Quero dizer:
Você queria isso ou esqueceu de vestir o pau antes da brincadeira?
― Não foi de propósito, mas foi a melhor notícia.
Minha resposta muda até o seu tom de voz.
― Porra, primo, isso é incrível. Parabéns!!! Quem diria que o mais novo
seria o primeiro a procriar, hein? Que venha um Malamam macho do pau
grande.
Caímos os dois na gargalhada.
Ele pergunta sobre Damaris e faço um breve resumo de como chegamos
até aqui e o quão importante ela é para mim.
Tony é mais do que um primo, é um grande amigo. Sempre nos falamos,
seja por telefone ou nos grupos da família. Ele é arquiteto e nos últimos meses
está envolvido em um grande projeto, por isso nosso contato tem ficado em
segundo plano.
― E quando você vem visitar os pobres?
― Quando será o casamento?
E, caralho! Preciso conversar sobre isso com a Dama.
― Ainda não decidimos.
― Se não for agora, imagino que só depois que o bebê nascer. Mulheres
não gostam muito de casar com barrigão. Deve ser difícil encontrar vestido.
― Por mim, ela pode casar pelada.
― Pelada? Acho que vou marcar o meu voo.
Filho da puta! Não perde a chance de me sacanear.
― Se ela quiser casar pelada, embarcamos para Vegas e escolho um
Elvis cego. ― rimos juntos ― Mas, falando sério agora. Tira uma semana para
fazer uma visita a São Paulo, cara. Nem sei mais como está a sua fuça. Tá
barbudo ainda?
― Lógico.
Conversamos um pouco mais sobre Damaris e sobre como está a vida
aqui e lá na Califórnia.
Ouço a voz de Damaris se aproximar, ela está descendo com a madrinha
atrás dela. Despeço-me de Tony e vou até elas. Santa está visivelmente
emocionada, o rosto um pouco avermelhado e os olhos inchados. Minha noiva
não fica atrás, sua pele branca tem vergões que se destacam e mesmo com os
óculos, posso ver seus olhos irritados e marejados.
Chego perto das duas apreensivo e espero que digam alguma coisa.
Minhas mãos suam. Dama não diz nada, desce o último degrau e me abraça,
ficando junto ao meu peito.
Olho para Santa, cheio de expectativa... até que ela fala.
― Rapaz, eu soube desde a primeira vez que você seria o futuro da
minha menina. Soube que eram mais do que duas pessoas no mundo. Vocês são
um casal que deveria ficar junto. Parabéns pelo bebê e parabéns pela família que
se inicia.
Caramba! Que alívio. Um elefante saiu de cima do meu peito depois das
palavras de Santa.
― Obrigado, dona Santa. A senhora faz parte dessa família.
― Ai de você se tentar me afastar. ― ela brinca, com as mãos na cintura
e o queixo erguido.
― Jamais.
Aperto Damaris em meus braços até sentir o ar deixar seus pulmões com
força. Finalmente conseguimos encaixar as coisas e olhar para frente.
Alguns conhecidos passam pela padaria e Damaris me apresenta como
seu noivo, mas não conta sobre a gravidez. Percebo, mas prefiro não a questionar
sobre isso.
Momentos depois, decidimos voltar para a casa dela e lá passamos o
restante do dia.
Deixar Britz sozinha não é o que queremos, mas por enquanto é a única
opção. Ela é uma cachorrinha acostumada com um quintal grande e terra, jamais
se acostumaria a viver dentro de um apartamento pequeno.
Neste primeiro momento, Santa continuará a alimentar a pulguenta.
Espero que seja por pouco tempo. Logo decidiremos qual será o próximo passo e
assim as coisas se ajeitarão.
No início da noite já estamos de volta ao apartamento. Damaris deitou
um pouco para descansar e eu fui passar o tempo jogando online. Tem sido uma
distração. Desde a morte de Walter, eu e os caras estamos mais afastados. Não é
fácil.
Ando pelo apartamento em busca de entretenimento, sento no chão do
futuro quarto do bebê e imagino como será dentro de poucos meses. Fiz o
mesmo na minha primeira noite aqui, depois que os amigos foram embora e eu
fiquei sozinho refletindo e imaginando como seria a nova fase.
Que foda! Um pedaço de mim está crescendo a todo vapor dentro de
outra pessoa, se formando e ganhando vida. A cada segundo do meu dia, a cada
respiração ou a cada piscar de olhos o meu filho fica mais perto e mais real. Não
tem como simplificar algo assim.
Angustiado e tenso, vou até o estúdio.
Preciso extravasar, canalizar a minha energia em alguma coisa, mas não
consigo. Está tudo caótico dentro da minha cabeça. O problema é a consciência.
O grande problema é saber e sentir fisicamente do que preciso, do que o meu
corpo e a minha cabeça precisam... eles pedem.
Eu não posso! Eu não vou falhar.
Sentado no chão com folha e carvão, tento alguns traços. Fecho os olhos
e deixo a emoção fluir. Minhas mãos estão tremendo, meus dedos formigando...
até os meus dentes formigam.
Talvez se eu usasse só mais uma vez. Não como antes, mas... uma
carreira fina. Isso! Ninguém precisa saber.
Não!
Respiro fundo. Abro a janela, desesperado por um sopro de força e
resistência.
― Você está bem? ― Damaris pergunta, entrando na cozinha e me
arrancando dos meus pensamentos incoerentes.
Como vim parar aqui? Caralho! Que merda.
Com os nervos a flor da pele, olho um pouco mais para dentro da
geladeira tentando me recompor antes de virar para ela.
― Estou. Vim procurar alguma coisa para beliscar. ― mentira.
Ela sabe que não é isso. Seus olhos me dizem que sabe, assim como me
dizem que sou um idiota de achar que consigo enganá-la. Em segundos sou
examinado, diagnosticado e repreendido sem uma só palavra. Damaris tem esse
dom de dizer tudo sem falar nada.
― Vou voltar para cama. ― diz ela, sem desviar os olhos dos meus ―
Quando for deitar, coloca o celular no silencioso para não ficar apitando a noite
inteira.
― Pode deixar.
Ela sai e a sigo com os olhos até que desapareça no corredor.
Não sei o que está acontecendo com o meu corpo, pareço perder o
domínio da minha cabeça as vezes.
Preciso de ajuda. Não vou conseguir me segurar sozinho. Parece que
existe um outro eu confinado em meu cérebro e esse está longe de ser o mais
sensato.
Depois de vagar pelo apartamento por um tempo que não sei precisar,
vou até o quarto e espio a mulher deslumbrante dormindo em minha cama. Ela
parece tão serena e alheia ao que acontece do lado de cá da porta. Seus cabelos
jogados para trás, a pele branca e os lábios inchados cativam o meu olhar.
Admiro o volume dos seus seios sob a camisola, a curva da cintura e a
volta do quadril. Parece esculpida a mão. Linda, gostosa e minha. O meu filho
está ali onde eu o coloquei. Endureço só de lembrar daquele dia, dos seus
pedidos e gemidos contra a parede do hospital.
Tinha que ser assim. Você sempre foi minha e agora ainda mais.
Enquanto contemplo o meu mundo sobre a cama, uma ideia surge e
decido colocá-la em prática. Sem fazer barulho, volto para o estúdio e começo os
primeiros traços.
Eu sou um viciado
Marco
― O que te traz aqui, Marco?
― Fui usuário de drogas por muitos anos da minha vida, mas agora isso
precisa ficar no passado.
― Precisa?
― Sim.
Essa não é a primeira vez que me sento nessa cadeira, já estive aqui
antes, mas foi há muito tempo. Provavelmente eu fosse virgem ainda. Não me
lembro bem.
O doutor Angelo Fardin foi o primeiro psicólogo que visitei na vida. O
primeiro de uma lista considerável que só fez crescer enquanto os meus pais
tiveram controle sobre mim. Devo admitir; eu estava melhor antes de me tornar
dono do meu próprio nariz.
Cinco consultas foram o suficiente para descobrir que eu não gostava
dele. Perturbei a minha mãe de maneira infernal até que ela decidiu trocar. Era a
velha história: ele me enxergava bem demais para termos uma boa convivência.
Naquela época parecia ruim.
― O que mudou nos últimos anos? Gostaria de entender a razão de
encontrá-lo sentado na porta do meu consultório às 6h da manhã.
Tudo mudou. Eu mudei.
― Agora eu quero parar.
― E antes não queria?
Claro que não. Quem deseja largar algo que parece tão bom? Eu era
jovem demais para entender o preço das minhas próprias escolhas.
― Antes não parecia um problema.
Sem olhar para mim, enquanto anota algo em sua prancheta, ele diz:
― Você começou me dizendo que precisa deixar o seu hábito no passado
e agora está classificando este hábito como um problema. Podemos reclassificá-
lo como um vício?
Vício. Não, eu nunca fui um viciado em drogas. Meu uso é recreativo,
sempre foi. Lá vem ele novamente com essa mania de classificar as coisas.
― Vício é uma palavra muito forte. Eu diria que preciso alterar uma
rotina que não me cabe mais.
― E você estaria aqui por algo que conseguisse controlar sozinho?
Mas que merda! Foi exatamente por isso que o abandonei.
― Só preciso... ― não preciso. Quero.
Esfrego o rosto. Sinto-me sufocado, pressionado.
― Do que precisa? Não posso ajudá-lo se não me disser o que te aflige.
Fico de pé, preciso andar um pouco. Caminhar me faz bem, ativa os
músculos, oxigena o sangue e me ajuda a pensar. Minhas mãos estão inquietas e
o som dos meus dedos sendo estalados parece ecoar pela sala.
Eu sei do que preciso? Não vim aqui atoa.
― Do que precisa, Marco? ― insiste.
Paro no meio da sala com as pernas um pouco afastadas. Por algum
motivo o meu equilíbrio está prejudicado. Deve ser o sono.
Pare de rodeios e admita logo o que veio fazer aqui.
― Preciso ter controle sobre as minhas vontades. Preciso ser forte para
resistir ao que meu cérebro pede. Eu estou tentando, mas ele está pedindo...
implorando e eu sei que não vou durar muito mais tempo sem ajuda. Ela irá me
deixar e eu vou quebrar para sempre.
― Ela irá te deixar? Quem é ela?
― Damaris, a minha noiva e mãe do meu filho. Eu vou ser pai, doutor.
Por isso estou aqui.
A mudança na expressão do psicólogo é imediata, como se uma luz
clareasse as suas ideias. Ele me olha por um longo tempo e então sorri
discretamente. A caneta que antes anotava, agora é apontada em minha direção.
― Motivação: era isso que te faltava antes. Classifique o seu problema
para mim, Marco. Por que está aqui?
―Eu sou viciado em cocaína. ― admito em voz alta sem precisar de
tempo para pensar.
― Ótimo! Dê os meus parabéns à sua noiva, ela conseguiu algo que
muitos tentaram.
― Do que está falando?
Ele segura o queixo com a mão e fala olhando diretamente em meus
olhos:
― Finalmente você admitiu para si mesmo que é mais do que um
simples usuário. Você é um viciado e precisa entender isso como uma doença. Só
assim poderei te ajudar.
Eu sou viciado. Eu sou e preciso de ajuda.
Os métodos do doutor Ângelo nunca foram lá muito comuns.
Diferentemente de todos os outros profissionais que já me atenderam, ele adota
uma abordagem questionadora, forte e nada delicada.
― Espero que isso exorcize os meus demônios.
― Certa vez um velho amigo padre me disse que não há demônio que
uma boa surra não expulse. ― olho-o com curiosidade ― Fique tranquilo,
Marco, porque eu sei bater.
Eu deveria ficar satisfeito com essa afirmação?
A consulta se estendeu por uma hora. Com a promessa de retornar na
próxima semana e com encaminhamentos para outros profissionais, deixei o
consultório. Dentro da loucura que anda a minha cabeça, acabei esquecendo que
Damaris estaria de plantão e quando cheguei em casa, ela já havia saído.
Por um lado, foi bom. Consegui um horário de desistência com o
psiquiatra indicado pelo doutor Ângelo. Segundo ele, o cara é o melhor no
tratamento de dependência química, responsável por trazer para o Brasil uma
planta capaz de resetar o sistema neurológico de qualquer sujeito e regredir o
vício. Quem diria que uma droga resolveria o problema da outra?
É fodido admitir uma falha, um defeito; um vício. Sinto como se eu
estivesse assinando um atestado de incapacidade. Só que não importa o quão
frustrante seja, este caminho foi a minha escolha e vou seguir em frente.
Enquanto dirijo de volta para casa, o meu celular toca. É minha mãe.
― Oi, mãe!
― Oi, meu filho! Como você está? Vocês, na verdade.
A voz animada e ansiosa denuncia o quão feliz está com a novidade.
Imagino que tenha se controlado para não ligar logo cedo.
― Estamos bem. Eu estou na rua agora, mas Damaris estava dormindo
quando saí e agora está no hospital.
― Qual a necessidade dela continuar trabalhando no hospital? Não seria
melhor que estivesse planejando o casamento, o enxoval do bebê?
― Necessário não é, mãe. A questão é o que ela quer e não o que eu
quero. Ainda não conversamos sobre esses detalhes, mas em breve tudo se
encaixará.
Eu gostaria que Damaris deixasse o hospital para se dedicar
exclusivamente à gravidez e depois ao nosso filho, mas sinceramente duvido que
ela aceite tal coisa. Talvez depois do casamento essa conversa seja mais
proveitosa.
― Converse com ela, Marco. Um hospital não é o melhor lugar para uma
grávida trabalhar. Quando a pessoa precisa, não tem jeito, mas ela não precisa
mais. Agora Damaris é parte da família e não tem que se esforçar tanto. Ela deve
saber que as coisas mudaram e que tem você como apoio.
― Vou resolver isso do nosso modo, mãe.
― Tudo bem, filho.
― Está feliz sabendo que será avó novamente? ― mudo de assunto.
Posso ouvir o seu sorriso do outro lado da linha.
― Em estado de graça. Marco, você não sabe a alegria que trouxe para
mim a para o seu pai essa notícia maravilhosa. Estamos nas nuvens.
― Doutor Leônidas está nas nuvens sabendo que serei responsável por
um filho? Não exagere.
― Filho, não subestime o amor que o seu pai tem por você. Esse bebê é
como a multiplicação desse amor. Tudo o que ele quer... tudo o que nós
queremos é ver o pai incrível que você será.
― Estou me esforçando para isso.
― Eu tenho certeza, filho.
Conto a ela sobre a minha consulta com o psicólogo e sobre a proposta
inusitada do psiquiatra. Mesmo ainda não tendo aceitado o tratamento, estou
curioso com a ideia. Minha mãe questiona a veracidade das informações,
alegando que no seu tempo costumava-se usar longas internações no combate
aos vícios.
― Marco, espero que você consulte outros especialistas antes de
começar qualquer coisa. Converse com o seu irmão sobre isso.
― Eu sei o que estou fazendo, mãe. Sou médico, lembra? Vou refletir
sobre e pesquisar antes de tomar qualquer decisão. Fique tranquila.
Ela respira profundamente e se mantém em silêncio por um instante. Por
fim, diz:
― Seja qual for a sua escolha, estaremos ao seu lado. Conte com a gente
para tudo, meu filho.
Depois de enfrentar um engarrafamento desgastante, chego em casa.
Realmente não pode cair duas gotas em São Paulo que o trânsito dá um nó. As
paredes deste apartamento parecem me enclausurar, sinto-me sufocado.
Enquanto estava na rua, estava sob controle, minha angustia se mantinha
submersa, mas quando passei por aquela porta, tudo veio a superfície e de
repente estou aflito. Não é uma sensação que eu goste, por isso quando ela surge,
corro atrás do antidoto.
Mas não dessa vez. Não hoje.
Em menos de vinte minutos estou na rua novamente, caminho até uma
livraria que fica do outro lado da rua e peço socorro a quem nunca me faltou.
Matteo aparece ao meu lado antes que o barista da cafeteria que fica
dentro da biblioteca tenha a chance de terminar o meu cappuccino.
― Você está bem?
Olho para ele sem acreditar que tenha chegado tão rápido.
― Achei que estivesse no hospital, por isso não bati no seu apartamento.
― Estou de folga. ― ele senta ao meu lado ― Por que a mensagem tão
enigmática? Fiquei preocupado, cara.
Fala sério! Não tinha nada de enigmático em “Preciso de você”. Foi um
texto curto, só isso.
― Eu realmente estou precisando de você. Não há qualquer enigma
nisso.
― Pois bem. Estou aqui.
Conto a ele tudo sobre a consulta com o doutor Ângelo e com o
psiquiatra sugerido por ele, doutor André Luiz. Há muito tempo não vejo meu
irmão tão interessado em mim. Não o culpo pelo cansaço, não o culpo por largar
um pouco a corda. Deve ser uma merda ter que lidar com alguém que não quer
ser cuidado. Além do mais, Matteo não é mais uma pessoa sozinha e tem a sua
mulher para cuidar.
Sem qualquer constrangimento, admito o meu limite e ele entende o que
quero dizer. Estou agitado, angustiado e em alguns momentos isso se externa
chegando a transparecer na minha respiração. É algo que não posso controlar.
― O psiquiatra que eu fui tem uma clínica especializada em dependência
química. Ele é um faminto pesquisador desse assunto e tem muitos estudos
publicados. Por sorte e um pedido especial do meu psicólogo, consegui me
consultar com ele esta manhã.
― André Luiz... O que eu estou esquecendo sobre esse nome?
― Ele é um dos principais defensores do uso da ibogaína no tratamento
de dependentes.
Por um momento ele me observa com o rosto tenso. Conheço-o bem para
dizer que sabe exatamente do que estou falando e talvez não concorde.
― É proibida no Brasil.
― Sim. Não podemos plantar ou vender, mas podemos importar com a
autorização da Anvisa. Não preciso te dizer isso, você já sabe.
― Sei. E justamente por saber do que se trata, temo por você. Existem
riscos e não há um estudo concluído que nos dê um norte sobre a sua utilização.
Lembro de já ter lido coisas animadoras, mas também vi textos preocupantes.
Matteo olha além da minha alma. É algo possível somente em pessoas
realmente próximas e que se conhecem muito bem. Ele não apenas me vê, ele
me enxerga como sou.
― Eu... ainda não decidi nada. Vou pesquisar mais. Por enquanto vou
tentar me manter limpo um dia de cada vez.
― Talvez uma internação...
A simples menção a isso arrepia todos os pelos do meu corpo. Está fora
de questão, na contramão do que eu pretendo fazer para resolver o meu
problema. Isso nunca vai acontecer.
― Esqueça. Não existe qualquer possibilidade de eu me internar.
Principalmente agora. Estou indo no meu ritmo. Admiti o meu problema,
reconheci o meu vício, Matteo. Acredite, não foi fácil. Não está sendo fácil.
Porra, eu estou tentando.
Apoio as mãos sobre o balcão. Não quero olhar para ele, muito menos ser
visto depois de dizer o que disse. Admitir o vício parece rasgar a minha
garganta.
Matteo passa o braço por trás de mim e sinto o seu aperto.
― Eu te amo, cara. Você não está sozinho.
Minha única reação é balançar a cabeça, porque qualquer outra coisa que
eu fizer será o fim da minha resistência. Estamos em uma livraria, imagine que
cena linda será dois homens desse tamanho chorando feito mocinhas no meio da
tarde.
Meu irmão se afasta um pouco e telefona para Pérola. Posso ouvir parte
da conversa onde ele diz que precisa de um tempo comigo e que irá demorar um
pouco para retornar. Acho divertido a forma como fala. Nunca esperei ver
Matteo tão envolvido com alguém, muito menos em um relacionamento
completamente fora dos seus padrões. Pérola ou Carolina, seja lá como for,
chegou para tirar Matteo da sua zona de conforto.
Quando anoitece e vou buscar Damaris no hospital. Passamos em uma
casa de massas para pegar a encomenda que fiz mais cedo. Não quero que ela vá
para a cozinha depois de um dia de trabalho, porém, meus dotes culinários não
me permitem ser capaz de preparar algo a altura dela.
Minha noiva grávida cumpriu doze horas de plantão. O mínimo que ela
merece é um jantar maravilhoso.
― O cheiro disso no carro estava me matando. Humm! É simplesmente
perfeito. ― diz ela, enquanto come.
Depois de um banho, jogados no sofá com a tv ligada em um programa
qualquer, comemos juntos. Não tivemos nem sequer o trabalho de passar a
comida para um prato.
― O casal dono dessa cantina italiana trabalhava no hospital. Ele era do
administrativo e ela fisioterapeuta. Eles começaram a fazer pratos italianos para
ajudar a pagar o apartamento que compraram e deu tão certo que abriram o
próprio negócio um ano depois.
― Não sei se estou com muita fome ou se eles realmente cozinham
divinamente.
Beijo-a
― As duas coisas. Estão te deixando com fome?
Ela termina de mastigar, limpa a boca com um guardanapo e responde:
― Não é nada disso. Acho que estou comendo feito louca por ansiedade,
só pode. A fome não passa.
― Coma tudo o que quiser, gatona. Esse é o seu momento.
― Só que se eu comer tanto assim, não será um momento apenas e sim
uma nova realidade. Preciso me policiar para não sair rolando por aí.
― Se precisar eu te rolo pela casa até a cama.
A minha piadinha rende um tapa estalado no ombro.
A maior vantagem de pedir comida é não ter louça para lavar. Damaris
foi para o quarto enquanto eu dispensei o lixo e guardei as sobras na geladeira.
Não demorou muito, mas quando cheguei no quarto ela já estava debaixo das
cobertas. Minha menina está cansada.
Rindo da sua aparência esgotada, me juntei a ela na cama e começamos a
conversar sobre os nossos dias. É interessante como de repente a minha vida
deixou de girar em volta de uma mesa de bar com álcool e drogas para uma
cama com mulher e filho.
Filho. Está aí um novo amor que eu jamais esperei ter.
Apoio as costas em uma pilha de travesseiros e Puxo Damaris para os
meus braços. O cheiro do seu cabelo recém lavado e a maciez dos seus seios
contra a minha pele, me aquecem imediatamente como se uma chave tivesse
sido ligada.
Não é que eu não pense no bem dela. Sei que precisa descansar, no
entanto o meu corpo reage ao dela sem pedir permissão. Estou duro sob a
coberta. Cruzo as pernas tentando disfarçar, mudo um pouco a posição, mas ela
se aproxima um pouco mais...
― Como foi o seu dia? ― tento focar em qualquer coisa que não seja em
sexo.
― Movimentado. Hoje não consegui parar um minuto sequer. Acho que
todos os pacientes resolveram que era o dia de deixar a enfermagem louca.
― Contou a alguém sobre o bebê?
Damaris respira fundo. Olho-a sem entender.
― Eu acho melhor a gente esperar um pouco mais para abrir a gravidez
para todo mundo.
― E qual a razão?
― Não tem uma razão concreta, Marco. Eu só não me sinto confortável
ainda para falar. As pessoas julgam sabia? Se antes, só com o namoro eu já tinha
receio, imagine agora...
Se ela não abre o nosso relacionamento, como eu queria que ela
simplesmente chegasse dizendo que está grávida de mim do dia para a noite?
― Está bem.
É uma afirmação mentirosa, porque nada está bem. Tento focar e
canalizar os meus pensamentos no momento incrível que estou vivendo, mas um
bicho carpinteiro dentro de mim não para de roer e se mover completamente
pilhado. Os pelos do corpo chegam arrepiar.
― Marco...
― Tudo bem. ― insisto mais enfático.
― Pelo seu tom de voz percebo que não está tudo bem. Mentir só piora
as coisas. Eu vou contar, mas não agora. Preciso de tempo.
Concordo com a cabeça e prefiro não tocar mais no assunto.
Damaris cochila encaixada em mim, sua respiração é calma e constante.
Ela se sente segura em meus braços, totalmente entregue e confiante. A
possibilidade de desapontar toda essa confiança me angustia de véspera.
É uma merda sofrer por algo que não existe. Está tudo uma merda nas
camadas a baixo de mim.
Tento sair discretamente, mas ela envolve seus braços e pernas ao meu
redor. Parece sentir que devo ficar. Ainda dormindo ouço-a dizer que me ama e é
como um sopro fresco em minha pele em brasa.
Inferno! Estou queimando.
Talvez se eu conseguisse alcançar o meu telefone... quem sabe uma única
carreira? Fininha. Uma e pronto.
Estico o braço até o criado mudo, mas ainda está longe.
Não vou fazer isso. De onde veio essa vontade desesperada? Não posso
estar tão na fissura assim.
― Só um dia limpo. Só por hoje e pronto. Mais um dia. ― sussurro.
Merda! Merda! Que inferno!
No desespero, consigo substituir o meu corpo por um travesseiro e sair
da cama. Damaris quase acorda, chega a suspirar alto, mas volta a dormir. Antes
de sair do quarto dou uma última olhada para a cama onde ela está
inocentemente indiferente à minha agonia. Já são duas e meia da madrugada e
desde que nos deitamos, duelo comigo mesmo entre o objetivo de me manter
limpo e a fissura de uma última cheirada. É uma guerra.
Hoje eu perdi...
Tudo para ela
Damaris
Acordo no meio da manhã, passa das 10h. Estou sozinha na cama, o
blackout completamente fechado deixando o quarto mergulhado em penumbra.
Marco não está na cama. Não ouço qualquer ruído também. Depois de rolar
preguiçosamente espalhando os lençóis, vou até o banheiro da suíte para
começar o dia.
Eu costumava ter dias mais proveitosos na sequência de um plantão.
Ultimamente é como se um caminhão tivesse me atropelado.
Quando abro a porta para sair do quarto, percebo que Marco está no
estúdio e vou até ele. Surpreendo-me ao encontrá-lo em cima de uma esteira
correndo feito louco. Que estranho!
― O que faz aí, gatão?
― Bom dia, gatona! ― pisca para mim ― Eu tinha comprado essa coisa
há um tempo, mas guardei. Hoje resolvi gastar um pouco de energia correndo.
Não quis te acordar.
Enquanto ele fala, eu reparo detalhes que só uma esteira em movimento
pode mostrar. Músculos contraídos saltando em sincronia, veias dilatadas
desenhando sob a pele. Mesmo se eu não enxergasse, poderia sentir com a ponta
dos dedos.
Eu dormindo e tudo isso aqui gastando energia.
Olho-o por cima dos óculos e inclino um pouco a cabeça. O suor escorre
pelo pescoço, passa bem no meio do peito e chega furtivamente até o cós da
bermuda de boxeador preta. Que erótico.
― Dama?
― Oi!?
Com um sorriso sínico, ele balança a cabeça.
― Agora eu sei como um frango de padaria se sente.
― Acha que estou te cobiçando?
― E não está?
Com a ponta dos dedos, seguro a barra da camiseta que visto. Não sei se
sou boa em sensualizar ou se estou sexy depois de 12h de sono, mas estou com
tesão o suficiente para não ligar. E é isso que importa.
Marco acompanha o que faço. Seu rosto diz muito sobre o que sente, a
mudança é imediata. Estimulada por sua reação, subo um pouco mais o tecido
até que ele perceba que não há nada por baixo. Depois deixo cair.
― Vou ver o que tem na geladeira.
Sem mais, saio do estúdio e caminho pelo corredor em direção a cozinha,
mas antes que eu chegue a metade do caminho, sou brecada por um puxão firme
em meu cabelo.
Marco agarra a minha cintura, esfregando o pênis contra a minha bunda.
Aproveito, retribuo. Meus hormônios estão incandescentes hoje.
― Onde pensa que vai depois de me provocar, safada? Sua fome terá que
esperar um pouco.
― Tomara que ela espere muito. ― respondo, malcriada.
― Isso não será um problema então, gatona. Estou mais do que disposto
a te manter muito ocupada.
O desejo só aumenta. Quero que me pegue de jeito e me faça gritar como
só ele sabe. Estou faminta por toda essa intensidade.
― Marco... com força.
Ele entende o recado. Não preciso dizer mais nada.
A mão enrolada em meu cabelo puxa um pouco mais. Sou manobrada até
uma das paredes do corredor e amorteço o impacto com as mãos esplanadas ao
lado dos ombros. Literalmente uma lagartixa. Meus óculos caem e não me
importo.
Nada mais importa.
― Pede!
― Me come.
― Pede mais alto.
― Me come! ― grito.
Sua mão escorrega, tirando a blusa do caminho sem qualquer delicadeza,
encontra passagem entre as minhas coxas. Com os dedos abertos, ele acaricia a
minha boceta, manipula cada cantinho e começa a sua massagem profissional em
meu clitóris. É rápido.
Não preciso que me excite porque já estou lasciva. A umidade brota em
mim.
― Te excita me ver correr?
― Aham.
Estico o braço para trás, apressada. Não preciso mais esperar. Quero
agora. Puxo sua bermuda para baixo e seu pau salta batendo pesado em minha
bunda.
Só de pensar...
― Será que você aguenta tudo que está pedindo?
Minha resposta é empurrar contra ele e gemer. O suficiente.
Marco pincela a cabeça do seu pênis em minha umidade espalhando o
lubrificante natural em si. Sem soltar a mão do meu cabelo, ele empurra contra
mim, arremete com o quadril e eu me abro.
Seu pênis duro entra como pedi: com força. Em uma entocada precisa e
devastadora que me faz ficar na ponta dos pés, ele geme. Meus dedos tentam
afundar na parede e um grito rouco sai pela minha boca. Quantas coisas sinto de
uma única vez. Mesmo com o choque, empurro de volta, abro mais as pernas e
me empino toda para demonstrar que estou dentro. Não quero que pare.
― Toma!
Prazer. Prazer... Muito prazer. Queima, arde, fulmina e devasta. Talvez a
melhor parte do sexo seja esse começo, onde o meu corpo briga contra o dele
que tenta corrompê-lo. Só perde para o ápice.
― Assim! ― incentivo-o ― Oh, por favor, assim!
Em sincronia, continuamos.
O sexo não é bonito ou delicado, longe disso. É assim que gostamos de
saciar a nossa luxúria, apagar o incêndio que só cresce dentro de nós. Quanto
mais quente, mais forte. Adoro!
Marco parece ter esquecido o seu excesso de cuidados atual e
mergulhado de cabeça no que sabemos fazer de melhor. Ele morde os meus
ombros, trava meus cabelos em sua mão e investe em mim como um animal,
gemendo e suando.
É rápido e intenso.
Tempo depois, estamos de banho tomado e vestidos, preparando o café
da manhã.
Passamos a tarde na minha casa, cuidando das plantas e de Britz. Corta o
meu coração ficar longe, mas sei que seria muito pior prendê-la no apartamento
de Marco, sendo que passamos tantas horas no trabalho. Pelo menos aqui ela tem
espaço, rolinhas para correr atrás e terra para cavar. Por sorte, minha madrinha
tem me ajudado muito e Britz mantém a sua barriguinha cheia.
― Você preferiria uma casa como a dos meus pais ou um apartamento
maior com cobertura?
A pergunta me surpreende. Olho para Marco pensativa.
― Sempre morei aqui. Gosto de viver em uma casa, mas tenho gostado
do seu apartamento também. Só me incomoda um pouco estar tão dentro da
cidade.
― Meu pai me mandou uma mensagem hoje cedo. Disse que vão leiloar
uma casa no condomínio deles. Porteira fechada, fica tudo... até as panelas.
― Isso existe?
― O dono a construiu há apenas um ano, era recém-casado. Acho que se
mudaram para lá no meio do ano passado.
― Caramba! Tem pouco tempo mesmo. Por que vai a leilão?
Replantando uma roseira, olho para ele que está sentado no chão
brincando com Britz.
― Meu pai disse que o cara era deputado federal e que estava envolvido
em um esquema de corrupção fortíssimo. A casa foi construída com dinheiro
roubado. A justiça determinou o leilão para devolver o dinheiro para os cofres
públicos.
Que vexame deve ser ter os bens tomados pela justiça.
― Que horror!
Marco vem até a mim, passa os braços a minha volta.
― Quer ir conhecer a casa?
― Conhecer?
O que ele está me propondo?
Sou girada em meu eixo e ficamos frente a frente. Ergo o queixo e encaro
seus lindos olhos azuis. Conheço esse olhar de determinação.
― O leilão será amanhã pela manhã. Se você gostar, podemos fazer
lances e, com sorte, arrematar a casa.
Uau! Isso sim é um grande passo.
― Faz ideia da importância disso? Não consigo nem imaginar quanto
deve custar. Além disso, não tenho economias ou renda o suficiente para te
ajudar. Eu poderia vender esta casa, mas...
Ele me encara e ergue as sobrancelhas.
― Dama, por favor. Você sabe muito bem que posso pagar pela casa.
― Mas aí ela seria sua.
― Existe seu ou meu dentro de um casamento? Para mim tudo passa a
ser nosso. Foi assim que aprendi.
― Não somos casados. ― rebato.
Marco sorri e me aperta contra si. Seus olhos estão iluminados e cheios
de ideias.
― Está aí mais um assunto que precisamos resolver o quanto antes. ―
ele afaga a minha barriga ― Vamos marcar uma data. Pode ser nas próximas
semanas, duas ou três...
― Você sabe que estamos há poucos dias do carnaval, não sabe?
― Um casamento temático. ― diz sorrindo.
Só pode estar brincando. Olho-o por cima dos óculos e não, ele não está
brincando. Quem além dele sugeriria um casamento temático no carnaval?
― Não seja ridículo, Marco.
― Imagine todos fantasiados, você de Colombina e eu de Pierrot. Quem
sabe os filhos de Nina de três porquinhos levando as alianças.
― Você só pode estar brincando.
― Sem porquinhos então. Nina não permitiria mesmo.
Afasto-me de seu aperto e volto para as minhas plantas enquanto ele me
observa e sorri.
Casamento temático. Até parece.
O sol estava se pondo quando chegamos à entrada do condomínio onde
moram os pais de Marco, mas dessa vez na intenção de conhecer o que poderia
ser a casa onde passaríamos o resto das nossas vidas. O síndico entregou as
chaves sob o aviso de ser um favor entre velhos amigos, depois do pedido
especial de doutor Leônidas.
― É aqui. ― disse Marco, estacionando o carro. ― Vamos explorar
juntos. Eu já havia partido quando foi construída.
Puta merda! Não pode ser.
― Tem certeza que é aqui?
― Definitivamente é.
Pela janela do carro vejo um muro coberto por heras de forma que não
sou capaz de enxergar o concreto. O portão de madeira escura quase se esconde
entre o verde vivo.
A coisa mais linda.
Descemos do carro e Marco abre o portão, que surpreendentemente dá
em um gramado perfeitamente decorado com plantas ornamentais, um laguinho
artificial e cascata. Não é tão grande como eu imaginava que fosse, mas parece
uma versão em miniatura dos jardins de Monet. Ao fundo, uma casa que me faz
parar de respirar.
Literalmente interrompo os meus passos e fico admirada com o que vejo.
Para onde que se olhe há imensas paredes de vidro transparente do chão
ao teto enquadrados por uma madeira escura. De onde estamos, temos o
vislumbre de todo o térreo em plano aberto. Deslumbrante.
― É o que você esperava que fosse? ― Marco pergunta. Vejo pelo canto
dos olhos que está sorrindo e encarando a construção.
― Não. ― respiro profundamente ― É muito melhor.
Entrar foi ainda melhor do que a vista externa. Todos os detalhes em
madeira, os moveis discretos, a iluminação aconchegante. Nada poderia ser mais
perfeito. E também mais distante da minha realidade.
Enquanto explorávamos o segundo andar, onde ficam os quartos, um
pensamento me ocorreu.
― Marco, é notório tudo o que o seu pai possui. Ele poderia ter dezenas
de casas como esta. Mas nós...
― Não é porque trabalho como médico, que ganho como médico. Sou
parte de uma empresa muito bem-sucedida e tenho meus ganhos como qualquer
outro sócio. Podemos ter muito mais do que esta casa.
― O que isso quer dizer?
Marco me explica que o pai havia dividido a empresa da família em
partes iguais, assim como o avô fez no passado. Com isso, cada um possui um
quarto do hospital.
Na prática, quem segue administrando as unidades do MAH-SP é o
doutor Leônidas, em nome dos filhos.
― Por que o seu pai fez isso?
― Para evitar que uma possível briga por herança pudesse causar
rachaduras na família que ele tanto ama. É uma política Malamam de
sobrevivência.
Uau! Que coisa pragmática. Pelo visto tem funcionado bem.
― Então você não é apenas o filho do dono. É um dos donos.
― Exatamente.
Ando pela suíte principal onde estamos. Provavelmente é do tamanho da
casa da minha bisa. Estou apaixonada por todos os cantos que vejo, por cada
detalhe a minha volta e sinto como se tudo aqui fosse feito com o meu gosto
pessoal.
― Acho que você pode pagar por isso. ― digo, admirando o jardim pela
janela que acabe de abrir.
Marco chega por trás de mim, encaixa o seu corpo contra o meu e
sussurra ao meu ouvido:
― Nós podemos pagar por essa casa, gatona. Só preciso que me diga que
a quer.
Fecho os olhos e posso imaginar nosso filho correndo e brincando, Britz
livre em todo o espaço. Seremos felizes aqui.
Definitivamente não há dúvidas sobre o que eu quero para nós e não há
razão para tomar outra decisão.
― Eu quero que essa seja a nossa casa.
Viro-me de frente para ele sorrindo e repito várias vezes. Marco abraça a
minha cintura, erguendo-me no ar e giramos juntos.
Não sou um príncipe
Marco
O feriado de carnaval foi diferente de qualquer outro. Eu não estava
casando, como havia imaginado, muito menos curtindo a folia, como de
costume. Era época de mudança.
Precisei de muita paciência e alguns lances para conseguir arrematar a
casa. Perder estava fora de cogitação. Depois do último lance, enviei uma
mensagem à minha Dama dizendo que ela já poderia arrumar as malas.
Precisamos de alguns longos dias, alguns papeis e muita conversa para
definir o momento da mudança, mas finalmente ele chegou e estamos aqui.
Decidi que não era o momento de me desfazer do apartamento, é um bem
valioso que ainda irá valorizar.
Em três dias de trabalho árduo com a ajuda de minha mãe e de dona
Santa, conseguimos separar o que queríamos manter da casa nova ou não. Além
disso, Damaris escolheu peças de valor sentimental da casa onde morava. Todo o
restante, móveis e eletrodomésticos foi doado para vizinhos ou pessoas
próximas.
Damaris decidiu manter a sua casa, até que esteja pronta para se desfazer
dela ou deixar aos cuidados de uma família que precise. Em troca eles
conservariam o imóvel. Por agora, ficará fechada.
― Terminamos? ― pergunto, me juntando a ela na banheira do quarto
com vista para o jardim dos fundos.
O movimento da água expõe seus seios.
― O que tinha de mais urgente, sim. Com o tempo tudo se ajeita. Não
suporto mais ver caixas e plástico bolha.
Derramo um pouco de sabonete líquido em seus seios e começo a
massageá-los. Estamos sentados frente a frente. Ela de olhos fechados, rosto
sereno e cabelos presos em um coque por um lápis.
Enquanto toco os mamilos já endurecidos, Damaris suspira.
― Estou gostando de ver essa espuma em volta de você. É sexy. ― suas
bochechas se erguem em um sorriso sutil e eu continuo acariciando seus seios.
― Cada dia eles ficam mais inchados e gostosos. Será que terá um limite?
― Quando eu estiver jorrando leite será o limite.
― Parece bom para mim.
Com cara de nojo, ela torce o nariz.
― Não, Marco. Não.
Puxo-a em minha direção e a água esborra, espalhando espuma por todo
o piso. A manobra traz Damaris para mim e ela fica sobre o meu quadril, com
uma perna de cada lado do meu corpo. Seus olhos, agora abertos, espelham
ansiedade e diversão.
― Quem vai limpar isso?
― Depois que eu te comer, posso limpar o que você quiser.
Um sorriso lhe escapa e aproveito para fazer cocegas mordendo o seu
pescoço e imobilizando suas mãos para trás do corpo. Damaris fica indefesa,
mas continua montada sobre mim. Meu pênis duro entre nós lateja com ideias
eróticas e seus olhos me dizem que está disposta a satisfazer os meus desejos.
Nossos desejos.
― Marco...
― Erga a bunda. Desça lentamente no meu pau.
O brilho cintila em suas pupilas dilatadas.
Com os braços presos, ela usa a força das pernas para elevar o quadril
alto o suficiente para se encaixar a mim. Que gostoso é sentir a sua entrada
estreita.
― Desça! ― ordeno.
A atmosfera é de luxúria. Não posso dizer de onde começou, mas
estamos presos em nossa bolha de desejo e ela só será estourada quando o prazer
estiver completo.
O meu palpite é que isso irá demorar.
No dia seguinte recebo o meu pai para me ajudar em algumas tarefas um
tanto domésticas. Ele se ofereceu para fazer uma lista de coisas que todo chefe
de família precisa ter. De onde ele tirou isso? Não faço ideia. Eu realmente
preferiria ter declinado a oferta, mas Damaris estava do meu lado e fez aquela
cara de “passe um tempo com o seu pai”.
― Você tem uma caixa de ferramentas? ― ele pergunta segurando um
bloco de papel.
Nunca precisei de uma.
― No porta-malas do carro tenho um macaco. Serve?
Suas marcantes sobrancelhas arqueadas se erguem em minha direção.
― Isso não conta, Marco.
― Então a resposta é não.
Ele coça a cabeça, faz duas anotações e se volta para mim.
― Verificou se há lâmpadas extras na casa, equipamentos de jardinagem
ou algo assim?
― Não.
Ele me olha sério.
― Precisará de mais proatividade para administrar um lar, rapaz. A
primeira a coisa a fazer depois de pegar as chaves, deveria ser verificar os
equipamentos deixados pelo antigo proprietário.
Por mais que eu saiba da sua intenção em ajudar, não é divertido.
― Pai, eu pretendo contratar alguém para cuidar do jardim. Quando
tomei posse da casa, o advogado verificou todos os itens do memorial e ele deve
estar junto com a documentação. Depois olharei.
― Não adianta saber mandar, Marco. É preciso saber fazer. ― ele bufa
― Vamos a lista.
Exercendo toda a minha paciência, cedo e fazemos a tal lista de itens
indispensáveis. Óbvio que eu sei me virar se preciso for, mas não tenho uma
caixa de ferramentas, escadas e equipamentos de jardinagens. Pelo amor de
Deus, eu morava em um apartamento onde jamais caberiam essas coisas.
― Você vai precisar agendar um horário semanal com o limpador de
piscina e com o jardineiro.
― Vou me informar na administração.
― Damaris terá alguém para ajudá-la, certo?
― Mamãe indicou uma moça. Pelo que entendi, ela deve vir essa semana
para um período de experiência. Deixarei esse assunto por conta dela.
Com a lista terminada, saímos para comprar algumas coisas.
Estranhamente o caminho é mais agradável do que de costume e conseguimos
nos entender. Já faz um longo tempo que não passamos mais de meia hora
sozinhos.
― Quando vou descobrir se teremos uma princesa ou um moleque?
Esse é o tipo de pergunta que me deixa animado. Qualquer coisa
referente ao bebê me anima.
― Imagino que na próxima consulta. Estamos contando os dias para
fazer a ultra e ver o nosso filho.
Encaro-o e percebo que estamos os dois com um sorriso sem explicação
no rosto. Às vezes me espanto com a nossa semelhança. Nem preciso de muita
imaginação para saber como estarei daqui uns quarenta anos.
― Sei como é. Ver aquele pauzão boiando ou a rachadinha, é uma
emoção da porra. Está na moda fazer festa para tudo. Vocês já pensaram nesses
chás disso ou daquilo?
Rachadinha? Não vou nem comentar isso.
― Damaris não quer fazer chá de revelação e eu também acho bobagem.
Vamos à consulta com o obstetra dela e depois contaremos para todos.
― Ela poderia fazer o acompanhamento no MAH. Temos ótimos
médicos. Todos vocês fizeram.
― O que importa é o que ela quer, pai.
A minha resposta sai de imediato, mas não é com a intenção de contrariá-
lo e sim o que realmente penso. Meu pai para o que está fazendo e com uma
expressão intensa, diz:
― Você tem toda razão. Eu diria o mesmo.
De longe foi um dos melhores elogios que já recebi dele. Não somente
pelas palavras, mas também pelo que pude perceber em seu olhar.
Chego em casa e encontro Damaris replantando algumas de suas roseiras
que trouxe da casa antiga. Ela está nessa função o dia inteiro. Britz aproveita o
enorme gramado para correr e gastar energia.
Da varanda observo-a agachada com uma pequena ferramenta nas mãos,
cabelo preso e roupa sujas de terra. Está linda! A gravidez deu uma luz diferente
para a minha gatona.
Prefiro não revelar a minha presença. Vou até a cozinha, vejo o que
temos na dispensa e na geladeira e decido preparar o jantar. Não que eu seja bom
nisso, mas aposto que me viro bem fatiando alguns filés e fritando um saco de
batatas congeladas.
Sal, pimenta... um pouco mais de sal, azeite e frigideira.
― Sinto um cheiro bom vindo da cozinha. ― diz Damaris, ao entrar em
casa com as mãos sujas de terra.
Ela vem até a mim, me beija e segue para o lavabo com Britz em seu
encalço.
― Espero que o gosto fique tão bom. Como estão vocês?
― Estamos bem. ― grita e coloca a cabeça para fora do lavabo. ―
Conta como foi o dia com o seu pai.
― Hum... Uma mistura de surpreendente com cansativo. Ele tem o
objetivo de me transformar em um excelente dono de casa.
― Dê um desconto para ele, Marco. Sua mãe disse que ele está muito
feliz por nós e que há muito tempo não o vê tão confiante.
― Confiante de que não o decepcionarei?
Damaris sai do lavabo revirando os olhos. Sei que não gosta quando falo
dessa maneira.
― Marco...
― É verdade.
― A verdade é que ele está enxergando em você algo que ainda não tinha
visto e está feliz por isso. Não seja o negativo da história.
― As pessoas precisam parar de colocar suas expectativas sobre mim. A
chance de decepção é enorme.
Irritado comigo mesmo por saber que não tenho correspondido ao que
esperam de mim, jogo o pano de prato sobre o balcão e vou até a janela. Damaris
vem ao meu encontro, mas para a alguns passos de distância.
― Por que diz isso, Marco?
― Por nada.
― Marco... por que diz que a chance de decepção é grande? Tenho
motivos para não confiar mais em você?
Sim, ela tem. Motivos não lhe faltam. O principal deles está escondido
em um dos porta-trecos do carro: algumas inofensivas gramas de euforia em pó.
Damaris não sabe, mas tenho cheirado.
A cocaína me acompanha há tantos anos e sempre nos demos bem, eu
sempre soube controlar. Não é sempre que cheiro, somente alguns dias na
semana... as vezes mais, as vezes menos. Não são poucas gramas que irão me
prejudicar.
Montei um estúdio na garagem e também uma pequena academia. É uma
espécie de circuito pré-determinado, onde consigo matar a minha vontade sem
me expor. Cheiro, desenho, corro na esteira e cheiro novamente. Acho que está
dando certo. Já fazem algumas semanas que abandonei as consultas com o
psicólogo e não voltei a pesquisar sobre o tratamento com a ibogaína.
Só preciso manter as coisas sob controle e tudo mundo ganha.
― Estou esperando a sua resposta. ― insiste.
― Estou de boa. Você não tem com o que se preocupar, gatona. ―
coloco o meu melhor sorriso e vou até ela ― Pare de trazer velhos demônios
para a nossa vida. O que acha de suco de uva para comemorar que finalmente
estamos na nossa casa?
Ela protesta, tenta voltar ao assunto e me encurralar com perguntas
repetitivas, mas por fim aceita a minha proposta. Depois de subir para tomar um
banho, Damaris volta vestindo um vestido soltinho. Não há marca de calcinha ou
sutiã e o tecido dança livremente lambendo suas coxas brancas.
Uma sombra discreta de barriguinha começa a aparecer em seu ventre.
Nada evidente, mas posso notar a diferença. Ao contrário dos seios que crescem
desenfreadamente, seu abdome muda devagar para abrigar o nosso bebê.
De repente, consciente de que é observada, ela alisa o volume e sorri para
mim. De onde estou, contemplo o que tenho de mais precioso na vida se
aproximar. Linda, doce, intensa, completa.
― Eu não mereço tanto da vida. ― digo mais para mim do que para ela.
― Você fez por merecer nós dois. Agora já era.
Beijo-a com paixão.
― Eu te amo, Dama. Mesmo se um dia se arrepender de me amar,
lembre-se que te amo demais.
― Nunca vou me arrepender. Meu príncipe no cavalo branco.
Ah, claro!
Estou mais para sapo do pó branco.
Menino ou menina?
Damaris
― Vocês querem saber o sexo do bebê? ― pergunta doutor Aloísio, já
sabendo a resposta.
Estamos curiosos para saber. Não que isso mudaria qualquer coisa,
porque não mudaria. A questão é que com a casa nova, estamos empolgados para
montar um quartinho temático e começar a comprar as coisas. O primo de Marco
mandou vários esboços de como ele acha interessante. Antony é arquiteto, e
mesmo não trabalhando com decoração de residências, fez questão de participar.
― Você disse que é um moleque. ― diz Marco e segura a minha mão.
Nossos olhos estão fixos na tela.
― Eu sinto que é.
Doutor Aloísio passeia com a ponteira do equipamento pela a minha
barriga, apontando cada detalhe do bebê com total paciência. Tudo é novo,
mágico e especial. Como pais de primeira viagem, estamos maravilhados. Marco
não solta a minha mão e comenta segundo a segundo com os olhos brilhando de
emoção.
― Conseguem ver o rostinho de perfil? Boca... nariz... queixinho.
― Que perfeito!
― Parece com você. ― digo.
Marco chega mais perto da tela e analisa como se se reconhecesse do
outro lado. É tão emocionante vê-lo encantado com o filho e saber que dentro da
minha barriga cresce esse serzinho tão pequeno, que em breve será parte do
mundo.
Ele sorri, olha para mim e depois para o monitor novamente.
― É maluco dizer, mas também acho que se parece comigo. ― ele se
dirige ao médico ― Tenho certeza que é um piru. É, não é?
Doutor Aloísio não aguenta e começa a rir.
― Vamos descobrir agora.
Depois de deslizar o aparelho pela minha barriga mais uma vez, ele nos
mostra as perninhas, a coluna vertebral e os pés do bebê. Perfeito demais! Parece
que meu coração não irá aguentar.
― O que temos aqui? ― a imagem é congelada novamente ― Um piu-
piu.
Com um marcador, ele faz um circulo amarelo ao redor do pintinho do
meu filho. Finalmente consigo ver e concordar. Teremos um menino.
― Um piupiuzão, isso sim. ― Marco fala apontando e rindo.
― Tadinho, Marco!
― Tadinho por que? Olha lá. É genético.
Aff! Que vergonha.
Saímos do consultório direto para uma loja de roupas de bebê. Agora que
temos certeza do sexo, posso começar a montar o meu enxoval. Eu e Marco
somos atendidos por uma moça muito prestativa que logo percebe o nosso pouco
entendimento no assunto e entrega uma lista de produtos de primeira
necessidade.
Apesar de ficar encantada com tantas possibilidades, decido que ainda
não é o momento de comprar tudo. Escolhemos com carinho entre várias peças e
por fim, compramos um macacão azul marinho com bordados de patinhas de
urso em linha dourada.
Temos planos para a noite que se aproxima.
Marco liga para os irmãos e convoca a todos para um jantar na nossa
casa. Vamos juntar duas coisas em uma só: primeiro que ainda não apresentamos
a casa a eles, segundo que revelaremos o sexo do bebê. Apesar de já fazer quase
um mês desde a mudança, não tivemos tempo e nem ânimo de organizar nada;
até agora.
No caminho para casa, paramos na cantina italiana que ele me apresentou
tempos atrás e pegamos uma enorme quantidade de comida. Já que a família é
italiana, vamos de massa fresca.
Quando chegamos em casa, coloco tudo no forno e subo para me
arrumar.
Em uma hora a sala já está cheia e a mesa posta. Essa é a primeira vez
que recebo tantas pessoas em casa, tanto nessa como na casa que morava antes.
Nunca foi do meu feitio abrir a casa para tanta gente... até porque eu nem tinha
quem chamar.
Da minha parte apenas a Dinda. Ela tem sido muito importante nos
últimos tempos, apoiando tudo o que tenho medo de fazer e me dizendo para
seguir em frente e aproveitar o que a vida me oferece. Ela é team Marco e não
esconde. Desde o primeiro momento gostou dele.
― Damaris, você quer que eu te ajude em alguma coisa? ― pergunta
minha madrinha quando me vê tirando um dos refratários do forno.
― Não precisa, Dinda. Compramos tudo pronto, só estava aquecendo.
Vou servir.
Marco está do outro lado da sala conversando com o irmão e o cunhado.
Belinda, que veio do hospital direto, arruma a mesa com os pratos, copos e
talheres. Meus sogros e Pérola brincam com os filhos de Nina e Britz no tapete.
Minha cunhada está no jardim em uma ligação de trabalho.
Coloco a mesa e verifico se tudo está no lugar. Perfeito. Com um sinal,
digo a Marco que convoque todos para se sentar. As crianças continuam no
tapete e os adultos vem cheios de expectativa, posso ver a curiosidade nos rostos
de cada um deles.
― Contamos agora ou deixamos a gastrite corroer a todos?
Marco sempre piadista.
― O que você acha? ― digo baixinho e sem jeito. Ainda estou me
acostumando a todo esse calor humano... acho que posso chamar assim.
― Ah, não! ― Ninna intervém ― Chega de esperar! Eu teria feito a
sexagem. Estamos há meses nessa agonia.
Os irmãos se olham. Nina levanta a sobrancelha desafiadora e Marco
responde balançando a cabeça. Não é uma briga.
― Filho... ― diz Sarah ― Acho que todos estão loucos para saber. Conte
de uma vez e depois brindamos para comemorar.
Olho-o concordando.
Todos estão sentados ao redor da mesa, incluindo a minha madrinha com
as mãos inquietas. Belinda é a única de pé do lado oposto, ela segura um celular
apontado para nós, transmitindo tudo por chamada de vídeo para o irmão na
Califórnia. Detesto ser o centro das atenções, mas hoje é por uma boa causa.
― Anda logo com isso. Parece que tem prazer em deixar a gente
nervoso. ― doutor Leônidas não se aguenta.
― Contamos juntos? ― Marco pergunta.
― Juntos.
De mãos dadas, diante de todos, falamos em uníssono:
― É um menino!
Que alegria poder dizer isso e ver que a comemoração é geral. Com
palmas, todos gritam e assoviam celebrando a notícia, até mesmo a minha
madrinha. É contagiante.
Meu sogro fica de pé, fazendo Marco endurecer imediatamente e o
silêncio reinar. Agora doutor Leônidas é o centro das atenções.
Ele limpa a garganta. Está visivelmente emocionado.
― Bom... Que porrada, hein? Não tenho mais idade para isso não. ―
coloca o polegar na frente da boca, pensativo ― Faz uns anos desde que estive
sem palavras... mas preciso falar.
― Não enfarta, tio. ― diz Belinda, completamente sem noção.
Marco segura minha mão com firmeza. Sei que está nervoso.
― Parabéns aos dois por tudo, pelo bebê, por terem se encontrado, pela
superação ― diz olhando diretamente para Marco. Sei a que se refere ―
Parabéns. Vocês têm o meu respeito e a minha admiração. Estou à espera desse
moleque pirocudo de braços abertos.
Marco não diz nada, simplesmente balança a cabeça, percebo que
discretamente desvia o olhar. Pela quantidade de vezes que pisca, sei que está se
contendo. A admiração e a aprovação do pai são muito importantes para ele, por
mais que tente negar, fica evidente.
― Obrigado, pai. ― rapidamente muda o foco ― Obrigado a todos
vocês que vieram conhecer a nossa casa nova também.
― Já escolheram o nome? ― Matteo pergunta, com Pérola ao seu lado.
Marco me olha.
― Ainda não. ― respondo ― Acho que a partir de agora podemos
começar a pensar nisso.
― Não sei como você consegue ser tão tranquila ― diz Belinda ― Eu já
estaria com uma lista imensa para pesquisar e fazer numerologia. Isso é
importante, gente.
― Claro, muito importante, peste. ― alfineta Marco ― Por que erraram
tanto no seu?
― Palhaço! Belinda significa bela e linda. Não teria como ser mais
adequado. ― ela pisca os olhos como uma boneca quando fala.
É obvio que as provocações são brincadeira de primos.
― Não, não. ― intervém Matteo. Ele procura por algo no celular ―
Aqui diz “serpente provocada”
― Depende da derivação. Prefiro ir para o espanhol Bellalinda.
Depois do bate e rebate sobre a origem do nome de Belinda, sirvo o
jantar e comemos juntos. Nosso filho é o assunto principal, todos palpitam em
possíveis nomes, apostam em datas de parto ou têm uma dica infalível para dar.
Mais uma família como qualquer outra.
Por várias vezes pude perceber o olhar orgulhoso de Leônidas e Sarah
sobre o filho. Depois de tudo o que passaram, dos sustos e decepções, para eles é
uma vitória e um alívio saber que agora ele está no caminho certo.
Por fim, ficamos apenas eu, Marco e minha dinda. Ela dormirá no quarto
de hóspedes essa noite e amanhã pela manhã Marco a levará para casa.
― Que noite hein! ― diz Marco, enquanto se despe para se juntar a mim
na cama.
Esses hormônios estão maluquinhos. Uma hora estou doente de sono,
outra não consigo pregar os olhos. Agora, vendo-o nu diante de mim e sabendo
que estamos sozinhos neste quarto enorme... com esta cama deliciosa, sinto
calor.
Tiro os meus óculos e empurro a coberta com os pés.
― Vejo que tem uma grávida mal-intencionada por aqui. ― ele fala,
sorrindo maliciosamente.
Um movimento chama a minha atenção. Uau! Alguém está crescendo
rápido...
― São os hormônios.
― Amo esses hormônios. Não vamos contrariar a natureza.
Ele vem para cima de mim como um felino. Seus olhos azuis serrados e o
rosto cheio de desejo. Ainda fico impressionada com a facilidade que tem para
mudar de descontraído para desesperadamente excitado. Eu poderia me assustar
com o seu tamanho, mas sei bem o prazer que me proporciona.
Minha boca é tomada, abro o máximo que posso, aproveito para chupar
sua língua. É erótico. Marco agarra minha cabeça com as duas mãos enquanto
tomba sobre mim, nos encaixamos como um quebra-cabeça. Estou fervendo. É
tão bom, tão bom.
― Oh! ― gemo entre os beijos. Ele não para de moer contra mim,
estimulando meu clitóris e me levando ao céu.
De repente estamos em outro mundo. Nossos corpos viram um, não se
sabe onde começa um e termina o outro, os gemidos e lamúrias tomam conta do
ambiente e uma atmosfera de luxúria nos inebria.
O que começou calmo, ganha força e velocidade. Gosto da intensidade
que ele me dá.
Ah que delícia!
Meu corpo responde ao dele. Devo estar fora de mim, sinto sua mão
cobrir a minha boca e então tudo vira onda. Um sobro me empurra para o
precipício e caio livre, flutuando até chegar ao fim e ouvi-lo vir também.
Marco derrama quente dentro de mim. Os tremores são rápidos e
intensos. Então ele enterra a cabeça no meu pescoço, repete o quanto me ama e
se desculpa por não ser o que eu mereço. Depois dorme, exausto.
De onde ele tira que não é o que eu mereço?
Se ele soubesse o quanto me faz feliz.
A ovelha sempre será negra
Marco
Eu tenho tentado ser o mais discreto possível nos últimos meses. Não é
fácil, mas com o avançar da gravidez, Damaris está mais quietinha e isso facilita
um pouco as coisas. Decidimos pelo seu afastamento do hospital, já que não há
razão para ela continuar. Essa fase é única e merece uma atenção especial.
Quando ela resolveu contar aos colegas de plantão que estava grávida e
que iria pedir licença das atividades no hospital, foi uma surpresa geral. Mas o
choque maior para eles foi descobrir que já estávamos morando juntos e que a
gravidez não era recente. Talvez Breno e Suellen tenham ficado magoados, mas
não durou muito e eles têm sido super presentes e importantes nesse momento.
Magrinha e pequena, Dama demorou para apontar barriga. Só agora, com
seis meses, começou a ostentar um volume impossível de disfarçar e ser vista
como uma grávida por todos. Divirto-me com a sua alegria e vontade de mostrar
para o mundo que espera um bebê.
Já estamos no meio do ano, muito em breve aquela pancinha será uma
criança do lado de cá. O tempo passou em um tiro.
Tenho virado madrugadas admirando Damaris em sono profundo, nosso
filho crescendo, seu ventre cada dia mais bonito. De tanto pensar, entendi que é
hora de abandonar os velhos hábitos e ser o pai e o marido que eles merecem. Já
perdi a conta de quantas vezes busquei alternativas, tentando enganar a mim
mesmo, controlar o meu corpo, minhas necessidades. Não consigo.
O pior é que gosto.
Gosto do durante, da euforia, da sensação de invencibilidade, da
potência... Mas quando chega ao fim, quando vem a angustia e a bad, preciso de
mais e mais. É uma armadilha.
Não sou idiota, vejo a coisa piorar.
Estou me sentindo derrotado. Tenho tentado resistir, mas percebo que
estou cada vez mais longe de conseguir, mais distante de alcançar o sucesso que
tento transmitir a todos. Não posso admitir a falha. Não agora que finalmente
alcancei o que todos esperavam de mim... agora que tenho tudo o que mais amo.
A verdade é que vivo uma mentira. E o meu castelo de areia começa a
desmoronar.
No centro cirúrgico, começo uma operação junto com a equipe da
emergência.
Quase não consigo me manter de pé. Há duas noites seguidas espero
Damaris dormir para sair sem que ela perceba. A garagem subterrânea tem sido o
meu esconderijo secreto e dentro do carro o cofre para o segredo. Acho que ela
não percebeu e se percebeu, desfaça bem.
Nem sempre mantenho a linha e cada vez mais frequentemente,
amanheço destruído. Uma carreira vira duas e depois três. Assim a noite passa
sem que eu veja. E quando a minha mulher questiona o meu estado deplorável, a
culpa sempre é do trabalho, das preocupações com pacientes ou até mesmo do
colchão que precisa ser trocado. Sim, eu tenho mentido... mentido muito
ultimamente.
― Doutor Marco... doutor! ― desperto com o anestesista tocando o meu
braço.
Em minha mão, o bisturi empunhado para começar mais uma operação
de retirada de uma bala alojada na coxa de um rapaz.
Droga! O que aconteceu, porra?!
― Desculpe...
― Está se sentindo bem? Você estava... dormindo?
Olho-o sério por trás dos óculos de proteção.
― Não. Claro que não.
Respiro profundamente, tento recomeçar do zero e lembrar o que devo
fazer, mas algo de errado está acontecendo. Meu corpo não responde e minhas
mãos tremem.
― Dr. Marco, não seria responsável da minha parte ignorar o que está
acontecendo. ― intervém novamente o anestesista ― O que está acontecendo?
Não sei responder a essa pergunta.
Minhas pernas fraquejam. Apoio-me contra a maca, deixando o bisturi
cair no chão.
― Dr. Cícero, chame outro médico. Não estou em condições de
continuar.
Um enfermeiro tenta me dar apoio, mas recuso e o empurro para longe.
Preciso ficar sozinho. Desorientado, saio pelo corredor, minhas pernas
caminham automaticamente e quando dou por mim, estou na minha sala.
Como cheguei aqui? Nem lembro de ter entrado no elevador.
Minha garganta está tão seca que sinto dor. Preciso de água. Preciso de
ar. As luzes machucam os meus olhos como fagulhas. Inferno!
Tenho sono, muito sono. Como podem minhas pálpebras estarem pesadas
a ponto de não me obedecerem?
Walter...
Não é assim que eu quero terminar. O meu filho vai saber que eu morri
assim, vai se envergonhar de mim.
― Não, Walter... Não posso me juntar a você, cara. Eu tenho a Dama,
tenho o nosso filho...
Consigo apagar a luz e vou arrastado até o sofá, onde me jogo de
qualquer forma. Só preciso de uma hora de sono e depois estarei novo. Foi o
maldito remédio... tudo culpa do remédio que não deveria ter tomado.
15h
Quem está segurando os meus ombros. Mas que merda! Um homem não
pode descansar nesta porra de hospital?
― Marco! Marco... ei!
Novamente as luzes me incomodam.
― Marco, acorda! Porra, Marco!
Mais alguém entra. Posso ver os vultos passando, se aproximando do
meu rosto e dizendo o meu nome. Por que gritam comigo?
― Coloque ele no soro. ― essa voz eu reconheço. É o meu pai.
― Vou fazer isso, mas acho melhor que fique aqui mesmo. O assunto já
ganhou os corredores. Não precisamos dar mais motivo para falarem.
― Se ele não quisesse ser assunto, teria continuado o tratamento e não
estaria onde está agora.
Sim, esse é o meu pai. Magnifico doutor Leônidas Malamam. Ele deveria
me amar, mas quer mais é que eu me foda.
― Pai, ― agora é Matteo quem fala ― já pensou se isso chega aos
ouvidos de Damaris?
Não ouço nada, mas vejo um dos vultos andando de um lado para o
outro.
― Caralho! Você tem razão. ― ele chega bem perto de mim. Está
avaliando o meu rosto ― Por que você faz isso consigo mesmo, meu filho?
Estava indo tão bem. Sua mulher e o seu filho dependem da sua força e eu te
encontro jogado como um fraco.
Essas palavras abrem uma comporta de emoções dentro de mim que eu
nem sabia que existia. Mesmo semiconsciente, jogo-me para cima dele, tento
segurar sua roupa e ficar de pé, mas não consigo, acabo no chão.
― Filho.
Cheio de coragem, falo o que vem à mente.
― Eu não estive bem... EU até tentei, sabe? Eu fraquejei mais uma vez,
doutor Leônidas.
― Filho, o que você usou? Diga o que usou dessa vez, Marco! ― fala
alto.
― Advinha...
― Ele está drogado, pai. Desconsidere o que diz.
Estico o braço com o dedo em riste e tento abrir mais os olhos. Aos
poucos consigo enxergar melhor e perceber que dentro da minha sala estão
Matteo, meu pai e Rodrigo, marido de Nina. A porta está fechada.
― Não. Eu não estou drogado, estou dopado... talvez.
Uma quase verdade.
A cocaína me deixa aceso, ligado no 220v e quando não posso mais,
preciso de remédios para dormir. Foi isso que aconteceu, eu acho.
― O que tomou, Marco? ― pergunta Rodrigo. Ele me ajuda a ficar
sentado. Meu pai está de costas olhando pela janela, nitidamente irritado.
― Uns dois comprimidos de clonazepam. Não estou cheirado, se é isso
que estão achando.
Não agora...
― Tomou clonazepam e veio trabalhar? Que merda tem na cabeça? ―
grita meu pai.
― Eu...
Ai minha cabeça! Está tudo rodando outra vez.
― Eu achei que... Não fez efeito, eles parecem fracos para mim há algum
tempo. Acho que estava tão cansado que bateu de uma vez.
― Espera, meu irmão. ― Matteo esfrega o cabelo ― Vamos esclarecer
algumas coisas aqui. Por que você está tomando isso? Se não está usando
novamente, o que está acontecendo?
― São respostas que eu também quero. ― rosna meu pai.
Obrigo meu cérebro a funcionar, olhando para todos e elaborando
respostas, permaneço calado. Onde foi que eu me enfiei? Não há uma resposta
certa para isso. Se eu disser a verdade, admito o fracasso... e se mentir, continuo
a me afundar.
― Vamos, Marco! ― grita meu pai, perdendo o controle.
Vê-lo andando como um leão enjaulado de um lado para o outro é como
um túnel do tempo, um flashback de terror. Já fazem uns anos que deixamos os
embates pós porre ou pós drogas. Sair da casa dos meus pais tornou tudo mais
fácil para mim e menos doloroso para eles. Agora, com Damaris, voltei aos
velhos hábitos: onde preciso me esconder e disfarçar ao máximo para não ser
pego.
― Eu...
― Fale de uma vez, Marco Malamam?
― Eu usei novamente. ― meu pai e Matteo começam a falar, mas os
atropelo ― Não precisa de sermão, ok? Foi uma recaída idiota que não irá se
repetir. Foi só ontem e pronto. ― minto ― O remédio foi para cortar o efeito,
me desacelerar, mas não funcionou de jeito nenhum.
Provavelmente achei que ainda não tivesse tomado e tomei mais do que
deveria. É foda!
― Achei que você estivesse se tratando. Nina disse que estava fazendo
acompanhamento. ― diz Rodrigo.
Abaixo a cabeça.
― Eu abandonei.
Meu pai xinga alto e dá um murro na mesa.
― Vou te afastar das suas funções no hospital. Não pode continuar
atendendo dessa forma e colocando a vida das pessoas em risco.
― Não! Você não pode fazer isso.
― Observe.
― Pai, eu amo o meu trabalho. Não posso ser afastado. O que espera que
eu diga para Damaris?
Ele me olha severamente, seus olhos fervendo e os lábios contraídos.
― Diga que você é um viciado e não pode ter vidas sob sua
responsabilidade. É a verdade.
― Pai! ― Matteo entra no meio.
Não quero ser defendido e rebato em voz alta.
― É isso o que pensa sobre mim?
― O que eu deveria pensar, Marco? Diga para eu entender.
― Que errei, mas não irá se repetir. Só preciso de uma chance. O senhor
nunca errou na vida?
― Errei muito, erro até hoje. A diferença é que eu corrijo os meus erros.
Você permanece no seu há mais de uma década, meu filho. O que mais vai
precisar perder para entender o quão nocivo essa merda é para a sua vida, seu
filho da puta?! Outro dia um amigo seu morreu. Morreu! A sua mulher por
pouco não saiu da sua vida, e sabe lá Deus porquê ela voltou, mas ela voltou.
Hoje você poderia ter acabado com a vida de um paciente.
― Pelo amor de Deus, não matei ninguém.
― Devo esperar que mate para tomar uma providência?
Jogo o meu corpo para trás e seguro a cabeça entre as mãos. Ele tem
razão, tem total razão. O que eu estou fazendo da minha vida? O que estou
fazendo com as pessoas que eu amo?
Meu pai está vermelho, lágrimas ameaçam escapar pelos seus olhos. Ele
está triste e visivelmente cansado. Eu também estou cansado de tudo isso.
Em um gesto de desespero, fico de joelhos diante dele. Dignidade é uma
palavra que não existe.
― Pai... por favor, não me afasta. Acredite em mim, será muito pior. Isso
vai acabar comigo de todas as formas, de todos os lados.
― É o melhor a fazer, meu filho. ― diz sem olhar para baixo.
Quietos e imóveis, Rodrigo e Matteo observam a cena.
― NÃO! ― grito ― Sabe o que vai acontecer? Serei um inútil, um
fracassado derrotado. Ficar em casa olhando para as paredes só me dará mais
tempo para cheirar. E quando isso chegar aos ouvidos da minha Dama, ela irá
partir para sempre e levar o nosso bebê com ela. Por favor, me escute. Eu sei que
ela já aguentou demais.
― Pai, ele tem razão. Deve existir outra forma. ― Matteo fala baixo.
― Pare de defender as merdas do seu irmão.
― Sogro, eu também concordo. Vamos tentar outra tática, uma última
vez. Marco pode auxiliar nas cirurgias sob a sua supervisão ou do Matteo.
Podemos ajudá-lo a se erguer ao invés de puni-lo.
Meu pai não diz nada e também não me olha. Eu estou ferido, mas ele
também está. Não é a primeira vez que passamos por isso, foram tantas que já
perdi a conta.
O grande doutor Leônidas não é um homem acostumado a perder, mas o
olhar que recebo quando ele finalmente me encara é de; derrota.
― Meu coração vai sangrar, mas se eu sentir que você não está
conseguindo sair desse esgoto onde se enfiou, vou te internar... à força. Não me
importa que me odeie. Não me importa que perca o que acha que tem. Vou te
internar e te manterei lá pelo tempo que for preciso. Irei às últimas
consequências, irei ao inferno. Eu fui omisso com você, e isso acaba aqui.
Sinto o peso de cada palavra como se fosse um soco direto em meu peito.
Ele quer dizer cada uma delas. A dor não está somente em mim, mas parece
transitar entre nós dois por osmose.
― Eu... eu concordo com qualquer coisa, pai.
― Não preciso que concorde. ― encarando o meu irmão, avisa: ― Você
é minha testemunha, e se for preciso, irá arrastá-lo até uma clínica nem que seja
amarrado ou amordaçado. Não vou assistir essa catástrofe sem fazer nada... não
mais.
Dito isso, meu pai sai batendo a porta.
Como foi que cheguei até aqui? Justo quando a vida parecia perfeita e
encaixada, é quando tudo desmorona e me sinto mais fracassado. A sujeira
jogada para debaixo do tapete, agora está do lado de fora e não sei como limpar
a bagunça sem levantar ainda mais poeira.
De joelhos no chão, esqueço que sou um homem adulto, esqueço os pares
de olhos sobre mim e deixo fluir. Meu corpo treme à medida que as lágrimas
saem, como se o esvaziamento da alma pudesse lavar o caos em que me
encontro.
Quem disse que homem não chora, nunca viu um homem ferido.
Matteo vem em meu socorro, se aproxima com cuidado e me abraça.
― Ei! Se você soubesse o quanto me dói te ver sofrer assim. Divide essa
dor comigo, eu carrego para você, irmão.
As palavras não vêm a minha mente e muito menos a minha boca.
Apenas ouço-o falar sobre o quando nos amamos e o quanto sou importante para
todos. Se acredito? No fundo sim.
― Eu não vou desistir, Marco. Se for preciso, vou te carregar, vou te
escorar. Não vamos desistir, irmão. Olha para mim! ― ele segura o meu rosto
entre as mãos ― Olha para mim!
― Eu não sei o que acontece comigo. Sou um torpedo sem controle.
― Mas agora não será mais, entendeu? Vou às consultas com você, não
vou te dar espaço para pensar na droga. Durmo na sua porta se quiser, mas não
vamos falhar.
Não sou o único a chorar. Matteo é mais centrado e mais responsável do
que eu, mas também é um cara de coração enorme.
Sem dizer nada, Rodrigo nos deixa sozinhos.
― Estão comentando?
Matteo inclina a cabeça e ergue as sobrancelhas.
― Não que seja uma novidade, mas sim, eles estão comentando. Afinal
um dos donos do hospital estava operando completamente drogado.
― Era clonazepam. ― justifico.
― Em que isso torna as coisas menos piores, Marco.
Em nada...
― Vá tomar um banho. Está com uma cara péssima.
― Farei isso.
É o fim
Damaris
Mais uma vez Marco saiu cedo que eu nem vi. Ele já disse diversas vezes
que prefere não me acordar e sair de fininho, mas isso tem me incomodado.
Percebo que rola na cama e frita de um lado para o outro, parece angustiado com
algo que não quer me dizer.
Até tento me manter acordada para fazer companhia, mas o sono me
vence, apago e quando acordo pela manhã, ele não está mais. Essas noites
sozinha vêm me incomodando mais do que eu gostaria.
Fora o comportamento estranho de Marco, que tem se tornado frequente,
não tenho do que me queixar. Dedico-me integralmente a nossa família, vivendo
a gravidez em sua máxima potência e recebendo amor de todos os lados. A
família cresceu e vivo uma miscelânea que nunca tive.
Agora, além de minha madrinha, Breno e Suellen, tenho a minha sogra,
Belinda, Pérola, Milena vez ou outra e as irmãs da minha sogra que também se
fazem presentes mesmo morando em outros estados. Uma loucura.
A minha surpresa hoje, foi quando no final do dia recebi a visita
inesperada do meu sogro, doutor Leônidas. Ele ainda estava vestindo roupas de
trabalho. Com o semblante preocupado, puxou assuntos sobre o bebê e sobre a
nova fase com a rotina de uma casa. Até do meu jardim vem cuidado ele falou.
― É uma pena que já está tarde. O senhor tem que vir durante o dia para
ver as minhas roseiras. Estão lindas e muito cheirosas.
― Eu virei pela manhã, prometo.
― Vou cobrar. ― brinco ― Moramos no mesmo condomínio e não nos
vemos tanto assim.
― Damaris, não seja tão educada. Sei que jovens casais precisam do
máximo de privacidade. Não quero atrapalhar nada...
Com certeza fiquei vermelha como um pimentão. O seu tom não deixou
qualquer dúvida quanto ao o que ele falava.
Doutor Leônidas faz jus a sua fama.
― Quando esse rapaz nascer, você irá enjoar da nossa cara porque eu e
Sarah inventaremos todos os motivos para estar aqui o máximo de tempo
possível.
― Ah... imagina.
Refaço o meu rabo de cavalo para ocupar as minhas mãos inquietas. Se
não me policiar, estalarei os dedos pela milésima vez. O meu desconforto está
evidente, mas o que posso fazer se o todo poderoso me intimida. Vou precisar de
mais tempo para aceitar que somos parte de uma mesma família agora.
― O que está fazendo aqui? ― a pergunta vem da entrada, onde Marco
está com os olhos assustados.
Doutor Leônidas encara o filho e não posso ignorar o quão esquisito tudo
parece. Tem algo de errado acontecendo aqui.
― Preciso de um motivo para visitar a casa do meu filho?
― Quando não estou?
Gente, o que é isso?
Levanto-me e vou até Marco com um sorriso amarelo.
― Ciúmes do seu pai? ― brinco, sem entender o que realmente pode
estar acontecendo entre os dois ― Quanta bobagem. Seu pai veio ver como eu
estava e saber do neném.
― Só isso? ― pergunta ao pé do meu ouvido enquanto me abraça.
― Uhum.
Mais de perto, encaro o rosto de Marco e percebo que está cansado,
abatido. Os dias no hospital estão acabando com ele e mesmo sem querer
admitir, a gravidez tem o afetado profundamente. Não sei se por medo de como
vai ser, pelo peso da responsabilidade ou por ansiedade. Sinto a mudança.
Deixo os dois na sala por poucos instantes e quando volto, ouço Marco
dizer em voz baixa: ― É assim que pretende me ajudar?
― De todas as formas que eu puder.
O que pode ter acontecido para o pai ter que ajudar o Marco?
― Te ajudar? ― pergunto.
Os dois me encaram, mas não têm respostas. Definitivamente, eles estão
escondendo coisas de mim. E eu detesto ser enganada.
― E então, devo tentar adivinhar?
Permaneço parada com os braços cruzados. Marco olha para o pai e
então começa a falar rapidamente.
― Não é nada, Damaris. Tenho abusado dos ouvidos do meu velho para
reclamar da carga de trabalho que venho recebendo no hospital. Estou
desgastado e envelhecendo dez anos por semana. Além de não aguentar mais
esperar você escolher uma data para o nosso casamento.
Espero que o meu sogro diga algo.
― Verdade. Você está deixando esse menino inseguro, Damaris.
Ah, é isso! Nossa... já estava elaborando tantas coisas ruins. Acabo
ficando sem jeito e me sentindo culpada por pensar mal do meu noivo. Como
sou pessimista.
― É... eu acabei com tantas coisas para resolver, que o casamento ficou
em segundo plano. Mudança, casa nova, licença do trabalho... e por aí vai.
Doutor Leônidas coloca as mãos nos bolsos. Sua expressão é de quem se
sente contrariado.
― Pretendem se casar depois que o meu neto nascer?
― Sim.
― Não! ― diz Marco um pouco mais alto que eu, mas ao mesmo tempo.
Olho para ele e caímos na gargalhada. Provavelmente a primeira em dois
dias. Se antes riamos o tempo todo, ultimamente a tensão tem deixado as coisas
mais pesadas.
Será que é isso? Ele quer muito casar e não sabe como me pressionar?
― Por que não esperamos o bebê nascer? Estamos quase lá.
Marco coça a cabeça, muda de lugar no sofá e me puxa para o seu colo.
Com a mão sobre a minha barriga, começa a falar.
― Dama, nós já somos casados... até grávidos estamos. Sou um cara de
família, tenho princípios.
― Está falando sério?
― Não. ― sorri, com os dentes a mostra e os olhos brilhantes ― Mas
poderia ser.
― Ah, por favor! Como você é bobo.
Doutor Leônidas procura por sua maleta de trabalho. Ele realmente veio
direto do hospital.
― Acho que o que o meu filho não quer, é perder a chance de tê-la como
esposa e quanto mais tiver que esperar, mais irá querer... porque te ama da
mesma maneira que amo a minha Ninfa. O “sim” nos deixa mais seguros.
― O “sim” te deixaria mais seguro? ― pergunto olhando para Marco.
― É evidente. Dama, quero o status de marido, cansei de ser noivo. ―
oh que bonitinho ― Além do mais, ainda temos que mudar os seus documentos
para que apareça como minha esposa na certidão do bebê.
É verdade. Eu não tinha pensado por esse lado.
― Tem razão. Vamos conversar sobre isso mais tarde, ok?
― Graças a Deus! ― ele me aperta e me beija.
― Está na minha hora. ― diz doutor Leônidas ― E Marco: Estou por
perto, sempre.
Depois de um tempo conversando e alisando a minha barriga, Marco
sobe para tomar um banho enquanto eu converso por telefone com a minha
madrinha. Britz corre pela casa com um graveto que encontrou no jardim e as
patinhas sujas de terra. Não sei se presto atenção nas fofocas de bairro contadas
pela dinda ou se cuido para que Britz não traga mais sujeira para dentro.
― Já falei muito, Damaris. E você, como está?
Olho mais uma vez para Britz correndo animada, aliso minha barriga e
respondo sem qualquer dúvida.
― Estou feliz.
É a mais pura verdade. Estou feliz como jamais imaginei ser possível na
vida que levava antes. Não por agora viver em um lugar privilegiado, mas por
viver com o homem que amo, com pessoas que me querem tão bem e poder me
dedicar a isso.
Se um dia lamentei não ter tomado uma atitude quanto a vinda do meu
filho, hoje agradeço a Deus.
― Que bom, minha linda! Fico feliz por você e tenho certeza que a sua
bisa também.
― Ela está nos meus pensamentos todos os dias, dinda.
― E ao seu lado, tenho certeza disso.
Que engraçado ouvir de outra pessoa. É exatamente como me sinto.
Na manhã seguinte acordo e sinto os braços de Marco a minha volta. Ele
não está dormindo, percebo pela respiração controlada e pelos cílios e raspam na
pele do meu pescoço. Não me lembro qual foi a última vez que acordei com ele
assim, ultimamente tenho despertado sozinha.
Que delícia!
― Há muito tempo está acordado? ― pergunto, sem me mover.
― Ainda não dormi.
O que está acontecendo com ele?
― Quer conversar?
― Só preciso ficar junto, sentir que está comigo e sempre estará.
No quarto ainda escuro pelas cortinas pesadas, nos isolamos do mundo e
aproveitamos um ao outro. Ele beija a minha pele e se embriaga em meio aos
meus cabelos como se fosse a primeira vez ou a última chance. O que ele está
pensando? Por que parece aproveitar enquanto tem?
― Marco?
― Não, não diz nada. deixa eu sentir você. Isso me faz bem.
Por alguns minutos, talvez meia hora, fecho os olhos enquanto permito
que ele me cheire, distribua beijos suaves sobre a minha pele e deslize as mãos
por todos os cantos do meu corpo. Uma espécie de adoração. É bom, gostoso de
sentir e me aquece. Me excita.
― Eu te amo.
― Eu te amo. ― respondo.
As carícias não param, longe disso, ficam mais e mais intensas. Ele passa
o braço por baixo de mim e com a mão direita agarra o meu pescoço fazendo
uma acentuada pressão, restringindo o ar. Puxa-me mais para si e morde a parte
de trás do meu pescoço, me fazendo gritar. Eu grito alto. Com a mão esquerda,
explora entre as minhas pernas usando todos os dedos, massageia meus lábios,
estimula o meu clitóris e ensaia a penetração sem entrar de fato.
Que delícia! Quero mais, mais!
Estou sem condições de raciocinar. Atenho-me em sentir. Mas mesmo
sem comando, meu quadril se move, rebola esfregando contra o membro ereto
protegido pela cueca.
Está gostoso. Tão gostoso que não sei se prefiro continuar ou partir para
os finalmentes sem escala.
Eu posso não saber, mas ele sabe. Seus dedos não param.
― Lembra quando fizemos o nosso filho? ― respondo que sim com um
movimento de cabeça ― Lembra das vezes que quase não aguentamos segurar
de tanto desejo?
― Aham...
― Você não sabe o quanto essas memórias são preciosas. ― seus dedos
estão dentro de mim ― Quando preciso de força, lembro dos seus olhos
brilhando, lembro da nosso sintonia. É única, Dama.
― Sim...
― Às vezes tenho pesadelos com o beijo que você deu naquele cara. ―
seus dedos vão mais fundo e meus olhos fecham ― Isso me faz permanecer
lutando e me esforçando para te manter interessada... para te dar motivos para
ficar.
― Marco...
― Eu não suportaria te perder novamente. Não agora que sei como é te
ter de verdade, dormir e acordar ao seu lado.
Ele não para de falar, mas também não para de me masturbar enquanto
fala. É uma conversa profunda, mas sou impedida de participar ativamente
porque o meu corpo escolheu o prazer.
Deus, eu não consigo me concentrar no que ele diz.
― Quer me dar?
― Quero. ― com seus dedos ao redor do meu pescoço, é quase
impossível falar.
― Quão excitada você está?
Com essa voz ao meu ouvido, não tem medidas.
― Oh, muito! M-uito.
Marco manobra o corpo com tamanha agilidade, que quando dou por
mim, estou montada sobre ele. Abaixo e começo a beijá-lo intensamente
colocando para fora todo o fogo que ele acendeu. Escorrego até chegar em seu
abdome, lambendo todo o caminho. Se o nosso sexo fosse filmado, seria uma
obra prima.
A expressão no rosto de Marco é de pura excitação e luxúria. Seus olhos
ficam quase negros, apenas um fio azul contornando a pupila dilatada. A testa
franzida e as grossas sobrancelhas contraídas o deixam assustador. Só de vê-lo
assim perco a dignidade.
Quanto mais perto chego do seu pênis, mais seus olhos se estreitam.
Neste momento sei que sou a mulher mais poderosa do universo.
Antes de abocanhar tudo o que tenho direito, dou uma olhadinha inocente
para cima e encontro-o concentrado em mim, focado em meus movimentos.
Implorando com o olhar. Agora quem precisa é ele.
― Dama...
Solto um sorrisinho perverso e engulo-o inteiro até não poder mais.
― Oh, porra! Assim! Engole tudo e chupa com força. Porra, assim!
Que delícia. É rígido, mas gostoso de ter na boca. Desliza com facilidade
e preenche com perfeição... quase não cabe. Meus lábios esticam ao máximo
para não deixar escapar nada. Marco adora, venera o meu esforço e geme.
Os sussurros roucos são um troféu, me fazendo querer mais e mais.
Seguro a base com firmeza e tomo distância para observar a cena. Uma
bela cena para o deleite dos meus olhos.
― Você é perfeita para mim, Dama. Nós somos perfeitos juntos.
Ele empurra a sua cueca para longe, acomoda-se melhor e eu monto
sobre ele descendo de uma vez em seu membro. Grito de prazer, excitada e
ansiosa para ter mais. Gosto assim, intenso.
― Quem vê essa carinha não imagina o fogo que tem na cama, delícia.
Ele segura o meu cabelo enquanto rebolo e aumento a velocidade, nos
levando a querer mais e mais. Quanto mais intenso, mais queremos e gememos
agarrando um ao outro e repetindo palavras sujas.
Oh que delícia!
― Vem, Dama. Goza no meu pau. Vai!
Oh, sim. Eu vou.
Dias depois, recebo Breno em casa. Marco está no hospital e deve
demorar para voltar, irá auxiliar o irmão em uma cirurgia importante. Essa
semana tem sido diferente para ele, eu percebi, mas quando questionei, disse que
foi convidado por Matteo e por doutor Leônidas para auxiliar nas operações e
ganhar mais experiência.
De folga, Breno chega um pouco antes do almoço e aproveitamos para
conversar e nos divertir. Meu amigo é uma pessoa muito para cima e irreverente.
Chegou carregando uma mala com esmaltes, cremes de cabelo e tudo mais.
― Pronta para o seu dia de princesa gestante?
― Ah, Breno! Só você para ter ideias assim. O que tem aí nessa mala do
gato Félix?
Ele senta no chão com perninha de índio e começa a retirar sua
infinidade de coisas.
― Uma coleção de esmaltes Dior. Encomendei de uma amiga que
acabou de chegar de Miami. Toda a linha de hidratação da Kerastase, ampolas de
nutrição capilar, secador, escova... prancha. Ah, espera! Tenho cera para
depilação e pinça.
― Não vou deixar você me depilar.
Ele leva a mão ao peito, se fazendo de ofendido. Dramático!
― Eca! Até parece que eu iria querer ver isso aí. Estou aqui em uma
missão: tudo pela beleza, amore. Será um sacrifício por amizade.
― Você não existe, Breno.
― Sejamos sinceros, Damaris, sua xana está com a depilação em dia?
Posso sentir o sangue subir para as minhas bochechas.
― Sim... é... talvez.
― Isso soa como um “não” para mim.
Nossa, que horror!
Mas preciso admitir que não estou lá aquele exemplo de dedicação com
as minhas partes. O segundo trimestre da gravidez foi um poco movimentado e
ainda não consegui colocar tudo em ordem.
― Amiga, eu juro que vi na internet e aprendi direitinho.
― Marco vai entrar em colapso se imaginar que deixei você ver a
minha... você sabe.
― Não é de hoje que o seu noivo está em colapso, né? Isso ficou bem
claro para todos.
― Como assim?
Breno fica pálido. Não tem como dizer que ele não se arrependeu do que
acabou de deixar escapar, e isso coloca outra pulga atrás da minha orelha.
Marco parece um tanto tenso, mas é apenas sobrecarga... adaptação.
Acho que ele está com medo de não ser bom o suficiente ou da paternidade. O
que é uma bobagem.
― Breno, o que você quis dizer com “ficou claro”? ― insisto.
Ele se enrola, desconversa, tenta mudar de assunto e sair pela tangente,
mas não funciona. Cada vez que ele se esforça para me dissuadir, tem efeito
reverso.
― Oh, Damaris minha amiga, não me coloque em maus lençóis, por
favorzinho. Você está tão feliz... vocês estão.
― Mas, pelo que vejo estou sendo enganada.
― Não!
― Então porque ficou claro que Marco está em colapso, Breno? Mas que
droga! Responda de uma vez.
Me exalto de tal forma que ele ergue as mãos em minha direção, pedindo
calma. Não era a minha intenção, mas odeio ser enganada ou passada para trás.
A base do meu relacionamento com Marco é a confiança e se isso está em risco,
preciso saber.
― Vamos fazer assim... ― ele junta as mãos diante do rosto ― Vou falar
o que sei, mas isso não significa absolutamente nada, porque é conversa de
corredor e tu sabe bem como são as coisas.
― Fale de uma vez, Breno.
Embananado, ele sai de onde está e senta ao meu lado no sofá. Com os
olhos assustados e escolhendo muito as palavras, começa.
― Uns dias atrás eu soube... ouvi umas meninas do centro cirúrgico
comentando no refeitório. Acho que foi isso. Parece que o Marco apagou durante
uma operação.
― Como assim “apagou”?
― Eu não sei. ― geme.
― Sabe mais do que quer me contar. Achei que fossemos amigos.
― Nós somos, Damaris. Por isso mesmo me dói tocar em certas feridas,
eu sei exatamente o quanto te machucam.
Afasto-me dele. Ando até a porta que dá para o jardim, e de costas,
abraço o meu próprio corpo. Assim me sinto protegida do mundo e das dores
que podem vir.
O mesmo sofrimento, a mesma dor novamente. Dessa vez veio de
surpresa, justamente quando imaginei estar imune a ela. Como fui boba de achar
que algo tão complexo se resolveria de forma tão simples.
― Vá embora, Breno. Se não quer me dizer, descubro por mim mesma.
― Damaris...
― Ou conta o que sabe ou vai.
Vendo a minha determinação, ele não tem outra saída.
― O Marco desligou, amiga. Foi como se alguém o tirasse da tomada.
Quando o anestesista percebeu, ele estava de olhos fechados debruçado sobre o
paciente e com o bisturi na mão. Foi tipo um mal súbito.
― Meu Deus! ― levo a mão a boca horrorizada.
― Eu só sei que depois de deixar o centro cirúrgico, ele atravessou o
hospital cambaleante e foi para a sala dele.
― E as pessoas? E o paciente? ― estou perdida e chocada ― E o doutor
Leônidas sabe o que aconteceu?
Breno engasga, mas acaba soltando o que tentava esconder.
― O todo poderoso foi com o outro filho e o genro para a sala do Marco.
Eles ficaram lá por um longo tempo. Isso foi a secretária lá de cima que disse.
Desde então o Marco só tem assistido as operações do pai e do irmão... entra e
sai de cabeça baixa.
Não sei pelo que as minhas lágrimas caem, mas elas rolam livremente.
Meu coração sangra e sofre por Marco, pela sua dor, mas também de decepção.
― Ele voltou a usar aquelas porcarias. ― digo triste.
― Será que ele deixou de usar, amiga? Desculpe o que vou te dizer, mas
já que fui o portador da tragédia, preciso abrir o que penso. É nítido que vocês se
amam e ainda tem o bebê, mas existem problemas tão profundos que nem
mesmo um grande amor é capaz de curar. Tenho medo que lá na frente tu
perceba que está dando murro em ponta de faca.
Será que não estou vendo claramente? Será que Marco nunca abandonou
as drogas? Por um lado penso que sim, mas quando volto na memória e reflito
sobre a sua mudança de comportamento, percebo que não.
Tudo estava às claras e eu não quis enxergar.
Marco não estava se sentindo assustado com a paternidade, ele estava
com medo de que eu descobrisse a verdade. Ele me enganou.
― Sabe o que me dói? ― limpo o meu rosto ― Ele tem mentido para
mim diariamente. Sou enganada por todos.
De repente um estalo me ocorre.
― Foi por isso que o pai dele apareceu aqui outro dia e os dois ficaram
esquisitos, como se escondesse alguma coisa. Todo mundo sabia.
― Não vá por aí, amiga. As pessoas queriam te proteger porque você
está grávida. Ninguém queria te enganar.
― Eu avisei a ele que não toleraria mentiras.
Breno para bem na minha frente, limpa o meu rosto e me abraça. Devo
estar péssima, porque sua expressão é de total preocupação.
Olho no relógio e vejo que ainda tenho algumas horas antes que Marco
chegue.
― Breno, ― falo calmamente ― preciso deitar um pouco, colocar as
minhas ideias no lugar.
― Quer que eu vá embora?
― Quero.
Mesmo sem querer me deixar sozinha, ele desiste de tentar me convencer
do contrário. Se tem algo que eu sou nessa vida, é teimosa. Ele sai e eu vou até o
quarto e começo a arrumar as minhas malas uma por uma até que não reste mais
nada.
Quando o motorista do aplicativo chega, estou pronta para partir.
Vazio
Marco
― Dama!?
Deixo minhas coisas ao lado da porta. Não parece ter ninguém em casa,
está tudo apagado.
Será que é uma surpresa?
Subo as escadas fazendo o máximo de barulho possível para que ela
saiba que eu cheguei. Não quero estragar a surpresa. Todas as portas estão
fechadas e abro uma por uma, mas nem sinal. A última é da nossa suíte.
― Gatona!? ― abro lentamente.
Eita, porra! Onde ela está?
Corro até a varanda do quarto, mas ela também não está no jardim. Britz
também desapareceu. Mas que merda!
Olho no banheiro e então no closet, mas não há ninguém também. Viro-
me para sair, quando por alguma razão, decido verificar uma das portas do
armário.
Vazio.
― Mas que porra está acontecendo aqui? ― grito, completamente
perdido.
Abro todas as portas e gavetas a procura de qualquer resquício que seja,
mas não há nada, nem uma única peça. Tudo o que era de Damaris desapareceu.
Assim como ela...
Corro escada a baixo, atrás do meu celular e ligo uma, duas, vinte vezes
para ela. Deixo mensagens, recados, envio textos. Enquanto isso entro em
contato com a portaria e peço que olhem nas câmeras de segurança. Não é
possível que ninguém tenha visto ela sair carregando tantas coisas.
― Senhor Marco, temos o registro da entrada de um motorista de
aplicativo no final da tarde e a saída logo em seguida. Sua mulher deixou o
condomínio por volta das 18h30min.
Isso não pode estar acontecendo.
O que aconteceu para ela ir embora? Estávamos bem...
Pego a chave do carro, desesperado. Minha cabeça fervilhando, indo e
voltando nos acontecimentos na tentativa de entender o que poderia tê-la feito
partir assim.
Dama, não faço isso comigo.
O meu celular começa a tocar, na tela o nome de Breno. Aí deve estar a
minha resposta. Damaris disse que ele passaria o dia com ela hoje, eu me lembro
disso.
― O que está acontecendo, Breno? Onde está a minha mulher?― falo
tão bravo que o ouço puxar o ar com força.
Dou ré sem qualquer cautela, choco a traseira do carro contra outro que
não notei estar estacionado. Foda-se!
― Marco, ela não está em casa? Eu a deixei em casa.
― Obvio que não está, porra!
― Oh meu Deus! O que eu fiz?
― Breno, que merda aconteceu para ela me deixar assim? Ela foi
embora. ― um nó sobe em minha garganta ― Não há nada lá: nem roupas, nem
a Britz... nem vida. O que aconteceu?
― Eu sinto muito. Foi culpa minha.
Dirigindo como um louco, saio do condomínio em alta velocidade com
destino à Osasco. Não tem outro lugar para onde ela possa ter ido e vou buscá-la.
― Fala, porra! ― grito tão raivoso quanto impaciente.
― Eu contei a ela sobre o que aconteceu no centro cirúrgico.
Não. Isso não.
― Você não pode ter feito isso, Breno. Não pode.
― Desculpe, Marco. Foi um acidente, eu não queria contar, mas ela
acabou arrancando de mim. Sinto muito.
Desligo o telefone e foco no meu objetivo principal, que é encontrar a
minha mulher.
Por que isso tinha que acontecer? Eu estava concertando as coisas,
tentando resolver sem alarde. Até para a terapia eu voltei essa semana. Por que
isso agora? Mas que merda de vida!
Não poderia existir pior horário para enfrentar o trânsito de São Paulo.
Para ajudar um pouco mais, uma chuva torrencial desabou sobre a cidade e em
dez minutos o caos se instaurou.
Pelo menos não sou só eu que estou na merda. É bom ter companhia na
desgraça.
Meu celular não para de chamar. Meus pais, Matteo, Nina e até Belinda
tentam falar comigo ao mesmo tempo, impedindo que eu consiga ligar para
Damaris.
― Fala, caralho! ― atendo a chamada de Matteo.
― Marco, o que está acontecendo? Papai ligou dizendo que você bateu
em um carro no condomínio, os vizinhos disseram que saiu feito louco cantando
pneu.
― Estou tentando chegar em Osasco. Ela me deixou.
― Tentando chegar em... Espera! A Damaris te deixou?
― Foi isso que eu disse.
Ouço-o praguejar.
― Ela encontrou drogas em casa ou o que?
― Caralho, não! Não tenho nada em casa, nada. Eu disse que tinha
jogado fora, e joguei realmente depois da vez que ela encontrou. Se não vai
acreditar em mim...
― Pode parar. ― fala mais alto ― Se não acredito no que me diz, a
culpa é exclusivamente sua.
Ele tem toda a razão. Como quero que as pessoas que eu amo acreditem
em mim se não consigo cumprir uma promessa que seja?
― Estou indo atrás dela, Matteo. Não posso deixar que as coisas acabem
assim.
― Por que exatamente ela foi embora?
Deito a cabeça no couro do colante e fecho os olhos. Isso é tão na merda.
― Ela soube o que aconteceu no centro cirúrgico. Um amigo do hospital
contou. Filho da puta.
― É... complicado.
Os carros andam e aviso a Matteo que preciso desligar. Ele fica
incumbido de pedir que parem de me telefonar e explicar o acontecido aos
outros.
Exatamente às 21h12min estaciono em frente à antiga casa de Damaris.
As luzes estão acesas e Britz dá sinal de vida ao ouvir os meus passos. Ela está
aqui. Meu coração desacelera um pouco, sabendo que ela está em segurança.
As janelas e cortinas estão fechadas, o portão trancado, mas vejo a porta
de entrada apenas encostada para permitir que Britz entre e saia à vontade.
Não vou dar chance de recusa. Estou angustiado demais para isso. Pulo o
muro e acabo pisando em algumas plantas no processo.
Por favor, Dama... não me odeie.
Entro na casa e fecho a porta para manter Britz do lado de fora. Damaris
não está nem na sala e nem na cozinha. O barulho da água denuncia que está
tomando banho no quarto. Vou até lá, mas paro antes de entrar no banheiro.
O som do choro dolorido me impede de seguir em frente.
Ouvir o seu sofrimento tão agudo, me rasga por dentro de uma forma que
jamais imaginei ser possível. Nem mesmo quando a vi beijar outro homem, nem
mesmo quando encontrou droga no armário. Eu nunca me senti mais infeliz do
que agora.
Congelado, escuto por um longo tempo os seus soluços. Por que tem que
doer assim?
Parabéns, desgraçado! Parabéns por destruir a sua vida em troca de
nada... em troca de pó.
Sento-me na ponta da cama e observo as malas ainda feitas acumuladas
em um canto do quarto. Sobre o travesseiro, um baby-doll cor de vinho e uma
calcinha simples.
Lembro de comprarmos essas peças há duas semanas porque nada mais
lhe servia. Ela estava reclamando do tamanho dos quadris e se queixando das
alças das tangas que lhe machucavam. Fui eu que escolhi esse baby-doll. Ficou
lindo em sua pele clarinha. Aquele foi um dia simples e feliz, onde almoçamos
fast-food, fizemos compras e assistimos um filme com sorvete no sofá da sala.
Eu só queria voltar para o sofá e esquecer o resto.
― O que você faz aqui, Marco?
Ergo os olhos com medo, com vergonha de encará-la. Não tenho como
me justificar, nem o que dizer em minha defesa.
Por favor, só quero voltar com ela para casa.
― Dama, ― meus olhos permanecem no chão ― vamos conversar em
casa.
― Essa é a minha casa. Você é quem está no lugar errado.
Não... não.
― Por favor, Gatona... eu posso explicar o que aconteceu. Se você me
escutar...
― Nós não temos mais nada para conversar. Nem mesmo existe um
“nós” nessa equação. Para mim chega!
Levanto-me num rompante de desespero, ficando parado diante dela.
Nossos rostos frente a frente, olhos nos olhos.
Mas o que vejo me choca. A mulher que eu conheci não está aqui. Dentro
desses olhos antes cheios de vida e sentimento, não há nada. Damaris parece
vazia ao me encarar. Não vejo amor e isso é pior que a morte.
― Eu te amo, Dama.
― Quem ama não mente, não engana. Quem ama compartilha o que é
bom e o que é ruim.
― Eu não podia.
Ela bufa e caminha a passos largos até a cama. Vesti o baby-doll sem se
importar comigo e marcha até a cozinha. Depois de me recuperar do choque, vou
atrás dela.
― Se era isso que queria, pode ir embora. Em outro momento
conversamos sobre o bebê. Hoje preciso esfriar a minha cabeça e organizar a
minha casa.
Isso não irá acontecer.
― Vou te contar tudo, Dama. Escuta o que tenho para falar e vou contar
tudo sem esconder uma única vírgula. Nunca mais existirá qualquer dúvida entre
nós, eu prometo.
― Eu não acredito em uma só palavra.
― Por favor... Pense em nós por um instante, pense no nosso filho. Não
faça isso com a gente, pelo amor de Deus. Me escuta por um minuto.
Damaris se vira para mim com os olhos fervendo de raiva. É uma fera
sem amarras. Por pior que possa parecer, me acende uma chama de esperança.
Qualquer sentimento que ela esboce, é melhor do que o vazio de antes.
― O que vai dizer? ― abro a boca, mas ela me corta ― Deixe-me
adivinhar. Dirá que foi só uma vez, que não queria, que alguém te obrigou, que
isso jamais irá se repetir. Ou talvez dirá que é mentira e invenção do Breno?
― Não é mentira. ― sussurro.
― Claro que não é! ― grita, furiosa ― Todo mundo sabia o que estava
acontecendo, Marco. Seu pai esteve na nossa casa no dia que você apagou sobre
um paciente, eu lembro bem do clima. Por que não me contou ali? Que merda!
Você teve a chance de contar, teve todas as chances.
Eu sei, eu deveria ter contado. A resposta correta é que tive medo. Tive
medo de ser abandonado por ela e olha onde estou agora.
― Eu não sei... ― é o que sai.
― Mas eu sei. Você mente para mim desde o primeiro dia, Marco. Isso
está entranhado no nosso relacionamento e nunca vai mudar.
― Nunca menti sobre o que sinto.
Chego perto e seguro os seus braços para que me olhe e me entenda.
Estou desesperado.
― E de que importa? Não é a primeira, nem a segunda vez que você
mente para mim sobre essas merdas que você usa. Até quando achou que eu
fosse aguentar? Acha que vou esperar para te encontrar morto dentro de casa?
Não estarei lá para isso. Pode esquecer.
― Nunca mais irá se repetir. Eu prometo. ― puxo-a para perto de mim.
Damaris tenta se soltar do meu aperto, mas não a libero.
― Solta o meu braço! ― grita.
― Por favor, volta para casa comigo. Eu juro... Eu juro que não terão
mais mentiras, nem segredos ou drogas. Eu voltei para o tratamento.
Minha última frase a faz congelar.
― Quando foi que abandonou o tratamento, Marco?
Puta merda! Puta merda!
― Sem mentiras. ― começo me justificando ― Eu abandonei.
Com raiva, ela puxa os braços e se solta, fugindo para longe de mim.
Seus olhos estão cheios de lágrimas. Não tenho como me perdoar pelo que estou
causando. É tanta dor que transborda e escorre pelo seu lindo rosto.
― Você dizia que estava indo as consultas. ― sua cabeça chacoalha ―
Você saía bem cedo para ir ao psicólogo. Quantas vezes tomei café sozinha
pensando que estava nas consultas.
Parece tão ruim olhando dessa maneira. Não era como se eu quisesse a
fazer sofrer.
― Eu ia direto para o hospital. ― Sem mentiras. ― Não... não é verdade.
Com o rosto contraído, ela me encara esperando por respostas. Seguro a
cabeça entre as mãos e visto uma armadura de coragem para admitir o que
realmente acontecia; mesmo sabendo que ela irá me odiar.
Que diferença faz? Está claro que já me odeia.
― Eu esperava você dormir, rolava na cama sem conseguir controlar. Era
mais forte do que eu. Essa coisa chama a gente como um demônio. Muitas vezes
eu desci para a garagem, onde cheirava e tinha inspiração para desenhar e gás
para correr na esteira freneticamente.
― Marco...
Preciso dizer tudo, colocar cada segredo para fora. Nem que isso me
custe tudo.
― Até que comecei a virar muitas noites seguidas e meu corpo não
conseguia mais desligar. Durante o dia tudo parecia normal, mas a noite era pior.
― Normal? Nada estava normal, você não estava normal. Só eu que
tentava me enganar, justificando para mim mesma que era pressão, paternidade,
trabalho. Normal é a única coisa que nunca esteve.
Tento me aproximar, mas ela não permite. Está nervosa, arredia.
― Comecei a tomar remédios para dormir. Descia, cheirava e tomava
dois ou três remédios. Eles nunca me apagaram realmente e eu conseguia ir
trabalhar. Se fosse preciso, cheirava um pouco mais na hora do almoço para ficar
acordado e conseguir terminar o plantão.
― Meu Deus! Chega, não quero ouvir isso.
Estou desesperado, meu coração disparado e minha respiração acelerada.
Não sei o que acontece, mas preciso falar e contar tudo sem esquecer de nada.
Ela tem que saber a verdade.
Foi a mentira que me colocou aqui. Preciso contar toda a verdade.
― Naquele dia eu cheirei muito e precisava cortar o efeito, por isso
tomei os remédios para dormir. Eu achei que conseguiria dormir logo, mas o
meu corpo não responde mais a eles como antes.
Ando de um lado para o outro.
― Eu errei quando não calculei os horários ou esqueci que já havia
tomado. Não sei te dizer o que aconteceu. Só sei que estava tudo bem e de repete
eu apaguei. Foi súbito. Acho que o resto o Breno já te contou.
Minhas pernas tremem. A adrenalina circula pelo meu corpo como droga
e por fim, me acalmo. Sento no sofá, deito a cabeça no encosto.
Ela sabe de tudo agora.
Damaris não diz nada.
Ficamos assim por um longo tempo, até que ela fala.
― Como eu não vi isso acontecer bem debaixo do meu nariz? Como não
percebi tudo o que acabou de dizer.
Sorrio, não por diversão, mas por total desespero.
― Engano pessoas há muito tempo. Com a prática ficamos bons em
qualquer coisa. ― olho para ela, cansado ― Acho que os seus hormônios e sono
me ajudaram um pouco a não ser pego. A gravidez te fez apagar todas as noites e
eu aproveitei para fazer o que não poderia na sua presença.
A expressão que vejo em seu rosto é de nojo, asco.
― Ninguém percebe que você está drogado no hospital?
Dou de ombros.
― Nunca perguntei.
Ela senta ao meu lado, tão exausta quanto eu. Estamos à beira do
precipício emocional mais profundo que já existiu. Um sopro e caímos.
― Como consegue viver assim depois de ter enterrado o Walter e ver
todo o sofrimento da família dele? Eles sofreram o inferno e ainda sofrem. Como
imagina que a mãe dele dorme sabendo que o filho está enterrado dentro de um
caixão? É isso que quer para nós? É assim que imagina terminar a sua vida, me
deixando sozinha com um filho nos braços?
― Não...
Vejo o medo gritar em seus olhos. Em momento algum pensei por esse
lado. Damaris não tem ninguém em quem se apoiar.
― Meu Deus! Eu vi a minha madrinha definhar por causa das
consequências das escolhas feitas pelo filho dela. Aquela mulher maravilhosa
quase se acabou de tanto sofrer. Vi pessoas próximas perderem tudo e muitos
perderem a vida.
― Eu sei de tudo isso. ― digo baixo, sem argumentos.
― Não parece que sabe. Acho que na verdade você não sabe de nada. Ter
dinheiro para sustentar o seu vício não significa que ele seja menos pior.
Evito rebater, quero que ela se acalme, que respire e não se exalte mais.
Tudo isso só fará mal. Jamais me perdoaria se algo acontecesse com ela.
― Damaris, por favor, se acalma. O nosso bebê não pode... não merece
passar por isso.
― Deveria ter pensado nisso antes de abandonar o seu tratamento. Antes
de me enganar.
Inferno! Que merda é essa que virou a minha vida?
Mais uma vez tento me aproximar, mas vejo em seu rosto que não devo.
― Isso é um câncer, Marco. Se não o tirar agora, pode não haver mais
tempo. Estamos te assistindo morrer e não temos o que fazer para impedir. Isso
me mata junto, será que você não percebe? Como pode dizer que me ama e me
causar tanto sofrimento?
― Dama, a última coisa que eu quero é te fazer sofrer.
― Então pare de se machucar, porque se você morrer eu morro junto. Se
isso não parar, eu não vou suportar. Eu te amo tanto, Marco... tanto. Sangro só de
pensar em não ter você ao meu lado, mas não posso ficar se for como antes.
― Amor, eu juro que não será.
― Você já jurou outras vezes. ― de repente se cala, me olha por poucos
segundos e vejo claramente a luz se apagar dentro dela ― Acabou!
Jamais esquecerei.
Ouvi-la dizer “acabou” com tal determinação, virou uma chave dentro de
mim. De todas as vezes que senti vontade de me afastar da cocaína, em nenhuma
delas percebi a decisão acontecer. Mas foi o que aconteceu.
― Eu vou me internar. ― digo decidido ― Não posso mais suportar o
que causo a você.
― E o que causa a você mesmo? ― pergunta quase sem voz. Seu rosto
vermelho e emocionado, me rasga por dentro.
― A dor de te ver assim é maior do que qualquer coisa que já senti na
vida. ― encaro sua barriga tão bonita ― Eu não consigo sozinho, não consigo
nem mesmo tentando.
Ela não diz nada.
Somos uma massa pesada de cansaço, desgaste, tristeza, derrota e medo.
Ela não merece o que estou lhe dando e não deve sofrer em um momento tão
importante. Eu deveria protegê-la.
Saco o meu celular e disco para a única pessoa que pode realmente me
ajudar agora.
Dois toques e sou atendido.
― André Luiz falando. Como posso te ajudar, Marco?
― Eu não posso mais. ― digo imediatamente ― Quero fazer o
tratamento com a ibogaína, doutor. Preciso muito da sua ajuda.
― Fico feliz que tenha tomado essa decisão.
Ele me passa algumas coordenadas e presto atenção no que ele diz, mas
meus olhos estão em Damaris, que me encara com o rosto vermelho e os olhos
marejados.
Sou tão filho da puta por fazê-la passar por tanto.
Desligo o telefone, vou até ela sem dizer nada. Não tenho mais o que
dizer, esgotei todas as energias que restavam em mim. Se quero colocar meus
olhos sobre eles novamente sem ser digno de pena ou de ódio, preciso agir. Caso
contrário a morte será um destino certo.
― O que vai fazer? ― ela pergunta.
― O que for preciso.
― Marco...
Silencio seus lábios com a ponta do dedo.
― Dizem que quem não vai pelo amor, vai pela dor. Estou sangrando da
pior forma, mas não vou desistir. Quando eu voltar e eu vou voltar, suas lágrimas
sempre serão de felicidade.
Uma calma diferente de tudo que já senti toma conta de mim.
Beijo o topo da sua cabeça e vou embora.
Depois da explosão
Damaris
Marco saiu pela porta carregando nos ombros um peso maior do que uma
pessoa deveria suportar. Ele não olhou para trás, não disse adeus e nem mesmo
para onde ia. Simplesmente foi.
Eu não tive forças para ir atrás dele e por mais que quisesse, faltou-me
coragem para perguntar o que minha mente questionava. Quem sabe fosse
melhor ficar às cegas, como vinha há tempos.
Uma coisa preciso admitir, mesmo que somente para mim: eu era mais
feliz na ignorância.
Nem me dei ao trabalho de levantar, no sofá mesmo dormi. Pernoitei,
porque não consegui dormir. Quem precisa de aconchego quando a alma está
desconfortável? Passei a noite fantasiando os possíveis finais deste pesadelo,
imaginando saídas. Minha bisa sempre dizia que o travesseiro é o melhor
conselheiro.
Ao primeiro raio de sol, pulei de pé. Com o telefone nas mãos, precisei
me segurar para não procurar por Marco. Em um gesto possivelmente egoísta,
decidi que o melhor a fazer é me manter bem. Dentro de mim tem uma vida e ela
precisa ser protegida.
Toda essa angustia não me faz bem, me corrói e envenena a minha alma.
Primeiro tenho de me equilibrar e só então assim tomar uma decisão.
Enquanto olhava as minhas malas, tomando coragem para retornar com
as minhas roupas para o armário, alguém chamou no portão. Entre os latidos de
Britz, não reconheci a voz.
Ao abrir a porta meu espanto foi indisfarçável.
― Doutor Leônidas?!
Pude ver seus olhos fundos quando retirou os óculos e uma nuvem de
cansaço sobre eles. Ostento a mesma nuvem, sei exatamente o quanto pesa.
― Posso entrar?
Recebi-o com um copo de água e um pedido de desculpas por não ter
absolutamente nada para oferecer. Os poucos móveis que ficaram foram o sofá,
uma cama e um armário.
― Como você está? ― ele encara a minha barriga ― Vocês.
― Estamos bem. ― é tudo o que consigo responder.
― O que me traz aqui não é um segredo. Acho que nenhum de nós teve a
melhor noite ou está tendo um bom dia. Como você está se sentindo sobre tudo?
Respiro profundamente e esse simples gesto me faz querer romper em
lágrimas. Não consigo, mal sou capaz de lembrar de ontem.
― Eu... ― paro, tento novamente e falho.
Ele esfrega o cabelo, parece aflito.
― Olha, eu não sou um homem que escolhe as melhores palavras. Estou
bem longe disso. Mas existem coisas que precisam ser ditas. ― ele me encara
severo, mas seu olhar suaviza quando desce até a minha barriga.
Não tenho força para responder.
― O Marco é uma pessoa doente, gravemente doente. E o maior erro
dele foi tentar esconder isso de você, foi não se mostrar de verdade para a
mulher que ele escolheu para a vida. Foda! Nada fica encoberto por tanto tempo.
O problema está aí, é grande e complexo para qualquer um, só que existe. Meu
filho não vai conseguir sozinho e é por isso que estou aqui.
― Eu pedi tanto... ― falo baixinho, magoada.
― Você não foi a única a fazer isso.
― Acho que... talvez eu não seja a melhor pessoa para lidar com os
problemas de Marco. É demais para mim.
Ele balança a cabeça negativamente.
― É aí que se engana. Você o ama. Se não amasse teria desistido há
muito tempo ou não se importaria e não estaríamos aqui
― Será que o amor resiste a tudo? ― é uma pergunta que me faço desde
que conheci Marco.
― Só amor? Não. ― encaro-o, perplexa ― Mas o que existe entre vocês
não é apenas amor. É família. Vocês já ultrapassaram a barreira do amor. Estou
aqui pedindo a mulher do meu filho que não desista dele e que resista por ele,
porque hoje ela é a rocha que o Marco precisa.
Suas palavras vão fundo no meu coração, mas o meu cérebro tenta ser
racional.
― O Marco precisa de tratamento, não de uma mulher.
― Sim, ele precisa. Mas agora, agora ele depende mais do seu apoio do
que da cocaína ou de qualquer outra coisa.
O choro vem forte e com ele uma enxurrada de emoções desenfreadas.
Falta ar, falta controle. Estou completamente dilacerada e agora vejo que tentava
amenizar as coisas. Dói, dói demais e não para de doer.
Fecho os olhos e vejo o rosto de Marco contraído em sofrimento,
soltando seus demônios e admitindo todas aquelas coisas. Ouço as palavras, o
timbre sofrido e só consigo lamentar o ponto em que chegamos.
Quando dou por mim, percebo que estou amparada, envolvida nos braços
do meu sogro. Ele parece, mas não é de ferro. Sua dor é palpável, no entanto, se
dedica a mim.
― Damaris, ― doutor Leônidas segura o meu rosto entre as mãos ― se
tem uma razão, uma corda que segura o meu filho vivo neste momento, é você e
o bebê que carrega. Você é parte desta família e não pode ficar longe, se isolar.
Eu vim te buscar e não volto sozinho.
Limpo o meu rosto com o braço.
― Onde ele está?
― Esta madrugada ele foi para Penedo, interior do Rio de Janeiro. Existe
uma clínica lá que faz um tratamento muito comentado que pode ser a salvação
dele. E nossa também.
― Uma vez falamos sobre isso, mas ele não parecia tão determinado.
Doutor Leônidas encara o teto e depois a mim.
― Algumas decisões só são possíveis quando estamos à beira do
precipício. Acho que o meu filho definitivamente estava há um passo da queda.
Oh, que horror!
― O que vai acontecer agora? ― pergunto.
― Ele irá fazer alguns exames e em seguida receberá doses do chá dessa
planta. É um tratamento alternativo, ainda não comprovado.
― E como pode ser a nossa última esperança?
― Mesmo sem estudos mais fundamentais, esse tratamento vem
recebendo olhares muito entusiastas. Basicamente é uma droga tão forte e tão
poderosa que consegue reiniciar o sistema nervoso de uma pessoa de tal forma,
que determinados vícios pré-existentes são anulados.
― Parece mais para um milagre.
― Se funcionar, será o Santo Graal na minha vida. Juro que investirei
todos os recursos nas pesquisas e batalharei para que se torne algo acessível a
todos.
Não entra na minha cabeça.
― Como uma planta pode ser responsável por algo tão grandioso? Eu
sinceramente não entendo.
― Foi uma planta que o arruinou. Por que outra não poderia salvá-lo?
É verdade.
Doutor Leônidas me informa que o seu motorista está do lado de fora,
esperando um sinal para recolher as minhas malas e me levar de volta para casa.
Casa? Eu ainda não havia me atentado a isso, mas entrar aqui não me remeteu ao
meu lar. Por mais anos que eu tenha vivido neste lugar, hoje a minha casa é
outra.
A minha casa é ao lado de Marco onde escolhemos viver e criar a nossa
família.
― O que me diz? ― ele pergunta.
― Quanto tempo Marco passará em Penedo?
― Diferente dos tratamentos convencionais, este é pontual. Ele ficará lá
por uma semana, que é o tempo de fazer os exames, tomar a ibogaína e aguardar
um período de segurança até ser liberado.
― Segurança?
Meu questionamento o deixa desconfortável. O que há de errado?
― Não é uma simples plantinha que qualquer um tem no jardim. Existem
riscos reais de sequelas, comprometimento das faculdades mentais do Marco e
até mesmo de... morte.
― Oh meu Deus! ― assusto-me ― Como o senhor permitiu que ele
fosse para isso?
― Sejamos sinceros. O risco não mudou muito, ele já existia antes.
Ele pega o telefone celular, abre no aplicativo de mensagem e dá play em
um áudio.
Com o som de chuva ao fundo, ouço a voz de Marco dizer:
― Pai, preciso que me escute e que respeite a minha decisão. Liguei para
o Doutor André Luiz Caldeirara e estou a caminho da clínica dele em Penedo.
Imagino que o senhor saiba de quem se trata. ― ouço-o fungar ― Não será
preciso que me interne a força e muito menos que obrigue o Matteo a me levar
amarrado. Eu estou indo por vontade própria, porém, para uma outra opção de
tratamento. Acredite em mim, ficar trancado por meses em um centro de
reabilitação só serviria para me matar aos poucos.
Em outro áudio, ele continua.
― A Dama está na casa que era da bisa dela, infelizmente. Ela já sabe de
tudo e está muito, muito magoada comigo. Com razão. Não posso pensar em
mim enquanto estou desesperado de preocupação com ela e com o bebê. Por
favor, cuida deles para mim. Agora e depois... se for preciso. A nossa casa é só
um imenso vazio sem ela. É uma gata teimosa, mas tenho certeza que o senhor é
o mais indicado para convencê-la a voltar. Ou se entendem ou irão se matar.
Briguei com o senhor a vida inteira e terminei me apaixonando por alguém igual.
― Não sou teimosa. ― acabo sorrindo.
Doutor Leônidas seleciona outro arquivo.
― E tem esse aqui que era só para mim, mas acho que você precisa
ouvir. ― ele me entrega o telefone e diz que vai usar o banheiro.
― Pai, por favor me perdoa por tudo. Eu juro que nunca imaginei onde
isso daria quando comecei. Estou tão arrependido. ― diz chorando ― Se eu
pudesse falar com aquele moleque petulante do passado, diria para ficar longe de
tudo isso. Dói demais saber que te magoei e doeu demais enxergar o tamanho do
seu sofrimento naquele dia no hospital. Me perdoa. Se eu conseguir ser para o
meu filho metade do que o senhor é, estarei feliz para caralho. Mas se eu não
voltar... ― um longo silêncio ― cuida deles para mim. Eu amo vocês demais.
Arrasada, desligo o telefone. Não posso mais ouvir.
Deus, porque tanta dor por um amor? É tão injusto não poder fazer nada
para curar o homem que eu amo. É angustiante.
Quando ele retorna do banheiro, estou de pé segurando uma bolsa.
Mesmo com o rosto inchado e os olhos marejados, sorrio e digo:
― Eu estou pronta para ir.
Recebo um sorriso satisfeito. Doutor Leônidas respira aliviado e me
abraça.
De volta ao lar
Damaris
Doutor Leônidas e Sarah tentaram de todas as formas me convencer a
passar a noite na casa deles quando chegamos ao condomínio, mas a minha
decisão foi ir para a minha casa e lá esperar por Marco até que ele estivesse
pronto para retornar.
― Se precisar de qualquer coisa. ― diz Sarah. Seu rosto é um misto de
preocupação e carinho.
― Eu aviso.
― Qualquer coisa de verdade. ― insiste.
Concordo com a cabeça. Doutor Leônidas ampara a esposa e os dois
partem de mãos dadas pela alameda. Tirando tudo o que aconteceu, é uma
imagem bonita de se ver. Espero que daqui muitos anos eu e Marco possamos
caminhar assim, juntos. Será que eles enfrentaram tantos obstáculos para
chegarem até aqui? Será que pensaram em desistir?
Céus, em trinta e poucos... quase quarenta anos juntos, eles com certeza
viveram muito mais do que eu possa imaginar. E no final estão aqui.
Recuso todas as visitas, informo a todo mundo que pretendo me recolher
e curar as minhas feridas sem plateia. Não há mais segredo sobre a condição de
Marco. Não que antes existisse, mas agora é de domínio público. Os vizinhos
sabem, o hospital inteiro sabe, a família sempre soube mesmo que sem alarde.
Eu sei.
As palavras do pai de Marco não saem da minha cabeça: “ ele depende
mais do seu apoio do que da cocaína ou de qualquer outra coisa.”
― Se o papai precisa da gente, seremos a rocha dele. ― digo em voz alta
acariciando a minha barriga.
Dedico todo o meu dia a reorganizar as minhas coisas, devolver as
minhas roupas para o lugar de onde elas nunca deveriam ter saído e vasculhar
todos os mínimos cantos atrás dessas malditas drogas. Nos armários não há nada,
nem sinal. Já a noite, quando não restam mais opções, desço até a garagem, onde
temos uma pequena academia e um estúdio improvisado para os desenhos de
Marco.
Procuro em cada caixinha, em cada canto ou esconderijo. Por fim,
resolvo olhar no carro. Mais cedo o doutor Leônidas trouxe o carro aqui e disse
que ele estava estacionado próximo ao consultório do médico responsável pelo
tratamento.
Entre papeis, pastas e uma bolsa de roupas que sempre esteve ali para
emergência, não há o que busco. Nem mesmo no porta-luvas. Estou quase
desistindo, quando um compartimento discreto chama a minha atenção. Preciso
fazer algum esforço para conseguir abri-lo, mas consigo e no momento em que a
tampa cai no carpete, junto dela caem mais dez pequenas embalagens plásticas
parecidas com tampas de caneta.
― Oh meu Deus!
Levo alguns segundos para entender do que se trata, mas ao pegar um nas
mãos, fica evidente do que se trata. São pinos de cocaína. Muitos pinos para um
homem só.
É tão assustador.
Junto todos, fecho o porta-trecos e corro para o banheiro. Fervendo de
raiva, arremesso os malditos na privada e dou descarga até que não reste mais
nenhum.
― Vocês nunca mais irão entrar na minha casa ou nas nossas vidas.
Dois dias se passam e não tenho notícias de Marco. O que sei é o que
Sarah ou doutor Leônidas me contam quando vêm me ver. Eles têm feito isso
pelo menos duas vezes ao dia. Estão preocupados comigo e com o neto, mas não
há motivos para isso, porque estou me cuidando.
Após uma consulta demorada com Dr. Aloísio, resolvo passar na
pâtisserie que tanto gosto e comer o meu red velvet como fazia antes. Mesmo
sozinha, sinto que preciso seguir em frente para não enlouquecer. Contei tudo o
que aconteceu para o meu médico e ele se mostrou muito preocupado com os
reflexos dos últimos acontecimentos no meu emocional.
É obvio que ele ficaria. Nem mesmo eu acredito que estou tão bem
quanto pareço.
Mas não é que esteja bem, estou focada. Se tem algo que sei fazer, é
focar.
A minha discussão com Marco foi tão intensa, reveladora e inflamada,
que pude colocar toda a tensão para fora e enxergar com clareza o homem que
escolhi para a vida.
Ele não é perfeito, nunca esteve montado em um cavalo branco ou
empunhando uma espada. A história do príncipe que chegou para salvar a
princesa, se inverteu.
Com um copo de frappuccino na mão e uma sacola de quindins na outra,
atravesso o farol. Ainda estou machucada, me sinto ferida, mas se me mantiver
enterrada dentro daquela casa vazia, enlouquecerei.
― Damaris?
Olho para trás e vejo Matteo andando apressado em minha direção. Ele
está vestido de branco e segurando um saco de papel.
― Matteo. Que surpresa te encontrar aqui.
Ele olha para a minha mão.
― Acho que a minha Pérola tem os mesmos gostos que você. Vim
comprar um mimo para levar para casa.
Isso é o que eles fazem. Somos levadas a amar esses homens por tudo
que eles são e por tudo que eles nos fazem sentir. Assim como Marco, Matteo
ataca em todas as frentes e não permite que a sua mulher seja capaz de se
imaginar longe dele.
Foi isso que aconteceu comigo.
― Seu irmão me apresentou a pâtisserie. Acho que me viciei nos doces
de lá.
Divertido, ele me encara e sorri.
― Quer uma carona para casa?
― Não quero te atrapalhar. Vou chamar um carro no aplicativo.
― De forma nenhuma. ― diz, com um sorriso educado ― Eu a levo para
casa. Faço questão.
Aceito.
O caminho é longo e temos tempo o suficiente para conversarmos.
Matteo quer saber sobre o sobrinho, sobre como estou me sentindo e como tem
sido os últimos dois dias. Falo a verdade e então ele pergunta:
― Meu irmão entrou em contato com você?
Nego.
― E com você?
― Também não.
Isso tudo é tão estranho e desesperador.
― Não entendo o que está acontecendo, Matteo. Definitivamente não
compreendo como ninguém foi atrás dele.
― Na verdade, conversamos com o médico ontem. Eu e papai fomos ao
consultório dele aqui em São Paulo.
― Ele não me disse nada.
Matteo vira o rosto em minha direção brevemente e se volta para o
trânsito. Ele tem um temperamento diferente de Marco e do pai, é mais centrado
e nitidamente mais ponderado.
― Estamos respeitando o seu direito de se recuperar de tudo isso. Não
deve estar sendo fácil digerir tudo. Marco gostaria que te poupássemos e é isso
que devemos fazer.
Oh, por favor! Não estou doente e também não sou uma criança.
― Não lembro de ter pedido para ser poupada, Matteo.
Ele para em um farol, gira o corpo em minha direção e posso admirar os
mesmos olhos pelos quais me apaixonei. Como podem ser tão diferentes e tão
parecidos?
― Isso é o que uma família faz, Damaris. Sei que está acostumada a
levar o peso sozinha, mas nunca mais será assim. Sempre estaremos aqui para os
bons e os maus momentos.
Tento segurar, mas uma lágrima escorre. Quase não suporto a dor em
minha garganta.
― Estou com medo. ― admito.
― Todos estamos.
Matteo conta sobre a conversa que teve com o médico. Sem barreiras, ele
detalha o processo do tratamento e isso me deixa um pouco mais confiante. Nem
preciso dizer que fiz milhares de pesquisas desde que Marco partiu, mas
conversar com ele é ainda mais esclarecedor.
― Então ele voltará em breve. Eu sempre ouvi dizer sobre tratamentos
longos e restritivos.
― Amanhã ele tomará a primeira dose e repetirá por três dias. Depois
disso vem um período curto de observação, acredito que mais dois dias.
― E virá para casa?
― Sim.
Graças a Deus! Só mais cinco dias e ele estará de volta. Isso me deixa tão
feliz, que sou incapaz de me conter e abraço Matteo.
― Obrigada por me dizer! Obrigada por cuidar dele em todos os
momentos e nunca desistir. Sinto-me tão fraca por ter ido embora. ― confesso.
― Você é humana, Damaris. Estava se protegendo e protegendo o filho
de vocês. Qualquer um entende isso... Marco entende o que fez.
Não sei. Não sei de muita coisa desde que ele partiu e as dúvidas tem
flutuado ao meu redor sem sombra de resposta.
Chegamos ao condomínio e o convido para entrar, mas ele prefere partir.
Conversamos um pouco mais na porta de casa, ele se coloca a minha disposição
para qualquer coisa e vai.
É bom ter com quem contar.
Na mesma noite, Belinda aparece sem avisar com um pijama de
unicórnio e pantufas. Essa menina não existe. Mesmo diante da minha tentativa
de isolamento, ela consegue ser como água que simplesmente entra pelas
brechas e quando percebemos já inundou tudo.
Fizemos um balde de pipoca, uma panela de brigadeiro e assistimos
quatro episódios de Friends antes de pegar no sono.
Devo admitir que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.
A família Malamam funciona como uma teia e não importa o quanto
você tente seguir sozinho, eles sempre estarão ali.
Três dias se passaram com tranquilidade. E mesmo pensando
constantemente em Marco e rezando pela sua melhora, o amparo da família
Malamam não me deixou fraquejar. Pesquisei, me informei, rezei e desejei pelo
melhor.
Mesmo sabendo dos riscos, escolhi confiar que o final feliz estava
próximo.
Um sinal
E-mail
De: Marco Malamam
Para: Damaris Santana
Data: 01 de julho às 07:43
Assunto: Oi, gatona!
Bom dia, minha Dama! Como estão as coisas aí? Espero que bem. Como
está o nosso menino dentro dessa barriguinha linda? Estou com saudade.
Ontem foi o último dia dessa primeira fase do tratamento. E apesar de
tudo de errado que poderia ter dado, estou bem. Definitivamente é forte, parece
uma experiência dessas de quase morte, onde as pessoas sentem suas almas
deixando o corpo. Por sorte, minha alma é apegada a vida terrena.
Não fui capaz de me levantar sem ajuda, perdi completamente a noção
de tempo e espaço. Você foi o meu norte. Seus olhos, sua voz e nossos momentos
me seguraram até o fim. Obrigada por me ajudar, gatona.
Hoje estou muito melhor, consegui andar pela clínica e me alimentar
sozinho. Minhas pernas nem parecem as mesmas.
Espero que o meu pai tenha te convencido a voltar para a nossa casa.
Tenho preferido acreditar nisso, mesmo sabendo que as coisas não são tão
simples. Você tem todos os motivos para fugir.
Eu já disse que te amo?
Eu te amo muito. Te amo mais a cada dia, Dama!

Acordar com um e-mail de Marco foi como um sopro de esperança e


transformou todo o meu dia em um mar de rosas. Saber que está bem e ler por
suas palavras que me ama, não pode ser comparado a nada.

De: Marco Malamam


Para: Damaris Santana
Data: 02 de julho às 07:28
Assunto: Oi de novo, gatona!
Estou contando os dias para te ver. Com você é igual?
Acordei com a sensação de que tudo será diferente. Estou me sentindo
mais disposto, mais estável. Não me lembro quando foi a última vez que dormi
tão bem e acordei melhor ainda. Sonhei que o nosso filho brincava no jardim
enquanto você cuidava das flores.
Que o meu sonho não demore a ser a nossa realidade, Dama.
Te amo muito. Estou doente de saudade.

Segurando uma xícara de leite, leio o segundo e-mail em voz alta. Quero
que o nosso bebê escute. Assim como o primeiro, ele me enche de esperança e
me faz sorrir.
Um chute forte chama a minha atenção.
― Também está feliz pelo papai?

De: Marco Malamam


Para: Damaris Santana
Data: 03 de julho às 20:15
Assunto: Estou voltando
Nada me deixaria mais feliz do que chegar em casa e te encontrar lá.
Seria como acordar de um pesadelo horrível. Mas eu sei o tamanho do estrago
que fiz e a dor que causei. Mereço tudo que quiser me dar.
Estou voltando e não vou desistir de nós.
Eu te amo. Estou doente de saudade.

Acordar e não ter o e-mail de Marco acabou com o meu dia. Não houve
nada que eu fizesse para espantar os pensamentos ruins. Por que ele não
escreveu? Por que a demora em dar notícias?
Digitei dezenas de mensagens, mas não tive coragem de enviar nenhuma
delas. Nem sei precisar o motivo, só não consegui.
Antes de deitar, resolvi conferir mais uma vez a minha caixa postal e para
a minha completa felicidade, estava lá. Li em voz alta, como tenho feito. Ele
disse que está voltando para casa.
Respiro profundamente para me acalmar. Preciso me acalmar.
Até altas horas, ando pela casa com as luzes apagadas. Minha mente não
para de funcionar e inventar motivos para eu correr, razões para fugir. No fundo
é uma alto defesa. Quando apanhamos muito, entendemos que dói e corremos o
máximo que conseguimos.
Dessa vez irei contrariar todos os meus instintos e ficar. A dor não me
matou antes e não me matará agora. Mas a distância é letal quando se ama.
Eu também estou doente de saudade.
Querida, cheguei!
Marco
O primeiro rosto que vi ao sair da clínica às 6h, foi o de Matteo. Ele
estava de cabeça baixa recostado em seu carro, mas mãos um buquê de flores.
Achei estranho, mas não posso dizer que foi ruim.
― Esses girassóis são para mim?
Ele ergue a cabeça e sorri.
― Pensei em chocolates, mas li que estão suspensos da sua dieta pós-
tratamento. Gostou?
― São bonitos. ― olho em volta ― Parecemos um casal, mas paciência.
Não sabia que pretendia me buscar.
― Faz parte das funções de irmão mais velho. ― nos abraçamos ― O
doutor André Luiz me disse que sairia hoje e eu vim.
― Que horas saiu de casa para chegar aqui tão cedo?
― Antes das 3h da madrugada.
― Sua mulher deve estar bem zangada comigo depois dessa.
― Pérola está louca para te ver e te abraçar. Todos querem a mesma
coisa, até a peste da Belinda.
Entramos no carro e a primeira coisa que pergunto é:
― Ela está me esperando?
Matteo não me encara, permanece com os olhos na estrada. Sua resposta
é limitada.
― Daqui algumas horas você irá saber.
Essas horas se arrastaram com correntes pesadas. A estrada estava livre,
pouco movimento. Contei ao meu irmão tudo sobre o tratamento e como me
senti. Matteo, sempre preocupado, me encheu de perguntas.
Às 9h40min atravessamos os portões do condomínio.
― Quer passar na casa dos nossos pais? ― encaro-o e ele sorri ―
Entendi.
Por um instante fecho os olhos e imploro para quem estiver ouvindo, que
me ajude. Tenho um cavalo correndo em meu peito, minhas mãos suam frio. É
de fato o momento mais angustiante da minha vida. Expectativa e medo tomam
conta de mim.
É uma merda!
Matteo estaciona em frente a minha casa. Olho para ele e provavelmente
eu estaria pedindo socorro se pudesse. Respiro fundo, meto a mão na maçaneta e
vou.
Que alguém lá em cima seja piedoso e goste do meu carisma. Até porque
se for por merecimento, fodeu.
A casa está silenciosa, mas não como no dia que Damaris me deixou.
Sinto sua presença em tudo que me rodeia. Uma manta bagunçada me diz que
alguém esteve no sofá, flores bem cuidadas denunciam o carinho que vive aqui.
A confirmação vem quando ouço latidos distantes se aproximando e
então vejo a monstrinha correndo em minha direção com a língua para fora e os
pelos voando. Britz.
― Senti a sua falta também. ― ela pula e corre a minha volta. Está feliz.
Pelo menos alguém está. Já é alguma coisa.
Brinco rapidamente com ela, mas não me estendo. O que eu realmente
preciso está lá em cima.
Subo as escadas o mais rápido que posso, dois degraus de cada vez.
Atravesso o corredor e paro diante da porta fechada. É medo o que sinto. E por
mais que tudo me indique que ela está lá, temo ser surpreendido por uma cama
vazia, como antes.
Minha mão para sobre a maçaneta, tomo uma profunda respiração antes
de abri-la. Empurro devagarinho para não fazer barulho, e quando finalmente
espio, tenho a melhor visão que eu poderia esperar.
Damaris dorme como um anjo agarrada em meu travesseiro, o rosto
escondido pelos pequenos dedos e unhas claras. Uma de suas pernas está para
fora da coberta e a barriga ocultada pelo tecido branco, mas ainda assim posso
ver o volume.
Como senti falta de vocês.
Puxo uma das poltronas e sento-me de frente para a cama. Depois de
tudo, só quero admirá-la. Fico assim por muito tempo. Contemplo o seu sono
como um espectador atento, mas não me contento com a imagem, preciso do
calor e da sensação de tê-la. A posse.
Acaricio seus pés, pele a pele. Não só o meu corpo, mas a minha mente e
a minha alma respondem ao contato de maneira visceral. Todos os meus sentidos
afloram para que eu consiga absorver tudo com mais intensidade. O calor, a
textura da pele, o cheiro. Senti tanta falta.
Em uma semana descobri que o inferno pode ser muito pior do que eu
imaginava. Em uma semana descobri que o céu cabe inteiro na minha cama.
Com cuidado, puxo um pouco do lençol e descubro a sua barriga. Parece
maior do que antes.
― Você está crescendo rápido, rapaz. ― digo tocando com a ponta dos
dedos ― Cuidou da mamãe enquanto estive fora?
― Cuidou sim. ― ela responde.
Encaro-a sem dizer nada. Não preciso. Está tudo tão claro. Seu rosto
inchado e cabelos bagunçados me dão as boas-vindas. Linda.
Abaixo e beijo a sua barriga. Sem pressa, me junto a ela na cama
esperando que me recrimina, mas isso não acontece. Sou recebido com um
abraço.
Esperei tanto por isso, que parece mentira.
O abraço, vira carinho. O carinho, vira beijo... que não tem fim.
Nos beijamos e nos aproveitamos, apreciando segundo a segundo sem
qualquer desejo de adiantar as coisas. Apenas o agora. Damaris envolve os
braços ao meu redor e se entrega a mim de corpo inteiro. É intenso, forte e real.
Sinto que estamos separados a uma vida.
É mais do que um reencontro. É um recomeço.
― Você me perdoa? ― pergunto com o seu rosto entre as minhas mãos.
― É claro que sim. Somos uma família.
― Eu te amo, Dama!
O que fizemos em seguida não foi sexo.
Por horas adorei o seu corpo como um devoto fervoroso. Não houve um
pedacinho deixado para trás, um centímetro esquecido. Beijos, caricias,
lambidas, mordidas e suspiros. A entrega nunca foi tão forte, tão intensa.
Movo o meu corpo sobre o dela, unindo nossas mãos e abrindo suas
pernas com os meus joelhos até que me abrigue entre elas. Damaris cruza os pés
em minhas costas sem deixar de me beijar. Não precisamos de ar, apenas um do
outro.
― Eu te amo. ― sussurro.
Arranco as peças que atravessam o meu caminho, deixando-a nua para
mim. A vista é mais do que perfeita.
De joelhos na cama, paro e admiro suas curvas.
― Eu sonhei com isso todos as noites. ― digo.
Debruço-me sobre ela com cuidado para não pesar em seu ventre,
abocanho seus lábios e faço loucuras com a sua boca até que esteja inchada. Ela
gosta. Geme. Desço até o pescoço, deixando uma trila de beijos molhados entre
os seios até a barriga, mas volta para brincar com os mamilos entumecidos. Os
sussurros e lamúrias são música para mim, embalando a dança erótica.
― Marco...
Abro suas pernas bem amplas e me encaixo ali, onde por um instante me
permito sentir o cheiro de mulher que ela exala. Como é gostoso. Não só o
perfume, mas também o gosto.
Chupo-a com fome, lambendo e sugando de cima a baixo até que esteja
desesperada de desejo. Seu grito me chama. É um clamor sofrido que conheço
bem, porque compartilho dele.
― Não vamos esperar mais, gatona.
Deito sobre ela, acoplo nossos corpos e, olhando no fundo dos seus
olhos, penetro lentamente. Assistimos ao prazer um do outro.
Não existe mundo lá fora enquanto nos amamos. Eu e ela.
Quando terminamos, suados e satisfeitos sobre a cama, mantenho-a em
meus braços para me certificar de que é real. Sou louco pela minha Dama e nada
é mais forte do que isso. Nada irá nos separar.
― O que acontecerá agora, Marco? ― pergunta sem sair do meu abraço.
― Mais tarde vou à casa dos meus pais, preciso me desculpar e
conversar com eles.
― Não é sobre isso que estou falando.
Sim, eu sei. Ela quer saber sobre mim.
Aperto-a ainda mais, com medo de que a paz acabe e que ela fuja.
― Essa foi a primeira fase do tratamento. Sempre serei um dependente,
Damaris. Infelizmente não posso mudar isso, por mais que eu queira. Quando a
vontade voltar, quando eu suspeitar que posso fraquejar, preciso retornar para
mais uma fase.
― Tomará novamente o remédio?
― Sim. Sempre que for preciso.
Ela se cala, mas sinto que ainda há algo que a aflige.
― Pergunte o que quiser, Damaris. Não podemos deixar nada de fora.
Com o rosto preocupado, ela me encara.
― E se não resolver? O que mais pode ser feito, Marco?
É um risco que corro. Um medo que também tenho, mas não posso me
deixar dominar por ele.
― Estou muito esperançoso, mas se não resolver buscarei outras
alternativas. Desistir não é mais uma opção.
― Para mim também não é.
É tão bom ouvir isso.
Epílogo
Marco
― Que dia é hoje, amor?
Olho no celular para confirmar.
― 25 de setembro, Dama. Por que a pergunta?
Estamos na casa dos meus pais em um almoço para comemorar a tão
adiada aposentadoria do doutor Leônidas. Meu pai esperou muito tempo para
pendurar o estetoscópio, mas finalmente o dia chegou.
Em volta da mesa estão meus irmãos, Pérola, Rodrigo, meus pais, dona
Santa e meus sobrinhos. A família ainda não está completa, mas no natal todos
estarão reunidos na casa de férias e até Tony confirmou presença.
Olho para Damaris ao meu lado e percebo que está pálida.
― O que está sentindo?
A nossa volta as pessoas conversam animadamente, como em qualquer
casa italiana.
― Dia 25 de setembro é um bom dia para nascer.
― Qualquer dia é um com dia para nascer, amor.
Mas espera...
― Para o nosso filho nascer?
Ficando vermelha e respirando com um pouco de dificuldade, ela
concorda com a cabeça.
Puta merda!
― Gente, ― grito ― meu filho vai nascer!
Ninguém diz nada. Imediatamente viramos o centro das atenções. Chega
a ser engraçado e eu faria uma piada se não estivesse tão nervoso quanto estou.
― Filho, onde estão as coisas? ― pergunta minha mãe.
― Em casa.
Matteo pega as minhas chaves e corre para buscar. Nina e Rodrigo
juntam os filhos, saem para a casa dos pais dele com a promessa de nos
encontrar no hospital. Pérola me ajuda com Damaris e dona Santa,
emocionadíssima.
Não há nada que movimente mais a minha família do que o nascimento
de um novo membro. Mais que depressa estamos no hospital. Não largo a mão
da minha mulher, ficamos juntos e ligados por uma energia só nossa.
Doutor Aloísio chega, mas o trabalho de parto está apenas começando,
Damaris tem pouca dilatação. Em outra sala estão todos torcendo e esperando
pela chegada do meu filho.
― Agora. Está começando outra.
― Está bem, segure a minha mão.
As contrações ficam mais próximas, mais intensas. Tudo dentro do
esperado, mas não é animador ver a minha Dama sofrendo tanto. Por dentro
estou desesperado, mas por fora sou força.
Damaris anda de um lado para o outro, agacha, levanta, caminha. É uma
bolotinha inquieta. Quanto mais contrações, mais ela se agita.
― Estamos bem? ― pergunto.
― Se parir uma melancia significa estar bem.
É... acho que isso é um sim.
Depois de quatro horas penando, ela aceita ir para o chuveiro. Em uma
bola de pilates, Damaris fica sentada sob os jatos de água quente enquanto eu
seguro suas mãos. Não digo nada. Entendi que devo me calar e ser somente o
seu apoio.
Seus gemidos de dor gelam a minha espinha e por mais que eu queira,
não posso fazer nada.
Doutor Aloísio faz um novo toque e finalmente vejo uma luz no fim do
túnel.
Minha mulher já está em outro mundo convivendo com as suas dores,
trabalhando o seu corpo para trazer o nosso filho ao mundo. No fundo me sinto
um pouco impotente e inútil.
Mais uma hora se passa. Já é noite.
― Está acontecendo. ― ela diz olhando no fundo dos meus olhos.
Estamos com mais quatro pessoas na sala, mas sou o único para quem ela
olha. Finalmente entendo: é o nosso momento.
Depois de muito empurrar, Damaris solta um grito longo e feroz que se
silencia com um choro fino de neném.
Olho maravilhado. O médico entrega o nosso filho para ela e assisto
encantado, em choque.
O meu filho nasceu!
Abrigado nos braços da mãe, ele é lindo e grande. Acabou de nascer e eu
já acho que se parece comigo. Prefiro não comentar, porque depois de todo esse
sofrimento não deve ser algo que a mãe queira escutar.
Mas que é a minha cara, isso é.
Ficamos os dois admirando o pedacinho de gente sem conseguir tirar o
sorriso do rosto. É como se todo o sofrimento tivesse desaparecido e dado lugar
à gratidão.
― Como ele irá se chamar, Marco?
A pergunta é tão simples.
Decidimos, pouco depois que voltei de Penedo que só escolheríamos um
nome para o nosso filho quando pudéssemos olhar para o rostinho dele.
Agora, olhando-o, um nome sai automaticamente pela minha boca
― Miguel.
― Miguel está perfeito.
Fim.
Ibogaína
Olá, leitor!
Em “Marco – à beira do precipício” abordei o uso de uma substância
relativamente nova no tratamento de dependentes químicos. Apesar de usar a
licença poética para decidir o resultado de tal tratamento no caso do meu
personagem, acho interessante deixar aqui mais informações sobre.
A critério de curiosidade, segue abaixo um texto sobre a ibogaína.
“A Ibogaína é o princípio ativo presente na raiz de uma planta africana chamada Iboga, que pode ser
usada para desintoxicar o corpo e a mente, ajudando no tratamento contra o uso das drogas, mas que
produz grandes alucinações, e que é usada em rituais espirituais na África e na América Central.
A iboga é um arbusto que pode ser encontrado em alguns países como Camarões, Gabão, Congo, Angola e
Guiné Equatorial. No entanto, sua venda está proibida no Brasil, mas a Anvisa autoriza sua compra após
comprovação de receita médica, laudo médico e termo de responsabilidade firmado por médico e pelo
paciente, dessa forma o tratamento contra as drogas realizados em clínicas particulares podem utilizar a
ibogaína como forma de tratamento, de forma legal.
Embora ainda careça de comprovação científica, a ibogaína pode ser indicada
para:
Ajudar a reduzir os sintomas de dependência de drogas como crack, cocaína,
heroína, morfina e outras, e ainda elimina completamente a vontade de usar
drogas;
Nos países africanos essa planta também pode ser usada em caso de fadiga,
febre, cansaço, dor de estômago, diarreia, problemas do fígado, impotência
sexual e contra a AIDS.
Porém, muitas das aplicações desta planta ainda não se encontram
cientificamente provadas, e necessitam de mais estudos que possam comprovar
sua eficácia e dose de segurança.
Assim como os cogumelos e a ayahuasca, a ibogaína pertence à família dos
alucinógenos. Segundo relatos ao comer a planta Iboga ou tomar o seu chá,
seguindo suas instruções de uso, pode haver uma purificação do corpo e da
mente, além de uma alteração alucinógena, e a pessoa pode achar que está
saindo do seu corpo.
Seu consumo provoca visões e acredita-se que seja possível encontrar-se com
espíritos, mas também pode desencadear quadros psiquiátricos graves, induz ao
coma, e pode causar a morte.
A ibogaína e a própria planta chamada Iboga não podem ser vendidas no Brasil
e em vários outros países porque não existem comprovações científicas da sua
eficácia e segurança em humanos. Além disso, a planta é tóxica, tem um grande
efeito alucinógeno e pode levar a doenças psiquiátricas porque atua
diretamente no sistema nervoso central, mais especificamente nas regiões que
controlam o equilíbrio, memória e a consciência do próprio corpo, e suas
consequências e efeitos adversos ainda não são totalmente conhecidos.
Há estudos que indicam que um tratamento de 4 dias com o chá de Iboga foi
suficiente para eliminar a dependência química, no entanto já está comprovado
que doses elevadas podem causar efeitos colaterais desagradáveis como febre,
batimento cardíaco acelerado e morte. Assim, são necessários mais estudos que
possam evidenciar o benefício, a forma de atuação e a dose segura para que a
Iboga possa ser utilizada para fins medicinais, inclusive para poder ser usada
no tratamento da dependência química devido ao uso de drogas ilícitas.”

Fonte: Revista Tua Saúde
; Prazer...

Meu nome é Joice Bittencourt e apesar de ter nascido no Rio de Janeiro,
moro desde criança no Espírito Santo. Sou aquariana literal, nasci em fevereiro
de 89. Sou casada, mãe de dois filhos e um cachorro.
Comecei a escrever por distração, precisava de algo que me desligasse
das atribulações do dia a dia. Assim nasceu o meu primeiro livro, "No Limite do
Prazer". Um detalhe: foi escrito no celular.
Certo dia, buscando informações sobre um famoso romance, encontrei
uma plataforma literária onde qualquer pessoa poderia disponibilizar suas
histórias, contos e ideias. A primeira coisa que fiz foi começar a ler as tantas
opções postadas gratuitamente.
No início de 2014 postei o meu primeiro romance. Nunca esperei que
alguém pudesse gostar do que saía da minha fértil cabecinha, mas... Foi um
grande sucesso de leituras. A partir daí nunca mais parei.
São vários romances escritos, muitos leitores e um coração realizado.
Meus livros mais conhecidos são os títulos que compõe a Série Malamam.
Que venham mais histórias e muita inspiração!

Quando um grupo de mulheres se reúne depois de um longo tempo
afastadas, tudo o que não falta é assunto.
Incentivadas pela alegria do reencontro e algumas taças de vinho, as
cinco amigas de infância revelam seus segredos mais íntimos e escondidos.
Não se deixe enganar por cabelos bem cortados, empregos respeitáveis e
famílias de comercial de margarina. Toda mulher tem os seus segredos.
As nossas protagonistas decidiram revelar aqui os mais comprometedores
deles.

Só não conte para ninguém. É segredo nosso.
Disponível em http://a.co/ib6VvnZ


Na cidade de Santa Cana, interior do mundo, onde tudo foi construído a
partir de um mesmo sobrenome, todos compartilham do sentimento de gratidão à
dinastia dos Barões da Cana. O título dado popularmente aos homens da família
Rezende tem história: carrega poder, responsabilidades e benefícios.
Inácio Rezende ― o Barão da Cana ― tem as fazendas e a usina sob o
seu controle absoluto, mantém a roda girando harmoniosamente. Nada foge do
alcance dos olhos.
E então, vinda de onde menos se espera, uma mocinha eternamente na
defensiva aparece. Arredia e desconfiada, Agatha tem uma péssima impressão
do homem superior que a julgou na noite de natal.
Sim, ela é jovem. Sim, está sozinha. E sim, virgem....
Um único olhar foi o suficiente.
Inácio e Agatha: Viciante como a cachaça envelhecida em barris de
imburana, ou o branco açúcar ao paladar.
Disponível em: http://a.co/f0Zb3H5


Em uma ilha paradisíaca, segredos e pecados se escondem. Se os mortos
não falam, quem irá revelar a verdade como ela realmente é? Uma vez que a
severa mácula vier à tona e com ela dores antigas alcançarem a superfície,
ninguém estará a salvo.
Toda história tem três versões... A sua, a do outro e a verdade.
Isadora conhece um homem desconcertante em uma praia e
imediatamente percebe que Aarão não será uma lembrança fácil de ignorar. Sua
mão sangra e ele precise de ajuda, no entanto, após ajudá-lo, ela percebe que o
rústico desconhecido levou o seu coração.
Um romance para abalar as suas estruturas.
Disponível em: http://a.co/5zsBcZY

Alguns sentidos são mais intensos do que outros. É uma questão de
perspectiva. Mas a paixão, essa arde sob e sobre a pele, inflama o desejo e guia o
instinto, anulando o juízo de quem se dizia sóbrio.
Não espere entender ou controlar, pois o poder das mãos é viciante e
você estará embriagado de prazer.
Disponível em: http://a.co/hBjLSGZ
Table of Contents
#ficaadica
Sinopse
Anteriormente em Marco : Entre o amor e o vício:
Uma nova ovelha
Família, temos novidade
As surpresas não param
Mar de insegurança
De médico para médico
É preciso resistir
Eu sou um viciado
Tudo para ela
Não sou um príncipe
Menino ou menina?
A ovelha sempre será negra
É o fim
Vazio
Depois da explosão
De volta ao lar
Um sinal
Querida, cheguei!
Epílogo
Ibogaína

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