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Copyright © 2024 Cinthia Freire

Capa:
Thais Alves

Ilustração da Capa:
Bruna Garret

Arte do Miolo:
Aurora Karoliny

Revisão e Diagramação:
Carla Santos

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meio
eletrônico ou mecânico sem autorização da autora.
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Epígrafe
Dedicatória
Prólogo
Lista
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Epílogo
Agradecimentos
Nota da autora
Biografia
Obras
“Você me encantou demais
Mostrou seu coração do que ele é capaz
Por isso eu quero te dizer
Que a flor dessa canção sempre será você
Seu beijo despertou paixão
Desculpe se me apressei, pois nada foi em vão”
(Você Me Encantou Demais – Natiruts)
Foi em uma noite quente de verão que tudo começou, tínhamos apenas 12 anos e
estávamos dentro da minha casa de bonecas, nosso esconderijo não tão secreto, sonhando
com o protagonista do filme que tínhamos acabado de assistir quando Giovana teve a grande
ideia.
A ideia que deu início a toda a confusão que a minha vida se transformou.
Giovana era excelente em ter “grandes ideias”; a última nos rendeu um mês de castigo e,
naquela época, eu nem imaginava as encrencas em que as suas “ideias” ainda iam nos levar.
— O que vocês acham de fazermos uma lista? — perguntou com a alegria de uma garota
de 12 anos com uma ideia boba.
— Como assim? — Manuela questionou desconfiada, ela sempre foi a mais esperta de nós
três.
— Uma lista de desejos igual a do filme! — Giovana explicou sem perder a animação.
— Uma lista de desejos? — finalmente perguntei sem ao menos sonhar que aquilo, aquela
inocente brincadeira de criança, viria a ser o começo de tudo.
— Sim! Coisas para fazer antes dos 16. — Giovana disse já se levantando à procura de
papel e lápis e, como sempre, sua alegria nos contagiou. Ok, nem tanto, porque Manu era
madura demais para os seus doze anos e não achou muita graça na ideia.
Pouco tempo depois estávamos deitadas em meio a papéis coloridos, adesivos, cola,
glitter, uma foto do Jonas Brothers, outra do Kleber Toledo, o papel de bala que o Felipinho me
deu e minha caneta perfumada preferida.
Foram necessárias quatro folhas de rascunho e uma noite inteira para escolher todos os
dezesseis itens que estariam na minha lista. Quando finalizamos olhamos uma para a outra
satisfeitas e orgulhosas do resultado do nosso trabalho. Nos sentíamos rebeldes, livres e
inteligentes, os 16 anos pareciam promissores e estávamos prontas para ele.
— Pensando bem, acho que 16 anos é muito pouco tempo — falei relendo os últimos itens
e pensando se conseguiria fazer tudo aquilo em tão pouco tempo. — O que vocês acham de
20?
Giovana concordou meio que a contragosto, Manu apenas ergueu os ombros e eu
rabisquei o número 16 e coloquei 20 no lugar, acrescentando mais quatro itens e finalizando o
que, naquela época, eu imaginei que era a coisa mais criativa do mundo.
Durante dois anos, nossas vidas foram baseadas naquela lista, alguns dos desejos já haviam
sido realizados, mas outros não tínhamos nem ideia de quando aconteceriam, éramos meninas
e era permitido sonhar com bobagens como aquelas e acreditar que tudo era possível. Com o
tempo, Giovana e Manu descartaram as suas listas, disseram que era coisa de criança e que não
precisavam mais daquilo, no momento concordei com elas envergonhada por ainda ter a minha
guardada ao lado da minha cama e usá-la como meu guia de fracasso e vitória. Minha meta da
vida.
Seis anos se passaram e ela continuava escondidinha embaixo da minha agenda dobrada,
em pedacinhos tão pequenos, que ninguém nunca a percebeu; às vezes, eu apenas abro a
gaveta e olho para ela. Depois de tanto tempo ainda é a mesma, a mesma letrinha infantil, os
mesmos sonhos de uma garotinha, aguardando que todos os itens fossem realizados antes de
completar 20 anos:

1. Beijar o Felipinho.
2. Ver o dia nascer em uma praia.
3. Pintar o cabelo.
4. Fazer uma tattoo.
5. Colocar um piercing.
6. Terminar o colégio.
7. Aprender a dirigir.
8. Ir a um show de rock.
9. Ir a Disney com minhas amigas.
10. Beijar um americano.
11. Conhecer o Kleber Toledo.
12. Encher a cara.
13. Dar uma festa sem meus pais.
14. Aprender a tocar violão.
15. Comprar meu carro vermelho.
16. Entrar na faculdade.
17. Arrumar um emprego legal.
18. Perder a virgindade.
19. Morar fora do país.
20. Encontrar um grande amor.
Dias atuais...

Eu odeio propaganda de margarina!


Aquela família linda, magra e feliz tomando café da manhã, em um dia ensolarado me
irrita.
Em primeiro lugar: Nem todo mundo acorda feliz. Eu mesma não acordo.
Em segundo lugar: Ninguém consegue ser magro tomando aquele café da manhã, com um
quilo de margarina no pão e todos aqueles itens de buffet de hotel cinco estrelas.
Em terceiro lugar: Por que os dias têm que ser ensolarados? Em dias chuvosos, não se
come? Acho que deveria ser o contrário, eu mesma como muito mais no frio e, principalmente,
quando estou nervosa.
E em quarto e não menos importante: Nem todas as famílias são compostas de um pai,
uma mãe e um casal de filhos!
É como se fosse obrigatório, para ser feliz tem que ter esses quatro pré-requisitos, você
não tem? Lamento, querida, mas você não será feliz!
Ah, faça-me o favor!
É por isso que odeio comercial de margarina, ele retrata uma realidade que não existe!
Minha realidade é bem diferente, tenho um péssimo humor pela manhã; hoje estou pior.
Está chovendo toda a quota esperada para o mês de julho e minha mãe está no telefone, às
sete da manhã, com meu pai.
Eu juro que gostaria muito de não estar ouvindo a conversa deles, mas quando se mora em
um apartamento de 90 metros quadrados, apenas você e sua mãe, é quase impossível não
ouvir quando ela começa a discutir sua vida com seu pai, como se você ainda fosse uma
garotinha de dez anos.
— Bom dia, mãe! — falo alto para que ela possa me escutar.
— Oi, filha. — Ela coloca a mão no fone como se assim o impedisse de ouvi-la. —Estou
falando com seu pai — ela sussurra e reviro os olhos.
— Acho que o vizinho de baixo já sabe — digo e arrasto meus pés envoltos em minha
pantufa do Mickey para a cozinha.
— Seu pai está mandando um oi. — Minha mãe me dá um olhar recriminatório e ergo os
ombros sem a mínima vontade de fazer a social a essa hora da manhã com ele.
Juro que pensei em dizer o que eu tenho vontade, mas me limito a um simples “diga que
mandei outro” e volto para o meu café da manhã, sem pão com dose extra de colesterol, sem
alegria matinal, sem dia ensolarado, sem família feliz, apenas eu, meu pote da Minnie cheio de
cereal infantil com leite gelado e a maravilhosa programação da Disney Channel.
Tá, eu sei você deve estar se perguntando se eu tenho idade para isso. A resposta é não,
mas ninguém precisa saber, certo?
Continuo ouvindo minha mãe falar com meu pai e, mesmo que eu deseje aumentar o
volume ainda mais, não o faço.
Família feliz, fala sério! Isso é um insulto a minha pessoa. A minha família se resume a
minha mãe e eu. Duas vezes por mês recebemos uma ligação do meu pai e uma pensão que
alimentaria um pequeno país da Europa todo dia cinco. A pensão exagerada é uma maneira que
meu pai encontrou de compensar a sua ausência na minha vida, como se dinheiro suprisse a
falta que um pai faz na vida de uma garota.
Nem toda a fortuna dele me fará esquecer o maldito dia em que ele e minha mãe me
chamaram pra conversar. Eu tinha acabado de chegar da escola, cansada, morrendo de fome e
feliz porque tinha acabado de beijar o Felipinho. Poxa vida, era para ser o dia mais feliz da
minha vida, mais um item riscado da lista. Aquela lista que eu não consigo me desfazer, sabe?
Pois é... Mas meus pais escolheram logo aquele dia para terem “a conversa”.
Meu pai nunca almoçava em casa, mas naquele dia ele estava lá, sentado no sofá,
encarando o tapete persa enquanto minha mãe caminhava de um lado para o outro tentando
disfarçar seus olhos vermelhos. Fiquei com medo, primeiro imaginei que minha avó tinha
morrido, ela já estava bem doente e vivia no hospital. Meu pai me falou com toda a sua
seriedade de empresário que precisávamos ter uma conversa. A última vez que meu pai me
falou aquilo foi para falar sobre sexo, e eu gostaria muito de apagar aquela cena da minha
mente, imaginei o que teria de pior para ele querer falar comigo e hoje eu sei que falar de sexo
foi fichinha.
Joguei minha mochila no chão e fui para o sofá olhando para um e para o outro tentando
adivinhar o que poderia ser tão importante que merecesse uma reunião familiar àquela hora.
Eu poderia arriscar um bilhão de motivos para eles terem a tal conversa comigo, mas nunca em
toda a minha vida eu jamais imaginei que iria ouvir aquilo.
— Querida, eu quero que você saiba que tanto eu quanto a sua mãe te amamos muito,
você é e sempre será a coisa mais importante das nossas vidas, independente do que aconteça.
Naquela época, eu não sabia, mas hoje eu sei. Essa é a introdução básica para dar um pé na
bunda de alguém, o clássico “não é você, somos nós” dito em outras palavras.
Olhei para mamãe sem entender o motivo das lágrimas que ela tentava não deixar cair.
Tentei me lembrar de algo errado que eu havia feito, mas não havia nada, minhas notas
estavam excelentes e eu estava me comportando bem. A menos que um deles estivesse
doente... Senti meu coração disparar de pânico, mas, antes que eu aprofundasse minhas teorias
sobre a morte, mamãe falou:
— Luana, seu pai e eu estamos nos separando.
Me lembro de ter perguntado o motivo, do meu pai mentir dizendo que ainda amava a
mamãe, mas quem ama não vai embora, certo? Depois disse que nada ia mudar e que
ficaríamos bem.
É claro que depois disso tudo mudou, um mês depois estávamos procurando um novo lar e
logo nos mudando para o apartamento onde vivemos desde então. Eu ainda não estava
entendendo o que estava acontecendo, por que eles haviam se separado, por que tudo
aconteceu tão rápido. Poucos meses depois, as respostas chegaram, envoltas em um corpo
magro, cabelos curtos e um rosto que não chegava nem aos pés do da minha mãe.
Eu nunca vou entender como meu pai, um homem rico, poderoso e inteligente, pôde
trocar a minha mãe, a mulher mais linda do mundo, com aqueles olhos azuis da cor do céu e
aquelas pernas de bailarina por uma mulher chamada Diana!
Pois é, mas foi o que aconteceu. Meu pai, o poderoso Sr. Ricardo Calzzavari, dono de uma
das maiores agências de publicidade do país, se envolveu com uma mulher que atende pelo
nome de Diana. Eu nunca tive nada contra esse nome, é nome de princesa, a mais querida que
já ouvi falar, que teve uma morte trágica (aliás, uma morte que já desejei muitas vezes que a
vadia da Diana do meu pai tivesse), mas eu a odiava com todas as forças.
Chorei durante o primeiro mês em que nos mudamos, sentia muito a falta dele, mas com o
tempo a saudade foi se transformando em raiva, revolta, e foi assim que comecei a odiar
comercial de margarina.
— Mamãe, será que dá pra vocês brigarem um pouco mais baixo? — peço com a boca
cheia de cereal. — Eu estou ouvindo tudo!
Eu odeio quando isso acontece, eles começam a falar de mim como se eu fosse uma
mercadoria, algo que eles podem negociar e quem conseguir a melhor oferta leva, o problema
é que eu não estou à venda.
Dez minutos depois, minha mãe finalmente desliga o telefone e se senta ao meu lado.
— Bom dia, filha.
— Já passamos dessa parte, mãe — respondo ainda de boca cheia enquanto decido se vou
para a segunda tigela de cereal, não que eu esteja com fome, mas estou nervosa, o que é ainda
pior do que estar com fome no meu caso. — Já vou poupar seu tempo, a resposta é não —
respondo sem tirar meus olhos do episódio de Os Feiticeiros de Waverly Place que está
passando. É um dos meus favoritos.
— Não? Mas você nem sabe o que vou dizer — insiste olhando para mim.
— Eu sei sim, você vai me dizer que o papai está me fazendo uma proposta indecente
novamente e a minha resposta é não. Não, eu não sou um gênio ou algo parecido, acontece
que não existe nada mais óbvio do que as propostas do meu pai.
Minha mãe balança a cabeça inconformada com minha infantilidade. É, eu sei, às vezes até
eu mesma fico assim, mas hoje não me importo, não quero nada que venha do meu pai, já
tenho que aceitar seu dinheiro, não sou obrigada a tolerar sua esposa.
— Seu pai quer almoçar com você hoje, só vocês dois no restaurante de sempre. Ele vai
passar aqui pra te pegar às onze e meia, portanto para de comer isso, porque senão você não
vai conseguir comer nada no almoço — ela diz e se levanta indo para a cozinha.
— Como é que é? — pergunto estarrecida.
— Almoço às onze e meia com seu pai, agora vou indo que tenho hora marcada no
cabeleireiro. Te vejo mais tarde, filhotinha, te amo.
Minha mãe joga um beijo da porta enquanto come uma maçã e sai apressada me deixando
aqui sentada com meu pote de cereal pela metade e imaginando o que ele quer falar comigo,
que exige um tempo perdido com almoço. Ele quase nunca tem tempo para almoçar comigo. A
não ser que ele finalmente vai me dar a notícia que espero há tanto tempo.
Eles vão se separar.
Levanto-me do sofá, largo a tigela na pia e corro para o meu quarto, ocasiões importantes
pedem uma roupa especial, eu preciso me arrumar.
O dia promete!
Ainda me lembro da primeira vez que almocei com o meu pai no Clark’s.
Foi no meu aniversário de 16 anos, ele tinha marcado um jantar na casa dele com a nova
esposa Diana, a que tem nome de princesa, mas que, na verdade, é uma bruxa. É claro que nem
eu e muito menos a minha mãe fomos, então ele apareceu na porta da escola no dia do meu
aniversário com um lindo e gigante buquê de rosas vermelhas e me levou para almoçar no seu
restaurante preferido.
Foi a primeira vez que fomos em um lugar chique desde que tudo aconteceu, e eu estava
de uniforme. As outras vezes que comemos alguma coisa juntos sempre é no McDonald's e ele
sempre pede um milkshake, então eu sei que ele tem algo importante para me dizer.
Aaaaaahhhh, eu estou tão ansiosa!
Eu seria capaz de comer a geladeira, com porta e tudo, de tanta ansiedade. Então decido
fazer outra coisa que eu amo além de comer: escolher roupa.
Escolho uma saia de cintura alta e uma camisa de gola role sem manga, um lookzinho
básico e elegante, faço uma make bem natural e, às onze horas em ponto, estou pronta,
sentada no sofá, me controlando para não roer as unhas de tanta ansiedade, com as borboletas
explodindo no meu estômago e um sorriso bobo nos lábios.
Eu estou com um ótimo pressentimento. E morrendo de fome de novo.
Às onze e meia, meu pai chega, o elevador é lento demais para a minha ansiedade e sinto
que demoro anos até chegar à portaria onde meu pai me espera dentro do seu novo sedan de
luxo com vidros negros onde eu aposto a minha vida que ele está falando ao telefone. Jonas, o
motorista do meu pai desde que o mundo foi criado, desce assim que me vê e abre a porta
como o perfeito cavalheiro que é. Cumprimento-o com um beijo na bochecha e dou um abraço
rápido antes de entrar no carro. Para mim, Jonas é uma espécie de tio torto, eu não me lembro
de nada na minha vida em que a imagem de Jonas não esteja presente, os principais eventos,
festas e passeios no shopping... em tudo tinha a carinha feliz e prestativa de Jonas no meio.
— Olá, menina, como vai? — ele pergunta animado.
— Vou bem, e você?
— Estou bem também — ele responde com o seu sorriso de sempre e sinto que as coisas
estão começando a voltarem ao normal, esse sorriso deve ser um aviso do que virá. Eu sei que
é.
Entro e encontro meu pai exatamente como eu imaginei, ele rabisca algo em um papel
enquanto fala com alguém. Fico sentada por alguns segundos esperando-o dispensar seja lá
quem for do outro lado da linha e olhar para mim.
— Oi, filha. — Ele se inclina para me beijar. — Como você está linda!
— Oi, pai, obrigada. — Tento controlar minha ansiedade. — Eu estava com saudades! —
digo e não é mentira. Embora eu ainda sinta muita mágoa pelo que ele fez, eu o amo. Ele é meu
pai e nada poderá mudar isso, e toda vez que ele me abraça sinto como se nada no mundo
pudesse me atingir, como se tudo fosse exatamente igual a antes. O problema é que não nos
abraçamos muito ultimamente.
— Eu também, filha — ele diz com aquela carinha do gato de botas e eu me derreto por
ele. Viu, esse é o motivo que eu me mantenho afastada por tanto tempo, sou altamente
influenciada pela carinha do meu pai, ele quase tem tudo de mim quando me olha assim. —
Está com fome? — pergunta, mas ele já sabe a resposta, todos que me conhecem sabe. Eu
sempre estou com fome, como a Magali da turma da Mônica. A diferença é que eu não sou
muito fã de melancia, saudável demais para mim.
— Ótimo então vamos almoçar.

Eu poderia almoçar no Clark's todos os dias e, mesmo assim, nunca vou me acostumar com
o luxo desse lugar, eu acho que as pessoas deveriam usar traje de gala para frequentar esse
restaurante, os lustres são maiores que a minha sala, e cada cadeira pesa mais do que eu e a
mamãe juntas, mesmo assim eu adoro todo esse exagero.
E a comida, é claro!
Uma garota, que mais parece uma modelo da Vogue, nos recebe na entrada e nos
acompanha até a mesa. Assim que ficamos a sós, papai começa a me perguntar sobre a escola,
meus amigos e minhas notas. Respondo tudo com paciência, eu sei que é apenas a introdução,
ele já conhece todos os meus amigos, a escola é a mesma desde quando eu tinha dois anos de
idade e minhas notas sempre foram excelentes, mesmo assim respondo com paciência
tentando ser a filha exemplar e aguardando o assunto que nos trouxe até aqui.
— Como vai a sua mãe? — ele pergunta casualmente enquanto come seu carneiro assado
com laranja.
Ah sim... Agora sim vamos ao que realmente interessa. Ajeito-me na cadeira antes de
responder:
— Ela está ótima, trabalhando muito, aliás, ela não tem mais tempo pra nada, coitadinha.
Semana passada teve que dispensar um jantar com o Ângelo, o senhor lembra do Ângelo? —
enfatizo para provocar ciúmes. Sei lá, né, vai que cola.
Ele sorri para mim antes de responder:
— Claro que sim, filha.
Continuo exaltando as qualidades profissionais e o quanto a mamãe é dedicada, falo até da
nova cor de seus cabelos e como eles ressaltam os olhos dela, meu pai ouve tudo atentamente
como se realmente estivesse interessado. Depois que terminamos de escolher as sobremesas,
ele se sente mais à vontade e começa a falar:
— Luana, eu te trouxe aqui hoje porque gostaria de conversarmos sobre o seu
comportamento.
Arregalo meus olhos assustada com o rumo da conversa, o assunto era sobre a futura ex-
mulher dele, não era?
— O... O meu comportamento? O que tem o meu comportamento? — pergunto na
defensiva.
Tento repassar meus últimos passos em busca de algo muito errado que eu talvez pudesse
ter feito, mas não consigo me lembrar de algo assim tão rápido. Tudo bem, fiquei com dois
meninos na festa da Paulinha na semana passada, mas tenho certeza de que meu pai jamais
saberia, a não ser que ele tenha acesso as minhas redes sociais e isso ele não tem, ou tem?
Começo a repassar tudo o que conversei nos últimos dias na internet e começo a gelar. Se ele
tiver acesso a essas informações, eu estou perdida!
— As coisas não estão indo bem entre nós, e isso não é nenhuma novidade, você rejeita
tudo o que vem de mim, passamos pouquíssimo tempo juntos, você nem ao menos vai a nossa
casa.
Então é isso? Faço um agradecimento mental a Nossa Senhora das Causas Virtuais e me
obrigo a lembrar de tomar mais cuidado com o que escrevo, talvez isso seja um aviso. Está
decidido, a partir de hoje apagarei todas as conversas comprometedoras que tenho, ou seja,
quase todas. Principalmente as que tenho com Giovana. Meu Deus, se ele sabe metade do que
tem ali...
— Eu dei todo o tempo do mundo para você se acostumar com a minha separação — ele
continua falando enquanto estou repassando meus últimos posts e compartilhamentos como
uma auditora virtual. — Já se passaram seis anos e você não mudou, não se importa nem um
pouco se eu estou sofrendo com isso ou não, eu sou seu pai, ou não sou mais?
Opa! Peraí, é sério? Ele vai mesmo tentar me chantagear aqui, no Clark’s, enquanto
aguardo ansiosamente pelo sorvete de menta com calda de chocolate belga?
Jogo baixo, papai, jogo muito baixo. Eu não faria melhor.
— Claro que você é meu pai. — Me controlo para não revirar os olhos, ele está tentando
chantagear a mim, a rainha da chantagem sentimental.
— Eu esperava que pudéssemos resolver tudo isso, mas você não quer nem me ouvir,
como se eu fosse um criminoso — e ele continua, o que começa a me deixar impressionada. —
O que aconteceu entre mim e sua mãe só diz respeito a nós dois, não tem nada a ver com você.
— Eu sei pai, eu sei — digo apenas para que ele saiba que estou ouvindo, embora eu já não
tenha tanta certeza se quero ou não ouvir.
Ele estende a mão sobre a mesa segurando a minha com força e me fazendo olhar para ele
e sorri, aquele sorriso que derrete os corações das vadias que se chamam Diana e que me faz
querer abraçá-lo.
— Eu sinto sua falta, filha. — E lá vem o golpe final. — Sinto falta de você no Natal, nas
viagens de férias, sinto sua falta cantarolando alto, nadando na piscina, abrindo a geladeira
para pensar, enchendo a casa de vida. Sem você, eu nunca serei completo e feliz. Por favor, dá
uma chance pro seu velho.
Ah, não!
Ele não está fazendo isso comigo. Isso é cruel, mesquinho e injusto. Como alguém que
tenha um coração pode resistir quando ele fala assim? Não é à toa que ele é um empresário de
sucesso. Papai tem o dom da palavra.
— Pai, não faça isso, não tem nada a ver com você, é aquela mulher, eu não posso ficar no
mesmo lugar que ela, não dá.
Já tivemos essa mesma conversa umas mil vezes, eu quase posso chamar isso aqui de déjà
vu, de tantas vezes que já aconteceu. Mas o meu velho é insistente e brasileiro. Não desiste
nunca.
— Luana, você não deu chance para ela te conhecer — ele começa a defendê-la e sinto o
almoço revirar no estômago.
— Nem quero! — rebato percebendo que ela ainda está na jogada. Lá se foi o meu sonho
de dia perfeito...
— Você está sendo infantil, Luana — papai diz perdendo finalmente a paciência.
— Eu sou infantil, principalmente quando diz respeito a minha mãe. — Tento parecer forte,
mas minha voz embarga.
— Acontece que você já tem dezoito anos, está terminando a escola, está na hora de
crescer.
— E o que isso tem a ver com a sua... — Não vou chamá-la de sua “mulher”, não mesmo!
Ele abaixa a cabeça nas mãos e fica assim por um tempo até ser interrompido pelo garçom
com nossas sobremesas.
— Luana, eu não te chamei aqui pra brigar com você — ele fala depois de um tempo. — Eu
quero te fazer uma proposta, mas eu quero que você pense primeiro, não me dê a resposta
agora, por favor.
Penso em dizer não, me levantar, bater o pé e sair do restaurante, mas é meu pai, e dessa
vez ele teve uma jogada de mestre, me pegou desprevenida e de guarda baixa. Eu jamais
conseguiria dizer não para ele nesse momento, principalmente enquanto a calda de chocolate
belga escorre pela taça.
É muita covardia... Respiro fundo.
— Tudo bem, papai, pode falar — digo, já sabendo que a resposta será não.
Às oito horas da noite, estou sentada na minha cama com uma panela de brigadeiro
quente entre mim e Giovana; Manu está deitada do outro lado, o rosto amassado na minha
almofada de pelúcia enquanto ela ronca baixinho.
— Puta merda! — é o décimo sexto palavrão que Giovana diz de boca cheia. — E aí, você
aceitou?
— Não, claro não — respondo com a boca tão cheia que até babo.
— Por quê? — Giovana se vira e eu poderia jurar que seus olhinhos puxados estão
arregalados.
Por quê? Eu não sei responder, não de verdade, isso é algo que eu quero muito, um dos
desejos da minha lista de coisas para fazer antes dos 20 anos e, agora que eu consegui, estou
aqui na minha cama me entupindo de brigadeiro só para não ter que falar sobre isso com
minha amiga.
Às vezes é difícil lidar com Giovana, ela não aceita respostas simples, e parece ler minha
alma; Manuela é mais fácil, ela está sempre atolada de apostilas e cálculos de matemática ou
cansada demais para me interrogar.
Olho para Giovana e não falo, ainda estou pensando no almoço de hoje, meu pai foi com
todas as cartas para tentar a sua última jogada, e acho que dessa vez ele conseguiu, ele jogou
sujo, isso é verdade, mas confesso que fiquei impressionada com o seu poder de persuasão.
Depois de ter passado a tarde inteira ouvindo minha mãe falar o quanto eu era sortuda por ter
um pai maravilhoso que me ama e me quer por perto, agora é a vez de Giovana me cravejar de
culpa.
— Luana, presta atenção no que você está fazendo, isso já é demais!
Reviro os olhos irritada enquanto coloco mais uma colherada de brigadeiro na boca.
— Lu, eu já posso imaginar nós três, lindas e livres, na Disney sozinhas, cercada por todos
aqueles brinquedos maravilhosos e o castelo da Cinderela. — Ela se joga na cama com a colher
de brigadeiro na mão. — Nós vamos ver o desfile. Ai, Jesus! Eu já estou me imaginando lá
naquele lugar mágico...
Depois eu é que sou infantil...
— Eu preciso te mostrar uma coisa que descobri esses dias. — Giovana se levanta e pega o
notebook que está no chão ao lado da cama, ela liga e abre a aba de pesquisas na internet. —
Isso vai acabar com todas as suas dúvidas.

Passamos a noite inteira debruçadas na internet pesquisando tudo sobre a Disney, blogs,
canais, IGs de viagens. Anotamos nomes de lojas e restaurantes, e Giovana até mesmo
pesquisou o preço de algumas fantasias, ela jurou que era só por curiosidade. Em algum
momento da madrugada, Manuela se junta a nós e o tempo passa sem nos darmos conta.
Às cinco da manhã, temos dez folhas de anotações, oito blogs e centenas de fotos salvas. O
sol já está começando a nascer e eu estou no banheiro, vomitando.
Eu só não sei se é por causa da panela de brigadeiro que comi, ou por causa do que estou
prestes a fazer.
O grande dia chegou.
Foram meses de espera e muita ansiedade, principalmente por parte de Giovana, a grande
responsável por me fazer aceitar ser subornada dessa forma.
Nós três na Disney.
Ouvi essa frase milhares de vezes junto com todas as coisas maravilhosas que nós três
faríamos na Disney.
Sempre que eu trazia um argumento para justificar o erro que estava prestes a cometer,
Giovana vinha com o nós três na Disney junto com sua cara de cachorrinho pidão e eu perdia a
coragem de cancelar tudo.
Por fim Manuela não poderá ir conosco, o ano está acabando e ela já está com a cara
enfiada nos livros há tanto tempo que eu nem ao menos me lembro a última vez que vi seu
rosto, então Disney para ela será apenas através dos Stories, dos cartões-postais e mimos que
prometi trazer.
Eu disse que era um mau presságio, que, se ela não poderia ir, então não iríamos, mas
então Manu se juntou a Giovana em seu discurso e então aceitei. É minha primeira viagem
internacional sozinha, mais um item da lista a ser riscado. Ok, tecnicamente não estaremos
sozinhas, papai comprou um pacote em uma agência de viagens que tem guia turístico bilingue
e tudo mais, acho que, na verdade, ele não confia muito em mim e com certeza não confia nada
na Giovana, não é o que eu queria, mesmo assim muito melhor a supervisão de um guia do que
a dos meus pais.
Para Giovana não importa, pode ir o Papa do nosso lado que para ela está bom, ela é uma
excelente amiga, nos conhecemos desde os dois anos de idade, não me lembro da vida sem ela,
e gosto disso. Assim como eu, ela também não tem irmãos e nos completamos, estamos
sempre juntas. Já Manu é a nerd, ou melhor, a geek como ela prefere ser chamada, porque “ela
faz acontecer”, palavras dela que leu em uma revista inglesa e achou o máximo. Éramos muito
unidas, mas, desde que ela decidiu que iria para Harvard (isso mesmo, Harvard!), quase não nos
vemos mais. E quando nos vemos, ela está tão cansada que acaba dormindo no meio da
conversa.
Temos uma vida bem legal, somos populares e sempre somos convidadas para as principais
festas e viagens do pessoal, inclusive somos as melhores em dar festas (outro item da lista que
já foi realizado há muito tempo) e mesmo assim ainda somos excelentes alunas, o que foi de
muita utilidade na hora do meu pai convencer o pai da Giovana.
Agora estamos aqui, na sala de embarque do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Giovana anda de um lado para o outro, cantarolando uma música qualquer, e chama a atenção
de um grupo de meninos do outro lado da sala.
Ela é bonita, muito bonita, aliás, Giovana Kimoto é a japonesa mais linda que já vi, esqueça
essas japonesas de televisão, artificiais e rebocadas. Giovana é linda de verdade, ela tem um
rostinho de mangá com olhos puxadinhos e nariz pequeno, a pele é de dar inveja e seus cabelos
negros e pesados caem até a altura da cintura, mas é seu corpo que mais chama a atenção,
Giovana tem rosto oriental e corpo de brasileira, resultado da união de seu pai Marcio Kimoto,
japonês, e sua mãe Claudia dos Santos Kimoto, carioca. O resultado foi a garota mais bonita e
popular da escola.
Eu... Bom, eu sou uma garota bonita, claro! Mas se levar em conta a minha falta de
modéstia, a minha obsessão por roupas da moda e minha maleta de maquiagem, eu sou uma
garota linda!
Meus cabelos loiros, com a ajuda das luzes que acabei de retocar, ajudam bastante, afinal
que cara não gosta de ver uma loira produzida? Porém, não sou lá muito alta, na verdade estou
bem na média, e estou um pouquinho acima do peso, culpa da minha compulsão alimentar,
não é nada sério, juro, é que eu como um pouquinho demais quando estou nervosa. O
problema é que eu estou sempre nervosa.
Por sorte herdei as lindas pernas de bailarina da minha mãe e os olhos hipnotizantes de
meu pai, mas termina por aí, eu tenho certeza de que meu sucesso com os garotos se dá mais
pela companhia constante da Giovana do que por mim mesma. E essa confissão morrerá aqui,
eu jamais falarei isso para ela, ou ninguém jamais colocará seu ego de volta no lugar.
Faltam trinta minutos para embarcarmos e Giovana está saltitando igual pipoca na panela.
Já fizemos tantas fotos e Stories que eu já perdi a criatividade. Enquanto minha amiga rebola
sua bunda brasileira para lá e para cá, eu estou observando o vai e vem dos aviões lá fora. E por
que eu não estou tão ansiosa? Por que eu não estou feliz por finalmente ter a minha tão
sonhada viagem?
Porque eu sei o preço que vou pagar por essa viagem quando voltar, e não será barato. Eu
não sei onde eu estava com a minha cabeça quando aceitei isso, deve ter sido o brigadeiro, só
pode ser, ele e o chororô de Giovana, que me coagiu a aceitar isso. Por via das dúvidas, eu
prometi a mim mesma que eu nunca mais comerei brigadeiro, aquilo faz mal para o cérebro.
Agora estou aqui, sentada na ponta da cadeira, encarando o fundo da sala e me
preparando para mais de oito horas dentro de um avião enquanto masco o quinto chiclete em
meia hora.
Já viajei de avião antes, aliás, quando eu tinha uma família de propaganda de margarina,
viajávamos duas vezes por ano, as vezes três, fomos para diversos lugares e, para dizer a
verdade, já fui a Disney uma vez aos cinco anos de idade, mas, como não me lembro de
absolutamente nada, então para mim não conta, aliás, não entendo por que levar uma criança
de cinco anos a Disney.
— Luana?
Ergo a cabeça, enquanto saio dos meus pensamentos, e encontro Giovana e dois garotos
parados na minha frente.
— Oi.
— Lu, esses aqui são o Pedro e o Alex. — Minha amiga aponta para os garotos ao seu lado
e sorri. Um sorriso que conheço bem. — Eles vão viajar com a gente.
Ergo as sobrancelhas impressionada com a agilidade da minha amiga em encontrar algo
interessante para fazer em qualquer lugar que ela esteja.
Um dia, estávamos no Poupatempo, mais perdidas que cachorro em mudança, tentando
renovar nossos RGs, que ainda tinha nossas fotos do jardim da infância, e quando procurei por
minha amiga ela estava conversando com um rapaz. Passaram o resto da tarde (sim, passamos
uma tarde inteira naquele lugar!) conversando, depois trocaram telefones e se encontraram
algumas vezes, inclusive ele veio se despedir dela hoje. Coitadinho, mal sabe ele que não tem
mais nenhuma chance.
— Ah, oi, sou Luana!
Cumprimento os meninos enquanto Giovana sinaliza nas costas deles que o tal Pedro já é
dela, como se o rapaz fosse uma mercadoria ou se ficar com ela fosse algo que não tem
negociação, embora isso seja um fato. Sorrio levemente para os rapazes e para a tarada que
está cobiçando o traseiro do tal do Pedro enquanto ele me cumprimenta.
Os meninos até que são legais e bonitinhos. Engatamos uma conversa agradável,
descobrimos algumas coisas em comum e acabo me distraindo um pouco, até a hora que nosso
voo é chamado pelo alto-falante e meu estômago se revira.
Odeio viajar de avião!
Posso passar minha vida inteira viajando que mesmo assim ainda vou odiar, odeio o frio na
barriga que sinto quando o avião decola e odeio a sensação de estar pairando no ar, mesmo
estando a uma velocidade assustadora, odeio me sentir pequenina e desprotegida e odeio
saber que, se eu precisar sair para tomar um ar, não vou poder, estou presa dentro daquela lata
de sardinha tamanho família com um monte de gente que nunca vi na minha vida e isso me
apavora.
— Vamos logo, Lu, a Cinderela me espera! — Giovana solta sem se importar que há dois
garotos do nosso lado.
Os meninos sorriem enquanto se olham, imagino que devem estar achando a Giovana
gostosa e boba. Que garota de 18 anos sonha em conhecer a Cinderela? A Giovana, claro! Mas,
pelo jeito que eles olham para ela, imagino que pouco importa quem ela quer conhecer,
contanto que, pelo menos, um deles conheça o gosto do beijo da minha amiga. E eu garanto
que vai.
Estou ficando irritada, minhas mãos começam a suar e, assim que me sento na poltrona
que está no ticket, a sensação de claustrofobia começa, eu mal entrei e já estou com vontade
de sair para tomar um ar.
Minha amiga volúvel troca de lugar com o Alex para poder sentar-se junto com o Pedro
sem ao menos me perguntar se podia, claro que ela sabia que a resposta seria não e por isso
não me perguntou.
— Acho que não é uma boa ideia, Giovana — falo baixinho para não chamar muita
atenção.
— Relaxa, Lu, eu prometo que não vou morrer, não antes de conhecer a Cinderela!
Não respondo, apenas me encolho na poltrona enquanto Alex sorri. Já que não há escolha,
retiro minha bolsa do assento retribuindo o sorriso que o garoto me dá. Ele se senta ao meu
lado e, por impulso, tento abrir a janelinha maldita, já que o ar está ficando escasso aqui
dentro.
— Acho que essa aí não abre — ele fala e depois sorri meio sem graça.
— Eu só... estava testando para ver se estava bem fechada, outro dia um avião não decolou
porque a janela estava aberta — minto e me sinto ridícula quando ele ergue as sobrancelhas
com meu comentário.
— Não diga...
— Pois é. Que loucura, né?
Olho fixamente para o encosto do banco da frente evitando prolongar a conversa, porque
as chances de eu falar uma besteira são muito grandes.
Alex é legal, não é alto, um metro e setenta eu acho, talvez um pouco mais, é magro, bem
magro, mas bonitinho, cabelos negros muito bem arrumados, impecavelmente bem-vestido e
absurdamente cheiroso, tem um ar de confiança que o torna atraente, um estilo James Dean e
um sorriso legal, acho que, se não estivéssemos em um avião, eu provavelmente estaria
disposta a beijá-lo.
As portas se fecham, as aeromoças começam com aquele procedimento padrão e um
sorriso nos lábios como se fosse a coisa mais simples do mundo.
A festa vai começar!
— Em caso de despressurização as máscaras cairão automaticamente.
O que pode causar despressurização de um avião? Com certeza algo grave, muito grave,
não é?
— Lembramos que o assento da sua poltrona é flutuante...
Por Deus! É melhor nem falar uma coisa dessa, porque em que situação eu utilizaria meu
assento como um barco à deriva no meio do oceano Atlântico? Isso se eu sobreviver à queda,
né?
E os cartões de instruções? Eu já decorei todos eles, tenho um na minha bolsa, que peguei
em uma das piores viagens da minha vida quando achei que ia morrer depois de três horas de
turbulência, mesmo assim não consigo me sentir nem um pouco mais à vontade por isso.
— Acho que, se você apertar mais um pouco esse cinto, vai cortar a circulação na parte
inferior do seu corpo.
Olho assustada para o garoto que sorri tranquilamente para mim. Eu nem me lembrava
mais que ele está aqui.
— Eu gosto, me sinto confortável assim — justifico e ele ergue as sobrancelhas.
— Hummm... entendi — ele responde e aperta os lábios provando que está se divertindo à
minha custa.
Alex está tão à vontade nessa poltrona que começo a ficar com raiva, com o cinto
levemente frouxo em seu colo. Esse sorriso galanteador e a voz calma faz eu me sentir ridícula,
droga!
Estou quase pedindo que ele espere o avião pousar para conversarmos direito, nada de
bom sairá da minha boca nesse avião e ele ficará com uma péssima impressão sobre mim.
Começo a encarar a poltrona da frente novamente enquanto a aeromoça dá as últimas
instruções e, quando o avião começa a taxiar, fecho meus olhos sentindo aquela sensação
horrível de pré-morte.
— Pode segurar minha mão se quiser. — Sua voz sai tão baixa, que sinto os pelos da minha
nuca se arrepiarem.
— Obrigada. — Penso em recusar, mas, assim que sinto meu corpo ser impulsionado para
trás agarro a sua mão forte e quente e volto a fechar meus olhos.
É sempre assim, esses poucos segundos em que o avião decola são os piores da minha
vida, eu tenho a sensação de que minha alma está se desprendendo do meu corpo,
permanecendo em terra firme onde aguardará por mim quando eu chegar. Se eu chegar.
— Acho que você precisa comer mais feijão com arroz — Alex brinca tentando me acalmar,
olho para as nossas mãos e percebo que eu praticamente esmaguei a mão do pobre rapaz. Seus
dedos estão levemente arroxeados e a solto rapidamente envergonhada. Ele volta a segurar
minha mão, envolvendo-a entre as suas me transmitindo uma sensação boa de conforto.
— Ei, não precisa ficar envergonhada, muita gente tem medo de avião, é muito comum.
Sorrio em agradecimento, incapaz de dizer algo e aguardamos até que os prédios se
tornem minúsculos lá embaixo e o avião se estabilize no ar.
— Então, você também está indo para a Disney realizar um sonho de infância? — Ele puxa
um papo comigo na tentava vã de me acalmar. Pobre, rapaz!
— Não, na verdade já fui a Disney quando era criança, estou indo agora pelos parques e
porque está na minha lista de coisas a fazer antes dos 20 anos.
Fecho a boca no momento em que percebo que citei a lista. Droga, eu deveria ficar calada!
Alex se mexe na poltrona soltando seu cinto, nitidamente interessado no que eu disse.
— Como é? Lista de coisas a fazer? — ele pergunta curioso. — Me explique isso.
— Ponha o cinto de volta, por favor — peço com a voz um pouco desesperada apontando
para as peças soltas em seu colo.
— Você quer que eu passe a viagem inteira com esse cinto?
Confirmo enquanto ele balança a cabeça inconformado com minha condição e afivela o
cinto novamente ao seu corpo.
— E aí? Desistiu de falar? — Alex me traz de volta a minha dura e sufocante realidade.
— Não... Eu só estava esperando você estar devidamente seguro, não quero ninguém
morto ao meu lado.
— Ah, claro, obrigado por se preocupar. — Ele sorri e não é que ele tem um sorriso bem
bonitinho?
— Tudo bem, eu sou assim mesmo — me gabo.
— E a lista?
— Ah, sim. A lista...
E então eu começo a falar, falo sem pensar e conto a esse completo e charmoso
desconhecido sobre a minha ridícula lista de coisas que ainda guardo na minha gaveta.
Alguns dos itens já realizei, como ter uma festa de 15 anos e dançar com o Kleber Toledo
(iiimmm, eu dancei com o Kleber Toledo, tá! Tenho 127 fotos com ele e um pôster
autografado). Já fui a vários shows, inclusive ao Rock in Rio. Outros itens, eu desisti, como: tocar
violão. Simplesmente não nasci para isso, eu tive que fazer uma escolha, meus dedos ou o
violão, e escolhi os meus dedos, claro. Outros itens ainda estão intactos. Nessa viagem
pretendo matar dois coelhos com uma cajadada só.
Ir a Disney com minhas amigas e beijar um americano.
E quem sabe... Se eu conseguir um americano bem lindo, alto, forte, com aquele inglês
perfeito, eu talvez possa até riscar mais um item.
Perder a virgindade.
Tudo bem que é um item muito complicado e talvez eu tenha que realizar mais um item
para chegar até ele.
Encher a cara.
Embora eu já tenha realizado esse item antes. Mas, como eu estarei a milhares de
quilômetros de distância, em um país que é proibido beber antes dos 21 anos, provavelmente
eu voltarei para casa como o item 18 intacto, já que não terei coragem suficiente para levá-lo
até o fim, a não ser que o tal americano seja muito, muito bom mesmo.
Por fim, conto ao garoto charmoso como tudo aconteceu, ele ouve com um sorriso. Não
conto todos os 20 itens, apenas os mais superficiais e logo nossa conversa passa para filmes
preferidos, música, comida, lugares que já fomos e os que iremos, a escola, a faculdade, os ex
(conto só sobre os interessantes, claro). Falo sobre a Giovana e ele sobre o Pedro. Quando
cansamos de conversar escolhemos um filme e assistimos juntos. Na metade do filme, ele
adormece. Seus cabelos começam a se desmanchar e sorrio achando que ele fica ainda mais
bonitinho dormindo.
Olho pra trás em busca da minha amiga e não me surpreendo quando vejo Giovana e
Pedro se agarrando, com certeza, se eu não estivesse tão nervosa, eu também estaria fazendo a
mesma coisa com o James Dean adormecido ao meu lado, observo-o dormindo, seu nariz longo
e reto dá um charme especial a ele, e sua camisa branca está com dois botões abertos, que me
dão uma ideia do quanto ele é interessante por baixo.
Ah, vai! Não é errado olhar o peito do garoto adormecido ao meu lado, é? Eu preciso muito
me distrair e ele se mostrou uma distração e tanto.
Talvez em terra firme ele pode ter uma chance comigo, isso se eu não trombar com o meu
americano na sala de bagagens... quem sabe, né? Sonhar não custa.
Quem estiver a fim de um passeio tranquilo, algo do tipo para descansar, não venha a
Disney, não passe nem perto, na verdade acho que, de hoje em diante, toda vez que me
lembrar dessa viagem vou ficar cansada.
Não estou reclamando, por Deus do céu, isso aqui é o paraíso... Simplesmente o lugar mais
fantástico que já vi na vida, tudo bem que não vi muita coisa na minha vida, mas com certeza a
Disney vai sempre ter um lugar especial no meu coração.
Giovana chorou quando viu a Cinderela, tirou foto, pegou autógrafo e juro por Deus que
faltou pouco para ela beijar a garota e convidá-la para sair, fomos ao castelo tiramos fotos com
todas as princesas, almoçamos com elas, fingi não ver quando Giovana furou a fila na frente de
uma garotinha de uns seis anos, que desandou a chorar quando a minha amiga doente fez cara
feia para ela. Depois que saímos do castelo (graças a Deus, sem sermos expulsas), tiramos mais
uma dúzia de fotos com o Mickey e mais uma centena com todos os outros personagens
maravilhosos.
A Disney é realmente um mundo à parte, é impossível colocar os pés aqui e não voltar a ser
criança, não se emocionar ao se deparar com a imensidão de tudo isso, ao ponto de ficar
emocionada com o Mickey, mesmo sabendo que debaixo dessa roupa tem uma pessoa
igualzinha a mim.
Mas não é um passeio para qualquer um, principalmente se essa pessoa for como eu, uma
jovem sedentária que está nesse momento se arrependendo de todas as vezes que deixou de ir
treinar com a mãe para ficar no sofá fazendo levantamento de garfo enquanto assistia tevê.
Resultado, eu estou destruída, feliz, mas exausta.

Estou sentada na poltrona tirando mais uma foto das minhas compras para postar no blog
quando batem na nossa porta, Giovana decidiu que quer dar uma volta com Pedro, eles estão
juntos desde que saímos do Brasil e ela estava bem interessada nele. Alex também me
convidou para o passeio, mas não quis. Estou cansada demais e não estou a fim de sair, mesmo
que seja com ele.
Estamos no quinto dia de viagem e ainda não conheci nenhum americano, os funcionários
do parque não conta e a grande maioria dos frequentadores é de familiares e muitos, muitos
brasileiros. Tenho lá minhas dúvidas se aqui não existem mais brasileiros do que no Brasil. Mas
eu não desisti, não ainda.
Bom, enfim me despeço deles e caio na cama em cima das minhas compras, fico ali deitada
ouvindo os barulhos do corredor enquanto sinto meus pés pulsarem de dor e a realidade me
assombra. Em cinco dias estarei de volta e eu não quero voltar.
Eu não deveria ter cedido a chantagem do meu pai, agora estou aqui, deitada em meio às
minhas compras com ânsia de vômito só de imaginar passar algum tempo na minha antiga casa:
a casa do meu pai e da vaca da mulher dele.
Essa foi a condição. No momento em que ele falou não parecia tão ruim, agora sabendo
que faltam apenas cinco dias para que isso aconteça parece a pior ideia do mundo.
Serão apenas dois meses e meu pai não me exigiu nada além de ficar na casa dele, não
disse nada sobre falar com sua esposa, nem mesmo cumprimentá-la. Mas só de pensar nisso já
começo a ficar com fome.
Pois é, eu sou assim. Quanto mais nervosa fico, mais eu como e hoje estou muito nervosa e
faminta!
Decido dar uma volta, sair um pouco do hotel achar uma Starbucks aberta e, quem sabe,
conhecer algum americano bonitão que me faça esquecer o meu pai e a esposa dele.
Quem sabe... Nos filmes acontece direto, por que não pode acontecer comigo?
Animada e faminta saio do quarto e entro no elevador, aperto o térreo e observo as luzes
se movendo no painel, me levando para longe dos meus pensamentos e arrependimentos.
Estou tão concentrada no botão vermelho e em tudo que eu não quero pensar nesse momento,
que, assim que a porta se abre, não noto que há uma pessoa parada aguardando para entrar.
Dou uma trombada tão grande nele, que por pouco não caímos juntos no chão, mas, ao
contrário de mim, ele é rápido e forte, seu corpo mal se move e sua mão, grande por sinal, me
segura pelo braço me poupando de passar vergonha na frente dos turistas que lotam o hall de
entrada do hotel e me mantendo a uma distância segura enquanto me observa como se
estivesse preocupado comigo, ergo o rosto para pedir desculpas e tenho vontade de morrer de
tanta vergonha quando percebo que o cara, além de rápido, forte e gentil, ainda é um gato.
Coisa de filme americano, não? É o que penso no momento em que nossos olhos se
encontram e dou um gritinho interno.
“AHHHHHH, ACHEI!”
— Desculpa — peço em um inglês meio atrapalhado enquanto coloco minha outra mão no
seu braço, só para me equilibrar melhor (e dar uma apalpada no gato, claro). Ele desce o olhar
para a minha mão e, quando volta a olhar para mim, há um sorriso meio de lado, quase discreto
demais, mas o suficiente para aquecer tudo dentro de mim e ter a certeza de que Deus existe e
nesse momento ele está olhando para mim, faço um agradecimento interno a mim mesma por
ser uma consumista inveterada que ama moda e estética porque eu sei que também estou gata
com meu trench coat da Burberry e uma maquiagem suave que diz: “olha como ela é saudável”.
— Sem problemas, você está bem? — ele responde em um inglês perfeito em uma voz
meio jovial, meio rouca e... uau! Que voz linda que ele tem.
Confirmo com minha cabeça porque não sou capaz de falar. Meu inglês não é tão ruim,
mas na frente desse gato eu não saberia falar nem mesmo em português.
Ele me dá mais um sorriso e eu me derreto por seu rosto de bad boy de filme teen
enquanto forço minha mão a se soltar do seu braço e dou um passo para trás, fazendo um
charme, e rezo a Nossa Senhora do Clichê para que funcione porque estou tão nervosa que
acho que sou capaz de desmaiar.
— Que bom... é preciso cuidado ao sair do elevador, há muitas crianças por aí. — Ele
aponta para a recepção onde um grupo de novos turistas estão fazendo o check-in.
— Você tem razão — consigo dizer no momento em que o celular do gato toca e ele desvia
o olhar para o aparelho em sua mão.
— Precioso ir. — Ele aponta para o aparelho.
— Claro, eu também, já estou atrasada, inclusive. — Balanço a mão no ar como se
esbarrasse em gatos gostosos americanos o tempo todo.
— Então boa noite — ele diz.
— Boa noite. — Dou um passo para a direita, ele também faz o mesmo, vou para a
esquerda e o gato tem a mesma ideia. Ele sorri e sinto meu estômago se contorcer, sorrio de
volta e ele dá um passo para trás abrindo caminho para que eu passe. Seu celular toca
novamente e é a deixa para que eu saia e ele entre no elevador, tento não olhar para trás, mas
não consigo, e ainda o vejo antes da porta se fechar completamente, levando-o para longe de
mim.
Sinto um arrepio bom na boca do estômago e tenho a sensação de que esse não será o
nosso único encontro.
Acho que eu finalmente encontrei o meu americano.

O dia seguinte é exatamente como esperávamos, o parque é fantástico, passamos horas lá


dentro jogando em simuladores incríveis, montanhas-russas e tudo quanto é tipo de
brinquedos malucos, eu nem gosto tanto assim de jogos e o pior que eu adorei cada segundo.
Alex como sempre é perfeito, sempre ao meu lado, me perguntando se preciso de algo e
me ajudando nos brinquedos, seu inglês tem um sotaque britânico que me deixa com um
sorriso bobo na cara toda vez que ele fala e eu adoro ver ele conversando. É quase como se ele
não fosse real, e sim um personagem de romance de época, bonito, educado e gentil. Giovana
está começando a me pressionar a ficar com ele, mesmo depois que eu contei a ela sobre o
cara gato do elevador.
“Melhor um passarinho na mão do que dois voando.”
Foi o conselho de velho que ela me deu, quase dormindo, às quatro da manhã, enquanto
eu revirava de um lado para o outro na minha cama, sem conseguir dormir. Infelizmente, não
por causa do cara do elevador. Claro.
No dia seguinte, acordamos cedo, é dia de ver os bichos, está ainda mais frio, e a tendência
é só piorar, estamos em novembro e as temperaturas despencam no fim do dia, o clima de
Natal enche as ruas lotadas de turistas carregados de sacolas induzindo o meu consumismo
(como se eu precisasse disso...).
Eu estou ansiosa, uma sensação estranha se instala no meu estômago o dia inteiro e não
consigo aproveitar tão bem o passeio. Alex me pergunta o tempo todo se está tudo bem e,
mesmo sabendo que não tenho motivos para estar assim, não consigo evitar de pensar que a
viagem de volta para casa está chegando.

— E então como foi o dia de hoje? — minha mãe pergunta do outro lado da linha.
— Legal, um pouco cansativo — respondo desanimada e ela logo nota.
— O que houve, Luana?
— Nada — minto enquanto puxo uma etiqueta do bichinho de pelúcia que Alex me deu de
presente hoje.
— Sou sua mãe, esqueceu? — Ela ri e a angústia em meu peito piora.
— Não é nada — reforço a mentira e ela bufa.
— Você precisa parar com isso, filha — ela diz, já sabendo o que é mesmo antes de eu
dizer, um dos poderes que só maternidade traz.
— Não quero parar — admito. — Não gosto daquela mulher, não quero ficar com ela.
— Você já tem dezoito anos, está na hora de deixar de agir como criança.
Odeio quando ela diz isso, como se fosse simples, como se houvesse um botão de desligar
que se aciona ao completar dezoito anos, não é assim tão simples, ao menos não para mim,
mesmo que, na verdade, eu já esteja prestes a completar dezenove.
— Não tem nada a ver com idade ou maturidade, não quero fingir que somos uma família
feliz, aquela mulher... — Quero dizer que ela destruiu minha família, que acabou com a nossa
vida, mas a verdade é que minha mãe já não a odeia, ao menos não tanto quanto eu.
Minha mãe está pronta para começar o seu discurso de superioridade e maturidade
quando a porta do banheiro se abre trazendo para dentro do quarto o vapor quente e Giovana
segurando a paleta de sombras na mão.
— E aí, o que você acha? — Giovana pergunta girando pelo quarto e me despeço da minha
mãe antes de olhar para a minha amiga.
— Eu acho que você vai morrer de hipotermia. — Olho para o microvestido que ela usa
ignorando o pedaço de calcinha que aparece quando ela gira. Onde ela pensa que está pra
querer sair assim nesse frio?
— Não seja chata, Luana, você realmente acha que vou sentir frio com o Pedro do meu
lado? — Ela dá um sorrisinho safado e volta a girar como uma garotinha ao ganhar um vestido
novo. Pensando bem... Claro que ela não vai sentir frio. Giovana sozinha já é um vulcão em
erupção, com alguém que ela está a fim então.
— Por que você e o Alex não vão dar uma volta? — ela pergunta enquanto passa um gloss
na boca.
— Não tô a fim. — Me jogo na cama ignorando as palavras da minha mãe que martelam na
minha mente.
“Você já tem dezoito anos é hora de parar de agir como criança.”
— O que tá acontecendo com você, Lu, estamos em Orlando, sozinhas e tem um
supergatinho a fim de você no final do corredor. — Ela me olha através do espelho. — Vai
mesmo ficar aí com essa cara de paçoca?
— Daqui a três dias vamos embora — admito e me sinto meio chorosa, não sou criança,
mas nesse momento me sinto exatamente como uma.
— Merda! — Ela vem até mim e se senta ao meu lado, toda a animação e alegria fogem do
seu rosto quando ela segura minha mão. — Tá preocupada com o que te espera quando
voltarmos?
— Na verdade, estou preocupada com quem me espera. — Reviro os olhos e sinto o mal-
estar aumentar.
Giovana acaricia meus cabelos, o que só piora a situação, porque agora estou começando a
ficar com vontade de chorar. É ridículo o poder que essa mulher tem de estragar a minha vida.
Até mesmo aqui a centenas de quilômetros de distância, ela é capaz de me fazer sentir ridícula,
frágil, imatura, e eu nunca ao menos conversei com ela e agora terei que passar dois meses na
sua presença, não sei como vou suportar tudo isso.
— Amiga, não fica assim, eu vou estar do seu lado.
— Eu sei.
— E sempre podemos envenená-la no jantar sem que ninguém perceba.
Ela pisca para mim e começo a rir porque eu não tenho certeza se ela está brincando ou
falando a verdade, Giovana não é uma pessoa muito boa da cabeça, mesmo assim eu a amo
com todo o meu coração.
— Obrigada, é bom saber que posso contar com você.
Ela me dá um beijo melado de gloss e se levanta no instante em que batem na nossa porta.
Me obrigo a não pensar mais nisso, afinal os meus dias de alegria estão acabando e só me resta
aproveitar.
O hotel não é muito grande, o que me faz pensar em como cabe tanta gente aqui dentro,
mas possui um restaurante e uma loja de lembrancinhas, que a essa hora já estão fechados;
uma academia de ginástica, mesmo que eu estivesse louca para suar um pouco, ela também
está fechada. Mesmo sem opções, entro no elevador sem nenhuma vontade de ficar no meu
quarto sozinha com meus pensamentos e aperto o último andar, minha última tentativa é dar
uma passada na piscina.
Mas adivinhem? Pois é, fechada.
Irritada e me arrependendo por não ter seguido os conselhos de Giovana, decido me
render e voltar para o meu quarto quando noto que há um pequeno deck próximo à piscina
com uma vista para a cidade, vou até lá e me surpreendo com o quanto ela é bonita aqui de
cima. Está frio, muito frio, e lamento não ter trazido mais um casaco para ficar mais
confortável, mesmo assim decido ficar.
Sem conseguir evitar, meus pensamentos me levam de volta ao Brasil, sei que parece
bobagem, mas não consigo imaginar como serão esses dois meses morando debaixo do mesmo
teto que meu pai e sua esposa (não, eu nunca a chamarei de madrasta, embora ela seja a
típica). Sinto-me traindo a minha mãe e, por mais que ela tenha dito mil vezes que está tudo
bem, para mim não está. Ao menos não agora.
Estou entretida, sentindo o vento gelado açoitar meu rosto e divagando sobre o meu
futuro quando noto que não estou mais sozinha. Viro-me em busca de Alex e dou de cara com a
última pessoa que eu esperava encontrar nesse momento: o cara gato do elevador.
Rapidamente meu humor começa a melhorar, ajeito-me discretamente lamentando não
ter feito uma trança sexy e despojada em meu cabelo ou algo que mantivesse as mechas
rebeldes no lugar e que agora mais parece um ninho por causa da ventania. O cara se aproxima,
com as mãos no bolso da calça e um andar lento que me deixa nervosa. Ele é realmente muito
gato, mas tem algo mais além disso, um charme natural, uma confiança que não é muito
comum em garotos da minha idade. Talvez ele seja mais velho... não que eu me importe, eu
não me importo, já fiquei com alguns caras mais velhos e não me importo com isso, só espero
que ele goste de garotas mais novas, embora eu não seja assim tão nova.
Ele se aproxima e apoia os braços no muro ao meu lado com um sorriso daqueles que faz
com que a temperatura aumente uns vinte graus. Capricho no meu inglês e o cumprimento
fazendo uma cara de tédio, ele não precisa saber o quanto me afeta e dou graças a Deus por
estar escuro, assim posso analisá-lo um pouco mais e digo que o cara tem estilo. Além da calça
de lã em um tom de cinza, ele está com uma camiseta de manga longa, que tem uma aparência
envelhecida, e um cachecol vermelho que contrasta com a cor da sua pele e o deixa
maravilhoso.
Ele olha para mim e noto que o estou encarando, isso deve ser estranho e me obrigo a
desviar o olhar.
Puxa um papo... puxa um papo...
— Está frio hoje, né? — falo e, assim que as palavras saem da minha boca, quero me
matar. Droga! Falar sobre o tempo não... Isso é ruim até em outra língua, nem minha avó
puxaria um papo com um carinha gato desse sobre o tempo.
Ele sorri e noto uma covinha na sua bochecha esquerda, que me faz revirar os olhos
internamente. Ele não precisava ter uma covinha, é muita covardia!
Estou meio que impressionada com sua beleza, é algo selvagem, o típico bad boy de filme
americano mesmo, seus cabelos estão uma bagunça por causa do vento, deixando os cachos
mais rebeldes, mas até isso combina com ele, começo a achar que esse é aquele tipo de cara
que combina com tudo. Espero que ele combine comigo, porque eu quero muito pegá-lo.
— Sim, muito frio — ele responde, com sua voz meio rouca, meio mole e totalmente linda
e sorri novamente.
Ai, essa covinha...
Acomodamo-nos em uma espreguiçadeira e engatamos um papo leve, aquele papo de
quem não se conhece, mas está louco para ficar junto, sabe? Pelo menos, é o que eu estou
rezando para ser.
Eu preciso ficar com esse cara...
Ele tem um jeito fofo e atencioso de conversar, quase como se estivesse sendo cuidadoso,
embora uma parte de mim não quer que ele seja nem um pouco cuidadoso, ele volta a olhar
para o céu gelado e escuro e aproveito para observar mais um pouquinho dele, seu nariz é
bonito, longo e reto, mas é a sua boca que chama mais a minha atenção, ela parece estar me
implorando “Kiss me, please!” (eu juro que posso ouvi-lo sussurrar isso em meus devaneios) e
seus cabelos rebeldes lhe dão um ar de mistério.
Agradeço a Deus por estar escuro e ele não poder ver muito bem a minha cara de Belieber
(nada contra as apaixonadas por Justin Bieber, é que eu tenho certeza de que elas ficam
exatamente assim na presença dele). De repente, um bipe chama sua atenção interrompendo
nossa conversa sobre os melhores hot dogs da cidade e como eles são sem graça perto dos
brasileiros, ele saca o celular do bolso e lê a mensagem.
— Tenho que ir — ele diz ao se levantar enquanto guarda o celular no bolso da calça e
ergue a mão dando um jeito nos cachos rebeldes e, mais uma vez, seu celular desagradável
estraga nosso momento.
Levanto e o sigo até o elevador, e na luz do saguão posso concluir que não tem como uma
Belieber ficar pior do que eu, ele tem olhos lindos! Mil vezes mais bonitos que os do Justin
Bieber, os mais bonitos que já vi na vida, de um tom de castanho tão claro que eu posso jurar
que são amarelos. Ele diz algo que não compreendo e, quando sorri, seus olhos brilham com
uma intensidade que me deixa sem ar por algum tempo. Sorrio sem graça quando percebo que
estou parecendo uma idiota, encarando-o como se ele fosse um astro pop.
Continuamos conversando e conto a ele sobre o que pretendo fazer nos próximos dias, ele
me dá algumas dicas de onde eu deveria ir, lugares para fazer compras e onde é o melhor lugar
para comer nos parques e, assim que a porta se abre, percebo que nosso tempo juntos acabou.
Despeço-me dele e memorizo seu lindo sorriso enquanto a porta do elevador se fecha
levando meu americano embora.
E só quando estou sozinha novamente percebo que nem ao menos o seu nome eu sei.
Droga, como eu pude ser tão burra?

Como prometi ao Alex, acordo de excelente humor no dia seguinte, grande parte culpa do
gato do elevador sem nome, mas o Alex não precisa saber disso.
Passamos o dia inteiro juntos, quase sempre tão próximos que qualquer um poderia jurar
que somos namorados. Alex é um garoto surpreendente, e sempre que passamos por um
grupinho de garotas, todas, sem exceção, comem o Alex com os olhos mesmo ele estando ao
meu lado.
— Hum... Arrasando corações, hein, Alex! — Dou um empurrãozinho em seu ombro e ele
sorri, ignorando meu comentário, enquanto esfrega minhas mãos congeladas entre as suas.
— Por que você não põe uma luva, Lu? Desse jeito, você vai acabar perdendo um dedo.
Olho mais uma vez para o grupo de garotas e todas continuam olhando para nós. Sorrio
com uma expressão em meu rosto que diz: “Podem olhar, mas é meu”, me sentindo meio
perversa por impedi-lo de se dar bem com qualquer outra garota quando na verdade eu sei que
ele quer ficar comigo, mas sabe como é, eu ainda estou esperançosa de que eu vou beijar meu
americano.
— Porque eu tenho você para me esquentar — respondo fazendo charme e vejo suas
bochechas ficarem rosadas, enchendo-me de satisfação.
Ridículo eu sei, mas não resisti!

Nas duas noites seguintes crio uma rotina que Giovana nomeou de “caça ao gato”. Às onze
da noite, eu saio do hotel, passeio como quem não quer nada e depois vou até o deck, tudo na
esperança de reencontrar o americano sem nome, mas não dá certo, nem sinal dele. Giovana
tem certeza de que ele é fruto da minha imaginação e me provoca o tempo todo, eu tento
ignorar suas provocações, mas está ficando difícil. Talvez ela tenha razão e eu esteja
enlouquecendo, não é lá tão difícil de acontecer.
— Você vai acabar ficando sem nenhum dos dois, porque a garota de Recife passou um
bom tempo conversando com o Alex hoje — Giovana diz para me provocar.
— Eu vi.
— E não se importa?
— Sinceramente? Não — respondo. Na verdade, gosto do Alex, da sua companhia, mas não
ao ponto de desejá-lo só para mim.
— Não? — ela pergunta surpresa.
— Eu não estou a fim dele. Tudo bem que ele é legal, mas...
— Mas eu quero o meu amigo imaginário — Giovana me imita com uma vozinha aguda.
Eu odeio quando ela age como se eu fosse uma idiota. Eu não sou uma idiota, posso estar
agindo como uma. Mas não sou.
— Não vou ficar com o Alex só porque você quer, Giovana.
Ela para de se olhar no espelho e me encara com aqueles olhinhos puxados que, nesse
momento, estão me irritando.
— Então fala isso pra ele, porque o coitado parece um cachorrinho atrás de você.
— Eu vou falar... Vou falar hoje, vou falar agora, assim você para de me encher — defendo-
me.
Levanto-me e sigo em direção a porta irritada com minha amiga, comigo, com meu pai,
com a droga da mulher dele, com a minha mãe e com o gato do elevador que não me beijou.
Abro a porta e dou de cara com um Pedro, que me segura pelo braço, assustado. Droga,
preciso parar de fazer isso.
— O que foi? — ele pergunta ainda me segurando no lugar, mas me afasto rapidamente.
Alex está ao seu lado com um rosto tão preocupado quanto o do amigo e imagino que eu
devo estar péssima para eles me olharem assim.
— Não foi nada, a Lu só estava a fim de conversar um pouco com o Alex. — Giovana passa
por mim e segura a mão do Pedro. — Vamos.
Ela sai arrastando o garoto, como se ele fosse o cachorrinho dela, e me deixa sozinha com
o Alex, olhando-me pacientemente, aguardando seja lá o que eu vou falar.
Alex entra no quarto e se empoleira em minha cama, seus cabelos estão molhados e um
pouco desordenados, há algumas gotas de água manchando sua camiseta do Mickey Mouse e,
nesse momento, ele parece estar na minha vida há tanto tempo que, enquanto olho para ele,
pergunto-me como posso magoar um garoto tão legal.
— Você está parecendo um garotinho de quatro anos — digo ao me sentar ao seu lado. Ele
faz uma careta bonitinha, que só confirma o que acabo de dizer.
— Por que você e a Giovana estavam brigando? — Ele vai direto ao ponto.
— Você tá a fim da Marcela? — pergunto ignorando a sua própria pergunta.
— Quem é Marcela? — Ele faz uma cara de quem não faz a menor ideia do que estou
falando.
— Alex... — Empurro seu ombro com o meu.
— NÃO.
Assim, firme e simples, um não com letras maiúsculas que está escondendo o resto da
resposta que eu já sei, mas não quero ouvir.
— Alex... Eu não quero...
— Luana. Para.
Ele segura minha mão, acariciando-a com a ponta dos dedos, algo que se tornou natural
nas últimas semanas, enquanto fala:
— A gente não precisa ter esse papo esquisito, né?
— Eu gosto demais de você — admito olhando dentro dos seus olhos negros profundos. —
Não quero te machucar.
— Ah, isso não é verdade! — Ele sorri provocante. — Você adora me machucar.
Alex ergue a mão ilustrando o que diz e sorrio.
— Mas isso não conta.
— Deixa essa conversa para outro dia. — Ele afasta a nuvem pesada com suas mãos
mágicas e começamos a nos provocar, o clima pesado se dissipa, como uma nuvem rápida que
se desfaz em um dia ensolarado. Alex mexe comigo, de uma maneira gostosa e suave, estamos
sozinhos no meu quarto e mesmo assim eu não desejo agarrá-lo, mas, quando aquelas garotas
mexeram com ele no parque, um sentimento de posse surgiu em meu peito, isso pode ser o
começo de algo bom.
Quem sabe?
Nessa noite descobri que existem inúmeras maneiras de gostar de uma pessoa, e com Alex
eu aprendi uma delas. Talvez a melhor de todas.
Minha última noite chegou, e eu ainda estou impressionada com a velocidade com que os
dias se passaram, tenho a sensação de que não aproveitei o suficiente, e um bolo se forma em
meu estômago toda vez que penso que logo estarei em casa.
Estamos nos arrumando para a festa de despedida preparada pela equipe de guias, no fim
das contas gostamos muito de estar com eles, mesmo não sendo a viagem que sempre
imaginamos (em nossas mentes teríamos noites de bebedeira, sexo casual e um casamento em
Las Vegas depois de um porre histórico... ou quase isso). Contudo, mesmo assim, nos
divertimos bastante. E sempre haverá Pedro e Alex.
— Vamos logo, Lu. — Giovana, que nunca sente frio, está na porta sacolejando como se
estivesse com vontade de fazer xixi. — O Pedro já me mandou umas dez mensagens, eles estão
nos esperando lá fora.
— Calma, Gi, eu já tô indo! — respondo enquanto procuro o presente que compramos hoje
à tarde.
A equipe fez um “Disney Secret Friend” só com presentes temáticos, para meu azar tirei a
Marcela, comprei uma capa de iPad do Mickey com a ajuda do Alex, que já sabia que ela queria.
Não gostei de saber que ele tinha esse tipo de intimidade com ela, mas não disse nada, eu não
estou em condições de exigir nada dele.
Giovana segura a porta aberta à minha espera, irritada e ansiosa, para que todos vejam o
seu modelito “periguete paulistana”.
— Achei! — Puxo o pacote que estava debaixo de uma nécessaire e não me importo
quando noto que ele está amassado. — Vamos. — Passo por Giovana ignorando o seu olhar
recriminatório para o meu presente mal feito.
Os garotos estão esperando por nós na porta do elevador, Pedro vai até Giovana com seus
olhos de felino encarando-a como se estivesse nua. Não que falte muito para isso.
Alex continua encostado na parede e começa a rir quando Pedro enfia sua língua dentro da
boca da minha amiga.
— E aí, Elvis. — Dou um soquinho de leve em seu braço, e ele me dá seu sorriso de bom
moço.
— E aí... — Ele se aproxima e deposita um beijo em minha bochecha. — Não sou mais o
James Dean?
— Não, hoje eu quero que você seja o Elvis — brinco e ele gargalha, eu gosto do som da
sua risada.
Subimos para o deck, que está cheio e congelante. O espaço é pequeno e há cerca de trinta
pessoas, não é muito, mas o suficiente para que eu queira ir embora.
Meia hora depois estamos começando o amigo secreto. Descobriram fácil a minha amiga,
Alex está do outro lado da roda e gesticula para mim as características que ele me indicou, finjo
não ver suas provocações, e mostro meu dedo do meio para ele; porém, em vez de ofendê-lo,
causo uma crise de risos que me contagia.
Estou começando a me divertir, a comida não é lá essas coisas, mas dá para o gasto, estou
nervosa e isso significa que eu comeria um mamute, caso encontrasse um na minha frente.
Estou distraída com algo quando o vejo atrás do Alex, encostado em uma espreguiçadeira,
com uma garrafa de cerveja na mão, o mesmo cachecol jogado de maneira despojada em volta
do pescoço, mas dessa vez ele está usando um casaco mais quentinho. Um visual meio “peguei
a primeira coisa que vi e não ligo pra isso, pois sei que sou gato de qualquer jeito”.
Sinto minhas bochechas aquecerem mesmo com o vento me açoitando e começo a ficar
nervosa. Esperei por ele todos os dias desde que nos encontramos aqui nesse deck e logo hoje,
quando decidi aceitar que não ia rolar nenhum beijo com um americano, ele está aqui, na festa
idiota de despedida.
Tudo bem que isso não significa que eu vou beijá-lo, já que está conversando com uma das
guias, aliás, a mais bonita de todas, uma loira, com olhos tão claros e grandes que parecem
bolas de gude e os seios que mais parecem de uma sueca.
Alex se aproxima falando algo, mas eu não consigo prestar atenção no que ele diz porque
estou muito ocupada, olhando para o meu americano e aquela garota. Procuro algum sinal que
demonstre se eles estão juntos, mas não consigo saber, parece que ele tem aquele olhar
devastador para qualquer uma que use uma calcinha. E quem se importa?
Mesmo assim continuo observando-o, como aqueles caçadores do NatGeo obcecados por
bichos selvagens. De onde estou, noto suas bochechas avermelhadas provavelmente pelo frio
ou então ela acabou de falar algo obsceno para ele, então prefiro continuar achando que é por
causa do frio. Seus cabelos rebeldes estão espalhados por conta do vento e ele faz um lindo
biquinho cada vez que leva a garrafa à boca.
Ai, que inveja daquela garrafa!
É minha última noite, minhas últimas horas, e ele está tão perto e, ao mesmo tempo, tão
longe conversando com aquela garota linda, que começo a me sentir ridícula. Durante todos
esses dias, eu o procurei e em nenhum momento me passou pela cabeça a possibilidade de ele
ter namorada ou algo do tipo.
— Vou pegar um sanduíche, você quer alguma coisa? — Alex pergunta chamando minha
atenção.
Sim... Aquele gato lindo que está comendo aquela garota com os olhos...
— Não, obrigada. Tô sem fome — respondo sem tirar os olhos dele.
Seu sorriso é escandaloso, a garota sueca está sentada ao seu lado e sempre que tem
oportunidade apoia a mão em seu braço. Eu não a culpo, estaria fazendo o mesmo se estivesse
em seu lugar. Eles falam alto e gargalham muito, como se não notassem que estão em uma
festa, uma festa ridícula, mesmo assim ainda é uma festa.
Ele joga a cabeça para trás em um acesso fofo de risada e quando abre os olhos, por um
motivo qualquer (quero achar que é o destino), eles caem diretamente sobre mim, fazendo-me
esquentar como se houvesse um maçarico direcionado para o meu peito.
Tento parecer indiferente, mas tenho certeza de que ele notou que eu o estou observando,
para ser educada, porque, na verdade, estou analisando cada movimento do cara como uma
psicopata alucinada. Ele me reconhece e sorri, piscando de uma forma muito sexy que faz uma
revoada de borboletas se agitarem em meu estômago. Sorrio de volta e ergo uma mão para um
aceno idiota e tenho a nítida sensação de estar tremendo, puxo um papo bobo com Alex, que
me trouxe um sanduíche mesmo eu dizendo que estava sem fome, só para parar de encará-lo,
mas começo a sentir o peso do seu olhar constantemente direcionado a mim.
Será que ele notou que o estou encarando?
— Está tudo bem? — Alex pergunta preocupado.
Confirmo com a cabeça enquanto percebo que o americano continua me olhando e tento
não desmanchar igual manteiga no deserto.
Mantenha a calma, Luana... Mantenha a calma!
Aos poucos, o lugar vai esvaziando, e o vento gelado aumenta à medida que o calor
humano se dissipa. O cara continua conversando com a sueca maravilhosa e decido que já me
torturei demais para uma noite só.
— Acho que vou indo — digo ao me levantar.
Alex se oferece para me acompanhar, mas insisto para que ele fique. Olho, mais uma vez,
para o americano e saio de cabeça erguida, como se não estivesse frustrada por não saber qual
o sabor que aquela boca linda e rosada tem.
Pego o elevador e vou direto para o meu quarto, gemendo de tristeza ao pensar que ainda
tenho que arrumar as minhas malas. Chego ao andar e tento abrir a porta, mas meu cartão
emperra e congelo ao pensar no motivo para que isso aconteça.
Giovana e Pedro.
Ah, não... Isso não... Hoje não...
Penso em voltar para o deck, mas acho que não é uma boa ideia, provavelmente a essa
altura do campeonato aquela sueca deve estar com a língua dentro da boca do americano gato
e Alex deve estar conversando com a Marcela, não estou a fim de ver isso, então desço até o
bar, sento-me a uma mesa e aproveito para dar uma verificada nas minhas redes sociais,
calculo mais ou menos o tempo que minha amiga e seu peguete precisam para terminar
“aquilo”.
Uma hora é tempo suficiente para eles aproveitarem o meu quarto, só rezo para que não
tenham utilizado a minha cama. Argh! Isso é apenas uma estimativa, já que eu não tenho a
menor ideia de quanto tempo eles precisarão, e não estou muito interessada em saber.
Infelizmente, esse é mais um dos itens da minha ridícula lista que não será riscado essa noite.
Sinceramente, pensando bem, não estou nem um pouco ansiosa para realizar esse desejo,
sou o que a Giovana chama de fogo de palha, provoco os garotos, mas na hora do vamos ver
sou a primeira a cair fora. Eu não tenho pressa, só acho que acontecerá antes dos 20, mas se
nem consegui beijar um americano, estou começando a duvidar das minhas habilidades.
Sou interrompida no meio de um joguinho por um educado garçom, que me informa que o
restaurante está fechando. Só então noto que estou sentada nessa mesa há mais de uma hora,
portanto já fiz a minha boa ação do dia.
Volto para o meu quarto rezando para encontrar a minha cama intacta e a porta ainda está
trancada.
Fico com tanta raiva da Giovana, que penso em arrebentar a porta e entrar, mas decido
que não estou muito interessada no que verei lá dentro e decido voltar para o deck atrás de
Alex. Quem sabe, ele tem uma ideia melhor?
Quando chego no deck encontro apenas alguns guias espalhados pelo lugar e o pessoal da
limpeza se livrando da bagunça que restou, não há nenhuma outra pessoa do nosso grupo e
imagino que Alex já deve estar no seu quarto. Não é a melhor opção, mas vai ter que servir.
Volto para o elevador, agradecendo por ele ainda estar aberto e, enquanto aperto o botão,
uma mão se coloca entre as portas impedindo-as de se fecharem e me dando a certeza de que
Deus existe porque quem entra ao meu lado no elevador é o meu americano gato e sem nome.
— Oi — ele diz sem olhar para mim e sorrio como uma idiota.
— Tudo bem? — Torço meus dedos, nervosa, e, embora eu não queira parecer uma
bobona na sua frente, sinto que estou falhando vergonhosamente.
O que está acontecendo comigo? Droga, é só um cara bonito, Luana, apenas um americano
de olhos amarelados e sotaque delicioso dentro de um elevador com você. Nada de mais.
— Terceiro? — ele pergunta quando nota que eu não apertei nenhum andar.
— Acho que não...
— Não? — Ergue uma sobrancelha me fazendo perder a noção de tudo, ele é lindo demais!
— Não — respondo com a certeza de que seja lá para onde eu vou, não será para a porta
do meu quarto ver minha amiga colocar em prática o Kama Sutra inteiro.
Ele ergue os ombros sem entender direito e, então, a porta se fecha. E somos só nós
dentro dessa caixa de aço minúscula.
O elevador começa a se mover e o silêncio me permite ouvir sua respiração pesada e o
meu coração acelerado. Eu penso, penso, penso... Penso mais nesses dois segundos do que em
toda minha vida, penso em todas as minhas possibilidades, nos riscos... Consigo pausar o
tempo, tudo fica no mais absoluto silêncio e faço a coisa mais maluca da minha vida.
Eu aperto o botão vermelho. Aquele que para o elevador, trancando-nos aqui dentro.
Sozinhos.
Vejo a luz vermelha piscando e seu olhar assustado. Enquanto eu me viro para ele, a
adrenalina toma conta de mim, posso sentir o pulsar do sangue em meus ouvidos, meu coração
está mais agitado que as asas de um beija-flor e, antes que eu perca a coragem ou a adrenalina
me abandone, eu abro a boca e deixo as palavras saírem:
— Eu preciso fazer uma coisa... — Me atrapalho um pouco com meu inglês, mas não me
importo, estou concentrada demais olhando para os seus lábios rosados e, nesse momento,
não sou mais o psicopata da NatGeo. Eu sou a leoa em busca da sua caça, o americano gato é
minha presa. E eu estou prestes a atacá-lo.
Antes que ele diga alguma coisa dou um passo em sua direção, meus movimentos são
lentos e espero que eu esteja parecendo sensual, porque estou me esforçando para isso. Seu
sorriso se espalha e decido que isso é um bom sinal, sou boa em ler linguagem corporal e isso é
um sim. Ou acredito que seja. Ele apoia uma mão na parede do elevador, arqueia novamente a
sobrancelha e me dá um sorriso sexy.
Isso definitivamente é um sim!
— Uma coisa? — ele pergunta com o sorriso estampado no rosto e, nesse momento, eu
imagino que já saiba o que vou fazer. — O quê?
Dou mais um passo, ficando a centímetros de seu rosto e perco o ar quando vejo como
seus olhos exóticos parecem quentes enquanto ele me olha.
Ele passa a língua pelos lábios me encorajando a continuar. Como se eu precisasse...
Sinto o cheiro da sua colônia, misturada com cerveja, vejo as falhas de sua barba por fazer,
uma cicatriz na bochecha vermelha pelo frio, ouço ele suspirar quando coloco uma mão de cada
lado na parede atrás dele, vejo o desejo se acender quando ele abre a boca, como se não fosse
mais capaz de respirar. E já não sinto mais nada, sou tomada por uma coragem absurda que
tenho certeza de que será lembrada até o último dia da minha vida.
— Que Deus me ajude — sussurro em português antes de avançar. — Isso...
Nunca fui uma garota tímida, ao contrário, sou bem popular na escola, e tenho uma lista
grande de garotos que já beijei. Algumas vezes eles vêm até mim; mas em outras, eu não tenho
problema nenhum de ir até eles, mas nunca, em toda minha vida, fui tão atrevida como hoje,
nessa noite fria, dentro dessa caixa de madeira e aço. Talvez o fato de estar em outro país, a
poucas horas de ir embora e saber que eu nunca mais vou ver esse cara, encoraja-me ainda
mais.
Seguro seu cachecol e o puxo, seu olhar divertido demonstra que está gostando do meu
atrevimento, ele se inclina na minha direção, lentamente, seus olhos felinos analisam meu
rosto até pousarem em meus lábios e, quando ele molha os seus em um ato de provocação,
preciso forçar o ar para dentro do meu pulmão porque sinto que não consigo respirar.
Ele sorri, meio de lado, com aqueles lábios rosados pedindo para serem beijados.
E eu o beijo.
Ainda estou segurando seu cachecol quando sua mão circula minha cintura e me puxa para
junto de si, sua língua invade minha boca explorando cada canto e deixando-me zonza. Ele tem
um gosto tão bom, seus lábios estão frios, mas o interior é quente e convidativo e quero beijá-
lo para sempre.
O americano se vira me encostando na parede e tomando as rédeas da situação, sinto o
frio do aço em minhas costas e o calor do seu corpo em minha pele, ele se aproxima ainda mais,
encaixando uma das suas pernas entre as minhas. Sinto que estou começando a ter uma parada
cardíaca quando ele pressiona a coxa em mim e minha Nossa Senhora das Garotas
Desesperadas... Não consigo pensar direito!
Jesus Cristo, eu nem ao menos sei meu nome nesse momento. As batidas fortes do meu
coração são a única prova de que eu ainda estou viva, e não quero que esse beijo acabe nunca.
Envolvo seu pescoço longo com uma mão e com a outra mexo em seus cabelos rebeldes,
eles são macios e deliciosos, assim como tudo nele. Suas mãos começam a se mover, uma
desce até meu quadril e ele me aperta fazendo com que um gemido escape da minha boca o
fazendo sorrir.
— Jesus... — ele sussurra enquanto enche meu pescoço de beijos e busca a barra da minha
blusa para tocar minha pele. Sua mão gelada começa a percorrer meu corpo, subindo e me
enlouquecendo; e, por um momento, acredito que talvez eu possa sim realizar mais um desejo.
Nunca beijei um cara como ele, deve ser algo que só os americanos tenham, esse lance de
sex appeal ou sei lá que diabos eu posso chamar, ou quem sabe seja apenas uma química
absurda, capaz de produzir uma arma mortal, que existe entre nós. Isso justificaria o fato de ter
ficado obcecada por ele desde que o vi pela primeira vez.
O fato é que eu continuo beijando-o, e não tenho a menor intenção de parar. Apenas
quero beijá-lo, saciar o desejo que me consumiu durante todos esses dias desde que nos
esbarramos nesse mesmo elevador. Faço o que quero, me atrevo a ser um pouco mais ousada e
desço uma das mãos por seu peito até chegar à parte de baixo do seu corpo, ele se afasta um
pouco me dando espaço e Santa Mãe de Deus! Ele está muito mais animado do que eu poderia
imaginar. Mantenho minha mão lá, espalmada, sem saber ao certo o que fazer, até que ele
começa a mover o quadril e tenho a convicção de que tenho sete vidas, porque, pelo menos,
umas duas já se foram aqui dentro.
Sem me preocupar com acusações ou com o que ele vai pensar sobre mim, deixo minha
mão sobre o jeans tocando-o e abafo um gemido quando seus dedos alcançam meu sutiã. Ele
está com a mão no meu sutiã! Mas não faço menção de tirá-la, afinal de contas a gente nunca
mais vai se encontrar, eu vou embora amanhã cedo e ele continuará aqui, na terra do Tio Sam,
lindo e sexy com esses lábios deliciosos, enlouquecendo garotas de todas as partes. Então, que
mal há em ter a sua mão em meus peitos? A minha está em uma região muito mais intima e eu
não tenho a menor intenção de tirá-la de lá.
A temperatura dentro do elevador começa a aumentar e eu me pego pensando naquelas
pessoas que tem histórias excêntricas sobre sexo, se tudo continuar como está, eu talvez tenha
a minha.
“Ah, como perdi minha virgindade? Com um estranho sem nome em um elevador...”
É, eu acho que gosto de como essa história parece louca e casual, algo do qual terei
orgulho em contar quando estiver com meus 50 anos e a vida já não tiver mais tanta graça.
Estou perdida em meus devaneios, entre beijos molhados e sensuais e mãos que estão em
todos os lugares decidindo que eu poderia ficar aqui em seus braços para sempre quando o
nosso para sempre termina.
A porta do elevador se abre, de repente, e dou um grito, que é abafado pelo corpo ágil dele
quando um funcionário do hotel entra perguntando se está tudo bem conosco. O cara gato e
gostoso se vira para falar com o funcionário me protegendo em suas costas e pigarreando para
responder as perguntas do funcionário e faço questão de permanecer imóvel, na verdade estou
mentalizando a capa da invisibilidade de Harry Potter, porque eu nunca desejei tanto
desaparecer na minha vida como agora.
Ele me espreme entre seu corpo e o elevador, o funcionário nos adverte que travar o
elevador é passível de expulsão e ele, como um completo cavalheiro, diz que a culpa é sua.
Apoio minha cabeça em suas costas e fecho os olhos me deliciando com a sua voz preguiçosa e
com seu sotaque mole. Ah, aquele inglês... se tornou oficialmente o meu idioma preferido no
mundo.
Ele pede desculpas e garante ao homem que isso não irá se repetir, o funcionário entra no
elevador, talvez como uma maneira de garantir que chegaremos em nossos destinos com
nossas roupas em seus devidos lugares, sãos e salvos.
A adrenalina se vai e começo a sentir a sanidade voltar a habitar meu corpo, minha
respiração começa a se estabilizar e a vergonha tenta me matar, o americano estende a mão
para trás como se soubesse que estou quase desfalecendo aqui e enrosco meus dedos nos seus,
ele me dá um aperto leve como se quisesse se certificar de que estou bem, devolvo o aperto e
ele mantém nossas mãos juntas durante o restante do trajeto, é um ato fofo que me faz sentir
que ele não é só bonito, mas também educado. Quando o elevador para no terceiro andar, ele
sai se desculpando mais uma vez com o funcionário e me puxa junto com ele.
— Eu sinto muito... — sussurro para o cara, que me olha feio como se eu fosse uma
devassa e, assim que a porta se fecha, meu americano me olha com a cara mais lavada do
mundo e... cai na gargalhada.
Isso mesmo! Eu acabei de dar o maior amasso da história dos amassos no cara gato do
elevador e ele está morrendo de rir. Ele se inclina para a frente e segura a barriga com a mão
livre enquanto se recompõe. Eu não consigo sequer mover os músculos do meu rosto, mas ele
está aqui, rindo como se isso fosse engraçado.
— Desculpe... — Ele apoia a mão livre na perna em busca de ar e não posso deixar de notar
que ainda segura a minha mão. Isso faz meu coração dar uma cambalhota no peito. — Mas isso
foi engraçado — completa.
— Engraçado? O cara quase nos fuzilou com os olhos e você acha isso... — não consigo
terminar de falar, porque sua boca já está colada na minha e estou voltando a ter mini-infartos
quando sua língua volta a exigir atenção.
O cara nos guia até a parede e segura meu rosto com a habilidade de quem faz isso
sempre, fecho meus olhos e me entrego ao seu beijo me perguntando como vou superar isso,
tenho certeza de que nunca mais irei beijar alguém como ele e isso é de certa forma um pouco
frustrante.
— E isso foi muito bom — ele diz, ofegante, quando nosso beijo termina. Seus olhos de
gato me observam, tão perto que chega a ser constrangedor.
— Sério? — pergunto enquanto sinto minhas bochechas aquecerem onde seus polegares
descansam.
— Yeah... — ele sussurra e sua voz reverbera por todo o meu corpo, causando um efeito
um pouco constrangedor para o momento.
E então ele me beija mais uma vez, um beijo mais contido, sua mão segura minha nuca
impedindo que eu me afaste muito e, quando ele para de me beijar, mantém seus olhos em
mim o tempo todo, com aquela boca deliciosa, que implora para ser beijada, levemente aberta,
como se buscasse por ar. Ficamos alguns segundos assim apenas nos olhando e nos
conhecendo até que o barulho de uma porta sendo aberta quebra o nosso clima.
Giovana e Pedro finalmente decidem que é hora de me permitir entrar em meu quarto
bem na hora em que ele está prestes a me beijar novamente e, quando ele nota que não
estamos sozinhos, se afasta de mim.
— Luana? O que você está fazendo aqui? — Giovana olha para mim e para ele como se
estivéssemos fazendo algo errado.
Ei! Não era eu que estava trancada no quarto com um garoto há mais de uma hora.
— Esse é o meu amigo imaginário — digo em português me dando conta de que ainda não
sei o seu nome. Meu Deus... que espécie de garota dá um amasso desse em um cara que ela
sequer sabe o nome?
Giovana faz a sua varredura nada discreta nele, e quando ela olha novamente para mim,
sei que ela aprovou o cara gato do elevador.
— Pete — ele diz estendendo a mão para a minha amiga e, em seguida, para o Pedro e fico
olhando para ele como se fosse a primeira vez que o vejo.
Pete... meu americano, além de um rosto lindo e um sorriso sexy, tem um nome. Tudo bem
que não é o nome que sempre sonhei que ele teria, eu sempre amei Joshua, acho muito fofo!
Ou Harry, sempre fui apaixonada pelo Harry, do One Direction, mesmo assim gostei de Pete.
Aliás, beijando desse jeito, ele poderia se chamar Zé que eu adoraria do mesmo jeito.
A porta do elevador se abre e Alex surge com uma cara de quem não está entendendo
nada. Ele olha para Pete e, em seguida, para mim como se estivesse somando dois mais dois e
me sinto estranha com essa situação.
— Boa noite — Alex diz em inglês para o americano, que ergue a mão e sorri para o meu
amigo.
Alguns instantes constrangedores se passam até que Pete aperta o botão e o elevador se
abre imediatamente.
— Eu preciso ir — ele se despede de todos e, antes de entrar no elevador, sussurra em
meu ouvido: — Você é incrível.
Ele entra, as portas se fecham e ainda não acredito que tudo isso realmente aconteceu. Eu
finalmente risquei mais um item da minha lista.
Eu beijei um americano.
Estamos quinze minutos atrasadas, mesmo com Alex e Pedro nos ajudando com as nossas
malas.
— Vocês sabem que vão pagar excesso de bagagem, né? — Alex diz ao colocar a última
mala no carrinho.
— Uhum... — respondo enquanto confiro meus documentos pela décima vez.
— Tem certeza de que não tem uma pessoa aqui dentro? — Pedro pergunta e reviro os
olhos.
— Não exagera, Pedro! Foram só umas comprinhas — defendo-me.
Giovana sai do quarto saltitando, com o chaveiro da Cinderela balançando em sua bolsa, e
me faz sorrir por um instante.
— Arruma essa carinha, baby. — Ela dá um tapinha em minha bochecha antes de se
aninhar nos braços de Pedro. — Preocupações dão rugas.
— Como se eu pudesse evitar! — resmungo e entramos no elevador no mais completo
silêncio. Olho para as paredes de aço e madeira, que dão um ar vintage charmoso para o lugar
onde vivi a experiência mais maluca da minha vida, e penso em como posso estar tão mal-
humorada, menos de doze horas depois de tudo o que fiz aqui dentro? Eu sei a resposta, mas
não quero pensar nela. Não agora que estou voltando para casa.
O caminho até o aeroporto é em silêncio, chegamos à sala de embarque e me acomodo em
uma cadeira bem afastada de todos, coloco meus fones e encosto a cabeça na parede fechando
os olhos e tentando me concentrar na música.
Giovana e Pedro estão em uma loja fazendo compras e Alex desapareceu no instante em
que colocamos os pés aqui. Me deixo levar pela batida suave da música e, pela centésima vez
no dia, lembro-me do que aconteceu ontem à noite e a mesma sensação boa atinge meu
estômago. O cheiro da colônia dele ainda está em meu casaco, o som da sua voz, o peso do seu
corpo contra o meu, a textura dos seus cabelos em meus dedos. Se eu pudesse, gravaria tudo
isso para sempre em minha memória, mas sei que, com o passar do tempo, tudo isso será
apenas uma lembrança, frágil e desgastada.
— Sonhando acordada?
Abro os olhos assustada e Alex está me olhando com uma garrafa de água e um
comprimido nas mãos.
— Para a sua cabeça. — Ele me estende o comprimido e agradeço. Em seguida, ele se senta
ao meu lado e observa enquanto engulo o analgésico e tomo alguns goles de água.
— Valeu. — Sorrio para ele que estende sua mão em minha coxa, a palma voltada para
cima à espera da minha, envolvo a minha mão na sua e ele a fecha, eu me sinto segura e
tranquila ao seu lado e apoio minha cabeça latejante em seu ombro.
Pouco depois embarcamos e todos os sintomas do pânico voltam, intensificados pela
minha dor de cabeça; sinto minhas mãos suarem, minha boca secar, tudo girar e aquela
vontade louca de voltar para a terra firme. Alex se senta e, de um modo estranho, sinto como
se ele estivesse exatamente onde sempre deveria estar: ao meu lado.
— Pronta? — ele pergunta enquanto afivelo o cinto.
— E tenho outra opção?
— Acho que não. Mas se precisar... — Ele ergue a mão e sorri.
— Não tenha dúvidas de que vou apertar a sua mão, seu contrato só termina quando esse
avião pousar em terra firme.
— E depois, o que acontece? — Alex ergue uma sobrancelha curioso. — Vou ser demitido?
Sorrio ainda sem graça.
— Talvez eu possa arrumar uma nova ocupação para você.
— Espero que seja uma boa ocupação.
Observo atentamente seu rosto de garoto, livre de olheiras, cicatrizes e barba por fazer,
seu cabelo perfeito no estilo Elvis Presley não está desgrenhado e ele não parece prestes a
congelar de frio. Ele é o Alex, o garoto que esteve ao meu lado durante todo o tempo e só
agora percebo que nos conhecemos há apenas alguns dias, mas ele já sabe mais de mim do que
a maioria dos meus amigos. Eu me acostumei tanto com a sua presença que não tinha pensado
que, agora, cada um está voltando para a sua vida. Não sei ao certo o que ele fará quando
chegarmos em São Paulo, se entrará na faculdade, ou se emendará outra viagem, talvez
conheça outra garota e se esqueça de mim. Ou quem sabe, eu não o deixe ir. Tenho a sensação
de que não quero mais ficar longe dele, do seu sorriso caloroso e das suas mãos sempre
dispostas a me apoiar. Seja do medo da morte ou do frio.
Com certeza, conhecer Alex foi a melhor coisa que me aconteceu nessa viagem, melhor até
que o meu americano. Porque ele é real e, talvez, quem sabe, possamos ter um futuro.
— Obrigada, por tudo! — agradeço com o coração cheio de gratidão.
— Pare com isso, espera o avião pousar, aí você agradece. — Ele sorri e me faz sorrir
também.
— Eu quis dizer agora, vai que eu preciso usar isso aqui como bote e, talvez, eu me
esqueça.
— Então tudo bem.
— Já colocou seu cinto? — pergunto e Alex aponta para o seu colo.
Deito minha cabeça em seu ombro e ouço a torturante explicação de como morrer com
decência em caso de queda e, então, nossos dedos se entrelaçam e ele segura forte a minha
mão quando o avião começa a taxiar. Escondo meu rosto em seu pescoço, aperto meu cinto,
ouço seu riso baixo e obrigo-o a apertar o seu também, fecho meus olhos e me despeço
temporariamente da minha alma enquanto sinto meu corpo inclinar para trás.
— Estou com medo, Alex... — admito porque, nesse momento, ele é a única pessoa para
quem quero admitir. — Estou morrendo de medo.
Ele olha para mim e sei que sabe do que estou falando.
— Sabe o que eu acho?
— O quê?
— Eu acho que você está sofrendo por antecipação. Dê uma chance pro teu velho, ele
gosta de você. E se não der certo, você, pelo menos, tentou. — Sua voz tranquila faz tudo
parecer muito mais fácil. — É melhor lamentar por ter tentado do que passar a vida imaginando
que poderia ser diferente.
— Acho que você tem razão.
— Eu sei que tenho.
Ele aperta minha mão, mais uma vez, e volto a deitar a cabeça em seu ombro, sentindo-me
mais tranquila do que imaginei que poderia estar nesse momento.

Horas depois pousamos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, nossas mãos ainda estão
unidas, a dele avermelhada pela força do meu aperto, a minha suada pelo nervosismo. Sorrio
quando a aeromoça nos agradece a companhia (como se tivéssemos outras opções muito
melhores) e nos deseja um ótimo dia.
— Viu só! Sã e salva! — Alex diz em meio a um sorriso bonito quando chegamos ao
desembarque.
Jogo meus braços por seu pescoço e dou um beijo estalado na sua bochecha.
— Às ordens... — ele responde levemente corado quando me afasto.
— Beija logo essa boca, Alex! — Giovana grita atrás de nós, tornando o rubor de Alex ainda
maior, o que faz com que eu deseje matá-la.
Juntamo-nos a eles, Pedro dá um tapa na cabeça de Alex desmanchando seu penteado
perfeito e colocando uma carranca em seu rosto enquanto caminhamos em direção às nossas
bagagens.
— Se perderem minha mala, eu juro que mato eles — Giovana diz enquanto rói o canto da
sua unha perfeita. — Minhas Princesas estão todas lá dentro — ela completa como se o fato de
haver dezoito bonecas dentro de sua mala fosse uma boa justificativa para um crime.
— Calma, Gi, estarão todas lá.
O ar quente e seco característico da cidade me enche de alegria, eu estava com saudades
de casa, da agitação, da correria, de estar sempre atrasada, sempre com pressa, sempre
reclamando, como uma boa paulista deve ser. Mas minha saudade termina aí, a cada minuto
que passa fico mais tensa e ansiosa e começo a sentir fome. Uma péssima combinação.
— Vai dar tudo certo — Alex diz passando um braço em meu ombro e me dando um
sorriso encorajador.
Meia hora depois estamos com dois carrinhos cheios de malas. Giovana e Pedro se
despedem em um canto um pouco afastado; ele acaricia o rosto de minha amiga, como se
nunca mais fossem se ver.
As portas se abrem e aperto a mão de Alex ainda mais forte, quando avisto meu pai do
outro lado das grades. Ele ainda não me viu e dou um passo para trás desejando que continue
assim. Isso é ridículo, eu concordei com tudo antes de aceitar essa viagem, mas não sei se
consigo fazer isso.
— Vamos, Lu. — Giovana segura minha mão como se pudesse me encorajar.
Nesse momento sou um saco de batatas, não consigo encontrar coragem para seguir
adiante e estou prestes a chorar quando Alex me puxa para um abraço caloroso.
— Não ouse se despedir — digo baixinho em seu ouvido e deito a cabeça em seu ombro.
— Eu não sou louco, isso aqui está apenas começando. — Alex beija a curva do meu ombro
e se afasta olhando dentro dos meus olhos, como se eu fosse uma garotinha. — Vá lá e me
encha de orgulho.
Ele pisca de um jeito charmoso e tão galante que me faz sorrir.
— Prometa que não vai fazer isso para outras garotas.
— Isso o quê? — ele pergunta confuso.
— Não jogue charme, não segure as mãos e, principalmente, não pisque para ninguém.
Ele solta uma gargalhada e finjo que não estou parecendo uma manteiga derretida, pisco
algumas vezes e olho em volta evitando seu olhar.
— Pode deixar, eu prometo que não vou fazer isso, seja lá o que for.
— Eu te mando mensagem.
— Estarei esperando. — Ele dá um passo para trás, nossas mãos se soltam e ele sorri dessa
vez discretamente.
— Obrigada, de verdade, te conhecer foi a melhor coisa que me aconteceu nessa viagem.
Antes que eu consiga dizer mais alguma coisa, Giovana me puxa pela mão.
— Vamos, Lu. Seu pai já está acenando para nós. — Ela ergue o queixo na direção do meu
pai. — Olha que vexame, Luana, vamos logo antes que ele tire um cartaz da manga e eu
evapore de vergonha.
Saio sendo arrastada por minha amiga enquanto aceno me despedindo de Alex e Pedro,
que continuam parados nos olhando, viro-me para pedir que Giovana solte meu braço quando
noto que ela está chorando. Giovana Kimoto está chorando!
— Estou de TPM. — Ela seca uma lágrima e se justifica antes mesmo que eu diga alguma
coisa.
— Aham... — é tudo o que eu posso responder.
Quando chegamos a saída, vejo meu pai. Ele parece nervoso e fico feliz em saber que não
sou a única que não está confortável com essa situação. Ele nos abraça e nos pergunta como foi
o voo. Ao seu lado, com o largo sorriso de sempre, Jonas se apressa a pegar nosso carrinho
enquanto caminhamos em direção aos dois meses mais imprevisíveis da minha vida.
Duas horas depois estamos novamente parados em frente à casa que um dia foi minha. A
viagem foi salva graças às ligações sem fim do meu pai e de uma falsa soneca que fingi tirar só
para não ter que ter qualquer tipo de conversa com ele.
Mas agora não tem mais como negar, estamos aqui e a realidade bate em minha face. Eu
concordei mesmo em passar dois meses aqui.
Eu não me lembrava do quanto ela era imponente, sua fachada em estilo colonial com
grandes colunas que sustentam um telhado clássico e uma grande escadaria, que nos leva até a
porta, que amedronta qualquer um, parecem ainda maiores depois de tantos anos longe.
Desço do carro com dificuldade, sinto-me novamente pequena e recordações, que até
então eu tentava esconder, surgem como uma avalanche: estou correndo em volta da fonte,
pulando os degraus da entrada, aprendendo a andar de bicicleta no jardim, brincando de
bonecas com Giovana e Manuela na casinha cor-de-rosa que meu pai fez para nós. É como se o
tempo houvesse voltado, como se tudo estivesse no seu lugar, da maneira correta de ser.
— Vamos? — A voz grave de meu pai me traz de volta ao presente e à realidade. Nada
mais é como antes. Esse não é o meu lar, eu não sou mais aquela garotinha. Ele não é mais o
homem perfeito que acreditei que era.
Olho para a mão estendida do meu pai, respiro fundo e balanço a cabeça, negando-a.
— Vamos — digo mais para mim mesma, prometi ao Alex que tentaria e vou conseguir.
Um pé na frente do outro...
Eu tento em vão afastar as tristes lembranças da última vez que pisei nesses degraus,
carregando malas com a minha vida inteira dentro, com minha sempre silenciosa mãe ao meu
lado e um coração cheio de raiva e tristeza.
Um pé na frente do outro...
Tento ignorar o ódio que senti do homem, que agora está ao meu lado; a vontade de
chorar que sentia enquanto dizia adeus ao meu lar, deixando para trás não só bens materiais,
mas o homem que sempre foi o meu herói e que havia se tornado um estranho. Seis anos se
passaram, eu não deveria sentir tanto.
Um pé na frente do outro...
A porta se abre.
Uma mulher alta e magra com cabelos cacheados, olhos grandes e expressivos, me olha
com emoção. Ela abre um sorriso que quebra meu coração ao meio. Ela venceu, ela conseguiu
me fazer quebrar a minha promessa, estou na mesma casa que ela. Dormirei aqui, viverei sob o
mesmo teto que ela por dois meses.
Um nó se forma em minha garganta. Eu não vou chorar, não posso chorar.
A mão quente e protetora do meu pai envolve a minha enquanto me recordo das noites
em claro que senti sua falta, das minhas lágrimas silenciosas para que minha mãe não me
ouvisse. O rosto doce e gentil da minha mãe me enche de dor. Eu a estou traindo, estou
jogando fora tudo o que fizemos, todas as vezes que seguramos as mãos uma da outra e
dissemos que estava tudo bem.
Eu não posso fazer isso com ela.
Solto a mão do meu pai e paro de andar, a mulher ainda me aguarda na porta, mas seu
sorriso se desfaz quando percebe que essa palhaçada não vai durar. Meu pai se vira para mim
e, sem conseguir dizer uma só palavra, balanço a cabeça negando a mão que ele volta a me
estender e saio correndo. Ouço a voz do meu pai me chamando, ouço os passos apressados de
Giovana, que me xinga enquanto corre atrás de mim, ouço a voz doce e gentil de Alex me
dizendo que vou conseguir. Eu falhei, mas não consigo seguir nisso.
Corro desesperadamente, como se assim pudesse correr dos meus problemas, dos meus
medos, das minhas fraquezas. Sem saber o que estou fazendo continuo correndo e só paro
quando chego à minha antiga casinha de bonecas, ela ainda está exatamente da mesma
maneira que eu me lembrava, um pouco mais desgastada por causa do tempo; o rosa que antes
era vibrante agora parece triste, opaco, sem vida. Assim como eu. Ajoelho-me e entro dentro
da casa, abraço meus joelhos e choro.
A porta se abre e o rosto cansado de Giovana aparece.
— Porra, garota! Como você corre, hein. — Ela dá uma olhada no interior da casa,
ignorando o meu pranto. — Isso aqui parecia bem maior antigamente.
Olho para a minha amiga enquanto ela se senta ao meu lado e ergue as pernas apoiando o
rosto nos joelhos. Ficamos assim esmagadas como sardinhas enlatadas, em silêncio durante
muito tempo, até que ela olha para mim e diz:
— Sabe o que acho?
— Que eu sou uma idiota?
— Isso eu já sabia há muito tempo. — Ela pisca para mim. — Eu acho que engordamos
nessa viagem. — Ela volta a olhar para as paredes desgastadas da casa e completa: — Só pode
ser, eu realmente não me lembro dessa casinha ser tão apertada.
A gargalhada começa em meio às lágrimas, rio tanto que sinto minha barriga doer
enquanto Giovana coloca a culpa nos fast-foods americanos. Depois de um tempo voltamos a
ficar em silêncio e deito minha cabeça no ombro dela.
— Eu falhei, Gi — admito envergonhada.
— Tudo bem, isso fica só entre nós. — Não me surpreendo com suas palavras. Giovana
Kimoto é a garota mais parceira que alguém poderia ter na vida, e ela é minha amiga.
Eu nunca entendi muito bem o motivo para que os furacões tivessem nomes femininos.
Não até a noite passada. Um desastre natural de proporções épicas passou por mim, deixando
um rastro de devastação, ao menos é o que sinto no meio das pernas.
Nunca na minha vida conheci uma garota como aquela, completamente maluca, insana,
quente como o inferno e com a boca mais deliciosa que já provei. Se fechar os olhos, ainda
posso sentir o gosto do seu beijo, o desejo em seus olhos, os gemidos que soltava enquanto eu
a tocava... a sua mão, porra, a sua mão no meu...
Levanto-me tentando fazer o mínimo de barulho possível, Abel ainda dorme na cama ao
lado, em estado de coma seria a definição correta, mas sei que em algumas horas ele estará de
pé, pronto para enfiar a cara nos livros e passar o dia estudando. Sinceramente, não sei como
ele consegue viver essa vida dupla. De dia, aluno exemplar; de noite, o maior pegador que já
conheci na vida. E olha que eu já conheci muita gente nesses meus vinte e quatro anos. Mas
nunca ninguém como Abel.
Saio do quarto sem acender a luz, esbarro em uma mesinha e xingo baixo porque essa
porra dói pra cacete, mas é ótimo, assim não preciso me concentrar na dor que sinto em outra
parte do meu corpo, toda vez que me lembro do ataque que sofri horas atrás naquele elevador.
— Mas que porra! — Desvio o olhar da bunda pelada de Mio, meu outro companheiro de
quarto. — Faz o favor de cobrir essa merda! — Pego uma almofada e estou prestes a
arremessar na sua direção, mas sou interceptado.
— Se eu fosse você, não faria isso, gatinho — fala Rose, a namorada de Mio. — Você um
dia pode vir a deitar a sua linda cabeça nessa almofada.
Deixo-a com a almofada, ignoro a bunda branca do meu colega e vou para a cozinha, Rose
me segue. Não gosto de dividir a casa com outras pessoas — mas nesse caso não tenho opção
—, nem com os dois marmanjos que estão dormindo e muito menos com a garota que parece
chiclete na sola do meu sapato.
— Você está péssimo, Pete — ela diz ao se sentar na bancada.
— Dor de cabeça — me limito a responder e ela não diz mais nada, todos aqui já sabem a
merda que sou. Dor de cabeça deveria ser o meu nome do meio e o estoque de remédios dessa
casa poderia deixar um hospital com inveja, meus colegas gostam de se sentir seguros e eu faço
por merecer o exagero. Pego dois comprimidos e jogo na boca, abro a torneira e coloco a boca
embaixo do jato de água que cai.
— Mio me disse que vocês entregaram duas turmas hoje — Rose puxa assunto, mas eu não
estou muito a fim de conversar, principalmente com ela.
Mio trabalha comigo, além de dividir o apartamento, e Rose é o brinde que sou obrigado a
aguentar.
— O que você está fazendo aqui hoje? — sou direto e até mesmo um pouco grosseiro, mas
que se foda!
Não gosto dessa garota desde o dia em que ela entrou no meu quarto e ficou me
observando dormir; além de meio assustador, achei uma puta de uma sacanagem com o seu
namorado. Não que o Mio mereça alguma consideração, ele se acha o pica das galáxias e seu
ego enorme não o deixa enxergar que está saindo com a maior vadia dos Estados Unidos, mas
sou um cara honesto e não gosto de muito papo com ela.
— Mio bebeu demais, dirigi o carro dele.
— Por que não o levou para sua casa?
— Fern está lá com o namorado, ela me pediu para ficar fora.
Não acredito nela, mas não estou nem aí, abro a geladeira em busca de algo para comer,
preciso começar a me alimentar melhor, mas dividindo um minúsculo apartamento com dois
caras que bebem mais que carro velho, não estou conseguindo e isso está acabando comigo e
piorando minha dor de cabeça.
— Beleza, vou indo — encerro o diálogo me arrastando para o quarto com uma caixa de
leite na mão e um pacote de bolacha, é tudo o que achei e estou rezando para o leite não estar
estragado.
— Você deveria ver essa cabeça, Pete — Rose diz ainda da cozinha.
— Você deveria fazer seu namorado colocar uma roupa — digo antes de fechar a porta e
acender a luz.
— Apaga essa merda! — Abel reclama colocando o travesseiro na cabeça.
— Desculpa, eu preciso comer e a Rose está em casa.
— Foda! Essa garota não dá folga! — ele reclama e dois segundos depois está roncando
novamente.
Sento-me na minha cama, como metade da bolacha e bebo o conteúdo todo da caixa de
leite. Em seguida, apago a luz e me deito sentindo o analgésico começar a fazer efeito, mas
ainda não consigo dormir e, sem querer, minha mente volta para aquele elevador e na minha
versão, dessa vez, o funcionário não nos interrompe.
No dia seguinte acordo cedo aliviado pela dor de cabeça ter ido embora, assim como Rose,
Mio e Abel, o apartamento é só meu e até parece maior, embora esteja tão bagunçado que até
mesmo para mim é demais.
Levanto e tomo um banho tentando me livrar do sonho que tive essa noite. Quando chego
ao trabalho, ainda estou pensando nela e começo a me sentir um pouco estranho. Não sou de
ficar apegado a garotas, principalmente as turistas, é contra o regulamento se envolver com
elas, mas não pude evitar, afinal de contas, não é todo dia que um cara é atacado por uma
garota linda em um elevador.
Agora estou aqui, parado na frente da porta do seu quarto, que decorei como um
psicopata, ela está aberta e uma funcionária da limpeza está lá dentro, ainda posso sentir o
cheiro do seu perfume, misturado com desinfetantes, como se de alguma forma ela ainda
estivesse ali, me lembrando que foi real.
Meus olhos se prendem em algo caído no chão, é pequeno e quase imperceptível, e
quando me abaixo noto que é um brinco, tento me recordar se ela estava usando algo parecido
ontem, mas não consigo, nem sei ao certo se é dela.
— Imaginei que te encontraria aqui.
Kimberly está do outro lado do corredor, sorrindo para mim. Somos uma grande equipe e
nas últimas semanas temos trabalhado juntos.
— Eu só vim entregar uma coisa — minto, mas ela não está muito interessada nos motivos,
Kimberly é legal, na dela e bastante discreta, o que facilita muito a nossa convivência.
— Está com uma cara péssima, dormiu mal? — Ela me entrega um copo de suco de laranja
enquanto caminhamos em direção ao elevador para recepcionar uma nova turma de turistas.
— Tive outra crise de dor de cabeça.
— Precisa ver isso — ela diz, como todas as outras pessoas que não compreendem minha
situação.
— É, pode ser — respondo quando a porta se abre e entramos, coloco minha mão no
bolso, tocando o pequeno objeto como se, de alguma forma, eu soubesse que um dia
voltaremos a nos ver.
Demoro três horas para sair de dentro da casa de bonecas. Na primeira hora, eu estava
com raiva demais para sair; na segunda em diante, estava envergonhada demais. Giovana vai
embora e, quando começa a escurecer, resolvo que estou passando dos limites e entro.
Não há ninguém à minha espera, como se soubessem que eu preciso de espaço. Como um
gato acuado, não estou preparada para momentos familiares e agradeço mentalmente por isso.
Subo direto para o meu quarto e, mais uma vez, sinto-me um pouco emotiva quando noto que
tudo está exatamente como deixei quando fui embora. Até mesmo a minha colcha favorita está
estendida na cama, olho para as paredes, pôsteres espalhados de bandas que eu gostava na
época, na cômoda há uma foto minha com meus pais e as lágrimas caem enquanto relembro
aquele dia.
Minhas malas já estão no closet e faço uma nota mental para não esquecer de agradecer
ao Jonas, ele é mesmo incrível. Pego uma roupa e tomo um banho quente e relaxante, depois
me sento na cama e digito uma mensagem para Alex:

LUANA: Eu falhei. ☹

Alex lê e imediatamente, como se estivesse à espera dela o dia inteiro, digita de volta:

ALEX: Relaxa, princesa, eu sabia que isso ia acontecer.


LUANA: Homem de pouca fé...

ALEX: kkkkk. Eu só achei que já te conhecia e não errei.

Reviro os olhos, mesmo que ele não possa me ver. Será que sou assim tão previsível?
Ele continua digitando.

ALEX: O importante é que você já fez o mais difícil.

LUANA: O mais difícil?

ALEX: Você entrou, já arrancou o band-aid, agora é esperar e ver no que vai dar.

LUANA: Você faz parecer fácil.

ALEX: Não é, mas você consegue.

Sorrio para a tela do celular e digito:

LUANA: Como você sabe?

ALEX: Porque eu confio em você.

Digito um coração porque não sei o que responder, ele me manda um sorriso e me pego
pensando no que fiz para conhecer um cara tão incrível como Alex.

Já passa das oito quando decido criar coragem e ligar para a minha mãe, que atende no
segundo toque e sua voz é o suficiente para que eu fique com vontade de chorar de novo.
Patética, eu sei!
Ela me pergunta como estou, como foi a viagem e deixa para mim a árdua tarefa de contar
como está sendo desde que cheguei em casa... quer dizer, na casa do meu pai. Enrolo o máximo
que posso, falo de Alex e quase conto a ela que beijei um cara no elevador, mas só de pensar
em Pete, meu rosto esquenta e meu corpo se agita de um jeito que não é legal se acender em
uma conversa com a nossa mãe, mesmo que seja pelo telefone. Por fim crio coragem e conto
todo o resto. Ela me ouve em silêncio, sem nenhuma crítica ou acusação, eu quase posso vê-la
inclinando o rosto para o lado e colocando a mão sob o queixo.
— Eu não esperava que você a abraçasse logo de cara, nem que tivessem um jantar em
família hoje, mas estou orgulhosa de você, sei que está sendo muito difícil estar aí.
Orgulhosa de mim? Quem é a minha mãe? Nossa Senhora?
Pergunto a ela como está a vida sem mim, ela me conta um pouco da sua rotina,
combinamos de almoçar juntas ainda essa semana; e, quando termino a ligação, estou
envergonhada, triste e morta de saudades.
Minha barriga ronca e é a deixa para que eu pare de me comportar como uma menina
mimada e enfrente meus problemas de frente, eu preciso comer e, mesmo sabendo que posso
dar de cara com ela na cozinha, arrasto-me da cama e vou até lá.
Para a minha alegria, não tem sinal de Diana na casa e, assim que chego à cozinha,
encontro Maria. Ela está aqui desde que o mundo é mundo, me conhece como a palma da sua
mão, cresci tomando as vitaminas e sopas que ela fazia para mim, às vezes, no meio da
madrugada, e não foram poucas as vezes em que eu me esgueirei até sua casa para dormir com
ela só para comer um pedaço de bolo de chocolate.
Ela é a minha versão de fada madrinha e eu a amo.
Meu peito dói quando vejo o quanto ela envelheceu, passaram-se seis anos desde a última
vez que estive aqui e mais de dois anos que não a vejo, eu a abandonei e o peso da culpa
desaba sobre minhas costas quando ela abre os braços e me dá o mesmo sorriso de sempre.
Como se nada tivesse acontecido.
— Finalmente você resolveu descer, menina — Maria diz como se não me visse há apenas
algumas horas e não anos.
Aninho-me em seus braços e a aperto até fazê-la rir.
— Tão bom te ver, Maria — choramingo.
— Eu também estou feliz que você está em casa de novo.
É estranho ouvi-la falar desse lugar como minha casa quando eu ainda me sinto uma
estranha, mas não a corrijo porque nesse momento é exatamente assim que me sinto. Em casa,
não por estar nesse lugar, mas por estar em seus braços.
Maria me serve um fumegante prato de sopa, a minha sopa favorita, uma bandeja de pães
italianos já está à minha espera na mesa e quase choro de emoção quando coloco a primeira
colher na boca.
— Isso está divino, Maria — digo com a boca cheia e os olhos fechados. Ela sorri.
— Eu não sabia se você ainda gostava.
Abro os olhos no instante que ela termina de falar, a ingratidão rasga meu peito como um
punhal afiado e baixo a colher sentindo minha garganta fechar. Maria parece não notar meu
desconforto e se levanta para pegar a jarra de suco de melancia: outra das minhas paixões
alimentares. Já não sinto mais fome, o nó que se instala na minha garganta é grande demais e
não permite que passe mais nada.
— Maria, eu... — começo a falar, mas a voz embarga e me sinto pior, não quero chorar. —
Eu não sei o que dizer.
— O que houve? A sopa não está boa?
Sua preocupação com minha alimentação não ajuda em nada a melhorar meu estado e
abaixo minha cabeça negando.
— O que foi, menina? — ela me chama da mesma forma de quando eu era pequena e é a
gota d’água para que a represa se rompa.
Eu choro, descontroladamente, com as duas mãos no rosto, com direito a soluços e o peito
dolorido. Maria se aproxima e me abraça, me reconfortando mesmo sem saber o que houve.
— Eu não mereço... — Afasto-a ainda chorando. — Eu não mereço seu carinho, eu a
abandonei, eu a amo e mesmo assim eu a abandonei. Que espécie de pessoa faz isso?
— Ah, menina. — Ela volta a me abraçar sem ligar para o que estou dizendo.
— Eu sou horrível e mesmo assim você me abraça e faz sopa para mim — admito e isso não
ajuda a aliviar a dor em meu peito.
— Não seja tola, coma logo essa sopa antes que esfrie, você está cansada e precisa dormir.
— Ela dá um tapinha em meu ombro e se afasta voltando para a geladeira de onde diz: — E
ainda tem aquele pudim de leite que você ama.
Quando ela me olha sorrindo com a travessa nas mãos, eu me sinto ainda mais confusa.
— Por que você não está com raiva de mim?
— Porque eu te amo, e é isso que a gente faz com quem a gente ama.
— Eu te abandonei — repito e mesmo assim não é nada fácil.
— E eu te perdoo.
— Por quê? — pergunto porque não consigo compreender.
— Porque você estava cega, envolta em uma nuvem negra que não te deixava enxergar
nada além da sua mágoa. Eu sei que você não fez por mal e hoje está de volta. Eu estou feliz
demais para me prender a bobagens.
Abro a boca para contestar, para dizer a ela que não estou aqui por minha vontade, que
ainda vivo sob aquela nuvem negra que ela citou, mas nada sai, estou atônita, sem palavras
para a sua bondade comigo.
— Agora termina de comer logo. — Ela aponta para o prato e eu faço o que ela diz, como
tudo, duas vezes e depois tem a sobremesa, a minha favorita. Passamos algum tempo sentadas
conversando, conto a ela coisas sobre mim e sobre minha mãe, ela me conta sobre as suas
novidades e nesse tempo juntas é como se nada tivesse acontecido, nada houvesse nos
separado e quase me sinto em casa novamente.
Já passa da meia-noite quando finalmente consigo terminar de guardar todas as coisas que
trouxe de viagem. Minha mãe também mandou algumas das minhas coisas para cá e imagino
como deve ter sido essa conversa entre eles. Meu TOC por organização está chegando ao
absurdo de organizar minhas roupas por cor e categoria, isso faz com que eu demore o dobro
do tempo, mas não ligo. Quando tudo está prontinho tenho um arco-íris lindo e organizado
dentro do meu closet. Faço uma nota mental para tirar umas fotos legais para o blog e anoto
algumas ideias de matérias. O blog é uma terapia, algo que faço para me distrair, como um
diário digital que compartilho com outras pessoas, looks e estilo de vida, pensamentos e ideias,
tudo que faz parte da minha vida eu coloco lá e, por incrível que pareça, tenho um bom número
de seguidores, pessoas que acreditam e confiam no meu gosto e nas minhas escolhas e isso é o
máximo.
Olho novamente minhas nécessaires em busca do meu brinco, é o meu favorito que ganhei
da minha mãe no Natal passado, mas ele sumiu e imagino que eu tenha perdido na viagem,
ainda estou lamentando minha perda quando ouço alguém bater na porta do quarto, hesito um
pouco, mas, como as batidas continuam, abro e encontro o meu pai do outro lado do corredor.
— Te acordei? — ele pergunta com um sorriso no rosto cansado.
— Não, eu estava arrumando minhas coisas e... — Abro mais a porta e aponto para o
closet. — Não acordou não.
Olho para meu pai, a figura bonita e esbelta parada no corredor, ainda usando uma camisa
social e gravata demonstrando que ele acabou de chegar, provavelmente de uma reunião de
última hora.
— Eu vim ver como você está.
Estou morta de vergonha.
— Estou bem.
— Posso entrar um pouco? — ele pergunta como se não estivesse dentro da sua própria
casa.
— Claro, pai, entra.
Ele olha para as paredes como se não fizesse isso há muito tempo, penso em perguntar,
mas prefiro evitar perguntas embaraçosas.
— Chegou agora?
— Sim, estive em uma reunião que me tomou a noite toda.
— O senhor parece exausto.
— Um pouco.
Ele vai até meu closet e sorri para a minha arrumação. Depois para na frente da cômoda e
vê a nossa foto.
— Eu sempre gostei dessa foto. — Ele a pega na mão e olha por um instante antes de
colocá-la de volta no lugar e olhar para mim. — Estou feliz de ter você aqui, filha.
— Eu sinto muito pelo que fiz hoje — admito envergonhada e me pego pensando quando
essa rotina de me desculpar vai acabar.
— Tudo bem, ninguém esperava que você fosse estar feliz de qualquer forma.
Pergunto-me qual a expectativa que faziam sobre a minha chegada e que espécie de
pessoa me tornei, uma garota egoísta e mimada que só consegue olhar para o próprio umbigo e
não mede as consequências dos seus atos?
— Eu não posso prometer ao senhor que eu e sua esposa vamos nos tornar amigas, mas
prometo que tentarei não criar problemas.
— Obrigado, filha. — Ele parece tão feliz que só consigo me sentir pior. — Já é um começo.
Vou até ele e o abraço, o cheiro fraco do seu perfume misturado com o cheiro do couro do
seu carro me trazem boas lembranças de uma época em que ele passava noites fingindo assistir
a seriados teens no meu quarto para compensar a ausência.
— O senhor está com fome?
— Um pouco.
— Que tal tomar um banho enquanto preparo alguma coisa para você?
Ele ergue a sobrancelha surpreso e me sinto mal, isso é algo tão comum entre mim e minha
mãe. Quase todas as sextas passamos na frente da TV maratonando séries e filmes, cercadas de
pipoca, refrigerante, sucos e frutas (da minha mãe, claro). No entanto, com ele, faz anos que
não temos sequer um par de horas juntos.
— Pai? — chamo quando ele não responde.
— Claro, claro, eu vou tomar um banho.

Passamos a noite juntos na frente da TV, embora nenhum dos dois tenha prestado atenção
a nada que tenha passado. Contei a ele sobre a viagem, sobre a escola e como estou me
preparando para o vestibular. Falamos por horas, até que o celular do meu pai toca e me
assusto com a hora. Quem será as três da manhã? Tragédia, aposto! Só tragédia liga a essa
hora.
Meu pai atende e, para a minha surpresa, não há nenhum incêndio acontecendo, graças a
Deus. Mas seja lá quem for, não tem muita noção de educação, não que meu pai se importe, ao
contrário, ele parece feliz ao ouvir a voz da pessoa no outro lado da linha. Imagino que deve ser
um de seus amigos, eles marcam algo sobre uma viagem e meu pai diz que não vê a hora de
revê-lo. Antes de desligar, ele diz que estou em casa e que estamos vendo um seriado e tenho a
certeza de que deve ser um dos seus amigos antigos, daqueles que me conhecem desde que eu
estava na barriga da minha mãe.
Depois da ligação, meu pai vai embora. Desligo tudo e me deito, estou tão cansada que não
demoro para dormir, mas antes de fechar os olhos me pego de volta àquele elevador a milhares
de quilômetros de distância e a última coisa que penso antes de apagar é: “Onde será que ele
está agora?”.

O telefone toca, tento ignorar porque tenho a sensação de que eu nem sequer dormi. Eu
havia me esquecido que aqui tem telefones fixos em todos os cômodos, algo que se tornou
obsoleto na maioria das casas, como a minha por exemplo. Mas o aparelhinho não se importa
com isso, ele é determinado e continua tocando. Aguardo para ver se alguém terá misericórdia
de mim e atenderá, mas, para a minha surpresa, é como se eu estivesse sozinha em casa.
Talvez eu esteja.
Pego meu celular e verifico as horas: meio-dia. Caramba! Estico a mão e retiro o telefone
da base, ainda sonolenta atendo.
— Pronto. — O telefone fica em silêncio. — Alô? — repito mais uma vez, mas ninguém fala
nada e desligo a chamada acreditando que tenha sido um engano. Coloco o telefone de volta na
base, mas não demora e ele volta a tocar. — Alô — digo um pouco mais alto, para o caso da
pessoa do outro lado da linha ter problema de audição.
— Quem fala? — pergunta uma voz masculina e jovem do outro lado da linha.
— Você quer falar com quem? — Tento ser educada e rezo para que não seja com ela,
porque serei obrigada a mentir. De jeito nenhum que vou começar meu dia falando com aquela
mulher. Ainda não cheguei nesse nível de maturidade.
— Desculpe, acho que liguei errado — ele diz para o meu alívio.
— Tudo bem. — Desligo o telefone e levanto ainda sonolenta me arrastando até o
banheiro, mas não chego nem na porta, o telefone toca mais uma vez.
Isso só pode ser brincadeira. Sério que ainda tem gente que passa trote para a casa dos
outros? Atendo novamente, dessa vez irritada.
— Alô.
Uma risada masculina e debochada do outro lado da linha me deixa mais irritada.
— Você de novo? — esbravejo e ouço quando ele fala um palavrão de uma maneira que
me deixa envergonhada. — Seu idiota, não acha que já passou da idade de passar trote para a
casa dos outros, não?
Sua risada para no momento em que termino de falar.
— Devagar aí, garota! Em primeiro lugar, eu não sou idiota; e em segundo lugar, eu tenho
mais o que fazer do que passar trote, principalmente para garotas mal-humoradas como você.
— Então você é cego ou analfabeto.
— O que você disse? — Sua voz demonstra que ele não esperava essa resposta, na verdade
nem eu, mas não costumo ser muito educada de manhã, principalmente com idiotas.
— Isso mesmo! Porque ou você não sabe ler, ou não está enxergando os números direito,
já que ligou para a minha casa novamente.
Ele fica tanto tempo em silêncio que chego a acreditar que ele desligou o telefone, mas,
antes que eu possa encerrar essa palhaçada, ouço o som da sua respiração.
— Vou ignorar as suas ofensas, odeio mulher mal-humorada.
— Tanto faz — desdenho.
— Aposto que está sozinha — ele diz em um tom debochado que me deixa irritada.
— Como é? — pergunto sem acreditar no que ouvi. — Quem você pensa que é para falar
assim comigo? Você nem ao menos me conhece — retruco e me pergunto por que diabos estou
perdendo meu precioso tempo discutindo com um babaca pelo telefone. Jesus Cristo, eu nem
ao menos escovei os dentes ainda!
— Graças a Deus, eu não suportaria um minuto ao lado de alguém tão chata.
— Vai pro inferno! — grito cheia de ódio e uma vontade fora do normal de bater nesse
imbecil.
— Obrigado! Você também, quem sabe lá você encontre um cara que resolva seu mau
humor.
Bato o telefone na cara dele, depois retiro da base e bloqueio a linha. Grito frustrada, meu
coração está acelerado de tanta raiva quando vou para o banheiro. Decido tomar um banho,
quem sabe assim eu paro de tremer e acalmo as batidas do meu coração. Como alguém pode
ser tão babaca com quem nem ao menos conhece?
A semana passa rápido demais, talvez seja porque estou atolada de trabalhos para
entregar, aulas extras no cursinho e grupos de estudo que tomam todo o meu tempo. Mesmo
que eu não veja sentido em continuar com elas, ainda não sei se vou prestar vestibular; e
mesmo que minha mãe seja totalmente contra, não vou fazer nada porque ela quer, é da minha
vida que estamos falando e não quero perder quatro anos fazendo o curso errado, já vi muitas
pessoas caindo nessa e se ferrando.
Papai não consegue chegar em casa a tempo para o jantar nos dias seguintes e,
sinceramente, eu dou graças a Deus, não que eu não queira jantar com ele. Acontece que isso
significa jantar com ela também, algo que estou evitando desde que cheguei.
Até então nós nos vimos só duas vezes, no dia em que cheguei e hoje.
Estou na cozinha, tomando café, atrasada como sempre, já passam das 6h20 e meu
coração está acelerado. Eu não quero admitir, mesmo que seja para mim mesma, mas aquele
idiota anônimo me irrita de uma forma que não consigo evitar, por mais que eu tente. Depois
daquele dia, ele ligou mais uma vez, dois dias atrás, para me desejar “um homem que
melhorasse meu humor matutino” e quando o mandei para o quinto dos infernos, ele riu e sua
risada fez um rebuliço em meu estômago que não consigo explicar, acho que essa casa está
afetando minha cabeça. Só pode.
Ouço o som de passos apressados, mas não me importo, a casa está cheia de gente desde
ontem, são os preparativos para o jantar que teremos no fim de semana. Eu já havia me
esquecido de como o meu pai consegue enlouquecer a casa inteira com seus jantares e imagino
que com ela não esteja sendo diferente.
Os passos aumentam e ela entra na cozinha como um furacão, falando ao telefone
enquanto abre a geladeira e pega algo para comer; cumprimenta Maria e enche um pote de
salada de frutas, depois se vira e finalmente nota minha presença. Ela interrompe o assunto e
acena em minha direção, com um sorriso no rosto.
Não consigo acenar de volta, apenas ergo a colher de cereal e a coloco na boca.
Ela finge não ligar, ou talvez não ligue mesmo, quem sabe? Então ela come a sua salada, de
pé mesmo, enquanto continua falando ao telefone. É a florista, parece que ela quer trocar as
flores dos arranjos da casa ou algo do tipo, por sorte a cozinha é grande o suficiente para que
não precisemos ficar nos olhando. Quando termina seu café, ela coloca tudo na pia e desliga a
chamada.
— Ricardo ainda vai me enlouquecer com esses jantares — ela diz para Maria. Antes de
sair, ela passa por mim e baixo o meu olhar.
— Tenha um bom-dia, Luana. — Sua voz é doce e gentil fazendo um calafrio passar por
minha espinha.
— Bom dia — retribuo polidamente encarando meu cereal.
Quando penso que ela se foi, ergo o rosto e a encontro ainda na porta, ela olha para mim e
diz:
— Eu quero muito que isso dê certo, Luana, mas não vou impor nada a você. Se sentir
vontade de falar comigo, eu estarei sempre aqui, mas se não quiser, vou entender e respeitar a
sua decisão.
— Eu não quero — respondo rapidamente.
— Tudo bem, eu posso entender.
Ela sai da cozinha e volto a comer o meu cereal, embora já esteja arrependida do que disse
e tenha perdido a fome.
O telefone da casa toca no instante em que ela sai e meu coração dá uma cambalhota no
peito. Mas que merda é essa? Por que estou ansiosa para trocar meia dúzia de ofensas com um
completo desconhecido? Maria atende e toda a minha euforia acaba quando a ouço falar.
— Oi, Tito! — ela diz com um sorriso enorme. O tal de Tito fala algo do outro lado da linha,
que a faz rir. — Ela acabou de sair, deixa eu ver se consigo chamá-la. — Maria deixa o telefone
na bancada e vai até a porta chamando por Diana.
Poucos segundos depois, ela entra na cozinha, ao lado de Maria, apressada para atender o
tal de Tito.
— Graças a Deus, você me ligou, quer me matar do coração? — Diana fala para o tal Tito
em um tom preocupado. — Custa ligar para a sua mãe ao menos uma vez na vida? — ela
pergunta e me surpreendo porque conheço esse discurso. Minha mãe já o usou comigo
algumas vezes.
Olho para Maria sem entender nada e ela me diz, em um sussurro exagerado, que é o filho
dela.
Peraí, um filho? Ela tem um filho?
Como eu não sabia disso até agora? Continuo olhando para Maria, mas ela não diz mais
nada e volta a cuidar da sua cozinha. Diana continua falando com o seu filho e agradeço aos
céus por ele não estar presente, era só o que me faltava: um pivete metido a besta me
enchendo o saco o dia inteiro.
Termino o meu cereal ouvindo (sem querer, é claro!) a conversa dela com o tal do Tito. O
papo é breve e ela parece chateada porque ele não dá as caras por aqui. Pouco depois, ela
desliga e, mais uma vez, sai apressada da cozinha.
Levanto e levo meu pote até a pia, estou prestes a perguntar para Maria sobre o tal Tito
quando o telefone toca novamente, corro para atender.
— Alô. — Minha voz sai um pouco alta demais e me xingo mentalmente.
— Hum... — o cara misterioso diz. — Estava me esperando?
— Claro que não. — Rio tentando parecer irônica, mas sai mais como nervosa. Sinto
minhas bochechas esquentarem, mesmo sabendo que ele não é capaz de me ver. — Eu só
estava... eh... ah... perto do telefone, e só... atendi.
Bato a mão na minha testa. Que idiota não é capaz de falar sem gaguejar desse jeito?
— Então você correu pra atender? — Sua voz é tão provocante e irritante.
— Não seja convencido, seu idiota!
Consigo ouvir sua respiração e fico nervosa.
— Achei que era meu pai — minto e agradeço a Deus por ele não ser capaz de me ver
nesse momento, tenho certeza de que estou vermelha como um pimentão.
— Uhum... sei bem como é — ele ri ao falar. — Não está bravinha hoje?
— Claro que estou, aliás, pode parar de ligar para a minha casa, porque senão eu vou ligar
para a polícia.
Ele dá uma gargalhada que chega ao meu estômago.
— É mesmo? E vai mandar prender quem? O telefone? — ele me provoca.
— Você está me perturbando.
— Para com isso. Seja sincera, você estava louca para ouvir a minha voz novamente.
Aposto que estava enrolando ao lado do telefone só pra me atender.
Agora é minha vez de rir. Só que, ao contrário dele, estou rindo de nervoso. Olho em volta
por instinto imaginando se alguém está vendo isso e contando para ele, uma câmera escondida
talvez? Sei lá, né... mas estou sozinha na cozinha, e dou graças a Deus por isso.
— Se liga, você é um idiota convencido!
— Calma, garota, pra que ofender as pessoas, sua mãe não te deu educação? — ele brinca
e sorrio ao som da sua risada.
Isso é muito insano, eu estou mesmo fazendo amizade com um completo desconhecido?
— Deu sim, mas não uso com quem não merece. Agora me dá licença que tô atrasada.
Desligo o telefone e percebo que minhas mãos estão tremendo.
— Quem era, menina? — Maria pergunta entrando na cozinha aparentemente
preocupada.
— Ninguém, só um idiota, mas já me livrei dele.
Dou dois passos e o telefone toca novamente. Sem que eu perceba, corro de volta e
atendo.
— Fala.
— Bom dia, mal-humorada.
Um sorriso idiota se espalha por meus lábios.
— Bom dia, idiota.
Desligo o telefone e fico olhando para ele igual uma boba até que ouço o som da buzina de
Jonas me trazendo de volta à realidade.
— Ah, droga! Estou atrasada.
Às duas da tarde estamos almoçando em um restaurante enquanto Giovana me questiona
em meio a uma overdose de calorias.
— Ele pode ser feio — ela fala com a boca cheia de batata frita.
— Acho que não.
— Pode ter uma perna só — ela fala antes de dar uma mordida em seu lanche.
— E daí? Augustus Waters também só tem uma.
Giovana me encara com o canudinho do refrigerante na boca.
— Augustus Waters? — Ela me olha daquele jeito que eu detesto. — Fala sério, Luana,
Augustus Waters não existe de verdade.
Odeio quando Giovana fala mal dos meus crushes literários e rebato na mesma hora.
— Pra mim ele existe — defendo meu amorzinho de papel. — Assim como o Mr. Darcy,
Patch Cipriano... Edward Cullen.
— Edward brilha, quem vai querer ficar com um cara que brilha?
— Cale a boca, você não entende nada de vampiros.
— Luana, às vezes acho que você não é normal — ela diz ainda me olhando como se eu
realmente não fosse.
Giovana não gosta de ler, é por esse motivo que ela não me entende. Fala sério? Que
leitora não tem a sua lista de crushes? Eu tenho a minha e ela já tá chegando na casa dos cem.
Eu sei, sou uma garota com um coração grande, fazer o quê?
— Giovana, não enche!
— Ele pode ser velho — ela volta a me provocar.
— Ele não tem voz de velho, tem voz de cara gato, muito gato. — Tomo um pouco do meu
milkshake tentando abrandar o calor que sinto ao me lembrar da sua voz. Na minha
imaginação, ele é o Adam Levine, lindo, gostoso, cheio de tatuagens e com uma voz que derrete
calcinhas. — Gato e gostoso! — completo imaginando o Adam Levine ligando para mim.
— Eu não acredito que você ainda cai nessa? Achei que tínhamos passado dessa fase aos
treze anos se não me engano.
— Você não entende, Giovana, ele é diferente...
— Ah claro, vai ver ele é feito de papel.
Dou um tapa na cabeça dela e volto a comer meu almoço, não adianta tentar explicar para
a minha amiga o que nem eu mesma consigo compreender.
— Você não acreditou em mim quando eu falei sobre o gato do elevador, lembra? — digo
como se fosse em outra vida, mas mal se passaram duas semanas.
— Claro que lembro.
— Viu, esse pode ser gato também.
— Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar — ela diz jogando água gelada nas minhas
teorias.
— Cadê a Manuela? — Giovana pergunta olhando para o salão.
— Atrasada como sempre, ela disse que só vai conseguir chegar daqui a uma hora.
Giovana revira os olhos e volta a comer. Sabemos que Manuela tem uma rotina pesada,
mas sentimos sua falta e queríamos ela mais presente em nossas vidas.
— E a vadia? — ela pergunta de boca cheia mudando de assunto. — Já começou a te
paparicar?
— Pior que não, ela é totalmente diferente do que eu esperava — admito, mesmo contra a
minha vontade. — Hoje de manhã me disse que, se eu não quiser falar com ela, não tem
problema.
Giovana arqueia a sobrancelha sem acreditar no que digo.
— Pois é... — continuo. — Ela nunca está em casa, vive no telefone, é ocupadíssima, e hoje
foi a primeira vez que vi ela comer. Sem frescuras, sem falsidade. Sem paparicação.
— Isso é um truque. — Ela balança a batata frita no ar enquanto fala. — Ela tá se fazendo
de difícil pra te conquistar, eu vi isso em um filme uma vez.
Giovana é mestre em colocar caraminholas na minha cabeça e, desta vez, não é diferente,
não que eu esteja morrendo de amores pela mulher, mas confesso que passar esses dias na
companhia dela não foi tão difícil quanto eu esperava.
— Pode ser... Mas não vou cair nessa.
— O Alex perguntou de você — Giovana muda novamente de assunto, conversar com ela é
como assistir televisão ao lado de alguém que está procurando por algo e não sabe o que é. A
cada segundo um assunto novo.
— Falei com ele ontem — digo enquanto como. — Estamos combinando alguma coisa pro
fim de semana, tá a fim de pegar um cineminha?
— Hum... Tenho planos mais ousados para o Pedro nesse fim de semana.
Ela sempre faz a mesma cara de idiota toda vez que fala do Pedro, isso é cômico, nunca vi
Giovana assim com nenhum outro garoto.
— E a festa na casa do seu pai? — ela pergunta mais um assunto.
— Não vou ficar nessa festa, só tem gente velha e chata, não conheço ninguém.
— Tudo bem, vamos ao cinema então, vai ser bom, começamos o aquecimento por lá. —
Ela pisca e sei que está me provocando.
— Eu juro que mato você se começar a agarrar o Pedro na minha frente.
— Não precisa ficar olhando, aliás, você pode agarrar o Alex, o que acha? — Sua carinha
oriental se ilumina e fecho os olhos sem querer voltar a esse assunto. Eu ainda não consigo
pensar em Alex como alguém beijável.
— Alguém mais já falou com ele? — Giovana pergunta voltando ao assunto inicial.
— O quê?
— O cara do telefone — ela diz, voltando ao primeiro assunto novamente.
— O que você tá querendo dizer com isso? — Começo a ficar irritada porque sei aonde ela
quer chegar.
— Estou te fazendo uma pergunta.
— Não, você está me chamando de louca.
— Me lembrei daquele filme do Bruce Willis, sabe?
Reviro os olhos sem nenhuma vontade de responder.
— Não custa confirmar — ela justifica e fico mais irritada. — E aí? Alguém já falou com ele?
— Você disse a mesma coisa com o cara do elevador — defendo-me.
— Responda, Luana.
— Não, mas...
— Eu sabia! — Ela começou a rir, atraindo a atenção das pessoas a nossa volta.
— Lembra do Pete? Você disse que eu estava ficando louca e que ele não existia, e, no
final, quem estava ficando louca?
Giovana sorri.
— Safadinha... Só os desafios para a minha amiga. Um cara gato demais, que aparecia de
vez em quando; agora um tarado que te liga aleatoriamente. Vocês já conversaram sacanagem
pelo telefone?
— O quê?
— É legal, já fiz com o Pedro e ele adorou.
— Não vou falar sacanagem para um estranho, Giovana.
— Ah, sei lá, vai que um dia role. — Ela ergue os ombros e volta a comer. — Qual vai ser o
próximo? Um serial killer? Por favor, que seja Paul Spector, hein, porque se for para morrer,
que seja nas mãos daquele gostoso!
— Não enche. — Jogo uma batata em sua direção e ela joga outra de volta. Começo a rir
porque sei que não adianta discutir, Giovana nunca leva nada do que eu digo a sério mesmo.

Às dez e meia da noite, a casa está uma bagunça, gente espalhada para todos os lados,
Diana correndo de um lado para o outro, com uma assistente ao seu lado, carregando uma
prancheta, anotando freneticamente tudo o que ela fala e papai trancado no escritório,
provavelmente falando com alguém ao telefone.
Passo rápido por toda a confusão e subo para meu quarto, não tenho interesse nenhum
em saber o que ela planejou para o jantar, mas já sei que será algo grandioso. Tomo um banho
rápido e ligo para a minha mãe, ainda é estranho conversar com ela pelo telefone estando
debaixo do mesmo teto que a mulher do meu pai, mas tenho a impressão de que, para a minha
mãe, não é algo assim tão ruim, ela parece ótima todas as vezes que nos falamos e isso me
acalma um pouco.
Conto para ela sobre o megajantar e sobre os meus planos de sair com o Alex, mamãe
tenta me convencer a ficar na festa e chamar meus amigos para me fazerem companhia, mas
isso já está decidido, vou ao cinema com eles. Desligo a chamada e atualizo o blog com uma
matéria sobre organização de guarda-roupa, sou fera nisso e minhas fotos ficaram lindas, em
seguida me deito para assistir a uma série nova que Alex me indicou, mas acabo pegando no
sono.
Acordo algum tempo depois ofegante e com calor, a casa está silenciosa e olho as horas no
celular. Sento-me jogando o edredom no chão e sorrio ao me lembrar do sonho.
Era Pete, meu americano gato. No sonho, ele estava aqui, na minha cama, me beijando
com aqueles lábios rosados. Foi tão real que eu podia sentir o calor do seu corpo, o sabor dos
seus beijos, a sensação de ter suas mãos sobre mim.
Mas foi apenas um sonho, um sonho que me fez pensar que está na hora de beijar alguém,
preciso tirar aquele amasso da minha cabeça e nada melhor para esquecer um carinha do que
outro.
A casa está cheia demais para o meu gosto, então saio uma hora mais cedo do que havia
combinado com Giovana. Antes passo no escritório para dar tchau ao meu pai.
— Talvez eu durma na casa da Gi, não se preocupe. — Aproximo-me e dou um beijo em
seu rosto.
— Só um instante. — Ele ergue um dedo para mim. — Então combinado, Tito, estamos te
esperando — ele diz ao moleque no telefone e preciso me segurar para não revirar os olhos. O
menino nem chegou e já tenho que disputar meu pai com ele. Será que ele chama meu pai de
pai? E que história é essa de estamos te esperando?
— Ele vai ficar aqui? Sério, pai? — Aponto para o telefone, era só o que me faltava, ter o
desprazer de passar meus olhos em cima do filho da Diana.
— O que você disse, Luana? — meu pai pergunta depois de encerrar a ligação.
— Nada, vou dormir na Gi. — Agora é uma certeza, de jeito nenhum quero conhecer o filho
dela. — Não se preocupe comigo.
— Tudo bem, se cuide.
Saio do escritório e esbarro sem querer em Diana, peço desculpas e ela sorri antes de
entrar no escritório para falar com meu pai, é estranho. Ainda não gosto dela, tenho minhas
dúvidas se um dia chegarei a gostar, mas cada dia que passa eu a detesto menos, conviver na
mesma casa me fez ver que ela não é como eu imaginava. Ao menos, não totalmente.
— Giovana, será que a sua mãe não pode me atender? — pergunto enquanto testo um
esmalte dourado na minha unha. — Tipo um atendimento de emergência?
Cláudia é psicóloga, embora eu ache bem engraçado uma psicóloga ser mãe da Giovana, a
garota que quase sequestrou as princesas da Disney. Mas como diz o ditado: “Santo de casa
não faz milagre”.
— Ela não pode te atender e você sabe disso, alguma coisa a ver com ética profissional, ela
te conhece, sabe suas manias e loucuras. Sabe como é?
— Será que consegue me encaixar na agenda de um psicólogo que ela conheça? Mas tem
que ser um dos bons. — Olho para a minha unha e decido que gostei do dourado, começo a
pintar as outras.
— Eu estava brincando quando disse que você é maluca.
— Mas eu tô começando a achar que sou mesmo — admito porque é verdade, estou
profundamente preocupada com a minha sanidade mental.
— Foi só um sonho, Lu — Manuela diz do outro lado da cama enquanto pinta as unhas dos
pés com um esmalte roxo.
— Manu, eu tive um sonho erótico. Isso não é só um sonho, eu acordei passando mal.
— Quem nunca teve um sonho erótico que atire a primeira pedra — Giovana diz. — Até a
Manu já deve ter tido um com o professor de Química.
— Argh, que nojo! — eu e Manu falamos ao mesmo tempo e Giovana ergue os ombros.
— Eu nunca tive um sonho erótico com o professor de Química, sua idiota! — Manu joga o
travesseiro em Giovana.
— Ah, é verdade, foi com o de Geometria.
— O professor Osvaldo não! — choramingo. — Ele tem caspa.
Nós três fazemos cara de nojo e começamos a rir.
— Eu já disse qual a solução dos seus problemas — Giovana diz e tenho até medo porque
já sei a resposta.
— Não começa, não vou beijar o Alex.
— Mas você não disse que gostou dele? — Manu pergunta.
— Gostei, é por isso mesmo que não quero beijá-lo, não se faz isso com um cara legal.
— Ah, para com isso! Eu tenho certeza de que ele adoraria ser usado por você. — Gi abre a
gaveta de calcinhas e começa a remexer lá dentro. — Sem contar que você precisa transar, até
seu subconsciente já sabe disso.
— Não vou transar com o Alex, Giovana!
Ela tira duas calcinhas de dentro da gaveta, uma preta e uma vermelha, balança as duas na
nossa direção e tanto eu quanto Manuela permanecemos um instante olhando para as peças
sem saber o que dizer. Por fim escolhemos a preta.
— Vá por mim, Luana, você deveria transar. — Ela guarda a vermelha na gaveta, fecha e
olha para Manu. — Você também, menos com o professor Osvaldo.
Manu revira os olhos e volta a pintar suas unhas dos pés.
Não vou fazer nada com o Alex enquanto não tirar esses devaneios da minha cabeça.
Às oito da noite, estamos lindas com nossas unhas perfeitas, nossas pernas tão lisas que as
mãos bobas dos garotos escorregariam fácil por elas e nossos cabelos impecáveis. Não
conseguimos convencer Manu de ir conosco, mesmo assim ela também está linda.
Tiramos algumas fotos e Giovana posta tudo nas suas redes sociais, ela é viciada em
internet, tem mais redes sociais que um ser humano normal é capaz de imaginar e sempre que
encontra algo novo enfia a gente junto. Todos são loucos pela japonesa sexy e ela faz muito
sucesso, principalmente com suas fotos de biquíni.
Às oito e um, a campainha toca, Pedro e Alex surgem lindos e cheirosos na porta.
— Não se esqueça, garotos adoram ser usados por garotas gostosas como você — Giovana
sussurra em meu ouvido.
Despedimo-nos de Manuela, que prometeu ficar estudando no quarto de Giovana
esperando por nós, e saímos para o nosso programinha de casal. Tudo em nome de Harvard.

Giovana escolhe o que vamos assistir, uma sequência de uma franquia de filmes de terror.
Escolhemos assentos afastados, eu e Alex no meio e Giovana e Pedro no fundo, claro. De
tempos em tempos, nossos dedos oleosos se encontram dentro do balde de pipoca tamanho
gigante, é estranho e um pouco constrangedor, mas toda vez que ele sorri me sinto bem ao seu
lado.
— Você não tem medo? — ele pergunta quando alguns gritinhos surgem diante da garota
retorcida usando uma camisola branca na tela. Tão clichê!
— Na verdade adoro filmes de terror, principalmente os trash, é uma espécie de comédia.
Dou muitas risadas — digo quando outra onda de gritos me faz rir.
Depois do cinema estou passando mal e, embora a pipoca ainda esteja travando uma luta
dentro de meu estômago, meus amigos decidem dar um pulo em uma lanchonete. A cada
mordida que eles dão em seus hambúrgueres gordurosos me sinto pior. Alex, como sempre,
atencioso, se oferece para comprar um antiácido na farmácia ao lado e vou junto com ele.
— Você sempre come tanto assim? — Ele chuta pedrinhas enquanto caminha, como um
garotinho ao meu lado, e me sinto um pouco envergonhada. A mãe da Giovana já me indicou
um psicólogo, mas ainda não criei coragem para procurar ajuda.
— Só quando estou nervosa — admito porque com ele é fácil ser sincera. — Tenho
compulsão alimentar.
Ele me olha por baixo de uma mecha do seu cabelo, que cai em seu rosto, e tenho vontade
de tirar uma foto dele nesse momento de tão bonito que ele está.
— Problemas com seu pai? — ele pergunta suavemente.
Alex se tornou meu mentor no quesito pai. Ele me dá conselhos e critica minhas decisões,
me parabeniza quando consigo ficar mais que dois minutos na frente da Diana sem matá-la e
está orgulhoso em saber que eu já pronuncio o nome dela sem adjetivos tendenciosos.
— Começou quando eles se separaram, mas hoje em dia não sei dizer ao certo o que
desencadeia a compulsão, tem épocas em que estou pior.
— Você tem aquele lance de vomitar?
— Ah não, odeio vomitar, mas sinto muita culpa quando como demais, principalmente
quando passo mal de tanto comer.
— Parece uma merda.
— É sim, as vezes é péssimo.
Não tenho coragem de dizer que o que me deixa nervosa nesse momento é ele, na verdade
não a sua presença e seu sorriso, mas a expectativa que sinto de que algo possa acontecer a
qualquer momento.
Quando chegamos na farmácia, ele compra o antiácido e traz junto uma garrafinha de água
e um copo, ele prepara a bebida efervescente e me obriga a tomar tudo garantindo que eu
ficarei bem logo.
— Obrigada. — Entrego o copinho plástico vazio para ele, que joga no lixo, e voltamos a
caminhar em direção à lanchonete. O silêncio agora é quase uma terceira pessoa caminhando
entre nós e me encho de coragem para falar: — Se você não for fazer nada amanhã, eu adoraria
andar de bicicleta, o que você acha?
Sinto meu coração disparar no peito na expectativa da sua resposta e, quando ele para de
andar e olha para mim, começo a cogitar que Giovana tem razão. Talvez eu deva beijá-lo.
— Não faz isso, por favor. — Sua voz sai melancólica e meu estômago se revira agitado.
Alex baixa o olhar para uma pedrinha, com as mãos enterradas nos bolsos de sua calça,
como se me encarar fosse demais para si e, nesse momento, sinto o balde de pipoca entalar na
minha garganta.
— Eu não sei o que fazer, Alex — digo sentindo que estou no ápice do nervosismo, nem
mesmo meu primeiro beijo com Felipinho havia me deixado assim tão tensa.
— Para de me tratar assim. — Alex dá um passo em minha direção e não me movo, seguro
seu olhar tentando em vão engolir a pipoca que insiste em voltar.
— Assim como? — pergunto, mas já nem sei mais sobre o que estamos falando.
Ele dá mais um passo...
— Como um amigo, odeio ser seu amigo.
Ai, meu Deus, a pipoca...
— Alex...
Ele ergue a mão em direção ao meu rosto, meu estômago rebelde dá mais uma
cambalhota, consigo com muito esforço abrir a boca, mas, infelizmente, o que sai dela não são
as palavras que eu queria dizer para ele e sim toda a pipoca que eu tinha comido a minha vida
inteira.
Graças a Deus sou rápida e consigo empurrar Alex para longe antes de ser atingido pelo
jato agonizante de pipoca com Coca-Cola e antiácido que saía de dentro de mim, me viro de
costas e continuo vomitando até não restar mais nada além da minha alma.
Quando olho em volta, noto que Alex não está em lugar algum, não o condeno, em seu
lugar eu também correria. Isso foi a coisa mais ridícula, nojenta e humilhante que já fiz na
frente de um garoto. Vomitar em um encontro, provavelmente no momento do nosso primeiro
beijo, já pode liderar o ranking das dez coisas que não se deve fazer em um primeiro encontro.
Encosto minha testa na parede chapiscada, sentindo o atrito do cimento em minha pele.
Gemo de vergonha e, quando acho que não tem como piorar, uma nova onda de ânsia chega e
começo a vomitar novamente.
— Droga! eu sabia que não tinha espaço para tanta pipoca aí dentro — Alex diz enquanto
segura meus cabelos com uma mão e com a outra umedece minha nuca e testa.
Ele não foi embora, afinal.
Algo dentro de mim se alegra e tenho a mais absoluta certeza de que eu realmente preciso
de um psicólogo. Urgente!

Uma hora depois, Pedro para seu carro na frente da minha casa, ainda estou envergonhada
e enjoada. Alex está ao meu lado, segurando sua camisa molhada que ele usou para me
refrescar enquanto eu perdia a minha dignidade na sua frente.
— Nossa, tá rolando um festão, hein — Pedro diz animado enquanto olha para o portão.
— Não se iluda, não é nenhuma festa da piscina como você deve estar pensando — digo
decepcionando-o.
— Tem certeza de que não tem uma festa do biquíni aí? — ele provoca e toma um tapa de
Giovana.
— Talvez tenha, mas a garota mais novinha deve ter uns 50 anos e mais látex em seu corpo
do que uma boneca inflável — exagero e os meninos fazem uma cara de nojo, que me faz rir.
Despeço-me dos meus amigos e agradeço a carona, desço do carro e Alex me acompanha.
— Alex, eles estão indo embora. — Aponto para o carro de Pedro.
— Eu sei.
— Que espécie de amigo te deixa sozinho com uma garota que vomitou na sua frente?
Alex sorri, ainda segurando sua camisa encharcada nas mãos.
— Um amigo que sabe o quanto eu quero essa garota, mesmo depois de tudo.
Sinto o clima rolando. Mesmo depois do que viu, ele ainda faz essas coisas fofinhas.
Juntando o fato dele estar lindo com os cabelos desarrumados e uma camiseta branca ajustada,
eu bem que poderia beijá-lo.
Um barulho nos assusta, olhamos na direção do portão no momento em que um carro
velho passa.
— Mas que droga é essa? — Aponto para a fumaça que o carro deixa ao passar.
— Deve ser um convidado, Lu. — Alex continua olhando para o carro, mesmo quando ele já
não está mais visível.
— Com certeza não, os amigos do meu pai não dirigem nada que tenham menos de seis
dígitos. Deve ser algum garçom, ou talvez um manobrista. Ou será que foi um ladrão? —
Começo a ficar preocupada e olho em volta da rua como se fosse encontrar algum bandido
escondido atrás das árvores.
Alex volta a olhar para mim com um sorriso zombeteiro.
— Se for um ladrão, ele levou um puta carro, mas acho que não era um roubo, não se
rouba um clássico.
— Clássico? — pergunto horrorizada. — Acho que você quer dizer velho.
— Velho? Luana, aquilo era um Maverick motor V8? Puta merda, aquele carro é uma
raridade! — ele diz como se tivesse acabado de ver uma Ferrari e não um assassino da camada
de ozônio ambulante, e como diabos ele sabe qual é o motor do carro?
Balanço a cabeça inconformada com a capacidade dos homens em gostar de carros velhos
e desconfortáveis, ou pior, com a capacidade de armazenar dados insignificantes em sua
memória, é por isso que nunca conseguem se lembrar das datas especiais, memória RAM
lotada.
— Acho melhor você entrar.
— Não estou me sentindo bem.
— Você ainda está um pouco pálida. — Ele coloca a mão em meu rosto. Fico esperando
aquele friozinho na barriga acontecer, mas nada. Isso é triste.
— Vou tomar um chá e dormir, amanhã estarei melhor.
— Me manda mensagem.
— Mando sim.
Ele se despede e aguarda até que eu esteja do lado de dentro da minha casa e observo
enquanto o garoto, que ficou ao meu lado no meu momento mais humilhante, vai embora e me
sinto culpada por não conseguir me sentir mal por isso.
Já passa das cinco da manhã quando decido que preciso de mais água gelada e um
analgésico, ou um remédio para o estômago, talvez um coquetel para todas as dores e mal-
estar que estou sentindo. A casa está vazia, limpa e silenciosa, graças a Deus, sem resquícios da
festa gigante que meu pai e sua esposa deram apenas poucas horas atrás. Vou para a cozinha
me arrastando. Não me dou ao trabalho de acender a luz, vou direto até a geladeira, abro-a e o
ar gelado faz com que meu estômago sossegue um pouco, não quero comer, só preciso do
frescor da geladeira, é algo que faço desde pequena e que minha mãe odeia, mas ela não está
aqui para brigar comigo, aliás ninguém está. É o que eu imagino, quando ouço uma voz e desejo
ter morrido!
São cinco horas da manhã, acabou de acontecer uma baita festa e ninguém está de pé, não
me preocupei em colocar um roupão para ir até a cozinha, mania de quem mora sozinha com a
mãe, e as únicas pessoas que poderiam ver meu traseiro de fora são: meu pai, Diana e Maria.
Foi o que pensei.
— Algum problema aí? — Uma voz rouca e divertida faz com que todos os meus órgãos
parem de funcionar.
Nesse momento, enquanto estou com a metade do meu corpo dentro de uma geladeira,
alguém está tendo a linda visão do meu traseiro e da minha calcinha de dormir, cheia de
babadinhos cor-de-rosa com um lindo morango de strass, um presente que ganhei da Giovana
alguns anos atrás e que me deixa com um bumbum enorme e fofinho, mas que eu adoro.
Minha primeira reação é me jogar dentro da geladeira e trancar a porta, mas isso não é
possível, está cheia demais. Então penso em me virar e proteger meu traseiro daquele tarado
idiota, mas a visão da frente não é muito melhor, estou usando uma regata branca, sem sutiã e
o ar gelado da geladeira... bom, vocês sabem, né?
— Saia daqui agora! — grito sem tirar minha cabeça de dentro da geladeira.
Droga, por que eu tomo sempre as piores decisões da vida?
Ele ri. O filho da puta está rindo da minha cara? Ou melhor do meu traseiro?
— Saia daqui agora ou vou gritar por socorro! — grito mais uma vez e minha voz sai
desesperada.
— Pelo amor de Deus, quem precisa ser socorrido aqui sou eu, acho que estou tendo um
infarto. Você não pode sair por aí usando isso, garota!
Desgraçado!
— Se você não sair agora, eu vou matar você — ameaço, mas sinto que ele não é alguém
que se intimida com ameaças de garotas seminuas.
Estico o braço e consigo alcançar uma toalha, puxo-a com força derrubando alguma coisa
no chão, mas não me importo, eu preciso proteger minha bunda desse tarado.
— Eu vou chamar o meu pai, se você não sair daqui agora!
— Calma, garota! Por que ficar tão nervosa? — Ele continua se divertindo.
— Eu vou chamar a polícia!
— Eu só fiquei preocupado, queria saber se você está bem.
— Saia daqui agora!
— Ok, ok, eu vou te deixar em paz, tchau.
Ouço o barulho dos seus passos se afastando e estou prestes a me virar quando ele diz:
— Adorei conhecer seu traseiro, Moranguinho.
— Vai se danar! — Viro-me para enfrentá-lo, mas ele já se foi, e no seu lugar aparece uma
Maria sonolenta e ainda usando um roupão.
— O que está acontecendo na minha cozinha?
— Um tarado, Maria! — grito desesperada. — Tem um tarado dentro de casa.
Olho para o chão cheio de restos de comida e travessas quebradas e para Maria, que me
encara com os braços cruzados no peito.
— Você bebeu alguma coisa, menina?
— Ah, meu Deus, hoje não é meu dia! — Arrumo a parte da frente da minha regata para o
caso do tarado voltar. — Claro que não, Maria, eu tô te dizendo, tem um homem aqui dentro.
— Menina, deixa disso. — Maria começa a recolher as coisas do chão sem dar importância
para a minha reclamação. — A casa tá cheia de gente, deve ter sido um dos garçons que voltou
pra pegar alguma coisa que esqueceu. — Ela para e me olha avaliando a minha situação. —
Também, isso lá é roupa de uma garota usar? Eu, hein.
Ela vai para a pia balançando a cabeça e resmungando sobre a minha falta de roupa. E nem
liga para o que eu digo.

Reviro na cama durante toda a manhã ainda sentindo os efeitos da pipoca em meu
estômago e estremeço ao me lembrar do tarado que teve a indelicadeza de olhar o meu
traseiro. Não me importo se era um garçom ou o Presidente da República, ele viu minha
calcinha e isso é o suficiente para eu odiá-lo.
Na hora do almoço, Maria me traz uma xícara de chá e algumas bolachas de água e sal. Não
consigo comer, mas ela me obriga a tomar o chá. Enquanto bebo, ela começa a recolher as
roupas que deixei no chão e conto a ela porque estou desse jeito.
— Um garoto?
— Não! Pipoca, Maria! Pipoca! — Faço questão de esclarecer. — Eu passei mal de tanto
comer pipoca.
— Ah, minha garotinha, pipoca não faz isso com ninguém. Aposto que foi o garoto. Deve
ser um pedaço de mau caminho para fazer isso.
— Maria! — começo a rir e, por um momento, até me esqueço de que estou tão mal.
— Acredite em mim, eu sei o que estou falando.
Ela vai até o banheiro e coloca as roupas no cesto.
— Maria, você precisa avisar a Diana para que ela dê queixa no buffet. É sério, esse cara é
um tarado!
Ela sai do banheiro e para na porta olhando para mim com os lábios apertados.
— Não precisa, eu acho que já sei quem foi.
— Quem é o idiota? — A expressão no rosto dela me confunde. — Você conhece o
garçom?
— Não era nenhum garçom, era o Tito.
Tito? Mas esse não é o nome do filho da...
— Ah não, Maria, não era não — afirmo me sentindo aliviada. — Eu tenho certeza de que
era um homem, o filho dela é um menino, não é?
Por favor, diga que ele é um garotinho de doze anos, por favor, diga que sim...
— Menino? O Tito? — Ela dá uma risada divertida e sinto mais um órgão meu parar de
funcionar. — Ele bem que merece umas palmadas de vez em quando, mas não é mais um
menino há muito tempo.
— Você tá brincando, Maria?
— Não tô não, agora toma esse chá e come essas bolachas que daqui a pouco vocês se
esbarram por aí.
Ela me dá um beijo na testa e sai.
Ah. Meu. Deus!
A gente vai se esbarrar por aí?
Eu e o Tito? O filho da Diana, que não é criança e que viu minha bunda envolta em babados
e strass?
Saio correndo para o banheiro.
Droga! Maldita pipoca.

— O quê? Filho da vadia? — Giovana grita do outro lado do quarto.


— Tem certeza, Lu? — Manuela pergunta ao lado dela.
— Não — choramingo.
— Cacete, ontem não foi mesmo seu dia! — Manuela diz.
— Definitivamente não.
— Eu achando que você estava finalmente dando uns pegas no Alex — Giovana lamenta.
— Ele é, pelo menos, bonito? — Manu pergunta com um sorriso.
— Eu não sei.
— Como não sabe? — Gi pergunta indignada.
— Giovana, eu estava preocupada em esconder a minha bunda, não tinha condições de
pensar em ver se o filho da mulher do meu pai é bonito.
Eu estou tão nervosa.
Deus do céu, eu nem sabia que ela tinha um filho, ainda por cima homem. Na verdade, eu
achava que se tratava de um pirralho de 12 anos que iria me atormentar, mas, pela voz, ele
com certeza não é um pré-adolescente. Longe disso.
— Qual a idade dele? — Manuela recomeça o interrogatório.
Levanto um pouco tonta e decidida a tomar um banho.
— Eu não sei! — grito de dentro do banheiro.
— Mas como é a voz? — Gi aparece na porta. — É voz de homem gostoso?
— Eu não sei. — Tiro a roupa e entro debaixo do chuveiro.
— Tem certeza de que foi mesmo um cara? Será que não foi um extraterrestre? — Giovana
me provoca e Manuela ri se divertindo à minha custa.
— Vocês são tão engraçadas.
Giovana e Manuela continuam a me provocar enquanto faço uma oração silenciosa
pedindo para que o meu bom Deus me ajude a não esbarrar nele por aí.
Moletom de capuz é algo que eu só uso em duas ocasiões na minha vida: ou eu estou
doente ou meu cabelo está destruído.
Hoje eu descobri o terceiro motivo: Me esconder do tal do Tito.
Eu praticamente não dormi direito, é a terceira noite seguida que isso acontece e tô
começando a achar que Diana me jogou alguma praga. Só pode ser isso.
Quando acordo, estou com olheiras tão profundas que sou obrigada a perder mais meia
hora com corretivo e pó só para escondê-las.
— Luana, por que você está com esse capuz? — Maria me olha com as mãos na cintura.
— Meu cabelo está ruim hoje — minto e o tempo que ela passa me olhando é o suficiente
para que eu saiba que ela não acreditou em mim. Ela me conhece bem, mesmo depois de seis
anos longe ela sabe exatamente quando estou mentindo.
Ouço passos entrando na cozinha, uma música sendo assobiada. Abaixo a cabeça
escondendo meu rosto com o capuz e com vontade de enfiar minha cara dentro da tigela.
— Bom dia, Maria, minha rainha. — A voz... Meu Deus, é ele, o tal do Tito, o cara que viu
minha bunda.
O desgraçado tem a voz bonita e o som dela faz com que meu estômago dê um duplo twist
carpado.
Ele abre a porta da geladeira e levanto um pouco os olhos só para matar a minha
curiosidade, ele está debruçado pegando algo enquanto fala com Maria. Pelo que posso ver, ele
é magro e aparentemente alto, está usando calça de um tom horrendo que se assemelha a
mostarda velha e um pouco de sua cueca está à mostra, é branca, da Armani, e penso que não
nos conhecemos, mas ambos já vimos as roupas íntimas um do outro. Abaixo meu olhar
rapidamente quando percebo que ele se levanta.
— Maria, Maria, Maria... O que temos de bom pro almoço hoje? — ele fala com ela como
se fossem amigos de infância e isso me incomoda um pouco.
— Moleque, você é um saco sem fundo — Maria praticamente cantarola ao falar com ele,
sua voz é tão melosa que eu quase não a reconheço.
— Estou em fase de crescimento, Maria, preciso me alimentar — ele continua falando e me
sinto cada vez pior. — Ora, ora, olha só quem está aqui — ele volta a falar e espero, do fundo
do meu coração, que seja com outra pessoa. — A garota do moranguinho — ele completa para
o meu desespero.
Mantenho meus olhos pregados no cereal, que começa a inchar dentro do pote, e a ideia
de me afogar no leite começa a me parecer irresistível.
— Não mexe com a menina, Tito, ela tá quieta — Maria fala como se ele tivesse doze anos
de idade.
— Olá, acho que ainda não nos conhecemos. Pelo menos, não da maneira correta — ele
continua a falar e sinto que está se aproximando. Meu Deus, ajude-me! O tom ridículo da sua
calça começa a me deixar nauseada e tenho a sensação de que vou vomitar novamente.
Ele se senta ao meu lado e espalma as mãos na mesa, olho para elas, são bonitas, dedos
longos e unhas limpas. Não sei por que estou analisando as mãos do filho da Diana, deve ser o
nervoso, com certeza.
— Sou o Tito. — Ele estende a mão bonita para mim, mas não consigo me mover, tudo o
que consigo pensar é que ele viu minha calcinha e ainda não estou me sentindo à vontade com
isso. — E acho que você deve ser a Luana, não é mesmo?
Essa voz...
Algo dentro de mim dispara o sinal de alerta, eu não estou ficando louca, estou?
— Tito, deixa a menina em paz — Maria pede mais uma vez.
— Ela fala, Maria? — ele pergunta em tom de provocação. — Ou o gato comeu a língua
dela?
— A coitadinha não está num bom dia, pare de provocá-la.
Diana chega nesse exato instante e, pela primeira vez na minha vida, agradeço a Deus pela
presença dela.
— Bom dia — ela diz com uma voz alegre demais para essa hora da manhã.
— Bom dia, mãe. — Ele se levanta e a beija.
— Como você está? — ela pergunta e começo a comer, assim não precisarei falar com
ninguém.
— Estou melhor.
— Já marcou com o doutor Chagas?
— Já sim.
— Então vamos? Estou atrasada.
Ele vai até Maria e dá outro beijo nela; e, antes de sair, ele se aproxima de mim, mais uma
vez, e sussurra:
— Tchau, Moranguinho, a gente se esbarra por aí.
Inacreditavelmente, ele dá um soquinho de leve em meu ombro como se fôssemos velhos
amigos.
Moranguinho? Mas que merda é essa?
Ergo minha cabeça a tempo de vê-lo de costas, caminhando em direção à porta.
Observo-o um pouco mais, ele tem um belo bumbum, e é realmente alto, Diana fica abaixo
do seu ombro, mesmo estando de salto. Ele caminha como se não tivesse pressa, como se o
mundo estivesse à sua espera e eu tenho certeza de que realmente acredita que está. De
costas, ele parece um cara que eu paqueraria, caso não fosse quem é, mas tem um mau gosto
terrível para se vestir, como se já não fosse ruim demais essa calça mostarda, ele ainda combina
com uma camiseta de manga longa listrada e tenho a impressão de ter visto um par de meias
vermelhas por baixo da calça um pouco curta para um cara desse tamanho.
Olho para Maria, que parece ter sido congelada, seus braços ainda estão apoiados nos
quadris enquanto ela me flagra observando o filho da Diana sair.
— O que foi aquilo, Maria? — Aponto para a porta da cozinha.
Maria começa a rir.
— Não implique tanto com o Tito, ele é um bom menino.
Reviro os olhos exageradamente.
— Um bom menino? Ele parece um idiota isso sim.
— Por que você não falou com ele?
— Ele viu minha calcinha, Maria, pelo amor de Deus!
Ela ri, como se o que eu disse não fosse nada de mais. Desisto de comer o cereal, levo a
tigela para a pia e vou até a geladeira atrás de uma maçã.
— Tito é um menino maravilhoso, tenho certeza de que vocês vão se dar muito bem —
Maria diz com a voz melosa, que eu estou começando a estranhar.
— Você está errada, Maria, isso não vai acontecer porque eu não vou dar essa chance ao
azar. — Dou um beijo em sua bochecha e pego minha mochila.
Antes de sair olho, mais uma vez, para a geladeira e penso que minha relação com esse
eletrodoméstico nunca mais será a mesma.
— E aí? — Giovana pergunta enquanto espera que eu faça uma descrição minuciosa do tal
Tito.
— Sem chance, não vou fazer minha análise no filho da vadia. Credo, que nojo! —
Estremeço ao relembrar das suas mãos e da sua bunda envolta naquela calça horrorosa.
— Você está com medo desse cara — ela deduz.
— Claro que não, eu só não quero ter nenhum tipo de contato com ele.
— Hum... sei. Aposto que ele é bonito.
Não me importo se ele é bonito, a verdade é que eu realmente não quero ter nenhum
contato com ele, e se ele for legal? E se nos tornarmos amigos? Eu acho que ele não acharia
bom se eu xingasse a mãe dele, acharia?
— O que eu perdi? — Manuela se senta ao meu lado com uma bandeja de comida.
— Luana tem medo do filho da madrasta e tenho fortes indícios de que ele é gato —
Giovana resume nosso papo e decido que não vou corrigi-la, estou cansada demais para isso.
— Mudando de assunto, o que foi aquela aula de Biologia? Eu acho que não entendi nem a
metade do que o professor disse. Qual a necessidade disso a poucas semanas do fim das aulas?
Manuela entende meu recado e não volta a falar sobre ele, passamos o resto da tarde
conversando sobre matérias, vestibular, faculdade e carreira, embora eu ainda não tenha
certeza do que quero para mim, qualquer coisa se parece melhor do que falar no tal de Tito.
No dia seguinte, almoço com minha mãe. Estava morrendo de saudades do seu abraço e
passamos a tarde juntas. Sempre fomos o suficiente uma para a outra, temos a nossa rotina
diária: jantamos juntas na frente da TV todos os dias; às sextas, vamos ao cinema ou ao teatro;
aos domingos, pedimos pizza e tomamos sorvete, coisas do nosso dia a dia que está me
fazendo uma falta danada.
Aproveito para pegar algumas roupas no meu quarto e sinto um nó se formar em minha
garganta quando olho para o meu refúgio particular. Sinto saudades de casa, muito mais do que
imaginei que poderia sentir. Por fim pego meu travesseiro também, é um jeito de não me sentir
tão longe.
No fim do dia, Jonas vem me buscar. Quando chego à casa do meu pai, me sinto um pouco
sufocada, de repente essa mansão parece assustadora, grande e vazia demais. Ignoro a entrada
principal e entro pela cozinha, antes de ir para o meu quarto passo pelo escritório, mas ele está
vazio, desisto de procurá-lo quando chego à sala de jantar. Uma perfeita reunião familiar
acontece, Maria serve uma família de pessoas que falam alto e dão risadas juntos, a própria
Maria compartilha feliz e radiante da risada, só falta a musiquinha para que eu tenha certeza de
que estou presenciando um verdadeiro comercial de margarina, estão todos tão entretidos que
não notam a minha presença, é minha deixa para ir embora, estou quase saindo quando Jonas
aparece com sua voz de barítono.
— Prontinho, Luana, suas coisas já estão em seu quarto — ele diz feliz por ter sido útil.
E nesse momento todos olham para mim, papai, Maria, Diana e ele, que se vira na minha
direção. Mas eu não vejo ninguém, estou ocupada demais tentando entender o que está
acontecendo aqui.
Papai se levanta rapidamente como um garoto que foi pego fazendo algo errado. Com um
sorriso vem até mim, mas meus olhos estão presos no cara do outro lado da mesa segurando
uma garrafa de cerveja na mão exatamente do jeito que eu me lembro, ele olha para mim e
sorri, seu rosto não está mais avermelhado por causa do frio, mas seu sorriso ainda é o mesmo,
ainda forma aquela curva bonita em sua bochecha, seus cabelos ainda são uma desordem, ele
ainda é ele. Mas não pode ser!
Só quando Maria se aproxima percebo que meu pai está falando comigo, mas eu
realmente não estou ouvindo nada, apenas a voz de Giovana falando que estou
enlouquecendo, é isso, só pode ser, eu estou louca!
Ah, meu Deus, eu estou louca! E nem ao menos completei a minha lista de coisas.
Sim, porque só estando louca para ver o cara que persegui durante dias a milhares de
quilômetros de distância sentado à mesa da sala de jantar da casa do meu pai, bebendo uma
cerveja e conversando com ele como se fossem velhos amigos. Como se fossem pai e filho.
Em português!
Volto a olhar para o meu pai e consigo forçar as palavras a saírem da minha boca.
— O que esse cara está fazendo aqui?
— Ah, querida, esse é o Tito. Venha, quero que você o conheça.
O Tito? Não... meu Deus, esse não é o Tito, isso deve ser uma piada, uma péssima e de mau
gosto, daquelas que ninguém ri.
— Tito? — repito seu nome como se assim conseguisse fazer meu cérebro funcionar. —
Que brincadeira é essa?
Ele se levanta, alto, imponente e lindo, exatamente como eu me lembro. Caminha até nós,
com seu sorriso torto. Sonhei por tantos dias com esse sorriso nos lábios, os mesmos lábios que
beijei em um elevador, os lábios que falavam aquele inglês perfeito, aqueles lábios... sinto
minha visão ficar turva e a sala começar a rodar.
— Esse é o Tito, filho da Diana — papai fala alegremente. — Tito, essa é a minha filha,
Luana.
Ele estende a mão, aquela mesma mão que me segurou e que me empurrou contra a
parede fria do elevador, quente, forte; aquela mão que percorreu meu corpo e que me fez
perder os sentidos; olho para ela ainda sem entender, volto a olhar para ele esperando algo
acontecer, balões explodirem no teto, confetes e pedacinhos de papel caírem em minha cabeça
e um apresentador de TV aparecer e falar: “Sorria, você caiu na pegadinha...”.
Claro que nada disso acontece, na verdade a mão dele fica estendida, ele pigarreia e saio
do meu transe. Observo aqueles olhos dourados, os mesmos olhos que me observaram naquela
festa idiota, os mesmos olhos que me desejaram naquele beijo...
E os mesmos olhos que viram o meu traseiro!
— Então, finalmente vamos nos conhecer? — Aquela voz... aquela voz que debochou de
mim e da minha calcinha é a mesma que disse que eu era incrível.
Isso não pode ser real!
Saio da sala sem falar com ninguém.
Será que é ele? Ah não, eu devo estar fazendo uma baita confusão, o cara que acabou de
falar comigo é brasileiro e seu nome é Tito, o cara que beijei é americano e seu nome é Pete,
não é ele, com certeza não é.
Isso já aconteceu antes, com o Lucas, o garoto da minha sala no primeiro ano, ele era tão
parecido com o Justin Bieber que eu postei uma foto nossa e coloquei a legenda “Justin 4ever”,
muita gente acreditou. É isso, ele é apenas muito parecido com o Pete, ou talvez seja a luz, isso
mesmo, é apenas a luz, de dia eu vou ver a diferença e ficarei morta de vergonha pelo meu
vexame. Mais um para a minha lista de vexames.
Entro no meu quarto e fecho a porta, sinto-me tonta e preciso me sentar para não cair. De
repente, a lembrança invade meu cérebro. E se nosso beijo não tivesse sido interrompido?
Provavelmente teríamos transado, talvez não naquele elevador, mas eu teria ido até o fim com
aquele desconhecido. Era para ser um desconhecido, um item riscado na minha lista e agora ele
está aqui, debaixo do mesmo teto que eu. No Brasil.
Uma batida na porta me assusta e me levanto em um pulo.
— Quem é? — pergunto olhando para a porta como se ela fosse um monstro.
— Sou eu — ele responde e minhas pernas amolecem como gelatina.
— Saia daqui! — grito e dou um passo em direção à porta espalmando minha mão nela.
— Por favor, abre a porta — ele pede com tanta educação que não resisto e acabo abrindo.
— Você fica bem melhor sem aquele capuz. — Ele sorri quando me vê. Ai, aquele sorriso...
— O que você quer aqui? — Ignoro seu comentário e cruzo os braços para me proteger de
mim mesma porque, de repente, sinto uma vontade insana de colocar as minhas mãos em cima
dele e não é do jeito bom.
— Posso entrar? — Ele olha para o corredor e puxo-o para dentro, fechando a porta e me
encostando nela.
— O que você está fazendo aqui na casa do meu pai?
— Eu preciso explicar as coisas antes que você entenda tudo errado.
Graças a Deus, há uma explicação para isso tudo, e ele vai me dizer qual é.
— Quem é você? O que está acontecendo aqui?
Ele olha para mim com aquele par de topázios amarelos que parecem prestes a me
consumir e responde:
— Sou eu, o Pete.
— Então, é verdade? Você é... Quer dizer, você não é... — estou tão confusa que não
consigo sequer formar uma frase.
Ele caminha até a minha cama e se senta apoiando os cotovelos nas pernas e enfiando as
mãos no cabelo.
— Isso é uma loucura, eu sei, mas eu juro por tudo que é sagrado que eu não sabia de
nada.
Relembro do nosso amasso no elevador enquanto observo o cara que está à minha frente.
Minha Nossa Senhora das Causas Impossíveis, eu coloquei a minha mão no... no filho da Diana?
Desvio meus olhos da sua virilha quando sinto meu rosto esquentar e dou um passo para trás,
só para garantir que estamos longe um do outro.
— Você tá querendo me dizer que o cara que conheci na minha viagem, o filho da... mulher
do meu pai e você são a mesma pessoa?
Ele balança a cabeça confirmando o que eu digo, com sua boca apertada como se tentasse
esconder um sorriso.
— Isso não é engraçado! — esbravejo enquanto acrescento mentalmente que ele também
é o cara que viu minha calcinha.
— Como não? Pelo amor de Deus, é a coisa mais bizarra que já aconteceu na minha vida.
Abro a boca perplexa. Bizarra? Qual parte da história ele está achando bizarra? Teria sido o
nosso beijo? Ou a visão da minha calcinha?
Ele nota minha reação e esfrega o rosto com as mãos, deixando-o vermelho.
— Ok, me desculpe eu não quis dizer isso, eu só estou tão assustado quanto você.
— Você acha mesmo que vou acreditar nisso?
— Eu não sabia que você era... você. — Ele aponta para mim enquanto me observa como
se finalmente estivesse notando quem eu sou.
— Ah, claro, a sua mãe nunca te disse que meu pai tem uma filha?
— Claro que sim. Mas, acredite, ela não anda com uma foto sua na carteira.
— Tem dezenas de fotos minhas por aí, e meu pai deve ter falado que me chamo Luana. —
Fico cada vez mais irritada.
— Mas eu não sabia que era você, você se esqueceu de me dizer seu nome aquele dia. —
Seus olhos brilham e desejo não pensar “naquele dia”, principalmente na frente dele. — Sem
contar que a única foto que vi, você ainda não usava sutiã. E não era loira. — Ele aponta para os
meus cabelos loiros.
Estou perplexa, enquanto olho para esse cara sentado na minha cama tentando explicar o
que não tem explicação.
— Eu juro que não sabia de nada — ele diz por fim com um olhar de quem implora por
algo.
— O que significa isso? É o destino? O universo nos guiando um para o outro? Que foi a
maior coincidência da galáxia eu ter encontrado você em uma viagem patrocinada pelo meu
pai? Que o fato de você ser o filho dela, não tem nada a ver com a grande viagem que fiz onde
você estava me rondando a todo momento! — explodo finalmente e não me importo se minha
voz sai um pouco mais alta do que deveria. Ele continua sentado enquanto olha para mim.
— Ei, peraí, eu não estava te rondando, aliás, eu estava trabalhando, é natural que eu
estivesse naquele lugar o tempo todo — Pete justifica.
— Eu não acredito em você.
— Mas eu tô falando a verdade, eu moro em Orlando e estava trabalhando naquela
agência há alguns meses, fazia um tempão que eu não falava com o Ricardo, eu juro que tô
falando a verdade.
Meu coração dispara, meus lábios tremem e meu estômago começa a roncar, sinto que
estou tendo uma crise de pânico bem na frente do cara que, durante dias, foi o meu objeto de
desejo e que agora está aqui no meu quarto.
— Luana... — ele me chama e fecho os olhos me controlando para não surtar.
— Você me enganou — digo sem olhar para ele.
— Eu nunca te enganei, eu jamais faria isso com ninguém, muito menos com você.
— Você fingiu ser algo que não era.
— Eu nunca fingi — ele mente e é a gota d’água para que eu grite novamente.
— Seu mentiroso! Você fingiu ser americano. — Aponto o dedo na sua direção, mas, ao
contrário de mim, ele continua calmo.
— Eu não fingi nada — ele diz parecendo ofendido.
— Então por que me deixou acreditar que você era americano?
Seu sorriso torto surge novamente trazendo a maldita curva para a sua bochecha e me
enchendo de vergonha, porque eu sonhei tanto com essa boca que desejo morrer nesse
momento.
— Eu não sabia que você achava que eu era americano.
— Você falou em inglês.
— Eu sei, é que achei tão bonitinho você falando inglês com aquele sotaque forçado que
não quis estragar tudo — ele diz parecendo se divertir e fico ainda mais brava.
— Eu não tenho sotaque forçado.
— Tem sim e eu adorei.
Jesus Cristo! Ele não pode dizer que adora alguma coisa em mim, ele é o filho da Diana.
— Acho melhor você ir embora. — Abro a porta e olho para ele, que continua sentado na
minha cama.
— Espera aí, vamos conversar.
— Não tenho nada pra falar com você. Agora, se me der licença, eu quero que você saia do
meu quarto.
— Luana.
— Saia do meu quarto agora, ou vou chamar o meu pai.
Ele se levanta, com suas mãos enterradas nos bolsos enquanto caminha se aproximando de
mim, sinto o ar sumir quando ele chega perto demais.
— Mais uma vez, eu só queria que você soubesse que isso tudo também é uma loucura pra
mim, estou tão surpreso quanto você.
Desvio o olhar quando ele se apoia na porta e fala baixinho e bem perto do meu ouvido:
— Ou talvez o destino tenha realmente nos unido.
Fecho a porta com força quase amputando sua mão, que é retirada a tempo.
— Ai! Calma aí, Moranguinho, eu só queria que a gente ficasse numa boa — ele diz do
outro lado da porta.
Abro-a enfurecida e aponto o dedo para ele.
— Escuta aqui, seu imbecil, se você me chamar de Moranguinho mais uma vez, eu juro que
acabo com você.
Ele coloca a mão no peito, fazendo uma cara exagerada como se estivesse com dor.
— Não faz isso não, eu sou louco por mulheres violentas, principalmente as que usam
calcinhas exóticas.
Bato a porta na sua cara, dessa vez com mais força, tranco-a e me apoio nela olhando para
o teto, recuperando o fôlego e tentando fazer meu coração voltar ao ritmo normal.
Eu não acredito, isso só pode ser um pesadelo...
Eu beijei o filho da Diana!
— O quê? — Giovana grita do outro lado da linha e tenho que afastar o telefone para não
ficar surda. — Você tem certeza?
— Tenho — respondo sem entusiasmo, já faz quase vinte e quatro horas desde que Pete
esteve aqui no meu quarto e ainda estou em estado de choque. — Claro que tenho.
Eu jamais me esquecerei daquele amasso, passei noites revivendo cada segundo do nosso
tempo juntos, e agora tudo o que eu quero na minha vida é apagar aquilo da minha memória.
— E por que você demorou tanto pra me contar? — ela parece ofendida.
— Porque você não foi à escola hoje e eu não tinha condições de falar com ninguém ontem
à noite.
— E agora?
— Eu não sei, tô pensando em me trancar no quarto até o fim dos dois meses. — Essa ideia
me parece mais interessante a cada segundo que passa.
— Você não vai se esconder do filho da vaca, o intruso é ele e não você.
— Não tenho tanta certeza. — Apoio a mão espalmada na minha testa enquanto olho para
a porta, temendo que ele se materialize bem ali. — Gi, ele ainda me chamou de violenta e disse
que uso calcinhas exóticas. Você acha minhas calcinhas exóticas?
— Ah, Lu... sei lá.
A resposta de Giovana não ajuda muito.
— A culpa é sua! — acuso-a.
— Minha? Por que diabos eu tenho culpa de você ter um dedo tão podre?
— Foi você quem me deu aquela calcinha horrorosa.
— Era uma brincadeira, Luana, eu não sabia que você ia usar aquilo.
— Não importa — choramingo e ela continua com seus planos mirabolantes para eu não
dar de cara com ele nos próximos dias. Minha cabeça começa a doer e decido que preciso
estudar, desligo a chamada e passo o restante do dia com a cara enfiada nos livros.
Estudar nunca me pareceu tão atraente.

O barulho do meu celular tocando me acorda, droga! Acabei dormindo com a cara no meu
dever de História e, para piorar, ainda babei no caderno. Quando será que essa leva de má sorte
vai passar?
Olho para a foto na tela e sorrio ao notar que ele é meu amuleto da sorte no meio de tudo
isso.
— Alex.
— Oi. — É incrível o poder que sua voz tem, duas letrinhas são o suficiente para que eu me
sinta mais calma.
— Oi, como vai?
— Eu liguei exatamente pra saber como você está — ele diz e fecho os olhos me odiando
por não ter ligado para ele. Diante dos últimos acontecimentos, eu simplesmente me esqueci
dele.
— Estou bem, na verdade ainda tenho um punhado de pipoca em meu organismo que eu
acho que não vou conseguir me livrar nunca, mas estou conseguindo sobreviver.
Passamos um bom tempo conversando, ele me ajuda com uma matéria que eu não
entendo e o ouço reclamar da faculdade. Falar com Alex me faz esquecer, pelo menos por uma
fração de tempo, que tenho um problema enorme na minha vida. Um com olhos amarelos e um
sorriso de derreter calcinhas. Inclusive as exóticas.
Principalmente essas.

Já passa da hora do jantar quando uma batida na porta interrompe minha conversa com
Alex, abro a porta sorrindo de algo que ele diz, mas meu sorriso desaparece assim que coloco
meus olhos na pessoa do outro lado da porta, aliás, não só meu sorriso, como meu sangue,
minha razão e minha calma também.
— Alex, a gente se fala depois — digo e desligo antes mesmo que ele termine de falar
tchau. — O que você quer? — pergunto rispidamente, cruzando os braços, ao Pete.
— Nossa, que mau humor! — Pete sorri e seu sorriso me desestabiliza de um jeito que eu
odeio.
— Não faça gracinhas comigo, eu não gosto — peço irritada, com ele, comigo, com a
porcaria do destino.
— Eu só passei pra te lembrar que o jantar já está sendo servido. — Ele aponta para a
escada e continuo olhando para a sua cara de pau. A simples presença dele na porta do meu
quarto já é o suficiente para que eu perca o apetite.
— Tá brincando? Você veio até aqui para me dizer que o jantar está na mesa?
— Eu só estou tentando...
Bato a porta na sua cara sem a menor vontade de ouvir o resto do assunto e ligo para o
Alex, que atende no primeiro toque.
— Quem era? — ele pergunta.
— Um idiota, nada de mais... — volto ao assunto anterior, mas não consigo completar a
primeira frase porque minha porta é batida novamente. — Alex, desculpa, tenho que desligar.
Jantar em família, a gente se fala depois.
Desligo o telefone novamente e abro a porta enfurecida com a sua persistência, parado do
outro lado do corredor, com as mãos nos bolsos da calça de moletom cinza e usando uma
camiseta preta desbotada com a frase “Agite bem antes de usar” está ele, o responsável por
minha futura prisão por homicídio, o último cara que eu gostaria de ver nesse mundo.
Deus, eu não acredito que ele está mesmo usando essa camiseta!
— O que você quer? — pergunto já de saco cheio.
— Eu estou te esperando, para irmos juntos — ele responde como se fosse a coisa mais
natural do mundo.
— Eu não vou a lugar algum com você e dá pra tirar essa camiseta ridícula?
Pete abaixa o olhar e sorri. Maldito sorriso.
— O que tem a minha camiseta? — Ele passa a mão sobre a frase e sinto meu rosto
esquentar.
— É pornográfica e totalmente fora de hora, você está indo jantar com sua mãe e o meu
pai, não tem vergonha?
— Não, por quê? Você tem? — Ele ergue uma sobrancelha provocante e desisto, não tenho
que ficar aqui conversando com ele.
— Vá se danar! — Tento fechar a porta, mas ele a segura dessa vez.
— Opa! Nada de bater a porta na minha cara duas vezes, a primeira eu deixei passar
porque poderia ser um acidente, mas a segunda não.
— O que diabos você quer comigo?
— Calma, Moranguinho, eu pensei que a gente podia fazer as pazes — ele diz com uma
mão na porta.
— Eu não quero fazer nada com você, nem mesmo as pazes, agora me dá licença, sei muito
bem o caminho até a sala de jantar e não preciso da sua companhia. — Começo a andar e ouço
seus passos atrás de mim, viro-me e ele está tão próximo que quase nos tocamos. — E pare de
me chamar de Moranguinho! — exijo.
— Você é sempre assim tão mandona ou é só comigo? — Ele parece estar se divertindo à
minha custa.
Paro de andar e olho bem para o seu rosto bonito e provocante, tentando não dar muita
atenção à boca, aquela boca que... não vou pensar nela, não vou sequer olhar para ela.
— Escuta aqui, não tente se aproximar de mim, não faça gracinhas comigo, não fale
comigo.
— Pelo visto é só comigo então. — Ele cruza os braços no peito e respiro fundo.
— Vai se danar, Pete.
Volto a andar desejando que Giovana estivesse comigo, ela saberia como colocá-lo no seu
lugar, mas ela não está e tenho que ouvi-lo assobiar uma música qualquer atrás de mim
durante todo o tempo. Paro a poucos metros da sala de jantar e me viro estendendo a minha
mão para mantê-lo longe de mim. Ele ergue as mãos com aquele sorriso nos lábios.
Irritante...
— Me diz uma coisa, você falou algo pra alguém? — pergunto tentando não o encarar
muito.
— Falar o quê?
— Sobre... er... nós? — Balanço o dedo entre mim e ele. Pete segue o caminho do meu
dedo com os olhos.
— Nós? Você quer dizer... sobre “aquilo”. — Ele se inclina e sussurra a palavra aquilo em
meu ouvido e o calor do seu hálito em minha pele me deixa nervosa de um jeito ruim. Muito
ruim.
— Aquilo? — Dou um passo para trás porque, de repente, estamos perto demais e o lugar
está abafado.
— É “aquilo” — ele repete o gesto com o dedo entre nós e só então noto que ele está
brincando comigo.
— Você nunca fala sério?
— Claro que falo, estou falando sério com você o tempo todo, você que não quer acreditar
em mim. — Ele ergue os ombros e eu reviro os olhos. — Você não quer que ninguém saiba que
já nos conhecemos? — ele finalmente parece estar falando sério e nego com a cabeça, porque
não tenho certeza se consigo falar. — Tudo bem então, pode ficar tranquila, nosso segredo está
seguro comigo. Deus me livre de alguém saber sobre “aquilo”.
Ele dá uma piscadinha e passa por mim com seu ar debochado e seguro de si, assobiando a
música novamente. Respiro fundo e sigo-o até a sala de jantar. Quando chegamos, meu pai e
Diana já estão sentados, conversando sobre algo e, assim que nos veem, param de falar e
sorriem para nós.
— Vocês demoraram — meu pai fala e Pete olha para mim.
— Boa noite. — Ele se adianta e beija carinhosamente a sua mãe, em seguida meu pai. —
Pois é, a Mo... a Luana estava dispensando um cara no telefone. — Pete se senta e eu abro a
boca atônita. — Sabe como esses moleques de escola são, né, mas nossa garota o colocou no
seu devido lugar. — Ele olha para mim e pisca. — Não é, Luana?
— Não foi nada disso, pai, eu estava conversando com o Alex.
— Não ligue para o Tito, menina — Maria o defende assim que entra na sala. — Ele está
brincando com você.
Ele está me encarando com aquele sorriso que parece nunca sair dos seus lábios.
— É, percebi o quanto ele é brincalhão.
Meu pai começa a falar sobre algo que chama a sua atenção e consigo ignorar a presença
insuportável de Pete no resto do jantar, ele conversa com meu pai sobre futebol, política e
economia, um papo tão chato que me pego bocejando diversas vezes.
— Então, Tito, pretende ficar por aqui conosco quanto tempo? — meu pai pergunta
animado e continuo ignorando o assunto.
— Ainda não sei, Ricardo, acho que vou atrapalhar. — Posso sentir o seu olhar sobre mim e
continuo concentrada na tarefa de pôr comida na minha boca.
— Imagina, garoto, gosto da sua companhia e ninguém aqui quer jogar uma partida de
pôquer comigo.
Esse cara de pau arranca um sorriso imenso dos lábios do meu pai e sua mãe o olha com
tanta admiração que me dá enjoo.
— Se a Luana não se importar, eu fico.
Me engasgo com a comida no instante em que ele termina de falar, Maria dá um tapinha
em minhas costas e meu pai me estende um copo de água se divertindo com a situação.
— O que eu tenho a ver com isso? — tento parecer indiferente.
— Eu fico se você não se importar — ele fala com aquele sorriso debochado.
— E por que eu me importaria? Essa é a casa do meu pai, se ele te quer aqui, quem sou eu
para ser contra?
— Você é a... Luana — ele diz olhando para mim, sinto meu rosto esquentando com todas
as palavras embutidas nessa frase. — Você é a garota que me atacou como uma louca varrida
naquele elevador.
— Tanto faz para mim — finjo que não me importo e o sorriso cafajeste aumenta em seus
lábios. Deus, eu odeio esse cara.
— Sendo assim, eu fico. — Inacreditavelmente ele pisca para mim na frente do meu pai e
preciso reunir todas as minhas forças para não arrebentar a sua cara bem aqui.
— Ótimo, podemos começar uma partida esse fim de semana — meu pai fala
animadamente e logo eles engatam um papo sobre o eletrizante fim de semana de jogos de
carta dos dois.
Eu mal posso esperar...
Dois meses se parecem tanto com uma eternidade que não sei se vou conseguir suportar.
Não me lembro muito bem o que comi, apenas realizei o processo mecânico de mastigar e
engolir os alimentos sem pensar muito, tudo o que eu podia ouvir era a risada debochada dele
e os comentários esportivos que preencheram todo o jantar. A sobremesa era algo gelado, mas
não me lembro bem o quê, poderia ser um pedaço de um iceberg ou um delicioso sorvete de
flocos que eu não notaria a diferença, comi mesmo assim e dei graças a Deus quando tudo
terminou e pude, por fim, sair da mesa.
Maria está começando a recolher os pratos quando ele se levanta e fala:
— Ah não, Maria, você deve estar exausta, pode descansar, eu e a Lu terminamos isso pra
você.
Congelo no lugar e dou a ele o meu olhar mais irritado.
Lu? Ele me chamou de Lu? Como se fôssemos velhos amigos? Quem deu a ele o direito de
ter tanta intimidade comigo? Ok, eu mesma dei essa liberdade quando me atraquei com ele
naquele elevador.
— Aposto que ela adoraria me ajudar, não é mesmo?
Abro minha boca para contestar, mas Maria já está me dando um abraço de
encorajamento.
— Ah, minha menina, eu não disse que ele é um amor? — Ela sorri e ajuda Pete a recolher
os pratos.
— É, Maria, você disse...
Ele passa por mim cantarolando algo que eu coloco no topo das músicas que eu mais odeio
na vida, seja lá o que for aquilo.
— Vamos logo, garota, não posso demorar muito.
Penso em mandá-lo lavar sozinho, mas meu pai está me observando, e nesse momento
estou em desvantagem com relação a ele. Se eu me negar a ajudar serei infantil, antissocial e
rabugenta. Tudo bem, eu sei que sou, mas não quero dar a ele o prazer de saber disso então
tudo o que posso fazer é recolher o resto da louça e me dirigir à cozinha. Em silêncio.
Quando chego a cozinha, Maria está terminando de guardar as sobras do jantar enquanto
o idiota fala sobre algo com ela. A essa altura, a pia está repleta de louça, e ele começa a limpar
os pratos enquanto Maria dá instruções de onde está tudo.
— Não se preocupe, Maria, eu prometo não destruiremos nada — ele diz em uma alegria,
que não é normal para alguém que está diante de uma pia, que mais se parece com a de um
restaurante.
Maria também tem aquele sorriso bobo nos lábios e me pego pensando se eu também
fiquei com esse sorriso quando o vi pela primeira vez em Orlando. Balanço a cabeça afastando
esses pensamentos, não é a hora e nem mesmo o local para pensar sobre isso, na verdade, a
partir de hoje, aquele dia é algo proibido de ser comentado e pensado.
Coloco o restante da louça com um pouco de força exagerada na pia atraindo a sua
atenção. Vou para a sala de jantar, recolho o restante dos copos e, quando volto, ele está
apoiado na pia, com os braços cruzados e um palito de dente na boca. Seu sorriso me
incomoda, exatamente porque é o que mais me encantou naquele dia quando nos
conhecemos.
Ele recolhe os copos que estão na minha mão e coloca todos na pia. Coloco-me ao seu lado
e olho para a pilha de louça, são tantas que não conseguimos ver o final.
— Essa não, vamos terminar só amanhã! — choramingo sem saber por onde começar.
— Sem chance, Moranguinho, tenho compromisso em quarenta minutos. — Ele olha para
o pulso, como se estivesse usando um relógio. — Vamos logo. — Pete esfrega as mãos
animadamente.
Reviro os olhos e cruzo os braços.
— Ah, não faz isso que eu me apaixono.
— Você é um idiota! — digo com a certeza de que esse cara não pode ser o mesmo que eu
beijei naquele dia. Não é possível, não posso ter um dedo tão podre assim.
— Acho que você já falou isso, Moranguinho.
— Pare de me chamar assim! — exijo, mas seria mais fácil mudar uma montanha de lugar.
— Então pare de me paquerar.
— Eu não estou... — Olho para ele e noto que ele está sorrindo novamente. — Cale a boca!
— Empurro seu ombro e ele se diverte. — Você lava a louça, acabei de fazer as unhas.
— Sem problemas, preciso mesmo me refrescar um pouco.
— Você quer parar de falar essas coisas pra mim?!
Pete está se divertindo e começo a acreditar que com ele é sempre assim, então decido
ignorá-lo. Abro as gavetas em busca de um pano de prato quando ele diz:
— Na terceira gaveta do lado do fogão.
Abro a gaveta que ele me indica e, para a minha surpresa, estão todos lá, dobrados e
branquinhos.
— Como você sabia?
Eu morei nessa casa por 12 anos e não faço a menor ideia de onde está nem mesmo uma
colher e esse estranho chega outro dia e já sabe onde estão os panos de prato. Meu Deus,
quando foi que tudo isso aconteceu?
— Ah, gatinha, essa não é a primeira vez que trago uma garota para a cozinha.
— Jesus... — Balanço a cabeça e me concentro em secar a louça que ele começa a lavar.
— Tô brincando — ele diz quando nota que eu não respondo. — Além de minha mãe, que
não conta como mulher, e a Maria, você é a primeira garota que trago para a cozinha.
— Eu deveria ficar emocionada com isso? — pergunto enquanto seco.
— Com certeza, é uma honra lavar louça comigo.
Penso em responder, mas desisto. Depois disso, ele não diz mais nada e o trabalho em
equipe funciona bem, em pouco mais de trinta minutos terminamos a louça.
— Pronto! — Pete seca as mãos no avental, que, claro, ele não utilizou, enquanto sorri feliz
da vida. — Viu, não foi tão ruim?
— Fale por você. — Jogo o pano de prato na bancada e vou até a geladeira pegar um pouco
de água, mas desisto no meio do caminho. Pete se vira e, quando olha para a bancada, seu bom
humor se vai.
— O que é isso? — Ele aponta para a pilha de louça seca que está muito bem-organizada,
em cima da bancada.
— É a louça que acabei de secar. — Aponto para elas e ergo os ombros.
— Jura? Achei que era uma manada de búfalos. Eu sei que é a louça, mas por que você não
guardou?
Olho para a louça que organizei de maneira tão bonitinha e respondo:
— Eu sequei e organizei tudo e você tá reclamando?
— Organizou? E quem vai guardar toda essa “organização”?
— Ah, sei lá... — Ergo os ombros com desdém. — Pode ser você, eu não ligo.
— Ok, engraçadinha, então vamos deixar ela aí, Maria arruma amanhã.
Ele ameaça sair da cozinha e me sinto péssima, não posso deixar essa bagunça (mesmo que
esteja organizada) para a Maria arrumar.
— Você não vai me deixar aqui sozinha, não é? — Ele para de andar e cruza os braços. —
Por favor, não me deixe aqui com essa louça.
Ele olha para o relógio na parede e volta ao meu lado.
— Eu tenho cinco minutos e, se você for rápida, eu posso te ajudar.
Não nos falamos mais, apenas “primeira porta à direita”, “segunda gaveta”, “acima da sua
cabeça”. Tento ao máximo manter distância dele e só nos esbarramos duas vezes, o suficiente
para que eu me sinta nervosa. Quinze minutos depois está tudo limpo, guardado e organizado,
graças a ele e sua vasta experiência em lavar louça.
— Viu só, não foi tão ruim assim passar um tempo comigo, não é mesmo? — Sinto o duplo
sentido da sua pergunta e ignoro-o. — Agora eu realmente preciso ir. Boa noite, Moranguinho
— ele repete o apelido e não respondo. Pete sai sem cerimônia, assobiando, aparentemente
feliz depois de ter lavado a louça e eu fico parada no meio da cozinha com um pano de prato na
mão sem entender o que diabos está acontecendo aqui.
Eu acabei de lavar a louça com o meu americano.
Eu nunca fui muito bom nesse lance de obedecer às ordens da minha mãe. Quando
moleque ela até conseguia me manter na linha, mas, desde que completei vinte anos, ela
dificilmente consegue me domar.
Dessa vez, não foi muito diferente, há alguns meses ela vem me pedindo para que eu volte
para o Brasil, eu entendo que ela sente a minha falta, mas não tem lugar para mim aqui nesse
país. Eu sou o que se pode chamar de “espírito livre”, gosto de acordar sem saber onde estarei
ao anoitecer, descobrir lugares novos a cada dia, não me prendo a nada que me impeça de
voar. Sempre fui assim e gosto da minha vida exatamente assim.
Mas aí quis o destino que eu precisasse aquietar o rabo um pouquinho, confesso que não
estava mais aguentando aquele apartamento e, principalmente, aquela garota e agora estou
aqui, de volta ao Brasil, depois de quatro anos morando onde coubessem eu e minha mochila.
E, então, eu tenho a maior surpresa da minha vida quando me deparo com a tal filha do
Ricardo. Puta que pariu! Eu poderia jurar que essas coisas não acontecem na vida real,
encontros malucos e toda essa baboseira que mais parece um roteiro de filme romântico.
Mas cá estou eu, debaixo do mesmo teto que a garota que quase me fez perder as minhas
bolas e enlouqueceu a minha cabeça nos últimos dias; e para piorar, ela me olha como se eu
fosse a própria encarnação do capeta. Não sei mais o que fazer para que ela acredite em mim,
já jurei que eu não sabia de nada, mas parece que tudo o que eu falo se volta contra mim. Para
piorar minha situação, Ricardo tem certeza de que eu serei uma boa companhia para a sua
filha, que ter a presença de alguém quase da sua idade pode ajudá-la a não se sentir tão
deslocada.
Então tive a ideia de lavarmos a louça juntos. Quando moleque, era na cozinha que eu e
minha mãe conversávamos sobre como foi o nosso dia; enquanto ela cozinhava, eu lavava a
louça, mesmo que odiasse fazer aquilo. No fim do dia estava ansiando por esse momento. Eu
esperava que Luana se sentisse um pouco mais confortável comigo depois de uma atividade
doméstica juntos, mas parece que consegui deixá-la com mais raiva.
Reviro na cama sem conseguir dormir, já perdi as contas de quantas noites venho
perdendo acordado desde que Luana surgiu em minha vida, mas toda vez que fecho os olhos a
visão da sua bunda coberta por aquela coisa cheia de babados faz com que a parte de baixo do
meu corpo acorde implorando por uma atenção que eu tenho certeza de que ele nunca vai
receber. Ao menos não dela.
Luana me odeia e isso não deveria me incomodar, ela é a filha do Ricardo, eu seria um filho
da puta se a levasse para a cama. Porra, já me sinto um traidor só por ter dado aqueles amassos
nela. Mas isso não me impede de pensar em como seria levá-la para a cama, e ultimamente eu
venho pensando mais que adolescente.
Ah, cacete!
Levanto da cama decidido a dar uma volta, não vou conseguir deitar aqui e dormir sabendo
que ela está a algumas portas de distância. Será que ela está usando aquela calcinha?
Merda! Preciso sair daqui.

Paro o carro na frente do bar, passo por baixo da porta que está quase fechada e assobio
chamando por alguém.
— Ei, folgado, não sabe ler? Já estamos fechados! — Daniel, o dono do bar e meu amigo de
infância, fala ao me ver.
— Eu vim alegrar sua noite, babaca!
— Só existem duas formas de você alegrar minha noite, ou você mudou de sexo, ou
aprendeu a usar um esfregão. — Daniel aponta para o balde e desvio dele como se fosse um
cachorro com raiva.
— Sinto te decepcionar, bro.
Daniel vem até mim e me puxa para um abraço apertado com direito a um tapa nas costas
daqueles que faz minhas costelas protestarem.
— Senti sua falta, porra! — Daniel é um cara grande, com uma barba ainda maior,
tatuagens por todos os lados e um alargador em sua orelha que pode muito bem ser usado
como pulseira. Mas por baixo de toda essa pinta de motoqueiro de clube, ele sempre foi um
dos corações mais moles que já conheci na vida.
— Também estava com saudades — admito quando ele me solta e posso finalmente
respirar.
— Como você está? — ele pergunta enquanto volta a varrer o chão, é engraçado ver um
cara de cento e trinta quilos segurando uma vassoura com tanta maestria.
— Vou indo, confesso que já estive melhor — admito, Daniel não me olha como se eu
estivesse à beira da morte, ele apenas meneia a cabeça e continua limpando o chão.
— Sem bebidas então?
— Na teoria, eu nem deveria beber. — Pulo o balcão e passo os dedos nos rótulos das
garrafas, mas desisto e pego uma Coca-Cola. Daniel ri.
— O que tá pegando? — ele é direto e gosto disso no cara, não tem enrolação com ele, eu
tô com um problema, ele me ouve e ponto.
— Sabe aquela garota? — começo e Daniel confirma com a cabeça. Ele já sabe sobre
Luana, ao menos a parte em que quase transamos no elevador, então começo a contar a ele a
parte em que ela é a filha do meu padrasto e que me odeia.
Daniel para de varrer o chão e, dessa vez, seu olhar diz exatamente aquilo que eu não
gostaria de ver. Eu estou fodido!
— Então, o bonitão colocou você pra lavar louça? — Giovana está me provocando há meia
hora desde que contei a ela sobre o jantar bizarro que tive noite passada.
— O que você queria que eu fizesse? O cara tem o poder de encantar a todos, só faltou a
flauta e todos o seguirem dançando felizes até se jogarem no rio Tietê — resmungo enquanto
relembro a cena lamentável. — Você tinha que ver a cara de idiota do papai e da Maria, isso
sem contar a mãe dele, que fica olhando pra ele como se fosse a oitava maravilha do mundo,
eu não tive opção.
— A gente sempre tem opção, Luana — ela volta a me provocar e olho feio para a minha
amiga.
— Amiga, você está mesmo encrencada — é a conclusão animadora que a Manuela chega.
Deitamo-nos ao lado uma da outra, olhando para o teto, cada uma com seu dilema:
Giovana não quer admitir, mas está apaixonada por Pedro; Manu está prestes a terminar seu
rolo com Maurício, para poder viajar em paz; e eu estou aqui, depois de mais uma noite em
claro, imaginando como, em nome de Deus, eu poderei passar esses dois meses morando sob o
mesmo teto que Pete.
— Então o que você acha? — Giovana é a primeira a falar. — Será que ele tá apaixonado?
— Ele eu não sei, mas você está caidinha! — Manu a provoca e Giovana esconde seu rosto
debaixo do travesseiro.
— Eu quero morrer! — ela grita e o som sai abafado. — Como eu pude ser tão idiota? Eu
vou matar o Pedro.
— Ele vai saber o motivo antes? — pergunta Manu tentando conter o riso. — Tipo “Pedro,
vou te matar porque estou apaixonada por você” ou algo assim?
Sei que é cruel, mas não resistimos e começamos a rir, Giovana apaixonada por um
cozinheiro nerd é o cúmulo da ironia. Logo ela, a garota que nunca se entrega para ninguém,
apaixonada por um garoto tímido, que fala baixo e mesmo assim conseguiu fisgar o coração da
minha amiga.

Giovana e Manu passam a noite na minha casa, dormimos emaranhadas na minha cama.
Acordo ofegante e suada e não tem nada a ver com os dois pares de pernas femininas que
estão sobre mim e sim com o cara arrogante e debochado que, se já não bastasse se meter na
casa onde estou morando, invadiu meus sonhos, sem camisa, e com suas mãos cheias de dedos
em cima de mim.
Saio da cama às pressas e corro para o banheiro, preciso de um banho porque aquele cara
consegue me desestabilizar até em um sonho. Maldito seja o filho da Diana!
Depois do banho gelado desço atrás de alguma coisa para comer, estou faminta e o
cheirinho de café recém-coado da Maria faz com que meu estômago ronque como um animal
feroz.
Maria elogia o belo trabalho que eu e Pete fizemos na noite anterior, penso em dizer a ela
que são apenas pratos lavados, mas sorrio e agradeço seus elogios enquanto como mais uma
fatia de bolo com café.
— Bom dia, princesas! — Pete surge do nada com sua alegria fora de propósito e passa
como um furacão parando apenas para dar um beijo estalado em Maria e pegar uma maçã na
fruteira.
— Menino, senta pra tomar café — Maria fala como se ele fosse um garotinho de dez anos.
Talvez seja, mentalmente falando.
— Não posso, estou atrasado, vou levar essa maçã porque não tive tempo nem de escovar
os dentes.
Arregalo os olhos e ele ri divertindo-se.
— Tô brincando, Moranguinho, quer ver? — Ele se aproxima de mim e viro para o outro
lado, mas não rápido o suficiente para não notar o quanto seus olhos brilham à luz do dia.
— Babaca! — Empurro-o para longe sentindo meu coração disparar com o aroma de banho
que sai de seu corpo e o cheiro da pasta de dente. Ele sorri sem se importar com o meu mau
humor e se afasta dando uma mordida na maçã.
— Menino, você tá ficando magrinho — Maria diz numa voz chorosa que eu conheço bem,
ela usava essa mesma tática sempre quando eu era pequena.
— Que nada, Maria, eu tô gostoso, olha. — Ele coloca a mão dela em seu peito. — As
garotas adoram me apalpar. — Ele pisca novamente para mim e dá um beijo no topo da cabeça
dela, que sorri achando graça das suas piadinhas.
— Menino, toma jeito! — Maria bate nele com um pano de prato, Pete se encolhe e eu
reprimo um sorriso.
— Deixa eu ir, estou realmente atrasado.
Ele sai exatamente como entrou, como um furacão, e me deixa um pouco atordoada com
as lembranças das minhas mãos apalpando seu corpo não tão magro.

Falta pouco para o fim dos meus dias escolares e, graças à ajuda do meu influente papai,
teremos uma das melhores casas noturnas da cidade fechada só para a nossa festa de
formatura. Nessas horas é maravilhoso ser filha de Ricardo Calzzavari.
— E aí, já convidou o Alex? — Giovana pergunta como quem não quer nada.
— Ainda não, mas talvez esse fim de semana, se ele ainda quiser me ver, eu o convide.
— Eu acho que ele já superou o episódio do vômito — ela diz com a certeza de quem sabe
mais do que está falando.
— Acho difícil, já que eu mesma não esqueci.
— E o bonitão, como vai? — Giovana pergunta com um risinho irritante enquanto olha os
vestidos. — Lavando muita louça?
— Não sei e não quero saber. — Retiro um vestido preto e coloco-o na frente do corpo. —
O que acha desse? — Giovana retira um azul-marinho e coloca por cima do que escolhi.
— Acho que esse ficará melhor. Experimenta os dois.
Passamos a tarde no shopping. Como uma apaixonada por moda, estou sempre de olho
nas novas tendências e, assim que chego em casa corro para o computador e encho páginas e
páginas com material para as minhas próximas atualizações, entre elas um texto enorme
falando sobre mau gosto masculino: “Quem inventou a calça mostarda?”. A princípio faço um
texto imenso desqualificando o uso de uma peça tão monstruosa que acaba com qualquer look,
mas Giovana revisa e retira toda a ira direcionada ao imbecil que usa a tal calça e deixa apenas
o superficial: “Mostarda, essa cor realmente vale a pena?”.
À noite, estou no meu quarto respondendo a avalanche de comentários a respeito do uso
da calça mostarda e fico impressionada com a quantidade de pessoas que são a favor, tem até
uma garota que diz ficar excitada quando o namorado usa essa cor e imagino se o cara se
parece com Pete.
Uma batida forte na porta me assusta e coloco o computador na cama antes de me
levantar.
— Hora do jantar! — Pete diz enquanto continua batendo.
— Já tô indo! Para de bater! — grito enquanto vou até ele antes que a porta caia.
— Olá, Moranguinho. — Sua voz mole faz meu estômago revirar.
— Você realmente não tem mesmo o que fazer? —pergunto olhando para o seu rosto. O
sorriso debochado se forma lentamente, como se ele estivesse satisfeito com o que faz.
— Vamos jantar?
— Qual o seu problema? — pergunto tentando demonstrar toda a minha irritação, mas
acho que ele é imune a isso, pois o sorriso continua lá. Grande, expressivo e insuportável.
— Fome, vamos!
— Não, eu não vou. — Cruzo os braços na frente do peito para enfatizar.
— Por que não? Eu sei que está morrendo de fome.
— Não estou não — minto encarando seus olhos dourados.
Ele se inclina, aproximando seu rosto, e me faz dar um passo para trás.
— Eu sei que está, posso ouvir seu estômago roncar daqui. — Ele toca minha barriga com a
ponta do dedo e dou um pulo para trás porque o simples toque do seu dedo me causa arrepios
que não são corretos de sentir por ele.
— Nunca mais faça isso — aviso.
Pete me olha com curiosidade inclinando a cabeça para o lado.
— Está com medo de mim, Moranguinho?
— Não me chame de Moranguinho!
— Então vamos logo, o Ricardo está te esperando.
— Meu pai chegou?
— Claro, Moranguinho, ou você achou que eu vim aqui te buscar só porque estava com
saudades dessa sua carinha linda?
Abro a boca para responder, mas desisto e saio do quarto.
Fazemos o mesmo ritual, dessa vez não fico tão nervosa, apenas evito o olhar de Diana,
que observa o filho com a mesma admiração de sempre, enquanto papai fala como um
narrador esportivo. Nem sei como ele consegue tempo para comer entre falar e respirar. A
maior parte da conversa gira em torno do campeonato de futebol, que está na fase final, e eles
discordam de quase tudo, mas é como se combinassem, até mesmo nisso.
Pego-me invejando a harmonia entre eles, eles se olham e falam como pai e filho e eu? Eu
mais pareço a enteada, a estranha, a que está só de passagem, maculando a família perfeita.
Está tudo errado e o peso da culpa me incomoda mais do que eu jamais pude imaginar.
Uma tristeza imensa me preenche, um nó se forma em minha garganta e, quando ergo o rosto,
sinto que sou atraída por esse cara misterioso que conquistou o coração do meu pai, que fala
alto, às vezes, de boca cheia, que sorri sempre. Um cara espaçoso, que tem os olhos mais
espetaculares que já vi e que atrai as pessoas para si como insetos atrás da luz. E eu, pelo visto,
sou a líder dos insetos...
Quando por fim consigo desviar o olhar, Diana me observa com um sorriso contido nos
lábios, sinto minhas bochechas arderem por ter sido pega enquanto olhava para seu filho, mas,
para a minha surpresa, ela não diz nada, apenas volta a comer como se nada tivesse
acontecido.
— Então faltam apenas duas semanas, não é, filha? — meu pai pergunta e preciso de
alguns segundos para notar que ele se refere a mim.
— O que disse?
— O fim das aulas — ele repete e não posso evitar olhar para o Pete e nesse momento me
sinto uma garotinha.
Quantos anos ele tem? Será que ele me acha uma garotinha? E por que eu estou tão
preocupada com isso?
— Ah sim, duas semanas — respondo sem empolgação.
— E a festa? Já encontrou um par? — ele pergunta e sinto minhas bochechas arderem
quando ele apoia a mão no ombro de Pete.
Ah, minha Nossa Senhora das Garotas Encrencadas, por favor, não deixe que ele fale o que
vai falar...
— Se você precisar, tenho certeza de que o Pete não vai se opor a te levar.
Pete ergue a sobrancelha e o sorriso que sai de seus lábios faz meu coração acelerar.
— Estamos aqui para servir. — Ele estala a boca e balanço a cabeça incapaz de acreditar
que ele realmente faz essas coisas.
— Muito obrigada, Pete, mas eu já tenho um par — digo e a alegria que sinto ao ver a sua
expressão vale a pena a mentira. Eu ainda não tenho um par, porque não convidei o Alex,
mesmo Giovana falando que tem certeza de que ele aceitará. — É o Alex, o senhor se lembra
dele?
— Ah sim, o garoto da viagem, não é mesmo? — meu pai pergunta e tenho a sensação de
que o sorriso sempre tão presente no rosto de Pete se desmancha.
“Não crie expectativas, Luana”, digo para mim mesma.
— Isso mesmo — digo sem olhar para Pete.
O resto do jantar transcorre em silêncio, Pete mantém a sua boca cheia a maior parte do
tempo e, sempre que meu pai diz algo, ele responde com um “hum-hum...”.
Quando o jantar termina, levanto-me aliviada por poder finalmente voltar para o meu
quarto, mas, para a minha surpresa, Pete também se levanta e me chama:
— Hora de recolher a louça.
— Sem chance, Pete, hoje não vai rolar.
— Ah vamos lá, garota, a internet pode esperar alguns minutos. — Ele pega a primeira
pilha de louça e coloca nas minhas mãos.
Penso em questionar, mas sua mãe é mais rápida do que eu.
— Peterson, não faça isso com a garota, você não pode forçá-la a fazer algo que ela não
quer — ela me defende e eu tenho certeza de que, nesse momento, em algum lugar, há uma
vaca tossindo.
— Ah, mas ela quer, só está com vergonha de admitir, não é mesmo, Moranguinho — ele
sussurra a última palavra apenas para mim e sai equilibrando uma pilha de copos nas duas
mãos.
Meu pai e Diana se despedem e saem sorrindo com o que eles chamam de “brincadeiras
do Tito” e, por um instante, eu os observo enquanto se afastam indo em direção a suíte deles,
abraçados como dois apaixonados. A mão delicada de Diana acaricia as costas de meu pai em
meio aos passos lentos, calmos, tranquilos, de quem não tem mais pressa, de quem deseja
curtir pequenos momentos juntos; passos de quem está feliz por ter terminado de comer uma
refeição ao lado de quem ama. Sim é isso mesmo, eles se amam e, por mais que seja difícil para
eu aceitar, é a verdade.
— Vamos logo, Moranguinho, tenho trinta minutos! — Pete grita da cozinha e me
pergunto por que será que ele está sempre com tanta pressa?
Muito obrigada, Pete, mas eu já tenho um par.
Eu nunca imaginei que uma frase um dia poderia acabar com o meu apetite, mas é
exatamente esse o efeito que as palavras de Luana causam em mim. Meu humor sai de mãos
dadas com o meu apetite e passo a comer de forma mecânica, apenas mastigando e engolindo,
sem me importar. Poderia ser um pedaço de lasanha ou de borracha, daria no mesmo.
Observo enquanto ela conta para o seu pai sobre o carinha que vai com ela ao baile. Eu sei
quem é, me lembro de cada minuto daquela noite e, principalmente, do empata-rolo de quem
ela está falando. No momento em que o engomadinho saiu daquele elevador, eu soube que era
alguém especial.
Quer saber? É ótimo saber que ela é comprometida, sinto-me aliviado, isso facilita as
coisas, não vou mais precisar me preocupar com o que rolou entre a gente, posso tentar fazer
as coisas darem certo sem a sombra daquela noite entre nós. Afinal de contas, ela tem alguém:
o cara da viagem. O tal Alex.
— Vamos logo, Moranguinho, tenho trinta minutos! — grito por ela quando noto que ainda
não está na cozinha. Pouco depois ouço o som dela batendo os pés de mau grado atrás de mim
e sorrio.
Luana é uma contradição, embora na grande maioria do tempo ela se pareça com uma
garotinha, eu consigo reconhecer a mulher que me beijou naquele dia por baixo da camada de
infantilidade. Às vezes, quando ela não vê, noto detalhes que não deveria, mas que me deixam
louco: como a forma que seu cabelo roça a lateral do seu pescoço, quando ela o coloca atrás da
orelha; ou a mania de morder o lábio quando está perdida em pensamentos; a forma como a
camiseta cai em seu ombro deixando sua pele exposta.
Ela é incrivelmente linda, de um jeito simples, mas que não passa despercebida. Nada
dessas garotas magras demais, Luana tem curvas, uma bunda que só de pensar me deixa
excitado e seios do tamanho certo para fazer um cara implorar por eles. Na verdade, eu estou
completamente louco por essa garota, ela é chata pra caralho, passa a maior parte do tempo
me xingando, mesmo assim gosto da sua companhia.
— Escuta aqui, não faça mais isso! — ela empina o nariz e ergue o rosto para me ameaçar.
Será que ela sabe o quanto fica linda quando está brava?
— Calma, Moranguinho, o que acha de fazermos um trato? — pergunto tentando conter o
riso, ela odeia minha risada.
— Não, já disse que não quero fazer nada com você — ela resmunga enquanto prende o
cabelo em um rabo de cavalo. Ah, porra, esse pescoço...
— Ei. Calma, garota, não estou pedindo para fazer sexo comigo, só estou pedindo para
ouvir minha sugestão — insisto e ela cruza os braços me olhando de cara feia.
Linda pra caralho!
— Quatro dias. Serão apenas quatro dias na semana que você terá que me aturar. Na
sexta, eu caio fora e só volto na segunda, então você terá três dias livres, sem mim, o que acha?
— concluo e tento não demonstrar a minha ansiedade, não quero que ela me odeie e essa foi a
única forma que encontrei de passarmos um tempo juntos.
Ok, eu sei que lavar louça não é o que se pode chamar de grande ideia, mas eu curto a
cumplicidade de fazermos algo juntos.
— Eu não tenho que te aturar nem um minuto sequer — ela solta farpas em cada palavra.
— Eu nem sei quem você é e não quero perder trinta minutos diários do meu tempo ao seu
lado.
— Eu sou o Pete.
— Grande coisa.
— Põe grande nisso... — brinco e ela fica vermelha.
— Pare de falar essas coisas para mim! — ela esbraveja e não consigo resistir, ela está
encantadora toda envergonhada.
Apoio-me na pia segurando o pano de prato embolado e cruzo os braços. O sorriso se
amplia em meu rosto, mas, na verdade, estou nervoso pra cacete. Ah... se ela soubesse que
tenho a estranha mania de rir quando estou nervoso, talvez não ficaria tão brava. Ou será que
ficaria?
— Tudo bem, não quer fazer por mim, eu entendo e até concordo com você, por que faria
isso por um cara que você não conhece? E, pelo que percebi, detesta, mas vamos fazer um
acordo. Faça pelo Ricardo. — Jogo baixo e tão sujo que quase não me reconheço, mas preciso
de um bom motivo para que ela aceite e não vejo nada melhor do que o Ricardo. Luana o ama,
mesmo que tente fingir que está chateada. Posso ver na forma como o olha quando estamos
jantando, no sorriso manhoso que dá quando ele fala com ela. Ela o ama, só não sabe como
voltar para ele.
— Não ponha meu pai nessa história! — O rubor em suas bochechas mostra o quanto ela
está brava. Estou jogando todas as minhas cartas e, mesmo sabendo que posso perder, sei que
é a única chance de mantê-la comigo.
— Ele vai ficar feliz em te ver mais envolvida, participando de algo. Vai acreditar na sua
vontade de mudar, de dar uma chance a vocês dois...
Luana ergue a mão, interrompendo-me:
— Nem termina com esse papo furado, eu não vim pra cá lavar louça e nem tenho nada
para mudar.
— Claro que não, você veio pra cá provar para o seu pai que ele está errado, que a mulher
que ele escolheu não presta e que você nunca vai perdoá-lo pelo que ele te fez.
— Quem é você pra falar assim comigo? Seu idiota!
Ela joga o pano de prato na bancada e sai da cozinha subindo as escadas, furiosa.
Droga! Eu não deveria ter empurrado tanto, ela não suporta a minha mãe, o que eu posso
compreender, mesmo não concordando. Penso em deixá-la em paz e voltar para a minha vida,
ir para o meu apartamento e permanecer lá até que eu esteja liberado para ir embora, mesmo
que eu já não saiba mais para onde quero ir, mas não consigo. Em vez disso subo as escadas de
dois em dois degraus e a alcanço antes que ela possa entrar no seu quarto, eu seguro seu braço
e a viro para mim, observo seus olhos avermelhados e me xingo mentalmente por fazê-la
chorar.
— Me desculpe, por favor. — Retiro uma mecha de cabelo do seu rosto e ergo-o para que
ela possa olhar para mim. — Eu passei dos limites, me perdoe. Não devia ter dito isso.
Luana olha para mim, a pontinha do seu nariz está vermelha e quero me bater por deixá-la
infeliz. Não foi isso que prometi ao seu pai ontem.
— Por que você mentiu pra mim? — Sua voz sai baixa e cheia de mágoa.
— Eu nunca menti para você, Luana, e jamais mentirei — respondo, suavemente,
desejando que ela acredite, mesmo sabendo que não consegue.
— Está mentindo agora. — Ela pisca e uma lágrima fujona escapa dos seus olhos, passo o
polegar em sua bochecha secando-a.
— Não estou, eu sou um cara sincero e gosto das coisas claras — admito e me sinto
ofendido por ela não conseguir acreditar em mim.
— Como você consegue? — ela pergunta, minha mão ainda está em seu rosto e ela inclina
um pouco mais para perto. — Como você é capaz de fingir que isso aqui é normal?
— Eu estou me esforçando, estou tentando fazer com que dê certo. Ao contrário de você,
que está tornando a nossa convivência insuportável.
Ela desfaz o nosso contato e esfrega o rosto nas mãos, odeio vê-la triste por minha causa e
faço uma promessa interna de fazer tudo para que ela sorria.
— Somos adultos, Luana, em poucas semanas você voltará para a sua vida e eu para a
minha e ninguém vai precisar mais fazer isso, mas, por hoje, eu te peço que me ajude.
Ela se abraça como se estivesse se protegendo de mim enquanto me observa falar:
— Vamos fazer o seguinte: me dê apenas três noites, e eu prometo que não encho mais o
seu saco.
Ela continua olhando para mim, impassível.
— Por favor. — Junto as mãos na frente do rosto e faço uma cara de cão abandonado. —
Aquela louça está enorme.
— Problema seu, existe uma coisa chamada lava-louça, inventaram esses dias aí.
— Bobagem, eu gosto de exercitar meus músculos. — Ergo a manga da camiseta e flexiono
o bíceps. Luana ri, mesmo contra a vontade e me sinto meio bobo por essa garota.
Estendo a mão, mas ela não a pega de imediato, demora um tempo, e lá está aquela mania
bonitinha de morder os lábios demonstrando que está pensando se vale a pena dar uma chance
para o idiota aqui.
— Por favor. Me deixa te conhecer... três noites apenas por meia horinha e juro que te
deixo em paz.
Ela estende os braços ao lado do corpo e solta um suspiro cansado, minha mão continua
estendida.
— Ok, três noites. — Ela segura minha mão e não consigo impedir o sorriso de se instalar
no meu rosto.
— Essa é a minha Moranguinho, eu gosto assim, sem dramas. — Aperto sua mão com força
e a puxo para perto de mim, ela faz uma cara feia quando ouve o apelido que dei, ela o odeia e
eu adoro a sua carinha de brava.
— Eu não sou nada sua! — Luana resmunga enquanto caminha ao meu lado de volta para a
cozinha, passo meu braço por seu ombro, ela o retira com força. Mas não se afasta.
— Olha a violência, Moranguinho, já disse que vou acabar me apaixonando — brinco e ela
revira os olhos. Ah, garota... se você soubesse como é linda me provocando.
— Babaca.
— Me ama que eu sei — provoco-a.
Descemos as escadas juntos e, enquanto trocamos farpas e ofensas, penso que tenho
apenas três dias para provar a ela que não sou um mentiroso. Espero que dê certo.
Pete tem um jeito peculiar de lavar a louça. Primeiro ele organiza tudo, separa os garfos e
facas, os pratos e copos, limpa a pia, e só então começa a lavar, tudo com muita precisão, como
se ele realmente gostasse daquilo, como se fosse uma espécie de ritual sagrado.
Ainda estou mexida com o seu comportamento lá em cima, a forma como ele parecia
quase uma pessoa normal, com seu olhar tão intenso, que eu poderia me perder naquele par
de topázios amarelos, o calor da sua mão na minha, foi tudo tão estranho, novo e ao mesmo
tempo tão familiar. Mas aí, quando eu achei que havia encontrado novamente o cara que
conheci naquela viagem, ele se transformou, voltando a ser o idiota de sempre. Um idiota que
me faz passar uma hora na cozinha, o idiota com quem aceitei fazer um acordo.
— Acho que você perdeu o seu seriado! — grito de dentro do armário de panelas.
— Aquele eu já tinha assistido, não tem problema.
— Se você já assistiu todos, por que se importa? — Volto para pegar a travessa no
escorredor. Ele para, com as mãos cheias de sabão e a camiseta molhada, marcando um pouco
do seu abdome.
— Porque eu gosto de repetir o que é bom.
Tento não levar para o lado pessoal, mesmo que meu coração não respeite a minha
decisão e meu corpo amoleça como chocolate em banho-maria, limpo a garganta e ignoro o
calor que sinto se espalhar em minhas veias.
— Então, você é guia turístico? — mudo de assunto para a minha segurança.
Ele olha para mim com um sorriso, aliás, um sorriso impróprio porque ninguém deveria ter
um sorriso tão bonito com as mãos cheias de sabão.
— Vou ser interrogado?
— Só estou puxando papo. Mas se não quiser responder, não responde. — Vou para o
armário do outro lado guardar a travessa.
— Você sabe que sou, já tivemos essa conversa antes — ele me relembra a conversa que
tivemos aquela noite no deck, quando eu ainda acreditava que ele era um americano e... ah,
meu Deus, será que algum dia eu deixarei de ter vergonha de mim? — Às vezes, quando estou
entediado faço alguns trabalhos para a agência de turismo — ele responde um tempo depois.
— Entediado? Do quê?
— Da vida.
— Então você trabalha quando está entediado? Deve ser legal ser você, né? — ironizo, mas
Pete parece não perceber.
— Você não tem ideia.
Ignoro a forma como ele fala e continuo:
— Acho que deve ser bem divertido conhecer pessoas, lugares, culturas.
— Sim, é legal, principalmente quando conhecemos pessoas interessantes e isso tem
acontecido com bastante frequência ultimamente.
Sinto um burburinho em meu estômago, mas decido continuar a conversa porque é a
primeira vez que conseguimos conversar sem nos provocar. Ao menos não tanto.
— Sabe, eu não quero ir para a faculdade, quero viajar, conhecer algum lugar novo, fazer
um curso, moda talvez inglês.
Pete me olha como se compreendesse a minha escolha, talvez tenha sido a sua também,
algum tempo atrás.
— É legal, mas precisa ter um objetivo ou tudo perde a graça. Depois de um tempo tudo se
torna igual, até mesmo as pessoas, você consegue prever o que elas irão dizer, como elas vão
reagir a determinadas situações, é como se fosse algo que estamos programados a fazer, é raro
quando alguém me surpreende — ele diz enquanto ensaboa um prato, seus cabelos rebeldes
estão despenteados e tenho certeza de que ele não costuma se preocupar com isso, há uma
mecha caída em seu rosto e, olhando-o assim de perfil, ele parece saído de um catálogo de
moda. — Mas sabe o que eu acho? — Ele se vira para mim no momento em que estou
admirando-o.
— O quê?
— Acho que você deve seguir seu coração, se é isso que quer fazer, faça. A vida é curta
demais para se privar de fazer o que te faz feliz.
— Eu não sei se isso me fará feliz, minha mãe acha que é perda de tempo.
— Só vai saber se fizer, Moranguinho. — Ele pisca para mim e volta a lavar a louça.
— Posso te fazer uma pergunta?
Ele se vira na minha direção, o cabelo cobrindo um pouco do seu olho esquerdo.
— Achei que era isso que você estava fazendo.
— Quero dizer, mais uma... — completo.
Ele sorri e aquela curvinha surge novamente em sua bochecha e, meu Deus, como uma
coisa dessa pode ser tão linda... ela o deixa com um ar de perigo que faz com que os pelinhos
da minha nuca se arrepiem toda vez que surge em sua bochecha.
— Pode sim. Só estou brincando com você.
— Você realmente gosta de lavar louça?
Ele passa o braço no rosto na tentativa de retirar a mecha rebelde do olho, ameaço
estender o braço e ajudá-lo, mas desisto. Pete não precisa de ninguém para alimentar suas
fantasias e tenho certeza de que, se eu fizer isso, ele vai falar alguma bobagem.
— Aprendi a lavar louça com a dona Diana, depois morei dois anos em Nova York, precisei
lavar louça para ter o que comer no começo. Foi uma época difícil, mas conheci muita gente
legal, foi uma boa experiência, aprendi a dar valor a muita coisa que antes não significava nada
e aprendi muita coisa também, uma delas é que uma pia cheia de louça é uma excelente
terapia.
Pete respira fundo quando termina de falar, como se percebesse que falou demais, me
surpreendo com o quanto ele fica ainda mais bonito quando fala sério... Eu estou mesmo muito
encrencada.
— Assim você até parece o Pete que conheci em Orlando.
— Eu sou o Pete que você conheceu em Orlando.
— Ainda tenho minhas dúvidas, acho que você tem um irmão gêmeo.
— Se você quiser, eu posso provar. — Ele ergue a sobrancelha em sinal de ameaça e dou
um passo para trás como se tentasse me proteger.
— Engraçadinho. — Reviro os olhos e sinto minha pulsação aumentar com a expectativa.
— Mal-humorada — ele retruca e volta a lavar o restante da louça.
— Seu nome é realmente Pete? — Tento voltar o papo para algo mais seguro. Acho que
estou aprendendo com a Giovana.
— Na verdade é um apelido, meu nome é Peterson.
— Então seu nome é Peterson? — pergunto e ele confirma balançando a cabeça. — Meu
Deus, quem põe um nome desse no filho?
— Vai dizer que não gostou do meu nome? As meninas adoram.
— Ah, Pete... Fala sério, né? Sua mãe deve ter tido um parto terrível. — Tento conter um
sorriso, mas a imagem da mãe dele escolhendo esse nome horroroso na hora do parto é
terrível demais.
— Por que você acha isso? — Ele me olha surpreso com a minha conclusão.
— Porque é a única justificativa, só sofrendo muito no parto para uma pessoa colocar um
nome tão... — penso um pouco antes de responder, porque não quero ofendê-lo — peculiar
desse no filho.
Pete parece ofendido e me sinto mal por ter falado isso.
— Ah vai, não se ofenda.
— Na verdade, Peterson era o nome do meu avô. — Ele desvia o olhar e sua voz ganha um
tom mais sombrio. — Ele morreu de câncer no dia em que nasci. É uma homenagem.
Coloco minhas mãos na boca querendo me enterrar em um buraco bem fundo. Por que eu
tinha que abrir a minha boca e falar uma besteira dessa?
— Ah, meu Deus... Me desculpa, Peterson, por favor, eu sinto muito. — Salto da bancada e
vou até ele tocando seu braço em uma tentativa frustrada de consolá-lo. — Na verdade, depois
que se acostuma, ele nem é assim tão ruim. — Tento consertar, mas a forma com que ele me
olha mostra que não consegui.
Ele baixa o rosto e balança a cabeça com um sorriso contido em seus lábios apertados.
— O que foi? — pergunto preocupada e arrependida.
— Minha mãe disse que demorei 24 horas para nascer... Foi um parto horrível.
— Você não consegue falar nada sério? Eu aqui me sentindo péssima e você fazendo
piadinha?
Começo a bater nele com o pano de prato enquanto ele cai na gargalhada e espirra
espuma para todos os lados, na tentativa de se defender da minha ira. E lá se vai a conversa
séria...
— Não sei por que ainda acredito em alguma coisa que você fala.
— Ai, Moranguinho, isso dói, porra! — Ele ergue um braço quando o atinjo com o pano.
— Moranguinho. É. A. Senhora. Sua. Vó — pontuo cada palavra e ele parece se divertir
ainda mais.
Jogo o pano de prato nele e saio da cozinha batendo o pé igual uma garotinha (coisa que
eu estou fazendo demais ultimamente) e, enquanto eu subo as escadas, ele grita:
— Volta aqui, a gente ainda não terminou...
Continuo subindo sem dar atenção a ele.
— Eu realmente tinha um avô que morreu de câncer, tá.
— Vai pro inferno!
Ele grita alguma coisa da cozinha, mas eu já não estou mais ouvindo. Entro no quarto e
bato a porta sentindo meu coração acelerado de raiva, mas um sorriso bobo se espalha por
meus lábios. Um instante depois, a porta se abre e um espaçoso e cara de pau Pete entra
falando:
— Ei, garota, eu não vou terminar de guardar a sua louça.
— Será que eu vou ter que trancar a minha porta toda vez que entrar no meu quarto?
Ele ignora o que digo e se senta na minha cama.
— Por que você é sempre tão pé atrás comigo? Eu só estava brincando — ele pergunta
como se não fosse nada de mais me fazer de idiota.
— Sabe o que é engraçado nisso tudo?
— Poxa, que bom você acha que tem algo engraçado. Estava começando a achar que você
não tem senso de humor.
— Cale a boca e me deixa falar.
Ele ergue as mãos travando os lábios exageradamente e minhas mãos coçam para acertar
essa sua carinha debochada.
— Eu não sei por que você insiste nessa merda de lavar louça, não vai dar certo.
— Desculpa, Moranguinho.
— Para de me chamar de Moranguinho!
Ele arregala os olhos agora não conseguindo mais conter a gargalhada, cruzo os braços
assistindo seu espetáculo e quando ele para meu coração está repleto de raiva.
— Sai do meu quarto agora! — exijo, perdendo a compostura.
Pete se levanta e caminha até a porta, mas antes de sair ele se vira para mim e fala:
— Eu já disse que adoro mulheres que gostam de comandar?
— Vai pro inferno!
— De novo?
— Que tal se mudar de vez e me deixar em paz?
Ele me encara com um ar divertido, que me enfurece.
— E deixar essa puta mansão só pra você? — Ele toca a ponta do meu nariz antes de se
dirigir a porta. — Nem a pau, gatinha! Agora desce que as travessas não vão se guardar
sozinhas. E vê se dá um jeito nesse seu mau humor ou vai acabar sozinha, velha e rabugenta.
Bato a porta nas suas costas e desejo ter poderes especiais para poder tirar aquele risinho
cínico da cara dele.
— Vamos logo, Luana! — ele grita da escada e ignoro.
Se quiser, ele que continue essa palhaçada sozinho, eu não participo mais, está decidido.
A semana passa da mesma maneira que começou: estranha.
É estranho acordar todo dia e saber que nada do que aconteceu na noite anterior foi um
sonho; é estranho ouvir aquele assobio pelos corredores, como se ele estivesse em cada canto
da casa; é estranho receber aquele bom dia alegre demais para o horário; é estranho esbarrar
nele o tempo todo; é estranho jantar com todos eles à noite e ouvi-los falarem dos seus dias, e
o mais estranho de tudo isso: eu estou me sentindo estranha.
Faz dois dias que ele não aparece em casa, desde que tivemos aquela discussão. Mas é
melhor assim, Pete mexe demais comigo e de uma forma perigosa.
Mesmo assim tenho que admitir, a casa não é a mesma sem a sua presença barulhenta,
tudo fica silencioso, calmo e grande demais, sem vida, sem alegria e é absurdamente estranho
o medo que eu sinto ao me dar conta disso.

A temporada de festas começou na família Calzzavari, e me comprometi a dar uma festa na


piscina; então, no sábado, trinta e cinco alunos da turma do terceiro ano estão espalhados em
volta da minha piscina, esticados no sol, jogando bola no gramado ou simplesmente
conversando enquanto se refrescam. Era para ser uma tarde legal, o dia está lindo, a água
agradável, a música boa, Maria fez algumas comidinhas para nós e estamos nos divertindo.
Até que ouço um assobio que chama minha atenção de forma ridícula, meu coração
dispara e tento continuar o assunto, mas não consigo me lembrar de mais nada, apenas que ele
está aqui.
Um instante depois, ele aparece usando um short com estampa de abacaxi e uma camiseta
velha com os Três Patetas estampados na frente, óculos de sol e uma garrafa de cerveja.
— Nossa, que dia lindo! — Ele ergue o rosto para o céu e duas garotas, que estão
conversando, simplesmente param de falar e o encaram como se nunca tivessem visto um cara
em suas vidas.
Tudo bem, tenho certeza de que elas nunca conheceram ninguém como Pete, tenho para
mim que a forma na qual ele foi feito quebrou ou Deus percebeu a besteira que estava fazendo
e desistiu de fabricar outros como ele. Pete é único, isso é um fato.
Pete se deita na espreguiçadeira e coloca a cerveja ao lado, em seguida ergue as mãos
atrás da cabeça e sua camiseta sobe, deixando um pedaço de pele à mostra.
— Cheguei na hora certa. — Ele olha na direção de duas garotas que estão tomando sol e
reviro os olhos sem acreditar.
— Abacaxi? Sério, Pete? — Baixo os óculos e olho para a sua roupa.
— É que eu tenho uma tara por frutas, não consigo controlar. — Ele abaixa os óculos e
pisca para mim. — Sabe como é, Moranguinho.
— Como você é babaca! — Afasto-me nadando até a outra borda da piscina e tentando
acompanhar a conversa sobre sapatos de duas loiras peitudas que eu nem sequer gosto.
— Quem é o cara ali? — Aponta a loira tamanho 46.
— Não ligue para ele, é igual cachorro, se você não der atenção ele sai — digo rezando
para que elas sigam o meu conselho, só o que me falta é ver o Pete de gracinha com uma das
minhas colegas de escola.
— Coitadinho, Luana — ela diz ainda encarando Pete.
— Gatinho ele, hein — a loira tamanho 48 diz e eu decido que a odeio.
— Se você acha... — Ergo os ombros e me afasto.
Como se fosse um velho amigo de todos, ele se junta a roda de garotos e engata um papo
agradável com eles, joga baralho, olha descaradamente para os biquínis e pasmem! Paquera
algumas das minhas amigas na minha cara! Não que eu tenha me importado muito, apenas
acho um desaforo, principalmente quando as meninas começam a rodeá-lo e a rir de suas
piadinhas sem graça. Começo a ficar com pena delas, estão sendo iludidas, já passei por isso...
— Luana, você tem um problemão! — Giovana fala enquanto olha a cena deprimente que
se desenrola a nossa frente. Paulinha, uma garota da sala de quem nem sou tão amiga assim, se
derrete igual sorvete no calor para ele, ela praticamente se joga ao seu lado e praticamente
esfrega seus peitos minúsculos na cara dele. Assanhada!
— Eu não tenho nada! — falo irritada quando noto o rosto dele se inclinar na direção dos
peitos da Paula, ele ainda está usando os óculos escuros e não consigo ver se realmente está
olhando, mas é o Pete, com certeza está. Cachorro!
— Se você prefere se iludir, não serei eu a estragar sua brincadeira — Giovana diz e se joga
na piscina para um mergulho, imito minha amiga e faço o mesmo, acho que está calor demais
por aqui.
Na quinta-feira, durante a aula, as meninas não economizam elogios para ele:
— Seu meio-irmão é um gato!
— Nossa, como você nunca me disse que tinha um meio-irmão tão legal?
Faço o possível para ser gentil, mas Giovana precisa me cutucar dezenas de vezes avisando-
me que estou exagerando quando sou um pouco arisca demais com as meninas, principalmente
as que me pedem o telefone do meu meio irmão.
— Você não acha que, se ele quisesse, teria te dado o número dele? — digo a Paula
quando noto que nem eu tenho o número dele.
Até mesmo os meninos adoram Pete. E, mais uma vez, ele atrai uma legião de fãs para si,
deixando-me extremamente irritada, confusa e, mais uma vez, apavorada.

À noite, eu demoro um pouco mais para descer, estou tão enfurecida com meus colegas,
com Pete, comigo mesma, por não conseguir parar de permitir que ele me atinja dessa forma. E
começo a colocar a culpa nos meus hormônios.
Quando ele bate na porta, grito dentro do banheiro para que ele vá na frente. Olho no
espelho antes de descer e me espanto com a minha falta de vaidade, eu jamais estive tão mal
arrumada na frente de um rapaz antes, calça legging e camiseta se tornaram meu traje quase
que diário nos últimos dias; e, dessa vez, não é diferente, meu cabelo está preso em um coque
alto e, para finalizar o visual, meias e um chinelo de dormir, e pronto. Abro a porta bocejando
exageradamente como quem não tem pressa, só para irritá-lo um pouco mais.
— Nossa! Que demora, Moranguinho! — Ele me olha dos pés à cabeça. — Essa demora
toda pra isso? — Ele aponta para os meus pés e continua: — Se está querendo chamar a minha
atenção vai ter que caprichar um pouco mais.
Reviro os olhos e passo por ele erguendo os ombros.
— E por que eu capricharia? Pra jantar em casa, com você?
Pete se adianta e caminha ao meu lado. Tento ignorá-lo, mas hoje ele está cheirando a
banho e limão.
Odeio limão!
— Ah... sei lá, pra comemorar! — É a sua vez de erguer os ombros.
— Comemorar o quê?
— Nossa última noite juntos.
— Pare de falar como se estivéssemos fazendo algo. — Olho-o ferozmente, mas nada o
atinge e ele ri.
— Não seja tão rabugenta, Moranguinho, assim ninguém vai te querer!
— Vai pro inferno antes que eu me esqueça!
Terminamos de descer as escadas em silêncio e encontramos a mesma cena do resto da
semana. Papai está cada dia mais feliz por nos ver juntos à mesa, é o momento em que mais
nos aproximamos de uma família.
Uma estranha família.
Papai combina um passeio no sítio para o fim de semana e Pete dá as últimas informações
sobre o time que ganhará o campeonato neste domingo, entre uma garfada e outra.
Depois da sobremesa que recuso, levantamos e cada um leva a sua pilha de louça para a
pia. Pete beija sua mãe e observo enquanto ela ajeita seus cabelos tentando colocar uma
mecha rebelde de volta no lugar.
— Como está a cabeça hoje? — ela pergunta preocupada e noto que é algo constante.
Será que ele está doente? Será que devo perguntar? Não, não é da minha conta.
Sinto um arrepio em minha espinha, quando Augustus Waters invade minha mente.
Balanço a cabeça afastando as imagens enquanto Diana se despede de nós.
Começamos nossa tarefa noturna como sempre, em silêncio, apenas com o barulho da
água jorrando em suas mãos grandes e habilidosas enquanto ele move um prato para cá e para
lá, encosto-me no balcão e o observo, mais uma vez.
Pete não é um cara que pode ser encaixado no padrão clássico de beleza, longe disso, ele
tem uma beleza simples, mas que mexe comigo de um jeito que não sei explicar. Desde aquela
noite em que ele me segurou na saída do elevador, não consigo parar de pensar no quanto
alguém pode ser bonito de várias formas diferentes. Assim é o Pete, sua beleza está muito mais
no conjunto, na forma como seu cabelo castanho e desarrumado parece estar sempre caindo
em seus olhos, no nariz arrogante; na sua boca que parece nunca se fechar, como se ele
estivesse sempre resfriado e, principalmente, no seu sorriso meio torto, que faz com que a
única covinha apareça em seu rosto.
Hoje ele está particularmente bem arrumado para seus padrões, uma calça jeans clara tão
velha que me faz pensar que o rasgo no joelho não foi feito de propósito, uma camiseta preta
com a letra A e dois círculos, um na ponta e outro no traço, transformando a letra em um casal
fazendo sexo. Óbvio, né?
— Para de me paquerar, Moranguinho, senão eu não consigo lavar a louça — ele diz sem
olhar para mim e sorrio porque eu já sabia que ele falaria isso.
— Camiseta legal — digo e ele abaixa a cabeça olhando para o desenho, como se não se
lembrasse o que era.
— Você gosta?
Não tenho certeza sobre o que ele está perguntando.
— Da camiseta? — Esforço-me para não gaguejar. — Criativa. — Tento parecer entediada,
mas sinto meu rosto esquentar quando ele olha para mim.
— Eu posso ser um cara muito criativo, Moranguinho.
— Está com dor de cabeça? — pergunto rapidamente fugindo do constrangimento de ter
sido pega admirando sua camiseta pervertida e tentando não pensar no quanto Pete pode vir a
ser criativo. Eu já tive uma amostra e tenho certeza de que nunca me esquecerei.
Ele me dá um sorriso provocante, aquele que faz a curva se evidenciar, mesmo por baixo
da sua barba por fazer, e meu estômago se encolher.
— Tá mudando de assunto?
— Não — respondo rapidamente. — Só fiquei... preocupada, ouvi Diana falar sobre isso. Já
tomou um analgésico?
— Olha, olha, como são as coisas — ele começa a me provocar. — Outro dia queria me
matar e hoje está preocupada com minha saúde, tudo isso por causa da minha camiseta? Acho
que preciso usar coisas mais... criativas?
— Não seja idiota, Pete, eu diria isso para qualquer um. Detesto ver alguém com dor, até
mesmo você. — Pego um prato e começo a secá-lo colocando-o na bancada e repetindo o
processo.
— Hum... — é tudo o que ele diz e decido que é melhor deixar para lá.
Ele começa a assobiar uma música, eu continuo secando e guardando e isso é tudo pelos
próximos cinco minutos até que tento puxar assunto:
— Caprichou no visual hoje, será que é por que é nossa última noite juntos? — Sinto um
aperto no peito ao pensar nisso. Será que ele vai embora? Será que não vou vê-lo mais? Tento
não demonstrar, mas a verdade é que eu não quero que essa seja a nossa última noite.
— Por quê? Você acha que estou bonito? — Ele ergue as sobrancelhas surpreso.
— Não... Quer dizer... Não é isso que eu disse. — Enrolo-me com as palavras. — Só achei
que você está diferente hoje. E para de responder minhas perguntas com outra pergunta, isso é
muito chato!
— Moranguinho, admita que você está me paquerando e eu paro com as perguntas. — Ele
me dá um empurrão com o quadril, que me desestabiliza.
— Vai sonhando.
— Eu tenho um encontro hoje. — Ele se vira em busca do relógio da parede e volta a falar:
— Na verdade, daqui a uma hora, então trate de ser rápida ou vai ficar aqui sozinha. — Ele se
vira novamente para a louça. — E não estou com dor de cabeça, não mais. Obrigado por se
preocupar.
Um encontro? Nossa! Ele me pegou de surpresa... Não era o que eu esperava, mas
também o que eu esperava? Que ele passasse suas noites lavando louças e assistindo seriados
antigos? Ele é jovem, bonito e, é claro, que não está sozinho.
Sinto uma pontadinha em meu peito, mas ignoro, aliás temo o dia em que me esquecerei
de que há um coração batendo em meu peito por ter me acostumado a ignorar as variações de
frequências que ele vem sofrendo ultimamente.
— Ah... legal — é tudo o que consigo dizer porque, no fundo, o que eu realmente quero é
que ele fique em casa, pelo menos nas próximas seis semanas.
Bato um dos pratos na bancada e, por sorte, ele não se espatifa no chão. Pete se vira
assustado e, quando vê que não foi nada de mais, olha para mim como se conseguisse ler meus
pensamentos.
— Tá nervosa, Moranguinho?
— Já pedi para você não me chamar assim — falo um pouco mais ríspida do que deveria.
— Tá com ciúmes por que vou sair?
— Menos, Peterson, bem menos, por favor.
Ele demora um pouco olhando para mim antes de voltar a lavar o restante da louça e
preciso me controlar para não perder a razão. Sim, eu estou nervosa e enlouquecida de ciúmes,
mas é mais fácil o inferno congelar do que eu admitir um absurdo desse. Eu não posso sentir
ciúmes do filho da Diana, ele está fora da minha lista de garotos permitidos.
— Se pedir com carinho, eu fico — ele diz sem olhar para mim e começo a rir porque é
insana a forma como ele diz essas coisas.
— Você precisa se tratar, Peterson.
— Você precisa parar de lutar contra os seus sentimentos.
Ignoro o que ele diz e continuo fazendo minha parte na tarefa. Quando terminamos de
arrumar toda a cozinha, ele olha ao redor e me dá um sorriso lindo, daquele que faz o meu
coração derreter. Ele olha para o relógio pela décima vez na noite e falo:
— Vai logo, você deve estar ansioso para o seu encontro.
Ele apoia o quadril no balcão, cruza os braços e fala:
— Não estou não, é uma velha amiga.
— Ah... — Sinto-me patética e tão óbvia que tenho vontade de me bater. — Mesmo assim,
você já está atrasado.
— É bom atrasar um pouco, aumenta a expectativa.
— Como você é convencido! — Jogo o pano de prato na bancada e começo a sair da
cozinha. — Boa noite, Peterson! — grito subindo as escadas e ignorando meu coração, que bate
acelerado.
— Boa noite, Moranguinho.
Bato a porta do meu quarto e falo para mim mesma:
— É só uma amiga, Luana, apenas isso.
A imagem da sueca sentada ao seu lado invade meus pensamentos e rezo para que esse
não seja o seu padrão de amigas.
Merda! Eu estou realmente muito ferrada.
Não consigo dormir, é ridículo, mas tudo o que consigo fazer é pensar no encontro que
Pete está tendo essa noite. Milhões de perguntas vagueiam por meu cérebro como um
torturador silencioso: Onde será que ele está? Será que ele faz brincadeiras idiotas com ela?
Será que a beijou? Será que ele a levou para a cama?
Será? Será? Será?
Levanto e decido comer algo, estou faminta e preciso de açúcar em minhas veias para
aliviar o estresse. Abro a geladeira em busca de algo que eu nem ao menos sei o que é, a
lembrança da noite em que Pete me pegou nessa mesma posição me invade e tento ignorar o
aperto em meu peito.
Como um sanduíche de queijo e presunto e bebo um copo de leite. Ainda sem sono decido
ver um filme velho da coleção do meu pai, entro na sala de TV sem saber o que quero e, depois
de meia hora, escolho um filme qualquer e coloco no aparelho, aconchego-me no sofá e
permito que minha mente pare de fazer perguntas... ao menos pelos próximos cento e vinte
minutos.
O som do telefone tocando me desperta e me levanto assustada sem saber onde estou,
meu pescoço dói e só quando olho em volta é que percebo que acabei adormecendo no sofá. O
telefone toca mais uma vez e estendo a mão para atender.
— Alô — pigarreio quando noto que minha voz sai rouca demais.
Ninguém responde do outro lado da linha, mas consigo ouvir uma respiração, como se a
pessoa estivesse decidindo se fala ou não. E é quando me toco.
— Ei, é você? — pergunto sentindo-me confusa.
— Bom dia — ele fala e sinto meu coração gelar dentro do peito.
— Pete? — pergunto sem saber ao certo se estou falando coisa com coisa, porque, por um
instante, eu imagino que seja o cara do trote, mas essa voz...
— Oi, Moranguinho, eu precisava falar com a minha mãe, será que ela já está de pé?
— Pete? É você? — pergunto sem ao menos me dar conta do que ele está falando. — Você
é... Você passou trote para mim durante todo aquele tempo?
— Moranguinho...
Desligo o telefone incapaz de acreditar a que ponto ele chegou, mas antes que eu possa
me levantar o telefone toca mais uma vez, rejeito a chamada e saio da sala, enojada e confusa.
Era ele.
Sempre foi ele.
Subo para o meu quarto e me troco correndo, quero sair dessa casa o mais rápido possível,
não posso continuar aqui nessa trama de mentiras em que me envolvi, não posso permitir que
meus pensamentos e meus sentimentos sejam tomados por alguém que faz esse tipo de coisa.
Desço as escadas meia hora depois enquanto digito uma mensagem para Giovana avisando
que irei para a sua casa, aviso Maria que não tenho hora para voltar e saio praticamente
correndo como se precisasse fugir.
Estou quase no portão quando ouço o barulho do seu carro estacionando.
— Luana — ele me chama, mas não olho para trás, continuo andando em direção à saída.
— Luana, espera!
— Nem perca o seu tempo. — Ergo minha mão impedindo que ele se manifeste. — Eu não
quero ouvir a sua voz, de preferência nunca mais.
Para variar, Pete ignora o que digo e me alcança, sem dizer mais uma só palavra ele
caminha ao meu lado como se fôssemos bons amigos.
— Será que dá pra você me deixar em paz? Ou infernizar a minha permanência aqui é o seu
objetivo de vida? — grito olhando para ele, com minha voz carregada de raiva e mágoa.
— Me deixa falar, por favor. — Ele junta as duas mãos na frente do rosto e sinto vontade
de matá-lo por me fazer passar por uma idiota.
— Como você pôde? Por que você fez isso? — pergunto, mas na verdade não tenho a
menor intenção de deixá-lo falar. — Qual seu prazer em me enganar? É só comigo ou isso é
uma espécie de fetiche doentio que você tem?
Pete abaixa a cabeça admitindo o erro e sinto meu estômago revirar, ele passa as mãos
pelos cabelos que já estão um caos, como se ele estivesse mexendo neles há muito tempo, e
volta a olhar para mim.
— Luana, não é nada disso que você está pensando. Eu não planejei nada, absolutamente
nada, as coisas simplesmente foram acontecendo, tudo entre nós...
— Não existe nós, Pete — interrompo-o. — Não faz isso.
Ele deixa os ombros cair, consciente de que não há nada que possa me dizer que justifique
o que fez.
— Eu juro que não estou brincando com você, mas posso te entender. — Ele olha em volta
como se tentasse encontrar entre as árvores a resposta correta, respira fundo parecendo
cansado demais para continuar e diz em uma voz tão baixa, que quase não ouço: — Só, por
favor, não me odeie.
— Não me peça nada, eu não sou capaz de fazer absolutamente nada agora. — Dou um
passo para trás deixando uma distância maior entre nós. — Eu preciso me afastar de você, não
quero te ver, não quero sorrisos, não quero brincadeiras, nem apelidos, você não é meu amigo,
não é meu irmão, você não é nada e espero que continue assim, eu não quero sentir nada por
você, nem mesmo ódio.
Dou as costas para ele e, nesse momento, sinto que a distância entre a casa e a rua é
grande demais para que eu possa caminhar, sinto-me emocionalmente exausta, ridícula,
envergonhada. Eu quase acreditei nele, eu quase deixei que ele entrasse em meu coração.
Quase...
— Sabe por que eu voltei? — ele grita já a uma certa distância.
— Não. E, sinceramente, não tenho a menor vontade de saber.
Continuo caminhando, um passo na frente do outro enquanto sinto as lágrimas pinicarem
meus olhos, mas não me preocupo em impedi-las, apenas continuo colocando um pé na frente
do outro e rezando para que ele permaneça onde está, cada vez mais longe de mim.

Passo o dia na cama de Giovana, com ela e Manu ao meu lado, sem celulares, sem
questionamentos, sem julgamentos. Apenas nós três, Julia Roberts e Richard Gere na televisão
e um silêncio que significa muito mais do que qualquer palavra que possa ser dita. Ele
representa companheirismo, fidelidade e amor. E eu sou uma garota de sorte por ter isso.
À noite, Pedro e Alex chegam para se juntar a nós. Depois de muita insistência, eles
conseguem nos fazer sair, me sinto péssima por tanta coisa, que não sou capaz de lutar por
minhas vontades. Coloco uma roupa de Giovana e sigo meus amigos para onde quer que
estejam me levando. Alex elogia meu vestido e sou obrigada a baixar o rosto e olhar o que
estou vestindo porque nem ao menos me lembro do que vesti.
— Obrigada — agradeço e ele sorri, um sorriso que ilumina a escuridão do meu coração e
me faz sentir leve. Deito a cabeça em seu ombro e permito que ele acaricie meus cabelos.
— Por quê? — Sua voz grave faz cócegas nos meus ouvidos.
— Por existir.
Alex me abraça e seu aperto forte me faz chorar, um choro baixinho que molha a sua
camisa e me deixa com vontade de pedir desculpas.
— Quer contar o que aconteceu?
Nego com a cabeça porque é difícil admitir o que nem ao menos quero aceitar.
— Tudo bem então, pode chorar, eu estou aqui — ele sussurra em meu ouvido e confirmo
com a cabeça, acreditando em suas palavras. Aqui em seus braços, eu sinto que posso ser forte,
que posso blindar meu coração e não me deixar enganar. Alex me faz acreditar que o universo é
bom porque ele existe, e nesse momento é o que basta.
— Droga, estraguei minha maquiagem! — falo fungando.
Alex passa o polegar embaixo dos meus olhos limpando o rímel que escorre e sorri.
— Espero que isso seja a única coisa que estrague essa noite.
— Eu também.
Pedro nos leva ao restaurante da sua família, é bonito e bem parecido com o Clark’s, o que
me faz lembrar do meu pai. Ele já havia nos contado que pretende se tornar um chef de
cozinha, que tem planos para estudar na França e um dia comandar um renomado restaurante
ou uma franquia da família.
Durante toda a noite, Alex se mostra carinhoso e atencioso, sua mão está sempre
espalmada em minhas costas como se soubesse que eu necessito ser amparada. Ele me ajuda a
escolher o que comer, me indica a sua sobremesa favorita e conversa sobre coisas leves que
nos fazem rir.
Quando o jantar termina, nos despedimos de Giovana e Pedro, que já têm planos para o
fim da noite. Manu pega um táxi direto para a sua casa, Alex se oferece para me levar embora e
eu acabo aceitando, mesmo sabendo que isso é um erro. Estou magoada demais e uma mulher
magoada junto de um cara bacana como ele não pode terminar bem.
Convido Alex para entrar e ele aceita, o levo pela mão para a parte dos fundos. Observo as
luzes do jardim iluminando a passagem, tudo está tão tranquilo que eu poderia jurar que não
há ninguém em casa. O levo para a casa de jogos, o lugar favorito do meu pai, acendo as luzes e
me surpreendo com o quanto isso está bonito, pelo visto eles reformaram esse lugar na minha
ausência. É estranho pensar que a vida do meu pai seguiu, mesmo sem mim, mesmo enquanto
eu estava fazendo birra, e um sentimento assustador de perda me atinge.
— Uau, esse lugar é incrível! — diz Alex enquanto observa a decoração, os jogos, a bancada
que mais se assemelha a de um bar elegante.
— É o que todos dizem. — Sento-me em um banco em volta do bar e apoio as mãos no
rosto enquanto o observo mexer em cada coisa que atrai sua atenção como um garotinho.
— Ele esteve em todos esses lugares? — Alex aponta para a parede lotada de fotos onde
meu pai está em várias fases da sua vida. Confirmo com a cabeça. — Ele deve ser um homem
cheio de histórias.
Minha mente traidora me leva para alguns dos jantares, Pete e meu pai conversando como
dois antigos amigos, a forma leve como eles orbitavam entre si.
— Ele é publicitário, então você pode imaginar o quanto gosta de contar histórias.
Alex entra dentro do balcão e começa a olhar os rótulos das bebidas.
— Fique à vontade, meu pai adora que mexam no seu cantinho. Por ele, a gente morava
aqui no meio das bebidas e dos jogos, ali atrás. — Aponto para a parte de trás do bar. — Os
principais jogos, finais de campeonato, Copa do Mundo, Olimpíadas, qualquer evento esportivo
é um motivo para ele encher isso aqui de gente. Esse é o verdadeiro santuário da testosterona.
— Seu pai deve ser um cara legal — ele diz quando se inclina no balcão, ainda percorrendo
o lugar com os olhos.
— Ele é, quando conseguimos encontrá-lo — admito com a voz triste. — Ele trabalha
demais. Quando eu era criança fiz uma redação falando sobre minha família, descrevi meu pai
como o homem que vejo aos domingos.
Alex ouve atentamente enquanto falo, com ele não tenho problemas em assumir minhas
fraquezas e, por um momento, quase sinto vontade de contar a ele sobre Pete, quem sabe ele
pode me dar um bom conselho.
— Eu sei como isso pode ser difícil. — Ele passa a mão no cabelo afastando uma mecha
rebelde dos olhos.
— Agora é pior, eu só o vejo em datas comemorativas.
— Meu pai também trabalha muito. Quando eu era moleque, ele passava seis meses por
ano na Europa administrando os negócios com meu avô. Mas como somos em três moleques,
minha mãe e minha avó, a casa estava sempre tão cheia, que quase não tínhamos tempo para
nada e, quando eles chegavam, era sempre muito bom. Tenho boas lembranças dessa época —
Alex fala de sua família com naturalidade e, ao contrário de Pete, eu sinto que posso confiar
nele.
— Deve ser bom ter uma família grande, irmãos pra brigar, disputar as coisas, gritaria,
cumplicidade... Essas coisas de irmãos.
— É bom, mas, às vezes, sinto falta de um pouco de privacidade, tem sempre um monte de
marmanjo em cima de mim.
— Mesmo assim é mil vezes melhor do que ser sozinha.
— Meu avô não tá muito bem e isso fez com que meus pais nos obrigassem a ficar mais
tempo juntos, como se estivessem tentando recuperar o tempo perdido, é bom, mas, às vezes,
é barulhento demais.
— Sinto muito pelo seu avô.
— Ele é forte, vai se recuperar logo.
Discutimos os prós e os contras de ser filho único enquanto Alex escolhe um CD da coleção
do meu pai. Depois de decidir por Elton John, ele se serve de uma dose de uísque.
— Estou me sentindo em um pub inglês. — Ele passa os dedos elegantes por cima da longa
bancada de carvalho seguindo as linhas da madeira. — A senhorita vai querer algo? — ele
pergunta forçando um sotaque inglês.
— O que o senhor me sugere? — Debruço-me no balcão aproximando meu rosto do dele e
pergunto de um jeito provocante, que o faz corar.
— Eu sugiro que experimente nosso carro-chefe — ele continua a brincadeira e aperto os
lábios para não rir quando ele troca algumas palavras.
— Ah, é? — Ergo a sobrancelha demonstrando interesse. — E qual seria?
Alex olha ao redor, sem saber ao certo o que dizer, e aponta para as garrafas de forma
aleatória até que se decide por uma de licor de cacau.
— Esse daqui? — Alex segura a garrafa nas mãos como se fosse algo valioso.
— Isso é seu carro-chefe? — Tento não rir, mas é quase impossível.
— Ele vem de uma das mais importantes fazendas de cacau da Inglaterra. Pertencem a
família real.
— Hum... fazenda de cacau? Na Inglaterra? — Bato o indicador no queixo enquanto olho
para Alex, que também está tentando não rir. — Esses são os meus favoritos.
— Posso servi-la? — Ele ergue a garrafa e aceno.
— Vá em frente! Me mostre suas habilidades.
Alex ergue a sobrancelha e o olho desafiando-o, ele tenta fazer graça com a garrafa e ela
quase cai das suas mãos me fazendo soltar um grito agudo.
— Prontinho! — Ele passa o drinque para mim.
— Esse copo é de uísque, sabia, garçom?
— Em nosso pub não temos regras de copos — ele justifica enquanto se serve de uma dose
de uísque para si. — Servimos em qualquer copo, os mais pedidos são os descartáveis, mas no
momento estamos em falta com eles.
— Os descartáveis? — Cuspo o licor quando não consigo evitar o riso.
— Sim, senhorita, eles são mais seguros.
— E por que copos devem ser seguros? — pergunto admirando a forma como a camisa se
ajusta em seus ombros quando ele leva o copo à boca.
— Porque os ingleses detestam serem dispensados — ele baixa o tom, como se não
estivéssemos sozinhos. — E quando isso acontece, eles costumam beber demais e arremessar
copos.
Continuamos a brincadeira, ele inventa histórias sobre corações e copos quebrados e me
divirto como há muito tempo não fazia com um cara. Alex é leve e gentil e sua presença me faz
esquecer de que não estamos em um pub e sim no fundo da casa do meu pai.
— Eu prometo que hoje não haverá nenhum copo quebrado — sussurro antes de roubar o
seu copo e dar uma golada em seu uísque.
— Ótimo, você fará um garçom muito feliz.
— Eu não sou louca de contrariar um inglês.
— Garota inteligente.
Depois de mais duas doses e conversas sobre copos, foras e caras bêbados, ele desliga o CD
e retira o celular do bolso, colocando-o no balcão, depois ele dá a volta ao meu encontro e
estende a mão para mim.
— Que tal dançar um pouco?
— Eu acho que adoraria dançar com o cara mais lindo do bar. — Aceito sua mão e me
deixo ser levada para o meio do salão.
Alex olha em volta e sorri.
— O mais lindo?
Confirmo enquanto observo seus olhos negros me encarando.
— Tem certeza?
— Absoluta.
Alex passa seu braço em minha cintura e me puxa para perto.
— Tem um cara ali na mesa do canto, que parece bem mais bonito.
— De jeito nenhum, ele tem bigode.
— Isso é inadmissível. — Envolvo meus braços em seu pescoço me aproximando mais um
pouco e sua voz se torna um sussurro: — Acho que posso aceitar ser o mais bonito.
— Eu tenho certeza de que sim — digo ao olhar para ele, tentando enxergar aquilo que não
consegui todo esse tempo, o cara que pode me fazer feliz.
— Pare de olhar assim pra mim. — Sua voz rouca me faz estremecer e começamos a nos
mover ao som de Arctic Monkeys.
— Assim como? — pergunto sentindo o calor da sua mão espalmada em minhas costas.
— Desse jeito.
— Por quê? — Nossos narizes se tocam e acaricio sua pele vendo seus olhos se fecharem.
— Porque eu estou ficando com uma vontade louca de te beijar.
— Então me beije — peço e meu coração dispara quando paramos de dançar.
Alex passa a mão em meu rosto, acaricia meus lábios com o polegar enquanto seus olhos
pesados me encaram. Sinto minha respiração falhar e tento não pensar no que estou fazendo,
apenas deixo que ele cole seus lábios nos meus e fecho os olhos sentindo o calor da sua
respiração na minha e, então, ele me beija. Um beijo quente, lento, carinhoso e romântico,
exatamente o beijo que eu sabia que ele me daria, um beijo de cavalheiro, um beijo de Alex.
Quando o beijo acaba, ele encosta a testa na minha e voltamos a nos mover ao som da
música. Sinto-me levada para outro lugar, em um pub inglês, ao som daquela voz grave e
romântica embalando o nosso primeiro beijo.
— Então essa é a sua tática, primeiro me embebedar e depois me beijar?
— Costuma dar certo. — Ele envolve meu cabelo nas mãos segurando-me.
— Tenho certeza de que sim.
Alex me beija mais uma vez, e depois outra e outra; e, então, estamos nos beijando e
dançando como um casal apaixonado. E pelos próximos minutos eu me esqueço de tudo, entro
no personagem que criamos essa noite e me sinto leve como nunca me senti antes.
O que diferencia um homem inteligente e um otário é a forma como ele age diante das
possibilidades.
Eu sou definitivamente um otário.
Nunca fui babaca com as garotas. Embora eu tenha esse jeito de provocar, nunca brinquei
com os sentimentos de ninguém. Odeio caras que fazem isso e sempre fui muito cuidadoso
para não magoar ninguém.
Então por que diabos eu não consigo deixar de dar bola fora com essa garota? O que há de
errado com a gente, que parece que tudo o que eu faço dá merda?
— Tem certeza de que não vai jantar, filho? — minha mãe pergunta na porta da sala de TV.
— Não, mãe, obrigado, tô sem fome.
— Você está se sentindo bem?
Não, eu estou uma merda, envergonhado e puto da vida, é o que desejo responder. Estou a
fim da filha do Ricardo também, caso a senhora queira saber.
— Estou sim, eu comi um lanche agora há pouco — minto e ela acredita.
Passo as horas seguintes sentado na frente da TV assistindo a um seriado antigo, os sons
das palavras se misturam em uma confusão em minha cabeça enquanto repasso nossa
conversa milhões de vezes.
Eu deveria ter contado, mas não vi uma forma de explicar para ela que eu não fiz por mal, a
primeira vez foi sem querer e as outras... bom, eu realmente gostava de provocá-la, mas
naquela época eu não imaginava que aquela garota mimada e desaforada era a mesma que
havia me beijado no elevador. Nem nos meus mais malucos sonhos, eu poderia imaginar. Então
eu só... continuei.
Já passa das duas da manhã quando noto que deixei meu celular no carro e preciso falar
com Daniel. Vou até a garagem para pegá-lo e na volta noto que as luzes da casa de jogos estão
acesas. Vou até ela na intenção de desligar e me pergunto quem poderia ter vindo até aqui,
mas não demoro muito para descobrir.
Encontro Luana com os braços em volta do pescoço de um cara, ele diz algo que a faz rir,
ela joga a cabeça para trás e parece tão leve, tão à vontade nos braços dele. O cara segura seu
cabelo de uma forma íntima e eles param de se mover. Reconheço o garoto que estava com ela
naquele hotel e sinto como se meu coração pudesse parar de bater, porque, no momento
seguinte, ele a beija e é como se eu estivesse sendo esmurrado, bem no meio do meu
estômago e não consigo compreender a reação que sinto.
Obrigo meus pés a me levarem para longe, não tenho o direito de vigiar a vida da garota
como se eu fosse um doente. Ela não me quer perto dela, não sou nada, nunca fui e mesmo
sabendo que assim é melhor, não me sinto nem um pouco bem com isso.
Entro na cozinha e coloco o celular na bancada, não me lembro mais por que o peguei.
Caminho de um lado para o outro tentando acalmar meus nervos, tudo o que eu quero é entrar
naquele salão e dizer a ela que aquilo é um erro, que ela não pode ficar com aquele idiota, que
formamos uma boa dupla e que nunca me senti mais feliz ao lado de uma garota do que nas
noites em que estamos juntos, somos uma família, e eu não tô conseguindo lidar com isso.
— Porra! — Abro a porta decidido a ir até lá e acabar com aquele encontro.
Deus, ela está lá dentro com um cara, sozinha, ele pode muito bem se aproveitar dela...
Esfrego as mãos no rosto e me obrigo a parar. Mas que merda eu penso que estou
fazendo? Ela é maior de idade e dona do seu próprio nariz, eu não sou o cara que tem que
controlar a sua vida, esse é o papel de Ricardo e ele não está nem um pouco a fim de fazer o
tipo conservador. Então arrasto minha bunda até a cozinha, pego uma lata de cerveja e me
sento de frente para a porta pelas próximas duas horas.
Quando a porta se abre, estou com as pernas adormecidas e a bunda doendo de tanto
esperar. Há quatro latas vazias de cerveja na mesa, mas não me recordo ao certo se as bebi ou
se elas surgiram como mágica na minha frente, a cozinha está escura e toda a iluminação vem
de uma luz no corredor, mas é o suficiente para ver o sorriso nos lábios dela.
Porra! Ela está sorrindo. Não está triste, nem ao menos tentando limpar a boca, ou
envergonhada por ter se agarrado com um babaca nos fundos da sua casa, não, ela está feliz, e
isso me destrói.
— Merda! — ela grita e coloca a mão no peito quando acende a luz e nota que não está
sozinha. — Mas que diabos você está fazendo no escuro, como se fosse a porra de um
assassino?
— Eu só estou com dor de cabeça, a luz me incomoda. — Aponto para o teto enquanto
abaixo a cabeça e não estou mentindo, estou com uma puta dor de cabeça, a pior em muito
tempo.
— Ah, desculpa. — Ela vai até o interruptor e desliga nos deixando novamente no escuro.
Luana passa por mim e vai direto até a geladeira, sinto o ar gelado atingir minhas costas e
me concentro na lata vazia à minha frente.
— Era você? Lá na casa de jogos? — pergunto e fecho os olhos me odiando por não
conseguir manter a porra da boca fechada.
— Não é da sua conta. — Ela é arisca.
— Certo. — Obrigo-me a ficar calado, então observo Luana tomar o refrigerante enquanto
come um pedaço de torta, seus olhos estão baixos e ela parece perdida em pensamentos. Com
certeza tem beijos envolvidos nesses pensamentos. — Eu só acho perigoso ficar... — Engulo em
seco tentando me parar, mas não consigo. — Está tarde para ficar sozinha lá fora.
— Eu não estava sozinha, e isso não é da sua conta.
Suas palavras duras permanecem no ar por alguns instantes, baixo a cabeça sentindo a
pulsação do sangue em minhas têmporas.
— Luana...
— Não — ela me interrompe. — Apenas permaneça calado.
Balanço a cabeça incapaz de impedir as palavras de saírem da minha boca, porque elas
esperaram o dia inteiro por esse momento e sinto que se eu não falar poderei morrer.
— Eu preciso que você saiba de uma coisa — começo a falar encarando a lata à minha
frente e aproveitando a escuridão para me encorajar. — Eu não sou bom com palavras, nunca
fui — admito. — Eu simplesmente não sei o que dizer, embora esteja repleto de coisas aqui. —
Aponto para o meu peito sem saber se ela está olhando para mim, porque não sou capaz de
erguer o rosto. — Não consigo fazer com que as palavras saiam.
— Eu lamento pelas pessoas que um dia estarão com você, esse não é o meu caso, vou
embora em pouco tempo, não precisa se preocupar em dizer nada para mim. — Ela joga a lata
no lixo e começa a andar em direção à saída.
— Eu prometi ao Ricardo que seria legal com você. — Continuo ignorando o fato dela não
estar a fim de ouvir o que digo.
— O que meu pai tem a ver com tudo isso? — Ela se vira para mim.
— Tudo.
— Então isso tudo é por causa dele? Todo esse remorso é pelo meu pai? — Sua voz muda
de furiosa para magoada.
— Não — digo rapidamente. — No começo era tudo por causa dele, eu amo o seu pai e
prometi a ele que faria de tudo para que você ficasse bem, mas hoje... — Deixo as palavras
soltas no ar porque não sei ao certo o que dizer, não sei como me sinto de verdade em relação
a ela e nem se tenho o direito de dizer isso em voz alta.
Porra! Eu nem ao menos disse para mim.
— Você está tentando ser a vítima aqui? — ela ironiza.
— Não, só estou sendo o que sempre fui com você, estou sendo sincero. — Ela ri e não me
importo, continuo falando porque preciso que saiba a verdade: — Ele me pediu pra ficar um
pouco mais por aqui, pra te fazer companhia, pra tentar ser seu amigo, eu o fiz acreditar que
seria fácil, mas não é.
— Eu não preciso da sua companhia, eu não quero a sua companhia, eu nem mesmo
queria estar aqui agora nessa droga de cozinha olhando pra você. — Ela balança as mãos no ar
furiosa e me recordo da forma natural como ela sorriu para aquele idiota mais cedo. Quero que
ela sorria assim para mim. — Tudo bem, deixa pra lá. — Ela passa as mãos nos cabelos e depois
cruza os braços. — Eu não ligo se você vai ficar aqui, acho que essa casa é tão sua quanto minha
e não tenho o direito de te impedir de ver o meu pai. Só não tenta ser algo que você não é. Não
tenta ser meu amigo e ficaremos bem.
Ela se vira e vai embora, ouço o som dos sapatos nos degraus e não consigo me mover,
mesmo que dentro de mim haja tanto para falar.
— Eu não te odeio, Pete — ela admite, na escuridão da noite, como se estivéssemos em
algum tipo de confessionário, protegidos pelo silêncio. — Eu juro que tentei, mas fracassei —
ela completa e um sopro de paz acalma meu coração.
Ela não me odeia, e isso já é um começo.
Fecho a porta do quarto e tranco-a como se precisasse me proteger de algo, ou de alguém.
Faço todo o ritual de trocar de roupa, escovar os dentes e usar o banheiro, sinto o álcool em
minha cabeça no momento em que me deito nos travesseiros. Mas isso é tudo o que eu consigo
sentir, isso e o bater do meu coração no peito.
O dia passa por minha cabeça, cada minuto, cada palavra dita, até mesmo Julia e Richard
estão lá nas minhas memórias, Alex e a sala de jogos, o nosso beijo... Uau, aquele beijo foi
incrível, romântico e gentil, exatamente como eu imaginava.
Eu o usei, da forma mais cretina que alguém pode ser usado, eu o usei para me esquecer
de Pete, mas foi como tomar café após comer doce. Ainda era café, ainda tinha o sabor de café,
mas o doce da bebida não existia mais, foi anulado pelos lábios ferozes e pelas palavras
suplicantes de Pete e isso é o que realmente está me matando, o fato de que Pete se tornou o
meu doce e, sendo assim, ele anulou o sabor dos outros beijos.

Acordo cedo no dia seguinte, levanto sem me importar que eu esteja usando um pijama de
coelhinhos, nem ao menos que meus cabelos parecem não ver uma escova há dias, lavo o rosto
e saio de casa sentindo a brisa leve e fresca da manhã em minha pele. Caminho pelo jardim,
aprecio as flores cuidadosamente plantadas, sento-me na borda da fonte e observo os pássaros
cantando. O sol nasce, imponente, iluminando o dia com a promessa de coisas boas, tento
mentalizar algo bom, mas a verdade é que, nesse momento, sequer sei quem sou; ao contrário
de minhas amigas, eu nem ao menos tenho uma opção para a faculdade. É como se algo dentro
de mim estivesse me prendendo à adolescência, impedindo-me de crescer. Com medo do
futuro.
Ouço o movimento de pessoas indo e vindo atrás de mim e não me viro, não me importo,
pode ser Maria, Jonas, o jardineiro ou um duende verde, pode ser Pete, mas tanto faz, continuo
circulando a água da fonte com a ponta dos dedos enquanto tento canalizar a energia desse
amanhecer para dentro de mim.
Quando volto para casa, já passa das oito e todos estão acordados; a mesa farta de coisas
deliciosas aguarda a família de comercial de margarina, que faz minha barriga roncar.
— Bom dia. — Beijo o rosto de Maria antes de me sentar em uma das cadeiras e começar a
comer.
— Caiu da cama, menina? — ela pergunta enquanto enche uma jarra de suco de laranja.
Maria também está usando uma camisola e um roupão e, mesmo que esteja de folga, ainda
assim vem até aqui para preparar o nosso café. Força do hábito, difícil de mudar depois de
tantos anos.
— Não dormi muito bem essa noite — digo de boca cheia.
— Ih, Pete também não dormiu nada essa noite. — Ela coloca a jarra na mesa e estica o
pescoço olhando para a sala de TV. — Eu o ouvi zanzando pelo jardim a noite toda — diz
baixinho como se ele pudesse ouvir.
— Hum... — é tudo o que digo e por dentro me sinto feliz em saber que ele também não
dormiu.
Tomo o café enquanto ouço Maria, ela adora falar e eu tenho apenas que mexer a cabeça
de vez em quando e soltar uns “Hum-hum...” para que saiba que estou ouvindo, mas a verdade
é que a cada cinco minutos olho para a sala de TV à espera de que ele saia de lá, e quando o
vejo, sinto como se cada pedaço de pão que comi houvesse se transformado em pedra, porque
meu estômago dói instantaneamente.
— Bom dia — ele diz quando entra na cozinha, sem olhar para ninguém, sem sorrir, sem a
leveza natural em sua voz. Ele caminha até a geladeira e pega uma garrafa de água mineral,
bebe todo o conteúdo em silêncio, apoiado na pia, olhando o sol brilhante do lado de fora.
Pete parece ter sido atropelado por um caminhão, seus cabelos sempre despenteados
parecem uma confusão e nunca combinaram tão bem com ele quanto agora, ele esfrega a
barba por fazer enquanto parece pensar em algo importante e sem se dar conta de como o sol
ilumina seus olhos, mesmo com toda a tristeza que ele carrega neles hoje.
Tento não acreditar, mas algo dentro de mim, uma parte traidora do meu coração, deseja
que eu seja o motivo da sua péssima noite, assim como ele foi o motivo da minha, mas não
deixo que esses pensamentos se instalem muito fundo em mim. Mesmo assim, não consigo
tirar meus olhos do rapaz que parece alheio a tudo à sua volta enquanto bebe sua água. Ele
está com o mesmo short de abacaxi que me irritou tanto no outro dia, mas hoje até mesmo a
estampa parece apagada, a camiseta velha e curta mostra a ponta de uma tatuagem em seu
bíceps, e há um hematoma grande em seu braço que me faz desejar tocá-lo e saber de onde
surgiu. Balanço minha cabeça e abaixo o olhar sentindo o bolo aumentar em meu estômago
quando Maria começa a falar:
— Menino, você também não dormiu nada essa noite, né?
Pete se vira e olha para mim, sinto seus olhos dourados, como dois sóis particulares,
aquecendo meu rosto e posso jurar que ele está ouvindo meu coração nesse momento.
— Dor de cabeça — ele diz com a voz rouca, triste. — Mas vai passar. — Continua olhando
para mim enquanto responde. — Não há dor que dure para sempre, não é mesmo, Maria?
— Você precisa ver isso, menino — ela diz preocupada.
Pete termina de beber o restante da água e coloca a garrafa no lixo, ouço os seus passos
quando ele sai da cozinha, sem gracinhas, sem provocações, como se houvesse desistido de
mim. Isso dói, muito mais do que eu imaginei que poderia doer e me incomoda. Tanto que,
quando percebo, já estou saindo da cozinha, indo até ele, mesmo que eu não faça a menor
ideia do que irei dizer.
— Pete! — o chamo e ele me olha por cima do ombro. — Pode esperar um pouco? — Ele
para de andar e se vira para mim, ainda com seu olhar triste.
De perto ele parece ainda pior e já não sei mais o que estou fazendo aqui.
— Sim. — Ele ergue os olhos e noto olheiras profundas embaixo deles. Será que elas
estavam aí ontem?
— Eu... é... — limpo a garganta, mas a sensação de pedras em torno dela não desaparece.
Ele inclina a cabeça para o lado e me olha como se tentasse entender o que estou pensando. —
Vamos esquecer o que aconteceu aqui, tudo bem?
— Esquecer? O que eu devo esquecer? — ele pergunta, mas não há provocação em suas
palavras.
— Tudo isso que aconteceu, eu não quero ter que ficar desviando de onde você está cada
vez que nos esbarrarmos — continuo a falar enquanto meus olhos desviam para o roxo em seu
braço. Definitivamente, ele não estava aí.
— Entendo. — Ele balança a cabeça e enfia as mãos nos bolsos do short.
— Então, tá. — Dou um passo para trás e cruzo meus braços sobre o peito, seus olhos
caem em meu pijama e ele abre a boca. Aguardo a provocação, mas ela não vem, ao invés
disso, ele passa uma mão nos cachos rebeldes e se vira, dando as costas para mim.
— A gente se vê, Moranguinho — ele diz com a voz ainda rouca, a cabeça ainda baixa, os
passos lentos, mesmo assim um pedaço de mim se ilumina, aquele traidor, que deveria odiá-lo,
mas que, a cada dia que passa, insiste em nutrir por ele algo que não deveria, algo que sequer
sou capaz de admitir, mas que me faz sorrir.

— Você o quê? — pergunto pela terceira vez porque tenho a sensação de que não ouvi
direito das outras duas vezes. Mas minha mãe repete exatamente a mesma coisa pela terceira
vez:
— Tenho um encontro.
Um encontro? Minha mãe tem um encontro?
Olho para Giovana deitada em sua cama enquanto troca mensagens sujas com Pedro,
alheia ao que está acontecendo comigo.
— Desde quando vocês estão saindo? — pergunto, mas não sei se quero ouvir a resposta.
Não é como se eu não quisesse que minha mãe tivesse um namorado, claro que eu quero, aliás,
eu quero qualquer coisa que a faça feliz, eu apenas não sei por que só agora ela está me
contando.
Minha mãe fala pela próxima meia hora, Gláucio é dentista, trabalha no mesmo consultório
onde é recepcionista; e, enquanto continua falando, eu me recordo de algumas vezes ela ter
comentado sobre o quanto o novo dentista era bonitão. Mas daí até sair com ele tem uma
lacuna onde eu não me encaixo. E isso me entristece um pouco.
— Gi, você me acha egoísta? — pergunto pouco depois de desejar um bom encontro para
a minha mãe com o bonitão, pelo telefone.
— Às vezes, mas acho que todos nós somos um pouco egoístas na adolescência — ela
responde com a naturalidade de quem não tem um peso na consciência.
— Eu já tenho dezoito anos, Gi, não me sinto mais uma adolescente.
— Minha mãe disse que tem um estudo aí alegando que a adolescência pode durar até os
vinte e um anos, usa isso em sua defesa. — Ela se levanta e abre o guarda-roupa escolhendo o
que vai vestir hoje à noite. Acho que falar de egoísmo com Giovana é um pouco ridículo.
— Minha mãe vai a um encontro hoje e em vez de estar feliz eu estou brava — admito em
voz alta e ela se vira para mim.
— Como assim, sua mãe tem um encontro e a gente não está sabendo?
— É isso que eu estou dizendo, ela não me contou nada, me senti traída. — Cruzo os
braços na frente do peito e Giovana vem até mim.
— Será que tudo isso foi um plano dela para se livrar de você?
Viro-me para a minha amiga surpresa com seus pensamentos.
— Minha mãe não quer se livrar de mim.
— Será? — Ela ergue a sobrancelha e meu estômago se agita.
Que maravilha, como se eu precisasse de mais uma coisa para ficar pensando.

O sábado passa voando.


Entre a descoberta do romance de minha mãe e a tarde de fofoca na casa da Giovana, não
percebo quando anoitece. Minha amiga está terminando de se arrumar para se encontrar com
Pedro e estou esperando Jonas vir me buscar. Já passa das sete e estou começando a cogitar
chamar um táxi quando a mãe de Giovana aparece na porta do quarto sorrindo.
— Lu, tem um rapaz lá embaixo, disse que veio te buscar.
Despeço-me de Giovana e desço enquanto digito uma mensagem para o Alex:

LUANA: Tem planos para hoje?

A porta da sala está aberta e uma risada me faz parar no meio do caminho, no exato
momento em que Alex me responde:

ALEX: Não, mas topo qualquer coisa.


Não é o Jonas que me aguarda do lado de fora, e sim Pete, não o mesmo rapaz triste e
cansado que eu vi há algumas horas, mas o debochado provocante que eu senti falta. Ele está
conversando com Márcio algo engraçado, já que o pai de Giovana não para de rir.
— Oi. — Ele ergue a mão acenando como se eu não fosse capaz de vê-lo. Impossível
quando ele está usando uma camiseta que diz: “Economize água, tome banho comigo”.
Preciso me conter para não sorrir.
— O que você está fazendo aqui?
Aquela curvinha na bochecha surge e é o suficiente para que eu sorria de volta. Eu estava
brava com ele na noite passada, mas bastou ele aparecer daquele jeito hoje cedo que meu
coração cedeu e agora... agora ele parece ter voltado a ser o cara de antes.
— Vim te buscar — ele responde ainda sorrindo, embora as olheiras continuem
emoldurando seus olhos amarelos.
— O que houve com o Jonas?
Ele retira as chaves do bolso enquanto se despede de Márcio e dá um tchauzinho para
Cláudia.
— O Jonas pediu para eu vir te buscar, ele teve que ir ao aeroporto buscar teu pai. — Ele
dá um passo para o lado para que eu possa passar, mas continuo no lugar, sentindo meu celular
vibrando na mão enquanto olho para ele sem entender como alguém pode mudar dessa forma.
— Vamos logo! — ele me chama e caminho até ele, despedindo-me dos pais da minha amiga.
O seu humor aparentemente está ótimo e começo a cogitar a possibilidade dele ser
bipolar, é uma boa explicação, a mais sensata para o comportamento insano dele. Será que
existe um “tripolar”? Sim, ele é um tripolar com certeza, Tito e Peterson são seus alter-egos.
Pete caminha lentamente ao meu lado, o hematoma ainda enfeita seu braço e preciso me
controlar para não perguntar o que houve, não é da minha conta. Ele está cantarolando uma
música que eu não conheço enquanto joga as chaves para o alto e as pega no ar.
— Cadê a moto? — pergunto enquanto olho na calçada e tudo o que vejo é um carro
branco, enorme, antigo e que parece ter saído de um filme dos anos 50, parado na frente da
casa da Giovana. Me recordo imediatamente da noite em que o vi saindo da casa do meu pai,
só pode ser ele, com certeza.
Pete olha para mim com um ar divertido em seus olhos.
— O que te fez pensar que eu tenho uma moto?
— Você é um cara chato, que gosta de irritar garotas, tem esse jeitão aí... — Estendo a mão
em sua direção com desdém. — Sei lá, pensei que todo bad boy que se preze tinha uma moto.
Ele para de andar e cruza os braços olhando para mim, um sorriso aponta em seus lábios
enquanto tento não olhar para a sua tatuagem que aparece por baixo da camiseta preta
surrada.
— Então eu sou um bad boy? — Ele ergue uma sobrancelha parecendo se divertir.
— Ah... eu sempre te imaginei em uma moto. — É assim que eu imagino que todos os
caras, que fazem garotas perderem o ar, andam: em motos endiabradas, alta velocidade,
exalando perigo e sensualidade, todos os adjetivos de um bom bad boy.
— Bad boy? — ele faz a pergunta, mas soa mais como uma afirmação. — Bad boys não são
aqueles caras bonitões que as meninas adoram? — Um sorriso torto surge em seus lábios se
espalhando e iluminando seu rosto. Pete encosta no carro cruzando as pernas ao me fazer a
pergunta ansioso pela minha resposta.
— Sei lá... — Eu sei, mas não darei a ele esse prazer de admitir.
— Então você me acha bonitão, Moranguinho... — Ele balança a cabeça sabendo
exatamente o quanto está mexendo comigo.
— Esquece o que falei. — Sinto a vergonha me dominar enquanto ele molha os lábios com
aquele sorriso vitorioso estampado neles.
— Lamento decepcionar, mas sem moto.
— Por que, tem medo? — Olho mais uma vez para o machucado em seu braço e ele segue
meu olhar pouco antes de escondê-lo com a mão.
— Não, eu até gosto de motos, apenas não sou um bad boy, sou bonitão, mas não gosto de
irritar garotas, apenas você. — Ele se afasta dando a volta no carro e abrindo a porta do
motorista. — E você deveria parar de assistir esses filmes de criança. Tá fantasiando demais.
— Não são filmes de criança! — respondo e me odeio por cair em suas brincadeiras com
tanta facilidade.
— Mas se quiser eu posso encontrar uma moto para você, basta pedir. — Ele pisca e entra
no carro. — E entra logo, Moranguinho, não tenho a noite toda.
— Desculpa, mas eu não vou entrar nisso aí, ainda não renovei a minha antitetânica —
digo, mas a verdade é que sinto meu sangue borbulhar nas veias com a hipótese de estar
dentro do carro com ele, com seu cheiro impregnado em todo lugar, me confundindo e me
atordoando, a última vez que ficamos juntos em um espaço fechado eu perdi o controle, tudo
bem que naquela época eu não sabia quem ele era, mesmo assim é muito arriscado e não sei se
sou capaz.
Pete se inclina para que possa olhar para mim e sinto meu peito doer com a expressão
ofendida em seu rosto, não sou uma vaca, não de verdade, mas não posso entrar nesse carro,
não é seguro, nem para mim e nem para ele.
A princípio, ele me olha como se não fosse capaz de acreditar no que eu disse, com a
cabeça inclinada para o lado e suas sobrancelhas baixas em uma expressão tensa, mas é tão
rápido que tenho a sensação de que vi coisa porque logo em seguida seu sorriso provocante
volta para os seus lábios.
— Tudo bem, então tchau.
Ele liga o carro e um barulho ensurdecedor sai daquele monstro branco quando ele acelera
o motor, e então simplesmente começa a sair. Eu deveria deixá-lo ir, deveria diminuir essa
conexão que sinto, não é bom para ninguém que a gente fique se provocando dessa forma, mas
não consigo evitar, ele mexe comigo como ninguém jamais mexeu e me arrependo de ter
dispensado-o.
— Pete! Espera! — grito enquanto corro até ele. — Ok, eu aceito a sua carona. — Abro a
porta do passageiro sentindo meu coração batendo forte em meu peito e finjo ser por causa da
corrida.
— Peça desculpas — ele diz quando fecha a porta impedindo-me de entrar.
— O quê? — pergunto incrédula.
— Peça desculpas — ele repete firme.
— Eu não vou te pedir desculpas, não fiz nada. Foi só uma brincadeira — justifico sentindo
a raiva borbulhar dentro de mim.
— Pra mim não — ele explica e dá uma batidinha carinhosa no painel. — Para ele — Pete
completa e não acredito no que acaba de dizer.
— Você está ficando louco?
Ele me olha enquanto alisa o banco de couro gasto.
— Ninguém fala mal do meu amigão, se você não se desculpar, não entra nele — ele
justifica e sinto vontade de jogar uma pedra em seu carro, ou talvez nele mesmo, quem sabe
em mim seria mais correto.
— Vai se danar, você e sua lata velha!
Saio batendo o pé, com vontade de bater nele, naquela lata velha enferrujada e barulhenta
e em mim por ser tão idiota. Caminho alguns metros até uma buzina ridícula chamar a minha
atenção, ignoro-o e continuo andando e, desta vez, além da buzina, ele grita:
— Moranguinho!
Ignoro-o, mas é claro que isso não o impede de continuar:
— Moranguinho!
Paro e olho para ele, estou tão furiosa que tenho a sensação de que posso matá-lo com
meu olhar, mas ele não liga e continua:
— O ponto de ônibus fica para o outro lado.
Ergo o dedo do meio e continuo andando, eu nem ao menos sei onde fica o ponto de
ônibus e muito menos qual transporte pegar para ir à casa do meu pai. Eu preciso de um táxi,
então começo a pedir um no aplicativo do celular quando noto que ele continua parado me
observando.
— O que você quer? — pergunto furiosa.
— No final do segundo quarteirão — ele explica mesmo sem que eu pergunte.
— Você é doente, Peterson.
— Eu já sei disso, mas o que posso fazer se Deus me fez assim?
— E antes que eu me esqueça, vai pro inferno!
Ele ri, na verdade gargalha, jogando a cabeça no encosto e fechando os olhos.
— Ah, Moranguinho, você me diverte. Gosto de conversar com você.
— E você me enoja!
Ainda encostado no banco, seu sorriso se desmancha de seus lábios enquanto me olha
daquele jeito que eu odeio (e amo).
— Mas não foi sempre assim. — Seu tom de voz ganha uma nota de seriedade que me
assusta. — Ainda me lembro bem de uma época em que você não sentia nojo de mim.
Afasto-me rapidamente como se a porta do carro estivesse em chamas, dou um passo para
trás cambaleando como se tivesse levado um murro bem no meio da minha cara, continuo a
caminhar porque eu não tenho mais como responder. É a primeira vez que ele cita tão
claramente o nosso beijo e isso me desestabiliza.
Oh, Deus! Por favor... Onde fica mesmo a casa da Giovana?
Hoje completo o primeiro mês na casa do meu pai e as coisas continuam estranhas, mas o
pior é que o estranho está começando a fazer parte do meu dia a dia e temo que ele nunca
mais deixe de ser estranho. Pior! Um dia eu vir a gostar do estranho.
Falo com Alex todos os dias e até conseguimos nos ver uma vez na quarta passada, ele me
levou para comer em um restaurante legal e nos beijamos algumas vezes. Ainda estou em
busca do doce em seus beijos e, mesmo que eu tente, toda vez que meus lábios tocam os seus
sinto que estou cometendo um erro.
Minha mãe está feliz, e estou me adaptando a uma mãe que tem um namorado, encontros
e uma vida mais agitada que a minha, estou feliz por ela agora e já estou a par de tudo o que
aconteceu. Meu pai continua o mesmo, trabalhando demais e Diana... bom, ela continua me
surpreendendo.
O clima natalino já inundou a cidade, as ruas e a casa do meu pai. Todos os anos, a
gigantesca árvore de Natal é armada na sala branca quebrando o clima glacial com suas luzes e
cores vivas contrastando com a inércia dos móveis em estilo moderno. Eu sempre amei montar
a árvore, me lembro de bons momentos em família e, embora dessa vez Diana esteja conosco,
eu ainda me sinto feliz por participar desse momento.
Viu só, estranho...
Pete está misteriosamente desaparecido, a última vez que o vi foi no domingo, quando ele
levou seus amigos para assistir a final do campeonato em casa com meu pai e comemorou o
título que seu time ganhou até as duas da manhã na sala de jogos, ouvi suas gargalhadas altas e
evitei passar perto da casa com medo de encontrar ele com alguma garota. Sabe como é, né? O
que os olhos não veem... Depois disso nunca mais ouvi falar dele, cheguei a imaginar que
poderia ter morrido de coma alcoólico, mas acho que Diana teria percebido algo assim.
É terrível admitir, mas o jantar não é o mesmo sem ele, o silêncio é quase enlouquecedor,
os talheres reverberam nas paredes da sala de jantar, tento ser um pouco mais simpática que o
habitual, mas estou muito enferrujada com essa coisa de agradar e minha relação com Diana
ainda é muito superficial.
Passo os dias seguintes atarefada com as coisas da escola, sou do comitê de formatura e na
última semana passei praticamente os dias inteiros em reuniões, os tempos que tenho livre vou
visitar minha mãe e as minhas noites são praticamente todas do blog, que anda meio
abandonado, e de Alex, que viajou a trabalho com seu pai. E assim, na correria do dia a dia, não
me dou conta de que o fim de semana chega e com ele o nosso temido passeio.
Acordo cedo, antes das seis e meia, há um burburinho anormal na casa, que me faz
lembrar os velhos tempos quando íamos praticamente todos os fins de semana para a chácara.
Por um momento me sinto triste, mas afasto esse pensamento reforçando a ideia de que minha
mãe está muito feliz com o dentista gato.
Mando uma mensagem para Giovana e Manuela e desço as escadas cantarolando uma
música que acabo de ouvir no rádio quando sinto o ar desaparecer ao meu redor.
Pete, o desaparecido, está sentado em uma cadeira, comendo uma maçã e conversando
com Maria, que está terminando de passar o café e arrumar a mesa.
Tento parecer indiferente, eu deveria estar uma fera com ele, por ter me largado na rua
aquele dia, mas não estou, a verdade é que eu senti tanto a sua falta que não sou capaz de
impedir um sorriso de escapar dos meus lábios.
— Bom dia, Maria! — Dou um beijo em seu rosto enquanto jogo minha mochila no chão e
me sento à mesa para tomar café. — Bom dia, Peterson.
— Bom dia, Luana.
Tomo meu café prestando atenção na conversa, ele está contando algo sobre o último
domingo e Maria ri de cada maldita palavra que sai da sua boca. Cada vez que ele olha para
mim desvio o olhar porque não quero participar.
Termino o café e saio para a garagem, onde papai e Diana estão arrumando as coisas. Há
caixas térmicas e malas dentro do porta-malas e me acomodo no banco à espera de Giovana e
Manuela. Três horas depois, estamos na frente da Fazenda das Flores, o reduto oficial da
família Calzzavari.
Manuela, Giovana e eu fomos o trio mais popular que o colégio conheceu durante anos,
mas desde o ano passado, quando os pais de Manu se mudaram para outra cidade e ela passou
a frequentar aulas extras durante a tarde, o nosso trio se desfez. Agora a minha amiga CDF, que
tinha passado os últimos doze meses enfiada em livros, está se despedindo de nós. No ano que
vem Manu vai para Harvard, e agora é a mais nova aluna de uma das mais importantes
universidades do mundo e eu tenho o maior orgulho de saber que fomos amigas durante uma
vida inteira. Essa viagem é uma espécie de despedida, passaremos o fim de semana grudadas,
tomando sol e comendo chocolate, chorando e relembrando nossos momentos juntas. Será
horrível e maravilhoso ao mesmo tempo.
Giovana passou no Mackenzie, vai fazer Odontologia. E eu sou a única que decidiu não
fazer faculdade no próximo ano, para desespero da minha mãe. Eu quero viajar, talvez
conhecer a Europa durante um semestre ou sei lá, minha mãe não gostou da ideia, papai ainda
está pensando e, seja lá qual for a decisão deles, uma coisa é certa: nada de faculdade para
mim no ano que vem.
A fazenda parece estar exatamente igual a última vez que estive aqui, meu quarto ainda é
o mesmo e isso me faz simpatizar um pouco mais com Diana. É a primeira vez que vejo meu
passado de uma maneira positiva, sem tristezas nem revolta, apenas lembranças boas que
arrancam um sorriso dos meus lábios.
— Eu não acredito que eu usava o cabelo assim. — Manuela olha horrorizada uma foto em
que nós três estamos sentadas em uma árvore. — E ninguém teve coragem de me dizer que eu
estava ridícula.
— Manu, se você olhar bem, nenhuma de nós está muito melhor. — Giovana aponta para
cada uma das fotos colocando defeito nas roupas e na nossa cara de criança.
— Agora entendi por que a Luana era tão apaixonada pelo Felipinho. — Ela olha para uma
foto de uma excursão da escola onde ele está ao meu lado na oitava série. — Ele era o único
que prestava naquela turma.
Passamos um tempo olhando fotos antigas e relembrando momentos especiais. Quando
decidimos que ainda é cedo para começar a chorar, colocamos nossos biquínis e vamos para a
piscina. Nos acomodamos em esteiras flutuantes e acabamos adormecendo ali, emplastadas de
protetor solar, com os fones no ouvido nos impedindo de ouvir o que acontece ao nosso redor,
apenas o leve movimento da esteira sendo levada de um lado para o outro da piscina e o vento
refrescante que sopra de tempos em tempos nos acalentando e embalando nosso sono.
E é no intervalo entre uma música e outra que o barulho ensurdecedor de um carro me faz
despertar. No impulso me esqueço onde estou e me levanto bruscamente caindo dentro da
água gelada junto com o meu iPhone novinho.
Emergi a tempo de ver Pete fazendo sua entrada triunfal com seu ferro velho barulhento, a
essa altura Giovana e Manu também se assustaram com os meus gritos e papai e Diana estão
na varanda observando tudo. Me obrigo a nadar até a borda carregando meu celular
encharcado pelos fones.
— Filha, você está bem? — Meu pai me estende a mão enquanto tenta não sorrir.
— Eu estraguei meu celular, pai. — Balanço o aparelho inútil na sua frente respingando
água por todo lado.
— Foi um acidente, querida.
— Aquilo é um acidente. — Aponto para o ferro velho barulhento que me assustou. — Isso
é uma tragédia, é o último modelo, pai, nem ao menos chegou aqui ainda — choramingo e meu
pai passa a mão em minha cabeça, como se eu fosse uma garotinha de cinco anos que acabou
de quebrar a perna de uma boneca. É um iPhone, poxa!
Decido que é melhor entrar e saio sacudindo o celular e gritando internamente todo o meu
ódio:
Imbecil, idiota, que ódio! Aaaahhhh, que ódio! Meu iPhone!

— Giovana me disse que toda vez que você encontra esse cara é assim, isso é sério? —
Manu me pergunta sem nenhum cinismo na voz, ela é tão madura para a sua idade que eu
poderia jurar que já está preparando um sermão.
— Não é o cara, Manu, eu destruí meu iPhone — justifico. — Meu iPhone novinho que
acabei de comprar, ele nem chegou aqui no Brasil, e por causa dele eu afoguei meu celular.
— Eu entendo. — Manu realmente entende, ela entende tudo e todos e eu sinto vontade
de chorar só de pensar que em poucos dias ela não estará mais aqui para me entender. — Eu
sei que você tá chateada pelo celular. — Ela olha para Giovana, que está enviando uma
mensagem para Pedro, e continua: — Mas esse é o nosso fim de semana.
— Isso mesmo — completa Giovana guardando o celular no bolso e roubando um punhado
de M&M’s da minha mão. — E dane-se ele, sua namorada vagabunda e sua risada...
— Namorada? — Viro-me para ela sem me importar com o furto. — Que namorada? Ele
trouxe alguém?
— O que importa se ele trouxe a namorada, uma stripper ou a irmã? — Manuela fala
tentando nos trazer de volta ao ponto.
— Ele não tem irmã — digo. — Quer dizer eu acho que não, então ou é uma stripper ou
uma namorada. — conto nos dedos analisando as opções.
— O que a gente quer dizer é que não podemos dar tanto ibope para esse babaca, temos
coisas mais interessantes pra fazer antes de eu ir embora — Manu completa.
Olho para as minhas amigas e coloco um punhado de M&M’s na boca.
— Vamos nos divertir, eu vou embora em poucos dias e não quero te ver choramingando
por causa de um babaca qualquer. Mesmo que seja um gatinho. — Eu e Giovana olhamos para
ela. — O que foi? Não sou cega, meninas.
— É o filho da Diana — Giovana enfatiza.
— Isso mesmo, ele é o filho da Diana — repito, mas já não sinto mais o desespero que senti
quando descobri quem ele era, na verdade ele ser filho dela já não importa mais.
O barulho de uma goiaba caindo ao nosso lado nos assusta.
— Será que é pecado estar em um pomar comendo chocolate? — Giovana olha para as
árvores como se esperasse um raio sair de algum lugar e nos atingir.
— Esse fim de semana podemos tudo — Manu diz e enfia um punhado de chocolates em
sua boca.
Ela tem razão, esse fim de semana podemos tudo.
Passamos uma tarde deliciosa, ignoro a presença de Pete e sua seja lá o que for o máximo
que consigo, na verdade ele não apareceu do lado de fora da casa o dia todo e agradeço por
isso. As poucas vezes que o vi, ele estava deitado no sofá ou jogando com meu pai; nas vezes
que não o vi ele estava dormindo, ou fazendo sabe-se lá o que com a namorada. Sim, ele levou
uma garota para a nossa viagem em família, uma tal de Bianca, que descobri que não é sua irmã
e nem uma stripper.
No fim do dia, Diana está no fogão mexendo em uma panela enquanto todos se divertem.
— Devem estar famintas, não? — ela pergunta com um sorriso amistoso. Giovana confirma
com aquela cara de criança faminta que só ela tem. — Acabei de terminar, espero que gostem,
é minha especialidade: costela com mandioca.
Começo a salivar no momento em que ela diz que está pronto, estou faminta, irritada e
enciumada, uma péssima combinação para o meu apetite voraz. Para piorar, a tal Bianca se
junta a nós à mesa enquanto Diana sai para chamar papai e seu filho, que estão servindo de
comida de pernilongo lá fora.
— E você quem é mesmo? — Giovana pergunta com o queixo apoiado na mão e os
olhinhos inspecionando a garota.
— Eu sou a Bia. — Ela sorri enquanto enche seu prato de comida. — Bianca.
— Hum, Bia Bianca e você é o que da família? — Giovana continua, mas Manuela pigarreia
e interrompe a conversa:
— É brincadeirinha dela, não liga. — Ela estende a mão e sorri. — Sou a Manu, a
engraçadinha é a Giovana e essa aqui é a Luana.
Dou um tchauzinho para ela antes de pegar a colher e começar a colocar comida em meu
prato.
— Sinto muito pelo seu celular, eu imagino o quanto ficou com raiva, era novo? — ela
pergunta como se estivesse realmente preocupada.
— Sim, acabei de trazer de viagem.
— Poxa vida! E será que não tem conserto?
— Acho que não — respondo sem muito interesse em falar com ela quando me dou conta
de que coloquei comida demais.
Bianca conta sobre um episódio em que o Pete derrubou o celular dele dentro de um vaso
sanitário e enquanto ela dá detalhes do quanto ele estava bêbado, que quase caiu dentro do
vaso, ele entra interrompendo a conversa.
— Não, senhora! Eu não estava bêbado, eu só estava testando, o cara que me vendeu disse
que era resistente a água — ele justifica enquanto puxa uma cadeira ao lado dela e se senta
cruzando os braços espaçosos na mesa e dá a sua versão que eu não estou nem um pouco
interessada em saber.
Comemos enquanto Pete conta uma história atrás da outra, ou ele tem muita imaginação
ou sua vida é bem agitada, Giovana logo se transforma na melhor amiga da tal de Bia e Manu,
sempre muito educada, ouve tudo com bastante interesse. Eu estou nervosa, com ciúmes e
com raiva, ou seja, estou comendo tanto quanto cabe em meu estômago.
— Então você é a garota que vai para Harvard? — Pete pergunta e Manu responde com
aquele orgulho no olhar. — Você deve ser um gênio, garota!
E pronto, o flautista de Hamelin acaba de seduzir mais uma, aliás, mais duas, porque
Giovana parece aqueles cachorrinhos de Kombi balançando a cabecinha e rindo de tudo o que
ele diz.
Quando terminamos de comer, me levanto levando meu prato para a pia quando ele fala:
— Pode deixar, Mor... Luana, a gente cuida da louça.
Viro-me pronta para responder quando percebo que o “a gente” não somos nós dois e sim
ele e a Bia, não consigo esconder a minha decepção ao olhar para ele e, em seguida, para ela.
— Que seja. Tenho mais o que fazer. — Bato o prato na pia como a idiota que sou e saio
permitindo a ele que veja o quanto me machucou.
Deus do céu! Eu realmente fiquei ofendida por ele ter me trocado para lavar a louça? Meu
caso deve ser mais grave do que imaginei.
Vou direto para o terraço, sinto-me irritada, com vontade de ir embora, com raiva da pobre
garota que não tem nada a ver com a história e ainda mais confusa do que no dia em que
cheguei de viagem. Ouço o barulho da louça sendo lavada ao som das gargalhadas exageradas
dele e fecho os olhos tentando não pensar. Lembro dos nossos momentos juntos, da sua
maneira sistemática de organizar tudo, imagino ela ao seu lado, seus corpos próximos, as
gracinhas que ele fará com ela e a raiva só aumenta. Lavar louças é algo que ele só deveria fazer
comigo.
Estou sentada no muro que separa o terraço do jardim, ouvindo o canto dos grilos e
admirando a linda e quente noite estrelada quando ouço passos, abro um sorriso para afastar a
tristeza quando vejo o meu pai sentando-se ao meu lado.
— Sabe que todas as vezes que venho aqui fico imaginando você em cada canto da casa, na
piscina, empoleirada em uma árvore, comendo goiaba...
— Já comi goiaba hoje.
— Eu imaginei que sim. — Ele sorri daquele jeito tranquilo que ele só tem quando está
aqui.
— Eu havia me esquecido do quanto gosto daqui — admito observando a noite estrelada.
— Senti sua falta — ele confessa enquanto me puxa para um abraço.
— Também senti a sua, papai — falo do fundo do meu coração ao deitar a cabeça em seu
ombro como nos velhos tempos.
Ficamos ali por um momento sentindo a energia do campo nos restaurar, matando nossa
saudade, em silêncio e, mais uma vez, percebo que essa viagem nada mais é do que uma
maneira de me mostrar que tudo ainda pode ser igual mesmo sendo totalmente diferente.
— A horta da sua mãe está linda, você viu? — ele fala cheio de orgulho e me surpreendo
por ele ainda se referir a ela como da minha mãe.
— Não, na verdade eu achei que ela nem existia mais.
— Eu aprendi a cuidar dela, não sou o responsável, mas toda vez que venho aqui dou uma
passada lá e mexo em algumas coisas.
— A mamãe vai ficar feliz em saber.
— Eu sei que vai.
Penso em contar a ele que ela está feliz com o Gláucio, que eles formam um casal perfeito,
mas decido que não importa mais. Ele está feliz e espero do fundo do meu coração que a minha
mãe também tenha encontrado o seu amor verdadeiro.
Conversamos sobre a fazenda, ele me conta que comprou mais uma parte e que agora há
uma cachoeira linda que passa por nossas terras, e que vamos visitá-la amanhã.
Ele está mesmo feliz, de bermuda e chinelo, nada de celular, apenas meu pai, meu velho
me falando das novidades, dos bichos, das frutas, das reformas, e eu apenas ouço, feliz da vida
em estar aqui, onde sempre foi seu lugar favorito no mundo.
Diana aparece na porta depois de um tempo, os olhos dele brilham apenas em olhar para
ela, noto que nunca vi ele olhar assim para a minha mãe e me dou conta de que nunca foram
apaixonados, não dessa maneira. Isso não me entristece mais e apenas desejo que Diana faça
por merecer todo o amor que ele tem por ela.
— Estou indo para a cama — ela diz parecendo realmente cansada.
— Tudo bem se eu ficar? — meu pai pergunta.
— Pode ficar, sem problemas.
Ele se levanta e vai até ela beijando seu rosto.
— Boa noite, Luana. — Ela ergue a mão para mim.
— Boa noite, Diana, o jantar estava maravilhoso — digo do fundo do meu coração, e ela
sorri.
— Fico feliz que gostou.
Meu pai volta a se sentar ao meu lado assim que ela sai.
— Você não faz ideia do quanto fico feliz em ver vocês duas convivendo civilizadamente.
— Eu sei, eu estou tentando, mas não espere muito.
— Eu já tenho mais do que imaginei. — Ele beija minha testa. — Você e o Tito já fizeram as
pazes? — ele pergunta enquanto brinca com uma mecha do meu cabelo.
— O Pete é um idiota, pai, não adianta discutir — respondo e ele solta uma risada sincera e
cheia de carinho de quem conhece bem.
— Ele é um bom menino, meio maluquinho às vezes.
Afasto-me para olhar em seus olhos.
— O senhor gosta muito dele né?
— Gosto, e sonhava com vocês dois interagindo.
— Sonho realizado — digo e ele move a cabeça satisfeito.
— O senhor não vai se deitar também?
— Eu estou esperando o lavador de pratos terminar, temos uma partida de dominó pra
jogar ainda hoje.
Pouco tempo depois, Giovana e Manuela se juntam a nós, em seguida Pete se aproxima,
com o braço apoiado no ombro da garota e aquele sorriso bonito nos lábios enquanto provoca
o meu pai.
— Tá fugindo da surra, Ricardo?
— Surra? Que nada, moleque, eu estou cansado de esperar! E aí, vamos ou não vamos?
Ele olha para a garota de um jeito doce e fala algo antes dela entrar. Odeio a forma como
percebo tudo sobre eles, o carinho, a gentileza, o cuidado. Não tem absolutamente nada a ver
com a forma como ele olha para mim e, por mais que eu odeie admitir, isso me incomoda.
— E aí, vai perder quanto hoje? — Pete esfrega as mãos provocando. — Eu tô ferrado,
hein, vim aqui pra ganhar! Tô precisando de grana...
Meu pai se levanta animadamente.
— Boa noite, meninas, vou ali ensinar esse garoto como se joga. — Pete se aproxima do
meu pai e passa o braço em volta dos seus ombros sustentando aquele sorriso largo nos lábios
enquanto eles se afastam.
— Boa noite. — Pete ergue a mão livre para nós e Giovana e Manuela acenam de volta.
— Boas amigas vocês duas, hein? — Olho de uma para a outra de cara feia quando eles se
vão.
— Luana, admita, você está caidinha por ele — Manuela fala empurrando meu ombro.
— Claro que não, você enlouqueceu? Ele é o filho da Diana, esqueceu?
Giovana olha para Manu e afirma:
— Ela tá louca por ele, desde quando pensava que ele falava inglês, Manu.
— Cale a boca! Não tô nada, e além do mais ele tem namorada.
— Agora está explicado... — Manu continua.
— O que está explicado?
— A carinha que você faz quando olha pra ele. Tudo bem que o cara é uma graça,
realmente um gato, mas agora entendo o clima entre vocês. Você está realmente caidinha por
ele.
— Que clima? Não tem clima nenhum! — defendo-me.
— Amiga, até um cego é capaz de ver a forma como vocês se olham — Manu insiste.
— É quase palpável — Giovana entra na brincadeira. Porque, com certeza, só pode ser uma
brincadeira.
— Vamos parar com isso, não tenho interesse nenhum em estragar tudo com o Alex por
causa de um carinha que sai com um monte de mulher.
Manuela e Giovana me olham sem acreditar nas minhas palavras, desisto de argumentar e
entro decidida a dormir, já que o dia seguinte começará bem cedo.
— Eu não estou caidinha por ele... Eu não estou caidinha por ele. Ele é um idiota! — digo
para mim enquanto tomo um banho e troco de roupa. Continuo repetindo enquanto repasso a
forma como o seu braço encostava em Bianca na mesa, e como doeu vê-lo olhando para ela
daquele jeito doce. — Eu não estou caidinha por ele! — continuo repetindo enquanto me viro
de um lado para o outro sentindo o travesseiro irritar meu nariz.
— Lu, dá um jeito nesse nariz, assim ninguém consegue dormir — Giovana resmunga do
outro lado do quarto seguida pelos gemidos de Manuela.
Levanto-me atrás da minha bolsinha de medicamentos, quando noto que deixei em casa.
Vou até a cozinha na esperança de encontrar algo por lá. Pete está na sala, sentado sozinho
com uma lata de cerveja na mão e os olhos grudados na TV. Assim que me vê, ele se vira para
mim.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Ah, não...
Ele está sem camisa, apenas com um short surrado e aquela cara de cafajeste preocupado
emoldurada por seus cachos bagunçados, tento não olhar para o seu peito nu, mas há um
magnetismo que me atrai para aquela parte de seu corpo. Um magnetismo chamado tatuagem.
Oh, Deus por que sou tão fraca?
— Eu... Eu preciso de um remédio.
Vou para a cozinha tentando não pensar demais naquele peito nu e na tatuagem do lado
esquerdo que não consegui desvendar por causa da falta de luz e agradeço aos céus por ter
trazido um pijaminha mais comportado. Precisamos aprender com nossos erros, não é?
Começo a vasculhar as coisas atrás da caixa de remédios, subo em uma cadeira e remexo
em tudo morrendo de medo de encontrar uma aranha, quando percebo que Pete está parado
na porta da cozinha bebendo a cerveja e me observando.
— Volta pra sala, Peterson, não tô boa pra gracinha hoje — digo quando noto que ele
ainda está sem camisa e sorrindo.
— Mas eu ainda não falei nada.
— Mas eu sei que vai falar. — Continuo remexendo no armário tentando não o imaginar
seminu, olhando para o meu traseiro.
— Eu só queria saber por que você não trouxe a calcinha de moranguinho, eu gostava dela.
Jogo um copo de plástico e acerto a sua cabeça, ele cai na gargalhada.
— Droga... Ai! — Uma travessa cai em minha mão e tenho a sensação de estar mexendo
em um lugar infestado de aranha, começo a estremecer e desço da cadeira desistindo da
procura.
— Sai daí que eu procuro — ele diz já me estendendo a mão para me ajudar a descer.
Penso em dizer não, mas o medo é maior que o orgulho e aceito sua oferta.
— O que você está procurando? — ele pergunta enquanto toma meu lugar e quase
desfaleço quando avisto mais uma tatuagem enorme, três mandalas em suas costas nuas, o
negro da tatuagem contrastando com sua pele dourada é lindo e desconcertante.
Jesus amado! O Senhor não está facilitando a minha vida mesmo, não é?
— Luana? — ele pergunta quando não respondo, graças a visão daquelas costas.
— Hã...? — Esforço-me para não imaginar onde mais ele deve ter tatuagens e para lembrar
a pergunta. — Eu preciso de um antialérgico ou sei lá, algo que me faça parar de espirrar.
Preciso também de uma dose extra de juízo, mais do que de qualquer outra coisa no
mundo.
— Acho que a Bia deve ter alguma coisa, vou lá pegar — ele diz e acabo de descobrir algo
ainda melhor para arritmia.
— Não! Por favor. — Seguro seu braço quando ele passa por mim. — Não precisa acordar a
sua namorada por minha causa.
Ele não nega que a garota é sua namorada e isso faz meu coração murchar no peito.
— Eu não vou acordá-la; e se eu não for, você vai acabar acordando com esse seu espirro
de gatinho.
— Eu não tenho espirro de gatinho.
— Tem sim. — Ele me dá seu sorriso torto e se afasta. — Já volto.
Sigo seus passos com os olhos, admiro seu bumbum bonito e imagino o que Giovana vai
dizer quando vir as tatuagens. Ela é louca por homens tatuados.
Pete entra no quarto e vejo quando ele se abaixa e mexe na bolsa dela, não gosto de ver as
mãos dele perto de nada dela e isso faz com que eu me dê conta do quanto ele já deve ter
tocado e se ela sabe que ele beija garotas em elevadores. Será que eles já estavam juntos
naquela época?
— Acho que isso vai ajudar. — Ele volta pouco depois carregando uma bolsa repleta de
remédios. — Eu disse que ela carrega tudo. — Ele me entrega uma caixa de antialérgicos e
agradeço.
Vou até a geladeira e pego uma garrafa de água, tomo o comprimido enquanto Pete
permanece parado me observando.
— Eu sinto muito pelo celular — ele diz baixinho, quase como uma confissão.
— Tudo bem, não foi sua culpa, eu não deveria ter levado ele para a piscina.
Ele concorda e coloco o copo na pia sem saber ao certo o que fazer a seguir, ele continua
na porta, impedindo-me de sair, mas sem dizer nada, apenas me olhando como se precisasse
que eu descobrisse algo.
— Vocês brigaram? — Aponto para a porta ainda aberta do quarto.
— Quem?
— Você e sua namorada. — A palavra sai com dificuldade da minha garganta e me obrigo a
engolir o nó que se forma. O que eu tenho a ver com isso? Por que apenas não volto para o meu
quarto e o deixo em paz?
— Não, por quê?
— Você está dormindo na sala, achei que haviam brigado.
— Eu não estava dormindo, só não consigo ficar deitado, então vim assistir um pouco de
TV.
— Insônia?
Por que eu quero saber?
“Vá embora, Luana, entre em seu quarto e deixe isso pra lá, não vai te fazer bem saber de
tudo”, minha consciência diz, mas meu coração não quer ouvir. Maldito masoquista.
— Um pouco, quando estou assim me mexo muito na cama e a Bia fica brava, então acho
melhor sair.
— Entendi — decido que já chega e corto o assunto antes que o ciúme me mate bem aqui
na sua frente. — Obrigada pelo remédio. — Devolvo a caixa para ele, mas, antes que eu possa
sair da cozinha, ele me chama daquele jeito mole que só ele sabe fazer.
— Eu sinto muito por tudo — ele diz arrependido e faz meu coração derreter.
— Eu já disse que não foi sua culpa.
— Não estou falando sobre o celular. — Ele coça a cabeça e desvio o olhar para não
encarar seu corpo mais uma vez. — Eu só queria... — Ele respira fundo como se fosse difícil
falar. — Eu queria que as coisas fossem mais fáceis para nós.
— Já disse que não existe nós, Pete — me obrigo a dizer, mesmo que meu coração peça
para que eu finja que existe, mas não posso deixar de pensar na garota deitada na cama a
poucos metros de nós.
— Luana... — Meu nome se derrete mais uma vez em seus lábios.
— Por favor... Não fale sobre o que estou pensando que você quer falar.
— Precisamos conversar...
— Eu não quero conversar sobre isso, principalmente com a sua namorada dormindo logo
ali.
Altero um pouco o tom da minha voz e ele abaixa a cabeça permitindo que seus cabelos
escondam seu rosto. No silêncio da madrugada é quase possível ouvir a tensão que emana de
nossos corpos e começo a morder o interior da boca para tentar me manter calma quando as
palavras de Manuela surgem como um letreiro em néon na minha mente: “Você está caidinha
por ele”.
— Tudo bem, Pete, esquece isso, foi só um beijo, já passou. — Tento parecer banal, mas
ele me olha como se minhas palavras o ofendessem.
— É isso que você sente?
— Não importa, não mais. Por favor, não precisamos disso.
— Eu preciso que você acredite em mim. — Sua voz sai como uma súplica. — Eu me sinto
mal sabendo que você acha que eu seria capaz de te enganar.
— Tudo bem, eu acredito, eu acredito que foi um mal-entendido e que...
— Não, peraí. — Ele estende a mão na minha frente, tão sério, que eu quase não o
reconheço. — Não foi um mal-entendido, foi apenas uma coincidência, não há nada de mau no
que aconteceu, não quero que você pense que eu me arrependi, porque, acredite, eu não me
arrependi.
— E se você soubesse? Faria diferença? — pergunto a pergunta de um milhão de dólares,
aquela que estava entalada em minha garganta todo esse tempo.
É a segunda vez que falamos sobre o que aconteceu naquele elevador, mas a primeira que
mencionamos tudo, não apenas a coincidência ou provocações e sim tudo o que acarretou a
nossa atitude, seus olhos desviam para algum ponto bem longe e ele respira fundo antes de
responder:
— Não, nada mudaria, ao menos não para mim. — Ele baixa o olhar por um instante antes
de perguntar: — E para você, faria diferença?
Não consigo responder, porque no fundo ele sabe a resposta. Eu jamais o beijaria se
soubesse que ele era o filho da Diana, principalmente naquele momento em que eu a odiava
mais do que tudo na minha vida.
— Boa noite, Peterson, eu realmente preciso ir, obrigada pelo remédio. — Afasto-me
ignorando a dor em meu peito e entro no meu quarto sem olhar para trás.
“Você está caidinha por ele.”
Ah, não... Eu não posso permitir que uma coisa dessas aconteça. Mas a quem eu quero
enganar? Eu já sei a verdade, embora seja difícil até mesmo de sentir.
Estou me apaixonando pelo filho da Diana.
Às sete horas da manhã, a movimentação na casa já é grande, o cheiro de café recém-
coado desperta os que ainda não haviam acordado, e o surpreendente de tudo é que quem
tinha acabado de fazer o café fui eu.
Isso mesmo, euzinha, depois de uma longa e reflexiva noite revirando na cama e ouvindo
Pete trocar de canal a cada cinco segundos, decido que preciso fazer algo, e como aqui não
tenho guarda-roupa para organizar achei que seria uma boa ideia fazer o café.
Então, às sete horas, o café está coado, o leite aquecido e a mesa posta com tudo o que
tem direito, para o espanto de Diana e meu pai. Ela se serve de uma xícara e se senta
observando meu trabalho com um sorriso satisfeito.
— Desculpa se não estiver bom, fui eu quem fiz.
— Café forte — ela diz após sorver um gole. — Está ótimo, obrigada.
Em seguida, Bia, a namorada sorridente, entra esfregando os olhos sonolentos. Ela é legal,
gentil, educada e bastante bonita, para o meu desespero que ainda estou procurando um
defeito para colocar na garota. Diana pergunta por Pete e Bia diz que ele dormiu há pouco,
depois de uma longa noite de dor de cabeça. Noto a preocupação no rosto de Diana enquanto
meu pai diz que o motivo foi a surra que ele levou na noite passada no dominó.
Desvio o olhar para a porta fechada desejando poder ir até lá e vê-lo, mas qual justificativa
eu daria? Sinto um frio na espinha ao pensar em todas as vezes em que ele teve dor de cabeça
no último mês e me recordo do hematoma em seu braço. Será que ele está doente? Será que é
grave? Do jeito que é teimoso, aposto que a última vez que foi ao médico ainda usava fraldas.
Terminamos de tomar o café e vou para o quarto me arrumar. Assim que entro, Giovana e
Manuela me olham como se fossem interrogadoras da CIA.
— Vocês se beijaram ontem? — Giovana pergunta.
— Claro que não, a namorada dele está aqui, esqueceu? — respondo enquanto pego o
biquíni dentro da mala.
— Resposta errada — Manuela diz chamando minha atenção.
— Como? — pergunto sem entender, nervosa, confusa e morrendo de vontade de entrar
naquele quarto e arrastá-lo para o hospital mais próximo daqui.
— A resposta certa seria: “Claro que não. Eu tenho namorado, esqueceu?” — diz Manuela
fazendo com que eu me sinta um pouco constrangida por ser tão óbvia.
— Droga, Manu! — choramingo esfregando o rosto.
— Amiga, você tá ferrada! Tanto homem gostoso no mundo e você foi se apaixonar logo
pelo filho da sua madrasta?
— Não sei como isso aconteceu, acho que eu nem ao menos pensei nisso — admito me
sentindo exausta demais para continuar escondendo isso.
Giovana se senta de um lado e Manuela do outro segurando minha mão. Fecho meus olhos
não querendo chorar, mas sinto as primeiras lágrimas me atingirem. E então deixo-as cair.

Passamos o dia na cachoeira, ela é ainda mais bonita do que meu pai disse. Um verdadeiro
pedaço do paraíso. Papai está feliz por ter a família reunida. Apesar de tudo, Diana está
preocupada com Pete, ouvi ela comentar com meu pai que irá marcar uma consulta para o filho
e me senti aliviada por saber.
Esforço-me ao máximo para passar um dia agradável ao lado das minhas amigas, mas por
nem um minuto sequer deixo de pensar nele, na conversa que tivemos na noite anterior e se
ele está melhor, penso no que eles estão fazendo sozinhos naquela casa enquanto estamos
aqui e me pego desejando que ele ainda esteja com dor de cabeça, tanta que mal consiga abrir
os olhos. É terrível, eu sei, mas o que posso fazer se o ciúme é um bicho danado de ruim?
Quando voltamos, a casa está no mais completo silêncio, o quarto deles está trancado e
desejo fortemente não pensar na imagem deles deitados naquela cama. Para minha salvação,
Diana pergunta sobre eles para a caseira e ela diz que saíram no meio da tarde e ainda não
voltaram.
À noite, Diana prepara novamente o jantar, o cheiro da comida está ainda melhor que a da
noite passada e meus olhos brilham quando vejo uma travessa imensa de lasanha em cima da
mesa.
— Seu pai disse que é seu prato preferido. — Diana sorri ao declarar e me sinto
estranhamente emotiva de repente. Acho que foi o excesso de sol... só pode.
— Ah, é sim, mas não precisava se preocupar, obrigada — digo sem saber como agir diante
disso. Ela sabe que o caminho certo para o meu coração fica ali, bem no meio do meu
estômago.
— Mas quem disse que ela fez pra você? — A voz debochada e cheia de alegria de Pete
invade a cozinha e aperto os lábios para não sorrir quando ele se junta a nós. O velho e chato
Pete está de volta e estou feliz porque significa que ele está bem.
— Eu não disse isso, só agradeci a gentileza — respondo e meu sorriso se espalha.
Sorrio, um sorriso sincero de quem está feliz em vê-lo feliz, me provocando, por não estar
mais com dor, sorrio porque ele fala alto e preenche a cozinha, sorrio porque seus olhos
iluminam a minha noite e sorrio porque meu coração voltou a bater corretamente.
— Não faz isso com a menina, Tito! — Sua mãe o repreende como se ele tivesse cinco anos
de idade e ele começa a rir.
— Ah, mãe, se você deixar ela pensar que fez isso por ela, ela vai se achar. Você não
conhece essa garota, ela é muito convencida.
Dessa vez é o meu pai quem responde com uma alegria que me deixa doente no momento
em que as palavras saem da sua boca.
— Deixa, Diana, isso é coisa de irmãos, ficam sempre enchendo o saco um do outro.
Irmãos?
A palavra me atinge como um soco, meu pai nos vê como irmãos? Isso não está certo, não
podemos ser irmãos nem de mentirinha, ele não é meu irmão, eu estou apaixonada por ele e
meu pai o vê como meu irmão?
— Pai! Nós não somos irmãos — tento não alterar o tom de voz. — Isso aqui nem mesmo é
uma família.
Todos me olham, perplexos com a minha reação, busco o olhar de Pete desejando que ele
concorde comigo, mas tudo o que ele faz é remexer a massa em seu prato sem olhar para mim.
E, mais uma vez, abro minha boca para falar merda.
Envergonhada, levanto e saio sem pensar, não espero para ouvir nada. Assim que as
palavras saem da minha boca, estou arrependida, mas não tenho como voltar atrás, o leite já
havia sido derramado. A verdade é que, durante esses dois dias, me dei conta de que essa é sim
minha família, uma parte dela; estranha, mesmo não sendo toda com laços de sangue, mas com
algo ainda mais forte do que isso: amor. Eu os amo, cada um deles, e mesmo que eu não queira
admitir, Diana não é mais a mulher que eu odiava, eu a admiro e muitas vezes me vejo
desejando a sua coragem em lutar por alguém que ama.
Eu sequer tenho coragem de admitir que gosto do seu filho...
Antes de chegar à varanda, estou chorando. Não quero que meu pai o veja como meu
irmão. Eu o desejo, eu o quero como nunca quis ninguém em minha vida, e passar esse fim de
semana ao seu lado, vendo essa mulher a sua volta o tocando em lugares que eu desejo tocar,
olhando-o da maneira que eu deveria olhar, cuidando dele quando é o que eu desejo fazer, me
deixa ainda mais consciente do que estou sentindo por ele.
Pego a bicicleta e começo a pedalar, sigo o caminho que conheço como a palma da minha
mão. Tento pensar em Alex e em todos os momentos maravilhosos que passamos juntos, mas
meus pensamentos me levam constantemente de volta a Pete e isso me deixa frustrada.
Quando canso de fugir da realidade, sento-me em uma cerca de madeira e penso em como irei
olhar para a cara do meu pai e da Diana depois disso. Estou faminta, envergonhada e
enciumada. Sinto vontade de me jogar dentro do açude velho... Pena que eu sei nadar.
Quando volto, cerca de duas horas depois, a casa está em silêncio novamente, todos se
recolheram, é tarde e no dia seguinte partiremos cedo, saio para colocar minhas ideias no lugar,
mas volto ainda mais confusa e saber que a razão da minha confusão está apoiado na varanda
com as mãos no bolso da calça de moletom e um olhar tão intenso, que, mesmo com a
escuridão da noite, é possível ver o brilho do seu olhar, não ajuda muito.
— Acho que é melhor você entrar, está cheio de insetos horrendos aí fora — ele diz me
provocando.
— Nesse momento, insetos horrendos são os menores dos meus pesadelos. — Apoio a
bicicleta na varanda e olho para a noite estrelada desejando que a Bia apareça e o leve para o
quarto.
— Tudo bem, então ficamos um pouco aqui fora.
Ele se senta no degrau e dá um tapinha ao seu lado para que eu me sente, cantarolando
uma das suas músicas esquisitas e olhando para a lua com aquele palito de dente na boca, um
perfeito caipira. Mas o caipira mais bonito que já vi na vida.
— Você não precisa fazer isso, Pete, sua namorada está te esperando no quarto — digo
mesmo que por dentro queira agarrar sua mão e pedir para que ele não saia do meu lado.
— Você se importa bastante com ela, não é? — Ele arqueia uma sobrancelha parecendo se
divertir.
— Não sou traidora, Pete.
— Fico feliz que não seja, odeio traições — ele diz como se estivesse se defendendo de
algo. — Ela está tomando banho e sabe que vou ficar mais um pouco aqui — completa ainda
olhando para o céu.
— Por que você está fazendo isso? — pergunto enquanto observo o seu perfil tentando
entendê-lo.
— Porque foi tudo minha culpa. — Ele joga o palito fora e começa a picotar uma planta que
está ao seu lado. — Fui eu quem te provocou, fui eu quem fez essa confusão toda, então me
sinto culpado por tudo. Acho que sou um idiota.
— É, você é. Mas isso não faz com que seja culpado.
Ele me olha e desejo que volte a assassinar plantas, porque sou incapaz de raciocinar com
ele assim tão perto.
— Sabe, eu tô começando a achar que eu tenho algum problema. — Baixo o rosto quando
sinto a vergonha aquecer minhas bochechas. — Eu só faço merda, machuco as pessoas que
amo, não penso nos outros, acho que sou uma pessoa horrível...
Pete estende o braço por meu ombro e me puxa para si; e sem que eu possa pensar em
nada, deito minha cabeça em seu ombro.
— Não é não, você apenas é uma garota chatinha — ele brinca, mas logo em seguida seu
tom de voz muda. — Eu adoro você assim, chatinha.
Meu estômago se retorce ao ouvi-lo dizer que me adora, mesmo que seja algo totalmente
inofensivo.
— Ei, você está se esforçando e só o fato de admitir seus erros já é um grande passo — ele
conclui.
— Obrigada.
— Pronto. — Pete se levanta, estica as costas e me estende a mão. — Sem dramas agora?
— Sem dramas. — Sorrio ao receber a sua mão e ser puxada para cima. — Seu chato, eu te
odeio.
Aquela curvinha que eu tanto amo surge.
— Eu também, sua chata. — Ele aperta minha mão com um olhar caloroso. — Então vamos
jantar, estou passando mal de tanta fome.
— Você ainda não jantou? — pergunto surpresa.
— Claro que não, tive que ir atrás de você.
— E por que você fez isso?
— Alguém tinha que se certificar de que você não tentaria o suicídio, tiramos no palitinho e
o escolhido fui eu.
Sorrio sabendo que ele está sendo o Pete provocante de novo.
— Engraçadinho!
Ele me puxa pelo braço entrelaçando nossos dedos e tento fingir que isso é algo normal.
— Tá bom, quer a verdade? — ele pergunta e confirmo com a cabeça, porque é tudo o que
eu quero. Gostaria da verdade sobre ele e essa garota, sobre nós dois e sobre o futuro. — Eu
fiquei preocupado, pronto falei, agora vamos!
Aceito a sua resposta com meu peito inflando de alegria, vamos juntos para a cozinha, a
mesa ainda está posta à nossa espera, sento-me ao seu lado observando-o colocar um pedaço
generoso de lasanha em um prato. Comemos em silêncio; mesmo fria, a lasanha está divina.
Entre uma garfada e outra, nossos olhos se encontram e sorrio apontando para a mancha de
molho que está em seu rosto na tentativa de retirar aquele olhar de cima de mim. Ele repete a
lasanha, mais uma vez, e eu tenho que me controlar para não fazer o mesmo. Se eu continuar
desse jeito, logo estarei com cento e trinta quilos.
Depois que terminamos, levamos toda a louça até a pia, dessa vez eu não reclamo e tenho
a sensação de que isso é o correto, preciso me concentrar para não esquecer que sua
namorada está no quarto ao lado e que ele só está querendo ser legal. Assim que finalizamos a
louça, nos despedimos e vou para o meu quarto, ele volta para a sala e começa a mexer nos
canais como na noite passada.
— Não vai dormir hoje de novo? — pergunto tentando controlar a vontade de me sentar
ao seu lado.
— Daqui a pouco eu vou, preciso ficar aqui um pouco — ele diz e noto a tristeza em sua
voz.
— Você está bem?
Ele me olha por um instante antes de responder:
— Agora estou.
Forço meus pés a me levarem para dentro do quarto, estou brincando com fogo; e o pior,
estou louca para me queimar.

Acordo cedo na manhã seguinte. Assim que abro os olhos, um sorriso bobo surge em meus
lábios quando me recordo da noite anterior, ao menos de como ela terminou. Levanto e tomo
um banho, arrumo minhas coisas e saio direto para a cozinha.
Pete continua na sala, adormecido no sofá, mas dessa vez não está sozinho, Bia está
deitada ao seu lado envolvida por seus braços, a cabeça repousa em cima da tatuagem em seu
peito, os cabelos loiros esparramados sensualmente na pele dele e suas coxas grossas
enroscadas nas longas pernas dele. Informação demais para o meu estômago suportar a essa
hora da manhã.
Não sei quanto tempo fico ali me torturando e imaginando coisas que não deviam passar
pela cabeça de uma boa garota, mas quando percebo estou sendo observada por Diana.
— Bom dia — ela me cumprimenta baixinho e acredito que seja para não acordar o casal.
— Bom dia, Diana.
Ela volta para a cozinha e me forço a segui-la, eu preciso me desculpar e que seja logo.
— Diana... Eu... eu preciso falar com você.
Ela para imediatamente o que está fazendo, como se esperasse por essas palavras por
muito tempo. Ela se vira para mim, com o pano de prato na mão, o cheiro de café coado no ar,
um sorriso gentil, só então consigo ver que ela também tem olhos amarelos, de um castanho
doce e sedutor.
Hoje te entendo, pai. Esses olhos são capazes de engolir uma galáxia inteira.
— Sim. — Ela apoia a mão livre no encosto da cadeira enquanto me aguarda.
— Eu preciso me desculpar com você. — Deixo que as palavras saiam sem pensar muito. —
Desculpe-me por ontem, eu não queria ter sido tão rude, na verdade eu quero me desculpar
por todos esses dias em que eu estou sendo muito mais do que insuportável. Estou tentando,
eu sei que você não precisa, mas eu peço que tenha um pouco de paciência e saiba que eu vou
continuar tentando.
Diana baixa os olhos por um instante e posso notar ela respirando fundo, como se
estivesse conquistando algo que desejou por toda a sua vida. Ou talvez seja apenas minha
imaginação, meu desejo de que ela me perdoe.
— Tudo bem, eu entendo você, Luana, de verdade, eu posso entender sua resistência,
imagino que está sendo difícil. Eu não tenho o que te perdoar, você não me fez nada, mas
obrigada por se esforçar.
Estendo minha mão para ela e noto o tremor em meus dedos, Diana se aproxima e sinto
meu coração disparar quando nossas mãos se tocam, seu aperto leve e delicado sugere que
nossa relação pode sim, ser algo mais que apenas tolerável.
Dois dias antes...

Eu sempre fui péssimo em arrumar mala, mesmo que fosse para passar a vida em algum
lugar eu não conseguiria encher mais do que a metade de uma mochila, mas hoje eu me
superei, coloquei apenas um short e uma camiseta lá dentro e estou olhando para a mochila
como se ela fosse capaz de resolver meus problemas.
— Você sabe que isso tem tudo pra dar errado, né, Tito? — Bia apoia o queixo no meu
ombro enquanto olha para o conteúdo da mochila.
— Se você me ajudar, pode dar certo — digo pela milionésima vez e me sento na cama. —
É por isso que estou pedindo para você, eu não conseguiria fazer isso com mais ninguém.
— Esse é o momento em que eu devo me sentir lisonjeada por estar sendo chantageada
por você? — Bia cruza os braços fingindo estar ofendida, mas sei que ela não está.
Bianca é uma mulher linda, porém é minha amiga. Já tivemos nossa história, na pior fase da
minha vida, quando achei que não daria conta de mais nada, que eu me quebraria ao meio e
que o mundo era uma merda de um lugar injusto. Ela esteve lá, ao meu lado, me apoiando e
ouvindo minhas choradeiras, confundi carência com amor e acabamos na cama. É um período
confuso da minha vida em que tudo o que consigo lembrar é de seus braços me apoiando. Um
dia acordamos e olhamos um para o outro e percebemos que aquilo estava errado e então
acabou. E que Deus me livre do Daniel, seu irmão, descobrir, aquele grandão não pensaria duas
vezes em quebrar meu pescoço. E que se foda se sou o seu melhor amigo.
— Isso não é uma chantagem, é um ato de desespero — justifico.
Ela revira os olhos, mas no fundo sabe que é a única pessoa capaz de me ajudar a fazer
com que o meu relacionamento com Luana não passe de amizade e para isso Bianca está indo
para a fazenda comigo.
— Até quando você pretende mentir pra si mesmo, Tito?
— Eu não estou mentindo, Bianca, apenas preciso que ela ache que estamos namorando.
— Termino de calçar o tênis e olho para ela por baixo dos cabelos. — O que não deixa de ser
uma verdade, já que estamos dormindo juntos.
— Não estamos dormindo juntos, seu cachorro! — Bia joga uma peça de roupa em mim e
resmunga: — Estou apenas usando seu apartamento como uma fuga da minha vida de bosta.
— Viu só, eu te ajudo a afastar aquele idiota do seu namorado e você me ajuda a não cair
em tentação. — Pego a peça no ar, é a parte de cima de seu pijama de seda, não tem como não
sorrir com isso, olho para ela erguendo a peça em minhas mãos. — Isso aqui é a prova do nosso
relacionamento. — Jogo de volta para ela. — Ponha na mala antes que você se esqueça.
— Seu idiota! — Ela me olha com aquela cara de modelo francesa que enlouquece os caras
e eu pisco para ela. — Não acredito que essa pobre garota caiu na tua lábia.
— Admita, você também me acha irresistível — brinco enquanto pego mais uma camiseta
e um short e decido que é o suficiente.
As coisas não estão fáceis para mim desde o dia em que vi Luana beijando aquele cara.
Tentei me afastar e não pensar nela. A única coisa que ainda não tentei foi beijar outra mulher,
e a única pessoa que faria isso por mim é a Bia, não que eu a tenha beijado, ainda não rolou,
mas se um dia eu precisar, eu sei que ela vai deixar.
Quando contei meu plano idiota para a Bia, ela não concordou comigo, e mesmo agora,
enquanto arruma sua própria mala, ela ainda resmunga o quanto estou sendo idiota e como
vou me arrepender depois, mas preciso me distrair daquela boca e daqueles olhos, eu preciso
fazer com que Luana me veja como o seu... ah, porra, é difícil até mesmo de pensar, mas eu
preciso ser apenas o seu meio-irmão, o cara com quem ela pode brincar, provocar, mas nunca
jamais, desejar. Eu fiz uma promessa ao seu pai e vou cumpri-la.
— Vamos logo, Bianca, minha cabeça tá começando a doer e eu não gosto de dirigir assim.
— Passo os dedos na nuca me xingando por não ter ido atrás dos meus remédios.
— De novo, Tito? — Ela passa a mão na lateral da minha cabeça e fecho os meus olhos
apoiando a cabeça em sua barriga. — Sua mãe vai ficar uma fera quando souber.
— Ela não precisa saber. — Coloco as mãos em seus quadris. — E ela está sempre uma fera
comigo de qualquer maneira.
Bianca se inclina e beija meus cabelos de forma carinhosa.
— Essa garota tá mesmo mexendo com você, hein. — Ela massageia um ponto na lateral da
minha cabeça.
— Ela é um inferno de chata e eu não sei como me livrar dela.
— Eu estou curiosa para conhecer essa menina que balançou o coração do meu amigo.
— Eu só preciso que ela acredite que somos namorados. — Ergo a cabeça e olho para ela.
— Tudo bem então. — Bia se abaixa e deixa um beijo estalado em minha boca. — Acho que
tá na hora de começarmos a farsa.
— Acho que estamos atrasados com isso — sussurro me sentindo exausto de mentir para
mim mesmo. Eu sei que não vai dar certo, antes mesmo de começar.
Combinamos de passar a semana inteira juntas já que é a última de Manuela no Brasil. Na
quarta, finalmente os meninos conseguem uma folga e vamos ao parque, fazemos um
piquenique. Pedro leva um violão (e não é que o aspirante a cozinheiro sabe cantar?),
estendemos uma toalha enorme na grama, espalhamos todas as porcarias que compramos no
mercado e nos entupimos de bobagens. Curtimos cada minuto juntos com o máximo de
intensidade e tento de todas as formas possíveis me conectar com Alex. Falho miseravelmente.
A convivência com Diana realmente está um pouco mais leve, ainda não conversamos
muito, mas conseguimos passar do tradicional bom dia e boa noite para alguns diálogos
maiores. Na quinta-feira, na hora do jantar, ela elogia a nova cor dos meus cabelos, agradeço
sentindo minhas bochechas arderem e sem encarar minhas amigas ou o olhar matador de Pete
para mim. Ele está do outro lado da sala, calado, com a boca cheia e os olhos faiscando, como
se estivesse se segurando para não cometer um assassinato. Desde nossa conversa na fazenda,
ele está se esforçando para não me provocar e seu silêncio me incomoda ainda mais do que
suas provocações.
Todos os dias, a rotina continua a mesma; após o jantar levamos tudo para a cozinha e ele
lava a louça, sozinho. Sinto uma vontade imensa de ajudá-lo, é como se eu estivesse deixando-o
de lado para ficar com as minhas amigas, mas preciso me afastar dele antes que seja tarde
demais e me obrigo a lembrar diariamente de Bianca.
Ele tem uma namorada, e eu... bom, eu acho que ainda não posso chamar o meu
relacionamento com Alex de namoro, mas estamos caminhando para isso. Ou assim espero.
Nos últimos dias, eu venho comendo mais do que o normal, e mesmo tendo jantado muito
bem, às duas da manhã estou faminta. Manu está adormecida na minha cama e Giovana e
Pedro estão conversando sacanagem no Skype, decido que é melhor deixar os pervertidos a sós
e desço atrás de algo.
Estou inclinada na geladeira retirando um pouco da sobremesa quando Pete entra na
cozinha, pigarreando exageradamente, levanto bruscamente e bato minha cabeça na porta do
eletrodoméstico provocando um sorriso.
— Como nos velhos tempos — ele brinca, mas sinto que há uma distância estranha entre
nós.
— Oi — cumprimento com a travessa de pudim de iogurte na mão.
— Com fome? — Ele aponta para o doce e ergo os ombros constrangida por ter sido pega
assaltando a geladeira na calada da noite.
— Força do hábito — digo enquanto ofereço um pedaço a ele. — Quer?
— Não, obrigado. — Pete passa por mim em direção a geladeira e pega uma garrafa de
água.
— Você está bem?
— Vou ficar bem. — Ele ergue os ombros e bebe a água como se fosse veneno.
— Algo a ver com a dor de cabeça? — pergunto sinceramente preocupada. Diana havia me
falado que a dor de cabeça se intensificou na segunda e ele foi praticamente amarrado para ser
levado ao hospital.
— Um pouco, mas está tudo bem, não precisa se preocupar.
Concordo com a cabeça sem fazer mais perguntas. Ele se apoia no balcão esticando o braço
e me permitindo ver uma nova mancha roxa imensa.
— Como você conseguiu isso? — Passo a ponta do meu dedo em cima do hematoma e ele
se encolhe como se meu toque o machucasse.
— Nunca irrite uma enfermeira — ele brinca, mas não é difícil imaginá-lo irritando alguém.
Ele dobra o braço afastando-o de meus olhos, passa a mão nos cabelos desgrenhados e a
pousa na nuca claramente constrangido, é a primeira vez que estamos sozinhos desde aquela
noite e não consigo falar nada, mesmo que eu esteja cheia de perguntas para fazer.
— Eu preciso ir, amanhã acordo cedo — ele fala quebrando o contato primeiro.
— Claro... — sussurro sentindo como se o nosso momento houvesse passado.
— Boa noite, Luana.
Luana... ele me chama de Luana e, mesmo parecendo estranho, sinto uma distância entre
nós quando ele me chama assim.
— Boa noite, Peterson.
Sento-me no balcão e observo-o sair enquanto como um pedaço atrás do outro de pudim
de iogurte com frutas vermelhas e juro que mal consigo sentir o sabor da sobremesa tamanho é
o nó que se forma em minha garganta.

Na sexta-feira passamos o dia inteiro preparando as coisas para a partida de Manu e


jantamos na casa da minha mãe. As minhas amigas conhecem seu namorado bonitão e minha
mãe mais parece uma garotinha olhando para ele. É estranho, mas estou feliz por ela.
À noite, Pedro e Alex chegam na casa de meu pai e passamos horas na sala de TV assistindo
filmes de terror, Pete parece uma sombra andando de um lado para o outro sem paradeiro fixo
e eu não consigo me concentrar em nada sabendo que ele está por perto.
Enquanto Giovana e Pedro discutem sobre qual a próxima série que vamos maratonar, vou
até a cozinha abastecer nossa nova rodada de comida e encontro Pete sentado com uma
seringa na mão e o braço estendido na mesa.
— Jesus! — Coloco a mão livre na boca ao ver a imagem do seu braço machucado e aquela
seringa enorme apontada para ele.
— Porra, você me assustou, Luana! — Ele abaixa a seringa rapidamente como se pudesse
me impedir de ver o que estava prestes a fazer.
Tudo bem, não sou uma idiota, sei que algumas pessoas usam drogas e, embora eu não
curta, conheço muita gente que usa ou fuma uma erva de vez em quando, mas, pelo amor de
Deus, na cozinha da casa do meu pai?!
— O que você está fazendo? — pergunto perplexa enquanto meus olhos não conseguem
se afastar de seu braço, que agora está escondido debaixo da mesa junto com a sua seringa.
— Não é nada, não precisa se preocupar.
— Não me preocupar? Pete, você... é por isso que você está com esses hematomas? —
Olho em volta me certificando de que ninguém está nos ouvindo e me aproximo um pouco
mais, com meus olhos fixos em seu braço. — Desde quando você... — aponto para o seu colo
onde provavelmente ele está escondendo a seringa — se... injeta?
— Se injeta? — ele pergunta e quase posso ver um sorriso surgir em seus lábios.
— Não ouse brincar com isso, Pete — repreendo-o, tentando ignorar o tremor em minhas
mãos. — Deus do céu, desde quando você... — não consigo terminar.
— Há muito tempo — ele responde e um rubor cobre seu rosto. — Na verdade, mais do
que eu gostaria. — Pete baixa o olhar para seu braço e sinto que posso vomitar a qualquer
instante.
— Você já pensou em procurar alguma ajuda? — pergunto preocupada. Deus, Pete,
usando drogas? Eu jamais poderia imaginar. Ele arregala os olhos e se inclina para a frente se
aproximando um pouco mais.
— Não é o que você está pensando, eu só... — ele começa a falar, mas somos
interrompidos. — Deixa pra lá. — Ele abana a mão livre no ar quando Alex entra na cozinha. —
Não faz diferença.
— Luana, o que você acha de começar aquela série que você tinha me falado outro dia,
como chama mesmo? — Alex termina de falar e olha para nós dois. — E aí, cara. — Ele ergue a
mão para Pete.
— E aí.
— Já sei o que eu quero ver. Sabe aquele seriado sobre o professor e o carinha que
fabricam drogas? — pergunto enquanto olho para Pete e seu braço cheio de picadas. — Adoro
ver idiotas se dando mal.
— Breaking Bad? — Alex pergunta confuso. — Já assisti esse.
— Não tem problema, a gente vê de novo. — Seguro o braço de Alex puxando-o de volta
para a sala enquanto falo sobre qualquer coisa, tudo para tirá-lo de perto de Pete e sua seringa.
No sábado, à tarde, estou na cozinha preparando algumas bebidas para minhas amigas que
estão dançando à beira da piscina, o dia está lindo e ensolarado e estou me remexendo ao som
da música que toca lá fora quando escorrego no chão molhado.
— Cuidado! — Pete me segura pelo braço puxando-me para si na tentativa de me manter
de pé. — Jesus Cristo! Você poderia se machucar. — Ele aponta para o copo que ainda seguro
firme em minhas mãos, sem me soltar. Sustento seu olhar por um instante, noto que ele ainda
parece cansado e doente, mas as olheiras profundas se foram e isso já é alguma coisa, embora
eu não consiga parar de pensar no que vi ontem à noite.
— Eu te fiz algo? — pergunto quando ele solta meu braço e se afasta de mim. Vejo uma
mancha úmida do meu corpo em sua camiseta, até suas roupas parecem mais tristes, sem
frases sacanas, sem o desgaste bem-humorado, tão característico da sua personalidade. É como
se ele estivesse apagado.
— Não, claro que não. — Ele força um sorriso e é o bastante para que eu saiba que há algo
de estranho entre nós.
— Por que você está me evitando?
— Eu não estou — ele diz enquanto esfrega a parte de trás do pescoço e olha para o chão.
— Claro que está, você nem ao menos me provoca mais.
— Então é isso? — Ele ergue uma sobrancelha ao olhar para mim. — Está com saudades
das minhas provocações?
— Não, eu só acho que não precisamos ficar nesse clima esquisito.
— Eu só estou com uns problemas — ele diz e não posso evitar de pensar nele debruçado
nessa mesa com uma agulha apontada para seu braço. Sinto vontade de perguntar se seus
problemas têm a ver com o vício, mas não tenho coragem. — Você também está com suas
amigas e eu não quero atrapalhar.
— Você respeitando o espaço alheio?
— Eu prometo que vou melhorar — ele completa sorrindo e me dá uma piscadinha imoral
de tão linda.
As meninas gritam lá fora chamando nossa atenção e olhamos para as duas pela janela no
momento em que Giovana decide rebolar até o chão, Pete sorri e balança a cabeça com a cena.
— Volta lá para suas amigas. — Ele retira o copo da minha mão. — Deixa que eu faço os
drinques.
— Você sabe preparar drinques, Peterson? — brinco quando ele segura a garrafa fazendo
uma gracinha.
— Eu sei fazer muitas coisas... Moranguinho. — Ele gira a garrafa no ar me fazendo prender
a respiração e pisca para mim quando a recupera. — Agora vai lá. — Ele aponta para fora com o
queixo e decido que o melhor a fazer é me afastar.
— Cadê nossa bebida? — Giovana pergunta quando chego à piscina, ela inclina a cabeça
para cima enquanto gira o quadril de um lado para o outro.
— Temos um barman exclusivo — brinco antes de me jogar na água fresca. Entre uma
braçada e outra observo Pete na cozinha, ele sorri e balança a cabeça cada vez que olha para
fora, provavelmente encantado com a performance desastrosa das minhas amigas.
Pouco depois, Pete vem até nós carregando três copos cheios de um líquido cor-de-rosa.
— Gatinhas, aqui está a bebida. — Ele se abaixa estendendo os copos para nós e sorrindo
de um jeito glorioso.
— Que delícia! — Manuela geme enquanto sorve mais um gole da bebida.
— O que é? — pergunto enquanto ele me entrega o último copo.
— Caipirinha de morango, minha bebida favorita. — Ele molha os lábios, como se estivesse
saboreando a bebida, e agradeço a Deus por estar dentro da piscina. De repente, me deu um
calor...
— Eu não consigo imaginar você tomando isso — Giovana diz enquanto se senta na beira
da piscina para beber.
— Uma coisa que aprendi com o tempo, gatinha, é que nossos gostos mudam, às vezes
para melhor. — Ele pisca novamente para mim e tenho a sensação de que estarei embriagada
até o fim do dia se ele continuar fazendo isso.
Às sete da noite estamos deitadas em minha cama, meio tontas pela bebida, meio
sonolentas pelo cansaço e totalmente ardidas pelo sol.
— Acho que eu quero ir pelada — Giovana diz ainda de toalha e com os cabelos molhados
espalhados.
— Acho que quero dormir — diz Manuela agarrada em um travesseiro, já com os olhos
fechados.
— Nem pensar! — Levanto da cama e puxo Manu pelo pé. — Hoje é nossa última noite
juntas, vamos sair nem que seja para tomar picolé na barraca da esquina.
— Eu aceito o picolé. — Manuela ergue a mão ainda de olhos fechados.
— Eu aceito outra caipirinha — Giovana diz se levantando e indo até a sua mochila. — Pete
pode abrir um bar. Com aquela carinha linda e sua habilidade em embebedar mulheres, vai
ganhar uma boa grana. — Ela retira o vestido de dentro e franze os olhos para a peça
amassada.
— Eu seria uma das garotas do Pete. — Manuela ergue a mão novamente e jogo um
travesseiro nela.
— Vocês querem parar de falar no Pete e começarem a se arrumar? — Vou para o closet e
começo a remexer nos cabides atrás de algo que me agrade, e me faça esquecer a imagem de
Pete enlouquecendo mulheres em um bar.
Às nove da noite, Pedro está na sala de braços cruzados e uma carranca capaz de assustar
até mesmo os mais perigosos assassinos, tudo porque Giovana decidiu pôr um vestido que mal
cobre o seu traseiro.
— Nem fodendo que eu saio com você assim. — Ele aponta para o vestido de Giovana.
— Então não vamos a lugar algum. — Ela cruza os braços na frente dos seios e eu posso
jurar que eles quase saltam para fora.
— Por mim sem problemas. — Ele se senta no sofá, fazendo com que Giovana revire os
olhos.
— Machista babaca — ela diz.
— Não, senhora, apenas não vou carregar minha namorada por aí usando um pedaço de
fita isolante no corpo, não mesmo. Pode me chamar do que quiser.
O debate sobre roupas, machismo e feminismo e confiança dura mais de meia hora e
termina com Giovana subindo e batendo o pé.
— Se ele não me quer gostosa, então vai ter o que merece — ela diz enquanto retira o
vestido e o joga no canto do quarto. — E estou fazendo isso por você. — Ela aponta para
Manuela, que sorri.
— Eu tenho que agradecer? — Manu provoca e Giovana joga um sutiã na sua direção.
Cinco minutos depois, Giovana desce usando uma calça jeans tão baixa que quase posso
ver a sua calcinha e uma regata rasgada que deixa sua barriga de fora e a renda do sutiã
aparecendo pela lateral.
— Podemos ir. — Ela caminha em direção à porta e Pedro se levanta como se tivesse sido
eletrocutado.
— Se você acha que não vai chamar atenção com essa calça é porque não conhece a
cabeça dos homens — ele a provoca enquanto aponta para a bunda dela e Giovana ergue o
dedo do meio enquanto sai em direção ao carro.
— Se você reclamar da minha roupa, eu juro por Deus que vai perder uma namorada! —
Giovana ameaça e Pedro, como um homem inteligente, não diz mais nada, embora eu tenha
certeza de que, se ele pudesse, pediria para ela colocar o vestido de volta.
— Eu te amo, você sabe disso, não sabe? — ele diz antes de abrir a porta do carro.
— Sem chance, Pedro Busson, hoje você não vai se dar bem — ela diz e entra no carro, no
banco de trás.
— Eu tô louco pra dizer que você está linda — Alex sussurra em meu ouvido.
— Você acabou de dizer. — Empurro-o pelo ombro. — Obrigada, você também está um
gatinho — digo e noto o rosto dele enrubescer.
Pedro e Giovana se provocam durante todo o caminho até o bar, o que acaba sendo uma
boa diversão. O bar está repleto de pessoas e muita comida de boteco, todas aquelas porcarias
que nos fazem morrer de dor na consciência no dia seguinte. Ao fundo, uma banda toca Beatles
trazendo um clima ainda mais agradável ao lugar.
Alex está particularmente alegre essa noite, sua voz grave e meio rouquinha sobressai às
demais e eu adoro ouvi-lo, principalmente quando sussurra algo em meu ouvido por causa da
música alta. Estou tão imersa em seus encantos que não tenho olhos para mais nada nesse bar.
E é nesse momento que deveria ser perfeito, enquanto observo meu namorado sorrir o sorriso
mais perfeito que alguém pode dar, que minha noite se transforma em meu maior pesadelo.
É Giovana quem chama minha atenção com uma discreta cotovelada em minhas costelas,
que me faz engasgar com a rodela de calabresa que acabo de colocar na boca. Ela aponta para a
porta, me perguntando se está mesmo vendo o que acha que está vendo, quando sinto um
calafrio na minha espinha.
Pete está aqui, lindamente malvestido, com uma camiseta preta com a frase “perigo,
milhões de bebês a bordo” e a maldita calça mostarda, os cabelos... Ah, Jesus, chega a ser
injusto alguém ficar tão bonito com os cabelos desarrumados desse jeito.
Ele para e cumprimenta um homem alto e forte com tatuagens e piercings por todos os
lados e Alex ergue a mão acenando para ele. Pete nos vê e, para o meu desespero, ele vem até
nós, com seu sorriso do rei do pedaço nos lábios, uma cerveja em uma mão e a linda, loira e
exuberante Bianca na outra.
Quando ele chega à mesa, Alex faz questão de se levantar para cumprimentá-lo, Pete dá
um tchauzinho de longe que mal consigo retribuir, porque toda a minha atenção está voltada a
presença de Bianca. Começo a mexer em meu suco e espeto algumas batatas colocando-as na
boca sem sentir de fato o sabor.
— Que coincidência você por aqui. — Alex puxa uma cadeira da mesa ao lado para Pete e
uma para Bianca.
— Na verdade, esse bar é de um velho amigo meu. — Ele aponta na direção do cara
tatuado. — Eu é que estou surpreso de ver vocês aqui.
Bianca se senta ao lado dele, ela chama a atenção de todos os homens do bar, inclusive do
meu namorado. Eu não o culpo, ela é linda. Como sempre, Pete e seu jeito espaçoso toma
conta da situação pelo resto da noite, eles conversam sobre música, esporte, política, carros,
mulheres e viagens, eu não abro mais a minha boca, a não ser para comer. Eu posso até tentar
não o notar, mas é como tentar parar de respirar, impossível. Eu observo cada movimento seu,
sua voz mole, sua risada folgada, aquela mão se perdendo nos cabelos da namorada, até o seu
cheiro sou capaz de sentir, como uma maldita psicopata obcecada.
Alex continua alheio a tudo, sua mão na minha, acariciando-me enquanto conversa com
todos, é cruel e injusto com ele e comigo também, mas não consigo evitar. Cada vez que olho
para o casal sentado à minha frente sinto como se eu estivesse no lugar errado e chego ao meu
limite quando presencio um beijo entre Pete e Bianca, é um beijo rápido, só uma bitoquinha,
mas quando seus lábios tocam os dela sinto como se um raio atingisse bem no meio do meu
peito, partindo meu coração em dois.
— Alex, eu quero ir embora — falo baixinho em seu ouvido e recebo um olhar acalorado,
doce e gentil, que termina de destruir o meu coração.
— Está tudo bem? — ele pergunta acariciando meu rosto e tudo o que consigo fazer é
confirmar com a cabeça. — Tem certeza?
— Estou cansada — minto.
— Tudo bem então, vamos embora.
Ah, meu pobre Alex, tão doce e compreensivo, tão perfeito. Por que você não consegue
ocupar o lugar que eu te reservei em meu coração?
Alex parece sentir que algo não está bem e me beija, um beijo apaixonado que me faz
desejar ter uma parada cardíaca. É um beijo territorialista intenso e longo, sua língua me
devasta e sua mão segura meu rosto de uma forma possessiva que não tem nada a ver com ele.
Assim que o beijo termina, abaixo meus olhos à procura de algo para beber, quando vejo
uma lata ser empurrada em minha direção. Não levanto o olhar, eu seria incapaz de olhar para
ele nesse momento, apenas vejo seus dedos longos segurando a lata na minha frente. Pego-a
no meio do caminho e tomo um gole longo sentindo as bolhas de gás encherem meus olhos de
lágrimas.
— Vamos? — Alex se levanta e estende a mão para mim, ergo finalmente o rosto e o olhar
de Pete faz o meu peito doer. É triste e desolado, como se algo tivesse se partido dentro dele
quando me viu sendo beijada por Alex. Exatamente como me sinto.
— Tem certeza de que você está bem? — Alex pergunta já do lado de fora do bar enquanto
aguardamos nosso carro.
— Só estou cansada, tivemos um dia muito longo.
Alex me puxa pela cintura e entrelaça as mãos em minhas costas enquanto beija meus
cabelos.
— Eu também estou cansado, meu pai está querendo testar minha resistência física — ele
começa a contar como foi seu dia na empresa do pai quando ouço meu nome.
— Estão indo para algum lugar especial? — Pete pergunta aproximando-se de mãos dadas
com Bianca.
— Talvez, por quê? Quer participar? — Alex provoca-o e me surpreendo.
— Olha só, uma proposta dessa... — Pete olha para Bianca e passa a mão no rosto como se
estivesse pensando. — Acho que vou passar dessa vez. — Ele coloca a mão no ombro de Alex.
— Mas valeu pela consideração.
Pete sorri. Alex não.
— O que você está fazendo aqui, Peterson? — pergunto irritada.
— O mesmo que vocês, indo embora.
Sinto o corpo de Alex enrijecer e suas mãos apertarem um pouco mais em minha cintura.
Pete entrega o cartão para o outro manobrista e rezo para que ele não comece a agarrar a
namorada na nossa frente. Pouco tempo depois, Pedro, Giovana e Manu chegam para o meu
alívio.
— Estão indo para algum lugar também? — Pete pergunta fazendo gracinha.
— Oi? — Pedro diz sem compreender.
— Não liga para ele, Pedro, é um idiota! — digo e Pete começa a rir.
— Estamos indo para casa — Manuela responde sendo gentil.
— Já que vamos todos para o mesmo lugar, o que vocês acham de irmos no meu carro? —
Pete sugere.
— Acho melhor não, eu prefiro ir com meu namorado — enfatizo o namorado. — E acho
que a sua namorada também prefere assim.
— Por mim tanto faz. — Bianca ergue as mãos e Pete beija sua bochecha.
Deus, eu quero matá-lo!
— Meu carro chegou, mas valeu! — Alex diz no momento em que o manobrista abre a
porta para nós.
Assim que a porta se fecha, eu tenho a sensação de que todos no carro podem ouvir o meu
coração, tamanha a força com que ele bate.
— O que deu nele? — Pedro pergunta apontando para eles.
— Pete é bipolar, uma hora ele está sendo legal; na outra, ele é um completo idiota —
Giovana explica para o namorado.
Passamos o resto do caminho falando sobre Pete e me impressiono em como ele domina
tudo, até mesmo quando não está por perto.
Quando chegamos em casa, agradeço a noite e me despeço de Alex prometendo que nos
veremos amanhã.
— Você tem certeza de que está bem? — Ele se inclina no carro e segura meu rosto
enquanto me observa.
— Tenho, só preciso de uma boa noite de sono e estarei nova em folha.
Alex me beija mais uma vez e a cada beijo seu me sinto mais distante. O beijo termina
quando o barulhento carro de Pete estaciona atrás de nós.
— Acho que preciso ir — ele diz ainda com o rosto próximo do meu. — Boa noite.
— Boa noite — digo e saio do carro no instante em que Pete e Bianca saem, observamos
Alex e Pedro saírem até que o carro vire a esquina.
Assim que eles se vão, subo as escadas em direção à casa do meu pai sem falar com
ninguém, Giovana e Manuela estão ao meu lado em silêncio. Ouço a música irritante sendo
assobiada atrás de mim, sinto meu estômago borbulhar de raiva, de ciúmes e de tanto comer.
Bianca e Pete estão conversando baixinho, ouço uma risada abafada e olho para trás no
momento em que vejo Pete finalmente beijando-a da maneira que eu temi a noite inteira, ele
segura sua cintura com força, seus dedos apertam-na enquanto fecha a porta com o pé, a mão
dela se enrosca em seus cabelos e ele a beija de uma maneira selvagem. Eu sei como é ser
beijada dessa forma, feroz e rude, já fui beijada uma vez e lembrar disso só piora a minha
situação, que já não está lá essas coisas.
Sinto o efeito das batatas e da calabresa em meu estômago imediatamente e saio correndo
para o lavabo.
Droga, eu preciso parar de fazer isso!
Eu não tinha planos para sair de casa, já estava deitado no meu sofá velho, assistindo uma
partida de futebol americano, com uma cerveja na mão e um pedaço de pizza na boca quando
Bianca teve a brilhante ideia de me arrastar até o bar do seu irmão.
Eu deveria sentir, mas como eu poderia imaginar que dentre milhares de opções
disponíveis na cidade, aquele engomadinho escolheu trazê-la justamente para cá?
Bianca tentou dar meia-volta, mas eu não sou homem de fugir e se ela estava ali com o
namorado dela, sorrindo e se divertindo, eu também tinha o mesmo direito, mesmo que a
minha namorada não fosse real.
— Não seja um babaca, Pete — Bianca pede enquanto eu caminho até a mesa.
— Eu não posso prometer, eu sou um babaca na maioria do tempo.
Eu não consegui deixar de ser um babaca, meus olhos caíam sobre ela a cada dez
segundos, a forma como o idiota a pressionava tão perto que eu precisava me segurar para não
o afastar com minhas mãos, o sorriso bonito que ela dava para ele ou para as suas amigas, a
forma como ela comia, como se estivesse tentando se esquivar de algo. Tudo estava indo bem,
até que ele a beijou.
Eu sou um cara relativamente calmo, não entro em brigas, nem sou possessivo, mas no
momento em que a língua daquele idiota entrou em contato com a boca da minha
Moranguinho, eu precisei de tudo que eu possuo em forças para me segurar. Bianca apertou
meu braço como se soubesse que eu estava prestes a arrancá-lo de cima dela.
Daí em diante, eu não me lembro de mais nada, tudo virou um borrão e, em seguida, eu
estava cego de raiva e ciúme e, sem pensar nas consequências, agarrei Bianca e a beijei. Toda a
minha raiva foi colocada naquele beijo, e eu sabia que me arrependeria para o resto da minha
vida.
Então meus olhos se encontram com os dela, vejo as lágrimas se juntarem nos cantos, vejo
seu rosto perder a cor e vejo o momento em que ela corre, como se sua vida precisasse disso.
— Puta que pariu! — A amiga japonesa corre atrás dela e, em seguida, a nerdzinha bacana
faz o mesmo, e então eu percebo que algo sério está acontecendo.
— Você acaba de ganhar o prêmio de idiota do século. — Bianca me empurra e, em
seguida, passa as costas da mão nos lábios secando o beijo que acabei de dar. — Nunca mais
me beije sem que eu saiba, está me ouvindo? — Ela empurra o dedo em meu peito e sinto uma
pontada na região, mas não sei dizer se tem a ver com o que Bianca fez, ou se é por causa da
imagem de Luana nos vendo.
— Eu acho que consegui o que eu queria, estraguei tudo — digo ainda olhando para o
corredor e ouvindo as vozes das meninas lá dentro. — Eu sou um idiota. — Continuo parado,
sentindo o sangue pulsar em minhas veias e o coração bater rápido demais em meu peito. Eu
odeio me sentir assim, tão vulnerável e confuso, eu odeio não ter o controle dos meus
sentimentos e me deixar levar por uma garota mimada. Eu odeio o que sinto por ela.
— Eu acho que a tua garota tá passando mal — Bianca diz enquanto sobe a escada. — Vai
ficar aí parado igual a um poste?
— Não sei, acho que ela me odeia de verdade agora. — Esfrego o rosto nas mãos enquanto
solto um palavrão. — Eu não sirvo pra essas coisas, eu não sei fazer isso — lamento sentindo-
me tão perdido como um cara pode se sentir depois de perceber que não sabe o que está
fazendo.
— Vai lá, seu idiota, vai tentar consertar alguma coisa — Bianca diz e observo minha amiga
subir as escadas até que ouço o choro de Luana e sinto uma descarga de adrenalina atingir meu
corpo.
— Merda! Que Deus me ajude!
Obrigo minhas pernas a me levarem até o lugar onde elas estão, encontro Luana abraçada
ao vaso sanitário enquanto Manuela segura seus cabelos e Giovana briga com ela.
— Puta merda, Luana, eu avisei! — ela fala enquanto molha a toalha na pia e entrega para
Manuela, que passa na nuca de Luana. — Você precisa parar com isso.
— Tá bom, Gi, já chega — Manuela pede com calma e eu decido que gosto dessa garota.
— Luana, eu vou começar a controlar o que você come — a japonesa continua. — Pelo
amor de Deus, isso não pode acontecer toda vez que você fica nervosa, desse jeito vai acabar
morrendo.
Luana termina de colocar tudo para fora e se encosta na parede, seu rosto está pálido e ela
respira com dificuldade, nenhuma delas ainda notou a minha presença e, antes que eu possa
dar mais um passo, Luana volta a vomitar. Me sinto mal por imaginar que eu seja o culpado, ela
estava bem até me ver beijar Bianca e então... merda!
Manuela volta a secar seu rosto quando ela termina a segunda rodada e, antes que eu
consiga pensar no que estou fazendo, me enfio no meio delas e me abaixo ao lado de Luana.
— Você acha que consegue sair daqui? — pergunto baixinho com medo de assustá-la.
— Pete... — meu nome sai choroso de seus lábios sem cor. — Por favor, me deixa em paz.
— Ela empurra a mão em meu peito tentando me afastar e vira o rosto para o outro lado.
— Você acha que já acabou? — pergunto para a Manuela, mas ela não responde.
— Você quer controlar até o que eu coloco pra fora? — Luana diz tentando parecer
irritada.
— Até doente você é uma mala, garota. — Aproximo-me um pouco mais e passo os meus
braços em torno dela erguendo-a. — Vem, vamos sair daqui.
Ergo-a do chão com um pouco de dificuldade, Luana é uma garota cheia de curvas, não que
eu não goste, por Deus eu sou louco por cada uma das suas curvas, vê-la de biquíni hoje à tarde
me fez parecer um adolescente. Até mesmo as marquinhas que as mulheres odeiam, na bunda
dela ficam lindas. Luana passa os braços em volta do meu pescoço e se encaixa em mim com
tanta perfeição, que sou obrigado a me forçar a lembrar dela vomitando para não perder a
cabeça. Caralho, eu estou mesmo bem encrencado!
— Tá pesadinha, hein, Moranguinho? — provoco-a sussurrando em seu ouvido quando ela
apoia a cabeça em meu ombro.
— Cale a boca! — ela geme e o som da sua voz manhosa me faz rir.
— Ela sempre passa mal quando come demais — Manuela, minha nerd favorita, fala
enquanto caminha ao meu lado tirando alguns fios de cabelo presos na testa da amiga. Gosto
do jeito cuidadoso que ela tem com Luana.
— Sempre? — pergunto preocupado e olho para a minha Moranguinho ainda tão pálida
em meus braços. Um formigamento conhecido se espalha por minha espinha quando a imagem
de Luana doente passa por minha cabeça. “Não vá por aí, Peterson, esse não é um bom
caminho”, digo a mim mesmo enquanto a levo para cima.
— Sempre — Manuela responde com uma expressão que me deixa pior.
— Mas por que ela faz isso? É algum tipo de bulimia?
— Não, ela só perde o controle quando está muito nervosa. Uma espécie de TOC —
Manuela explica.
— Ela tem compulsão alimentar causada por estresse nervoso — Giovana diz como se
fosse algum tipo de médica, ainda parecendo irritada atrás de mim. — Nada mais é do que uma
maneira de tentar se proteger de algo que a está afetando, alguns batem, outros brigam, tem
os que choram e os que xingam, ela apenas come até morrer.
— Obrigada pela descrição lamentável da minha mania. — Luana parece recobrar suas
forças e ergue o rosto para dar uma olhada em sua amiga.
— Se aquieta aí, que você tá pesando. — Aperto os dedos nas suas coxas e ela me bate. Eu
amo quando consigo provocá-la.
— Se você me chamar de gorda mais uma vez vai se arrepender. — Ela aponta o dedo na
minha cara e molho os lábios tentando conter a vontade de morder seu dedo atrevido.
— Quem disse que eu não gosto de garotas assim? — falo olhando em seus olhos, sem me
importar que, nesse momento, eu esteja parecendo um canalha que está cantando uma garota
enquanto a namorada dorme no quarto.
— Você é doente, Pete — ela diz, mas vejo um pouco de cor surgir em seu rosto.
— Eu nunca disse que não sou.
Manuela abre a porta do quarto e Luana faz menção de sair do meu colo, mas não deixo e
ela ergue a sobrancelha me olhando de soslaio enquanto entro em seu quarto.
— Tá se aproveitando de mim, Peterson? — ela pergunta, mas noto que ainda mantém
uma mão espalmada em minha nuca, como se também precisasse continuar me tocando.
— Não se empolga, Luana, estou fazendo minha boa ação do dia. — Tento manter o clima
leve, é o que sempre faço quando o medo bate na porta, eu o afasto fingindo que ele não tem
poder sobre mim, mesmo sabendo que depois eu acabo cedendo e deixando ele me dominar.
— Que tal um banho? — sugiro enquanto caminho em direção ao seu banheiro. — Você bem
que tá precisando.
— Me põe no chão. — Ela força a mão espalmada em meu peito, mas me nego a soltá-la, a
verdade é que eu não quero me afastar, não quero ter que sair desse quarto porque eu sei que
fiz merda e não sei como consertar. Por fim, a solto e meu corpo parece perder o calor quando
ela se afasta de mim, mantenho meu braço em volta da sua cintura, mas já não sei se é para
sustentá-la ou para me manter em pé, sinto que no momento em que eu fechar essa porta vou
desmoronar e isso é uma merda.
Giovana entra e se aproxima da amiga ainda de cara feia. Começo a ficar com medo da
japonesinha, ela parece o tipo de garota que sabe como colocar um babaca no seu lugar e,
embora eu não esteja animado para ver, gosto disso nela.
— Eu vou ficar aqui fora esperando. — Inclino-me e quase beijo seus cabelos, mas paro
segundos antes. — Você vai ficar bem sem mim?
— Não precisa se preocupar, vai lá com a tua namorada. — Sinto a pontada de ciúme em
sua voz e decido que nesse momento o melhor que posso fazer é ignorar.
— Quando vocês terminarem me chamem, ok? — falo para Giovana, que confirma com a
cabeça meio sem paciência. — Se quiser, eu posso te ajudar, Moranguinho — brinco e sou
alvejado por uma toalha cor-de-rosa. — Só gritar, estarei aqui do lado.
— Sai fora, caramba! — Giovana resmunga enquanto Luana começa a abrir o vestido.
— Bom, se mudar de ideia ou precisar de um braço forte estou aqui fora. — Fecho a porta
antes que eu veja mais do que preciso e ouço a japonesinha me xingar enquanto fala com
Luana.
— Por que você fez isso? — Manuela pergunta chamando minha atenção.
— Fiz o quê?
— Você gosta dela, eu sei que gosta, eu vejo no jeito que você olha para ela quando não
está vendo. Ela também gosta de você, isso que aconteceu hoje é uma prova disso. — Ela
aponta para o banheiro e ouço o som do chuveiro sendo ligado.
— Você é alguma espécie de bruxa?
— Não, claro que não, eu só sou uma garota muito observadora. Quando se tem duas
amigas como Luana e Giovana, tudo o que resta a fazer é ser aquela que põe juízo na cabecinha
delas. Aprendi com o tempo. — Ela ergue o ombro como se tivesse uns cinquenta anos.
— Sinceramente? — começo a falar e não acredito que estou prestes a desabafar com essa
garota sobre meus sentimentos, mas eu realmente gosto dela e continuo: — Desde o dia em
que a conheci, não consigo pensar em outra coisa. Ela me irrita, mas também me completa; às
vezes, eu a detesto, mas até mesmo nesse momento eu me pego sorrindo e pensando em mil
formas de provocá-la. — Olho para a minha mão presa na maçaneta porque simplesmente não
consigo me afastar e admito, pela primeira vez, para mim e para essa garota, que me olha como
se me conhecesse a vida toda. — Eu acho que sou louco por essa garota.
Pete não sai do quarto até que eu esteja na cama, ele me leva até ela, afofa os travesseiros,
ajeita o edredom à minha volta, liga o ar-condicionado e regula a temperatura, tudo isso
enquanto Giovana e Manuela observam como se estivessem vendo o próprio Jesus Cristo
parado na sua frente realizando um milagre. Manuela olha para ele de um jeito carinhoso e
começo a acreditar que minha amiga está apaixonada por nossa relação, seja ela o que for, ela
sempre teve uma visão muito romântica das coisas e imagino que ver Pete cuidando de mim
está criando teorias na cabecinha dela.
— Você está se sentindo melhor? — ele pergunta sentado ao meu lado enquanto segura
minha mão. Confirmo com a cabeça e ele sorri. — Ótimo!
Bia aparece instantes depois e me sinto péssima ao vê-la na porta do meu quarto.
— Como você está, Luana? — ela pergunta com o mesmo sorriso gentil de sempre.
— Um pouco melhor — minto porque, na verdade, no momento em que a vejo, meu
estômago começa a embrulhar novamente. Eu devo ter criado algum tipo de intolerância a ela.
— Toma isso aqui, vai se sentir melhor. — Pete pega uma xícara das mãos da namorada e
volta a se sentar ao meu lado. Um líquido marrom fumegante dança dentro do copo e o seu
cheiro me faz desejar vomitar novamente. — Vamos, Moranguinho, vai te fazer bem, bebe tudo
de uma só vez.
— O que é isso? — Empurro sua mão para longe.
— Não importa, beba isso que vai te fazer bem. — Ele segura minha mão e volta a colocar a
xícara perto dos meus lábios.
— Você está parecendo minha mãe.
— Não... tenho certeza de que não me pareço nem um pouco com a sua mãe, agora pare
de me seduzir com palavras doces e bebe.
Recebo a xícara enquanto ele afasta uma mecha colada em minha testa e aquele sorriso
torto faz meu coração dar uma cambalhota em meu corpo dolorido.
— Você é um porre, Peterson! — digo ignorando a sua mão espalmada em meu quadril e a
presença da sua namorada vendo tudo isso. Talvez eles tenham aquele tipo de relacionamento
aberto em que o ciúme não tem lugar, isso justifica ela estar de boa vendo ele cuidar de mim,
ou então eu sou tão insignificante que não causo ciúmes, ou pior, ela realmente nos vê como
irmãos.
— Bebe logo, pare de me elogiar, porque se esfriar vai ficar horrível.
Decido não discutir e engulo o chá todo de uma vez. Pete observa como se precisasse se
certificar de que eu beberei tudo e, mesmo passando mal, sorrio para ele.
— Pronto. — Entrego a xícara para ele, que sorri satisfeito.
— Agora dorme, amanhã você vai estar melhor. — Ele se inclina e deixa um beijo casto em
minha testa e se levanta indo em direção a sua namorada, ela sorri para Pete como se estivesse
orgulhosa da sua boa ação e afundo no travesseiro quando me dou conta do que realmente
aconteceu.
Eu fui sua boa ação do dia.
Espero a porta se fechar e corro em direção ao banheiro quando uma nova onda de náusea
faz meu estômago se contorcer.
Merda! Hoje vai ser uma noite daquelas.

Depois de uma noite de cão, acordo e noto que estou sozinha, me arrasto até o banheiro e
me assusto com a imagem que vejo no espelho. Meus cabelos parecem um pedaço de palha de
aço usado em antena de TV antiga e eu pareço um marciano, a pele em um tom esverdeado e
com olheiras profundas. Mas isso não é o pior, meu estômago dói apenas em olhar para a
privada e meu coração... esse já não tem conserto, ele foi destruído pelo sorriso caridoso de
Pete na noite passada.
Eu finalmente cheguei ao fundo do poço.
Tento passar a escova no cabelo na esperança de melhorar ao menos a parte externa, mas,
quando percebo que será uma tarefa quase impossível, desisto e volto para a minha cama onde
decido que ficarei o restante do dia, até que a porta se abre e noto que a tortura ainda não
acabou.
— E aí, dorminhoca. — Pete entra sem pedir licença, com uma calça de moletom velha e
uma camiseta de uma banda que nunca ouvi falar na vida. Os seus cabelos não estão muito
melhores do que os meus e ele tem a cara de quem acabou de acordar, com os olhos inchados.
Observo-o se aproximar e me pergunto se existe algum dia em que eu vou olhar para ele e não
me surpreender com o quanto adoro o seu jeito “não tô nem aí pra nada” de ser.
— Tá se sentindo melhor? — ele pergunta ao se sentar ao meu lado e agradeço a Deus por
ter ao menos escovado os dentes.
— Oi — pigarreio para tentar falar, mas minha garganta arde do esforço da noite anterior.
— Eu achei que estava, até o momento que me olhei no espelho. — Aponto para mim e ele
passa seus olhos da cor do sol em cada pedaço do meu rosto, para o meu desespero.
— Ah não, você não fez isso, fez? — Ele enruga o nariz fazendo uma carinha de menino,
mas eu sei que está tentando me animar, do seu jeito irritante e provocativo de ser.
— Pois é, eu fiz. — Passo a mão nos cabelos tentando domá-los.
— Você está parecendo um abacate atropelado — ele diz e não consigo evitar sorrir.
— Pete, você é cruel!
— Sou nada, Moranguinho, sou apenas sincero. — Ele volta a colocar a mão em torno do
meu quadril e, de repente, tudo o que consigo pensar é no seu toque em minha pele.
— Tô brincando, você está só um pouquinho verde. — Ele demonstra com os dedos antes
de passá-los por seus cabelos espetando um cacho de um jeito que deveria ser ridículo e aperto
minhas mãos porque tudo o que eu mais quero nesse momento é tocar seus cabelos, relembrar
a textura, sentir o cheiro de limão.
— Obrigada por ontem — digo antes que eu o agarre aqui mesmo.
— Eu fiquei preocupado de verdade com você.
— Não foi nada de mais, eu apenas tive uma intoxicação... — “causada pelo beijo que você
deu em sua namorada”, completo em minha cabeça.
— Suas amigas me falaram da sua coisa com comida.
— Não é sempre assim, eu juro.
— A Giovana falou em compulsão alimentar.
— Não é nada disso. — Reviro os olhos ignorando a gravidade de suas palavras.
— Eu dei uma pesquisada. — Sua voz fica grave, séria, quase irreconhecível.
— Tua mãe não te ensinou a não pesquisar nada na internet?
— É sério, Luana, eu tô preocupado, não gostei do que vi.
— Relaxa, Pete, eu não pretendo morrer tão cedo — brinco, mas ele não sorri, apenas me
olha como se estivesse apavorado e isso é péssimo para o meu coração fanfiqueiro.
— Ótimo. — Ele respira fundo e desvia o olhar para o chão, como se tivesse se
concentrando em algo. Quando volta a olhar para mim, é novamente o Pete brincalhão de
sempre. — Espero que não faça mais isso porque essa noite foi traumatizante. — Pete segura
uma mecha do meu cabelo e reviro os olhos quando ele sorri.
— Eu vou me cuidar — minto para que ele possa se acalmar, mas a verdade é que eu não
vejo nada de mais, não é sempre que eu faço isso e, se eu conseguir manter a calma, sou
apenas uma garota normal que gosta de comer.
Baixo os olhos encarando nossas mãos unidas, elas ficam tão bem juntas, a delicadeza da
minha com a força da sua, os tons de pele, a forma como ele acaricia minha mão. E, de repente,
noto que o ar em meu quarto está tão pesado.
— Eu sinto muito pelo que você viu ontem — ele começa a falar enquanto olha para as
nossas mãos.
— Você não tem que pedir desculpas por nada. — Surpreendo-me com a mentira que sai
da minha boca, na verdade eu quero que ele diga mais, que diga que se arrependeu e que
nunca mais vai beijá-la, mas mantenho o resto de dignidade que possuo.
— Eu não queria te magoar.
— E você não me magoou — continuo mentindo e sinto quando ele se ajeita na cama
encarando-me como se não compreendesse o que digo. — Ela é sua namorada, é natural beijá-
la, assim como eu beijo o meu namorado. — Minhas palavras saem ariscas e não posso evitar a
mágoa embutida nas minhas mentiras, Pete respira fundo, como se fosse difícil assimilar
minhas palavras.
— É, você tem razão. — Ele se afasta soltando a minha mão e engulo o nó que se forma em
minha garganta. — Eu só não queria que você pensasse que fiz para te provocar ou algo assim.
— Não seja tão convencido, por que você acha que tudo gira em torno de você?
— Pela forma como você passou mal, pelo jeito como você me olhou enquanto...
— Sai daqui — interrompo-o. — Por favor, vá embora. — Pete arregala os olhos e se
levanta enfiando a mão no bolso da calça velha. — Vá ficar com a sua namorada — completo e
ele ri, um riso irônico que faz minhas entranhas se revirarem.
— É sério isso? Eu venho aqui tentar ser legal e você me manda embora?
— Não, Pete, você veio aqui esfregar a sua namorada na minha cara.
— Foi você quem disse que eu não fiz nada de mais — ele parece perplexo.
— Você acha mesmo que eu passei mal por causa daquele beijo mixuruca? Por favor, né,
vocês têm a química de uma porta. — Desvio o olhar para a janela xingando mentalmente
Giovana e Manuela por me deixarem sozinha. Eu não posso ficar sozinha, não com ele.
— Está vendo? Não dá pra conversar com você — ele diz por fim.
— Então não converse, me deixa em paz.
— Você é muito ingrata.
— E você é muito pretensioso se acha que eu passei mal por sua causa. Eu não estou nem
aí para você. — Minha voz se altera, minha garganta arde com a quantidade de mentiras que
saem da minha boca.
— Bom saber, porque eu sinto o mesmo. — Ele vai até a porta e tenho a impressão de que
vou ter um infarto de raiva e ciúme. — E da próxima vez que passar mal, peça para o seu
namorado cuidar de você.
— Seu grosso! — grito sentindo as lágrimas surgirem em meus olhos.
— Sua mimada insuportável!
— Não preciso que você se preocupe comigo. — Sinto a raiva aquecer as minhas
bochechas como maçaricos. — Como já disse, não precisamos fingir nada.
Pete segura a maçaneta com tanta força que seus dedos ficam brancos, ele respira fundo e
posso ver que está tão furioso quanto eu. Preciso que ele saia, não suporto mais olhar para ele,
saber que me trata como se eu fosse uma obra de caridade.
— Você é tão estúpida que não entende nada. — Ele balança a cabeça enquanto me encara
e não consigo compreender o que está dizendo. Estou cansada, meu estômago ainda não se
acalmou e ter Pete aqui, me olhando dessa forma, faz com que eu me sinta pior.
— Eu entendo sim, você é o tipo de cara que está acostumado a ter tudo o que sempre
quer, que acha que só porque dá um sorriso para uma garota ela vai estar caída aos seus pés,
mas eu não sou assim.
Pete passa as mãos no rosto esfregando-o e sinto as lágrimas pinicarem meus olhos. Como
foi que chegamos a essa discussão horrorosa?
— Quando você vai parar de achar que me conhece?
Ele parece ofendido, mas não me importo, tem um buraco no meu peito e está doendo.
— Não te conheço, nem quero — respondo sentindo a pontinha do meu nariz pinicar com
o choro engasgado em minha garganta.
— Quer saber? Tô de saco cheio de toda essa merda! — ele explode. — Dane-se, você, seu
namorado e sua arrogância, eu não tenho mais paciência pra lidar com essa situação.
Ele sai batendo a porta, deixando-me sem reação e com uma certeza em meu coração:
para ele, eu sou apenas a promessa que ele havia feito ao meu pai.
Eu sempre tive um estômago muito fraco, desde menina era um sacrifício me dar qualquer
tipo de medicamento, antibióticos então eram os piores, o cheiro me dava náuseas e eu sempre
vomitava. Com o passar do tempo, eu desenvolvi uma espécie de TOC. Como compulsivamente
tudo o que estiver na minha frente quando estou nervosa. Isso se agravou depois da separação
dos meus pais, eu comecei a comer desenfreadamente, ficando assim ainda mais fácil de
vomitar. Eu não sou bulímica e estou muito confortável com meu corpo, mesmo sabendo que
preciso emagrecer uns dez quilos. A mãe de Giovana diz que é um mecanismo de defesa, eu
faço inconscientemente para bloquear algo que está me afetando de alguma forma, não é a
primeira vez que ouço alguém falar em compulsão alimentar, também já pesquisei muita coisa
e sei que eu deveria procurar ajuda, mas existe uma parte minha que ainda acredita que está
tudo bem, que eu tenho controle, que faço porque eu quero. Até conhecer o Pete. Ele
consegue me afetar, me desequilibrar, me fazer perder o controle. Tenho certeza de que, assim
que eu for embora daqui e nunca mais nos vermos, vai passar. Eu vou voltar a ter controle e vai
ficar tudo bem.
No fim do dia, os pais de Manuela vêm buscá-la e, mesmo sabendo que ela estará feliz, é
uma despedida muito triste. Eu odeio despedidas e o fato de saber que ela estará tão longe me
deixa pior.
— Pare de chorar, eu não vou morrer, nem ficarei lá para sempre. — Manu seca meu rosto
e me abraça. — Promete uma coisa para mim?
— Não tenho certeza, só se faz promessas para quem vai morrer.
Manu sorri e afaga meus cabelos como se fosse minha irmã mais velha, e, mesmo sendo
mais nova, eu sempre me senti assim diante de sua sabedoria.
— Conversa com o Pete, não deixe o orgulho afastar vocês.
— Você já viu a gente conversando? — Olho para a minha amiga e ela sorri.
— Já.
— A gente fala línguas diferentes, não dá.
— Se esforce um pouco, por mim.
— Prometo tentar — digo mesmo sabendo que será inútil falar com aquele ogro. — Só
porque você está indo embora — completo chorosa e ela me abraça mais uma vez antes de
entrar no carro de seus pais.
— Que tal um chá de bonecas? — Giovana pergunta enquanto olhamos o carro levar um
pedacinho de nós para longe.
— Eu preferia encher a cara, mas acho que vou ter que aceitar o chá.
Minha antiga casa de bonecas já não é tão confortável como antes, mas ainda é
acolhedora. Colocamos o iPad em cima do fogãozinho e nos acomodamos nas almofadas.
Depois de muita insistência de Giovana, eu como uma maçã e bebo uma lata de refrigerante,
enquanto assistimos alguns episódios das nossas séries favoritas.
Em pouco tempo relembro coisas que passamos juntas, foi aqui que contei a Giovana e a
Manu sobre o meu primeiro beijo, sobre o meu primeiro amor e sobre a separação dos meus
pais. Choramos e sorrimos juntas, nada nos alcançava aqui dentro e essa era a magia que fazia
desse lugar tão especial. Hoje tudo o que resta são lembranças e uma saudade imensa do que
fomos.
— Tá cedo pra sentir saudades? — pergunto quando sinto uma lágrima escapar dos meus
olhos.
Giovana não diz nada e isso significa muito porque ela sempre tem algo a dizer.
— Merda, odeio chorar! — Giovana limpa seu rosto algum tempo depois e se levanta. —
Vou no banheiro, já volto.
Enquanto Giovana se contorce para sair da casa, pego um bombom e peso os prós e
contras de comê-lo, é uma dura decisão, quase tão difícil quanto as outras que me esperam
fora dessa casinha.
Decido comê-lo e aí não paro mais, um após o outro os bombons vão fazendo um bom
trabalho em meu coração.
Compulsão alimentar...
Fecho os olhos e apoio a cabeça na parede enquanto tento não pensar em nada.
— Acho que você não deveria fazer isso — Pete diz ao entrar na casa como se nada tivesse
acontecido apontando para a caixa de bombons na minha mão. — Mas, se quiser, pode ir em
frente, tem mais um bule daquele chá guardado para emergência. — Coloco o bombom de
volta na mesinha enquanto ele se acomoda ao meu lado. — Hum... tá rolando uma festinha
aqui? — Ele mexe em tudo e pega o bombom abrindo-o e enfiando na boca de uma vez.
— Você comeu meu bombom. — Viro-me para olhar para a sua cara de pau, incrédula.
— Hummm... isso tá muito bom, deveria ter comido — ele diz de boca cheia sem saber que
fui eu quem esvaziei a caixa.
— Acho melhor você sair, Giovana já vai voltar — tento dizer da forma mais tranquila
possível.
— Não, ela não vai. — Ele olha os outros bombons escolhendo qual deles vai comer.
— Como assim, não vai?
Pete olha para a salada de frutas fazendo uma careta antes de colocar outro bombom na
boca.
— Ela me pediu para te avisar que tem compromisso hoje à noite e foi tomar um banho.
Bato na minha testa lembrando-me de que Giovana tinha mesmo me falado que iria sair
com o Pedro essa noite, droga! Lembro também que não liguei para o Alex o dia inteiro e o
remorso bate em mim.
— O que você veio fazer aqui? — pergunto retirando outro bombom de sua mão.
— Eu vim aqui porque preciso falar com você.
— Mais? Achei que hoje cedo você já tinha descarregado tudo o que pensa sobre mim.
Pete coloca o pote de doces sobre a mesinha e se vira para me olhar.
— Não, na verdade hoje cedo eu fui um idiota — ele admite e arregalo os olhos sem
acreditar no que estou ouvindo.
— O quê? — digo enquanto encaro seus olhos cor de caramelo, observando os raios
marrons que saem da pupila espalhando-se por todos os lados.
Ele escolhe uma lata de Pringles que está pela metade e começa a comer.
— Eu vim te pedir desculpas — fala de boca cheia novamente com tanta naturalidade que
preciso me esforçar para lembrar se realmente tivemos aquela briga hoje cedo. — Eu não
deveria ter falado aquelas coisas para você. Me desculpe.
— Não acredito, isso é sério?
— Caramba, Moranguinho, a sua falta de fé em mim me ofende!
Respiro fundo e me obrigo a lembrar do pedido da Manu: “Se esforce um pouco, por mim”.
— Tudo bem, eu também peço desculpas.
Fico em silêncio rezando para que ele vá logo embora ou Giovana volte reivindicando seu
lugar, mas nenhuma das duas coisas acontece. E para piorar, o barulho ensurdecedor das
batatas está me deixando louca. Eu quero comer, estou nervosa, Pete está perto demais,
estamos sozinhos e isso tudo junto não é nada bom.
— Você já pediu desculpas, será que dá pra ir embora? — peço com educação, quase
implorando.
— Calma, eu estou comendo. — Ele me mostra a lata de batata como se eu não estivesse a
dez centímetros de distância. — E eu também preciso saber se você melhorou.
— Melhorei e, apesar de tudo, obrigada por ter cuidado de mim.
— Acho que você deveria procurar um médico, isso é sério, você ficou muito mal ontem.
Faltou pouco para as suas roupas se rasgarem e você se transformar no Incrível Hulk.
E lá está o Tito, a versão provocadora do Pete, e acho que é a que eu mais gosto, a que eu
mais sinto falta quando não estamos juntos, a que me faz sorrir e não ter aquela conversa que
prometi a Manu que teria.
— Olha quem está falando. — Aponto para o seu braço, já quase sem nenhum resquício de
hematomas. — Você não é o cara mais indicado para me dar broncas, eu vi sua crise de dor de
cabeça. E Diana disse que você não se cuida.
— Que nada, isso é coisa de mãe, acredite em mim. Se eu fizesse tudo o que ela pede, eu já
estaria internado, ela está sempre preocupada.
— Bianca também estava preocupada. — Sinto o nome dela arder em minha garganta. —
Sem contar aquele lance.
— Que lance? — ele pergunta sem entender e aponto o indicador no meu braço como se
fosse uma agulha.
— Ah... o lance.
— Não se preocupe, eu estou bem, Moranguinho, eu juro. — Sua voz sai mais rouca, mole
e provocante.
— É o que todos dizem, que param quando querem.
— Eu nunca disse isso, sei que nunca vou parar.
Minha garganta fecha, as palavras não se formulam, há tantas dúvidas, tantas coisas a
serem ditas e tudo o que eu consigo fazer é aproveitar a sensação boa de tê-lo assim tão perto
de mim. Quero dizer que tenho medo, mas não quero que ele entenda errado, quero dizer que
gosto dele, que não gosto da Bia e que não a quero aqui. Quero ser sincera, mas sei que mesmo
que eu fosse, mesmo que ele também me quisesse, não dá, não podemos ficar juntos.
Pete se estica e enfia a mão no bolso da calça, puxando uma coisa de dentro. Ele abre a
mão e lá está ele, brilhando no meio da sua palma.
— Meu brinco... — Pego-o sentindo um alívio por saber que não o perdi. — Estava com
você. — Olho para ele sem saber o que pensar.
— No dia seguinte ao nosso beijo, eu fui atrás de você, mas cheguei tarde, você já tinha ido
embora e ele. — Pete aponta para o brinco. — Estava no chão.
— E você guardou.
— Eu disse a mim mesmo que um dia iria te devolver.
Olho novamente para ele e, em seguida, para o garoto que confunde minha cabeça e meu
coração.
— Obrigada, ele é especial para mim.
— De nada. — Ele respira fundo, como se quisesse dizer algo mais, porém não tem
coragem. Pete se acomoda puxando uma almofada que está nas minhas costas e coloca atrás
de sua cabeça. Seu ombro encosta em mim, o seu calor atinge o local onde nossos corpos se
tocam. Estou sufocando e não sei o que fazer.
— Sabe, aqui é um bom lugar pra dar uns amassos — ele diz chamando minha atenção. —
Apertado, escurinho.
Sua voz mole faz com que a ideia de dar uns amassos aqui, ideia essa que eu já tinha
pensado mil vezes desde que ele havia entrado, se torne tentadora.
— Jesus amado! Será que você pode ir embora da minha casa?
Pete sorri enquanto tento não corar com a imagem do nosso amasso dentro da minha
casinha de bonecas, o fato de sua perna esquerda estar praticamente em cima da minha perna
direita não ajuda muito, eu não tenho espaço e essa casinha foi projetada para garotinhas de,
no máximo, um metro e vinte de altura e não um homem de um metro e oitenta. Pete
preenche cada pedacinho desse lugar, ele está na casa inteira e em mim também, nos pontos
onde nossos corpos se tocam, no meu coração e no meu pensamento. E isso não é nada bom.
— Calma, Moranguinho, eu não vou te agarrar. Só disse que é um bom lugar para isso.
— Claro que você disse, você sempre diz as coisas mais inoportunas possíveis.
— Quer? — Ele estende o pote de batatas para mim ignorando o que digo.
— Você me acha uma bobona, né? — A pergunta sai antes mesmo que eu possa frear
meus pensamentos. Se ele já me achava boba antes, imagina aqui dentro desse lugar tão
infantil.
— Não, eu não te acho boba, quer dizer, às vezes, você é um pouco mimadinha, mas eu já
disse que acho isso interessante. Por que a pergunta?
— Porque você sempre faz questão de deixar claro que sou uma garotinha e...
— Esquece o que eu falei, Luana, eu tenho uma tendência a brincar quando não sei como
agir — ele para de falar encarando a lata de Pringles e meu coração idiota acelera. — Sabe
como é, né? Alguns comem demais, outros falam demais. — Ele olha para mim, e nesse
momento é o Peterson, o cara que eu temo, que sempre parece ler minha alma com seus olhos
enigmáticos e sinto que nesse momento ele pode ouvir o meu coração e tudo o que tenho
guardado nele. — Se você é boba, eu sou o próprio bobo da corte.
— Também falei e fiz coisas que te magoaram — admito tentando não prestar atenção na
forma que nossas pernas estão entrelaçadas. — Então estamos quites.
— Acho que sim.
Ficamos em silêncio apenas nos olhando e decidindo qual será o próximo passo, eu não me
mexo, não tenho coragem sequer de piscar, tenho medo de que ele escape, que esse momento
passe e que não haja outro. Relembro a última vez em que estivemos assim tão próximos um
do outro, estávamos tão longe de casa e tudo o que eu sabia era que precisava beijá-lo
desesperadamente, e ainda preciso.
Pete ergue sua mão e preciso me esforçar para manter meus olhos abertos, seus dedos
tocam meu rosto contornando meu maxilar e seguindo por minha bochecha. Seu polegar
fazendo círculos em minha pele é como fogo queimando onde toca, meus lábios se abrem com
a necessidade de buscar mais ar. Sua mão escorrega até a minha nuca. Concentro-me em seu
cheiro masculino, simples, forte, refrescante, o cheiro que aliviou meu estômago na noite
passada. Sinto meu corpo se arrepiar quando ele me puxa para mais perto.
— Pete... — sussurro enquanto meus olhos caem em seus lábios entreabertos. Deus, como
quero beijá-lo!
— Oi, Moranguinho — ele responde, com a voz rouca, tão próxima de mim, que sinto o
calor do seu hálito.
— Por que você voltou aquele dia?
— Porque eu não consegui parar de pensar em você.
— Você pensou em mim? — Me sinto mole enquanto ele continua me torturando.
— Uhum... eu ainda penso — ele sussurra e ouço-o gemer baixinho quando passa o nariz
em meu rosto e estremeço... Ele vai me beijar.
Fecho os olhos e aguardo ouvindo o som pesado do meu coração, mas o beijo não vem; e
quando abro os olhos, vejo Pete de olhos fechados, apertados em uma expressão de dor, como
se estivesse lutando contra algo. Como se precisasse se lembrar de que isso que estamos
prestes a fazer é um erro...
— Pete, eu preciso ir — forço as palavras a saírem da minha boca.
— Shhh... — ele diz ainda de olhos fechados enquanto passa um braço por minha cintura
segurando-me junto a si. — Cale essa boca, Moranguinho.
— O que você di... — não consigo terminar de falar, ele cola seus lábios nos meus antes
mesmo que eu possa pensar em algo, ele me beija com força, seus lábios exigentes abrem
espaço entre os meus enquanto sua língua envolve a minha em uma dança sensual e poderosa.
Pete me segura pelo quadril e me ergue em seu colo, o lugar é apertado e tenho
dificuldade de passar a perna para o outro lado, mas não deixo de beijá-lo nem um minuto
sequer, tenho medo, porque sei que, no momento em que seus lábios se afastarem dos meus,
o encanto se quebrará. Enrosco minhas mãos em seus cabelos, fazendo o que desejei desde o
dia em que o vi. O beijo se aprofunda, suas mãos ousadas percorrem meu corpo, puxando-me e
cravando as unhas em minha pele, como se ele ainda não estivesse perto o suficiente. Estou
ofegando e gemendo vergonhosamente quando sua mão entra por baixo da minha camiseta e
se instala em meu seio, acariciando-o, enquanto seus lábios quentes percorrem meu pescoço,
beijando-me com uma fúria que jamais conheci.
— Ah, Moranguinho, você me deixa louco — ele diz em meu ouvido antes de voltar a me
beijar roubando o restante do ar que tenho em meus pulmões e, quando acho que não tem
mais como as coisas ficarem pior, Pete baixa o bojo do meu sutiã e as carícias se tornam mais
intensas. Sinto seu corpo rígido abaixo do meu, sinto a minha necessidade aumentar conforme
ele me toca e me beija, remexo o quadril na tentativa de aliviar o desejo que aumenta a cada
toque e os sons que saem de sua boca enquanto ele explora meu corpo nesse espaço
minúsculo, é como um estimulante para meus sentidos sensíveis.
Tudo está perfeito, estou em seus braços novamente e é como se estivéssemos de volta
àquele elevador, não há provocações ou questionamentos, apenas duas pessoas que se
desejam de um jeito quase insano, e que já não suporta mais fingir que isso não existe.
Pete retira minha camiseta e faço o mesmo com a sua, puxando-a com dificuldade, ele bate
o braço no fogão, derrubando meus chocolates, mas quem se importa com chocolates nesse
momento? Seus olhos caem em meus seios, empinados pelo sutiã implorando por atenção.
Pete molha os lábios e me dá aquele sorriso cretino que faz com que meu corpo se arrepie.
— Definitivamente, eu não a vejo como uma bobona. — Ele ergue o quadril esfregando sua
ereção em mim e sinto meu rosto esquentar um pouco mais. — Nenhuma parte do meu corpo
te vê como uma bobona, Luana — ele continua me provocando e dizendo coisas que me faria
morrer de vergonha em outra ocasião, mas que nesse momento é tudo o que eu gostaria de
ouvir. Então volto a beijá-lo, mostrando a ele que meu corpo também o deseja com um
desespero quase insano.
Até que um celular toca em algum lugar.
— É só ignorar — ele diz sem afastar os lábios dos meus. — Logo desistem.
Mas não desistem. O telefone toca até cair na caixa postal, em seguida volta a tocar até
que o nosso clima é quebrado. Pete apoia a cabeça em meu ombro enquanto tento me virar
para procurar o celular, afasto suas pernas, os chocolates e a lata de batata, há salada de fruta
espalhada por todos os lados e não consigo me lembrar quando foi que fizemos essa bagunça.
— Pronto — atendo ao celular e tento melhorar a minha voz, mas ela parece a de alguém
que estava dando um amasso dentro de uma casinha de bonecas.
— Luana, graças a Deus, estava preocupado. — Ouço a voz de Alex do outro lado da linha e
sei que Pete também ouve porque ele se afasta imediatamente apoiando a cabeça na parede e
fechando os olhos como se soubesse que acabamos de cometer um erro.
— Alex? Oh... oi... — Baixo o olhar, incapaz de continuar encarando o rosto desolado de
Pete, ou o seu pescoço, cheio de manchas vermelhas causadas por minhas unhas. — Eu posso
te ligar daqui a pouco?
Desligo o telefone e começo a procurar minha camiseta, Pete não se mexe, apenas observa
enquanto me visto. Seus olhos dourados estão cheios de perguntas que eu sei que ele não vai
fazer, os lábios vermelhos dos beijos dados, o rosto corado do desejo. Tão lindo que dói olhar
para ele.
— Meu Deus. — Esfrego meu rosto envergonhada e ele afasta minha mão para me olhar.
— Ei, não faz isso — ele pede baixinho.
— Olha para nós, Pete, somos dois canalhas.
— Não, Luana, não diz isso. — Ele parece magoado e não consigo mais ficar nem um
segundo ao seu lado.
— Eu... eu tenho que ir — digo desviando o olhar. — Desculpa, mas eu, nós... preciso
retornar, ele deve estar preocupado e...
Não consigo mais falar, meu coração bate tão forte que temo que ele pare, meu corpo
ainda cheio de desejo começa a esfriar, a vergonha surge como um carrasco e não consigo mais
olhar para ele, apenas me viro e começo a engatinhar para fora do seu colo.
— A gente se vê — digo quando finalmente saio.
— Claro — ele responde, petrificado no lugar, tão triste como jamais o vi.
Saio correndo para casa, o celular preso em minhas mãos, como se nele estivesse a minha
salvação. Ou a minha fuga.
Assim que entro em casa, corro até meu quarto e me tranco dentro dele, vou até o
banheiro e me olho no espelho, me assusto com o que vejo. Não é a Luana que conheço que
me olha de volta, mas sim uma mulher cheia de desejo, com os lábios inchados, o rosto corado
e algumas manchas rosadas ao longo do pescoço. Minha camiseta está suja de salada de fruta e
chocolate e há pedaços de banana e laranja em meus cabelos. Eu me pareço com alguém que
acabou de sobreviver a uma catástrofe natural.
E ele disse mesmo que pensa em mim ou eu sonhei com isso?
Lavo o rosto tentando acalmar meus nervos, mas tudo o que consigo lembrar é das
palavras de Pete dizendo o quanto ele me deseja e do seu olhar quando o deixei naquela
casinha sozinho.
Deus! O que eu estou fazendo?
Olho para o celular e há algumas mensagens que chegaram antes do telefone tocar, apoio
a cabeça no espelho sem saber o que fazer. Eu não sou esse tipo de garota, não costumo
brincar com os sentimentos dos outros, mas não consigo pensar quando Pete está perto, ele
suga tudo, como um buraco negro.
Pego o celular e aperto o botão verde retornando a chamada de Alex, mas sem saber o que
dizer, isso é um erro, tudo isso é um erro e não sei como começar a consertar as coisas.
— Oi. — Sua voz suave e feliz faz com que eu me sinta pior.
— Oi — digo enquanto retiro pedaços de fruta dos meus cabelos e relembro o momento
em que saí da casinha.
— Giovana me disse que você passou mal essa noite. O que houve?
Castigo Divino por desejar alguém que eu não deveria.
— Nada de mais, acho que comi mais do que deveria ontem.
Conto ao Alex sobre o episódio da noite anterior, deixo de fora o fato de Pete ter me
carregado no colo e de como ele parecia preocupado comigo. Tento afastar a imagem dos seus
olhos perdidos em mim, de suas mãos me apertando de encontro a seu corpo, de como parecia
certo estar em seus braços, ser cuidada por ele.
Suja, é assim que me sinto enquanto converso com Alex depois de ser beijada por Pete.
— Quer que eu vá até aí? Eu tenho uma reunião de família, mas posso faltar se você quiser.
— Não precisa, eu acho que vou para a casa da minha mãe.
— Tem certeza?
— Tenho sim.
— A gente se vê amanhã então — ele se despede e, quando a chamada termina, jogo o
celular na cama me sentindo indigna do seu carinho.
Uma batida na porta chama minha atenção e vou até ela na esperança de que seja Pete,
precisamos conversar e é melhor que seja logo, antes que eu perca a coragem de dizer tudo o
que estou sentindo a ele.
Mas não é o Pete que me espera do outro lado.
— Oi, Luana, eu vim ver como você está. — Diana sorri amigavelmente enquanto olha para
a louca descabelada e com a roupa suja parada na sua frente.
Estou desesperada, apaixonada e me sentindo uma cadela. Está bom para você?
— Estou melhor, obrigada por perguntar — respondo segurando a porta e desejando que
ela vá embora.
— Tito me contou que você não passou nada bem essa noite, tem algo que eu possa fazer?
— Acho que o pior já passou, Pete me deu um chá horroroso que me ajudou a melhorar.
O rosto dela se ilumina e meu estômago revira.
— Ele e seus chás. — Ela balança a cabeça sorrindo. — Eu adoraria que ele cuidasse de si
como cuida dos outros.
Sinto um tom triste e preocupado em suas palavras, mas não consigo perguntar o motivo,
tenho medo do que ela possa responder. Sei que é covardia, mas não consigo imaginar Pete
doente de forma alguma. Ele é feliz e irritante demais para isso.
— Pete é o cara mais teimoso que já conheci — digo e sinto seu olhar em mim, exatamente
da mesma forma que me olhou quando me pegou observando o seu filho.
— Você e o Tito têm passado bastante tempo juntos, não é mesmo?
— Nós conversamos um pouco esses dias. — Tento não pensar no quanto acabamos de
conversar agora há pouco e sinto meu rosto esquentar quando noto que Diana me olha como
se pudesse ler meus pensamentos sujos.
— Ele ficou muito preocupado com você ontem — ela continua e não consigo entender o
que quer.
— Eu sei, ele, a namorada e minhas amigas foram muito legais comigo. — Um gosto
amargo surge em minha boca quando cito a namorada de Pete. Meu Deus, ele tem uma
namorada, eu tenho um cara legal que quer namorar comigo e acabamos de nos atacar como
dois animais selvagens... eu sou uma pessoa horrível.
— Eu vi o Tito saindo do seu quarto diversas vezes.
— Pete é um cara legal — tento manter as palavras dentro da minha boca porque o que
acho sobre ele vai além de apenas legal, ele é incrível, sempre me faz sorrir, é provocante e
irritante, e quando precisei, ele esteve ao meu lado o tempo todo.
— Eu... — ela pausa o que quer falar, como se estivesse com medo. — Estou preocupada
com o que está acontecendo com vocês — Diana diz e perco o ar.
— Não há motivos para se preocupar, não está acontecendo nada — respondo na ânsia de
me defender, como se ela soubesse o que está acontecendo. — Mesmo porque estamos
comprometidos e sem contar o fato de que ele é seu filho. E isso é muito mais do que eu
preciso para me manter afastada dele.
O rosto de Diana empalidece e sinto minhas pernas amolecerem quando me dou conta de
que não estamos mais sozinhas.
— O que a senhora pensa que está fazendo? — Pete pergunta parecendo irritado e não
sou capaz de olhar para ele, sinto a mágoa em suas palavras.
— Estamos conversando. — Ela olha para mim antes de continuar: — Eu e a Luana.
— Eu pedi para você não fazer isso — ele diz como se já tivessem tido essa conversa
inúmeras vezes.
— Tito, eu te conheço, você não vai admitir.
— Mãe, para! — ele grita e Diana se assusta. — Que merda! Você não ouviu o que ela
disse? Não tem nada acontecendo aqui, estou apenas cumprindo a minha promessa ao Ricardo,
é pelo seu marido que faço esse favor.
Dou um passo para trás e sinto a bile subir a minha garganta quando ele se refere a mim
como um favor. Meu Deus... não, ele não quis dizer isso, não pode ser.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade, Peterson — ela fala com a voz cheia de
autoridade e não consigo reconhecer a mulher doce e educada que me recebeu.
— Ela tem namorado, mãe, e eu... eu vou embora assim que estiver liberado, a senhora
sabe que não tem lugar para mim aqui.
Ele vai embora? Do que ele está falando? Por que ele me beijou, como se precisasse de
mim, se está partindo?
— Chega de fugir, filho, chega de ficar se escondendo do mundo, para com isso.
— Cale a boca, mãe! — ele grita interrompendo o que Diana diz.
A raiva explode dentro de mim no momento em que os olhos de Diana se enchem de
lágrimas.
— Quem você pensa que é pra falar assim com a sua mãe? — Viro-me finalmente para ele
e encaro seu rosto. Ele está pálido, os lábios sem cor, como se acabasse de ver um fantasma.
— Qual o problema? Afinal de contas, ela é a Diana, a mulher que você odeia.
— Peterson — Diana pede mais uma vez, mas nenhum de nós parece estar ouvindo-a.
— Eu não... — tento falar, mas cada frase ofensiva que falei para ela um dia voltam à
minha mente como chicotadas ferozes. — Não a odeio. — Olho para o rosto da mulher que por
muito tempo desejei o pior e tudo o que vejo é cuidado e carinho. — Não mais — digo olhando
diretamente para ela e Pete ri.
— Estou farto das suas especulações e julgamentos. Você acha que me conhece, mas não
sabe porra nenhuma da minha vida! — Ele ergue um dedo em minha direção.
— Digo o mesmo pra você. — Empurro o seu dedo afastando-o de mim. — Você não sabe
nada sobre mim.
Ele bufa como um touro feroz enquanto olha para mim, o Peterson está de volta e eu já
não aguento mais ter que lidar com tantas pessoas dentro de uma só.
— Parem com isso! — Diana se mete, mas nem eu, nem seu filho a ouvimos.
— Sei exatamente que espécie de garota você é e pode ter certeza de que eu jamais me
interessaria por uma menina mimada, fútil e superficial como você. — As suas palavras
esbofeteiam meu coração e ouço cada pedaço dele se partir dentro do meu peito, sinto
vontade de jogar na sua cara o que acabamos de fazer naquela casinha, mas, por um instante,
acho que tudo pode ter sido fruto da minha imaginação, não pode ter sido real.
— Você é um idiota, manipulador e mentiroso, eu odeio você e espero que um dia meu pai
descubra o que você realmente é.
— Eu amo o seu pai, amo como se ele fosse o meu, não me importo se você acredita ou
não em mim, porque eu sei que fui o filho que você não foi durante esses quatro anos em que
decidiu fazer birra e lamentar a vida de princesa que ele te proporciona.
Ergo a mão para atingi-lo, mas Pete a segura no ar.
— Nunca, jamais ouse fazer isso. — As palavras saem tão firmes de seus lábios, que não
suporto olhar para ele.
— Peterson, pare com isso agora! — Diana exige e ele abaixa o meu braço lentamente
enquanto mantém os olhos fixos nos meus.
— Nuca mais na sua vida fale algo a meu respeito, você não me conhece, eu jamais me
aproveitaria do Ricardo, nem de ninguém, aliás, não sou eu quem avalia as pessoas pelo carro
que elas dirigem ou a roupa que usam, eu tô me lixando pra toda essa merda.
— Vai pro inferno, você e esse seu discurso barato! — cuspo as palavras enquanto puxo o
meu braço para longe de seu toque. — Eu odeio você! — finalizo entre lágrimas.
— Tito, por favor, pare antes que seja tarde demais para vocês. — Diana espalma a mão
em seu peito empurrando-o para longe e sinto o desespero na forma como ela olha para ele.
— Você não tem ideia do quanto eu me arrependo de ter te conhecido — ele diz me
olhando dentro dos meus olhos.
Pete afasta a mão da sua mãe de seu peito e sai deixando-me com o coração em pedaços
com as suas palavras. Observo-o descer as escadas e noto uma mancha de salada de fruta em
sua camiseta como uma lembrança cruel do que havíamos compartilhado, no que parecia ser
uma vida atrás.
O ronco do motor ruge em meus ouvidos e é tudo o que consigo ouvir enquanto arranco
saindo sem olhar para trás. Esfrego o centro do meu peito, na tentativa frustrada de me livrar
da dor, mas desde o momento em que ela saiu do meu colo naquela maldita casinha, que
escolheu o engomadinho a mim, que eu me sinto vazio. Fui trocado no meio de um amasso
digno de fazer minhas bolas explodirem. Ela não pestanejou, não houve dúvidas; no momento
em que percebeu o erro que estava cometendo, afastou-se de mim como se eu fosse algo ruim.
Quando consegui reunir o que sobrou da minha dignidade fui atrás dela, eu precisava
questioná-la, acabar com essa brincadeira de gato e rato, agir como um homem, mas tive a
certeza de que ela não sente o mesmo por mim no instante em que a vi conversando com a
minha mãe. Porra! E pensar que, por um instante, quase disse a ela o que sinto. Grande idiota
eu sou!
Ele é seu filho. E isso é muito mais do que eu preciso para me manter afastada dele.
Dirijo o carro enquanto repasso cada uma das palavras que dissemos um ao outro naquele
corredor, o olhar arrogante da garota que desestabilizou meu mundo, que me fez acreditar que
talvez tivesse chegado a hora de voltar para casa, que talvez valesse a pena sossegar o rabo e
deixar ela tomar conta do meu coração.
Paro o carro na frente do bar e não consigo acreditar que estive aqui ontem, parece que se
passaram dias desde então.
— E aí? — Daniel dá um tapa em meu ombro enquanto ergue a porta para que eu possa
entrar. — O que houve? Fiquei preocupado com a sua voz ao telefone.
— Eu só preciso beber — digo enquanto vou até o balcão e uma sensação de déjà vu me
invade.
— É aquela garota de ontem de novo? — ele pergunta e confirmo com a cabeça enquanto
jogo minha carteira no balcão e pego uma garrafa qualquer.
— Esse tem cara de ser ótimo para a memória. — Estendo a mão para Daniel, como se ele
não conhecesse a sua própria mercadoria.
— Nem fodendo. — Daniel tira a garrafa da minha mão e a coloca no lugar.
— Eu tenho dinheiro para pagar por ela. — Bato a mão no balcão chamando a atenção de
alguns garçons que estão arrumando o bar. — Deixa essa porra aí.
— Eu sei que você pode pagar, mas não vou carregar a culpa pela sua morte, quer se
matar? Arruma outra forma e outro lugar, aqui no meu bar não vai rolar, caralho! — ele
mantém a voz calma, mesmo quando me altero e isso me deixa pior do que estou.
— Então me traz uma cerveja. — Sento-me no banco sem forças para discutir algo com ele,
Daniel jamais deixaria que eu bebesse algo mais forte que uma cerveja em seu bar, ou em uma
área de 500 quilômetros perto dele.
— Ela é bonita — Daniel diz sentando-se ao meu lado e me entregando uma long neck. —
Ontem, quando ela chegou, vi muitos caras virarem o pescoço.
— Você tá tentando me ajudar? — Olho para o meu amigo, que parece se divertir com a
minha cara.
— Só tô te ajudando a abrir os olhos, mané.
— Ela é o diabo, o próprio inferno isso sim. — Tomo um gole longo e Daniel me
acompanha.
— Eu não sei o que houve, mas sei que encher a cara só vai te trazer uma dor de cabeça do
cão e não vai resolver porra nenhuma.
— Eu preciso de algo que me faça esquecer aquela garota, pelo menos por algumas horas.
— Meu amigo. — Daniel coloca a mão em meu ombro e continua: — Você não vai
conseguir um porre com cerveja sem álcool.
Apoio minha cabeça na madeira e fecho os olhos.
— Por favor, Daniel, só hoje! — imploro. — Você sabe que posso sair e comprar em outro
lugar, não sabe?
— Você não faria isso. — Ele se levanta e apoio minha testa na garrafa gelada.
Ele tem razão, sou covarde demais para encher minha cara de álcool sem a presença de
alguém que me conheça, então tenho que me contentar com a porra da situação de merda que
estou.
— Eu preciso, só dessa vez.
Meu amigo bate uma garrafa na minha frente.
— E não é para exagerar, não vou limpar o teu vômito. — Ele enche o copo e coloca na
minha frente.
— Eu te amo — digo antes de pegar o copo e virar o conteúdo inteiro de uma vez.
— Eu sei, babaca, também te amo.
O líquido âmbar dança de um lado para o outro formando ondas provocadas pelo gelo que
tilinta ao se chocar no copo. Eu o observo com tanto interesse que, por um momento, consigo
me esquecer do motivo que me trouxe até aqui.
Ah, a amnésia alcoólica... Tão apreciada em momentos como esse em que um homem
permite que a covardia se aposse de si mesmo e o domine por completo. Quase sagrada, ao
lado da solidão é a dupla perfeita para um covarde como eu.
— Cara, vou começar a cobrar hora extra e adicional noturno. — Ouço o baque de uma
bolsa pousando ao lado do meu copo e fazendo com que uma pequena onda de uísque se
forme, quase derramando o líquido mágico.
— Vai com calma, esquentadinha. — Coloco a mão em volta do copo para protegê-lo.
Bianca se senta ao meu lado retirando-me do transe e quase me sufocando com seu
perfume doce. Aliás, onde raios as mulheres aprenderam a usar esse melado na pele? Coço o
nariz irritado com a imposição da presença e do perfume doce da minha amiga quebrando o
encanto da minha desgraça.
— Quem te chamou aqui? — pergunto, mas já sei a resposta, ele está olhando para mim do
outro lado do balcão enquanto morde o anel pendurado no lábio inferior. — Filho da puta
traidor! — resmungo enquanto ergo o dedo do meio na direção dele.
— Eu preciso trabalhar, bebê chorão — meu amigo justifica seu ato.
Estico a mão para pegar a garrafa, minha companheira com seu aroma agradável de álcool
e esquecimento, mas Bianca é mais rápida e retira-a de perto de mim.
— Tá querendo se matar, Peterson? — ela pergunta e logo se vira para o seu irmão. — E
você, realmente deu álcool para o seu amigo? — Dessa vez, Daniel, o traidor, ergue os ombros
e não responde.
Coloco a mão no ouvido porque a voz de Bianca consegue ser mais alta do que a das
pessoas no bar.
— Posso achar uma 38 rapidinho pra você, mais rápido e menos dolorido.
— Como você sabe que é menos dolorido? Já morreu alguma vez? — Estico o braço e tento
pegar a garrafa, mas ela a afasta um pouco mais e estou cansado demais para levantar-me.
— Não, né, mas o Bruce Willis já, dezenas de vezes, e ele sempre mata meia dúzia antes de
perceber que está sangrando, o que me leva a crer que é menos doloroso do que ter uma
hemorragia interna e morrer sangrando por todos os buracos.
Sinto meu corpo tremer diante da ideia e olho para a minha carrasca sem acreditar que ela
joga tão sujo.
— Pois é, senhor Tito... — Ela toma um gole do meu uísque e faz uma careta muito sexy. —
Além de lento e doloroso, é extremamente humilhante. — Bianca me estende a garrafa e nego
com a cabeça, ela é mesmo boa em conseguir o que quer.
— Minha mãe te ligou? — mudo de assunto antes que eu tenha uma hemorragia
psicológica.
— Dez vezes na última hora. — Ela pega o meu copo e enche de uísque, depois gira de um
lado para o outro como uma especialista em bebidas destiladas. — Daniel ligou mais umas dez.
Olho para o Daniel enquanto entrega uma bebida para uma garota, ele olha na nossa
direção e sorri, tenho vontade de matá-lo, mas sei que faz para o meu bem. Ele sabe que
amanhã vou me foder.
— O que foi dessa vez, Tito? Por que você está aqui, sozinho, enchendo a cara com esse
uísque barato a essa hora?
— Não estou sozinho, tá vendo aquele barbudo ali? — Aponto para Daniel. — Ele tá
comigo. E agora você também está comigo, tenho dois amigos, não estou sozinho. Eu nunca
estou sozinho, ninguém me deixa, acham que eu vou morrer sei lá. — Ergo os dedos para
Bianca e balanço a cabeça potencializando o efeito do uísque em meu sangue. Fico quieto
esperando que ela desista e me deixe em paz. Quem sabe, eu não aceito a sua ideia e bebo até
morrer. Não me parece uma má ideia e, nesse momento, eu nem me importo de sangrar por
todos os cantos aqui mesmo no meio do bar.
— Não vai falar? Então devo aceitar a versão da Diana?
Ergo a cabeça encarando seus olhos grandes e expressivos, olhos que são capazes de
desestabilizar qualquer homem com sangue nas veias. Ela ergue uma sobrancelha desafiando-
me.
— Ok, quer a minha versão? Então terá. — Respiro fundo e me sinto tão exausto, que não
tenho forças nem mesmo para explicar tudo o que estou sentindo nesse momento, então solto
a única verdade que eu sei. — Sou um idiota, um completo e perfeito idiota!
— Me conta uma novidade, Tito, essa eu já sei há muito tempo.
— Sou um idiota apaixonado e não sei lidar com isso — admito e estico o braço resgatando
minha companheira das mãos de Bianca, que me olha como se eu tivesse acabado de assumir
que saio com homens.
— O que você fez? — Bianca insiste e viro o copo de uma vez.
— Eu não me lembro qual foi a última vez que eu gritei com uma garota... — Fixo o olhar
no copo sem coragem de desviar. — Nem me lembro se algum dia, eu já gritei com uma. — De
repente, a imagem do meu pai tendo aquela conversa de homem para homem, que todo pai
deve ter com seu filho, surge na minha frente e me sinto um lixo; seja lá onde ele estiver nesse
momento deve estar morrendo de vergonha de mim, disso eu tenho certeza.
Bianca permanece em silêncio, dando-me espaço para que eu fale, é um momento raro e
ela sabe o quanto eu odeio falar.
— Eu acho que tô ferrado... eu tô muito ferrado, Bia. Estou aqui há mais de duas horas
tentando pensar em uma maneira de sair dessa sem machucar mais ninguém, mas não consigo
pensar em nada. Todas as minhas ideias terminam com o Ricardo me odiando, a Luana me
desejando a morte, ou eu me matando em um copo de uísque barato e eu não quero nenhum
desses.
— Vocês dois querem parar de deturpar a procedência da minha bebida? — Daniel exige,
mas nem eu e nem Bianca ligamos.
— Parece que a Luana já quer a sua morte — Bianca fala pousando uma mão em meu
ombro, como se tentasse me confortar, e ignorando a cara feia de Daniel. Tomo mais um gole
do uísque sentindo a suavidade com que ele aquece todas as partes do meu corpo.
— Sim, acho que consegui o que eu tanto queria... — Sorrio tristemente. — Ela me
despreza. — Ergo o copo chamando a atenção de todos à minha volta. — Um brinde ao babaca
do ano! — grito e um coro de pessoas me seguem, mesmo sem saber o que estou dizendo. —
Não, Não... ao babaca do século! — Meus companheiros de porre solidários erguem seus copos
e brindam minha desgraça junto comigo, viro o restante do líquido e bato o copo na mesa com
força. — Ops, não pode quebrar, copinho, eu não posso me cortar, hein — falo para o copo e
não consigo evitar de sorrir, estou me sentindo mole e sonolento e gosto dessa sensação.
— Você só está magoado, com o orgulho ferido.
— Não gostei de ter o meu orgulho ferido. — Tento pegar a garrafa, mas Daniel a retira do
balcão.
— Ninguém gosta — Bia diz.
Daniel coloca um copo de água na minha frente e aponta para ele.
— Bebe! — ele exige e nego com a cabeça.
— Hoje, eu a beijei — admito. — Ela estava ali na minha frente e por Deus... — Fecho os
olhos voltando para o momento em que meu desejo me dominou. — Não sou mais um
moleque de 16 anos, que se encanta com qualquer mulher que sorri pra mim, mas quando ela
me olha daquele jeito... — Olho para a minha amiga sabendo que estou soando como um
bêbado chorão e não ligo a mínima. — Porra, Bianca, aquilo foi demais para qualquer um, ela é
uma maldição na minha vida.
— Vai beber essa porra ou vou ter que enfiar na sua boca? — Daniel coloca o copo na
minha mão e faço o que ele manda, mas me engasgo com o líquido saudável que desce por
minha garganta alcoolizada.
— Ah, meu Deus... — Bianca acaricia minha mão. — Esse dia ia chegar mais cedo ou mais
tarde, Tito. Seu coração um dia se abriria para o amor, ninguém é imune a ele. Nem mesmo um
cabeça-dura teimoso igual a você.
Balanço a cabeça incapaz de formular uma frase, sinto um nó em minha garganta e um
peso em meu coração que eu não sentia há cinco anos e jurei que nunca mais sentiria. Eu não
queria amar, não estava nos meus planos, não sei como entrei nessa furada.
— Outro dia, enquanto jogávamos xadrez, o Ricardo me disse que está feliz com o
namorado dela. Ele soltou assim como quem confidencia a um amigo, sabe? Disse que o cara
tem futuro, que a Luana vai ser feliz com ele. — Olho para a Bianca para ter certeza de que ela
ainda está me ouvindo. — O cara é podre de rico, Bia, é bacana, trata a Luana bem... Ah, porra,
porra, porra! Sinto vontade de furar os olhos dele cada vez que olha para ela daquele jeito!
— E daí que ele é tudo isso? Você também é.
— Não tenho como argumentar com ele, o filho da puta parece não ter um defeito, parece
até um boneco sempre perfeitinho e impecável.
Bianca cai na gargalhada e isso me irrita.
— Não é engraçado.
— Mas é claro que é, você está louco de ciúmes. Acha que não vi, Tito, a maneira como
você olhava para ele ontem? E a forma como você cuidou dela? Você está apaixonado, meu
amigo, e nada pode fazer para mudar isso. E tem uma coisa que você não está levando em
consideração.
— O quê?
— O que ela sente. Porque, meu amigo, se eu entendo de sentimentos femininos, e olha
que eu entendo bem, essa garota está apaixonada por você, e ontem você a matou de ciúmes
quando me agarrou daquela maneira na frente dela.
— Eu estava com raiva, aquele almofadinha não tirou as mãos dela a noite inteira. Eu
queria que ela sentisse o que eu estava sentindo. Era te beijar ou quebrar a cara dele, e você
sabe que eu não brigo.
Bianca sorri e me sinto um merda.
— Ele é namorado dela, é natural que ele queira deixar isso bem claro para você.
Bianca acaricia minhas costas com a mão, como se tentasse me consolar.
— O que eu faço, Bia?
— Além de beber até morrer? — Ela se ajeita na cadeira jogando o cabelo para trás. —
Você pode ir até ela e pedir desculpas, dizer que nem sempre é um idiota completo que grita
com garotas, que está apaixonado e ferido e que precisa dela.
— Tudo isso?
Ela confirma com a cabeça.
— Não tem algo mais fácil? Eu não vou conseguir, Bia, você sabe que não.
— Vai sim, um dia você vai ter que superar seus medos e acho que chegou a hora. — Bia
olha para o celular e continua: — Diana me disse que ela está arrumando as malas e chorando.
Olho espantado para ela, de repente o álcool parece desaparecer do meu corpo e a ideia
de Luana chorando por minha causa parece muito pior do que a tal hemorragia que Bianca
havia mencionado.
— Eu preciso ir.
Levanto-me tentando manter o controle das minhas pernas quando o bar gira. Bianca se
levanta e segura o meu braço.
— Vamos, eu te levo. — Ela segura meu braço me guiando para a saída. Mas, além disso,
ela está me guiando para o meu purgatório.

Quando chego na casa de Ricardo encontro minha mãe sentada na cozinha, com uma
xícara de café nas mãos, o celular ao seu lado e o olhar perdido. Ela sempre fica assim quando
está pensando em Henrique. E eu odeio vê-la assim.
— Está querendo me matar, Peterson? — ela grita assim que me vê entrar. — Droga! Onde
você estava com a cabeça quando decidiu afogar as mágoas em um copo de uísque? Um não,
né, pela sua cara foram vários. Se não fosse o Daniel me manter informada, eu estaria morta de
preocupação.
Sinto-me farto de todo esse discurso de pode e não pode, de cuidado com sua saúde, de
picadas e de sentir medo, me sinto exausto da minha condição e saio sem me dar ao trabalho
de responder.
— Peterson, não se atreva a me deixar aqui falando com os armários!
— Então não fale, eu já sei de tudo o que você tem a me dizer, ouvi isso nos últimos 24
anos e hoje eu não preciso desse sermão. Sei muito bem o que posso e o que não posso fazer,
acho que um porre de vez em quando não vai me matar, e quer saber? Não tô me importando
muito com isso.
— Como você pode? — A dor é clara em sua voz e vejo seus olhos marejarem. Ótimo, essa
é mesmo a minha noite, eu consegui magoar as duas pessoas mais importantes da minha vida
em menos de vinte e quatro horas.
— Me desculpe, mãe, eu só estou... — Apoio a cabeça na parede tentando ajustar meus
pensamentos, mas é em vão, o álcool ainda está ganhando a batalha. — Eu tô apavorado! É
isso. Eu tô com um puta medo e não sei o que fazer.
— Tem momentos que a razão nos cega, filho, siga o seu coração. Às vezes, o caminho mais
simples é o correto — ela diz e a puxo para mim envolvendo seu corpo com meus braços e
deitando minha cabeça em seu ombro, como já fiz tantas outras vezes em que o medo pareceu
querer me sufocar.
Desculpo-me e me afasto indo em direção as escadas.
— Nem perca seu tempo! — minha mãe grita. — Ela foi embora meia hora atrás.
Giro de volta para onde estava.
— Onde ela está? — Abro a gaveta onde estão as chaves extras dos carros e pego uma.
— Onde você pensa que vai?
— Vou fazer o que você mandou, seguirei meu coração, vou resolver toda essa merda de
uma vez por todas. Onde ela está?
Aguardo minha mãe responder, mas já sei onde minha noite terminará. Eu vou dar um jeito
nisso tudo, não sei como, mas dessa noite não passa.
Eu sempre soube que não conseguiria levar o nosso acordo até o fim, porém achei que o
convívio com Diana seria o causador da quebra da minha palavra. Nunca, nem nos meus mais
malucos sonhos, me imaginei indo embora por causa de um coração partido pelo filho dela,
mas a vida, às vezes, toma um rumo que não escolhemos.
Quando acordei hoje pela manhã, esverdeada e com dores no estômago, jamais imaginei
que o dia terminaria com minhas malas prontas e meus olhos inchados de tanto chorar.
Pior! Nunca imaginei que estaria nos braços de Diana sendo amparada por ela.
Depois que Pete saiu fiquei em estado de choque, não consegui me mover, Diana me
acompanhou até o meu quarto, me disse que não ficasse chateada, que ele era um bom
menino, e enquanto ela acariciava minhas mãos, tentando fazer a circulação sanguínea voltar
ao normal, era o calor das mãos fortes e iradas de Pete que eu ainda sentia pulsando em minha
pele.
Ela tentou me dizer que seu filho tem um coração de ouro e que se preocupa comigo, que
mudou desde que nos conhecemos e que (pasmem!) ela até acha que ele gosta de mim, mas eu
posso afirmar que, se tivesse dito tudo aquilo para a minha penteadeira, ela teria um retorno
melhor. Eu só consigo pensar na maneira que Pete me olhou enquanto dizia que não queria ter
me conhecido.
Uma hora depois, eu estava tirando o pobre Jonas do conforto do seu sofá para ajudar a
levar minhas coisas para a casa da minha mãe. Ele até tentou me fazer mudar de ideia, mas eu
estava certa de que aquela seria a melhor coisa a fazer, mais cedo ou mais tarde Pete voltaria e
as coisas não ficariam bem. Por fim, ele se rendeu e me ajudou, a contragosto devo admitir,
enquanto Maria chorava e Diana mordia o lábio tentando encontrar uma solução para todo
aquele problema que ela havia causado.
Ela me puxou para si e me deu um abraço forte, daqueles que parece que vai nos partir ao
meio, mas que, às vezes, são tão importantes em nossas vidas, tanto para quem recebe quanto
para quem abraça. E, pela segunda vez na minha vida, eu deixei aquela casa com minhas malas
nas mãos e meu coração destruído.

— Você o quê? — Giovana grita do outro lado da linha, e me sinto inclinada a pedir para o
Pedro amarrá-la em uma cama para impedi-la de fazer alguma bobagem. — Aquela vaca! Eu
sabia que ela não prestava! — ela continua soltando farpas.
— Giovana, eu já disse que não foi culpa dela — defendo Diana pela segunda vez no dia.
— Como não? Se aquela vadia não tivesse ido te questionar... Eu não deveria ter deixado
sozinha com ela.
Deito-me em minha cama abraçada com meu travesseiro, exausta e sozinha, já que minha
mãe foi dormir na casa do namorado sem fazer ideia de que eu estou aqui. Para a minha sorte,
Jonas buscará meu pai no aeroporto apenas no fim da tarde de amanhã, e contando com o
excelente trânsito de São Paulo no horário de rush, meu pai só dará falta de mim no começo da
noite.
Depois de duas horas ao telefone, Giovana esgota seu repertório com promessas de que
isso não ficará assim e eu deixo que ela faça todas as suas ameaças.
— Você tem certeza de que está bem, não quer que eu vá até aí? — ela pergunta furiosa.
Essa é a única certeza que tenho nesse momento, eu preciso ficar sozinha e com a Giovana
ao meu lado não conseguirei pensar em nada, além de mil formas de matar o Pete.
— Vai ficar tudo bem, amanhã a gente se fala. Vamos afogar as minhas mágoas em um
pote de sorvete de pistache com muita calda de chocolate.
— Eu te amo, tá? — Giovana diz e sinto meu peito aquecer. Minha japonesa não é muito fã
de demonstrar sentimentos, mas basta alguém pisar no meu calo que ela vira uma fera para me
proteger.
— Eu também, agora vai lá com o Pedro que a gente se fala depois.
Desligo o telefone e reviro na cama até adormecer. Apesar de tudo, estou exausta e,
mesmo com o coração destruído, logo pego no sono por conta dos remédios para enjoo que
tomei mais cedo.
Algum tempo depois, acordo sobressaltada e a angústia invade meu peito quando me dou
conta de que estou de volta a minha casa. Imagens da briga invadem a minha mente e não
consigo mais dormir, levanto-me da cama e vou para a sala, zapeio os canais só para fazer
barulho, para, quem sabe assim, parar a voz de Pete em minha mente.
Começo a imaginar como irei contar para o meu pai o que aconteceu. Apesar de tudo, eu
não quero que ele brigue com o Pete, meu pai o ama e essa realidade só me faz ficar pior.
Minha cabeça parece que vai explodir e vou até a cozinha atrás de um analgésico, não me
dou ao trabalho de acender as luzes e ouço quando a porta da sala é forçada, o barulho da
maçaneta sendo virada repetidas vezes faz um sinal de alerta acender em minha cabeça, talvez
mamãe esteja tão bêbada que não consegue acertar o buraco da fechadura, ou talvez Gláucio a
esteja agarrando ali mesmo no corredor sem dar chances para ela abrir a porta.
Fico quietinha na cozinha escura aguardando o casal apaixonado entrar e rezando para eles
irem direto para o quarto. Eu morro se for obrigada a ver minha mãe agarrando o namorado
bonitão na nossa sala.
Algum tempo depois a porta se abre, tudo permanece igual, nada de risadinhas abafadas,
beijos ou gemidos (graças a Deus!), apenas a escuridão, o silêncio e alguém entrando em minha
casa de mansinho.
E é então que a verdade me atinge como um raio.
Há um ladrão dentro da minha casa, às três horas da manhã, e eu estou completamente
sozinha. Amaldiçoo o desgraçado do porteiro noturno, que mais dorme do que faz seu serviço,
por ter permitido a entrada de um estranho no prédio a essa hora, ou talvez ele esteja rendido
por outro na portaria.
Olho para o interfone que está a um braço de distância e decido que não será prudente
tirá-lo do gancho, o ladrão me ouvirá e virá até mim. Olho para a pequena cozinha imaginando
o que eu poderia usar como arma, talvez o elemento surpresa me favoreça e eu consiga atingi-
lo.
Mas a voz do meu pai surge em minha cabeça: ”Nunca reaja a um assalto, nunca, jamais!”.
Minha cabeça gira, eu não consigo pensar direito, meu coração está tão acelerado que
chega a doer e penso que, talvez se eu ficar quietinha, ele pode ir embora sem me notar, mas a
ideia de um estranho remexendo nas minhas coisas me deixa muito irritada, eu não posso ficar
de braços cruzados esperando aquele maldito ladrão fazer a festa no meu apartamento.
Respiro lenta e profundamente para tentar me acalmar, mesmo sabendo que será em vão,
eu já sinto o meu corpo inteiro tremer quando avisto a frigideira no escorredor, dou um passo
lentamente sem fazer barulho e alcanço o cabo, nesse momento agradeço a mania que minha
mãe tem de nunca guardar a louça, eu sei que se esticar ainda mais o braço alcanço uma faca e
terei uma arma melhor, mas não quero sujar a minha casa de sangue de bandido, eu só quero
acertar a sua cabeça para imobilizá-lo, depois eu penso no que fazer.
Retiro minha pantufa e coloco a cabeça para fora lentamente segurando a frigideira com as
duas mãos, é de ferro e pesa o suficiente para apagar o marginal por algum tempo se eu o
acertar da maneira correta, meu coração bate com tanta força que eu tenho certeza de que o
ladrão já está me ouvindo. Reajusto a frigideira em minhas mãos e dou um passo bem devagar,
eu só tenho uma chance, e terei que aproveitar o elemento surpresa para atacá-lo, caso
contrário eu estarei perdida.
Dou mais um passo...
E quando me viro, já é tarde demais, o ladrão está na minha frente, fecho meus olhos,
respiro fundo e giro meus braços com toda a minha força, atingindo em cheio o rosto do
bandido.
A força do impacto desestabiliza o bandido e o derruba na hora, ele cai girando sobre a
mesinha indiana da minha mãe e fazendo um barulho terrível, em seguida aterrissa no chão
desacordado e envolto de quinquilharias que caem junto com ele.
Mantenho a posição tentando me concentrar em sair daqui, dou um chute de leve em seu
corpo para ter certeza de que ele está desmaiado e, quando não se move, o medo de tê-lo
assassinado me atinge. O golpe foi forte e certeiro e estou orgulhosa de mim, defendi a minha
casa da ação de um vagabundo que queria pegar o que era meu. Sorrio ainda trêmula, mas
bastante satisfeita.
Afasto os pensamentos e dou mais um passo com dificuldade tateando a parede atrás do
interruptor, assim posso ver o indivíduo de frente, e é quando sinto todo o sangue deixar o meu
corpo e se juntar ao que está espalhado no chão da minha casa.
Ainda está escuro, não consigo enxergar direito, apenas a luz do abajur ilumina um pouco o
corredor e acho melhor deixar assim, porque o corpo magro que está esparramado em meu
apartamento é muito parecido com certo corpo com pernas longas que eu conheço muito bem.
Pior ainda é descobrir que o maldito ladrão está usando uma calça mostarda.
Ai. Meu. Deus!
Ainda segurando a frigideira, dou mais um passo e arrumo o abajur caído em cima da
mesinha indiana e quase tenho uma síncope quando percebo que o bandido que acertei em
cheio é, na verdade, Pete.
Solto a frigideira no chão como um assassino que é pego em flagrante no momento de seu
crime e me encosto na parede sem reação.
Seu corpo está caído ao lado da mesinha, o rosto virado para o lado, seus cabelos
desarrumados escondendo o rosto parcialmente, mas consigo ver seu perfil e uma mancha
vermelha se avolumando ao lado da sua face, suas pernas estão em um ângulo estranho. É
assustador demais vê-lo nessas condições e sinto meu coração parar de bater.
Deus do céu, eu matei o Pete...
É o pensamento que me assombra a partir da visão dele caído em um mar de sangue. Dou
mais um chute leve em seu corpo desfalecido e ele não se mexe, o pânico me domina e começo
a passar mal.
Eu sou uma assassina!
Tudo bem, eu estava com muita raiva dele, muita mesmo, mas jamais desejei sua morte,
principalmente vinda de minhas mãos. Tá, ok, desejei, mas era apenas um pensamento, eu não
estava mesmo querendo matar ele de verdade, e agora vou para a cadeia, eu sou uma
assassina. A assassina do Peterson!
Imagens da polícia invadindo a minha casa com suas fitas amarelas e giz branco, milhares
de perguntas, fotos, os jornais sensacionalistas capturando uma imagem minha de cabeça baixa
tentando esconder meu rosto, o corpo imóvel dele sendo colocado em um saco preto, o porta-
malas assustador do carro da polícia, meu pai e minha mãe decepcionados comigo, Diana
chorando a morte do filho enquanto dá uma entrevista no Fantástico falando sobre seu
relacionamento conturbado com a filha do marido.
Tudo isso passa em minha mente enquanto choro compulsivamente, com as duas mãos na
boca tentando abafar meu pranto para não incomodar o defunto. Que assassina chora a morte
da própria vítima? Com certeza, uma que mata o homem que ama com uma frigideira.
Consigo me esticar evitando seu corpo, e faço a única coisa que consigo pensar. Depois do
quarto toque, a voz sonolenta de Giovana surge do outro lado da linha telefônica.
— Tem que ser algo muito importante, porque senão eu juro que te mato.
— Gi, eu acho que matei o Pete — sussurro ainda sem acreditar no que está acontecendo.
— Você o quê? — ela grita e desato a chorar.
— Eu o acertei com uma frigideira, ele não se mexe. Achei que era um ladrão, mas não é...
É o Pete. Acertei-o com tanta força, que agora ele não se mexe mais. Ah, meu Deus! Eu sou
uma assassina.
— Você o quê? — ela repete como se não fosse capaz de compreender o que estou
dizendo, choro tanto que começo a atropelar as palavras formando uma confusão de soluços e
palavras cortadas.
— Eu matei o Pete. E agora, Gi, o que faço? Eu estou perdida, eu sou uma assassina.
— Calma, Luana, fica calma e fala baixo.
Pela primeira vez em minha vida, ouço a voz de Giovana tremer, ela está apavorada.
Giovana Kimoto está apavorada!
Minha situação é mesmo muito grave.
Deixo-me cair ao lado dele chorando e desejando que um raio caia em minha cabeça. E eu
que achava que as coisas não poderiam ficar piores, percebo que sempre pode piorar.
— Luana, você ainda está aí? — Giovana pergunta pela terceira vez.
— Tô.
Tecnicamente sim, mas apenas meu corpo, minha alma já está fugindo e se acovardando
com a realidade bem na minha frente. Se passaram apenas alguns segundos, mas para mim é
como se fosse uma eternidade inteira e eu ainda não consigo me mover.
— Escuta bem. — A voz de Giovana volta ao normal, firme e gélida como sempre. — Temos
que criar uma história, precisamos decorá-la e, quando os policiais te interrogarem, tem que
manter a mesma versão, tudo bem?
— Hã?
— Luana! Foco, Luana, você precisa me ouvir... — ela exige.
Giovana é assustadoramente fria, ela tem o perfil de um serial killer e não me surpreendo
quando começa a bolar um plano perfeito, como se esse tipo de situação fosse algo comum em
sua vida.
Eu já não estou entendendo nada do que ela diz, arrependo-me de ter ligado para ela e a
ter metido nessa confusão; e, enquanto ela continua a falar, eu me abaixo criando coragem
para ver o estrago que fiz no rosto bonito dele. Estico a mão trêmula para tocar o seu corpo,
quando ouço um gemido baixo. Por um instante, penso que é apenas fruto da minha
imaginação desejando que ele não esteja morto. Ouço mais um gemido e um fio de esperança
surge em meu coração, eu não sou uma assassina!
— Giovana! Ah, meu Deus! Ah, meu Deus... Acho que ele não está morto.
— Não está? Tem certeza? — ela pergunta desconfiada do outro lado da linha.
— Acho que ouvi um gemido.
— Talvez ele esteja agonizando. Cuidado, Luana, lembra daquele filme em que o vilão se
fingiu de morto pra atacar a mocinha...
— Giovana, daqui a pouco eu te ligo.
Desligo o telefone e me aproximo mais um pouco. Pete não é um assassino, a única
assassina aqui sou eu. Tudo bem, ele me odeia, mas eu sei que jamais faria nada contra mim.
— Pete. Pete, você está vivo? — Toco seu ombro com a ponta do dedo. — Pete, fala
alguma coisa, por favor. — Com muita delicadeza, retiro as mechas desgrenhadas da frente do
seu rosto e o viro com cuidado para poder observá-lo.
Uma poça de sangue está espalhada pelo chão da minha casa, seu rosto está inchado e
sangrando por tantas partes que eu não sei dizer, nunca vi ninguém sangrar dessa maneira,
tento me lembrar se existe alguma artéria na região do nariz, mas não tenho cabeça para
anatomia nesse momento. Ele ainda está quente e aproximo meu rosto para tentar ouvir mais
alguma coisa. Seus olhos estão fechados, sua pele sempre tão bonita agora está tão pálida que
mais parece um zumbi. Acaricio seu rosto sentindo o calor das minhas lágrimas molharem sua
pele machucada.
Droga de frigideira! Como uma peça tão pequena pode ser capaz de um estrago tão
grande?
— Me perdoa, Pete... — sussurro, com a testa colada à sua, sentindo o cheiro nauseante
do sangue atingir meu estômago sensível. — Me perdoa... meu amor, me perdoa por tudo o
que disse, eu não te odeio, eu não quis dizer nada daquilo, eu não quis te matar, por favor... —
Balanço seu corpo enquanto choro e imploro por sua vida. — Volta pra mim, Pete, por favor,
volta pra mim... Eu... Eu te a...
O toque do telefone me faz dar um pulo para trás e solto os ombros dele com medo para
atender, minha mão está suja de sangue e não consigo parar de chorar.
— Luana, presta bem atenção. — É Giovana e, pelo tom da sua voz, eu posso perceber que
ela tem um novo plano. — Estive pensando e o melhor que você tem a fazer é ligar para a
emergência, talvez a tentativa de socorro conte a seu favor.
O desespero aumenta e começo a soluçar enquanto olho para ele deitado sem vida e ouço
Giovana falando asneira do outro lado da linha.
— Eu destruí o rosto dele, Gi, eu sou um monstro.
— Fica calma, você está perdendo o controle.
— Eu matei um homem, claro que estou perdendo o controle! — grito e volto a chorar.
Giovana tenta me acalmar e me dá todas as informações necessárias para que eu ligue
para o 190 e prometo ligar assim que terminar a chamada e, assim que desligo o telefone, ele
se move, dessa vez com um pouco mais de força, tentando se levantar. Ele geme quando tenta
erguer a cabeça e volta a se deitar.
— Ah, meu Deus, você está vivo... Senhor, obrigada! Muito obrigada, meu Deus, obrigada
todos os santos... — começo a falar e a chorar ao mesmo tempo enquanto me aproximo sem
saber se devo tocar nele ou não. — Pete, você está bem?
Ele não fala nada, apenas geme quando tenta se mexer e isso começa a me deixar
preocupada, temo que a pancada tenha afetado seu cérebro e ele fique com alguma sequela
mental grave, que o faça ficar gemendo e babando para sempre. Corro até o meu quarto atrás
de um travesseiro e toalhas e volto rapidamente para ajudá-lo a se acomodar melhor. Com
muita dificuldade, ele consegue se erguer e apoio o travesseiro na parede para que ele fique o
mais confortável possível, inclino sua cabeça para trás e entrego uma toalha em suas mãos para
que ele estanque o sangramento enquanto tento, de alguma forma, limpar o sangue que está
no chão.
— Meu Deus... é tanto sangue, como você pode estar vivo? — Termino de recolher os
cacos de vidro, mas me corto porque não consigo parar de tremer.
Olho para ele e fico ainda mais nervosa. Pete continua em silêncio, com a cabeça apoiada
no travesseiro e a toalha no nariz, quase irreconhecível. Vou até a cozinha e pego uma bacia
com água e me ajoelho entre as suas pernas.
— Deixa eu tentar limpar isso. — Ergo a mão para o seu rosto e seus olhos caem em meus
dedos trêmulos e sujos de sangue. — Eu achei que era um ladrão... Eu... Eu estava me
defendendo — justifico e seu olhar não parece o de alguém que compreende o que digo.
Começo a limpar a bochecha dele, mas o sangue não sai, passo a toalha úmida em seus
cabelos e com a outra mão o afasto do rosto. Pete continua me olhando sem dizer nada e
começo a chorar novamente quando o corte em sua testa volta a sangrar. Ele deve ter brigado
na rua e já estava machucado quando chegou a minha casa, não é possível que uma frigideira
tenha feito tudo isso.
— Me deixa limpar isso. — Toco em sua mão na tentativa de retirá-la de seu rosto, mas ele
não deixa, apenas me olha como se pudesse me engolir. — Por favor, diz alguma coisa.
Ele remove a toalha encharcada do rosto e fala:
— Você... — ele geme e eu gemo junto de desespero. — Você é maluca.
— Eu achei que era um ladrão — choro de soluçar. — Eu não queria bater tão forte — me
defendo.
— Você... é completamente... maluca! — ele repete e depois volta a cobrir o nariz
engasgando-se e fecha os olhos.
Abaixo minha cabeça nas mãos e escondo o rosto na toalha úmida e suja, não me importo,
apenas deixo que as lágrimas caiam enquanto agradeço a Deus por ele estar bem e sinto meu
corpo tremer como se eu tivesse sido eletrocutada. Pete tem razão, eu sou louca e quase o
matei, ele tem toda razão de me odiar e nem ao menos sei por que ele ainda me permite tocá-
lo.
— Luana. — Sua voz soa como a de um pássaro esganiçado e quando sua mão toca meus
cabelos, erguendo meu rosto, um fio de esperança se acende em meu peito, talvez ele não me
odeie. — Acho que preciso... de um hospital — ele diz ainda com a toalha no rosto.
— Claro, vou chamar um Uber. — Olho em volta atrás do meu celular e ele volta a tocar
meu braço.
— Não... — ele fala com dificuldade. — Não vai dar tempo.
— O quê? — pergunto apavorada.
— Hospital, agora.
Levanto-me imediatamente e corro em direção ao meu quarto para buscar a minha bolsa,
ajudo Pete a se levantar e meu coração congela quando noto que o lugar onde ele estava
sentado está todo sujo. Conseguimos chegar ao elevador com muita dificuldade, ele mal tem
forças para se manter em pé e tropeça algumas vezes.
Assim que chegamos ao estacionamento, Pete retira as chaves do bolso e noto que elas
estão molhadas de sangue, ele aciona o alarme e avisto o carro do meu pai estacionado em
uma vaga. Pete estende as chaves para mim e nego com a cabeça.
— Eu não posso fazer isso.
— Quem não pode sou eu... — ele geme e cambaleia. — Luana, vamos logo.
— Eu vou chamar um táxi, seu Gilberto fica aqui perto. — Pego meu celular, mas a mão
fantasmagórica de Pete segura a minha e me impressiono com o quanto ele está frio.
— Eu não tenho muito tempo. — Sua voz sai baixa e ele parece ter dificuldade para
respirar.
Olho para a toalha nova começando a ficar encharcada e percebo que terei que fazer algo,
e rápido, antes que ele morra no estacionamento.
— Você vai ter que me levar... — Sua voz está tão fraca que eu tenho que me aproximar
dele para ouvir. — Eu preciso de um médico urgente... Estou perdendo muito sangue, eu
preciso ir, antes que desmaie.
— Eu não sei dirigir — admito e me odeio por ser tão fraca e não conseguir parar de
chorar, mas duvido que alguém consiga ficar calmo diante de um homem se esvaindo em
sangue. — O que faço?
— Entra no carro, eu te ajudo...
Faço o que ele pede, ajudo-o a se sentar no banco do passageiro e vou até o lado do
motorista, sento e ajusto o banco, respiro fundo e coloco minhas mãos trêmulas e
ensanguentadas no volante.
— Luana... — ele me chama e olho na sua direção. — Agora.
— Eu vou, eu já estou indo.
Passo as mãos nos cabelos e ligo o carro, na verdade já terminei minhas aulas práticas, mas
o meu instrutor é um monstro e vive brigando comigo porque eu nunca faço o que ele manda.
Mesmo que não fosse isso, eu não tenho a menor chance de dirigir até um hospital,
principalmente no estado em que me encontro.
— Luana... — ele me chama de novo.
— Eu não consigo. — Começo a chorar de novo.
— Eu vou desmaiar — ele diz, o roxo se torna sua nova cor e começo a respirar fundo. Eu
fiz isso com ele, eu tenho que salvá-lo, quem sabe assim Deus tem piedade de mim.
— Ok, vamos para o hospital. E que Deus nos leve! — Respiro fundo, fecho os olhos e
mentalizo:
Tudo bem, eu consigo. Eu consigo.
Olho para o painel cheio de luzes e botões e, em seguida, para o rosto quase sem cor e
inchado de Pete, procuro os três pedais e percebo que está faltando um. Olho, mais uma vez, e
começo a ficar confusa.
— Cadê a embreagem?
— Automático, basta acelerar e frear — ele diz de olhos fechados. Como ele pode fechar os
olhos enquanto estou no volante? Ele está mesmo confiando em mim?
Engato a marcha fazendo um barulho horrível e começo a sair da vaga, ralo a lateral em
uma coluna e grito, mas Pete não se mexe. Consigo sair da garagem para o meu espanto e,
quando paro em um farol, me estico para verificar Pete.
— Calma, já estamos chegando, vai ficar tudo bem. — Passo minha mão por seus cabelos
acariciando seus fios macios e melecados. — Vai ficar tudo bem, eu vou consertar isso tudo. —
Ele não se move e me apavoro. — Pete? Pete, você ainda está aí?
— Eu acho que estou desmaiando. Não tô aguentando mais...
Ah não... não... por favor, não desmaie. Por favor, fique vivo!
— Aguenta só mais um pouco, por favor, não desmaie.
— Minha carteira, não esquece de entregar minha carteira ao médico — ele diz, gemendo
e tossindo como se estivesse se engasgando. — Eu vou morrer se você não entregar... a
carteira.
— Sua carteira. Ok, eu não vou esquecer e você não vai morrer.
— Mais rápido, Luana... não sei quanto tempo vou ficar acordado...
Tosse... tosse... tosse. Deus, socorro, me ajude!
Um carro passa por mim buzinando e me assusta.
— Sai do volante, sua doida! — ele grita e eu choro.
Pete estende a mão pálida suja de sangue e segura a minha que está tremendo.
— Você... está tudo bem — ele diz, mas não tenho certeza de mais nada, só preciso ir o
mais rápido possível, não sei o que vou fazer se ele morrer nesse carro.
O percurso até o hospital mais próximo é de pouco mais de dez quilômetros e com
bastante sopapos, muito choro e reza alta, algumas buzinadas e muitas arrancadas, que fazem
ele gemer ainda mais, conseguimos chegar até lá.
— Pronto, chegamos. Sãos e salvos. — Desligo o carro e sinto que estou finalmente
respirando novamente, olho para Pete e a mão que segurava a toalha está caída em seu colo, o
rosto pendendo de um jeito esquisito e o sangue agora escorre em seu peito. É uma visão
aterrorizante e, por algum motivo, não grito, eu sei que ele está morrendo e preciso ser rápida.
Desço do carro correndo e gritando por ajuda, abro a porta do seu lado e ele desaba sobre
mim.
— Socorro! — grito enquanto sustento seu corpo em meus braços sentindo o sangue sujar
meu corpo. — Socorro, alguém me ajude!
Dois enfermeiros se aproximam e rapidamente pegam seu corpo desacordado de dentro
do carro acomodando-o em uma maca.
— O que houve? — O primeiro homem me pergunta enquanto corre com ele para dentro
do hospital.
— Por favor, me diz que ele não morreu? — Corro ao seu lado sem me importar com mais
nada.
— Ele está perdendo muito sangue. — O enfermeiro segura o pulso de Pete enquanto as
portas se abrem para que possamos passar. — O que aconteceu?
— Eu o acertei com uma frigideira — digo e os dois homens olham para mim como se eu
tivesse acabado de contar uma piada. — Mas juro que não foi tão forte assim.
Pete começa a tremer na maca e um grito sai da minha garganta.
— Sinto muito, senhorita, mas daqui em diante é proibida a entrada. — Um deles ergue a
mão para me impedir de seguir enquanto o outro leva Pete para longe de mim. E antes que a
porta se feche me lembro do que ele me disse e corro até o carro em busca da sua carteira.
Quando a encontro jogada no chão, suja de sangue, volto para o lugar de onde eles entraram e
grito para que alguém possa me ouvir.
— A carteira, por favor, alguém pode levar essa carteira? Ele disse que vai morrer se eu não
entregar essa carteira a alguém. — Balanço-a no ar gritando como uma louca, suja de sangue e
apavorada e, quando uma enfermeira se aproxima, entrego-a nas suas mãos. — Um homem
acabou de entrar e ele está muito machucado, ele pediu que entregasse a carteira ao médico
ou ele morreria, por favor, ele não pode morrer.
A enfermeira olha para a carteira enquanto falo sem parar e então ela a abre e dentro dela
há um cartão vermelho colado logo na primeira parte, a enfermeira olha para ele como se
tivesse descoberto ali a cura do câncer e sai correndo me deixando sem saber o que aquilo
significa.
Observo a mulher desaparecer no meio do corredor e rezo a Deus para que não seja tarde
demais. Eu não posso perdê-lo.
Desmorono no corredor claro e silencioso e começo a chorar compulsivamente. Tanta
briga boba, tanto amor escondido por pura imaturidade da minha parte, as últimas palavras
trocadas, o ódio gerado por puro ciúme e agora ele está a um triz de morrer sem saber o
quanto eu o amo.
Não sei quanto tempo passa até que uma enfermeira se aproxima ajoelhando-se na minha
frente.
— Você está machucada? — Ela olha para as minhas roupas e só então noto que estou
parecendo uma sobrevivente de um ataque zumbi.
— Não, eu estou bem. Como ele está?
— Ele vai ficar bem — ela me diz e não sei se está falando a verdade, mas é o suficiente
para que eu consiga respirar novamente.
Abro um sorriso esquisito, meio trêmulo e nervoso e ela me leva até a recepção, onde uma
moça gentil e paciente me atende.
— Preciso fazer a ficha de internação de uma pessoa — falo ainda chorando.
— Os documentos, por favor — ela me pede enquanto digita algo no computador.
Pego a carteira que a enfermeira me entregou e retiro o cartão do convênio e o RG dele
entregando-os para a recepcionista, que ainda sorri alegremente.
— Peterson de Oliveira Carvalho Neto, correto? — a recepcionista confere e assinto com a
cabeça sem falar.
Pobre, Pete... ele realmente tinha um avô com aquele nome.
Meus nervos estão em frangalhos e minha bunda dói por ter passado tanto tempo sentada
no corredor. Tentaram me tirar, mas não aceitei, e uma enfermeira baixinha, com um sorriso
amável, se comoveu com minha situação e me confortou trazendo notícias dele a todo
momento. Ele está no centro cirúrgico, saiu de casa para sei lá o quê e agora está ali, deitado
em uma mesa fria, sedado, se esvaindo em sangue enquanto consertam o estrago que eu fiz.
Eu deveria ter ligado para a Diana, digitei os números dela pelo menos dez vezes e não tive
coragem de completar a ligação. O que eu falaria?
“Oi, tudo bem? Então, eu acertei a cara do seu filho com uma frigideira e agora ele está
aqui no hospital tentando controlar uma hemorragia, mas tá tudo bem, tá?”
Definitivamente eu não tenho o que falar, então continuo aqui, sentada olhando para a
porta, exatamente para uma pequena mancha de sangue que ninguém viu ainda, o sangue
dele. Rezando para que ele fique bem logo.
A cirurgia demora mais do que eu pensei que fosse possível, o dia começa a clarear e só
não enlouqueci ainda, graças a minha amiga enfermeira. Algum tempo depois, ela me avisa
gentilmente que Pete foi para o pós-cirúrgico e diz que o médico me procurará em breve.
Levanto-me na expectativa do que será dito, o corredor fica pequeno demais, sinto-me
enclausurada, sufocada e ansiosa, mas o pior de tudo é o medo, medo do que me espera, medo
do estrago ser grande demais, medo dele me odiar para sempre. Estou prestes a sentar no chão
novamente quando um homem alto, vestido com um conjunto verde, surge.
— Você é a acompanhante do Peterson de Oliveira Carvalho Neto?
A agressora também!
— Sim, sou eu. Como ele está?
O médico me analisa como se decidisse se é confiável ou não me dar informações sobre
ele. Seus olhos percorrem meu corpo e não me importo se estou usando um pijama e tênis sem
meia que coloquei na pressa, ou que minha roupa esteja suja de sangue, assim como as minhas
mãos e tenho certeza de que meu rosto também.
— E aí? Vai falar ou vai ficar me olhando?
Ele dá um sorriso e pergunta:
— Você já foi atendida?
— Eu não estou ferida, isso aqui é tudo dele. — Aponto para as minhas roupas.
— Foi uma briga de casal? — Ele parece preocupado e me apresso a falar antes que pense
coisas.
— Não... Na verdade, eu o atingi sem querer, achei que fosse um bandido e então ele caiu
no chão, sem chances de defesa. Agora, por favor, me diga que ele está bem?
— Bom... — Ele exala como se desistisse de tentar entender e começa a falar: — O garoto
sofreu uma fratura no nariz, o que não seria nada tão grave, mas ele é hemofílico e isso causou
a hemorragia. Na queda, ele provavelmente bateu em algum lugar e precisamos fazer alguns
exames para descartar alguma hemorragia interna, ele precisou de uma transfusão de sangue e
uma microcirurgia para estancar o sangramento, mas agora está bem, um pouco tonto e fraco,
mas é natural, ele perdeu muito sangue, provavelmente vai precisar passar um tempo em
observação, isso está sendo analisado, mas é um rapaz jovem e forte e vai se recuperar
rapidamente.
Uma onda de alívio me atinge, ele está vivo, remendado, sem sangue, mas vivo, e isso é o
que importa, pelo menos para o momento.
— Ele vai ficar bem?
— Vai sim, ele é um rapaz precavido, o cartão foi fundamental para o atendimento
diferenciado.
O cartão? Claro, a carteira, o cartão que estava dentro da carteira.
— Peraí, o senhor disse que ele é o quê?
— Peterson tem hemofilia, você não sabia?
Penso em dizer a ele que eu nem ao menos sei o que é hemofilia, mas desisto, ele já deve
estar me achando com cara de doida, depois pesquiso no Google.
— Sabia, claro, eu só havia me esquecido — minto e ele balança a cabeça.
— Fica tranquila, não conheço nenhum caso de morte por fratura no nariz e a hemorragia
foi estancada a tempo, você foi rápida e evitou uma situação mais desagradável. — O médico
dá um tapinha em meu ombro, como se eu merecesse uma medalha por ter levado Pete até o
hospital. — Ele já vai para o quarto e tenho certeza de que vai gostar de te ver bem.
— Tenho certeza de que eu sou a última pessoa que ele vai querer ver.
O bom médico dá um sorriso amigável, como se soubesse o que me espera.
— Ele já está acordado e pode ficar tranquila, porque ele quer te ver sim. Resmungou seu
nome algumas vezes enquanto acordava da anestesia.
— Como o senhor sabe que sou eu?
O médico me dá mais um dos seus sorrisos maduros e reconfortantes.
— Porque era eu quem estava dando as informações para a enfermeira que estava de olho
em você.

Já é a oitava ligação de Giovana desde que cometi a tentativa de assassinato, e graças a ela
posso ficar tranquila enquanto aguardo Pete ser levado ao quarto. Giovana pensou em tudo,
ligou para a minha mãe, se certificou de que ela não iria para casa tão cedo e foi para a minha
casa limpar tudo. Prometi o mundo para ela e sei que ela vai cobrar, mas, nesse momento, eu
não consigo pensar em nada.
Depois de limpar a minha casa, jogar meu travesseiro no lixo e se certificar de que tudo
está em seu devido lugar, Giovana ligou para a casa do meu pai, mesmo sabendo que ele não
está, deu uma desculpa a Diana dizendo que passaríamos o dia resolvendo os últimos detalhes
da formatura e não tínhamos hora para voltar. O recado foi o mesmo para a minha mãe e para
a dela, assim não teremos brecha na história. Sim, eu sei, ela é incrível.
Às dez da manhã, Giovana e Pedro chegam ao hospital com uma mochila com roupas
decentes para mim.
— Eu trouxe também uma camiseta e uma calça minha para o caso das roupas dele
estarem uma merda — Pedro diz enquanto me entrega a mochila e sorrio envergonhada. —
Pode ficar tranquila, eu não vou contar nada ao Alex.
— Mas eu não fiz nada de mais — tento me defender.
— Só tentou matar o cara — Giovana provoca. — Tô brincando, relaxa, aqui ninguém vai te
julgar. — Ela me abraça e começo a chorar. Eu que achei que as minhas lágrimas já haviam
secado, vejo elas voltarem com força total enquanto os braços, sem jeito, de Giovana me
envolvem. — Fica tranquila, Lu, vai ficar tudo bem, o pior já passou.
Seco minhas lágrimas enquanto concordo com o que ela disse quando uma enfermeira
aparece.
— Acompanhante de Peterson de Oliveira Carvalho Neto?
— Sou eu. — Ergo o braço para o caso dela não ter certeza e seco minhas lágrimas mais
uma vez.
— O paciente já está no quarto 703, pode ir vê-lo se quiser.
Despeço-me de Giovana e Pedro e agradeço, mais uma vez, por tudo e sigo para o quarto
703 com o coração a mil. Abro a porta lentamente e entro devagar, ele está sozinho e tento não
fazer barulho para não o acordar. Coloco minha bolsa no sofá e vou até a cama. Sinto um
aperto em meu coração quando vejo o estrago que fiz em seu rosto, ele está livre das manchas
de sangue, mas sua pele tem uma coloração estranha e está com microcurativos espalhados
por todos os lados. Seu nariz está envolto em um curativo grande e há hematomas arroxeados
na região dos olhos.
Aproximo-me lentamente com medo de acordá-lo e toco sua mão livre com as pontas dos
meus dedos delicadamente.
Ele abre os olhos lentamente e me observa por alguns instantes e só então percebo o alívio
que estou sentindo por poder ver esses olhos amarelos novamente, não me lembro de alguma
vez na minha vida ter sentido tanto medo de perder alguém, nem mesmo quando a vovó foi
para o hospital pela última vez. Isso que estou sentindo nesse momento, olhando para esse
rapaz, é algo inigualável e assustador.
Ele parece estar sonolento, mas se esforça para falar algo.
— Shhh... fica quieto, por favor.
Afofo seu travesseiro o fazendo gemer um pouco e me sento ao seu lado sentindo o
cansaço de ter passado a noite inteira acordada me atingir. Encaro minhas mãos ainda sujas
com seu sangue e começo a falar aproveitando que ele está meio acordado.
— Pete... — Respiro fundo e continuo: — Gostaria de dizer que eu sinto muito, muito
mesmo. Sinto tanto que não tenho nem palavras para expressar o que estou sentindo agora,
eu...
Sua mão alcança a minha e ele a segura com força, como se tentasse me acalmar. Começo
a chorar novamente, e tenho a impressão de que não vou parar nunca mais, estou cheia de
remorso e seu rosto... Deus! Eu estraguei seu rosto perfeito! E se ele nunca mais der aquele
sorriso cafajeste?
— Eu estou me sentindo tão mal — falo com a cabeça apoiada em nossas mãos. — Eu
fiquei com tanto medo, nunca senti tanto medo em toda a minha vida, eu entendo se você não
me perdoar mais. Mas, por favor, faz um esforcinho.
— Cale a boca, Moranguinho. — Sua voz sai meio esquisita e estremeço. Ah, ele tinha uma
voz tão linda... Voz de cafajeste, arrastada, daquelas que faz qualquer garota amolecer quando
sussurra uma sacanagem em seu ouvido, e agora virou algo entre alguém com gripe e um
passarinho esganado. — Sua voz tá fazendo minha cabeça doer.
Começo a rir e a chorar e, então, estou fungando igual uma porca porque não sou capaz de
controlar minhas emoções.
— Isso significa que você não me odeia?
— Eu não consigo te odiar, por mais que eu... Acho que não tô te ouvindo, vou apagar...
Um meio sorriso torto e desengonçado surge um pouco antes dos seus olhos se fecharam,
dessa vez apoio minha cabeça na cama olhando para as nossas mãos unidas e tenho medo de
separá-las, o silêncio e a tranquilidade me fazem relaxar, ele está bem, me chamou de
Moranguinho e não me odeia.
Isso é tudo o que eu preciso saber.
Agora sim o mundo voltou ao seu devido lugar.
— O ideal seria que você passasse mais uma noite aqui — o médico continua. — Ainda
gostaria de fazer mais alguns exames de sangue para verificar suas taxas e conferir se você
precisa de mais transfusão de sangue.
O médico continua explicando o motivo para que eu durma aqui como quem explica a uma
criança porque ela deve comer legumes, mas ele perdeu seu tempo, eu não passo mais nem um
minuto nesse lugar.
Não me lembro a última vez que tive uma hemorragia tão grande. Sangrar faz parte da
minha vida, como hemofílico estou acostumado a picadas e sangramentos sem motivos,
quando criança era ainda pior. Mas desde muito cedo aprendi a cuidar de mim e com o
tratamento profilaxo eu sou quase um cara normal.
O médico continua falando sobre os cuidados que preciso ter e sobre voltar a qualquer
sinal de piora, mas eu só consigo olhar para a garota ao meu lado. Deus! Eu não acredito que
ela me acertou daquele jeito.
Ela parece ter sido atropelada por um trem de carga, seus cabelos estão uma bagunça, as
roupas sujas e há sangue em suas mãos. Eu já pedi dezenas de vezes que se trocasse, mas ela
teve medo de se afastar e não ver o médico. Está apavorada e seus olhos inchados mostram
que já chorou o suficiente para me deixar com pena. Luana observa atentamente tudo o que o
médico diz, como se estivesse decorando cada palavra que sai de sua boca, eu só consigo
pensar em como é que eu me meti nessa roubada.
— Mas se eu estiver me sentindo bem, posso ir embora? — pergunto tentando manter o
rosto impassível, embora esteja com uma dor quase insuportável.
— Claro que sim — o médico responde. — Acredito que as transfusões de sangue sejam
suficientes para o momento, você pode ir embora, desde que assine os termos de
responsabilidade e se comprometa a voltar para realizar os demais exames.
Ergo-me um pouco na cama e não consigo evitar o gemido que sai da minha boca, não há
uma parte do meu corpo que não esteja doendo e tenho a sensação de que meus ossos viraram
gelatina. Odeio transfusão, odeio me sentir cansado e incapaz e odeio hospital.
Luana se levanta e olha para mim assustada, ergo a mão sinalizando que estou bem e ela
cruza os braços em volta de si.
— Doutor, eu acho que não é uma boa ideia ele ir embora. — Ela olha para mim e a
recrimino com o olhar.
— Eu estou bem, Luana — digo enquanto me sento ignorando a tontura que sinto.
— Doutor. Ele vai ficar bem? — ela pergunta ao médico e sua voz está cheia de medo. —
Eu quero dizer, se quando ele retirar esses esparadrapos o nariz dele vai... — Ela respira fundo e
aperto os lábios tentando não rir, mesmo que eu esteja parecendo um pedaço de merda. —
Vai. Vai... Ai, eu quero dizer... — ela não termina a frase.
— Você está preocupada se ele ficará com alguma sequela? — o médico faz a pergunta e
baixo o olhar incapaz de continuar olhando para ela, Luana está aterrorizada e eu preciso me
lembrar a cada segundo que foi ela quem me colocou nessa situação.
— Na verdade, não tem como saber, geralmente ocorre algum tipo de lesão na região, mas
nada grave, há casos em que a cicatrização é tão boa que fica até melhor do que antes. A
questão que me preocupa aqui não é o seu nariz e sim sua condição de saúde, mas seu
namorado é um rapaz que se cuida e, hoje em dia, com o uso do Fator 8 a vida dos hemofílicos
tem mudado, uma boa alimentação e exercícios para fortalecer a musculatura, ele será capaz
de viver uma vida longa, saudável e feliz.
O médico dá um tapinha em minha perna e mantém a mão nela enquanto olha para mim.
— Você faz o uso correto da medicação?
Confirmo com a cabeça.
— Sim, senhor. — Estendo meu braço para ele mostrando a última picada que apliquei. —
Duas vezes por semana, religiosamente. — Olho para Luana e vejo seu queixo despencar
quando ela se dá conta do que está vendo. — É, Moranguinho, eu te disse — digo a ela e vejo
seu rosto ficar da cor exata de um morango. — Faz muitos anos que eu injeto.
— Ótimo, rapaz, vou preparar a sua alta. Vê se faz um gelo nesses hematomas, ajuda a
melhorar. — Ele se vira para Luana. — Acho melhor você se cuidar também, mocinha, ele vai
ficar bem e você precisa de um banho e descansar um pouco.
Assim que o médico sai, jogo minhas pernas para fora da cama, enrosco-me com os
acessos em meu braço e, antes que eu possa me virar, Luana está na minha frente, as mãos
espalmadas em minhas coxas nuas e os olhos cravados em meu rosto.
— Por favor, fica mais um pouco aqui — ela implora e aperto minhas mãos nos lençóis para
não tocar seu rosto.
— Eu preciso mijar — digo rudemente e ela se afasta dando espaço para que eu passe
arrastando a porra do suporte comigo até o banheiro.
Termino de usar o banheiro e lavo minhas mãos quando ouço alguém entrar no quarto.
Uma enfermeira sorridente empurra um carrinho cheio de parafernálias.
— Boa noite, Peterson, vim retirar seu acesso — ela fala comigo como se eu fosse um
garotinho de seis anos e Luana a olha como se fosse o próprio diabo.
— Graças a Deus.
— Pode se sentar, por favor? — Ela aponta para a cama e arrasto o suporte junto comigo.
Sento-me na frente da morena e vejo o olhar assassino que Luana dá para ela.
— Vai doer? — brinco e ela olha para mim com uma expressão que faz os pelos da minha
nuca se eriçarem enquanto segura meu braço, ela passa a língua nos lábios e balança a cabeça
fingindo timidez.
— Eu tenho a mão leve. — Ela ergue o olhar do meu braço e não me atrevo a olhar para
Luana, posso sentir o calor do seu olhar. — Vai ficar um hematoma bem grande aqui — ela diz
enquanto passa o algodão e segura esperando o sangue parar de vazar. — Mas é normal por
causa da hemofilia, como você já sabe.
— Já tô acostumado — digo enquanto olho-a trabalhar.
Sinto o coração disparar quando ela roça a sua perna na minha. Por Cristo, eu pareço um
palhaço atropelado e mesmo assim a garota está me provocando, na frente da minha... da
Luana.
— Você tem que assinar os documentos para a alta à revelia e o comprometimento para o
retorno, tem alguns exames para fazer — ela continua falando, mas meus olhos caem na garota
suja de sangue do outro lado da sala.
— Você está se sentindo bem? Tontura ou sonolência? — a enfermeira pergunta enquanto
parece analisar meu rosto.
— Apenas louco para ir pra casa — digo e ela me dá mais um dos seus sorrisos.
— Eu imagino, nada como a nossa cama, não é?
— Verdade, estamos loucos para dormir na nossa cama, não é, Moranguinho? — Olho para
Luana e sorrio, não sei se saí muito bem, mas é o suficiente para que a morena dê um passo
para trás e olhe pela primeira vez para Luana.
— Se precisar de algo, só chamar. — Ela passa por Luana e dá um sorriso falso para ela.
— Obrigada, querida, daqui em diante eu cuido dele — Luana diz com os braços cruzados
no peito e arregalo os olhos quando ela olha para mim assim que a porta se fecha.
— Canalha!
— O que eu fiz?
— O que você fez? Fala sério, Pete. — Ela revira os olhos e balança a cabeça. Sorrio
satisfeito, sinceramente, ela merece.
Volto para o banheiro e Luana me entrega uma camiseta e uma calça de moletom.
— Pedro trouxe para você.
— Ah tá, valeu! — Pego as peças da sua mão e fecho a porta mantendo-a do lado de fora.
— Quer ajuda? — ela pergunta do outro lado da porta.
— Por quê? — Abro a porta só um pouquinho para poder olhar para ela. — Tá querendo
me ver nu, Moranguinho?
— Cale a boca! Eu só estou tentando ajudar — ela responde completamente sem graça e
fecho a porta.
— Acho que posso colocar minhas calças sozinho, obrigado! — Seguro-me na barra de
ferro porque a verdade é que não consigo ficar de pé sozinho por muito tempo sem que o
mundo pareça a porra de uma montanha-russa.
— Se quiser, eu posso chamar a enfermeira pra te ajudar — ela diz. — Ela me parecia
muito solícita.
Balanço a cabeça sem acreditar que ela está mesmo me falando isso e abro a porta
enfiando a camiseta pela cabeça.
— Você está brincando? — Sou obrigado a me apoiar na parede quando a camiseta esbarra
em meu nariz. Luana se aproxima e passa um braço em minha cintura me ajudando a sentar no
sofá.
— Vai dizer que não adorou ser acariciado por ela? — Luana pega meu tênis e se ajoelha na
minha frente enfiando em meu pé com um pouco de força.
— Com certeza é bem melhor do que ser agredido — solto e ela se levanta. — Ei,
Moranguinho, e o outro pé? — Ergo o pé descalço no ar e ela me mostra o dedo do meio.
— Levanta e chama a enfermeira que ela vai adorar se ajoelhar na sua frente.
— Vamos lá, não seja rancorosa, eu preciso de uma mão aqui. — Balanço o pé e ela revira
os olhos. — Vai me dizer que está com ciúmes? — provoco-a enquanto vai para o banheiro
carregando a mochila.
— Vai se danar, Peterson! — ela diz antes de bater a porta e sinto que estamos finalmente
voltando ao normal.

Uma hora depois estamos dentro de um táxi, Luana ainda está furiosa e, ao mesmo tempo,
preocupada; e se eu não estivesse tão cansado estaria provocando-a. Dou o endereço para o
motorista e me acomodo o melhor possível no carro. Mas a cada movimento sinto como se
estivesse sendo esmurrado novamente.
Quando chegamos ao endereço, Luana passa o braço por minha cintura e não reclamo,
sinto-me um pouco enjoado e cansado.
— Que lugar é esse, Pete? — ela pergunta enquanto subimos.
— Minha casa.
Com dificuldade chegamos até o quarto andar, abro a porta do apartamento e entro, ainda
sendo amparado por Luana. Olho em volta e me arrependo imediatamente de tê-la trazido
aqui, o lugar está uma zona, há roupas espalhadas por todos os cantos, latas de cerveja e até
mesmo uma caixa de pizza vazia na mesa.
— Deus do céu, o que aconteceu com esse lugar?
— Me desculpe, eu não esperava visita — respondo ao entrar no quarto e ir para a minha
cama.
— Espera um pouco. — Luana segura meu braço. — Você não pode se deitar aí.
— E por que não?
— Olha para esse lugar, Pete, você vai pegar uma infecção. — Ela olha para a minha cama
como se estivéssemos em um aterro sanitário. — Onde tem lençóis limpos?
Aponto para o guarda-roupa e me sento em uma cadeira porque não consigo mais ficar de
pé, ela abre a porta e vasculha até encontrar o que quer, observo-a arrancar os lençóis sujos e
colocar os novos. Meio atrapalhada e nervosa, como se ela estivesse com medo de algo ruim
acontecer comigo.
— Prontinho. — Ela aponta para a cama limpa e arrumada e mal tenho forças para
agradecer. — Já pode se deitar, você está com uma cara péssima.
Luana vem até mim e se coloca entre minhas pernas afastando o cabelo do meu rosto e
tocando um hematoma abaixo do meu queixo.
— Eu sinto muito — ela sussurra e espalmo minhas mãos na parte de trás das suas coxas.
— Tudo bem, já passou — digo olhando para o seu rosto bonito e pensando que se precisei
quase morrer para receber mais uma chance, então eu aceito de bom grado. Ela passa a mão
em meus cabelos e fecho os olhos exausto.
— Vamos tirar essa roupa. — Luana segura a barra da minha camiseta e ergo os braços
deixando que ela se livre dela.
— Ah, Moranguinho, não perde a oportunidade de me ver nu — brinco, mas mal consigo
sorrir.
— Você não está nem um pouco atraente, Peterson — ela diz quando passa o braço em
minha cintura e me ajuda a caminhar até a cama.
— Assim você acaba com a minha autoestima. — Deito e fecho os olhos sentindo o cansaço
me dominar.
— Está com dor? — ela pergunta preocupada.
— Um pouco — admito, mas não digo que estou com muita dor, ela não precisa de mais
remorso.
— Posso fazer alguma coisa?
— Pode, vem cá. — Estico meu braço e seguro-a pela barra da camiseta, ela vem até mim e
se senta ao meu lado. — Descansa um pouco, você também está precisando.
Luana hesita, mas acaba se deitando ao meu lado, a cabeça próxima ao meu ombro, pego
sua mão e coloco-a em cima do meu peito e volto a fechar os olhos. Ficamos quietos por um
instante, deitados, como se fôssemos um casal.
Dobro meu braço e enrosco meus dedos em seus cabelos, massageio e ouço um gemido
cansado sair de seus lábios.
— Controle-se, Moranguinho — brinco e ela ri, eu amo o som do seu riso, ele me acalma e
me faz feliz.
Ela passa o braço por minha cintura, inclinando o corpo em minha direção e mantenho
meus olhos fechados. Ela começa a me tocar, as pontas dos seus dedos roçam minha pele nua,
subindo e descendo por meu peito.
— Eu sinto muito... — ela repete pela milionésima vez.
— Já disse que está tudo bem.
— Não está e eu não vou parar nunca de pedir desculpa.
Abro os olhos e observo-a, há tanta dor e culpa em seus olhos que me sinto culpado por
fazê-la sofrer.
— Eu vou ficar bem, Moranguinho, só preciso dormir um pouco. — Fecho novamente os
olhos porque eles estão pesados demais.
— Então dorme — ela diz e sinto seus lábios próximos do lugar onde meu coração bate
acelerado. — Dorme, que eu estou aqui.
— Eu vou, se você for também — digo quase adormecendo.
— Eu também vou — ela diz e então uma calmaria se estende sobre mim e me sinto
flutuar. Aperto-a um pouco mais e ela se aproxima colando seu corpo no meu e, antes que eu
adormeça por completo, sinto o calor dos seus lábios em mim, quando ela me beija. E posso
jurar que é a melhor sensação do mundo.
— Estou dopado, Moranguinho, preciso dormir antes que fale alguma merda.
— Dorme, que eu vou estar bem aqui quando você acordar.
Ela me beija novamente, um beijo casto e doce e acomodo meu queixo no topo da sua
cabeça, inalando seu cheiro.
E, então, eu durmo.
Não sei por quanto tempo dormi, mas um gemido me faz despertar e percebo que ainda
estamos abraçados; sua mão em meus ombros, a minha espalmada em sua barriga, nossas
pernas enroscadas. Ergo-me apoiando a cabeça na mão e observo ele dormir por um tempo. Ele
parece bem, seu sono está tranquilo, a boca aberta e a respiração calma, ainda não acredito
que poderia tê-lo perdido hoje. Meu peito dói só de me lembrar a forma como ele estava
desacordado quando chegamos ao hospital e, antes que eu possa imaginar, meus olhos se
enchem de lágrimas novamente.
Decido que preciso fazer algo antes que minha cabeça exploda e me levanto devagar para
não o acordar, começo a recolher todas as roupas do chão, odeio bagunça e esse lugar parece
que foi atingido por um terremoto.
Não é uma tarefa fácil, mas eu preciso me manter ocupada enquanto ele descansa. O
quarto é fácil de arrumar, o pior está na sala, roupa espalhada para todos os cantos, restos de
comida estragada, mais latinhas de cerveja e garrafas de água, o sofá está imundo, mas com um
pouco de determinação, força nos braços e uma mente precisando de ocupação, consigo deixar
tudo arrumado.
A única parte da casa que está em ordem é a cozinha, abro algumas gavetas e sorrio
quando encontro tudo perfeitamente organizado, a pia está limpa e o fogão também. O
apartamento é bem pequeno e não demoro muito para pôr tudo no lugar, assim que termino
me sento no sofá exausta, mas satisfeita. Já é tarde e estou e faminta, levanto decidida a fazer
alguma coisa para comer quando vejo algumas fotos em uma mesa.
Em uma delas, Pete está muito mais jovem e mais magro, os cabelos maiores com cachos
rebeldes e terrivelmente desarrumados, ao lado de um garotinho de aparência frágil e doentia;
em outra foto, ele, o garoto e Diana estão ao lado de uma árvore de Natal, o garoto segura um
presente ainda embrulhado e Pete o olha com muito carinho, seu rosto de perfil deixa aquela
curva em sua bochecha visível e me faz sorrir. Em outra foto, dessa vez, apenas do garoto, ele é
ainda menor, não tem aquela aparência tão frágil, mas percebo que ele não é um garoto
comum e fico curiosa sobre quem é esse menino.
— Você não dormiu? — Pete pergunta apoiado na parede com os braços cruzados no
peito.
— Oi, não te vi aí. — Viro-me para ele ainda segurando o porta-retratos nas mãos. — Como
você está se sentindo? — pergunto enquanto coloco a foto no lugar.
— Melhor eu acho, estou com fome.
— Quem é? — pergunto apontando para o garotinho.
— Esse é o Henrique, meu irmão. — Ele olha para a foto por um momento.
— Eu não sabia que você tem um irmão.
— Eu não tenho. Não mais, ele morreu — Pete diz com uma tristeza no olhar, que me faz
me arrepender de ter perguntado.
— Ah, Pete... Eu sinto muito.
— Tudo bem, já faz algum tempo. — Ele balança a cabeça, ainda observando o garotinho,
como se estivesse tendo boas lembranças.
— O que aconteceu com ele? — pergunto sem saber se realmente quero que ele me conte,
essa parece ser uma história triste, mas estamos vivendo um momento tão especial que eu
quero aproveitar para conhecer quem ele é de verdade, de onde veio, quais suas origens e suas
histórias.
— É uma longa história, Moranguinho — ele responde cansado.
— Temos bastante tempo. — Sorrio feliz em ouvir meu apelido.
Pete se senta no sofá e me sento ao seu lado, virando-me para olhar o seu rosto. Ele
parece um pouco melhor, embora os hematomas ainda estejam cobrindo quase que o rosto
inteiro.
— Minha mãe é portadora de uma doença genética, que afeta praticamente só homens e
ela teve a infelicidade de ter dois filhos homens. — Ele sorri, mas há uma tristeza em sua voz. —
Sendo assim fomos premiados, eu e o Rick. — Ele aponta para o garoto na foto como se
estivessem compartilhando a piada. — Eu tenho hemofilia, como você já sabe, é uma
deficiência na coagulação, então eu sangro por mais tempo que o normal e, se eu não usar os
medicamentos, posso sangrar até a morte. Hemofílicos têm mais chances de ter hemorragias.
— Ele aponta para o próprio nariz, como se precisasse me lembrar de que ele quase se esvaiu
em sangue no chão da minha sala. — Principalmente internas e essas são as mais perigosas.
Preciso estar sempre de olho em algum hematoma novo, geralmente são indícios de que as
coisas não estão bem.
— Por isso você sangrou daquela maneira — afirmo enquanto olho para o seu corpo e,
involuntariamente, procuro por manchas em sua pele.
— E por isso eu pedi para me levar ao hospital, eu já sabia o que poderia acontecer.
Coloco a mão na boca segurando a respiração, e me lembrando da conversa dele com o
médico, exames, taxas, transfusões, profilaxia... todos aqueles termos que me assustaram e
para ele parecia algo normal, porque na verdade é mesmo normal. É a sua vida.
— Ei, Moranguinho. — Ele ergue meu queixo e me obriga a olhar em seus olhos amarelos.
— Não faz isso, não olha assim para mim.
— Você poderia ter morrido — digo enquanto sinto o calor do seu toque em meu rosto.
— Poderia, mas isso é viver, não é? Podemos morrer a qualquer momento,
independentemente de ter uma doença ou não.
Ele faz parecer simples, mas tenho a sensação de que nunca vou me perdoar pelo que fiz a
ele.
— Minha doença é controlada e, embora você me ache um cara irresponsável, eu sei me
cuidar, a não ser quando sou atacado por malucas munidas de frigideiras — ele ri, mas não
consigo achar graça.
— Por isso Diana é tão preocupada.
Ele confirma com a cabeça.
— Agora eu a entendo.
— Pense pelo lado bom, agora você pode ter o seu próprio vampiro sugador de sangue,
mas sem a parte brilhante.
— Eu gosto da parte que brilha — provoco-o.
— É claro que você gosta — ele ri e preciso me lembrar de que não posso mais bater nele
toda vez que ele me irritar. — Vai se juntar ao grupo de neuróticas? — Ele se vira de lado,
ficando de frente para mim, o sofá é pequeno e Pete não vê problema em colocar sua perna
comprida em cima da minha.
— Acho que vou — afirmo e ele revira os olhos como um garotinho.
— Não se preocupe, Moranguinho, eu estou bem, de verdade, essa semana eu volto no
hospital, faço os exames, aumento a medicação até que tudo fique controlado e vai ficar tudo
bem, eu já estou acostumado com isso. — Ele enrosca uma mecha do meu cabelo em seus
dedos enquanto fala. — Só prometa que não vai mais me atacar e eu ficarei bem.
— Me desculpa.
— Tô brincando, garota. Por favor, não seja uma chata obcecada com a minha saúde, para
isso existe a Diana.
— Ela é sua mãe, esse é o papel das mães, não é?
— Sim, eu sei, e ela foi premiada com dois caras fodidos. — Pete solta meu cabelo e passa
a mão na nuca, como se estivesse se sentindo mal. — Henrique foi um pouco mais azarado do
que eu. Além de um caso mais raro de hemofilia, ele tinha uma doença degenerativa. O filho da
mãe vivia no hospital, ele sabia como ter uma boa hemorragia, eu o chamava de Conde Drácula.
— Pete sorri tristemente e, embora ele fique lindo sorrindo desse jeito, eu decido que odeio vê-
lo assim, porque sei que está fingindo que está bem. — Sempre soubemos que ele não ficaria
muito tempo conosco. Então, quando ele se foi, não foi uma surpresa. — Ele estende a mão e
pega a foto de Natal da mesa. — Se você me acha um chato, deveria ter conhecido o Rick, ele
sabia infernizar a vida de uma pessoa — Pete diz enquanto encara a foto, balançando a cabeça,
como se estivesse se lembrando de algo.
— Eu posso imaginar, e sinto calafrios com a ideia de alguém ainda mais chato que você.
Pete ergue o rosto da foto, mas acho que ele está com dor, porque se encolhe com o
movimento.
— Ele infernizava a vida das enfermeiras, deixava todas de cabelo em pé, mas era um bom
garoto, tinha um humor incrível e sempre tirava sarro da própria situação, e, embora fosse
pequeno, seu coração era imenso e tenho certeza de que ele era mais maduro do que eu.
— Ah, isso eu posso apostar que sim — afirmo e Pete passa a ponta do dedo na foto como
se estivesse tocando seu irmão.
— Depois que o Rick morreu, minha mãe ficou muito mal, precisei cuidar dela por um
tempão, ela não conseguia sair da cama, ficou deprimida, depois veio o medo de que algo ruim
fosse acontecer comigo e, então, todas as paranoias que alguém pode ter. Hoje, ela está bem
melhor, apenas acha que vou ter uma hemorragia cerebral e morrer a qualquer momento, mas
é impossível pedir que que ela não se preocupe. E, no fundo, eu a entendo.
— Isso pode realmente acontecer? — pergunto assustada com a ideia.
— Não, como eu disse, sei me cuidar. Tenho enxaqueca, como qualquer outra pessoa pode
ter, mas isso pra ela já é o fim do mundo. Ela acha que já vai me encontrar em uma poça de
sangue um dia desses.
Pobre, Diana, nunca na minha vida seria capaz de imaginar que ela poderia ter passado por
tudo aquilo. E mesmo assim, me parece ser uma pessoa tão leve, tão otimista. Isso só prova que
o que torna a nossa vida difícil não são as dificuldades, mas sim a forma como reagimos a elas.
Minha admiração por Diana aumentou depois de hoje.
— Isso não é engraçado, Pete.
— Viu só? Já está falando igual a ela.
— Se eu não tivesse te acertado, eu nunca saberia disso, não é?
— Dois meses, lembra? Logo você vai embora e é muito pouco tempo pra perder com
coisas que não vão fazer diferença, e eu não sou muito de ficar lamentando, essa porra toda faz
parte da minha vida, então eu tento não dar mais atenção do que devo a isso.
— Então é isso? Essa coisa que está acontecendo tem prazo para acabar?
— Luana, é você mesma que sempre deixou claro que, em algumas semanas, vai embora
— Pete diz e baixo a cabeça sem saber o que dizer, porque ele tem razão. Sempre fiz questão
de deixar bem claro que tudo isso era provisório.
— As coisas mudaram, Pete.
— Isso nós vamos saber depois que você voltar para a sua vida. — Ele ergue meu rosto e
não há acusação em seu olhar, apenas o Pete que aprendi a amar, leve, irritante e debochado.
— Agora, o que acha de tomar um banho? Eu tô morrendo de fome e tenho certeza de que
você também.
Pete se levanta e coloca a foto de volta na mesinha encerrando o assunto.
Concordo porque não tenho condições de conversar sobre o futuro agora, minha cabeça
dói só de pensar em algo que não seja os próximos dez minutos.
Pego minha mochila e vou para o banheiro. Retiro minhas roupas e coloco-as dentro de um
saco plástico. Ligo o chuveiro e me jogo dentro do jato quente e relaxante, deixo a água lavar
toda a sujeira de meu corpo enquanto repasso nossa conversa, a forma leve como Pete falou
sobre sua vida e seu irmão e a tristeza que ele sempre mascara em forma de provocação.
Então é isso, Pete na verdade se esconde atrás da figura de um cara irritante e debochado,
mas, no fundo, é um garoto que vive uma vida cheia de limitações e que tem a presença
constante da morte. Penso em todas as vezes em que estivemos juntos e em quantas delas ele,
provavelmente, estava chateado e nunca percebi.
Que diabos está acontecendo comigo?
Nunca na minha vida deixei que alguma garota soubesse sobre minha condição, eu prometi
ao Rick que não deixaria que essa merda dominasse a minha vida, prometi a ele que viveria por
nós dois e que faria tudo o que essa porra não tinha permitido que ele fizesse, eu prometi a ele
que nunca deixaria que alguém entrasse em meu coração e me amarrasse. E agora estou aqui,
sentado no sofá, sentindo o sangue pulsando em meu corpo enquanto ouço o som do chuveiro.
Estou tremendo, mas não sei se é por causa do acidente ou por tudo o que está
acontecendo, estou nervoso e tenho certeza de que é porque não sei como agir na presença
dela, me sinto desajeitado e ansioso. Quero que ela goste de mim, que goste de estar ao meu
lado, que diga que não vai embora quando os dois meses acabarem, que brigue comigo e que
depois diga que me quer. Eu a quero e estou apavorado, porque a quero demais.
A porta se abre e sinto o cheiro do meu xampu inundar a casa e preciso me remexer dentro
da calça para que Luana não veja o estrago que ela vem fazendo na parte de baixo do meu
corpo.
— Achei que fosse usar a minha camiseta — digo quando ela aparece na sala usando suas
roupas.
— Não sou sua garota, não tem por que eu usar sua camiseta, e além do mais eu tinha
minhas próprias roupas. — Ela parece arisca e não compreendo sua mudança de humor.
— Pedi comida de um restaurante legal que tem aqui perto, vai chegar em vinte minutos.
— Que bom, porque estou morrendo de fome. — Ela se senta ao meu lado e me incomodo
com a distância que há entre nós.
Luana passa os dedos nos cabelos molhados e meus olhos caem na parte da frente da sua
camiseta molhada pelas mechas úmidas. Ela percebe e revira os olhos.
— Para com isso. — Ela empurra meus ombros de leve e sorrio.
— Desculpa, mas não posso evitar, eles praticamente estão implorando por atenção.
— Jesus Cristo! Como você pode ser tão idiota?
— Vai ver que tem alguma coisa relacionada a minha deficiência. — Ergo os ombros e ela
bufa.
— Como está se sentindo?
— Como se uma frigideira enfurecida houvesse me atingido.
— Seu bobo, não pergunto mais. — Ela sorri enquanto ergue as pernas no sofá e enrosca
os braços em volta delas.
— Luana — chamo-a e ela se vira olhando para mim imediatamente. — Preciso me
desculpar sobre a forma como falei com você.
— Tudo bem, Pete, já passou.
— Não, não passou e eu preciso falar antes que eu perca a coragem. — Fecho os olhos e
respiro fundo antes de começar. — Quando a gente se beijou naquela casa, eu... — Esfrego a
nuca tentando me acalmar e organizar meus pensamentos. — Eu achei que estávamos nos
acertando, mas aí aquele cara ligou e...
— Alex — ela me corrige.
— Que seja, você me deixou lá depois de tudo, você me trocou por aquele Alex e aquilo
doeu pra cacete, é horrível admitir, mas eu fiquei chateado com você.
— Não é nada disso, não há algo que possa ser trocado, Pete.
— Eu me senti assim e então achei melhor conversar, porque eu não sou um cara bom com
as palavras, eu sempre fujo de tudo que me assusta e, naquele momento, eu decidi que dessa
vez valia a pena tentar. E então ouvi você falar aquelas coisas para a minha mãe e...
— Eu sei, eu estava magoada e enciumada.
— Eu não sou um canalha, nunca nem ao menos briguei com uma garota, elas nunca ficam
tempo suficiente para isso, mas você é diferente e eu estava tão puto que acabei enchendo a
cara. Eu tinha bebido muito, Moranguinho, mais do que eu posso. Não estava pensando direito,
só sabia que eu precisava te ver, fui até seu apartamento porque eu queria consertar tudo e...
— E eu terminei de estragar — ela finaliza a minha frase.
— Não. Você não estragou nada, eu sou o culpado, eu não devia ter entrado daquela
maneira na sua casa, mas não queria que o Ricardo chegasse em casa e não te encontrasse.
— Por isso você estava com o carro do meu pai, tinha as chaves nele — ela diz ao se dar
conta do meu plano idiota.
— Se eu falasse que era eu, você não abriria a porta. Abriria?
— Eu provavelmente chamaria a polícia — ela afirma e sorrio porque eu tenho certeza que
sim.
— Acho que não somos muito bons brigando — confesso segurando sua mão e sentindo a
maciez da sua pele.
— Tenho minhas dúvidas se somos bons em algo, Pete — ela diz baixinho e odeio a forma
como ela parece triste.
— Eu fui na sua casa porque queria pedir perdão, dizer o quanto eu sentia por ter te
magoado, eu não tive intenção, nada do que eu disse foi verdade. — Aproximo-me um pouco
mais e ignoro a tontura que sinto ao me mexer. — Eu não me arrependo de ter te conhecido e,
embora sejamos dois idiotas, eu tenho certeza de que somos bons em muitas coisas, só
precisamos acreditar — admito encarando seus lindos olhos castanhos. — Você acredita em
mim? — pergunto e aguardo enquanto ouço meu coração pesado em meu peito, estou
apavorado e me sentindo nu na sua frente, jamais tive esse tipo de conversa com nenhuma
outra garota.
— Eu acredito — ela diz, respiro aliviado e a puxo para mais perto, envolvendo suas coxas
com minhas mãos e as colocando em cima do meu colo.
— Volta pra casa — peço, sussurrando, implorando. — Por favor, me perdoa e volta pra
casa — repito e gosto de como a palavra casa parece completa dita nesse momento, como se
ela fosse a peça que sempre faltou nela, aqui, em todo lugar.
Seguro seu rosto e apoio minha bochecha na sua, fecho os olhos e inspiro seu cheiro de
banho, o meu cheiro em seus cabelos, e ouço sua respiração forte em minha pele.
— Eu volto — ela diz enquanto suas mãos passeiam em meu corpo, lentamente, me
torturando.
— Não faz mais isso. — Enfio meu nariz em seus cabelos e ela se encolhe. — Não foge de
mim, Moranguinho, não me deixa mais sozinho — continuo falando enquanto encaixo minhas
mãos em sua bunda e a trago para o meu colo, Luana envolve meu pescoço e seguro sua nuca
mantendo-a perto de mim. — Não faz mais isso comigo.
Afasto-me e olho em seus olhos, ela respira rápido e seus olhos caem em minha boca,
como se precisasse dela na sua. Sem pensar mais em nada, eu faço o que seus olhos pedem e a
beijo. Devagar, saboreando seus lábios e ouvindo seus gemidos, enquanto espalmo minha mão
em seu seio.
— Porra, Moranguinho — sussurro quando sinto sua mão passeando pelo elástico da
minha calça. Perto, perto demais.
Inclino-me para beijá-la, mas Luana espalma uma mão em meu peito me afastando.
— Eu não quero te machucar — ela diz enquanto, com a outra mão, toca os meus curativos
como se ela estivesse sentindo a minha dor. Afasto seu sutiã e acaricio seu mamilo,
estimulando-a e observando seus olhos se fecharem de prazer.
— Dane-se a dor, eu preciso de você, Luana, antes que eu enlouqueça.
— Mas e se você piorar... — ela diz entre um gemido e outro.
— Só tem uma maneira de piorar. — Continuo tocando-a, um pouco mais forte, e ela
prende o ar. — Se eu não te beijar agora.
Luana se inclina sobre mim e seu lábio doce e delicado toca o meu, ela me beija com tanto
desejo, que perco os sentidos por um instante.
— Ai, meu Deus, eu te machuquei? — Ela se afasta e coloca a mão em meu nariz.
— Cale a boca e me beije, Moranguinho! — exijo enquanto me deito trazendo-a junto
comigo.
Luana é cautelosa e tenta se levantar, mas cravo meus dedos em seu quadril mantendo-a
exatamente onde preciso dela.
— Pete... — ela me alerta e gemo de frustração.
— Eu estou bem, Luana, não quebre o clima ou você vai ver o primeiro caso de morte por
tesão. — Ergo-me beijando seu pescoço e ela se inclina para trás numa gargalhada que me faz
sorrir. Porra, sorrir dói.
— Pete, você não existe.
— Existo sim. — Ergo um pouco meu quadril esfregando-o nela. — Existo e estou louco por
você.
Passo minha mão por sua nuca e a puxo de volta para os meus braços beijando-a,
ignorando a dor que sinto, porque o desejo por essa garota é demais para me importar com
isso agora, pressiono meu corpo no dela e sinto o seu se arrepiar com o toque das minhas
mãos.
— Pete... — ela choraminga e calo seus pedidos com minha boca.
— Eu senti tanta falta do seu beijo. — Ergo sua camiseta e espalmo minhas mãos em suas
costas trazendo-a de encontro ao meu peito. — Cheguei a pensar que era tudo fruto da minha
imaginação. — Beijo seu pescoço, mordiscando e lambendo a região. — Fruto do meu desejo
por essa garotinha petulante que me provoca — sussurro em seu ouvido, depois mordo sua
orelha enquanto ela se contorce em meu colo. — Essa garota mimada, deliciosa e que me leva
à loucura.
Retiro sua camiseta jogando-a em qualquer lugar. Baixo meus olhos para os seus seios e
não consigo não sorrir.
— Eu sabia... — Passo meus dedos na curva do seu seio até a borda da meia taça de
algodão coberto por pequenos bonecos do Mickey.
— Eu tenho muitos sutiãs sexys só pra você saber, tá? — Ela se ergue colocando as mãos
na cintura e mordo o lábio tentando não rir, mas ela é tão linda assim, toda menininha sexy que
eu não resisto.
— Eu tenho certeza de que tem. — Passo os nós dos meus dedos pelo tecido e sinto seus
mamilos enrijecerem. — Mas eu adorei esse daqui. — Molho os lábios enquanto olho para ela,
sentada em meu colo, e me pergunto se tem ideia do quanto me enlouquece. — Esse é
exatamente o sutiã que a minha Moranguinho usaria.
Afasto o sutiã deixando seus seios expostos e me ergo beijando-os. Luana me abraça, beija
meu ombro, arranha minhas costas enquanto sugo, beijo e mordo-a. Com uma mão solto o
fecho e retiro a peça deixando a parte de cima do seu corpo completamente nua.
— Você adora eles, não é? — ela diz erguendo uma sobrancelha enquanto me observa
tocá-la.
— Adoro, sou louco por eles. — Deixo um beijo no topo de um seio. — Mas também sou
louco por ela. — Envolvo sua bunda em minhas mãos. — E tenho certeza de que vou amá-la
também — digo quando minhas mãos escorregam entre suas pernas.
— Pete... — Ela crava as unhas em minhas costas quando repito os beijos no outro seio.
— Shhh... eu estou aqui. — Beijo-a sugando seus gemidos e sentindo seu quadril se mover
em minha ereção. — Enlouquecendo de tesão, mas ainda estou aqui.
Não sou uma garota totalmente inexperiente no que diz respeito a garotos, já cheguei bem
longe com alguns, principalmente com Felipinho, meu primeiro amor, mas nunca me senti tão
desejada, sexy e excitada em toda a minha vida.
— Enlouquecendo de tesão, mas ainda estou aqui — ele diz com a voz rouca e fecho os
olhos absorvendo as palavras.
Passo a língua nos lábios enquanto sou devorada por seus olhos e torturada por suas mãos,
até que Pete se vira me colocando deitada no sofá. Ele se ergue sobre mim e o peso do seu
corpo sobre o meu é tudo o que sinto nesse momento, acaricio seu peito porque sou incapaz de
me manter longe dele por muito tempo, contorno a tatuagem e admiro sua beleza. Mesmo
todo machucado, ele ainda é o cara mais bonito do mundo para mim.
— Sou louco por você, Moranguinho — ele diz enquanto acaricia meu cabelo afastando-o
do meu rosto. — Você não tem ideia do quanto.
— Então prove, Peterson, me mostre o quanto você é louco por mim. — Enrosco minhas
pernas em seu quadril e meus dedos em sua calça puxando-o para mais perto de mim.
Pete abre a boca como se estivesse em busca de ar quando minhas mãos o tocam e, antes
que eu possa dizer algo, seus lábios estão de volta nos meus. Selvagens, exatamente como eu
imaginava, e não poderia ser diferente, esse é o Pete, sem rodeios, sem cerimônia, cru,
primitivo, intenso. Essa é a essência dele e isso me deixa ainda mais enlouquecida.
Sua mão desce até minha calça e sinto meu corpo todo tremer em antecipação ao que vai
acontecer. Eu finalmente vou realizar o desejo mais esperado da minha lista e com o cara mais
incrível do mundo.
Ele continua me beijando enquanto seus dedos passeiam por dentro da minha calça,
chegando até a minha calcinha de algodão e depois...
— Pete... — o chamo e ele ergue a cabeça.
— Oi, Moranguinho. — Seus dedos param no lugar e o calor do seu toque é quase
doloroso, Pete deita a cabeça em meu peito tentando controlar a respiração quando percebe
que estou travada. — Não me diz que você vai fazer isso, por favor... — ele fala ainda com a
cabeça enterrada entre meus seios. — Sou um pobre homem cheio de dor e desejo. Se você
fizer isso comigo, eu acho que vou morrer — ele continua e começo a rir agarrando seu pescoço
e beijando seus cabelos.
— Oh, pobrezinho... — digo quando ele olha para mim com aquela tala no nariz.
— Estou sofrendo, Moranguinho, me ajude a sanar minha dor.
— É feio usar sua condição para me seduzir, sabia? — brinco com um sorriso, mas ele se
afasta.
— Luana, estou brincando, eu posso parar agora se quiser. Ah, porra, eu não posso. — Ele
abaixa a cabeça mais uma vez e balança inconformado. — Mas eu paro, mesmo sabendo que
vou ficar com as bolas doendo por semanas, eu paro agora. — Ele se afasta de mim começando
a se levantar, mas o seguro no lugar.
— Cale a boca, Peterson! Quem disse que eu quero que pare?
Ele sorri e volta a me beijar, dessa vez com calma, enquanto puxa minha calça para baixo e
beija meu umbigo circulando a língua no piercing.
— Eu já te disse que adoro piercing?
Nego com a cabeça.
— Eu preciso de provas, Pete, provas — brinco e me contorço quando ele chupa o metal
causando uma sensação dolorosa.
— Porra, como eu adoro isso!
Ergo o quadril involuntariamente enquanto ele brinca com o meu piercing e prendo meus
dedos em seus cachos rebeldes fazendo um agradecimento mental a Deus por ter inventado
algo tão lindo. Sério, o Senhor caprichou aqui, viu? Pete ri em minha barriga como se ouvisse
meus pensamentos e seus olhos claros se encontram com os meus um instante antes dele
voltar a me despir. Ele se livra da minha calça e, mais uma vez, me observa. A expressão de dor
volta ao seu rosto machucado, sua mão encontra o elástico da minha calcinha novamente e ele
ergue a sobrancelha.
— Conjuntinho. — Ele olha para o sutiã no chão e volta a olhar para a minha calcinha, é do
Mickey, mas ao menos é pequena o suficiente para não ser infantil.
Pete coloca um dedo em cada lado da minha calcinha e estamos tão envolvidos que não
somos capazes de ouvir nada além do som das nossas respirações. O mundo havia
desaparecido, e antes que Pete consiga tirar a última peça de roupa ouvimos a porta sendo
forçada, ele se levanta soltando minha calcinha e gemo, frustrada.
Ficamos um segundo em silêncio, parados como duas estátuas esperando que, seja lá
quem for, desista e nos deixe a sós novamente, mas claro que a pessoa não desiste. Ao
contrário, começa a bater na porta com força.
Ah, não... Eu devo ter jogado pedra na cruz, só pode! Quem poderia aparecer na casa dos
outros a essa hora?
— Pete, você está aí? — A voz feminina que chama por ele do outro lado da porta
responde a minha pergunta.
É Bianca.
Ele se levanta em um pulo quando reconhece a voz, deixando-me tonta e sem rumo. Pete
cambaleia até a porta nitidamente desorientado, no caminho pega minha blusa e meu sutiã e
joga em minha direção. Levanto-me e me visto rapidamente sob o olhar assustado dele. E
quando estou completamente vestida, ele abre a porta.
— Pete, a chave não estava no lugar e eu... Jesus amado, o que aconteceu com seu rosto?
— Bianca joga a bolsa no chão e estica o braço para tocar o rosto dele. — O que é isso em seu
nariz?
— Calma, eu estou bem. — Ele se afasta e olha em minha direção, como se quisesse dizer
que eles não estão sozinhos.
— Como bem? — Bianca continua e seu rosto está tão pálido, que parece que vai desmaiar
a qualquer momento. — O que foi isso?
— Um acidente.
Abaixo o meu rosto encarando minhas mãos que ainda tremem e ouvindo meu coração
que ainda não percebeu que nosso momento acabou.
— Por que você não me ligou? Meu Deus, seu rosto está horrível! A Diana já sabe sobre
isso? Pete, você se meteu em uma briga?! — Ela está assustada e agora eu entendo o porquê
do seu exagero.
— Bia... Bia... — Pete a chama e só então ela nota que não estão sozinhos.
— Luana? Você está aqui? — Ela parece surpresa com a minha presença e começo a me
preparar para a maior surra da minha vida. Nunca serei capaz de bater em uma mulher do
tamanho dela.
— Oi, Bianca. — Ergo a mão e me encolho já sentindo o golpe que virá.
— Eu me meti em uma confusão ontem em um bar — Pete se apressa a falar. — Acabei
saindo na mão com uns caras.
— Você se meteu em uma confusão? Que horas? E que bar? — Bianca continua com suas
perguntas nitidamente sem acreditar nele e Pete começa a ficar irritado.
— Eu tinha bebido um pouco a mais e... — Ela observa Pete explicar o que houve como
quem ouve uma criança se defender. — Eu estava levando a Luana pra casa e... — Ele se enrola
cada vez mais e Bianca parece não acreditar em nada. — Na verdade, eu estava com a Luana,
havíamos discutido e eu fui pedir desculpas, já estava levando-a para casa quando uns caras me
provocaram e aí aconteceu isso.
Droga! E lá se foi a brilhante história de Giovana.
— Bom, agora que você chegou eu já posso ir, ele precisa descansar, passou por uma
cirurgia e... — Aponto para o nariz dele enquanto pego minha mochila e calço o tênis.
— Cirurgia? — Bianca grita e volta a olhar para Pete.
— Foi só uma hemorragia nasal — ele justifica como se não fosse nada.
— Mas ele perdeu muito sangue — completo. — Teve que fazer transfusão e está um
pouco fraco, deve permanecer na cama — enfatizo. Em outras palavras, tire sua mão cheia de
dedos de cima dele.
— Ah, pelo amor de Deus! Parem vocês duas, não sou feito de vidro, não vou morrer
porque quebrei a porra do nariz. — Pete ergue as mãos no ar, irritado, e ignoro sua ceninha.
— E a Diana? Ela já tá sabendo disso? Você sabe que sua mãe vai pirar quando te vir assim.
Droga, Pete, você só faz merda!
— Eu estou bem, caralho! Eu estou bem, apenas um pouco cansado de tudo.
Ele começa a se alterar e decido que esse é um bom momento para ir embora.
— Eu já vou, se cuida e não esquece de tomar os remédios — falo desviando o olhar da
imagem de Pete e Bianca.
— Luana... — ele começa a falar, mas não deixo.
— Pete, eu preciso ir, não esquece de voltar no hospital amanhã, os exames estão ali. —
Aponto para a mesa.
— Valeu por tudo — ele diz e eu o ignoro porque, nesse momento, estou com vontade de
acertar o seu nariz com minhas próprias mãos.
— Obrigada por ter cuidado dele — Bianca diz quando passo pela porta e esbarro no
entregador.
— Ah, que ótimo! O jantar de vocês acaba de chegar. Bom apetite! — ironizo. — Ajuda ele
a manter a casa limpa que já vai ser maravilhoso.
Saio sem olhar para trás, me sentindo péssima e sei bem o motivo. Não é só o Pete que
está quebrado, ele acabou de quebrar o meu coração em milhões de pedacinhos e eu tenho
dúvidas se um dia poderá ser consertado.
Assim que a porta se fecha, um silêncio devastador se apodera do meu peito e, mais uma
vez, sinto medo. Minha garganta seca, meu coração para de bater e me vejo novamente atado,
apenas presenciando a ida de alguém que amo sem conseguir fazer nada. Eu simplesmente não
consigo fazer porra nenhuma.
Serei capaz de descrever essa sensação até o último dia da minha vida. O medo
avassalador de perder Luana faz meu peito doer como há muito tempo não doía. É uma dor
conhecida, senti ela durante 19 anos, a odeio tanto que me impeço de seguir adiante por medo
de senti-la novamente. E mesmo assim ela me encontrou, e me acorrentou.
O medo. Um sentimento que paralisa, consome, absorve tudo de bom, nos cria uma ilusão
de incapacidade que nos faz acreditar que é real. É como um buraco negro que absorve tudo a
sua volta, sem permitir a chance de se proteger.
Um dia, eu terei que lutar contra isso, eu sei, claro, para viver tenho que correr riscos, e o
maior de todos é amar, doar-se a alguém, unir meu bem-estar ao de outra pessoa e isso me
assusta pra cacete, a dimensão do amor me sufoca, me dá medo. E eu volto à estaca zero me
permitindo ser sufocado pelo medo.
Como aprendi a conhecer tão bem meu maior inimigo? Terapia.
Não. Não foi por mim, claro que eu jamais colocaria meus pés em um consultório por mim,
mas por minha mãe eu precisei enfrentar o meu inimigo, e eu fui para a terapia. Lá descobri
que o medo é algo elástico, não há limites para ele, que, quanto mais eu o esticar, mais ele
aumentará.
Quando achei que já tive a minha dose de medo com a morte de Henrique, encontrei
minha mãe desacordada e o medo voltou ainda maior, perder Henrique foi um golpe duro para
nós, mas eu não suportaria perder a única pessoa que havia me restado. E foi por ela que
frequentamos juntos, por um ano, as torturantes sessões de terapia e, durante esse tempo,
aprendi a conhecer tão bem quem me amedrontava.
Quando Ricardo chegou em nossas vidas, senti que podia ficar em paz, ela estava segura
novamente e pude me permitir desligar, me aventurar, experimentar sensações que nada
tinham a ver com sentimentos, cumprir as promessas que fiz ao meu irmão. Eu tinha um plano
e estava indo muito bem.
Até o dia em que conheci Luana.
Fico ali, inerte, encarando a porta e sentindo o impacto de sua batida reverberar em meus
ossos, pensando na minha incapacidade de dar um passo, de ir atrás dela, de dizer que a amo...
Porra, eu realmente a amo? Isso que estou sentindo é mesmo amor? Insano, cruel e assustador,
mas ao mesmo tempo como uma tempestade de verão, intenso e refrescante, Luana refresca
meu coração e incendeia minha alma. E mesmo assim eu estou aqui, preso neste sofá, sentindo
meu nariz pulsar e meu coração, ainda acelerado pelo que quase fizemos, voltar ao ritmo
normal.
— Vai ficar aí parado igual um idiota? — Bianca me pergunta tirando-me do transe.
— Eu não consigo — falo tão baixo que não sei se ela ouviu, mas sei que entende. Durante
muito tempo ela me ouviu falar sobre os meus medos, ela sabe que eu não consigo.
— Se tinha alguma chance dessa garota ter alguma simpatia por mim, ela se foi hoje com
certeza. — Bianca se joga ao meu lado no sofá.
— Não se preocupa com isso, Bianca, acho que nesse momento sua raiva está destinada
somente ao idiota aqui.
— Não adianta, mulher apaixonada é possessiva e ela acha que estou no caminho dela.
Olho para a minha amiga tentando conter um sorriso que faz meu rosto doer.
— É sério, Pete, você precisa resolver as coisas com sua garota ou vou acabar apanhando.
— Você viu o tamanho dela? Você é quase duas vezes maior que ela, Bia — digo enquanto
minha mente viaja por seu corpo. — E ela não é minha garota.
— Ela é, você é o único que ainda não percebeu isso. — Bianca pousa a mão em meu
ombro como se tentasse me dar forças, seria cômico se eu não estivesse com tanta dor. — Eu
sei que você não estava em nenhum bar com ela, portanto pode começar a falar agora o que
aconteceu com sua cara.
Conto tudo para ela, ao menos a parte que eu me lembro, e enquanto eu gemo de dor
Bianca cai na gargalhada, rindo da minha falta de sorte com o tal do amor.
— Eu não tenho certeza, mas acho que Luana disse que me ama, ou foi isso ou eu estava
tão morto que comecei a delirar. Fiz um esforço danado pra dizer que sentia o mesmo, mas
acho que nada saiu da minha boca, depois ela choramingou e me pediu perdão. Foi o que me
falou o tempo todo.
— Tá aí, eu gosto dessa garota, ela é perfeita para você. Te faz ficar sem palavras — Bianca
caçoa de mim como se não ligasse para o que eu acabei de falar.
— Ela quase me fez ficar sem nariz isso sim. — Aponto para a minha cara. — Tive uma
hemorragia daquelas, fazia tempo que eu não sangrava assim.
— Não posso nem imaginar o desespero da coitada, deve ter achado que você estava
morrendo. — Bia se inclina para observar o estrago em minha cara.
— Eu acho que, dessa vez, foi por pouco. — Deito a cabeça no encosto do sofá quando
sinto algo molhado no curativo, impedindo que o fluxo de sangue comece a sair.
O sorriso de Bianca se desfaz e aquela cara de piedade que detesto surge, ela acaricia meus
cabelos e contenho a vontade de me afastar, eu queria Luana aqui de volta, queria suas mãos
em meu cabelo, queria seu corpo embaixo do meu, queria seu sabor em meus lábios... fecho os
olhos e a imagem inunda minha mente, seus lábios vermelhos entreabertos, sua respiração,
meu nome sussurrado... puta merda!
— Eu quase transei com ela — confesso como um criminoso que não suporta o peso de seu
crime. — Se você não tivesse chegado a tempo, eu... — Sinto a náusea e a tontura voltarem
com força total. O gosto enferrujado que eu tanto conheço também volta a se instalar em
minha boca. Meu corpo enfraquecido já dá sinais de que uma nova rodada está prestes a
começar e agradeço a Deus por Bianca ter nos interrompido, tudo o que eu não queria era
desmaiar em cima dela, banhado de sangue na nossa primeira vez.
A tontura se intensifica e é acompanhada de uma pontada forte no meu nariz, passo a mão
no curativo gemendo quando sinto meus dedos úmidos.
— Porra, acho que preciso voltar para o hospital. — Olho para a minha mão notando o
sangue vazando.
— E lá vamos nós outra vez! — Bianca se levanta e vai até o meu quarto, pega uma toalha,
os exames e as chaves do carro. — Vamos logo, seu bebê chorão, antes que eu ligue para a
Diana. — Ela me entrega a toalha e abre a porta esperando que eu me levante.
Eu mereço...

O bipe baixo do hospital, aquele suave barulho de passos no corredor, até mesmo o
contato das luvas dos enfermeiros com minha pele sempre me deu agonia, odeio hospitais com
toda a minha alma, odeio a sensação de fragilidade que sinto quando estou deitado em uma
cama hospitalar, sinto como se ficasse ainda mais doente, talvez o fato de ter passado toda a
minha vida dentro de um, primeiro por conta da hemofilia, depois por causa de Henrique, faz
com que esse lugar me apavore. Mais um item para a minha lista de coisas que tenho medo.
O pobre Henrique passou a maior parte da sua vida em um hospital, e mesmo assim era
um garoto divertido e feliz, ao contrário de mim que sempre fico insuportável quando sou
obrigado a ficar em um.
Porra, que saudade daquele moleque! Já se passaram quase seis anos. A dor, o luto, as
lágrimas se foram com o tempo, mas a saudade, essa não vai embora nunca, é como uma brisa
fria, chega sem avisar e me faz estremecer ao me lembrar de que não sou completo, que
sempre faltará algo em minha vida.
Fecho os olhos me afundando nesse sentimento sabendo que não devo me deixar ir por
esse caminho, mas nesse momento tudo o que mais quero na vida é mais um momento com
ele, eu o quero aqui comigo, me provocando e sabendo exatamente como me sinto. Ele saberia
o que dizer.
Fecho meus olhos sentindo a sonolência dos medicamentos me dominarem enquanto
observo a enfermeira andar pelo quarto. Tento manter os olhos abertos, quero pedir meu
telefone, quero falar com a Luana, quero ela aqui, mas meu corpo não me obedece mais e
acabo cedendo ao torpor.
E é quando ouço sua voz.
— Alguém que faz uma coisa dessa nessa sua cara de pau merece meu respeito. — A voz
rouca, juvenil e esquisita dele me faz sorrir e, por um instante, permaneço com os olhos
fechados, com medo de abri-los e não o encontrar. — Essa garota merece meu total e absoluto
respeito. Acho que finalmente você encontrou.
Abro os olhos e ele está sentado na ponta da minha cama olhando para a minha cara com
um sorriso satisfeito.
— Ela é sim, como também é um inferno de chata, igualzinha a você. — Aponto o dedo
para ele. — Acho que vocês se dariam muito bem.
— Isso eu tenho certeza, pra ser sincero acho que você não teria a menor chance com essa
gata se eu estivesse no páreo — ele diz com um sorriso convencido.
— Pensando bem, acho que ela fugiria depois de meia hora na agradável companhia dos
irmãos mais fodidos desse mundo.
Henrique ri, e eu até que tento, mas a dor me faz perder a vontade, ficamos em silêncio um
momento, ele me olha como se soubesse que não adianta falar que vai passar, nós dois
sabemos que não vai. Por um tempo achamos que está tudo sob controle, até a próxima crise, a
próxima pancada, o próximo desmaio e então caímos na real que nada é normal.
— Odeio transfusão, com todo o meu coração, essa porra me deixa mole e sonolento.
— Eu também odeio... — ele responde e passa a mão boa na curva limpa do seu braço.
Henrique tem um olhar tranquilo e só então percebo que seu rosto está livre de
deformações e dor, os olhos esverdeados estão vivos e alertas, ele está sentado na ponta da
minha cama, não em uma cadeira de rodas, seu tronco está ereto e seu sorriso torto está
finalmente no lugar. Ele é um moleque bonito pra cacete.
— Você tá uma merda hoje... — ele volta a deixar a conversa leve. — Não me lembro de te
ver assim antes.
— É, eu precisava de um descanso, as mulheres não estão me dando sossego — brinco
com a minha situação.
Rick se levanta e caminha até mim e tenho vontade de chorar ao ver como ele é alto agora
que está livre de toda aquela merda que o levou embora de mim.
— Não é da sua cara horrorosa que eu tô falando, porque isso aí não tem conserto. Eu tô
falando disto aqui. — Ele coloca o dedo em meu peito e faz uma careta. — Deixa de ser um
molenga e fala pra ela o que você tá sentindo aí dentro.
— Eu disse, Rick.
— Disse? Tem certeza?
— Eu disse do meu jeito — me defendo.
— Então vamos rezar para a garota ter uma bola de cristal em casa, ou você tá ferrado.
Baixo o olhar vencido por aquele moleque mais uma vez. Ele sempre vence, mesmo agora.
— Deus é muito injusto, deixar uma gata cheia de atitude se interessar por um mané igual
a você. Se fosse eu, ela já estaria no papo há um tempão.
Sorrio sabendo que seria exatamente assim, caso ele tivesse tido essa chance com as
garotas. Ele seria muito melhor que eu. Se tinha uma coisa em que Rick era bom, era em se
comunicar, talvez a limitação física tenha permitido que sua mente fosse livre e ele conseguia
dizer as coisas certas sempre. Ao contrário de mim, que, sempre que precisei, era como se meu
cérebro sofresse uma pane e eu simplesmente não conseguia falar nada útil.
— Não faz isso com você, Tito, chega de se esconder, agora não tem mais nenhum moleque
zuado pra você cuidar, a mãe tá feliz e chegou a hora de cuidar de você e desse coração.
— Eu... — Sinto um nó se formar na minha garganta quando a verdade vem à tona. — Eu
tenho medo de perdê-la, Henrique. Não posso mais perder ninguém.
— Você precisa ganhar ela primeiro, seu idiota! — Henrique fala com toda a sabedoria que
sempre teve. — Precisa que ela seja sua antes de se permitir ter medo de alguma coisa.
— Eu não sei como fazer isso. — Minha voz começa a ficar uma droga e falta pouco para
que eu comece a chorar. Que maravilha!
— Apenas faça com que ela fique. Deixe que ela saiba que você a quer. Não tenha medo de
viver.
— Você tem razão, eu vou tentar.
— Promete, babaca? — Ele cruza os braços no peito.
— Prometo, eu prometo que vou lutar por ela, do meu jeito, mas vou.
Henrique abre um sorriso largo e fico feliz em saber que ele finalmente está em paz. A
saudade aperta. Tento me erguer para abraçá-lo, mas não consigo me mexer, estou muito
dopado.
— Sinto sua falta, moleque — falo permitindo finalmente que a saudade se transforme em
lágrimas e sentindo o efeito dos analgésicos me levarem para outra dimensão. — Sinto tanto
que dói.
— Eu também, seu molenga — ele diz, e noto que está tranquilo enquanto me observa
chorar. Por um momento desejo ir com ele, sentir essa calmaria em meu peito e não precisar
mais lutar contra os meus medos. Quero que Henrique me leve com ele e isso é uma merda.
— Sinto sua falta — repito mais uma vez enquanto meus olhos perdem o foco.
— Eu também...
Estendo minha mão para alcançá-lo, mas não consigo tocá-lo, ele está me deixando... mais
uma vez.
Não me lembro de como cheguei em casa, apenas mantive o movimento de colocar o ar
para dentro do meu pulmão enquanto tentava não chorar no meio da rua, e isso foi tudo o que
consegui fazer. Também não me recordo muito bem como foi o dia seguinte, nem o outro ou
qualquer um da semana.
A notícia sobre o que aconteceu com Pete chega logo na manhã seguinte. Diana quase
enlouquece quando sabe que seu filho foi “brutalmente agredido”, esbraveja a todo instante
que os culpados devem ser punidos sem saber a verdade, agradece a Deus por não ter
acontecido nada comigo e se desculpa pela impulsividade do Pete.
Fico sabendo que, naquela mesma noite, Pete voltou para o hospital com mais uma
hemorragia nasal e me sinto culpada. E vingada.
Sinto uma vontade louca de ir com Diana ao hospital, mas, assim que ouço a voz de Bianca
do outro lado da linha, desisto. Sua estadia no hospital dessa vez dura mais dois dias e imagino
o quanto ele deve ter ficado furioso. Diana está uma pilha de nervos, eu a compreendo; perder
um filho e ter outro doente. Por mais que ele diga que sua doença é controlada, para Diana é
muito difícil, me comovo por ela.
Diana me conta como era a sua rotina, me explica que é normal para o seu filho fazer
transfusões e que essa semana ele precisa de um pouco mais de cuidados, mas que, no geral,
Pete leva uma vida normal.
Recordo-me da noite em que o vi se medicando na cozinha e achei que era droga. Pete,
como sempre, não tentou se defender, apenas aceitou o que julguei sem questionar, me
pergunto se ele é assim na vida ou se foi apenas comigo.
Conforme os dias se passam, as notícias são cada vez mais positivas e ainda não o vi. Nem
um telefonema, nem uma mensagem, absolutamente nada.
Eu e Diana ficamos um pouco mais próximas, sem que percebamos nos falamos mais e
mais, até que estar com ela se torna tão natural que eu mal consigo me lembrar da raiva que
sentia pela mulher que criei em minha cabeça.
Papai não ficou bravo por causa do carro, ao contrário, ele diz que fui muito corajosa e que
tem orgulho de mim. Pete fez questão de pagar o conserto, assim que saiu do hospital, mas
meu pai não aceita.
Minha mãe ficou preocupada e lamentou muito pelo que aconteceu ao Pete, graças a
Giovana todas as evidências desapareceram e, tirando o elefante indiano que sumiu
misteriosamente, nada foi descoberto. Tenho que admitir que pedi que ela mentisse para não
preocupar ninguém, a pedido de Pete, e todos entenderam.
Alex aparece em casa duas noites depois, ele está calado e não consigo me esforçar para
melhorar o clima, não nos beijamos, ele sequer se aproxima e sinto como se ele soubesse de
algo.
— Luana... — Sua voz está carregada de tristeza e me sinto mal porque sei como essa
conversa vai terminar. — Acho que precisamos conversar. — Ele sorri enquanto chuta uma
pedrinha no chão.
— Precisamos.
— O que está acontecendo? — ele me pergunta sem rodeios.
— Eu não sei, acho que confundimos as coisas — digo encarando os meus sapatos.
— Eu não confundi nada, sempre soube o que eu queria, desde aquele voo.
— Alex...
— Eu acho que você não está certa do que está fazendo, eu entendo, só não quero ser
enganado.
— Você não vai — prometo erguendo a mão para segurar a sua. — Eu te adoro, Alex.
— Eu também.
— Só não é como eu gostaria que fosse — admito sem saber como não magoar alguém que
não merece e que se tornou tão importante para mim. — Eu sinto muito — sussurro.
— Tudo bem — ele diz tentando ser forte. — Eu compreendo, acho que é melhor eu me
afastar um pouco.
Concordo, balançando a cabeça, porque não consigo falar, sinto as lágrimas inundarem
meus olhos e ele solta a minha mão.
Alex dá um passo para trás, suas mãos correm para os seus cabelos e, quando sai
derrubando suas mechas negras perfeitas, sinto como se eu o ferisse de alguma forma e isso
está me matando.
— Eu queria muito que isso desse certo, mas não posso ficar aqui e ver você cada dia mais
distante.
— Eu te entendo. — Sinto meu coração pesado com a culpa.
Alex se abaixa para poder olhar em meus olhos e o sorriso que ele me dá faz com que eu
tenha vontade de arrancar meu coração do peito e dar para ele.
— Eu te adoro, Lu — ele admite enquanto acaricia meu rosto. — Mas não é o suficiente
para continuar com isso.
— Eu entendo — repito, porque não sei mais o que dizer.
Alex se inclina e beija a minha boca, um beijo frio e triste, um beijo de despedida.
— Desculpa. — Ele apoia a testa na minha e sinto uma lágrima cair em meu olho. — Eu
tentei, mas não dá, preciso ir.
— Tudo bem. — Sorrio tentando fazer parecer normal, mas, no fundo, meu lado egoísta
grita para que eu não o deixe ir. Porque eu preciso da sua calmaria e do seu aperto firme em
minha mão.
— A gente se fala. — Ele se levanta e vai embora, permaneço sentada nos degraus da casa
do meu pai enquanto vejo o melhor garoto que já conheci na minha vida ir embora. E nesse
momento eu percebo que o amo, não da maneira como amo o Pete, mas de uma forma suave,
doce. É um amor que me faz bem, que me completa, que me tranquiliza. Mas não é o que faz
meu coração bater.
Sei que ainda terei a sua amizade, só espero que eu não esteja fazendo a escolha errada.
A semana seguinte passa rapidamente, aos poucos a vida volta ao normal, uma mensagem
de texto chega dois dias depois que o Pete recebe alta do hospital e me pergunto quem nesse
universo ainda manda mensagem de texto. Pete, é claro!
Olho para o seu número na tela do celular e, por mais que eu queira estar com raiva dele
durante todo esse tempo, uma parte de mim sabe que eu não tenho esse direito, Bia é a
namorada dele e eu estava agarrando-o como uma cadela no cio no sofá da sua casa, enquanto
ele estava mal.
Meu coração acelera quando leio sua mensagem:

PETE: Me perdoe.

Duas palavrinhas, que dizem tanto e ao mesmo tempo absolutamente nada, vagas e cheias
de sentido.
Escrevo dezenas de respostas, durante o dia inteiro, algumas enormes, outras apenas
poucas palavras, um emoji ou um simples OK, como ele costuma dizer sempre, mas não consigo
mandar nenhuma. Só à noite, enquanto estou relendo as duas palavras pela milionésima vez,
que crio coragem em digitar algo:

LUANA: Você está bem?


Não era o que eu tinha em mente, eu sei que ele está bem, Diana acabou de chegar há
pouco e me disse que ele está medicado e sem dor.

PETE: Já estive melhor.

Ele manda de volta:

PETE: Já estive pior também.

Meu coração afunda no peito e tento pensar em algo engraçado para dizer, mas não sou
bem-humorada e não consigo pensar em nada além daquele monte de hematomas que estão
no seu rosto por minha causa.

PETE: Moranguinho...

Ele envia enquanto estou divagando sobre meu remorso e completa:

PETE: A gente precisa conversar.

Respiro fundo sabendo que precisamos, mas ao mesmo tempo estou morrendo de medo
do que terá no fim dessa conversa.

LUANA: Eu sei.

Respondo e ele me manda um joinha, uma mísera mão com o polegar para cima é a forma
como ele termina a nossa conversa e me sinto frustrada. Desligo a luz do abajur me obrigando a
acreditar que, para o Pete, não significa nada além de um “beleza, legal, a gente se fala” e que,
em breve, vamos resolver tudo isso.

No sábado, à noite, estou no meu quarto terminando de me arrumar para a festa de


formatura enquanto penso na ironia da vida. Passei todo o ensino médio esperando por esse
dia e agora tudo o que mais quero é ficar em casa assistindo uma série qualquer e comendo.
Talvez seja o início da vida adulta, a tal maturidade. Ou talvez seja apenas tristeza, saudade e
remorso.
Olho-me no espelho pela última vez enquanto ouço a campainha tocar. Alex chegou,
porque, embora não estejamos mais juntos, ele é um verdadeiro cavalheiro e se dispôs a ir
comigo na festa mesmo assim e, por mais que eu deseje ficar em casa, ele não merece que eu
faça isso. Então respiro fundo, pego minha bolsa e abro a porta do meu quarto para dar de cara
com a última pessoa que eu esperava ver nesse momento.
— Desculpa. — Pete ergue a mão como se fosse me tocar, mas a abaixa quase que
imediatamente. — Eu não quis te assustar.
— Não me assustou. — Tento sorrir, mas não consigo quando meu coração bate tão forte
que acho que ele pode ouvir.
Pete me observa sem disfarçar e, pela primeira vez no dia, gosto do que estou usando. O
vestido que comprei foi confeccionado com um único intuito: “atrair olhares”; e nesse
momento constrangedor, enquanto estamos em silêncio, sei que consegui meu objetivo.
Olho para o rosto dele e fico feliz em ver que seu nariz está no lugar, perfeito, sem
nenhuma anomalia, apenas há um hematoma levemente amarelado em seu rosto.
— Você parece estar bem. — Aponto meu dedo trêmulo para o seu rosto.
— Sim, eu estou.
Faz apenas alguns dias desde que o deixei naquele sofá e saí correndo da sua casa, mas
para mim é como se eu não o visse há anos. Ele parece mais magro, a camiseta branca parece
maior e a calça esquisita que ele tanto gosta está caindo um pouco em seu quadril.
— Você está linda — ele diz com a voz um pouco grave e baixa.
— Obrigada — respondo sentindo a distância entre nós.
— Eu gostaria muito de conversar com você. — Ele coloca a mão na nuca enquanto olha
para os pés descalços e me pergunto há quanto tempo ele está aqui em casa. — Mas acho que
cheguei na hora errada.
— Hoje é a formatura. — Aponto para a minha roupa.
— Eu me esqueci. — Ele bate na testa e o som da campainha faz com que ele dê um passo
para trás. — Acho que é para você. — Ele aponta para a escada e confirmo com a cabeça.
— Sim, é o Alex, ele... eu... — não consigo falar e entender por que me sinto mal por estar
indo a uma festa com o Alex quando ele tem uma namorada.
— Claro, o galã... — ele o chama pelo apelido que deu ao Alex quando se conheceram. Mas
não consigo encontrar a mesma forma provocadora de sempre. É como se o Pete que eu
conheci houvesse morrido ou, talvez, esteja finalmente se mostrando para mim.
Sinto vontade de dizer a ele que somos apenas amigos e que ainda vamos encontrar com
outras pessoas, que isso nada tem a ver com um encontro e que eu ainda espero conversar com
ele.
— Você vai ficar aqui? — pergunto cheia de medo porque não quero mais adiar nossa
conversa.
— Você quer que eu fique? — Ele parece animado com a perspectiva de me esperar e
confirmo com a cabeça.
— Sim — sussurro. — Por favor.
— Então eu fico. — Ele sorri e consigo finalmente respirar aliviada.
A campainha toca pela terceira vez.
— Eu preciso ir.
— Divirta-se.
Enquanto desço as escadas, sinto minhas mãos suarem e meu coração pulando, e, embora
saiba que essas reações nada tem a ver com o garoto gentil que sorri para mim quando abro a
porta, eu consigo me sentir melhor ao saber que Pete estará aqui me esperando.
A casa noturna está lotada, assim como o carro de Alex.
Pessoas bonitas, bem-vestidas, cheirosas, animadas, estão por todos os lados. Exatamente
o lugar onde Pete jamais se sentiria à vontade. Minha mente viaja até ele, imagino-o
esparramado no sofá, bebendo uma cerveja sem álcool — porque, embora não possa beber,
não resiste a uma —, vendo seriados ruins, tranquilo, sossegado, e tudo o que eu queria era
estar lá, ao seu lado, me aninhar em seus braços e inalar seu cheiro bom.
É assim que uma pessoa apaixonada se sente, sempre com vontade de estar ao lado de
quem se ama. E eu o amo, mais do que imaginei.
É isso, eu amo aquele debochado insuportável e cada dia que eu tentei negar esse
sentimento, ele se tornou maior, maior e maior até que ele tomou conta de tudo dentro de
mim e agora eu já não consigo mais negar. Eu amo o Pete, com todo o meu coração e hoje irei
dizer isso para ele.
Assim que chegamos, eu sou puxada para o centro da pista onde muitos dos meus amigos
já dançam e bebem. É uma noite de despedidas e comemoração, muita bebida e algumas
coisinhas a mais, que prefiro deixar passar. Em pouco tempo, estou cercada de pessoas com
quem passei grande parte da minha vida, mas que não significam nada para mim e eu sequer as
conheço.
Giovana, que já bebeu mais do que devia, vem até mim com duas taças de champanhe na
mão e um sorriso meio mole nos lábios.
— Amiga! Você está divina! — ela fala como se não conhecesse o vestido que estou
usando.
— Quantas dessas você já bebeu, Giovana? — pergunto aceitando uma das taças e me
refrescando com a bebida borbulhante.
— Ah, nem vem, hoje é dia de me divertir. — As palavras saem com dificuldade de seus
lábios enquanto ela começa a dançar derrubando um pouco do seu champanhe. — Essa noite é
minha! E nós duas somos dela. — Ela aponta para a pista e me puxa para um abraço
desajeitado.
Passamos a maior parte da noite dançando e bebendo. Pedro passa as horas em um sofá,
com os braços cruzados e uma carranca que deixa claro o quanto está insatisfeito com a
decisão da sua namorada de encher a cara; Alex está ao seu lado, mexendo no celular e
sorrindo para mim toda vez que dou um tchauzinho para ele.
Uma hora depois, sinto que a música está alta demais e o teto gira em uma velocidade que
me deixa um pouco nauseada. Meus cabelos, colados na nuca, começam a me incomodar e
meu salto já está jogado em algum lugar que não me lembro mais. Mas estou rindo mais do que
já ri a minha vida inteira e isso vale a pena.
O DJ decide tocar Prince sem saber que isso irá arruinar a nossa festa. Assim que as batidas
sexys de Kiss enchem a casa noturna que, nessa noite, está fechada apenas para nós, Giovana
sobe em uma mesa e começa a dançar como uma stripper fazendo pole dance e atraindo
olhares, assobios e, às vezes, elogios um pouco grosseiros demais para as suas pernas lindas. No
primeiro refrão, ela faz biquinho mandando beijos para a sua plateia e os garotos explodem em
delírio fazendo com que um Pedro muito furioso saia bufando como um touro feroz em direção
à namorada. Tudo piora quando um rapaz coloca uma nota dobrada na sandália dela, como se
Giovana fosse uma stripper, e suas mãos sobem sorrateiramente pelas pernas de minha amiga.
É o começo do fim...
Pedro avança para cima do rapaz, atingindo seu rosto com um soco certeiro e começa uma
briga que não dura muito, não que seja capaz de destruir o garoto, ele é, aliás, nesse momento,
acho que é capaz de destruir cada um dos caras que estão olhando para a Gi. Porém, um
segurança rapidamente se mete na confusão e retira Giovana de cima da mesa, ela se recusa a
descer e é carregada pelo grandalhão, que a joga no seu ombro como se ela não pesasse mais
que algumas gramas e é quando Pedro, o touro feroz, se transforma em um leão.
Pedro larga o garoto e parte para cima do segurança exigindo que ele tire as suas mãos de
cima dela, mas o que ele não esperava era que o brutamontes de 110 quilos o imobilizasse com
tanta facilidade, deixando-o em uma situação humilhante, Ele ainda tenta se soltar, mas outro
segurança chega levando-o para fora da boate.
O grandão coloca Giovana no chão e me aproximo ajudando minha amiga a se sentar. Ela
está tão bêbada, que nem se dá conta do que houve com seu namorado. Alex sai correndo
atrás do amigo, ele se vira para nós fazendo um gesto com as mãos indicando que me liga
depois, assinto e volto a dar atenção a Giovana, consigo convencê-la a ir ao banheiro e Laura,
uma garota legal que nunca falou conosco, nos ajuda.
— Ele é um filo da puda, eu num quiero maisss ssaber dele... nuuunca maissss — Giovana
choraminga enquanto tento jogar uma água em seu rosto. — Laurinha, pega xxxampanhe pa
mim. — Ela se vira para a garota assustada, que não sabe o que fazer, e nego com a cabeça
enquanto ouço o meu celular tocar. — Ó, se for pa mim, eu num tô. — Giovana aponta o dedo
na minha cara. — Eu num tô pa ninguém...
— Alô, Luana? — Alex grita do outro lado da linha como se tivesse dificuldade em me
ouvir.
— Não... peraí... — Giovana me interrompe puxando o celular para baixo. — É o Ian
Somerhalder? Se for ele, eu tô...
Reviro os olhos ignorando a bêbada chata em meus braços e tento ouvir o que Alex está
dizendo. Ele conta que está levando o Pedro para casa e me pede para esperar que logo ele
estará de volta. Desligo o telefone e me sento ao lado de Giovana apoiando a sua cabeça em
minhas pernas.
— Ih, desligou? Não era o Ian?
— Não, Gi, era o Alex.
Ela faz uma careta bonitinha e sou obrigada a rir enquanto a ouço reclamar de coisas sem
fundamento. Apoio minha cabeça na parede sentindo-a pulsar ao ritmo da música, Giovana
adormece e começa a babar em meu vestido. Meia hora se passa, Alex me liga mais uma vez
pedindo um pouco mais de tempo, Pedro está decidido a voltar e ele não sabe se é uma boa
ideia deixá-lo sozinho.
Desligo o celular e volto a apoiar a cabeça na parede, algumas meninas entram e vêm falar
comigo, outras nos olham feio e eu não me importo, eu nunca mais vou precisar vê-las
novamente. Depois de um tempo acabo adormecendo, mesmo com toda a agitação de entra e
sai, e acordo com o barulho do meu celular tocando.
— Alô? — falo um pouco alto.
— Onde vocês estão? — Alguém grita do outro lado e não consigo reconhecer a voz por
causa da agitação.
— Quem é?
— Onde vocês estão, Luana? — ele pergunta novamente e tenho dificuldade em acreditar
no que estou ouvindo.
A porta do banheiro se abre como se uma manada de búfalos estivesse passando, alto o
suficiente para assustar Giovana, que levanta do meu colo em um pulo. Pete está parado
desligando o celular sem olhar para dentro do banheiro.
— Precisa bater na porta! — Giovana grita assustada. — Quer me matar? — ela esbraveja e
noto que já não parece tão bêbada.
— Ah, ótimo, tá acordada? Assim não vou precisar te carregar no colo, vamos!
— O que você está fazendo aqui? — pergunto confusa com a sua presença.
— Será que dá para as mocinhas se levantarem desse chão antes que o segurança me tire
daqui?
Levanto-me ainda sem entender o que está acontecendo e ajudo Giovana, que não está
tão bem quanto eu pensava. Assim que passamos pela porta, Pete segura o braço dela a
mantendo em pé.
— O que você está fazendo aqui, Pete? — pergunto novamente enquanto seguro no outro
braço de Giovana.
Pete e sua cara feia abrem passagem por onde passamos, é como Moisés abrindo o mar
morto, só que, ao invés de um cajado, ele carrega minha amiga bêbada e resmungona.
— Vim arrumar a merda que vocês aprontaram — ele diz enquanto desvia de uma garota,
que está tão bêbada quanto Giovana. Ela o olha sem disfarçar e solta uma gracinha para Pete,
que a ignora, mas eu não. Assim que passamos, eu a fulmino com um olhar feroz que diz:
“mantenha distância”.
— Quem te mandou aqui? — pergunto enquanto Pete fala com um segurança. Ele nos
deixa passar e avisto o seu carro estacionado na frente da boate, como se já soubesse que o
resgate seria rápido.
— Seu namorado — ele diz ariscamente.
— O Alex? — pergunto confusa enquanto seguro Giovana, que tropeça.
— Por quê? Você tem outro? — ele cospe as palavras em baforadas enquanto ajuda
Giovana a entrar no carro, uma toalha de banho já está colocada no banco onde ela senta
resmungando palavras inaudíveis.
— Por que você está falando assim comigo? — Cruzo os braços sentindo o sangue
esquentar enquanto tento compreender de onde vem essa onda de... eu nem sei o que é isso,
seria ciúmes?
— Por quê? Vamos ver o porquê. Talvez seja porque eu fui chamado para resgatar duas
bêbadas de uma festa? — Ele ergue os olhos como se estivesse analisando a situação.
— Não precisava ter vindo — respondo ofendida e ele baixa o olhar me analisando como se
eu o tivesse insultado.
— E deixar vocês duas aqui, bêbadas e sozinhas? Tá louca? — Pete coloca os indicadores na
lateral da cabeça enquanto fala e ergo meu queixo.
— Eu não estou bêbada! — esbravejo irritada com suas conclusões.
— Eu posso sentir o cheiro daqui, Luana. — Ele aponta para o seu nariz recém-consertado.
— Eu não estou bêbada — reafirmo porque sou teimosa demais para admitir para esse
cara arrogante que estou meio tonta. Pete dá um passo para trás e apoia as duas mãos no capô
do carro deixando sua cabeça pender entre os ombros.
— Como você pode ser tão irresponsável? — ele fala sem me olhar. — E se algum babaca
se aproveitasse de vocês? — Pete completa e tenho a sensação de que está falando sozinho. —
Ninguém te ensinou que uma garota não pode ficar assim tão vulnerável?
— Eu não sei por que você está falando assim comigo, Pete, mas eu vou repetir: Eu. Não.
Estou. Bêbada! E ninguém ia me machucar, eu sei me defender.
Pete passa a mão no rosto, esfregando-o freneticamente, e se vira de frente para mim
encostando-se no carro e cruzando os braços no peito.
— Tá vendo por que eu odeio esses lugares? — Ele aponta para a casa noturna e sua
música agitada e abafada e desisto de discutir com ele. Pete é o cara mais teimoso que já
conheci na vida.
— Ok, Pete, deixa pra lá, vamos embora daqui.
Afasto seu corpo da frente da porta e estou quase entrando no carro quando ouço alguém
me chamar, viro imediatamente esperando encontrar algum colega da escola que tenha
encontrado os meus sapatos. Mas o que encontro é um rapaz alto, bonito e forte (eu digo
muito forte!) com um sorriso nos lábios enquanto acena para mim.
— Era só o que me faltava! — Pete resmunga erguendo os braços enquanto olha para ele.
Reconheço Felipinho, aquele que foi o meu primeiro amor, meu primeiro beijo, meu
primeiro fora... Enfim, ele está parado na porta da boate acompanhado de alguns rapazes que
entram, deixando-o para trás, e posso garantir que de Felipinho ele não tem mais nada.
— Felipinho? — Dou um passo para a frente para ter certeza de que estou falando com a
pessoa certa, ele está diferente, maior e mais bonito. Pelo visto tem gastado seu tempo livre
em academias e agora está ostentando seus músculos em uma camiseta tamanho PP, que dá a
impressão de que vai se rasgar a qualquer momento.
— Uau, você está uma gata! — ele diz enquanto me envolve em seus braços, que mais se
parecem troncos de árvore, e espalmo seu peito de aço me afastando um pouco quando ouço
Pete bufar atrás de mim.
— Obrigada, você também não está nada mal. — Dou um passo para trás e tenho a
sensação de que Pete tem poderes, porque posso jurar que sinto o calor do seu olhar em mim.
— Você está chegando agora? — ele pergunta entusiasmado e sinto o meu estômago se
agitar.
— Não, na verdade eu estou indo embora. — Aponto o polegar para o carro, no caso dele
ainda não ter notado essa banheira parada aqui na frente da boate.
— Já vai? Poxa, acabei de chegar! — ele lamenta e ergue o queixo para o carro. — Carro da
hora, hein.
Tento não revirar os olhos e posso jurar que ouço Pete rosnar.
— Ah... valeu — Pete responde sem interesse. — Luana! — ele me chama fechando a porta
do carro com tanta força que acho que ela nunca mais se abrirá.
— Eu preciso ir, Felipe. — Dou mais um passo para trás e coloco uma mecha de cabelo
atrás da orelha completamente constrangida.
— Ah não... fica mais um pouco. — Suas palavras estão cheias de segundas intenções e fico
ainda mais sem graça quando bato as costas em um Pete carrancudo e de braços cruzados,
parado bem atrás de mim.
— Pete, esse é o Felipe, um amigo. — Deixo a frase inacabada e me viro para o Felipe. —
Felipe, esse é o Pete...
Felipe estende a mão, com seu braço flexionado evidenciando o bíceps malhado, como se
quisesse chamar Pete para uma “queda de braço”, Pete o olha com tanto desprezo que me
encolho, a mão fica estendida por tempo suficiente para deixar Felipe sem graça e recolhê-la
limpando-a na calça e me dando um sorriso envergonhado.
— Tudo bem aí? — Felipinho pergunta e, mais uma vez, fica sem resposta. Reviro os olhos
sem paciência para as grosserias do Pete, que caminha em direção ao carro ignorando o rapaz.
Giovana continua resmungando alguma coisa e eu quero virar um micróbio e sumir de tanta
vergonha.
— Nervosinho seu namorado, hein? — Felipe comenta e rezo a Deus para que Pete não
escute.
— Ele não é meu namorado — corrijo-o, irritada e envergonhada demais. — Eu tenho que
ir, Felipe, foi um prazer revê-lo.
Ele me dá mais um abraço e mantém a mão em minha cintura enquanto fala:
— Tem certeza de que não pode ficar mais um pouco, eu te levo depois?
A ironia da vida... Alguns anos atrás, eu daria tudo por essa oportunidade de ficar com o
Felipinho e agora sinto que ele vai me trazer problemas dos grandes.
— Obrigada, mas eu preciso ir, eles estão me esperando. — Olho em direção ao carro no
momento em que Pete dá a partida e acelera exageradamente, como um bom garoto de cinco
anos. — Felipe, a gente se fala, tenho que ir. — Me solto de seus braços malhados e corro para
o carro.
— Aquela é a Giovana? — Felipe pergunta se abaixando um pouco para olhar no banco de
trás do carro.
— É sim! — grito enquanto abro a porta e entro correndo antes que Pete me deixe pra
trás.
— Oi, Gi! — ele fala, mas não dá tempo de responder, Pete sai, cantando pneu e
arrancando, como se o carro pudesse rosnar para o mundo. Assim como o seu dono.
Como, em nome de Deus, eu me tornei um cara ciumento? Em que momento entre a hora
que ela saiu de casa e o telefonema do seu namorado, eu desliguei o botão da sanidade e me
tornei um bronco? E como diabos eu faço para parar de querer bater nesse idiota bombado, que
olha para a minha Moranguinho como se ela fosse algo comestível?
Acelero o carro, mais uma vez, e trinco o maxilar quando o idiota se aproxima do meu
carro.
— Aquela é a Giovana? — ele questiona e me pergunto se Luana não notou a voz fina
desse babaca. Anabolizantes, com certeza!
— É sim — ela responde e dou graças a Deus quando coloca a sua bunda no banco e fecha
a porta.
— Oi, Gi! — o babaca fala, mas que se foda, já não o ouço mais. Arranco com o carro como
se estivesse salvando nossas vidas.
— Não precisava ter sido tão grosso! — Luana esbraveja e mantenho meu olho na pista a
minha frente enquanto a japonesa fala sozinha no banco de trás. Deus, mantenha a boca dessa
garota fechada, tudo o que eu não preciso é do meu carro sujo nesse momento.
— Por que você está agindo dessa maneira? — Vejo pela visão periférica quando ela se vira
para me olhar, mas não respondo, tenho certeza de que, nesse momento, não tem nada de
bom saindo da minha boca.
— Você não vai me responder? — Ela cruza os braços e respiro fundo tentando inalar todo
o ar do mundo. — Você é um idiota! — ela resmunga e se vira para a frente erguendo o nariz de
um jeito que faz com que meu coração bata mais rápido.
— Acho melhor você ir lá pra trás e garantir que sua amiga não vomite no meu carro. —
Aponto com o polegar para o banco de trás enquanto tento ignorá-la.
— Eu quero que se dane a porcaria do seu carro velho! — ela grita e cruza os braços e é o
estopim para a minha fúria. Estou bravo por tantas coisas que nem ao menos consigo numerar,
estou enciumado até a raiz do meu cabelo, estou frustrado e confuso e estou prestes a
descontar tudo em meu carro. É então que paro bruscamente fazendo com que Luana seja
arremessada para a frente espalmando as duas mãos no painel.
— Seu babaca! — ela grita olhando para mim, com seus cabelos jogados no rosto com a
freada.
— É para isso que inventaram o cinto de segurança. — resmungo ainda sem olhar para ela.
— Qual é o teu problema, hein?
Eu aperto minhas mãos no volante como se tentasse arrancá-lo. Fecho meus olhos e falo
com uma calma, que só pode vir do céu:
— Luana. Vai. Lá. Pra. Trás. Agora. Por. Favor — falo pausadamente sem olhar para ela.
— Por que você está com raiva? — ela pergunta e me sinto um babaca porque, na verdade,
eu não sei lidar com esse sentimento que parece capaz de me sufocar. — É por causa do
Felipinho? — ela completa, para o meu desespero.
— Eu quero que esse Felipinho se dane, isso é um problema do seu namorado e não meu.
— Arrependo-me no instante em que as palavras saltam da minha boca, mas não posso voltar
atrás.
— Quer saber, eu desisto. — Luana abre a porta e sai no meio da rua.
— Luana, volta aqui! — grito enquanto saio atrás dela sem me importar de deixar a
Giovana sozinha. — Volta pra porra do carro agora!
Noto o momento em que ela enrijece e para de andar, cruzando os braços e baixando a
cabeça sem se virar para mim. Esfrego o rosto com força, tentando colocar um pouco de
sensatez dentro da merda da minha cabeça.
— Moranguinho... — chamo-a pelo apelido que dei e sei que é a forma mais carinhosa que
tenho de me referir a ela. É o meu jeito de dizer que a adoro, mesmo que ela nunca venha a
saber.
Luana se vira para mim, com os olhos tristes enquanto me olha.
— Peterson... Por favor, eu não quero brigar com você. — Ela parece cansada e fecho as
minhas mãos em punho porque tudo o que desejo é poder abraçá-la.
— Então, por favor, volta pro carro antes que eu te carregue até ele.
— Você não faria isso! — ela me provoca e sinto vontade de provar a ela que eu posso sim
levá-la.
— Eu faria, então nos poupe dessa cena ridícula e volta pro carro.
— O que está acontecendo aqui? Que merda é essa? Porque eu não estou entendendo
droga nenhuma! — Ela ergue as mãos no ar e gostaria de saber o que responder, mas nem
ferrando vou admitir para essa garota mimada que estou com ciúmes.
— Eu só estou cansado e querendo ir para casa — minto.
Porém, sei que ela não acredita em mim porque continua:
— Eu não consigo entender o que acontece com a gente, Pete, eu juro que não consigo.
— Você quer mesmo ter essa conversa aqui, no meio da rua?
— Por que você está tão bravo?
— Mas que merda! Volta para o carro, Luana! É perigoso ficar aqui a essa hora. — Olho
para os lados e meu coração dispara quando uma moto passa por nós. — Eu estou sozinho com
duas garotas e não tô a fim de dar sopa para o azar.
Luana olha na direção da moto e acredito que tenha compreendido o que quero dizer,
porque finalmente para de birra e entra no carro, dessa vez no banco de trás ao lado de
Giovana, que ainda está bêbada e alternando momentos de sonolência e diálogos incoerentes.
Passamos o resto do caminho em silêncio e, quando estaciono o carro na frente da casa do
Ricardo, respiro aliviado. Assim que desço do veículo, carrego a japonesa até o quarto de Luana,
levo-a para o banheiro e aguardo enquanto a minha Moranguinho liga o chuveiro.
— Puta que pariu! — Giovana dá um pulo como se tivesse sido eletrocutada.
— Isso é o que acontece com quem não sabe beber. — Seguro seu tronco firme enquanto
Luana esfrega seu rosto. — Espero que aprenda a lição, sua irresponsável! — Afasto-me quando
tenho certeza de que ela é capaz de se virar sozinha e cruzo os braços no peito. — Vocês são
duas inconsequentes! Onde estavam com a cabeça quando arrumaram essa confusão para os
seus namorados?
— Eu só queria dançar... — Giovana sussurra enquanto pega no sono debaixo d’água.
Ajudo Luana a colocar a garota na cama e saio em direção à cozinha quando tenho certeza
de que ambas não precisam mais de mim. Abro a geladeira e desvio das long necks sem álcool,
que me aguardam, e pego uma lata de cerveja de verdade. Que se dane! Eu preciso de algo que
encha minhas veias de um pouco mais do que o sangue ralo que corre por elas.
Apoio-me no balcão e dou um longo e refrescante gole na bebida gelada enquanto ouço os
passos de Luana pelas escadas. Ela entra na cozinha e, pela forma como me olha, posso garantir
que ainda está brava comigo. Maravilha!
Luana vai até a geladeira e pega um pedaço de bolo de cenoura e uma lata de refrigerante.
Ela sempre faz isso, quase todas as noites a ouço mexer na geladeira em busca de comida
enquanto todos dormem.
— Obrigada por ter me ajudado lá em cima — ela diz enquanto puxa uma cadeira e se
senta.
— Ela está bem?
— Vai ficar. — Ela começa a comer enquanto encara a cerveja em minha mão. — Você
pode tomar isso?
— É apenas mais uma das coisas que eu não deveria fazer, mas faço mesmo assim. — Ergo
o ombro e dou mais um gole da cerveja.
— Está mais calmo? — pergunta analisando meu rosto como se pudesse notar se estou ou
não mentindo e tenho certeza de que ela sabe, porque sempre que me olha dessa forma me
sinto nu.
— Acho que você deveria ligar para o seu namorado, ele parecia preocupado — desvio da
resposta porque eu realmente não sei como me sinto.
— Depois eu falo com o Alex, agora quero conversar com você. — Ela baixa o garfo e o
barulho do metal atingindo o prato atinge o centro do meu peito.
Não quero que fale com ele, não quero que seja namorada dele, não quero conversar com
ela, porque sei que vamos falar sobre aquela noite em meu apartamento e, embora eu tenha
vindo até aqui hoje exatamente para isso, agora não tenho mais certeza se é a melhor coisa. Ela
tem um namorado, e mesmo depois de tudo o que aconteceu entre nós aquela noite ela ainda
o mantém. Eu não quero conversar porque sei exatamente o rumo que esse assunto vai levar:
um pé no meio do meu traseiro e uma dor de cotovelo imensa. Não. Obrigado.
— Acho que é melhor deixarmos esse assunto para outro dia. — Olho para o relógio na
parede e depois para a garota que está enlouquecendo minha vida. — Está tarde.
— Eu não quero deixar para outro dia. — Luana se levanta e caminha até onde estou
parando bem na minha frente. Desvio o olhar porque, de repente, sinto que não há ar
suficiente para respirar.
— Tem certeza?
— Sim — ela sussurra e sua voz soa como uma brisa leve em minha pele, arrepiando meus
pelos e me fazendo olhar para ela.
Luana mantém o rosto erguido enquanto me encara sem desviar o olhar nem por um
instante sequer, aperto a borda do balcão porque sinto uma vontade imensa de beijar seus
lábios, mas sei que não posso ser tão canalha, a garota tem um namorado.
— Desculpe o meu comportamento essa noite, eu... — Balanço a cabeça um pouco
atordoado com a forma como ela me olha, como se estivesse tão faminta quanto eu. — Eu não
tinha o direito de agir daquela forma, apenas me desculpe.
— Tudo bem... — Ela sorri e meu corpo inteiro relaxa quando as curvas dos seus lábios se
elevam.
— Não está nada bem, fui um idiota e estou envergonhado — admito porque não sei como
perdi o controle daquela forma, talvez seja a frustração em saber que ela ainda está
namorando enquanto eu estou aqui, inteiro à sua disposição, ou porque passei os últimos dois
dias decorando cada uma das palavras que eu estava disposto a dizer para ela.
— Pete. — Ela estende a sua mão e a coloca em cima da minha no balcão e abaixo o olhar
para o seu toque. — Eu sinto muito — sussurra e não faço a menor ideia do que está falando,
apenas concordo com a cabeça enquanto a vejo dar um passo para perto de mim.
— Eu não sou um cara esquentado, nem mesmo gosto de brigas, acho uma forma idiota de
resolver as coisas e, no meu caso, nem posso. Mas hoje, quando vi você naquele banheiro... —
Balanço a cabeça tentando tirar as imagens dela. — Aquilo disparou um gatilho em mim que me
fez perder o controle.
— Eu estava bem, Pete. — Ela passa o polegar lentamente em minha mão e preciso forçar
o ar em meus pulmões, porque nunca uma carícia tão inocente me pareceu tão sensual como
essa.
— Eu sei, mas naquele momento eu só conseguia pensar que, se algum babaca se metesse
a besta pra cima de mim, eu não poderia te defender ali dentro, não sem acabar em uma cama
de hospital novamente. E aquele merdinha do seu namorado...
— Pete — ela me chama mais uma vez quando desvio o olhar e fecho os olhos por um
instante quando sinto sua perna roçar na minha. — Você está com ciúmes?
— Eu não tenho o direito de sentir ciúmes de você. — Olho para o seu rosto, agora tão
próximo do meu, que posso sentir o cheiro doce do seu perfume que me lembra de morangos,
ou talvez seja porque tudo nela me lembra morangos. — Só fiquei preocupado.
— Não há motivos para você ter ciúmes — ela continua falando do seu jeito provocante e
seus dedos abrem passagem entre os meus se encaixando no meio deles.
— Engano seu, Moranguinho, eu estou me remoendo de ciúmes desde que você saiu pela
porta com o Alex.
— Pete... — Ela prende o lábio inferior entre os dentes como se tentasse manter um
segredo entre os lábios e decido desembuchar logo tudo de uma vez.
— Quer saber? Eu odiei te ver indo nessa festa, no fundo, eu queria que você tivesse ficado
aqui, que você tivesse escolhido a mim ao invés daquele cara. Eu lutei contra minhas coisas
durante dias para conseguir vir aqui falar com você e, quando te vi tão vulnerável naquele
banheiro, eu... — Balanço a cabeça novamente e me sinto exausto quando os dedos longos dela
tocam meu rosto.
— Seu bobo... Não precisa ficar assim. — Ela passa o polegar por minha bochecha
enquanto sussurra, tão baixinho, que só eu posso escutar: — Eu tô aqui, não tô?
Concordo com a cabeça.
— Então pronto, isso é o que importa.
Abaixo meu rosto até que encosto minha testa na dela e fecho meus olhos me entregando
à sensação de estar em suas mãos, absorvo o calor do seu toque enquanto abro meu coração.
— Eu também odiei ver você com aquele idiota marombado.
Luana ri e sua mão desliza por meu pescoço e minha pele arrepia embaixo dos seus dedos.
— Shhh, já passou — ela diz, com o seu hálito beijando minha face enquanto acaricia as
pontas dos meus cabelos. — Já passou... — repete e concordo, incapaz de falar. — Eu estou
aqui, segura com você. — Ela se move até que está entre minhas pernas.
— Eu não gostei de te ver com o galã também — admito e me sinto um canalha por estar
fazendo isso com o cara que confiou sua namorada para mim. — Eu não sei o que fazer, isso é
uma loucura, eu... eu estou enlouquecendo.
Luana retira a lata de cerveja da minha mão e a coloca no balcão e volta a espalmar a mão
em meu rosto, seus olhos caem em meus lábios e perco a capacidade de raciocínio quando ela
deita a cabeça em meu peito e imediatamente envolvo seu corpo com minhas mãos
aconchegando-a.
— Eu te entendo — ela diz e beijo seus cabelos antes de apoiar meu queixo no topo da sua
cabeça.
Permanecemos um instante assim, com sua mão enroscada em meus cabelos,
preguiçosamente acariciando-os enquanto sinto nossos corpos colados e sua respiração leve
em meu pescoço. É o momento perfeito, aquele em que o baú se abre dentro do peito de um
cara e o segredo é revelado, o momento certo para dizer a coisa certa, mesmo que ela se
pareça a mais errada possível.
— Moranguinho, eu... — Enrosco minha mão em seus cabelos macios e ela ergue o rosto
olhando para mim. Abro a boca, sentindo as palavras se formarem em minha garganta, mas
antes que eu possa dizer algo seu telefone toca.
Fecho os olhos e sinto que deve ser um sinal Divino me alertando da merda que estava
prestes a fazer, afasto-me do balcão separando nossos corpos e ela me olha como se não
compreendesse o que estou fazendo. Ótimo! Melhor assim.
— Acho melhor atender, deve ser o Alex. — Pego a lata de cerveja e a amasso despejando
toda a minha frustração nesse ato e a jogo no lixo reciclável. — Atende o seu namorado, eu vou
me deitar, a gente se fala. — Ergo a mão e saio da cozinha porque sou covarde demais para
ficar e ouvir a voz dele do outro lado da linha.
Subo as escadas pulando os degraus de par em par enquanto passo a mão na nuca
tentando afastar a sensação das suas mãos em minha pele. Deus, eu quase disse...
Essa constatação é o suficiente para me fazer passar o resto da noite em claro, apenas mais
uma para a minha coleção.
Não consigo me concentrar em nada que Alex diz, apenas faço alguns sons para que ele
saiba que ainda estou aqui, mesmo que apenas fisicamente, enquanto vejo Pete se afastar de
mim subindo as escadas e desaparecendo no andar de cima.
Por um instante, pouco antes do meu celular tocar, senti como se estivéssemos finalmente
nos conectando. Uma paz que jamais senti se apossou de mim e desejei que aquele momento
não terminasse nunca. Eu senti o sentimento, que há muitos dias vinha evitando pensar,
crescer dentro de mim como uma avalanche se formando e tomando conta de cada espaço
onde antes habitava a dúvida. Eu quase disse, enquanto estava deitada em seu peito, sentindo
seu aroma fresco de limão e ouvindo seu coração bater, eu quase admiti que o amo.
Mas então ele fugiu de mim e me obriguei a lembrar de que ele não é meu, Pete tem uma
namorada e, embora eu saiba que rola algo entre a gente, talvez não seja forte o suficiente para
ele, talvez seja por isso que ele fez questão de deixar claro durante toda a noite que eu tenho
um namorado, embora isso não seja verdade, como uma forma de garantir que eu não me
esqueça de que ele também tem uma.
De certa forma acabo voltando a falar com o Alex e mal vejo as horas se passarem
enquanto desabafamos sobre a nossa frustrante noite, o que de certa forma me distrai.
No dia seguinte, não há sinal de Pete na casa, apenas um SMS na minha caixa de
mensagens.

Pete: Bom dia! Só para te lembrar que, caso precise, deixei um pouco de chá na geladeira.

Leio e releio a mensagem algumas vezes enquanto Giovana reclama da ressaca no


banheiro.

Luana: Ótimo, é uma excelente forma de punir Giovana.

Respondo e tenho que esperar algum tempo até que ele responda:

Pete: Punir? Devo me sentir ofendido?

Meu sorriso se alarga porque eu quase posso ver seus olhos arregalados exageradamente
enquanto ele fala.

Luana: Esse chá me causa arrepios.

Mando a mensagem e vou dar uma olhada em Giovana. Quando volto, a resposta está na
caixa de mensagens:

Pete: “Mal-agradecida!”

Fico olhando para a tela do celular por um tempo enquanto ouço Giovana cantarolar no
chuveiro.
— Gi — a chamo na porta do banheiro. — Vou buscar um chá para você. — Dou uma
piscadinha e desço sem dar a ela a chance de responder. Ela merece.

Nos dias seguintes, tudo o que temos são algumas escassas trocas de SMS. Embora eu
tenha pedido para ele instalar o WhatsApp, Pete se recusa e diz que não gosta dessas coisas.
Ele está ocupado em um “trabalho sujo”, como ele mesmo definiu o que está fazendo.
Perguntei diversas vezes o que é, mas ele não me diz. Apenas garantiu que não tem nada a ver
com drogas, o que me faz sentir vergonha de mim.

Luana: Não pode me dizer o que é?

Pergunto, porque curiosa deveria ser o meu nome do meio, e ele responde quase
imediatamente:

Pete: Você não acreditaria em mim de qualquer forma.


Respondo enquanto balanço as minhas pernas dentro da piscina e fico esperando a
mensagem chegar na minha caixa de mensagem:

Luana: Tente, você pode se surpreender.

Pete: Ok, lá vai então...

Ele escreve e, em seguida, passo alguns minutos sem receber nada, o que me deixa
ansiosa. O que será que ele está fazendo, que é tão misterioso assim?

Pete: Não ria, ok?

Ele escreve e não consigo evitar o riso que se forma em minha boca no momento em que
ele pede para que eu não o faça.

Luana: Ok.

Envio a resposta, mentindo. Alguns minutos depois, um e-mail chega e uma foto está em
anexo. Pete está sentado no que parece ser o telhado de um edifício em ruínas, a selfie mostra
a cidade de São Paulo ao fundo com seu conjunto infinito de arranha-céus e o sol faz com que
seus olhos se apertem deixando apenas uma fresta amarelo dourado aparente.

De: Lua.C.Zavari@gmail.com
Para: PeteONeto94@gmail.com
Data: 18 de dez de 2018, 15:51

Você está tentando um papel para o próximo Homem-Aranha?

Assim que respondo o e-mail, volto a olhar a foto. Embora seja excêntrica, está linda. Ele
está lindo. Recebo uma nova mensagem por SMS:

Pete: Estou trabalhando, Moranguinho, eu disse que você não acreditaria.

Luana: Isso não prova nada. O que está fazendo aí?

Pete: Algumas fotos.

Ele responde e reparo que realmente há uma máquina fotográfica na parte inferior da foto,
mas ela está tão escondida que eu quase não a noto.

Luana: Depois eu quero ver.


Pete: Talvez, se for uma boa garota. Preciso ir, parece que o sol não gosta muito de mim,
até mais.

Luana: Até mais, se cuida.

A conversa acaba, e fico olhando para a tela do celular por mais tempo do que deve ser
considerado saudável. Estou com saudades dele, mas sou incapaz de admitir, preciso me
lembrar a todo instante que ele não me quer, que aquela noite foi um erro e que estou criando
expectativas para algo que não vai rolar.

A semana mais sentimental do ano chega e com ela outra coisa que eu detesto:
propagandas natalinas e suas músicas que impregnam em nossas cabeças. Eu não estou me
sentindo muito natalina esse ano e isso se dá ao fato de que faz quatro dias desde que vi Pete
pela última vez.
O tempo na casa do meu pai também está prestes a terminar e isso é outra coisa que está
acabando com o meu humor. Duas semanas é o tempo que falta para que eu volte para a
minha antiga vida, o problema é que já não sei como pegar o caminho de volta. Pior ainda, eu
não sei se quero voltar.
Para piorar a minha situação, estou completamente sozinha desde a noite passada quando
Giovana e sua família viajaram para a casa dos tios e só voltarão no final das festas. Minha mãe
está planejando passar alguns dias com Gláucio em algum lugar romântico e Alex também está
de malas prontas para passar o fim de ano em Búzios, em uma praia pouco conhecida com sua
família.
Só me restam papai e Diana, que ironia!
Na véspera de Natal, a casa está uma algazarra, como em todo fim de ano, é incrível que eu
tenha me esquecido de como as coisas ficam por aqui nesses dias, meu pai adora festa e, de
acordo com as tradições dos Calzzavari, mesa farta no fim de ano significa um ano de muita
prosperidade. Então meu pai não poupa comida.
— Sabe, quando éramos apenas eu, Tito e o Rick tínhamos o hábito de passar o Natal na
frente da TV vendo filmes natalinos e comendo até passar mal. — Diana sorri com o
pensamento longe enquanto me passa uma garrafa para que eu possa colocar na adega. —
Como nunca sabíamos quando seria a hora de voltar para o hospital ficávamos sempre em casa,
e agora olha para isso. — Diana aponta para as caixas de bebida que estão empilhadas no canto
do porão. — Tenho a sensação de que, a qualquer momento, o presidente dos EUA vai passar
por aquela porta.
Sorrio enquanto auxilio Diana na recontagem das bebidas e da lista de convidados, que
esse ano passará de 350.
— Para a nossa família, festa grande é sinal de prosperidade — explico e ela concorda com
a cabeça. — Sempre teve, desde que o mundo é mundo. Fica tranquila, Diana, vai dar tudo
certo, você é muito competente.
Ela sorri, mas o nervosismo estampa seu sorriso. Maria, que já está mais do que
acostumada com as festas exageradas do meu pai, cantarola músicas natalinas enquanto
prepara as carnes, essa é a sua tradição, mesmo que todo ano meu pai diga a ela que não
precisa se preocupar.
Lucas e Lívia, filhos de Maria, passarão o Natal conosco, o que a deixou ainda mais
animada. Diana passa o resto do dia atendendo telefonemas e dando instruções para os
funcionários do buffet enquanto roda pela casa como uma maluca. Papai está no escritório;
sempre que eu entro, está ao telefone e tenho a impressão de que é apenas uma forma de fugir
de toda essa confusão que ele mesmo arranjou.
Já passa das sete horas quando subo para me arrumar. Tomo um banho longo e seco meu
cabelo sem pressa, em seguida coloco o vestido que Giovana escolheu para mim, um tradicional
vestido natalino, vermelho clássico, com um generoso decote em V nas costas, calço o sapato e
termino minha maquiagem tentando me animar um pouco.
Uma batida na porta faz com que meus lábios se estiquem em um sorriso sincero, tento
não correr para abri-la, mas sou incapaz de frear meus pés. Abro a porta lentamente e, quando
vejo quem está me esperando, sinto como se milhares de luzinhas natalinas se acendessem
dentro de mim. Faz apenas quatro dias que esses olhos não me observam e nesse momento eu
sei que sempre será assim, ele me olha desse jeito e me esqueço de respirar.
— Nem vem, Pete, hoje eu não lavo louça com você nem pra salvar a vida da minha mãe —
brinco enquanto saio do quarto fechando a porta.
Ele sorri um sorriso largo e escandalosamente bonito.
— Nem eu, a louça de hoje é suicídio. — Ele percorre meu corpo com seu olhar e me sinto
nua sob seus olhos dourados. — Você está linda! — ele diz baixinho, como se fosse algo
proibido e posso jurar que está encabulado.
— Você também está lindo.
— O que disse? — Ele coloca uma mão no ouvido e inclina o rosto um pouco para baixo
como se precisasse se esforçar para me ouvir.
— Seu bobo. — Espalmo minha mão em seu peito afastando-o e ele sorri, estamos
novamente nos provocando e sinto como se tudo estivesse voltado ao normal, mesmo sabendo
que nunca mais será igual.
— Eu deveria ter gravado isso. — Ele balança a cabeça.
— Deveria, porque não vou ficar repetindo. — Empino o nariz e ele passa a mão nos cachos
desmanchando-os daquele jeito que causa um maremoto dentro do meu estômago. Odeio ser
tão afetada por tudo o que ele faz. — Onde você achou isso? — mudo de assunto para não o
agarrar aqui mesmo. — Não parece algo saído do seu guarda-roupa. — Aponto para a calça e a
camisa jeans que ele está usando.
— Roubei daquele ensaio fotográfico, mas não conte a ninguém. — Ele pisca para mim e
derreto em uma poça, como uma adolescente apaixonada.
— Você roubou mesmo?
— Uhum. — Ele balança a cabeça como se não fosse nada de mais.
— A tua mãe sabe que você rouba roupas por aí?
— Minha mãe não sabe de tudo o que eu faço, Moranguinho. — Ele passa a língua nos
lábios e desvio o olhar sentindo minhas bochechas esquentarem.
— Vamos. — Dou alguns passos ignorando meu coração e percebo que ele não se move,
olho em sua direção sem entender o porquê dele continuar parado. — O que foi?
— Eu gostaria de conversar um pouco com você antes de descer. — Sua voz sai grossa
como se ele estivesse com dificuldade de pronunciar as palavras. — Podemos? — Ele aponta
para o meu quarto e imagens minha e dele lá dentro se desenrolam em minha mente na
velocidade da luz. Em todas elas tem o uso de algum móvel como apoio para o que estamos
fazendo.
— Hoje? — pigarreio quando sinto a voz falhar e ele ergue uma sobrancelha. — Na noite
de Natal?
Ele confirma com a cabeça mordendo o canto da boca.
— Aconteceu algo? — pergunto rapidamente.
— Não, quer dizer, nada grave, eu acho.
— Podemos conversar lá embaixo? — Onde há pessoas e eu não vá rasgar sua roupa com
os meus dentes... — O que você acha?
— Pode ser, só não posso ir embora daqui sem conversar com você.
Estendo a mão para ele incitando-o a se aproximar de mim.
— Tudo bem, eu prometo.
Ele vem até mim e, quando sua mão toca a pele nua das minhas costas, sinto um arrepio
passar por todo meu corpo.
— Esse vestido é uma covardia, Moranguinho — ele se inclina e fala em meu ouvido e me
encolho com o calor do seu hálito, com o som rouco da sua voz, com o seu cheiro, com a forma
como ele me afeta.
— É só um vestido — respondo sorrindo satisfeita por ter passado horas tentando ficar
sexy só para ver esse olhar em seu rosto.
— Não é não, isso aí é uma máquina de tortura — ele fala e me viro para encontrar seu
olhar em meu traseiro.
— Pare de olhar para a minha bunda, Pete.
— Eu estou tentando, juro. — Ele junta as mãos na frente do rosto e solto uma gargalhada,
orgulhosa do efeito que estou causando nele.
— Vamos logo que estou faminta.
— Faminta? Por quê? Estou te deixando nervosa? — ele pergunta enquanto descemos as
escadas decoradas e iluminadas, já avistando o mar de pessoas que ocupam a nossa casa.
— Menos, Peterson, bem menos. — Afasto uma mecha do meu cabelo do ombro e ergo o
rosto sentindo um sorriso se formar em meus lábios.
— Só, por favor, não fique muito nervosa, Moranguinho, não quero passar minha noite no
banheiro — ele diz se aproximando quando chegamos ao que se parece muito pouco com a
nossa sala.
— Se depender de mim, não acontecerá nunca mais, ainda tenho pesadelos com aquele
chá — confesso e ele ri enquanto desviamos de algumas pessoas, cumprimentamos outras
tentando andar.
— Eu arrumei uma faxineira — Pete fala entusiasmado tocando minhas costas para me
guiar entre as pessoas.
— Isso é um progresso.
— Eu acho que sim.
Passamos a meia hora seguinte cumprimentando pessoas que eu não via há muito tempo,
balançando a cabeça para concordar com coisas que mal estamos prestando atenção, porque
tudo o que importa é que ele está aqui, e seus olhos mal conseguem se afastar de mim e os
meus dele.
Depois de algum tempo consigo chegar à parte externa onde o buffet está sendo servido,
há uma mesa imensa com todos os tipos de aperitivos e começo a comer, eu não menti quando
disse que estava faminta.
— Já roubando comida? Que coisa feia, Moranguinho. — Pete surge ao meu lado
segurando uma taça de champanhe quando finalmente nos livramos dos convidados.
— Servido? — Estendo um canapé para ele.
— Não, obrigado. — Ele balança a cabeça e bebe um pouco do líquido fazendo uma careta
bonitinha.
— Você pode...
— Nem começa, Moranguinho, hoje é Natal.
— E gostaria que você terminasse a noite vivo, de preferência.
— Pode deixar, eu prometo. — Ele pisca para mim. — Vem comigo. — Pete me estende
sua mão e olho para ele por meio segundo antes de aceitá-la e deixar que ele me leve para
onde quiser.
Passamos por Diana, que olha para as nossas mãos unidas e depois dá uma piscadinha
condescendente para o filho.
— É impressão minha ou sua mãe sabe algo sobre a nossa conversa? — pergunto quando
Pete nos leva para a sala de TV fechando a porta.
— Talvez.
— Hum, que misterioso.
— Mistério é um dos meus charmes — ele diz ainda segurando a maçaneta enquanto me
espera entrar na sala e começo a ficar com medo.
— Você não está morrendo, está?
— O quê?
— Por favor, me responda logo com um sim ou não.
— Não, claro que não, eu estou bem. — Ele sorri e respiro aliviada enquanto olho para o
seu rosto bonito, seus cabelos desarrumados e seus lábios tão absurdamente beijáveis. Por um
instante imagino um mundo sem esse rosto perfeito, esse deboche irritante e sinto minha
garganta apertar.
— O que você está fazendo... — ele pergunta quando minhas mãos ganham vida própria e
sem a minha permissão deslizam pela camisa macia e elegante, até se enroscarem na gola
próximo aos seus cabelos.
— É realmente muito bonita essa camisa — digo enquanto encaro seus lábios e ele
espalma uma mão na parede ao meu lado.
— Você gosta?
— Muito... — Acaricio sua nuca sentindo os fios de cabelo pinicarem minha pele e ele
estremece com o meu toque.
— Posso roubar outras se você quiser.
— Hum... que excitante, um ladrão — digo já sentindo minhas forças se esvaírem quando
ele passa o nariz em meu pescoço. Enfio meus dedos em seus cachos desmanchando-os. — Mas
prefiro suas camisetas.
— Camisetas, é? — Pete se afasta e olha para mim.
— Uhum.
Ele passa o braço por minha cintura puxando-me com um pouco mais de força para junto
do seu corpo, me sinto uma maria-mole em suas mãos, sentindo seus dedos firmes em minhas
costas nuas, acariciando minha coluna com a ponta dos dedos. Pete volta a se aproximar, seus
lábios tocam minha orelha, seu hálito aquece minha pele e fecho os olhos incapaz de fazer algo
a mais do que respirar.
— Eu sempre soube que você era uma safada, Moranguinho — ele sussurra em meu
ouvido e sorrio.
— Você não sabe de nada, Peterson. — Me afasto só o suficiente para que nossos rostos
fiquem a centímetros de distância.
— Acho que sei o suficiente para enlouquecer. — E de novo aquela língua atrevida brinca
com seu lábio e sinto minha boca seca.
— Cale essa boca, Pete, você fala demais.
Puxo-o para mim e sinto a parede novamente nas minhas costas quando ele me beija
envolvendo meu rosto com suas mãos e pressionando o seu corpo firme e duro, muito duro,
contra o meu. Gemo vergonhosamente quando sua língua invade minha boca, e sem que eu
perceba, minha mão começa a abrir os botões da sua camisa porque eu preciso tocá-lo, sentir o
calor da sua pele, as batidas do seu coração. Eu preciso de tudo, e mesmo assim ainda é pouco.
— Moranguinho... — sussurra enquanto ataco sua boca mais uma vez. — Moranguinho...
— ele geme quando mordo seu lábio. — Jesus Cristo... — ele diz quando abro sua camisa e
começo a beijar o seu pescoço, seu ombro, seu peito...
— Luana, a gente precisa conversar. — Ele segura minha mão e finalmente me dou conta
de que estou quase atacando-o... quase.
— Ah, meu Deus... — Empurro-o e vou para o outro lado da sala sentindo-me
envergonhada. — A gente precisa parar de fazer essas coisas, Pete.
— Precisamos? — Ele me olha com divertimento enquanto abotoa a camisa que quase
arranquei do seu corpo.
— Isso não pode continuar, não podemos nos beijar como dois cachorros no cio toda vez
que estivermos sozinhos.
— Cachorros no cio? — Ele ergue uma sobrancelha e sorri.
— Isso está errado, Pete, muito errado.
— Eu sei, por isso quero falar com você, acho que preciso esclarecer algumas coisas. — Ele
caminha até onde estou.
— Você pode ficar lá do outro lado, por favor?
— Por quê? — ele pergunta quando para na minha frente.
— Você sabe porque, não posso conversar com você assim tão perto de mim.
— Não? — Ele avança mais um pouco e espalmo minha mão em seu peito.
— Não, além do mais você tem uma namorada e... — Passo a mão na minha testa sentindo
o suor escorrer. — Nossa, está tão quente aqui, não acha? — Começo a me abanar enquanto
tento não olhar para o seu rosto porque, nesse momento, ele está com as bochechas coradas e
eu me sinto como um animal prestes a devorá-lo.
— Eu não tenho uma namorada, Moranguinho — ele diz baixinho, com calma e os olhos
fixos em mim.
— Acho que o ar-condicionado está quebrado... O que disse?
— Eu e a Bianca não estamos juntos — Pete responde como se não fosse nada de mais e
Deus me perdoe, mas nunca estive tão feliz na minha vida com uma notícia.
— O que você quer dizer com “não estamos juntos”?
— Exatamente o que isso quer dizer.
— Jura? — Tento manter minha falsa casualidade, mas minha voz sai mais animada do que
pretendia. — Eu sinto muito — minto e peço perdão a Deus.
— Sente? — Ele ergue uma sobrancelha enquanto coloca uma mecha do meu cabelo atrás
da orelha.
— Ok, mentira, eu não sinto nada, não vou mentir.
Pete solta uma gargalhada alta e escandalosa, que faz com que o seu pomo-de-adão se
mova e chame minha atenção. Deus me ajude, porque tudo o que consigo pensar é em como
eu adoro o seu pescoço.
— Ah, Moranguinho, você me encanta a cada dia.
— Não se empolgue, eu só estou sendo sincera. Acho que vocês não combinam muito, sei
lá. — Ergo os ombros e volto a me abanar porque eu ainda estou com muito calor e começando
a falar demais.
— Moranguinho... — Ele segura meu rosto me obrigando a olhar para ele novamente e
penso em pedir para parar, porque é quase impossível não querer beijá-lo nesse momento.
— Oi — sussurro porque toda a minha concentração está em manter as minhas mãos longe
dele.
Ele realmente disse que não está namorando a Bianca ou será que eu sonhei com isso?
— Eu só preciso falar logo antes que algum telefone toque ou um cometa caia do céu ou
Jesus Cristo decida voltar.
— Então fale — digo quando seu olhar se ergue até o meu e sinto a profundidade do que
está prestes a ser dito pela forma como me encara.
— Acontece que... eu tô fodido.
— Você está? Por quê? — pergunto sem compreender o que ele diz.
— Poque eu estou apaixonado por você — ele solta as palavras com uma rapidez que me
assusta. Tento falar algo, mas, por alguma razão, minha voz desaparece e pareço um peixe em
busca de ar, abrindo e fechando a boca sem nada dizer.
— Você o quê?
— Estou apaixonado, por você — ele repete com calma e sorrio porque acho que tô
sentindo meu rosto inteiro pinicar. — Isso é uma merda, não é? — ele pergunta parecendo
decepcionado quando não digo nada.
— Você acha uma merda?
Pete ergue a mão segurando uma mecha do meu cabelo, enroscando-a em seus dedos e
analisando o seu trabalho como se fosse algo elaborado e difícil.
— Não era esse o plano — ele diz ainda olhando para os meus cabelos.
— E você tinha um plano? — pergunto enquanto passo a mão por seus cabelos sentindo as
mechas sedosas fazerem cócegas em meus dedos.
— Eu tinha, mas aí você chegou e estragou tudo.
— Eu estraguei? — Aperto os lábios tentando não sorrir. Mas ele me olha como se
estivesse perdido e não consigo evitar, só o Pete mesmo para se sentir assustado ao admitir
que gosta de alguém.
— Sim, você fodeu com a porra do meu coração e agora eu estou aqui. — Ele aponta para
si como se eu precisasse ter certeza de que ele é real. — E não faço a menor ideia de como agir.
— Isso, por acaso, é uma declaração de amor? — Eu ainda estou confusa, mas um sorriso
surge em meus lábios quando percebo que ele está perdido.
— Não sei, acho que sim. Admita, Moranguinho, sou praticamente um poeta.
Olho para os seus olhos dourados, completamente confusos, seu rosto lindo, a marca que a
solitária covinha vem deixando em sua bochecha ao longo dos anos e não resisto, puxo seu
rosto e o beijo, sem cerimônia, sem medo, com o coração cheio de alegria e os olhos cheios de
lágrimas. Ele está “apaixonado por mim” e isso é a coisa mais linda que eu já ouvi na minha
vida. Isso é Pete.
Finalmente retirei o band-aid, abri a boca e deixei que as letras se juntassem e formassem
as palavras que estavam me sufocando há dias. Ok, não foi como eu imaginei que seria, embora
eu nunca tivesse uma imagem romântica nem nada disso, não sou bom com sentimentos e pior
ainda com palavras, mas imaginei que estaria um pouco menos nervoso, pelo menos.
Ela ri escandalosamente, e o sorriso se espalha por seu rosto e chega até seus olhos; e,
então, segura meu rosto em suas mãos e sinto como se estivesse inteiro dentro do seu toque,
meus olhos caem em seus lábios cheios e rosados e me obrigo a molhar os meus porque estou
sempre faminto por eles. Luana finalmente me beija, um beijo que rouba o meu ar e me deixa
completamente perdido. Um beijo de Luana, impetuoso, imprevisível. Quente pra caralho!
Envolvo minha mão em sua cintura, puxando-a um pouco mais perto, tento aliviar a
tensão, manter o controle, porque já temos um histórico de atentado ao pudor e, embora hoje
Luana esteja incrível, quero mostrar a ela que isso vai além de uma atração física que me deixa
sem ar.
Afasto-me um pouco quando o beijo termina e Luana apoia a cabeça na parede enquanto
me olha prestes a me devorar.
Eu me sinto nu sob o seu olhar e isso é algo que me incomoda um pouco, não porque eu
não goste, eu amo a forma selvagem e safada que ela me olha, mas isso me deixa instável e me
apavora a forma como ela me conduz sem que eu perceba.
— Será que dá para parar de me olhar como se estivesse fazendo sexo comigo? Estou
tentando ser um homem sério aqui — digo tentando não demonstrar o quanto estou nervoso.
— E quem disse que não estou? — Ela pisca e meu corpo responde vergonhosamente.
— Não me tente, garota.
— Por quê? Você não gosta?
Dou um passo para trás porque a verdade é que não importa o quanto eu esteja louco por
ela, não farei nada além de beijá-la, já estou sendo canalha demais por estar com ela aqui,
debaixo do nariz do seu pai.
— Claro que gosto, só estou tentando ser a parte sensata aqui.
Pensar em Ricardo é um ótimo método anticonceptivo.
— Você está triste? — ela pergunta quando me afasto um pouco mais e olho para a porta.
— Envergonhado seria a palavra mais apropriada — admito enquanto encaro as minhas
unhas para não ter que olhar para ela.
— Envergonhado por me amar?
— Não!
— Você se arrependeu de me beijar? — Sinto a tristeza em sua pergunta.
— Por Deus, Luana, é claro que não. — Seguro seu quadril e dou um beijo em sua boca. —
Eu poderia beijar essa boquinha gostosa pelo resto da minha vida — digo ainda com meus
lábios perto dos dela e, em seguida, a beijo mais uma vez.
— Então qual o motivo? — ela volta a perguntar quando o beijo acaba.
— Eu vou te contar tudo, talvez você me entenda no fim.
— Então conte. — Luana ergue uma sobrancelha e cruza os braços no peito em uma
postura defensiva. Afasto-me novamente e caminho de um lado para o outro tentando pensar
em como explicar isso para ela.
Então decido começar do início, cinco anos atrás.
— Quando o Rick morreu e a minha mãe começou a se relacionar com o Ricardo, eu tive
medo dela se machucar, não conseguia compreender como ela tinha coragem de se envolver
com alguém naquele momento, tínhamos perdido o meu pai, depois o Rick e o mundo parecia
grande demais para nós dois. Mas com o tempo eu notei as mudanças, aos poucos ela voltou a
sorrir, a sair de casa, vi minha mãe voltar a se cuidar e cantarolar. Quando ela me disse que ia
morar com o Ricardo tive uma conversa de homem pra homem com teu pai, ameacei-o de
morte como todo bom filho deve fazer e ele parecia... feliz.
Luana abaixa a cabeça e sei que esse assunto é um tema delicado para ela, mas preciso que
ela compreenda tudo.
— Seu pai fazia bem pra ela e aquilo me deixou curioso para saber quem era aquele cara
que havia transformado a vida da minha mãe daquela maneira, e foi então que decidi aceitar
um convite pra jantar aqui. — Sento-me no braço do sofá enquanto relembro aquele dia. —
Aquela noite foi a primeira vez que ouvi falar de você. — Olho para a garota sexy usando um
vestido vermelho, que me observa atentamente e tento associá-la à garotinha mimada que
imaginei que encontraria aquele dia. — Era um jantar em família, Ricardo havia te convidado,
mas você não veio, ele ficou arrasado naquela noite, tentou justificar sua falta, mas eu sabia o
motivo: era a minha mãe. E foi assim que conheci a Luana.
Seus olhos se arregalam e sua boca se abre em um “O” perfeito, como se ela também se
recordasse.
— Ele chorou, Moranguinho, na frente de um moleque que tinha acabado de conhecer. Ele
chorou e disse que não queria te perder.
— Eu não pude, teria sido pior se eu tivesse aceitado — ela confessa com uma voz chorosa
que parte o meu coração.
— Eu sei.
Luana coloca a mão no peito e seu rosto começa a ficar vermelho, mas não paro, eu
preciso contar tudo para que ela possa compreender o meu ponto.
— Eu fiquei tão puto da vida com você, minha vontade era ir até a sua casa te dar umas
palmadas e te arrastar até aqui. Logo eu que tinha perdido o Rick há tão pouco tempo, que mal
me lembro do meu pai, que daria tudo para poder ter de volta as pessoas que havia perdido,
não compreendia como você conseguia deixar um pai como o Ricardo, que se importava, para
trás.
— Pete... — ela começa a falar e para, incapaz de continuar. Luana desvia o olha de mim e
tenho medo de perdê-la, mas eu preciso continuar.
— Ele falou de você a noite inteira, minha mãe ficou arrasada ao vê-lo daquele jeito e eu
percebi que ver ele mal a deixava mal também. E aquele dia eu decidi que iria ajudá-lo a
reconquistar a filha. Durante todos esses anos, sempre que pude, dei a ele apoio e coragem
para tentar te trazer de volta.
— Por acaso era você quem mandava ele comprar milkshake para mim?
— E te levar no McDonald’s sempre que desse.
— Sempre foi você?
— Não, sempre foi ele, eu só o apoiava, você sabe, gente feliz, faz as pessoas felizes.
Luana desaba, sentando-se em uma poltrona, incapaz de olhar para mim. Me ajoelho na
sua frente, sustentando seu rosto porque não quero que ela se sinta mal, que se afaste de mim.
Eu apenas preciso que ela compreenda, porque, às vezes, estamos tão imersos em nossos
dilemas e dores que não notamos o quanto estamos próximos de uma solução.
— Enquanto eu desejava que a vida da sua mãe fosse um inferno, você estava disposto a
fazer o meu pai feliz — ela diz mordendo os lábios que há pouco eu estive beijando, enquanto
seus olhos se enchem de lágrimas, vergonha e tristeza. — Que tipo de monstro eu sou? — ela
pergunta para si mesma enquanto balança a cabeça.
— Pare com isso, Moranguinho. — Coloco-me entre as suas pernas e envolvo seu rosto no
momento em que uma lágrima cai de seus olhos e a capturo com o polegar. — Eu não tô aqui te
julgando, você era só uma garotinha magoada que havia perdido o seu pai, apenas preciso
contar tudo para que me entenda.
— Você não pode gostar da pessoa que desejou o mal da sua mãe quando ela já não tinha
nada — ela admite, com a voz embargada pelo choro enquanto se recusa a olhar para mim.
— Olhe para mim — exijo segurando o seu queixo. — Eu não só posso, como sou louco por
você e isso não é algo que esteja em negociação, portanto pare de falar bobagens. — Beijo sua
testa e ela me dá um sorriso tão triste que sinto meu peito se encolher.
— Eu sinto muito — ela sussurra. — Eu sinto tanto, que mal consigo respirar.
— Então deixe que eu respiro por nós. — Puxo-a para o meu colo e deixo que ela chore,
enquanto acaricio suas costas nuas confortando-a e desejando tirar a dor do seu coração. —
Não fica assim, Moranguinho — peço com meus lábios em seus cabelos.
— Eu me sinto tão mal — ela diz com o rosto enfiado em minha camisa cara, mas quem se
importa? O que é um pedaço de tecido quando sua garota está quebrando e tudo o que você
pode fazer é segurá-la?
— Que bom que você se sente assim, isso significa que você é uma pessoa boa que fez uma
merda, e isso acontece todos os dias. E sabe o que diferencia pessoas boas das ruins? — Afasto-
me um pouco para poder olhar em seus olhos inchados e lindos. Ela nega com a cabeça e limpo
a mancha escura que se forma abaixo dos seus olhos. — A capacidade de se arrepender.
— Obrigada, Pete — ela diz ainda em meus braços, aninhada em meu peito, enquanto
absorve a verdade. — Obrigada por cuidar do meu pai, obrigada por ter sido o filho que ele não
teve.
— Eu amo o seu pai, Luana — declaro e dessa vez não é difícil, eu o amo verdadeiramente,
farei qualquer coisa por ele e saber disso me apavora, porque uma hora terei que contar a ele
sobre os meus sentimentos por sua filha, e se nesse momento ele quiser quebrar a minha cara
e me mandar ficar longe dela, eu farei. — Acho que foi por isso que eu resolvi te encher o saco
quando você atendeu aquela ligação — confesso percebendo que só agora me dou conta da
verdade. — Quando ouvi sua voz pela primeira vez senti raiva por tudo o que você fez ele
passar, de certa forma eu estava sendo infantil e ridículo, mas estava te dando um castigo, você
sabe, é até meio louco pensar nisso e em tudo o que aconteceu em tão pouco tempo —
concluo confuso.
— Isso faz de você uma das pessoas mais incríveis que já conheci — ela diz e, embora um
pedaço do meu coração se sinta frustrado, porque, na verdade, eu queria que ela dissesse que
sente por mim o mesmo que sinto por ela; por outro lado, meu ego se infla de emoção.
— Calma, Moranguinho, espere um pouco antes de dizer que me ama — brinco e ela ergue
a sobrancelha. — Ainda tem mais.
— Mais? O quê? — Ela se ajeita para poder olhar para mim.
— A ideia da viagem foi minha — digo sentindo um sorriso bobo se formar em minha boca
quando ela me olha espantada.
— Como assim?
— Não necessariamente aquela viagem, mas eu sugeri que ele fizesse uma chantagem
irrecusável. Eu sabia que com a viagem certa ele te traria pra cá e o resto você já sabe.
— Eu deveria imaginar que aquela ideia suja jamais partiria do meu pai.
— Situações dramáticas pedem medidas extremas, e eu não o aguentava mais ouvir falar
sobre suas birrinhas infantis.
Ela me dá um tapa e eu beijo a sua boca, porque ela fica irresistível quando me bate.
— Mas o engraçado é que eu juro que jamais imaginei que iríamos nos encontrar naquela
viagem, na verdade eu sempre imaginei você como uma garotinha de aparelho nos dentes e
sardas no rosto e não a mulher sedutora que me beijou naquele elevador. — Sinto meu sangue
esquentar ao me recordar daquele dia e tê-la sentada no meu colo só dificulta a minha
situação. — Aquele beijo acabou comigo, eu pensei em você por dias, contava as horas para o
meu contrato acabar e eu poder voltar para o Brasil, eu estava decidido a te encontrar.
— Você voltou por mim? — Ela ergue o rosto para me olhar e beijo a pontinha do seu
nariz.
— Na verdade, eu voltei porque fiquei muito doente lá fora e, antes que a dona Diana
batesse na minha porta e me matasse, eu resolvi voltar. Meu contrato com a agência estava
acabando e eu não aguentava mais os caras que moravam comigo, mas eu estava sim decidido
a ir atrás de você. — Espalmo minhas mãos em seus quadris e deslizo até que elas se encaixam
na sua bunda. — E quando nos encontramos aquela noite na cozinha, eu não fazia ideia que a
garota que eu estava procurando estava ali bem na minha frente; e o pior, era a filha do
Ricardo. — Beijo a curva do seu pescoço e volto a olhar em seus olhos atentos. — O Ricardo
seria capaz de confiar a sua vida para mim, você não tem ideia do quanto ele me agradeceu por
ter te trazido de volta. E eu o traí.
— Você o quê? — Luana pergunta sem compreender o que digo, mas, conforme os
segundos se passam, vejo a percepção do que digo em seus olhos. — Pode parar, Peterson. —
Ela retira minhas mãos do seu traseiro e se levanta bruscamente. — Por isso você me afastava
daquela maneira?
— Não posso dizer que não tentei. — Levanto-me.
— Você acha que ficar comigo é uma traição? — ela pergunta e confirmo com a cabeça
porque é a verdade. — Deus! Isso é a coisa mais idiota que já ouvi na minha vida!
Ela parece furiosa, olhando para mim, com os braços cruzados enquanto espera por uma
explicação que eu não sei se sou capaz de dar.
— Me sinto um traidor, Moranguinho.
— Mas e eu? — Ela aponta para o próprio peito. — O que eu acho não significa nada para
você?
— Sim, é claro. Por isso estou aqui me abrindo para você, o que você pensa vale muito.
— Ótimo, porque, nesse momento, eu penso que você é o maior idiota do mundo.
Surpreendo-me com sua resposta, na verdade não era o que eu esperava depois de tudo,
mas quem pode culpá-la? No fundo, sou mesmo um idiota. A diferença é que agora eu sou um
idiota apaixonado.
— Isso você sempre soube — brinco porque esse é meu mecanismo de defesa.
— Não ouse me afastar de você, Peterson. — Ela aponta um dedo em minha direção e
sorrio.
— Acho sexy quando você me chama de Peterson — provoco-a ao me levantar e, antes que
eu a alcance e volte a beijá-la, uma batida leve na porta chama nossa atenção e minha mãe
aparece um instante depois como se soubesse que seu filho precisa de ajuda.
Ela sempre sabe a hora certa de chegar.
Pete é um idiota!
Um idiota que amo, mas que, nesse momento, quero matar. Como ele ousa achar que o
que temos é um erro? Quando para mim é a coisa mais importante que já vivi, a primeira vez
que me sinto assim por um rapaz.
Observo-o sair da sala acompanhado de Diana, ele não olha para trás e assim que alcança a
porta já está soltando gracinhas para a sua mãe, a máscara de garoto debochado já está de
volta, mas agora eu sei que isso nada mais é do que um escudo para o proteger dos seus
sentimentos. Ele tem uma avalanche deles em seu peito, e saber tudo isso faz com que eu o
ame mais, e o deteste também.
Deus! Como ele consegue lidar com tudo isso e sempre manter um sorriso nos lábios? Como
ele consegue ser esse cara leve e descontraído e mesmo assim carregar tanto peso dentro de si?
Sinto-me grata a Diana de uma forma que jamais poderei expressar ao perceber que ela,
de uma forma irônica, trouxe alguém como o Pete para a minha vida.
— Luana? Você está aí. — Meu pai entra na sala com um sorriso enorme e um copo de
uísque na mão. — O que a minha princesinha está fazendo aqui escondida?
— Nada, papai, eu apenas estava descansando um pouco, esses sapatos que a Giovana
escolheu para mim estão me matando.
Meu pai se senta ao meu lado, erguendo meus pés em seu colo, ele retira os sapatos e
começa a massageá-los como fazia quando eu era pequena.
— Vocês mulheres são engraçadas, vivem inventando moda, mas não têm ideia de que
ficam mais lindas quando estão naturais, é assim que nós homens gostamos e não com esse
monte de apetrechos e toda essa tinta na cara.
Sorrio para o meu pai lembrando-me do Pete, é exatamente essa a frase que ele usaria
para falar comigo.
— Pai — chamo sua atenção e seus olhos se estreitam quando percebe que estou
chorando. — Eu te amo!
— Eu também, Luana, e sempre vou te amar. Não importa as circunstâncias, eu sempre
vou te amar.
Ele me puxa para o seu lado e me aninho deitando a cabeça em seu ombro. Sinto que
estamos restabelecendo nossas conexões, reforçando nossos laços, nos perdoando.
— Está com saudades da sua mãe? — Sua voz sai suave e noto que ele também está
emocionado.
— Sempre — admito. — Mas eu também sinto sua falta, senti isso durante todos os dias
desses últimos anos e vou sentir quando for embora.
— Isso não tem que ser uma despedida, essa casa é tão sua quanto da sua mãe.
— Agora eu sei. — Ergo o rosto e olho para ele. — Me sinto em casa novamente.
Papai respira fundo, como se tivesse esperado por esse momento desde o dia em que saí
daqui ao lado da minha mãe, noto seus olhos marejados e ele sorri, emocionado ao se
aproximar e deixar um beijo em minha testa.
— Obrigado, filha, esse é o melhor presente que eu poderia ganhar — ele diz ao se afastar
e me pego pensando em quanto tempo ele não deve ter esperado por essa conversa? Ah, meu
Deus... quanto tempo perdido... quanto orgulho sem fundamento... Se existe no mundo uma
pessoa que define a palavra arrependimento, essa pessoa nesse instante sou eu.
— Estão tentando se esconder? — Diana aparece na porta pouco depois e seu sorriso se
alarga quando ela nos vê abraçados. — A ceia já vai ser servida e o Alex acabou de chegar.
Meu pai se levanta e sinto que nosso momento acabou, mas não fico triste, porque, pela
primeira vez, desde que fui embora dessa casa, sinto que ele sempre estará aqui para mim.
Saímos os três juntos da sala, Diana atualiza meu pai sobre os detalhes da festa e tenho
certeza de que ele não está nem ligando. Ele adora festas, mas detesta organizá-las e, nesse
momento, tenho dó da Diana.
Quando chego à sala avisto Alex conversando com Lucas, filho de Maria, e uma linda
morena e, assim que me vê, ele abre um sorriso elegante e me estende a mão.
— Olá.
— Finalmente alguém se lembrou de mim — digo antes de beijá-lo.
— Dramática, eu disse que viria.
— Achei que havia viajado.
— Nunca desfaço uma promessa.
— Eu sei, obrigada por vir.
Lucas me dá um abraço apertado e me apresenta sua namorada Anne, pouco tempo
depois os garçons começam a nos convidar para a ceia que está sendo servida. Procuro por
Pete em todo lugar, mas não o encontro, não quero que ele pense coisas erradas ao me ver
com Alex embora Pete não tenha parecido se importar muito com isso lá dentro.
Uma grande tenda foi montada no jardim com milhares de luzes natalinas, que nos dá a
impressão de que o céu havia descido um pouco mais iluminando as dezenas de mesas. Papai
se senta na extremidade da mesa maior com Diana ao seu lado direito e eu ao seu lado
esquerdo, Alex se senta ao meu lado e Pete, que chegou de repente, senta-se ao lado de Diana,
de frente para mim.
Antes do jantar, papai faz um discurso falando sobre o quanto está feliz por ter todos os
queridos amigos e familiares ao seu lado. Sinto meu peito apertar quando meu pai chama Pete
de filho, ele ergue os olhos me encarando e uma pontinha daquele sorriso debochado surge me
fazendo baixar os olhos, porque tenho a sensação de que todos à mesa são capazes de notar o
quanto ele me afeta. Em seguida, Pete olha para Alex e o tempo que ele demora olhando para
o garoto ao meu lado faz meu estômago embrulhar.
A ceia é servida e, com a alegria contagiante do Natal, todos começam a comer. Menos eu.
Os fogos de artifícios!
Ah, como senti saudades da tradicional queima de fogos da família Calzzavari.
Depois do jantar, todos são convidados a assistir ao espetáculo em volta da piscina. Papai e
Diana estão abraçados, visivelmente emocionados. A contagem regressiva é feita em coro e,
quando dá meia-noite, todos se abraçam. Alex passa um braço por meu ombro, seu lindo
sorriso de galã dos anos 60 está lá junto com seu topete levemente despenteado deixando uma
mecha cair em sua testa, enquanto ele olha para o céu.
Depois de todos os abraços e desejos de feliz Natal, Alex se despede e o acompanho até o
estacionamento. No caminho procuro por Pete em todos os cantos, mas ele parece ter
desaparecido, imagino que festas natalinas não são suas preferidas. Alex parece imune a tudo e
tem uma expressão alegre nos olhos enquanto me puxa pela mão.
— Quero que veja uma coisa — ele diz animado como um garotinho e me pego sorrindo
com sua alegria, passamos por vários carros estacionados e procuro pelo Maverick branco e
barulhento de Pete, mas ele também não está lá e penso que talvez ele tenha ido embora, sem
se despedir de mim. Não seria a primeira vez que some depois de um papo mais sério.
— Quero que conheça minha garota. — Alex aponta para uma moto sorrindo. — Meu
velho me deu.
— Caramba! Você foi um bom menino esse ano, hein? — Olho espantada e admirada para
o “presentinho de Natal” que ele ganhou. É uma linda moto, daqueles modelos esportivos com
rodas mais largas que as de um carro.
Alex não tinha como sorrir mais, ele me descreve cada detalhe da moto, as cilindradas, o
design, o desempenho, e mesmo sem entender nada fico feliz por ele.
— Tem mais uma coisinha. — Ele retira uma caixinha negra de dentro do bolso e me
entrega. — Eu queria te dar isso.
Ele coloca a caixa em minhas mãos, é de uma famosa joalheria e me sinto meio sem graça
enquanto ele me observa abri-la.
— Alex, é linda! — falo enquanto retiro uma pulseira de dentro e observo fascinada os
pingentes.
— Cada pingente tem um significado. — Ele mostra um avião, a cabeça do Mickey, um
balde de pipoca, um livro e um coração.
— Eu procurei algo que se aproximasse da lista, mas como não encontrei pedi o livro
porque sei que você adora ler.
Alex coloca a pulseira em mim e me encolho com a intimidade desse gesto, olho para o
garoto que um dia acreditei ser a minha salvação, mas tudo o que consigo ver é um grande
amigo que a vida me deu.
— Você é muito especial para mim, Luana, sempre será — ele diz enquanto toca os
pingentes girando-os pelo meu braço.
— Você também é, galã — digo do fundo do meu coração e ele me dá um sorriso tímido
enquanto desvia o olhar encarando a pulseira novamente. — Obrigada por ter vindo aqui hoje.
Obrigada por não se afastar de mim quando... — não termino a frase, não preciso, ele sabe do
que estou falando e, mesmo sabendo que não há mais nada entre nós, ele ainda sorri para mim
da mesma forma.
— Eu jamais deixaria de vir.

Depois que Alex vai embora, volto para casa pelos fundos para evitar a grande quantidade
de convidados e finalmente encontro Pete sentado no capô do seu carro, em um canto
afastado, com a cabeça baixa e uma garrafa de bebida do seu lado. Aproximo-me lentamente
sentindo meu coração pular com força dentro do peito.
— Achei que tinha ido embora — digo ao me apoiar ao seu lado no carro. — Feliz Natal.
— Feliz Natal, Moranguinho. — Ele olha para mim enquanto tiro os sapatos jogando-os
para o canto.
— Está fugindo? — Massageio o meu pé e me esforço para não gemer quando sinto o
contato da sola com a grama.
— Não gosto de festas de Natal.
— Então por que veio? — pergunto com certa curiosidade.
Ele dá um gole em sua bebida e se vira para mim.
— Por você. — Não consigo evitar o sorriso que se espalha em meu rosto quando ele diz
isso com tanta simplicidade.
— Então acho que deveria ficar comigo e não se esconder.
— Você já estava acompanhada. — Ele volta a beber e inclino o rosto olhando.
— Ciúmes, Peterson?
— Não, eu só estou falando a verdade. — Ele ergue os ombros e juro por Deus que tenho
que me segurar para não o agarrar, porque ele fica tão lindo com ciúmes.
— Eu procurei por você a noite inteira. — Estendo a mão e seguro a garrafa, impedindo-o
de beber, e noto que ele está segurando uma fotografia amassada.
Pete passa o braço em meu pescoço e me puxa para perto descansando o queixo em
minha cabeça.
— Eu realmente não sou bom com essa coisa de festa de fim de ano. — Ele beija o topo da
minha cabeça e envolvo meus braços em sua cintura.
— É o Henrique? — pergunto olhando a foto.
— Sim.
— Você quer conversar sobre isso? — Devolvo a foto e ele a guarda na carteira.
— Já chega de conversas tensas por hoje. — Ele me segura pelo quadril me puxando para o
meio de suas pernas e me deixo ir, passando as minhas mãos por seu pescoço e acariciando os
cabelos em sua nuca.
— Tudo bem. — Deixo um beijo em seu rosto e ele desvia o olhar quando uma lágrima
ameaça cair.
— Meu Deus, eu virei um bebê chorão. — Ele passa as costas das mãos no rosto limpando
as lágrimas fujonas.
— Não tem problema, homens também choram, e é lindo saber que você ainda o ama
tanto.
— A vida é tão injusta — ele funga e bebe um gole da garrafa. — Se ele estivesse aqui, tudo
seria mais fácil, ele ia adorar te conhecer... — Sorrio e Pete também sorri.
— Acho que nos daríamos muito bem.
— Acho que eu teria que quebrar a cara dele.
Dou uma gargalhada e Pete me observa com aquela curvinha tentadora na bochecha.
— Eu gosto de te ver rir — ele admite enquanto coloca uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha. — Me faz bem.
— Então vou rir sempre.
— Por favor, ria sempre para mim. — Ele apoia a testa na minha e sinto seus dedos
apertarem meu quadril.
Pete percebe a pulseira em meu pulso e passa os dedos por ela analisando o presente que
ganhei.
— O que é isso?
— Um presente — digo e ele ergue o olhar para o meu rosto.
— Presente do galã?
— Sim.
— Ele é um cara legal.
— Ele é... — confirmo sentindo meu estômago afundar.
— Ele gosta de você. — Pete sustenta meu olhar como se esperasse encontrar neles algo
que eu não havia dito ainda.
— Mas eu não gosto dele. — Solto meu pulso de sua mão e enrosco os dedos em sua
camisa brincando com os botões. — Apesar de saber que seria muito mais fácil gostar dele, eu
não gosto, na verdade nunca gostei.
— Não? — Ele ergue a sobrancelha enquanto seu polegar faz círculos preguiçosos em meu
corpo.
— Não... nunca... — Encaro seu rosto e mordo o lábio quando ele me puxa para mais perto,
fazendo o sorriso mais lindo do mundo sair de seus lábios.
— Isso significa que ele já era?
— Isso significa que eu gosto dele como amigo.
— Amigo? E eu? — ele pergunta e finjo que não entendi.
— Você o quê?
— Porra, Moranguinho, eu vou ter que implorar? — ele pergunta com a voz preguiçosa e
balanço a cabeça confirmando enquanto abro um botão de sua camisa e passo a ponta do dedo
em sua pele sentindo o calor de seu corpo.
— Acho que vai...
Pete passa os lábios em meu pescoço causando arrepios em minha pele.
— Posso ficar aqui a noite inteira, Moranguinho, eu sei esperar. — Sua voz sai baixa e
provocante enquanto ele acaricia minha pele com a ponta do nariz subindo e descendo por
meu pescoço e ombros. — A noite inteirinha...
Agarro seus cabelos fazendo-o gemer e o beijo matando meu desejo. Ele sorri e envolve
seus braços em minha cintura me prendendo junto a si.
— Eu te amo, seu idiota — falo encarando seus olhos dourados escurecidos pela sombra da
noite enquanto afasto uma mecha de cabelo do seu rosto.
— Repete! — ele exige com a voz grave e forte enquanto olha dentro dos meus olhos.
— Eu te amo... — repito sorrindo e me sentindo leve ao admitir em voz alta. — Eu te amo.
Porra, Pete, eu realmente te amo.
Pete gargalha, alto, deixando a cabeça cair para trás e me fazendo ficar confusa, não é
como se eu esperasse por isso, eu disse que o amo e ele simplesmente ri como se eu houvesse
contado uma piada.
— Ah, meu Deus! Você disse mesmo que me ama? — ele pergunta e me sinto um pouco
confusa. — E falou porra?
— Qual o problema? Eu sempre falo porra — justifico ainda sem entender.
— Mas nunca enquanto admite que me ama.
— Disse agora.
— É, você disse. — Ele morde meu ombro e dou um gritinho agudo. — E sou o filho da puta
mais sortudo desse mundo.
Pete volta a me beijar, dessa vez com uma fúria quase animal, seus lábios me consomem e
seu beijo me faz ficar tonta, ele tem sabor de álcool e Pete, um sabor único que me embriaga e
me vicia. Eu quero que ele me beije para sempre.
— Obrigado, Moranguinho. — Pete chupa meu lábio inferior e, dessa vez, sou em que
sorrio.
— Às ordens.
Ela disse que me ama, e sinto como se tivesse meu próprio show pirotécnico acontecendo
dentro do meu peito. Ela disse que me ama, com direito a porra e tudo mais. Eu sou louco por
essa garota.
— Aonde você vai? — ela pergunta quando salto do capô e vou até a porta abrindo-a e
entrando.
— Te dar meu presente — respondo enquanto puxo a sacola do chão.
— Você me comprou um presente? — Luana vem até mim e inclina a cabeça para dentro
do carro, dando-me a linda visão dos seus seios.
— Claro! Você acha que só o galã teve a grande ideia de te dar um presente? — Passo o
indicador na curva suave do seu peito e recebo um tapa. — Se bem que eu poderia ter
comprado algo mais significativo como o pingente de um elevador, talvez uma frigideira...
Ela se afasta e dá a volta no carro abrindo a porta do passageiro e entrando. O sorriso
curioso em seus lábios a deixa com um ar quase infantil e perco a sanidade quando ela morde o
lábio inferior totalmente sem saber o quanto fica linda assim.
— Não é a mesma coisa, mas foi o melhor que o meu dinheiro pôde pagar — justifico ao
entregar a sacola prateada com um laço vermelho do tamanho de uma melancia para ela e
sinto uma ansiedade esquisita, uma necessidade quase doentia de fazê-la feliz, de agradá-la.
Observo enquanto ela rasga a embalagem sem nenhuma delicadeza e meu coração infla de
amor por essa garota.
Ela me ama... Puta que pariu, ela me ama!
— Um celular? — ela pergunta enquanto olha a caixa. — Por que você me deu um celular?
— Você afogou o seu, lembra?
— Não precisava se preocupar, eu estou usando o antigo — ela responde, mas, pela
maneira como seus olhos brilham, sei que está mentindo.
— Tem umas capas legais que coloquei aí pra você trocar sempre que quiser, pra combinar
com a roupa, sapato, calcinha, sei lá — provoco-a porque é meio que um vício fazer isso.
Ela retira o aparelho da caixa e passamos a próxima meia hora mexendo no celular, ela
experimenta as capinhas perguntando qual delas gosto mais e damos boas risadas, alguns
beijos e tapas quando digo alguma coisa que a irrita. Luana me obriga a tirar algumas fotos e
mal vemos o tempo passar. Gosto de estar com ela, só me senti assim leve quando o Rick era
vivo e eu não tinha vontade de beijá-lo a cada minuto.
— Posso? — ela pergunta curiosa com a mão no porta-luvas algum tempo depois.
— Fique à vontade, mas já vou avisando que você não vai encontrar nenhum CD do Justin
Bieber por aí.
Ela me mostra a língua e fico imaginando todos os lugares onde ela poderia colocá-la.
— Como você é bobo, eu nem gosto de Justin Bieber. — Ela se inclina vasculhando dentro
do porta-luvas.
— Lógico que gosta, para de mentir, Moranguinho, isso é feio. — Estico-me e deposito um
beijo estalado em suas costas nuas fazendo-a se contorcer.
— Eu não gosto e pare de me tratar como uma criança. — Luana joga uma caixa de lenço
em mim e desvio fazendo com que ela caia no chão.
— Esse é o meu preferido. — Pego o CD das mãos dela e coloco para tocar. É uma banda
nacional dos anos 80, a música fala basicamente de revolução, política e um mundo utópico, e,
embora seja antigo, ainda me parece algo que foi escrito ontem.
— Tem certeza de que é a sua preferida? — Ela torce o nariz como se o som cheirasse mal
e inclino o banco para trás me deitando e cantarolando o refrão. — Ok, eu admito, a banda é
ruim, mas é a lembrança mais forte que tenho do meu pai e gosto de ouvi-la.
— Só porque o cara não fala um baby, baby, baby ooohhh, você não gostou? — tento
imitar o garoto e Luana ri da minha performance.
— Eu não vou mais repetir que não gosto disso.
Puxo-a para mim, Luana deita a cabeça em meu peito e ficamos assim, conversando sobre
música e olhando para a noite estrelada. Quando o CD termina, Luana decide que precisamos
ouvir algo mais animado e logo ela está rebolando no banco do lado.
— Continue assim e vão achar que estamos tendo uma sessão de sexo selvagem aqui —
digo ainda deitado no banco enquanto observo seus seios balançarem nesse vestido.
— Cale a boca! — Ela pega a garrafa de uísque do chão e bebe um gole enquanto faz uma
careta. — Por que vocês homens têm que gostar disso? — Ela ergue a garrafa no ar e balança
ao som da música barulhenta.
— Porque somos homens.
Ela revira os olhos e dá mais um gole na bebida.
— Cuidado, se você vomitar no amigão, eu juro que te mato.
— Não vou vomitar.
— Foi o que você disse da última vez que vomitou.
— Por que amigão? — Ela se inclina no banco, virando-se de lado para mim e me recordo
do meu irmão.
— Foi o Rick quem colocou o apelido. Quando o comprei paramos de depender do
transporte de pessoas com deficiência para levá-lo à reabilitação. Rick gostava do carro, achava
confortável e, de acordo com ele, havia se tornado o seu melhor amigo.
— Hum, então é por isso que você gosta tanto do carro? — Ela olha para o interior do
Maverick como se estivesse o vendo pela primeira vez.
— Ele é a lembrança mais feliz que tenho do Rick, sempre que entrávamos aqui ele abria
um sorriso enorme. — Sorrio ao relembrar da sua alegria. — Pode parecer estranho, mas aqui
dentro desse carro ele se sentia quase normal.
— Eu posso imaginar.
Conto a ela algumas aventuras minhas e do Rick nesse carro, como a vez em que o levei
para ver o sol nascer, ou quando paguei o estacionamento de um festival só para que ele
pudesse ver o show de dentro do carro. Ela ouve tudo maravilhada e o carinho como fala do
meu irmão faz com que várias vezes eu precise beber para conseguir engolir o nó que se forma
em minha garganta.
— Moranguinho? — chamo-a quando noto que ela colocou em uma rádio mais calma.
— Hum... — ela diz meio embriagada e com os olhos fechados.
— Obrigado por não me deixar sozinho hoje.
— Disponha — ela diz com a voz meio mole, sonolenta e sexy.
— Tá querendo me seduzir? — pergunto quando ela se esgueira até mim, sentando-se no
meu colo, com uma perna de cada lado. A música de motel que toca no rádio faz meu sangue
esquentar e, quando ela se inclina beijando minha boca lentamente, sinto que estou prestes a
entrar em ebulição.
— Estou conseguindo? — ela pergunta e o biquinho que se forma em sua boca faz o meu
cérebro desligar por um instante.
— Você não imagina o quanto. — Ergo-me para beijá-la, mas Luana espalma a mão em
meu peito me fazendo deitar novamente.
— Relaxa, esse é o meu presente de Natal — ela sussurra em meu ouvido e fecho os olhos
tentando manter todo o controle para não rasgar suas roupas aqui mesmo.
— Esse é o melhor presente de Natal que já ganhei na vida. — Seguro seus cabelos
fazendo-a gemer e sei que ela está alterada porque começa a abrir os botões da minha camisa
sem se preocupar que estamos na garagem da casa do seu pai. — Moranguinho... — Seguro-a
pelos ombros quando ela começa a beijar o meu peito e, antes que eu perca o controle, a
afasto.
— Eu estou aqui — ela diz com a voz dengosa de quem quer me matar.
Ela se abaixa beijando o meu pescoço enquanto seu quadril começa a se mover na minha
ereção e o toque da sua língua molhada em minha pele me faz gemer.
— Eu sei, Moranguinho — digo ao olhar para o céu e imagino se existe no mundo um cara
mais feliz e com mais tesão do que eu nesse momento, acho difícil.
O dia nasce quente, claro e forte.
Os raios do sol começam a me incomodar de verdade há algum tempo, estou ignorando-o,
mas está ficando difícil. Decido abrir os olhos, mas não consigo, tento levantar minha cabeça e
é uma tentativa frustrada, porque ela está pesada demais, meu corpo dói, minhas costas
parecem que vão se partir ao meio e meu pescoço não está melhor.
Tento me mexer mais uma vez e sinto que algo pesado me prende no lugar, forço meus
olhos a abrir e, dessa vez, coloco uma mão na frente para me proteger da luz, e descubro
porque sinto como se estivesse imobilizada. É porque eu realmente estou imobilizada. Longas e
pesadas pernas estão enroscadas nas minhas, um braço em volta da minha cintura e um peito
nu embaixo do meu rosto. Um lindo, tatuado e quente peito. Inclino meu rosto e vejo que ele
também terá problemas quando acordar. Embora o amigão seja grande, não é o suficiente para
um casal.
Com certa dificuldade consigo me desvencilhar de seus braços e me sento esticando as
costas e sentindo minha cabeça pulsar. Pete dorme tranquilamente, o indesejado sol
iluminando sua pele dourada, destaca a mandala negra tatuada em seu peito, que se move
seguindo o ritmo lento de sua respiração, desço meus olhos por seu corpo até parar no seu
quadril relembrando todas as coisas que fizemos na noite passada e descubro que mulheres
também acordam excitadas.
Mexo-me um pouco tentando colocar o meu vestido de volta no lugar, não consigo me
lembrar de muita coisa de ontem à noite, mas a garrafa vazia no chão do carro me faz imaginar
que a noite foi, no mínimo, divertida. Os braços de Pete se movem me puxando de volta para o
seu peito, lugar esse que eu gostaria de permanecer para sempre, sua mão desce até o meu
traseiro e sorrio porque, mesmo dormindo, ele ainda é o Pete de sempre, mas no momento em
que me deito descubro por que acordei. Eu preciso ir ao banheiro. Urgente.
— Pete. Pete! — Balanço seu corpo na tentativa de acordá-lo, suas pernas são pesadas
demais para um homem tão magro, não tão magro na verdade agora que estou aqui com
minhas mãos em seu peito nu e bem definido banhado pelo sol da manhã do dia de Natal. —
Pete, acorda — digo tentando me afastar enquanto faço um agradecimento mental a Deus por
tê-lo criado.
— Hummm... — ele geme e minha Nossa Senhora das Garotas Apertadas! Meu corpo
responde ao seu gemido.
— Pete, eu preciso ir. — Empurro-o, dessa vez com um pouco mais de força. — Pete,
acorda! — grito enquanto empurro suas pernas.
— Puta merda, quem abriu a cortina? — ele resmunga colocando um braço em cima do
rosto tentando se proteger do sol.
— Deus! Agora sai de cima de mim antes que eu faça xixi no seu carro! — grito e pulo por
cima dele, devo ter acertado alguma parte do seu corpo porque ele urra de dor quando abro a
porta e saio correndo sem dar a ele a chance de falar. — Desculpa! — grito sem olhar para trás.
Entro correndo no banheiro e fico um tempo sentada no vaso sanitário sentindo os efeitos
da bebida. Minha cabeça pulsa, meu estômago está horrível, minha garganta seca e não posso
nem pensar em água. Fecho os olhos e apoio a cabeça na parede sentindo o mundo girar do
lado de fora dela, decido se vale a pena sair do banheiro ou se devo ficar aqui o restante do dia
quando ouço uma batida na porta.
— Tá tudo bem aí? — Pete pergunta. Sua voz com aquela rouquidão matinal me faz sorrir e
sua preocupação me deixa um pouco convencida.
— Tá sim.
Levanto-me sem olhar no espelho, lavo as mãos e abro a porta, não consigo conter o riso
quando noto que Pete está pior que eu; seu cabelo está amassado, o vinco do assento marca
seu rosto, os olhos estão inchados e a voz de quem está com uma gripe terrível.
— Do que você está rindo? — ele pergunta parecendo... bravo?
— Desculpa, Pete, é que você está horrível. — Coloco a mão na boca tentando conter o
riso, mas acho que ainda estou sob o efeito do álcool.
— Já se olhou no espelho, Moranguinho? — ele pergunta.
— Ainda não, por quê? Vai deixar de me amar agora?
— Não sou louco — ele diz apoiando-se no batente da porta.
Empurro-o e saio do banheiro cambaleando até a cozinha, esbarro em uma cadeira
fazendo mais barulho do que gostaria e começo a rir novamente.
— Jesus Cristo! Você ainda está bêbada? — Ele passa por mim e me desequilibro voltando
a rir baixinho e abafando o riso com a mão.
— Eu não estou bêbada, só estou um pouco zonza e com muita vontade de rir, rir é bom,
Pete — defendo-me sentando-me em uma cadeira um pouco descoordenadamente e abaixo a
cabeça, fechando meus olhos, para tentar manter tudo no lugar. — Que horas são? — pergunto
ainda com a cabeça enterrada na madeira.
— Hora de cuidar de você.
O cheirinho delicioso de café me desperta, ergo minha cabeça e sinto minha nuca rígida. Eu
dormi na mesa da cozinha e, pior, babei no meu braço.
— Você é muito ruim de bebida, Moranguinho. — Pete coloca uma xícara de café na minha
frente enquanto tento disfarçar e limpo a porquice que eu fiz. Meu Deus, será que ele me viu
babando?
— Sou nada, só estava cansada — minto me perguntando por que ele parece que nem
mesmo bebeu. — Mas que porra... — Cuspo o café amargo.
— Olha a boca logo cedo, Moranguinho. — Ele se inclina na cadeira e beberica o seu café.
— Poxa, qual o seu problema com bebidas? — Coloco a xícara na mesa. — Eu achei que
você ia mesmo cuidar de mim — resmungo empurrando a xícara para longe.
— E estou cuidando. — Ele empurra a xícara de volta para mim. — Agora beba tudo
porque depois vem a melhor parte. — Ele pisca para mim e me impressiono o quanto o maldito
fica bonito até mesmo de ressaca.
— Que parte? — pergunto curiosa e ele gargalha alto.
— Bom dia, queridos. — Diana entra na cozinha ainda de robe e com os olhos inchados
interrompendo nossa conversa. Respondemos juntos e ela sorri como se soubesse que
passamos a noite inteira nos agarrando dentro de um carro.
Pete se levanta e a abraça carinhosamente. Diana parece pequena em seus braços e ele a
beija antes de se afastar e lhe oferecer uma xícara de café.
— Está amargo — aviso-a e ela sorri.
— Do jeito que eu gosto. — Ela pisca e, por um instante, consigo ver Pete em seu olhar. —
Como vocês estão? — ela pergunta enquanto beberica o café.
— Ainda estou vivo — ele responde tentando parecer engraçado, mas Diana odeia essas
brincadeiras.
— O que vocês estão aprontando? — ela pergunta ao olhar para mim e tenho certeza de
que minha cara já diz tudo, mas Pete acha melhor esclarecer.
— Luana só está de ressaca.
— Tito, olha lá o que você tá fazendo com a garota, Ricardo te mata se vir a filha dele
bêbada — ela o repreende e me sinto um pouco sem graça.
— Não se preocupe, mãe, ela sabe se cuidar. — Ele pisca novamente para mim e baixo o
olhar para o café.
— Sou maior de idade, esqueceram? — defendo-me.
— Para os pais, os filhos nunca crescem, querida. — Ela se aproxima e envolve a minha
mão com a sua. — Mas fico feliz em ver que finalmente se entenderam.
Finalmente se entenderam? O que será que ela sabe?
Diana termina de tomar seu café e, antes de voltar para o quarto, me aconselha a tomar
um analgésico, um banho frio e dormir mais um pouco.
— Precisava me dedurar para a sua mãe? — resmungo assim que ela sai da cozinha e Pete
ergue os ombros com um ar de quem não se importa.
— Achei que você era maior de idade e dona do seu nariz.
— Mas eu não queria que a sua mãe soubesse, não quero que ela pense coisas.
— Que tipo de coisas ela pensaria? — Sua sobrancelha se ergue curiosamente.
— Sei lá, Pete... Coisas.
— Tenho certeza de que ela não imaginaria nem a metade das coisas que fizemos essa
noite naquele carro.
Arregalo os olhos ao ouvir Pete falar sobre “as coisas” que fizemos, porque eu não me
lembro de nada.
— Calma, Moranguinho, não fizemos nada de mais. — A curva de sua bochecha surge
quando ele me dá um sorriso. — Não que você não tenha tentado. — Sua voz sai rouca e sinto
meu rosto esquentar quando ele vira uma cadeira e se senta apoiando o braço no encosto e me
olha como se estivesse se lembrando das tais coisas.
— Não sou um moleque, Moranguinho, eu jamais me aproveitaria de você. — Ele passa a
ponta dos dedos sobre minha mão e minha pele se arrepia. — Por mais que eu te deseje, por
mais que naquele momento fosse o que eu mais queria, você estava bêbada e eu sei ser um
cara decente.
— Eu sei que você é, mas eu... eu não sou assim, não sou esse tipo de garota que... —
começo a gaguejar e Pete coloca um dedo em meus lábios me silenciando.
— Apenas nos beijamos, por mais que quiséssemos ir além, ficamos apenas nos beijos. Eu
não vejo nada de mais em uma garota desejar um cara. Principalmente se essa garota for você
e o cara em questão, eu.
Sorrio encabulada porque, por mais que ele diga que não passamos de alguns beijos, para
mim foi muito mais do que isso, na noite passada eu me declarei e entreguei o meu coração
para ele.
— Mas não se preocupe, Moranguinho, tenho intenção de terminar o que começamos
ontem em breve. — Ele se inclina e beija o meu pescoço, causando um arrepio que desce por
todo o meu corpo, e me faz engasgar com o café, que nem ao menos me lembro de estar
tomando.
Corro para o banheiro com medo de vomitar na cozinha e, quando consigo me recompor,
Pete está parado na porta, seu rosto tão pálido que temo que ele possa desmaiar a qualquer
momento.
Ele se aproxima, a luz do sol que entra pela janela faz com que seus olhos se pareçam ainda
mais claros; se não houvesse o contorno castanho em volta da íris seria quase assustador olhar
para ele nesse momento.
Rapidamente ele segura minhas mãos pelo pulso e eleva meus braços acima da minha
cabeça me observando com preocupação, mesmo depois que eu parei de tossir, mas ele parece
não ter notado.
— Respira fundo — ele exige. Sua voz grave e imperativa parece um contraste com o pavor
que vejo em seus olhos e faço exatamente o que ele manda.
— Pete, eu estou bem — digo quando ele não solta a minha mão. — Está tudo bem, já
pode me soltar.
Ele me encara como se não acreditasse no que estou falando, uma reação exagerada
demais na minha opinião e, quando percebe que ainda me segura, solta minhas mãos bem
devagar colocando-as ao meu lado como se estivesse com medo de me machucar.
— Porra! — Ele passa a mão na nuca e dá um passo para trás, como se eu o houvesse
desestabilizado. — Não faz mais isso, você me assustou.
E então ele sai em direção ao andar de cima me deixando sem entender o que aconteceu.
Faço exatamente o que Diana me aconselhou, tomo um banho morno e caio na cama,
desmaiando no mesmo instante. O problema é que durmo mais do que devia e perco a hora,
acordo com minha mãe ao telefone perguntando quanto tempo vou demorar para chegar em
casa.
— Desculpa, mãe, em quinze minutos eu chego aí — falo enquanto corro para o closet e
pego a primeira roupa que encontro na minha frente.
Quinze minutos! Em quinze minutos, eu não chego nem no portão. Mas, pelo menos,
minha cabeça não está mais doendo, já o meu estômago é outra história.
Consigo bater meu recorde, me troco em dois minutos e desço tentando fingir que não
estou atrasada. No meio do caminho encontro Pete indo para a cozinha e sinto meu estômago
dar uma cambalhota, como se eu não tivesse passado a noite inteira com ele.
— Oi.
— Oi... — Ele faz uma rápida avaliação da minha roupa e sorri. Pelo seu olhar, deduzo que
estou aprovada para os padrões “Pete”. — Está se sentindo melhor?
— Estou sim, e você?
Ele passa a mão nos cabelos úmidos e bagunçados.
— Pronto para a próxima. — Ele pisca para mim e decido que essa é a coisa mais sexy que
um homem pode fazer.
— Preciso ir, estou muito atrasada, minha mãe está me esperando — digo quando noto
que estou olhando para ele como uma idiota apaixonada.
— Eu te levo. — Ele saca as chaves do bolso da calça, como se já estivesse preparado para
isso. — Se você quiser, é claro... — ele completa e parece... tímido? Jesus amado! E eu, que
achei que ele não poderia ficar mais bonito, descubro que, quando ele fica tímido, minha alma
sai do corpo, dá uma cambalhota no ar e volta.
— Eu adoraria.

Por incrível que pareça, Pete está mesmo nervoso.


Como eu percebi? Fácil, ele não fala absolutamente nada o caminho inteiro, apenas
responde minhas perguntas com um sim, não e talvez, e o restante do tempo me dá meio-
sorrisos e batuca um dedo no volante incansavelmente.
Uma reação clara de nervosismo.
Passo a mão em seu pescoço, acaricio seus cabelos e sinto a tensão em seus músculos.
Sempre que paramos, ele toca minha coxa espalmando sua mão nela e me deixa com um
gostinho de quero mais. Assim que viramos a uma quadra da minha casa, Pete se afasta,
colocando as duas mãos no volante e concentrando-se no inexistente trânsito a nossa frente.
Quando chegamos na porta do meu prédio, eu me inclino e beijo os seus lábios rapidamente.
— A gente se vê mais tarde? — pergunto.
— Claro, a gente se vê. — Ele se vira e me dá um sorriso esquisito, que me deixa confusa.
— Está tudo bem?
— Está sim, vai logo, Moranguinho, antes que sua mãe venha te buscar.
Dou mais um beijo rápido nele e desço com uma sensação esquisita de que não está tudo
tão bem assim.

O almoço com minha mãe e Gláucio foi estranho.


Exatamente isso, estranho. É estranho ter um homem em casa, é estranho perceber que o
arroz da minha mãe é salgado demais, é estranho não falar mal de Diana, é estranho estar com
saudades do meu pai muito mais do que da minha mãe. Durante a tarde sinto que tudo o que
eu faço é errado, olhar para o corredor onde Pete se machucou mil vezes, mentir sobre o que
aconteceu comigo e o Pete e passar a tarde inteira na casa da minha mãe como se eu fosse uma
estranha é errado.
A casa da minha mãe... Eu já nem me sinto mais em casa!
Depois de um almoço agradável, que não consigo comer direito, estou esparramada no
sofá ouvindo minha mãe contar as novidades, mas sem prestar muita atenção em nada. Me
pego olhando para o relógio inúmeras vezes desejando que as horas passem rapidamente, e
não são poucas as vezes em que minha mãe fala algo que não escuto.
— Lu — ela me chama e só então percebo que acabei adormecendo no sofá. — Acho
melhor ir embora, seu pai pediu para não chegar muito tarde. — Olho para o relógio e me
espanto quando noto que já passa das dez da noite.
— Me desculpa, mãe, acho que estava mais cansada do que imaginei.
Ela sorri como a mulher maravilhosa que é e me sinto pior.
— Está tudo bem com você?
— Está sim.
Estou apaixonada, mãe.
— Então está tudo bem.
Inclino-me e dou um abraço apertado nela sentindo meus sentimentos misturados igual
salada Ceasar, ela diz que me ama e eu digo que a amo e fico um pouco emotiva pelos motivos
corretos dessa vez.
Minha mãe e Gláucio me levam à casa do meu pai. Me despeço deles e prometo a ela que
almoçaremos juntas antes do fim do ano. Entro, tentando não parecer tão eufórica, mas, assim
que ouço o som da TV ligada na sala, meu coração se agita.
Pete está esparramado no sofá, apenas os abajures acesos o deixam com uma aparência
sexy e despojada, mesmo com uma bermuda que eu tenho a impressão de que já foi uma calça
de moletom antiga e uma camiseta velha.
— Já voltou, Moranguinho? — ele pergunta sem tirar os olhos da cena em preto em
branco, na TV.
— Já.
— Vem cá. — Ele estende a mão para mim e me puxa para o seu lado no sofá. — E aí, como
foi lá?
— Foi bom, comi bastante, ouvi as novidades, dormi, essas coisas que as pessoas fazem
nos feriados.
— Poxa, deve ter sido um tédio comer e dormir o dia todo! — ele provoca e volta a olhar
para a TV.
— O que você está assistindo? — Aninho-me ao seu lado erguendo as pernas em cima do
sofá.
— Os Três Patetas.
— Hum... que novidade...
— Você está bem? — Ele desvia o olhar da TV para esperar a minha resposta e confirmo
com a cabeça enquanto puxo uma almofada para o meu colo.
— Estou sim.
Presto atenção no episódio que ele está assistindo, até tento achar graça, mas não sou
muito fã de Os Três Patetas. Para mim, eles são uma versão ainda mais antiga de Os Trapalhões
e, definitivamente, não gosto deles, então prefiro olhar para o meu pateta favorito, que está
sentado ao meu lado, roendo o dedo mindinho enquanto olha para a TV.
— Pare de me paquerar, Moranguinho — ele diz sem tirar os olhos do seriado.
— Não posso, é mais forte do que eu — brinco e ele sorri. — Pete... — o chamo e ele me
olha apreensivo, como se já soubesse o que vou dizer. — Por que você teve aquela reação hoje
cedo?
— Porque eu me assustei.
— Você se assustou comigo? — pergunto e ele confirma enquanto continua com o olhar
fixo na TV.
— Quando o Rick comia rápido, ou a comida não estava muito bem cortada, ele se
engasgava e era sempre um momento de tensão. Se ele não conseguisse voltar a respirar
sozinho, tínhamos que correr com ele para o hospital, eu só... não gostei de te ver se
engasgando... — Ele baixa o rosto e encara a bermuda puxando um fio solto, como se fosse
vergonhoso admitir. — Me trouxe más recordações.
— Ah, meu Deus... — Coloco uma mão em seu ombro tentando confortá-lo de alguma
forma. — Isso deve ter sido horrível, sinto muito.
— Tudo bem, já passou, e você não é o Rick, foi apenas uma reação por força do hábito. —
Ele me dá o seu habitual sorriso falso, aquele que, para quem não o conhece, quer dizer que
está tudo bem, mas que eu já sei que é apenas um escudo. — Eu juro que vou me acostumar.
— Se acostumar? Com o quê?
— Em ter novamente alguém importante na minha vida, alguém que eu quero muito. —
Pete cruza uma perna na minha e espalma a mão em minha coxa enquanto fala: — Alguém que
eu não suportaria perder.
— Pete, eu não vou morrer.
— Ah, Moranguinho... Existem muitas formas de perder alguém. — Ele suspira como se
estivesse travando uma batalha interna dentro de seu peito, como se essa questão não fosse
algo novo para ele, e talvez não seja mesmo, talvez esse medo de perder seja uma das partes
que ele tenta esconder com seu jeito debochado e brincalhão.
Ajoelho-me na sua frente e seguro seu rosto retorcido de medo e tristeza em minhas mãos.
— Eu não vou a lugar nenhum, Peterson, não tem a menor chance de isso acontecer. Você
não vai me perder.
Seus olhos dourados, escondidos pela escuridão da sala, me observam o tempo todo.
Tenho a sensação de que ele nem sequer respira enquanto me ouve falar, suas mãos se juntam
as minhas e ele fecha os olhos quando me aproximo encostando os meus lábios nos seus. Desço
minha mão por sua nuca, segurando-o junto a mim enquanto acaricio seus lábios lentamente
com os meus, desejando que ele possa sentir em meu toque a segurança que merece sentir.

Depois daquele beijo nada mais é dito, ficamos quietos, sentindo a presença
tranquilizadora um do outro, Pete parece não prestar mais atenção ao episódio, eu muito
menos, ele mantém a mão em minha coxa, o polegar faz círculos em minha pele enquanto seu
olhar perdido vagueia pela sala escura. Às vezes, ele me puxa para mais perto só para deixar um
beijo em minha cabeça, mas nem uma vez ele sorri de verdade, ou acha graça naquele seriado
bobo. E nessa balada melancólica, em algum momento o sono é maior do que tudo e acabo
adormecendo.
Não sei quanto tempo durmo, mas quando abro meus olhos ele ainda está ao meu lado, a
TV ligada e os incansáveis Patetas caindo um em cima do outro, sua cabeça caída no encosto do
sofá, seu braço protetoramente em volta de minhas pernas, sua boca levemente aberta. Ele
parece exausto de lutar contra os seus sentimentos, de esconder os seus medos, de sentir...
Tenho pena do meu querido debochado. Retirar a máscara que cobre seus medos o deixa
instável e tenho medo de estar exigindo demais dele.
Estico a manta sobre nós e acaricio seus cabelos antes de deixar um beijo terno em seus
cachos desgrenhados, inalo seu cheiro de limão e me aninho em seu colo desejando ter o poder
de curá-lo de todo o sofrimento que ele já passou.
Essa é a primeira vez no dia que me sinto à vontade, confortável e protegida, sensações
que antes estavam ligadas apenas à minha casa e à minha mãe, mas que estão ainda mais
intensas aqui nessa sala à meia-luz, em uma casa silenciosa e com as risadas baixas dos Patetas
ao fundo. Mas, acima de tudo, é a primeira vez que me sinto forte, capaz de lutar por alguém. É
a primeira vez que sinto que minha felicidade depende não só de mim, mas de saber que esse
rapaz também esteja feliz, e isso é algo assustador.
Enquanto ouço o ronco baixo do cara que roubou meu coração, compreendo o verdadeiro
motivo para que eu esteja aqui nessa casa, Diana fará qualquer coisa para ver o meu pai feliz,
inclusive conquistar a sua filha. Eu a entendo, afinal eu faria qualquer coisa para deixar o seu
filho feliz também.
O barulho de pessoas em volta da mesa me desperta, abro os olhos assustada e sem saber
onde estou. Levanto-me e percebo que estou sozinha no sofá da sala de TV e que há um
edredom me aquecendo e um travesseiro embaixo da minha cabeça. Mas nada de Pete.
— Bom dia, dorminhoca! — Ele entra na sala com seu sorriso escandaloso, como se a noite
passada simplesmente não tivesse existido.
— Bom dia — resmungo e saio arrastando o edredom e o travesseiro em direção ao meu
quarto, Pete cantarola ao meu lado e não para nem mesmo quando olho para ele
profundamente irritada.
— Mas já acordou de mau humor? — ele pergunta enquanto segura a porta do quarto
aberta para eu passar.
— Por que você me deixou dormir sozinha naquele sofá?
Ele recolhe o edredom que está sendo arrastado no chão e joga na minha cama,
totalmente indiferente ao meu humor matutino.
— Eu não deixei, só achei que o Ricardo não gostaria muito de ver a gente dormindo de
conchinha na sala dele.
— A gente não dormiu de conchinha, dormiu? — pergunto quando me dou conta de que
ele tem razão.
— Não, porque eu sou um cara sério, jamais faria isso com você, mesmo me provocando
do jeito que provocou ontem à noite.
— Eu não te provoquei! — Jogo o travesseiro em cima do edredom.
— Provocou sim. — Ele olha para as minhas pernas e sinto meu rosto esquentar. — O que
posso fazer? Você me provoca até dormindo.
— Droga, você tem razão. — Esfrego meus olhos ainda meio sonolenta quando ele me
puxa pela cintura.
— Eu sempre tenho razão, Moranguinho. — Ele começa a beijar o meu pescoço e me solto
antes que ele tente beijar minha boca.
— Calma aí, já volto. — Entro no banheiro e fecho a porta rapidamente para poder escovar
os dentes e dar um jeito na minha aparência.
Quando saio, Pete está deitado na minha cama, tão lindo, que tenho que desviar a
atenção, e agradeço a Deus por ele não poder ler os meus pensamentos pervertidos sobre ele a
essa hora da manhã.
— Eu tenho uma surpresa pra você — ele fala com uma animação fora de horário.
— A essa hora? Deixa eu acordar e a gente se fala.
— Mas, dessa vez, você vai gostar, na verdade é uma ideia que eu tive.
Cruzo meus braços, intrigada e curiosa.
— Que ideia? — Tento desviar os meus pensamentos da única ideia que eu gostaria que
ele tivesse, mas é uma tarefa mais difícil que meditação.
Ele se levanta e vem até mim circulando minha cintura e beijando a curva do meu pescoço.
— Sim, uma ideia — ele diz com os lábios colados em meu ouvido e me sinto como uma
amoeba. Molinha... molinha. — Enquanto você roncava na sala de TV, eu e o Ricardo
conversamos sobre você e achamos que seria uma boa ideia eu te dar umas aulinhas de
direção.
— Sério que você acordou com as galinhas para falar de mim com o meu pai?
— Seríssimo. — Fico feliz com sua ideia, apesar da frustração por sua ajuda não ter nada a
ver com minha cama e roupas no chão.
— Mas eu estou indo muito bem nas minhas aulas — tento argumentar em minha defesa.
— Eu sei o quanto... — Ele estremece exageradamente e reviro os olhos. — Ainda tenho
pesadelos ao lembrar-me do dia em que você me levou para o hospital.
— Aquele dia eu estava nervosa, é diferente — justifico mesmo sabendo que não é
verdade. O fato é que eu morro de medo de dirigir e o meu instrutor não tem muita paciência
comigo, e nesse momento Pete é a minha melhor chance de não reprovar na prova.
Quer dizer, se eu ignorar o fato de ele estar ao meu lado, sua voz mole, seus olhos
dourados e seu sorriso matador, talvez eu consiga melhorar meu desempenho... Os
pensamentos pervertidos voltam e, dessa vez, tem tudo a ver com corpos, beijos e um certo
carro grande, velho e barulhento... É, pensando bem, talvez não seja assim tão ruim.
— Tudo bem, eu aceito, mas com uma condição. — Afasto-me dele e vou para o closet
pensando qual roupa devo vestir. Acho que uma saia leve e curtinha é uma ótima opção.
— E qual é? — Ele se aproxima tirando a saia da minha mão e pegando uma calça jeans e
entregando-a para mim.
— Você promete não rir da minha cara, não gritar comigo e ter paciência? — Enumero
cada um dos itens em meus dedos enquanto olho para ele.
Pete respira fundo, fecha os olhos como se soubesse que está se metendo em encrenca e
fala com a mão erguida em juramento:
— Eu prometo tudo isso aí.
Sorrio satisfeita e pulo em seus braços, enchendo seu rosto de beijos e arrancando um
sorriso com curvinha.
— Desde que você mantenha suas pernas gostosas dentro de uma calça jeans, de
preferência uma quase impossível de ser removida do seu corpo.
Pete se deita na cama com a cara enterrada em uma revista enquanto começo a tagarelar
sobre o quanto odeio o meu instrutor. Quando termino de me arrumar, ele está com a revista
ao lado, as mãos apoiadas na barriga e um sorriso que ilumina todo o meu quarto e a minha
alma.
— Que foi? — Sorrio de volta tentando não demonstrar a vontade que estou de me deitar
ao seu lado e beijá-lo até morrer.
— Nada, eu apenas gosto de olhar para você.
Meu coração para por um segundo e um sorriso idiota se espalha por meu rosto.
Meu Deus, eu estou mesmo muito apaixonada!

Assim que chegamos na garagem vou correndo para o Sedan negro recém-chegado da
oficina, mas Pete não me acompanha.
— Nem pensar, mocinha. Se você quer aprender a dirigir, não vai ser nesse carro — ele diz
enquanto gira um molho de chaves na mão.
— E onde vai ser? — pergunto, mas na verdade não sei se quero ouvir a resposta.
— No amigão, claro!
Claro?
Olho para a banheira branca estacionada do outro lado da garagem e depois para o Pete.
— Sem chance, eu não vou dirigir aquilo.
— Ah, vai sim, pare de reclamar e arraste sua bunda gostosa para cá agora. — Ele aponta
para o carro e me obrigo a ir até ele.
— Eu não vou conseguir dirigir, isso é enorme.
— Pare, que ele vai se achar — Pete brinca.
— E se eu bater o seu carro?
— Eu te mato. — Ele joga a chave para mim e me estico para pegá-la enquanto ele
caminha até o outro lado do carro e se senta no banco do passageiro, respiro fundo e entro no
lado do motorista já sentindo minhas mãos suarem. — Mas pensa pelo lado bom,
Moranguinho, eu te dou um beijo para cada coisa certa que você fizer. — Ele segura o meu
rosto e beija a minha boca.
— E o que eu fiz de certo agora?
— Colocou a sua bunda gostosa no meu banco. — Ele se ajeita e puxa o cinto de segurança
enquanto me olha como se eu estivesse nua em seu carro.
Ah, minha Nossa Senhora das Garotas Desesperadas por um Amasso, me proteja!
Ajustar o banco em uma posição confortável para mim é tão difícil que tenho vontade de
desistir. O amigão é exatamente igual ao dono, personalidade forte, antigo e difícil de lidar, mas
depois que se pega o jeito e entende os seus macetes se torna agradável e até gostoso de dirigir
aquela lata velha. Como disse... igual ao dono.
As condições que impus estão sendo seguidas à risca e Pete também fez as suas exigências.
— Você vai me ouvir, vai prestar atenção a tudo o que eu disser e vai me obedecer!
Tentei questionar o obedecer e ele ergueu a sobrancelha, ignorando minhas reclamações.
— Nunca, jamais, vai reclamar do meu carro e não vai chorar.
Eu apenas concordo e deixo bem claro que não vou chorar. Vinte minutos depois, eu já
havia segurado a vontade de chorar duas vezes: a primeira, foi quando machuquei minha mão
ao tentar puxar o banco mais para a frente; e a segunda, ao sair de casa e quase acertar um
casal de velhinhos que passavam pela rua.
Ele está se esforçando muito para não gritar, mas a expressão de medo na cara dos
velhinhos fez ele alterar a voz comigo pela primeira e única vez, depois disso ele fala
pausadamente em uma tentativa de manter a calma e, sempre que percebe que não vai
aguentar, fecha os olhos e aperta a ponta do nariz. Exatamente como uma pessoa totalmente
controlada deve fazer.
— Ouça o carro, Moranguinho, ele vai te pedir e você deve sentir a sua necessidade.
Sua voz grave e séria penetra em meus ouvidos e percorre meu corpo. Tudo o que ele diz é
sensual e me deixa desconcertada, mas estranhamente relaxada. “Ouvir”, “pedir” e “sentir”
deviam ser palavras normais, mas saídas de sua boca soam como preliminares quentes e
torturantes demais para uma garota aprendendo a dirigir.
Duas horas depois, estou com dores na panturrilha e nos ombros, pelo esforço exigido em
dirigir o amigão e com os lábios vermelhos pelos beijos que ganhei do meu instrutor, o que me
deixou animada para a próxima aula.
— Viu só? Eu disse que seria fácil — ele diz quando jogo as chaves para ele, já na garagem
de casa.
— Não passou nem perto de ser fácil, Pete — digo enquanto faço uma dancinha da vitória
interna.
Só não tenho certeza se foi pelos beijos ou pelos acertos.

A noite é perfeita, Pete e papai jogam xadrez enquanto falam alto, papai discorda do que
ele diz mais por força do hábito do que qualquer coisa, e eu e Diana assistimos ao filme Uma
linda mulher, Pete nos diz que ficaremos diabéticas se continuarmos assistindo essas porcarias
e papai indica um filme de quando Adão era criança. Pete aprova. Eu e Diana discordamos, é
claro, eles resmungam, nós suspiramos por Richard Gere e todos riem dos ciúmes bobos do
meu pai.
De vez em quando, nossos olhares se cruzam e Pete me dá um sorriso que faz meu coração
parar por alguns instantes, eu seria capaz de passar a eternidade aqui só para ficar observando
o quanto ele fica bonito quando está sério e compenetrado, a mania que tem de roer o canto
das unhas quando está prestando atenção em algo, isso acontece também quando está
assistindo TV ou jogando e por isso suas unhas são uma tragédia, ou como os seus olhos ficam
bonitos quando iluminados por uma luz indireta.
É, acho que esse deve ser um dos sintomas da tal felicidade, ver beleza em pequenos
detalhes.

Passa da meia-noite quando finalmente caio na cama, estou exausta e dolorida e pensando
em uma desculpa para fugir do amigão amanhã quando ouço uma batida suave na minha porta,
levanto-me para abri-la e encontro Pete parado do outro lado.
— Oi. — Jogo-me em seus braços roubando o beijo que desejei por toda a noite, e Pete me
ergue em seus braços fechando a porta e aprofundando o beijo até que eu perca o ar.
— Oi, veio me dar boa noite?
— Também. — Ele me coloca no chão depositando um beijo rápido em meus lábios. — Na
verdade, eu ainda tenho esperanças de ver aquela calcinha exótica mais uma vez.
Dou um tapinha em seu braço e ele sorri.
— Vai precisar se esforçar mais para poder ver minhas calcinhas, Peterson.
— Peça o que quiser e eu farei.
— Hummm... tudo isso por uma calcinha?
— Não é só uma calcinha, é uma calcinha envolta na sua bunda gostosa. — Ele morde o
meu pescoço e me encolho sentindo um arrepio na coluna.
— Obrigada pelo dia — falo e o puxo para mais um beijo.
— De nada, amanhã tem muito mais.
Ele abre a porta e sai me deixando sozinha e com uma certeza: esse cara sabe como
torturar uma garota.
Os dias seguintes são divididos entre almoço com a minha mãe, jantar em casa com papai,
Diana e Pete, e duas horas de treinamento no amigão. Lavamos alguns pratos juntos, e depois
ficamos deitados no sofá assistindo Os Três Patetas (que eu ainda odeio) ou algum filme ruim (o
que me faz desejar ver Os Três Patetas. Às vezes, Pete fica esparramado na minha cama
mexendo nas minhas coisas só para me irritar, esse ainda é o seu passatempo favorito. Entre
uma coisa e outra, nos beijamos muito sempre que temos oportunidade.
Eu já consigo colocar meu banco no lugar sozinha e arranco um sorriso de satisfação de
seus lábios quando faço a baliza sem a sua ajuda.
Ganho um amasso com direito a gemidos (da minha parte, claro!) e algumas obscenidades
(vindas da cabeça suja dele, óbvio).
— Vai ser molezinha — ele diz com um ar convencido enquanto ajeito a minha blusa
depois de ser premiada por não deixar o amigão voltar na ladeira.
— Como você pode ter tanta certeza disso? — Olho meu rosto pelo retrovisor e me
espanto com a minha cara de quem acabou de dar um amasso.
— Porque eu sei que vai, afinal de contas fui eu quem te ensinou, Moranguinho, e só
existem duas coisas que sou bom nessa vida, e uma delas é dirigir.
O farol fecha e posso finalmente olhar para ele.
— Ah, é? Seu cara de pau convencido! — brinco ainda prestando atenção no trânsito
parado à minha frente. — E a outra?
Ele abre o maior sorriso do mundo, depois desvia o olhar para o trânsito enquanto troca a
estação e responde:
— Sexo.
O farol abre, mas o amigão morre, tento fazê-lo pegar duas vezes antes de levar uma
buzinada, Pete se diverte da minha cara e sinto que vou entrar em combustão espontânea a
qualquer momento. Boto a chave no contato, mais uma vez, e agradeço aos céus quando o
carro finalmente decide pegar, mas tenho a sensação de que o meu coração para de bater.
Nossa Senhora das Virgens Desesperadas, se ele é capaz de me deixar assim apenas com
alguns beijos, imagino na cama. E eu sou uma garota ansiosa que mal sabe para onde está indo
só de imaginar como deve ser estar com ele.

Estaciono o carro na garagem, desço e jogo as chaves para ele orgulhosa do meu
desempenho, Pete tem um sorriso enorme nos lábios e uma mancha avermelhada no pescoço,
resultado da nossa última sessão de beijos. Como eu disse, sou uma virgem desesperada e não
sei quanto tempo mais vou conseguir ficar nessa vida de agarra-agarra.
— O que você vai fazer agora? — ele grita fechando a porta.
Dou de ombros sem saber o que responder, estou completamente exausta e com uma
vontade imensa de falar com Giovana, mas é quase impossível já que ela ainda está na casa
barulhenta e cheia de gente dos tios em Presidente Prudente e ficará por lá até a primeira
semana de janeiro, Manu não dá sinal de vida há dois dias e eu não quero ficar sozinha com os
meus pensamentos pervertidos.
— Nada, por quê?
— Você não quer me ajudar a lavar o amigão?
Imagens de Pete molhado e sem camisa ensaboando o amigão invadem a minha mente
suja, é, talvez não seja assim tão ruim.
— Tudo bem — respondo tentando parecer casual.
Juntamos todas as coisas necessárias para começar a tarefa, Pete cantarola uma daquelas
músicas que, infelizmente, decorei depois de ouvir por dias seguidos, enquanto enche um balde
de água.
— Já vou avisando, nunca lavei um carro na minha vida, então se eu fizer alguma besteira...
— Ergo as mãos deixando bem claro que a responsabilidade é dele.
— Eu mato você. — Ele salpica um pouco de espuma em meu nariz e me entrega uma luva
macia.
— Engraçadinho.
— Não tem segredo, Moranguinho, basta fazer igual ao Daniel San. — Ele gira a mão de um
lado para o outro.
— O quê?
— Ah, deixa pra lá, apenas faça movimentos circulares sem força para não riscar.
— Tipo assim? — Mergulho minha mão enluvada no balde e começo a lavar o carro,
lentamente enquanto olho para ele.
— Acho que você consegue. — Ele pega a própria luva e começa a esfregar, no rádio está
tocando um rock pesado que não conheço, mas que gosto. Começo a dançar me perdendo na
tarefa que descubro que pode ser bem interessante, sinto o olhar de Pete em mim e me viro
para onde ele está.
— O que foi? Nem pense em enrolar e deixar tudo isso para mim. — Jogo um bocado de
espuma em sua direção, mas ela cai a seus pés e ele sorri.
— Estou aqui pensando se existe alguma coisa no mundo que você faça e não seja sexy.
— Então, sou sexy lavando o carro? — Apoio meu quadril na lataria molhada e olho
surpresa em sua direção.
Pete caminha lentamente até onde estou, a camiseta ridícula de hoje tem o número 20 em
cima da palavra COMER e me fez revirar os olhos umas duzentas vezes, mas esse é o Pete, o
cara que adora fazer gracinha, mas que tem o coração mais bonito que já vi na vida.
— Porra! Você é sexy até brigando — ele diz baixinho quando para a poucos centímetros
de distância. Olho para a casa, aparentemente vazia, e odeio o fato de sempre olhar em volta
antes de tocá-lo, como se estivéssemos fazendo algo errado.
Vou até ele e passo a minha mão molhada em seu peito. Aproximo-me ainda mais
deixando nossos rostos juntos, Pete respira fundo e fecha os olhos à espera e dou um beijo na
ponta do seu nariz voltando a me concentrar na lavagem do carro, agora ciente de que ele me
acha sexy.
Quando ele abre os olhos, frustrado, pisco para ele sorrindo.
— Bom saber que fico sexy brigando. — Olho para ele e faço uma cara que rezo para estar
parecendo com aquelas modelos de propaganda de carros e, pelo sorriso que ele dá, acho que
consegui.
O amigão, além de grande e desengonçado, é difícil de lavar. Passamos o resto da tarde
nos dedicando a ele e, quando conseguimos terminar, meus braços estão doendo, mas o
resultado ficou muito bom, eu quase posso ver o estalado do brilho na pintura do carro.
Pete está ao meu lado observando sua obra-prima reluzindo com um sorriso satisfeito.
Depois de alguns dias dirigindo o amigão, eu já não o acho tão terrível, ele até tem um charme
clássico que jamais admitirei para ele.
— Tive uma ideia — falo orgulhosa e achando minha ideia realmente boa. — Por que você
não coloca uns adesivos aqui? — Aponto para a lateral do carro. — Vai ficar mais bonitinho,
tipo Hot Wheels, sabe?
Ele me olha como se eu tivesse acabado de blasfemar contra Deus, horrorizado.
— Você tá de brincadeira, né?
— Não, eu estou falando sério. Eu até já vi uns modelos bacanas, por quê?
— Por quê? É o mesmo que pedir para que você coloque uns silicones. — Ele aponta para
os meus seios. — Vai ficar mais bonitinho, tipo a Pamela Anderson.
— Quem disse que preciso de silicone? — pergunto enquanto penso no tamanho dos meus
seios. Será que ele os acha muito pequenos? Por favor, não fique vermelha, Luana. Por favor,
não fique vermelha...
— Ninguém — ele responde com uma cara de quem está se divertindo. — Eles não
precisam, assim como o meu carro não precisa de adesivo, são perfeitos do jeito que são.
Fico vermelha!
No momento em que ele fala sobre meus seios, meus hormônios entram em ebulição e as
lembranças de seus lábios neles, no banco de trás do amigão, invadem a minha mente. Decido
que é uma boa hora para sair, antes que eu comece a fazer coisas que me arrependerei
depois... ou não.
— Preciso ir.
— Ei, volta aqui! — ele me chama, mas não volto, preciso esfriar a minha cabeça antes que
a perca de vez.
Vou direto para o chuveiro, preciso de um banho frio, urgente! Ou talvez, de coragem para
fazer o que quero logo, afinal de contas sou uma mulher adulta, o amo e o quero, não tenho
por que ficar enrolando mais.
Quando saio do banho, paro na frente do espelho e me observo nua e, como sempre,
gosto do que vejo: um corpo feminino, um pouquinho acima do peso, com muitas curvas e uma
barriguinha que começa a me incomodar. Sempre fui uma garota com pernas grossas e quadril
largo, mas isso nunca foi um problema para mim. Seguro meus seios empinando-os um pouco
mais, eles se encaixam bem em minhas mãos, se perdem nas mãos grandes de Pete, não são
enormes como a maioria dos garotos preferem, mas são bonitos e naturais. Me viro para um
lado, depois para o outro, ignoro as malditas celulites e estrias que enfeitam meu traseiro e
visto o meu roupão. Abro a porta e levo um susto ao me deparar com o dono dos meus
pensamentos mais impuros esparramado na minha cama.
— Puta merda, Pete, que susto! E se eu estivesse nua? — Ajusto as abas do roupão
enquanto entro no quarto.
Ele levanta os olhos da revista que está lendo e me dá exatamente o sorriso que eu estava
relembrando há pouco.
— Ah, você não seria tão gentil, seria?
— Engraçadinho! — digo e sinto meu corpo inteiro esquentar quando lembro que estou
completamente nua por baixo desse roupão.
— Eu vim aqui me desculpar. Não deveria ter falado aquilo para você. — Ele joga a revista
na cama e se levanta vindo em minha direção.
— Não precisa se desculpar — digo quando ele para na minha frente. — Meus namorados
nunca reclamaram dos meus seios, ao contrário. — Dou as costas para ele e caminho até meu
closet. Quando ele não diz nada, me viro e o encontro parado no mesmo lugar enquanto me
olha como se eu fosse um fantasma.
— Isso não é engraçado, Luana — ele fala, com a voz tão séria que eu quase não
reconheço.
— Eu não falei nada engraçado. — Ergo os ombros e dou gritinhos internos de satisfação
por ver sua expressão. — Eu só falei a verdade.
— Eu sei que você está me provocando. — Ele cruza os braços e inclina a cabeça.
— Ah, é? Quer que eu prove? — Abro a gaveta de calcinhas e retiro uma branca de renda
bem pequena e nada infantil, examino a peça por um instante antes de vesti-la sem retirar o
roupão. Mordo o lábio para não rir quando ouço Pete respirar fundo atrás de mim. — Posso
ligar para o Alex agora e perguntar o que ele acha dos meus seios na sua frente. — Viro-me e
aponto para o celular.
Meu namoro com o Alex não foi tão caliente assim, tivemos momentos mais íntimos, mas
nada que chegasse perto de ficar sem blusa na sua frente, o que dirá sem sutiã, mas eu não
desmentirei isso nem mesmo se a CIA me obrigar, a cara de Pete tentando não ter ciúme está
muito boa.
— Não estou achando a menor graça em suas brincadeiras, Luana. — Ele se apoia na
parede e enfia as mãos nos bolsos da sua calça salpicada de água.
— Então sai do meu quarto, porque eu preciso me trocar.
— Fique à vontade. — Ele estende a mão apontando para o meu closet.
— Eu não vou me trocar na sua frente.
— Por que não? Não há nada aí que eu já não tenha visto, Moranguinho.
— Saia do meu quarto! — peço mais uma vez.
— Então diz que é mentira. — Ele cruza os braços nitidamente nervoso. Ótimo, estamos
discutindo por causa de algo que nem mesmo aconteceu.
— Não. Não é mentira. — Respiro fundo para não rir porque ele está muito engraçado.
— Eu sei que é mentira. O galã não chegou nem perto deles.
— E como você sabe disso? Acha que não sou atraente o suficiente para que ele tenha
desejado ver os meus peitos?
— Não, claro que não. Eu só... — Pete aperta a ponta do nariz e fecha os olhos mantendo a
calma. — Eu não vou brigar com você por causa disso, Moranguinho.
— Então admita que você está com ciúme.
— Claro que não — ele mente e começo a sorrir enquanto caminho até onde ele está
parando bem na sua frente.
— Está sim.
— Não estou não.
— Hummm... — Passo a ponta do meu dedo em seu abdômen observando os pelos de seu
braço se arrepiarem. — Ciumento e muito bravinho. — Ergo-me e mordo a ponta da sua orelha.
— Não começa, Luana — ele pede, mas sua voz soa fraca.
— Hum, me chamou de Luana. — Volto a sorrir enquanto passo o meu nariz por seu
maxilar e ele suspira. — Acho que gosto disso, é sexy — sussurro em seu ouvido e dou um
gritinho quando sinto seus dedos cravarem em minha pele, me puxando para o meio das suas
pernas.
— Nunca fui ciumento, mas... — ele diz, olhando em meus olhos — a ideia de outro cara te
tocando me deixa louco. — Ele passa a ponta do dedo na pele exposta, os olhos amarelados
cheios de tesão e começo a arfar. — É um pouco assustador o que você faz comigo, Luana. —
Sua voz soa rouca e tão séria que prendo a respiração enquanto olho para o seu rosto. — Sou
louco por você. — Ele puxa o laço do meu roupão, abrindo-o.
Seus olhos caem em meus seios e sinto que estou prestes a derreter sob seu olhar.
— Eles são lindos — Pete diz quando passa a ponta do dedo em um seio fazendo com que
ele se arrepie. — Na verdade, são perfeitos. — Ele faz o mesmo movimento no outro e minhas
pernas amolecem. — Eu amo tudo neles. — Ele ergue a outra mão e os segura. — O tamanho, o
peso, a cor. — Seus dedos brincam com meus mamilos e solto um gemido.
— Pete... — sussurro seu nome porque não sei o que fazer, seguro-me em seus bíceps e ele
passa o braço em minha cintura puxando-me para si.
— Você está sentindo o quanto eles me deixam louco, Moranguinho? — ele sussurra em
meu ouvido enquanto esfrega sua ereção em minha barriga e movo a cabeça em um sim meio
sem jeito. — Eu te amo. — Ele beija a minha boca. — Te amo. — Beija o meu queixo. — Te amo.
— Meu pescoço. — Te amo. — Meu seio...
Minhas mãos se enroscam em seus cachos enquanto sou beijada. E o meu roupão... bem,
ele vai parar no chão, e eu juro que não reclamo. Nem um pouco.
Depois de uma sessão de beijos ardentes que acabam terminando em um lugar onde eu
nunca havia sido beijada antes e que me faz gozar, finalmente consigo ir para o closet me
trocar. Pete continua mexendo em minhas coisas, abrindo minhas gavetas e revirando minhas
tralhas até que um papel cai no chão e, como ele é a pessoa mais mal-educada do mundo, é
claro que abre o papel e começa a ler o que está escrito nele.
A princípio, não me importo com o conteúdo daquele papel, imagino que seja uma notinha
do McDonald’s e tudo bem, ele sabe que não resisto a um fast-food. Mas então ele começa a
ler com mais atenção, abrindo a boca exageradamente como se estivesse escrito ali a solução
de um crime.
Começo a imaginar do que se trata. Será que é alguma página do meu diário onde escrevi
aquela vez em que fiquei de calcinha e sutiã com o Felipinho? Ou será aquela onde eu contei a
vez que brinquei de verdade ou desafio e aceitei beijar a Ana só para não contar que ainda era
virgem? Sinto meu sangue gelar.
— O que é isso? — pergunto tentando não parecer curiosa.
— Uma coisa muito interessante — Pete responde ainda lendo.
Ah, meu Deus, com certeza é uma foto minha pelada que tirei só para ver como eu ficaria
caso um dia tivesse coragem de mandar um nudes para alguém, claro que nunca mandei.
— Me dá isso aqui. — Estico a mão e tento pegar o papel.
— Calma, Moranguinho, eu estou lendo. — Ele faz uma careta exagerada que me deixa
nervosa. — O que é isso aqui? — Ele aponta para algo.
Decido não entrar no seu joguinho e volto para o closet escolhendo uma roupa enquanto
ele lê as coisas que escrevi naquele papel idiota. Dane-se se ele vai descobrir que já beijei uma
menina (mesmo que sob pressão).
— Beijar o Felipinho... — Ele olha para mim e volta a olhar para a lista. — Ver o sol nascer
em uma praia. Que coisa mais brega, Moranguinho! Pintar o cabelo... Fazer uma tattoo...
— Devolve isso aqui, Peterson, é meu. — Estendo a mão para ele, mas Pete ignora.
Parto para cima dele tentando em vão puxar o papel de sua mão, ele cai sentado em minha
poltrona e me desequilibro caindo em cima dele. Pete coloca a lista nas suas costas e com a
outra mão traça a curva do meu pescoço, mas me levanto antes que ele consiga me seduzir
com seus olhos de cafajeste.
— Ah, quer saber, pode ler, eu não me importo.
Volto para o meu closet derrubando o roupão no meio do caminho na esperança de que
ele se esqueça da lista, situações extremas pedem medidas desesperadas, como ele mesmo diz.
Olho para ele enquanto um sorriso satisfeito enche meus lábios, seus olhos me seguem até
pararem na minha bunda, mas ele é um homem focado e balança o papel no ar sorrindo.
— Muito boa sua tentativa de me distrair. — Ele ergue a lista no ar. — O que é isso?
— Uma lista, não está vendo? — digo enquanto enfio uma camiseta pela minha cabeça. —
Eu escrevi isso quando tinha uns 12 anos, então não leve ela tão a sério.
— Quem é Felipinho?
— O cara da boate — respondo e Pete franze a sobrancelha, tentando se recordar. — O
cara saradão que veio falar comigo, aquele que você não cumprimentou.
— Ah, o idiota inflado cheio de anabolizantes? Hum... Eu sabia que aquele cara tinha
alguma coisa que me irritava.
Reviro os olhos e visto uma calça de yoga.
— Pintar o cabelo, fazer uma tattoo, colocar um piercing... Meu Deus, Moranguinho,
quanta rebeldia! Praticamente uma anarquista.
Não me dou ao trabalho de responder, pego a escova e começo a pentear os meus cabelos.
— Aprender a dirigir, ir a um show... Aposto que é da Xuxa.
Jogo minha escova de cabelos em sua direção, mas é claro que não acerto e a maldita cai
aos seus pés.
— Ir a Disney...
Sinto minhas bochechas arderem, mas finjo que não ligo. Deus, ele vai ler...
— Beijar um americano? — ele para de ler por um instante e espero que perca o interesse,
mas logo em seguida ele pergunta: — Por que você quer beijar um americano?
— Ah sei lá, Peterson, eu tinha doze anos, nem me lembrava mais dessa lista — minto
descaradamente e sinto minhas bochechas ficando vermelhas, ele percebe porque continua me
olhando enquanto eu penso por que diabos não joguei essa lista fora antes.
— Ah é, esses riscos aqui significam o quê? — ele pergunta e ele mesmo responde: — Por
acaso são os que já se realizaram?
— Para de ler essa bobagem, já disse eu era uma criança.
— Hum... e o beijar um americano já está riscado, sendo assim, já se realizou... — ele fala
para si mesmo como Nicholas Cage desvendando um enigma do Tesouro Perdido. —
Moranguinho, você agarrou mais alguém naquela viagem além de mim?
Vou ao seu encontro e puxo o papel da sua mão.
— Saia já do meu quarto! — exijo, envergonhada demais para continuar fingindo que não
ligo.
— Me deixa terminar de ler a lista, agora fiquei curioso.
— Pete, sai, por favor.
— Moranguinho, eu juro que não conto nada pra ninguém. Vai ser o nosso segredinho —
ele sussurra e, nesse momento, quero matá-lo.
Vou até a porta e a abro enquanto espero que ele se levante e venha até mim.
— Fico feliz em saber que o 18 ainda não foi riscado — ele fala antes de sair assobiando,
feliz, como se tivesse descoberto a cura do câncer.
Bato a porta e me apoio nela amassando o papel junto ao meu coração que está
explodindo. Ah, Pete, se você não tivesse estragado tudo, você mesmo poderia ter riscado esse
item hoje.
Depois do vexame de ver Pete lendo a minha lista, as coisas parecem se acalmarem. Ele
não comenta mais nada sobre ela e eu agradeço.
No dia seguinte, depois de almoçar com minha mãe, passo o restante da tarde no
computador. Atualizo o blog com o top 10 melhores looks do ano e já preparo o material para a
próxima publicação: “5 ideias para passar o réveillon”. Depois consigo finalmente fazer uma
chamada de vídeo com minhas amigas. Manu, pobrezinha, está morrendo congelada naquele
lugar frio e distante. Giovana está radiante, Pedro teve a brilhante ideia de viajar até a casa dos
tios dela para ficarem juntos no réveillon.
À noite, meu pai e Diana vão a uma festa beneficente e Pete resolve fazer um jantar
especial para nós dois.
— Vai ficar aí olhando minha bunda? — ele diz enquanto mexe o refogado na panela.
— A vista está agradável daqui. — Inclino-me no balcão e bebo um pouco do vinho que ele
escolheu para nós.
— Pervertida.
O jantar está uma delícia, embora a aparência esteja horrível. Comemos enquanto
conversamos tranquilamente na enorme mesa de jantar da família Calzzavari. A casa está
silenciosa e aconchegante e, embora eu sempre tenha sido uma garota que adora festas e
muitos amigos, nesse momento eu não poderia desejar estar em outro lugar no mundo. Sinto-
me calma e feliz, como nunca me senti antes. Uma parte de mim acredita que isso é
amadurecer, essa calmaria em meu peito, essa simplicidade em ser feliz, esse sentimento bom
de saber que está no melhor lugar do mundo, de short, camiseta e chinelo.
— O que foi? — Ele apoia o cotovelo na mesa e inclina a cabeça na mão me olhando do
outro lado da mesa.
— Nada, só estou feliz.
— Tudo isso por um prato de comida? — Ele bebe um gole da sua cerveja sem álcool e
sorri. Eu amo o seu sorriso.
— Sabe como é, sou uma garota faminta.
— Claro que sei, e por que você acha que me apaixonei por você?
— Achei que fosse por minhas calcinhas — brinco enquanto bebo mais um gole do vinho.
— Elas são um bônus.
Depois do jantar, levamos a louça até a pia. Sinto-me um pouco mole e totalmente
consciente da presença dele ao meu lado.
— Pode deixar comigo. — Retiro o prato da sua mão. — Você cozinhou, eu lavo.
— Você quem sabe. — Ele volta para a mesa para pegar os copos e os coloca na pia se
posicionando atrás de mim, com as mãos estendidas na bancada ao meu lado.
— O que você está fazendo, Pete? — Olho para suas mãos que se juntam as minhas dentro
da pia.
— Lavando a louça com a minha garota — ele diz e inclina o rosto para beijar a minha boca
enquanto seus dedos se enroscam nos meus.
Nossas mãos ensaboadas se movem juntas em sincronia, molhadas e escorregadias, seus
dedos fortes mantêm os meus no lugar enquanto seu corpo rígido me lembra a todo momento
de sua existência.
— Admita que você gosta de lavar louça. — Seus lábios percorrem meu pescoço deixando
rastros de beijos por todos os cantos enquanto ele sussurra em meu ouvido.
— Não se empolgue, Pete, eu só estou um pouquinho mole por causa do vinho. — Ele
passa os dedos molhados pela parte interna do meu braço até chegar a lateral do meu corpo, e
então ele desce até chegar ao meu quadril.
— Então tudo isso é por causa do vinho? — Ele segura meu quadril e me puxa mais perto
esfregando a sua ereção nas minhas costas. — Porque isso aqui é totalmente sua culpa — ele
sussurra em meu ouvido e preciso me segurar na bancada porque tudo começa a rodar à minha
volta.
Estamos sozinhos e a expectativa de que pode rolar a qualquer momento me deixa
nervosa. Será hoje, eu sinto e já estou empolgada.
Viro-me para ele envolvendo seu pescoço com minhas mãos, molhando sua pele com água
e sabão. Ele passa a ponta dos seus dedos em minhas costelas provocando uma onda de
arrepios que chegam até o meio das minhas pernas.
— Hummm... que delícia, minha Moranguinho toda molhadinha — ele provoca enquanto
ergue meu corpo, sentando-me na bancada ao lado da pia. Abro minhas pernas para que ele
possa se acomodar entre elas e seguro a barra da sua camiseta puxando-o para mim.
— Você ainda não viu nada. — Espalmo minhas mãos em seu abdômen e sinto os músculos
retesarem com o contato da minha mão molhada, ele estremece e algo dentro de mim se agita.
Pete se inclina colando sua boca na minha e nos beijamos como se estivéssemos famintos,
minhas mãos passeiam por sua pele quente, sentindo a maciez do seu corpo e a forma como
ele se arrepia quando alcanço a barra da sua calça, passando a ponta dos meus dedos até
chegar ao botão. Eu o abro e minha mão percorre a extensão da sua ereção, sinto-me
audaciosa e excitada, Pete se afasta espalmando as mãos ao lado do meu quadril, dando-me
espaço para tocá-lo, e eu movo minha mão, subindo e descendo enquanto ele beija o meu
pescoço e diz sacanagens no meu ouvido.
— Eu quero você — digo quando ele fecha os olhos e apoia a cabeça em meu ombro
gemendo baixinho.
— Moranguinho... — Ele segura minha mão no momento em que termino de falar. — Não
— ele diz ainda ofegante.
— Não? Não o quê? Você não quer? — Minha voz falha e meu coração afunda no peito
quando ele olha para mim e balança a cabeça.
— Não é nada disso. — Pete fecha a calça e passa a mão nos cabelos causando uma
desordem ainda maior, depois olha para o seu próprio corpo, exatamente para o local onde
minha mão estava há pouco, indicando o quanto ele está afetado. — É claro que eu quero. —
Ele aponta para a sua ereção, como se ela não estivesse em evidência mesmo por baixo do
jeans.
— É por que sou virgem? — pergunto e sei que poderia morrer nesse momento de tanta
vergonha.
— Sim — ele responde e seguro a borda da bancada sentindo que sou capaz de cair,
mesmo que esteja sentada. — Mas não é o que você está pensando. — Ele passa o indicador
em meu rosto traçando a curva do meu queixo e levantando-o para que eu possa olhar para
ele.
— Então o que é? — Minha voz sai tão baixa que tenho dúvidas se ele ouviu.
— É sua primeira vez, Moranguinho, e quero que seja especial.
— Você já é especial, Pete — admito e ele fica vermelho. — Isso aqui é especial para mim.
— Mas não vou transar com você aqui na bancada da cozinha. — Ele puxa o meu quadril
para a borda e ergue minhas pernas em seu quadril fazendo com que eu cruze os tornozelos em
volta de seu corpo. — Quando chegar a hora, quando você estiver pronta para mim, eu quero
que esteja em uma cama bem macia e confortável, porque eu só vou parar quando você estiver
gritando o meu nome.
— Achei que deveria ser uma escolha minha — digo ofendida.
— Não, é minha também, esse momento será nosso, meu e seu. — Ele ergue meu queixo e
beija minha boca. — A primeira vez nunca é boa, Luana, será desconfortável para você. — ele
diz como se tivesse uma vasta experiência com virgens e prefiro nem perguntar. — Prometo
que, quando você estiver curtindo transar, a gente volta para cá e aí... — Ele deixa um beijo
estalado em minha boca. — Eu vou te comer bem aqui — ele sussurra em meu ouvido e
estremeço em expectativa.
Pete se afasta e me ajuda a descer da bancada. Não falo nada, não consigo fazer nada além
de imaginá-lo cumprindo suas promessas. Só espero que seja em breve.

Vinte minutos depois, estamos na sala assistindo a um dos meus filmes “de criança” com
um balde de pipoca com muita manteiga entre nós.
— Por que eu tenho que assistir isso? — Ele aponta para a abertura de High School
Musical.
— Porque é um clássico — respondo antes de encher a boca de pipoca.
— Como é que é? — Ele me olha horrorizado.
— Daqui a dez anos, todos vão se lembrar dele e dizer: “Não se faz mais musicais como
High School Musical”, e ele será um clássico.
— Você está brincando comigo — ele diz no instante em que Troy Bolton aparece. — Ah, tá
explicado.
— Gato, né?
— Tenho um gosto bem melhor. — Ele se inclina e deixa um beijo em meu ombro me
fazendo sorrir. — Você vai mesmo me obrigar a ver isso?
— Podemos ver Crepúsculo.
Pete me olha por um instante antes de afofar uma almofada e se deitar.
— Vamos lá ver o playboyzinho conquistar a garota cantando, mas depois vamos ver algo
que eu escolher.
— Desde que não seja Os Três Patetas — digo e ele gargalha.
— Prometo que não será.
Poucos minutos depois, nossos pais chegam e Pete me olha com uma cara que diz, viu só,
eles iam nos pegar na cama, eu desvio o olhar porque tenho medo de que meu pai saiba ler
meus olhos e descubra que eu queria fazer coisas sujas com o seu enteado em sua casa.
Assistimos High School Musical 1 e 2 e só não vemos o terceiro porque estou começando a
cochilar. No fim das contas, Pete acabou gostando dos filmes e me divirto vendo-o cantarolar as
músicas.

Já passa das duas da manhã quando Pete pede uma pizza, estamos novamente na sala de
TV depois de tomarmos um banho e nos despedirmos dos nossos pais, que foram dormir. A
casa é nossa novamente e me acomodo ao seu lado.
— Onde cabe tanta coisa? — Ele pega o segundo pedaço de pizza e começa a comer.
— Sou um garoto em fase de crescimento, preciso me alimentar.
— Você não é mais um garoto, você sabe disso, não é?
— Diga isso ao meu estômago. — Ele ergue a camiseta e desvio o olhar do seu abdômen.
Pete ri e se inclina para beijar o meu pescoço. — Hummm... que mulher cheirosa.
— É para isso que servem os banhos — respondo e me encolho quando ele morde a ponta
da minha orelha.
— Conheço outras funções para banhos longos.
— Acabar com a água do planeta? — Pego a lata de cerveja da sua mão e bebo um gole.
— Aliviar o desespero de um homem em apuros.
Penso em dizer a ele que tem formas mais econômicas de fazer isso, mas desisto.
— Você não parece um homem em apuros, ao contrário, me parece muito controlado.
— Ah, Moranguinho, se você soubesse... — Ele ri e pisca para mim com a boca cheia.
— O que você está assistindo? — Aponto para a TV. — Boxe?
— UFC — ele responde no momento em que um homem de meia-idade analisa um jovem
forte usando um short justo demais, como se ele carregasse alguma arma escondida no meio
das pernas. — É o que vamos ver agora.
— Hum, legal. — Ajeito-me no sofá bebendo mais um gole da cerveja enquanto o outro
lutador passa pela mesma fiscalização. — O que é isso que ele tá passando no rosto dele?
— Vaselina, é pra mão do outro lutador deslizar quando atingir o rosto dele.
— Que horror, vocês homens são tão primitivos às vezes.
— Homens adoram disputar.
— Como disse, primitivos.
Em um segundo, eles estão se cumprimentando; em outro, se atacando como dois
selvagens. Encolho-me quando o lutador mais jovem acerta o nariz do outro homem fazendo-o
jorrar sangue. Pete me explica exatamente como funciona a luta, mostrando as técnicas e as
regras, é violento e excitante e me pego aflita quando o lutador demora a se levantar. Pete ri da
minha cara quando começo a falar como se o homem pudesse me ouvir. A luta termina com um
dos homens completamente desfigurado e, embora ainda esteja horrorizada, eu devo confessar
que gostei.
Assistimos mais duas lutas e, para deixar a coisa mais animada, Pete propôs uma aposta,
eu fico com o lutador de vermelho e ele com o de azul.
— O que eu ganho se meu lutador acabar com o seu? — pergunto negando a pizza que ele
me oferece.
— Aulas extras.
— Isso não me parece um bom prêmio.
— É porque você não está vendo o quadro todo, Moranguinho. — Pete ri daquele jeito
provocante quando ergo uma sobrancelha mostrando meu repentino interesse.
— Combinado. — Estendo a mão e ele a segura apertando-a.
Ganho a primeira luta e ele a segunda, assistimos a terceira praticamente na ponta do sofá,
grito a cada golpe que meu lutador acerta. No fim ganho e Pete assiste a minha dança da
vitória, gargalhando.
— Que mulher competitiva — ele diz quando pulo no sofá rebolando na sua frente.
— Admita, eu sou boa nisso.
— Boa até demais. — Ele me puxa para o seu colo e me sento com as pernas de cada lado.
Ele envolve meu rosto em suas mãos enquanto observa como se não me visse há anos.
— O que foi? — pergunto ofegante.
— Nada, eu só estou aqui pensando no quanto eu te amo.
E então ele me beija, e decido que amo esse tal de UFC.
Desde que finalmente vi o dia nascer na praia, aos quinze anos, ao lado das minhas amigas,
o réveillon se tornou uma data especial para mim. Eu gosto de refletir sobre o ano que acabou
e, com exceção do ano em que meus pais se separaram, sempre tive mais coisas boas do que
ruins para refletir. Todos os anos, no último dia, costumo fazer uma lista com tudo de bom que
aconteceu, precisa ser no mínimo dez coisas, geralmente passa de vinte. É incrível como a
gente deixa para lá os detalhes bons da nossa vida quando só olha para o que dá errado.
— Tá se escondendo de quem, Moranguinho? — Pete engatinha para dentro da minha
casinha de bonecas e guardo o papel para que ele não veja minha lista de agradecimentos (o
que posso fazer? Sou uma garota que adora listas).
— Não estou me escondendo, só gosto de ficar aqui.
— Está tudo bem? — ele pergunta enquanto me empurra para se sentar ao meu lado.
— Sim, só estou refletindo sobre o ano.
— Sabe, Moranguinho, acho isso um erro. — Ele se acomoda desajeitadamente e me
entrega uma garrafa de cerveja.
— O quê? Refletir sobre a vida? — Abro a garrafa e bebo um gole da bebida refrescante.
— Essa coisa de pensar demais sobre ela. — Ele ergue os joelhos esticando a calça jeans
rasgada e apoia a garrafa em um deles. — Isso me assusta.
— Por que a vida te assusta?
Ele morde o interior da bochecha como se quisesse manter a resposta ali dentro.
— Sei lá... — Ele alisa a garrafa observando as gotículas que escorrem pelo vidro. — Isso te
incomoda?
— O quê?
— Estar com um cara medroso.
— Não, desde que esse cara medroso seja você. — Ele sorri satisfeito com a minha reposta.
— Não tem problema ter medo — digo olhando para ele. — Ter medo é normal.
— Eu odeio ter medo — ele admite e noto o quanto está se esforçando para falar isso. —
Tenho medo de perder tempo, pessoas...
— Isso é algo que não podemos controlar, não é mesmo?
— Eu odeio não poder controlar isso.
— Acho que tem alguém aqui de mau humor — brinco dando um empurrãozinho em seu
ombro.
— Acho que sim — ele resmunga.
— Você não gosta muito de datas festivas, né?
Ele balança a cabeça e seus cabelos escondem um pouco o seu rosto.
— Eu odeio datas festivas.
— E você está parecendo um garotinho birrento hoje, o que mais você odeia?
— Eu odeio o quanto minhas pernas não podem se mexer nessa casa cor-de-rosa, odeio
me sentir na toca do coelho da Alice aqui dentro, odeio quando você olha pra mim com essa
cara de menina levada.
Abro a boca para questionar, mas ele inclina sobre mim e me beija enquanto me leva em
direção ao chão.
— Odeio o fato de não conseguir fazer o que quero com você aqui dentro.
Gargalho e ele sorri junto comigo.
— Então, não vamos comemorar aniversários de namoro? — pergunto enquanto acaricio
seus cabelos. Estamos meio deitados, ele por cima de mim. Seu peso dificulta um pouco a
minha respiração e me deixa ansiosa.
— Talvez... depende. — Seus dedos brincam um pouco com a renda de minha regata e seus
olhos acompanham o movimento dos meus seios. — Depende de como você queira
comemorar...
— Ah, então vamos comemorar muito, Pete... Você nem imagina o quanto...
O tempo passa enquanto nos beijamos, ouvimos músicas e conversamos e percebo o
quanto é fácil ficar ao seu lado, ver ele adormecer com a cabeça apoiada em meu ombro na
minha velha casinha de bonecas, ouvir seu ronco baixinho e sorrir satisfeita.
— Não precisa ter medo, Pete — sussurro em seus cabelos, mas ele não me ouve. — Você
não vai me perder.

A casa está tranquila demais, os funcionários estão de folga e quase posso ouvir o barulho
que vem do quarto de Pete, termino de me arrumar e capricho na produção: saia de renda
branca, regata dourada com paetê, sandálias com um salto que me deixa uns 12 centímetros
mais alta. Estou pronta para receber o novo ano e vou para a sala branca esperar por Pete, que
está demorando demais.
— Sonhando acordada, Moranguinho? — ele pergunta enquanto desce as escadas
sacudindo os cabelos molhados, como se fosse um cão.
— Deus do céu, onde você arrumou isso? — Aponto para a calça xadrez que ele está
usando.
— Como assim? — Ele olha para as próprias roupas como se não compreendesse o que
digo.
— Pete, fala sério, que calça mais horrorosa é essa?!
— Para com isso, Moranguinho, vai dizer que não estou bonito? — Ele ergue os braços e
sorri.
— Você está se achando muito se pensa que pode vestir qualquer coisa e ainda achar que
vai ficar bonito.
Ah, maldição... O pior é que ele está bonito.
Sou uma pessoa fanática por moda, adoro um homem bem-vestido e Pete é o inverso de
tudo o que sempre gostei em um cara. Esqueça roupas de grife, calças de alfaiataria e camisas
caras, Pete é o terror da alta costura. Mas hoje, ele se superou: os cabelos molhados e
bagunçados, a camiseta branca aparentemente velha com as mangas enroladas e essa calça
xadrez, que fica ridícula em qualquer outra pessoa, está divina nele. Pete tem um estilo próprio,
uma capacidade ímpar de combinar nada com nada e mesmo assim ficar um arraso. No fundo,
eu sei que ele é um cara de personalidade e que isso é expresso em seu modo de se vestir.
— Tenho medo de um dia você sair por aí usando um kilt.
Ele ergue a sobrancelha e sorri com um ar convencido.
— Eu tenho um kilt; se quiser, posso usar, Moranguinho.
— Você tem um kilt? — pergunto sem acreditar, ele confirma com a cabeça. — Eu falei
brincando! Eu não acredito que você tem um kilt!
Claro que tem, e não duvido se ele sair por aí usando aquilo como na antiga tradição
escocesa.
— Tenho, ganhei em um evento que participei.
— Evento? Que evento distribuem kilts aqui no Brasil?
— De moda, Moranguinho, agora vamos logo, e não me provoque ou eu volto e coloco o
meu kilt e você vai enlouquecer quando me vir.
Ele passa o braço por meu ombro me puxando para um beijo.
— A propósito, você está muito gostosa com essa roupa — ele diz e sorrio igual a uma
boba apaixonada enquanto me leva para o amigão.
— Cale a boca e vamos logo, já estamos atrasados.

Paulo Mendonça de Albuquerque é um dos maiores nomes na área de propaganda no


Brasil, além de dono de uma grande agência de modelos e um dos amigos mais antigos do meu
pai. Ele é o responsável pela festa de réveillon acontece em um espaço muito elegante, uma das
centenas de empreendimentos do grupo Mendonça e Albuquerque, meu pai está falando dessa
festa desde o Natal, porque é do tipo que ele adora. O salão está lindo, a decoração impecável,
mesas com arranjos enormes, taças de todos os tamanhos, talheres de prata e porcelanas
lindíssimas.
— Isso não é um bom sinal — Pete se inclina e sussurra em meu ouvido enquanto acena
para duas garotas loiras que passam por nós.
— Do que você está falando?
— Tudo isso. — Ele aponta para o salão. — É um mau sinal.
— Por que um lugar bonito é um mau sinal? — Olho para uma garota que passa segurando
uma taça, que eu tenho certeza de que pesa mais do que ela e deduzo que a maioria dos
convidados não são lá muito chegados em comer. Ao contrário de mim e do Pete.
— Quanto mais bonita a mesa, pior a comida. — Ele me olha com uma cara desolada de
quem sabe do que está falando. — Se prepara porque hoje você vai passar fome, Moranguinho.
— Ele descansa o braço em meu ombro e o retiro porque estou começando a ficar nervosa.
— Nada que o McDonald’s não possa resolver. — Pisco para ele e recebo um sorriso com
direito a covinha.
— Essa é a minha garota. — O sorriso se alarga ocupando seu rosto por completo. —
Quando a gente conseguir se livrar disso aqui, vamos pegar uns Big Mac’s pra nós. — Ele me
mostra o punho, encosto o meu selando o nosso trato e já me sentindo faminta.
— Olha só quem chegou! — Paulo se levanta com os braços abertos vindo até nós.
Ele nos cumprimenta e, para a minha surpresa, noto que já conhece Pete. Sentamo-nos à
mesa junto com o meu pai e Diana e, quando o Paulo sai, pergunto:
— De onde você conhece o Paulo?
— Eu já fiz uns bicos pra ele — Pete responde enquanto pega uma taça de champanhe e
cheira como se fosse algo duvidoso antes de beber.
— Bicos? Que tipo de bicos você fez para o Paulo?
Um rapaz lindíssimo se aproxima da mesa cumprimentando Pete e salvando-o de
responder a minha pergunta, Pete se levanta e os dois se abraçam como se fossem velhos
amigos. Eles conversam por um tempo e aproveito para admirar a beleza do rapaz, que parece
ter saído de uma página de modelos internacionais.
— Fecha a boca, Moranguinho — Pete diz ao se sentar pouco depois que o rapaz se afasta.
— Por quê? — Ergo a sobrancelha. — Não posso admirar o que é bonito?
— Pode, claro que pode, só não se iluda. Perda de tempo.
— Mentiroso. — Olho na direção do deus grego e depois olho para o Pete. — Não é
possível! Ele... é...
— Hum-hum... — Ele bebe um gole do champanhe e faz cara feia. — É sim, ele me
convidou para sair.
— Sair? Sair pra pegar mulher? — Pete olha para mim e não preciso que ele diga mais
nada. — Eu não acredito!
— Pois é...
— Que tipo de bico você fez para o Paulo? — volto ao assunto enquanto observo o gatinho
sorrindo para outro rapaz. Eu ainda não acredito que ele deu em cima do Pete aqui, do meu
lado. Que desaforado!
— Promete não rir da minha cara?
— Claro, Pete, pode falar, juro que não vou rir. — Volto a olhar para ele esperando-o me
falar que lavou pratos ou algo do tipo.
Pete olha para as pessoas que andam de um lado para o outro, mais duas moças acenam
para ele e, então, ele me responde:
— Eu fiz alguns ensaios.
— Ensaios? Que ensaios?
— Eu precisava de grana e gostaram da minha cara, então... — Ele ergue as mãos e eu fico
sem saber o que falar.
— Peraí, o quê? Você? Na agência do Paulo? — pergunto surpresa. Não que eu duvide da
beleza dele, Pete é lindo, do seu jeito meio hippie, mas Paulo só contrata os melhores e
imaginar que Pete um dia fez parte disso... Uau!
— Shhh... — Ele coloca um dedo na frente da boca. — Não fala isso em voz alta,
Moranguinho, vai acabar com a minha reputação de bad boy.
— Você não tem uma reputação de bad boy.
— Claro que tenho. Você mesma falou isso uma vez, não se lembra?
— Não dê ouvidos a tudo o que falo, Pete.
— Tarde demais, Moranguinho, você já me iludiu.

A festa está agradável, mas Pete tem razão: a comida é muito boa, porém escassa. A cada
prato que nos é servido, ele me olha por baixo daqueles cabelos desarrumados e me dá um
sorriso que diz: “eu não disse?”.
Depois do jantar, um DJ famoso anima a festa, que já deve ter bem mais de mil convidados
“íntimos” de Paulo, tento arrastar Pete para a pista, mas ele se recusa a se levantar da cadeira.
— Vamos, Pete, não seja tão velho, por favor, faça um esforço, por mim. — Faço um
biquinho para tentar convencê-lo, mas ele está decidido.
— Por nada nesse mundo você vai me arrastar para aquele lugar.
Diana se diverte com a minha tentativa, me promete um presente, o que eu quiser, se eu
conseguir fazê-lo dançar.
— Infelizmente, suas provocações não irão me abalar — ele fala para a sua mãe. — Nem se
a Scarlett Johansson aparecesse nua naquela pista de dança, eu me levantaria daqui. — Ele olha
para o meu pai e enfatiza. — E olha que eu tô falando da Scarlett, hein!
— Babaca! — Dou um tapa em seu braço e ele e meu pai riem, se divertindo. Abaixo-me ao
seu lado e falo: — Se você não for, eu vou sozinha.
— Não vou te proibir de fazer nada, Moranguinho, não sou desses caras, além do mais... —
Ele inclina o meu queixo para olhar dentro dos meus olhos. — Eu estou bem aqui e, se algum
filho da puta se aproximar muito, vai ter uma conversinha com meu punho e vamos passar o
Ano-Novo no hospital.
— Você é um bobo.
Derrotada e completamente só, vou para a pista de dança na companhia da minha
inseparável taça de champanhe, já que é a única coisa farta e deliciosa dessa festa e já é a
quinta (ou será a sexta?) que eu tomo essa noite.
Pete me observa enquanto conversa com um homem lindo, já estou começando a me
acostumar com a quantidade de gente linda que tem nesse lugar. Seus olhos nunca se desviam
por muito tempo, como se pudessem me tocar de onde ele está.
Faltando vinte minutos para o Ano-Novo, o homem bonito se junta a uma ruiva sensual na
pista, um velho safado sorri e cobiça as pernas de todas as jovens, e Pete ainda está na cadeira.
Dez minutos... Um barulho estranho nos faz olhar para cima e todos, sem exceção, fazem
um OOOOHHH bem grande quando o teto se abre lentamente nos mostrando uma noite linda e
estrelada.
Cinco minutos... A filha de Paulo está conversando com Pete, ela se inclina e sussurra algo
no ouvido dele. Meus pés criam vida própria e começo a caminhar em direção à mesa quando o
velho segura meu braço.
— Já vai embora? Estamos nos divertindo tanto, fica mais um pouco.
— Quer que eu chame o meu pai pra se divertir com você? — Encaro seu rosto feio e
enrugado enquanto ele solta o meu braço. — Ou talvez o senhor prefira o meu namorado, ele
vai amar trocar uma ideia com o senhor. — O homem nota que não estou brincando e se afasta
colocando seus olhos nojentos em cima de outra moça.
Dois minutos... Pete já está de pé, inclinando um pouco a cabeça para ouvir o que a garota
diz enquanto olha para mim.
Um minuto... Meu pai me alcança no meio da multidão, passa o braço por meu ombro e
me acomoda ao seu lado. As mesas estão vazias, as pessoas na pista, ao menos a maioria;
apenas os mais velhos ficam em seus lugares, eles e Pete que mantêm uma conversa muito
animada com a rainha de bateria.
Trinta segundos... Diana está chorando.
Dez segundos... A contagem regressiva começa.
Nove... Oito... Sete... Seis... Cinco...
E então sinto minha mão ser agarrada, dedos fortes envolvem os meus me puxando para
perto, olho para trás e vejo Pete olhando para cima. Aperto sua mão e ele sorri para mim.
Quatro... Três... Dois... Um...
Uma explosão acontece no céu, fogos de artifícios iluminam a noite, o estrondo é abafado
pelos gritos das pessoas que saúdam o ano novinho em folha.
Pete apoia uma mão em meu quadril e se abaixa para sussurrar em meu ouvido:
— Eu te amo.
Sorrio, sentindo o show pirotécnico particular acontecer em meu coração, são as primeiras
palavras que ele disse no ano, as primeiras que ouço e decido que é uma excelente forma de
começar.

Assim que a queima de fogos termina, a música volta a tocar agitando ainda mais os
convidados. Os mais velhos voltam à mesa, os mais jovens e os bêbados dançam na pista, Pete
me puxa pela mão tirando-me de lá.
— O que acha de irmos embora? Eu estou morrendo de fome, acho que está na hora dos
nossos sanduíches.
Olho para o meu pai, que está na mesa conversando com algumas pessoas, alegre e
levemente bêbado, Diana está ao seu lado, como sempre, sorrindo e participando da conversa.
Pete passa um dedo em minha coluna me causando arrepios e falta de ar.
— O que você me diz? — ele sussurra em meu ouvido e, antes que eu perca a capacidade
de falar, respondo:
— Me tire daqui e me dê uma boa e gordurosa refeição.
— Essa é a minha garota!
Eu nunca me liguei em feriados e datas comemorativas, para mim são marcos cruéis que
fazem com que a saudade de quem não está aqui se torne quase insuportável. Henrique
também odiava as festas de fim de ano, porque ele nunca sabia quando seria a última. Eu
prometi a mim mesmo que nunca me deixaria envolver com essa coisa de espírito natalino e
tudo mais, que não ficaria fazendo planos para um ano que ninguém sabe sequer se vai
terminar e jamais usaria branco ou sei lá o quê. Não é uma cor que vai definir a minha vida.
Mas aqui estou eu, usando uma camiseta branca, enquanto olho a garota dos meus sonhos
ajoelhada na frente da privada, usando uma minissaia e um top que não cobrem quase nada,
idealizando o réveillon do próximo ano. Será que estaremos juntos? Existe a possibilidade de
amá-la ainda mais?
— Então é isso? — Ela se apoia na parede e tenho a visão da sua calcinha cor-de-rosa. — É
assim que vou começar o ano?
Estamos na sua casa, depois de passar em um drive-thru e comprar nossos hambúrgueres,
ela mal comeu meia dúzia de batatas quando começou a passar mal.
— Acho que estou começando a ficar com ciúmes desse relacionamento entre você e a
privada, Moranguinho.
Ela geme e tento controlar a vontade de rir, a pobrezinha está realmente mal.
— Quantas taças de champanhe você bebeu?
— Umas cinco, eu acho... — Ela olha para mim e faz uma carinha que me deixa com pena
em vez de ficar bravo, porque eu sei que ela não bebeu só cinco taças.
— Luana, você precisa parar com isso. — Aproximo-me ajoelhando na sua frente sem me
importar que ela não me queira aqui. Que se dane, ela já me viu lavado de sangue e mesmo
assim ainda me quis.
— Não me enche, Pete, estou com a cabeça explodindo. — Ela coloca a mão na cabeça e
fecha os olhos.
— Claro que está, bebeu todo o champanhe da festa.
— Eu estava apenas comemorando, é proibido? — ela pergunta na defensiva e não é uma
boa ideia.
— É, quando se está em uma festa cheia de velhos safados loucos pra agarrar uma garota
linda como você! — Irrito-me ao lembrar daquele velho tocando na minha Moranguinho.
— Se você estivesse do meu lado, essas coisas não aconteceriam, aliás, se alguém soubesse
que estamos juntos, talvez... só talvez, Peterson, eles não mexeriam comigo. — Ela me afasta e
se levanta deixando-me no banheiro enquanto entra no seu quarto.
— Do que você está falando? — Vou atrás dela sem entender o que ela quer com isso.
— Nada, esquece — ela diz, de costas para mim enquanto retira a blusa e a joga no chão.
— Não vou esquecer, o que você quer dizer com isso, Luana? — pergunto novamente,
irritado demais até para me importar com a sua calcinha de renda cor-de-rosa enfeitando a sua
bunda.
— Acho que é melhor parar por aqui. — Ela passa uma camiseta pela cabeça e se vira para
mim enquanto ergue os cachos loiros em um coque. — Não quero começar o ano tendo esse
tipo de conversa, até mesmo porque não compensa. Assim que a gente sair por aquela porta, a
máscara de irmãozinho vai voltar e você vai ficar de gracinha com a primeira vaca que cruzar
seu caminho e eu vou ter que fingir que não me importo, mas eu me importo. — Ela passa por
mim saindo do quarto e a sigo como um cão domesticado. — A propósito, foram sete taças.
Luana vai para a cozinha e abre a geladeira, parando diante dela.
— Moranguinho, por favor, não faz isso. — Espalmo minhas mãos em seus quadris
trazendo-a para mim.
— Sai de perto, Peterson. — Ela se afasta fechando a porta da geladeira e indo até o
armário para pegar um copo.
— Eu te amo, Luana Calzzavari, e me ofendo ao imaginar que você possa achar que eu
olharia para outra mulher quando só tenho olhos para você.
— Me ama? Mas continua fingindo que é meu irmão. — Ela enche o copo de água e o
coloca na pia. — Até quando?
— Não finjo que sou seu irmão, Luana.
— Mas age como se fôssemos amigos.
— Nosso caso é complicado — tento justificar.
— Você tem medo.
— Eu sei, você está certa, eu vou conversar com o Ricardo. — Estendo a mão para ela e
vejo em seus olhos que está magoada e isso parte o meu coração. Luana coloca sua mão sobre
a minha e a envolvo em meus braços. — É a verdade... — Beijo seus cabelos. — Meus olhos...
— Beijo sua testa. — Minha boca... — Beijo sua bochecha. — Meu corpo... — Beijo o cantinho
da sua boca enquanto seguro seu rosto em minhas mãos. — São todos para você. Só para você.
Seus olhos se enchem d’água e beijo cada um deles sentindo o gosto salgado das suas
lágrimas em minha boca. Odeio-me por ser tão fraco, por ter tanto medo e por não conseguir
admitir para o mundo o que acabo de dizer para ela. Eu a amo, porra, e enquanto a abraço
sinto, no fundo do meu coração, que estou de volta àquele lugar onde achei que nunca mais
voltaria, onde coloco a vida de alguém acima da minha e estou disposto a tudo por sua
felicidade. Eu entreguei o meu coração a essa garota e que se foda! Eu vou lutar por ela.
— Não duvide nunca do que sinto por você — peço segurando seu rosto em minhas mãos.
— Não quero ser seu segredo, Pete.
— Não será, eu prometo — sussurro antes de deixar um beijo na pontinha do seu nariz. —
Sem brigas? — Afasto-me e olho em seu rosto agora livre de lágrimas, ela balança a cabeça
concordando comigo. — Ótimo! Agora vem que vou te fazer um chá.
Luana me ajuda a encontrar o que preciso na cozinha da casa da sua mãe, e logo o assunto
fica mais leve.
— Quem era aquele cara que estava conversando com você na festa? — Ela está
debruçada no balcão e não consigo evitar de olhar para a sua calcinha.
— O Jus? — pergunto enquanto encho uma caneca de chá e coloco na sua frente.
— Aquele moreno.
— Lindo... Gostoso... sei... sei, não precisa terminar — brinco revirando os olhos, mas no
fundo sinto uma pontada de ciúme. Preciso admitir, Justin é um dos caras mais bonitos que já vi
na vida.
— Não me diga que ele também é gay?
— Não, ele tem uma história complicada.
— De onde você o conhece?
— Ele é um dos homens de confiança do Paulo, sempre que aparece um rosto novo na
agência, ele é o cara para quem Paulo pede opinião, com certeza você já viu a cara bonita dele
estampada por aí, ele já foi um dos modelos mais bem pagos do país.
— Por isso, o rosto dele é tão familiar.
— Pois é, agora chega de falar de outros caras e beba seu chá. — Coloco a xícara de chá na
sua mão e ela faz uma careta.
— Eu já disse que você fica lindo quando está com ciúmes?
— Não estou com ciúmes — minto, mas o olhar que ela me dá diz que ela sabe.
— Mesmo assim, é muito bonitinho.
— Eu tenho certeza de que tem coisas muito mais bonitas do que a minha cara. — Ponho
as minhas mãos em seus quadris e ela ri.
— Pete, você não vale nada. — Ela se afasta levando a xícara aos lábios.
— Isso eu já sei, Moranguinho.

Enquanto Luana enrola para tomar o chá, sento-me no sofá e tento encontrar algo que
possa me distrair da visão da minha Moranguinho com aquela camiseta e aquela maldita
calcinha rosa, mas não consigo me interessar por nada.
Luana se senta ao meu lado, as pernas cruzadas e a xícara descansando em sua coxa.
Encontro um filme antigo do Bruce Willis e tento me interessar por ele, é sempre bom ver um
bom filme de tiro para relaxar.
Luana se aproxima, deitando a cabeça em meu ombro e eu adoro o jeito como ela se
encaixa em mim. Passo o braço por sua cintura trazendo-a para mais perto e volto a dar
atenção a John McClane enquanto Luana acaricia meu braço com a ponta dos seus dedos
causando arrepios em partes do meu corpo que prefiro ignorar.
— Por que você me deixou acreditar que estava se drogando aquele dia? — ela pergunta
enquanto acaricia a dobra do meu braço, provavelmente vendo a marca da agulha em minha
pele. Olho para o lugar onde seus dedos passeiam preguiçosamente.
— Você nunca me perguntou se era.
— Por que você não se defende, Pete? — Ela se ergue um pouco para poder olhar para o
meu rosto e desejo que ela olhe para o filme. — Por que deixa que as pessoas tirem conclusões
sobre você?
— Não sei. — Ergo os ombros sem um pouco de vontade de falar sobre isso com ela. — Eu
não acho certo apenas.
— Como assim? — ela pergunta com a mão em volta do meu braço.
— Você acredita que eu te amo? — Olho dentro dos seus olhos castanhos enquanto
pergunto.
— Acredito — ela sussurra e um vinco se forma entre seus olhos, como se ela não
compreendesse aonde quero chegar.
— E se eu te disser que eu te amei desde aquele beijo no elevador, você acredita?
Ela confirma com a cabeça e sorri.
— Acredito, porque eu também me apaixonei por você ali.
— Mas se eu te falasse isso, naquele dia no seu quarto, quando você descobriu quem eu
era, você acreditaria? — Ela baixa a cabeça e sei que está começando a entender o que quero
dizer.
— Não. — As palavras saem com dificuldade dos seus lábios.
— É por isso que eu não me defendi quando achou que eu estava me drogando. Naquele
momento, você viu o que quis ver, mesmo que fosse impossível eu estar usando drogas ali na
cozinha da casa do seu pai, a um passo de ser pego pela minha mãe, sem nenhum utensílio que
me permitisse injetar a substância, você tinha um pré-conceito sobre mim e nada poderia
mudar.
— Você poderia mudar, Pete — ela diz com uma carga de remorso em sua voz.
— Não, Moranguinho. — Acaricio o seu rosto erguendo-o para que ela possa me ver. — Só
você poderia mudar a forma como você me via, isso é confiança, e ela se conquista, não se
impõe.
— Você tem um jeito tão bonito de ver a vida — Luana diz parecendo admirada com o que
disse.
— Isso não é verdade, eu sou o cara mais confuso do mundo. — Sinto-me desconfortável
quando ela continua me olhando como se eu fosse algum gênio filosófico e isso me incomoda,
me sufoca e me assusta.
Pego o controle remoto e volto a zapear os canais porque, de repente, nada mais prende a
minha atenção e tenho a sensação de que meu coração está batendo alto demais.
— Até que enfim programação de qualidade — digo quando encontro um filme pornô ruim
e, quando Luana olha para a TV parecendo horrorizada, sei que consegui quebrar o clima.
— Jesus Cristo! — Ela desvia o olhar e seu rosto está tão corado que não consigo conter o
riso. Só mesmo a minha Moranguinho para ficar vermelha com um papai e mamãe básico na
TV.
— Não coloque o nome Dele nisso, Moranguinho, é desrespeitoso.
Luana tira o controle da minha mão e desliga a TV voltando a olhar para mim, ainda
corada, sempre tão linda.
— Por que você sempre faz isso?
— Assistir filmes pornôs? Acho que é mais um hábito ruim, todo cara acaba meio viciado
nessas merdas — brinco, mas Luana não entra na minha provocação dessa vez.
— Por que você se esconde sempre que o assunto fica mais sério?
— Cada um usa as armas que tem, Moranguinho, eu uso o deboche para me defender
daquilo que me assusta, não sei ser diferente, eu já tentei enfrentar meus problemas de frente,
mas eles parecem mais leves e fáceis de lidar quando coloco uma camada de comédia sobre
eles.
Luana não diz nada por um tempo, apenas me observa como se estivesse tentando
compreender o que diabos está fazendo aqui comigo. Sei que nunca me importei em ser um
cara bacana para ninguém, mas até hoje nunca havia encontrado uma garota que me fizesse
querer mudar, mas agora, enquanto ela olha para mim como se pudesse chutar a minha bunda
a qualquer momento, sinto uma necessidade quase desesperadora de ser um cara diferente.
— Eu amo você, Peterson. — Ela coloca a mão em meu peito e sei que está sentindo o meu
coração bater. — Você conquistou o meu amor e não precisa ter medo.
— Obrigado — digo como se estivesse finalmente respirando depois de anos segurando o
ar, como se, pela primeira vez, eu pudesse ser quem sou, sem precisar fingir ser o cara que está
bem com sua condição, que não tem medo de nada e não se prende a ninguém. O espírito livre
que está sempre sorrindo e brincando e que nunca tem problemas. A farsa que criei para
esconder o homem que ela encontrou e por quem se apaixonou.
O celular toca em algum lugar, Pete se levanta um pouco assustado e o atende com aquela
voz rouca de quem acabou de acordar.
— Oi, mãe... — ele fala enquanto se levanta esticando as costas e sorrio igual uma boba
porque não me canso de ver o quanto ele é bonito. — Está tudo bem. — Ele caminha até a
janela, abrindo a cortina e fecho os olhos quando a claridade me incomoda. — Ela vomitou,
mas acho que agora tá melhor. — Pete se vira para mim enquanto fala. — Ainda está
esverdeada, mas acho que essa é a cor natural dela — ele brinca e mostro minha língua para ele
fazendo com que me dê um daqueles sorrisos lindos. — Churrasco? Hoje? — Ele olha para o
relógio na parede, que marca dez horas. Dez horas! Como dormimos tanto? — Eu vou ver,
mãe... Ok... Diz pro Ricardo que a gente chega aí em... no máximo uma hora... — Nego com a
cabeça e ele continua: — Na verdade, acho que em duas horas ou talvez três.
Escondo meu rosto na almofada sentindo borboletas alçarem voo em meu estômago
enquanto ele fala com sua mãe:
— Ok, mãe. Tá, eu tô bem, mãe, tá tudo bem. Também te amo, tchau.
Pete desliga o telefone e retiro a almofada para olhar para ele. A luz do sol que entra pela
janela deixa seus cabelos uma confusão cor de chocolate e seus olhos... Deus, eu nunca vou me
cansar de olhar para eles.
— Três horas? — Tento controlar a minha respiração enquanto me sento e ajeito os meus
cabelos.
— Não sei, pensei que talvez você quisesse ficar um tempo comigo agora que está se
sentindo melhor. — Ele ergue os ombros e guarda o celular no bolso da calça.
— O que te faz pensar que eu possa querer ficar mais três horas nesse apartamento
sozinha com você? — Levanto-me e vou ao seu encontro envolvendo meus braços em seu
pescoço, acariciando a desordem natural que são seus cabelos, tocando seu nariz longo, seus
lábios curvados pelo sorriso, a curva sexy que se forma em sua bochecha. Admiro seus olhos,
aquele leve inchaço de quem acabou de acordar dando um charme especial aos seus lindos e
iluminados olhos amarelos.
— Você é lindo pra cacete, sabia?
— Lindo pra cacete? — Ele sorri timidamente e, puta merda, que sorriso mais lindo! —
Ainda está bêbada, Moranguinho?
— Não sei. — Coloco minhas mãos por baixo da sua camiseta, abraçando seu corpo
quente. — Talvez esteja. — Beijo a curva do seu pescoço, seu pomo-de-adão, seu queixo.
— Moranguinho... — ele geme meu nome e sinto seu corpo responder ao meu toque.
— Hum... — digo ao me erguer para beijar a sua boca enquanto ele espalma suas mãos em
minha bunda.
— Eu já te disse o quanto amo suas calcinhas? — ele pergunta enquanto ergo sua camiseta
removendo-a do seu corpo.
— Acho que já ouvi algo sobre isso. — Beijo seu peito nu, encantada com o quanto o sol o
deixa iluminado e ainda mais bonito. — Mas pode refrescar a minha memória, se quiser. —
Passo minha língua em volta da sua tatuagem sentindo os batimentos acelerados do seu
coração.
Pete pressiona seu quadril no meu, movendo-se lentamente em busca de alívio e continuo
explorando seu corpo com os meus lábios, beijando as sardas em seus ombros, enroscando
meus dedos em seus cachos.
— Eu não aguento mais, Luana — ele diz enquanto beija o meu pescoço, puxando minha
camiseta para o lado e mordiscando a pele do meu ombro. — Se não for para ir até o fim, acho
que é melhor parar por aqui, ou eu vou morrer. Eu juro que vou morrer...
— Tenho uma cama macia e confortável aqui, caso se interesse.
— Macia e confortável?
— Muito confortável.
Pete me puxa para os seus lábios e me faz amolecer em suas mãos como massinha de
modelar. Ele me ergue em seus braços e me leva em direção ao meu quarto enquanto beija o
meu pescoço e tropeçamos no corredor.
— Porra! — ele esbraveja quando tropeça em um vaso no meio do caminho.
Caio na gargalhada.
— Ah, você está rindo de mim? — Ele entra no quarto e me joga na cama como se eu não
passasse de um brinquedo. — Hoje a gente termina isso. — Ele se joga sobre mim e volto a
beijá-lo enquanto envolvo seu quadril com as minhas pernas. Ele volta a me beijar dessa vez
com mais calma, seus lábios passeiam pelos meus, saboreando-me enquanto suas mãos
acariciam meu rosto e seus dedos se perdem em meus cabelos.
À medida que relaxo, me sinto mais ousada e começo a tocá-lo, sentindo as sensações que
minhas mãos produzem em seu corpo quando o exploro mais intimamente. Pete é tranquilo,
ele não tem pressa e isso não me surpreende, ele sempre parece saber o que está fazendo,
mesmo quando diz estar apavorado. Sinto-me segura em seus braços e tenho certeza de que
estou no lugar certo. Ele parece ouvir meus pensamentos porque, de repente, se afasta com a
respiração ofegante enquanto me olha com os lábios entreabertos.
— Você está bem? — Seus olhos castanhos, escurecidos de desejo, me observam
atentamente enquanto ele aguarda por minha resposta. — Não temos que fazer nada,
podemos apenas...
— Pete. — Coloco um dedo em seus lábios, calando-o. — Eu quero fazer amor com você,
de preferência hoje, se você puder parar de se preocupar com isso.
Ele ri um pouco nervoso e, estranhamente, me sinto calma e preparada. Acaricio seu rosto,
afastando seus cabelos para que eu possa olhar o seu rosto.
— Estamos em uma cama confortável e eu estou ótima, eu juro!
— Vai doer, Moranguinho.
— Eu sei.
— Eu nunca fiz isso.
— O quê? — pergunto assustada com sua declaração e ele se inclina para o lado apoiando
a cabeça na mão e me olhando nos olhos. — Não me diga que você é virgem, Peterson, porque
eu juro por Deus que te arremesso pela janela sem pestanejar.
— Deus! Que garota violenta! — Ele se deita olhando para o teto e me inclino para ficar de
lado. — Claro que não sou mais virgem, mas essa é a minha primeira vez com uma garota
virgem. — Ele enrosca o dedo em uma mecha do meu cabelo enquanto fala e me perco na
forma doce em como parece estar preocupado com o meu bem-estar. — Eu disse que seria
nossa primeira vez.
— Eu confio em você. — Espalmo minha mão em seu peito e deixo um beijo em seus
lábios. — Eu tenho plena certeza do que estou fazendo, Pete. Vou ficar bem, e nem sempre dói
— digo e desejo que eu seja uma das garotas que fica bem na primeira vez.
Ele permanece um instante apenas me olhando, como se esperasse que eu desista, mas
não vou desistir, eu o amo e o desejo com uma força que eu nem sequer imaginei que existia.
— Ok, sendo assim. — Ele se levanta e retira uma camisinha da carteira e a coloca na
mesinha ao lado da minha cama. — Ainda está nas suas mãos.
— Peterson, não vamos roubar um banco nem sequestrar ninguém — digo incapaz de rir
do seu exagero. — É apenas sexo.
— É apenas sexo? — Ele se senta de frente para mim, sem camisa, com seus cabelos
desarrumados e seus olhos expressivos.
— Não — admito e sinto meu rosto esquentar de vergonha. — Mas é tudo o que eu quero.
Ele estende a mão e segura a barra da minha camiseta. Sem deixar de olhar em meus
olhos, ele a ergue, subindo-a por meu corpo. Levanto os braços e deixo que ele a tire e, quando
a joga no chão e continua olhando em meus olhos, compreendo o que ele quis dizer. Não é só
sexo, é muito mais do que isso, estamos nos despindo, nos mostrando um para o outro, sinto
como se estivéssemos em outro mundo, em uma realidade paralela, onde só existe nós dois.
— Você é linda — ele diz quando tento passar meus braços em volta da minha barriga
escondendo-a e ele segura minha mão. — Eu amo suas curvas, Luana. — Ele coloca um dedo
em torno do elástico da minha calcinha. — Nunca se esconda de mim, eu amo cada pedacinho
de você.
Pete se inclina fazendo-me deitar e puxa a minha calcinha deixando-me completamente
nua. Estico minha mão em volta do elástico da sua calça, e sinto a rigidez do seu corpo
enquanto o ajudo a se livrar dela.
— Bem melhor assim — digo quando ele volta a se deitar ao meu lado.
— Admita, Moranguinho, você é louca por minhas roupas. — Ele envolve minha cintura
trazendo-me para perto de si.
— Eu sou louca por você — admito. — Mesmo que seja usando calça de pijama.
Pete traça a ponta do dedo por meu rosto, descendo por meu pescoço, meu seio, minhas
costelas até parar no meu quadril. Seus olhos caem pelo caminho que sua mão percorreu e me
sinto exposta, ele molha os lábios forçando a curva aparecer em sua bochecha e beijo sua boca
no momento em que seus dedos pressionam meu corpo.
— Eu te amo — ele sussurra ainda em meus lábios enquanto suas mãos se movem para o
meio das minhas pernas. — Loucamente.
— Acho bom, porque eu também te amo. — Puxo seu lábio inferior com os dentes
enquanto subo em seu colo sentindo-me ousada sob seu olhar sedutor.
Pete se ergue segurando-me pela nuca e me beijando novamente, acariciando minha boca
com sua língua, fazendo com que eu relaxe sob suas mãos. Continuamos nos beijando, nos
tocando, nos movendo até que não consigo mais conter meu desejo. Ele me deita na cama e
estica o braço até pegar a camisinha, seu rosto está corado e seus lábios vermelhos dos nossos
beijos.
— Pete — eu o chamo e ele ergue o olhar do pacote. — Você nunca vai me machucar.
Ele me beija e, em seguida, veste a camisinha, colocando-se sobre mim. Prendo a
respiração quando ele começa a empurrar e envolvo seu corpo com os meus braços sentindo
sua respiração aquecer minha nuca. Fecho meus olhos absorvendo tudo, desde o peso do seu
corpo, o desconforto de ser invadida, o seu cheiro de limão e suor, o sabor da sua pele, os sons
que ele tenta reprimir enquanto se move lentamente. Remexo meu quadril instigando-o a ir
mais fundo, cravo meus dentes em seu ombro quando sinto que ele finalmente se encaixa
completamente em mim e relaxo quando começa a encontrar o seu ritmo.
Pete permanece quieto, com os olhos fechados, os lábios entreabertos, os cabelos sempre
uma desordem, colando-se ao redor de seu rosto e em volta da sua nuca, conforme ele se
movimenta. Aos poucos, começo a me sentir mais confortável e realmente não é tão ruim
como imaginei. Seus movimentos se intensificam, sua respiração fica mais pesada, seu corpo
coberto de suor desliza sobre o meu e fecho os olhos tentando não pensar em mais nada.
Pete me possui de todas as formas que é possível um homem possuir uma mulher. E eu me
entrego com toda a intensidade que é possível uma mulher se entregar a um homem.
— Moranguinho... — ele geme meu nome e meu corpo se arrepia com o som áspero que
sai de sua boca. — Fica comigo... — ele diz em meu ouvido, abro os meus olhos e encontro os
seus com uma intensidade tamanha que não consigo falar nada.
Quando seu prazer se torna intenso demais, ele deixa a cabeça cair em meu ombro e
desejo que esse momento não termine nunca. Apenas o abraço enquanto seu corpo é tomado
por espasmos e ele desaba sobre mim, dizendo coisas incoerentes entre gemidos e beijos.
E então eu finalmente realizo o meu desejo de número 18 e é o mais lindo de todos.
Aprendo nesse momento que, às vezes, falamos muito mais em silêncio e que, na ausência de
palavras, nossa alma expressa aquilo que temos de mais íntimo e verdadeiro.
Uma mensagem chega ao meu celular e acordo um pouco desnorteado, mas não demoro a
perceber onde estou, meu rosto está coberto por uma camada de cabelos loiros e preciso
removê-los antes que entrem em minha boca.
Ergo-me um pouco para olhar a minha Moranguinho adormecida e sorrio orgulhoso da
garota corajosa que ela é. Sua pele branca e macia está toda marcada por minha barba e isso
me excita, olho para o seu rosto adormecido, os lábios inchados dos beijos, a respiração
pesada, os seios descansando em meu peito. Porra! Ela confiou sua virgindade a mim e só
espero nunca desapontá-la.
O celular apita mais uma vez e estico o braço tentando não a acordar. Há dois SMS: um da
minha mãe perguntando se vamos demorar a chegar; o outro é de Justin, e esse eu prefiro não
abrir, ainda não consegui pensar sobre o que conversei com ele na noite passada.

Pete: Estamos indo, mãe.

Respondo rapidamente para a minha mãe e guardo o celular desejando não ter que sair
daqui. Enrosco meus dedos nos cabelos dela enquanto penso na loucura que está sendo amar
essa garota quando o telefone toca.
— Mas que porra, você não tem nada mais interessante para fazer no primeiro dia do ano?
— pergunto.
— Tenho, assim que você responder a minha mensagem. E aí, já pensou?
— Jus, eu não vou, já disse isso ontem e algumas horas sem olhar para a tua cara não fez
com que eu mudasse de ideia.
Luana se mexe, passando o braço em volta do meu peito enquanto enrosca o pé no meu
tornozelo, estou imobilizado por uma garota que sequer está acordada e começo a rir.
— Justin, obrigado, mas eu não vou.
— Garoto, pensa direito — ele diz e sei que vai ser um pé no saco porque ele não desiste
nunca.
— Já pensei — digo enquanto abraço a minha garota adormecida. — A resposta continua a
mesma de ontem.
Ele bufa e ouço a voz de uma mulher no fundo da ligação.
— Ok, a gente se fala. — Ele desliga e sei que isso é só o começo. A proposta é tentadora e
Justin vai se transformar no meu maior pesadelo.
Coloco o celular na mesa e decido não pensar em todos os “nãos” que terei de dizer a
Justin até que ele compreenda. Se fosse alguns meses atrás, eu não pensaria duas vezes,
aceitaria sua proposta e passaria uma temporada bem longe do Brasil, a grana era boa o
suficiente para que eu pudesse realizar o meu grande sonho, mas agora tudo mudou e sinto
que, se eu for embora, darei brecha para o medo me afastar da minha garota, e já chega de
sentir medo. Deixo um beijo nos cabelos da Luana antes de começar a acordá-la. A vida real nos
espera.
— Moranguinho... — a chamo porque, embora eu esteja começando a ficar duro
novamente e tenha vontade de ficar com ela aqui para sempre, precisamos nos levantar.
— Hummm... — ela geme preguiçosamente enquanto se estica como uma gata manhosa.
— Hora de se levantar, preguiçosa. — Passo meus dedos por seus cabelos sentindo as
mechas deslizarem por eles.
— Hummm... — ela geme mais uma vez e sorrio.
— Acorda, Moranguinho, ou vou te morder.
Ela se vira de costas para mim, ignorando o que digo e inclino-me dando uma mordida no
seu ombro.
— Ai! — Ela se vira de frente para mim, com o olhar horrorizado. — Você me mordeu? —
ela pergunta enquanto massageia o local onde há pequenas marcas dos meus dentes.
— Não resisti. — Beijo a ponta do seu nariz e ela me estapeia.
— Seu filho da p...
— Olha a boca! — digo gargalhando e recebo um tapa.
— Nunca mais faça isso. — Ela aponta o dedo para mim e tento abocanhá-lo antes dela se
levantar dando-me a linda visão da sua bunda.
— Luana — eu a chamo e ela se vira para mim. — Eu te amo.
— Nem vem, você me mordeu — ela diz cruzando os braços sobre os seios.
— Tanto, que sinto como se meu sangue se esvaísse do meu corpo.
— Isso é uma declaração de amor, Pete? — Ela se vira para mim sorrindo.
— Vindo de um hemofílico, Moranguinho, é a maior declaração de amor do mundo.
Ela gargalha alto.
— Não ri, isso é sério. — Levanto pegando minhas roupas do chão e vestindo-as.
— Oh, não fica bravinho. — Ela aperta minha bochecha como se eu fosse um bebê. — Eu
também te amo.
Luana abre a gaveta e retira uma peça de roupa enquanto olha para mim sobre o ombro.
— Acho que vou tomar um banho. — Ela caminha rebolando provocantemente em direção
ao banheiro e me pergunto onde diabos essa mulher se escondeu até agora.
— Eu também estou precisando de uma ducha. — Jogo minhas roupas na cama e sigo atrás
dela, puxando-a para beijar sua boca enquanto entramos juntos no banheiro pequeno demais
para dois apaixonados.

Luana está de costas para mim, a frase “I love Bacon” enfeita a parte de trás da sua
calcinha e não consigo tirar o olho da sua bunda.
— O que você está fazendo aí deitado? — ela pergunta me olhando através do espelho. —
Vai se trocar, Pete, estamos atrasados.
— Estou com vontade de te morder. — Mordo o lábio inferior enquanto me viro para ter
uma visão melhor.
— Você é doente, Peterson.
— Sou... — Coloco as mãos atrás da cabeça enquanto continuo a falar: — Muito doente,
um cara que precisa de muitos cuidados, Moranguinho.
Ela se vira para mim, com a escova em uma mão e o secador de cabelos na outra, usando
apenas uma camiseta e a maldita calcinha do bacon.
— Eu sou ótima enfermeira e já provei isso para você. — Ela pisca e volta a ligar aquela
coisa barulhenta.
Observo-a por um instante, recordando a forma como ela se contorceu em meus lábios
naquele banheiro, enquanto puxava meus cabelos e gritava meu nome...
— Eu posso ouvir seus pensamentos daqui, Pete! — ela grita sobre o som estridente do
secador. — Seus pensamentos deveriam ser proibidos.
— Como você sabe o que estou pensando? — pergunto enquanto me levanto e vou até ela
retirando o secador de suas mãos e abraçando-a.
— Porque você fica vermelho quando está pensando sacanagem. — Ela sorri para mim e
perco o ar com a visão de nós dois assim, abraçados, seus cabelos loiros caindo em seus
ombros, sua pele clara em contraste com a minha, a forma como seus dedos se enroscam nos
meus.
— Tem certeza de que é isso que você quer? — pergunto encarando seus olhos no espelho.
— Você? — ela pergunta e confirmo com a cabeça. — Absoluta — ela responde
rapidamente.
— Eu sou um desastre com essas coisas — continuo. — Na maioria das vezes não sei o que
dizer, não gosto de balada, nem de comer em restaurantes caros, aliás, detesto tudo que
precise usar algo mais formal que minha calça de pijama.
Ela começa a sorrir e o seu sorriso parece iluminar o quarto inteiro.
— Eu tô falando sério.
— Eu sei, você é um porre de tão chato. — Ela se vira para mim bagunçando os meus
cabelos. — Mas eu também sou, acho que a gente combina.
— Eu gosto de filmes velhos, sou rabugento, adoro acordar cedo e tenho um excelente
humor de manhã. — Ela salpica beijos em meu rosto, enquanto continuo falando.
— Eu sou chorona e irritante, adoro comer e quase sempre passo mal; estou uns dez quilos
acima do peso e não estou nem aí com isso. Sou ciumenta e possessiva e tenho um péssimo
humor pela manhã — ela termina de falar e olha para mim. — E aí, topa?
Ela se vira para mim e estende a sua mão que a pego como se estivéssemos fechando um
acordo.
— Porra, eu adoro um desafio! — Beijo-a, aproveitando para apalpar a sua calcinha de
bacon e Luana sorri em meus lábios se contorcendo para se livrar das minhas mãos.
Ela vai para o guarda-roupa e pega um vestido leve de verão do cabide.
— Tem mais uma coisa — digo enquanto visto uma camiseta limpa que peguei no carro.
Nesta está escrito: “Não leia a próxima frase. Você é rebelde, já gostei de você”.
— Mais?
— Sim, eu preciso de cuidados especiais.
Ela olha para mim enquanto abotoa o vestido.
— Que tipo de cuidados?
— Eu preciso ser muito bem alimentado, beber bastante líquido, me exercitar e, portanto,
preciso de sexo no mínimo seis vezes por semana...
— Seis vezes por semana? — ela pergunta enquanto traça as letras da camiseta e concordo
com a cabeça. — Acho que posso lidar com isso.
Eu havia me esquecido de que meu pai sempre começa o ano comendo e bebendo até
explodir, para ele comida é fartura. Acho que posso colocar nele a culpa por minha compulsão
por comer.
Pete estaciona o amigão entre dois SUVs. Tento esconder o sorriso bobo em meus lábios,
mas, na verdade, eu não consigo, eu ainda não acredito que fizemos todas aquelas coisas no
meu banheiro. Sinto meu rosto esquentar apenas por lembrar e agradeço a Deus por Pete não
perceber.
— Você está bem? — Ele se inclina passando a mão em meu rosto. É a quarta vez que ele
me pergunta a mesma coisa desde que saímos de casa.
— Estou ótima — digo sem mencionar o fato de estar levemente dolorida e absurdamente
excitada. Por mim voltaríamos para o meu chuveiro e que se dane a crise hídrica do mundo. —
E você?
— Eu? — Ele ergue uma sobrancelha e sorri. — Olha, eu sei que é meio brega e tal, mas
hoje eu sou o homem mais feliz do mundo.
— Eu também — admito e ele enrosca os dedos em meus cabelos me puxando para um
abraço e um... beijo na testa? Oi?
Penso em falar alguma coisa, mas Pete sai do carro e me obrigo a sair também. Ele me
estende a mão e a seguro sem entender o motivo para que ele, de repente, tenha ficado assim.
A casa de jogos está cheia, pessoas entrando e saindo, música alta e o bar parece
realmente com um boteco, exatamente como meu pai ama. Ele está na churrasqueira com um
sorriso enorme enquanto conversa com alguns amigos. Assim que nos avista chegando, acena
chamando por nós.
— Olha só quem chegou. — Ele aponta o garfo de churrasco em nossa direção. — Meus
filhos preferidos!
Seus amigos se viram na nossa direção, sinto o aperto de Pete se desfazer em minha mão
junto com um sorriso sem graça, pouco a pouco seus dedos se soltam dos meus e me sinto
perdida quando ele aproveita a chegada de Diana para se afastar.
— Olá, querida, como você está? — Ela me abraça parecendo realmente preocupada. —
Melhorou?
Confirmo com a cabeça enquanto observo Pete cumprimentar algumas pessoas antes de
conseguir chegar até o meu pai, que o recebe com um abraço apertado e um beijo em seu
rosto.
Papai está levemente embriagado e não são nem duas da tarde, assim como a grande
maioria dos seus amigos. Pete passa a mão na nuca e olha para mim, com seus cabelos caindo
nos olhos e escondendo sua tristeza, mas eu posso senti-la mesmo daqui de onde estou.
Sirvo-me de um prato generoso e me junto a Diana em uma mesa ao lado dela.
— Tenha paciência com ele — ela diz enquanto mexe a salada em seu prato de um lado
para o outro.
— Eu não entendo — digo ainda olhando para o meu debochado e notando o quanto odeio
vê-lo triste. — Eu tenho certeza de que meu pai o ama.
— Pete sempre foi inseguro, acho que tem um pouco a ver com a hemofilia, a perda do pai
e, em seguida, do Rick.
Olho para Diana incapaz de compreender como ela conseguiu se tornar alguém que admiro
tanto em tão pouco tempo.
— Eu nunca o vi tão feliz como nas últimas semanas. — Ela olha para mim, com seus olhos
cor de caramelo tão parecidos com os dele. — Não desista dele.
— Eu não vou desistir — digo com a certeza de que eu seria incapaz de desistir dele.

O primeiro dia do ano está chegando ao fim, o céu tomado do alaranjado fim de tarde
anuncia um anoitecer fresco e alegre. Vou até a cozinha atrás de algo que nem mesmo sei,
talvez apenas queira me afastar um pouco da confusão que está lá fora. Ou não queira admitir a
mim mesma que estou indo atrás dele. Maria esbraveja com os contratados para o buffet.
Pergunto por Pete e ela me diz que ele está na sala de TV.
Vou até ele e o encontro sentado no sofá, encarando o rótulo da cerveja, com o cenho
franzido e um olhar triste que me parte o coração, esse não é o meu Pete.
— Cansou de ganhar do meu pai? — pergunto ao me sentar ao seu lado.
— Estou com um pouco de dor de cabeça — ele responde sem tirar os olhos da garrafa.
— Posso ficar aqui com você? Ou prefere ficar sozinho?
— Fica comigo. — Ele me dá um meio sorriso e bebe um gole da cerveja.
— O que aconteceu? — pergunto acariciando seus cabelos, desmanchando as ondas.
— Nada de mais.
— Impossível, você está assim desde que chegamos, você mal comeu hoje.
— Eu vou decepcionar o Ricardo, e ele não merece.
— Do que você está falando?
— Ele me vê como um filho, Luana, ele passou a tarde inteira falando para os amigos dele
que eu sou o seu filho.
— Ele te ama, e pra mim é o que importa. — Deito-me em seu ombro tentando não me
preocupar com suas suposições.
Pete me observa por um instante, sua mão faz um carinho gostoso em minha perna nua.
— Nada é tão simples assim, amor — ele sussurra com a cabeça apoiada na minha e meu
coração para uma batida porque tudo o que consigo ouvir é a palavra amor saindo
manhosamente de seus lábios.
— Tudo depende de como estamos dispostos a encarar. — Seguro sua mão na minha. —
Eu estou disposta a tudo, desde que tenha você ao meu lado.
Ele não diz mais nada, ficamos assim, quietos, abraçados no sofá da casa do meu pai
ouvindo a música alta e as risadas, Pete não liga a TV, não há nenhum pateta fazendo graça
hoje e, de repente, sinto uma falta danada daqueles três bobões.

Já passa das oito quando decido que precisamos de comida, afinal ninguém nesse mundo
pode ser feliz sem comida. Entro na cozinha, agora mais calma sem a presença de Maria, e dou
de cara com a última pessoa que imaginei que veria hoje: Alex.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto sem conseguir disfarçar minha surpresa.
— Uau, que recepção! — ele diz com um sorriso sem graça.
Olho para a porta da sala de TV do outro lado do corredor antes de responder:
— Ah, não é isso. — Seco minhas mãos no vestido enquanto balanço de um lado para o
outro sem saber o que fazer. Alex aqui é tudo o que Pete não precisa para se sentir pior. — Eu
achei que você estava em uma praia paradisíaca com uma morena maravilhosa, ou talvez duas.
— Ergo os ombros e sorrio tentando brincar.
— Feliz Ano-Novo! — ele diz ainda a uma certa distância e vou até ele, envolvendo-o em
um abraço.
— Feliz Ano-Novo, Alex!
Alex tem cheiro de maresia e seus cabelos estão uma bagunça bonita, deixando-o com um
rosto ainda mais juvenil.
— Tive uma reunião de emergência com um grupo de investidores chineses hoje à tarde e
achei que poderia vir aqui te dar um abraço, fiz mal?
— Não, claro que não.
Ele sorri para mim, ainda segurando minhas mãos, quando Pete aparece na cozinha
instantes depois e, como se não bastasse, meu pai parece sentir o momento exato para chegar
com sua alegria alcoolizada.
— Eu sou um cara de muita sorte — diz meu pai olhando para nós três. — Tenho uma filha
linda, um genro maravilhoso e um filho que Deus me deu de brinde, não é mesmo, Tito?
Pete sorri com os lábios fechados e o olhar perdido.
— Pois é — ele diz e olha para as minhas mãos no momento em que as afasto de Alex.
— Pai, acho que está na hora de parar de beber! — o repreendo sentindo o clima ficar
ainda mais tenso.
Alex sorri sem graça e Pete se retira da cozinha sem dizer mais nada, meu pai está bêbado
demais para notar algo e logo sua atenção é atraída por alguém, que o chama na sala de jogos.
— Desculpa o meu pai, ele está um pouco alterado.
— Tudo bem, ele está se divertindo. — Alex passa as mãos nos cabelos tentando domar os
fios rebeldes pelo sol. — Podemos conversar um pouco?
— Claro — digo sentindo meu estômago revirar.
Levo Alex para o escritório do meu pai porque é o único lugar que não está ocupado nesse
momento e porque fica do outro lado da sala de TV, fecho a porta e cruzo meus braços
enquanto aguardo para ouvir o que ele veio me dizer.
— Complicado falar assim. — Ele ri e esfrega a nuca antes de começar. — Mas eu vim aqui
porque eu preciso dar um ponto final na nossa história, Luana.
— Alex... — começo a falar, mas ele ergue a mão me interrompendo.
— Tudo bem, eu sei que já tivemos essa conversa, mas... — Ele sorri tristemente e sinto
meu coração se despedaçar. — Lá na praia eu conheci uma garota, não é nada de mais, ela é
apenas uma garota legal que me disse umas coisas legais; e uma delas foi que eu preciso
desamarrar o meu coração para que eu possa seguir em frente.
— Apenas uma garota? — pergunto me sentindo uma cretina quando uma pontada de
ciúmes atinge o meu peito.
— Ela é bacana, quer dizer, não sei, é estranho, eu só conversei com ela por um tempo,
mas sinto como se a conhecesse há um tempão e... — Ele respira fundo como se estivesse
tendo dificuldade em se expressar.
— Eu sei como é — digo e ele sorri.
— Eu sei que sabe.
— Sabe?
— Sim, no começo achei que era apenas uma daquelas coisas da lista e que, quando
voltássemos para São Paulo, você poderia se interessar por mim, mas não aconteceu; e hoje,
quando vi sua expressão ao me ver e a maneira que ele te olhou, percebi que vocês se
acertaram. E quer saber, eu tô feliz por você.
— Alex... — fico sem saber o que dizer diante da sua declaração.
— Não precisa dizer nada, eu vim aqui me despedir de você, estou indo para o Canadá em
alguns dias, vou ficar um ano por lá, talvez mais, não sei, meu pai está começando um negócio
em Vancouver e eu vou ajudá-lo, vai ser bom para mim.
— Vancouver? É tão longe. — É tudo o que consigo dizer e ele sorri parecendo aliviado. —
Vou sentir sua falta — admito com a voz embargada.
— Eu também, mas tô feliz que você encontrou alguém para segurar a sua mão. — Ele sorri
no momento em que a porta se abre e meu pai entra como um furacão.
— Encontrei vocês — ele diz com a voz meio enrolada. — Alex, vamos jogar uma partida de
truco? — Meu pai passa o braço pelos ombros de Alex.
— Desculpa, Ricardo, mas vai ficar para uma outra vez, eu preciso ir.
Papai olha para mim e depois para o Alex e repete isso algumas vezes antes de falar:
— O que está acontecendo por aqui? Não me diga que o ano ainda nem começou e vocês
já estão brigando?
— Pai, por favor! — imploro para que o meu pai não torne as coisas piores.
— Infelizmente, eu vim aqui apenas me despedir.
— Não ligue para isso, rapaz — meu pai ignora o que Alex fala. — É apenas uma briguinha,
logo vocês estarão bem.
Alex não se dá ao trabalho de responder, apenas sorri educadamente para o meu pai e o
cumprimenta.
— Ei, princesa, vou ficar bem — ele diz ao se aproximar de mim.
Passo a mão em seu rosto, em seus cabelos bagunçando-os e fazendo Alex enrugar o nariz
nitidamente desconfortável.
— Promete? — pergunto e ele balança a cabeça.
— Quando precisar de uma mão pra esmagar, ainda pode me chamar. — Ele aperta a
minha mão e sinto vontade de chorar.
Abraço-o sentindo meus olhos marejados porque, por mais que eu não o deseje como um
homem, eu o amo como um amigo e sei que, nesse momento, estou perdendo uma das
pessoas mais especiais que já conheci.
— Deixa eu ir agora, vou tentar voltar para Búzios hoje. — Ele se afasta e sorri. — Até mais,
Ricardo. — Ele acena para o meu pai antes de ir embora.
Observo Alex sair, meu pai se apoia na mesa, com os braços cruzados no peito e um vinco
entre as sobrancelhas enquanto me olha como se eu tivesse cometido um crime.
— Por que você deixou aquele rapaz sair desse jeito?
— Papai, o senhor não sabe o que está dizendo, Alex é apenas meu amigo — digo sentindo
que esse não é o momento para falarmos sobre isso.
— Eu só espero que você não se arrependa do que está fazendo.
— Eu não vou me arrepender.
— Alex é um menino de ouro, está na cara o quanto ele gosta de você e...
— Acho melhor a gente deixar para conversar outro dia, papai. — Vou até a porta, decidida
a encerrar essa conversa quando encontro Pete parado do outro lado.
— Está tudo bem? — ele pergunta baixinho só para mim e espera até que eu confirme com
a cabeça antes de olhar para o meu pai. — Ricardo, estão te chamando lá fora.
— Preciso sair daqui — digo.
Ele segura minha mão sem entender nada, mas sei que é capaz de sentir o quanto estou
tremendo.
— Meu filho, pelo amor de Deus, vê se põe um pouco de juízo na cabeça dessa garota —
meu pai diz para o Pete, que permanece calado ao meu lado. — Essa garota terminou o namoro
com o Alex, vê se tem cabimento. — Ele continua sem se dar conta de que Pete parece um
fantasma de tão pálido.
— Eu não posso me meter... — Pete diz tão áspero, que quase não o reconheço.
— O rapaz é um bom garoto e ainda é apaixonado por ela e o que ela faz? — meu pai
continua falando. — Manda o cara embora.
— Já chega, pai! — grito me sentindo diminuir a cada segundo. — Eu não amo o Alex como
você pensa.
— E quem você ama? Um pé-rapado? Um mochileiro? Já sei, um skatista cheio de
tatuagens, que não tem sequer uma profissão? — meu pai diz e sinto a dor das suas palavras
atingirem Pete, é como se fosse real, como se ele o estivesse machucando fisicamente com
suas palavras.
Pete abaixa a cabeça e inala tão profundamente, que olho em sua direção para ter certeza
de que está tudo bem. Ele se mantém apoiado na porta, com as mãos agora enterradas no
bolso da calça e a cabeça baixa como se tentasse não se deixar abater pela situação.
— Eu não vou me envolver com alguém pelo que ele tem, e sim pelo que ele é. E se ele não
tiver nada, mas for o homem que me completa e me faz feliz, vai ser com ele que eu vou ficar,
queira o senhor ou não.
— Você é uma menina mimada que não sabe nada da vida — meu pai diz e começo a rezar
para que tudo isso não passe de um pesadelo. — Eu só espero que depois não venha lamentar
quando ele encontrar uma garota que o valorize.
Meu pai se dirige à porta e, antes de sair, ele olha para Pete e diz:
— Vê se você consegue convencer essa desmiolada que ela está cometendo um erro, eu
não vou dizer mais nada. Talvez ela te ouça, ela sempre te ouve.
E ele se vai, batendo a porta com força e deixando um buraco no meio da sala, como se um
furacão tivesse passado por ali.
Há um zumbido em meus ouvidos enquanto observo Luana se sentar no sofá e apoiar o
rosto nas mãos. O sangue corre pesado em minhas veias e meu coração bate tão alto, que
tenho medo de que ela possa ouvir. Fecho os olhos tentando organizar meus pensamentos,
mas tudo o que sinto é uma vontade enorme de vomitar. Começo a andar, apoiando as mãos
na nuca e encarando a estampa do tapete embaixo dos meus pés.
Um pé-rapado sem profissão.
— Eu ainda não acredito que ele disse aquelas coisas — Luana diz ainda sem erguer a
cabeça e minha mente viaja até aquela viagem ao sítio, naquela partida de baralho entre mim e
Ricardo, nas conversas que tivemos, tão parecidas com tantas outras, e que acenderam o sinal
de alerta em minha cabeça.
— Eu já sabia — digo enquanto observo as lombadas dos livros sem de fato ler nenhuma.
— Ouvi-o falar sobre o quanto ele gosta do Alex, sobre como vocês se dão bem, sobre o pai
dele e as empresas do pai dele, sobre um cara para a filha querida, que eu o ajudei a
reconquistar.
— Para, Pete, para! — ela exige.
— Agora você compreende? — Viro-me para ela, cruzando os braços no peito porque, de
repente, não sei o que fazer com as minhas mãos. — Ele não te quer com qualquer um. E eu
sou o “qualquer um”, Luana. — Aponto para mim e a porra do meu peito dói com essa
afirmação. — Eu sou o cara que seu pai descreveu.
— Pete, para com isso, por favor. — Ela se levanta e vem até mim, espalma a mão em meu
rosto, puxando-me para olhar em seus olhos assustados.
— Parar? Por que parar? Você não ouviu o seu pai? Ele descreveu o cara que ele não quer
para você, Luana, e eu me encaixei em quase todos os defeitos. — Retiro sua mão do meu rosto
e me afasto porque não consigo respirar com ela assim tão perto.
— Defeitos? Que defeitos? — Sua voz soa desesperada.
— Ah, meu Deus, Luana! — Esfrego o rosto sentindo-me mal. — Eu preciso falar? — Olho
para ela, mas seu rosto está pálido e seu olhar suplicante. — Eu não tenho uma profissão, vivo
de um lado para o outro fazendo “bicos” com uma mochila nas costas.
— Para com isso, meu pai te ama, você sabe disso. Os olhos dele brilham quando fala de
você. Isso não é justo! Tudo bem, estou com muita raiva dele nesse momento, mas dizer que
ele não te aprovaria é um absurdo! — ela o defende e não posso condená-la, ele é o seu pai. —
Ele falou tudo aquilo para me atacar, ele jamais magoaria você.
— Não seja ingênua, Luana, ele gosta de mim porque eu não transmito nenhum risco a ele.
A partir do momento que ele descobrir que eu fui o motivo de você terminar com o Alex, tudo
vai mudar.
— Pelo amor de Deus, ele está bêbado, amanhã ele nem ao menos se lembrará do que
disse.
— Mas eu vou — digo e odeio o quanto a minha voz soa magoada, mas a verdade é que
estou magoado.
— Não faz isso comigo. — Ela se aproxima segurando o meu braço e não consigo evitar o
desejo que tenho de consolá-la. Beijo o topo da sua cabeça enquanto ela me abraça com força.
— Para com essa merda, Pete! — Ela ergue o rosto e olha para mim. — Ele te ama.
Não consigo responder e, antes que ela tenha a chance de dizer mais alguma coisa, a porta
se abre e minha mãe entra com um olhar assustado.
— Eu vim ver se vocês estão bem — ela diz mesmo sabendo que não estamos bem, ela
sempre sabe.
— Aconteceu o que tinha que acontecer — digo enquanto ela se aproxima passando um
braço sobre mim e outro sobre Luana.
— Briguei com o papai — Luana começa a falar. — Ele está alterado, falou algumas coisas
que não devia e Pete se sentiu ofendido, mas eu sei que meu pai o ama, que jamais falaria
aquilo para ele.
— Eu também acredito nisso — minha mãe concorda com Luana.
— Ele o ama, Pete. Independentemente do que você tem, ele te ama pelo que você é, e
sabe por que eu sei disso? — Luana pergunta e nego com a cabeça. — Porque eu sou
exatamente igual a ele. Eu te amo e não me importo com o que as pessoas pensam a respeito
disso. Eu sei quem você é e pra mim é o que basta.
Luana se estica na ponta do pé e me beija rapidamente, minha mãe nos observa com um
sorriso conivente nos lábios.
— Eu preciso sair. — Afasto-me de Luana com dificuldade e evito encarar os seus olhos
enquanto caminho até a porta.
— Aonde você vai? — ela pergunta parecendo assustada.
— Respirar um pouco.
Abro a porta e saio do escritório, indo para a saída da casa. Sento-me nos degraus e olho
para o céu estrelado, sinto-me tão cansado que não consigo imaginar como reagir nos próximos
364 dias do ano.
O telefone toca e, dessa vez, atendo imediatamente.
— E aí, garoto? — Justin fala do outro lado da linha com sua voz fria e profissional. — Já
tem uma resposta?
Fecho os olhos e tudo o que consigo pensar é nas palavras do Ricardo:
E quem você ama? Um pé-rapado? Um mochileiro? Já sei, um skatista cheio de tatuagens,
que não tem sequer uma profissão?
Sinto um bolo se formar em minha garganta, sei que amanhã vou me arrepender, odeio
tomar decisões com as emoções ligadas, mas não posso pensar ou vou desistir.
Respiro fundo e respondo:
— Eu topo. Pode contar comigo.
Aos dez anos de idade levei o primeiro e único tapa do meu pai. Eu tinha falsificado a sua
assinatura porque não queria que ele descobrisse que eu me meti em uma briga com a Jéssica,
uma garota chata, cheia de sardas no nariz, que vivia implicando comigo e com a Giovana. Meu
pai ficou uma fera, não por causa da briga e sim pela mentira, disse que estava decepcionado
comigo e que eu tinha quebrado a confiança que ele tinha em mim.
Eu nunca disse de quem foi a grande ideia de falsificar a assinatura dele, mas a autora
(Giovana, é claro!) se sentou ao meu lado na casa de bonecas e chorou comigo durante horas.
Naquele dia, eu tive medo de perder o meu pai, medo de que ele realmente não confiasse mais
em mim, que não me amasse mais, tive medo de ter decepcionado ele e foi um dos piores dias
da minha vida.
Agora a situação estava invertida.
Sou eu quem estou decepcionada com ele, sou eu quem estou perdendo a confiança na
sua generosidade e no seu senso de justiça. Meu pai sempre me ensinou a nunca julgar alguém
pelo que tem e sim pelo seu caráter, ele sempre me disse que caráter e palavra são as coisas
mais importantes que um homem possui na vida, eu não posso acreditar que ele está mesmo
definindo o que é bom para mim pelo dinheiro.
Meia hora depois de ter saído do escritório daquele jeito, encontro Pete sentado nos
degraus da frente da casa, ele está com as chaves do amigão nas mãos e os olhos levemente
avermelhados. Sento-me ao seu lado e apoio minha cabeça em seu ombro.
— Me perdoa... — sussurro.
— Não, nunca vou te perdoar — ele fala ainda sem me olhar. — Por sua causa, hoje não
tenho um coração. — Ele me dá um meio sorriso e leva a minha mão aos seus lábios beijando-a
com lentidão. Sinto as lágrimas caindo em meus olhos, Pete passa o polegar em minha
bochecha limpando-as, puxa o meu rosto para o seu peito e beija minha cabeça. — Cuida bem
dele pra mim, ok? — ele sussurra em meus cabelos e confirmo com a cabeça.
— Pode deixar, está em boas mãos — respondo enquanto ele me solta e se levanta.
— Preciso refrescar a cabeça, já volto. — Pete me beija no rosto e sai em direção ao seu
carro.

Já passa da meia-noite e ainda não tenho notícias dele. Em momentos como esse é
maravilhoso morar em uma casa tão grande, ninguém percebeu o que houve, ou se ainda estou
aqui, me tranco no meu refúgio seguro e deito em minha cama tentando em vão adormecer.
Reviro de um lado para o outro sem sucesso, vejo as horas passarem e minha ansiedade
aumentar, estou preocupada e me segurando para não ligar para ele e não ir até o meu pai e
falar tudo o que ele merece ouvir.
Mando um SMS perguntando se está tudo bem, mas ele não responde. Odeio não saber
sequer se ele recebeu. Resolvo tomar um banho e fico na banheira tempo suficiente para os
meus dedos enrugarem enquanto ouço uma playlist nova. Quando saio, Pete está deitado em
minha cama, encarando o teto com as mãos atrás da cabeça, como se nunca houvesse saído
daqui.
— Adoro o cheiro do seu xampu — ele diz ainda sem me olhar e sinto um alívio por tê-lo de
volta.
— E eu adoro quando você volta pra mim — digo ao me aproximar dele na cama.
— Eu sempre volto pra você. — Ele estende a mão para mim e me deito ao seu lado.
— Está mais calmo?
Ele balança a cabeça afirmando e me puxa para o seu peito acariciando meus cabelos
molhados sem dizer mais nada. Passamos um tempão assim, ele está quieto, recluso em sua
bolha particular e não tenho coragem de falar nada. Adormecemos abraçados, e é tudo o que
eu posso fazer. Quando acordo, meu cabelo já está seco e a camisa de Pete úmida, ele ainda
dorme e saio de mansinho para comer algo. Essa noite me deixou faminta.
Quando volto, pouco tempo depois ele está sentado na minha poltrona, do outro lado do
quarto.
— Onde você foi?
— Comer — respondo e ele sorri.
— Vem cá. — Ele estica a mão, aceito-a sendo puxada para o seu colo. — Me desculpe por
fugir daquele jeito.
— Tudo bem, eu te entendo.
— Acredita quando eu digo que te amo?
Sorrio acariciando seus cabelos rebeldes e respondo com toda a certeza do meu coração:
— Claro que acredito.
Ele apoia a cabeça em meu peito, parecendo tão cansado. Eu queria protegê-lo, mas é
impossível proteger alguém quando o que o machuca está dentro de si mesmo.
— Ontem tive medo de te perder — ele admite e sinto em suas palavras o quanto isso o
machuca.
— Você não vai me perder, Pete, não precisa ter medo. — Deito minha cabeça junto a sua
enquanto traço círculos em seu braço.
— Eu te amo pra cacete, garota! — ele diz ao se afastar de mim e planta um beijo em meus
lábios.
Sorrio tentando disfarçar a tristeza que nos envolve.
— Eu preciso que você não se esqueça disso nunca.
— Não vou esquecer.
— Promete?
— Você está me assustando, Pete.
— Apenas me prometa que nunca duvidará do meu amor por você.
— Por que você está falando isso? — Afasto-me liberando-me do seu abraço para poder
olhar em seus olhos.
— Porque talvez eu faça algo que você não goste.
— Então não faça — respondo brava.
— Não posso, eu preciso.
— Estou ficando com raiva de você agora. — Levanto do seu colo e começo a andar de um
lado para o outro, sem coragem de perguntar o que ele precisa fazer.
— Ótimo, era isso o que eu queria — ele diz e não consigo compreender. — Estava com
saudades de te ver zangada — ele completa e me puxa pelo braço me fazendo aterrissar em
seu colo novamente. — Já te disse que me deixa cheio de tesão? — Pete segura o meu rosto e
me beija, e por um instante me permito acreditar no que ele diz, mesmo que no fundo eu saiba
que ele está se escondendo de mim.
Beijo seus lábios lentamente enquanto me acomodo em seu colo, puxo sua camiseta pelos
braços e volto a beijá-lo, sem palavras, sem perguntas, apenas beijos, toques, carícias e as
batidas de nossos corações assustados. Fazemos amor lentamente, como uma maneira de se
agarrar um ao outro. E percebo que, às vezes, o melhor que podemos fazer para curar nossos
medos é ignorá-los.

Na manhã seguinte, Pete me leva para tomarmos café em uma padaria perto de sua casa,
passamos o dia em seu apartamento, na cama, na mesa (afinal de contas, ele precisa ser
exercitado), e, às vezes, na sala. Não falamos mais sobre o que aconteceu com o meu pai, mas
sei que o assunto está por aí, pairando sobre nós como uma nuvem tóxica. No fim do dia, ele
começa a assistir a um jogo de futebol americano, é tão sexy ver ele reclamar e xingar em inglês
que, mesmo exausta da nossa maratona, não resisto.
— Moranguinho... — Ele tenta desviar dos meus beijos olhando para a TV. — Espera só até
o 49ers fazer mais um touchdown.
Sento-me em seu colo e começo a desabotoar minha blusa atraindo seu olhar
imediatamente, mordo o lábio tentando não sorrir.
— Você prefere ver esse bando de homens ou minha lingerie nova?
— Nova? — Ele ergue uma sobrancelha e seus olhos dourados se acendem. Cachorro!
— Novinha — provoco-o mostrando apenas um pedaço da peça. — E dessa vez não tem
absolutamente nada infantil nela.
— Quer saber, foda-se esse jogo! — Ele desliga a TV e me ajuda a terminar de desabotoar a
blusa. — E eu acho que temos uma maldição pra quebrar aqui.
— Acho que já quebramos hoje mais cedo — digo enquanto ele me arranha com sua barba
por fazer enquanto beija o meu pescoço.
— É bom garantir que esteja completamente quebrada, Moranguinho, sou um homem
cauteloso.

Já passa de uma da manhã quando ele estaciona o amigão na frente da casa do meu pai.
Depois de um dia maravilhoso, a tristeza volta para o seu rosto, ele não fala mais nada, mas eu
sei que ainda está magoado, Pete não é um homem que esquece fácil.
Subimos para o meu quarto de mãos dadas, sinto seus dedos se soltarem dos meus à
medida que nos aproximamos do quarto, mas mantenho minha mão firme na dele.
— Terceira noite que dormimos juntos, não sei como vou viver sem isso — ele diz sentado
na minha cama, apenas de cueca enquanto me troco.
— Não se preocupe com isso. — Subo em seu colo, enfio meus dedos em seus cabelos
desarrumados e deixo um beijo em sua boca. — Você não vai precisar se acostumar.
— Eu te amo, minha Moranguinho.
— Eu também... — digo enquanto ele abaixa a alça da minha camisola. — Você não se
cansa?
— De você? — Ele desvia o olhar do meu seio. — Nunca.

Acordo cedo na manhã seguinte, Pete dorme pesado ao meu lado, roncando baixinho
enquanto segura um dos meus seios em sua mão. Sorrio satisfeita por ter ele aqui comigo, eu
também não sei como será quando ele não estiver na minha cama. Em poucos dias voltarei
para a casa da minha mãe e lá não será tão fácil carregá-lo para o meu quarto.
— Bom dia. — Sua voz mole aquece minha nuca.
— Bom dia. — Livro-me do seu abraço e corro para o banheiro antes que ele tente me
beijar.
Tomo um banho rápido, sentindo-me dolorida e apaixonada, observo Pete escovar os
dentes completamente nu, as tatuagens decorando sua pele dourada e os cabelos parecendo
um mar revolto. É tudo tão simples e tão bonito que me surpreende. Então é sobre isso que os
poetas escrevem e os músicos compõem, é por esse sentimento estranho e esmagador que as
pessoas passam suas vidas em busca, essa plenitude, esse caos. Isso é o amor.
— Moranguinho, hoje vou passar o dia fora, tenho umas coisas para resolver.
— Hummm... — resmungo enquanto o observo se vestir. — Vou sentir saudades.
Ele sorri quando passo por ele e aperto sua bunda.
— À noite, te pego e prometo matar essa saudade.
— Acho bom mesmo, agora vamos comer algo, Aladdin, estou faminta.
Pete olha para as suas calças indianas e ergue a sobrancelha dando-me um dos seus
sorrisos com direito a curvinha e começo a ficar preocupada com minha sanidade mental
porque nunca imaginei que um cara usando uma calça dessas poderia me deixar excitada, mas,
acreditem, ele deixa.
Assim como o prometido, ele volta somente à noite, aproveito para conversar um pouco
com Manuela e Giovana, elas me atualizam sobre seus primeiros dias do ano e conto a elas
sobre mim e Pete. Giovana quer todos os detalhes sobre ele.

GIOVANA: Aposto que ele fala sacanagem na cama.

Ela envia para o grupo e sinto meu rosto esquentar. Ela não vai descobrir nunca. Digito:

LUANA: Cale a boca, Giovana!

Giovana manda um emoji revirando os olhos e pergunta:

GIOVANA: Você está feliz?

LUANA: Muito.

Manu digita:

MANU: Então é o que importa.

Giovana pergunta:

GIOVANA: Ele é grande?

Manu manda um emoji de boca aberta e muda o assunto para um menino novo que
chegou no prédio em que Manu está morando e entre perguntas indiscretas de Giovana,
risadas e muita saudade, passo um tempo com elas enquanto Pete está fora.
Estou dormindo quando ouço o barulho da porta sendo aberta e meu coração dispara,
escondo o rosto no travesseiro porque é ridículo o quanto estou sorrindo apenas por saber que
ele está aqui.
— Cheguei. — Ele beija minha nuca enquanto se aninha ao meu lado e o seu cheiro de
limão me acalma e me incendeia ao mesmo tempo.
Me sinto insaciável quando o assunto é sexo, talvez não seja o sexo em si, talvez seja
apenas a necessidade de estar conectada com ele, sentir seus gemidos em meu ouvido e o calor
da sua pele. Fazemos amor e adormeço em seus braços, a última coisa que ouço antes de cair
no sono é um “eu te amo”. Tento responder, mas não sei se consigo.
Quando acordo estou sozinha, para a minha surpresa, e com uma sensação estranha, que
me faz sentir como se houvesse um peso em meu coração.
Noto uma folha de papel dobrada em cima da mesa de cabeceira e demoro um instante
para criar coragem e abri-la. Eu sabia que seja lá o que estivesse ali, naquela caligrafia horrível,
não seria boa coisa. Sento-me na cama e desdobro o papel encontrando um texto grande, que
faz o ar deixar os meus pulmões.

“Moranguinho,
Sei que o que estou fazendo é uma puta canalhice, mas, como eu já te disse, sou um
covarde. Jamais teria coragem de dizer isso para você, pois, assim que você me olhasse com
esse seu jeito doce de menina mimada, eu perderia a coragem, então achei que a melhor
maneira de te falar isso era através da carta. Desculpe a letra, escrevo mal pra cacete e, pra
piorar, estou nervoso, nunca escrevi para uma garota antes. Nesse momento, eu gostaria de ter
lido um pouco mais, talvez saberia as coisas certas a te dizer, uma frase bonita, algo que fizesse
sentido, mas infelizmente eu não sei, então vamos lá.
Antes de mais nada, eu preciso que você me perdoe e, por favor, tente me entender.
Em primeiro lugar, eu quero que saiba que eu te amo, mais do que imaginei que seria
possível amar alguém. Eu te amei no primeiro instante em que te vi, perdida naquele elevador,
com aquele sotaque fajuto e charmosinho; te amei no momento em que senti o sabor do seu
beijo e, depois daquele dia, nunca mais consegui tirar você da minha cabeça. Eu já te disse isso e
te direi até o fim da minha vida: Eu te amo.
Eu amei cada provocação, amei deixar você nervosa, amei receber seus tapas, seus
xingamentos, amei cada vez que você me mandou ir ao inferno com essa voz aguda e irritante.
Amei descobrir o amor puro que você me ensinou a sentir, amei ter sido o seu primeiro
homem, fazer você descobrir o amor, amei a maneira como você me fez sentir inexperiente ao
seu lado, assustado e com medo de te machucar, como um moleque. Amei que me senti virgem
ao seu lado, virgem de sentimentos, era a primeira vez que eu sentia aquilo.
Eu amei cada momento que vivi com você, e amei ainda mais a maneira sexy que você me
beijou essa noite. Amei fazer amor, tá aí uma coisa que eu ainda não tinha feito!
Só hoje, sentado nessa cama enquanto te olho dormir, escrevendo essa carta melosa
demais para o meu gosto, foi que eu descobri o que Ricky queria dizer, eu finalmente encontrei
alguém que valesse a pena.
Sabia que você fala dormindo? E acabou de me chamar de uma maneira que me fez ter
vontade de jogar essa carta fora e voltar para os seus braços... Porra, Moranguinho, isso dói, dói
pra cacete e, graças a Deus, que estou sozinho no escuro porque tem um nó em minha
garganta.
Enfim, eu só preciso que você saiba que eu te amo.
Que tudo o que estou fazendo é só porque eu te amo, e preciso muito que você acredite em
mim porque senão nada disso terá valido a pena.
Aquele dia, quando você brigou com seu pai, você disse algo que não sai da minha cabeça.
Você disse “não me importo se ele não tiver nada, eu o amarei pelo que ele é”.
Acho que foi algo assim, eu entendi, mas a verdade é que eu realmente não tenho nada,
nenhuma faculdade ou grana, nenhum futuro, só meu amor e isso acendeu um alerta na minha
cabeça.
Eu estou indo embora, Moranguinho, preciso resolver a minha vida, agora tenho algo pelo
qual quero lutar, preciso pensar e sou um cara que não pensa muito bem sob pressão. Como
você sabe, não sei lidar muito bem com sentimentos e essa porra está me sufocando de um jeito
que estou quase enlouquecendo.
Justin me fez uma proposta que eu jurei que nunca mais aceitaria, mas depois de ouvir o
que seu pai falou aquele dia, eu descobri que nem sempre podemos viver com uma mochila nas
costas e o mundo à nossa frente, eu sempre quis isso e, durante cinco anos, eu tive, mas agora
eu quero você, eu quero fincar raízes e resolvi aceitar.
Eu estou indo, mas você vai comigo no pensamento e no coração.
Por favor, não fique com raiva de mim. Assim que eu resolver tudo, eu voltarei para você.
Eu sempre volto para você.
Não desista de mim, estou lutando por nós.
Com amor (puta coisa brega do cacete!).
Peterson, Tito ou simplesmente Pete.”

Não sei ao certo quanto tempo passo aqui sentada na cama olhando para essa folha de
papel, a princípio achei que era uma brincadeira, olhei em volta em busca de outras pistas da
palhaçada que ele estava fazendo, mas, aos poucos, meu coração foi se acalmando no peito e a
verdade foi se apresentando, nua e crua.
Ele foi embora! Aquele maldito covarde foi embora e a única coisa que foi capaz de me
deixar foi uma carta!
Pego meu celular e ligo para ele, mas cai direto na caixa postal, então mando um maldito
SMS amaldiçoando a sua irritante teimosia em não usar o WhatsApp, meus dedos tremem
enquanto tento escrever.

Luana: Pete, que brincadeira é essa?

Olho para o celular enquanto espero a mensagem ser enviada, mas ela fica lá, junto de
tantas outras que foram enviadas no último mês e, dessa vez, não tem resposta. Amasso a carta
e a jogo contra a parede, grito abafando minha raiva no travesseiro inundado com seu aroma,
me abraço a ele enquanto a dor rasga meu peito, choro como nunca chorei antes e me sinto
traída, abandonada, enganada e, acima de tudo, sinto-me vazia.
Ele se foi... e levou com ele o meu coração.
A primeira semana sem ele é insuportável, todos os dias ao me levantar da cama eu tenho
certeza de que não serei capaz de seguir até o fim e todas as noites, ao me deitar, eu choro até
dormir.
Sua caixa de mensagens está lotada, mas nem ao menos sei se elas chegam ao destino,
mesmo assim eu continuo mandando todos os dias, dizendo o quanto o amo e o odeio,
desejando sua morte e que ele volte.
Diana passa boa parte da semana comigo, já que minha mãe ainda está viajando de férias
com o namorado. Não há muito o que ser dito, mesmo assim ela permanece ao meu lado. Às
vezes, apenas me ouvindo chorar e xingar Pete; em outras, tranquilizando-me e dizendo que
tudo vai ficar bem.
Quando finalmente chega o dia de voltar para a casa da minha mãe é ainda pior, três
meses antes era tudo o que eu mais queria na vida e, então, já não me sinto mais em casa, não
me reconheço mais, não me encaixo em nenhum lugar, não tenho vontade de sair, de ver
ninguém que não fosse um pote de sorvete com bolacha ou meu cereal com leite. Engordo dois
quilos e estou oficialmente deprimida.
No mês seguinte, Giovana começa a faculdade, Alex está em Vancouver; Manu está tão
perdida em seus estudos, que não me manda muito mais do que um “Olá, eu estou bem. E
você?”, que prefiro não responder. Ela não vai gostar de saber.
Na primeira semana de fevereiro chega a primeira carta e me pergunto, quem ainda
manda cartas para alguém? Pete, é claro!
Passo uma eternidade segurando aquele envelope em minhas mãos decidindo o que fazer
com ele. Estou magoada, me sentindo abandonada, não por ele ter ido para seja lá aonde for,
mas por sequer responder as malditas mensagens e decido não abrir, mas decido deixar o
envelope ao lado na minha cama como prova da sua atitude egoísta e todos os dias, antes de
dormir, eu olho para o seu nome escrito naquela caligrafia ruim e masculina e choro de
saudades, frustração e de raiva. A partir dali, eu começo a receber uma carta por semana e, por
mais doentio que pareça, eu anseio por cada uma delas apenas para empilhá-las uma em cima
da outra. Nunca as abro. Para mim é como se, ao ignorá-las, eu possa causar nele o mesmo
sofrimento que causa em mim. Doentio, né? Eu sei, mas não me julgue, eu sou uma garota
apaixonada e abandonada.
As coisas com meu pai se acertam gradativamente. Depois que Pete vai embora, eu jogo
toda a culpa em cima dele, o culpo por tê-lo mandado embora. Temos uma briga horrível e ele
fica chocado quando percebe o que fez, me promete falar com ele e resolver tudo, mas os dias
passam e, por mais que eu espere, Pete não volta para mim.
Surpreendentemente passo a maior parte das minhas noites na casa do meu pai, finjo para
mim mesma que é porque não quero estragar o momento feliz que minha mãe está vivendo,
afinal ela merece, mas na verdade, lá no fundinho, eu quero ficar aqui porque tudo nessa
mansão me lembra Pete: desde a sala de TV, a piscina e até mesmo a sala branca e,
principalmente, a cozinha... Eu o vejo em cada canto desse lugar e, para mim, estar aqui é
relembrar o quanto eu amei cada momento que passamos juntos: seu jeito engraçado de
“curtir” lavar uma louça, a maneira como ele me provocava e eu sempre caía, sua risada
gostosa, os beijos roubados que ele me dava enquanto todos estavam na sala de jantar.
Uma noite, eu e Diana estamos na sala de TV assistindo Uma Linda Mulher pela quinta vez
quando ela começa a falar:
— Quando o Tito fez 14 anos começou a trabalhar em uma oficina mecânica. — Ela acaricia
meus cabelos esparramados em seu colo. — Eu não queria, mas ele sempre foi muito
determinado e teimoso, então ele foi. A princípio, eu não entendia o que estava fazendo, já que
ele continuava sem dinheiro e com as mesmas roupas, perguntei se ele estava se envolvendo
com algo errado e foi quando me disse que estava juntando dinheiro. — Suas mãos macias
deslizam por meus cabelos e eu sei que aquele gesto é tão importante para ela quanto para
mim. — Aos 18 anos, ele já tinha o suficiente para começar a faculdade, mas Henrique estava
muito doente, e sabíamos que o seu tempo conosco estava acabando. Tito não foi para a
faculdade, e passou a se dedicar exclusivamente ao irmão, ele se negou a sair de perto do Rick
desde então. Era ele quem fazia tudo pelo irmão. — Seus olhos estão marejados e me vejo
prendendo o ar ao imaginar o tamanho do amor de Pete por aquele garoto. — Tito aprendeu
com o Rick a amar carros antigos, e sua maior paixão era o Maverick. Para realizar o sonho do
irmão, ele pegou todas as suas economias e comprou o carro que o irmão tanto queria. —
Diana sorri em meio às lágrimas secando as últimas que caem de seus olhos, me levanto para
ouvi-la melhor. — Eu quase infartei quando vi aquele ferro velho na minha garagem, sabe como
é, nós mulheres nunca conseguimos entender o fascínio que os homens têm por carros antigos,
não é?
Concordo com a cabeça incapaz de desfazer o nó na minha garganta.
— O carro era velho demais e precisava de tanta coisa, coisas muito caras, mas “era um
original”, segundo Rick me dizia com uma alegria sem sentido — ela imita a voz do filho e sorri.
— Houve um mutirão em nossa garagem e por três meses minha casa parecia uma oficina
mecânica cheia de garotos sujos e barulhentos e, enquanto a saúde de Rick piorava, Pete, os
meninos do bairro e os mecânicos da oficina trabalharam dia e noite naquela lata velha até que,
um dia, ele finalmente ficou com uma aparência decente. Naquele dia, Tito pegou Rick nos
braços, colocou ele no carro e saíram, eu quase morri do coração, observando os meus meninos
naquela coisa barulhenta enquanto todos que trabalharam nele aplaudiam e gritavam o nome
de Rick. Foi o dia mais feliz da minha vida, ver a rede de apoio que eles tinham e tudo o que o
Tito fez por ele. Quando Henrique voltou para casa, ele parecia tão normal e feliz. — Ela baixa
os olhos, com as palavras atropelando em sua garganta, difíceis de sair. — Quando vi o sorriso
nos lábios de Rick e o brilho nos olhos de Tito, eu entendi tudo. Foi só naquele dia que eu
descobri quem era o Peterson de verdade. — Diana segura minhas mãos e olha dentro dos
meus olhos. — Meu filho ama com uma intensidade pouco comum nos dias de hoje, ele coloca
a necessidade de quem é importante para ele acima da sua, porque ver quem ama feliz é o que
o faz feliz. Foi assim quando comprou aquele carro para o Henrique, foi assim quando entrei em
depressão, e ele aceitou ir a terapia só para ficar comigo. Foi assim quando ele viu Ricardo
sofrendo por não saber lidar com a situação de vocês e agora com você não está sendo
diferente.
Esforço-me para fazer as palavras deixarem minha garganta:
— Mas eu não estou feliz, Diana, não desse jeito que as coisas estão. Ele me deixou.
— Não, ao contrário. Ele está lutando por vocês, ele é assim, sempre foi, impulsivo,
desorganizado, às vezes faz as coisas erradas para conseguir as certas, mas sempre, sempre em
prol do bem-estar de quem ele ama.
— Será, Diana? Será que ele me ama tanto assim?
— Não duvide disso, minha querida, eu o conheço e sei que só existem duas coisas nessa
vida para quem ele olha daquele jeito: você e aquele carro velho e barulhento.
Naquele dia, meu coração se encheu de esperanças. Diana, a mulher que tanto odiei, tem
sido meu porto seguro no momento em que mais preciso. E por incrível que pareça, eu
descubro que posso amá-lo ainda mais.

As semanas se tornam meses, e eu decido que preciso tocar a minha vida, eu ainda o
espero, mas, conforme o tempo passa, a esperança diminui em meu peito, a única coisa que me
faz acreditar que ele ainda não me esqueceu são as cartas que não param de chegar. Uma por
semana, todos os meses.
Matriculo-me em um curso de moda, que me mantém muito ocupada grande parte do dia,
tento pela quinta vez me matricular em uma academia, mesmo sabendo que vou desistir na
primeira gota de chuva que cair do céu, eu preciso usar meu tempo livre em algo mais além de
pensar em Pete e na falta que ele me faz. E mesmo assim ainda me sinto vazia.
Naquela tarde, Giovana me arrasta ao shopping. É aniversário do Pedro e ela quer comprar
algo bacana para ele. Depois de rodarmos por todas as lojas disponíveis, Giovana finalmente
entra em uma loja famosa de roupas masculinas. Estamos entretidas em decidir qual a cor de
camisa que combina com a calça quando Giovana me puxa pelo braço.
— Luana... por acaso, aquilo é mesmo o que eu estou vendo? — Ela aponta para a foto de
um rapaz que está na parede. Ele usa um terno italiano muito bem ajustado em seu corpo
magro e alto, a camisa está com o colarinho aberto mostrando um pouco da sua pele dourada,
as mãos nos bolsos, os cabelos uma desordem, totalmente em contraste com o traje tão
clássico. Lindo, elegante, charmoso e muito sedutor. Seria apenas uma foto como tantas outras
que estão espalhadas em cada loja de moda masculina... se não fosse por um detalhe: seu
sorriso, com direito a curva e tudo.
Apoio-me no balcão tentando colocar o ar para dentro do pulmão enquanto olho para ele,
como se ele pudesse me olhar de volta.
— O que diabos o Pete está fazendo ali? — Giovana pergunta. — E por que ele tá tão gato?
— Porque ele é gato, Giovana, só você ainda não percebeu.
Passo os olhos em toda a loja até que encontro um catálogo, cheio de fotos de Pete.
Apesar de eu ter certeza de que é ele, há algo estranho naquelas fotos, falta algo nele que eu
não consigo distinguir, até que finalmente descubro: seus olhos estão tristes, apagados, não há
o mesmo brilho que me encanta, são olhos vazios e isso destrói o meu coração.

O quinto mês passa voando.


Depois daquele dia em que o vi no catálogo da loja, entrei no site da agência de Paulo e
encontrei várias fotos de Pete lá, dezenas delas, uma mais linda que a outra, de todas as
formas, de todos os ângulos, em preto e branco, com o sol iluminando seu rosto, no escuro, em
cada uma delas eu encontro um Pete diferente, mas em todas ele mantém o mesmo olhar
daquela foto da loja: triste e vazio.
Há uma em particular que eu amo: nela, ele está usando sua camiseta listrada favorita, os
cabelos sempre rebeldes estão espalhados por todos os cantos, como se tivessem vida própria,
as pontas parecem um pouco mais claras, combinando com seus olhos de topázio amarelos. Ele
parece pensativo, tão bonito, que permaneço um tempo olhando para ele. Imprimo a foto e
colo em cima da minha lista de coisas a fazer antes dos vinte. Ao lado da pilha de cartas
intactas.

Acordo cedo aquele dia, hábito que incorporo em meus fins de semana também, preparo
uma pequena mala e vou para a casa de meu pai, mas antes tenho que passar em um lugar, há
um item da minha lista que eu preciso fazer.
Jackson, primo do Pedro, me aguarda com uma excitação no olhar, que me deixa assustada
e ansiosa. Ele me acomoda em uma maca e se senta ao meu lado. O sorriso em seus lábios
combina com seu rosto tatuado, o piercing parece ter vida própria em seu lábio e meu pai o
mataria se o visse assim tão próximo de mim munido daquele equipamento de tortura. Não
consigo imaginar o que Pete fará, e um sorriso surge involuntariamente quando o imagino
louco de ciúmes.
— Onde vai ser? — Jackson pergunta com sua voz grave.
Abro o zíper da minha calça e desço ela até meu quadril me sentindo um pouco intimidada
por aquele homem me ver apenas de lingerie.
— Bem aqui — respondo com a voz firme e corajosa.
O sorriso de Jackson aumenta me contagiando.
— Garota, vai ficar foda!
— Eu sei que vai — falo orgulhosa de mim mesma.
Meia hora e algumas lágrimas depois, eu estou sorrindo igual uma boba enquanto olho
meu pequeno troféu ainda avermelhado em minha pele.
— Ah, meu Deus! Ficou linda! — Levanto-me da cama e vou até o espelho admirar o
excelente trabalho de Jackson.
— Só acho que deveria ter feito maior — ele diz enquanto coça a barba e guarda os
objetos.
— Acho que está perfeita assim.
Despeço-me de Jackson e saio sentindo uma ardência gostosa na região direita do quadril,
mas com o peito explodindo de alegria.
Mentalmente faço uma anotação na minha lista, mais um item concluído.
Acordo antes mesmo do despertador, mas fico na cama de olhos fechados relembrando as
aulas de direção no amigão. Em seguida, levanto e tomo um banho bem quente para tentar
relaxar os meus músculos, que insistem em ficar tensos, me troco e quando estou pronta ouço
alguém bater na porta.
— Filha, posso entrar?
Sorrio ao ouvir sua voz.
— Claro, papai.
Ele entra de mansinho, fechando a porta e vindo em minha direção, há olheiras profundas
em seus olhos e ele está nitidamente cansado.
— O senhor precisa parar de trabalhar tanto — digo ao beijá-lo. Ele se senta ao meu lado
puxando a minha mão e segurando-a com as suas.
— Algumas coisas não mudam nunca, querida.
Deito minha cabeça em seu ombro sentindo os meus nervos relaxarem um pouco com a
sua presença.
— Nervosa?
— Um pouco.
— Não vou falar para você não ficar nervosa, porque isso é impossível. — Ele acaricia as
minhas mãos enquanto fala: — Eu tenho certeza de que vai dar tudo certo, você treinou
bastante e eu vi você dirigindo o Maverick. Quem consegue dirigir aquele carro, consegue
dirigir qualquer um.
Ele me dá um sorriso tentando me animar, mas a simples lembrança do amigão já faz o
meu peito apertar. Sinto sua falta, quase tanta quanto do seu dono.
— Obrigada, pai.
— Pete vai ficar orgulhoso quando souber — ele diz sorrindo.
— Não quero falar sobre ele hoje.
— Sabe, na primeira vez que vi vocês dois juntos, brigando naquela cozinha, eu percebi
algo diferente. Na época, eu não compreendia, mas hoje eu sei. É claro que ele se apaixonaria
por você e tão certo como o nascer de um novo dia que você se apaixonaria por ele. Eu que fui
um tolo e não percebi isso a tempo. Ainda me arrependo de cada uma das palavras que disse
aquele dia, e mesmo que ele já tenha me perdoado, eu ainda não me perdoei.
— Eu te amo.
— Eu também. — Ele me beija e se levanta me estendendo a mão. — Agora vamos, vou te
levar para o teste.

— Aaaaah, eu não acredito!


O telefone está a uma distância segura do meu ouvido e eu ainda consigo ouvir Giovana
gritando.
— Eu sabia, eu sabia...
Eu apenas sorrio feliz por ter finalmente passado enquanto Giovana grita.
— Quando é que vamos sair pra comemorar? — Ela está eufórica e sinto falta desse lado da
Giovana. Desde que começou a faculdade, ela quase não tem tempo para nada.
— Eu estava pensando na semana que vem. Na terça é meu aniversário e eu queria
comemorar tudo de uma vez, o que você acha? — sugiro, já planejando.
— É uma ótima ideia, vai chamar quem?
Duas horas depois, o que era para ser apenas uma comemoração simples se torna uma
bela festa à beira da piscina. Culpa da Giovana, claro!

Na terça, a piscina está toda decorada com luzes em sua volta, mesas espalhadas por todo
o jardim, a casa de jogos aberta e uma música alta embala os convidados que jogam bilhar
enquanto outros se aglomeram em volta do bar pegando seus drinques, que são preparados
por bartenders que meu pai fez questão de contratar.
Giovana está grudada em Pedro desde a hora que chegou. Alex, que está de passagem pelo
Brasil para assuntos profissionais, passa grande parte do dia em um papo muito interessante
com uma garota que eu não conheço, mas de quem já ouvi falar, e muito. É a garota de Búzios e
me pego sorrindo para eles. Ela é bonita, de um jeito simples, seus longos cabelos castanhos
parecem iluminados de alguma forma, como se luzes naturais tivessem sido colocadas ali pelo
sol. Sua pele é bronzeada e isso me lembra Pete. Odeio-me por pensar nele, mesmo depois de
tanto tempo. Alex olha para a garota de um jeito que me faz saber que é alguém especial e fico
feliz por meu amigo. Ele finalmente está apaixonado.
A festa dura o tempo necessário para que eu perceba que ainda não estou curada, ou
talvez eu não seja mais a mesma menina agitada de antes que adorava sair e posar de
patricinha, talvez eu tenha mesmo mudado, talvez seja a idade. Aos dezenove, não sei se todas
as garotas se sentem assim, mas eu me sinto mais madura, mais realista e pé no chão. Sei que a
vida não é fácil, que nem tudo sai como planejado e que nem sempre aquilo que parece
horrível realmente é, mas que precisamos passar por momentos ruins para darmos valor aos
que realmente importa.
A festa já está no final, apenas Giovana e Pedro estão esparramados em uma poltrona
namorando à luz do luar enquanto os últimos garçons arrumam tudo. Eu me despeço de Alex e
de longe avisto a garota encostada em sua moto.
Alex se aproxima, com as mãos enfiadas em seus bolsos.
— Ela é especial, galã? — pergunto sentindo uma pontada de ciúmes por saber que estou
perdendo mais uma pessoa que amo.
Ele desvia o olhar segurando a minha mão e balança a cabeça.
— Não sei, Luana, ainda é cedo. Não quero me machucar, mas o que temos é algo muito
intenso, não sei explicar.
— Eu sei exatamente o que é isso. — Coloco minha mão em seu ombro apertando-o. —
Acho que essa não é apenas uma garota, ela é “A” garota.
Alex sorri e olha para trás antes de me responder:
— Se eu tivesse que escolher alguém para entregar meu coração, eu gostaria que fosse ela.
Olho de volta para ela e noto algo triste em seu olhar.
— Você é importante para ela, galã. Eu vi na forma como ela te olhava durante a festa.
— Ela também é para mim. — Ele olha para trás, na direção da garota. — Mas é
complicado, temos um longo caminho pela frente. As coisas não são fáceis com ela.
— Então caminhem jutos, um ao lado do outro, e faça valer a pena.
— Eu vou fazer, prometo. — Ele se aproxima, puxando meu rosto para si e dá um beijo
longo em minha testa. — E você, também faça valer a pena.
— Eu vou sim.
— Feliz aniversário. — Alex me abraça e se vai levando consigo sua misteriosa garota.
Continuo na porta olhando ele ir embora, sorrio sabendo exatamente a sensação deliciosa
de estar ao lado de alguém que amamos, e tentando não pensar em quanto tempo mais eu
precisarei esperar para me sentir assim de novo.

Tem dias em que a saudade bate mais forte, e em dias assim eu desejo que ele sinta o
mesmo que eu. A saudade é tão grande que sinto como se fosse um órgão extra em meu corpo,
que vive ao lado do coração, pulsando com a mesma batida e, às vezes, a dor é tamanha que se
torna difícil respirar.
Três noites após meu aniversário, estou particularmente agitada. Já passa das três da
manhã e não consigo dormir, talvez seja pelo fato de que eu sei que ele está de volta. De
acordo com Diana, ele chegou de Milão hoje à tarde.
De Milão!
Rolo na cama a noite inteira, assisto uma temporada de um seriado novo sobre
adolescentes na escola, estou faminta e decido ir à cozinha comer algo. Não acendo a luz e, ao
passar pela sala, tropeço em uma mesinha que eu tinha certeza de que não existia até esse
momento.
— Droga de mesinha! — esbravejo enquanto aliso minha canela que lateja com a pancada.
Um abajur se acende no canto da sala me fazendo dar um grito.
— O que você acha de acender a luz? Facilita bastante a vida de garotas atrapalhadas como
você.
Minha boca se abre, mas nada sai dela, meu coração dispara e sinto meu corpo tremer,
mas não é de ansiedade ou medo e sim de saudade. Saudade daquele rapaz provocante que
sorri para mim.
— Pete? — Minha voz sai fraca e trêmula.
— Em carne e osso. — Ele balança a chave do meu apartamento entre os dedos e sorri,
aquele sorriso... aquele que tanto senti falta, aquela curva na bochecha, aquele cabelo
bagunçado nos olhos, aquela voz... Está tudo ali bem na minha frente, com direito a calça de
pijama e tudo mais, como se nada tivesse acontecido, como se os últimos meses não tivessem
passado, como se tudo tivesse sido apenas um sonho ruim.
— Não te ensinaram que não se deve entrar assim na casa dos outros? — pergunto
sentindo minha voz trêmula.
— Já, da pior forma possível, mas sou teimoso e não aprendo fácil.
— Isso se chama burrice.
— Eu discordo.
Forço-me a dizer algo, mas não consigo e continuo ali parada olhando para ele, buscando
algo, talvez a mudança que eu temia que tivesse acontecido, a fama e o glamour que poderiam
tê-lo mudado, o contato com aquelas modelos lindas, o assédio das agências... tremi ao
imaginar ele com outras meninas e rezei a Deus para que Diana estivesse certa: “Pete não se
deixa levar por essas coisas. Quando ele tem um objetivo em mente, ele vai até o fim”.
— Você voltou — falo finalmente.
— Eu voltei. — Ele se levanta e vem até mim, lentamente, como se temesse que eu fugisse,
com seus lábios apertados e as mãos nos bolsos. — Eu disse que voltaria.
— É, você disse.
— Senti tanto a sua falta — ele diz ao se aproximar sem me tocar.
— Foi a sua mãe quem te mandou aqui? — pergunto sentindo medo do que ele irá dizer.
— Não, eu vim porque era onde eu queria estar. — Pete se mantém a um passo de
distância. — Porque era com você que eu queria estar, mas não precisa me perdoar se não
quiser. Se me pedir para ir embora, eu vou; se não quiser me ouvir, eu vou compreender. Eu
estou aqui para receber o que você tiver para me dar.
— Eu sei.
— Eu não vim antes porque estava ocupado, eu precisava fazer algumas coisas muito
importantes.
— Coisas importantes? O que pode ser mais importante do que ver a garota que você
deixou para trás?
— Eu tenho tanta coisa pra te falar, eu sei que o que eu fiz não foi legal, mas... eu precisava
ir embora.
— Ir embora? Você fugiu de mim — digo e ele abaixa os olhos sem coragem de me encarar,
esfregando o rosto com as mãos. — Depois de fazer amor comigo, de dizer que me amava.
Você acha que isso tem explicação? — Minhas palavras saem tão carregadas de mágoa que me
surpreendo ao perceber que tinha tudo isso guardado dentro de mim.
— Eu sei, mas não menti, nada do que disse aquele dia foi mentira eu só não podia
continuar daquele jeito. Precisava ser um homem digno de você. Eu precisava fazer algo por
nós.
— Digno para quem? — pergunto mesmo que eu saiba qual é a resposta. — Quem disse
que você não era um homem digno? Com certeza, não fui eu...
Sua expressão se desmancha, mas ele não me interrompe, ele sabe que eu preciso falar.
— Quem disse que eu precisava disso que você foi buscar? E por que teve que ir para tão
longe e me largar aqui completamente sozinha?
— Eu fui porque era a única maneira de conseguir o que eu queria em tão pouco tempo.
— Pouco tempo? Foram quase seis meses, Pete? Pra mim foi uma eternidade.
— Eu sei que você está brava, mas eu preciso que me entenda.
— Achei que éramos um casal — digo e sinto raiva por não conseguir esconder minhas
emoções. Ele não merece que eu sinta tanto.
— Nós somos...
— Não — o interrompo. — Não somos, pois casais decidem as coisas juntos, conversam,
planejam. Casais não fogem e deixam uma maldita carta de despedida! — grito as últimas
palavras e ele continua me olhando como se já estivesse preparado para tudo isso.
— Por favor, me perdoa. — Seus dedos tocam levemente meu braço e me afasto quando
sinto meu corpo inteiro se arrepiar.
— Acho que não vai ser tão fácil como imaginei que seria. Te vendo agora aqui na minha
frente, percebo que estou mais magoada do que imaginava. — Cruzo meus braços na frente do
meu corpo tentando me defender. — Eu achei que dava conta de um relacionamento com um
cara complicado como você, mas não dá, pra mim não dá. Você chegou ontem e, em vez de vir
até mim, foi fazer sabe-se lá o quê.
— Luana, não tire conclusões precipitadas.
— Não são precipitadas, eu tive seis meses para concluir que não sou assim tão importante
para você.
— Não diga bobagens, Luana.
— Vá embora, por favor. — Desvio o olhar para a porta porque está doendo olhar para ele,
há um misto de sentimentos dentro de mim e, nesse momento, a mágoa por ter sido deixada
para trás está ganhando. — Eu não tenho condições de conversar agora, estou muito magoada.
Pete se aproxima, lentamente, como um felino se aproximando de sua caça, seduzindo-a
antes de atacá-la.
— Não me mande embora — ele sussurra, sua voz se desmancha em meus ouvidos. — Por
favor, não faça isso conosco... Não me mande embora, Luana, porque eu não vou.
Suas mãos encontram as minhas, seus dedos tocam minha pele, se entrelaçando aos meus
de uma maneira íntima e natural, um formigamento conhecido começa em meus dedos e logo
se espalha pelo restante do meu corpo. Ele me puxa para perto e roça o nariz na lateral do meu
rosto me fazendo perder todas as forças.
— Eu juro que você não saiu da minha cabeça um minuto sequer — ele continua e fecho os
meus olhos quando sinto as lágrimas pinicarem eles. — Eu pensei em você a cada maldito dia
da porra da minha vida. — Seus dedos sobem e descem por meu braço, me torturando, e tudo
o que desejo é não ser tão afetada por seu toque.
— Para com isso, Pete — sussurro incapaz de aumentar o tom da minha voz.
— Não...
— Por favor... — choramingo vencida por meu coração traiçoeiro, que ameaça fugir do
meu peito.
Pete enrosca sua mão em meus cabelos, erguendo meu rosto, seu nariz junto ao meu, seus
lábios roçam nos meus e me afasto soltando nossas mãos e indo para o meu quarto, ainda sem
saber o que fazer.
— Aonde você vai? — ele pergunta na porta do quarto enquanto começo a tirar o meu
pijama e colocar uma roupa.
— Já que você não vai embora, eu vou. — Calço um sapato qualquer enquanto ele me olha
pacientemente.
— Você não as abriu? — Ele aponta para a pilha de cartas em minha mesa de cabeceira e
me arrependo por não as ter jogado no lixo.
— Não — respondo secamente enquanto pego minha bolsa. — Se quiser pode levá-las de
volta com você.
Passo por ele igual um furacão, agarrada a minha bolsa enquanto decido se devo pegar um
táxi ou dirigir.
— Luana, não seja infantil. — Ele caminha em minha direção.
— Infantil? — Dou meia-volta e o encaro. — Tem certeza de que sou infantil? O que me diz
de alguém que simplesmente desaparece na calada da noite?
— Por favor, pare com isso. Vamos conversar como adultos.
— Não quero mais te ouvir.
Passo a mão nas chaves e no meu celular e saio de casa batendo a porta e sentindo meu
coração descompassado, chamo o elevador e apoio minha cabeça na parede enquanto tento
me acalmar. Um segundo depois, a porta se abre e Pete sai.
— Foda-se se você não quer me ouvir, vou falar mesmo assim. — Sua calma parece
finalmente desaparecer. — Vou falar sem me importar se alguém vai ouvir a porra da nossa
conversa ou se vou soar ridículo. Vou falar porque voei por quase vinte e quatro horas, passei
um dia de cão tentando fazer o que planejei durante todos esses malditos meses e vim até aqui
para falar isso pra você e não adianta bater o pé ou fazer birra, porque vou falar essa porra de
qualquer jeito.
— Então fala! — grito irritada no meio do corredor exausta de lutar contra os meus
próprios sentimentos e desejando que ele tenha realmente um bom motivo para ter me
deixado aqui por seis meses.
— Eu te amo, cacete! — ele diz, como se precisasse se livrar dessas palavras
imediatamente, tento fingir que não sou afetada por elas, mas elas agem como um dardo
acertando em cheio o meu coração. — Eu te amo demais. Porra, eu te amo tanto que senti
medo. Aquela noite, depois de tudo o que seu pai disse, eu não consegui dormir, apenas olhei
você a noite inteira enquanto pensava em uma maldita maneira de fazer isso entre nós dar
certo. — Ele balança o dedo entre nós enquanto troca o peso de uma perna para a outra. — Eu
estava angustiado e pensava: “Porra, o que eu tenho para oferecer para essa garota? Que
espécie de homem eu sou?”. Eu senti uma coisa tão forte aqui dentro. — Ele massageia o peito
como se estivesse sentindo alguma dor e dá um passo em minha direção. — Eu queria ter algo
para te dar, queria ser um cara melhor.
— Melhor pra quem? — pergunto enquanto sinto meu corpo inteiro tremer à medida que
ele se aproxima de mim.
— Para você, para o Ricardo.
— Deus do céu! Meu pai de novo? O que eu preciso fazer para você entender que eu não
dou a mínima para o que meu pai pensa?
— Mas eu dou. — Ele bate no peito e não consigo compreender essa sua obsessão em
agradar o meu pai. Ah, Pete, se você soubesse o quanto ele te ama... — Sou um homem, Luana.
Apesar de estar perdido quando te conheci, eu sou um homem e precisava provar para o
Ricardo que sou digno de ter você.
— Peterson, não estamos em um romance do século XVIII, isso aqui é a vida real. Se eu
quisesse agradar o meu pai, estaria com o Alex. Será que você não entendeu ainda? — Coloco
meus indicadores ao lado da minha cabeça enquanto falo, tentando explicar, pela milionésima
vez, para ele, que não me importa o que meu pai pensa.
Pete balança a cabeça como se eu estivesse tentando fazê-lo entender física quântica.
— Talvez eu seja mesmo do século XVIII, você mesma vive dizendo que não sou desse
mundo, que sou antiquado e esquisito, talvez seja isso. Eu queria fazer a coisa certa, queria ser
digno, queria provar que posso ser o cara e fiz o que foi possível para ser.
— Você fez a única coisa que não devia, foi embora sem nem ao menos perguntar o que eu
achava sobre tudo isso.
A essa hora da madrugada, o edifício está adormecido, e o silêncio que fica quando
termino de falar é insuportável, ele faz com que os meus sentimentos se tornem tão altos que
me sinto surda. Pete não diz mais nada, ele me observa por um instante e percebo o momento
em que decide que não há mais o que argumentar, ele entra de volta em meu apartamento e
volta um pouco depois com minhas cartas na mão.
— Talvez, se você tivesse ao menos aberto essas malditas cartas, saberia de que porra
estou falando. — Ele passa por mim e coloca as cartas em minhas mãos. — Pode jogá-las fora,
elas já não têm mais valor. — Ele aperta o elevador e a porta se abre quase que imediatamente.
Pete entra, nossos olhares se encontram enquanto as portas se fecham levando-o para longe
de mim.
Sento-me no corredor sentindo o peso de suas cartas em minhas mãos e meu coração
bater. Olho uma a uma as cartas que ele me mandou durante todo esse tempo. Vinte e sete
cartas tremem em minhas mãos, enquanto eu toco as letras e relembro o que ele disse.
Talvez, se você tivesse ao menos aberto essas malditas cartas, saberia de que porra estou
falando.
Abro a primeira carta da pilha, a última que recebi alguns dias atrás. Em uma folha de papel
está tudo o que eu precisava para entender o que ele queria esse tempo todo.

“Saudade... acho que essa palavra não define mais o que sinto por você, acho que nem ao
menos existe tal palavra. Estou voltando para você, não me importo se você não me quer mais,
eu sempre voltarei para você. Sempre.
Te amo, muito mais do que quando parti e muito menos do que sei que vou te amar.
Por favor, não desista de mim.
Seu Pete.
27. Envelhecer ao seu lado.”

As lágrimas caem, pesadas e um soluço rasga minha garganta, pego a última carta, a
primeira que recebi e a abro.

“Moranguinho,
Estou escrevendo essa carta ainda no avião, não faz nem vinte e quatro horas que fui
embora e já sinto como se não fosse conseguir passar nem mais um minuto longe de você. Essa
porra dói no meu peito e acho que encontrei um sentimento que odeio mais que o medo: a
saudade.
Não consegui pregar o olho e tudo o que penso é em você e o quanto eu ferrei nosso
relacionamento, me perdoa, mas eu não sei fazer de outro jeito.
Falta duas horas para chegar a Nova York, estou indo atrás do nosso futuro, tô nervoso pra
caralho e a única coisa que me acalmou foi fazer uma lista. Sim, Moranguinho, eu fiz uma lista,
a minha lista de coisas que quero fazer com você, eu só espero que meus planos deem certo.
Te amo.

LISTAS DE COISAS A FAZER DO PETE:

1. Me tornar um cara digno de ser seu.”

Abro uma a uma as cartas que estiveram ao meu lado durante todo esse tempo. Em cada
uma havia um item de uma lista. Em cada uma sinto meu peito doer, meu coração quebrar e
meu amor se fortalecer.

“23. Dizer eu te amo todas as noites.”


“21. Tirar seu vestido de noiva.”
“10. Te fazer feliz.”
“24. Ter filhos com você.”
“16. Te ver dormir.”
“5. Te pedir em casamento.”

Leio, um a um, seus 27 desejos, um para cada semana que ele passou longe de mim e me
vejo sorrindo com a simplicidade e a força de cada um deles, eu estou em todos. Eu sou todos
eles e isso faz com que eu me levante, decidida a ir atrás dele. Mas, antes que eu possa me
mover, a porta do elevador se abre e Pete surge com os olhos avermelhados e a expressão
confusa de quem não sabe o que fazer.
— Eu... Porra... Eu só preciso... — Ele esfrega a mão nos cabelos, puxando-os, enquanto
tenta não olhar para mim e para a pilha de cartas abertas no chão ao meu lado. — Eu esqueci
minhas chaves.
— Essas cartas... — Ergo a que está na minha mão e ele a olha como se não soubesse do
que estou falando. — Todas elas, essa lista.
— Eu te disse. — Ele enfia as mãos nos bolsos da calça e inclina a cabeça para olhar para
mim. — Mas você parece nunca acreditar em mim.
— Ah, Pete... — Corro ao seu encontro largando todas aquelas declarações de amor no
chão e me jogo em seus braços, ele dá um passo para trás segurando meu peso e me erguendo
em seu colo.
— Porra, Luana... — ele sussurra em uma expressão de alívio enquanto me abraça com
força.
— Eu te odeio... — falo entre lágrimas enquanto envolvo sua cintura com minhas pernas e
enrosco minhas mãos em seus cabelos. — Eu te odeio por ser tão complicado, eu te odeio por
te amar tanto.
— Eu estava com saudade até disso. — Ele sorri e sinto meu coração explodir de felicidade.
— Diz que me perdoa... — ele exige afastando seus lábios dos meus quando tento beijá-lo. —
Eu preciso saber que você me perdoa.
— Eu te perdoo... É claro que eu te perdoo.
Sua boca me ataca, e eu o recebo com o desespero de seis meses separados. Agarro seus
cabelos o puxando para mais perto, mas é impossível saciar o meu desejo nesse elevador, sua
boca me consome, me devora, é selvagem, bruto, sensual. Ele me aperta como se desejasse
fundir nossos corpos, eu mal consigo respirar e não sei ao certo se quero.
— Porra, Moranguinho, você é a garota mais difícil do mundo — ele diz, ofegante e então
me beija novamente e eu o beijo também.
Foi em um elevador que a magia aconteceu, como nos filmes de Hollywood, foi quando o
beijei pela primeira vez e tenho certeza de que apenas em um elevador eu seria capaz de
descobrir que não existe outro, em Orlando ou em São Paulo, falando português ou inglês, ele
sempre será o cara certo, o único capaz de me fazer sentir viva apenas com um beijo.
São dez e meia da noite e eu não tenho ideia de onde ele está me levando, Pete rói o que
resta das suas unhas, está ansioso, acordou cedo e, apesar de ter ficado o dia inteiro comigo,
ele está distante.
— Tem certeza de que está tudo bem? — pergunto pela milionésima vez, ele responde
pela milionésima vez que sim e, pela milionésima vez, eu não acredito. Estamos em um círculo
vicioso.
Ele se aproxima de mim, acaricia meu rosto e sinto meu corpo inteiro responder ao seu
toque, ainda estou um pouco cansada da noite anterior, fizemos as pazes e matamos nossa
saudade no sofá, no corredor, no banheiro, na cama. Pete afirmou que estará com saudades de
mim para o resto da vida e estou bem com isso.
— Sabia que eu tenho uma tara por beijos em elevadores? — pergunto enquanto minha
mão escorrega por dentro de sua camiseta e sinto seu corpo enrijecer.
— Luana... — ele me repreende e me estico na ponta do pé para morder o lóbulo de sua
orelha o fazendo ofegar. — Não me provoque... Estamos em um elevador... Não serei capaz de
parar.
— Então não pare.
Pete me dá um sorriso sacana antes de me empurrar na parede fria do elevador, cravo
minhas unhas em suas costas enquanto sou transportada para outro elevador a milhares de
quilômetros de distância, sou beijada de uma maneira erótica e gemo quando sua boca desce
por meu pescoço e sua mão começa a percorrer minha pele, pousando em meu seio ainda
dolorido pela noite anterior, me seguro em seus ombros quando sou erguida do chão e minhas
pernas envolvem seus quadris.
Ele chupa meu pescoço, mordisca meu ombro e fala coisas sacanas, me perco em seus
braços e tenho a impressão de que vou morrer quando a porta do elevador se abre, é o Seu
Norberto e sua esposa Marilda, os moradores do segundo andar. Salto do colo de Pete e me
escondo em suas costas com a sensação de estar vivendo um déjà vu, com a diferença de que
agora são os próprios anjos do Apocalipse, que nos olham como se fôssemos adoradores do
diabo. Apoio a cabeça nele e posso ouvir seus batimentos cardíacos acelerados enquanto ele
cumprimenta o casal, que não responde.
Quando chegamos ao térreo, Pete me puxa pela mão se despedindo do casal com toda a
elegância e cara de pau do mundo sem se importar se será respondido ou não, eles encaram o
chão o tempo todo, mas eu sei que, assim que o sol apontar no horizonte, o síndico já terá uma
versão atualizada e cheia de detalhes sobre a cena de fornicação que eles presenciaram no
elevador. Como se não bastassem as câmeras de vigilância.
Acho que minha mãe vai me matar.

Assim que entramos no amigão pergunto aonde ele está me levando, mas Pete não me diz,
é uma surpresa e o que me resta é esperar. Rodamos por cerca de meia hora, até pararmos em
uma rua movimentada. Ele está excitado e sorridente, e eu amo a forma como o sorriso não sai
do seu rosto durante todo o tempo ou como a sua mão está sempre me tocando.
Assim que chegamos, tenho a sensação de que todos já estavam nos esperando, Pete
cumprimenta algumas pessoas antes de entrarmos em uma arena enorme onde um locutor
grita em seu microfone e, quando me dou conta de onde estamos, não consigo evitar a
empolgação em minha voz.
— Pete, você me trouxe em uma luta? — grito em seu ouvido e ele se encolhe. — Ah, meu
Deus! Isso aqui é uma luta de verdade!
Pete gargalha enquanto me segura pela cintura com uma mão e com a outra abre
passagem entre as pessoas e nos leva a um assento numerado.
— Temos uma aposta, lembra? — ele diz em meu ouvido com a voz mole e rouca que amo
tanto.
— Temos? — pergunto enquanto começo a me recordar da noite em que assistimos uma
luta juntos. — Ah, meu Deus... nós temos...
— Sim, e você vai perder e vai ter que me pagar. — Ele pisca para mim enquanto arregaça
as mangas da sua camisa listrada. A minha favorita.
— Então era isso? — Aponto para o local lotado de expectadores que aguardam o início da
luta. — Esse era o motivo para você estar tão ansioso hoje?
— Também — ele diz e começa a digitar algo no celular enquanto observo em volta
empolgada.
— Isso é incrível.
— Você ainda não viu nada. — Ele segura minha mão, entrelaçando os nossos dedos, e me
olha com tanto carinho que sinto meu coração parar de bater. O locutor chama nossa atenção.
Sorrio sentindo a vibração do ambiente me contagiar e começo a dar pulinhos na cadeira
tamanha a minha empolgação.
— Obrigada.
— Não me agradeça, espero que tenha dinheiro, porque vou ganhar de você essa noite e
vou arrancar até sua calcinha. — Ele empurra meu ombro e mal consigo parar de sorrir.
— Sem chance, Peterson, escolha seu lutador e se prepare para me ver ganhar, vou te
deixar só de cueca.
— Espero que cumpra essa promessa. — Ele pisca e aponta para o ringue vazio.
— Esquerda ou direita? Seja rápido. — Estalo os dedos fazendo com que ele gargalhe, eu
adoro o som da sua gargalhada, ela me deixa louca de vontade de beijá-lo. — Vamos logo, Pete,
antes que eles entrem.
— Ok, esquerda — ele se rende.
— Está preparado para perder? — pergunto ainda agitada pela adrenalina.
— Desde que não seja você, sim. — Ele olha para mim, com seus olhos amarelos cheios de
amor e ternura, seu sorriso se desfaz e sinto o meu coração diminuir o ritmo até que finalmente
para.
Sinto-me flutuar ao som daquelas palavras enquanto os gritos aumentam a nossa volta nos
trazendo de volta ao lugar onde estamos. Vemos o primeiro lutador entrar no ringue, é o meu,
alto e forte, com braços musculosos e uma barriga de dar inveja a muito rato de academia,
sorrio satisfeita e confiante.
— Ganhei! — Dou um tapa na barriga de Pete enquanto admiro o meu lutador. — Não tem
como aquele cara apanhar. — Aponto para o ringue. — A não ser que o adversário seja o Hulk.
Pete sorri. E seu sorriso ilumina minha vida, ele está feliz. Eu estou feliz.
— Adoro quando você fica convencida, é quase tão sexy quanto quando fica brava comigo
— ele sussurra em meu ouvido sem se importar com o que digo.
Outro grito chama nossa atenção e vejo o lutador dele entrar no ringue. O cara é alto,
ainda mais alto que o meu, mas é bem mais magro e meu sorriso se torna ainda maior.
— Sem chance, Peterson — dou um gritinho de animação e ele gargalha novamente.
— Eu já ganhei, Moranguinho — ele diz e seu olhar diz muita coisa, mais do que eu sou
capaz de absorver.
As pessoas à nossa volta começam a se agitar e a luta, enfim, se inicia, mas não me importo
mais quem será o vencedor, minha atenção está voltada ao rapaz de cabelos ondulados e
desarrumados sentado ao meu lado, observo ele se erguer para acompanhar a luta, seus olhos
captam cada movimento, as mãos cruzadas na boca aumentando o grito cheio de palavrões que
são proferidos ao seu lutador, os braços apoiados nas pernas envoltas naquela calça mostarda
que ainda odeio enquanto seus cabelos caem no rosto. A luta dura cinco rounds, Pete estava
certo, meu lutador é pesado e lento enquanto o dele é ágil e leve e vence a luta. Ele se levanta
dando um grito de guerra e erguendo o punho no ar de uma maneira sexy e masculina.
Ele se vira para mim com uma alegria contagiante e me puxa para um beijo bruto que me
surpreende.
— E aí, perdedora, pronta para dar o meu prêmio? — ele pergunta com os lábios ainda nos
meus.
— Talvez.
Ele retira o celular do bolso e digita algo. Seus dedos estão trêmulos e ele morde o lábio
inferior. Pete se aproxima me puxando para perto e sussurra em meu ouvido:
— Me desculpe a demora em voltar para você, mas eu era um homem com um objetivo
muito alto para alcançar.
Olhamos para o letreiro juntos quando todo o lugar se apaga e uma luz se acende em cima
do painel luminoso e algo surpreendente acontece. Há uma frase, pequena, simples, mas é a
frase mais importante da vida de duas pessoas que se amam, a frase que mudará a minha vida
para sempre e a frase que, de acordo com Giovana, eu jamais responderia na minha vida.

“Moranguinho, quer casar comigo?”

Coloco minhas mãos na boca sentindo as lágrimas caírem em meu rosto, o local está em
silêncio e noto uma luz voltada apenas para nós dois, Pete está parado na minha frente com as
duas mãos no bolso e um olhar suplicante.
— Por favor, Moranguinho, não me faça ajoelhar aqui na frente de mil pessoas. Apenas
diga sim ou não e acabe com o meu sofrimento.
Balanço a cabeça, a princípio sem saber ao certo o que estou fazendo, mas à medida que as
pessoas gritam e assobiam, minha ficha cai.
— Você tem certeza? — pergunto encarando seu rosto quase sem cor.
— Por Deus, eu nunca tive tanta certeza em toda a minha vida. — As palavras saem
nervosas de seus lábios.
— Então é sim... Ah, meu Deus, sim, sim, eu quero.
Ele me pega nos braços me beijando enquanto somos aplaudidos e ovacionados por todos
à nossa volta; e, quando o beijo termina, ele apoia sua testa na minha e fala:
— Obrigado por me ajudar a realizar um dos itens da minha lista.
— Pode contar comigo.
— Isso é só o começo, Moranguinho — ele diz enquanto coloca uma mecha do meu cabelo
atrás da minha orelha. — Eu quero muito mais, tenho uma lista enorme para realizar.
— Será um prazer ajudá-lo a realizar cada um deles.
Quantas garotas no mundo podem dizer que foram pedidas em casamento, pelo cara que
conquistou em um elevador do outro lado do mundo, em uma luta? Se existe mais alguma, eu
tenho certeza de que ela é uma garota de muita sorte, assim como eu.
Assim que me aproximo da cozinha sinto o cheiro de comida fresquinha, o barulho de
pratos e uma risada conhecida. Está tudo estranhamente normal, tudo voltou ao seu lugar, a
casa está novamente cheia de cor, luz, alegria. Cheia de Pete.
Passamos a tarde ensolarada na piscina, papai e Pete se revezam entre uma partida de
sinuca ou um jogo de cartas, Diana lê um romance de época e eu durmo metade do dia estirada
em uma das cadeiras.
— Mais alguns minutos nessa cadeira e você vai virar oficialmente um morango.
Abro os olhos com dificuldade, Pete está encobrindo o sol, sentado ao meu lado,
completamente molhado, sua pele fria pela água da piscina causa arrepios em meu corpo
quente.
— Você está me deixando com frio — digo enquanto observo sua pele dourada iluminada
pela luz do sol.
— E você está me deixando com calor — ele me provoca passando um dedo em meu
braço. — Muito calor.
Olho em volta à procura de meu pai e de Diana, mas estamos aparentemente sozinhos.
Ainda não contamos para eles que fui pedida em casamento, ainda é estranho estar ao lado de
Pete na frente do meu pai e da sua mãe, de mãos dadas. Estranho...
— Estou com saudades — ele diz, seus olhos percorrendo meu corpo.
— Eu também. — Entrelaço nossas mãos. — Morrendo de saudades.
Pete se inclina e me beija, seus cabelos molhados salpicam água em meu rosto enquanto
seu corpo úmido toca o meu.
— Hoje à noite temos um compromisso — ele diz entusiasmado ao se afastar e dar mais
uma conferida em meu corpo.
— Temos? — pergunto curiosa. — Ah, meu Deus, é o nosso casamento?! — brinco
colocando uma mão no meu peito.
— Engraçadinha. — Pete sacode seus cabelos em minha barriga me fazendo encolher
enquanto ele ri. — Quero você deslumbrante.
— Você está muito misterioso, Peterson.
— Eu sou misterioso. — Seu sorriso lindo e confiante me deixa zonza.
— E lindo.
— E apaixonado — ele completa. — Quero vê-la de novo — ele sussurra com a boca em
meu ouvido enquanto seus dedos roçam o tecido do biquíni em meu quadril me fazendo rir. —
Puta merda, eu acho que nunca vou me cansar de vê-la.
— Pete, aqui não! — Olho em volta quando ele abaixa meu biquíni expondo minha
tatuagem para quem quiser ver.
Pete levou um susto quando viu minha pequena homenagem na noite em que fizemos as
pazes. Eu estava ansiosa para que ele a visse desde o dia em que a fiz e, no momento em que
ele tirou minha roupa, notei a surpresa em seu olhar. Ele se apoiou no braço esquerdo e passou
os dedos levemente pela minha pele me fazendo estremecer.

— O que é isso? — ele falou enquanto tocava o desenho.


— Uma tatuagem — respondi e seu silêncio me deixou nervosa. — O que foi? Você não
gostou?
— Não é isso, desculpe, eu só que... — Ele passou uma mão nos cabelos bagunçando-os. —
Eu só... fiquei nervoso.
— Por quê?
— Por quê? Eu tive tanto medo de que você me odiasse, que quisesse me esquecer... Achei
que tinha perdido você e, então, você fez isso. — Ele roçou os lábios na minha pele beijando a
tatuagem. — Puta merda, você tem ideia de que isso aí é permanente, Luana?!
— Claro que tenho, Pete. — Sorri ao ver o brilho em seus olhos.
— Era isso que você queria? — Ele ergueu a cabeça para me perguntar. — Que eu fosse
permanente em sua vida?
Olhei para o morango vermelho que abrigava a letra P em minha pele e respondi:
— Sim, é exatamente isso que eu quero.
Ele se afastou ainda me observando, umedeceu os lábios à medida que um sorriso largo e
debochado, com direito a covinha e tudo mais, surgiu.
— Isso é a coisa mais sexy que já vi na minha vida. — Sua voz saiu rouca.
— Pete, é só um morango, um minúsculo e ridículo morango. — Sorri envergonhada com o
tamanho da tatuagem e o exagero dele.
— Não é não, é um minúsculo e ridículo morango com a letra “P”, o que torna ele meu
minúsculo e ridículo morango e eu achei ele a porra do minúsculo e ridículo morango mais lindo
e sexy do planeta.

Dou um tapa em sua mão colocando o meu biquíni no lugar.


— Controle-se, Pete!
— Ah, você quer bater em mim? — Seus olhos amarelos estão radiantes como duas
pequenas réplicas do sol. — Então vamos ver quem bate melhor.
Pete se levanta e, quando percebo suas intenções, saio correndo em direção a casa, mas
não consigo ir muito longe, seus braços me envolvem me erguendo do chão.
— Pete, não faça isso! — ameaço.
Ele não se importa e continua me carregando mesmo depois de espernear e tentar me
desvencilhar dele.
— Pete, não! Por favor, não faça isso.
— Para de me bater senão eu vou começar a te bater também.
— Você não se atreveria. — Assim que termino de falar sinto um tapa estalar em minha
bunda. — Peterson, você me bateu? — Ergo-me em seu colo tentando olhar para ele, mas tudo
o que consigo ver é seu ridículo short de abacaxi.
— Eu avisei — ele diz enquanto caminha em direção à piscina.
— Me solta agora, Pete, isso não é engraçado! — grito quando vejo que nos aproximamos
dela.
— Moranguinho, fecha a boca! — ele grita e então caímos dentro da água gelada, Pete me
puxa para si enquanto afundamos e me beija, um beijo rápido, apenas com nossos lábios se
tocando enquanto subimos.
— Seu filho da p...
— Olha a boca, Moranguinho! — Ele coloca um dedo em meus lábios me impedindo de
falar. — Eu disse que precisava me refrescar.
Pete emerge da água chacoalhando seus cabelos e sorrindo, sua alegria é contagiante e
depois do susto inicial, me pego sorrindo também, ele me puxa para um beijo e me sinto
completa por poder estar em seus braços. Espalmo minha mão em seu peito, bem em cima da
tatuagem em homenagem ao irmão, admirando a linda mandala pulsando com as batidas
fortes de seu coração, como se tivesse vida própria, ela é circulada pela frase: “Fortes são
aqueles que transformam em luz o que é escuridão”, e traduz exatamente aquilo que ele é. A
luz na vida de todos que o amam.

Às sete da noite, acordo depois do que deveria ter sido uma soneca, ao olhar para o meu
lado noto um envelope no travesseiro e não posso evitar a onda de pânico que me domina. Fico
alguns instantes apenas olhando para ele sem coragem de abrir. E se for outra carta de
despedida?
Não tenho tempo de pensar, uma batida em minha porta me chama atenção, ela se abre e
Diana entra acompanhada do meu pai, ambos muito bem arrumados e me olhando como se eu
fosse um espantalho.
— Luana, você não está pronta ainda? — meu pai pergunta olhando para o relógio. —
Vamos nos atrasar desse jeito e odeio chegar atrasado no Clark’s, depois temos que aguardar
uma eternidade.
— Clark’s? Mas não estou sabendo de nada e por que vamos ao Clark’s?
Diana se aproxima tocando o envelope que está ao meu lado na mesa de cabeceira.
— Pelo jeito, você não leu o convite. — Seu sorriso me deixa desnorteada.
— Que convite? — pergunto confusa.
— Esse.
Olho para o envelope sem entender nada, abro-o e encontro um convite formal para um
jantar no Clark’s e na parte de trás há um recadinho, que diz:

“Minha Moranguinho,
Estou ansioso para receber o meu prêmio.
Esteja linda, te amo.
Seu Pete.”

Esteja linda? Releio o recado, em seguida releio o convite. É para um jantar com reserva de
mesa para a próxima meia hora!
— Ah, meu Deus! — grito dando um pulo da cama. — Diana, estamos atrasadas!
Saio correndo para o closet enquanto meu pai continua a reclamar. Diana vem atrás de
mim, correndo e perguntando se pode me ajudar.
Pete me quer linda e eu só tenho dez minutos para conseguir isso.
Puta merda!
Como é difícil deixá-la... Acho que sempre será assim. Mesmo depois de casados, eu vou
sentir essa sensação de perda ao me afastar dela. Um sorriso idiota não sai dos meus lábios
desde que ela aceitou minha proposta maluca. Foi arriscado, eu sei, mas eu precisava tentar e
deu certo. Minha mulher! Um dia, ela será a minha mulher e eu serei o idiota apaixonado mais
feliz do mundo.
Eu havia planejado isso durante meses e agora não faço a menor ideia do que dizer, nem
mesmo o que fazer, parece ser uma péssima ideia e estou começando a ficar com raiva de mim
por ser tão idiota.
Na verdade, desde aquela noite em que a deixei sozinha, eu nunca mais fui o mesmo,
tomar a decisão de ir embora foi quase tão difícil quanto enterrar Henrique, ele partiu e não
tive escolha, não dependia de mim, precisava deixá-lo ir, já Luana eu deixei porque achei que
seria o melhor para nós dois. Talvez ela tenha razão, eu poderia falar com Ricardo e ele
aceitaria nosso namoro, com certeza me arrumaria um emprego em sua empresa. Ele até
tentou me fazer mudar de ideia, não só uma, mas dezenas de vezes, eu sei que talvez desse
certo, mas as palavras dele me assombrariam para o resto da minha vida e eu não iria ficar em
paz.
E por isso eu parti.
Eu precisava conquistar as coisas por mim mesmo, foram os seis meses mais longos da
minha vida, os dias se arrastavam naquela cidade congelada e eu odiava o meu trabalho. Esse
lance de modelo é uma merda, mas traz dinheiro rápido e não sei por que diabos as pessoas
gostam de mim.
Tudo começou quando Ricardo me indicou para o Paulo, uns três anos atrás. Eles
precisavam de um cara com as minhas características para uma campanha de moda de praia e
eu precisava de grana, então aceitei. Foi fácil, fiz as fotos, agarrei umas gatas e ainda recebi um
bom cachê para isso. Heloísa, a sócia de Paulo, gostou de mim e me convidou para o casting,
aceitei, mas não acreditei muito na proposta, sempre achei esse lance de modelo esquisito e
não queria essa vida para mim.
Quando conheci Luana estava terminando uma temporada e estava decidido a não fazer
mais trabalho de modelagem. Aí surgiu o bico como guia de turismo na Disney e decidi que,
assim que cumprisse a promessa de ajudar Ricardo a reconquistar a filha, passaria um tempo
viajando. Estava tudo certo para a minha viagem à América Latina, mas quis o destino que eu
adoecesse, voltasse para o Brasil e me apaixonasse pela filha chata, linda, mimada e
terrivelmente sexy do Ricardo, e meus planos de viajar com minha mochila nas costas foram
por água abaixo.
Eu nunca me liguei em grana, nunca tive vontade de criar raízes em lugar algum, sempre fui
um cara do mundo, talvez por não querer me apegar a nada que um dia pode ir embora. Então
sempre fui eu e minha mochila, até Luana surgir como um meteoro na minha vida e então
minhas prioridades mudaram, eu precisava de grana e rápido, mesmo que para isso tivesse que
voltar a fazer o que eu mais odiava na vida. Então aceitei a proposta que Justin me fez e fui para
Nova York. Seria a alavancada para a minha carreira de modelo. Muitas fotos e alguns desfiles
de passarela depois, eu tinha cinco trabalhos me aguardando e um contrato cheio de zeros para
dois anos de exclusividade com uma marca italiana cheia de frescura que gostou de mim.
Eu viajaria o mundo tirando fotos em lugares exóticos e o melhor, ganharia muito dinheiro
para isso. Tem coisa melhor? Pois é, para qualquer um seria o trabalho perfeito, mas para mim
não.
Não aceitei, Justin quase me matou, me deu mais uma semana para pensar, mas eu não
precisava pensar, eu já tinha o suficiente para o que eu queria e não aguentava mais a dor em
meu peito por ter deixado a minha Moranguinho sozinha naquela cama.
— Pete, você vai acabar com a sua carreira se fizer isso — Heloisa argumentou em seu
escritório.
Agradeci por tudo e me despedi, comecei a sair daquele escritório cheio de fotos de
pessoas todas iguais, corpos perfeitos, rostos expressivos e olhares vazios. Com toda certeza, eu
não queria ser mais um rosto ali naquela multidão, eu queria ser único, para a única pessoa que
realmente importava.
Voltei para o Brasil com a grana que eu precisava e uma vergonha imensa por ter aberto o
meu coração para a dona da agência. Acho que nunca vou me perdoar por ter sido tão cafona
naquele dia, graças a Deus que não preciso mais olhar na cara da Heloisa, mas naquele dia eu
estava tão desesperado para sair dali que nem me importei em ter soado como ator de novela
mexicana, mas confesso que já dei muita risada relembrando a cena. Luana jamais saberá, isso
acabaria com todo o meu charme bad boy...
— Senhor, sua mesa já está pronta. — A hostess se aproxima me trazendo de volta à
realidade.
Sigo a garota até a mesa que reservei, mas não consigo me sentar, minha mão está gelada,
começo a achar tudo brega demais. Pedir a garota que amo em casamento em uma arena de
luta foi fichinha perto do que estou fazendo aqui e começo a ter dificuldades para respirar,
tenho que me conter para não sair correndo e estragar tudo, mais uma vez.
Rezo para que, ao menos, Luana goste disso tudo porque eu não estou acreditando que
vou gastar uma grana preta só para impressioná-la.
O espaço é pequeno, as mesas a minha volta estão ocupadas, uma mulher de uns 35 anos,
que está na mesa ao lado, me dá um sorriso tranquilizante, como se soubesse o motivo do meu
nervosismo. Talvez ela saiba, eu tenho certeza de que está estampado na minha testa. Assinto
levemente e olho no relógio, eles estão dez minutos atrasados, começo a sentir uma sensação
ruim e decido me sentar para não chamar mais atenção, e é quando paro de respirar. A hostess
caminha em minha direção trazendo consigo as pessoas mais importantes da minha vida,
Ricardo fala gesticulando exageradamente carregando minha mãe ao seu lado. Então, eu a vejo.
Deixei um recado para ela pedindo para que estivesse linda essa noite, como se não
estivesse todos os dias, mas ela levou a sério e está deslumbrante. Luana usa um vestido azul
que se move sensualmente quando caminha sorrindo para mim, lembro do pequeno morango
que ela carrega elegantemente em seu quadril e tenho que me conter para não passar
vergonha ao me levantar... Porra, essa garota me leva à loucura mesmo!
Respiro fundo, arrumo a camisa, passo a mão no meu cabelo e me lembro que preciso
cortar um pouco antes que eu seja confundido com um leão. Me levanto, secando as mãos na
calça e sentindo meu coração parar de bater ao ver a mulher da minha vida se aproximando.
— Oi. — Minha voz é uma vergonha e engulo em seco quando ela sorri para mim.
— Quem é você? — ela pergunta olhando para a minha roupa.
— Um homem bregamente apaixonado.
Ela ri e o som da sua risada faz meu coração voltar a bater.
Acho que nunca me arrumei tão rápido na vida!
Claro que a ajuda de Diana foi fundamental, sem ela eu não seria capaz de encontrar nem a
porta de saída da casa.
O caminho até o Clark’s foi uma tortura, imaginei mil e uma coisas que poderiam
acontecer, era um jantar de noivado, só podia ser. Passamos algum tempo idealizando o nosso
futuro e sentia a cada instante que aquilo era a coisa certa a fazer, eu o amava e queria ficar ao
seu lado e a alegria estampada em seus olhos diziam que ele queria o mesmo.
Eu estou nervosa, minhas mãos estão geladas e, quando a hostess nos acompanha pelo
salão e avisto Pete sentado em uma mesa afastado, sinto meu coração fraquejar. Ele está lindo,
na verdade está estranhamente lindo, usando uma calça social preta muito bem ajustada em
seu corpo e uma camisa clara com os primeiros botões abertos dando um charme todo
especial, lindo de morrer.
Lembro a primeira vez que o vi assim, em uma loja de roupas masculinas, e senti a mesma
sensação. É quase outra pessoa, admito que prefiro o Pete com suas calças esquisitas e suas
camisetas puídas, mas, quando me aproximo e sinto seu delicioso e familiar aroma de limão,
me sinto em casa novamente.
— Oi. — Ele aparenta estar muito nervoso e tenho vontade de rir.
— Quem é você? — provoco tentando aliviar a tensão.
— Um homem bregamente apaixonado.
Rio com seu comentário. Embaixo de toda essa roupa linda e sexy ainda está o meu Pete,
lindo, descabelado e sem nenhum jeito para questões amorosas.
Papai o cumprimenta quebrando o nosso clima e Diana se aproxima para abraçá-lo e dizer
o quanto ele está lindo. Pete nos convida a sentar e puxa a cadeira do seu lado para que eu me
sente. Logo os garçons chegam com os menus e bebidas, tudo perfeitamente coordenado como
sempre, mas eu posso perceber o desconforto de Pete o tempo todo, papai comenta o quanto
gosta desse lugar e tenho que concordar, o Clark’s definitivamente é um lugar especial para
minha família.
— Os meus outros convidados estão chegando — Pete diz ao se levantar novamente, olho
para a entrada e avisto minha mãe e Gláucio entrando.
— Mas... eles não estavam em um congresso? — pergunto ao meu pai sem entender o que
fazem aqui.
— Aparentemente não — meu pai responde com um sorriso estranho.
— Ah, minha Moranguinho... Você não sabe mesmo do que sou capaz.
Pete pisca para mim e sinto o nervosismo da situação me atingir. Isso é mesmo um jantar
de noivado! Com direito a família inteira reunida.
Ah. Meu. Deus!
Mamãe me dá um abraço apertado ao se aproximar, e cumprimenta Pete como se fossem
velhos amigos. Jantamos todos juntos, estranhamente em harmonia. Conversas triviais regam o
jantar e a minha ansiedade é evidente, eu estou uma pilha de nervos quando Pete finalmente
fala:
— Como todos sabem, eu me ausentei por seis meses, foram seis meses importantes para
mim. — Ele me olha sorrindo antes de continuar: — Meses que me ajudaram a repensar o que
sou e o que quero ser daqui para a frente, a criar minha lista de prioridades e lutar por aquilo
que quero. Não sou mais um cara sem destino, sem rumo, hoje sei o que quero para o futuro,
hoje penso em um futuro. — Ele volta a me olhar e desvio o olhar encarando os meus pais, que
admiram o rapaz que está ali abrindo seu coração para eles. — Sei que não foi a maneira mais
correta de fazer as coisas, mas foi o meu jeito de fazer, e hoje estou aqui reunido com todos
vocês, a quem agradeço muito por tudo o que fizeram por mim durante esses seis meses.
Agradeço a Ana Paula, por ter ficado de olho na minha menina e feito com que as minhas cartas
chegassem a ela. Valeu, sogrinha! — Pete pisca para a minha mãe e olho para ela sem acreditar
que ela fez parte disso. — Agradeço a minha mãe por ter me encorajado, por ter segurado a
minha onda quando achei que estava indo longe demais e por não ter desistido de mim.
— Nunca desistirei de você — Diana diz quando Pete segura sua mão.
— E sempre serei grato a você, Ricardo, por ter me recebido de braços abertos quando
achei que ia me matar, por ter me dito que sua casa sempre estará aberta para mim e por fazer
a minha mãe feliz, você é a minha inspiração todos os dias.
Meu pai baixa o olhar quando a emoção toma conta dele e fico sem palavras ao olhar para
cada um deles e saber que, mesmo quando achei que estava tudo perdido, eles sempre
estiveram lá por mim, como uma família deve fazer.
— E hoje me sinto capaz de fazer o que vim fazer, que é pedir a mão de sua filha
oficialmente em casamento.
O mundo para, observo cada um dos rostos: o sorriso de Diana, a emoção nos olhos de
minha mãe, a alegria de Gláucio e o orgulho nos olhos de Pete. Olho para o meu pai, tentando
imaginar o que ele está pensando de tudo isso, com medo do que ele será capaz de falar, afinal
de contas nós mal nos conhecemos, mas não me importo com o tempo, ele é insignificante
diante do que sentimos um pelo outro.
— Durante seis meses, você se esforçou para provar para mim algo que eu sempre soube
desde o dia em que você surgiu em minha vida, meu filho — meu pai começa a falar e o rosto
de Pete começa a ficar rosado. — No dia que você me disse que me ajudaria a reconquistar
minha filha, eu soube o grande homem que você era. Não me surpreendo que ela tenha se
apaixonado por você, ela sempre foi uma garota que gosta do melhor, e você, Tito, é o melhor
homem que ela poderia conhecer. Obrigado por me trazer as duas mulheres mais importantes
da minha vida. — Meu pai olha para a Diana e eu olho para a minha mãe. Ela pisca para mim
enquanto seus olhos marejados são secados pelas mãos gentis de Gláucio, ela está feliz e, se ela
está bem, eu estou bem também.
Olho finalmente para o Pete, meu noivo, o homem da minha vida; e, nesse momento,
percebo que eu tenho a família mais estranha e maravilhosa do mundo e eu a amo exatamente
do jeito que ela é.
Pete dirige calmamente pelas ruas da cidade, com uma mão no volante do amigão; e a
outra, acariciando meu cabelo e me deixando irritada, até que explodo.
— Como você pode ficar assim tão feliz? — pergunto com um tom acusatório na minha
voz.
— E por que eu não ficaria? — Aquele sorriso, que parecia ter sido colado em seus lábios,
está me deixando profundamente irritada.
— Eu vou embora. — Minha voz sai chorosa.
— Você não vai embora, Moranguinho, só vai ficar um tempinho fora. Realizar mais um
item, lembra?
Ele toca meu joelho acariciando minha pele e causando arrepios indesejáveis para o
momento e eu olho para a carta em minhas mãos.
— Eu não quero ir — choramingo feito criança e recebo um beijinho. É a segunda vez que
estamos tendo essa conversa e Pete, que não perdeu a paciência da primeira vez, parece que
também não perderá agora.
— Você deve ir, Luana, é o seu sonho.
— E quanto a nós? Como vamos ficar?
— Juntos para sempre, lembra? — Pete me puxa para deitar a cabeça em seu ombro e
continua: — Vai dar tudo certo, Luana, são só dois anos.
— Só, Pete?
— Vamos nos ver sempre que possível, não vai ser tão terrível assim. Ainda podemos fazer
sexo por telefone. — Ele olha para mim daquele jeito debochado.
— A gente já fez e eu ainda prefiro sexo de verdade.
— Podemos inventar novas modalidades de sexo a distância — ele brinca. — Vai ficar tudo
bem, Moranguinho — ele fala sério quando vê que não consigo entrar na sua brincadeira. — Eu
prometo que vou te amar tanto que você vai enjoar de mim.
— Sabe que isso é impossível, não sabe? Eu jamais vou me enjoar de você.
— Assim espero, para sempre é tempo pra cacete.
Meu coração está em frangalhos e, mesmo com suas provocações, eu sei que ele também
está apreensivo. Aquilo que sempre sonhei a minha vida inteira havia se tornado o meu maior
pesadelo. Fui aprovada para o curso que tanto quis em uma das melhores escolas de moda do
mundo, o problema é que essa escola fica em Nova York a milhares de quilômetros de distância
dele.
Pete se esforça por nós dois, ele diz estar orgulhoso de mim e me acompanha em todo o
processo desde a inscrição até a escolha do apartamento onde morarei nos próximos dois anos.
Ele também me enche de orgulho, trabalha incansavelmente no projeto da sua futura
oficina mecânica de restauração e estilização de carros antigos, que ele conseguiu com a grana
que ganhou nos meses de modelagem. O sonho de Henrique está finalmente se realizando
pelas mãos do irmão e está ficando lindo. É um projeto audacioso e Pete está muito
empolgado, fico impressionada com a sua dedicação e, mesmo com nosso tempo juntos
limitado, sei que ele está feliz.
Preciso acreditar no que ele diz, no fim tudo vai dar certo!

Dizer que me separar de Pete é fácil seria a maior mentira da minha vida.
Não é nada fácil, na verdade é a coisa mais difícil que já fiz. Os dois meses de preparação
para esse dia são regados de muito amor, muitas lágrimas e declarações, eu estou arrasada e
Pete se mantém forte ao meu lado me incentivando sempre. Nada disso teria acontecido se
não fosse ele e sua determinação, foi ele quem não me deixou desistir, sempre ao meu lado,
me dizendo que tudo ficaria bem com sua voz mole e seu sorriso debochado.
Na noite que antecede minha viagem, ele está em meu quarto, sem camisa, deitado em
minha cama observando-me tentar arrumar a mala, com um sorriso irritante nos lábios
formando aquela curvinha que eu tanto amo... Simplesmente lindo.
— Qual é a graça, posso saber?
— Você.
Dou as costas para ele, bufando, e despejo tudo o que está em cima da penteadeira em
uma nécessaire, depois retiro as roupas das gavetas e coloco na segunda mala, que já está
ficando bem cheia.
— Luana são só dois anos, você não precisa levar tudo e, com certeza, vai querer comprar
coisas novas.
— Só dois anos, Peterson? — Jogo a pilha de camisetas na mala bagunçando tudo e vou
para o banheiro recolher as minhas coisas.
Dois anos... onde eu estava com a cabeça quando aceitei isso?
Dois anos longe das pessoas que amo, da minha mãe, de Giovana e dele, dois anos longe
do meu pai e de Diana.
— Ei, não fica assim. — Ele me abraça por trás mordiscando minha orelha. — Vai ficar tudo
bem, você vai ver, daqui a duas semanas eu estarei lá com você. — Ele distribui vários beijos
por meu ombro e sussurra em meu ouvido: — E estarei louco de saudades.
Olho para nós dois pelo espelho e sinto um nó se formando em minha garganta, sua
tranquilidade equilibra tão bem meu temperamento explosivo, sua maturidade me ajuda a
crescer, suas brincadeiras me fazem sorrir e seus beijos me tornam mulher. Pete me completa
em absolutamente tudo.
Viro-me para ele e deposito um beijo em seu peito, em cima de sua nova tatuagem. Ainda
me lembro a tensão e o medo que senti no dia em que ele decidiu fazê-la. Mesmo se cuidando
e tomando os remédios, eu quase implorei para que ele não se arriscasse, mas ele é teimoso
demais e não desistiu.
Não fui capaz de ficar com ele na sala, estava aflita demais para isso e, quando ele saiu de
lá com a pele avermelhada e inchada carregando em seu peito um coração com a palavra
“Strawberry” envolvendo-o, senti um alívio em saber que ele estava bem.
Não é um coração de amor, aqueles que a gente desenha em folhas de papel, claro que
não, é uma cópia de um coração de verdade, porque, de acordo com Pete, é ali onde eu estou,
pulsando e o mantendo vivo, e quando ele me disse isso eu chorei exatamente como estou
fazendo agora.
— Não quero mais ir — choramingo igual criança.
— Nem vem, eu já comprei minhas passagens e foram caras pra cacete. — Ele beija o topo
da minha cabeça e o abraço.
Eu já estou louca de saudades, e ainda nem saí do meu quarto.
Pete me ajuda a arrumar as malas, em seguida me carrega para a cama onde ficamos
abraçados em silêncio sentindo o calor e conforto nos braços um do outro. Depois de um
tempo, ele me encoraja a sair do quarto mesmo contra a minha vontade. Desço as escadas com
ele ao meu lado com seu tradicional bom humor. Exatamente como fizemos durante aqueles
dois meses em que eu acreditei que odiaria essas pessoas, mas que, sem perceber, fui tomada
por um amor tão grande que eu jamais serei capaz de explicar.
— Vamos, minha Moranguinho, você consegue, reaja! — ele fala próximo aos meus
cabelos.
Assim que chegamos à sala de jantar, todos estão à mesa nos esperando: papai, Diana,
minha mãe, Gláucio, Maria, Giovana e Pedro. Pete segura minha mão e me olha nos olhos, com
aqueles dois sóis intensos que iluminam a minha vida.
— Eu te amo pra cacete, Moranguinho — ele diz com o sorriso enorme iluminando seu
rosto.
— Eu também te amo.
Ele me dá um beijo, respiro fundo e me preparo para o último jantar daquela família
estranha e maravilhosa: a minha família.
Meu apartamento é pequeno, o espaço todo é menor que o meu quarto na casa do meu
pai, mas é só meu.
A primeira semana aqui em Nova York foi desesperadora, chorei todas as noites, sentia-me
sozinha e assustada. A seguinte foi um pouco melhor, mas ainda assim chorei. As coisas foram
melhorando à medida que minhas obrigações me arrastavam para fora da cama e me
obrigavam a encarar uma cidade estranha e gelada.
Pete apareceu no final do primeiro mês e cumpriu sua promessa, não saímos do
apartamento nem mesmo para comprar comida. Foi maravilhoso, mas, assim que ele foi
embora, o buraco que me deixou me fez ficar pior. Só quando Manuela veio passar parte das
suas férias comigo pude finalmente dizer que sorri. Passeamos por toda a cidade de Nova York,
fomos ao Central Park, assistimos uma peça, comemos hot dog (por sinal, aquilo é horrível,
onde foi parar o purê de batatas? E o vinagrete?) e admiramos os lindos e apressados
americanos, afinal de contas não sou cega, né?! Assim que ela se foi a tristeza voltou.
Falo com Pete e minhas amigas todos os dias, elas me atualizam das últimas fofocas; ele
me conta as novidades sobre a oficina, e me faz corar com as sacanagens que diz para me fazer
sorrir. Às vezes, as sacanagens se tornam mais sérias até que estamos ofegando ao telefone,
tudo tão triste, tão distante...
E assim se passaram os oito primeiros meses.
Hoje, acordo particularmente triste, minha campainha toca e atendo, é sábado e estou
limpando o apartamento, ou seja, estou toda desarrumada.
Abro a porta e dou de cara com o homem mais bonito que já vi na vida, loiro, de olhos
absurdamente azuis e dentes de comercial de pasta de dente (aliás, eu já disse que odeio
comercial de pasta de dente? Não? Outro dia, eu falo o porquê). Ele sorri assim que me vê e
tenho que desviar o olhar quando vejo a perfeição que é o seu sorriso.
— Oi — ele fala meio sem jeito.
— Oi — respondo tentando não parecer impressionada com sua perfeição.
— Sou seu novo vizinho, me mudei faz alguns dias e achei que seria legal me apresentar. —
Ele estende a mão e continua a falar com seu inglês lindo e perfeito: — Sou Joshua Campbell.
E dá mais daquele sorriso espetacular. Seguro a mão que Joshua me estende e falo em
inglês, aliás, agora eu tenho um inglês impecável:
— Prazer, Joshua, sou Luana Calzzavari.
Por ironia do destino acabo de conhecer o americano mais lindo do mundo, com um nome
belo e é meu vizinho, o único item da minha lista que ainda não se concretizou... no fim, não
beijei o americano que eu tanto queria, mas nada disso me importa mais, meu coração já tem
dono. E esse rapaz lindo parado na porta do meu apartamento poderia se o Ian Somerhalder
que, para mim, não faz diferença.
— Calzzavari — ele repete de uma maneira enrolada e bonitinha que me faz sorrir.
— Isso mesmo, sou brasileira, de origem italiana.
— Brasileira. Ah sim, uma linda brasileira.
Percebo todas as intenções incutidas em suas palavras e decido que é hora de cortar esse
assunto.
— Seja bem-vindo, Joshua. Cuidado com o cachorro da vizinha do 44 e não confie nas
promessas de Sam do 38. Se precisar de algo, pode me chamar ou pode bater na porta do TJ, no
fim do corredor, ele é bem bacana. Agora, se me dá licença, preciso entrar.
Ele fica um pouco confuso com a rapidez que o dispenso, mas fecho a porta antes de dar a
ele a oportunidade de se estender. Vou até o banheiro onde começo a fazer uma faxina,
quando a campainha toca novamente. Saio de luvas e escovão na mão para o caso de haver
necessidade de ser mais enérgica com o bonitão americano, mas, assim que abro a porta,
encontro outra pessoa me aguardando com um sorriso matador nos lábios.
— Nossa, que recepção! — Ele me olha dos pés à cabeça fazendo uma análise, que faz o
meu coração parar de bater. — Achei que merecia uma produção um pouquinho melhor, afinal
de contas viajei quase dez horas para chegar aqui.
— Eu estava prestes a esfregar esse escovão na cara de alguém.
— Eu posso ir ali matar aquele cara se você quiser. — Pete aponta para a porta do lado e
balanço a cabeça achando bonitinho ele fingir que não liga.
— Acho que não é uma boa ideia, isso aqui é os Estados Unidos da América e talvez eles
não compreendam as razões.
Ele entra me envolvendo com seus braços, jogando o esfregão longe e me puxando para
perto.
— Mesmo se souberem que sou um homem perdidamente apaixonado e morto de
saudades.
— Mesmo assim — respondo enquanto Pete fecha a porta com o pé e me apoia na parede
devorando meus lábios com um beijo cheio de saudades.
— Tem certeza de que não vou precisar matar aquele cara? — Ele mordisca meu ombro
enquanto percorre meu corpo com suas mãos.
— Pelo amor de Deus! Eu estou sendo beijada pelo meu noivo, acha mesmo que eu me
lembro de mais alguma coisa?
Ele sorri enquanto me ergue, envolvendo seu quadril com minhas pernas, e aprofunda o
beijo.
Não conseguimos chegar ao quarto, fazemos amor ali mesmo, apoiados na parede, com as
mãos dele me segurando, sensual e selvagem, exatamente como ele é.

No fim do dia, estou esparramada na cama exausta e feliz, Pete prepara um sanduíche de
queijo para mim e um para ele enquanto reclama da escassez de comida em meu apartamento,
comemos nos olhando e sorrindo um para o outro.
— Você ainda não conhece aquele objeto ali embaixo? — Pete pergunta assim que olha
para a minha pia.
Olho para a máquina de lavar louça e respondo:
— Conheço, mas quando estou com muita saudade de casa prefiro lavar, dizem que é uma
ótima terapia.
— Saudades? — Ele ergue uma sobrancelha enquanto questiona. — Então levanta essa
bunda daí e vem matar as saudades comigo, tem uma pia cheia de louça nos esperando.
Sigo suas ordens sem reclamar. Lavamos e secamos a louça enquanto conto para ele as
novidades sobre o curso e ele me conta sobre a oficina, é algo simples, talvez até tedioso para
muitas pessoas, mas, para nós, é o nosso momento de cumplicidade, onde as palavras fluem
com tanta naturalidade e leveza que me faz sentir vontade de chorar.
Enquanto admiro seu sorriso lindo, seus olhos de predador, seu rosto perfeito, eu me sinto
plena, não tenho mais dúvida sobre o que eu quero para mim, não é um carro novo, um
apartamento, ou uma viagem pela Europa, eu só necessito de uma coisa em minha vida e é esse
cara debochado, malvestido, descabelado e irritantemente belo com seu par de topázios
amarelos, que me engolem, enquanto me beija ao me entregar um prato lavado.

Pete passa uma semana comigo, passamos a maior parte do tempo na cama, e ele me leva
até a escola todos os dias. Caminhar de mãos dadas com ele pelas ruas de Nova York é
maravilhoso, ele combina tão bem com tudo isso, seu estilo excêntrico, suas roupas e a forma
como ele vê a vida.
No fim de semana, antes dele ir embora, a tristeza começa a me rondar. Estamos na cama,
contorno os desenhos de suas tatuagens, ele acaricia meus cabelos, acabamos de acordar e eu
ainda não tenho coragem de me levantar.
— Tenho uma coisa pra você. — Ele estende a mão e puxa a sua mochila, retirando de
dentro dela um pacotinho e me entregando.
— Feliz aniversário, Moranguinho.
Estou completando vinte anos e tenho em meus braços o melhor presente que eu poderia
querer: o homem da minha vida. Meu noivo.
— O que é isso? — Sento-me abrindo o embrulho curiosa e me deparo com uma folha de
papel em branco e uma caneta. — Não entendi, Pete.
— Para a sua lista de coisas a fazer depois dos vinte. — Ele beija o meu pescoço enquanto
acaricia a minha pele com a ponta dos dedos. — Vê lá o que vai colocar aí, hein.
Pego a caneta e o papel e penso em tudo o que vivi nos últimos dois anos, o que significou
fazer uma lista para mim e como ela guiou meus passos até ele. Se não fosse as ideias bobas de
uma garotinha de doze anos, eu não estaria aqui agora, nos braços dele, enquanto sou beijada.
Penso em tudo o que tenho e em tudo o que desejo e escrevo o único item que considero
importante para o meu futuro.
Entrego a ele o papel e vejo em seus olhos a satisfação de ver suas palavras sendo escritas
por mim, aquilo representa todos os outros desejos de sua própria lista. Eu quero tudo o que
ele quer e, no final, quero me deitar ao seu lado e saber que tudo valeu a pena.

LISTA DE COISAS A FAZER DEPOIS DOS VINTE:


Item único – Envelhecer ao seu lado.”
Dois anos depois...

Faz exatamente um mês que estou de volta ao Brasil e que estou enrolando para fazer isso.
Estou tão tensa que mal consigo me mover direito, tenho a sensação de que cada músculo do
meu corpo está engessado. Mas eu preciso seguir em frente. Preciso provar a mim mesma que
sou capaz de fazer isso. E, principalmente, preciso provar para ele que consigo.
Sozinha.
Tento não pensar demais, mas minhas lembranças relacionadas a carros sempre me levam
até o dia em que salvei sua vida. Ok, ok, eu sei que quase o matei, mas se eu não tivesse sido
corajosa e o levado ao hospital... enfim.
Um rapaz passa na rua, magro e alto, ele chama minha atenção, de fones no ouvido parece
apressado, camisa jeans e calça mostarda! Quem diria... o que um dia foi ridículo, hoje virou
moda para delírio do meu noivo, que sempre que pode diz: “Eu tenho bom gosto,
Moranguinho”. E eu fico como? Calada, claro, porque contra fatos não há argumentos. Só rezo
a Deus para que os homens não comecem a andar de kilt por aí.
Sim, ele realmente tem um kilt, xadrez, vermelho e preto, e o pior de tudo, o desgraçado
ficou lindo com aquilo. Uma camiseta branca desgastada, as mangas bregamente enroladas, o
maldito kilt caindo em seu quadril magro e aquela cara de cafajeste e pronto. Kilt havia se
tornado a coisa mais sexy da face da Terra.
Que ele nunca saiba disso!
Uma buzina me faz pular no banco, o semáforo abre e um homem nervosinho atrás de
mim ergue as mãos gesticulando exageradamente enquanto eu tento tirar meu lindo Smart
novinho em folha da sua frente.
Mesmo com as inúmeras tentativas do Pete de me convencer que era um desperdício de
dinheiro, meu pai me deu de presente o que eu tanto queria: um lindo, brilhante e vermelho
Smart.
Entendam, depois de dois anos vivendo em uma cidade onde existe uma estação de metrô
a cada esquina, eu simplesmente não treinei o suficiente para dirigir um carro grande. O amigão
então... nem pensar. Então, mesmo com a cara feia do meu namorado, que tentou de todas as
formas me fazer desistir, eu escolhi um Smart pequeno, lindo e superestiloso. Existe carro que
combina mais comigo do que ele? Tenho certeza que não.
Com o passar do tempo, eu aprendi a ignorar as provocações do meu namorado, logo ele,
dono de uma das mais procuradas e elogiadas oficinas de restauração da cidade de São Paulo,
que ostenta na parede do seu escritório uma capa da Veja e uma da Quatro Rodas com
matérias sobre restauração de carros antigos e uma página inteirinha dedicada ao amigão com
direito a uma foto linda dele sentado no capô do carro e um título que sempre me faz suspirar:
“Das passarelas da Itália para os motores antigos”. Logo ele não conseguiu me fazer desistir de
comprar esse carro.
— Moranguinho, você não pode fazer o Ricardo pagar uma fortuna em um carrinho de
boneca — ele disse sentado na ponta da mesa de seu escritório, os braços cruzados sob o peito,
aquela cara linda que ele faz sempre que eu o contrario, ou seja, sempre.
— Mas Pete... — Me aproximei envolvendo os braços em seu pescoço e ignorando sua
carranca. — Sempre foi o meu sonho. — Dei um beijinho em seu rosto sentindo a barba por
fazer me pinicar. — Está na minha lista de coisas a fazer depois dos vinte. — Dei um beijo em
seus lábios mordendo levemente o lábio inferior e senti ele se render a mim, ele sempre se
rendia quando eu o beijava dessa forma. — Lembra aquela listinha que você me ajudou a
fazer... — sussurrei covardemente em seu ouvido. Medidas desesperadas...
— Moranguinho... — ele me advertiu enquanto envolvia suas mãos sujas em volta da
minha cintura. — Tudo bem. Se você quer comprar um carro novo para a sua Barbie, não vou
impedir.
E foi assim que eu o convenci a ir comigo na concessionária buscar o meu Smart.
Não foi tão difícil assim, bastou alguns beijinhos e pronto, ele estava comigo na
concessionária vendo motor, desempenho, economia, enquanto eu decidia se queria meu
banco em couro preto ou bege. Escolhi o bege e me arrependi.
O nervosinho me ultrapassa e fala um palavrão que me faz encolher.
— Minha Nossa Senhora! Precisa ser assim tão mal-humorado? — grito com a cabeça para
fora. — Aposto que é inveja porque não tem um carro lindo igual o meu — completo para mim
mesma enquanto dirijo cautelosamente pelas ruas de São Paulo.
Estou um pouquinho atrasada para o meu compromisso. Marquei de encontrar Giovana na
loja de móveis, ela insiste em comprar cadeiras amarelas para o seu novo apartamento e
precisa de mim para ajudá-la. Tem algo a ver com feng shui. O problema é que Pedro havia dito
que se recusa a morar em um lugar onde ele terá que comer sentado em gemas de ovo cozidas.
Homens... Não entendem nada de estilo mesmo.
Olho para o relógio no painel e percebo que já passa das duas da tarde. Tudo bem, agora
eu estou bastante atrasada e isso se confirma quando o meu celular começa a tocar na bolsa.
E é quando tudo acontece.
Eu juro por Deus que eu não estava correndo, tenho certeza disso porque eu mal passei o
cruzamento quando me inclino só um pouquinho para pegar o aparelho dentro da bolsa que
toca sem parar ao som de Justin Bieber (ok, admito, eu estou completamente apaixonada por
essa música nova dele, mas quem não está? E em minha defesa...).
Um impacto me joga para a frente, com a força da batida solto o volante e o carro gira.
Minha cabeça bate com força no painel, fazendo com que eu quase perca a consciência.
Levanto meu tronco ainda sentindo como se houvesse um sino sendo tocado em meus ouvidos
e é quando percebo que estou em uma grande enrascada.
Acabo de bater no carro do nervosinho.
O tilintar das peças de metal se chocando umas nas outras é como música para os meus
ouvidos. O cheiro de óleo é reconfortante e sempre me senti em casa em meio a essa bagunça
organizada que é a restauração de um carro. É um trabalho minucioso encontrar a peça certa, o
tom original da cor, participar de leilões para arrematar aquele retrovisor... Restauração de
carros é como refazer uma obra de arte e realmente sou apaixonado por tudo isso.
Quase tanto quanto sou por ela.
Nunca quis me prender a nada nessa vida, a única pessoa que me importava de verdade
era a minha mãe e ela estava feliz ao lado do Ricardo. Sempre gostei da sensação de liberdade
que sentia ao chegar em um lugar novo e, quando tudo parecia se tornar familiar, eu
simplesmente arrumava as minhas coisas e partia. Essa foi a forma covarde como eu consegui
superar tudo o que a vida havia reservado para mim. Até que ela surgiu. Linda com aquela
calcinha de babados, aquela voz irritante e aquele jeito de menininha mimada.
Enfim, vocês já estão cansados de saber essa parte.
Luana entrou na minha vida como um furacão, me destruiu, tirou tudo do lugar e
encontrou meu coração debaixo dos escombros em que eu o deixei, ela o pegou nas mãos,
limpou-o de toda a amargura e o medo, o aqueceu e esperou até que ele finalmente voltasse a
bater. E ele voltou, em um ritmo novo, apenas para ela.
Aos poucos fomos nos tornando pessoas melhores, ela me apoiou no meu sonho de abrir a
oficina, eu segurei sua mão quando ela disse que estava com medo de ir embora do país.
Crescemos nesses dois anos separados fisicamente, amadurecemos e fortalecemos nosso
vínculo, algo que jamais imaginei que seria possível.
O amor é uma coisa incrível mesmo.
Agora ela está de volta e estamos nos preparando para o próximo passo. Estou ansioso
para isso.
O telefone toca e tenho que me esforçar para tirá-lo do bolso de trás da minha calça.
— Pronto — atendo embaixo do Dodge 1970 que estou trabalhando há dias.
— Pete — ela choraminga do outro lado da linha e sinto meu coração acelerar no peito.
— Luana? — pergunto mesmo sem precisar, eu reconheceria a sua voz manhosa no meio
de um show de rock. Saio de baixo do carro jogando a chave inglesa no chão. — O que houve?
— pergunto já indo em direção ao meu carro pegando no caminho uma flanela para limpar
minhas mãos e as chaves. — Você está bem?
— Pete, eu... — ela começa a chorar de verdade agora, para o meu desespero e tenho que
me apoiar no carro para poder me concentrar no que ela está tentando dizer. Por favor, Senhor,
que não seja nada grave.
— O que houve, Luana? — Coloco a mão no ouvido para poder compreender o que ela diz.
— Eu bati o carro... Eu acho que bati a cabeça e tem um cara aqui gritando comigo... — ela
diz enquanto funga como uma garotinha. — Eu não sei o que fazer.
— Luana, meu amor me escuta. — Tento parecer tranquilo, mas sinto que estou perdendo
a calma. Ela disse mesmo que tem um cara gritando com ela? — Você está bem?
— Sim, eu não tenho certeza, estou tremendo.
— Onde você está? — pergunto entrando no carro e dando partida. Ela responde coisas
confusas e começo a me apavorar quando ela volta a chorar. — Eu já estou chegando, Luana,
entra no carro e fecha a porta, aguenta só um pouquinho.
Acelero e saio da oficina cantando pneu e agradecendo a Deus por ela estar perto o
suficiente para que eu possa chegar lá em menos de dez minutos.

Assim que chego ao cruzamento das duas avenidas, vejo o caos que se instala sempre que
há um acidente em São Paulo, dezenas de curiosos e, no meio de tudo, vejo aquela caixa de
fósforos vermelha e reluzente que Luana insiste em chamar de carro.
Saio do amigão sem me importar em fechar a porta e corro em direção ao lugar onde ela
está. Começo a temer o que vou encontrar. E se ela estiver muito machucada? E se for mais
grave do que imagino?
Abro caminho por entre os curiosos e, quando finalmente chego, sinto alívio por ver que
ela está bem.
— Luana! — Empurro algumas pessoas e me ajoelho a sua frente tocando todas as partes
do seu corpo só para garantir que está tudo no lugar.
— Pete. — Ela pousa as mãos em meu rosto fazendo-me olhá-la nos olhos. — Eu estou
bem, amor — ela diz tentando me tranquilizar enquanto noto o hematoma vermelho bem no
meio da sua testa e alguns arranhões em seu rosto.
— Tem certeza? — Passo as mãos em seus cabelos afastando-os do rosto e beijando o topo
da sua cabeça.
— Tenho sim — ela geme quando toco no lugar exato onde ela se machucou.
— Você bateu a cabeça, precisa ir ao hospital — digo enquanto procuro por outros
machucados.
— Ei, príncipe encantado e eu? — ouço uma voz atrás de mim e me viro encontrando um
homem de meia-idade, baixinho e levemente acima do peso, de braços cruzados olhando para
nós.
— Foi esse cuzão que gritou com você? — pergunto para Luana, que balança a cabeça
devagar, como se estivesse com medo, e meu sangue esquenta em minhas veias.
— Isso que dá uma patricinha idiota e ruim de direção dirigindo em uma cidade caótica
como São Paulo. Olha o que essa irresponsável fez! — o cuzão continua falando, apontando
para o seu carro, um modelo popular que tem uma lanterna quebrada e um para choque
amassado. Nada que justifique a maneira como ele está falando com a minha Moranguinho.
Nada que justifique ele dar uma de macho para cima de uma mulher... a minha mulher.
— Quem é o senhor? — Me levanto e cruzo os braços no peito encarando-o e tentando
manter a calma.
— Sou o dono do carro que a maluca aí bateu — ele responde rispidamente.
— Acho melhor o senhor tomar cuidado com o que diz — o advirto.
— Escuta aqui, moleque, eu não posso ficar aqui o tempo todo, esse carro é meu ganha-
pão, você vai se responsabilizar pelo estrago?
— Vou, claro, estou aqui para isso. — Sinto meu coração acelerar e isso não é nada bom
para mim.
Não, eu não sou covarde. Apenas sei que brigar não resolve absolutamente nada, sou um
homem e sei que, em uma situação assim, alguém precisa manter a calma ou as coisas tendem
a sair do controle. E geralmente quem se fode sou eu.
— Acho bom mesmo porque essa maluca acabou com meu carro — ele continua me
provocando e começo a sentir a merda do controle me deixar.
— Vou falar pela última vez, se chamar a minha noiva de maluca mais uma vez eu vou fazer
você engolir cada letra que sair da porra da sua boca.
— Você está me ameaçando? — Ele dá um passo para perto de mim.
— Eu estou avisando. — Dou um passo para perto dele e já não há nem mesmo a sombra
do controle em minhas veias.
Sinto a mão de Luana segurar meu braço, mas nem mesmo ela é capaz de me acalmar
quando o filho da puta desvia o olhar de mim para ela.
— Pete, não... por favor. — ela sussurra para mim.
— Por que você não vai pilotar um fogão, patricinha? Deixa que os homens resolvam a
merda que você fez — o cuzão diz e então eu perco o controle.
— Seu filho da puta! — grito enquanto seguro o imbecil pela camisa e começo a
chacoalhar. — Peça desculpas a ela! — exijo e, antes de repetir a próxima frase, o homem
ergue o braço e é quando o mundo se torna um borrão brilhante e tudo se apaga.
Pete não é um homem muito nervoso, ele quase nunca fica bravo, nunca altera o tom de
voz e nunca, nunquinha, arruma briga com ninguém. Não que ele seja covarde ou medroso, a
questão é outra...
Ele geralmente termina no pronto-socorro.
— Você tem certeza de que ele está vivo? — o babaca nervosinho pergunta enquanto
divide sua atenção entre dirigir para o hospital e averiguar a situação de Pete.
— Cale a porra da sua boca e dirige logo! — grito desesperada e o imbecil acelera como se
sua vida dependesse disso.
Olho para o Pete em meu colo, um déjà vu me invade e estremeço com as lembranças
nada agradáveis de outro episódio com o seu pobre nariz. Claro que está bem, hoje eu sei disso,
mas nunca deixa de ser assustador.
— Mas eu bati de leve... — ele justifica pela milionésima vez desde que eu o ameacei de
morte depois que ele acertou Pete no rosto. Acontece que meu noivo perdeu o equilíbrio,
bateu a cabeça e desmaiou, o suficiente para um grande estrago.
O homem quase desmaiou ao ver o estado do meu pobre noivo, e desde então não para de
tremer.
— Ele vai ficar bem assim que for medicado — repito tentando acalmá-lo. — E dirige logo
isso daí! — grito para o homem que olha para o meu namorado como se ele fosse um cadáver.
Ok, eu o entendia, já passei por isso antes e sei que ver o Pete se esvaindo em sangue não é
algo muito bonito de se ver. Até pensei em colocar a culpa no idiota, mas tenho a sensação de
que, se eu falasse mais alguma coisa, o imbecil desmaiaria, bem no meio da Cruzeiro do Sul.
Dez minutos depois, uma camisa do idiota nervosinho destruída pelo sangue do Pete,
alguns gritos meus e meu carrinho todo sujo de sangue, finalmente chegamos ao hospital.
Dessa vez, eu consigo manter a calma e vou, eu mesma atrás de uma cadeira de rodas para
colocar o Pete. Chego até ele sorrindo, mesmo vendo-o se transformar em um daqueles
vampiros da saga Crepúsculo, de tão branco que está.
— Estou tão ruim assim? — ele geme por baixo da camisa que está no seu nariz.
— Mais alguns minutos e você vai começar a brilhar — provoco-o e ele grunhe. — Eu sabia
que você era um vampiro, agora tudo faz sentido. — Pisco relembrando nossa velha
brincadeira.
— Cale a boca e me leva logo, não aguento mais ouvir a voz desse cara. — Ele faz cara feia
ao olhar para o seu agressor e empurro a cadeira de rodas até a entrada de emergência.
— Não precisa ter medo. — Me inclino sobre ele sussurrando. — Eu vou te amar, mesmo
se você brilhar.
Ele sorri gemendo e somos interrompidos por uma enfermeira jovem e sorridente que leva
o Pete para a sala de curativos.
O tempo passa e com ele se vai o meu encontro para escolher cadeiras cor de gema de
ovos e minhas unhas, já que, graças ao Pete, destruí todas. O dia foi substituído por uma noite
gelada demais para uma garota que está usando apenas uma minissaia e, principalmente, o
idiota nervosinho que se comove com a situação do Pete e vai embora prometendo não me
cobrar pelo estrago em seu carro. O mínimo que ele podia fazer, né?
Já passa das oito da noite quando Pete acorda ainda meio sonolento e a primeira coisa que
faz ao me ver é sorrir para mim. Aquele sorriso meio torto, pálido e provocante. Aquele que faz
a curvinha sexy surgir no seu rosto e meu corpo inteiro implorar por ele.
— Oi. — Me aproximo da cama e beijo seus cabelos.
— Acho que já vi essa cena antes — ele diz ainda meio grogue.
— Admita, você sempre faz isso para me impressionar.
— Esse é o meu superpoder — ele brinca e sorrio por ver que ele está bem. Ele segura
minha mão na sua e a leva até os lábios beijando-a. — Como você está? — Ele ergue a mão
tocando minha cabeça e me fazendo encolher.
— Eu estou bem.
— Fiquei preocupado com você.
— Eu também. — Beijo seus lábios suavemente e ele retribui o beijo aprofundando-o o
máximo que consegue antes de gemer.
— Porra... eu odeio isso — ele resmunga e começo a rir. Aprendi a não me preocupar tanto
assim com sua condição, ele é forte e saudável e sabe se cuidar. E existem medicamentos que o
ajudam a manter sua coagulação quase perto do normal. Desde que começamos a namorar, ele
veio ao hospital quase tanto quanto qualquer outra pessoa.
— Desculpa, eu não deveria te beijar. — Me afasto e Pete olha para a porta.
— Cadê o cuzão?
— Foi embora, disse que vai deixar para lá.
— Eu ia acabar com ele.
— Eu tenho certeza de que ia. — Aperto os lábios para não rir e Pete resmunga.
— Eu ia sim.
— Tudo bem, amor, na verdade eu até acho muito charmosa essa sua camisola. — Passo a
ponta do dedo na gola da camisola hospitalar provocando-o.
— Moranguinho... Não provoque um homem seminu, você pode se surpreender.
Caio na gargalhada e ele me puxa para um beijo no momento em que a porta se abre.
— Merda! — ele sussurra em meu ouvido antes de me soltar.
— Boa noite, senhor Peterson! — O médico entra feliz, sem se incomodar por ter
interrompido o nosso beijo. — Vejo que o senhor já está ótimo. — O homem olha para mim e
para o Pete ainda com um sorriso.
— Estou, posso ir para casa? — Pete se apressa em falar já se erguendo da cama.
— Pode, assim que terminar a transfusão. — Ele anota algumas coisas em seu prontuário e
tenho que morder o lábio para não rir da cara do Pete. — Como estão os seus exames? — o
médico pergunta e então eu me sento, Pete começa a responder enquanto segura o travesseiro
no colo, bastante irritado.
O médico dá a alta dele e uma hora depois Pete está sentado no banco do passageiro do
meu carro reclamando que não tem espaço para se mexer e nem ao menos respirar.
— Isso aqui é uma versão com rodas da sua casa de bonecas, Moranguinho — ele me
provoca e eu ignoro.
— Não me irrite ou te deixo na rua — respondo e saio cantarolando uma música e
tentando não fazer mais nenhuma bobagem.
— Para onde você está nos levando? — ele pergunta quando percebe que não estamos
indo para casa.
— Comer, é claro, né, Pete? Estou morrendo de fome.
Ele ri e se inclina para beijar o meu pescoço.
— Ah, minha Moranguinho... eu te amo pra cacete.
— Pete, pare! — grito quando ele passa a língua na minha pele. — Pete! Eu vou acabar
matando a gente se você continuar fazendo isso. — Me afasto temendo bater meu pobre Smart
mais uma vez ou pior... machucá-lo.
— Você já está me matando, Moranguinho, todos os dias um pouquinho. — Ele volta para
o seu banco, mas eu ainda posso sentir seus olhos em mim, o calor e desejo que emanam deles.
Meus sóis particulares.
Pete segura a minha mão, entrelaçando nossos dedos, e faz carinho em minha pele com o
polegar.
— Sabe, Luana, hoje, quando você me ligou chorando, dizendo que havia batido o carro, eu
pensei que ia cair no meio da oficina igual uma mulherzinha do século passado, senti tanto
medo que mal conseguia respirar. — Sua voz está tensa e eu conheço bem os seus medos para
saber que é verdade. Perder as pessoas que ama é o maior deles e me sinto mal por tê-lo feito
passar por isso. — Em outra época, esse medo me faria fugir, eu estaria aqui bolando milhões
de maneiras de fugir de você. — Ele finalmente atrai minha atenção e paro o carro para poder
tocá-lo como quero.
— Pete, está tudo bem, eu só consegui um enfeite para a minha cabeça. — Aponto para o
galo que ainda dói. — E um motivo para frequentar ainda mais aquela oficina barulhenta. — Me
inclino e o beijo.
Pete me abraça aninhando-me no seu peito e acariciando meus cabelos.
— Quando vi você chorando e com medo, tudo o que eu consegui pensar é que eu preciso
ser forte para você. Eu não quis fugir, ao contrário, eu quis cuidar, proteger. — Ele ergue meu
rosto em suas mãos e me encara, na escuridão da noite seus olhos brilham e então eu noto que
há lágrimas neles. — Isso é o amor, Luana. Cada dia ao seu lado eu descubro uma maneira nova
de amar e hoje eu descobri que amar é lutar contra os seus medos para proteger a pessoa, é
partir pra cima de um idiota que fez sua garota chorar mesmo sabendo que vai se foder no fim
das contas.
Toco seus cabelos desgrenhados enroscando meus dedos nas mechas grossas e pesadas
afastando-as do seu lindo rosto.
— Amar é ligar para o namorado quando bate o carro, não para que ele possa resolver
tudo, mas porque sua voz me acalmando é tudo o que eu preciso para que o meu coração fique
em paz.
— Eu te amo, Moranguinho. — Ele beija a minha testa, um beijo casto, rápido e simples e
sinto as lágrimas caírem dos meus próprios olhos porque sei que esse beijo tem muito mais
significado do que qualquer outro.
— Eu te amo, meu debochado. — Ergo a mão e recolho a lágrima que teima em não cair e
a sugo sentindo o sabor salgado em meus lábios. — Você é a minha vida.
Nos abraçamos no meio do trânsito caótico da cidade de São Paulo e, embalados pelo som
do fim de mais um dia, trocamos juras de amor, carinho, toque, lágrimas. E eu percebo algo
essa noite. Todos os acontecimentos que nos cercam, todas as coisas que nos acontecem,
sejam elas boas ou ruins, tem um motivo para acontecer, uma mensagem para nos trazer. Só
precisamos parar um pouquinho e analisar com sensibilidade e logo descobrimos seu motivo. A
vida é assim, um eterno aprendizado.
O que eu aprendi essa noite? Na verdade, nada, eu só constatei algo que já sabia há dois
anos.
Eu sou completamente louca por esse cara malvestido e mal-humorado. Ele é a minha vida
e tenho a vida mais perfeita que uma garota pode querer.
Dez anos depois...

O dia está lindo, ensolarado e quente, perfeito para fazer algo que adoramos fazer juntos.
É o nosso momento e eu não abro mão dele por nada.
— Não, Rick, você tem que fazer assim, olha, de um lado para o outro, em movimentos
circulares.
Ver o brilho de satisfação em seus olhos dourados faz tudo valer a pena. Ele observa o que
eu digo, como se lavar o amigão fosse a coisa mais importante do mundo, talvez seja, para ele é
realmente a coisa mais importante do mundo. E para mim é uma delas.
— Tô fazeno certo, papai? — ele pergunta cheio de alegria.
Apoio suas mãozinhas e repito os movimentos com ele.
— Assim, filhão.
Ele é esperto demais para um garotinho de cinco anos e eu tenho um puta orgulho dele.
Além de ser bonito igual a mãe, o garoto parece adorar carros, assim como o tio de quem ele
carrega o nome com orgulho.
— Quando eu crescê, vou podê dirigir o amigão?
— Claro que vai — respondo sentindo meu peito inflar. — E vai pegar muita mulher aqui
dentro.
Henrique me olha sem entender o que digo, não me importo, no momento certo ele
saberá.
— Olha lá o que você vai ensinar para o garoto, seu doente! — A voz de Giovana quebra o
nosso momento pai e filho.
— Vou ensinar ele a ser igual ao pai, um cara esperto.
Levanto-me para cumprimentar Giovana e Pedro, que acabam de chegar com Eduardo, seu
filho.
— Alguém tem que ensinar as coisas boas da vida para esses moleques.
Pedro pisca para mim e me estende o punho fechado em um cumprimento. Giovana o
fuzila com o olhar.
— Ah... e pode parar de mostrar aqueles filmes horrorosos para o meu filho — ela
resmunga.
Pego o pequeno garoto nos braços e o levo para junto de Rick entregando-lhe uma luva
cheia de sabão e mostrando o que fazer.
— Para de ser chata, Giovana, Godzilla é um clássico e o japinha aqui tem que conhecer a
cultura da terra dele. Os meninos vão saber o que é bom e para isso tem o tio Pete aqui, né,
Edu?
— Godzilla, gruuuuhhh — Eduardo grunhe, erguendo as mãozinhas ensaboadas no ar
como se fosse um monstro, fazendo uma careta e arregalando seus olhos puxados, para o
desespero de sua mãe e minha alegria.
Rick repete o gesto do amigo e voltam a brincar de lavar o carro, como se fossem monstros
ensaboados. Pedro, o santo que se casou com Giovana, concorda comigo apenas para provocar
a esposa, e Giovana parece que vai explodir a qualquer momento.
— Sabia que eu posso matá-lo, senhor Peterson, e alegar que estou fora de mim por causa
dos meus hormônios? — Luana aparece na porta da sala fingindo estar irritada.
Puta merda, eu que achava que não tinha como ela ficar mais linda do que quando tinha
vinte anos me enganei, ela está divina agora prestes a completar trinta.
— O que são homonius, papai? — Rick olha para a mãe com a mesma cara de apaixonado
que a minha.
— Homonius, gruuuhhhh — Eduardo grunhe, mais uma vez, e Pedro leva um tapa quando
ri.
— Ah, meu filho, não queira saber, aliás, para o seu próprio bem, apague essa informação
da sua cabecinha imediatamente.
Rick concorda obediente e volta a esfregar o carro.
Luana cumprimenta Giovana e Pedro e vem andando ao meu encontro daquele jeito
desajeitado que eu amo e ela odeia. Assim que chega perto de mim, seu sorriso me desmancha
e ela fica na ponta do pé para me dar um beijo.
— Oi, patinha... — sussurro em seu ouvido.
— Patinha é a senhora sua mãe. — Ela passa a mão em meus cabelos tirando-os dos meus
olhos.
— Não seja boba, eu já disse que fico louco com essa barriguinha. — Dou um beijo em seus
lábios e acaricio sua barriga.
Eu não estou mentindo. Quando ela ficou grávida de Henrique, eu descobri que poderia me
apaixonar mais por ela, agora com a gravidez da nossa garotinha não é diferente. Eu estou
encrencado, aliás, eu, Ricardo e Rick. Em um mês teremos uma cópia de Luana em tamanho
pequeno para cuidar. Porra! Pai de menina é foda! Ainda não sei como vou lidar com isso.
Tenho consciência de que ela vai herdar a hemofilia e, mesmo sabendo que ela está bem, um
dia seus filhos poderão não estar. Luana disse que não posso sofrer por algo que nem ao menos
sabemos que vai acontecer. Mas não consigo evitar, embora eu esteja bem, sei o quanto é
difícil carregar uma condição genética e não quero isso para os meus netos. Minha esperança é
que até lá, haja algo que possa protegê-los, quem sabe.
— Não fala isso. Eu pareço uma pamonha, mal vejo a ponta dos meus pés, tenho a
sensação de que vou explodir a qualquer instante — Luana resmunga.
— Você está linda, acredite em mim, eu sei o que estou falando.
É a terceira vez no dia que eu falo isso, mas ela não se acalma, todos dizem que não se
pode irritar uma mulher grávida, principalmente uma grávida às vésperas de lançar sua coleção.
Então, eu deixo para lá.
Luana está uma pilha, não consegue dormir direito, por causa do tamanho da barriga e me
culpa todos os dias por causa disso e dos vinte quilos que ela ganhou na gravidez, culpa de sua
compulsão em comer. Mesmo com a terapia, às vezes Luana perde o controle e come mais do
que deve. Minha mãe já disse que ela recupera tudo rapidinho, assim como foi com Henrique, e
eu completo falando o quanto está gostosa com aqueles seios enormes, mas ela não acredita.
Agora, para piorar tudo, há o lançamento. Quando Luana me mostrou suas ideias para a
coleção, eu apoiei como sempre, ela é criativa, supertalentosa e trabalhou duro para chegar
aonde está chegando. A “Strawberry Love” é um sucesso com as adolescentes, e este ano o
tema será paixão (eu avisei que era brega, mas Luana não me deu ouvidos) e ela escolheu o
nosso primeiro beijo para criar todas as peças.
Manuela, que acabou de chegar dos Estados Unidos só para acompanhar o desfile e ver a
nossa garotinha nascer, aparece carregando uma travessa de comida ao lado de minha mãe e
Ana Paula. Seu noivo, um renomado professor de astrofísica, não pôde vir.
— Ei, meninos, o que vocês acham de se juntar a mim e ao Gláucio para uma partida de
truco? — Ricardo grita de dentro da sala de jogos onde está com Gláucio.
— Claro! Faz tempo que não te dou uma surra — brinco. — Vou lá com eles, tudo bem? —
pergunto segurando a barriga da minha esposa.
— Claro, vai lá e arrasa. — Luana pisca para mim e meu coração dispara. — Eu te amo —
ela sussurra em meus lábios.
— Eu também te amo, Moranguinho. Pra cacete!
Afasto-me dela e, antes de entrar, olho para a minha família, todos juntos. E naquele
momento tão trivial, no jardim de casa, na companhia das pessoas mais importantes da minha
vida, eu percebo que não tem problema ter medo, medo de descobrir quem somos e como as
pessoas são realmente, medo de arriscar, medo de lutar. O medo é o que nos mantém vivos,
nos protege do perigo, é o termômetro que define o que realmente é importante na nossa vida.
Temos medo de perder aquilo que amamos, de decepcionar, de não dar conta... tantos medos,
medos que só conhece quem ama de verdade, com o coração, e que sabe que estamos aqui
nesse mundo para isso: se arriscar e amar. O resto é apenas consequência.
Antes dos Vinte surgiu de uma forma muito bonita na minha vida, há quase dez anos. Ele
chegou de mansinho, como uma brincadeira, se instalou em meu coração e de lá para os meus
dedos, que digitaram a história em quase dois meses.
Sem pretensão alguma, mergulhei na história do debochado garoto da calça mostarda e da
menina que sonhava em beijar um americano, e assim surgiu Antes dos Vinte. Em 2015, ele
começou a ser postado no Wattpad, onde chegou a mais de 200 mil leituras em poucos meses.
As sextas-feiras felizes foram dias de alegria e de boas lembranças e por isso esse livro
começa com uma homenagem a essa época de “sextas felizes”.
Hoje, quase dez anos depois, estou revisitando essa história, dessa vez com o apoio de uma
equipe extremamente competente, que fez um trabalho incrível para que ele pudesse chegar
nas mãos dos meus leitores.
Então vamos aos agradecimentos.
Primeiramente, agradeço a Deus por ter me dado o privilégio de poder fazer algo que amo
tanto, que é contar histórias.
Ao meu marido, por me inspirar com seu mau gosto para carros velhos e músicas que
quase ninguém conhece. Pete agradece! A Maythe e a Sophia, por serem as melhores filhas que
uma mãe pode desejar ter. Amo vocês... para sempre.
A Thais Alves, por criar as capas mais lindas, por aceitar os maiores desafios e por me
surpreender sempre. Você é demais.
A Javier Boggiano, por aceitar a proposta de ser o nosso Pete e por todo o carinho com que
acolheu o projeto Antes dos Vinte. Você sempre será o meu debochado, não importa o tempo
que passe.
A Bruna Garret por recriar essa capa que tanto amo e trazer de volta a essência de 2015,
quando sonhei com ela pela primeira vez, você fez magia com suas mãos.
A Carla Santos por, mais uma vez, cuidar do meu texto e estar sempre ao meu lado fazendo
um trabalho lindo.
A minha equipe de betas, por lerem, relerem, ouvirem, comentarem e criticarem cada
ponto dessa história, vocês são incríveis.
As minhas parceiras que fazem um trabalho lindo de divulgação da literatura, vocês me
fazem ter orgulho de fazer parte disso tudo.
Aos primeiros leitores do Wattpad, que aguardavam ansiosos a cada postagem e fizeram as
minhas sextas as mais especiais que uma autora pode ter. Ainda hoje alguns me mandam
mensagens carinhosas relembrando aquele período delicioso.
Esse livro só existe porque vocês acreditaram nele. É para vocês a minha eterna gratidão.
E a você que leu até aqui, espero que Pete e Luana deixem uma marca em seu coração, um
quentinho bom, uma lembrança suave.
Coisas que só uma comédia romântica pode fazer por nós.
Embora Antes dos Vinte seja uma comédia romântica, o livro aborda dois assuntos
bastante importantes: a Hemofilia e a Compulsão Alimentar.
A hemofilia é um distúrbio sanguíneo raro que impede a coagulação normal do sangue.
Pessoas diagnosticadas com hemofilia apresentam um tempo maior de coagulação, o que leva
cortes e arranhões leves a sangrarem por mais tempo, por exemplo. Há ainda um risco maior
de sangramentos internos nas articulações, como joelhos, tornozelos e cotovelos, assim como
em músculos, tecidos e órgãos. Em casos mais graves, como em sangramentos no sistema
nervoso central, existe o risco de morte se não forem tratados rapidamente. Por isso o
hemofílico deve manter um constante cuidado com seu corpo, uma hemorragia interna pode
ser silenciosa e causar a sua morte.
O episódio em que Luana atinge Pete com a frigideira, embora tenha sido cômico, foi
grave, ele poderia vir a morrer, caso não tivesse sido atendido rapidamente.
A hemofilia afeta majoritariamente homens, correspondendo a 98,21% de todos os
pacientes diagnosticados no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil hoje é o
quarto país com a maior população hemofílica no mundo. Embora seja uma doença sem cura, a
hemofilia tem tratamento e, com o acompanhamento correto, o portador dessa condição
genética pode ter uma vida saudável e longa.
O segundo assunto abordado no livro é a compulsão alimentar da Luana. Embora eu tenha
escolhido manter o clima leve da história, sem entrar em detalhes mais profundos, a compulsão
alimentar é o que causa a necessidade desenfreada da personagem em comer, mesmo sem
fome.
Embora esteja relacionado com a comida, ele tem um fundo psicológico e se intensifica
sempre que o portador está em um processo de estresse, medo, tristeza, alegria e até mesmo
amor. É tratado como um transtorno psiquiátrico e, em alguns casos, é necessário o auxílio de
medicações.
No caso da Luana, sua compulsão começou com o término do casamento dos seus pais,
ainda muito jovem. Foi fácil para a sua família acreditar que era devido a ela estar em fase de
desenvolvimento, depois, com o passar dos anos, ela aprendeu a esconder bem seus
descontroles, sempre assaltando a geladeira ou armários de madrugada. A chegada de Pete em
sua vida lançou uma luz ao seu problema, criando um alerta e a levando para a terapia.
Por fim, quero deixar aqui a importância de cuidar da saúde mental, Pete precisava de
ajuda para lidar com o seu medo de se envolver com pessoas, com o luto e a perda; já Luana
tinha seus problemas emocionais descontados na comida. Ambos aprenderam com o tempo
que uma mente sã traz benefícios para o corpo, mas também e, principalmente, para as
relações com outras pessoas.
Espero que, caso você esteja passando por algum problema emocional, ou conheça alguém
que esteja passando por alguma dificuldade, não hesite em procurar ajuda. Quanto mais rápido
você se cuidar, mais rápido ficará bem.
Antes de terminarmos, gostaria de pedir que não esqueça de avaliar Antes dos Vinte na
Amazon, é importante para mim e vai ajudar outras pessoas a conhecerem a história da
Moranguinho e do seu debochado.
E caso queira, não deixe de me contar o que achou do livro, vou amar conversar com você.
A gente se vê em breve!
Cinthia Freire é uma escritora apaixonada por romances, adora as mil formas com que uma
história de amor pode ser contada e a magia por trás disso.
Autora de livros que sempre carregam uma carga dramática e um tema social pertinente,
mas que tem como lema o famoso felizes para sempre. Afinal de contas, essa é a principal
missão de um romance: deixar o coração quentinho.
Se quiser saber mais, siga a autora no Instagram (@cinthiafreireautora), que ela vai adorar
conversar com você.
Conheça outras obras da autora, que estão à venda na Amazon e também pelo Kindle
Unlimited:

SÉRIE SEGREDOS:

1 - Meu erro
1.5 - Minha (conto)
2 - Minha rendição
2.5 - Meu (conto)
3 - Meu refúgio
3.5 - Nosso (conto)
4 - Minha cura
4.5 - Seu (conto)

SÉRIE CARROSSEL DE SENTIDOS:

1. Nuno
2. Ivan
3. Nick
Já disse que te odeio (Um conto da Série Segredos)

Antes dos vinte


Confie em mim
Só hoje
Um milhão de promessas
Um novo amanhecer
Sobre nós
Ao seu lado: Coletânea de contos da quarentena
Roman (Duologia Kings of Dark - Livro 2)

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