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Editora Responsável: Simone Fraga


Bianca Carvalho
Produção Editorial: Júlia Caldatto Malicheski
Bianca Jung
Preparação: Qualis Editora
Revisão: Evelyn Santana
Capa: Renato Klisman
Projeto Gráfico: Qualis Editora
Imagens Internas: Shutterstock
Diagramação Impressa: Marcos Jundurian
Diagramação Digital: Cristiane Saavedra | CS Edições

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

M514u
Meireles, Míddian, 1988 -
Um certo alguém / Míddian Meireles. — [1. ed.] — Florianópolis,
SC: Qualis Editora, 2019.
Recurso digital

Formato e-Pub
Requisito do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: word wide web

ISBN: 978-85-7027-074-0

1. Literatura Nacional 2. Romance Brasileiro 3. Comédia Erótica 4.


Ficção I. Título
CDD B869.3
CDU - 821.134.3(81)

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Para o meu filho, André,
que é o certo alguém que me mudou a direção.
“Quando um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar…”
Um certo alguém – Lulu Santos
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Ficha Catalográfica
Dedicatória
Prólogo
Paula
Capítulo Um
Caio
Capítulo Dois
Paula
Capítulo Três
Caio
Capítulo Quatro
Paula
Capítulo Cinco
Caio
Capítulo Seis
Paula
Capítulo Sete
Caio
Capítulo Oito
Paula
Capítulo Nove
Caio
Capítulo Dez
Paula
Capítulo Onze
Caio
Capítulo Doze
Paula
Capítulo Treze
Caio
Capítulo Catorze
Paula
Capítulo Quinze
Caio
Capítulo Dezesseis
Paula
Capítulo Dezessete
Caio
Capítulo Dezoito
Paula
Capítulo Dezenove
Caio
Capítulo Vinte
Paula
Capítulo Vinte e um
Caio
Capítulo Vinte e dois
Paula
Capítulo Vinte e três
Caio
Capítulo Vinte e quatro
Paula
Capítulo Vinte e cinco
Caio
Capítulo Vinte e seis
Paula
Capítulo Vinte e sete
Caio
Capítulo Vinte e oito
Paula
Capítulo Vinte e nove
Caio
Capítulo Trinta
Paula
Capítulo Trinta e um
Epílogo
Agradecimentos
PRÓLOGO

Não importava quais planos havia feito para minha vida, a chegada
naquela cidade mudara tudo. O desejo que a mulher dentro de mim incitava
conhecer deixara de ser meramente profissional e passara a ser os segredos
do jogo, aqueles poderosos, repletos de luxúria e desejo, que atrelavam ao
frenesi único, sexual e conduzia-me cada vez mais longe nas trêmulas e
eróticas asas do prazer.
Diferente das meninas na minha idade, nunca acreditei em contos de fadas,
sempre vi o amor como uma fraqueza tola, que trazia consigo uma promessa
rasa, jamais algo real, palpável, profundo, mas, sim, uma teoria de que
ninguém poderia ser feliz para sempre, em especial o outro ser motivo para
tal felicidade. Amar alguém era o mesmo que adentrar um terreno perigoso,
como uma cova infinita de areia movediça, que nos afunda, sem chance de
emergir. Era como conhecer o seu inimigo, aquele capaz de lhe destruir em
um piscar de olhos, com um ataque – de preferência pelas costas –, ou talvez
uma faca enfiada em cheio no peito.
As Princesas da Disney, os romances literários, as novelas e até mesmo a
vida das pessoas ao meu redor funcionaram como uma escola para mim,
sobre como eu não deveria agir, e fizeram-me enxergar muito cedo que ceder
esse poder a alguém poderia ser fatal, exatamente por isso tornei-me meu
próprio universo. Eu me orgulhava do meu senso de autopreservação, da
astúcia em guardar meu coração, congelado, como alguns diriam,
resguardado de qualquer mal que pudesse afligi-lo.
Costumava me envaidecer por ser tão racional, segura, decidida, e quando
saí da cidade em que nasci para galgar os primeiros passos como recém-
formada, aceitando um emprego que acreditava ser a oportunidade da vida,
em minha cabeça não havia espaço para qualquer pessoa além de mim e do
desejo de me provar, de tornar-me alguém que venceu as próprias batalhas.
Contudo transformei-me em uma pessoa que costumava abominar. Do tipo
diferente de quem achava ser, aquele que o desejo e a paixão a o subjugavam.
Embora assustasse sentir-me daquela maneira tão leviana pela primeira
vez na vida, meu corpo doera para finalmente conhecer quem
inevitavelmente me tornara, para aprender as lições e táticas de jogo que só
poderiam vir de alguém pressionando o corpo contra o meu.
O desejo, o sexo, a paixão… mudaram tudo. Tornara-me,
irrevogavelmente, outra pessoa. Era como se uma cortina se abrisse diante
dos meus olhos, como se meu corpo se descobrisse, de repente, faminto.
Talvez sempre tivesse sido, eu apenas era muito cega para notar. Afinal,
estava tudo ao meu redor, desde o espírito faminto dos jovens para liberarem-
se dos hormônios adolescentes que borbulhavam dentro de si; a sedução dos
solteiros – e comprometidos – em busca de um parceiro para saciar os mais
intensos desejos carnais; ou os casais apaixonados, quase no cio,
praticamente implorando pelo outro com toques – nem sempre sutis –,
olhares intensos, ardentes, em busca de satisfação e júbilo. Estava em toda
parte, viral e prolífico, só demorei para enxergar, embora não me
arrependesse.
Aquilo tudo era como sussurros inegáveis, o canto da sereia, um eco
erótico, encorajando-nos, incitando-nos à entrega carnal. Pela primeira vez na
vida invejei aquilo, vi-me ansiosa para me jogar, me entregar com gana para
experimentar o ranger de quadris, alguém me tomando, dando-me o que eu
queria tão desesperadamente, entregando-nos ao nosso bel-prazer. Desejei
absorver todo o conhecimento do jogo de outra pessoa, ao mesmo tempo,
queria entregar meu universo para outrem.
Mantive-me centrada no meu mundo, casta, como achava ser o bastante
por muito tempo, todavia chegara a hora de parar de lutar contra minha
natureza. Cada parte íntima em mim tremia, provando aquele ponto,
torcendo, desejando, incitando a conflagração carnal, e a prova estava ali,
comigo, de pé, nua em frente ao responsável por aquela redenção.
— Na cama — instruiu, o timbre desgraçadamente rouco, profundo.
Ansiosa, obedeci, pondo-me de joelhos no colchão macio, ao tempo em
que ele se debruçou sobre mim, agarrando os cabelos de minha nuca,
puxando-me para si, mordiscando-me o pescoço, lambendo o caminho até o
ponto atrás da minha orelha. Joguei a cabeça para trás, perdida, rendida, a
respiração cada vez mais difícil de sorver, então sua boca encontrou a minha,
desejosa, sedenta, eriçando-me ainda mais.
Quando se afastou, notei seu esforço para parecer menos afetado,
sustentando uma calmaria calculada. Mas tudo no homem de 1,90 m o
denunciava, desde a voz grave, a íris escura queimando-me a pele, a forma
ávida que me beijava, parecendo alguém privado de água por dias no pior dos
desertos. Suas ações pareciam um reflexo das minhas.
Diante de mim, havia o espécime masculino mais surpreendente que já
conheci. Tudo nele era opulento, majestoso. Os músculos trabalhados nos
braços, peitoral e barriga, as coxas grossas, malhadas, como de um atleta.
Ainda que os traços contivessem certa dureza, a boca carnuda, olhos claros
intensos, intimidantes, cílios cheios e sobrancelhas grossas formavam o
espetáculo que era o homem.
A aproximação, como de uma ave de rapina em busca da caça, deveria
fazer-me temer. Instintivamente, sabia o que aquilo significava, ainda assim
não foi o suficiente para que eu recuasse, na verdade, o queria ainda mais.
Desejava sentir tudo o que tinha para oferecer… tudo.
Avançando em minha direção, suspirei, vendo-o desabotoar a calça, o ato
de descer o zíper com compelido controle deixando tudo ainda mais
envolvente. Contudo foi o sorriso, um tanto perverso, e as pupilas dilatadas,
que fizeram-me engolir com dificuldade. E apesar do alerta na boca do
estômago, não abaixei a cabeça, corajosa, e mais do que isso, desejosa,
sustentando o olhar dele.
— Quero sua boca aqui — ele ordenou baixo, o timbre aveludado, ainda
assim sublinhado por um aviso férreo, transformando-me em uma poça ébria.
Não me fiz de rogada. Cobiçosa, fiz exatamente o que pediu.
PAULA
CAPÍTULO
UM

— Não vai pedir nada para beber? — o cara atrás de mim perguntou, em
uma tentativa patética de puxar conversa, e não como se tivesse a intenção de
extinguir a sede que eu não sentia.
Pelo visto os caras da capital não eram diferentes dos da minha cidade.
Homem era homem em qualquer lugar, só mudava mesmo o endereço e o
tamanho dos documentos.
Por um segundo ou dois, deliberei se o ignoraria, pois estava claro como
sol que passar a noite comigo era mais especificamente o ponto. Talvez não a
noite, mas ao menos parte dela.
O que, claro, não aconteceria!
A tarefa de não encará-lo com mais atenção tornara-se quase impossível
com ele estando tão perto, afinal, o cara parecia um maldito Adônis. Muito
alto, ombros largos e olhos claros, que oscilavam de um turquesa
impressionante para um verde profundo; os lábios cheios eram levemente
encobertos pela barba um pouco mais escura do que o cabelo, como se já
tivesse passado da hora de ir ao barbeiro. Com muitos predicados, ele era
daqueles que provocavam um frio na barriga com apenas um olhar
significativo.
E, sim, ele causava mesmo!
Já o havia notado desde que cheguei ali, até porque, com aquela
imponência era difícil não fazê-lo. Trocamos olhares furtivos, outros
significativos e também roubamos sorrisinhos bobos um do outro por cerca
de uma hora. O que mudou em um determinado momento, já que ele não
estava mais sozinho, pois duas garotas peitudas enroscaram-se a ele, uma
delas até mesmo sentou em seu colo, beijou-lhe o pescoço, ambas soltando
risinhos quando ele sussurrou alguma coisa no ouvido das duas para que
apenas elas pudessem escutar. O que, claro, acabou fazendo-o perder
qualquer chance que pudesse ter comigo.
Ridículo! Típico macho vadio!
As luzes da boate piscaram por sobre o ombro dele, refletindo na pele
clara o arco-íris de cores, piscando em total sincronia com a batida eletrônica
que tocava.
— Apesar de não ser da sua conta, não estou a fim — foi a resposta seca
que lhe dirigi, fingindo não haver um mísero interesse da minha parte,
enquanto virava-me para verificar os farristas em expansão.
Não que não tivesse entendido o fato de que ele estava pretendendo me
oferecer uma bebida, porque o fiz, porém esperava mais. Honestamente, um
cara do calibre dele decerto tinha toda a intenção de me levar para cama e
apenas isso. Compreensível, porém se as primeiras frases que me dirigira se
limitariam àquele xaveco fraco, não me faria perder tempo por mais que
diante de mim estivesse uma divindade nórdica.
Jamais me comportaria como uma acéfala apenas por estar com um
homem bonito, mesmo que este fosse o verdadeiro significado da palavra. Se
alguém tinha que aprender a usar as sinapses necessárias para fazer o cérebro
funcionar era ele, e não eu. Isto é, se tivesse um. O que não seria nenhuma
surpresa.
E, ok, era um desperdício constatar aquilo!
Quando não se afastou de imediato, me vi suspirar, aquela noite seria
longa e parecia longe de acabar. Tudo o que eu realmente queria era encontrar
Larissa e convencê-la a finalmente ir embora. Mas não tinha tanta certeza de
que aquilo aconteceria tão brevemente, pois desde que cheguei ao lugar, a
mulher dizia estar ocupada trabalhando, embora vez ou outra a tenha visto
beber alguma porcaria alcoólica, fuxicar e gargalhar com mais gente que eu
tinha paciência para lidar em um ano, como se estivesse em uma festa, e não
no ambiente de trabalho.
Embora tivesse dito que não se demoraria, alegando que precisaria
recepcionar os DJs da noite como parte da função dela como gerente, a
verdade era que já tinha dado tempo suficiente para que me levasse ao
apartamento que dividiríamos e mostrar-me o quarto que seria meu até que
arranjasse um lugar para viver sozinha. Pelo visto, foi estúpido da minha
parte confiar de boa-fé meus arranjos habitacionais à idiota da minha prima.
Prima esta que honestamente nunca suportei.
— Mesmo? — o cara insistiu, um sorriso lascivo brotando em seus lábios.
Por questão de análise feminina, apenas para fins acadêmicos, claro, dei
outra checada nele e notei o que vestia: uma camisa de botão branca e calça
jeans de lavagem escura, tudo possivelmente caro. Pelo porte, era inegável
que se tratava de um típico rato de academia, provavelmente daqueles que
levantavam milhares de pesos, tiravam selfie no espelho do lugar para provar
que suara e de quebra ainda praticava algum esporte sexual antes do café da
manhã.
Não duvidava nada que fosse também um daqueles arrogantes de pau
pequeno, que não deixava de ser algum tipo de pervertido viciado em
provocar as mulheres para serem mais uma em sua lista. Vai entender, talvez
aquilo deveria lhe trazer alguma adrenalina. Deus sabia que, por mais que o
cara não fizesse o meu tipo e que odiasse sujeitos com o padrão macho
escroto, ainda assim aquele sujeito estava bombeando a minha.
As turquesas azuis explicitavam tudo, bebendo-me com um olhar cheio de
carícias, despindo-me de um jeito quase indecente, desconcertante. Não
precisava ser esperta para adivinhar que deveria estar imaginando tudo que
poderia fazer comigo caso eu cedesse. Se duvidar, na mente dele já
estávamos na segunda rodada.
— Você já teve certeza de que eu tenho uma boca que fala e caso quisesse
uma bebida, pediria eu mesmo uma. Assim como posso fazer o que quiser
com ela, também sei usá-la para fazer um pedido.
Droga! Eu não deveria ter dito aquilo!
Senti-me um tanto insegura por utilizar de insinuações na conversa, afinal,
provavelmente aquela era a língua nativa dele no quesito azaração. Fora que
o cara poderia interpretar aquilo como um convite, e por mais interessante
que fosse, estava longe de querer um flerte passional.
Observando a multidão, tentava me distrair da consciência de que ele era
ainda mais alarmantemente bonito de perto do que os outros não apenas
naquele lugar, como em qualquer um.
— Pode fazer o que quiser com ela e sabe usá-la? — repetiu o que eu
dissera, sedutoramente, a voz baixa, aveludada e rouca, gostosa, provocativa.
Suspirei, culpada, porque fui a única que lhe dei munição para aquilo. —
Hm… Muito bom saber — o sussurro quente bem próximo ao meu ouvido
deixou claro um desejo feroz moldado em cada palavra, do tipo que dava
medo.
Contudo, ainda assim foi capaz de iniciar um incêndio através das minhas
entranhas, corpo, que, de repente, tornou-se mais consciente da proximidade
dele, do calor, da energia quase nuclear por trás da postura régia de um
jogador, despertando em mim algo em um nível primitivo.
Embora a música estridente ainda tocasse, meus olhos se fecharam
involuntariamente com a proposta implícita, tentada a sucumbir ao reboliço
acontecendo em meu interior, como um tornado silencioso que faz sua
bagunça sem aviso ou prévia licença.
Merda! O que era aquilo?
Sobressaltei-me com a súbita consciência singular que me acometeu e
tomei meu tempo para examinar a sala em busca de alguma coisa que eu não
sabia dizer o que era, talvez a ingênua e decidida pessoa que chegara ali antes
de encontrá-lo.
Onde diabos estava a Larissa?
Eu poderia estrangulá-la quando a encontrasse. Havia ido da rodoviária
direto para o lugar quando liguei e me passou a localização em que se
encontrava. Já desembarquei direto em uma boate diferente de todas que
conheci, mas não fui atrás de curtição e muito menos à caça, só estava ali por
ser local de trabalho da filha mais velha da irmã da minha mãe e esperava que
saíssemos daquele antro o quanto antes. No entanto, a bagagem aos meus pés
não fora o suficiente para demovê-la da tarefa de tirar-me dali.
Parecendo recordar-se de algum tipo de piada, o deus nórdico sorriu,
fazendo um par de profundas covinhas aparecerem, deixando-me indefesa de
um jeito que nunca senti antes.
Quem era aquele cara, pelo amor de Deus?
Jamais fui o tipo de garota imprudente, que se perde de forma leviana por
um belo espécime por pouco. Contudo, juro por Deus, estava perto, perto
assim de puxar o Sr. Gamer – porque o cara era claramente um jogador –,
para juntar meu corpo ao dele e acabar com aquela coisa que me fazia sentir.
Não que tivesse alguma experiência ou feito algo parecido antes, nem
jamais me vi motivada e muito menos tentada a fazê-lo, afinal, minha
virgindade estava ali, intocável, mesmo aos 22 anos de idade, para corroborar
aquilo, no entanto me vi balançada de verdade. Depois de um longo dia de
viagem da cidade interiorana onde nasci, em um ônibus lotado, mais as horas
em cima dos saltos de 12 centímetros, sexo casual não parecia ruim.
— Caio Ornelas. — A mão estendida em minha direção passava a
impressão de que estávamos prestes a fechar algum negócio, e não como se
tivesse toda intenção de me levar para cama, para algumas horas de sexo sem
sentido. Então algo em mim relaxou, como se guardasse, mesmo que
provisoriamente, o escudo e armas de defesa.
Em meio à sombra da iluminação fraca, os olhos glaciais queimavam nos
meus. Intensos, penetrantes sob os cílios grossos, ele me observava à espera
de aceitar o cumprimento, ao passo que perfurava-me, como se tentasse
desvendar o que eu escondia nos meus. Não era apenas um olhar qualquer,
ele me inspecionava de maneira genuína, como se fosse mesmo do interesse
dele saber quem eu era.
Desviei-me do escrutínio demorado para analisar o nariz de traços retos,
em harmonia com o formato quadrado do rosto levemente bronzeado. As
sobrancelhas bastas franziram-se sutilmente, como se elucidasse questões
filosóficas profundas que se atinham ao prazer que aquela estranha sentada
diante dele no bar poderia lhe proporcionar. O sorriso torto nos lábios, um
daqueles malditos convencidos, carregava um desafio, promessas também,
muitas delas, denunciando exatamente a intenção para comigo.
— Paula — gritei sobre a música que pareceu mais alta, aceitando o
cumprimento ao apertar a mão masculinas de dedos quentes e grossos, coisa
que antes nunca repararia em outro homem.
Caio parecia seguro, confiante e por algum motivo senti que poderia
confiar nele. Algo se moveu em mim quando nos tocamos, afetando-me. A
bem da verdade é que afetar era eufemismo. O problema era que o fazia além
da conta.
O infeliz interpretou corretamente os sinais do meu corpo e sorriu ainda
mais, de lado, presunçoso, parecendo satisfeito com o efeito que me causara.
Pisquei, um tanto aturdida, tanto pelo que me causou, quanto pela maneira
como me senti quanto àquilo.
— Prazer em conhecê-la, minha linda. — Um sorriso malicioso tomou
forma em seus lábios. Quando pronunciou o vocativo, algo brilhou nos olhos
dele e por odiar aquele tipo de coisa, vi-me obrigada a reagir, elevando o
queixo, numa postura defensiva, forçadamente desinteressada. Era uma
tentativa clara de mostrar que estava pronta para o embate, afinal, ele ainda
estava agindo como o playboy caçador que certamente era, e eu não era um
animal frágil, que se permitiria ser vencida com facilidade e sem lutar.
— É Paula — repeti meu nome de maneira proposital, deixando claro que
não seria um peão em seu jogo. Em reconhecimento, o sujeito meneou a
cabeça sustentando aquele ar sério, inabalável, de um jogador que estava
acostumado com a vitória.
A verdade é que embora odiasse apelidos e adjetivos toscos vindos de
estranhos sem qualquer intimidade, ainda assim a maneira com que
pronunciara soara terrivelmente atraente. Talvez pelo desafio implícito que as
sublinhava. Prova daquilo foi não ter soltado a mão dele tão rápido quanto
deveria, somado ao fato de me ver esfregando com o polegar os nós dos
dedos longos, inevitavelmente memorizando a sensação do toque ou de
simplesmente senti-lo, e foi quando percebi o erro que estava cometendo,
deixando-o ir em seguida.
Semicerrei os olhos, desconhecendo-me, mas diante do sujeito atraente
minha curiosidade simplesmente levou a melhor e passei a encará-lo com
ainda mais interesse. O cara era grande, do tipo muito mais alto que eu,
mesmo com saltos, não que aquilo fosse difícil, claro, dado o meu 1,60 m de
altura; os ombros eram largos, conferindo-lhe uma postura confiante,
relaxada. Uma das mãos passara a descansar dentro do bolso, dando-lhe um
ar charmoso, sedutor, enquanto a outra tinha uma garrafa de cerveja
longneck, e os cotovelos ajudavam-no a se escorar no balcão. As pernas
grossas eram perceptíveis pelo tecido agarrado a elas, os pés cruzados,
calçados com sapatos caros, deixando-o bem à vontade e sustentando o corpo
magro, apesar de forte, e o tronco firme era encoberto pela camisa de botões.
Sendo bem sincera, o cara bonito diante de mim era um paradigma cru
emoldurado por um rosto nascido para atrair. Um jogador viciado em caçar a
presa, um exímio predador por natureza, era exatamente como consegui
enxergá-lo.
Apesar da sensação nada familiar de alerta, pois nunca houvera outro que
invocasse algo parecido, eu gostaria de ser uma “daquelas” garotas capazes
de aproveitar o momento. Especialmente aquela noite.
— Desculpe, mas você é muito bonita para que eu use uma palavra
diferente do adjetivo para me dirigir a você — a voz profunda, sussurrada
muito próxima, me fez piscar, aturdida, enquanto ele baixava os olhos claros,
reverenciador.
A mão no bolso foi para o cabelo, arrumando os fios escuros de volta ao
lugar, antes de colocá-la novamente onde estava. Embora o gesto tenha
acontecido rapidamente, não perdi o momento em que a camisa agarrou-se
ainda mais ao dorso másculo do homem, oferecendo-me um vislumbre dos
músculos ondulados, sólidos como granito, e me vi engolir com dificuldade,
a boca indubitavelmente ressequida.
Porra, ele era mesmo gostoso!
Com o coração batendo violentamente contra o peito, tive que resistir ao
impulso de correr os dedos sobre a pele dele, como uma forma erótica e
bastante atrativa de leitura em braile.
Deixei escapar um suspiro, trêmula. Ele não precisava falar, não era
necessário realmente, sabia muito bem o que queria de mim e, se fosse
sincera comigo mesma, também desejava o mesmo. Negar que não me
excitava seria mentira e dizer que me atiçava era um maldito eufemismo, pois
me peguei sentindo uma ansiedade incomum, sobretudo bastante
impressionante.
Ao redor, pelo menos seis outras mulheres pareciam prontas, esperando
ansiosas pela oportunidade de cometer uma série inteira de atos indecentes
com ele e se o desejasse fazê-los ali, em total desrespeito aos demais
amontoados no lugar, tinha certeza que não lhe negariam. Afinal, o cara era
como uma promessa de prazer, satisfação e perversidade. Não era à toa que
me fuzilavam com o olhar.
Contudo, eu não era como nenhuma delas. Não era experiente, sequer era
graduada em relacionamento ou em transas sem compromisso. Não que fosse
uma total inocente quando o assunto era o sexo masculino, mas nunca
houvera alguém que me fizesse desejar ir além.
Apesar da idade, permiti-me trocar no máximo alguns beijos, amassos sem
muita importância. Nunca impus alguma regra que me proibia aquilo, apenas
não tive desejo de ir além. Longe disso, sentia-me ainda na fase “pré-
adolescente” quando o assunto eram homens. Tampouco conheci alguém que
me demovesse da ideia. Limitava-me a alguns olhares estranhos, conversas
rasas, paqueras furtivas, nada passional. Não me via pronta para embarcar em
algo parecido, especialmente quando esse certo alguém que parecia me
oferecer aquilo, o único que me fizera titubear até então, tinha o ar tão
perigoso e letal.
Remexi-me no banco, de repente, muito ciente do quanto mexia comigo.
— Você é nova na cidade? — a pergunta foi feita em um tom casual,
embora não conseguisse esconder o interesse sublinhado. Esperando pela
resposta que decidi deixar em suspensão, ele tomou um gole da bebida.
Confesso, me surpreendi com a mudança de ritmo, afinal, ele começara
aquela conversa de uma maneira bastante desinteressante.
É… talvez ele não fosse sem cérebro, afinal!
Minha recusa em responder de imediato só o fez fitar-me com mais
atenção, como quem acabava de encontrar um adversário e trazia consigo um
enigma que ele adoraria desvendar e vencer. A partir do que via refletido nos
olhos claros, senti-me compelida a retribuir a civilidade.
— Cheguei hoje de mudança. — Eu me virei num esforço de parecer
afável, mas não tinha o mínimo tato para continuar a ser alvo do seu
interesse. — Olha… — suspirei, sem saber direito o que faria a seguir e
muito menos o motivo. — Na verdade, estou esperando meu noivo chegar
para me levar para casa.
Por algum motivo, senti-me impelida a desestimulá-lo e recorri à jogada
clássica de inventar um companheiro falso, na esperança de dissuadi-lo de me
conquistar e como lobo fosse encontrar outro cordeirinho para fazer o ataque.
— Sério? — Li a palavra nos lábios dele, o sorriso no rosto me dizendo
que ele tinha certeza de que não passava de um blefe.
— Sério. Namoramos desde o ensino médio e depois da minha formatura
ele fez o sonhado pedido. — Por razões óbvias resolvi deixar de fora a parte
que nunca tive um namorado e muito menos que jamais sonhei com um
casamento. — Sou muito apaixonada… — por mim, completei em
pensamento, mas não era da maldita conta de Caio Ornelas mesmo.
Ao contrário do efeito desejado, não gostei do olhar glacial no rosto dele,
sobretudo a frieza dando vazão para algo que passou a queimar, como fogo.
Gostei menos ainda dos lábios levemente repuxados com um sorriso, de
humor, eu diria. Pelo visto minhas habilidades de persuasão eram piores do
que eu julgava ser, pois foi como se em um piscar de olhos o sujeito me visse
como uma carne fresca, um desafio pronto a ser cumprido antes do abate
sexual.
Droga!
O resultado foi que a postura e divertimento dele diante da minha mentira
se revelou como ondas de provocação, arrepiando-me a nuca.
— Uma pena essa coisa do noivado. — A ênfase dada na última palavra
não passara despercebida, muito menos a sutil ironia.
Surpreendendo-me ainda mais, ele se aproximou atrevidamente, movendo-
se para mais perto, roçando o nariz nos meus cabelos, fazendo-me ainda mais
ciente da energia absurda que emanava. O perfume de um suave amadeirado
gostoso envolveu-me como um par de braços fortes; o calor que irradiava do
corpo dele cobriu-me como um casaco. E estavam ali, todos os elementos no
cara deixavam-me com o céu da boca seco de antecipação. Engoli a saliva
com dificuldade, de repente, sobrecarregada pelo desafio que era tentar não
me envolver em sua bruma macia, deixando-me ébria, à mercê de incertezas.
Um garçom se aproximou para pegar a bandeja cheia, repleta de drinks
pedidos pelos clientes, que o bartender lhe entregava e quando minha
atenção se desviou para o sujeito franzino, não pude deixar de notar o quanto
o ambiente mudara, lotara rapidamente. Estava tão absorta na interação com
Caio, que sequer me dei conta que em um piscar de olhos andar tornara-se
uma tarefa difícil. Ainda assim, o garçom abriu caminho pela multidão, como
o milagre de Moisés no Mar Vermelho.
Tentei ignorar, juro que tentei, mas a ondulação do homem, a força que
Caio fazia irradiar em mim, especialmente tão perto como estávamos, quase
imprensados contra o balcão, o abdômen musculoso pressionado contra mim,
como se nada pudesse ficar entre nós, tornaram-me refém e repentinamente
fascinada pela sua segurança.
Com a expressão serena, Caio correu o olhar em brasas pelas minhas
feições, fazendo com que meus lábios se abrissem involuntariamente. Apesar
do tato absolutamente presunçoso, a expressão franca mostrava que o que
havia entre nós não era apenas uma revelação, mas também um fato.
Os olhos claros pareciam bloqueados nos meus e nenhum dos dois se
moveu, era como se não quiséssemos nos afastar.
E não queríamos…
A batida pulsante morreu, dando espaço para uma outra menos enérgica,
quase sensual. Tudo ali parecendo injetar doses cavalares de feromônios nos
dois seres vivos já biologicamente ativos. Muito ativos e excitados.
Os dentes brancos e alinhados mordiscaram o próprio lábio inferior, como
se tentasse manter o compelido controle diante da presa. Contudo a maneira
que os olhos brilhavam de modo sobrenatural, como de um lince,
denunciavam o próprio estado de espírito.
— Você acredita em amor à primeira vista, minha linda?
A pergunta me pegara de surpresa, fazendo-me paralisar de súbito.
Acreditar em amor à primeira vista era o mesmo que crer em uma lenda
urbana, que não passava disso. Todavia, se acreditasse, Caio Ornelas
certamente se encaixaria no papel do meu par perfeito. Mas não era. O corpo
duro feito pedra, mas macio e convidativo pressionado ao meu, podia parecer
uma bênção em meio à desgraça, ainda assim a resposta continuava a ser não.
— Acredito tanto quanto acredito em Papai Noel. — Apesar das palavras
muito mais irônicas do que gostaria, tudo em mim demonstrava que a “triste
notícia” era realmente a única resposta honesta que poderia lhe oferecer, e
também uma verdade absoluta.
Recebi de volta um sorriso sexy que me queimou em lugares que nunca
senti antes, afinal, o cara indubitavelmente mexia comigo para o bem e para o
mal. Exalar perigo pelos poros deveria ser o bastante para me fazer
retroceder, no entanto as partes de mim que não deveriam se deixar abalar
sofriam de efeito contrário, umedecendo e esquentando. Nunca, nem mesmo
nos meus sonhos, conheci alguém que capturasse tal reação.
Existem homens que escondem o que são, sempre sorrindo, para tentar
conquistar, no entanto, caras como Caio eram como um livro aberto, não
escondiam o que queriam, simplesmente jogavam as cartas sobre a mesa,
como um jogador que se garantia. E embora não tivesse dito explicitamente
sua intenção, desde que se aproximara ele manejava com destreza o que fazia,
segundo as próprias regras, deixando implícito que estava jogando.
— Não acredito também. Mas não estrague as coisas com o Papai Noel
para mim. — O sorriso dele se alargou e acabei tendo que morder o lábio
para não rir.
Aproximando-se ainda mais, assisti-o engolir com dificuldade, como se a
saliva se tornasse um bolo preso na garganta. O flerte brincalhão deu lugar a
traços sérios, os olhos fecharam-se como se ele preparasse a cartada final.
Com as batidas selvagens do coração, meu corpo entrou em estado de alerta e
eu não tinha dúvidas do poder que Caio tinha de provocar um problema
cardíaco completo com apenas um pouco mais.
Ele era perigoso demais, principalmente porque fazia algo que nenhum
outro conseguiu: tornar-me tentada a experimentar o que podia oferecer.
— Acho melhor ir embora. — Empurrei o peitoral rijo com cuidado,
desvencilhando-me dele, minha racionalidade empírica ganhando do lado
químico, físico, da matéria que viesse, a atração que me acometia
sobrepujada pelo juízo e preservação. — Desculpe, tigrão, mas preciso ir. —
Eu me pus de pé, afastando-me ainda mais da amarra em que o cara me
envolveu. — Você está claramente à caça, mas acredite, não sou a presa de
que está atrás.
— À caça? — devolveu, um tanto perplexo, mas em vez de aceitar o fato
de ter sido dispensado, livrou-se da garrafa vazia e colocou as mãos macias
nas minhas, segurando-as sobre o peitoral firme. E quando veio em minha
direção, feito um gato prestes a pegar o peixe, achei que me beijaria, contudo,
os lábios tentadores moveram-se em direção ao meu ouvido. — Acredite,
linda, você é tudo o que quero. Mas como você mesma bem colocou, o velho
ditado diz que um dia é o da caça e outro do caçador. Assim como a canção,
por destino ou dispor, jogarei a armadilha. — Engoli em seco, chocada,
tentada e sobretudo sobrecarregada com o desafio.
Não entendia bem o que Caio queria dizer com o que me pareceu um aviso
enigmático, no entanto não tive chance de perguntar, pois sem dizer mais
uma palavra ele simplesmente se foi. Ainda perplexa, resolvi que não
brincaria com a sorte, pois se ficasse ali parada, talvez mudasse de ideia. O
que não diria sobre ele, que não esperaria por uma qualquer, quando não
precisava, já que tinha tantas ao dispor. Uma pontada inesperada de ciúmes
irracional espalhara-se através do meu peito, obrigando-me a me mover sem
lançar um olhar ao redor para procurá-lo, pois certamente descobriria que ele
estava mais uma vez rodeado pelo próprio harém.
Perto da porta de saída, vi Larissa se pavonear vestida com uma roupa de
couro exageradamente colada e um par de saltos assassinos. Suspirei, ainda
mais cansada. Apesar de ser minha prima, não erámos parecidas em nada, e
talvez por isso nunca tivéssemos nos dado bem. Especialmente após o ensino
médio, quando ela viera para capital concluir os estudos e mesmo que não
tivesse chegado a terminar a graduação na faculdade, se formara em
vadiagem e passou a tratar o resto da família com certa arrogância,
conferindo-lhe um status permanente de vadia babaca.
Apesar de pouco nos falarmos, nas raras ocasiões que nos encontrávamos,
sua mãe me disse que ela ficaria feliz em me ceder um lugar para que eu
ficasse enquanto não arranjava o meu próprio espaço, e depois disso
conversamos por mensagem algumas vezes para finalizar os arranjos.
Acertamos de ela me pegar na rodoviária, mas ao lhe mandar mensagem
na última parada avisando que estava chegando, ela me respondeu que tinha
uma “emergência” e acabei tendo que gastar uma fortuna com Uber apenas
para transportar-me para aquele antro de imoralidade que ela chamava de
trabalho. Algo me dizia que a “emergência” tinha tudo a ver com o fato de ela
não estar a fim mesmo de se dar ao trabalho de me buscar, e não com o
emprego.
Depois de pegar minhas duas malas, acelerei os passos e, ignorando a cara
de antipatia e desgosto que me dirigiu, puxei-a para o lado.
— Ei! Sei que está ocupada. — Desembolsei todo autocontrole que pude
reunir e para não soltar uma piada. — A festa está muito divertida e tudo, mas
estou cansada. Você poderia me passar a localização do seu ap e todas as
instruções de como chegar, e me entregar uma cópia da chave? Daí não
precisa mais se preocupar comigo.
Encontrar um lugar para morar naquela cidade se tornara uma tarefa muito
difícil. Desde que fui contratada pela agência onde trabalharia, estava em
busca de algum imóvel em potencial para alugar, mas ou era caro demais ou
ruim demais. Apesar de a internet facilitar a vida de formas indiscutíveis,
aquele era o tipo de coisa que se fazia pessoalmente. Além do mais, o risco
de concretizar um aluguel pela internet era tamanho, os incontáveis golpes
que as pessoas recebiam diariamente provavam aquilo. Eu certamente não
poderia arriscar a sorte, então por mais animosidade que sentisse, a oferta de
ficar uns dias sob seu teto era tipo um de milagre de Natal.
Por mais que sorrisse para ela, tentando a todo custo não demonstrar o
quanto a situação me irritava, algo em seus lábios se enrugando fez meu
sorriso morrer.
— Sobre isso… — titubeou, incerta, os olhos escuros pérfidos, sem
conseguir me encarar.
— Sobre isso o quê? — pressionei, dessa vez não conseguindo controlar o
tom quase colérico. Eu não precisava ser Sherlock[01] para saber que aquela
conversa não terminaria bem.
Larissa tombou a cabeça, de modo que pudesse me encarar, dissimulada,
soltou o ar pela boca com força exagerada, fingindo uma irritação que parecia
longe de sentir.
— Nada de mais. — Em sinal de descaso, abanou uma das mãos de unhas
excessivamente compridas, ainda assim, minha expressão não se aliviou. Para
mim estava claro que havia sim alguma coisa que ela enrolava para contar.
Larissa era alta e bonita, mas a maneira que se portava e vestia tirava um
pouco da beleza, tornando-a um tanto vulgar. Eu não era do tipo de mulher
machista, nem costumava julgar ninguém pelo que vestia, mas Larissa…
bem, ela era a razão pela qual nós, mulheres, tínhamos que nos munir para
tentar defender-nos no dia a dia.
— Você terá que ficar em um hotel por algumas noites, porque meu
namorado chegou de viagem sem avisar. — Ela revirou os olhos, como se
fosse um pequeno detalhe sem importância, nos lábios, um sorriso levemente
debochado, não deixando negar que estava adorando aquilo. — Sabe como é,
né? Precisamos de um pouco de privacidade… Assim que ele partir
novamente, você pode ir para lá.
— O quê? — lancei, meu tom de pura descrença, fios de pânico
enrolando-me, me cercando tipo novelos de teia de aranha. — Você está
querendo dizer que não tenho para onde ir? — a pergunta saíra mais como
um gemido do que uma dúvida.
— Não. — Ela rolou os olhos, impaciente, balançando a cabeça,
claramente bêbada. — É só por alguns dias…
— Alguns dias? — repeti, estupefata. Nunca tinha me visto tão tentada a
dar cabo de alguém quanto naquele momento.
O choque me atingiu mais do que deveria. Contudo, viera seguido de uma
cólera sem precedentes, que me fez cerrar os punhos com força para não
socá-la e trincar o maxilar a ponto de me fazer sentir dor, os lábios travados
numa linha dura.
Talvez fosse melhor assim e eu devesse manter a língua dentro da boca,
então respirar fundo, contar até mil e não permitir que o espírito homicida
que me rondava se apoderasse do meu corpo e me dominasse por completo.
Talvez devesse seguir minha vida, apenas virar as costas para aquela vaca e
partir, sem me preocupar em ser grata a alguém que não merecia nada de
mim, nem mesmo um segundo do meu tempo. Todavia, claro que não foi
como me senti.
— Você sabe que viajei o dia inteiro, sequer tenho um lugar para ficar,
porque estava confiante de que esse assunto estava resolvido! — gritei,
lembrando-a da minha situação, ainda assim Larissa não pareceu satisfeita. —
Por que não disse apenas que eu não poderia ficar na sua casa? Se tivesse
dito, teria dado um jeito e não a incomodaria! — fui ácida propositalmente, o
rosto repuxando em uma careta pirrônica. — Como espera que eu consiga me
arranjar em uma cidade que não conheço, depois da meia-noite? — foi o que
consegui perguntar, dado meu ceticismo, raiva e estupefação.
— Você não é idiota, prima, muito menos criança. Pode se virar sozinha.
— E sem mais, simplesmente partiu.
Continuei a encará-la enquanto se afastava, atônita, ainda afogada em
perplexidade, sem fazer ideia do que faria dali em diante. Eu simplesmente
não podia acreditar no que estava acontecendo.
Meu Deus! Como fui me meter naquela furada?
A música ao meu redor ainda pulsava, as pessoas amontoadas dançavam,
felizes, completamente alheias ao meu dilema. Se aquela garota odiosa que
compartilhava do mesmo DNA que o meu tivesse dito antes, teria
providenciado ao menos um hotel, mas não, ela quis me sacanear e além de
ter me feito esperar por horas, me dispensou, deixando-me sem teto algum
para passar a noite.
Tudo bem que eu tinha como me virar, na minha conta bancária havia uma
quantia razoável de dinheiro poupado e não me restaria apenas buscar abrigo
na rua ou em bancos de parques. Poderia procurar na internet por um hotel
decente e ir de Uber até lá, mas ainda estava chocada demais pela traição da
minha odiável prima.
Apesar de não estar muito entusiasmada com a ideia de viver sob o mesmo
teto que ela, tinha sonhado que as coisas seriam diferentes desde que tive o
resultado do concurso de publicidade do qual participei e, como prêmio,
recebi a oferta de emprego em uma das maiores agências de publicidade do
país. Era a oportunidade da minha vida, ter de conviver com ela, mesmo que
por alguns dias, já parecia ruim o suficiente. Todavia nada se comparava à
rasteira que minha própria prima me dera.
Filha da mãe asquerosa!
Decidida a não me acovardar diante da primeira pedra em meu caminho,
tornei a pegar minhas malas e segui adiante, navegando com dificuldade pelo
labirinto humano. A tarefa de passar por entre as pessoas se tornou árdua,
quase como mover rochedos, e a vontade era de gritar minha frustração, mas
concentrei-me apenas em sair do lugar o quanto antes.
Passando à entrada da boate, o orvalho fresco batizou-me com o perfume
noturno da cidade grande. Pisquei algumas vezes, completamente aturdida
pelo rumo que minha vida tomara. De tantas coisas que pensei enquanto
idealizava a primeira noite na capital, me ver sem lugar para ficar e sem
sequer saber para onde ir não era uma delas.
Soltando o ar com força pela boca, me vi fechar os olhos quando a mala
maior caiu no chão por causa do peso e cortou um belo talho no meu
tornozelo.
— Era só o que me faltava — deixei escapar, com um suspiro denso, e
tornei a arrastar as malas como se realmente tivesse algum lugar para ir.
Embora me encontrasse decidida a não me afastar muito da entrada, afinal,
a boate tinha ao menos os armários parados à porta para me manter em
segurança enquanto deliberava, precisava de um tempo para pensar
racionalmente em qual próximo passo daria.
Um carro com som alto passou por mim, os caras no interior deviam se
achar muito corajosos para soltar piadinhas escrotas e machistas direcionadas
a mim, mas ao contrário do meu normal, não dei um segundo de atenção.
Apenas o dedo do meio.
Um pouco longe, os sons de uma sirene transformam-se em minha mente
para um grito assustador e outro suspiro derrotado me escapou.
Em que merda você se meteu, Paula?
Sentia o corpo tremular devido à força da ira que o percorria. Em conjunto
com meu estado consternado, completamente mortificada, os sentimentos se
espalhavam pelas minhas veias como pólvora, deixando-me incapaz de
reagir. Isso tudo somado ao vento lambendo a ferida no meu tornozelo com a
língua gelada, fazendo-me arrepiar e tudo se tornar ainda mais intenso,
assustador.
Nunca estive sozinha antes. Especialmente em uma cidade estranha, onde
não conhecia ninguém e sem ter ou fazer ideia para onde ir. Via-me perdida,
presa numa armadilha, e pela primeira vez na vida tive noção do mundo cruel
que me abria os braços nefastos.
Um casal à minha esquerda ria enquanto se abraçava e resfoleguei,
invejando a alegria deles. Tinha que fazer alguma coisa para resolver minha
situação de merda, não podia ficar simplesmente parada.
Um sinal divino, foi o que acreditei ser, ao ver Caio. Acompanhado da
ruiva magra, que tinha visto no colo dele mais cedo, ele parecia ainda mais
impressionante fora da penumbra da boate.
E feito uma mariposa atraída pela luz, nossos olhos se encontraram, a
energia refletida naquele instante ocasionando uma descarga elétrica
emocionante pelo meu corpo. Não os desviamos, até que o dele desceu para
minha mala, um vinco se formando em sua testa, os lábios franzindo em
seguida. Tentei conter a sensação de explosão no estômago pelo calor que me
acometeu, mas fora em vão. Sobre os saltos estúpidos que calçava, escorei-
me na alça da mala como se, de repente, minhas pernas tivessem se
transformado em gelatina.
Caio sussurrou algo no ouvido da mulher e decidi fingir costume,
demonstrando uma naturalidade que estava longe de sentir. Afinal, era uma
sem-teto cheia de malas no meio da rua, morta de fome e ainda por cima
estava sangrando.
Com uma elegância calculada, ele se deslocou até findar a distância entre
nós. Então impôs sua presença, tamanho e sedução, tão malditamente
próximo e intoxicante, que fui forçada a levantar os olhos para encarar os de
lince.
— Nos encontramos novamente, linda — o tom de Caio era calmo,
levemente rouco, contrariando o sorriso torto, um tanto arrogante, mas que
ainda assim me desarmara completamente.
Por sobre o ombro do cara, assisti ao momento que a ruiva magricela
voltava para a boate batendo os pés, uma verdadeira criança mimada que
perde o jogo. O que acontecera. A conclusão de que a garota fora dispensada,
inevitavelmente, me fez sorrir, embora não entendesse por qual motivo
sentia-me regozijada.
— Você decepcionou a mulher — provoquei quando voltei a encará-lo,
elevando o queixo, embora a perplexidade moldasse cada sílaba.
Ele não era um maldito jogador?
— Ela sobreviverá. — Ele parecia animado demais para quem recusara
uma transa e o tom levemente debochado nem tentou disfarçar o quanto.
Incerta, procurando-me blindar da névoa de sedução que o cara projetava,
cruzei os braços quando dirigiu-me um sorriso de canto, os olhos um tanto
enigmáticos, e sem pedir licença simplesmente pegou minhas malas. — Além
do mais, prefiro mesmo ter você como companhia, minha linda.
Um detetive de uma série de histórias de ficção.
CAIO
CAPÍTULO
DOIS

O tapete azul levemente salpicado de estrelas funcionava como uma


moldura para lua enorme que brilhava acima de nós. O tempo estava fechado,
nuvens escuras passaram a encobrir o céu, uma ameaça empírica de chuva e
como toda cidade grande construída e revestida de pedra e cimento, aquilo
não podia significar outra coisa, senão caos.
Depois de um dia daqueles, estressante, para dizer o mínimo, fugir do
pandemônio que as ruas se tornariam dentro de pouco tempo deveria ser o
suficiente para me fazer dar a noite por encerrada e ir para casa. Afinal,
alguns prenúncios costumavam decorrer concomitantemente a grandes
desastres da natureza.
Já dizia o ditado, depois da tempestade vem a bonança, todavia, por
alguma razão desconhecida, aquilo acontecera antes da primeira gota de água
cair do céu, mais precisamente quando a encontrei. Paula Maia era o nome
dela, assim como também era a responsável por fazer qualquer chance de
mau agouro parecer temporariamente interrompida.
Hipnotizado, foi como me senti ao pôr os olhos nela pela primeira vez.
Linda demais, brilhante como poucas que já conheci, ela parecia a
personificação de uma deusa, em um inferno de um corpo quente e delicioso,
tentador, uma promessa nociva de loucuras tanto na cama como fora dela.
E, puta merda, eu amaria embarcar naquela viagem perigosa!
Bastava apenas um olhar nela para saber que a mulher não era do tipo
apenas para transar, apensando o fato de ela ter deixado aquilo bastante claro.
Ela era inteligente, perspicaz, engraçada para caralho e sedutora de uma
forma natural.
Convencê-la a sair comigo, mesmo que tivesse dado a minha palavra – e
praticamente todos os meus dados para que soubesse que eu não era nem
psicopata ou estuprador –, que não estava contando que transaríamos, não foi
fácil. Desconfiança deveria ser seu sobrenome, e com o tom de aviso e o
dedo reprovador na direção do meu rosto, passei a achar que eu tinha mais a
temer do que ela. Estava claro como água que a garota era um belo desastre
encoberto por uma casca angelical.
Embora permanecesse linda aos meus olhos, Paula estava claramente
cansada e com fome, e como dizia George Eliot: “Ninguém pode ser sábio de
estômago vazio.” Muito menos feliz, então achei por bem levá-la para se
alimentar antes de qualquer coisa. E se fosse sincero comigo mesmo, também
queria prolongar o tempo juntos.
Entrando no estacionamento de uma hamburgueria tradicional da cidade,
diminuí a velocidade até quase parar.
— A essa hora não conseguimos nada melhor que isso. Prefere o Drive-
thru ou fazer a refeição lá dentro? — perguntei, embora não me sentisse nem
um pouco inclinado a dividi-la com qualquer outra pessoa.
Parecendo deliberar, ela inclinou a cabeça para o lado, inspecionando o
local, fazendo os cabelos escuros espalharem-se por sobre o ombro, como
uma cortina negra macia. Os olhos castanhos brilhavam como os de uma
criança danada, à espreita da próxima traquinagem.
Instintivamente, vi-me tentado a me aproximar para alcançá-la e tocar
como gostaria de ter feito desde que pus os olhos nela, todavia, por mais
doloroso que fosse, ainda que as mãos coçassem, a pele ardesse e o corpo
queimasse para fazê-lo, com uma força hercúlea consegui resistir à tentação.
Suspirei, sentindo-me inesperadamente compelido a não agir no meu
normal, porque se fosse outra qualquer, já estaria colocando-a no táxi após ter
dela o que gostaria. A verdade é que desde que a vi tive o pressentimento de
que meu autocontrole seria colocado em xeque e teria que aprender a resistir,
tolerando os níveis absurdos do quanto aquela menina mexia comigo.
Paula era diferente de qualquer uma que conheci, não era do tipo que
voluntariamente caía de joelhos – nem mesmo no sentido sexual da palavra –,
e saber daquilo estranhamente só me fazia querê-la ainda mais.
Franzi o cenho lembrando-me de um professor que certa vez disse algo
sobre ser um mito o sexo atravessar as mentes dos homens a cada sete
segundos. Eu discordava, especialmente depois de conhecê-la, pois tudo em
mim ardia com a necessidade dela. Mas talvez pudesse ter, pela primeira vez
na vida, paciência, certo?
Precisando mudar o rumo dos pensamentos, me vi imitando o que ela
fazia, encarando a lanchonete com escrutínio intrigante. Certamente
desconfiada do silêncio que nos rodeava, Paula virou para mim, piscando
rapidamente os olhos sob longos cílios escuros, a testa pequena franzida
sutilmente.
— Acho melhor entrar. — Deu o seu melhor para manter a voz baixa,
contudo o fato de vê-la cerrando os olhos brevemente, reticente, evitando-me,
me dizia que ela estava longe de se sentir relaxada.
Talvez devesse me mostrar um tanto insultado pela desconfiança, mas nem
questionei. Afinal, para ela eu ainda era um completo estranho, era a primeira
vez que me via, entendia a reticência e não tinha argumentos para questionar,
claro, porque no mundo que vivíamos até mesmo conhecidos eram capazes
de surpreender e cometer atrocidades.
Ainda que tivesse tentado fazê-la se abrir, Paula não dissera muito sobre
si. Apenas confessou que mentira sobre ter um noivo, o que eu sabia desde o
instante que falara mais cedo, naquela noite. Além disso, apenas comentou
que estava à procura de um hotel, pois aparentemente a prima que lhe
deixaria passar alguns dias na casa dela, até encontrar seu próprio lugar,
simplesmente a deixara na mão.
Apesar de parecer arredia em um primeiro momento, não estava
acostumado a garotas como ela: fortes, determinadas, daquelas que pareciam
ter o diabo nos quadris. Quando se tratava de mulheres gemendo e gritando,
sim, sabia bem como lidar com elas, porque eu dominava o que fazia e era
apenas aquilo e nada mais. Contudo, aquela linda mulher preocupava-me um
pouco. A bem da verdade, me aterrorizava também, pois fazia-me sentir
inseguro, cheio de dedos, como se estivesse fazendo algo de muito, muito
errado.
Após estacionar, adentramos o lugar e fizemos nossos pedidos. Confesso,
fiquei surpreso de ver que ela não era daquelas que se importavam com o que
comia ou faziam aquilo apenas para impressionar um cara, entupindo-se de
salada. Pelo contrário, a mulher deixou-me de queixo caído quando pediu o
maior combo que existia, além de um copo gigante de milk-shake com calda
dupla, e para completar ainda teve a sobremesa.
Quando vi que abriria a bolsa para pagar, tive que pará-la, minha mão na
dela impedindo-a de prosseguir.
— Não, pode deixar que eu pago. — Sacudi a cabeça de um lado para o
outro, enfatizando o que eu dissera.
— Nossa… Como é cavalheiro… Se soubesse que pagaria pela comida e
não eu, teria pedido mais coisas — ela soltou, levando a mão ao peito, de
modo teatral, enquanto o rosto bonito me encarava com ironia.
Gargalhei com vontade, impressionado com o quanto ela era verdadeira.
Talvez o seu jeito de ser fosse uma das coisas que mais me impressionavam
nela em um primeiro momento. Em especial nos tempos de hoje, em que
víamos cada vez mulheres mais fúteis, superficiais, mas ela não. Ela era
mesmo diferente de todas as outras.
Sem esperar por mais uma provocação, entreguei o cartão à funcionária do
caixa. Enquanto esperávamos pelo pedido, a peguei inspecionando-me com o
que eu esperava em Deus ser luxúria, ou desejo, e não arrependimento por ter
aceitado a carona.
— Sério. Você é tão bonita que quase chega a ser ilegal, linda — soltei
com calma, mais como um fato do que algo inventado apenas para levá-la
para a cama. Acho que tanto eu quanto meu pau chegamos a um acordo de
que aquilo não aconteceria aquela noite.
Então aconteceu algo realmente interessante: Paula corou fortemente e
aquilo me trouxe um calor gostoso no peito. Não conseguia me lembrar da
última vez que vi uma mulher corar. Afinal, as mulheres costumavam vir
atrás de mim, decididas a pegarem o que queriam, e para isso timidez estava
completamente fora de questão, quando o assunto era fisgar o “homem
fodão” que me tornei.
— Obrigada… eu acho. — Ela desviou o olhar para a janela, como quem
tentava manter a naturalidade.
Foi impossível resistir ao impulso de observá-la melhor, a pele clara, os
perfeitos lábios cheios, o corpo de parar o trânsito que trazia uma queimação
em meus músculos, assim como o estômago embrulhado, que não tinham
nada a ver com o álcool que bebi durante noite. Mas a merda ainda maior era
no peito, pois tudo nela fazia meu coração bater forte, quase como um alerta
de que eu poderia quebrá-lo novamente.
Nossa comanda foi chamada e me levantei para ir pegar a bandeja com
nossos pedidos. Logo voltei e, sentados um de frente para o outro, com
apenas a refeição e tudo o mais que não sei dizer o que significava entre nós.
— Isso é realmente bom — a voz satisfeita me dizia que ela realmente
queria dizer aquilo enquanto mastigava o gorduroso hambúrguer duplo de
três andares que fora sua escolha.
— Sim. É muito melhor do que qualquer hamburgueria famosa — tomei
um gole rápido do refrigerante e decidi tirar um pouco mais dela. — Então,
de onde vem?
— Franca — enquanto respondia, notei-a brincar com a fina corrente de
ouro no pescoço, o gesto tão casual, que ela sequer pareceu se dar conta do
que fazia. — Fiz faculdade lá, porque estava em casa. — Parando um
segundo para sorver um pouco da bebida, continuou: — Consegui uma vaga
de emprego depois de ganhar um concurso nacional de marketing. Você
sabe… — Ela deu de ombros. — … ainda é meio assustador sair do interior
para a cidade grande. Todos na cidade só saem de lá para casar ou estudar,
mas voltam logo depois de se formarem. Minha família meio que estava
torcendo para acontecer comigo a primeira opção.
— Casamento? — testei, um tanto ácido antes de começar a rir. — Boa
sorte com isso. — Dei uma mordida grande no sanduiche em minha mão e
mais um gole do refrigerante, como se, de repente, se tornasse um pouco
difícil para se engolir.
Sem que pudesse evitar, um nó havia se torcido em meu estômago, como
se algo muito ruim me engolfasse por completo. Era sempre assim quando o
assunto era aquele, não importava de fato com quem falava ou quem era o
motivo da conversa, ainda assim me fazia sentir miserável. O que era
ridículo, pois estava mais do que na hora de aquilo deixar de ser um tabu para
mim, principalmente quando estava na frente daquela mulher linda, que não
deveria derrubar tão rapidamente quaisquer falsas fantasias matrimoniais que
poderia ter.
Tudo bem se ela quisesse usar aquilo como uma espécie de fetiche, pois se
havia uma coisa da qual eu tinha certeza, era de que ficaria feliz em estrelar
qualquer maldita fantasia que estivesse disposta a me envolver.
Mordiscando as batatas fritas, ela me ofereceu uma e aceitei, afinal, não
havia muita coisa dela que não aceitaria, caso me oferecesse.
— Não preciso nem perguntar para saber que um casamento está fora dos
seus planos. Afinal, você é um jogador — emitiu em reconhecimento, as
palavras sendo ditas como sendo um fato, e me vi franzindo o cenho,
meneando a cabeça de um lado ao outro.
— Por que pensa que sou um jogador?
Não que aquilo fosse mentira, mas pela primeira vez dei-me conta de que
era realmente a verdade. Eu havia me tornado mesmo um jogador. E
enquanto pensava sobre a quantidade de mulheres e jogos que tive ao longo
dos anos, ponderei por um momento ou dois sobre aquilo.
— Eu não penso, você simplesmente é. — Olhando para mim de modo
provocador, ela disse sem palavras o desafio implícito de que eu tentasse
levá-la para a cama, ao mesmo tempo em que bebia tranquilamente o milk-
shake de chocolate com calda dupla extra.
Meu olhar mergulhou no decote dela, apreciando os seios cheios,
redondos, de aparência incrivelmente macia, e meu pau, lógico, passara a agir
como a cabeça pensante, pedindo uma atenção indesejada para o momento.
Era a luxúria agitando-o como uma vingança, daquelas que aqueciam, quase
nos enlouqueciam, do tipo de desejo que nunca traria nada de bom. Ou seria
bom demais…
Remexendo-me sobre a cadeira, limpei a garganta subitamente seca,
sentindo-me aliviado por ter a mesa cobrindo minha indiscrição, afinal, as
coisas pareciam se tornar mais virais dentro do jeans.
— Não foi difícil descobrir — admitiu, esboçando um leve sorriso, o
timbre baixo, quase como se ronronasse. — Teve várias mulheres penduradas
em você durante a noite.
Enquanto sorria de lado, alcei a sobrancelha, observando-a com interesse
genuíno.
— E sabe disso também porque apenas um jogador conhece o outro…
então você também é uma jogadora?
Em um primeiro olhar, eu diria que Paula Maia estava longe de ser uma
jogadora e, infelizmente para mim, praticamente fora da corrida para ser uma
colega de vadiagem. Afinal, a mulher era toda segura, sexy, determinada,
como uma diaba sobre saltos. No entanto, algo me dizia que era apenas a
casca de quem era de verdade, talvez fosse sua forma de defesa. Então aquilo
significava que Paula não era alguém para se envolver de maneira casual.
Pena que não estava no mercado atrás de uma namorada, se estivesse, com
certeza seria alguém como ela que gostaria de ter para chamar de minha.
— Não precisa responder, posso ver que o sarcasmo e o jeito de menina
malvada que não pode ser subjugada são apenas a sua armadura — cochichei
para ela, que abriu a boca em espanto, o rosto ganhando um tom rubro que a
deixara com aparência ainda mais sexy, inocente.
— Você está certo. — Limpando a garganta, ela levou outra batata para a
boca em seguida, prolongando minha espera, enquanto mastigava
vagarosamente o alimento. — Não sou uma jogadora. — Sorrindo, uma
pequena covinha se formou em sua bochecha esquerda, enquanto falava
aquilo como uma provocação. — Mas se quisesse eu poderia ser.
Maldita!
Quando ela se inclinou para frente, o decote magicamente aumentou e de
repente meu pau apertou ainda mais dentro do jeans.
— Embora… — Mordendo o lábio inferior, provocadora, senti meu pau
perder a batalha para ela. — … eu não tenha tido muitas experiências quando
o assunto são homens.
Ela estava falando sério? O que diabos havia de errado com os caras da
cidade dela?
— Sério? — quis ter certeza, afinal, a mulher era um espetáculo e não
havia como não passar despercebida aonde quer que fosse.
— Sim. — Ela deu de ombros, antes de voltar a mordiscar o lábio, e
gostaria de fazer aquilo eu mesmo, para então explorar aquela carne suculenta
com a língua.
— Então não deveria ficar surpreso caso me dissesse que também é
virgem — soltei espantado, com os olhos arregalados ante a constatação, as
palavras saindo da minha boca antes que pudesse impedi-las.
Merda! Não acredito que tinha dito mesmo aquilo em voz alta!
Talvez não devesse ir até lá. Afinal, não era da minha conta a sua vida
sexual ou a falta dela. Contudo, alguma coisa em mim parecia querer se
certificar de tê-la bem longe de mim.
A virgindade dela deveria ser o que precisávamos para ter a certeza de que
ela estava segura contra eu querer me resolver sexualmente. Aquela mulher
linda certamente precisava de algum bom garoto para ter um relacionamento
e não alguém como eu, que como ela mesma afirmou, não passava de um
jogador.
E convenhamos, era uma informação realmente chocante, seria difícil de
superar.
— Ei! Ser virgem não é tão ruim assim. Muito menos uma sentença de
morte! — apressou-se em me repreender, irritada. — Mas não, não sou
virgem. Apenas não tenho muita experiência. — Sua indignação aumentou e
icei a sobrancelha, incerto, sem tirar os olhos dela. — Além disso, talvez eu
deva mesmo fazer o que todas as mulheres da minha idade fazem e sair por aí
apenas para fazer um pouco de sexo. — Ela parecia certa do que falara, o que
obviamente me fizera rir.
Ok, ela não era mais virgem, contudo, ainda era muito inocente para
alguém como eu!
— Posso ter te conhecido agora, linda, mas tenho certeza que não é o que
quer — comentei, bebericando o refrigerante gelado, voltando a morder o
hambúrguer em seguida.
Parecendo insultada, ela se remexeu na cadeira, os olhos brilhantes,
perigosos, como se tivesse acabado de escutar um desafio.
— Por que não? Talvez eu queira mesmo isso. Talvez esteja cansada de
ser certinha e queira me tornar uma jogadora, assim como você é. Uma
versão feminina, melhorada e superior sua, claro. — Sorrindo, ela pareceu
reassumir o controle que tanto gostava de ter e passara a zombar de mim.
— Versão feminina minha? — testei, o conceito dela era intrigante, mas
não estava mesmo acreditando naquilo e duvidava que ela estivesse.
— Talvez deva mudar as coisas para mim… — Dirigindo-me um sorriso
maroto, ela passou a brincar com o canudo enquanto prosseguia, comentando
seu brilhante plano: — … começar a curtir tudo que o mundo carnal tem a
oferecer. Sabe, como um experimento social e de quebra criar memórias,
conhecimentos…
— Você está mesmo falando sério? — Tentei muito não rir, mas ouvindo-
a falar daquele jeito desapegado, ficava difícil de fazê-lo.
— Sim, talvez tenha chegado o momento de aproveitar a sensação de me
tornar uma predadora do sexo feminino. Direitos iguais, meu querido.
— Você quer mesmo fazer isso? — eu quis saber, ainda em dúvida se ela
falava mesmo a verdade. E quando assentiu, logo me apressei a dizer: — Se é
realmente o que quer, sou voluntário a ajudá-la nessa empreitada.
— Hm… Talvez você pudesse me ajudar mesmo — soltou, um tanto
pensativa e não entusiasmada com o meu voluntariado como gostaria que
estivesse.
— Sim, claro que posso — não hesitei em falar, rápido demais, talvez,
ansioso também, meus olhos ainda grudados aos dela, esperando por mais.
Tentando disfarçar a ansiedade que me acometeu, tomei mais um gole rápido
da bebida.
Deus, desde quando era tão inseguro?
— Bem, então terá que me provar se pode mesmo me ajudar — ela disse
de forma sedutora e então me lançou um olhar cheio de segundas intenções
que me fez resfolegar e engolir em seco em seguida.
Puta que pariu!
Paula não apenas aceitara meu voluntariado, como também acabara de
emitir um desafio. Talvez devesse parar agora, tirar aquela ideia estapafúrdia
da sua cabeça ou simplesmente deixá-la seguir o próprio caminho, no entanto
não consegui. Eu queria mais…
— Tem certeza? — Encarei-a, esperando que dissesse estar brincando,
mas pelo contrário, ela meneou a cabeça concordando, fitando-me, e
permaneceu séria mesmo sabendo que estava praticamente assinando um
pacto com o diabo. — Já que é o que quer realmente, então acho melhor
começarmos agora. Vamos — apressei-me em dizer, empurrando a bandeja
praticamente intacta para o lado, levantando-me em seguida, sem dar uma
segunda chance à minha consciência de pesar o assunto ou que a razão me
fizesse mudar de ideia.
Aceitando a mão que estendi para ela, seu repentino embaraço e timidez
atípica deixaram-me com fome por muito mais do que comida.
— Aonde vamos? — ela quis saber em um sussurro enquanto me seguia.
E mesmo correndo o risco de vê-la correr para o convento mais próximo,
sorri perverso ao dirigir o olhar para ela ao responder:
— Para a cama.
PAULA
CAPÍTULO
TRÊS

Ainda trêmula depois daquele convite, observava pela janela do carro em


movimento a lua escondida atrás das nuvens enegrecidas, assim como passei
a ter vontade de fazer desde que saímos da lanchonete. Completamente
concentrado, Caio conduzia o veículo pelas avenidas desertas iluminadas
pelos postes, os poucos transeuntes provavelmente apenas iniciando a
madrugada badalada.
Não importava qual a minha idade, se era jovem ainda, aquela
definitivamente não era minha ideia de divertimento… Ficar enrolada em um
cobertor, lendo um bom livro ou apenas assistindo à Netflix, isso sim
combinava comigo. Contudo, eu estava longe de casa ao lado de uma pessoa
que conheci há poucas horas.
Mordiscando a unha, ousei dar uma espiada em Caio, que diferente de
mim cantarolava uma canção junto à rádio e tinha os olhos brilhantes de
excitação. Ainda não fazia a mínima ideia para onde estava me levando,
talvez devesse temer, afinal, apesar de as informações que me dera ainda era
um completo desconhecido, no entanto, não era com medo que me sentia. Na
verdade, estava mesmo era ansiosa. Especialmente se fosse fazer exatamente
o que eu queria.
Pareceu uma eternidade antes de finalmente pararmos em frente ao
luxuoso condomínio e quando desligou o carro, ele se virou para me encarar.
— Eu moro aqui. — Ele apontou para torre espelhada de um enorme e
opulente prédio. — Você disse que estava à procura de um lugar para morar e
há um vago aqui, a chave está na recepção. — Sorrindo, ele parecia não
querer dizer mais e alcei a sobrancelha, tentando entender o que aquilo
significava.
Afinal, ele não havia me levado até ali por outro motivo?
— Obrigada… Eu acho — titubeei, uma careta se formando em meu rosto
enquanto ponderava. — No entanto, não preciso nem perguntar qual valor
para saber que não tenho dinheiro para o aluguel — eu me vi confessar,
porque era obvio que pagar por algum imóvel naquele prédio estava fora da
minha alçada. E tinha certeza que ter um caso com um cara anormalmente
bonito também não me ajudaria a fazê-lo. O que, claro, jamais aconteceria
por tal motivo.
— Não se preocupe com isso, o apartamento é meu. Foi meu primeiro
imóvel quando saí de casa. Gosto tanto do condomínio que acabei comprando
um maior assim que pude. Pode ficar o tempo que precisar, e já que está
preocupada com o aluguel, poderá me agradecer fazendo uma refeição ou
outra para mim. — Ele tombou a cabeça, de modo que pudesse me fitar
melhor, as palavras que dissera deixando claro que eu poderia ser a refeição
em questão. E embora aquilo tenha feito um arrepio correr minha pele, tornei
a içar a sobrancelha, esperando novas exigências.
Hesitei por um momento, buscando mil formas diferentes de recusar
aquela proposta, especialmente porque, apesar de ter chegado até ali, não
tinha tanta certeza de que era mesmo uma boa ideia. Se deveria mesmo me
arriscar por causa de uma estupidez dita no calor do momento. Só que talvez,
apenas talvez, uma noite só não doeria, certo?
Apesar de ser claramente um jogador e vez ou outra lançar uma indireta
que faria uma mulher inexperiente como eu corar, Caio não parecia mesmo
um psicopata sexual. Embora tenha meu pé atrás, e com razão, claro, meu
maior medo talvez se desse por não ter certeza se negaria caso ele decidisse
me atacar. Contudo, ele dissera que estaríamos em apartamentos diferentes,
certo? Então seria seguro. Qualquer coisa poderia dormir com uma arma,
com uma tesoura ou faca embaixo do travesseiro no caso de precisar me
defender.
Sem ter como negar, concordei, e sorrindo satisfeito ele conduziu o carro
para a garagem no subsolo. Depois de tentar ajudá-lo com minhas malas, o
segui até o elevador enquanto ele arrastava as duas sozinho. Chegando ao
andar da recepção, o acompanhei até o balcão, sentindo o frio gelado como
no Ártico do ar-condicionado, tornando ainda mais difícil o simples ato de
respirar.
— Boa noite, José.
— Boa noite, sr. Caio — o senhor moreno de aparência serena o
cumprimentou de volta e me vi franzir o cenho, pois havia acabado de
constatar que aquele era de fato seu nome e não fora uma identidade falsa que
me apresentara. Ao notar minha reação, ele deve ter adivinhado o que eu
pensara, pois o meio-sorriso irritante estava de volta.
— Você pode me passar a chave do 202? — ele pediu ao se virar de volta
para o rapaz que assentiu, antes de começar a fazer o que pedira.
Enquanto esperávamos, me vi sorrindo sem nenhum motivo aparente, ou
talvez estivesse apenas por pensar sobre o que poderia acontecer ainda aquela
noite.
— O que está pensando? — ele sussurrou a pergunta e minha cabeça
virou-se diante da profundidade da voz dele, e me vi presa no olhar de lince.
— Uh… nada. — Ele arqueou as sobrancelhas, duvidoso, mas nada disse.
O que agradeci.
— Por favor, avise a gerência que o lugar está temporariamente ocupado
— Caio pediu assim que o porteiro entregou o chaveiro identificado com o
número do imóvel e o homem assentiu.
Minhas mãos tremiam quando seguimos novamente até o elevador e as
portas se fecharam. O ar carregado de desejo se condensou ainda mais,
fazendo com que o clima até então frio esquentasse ao nosso redor. O cheiro
de Caio não me ajudou em nada, deixando-me tonta, completamente
indefesa. Assistindo ao instante em que ele fechou os olhos, tive certeza de
que não era a única que se sentia daquela maneira.
Santo Deus! O que era aquilo?
A eletricidade, o desejo, tudo estava lá, todavia parecia nitidamente mais
intenso de repente. Enquanto o elevador subia, disse a mim mesma para me
controlar, pois não poderia passar por aquilo sem que mantivesse o domínio
sobre meus sentimentos, quiçá passar mais do que um dia cobiçando aquele
jogador inatingível. Mas ao notar Caio respirando fundo, como se também
tentasse retomar o próprio controle, dei-me conta de que talvez estivéssemos
os dois perdendo aquele jogo.
Quando finalmente paramos no andar de destino, dei graças a Deus e saí
de lá sem um convite. Parados em frente a uma porta escura, ele a abriu e as
luzes se acenderam automaticamente. Quando me deu passagem, me vi
prendendo a respiração. Diante de nós, uma grande sala nos saudou, com
obras de arte espalhadas pelas paredes e móveis e objetos em tons escuros e
modernos, contrastando com as paredes e piso branco de granito. Poderia não
entender nada sobre o assunto, no entanto estava claro para mim que não foi
economizado em nada, nem em bom gosto e muito menos em dinheiro. O
lugar era muito bonito.
Ao fundo, janelas de vidro do chão ao teto nos davam uma vista de toda a
cidade. Do lado esquerdo, uma cozinha cheia de eletrodomésticos inox e
armários pretos. Sinceramente, esperava encontrar uma espécie de Quarto
Vermelho da Dor[02] talvez, um antro sexual aonde Caio levava as presas para
o abate, um local cheio de amarras, algemas e chicotes, mas, para minha
surpresa, não havia nenhum indício de um Christian Grey ao meu lado e
muito menos naquele imóvel impecavelmente lindo.
— Isso é… interessante — soltei, ao mesmo tempo em que contornava o
sofá de cor cinza e formato de “L”, onde caberiam confortavelmente umas
doze pessoas, e passei a observar o céu escuro através da janela, que em nada
deixava de abrilhantar a vista iluminada da cidade.
— O que é interessante? — ele quis saber, analisando-me com demasiada
atenção, e baixei a cabeça, sentindo meu rosto arder em constrangimento.
— Pensei que me traria para uma versão rica de abatedouro. — Ainda que
estivesse envergonhada pelos meus pensamentos tolos, levantei o queixo e
não hesitei em responder, os olhos grudados aos dele, esperando não ter
deixado transparecer minha decepção com aquele fato.
Caio riu… Quer dizer, na verdade, ele gargalhou com vontade, o que me
deixara verdadeiramente muito puta da vida.
— Por que diabos está rindo? — indaguei, quando comecei a me cansar
do seu total descontrole. Ainda assim, não obtive resposta, pois Caio
simplesmente continuou a rir e me senti uma completa palhaça.
— Você… — Ele não conseguiu completar, antes de voltar a soltar uma
gargalhada alta, jogando o corpo para frente, como se não pudesse se
aguentar, e eu bufei.
— Pelo visto sou hilária ​— comentei com acidez, franzindo a sobrancelha
e fazendo um bico contrariado enquanto cruzava os braços em frente ao peito.
— Sim, muito. — Gargalhou, demonstrando que aquilo não era verdade,
ao passo que eu pensava seriamente em pegar minhas malas e sair dali, afinal,
aquela decisão de aceitar a ajuda dele estava se mostrando um enorme erro.
Decidi que não perderia tempo com aquele cara, que nitidamente tinha
um parafuso a menos, no entanto, no final do corredor, vi algo que me fez
mudar de ideia na mesma hora.
— Você tem uma jacuzzi — lancei como se não fosse nada e não tivesse
acabado de cogitar a possibilidade de dar meia-volta e ir embora. Comecei a
ir em direção àquela maravilha, que também tinha uma vista fantástica da
cidade e parecia ter sido feita para eu relaxar sob a espuma.
— Sim. Eu tenho uma jacuzzi — ele disse com ares de riso quando se
juntou a mim, e naquele momento decidi ignorar seu rompante, afinal, havia
acabado de encontrar uma razão verdadeiramente forte para ficar. — Deixe-
me te mostrar o quarto — como se de repente o clima tivesse mudado, a voz
de Caio se tornou baixa, profunda, as sobrancelhas grossas se arquearam com
um ar misterioso de sedução enquanto ele me conduzia ao outro lado do
quarto, que ostentava uma cama enorme king size, que também tinha vista
para as avenidas iluminadas lá embaixo.
O quarto não era grande, porque, além da cama, só tinha uma TV de
última geração pendurada por um rack no teto e um closet ao fundo. Meus
olhos correram pelo ambiente, querendo ter certeza de que era realmente
inofensivo, e não vi nada que pudesse implicar um comportamento depravado
ou sadomasoquista, nenhum sinal de corda ou chicotes, o que não sei dizer se
me aliviou ou decepcionou.
— Eu amava esse apartamento, mas tinha lembranças demais e achei que
era hora de mudar — o tom sisudo e o sarcasmo habitual não estavam
presentes, dando lugar a um timbre sombrio, que me trouxe um enorme
desconforto. Ele pareceu notar, ou apenas o fez por si mesmo, pois limpou a
garganta antes de completar, tentando impor certa naturalidade: — Mas como
eu disse, gosto muito do prédio, pois além de ter uma excelente localização,
tem serviços de hotelaria, como restaurante, lavanderia, academia. É bem
prático.
Admirada com cada detalhe, meus olhos foram em todas as direções, e
notando meu estado de encantamento, os lábios dele se inclinaram para o
lado em um meio sorriso quando o flagrei olhando para mim de um jeito que
deveria ser proibido. Havia um calor crepitando nas órbitas claras, uma
intensidade tão forte, que foi possível sentir como uma carícia contra a minha
pele. Meus lábios se entreabriram, o pulso acelerou, batendo em cada pedaço
meu, e os músculos da barriga apertaram-se, trazendo uma acentuada
sensação capaz de me serpentear pela espinha, deixando meus joelhos
bambos.
Afastando-nos da névoa em que fomos envolvidos, ele desviou o olhar e
lambeu os lábios, como se de repente estivessem ressequidos e
instintivamente me vi imitando o gesto.
E como se nada tivesse acontecido, tornou a falar:
— O banheiro fica depois do closet. — Ele apontou atrás da cama e em
seguida para o criado-mudo ao lado. — O apartamento é todo automatizado e
você pode fazer quase tudo por esse controle. Inclusive na cama, pois conta
com mais de 15 opções de massagens diferentes. — Caio se inclinou para
pegá-lo e, quando me entregou, os olhos dele se prenderam aos meus e a dica
de um sorriso devasso apareceu em seus lábios.
Porra, por que ele tinha que ser tão lindo?
Não havia dúvidas, Caio era extremamente nocivo. Tinha certeza que um
cara como ele era sinônimo de perigo. Em especial falando de uma cama, que
não podia significar menos do que uma combinação muito, mas muito
arriscada.
— Então, você entendeu? — a voz masculina distante me tirou das
divagações e me vi assentir, mesmo que não tivesse a mínima ideia de com o
que acabei de concordar.
— Sim, claro… — Temi ter perdido as instruções de uso do aparelho,
quem sabe até mesmo com direito a uma sugestão de testarmos a qualidade
da massagem da cama macia, que parecia a cada segundo mais tentadora. —
Deve ser muito bom dormir nessa cama.
Deve ser muito bom dormir nessa cama? Sério mesmo que eu disse isso?
Tinha mais do que certeza de que essas palavras nunca foram proferidas
sob aquele teto antes. Na verdade, aposto que dormir era a última coisa feita
naquele covil depravado. E, bem, eu poderia ter acabado de arruinar as
chances de ter qualquer coisa parecida.
Depois de dar mais algumas instruções, voltamos para à sala e de repente
me senti completamente sem jeito.
— A geladeira está vazia, acho que seria bom ir ao supermercado. Tem
um na rua de trás, não é um hipermercado, mas lá você vai achar tudo que
precisa. — Meneei a cabeça.
— Obrigada. Mesmo, Caio. Você está salvando minha vida. Prometo que
não vou abusar da hospitalidade e amanhã mesmo vou atrás de algum lugar
para mim — agradeci em um sussurro e ele deu de ombros, como se não
fosse nada de mais.
— Não se preocupe com isso, já disse que pode ficar o tempo que quiser.
Mas não esqueça que vai ter um preço. — A última frase foi dita com um
sorriso perverso brincando em seus lábios, e um arrepio gostoso de ansiedade
me atravessou a espinha.
Engoli em seco e pensei sobre o que dissera, bem como no que aquilo
podia acarretar. No entanto, algo que ouvi pareceu mais relevante no
momento.
— Então… — comecei como quem não quer nada — você mencionou que
esse lugar te trazia lembranças demais. Posso dizer que isso significa um ex-
relacionamento ou algo assim? — indaguei, curiosa, esboçando um leve
sorriso, mas não recebi o mesmo em cortesia.
Caio se afastou, enquanto eu esperava por algo que satisfizesse minha
curiosidade, e quando tornou a falar, a voz dele voltou a ter o timbre sombrio
de antes:
— Nada que valha a pena ser lembrado — ele se limitou a responder,
sisudo, a expressão antes relaxada tornando-se séria, as veias grossas nos
braços se sobressaindo como cabos e os músculos inchando como se tentasse
conter o monstro dentro de si.
— Também não tenho nada para ser lembrado, afinal, para que isso
acontecesse, teria que ter vivido um e eu não tinha tempo a perder para isso.
Além do mais, essa coisa de relacionamento, de final feliz, está bastante
ultrapassada. Somos humanos, falhos, egoístas. Ninguém quer ser o
suficiente para alguém, só queremos a nossa própria felicidade. Por isso que
não existe frase mais certa do que aquela que diz que o amor é para os tolos
— comentei casualmente, e Caio fez uma careta desgostosa, embora tivesse
assentido em seguida.
Então os olhos claros fisgaram os meus, capturando-os como se tentasse
me desvendar, e algo que vi nos dele fez meu coração bater mais forte.
— Tão verdadeiro — ele disse baixo, triste, como se realmente quisesse
dizer aquilo, e mais do que isso, como se passasse a me enxergar de maneira
diferente.
Ele inesperadamente sorriu e outra vez me causou um alvoroço. A
impressão que tinha era de que uma sementinha estivesse crescendo dentro de
mim e nunca, em meus vinte dois anos, me senti daquela maneira. Ninguém
jamais causou algo como aquilo antes, nem mesmo cócegas, diferente do que
Caio me fazia sentir.
Respirei fundo, tentando acreditar que não era nada de mais. Que eram
apenas os superpoderes hormonais daquele macho alfa que surtiam efeito
sobre mim. Eram os feromônios, claro, realizando a troca obrigatória, capazes
de suscitar respostas fisiológicas e comportamentais, exatamente o que estava
acontecendo conosco. Era apenas tesão irracional e nada mais.
Só aquilo mesmo, nada para se preocupar!
Não precisava dizer que ele era lindo, Caio, sem dúvidas, deveria ter
certeza daquilo, afinal, difícil não ser consciente do que era, porque o cara,
além de ter um espelho, tinha toda confirmação que precisava com as
mulheres se jogando como loucas para ele. Então por que seria diferente
comigo? Afinal, eu não era cega e, assim como as outras, também deveria ter
necessidades – necessidades estas que foram ignoradas até conhecê-lo,
confesso, mas que encontraram naquele homem uma razão para aliviá-las.
Meu Deus! A que ponto cheguei para estar pensando sobre todas essas
besteiras?
— Realmente obrigada. — Fui sincera outra vez e ele piscou para mim em
resposta, charmoso, daquele jeito só dele.
— Não por isso. Não sou completamente inocente, linda, já disse que
tenho um interesse maior por trás de toda essa bondade. — Um sorriso
lascivo se moldou em seus lábios e tudo em mim passou a queimar.
O tom carregado não deixou espaço para discussões, muito menos a
insinuação sublinhada em cada palavra dita. Embora aquela intensidade toda
me assustasse um pouco, também meio que soava divertido. Na verdade,
pensar em tudo que Caio poderia fazer comigo em uma cama e fora dela
soava cada vez melhor. Suspirei, o calor tomando conta do meu corpo, a
respiração presa, e me senti tonta, completamente perdida na fantasia.
Claro que já tive caras que se interessaram por mim, mas a maneira como
Caio me olhava, como se eu fosse a coisa mais linda em que já pôs os olhos,
me agradava com uma intensidade estranha. Era como se eu precisasse
daquilo, como se ansiasse por ele, assim como cobiçaria um copo de água no
deserto. Nunca tinha sentido nada como aquilo enquanto o via me encarar
daquela forma penetrante, como se quisesse tanta coisa e não soubesse como
começar.
Meu coração batia de forma descontrolada e eu estava em chamas.
Queimando por dentro, os sentidos em todos os lugares, e me sentir daquele
jeito, tão viva, foi a melhor sensação que já experimentei.
— Paula… — A maneira como pronunciou meu nome, como se estivesse
preso entre uma maldição e uma oração, me trouxe borboletas ao estômago.
— … quando poderemos começar nossas aulas? — a pergunta foi feita com
aquele tom baixo, profundo, sedutor, daqueles que nos trazem uma excitação
tamanha com pouco.
— Você é o professor, e não eu — balbuciei em resposta, ébria,
subliminarmente deixando claro que estava à sua mercê.
Caralho! Praticamente dei-me de bandeja para ele!
— Acho que vou gostar dessa coisa de professor e aluna. — O olhar
cerrado e as pupilas dilatadas, bem como o sorriso pecaminoso, deixaram
mais do que claro que ele não era imune.
Eu também!, quis gritar, mas me limitei a engolir em seco, quando o vi
mergulhar os olhos no meu decote, nem um pouco interessado em manter
alguma discrição.
— Realmente acho que preciso de um professor, afinal, preciso de alguma
experiência no currículo antes de me tornar uma jogadora como você. E
quem melhor para me ensinar do que alguém formado nesse setor? — Dei de
ombros como se não fosse nada de mais. — Você sabe, preciso de prática,
preciso aprender a arte de trocar saliva, entre outras coisas.
Deus, como eu gostaria de começar a aula naquele instante e a praticar a
arte de transferência de fluidos corporais com ele!
Com um sorriso de troça, ele passou a me examinar por uma enorme
quantidade de tempo, como se quisesse ter certeza de que eu estava falando a
verdade. Aproximando-se devagar, ele segurou minha mão, antes de
pressionar os lábios sobre o dorso, num beijo suave e quente, deixando-me
trêmula de ansiedade. — Prometo ser o melhor professor — o tom sugestivo
deixou claro que estava falando a verdade e com o olhar cheio de segundas
intenções que lançou, me vi resfolegar.
— E eu, a melhor aluna — tomei coragem para dizer, embora não tivesse
tanta certeza de que estava pronta para ser tão corajosa. Afinal, além de ser
totalmente inexperiente, estava pensando em fazer aquilo com um cara que
mal conhecia, mas uma pequena parte de mim implorava para fazê-lo.
— Tenho certeza que sim. — Piscando para mim, ele se afastou e disse
algo que eu não estava esperando: — Acho melhor eu ir.
— É? — perguntei debilmente, sem acreditar no que ouvi, o estômago
afundando de apreensão pela resposta.
— Sim. Boa noite. Te vejo amanhã, linda — ele se despediu rapidamente,
então simplesmente foi embora, deixando-me completamente confusa, sem
entender o motivo da partida.
Caio me queria, óbvio que sim. Eu poderia ser inexperiente, mas podia
jurar que ele estava atraído por mim. Confusa e ainda um pouco excitada, me
forcei a tentar entender o motivo da atitude.
O que aquilo significava, afinal?
Caio era um jogador, um caçador nato, não podia realmente acreditar que
ele tivesse ido embora sem nem ao menos tentar se aproveitar de mim. Algo
na atitude inocente de partir não combinava com o que ele era de fato.
Mas o quê?
Talvez eu estivesse errada, talvez Caio não fosse um jogador como julguei
que fosse. Lá no fundo, esperava sinceramente que não. Porque se fosse, eu
teria um trabalho maior para driblá-lo, pois estava mais do que decidida a
vencer aquele jogo.
Famoso cômodo com apetrechos sadomasoquistas do personagem Christian Grey, o bilionário
protagonista da trama da Trilogia Cinquenta Tons da autora EL James.
CAIO
CAPÍTULO
QUATRO

Quando parti na noite anterior, estava mais excitado do que um


adolescente, pois com pouco Paula tivesse mexido comigo como muitas
outras tentaram fazer e não conseguiram. Aquela linda mulher era boa demais
para meu próprio bem e foi realmente difícil recuar, quando tudo de mim a
queria.
Fiz o certo, foi o que vinha repetindo para mim desde então. O melhor
mesmo era não ficar pensando sobre aquilo. Claro que era atraído por ela,
mas talvez não devesse ir adiante com aquela ideia estúpida de ensinar tudo
que ela dizia querer saber.
Porra! Por que inventei de aceitar aquela ideia mesmo?
No dia seguinte pela manhã, tentei manter minha rotina habitual ao
acordar, mesmo que tenha passado a madrugada praticamente em claro,
segurando-me para não voltar ao apartamento onde ela estava. O sonho
erótico que tive com ela como protagonista deixou a situação mais
perturbadora, aumentando ainda mais o desejo de me afogar naquela beldade.
Depois de ir para a academia, dei uma passada rápida no mercado e segui
para o 202. Algumas coisas dela estavam pela sala, então significava que não
tinha partido, como quis ter certeza assim que passei pela recepção do hotel e
perguntei ao porteiro se não acontecera. Provavelmente ela ainda estava
dormindo.
Enquanto preparava o café, foi difícil não fantasiar com a mulher.
Imaginei-a esparramada sobre a cama, nua, com os cabelos escuros
espalhados no colchão macio. E foi ainda mais difícil não ter vontade de
invadir o quarto para testemunhar aquela cena com meus próprios olhos.
Estava desligando a frigideira depois de terminar de preparar uma omelete
quando Paula apareceu. Caminhando vagarosamente em minha direção, ela
tinha os cabelos revoltos que davam a certeza de que havia acabado de
acordar e vestia uma longa camisa velha, que apesar de nem um pouco
bonita, deixava pouco à imaginação. Não que me importasse, claro.
O ar tornou-se denso, o calor de repente fervilhava-me a pele, como se a
mera presença dela pudesse despertar em mim as melhores e também piores
sensações.
— Achei que quem deveria fazer o café fosse eu. Afinal, tínhamos um
trato — resmungou, ácida, embora pelos olhos manchados de rímel e a total
falta de iniciativa em ir até a cozinha, em vez de se sentar no balcão, deixasse
claro que ela não estava se sentindo nem um pouco culpada por não ser ela a
fazer o café.
— Bom dia para você também, linda. Já vi que por aqui não há mau
humor pela manhã. — Fui irônico de propósito e quando recebi o dedo do
meio em resposta, me vi sorrindo sem motivo aparente.
— Bom dia — ela gemeu a palavra, e apesar do resquício de maquiagem e
dos olhos inchados, ainda assim ela não podia parecer mais sedutora e linda
para mim. — Não sou uma pessoa das manhãs. Demoro um pouco para
acordar. Preciso de um café para ajudar com essa tarefa — resmungou,
emburrada, antes de começar a encher a xícara com café preto.
— Talvez esse mau humor matinal acabe quando dormir comigo —
gracejei, fazendo-a gargalhar, dessa vez, e coloquei um prato recheado para
cada um.
— Não tenho tanta certeza, você tem cara de que ronca bastante — lançou,
abrindo o primeiro sorriso do dia.
Os olhos dela eram como dois diamantes brilhantes, fazendo com que
minha mente precisasse de um pouco mais de tempo para pegar no tranco. Eu
podia conhecê-la apenas há poucas horas, o que era uma loucura, pois não
parecia, mas não tinha dúvidas de que a mulher era incrível. Eu podia tê-la
levado para a cama, feito com ela tudo que tive vontade de fazer desde que
pus meus olhos nela naquela boate, mas não o fiz.
Por que será que tinha a impressão de que me sentiria como se estivesse
corrompendo uma virgem?
— Hoje é sábado, quais seus planos, linda? — indaguei casualmente,
vendo-a correr a língua sobre o lábio inferior, e meu interior pareceu queimar
como fogo.
Porra! Ela não tinha noção do que aquele simples gesto podia fazer
comigo?
A minha vontade mesmo era de acabar com qualquer preliminar e ir em
frente naquele instante, mas não podia ir com tanta sede ao pote, não quando
no final do arco-íris parecia haver uma recompensa ainda maior. Pensando
exatamente na recompensa final, fui rápido em tentar resistir ao desejo.
— Depois de passar no mercado para comprar algumas coisas, não tenho
nada para fazer. Além do mais, você é o professor, e eu, apenas a aluna ávida
para aprender. — Sorriu provocadora, reafirmando o que eu já sabia desde
que pus os olhos nela: eu estava ferrado!
PAULA
CAPÍTULO
CINCO

Por ser um sábado, o mercado estava um pouco tumultuado, o que acabou


demandando um pouco mais de tempo para as compras, que desejei encerrar
o quanto antes. Crianças corriam pelos corredores, tão animadas como na
manhã de Natal, enquanto os pais se apressavam em dominá-los, com medo
do que os filhos poderiam fazer.
Foi estranho ter Caio me acompanhando o tempo todo, como se aquilo
fosse normal para um homem como ele e não tivesse nada melhor para fazer.
Por vezes me peguei observando-o, memorizando cada pedaço dele ou os
pequenos detalhes do jeito dele de ser. De vez em quando o vi sorrir para as
crianças ou para uma senhora que passava, cada simples demonstração de
atenção aqueceu-me de uma maneira que não consegui explicar.
Não entendia o motivo de agir daquela maneira, mas a verdade é que tudo
sobre Caio passara a despertar o meu interesse e me assustava pensar
naqueles sentimentos quase que imediatistas.
Aquilo definitivamente não estava nos meus planos…
Poderia parecer insano da minha parte, mas decidi não lutar contra aquilo.
Pelo contrário. Apenas aceitei, e a cada instante ao lado dele, mais certeza
tinha. E quanto mais as tinha, mais o queria.
Deus, eu o queria mesmo!
Depois de ver minha mãe entrar e sair de uma enorme quantidade de
relacionamentos, terminando na maioria das vezes arrasada, passando meses
sofrendo pelo ex, até um novo interesse amoroso surgir e ela decidir que
“aquele era para sempre”, foi natural, para mim, colocar como meta não
querer nada daquilo.
Caio, no entanto, era exatamente o estereótipo de homem do qual fugi a
vida toda. Não que estivesse à procura de alguém, já que estive
completamente focada em estudar, crescer por mim mesma para não ter que
depender de outrem para ser alguém. Contudo, havia nele muito mais do que
o exterior de um homem lindo deixava transparecer. Caio era mais. Ele era
sedutor, claro, mas também bondoso, afinal, havia dera um teto para uma
completa desconhecida. Mas o que mais me encantava nele era o jeito
irresistível, como sorria abertamente, tão fácil, ou encarava-me
profundamente, como se fosse capaz de desvendar a minha alma. Aquilo
mexia comigo, me fazia querer mais, me fazia querer cada vez mais com ele.
E pela primeira vez na vida me vi tentada a experimentar tudo que poderia
me oferecer.

— Eu amo comida japonesa — confessou quando chegamos a um


restaurante oriental próximo ao mercado, e ele segurou minha mão,
conduzindo-me entre as mesas lotadas na hora do almoço. — Desculpe não
pedir permissão. — Ele não pareceu nem um pouco arrependido quando
apertou suavemente meus dedos, e sorri.
— Sem problemas, Caio. Entendo sua insegurança. Você provavelmente
está com medo de que outro melhor venha e queira me levar embora —
gracejei, dando de ombros em sinal de descaso, como se não fosse nada e
aquela fosse mesmo uma possibilidade. E claro, como se não me sentisse tão
quente por causa de um simples gesto.
Caio riu baixo, de um jeito gostoso, mordendo o lábio em seguida, o
simples ato deixando-o ainda mais irresistível.
— Você não existe, linda — apesar do tom de voz fraco, a rouquidão
ocasionada pelo desejo ainda estava lá e se tornara meu algoz. Ele sacudiu a
cabeça de um lado para o outro, enfatizando o que dissera, e tornou a soltar
uma risada baixinha, quente, ao passo que não tirava de mim os olhos claros
de um tom único, como de um lince prestes a atacar.
— Claro que existo, tanto que você não parece ser capaz de resistir a mim.
Além do mais, essa talvez possa ser a sua primeira aula. — Tentei soar como
se aquilo não fosse nada de mais, todavia sentia-me incapaz de resistir a ele,
especialmente com a perspectiva de fazer muito mais do que aquilo. Se sua
mão na minha já trazia um arrepio tão eletrizante, arrebatando-me de uma
maneira capaz de deixar o mais forte dos narcóticos ineficiente, mal podia
esperar por tudo que poderia me causar.
Nenhum homem que conheci chegou perto de me fazer sentir daquele
jeito. E a verdade é que não tinha intenção alguma de me envolver com outra
pessoa a não ser ele. Eu poderia estar arriscando alto demais, de certa forma
estar mentindo, envolvendo-o em algum tipo de relação distorcida, mesmo
que desde o início soubesse que alguém como Caio era um caçador nato,
predador desejoso da próxima presa, e não tinha interesse algum em
relacionamentos.
— Acho que talvez não tenha que te ensinar tanta coisa — afirmou quando
chegamos a uma mesa vazia, muito sedutor para quem ainda nem almoçou.
— Talvez eu queira mais do que apenas aprender a jogar o seu jogo —
sussurrei a confissão.
— E talvez eu queira mais do que te ensinar — emitiu em reconhecimento,
dando um passo até nossa distância se tornar mínima.
Quando Caio inclinou o rosto em minha direção, meu coração passou a
bater loucamente no peito; meus lábios ansiosos, sedentos, doendo para que
acabasse com aquele distanciamento e os tomasse; podia sentir as mãos
suarem, tudo em mim implorar com desespero para que finalmente nos
beijássemos.
— Você não quer saber o que quero? — indagou, sem tirar os olhos de
mim, o hálito de hortelã morno em meu rosto, fazendo minhas entranhas se
mexerem com o calor do pensamento de que eu poderia ser o que ele queria.
— S-sim — gaguejei em resposta, balançando a cabeça para soar mais
crível o que eu dissera, não me importando em parecer um pouco ansiosa
demais.
Com os dedos segurando meu queixo, os olhos escurecidos de desejo, ele
falou o que gostaria de ouvir:
— Você.
Bom Deus! Ele me queria!
Perdida… completamente perdida, foi exatamente como me senti.
Ofeguei, esperando, ansiando, desejando mais do que qualquer coisa que
realmente aquele homem demasiadamente lindo, lindo de um jeito além da
compreensão, envolvesse os braços na minha cintura e me beijasse como
nunca foi beijada.
A curva sexy dos lábios e o hálito quente fizeram-me perder o ar que me
restara, deixando meu corpo em chamas. Todavia era o maldito olhar, intenso
e quente, de um jeito que prometia realizar as mais intensas fantasias eróticas,
tornavam a situação ainda mais irresistível.
— Hoje é seu aniversário? — Suas covinhas apareceram ao indagar e me
afastei o suficiente para ter certeza do que realmente perguntara.
— Meu aniversário? — repeti debilmente, afastando-me o suficiente para
encará-lo melhor, contudo, muito mexida para retroceder ainda mais.
— Sim. Porque você está de parabéns — sussurrou a cantada brega, mas
nem mesmo esperou por uma resposta antes de ter a boca dele na minha.
A firmeza e a maciez dos lábios, bem como a pressão suave que exerciam,
me fizeram gemer baixinho. Aproveitando-se da guarda baixa, Caio adentrou
com a língua minha boca, levando-me a corresponder, arrancando-lhe um
som de regozijo da garganta… Tudo se tornou ainda mais profundo, algo tão
assustadoramente sagrado e certo que fez meu interior implodir com prazer.
Habilidosamente delicioso e agressivo na medida certa, Caio conseguiu o
intento de me deixar entregue. Minhas mãos encontraram a maciez dos seus
cabelos e à medida que meus dedos se embrenhavam entre os fios,
bagunçando-os, a minha necessidade de trazê-lo para perto aumentava,
fazendo com que ele correspondesse às minhas investidas com ainda mais
ímpeto. A língua se movimentando contra a minha, flertando, acariciando,
fazendo amor com ela, como eu queria fazer com ele.
Beijamo-nos por horas, semanas, décadas, talvez, não fazia ideia, afinal,
tudo ao nosso redor simplesmente parou, pois nada nem ninguém pareceu
importar além daquele beijo e daquele instante infinito de troca única, sem
precedentes. Tentar nos fazer parar era inútil, seria como tentar congelar o
inferno que acendemos e se ver impotente em seus esforços.
As batidas erráticas do meu coração e o traidor arrepio trespassando a
espinha foram os motivos que me fizeram aceitar que precisava ganhar
aquele jogo.
Um que eu nem sabia que queria, mas que agora precisava desesperadamente
vencer.
CAIO
CAPÍTULO
SEIS

A volta para casa foi uma espécie de teste de autocontrole. Ainda me


sentia zonzo, até mesmo meio ébrio pelo beijo espetacular que
compartilhamos. Quando o assunto era aquele, eu tinha uma cota de mulheres
que beijei. Como a música de Martinho da Villa diz: “Já tive mulheres de
todas as cores, de várias idades de muitos amores…”, algumas de lábios
grossos, outras finos, experientes, também inexperientes, beijos ávidos,
sedentos, de todos os tipos, mas juro por Deus que nunca havia tido uma
experiência como aquela com Paula, fora como uma vivência extracorpórea.
Tentei entender o que aquilo significava, mas quanto mais pensava, mais
confuso me sentia. Talvez tivesse a ver com o fato de que estava louco para
tê-la e ainda tinha o fato de ter dito que a ensinaria a arte do caminho carnal,
não sei. Todavia, qualquer que fosse o motivo, havia acabado de me marcar
de maneira irrevogável como nenhuma outra fizera.
Chegamos em casa e enquanto ajudava Paula a guardar as compras na
cozinha, me peguei observando a maneira que os cabelos longos escuros
caíam como cascatas, ou como sua respiração tornou-se mais difícil durante o
trabalho, como se tivesse corrido uma maratona, deixando claro que aquele
corpinho gostoso que ela tinha não era fruto de exercícios físicos.
Porra, como podia ser tão gostosa, então?
Quando me flagrou cobiçando-a abertamente, notei a maneira que inspirou
de forma profunda, como se tivesse acabado de se privar de ar e precisasse
dele o quanto antes; os olhos escuros lânguidos, ébrios; pálpebras com cílios
compridos e cheios se agitando de maneira rápida, os lábios se abrindo em
um “o” perfeito e tentador. O pacote todo era uma imagem clara do triste fim
da minha sanidade.
Ela pareceu assustada, mas também ansiosa, como se não visse a hora de
ter a melhor das experiências e eu mal via a hora de que aquilo fosse verdade.
— O que foi? — Ela mordeu o lábio e o quadril dela se projetou como se
estivesse me fazendo uma oferta.
Para alguém que dizia não ter muita experiência, Paula com certeza sabia
como provocar com pouco esforço. Desde o início estava claro para mim que
ela não era como todas as outras, não era mesmo como as mulheres com que
me deitei e que eu dava apenas o que poderia lhes oferecer: algumas horas de
prazer e nada mais. No entanto, eu a queria. Muito. Mesmo.
Quando ela se aproximou, com o cenho franzido, intrigada, uma expressão
de preocupação no rosto, quem começou a ter dificuldades para respirar fui
eu.
— Nada. Estou apenas apreciando a vista — eu me vi sendo obrigado a
responder e sorri nem um pouco envergonhado, porque era a mais pura
verdade. Paula era linda para caralho, uma deusa que deveria ser admirada
por toda a raça humana. Não que eu estivesse entusiasmado para que aquilo
acontecesse, claro.
O sorriso brilhante que recebi em resposta compensou qualquer dor nos
ovos que pudesse estar sentindo desde que a conheci e passei a me controlar
ao lado dela. E quando deu mais um passo à frente, ficando ainda mais para
perto, cortou o fornecimento de oxigênio para o meu já ofegante cérebro e me
vi sem chance alguma de manter o autocontrole.
— Isso faz parte das nossas aulas ou algo assim? — perguntou estreitando
os olhos em minha direção ao me analisar com atenção, e baixei a cabeça,
uma timidez atípica me dominando, antes de voltar a encará-la.
— Algo assim. — Sorri suavemente e tentei de alguma maneira enredá-la
no meu joguinho de conquista, da mesma forma como fazia com as outras
mulheres. Mas não consegui, porque era ela. E com ela, meu coração parecia
simplesmente perder uma batida e não tinha tanta certeza se gostava do que
aquilo significava. Até porque não tinha dúvidas de que nunca me senti
daquele jeito antes.
Assustado, era como me via diante de tantos sentimentos imediatistas. A
minha coragem certamente era superestimada. E pelo visto meu autocontrole
também.
— Então… o que faremos agora? — tímida, ela pareceu escolher a
maneira certa de perguntar, tentando de alguma maneira ocultar um pouco da
insegurança que ela lutava tão arduamente para esconder.
— O que quer dizer? Você quer dizer sobre as aulas ou sobre o beijo que
me deu? — eu me fiz de desentendido, adorando a maneira que a pele alva
corava.
— Você me beijou — ela me corrigiu, olhando-me de um jeito acanhado
por debaixo de um emaranhado de cílios, e deu um passo para trás quando
não conseguiu sustentar o olhar.
Ao se afastar, fitou-me com uma expressão enigmática que nunca vi, que
fez algo com meu coração que nunca senti.
— Beijei porque era o que nós dois queríamos — devolvi, minha voz
extremamente rouca, surpreendendo até mesmo a mim.
— Você que pensa! — rebateu de pronto, as bochechas corando ainda
mais ao me encarar com os olhos arregalados, e dei uma risada baixa.
— Admite, você também queria me beijar. — Dei um passo à frente; e ela,
outro para trás enquanto eu esperava, meneou a cabeça, negando, no entanto,
quando abriu a boca para falar, não foi o que saiu.
— Sim, eu queria.
Meu coração, o tolo adormecido, reagiu as palavras dela, e por algum
motivo não consegui responder. Contudo, também não consegui desviar o
olhar. A razão estava gritando comigo de novo, me mandando parar com
aquilo antes que fosse tarde demais, mas simplesmente não conseguia. Era
egoísta demais, estava totalmente enfeitiçado. Eu a queria para caralho.
Como se tivesse ganhado coragem, ela prendeu os olhos escuros nos meus
e dessa vez pareceu longe de tentar correr. Tudo em que eu conseguia pensar
era no meu corpo junto ao dela, ou nas pernas em volta de mim, enquanto
tornava a beijá-la e minhas mãos acariciando-a, mapeando cada pedaço seu.
O sangue fluindo em minhas veias borbulhava e queimava feito lava de
um vulcão prestes a entrar em erupção. Tudo que eu queria era acabar com
aquela distância e tomá-la exatamente como gostaria, contudo, me vi
fechando os olhos num esforço de me controlar e conter a ereção no jeans.
O poder que Paula Maia tinha sobre mim era estupendo e por mais
necessitado que me encontrasse, estava cada vez mais fascinado pelo efeito
fisiológico que parecia invocar em mim. Contudo, tinha que admitir que não
era somente físico, era maior do que isso. Bem maior. Exatamente por esse
motivo que entrar naquele jogo consciente daquele poder era como entrar em
uma missão suicida.
Estava duro, tão duro, sedento, babando pela visão deliciosa que era ela.
Meu corpo implorando, exigindo que fosse até Paula e a fizesse minha. Mas
algo ainda me prendia e eu sabia o que era.
Ela merecia mais…
Eu não era aquela pessoa. Não estava acostumado a nada daquilo. Nunca
estive de verdade com alguém depois da minha ex. O que acontecera há
muito tempo. Tanto tempo, que nem mesmo me lembrava do que era me
sentir daquele jeito, tão… vivo. Estava óbvio para mim que eu não fazia ideia
do que deveria fazer. Claro que sabia o que gostaria de fazer, mas ainda assim
não me parecia o suficiente para ter dela exatamente o que me vi rapidamente
querer.
— Sabe, eu tenho uma curiosidade — ela soltou quando voltou a guardar
as compras na geladeira. — Talvez não seja algo que queira dividir, mas
tenho a impressão de que você obviamente teve um mau término. Será que
esse foi o motivo de ter transformado você nesse jogador?
Paula não me encarou quando terminou a pergunta, o que eu agradeci, pois
não me senti nem um pouco confortável com o assunto. Não que fosse uma
espécie de lembrança muito traumatizante ou algo do tipo, só era meio que
doloroso ser obrigado a recordar que depois de tudo que passamos juntos, fui
substituído como uma peça de roupa qualquer. Bastava o esforço hercúleo
que fazia para esquecer a cada dia aquela lamentável verdade.
— Não. Sou o que sou porque é o que gosto de ser — apesar do tom um
tanto brusco, sorri, amenizando um pouco minhas palavras, dando de ombros
em seguida, como se não fosse nada de mais.
Mas na verdade não era bem daquele jeito. Contudo, além de não querer
falar sobre aquilo, tampouco me sentia preparado. Não ia enchê-la sobre
como a mulher que eu acreditava amar partira meu coração. Eu não era um
pobre coitado, não precisava da pena de ninguém. Assim como aconteceu à
minha ex, também segui em frente. Era passado. A pessoa que passei a ser no
presente era feliz daquele jeito.
Ao menos eu achava que sim…
— Eu não tenho tanta certeza disso — o tom dela era firme enquanto
tornava a me encarar, os lábios franzidos, avaliando-me como se estivesse me
vendo pela primeira vez. Engoli com dificuldade, o estômago revirado, a
boca ressequida, sentia-me impotente diante dela.
Merda! O que era aquilo?
— Na… — emudeci quando se aproximou, devagar, como uma raposa
prestes a, atacar e, inerte, me vi completamente hipnotizado à espera de ser
caçado.
Paula parecia prestes a me beijar, mas ela era muito tímida para ir em
frente sem que eu tomasse a iniciativa primeiro. O corpo sedutor então se
juntou ao meu, os dedos finos de unhas compridas foram até a minha barba,
acariciando-a, e o simples ato de respirar tornara-se cada vez mais difícil,
assim como as batidas erráticas do meu coração.
Sem consegui me conter, meus lábios buscaram os dela, sedentos, sem
fôlego, ela pareceu ansiar, deixando-me saber que queria mesmo aquilo.
Contudo, quando estava prestes a beijá-la, algo me impediu.
— Para isso dar certo, precisamos ser sinceros um com o outro… — Ela
inspirou profundamente e aquilo foi o suficiente para me despertar. Tentei me
afastar, no entanto, ela me impediu. — Talvez devêssemos estabelecer
algumas regras.
— Regras? — testei a palavra, não tendo a certeza de como aquilo soava e
muito menos se gostava do significado.
— Sim, você sabe. — Abanou a mão livre, em sinal de descaso, ainda
assim, minha expressão não se aliviou. — Você é o professor, e eu, a aluna, se
vai me ensinar, preciso ter certeza do que vai acontecer. — Fitando-me
profundamente, aquela mesma onda de eletricidade vibrou no meu peito.
Todavia, uma parte minha se sentia decepcionada. Pois embora tivesse
concordado, pensei que talvez ela mudasse de ideia e desistisse daquele plano
absurdo de eu ajudá-la a se tornar uma jogadora como eu.
O que eu estava pensando, afinal? Que do nada ela simplesmente
decidiria que era mulher de um homem sóccccccccccccccccccccc e, talvez,
apenas talvez, que aquele homem pudesse ser eu?
Era ridículo, eu sei. Audacioso, para dizer o mínimo.
— Você realmente quer fazer isso? — quis ter certeza, e o som que ecoou
em meus ouvidos me trouxe a convicção de que quem estava em dúvida era
eu, o que não me ajudou em nada no processo de continuar a ser confiante
como gostava de ser.
— Sim. — Apesar de tentar parecer confiante, ela soara insegura, o que
me trouxe uma faísca de esperança de que tudo aquilo pudesse ser diferente.
— Quer dizer, não sei se você está mesmo interessado. Ou se falou que me
ajudaria apenas para tentar ser educado… Em todo caso, só quero ter certeza
de que pode me ensinar tudo que preciso. — Com os lábios contraídos, ela
analisava-me com atenção e desviei o olhar, rangendo os dentes com tanta
força no processo, receando que ela descobrisse a pequena mentira que eu
estava prestes a soltar.
— Sou o melhor tutor que você poderia ter. Confie em mim, antes que se
dê conta, terá o homem que quiser aos seus pés.
Ao contrário do esperado, Paula balançou a cabeça, negando, como quem
rejeita a ideia. E me vi sorrindo, porque de alguma maneira, ali descobri que
ela era uma grande farsa, estava mentindo tanto quanto eu. Não era de fato o
que ela queria para si, e eu muito menos. No entanto, não seria eu a
desmascará-la, quando tudo que queria era fazer bom uso da situação.
— Não tenho tanta pressa. — Ela mordeu o lábio e comecei a achar que
aquilo fazia parte de um gesto nervoso, o que eu achava fofo e também sexy.
— Nem bem começamos as aulas e já está gostando demais do professor
— gracejei e quando a vi prestes a abrir a boca para protestar, fiz com que se
calasse quando coloquei um dedo sobre seus lábios aveludados. — Estou
brincando. — Não estava, mas ela não precisava saber. Especialmente porque
adorava aquilo.
Aproveitando-me da proximidade, contornei sua boca com o dedo que usei
para calá-la e assisti com prazer quando fechou os olhos, enquanto lhe
arrancava um som de regozijo da garganta.
— Acredite, vou adorar ter você como aluna e ensinar tudo que precisa
saber tanto na teoria quanto na prática. Afinal, o ditado diz que a prática leva
à perfeição. — Minha mão desceu pelo seu braço, antes de enlaçar-lhe a
cintura e quando juntei o corpo pequeno ao meu, ela se arrepiou de forma
difícil de não reparar.
— Odiaria tomar muito de seu tempo. Quero dizer, você sabe, eu odiaria
vê-lo amargar na solidão por minha causa. — Dissimulada, ela não pareceu
nem um pouco sincera, o que acabou me fazendo sorrir, satisfeito.
— Não se preocupe com isso. Porque solitário não irei ficar — mal
reconheci minha voz ou a urgência que sublinhava cada sílaba dita, mas tratei
logo de fazê-la entender que me fartaria dela, e ante sua expressão, tive a
prova indefectível que precisava para ter certeza de que ela queria aquilo
tanto quanto eu.
Paula engoliu em seco, os olhos arregalados, vulnerável, entregue, fazendo
com que meu nível hormonal trabalhasse no pico máximo. Eu poderia acabar
com aquela distância, afinal, estávamos tão perto um do outro que eu podia
ver as pequenas sardas no nariz arrebitado e os olhos escuros ébrios, pedindo
que fizesse exatamente o que desejava. Mas não o fiz em um primeiro
momento.
Nada dissemos por alguns segundos, apenas nos olhamos. Estava
desesperado para ir em frente, mesmo que soubesse que tinha que ir devagar.
Sabia que teria de ensiná-la uma coisa ou duas sobre o sexo masculino,
passando inclusive pela área da anatomia, mas não havia nenhuma chance de
que deixasse aquilo ir muito longe. Afinal, eu estaria ali para lhe dar
exatamente o que queria, sendo assim, ela não precisaria buscar na rua o que
poderia ter em casa.
— Então nós vamos mesmo fazer isso. — Ela tombou a cabeça para o lado
para me fitar melhor, os seios subindo e descendo com o movimento da
respiração, que parecia descompassada. Tentei manter o controle, mas meus
hormônios estavam no limite e continuar a me esforçar para aquilo parecia o
mesmo que tentar segurar um porta-aviões em meio à guerra.
— Vamos.
Estava completamente fascinado por aquela menina mulher, quase uma
deusa. Qualquer ideia que pudesse ter com ela, fosse tocando a pele alva ou
até mesmo enterrando-me nela, fazia meu sangue correr para lugares que até
então pareciam adormecidos.
Não sabia por qual motivo me sentia daquela maneira justamente com ela.
Afinal, me deitava com mulheres o tempo todo e nem uma vez me senti como
um garoto virginal, que não fazia ideia de como se comportar diante de uma
garota de que gostava. Era praticamente a minha vocação e razão de ser,
contudo, tudo que ela queria comigo era que eu a ensinasse a arte do jogo.
Aumentando o aperto em sua cintura, fiz a pergunta de um milhão de
dólares:
— Por onde quer começar? — esperei, ansioso, por uma resposta,
desejando loucamente que ela dissesse “no quarto”, e o desejo cresceu ainda
mais ao vê-la lamber os lábios, sedenta.
— Você que é o professor, então é você quem sabe — lançou como se não
fosse nada, e eu estava prestes a mostrar-lhe como o faria, quando a senti
estremecer e ela completou rapidamente: — Contudo, talvez possamos
começar devagar. Uma ida ao cinema, sei lá. — Dando de ombros, ela não
olhou para mim, parecendo envergonhada com a sugestão, e tive que conter o
sorriso para não constrangê-la.
— Cinema parece bom — concordei, esperando por mais alguma
exigência que pudesse ter.
— Sim, e como eu disse, poderíamos impor algumas regras para o bom
funcionamento do curso. — Ela fechou os olhos por um momento e com o
cenho franzido esperei que continuasse, meio que temendo o que poderia ser,
apesar de ter sorrido pela maneira que falou, tentando imprimir certa
casualidade. — Tipo… Não nos envolvermos com ninguém, ao menos até o
término dessa “experiência”. Sabe, para não ter problemas.
Um suspiro de alívio me escapou e nem mesmo me senti constrangido por
isso, afinal, era exatamente como eu gostaria que fosse. Além do que, aquilo
não seria nenhum sacrifício, pois não estava mesmo nem um pouco inclinado
a ter outra pessoa que não ela.
— Regra número um aceita — abaixei a voz para falar, ao mesmo tempo
que corria meu dedo sobre os lábios inchados e levemente úmidos dela. —
Segunda regra, não há fronteiras quando o assunto é aprendizado. E como seu
professor, digo que será um prazer inenarrável ensinar e levá-la além do
limite. — Sua respiração ficou presa quando pressionei meu corpo ao seu,
provando-lhe exatamente o quanto estava feliz com minha árdua tarefa. —
Terceira e última regra, qualquer motivo de desavença pode ser resolvido na
cama… ou fora dela, contanto que envolva sexo.
Não esperei que respondesse, antes de fechar os olhos e beijá-la. Quando
nossas bocas se encontraram, me vi completamente perdido. Só havia no
mundo o gosto dela, o calor, a pressão e a textura da língua contra a minha.
Tudo nela, desde o sabor, ao cheiro gostoso, o corpo delicioso, tudo me
atraindo como uma droga, fazendo a necessidade já ávida explodir como
fogos de artifício em meio ao fogo.
E, caralho, era como a porra de um abalo sísmico!
Beijá-la mudava tudo que sempre acreditei ser bom ou que pensei que
soubesse sobre a arte linguística da coisa. Era trazer à superfície o tremor
produzido por forças naturais e fisiológicas do meu interior. Era como se ver
perdido, completamente sem bússola, sem ajuda de qualquer geografia. Ou
com aquela química finalmente compreender a importância dela para
conhecer a estrutura das substâncias, a composição das matérias, bem como
suas transformações.
Era o ápice do querer, era o nirvana da paixão, era experimentar o
magnífico, me deleitar com o extraordinário, deliciar-me com o excepcional,
me extasiar com o celestial, sublime em todos os sentidos.
Bêbado com a sua magia, passei a enxergá-la como um milagre e não tinha
tanta certeza se algum dia teria o suficiente dela.
PAULA
CAPÍTULO
SETE

Observando meu reflexo no espelho do quarto, sentia-me mais nervosa do


que deveria para quem estava indo para uma simples saída para assistir a um
filme. A calça jeans surrada, o body e a jaqueta de couro em conjunto com a
bota sem salto da mesma cor pareciam bons, contudo, desde que Caio foi
embora prometendo voltar para me levar ao cinema, a única coisa em que
conseguia pensar era nele e nos beijos que trocamos.
Meu rosto ainda queimava com o ardor do fogo que pareceu crepitar entre
nós, enquanto sentia a língua dele na minha boca, em uma dança deliciosa e
lasciva incapaz de esquecer. Meu corpo também parecia reagir de maneira
infindável, desencadeando repetidamente cada uma das sensações que o fez
experimentar.
O que era aquele homem, meu Deus?
No horário marcado, recebi uma mensagem de Caio perguntando se eu
estava pronta, e quando confirmei, avisou que estava descendo, para que
fosse encontrá-lo no elevador. Depois de dar uma última olhada no espelho,
saí apressada, para não inventar de mudar de roupa ou pior, desistir. Por isso
apenas saí correndo, tomando cuidado para não tropeçar em meus próprios
pés.
Malmente saí do apartamento e pude assistir à porta do elevador se abrir,
dando-me a visão de Caio encostado na parede de metal. A cena me impactou
sobremaneira, a imagem digna de um pôster daqueles de revista feminina que
as adolescentes costumavam colocar no quarto para sonhar com os ídolos.
Para ficar melhor, só se estivesse sem roupa mesmo.
O quê? Eu era virgem, mas nunca disse que era pudica e muito menos
santa!
Com calça jeans e camisa manga longa com brasão do Capitão América,
que lhe conferiam um visual sexy, mas ao mesmo tempo meio desleixado de
menino nerd, Caio estava especialmente apetitoso aquela noite. Não ajudava
em nada o fato de ele estar parado, com as pernas cruzadas e as mãos
enfiadas nos bolsos da calça, e em silêncio passava o olhar pelo meu corpo de
uma forma nada disfarçada.
O peitoral dele se expandiu, resfolegando, parecendo uma resposta instintiva
por apreciar as minhas curvas. Ao menos eu esperava que sim… e, bem, não
vou mentir que adorei saber que tinha aquele efeito sobre ele.
Com medo de mim mesma, obriguei-me a parar de parecer uma tola
virginal e segui adiante sem deixar de fitá-lo, pois aqueles olhos de lince
pareciam me hipnotizar. Era incrível e também meio assustadora aquela
conexão que compartilhávamos, como se uma corda invisível nos puxasse um
para o outro daquele modo magnético difícil de conter.
O homem era mesmo impressionante. Um pecado com pernas ser tão lindo
daquele jeito. Os cabelos negros estavam molhados do banho, caindo meio
desalinhados sobre a testa, parecendo revelar que por trás da casca do
homem, havia um jovem impulsivo que Caio tentava arduamente esconder.
E o sorriso sedutor em conjunto com o olhar malicioso que recebi
pareciam apenas completar o pacote de homem irresistível que era. Resistir
àquele homem seria uma tentativa inútil, era o mesmo que tentar começar
uma dieta em pleno domingo.
Julguem-me por babar!
— Oi — ele me cumprimentou sem tirar o sorriso do rosto, mantendo a
porta do elevador aberta com a mão espalmada nela.
— Oi — repeti debilmente.
— Pronta? — quis saber e então me lançou um olhar cheio de segundas
intenções, que me fez resfolegar, deixando escapar por entre os lábios um
suspiro trêmulo.
Nossa Senhora! Eu estava de fato pronta?
— Sim — não hesitei em responder, meus olhos ainda grudados aos dele
enquanto sacudia a cabeça de um lado para o outro, enfatizando o que eu
dissera. Senti o rosto arder em pura vergonha quando ele sorriu ao notar a
ansiedade em meu tom de voz e também meu embaraço, parecendo saber
exatamente como sua pergunta soara dúbia e o quanto mexera comigo.
— Então vamos. — Com um sorriso de satisfação no rosto, ele se
posicionou de forma a permitir que eu entrasse, quando eu fisgava o lábio
inferior entre os dentes, tamanha minha expectativa para aquela noite.
A cada novo andar sinalizado no visor da parede de metal, sentia-me em
um teste, pois a tensão sexual ainda estava lá, parecendo cada vez mais difícil
de ignorar. Quando chegamos ao carro, como um cavalheiro, Caio abriu a
porta para que eu entrasse e notei que ele estava levando mesmo a sério
aquela coisa de fazer tudo como mandava o figurino. Obviamente não estava
acostumada àquele tipo de tratamento, todavia me vi sorrindo ao gostar
daquilo, enquanto de alguma maneira tentava controlar as batidas do meu
coração cada vez mais confuso, ameaçando meu plano de vencê-lo naquele
jogo.
Enquanto ele dava a volta para entrar do lado do motorista, foi impossível
não me indagar se ele se sentia do mesmo jeito que eu ou ao menos pensara
em nós ou em como foram bons os nossos beijos.
Caio abriu a porta e se sentou confortavelmente no banco de couro do
carro alemão e, ao ligar o motor, se virou para mim, fazendo o cheiro do seu
perfume delicioso infiltrar-se em minhas narinas.
— Então… — Ele fez uma pausa como se estudasse calmamente a
pergunta que faria e quisesse mesmo ter certeza dela. — … cinema?
— Cinema. Uma saída clichê deve fazer parte do seu plano de aula,
professor — Caio aquiesceu devagar, balançando a cabeça, e a ideia de fazer
as coisas devagar pareceu perder um pouco de sua genialidade graças ao
olhar um tanto desapontado que recebi.
Enquanto dirigia em direção ao shopping, ignorar a presença dele e não
deixar que aquilo me afetasse por demais tornara-se uma tarefa árdua. Não
sabia dizer o que era, mas alguma coisa em Caio era diferente. Havia algo
forte, arrebatador, uma energia que parecia transbordar de seus poros e estar
dentro de um carro fechado ao seu lado só fazia com que aquilo se ampliasse
e irradiasse em minha pele. Era uma coisa louca. Uma força palpável e
inexplicável. Todo meu corpo parecia ciente dele e tudo que sentia parecendo
se intensificar a cada segundo, de um jeito que comecei a não ter tanta certeza
de que deveria mergulhar naquela louca aventura.
Mesmo com o som ligado, Caio vez ou outra puxava conversa comigo, e
quando aquilo acontecia, tentava não parecer uma acéfala completa, embora
desconfie que não tenha me saído muito bem na tentativa de manter a
casualidade. Agradeci quando finalmente paramos no estacionamento do
shopping, pois não sabia até quando conseguiria fingir aquela naturalidade
que estava longe, bem longe de sentir.
— Chegamos — avisou e apenas assenti, antes de olhar para ele tentando
não me mostrar intimidada.
Tê-lo me observando não me ajudou em nada, principalmente quando a
sensação que eu tinha era de que não sairia inteira ao final daquele jogo.
— Como você mesma disse, cinema é um tipo de saída clichê quando o
assunto é relacionamento. — Aquiesci, porque achei que era o que ele
esperava que eu fizesse e meneando a cabeça ele prosseguiu: — E não sei se
você sabe, mas mais clichê ainda é um amasso no estacionamento do cinema
— foi o que falou, a rouquidão ocasionada pelo desejo estava lá e fizera ser
difícil, muito difícil, manter qualquer pensamento coerente.
Ai. Meu. Deus.
Com o coração na boca e respiração descompassada, senti a boca seca
diante da promessa sublimada nas palavras e olhar dele. Mesmo receosa,
ansiava por aquilo e passei a língua pelos lábios subitamente ressequidos pelo
desejo, mesmo que no fundo soubesse que aquilo não resolveria, não quando
na verdade minha sede era dele.
Aproximando-se devagar, os lábios experientes tocaram os meus e fechei
os olhos no exato instante em que nossas bocas se enroscaram num beijo. No
início, o que era um misto de firmeza e doçura, tornou-se rapidamente
faminto quando a língua dele bateu na minha, obstinada, parecendo querer
tudo de mim.
Minhas mãos foram para o seu cabelo e logo me vi puxando-o, como se
quisesse ter certeza de que aquilo não acabaria. Em resposta, Caio gemeu,
aprofundando ainda mais o beijo, os movimentos lascivos e quase indecentes,
apenas me fazendo ansiar por mais.
Afastando-se o suficiente para executar um momento brusco, ele me
trouxe para o seu colo. Era possível sentir através dos tecidos cada parte dele,
o que significava dizer que estava ciente de uma parte nada sutil dele que
passara a pressionar o meu centro. E o simples ato pareceu ser o suficiente
para despertar a fera que eu nem sabia habitar em mim.
Com fome, era como nos beijávamos. Começando a me preocupar com as
minhas recentes mudanças de comportamento, mas não me sentia nem um
pouco constrangida em como meu corpo reagia a cada uma delas. Na
verdade, malmente conseguia respirar enquanto me apertava contra ele. Meu
pulsante centro estava sensível e úmido. Os seios tornando-se cada vez mais
pesados e tudo em mim parecia implorar por atenção, pelo seu toque, eu
queria mais do que tudo ir além.
As mãos masculinas passeavam pelo meu corpo, apertando-me, o toque
lascivo enviando ondas elétricas pelo meu corpo. Instintivamente, me vi
rebolando no colo dele, e Caio ofegou antes de se afastar o suficiente para me
fitar. Enquanto eu tentava recuperar o ar que havia perdido, ele desviou os
olhos dos meus, livrando-se do casaco que eu usava com extrema rapidez,
como se, de alguma maneira, o tecido bloqueasse seu acesso ao meu corpo e
estivesse louco para se livrá-lo dele.
— Porra, Paula!
A forma como falou, como se estivesse confuso entre se sentir
amaldiçoado ou abençoado, concomitante ao gemido grave que lhe escapou,
não apenas reverberou pelo meu corpo, como também arrepiou-me por
inteira. Era como se o som primitivo que emitiu tivesse ligado o botão de
êxtase, apenas pelo prazer de saber que eu era o motivo da sua perturbação.
— Meu Deus! Não sei se serei capaz de levar as coisas com calma e me
controlar! — confessou rouco, mordendo os lábios em seguida para conter o
próprio grunhido e quase falhei no meu propósito.
Não se controle, por favor!
Tive que fechar os olhos para conseguir reunir forças, para então buscar as
palavras mais adequadas, sem sucesso, e depois de quase ceder me apressei a
falar:
— Devemos ir devagar — foi a resposta que dei, ainda que não estivesse
concordando com nada daquilo.
Pelo visto não fui clara o bastante, pois ele não recuou. Não que estivesse
reclamando, claro. Especialmente quando voltou a me beijar e me vi
ansiando, precisando de mais, de muito mais dele. Necessitando do contato
que eu tão desesperadamente desejava desde a primeira vez que o vi.
O beijo não fora calmo, na verdade tornara-se necessitado, de tal forma
que senti o gosto férreo do sangue em meio ao nosso desespero mútuo.
Bebendo meus gemidos, encontrava-me próxima ao ponto de ruptura, quando
ele se afastou e encostou a testa na minha, ao mesmo tempo em que dizia:
— Tem razão, precisamos ir devagar.
Perdida, foi difícil entender o que dizia, em especial quando não nos
afastamos logo. O ar parecia cada vez mais difícil de tragar, eu não conseguia
sequer reagir, mal conseguindo assimilar o que acontecia. Estava ofegante,
molhada, pronta e quase implorando para que continuasse, quando caí em
mim e dei-me conta de que perder o controle não fazia parte do plano.
— Eu sempre tenho razão — apressei-me a falar, irônica, esperando não
ter deixado transparecer minha decepção.
Ainda tentando recuperar o jeito, voltei a me sentar no banco do carona,
querendo mesmo tentar me mostrar superior, embora temesse que Caio
descobrisse a grande farsa que eu era.

— Nem acredito que você me fez assistir a esse filme meloso — Caio
resmungava enquanto saímos da sala de cinema depois do final da sessão e
adentrávamos os corredores do shopping lotado.
— A ideia do cinema foi minha. Minha sugestão de saída, minha escolha.
Além do mais, eu bem vi o momento em que você tentou esconder que
limpava as lágrimas — apontei, antes de cair na gargalhada, e o vi fazer uma
careta emburrada.
— Nada disso. Eu… eu apenas enfiei o dedo no olho sem querer —
desconversou, se mostrando verdadeiramente constrangido, o que me fez rir
ainda mais.
— Deixa de ser ridículo, seu mentiroso. Você chorou sim! — Empurrei-o
com o ombro e ele revirou os olhos antes de enrolar o braço em volta da
minha cintura, juntando meu corpo ao dele.
— Você nunca vai ouvir uma confissão dessas vindo de mim — brincou e
foi a minha vez de revirar os olhos.
Homens!
Estava prestes a retrucar, porém, naquele instante, uma senhora bonita e
muito bem vestida passava perto da gente. Ela poderia passar despercebida
por mim como todos os outros transeuntes do shopping, no entanto a maneira
que nos encarava, especialmente a colocação estratégica do braço de Caio ao
meu redor, a fizerem estreitar os olhos. Instintivamente me indaguei o que
aquilo significava, mas dei-me conta rapidamente que ela talvez o conhecesse
e tive aquela certeza quando parou diante de nós. Caio paralisou, meio pálido,
o corpo de alguma maneira tornando-se tenso quando a ouvi limpar a
garganta.
— Olá, filho — o cumprimento saiu frio como aço, e ele suspirou,
profundamente.
— Oi, mãe — Caio respondeu enquanto me vi aturdida, piscando
demasiadamente.
Ai. Meu. Deus.
— Depois de um dia me ignorando, deveria era te dar uns bons tapas,
menino. — O timbre grave de mãe zelosa e um tanto decepcionada estava lá,
claro, e tive que reprimir o riso que ameaçou me escapar.
Caio era o filhinho da mamãe! hahahahahaha
— Mãe! — Caio gemeu, em pura vergonha, como se estivesse
constrangido demais ao se ver sendo censurado pela mãe em público. Com
todo aquele tamanho e opulência, era difícil vê-lo naquele papel. O que,
admito, só tornava a situação ainda mais engraçada.
— Nada de “mãe” com esse tom de quem não quer ouvir algumas
verdades. Fiquei tão nervosa pelo seu descaso, que tive que vir ao shopping
fazer umas compras para aliviar. — Dramática, ela apontava para as sacolas
de grife penduradas no braço, e mordendo os lábios para não rir, vi Caio
revirar os olhos.
— Deixa de ser exagerada, mãe. Você só me ligou uma vez e foi quando
eu estava no cinema. Por isso que não atendi. E a senhora fala como se
precisasse se decepcionar comigo para ficar torrando dinheiro, deixando o
povo do cartão de crédito louco! — Ele bufou, sarcástico, demonstrando o
desgosto pelo exagero dela.
— Uma vez, mas eu poderia estar morrendo e você jamais se perdoaria por
isso. — Abanou uma das mãos, em sinal de descaso, ainda assim, a expressão
descontente de Caio não se aliviou. — E não me julgue, é pecado! Em todo
caso, eu te perdoo. Claro, se for amanhã no almoço em família… —
Encarando o filho com um olhar pidão claramente teatral, ela aguardava por
uma resposta, que veio com um aceno nem um pouco feliz e lhe arrancou um
sorriso exultante.
A mulher era mesmo linda. Elegante, com um sorriso simpático.
Exuberante como poucas que já conheci. E quando a atenção dela voltou-se
para mim, eu estava morta de vergonha, sem fazer ideia de como agir.
Definitivamente não estava esperando por aquele encontro, e, pelo visto, os
dois também não, dada a reação de Caio à chegada da mãe e o olhar
estupefato dela ao nos ver de longe.
Sem deixar de me analisar com interesse genuíno, a bela mulher em minha
frente parecia esperar que Caio dissesse alguma coisa e me senti ainda mais
desconfortável, porque a última coisa de que gostaria era forçar uma situação
entre a gente.
— Paula, essa é minha mãe, Ana Célia. Mãe, essa é a Paula… Uma amiga.
— ele rapidamente completou e me vi forçando um sorriso.
Claro que não gostei de como se referira a mim. Era ridículo, claro, porque
nem mesmo amigos erámos, afinal, nos conhecíamos há menos de um dia,
mas dada a intensidade com que tudo nos aconteceu, era como se aquele
encontro tivesse sido há tempos, embora pouco soubéssemos um do outro,
ainda assim aquilo doeu. Tentei manter a naturalidade, fingir que aquela
situação não era nada de mais, mas não era fácil. Em especial porque eu
parecia passar pelo escrutínio rigoroso da mãe do homem para quem eu
mentia descaradamente para tentar conquistar.
Os olhos dela estreitaram-se um pouco mais enquanto ela ainda parecia me
analisar, sentindo que aquela situação não podia ficar mais constrangedora,
me afastei de Caio e dei um passo à frente, estendendo a mão para
cumprimentá-la, e senti o rosto esquentar na mesma hora. No entanto a
atitude dela me surpreendeu:
— É um prazer, querida. — Ignorou meu gesto e beijou cada lado do meu
rosto, envolvendo-me em uma nuvem de Chanel n° 5 e pegando-me
completamente desprevenida, abraçou-me com carinho em seguida, como
alguém que matava as saudades de uma pessoa querida que não via há muito
tempo.
O sorriso dela não saiu do seu rosto quando nos afastamos e ela olhava de
mim para o filho, provavelmente fazendo suposições equivocadas sobre nós.
Sorri sem jeito, contudo, não me atrevi a corrigir qualquer que fosse a ideia
dela. Até porque se ela fizesse o estilo mulher romântica como a minha mãe,
e eu acreditava que sim, ela já estava planejando casamento e netos, e eu não
me atreveria a desiludi-la, coitada. Mas claro que aquilo não tinha nada a ver
comigo.
Claro que não! Eu nem mesmo queria aquilo, certo? Sim, certo!
Não mesmo. Casamento nunca esteve em meus planos. Sempre fui
diferente das garotas que conheci, que tinham essas fantasias de menina boba
de encontrar o príncipe encantado. A bem da verdade, dentro de casa eu tinha
um exemplo de por que não deveria ser daquele jeito, afinal, o constante
troca-troca de homens e as desilusões da minha própria mãe eram o principal
motivo para eu ser tão cética quando o assunto era amor.
Passei a vida toda me dedicando para ir longe, para fazer a minha vida por
mim mesma, e isso, definitivamente, não incluía marido ou filhos no pacote.
Não que não pudesse ter tudo aquilo mais tarde, só que estava longe de ser o
momento ideal, em especial por ser tão nova, com tanto pela frente, e estar
apenas no início da minha carreira profissional. Ademais, eu mal conhecia o
cara. Sim, queria ficar com ele, contudo, sonhar com um conto de fadas era
ridículo, para dizer o mínimo.
— Caio, por que você não leva sua amiga no almoço de amanhã? Nós
ficaremos felizes em recebê-la! — a mãe dele sugeriu, e ainda que não tivesse
tirado por um só segundo o sorriso simpático do rosto, não perdi a forma um
tanto irônica que ela impôs na palavra amiga e em como seu lábio se contraiu
um pouco enquanto o fazia.
— Não sei, mãe… — Caio deixou a frase no ar, mas estava mais do que
claro o quanto estava desconfortável com a sugestão, e eu ainda mais, mas,
sorrindo, tentei ignorar aquele aperto doloroso sentido no peito o gosto
amargo da decepção.
Não seja ridícula, Paula! Pare com essas fantasias de menina boba já!
Sem fazer questão de ser discreta, a mãe dele limpou a garganta e o cortou
com um olhar mortal, como se desaprovasse o fato de Caio não me querer
junto à família. Embora me sentisse um pouco miserável com aquele fato,
ainda assim me senti na obrigação de defendê-lo.
— Desculpe, dona Célia, agradeço o convite, foi muito gentil da parte da
senhora, mas infelizmente vou ter de recusar. Amanhã tenho… uma coisa
para fazer — menti, forçando ainda mais um sorriso, esperando em Deus que
a desculpa fosse o suficiente para me livrar daquele compromisso indesejado.
Não era bem uma mentira, afinal, eu realmente tinha pretensão de ir em
busca de um lugar para morar, já que tinha prometido a Caio que não ficaria
no seu apartamento por muito tempo. Contudo, não tinha planejado nada
ainda, pois acontecera tudo muito rápido desde a minha chegada, e dada a
situação atual, achei ainda mais providencial. Eu precisava mesmo separar
uma coisa da outra.
— É uma pena, querida. Mas espero, sinceramente, que possamos nos
encontrar em uma nova oportunidade em breve — emitiu em sinceridade, e
embora tivesse devolvido o sorriso que recebi, esperava não ter deixado
transparecer o quanto não estava à vontade com aquela mera sugestão de
reencontrá-la. — Falar em oportunidade, Caio, você esteve com seu irmão
desde que ele chegou de viagem com a Mona? — ela mudou de assunto num
piscar de olhos, felizmente revertendo minha atenção para saber um pouco
mais da vida familiar de Caio.
— Não, mas devo vê-lo segunda-feira na empresa. — Ele pareceu
desconfortável sobre os próprios pés, e ao notar ser observado, recebi um
olhar sem jeito em troca.
— Vocês são irmãos, deviam passar mais tempo juntos — a mãe dele
começou a se queixar, ignorando a postura cada vez mais tensa do filho
enquanto prosseguia: — A Mona trouxe presentes para todos nós — ela
tagarelava de forma animada e praticamente não pisquei assistindo à reação
de Caio. — Além do mais, você sabe que eles estão tentando engravidar —
sussurrou como uma confissão, e Caio engoliu em seco, olhando para as
pessoas que passavam, e não para a mãe. — Deve imaginar o quanto esse
assunto é delicado para ela. O apoio da família é importante, sabe disso.
— Amanhã estarei lá, mãe. Não se preocupe. — Ele voltou a segurar a
minha mão e de alguma forma me senti estranha quando o fez. Caio
claramente tinha problemas com a família, mas até então, quem não tinha?
Mas por que por algum motivo me senti incomodada? — Que todos nós
possamos ser felizes. — Os olhos dele buscaram os meus e alguma coisa
brilhou nas duas safiras de um tom impressionante azul.
E, Deus, como assim eu queria ser feliz com ele?
Em um mundo perfeito, nada seria como era. Caio não seria um jogador e
eu não fingiria ser uma assanhada em busca treinamento, não quando meu
único objetivo em toda aquela história de aprendizado era ficar com ele.
Suspirando profundamente, tive que piscar rapidamente ao dar-me conta,
talvez pela primeira vez, de como queria que aquela mentira desse certo.
Afinal, seria muito mais fácil se estivéssemos entrando naquilo querendo a
mesma coisa.
— Vai dar tudo certo — soltei em um fio de voz, esperando que a mãe
acreditasse que me dirigia a ela, mas era sobretudo para mim. Eu queria
mesmo que desse certo e aquele desejo apenas se intensificou ainda mais
quando o olhar de Caio não desgrudou do meu.
Eu só esperava não me decepcionar…
CAIO
CAPÍTULO
OITO

Encontrar minha mãe durante a minha saída com a Paula estava na minha
lista de coisas inesperadas. Não foi apenas constrangedor ou estranho, foi
meio que… por falta de palavra melhor, bizarro. Eu a amava, mas dona Ana
Célia tinha uma certa tendência a ser exagerada, sobretudo quando o assunto
eram os filhos.
Apertando o volante com mais força do que deveria, tentei não pensar
mais sobre o assunto. Não queria ter envolvido, mesmo que sem querer, a
Paula naquilo. Até porque agora minha mãe com certeza viria à minha
procura esperando saber mais dela e passaria a idealizar um relacionamento
que nem mesmo eu sabia para onde iria.
— Sua mãe parece legal — Paula cortou o silêncio constrangedor que
pareceu nos rodear desde que saímos do shopping e entramos no carro. Eu
tinha planejado levá-la a um restaurante para jantar, com a desculpa de ser
mais um tópico de ensino, contudo mudei de ideia e achei que o melhor
mesmo seria ir para casa.
— Sim, ela é — concordei e, virando para encará-la, recebi um sorriso
tímido em resposta.
Podia imaginar o quanto tinha sido ainda mais constrangedor para ela do
que fora para mim, afinal, qual mulher ficaria confortável com um encontro
daqueles? Até mesmo senti pena, porque minha mãe podia ser bem
determinada e intensa quando queria. A bem da verdade, a situação pareceu
pior não porque não queria que se conhecessem ou não a quisesse envolvida
com a minha mãe ou algo assim, apenas queria entender primeiro aquilo que
tínhamos antes de misturar as coisas.
Ainda que Paula dissesse me querer apenas com intuito acadêmico, eu
secretamente desejava que fosse mais do que aquilo. E acreditava estar no
caminho certo, porque tudo entre a gente deixava aquilo claro. Não era só
química, era mais. Embora na maioria das vezes as cenas pornográficas que
costumavam se desenrolar na minha mente fossem impossíveis de evitar.
Paula era como a porra de uma fantasia adolescente que ganhara vida, e tê-
la por perto, com os cabelos soltos, o rosto quase sem maquiagem, vestida
sem intenção alguma de ser provocadora e ainda conseguindo parecer como
uma supermodelo sexy, faziam-na cada vez mais irresistível aos meus olhos.
O celular vibrou no bolso do meu jeans, mas como estava dirigindo, o
sistema do carro conectou-se automaticamente a ele e o painel iluminou com
o nome da pessoa que não deveria ter a cara de pau de me ligar depois de
tudo ou sequer deveria pensar em fazê-lo.
Merda!
Fui rápido em rejeitar a ligação, esperando que Paula não tivesse visto ou
sequer prestado atenção naquele detalhe, mas dada a minha sorte, não tinha
tanta certeza. Nervoso como apenas aquela filha da mãe parecia ser capaz de
me fazer sentir, aumentei a pressão no volante enquanto tentava normalizar a
respiração. Sentia o sangue correndo frio em minhas veias e o coração quase
na boca, sensações nada boas, que eram especialidade dela. Embora fizesse
questão de rechaçá-la quando me obrigava, não costumávamos nos falar e
dificilmente ela me ligava. Não que fizesse questão daquilo, claro. Entretanto
não podíamos ter tudo na vida e desde que terminamos a única coisa que
desejei foi que me deixasse em paz.
— Não se preocupe comigo, pode atender, Caio. — Paula me analisava
com atenção e suspirei, desgostoso.
— Não. Não é importante — murmurei de volta e limpei a garganta um
tanto incomodado, esperando que a resposta fosse o suficiente para ela. O que
felizmente pareceu ser, dada a forma como ela pareceu à vontade a seguir.
— Então, conte-me tudo sobre sua família. — Os olhos cálidos me
encararam em expectativa para que eu falasse e foi impossível não sorrir,
apesar do assunto.
A última coisa que queria era falar da minha família, principalmente
quando havia nela muita coisa que não gostaria que soubesse. Dividindo a
atenção entre ela e o trânsito, comecei a me perguntar se me envolver com
Paula era a coisa certa a se fazer. Há anos que não me envolvia com ninguém,
contudo, ainda não sabia até onde poderíamos e, claro, ela também queria ir.
Por isso hesitei por um momento, buscando mil formas diferentes de falar
sobre aquilo com ela, especialmente quando havia prometido para minha mãe
que iria vê-los no dia seguinte. Por mais que pudesse ser um almoço
tecnicamente inocente, ainda assim era complicado quando havia um passado
envolvido, um que era sobretudo difícil de ignorar. E mediante a notícia que
minha mãe dera mais cedo, eu sabia que para eles aquele seria o assunto da
vez.
— Tenho dois irmãos, pode-se dizer que sou o do meio. — Meneei a
cabeça, tentando controlar o desconforto. — E você? — Aproveitando-me do
pequeno congestionamento, virei-me, à espera de uma resposta.
— Nenhum irmão. Deve ser legal ter dois irmãos. — Ela sorriu outra vez e
acabei bufando, com ironia.
— Deve ser legal ser filha única — fiz questão de corrigi-la e ela pareceu
não perceber o quanto a afirmação não poderia ser mais verdadeira.
— E o seu pai? — animou-se a perguntar, completamente alheia ao meu
incômodo, contudo senti-me aliviado quando a conversa passou a ir para um
caminho mais seguro.
— Meu pai se aposentou há pouco mais de um ano e desde então dedica-se
aos seus hobbies, que inclui golfe e viajar com minha mãe. Ele é bem na dele,
embora seja do tipo homem de família, assim como minha mãe, gosta de ter
os seus ao redor. A família é tudo para o velho, assim como a esposa, a quem
ele tem num pedestal. — Sorri, porque a afirmação não podia ser mais
verdadeira, e prossegui, meneando a cabeça: — Falar em minha mãe, me
desculpe caso ela tenha te deixado constrangida.
— Tudo bem. — Abanou uma das mãos em sinal de descaso e tive que
segurar o riso, porque ela era uma péssima mentirosa. Claro que ela tinha
ficado, só era muito educada para dizer que estava com medo do tornado
mais conhecido como minha mãe. — Mas você ficou incomodado? — ela
quis saber, analisando-me com atenção, ao mesmo tempo em que mordia o
lábio, daquela forma adorável e sexy para caralho. Era quase como um
convite ao qual estava sendo obrigado a resistir.
— Não, não fiquei. — Não como ela pensava, certamente. Voltando a
atenção para o trânsito, que resolvera andar um pouco, não contive a
curiosidade: — E você? Como é a relação com a sua família?
— Bem, como eu já disse, minha mãe é uma romântica incurável, embora
a vida já tenha lhe dado muitos motivos para desacreditar. Uma coisa é certa,
ela é perseverante, afinal, já se casou umas cinco vezes, fora uma quantidade
exorbitante de namorados que teve. Felizmente só teve a mim de filha, senão
seriam mais pessoas com propensas complicações psicológicas por causa dos
problemas paternos. Apesar de ser muito diferente de mim, nos damos bem,
mesmo tendo nossas divergências. Divergências estas que se dão
principalmente porque na maioria do tempo eu pareço mais a mãe dela, e não
o contrário. Não conheci meu pai, minha mãe disse que ele era cantor de uma
banda na região e deu no pé quando descobriu que ela estava grávida. Então
não ficaria surpresa caso descobrisse que tenho uma caralhada de irmãos. —
Os lábios dela franziram-se em um ricto nervoso, ao passo que observava a
unha com interesse fingido, tentando demonstrar uma naturalidade que estava
longe de sentir. E olhando para ela com atenção, a notei pela primeira vez
com outros olhos, percebendo o quão parecidos erámos.
Apesar de negar, erámos duas pessoas feridas que sorriam fingindo não
dar a mínima ao que nos machucou. Embora por motivos diferentes e mesmo
que tivesse tido o que Paula não teve, entendia sua dor. Ela não era daquele
jeito apenas por ser uma jovem obstinada, que não acreditava no amor, na
verdade, ela não tivera aquela chance, pois deixou de acreditar quando soube
que a pessoa que mais deveria amá-la fugiu e não deu a ela o que merecia e
precisava.
E agora, mais do que nunca, eu tinha a certeza de que Paula merecia sentir
que era um ser especial. Ela merecia alguém que preenchesse todo vazio
habitado em seu peito outrora, alguém que a amasse verdadeiramente, que a
adorasse, que a fizesse feliz, capaz de colocar o mundo aos seus pés. Ela
merecia muito mais e não uma mísera vida de libertinagem, de encontros de
uma noite só, com homens estranhos e aleatórios.
A minha vontade mesmo era de ir até ela e abraçá-la, contudo o momento
não permitiu. Embora sentisse meu corpo inteiro implorando, ardendo para
tocá-la.
— Não me olhe com essa cara! — Apontou o dedo, parecendo deveras
irritada, e icei a sobrancelha, sem entender.
— Que cara? — indaguei, um tanto confuso, e ela bufou, danada da vida.
— De quem sente pena de mim. — Arregalei os olhos de pronto, chocado,
porque não era bem como estava me sentindo. E estava prestes a lhe dizer
aquilo, quando ela me cortou com um gesto reprovador: — Por isso que eu
digo que o final feliz só pode ser assim quando se é feliz consigo mesmo. O
amor é para os tolos, lembra? Se você não der o coração, ninguém tem o
poder de quebrá-lo. E só um tolo dá o que é mais vital em sua vida, certo?
Meu coração pareceu perder uma batida, para em seguida capotar. Ela
estava certa. Como um tolo, eu havia dado aquele poder a alguém uma vez,
para no fim recebê-lo de volta em pedaços. Por isso que decidi que jamais
cometeria aquele erro, afinal, a vida é como uma parada de ônibus, se você
pisca pode perder a chance de pegar o próximo coletivo e ser tarde demais.
E eu teria coragem de dar aquele poder a Paula?
Depois de alguns minutos em silêncio, com cada um de nós parecendo ter
coisas demais para pensar, finalmente estacionei na garagem do prédio. Ao se
dar conta de que chegamos, Paula suspirou e então sorriu, aliviando o clima,
e ante aquele sorriso perfeito, pela primeira vez em muito tempo senti como
se estivesse fazendo algo certo. Foi quando me dei conta de que eu não
apenas já havia dado aquele poder a ela, como também queria ser aquela
pessoa capaz de lhe dar tudo que merecia.
— Hoje tivemos nossa pequena lição sobre amassos, e como seu professor
posso garantir que passou com êxito — falei, em tom de brincadeira, e Paula
gemeu em pura vergonha, escondendo o rosto entre as mãos, mortificada. —
Contudo, posso te dar um ponto extra, caso me mostre o que aprendeu —
lancei, sugestivo, e Paula tirou a mão que encobria o rosto, para me encarar
com um sorriso provocador, olhando-me como quem havia gostado da
sugestão.
— É uma proposta bastante tentadora, professor. Caso não tenha te dito
ainda, sempre fui o tipo de aluna nerd, que não aceitava menos do que uma
nota dez. Então um ponto extra não é nada mau — balbuciou em resposta,
enquanto nos aproximávamos um do outro e então meus lábios se encontram
com os dela em um beijo suculento.
Em um movimento rápido, trouxe-a para o meu colo outra vez e, lutando
contra o gemido que ameaçava me escapar, deliciava-me com seu sabor
levemente adocicado. Pareceu impossível conter as comportas do turbilhão
de emoções que ela me causava, por isso não me importei em deixá-las seguir
o curso. Já era até mesmo possível sentir as muralhas em torno do meu
coração começarem a desmoronar. E isso foi bom. Assustador, mas bom.
Paula Maia mal havia entrado naquela batalha e já havia mostrado que
estava nela não para outra coisa, a não ser vencer. E nem mesmo precisou de
artilharia pesada, pelotão especializado, militares invasores, trincheiras
fortificadas nem nada do tipo, a própria magia dela estava fazendo o mais
ímpio dos soldados se render.

No dia seguinte, acabei indo cumprir o que prometi à minha mãe, e depois
do desastroso e desconfortável almoço na casa dos meus pais, acabei
convocando reforços e liguei para o meu melhor amigo, para um chope no
final de tarde daquele domingo nublado, assim como o meu humor.
— Não precisa nem dizer, com essa cara tenho certeza que está voltando
da mansão D — Rodrigo soltou ao se aproximar, sentando-se em uma das
banquetas ao meu lado. Mansão D era como ele chamava a casa onde cresci,
porque dizia ser muito fresco utilizar o sobrenome completo, ao invés da
primeira letra, como ele o fazia. — Por ter me chamado aqui, a ida até lá deve
ter sido tão satisfatória quanto uma ida ao proctologista para fazer
colonoscopia.
Bufei, sarcástico, demonstrando meu desgosto. Não precisava mesmo falar
nada, Rodrigo não era meu melhor amigo à toa, nossa amizade começou há
tanto tempo que nem me lembrava. O cara me conhecia mesmo como
ninguém e era a única pessoa com quem dividi certos detalhes da minha vida.
— Dizer que foi ruim é um eufemismo. — Enquanto o moreno alto, com o
cabelo raspado e duas vezes o meu tamanho ria, aproveitei para pedir mais
um chope para mim e um para ele.
— O que aconteceu dessa vez? — Ele sorveu um longo gole da bebida
gelada que fora rapidamente colocada à sua frente, antes de prosseguir: —
Cauã finalmente conseguiu o intento de beijar o próprio rabo?
— Por aí — me limitei a resmungar, emburrado, bufando em seguida,
porque não queria trazer novamente aquele almoço caótico à mente.
— Ela é foda! — ele soltou sem hesitar, a simples menção dela, mesmo
sem precisar pronunciar o nome, me trazendo um desconforto sem tamanho.
— Falando nela, ela te procurou?
— Me ligou ontem, mas não atendi.
— Vadia! — proferiu, sem qualquer constrangimento.
Apesar do almoço ter sido uma dor nos colhões, era em Paula que eu me
via pensando, pois de alguma forma ela parecia ter o poder de melhorar as
coisas.
— Eu já ameacei inúmeras vezes contar a verdade e se ela me procurar
mais alguma vez, será meu último aviso. Realmente o farei, sem pestanejar
ou me importar com as consequências.
Olhando-me como se tivesse descoberto uma rola na minha cara, Rodrigo
fitava-me, assustado.
— Cara, essa é nova. — Levando o copo à boca outra vez, ele tomou um
longo gole e eu o imitei, enquanto esperava que continuasse: — O que
aconteceu para que finalmente você tenha ganhado suas bolas de volta? —
indagou, curioso, e foi impossível conter o sorriso que tomou conta do meu
rosto.
Claro que eu poderia mentir. Até cheguei a cogitar a hipótese. E se fosse
outra pessoa ali, qualquer outra, era exatamente o que eu faria. Contudo,
Rodrigo era meu melhor amigo, não havia motivos para esconder, por isso
contei a ele toda história sobre Paula.
— Isso é sério? — emitiu em surpresa quando terminei de contar,
deixando transparecer o quanto parecia achar aquela ideia absurda.
— E por que não seria? — Dei de ombros e ele sacudiu a cabeça,
discordando.
— Sei muito bem como isso vai acabar — o tom sisudo e o sarcasmo
habitual de quem sabia o que falava estavam presentes, assim como o aviso
férreo feito de forma subliminar.
— Não começa. — Virando o resto da bebida do meu copo, notei uma
morena do outro lado do bar abertamente molestando-me com os olhos, e
apesar de muito bonita, eu preferi ignorar. E não apenas porque havia feito
um acordo com Paula sobre não ter outras pessoas, mas, sim, porque não
havia um real interesse em outra que não ela.
— Caio…
— Relaxa, tá? — tratei logo de cortá-lo.
Rodrigo poderia estar certo e ela talvez não fosse nada além de problemas.
Mas talvez ela também fosse exatamente um problema, e eu, a solução dele.
PAULA
CAPÍTULO
NOVE

O domingo foi diferente de tudo que esperei que fosse. Apesar de ter visto
Caio no café da manhã, para cumprir a promessa de lhe fazer o desjejum, não
o vi depois disso. Passei o restante do turno matutino procurando na internet
imóveis para alugar e depois de selecionar alguns e marcar com os
respectivos corretores, fiz um almoço para mim e então saí para ver os
imóveis em questão.
Embora dirigir nas avenidas congestionadas de uma cidade grande pudesse
parecer um tanto intimidador, passei a maior parte do tempo lamentando não
ter um carro, porque o que eu tinha dividia com minha mãe e não poderia
deixá-la sem nenhum, quando aqui eu poderia utilizar de todos os tipos de
transporte urbano que uma metrópole podia oferecer. Contudo, pareceu ainda
mais assustador pegar o metrô, coisa que eu eventualmente teria que aprender
a fazer, já que não podia ficar gastando o pouco dinheiro que tinha com Uber.
O perigo mesmo nessas viagens acabou por ser eu me vendo pensar
demais sobre Caio e não sabia se aquilo era uma coisa realmente boa. Não
estava apaixonada, não podia estar. Eu o queria, claro. Gostava de estar com
ele. O que sentia era tesão, certo? Uma forma de vencê-lo no próprio jogo,
não é? Mas se fosse sincera comigo mesma, talvez não fosse tudo. Afinal,
passei a vida toda acreditando no quanto se sentir daquele jeito por alguém
poderia ser nocivo. Sim, era apenas isso. Não poderia permitir que uma ilusão
nascida do desejo pudesse me guiar e muito menos atrapalhar meus planos de
conquistá-lo.

Depois de passar o resto da tarde perdendo tempo com a minha busca de
um imóvel para morar, voltei para meu apartamento provisório. Durante o
banho, comecei a me perguntar se estava fazendo a coisa certa, já que mesmo
que não me conhecesse, Caio havia estendido a mão e me dado um teto para
morar.
Afinal, eu estava realmente tentando enganá-lo? E por que razão? Para
ter um namorado? Era mesmo o que eu queria?
Talvez estivesse fazendo tudo errado. Afinal, como poderia um
relacionamento dar certo, quando começava errado? Porque era exatamente
isso que eu estava fazendo, enganando-o. O que fazia de mim uma pessoa
não muito boa. Sim, estava atraída por Caio e nunca tinha acontecido antes.
Embora tenha lhe dito querer ser uma espécie de vadia sem coração, não
podia continuar mentindo mais, já que a única pessoa que queria era ele.
O trabalho começaria no dia seguinte, então me concentraria nele, na
minha carreira e provavelmente esqueceria aquela ideia estúpida de
conquistá-lo e talvez até mesmo faria com que meus níveis hormonais
voltassem ao normal. Até porque, eu pretendia mesmo sair dali o quanto
antes, o que tornaria praticamente impossível uma convivência com Caio.
Sim. Tudo voltaria ao normal e aquela loucura seria deixada para trás!,
foi o que repeti para mim durante um tempo, mas acabei por esquecer quando
tornei a vê-lo aquela noite.
Era um pouco depois das sete da noite quando Caio me mandou uma
mensagem me convidando para jantar. Eu não estava com muita vontade de
cozinhar, além do mais, se fosse sincera comigo mesma sentia falta dele e
achei que aproveitar o resto do tempo que tínhamos juntos não seria nada de
mais, então quando isso aconteceu, acabei aceitando.
O jantar foi agradável e divertido, como era sempre ao lado dele. Contudo,
algo pareceu mudar em algum momento entre Caio pagar a conta e entrarmos
no carro, porque ele simplesmente acelerou como se estivesse em uma
emergência e dei graças a Deus por estar usando cinto de segurança, caso
contrário, tenho a impressão de quer iria dar de cara com o para-brisa e
comecei a rezar para que nenhuma força física fosse a causa da minha morte
prematura.
Passei o restante da viagem em silêncio, meio assustada, admito, afinal,
ele poderia estar começando a se revelar um maníaco psicopata, então era
melhor não arriscar a minha sorte. Quando Caio finalmente estacionou na
garagem, resfoleguei, agradecendo a Deus por aquele livramento, contudo, o
alívio logo passou, quando ele veio abrir a porta e me ajudou a sair do carro,
como se de repente eu precisasse da sua ajuda.
— Er… Desculpa… Mas é agora que você vai mostrar sua outra face e me
dizer sobre seu plano maníaco sexual para com a minha pessoa? — perguntei,
rindo e chorando ao mesmo tempo, começando a ficar um pouco preocupada
demais com seu rompante. E o fato de ele rir não ajudou em nada.
— Você é engraçada. — Caio meneou a cabeça, ainda rindo, e minha
expressão apreensiva não se aliviou.
— Tinha alguma coisa na sua bebida que não tinha na minha? — testei,
estreitando os olhos em direção a ele, quando entramos no elevador, e passei
a ponderar se aquilo era mesmo seguro.
— Isso é sério? — ele quis saber, sem tirar o sorriso animado do rosto, e
dei de ombros. — A única coisa que poderia me entorpecer, está aqui diante
de mim — admitiu, baixinho, depositando um beijinho demorado nos meus
lábios que tornaram-se de repente sedentos.
Tentei manter a naturalidade, afinal, estava começando a gostar realmente
daquele lado dele sincero e fofo. Ao menos era o que meu coração disparado
dizia. Fizemos o resto da viagem em silêncio e quando chegamos ao segundo
andar, eu mordia os lábios, ansiosa pelo que viria enquanto abria a porta. E
por mais que achasse aquilo emocionante, comecei a sentir um pouco de
medo. Afinal, talvez significasse que meu plano estava dando certo, contudo,
também significava que eu gostava mais dele do que queria admitir.
Merda! Como pude deixar aquilo acontecer? E tão rapidamente?
Fechando a porta atrás de si, como uma ave de rapina, Caio aproximou-se
devagar, me puxando para ele em seguida, segurando meu queixo, a fim de
que pudesse encará-lo.
— Não vai perguntar qual a lição de hoje? — balbuciou a pergunta e com
seu talento sedutor, abaixou o rosto, juntando-se ao meu, e engoli em seco.
Não sei o que eu esperava naquele momento, talvez alguma coisa mais
romântica envolvida, contudo o desejo que via nos olhos dele parecia um
meio caminho para o que eu desejava. E uma frase que li no para-choque de
um caminhão uma vez me veio à mente e nunca pareceu fazer tanto sentido:
“Um ‘eu te amo’ pode ser falso, mas um pau duro sempre será sincero”.
Que horror! Era péssimo, eu sei!
Certo, um pau duro é apenas pau duro, oras, não é demonstração de
afetividade, mas de excitação. Contudo, eles podem falar “eu te amo” da boca
pra fora, só pra conseguirem certas coisas e, ainda assim, não deixa de ser
falso. Pode parecer bobagem, mas naquele instante pareceu ser o primeiro
passo. Um meio para o fim.
— Tenho certeza que você me dirá. — Tentei fingir uma naturalidade que
estava longe de sentir e, quando me desvencilhei dele, Caio me puxou de
volta, o corpo gostoso e visivelmente excitado provando-me estar certa com
minhas suposições… Ou ao menos parte delas… Uma parte bem dura, devo
ressaltar.
— Tudo começou com o jantar. — Um sorriso perverso se formou nos
lábios dele, ao mesmo tempo em que as sobrancelhas escuras se arquearam
em um V acentuado e como se fosse possível, ele pareceu ainda mais lindo.
— Foi? — quis ter certeza e chiei quando me apertou pela cintura.
— Foi. Sem que soubesse quis testar o quanto sua presença e falta de
interesse podem impactar o sexo masculino ao redor. E a maneira despeitada
com que as mulheres a encaravam, te garantiram um ponto bônus. — Ele deu
de ombros, mordendo os lábios, e abri e fechei a boca, sem saber ao certo o
que dizer. — Não há nada mais sexy do que uma mulher indiferente ao
quanto impacta os outros com a sua beleza. Você não sabe o quão animado
me deixou por isso.
Não, eu sabia. Estava sentindo aquela “animação” naquele momento!
— Paula — meu nome foi dito em um timbre que me arrepiou a nuca e
apensar com aquelas piscinas que me bebiam, tinha a sensação de estar
prestes a derreter. Especialmente porque o clima mudara de repente. — O que
quer mesmo de mim?
A pergunta só não me surpreendera mais do que a sinceridade na voz dele.
Algo cru, de um jeito com o qual eu não tinha estado de frente ainda. Era
como se houvesse alguma coisa que eu não podia identificar e estivesse lá no
fundo. Contudo, o cara diante de mim parecia ser muito mais real do que o
playboy sedutor que ele parecia ser na maior parte do tempo.
Aquela poderia ser a oportunidade perfeita de ser honesta. Todavia, fazer
aquilo também podia significar o fim, já que talvez desse um tiro no meu
próprio pé. Ainda assim, titubeei, sem saber como lhe responder, e considerei
sinceramente dizer-lhe que a única pessoa que queria era ele. Que talvez,
apenas talvez, pudéssemos criar algo além e vivenciar uma coisa especial.
No entanto, foi meu instinto covarde, assustadiço e escapista que venceu e
acabei por me acovardar. Se eu não acreditava naquelas atitudes impulsivas
de filmes de comédia romântica em que a personagem principal confessava
ter se apaixonado à primeira vista pelo mocinho, duvidava muito que ele não
fosse correr, caso eu fizesse o mesmo.
— Que seja meu professor — foi o que soltei, e a forma com que as
palavras saíram deixaram um gosto amargo em minha boca, trazendo um
aperto no peito, que me fez desejar ter o poder de voltar atrás imediatamente.
Não era a verdade em tudo, mas aquilo também deixou claro para mim que
era ainda mais profundo, especialmente quando tive a certeza de que não era
tão imune ao amor como gostaria de acreditar. Não era apenas por querer
aprender, eu tinha certeza que estávamos criando algo juntos e além do que
acreditei a vida toda, eu queria, mais do que tudo, experimentar viver aquilo
com a pessoa maravilhosa que me fizera duvidar de tudo que eu acreditava
ser certo.
Olhando para ele, qualquer dúvida que pudesse ainda ter borbulhando em
minha pele, por mais nova e assustadora que fosse a experiência, em meu
coração eu já sabia. Eu estava apaixonada, e por mais errada que pudesse
estar perante minhas escolhas, estar com Caio ainda assim parecia tão certo.
Todavia, foi a maneira que ele passou a me encarar, uma máscara fria
encobrindo aquele brilho excitante de poucos segundos antes, que fez com
que me arrependesse. Só que já era tarde. Senti como se meu coração
congelasse sob o olhar gélido, e um arrepio incômodo perpassou minha
espinha.
— Tudo bem. Se é o quer, é isso que vou te dar. — Com o maxilar
trincado e um sorriso de escárnio repuxando os cantos dos lábios, ele se
afastou e, sem dizer mais uma palavra, simplesmente partiu.
CAIO
CAPÍTULO
DEZ

Aquelas palavras não eram bem o que eu gostaria de ter ouvido, mas o que
poderia esperar de uma mulher que só conhecia há 48 horas?
Rodrigo tinha razão, aquela história estava indo para um caminho que não
deveria. Embora não fizesse ideia do motivo de me incomodar tanto, talvez
eu estivesse encantado demais para acreditar que ela seria uma pessoa
diferente da que achei conhecer. Só que o mais difícil ainda era tentar
entender aquela escolha de Paula.
Será que ela mentira para mim e alguém a machucou a ponto de não
querer correr aquele risco novamente?
Eu não sabia, por isso apenas saí do apartamento, porque precisava me
acalmar. Se continuasse lá, acabaria colocando para fora minha amargura e
poderia ser o fim de tudo. E estava longe, bem longe, de ser o que eu queria
para mim… para nós.
Meu dia tinha sido um longo pesadelo até o momento em que a encontrei
novamente para o jantar. Foi quando entendi de verdade o quanto queria estar
perto dela. Era na sua presença que queria ficar. Eram os lábios dela que
queria beijar. E toda vez que a beijei, eu não apenas tinha a certeza de estar
beijando alguém especial, como também era alguém por quem estava me
apaixonando de um jeito que jamais aconteceu antes.
Depois de andar por um tempo no meu apartamento, desci até a academia
e passei umas duas boas horas descontando a frustração no saco de areia, em
uma tentativa de exorcizar aquela dor incômoda no peito. Quando deixei de
sentir os músculos dos braços, achei que talvez fosse hora de voltar e depois
de um banho demorado, bati à porta do apartamento 202.
Ante ao pedaço de madeira muito bem escovado, esperei que Paula me
atendesse e mesmo possuindo uma cópia das chaves, achei de bom tom não
invadir sua privacidade, quando eu havia deixando-a ali sem maiores
explicações. Enquanto aguardava, sorri diante da ironia daquela situação,
pois após anos vivendo relações rasas, fugindo das complicações que um
relacionamento trazia, oferendo às mulheres com as quais ficava apenas sexo
e nada mais, finalmente encontrei uma que rapidamente me fez querer algo
que nunca cogitei desejar, dando a ela o poder de quebrar meu coração, como
já tinham feito no passado. Paula havia sido clara, ela queria o mesmo que eu
achava ser suficiente antes: sexo.
Por que diabos estava pensando em confessar como me sentia mesmo?
Como podia estar sendo tão tolo outra vez?
— Segunda lição — foi o que eu disse assim que a porta se abriu e Paula
me encarou, surpresa, e sem esperar por um convite, passei por ela e quando
prestei atenção no pijama de alcinhas que vestia, tive que conter o gemido
que ameaçara me escapar.
— O-oi? — gaguejou, sem entender, os olhos escuros saltando,
estupefatos.
— O amasso no estacionamento foi a lição número um, lição esta em que
você passou com êxito. Embora eu tenha que sugerir que continuemos a
praticar para manter seu conjunto de habilidades em alta. — Sorrindo,
malicioso, assisti-a engolir em seco e depois de trancar a porta atrás de nós,
aproximei-me apenas o suficiente para provocá-la. — A primeira parte da
segunda lição foi o jantar, mas hoje vamos avançar para o que acontece
depois dele. Algo mais comumente conhecido como a “esticadinha”, seguida
para a segunda base.
Pensando em ir em frente com meu plano, puxei-a para se sentar ao meu
lado no sofá, onde corri meus dedos pela coxa nua dela. Suas pálpebras se
fecharam, a boca entreabrindo-se para deixar um pequeno ofego escapar, os
seios redondos, cheios, subiam e desciam rapidamente, por causa da
respiração difícil.
— É? — Abrindo os olhos, ela tombou a cabeça para o lado a fim de me
encarar e os dentes roçando no lábio me deram a certeza de que ela aprovava
aquela ideia e me limitei a menear a cabeça para confirmar. — Tipo aquele
papinho de “você aceita beber alguma coisa?” — testou, e o tom sugestivo
que emitiu fez a situação na minha cueca se apertar.
— Exatamente. — Sorri, sem conseguir esconder o quanto aquele jogo
estava me excitando. — Mas você estava empenhada no seu papel de
aprendizado, que eu seria obrigado a responder de uma maneira diferente.
— E como você responderia? — quis saber em um fio de voz.
Olhando-me daquele jeito pidão, eu podia sentir que ela queria e ansiava
para me ter. Era exatamente meu plano, queria que ansiasse, que me quisesse
mais do que já quis qualquer outra pessoa. E a vontade de estar comigo
doesse a ponto de ela não aguentar e abandonar os esforços de tornar-se uma
predadora de homens por querer apenas uma pessoa, eu.
— Quer mesmo saber? — indaguei, trazendo-a para o meu colo, e
prolongando seu sofrimento admirei por algum tempo o rosto bonito que me
encara em expectativa. — Que a única coisa que eu queria beber era o seu
prazer — murmurei sem hesitar.
Paula resfolegou, parecendo tão desconcentrada com a minha confissão, e
apesar de um pouco assustada pela sinceridade, estava tão fora de si como eu
naquele momento. Ela queria aquilo também, porra! Lambi os lábios e, em
seguida, os mordi quando minha mão deslizou pelo quadril dela, apertando a
curva da cintura esguia.
— E por que não faz? — A indagação foi praticamente um balbucio e
pareceu demandar um enorme esforço da parte dela, mas o que me deixou em
chamas mesmo foram os olhos pesados de tanto desejo.
— É o que você quer? — o aviso no tom da minha pergunta estava
explícito: eu estava lhe dando uma chance de correr. E ela parecia saber,
porque titubeou, enquanto eu lhe acariciava a coxa e corria com o polegar
pela borda do pijama e também da sua calcinha.
Sendo sincero, por mais louco de tesão que me sentisse para estar e me
enterrar nela, não queria que as coisas fossem daquela maneira. Queria
mesmo que me quisesse por ela e não por causa de uma ideia estúpida de se
transformar em uma versão feminina minha.
— Então? — insisti por uma resposta, ansioso.
— Não. — Ela se levantou rapidamente, como se tivesse voltado à razão e
nunca tivesse qualquer intenção de fazer algo tão vil.
Talvez não devesse, já que ela havia acabado de rejeitar o melhor sexo oral
que poderia ter, contudo, me vi sorrindo satisfeito, pois não estava enganado,
ela realmente era uma farsa.
— Eu disse que acho melhor irmos devagar — murmurou, sem sequer
conseguir me encarar.
Corri a mão pelo cabelo e me pus de pé, dei um passo para frente até
chegar a ela, que ainda parecia fugir de mim. Segurando seu queixo, fiz com
que me encarasse, os olhos tão escuros como o mar com ondas tumultuadas.
— Tudo bem. Acho mesmo que não está preparada para ir tão fundo —
sussurrei como um desafio, apenas para tirar prova, e depois de respirar
fundo, ela finalmente assentiu.
Aproveitando-me da nossa proximidade, beijei suavemente os lábios cor
de carmim.
— Eu não disse que necessariamente a esticadinha precisa ir além, isso
podemos deixar pra próxima lição — minha voz ficou baixa e ela engoliu em
seco.
— Estarei preparada. — Com um sorriso tímido enrolou os braços no meu
pescoço, de forma suave e meio insegura.
Seus olhos estavam presos ao meus, mas na medida em que o desejo
crescia, eles se fecharam, ao tempo em que me aproximava, nossos corpos
colados, fazendo com que cada movimento provocasse uma nova onda de
excitação. Um ofego lhe escapou juntamente a um gemido baixo e, sem
poder mais esperar, ela tomou coragem e investiu contra mim, tomando
minha boca com lascívia.
Beijei-a com tudo aquilo que sentia por ela desde que a vi pela primeira
vez. Não fui o único a sentir aquela ânsia, já que ela também sentiu, pois
apertou minha nuca e tudo transformou-se tão rápido, deixando-me a ponto
de esquecer a razão.
Brincando com a língua em sua boca, me via prestes a me perder, e talvez
Paula tivesse razão e devêssemos desacelerar. Mas como conseguiria quando
aquilo entre nós era tão bom?
Como havia uma boa diferença de altura entre nós, curvei-me para
alcançar seus lábios, ao tempo em que ela se colocava na ponta dos pés no
mesmo intento. Passei os braços em torno de sua cintura, levantando-a do
chão, demovendo qualquer obstáculo que pudesse nos interromper.
Enrolando as pernas torneadas em torno da minha cintura, minha ereção
pressionou seu centro e naquele instante não dei a mínima para o quanto
parecia desesperado. Queria que soubesse o quanto eu a desejava e Paula não
se fez de rogada, puxando minha camisa enquanto aprofundava a carícia.
Com as mãos agarradas ao traseiro empinado, apertei-a mais firmemente
contra mim, fazendo com que um som escapasse daqueles lábios deliciosos
quando sentiu de forma mais detalhada a ereção através dos tecidos que nos
cobriam.
Sabia que precisava desacelerar, porque se continuasse com aquilo não
resistiria e explodiria por causa da necessidade atroz que tinha daquela
mulher. Já havia chegado até ali e precisava resistir. Por isso interrompi o
beijo e, mesmo sem querer me desgrudar dela, deslizei o corpo feminino de
volta ao chão. Sem fôlego, afastamo-nos devagar. Com a boca entreaberta, os
olhos fechados como se quisesse se controlar, ela era a visão mais linda que
já tive.
Ainda sem deixar de encará-la, respirei fundo e, quando os olhos dela se
abriram lentamente, quase perdi a razão outra vez. Aquela imensidão
brilhante me dizia que ela esperava por algo que eu desesperadamente queria
lhe dar, no entanto, tive que conter o desespero e anseio, caso quisesse
mesmo minha recompensa no final. E seria ela.
PAULA
CAPÍTULO
ONZE

A manhã de segunda-feira chegou, e com ela meu primeiro dia de trabalho


também. Mal havia pregado os olhos e não apenas porque depois que Caio
foi embora não conseguia dormir, mas porque também estava nervosa com a
chegada daquele momento.
Aquela era a oportunidade da minha vida. Ganhar o concurso de
publicidade não foi fácil, claro, afinal, estávamos falando de um concurso a
nível nacional, que tinha como prêmio além de uma quantia em dinheiro,
uma vaga na maior empresa de publicidade do país. Milhares de pessoas
disputavam aquele sonho e foi eu que ganhei, contudo mais difícil ainda foi
chegar até o instante de torná-lo realidade.
Passei anos dedicando-me aos estudos, fazendo questão de garantir apenas
notas máximas, e me formei tanto na escola quanto na faculdade com
honraria, todo esforço com intuito de perseguir meu sonho, e assim saí de
casa em busca dele. Deixei minha mãe, que era minha única família, para
trás, vim para a cidade grande, deixando a pacata cidade do interior onde
nasci. Era assustador, mas eu tinha, mais do que tudo, fé em mim. Tudo daria
certo, eu acreditava piamente naquilo.
Depois de tomar banho, me arrumei, e quando estava chegando à cozinha
para preparar o café da manhã, uma mensagem chegou no meu celular e,
ansiosa, a abri para ler:

Bom dia, minha linda. Infelizmente não pude ficar para o


nosso café, tenho um problema para resolver no trabalho.
Te vejo daqui a pouco.
Boa sorte no primeiro dia!
Beijos, Caio.
Ri um pouco e sorri como uma boba. Tinha certeza de que ele quis dizer
que me veria mais tarde, deveria ser alguma gíria da capital, sei lá, já que em
uma cidade grande como aquela era difícil sair até mesmo para o almoço.
Mesmo sentindo um pouquinho de desapontamento por não poder vê-lo
pela manhã, já que parecíamos estar criando uma espécie de rotina juntos, me
apressei em fazer a minha própria e, depois de terminar de me arrumar,
peguei a bolsa e saí. Suspirei, desgostosa, quando vislumbrei o céu daquela
manhã. As nuvens densas estavam escuras, quase pretas, como se não
tivessem a mínima vontade de sair. Não ficaria surpresa se começasse uma
chuva torrencial logo, logo.
O vento frio arrepiou a minha pele encoberta por um terno de linho e
depois disso achei melhor não arriscar outro transporte se não um Uber, pois
chegar atrasada e encharcada viria como um mau agouro e seria a última
coisa que gostaria que acontecesse no meu primeiro dia de trabalho.
Quando o motorista do aplicativo finalmente chegou, descobri que estava
certa sobre a chuva, pois ela logo começou a cair e parecia longe, bem longe
de querer parar. Os pingos d’água escorriam pela janela do carro enquanto eu
observava as ruas e avenidas completamente alagadas, encharcadas, como
passei a me sentir por dentro.
O que antes parecia um vazio, agora parecia cheio, lotado de sentimentos
novos e assustadores. E, por mais tolo que pudesse parecer, queria que Caio
se sentisse da mesma maneira, repleto de sentimentos por mim.

Com clientes de peso espalhados por todo o mundo, a DiFiori era


responsável pela criação, planejamento, produção e veiculação de campanhas
publicitárias de grandes Multinacionais, Bancos, companhias áreas e muitas
outras empresas dos mais diversos ramos. Não era à toa que seu faturamento
estava na casa dos bilhões. Por isso não havia dúvidas quanto à competência
da empresa e há anos a DiFiori seguia invicta na liderança como a maior
agência de publicidade do Brasil.
Fundada em 1988 pelo brilhante Roberto DiFiori, ele realizou o sonho de
conseguir o intento de transformar a empresa pequena em um conglomerado
global de comunicação. Depois de milhares de prêmios, muitas conquistas e
anos de dedicação à DiFiori, o publicitário resolveu se aposentar e, apesar de
ainda fazer parte do conselho presidente, colocou os herdeiros no comando e
a presidência do grupo passou a pertencer ao mais velho deles.
A sede da icônica empresa ficava localizada no centro comercial da
cidade, em um edifício tão alto como uma torre de paredes espelhadas, e mais
parecia um monumento em meio a todos os prédios ao redor que tornavam-se
pequenos e sem graça diante dele. Na entrada principal, um enorme globo
emoldurava o brasão da empresa, como quem exibia ao mundo a potência
que movia o mundo das comunicações.
Mesmo depois de saltar do carro, fiquei por um tempo além do necessário
observando o lugar que eu esperava ser o primeiro degrau na minha careira.
A sensação era assustadora, mas também emocionante, e depois de respirar
fundo algumas vezes, segui em frente, dando um passo de cada vez.
Por se tratar de uma empresa daquele porte, era óbvio que fosse
responsável por empregar milhares de funcionários. Ainda assim, fiquei
surpresa com a quantidade de gente em meio ao saguão e com a fila enorme
que se formara na recepção, à espera de autorização para entrar. Fiquei feliz
em saber que a fila dos funcionários não estava muito grande e, enquanto
esperava, continuei a observar tudo do lugar.
O piso de mármore branco e cada pequeno objeto do saguão ostentava o
poderio do grupo, por onde circulavam executivos de terno e mulheres
desfilando com tailleur[03] de marca e saltos altos em direção ao elevador.
Não que eu estivesse malvestida com meu conjunto de terno e calça simples
de cor preta, mas, definitivamente, estava longe de parecer bem como eles.
É. Precisava me lembrar de guardar uma parte do meu salário para
vestimenta!
Trabalhar da DiFiori era não apenas uma oportunidade de ouro, mas
também um privilégio, já que competência era praticamente um pré-requisito
para se estar ali, e com exceção de que havia ganhado aquela vaga por causa
do concurso, todos certamente tiveram que ralar para chegar aonde estavam.
E talvez pela primeira vez eu tenha me dado conta de que estava a um passo
do limiar da minha busca pelo sucesso profissional.
Deus, eu precisava respirar!
A fila andou rapidamente, então tive de acompanhá-la e, depois de mostrar
minha identidade, instruíram-me a seguir até o Recursos Humanos, onde
apresentei todos os documentos que me pediram por e-mail, anteriormente, e
então finalmente fui liberada para seguir para o meu andar de trabalho.
Eu trabalharia diretamente com um dos filhos do Roberto, o Charmain de
Planejamento que além de Presidente do setor, também compartilhava a
gestão da agência com o irmão que presidenciava todo o grupo. Apesar de
novo, soube que o cara era foda e acumulava experiências no mercado de
luxo, já tendo desenvolvido projetos para grandes marcas como Chanel,
Jaguar, Land Rover, e entre as conquistas da equipe de Planejamento
comandada por ele estavam dois Effie Awards[04] e um de planejamento e
estratégia mais importante do mundo, o Jay Chiat Strategic Excellence
Awards, além de dezenas de Leões no Festival de Cannes[05] em apenas cinco
anos no cargo. Não tinha dúvidas de que trabalhar diretamente com ele seria
uma experiência e tanto.
No elevador, respondi à assessorista o número do meu andar, o 45°, e
enquanto o objeto de metal se movia, foi impossível não pensar no quão
cansativo seria ter de chegar a ele pelas escadas.
Deus, que eu não tivesse que passar por aquela provação, porque preparo
físico não tinha nenhum!
A viagem foi demorada e com razão, e quando as portas se abriram, dei de
cara com um saguão moderno e colorido. Tudo ao redor parecia novo e
impecável, desde os objetos curiosos às paredes de cores distintas e piso
escuro. Apesar dos diversos tons, as paredes eram lisas e o cheiro gostoso de
desinfetante floral encobria o ar.
Pelo visto cada setor tinha uma recepção, pois foi uma recepcionista de
sorriso fácil quem me recebeu, antes de me levar até a sala da gerente, onde
aproveitei a oportunidade para espiar um pouco mais dos corredores. Senti
como se estivesse dentro do cérebro da agência. Em um lado, havia diversas
estações de trabalho, uma área meio barulhenta e bagunçada, devo admitir.
Algumas pessoas corriam de um lado ao outro, papéis voavam, impressoras
imprimiam sem cessar. Mas parecia ser incrível.
Cumprimentei algumas pessoas que notaram minha presença, enquanto
desviava delas e das mesas de trabalho. Contudo, do outro lado era
nitidamente diferente e nas salas com parede de vidro tudo parecia mais
calmo e tranquilo. Foi em uma delas que a recepcionista parou e aproveitei
para ler o nome da diretora na placa da porta, mas as paredes também
transparentes me deram uma visão da mulher que também me recebera com
um sorriso.
— Paula Maia. É um prazer receber a mente revelada por trás do projeto
Meu, seu, nosso futuro. — Levantando-se, ela estendeu a mão para me
cumprimentar e aceitei, sentindo o rosto esquentar no processo.
O concurso foi realmente um desafio e teve como tema o conceito “O
Futuro é Seu”, onde cada aluno participante tinha a tarefa de desenvolver
uma campanha baseada nesse conceito, composta por cartaz, anúncio de
mídia impressa, spot de rádio e uma proposta de veiculação digital. Um júri
escolhido selecionou a minha campanha “Meu, seu, nosso futuro” como a
ganhadora, onde refleti sobre o papel da propaganda na evolução da
sociedade e na construção das próprias carreiras. Como prêmio, ganhei além
de uma quantia em dinheiro e a vaga do emprego, a participação em um
evento de criatividade que aconteceria nos Estados Unidos, e minha
campanha seria utilizada como a mensagem de comemoração do Dia Mundial
da Propaganda.
— Obrigada pela recepção, Sra. Benta. Estou muito feliz pela
oportunidade de estar aqui — fiz questão de dizer, porque era realmente
como me sentia.
— Nada de senhora, me sinto uma velha caquética assim. — Riu e acabei
retribuindo. — Todos estamos contentes. Todavia, o Sr. DiFiori também
ficou impressionado com a sua campanha e parece entusiasmado para
trabalhar com você, menina. — Suspirei, surpresa, ansiosa também, porque
aquilo realmente era uma novidade e tanto.
Saber que um dos herdeiros daquele lugar confiava no meu potencial a
ponto de me querer trabalhando com ele era uma responsabilidade e tanto.
Verdadeiramente emocionada, busquei as palavras mais adequadas, sem
sucesso, e depois de quase ceder me apressei a dizer:
— Não posso nem colocar em palavras o quanto é importante, para mim,
ouvir isso, Benta. É um prazer enorme poder trabalhar na DiFiori e ter
alguém tão premiado como ele como meu mentor, é a realização de um
sonho. Prometo dar o meu melhor dentro do grupo — fui sincera e sacudi a
cabeça para cima e para baixo, enfatizando o que disse.
— Tenho certeza que sim. — Ela sorriu, simpática, e aquilo me trouxe um
alívio sem tamanho. — Mas venha, vou te levar até sua mesa. Daqui a pouco
teremos o encontro inaugural, uma espécie de reunião feita semanalmente,
onde trazemos as pautas de trabalho dos próximos dias, fazemos o
planejamento e passamos as tarefas de cada setor e funcionário. O Sr. DiFiori
é quem a preside, uma coisa importante para saber é que ele sempre faz
questão de estar a par de tudo. Nada é feito aqui dentro sem passar pelo crivo
dele, então não se surpreenda por vê-lo presente não apenas no momento das
decisões importantes, como também em qualquer outra mínima decisão.
Sorri animada, o pequeno gesto acompanhando não apenas minha
ansiedade para começar, como também o desejo de fazer a diferença naquele
lugar.
— Esse encontro será ótimo para você se ambientar e também entender
um pouco melhor como funciona as coisas no setor — prosseguiu, com um
gesto casual de mãos. — Todavia, não se preocupe em ficar por dentro de
tudo rapidamente, você chegou agora e além de estar aqui para te ajudar com
qualquer dúvida, o Sr. DiFiori estará te instruindo no que precisar, pois como
sabe, você trabalhará diretamente para ele. — Um arrepio gostoso se
espalhou pelo meu corpo enquanto eu assentia.
Eu mal via a hora!
Depois de Benta apresentar minha mesa, um dos biombos de estação de
trabalho, localizado propositalmente próximo à sala do chefe, a única entre
todas que tinham as paredes escuras, ao invés de transparentes. Organizei
rapidamente as poucas coisas que trouxe comigo e esperei ansiosa pela hora
da bendita reunião.
Benta havia me alertado sobre a importância da pontualidade para o Sr.
DiFiori, então cinco minutos antes do horário marcado me dirigi ao auditório
localizado no final do andar. Mesmo sendo uma aluna aplicada, odiava a
ideia de sentar-me na frente, porque a zona frontal era perigosa quanto a
chamar atenção de quem ministrava a aula, então tratei de procurar um lugar
mais seguro e fui para segunda fileira, e logo a cadeira ao meu lado foi
ocupada, pois os outros lugares não demoraram a terem o mesmo destino.
Enquanto aguardava iniciarem, de longe pude ter um vislumbre do Sr.
DiFiori, de costas para o auditório, parecendo conversar alguma coisa com a
diretora. O cara era alto, vestia um paletó escuro e elegante. Por mais que a
curiosidade fosse grande, achei por bem não o encarar demais, porque além
de não saber se estaria preparada para atenção do meu chefe, também não
tinha tanta certeza de como aquela indiscrição poderia ser interpretada.
E uma coisa era certa: mesmo de costas o Presidente de Planejamento
parecia lindo. Talvez fosse porque ele me lembrava alguém. Não sabia dizer
se eram os cabelos, ou a maneira como gesticulava falando com Benta. E só
tive aquela certeza quando se aproximou do púlpito e depois de parecer fazer
uma varredura pelos rostos de cada um dos funcionários, com a respiração
presa na garganta, assisti ao sorriso matador que me conquistou e aos olhos
de lince sendo direcionados a mim.
Merda! Era Caio!
Estupefata, me endireitei na cadeira, ainda achando que estava vendo
coisas. Abri os olhos e fechei uma e outra vez, a fim de ter certeza de que não
estava sonhando, contudo, era mesmo ele ali, e me vi completamente pega de
surpresa com o fato de eu secretamente estar elaborando um plano para
dormir com meu chefe. Ainda estava tão chocada, que sequer retribuí o aceno
que recebi, ao contrário, apenas me afundei ainda mais na cadeira.
— Bom dia a todos — a voz grossa e masculina saudou o auditório cheio e
ouvindo-os retribuir, anotei no meu caderninho imaginário que deveria fazer
o mesmo quando tivesse recuperado a compostura. — Começamos hoje o
Encontro Inaugural, nosso momento de dar as boas-vindas à semana de
trabalho que se inicia. Para os novatos, sou Caio, o Presidente de
Planejamento do Grupo DiFiori. — Fixando os olhos nos meus, seus lábios
se curvaram em um sorriso malvado que me faz inflamar. — Gostaria de dar
as boas-vindas aos novos estagiários e funcionários, em especial à Senhorita
Paula Maia. Será um prazer trabalhar com você, tenho certeza que temos
muito para aprender juntos.
Ai, meu Deus!
Ainda estava sem conseguir respirar quando a mulher magra de corte de
cabelo Chanel se inclinou para sussurrar:
— Como você é sortuda, garota! — Ao contrário do que esperei ao ouvir o
que ela falava, não havia um tom de inveja ou nada parecido, apenas de
profunda admiração. O que também me deixou surpresa.
— Er… Acho que sim. — Sorrindo sem graça, voltei a encarar Caio, que
seguia falando, como se não tivesse acabado de me deixar perturbada, e
envergonhada, pela maneira ambígua com que se dirigiu a mim.
Tenho que admitir, ele estava ainda mais lindo com o terno preto de
marca, arrumado como o executivo que de fato era, e até mesmo gravata
usava. Parecia mais um modelo masculino daqueles da Armani. Ao contrário
do usual despenteado pelo qual havia me acostumado, os cabelos escuros
foram cuidadosamente penteados para trás e o espetáculo à parte, que era o
rosto bonito, tinha os traços perfeitos evidenciados pela barba recém-aparada,
que lhe conferiam um ar mais charmoso.
Muito profissional, Caio passou o restante da reunião discorrendo sobre
algumas estratégias que passaria a adotar com os clientes e projetos dali em
diante, e durante todo tempo, dei o meu melhor para não demonstrar o quanto
toda aquela situação ainda era demais para mim.
Consequentemente, pouco ouvi sobre um ponto de vista de alguns projetos
que estavam sendo produzidos. Em um dado momento, uma das mulheres
que se vestia com um tailleur impecável branco que sentara-se na fileira na
minha frente expôs sobre a necessidade de tomar cuidado com os detalhes,
pois com o feminismo no auge, era fácil ver um projeto ser boicotado pelas
militantes que acreditam que tudo era uma forma de oprimir ou degradar as
mulheres. O comentário gerou um certo desconforto, porque outra veio em
defesa do feminismo, dizendo que ela estava sendo machista, pois pessoas
como ela estavam constantemente reduzindo a nossa espécie a nada mais do
que uma busca sexual de prazer, e silenciosamente me vi concordar.
Embora não tenha discordado, Caio torceu os lábios durante o pequeno
embate e eu poderia dizer que ele estava realmente refletindo sobre tudo que
escutou, o que provava que Benta estava certa quando disse que apesar de ser
o homem à frente de tudo, além de querer participar ativamente de cada
detalhe, ele também considerava a opinião dos funcionários.
Embora devesse estar prestando atenção no que era dito, afinal, estava ali
para trabalhar, e não para ter qualquer outra distração, estava difícil. Era a
oportunidade da minha vida, pelo amor de Deus! Não deveria ficar perdendo
tempo ficando chateada por Caio ter me manipulado de certa forma, pois
juntando todas as peças desde que o conheci, aparentemente ele já sabia
quem eu era e não pareceu se importar em me contar aquele detalhe, e muito
menos que seria meu chefe.
Quando a reunião finalmente terminou, sentia-me meio que sufocada e
acabei esperando as pessoas se dissiparem até finalmente ir até onde ele
estava, à minha espera, pelo visto.
— Talvez tivesse sido legal ser avisada que teria você como chefe —
murmurei entredentes, e embora tivesse a intenção de mostrar o quanto estava
chateada com aquilo, o tom de escárnio, bem como a mágoa que imprimi na
voz, me surpreendera.
E a ele também, dada a forma que olhou para mim, sério, embora
parecendo perigosamente sexy com aquela postura de CEO fodão.
— E perder toda a graça? — o tom sisudo e o sarcasmo habitual estavam
presentes, coisas que ele sabia muito bem o quanto me irritavam.
Filho de uma mãe!
Decidi não discutir, já que apesar de tudo ele era meu chefe e por isso
achei que seria melhor parar com o que quer que fosse que eu pretendia fazer.
Nosso acordo estava acabado, definitivamente. Não havia mais possibilidade
de seguir em frente com aquela ideia estapafúrdia de tentar enganá-lo na
esperança de conquistá-lo. O cara era Caio Di Fiori, não outro jogador
galinha qualquer, e mais do que nunca passei a acreditar que aquele jogo
seria apenas perda de tempo. Além do mais, jamais arriscaria a minha carreira
em nome de outra pessoa. E estava mais do que decidida a deixar toda aquela
história para trás, quando ele falou:
— Deixei algo para você na sua mesa.
Não esperei que dissesse mais nada, apenas virei as costas e parti, achando
mais seguro apressar os passos, e segui praticamente correndo para o meu
local de trabalho. Quase sem fôlego, sentei-me à mesa praticamente vazia,
tendo apenas sobre ela um envelope e a xícara de café com meu nome
impresso em dourado, presente da minha mãe.
Por um minuto ou dois, fitei o envelope pardo com a logomarca da
empresa com desconfiança. Apesar da curiosidade para saber o que tinha
dentro, ainda assim temia o que pudesse ser. A situação parecia cada vez
mais ridícula, afinal, o que diabos podia ter ali que poderia me assustar? Não
era a demissão obviamente. Já que nem mesmo comecei a trabalhar. Por fim
tomei coragem e com a ajuda de um extrator de grampos, rasguei a aba
colada. Respirando fundo, finalmente tirei a folha de papel e de boca aberta,
com o coração aos pulos, comecei a ler.

Projeto
Missão Jogadora

Tarefas:

1. Mapeamento de persona[06];
2. Estudo de TTO[07] (Tongue and Touch
Optimization);
3. Elaboração do cronograma de satisfações;
4. A arte visual e produção de imagens;
5. A arte do toque e o uso de produtos;
6. Testes;
7. Verificar resultados e fazer as conclusões
finais.;
8. Manutenção ou não do projeto, caso tenha
data final.

Mas o quê?
Conjunto feminino de vestimenta clássica e elegante, composto de saia e blazer, geralmente do mesmo
tecido, ajustado na cintura e comumente utilizado pelas mulheres sofisticadas.
Prêmio promovido pela American Marketing Association, AMA NY.
Nome do troféu do Festival de Criatividade de Cannes, que premia as ideias mais inovadoras e
audaciosas do ramo da comunicação.
Persona é a representação fictícia do cliente e o mapeamento é baseado em dados reais sobre
comportamento e características demográficas dos clientes, assim como suas histórias pessoais,
motivações, objetivos, desafios e preocupações. O mapeamento de persona guia a criação de
conteúdo e de marketing.
Tongue and Touch Optimization, que traduzindo significa Otimização do Toque e da Língua, um
trocadilho com SEO, siglas de SEARCH ENGINE OPTIMIZATION, que significa Otimização para
mecanismos de busca e é um conjunto de técnicas muito utilizadas na área de publicidade para
otimizar páginas da web. Essas otimizações visam alcançar bons rankings orgânicos gerando tráfego
e autoridade para um site.
CAIO
CAPÍTULO
DOZE

Com um sorriso bobo nos lábios, assisti pela parede de blindex com
películas escuras a Paula ler o que eu havia deixado em sua mesa. E diante da
reação estupefata e do rosto vermelho, não tinha dúvidas de que tinha sido
uma sacada de mestre a ideia de inserir aquela nossa experiência em um
modelo de projeto para marketing. A verdade é que não me lembrava de me
sentir tão feliz e realizado daquele jeito. Pelo contrário, muito tempo estive na
entoca, como um covarde, apenas atendendo a um desejo estúpido dela, para
no final ser traído e ainda ter o coração arrancado.
Aquele fora, sem dúvidas, o pior arrependimento da minha vida. Embora
tivéssemos vivido uma relação por anos, nem mesmo meu luto foi respeitado
quando tive o novo relacionamento dela esfregado na minha cara. Talvez
devesse lhe agradecer por ter feito o que fez, senão não estaria daquele jeito,
sentindo como se finalmente o mundo fizesse sentido outra vez.
Eu havia corrido para minha sala pela porta alternativa que havia nela,
apenas para assistir ao momento em que Paula encontraria o que havia
deixado para ela em sua mesa, e mesmo odiando me atrasar para qualquer
coisa, ainda assim valera a pena. Depois de uma última olhada para ela, voltei
a passar pela porta dos fundos e chamei o elevador exclusivo, usado apenas
pelos profissionais de alto posto e família, para finalmente subir.
A presidência do Grupo DiFiori ficava localizada no último andar do
prédio e com exceção do setor pelo qual eu era responsável, era uma
extravagância luxuosa, com muito mármore e decoração requintada. Aquela
era a ideia do meu irmão: a empresa mostrar o poderio em cada metro
quadrado, e como eu não pensava da mesma maneira que ele, fazia questão
de que o ambiente de trabalho do meu andar fosse confortável e moderno,
com intuito de aguçar a produção e criatividade dos meus funcionários.
Embora tivesse começado a trabalhar na empresa quando ainda era apenas
um calouro na faculdade, assim como acontecera com meu irmão, somente há
cinco anos havíamos assumido nossos novos postos de trabalho. Depois de
anos de dedicação, nosso pai havia decidido se aposentar e fez o mesmo com
os colegas que estava na empresa desde que ainda era apenas um sonho para
ele. Como filho mais velho e mais experiente, meu irmão se tornou o
comandante máximo e é presidente de todo o grupo, já eu assumi o cargo de
Presidente de Planejamento e ainda que nosso pai fizesse questão de
continuar fazendo parte do conselho, auxiliando-nos, e acredito que também
para continuar a fazer parte da DiFiori de alguma maneira, ele ainda era o
dono de tudo, claro, mas por acreditar que seríamos capazes, delegou-nos
nossas funções.
Assim como todos os irmãos, Cauã e eu tínhamos nossas divergências.
Nem todas explícitas, claro, mas algumas delas desconfortáveis a ponto de
preferir não vê-lo quando pudesse evitar. Éramos, sobretudo, diferentes, não
apenas na aparência ou no jeito de ser, mas também na forma de pensar,
então não era de se admirar que na maior parte do tempo vivamos em uma
pequena Guerra Fria.
Só que mesmo estando feliz que meu plano com Paula estivesse dando
certo, eu não estava nem um pouco empolgado em participar daquela reunião
e muito menos encontrá-lo, porque sabia que meu humor se esvairia em um
piscar de olhos. Todavia, preferi pensar que quanto mais rápido terminasse
com aquilo, mais rapidamente poderia voltar ao que de fato me interessava.
Diferente da senhora competente e mais velha do que minha mãe que
trabalhava com papai antes de ele se aposentar, como um completo clichê, a
secretária da presidência era uma loira bonita, que se encaixava perfeitamente
no estereótipo. Sempre escondendo-se por trás dos sorrisos, olhares, roupas
apertadas e decotes provocantes, o desejo de fazer parte da estática de
romance Patrão x Empregada estava mais do que claro. Infelizmente para ela,
as tentativas não me causavam efeito algum, mas eu não podia colocar a mão
no fogo pelo meu irmão, que até mesmo com Roberto DiFiori brigou para
garantir que a mulher permanecesse na empresa.
— Bom dia, Sr. DiFiori. — O sorriso que ela julgava ser sedutor estava lá,
inabalável, assim como a minha vontade de bocejar pela tentativa inútil de
sedução.
— Bom dia. Cauã já chegou? — fui direto de propósito e os lábios
pintados de vermelho se contraíram, por notar mais uma vez ser frívola a
tentativa de me seduzir.
— Sim. Está esperando o senhor na sala dele. Pediu que avisasse assim
que chegasse. — Meneei a cabeça, assentindo, e não pedi licença antes de
virar as costas para ir entrar no campo de guerra.

Como imaginei, a conversa não foi fácil. Cauã tinha uma visão
completamente diferente da minha no que dizia respeito à forma de gerenciar
o império que era o Grupo DiFiori. Ele via o que fazíamos apenas como um
trabalho publicitário com ideias criativas para os clientes, que investiam
mundos e nos rendiam um honorário absurdo. Contudo, fazíamos mais do
que aquilo, muito mais, e não apenas para lucrar, assessorávamos os
anunciantes em suas necessidades de propaganda, executando trabalhos para
a sua realização, coordenando o trabalho dos fornecedores e produtoras e
intermediando tudo. Ou seja, erámos diretamente responsáveis pelo sucesso
de romper a mentalidade dos alvos, atrair o público e inflamar as marcas e
empresas. O antigo ditado não podia ser mais certo: a propaganda é, de fato, a
alma do negócio.
Saí da sala de Cauã me sentindo como se tivesse corrido uma maratona. E
o estúpido sorriso no rosto de mais cedo parecia ter sido temporariamente
esquecido. Era início do ano ainda, já tínhamos projetos em andamento para
um semestre inteiro, sobrecarregar-nos de campanhas publicitárias só poderia
contribuir para diminuição do nosso padrão de qualidade e com isso acabar
por nos prejudicar. O Grupo DiFiori não era apenas uma agência que fazia
bilhões por ano, era uma empresa tradicional, que há anos mantinha-se no
ranking como maior conglomerado de comunicação e era mundialmente
conhecido no setor. Lucro deveria ser a última coisa com a qual nos
preocuparmos.
Embora tentasse ao máximo não dar uma de irmão fofoqueiro, precisava
conversar com meu pai sobre as decisões impulsivas do seu primogênito
cabeça-dura. E apesar de ter batalhado a vida toda para o crescimento da
agência, dedicando-se para torná-la o que era, assim como eu, o velho DiFiori
também tinha um pensamento mais conservador. Esperava sinceramente que
concordasse comigo e ficasse ao meu lado, caso contrário, não sabia bem o
que faria.
A fim de me acalmar, resolvi sair direto para comer, já que estava quase na
hora do almoço. Tinha planejado levar Paula comigo, mas dado meu humor
ácido, comecei a achar que não seria uma boa ideia. Não seria uma boa
companhia naquele momento e não queria que aquilo respingasse na nossa
relação. Até porque, conhecendo o temperamento um tanto explosivo de
Paula, não tinha tanta certeza de que aceitaria, e se o fizesse, apostava um
mês de celibato que não seria nada agradável dividirmos o mesmo ambiente.
Então o melhor mesmo era que ambos acalmassem os ânimos.
Andando pelos corredores que margeavam a sala do meu irmão, peguei
um vislumbre de cabelo loiro, que imediatamente chamou a minha atenção e
me fez paralisar de imediato, ao que ela balançava as mãos daquele jeito tão
seu, apenas para confirmar o pesadelo de revê-la. Batendo os saltos altos no
piso marmorizado, ela passou a caminhar com seu habitual rebolar, e eu sabia
que só podia estar indo para o lugar de onde eu havia acabado de sair.
Contudo, quando os olhos brilharam perversos ao captaram os meus, ela
sorriu para mim como se eu fosse a pessoa por quem procurava.
Merda! Aquilo só podia ser sacanagem com a minha cara!
Sem precisar de mais um segundo para pensar, dei as costas e segui na
direção oposta.
PAULA
CAPÍTULO
TREZE

Não foi nenhuma surpresa descobrir que no prédio da DiFiori havia


praticamente uma praça de alimentação digna de Shopping center, que além
do refeitório padrão onde eram servidas as refeições para os funcionários,
também havia mais dois restaurantes e uma cafeteria. O lugar ficava situado
no mezanino do prédio e depois da péssima manhã que tive, comer
certamente era a única coisa que poderia melhorar meu humor.
Após ter uma ideia dos preços exorbitantes que pediam nos aluguéis de
imóveis na cidade, não ter de pagar pelo almoço durante a semana seria uma
economia e tanto, porque dado o preço do café que vi na propaganda da
cafeteria, se alimentar ali também não sairia nem um pouco barato. Não
precisei fazer muitos cálculos para me dar conta que mesmo ganhando um
salário generoso as coisas não seriam necessariamente fáceis. Contudo,
depois de sair de casa, a última coisa que queria era ter de pedir ajuda à
minha mãe para me manter, quando já havia passado da hora de fazer isso por
mim mesma.
Nunca fomos ricas, na verdade, longe disso, já havíamos passado por
muitos perrengues na vida. Minha mãe havia herdado de minha avó uma loja
de serviços para roupas, que tinha maior demanda de serviços no começo de
cada ano, por conta do início do período letivo, em que bordava e ajustava os
fardamentos escolares, entre outros tipos de consertos. Mas fora essa época,
mal se ganhava para as despesas de casa e assim sendo, optei por cursar uma
faculdade ali mesmo, na minha cidade, ainda que tivesse sido aprovada em
outras instituições, e sempre que conseguia um ou outro serviço voltado para
a área de marketing digital, ajudava com as despesas.
Quando ganhei o concurso, também recebi uma quantia razoável em
dinheiro, mas ao contrário do que minha mãe sugeriu, que eu comprasse um
carro, paguei contra vontade dela o conserto do telhado da nossa velha casa,
que parecia prestes a cair sobre nossas cabeças. Ainda sobrara um pouco de
dinheiro, mas fiz questão de guardar na poupança para eventuais
emergências, que esperava sinceramente não ter, o que significava que
precisaria me virar com o valor do meu salário.
Após a reunião mais cedo, não tinha mais visto Caio, e do jeito que fiquei
por causa daquela lista que ele deixara na minha mesa, achei que fosse
melhor mesmo que um encontro não acontecesse. Não tinha tanta certeza de
como reagiria, porque toda aquela ideia de “projeto” era ridícula, para dizer o
mínimo. Mesmo que não tencionasse lhe contar, era inteligente, bem
perspicaz e eu tinha de admitir que pretendia analisar cada item mencionado,
porque pareciam ser bastante interessantes e vi-me curiosa para descobrir.
O que eu tinha em mãos era não apenas perigoso, como também uma
prova decisiva de assédio sexual. Era totalmente contra lei e antiético propor
um “projeto” daqueles a uma funcionária. Obviamente não era o caso, já que
eu não tinha pretensão alguma de processá-lo ou algo parecido, estava
mesmo era tentada a cumprir cada uma das tarefas indecentes da proposta.
Estava esperando pelo elevador quando uma mulher esbelta usando um
vestido vermelho parou ao meu lado para fazer o mesmo. Quando o elevador
finalmente chegou, fomos as únicas passageiras dele e pelo horário, aquilo
era espantoso, e para não correr o risco de ele lotar, me adiantei para apertar o
botão do meu andar, mas surpresa descobri que ela iria para o mesmo lugar
que eu.
Virando-me para a bela mulher, lhe dirigi um breve sorriso.
— Acho que vamos para o mesmo lugar. — Apontei para o painel e ela
sorriu.
— Que coincidência. E ainda bem que somos só você e eu, acho horrível
ter que parar em cada andar. — Acabei assentindo, apesar de não ter
realmente acontecido aquilo comigo, ao menos não quando estava na minha
“terceira viagem” de elevador até o quadragésimo quinto andar. —
Normalmente não uso esses elevadores sociais justamente por isso, mas como
os privados estão em manutenção, fui obrigada. — Outra vez me vi menear a
cabeça, embora não fizesse a menor ideia do que significavam os elevadores
privados.
— Paula — eu me apresentei, oferecendo um aperto de mão rápido, ao
mesmo tempo em que a fitava com curiosidade. — Não lembro de ter visto
seu rosto mais cedo.
— Monalisa. E não, eu não trabalho aqui — ela se limitou a responder e
peguei a dica de que não queria dividir o que estava fazendo na DiFiori. E
nem era da minha conta mesmo.
Tinha que aprender a parar de agir como se ainda morasse em uma cidade
pequena. Eu não estava mais em Franca, mas, sim, em uma cidade grande, e
não era legal e muito menos seguro ficar papeando com uma pessoa qualquer
e nunca, em hipótese alguma, deveria sair dividindo informações pessoais por
aí.
Apesar de fazer parte do que eu deveria fazer, era bastante desligada no
que dizia respeito ao semblante das pessoas. Contudo, havia algo
estranhamente familiar naquela mulher e eu simplesmente não sabia dizer o
que era. E apesar de ter sido simpática, não podia dizer o mesmo da forma
que me encarou, que não condizia nem um pouco com o sorriso.
Com longos cabelos platinados, vestido vermelho de bom comprimento e
justo ao corpo bonito, sandálias de salto altíssimo combinando com a bolsa
de mão de grife, a pele de Monalisa estava bronzeada, como se tivesse ido à
praia no dia anterior, o que não combinava em nada com o clima frio da
nossa cidade, em que a praia mais próxima ficava a quilômetros de distância.
Não foi preciso um segundo olhar para ter certeza de que estava diante de
uma dondoca, daquelas que apesar do que tentavam transparecer, se achavam
melhores do que todo mundo.
Eu era uma pessoa que acreditava muito em primeiras impressões e,
definitivamente, a dela não fora das melhores. Sabe aquela história de santo
bater? Pois é, não foi isso que aconteceu com ela.
O assalto visual continuou a viagem inteira e, para meu horror, quando
saltamos no andar, ela pareceu determinada a “fazer amizade”.
— Então, você é nova aqui? — perguntou, parecendo verdadeiramente
curiosa.
— Sim, comecei hoje. Cheguei na cidade no fim de semana — lá estava eu
novamente falando demais.
— Só vim dar uma passada para ver meu irmão, mas como você é nova na
cidade, não deve ter muitos amigos. O que acha de me encontrar para um café
da próxima vez que eu aparecer por aqui? — soltou como se não fosse nada,
e parei de andar para encará-la.
Ela estava mesmo falando sério?
Analisando-a de uma forma mais profunda, não tinha tanta certeza de que
deveria aceitar. Afinal, eu não havia gostado muito da mulher. Todavia, a
minha súbita carência de amigos pareceu ganhar e me ouvi responder:
— Eu vou adorar.

Assim como havia acontecido pela manhã, não vi mais Caio no resto do
dia e quando chegou a hora de finalizar o expediente, ainda estava intrigada
com a ausência dele. Não que fosse da minha conta, claro, afinal, o que ele
fazia ou deixava de fazer não me dizia respeito. Só era estranho que ele
simplesmente sumisse, quando em nenhum momento o vi sair ou entrar na
sala que ficava próximo à minha estação de trabalho.
O céu ainda estava repleto de nuvens escuras, então outra vez achei que
meu teste com o metrô seria arriscado, no entanto, não querendo continuar
gastando além do necessário com aplicativo de transporte, acabei indo em
frente. Afinal, o máximo que podia acontecer era pegar o metrô lotado e
demorar para chegar ao meu destino.
E foi exatamente isso que aconteceu.
Então depois de dois metrôs cheios, uma parada na estação mais à frente,
que me resultou em uma bela pernada, finalmente cheguei em casa, já
pensando em colocar um tênis na bolsa para o dia seguinte, caso acontecesse
algum imprevisto que me fizesse ter de andar um bocado outra vez.
Morta de cansaço, abri a porta para encontrar Caio ainda em seu terno,
sentado no sofá, nitidamente à minha espera. Só de olhar para aquela farsa de
homem diante de mim, todo ressentimento que senti por ter me escondido sua
real identidade retornou. Por isso que quando abri a boca para falar, minha
voz escorria sarcasmo:
— Caio… Oh, eu sinto muito. Devo chamá-lo de senhor? Ou meu querido
chefe ainda prefere que o chame de Professor? Desculpe, mas estou um
pouco confusa, já que o pervertido que paga meu salário me deu um projeto
absurdo para “trabalhar”.
— Então você ainda está chateada. — Não era uma pergunta, apenas uma
afirmação, uma de quem parecia ter bastante propriedade para falar.
Levantando-se do sofá, ele pareceu ter a intenção de se aproximar,
contudo algo em meu rosto o impediu de fazê-lo, obrigando-o a recuar. Ainda
assim, ele teve a cara de pau de me dar um sorriso nefasto, como se com
apenas jogar seu charme pudesse melhorar as coisas entre nós.
— O que te deu a dica de que estaria chateada? — indaguei, jogando a
bolsa no aparador, para em seguida começar a tirar os saltos que calçava. —
A maneira agradavelmente surpreendida que fiquei por saber que a pessoa
que está comigo há dias sabia exatamente quem eu era e preferiu não me
dizer que era meu chefe? Ou o porquê de a pessoa que prometeu ser meu
mentor na arte da libertinagem decidiu misturar as coisas e envolver o pessoal
com o profissional em pleno horário de trabalho? Não sei, estou confusa. —
Eu não sorri, ri ou deixei qualquer margem para dúvidas da minha irritação
para com ele. Na verdade, meu tom de voz irreconhecível fez aquilo por mim.
Deus. Eu estava mesmo puta da vida!
— Você sabia desde o início quem eu era e nem por um só segundo
pensou em me contar? — sussurrei a pergunta e suas covinhas apareceram.
— E você aceitaria a minha ajuda caso o fizesse? — jogou a pergunta de
volta para mim, como quem dizia que estava com a razão.
— Claro que não! Na verdade, ainda não faço ideia de como aceitei —
bufei, irritada comigo mesma por ser tão inocente. — Você me mostrou um
documento que dizia que seu sobrenome era Ornelas, como queria que eu
desconfiasse? Mais uma mentira!
— Não. É verdade. O documento é legítimo. Esse é o sobrenome da minha
mãe e por uma questão de segurança uso-o toda vez que saio à noite —
impacientou-se, o rosto bonito tornando-se uma máscara fria.
— Então eu era uma espécie de experimento? — acabei perguntando à
queima-roupa e Caio franziu o cenho, assumindo uma expressão assustada.
— É esse juízo que faz de mim? — quis saber, forçando um sorriso, no
entanto a pergunta fora retórica, pois ele não demorou para prosseguir: —
Acho que apesar do pouco tempo, você já me conhece o suficiente para saber
que não preciso inventar nenhuma artimanha para pegar alguma mulher. Se
quer considerar a minha ideia de fornicação com você uma espécie de
experimento, então acho melhor pararmos por aqui.
Pararmos por aqui? Ele estava mesmo falando sério?
Tudo bem que eu estava chateada, mas talvez aquele cara diante de mim
parecesse ser alguém diferente, alguém que parecia querer o mesmo que eu.
Ou talvez ele fosse mesmo uma farsa. Poderia mesmo ser um plano ardil?
Não sabia, eu estava confusa.
Meu coração se apertou com o pensamento de Caio ter me usando o tempo
todo.
— É agora que você vai querer usar a Terceira regra? Como é mesmo?
Ah! “Qualquer motivo de desavença pode ser resolvido na cama… ou fora
dela, contanto que envolva sexo” — fui irônica de propósito e Caio estreitou
os olhos, sem deixar de me encarar com uma expressão séria.
— Não, mas talvez devamos ir em frente com o “projeto” — ele refutou
baixo, fazendo minha pele se arrepiar.
— Então como funciona? Simplesmente começamos a cumprir cada uma
das tarefas? — Aproximando-me devagar, puxei-o pelo colarinho e com a
boca colada à sua continuei: — Ou meu querido professor quer ir direto ao
que interessa?
O sorriso provocativo, somado às covinhas na bochecha, deixavam clara a
aprovação daquela ideia.
— Pensei que poderíamos começar desde o início, mas se quiser pular essa
etapa, ficaria feliz em adiantar para a coisa do toque e da língua — sussurrou,
enrolando os braços ao redor da minha cintura.
Por um segundo, ponderei se deveria ceder ou não ao desejo de seguir em
frente com a sugestão, afinal, além de lindo com aquele terno e pose de CEO
fodão dono da porra toda, como nos livros de romance, ele era irresistível, o
filho da mãe. Mas se tinha uma coisa sobre mim que ele ainda pareceu não se
dar conta, é que eu era obstinada e que o queria. Mesmo. Só que nos meus
termos. Então se o que queria era conquistá-lo para poder chamá-lo de meu,
deveria manter os hormônios sob controle. E, claro, também era um pouco
vingativa, admito.
— Hm… Assumo que essa coisa do toque e da língua foi uma das que
achei mais interessantes. — Os olhos dele brilharam perversos, achando que
eu certamente havia esquecido o ocorrido, e quando abaixou o rosto para me
beijar, afastei-me de súbito, saindo completamente da sua aura de sedução.
— Até amanhã, chefinho — soltei irônica, virando as costas em seguida para
ele.
— Até amanhã? Você está falando sério? Mas e nossas aulas? — indagou,
surpreso, embora não conseguisse esconder a irritação que sublinhava cada
sílaba, e me virei para encará-lo enquanto ouvia o que lhe diria a seguir.
— Apesar de paralisações estudantis não estarem regulamentadas em lei,
todo e qualquer tipo de protesto, manifestação e movimento é meu direito
como cidadã. E meu “movimento” agora será para a banheira, onde a
“protestarei” apenas para mim e mais ninguém, e lá mesmo farei “uns
movimentos”, se é que me entende. — Mexendo as sobrancelhas para dar
ainda mais ênfase aos meus próximos passos, foi a minha vez de sorrir ante
sua estupefação.
— E eu? — Isso saiu como uma súplica, o que me fez ter vontade de
gargalhar.
— Acho que você poderá experimentar a coisa do toque sozinho.

Jogando as cobertas para o lado, sentia a pele úmida pelo calor, suando
para caramba, a garganta seca, como se estivesse atravessando o deserto do
Saara, e foi quando sentei-me na cama que me dei conta de que o que me
acordara fora uma música barulhenta de rock que tocava no sistema interno
de som do apartamento, mas a impressão que tinha era que estava
acontecendo dentro da minha cabeça.
Aturdida, olhei ao redor para descobrir que eram três da manhã. Estava
tão, mas tão quente, que não parecia nem mesmo viver em uma das capitais
com o clima mais frio do Brasil. Talvez até pensasse que aquele súbito calor
todo era apenas uma brusca mudança de temperatura, afinal, a cada dia
tínhamos mais novidades e surpresas sobre o assunto, contudo, o fato de não
apenas meus tímpanos estarem prestes a serem estourados, a cama começou a
se mexer em alta velocidade, como uma plataforma vibratória louca.
O que diabos estava acontecendo?
Um grito abafado me escapou quando algo parecido com pequenos
choques parecerem vir do colchão e um filme erótico bem ruim, com uma
loira peituda escandalosa que começou a gemer enquanto o parceiro a comia
de quatro. Pulando e rolando entre as cobertas, tentava escapar da cama, e
depois de muito sacrifício e quase uma queda épica, finalmente consegui sair,
o coração tão rapidamente batendo no peito, coloquei a mãos no joelho,
buscando ar para os meus pulmões.
Merda! Merda! Merda!
Andando pelos corredores, as luzes começaram a acender e apagar, quase
como um pisca-pisca com mau contato, a cada passo a situação parecia tão
ruim, se não pior. Fui até a sala em busca do controle que comandava tudo,
no entanto, letras e números pareciam dançar na pequena tela do objeto.
Meu Deus, o que eu faria?
Não fazia ideia de como resolver a situação. Na verdade, nem mesmo
sabia onde ficava o painel de controle elétrico do imóvel, o que significava
que não poderia reiniciá-lo. Sem ter noção alguma do que fazer, peguei o
celular para ligar para a única pessoa que poderia me ajudar naquele
momento.
— Que ótimo, desligado — resmunguei, depois de ouvir a voz da caixa
postal.
Não pensei duas vezes antes de abrir a porta do apartamento e com a chave
na mão, chamar o elevador. Ele não demorou a chegar e entrei, antes de
apertar o botão que me levaria à cobertura.
— Quem está morrendo? — foi o que Caio falou quando toquei
insistentemente a campainha do seu novo lar. Ele me encarava confuso. — O
que aconteceu, diabos?
Deixando escapar um suspiro, ri, sem humor algum.
— É realmente necessário que eu te responda? — indaguei, com a voz
escorrendo escárnio, as mãos na cintura deixando claro que a minha visita
não era nada amigável.
Alguma coisa na expressão dissimulada que recebi como resposta me fez
começar a duvidar que o que estava acontecendo não se tratava de um
simples descontrole tecnológico. Juro por Deus, estava começando a pensar
que era apenas um ardil para que fôssemos para a cama juntos.
Ah! Com certeza era!
— Você sabe muito bem o motivo da minha visita. — Isso saiu de forma
acusatória, como se ele tivesse planejado tudo.
— Não — respondeu, cínico.
— Claro que não sabe. Afinal, está acontecendo uma espécie de Era de
Ultron[08] dentro do apartamento que você me emprestou, com som nas
alturas, aquecedor no máximo, televisão passando um filme pornô ruim e
escandaloso e você é inocente… — afirmei sarcasticamente, porque ambos
sabíamos que ele era o culpado.
— É mesmo? Que estranho — insistiu naquele papo de inocência, mas eu
não estava caindo mesmo. — Acho melhor dar uma olhada. — Ele então
abriu a porta por completo e foi quando me dei conta de que ele estava
seminu.
Nossa Senhora das virgens, o que era aquilo tudo?
Caio era lindo, mais como a confirmação da existência de Deuses vivendo
entre nós na Terra, porque algo tão perfeito não poderia ser outra coisa que
não um deus. Lindo demais era pouco, alguém precisava inventar uma
palavra superlativa com intuito de fazer jus a ele. Não havia nada nele que
não fosse perfeito, o corpo malhado e cheio de músculos, a barriga tanquinho
com um traço de pelos escuros e aquele “V” sexy que indicava o caminho da
sua masculinidade me deixaram com a boca sedenta para lambê-lo.
— Se já acabou com a inspeção, podemos descer para ver o que está
acontecendo? — indagou, sem tirar o sorriso convencido do rosto.
Argh! Filho de uma mãe gostoso!
Não respondi, apenas dei as costas para ele e marchei direto para o
elevador.
— Não vou dormir na cama com você! — soltei, irritada, logo depois de
voltarmos para o apartamento dele na cobertura.
Quando estávamos no meu apartamento temporário, Caio alegou que não
conseguiria resolver a situação da revolta do sistema automotivo do
apartamento e me ofereceu para que fosse dormir na cobertura com ele. Não
queria ter cedido, mas precisava dormir e com todo aquele barulho seria
impossível. Enquanto retornávamos para o apartamento de Caio, ele me
informou que o apartamento possuía isolamento acústico e por isso os
vizinhos não haviam se dado conta da rave que rolava ali dentro. Descobri ao
chegar que o segundo quarto de imóvel estava em reforma e que o sofá de sua
sala havia sido mandado para higienização, restando como opção apenas o
seu quarto e a sua cama.
— Não vou morder — respondeu, voltando a me encarar profundamente,
um brilho perverso cintilando nos olhos claros. — A não ser que você peça,
claro.
Não foi exatamente o que disse que me deixou sem ar, mas a forma como
foi dito. Sem tirar os olhos de mim, era possível sentir o sangue fluir em meu
corpo como uma descarga de adrenalina, pulsando, fazendo meu coração
palpitar e a pele esquentar. O ar se esvaiu dos meus pulmões e respirar
pareceu se tornar difícil, pois aquele olhar, com o sorriso malicioso, fazia a
tarefa de resistir difícil, muito difícil.
— De que lado você prefere? — a pergunta dele poderia soar inocente,
contudo não para nós, que sabíamos muito bem o que significava.
— Só farei isso essa noite, porque permanecer lá dentro daquele
apartamento está impraticável. Mas só vamos dormir, ouviu bem? — Apontei
o dedo em riste de forma acusatória, enquanto ele mordia os lábios, como se
tentasse muito não rir.
— Claro. Garanto que vou resolver o seu problema. — Levantou as mãos
em rendição, cínico. — E, sim, eu te ouvi — bufei, quando piscou para mim,
e pisando duro, segui para o lado que percebi que ele dormia. Apenas para
pirraçá-lo, claro.
— Eu não acredito em você, Caio! — lancei, após me ajeitar
confortavelmente entre as cobertas grossas. — E acho melhor manter
distância! — avisei, quando o colchão cedeu ao deitar-se.
— Distância é algo que não pretendo manter. — E sem mais, o corpo
seminu juntou-se ao meu e, segurando a respiração, paralisei quando o nariz
passou a fuçar meu pescoço e senti os lábios macios fazerem um caminho
longo e lento pela minha pele.
— Você que planejou tudo, não foi? A Era de Ultron foi culpa sua? —
perguntei em um fio de voz e senti o calor morno da sua respiração quando
ele riu.
— Claro, eu sou o próprio Tony Starks. Ou Hank Pym, caso prefira a
clássica história de quadrinhos de Ultron. — Ele estava definitivamente
zombando de mim, no entanto devo admitir que aquele papo meio nerd era
sexy, mas ainda assim não conseguia me convencer de que não tinha nada a
ver com a história.
— Claro que foi você! — meu tom saiu acusador. — E aposto que você
vem planejando isso há um bom tempo, já que até uma reforma inventou e o
sofá tirou. — Ele gargalhou com vontade.
— Certo! Você me pegou! Sou o único culpado por Ultron tentar acabar
com seu sossego e correr para minha cama. Mas não se preocupe com isso,
meu próximo passo é usar de técnicas de hipnose para que possa fazer sexo
com você.
— Não duvido. — Revirei os olhos, mesmo que não pudesse ver, ainda
assim tive que me conter para não dizer que ele não precisaria me hipnotizar
para conseguir o que queria.
— Hoje vamos mesmo dormir.
Com o coração batendo de forma errática, senti a boca secar. Tudo em
mim desejava dizer que eu não queria apenas dormir, que queria mais, mas
simplesmente emudeci.
— Apenas hoje — sussurrou, enquanto a mão masculina acariciava a
minha barriga por dentro da blusa do pijama, e com a boca próximo à minha
orelha, notei a respiração dele ganhar um ritmo acelerado.
Fechando os olhos, aproveitei a sensação de ter o corpo gostoso encaixado
ao meu. Parecia tão natural, que a impressão que tive era de ter desfrutado
daquele encaixe perfeito a vida toda.
Vingadores: Era de Ultron é um filme de super-herói estadunidense produzido pela Marvel Studios. Ao
tentar proteger o planeta de ameaças, Tony Stark constrói um sistema de inteligência artificial que
cuidaria da paz mundial, mas o projeto acaba dando errado e gera o nascimento do Ultron. Ultron
desenvolveu consciência própria e sua inteligência artificial concluiu que a melhor maneira de
garantir um mundo melhor é exterminando a raça humana. Com isso, Ultron se rebelou contra seu
“pai” e torna-se uma espécie de nêmese não apenas dos Vingadores, mas de toda a vida no Planeta
Terra.
CAIO
CAPÍTULO
CATORZE

Paula estava certa, tinha sido ideia minha ocasionar uma espécie de pane
no sistema de automação do apartamento. Ainda podia me lembrar da linha
silenciosa quando estava em ligação com a empresa que instalara o sistema
quando pedi um novo controle e dicas para embaralhar tudo. Acho que a
fortuna que gastei para instalar aquilo foi a melhor coisa que fiz, porque
senão não teria dormido agarrado com Paula na minha cama.
Tentei muito não perder a cabeça e tomá-la ali no instante que colei o
corpo ao dela. Nem mesmo a luz do luar parecia facilitar, pois iluminava a
pele da minha linda menina, abrilhantando ainda mais a beleza delicada dela,
tornando-a quase irresistível.
Fui firme em meu propósito de não ir além, mas não significa que não tirei
uma casquinha, abraçando-a mais apertado, deleitando-me com seu calor no
meu corpo e a forma que Paula ofegava e arrepiava a pele apenas me dava a
certeza de que estava gostando tanto daquilo quanto eu.
Eu poderia tê-la naquele instante. Poderia me enterrar nela, colocar um fim
naquele desejo incontrolável que fermentava dentro de mim desde que pus os
olhos naquela mulher, contudo Paula merecia mais. Ela merecia alguém
apaixonado, que lhe dissesse aquelas palavras mágicas, aquelas pelas quais
não apenas ela, mas eu também, havia declarado guerra por diferentes razões.
Se eu não estivesse tão louco por ela, tinha certeza que ousaria ser idiota o
suficiente para ir em frente sem pensar, afinal, era só sexo, certo? Sim, mas
com ela não era. Era mais…
Vê-la irritada quando abri a porta do meu apartamento quase fez com que
me arrependesse do plano de levá-la para a minha cama. E até estava
inclinado em resolver o problema do sistema do apartamento, contudo, a
forma como pela primeira vez olhou meu corpo seminu me fez seguir
adiante.
Porra! Eu precisava tê-la o quanto antes!
— A empresa de automação avisou que só poderá vir no final da tarde —
foi o que disse durante o café da manhã na bancada da cozinha na manhã
seguinte.
— Mesmo? — quis saber, a boca franzida e o tom de voz me dizendo que
não acreditava no que eu dizia. O que era verdade, já que o novo controle do
sistema do apartamento estava comigo e eu o havia usado quando baguncei
tudo no apartamento pouco antes de ela ir atrás de mim.
— Mesmo. Tentei fazer com que viessem antes, mas parece que a agenda
deles está bem cheia. — Meneei a cabeça, concentrando-me na tarefa de
permanecer sério sobre o assunto e trazer um pouco de veracidade para
aquela história arquitetada.
— Interessante que isso tenha acontecido apenas agora. Que sorte você ter
escolhido comprar outro apartamento no mesmo prédio, não é? — a voz dela
escorria sarcasmo, contudo me mantive inabalável.
— Sim. Muita sorte estar aqui para sempre poder dividir a cama com você
— falei, enigmático, antes de sorrir para ela.
Ainda não sabia explicitar exatamente o que sentia, só sabia dizer que era
mais forte do que qualquer coisa que já senti por qualquer pessoa. Todavia,
por mais que quisesse desesperadamente estar com ela, não queria que
acontecesse por uma manipulação da minha parte. Na verdade, tinha intenção
de adiar aquilo até que ela estivesse preparada e soubesse exatamente como
me sentia. E esperava mesmo que fosse recíproco.

— Você fez propositalmente todo sistema do apartamento bugar? —


Rodrigo repetiu ao telefone, aparentemente embasbacado quando terminei de
contar o meu brilhante plano.
— Sim. E hoje mandei um faz-tudo refazer toda a elétrica. Não tem
eletricidade, o que significa que ela não poderá ficar lá. — Brincando com a
caneta sentado em minha mesa, eu sorria diante da minha genialidade.
— E se ainda assim ela preferir continuar, cara? — perguntou, como se
fosse óbvio.
— Ah, eu não disse? Tivemos um problema sério de hidráulica, tive que
mandar cortar a água. Sem eletricidade podemos ficar, mas sem água? Acho
difícil. — Dei de ombros, mordendo os lábios para não rir.
— Você é louco! E amanhã?
— Amanhã farei uma reforma no apartamento, não gosto mais da cor —
soltei, cínico, fazendo-o gargalhar.
— Você é louco mesmo! Desse jeito ela vai embora e procurar um lugar
para morar. O que significa que seu plano de ter ela morando perto vai melar
— devolveu, ainda cético.
— Não, ela não vai — respondi, convicto.
— Sei… Não era mais fácil simplesmente confessar a ela como se sente?
— tentou, como sempre, dissuadir-me.
— Ainda não.
— Por que não? O que está esperando, porra? Perder a mulher? —
indagou, bravo, ao mesmo tempo em que eu fixava o olhar em Paula,
completamente concentrada no trabalho e alheia ao fato de eu estar olhando-a
e falando sobre ela.
— Ainda acho que não é a hora — eu me limitei a responder e o ouvi
bufar em resposta.
— Por que acha isso, Romeu? — Sorri, porque esperava que ele
perguntasse aquilo e com os olhos ainda grudados nela, não hesitei em
responder:
— Não sei. Apenas sinto.
PAULA
CAPÍTULO
QUINZE

A semana passou voando e quando dei por mim já era domingo. Na


DiFiori, as coisas estavam sendo incríveis, o que me deixava animada como
nunca antes quando comecei a colocar as mãos na massa. Em tão poucos dias
ali já havia aprendido tanto, que não conseguia nem mesmo colocar em
palavras como me sentia. Estava sendo uma experiência incrível e esperava,
sinceramente, que fosse apenas o início de um sonho.
Como acontecera no domingo anterior, Caio tinha saído para visitar a
família no habitual almoço de domingo. Aproveitei e também fiz o mesmo
ritual, saindo para encontrar um apartamento, embora dessa vez tenha
seguido o conselho de uma colega de trabalho, que me deu o nome de um
corretor amigo seu. Só que não tive tanta sorte.
Eu precisava mesmo encontrar um lugar para mim, pois depois do desastre
com o sistema de automação do apartamento, Caio resolvera fazer inúmeros
serviços de reparação, pois em um passe de mágicas, aparentemente, o lugar
passara a ter apenas problemas. E misteriosamente nem água ou luz tinha.
Para mim estava claro que era tudo mentira, assim como também não havia
nenhuma reforma no quarto de hóspedes ou a lavanderia não se “esqueceu”
de entregar o sofá.
Obviamente era um subterfúgio, uma manipulação para me manter na
cama dele, embora não estivesse reclamando, já que havia passado a semana
dormindo nos braços dele e também sentido “sua felicidade” por ter-me ali.
E, bem, ok, também não me ouvi reclamar por causa das mãos bobas no meio
da noite.
Contudo, depois de dias dividindo o mesmo teto e também o cobertor,
passei a desconfiar de que Caio tinha desistido definitivamente de tentar ir
além comigo. Até mesmo nossas aulas pareciam ter sido esquecidas. Ele
provavelmente achava que eu era assexuada, que não estava nem
remotamente interessada nele ou em homens em geral, mas a verdade não
podia ser mais diferente: eu me sentia tão pronta! E mais do que isso, queria
tudo com ele.
Será que ele já havia se cansado daquela brincadeira? Ou será que se
interessara por outra pessoa?
Não tinha tanta certeza. Mas aquilo estava realmente começando a me
enlouquecer. Eu não falava nada e muito menos ele, embora tenha diminuído
gradualmente o pijama com o passar dos dias ou até mesmo vinha desfilando
de toalha pela casa com a ideia de lhe tirar alguma reação, o que não
aconteceu. Tudo bem que não dava para negar a “barraca armada”, afinal, um
pau duro era sincero, lembra? Mas por que diabos ele não ia em frente e me
pegava logo?
Sério. Eu estava subindo pelas paredes. Parecia estar a um piscar de olhos
de me jogar em cima dele ou apenas agarrá-lo no meio da noite. O desejo que
sentia estava começando a se tornar inconveniente e eu parecia estar a um
passo de cometer uma loucura. Tudo em mim gritava por ele. Pelo seu corpo.
Louca para que me pegasse de jeito, que fizesse comigo o que quisesse. Já
que eu era tão dona de mim, talvez devesse lhe dizer a verdade. Afinal, que
mal teria? Não tinha certeza do motivo por esperar uma atitude, mas acho
que, no fundo, estava esperando por algo vindo dele.
Depois de perder a tarde andando de um lado ao outro com o corretor,
decidi dar a busca daquele dia por encerrada, embora ele tenha prometido me
ligar quando tivesse alguma novidade, não tinha tanta certeza de que era boa
ideia. Talvez melhor seria dispensá-lo, já que ele não parecia ser muito
competente, pois mesmo tendo sido específica quanto ao que eu queria e
podia pagar, o homem pareceu não ter entendido nada que falei, pois só me
mostrara ou apartamentos caros demais, ou longe demais, ou pavorosos
demais.
Sério, não achei que seria tão difícil encontrar um lugar para viver estando
em uma cidade tão grande quanto aquela. Juro por Deus, parecia até que o
Universo estava conspirando para que não saísse da casa de Caio.
Ou ele.
Durante a semana acabei por me obrigar a aprender a andar de metrô. Não
podia mesmo ficar gastando dinheiro com Uber sem necessidade, e embora
Caio tenha me oferecido carona todos os dias, neguei em todas as vezes,
porque além de querer aprender a me virar, a última coisa que queria era que
nos vissem juntos mais do que já viam, afinal, ele era meu chefe. Então o que
acontecia é que eu acordava mais cedo, preparava o café da manhã enquanto
ele estava na academia e comia pelo caminho mesmo, porque não queria ter a
chance de que ele tentasse me fazer mudar de ideia. Nós meio que criamos
uma rotina, eu saindo escondida e ele chegando na empresa com a cara
fechada para mim. E na hora de voltar para casa, não era muito diferente,
porque eu também tentava dar um jeito de sair sem que ele me visse.
Descendo na estação do metrô mais próximo ao prédio de Caio, comecei a
andar em direção ao lugar, contudo, decidi por uma parada rápida na
Starbucks. Não havia comido direito na hora do almoço, pois não me senti
nem um pouco animada para cozinhar apenas para mim, e depois de uma
tarde frustrada no ramo dos aluguéis, comer um muffin de chocolate enquanto
bebia um mocha soava como um paraíso em meio ao frio da capital.
Como de costume, o lugar estava cheio, e assim que passei pela porta, o
cheiro forte de café invadiu minhas narinas, seduzindo-me com o aroma
ligeiramente encorpado e como uma dependente química, inalei-o
profundamente enquanto ia para o fim da fila.
— Também tenho uma ficção pelo cheiro do café — um rapaz falou atrás
de mim, e sentindo meu rosto queimar por ter sido flagrada, retribuí o sorriso.
— Eu já amava café, mas nesse frio parece que precisamos do líquido em
nossas veias para manter a temperatura do corpo. — Dei de ombros e ele
assentiu, fitando-me com certa curiosidade.
— É de fora? — indagou, e como não podia negar mesmo, me vi
assentindo. Por algum motivo ele sorriu, para em seguida perguntar: — Seria
muito audacioso da minha parte convidá-la para se sentar comigo?
CAIO
CAPÍTULO
DEZESSEIS

Como todos os almoços de domingo na Mansão dos DiFiori, estar naquela


mesa parecia ser uma espécie de tortura. Ainda assim, lá estava eu, com a
minha carranca habitual, com o humor péssimo, limitando ao mínimo a
quantidade de palavras proferidas, enquanto tentava ao máximo manter a
naturalidade e assistia à interpretação digna de Oscar de esposa perfeita e
tinha de aturar o casal feliz.
Vê-los juntos não me doía, só me incomodava. Estar por perto não era
apenas desconfortável, era mais desagradável do que qualquer coisa. E não
apenas porque conhecia a pessoa ardilosa que ela era, ou o quão melhor do
que todo mundo ele queria se mostrar, mas porque também tentava fugir do
meu passado.
Olhar para Mona no presente era como ver outra pessoa completamente
diferente, e não aquela garota que entrou em minha vida quando eu tinha
quase 15 anos. Quando isso aconteceu, Cauã já era bem mais velho, tinha 19
anos e estava naquela fase da adolescência em que não se importava com
nada e nem ninguém. Fora que não tardou para ele ir embora para os Estados
Unidos, fazer faculdade. O sonho de Ana Célia DiFiori era ter uma menina e
todos sabiam, então depois de muitos anos tentando engravidar de maneira
natural e também via inseminação, eles não conseguiram o almejado positivo
e foi quando optaram pela adoção.
Era de se esperar que quisessem adotar um bebê, contudo eles se
apaixonaram por uma garota que tinha quase a minha idade. Eu estava no
início da puberdade e apesar de não ter havido malícia no início, quando ela
chegou foi meio que um choque, sentia-me tímido, meio que envergonhado
por de um dia para o outro compartilhar tudo com uma menina de 14. Mais
tarde a malícia acabou chegando e eu era apenas um garoto cheio de
hormônios, que embora tentasse evitar, acabara se sentindo um pouco atraído
por ela.
Claro que embora mexesse comigo, eu tentava enxergá-la apenas como
irmã, contudo, quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava. Acabei me
afastando, passando cada vez mais tempo com os amigos fora de casa e
quando porventura estava, me escondia no meu quarto. Talvez por uma
questão de autocontrole. Até que, numa noite, a porta do meu quarto se abriu,
e como estava acordado, me levantei no susto ao vê-la entrar e com um
gemido fraco se aproximou, os olhos e nariz vermelhos me dando a certeza
de que realmente havia chorado.
— Por que parece fugir de mim, Caio? Você não gosta de mim, é isso?
Não queria que eu fosse sua irmã? — indagou, fungando, e não poderia ser
mais verdade. Já que diante da garota bonita de corpo bem-feito, as outras da
mesma idade pareciam tão sem graça.
— Mona…
— Não precisa dizer, eu só… — Ela respirou fundo. — Também não
queria que os DiFiori tivessem me adotado… Não por causa deles — tratou
logo de se explicar —, porque se não fosse por eles ainda estaria naquele lar
adotivo e sou muito grata por tudo que me fizeram. Mas, sim, por sua causa.
A verdade é que não queria ser sua irmã… — ela recomeçou a chorar e, sem
pensar, me aproximei dela e a abracei.
Juro que a única intenção com o gesto foi realmente consolá-la, pois por
mais que me sentisse atraído, naquele momento a minha vontade era apenas
de proteger e cuidar dela. Não queria que se sentisse daquela maneira por
minha causa. Não queria ser o motivo das suas lágrimas. Só que antes que
pudesse me preparar, Mona puxou meu rosto para ela e me beijou.
Embora beijá-la tenha sido muito bom, ainda assim tentei resistir. Não
estava certo. Éramos irmãos, certo? Não podíamos ir em frente, era errado de
muitas maneiras. Mais do que poderia dizer. Todavia, sem que ninguém além
de nós soubesse, nosso segredo começou.
E minha vida mudou completamente por causa dela.
Por algum motivo desconhecido, estava ansioso para voltar para casa e ver
Paula. Meu dia havia sido uma bosta, mas apenas a expectativa de revê-la
parecia fazer tudo ficar melhor. Eu vinha levando as coisas devagar depois do
meu estratagema de fazê-la se mudar para minha cama. Contudo, meu
controle estava por um fio e tinha decidido que pararia de fazer tudo aquilo
mais difícil para nós.
Estava perto de entrar na nossa rua, quando a vi de longe, caminhando em
direção à Starbucks. Ela usava um sobretudo grosso e cachecol, botas cano
longo sem salto, parecia estar vindo de algum lugar, talvez da estação do
metrô. Por causa de mais alguns detalhes do meu plano, sabia de onde viera e
por isso me vi sorrindo.
Pensei em parar o carro ali, mas além de não ser permitido, achei que seria
mais surpreendente caso aparecesse sem aviso na cafeteria. Afinal, não era
assim que a maioria dos livros clichês descreviam os encontros casuais dos
casais dos livros? Tipo aquela coisa de se esbarrarem e quando o mocinho
pegador vai ajudar a mocinha-virgem de coque frouxo, acaba se encantando
por ela, que o acha a personificação de um príncipe encantado… Sim, era
quase isso.
Nunca imaginei que pudesse ser tão piegas, mas também jamais pensei
que me encantaria tão profunda e loucamente por aquela mulher, então sem
grilo. Coloquei o carro na garagem e enquanto voltava andando para a
cafeteria, enviei uma mensagem para ela, tentando manter a casualidade e
não assustá-la. Mas a verdade é que ter passado algumas horas com a minha
família me fizera ter a certeza de que era mesmo hora de seguir em frente e
deixar o passado para trás.
Estava empolgado e pronto para confessar-lhe não apenas como me sentia,
mas também todo o resto. Então lhe diria as três palavrinhas que não proferia
há tanto tempo, e pela primeira vez finalmente iria querer dizê-las.
Chegando em frente à cafeteria, respirei fundo, recompondo-me antes de
tomar a atitude que podia ser responsável por mudar minha vida de maneira
irrevogável. Afinal, tudo mudaria no instante em que eu abrisse a boca. Ela
poderia admitir que sentia o mesmo ou então se desculpar por não retribuir o
sentimento, eu apostava na primeira alternativa.
Merda! Esperava que sim!
Colocando a mão na porta, paralisei com a cena que vi se desenrolar diante
de mim. Não podia ser verdade. Não podia estar acontecendo e justamente
quando decidi ser sincero e lhe confessar tudo.
Porra, só podia ser um pesadelo!
Meu coração perdeu uma batida, para em seguida martelar de uma forma
cruel quando dei um passo para trás. Um frio, que em nada tinha a ver com o
clima, pareceu dominar-me por dentro, como uma onda de tempestade de
neve que me engolfou e soterrou.
Paula sentava-se à mesa, conversando animadamente com um rapaz. Por
algum tempo, assisti de maneira débil ao jeito que ela riu por alguma coisa
que ouviu ou como os dois pareciam íntimos o bastante. Íntimos de um jeito
que achei que erámos.
Ao contrário do que pensei que estava acontecendo, Paula parecia querer
mesmo era aprender a jogar, e não o que eu queria para nós. Então se ela
estava ali pronta para o jogo com outra pessoa, significava que eu era apenas
um meio para o fim em toda aquela história.
Uma mulher acabou esbarrando em mim, exatamente como pensei em
fazer com Paula pare encenar as cenas clichês da ficção, mas embora fosse
bonita com longos cabelos castanhos e olhos claros, não me senti dentro de
uma história romântica. Aquilo eu já sentia por outra pessoa.
— Sinto muito — apressei-me em me desculpar e, sem pensar mais nada,
apenas virei as costas e parti.

De olhos fechados, eu tentava não sentir o mundo girando ao meu redor ao


subir o elevador. Já era tarde, o sol já havia se posto há muito tempo e a lua
brilhava no céu, embora tudo o que pudesse ver fosse um céu carregado de
nuvens, exatamente como me sentia por dentro.
Beber pode parecer má ideia quando estamos chateados, mas a verdade é
que entornar todas, às vezes, era exatamente o que precisávamos para não
apenas esquecer os problemas, mas também começar a enxergar as coisas de
uma forma completamente diferente. E foi pensando exatamente naquilo que,
naquela tarde, saí para beber.
Tinha decidido pegar a primeira que visse, e por mais que algumas das
mulheres mais belas tivessem me dado bola, não despertaram um mísero
interesse meu. Nem mesmo do meu pau. Nunca neguei fogo. Veja bem, eu
tinha uma vida sexual bastante ativa. Só que não era aquela a questão, mas,
sim, o fato de o meu pau nem mesmo se animar com a expectativa de uma
foda com qualquer outra que não ela.
Que porra era aquela?
Talvez devesse ter tentado fechar os olhos e fingir que a mulher fosse
Paula, mas pelo visto meu pau não estava nem um pouco disposto a cooperar,
quiçá a me ajudar a esquecer aquela maldita. Sexo sempre fora resposta para
tudo para mim, para desestressar, para tentar esquecer certas coisas, contudo,
nunca tinha sido um problema. O problema mesmo era não conseguir me
imaginar fazendo sexo com alguém diferente de Paula. Era como se estivesse
traindo-a, o que era um completo absurdo, já que além de não termos nada,
horas antes ela estava com outra pessoa, provavelmente exercitando seus
truques de sedução e talvez até mesmo fazendo o que eu não conseguia fazer.
Pensar naquela possibilidade apenas me fez beber mais, e por isso
continuei a afogar minhas mágoas, tentando esquecer a decepção, também
comigo mesmo. Todavia foi se tornando cada vez mais difícil, pois a cada
gole entornado, tentava entender o que diabos estava acontecendo com a
minha pessoa, e, na minha cabeça, a dubiedade só me fazendo cada vez mais
bêbado e confuso.
Reabri os olhos quando a porta do elevador abriu em um click. Já que ela
já estava jogando à procura do que queria, provavelmente eu também devesse
voltar à minha vida antiga. Não importava como me sentia, Paula foi apenas
um deslize. Permiti que entrasse e fosse além, mas não poderia deixar que
aquilo me transformasse num grande covarde emocional. Eu não era nem um
pouco covarde, era um cara que poderia ter as mulheres que quisesse. Não
poderia deixar que meu coração fosse o órgão que movesse a minha vida,
quando deveria ser o meu glorioso pau.
Abri a porta para encontrar um corpo coberto pelo edredom deitado no
sofá. Era uma bela visão, que se tornou ainda melhor quando ela despertou e
os belos olhos encararam os meus. E sem precisar de mais, lá estava de volta
aquela coisa que apenas ela me fazia sentir. Assim como meu pau, o grande
traidor, que aparentemente acordou para a vida, como se dissesse: olha, para
ela eu funciono!
Traidor miserável!
— A aprendiz de jogadora está aí… no sofá — resmunguei, emburrado,
bufando em seguida, fechando a porta atrás de mim. Antes de sair para beber,
tinha tirado o sofá que estava trancado no quarto de visitas e colocado de
volta na sala, no fundo, esperando que aquilo não fizesse diferença para ela,
contudo, o fato de ela estar dormindo ali me provava ao contrário.
— Você está bêbado! — lançou, e seu tom era de pura descrença.
— Por que isso importa? — Estreitei os olhos para ela quando fiz a
pergunta, deixando-a ainda mais sem jeito.
— Aconteceu alguma coisa, Caio? — indagou, parecendo preocupada
quando começou a se aproximar, embora se mostrasse um pouco relutante em
fazê-lo. — Não parece ser do seu feitio fazer esse tipo de coisa.
— Você não me conhece! — devolvi, num tom tão exasperado que me
assustei. — Além do mais, não é da sua conta o que eu faço ou deixo de
fazer! — bradei, e ela arregalou os olhos de pronto, fitando-me boquiaberta, a
expressão aturdida de quem não parecia acreditar no que ouvira.
— Não, não é da minha conta. — Ela engoliu em seco quando diminuiu
ainda mais a distância entre nós. — Mas me importo. E assim como você me
ajudou, também vou te ajudar.
Sem esperar por uma permissão, ela me puxou e não questionei. Jamais
questionaria alguma coisa quando ela parecia se importar de alguma maneira
comigo. Eu era mesmo um ser patético, que passara a mendigar um mísero
segundo da atenção, se contentando com qualquer coisa que aquela mulher
pudesse me dar.
Enrolando o braço na minha cintura, apoiei-me sobre o ombro dela,
quando me guiou pelos corredores do meu apartamento. Já que ela não estava
interessada em monogamia, mas, sim, em ficar com homens aleatórios, talvez
eu pudesse ser um deles também. Então, já que estávamos ali, juntos, talvez
fosse melhor aproveitar o quanto pudesse. Pensando assim, me abaixei o
suficiente para cheirar o pescoço dela e funguei em seu cangote, sentindo o
perfume adocicado delicioso, como um maldito viciado, buscando naquele
ato a sensação de prazer dada pela droga. E me vi sorrir, quando a vi se
arrepiar.
Sim, ela me queria!
Não queria que tivesse outros. Queria ser o único, o único a ter corpinho
quente, delicioso e cheiroso da mulher que eu estava agarrando. Por que ela
não podia me querer exclusivamente também?
Formar pensamentos já estava difícil, mas sentindo o aroma delicioso e o
calor da sua pele era ainda mais. Passei o caminho todo me aproveitando,
abraçando-a, cheirando-a, tocando-a, pena que não demoramos a chegar ao
quarto. Paula abriu a porta com a mão livre e com a ajuda do corpo me
empurrou para dentro, levando-me em direção à cama, onde me fez sentar.
Eu a queria demais, mas de repente senti-me muito cansado, com a vista
pesada, e fui me deitando contra os travesseiros, com o intuito de fazer a
cabeça parar de rodar um pouco.
— Não, sente-se na cama. Você precisa de um banho primeiro — o tom
imperativo estava lá e me fez sorrir enquanto tentava me levantar para
atendê-la.
Sentia-me meio débil quando sem qualquer aviso prévio Paula levantou
meus braços e começou a tirar minha camisa, o que me despertou
subitamente.
O que ela estava fazendo? Tirando minha roupa?
Aquela parecia mesmo ser uma ótima ideia. Na verdade, a melhor ideia de
todas.
— Pode parar com esse sorriso, porque o quer que esteja pensando não vai
acontecer — ela disse, mas notei pelo tom de voz que achava graça.
— Por quê? — indaguei, sem conseguir esconder o quanto estava animado
com aquilo.
— Porque o que a sua mente pervertida está pensando, não vai acontecer.
— Por quê? — insisti, como um menino mimado que não aceitava não
como resposta.
— Não que seja o que eu pretendia fazer, mas qualquer ato libidinoso com
alguém embriagado pode ser considerado estupro de vulnerável — elucidou
com ares de riso, quando tentei agarrá-la pela cintura e apertei sua bunda.
— Acredite, o que mais quero é que você se aproveite de mim —
cochichei para ela, que gargalhou, e passei a encará-la de modo carrancudo.
Por que diabos ela gargalhou? Ela não sabia que eu estava falando a
verdade?
— Não estou brincando — resmunguei emburrado, antes de me pôr de pé.
— Vamos deixar essa conversa para depois, quando você estiver lúcido,
bonitão. — Mordeu os lábios e, quando notou que eu abriria a boca para
falar, me cortou: — Vamos parar de conversa, você precisa de um banho.
— Tudo bem — Derrotado, me aproximei dela, pegando-a pela cintura
quando seguiu para o banheiro.
Estar em um chuveiro com Paula talvez pudesse trazer uma nova
perspectiva para aquela história. Eu poderia tirar o pijama do seu pequeno
corpo delicioso e beijar todos os lugares os quais queria conhecer com as
mãos e língua. Todavia, antes de chegarmos, aproximei minha boca da dela e
a beijei.
Minha língua entrou exigente, enroscando-se na sua em uma dança
deliciosa e lasciva. Correspondendo com o mesmo ímpeto, Paula apertou-me
a nuca, enquanto colava o corpo ao meu. Então continuamos a nos beijar, tão
descontrolada e livremente quanto eu queria. Tudo no ponto e implorando
por ela. E o que sentia e ainda não entendia, ou não queria entender,
parecendo ganhar forças para evadir.
Nunca havia me sentindo daquela maneira com nenhuma outra. Era bom
demais e ao mesmo tempo assustador para caralho. Não fazia ideia de aonde
poderia ir, já que claramente queríamos coisas diferentes, contudo só não
queria que acabasse.
Parecendo precisar de ar, nos afastamos um pouco, nossas respirações
difíceis. Fechei os olhos e tentei guardar aquele momento. Não era apenas
por estar com ela, mas principalmente pela maneira com que me fitava, de
forma tão intensa, que se tornava doloroso conseguir disfarçar o quanto
mexia comigo.
— Por que está fazendo isso comigo? — minha pergunta saiu baixa, quase
inaudível, porque além de hiperventilar e ter o coração quase na boca, podia
sentir a língua embolar.
— Não estou fazendo nada, Caio. Nesse momento só quero te levar para
debaixo de um chuveiro — balbuciou e me forcei a abrir os olhos para
encará-la.
Pensei em dizer alguma coisa, qualquer coisa que pudesse mudar aquele
pensamento dela, contudo, em meio ao meu estado ébrio, não consegui mais
do que acompanhá-la quando tornou a me empurrar em direção ao banheiro.
Chegando lá, terminei de tirar meus sapatos e meias, para arrancar a calça
em seguida. Meu pau estava duro depois de um beijo daqueles e também com
a expectativa de tê-la me dando banho. E embora tenha ficado realmente
tentado a tirar a cueca, por algum motivo resolvi mantê-la.
— Estou te esperando no quarto. — Ela deu um passo para trás e a fitei
surpreso.
— Por que isso? — indaguei, confuso, e ela riu.
— Porque você não está tão bêbado a ponto de precisar da minha ajuda —
respondeu como se fosse óbvio, e me senti ultrajado com a resposta.
— Claro que estou! Mal consigo me manter de pé! — soltei, levando a
mão ao peito, dramatizando, enquanto o rosto bonito me encarava parecendo
me achar hilário.
— Não, não está. Caso contrário nem mesmo conseguiria se despir. O que
fez rapidamente, devo ressaltar. Então tome um banho. Enquanto isso vou
preparar um café forte, e quando você sair do banheiro, prometo cuidar de
você. — E sem mais uma palavra, fechou a porta, me deixando ali sozinho.
Ainda que não tivesse ficado nada feliz por tê-la me abandonando
justamente quando mais precisava, afinal, poderia aproveitar meu estado
alcoólico para justificar as atitudes que poderia ter. Contudo, alguma coisa
me fez ansiar pela promessa dela de “cuidar de mim”. Ansioso, tratei de tirar
a cueca, meio cambaleando, e me enfiei embaixo do chuveiro. A água estava
fria e resmunguei um pouco quando caiu sobre minha cabeça, mas enquanto
me ensaboava de forma meio atrapalhada, passei a pensar sobre tudo.
Depois de alguns minutos sem chegar a nenhuma conclusão, comecei a me
sentir um pouco melhor da bebedeira e achei que talvez já estivesse sóbrio o
bastante para sair e enfrentar meu algoz desalmado.
Com a toalha enrolada na cintura e outra enxugando o cabelo, fui direto
para o closet. Não pensei em pegar outra peça de roupa além da cueca, afinal,
Paula já estava mais do que acostumada a me ver com aqueles trajes desde
que passara a dormir comigo. Contudo, quando estava prestes a me despir, a
voz dela me impediu:
— Vim trazer o café e… — Ela parou de falar e com os lábios grossos
levemente abertos, abri a toalha, lenta e metodicamente, expondo-me a ela
por completo, cada centímetro do meu ser.
Balançando a cabeça mortificada, ela me encarava sem conseguir sequer
piscar. Eu não sabia qual era minha intenção ao fazer aquilo, talvez ainda
estivesse mais bêbado do que julgava, todavia, de alguma forma egoísta, uma
parte minha, sóbria ou ébria, queria ver sua reação, desejando
desesperadamente que me quisesse e que quisesse ter-me todo para ela.
Sem mais uma palavra, ela se virou para o outro lado rapidamente e
derramou o líquido da caneca que trazia para mim no processo.
— Que diabos, Caio! — lançou, completamente chocada.
— Lembra-se do Mapeamento de Persona? — indaguei, juntando meu
corpo ao dela, e dessa vez, sem me preocupar em me afastar quando senti pau
endurecer por causa dela. — Pois bem, você sabe o quão importante o
mapeamento de persona é, pois ele guia todo o trabalho que deve ser feito e
assim tivemos uma semana árdua de aprendizagem sobre características
demográficas de ambos. Sabe para quê? — sussurrei a pergunta, mas não
esperei por uma resposta antes de dá-la eu mesmo: — Porque está na hora de
avançar para a lição seguinte. Quero que me veja assim. — Sentindo-me
quase envergonhado pelo que fazia ao prosseguir: — Você precisa se
acostumar com o que vê, para que não tenha vergonha de me tocar ou lamber.
Afinal, você quer ser uma jogadora, não é mesmo? — a pergunta saiu de
forma triste, quase desamparada, porque sabia que, lá no fundo, era o que ela
queria, e não a mim.
— Caio… — ela pronunciou meu nome, mas algo pareceu impedi-la de
continuar a falar.
Ela não disse nada e por um minuto ou dois esperei que ela o fizesse.
Então virou o pescoço apenas o suficiente para me encarar diretamente nos
olhos, e quando pensei que me beijaria e arrancaria toda aquela angústia que
pareceu crescer como erva daninha dentro de mim, Paula se afastou.
— Vou colocar mais um café para você. — Resfolegando, nunca tirando
os tristes olhos dos meus, ela saiu, me deixando sem saber o que fazer a
seguir.
PAULA
CAPÍTULO
DEZESSETE

Passei a noite sem pregar os olhos.


Foi estranho vê-lo passar por aquela porta completamente bêbado. Apesar
das habituais gracinhas, Caio era um cara na dele, que nitidamente gostava de
ter controle sobre tudo, e beber do jeito que fizera não parecia ser do feitio
dele. Era como se tivesse acontecido alguma coisa que o motivara a ter tal
comportamento e talvez fosse alguma coisa durante o encontro com sua
família.
Não tive tempo de perguntar, afinal, além de bêbado, Caio pegou no sono
logo, e quando voltei com uma xícara de café para ele, não quis acordá-lo.
Preferi deixá-lo descansar, talvez dormir fosse o que ele precisava para curar
não apenas a bebedeira, como também o que de alguma maneira parecia tê-lo
afligido.
Como queria deixá-lo confortável em seu sono, voltei para o sofá onde me
deitara à sua espera e por lá mesmo tentei dormir. Minha intenção era dizer a
Caio o que estava sentindo, simplesmente não queria mais fingir estar
jogando aquele joguinho que eu pensava ser genial dias antes. Sabia que
poderia ser arriscado, que talvez ele se assustasse, mas sentia que havia
chegado a hora de ser sincera e confessar que meu único intuito naquele jogo
era estar com ele e me envolver em uma relação monogâmica. E quando
aquela toalha caiu, revelando o corpo completamente desnudo, eu queria
fazer tudo que sempre desejei, e o deixaria fazer o quisesse com o meu,
contudo, meus lábios não formularam as palavras e acabei fugindo.
Uma parte minha sabia que o motivo que me deixara desperta durante toda
a noite foi por não ter o corpo dele colado ao meu. Fazia tão pouco tempo,
mas já me acostumara a tê-lo comigo, ao senti-lo tão intimamente, que era
como se um pedaço meu tivesse sido arrancado. Cada respiração profunda,
constante, que ele tomava, movia através de mim. O hálito quente queimando
meu pescoço, provocando arrepios na espinha. Contudo achei melhor lhe dar
espaço e pela manhã, minha saída pela tangente acabou acontecendo
prematuramente, e por consequência também acabei chegando ao trabalho
mais cedo.
Sair do apartamento antes que acordasse foi uma ideia providencial para
não cometer nenhuma burrada. Eu ainda não fazia ideia de como reagiria ao
ficar frente a frente com Caio, e aquilo era tecnicamente culpa dele, por ter se
despido e me deixado louca para realizar o Estudo de TTO antes do café da
manhã.
E convenhamos, eu estava mesmo ansiosa para beber lentamente o corpo
dele como café da manhã, almoço e também janta!
Todavia, havia uma parte de mim, talvez a mais sensata, se contendo, e por
algum motivo que eu não conseguia entender. Deveria ser o meu lado
racional que me fazia acreditar que aquilo era apenas um jogo para Caio e
que ele não queria apenas a mim, então era como uma forma de defesa, uma
que tentava me preservar… ou ao menos uma parte minha. O mais espantoso
em tudo é que mesmo achando que não devia querê-lo daquela forma, e
mesmo que sempre tenha sido mais razão do que emoção, ainda assim não
era o suficiente para me fazer desistir, eu o queria.
— É hora do Encontro Inaugural da semana — Kátia, minha vizinha de
mesa, me lembrou, e eu sorri, agradecida por me fazer acordar das minhas
divagações.
— Obrigada. — Pegando o celular sobre a mesa, me levantei da cadeira e
comecei a acompanhá-la.
— Você soube? — ela puxou assunto, quando seguimos juntas em direção
ao auditório.
— O quê?
— Quem vai falar na reunião é a Benta — segredou e quase perdi a
passada, porque desde o primeiro dia me disseram que Caio fazia questão de
fazer aquilo e acompanhar tudo de perto com os funcionários.
— E cadê o Caio… quer dizer, o Sr. DiFiori? — Ela deu de ombros e
suspirei, sem entender direito o que aquilo significava.
Esperava que estivesse mesmo tudo bem…
Foi mesmo muito estranho ouvir Benta palestrar para os funcionários
aquela manhã, ainda assim dei o meu melhor para não demonstrar a decepção
em não vê-lo. Depois de começar a achar que ele era um mágico, que sumia e
aparecia do nada nos primeiros dias, descobri que ele tinha uma porta
exclusiva de saída e entrada no fundo da sua sala. Sala esta que apesar de não
termos nenhuma visão do que se passava lá dentro, tinha certeza de que tinha
uma vista completa de tudo que acontecia no nosso setor.
Era quase hora do almoço quando ele passou pela porta e prendeu os olhos
claríssimos nos meus. Enquanto os outros se ocupavam com o trabalho, ele se
direcionou para minha mesa, fazendo meu coração quase ir parar na boca.
— Paula? — Ergui a cabeça para encará-lo melhor, tentando manter a
naturalidade quando tudo que conseguia pensar era no que havia acontecido
na noite anterior. — Paula, poderia me acompanhar até a minha sala?
Prendendo a respiração, encarei o homem autoritário e bem-vestido, o
cabelo penteado perfeitamente para trás, e diante de mim não estava apenas o
meu chefe, estava alguém que eu havia aprendido a admirar e estava
aprendendo muito no trabalho. Eu gostava mesmo da versão meio desleixada,
com as camisas de super-herói ou o seminu que pressionava a barba macia no
meu pescoço quando nos deitávamos de conchinha e tinha a ereção me
pressionando, praticamente suplicando que lhe desse abrigo. Contudo, eu
precisava aprender a não misturar os dois, caso não quisesse perder a
oportunidade da minha vida.
— Desculpe, Sr. DiFiori, mas no momento estou terminando um relatório
que Benta me pediu com urgência e tenho que entregar em 15 minutos — foi
a resposta que dei, antes de desviar o olhar do dele e voltar para minha tarefa.
— Tudo bem. Então, quando terminar, faça-me o favor de ir até minha
sala. Há algo que gostaria de discutir com você. — Não foi um convite, foi
uma ordem dada pelo meu patrão. Uma que eu não tinha pretensão alguma de
obedecer.

Consegui evitar Caio durante boa parte do dia. Primeiro, depois que
terminei o relatório e fui à cafeteria do setor, onde ele tentou falar, contudo
perdeu a coragem quando viu outros funcionários chegarem. Novamente
tentou na saída de uma reunião, onde ele pediu para falar comigo, mas
simplesmente perguntei se o assunto era profissional ou pessoal, dada a falta
de resposta, não esperei, porque nós dois havíamos entendido o que aquilo
significava.
No final do expediente, ao invés de ir para casa, fui direto para meu
encontro com Túlio, o cara que havia conhecido na tarde anterior. Tinha
pensado em dar uma passada no apartamento de Caio para tomar um banho,
mas sabia que acabaria encontrando com ele por lá e era a última coisa que
gostaria que acontecesse. Até porque não queria ter de lhe dar satisfação do
que faria. E por mais inevitável que fosse, já que praticamente morávamos
juntos, pretendia adiar um pouco mais aquele encontro.
Túlio era um cara muito simpático, e apesar da minha reticência em aceitar
um café de um estranho, nos identificamos desde o início e não me arrependi
de lhe dar uma chance. Claro que não faria aquilo se tivesse que ir para outro
lugar. Fiz aquilo com Caio, mas porque algo nele havia me passado uma
confiança, não me arrependia, ainda assim não me arriscaria uma segunda
vez.
— O que acha de uma costela de porco com molho da casa? — Túlio
indagou estudando o cardápio.
Ele era um cara alto, realmente bonito e de impressionantes olhos azuis.
Naquele início de noite, tinha escolhido vestir uma jaqueta de couro marrom,
que deixava o moreno de cabelos castanhos levemente enrolados ainda mais
charmoso.
— Por mim tudo bem — concordei, finalmente encontrando minha voz, ao
mesmo tempo em que retribuía seu sorriso fácil.
— E para beber? — indagou, antes de estender o cardápio para mim. —
Eu não sei se você gosta, mas eles têm uns chopes especiais que são
realmente gostosos.
— Não sou fã de cerveja. — Fiz uma careta. — E na verdade não queria
beber nada alcoólico, porque amanhã trabalho. — Dei de ombros, meio que
me desculpando.
— Tudo bem. Mas você não se incomoda de que eu peça uma dessas né?
Porque depois do dia que tive, realmente preciso disso. — Eu ri, abanando
uma das mãos, em sinal de descaso.
— Imagina, fica à vontade. — Fechando o cardápio, me dirigi para o
garçom que anotava nossos pedidos para fazer o meu: — E um suco de
laranja com morango para mim.
— Então, como está sendo tudo? — indagou, curioso, e suspirei, me
sentindo sobretudo cansada.
— Exaustivo. — Ele meneou a cabeça, assentindo.
— Conte-me mais sobre isso — ele quis saber, fitando-me com
curiosidade genuína.
O garçom se aproximou com nossas bebidas e enquanto bebericava a
minha com o canudo, comecei a falar sobre tudo.
CAIO
CAPÍTULO
DEZOITO

Ela não fora dormir comigo na noite anterior. Tinha me deixado sozinho.
Encarando a vista lá fora através das janelas de vidro do chão ao teto,
sentia a cabeça latejar pela ressaca que parecia não ter intenção alguma de ir
embora, como um castigo por ter sido tão estúpido. A lua estava cheia,
iluminando o céu escuro, que tinha poucas estrelas iluminando-o.
Dando um passo para trás, sentei-me na poltrona mais perto e cobri os
olhos com o braço, tentando encobrir a realidade em geral. Desde o início eu
sabia que Paula não seria mais uma a passar pela minha cama, mas algo nela
me prendeu como nenhuma outra fizera, e eu não conseguia me livrar
daquelas amarras.
Por anos flutuei em um mar de decepção e desilusão e acabei sendo
obrigado a viver à deriva, um náufrago, sem chance de resgate. Foi então que
Paula surgiu do nada, como um bote salva-vidas ao meu socorro, que me
levara para uma terra firme que eu ansiava explorar.
Se tinha uma coisa que aprendi era que intensidade da paranoia era
diretamente proporcional ao quanto já fomos ingênuos no passado, e me via
perdido, com o mundo e todo controle dele se esvaindo pelos meus dedos.
Estávamos vivendo numa época em que o fim do mundo não assustava tanto
quanto se apaixonar. E se eu achava que o que senti pela traição de Mona foi
ruim depois de estarmos juntos há anos, tinha o pressentimento de que com
Paula o sentimento seria o mesmo que um estalar de dedos usando a Manopla
do Infinito[09], uma destruição em massa.
A noite já havia chegado há muito tempo, as horas passavam, e por mais
ansioso que estivesse esperando que chegasse, Paula parecia ter planos
maiores, que incluíam me enlouquecer, pelo visto. De soslaio, olhava para o
sofá com certa amargura, porque ele era o motivo de ter dormido sozinho.
Tinha o colocado de volta na sala, esperando que Paula viesse para a minha
cama de bom grado, o que obviamente não aconteceu. Estava mais do que
arrependido da minha decisão.
Mais do que tudo, desejava que ela me quisesse. Estava mesmo decidido a
dar-lhe a verdade que tanto merecia, mas a minha coragem recebeu uma
ferroada quando a vi com aquele cara na Starbucks. Como um adolescente
desiludido, enchi a cara, querendo desesperadamente esquecer, mas o que eu
queria mesmo era chorar como um bebê apenas com o pensamento de ela
estar com qualquer outro.
Meus lábios se contorceram em um sorriso triste, pois uma parte minha
queria esquecê-la, pois sabia que continuar insistindo naquela mulher poderia
ser um erro, mas Paula me fisgara de tal maneira, tinha-me tão em torno do
seu dedinho, que eu não me importava. Aprendi com os meus próprios erros
que sofrer não torna mais poético, chorar não nos alivia e implorar não traz
ninguém de volta. Contudo, nada pode nos impedir de tentar, pois não há
erros onde se pode haver felicidade.
Vi em algum filme algo que dizia assim: você pode ter seu coração
partido ou pode ter o maior caso de amor que o mundo já conheceu. Mas
você não vai saber se não tentar. Covardia é tentar fugir dos próprios
sentimentos, e se tinha uma coisa que jamais fui, era covarde.
— Ei, você chegou — emiti aliviado quando Paula abriu a porta e entrou,
quase às nove da noite. — Estava preocupado — completei, quando me
levantei e andei na direção dela.
— Desculpe, meu celular descarregou e acabei não conseguindo avisar
que demoraria. Precisava me distrair — Ela me deu um sorriso tímido, ao
passo que trocava os pés, nitidamente desconfortável, ainda assim não
parecia ser capaz de me encarar.
Acabei me sentindo culpado, porque não tinha facilitado em nada o seu
dia, cercando-a para me desculpar pelo show de stripper e pela bebedeira
desnecessária. Precisava recompensá-la pela minha falta de tato e desespero
em fazer as coisas entre nós dar certo.
— Bem, aqui vai uma sugestão. — Juntando o corpo ao dela, envolvi um
braço ao redor da sua cintura, onde fui capaz de senti-la estremecer por causa
do meu toque e com um sorriso sedutor prossegui: — O que acha de ir para o
banho e depois sairmos para jantar? — Esperei por uma reação vindo dela,
mas certamente não foi os olhos se arregalando ou o fato de não conseguir
me encarar.
Todavia, apenas quando ela falou que percebi a gafe Freudiana de cometi.
— Desculpe, mas já comi antes de vir. — Abri a boca para voltar atrás
com o convite, mas ela foi mais rápida: — Ainda assim ficaria feliz em
acompanhá-lo.
Queria perguntar mais, saber onde ela estava, se estava com alguém, por
que demorara tanto, mas naquele momento senti-me aliviado e me contentei
com o fato de saber que ela queria estar comigo. Por isso meneei a cabeça,
com um sorriso nos lábios, enquanto admirava meu objeto de desejo. Paula
era linda de um jeito só dela, que embora fosse tão segura de si, nem mesmo
parecia se dar conta daquele detalhe. E talvez essa certa dose de ingenuidade
a tornasse ainda mais bela.
— Vou ficar te esperando, então, minha linda. — Aproveitando nossa
proximidade, lhe dei um beijo suave e, quando me afastei, mesmo contra
vontade, ainda assim não consegui tirar os olhos dela.
— Já volto, Caio. Prometo não demorar. — E com uma última olhadela,
reduziu-me a um vulcão de hormônios, prestes a entrar em erupção.
Eu estava apaixonado mesmo… Quem diria?

O restaurante italiano ao qual escolhi levá-la tinha poucos clientes por


causa do adiantar da hora. O local acolhia com simpatia um ambiente rústico,
composto de materiais de demolição e tons esverdeados nas paredes e
decoração, o espaço trazendo um clima aconchegante, e seguia bem o estilo
das cantinas da Toscana
— Já que disse que já jantou, pensei em pedir um prato para mim, mas
também algo de entrada, para petiscar. O que me diz? — indaguei, tentando
mostrar o meu lado cavalheiro quando pegamos uma mesa reservada e
passamos a estudar o cardápio.
— Por mim está bom. — Ela sorriu, de maneira doce, e me vi retribuindo
o gesto, embora não conseguisse deixar os olhos longe dela, que não parava
de admirá-la.
Naquela noite, Paula estava especialmente bonita, com um vestido na
altura da coxa, meias grossas e botas de salto, maquiagem leve. E escolhi
uma calça jeans e um terno por cima de uma camisa branca, mas não usava
gravata.
— Me acompanharia em um vinho? — Meneando a cabeça, ela concordou
e me dirigi ao garçom. — Uma garrafa de Banfi Brunello di Montalcino. E
para comer, de entrada, um carpaccio com alcachofras grelhadas, carne e
parmesão e um prato de oricchiette de camarões e polvo, por favor.
O garçom anotou o pedido em um smartphone e antes de se retirar, pediu
licença e voltei a olhar para ela, que pareceu subitamente embaraçada, pois
obviamente virara o centro da atenção novamente.
— Como você está? — eu quis saber, nervoso, era possível até mesmo
sentir meu pomo de Adão subir e descer quando engoli com dificuldade. —
Sei que não facilitei em nada para você.
— Deixa para lá — o tom dela saiu baixo, quase triste. — Cheguei até
mesmo a pensar que você não lembrava o que tinha acontecido… — soltou, e
por um momento pensei que diria algo mais, pois seus lábios se separaram
como se ela estivesse prestes a seguir falando, porém não aconteceu.
Não fazia ideia do que eu esperava que ela dissesse, contudo não era
aquele o motivo que tinha me feito chamá-la para sair. Eu queria não apenas
pedir desculpas, mas também confessar como me sentia.
— Ainda devo desculpas pela coisa da toalha. Você merecia mais… —
Coçando a cabeça, senti-me envergonhado e também estúpido. Não me
ajudou em nada a forma como a língua dela deslizou pelos lábios, como se
eles, de repente, estivessem secos, nem a maneira como intensificou o olhar
no meu como uma promessa.
— Não tem problema. Você estava bêbado! — Ela deu de ombros como se
não fosse nada de mais e pareceu relaxar um pouco, quando passou a
balançar distraidamente a cabeça com a música instrumental que tocava
baixinho.
— Mesmo? — Como nos sentamos um ao lado do outro, ao invés de
frente a frente, me inclinei até que nossos ombros se tocassem e eu pudesse
me aproveitar um pouco da maciez da pele alva.
Paula resfolegou, franzindo o cenho em seguida, como se ponderasse a
respeito, e prendendo a respiração, esperei por uma resposta.
— Sim. Estive pensando sobre tudo, não é como se aquilo pudesse ser
improvável de acontecer. Claro que não foi como eu esperava, mas em sua
defesa você estava bêbado e eu mesma pedi para que me ensinasse a ser uma
jogadora como você.
— E é o que você quer mesmo? Ser uma jogadora? — apressei-me em
perguntar, ainda mais ansioso, sem ter tanta certeza de que gostaria do que
ouviria.
— Não era esse o plano? — devolveu, dando-me uma piscadela em
seguida, e eu me segurei para não gemer em frustração.
Ambos sabíamos que ela não queria nada daquilo. Paula queria mais, e eu
também. Todavia, talvez ela apenas precisasse de um empurrãozinho para
perceber aquilo, assim como eu já tinha feito. E o que sentia por ela era forte
pra caralho para ser apenas unilateral.
— Os planos podem mudar — lancei como se fosse óbvio, embora não
conseguisse me afastar quando o garçom começou a nos servir a bebida.
— Podem? — repetiu com os olhos inquietos enquanto mastigava seus
lábios, nervosa, e me limitei a assentir. — Você quer dizer que desistiu? É
por isso o jantar? Você não será mais meu professor? — A expressão amuada
que tomou conta do rosto bonito me pegou completamente de surpresa.
Droga! Não era o que eu esperava!
Meu coração me dizia que eu precisava contar toda verdade e fazê-la
desistir da ideia. Contudo, ela engoliu em seco diante da minha omissão de
palavras, e quando notei que estava prestes a partir, talvez para sempre,
finalmente tomei coragem para proferir as palavras que poderiam fazer
aquele certo alguém mudar a minha vida para sempre:
— Não, minha linda, não quero mais ser seu professor, porque a única
pessoa que tem que conquistar alguém agora sou eu, já que fui conquistado
desde o instante que pus os olhos em você. Estou apaixonado por você, Paula
Maia.
A Manopla do Infinito foi projetada por Thanos para armazenar seis das “joias da alma”, mais
conhecidas como as Joias do Infinito. Quando usadas em conjunto, seus poderes já impressionantes
fazendo com que o usuário seja capaz de fazer qualquer coisa que ele desejar, tornando-o quase
unipotente e que com um simples estalar de dedos pode eliminar metade dos seres vivos de todo o
universo.
PAULA
CAPÍTULO
DEZENOVE

No início eu não sabia se ele estava brincando para depois dizer que não
passava de uma pegadinha, uma espécie de lição maluca sobre ilusão, ou se
havia sido apenas uma loucura da minha cabeça, que apenas fantasiava uma
situação hipotética e surreal, que em um universo paralelo Caio era mesmo
apaixonado por mim. Pisquei uma e outra vez, esperando acordar daquele
sonho, contudo, ainda estava ali, com ele. Embasbacada e meio trêmula, me
inclinei para trás, para encará-lo melhor e ter certeza de que não, não estava
ouvindo coisas demais.
— O que disse? — perguntei baixinho, querendo apenas uma confirmação
de que aquilo não passava de uma insanidade da minha cabeça.
— Você ouviu. — As covinhas se aprofundaram nas bochechas dele
quando sorriu, tímido dessa vez. — Você não faz o tipo de mulher que quer
apenas sexo casual. Você merece mais que isso, minha linda.
Havia sentimentos crus nos olhos dele, sentimentos que nunca vi antes ou
em qualquer outra pessoa, emoções desconhecidas que me forçaram a engolir
com certa dificuldade e fechar os olhos em seguida, sentindo tanta coisa que
não sabia nem por onde começar a explicar. Um alvoroço turbulento parecia
girar dentro de mim, um frêmito louco que me causava um ataque cardíaco,
em uma tentativa de digerir tudo que ouvia. Porém Caio ainda parecia ter
mais a dizer.
— Talvez você mereça mais do que uma pessoa como eu, pois é especial
demais para mim como homem. Mas a verdade é que merece mesmo ser
amada, querida e desejada por alguém que aprecie o tesouro que é, minha
linda. — Um sorriso maroto brotou nos lábios dele e me vi ainda mais boba.
— Nunca tive a intenção de te ensinar a jogar. Desde o início nunca quis
mesmo que se tornasse uma versão feminina minha. Paula, eu era o único que
estava jogando, mas jogava com intuito de conquistá-la.
Ainda embasbacada, levei a mão à boca, sem acreditar. Porque tudo aquilo
ainda parecia surreal demais para mim.
— Quando te vi pela primeira vez, não quis mais ser aquela pessoa que era
antes. Eu só queria você, Paula Maia. O tempo todo. — Dando uma pausa,
Caio respirou forte, como se estivesse preparando-se para falar algo muito
difícil, e o fez. — E eu estou profunda e loucamente apaixonado por você.
Qualquer dúvida ou medo absurdo de não ser correspondida se esvaiu. O
alívio por aquilo era tamanho, pois me senti, pela primeira vez na vida,
completa em todos os sentidos.
— Você está mesmo apaixonado por mim? — sussurrei a pergunta, ainda
sem fôlego.
— Sim, estou. — Ele riu, parecendo perplexo por eu ainda ter dúvidas.
Então, sem hesitar, eu o beijei. Foi suave, delicado, mas repleto de
significados que me atingiram em cheio, roubando o ar e também meu
coração. O que era redundante, já que Caio Ornelas DiFiori o roubara desde
que pus os olhos nele.
Com o coração aos pulos, tive a impressão de que sairia do meu peito. O
beijo se aprofundou, e nunca fui beijada daquele modo antes, tão afoito e
apaixonado, como se ele estivesse sedento para me provar. A boca na minha
causando-me um alvoroço por dentro, começando no coração e se espalhando
como fogo líquido.
Afastando-se um pouco de mim, as mãos de Caio acariciaram-me o rosto,
ao passo que os lábios roçaram os meus.
— Ainda tem dúvidas? — perguntou baixinho, e meneei a cabeça
negando. — Então entende agora o que quero dizer?
Meus olhos permaneceram fechados, sentia-me tonta com as palavras dele,
bêbada com o beijo, e, confesso, ainda estava um pouco confusa também.
Todavia, mais que tudo, queria muito, muito mais.
Abrindo os olhos, encarei a imensidão daqueles olhos lindos e mal podia
respirar quando indaguei:
— O quê?
— Entende que quando o atacante tem a oportunidade, ele a agarra, pois
perdê-la pode significar que o jogo terminou? — Inclinando-se para alinhar
nossas bocas mais uma vez, ele voltou a sussurrar: — O jogo terminou para
mim, linda. E a vitória é minha, pois você é o meu prêmio, Paula.
— Eu? — Estremeci quando nossos lábios se tocaram novamente,
enquanto ele acariciava meu rosto com ternura.
— Sim. Não será um caso de uma noite só. Eu quero ser o sortudo que te
dará tudo isso. — Sorri, sentindo o rosto esquentar, e decidi que também era
hora de ser sincera como ele fora comigo.
— Eu nunca quis nada daquilo, Caio. Desde o início, a única coisa que eu
queria era você. Também estou apaixonada por você. — Aliviado e feliz, ele
se aproximou, a língua deslizando por meus lábios entreabertos, e eu o beijei
de volta rapidamente, antes de corajosamente sussurrar em seu ouvido: — E
quando chegarmos em casa, vou mostrar-lhe exatamente o quanto te quero.

Tentar convencê-lo a não mandar embrulhar a comida para casa se tornou


uma tarefa impossível, e seguir em alta velocidade pelas ruas da cidade me
trouxera a certeza de que Caio estava tão ansioso para chegarmos quanto eu
estava. O carro estacionou na garagem em tempo recorde e ele rapidamente
abriu a porta do carona, antes de me puxar em direção ao elevador,
praticamente correndo no processo.
— A comida ficou no carro — eu tentei inutilmente avisar, e ele revirou os
olhos.
— A última coisa em que estou pensando agora é em comida. O que quero
mesmo é comer você!
Arrepiada e com o coração na boca era pouco, eu me sentia o próprio
milho da pipoca sambando na panela, antes de estourar. A inquietude nítida
dele me arrancou um tímido sorriso, e quando a porta do elevador se abriu,
Caio guiou-me para dentro de modo apressado, e quando ela se fechou, Caio
rapidamente me envolveu em seus braços e os lábios ávidos buscaram os
meus no ímpeto.
Uma das mãos forçaram as minhas para se posicionarem acima da cabeça
e a outra me agarrava com avidez, a língua me explorando, beijando-me com
vontade.
Indefesa e completamente entregue ao corpo colado ao meu, sentia a
necessidade dele de se apertar contra mim, e quando quase esqueci onde
estávamos, as portas do elevador se abriram, fazendo-o se afastar de mim,
meio desnorteado. Enquanto Caio me puxava para fora, guiando-me pelo
corredor em direção ao seu apartamento, eu tentava, em vão, recuperar minha
respiração.
Entramos e a porta logo se fechou atrás de nós. Rasteiro, Caio não tirava
de mim os olhos claros de um tom único, brilhando perigosos, como uma fera
prestes a atacar.. O ar pareceu se esvair dos meus pulmões e com a boca
ligeiramente seca esperei que fosse em frente, que me atacasse, pois também
era o meu desejo.
Caio tomou meus lábios com um misto de firmeza e doçura, a língua
experiente tomando tudo de mim, deliciosa e longamente, deixando-me
indefesa e de pernas bambas. Minhas mãos foram para o cabelo dele e logo
me vi puxando-o, como se quisesse ter certeza de que não me deixaria, e ele
pareceu gostar, gemendo em resposta, aprofundando ainda mais o espetáculo
que era beijá-lo, deixando-me completamente entregue.
Quando se afastou, gemi em protesto e ele sorriu para mim, o semblante
sempre sério e indecifrável fitando-me de forma profunda e desconcertante,
como se tentasse decifrar meus pensamentos e desejos, que não poderiam ser
de outro, que não ele. A mão masculina fez uma leve carícia no meu rosto, os
olhos observando-me com adoração, ao passo que umedecia os próprios
lábios como se estivesse com sede.
— Vamos lá para dentro. Quero que isso seja perfeito.
Resfoleguei ante as palavras, do olhar quente e também da voz repleta de
erotismo no tom baixo e rouco. Meu coração batia em um ritmo selvagem, de
ansiedade e também expectativa quando Caio estendeu a mão para mim e
aceitei de bom grado, antes de seguirmos para o quarto.
Lá dentro, as mãos dele buscaram o meu corpo enquanto a boca tornou a
explorar a minha com ânsia, fazendo-me estremecer. Grunhidos de prazer
escapavam dos lábios dele, arrancando de mim tantos outros mais intensos,
que me fariam sentir vergonha, se não estivesse tão entregue. O que era
difícil não acontecer, pois apenas ele parecia ser capaz de me deixar daquele
jeito, sem fôlego, com os nervos em frangalhos, tudo causado pelo homem
diante de mim que havia se tornado o meu maior desejo.
O beijo, antes controlado, tornou-se agressivo e exigente, fazendo-me
querer ainda mais, e a sensação que tinha era a de que, se nos afastássemos,
eu morreria ali mesmo, porque minha necessidade dele parecia se tornar cada
vez mais vital. E entendendo a urgência que me assolara, um gemido me
escapou enquanto meus olhos se apertaram ainda mais em puro deleite pela
sensação gostosa que era sentir os dedos dele deslizando na pele das minhas
costas, ao mesmo tempo em que ele trazia para baixo o zíper do meu vestido.
O nariz desceu pelo meu pescoço, os dentes provando-me a pele, deixando
um rastro de calor por onde passavam. A boca dele então alcançou o lóbulo
da minha orelha, mordiscando-o, fazendo-me estremecer quando tornou a
falar com a respiração quente em meu ouvido:
— Acho que você não entende ainda o quanto é especial, e talvez eu tenha
que te ensinar para que entenda.
Um arrepio se alastrou pelo meu corpo, mas não de um jeito bom. Uma
parte minha receou que tivéssemos voltado para a estaca zero, onde ali ele
estava apenas encenando e jogando em cima de mim todo conhecimento de
jogo. Eu não queria aquilo, mas não queria, sobretudo, olhar pra trás e
lamentar ter tido dúvidas e não ter aproveitado a oportunidade de tirá-las do
caminho. Mesmo que significasse ter que recuar.
— Ensinar? — tive que perguntar, era mais forte do que eu, embora não
soubesse realmente a resposta que gostaria de ouvir.
— Uhum — ele murmurou, roçando nossos quadris um no outro, ao passo
que deslizava meu vestido pelos ombros. — Quando eu terminar essa aula,
você vai entender completamente o que quero dizer.
Puxando-me pela nuca, a boca voltou a se juntar à minha em um beijo
ainda mais voraz, as mãos grandes e macias desciam pelo meu corpo,
enquanto meu vestido se tornava nada além de tecidos esparramados ao chão.
Carregando-me com facilidade, Caio me levou para a cama e deitou-se sobre
mim. A protuberância na calça jeans mostrava que estava pronto e me fazia
doer ainda mais por ele. Contudo, me sentia meio em desvantagem, já que eu
era a única que estava apenas de lingerie, e ele, completamente vestido, ainda
assim não parei de beijá-lo.
Eu tentava memorizar os roucos gemidos que lhe escapavam da garganta,
ou a maneira como o corpo dele pressionava o meu, como se não desejasse
nada mais do que estar dentro de mim. Mas, no fundo, não queria
simplesmente me lembrar daquele momento, queria mais do que tudo revivê-
lo noite após noite.
Eu… o amava! Era insano e precoce, mas, sim, eu o amava!
Enquanto ele deslizava a mão pela lateral do meu corpo, como se estivesse
me marcando, fechei os olhos para senti-lo correr os dedos até minhas coxas,
arrancando de mim um gemido fraco.
— Estava louco para esse momento — a voz era um pouco mais alta que
um sussurro enquanto dizia aquilo.
— Mesmo? — quis ter certeza, sentindo os dedos grossos se encaixarem
nas laterais da minha lingerie, deslizando-a para baixo das minhas pernas,
para depois encontrarem o meu centro pulsante.
— Sim. E você sabe o que vem agora? — Meneei a cabeça, negando, e ele
sorriu, perverso. — É hora do Estudo da Otimização do Toque e da Língua.
Não vejo a hora de colocar todo meu conhecimento em prática e vê-la
aprender.
Ai, Deus do céu!
Ainda sem fôlego, Caio se afastou e, quando levantou, estendeu a mão
para me ajudar a fazer o mesmo. Olhando-me de forma ardente, eu parecia
não ter o controle sobre meu corpo, tremendo em necessidade pela sua carícia
visual e pelo calor que o olhar dele parecia emanar. Aproximando-me,
segurou meu cabelo, puxando-me para ele, antes de voltar a me beijar, o
desejo cada vez maior aflorando. Estava tão envolvida, que não me importei
quando desabotoou meu sutiã, antes de jogá-lo no chão, e ainda sem parar de
me beijar acariciou-me os seios, fazendo-me gemer e todo o meu corpo se
arrepiava com o toque.
Com uma cara de safado, Caio se afastou o suficiente para livrar-se do
terno e camisa, dando-me a visão do seu torso e braços fortes. A calça saiu
em seguida, e com ele apenas de cueca, já faltaram-me palavras.
Meu Deus, o que era tudo aquilo?
Caio era a personificação dos deuses na Terra, porque algo tão perfeito
quanto ele não poderia ser real. Ele era lindo demais. As estátuas italianas
estavam longe de traduzir o significado de beleza masculina, quando diante
de mim eu tinha a visão digna de um deus. Não havia nada nele que não fosse
perfeito. O corpo malhado e musculoso, a barriga tanquinho com um traço de
pelos escuros e aquele “V” sexy que indicava o caminho da sua
masculinidade, que me deixou com a boca aberta em um “O” embasbacado
quando vi pela primeira vez.
Oh. Meu. Deus. Ele era… Grande!
Como se eu não pesasse nada, ele me levou de volta à cama, antes de
juntar nossos corpos desnudados. A boca dele capturou a minha, num beijo
lento e suave que me aliviara a tensão do novo. No entanto, um novo tipo de
tensão se formou em mim, transformando meu sangue em lava derretida
quando Caio arrastou os lábios para meus seios, meu corpo se eletrificando
com uma carga de êxtase erótica desconhecida. Ofegante, senti sua língua
deslizar antes de cobrir um mamilo com a boca e me beber, ávido, arrancando
de mim um gemido estrangulado que me fez estremecer. Uma dor suave se
instalou no meu ponto mais sensível enquanto me contorcia com fervor.
Fazendo um caminho úmido com a boca, Caio desceu pelo meu corpo,
beijando cada parte ao seu alcance, e eu sabia muito bem o que estava prestes
a acontecer. Apesar de inexperiência, como toda mulher eu já havia me
tocado, então aquele não era um território completamente desconhecido.
Todavia, quando senti o dedo escovar ali, quase alcancei o ápice. Apenas o
roçar foi capaz de deixar-me em brasa e meu corpo começou a tremer e os
quadris levantaram-se para atender ao seu toque.
Então, sem pedir licença, Caio enterrou a boca quente na minha parte mais
íntima antes que eu pudesse protestar, e um grito me escapou quando a língua
hábil começou o seu trabalho. Contorcendo-me toda com o toque macio e
úmido, sentia como se todas as unidades do meu corpo estivessem acampadas
ali naquele lugar. Sem parar os movimentos com a língua, Caio juntou um
dedo à equação, e como se fosse possível o prazer das investidas tornara a
situação ainda mais intensa, deixando-me à beira do êxtase.
— Delícia. — Rouco, ele respirou com dificuldade antes de beijar a minha
coxa e voltar ao ataque.
A respiração ficou presa em meus pulmões com o choque erótico que era
ser comida por ele. Caio me devorava em um ritmo acelerado e enterrei os
dedos em seu cabelo, quando minha mente começou a girar em um espiral
explosivo que parecia me levar para fora da órbita. A maneira abençoada com
que se empenhara fazia meus quadris balançarem descaradamente contra sua
boca, em busca de mais, e seu grunhido de aprovação enviou-me direto para
perto da borda, como um surto de prazer pleno que redefinia o êxtase em um
nível totalmente novo.
Minhas costas se arquearam quando os espasmos dominaram meu corpo,
quebrando-o em seguida em milhares de pedaços e tremendo
incontrolavelmente gritei o nome dele de uma maneira da qual realmente me
envergonharia mais tarde. Fora a coisa mais incrível e completa que já
experimentei. Era como voar e cair ao mesmo tempo.
Caio não parou até que o último tremor acabasse e minha respiração
começasse a voltar ao ritmo normal. Então beijou minha coxa novamente e,
em seguida, salpicou beijos suaves em minha barriga. Ainda tentava
recuperar-me da viagem inesquecível onde ele me enviou para fora da Terra
quando ficou sobre mim, o nariz dele roçou o meu e abri os olhos para
encará-lo, atordoada.
— Eu já disse que adoro essa coisa do Estudo da Otimização do Toque e
da Língua? — indagou sem fôlego, antes de descaradamente cobrir minha
boca com a dele, e me vi saboreando o quanto ele gostava realmente daquilo.
Derretendo-me completamente com o carinho de Caio, estava aturdida em
uma doce rendição. Ainda assim, aquilo não iria me parar. Não queria nada
mais do que me perder nele e em toda a paixão que parecia nos mover.
Queria sintonizar nossos corpos em um só ritmo e nunca deixar a noite
acabar, muito menos que aquele sentimento tão bom se dissolvesse feito
vapor.
Queria que ele ficasse. Queria que Caio Ornelas fosse meu para sempre.
— Quero fazer meu próprio estudo com você — soltei, corajosa, e a
mandíbula se contraiu à medida que se levantava, surpreso, não apenas com a
minha confissão, mas com o desejo inconfundível em minha voz.
O peitoral subia e descia, respirando com dificuldade. Pensei que ele
pudesse fugir quando se afastou, andando de um lado ao outro, como um leão
enjaulado em busca de uma rota de fuga. E temi que fizesse exatamente
aquilo, então resfoleguei e, reunindo toda a coragem que possuía, me
aproximei.
— Eu pretendia que isso fosse somente sobre você, contudo quero mais do
que tudo que seja bom para você e preciso que fique à vontade para isso.
Então, se é o que quer, terá. — Tomando uma respiração profunda, ele
ordenou: — Na cama — instruiu, o timbre desgraçadamente rouco, profundo.
Ansiosa, obedeci, pondo-me de joelhos no colchão macio, ao tempo que
ele se debruçou sobre mim, agarrando os cabelos de minha nuca, puxando-me
para si, mordiscando-me o pescoço, lambendo o caminho até o ponto atrás da
minha orelha. Joguei a cabeça para trás, perdida, rendida, a respiração cada
vez mais difícil de sorver, então sua boca encontrou a minha, desejosa,
sedenta, eriçando-me ainda mais.
Quando se afastou, notei seu esforço para parecer menos afetado,
sustentando uma calmaria calculada. Mas tudo no homem de 1,90 m o
denunciava, desde a voz grave, às íris escuras queimando-me a pele, à forma
ávida com que me beijava, parecendo alguém privado daquilo por dias. Suas
ações pareciam um reflexo das minhas.
Diante de mim, havia o espécime masculino mais surpreendente que já
conheci. Tudo nele era opulento, majestoso. Os músculos trabalhados nos
braços, peitoral e barriga, as coxas grossas malhadas, como de um atleta.
Ainda que os traços contivessem certa dureza, a boca carnuda, olhos claros
intensos, intimidantes, cílios cheios e sobrancelhas grossas formavam o
espetáculo que era o homem.
A aproximação, como de uma ave de rapina em busca da caça, deveria
fazer-me temer. Instintivamente, sabia o que aquilo significava, ainda assim,
não foi o suficiente para que eu recuasse, na verdade, o queria ainda mais.
Desejava sentir tudo o que tinha para oferecer… tudo.
Avançando em minha direção, suspirei, vendo-o deslizar a cueca, o ato
feito com compelido controle deixando tudo ainda mais envolvente. Contudo
foi o sorriso, um tanto perverso, as pupilas dilatadas, que fizeram-me engolir
com dificuldade. E apesar do alerta na boca do estômago, não abaixei a
cabeça, corajosa e, mais do que isso, desejosa, sustentando o olhar dele.
— Quero sua boca aqui — ele ordenou, baixo, o timbre aveludado, ainda
assim sublinhado por um aviso férreo, transformando-me em uma poça ébria.
Não me fiz de rogada, cobiçosa, fiz exatamente o que pediu.
CAIO
CAPÍTULO
VINTE

Quando comecei, juro que não era a minha intenção que me retribuísse. Já
havia perdido a conta de quantas vezes fizeram aquilo para mim. Afinal, todo
homem adorava um boquete, era simplesmente contra a natureza recusar um
ato tão generoso vindo de uma mulher. Contudo, resistir a Paula parecia
impossível.
Inúmeras vezes desde que a conheci já havia me masturbando em
“homenagem” a ela, mas diante de mim era como se minhas fantasias mais
selvagens se tornassem realidade, e com o gosto dela ainda na minha boca,
nunca estive mais duro e ansioso na vida. A verdade é que nenhuma outra
parecia ser páreo para como me senti e ainda sentia depois de dar a chupada
mais deliciosa da minha vida.
E, porra, ela queria fazer o mesmo comigo!
Fitando-me com aqueles olhos escuros, um pequeno sorriso hesitante
apareceu em seus lábios cheios.
— Como quer que eu comece?
A ânsia na voz e também no olhar dela era inconfundível e foram a minha
ruína, o que fez meu autocontrole ir para o espaço em um piscar de olhos.
Cacete! Foda-se toda a coisa cavalheiresca! Eu queria sua boca em meu
pau, pois estava a segundos de distância de explodir!
— Como quiser, minha linda — consegui dizer, embora não reconhecesse
minha própria voz.
O sorriso traquina que recebi em resposta fez ainda mais difícil a situação
para mim. Sentia uma pressão no peito, inesperada e intensa. Ansioso, mudei
o peso dos meus pés, mas quando a mão macia deslizou suavemente pelo
meu comprimento, me vi perdido. Paula tinha a mim. Eu era completamente
dela.
Se fosse sincero comigo mesmo, embora tenha estado com outras
mulheres, jamais estive com alguém daquela forma tão entregue como me
sentia com ela. Então, inexoravelmente, sempre fui seu, só demorei demais
para encontrá-la, e então finalmente descobri aquele fato.
Mordendo aquele maldito lábio suculento ela examinava meu pau com um
escrutínio demorado, e aquele interesse quase inocente me fez querer beijá-la
novamente, mas um silvo me escapou, o ar fugiu dos meus pulmões quando
ela começou um movimento cadenciado de vai e vem.
Que porra era aquela? Eu me sentia um maldito virgem!
Olhando para ela compenetrada, sentia todo o corpo contrair. Cacete, ela
era sexy para caralho com os cabelos escuros caindo sobre os ombros,
ocultando parcialmente os seios fartos, os lábios úmidos pela língua que os
contornava quase o tempo todo, como se tivesse sede, e eu esperava que fosse
de mim. A verdade era uma só, homens eram criaturas extremamente visuais,
então cada pequeno gesto era o suficiente para nos deixar acesos, e a maneira
como Paula fazia aquilo estava quase me pondo de joelhos.
Sério, estava começando a achar que não duraria muito!
Eu podia observá-la para sempre, mas como um maldito homem faminto,
estendi a mão para jogar o cabelo dela para trás, porque não queria perder
nada e também tinha o intuito de expor os seios empinados para o meu bel-
prazer. Abaixando a cabeça, os dedos pequenos desceram em volta da minha
base e, puta merda, estava perdido mesmo. Minhas costas se curvaram
quando o deslizou lentamente para cima e depois para baixo, o movimento
cadenciado ganhando um ritmo gostoso que me forçou a fechar os olhos,
porque sabia que se continuasse a encará-la eu não duraria mais do que
alguns segundos.
Ok… Não que eu estivesse longe, de qualquer maneira!
A mão dela se movia em cursos determinados, ora lentos, ora mais
rápidos, os movimentos um pouco desajeitados, mas ainda assim havia algo
sexy sobre aquele momento íntimo. Talvez fosse o fato da sua quase nula
experiência com outros caras, o que me deixava ainda mais satisfeito, como
um neandertal louco e possessivo que queria tudo dela apenas para si.
Paula estava insegura, era verdade, mas não o suficiente para impedi-la de
buscar o que queria. E tive que abrir os olhos, porque precisava ver de perto
toda aquela determinação em me dar prazer. Meu corpo inteiro se contraiu
quando seu aperto se tornou mais confiante e mais rápido.
— Paula…
Ela olhou para cima, com os lábios entreabertos e bochechas coradas.
Quando sorriu, parecendo muito satisfeita com a reação que obteve, tive que
fechar os olhos novamente, porque era demais para mim. Então, abrandando
o aperto na base, o polegar roçou a glande e um calor quente e úmido o
envolveu, enviando-me diretamente ao ápice, e me ouvi gemer quando
minhas pernas se enrijeceram.
Puta que pariu!
Aquilo era demais para mim. Por mais que quisesse que ela me chupasse,
talvez, no fundo, achasse que não teria coragem de ir em frente e não ficaria
decepcionado, afinal, oportunidades não faltariam para que fizesse o que
quisesse comigo, mas não podia estar mais enganado, e ela caiu de boca em
tudo. Tentei afastá-la, porque aquela sua ânsia era demais para mim, mas ela
não cedeu e pelo visto não iria até conseguir o que queria de mim.
Entregue, joguei a cabeça para trás, gemendo, meus dedos apertaram seu
cabelo, ajudando-a com seu empenho fenomenal. Apesar de receosa,
inicialmente, Paula pegou o ritmo e pareceu saber exatamente o que estava
fazendo. Com um talento nato saboreava-o por completo, o que por si só já
seria o bastante para me deixar fora de controle, e visão do meu pau sendo
mamado com gosto por ela era a imagem mais foda que eu poderia ter.
Meu gemido preencheu todo o quarto, misturando-se com o dela, que
parecia tão excitada quanto eu enquanto chupava-me e brincava com minhas
bolas. Então me perdi.
— Paula… Pare… Eu vou… Oh, merda!… Eu… — tentei alertá-la do que
viria, mas foi em vão, pois ela não parou.
E também não havia mais como parar o êxtase que se construiu dentro de
mim e com um rosnado rouco jorrei em sua boca preenchendo-a com meu
gozo enquanto chamava seu nome no orgasmo mais espetacular da minha
vida. Por um segundo ou dois me vi desnorteado e respirando com
dificuldade, a agarrei pelos braços e me deitei com ela na cama. Paula estava
deitada debaixo de mim, quente e úmida, como um convite nefasto difícil de
recusar. Enterrando meu rosto no pescoço dela, mordisquei, acariciei os
mamilos rijos, antes de afundar o dedo em minha próxima parada.
— Você está tão molhada — grunhi, antes de sorrir como um drogado
prestes a alimentar seu vício.
Eu sabia que não dava mais para voltar atrás. Na verdade, já era tarde
demais. Por isso, enquanto a masturbava com uma das mãos, com a outra eu
tentava alcançar a gaveta para pegar uma camisinha. Meu polegar deslizava
para o canal apertado, sentindo o desejo úmido e depois de um trabalho
gigantesco de contorção para alcançá-lo sem soltá-la, finalmente consegui
encontrar o preservativo e com uma alta dose de desespero abri a embalagem
com os dentes, antes de me afastar apenas o suficiente para desenrolá-lo no
meu pau.
Voltando para o que importava, tornei a beijá-la, minha língua brincando
com a dela como se estivesse travando uma batalha. Afoita, Paula envolveu
as pernas em volta da minha cintura e de uma forma meio desajeitada tentou
guiar-me para onde me queria, mas apenas provoquei-a, brincando com meu
pau na sua entrada. Gemendo, ela praticamente me implorou para que fosse
adiante, então tornou-se impossível não ceder. Paula queria aquilo e eu
planejava deixá-la satisfeita em todos os sentidos, naquela noite e em todas as
outras que viriam.
Afastando a boca da dela, levei suas mãos para contornarem meu pescoço
e, ofegante, Paula piscava rapidamente, mordendo o lábio em seguida,
parecendo um pouco nervosa, ainda assim não poderia estar mais linda. Com
cuidado, empurrei contra o canal apertado, os olhos dela se alargando,
brilhando em excitação e êxtase.
Um gemido pareceu sair das minhas entranhas quando fui mais a fundo.
Centímetro por centímetro, ganancioso para que me envolvesse, quente e
apertada. Havia uma barreira e foi apenas quando a perpassei que me dei
conta do significado.
Porra! Ela era virgem! A pequena jogadora mentira para mim!
Um suspiro lhe escapou quando se deu conta de que seu segredo acabara
de ser descoberto, e por um tempo fiquei parado dentro dela, mas embora
tivesse ficado surpreso, não foi o suficiente para me assustar. Pelo contrário,
só queria fazer aquele momento ainda mais perfeito para ela. Paula pareceu
prestes a dizer alguma coisa, mas a calei, correndo a língua por seus lábios
antes de beijá-la outra vez. De forma lenta e metódica, para que ela se
acostumasse com o meu tamanho, entrei e saí do corpo dela incontáveis
vezes, engolindo seus gemidos de prazer com a minha boca.
— Você está bem? Estou te machucando? — perguntei, mal reconhecendo
minha própria voz.
Eu esperava mesmo que não estivesse. Pois estava custando todas as
minhas forças não me afundar nela, exatamente como queria, do jeito que
meu corpo exigia que fizesse. A maneira como reagia poderia ser um sinal,
ainda assim, eu precisava ter certeza.
— Não. Estou bem — gemeu baixinho, de modo que fui ainda mais
devagar, empurrando contra ela, porque aquilo estava sendo foda demais para
mim também.
Quando parei de me mover, deixando-a tomar o passo seguinte, os quadris
dela se contraíram, apenas um pequeno movimento, mas eu o senti como uma
onda de choque. Tomando aquilo como uma permissão para seguir, a beijei
enquanto puxava para fora lentamente, e então deslizei de volta para dentro, o
suspiro de prazer sendo o que eu precisava ouvir para ir em frente.
— Ah… Porra, Paula! — rosnei, perdendo todo o controle.
Como era sua primeira vez, a deixei definir o ritmo e, meu Deus, com
movimentos ansiosos, Paula mostrava querer mais e isso fez com que minha
contenção se quebrasse e então me vi como um louco, enfiando
profundamente nela, uma e outra vez, os gemidos suaves que lhe escapavam
tornando-se cada vez mais altos à medida que a intensidade e ritmo
tornavam-se cada vez mais febris. Seu canal se contraiu em torno de mim,
enquanto ela gritava meu nome e arranhava minhas costas com as unhas
compridas em meio ao êxtase.
— Eu vou gozar — avisei, porque não conseguia segurar.
Não mais…
Em ritmo implacável, passei a fodê-la sem dó, enterrei o rosto em seu
ombro, o corpo tremendo sobre o dela enquanto me enterrava tão profundo
quanto o seu corpo permitia, e então vim com um rosnado animalesco,
derramando todo meu prazer, gozando como nunca tinha acontecido em toda
a minha vida.
Com o corpo ainda trêmulo pela libertação, caí em cima dela, os dois
quietos, recuperando as respirações e o controle dos batimentos cardíacos
acelerados. Depois de um momento, levantei a cabeça e encarei seus olhos
lânguidos, que me fitavam com ansiedade.
— Você está bem? — quis ter certeza, de fato estava preocupado que
tivesse sido demais para ela.
— Sim… — foi sua resposta, ainda ofegante.
Pensei em me levantar de cima dela, porém a maneira como Paula
acariciava meu cabelo, como se quisesse garantir que não me afastasse, me
fez pensar melhor. Ela não tinha que se preocupar, pois eu não pretendia me
afastar. Não havia qualquer outro lugar no planeta onde gostaria de estar.
Paula era como uma droga narcotizante, tinha acabado de ter a melhor dose
da minha vida e estava viciado. Não havia nenhuma maneira de deixar aquele
vício partir.
Invertendo nossas posições, não consegui deixar de sorrir, porque mesmo
que tivesse acabado de ter um orgasmo intenso, ainda assim queria mais. Não
me ajudava em nada nossos corpos desnudos estarem colados um no outro,
pois era como se as portas do paraíso estivessem abertas e como um menino
afoito queria correr e explorar tudo quando o assunto era ela.
Roubei um beijo seu e como se ela tentasse recuperar o fôlego, me
surpreendeu ao perguntar:
— Eu me saí bem? — o tom de insegurança estava lá, e de olhos
arregalados eu encarava o rosto dela ruborizado.
Sério mesmo?
— Você está mesmo me fazendo essa pergunta? — eu quis saber, porque
não conseguia acreditar que ela tivesse alguma dúvida sobre o que nos
acontecera. Contudo, o menear hesitante, bem como a maneira ansiosa que
mordia os lábios me provaram que sim. — Bem é uma palavra ínfima para
você. Embora a sua pequena mentira tenha me assustado por cerca de um
segundo, sua performance foi digna de um 10. — Eu ri, quando ela fechou os
olhos, envergonhada e com vontade de mais, beijei-a em seguida.
Eu não tinha dúvidas, Paula Maia era a pessoa que estive esperando a vida
toda e nem mesmo sabia.
PAULA
CAPÍTULO
VINTE E UM

Acordei na manhã seguinte com o cheiro de café, como de costume me


movi na cama e não senti os braços de Caio, nem mesmo seu calor me
envolver. Talvez tivesse sonhado e nada daquilo tenha acontecido, talvez
tivessemos voltado à nossa rotina normal, onde vivíamos como dois
estranhos que tinham tesão um pelo outro, mas que nada faziam para saciá-lo.
Sentindo-me um pouco decepcionada, meus olhos se abriram, buscando por
alguma coisa ao redor, para concluir que estava mesmo sozinha.
Meu coração se apertou mais do que minha velha calça jeans tamanho 36
fazia com a minha cintura para caber. Minhas pálpebras se fecharam quando
pensei que havia a probabilidade de ontem à noite ter sido apenas um sonho
altamente improvável, porque além de nua debaixo dos cobertores grossos,
meu corpo doía em todos os lugares, de um jeito verdadeiramente bom e
desconhecido. O que só podia significar que não apenas fizemos sexo, como
também Caio provavelmente acordou essa manhã e fugiu.
Eu sabia… O cachorro não apenas me iludiu, como também estava
arrependido!
— Você pode parar de fingir que está dormindo — a voz profunda de Caio
me pegou de surpresa, a ironia colorindo seu tom. — Sei que está acordada e
parece prestes a pirar.
Sem ter escapatória, abri um olho. Mas apenas um.
— Não estou fingindo. Apenas não estou totalmente acordada. — Não era
de todo mentira, afinal, eu demorava um pouco para funcionar pela manhã, o
que normalmente só acontecia quando tomava o primeiro gole de café.
— Uhum… Sei — soltou, escorrendo sarcasmo.
Lutando contra o desejo de cobrir a cabeça com o cobertor e fingir que não
estava ali para não ter que encará-lo, respirei fundo e tomei coragem para me
sentar. O que me fez soltar um pequeno gemido, já que as coisas lá embaixo
pareciam mais doloridas do que eu julgava estarem.
— Dolorida? — O timbre preocupado fez meu rosto ruborizar, ainda
assim, por mais constrangedor que fosse admitir tal coisa para ele, me vi
assentir.
Afinal, ele não era o único culpado por aquilo? Nem podia negar mesmo!
Tudo bem que valera muito a pena, mas seria melhor não ter que passar
por aquela provação. Sério, do que estava reclamando mesmo? Eu tinha feito
sexo, pelo amor de Deus! Tinha gozado loucamente e de quebra ainda tinha
descoberto que o cara por quem estava apaixonada, também sentia o mesmo
por mim. E agora que sabia que ele não tinha fugido, as coisas pareciam ter
um novo significado. Deus, agora eu definitivamente podia entender o porquê
do fascínio de todo mundo por sexo. Era… incrível.
Segurando uma caneca térmica nas mãos, um lado de seus lábios inclinou-
se ao sorrir, daquele jeito tão sexy, a covinha se formando na bochecha
quando se aproximou e se ajoelhou na minha frente. Lentamente segurou
meu rosto e beijou-me suavemente os lábios, antes de me entregar a bebida
fumegante.
— Bom dia, linda. — Perdida na simples sensação que me provocava,
olhei para ele por um momento quando se afastou, deixando-me com o
coração aos pulos. — Não posso dizer que sinto muito por estar se sentindo
assim, porque significa que teria me arrependido, o que com certeza não
aconteceu, contudo não gostaria que estivesse desse jeito. — Ele mordeu os
lábios sem jeito, embora os olhos brilhassem, de modo quase perigoso, como
se lembrasse do que nos aconteceu, o que não ajudou nada com meu rubor.
— Vou ver se tenho alguma coisa que pode aliviar, mas como sei que precisa
de sua cafeína, acredito que ela já vai ajudar. Está adoçado como sei que
gosta.
Oh, isso foi fofo! Meio estranho, admito, mas fofo!
— Obrigada — agradeci baixinho e, sentando-me melhor, segurei o
cobertor junto aos seios, mantendo-os cobertos.
Nossos olhos se encontraram e senti a respiração falhar, porque os olhos
de lince de Caio estavam em mim, como se quisessem entender o que eu
pensava e até mesmo me desnudar. Tentando manter uma certa naturalidade,
tipo, como se não tivesse transado naquela cama horas antes, bebi devagar o
líquido morno e forcei meu cérebro para dizer alguma coisa:
— Você não ia pegar alguma coisa? — Tentei parecer espirituosa, o que
aparentemente funcionou, porque o sorriso dele se abriu, revelando aquelas
covinhas profundas que sempre me fascinavam, e fui obrigada a retribuir.
— Tudo bem. Eu já volto. — Então ele saiu do quarto, deixando-me mais
à vontade para retomar a respiração.
Embora muitas coisas tenham sido ditas no dia anterior e muitas outras
feitas, eu simplesmente não conseguia imaginá-lo fazendo aquilo que fizera
desde que acordei com ele ao pé da cama. Procurei pelo relógio no criado-
mudo e, aliviada, descobri que ainda era bem cedo, pelo visto ele tinha
madrugado aquela manhã, talvez com medo de que eu fosse a única a fugir. O
que não poderia estar mais longe do que eu gostaria de fazer.
Não passava das seis da manhã, o que significava que ainda tínhamos
umas boas duas horas antes de partir para o dia de trabalho, e a verdade é que
aquele fato me assustava, porque não tinha a menor ideia do que fazer ou
como agir.
O que acontecera na noite passada só existia antes em minhas fantasias e
por mais que na realidade tenha sido muito melhor, com ele se declarando e
tudo mais, ainda assim não conseguia conciliar bem os acontecimentos.
Afinal, o fato de ele ter feito café e se esforçado para parecer que estava tudo
bem entre nós não significava também que estava prestes a assumir um
relacionamento ou anunciar o seu amor eterno por mim.
Levou um tempo para Caio retornar e uma eternidade para que meu ritmo
cardíaco desacelerasse quando ele se juntou a mim na cama. Eu já tinha ido
ao banheiro fazer minhas “necessidades” matinais, mas acabei voltando para
passar uma pomada natural de arnica, que Caio usava quando forçava um
pouco o treino e ajudava, pois tinha ação anti-inflamatória e melhorava
inchaços e hematomas na pele. E devo admitir que o creme geladinho me
trouxe alívio instantâneo.
Apesar do nervosismo natural pelo momento diferente para nós, ele não
demorou a levar meu corpo para perto do seu, um braço ao redor da minha
cintura, ao passo que de costas me aconchegava nele e sentia seu coração
bater acelerado. Tão acelerado como o meu. Ficamos assim por um tempo,
com a mão dele movendo um lento círculo nas minhas costas, cada um
bebericando o próprio café, me sentia mais contente do que conseguia me
lembrar.
Por um tempo observei o sol iluminar cada vez mais o céu daquela manhã
e disse a mim mesma para não surtar e estragar nosso momento, ou o que
quer que tudo aquilo significasse. A mão dele então parou o carinho nas
minhas costas, e percebi que estava completamente dura e tensa.
— Paula?
Uma parte de mim queria se esconder, não ter que lidar com todas as
minhas dúvidas e incertezas. Contudo, Caio tinha sido tão determinado a me
contar como se sentia e depois de tudo que passamos juntos algo me dizia
que não poderia ser uma ilusão louca minha acreditar que aquilo entre nós era
verdadeiramente real, por isso obriguei-me a levantar a cabeça e me virar
para olhar para trás.
— Você quer conversar? — indagou, e pelo tom de voz compelido, eu
diria que ele estava tão cheio de dúvidas quanto eu, embora pudesse sentir
que havia uma determinação muito maior nele do que em mim.
Meu coração disparou, pois querer conversar comigo era um bom sinal,
certo?
— Conversar? — repeti, débil, porque, pelo visto, além de não matinal, eu
também não era uma pessoa de muitas palavras no pós-sexo,
Ele balançou a cabeça, recolhendo nossas canecas para colocá-las no
criado-mudo ao lado da cama, antes de voltar a se aproximar, roçando o nariz
no meu, em um carinho que aqueceu meu coração e alma.
— Sim — respondeu, apertando-me mais contra ele. — Eu não sou muito
bom com essas coisas de conversas, visto que sou quase inexperiente e um
cara mais de ação. — Balançou a sobrancelha, sugestivo, e mordi os lábios
para não rir. — Contudo, se é o que precisa fazer agora, nós faremos. Só não
quero deixar nada mal esclarecido — não pude conter meu próprio sorriso
diante do tom e, principalmente, da preocupação, porque achei mesmo fofo.
— O que realmente acha que devemos conversar? — a pergunta saiu como
um sussurro e a espera por uma resposta me deixou vacilante, para dizer o
mínimo.
Inclinei mais a cabeça para o lado e Caio aproveitou para beijar o canto da
minha boca, fazendo um tremor percorrer-me o corpo, fixando-se em um
lugar que estava muito dolorido para uma visita quando o polegar dele alisou
minha bochecha, e então ele aprofundou a pressão em meus lábios, me
beijando de verdade.
— Que tal sobre nós? — testou um tempo depois, estreitando os olhos em
minha direção.
Incapaz de falar, assenti. Contudo, nenhum de nós disse nada em um
primeiro momento e houve um breve silêncio onde nos encaramos, como se
quiséssemos dizer algo, ainda assim não o fizemos.
— Então… — comecei, quando Caio se mostrou pouco disposto a quebrar
o silêncio e me livrar da agonia. — “Nós” significa…? — Deixei no ar e
esperei por uma resposta significativa
— Significa “nós”. Se não me falha a memória, é um pronome pessoal na
primeira pessoa do plural… — o engraçadinho se fez de desentendido,
franzindo as sobrancelhas, mordendo os lábios nefastos para não rir.
Filho de uma mãe ardiloso!
— Não estou brincando, Caio! — reclamei, batendo no peitoral
musculoso, e ele riu, antes de abaixar a cabeça, beijar meu ombro nu, e
depois descansar o queixo lá.
— Na verdade, achei que você soubesse o que significa, já que nós dois
confessamos estar apaixonados um pelo outro.
Outra vez tudo se resumia ao que ele me provocava: o palpitar
descontrolado do coração, que ameaçava querer sair pela boca; a emoção
insana me engolfando, porque era bom demais ouvir palavras como aquelas
sendo ditas justamente por ele. Em contrapartida, Caio permanecia com
aquela expressão cínica inabalável e tão bonito e irresistível, o filho da mãe,
que era até mesmo revoltante. A vontade que dava era de bater nele, para
depois montá-lo e transar até não aguentar mais.
Todavia… infelizmente eu não podia.
— E o que isso significa? — insisti, começando a ficar irritada com ele. —
Que estamos juntos? — lancei no ímpeto, antes que tivesse tempo de
ponderar minhas próximas palavras, e então levei as mãos à boca, chocada.
E, porra, não acreditava que eu tinha…
Abrindo um sorriso preguiçoso, Caio prendeu os olhos nos meus,
parecendo realmente satisfeito com o que ouvira.
— É impressão minha ou você está me pedindo em namoro, Paula Maia?
— teve a audácia de perguntar, ao mesmo tempo em que eu hiperventilava.
— Eu não estou te pedindo em namoro! — prontamente me defendi,
afastando-me dele como se me queimasse.
— Ah! Acho que pediu, sim! — devolveu, com ares de risos, e eu bufei.
— Claro que não! — Sacudi a cabeça de um lado para o outro, enfatizando
o que dissera.
— Acho que é irrelevante ficarmos discutindo esses detalhes, quando
claramente sabemos que você fez isso sim. — Caio riu e quando estava
abrindo a boca para revidar, me puxou de volta para ele enquanto prosseguia:
— Então vamos adiantar essa conversa para pararmos de perder tempo e ir
direto ao ponto — sugeriu, e embora ainda tivesse toda a intenção de me
defender, achei que em parte ele estava certo.
— Que ponto? — insisti, porque aquele papo ainda era muito novo para
mim. E estranho também, claro.
— O ponto que você me pediu em namoro e eu aceitei — lançou como se
não fosse nada, e revirei os olhos para ele, um hábito meu que não tinha
pretensão alguma de mudar quando o motivo era aquela prepotência
exacerbada dele. Contudo, coisas mais importantes estavam acontecendo
naquele momento, tipo meu coração estar prestes a sair pela boca pelo que
havia acabado de escutar.
— Eu não… — ele me cortou, calando minha boca com a sua dessa vez.
— Sim, você me pediu e eu aceitei. Sem mais — o tom sisudo e o
sarcasmo habitual estavam presentes, o que ele sabia que eu odiava com
todas as forças. — E como ia falando, não é realmente relevante quem pediu
quem em namoro, já que se você não tivesse me pedido primeiro, eu teria
feito. — Ele me lançou uma piscadela que me tirou dos eixos por um
instante, e, corando até o último fio do cabelo, agradeci pelo fato de estar
sentada, porque seria constrangedor cair feito fruta madura em frente a Caio.
— Eu não pedi você em namoro… — reiterei, atendo-me àquele ponto,
porque independente de como me sentia por dentro, tinha que me impor. —
Todavia, também não sei se é uma boa ideia, já que trabalhamos juntos.
Ele fez uma careta, bufando em seguida, cético.
— O que em nada tem a ver com a nossa vida amorosa.
— Bem, o fato de você pagar o meu salário importa. E muito. Passei a
vida toda me dedicando, estudando, tentando crescer para ser alguém capaz
de realizar o que desejava. Não quero que acreditem que tudo que conquistei
no trabalho só aconteceu por causa de um relacionamento com o chefe. —
Não hesitei em responder, meus olhos ainda grudados aos dele.
— E o que sugere então? — inquiriu, emburrado, cruzando os braços e
erguendo uma sobrancelha para mim, à espera de que lhe trouxesse uma
solução para o problema que eu estava vendo.
Titubeei por um segundo ou dois, meus olhos vacilaram entre admirar o
rosto de contrariado de Caio e observar os braços musculosos, que ganharam
evidência graças à nova posição, o que não ajudava em nada quando me via
tão confusa ante toda aquela situação.
— Quer que a gente não fique junto? — prosseguiu, parecendo cada vez
mais descontente, o tom de pura descrença.
Minha boca se abriu em surpresa, e soltei uma risadinha nervosa,
meneando a cabeça e estreitando os olhos em sua direção, porque em nenhum
momento havia pensado naquela ideia estapafúrdia.
— Claro que não! Eu…
— É o que você parece estar cogitando — refutou e, incrédula, preparei-
me para contra-argumentar, porém Caio ergueu uma das mãos, indicando que
não tinha terminado de falar. — Olha, por tudo que você já me disse sobre o
quanto se dedicou para chegar aonde chegou na DiFiori, eu entendo, mas
todos lá dentro sabem que entrou na empresa por mérito próprio, já que seu
trabalho foi escolhido como ganhador entre milhares em todo país. Contudo,
sei que ainda há muito preconceito no mundo corporativo, especialmente
quando há uma mulher no meio e jamais lhe tiraria da sua razão em temer. Só
achei que o fato de nos gostarmos fosse o suficiente para que enfrentemos
isso.
— Claro, mas… — tentei falar, no entanto, ele foi mais rápido outra vez:
— Não tem “mas”, Paula Maia. E é isso que quero que entenda, enquanto
você estiver fazendo seu trabalho, provando que não foi à toa que chegou
aonde está, ninguém poderá falar alguma coisa diferente, a não ser que seja
por puro despeito. Somos adultos, donos das nossas próprias escolhas e
desejos, pagamos nossas contas sem ajuda de ninguém, você acha mesmo
relevante darmos ouvidos às críticas, que além de nem mesmo terem
acontecido ainda, não interessam de verdade?
Minha boca se abriu para responder, mas não pude. Não quando sabia que
ele estava certo.
— Não… — Dei o braço a torcer, sentindo-me um pouco nervosa por
sequer cogitar que havia coisas mais importantes do que uma preocupação
boba sobre “pré-conceito”. Como, por exemplo, o que sentíamos um pelo
outro. Ou como aqueles olhos azuis de um tom único me deixavam toda
boba. Ou também como ele tinha me feito sentir horas antes.
— Olha, sei que não é fácil, minha linda — ele voltou a falar, parecendo
um pouco mais à vontade ao notar que eu estava cedendo. — Somos,
geniosos e muito, muito teimosos, mas o que acha de teimarmos em ficarmos
juntos? — ele inquiriu, sorrindo de um jeito adorável, e recebeu um riso
baixo meu em resposta, o primeiro que dei no dia.
— Somos teimosos, né? — eu quis saber com um sorriso bobo e ele
assentiu com bastante ênfase.
— Demais. Mas isso é ótimo, porque se não fôssemos, não teríamos feito
tudo que fizemos ontem à noite. — Alçou a sobrancelha de modo sugestivo,
esboçando uma expressão convencida, e gemi em pura vergonha, escondendo
o rosto entre as mãos, mortificada.
Meu Deus! Nem acreditava que Caio estava mesmo querendo falar sobre
nossas peripécias sexuais antes do desjejum!
— Eu fui o primeiro homem a te levar ao céu, pequena mentirosa, será que
não mereço algum crédito? — Ele riu, levando-me para o seu colo, e tornou a
gemer, sentindo o rosto arder por tamanho constrangimento, e ele pareceu
entender aquilo como uma resposta positiva. — Ótimo — ele comemorou, e
uma de suas mãos foi para o meu cabelo, enrolando uma mecha nas pontas de
seus dedos. — Só preciso fazer uma pergunta antes e quero que seja sincera,
tudo bem? — Assenti, ainda que estivesse completamente sem jeito e sentisse
a ansiedade me comer por dentro. — Por que você mentiu sobre não ser mais
virgem?
Os olhos dele estavam nos meus, a mão em meu cabelo passou a acariciar
meu pescoço e o aroma delicioso de seu perfume mesclado ao hálito
cheirando a café me deixou entorpecida por alguns segundos, antes de
respirar fundo e decidir ser sincera com ele.
— Você sabe. — Revirei os olhos, tentando impor uma certa naturalidade,
pouco disposta a admitir os motivos por trás da mentira sobre minha
castidade.
— Sei? — testou, não escondendo o fato de ter soado irônico, e me vi
assentir ainda assim. — Tenho minhas suposições, todavia, não posso ter
certeza até que me diga.
— Eu não menti… Quer dizer, menti — corrigi-me rapidamente quando vi
as sobrancelhas escuras se arquearem. — Mas não como pode ter parecido,
eu apenas disse aquilo porque achei que, se dissesse que era virgem, você não
iria querer me ensinar o jogo e depois sairia correndo.
— E você não queria isso?
— Você ia decidir “me ajudar” se soubesse a verdade? — devolvi, porque
dois podiam jogar aquele jogo, e Caio titubeou, fazendo uma expressão
engraçada enquanto ponderava.
— Talvez não — admitiu, um tanto sem jeito. — Quer dizer mesmo que
desde o início você tinha intenção de me conquistar? — ele quis saber e
assenti, envergonhada, e o sorriso de satisfação que recebi me aqueceu o
peito. — Então isso faz de você uma jogadora maior ainda. Não é à toa o que
dizem, afinal, um dia é realmente da caça, e o outro, do caçador. — Ele me
olhou com um brilho perverso e o sorriso de puro pecado me deu uma fisgada
lá embaixo.
— Algum problema com isso, professor? — provoquei, com um sorriso
brincando nos lábios, uma de minhas mãos rumando para seus cabelos, e
Caio meneou a cabeça, negando, os lábios macios roçando os meus.
— Na verdade, essa pequena mentira para me conquistar está incluída no
cronograma de satisfações que começamos a elaborar ontem a noite, assim
como muitas coisas já foram adicionadas — começou, a voz não passando de
um murmúrio rouco, seus dentes buscando meu lábio inferior, mordiscando-
o, o que me fez engolir em seco e levar uma onda de arrepios por todo meu
corpo. — O que acha de incluirmos mais algumas antes de sairmos para o
trabalho? — ele perguntou com a voz grave, rouca e tão sexy.
— Acho que talvez seja uma ótima ideia — concordei quase sem fôlego
quando ele deslizou as mãos para os meus quadris e em seguida fizemos
exatamente o que sugeriu.
CAIO
CAPÍTULO
VINTE E DOIS

Jogando a cabeça para trás, o corpo de Paula arqueou-se, os seios se


empinando em minha direção como se os oferecesse a mim para um
banquete, e não me fiz de rogado antes de tomá-los com a boca. Uma torrente
de palavras saía da sua boca, misturados aos gemidos, enquanto seus
músculos internos apertavam o cerco contra o meu pau, ao mesmo tempo em
que a penetrava profundamente e a observava se desfazer, gozando
loucamente. E eu amava vê-la durante o êxtase.
Fodidamente linda!
Luxúria me invadiu e agarrando-lhe os cabelos da nuca, diminui o ritmo
poderoso do rolar dos nossos quadris, comendo-a devagar, deliciando-me
com a sensação. Não demorou para que ela explodisse de novo e calei seu
grito com meus lábios, bombeando mais e mais, me perdendo nela por várias
vezes. Depois de algumas semanas juntos, algo parecia diferente, cru,
selvagem. E, porra, as coisas só pareciam melhorar, cada vez mais
fantásticas.
O canal estreito me apertou como uma luva de cetim quando minha língua
mergulhou em sua boca, encharcando todos os poros e ocupando um lugar
profundo dentro do meu peito. Não consegui mais resistir e meu corpo se viu
completamente arrebatado, próximo ao encontro do próprio orgasmo, ao
passo que nossos quadris batiam um contra o outro, de forma incansável. Eu
nunca havia me sentido daquela maneira antes. Nunca estive tão conectado a
alguém como me sentia por ela. E… Puta merda! No último instante puxei
para fora antes de gozar loucamente na sua pele.
Merda!

Porra! Eu não conseguia o suficiente dela!


Paula Maia era como uma droga que eu queria continuar consumindo e me
viciando, mesmo que sentisse que como todo narcótico poderia ser um
caminho sem volta. Fiquei viciado no modo como se entregava e nos sons
que emitia, no seu gosto, sabor. Pensei que, talvez, apenas por alguns
segundos, as coisas pudessem se tornar estranhas entre nós com o passar dos
dias, mas não aconteceu. Tudo era como normalmente fora, voltamos à rotina
que passamos a ter, trabalhávamos juntos, passamos mais tempo a dois, só
que ao lado dela tudo parecia simplesmente melhor.
Sim, parecia bobo, coisa de homem tolo e apaixonado, mas era verdade!
Cada olhar, cada toque e palavra significava algo mais profundo agora.
Sendo bem sincero, tudo parecia ainda mais profundo. Porra, eu estava
apaixonado por ela. Tipo totalmente… loucamente… irrevogavelmente
apaixonado por ela.
Acho que talvez eu até a amasse já…
— Olha se não é meu melhor amigo loucamente apaixonado — uma
cáustica voz masculina soou perto de mim, e me virei para encontrar
Rodrigo, sentando-se na banqueta ao meu lado na nossa choperia de costume.
— Engraçadinho — soltei com uma careta, mas o sorriso dele não
retrocedeu.
— Então, como vão as coisas? — ele perguntou, depois de pedir ao
garçom por uma bebida também.
— Ótimas. — Um sorriso verdadeiro tomou conta dos meus lábios, porque
o motivo dele tinha um nome, e ele sabia bem qual.
— Estou vendo daqui. — Ele riu e não liguei, porque me sentia bem
demais para me importar com o fato de o meu melhor amigo ficar tirando
uma com a minha cara apenas pelo fato de ter me apaixonado.
— Temos nos falado pouco ultimamente… — o bastardo me cortou:
— E nos visto menos ainda. Claro que é porque aparentemente fui trocado
por uma linda mulher. — Fez questão de me corrigir, uma expressão de troça
no rosto que me fez revirar os olhos.
— Você é um maricas, parece que não sabe viver sem mim. O fato de ter o
melhor amigo namorando deve ser doloroso para você, não é? — Eu ri
baixinho, sem culpa.
— Claro, quem mais vai sair comigo para a caça? Estou me sentindo
deixado de lado por um rabo de saia — soltou, levando a mão ao peito,
dramatizando, enquanto eu ria da ironia, porque conhecendo-o como
conhecia, Rodrigo não precisava da minha ajuda para pegar uma mulher. Pelo
contrário, se tinha alguém que poderia fazer aquilo quase tão bem quanto eu,
esse alguém era a Vossa Excelência, o juiz Rodrigo Mattias.
— Não se preocupe com isso, querido amigo, breve será a sua vez de ser
sentenciado à paixão — lancei como se não fosse nada, e ele imediatamente
começou a fazer o sinal da cruz, enquanto me encarava assustado.
— Deus me livre! Vai jogar essa praga para outro, seu filho da mãe! —
chiou, indignado, em seu rosto a expressão realmente assustada me fez
gargalhar.
— Apenas mantenha isso em mente, porque em breve será a sua vez.
— Que bonitinho! Só porque o cupido te flechou e está apaixonado anda
vomitando corações! — zombou com uma careta feia no rosto recém-
barbeado. — Você sabe o que não é bonitinho? Jogar praga para os homens
felizes e inocentes terem que carregar essa cruz! — bufou, sarcástico,
demonstrando seu desgosto. — E falando em praga ruim… E a Mona? —
apressou-se em perguntar, e me ouvi gemendo em frustração por ter me
lembrado dela.
Enterrei as mãos nos meus cabelos levemente despenteados, porque eu
estava ficando um pouco preocupado com aquele silêncio. Não que não fosse
o que eu desejava, que ela me deixasse mesmo em paz, contudo, vindo de
Mona, era não apenas de se estranhar, como também passar a fantasiar quais
seriam seus próximos passos.
— Quieta demais — emiti em reconhecimento, o desgosto moldando
minhas palavras, e ele soltou um gemido desgostoso.
— Quieta? Isso é estranho, não acha? — Alçando as sobrancelhas,
Rodrigo me encarava com preocupação.
— Muito. — Sorvi um gole da minha bebida antes de completar: — O que
eu não entendo é por que ela não pode simplesmente seguir em frente e
deixar a minha vida em paz. Exatamente como fiz com ela. — Com um
menear de cabeça, ele concordou.
Mona e eu não estávamos mais naquela relação tóxica há anos. Ela tinha a
vida dela e tentei seguir a minha, contudo, ela não parecia satisfeita, pois em
todo o tempo, desde que nos separamos, insistia em vir atrás de mim. Eu
estava com Paula e a última coisa que queria era minha “irmã” atrapalhando
as coisas entre nós dois. Todavia, o fato de Monalisa “tirar” o time de campo
justamente quando me envolvia com alguém pela primeira vez depois dela
me fazia suspeitar que ela pudesse estar tramando alguma coisa.
— Você já contou a Paula sobre ela? — ele quis saber e neguei, o que o
fez revirar os olhos, como se me achasse estúpido por aquela decisão. —
Você está brincando com a sorte mesmo. Conte tudo a Paula e se quer um
conselho, depois vá ter uma conversa definitiva com Mona, porque senão as
coisas podem sair completamente do controle. Mona é uma vadia louca, não
vai se importar em partir com tudo para cima da sua namorada.
— Será? — perguntei para ninguém em particular.
— Claro que sim, até parece que não a conhece! — suspirou
profundamente. — Vocês têm um passado juntos. — Eu estava prestes a
corrigi-lo, porém, com uma careta de nojo, ele prosseguiu: — Tudo bem que
nada que valha a pena lembrar, mas vai ser uma longa vida, e acontece que
Mona DiFiori, para o bem ou para o mal, é da família.
Um suspiro me escapou, porque ele estava certo. Antes eu não me
importava realmente, porque não tinha ninguém, as mulheres eram apenas
mais uma entre tantas. Todavia Paula era muito mais do que isso, ela era
simplesmente… tudo. Inúmeras horas, dezenas, centenas de infrutíferos
prazeres que sujeitei a mim mesmo apenas tentando preencher o que somente
ela conseguiu. E eu não estava nem um pouco interessado em arriscar perder
aquilo.
PAULA
CAPÍTULO
VINTE E TRÊS

A Starbucks próximo ao apartamento havia se tornado meu segundo lugar


preferido do mundo, sendo o primeiro, claro, a cama que dividia com Caio.
Como passávamos quase todo nosso tempo livre juntos, eu acabava não indo
tanto ali quanto gostaria, o que acabava acontecendo mais aos domingos,
quando ele saía para o seu habitual almoço com a família.
Já estávamos juntos há mais de um mês, mas a impressão que eu tinha era
de ter muito mais. Era aquela coisa sem explicação, como se o tempo fosse
realmente relativo em determinadas situações, pois sentia como se
vivêssemos juntos há uma eternidade. Como é mesmo que diziam? Ah, algo
como “às vezes, alguns infinitos são maiores que outros”.
O cheiro divino do café me atingiu em cheio assim que passei pela porta
da cafeteria, e procurando pelo meu encontro daquela tarde, corri os olhos
pelo ambiente cheio e acabei encontrando uma outra pessoa conhecida
olhando para mim.
Como era mesmo o nome dela? Ah! Monalisa!
— Que coincidência! — ela soltou, assim que veio me cumprimentar,
bastante animada por me ver, pelo que podia notar.
— Sim, realmente. — Sorri de volta para ela, meio sem jeito, ainda
surpresa por revê-la tão longe do lugar em que nos conhecemos.
— Pois é. Demais — animou-se antes de ajeitar a bolsa no ombro e
pedirmos nossos cafés. — Então você mora por aqui ou estava apenas de
passagem? — ela quis saber, sem tirar o sorriso de dentes muito brancos do
rosto bonito.
— Sim… Quer dizer… Mais ou menos — titubeei, confusa sobre como
explicar a situação. — Na verdade, meu namorado tem um apartamento aqui
no final da rua. Nós meio que moramos juntos. — Abanei uma das mãos, em
sinal de descaso, e foi quando seu sorriso vacilou.
— Vocês moram juntos? — ela perguntou, séria, analisando-me com
demasiada atenção.
— É — soltei, meio sem jeito, porque era a primeira vez que me dava
conta daquele fato. Já que Caio vinha dificultando minha busca por um lugar
para morar, meio que continuar na casa dele se tornou inevitável… E
maravilhoso também. Começando a adoçar a bebida, por alguma razão
comecei a lhe explicar: — Não foi nada planejado, sabe? Afinal, estamos
juntos há pouco tempo, mas estamos bem assim.
— Eu não sei — ela emitiu junto a um balançar negativo de cabeça
enquanto me acompanhava até a mesa. — Não acha que está indo muito
rápido? Como você mesma disse, estão juntos há pouco tempo. E os caras
hoje em dia não querem compromisso sério ou cobrança, quando podem ter
na rua o que quiserem — lançou como se não fosse nada de mais, e abri a
boca um pouco surpresa com o tom amargurado impresso em cada palavra
dita.
Nossa! O que foi aquilo?
— Nem todos os homens são iguais — eu fui rápida em corrigi-la. — De
qualquer forma, é melhor eu ir, tenho que me encontrar com uma pessoa. —
Sorri, antes de me pôr de pé outra vez. — Foi bom te ver, Mona.
— Foi bom te ver também, Paula. — Recebi um sorriso em cortesia,
quando ela se levantou para me abraçar. — Essa semana vou dar uma
passada na DiFiori, o que acha de repetirmos esse café? — sugeriu,
simpática, e acabei concordando.
— Tudo bem. Me avise quando aparecer. — Despedi-me dela uma outra
vez e saí da cafeteria, com o copo da bebida quente em mãos.
Eu não sabia dizer como, já que mal a conhecia, mas alguma coisa me
fazia acreditar que aquela mulher tinha sido ferida por alguém. Como todas
as feridas, elas precisavam de um tempo para se curar. Talvez pudéssemos ser
amigas e, caso acontecesse, esperava poder ajudá-la de alguma forma a seguir
em frente.
Já era noite, e Caio e eu estávamos abraçados na cama, depois do sexo, e
eu temia iniciar a conversa que estávamos adiando há muito tempo. Tinha
pensado muito sobre o meu encontro com Mona e cheguei à conclusão de que
ela poderia ter um pouco de razão quanto a estarmos indo rápido demais.
Talvez o melhor mesmo fosse parar de fugir e voltar a busca por um lugar só
meu.
Claro que aquela decisão poderia mudar as coisas para nós, já que não
apenas deixaríamos de dormir juntos todas as noites, como também não
teríamos mais a rotina diária à qual estava tão acostumada. Ainda nos
veríamos todos os dias por causa do trabalho e por estarmos tão habituados a
dividirmos o apartamento juntos, talvez não fosse tão fácil nos acostumar, já
que também não teria Caio ao meu alcance, o que realmente era uma merda,
mas era o melhor, certo? Nós nos comprometermos tão rapidamente daquele
jeito poderia exterminar qualquer chance que a gente tinha de futuro como
casal.
Em apenas um mês juntos tínhamos estado praticamente colados no
quadril, como dois cachorros no cio, o que me fez descobrir que eu era uma
tarada. E Caio, bem, ele era incansável. Não que estivesse reclamando, claro,
porque, olha para ele, caramba, bastava ele piscar e eu já me via pronta e
avançando nele sempre que podia. Não que ele se importasse, na verdade, ele
costumava dizer que havia criado um pequeno monstro.
Às vezes, ele mesmo começava a coisa toda, o que eu também nunca
achava ruim, como tinha acontecido há pouco, quando ele chegou do bar
depois de um happy hour com o melhor amigo e, ao me encontrar no banho,
veio até mim, sussurrando-me palavras no ouvido, causando-me calafrios e
fazendo a minha pele se arrepiar.
Como resistir?
— Como está se sentindo?
— Humm… — foi o que consegui emitir no meu estado meio ébrio pós-
sexo e Caio riu, baixinho, o riso masculino rouco, profundo, arrepiando-me a
pele enquanto me apertava contra seu corpo nu.
— O mesmo aqui, minha linda… — Beijando meu ombro, ele deslizou o
nariz próximo ao meu pescoço e, depois de um tempo em silêncio, soltou: —
Eu queria falar uma coisa com você.
Eu já me encontrava no limbo entre estar acordada e dormindo, apenas
apreciando o prazer que era tê-lo agarrado a mim, quase indo ao encontro dos
braços de Morfeu[10], mas depois que ele disse aquilo, abri os olhos e em
menos de um segundo estava completamente desperta.
Oi?
— E o que seria? — eu quis saber, porque por algum motivo comecei a me
sentir nervosa sobre o assunto.
Deus, eu acho que era sobre me mudar! Ele me queria fora dali!
A tal Mona estava certa, pelo visto. Caio certamente queria a privacidade
de volta, e eu, como uma mulher adulta e bem-resolvida, ia aceitar e dizer
que concordava com ele em gênero, número e grau, garantindo-lhe arranjar
um novo lugar para morar o quanto antes.
Não que me sentisse completamente okay com aquilo. Mas ele não
precisava saber.
— Eu também — lancei, como se eu não estivesse meio que pirando com
aquela história toda, e ele pareceu surpreso quando me virei para encará-lo.
— É? — Assenti, forçando um sorriso para ele e dado o franzir de cenho
que recebi em resposta, acho que não fui muito convincente.
— Sim, claro. — Ri, sem saber muito bem por qual motivo, e prossegui:
— Imagino que é porque ainda não me mudei. Mas não se preocupe, o
corretor prometeu me mostrar alguns imóveis essa semana e saio daqui o
quanto antes — assegurei, esboçando um leve sorriso, mas não recebi o
mesmo em cortesia. Pelo contrário, Caio se afastou de pronto, sentando-se na
cama.
— Você não quer mais ficar aqui? — Estupefação coloria o seu tom e
alguma coisa nos olhos presos nos meus apertou-me o estômago.
— Não era isso que ia dizer? Que precisava do seu espaço e que achava
melhor cada um viver no seu canto? — indaguei, confusa, e a maneira com
que me encarava me fez limpar a garganta, um tanto incomodada.
— Não. Eu ia dizer para você tirar suas coisas da mala e colocar no closet,
porque é ridículo e desnecessário que continue vivendo como se estivesse
viajando. Aparentemente eu estava errado, pois pelo visto não queremos a
mesma coisa.
Ai, meu Deus!
— O quê? — soltei, porque não tinha certeza de que escutei o que ele
dissera.
— Você ouviu.
— Caio… — tentei argumentar, no entanto, ele foi mais rápido, porque
parecia ter muito mais coisa para falar:
— Eu devo ser bem idiota mesmo — resmungou, parecendo externar um
pensamento que era só seu. — E sabe o que mais, Paula? — indagou, mas
pelo visto a pergunta era retórica, porque não esperou por uma resposta. —
Depois eu ia te convidar para participar do almoço no próximo domingo na
casa dos meus pais, porque achava que já tinha passado da hora de vocês se
conhecerem, pois, claro, pensei que fosse gostar de saber que te quero
presente na minha vida. Só que, outra vez, eu estava errado.
Chocada, um suspiro trêmulo me escapou dos lábios enquanto assisti,
inerte, a Caio se levantar e vestir rapidamente a cueca que apanhara no chão.
As feições muito sérias o fazendo parecer mais austero do que realmente era,
não deixando negar a chateação. Ele tinha mesmo ficado magoado com a
minha ideia de partir. O que, confesso, me aliviara para caramba, mas não
mudava a situação atual.
E quando ele fez menção de se afastar, vi que precisava fazer alguma
coisa, que não podia simplesmente ficar parada ali quando ele estava
claramente chateado.
— Caio, me desculpe, eu falei isso porque pensei que era o que você
queria… — confessei tentando sorrir, esperando ser o suficiente para receber
um sorriso em retorno. Não aconteceu, no entanto. — Eu… Me desculpe —
repeti, quando minha tentativa de aliviar o clima se mostrou falha e não
consegui pensar em mais nada que pudesse dizer para melhorar a situação.
— Na próxima vez, ao invés de fazer suposições, me pergunte primeiro.
— Aquiesci, e então Caio virou as costas, ainda sisudo demais para o meu
gosto, desaparecendo logo em seguida do quarto.
Por um tempo não consegui me mover, observando a porta por onde ele
havia acabado de passar, mas ao me dar conta do que estava mesmo
acontecendo, me levantei da cama e catei a camisola jogada pelo chão, antes
de vesti-la e ir atrás de Caio pela casa. O apartamento era espaçoso, mas não
demorei a localizá-lo, já que a luz da sala estava ligada, e antes não. Ele
estava de pé, em frente à janela, e não parecia bem, por isso me vi hesitante.
— Caio? — chamei por ele e foi impossível não notar seu corpo endurecer
mediante o som da minha voz, o que me apertou o peito. — Caio, podemos
conversar? — indaguei, me aproximando mesmo sem pedir licença.
— Acho melhor não, Paula. Me deixa um pouco sozinho — a voz grave
cortou o silêncio que se instaurara, soando introspectiva, mas não fora o
suficiente para me parar.
— Desculpe, mas eu não vou. Não enquanto não resolvermos isso.
Algo na maneira determinada com que respondi pareceu ter causado
algum efeito, pois ele finalmente se virou para me encarar. Contudo, foi ele
que mais uma vez voltou a falar:
— É o que você quer mesmo? Não quer ficar aqui comigo?
Deus! Sério que era isso que ele estava pensando?
— Não foi o que eu disse…
— Foi o que entendi — tornou a me cortar, sem a menor paciência,
fazendo-me revirar os olhos pela teimosia.
— Você nem ao menos me deixar falar, Caio! — lancei, impacientando-
me sobremaneira, e vi a surpresa desmanchar a carranca do homem. — Em
momento algum eu disse que queria ir embora. Achei que era o que você
queria… Me deixe terminar! — reiterei, quando notei que ele parecia prestes
a refutar. — Estamos juntos há pouco tempo, mal nos conhecemos e do nada
moramos juntos. Hoje refleti sobre isso e pensei que talvez fosse o melhor
para nós dois. Quando você mencionou que queria falar alguma coisa, apenas
achei que era sobre isso. Você me pegou de surpresa, não imaginava que
queria o contrário, e isto não significa, de forma alguma, que quero me
afastar… Ou terminar.
Uma pontada de dor perpassou os olhos de Caio antes que ele os fechasse
e, jogando a cabeça para trás, esfregou-os, ao passo que exalava o ar com
força.
— Tudo bem — reconheceu num murmúrio. — Sinto muito, eu… —
titubeou, parecendo buscar palavras para o que tinha a dizer. — Eu estava
meio nervoso em lhe propor para ficar e quando você falou que ia procurar
outro lugar, meio que surtei. Não gosto nada da ideia de não tê-la aqui —
admitiu, os olhos de lince buscando o chão, parecendo envergonhado
enquanto tentava esconder uma careta.
— Como eu disse, mencionar que iria me mudar não significa que quero
me afastar — assegurei e, aproximando-me dele, pousei minha cabeça em seu
peitoral, pois tudo o que desejava era que soubesse que eu o queria. — É o
que você quer? Quer que eu fique? — indaguei, receosa, sentindo o coração
na boca, sem saber direito o que esperar como resposta.
Caio me abraçou, fazendo com que me aninhasse ainda mais a ele, nossos
corações batendo juntos me dando a certeza de que não havia outro lugar no
mundo em que quisesse estar, a não ser em seus braços.
— Sim — emitiu junto a uma longa lufada de ar, e aliviada com a
resposta, me vi soltar a respiração que não havia reparado ter prendido. — É
só que… não importa realmente há quanto tempo estamos juntos. Estou
loucamente apaixonado por você, Paula. Eu te amo… Eu quero você aqui.
Comigo. Não quero que vá embora.
Não tinha certeza que tinha ouvido direito, mas dada a forma como me
apertava contra ele, percebi que não estava alucinando. Fechei os olhos,
sentindo tanta coisa que não sabia por onde começar. As emoções girando
dentro de mim como um carrossel acelerado. Levantando a cabeça, nossos
olhares se encontraram, e com o coração batendo de modo desenfreado no
peito, sorri para o homem que eu amava.
— Eu também te amo e então vou ficar — prometi, e Caio finalmente
sorriu, daquele modo incrível que tocava seus olhos e me aquecia o peito,
então me beijou de uma maneira que deixou-me sem fôlego e me fez
esquecer tudo que não fosse nós dois.
No fundo, eu sabia que aquela era a escolha certa. E ele, para mim, a
pessoa certa.
Morfeu é o nome do deus grego dos sonhos. As expressões “cair nos braços de Morfeu” ou “estar nos
braços de Morfeu” são utilizadas para desejar ou indicar que alguém está em sono profundo, tendo
bons sonhos.
CAIO
CAPÍTULO
VINTE E QUATRO

Roberto DiFiori ainda era um jovem quando conseguiu o intento de


transformar a pequena empresa em um conglomerado global de
comunicação. Muitos o viam como louco, mas ele era um cara visionário, que
havia revolucionado a história de todo um país. Dedicado à família, passou a
vida empenhando-se a preservá-los, todavia, muitos não sabiam que por trás
daquela fachada reservada havia muito mais que não fora aberto ao público.
Os DiFiori eram especiais, não havia como negar, e também eram a minha
família. Contudo, nem sempre as coisas foram tão normais, estavam mais
para disfuncionais mesmo. E, infelizmente, o adultério era o motivo daquilo.
Mais precisamente adultério do meu pai, e da minha mãe. Todavia eles não
eram os únicos segredos.
A enorme mansão branca com grandes colunas gregas e uma belíssima
vista para o campo surgiu aos nossos olhos pouco depois de passarmos pelos
portões de ferro da propriedade a perder de vista. O projeto da casa de um
renomado arquiteto foi dado para os meus pais como presente de bodas e por
muitos anos foi lar não apenas do casal, mas dos seus filhos.
Parando o carro, estudei a expressão estupefata de Paula observando tudo
ao redor. Eu a entendia, no primeiro momento era não apenas surpreendente e
bonita, era intimidadora. Contudo, era o lugar onde cresci e por anos fui feliz.
No entanto, era intimidante para mim também. Não apenas porque havia
histórias demais ali, mas também porque nunca tinha levado alguma
namorada ou sequer apresentado uma à minha família. Ali era mesmo meu
lar, fora meu santuário, e embora muito me fizesse envergonhar, queria mais
do que tudo que Paula conhecesse e fizesse parte da minha vida.
E depois de respirar fundo, finalmente soltei:
— Chegamos. — Paula assentiu, mas ainda parecia abismada demais.
— Tem certeza? — inquiriu, brincando com a fina corrente de ouro no
pescoço, enquanto mordia os lábios, o que costumava fazer para tentar
aplacar o nervosismo.
— Claro que sim — afirmei, depositando um beijo demorado nos seus
lábios. — Vamos.
Ainda que estivesse nervosa, Paula abriu a porta e me seguiu até a porta.
Um dos funcionários nos recepcionou e levou-nos até a área do fundo, onde
estavam todos reunidos à beira da piscina, com a vista para o rio, para a
refeição que logo viria.
Meu pai foi o primeiro que vi, os cabelos grisalhos brilhando contra a luz
do sol. Ele vestia uma camisa polo e bermuda na cor branca e nem de longe
parecia o grande empresário do ramo. Segurando a mão dele estava minha
mãe, com um vestido florido confortável de verão, ria de alguma coisa que
ele parecia contar. Ambos felizes, parecendo completamente alheios aos
problemas do passado.
Do outro lado, estava meu irmão, claramente uma versão mais nova e
quase perfeita do nosso pai, com exceção talvez por ser mais forte e também
mais alto. Ou da maneira sisuda e prepotente com que sempre agia em torno
dos outros, destoando do homem calmo e sempre genuinamente agradável
que era Roberto DiFiori.
E ao seu lado tinha ela, Monalisa, a loira que mexia as mãos daquele jeito
exagerado, tão habitual seu. Ela foi a primeira a notar nossa presença e ao nos
ver, a boca pintada de vermelho se abriu com o que me pareceu ser um
pequeno ofego. Os olhos faiscaram, brilhando como um aviso de perigo
iminente. O que ela de fato era, um perigo.
— Ai, que coisa boa! — Minha mãe saltitou da cadeira e veio em nossa
direção, animada, antes de cumprimentar minha namorada com admiração.
— Mãe, desculpa a demora. Teve um acidente perto do prédio e acabamos
nos atrasando — eu falava, mas ela não parecia prestar atenção, os olhos de
águia fixos na minha mão segurando a de Paula. — Você lembra de Paula?
— Ela assentiu e quando a pequena mentirosa me olhou de soslaio, achei por
bem melhorar aquela apresentação. — Minha namorada? — lancei, e a
senhora à nossa frente soltou um pequeno grito, antes de abraçá-la num
rompante.
— Eu sabia! — murmurou, ainda sem soltá-la. — Desde que pus os olhos
em vocês aquele dia eu sabia que tinha alguma coisa. Eu não disse, Roberto,
eu não disse? — Ela se virou para meu pai, à espera de uma confirmação, e
me vi revirar os olhos enquanto depois de concordar, aparentemente ele e
meu irmão riam daquela cena um tanto constrangedora.
— Menos, mãe! — implorei, quando ela me abraçou forte também, feliz
da vida.
— Nada de menos. Esse é um momento histórico nessa casa. Achei que
você nunca fosse me dar o prazer de apresentar uma namorada! — Ela estava
mesmo exultante, o que me deixava cada vez mais sem jeito. Especialmente
porque, embora estivesse meio encabulada, Paula ainda assim parecia se
segurar para não rir.
— Mãe! — gemi em pura vergonha, e ela não pareceu se importar com o
fato de eu estar ali, mortificado.
— Venham! Venham para a mesa! Eu não sabia que Paula vinha, mas vou
pedir para colocarem um conjunto de pratos e talheres para ela em um
instante — ela disse ainda sem tirar o sorriso no rosto.
Eu merecia!
Quando estávamos a uma distância segura, Paula aproveitou para
sussurrar:
— Não acredito que você não avisou que eu viria! — seu tom era de pura
descrença.
— E perder essas expressões de surpresa e toda essa coisa de
constrangimento que está acontecendo? — fui irônico de propósito e, apesar
de ter rido, senti que pagaria por aquele meu pequeno lapso mais tarde.
— Roberto, essa moça linda é a Paula, namorada do nosso Caio. —
Mamãe fez as vezes nas apresentações quando nos aproximamos da mesa, e
meu pai se levantou para cumprimentá-la.
— Linda moça mesmo. — Ele sorriu, daquele jeito charmoso dele. — É
um prazer conhecê-la, querida. Seja bem-vinda à nossa casa. — Beijou seu
rosto e notei o quanto Paula corava.
— O prazer é todo meu, seu Roberto. Me sinto realmente honrada… Eu…
Nossa, estou até nervosa — titubeou de um jeito adorável e riu, sem graça,
porque aquele era um caso clássico de jovem formada que admirava a
carreira do famoso Roberto DiFiori.
— Paula também é publicitária, pai. Se formou no último ano. Ela foi a
vencedora do concurso que ganhou a vaga na empresa esse ano — fui ao seu
socorro, dada sua falta de palavras, e meu pai sorriu ainda mais, ao voltar a
olhar para ela.
— Então a honra também é minha, querida, já que vi o seu projeto e ele
era maravilhoso. Meus parabéns e obrigado por estar agora contribuindo com
a nossa empresa. Tenho certeza que ainda veremos grandes coisas de você —
emitiu em reconhecimento e eu sorri, realmente orgulhoso dela, porque se
tinha alguém com um bom faro para talentos, esse alguém era meu pai.
Talento este, que ele dizia que eu tinha herdado.
— Obrigada, senhor — ela agradeceu, ainda muito envergonhada, e
quando meu pai deu um passo para trás, meu irmão não perdeu tempo para
vir até ela.
— Paula. — Cauã se adiantou, pegando a mão dela para beijá-la, os olhos
de crápula que provavelmente lhe deram muitas coisas presos nos dela. — É
um prazer finalmente conhecê-la. Achei que a essa altura já teríamos nos
esbarrado na DiFiori, mas agora entendo por que meu irmão tem guardado
você. Não foi realmente à toa que Caio a escolheu — Cauã soltou como se
não fosse nada, e com os lábios trêmulos, Paula passou a me encarar
completamente chocada.
Ai, merda! Eu ia matar o Cauã!
Os olhos de Paula dispararam em direção aos meus, acusadores, o brilho
perigoso me dando a certeza de que, se o fato de não ter dito que viríamos
juntos não a tivesse deixado chateada, saber que eu fora o responsável direto
pela sua vitória a deixara revoltada, para dizer no mínimo.
— Você foi o jurado que escolheu o meu projeto? — perguntou
entredentes e estremeci ante o tom ameaçador.
— Sim… Eu… Eu… — oscilei, à procura das melhores palavras possíveis
para fazê-la entender, no entanto não me ajudava em nada a maneira que ela
esperava por uma resposta que fosse satisfatória. Claramente nervosa, puta da
vida, melhor dizendo. — Os trabalhos foram selecionados por outros jurados,
eu ajudei apenas na decisão final. Nada mais justo, já que o ganhador
trabalharia na nossa empresa.
— Desculpe, irmão, não fazia ideia de que sua garota não sabia — Cauã
tentou, em vão, se desculpar, já que ele não parecia nem um pouco sincero
com o sorriso de merda no rosto.
Filho de uma puta traiçoeiro!
— V…
— Tudo bem, senhor DiFiori — Paula falou para ele, impedindo-me de
seguir em sua direção ao tocar em meu antebraço e por causa dela me vi
recuar. Os olhos dela buscaram os meus com um aviso estampado, enquanto
voltava a falar para ele: — Só estou surpresa, mas não se preocupe com isso.
— E com um sorriso cortês, ele deu de ombros, quando Mona se aproximou.
Os cabelos platinados caíam em ondas pelas costas da mulher esbelta que,
por trás da falsa amabilidade, escondia a pessoa ardilosa que era. Se tinha
uma característica que ela usava com afinco era o cinismo. Por isso que vê-la
sorrir para a mulher que eu amava me trazia uma sensação ruim ao estômago.
Eu a queria longe de Paula… longe de nós.
Nunca imaginei que a situação na minha própria família pudesse se
transformar no que havia se tornado. E por causa dela. Éramos apenas irmãos
adotivos, mas de uma hora pra outra nos tornamos namorados.
Com Cauã na faculdade, fora do Brasil, nossos pais ficaram exultantes
com a nossa aproximação, mas o que eles não podiam imaginar é que nossa
relação ia além do que a sociedade julgava ser aceitável. Desde o início achei
que deveríamos ser sinceros e lhes contar a verdade, mas Mona não quis,
dizia ter medo de que não aceitassem, que a mandassem embora, o que era
bobagem, porque eles amavam-na como uma filha. Ainda assim acabei
aceitando, embora sempre tentasse fazê-la mudar de ideia.
Por anos fui seu segredo sujo, aceitei que nos escondêssemos no meio da
noite para não sermos pegos, acreditei quando proferia suas mentiras, para
mais tarde descobrir que todo tempo que passamos juntos não passara de um
erro.
E isso aconteceu quando Cauã voltou dos Estados Unidos.
Cauã era o oposto de mim em tudo, mais baixo, os cabelos loiros, os olhos
escuros, como filho mais velho, ele cresceu sabendo que um dia assumiria os
negócios da família e desde muito cedo tínhamos nossa rixa, apesar da
diferença de idade de quatro anos. O retorno dele foi tumultuado. Todos
pareciam felizes com a sua volta e não demorou para Mona começar a se
afastar.
Foi durante um jantar que os dois resolveram assumir diante dos nossos
pais que estavam juntos, e eles reagiram melhor do que eu esperava. Tão bem
que quase desconfiei que desejavam que ficassem juntos. Já eu, nem mesmo
fazia ideia de que tínhamos terminado e fui pego de surpresa dias depois,
quando os dois decidiram se casar.
Se a notícia deles juntos já caíra como uma bomba em cima de mim,
descobrir que se casariam me deixou completamente sem chão. Aquela noite
foi a primeira e última vez que fui atrás de Monalisa para falar sobre o
assunto, e, cínica, ela chorou, pedindo perdão, dizia me amar, mas que
também se apaixonara pelo meu irmão e ainda teve a audácia de sugerir que
continuássemos juntos como amantes.
Claro que eu não aceitei, garanti que nada mais iria rolar entre nós e Mona
não ficou muito satisfeita quando fui embora para fazer faculdade e seguir
com a minha vida. Um mês depois ela me ligou, dizendo que estava grávida
de um filho meu, que tiraria, caso eu não voltasse, o que não fiz. Ela havia
feito a escolha dela, e eu a minha.
Pelo que eu soube depois, pela boca da minha mãe, e não dela, Mona
perdeu o bebê ainda no início da gestação. E mesmo que tivesse me
envolvido com a minha irmã adotiva, eu duvidava muito que fosse meu,
como a pessoa manipuladora que era, tenho certeza de que dissera aquilo
apenas como uma tentativa de me fazer mudar de ideia. Depois de um tempo,
os dois se casaram e ela passou a fingir ser a filha amorosa e esposa devota,
ainda que por trás voltasse a vir atrás de mim, como se nada tivesse
acontecido. Muitas vezes até mesmo invadira meu apartamento ou ia procurar
confusão quando estava lá com alguma mulher.
Durante todo o tempo que estivemos juntos, realmente achava que gostava
dela. Que eu e Mona éramos certos um para o outro. Então, hoje eu via que o
que sentia não chegava aos pés de como me sentia por Paula. Não havia
comparação. Era forte, verdadeiro, era real, era… amor.
— Não seja indelicado, querido — Mona falou para Cauã com um sorriso
no rosto cuidadosamente calculado, antes de virar o olhar para minha
namorada. — Que bom te rever, Paula. — Surpreso, franzi o cenho, e ante o
tom rubro que a mulher ao meu lado ganhou, dei-me conta de que,
infelizmente, elas já tinham se conhecido.
— Bom revê-la também, Monalisa — foi o que Paula respondeu, antes de
elas se cumprimentarem com educação.
Não era apenas estranho, ver as duas juntas era mil vezes pior do que
imaginei que seria. Era como uma espécie de tortura misturada com culpa e
medo, que me incomodou para caramba. E o pior de tudo era tentar manter a
naturalidade, quando por dentro parecia perdido, suando frio e me via a ponto
de surtar.
— Vamos comer, meus amores. O almoço está servido — minha mãe
anunciou e com prazer afastei Paula de Mona, a levando até a mesa, onde
puxei a cadeira para que se sentasse.

Como excelentes anfitriões, minha família foi bastante simpática com


Paula, fazendo-lhe perguntas curiosas sobre a vida dela, e mesmo que tivesse
ficado envergonhada no início, ela foi se soltando e no final parecia mais à
vontade. Ao contrário de mim, que me sentia como se estivesse pisando em
um campo minado, receando que a qualquer momento uma bomba pudesse
explodir.
Embora tenha me esforçado para tentar agir de maneira casual, não tinha
tanta certeza de que fui bem-sucedido, já que vez ou outra Paula me lançara
olhares confusos, que em nada tinham a ver com os comentários ácidos de
Mona sobre minha vida de solteiro, nem mesmo com as indiretas babacas que
meu irmão me dera como de costume. Ao final, tudo que eu queria mesmo
era ir embora. Queria tirar Paula dali o quanto antes, longe do veneno de
Monalisa, e levá-la para nossa casa, onde eu tinha certeza de que seríamos
apenas nós e nada nem ninguém poderia ir de contra isso.
Fui covarde, fraco, deveria ter conversado com Paula e me aberto há muito
tempo como meu melhor amigo sugerira, mas a verdade é que tinha medo
não apenas do julgamento, mas também de perdê-la. E estando ali debaixo
daquele teto, a realização daquele pensamento se tornara aterrorizante e todo
receio parecia tomar uma proporção ainda maior.
Senti a presença dela antes que se aproximasse, mas não de uma forma
boa, e sim de uma maneira que o sangue corria frio pelo corpo. Uma
sensação não muito agradável, devo ressaltar. Ainda assim me virei para
encará-la.
— Caio? — Meu nome foi pronunciado por Mona com aquele tom agudo
que eu odiava, uma inflexão brusca de quem parecia verdadeiramente
magoada.
Eu sabia que aquilo aconteceria, que na primeira oportunidade que tivesse
ela viria até mim, e aconteceu justamente porque minha mãe levara Paula
para ver nossos álbuns de fotografia. Mas, lá no fundo, não queria que Mona
viesse atrás de mim, todavia sua persistência e habilidades de perseguidora
asseguraram o contrário.
— O que quer, Monalisa? — praticamente cuspi a pergunta, e por um
segundo ou dois perdi tempo em olhar bem para ela.
Os lábios pintados de vermelho brilhavam para mim como um maldito
alarme do qual deveria ter fugido há muitos anos, por onde só passavam
mentiras, assim como aqueles olhos que apenas enganavam com a falsa
doçura. Há muito tempo não sentia nada por ela a não ser desprezo, contudo,
a impressão que tinha era de que agora a via com uma nova luz, uma
chamada realidade, e nesta ela não era nada.
O rosto bonito e perfeitamente maquiado parecia sem graça em
comparação ao de Paula, sem nada. O corpo esbelto de Mona era um
verdadeiro contraste com as bem colocadas curvas da mulher por quem eu
era loucamente apaixonado. Fora que o que mais importava estava por
dentro, e minha irmã adotiva estava longe de ser bonita em seu interior,
porque para ela tudo o que importava mesmo era o exterior. Ela era uma
criatura vazia, sem escrúpulos… uma pessoa com a qual não valia a pena
perder meu tempo.
— O que diabos você quer? — insisti, baixo, para não chamar atenção de
ninguém.
— Você — ela teve a audácia de dizer, achando, sei lá, que ouvi-la falar
aquilo poderia ter alguma importância para mim.
— Mona… — O aviso que daria saiu entredentes quando passou a se
aproximar.
— Por que trouxe essa mulher aqui para casa, Caio? — indagou com o
tom de voz parecendo verdadeiramente ofendido.
Cacete, era sério? Nem acreditava que ela estava fazendo aquela
pergunta!
Rindo com escárnio, sentia-me demasiadamente desconfortável apenas por
estar tão perto dela, sentindo o aroma enjoativo daquele perfume familiar que
descarregava em mim uma carga enorme de más recordações.
— Eu não devo satisfações da minha vida a você, Monalisa. Você não é
nada minha — bradei, e ela teve a audácia de parecer magoada.
— Eu sou sua irmã e amo você. — Cínica, colocou as mãos no coração e
os lábios tremularam enquanto falava, mas pelo visto ela tinha mais a dizer.
— Ouça, só vim aqui falar porque me preocupo com você. Conheci Paula
casualmente e depois falamo-nos uma e outra vez. Eu nem mesmo sabia que
estava com alguém até ver vocês chegarem juntos mais cedo, mas o que sei é
que ela não é o que parece.
Casualmente uma ova, a ordinária deve ter arquitetado tudo!
— É? — testei, curioso, estreitando os olhos em direção a ela, que
confirmava com um aceno de cabeça.
Anos antes eu acreditava em tudo que Monalisa me dizia, mas parei
quando descobri que por muito tempo tudo que ela fez foi enganar e me
alimentar com mentiras. Agora só queria saber aonde ela queria chegar com a
sua sordidez.
— Sim. Ela me disse que estava em uma espécie de treinamento e que
estava jogando o jogo, tentando levá-lo a acreditar que realmente estava
apaixonada. Mas que na verdade está saindo com outra pessoa.
Merda!
Eu não queria dar ouvidos, não queria me importar ou sentir qualquer
coisa, mas senti meu estômago se afundar como se tivesse acabado de levar
um soco. Sabia que aquilo não passava de impropérios, um ardil para tentar
me desestabilizar e atrapalhar as coisas no meu relacionamento com Paula,
ainda assim foi impossível não me ver atingido pelo veneno que tentava
lançar.
— Não sei do que está falando, nem quero saber, porque nada que vem de
você realmente me interessa. Por que não volta para seu marido? Por que não
se preocupa com a própria vida e para de uma vez de vir atrás de mim, hein?
Eu não precisava perguntar nada daquilo, poderia simplesmente virar as
costas e deixá-la falando sozinha, mas queria mais ainda me livrar da
sensação incômoda que era tê-la na minha vida depois de tudo. Não era
amargura, despeito, nem nada parecido, afinal, eu era feliz com a vida que
levava e desde que Paula apareceu, até mesmo agradecia o fato de ter me
livrado dela.
— Eu amo você, Caio. Sempre amei. — Os olhos dela se encheram de
lágrimas, lágrimas de crocodilo, que não me comoveram nem um pouco. —
Queria poder voltar atrás e fazer tudo diferente, queria poder estar com nosso
filho hoje, mas não posso. Passamos tanto tempo juntos… Eu… só não pude
te esquecer, apesar de tudo. — Meneei a cabeça, sem acreditar no que meus
ouvidos captaram.
— Anos estes que infelizmente nunca vou poder apagar. Mas já não faz
mais diferença na minha vida. — Fui mordaz e fiquei feliz em me manter
firme, pois sentia o corpo tremer ao tentar conter a gama de emoções que me
assolara.
— Tivemos bons momentos, Caio. Não tente se enganar dizendo que não.
As coisas entre a gente não têm que acabar assim. Poderíamos esquecer tudo
e recomeçar.
Recomeçar? Aquela mulher era louca! Não havia nenhuma maneira de
qualquer coisa entre nós voltar acontecer!
Como uma cobra prestes a atacar, Mona deu um passo à frente, parecendo
esquecer completamente a sensatez e também de tudo e todos os outros,
tentando dar o bote, e uma risada ficou presa na minha garganta.
— Isso não vai acontecer… Jamais — rapidamente completei. — Você
não vai mais se aproximar de mim ou de Paula outra vez, porque caso faça,
eu conto tudo sobre nós à nossa família e tenho certeza de que não é isso que
você quer. — Ignorando a dor em seus olhos me afastei dela, mas antes de
partir, me virei para dar um último aviso: — Eu amo Paula e é de verdade.
Não mexa comigo, Monalisa, porque não tenha dúvidas de que você irá se
ferrar.
Sem mais, saí em busca da mulher da minha vida, sentindo o coração bater
em puro alívio. A expressão tirar o peso dos ombros nunca fizera mais
sentido, contudo, era como se aquele peso tivesse saído de dentro do meu
peito.
E era bom… Muito bom.
PAULA
CAPÍTULO
VINTE E CINCO

Os dias e semanas se passaram rapidamente e quando dei por mim, havia


chegado o momento de partida da viagem para os Estados Unidos, onde eu
teria meu projeto exposto no evento de criatividade. Aquela seria a primeira
vez que viajaria não apenas para fora do país, como também de avião, o que
significava que eu estava mais do que nervosa, e embora soubesse que não
era absolutamente necessária a presença dele comigo, já que ele também
tinha que trabalhar, estava feliz e também aliviada por Caio me acompanhar.
Quando cheguei à sala do apartamento em que morávamos naquela
manhã, encontrei Caio terminando de preparar o café, e no instante que notou
minha presença, os olhos dele recaíram sobre a enorme mala que eu
carregava e suas sobrancelhas arquearem em diversão, deixando-me
envergonhada por ter sido flagrada.
— Não fala nada — avisei com um resmungo mal-humorado e Caio
levantou os braços em rendição, pois sabia que não toleraria nenhum
comentário engraçadinho pelo fato de estar há dias fazendo e desfazendo a
bagagem, apenas porque nunca parecia boa o bastante.
— Bom dia para você também, minha linda — cumprimentou-me com um
sorriso divertido nos lábios.
Diferente de mim, que estava uma completa bagunça de ansiedade, Caio
estava pronto, com um terno azul-marinho, camisa branca com símbolo do
Super-Homem, que ressaltava os músculos definidos, e jeans. Os cabelos
escuros e molhados caíam sobre os olhos, despenteados, completamente em
desalinho, trazendo a imagem clara que meu namorado se vestia do jeito que
queria fora da empresa, e não se importava nem um pouco com isso. O
maxilar quadrado estava com a costumeira barba por fazer, que lhe conferia
um visual ainda mais sério e másculo, e olhos tão claros pareciam ter um
brilho perverso, que me deixaram ligeiramente zonza com a intensidade que
me observava.
Sério, aquele homem todo era mesmo meu namorado?
— Bom dia. Desculpe, só estou um pouco nervosa — consegui emitir,
suspirando em seguida.
Ah, se ele soubesse o quanto…
Como se já não fosse o bastante estar nervosa pela viagem e toda aquela a
expectativa do projeto, ainda tinha isso… Tentei afastar aquela ideia
inquietante da minha mente, mas ela estabeleceu-se dentro da minha cabeça,
como música ruim que não conseguimos parar de cantar. Caio e eu
precisávamos conversar, mas cada vez que pensava em abrir a boca para
começar a falar, nada saía. Não sabia o que dizer ou como iniciar todo aquele
papo.
Merda! Por que diabos eu simplesmente não dizia logo?
Fechando e abrindo os olhos devagar, notei que Caio me encarava com um
leve sorriso no rosto. Ele parecia tão relaxado, daquela maneira que as
pessoas dizem que o outro fica quando “vê um passarinho azul”, ou como no
caso dele, quando transava com a namorada pela manhã. Talvez fosse o
momento perfeito para dizer alguma coisa.
— Vou terminar de me arrumar — foi o que saiu da minha boca, no
entanto.
Caio riu profundamente e então se aproximou para beijar meus lábios.
— Eu já disse como você é fofa quando está nervosa?
Fofa? Sério? Ele não tinha pensado em um adjetivo melhor?
Tipo, algo como sexy e irresistível.
— Tenho medo de para onde vão os elogios com essa convivência diária
— reclamei, estreitando os olhos em sua direção, e Caio voltou a rir.
— Você é muito fofa — Caio disse com uma voz estranhamente infantil,
que me forçou a fazer uma careta, e bem-humorado ele gargalhou antes de
abaixar-se para me beijar outra vez. Foi rápido, mas tão gostoso que enrolou
meus dedinhos dos pés. — Elogios sempre são ínfimos para você, minha
linda — tentou, como sempre, não apenas iludir-me com palavras, mas
também me fazer derreter.
— Ok, eu sempre adorei ser chamada de fofa.

O percurso até o aeroporto foi bem demorado, mas como nosso voo era
apenas no início da tarde, o fato de pegarmos um engarrafamento monstruoso
por causa da hora do rush não interferiu em muita coisa. Embora tenha
apenas ajudado a intensificar sobremaneira minha ansiedade.
Por estar representando a DiFiori no evento, todas as despesas da viagem
seriam pagas pela empresa, e como se viajar para outro país já não fosse
suficiente, ainda iríamos fazer aquilo no jatinho da empresa. Tudo bem que
só estava acontecendo aquilo por causa de Caio, porque duvidava muito que
haveria um avião particular à minha disposição, ainda assim era um pouco
demais para minha cabeça.
No terminal de embarque particular, fiquei deslumbrada olhando as
aeronaves de pequeno porte, todas alinhadas e a postos para levar seus
tripulantes abastados. A que pertencia à DiFiori era branca, com adesivos
estilizados na cauda e a logomarca da empresa destacada. Depois de
pegarmos as malas, embarcamos no jatinho e por um tempo admirei o interior
em bege com detalhes de madeira. Como todos os outros, contava com
algumas poltronas comuns, mas também havia uma área para descanso e
jantar, que ficavam ao lado de uma pequena acomodação com uma cama.
Sentamo-nos em duas poltronas confortáveis e logo uma comissária muito
bonita e elegante se aproximou com um largo sorriso:
— Bom dia, senhor DiFiori! Bom dia, senhora.
— Bom dia, Margô. — Ele sorriu para ela, antes de nos apresentar. —
Paula, essa é Margô, nossa comissária de bordo. Margô… Essa é Paula,
minha namorada.
— Prazer, Margô — eu a cumprimentei com um sorriso que esperava que
fosse amigável, mas dado o meu estado de nervosismo, não me surpreenderia
que estivesse assustando a mulher.
— Prazer em conhecê-la também, Senhora Paula — retribuiu, muito
simpática. — Posso lhes servir alguma coisa? — perguntou.
— Apenas um café, Margô. Obrigado. — Ele se virou para mim,
esperando que me pronunciasse: — E você?
— Não, obrigada. — Sorri, porque do jeito que estava nervosa, não tinha
tanta certeza que ingerir alguma coisa seria ideal, já que era bastante
arriscado que eu não conseguisse manter dentro do estômago.
— Somente isso então. Obrigado. — Ele sorriu, antes de a aeromoça se
retirar para atendê-lo.
Devo ter feito um trabalho muito ruim ao tentar não demonstrar meu
nervosismo, pois assim fechei os olhos, Caio perguntou, à queima-roupa:
— Essa é a primeira vez que você anda de avião, não é? — Assenti, sem
nem me preocupar em fitá-lo. — Claro, por isso que está tão nervosa a
semana toda! — ele soltou, como se fosse óbvio.
Não, não era, mas ele não precisava saber disso… Pelo menos não ainda.
Respirando fundo, tentei não pensar muito sobre aquilo e também não
corar.
— Por que não me disse? — indagou, parecendo realmente preocupado, e
me vi obrigada a encará-lo.
— Não sei. — Dei de ombros como se não fosse nada de mais e eu nunca
tivesse cogitado a possibilidade de passar semanas em um navio para chegar
ao nosso destino, ao invés de me submeter àquela tortura. Ou então
simplesmente fingir que estava doente e não ir.
— Ei! — ele me chamou, a mão masculina cobrindo a minha quando
tornei a suspirar. — Prometo que assim que decolarmos vou fazer você
esquecer esse nervosismo — emitiu baixo, a voz mais rouca que o normal, o
que me fez piscar sem entender, mas ele rapidamente ganhara minha atenção.
— Como? — eu quis saber, mas antes que ele respondesse a voz do piloto
nos interrompeu:
— Boa tarde, senhoras e senhores. Sejam bem-vindos à bordo. Para vosso
conforto e segurança, na preparação para a decolagem, queiram sentar-se,
apertar os cintos de segurança, colocar as costas do assento e a mesa na
posição vertical. Obrigado. E boa viagem.
Ai, meu Deus, era agora!
Com a respiração interrompida, me certifiquei de que o cinto estivesse
mesmo afivelado e pela janela ao lado dele, vi o jatinho taxiar. Fechei os
olhos com força e comecei a pensar em coisas para me distrair e me livrar
daquela sensação terrível de desconforto, bem como do frio estranho na
barriga.
Tentei lutar contra, mas o mal-estar aumentava, mesmo após perceber que
a aeronave estava estabilizada no ar. Senti um tremor me dominar
vagarosamente e pensei que fosse desmaiar. Notando minha reação, Caio
apertou ainda mais minha mão, enquanto sentia meu estômago revirar.
— Ei, olha para mim — ele pediu, segurando meu queixo para forçar-me a
atendê-lo, o que eu fiz. — O que acha de depois da decolagem irmos para o
quarto e eu te levar para as alturas de outro modo? — a pergunta feita de
forma nefasta fez meu estômago revirar de outra maneira, dessa vez de uma
forma boa.
— Podemos fazer isso? — perguntei, subitamente interessada.
— Claro, podemos fazer o que quiser, minha linda. — O timbre de Caio
arrepiou-me a nuca, e com aquelas piscinas que me bebiam, tinha a sensação
de que aquela viagem seria, de fato, inesquecível.

Depois de um tempo que pareceu interminável, Caio desafivelou seu cinto


e, ao se levantar da poltrona, estendeu a mão para mim, que sem pensar duas
vezes fiz o mesmo e aceitei a dele. Trocando olhares recheados de promessas,
ele me empurrou para dentro do pequeno quarto, que não tive nem mesmo
tempo de ver direito, e depois de fechar a porta com os pés, logo a boca dele
estava na minha.
— Confesse que esse sempre foi o plano — exigi, quase sem desgrudar a
boca da dele, tentando disfarçar meu próprio sorriso.
— Todos os meus planos, especialmente os mais pervertidos, incluem
você, Paula Maia — dizia tudo aquilo enquanto apertava meu corpo contra o
dele.
— Bom saber — foi o que me limitei a dizer, porque qualquer coisa que
pudesse pensar em querer falar foi rapidamente esquecida quando, sem a
menor cerimônia, Caio me jogou na cama e começou a despir-me. Depois de
retirar-me a calça, minhas pernas se abriram, atendendo ao pedido mudo para
que o fizesse, e então ele arrancou também minha calcinha, antes de cair,
literalmente, de boca em mim.
Ai. Senhor!
Um pequeno gemido me escapou quando a língua serpenteou na minha
carne e minhas mãos foram ao seu cabelo, puxando-o contra mim, precisando
ainda mais da boca dele em meu ponto sensível. Mordi os lábios para não
gritar, pois a maneira com que ele me chupava com vontade, fazia parecer
que Caio estava matando a fome de mim, e aquela avidez só me deixava
ainda mais entregue ao prazer.
— Caio… — gemi o nome dele quando o dedo grosso se juntou à língua
habilidosa e me fez revirar os olhos. — Er… Acho melhor você ir devagar,
po-porque… Ai, meu Deus! — gemi novamente, tentando lembrar o que
queria falar. — Ta-talvez possam nos ouvir… — Finalmente consegui
raciocinar, mas não consegui dizer mais nada, e ele apenas riu com a minha
falta de determinação em parar o que começara.
— Não acho que vai se importar mesmo com isso depois que eu terminar
com você! — soltou, antes de se levantar e voltar a me beijar.
Certo, colocando com essas palavras, ficava difícil discordar!
Antes que tivesse chance de pensar melhor, Caio terminou de tirar a minha
roupa e logo se despia rapidamente, para então ficar sobre mim, me beijando
outra vez. Apenas sentir o corpo dele no meu, aquele contato quente, cru, já
era o bastante para me fazer entrar em ebulição, mas não contente, ele parecia
querer mais, pois me fez praticamente implorar que fosse em frente quando a
língua roçou meu mamilo, ao mesmo tempo em que esfregava a ereção,
exatamente onde eu precisava e finalmente encontrou o caminho para dentro
de mim.
— Oh, Deus! — gemi, antes de jogar a cabeça para trás.
— Eu sei, eu sei — respondeu com um rosnado rouco.
Embalando meus quadris, tornou a empurrar, arrancando um grito abafado
meu, acompanhado por um rosnado gutural dele. Agarrando-lhe a nuca, eu o
beijei, ao mesmo tempo em que envolvia as pernas em volta da cintura dele,
trazendo-o mais profundamente para dentro de mim. Caio estava empenhado
mesmo em me levar às alturas, e não parou.
A forma como nos movíamos, a intensidade crescendo, transformando
nossos movimentos em um ritmo febril, fez minha cabeça girar em órbita. Os
movimentos deixaram de ser cadenciados e tornaram-se cada vez mais
rápidos, exigentes, quase febris. Os dois determinados a ir a um lugar ao qual
só poderíamos ir juntos, que felizmente não demorou a chegar. Um gemido
alto me escapou quando ele foi mais longe, mais fundo, levando-me com ele
em uma viagem sem volta. Eu sabia que era exatamente aquilo, que não tinha
mais retorno, e não resisti, apenas me entreguei.
Sem conseguir mais conter a barreira que me segurava, senti o exato
momento em que caí e as primeiras ondas quebraram sem dó nem piedade
sobre mim, fazendo-me contorcer de prazer enquanto me entregava ao êxtase
de uma forma plena. Caio jogou a cabeça para trás e me seguiu, fazendo a
própria viagem em meio a um gemido animalesco, que me fez estremecer
novamente, enquanto sentia-o inundar-me com o seu prazer, prolongando
ainda mais o meu.
A emoção que sentia ao vê-lo se entregar era sempre tão forte, que mal
conseguia conter a minha própria. A testa dele encostou na minha, o peito
ofegante, os olhos bem fechados, como se tentasse se recuperar do torpor. Era
tudo tão forte e incrível entre a gente, que era possível sentir correr pelas
minhas veias. Quase como emergir após a vida.
Era a sensação da plenitude de amar.
E eu o amava para caralho!

Fazer sexo estava, com certeza, entre as melhores coisas da vida. Mas
fazer sexo dentro de um avião nas alturas fora uma experiência para guardar
eternamente na memória. E, como sempre, Caio não decepcionava quando o
assunto era fazer das nossas as melhores. Como ele mesmo disse, tudo fazia
parte do modelo de projeto pervertido, já que ele tinha elaborado de forma
bastante detalhada nosso cronograma de satisfações e tínhamos que
cumpri-lo, claro.
Uma limusine nos aguardava quando aterrissamos no aeroporto de Nova
York e depois de cumprir todos os trâmites com a imigração, seguimos até o
carro, onde eu olhava tudo com admiração. Obviamente era comum para
pessoas ricas como Caio usarem do serviço de chauffeur[11], mas aquele tipo
de coisa só tinha visto nos filmes, então era de se esperar o quanto eu estava
deslumbrada com todo aquele luxo.
Quanto mais andávamos, mais me surpreendia com tudo que via. Nova
York era mesmo impressionante. Um lugar único, onde ao lado de arranha-
céus vivem parques extremamente arborizados. Eu mal me continha, animada
demais, querendo ver tudo, desde os impressionantes prédios altíssimos em
contraste com os menores com fachadas de tijolinhos vermelhos e escadas de
incêndio, aos parques, as avenidas congestionadas, milhares de pessoas
caminhando pelas ruas, as feiras, os imensos letreiros, restaurantes, lojas,
expressões de diferentes culturas e também tão distintas da nossa.
Um ambiente tipicamente nova-iorquino, que encanta por si só, formando o
cenário de filmes e séries, que pareciam de alguma forma nos transbordar
para dentro da história outra vez.
Caio, já acostumado com o ambiente tipicamente nova-iorquino, achou
graça da minha empolgação, mas pediu ao motorista que fizesse um percurso
maior para darmos mais algumas voltas. E depois de algum tempo seguimos
para a famosa 5ª Avenida, onde paramos no hotel onde ficaríamos
hospedados, o mundialmente conhecido The Plaza.
O Plaza fica localizado na região central de Manhattan, bem perto do
Central Park e também dos maiores pontos turísticos da cidade, como
MoMA, Rockefeller Center e a St. Patrick`s Cathedral. O hotel que teve
como referência o estilo dos castelos renascentistas franceses é uma
construção imponente, elegante e grandiosa e a decoração de seu interior era
ainda mais bonita, com toques clássicos e enormes lustres de cristais.
Há mais de um século o Plaza recepciona artistas e convidados notáveis,
além de ser ponto de encontro para importantes reuniões políticas e outros
eventos de grande repercussão. E agora seria a minha vez de me sentir dentro
do meu próprio filme. Uma das Legacy Suites era o local onde nos
acomodaríamos pelos próximos dias e, desde que passei pela porta, não tive
dúvidas de que era realmente digna de tantas estrelas que acompanhavam seu
nome.
Combinando mobiliário atemporal com um toque contemporâneo e
adicionando um pouco de elegância clássica, a suíte contava com uma cama
king-size, sala de estar, copa, banheiro em mármore com mosaicos florais e
uma saleta separada do quarto. E o mais impressionante: a energia acolhedora
e a vista sensacional para o Central Park e quase toda Manhattan.
Depois de descansarmos um pouco da longa viagem, nos preparamos para
o jantar que antecederia o evento e aconteceria em um dos restaurantes do
Hotel, onde apenas alguns poucos convidados participariam. Como grande
conglomerado de publicidade mundial, claro que a DiFiori fora convidada
daquele jantar tão seleto, até porque ela seria uma das grandes homenageadas
do evento.
Como namorada de um dos homenageados, claro que não poderia fazer
feio, por isso que antes de viajar havia feito uma “pequena farra”. Fui ao
salão, me depilei, fiz as unhas. Também fui forçada a fazer algumas compras
e depois de finalizar a maquiagem que fiz seguindo o tutorial da internet,
optei pelos cabelos soltos, calcei os saltos e coloquei o vestido que havia
trazido especialmente para aquela noite, um tubinho longo na cor preta, que
dava uma valorizada legal nas minhas curvas.
Quando o experimentei na loja, dias antes, a moça que me atendera fizera
inúmeros elogios e até mesmo disse que me conferia um visual sexy, mas
como eu não acreditava muito em papo de vendedora, o levei apenas porque
havia gostado. Todavia, comecei a acreditar que ela estava certa no momento
em que entrei na sala e senti os olhos de Caio em mim. Foi impossível não
sorrir quando notei que ele nem mesmo conseguia disfarçar a forma cobiçosa
que me fitava. E claro, aquilo elevou bastante meu ego.
Eu o vi abrir a boca mais de uma vez, parecendo sem palavras e gostei
mesmo de ser o motivo de vê-lo emudecer.
— Você está linda demais — disse, por fim, fazendo-me enrubescer.
E com toda sua magnificência, veio até mim, o terno feito sob medida
deixando-o ainda mais bonito e elegante, a aproximação fazendo o calor
reverberar pelo meu corpo, aquecendo-me por dentro e me arrepiando por
completo. Meu pobre cérebro parecia ter entrado em curto circuito e minha
calcinha, bem, ela estava, literalmente, estragada.
Linda de uma maneira inesquecível — sussurrou, depois de encostar
suavemente os lábios nos meus e com os olhos de lince brilhando completou:
— Resta para mim a tarefa de fazer da sua noite também memorável. Sorriu
enigmaticamente.
Ai, Senhor! O que ele queria dizer com aquilo?
Não tive tempo de perguntar ou até mesmo responder, não conseguia, e
com o corpo colado ao meu, ele cumpriu exatamente com o que prometeu.
Motorista de carros de luxo.
CAIO
CAPÍTULO
VINTE E SEIS

Na vida a gente espera tanto pelo momento perfeito, que às vezes


esquecemos que somos nós os únicos responsáveis por torná-los de tal forma.
Então depende de cada um fazer a mudança e transformar o mais trivial dos
momentos em felizes, incríveis e, principalmente, inesquecíveis.
E era exatamente aquela a minha intenção aquela noite, fazê-la
memorável.
Passando pelo lobby do hotel, seguimos direto para o restaurante que fora
fechado exclusivamente para o jantar que antecedia o evento de criatividade
do qual participaríamos e a Paula teria seu trabalho exposto, mas ela ainda
não fazia ideia da surpresa que a esperava.
Alguns flashes vieram em nossa direção quando chegamos à porta do
local, e apesar de reservado, não me intimidei com o assédio da impressa que
estava presente para fazer a cobertura. Apesar do ramo escolhido, meu pai
sempre evitou que a mídia tivesse livre acesso às nossas vidas, porque fazer
aquilo significava deixar-nos expostos demais e de inúmeras maneiras.
Lógico que no Brasil as coisas eram mais complicadas por sermos não
apenas conhecidos, mas pelo sobrenome que praticamente comandava o
mundo da publicidade. E desde que meu relacionamento veio a público,
vinha fazendo de tudo para evitar nos expor demais, porque além de estar
naquela comigo, não queria que Paula fosse atingida de alguma maneira. Por
isso sorri para ela em uma tentativa de encorajá-la e recebi um fraco em
resposta. Com a mão em sua cintura, puxei-a junto a mim enquanto
andávamos mantinha a expressão formal, deixando claro que não estava
disponível para uma possível entrevista.
— Tudo bem? — quis me certificar assim que passamos pela porta do
restaurante.
— Sim. — Ela sorriu, o que aliviou um pouco meu próprio nervosismo e
aproveitei para beijar levemente os lábios pintados de batom.
— Então podemos ir? — indaguei, e ela meneou a cabeça, concordando.
A Hostess[12] nos recepcionou e levou-nos até a mesa que fora reservada
para nós. E enquanto me sentava, respirei fundo, nervoso, pois depois de
todas as etapas cumpridas chegara a hora do Projeto Missão Jogadora ser
concluída para só então ganhar novas etapas e nuances.

Os maiores nomes do ramo estavam sentados às mesas perto de nós, até


mesmo alguns famosos, personalidades conhecidas, e por ser um evento
exclusivo para a nata da comunicação mundial, tudo fora preparado de forma
impecável, e por sermos uma das empresas homenageadas do evento,
escolheram Lulu Santos para fazer um pocket show[13] e, confesso, que a
escolha do artista tivera uma grande influência minha.
E como pedido, antes de iniciar a canção que escolhi, Lulu fez a
introdução conforme pedi:
— A próxima música foi a escolha de um homem apaixonado, que
encontrou seu “certo alguém” e tem uma pergunta muito importante para
fazer para ela — foi o que ele disse, antes de iniciar a canção.

“E quando um certo alguém


Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar…”

A música que escolhi pareciam descrever exatamente como me senti desde


que a vi. Sem tirar os olhos dos seus, cantarolei, fazendo-a sorrir, sem sequer
se dar conta que tudo aquilo era exatamente o que queria lhe dizer. E quando
a canção estava chegando ao fim era a hora de fazê-la entender aquilo de
modo definitivo:
— E eu não resisti — soltei, antes de levantar da cadeira.
— Mas o q… — Paula emudeceu, colocando a mão na boca, chocada,
quando me ajoelhei em sua frente com a caixinha de um anel aberta e tentava
controlar as batidas incessantes do meu coração. E então comecei a
apresentação do projeto da minha vida:
— Realmente não consegui evitar, pois antes mesmo de te conhecer, me
apaixonei. Fingir também não era o bastante, pois eu te queria tanto, que
bolei um projeto louco com um único intuito: conquistá-la. Mas eu não era o
único jogador e nós dois estávamos atrás de ganhar o mesmo jogo. O jogo
terminou para mim, pois a vitória é minha desde que ganhei você. Você é
meu certo alguém, Paula Maia, o certo alguém que me mudou a direção e o
amor que sinto crescendo todos os dias é prova viva disso. E depois de todas
as etapas do projeto cumpridas, inclusive os testes, chegou a hora de verificar
resultados e partir para as conclusões finais, onde prometo fazer a
manutenção dele sem data final. O que você acha de se casar comigo e ser a
coautora[14] desse projeto, minha linda?
Emocionada, Paula soluçou forte e abriu a boca para responder, mas antes
que aquilo pudesse acontecer, ela simplesmente desfaleceu na minha frente.
Merda!

Nada está totalmente em nosso controle e por mais empenhado que você
seja, nem sempre sai como o planejado. Talvez por esse motivo que os
acontecimentos inesperados são mais propensos a serem mais bem-sucedidos.
Ou não, porque ver minha namorada desmaiar em pleno pedido de casamento
não apenas atrapalhou o momento, como também me deixou assustado para
caralho.
Felizmente não demoraram para chegar com os primeiros socorros e com
Paula ainda desacordada, seguimos na ambulância até o hospital mais
próximo do hotel. Ainda durante o caminho, me fizeram algumas perguntas
sobre o estado de saúde dela e mesmo que estivesse nervoso, respondi que ela
estava normal até então, sem sentir nada, mas me lembrei de que no fim de
semana anterior Paula não estava muito bem, que inclusive passou boa parte
do dia no banheiro, vomitando.
Na ocasião, embora eu insistisse em levá-la ao médico, Paula não aceitara
e depois de um dia ruim garantira que estava melhor, e parecia mesmo. Mas
vendo-a desfalecida em uma cama de hospital, comecei a me culpar por não
ter insistido mais. Talvez ela não passasse por aquela situação se tivéssemos
ido ao médico antes.
— Caio? — a voz baixa e muito fraca dela me chamou e imediatamente
abri os olhos para encontrar os dela um tanto perdidos. E naquele instante
finalmente voltei a respirar, aliviado.
— Oi, minha linda. — Acariciando seu rosto, sorri para ela. Eu estava
sentado na cadeira ao lado da cama dela, lugar, de onde não saí de jeito
nenhum. Inclusive acompanhei a retirada do sangue para exames.
— O que aconteceu? — indagou, o timbre cada vez mais baixo,
preocupado.
— Você desmaiou… — comecei a explicar, no entanto ela me cortou:
— Você me pediu em casamento! — ela soltou, a voz subindo alguns tons,
e eu não sabia se ficava feliz por vê-la reagir ou se me preocupava com o fato
daquilo parecer tê-la assustado, já que obviamente fora o motivo do seu
desmaio.
— Não se preocupe com isso agora — soltei como se não fosse nada e por
dentro não me sentisse mal. — O que importa agora é a sua saúde. — E era
verdade, meus sentimentos ou ego feridos eram irrelevantes no momento.
— Caio? — ela me chamou, fitando-me com os olhos cheio de lágrimas, e
meu peito se apertou, porque talvez tenha sido precipitado e não queria ser o
motivo de ela se sentir triste ou culpada.
— Está tudo bem. Podemos conversar sobre isso depois… — Abanei uma
das mãos, em sinal de descaso, esperando ter sido convincente, e ainda assim
a expressão dela não se aliviou.
— Não, Caio, não é nada disso — rapidamente falou e franzi o cenho,
quando parou por um momento ou dois e esperei que continuasse. — Existe
um outro motivo para acontecer o que aconteceu. Talvez eu possa ter
cometido um erro… — Fungando, ela limpou as lágrimas que começam a
rolar em seu rosto.
Porra, eu era o erro a que ela se referia?
Sentindo-me miserável pela possibilidade, engoli qualquer pergunta que
pudesse ter quando o médico entrou no quarto.
— Que bom que acordou, Sra. Maia. Como se sente? — ele perguntou em
inglês enquanto analisava o prontuário e depois voltou a atenção para ela.
— Ela esteve vomitando todo o fim de semana passado, mas desde então
me dizia estar melhor — também em inglês, me apressei a responder, só no
caso de ela decidir ocultar coisas que podiam ser relevantes para o
diagnóstico médico.
— Mais alguma coisa? — ele indagou, sério, fitando-a diretamente dessa
vez, e ela desviou os olhos dos dele e meneou a cabeça, negando, ao passo
que passara a analisar as unhas com atenção.
— Como pode ver no prontuário, somos brasileiros e estamos na cidade
apenas de passagem e tudo que ela comeu, também comi. E o mesmo
acontece no Brasil, pois moramos e trabalhamos juntos. — Por algum motivo
ele riu, o que, claro, eu não entendi o motivo.
— Então, pelo Brasil ter um clima tropical, há diversas possibilidades de
doenças relacionadas com os poucos sintomas que ela teve, mas vamos
começar verificando os exames inicias e ir descartando as suspeitas mais
óbvias. É o tempo de acabar com o soro, para chegarem os resultados. Mas
pode ser até mesmo apenas uma gripe motivada pela mudança de tempo. A
não ser, claro, que a Sra. Paula suspeite de alguma outra coisa. — Com um
simples sorriso, ele aparentemente esperava que minha namorada o
desmentisse, e olhei de um para o outro sem entender nada.
— Sim — titubeou, nervosa, e limpando a garganta, tomou coragem para
finalmente dizer: — Eu acho que posso estar grávida.
Todo o sangue do meu corpo pareceu se esvair enquanto eu os encarava
boquiaberto. E teria caído no chão, se não estivesse sentado, embora tenha a
ligeira impressão de que devo ter tido uma espécie de apagão de um ou dois
segundos, porque quando voltei a mim, o médico estava me examinando e
não a Paula.
— Você está bem? — minha namorada quis saber, em um fio de voz.
Assenti, embora a verdade é que eu estava muito, muito assustado.
— Eu estou bem — garanti, quando notei o médico indo pegar o
estetoscópio e ele então recuou ao notar que não precisava.
— Certo. Eu acho que vocês precisam conversar. Vou tentar apressar os
resultados e daqui a pouco retorno. — Paula concordou com o médico, que
logo em seguida saiu do quarto, fechando a porta atrás dele.
Se eu fosse sincero, estava meio que em pânico. A última coisa que
imaginei que aconteceria quando decidi pedir Paula em casamento era parar
em um hospital e descobrir que talvez pudesse ser promovido a pai, e não a
noivo.
Deus! Eu seria pai mesmo?
— Você está grávida? — Alcei a sobrancelha ao perguntar e ela abaixou o
olhar, nitidamente querendo fugir do confronto.
— E-eu… Eu… Eu não sei… — gaguejou, as palavras ficando presas na
garganta, e acabei suspirando.
— Por que não me disse? — indaguei, sentindo-me um pouco magoado
por não dividir aquela dúvida comigo.
— Achei que você fosse ficar chateado… Que ia me culpar, ou coisa
assim. Prometo que não foi de propósito. Sei que foram poucas as vezes que
aconteceu sem camisinha, mas juro que fui até a farmácia e tomei aquelas
pílulas do dia seguinte. Até mesmo marquei um ginecologista para ver a
possibilidade de ele me prescrever algum anticoncepcional, mas comecei a
passar mal na semana passada e comecei a desconfiar. Não consegui fazer
nenhum teste e muito menos falar sobre o assunto com você, porque estava
assustada, mas ia. Só estava tomando coragem — lançou de uma vez, ainda
sem conseguir me encarar, e ofeguei em surpresa.
— Eu nunca poderia culpá-la, Paula — apontei o óbvio, antes de segurar o
queixo dela, forçando-a a me fitar. — Além do mais, sou bem grandinho e
sabia bem do risco que corríamos. — Meus lábios se torceram enquanto
considerava aquilo. — É inesperado, mas…
— Mas e se eu estiver grávida? — Ela tinha um olhar assustado no rosto,
que me deu vontade de beijá-la, mas o que ela precisava mesmo era de apoio.
— Você não fez sozinha. — Isso pareceu aliviá-la um pouco, ainda assim
sua expressão não deixara de explicitar sua preocupação.
— Mas e se… — Interrompi-a, silenciando a boca com um beijo suave.
— Vamos nos preocupar em fazer essa pergunta apenas se o resultado for
positivo. E caso seja, está tudo bem — murmurei em resposta, ainda que
estivesse surtando com a possibilidade e fechando os olhos, ela meneou a
cabeça, assentindo, antes de me abraçar.

— E então? — Mordendo os lábios, ansiosa, Paula esperou pela resposta


do médico, que tinha o resultado dos exames nas mãos.
— Está tudo bem. É apenas uma gripe. — Ele sorriu, parecendo perceber
que era a resposta que esperávamos.
— Gripe? — repeti, e quando ele confirmou, encostei a testa na dela, os
dois suspirando de alívio. — Que pena. Eu estava meio que torcendo pelo
bebê — soltei, enquanto Paula encarava-me horrorizada, fazendo-me
gargalhar.
— Caio! — ralhou, enquanto eu dava de ombros e o médico ria.
— Aqui está a prescrição de um remédio para você tomar durante os
próximos dias. — Ele me entregou o papel e eu assenti. — Aconselho que se
hidrate bastante e se alimente bem também.
— Pode deixar que vou cuidar dela — garanti ao médico, que depois de
algumas recomendações, assinou a sua alta. — Nada de bebês — eu disse
assim que ele passou pela porta.
— Nada de bebês — ela repetiu, mordendo o lábio inferior
demoradamente.
— E isso significa que…
— Significa que eu te devo uma resposta — Paula me surpreendeu,
puxando meu rosto para o dela.
— Acho que deve — murmurei, sentindo meu coração batendo na boca.
— Caio, eu não falei nada sobre o casamento quando acordei, pois não
queria que você quisesse se casar comigo apenas porque havia a possibilidade
de eu estar grávida — disse simplesmente e me afastei, para encará-la, e ela
parecia envergonhada.
— Não sei se você se lembra, mas te pedi antes de qualquer suspeita. —
Ela aquiesceu devagar. — E pedi em casamento porque te amo e não consigo
viver sem você, não porque achava que estava grávida — emiti em surpresa,
deixando transparecer minha decepção por ela sequer cogitar aquela ideia.
— Eu sei… Só que… — Ela fechou os olhos e suspirou, antes de voltar a
me encarar. — Por mais que eu ame a minha mãe, no fundo, acho que ela
engravidou de mim para tentar prender meu pai a ela… E a última coisa que
queria era que você…
— Paula…
— Eu sei, eu sei… É bobagem… Só não queria que houvesse a mínima
chance de que, por causa de um erro você, se visse obrigado a ficar comigo.
— Paula não olhava para mim e aquilo me doía, porque eu sabia que o
assunto era delicado, por mais que o tempo todo ela tentasse mostrar o
contrário.
— Ter um filho seu não seria um erro, Paula, não quando a gente se ama e
eu sinto como se tudo com você é apenas certo — garanti, trazendo-a para o
meu peito e ela agarrou-se a mim com vontade, como se eu fosse a coisa mais
importante da sua vida. Eu me senti em paz, em casa. Ela era o meu lar.
— Eu aceito — ela enfim respondeu, emocionada, e voltei a encará-la, os
olhos escuros brilhando com lágrimas, fazendo-me perder a porra do fôlego.
Ela disse sim, porra!
Não esperei por mais nada, pois tinha a resposta que queria, e então apenas
a beijei. Úmido e ardente, um misto maravilhoso de emoções que nos
dominava por completo. Depois de algum tempo, nos afastamos, sorrindo
cúmplices, os dois emocionados sem deixar de se tocar ou sorrir.
Suspirando contra a pele dela, voltei a abraçá-la.
— Acho que podemos dar uma pausa na tentativa e focar-nos apenas no
ensaio, o que acha? — indaguei com um sorriso que lhe prometia muitas
coisas e ela riu, concordando em seguida. — Mas daqui a um tempo devemos
considerar seriamente iniciar o Projeto Bebês.
— Bebês? — ela repetiu, atendo-se ao plural da palavra, e eu dei de
ombros.
— Com esses genes e inteligência que temos? Devemos isso à
humanidade, minha linda — lancei, fazendo-a gargalhar.
— Então é uma coisa boa termos bastante tempo para nos preparar para
esse projeto. — Ela sorriu, provocativa, meu corpo rapidamente respondendo
a ela.
— Sim. Bastante. E como coautora desse projeto, você está
irrevogavelmente presa a mim. — Acariciando o rosto perfeito, encarei-a
profundamente, mergulhando em toda a sua perfeição. — Eu te amo, Paula
Maia.
— Eu também te amo, Caio Ornelas DiFiori.
Hostess é o nome dado às recepcionistas e anfitriãs de estabelecimentos ou eventos, como: casamentos,
aniversários, bodas, entre outros.
Pocket Show é uma apresentação curta, em média de 40 minutos, para convidados ou não.
Projeto ou obra em coautoria é aquela criada em comum, por dois ou mais autores.
PAULA
CAPÍTULO
VINTE E SETE

Na semana seguinte à viagem a Nova York, me reuni na sala de reunião


para apresentação da identidade de uma nova cliente da empresa, uma
jornalista que escrevia uma coluna de relacionamentos para uma das maiores
revistas femininas do país chamada #DesaPega, e por causa do grande
sucesso, havia se tornado uma digital influencer[15] e em breve teria um
programa de TV com o mesmo nome.
Melissa Brandão era o nome dela, e eu quase caí para trás quando soube
que trabalharia diretamente com ela, pois era fã de carteirinha desde a época
que só escrevia o blog para a revista. Além de sensata, sincera e
inteligentíssima, ainda era simpática, um pacote completo, com certeza.
Apesar de não fazer muito o tipo ciumenta e ser fã declarada dela, não tenho
dúvidas de que teria ciúmes de Caio com ela, porque a mulher era linda
mesmo. Contudo, ela tinha um marido que era, de longe, um dos homens
mais bonitos em que coloquei os olhos. Ou seja, ela passava bem. Muito bem.
Não que eu estivesse reclamando, porque eu também era muito bem
servida, graças a Deus!
Melissa e Matteo, o marido dela, formavam um casal daqueles para
ninguém botar defeito. Ela, uma grande personalidade do meio digital com
poder tremendo nas mãos, dando voz a muitas mulheres e com orgulho
levantava forte a bandeira do empoderamento feminino. Já ele, o presidente
do Grupo Voggel, o maior grupo de mídia brasileiro, que além de cuidar de
grande parte do mercado de editoração, também era o cônjuge orgulhoso, que
fazia questão de cuidar pessoalmente do trabalho da esposa, embora eu não
tenha dúvidas de que ele poderia delegar essa função a outra pessoa.
— Isso foi maravilhoso, Paula. Eu não vejo a hora de começarmos a
colocar tudo em prática. — Ela se animou e eu sorri, feliz pelo elogio, ainda
que sentisse o rosto enrubescer.
— Obrigada. Ficamos felizes em saber que saiu tudo como gostaria — eu
me forcei a dizer, não querendo parecer tão patética como uma fã que não
podia estar perto do ídolo sem perder o controle. O que era bem o caso.
— Como gostaria? — Içou a sobrancelha e meneou a cabeça, negando, o
que me espantei. — Ficou muito melhor, mulher! — soltou, me fazendo
resfolegar.
Ai, Deus! Eu vi a luz branca e a sensação de quase morrer não era muito
legal, não!
— Fufuzinha, você quase matou a coitada! — o marido dela a repreendeu,
embora parecesse rir.
— Me matar? Ela que quase me matou com o brilho desse anel! — Como
uma verdadeira piadista e atriz, ela tapou os olhos com as mãos e foi a minha
vez de rir. — Não me lembro de ter sido cegada por ele na última vez que nos
encontramos — lançou, parecendo esperar por mais informações, enquanto
me encarava com curiosidade.
— É porque é recente — eu me limitei a dizer, olhando com carinho para
o anel bonito com um diamante corte princesa.
— E como foi o pedido? — Colocou a mão no queixo, a representação
perfeita de uma romântica daquelas incuráveis. Nem parecia que era a mesma
mulher que mandava o bordão mais conhecido da internet para as seguidoras:
“#Desapega, menina!”
— Estávamos em um jantar de um evento em Nova York, Lulu Santos
tocava a nossa música, ele pediu e eu… bem, eu desmaiei — falei
rapidamente e assisti à expressão de choque do casal Voggel.
— Você desmaiou? — Melissa repetiu, incrédula, e quando assenti, os
dois começaram a rir.
— Foi… inesperado — eu me defendi, escondendo o rosto entre as mãos,
mortificada.
— Eu teria fugido depois dessa. — Matteo não hesitou em ser sincero e
bufei, porque nem mesmo acreditava que Caio não tenha feito aquilo. Eu em
seu lugar certamente faria.
— Iria nada, Prepotente. — Mel revirou os olhos, como quem era bem
autoconsciente de que o marido era louco por ela.
— Verdade, não iria, Fufuzinha — ele admitiu, antes de beijar
rapidamente a boca da esposa.
— Por que ele te chama de Fufuzinha? — acabei por perguntar, porque
desde que os conheci tinha aquela curiosidade.
— Deus, é péssimo, né? — ela perguntou para mim e eu dei de ombros,
porque não poderia mentir dizendo que não. Deveria ser um pecado
gravíssimo falar alguma mentira para uma mulher maravilhosa daquela,
quase uma santa. — Esse prepotente aqui resolveu criar um diminutivo para
Furacão.
— Não fale nesse tom de quem não gosta, porque sabemos que você
adora. Todo casal tem um apelido meigo e um diminutivo é mais fofo. Fora
que é bem original! — Matteo reclamou e ela revirou os olhos.
— Já te disse que Fufuzinha não é nem um nem outro — Melissa
resmungou e ele apenas riu, antes de ela voltar a estreitar os olhos cor de mel
em minha direção. — E não fuja do assunto. O que aconteceu depois do
desmaio? — ela quis saber, remexendo-se inquieta na cadeira.
— Eu fui parar no hospital, acordei, achei que estava grávida, o exame
disse “não”, o médico me deu alta, ele disse que não queria se casar só por
isso, eu lhe devia uma resposta, ele esperou e eu disse “sim” — soltei de uma
só vez e por um segundo ou dois contemplei a expressão aturdida do casal.
— Nossa! Isso foi… chocante — Matteo emitiu em reconhecimento e Mel
pareceu concordar.
— Desculpem por ter dito tudo muito rápido, ainda estou meio eufórica e
confusa, acho que é o jetlag[16] — admiti constrangida e Mel fez um sinal
com as mãos como se não fosse nada de mais.
— Nem se preocupe…
— E como ele te pediu? — foi a minha vez de perguntar e os dois
trocaram um sorriso cúmplice.
— Depois de pegar minha irmã no sofá com o irmão dele e descobrirmos
que ela estava grávida, fomos jantar em um restaurante, ele fez o pedido, em
seguida flagramos minha melhor amiga com meu ex e melhor amigo dele
juntos, depois descobri que também estava grávida, decidimos ir para Vegas,
o Elvis nos casou, nossa família pirou e o Matteo depois da gravidez se
castrou. — Também falou em um fôlego só, e eu pisquei aturdida, tentando
acompanhar toda a confusão que fora a história deles, que parecia ter sido
hilária, mas também romântica.
— Sua melhor amiga com seu ex que era melhor amigo dele? — consegui
perguntar, um tanto chocada, admito, e ela anuiu.
— Sim… Uma novela mexicana. Digna da história deles. — Ela riu da
própria piada e o marido também, o que me levou a acompanhá-los, porque
não havia nada que não pudesse fazer a não ser rir. — Mas, dona Paula, o que
quero mesmo saber é quem é o felizardo, embora eu tenha minhas suspeitas.
— Tem, é? — testei e ela meneou a cabeça, fitando-me com aqueles
grandes olhos repletos de sabedoria e conselhos ácidos.
— Me corrija se eu estiver errada, mas por um acaso o desmaio não tem a
ver com o bonitão do seu chefe? — cochichou para mim e fiquei ali,
encarando-a, chocada que tivesse acertado.
— Sim — balbuciei em resposta, parecendo incapaz de fazer muito mais
do que aquilo, já que mal conseguia piscar.
Cara, eu jurava que estava sendo discreta!
— Não se assuste, eu apenas sou observadora demais e percebi a forma
que vocês se olhavam. Algo me diz que você perdeu a orelha para ele —
falou de forma sublimar e franzi o cenho sem entender, enquanto o marido
dela escondia o rosto, envergonhado.
Oi?
— Perdi a orelha? — repeti debilmente e ela riu, parecendo prolongar o
sofrimento do marido.
— Sim, é uma coisa que inventei para falar para minha irmã mais nova a
fim de preservar sua castidade, sabe? Dizia para ela que ir para a cama com
alguém antes do tempo ia dar vermes, crescimento excessivo dos pelos das
pernas e também perder as orelhas… Essas coisas — soltou, como se não
fosse nada e não tivesse acabado de adivinhar que eu era virgem.
Certo, agora eu entendia a mortificação do Matteo… Eu também me
sentia do mesmo jeito!
— Paul… — Caio entrou na sala e parou, quando notou que eu não estava
sozinha.
— Olha só, é o ladrão de orelhas — Melissa lançou e dessa vez gemi em
uníssono com o marido dela, ambos atormentados.
— Ladrão de orelhas? — Caio indagou, confuso.
— Não é nada não, maluquice da minha mulher. — Matteo se pôs de pé e
com um olhar de aviso calou uma Melissa, que estava prestes a abrir a boca
para responder.
Caio olhou para mim com uma pergunta muda em seu semblante e dei de
ombros, me fazendo de desentendida.
— Desculpe entrar sem pedir licença, achei que vocês já tinham ido.
Então… está tudo bem por aqui? — Assenti de forma bastante efusiva
quando notei que ele pareceu preocupado de repente.
— Sim, sim. Já estávamos indo. — A morena se levantou enquanto falava
e o marido não perdeu tempo em abraçá-la. — O projeto está aprovado, nós
amamos tudo. Só nos demoramos mais porque estava parabenizando a Paula
pelo noivado. Parabéns para você também, Caio. — Ela sorriu para o meu
noivo, que ficou sem jeito.
— Er… Obrigado. — Eu me juntei a ele, que imitou o gesto do outro,
enrolando o braço na minha cintura.
— Imagina, vocês precisam mesmo de boas vibrações, porque, olha, não é
fácil não, viu? — Melissa voltou a tagarelar e Caio franziu o cenho.
— Não? — Caio perguntou com certa cautela e ela confirmou.
— Não, não é. Tem dias que ela vai querer te matar, meu amigo. Outros
também, besteira. Em alguns é bom você se precaver porque pode haver risco
de morte e como hoje em dia TPM pode ser usada como justificava de um
crime, ela pode sair dessa sem muito problema. Claro, há dias bons e outros
também, fora os que ela vai ter uma séria vontade de cortar seus belos ternos
e fazer pano de chão com as suas cuecas da Calvin Klein. Se não quer que ela
reclame do futebol na TV, seja um bom menino e faça por onde merecer, mas
também assista ao final da novela com um sorriso no rosto. Se não quer que
ela te coloque de castigo, seja inteligente, pois quem não sabe aproveitar os
vale nights não pode sair, e como a gente não pode matar ainda sem nenhum
atenuante, leia minha coluna, siga meus conselhos nas redes sociais, que eu
prometo que você se dará bem. Casamento pode ser horrível, mas pode ser
maravilhoso também.
Como se não tivesse acabado de deixar meu noivo apavorado, o casal
Voggel trocou outro sorriso cúmplice e parecendo concordar com a esposa,
Matteo falou diretamente com Caio:
— É horrível… você vai adorar, cara.

Caio ainda parecia muito assustado com o conselho que ouviu horas
depois. Comecei a imaginar que ele estava pensando seriamente em desistir,
mas quando ele me chamou em sua sala e entrei, fiquei surpresa em descobrir
que ele realmente estava seguindo o conselho da Melissa e assistia aos vídeos
que ela postava.
— Vem aqui, noiva — ele me chamou e eu sorri.
Ainda era meio estranho ouvi-lo me chamar daquela maneira. Era recente
ainda e acontecera tudo tão rápido, que sentia-me meio anestesiada, todavia,
estava feliz como nunca me senti antes. Passar todas as noites enroscada nos
braços dele, presos numa felicidade que era só nossa, deixava-me numa
espécie de êxtase sem fim.
Aproximei-me da mesa, o olhar malicioso dele pegando-me em cheio, e
quando me puxou para o seu colo, beijou minha boca de um jeito que me
aqueceu até os dedos dos pés.
— Não sei se você se lembra, mas falta um item da nossa lista de tarefas,
que eu propositalmente deixei por último.
O modelo de projetos imediatamente me veio à mente. Número 4…
— A arte visual e produção de imagens — balbuciei, sem conseguir
fazer mais do que piscar.
Era o grand finale!
— Sim… E como estamos no ambiente de trabalho, podemos até incluir
isso no cronograma de satisfações.
Agarrando seu pescoço, o puxei para mim e ele sorriu, satisfeito, antes de
nossos lábios se encontrarem. O beijo foi a combinação perfeita entre
suavidade e firmeza, que nos fez gemer, tudo vibrando, ateando fogo em
mim. Eu queria experimentar tudo.
— A ideia de que estamos assim em pleno expediente te excita? —
assenti, incapaz de negar.
Caio não perdeu tempo e voltou a me beijar com ímpeto, antes de me
colocar sentada na mesa virada para a parede de vidro que tinha uma visão
completa de todo o andar, embora ninguém pudesse ver o que acontecia lá
dentro. Com um sorriso perverso, ele me despiu rapidamente com a destreza
de um mágico, antes de deslizar a boca pelo meu pescoço, uma trilha úmida
pela minha pele, lento e constante, como se o mundo e tudo nele fosse nosso.
E naquele momento era mesmo.
Sentando novamente na cadeira, segurou meus quadris e puxou-me em sua
direção, abrindo minhas pernas para nosso bel-prazer. Quando os dedos
longos correram entre as minhas pernas e deslizaram pelas minhas dobras,
finalmente entrando em mim, gemi e então sem prévio aviso Caio começou a
me chupar com desejo, deixando-me cada vez mais louca pelas suas
investidas com a língua.
Aquela posição vulnerável não me envergonhou, na verdade me fez sentir
poderosa: eu me arqueava para trás, completamente perdida, sentindo o
orgasmo se aproximando rapidamente, e quando ele chegou, veio com força
total.
Virando-me de costas para ele, ouvi o farfalhar das roupas de Caio, que me
deixara saber que ele também estava livre. Mordendo os lábios em
expectativa, senti o corpo quente rodear o meu, provocando-me apenas com
beijos, as mãos apertando meus quadris, ofegante, estava praticamente
implorando por ele. E como a monstrinha que ele mesmo criou, não me fiz de
rogada e estendi a mão para encontrar o pau dele e o guiei para dentro de
mim, até que meu corpo arqueou para encontrar o dele, deixando-me sem
fôlego e ainda assim querendo mais.
Ali no meio do escritório, com tantas pessoas por perto e outras passando a
apenas alguns metros sem saber de nada, e, mesmo assim, tudo se resumia a
nós e àquele momento. Em um ritmo que era apenas nosso, as investidas
foram aumentando a velocidade, os sons irregulares das respirações cada vez
mais descompassados, os gemidos se misturando, tudo nos levando cada vez
mais perto do limite. Caio virou meu rosto para beijar-me os lábios, depois se
moveu para a minha orelha, pescoço, como se não pudesse ter o bastante. Ele
mordia e lambia, gemendo e chamando o meu nome, quase como se recitasse
uma oração, até que nos perdemos naquela viagem e não havia nada que
fosse aquela sensação que parecia me engolir. Não havia mais medos ou
inseguranças, apenas anseios.
— Porra! — xingou, no exato instante que ondas de prazer se quebraram
em mim em pleno êxtase.
Em meio às convulsões do meu orgasmo, Caio intensificou as estocadas,
urrando, estremecendo em seguida, antes de encontrar a própria libertação. O
corpo suado não desgrudou do meu e ele descansou a testa contra o meu
ombro, nós ficamos daquele jeito por um tempo, lutando para acalmar nossas
respirações.
— Eu filmei — ele sussurrou, ainda sem sair de dentro de mim.
O que ele disse?
Demorou alguns instantes para que as palavras fossem registradas no meu
cérebro.
— Oi?
— Não podíamos fazer uma produção de imagens sem uma gravação —
brincou e, notando que eu estava séria, rapidamente completou: — Não se
preocupe, não dá para ver nossos rostos, e se você quiser, eu apago. — Ele
fitou-me demoradamente e por um tempo nada disse, provavelmente para me
deixar pensar.
Engoli em seco, porque ainda não sabia muito bem como me sentia a
respeito, mas acabei dando de ombros, pois era uma coisa nossa, íntima,
confiava em Caio. Ele resfolegou, aliviado, e voltou a se aproximar para me
beijar.
— Seria estranho se eu dissesse que achei excitante saber que temos uma
sextape? — Ele riu, voltando a entrar e sair novamente de mim com
estocadas lentas e deliberadas.
— Não. Na verdade, isso me faz achá-la ainda mais perfeita. Que bom
então que podemos fazer quantas sextape você quiser. — Mordi os lábios e
nada disse em resposta.
É… Talvez pudéssemos fazer mais mesmo.

No fim de semana seguinte, a família de Caio resolveu fazer uma espécie


de comemoração de noivado no lugar do tradicional almoço dominical. Eu
achei fofo, mesmo que ainda me sentisse meio intimidada quando o assunto
era a família DiFiori.
Não me entenda mal, eu realmente havia adorado conhecê-los, em especial
os pais de Caio, mas não sabia bem como me sentia diante dos outros. Cauã
parecia ser um cara legal, mas ele não conseguia esconder suas rusgas com
meu noivo, o que às vezes tornava os encontros meio inconvenientes. Mas
acredito que talvez fosse coisa de irmãos, já que eu não tinha um para poder
comparar.
Monalisa era um caso à parte, a princípio, quando não fazia ideia de quem
era, achei que talvez pudéssemos nos dar, mas ao nos encontramos pela
primeira vez na mansão DiFiori, comecei a ter minhas dúvidas. Era meio
confuso para mim, afinal, ela casara-se com o irmão adotivo, pelo amor de
Deus! Tentei conversar com Caio sobre o assunto, porque estava curiosa,
afinal, mas ele se limitou a responder que eles eram adolescentes quando ela
foi adotada e alguns anos depois se casou com o mais velho dos irmãos.
Era… estranho.
E não era da minha maldita conta!
Apesar de tentar ser simpática, alguma coisa nela me parecia ser forçada
demais. Então a cada vez que nos encontrávamos, ficava difícil não me
lembrar de como foi a minha primeira impressão, aquela coisa de o meu
santo não ter batido muito com o dela. Só que por mais resguardada que
quisesse ser quando o assunto era Monalisa, ficava difícil quando ela parecia
tão simpática e determinada a ser minha amiga, cunhada, sei lá o quê.
Depois do almoço, Caio tentou me convencer a irmos para o seu antigo
quarto e continuar o prólogo da nossa lua de mel, mas quando tive a primeira
oportunidade, fugi, e no meio do corredor acabei encontrando com Mona.
— Oi — soltei, sentindo meu rosto arder por ter sido flagrada pela irmã
dele.
Mona me olhou de uma forma mordaz, mas logo voltou a sorrir, como se
tivesse ficado feliz em me ver.
— Aconteceu alguma coisa? — indagou, franzindo em seguida os lábios
perfeitamente pintados de vermelho em um ricto nervoso.
— Não. Só corri do seu irmão, porque ele pode ser bem persuasivo quando
quer. Você deve saber… — soltei como se não fosse nada de mais, e em um
piscar de olhos, o sangue pareceu se esvair do seu rosto. — Você está bem?
— Estou bem. — Seus lábios se apertaram e ela não voltou a me encarar.
— Se você quiser, posso buscar um copo d’agua — sussurrei, realmente
preocupada.
— Eu já disse que estou bem! — bradou, e arregalei os olhos de pronto,
fitando-a boquiaberta.
— Desculpe… Eu só estava querendo ajudar — tentei em vão me
desculpar, mas ela bufou com a minha tentativa.
— Aposto que sim. Tenho certeza de que você seria solícita com a sua
última noiva. — Ela deu de ombros como se não fosse nada de mais. — Ele
já falou sobre ela?
Boquiaberta, senti o chão debaixo de mim balançar por um momento ou
dois. Desde que nos conhecemos eu tinha certeza de que Caio saíra de um
relacionamento ruim e quando começamos a namorar, não quis tocar no
assunto, porque queria que ele se sentisse à vontade em fazê-lo por si só. Mas
uma noiva? Aquela era uma novidade para mim.
— Não — respondi de maneira débil, sentindo-me envergonhada não sei
por qual motivo.
— Não? — Ela sorriu, cínica, e a maneira que os seus olhos brilharam,
causaram-me arrepios não tão bons. — Para um casal supostamente tão
apaixonado, você não parece saber muito, nem ele faz questão de dividir.
— O que aconteceu com eles? — a pergunta viera antes que pudesse me
conter.
— Oh… Foi triste — o tom falso amuado soou exagerado, como se
tentasse não imprimir a ironia. — Ele a traiu.
O quê?
— Pois é. Mas não o culpe, está no sangue. Afinal, como diz o ditado, a
fruta não cai longe do pé! Ele é igualzinho ao nosso pai. Isso você deve saber.

Não, eu não sabia!


Meu coração batia descompassado e a respiração ficou presa na minha
garganta.
— Do que diabos está falando? — inquiri, sentindo-me golpeada, cada vez
mais perdida naquela conversa, e Mona percebeu isso, pois gargalhou, sem
qualquer constrangimento.
— Como eu imaginei, você não sabe de nada. — E olhando diretamente
para mim com um fogo nos olhos, prosseguiu: — Ele ainda a ama. Sempre
amou e sempre vai amar. Quer realmente ser a segunda opção?
— Você está falando sério? — testei, completamente chocada.
— Olha, Paula, eu gostei de você e por isso estou querendo abrir seus
olhos. Você merece alguém que te ama e esse alguém não é ele. Não quando
ele ama a mim.
Puta que pariu! Era ela?
E dizendo isso, Monalisa simplesmente se foi e eu fiquei ali parada em
pleno corredor por não sei quanto tempo, tentando enxergar uma luz no fim
do túnel, mas tudo que podia ver era um buraco negro sem fim. E sentindo
um aperto no meu coração, saí correndo, sem saber mais se poderia ficar.
É um indivíduo que utiliza uma rede social para expressar análises e influenciar a opinião de outras
indivíduos, através de publicações em texto ou vídeo online e que é seguido por um público
massivo.
É a alteração do ritmo biológico de 24 horas consecutivas que ocorre após mudanças do fuso horário
em longas viagens de avião.
CAIO
CAPÍTULO
VINTE E OITO

Não estava me sentindo muito bem. Achei melhor ir para casa.


Ir para casa? Que porra estava acontecendo?
Li e reli a mensagem de Paula ainda sem entender, porque em um
momento ela estava comigo, rindo, brincando, e no segundo seguinte
simplesmente saía sem avisar? Não, aquilo não parecia certo. Eu teria ido
com ela se tivesse dito. Não teria a deixado sozinha, especialmente não se
sentindo bem.
Estranho… Será que…
Nem mesmo esperei terminar o pensamento, apenas segui andando
rapidamente, à procura da provável culpada pela saída suspeita da minha
noiva. E não podia ser outra pessoa a não ser Monalisa.
— Caio, o que… — não deixei que terminasse de falar quando a encontrei
no corredor, fui puxando-a para o quarto mais próximo. — Caio, o que
diabos está fazendo? — perguntou entredentes.
— Acho melhor me dizer o que fez para Paula sair assim do nada! —
exigi, fazendo-a bufar, embora não conseguisse esconder o sorriso.
— Não sei do que está falando. — Ela teve a audácia de fingir inocência,
mas eu a conhecia bem demais para saber que era mentira.
— Deixa de ser cínica, Monalisa! O que falou para minha noiva? —
vociferei, a paciência que ainda me restava esvaindo-se rapidamente.
— Eu não fiz nada! — Fez-se de ofendida, o que outra vez não me
convenceu. — E fale baixo, que podem nos ouvir… — pediu em um
sussurro, e foi a minha vez de rir com escárnio.
— Estou pouco me lixando! Quero que me conte agora, antes que eu
chame todos aqui, e aí sim vão ter muito o que ouvir! — não hesitei em
avisar, meus olhos ainda grudados aos dela, esperando.
— Eu não… — Ela se calou, antes de emendar rapidamente ao ver meu
olhar de quem não estava brincando: — Eu só disse a verdade sobre nós —
soltou, como se não fosse nada.
— Que verdade? A sua? Ou a real? — testei, a ironia, assim como a raiva,
escorrendo em minha voz.
— O que está acontecendo aqui? — a voz grave de meu pai soou,
interrompendo meu embate com Monalisa.
— Pai… — Mona titubeou, os lábios trêmulos e os olhos cheios de falsas
lágrimas.
Cobra dissimulada!
— O que está acontecendo, Caio? — Ele foi até ela, preocupado, ainda
assim a expressão em seu rosto não se aliviou quando me encarou.
— Pergunte a Monalisa. — Apontei com queixo para a figura fingida em
minha frente, que chorava e agarrava-se ao meu pai, e antes de sair,
completei: — Eu tenho coisas mais importantes para fazer no momento,
como ir atrás da minha noiva para tentar conter os danos que essa louca
causou.
E sem dizer mais uma palavra, parti.

Era para ter conversado com Paula há muito tempo, ter lhe contato tudo.
Se tivesse feito, ela não teria fugido, pensando sabe-se lá o que sobre mim, e
eu também não estaria acelerando feito um maluco com o carro, sem me
importar com multas ou sinais vermelhos. Queria apenas chegar em casa,
chegar até ela.
O caminho até lá se passou em um borrão, enquanto tentava ligar para ela,
que não me atendia, e durante todo o tempo a culpa me corroía as veias. A
culpa pelos meus erros, omissões, pela minha covardia… Culpa. Culpa. Era a
maldita culpa me corroendo por dentro. E a viagem de elevador, que
normalmente era rápida, pareceu mais longa do que nunca. Eu não conseguia
suportar a possibilidade de perdê-la. Simplesmente não podia.
As portas do elevador começaram a se abrir e nem mesmo esperei
terminar, antes de sair de uma vez, angustiado para chegar, e a cada passo
que diminuía a distância até o apartamento, rezava para que estivesse lá
dentro.
Só esperava que não fosse tarde demais…
Abri a porta e resfoleguei quando pus os olhos nela, dando graças a Deus
que estivesse ali. Contudo, ela não estava sozinha, e aquilo foi uma enorme
surpresa para mim. Paula estava sentada no sofá, e ao lado dela, segurando
sua mão, estava um rapaz moreno, bem-apessoado, que não demorei muito a
reconhecer: era o mesmo cara da cafeteria.
O que diabos ele estava fazendo ali com a minha mulher?
— Que merda está acontecendo? — eu quis saber, a pergunta saindo
estranha pelos meus lábios.
— Não é o que está pensando, Caio… — Paula se pôs de pé, na defensiva,
e o seu nervosismo deixou claro para mim que aquilo significava apenas uma
coisa: ela era culpada.
— Sério que você vai vir com essa desculpa clichê péssima, Paula Maia?
— devolvi, num tom tão irônico e exasperado que a surpreendeu.
— Caio, eu… — Ela deu um passo à frente, fazendo-me dar outro para
trás, a sua titubeação golpeando-me em cheio.
— Acho melhor eu ir, vocês com certeza têm muito o que conversar — o
cara teve a coragem de falar e eu ri, com ironia.
— Não tenha dúvidas! — não hesitei em lhe dizer, deixando-o de certa
forma constrangido.
— Caio! — Paula soltou meu nome, certamente chocada pela minha
sinceridade.
— O que quer eu faça, Paula? Que eu trate bem o cara que estava na
minha casa com a minha noiva? — Ela pareceu insultada e abriu a boca para
responder, contudo o corajoso foi mais rápido.
— Não se preocupe comigo, Paulinha. Qualquer coisa, sabe que pode me
ligar, não é? — Paula aquiesceu e ele foi até ela abraçá-la, deixando-me
boquiaberto.
Paulinha? Que filho da puta ousado!
Queria quebrar-lhe a cara e expulsá-lo dali a ponta pés, mas não o fiz,
porque se ele tinha coragem para fazer aquilo, era porque certamente tinha
intimidade para tal. O que, claro, me deixou puto. Juntando todo autocontrole
que tinha, esperei calado que partisse, e por um momento ou dois nenhum de
nós falou qualquer coisa.
— Você não vai dizer nada? — ela quis saber ante meu silêncio, e meneei
a cabeça, negando, os lábios travados numa linha dura. — Caio, por favor,
não é nada disso… — negou, os olhos sofridos em minha direção — Ele só
estava aqui em casa porque eu o chamei. Ele é apenas um amigo…
— Amigo? — repeti a palavra, sentindo o amargo gosto em minha língua.
— Desde quando, Paula? — questionei, estreitando os olhos em sua direção,
meu tom de voz não escondendo em nada minha decepção.
— Há algum tempo — respondeu por fim, depois de certa titubeação.
— E você nunca me disse por quê? — insisti, cada vez mais nervoso.
— Não sei. Nunca tive um antes… E não fazia ideia de que fôssemos
continuar amigos. Mas juro que ele é só isso. — Paula deu de ombros,
envergonhada, e meneei a cabeça, mas permaneci calado e não consegui nem
a encarar mais. Percebendo o meu afastamento, ela se aproximou, e com a
voz baixinha pediu: — Por favor, não me torture assim, eu não mereço isso.
Talvez não, mas estava de cabeça quente e ainda tinha muito o que digerir.
— Caio, fale comigo! Ao contrário de você, não escondi nada! Apenas não
mencionei o fato de ter um amigo com quem saio de vez em quando! — ela
me lembrou, com indignação transbordando em suas palavras, e dessa vez ri
com escárnio.
Opa, como assim de vez em quando?
— Sai de vez em quando? — joguei entredentes, dando o meu melhor para
manter a voz baixa, quando minha vontade era esbravejar ante aquele detalhe
que ela propositalmente se esquecera de me contar.
— Sim, algum problema com isso? — ela me enfrentou e abri a boca para
responder, contudo, o interfone do apartamento tocou e Paula foi atender.
Enquanto ruminava toda aquela história, fui capaz de ouvir a voz dela, mas
não entendi o que falava, mas naquele instante nem mesmo me importei.
Tinha coisas demais para me preocupar. E quando retornou para sala, a vi
parecendo um pouco perdida e aquilo chamou a minha atenção.
— O que foi? — apressei-me em perguntar, enquanto ela respirava fundo,
nitidamente nervosa.
— Teremos que deixar essa conversa para depois — foi o que ela disse
antes de a campainha tocar.
— Quem é? — Com o cenho franzido, esperei por uma resposta e ela
engoliu em seco, antes de responder:
— Minha mãe.
— Sua mãe? — repeti, ainda sem acreditar.
— Sim. — Ela mordeu os lábios, incerta.
— Ela disse que viria? — sussurrei a pergunta e ela negou. — Então o que
diabos ela veio fazer aqui?
— Acho que é porque acidentalmente lhe contei que além de morar juntos
estamos noivos.
Ai, porra!
A campainha tocou outra vez e Paula respirou fundo, antes de ajeitar a
roupa que usava, um vestido manga longa floral na altura dos joelhos e botas
de salto.
— Tenho que atender. — Assenti, porque mesmo que estivéssemos no
meio de uma discussão, não podia simplesmente deixar a minha sogra do
lado de fora.
— Sim — anuí, deixando nossos problemas de lado. Ao menos por
enquanto. Paula foi até a porta e, assim que a abriu, sua mãe a abraçou.
— Oh, filha, que saudades!
— Oi, mãe… Eu também estava — Paula disse, ainda atordoada por vê-la
na nossa casa.
— Desculpe vir sem avisar, mas…. — A mãe de Paula parou de falar
quando me avistou e, surpresa, me analisou de forma deliberada. — Você
deve ser Caio — emitiu em reconhecimento.
— Sim. Caio DiFiori. É um prazer conhecê-la. — Ofereci a mão para
cumprimentá-la, contudo, ela resolvera me surpreender com um abraço
apertado, da mesma forma afetuosa que fizera com a filha.
Senti o rosto esquentar e quando voltou a olhar para mim, notei que ela
tinha o mesmo cabelo escuro de Paula, apesar de curto, e seus olhos eram de
um castanho mel. Mas fora isso, era como olhar uma versão mais velha da
minha noiva.
— Sou Carla, e o prazer é todo meu. — Os olhos dela varreram o
ambiente com escrutínio demorado e eu engoli em seco, sem saber direito
como agir, já que nunca tinha passado por uma situação parecida antes.
Afinal, nunca houve namoradas, noivas, muito menos uma mãe.
— Mãe, por que não disse que estava vindo? — Paula quis saber, embora
parecesse um pouco nervosa com a resposta.
— Preciso mesmo dizer, Paulinha? — A expressão da mãe dela dizia que a
resposta era óbvia e que provavelmente lhe devia algumas explicações.
— Ah… — Paula engoliu em seco, subitamente tímida, antes de nos
indicar o sofá e sentar-se ao meu lado. — Caio e eu… hã… bem, ele me
ofereceu um lugar para ficar quando cheguei.
Sério que era apenas aquilo que ela diria?
Depois de meses juntos, dividindo o mesmo teto, a mesma cama e até
mesmo um pedido de casamento, com certeza não era aquilo que eu esperava
que ela dissesse sobre nós.
— E isso por um acaso é um código novo para pedidos de casamento? —
Carla perguntou com certa ironia.
— Mãe… Eu estou… — Paula titubeou e a mãe dela foi mais rápida para
completar:
— Grávida? É por isso que vocês decidiram se casar assim depois de tão
pouco tempo? — testou, nos surpreendendo sobremaneira.
O quê?
— Não! — Paula apressou-se em garantir. — Eu não estou grávida! — Ela
deu uma risada nervosa para a mãe, antes de limpar a garganta, realmente
mexida.
— Desculpe, mas eu tinha que me certificar de que não estava me
escondendo mais nada, porque você há de convir que descobrir de um dia
para o outro que sua filha, que era virgem até sair de casa, está em um
relacionamento e de um dia para noite diz estar morando com o namorado de
quem tinha acabado de se tornar noiva é estranho, não é mesmo? — Ela nos
olhou como se esperasse uma resposta, e nós assentimos.
— Mãe! — Paula gemeu em pura vergonha, escondendo o rosto vermelho
entre as mãos, mortificada.
Puta merda, nem acreditava que ela tivesse dito aquilo!
Olhei para Paula, esperando que ela dissesse alguma coisa para negar o
que a mãe dissera, um flashback da nossa primeira vez se contorcendo ao
longo da cama enquanto se entregava completamente a mim me viera à
mente. Tudo fora tão intenso e inesquecível, que eu ainda podia ouvir todos
os seus sons, sentir seu calor, o gosto e o fato de a mãe dela estar à nossa
frente me impediu de fazer aquela fantasia ganhar vida outra vez.
— Então vocês têm certeza disso? — A mulher olhou de mim para ela e
nos entreolhamos, antes de assentir novamente, pois apesar dos nossos
problemas, que poderiam muito bem ser resolvidos com uma boa conversa,
ainda assim não havia como mentir quando casar-me com ela parecia ser a
decisão mais acertada.
— Eu amo sua filha, Sra. Carla — admiti, sem tirar os olhos dela, que me
fitavam emocionados.
— E eu o amo, mãe — Paula murmurou em resposta e eu sorri, recebendo
um sorriso dela em resposta.
— Parece que devo dar os parabéns a vocês — Carla disse com um
sorriso, antes de nos abraçar outra vez para nos felicitar.

Depois de um tempo conversando com as duas, achei que poderiam querer


um tempo a sós para conversar e matar as saudades, por isso mandei uma
mensagem para Rodrigo, convidando-o para um chope.
O bar estava cheio, praticamente lotado, em sua maioria por mulheres. Se
fosse um tempo atrás, aquele teria sido um paraíso do estrogênio para mim. O
que não era mais o caso. Tinha uma noiva que amava me esperando e nada
daquilo me parecia interessante.
Eu poderia ter sido forte até então, mas desde que saí de casa me sentia
cada vez mais agoniado com a conversa que teríamos assim que voltasse.
— Um chope gelado — pedi ao garçom assim que me sentei na primeira
banqueta vaga que avistei, minha boca estava seca e eu precisava daquela
bebida gelada, muito parecida com o meu coração.
O ar do bar era uma mistura de aromas de todos os tipos, o som alto de
uma banda de rock não se comparava ao barulho que minha cabeça fazia,
bem como ao desespero no qual me sentia aterrar a cada nova respiração. E
enquanto esperava pela chegada do meu melhor amigo, só fiquei lá sentado,
bebendo, com um medo dos diabos de o meu coração acabar esmagado sob a
sola do lindo pezinho de Paula.
Talvez Mona estivesse certa, talvez ela estivesse mesmo jogando um jogo,
tentando me fazer acreditar que realmente estava apaixonada, quando na
verdade saía com aquele cara. Há anos acreditei que Mona tinha acabado
comigo, ou assim eu pensava. Só que a miséria causada por ela não era nada
comparada à desolação que se iniciou após vê-la com o sujeito.
Será que eu estava vendo coisas demais? Será que não era apenas uma
insegurança boba?
Eu sabia que ela me amava. Podia sentir nos ossos aquilo. Sentia quando
ela falava, na maneira que me olhava, como se entregava pra mim
completamente.
Não se podia fingir aquilo, podia?
Depois de um tempo ruminando, Rodrigo finalmente apareceu no mar de
pessoas que frequentavam o bar naquele domingo.
— Olá, melhor amigo — ele me cumprimentou com um sorriso de orelha
a orelha e nem precisei perguntar para saber qual o motivo do seu atraso, ele
certamente estava com uma mulher. — Aconteceu alguma coisa? — Foi mais
uma afirmação do que uma pergunta e eu acenei.
— Tudo — murmurei em desgosto, nem sabendo por onde começar a lhe
dizer, e ele assentiu, parecendo pensativo por um tempo.
— Não me diga que bateu saudades da vadia da Mona! — lançou,
horrorizado, ao passo que estremecia quando falava e eu bufei em resposta.
— Um homem morrendo não corre de volta para a guilhotina! — respondi
o óbvio, e ele respirou aliviado antes de rir, impressionado com a minha
sensatez.
— E o que você vai fazer? — indagou depois que lhe contei tudo que
acontecera.
— Fazer a manutenção desse projeto sem data final. Eu vou lutar por ela.
PAULA
CAPÍTULO
VINTE E NOVE

A buzina do carro na rua me fez apressar os passos, mas apenas o


suficiente para seguir andando pelas ruas escuras e repletas de pessoas até o
bar com um pouco mais de pressa, e não como uma maluca desesperada.
Depois de passar um tempo com minha mãe, dei-me conta de que ela não
tinha uma mala, e ela admitiu tê-la deixado com a minha tia, que aproveitara
que ela vinha me ver para visitar a filha, Larissa, que depois de me deixar no
meio da rua, aparentemente hospedaria as duas nos próximos dias. Deveria
agradecê-la, afinal, porque se ela não fosse tão filha da puta, talvez as coisas
entre mim e Caio não tivessem acontecido daquela maneira e eu, com certeza,
não mudaria nada do que passamos.
Era tão estranho como tudo deu certo, como pude confiar tão cegamente
em um completo estranho, e mesmo que ele soubesse quem eu era por causa
do concurso, ter me encontrado aquela noite. Era como se o destino tivesse de
alguma forma intervido e planejado cada detalhe, coincidência, cada pequeno
mísero segundo até aquele encontro, trabalhando a nosso favor.
Se isso não fosse destino, eu não sabia o que era!
Então depois de deixá-la na casa de Larissa, prometendo pegá-la no dia
seguinte para voltar para minha casa e ficar lá até que voltasse para nossa
cidade, fui decidida a encontrar Caio. Nós precisávamos mesmo conversar.
Permiti erroneamente que Monalisa me envenenasse com aquela conversa
e apesar de estar chateada por Caio não ter sido completamente honesto e não
ter me dito nada sobre o seu passado, ele merecia uma chance. E depois de
conversar com Túlio, meu amigo me aconselhara a lhe dar uma oportunidade
para se defender, afinal, todo mundo era inocente até que se provasse o
contrário, não pensei duas vezes antes de ir atrás dele.
O vento frio arrepiou minha pele e apertando a jaqueta no meu corpo, dei
graças a Deus quando cheguei ao bar com estilo pub inglês que Caio
costumava frequentar com o melhor amigo, Rodrigo, a quem eu adorava, por
sinal.
Em meio a uma quantidade enorme de pessoas no local, não hesitei em
seguir, apertando-me entre eles, procurando por Caio em cada canto do lugar,
mas como eu esperava, ele estava sentado no balcão, onde gostava de ficar
bebendo o seu chope. Sorrindo, segui até lá, e quando estava quase ao seu
lado, um homem impediu a minha passagem. Estava prestes a abrir a boca
para dar-lhe uma resposta mal-humorada quando ouvi Caio falar:
— Eu não a amo. Acho que nunca amei — a voz de Caio ressoou alta,
mesmo através do ambiente barulhento e das pessoas conversando sem parar.
Quem ele não amava?
Com o coração batucando no peito, consegui dispensar o homem e me
infiltrar a duas banquetas da dele. Certamente, aquelas palavras não eram
para mim, mas a curiosidade pareceu maior que a minha sensatez e resolvi
ficar para escutar sem anunciar a minha presença.
— Foi um erro — ele prosseguiu. — Honestamente, não sei onde estava
com a cabeça quando me envolvi com ela — o tom de voz dele era rouco,
frustrado. — E depois daquela história da gravidez, nada do que ela disser
vou acreditar. Meu maior arrependimento foi um dia acreditar que o que
tínhamos era verdadeiro a ponto de ser para sempre.
Minha boca se abriu em completo choque. Eu não sabia se conseguiria
respirar mais. Esqueci completamente como falar, me mover… porque não
poderia emitir um único som e sequer conseguia fazer mais do que
piscar. Era como se meu coração tivesse perdido o ritmo e esquecido como
bater.
Eu preferiria que tivesse dito que não queria mais nada comigo, que fosse
sincero, ao invés de dizer ao melhor amigo e não falar a verdade para mim.
Se estava arrependido, por que fez tudo que fez? Por que fizera tantas
promessas e disse querer que eu fosse a coautora do nosso projeto para
sempre?
Cambaleando para trás, segurei-me na superfície mais próxima, pois o
chão parecia se mover, e todo o universo, girar. Limpando as lágrimas,
respirei fundo reunindo as forças que me restavam para voltar para casa…
para ir embora dela.

Com uma força que não sabia de onde viera, consegui sair do bar e peguei
o primeiro táxi que passava na rua. Quando me perguntou para onde eu iria,
pedi apenas que seguisse sem parar, pois ainda não fazia ideia para onde ir
dali em diante. Chorei e chorei até que finalmente me senti pronta para voltar
para casa.
Depois de rodar por algumas horas, retornei para a casa que não seria mais
nossa e quando comecei a arrumar minhas coisas, minhas lágrimas
retornaram, descendo sem parar, como uma chuva incessante de verão. Eu
não tinha visto a tempestade no horizonte, ignorei todos os sinais e não houve
tempo para me precaver. Por isso me vi engolfada naquele ciclone de
emoções, sem chance de escapatória.
E a cada vez que tentava controlar, era impossível não pensar nas palavras
dizendo que nunca me amara e do arrependimento por ter dito alguma vez
que ficaríamos juntos para sempre. O arrependimento só não era maior que o
meu, que como uma tola havia caído no seu jogo, acreditando em tudo que
me disse, entregando-me por inteiro a uma relação com alguém que não
merecia nem mesmo parte de mim.
Deus, como pude ser tão burra?
Logo eu, que sempre havia me considerado tão esperta, sempre
determinada a ser alguém que não precisava de outra pessoa a não ser eu
mesma para me fazer feliz, havia caído naquela armadilha do amor.
Em que momento me tornei o que mais temia e caí naquele ardil?
Não sabia dizer, talvez desde que pus os olhos nele, mas tudo que podia
pensar agora, era no fato de sentir-me tão entorpecida por dentro, quase como
uma casca de quem era há apenas algumas horas. Como uma menina tola que
acreditava em contoS de fadas, soluçava, sentindo as bochechas e o nariz
arderem de tanto chorar, mas eu tinha que parar. Precisava me recompor.
Precisava colocar a cabeça no lugar e dar um basta na garota que fora
estúpida o suficiente para acreditar nas palavras vãs de um jogador ardiloso.
Liguei para Túlio e contei tudo que havia acontecido, ele prontamente se
ofereceu para ajudar com as minhas coisas e ainda disse que eu poderia ficar
com ele pelo tempo que precisasse. O que outra vez me lembrou de quando
outra pessoa me disse a mesma coisa e acabei me envolvendo a tal ponto, que
esqueci o bom senso e não parti. Mas não cometeria aquele erro uma outra
vez, mesmo que a pessoa que estivese me estendendo a mão fosse
verdadeiramente um amigo.
A porta se abriu no exato instante que acabei de arrastar as minhas malas
até a sala e tudo em mim congelou. Enxugando minhas lágrimas, preparei-me
para o que tinha que fazer.
Com um sorriso de tirar o fôlego, Caio livrou-se da jaqueta de couro, que
encobria um moletom do Flash, que contornava todos os músculos definidos
dos seus braços e dorso. O eterno nerd que vivia nele, quase como um alter
ego, sempre parecia revelar-se nos seus momentos de intimidade, e eu
costumava achar tão sexy a forma como ele parecia resplandecer naquelas
ocasiões, era quase divino.
E como pude me iludir que alguém como Caio Ornelas DiFiori pudesse
me amar?
Aquilo só me provara o quanto eu estava certa em me resguardar e no
quanto fui idiota por me apaixonar.
— Oh! Pensei que chegaria em casa e encontraria uma espécie de noite de
pijamas — gracejou assim que notou a minha presença.
Se não tivesse escutado o que ouvi, acreditaria que eu não era a única
pessoa magoada, mas sabia melhor do que aquilo, passei a ver a verdade por
trás daquela máscara de homem amoroso. Os olhos dele foram para as malas
ao meu lado, antes de voltarem para mim, o rosto bonito sendo transformado
por uma genuína surpresa.
— O que está acontecendo? — indagou e quase acreditei que ele não
queria que eu fosse.
— Vou ficar com o Túlio — não hesitei em responder, meus olhos ainda
grudados aos dele, sentindo o coração sendo arrancado do peito. — Acho que
já abusei da hospitalidade.
— É? — testou baixo, desconfiado, e eu limpei a garganta, incomodada.
— Não quero ocupar o lugar de outra pessoa — tentei soar firme, mas
meus olhos se fecharam e a voz saiu vacilante, sem nenhuma convicção.
Sentia aquele aperto forte, incômodo, daquele jeito que parecia nos impedir
de respirar.
— E eu estou ocupando o lugar de outra pessoa, Paula Maia? — a
pergunta saiu como um rugido, o timbre baixo, perigoso, de forma a se
infiltrar na pele, e tornei a abrir os olhos para encarar os seus de lince, que
fizeram meu coração perder uma batida, pois fitavam-me de um jeito
incisivo, inabalável.
Horas antes, acreditava veementemente no que tínhamos e no que eu
achava que ele sentia por mim. Ser com ele a coautora do nosso projeto
chamado vida parecia ser o certo, mas ali estávamos, provando exatamente o
contrário.
— Talvez, afinal, como é mesmo que dizem? Ah! Homem é que nem
biscoito, vai um e vem dezoito! — murmurei, dando um passo para trás,
tentando me afastar. E mais do que isso, precisando desesperadamente me
afastar dele. — Não era essa a intenção desde o início? Ser uma versão
feminina sua?
Seu peito subiu e desceu como se estivesse prestes a rir, a chorar, mas ele
abortou o esforço.
— Você tem um talento nato. — Ele parecia frustrado, o que não condizia
em nada com o sorriso irônico que me dirigiu, os olhos faiscando não
deixando de me encarar.
— Acho que sim — titubeei no exato instante que olhei para o anel no
meu dedo, e por um segundo ou dois continuei a fitá-lo, antes de tirá-lo de
uma vez e entregá-lo a Caio, que não me impediu, muito menos tentou me
fazer reconsiderar com algum apelo apaixonado, o que só me deu a certeza de
tudo que ouvi e entendi.
Nada do que vivemos foi real. Ao menos não para ele. Caio foi apenas
uma ilusão. Uma da qual por muito tempo eu fugi, mas que quando menos
esperei me enganou, fazendo-me acreditar que o que sentíamos um pelo outro
era maior do que a razão que me impedia de me entregar.
— Item 6? Era apenas um teste, certo? — minha pergunta era retórica,
porque nem mesmo conseguiria escutar uma resposta, era mais como uma
afirmação para mim mesma. — Deveria ter desconfiado do bug[17], já que um
jogador nunca deixa de ser um jogador até que acabe a partida.
Fechando os olhos por um tempo que me pareceu eterno, Caio respirou
fundo, como se precisasse tomar fôlego, os lábios tremeram e por um
segundo me enganei achando que ele poderia negar tudo aquilo, que me
amava e nunca mais deveria tirar o anel do meu dedo, porque era ali que ele
pertencia, mas obviamente não foi o que aconteceu.
Caio era tão covarde, que nem mesmo podia ser sincero e admitir como de
fato se sentia. E eu não tinha mais que suportar aquilo.
— Adeus, Caio. — E sem mais uma última olhadela, arrastei minhas
malas em direção à porta e, quando a abri, recebi um abraço gelado do
mundo, que me dava indícios do carinho estilo arame farpado que receberia a
partir daquele instante.
Sem que pudesse conter, minhas lágrimas voltaram com força total e me
recusava a dar-lhe o gostinho de ver que ele era o motivo delas, por isso as
engoli, sem dar chance para vazão.
— Paula? — ele chamou meu nome, quase como se implorasse, e o timbre
da sua voz me fez estacar.
Virei-me para encará-lo e soube naquele instante que nunca esqueceria
aquela visão, a do homem que me estragara para todos os outros. Jamais
poderia esquecer o quanto amar alguém pode doer.
— Não, Caio. Não fala mais nada, por favor — eu praticamente implorei,
porque apenas uma linha tênue mantinha-me sem desabar, e então virei as
costas e parti.
Parti para longe de Caio e da sua casa, onde nossos corações são usados
como um mero peão no tabuleiro de xadrez, para no final serem derrubados
pelo Rei.
Bug é quando uma grande quantidade de erros, defeitos ou falhas são encontrados no Software.
CAIO
CAPÍTULO
TRINTA

Que caralho foi aquele?


Cambaleando para trás, eu caí sentado no sofá, ofegante, com o coração
batendo loucamente, ameaçando sair do meu peito. Ainda não podia
acreditar. Não podia crer que permiti que partisse. Fiz exatamente o contrário
do que prometi fazer, quando na verdade deveria ter lutado por ela, esquecido
meu orgulho e pedido que ficasse comigo. Apenas comigo…
Estava errado desde o início, estávamos errados, melhor dizendo, eu nunca
fui um maldito jogador, nem mesmo ela se tornara uma, Paula Maia nascera
para ser uma lutadora e ela conseguira com um nocaute o intento de ganhar o
cinturão da minha vida, transformando-me em um oponente incapaz de
continuar lutando.
Fechei os olhos, pois me sentia nauseado. Não sabia ainda como tudo
acontecera e muito menos como pude permitir ir tão longe. Pelo visto era a
minha sina foder com relacionamentos e também com meu coração no
processo. Se tinha uma matéria que era a minha especialidade, era aquela
certamente. Tudo bem que não tinha sido eu quem traiu Mona ou Paula, mas
se ambas foram capazes de ir tão longe, estava claro que o problema era eu.
Respirei fundo e olhei ao meu redor, sentindo tudo se intensificar por
causa do vazio ali dentro. Assim como a dor em meu peito, eu não suportava
mais estar ali, onde por meses fora o nosso lar e dividi não apenas uma vida,
mas também o meu coração. E assim como Paula fizera comigo, eu parti,
sabendo que não poderia mais continuar naquele lugar repleto de lembranças.

Como um maldito psicopata, tentei falar com Paula, durante toda a noite e
madrugada, mas ela não atendeu ou retornou minhas ligações e depois de um
tempo me bloqueou, o que só fez com que a ferida já aberta se tornasse ainda
mais profunda.
Acabei ficando no apartamento 202, mas tal como eu suspeitava, até
mesmo ali, onde ela mal esteve, parecia carregar um pedaço seu em cada
canto. O que me fez chegar a inevitável decisão: eu tinha que vendê-los, não
havia nenhuma maneira de continuar em um ou outro. A única questão é que
não me sentia nem um pouco disposto a procurar um novo local para morar,
quando nem mesmo me vestir para o trabalho queria.
Contudo, recebi uma mensagem pela manhã do meu pai, exigindo a minha
presença na sua casa. Com certeza não era o que eu esperava ler, muito
menos de quem. Mas por mais destruído que me sentisse, sabia que para ele
pedir que eu fosse até lá deveria significar que o assunto era sério e sendo
assim não poderia deixar de comparecer.
O relógio não marcava oito da manhã ainda quando adentrei a mansão que
fora meu lar por tantos anos e ao fazer aquilo, tentei esquecer sobre a
constante dor me roendo desde que a minha vida pareceu desmoronar horas
antes depois da partida de Paula. O empregado avisou que estavam à minha
espera no escritório, o que só me deu ainda mais certeza de que havia algo de
muito errado.
Bati na porta e quando a voz baixa do meu pai ordenou que eu entrasse, o
fiz, mas nem mesmo tentei esconder o meu humor colocando um sorriso falso
no rosto, afinal, eu me sentia um merda e não via motivos algum para
esconder. Só que ver todos da família presentes, com olhares reprovadores
dirigidos a mim, me trouxe um frio na barriga.
— Caio — meu pai falou meu nome, mas ao invés de vir me
cumprimentar como de costume, se limitou apenas em levantar o queixo e
olhar pra mim carrancudo.
Não gostei da sensação, sobretudo quando minha mãe fez o mesmo, coisa
que nunca acontecera antes, já que ela costumava ser tão carinhosa e
atenciosa. Tive inclusive um vislumbre dela enxugando uma lágrima e isso
fez com que ele se aprumasse um pouco na cadeira, o rosto bonito marcado
pela idade parecendo mais cansado aquela manhã, como se tivesse passado a
noite em claro.
— Te chamei aqui porque acredito que esse assunto deve ser resolvido em
família. Mas a verdade é que além de devastado por algumas notícias, me
sinto também decepcionado.
Merda! Que porra aconteceu?
— Está tudo bem? — indaguei baixo, com medo da resposta, e respirei
fundo, esperando.
— Não. — Ele meneou a cabeça, negando, os lábios finos travados em
uma linha dura, o queixo estremecendo com a raiva compelida. — Você pode
me explicar isso, Caio?
Meu pai deslizou o tablet do outro lado da mesa e, curioso, me adiantei
para pegar, o sangue correndo frio em minhas veias antes mesmo de ver do
que se tratava. E quando o fiz, soltei um ofego estrangulado.
Era o vídeo meu e de Paula no dia em que transamos em cima da mesa da
minha sala. Apesar de não mostrar nossos rostos, dava para ver nitidamente
que estávamos no escritório, nus, meu rosto enterrado no pescoço dela e até
mesmo podia sentir o prazer correndo pelas minhas veias como se estivesse
revivendo aquele momento.
— O que tem a dizer sobre isso, Caio? — ele quis saber, meu nome saindo
estranho pelos seus lábios.
Não disse nada, tudo que eu conseguia fazer era me concentrar naquele
vídeo, onde ela estava comigo no nosso arroubo de paixão, fazendo-me
desejar não apenas repetir, como também beijar aqueles lábios pelos quais eu
morreria para tocar apenas uma última vez.
Talvez ele estivesse esperando por uma resposta e pensei seriamente em
dizer que me sentia miserável, que queria ela de volta, mas nada saiu.
— Você não vai dizer nada? — Cauã pareceu não conseguir se conter para
perguntar.
— O que quer que eu diga? Que eu sinto muito? — lancei, começando a
ficar irritado, e ele bufou, sarcástico, demonstrando seu desgosto.
— Não, quero que me diga o que isso significa. — Meu pai me entregou
uma simples folha de papel e meus olhos se arregalaram quando li que era o
cronograma do projeto que entreguei a Paula no primeiro dia de trabalho.
Caralho! Como diabos aquilo tudo viera à tona?
— Como conseguiu isso? — apressei-me em perguntar, porque não fazia
ideia de como aquilo fora parar ali.
— Alguém me entregou — o timbre de voz do meu pai não deixava negar
a decepção dele, mas outra vez não me importei.
Paula? Paula fizera aquilo?
Eu duvidava muito, por mais magoada que pudesse estar, duvidava que
fosse capaz de fazer algo do tipo. E olhando para loira à minha frente, eu
soube quem era a culpada.
— Caio, estou profundamente decepcionado com você — meu pai
prosseguiu. — Passei a madrugada acordado, tentando conter os danos
causados, tentando tirar esse maldito vídeo dos sites porque ele se espalhou
rapidamente. Você pode ser meu filho e ninguém mais do que eu sente por
estar fazendo isso, mas dada a repercussão que essa história tomou, terei que
te demitir.
As palavras dele me atingiram em cheio e me sentindo zonzo, dei um
passo para trás. E quase ri da ironia, porque pelo visto desgraça pouca era
bobagem, já que ela me alcançara de caminhão e desencadeou tudo de ruim
de uma só vez. Só que o mais engraçado em tudo é que realmente não me
importava com porra nenhuma daquilo.
— Lamento tê-lo desapontado, pai. — Era verdade, no entanto, não me
sentia miserável por nada daquilo.
— Você não parece muito arrasado por conta disso — observou, a
expressão dele não se aliviando em nenhum momento.
— Não estou. — Dei de ombros. — A coisa mais importante da minha
vida perdi ontem, ter sido demitido ou ter decepcionado a minha família não
chega nem perto de como me sinto por dentro.
— Não esperava isso de você, Caio — minha mãe sussurrou, com os
lábios trêmulos, e eu ri, com escárnio.
— Aposto que a querida Monalisa ajudará vocês com essa decepção! —
lancei com ironia.
— Óbvio que sim, eles são meus pais! — ela soltou, levando a mão ao
peito, dramatizando, enquanto eu a encarava com um sorriso debochado.
— Claro, afinal, você faz o tipo morde assopra, não é? E já que você
mesmo lhes contou tudo, tinha que fazer seu papel em estar ali por eles,
quando na verdade é uma cínica.
— Caio! — minha mãe ofegou e Mona levou as mãos à boca, sabendo que
não havia mais escapatória para ela.
— Olha lá como fala da minha mulher, seu filho da puta! — Cauã rosnou,
sendo contido pela fingida da Mona, que parecia prestes a fugir.
— Sou filho da puta mesmo, mas esse agravante é culpa do nosso pai, e
não minha! Afinal, ele quem arranjou um filho na rua e trouxe pra esposa
criar como seu! — eu o lembrei entredentes.
— Eu não vou discutir isso com você, Caio! — meu pai bradou em fúria,
espalmando a mão sobre o tampo da mesa, chamando atenção de todos nós.
— Se você não tem respeito à sua família, ao menos respeite a sua mãe,
porque ela sempre te amou e ninguém aqui pode dizer, especialmente você,
que ela não merece ser chamada assim!
— Eu respeito, sempre respeitei. Ela sempre será a minha mãe, de quem
me orgulho e a quem sou tão grato! — admiti, reiterando o que dizia com um
gesto de cabeça. — Mas pelo visto vocês preferem dar ouvidos para essa
cínica, que sempre foi uma interesseira e fez tudo da forma que mais
beneficiaria a ela — esclareci, estreitando os olhos na direção dela, que teve a
audácia de parecer ofendida.
— Eu não tenho que ficar ouvindo esses insultos! — ela tentou correr, mas
eu não faria tão fácil assim para ela.
Sim. Falta de aviso não foi, vadia!
— Foi você, não é? Você que deu um jeito de invadir meu computador da
empresa, achar o cronograma e ainda por cima vazou o vídeo, não foi? —
indaguei colocando-me em seu caminho, de modo que ela não tivesse como
fugir de mim, apesar de ela se recusar a me encarar.
— Não sei do que está falando — insistiu e abri um sorriso zombeteiro.
— Ah, sabe sim! Já que anos antes de se casar com o precioso filho mais
velho e que era a óbvia escolha para assumir a empresa DiFiori, era na minha
cama que você dormia toda noite! E é atrás de mim que continua até hoje!
— É mentira! — Mona gritou, insana, o rosto vermelho em pura revolta, e
Cauã abriu a boca em choque.
— É verdade e eu posso provar! Tenho mensagens, ameaças, vídeos…
Você acha mesmo que sou burro só porque por muito tempo acreditei em sua
história? Deixei tudo guardado para me resguardar, porque sabia que você era
uma mulher perigosa e sem escrúpulos, capaz de tudo para atingir seus
objetivos. — Tratei logo de fazê-la entender com quem estava lidando e ela
arfou, dissimulada.
— Isso nunca aconteceu… Não sei do que ele está falando. — ela se fez
de desentendida e eu ri, porque era inútil que ela continuasse insistindo
naquela mentira.
— Ela dizia que não queria assumir para todos porque tinha medo que
desistissem da adoção e foi me enrolando, e eu acreditando — apressei-me
em dizer, após respirar fundo. Eu não queria estar ali, muito menos tendo
aquela conversa, mas passara da hora de falar a verdade. — Quando Cauã
voltou dos Estados Unidos e eles assumiram diante de todos estarem juntos,
ainda não tínhamos terminado, mas eu o fiz e fui embora, porque percebi
finalmente a pessoa ardilosa que era. Não satisfeita, Mona tentou me
chantagear com a gravidez, alegando estar grávida de um filho meu, e mesmo
depois que perdeu, abortou, não sei, porque nunca quis saber, ela continuou a
vir atrás de mim.
— Isso é mentira… por favor, vocês têm que acreditar em mim! Ele que
tentou me seduzir! — ela insistia, chorando alto, agarrando-se a Cauã, que a
empurrou, como se sentisse nojo dela.
— Chega, Monalisa! Deixe Caio falar! — meu pai exigiu com a voz
inexpressiva, e a expressão em seu rosto revelando o choque pela descoberta
da verdade.
E eu não me intimidei, assim como prometi que faria caso continuasse a
me importunar ou mexer comigo, contei tudo.

Eu só queria que as coisas tivessem acabado há muito tempo. Que não


houvesse mentiras ou traições. Só que era tarde demais para aquilo.
— Eu não fiz por mal… Eu amava vocês… Não queria ir embora… Tive
medo… Queria ter uma família… — ela chorava de forma descontrolada.
— Vivendo uma mentira? Sendo uma farsa? Tentando dar o golpe nos
dois irmãos ou no que mais poderia lhe trazer benefícios caso ficasse de
forma definitiva na família? — Cauã perguntou, completamente aturdido. —
Eu não conheço você… A mulher pela qual me apaixonei não é você… eu
tenho nojo de quem é de verdade! Você não passa de uma vadia interesseira!
Estou saindo agora e quando voltar, não te quero mais nessa casa,
Monalisa… Acabou. Eu não serei mais trouxa.
E ele saiu do escritório, ignorando os gritos de Monalisa que foi atrás dele
e continuava a implorar pelo perdão. Por um tempo nem meus pais nem eu
fizemos nada, apenas permanecemos ali, perdidos, ouvindo os gritos dela
pela casa. A bem da verdade, os dois estavam arrasados também, eles a
amavam e ouvir o pranto silencioso da minha mãe e o silêncio de meu pai
foram um dos motivos pelo qual permaneci calado o tempo todo. Não queria
destruí-los com a verdade. Mas passara a hora de contar, eles tinham que
parar de viver com as mentiras.
Eu podia não ser filho de sangue de Ana Célia, mas desde o dia em que
cheguei naquela casa, ainda recém-nascido, ela me tratou como tal. Minha
mãe biológica havia morrido no parto e para ela eu não era o fruto da traição
do marido, era o seu menino e ela não me deixou uma única vez duvidar do
amor que sentia por mim. Eu a amava demais. Tanto que era difícil lembrar
que não tinha nascido do seu ventre.
Em algum momento os gritos de Mona cessaram e sem falar nada andei
pela casa à procura dela. Era a minha vez de dar um encerramento para
aquela história, queria entender o motivo de tudo que fizera, mesmo que já
tivesse admitido ter sido a culpada por tudo, só precisava acabar com aquilo
de uma vez por todas. Não a encontrei em lugar algum, por isso acabei
subindo as escadas e fui em direção ao quarto que ela dividia com Cauã.
Passei pela porta entreaberta e estava uma completa bagunça,
aparentemente, ela resolvera quebrar tudo em um ataque insano de loucura,
mas o que me chamou atenção mesmo foi o barulho de água caindo. Com um
frio na barriga, segui até o banheiro e quando entrei dei um grito chamando
por socorro, pois encontrei Mona com os pulsos cortados, desfalecida dentro
da banheira.

Monalisa foi levada pela emergência ainda com vida, apesar da pulsação
fraca. Todos fomos para o hospital, até mesmo Cauã, que ficou sabendo por
mim. Embora estivesse muito pálida e desacordada, ela estava bem.
Independente de tudo, meu irmão ficou ao lado dela e também estava
arrasado. Eu não tinha certeza de como as coisas entre eles seriam depois e
ainda que tivesse todos os defeitos, tinha certeza que Cauã não a deixaria na
mão.
Os médicos garantiram que ela estava bem, ao menos fisicamente. O lado
emocional certamente precisaria de cuidados redobrados dali em diante. E
talvez todos precisássemos, depois daquela cena que ela protagonizou. Meu
pai estava arrasado e minha mãe seguia inconsolável pela filha ter tentado se
matar, mas tentamos passar por aquele dia sem mais dramas.
Eu me sentia tão cansado e acabado, que não sabia ainda como consegui
manter-me de pé. Ainda assim me mantive firme, porque meus pais
precisavam de mim e não poderia deixar de apoiá-los. Eu deveria saber que
Mona seria capaz de fazer algo do tipo, já que ela sempre se mostrara um
tanto desequilibrada, mas ninguém além dela mesma poderia evitar aquilo.
Ela ficaria internada por mais alguns dias e meus pais decidiram que, depois
que tivesse alta, a levariam para passar um tempo em uma clínica
especializada fora do país. Talvez fosse bom para ela, e a despeito de tudo
que me causara, nunca quis seu mal, apenas distância, e desejava
sinceramente que ficasse bem.
No dia seguinte ao ocorrido, tentava descansar, mas não conseguia dormir
mais do que alguns minutos. Minha vida parecia uma página em branco,
como se todos os meus planos simplesmente tivessem sido apagados e eu não
fazia ideia do que aconteceria dali em diante. Eu sabia que deveria tentar me
focar em alguma coisa que pudesse me distrair, mas ainda parecia ser uma
tarefa difícil pensar em qualquer coisa quando minha mente estava presa a
uma única pessoa.
Gostaria de poder dizer que estava bem ou ao menos melhor, que em dois
dias havia superado o que acontecera, mas estaria mentindo. Paula parecia ter
feito morada em meu coração e mente. Não havia um só segundo que não
pensava nela, até mesmo nos poucos momentos de sono ela vinha assombrar
meus sonhos.
O interfone tocou e pensei seriamente em ignorá-lo, mas decidi atendê-lo.
— Oi?
— Sr. Caio? Bom dia! — o porteiro me saudou assim que atendi.
— Bom dia — cumprimentei-o, embora meu humor estivesse dos piores,
não conseguia ser mal-educado.
— Tem uma visita aqui para o senhor. — Meu coração disparou e só
consegui pensar em uma pessoa.
— Quem? — ansioso, apressei-me em perguntar e senti que estava prestes
a hiperventilar.
— Túlio, senhor.
— Túlio? — repeti o nome, querendo me lembrar de onde o conhecia, mas
ninguém me veio à mente.
— Sim, senhor. Ele disse que é amigo da senhorita Paula.
— Amigo de Paula? — testei, perplexidade moldando cada sílaba, até que
me lembrei.
Bufei, cético, sem acreditar que tivera mesmo a coragem de me procurar.
Ele era muito cara de pau, para dizer o mínimo. Não fazia ideia do motivo da
visita, se fora ali com o intuito apenas de me provocar, mas estava disposto a
descobrir. Afinal, ele já estava com a garota, o que mais eu teria a perder?
— Mande-o subir — murmurei em resposta, antes de desligar o interfone.
Caminhei de volta para sala, pensando sobre aquela visita surpresa e
quando a campainha tocou, respirei fundo antes de abrir a porta. O cara alto,
quase da mesma altura que eu, me encarava com cara de pouco amigos, mas
não me intimidei, não tinha medo dele, não quando tudo que poderia temer
ele já tinha feito.
— Olá, Caio — ele me saudou, fitando-me com os olhos estreitos, de tal
modo, que não conseguia esconder o desgosto de estar na minha presença.
— Não venha com essa merda, quando tudo que eu quero é dar uma surra
em você! — rosnei, antes de virar as costas para ele e voltar para a sala.
Merda! Aquilo fora má ideia! Não seria tão fácil me segurar quanto
pensei!
— E por que isso? — Ele não pediu licença ou esperou por um convite,
entrou assim mesmo, como se não temesse o que eu poderia fazer com ele, o
que, claro, só aumentou ainda mais a vontade de quebrar a sua cara de
playboy. — Por que fui o único a estar com ela? — inquiriu, levantando as
sobrancelhas de modo significativo, e bufei em resposta.
Nem acreditava que ele viera mesmo para esfregar aquilo na minha cara!
— Você veio para isso? Para dizer que a tirou de mim? — mal consegui
controlar o tom desgostoso que me escapou, o que fez com que ele me
encarasse de cenho franzido.
— Você está falando sério? — ele quis saber depois de um segundou ou
dois. — Você quis dizer que tirei Paula de você?
— Do que diabos você está falando? — devolvi, completamente confuso.
— Paula — ele disse o nome dela como se fosse óbvio. — Você acha que
ela e eu estamos juntos? Que eu a tirei de você? — O timbre incrédulo me
pegou em cheio, muito mais até do que a resposta em si.
Um choque no peito, foi como me senti, como se o desfibrilador trouxesse
meu coração de volta à vida e o fizesse bater novamente. Meu rosto
esquentou, como se o sangue corresse rapidamente em minhas veias, todo
meu corpo recebendo uma descarga de adrenalina que nem mesmo um salto
de paraquedas poderia ser capaz de me fazer sentir.
— Vocês não são mais do que amigos? — testei, sentindo-me subitamente
leve depois de toda dor que carregava.
— Claro que não! — Ele sacudiu a cabeça enfatizando o que dissera. —
Eu sou gay, cara — soltou, abrindo o primeiro sorriso do dia, enquanto eu
olhava para ele assustado por um segundo ou dois, até que finalmente reagi.
— Ah, graças a Deus! — emiti em surpresa, não conseguindo deixar de
esconder o alívio por saber daquilo e surpreendendo-nos, fui até ele e o
abracei. — Você não sabe o quão aliviado estou por ouvir isso! — Eu ri
baixinho, não acreditando que tinha sido tão tolo por acreditar que Paula
estava com aquele cara.
— Er… Obrigado — devolveu, ainda cético, e me afastei sem deixar de
sorrir.
— Vou consertar as coisas — eu disse para ninguém em particular. — Sei
que você não deve estar entendendo nada e na verdade nem deve ir com a
minha cara, mas vou precisar da sua ajuda.
E precisava mesmo. Eu tinha um grande passo a dar e um projeto maior
ainda para consertar.
PAULA
CAPÍTULO
TRINTA E UM

O céu estava escuro, encoberto de nuvens, e o vento frio chicoteava em


nossas peles, quase um prólogo da chuva que estava por vir e de como me
sentia por dentro. Há alguns dias eu experimentava o amargor da vida, o
horrível impacto do mergulho em queda livre que dei, sem saber que galgava
meu próprio homicídio.
Ainda não sabia como pude permitir ir tão longe naquela história ou como
poderia esperar algo diferente lidando com uma pessoa que desde o início eu
sabia ser uma jogadora. Todos os avisos estavam ali, claros, antes mesmo que
me aproximasse, mas ainda assim, teimosamente, decidi ir em frente e dei-lhe
todas as armas para me destruir. Eu não poderia culpá-lo no fim, não quando
tinha minha própria estupidez para culpar.
Como se já não fosse ruim o suficiente minha vida amorosa estar um caos,
também fui demitida. Mas como tudo só podia piorar, descobri que o vídeo
que fizemos estava na internet para quem quisesse ver. Tudo bem que
ninguém poderia me reconhecer, porque realmente não dava para ver meu
rosto, mas eu sabia. E dado o número de visualizações, havia milhões de
pessoas gostando de assistir a mim no meu momento de entrega.
Poderia ser idiotice considerar aquilo, mas eu não achava que o vazamento
do vídeo tinha sido coisa de Caio. E já que o tinha bloqueado para não
receber ligações ou mensagens, foi um e-mail dele que me confirmou que eu
estava certa. Mas apenas isso e nada mais.
E, bem, o que eu esperava? Uma carta aberta de arrependimento?
Sempre soube que o mercado de trabalho não era nada fácil, por isso dei
ainda mais valor à chance que tive ao ganhar aquela vaga na DiFiori, mas
depois de ser colocada para fora, não via mais muita razão para ficar ali
quando não conseguia nada que me pagasse um salário mínimo que fosse.
Sem emprego ou casa, sem Caio…. eu não tinha nada. Nada mais parecia me
prender à capital. E eu estava mesmo tentada a retornar à minha velha vida.
Caio não me procurou, sequer tentou falar comigo depois do e-mail
enviado, simplesmente sumira de minha vida. Eu também não esperava que
ele ficasse atrás de mim depois de tudo. Não esperava, mas não significava
que não era o que eu desejava que fizesse, porque era sim. E a cada dia que
passava sem que ele viesse só parecia fazer com que aquela dor da perda dele
se aprofundasse ainda mais.
Ia melhorar… Era o que eu repetia para mim.
Tinha que aprender a suportar aquela sensação de ardência e sufocamento
no peito toda vez que pensava, falava ou ouvia o nome dele. Por isso decidi
empenhar-me em arranjar um emprego e me dei o prazo de um mês para
conseguir, caso contrário voltaria para minha cidade e esqueceria na marra o
que o coração parecia ser incapaz de me permitir fazer.
E foi nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, quando estava
prestes a desistir, que apareceu a primeira oportunidade. Tinha enviado meu
currículo para tantas agências e empresas de recrutamento, que nem me
importei em saber quem eram quando eles me contataram marcando uma
entrevista.
Nunca tinha escutado falar da Marnelas e depois de algumas pesquisas,
não descobri muito, já que não tinha nada na internet além do recém-
inaugurado site da empresa, que nas poucas informações que dava, se
limitava a especificar os muitos prêmios recebidos pelo sócio fundador, que
queria trazer para publicidade o diferencial de preocupar-se em produzir arte
enquanto promovia uma marca. E eu gostei muito do que li, não apenas
porque estava desesperada à procura de emprego, mas porque muito me
identificava com aquele pensamento, pois sempre enxerguei que nosso
trabalho era maior do que divulgar um produto, era a elaborar campanhas
com altas doses de criatividade, visando incorporá-lo à cultura popular.
Aceitar o emprego em uma empresa que estava apenas começando poderia
ser arriscado, já que não havia segurança e seu portfólio ainda era
inexplorado. Por outro lado, iniciar a minha carreira em um lugar novo
também poderia ser uma grande chance de criar minha própria identidade e
marca como publicitária. Eu não tinha nada a perder mesmo e talvez aquela
sim fosse não apenas a oportunidade de me tirar da fossa, mas também a da
minha vida e carreira.
Por isso arrumei-me com cuidado, deixando os cabelos soltos, vesti um
tailleur rosa-chá que havia comprado com o meu primeiro salário da DiFiori,
nos pés, scarpin de verniz preto e por causa das olheiras causadas pelas
noites maldormidas, caprichei na maquiagem – especialmente no corretivo –,
mas nada muito exagerado para não carregar o visual.
O tempo estava horrível e por isso fui de Uber, com medo de a chuva me
pegar no caminho. e por causa do horário acabei demorando um pouco mais
de tempo do que levaria em um dia normal, por isso estava ainda mais tensa
quando o carro parou no local indicado, um edifício pequeno de três andares,
não muito distante do meu antigo local de trabalho.
Na fachada, uma empresa especializada colocava a placa com a logomarca
da Marnelas, e olhando tudo ao redor entrei na recepção do prédio, sendo
impossível não notar a bagunça, eles ainda estavam obviamente em obras,
pois havia escadas de madeira, latas de tinta, rolos, pincéis e também alguns
funcionários fazendo serviços de elétrica, além do de pintura. Foi com eles
que pedi informações e depois de me responderem segui até o pequeno
elevador, onde apertei o botão para subir para o último andar.
Nervosa, respirei fundo quando as portas do elevador se abriram e
encontrei um ambiente mais rústico, com uma parede de tijolinhos e bastante
caixas. O som do meu salto ecoara no piso de madeira e uma mulher elegante
em um terninho preto saiu por uma porta, caminhando em minha direção.
— Bom dia. Você deve ser a Sra. Paula — disse ela, toda formal.
— Bom dia. Sim, sou eu — respondi, aturdida, olhando para o local
praticamente vazio ao nosso redor.
— É um prazer conhecê-la, meu nome é Adriana. Queira me acompanhar,
por favor. Ele está à sua espera. — Assenti, com o coração aos pulos, e a
cada passo que dava aumentava o meu desejo de ir embora.
Mas eu não podia. Tinha que conseguir aquele emprego se ainda quisesse
ficar na cidade. Caso contrário, teria que ir embora, pois não podia mais
continuar incomodando Túlio e o noivo na casa deles. Seria um abuso ficar
mais tempo do que já fiquei, embora eles garantissem que não precisava me
preocupar, que adoravam a minha companhia.
Endireitando um pouco os ombros, a segui por entre a bagunça, e no final
do corredor ela abriu a porta e se afastou para o lado, me dando passagem,
mas não entrou. Prendi a respiração quando notei quem estava sentado à
minha espera. O olhar de lince se travou no meu por um tempo que pareceu
infinito e eu achei que fosse ter um ataque cardíaco.
— Oi — ele me cumprimentou baixinho, meio sem jeito.
— Ei… — consegui responder, embora não fizesse a mínima ideia de
como não havia desmaiado, ao invés disso.
Diferente de como estava acostumada a vê-lo no ambiente de trabalho,
Caio usava minha combinação favorita, daquele jeito nerd meio desleixado,
vestido com uma camisa preta do Batman sob o terno da mesma cor e calça
jeans surrrada. Ele estava ali mesmo e não era um sonho. Caio estava ali e
tudo em mim queria correr, mas não consegui sequer me mover.
— Tudo bem? — perguntou, ainda sem tirar os olhos de mim.
Deus! O que eu deveria responder?
— Não sei… Eu… Hã… O que está acontecendo, Caio? — não hesitei em
perguntar, sentindo que a qualquer minuto poderia hiperventilar.
— Sente-se, por favor, Paula — ele indicou a cadeira em frente à sua
mesa, a voz ligeiramente rouca, e embora tenha pensado em recusar, fiz o que
pediu, porque temi desabar ali mesmo. Ainda assim não consegui encará-lo.
— Tive medo que não viesse — ele soltou, baixo, parecendo genuinamente
sincero.
— Talvez não devesse ter vindo. — Minha vontade era lhe dar as costas e
sair dali, contudo não conseguia. Minhas pernas me diziam exatamente
aquilo.
— Não vai pedir nada para beber? — ele perguntou me dirigindo um
sorriso brincalhão, mas havia tanta tristeza no gesto, que ofeguei antes de
engolir em seco, pois havia captado que ele escolhera propositalmente as
palavras que usara como desculpa para falar comigo no dia em que nos
conhecemos na boate.
— Apesar de não ser da sua conta, não estou a fim — repeti a mesma
resposta seca que lhe dirigi também, porque não acreditava mesmo que ele
queria começar aquele jogo outra vez depois de tudo. Por isso fiz questão de
lhe dirigir um olhar duro, para que ele soubesse. — Se foi para recomeçar
esse jogo que me chamou, acho melhor eu ir embora. Tenho certeza de que
não se lamentará por isso, já que provavelmente a sua irmã voltou para sua
cama. Se é que um dia saiu…
— Paula… — Ele se acomodou em sua cadeira, nitidamente incomodado,
mas sem jamais desviar os olhos dos meus. — Eu não tenho nada com
Monalisa há anos. e olha que muitas vezes ela foi atrás de mim no meu antigo
apartamento, algumas vezes até mesmo deu show quando me viu com outra
mulher, motivo pelo qual decidi me mudar. E já que estamos falando do que
quero, a verdade é que também não quero outra a não ser você.
Resfoleguei, quase como se o ar finalmente voltasse para os meus pulmões
depois de dias sem sequer conseguir respirar. Algo como voltar à vida, mas
também me ver sendo soterrada por ela, pois não podia me iludir depois de
tudo.
— Eu vou embora. — Fiz menção de levantar e ele me fez parar com o
que falou:
— Você não vai ficar para entrevista?
— Já não está vendo que isso não vai dar certo, Caio? É melhor eu ir
embora…
Ele assentiu, parecendo ansioso, como se esperasse que eu dissesse mais
alguma coisa, então inspirou fundo e pigarreou.
— Achei que fosse querer fazer uma entrevista com seu sócio — soltou
como se não fosse nada de mais.
— Sócio? — testei a palavra, sem fazer ideia do que ele estava falando.
— Sim, sócio — repetiu, ao passo que corria os dedos pelo cabelo em
desalinho.
— Você tem algum problema, só pode! — Dessa vez me levantei e ele fez
o mesmo, e então me impediu de sair ao se pôr em minha frente.
— Vamos conversar, por favor. — ele praticamente implorou e eu ri,
embora por dentro me sentisse destruída.
— Não há nada para conversar, já que você não me ama. Ou melhor,
nunca me amou. Que eu fui um erro, não é isso? — prossegui, minha voz
subindo alguns tons. — Já que você nem mesmo sabe onde estava com a
cabeça quando se envolveu comigo e depois daquela história da gravidez, não
confiava em mim. Que acreditar que o que tínhamos era verdadeiro a ponto
de ser para sempre foi seu maior arrependimento — repeti suas palavras de
uma vez e ele pareceu surpreso.
— De onde tirou isso?
— Eu ouvi você! — as palavras saíram como um rugido doloroso de
dentro do peito, como se ele tivesse aberto ali a caixa de Pandora na qual
isolei toda a minha dor, dor esta que ele mesmo causara.
— Eu nunca … — Ele pareceu se dar conta do que aconteceu e sem poder
negar me encarou de modo surpreso. — Você me ouviu conversando com
Rodrigo? — Eu não precisei responder, ele sabia. — Minha linda… — O
rosto bonito se transformou de repente em uma máscara de dor. — Eu não
estava falando de você… Jamais… Estava falando sobre Mona.
Ai. Meu. Deus.
Não precisei olhá-lo outra vez para perceber que Caio não mentia. Mona
me fez duvidar do que sentíamos um pelo outro, me colocando contra ele, e o
pior é que fui burra o suficiente para tirar conclusões precipitadas e sequer
dei a chance de ele se defender.
— Mona e eu ficamos juntos há anos. Eu tinha dezesseis anos quando
começou. — Ele tentou se aproximar, mas dei um passo para trás, mesmo
que, no fundo, quisesse me render. — Nós namoramos escondido por muito
tempo, porque ela dizia ter medo dos meus pais desistirem da adoção —
confessou baixinho, quase relutante em admitir aquilo. — Ela me traiu com
meu próprio irmão, porque aparentemente eu não era bom o suficiente para
ela, já que estava claro que Cauã seria o primeiro no comando da empresa. Eu
achava que seria para sempre, mas não foi, ainda era um adolescente que
acreditava em tudo que ela me dizia e só percebi isso quando me trocou pelo
meu irmão. Ainda assim, ela não saiu do meu pé e até mesmo disse estar
grávida de mim, mas nunca dei importancia. Deixei-a com a vida que
escolheu e segui com a minha, e você sabe… — Deu de ombros
envergonhado.
Deus! Eu não podia ficar ali! Não quando não confiava em mim quando o
assunto era ele!
— Caio… eu acho melhor eu ir…
— Você foi demitida porque a Mona invadiu meu computador e vazou
aquele vídeo e também entregou o cronograma do nosso projeto nas mãos de
meu pai. — Ele meneou a cabeça, bastante sem graça.
— Aí você se sentiu culpado pela minha demissão e resolveu pedir um
emprego para mim na Marnelas? — indaguei, sem conseguir me conter, e ele
sorriu, daquele jeito que me desarmava e fazia meu coração acelerar.
— Não. Eu também fui demitido, e mesmo quando Mona confessou o que
fizera e meu pai pediu desculpas, querendo me recontratar e a você também,
percebi que não era mais o que eu queria. Há muito tempo não estava feliz
ali, sem ter ampla liberdade para trabalhar como gostaria, porque embora
fosse um presidente, Cauã era quem mandava em tudo no final. Por isso
decidi começar minha empresa.
— Que bom para você então. Eu fico realmente feliz. — E eu estava. De
verdade.
— Quero que seja minha sócia, Paula — ele atalhou, ansioso, e eu abri a
boca em choque. — Sei que pode parecer que estou pedindo muito, já que
estamos começando agora e você só está no início da sua carreira para se
arriscar, mas acredito que podemos fazer um trabalho lindo juntos. Sem data
final definida — rapidamente emendou e então me lançou um olhar cheio de
segundas intenções que me fez resfolegar.
— Não…
— Nós temos um projeto de uma vida juntos, lembra? — indagou e fechei
os olhos, sem conseguir encará-lo de volta, então, quando achei que
conseguiria enfrentá-lo, tornei a abri-los. Caio abriu um sorriso para mim, os
dentes muito brancos, perfeitos, as duas covinhas surgindo nas suas
bochechas, assim como aquele olhar capaz de me hipnotizar e fazer meu
coração perder o compasso.
— Um que você jogou fora — intervi, sem conseguir conter o sarcasmo, e
ele anuiu, não tentando negar que errara.
— Acabei caindo na cilada que Mona armou, querendo me fazer acreditar
que você tinha outra pessoa. Quando te vi com Túlio fiquei fora de mim,
pensei besteira, mas olhando para você percebi que estava errado, sabia que
me amava e jamais faria algo do tipo comigo. Então saí, determinado a
consertar as coisas quando voltasse, e aconteceu o que aconteceu. Você disse
que estava saindo para ficar com ele e outra vez me senti enganado. Acho
que, no fundo, estava morrendo de medo do que sentia — admitiu e eu me
ouvi suspirar.
— Túlio é gay. E é casado — balbuciei, embora dessa vez tivesse sentido
vontade de rir. Especialmente quando vi o rosto dele se tingir de vermelho.
— Agora eu sei e me sinto ainda mais burro por ter duvidado, por um
segundo sequer, que você poderia ser de outro, quando sempre foi minha. —
Ele deu um passo à frente e respirei fundo, esperando não sei pelo quê. — Se
você não me perdoar agora, não tem importância, eu vou tentar amanhã,
depois e depois… Afinal, um projeto de uma vida é construído a cada dia. E
eu amo você, Paula. Desde as coisas mais óbvias às mais chatas.
Balancei a cabeça, negando, porque não tinha certeza de que continuaria a
resistir se ele continuasse falando.
— Amo você para caralho. — Ele encostou a testa na minha. — Você é
tão linda, maravilhosa por dentro e por fora, que me conquistou no exato
instante que li a paixão no seu trabalho para o concurso. E conhecê-la me deu
a certeza indefectível daquilo. Apaixonar-me por você foi tão fácil, que não
demorei a descobrir que era você que eu tanto esperava. Meu certo alguém…
— foi o que ele falou, antes de tirar do bolso a caixinha do anel de noivado
que me dera antes.
Acho que parei de respirar, enquanto lágrimas escorriam por meu rosto e
com uma delicadeza tamanha Caio secou cada uma delas.
— Você é meu certo alguém, Paula Maia — ele disse, seguro. — E estou
aqui prometendo a você novamente fazer a manutenção do nosso projeto sem
data final. Vem ser a coautora desse projeto comigo, minha linda?
Rindo e chorando feito boba, fiquei ali olhando para ele como uma menina
tola apaixonada pelo cara mais maravilhoso que podia existir, enquanto ele
aguardava uma resposta minha.
— Você é meu certo alguém também, Caio Ornelas DiFiori. — Curvando
os lábios em um sorriso presunçoso, Caio me puxou para ele, os olhos claros
nos meus, que emanavam uma emoção tão forte, que chegava a doer. — E
um projeto de tamanha magnitude significa um pra sempre. Está preparado
para isso? Não que você tenha escolha, claro — murmurei, passando os
braços ao redor do seu pescoço.
— Sem data final. — Piscou para mim, charmoso, daquele jeito só dele.
Sem conseguir me conter, beijei-o com tudo o que eu tinha, e quando
nossos lábios se tocaram meu corpo pareceu voltar à vida. Era forte demais,
intenso para cacete… era um sentimento concreto, profundo, de duas almas
que se reencontraram… O encontro aconteceu e como diz a canção: É melhor
não resistir e se entregar…
Eu não tinha motivos para resistir…
— Leve-me para casa — eu pedi e ele assentiu, antes de voltar a me beijar,
e então saímos porta a fora.
Afinal, o projeto da nossa vida começava naquele instante.
EPÍLOGO

Com a respiração acelerada, sentia as mãos tremerem diante da emoção do


momento. Usando um vestido claro brilhante com uma longa cauda, me via
prestes a dar um grande passo, e ter ciência daquilo bastou para me fazer ter
vontade de chorar, mas fazer aquilo borraria a minha maquiagem.
Ao meu lado estava Caio, lindo, em um smoking que parecia ter sido feito
para ele, um verdadeiro príncipe. Mas apesar da perfeição, eu adorava mesmo
era quando ele se vestia daquela forma nerd sexy, misturando terno com as
camisas de super-herói, só que aquela noite ele se vestia como mandava o
figurino. Os dentes brancos e alinhados mordiscaram o próprio lábio inferior,
como se tentasse manter o compelido controle, e mesmo depois de tanto
tempo juntos, ainda me sentia hipnotizada pela maneira como os olhos
brilhavam de modo sobrenatural, como de um lince, que fizeram meu coração
perder uma batida desde o instante em que o vi.
— Pronta? — Caio sussurrou a pergunta e respirei fundo, ainda hesitante.
— Nem um pouco — assegurei, antes de dar o primeiro passo.
O tapete vermelho iluminado estava estendido na entrada do evento de
premiação do Festival Internacional de Criatividade de Cannes[18], na
Riviera Francesa. Ao redor, vários fotógrafos e repórteres com câmeras à
espera de os transeuntes desfilarem pelo tapete.
Durante cinco dias do mês de junho, a cidade francesa se tornava fonte de
inspiração, celebração e aprendizagem, impulsionada pela crença de que a
criatividade é uma força para os negócios. E o fato de estar ali, para uma
premiação, quando era tão nova e ainda estava engatinhando quando o
assunto era publicidade, estava muito além do que imaginei e fazia meu
estômago se agitar em puro nervosismo.
Caio me incentivou a ir em frente, enquanto câmeras brilharam na minha
cara, me cegando, num frenesi louco além do que eu esperava. Dei mais um
passo e logo depois outro, e então, depois de posar para algumas fotos,
finalmente fugimos dos holofotes da entrada.
Aquela não era a primeira vez que Caio fora indicado para algum prêmio,
na verdade, ele já havia ganhado vários quando estava à frente da empresa do
pai, mas era a primeira vez que nossa agência era indicada, e não tínhamos
nem mesmo um ano de fundação. De alguma maneira, eu acreditava que ele
sentia tudo de maneira ainda mais intensa, já que abrira mão de uma carreira
em uma empresa sólida para galgar o próprio caminho sozinho, sem ser a
sombra de ninguém. Então estávamos os dois nervosos, embora Caio tentasse
disfarçar.
Apesar de tudo, a família DiFiori apoiara a escolha de Caio em seguir seus
próprios passos e não nos víamos como concorrentes, mas, sim, como
colegas de trabalho, onde cada um seguia seu próprio caminho. E no final não
era isso? Não importava mesmo títulos, prêmios, ou campanhas publicitárias
bilionárias, mas, sim, o prazer de trabalhar com o que amávamos. E todos
erámos inegavelmente apaixonados pelo que fazíamos.
Claro que não foi fácil, afinal, começamos a Marnelas do zero, e apesar
dos muitos contatos de Caio, tivemos de nos redobrar para provar que meu
marido nunca estivera à sombra do pai. Não que a competência dele fosse
motivo de dúvidas para alguém, mas ele empenhara-se para criar o próprio
legado e desde o princípio mostramos para os nossos novos clientes que não
estávamos ali para brincadeira e queríamos sim fazer a diferença.
Ter o voto de confiança de antigos amigos e clientes com certeza
impulsionou a empresa a ser o que era e não demorou para que novos
contratos viessem e rapidamente a Marnelas cresceu, de um jeito que
certamente não esperávamos. Os pais de Caio, assim como a minha mãe,
estavam orgulhosos de nós, nem mesmo o irmão dele não conseguia esconder
a admiração. Não é à toa que ele propôs que fundíssemos as agências, o que,
apesar de agradecer, não aceitamos.
Por falar nele, Cauã e Monalisa pareciam estar ensaiando uma
reconciliação depois de um ano separados. E eu estava torcendo para que
desse certo, porque Mona era de longe outra pessoa. Ela passara uma
temporada fora do Brasil em uma clínica de reabilitação, onde percebeu que
seus problemas psicológicos eram muito mais profundos do que a fixação
pelos irmãos. E depois da melhora, se empenhara em mudar sua vida, pediu
perdão a todos os que direta e indiretamente atingiu e magoou e passara a se
dedicar a causas sociais, em especial ao Centro de Valorização da Vida,
ajudando não apenas de forma financeira, mas também no apoio emocional e
prevenção ao suicídio das pessoas que precisam.
Enquanto nos sentávamos na cerimônia, Caio tentava ajudar com o meu
nervosismo, mas quanto mais perto chegava a hora das nossas categorias,
mais ele não conseguia disfarçar a inquietação. Recebemos troféu por alguns
de nossos trabalhos, mas a expectativa mesmo era pelo maior prêmio da
noite, a nomeação da agência do ano, e quando os dois locutores pisaram no
palco para premiar, senti-me um tanto zonza.
— Essa é a quinta vez que você recusa uma taça de vinho. E ainda por
cima não comeu nada. O que está acontecendo? — ele indagou, parando de
repente para me encarar.
Eu não queria fazer alarde e por isso passei a noite tentando disfarçar que
por dentro estava surtando. Só que pelo visto não estava sendo tão boa atriz
como pensei.
— Paula? — insistiu, parecendo genuinamente preocupado, e achei por
bem me fazer de desentendida.
— Não foi nada — tentei soar convincente, embora minha voz soasse
fraca até mesmo para meus próprios ouvidos.
A ruga de preocupação na testa dele não se desfez e ele pareceu um pouco
emburrado com minha resposta evasiva.
— Você está mentindo — observou, sério, e percebi que não tinha
escapatória.
Ele tinha razão, estava mentindo mesmo, mas estive tão focada na história
do prêmio, que nem mesmo tinha tido tempo para assimilar o que havia
descoberto horas antes. A verdade é que eu estava, de fato, surtando, e pensei
por um segundo ou dois se deveria dividir aquilo com ele logo. Afinal, tanta
coisa tinha acontecido nos últimos meses, que ainda parecia difícil
acompanhar, e dado o meu estado de choque percebi que não havia nenhuma
maneira de passar por aquela noite sem lhe contar o quanto antes.
Então quando o telão começou a reproduzir os vídeos com as agências
nomeadas ao prêmio, contei tudo. Caio fitava-me em estado de choque, e ante
a maneira emocionada que me encarava, meus olhos se encheram de lágrimas
quando os locutores começaram a falar em uníssono:
— E o vencedor para Grand Pix da categoria é… — Eles deram uma
pausa para o efeito dramático. — Marnelas!
O salão irrompeu em gritos e aplausos, mas nós nem mesmo parecíamos
ter nos dado conta, e foi preciso nos cutucarem para que enfim soubéssemos
que havíamos ganhado. Sem tirarmos os olhos um do outro, ele segurou
minha mão e seguimos juntos até o palco, onde recebemos cada um o troféu,
e Caio, rindo, foi até o microfone.
— Nossa! Isso foi… inesperado — ele disse em um inglês perfeito, e nós
trocamos um olhar cúmplice. — Há tanto a agradecer… — a voz dele se
quebrou e ele voltou a me encarar, e percebi que não era a única a ter
lágrimas escorrendo pelo rosto. — Desculpem… Mas vou parecer um tanto
quanto bobo em meu discurso, porque acabei de receber outra novidade que
me tirou o chão — a voz dele tremeu com contida emoção.
Eu também estava emocionada e surpresa, para dizer o mínimo, porque
depois de tudo entre nós acontecer tão rápido, inclusive o casamento,
havíamos conversado sobre esperar um pouco mais quando o assunto era
aquele. Afinal, eu era jovem e tínhamos uma empresa com pouco tempo de
experiência no mercado, então não tinha estado preocupada com isso quando
tomava remédio para evitar surpresas. Mas não poderia estar mais errada.
Aproximando-se do microfone novamente, Caio se recompôs antes de
prosseguir:
— Eu vou ser pai, cara! E isso me faz pensar em tanta coisa,
especialmente na importância de deixarmos um legado e indicarmos o
caminho do futuro em todos os sentidos. Muitas pessoas nos apoiaram nesse
momento, meu pai sempre fora minha pessoa preferida, minha inspiração,
não apenas hoje, mas em todos os dias, em especial quero agradecer à minha
esposa, porque ela é, sem dúvidas, a razão pela qual entendi aquela expressão
que atrás de um grande homem há uma grande mulher. E agradeço não
apenas por embarcar nesse projeto comigo, mas em todos os outros e no
principal deles: o projeto da nossa vida, que agora ganhará uma nova tarefa.
— Virando para me encarar, ele falou: — Eu amo você, minha linda.
Obrigado por esse presente. Obrigado por ser o meu presente e também
futuro. — Assenti, limpando minhas lágrimas, e ele voltou a olhar para a
plateia para completar: — E é isso que cada um de nós deve deixar, a nossa
marca para o futuro… Obrigado!
Emocionada, assisti a Caio se afastar do microfone e então, quando
descemos do palco sob o som de aplausos, seus lábios chegaram aos meus, e
faminto e apaixonado Caio me beijou. Interrompendo nosso arroubo de
paixão, ele encostou a testa à minha, nós dois respirando mais pesado.
— Temos um grande projeto pela frente… e eu amo saber disso — ele
disse, a voz baixa, aveludamente rouca, gostosa, antes de beijar outra vez.
E eu sabia que, por sua reação, ele estava sendo sincero, e apesar de
assustada, me sentia da mesma maneira. No final, eu estava errada em dizer
que não acreditava em amor à primeira vista. Mas certa quando disse que
Caio se encaixaria perfeitamente no papel do meu par perfeito.
E embora tudo tivesse começado como um jogo, cada um seguindo as
próprias regras, nós dois ganhamos no final. Agora não erámos mais
jogadores, éramos um time. Um grande time… A combinação perfeita.
Quer uma dica? Se um certo alguém cruzou o seu caminho… bem…
apenas não resista e se entregue, talvez ele possa ser a pessoa que vai mudar
tudo.

Festival de Criatividade de Cannes é o mais importante prêmio da publicidade mundial.


AGRADECIMENTOS

Há muitos anos, quando eu nem sonhava em me tornar escritora e


principalmente fazer dela a minha profissão, escrevi esse livro. Por um longo
tempo tinha esquecido essa história, que nem mesmo título tinha e o arquivo
era nomeado como “Projeto sem nome”, contudo mudou no exato instante
que abri o arquivo e descobri que não apenas tinha nas mãos um projeto para
reescrever, como também soube como chamar, porque a música de Lulu não
me saiu da mente. E é um prazer enorme poder dividir Caio e Paula com
vocês...
Meus agradecimentos maiores sempre serão deles, meus amores, minha
vida, minha família. Pai, mãe, marido e filho, obrigada. Por tudo. Sempre e
para sempre minhas maiores inspirações! <3
Thu, Taci e Thais, que me provaram que minha vida literária poderia ser
real.
À Carlie Ferrer, por ser essa inspiração. A Maria Rosa, por ser tão leal e
leoa.
A Martinha, por ter sido a pessoa que, literalmente, pegou na minha mão e
disse “Vai escrever Um certo alguém” no momento em que eu pensava em
desistir. A Paula por ter me apoiado a cada capítulo e “emprestado” também
um pouco dela para dar origem a Paula Maia. A Myllenn, por ser não apenas
o motivo das minhas gargalhadas, mas também aquele puxão de orelha
quando preciso! A Evelyn Santana, por ser a melhor gêmea e me apoiar a
cada desespero! A Evy Maciel, minha mana, por dividir o fantástico mundo
da literatura comigo! Amo vocês! <3
A Bia Carvalho por ajudar Um certo alguém a se tornar realidade. A
Felipe Colbert por apoiar e a Simone Fraga por acreditar!
Elaine Mendes, o chicretinho mais lindo e amado do mundo! Aos meus
colegas de profissão, e em especial para as meninas do grupo Juntos e
Shallow Now, que me ajudaram a escrevê-lo em tempo recorde: Esse livro
não sairia se não fosse vocês! Apenas obrigada!
Aos meus queridos parceiros, que me apoiam a cada dia! <3
Minhas leitoras queridas por não me fazerem desistir: Vocês são
maravilhosas! <3
Obrigada a você que está aqui, por me dar uma chance de lhe contar essa
história.
Beijos.

Míddian Meireles
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Laís Oliveira é uma garota com grandes sonhos profissionais que luta
bastante para alcançá-los. Ela foi criada no interior, mas veio para a cidade
grande em busca de vencer por seus próprios esforços. Quer terminar seu
mestrado e se tornar professora universitária.Antony Cavalcanti é um CEO
viciado em controle. Ele cuida de tudo o que lhe pertence e os mantêm em
segurança, mas talvez precise aprender que pessoas não são propriedades de
ninguém.Eles se esbarram, literalmente, e juntos vão construir uma história
cheia de sedução, prazer e sentimentos que os confundem. Conflitos, ciúmes
e obstáculos podem ser apenas alguns dos ingredientes que os desafiarão até
que o amor fale mais alto e, finalmente, alcancem seu 'happy end'.Laís e
Antony o convidam a conhecer e a participar desse intenso enredo que
envolve conquista, surpresas, raiva, sexo, e muito, muito amor.

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desapareci, sendo dado como morto pelos meus familiares e amigos. Porém,
a verdade é completamente diferente. Fui sequestrado por uma corporação
secreta e recebi um treinamento militar. O objetivo era me tornar um
assassino, mas eu escapei. Ao voltar para minha vida real, já não era o
mesmo. Apenas um pensamento preservou minha vontade de lutar e
sobreviver: Christine. A mulher que eu amava e que tanto magoei antes de
desaparecer. Contudo, surgir na porta da casa dela ferido e precisando de
ajuda talvez não fosse a forma mais correta de me redimir. Muito menos
colocá-la em perigo. Aqueles que me sequestraram ainda me perseguiam. Por
saber demais, queriam me eliminar. A solução que encontraram foi usar
Christine para me atingir. Então, eu precisava protegê-la, enquanto armava
um plano de vingança, sem saber que havia muito mais segredos que
colocariam a prova tudo em que eu acreditava e todos aqueles em quem
confiava.

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dia as páginas ganharam cores e tornaram Mia a protagonista de um romance
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apagar. Fugir da dor passou a ser a melhor opção para aplacar a culpa que
sentia. Contudo, assim como nas grandes histórias de amor, um passado mal
resolvido sempre retorna para cobrar as mágoas deixadas pelo caminho. E
encontrar o equilibrio entre o certo e o errado talvez fosse a única solução
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Ele não estava procurando, mas encontrou mesmo assim... Ela deveria ter
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se casar com o que pensava ser o homem de sua vida, mas o encontra na
cama com sua melhor amiga e madrinha de casamento. Isso a desestrutura e a
induz a fazer escolhas perigosas. A moça se aventura no universo das
acompanhantes de luxo para se manter na cidade grande até concluir o curso
de Medicina. Dylan do Prado Thompson III é um médico renomado,
descendente dos Thompsons, uma tradicional e influente família norte-
americana, radicada no Brasil no período da Guerra da Civil nos Estados
Unidos. Um Homem metódico, acostumado a ter o que deseja,
principalmente uma carteira invejável e uma bela esposa a quem pensa amar.
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libidinosa que chocaria seu meio social. Dylan e Evelyn, duas vidas de lados
opostos da cidade, são jogados juntos por um golpe caprichoso do destino. A
atração é imediata, forte, densa, voraz. E enquanto os dois se envolvem em
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