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As marcas contemporâneas
da colonização que tentou
aniquilar subjetividades e
expressões de gênero
07 Resenha
Melancolia
SUMÁRIO
08 Políticas Públicas
Ouvir e refletir é preciso: a Psicologia diante do sofrimento da juventude negra
10 Étnico-Racial
É possível uma Psicologia eticamente comprometida sem conhecer as culturas
dos povos do território brasileiro?
12 Psicologia Anticapacitista
Vidas Restritas! Cultura de institucionalização e (im)possibilidades da inclusão
social da pessoa com deficiência
15 Saúde Mental
Nós da Luta Antimanicomial do Paraná
19 Capa
Transcentralidades e diversidade de gênero na história humana
23 Saúde
Doenças raras: a doença, a pessoa e a família
OS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, NÃO EXPRESSANDO NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO CRP-PR
Conselheiras(os/es): Psic. Ana Lígia Bragueto Costa (CRP-08/08334); Psic. Andrey Santos Souza (CRP-08/30587); Psic. Cláudia Cibele Bitdinger
Cobalchini (CRP-08/07915); Psic. Eduardo Da Silva Antônio (CRP-08/30797); Psic. Emerson Luiz Peres (CRP-08/06673); Psic. Fabiane Kravutschke
Bogdanovicz (CRP-08/19219); Psic. Fábio José Orsini Lopes (CRP-08/09877); Psic. Fabiola Regina Ortega (CRP-08/17317); Psic. Fernanda Costa Peixoto
Primo (CRP-08/12328); Psic. Gedeoni Coelho Marques (CRP-08/28627); Psic. Graciane Barboza Da Silva (CRP-08/23467); Psic. Griziele Martins Feitosa
(CRP-08/09153); Psic. Gustavo Filipowski (CRP-08/27778); Psic. Jéssica Alcimari Pelle (CRP-08/18477); Psic. João Batista Martins (CRP-08/07111);
Psic. João Victor Da Silva (CRP-08/25123); Psic. Jorge Ivan Sada De Almeida (CRP-08/02536); Psic. Julia Mezarobba Caetano Ferreira (CRP-08/25872); Psic.
Karen Aparecida Freitas De Oliveira (CRP-08/09015); Psic. Kathia Regina Galdino De Godoy (CRP-08/14630); Psic. Lorene Camargo (CRP-08/18894); Psic.
Mário Seto Takeguma Júnior (CRP-08/18972); Psic. Matheo Bernardino (CRP-08/25791); Psic. Natália Cesar De Brito (CRP-08/17325); Psic. Pamela Cristina
Salles Da Silva (CRP-08/20935); Psic. Paulo Cesar De Oliveira (CRP-08/17066); Psic. Paulo Vitor Palma Navasconi (CRP-08/25820); Psic. Rosiane Martins
De Souza (CRP-08/14328); Psic. Sara Gladys Toninato (CRP-08/07092); Psic. Sérgio Bezerra Pinto Junior (CRP-08/26037).
CONTATO 146 | 3
EDITORIAL
É com muita alegria que entregamos à nossa categoria a edição 146 da revista Contato, a
terceira elaborada pela gestão do XV Plenário do CRP-PR.
Frisamos a relevância das produções culturais para a nossa sociedade, por meio
de uma interessantíssima análise do filme Melancolia e da apresentação do proje-
to Ciranda da Paz, que visa a romper barreiras sociais através, dentre outras estraté-
gias, da promoção de arte e cultura nas periferias. Também trazemos à luz o trabalho
do Psic. Paulo Vitor Navasconi, conselheiro de nossa gestão, que faz um brilhante traba-
lho sobre as pautas raciais. Reafirmamos, assim, nosso compromisso primordial com uma
Psicologia antirracista.
A coluna da Comissão Étnico-Racial traz uma análise da importância da cultura e seus símbo-
los para os avanços em práticas verdadeiramente antirracistas e inclusivas a todas as pessoas
– os direitos culturais precisam ser protegidos e promovidos pela nossa categoria para que a
Psicologia não incorra em práticas neocoloniais.
Aliás, maio é o mês da luta antimanicomial e preparamos com muito carinho uma campa-
nha firmando nosso compromisso com o fortalecimento da RAPS e contrário à “indústria da
loucura”, a Nós da Luta Antimanicomial no Paraná. Convidamos vocês a somarem conosco
nessa luta!
Por meio das nossas publicações, buscamos promover o contato com quem nos lê. E gos-
taríamos de saber de vocês sobre os conteúdos das matérias! Você teve interesse por algo
que foi escrito? Algo chamou sua atenção? Então, conta para a gente!
Envie seus comentários sobre alguma reportagem e/ou edição anterior da Revista Contato,
ou sugestões sobre temas que gostaria de ler por aqui.
bit.ly/3HFs3l0
Comentários relacionados aos temas da revista e alinhados aos direitos humanos pode-
rão ser publicados nas próximas edições da Contato! Afinal, a gente sabe que é impor-
tante manter contato!
Para fazer parte desta ação, basta preencher o formulário com as informações necessárias.
Em caso de dúvidas, entre em contato conosco pelo e-mail: crp08@crppr.org.br
ATENÇÃO: Não serão aceitos comentários desrespeitosos ou que aviltem os direitos humanos, tampouco que contrariem,
de alguma forma, o Código de Ética da Psicologia. O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-RP) se reserva o direito
de não publicar comentários que não estejam de acordo com os critérios estabelecidos.
Sou profissional da Psicologia, atuando no SUAS há 5 anos. Gostaria de publicações sobre a atuação do
psicólogo em CRAS, CREAS e Serviço de Acolhimento Institucional.
CONTATO 146 | 5
Fortalecendo uma Psicologia para
todas, Comissão de Mulheres do CRP-PR
propõe diálogo sobre as vivências das
profissionais mulheres
6 | CONTATO 146
Melancolia
Por psic. Célio Luiz Pinheiro (CRP-08/05780), psicanalista
em Curitiba, mestre em Antropologia Social, ministrante
de cursos e palestras e desenvolvedor de um evento de
Cinema e Psicanálise com exibição e análise de filmes
sua mãe, de quem herda – ainda que não a lista enorme de patologias que não param
culpe por isso, mas sim por outras questões de crescer.
– a doença, e uma revelação sobre a sua
paternidade no leito de morte da genitora. Mas é a personagem Justine, no auge de sua
Tal qual no filme, uma mãe que realiza um patologia e próximo ao momento da des-
corte suspende uma certeza, projeta o filho truição da Terra, que profere a mais cruel
na dúvida de seus primórdios, desestrutura sentença: “A Terra é má e ninguém vai sen-
o mito de origem. tir falta dela.” Esvaziada do imaginário, da
dimensão de fantasia tão necessária à vida,
A clínica da psicanálise escuta e estuda os ela se entrega ao fim, não sem uma feição
complexos fenômenos da depressão e da de prazer, de gozo, de uma deliciosa e peri-
melancolia que afetam um sujeito. Quem gosa espera.
CONTATO 146 | 7
Ouvir e refletir é preciso:
a Psicologia diante do
sofrimento da juventude negra
Por Izabela Morvan da Silveira, com supervisão de Rebeca Amaral e Ellen Nemitz
P ara valorizar ações que envolvem a dar da população negra’, mas entendendo
Psicologia na redução de desigual- como se fosse, de fato, um elemento muito
dades sociais, o Prêmio Anual de homogêneo, universal”, diz o psicólogo.
Direitos Humanos do CRP-PR – Edição
Para a Psicologia, reconhecer e respeitar a
Cleia Oliveira Cunha aconteceu no fim de
singularidade de cada pessoa é essencial
2022, reconhecendo profissionais e iniciati-
na compreensão das dores em sua existên-
vas, com o propósito de fomentar um proje-
cia. Isso é evidenciado ao analisarmos o
to ético e político da Psicologia.
contexto social de jovens negras(os/es) de
Saiba mais Nesta edição, trazemos mais dois vencedo- periferias. Projetos como o Ciranda da Paz,
“Vida, adoecimento res do prêmio, atuantes em ações ligadas à de Londrina, mediam o fortalecimento co-
e suicídio: racismo munitário e dão protagonismo a quem vive
na produção do juventude negra. Destacando organizações
conhecimento sobre
e profissionais da área, os eixos Negritude nessas áreas. A ONG ganhou o prêmio no
jovens Negros(as)
LGBTTIs” Paulo Vitor e identidade étnico-racial e Promoção de eixo Promoção de saúde mental, luta anti-
Palma Navasconi manicomial, redução de danos, antiproibi-
(CRP-08/25820) saúde mental, luta antimanicomial, redu-
bit.ly/3ZsQnM9 ção de danos, antiproibicionismo e cons- cionismo e construção de uma nova política
trução de uma nova política de drogas de drogas.
trazem o protagonismo da Psicologia e de
Tudo começou quando a atriz Bruna
ações sociais no debate da temática ra-
Campagnolo estava na graduação em
cial e na atuação com pessoas que vivem
Artes Cênicas e participou de um projeto
em periferias.
de extensão universitária com duas cole-
Pelos trabalhos com a Comissão Étnico- gas: o trio desenvolveu atividades artísti-
Racial (CER) e continuidade no fortaleci- cas e lúdicas para crianças que viviam em
mento de uma Psicologia mais inclusiva, regiões periféricas de Londrina. Após o en-
cerramento das tarefas acadêmicas, Bruna,
o psicólogo Paulo Vitor Palma Navasconi
moradora da comunidade Jardim Nossa
(CRP-08/25820) venceu o prêmio no eixo
POLÍTICAS PÚBLICAS
8 | CONTATO 146
Outra prova de que a iniciativa deu certo gras e seus sonhos, como aponta Rachel
é que o Ciranda da Paz cresceu com suas Passos no artigo “Holocausto ou Navio
crianças. A ONG tem, em sua cogestão, jo- Negreiro?: inquietações para a Reforma
vens que viveram a infância nos primeiros Psiquiátrica brasileira”.
encontros e, hoje, transmitem a outras
crianças a dinâmica que transformou suas Cabe, portanto, reconhecer a Psicologia
vidas cultural e socialmente. como ciência e instrumento contra o sofri-
mento da juventude negra. Para o CRP-PR,
Bruna celebra o reconhecimento do proje- suscitar essas pontuações é primordial no
to pelo prêmio. Sobre ocupar um espaço de manejo de práticas antissuicídio, com o for-
transformação na comunidade, ela destaca talecimento de políticas públicas que insi- Saiba mais
ram a população negra em discussões sobre Conheça o
a capacidade de quem vive às margens da Instagram da ONG
sociedade para mudar seu destino: “Não saúde mental. Ciranda da Paz
Ao levantarmos a questão racial na saúde “A CER tem um grande desejo: fazer com
mental, abrimos espaço para vários de- que as pessoas e, principalmente, a classe
bates, desde os meandros do tratamen- da Psicologia entendam que a diferença não
to terapêutico – oriundos de uma história é negativa, que a pluralidade é, de fato, um
manicomial e racista – ao adoecimento ponto positivo. A diferença que causa desi-
psíquico causado por uma sociedade que gualdade, que causa sofrimento, esta pre-
não dá margem para pessoas jovens ne- cisa ser combatida”, conclui o profissional.
CONTATO 146 | 9
É possível uma Psicologia
eticamente comprometida
sem conhecer as
culturas dos povos do
território brasileiro?
Por psic. Pamela Cristina Salles da Silva (CRP-08/20935) e João Victor da Silva
(CRP-08/25123), membros da Comissão Étnico-Racial do CRP-PR
C onvidamos psicólogas(os/es) a
(re)pensar e (re)sentir seu lugar em
“Nossas Culturas”, isto é, na di-
versidade cultural dos povos no território
chamado Brasil. Fazemos isso partindo da
pensamos que a Psicologia está ligada às
qualidades da percepção e do contato,
reflexões e ações de pessoas que pisaram
nesse chão com amor à sabedoria.
conexão entre nossa profissão e as facul- Wade Nobles define cultura como um
dades de Filosofia, das aproximações entre complexo processo que congrega pa-
Psicologia, Sabedoria e Cultura, e em rela- drões para interpretar a realidade, dan-
ção ao nosso Código de Ética, especifica- do às pessoas referências gerais para a vida
mente com os Direitos Culturais, ideando e para o viver. Eles formam o que se pode
uma Psicologia que faça jus às necessidades chamar de “visão de mundo”, e caracteri-
do povo brasileiro. zam e fundamentam os diferentes grupos
humanos em diferentes regiões e épocas.
Embora o vínculo histórico da Psicologia Conectam-se à “visão de mundo”: fatores
com a Medicina, Fisiologia ou outras áreas ontológicos (o ser, a existência e a realida-
da saúde seja conhecido, se nos atentarmos de), cosmológicos (o universo) e axiológicos
à Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que (os valores que delineiam a nossa vida).
regulamenta a profissão e a formação em Tais fatores manifestam-se, portanto, nos
Psicologia no Brasil, percebemos que, aqui, comportamentos, atitudes e valorações
ela se estruturou a partir das faculdades das pessoas pertencentes a determinada
de Filosofia. cultura, e estão na base das formas de
pensamento e posturas cotidianas da so-
Apontar o vínculo com a Filosofia significa ciedade em que emergem.
reavivar a memória grega, tal qual se diz
ÉTNICO-RACIAL
que o amor pela sabedoria nasceu “apenas” Esperamos ser possível, até aqui, perceber
nesse território e com esse povo, mas de como cultura e Psicologia estão natural e
lembrar que nosso interesse profissional se intimamente relacionadas, já que fatores
vincula ao que o ser humano pode experi- psíquicos, subjetividade, comportamentos
mentar e fazer quando está consciente da e sentimentos do ser humano – entre outras
própria ignorância. designações que esses aspectos recebem –
são sempre eixo central de interesse da pro-
Tal sentido da Filosofia nos aproxima do fissão, todos mergulhados na cultura.
interesse autêntico, efetivo e sensivel-
mente conectado à sabedoria, uma quali- Marimba Ani diz que é a cultura que “for-
dade de ciência que vincula o conhecer a nece a base para o compromisso, priori-
si mesmo, aos outros e ao mundo. Assim, dade e escolha, dando, desse modo, dire-
10 | CONTATO 146
“Dê ouvidos, ouça
o que é dito
Permita seu coração
ção ao desenvolvimento e comportamento determinados grupos, sejam expressões ar- entendê-las
de grupo… [é também a cultura que] provê tísticas, dos saberes e da memória coletiva.
a criação de símbolos e significados par- Sua extensão alcança até mesmo aspectos
Deixar estas palavras
tilhados. É, por conseguinte, a principal do território, o que inclui, por exemplo, a chegarem ao seu
força criativa de consciência coletiva”. língua materna. coração é valioso. Mas
Podemos considerar que a Psicologia avan- Sendo assim, como é possível basear nosso ignorá-las é danoso.
çou muito no Brasil, deixando no passa- trabalho nos direitos humanos, sem reco- Deixe-as descansar no
do as fatídicas ligas de saúde mental com nhecer quais direitos culturais foram viola- meio do seu ventre
proposta eugenista, voltadas à “melhoria dos ou estão em risco?
da raça” com ações tipicamente racistas, De modo que elas
podendo chegar aos dias atuais com uma Como é possível compreender o sofrimento possam ser uma
proposta de atuação profissional positiva- de um indivíduo ou coletividade, sem consi-
derar seu enraizamento na cultura? chave para o seu
mente implicada com nosso povo e territó-
rio. Mas, infelizmente, sabemos que as dis- coração.”
Como exercer uma profissão eticamente
cussões sobre aspectos culturais dos povos
brasileiros ainda não permeiam a formação
comprometida com os direitos humanos, se Amenemope
não conhecemos os aspectos culturais re-
profissional, e isso merece atenção por in-
lacionados às pessoas atendidas e aos seus Filósofo do Egito,
dicar que não estamos em total harmonia 20ª Dinastia, entre
grupos de pertencimento?
com as bases de nossa profissão.
1551 e 1080 a.C.
Essas são perguntas introdutórias, para que
Desde 2005, o Código de Ética profissional
possamos abrir espaço reflexivo em nossa
aponta em direção à cultura e aos saberes
prática a fim de transformá-la.
de nossos povos; porém, tal fator pode ter
permanecido incompreendido, por estar Por ora, percebemos que se faz necessário, Para
sob a égide dos direitos humanos: sem demora, que o encontro da Psicologia saber mais:
e da cultura dos povos que compõem o
“I - O psicólogo baseará o seu trabalho "Amenemope: sobre o uso do
Brasil se dê de maneira contundente e
no respeito e na promoção da liberda- tempo" Molefi Kete Asante:
ampla nos espaços formativos e de refle-
de, da dignidade, da igualdade e da in- bit.ly/3ArnmXb
xão da prática psicológica, a fim de que
tegridade do ser humano, apoiado nos
ocorra, também, o aprendizado sobre os
valores que embasam a Declaração
Direitos Culturais, para que nossa profissão
Universal dos Direitos Humanos."
seja exercida com a máxima competência
científica e ética. Lei Nº 4.119, de 27 De Agosto de 1962:
É na Declaração Universal dos Direitos bit.ly/410AFsx
Humanos, adotada e proclamada pela Somente ao nos aprofundarmos no conhe-
Assembleia Geral das Nações Unidas, de cimento dos saberes relacionados à cultura
1948, que encontramos: dos Nossos Povos é que poderemos não in-
correr no neocolonialismo.
“Artigo 22 - Todo ser humano, como "Africanity: Its Role in Black
membro da sociedade, tem direito Poderemos, a partir dos conhecimentos Families" Wade W. Nobles
a […] direitos econômicos, sociais e sobre os aspectos culturais basilares para bit.ly/3U8yKA5
CONTATO 146 | 11
M
aria, 38 anos, pessoa com deficiên- cultura da institucionalização da pessoa
cia intelectual, tinha como única com deficiência, tema que esse breve artigo
atividade externa ao seu domicílio pretende abordar.
frequentar uma escola especial na qual es-
PSIC. ANTICAPACITISTA
12 | CONTATO 146
clarem outros objetivos, acaba por manter O título do relatório citado não é uma hi-
ou estimular a segregação da pessoa com pérbole. De um modo geral, os locais de
deficiência, produz isolamento do convívio acolhimento para pessoas com deficiência
comunitário ou isolamento do núcleo fami- “têm porta de entrada, mas não de saída”
liar; difunde uma imagem estereotipada da (RIZZINI, 2008, p. 9), incluindo os acolhi-
deficiência (incapacidade, dependência) e, mentos para crianças e adolescentes com
também por isso, quando identificadas si- deficiência. De acordo com Rizzini (2008),
tuações de vulnerabilidade ou risco, respon- durante o período de acolhimento, essas
de-se com solicitações de acolhimento ou crianças perdem os vínculos comunitários e
internação em serviços específicos. familiares existentes, ficam muitos anos ins-
titucionalizadas ou jamais deixam os abri-
Os espaços de acolhimento, ou melhor, de gos (com “transferências” para outras mo-
recolhimento, representam o ápice da cul- dalidades de instituição após a maioridade).
tura de institucionalização e são organiza-
dos nos formatos de abrigos, de casas lares, Tão grave quanto isso é a fundamentação
de hospitais ou outros serviços de longa para o acolhimento: na maioria dos casos,
duração (ILPIs). Com a reforma psiquiátri- o acolhimento se deu sob a justificativa de
ca, surgem modelos de serviços planejados que essas crianças, adolescentes ou jovens
com objetivos de dar fim à segregação e necessitam de cuidados que a família não
promover a vida em sociedade, por meio conseguia prover. Portanto, na prática, os
da ampliação da autonomia e a garantia da acolhimentos estão descaracterizados da
convivência familiar e comunitária, a exem- função para a qual foram criados e atuam
plo dos Serviços Residenciais Terapêuticos como espaços que aprisionam: “o espaço
(SRTs), vinculados ao SUS (Sistema Único criado para protegê-los e libertá-los (do ris-
de Saúde), e os Serviços de Acolhimento co, do perigo), reconhecendo-se seus direi-
para Jovens e Adultos com Deficiência em tos, transforma-se no mecanismo que viola
Residência Inclusiva (RI), tipificados no seus direitos (à vida em liberdade, à convi-
Sistema Único de Assistência Social (SUAS). vência familiar e comunitária, a desenvol-
ver seus potenciais)” (RIZZINI, 2008, p. 12).
No entanto, é necessário, ainda, denunciar
e evidenciar que inclusive esses serviços, Desse modo, fica evidente que serviços,
muitas vezes, apenas reproduzem a institu- ainda que fundamentados em perspecti-
cionalização em escala menor. Sobre esse vas de desinstitucionalização ou que têm
assunto, indica-se a leitura do relatório-de- por premissa a garantia da convivência
núncia “Eles ficam até morrer: uma vida de familiar e comunitária (acolhimentos in-
isolamento e negligência em instituições fantojuvenis), falham gravemente em suas
para pessoas com deficiência no Brasil”, ela- funções quando se trata de pessoa com
borado pela Human Rights Watch (2018), o deficiência. Reafirma-se que essas “falhas”
qual demonstra que residências inclusivas são produtos de um processo histórico-cul-
mantinham o mesmo caráter e função de tural de exclusão desta população , uma
instituição total. vez que, legislativamente, o Brasil assu-
CONTATO 146 | 13
miu compromissos nacionais e internacio- limitada ou expandida a partir da quali-
nais para a garantia dos direitos da pessoa dade das relações e da existência ou não
com deficiência. de barreiras impostas e vivenciadas nos
contextos familiares, territoriais e sociais”
Entre as principais ratificações estão a (MDS, 2017 p. 65).
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), a Convenção para a Prevenção e a Isso significa dizer, utilizando as palavras de
Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Diniz (apud BARNES, 2013), que só é possí-
Convenção Internacional sobre a Eliminação vel analisar a deficiência considerando to-
de Todas as Formas de Discriminação dos os aspectos sociais e territoriais envolvi-
Racial (1965), a Declaração dos Direitos do dos. Nesse sentido, a atuação da Psicologia
Deficiente Mental (1971), a Convenção OIT precisa utilizar análises críticas sobre as
159/83 (Reabilitação Profissional e Emprego realidades históricas, econômicas, políticas
de Pessoas Deficientes), a Convenção sobre e sociais, assumir compromissos com a de-
os Direitos da Criança (1989) e a Convenção fesa intransigente do direito à convivência
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência familiar e comunitária da pessoa com defi-
(2006), além da Lei Brasileira de Inclusão ciência, além de romper com lógicas higie-
da Pessoa com Deficiência, promulgada em nistas, manicomiais, segregacionista, estig-
2015 (Lei nº 13.146). matizantes e tutelares.
DINIZ, Debora. Deficiência e Políticas Sociais- entrevista com Colin Barnes. Revista Ser
Social, Brasília, v. 15, n 32, p.237-251, jan/jun 2013.
BRASIL, MDS. Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas.
Brasília, DF: MDS, Secretaria Nacional de Assistência Social, 2017.
14 | CONTATO 146
NÓS DA LUTA
ANTIMANICOMIAL
NO PARANÁ
18m: vidas que (r)existem
Por Altieres Edemar Frei (CRP-08/20211), assessor técnico de pesquisas do CRP-PR; Eduardo
da Silva Antonio (CRP-08/30797), conselheiro do XV Plenário; e Bruna Frugieri Fernandes
(CRP/08-19294), orientadora fiscal da COF/CRP-PR
Para além de uma questão da briga históri- práticas atrelados a esse olhar biomédico
ca entre a implantação das políticas públi- sofre o sofrimento mental.
cas em nível federal e em nível estadual (a
dicotomia entre os partidos PT x PSDB que Não bastasse esse indicador, ainda temos
vigorava quando da ratificação da Portaria aqui outras particularidades: o fortaleci-
3.088, de 2011), a existência da Linha Guia mento das comunidades terapêuticas or-
de Saúde Mental, ao invés de uma Rede de ganizadas em associações e federações – as
Atenção Psicossocial no Estado do Paraná, quais, dessa forma, ocupam espaços signifi-
aponta alguns descompassos importantes cativos do controle social –, passando tam-
que se refletem, entre exemplos, no alto bém pela existência de Centros de Atenção
investimento para financiamento de leitos Psicossocial (CAPS) que muitas vezes encon-
em hospitais psiquiátricos. tram dificuldades para se atrelar ao mode-
CONTATO 146 | 15
lo da atenção psicossocial, em oposição ao plural: quantos somos nós, onde estamos
paradigma biomédico (como é o caso dos nós, como nos vemos enquanto coletivos
CAPS regidos por consórcios de municípios, nesse processo histórico que, muitas vezes,
caracterizados como um modelo de ad- aponta para a fragmentação e para a indi-
ministração terceirizada, e que partem de vidualização dede quem atua como uma
uma premissa de abrangência territorial no estratégia sórdida de desmobilização e ne-
mínimo questionável). cropolítica. Lembremos que esquizo, em
grego, é um signo que pode ser traduzido
Fazer esse debate aqui nunca foi fácil. exatamente por fragmentação.
Podemos, assim, afirmar que esses são al-
guns dos nós que há nessa linha que eviden- Nesta campanha do Conselho Regional
ciam o descompasso, a falta de sintonia com de Psicologia do Paraná (CRP-PR) para
o modelo tentado a duras penas em outros o 18 de maio – Dia Nacional da Luta
estados da federação. Para além da óbvia Antimanicomial, já conhecido simplesmen-
conotação de que a linha, para ser guia, te como 18M –, afirmamos a existência de
precisa estar desprovida de nós, temos tam- “nós da Luta Antimanicomial no Paraná”.
bém uma outra evidência de análise que diz Sim, há esses nós que existem e precisam
respeito ao peso, ao mérito, à envergadura ser desatados, quando pensamos nos desa-
das muitas resistências no campo da Luta fios ante o conservadorismo e o fascismo
Antimanicomial no Estado do Paraná ao atrelados à “indústria da loucura”, ao mes-
longo das últimas décadas. Podemos, as- mo tempo em que há esse nós: existimos e
sim, dizer que a resistência por aqui “tem resistimos empunhando bandeiras e faixas
peso dois”, o que nos dá razão para prestar que clamam por uma vida menos ordiná-
nosso tributo e admiração às diversas asso- ria, que almeja inventar e (r)existir ante a
ciações e coletivos de trabalhadoras(es/ies), mecanismos sutis ou explícitos de desativa-
usuárias(os/ies) e familiares, aos diversos ção da vida (ou mecanismos necropolíticos)
movimentos sociais que empunham a ban- em curso.
deira de uma Luta Antimanicomial que, de
fato, não seja “maquiada” e consiga contun- Nós seguiremos lutando para continuarmos
dência com as práticas antiproibicionistas e enquanto primeira pessoa do plural, e se-
antirracistas que o tempo exige. guiremos tramando para que os nós na tal
linha sejam pontos de confecção de uma
Nesse sentido, os “nós da Luta rede, de fato, de atenção psicossocial, em
Antimanicomial do Paraná” nos dão uma defesa do SUS e da lógica da atenção psi-
outra perspectiva de análise atrelada ao cossocial, antiproibicionista e antirracista,
fortalecimento desta primeira pessoa do neste e em outros dias de luta.
16 | CONTATO 146
bit.ly/3Kd7aNt
CONTATO 146 | 17
des a serem realizadas, e até pelo questio- cuidado e de maior atenção com a(o/e)
namento das práticas da nossa profissão, usuária(o/e).”
fazendo-nos retomar, constantemente, a
reflexão sobre a natureza do nosso traba- A nossa responsabilidade, como profissio-
lho e reafirmando, para nós, os objetivos, nais da Psicologia, é atuar com amparo no
funções e finalidades específicas, regula- compromisso ético-político, respeitando os
mentadas e asseguradas pelas normativas recortes sociais que se encontram na socie-
de cada campo de atuação. dade. Temos como compromisso e dever
apresentar os dimensionamentos dessa
Neste cenário, a autonomia é uma pala- atuação, a fim de sensibilizar as gestões so-
vra, às vezes, difícil de colocar em prática, bre essa articulação que se encontra nas di-
principalmente perante o outro. Temos de retrizes da Resolução. A partir da nossa au-
lidar com os modelos de atenção em saú- tonomia, devemos priorizar determinadas
de imposta por gestoras(es/ies) que, muitas tarefas, reafirmando as atividades que en-
vezes, são diferentes daqueles em que acre- volvam as práticas do exercício profissional,
ditamos e que são as bases para a criação respeitando as subjetividades de pessoas
dessa Resolução e seus quatro eixos: aten- usuárias e os princípios da reforma psiquiá-
dimento específico, ações compartilhadas, trica antimanicomial.
ações no território e outras ações. Essa me-
dida é um marco histórico para a atuação Compreender os elementos de cada am-
de profissionais de Psicologia no campo da biente nos municípios é uma realidade de
saúde, nos níveis de atenção primária, se- cada profissional. Sabemos que existem
cundária e terciária. espaços que devem ser fortalecidos para
que se possa realizar um atendimento de
Conforme salienta a conselheira Neuza modo mais efetivo. Entretanto, os aspectos
Maria de Fátima Guareschi (CRP-07/01309), que estão relacionados a sua autonomia e
coordenadora do Grupo de Trabalho que responsabilidade são fundamentados na
redigiu as orientações: “A Psicologia não Nota Técnica nº 05/2018, sendo um posi-
contava com diretrizes para o trabalho na cionamento necessário para pautar os co-
saúde. Agora, passam a existir esses parâ- nhecimentos técnico-científicos, segundo
metros, possibilitando que a(o/e) profis- os princípios fundamentais da profissão,
sional esteja respaldada(o/e) diante de seu da promoção de saúde e da qualidade
gestor e de sua equipe profissional. Tudo de vida de usuárias, usuários e usuáries
isso vai resultar em um trabalho de maior em atendimentos.
18 | CONTATO 146
As marcas contemporâneas da colonização que tentou
aniquilar subjetividades e expressões de gênero
CAPA
CONTATO 146 | 19
S abe tudo o que te ensinaram sobre
gênero? É mentira. A história que te
contaram é manipulada por um sis-
tema que, propositalmente, escolhe as in-
formações que chegam até você e que são
partir do isomorfismo para o dimorfismo
dos corpos, posteriormente estabelecendo
as diferenças biológicas como parâmetro
não só da diferença, mas também da re-
lação de superioridade entre um corpo e
distorcidas para que colaborem com a ma- outro. A binariedade de gênero foi se es-
nutenção do poder e opressão de poucas truturando sobre a classificação dos corpos
sobre muitas pessoas. Pense em tudo o que considerando a diferenciação aparente,
gênero tem de significado mais evidente especialmente da genitália externa, classi-
e se pergunte: quem sou eu nesse sistema ficando os indivíduos em homens (pessoas
gendrado? Como eu descobri quem sou em possuidoras de pênis) ou mulheres (pes-
termos de gênero? De que forma o sistema soas não possuidoras de pênis e possuido-
de gênero me atravessa? E se o gênero não ras de vulvas). O mesmo aconteceu com o
tem por significado aquilo que me ensina- conceito de raça, usando a característica
ram, então quais são as outras histórias que aparente da cor da pele, entre outras, a
deixaram de me contar? fim de hierarquizar pessoas brancas e ne-
gras, indígenas, amarelas e demais pessoas
Estamos aqui para te contar histórias ne- não brancas, justificando assim sua opres-
gligenciadas, ignoradas, demonizadas, cri- são e dominação.
minalizadas e patologizadas ao longo dos
séculos, sobre berdaches, cudinas, muxes, Aqui, é importante mencionar a existência
hijras, tybyra, aredu imedu, entre outras das pessoas intersexo, que são invisibiliza-
identidades que sofreram tentativas de das apesar de constituírem até 4% da popu-
aniquilamento, para que seus rastros não lação mundial (esse número pode estar su-
fossem descobertos e pudessem desvelar bestimado). Intersexo é a pessoa cujo corpo
os sistemas de opressão que nos envolvem não se enquadra nas limitadas definições
até hoje. de sexo feminino ou masculino, podendo
abranger características físicas, cromossô-
Para abrasileirarmos nosso diálogo, é micas ou hormonais, em um conjunto am-
importante lembrar que o território de plo de possíveis variações. Muitas vezes, são
Pindorama (conhecido atualmente como realizadas intervenções hormonais ou ci-
Brasil) foi invadido em meados de 1500. rúrgicas para enquadrarem violentamente
Quem eram os invasores? Homens, cisgê- esses corpos dentro das limitadas e limitan-
neros, brancos, heterossexuais, burgueses, tes caixinhas do binarismo. Anteriormente,
europeus e cristãos. Essas são as caracte- usava-se o termo hermafrodita, que não
rísticas centrais dos invasores coloniais que deve mais ser usado para se referir a pes-
impuseram suas crenças, com muita violên- soas. O oposto de intersexo é endossexo
cia, em detrimento das vidas e da diversi- ou perissexo.
dade dos povos originários que habitavam
essas terras. Mas isso não aconteceu só no Quando falamos que o sistema de gênero
Brasil, pois a colonização foi fundamental- moderno usa apenas características aparen-
mente marcada pelas violências e deixa tes para fazer essa classificação, é porque
marcas até hoje, inclusive nas relações e na uma enorme variedade de fatores influen-
subjetividade dos povos colonizados. cia essa temática de sexo e gênero, sendo
geralmente deixados de fora da definição
O binário de gênero, homem-mulher ou limitada e limitadora, como, por exem-
masculino-feminino, foi sendo forjado a plo: cromossomos, gônadas, morfologia
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externa, morfologia interna, padrões hor- do ao seu corpo quando nasceu. Na nossa
monais, fenótipo, sexo designado e aquele sociedade, o que geralmente ocorre é que
que a própria pessoa designa a si mesma. o saber-poder médico designa o sexo do
Atualmente, os cromossomos e as genitá- feto ou bebê a partir de algumas caracte-
lias são parte dessa designação, mas de tal rísticas físicas aparentes (essencialmente,
maneira que conseguimos ver como a bio- a presença ou ausência de pênis). Com o
logia é uma interpretação e é, por ela mes- passar do tempo, a pessoa pode se identi-
ma, cirurgicamente construída (LUGONES, ficar ou não com o sexo que a ela foi atri-
2020, p. 63-64). buído. Quando a pessoa se sente em con-
formidade com esse gênero, é uma pessoa
Para resumir, o sistema de gênero pode ser cis. Caso contrário, trata-se de uma pessoa
considerado uma imposição moderna e oci- transgênero, transexual ou trans. Ainda, a
dental por parte dos colonizadores, pois os não binariedade se refere à pessoa que não
povos colonizados se organizavam a partir se identifica exclusivamente com o gênero
de diferentes entendimentos da vida, da feminino ou o masculino, podendo ter uma
realidade e da existência, com papéis de gê- identificação parcial, neutra, fluida ou di-
nero com maior fluidez em suas posições, vergindo completamente da classificação
com identidades que divergem ou fogem binária de gênero. Conforme exposto aci-
do binário de gênero, ou até mesmo sem ma, essas identidades que fogem da cisse-
um sistema de gênero institucionalizado. xualidade e da binariedade de gênero não
são coisas novas. Na verdade, é a narrativa
Assim, gênero é uma categoria normativa de que só existem homens (XY) e mulheres
criada em cima das diferenças anatômicas (XX) que é uma invenção recente na história
que são aparentes, desconsiderando uma da humanidade.
infinidade de fatores que influenciam na
corporalidade e na subjetividade, e que se As constatações históricas de identidades
funda em cima do binarismo e da heteros- diversas demonstram as farsas da binarie-
sexualidade compulsória, inventando ain- dade. As muxes são pessoas que habitam a
da uma suposta cadeia causal entre sexo- civilização Zapoteca no México desde antes
-gênero-desejo. Quer dizer, a narrativa de da invasão colonial hispânica. Elas possuem
que “uma pessoa que possui pênis é um ho- um lugar de respeito e importância social
mem e deve sentir atração por uma pessoa em suas comunidades. E não são “homens”
que possui vulva e é uma mulher” é uma nem “mulheres”.
narrativa inventada em um dado período
histórico, em uma dada localização geográ- Nos territórios brasileiros, as cudinas são
fica, com o propósito de dominação e ex- pessoas pertencentes aos povos originários,
ploração dos corpos que desviassem disso. do povo Mbayá-guaikuru. Os invasores colo-
niais as descreveram como: “estes cudinhos
Vamos apresentar mais algumas definições ou nefandos demônios, vestem-se e enfei-
para facilitar o entendimento desse tema. tam-se como mulheres, falam como elas,
A identidade de gênero se refere ao gênero fazem só os mesmos trabalhos que elas
com o qual a pessoa se identifica, poden- fazem, trazem jalatas, urinam agachados,
do também não se identificar com nenhum têm marido que zelam muito, e têm cons-
(agênero), ou com mais de um (dentro do tantemente nos braços, prezam muito que
guarda-chuva de identidades não binárias). os homens os namorem, e uma cada mês
Cissexual, cisgênero ou cis é a pessoa que afetam o ridículo fingimento de se suporem
se identifica com o gênero que foi atribuí- menstruados”. Segundo a Dra. Megg Rayara
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Gomes de Oliveira, são experiências que se tegoria mulher na sociedade iorubá como
aproximam da vivência de mulheres trans e colonial, e aponta para como a sociedade
travestis, mas que foram lidas como demo- euro-americana forja um conceito de gêne-
nizadas, pois não correspondiam à imposi- ro a partir da ideia de família nuclear, que
ção binária de gênero. Dra. Megg também é fundamentada na hierarquia e opressão
destaca relatos de experiências que se apro- do “marido” sobre a “esposa”. Entretanto,
ximam das vivências transmasculinas. ela destaca que a família iorubá tradicio-
nal é não generificada, e as funções e po-
Já na Índia, as hijras são pessoas que alcan- deres estão relacionados à antiguidade ou
çaram o reconhecimento na lei indiana de à idade relativa.
formarem um “terceiro gênero”. São rela-
cionadas à deusa Bahuchara Mata e ocu- Existem mais histórias do que aquelas im-
pam um lugar sagrado na tradição hindu, postas pelo sistema colonial opressivo:
podendo abençoar as vidas das pessoas: histórias trans ancestrais e que destacam
agredir uma hijra significa gerar uma maldi- a diversidade de gênero. A transexualida-
ção para quem a agrediu. Suas identidades de “verdadeira”, forjada pelo saber-poder
já apareciam em textos sagrados do hin- da medicina nas décadas de 50 e 60, é a
duísmo que remontam a 4 mil anos atrás. tentativa de impor à diversidade de gêne-
ro uma nosologia, estigmatizando-a como
Além disso, a Dra. Jaqueline Gomes de patologia, aberração anormal. Se tentaram
Jesus destaca os relatos da vida de Xica aniquilar nossas vidas de tantos modos di-
Manicongo, hoje considerada a primeira ferentes, resistimos. Existimos.
travesti não indígena do Brasil. Xica foi se-
questrada e escravizada, trazida da região Por fim, é essencial compreender que as ca-
do Congo. No Brasil, impuseram-lhe um tegorias de raça e gênero são construções
nome masculino, Francisco, negando-lhe de dominação e hierarquização da coloni-
sua identidade. Ela seguia vestindo trajes zação, e que os corpos humanos são plurais
africanos considerados femininos e seu so- e diversos: eles não existem a partir das
brenome, Manicongo, remetia a um título definições humanas limitadas e as hierar-
utilizado pela realeza do Congo, onde Xica quizações não existem por si sós. Essa é a
pode ter sido rainha. Ela foi condenada a ser história da criação dessas categorias. A in-
queimada viva em uma praça pública por versão nessa narrativa é ideológica e colo-
ser “quimbanda, membro de uma quadrilha nial, responde a um projeto de dominação
de feiticeiros sodomitas”. Para não morrer e exploração, e sua manutenção configura
dessa forma, precisou adotar o estilo de a normatização dos corpos, não respeitan-
vestimentas masculinas impostas na época. do sua diversidade. Se a Psicologia não se
atenta a essas questões em sua prática, ela
A pesquisadora nigeriana Dra. Oyèrónkẹ́ se reduz a apenas mais uma ferramenta de
Oyěwùmí apresenta o surgimento da ca- propagação da histórica violência colonial.
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Doenças raras:
a doença, a pessoa e a família
Por psic. Aline Maran Brotto (CRP-08/26004), pós-graduada em Neuropsicologia e
mestre em Bioética com ênfase em doenças raras e saúde mental*
SAÚDE
meras doenças raras não são rastreáveis situação traz um sentimento de empatia,
nos sistemas de saúde, ou não têm um que significa um processo de identificação
diagnóstico preciso. em que o indivíduo se coloca no lugar do
outro e, com base nas suas próprias supo-
Em torno de 300 milhões de pessoas vi- sições ou impressões, tenta compreender
vem hoje com uma patologia considerada o comportamento do outro, gerando um
rara, ou seja, 4% da população mundial. sentimento de pertencimento – de acolhi-
Em média, 30% das pessoas com doenças mento verdadeiro – que tem por significado
raras morrem antes dos cinco anos de ida- a maneira de receber ou de ser recebido, de
de; 75% destas condições afetam crianças e ter consideração.
80% têm origem genética. As doenças raras
geralmente são crônicas, progressivas, de- Esses sentimentos fazem com que a troca
* A autora escreveu a convite da Revista Contato
CONTATO 146 | 23
e esta trajetória muitas vezes é demorada ACESSO À SAÚDE
e traz consigo muita frustração e angústia,
por não saber sobre o desconhecido. Alguns processos dificultam o acesso à
saúde, como, por exemplo, a falta de in-
As associações de pessoas com doenças formações e a consequente necessidade de
raras visam compartilhar as experiências formação e informação das famílias diante
de famílias e pessoas com estas doenças, do processo de saúde e doença. A precarie-
e esta é a principal razão de se estabelece- dade do acesso à saúde, bem como a vulne-
rem organizações de pacientes nas quais se rabilidade moral e social, são vieses muito
exercita o reforço técnico operacional e se relevantes nessa caminhada.
mantém o elo de ligação entre as famílias.
A partir desse apoio, as atividades de desen- Quando familiares que cuidam não rece-
volvimento, aconselhamento, acolhimento bem orientação, condiciona-se um cami-
e conhecimento tornam-se cada vez mais nhar muitas vezes estressante para todas as
solicitadas e trazem o grande diferencial pessoas envolvidas, especialmente por não
para as associações. saberem o que fazer. Isso leva a um risco
maior em relação à saúde mental. As redes
A espera por não saber o que fazer, ou pela de apoio (associações, serviços de referên-
equipe de saúde ter conhecimento de como cia em doença rara, unidades básicas de
proceder, faz com que as associações se saúde, hospitais ou planos de saúde) podem
tornem ainda mais relevantes. Esses gru- ajudar a proteger essas pessoas dos efeitos
pos desempenham um primordial papel adversos da doença, mas às vezes são itine-
nos sistemas de saúde, pois constroem ca- rários muito solitários e sem acompanha-
minhos entre pacientes e equipe de saúde. mento ou políticas públicas específicas.
Normalmente, as associações são o primei-
ro contato com os tratamentos considera- Cuidar adequadamente da saúde da pessoa
dos inovadores. com doença rara é também cuidar de quem
cuida, pois, quando há acesso a tratamen-
O sentimento de pertencimento, acolhi- tos de qualidade, bem como a atividades
mento, identificação e empatia pode estar de vida diária e bem-estar, é possível ad-
relacionado diretamente com o sentimento ministrar outras esferas da vida pessoal. A
de comunidade. Fazer parte de um grupo, realidade da esfera da saúde coletiva deve
perceber influência, integração e satisfação contar com o apoio em diversos setores,
das necessidades e a partilha de ligações que indiscutivelmente podem fortalecer
emocionais em relação a um grupo ao qual laços para a manutenção digna da vida de
podemos chamar de comunidade, ou seja, pacientes e familiares com doenças raras.
pessoas que se conhecem ou se encontram
por algum motivo que as une. O aperfeiçoamento de tecnologias assisti-
vas também é uma demanda salutar. Tais
O cuidado em grupo gera sentimentos sub- mecanismos podem acompanhar o cresci-
jetivos, mas que, em grande parte, possuem mento e desenvolvimento das pessoas com
relação com a qualidade e a satisfação de doenças raras e suas famílias em suas estra-
vida; logo, mostram que estar em grupo ou tégias para acessibilidade na educação, na
em comunidade melhora o bem-estar de maior rapidez no diagnóstico e tratamentos
uma forma geral. eficazes que forneçam maiores condições
de qualidade de vida.
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Além disso, pensando em médio ou longo também de escopo grupal. Tanto a dinâmi-
prazo, podem existir doenças raras que são ca paliativa quanto a luta pelos direitos que
hereditárias; logo, cuidar de quem tem a envolvem o SUS (Sistema Único de Saúde)
doença rara faz com que outros recursos ou mesmo as tecnologias assistivas man-
possam surgir até a doença se manifestar têm um enfoque muito importante sobre as
em outro indivíduo da família. Neste sen- políticas públicas.
tido, é imensamente necessário que haja
mais formação e incentivo para profissio- A necessidade do estudo das políticas pú-
nais da medicina geneticista no Brasil, a blicas vai se revelando à medida que se bus-
fim de que minimamente supra a demanda cam formas de concretização dos direitos
existente no momento. O uso da teleme- humanos, em particular os direitos sociais.
dicina é outro aliado que pode diminuir A comunidade de pessoas com doenças ra-
a vulnerabilidade de acesso à medicina ras almeja salvaguardar seus direitos, o que
geneticista em regiões com menor taxa inclui medicações de alto custo e formação
dessa especialidade. para os grupos de famílias e até mesmo pro-
fissionais que não têm conhecimento sufi-
POLÍTICAS PÚBLICAS ciente sobre estas patologias, suas formas
de diagnóstico e prognóstico.
As doenças raras também precisam estar
contempladas na formulação de políticas É preciso atuar para que todas as pessoas
públicas, que respaldam projetos de cuida- consigam ser cuidadas com dignidade e jus-
dos e minimizam vulnerabilidades. A rela- tiça, principalmente as mulheres, que são
ção entre as políticas públicas efetivas e que as que cuidam, na maioria das vezes, e que
abarquem as demandas de pessoas e fami- populações em situação de vulnerabilidade
liares com doenças raras é dinâmica e com- econômica e de acesso à saúde possam al-
plexa, considerando a gama de 113 milhões cançar o cuidado por meio de políticas pú-
de brasileiras(os/es) com doenças raras que blicas inclusivas.
possuem especificidades individuais, mas
CONTATO 146 | 25
Por psic. Danilo Zeferino Brandão (CRP-08/22044), Carine Coas (CRP-08/10833),
Meire Regiane Lourenço Nunes (CRP-08/09673), Cleodete de Fatima Fabri (CRP-
08/ 08920), Matheus Atilio Ramos Sales (CRP-08/36312), Franceline Gabeline de
Arruda (CRP-08/17736), Ana Paula Pereira (CRP-08/13277) e Rosangela Bacron
(CRP-08/4941), da Comissão de Mobilidade Humana e Trânsito do CRP-PR
Essas perguntas não são rotineiramente Apesar de a causalidade das mortes e le-
pensadas, mesmo fazendo parte diaria- sões no trânsito ser complexa e múltipla,
mente da nossa vida, não é mesmo? Por adotar boas práticas diariamente no trân-
isso, campanhas de conscientização, como sito pode fazer uma diferença significativa
o Maio Amarelo, emergem com a proposta na redução desses números. Boas práticas
de nos fazer refletir a esse respeito. Neste no trânsito são boas escolhas, o que signifi-
ano de 2023, o tema da campanha é “No ca não ingerir bebida alcoólica quando for
trânsito, escolha a vida”, a fim de reforçar à dirigir, não ultrapassar em local proibido,
sociedade que nenhuma morte no trânsito usar a faixa de pedestres, não dirigir quan-
é aceitável. do sentir cansaço ou sono, e usar o cinto de
segurança, por exemplo. Escolhas conscien-
Para se ter uma ideia, dados de janeiro a tes e seguras.
julho de 2022 demonstram que cerca de
TRÂNSITO
13 mil acidentes registrados nas rodovias Uma atitude muito importante no cenário
brasileiras tiveram relação com o “fator das boas práticas no trânsito é a reflexão
humano”, abrangendo a condição de saúde sobre a segurança de pedestres. Quando
ou comportamento de motoristas, como a pensamos que ora somos pedestres, ora
falta de atenção, ingestão de álcool e subs- motoristas, ciclistas ou motociclistas, logo
tâncias psicoativas, sonolência, tempo de compreendemos que “todos somos pedes-
reação/resposta tardia e o mal súbito. tres”. Algumas mudanças implantadas em
algumas cidades brasileiras, e também em
Observa-se que são comuns as fatalidades alguns países, demonstram um novo cená-
relacionadas à negligência (descuido, de- rio em prol da maioria menos privilegiada:
satenção), à imprudência (ação precipita- pistas de caminhada, ciclovias, faixas de
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pedestres, ciclofaixas, iluminação das vias, à direita da pista, seguindo o mesmo fluxo
acessibilidade, parques, semáforos, reduto- dos veículos.
res de velocidade e utilização de vestimen-
tas ou materiais para ajudar a visibilidade Para motociclistas: use os equipamentos
de pedestres e ciclistas – principalmente de segurança (como capacete com viseira,
ao amanhecer, no entardecer e durante a luvas, sapatos fechados). Respeite os limi-
madrugada. Essas são algumas das medi- tes de velocidade estabelecidos no Código
das que reduziram, em algumas cidades, Brasileiro de Trânsito (CTB), assim como ou-
o número assustador de acidentes que tros preceitos lá estabelecidos, como a si-
elas registravam. nalização. Não consuma bebidas alcoólicas
antes da direção; não faça, em hipótese al-
Desta forma, nós, da Comissão de guma, manobras perigosas, e mantenha os
Mobilidade Humana e Trânsito, indagamos equipamentos do veículo revisados (freio,
a você: há boas práticas no trânsito que po- acelerador, pneus). Lembre-se de que moto
dem ser implementadas em seu dia a dia? é o tipo de veículo que mais causa fatalida-
des, exigindo de quem a conduz maior res-
POR ONDE COMEÇAR? guardo possível, para garantir a vida.
PARE
tas), em questão de proporção de tamanho for mudar de faixa, nas sinalizações, limites
e segurança em caso de acidentes. de velocidade. Mesmo que a preferencial
seja sua, reduza e dirija com cautela, respei-
Para pedestres: transite, sempre que possí- tando sempre as outras pessoas no trânsi-
vel, na calçada; use e abuse do ditado “lu- to com uma direção prudente e defensiva.
gar de pedestre é na faixa”, evitando fazer Atente-se às laterais das vias e para o trân-
travessias fora dela e, mesmo que a passa- sito de animais ou pedestres, evitando, as-
gem seja feita na faixa, pare e olhe para os sim, tragédias.
dois lados; caso haja algum veículo indo em
direção à faixa, evite a travessia até que ele Para motoristas de caminhões, ônibus e
esteja completamente parado e sinalize, carretas: quanto maior o porte, maior o
com o braço, sua intenção de atravessar. acidente, ou seja, proporcionalmente, o
estrago de uma batida é maior. Motoristas
Para ciclistas: use a ciclofaixa, que é des- de veículos pesados devem circular, prefe-
tinada para esse tipo de trânsito, quando rencialmente, pela faixa da direita. Respeite
houver, pois, ao andar em calçadas, você o limite de carga que o veículo comporta,
traz risco para pedestres. Assim como ou- pois o excedente de peso pode causar capo-
tros veículos, é necessário respeitar a sina- tamento ou comprometer a mobilidade do
lização, semáforos, faixas e preferenciais. veículo, que pode não suportar subir uma
Quando estiver circulando em vias onde há ladeira, por exemplo. Motoristas desse tipo
trânsito de veículos, mantenha-se sempre de veículo costumam trabalhar com entre-
CONTATO 146 | 27
ga de mercadoria e transporte de pessoas. sua vez, estão diretamente associados
Portanto, deve-se evitar exceder os limites ao excesso de velocidade, dirigir sob o
do próprio corpo respeitando as pausas efeito de álcool ou drogas, realizar ul-
para descansar, dormir e se alimentar bem, trapassagens arriscadas e usar telefone
além de não utilizar substâncias ilícitas para celular ao volante, além do desrespeito
aumentar o tempo na direção. à sinalização.
28 | CONTATO 146
Tentativas De Aniquilamento
De Subjetividades Lgbtis:
os compromissos da Psicologia
e as práticas éticas
Por psic. Bruna Frugieri Fernandes (CRP-08/19294), em colaboração
com a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF)
ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
tratam os intensos sofrimentos e os proces-
sos de resistência decorrentes de diversas
formas de violências, preconceitos, injusti- Art. 1° – Os psicólogos atuarão segun-
do os princípios éticos da profissão no-
ças e exclusão. Diante das narrativas que
tadamente aqueles que disciplinam a
demonstram violências sociais e cotidia- não discriminação e a promoção e bem-
nas a que estão submetidas essas pessoas, -estar das pessoas e da humanidade.
pelo fato de serem LGBTIs, e a constatação
de que tais violências fazem parte da for- Art. 2° – Os psicólogos deverão con-
ma de organização social, questiona-se: a tribuir, com seu conhecimento, para
Psicologia pode contribuir na construção uma reflexão sobre o preconceito e o
desaparecimento de discriminações e
de uma sociedade em que a diversidade é
estigmatizações contra aqueles que
possível, acolhida e valorizada? Quais as apresentam comportamentos ou prá-
ações do Sistema Conselhos de Psicologia ticas homoeróticas.
nesse sentido?
Art. 3° – Os psicólogos não exerce-
Considerando o consenso vigente na comu- rão qualquer ação que favoreça a pa-
nidade científica nacional e internacional, tologização de comportamentos ou
além dos princípios básicos da Constituição práticas homoeróticas, nem adotarão
Federal e os compromissos mais elemen- ação coercitiva tendente a orientar
tares em favor dos direitos humanos, o homossexuais para tratamentos não
Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem solicitados.
produzindo, desde 1999, normativas pro-
Parágrafo único – Os psicólogos não
fissionais específicas que buscam orientar colaborarão com eventos e serviços
CONTATO 146 | 29
Para ler e
saber mais:
que proponham tratamento e cura das to, o acompanhamento, a autonomia
Para saber mais sobre homossexualidades. e a despatologização.
as Resoluções, Notas No âmbito do CRP-PR, as discussões per-
Art. 4° – Os psicólogos não se pro-
Técnicas e Guia de
Orientações, acesse: nunciarão, nem participarão de pro- manecem contínuas, tanto por parte
nunciamentos públicos, nos meios de do plenário, do Núcleo de Diversidade
Resolução CFP nº 1/ 2018:
comunicação de massa, de modo a de Gênero e Sexualidades (Diverges), do
bit.ly/2PVFUVW
reforçar os preconceitos sociais exis- Núcleo Transcentrado (ambos vinculados à
tentes em relação aos homossexuais
Comissão de Direitos Humanos - CDH), quan-
como portadores de qualquer desor-
to por parte da Comissão de Orientação e
dem psíquica.
Fiscalização (COF), que disponibiliza, em
Para além da Resolução anteriormente seu Guia de Orientações, instruções cor-
Resolução CFP nº 8/2020: mencionada, podemos citar outras norma- respondentes ao tema.
bit.ly/3JWV37f tivas construídas pelo Sistema Conselhos Em consonância com os princípios funda-
de Psicologia: mentais do Código de Ética Profissional
Resolução CFP nº 1/ 2018, que estabele- do Psicólogo (CEPP), frisa-se que profissio-
ce normas de atuação em relação às pes- nais de Psicologia não serão coniventes e
soas transexuais e travestis; nem se omitirão diante da discriminação
Resolução CFP nº 8/2022: de pessoas transexuais e travestis, e não
bit.ly/3ZvhlTo Resolução CFP nº 8/2020, que estabe-
exercerão qualquer ação que favoreça a
lece normas de exercício profissional em
sua patologização:
relação às violências de gênero;
Resolução CFP nº 8/2022, que estabe- Art. 8º – É vedado às psicólogas e
lece normas de atuação em relação às aos psicólogos, na sua prática pro-
Nota Técnica CFP nº 1/2021: bissexualidades e demais orientações não fissional, propor, realizar ou cola-
bit.ly/3nGpUgA monossexuais. borar, sob uma perspectiva pato-
logizante, com eventos ou serviços
Nota Técnica CFP nº 1/2021, sobre a privados, públicos, institucionais,
Resolução nº 1/1999; comunitários ou promocionais que
visem a terapias de conversão, re-
Nota Técnica CRP-PR 002/2018, que versão, readequação ou reorienta-
Nota Técnica CRP-PR 002/2018: orienta profissionais de Psicologia no ção de identidade de gênero das
bit.ly/3nGpUgA atendimento às pessoas transexuais e pessoas transexuais e travestis.
travestis, promovendo o acolhimento, o (Resolução CFP nº 1/ 2018)
acompanhamento, a autonomia e a des-
patologização, em atenção à Resolução Considerar as expressões e identidades
de gênero como possibilidades da exis-
CFP nº 1/2018;
Nota Técnica CRP-PR 001-2019:
tência humana é um compromisso do
Nota Técnica CRP-PR 001-2019, que Sistema Conselhos de Psicologia e de
bit.ly/3TW95KV
orienta profissionais de Psicologia no Psicólogas(os/es) na promoção de direitos
atendimento às pessoas lésbicas, bis- humanos e na construção de uma sociedade
sexuais, gays e demais orientações se- em que a diversidade é reconhecida, acolhi-
da e valorizada.
xuais (LGB+), promovendo o acolhimen-
30 | CONTATO 146
A PSICOLOGIA APLICADA AO
DEPOIMENTO EM JUÍZO DE
crianças e adolescentes em situação de violência
Por psic. Maristela Sobral Cortinhas (CRP-08/04273), psicóloga judiciária do TJPR (Juizado de Violência
Doméstica e Familiar e Vara de Crimes Contra Crianças, Adolescentes e Idosos), doutoranda em Ciência e
Tecnologia (PPG-UTFPR) e especialista em Psicologia Jurídica
P
ara refletir sobre as possibilidades es) no DE, enquanto outras a defendem, em
de participação de psicólogas(os/es) um processo contínuo e contraditório que
judiciárias(os/es) nos procedimentos vem construindo essa prática no decorrer
de Depoimento Especial (DE) no sistema dos anos.
de justiça, leva-se em consideração a re-
gência, fundamentalmente, da Lei Federal A Lei Federal nº 13.431/2017, que entrou
nº 13.431/2017 e, no Estado do Paraná, em vigor um ano depois, estabelece o sis-
do Provimento do Tribunal de Justiça do tema de garantia de direitos da criança e
Paraná (TJPR) nº 287/2019. da(o/e) adolescente vítima ou testemunha
de violência, a partir do qual foi legalmente
Nesse sentido, desde já, referimo-nos a instituída a escuta especializada pela rede
uma demanda que não nasce no âmbito municipal de proteção da infância e da ju-
da Psicologia, embora tenhamos historica- ventude e o depoimento em juízo de crian-
mente a discussão do tema nas Comissões ças e adolescentes vítimas ou testemunhas
de Psicologia Jurídica do Conselho Regional de violência, por meio do DE.
de Psicologia do Paraná (CRP-PR) desde lon-
ga data (RODRIGUES et al., 2016). Embora Pesquisas sobre essa prática no Brasil defi-
seja uma discussão que vem amadurecen- nem-na como métodos, técnicas e proce-
ÉTICA
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do Paraná, a partir da promulgação do Além desses dados, os Anuários Brasileiros
Provimento do TJPR nº 287/2019, tendo em de Segurança Pública de 2021 e de 2022
vista a necessidade de orientar e padronizar apontam que cerca de 75% dos casos de es-
os procedimentos relativos à aplicação da tupro no Brasil têm como vítimas crianças
Lei Federal nº 13.431/2017, com o estabele- e adolescentes menores de 13 anos de ida-
cimento de rotinas e condutas em todas as de e que, quanto menor a idade da vítima,
comarcas do Estado paranaense. maior a probabilidade de que a violência
ocorra dentro de casa, chegando, no inter-
O referido provimento prevê que o sistema valo de 0 a 4 anos de idade, ao índice de
de justiça siga o rito cautelar de antecipa- 70,4% dos casos.
ção de provas, quando a(o/e) magistra-
da(o/e) encaminhará o caso para a equipe Pesquisas apontam que os maiores ques-
multiprofissional (psicólogas(os/es) e assis- tionamentos quanto à participação da(a/e)
tentes sociais) de sua confiança, que efetua- psicóloga(a/e) nos procedimentos de DE
rá uma Avaliação Preliminar (AP). Segundo refere-se à ideia de que se restringe à inqui-
o mesmo documento, a AP deve considerar: rição de crianças e adolescentes, pois esta
“I - A disposição e concordância da vítima não é função de profissionais da Psicologia.
ou testemunha em se manifestar; II - As Porém, o que é denominado inquirição pela
condições psicológicas e desenvolvimentais lei é o momento da entrevista forense, ou
para manifestação; III - A capacidade cogni- o depoimento propriamente dito, dentre
tiva para acesso mnemônico.” os procedimentos do DE. No Brasil, são
mais utilizados os seguintes protocolos de
O documento prevê, ainda, que nos casos entrevista forense, reconhecidos cientifica-
em que não se recomenda a participação da mente: a entrevista cognitiva (STEIN et al.,
criança ou adolescente em audiência, inde- 2010), o protocolo NICHD (FEIX & PERGHER,
pendentemente da razão, poderá ser solici- in STEIN et al., 2010) e o Protocolo Brasileiro
tada a perícia psicológica; caso contrário, de Entrevista Forense (PBEF). A entrevista
será agendada a audiência de DE, quando forense não é um procedimento exclusivo
se faz uso da entrevista forense. de psicólogas(os/es), porém não há ques-
tões éticas que impeçam que tais profissio-
A realidade empírica mostra que aproxima- nais o façam, desde que possuam capacita-
damente 95% dos casos de violência contra ção técnica.
crianças e adolescentes encaminhados para
a AP no TJPR são de cunho sexual. Além dis- No entanto, para além do procedimento do
so, documentos oficiais do Estado brasileiro depoimento propriamente dito, a(o/e) psi-
mostram que, aproximadamente, 75% dos cóloga(o/e), com seus conhecimentos téc-
casos de estupro de vulnerável ocorrem no nicos e científicos, pode olhar para o caso
âmbito familiar, cujos perpetradores são fa- a partir da Psicologia do Desenvolvimento
miliares, pessoas da confiança de familiares Humano, especificamente, infantojuve-
ou responsáveis legais. Na maioria das ve- nil; dos estudos referentes à Psicologia do
zes, não deixam marcas físicas ou testemu- Testemunho, que incluem elementos das
nhas oculares. funções psicológicas superiores, como per-
cepção, emoção, memória, motivação no
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Para ler e
saber mais:
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O que seria inclusão social para
um psicólogo em cadeira de rodas?
Por psic. Valdair dos Santos (CRP-08/29118)
F
aço uso de cadeira de rodas, devido à poliomielite aos dois anos de idade. Acho que
fui sempre ativo em tudo na vida, e acredito que não tem a ver com deficiência, mas
sim com a minha personalidade.
Diante deste breve relato, naturalmente surge uma pergunta intrigante: e as dificuldades,
como foram? E esta pergunta é propícia para o tema em pauta. Eu diria que as minhas
dificuldades, na vida ativa que levo, são as mesmas de uma pessoa sem deficiência, porém
com mais desafios.
Acredito que a época em que derramei lágrimas com os desafios foi durante a minha gra-
duação de Psicologia, mas não foi por aquilo que eu precavia: a locomoção e a vida finan-
ceira. Foram, sim, os desafios nos relacionamentos, nas atividades em grupo na sala de
aula e com alguns professores. Tive que usar todas as minhas energias e conhecimentos
para me equilibrar diante disso.
Com esta vasta experiência de vida ativa na sociedade, e com uma visão científica, desco-
bri que a inclusão social, talvez, devesse ser mais intrapessoal e interpessoal, para que fosse
mais assertiva. Os poderes públicos deveriam se atentar a isso: tenho percebido muitos
projetos superficiais na inclusão e em todos os aspectos das necessidades sociais. Com isso,
fica muito a desejar.
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POR QUE SER SINDICALIZADA(O/E)?
Conquistas históricas no âmbito trabalhista não foram alcançadas por um sindicato, mas por
quem representa o porquê de sua existência. Os sindicatos não foram fabricados: surgiram das
primeiras associações de trabalhadoras(es/ies) em busca de melhores condições de trabalho,
usando a união e a mobilização para propósitos coletivos; afinal, uma voz solitária nada faz!
Ser sindicalizada(o/e), portanto, significa pretender que reclamações trabalhistas sejam transforma-
das em direitos garantidos, e entender que um sindicato nunca se fará forte sozinho. Somente com
você caminhando junto é possível fazer valer que “direitos não são dados, mas conquistados”
(Norberto Bobbio).