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© Por psic.

Joeli Grimbor Marques Souza (CRP-08/23372)


Obra: Artesanato em frivolete
06 Ciência e Pesquisa
O Potencial da Programação de Ensino

07 Políticas Públicas
Diversidade de gêneros e sexualidades: pequenas ações na prática psi e

SUMÁRIO
acolhimento criam sociedade menos violenta

09 Étnico-Racial
Maternidades negras e saúde: a interface entre o cuidado e a cor

12 Saúde e Bioética
O cuidado qualificado pelo meio humanizado do agir

15 Capa
A Psicologia no SUS: agente de conquistas em meio a desafios

20 Saúde Pública
O conceito de “SUS Real”

22 Psicologia Anticapacitista
Capacitismo e formação profissional: reflexões a partir do estágio no
campo dos direitos da pessoa com deficiência

25 POP Rua
Nada sobre nós, sem nós: aprendizados a partir dos movimentos em prol da
população em situação de rua

27 Orientação e Fiscalização
Atuação profissional diante de novas tecnologias

29 Ética
Elaboração de documentos psicológicos e atendimentos a crianças e adolescentes

33 Administrativo-Financeiro
Planejamento estratégico do triênio 2022-2025 está disponível para consulta

34 Espaço Psi Ψ
Precisamos cuidar de quem cuida: relato de experiência de um grupo tera-
pêutico com mães de crianças com diagnóstico de TEA

Conselho Regional de Psicologia - 8ª Região (CRP-PR)


Produção: Revista Contato: Informativo Trimestral do Conselho Regional de Psicologia 8º Região (ISSN – 1808-2645) • Site: www.crppr.org.br
Endereço (sede): Avenida São José, 699, Cristo Rei, Curitiba-PR | CEP 80050-350 • Contatos: (41) 3500-7996 | ellen.nemitz@crppr.org.br
Tiragem: 25 mil exemplares • Impressão: Lunagraf • Jornalista responsável: Ellen Nemitz (17.589/RS) • Estagiária de jornalismo: Izabela
Morvan da Silveira • Redação: Ellen Nemitz, Rebeca Amaral e Izabela Morvan da Silveira • Coordenação da Comissão de Comunicação
Social: Julia Mezarobba Caetano Ferreira, João Victor da Silva e Andrey Santos Souza • Revisão: Ellen Nemitz, Karla Mendes, Julia Mezarobba Caetano
Ferreira e Rebeca Amaral Diagramação: Alec Bineck Lessa (1443/PR) • Ilustrações e Imagens: Freepik (freepik.com), Shutterstock (shutterstock.com),
Flaticon (flaticon.com), Unsplash (unsplash.com) • Projeto gráfico: Agência Cupola
OS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, NÃO EXPRESSANDO NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO CRP-PR

Conselheiras(os/es): Psic. Ana Lígia Bragueto Costa (CRP-08/08334); Psic. Andrey Santos Souza (CRP-08/30587); Psic. Cláudia Cibele
Bitdinger Cobalchini (CRP-08/07915); Psic. Eduardo Da Silva Antônio (CRP-08/30797); Psic. Emerson Luiz Peres (CRP-08/06673); Psic.
Fabiane Kravutschke Bogdanovicz (CRP-08/19219); Psic. Fábio José Orsini Lopes (CRP-08/09877); Psic. Fabiola Regina Ortega (CRP-08/17317);
Psic. Fernanda Costa Peixoto Primo (CRP-08/12328); Psic. Gedeoni Coelho Marques (CRP-08/28627); Psic. Graciane Barboza Da Silva (CRP-
08/23467); Psic. Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153); Psic. Gustavo Filipowski (CRP-08/27778); Psic. Jéssica Alcimari Pelle (CRP-08/18477);
Psic. João Victor Da Silva (CRP-08/25123); Psic. Jorge Ivan Sada De Almeida (CRP-08/02536); Psic. Julia Mezarobba Caetano Ferreira (CRP-08/25872); Psic.
Karen Aparecida Freitas De Oliveira (CRP-08/09015); Psic. Kathia Regina Galdino De Godoy (CRP-08/14630); Psic. Lorene Camargo (CRP-08/18894); Psic.
Mário Seto Takeguma Júnior (CRP-08/18972); Psic. Matheo Bernardino (CRP-08/25791); Psic. Natália Cesar De Brito (CRP-08/17325); Psic. Pamela Cristina
Salles Da Silva (CRP-08/20935); Psic. Paulo Cesar De Oliveira (CRP-08/17066); Psic. Paulo Vitor Palma Navasconi (CRP-08/25820); Psic. Rosiane Martins
De Souza (CRP-08/14328); Psic. Sara Gladys Toninato (CRP-08/07092); Psic. Sérgio Bezerra Pinto Junior (CRP-08/26037).

CONTATO 148 | 3
EDITORIAL

Estimada categoria,

Preparamos com muito carinho essa edição da revista Contato que reafirma o compromisso
da Psicologia nas atuações no campo da saúde e do cuidado, bem como a importância da
atualização das diretrizes curriculares da graduação em Psicologia, para que de fato sejam
formadas pessoas capazes de atuar eticamente e em consonância com as demandas atuais
da sociedade brasileira.

A reportagem de capa apresenta o protagonismo da Psicologia no âmbito do Sistema Único


de Saúde (SUS), trazendo falas de profissionais que atuam no SUS e que defendem os inte-
resses da nossa categoria dentro desse espaço. Nós, do XV Plenário do CRP-PR, assumimos
essa luta e estivemos presentes na 17ª Conferência Nacional de Saúde.

A reportagem sobre o “SUS Real” expande a discussão sobre a importância de pensarmos


na formação e capacitação profissionais para que nossa categoria exerça com maestria a
atuação no SUS, tomando como imprescindível a atenção transdisciplinar.

A Comissão Étnico-Racial traz reflexão sobre a desvalorização do saber tradicional nas práti-
cas em saúde, sobretudo nos cuidados à gestante e no processo de parturição – o que
demonstra o racismo que paira nas atuações em saúde. O racismo obstétrico pode ser cons-
tatado a partir dos dados quantitativos sobre mortalidade infantil e violência obstétrica
sofrida por mulheres-mães negras.

E, pensando no cuidado, trazemos reportagem que evidencia a bioética sobre o cuidado,


problematizando questões de gênero que atravessam a prática psi, tanto na perspectiva da
pessoa que cuida quanto na de que é cuidada, e que merecem atenção.

O Espaço Psi apresenta potentes reflexões de uma profissional que promove um grupo tera-
pêutico voltado ao cuidado de quem cuida, para mães de crianças com transtorno do espec-
tro autista.

O Núcleo Anticapacitista discorre sobre a experiência de pessoas que estagiam no campo


da defesa de direitos da pessoa com deficiência, evidenciando as lacunas na formação e
o importante papel que nossa categoria pode – e deve – desempenhar na afirmação e na
defesa dos direitos dessa população.

O Núcleo Pop Rua, por fim, apresenta matéria em alusão ao Dia Nacional de Luta e Luto da
População em Situação de Rua (19 de agosto), enfatizando os saberes das ruas. Endossamos
o lema “nada sobre a rua, sem a rua”.

Boa leitura!
A Revista Contato é feita com muito cuidado e carinho! Buscamos apresentar refle-
xões sobre a Psicologia, áreas de atuação e temas que podem ser de interesse da
nossa categoria, além de reflexões sobre o exercício profissional.

Por meio das nossas publicações, buscamos promover o contato com quem nos lê. E gos-
taríamos de saber de vocês sobre os conteúdos das matérias! Você teve interesse por algo
que foi escrito? Algo chamou sua atenção? Então, conta para a gente!

Envie seus comentários sobre alguma reportagem e/ou edição anterior da Revista Contato,
ou sugestões sobre temas que gostaria de ler por aqui.
bit.ly/3HFs3l0
Comentários relacionados aos temas da revista e alinhados aos direitos humanos pode-
rão ser publicados nas próximas edições da Contato! Afinal, a gente sabe que é impor-
tante manter contato!

Para fazer parte desta ação, basta preencher o formulário com as informações necessárias.
Em caso de dúvidas, entre em contato conosco pelo e-mail: crp08@crppr.org.br

ATENÇÃO: Não serão aceitos comentários desrespeitosos ou que aviltem os direitos humanos, tampouco que contrariem,
de alguma forma, o Código de Ética da Psicologia. O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-RP) se reserva o direito
de não publicar comentários que não estejam de acordo com os critérios estabelecidos.

Vinicio Tiago Medeiros (CRP-08/27445)


@psicologoviniciotmedeiros
Adoro as orientações, temas comentados importantes muitas vezes poucos vistos. Recentemente gostei de
ver da Psicologia do Trânsito na última revista recebida.

Evandro Ceciliano Mazer (CRP-08/35443)

Bacanas as revistas, porém sinto muita falta de matérias relacionadas à Psicologia, pesquisas que estão aconte-
cendo, áreas como a Clínica, a Organizacional ou Hospitalar, por exemplo. Atualizações sobre o andamento de
projetos ou demais ações do CRP. Sei que tem temas muito relevantes trabalhados, mas às vezes parecem ser
tão batidos que nem tenho interesse em ler. Lembro de um professor meu que falou que os alunos do primeiro
ano sempre escolhem trabalhos de pesquisa genéricos, com temas que estão em alta, mas que não agregam
muito porque já foram muito pesquisados. Sinto algo assim com a revista: informações já bem trabalhadas, que
podem ser relevantes, mas que não me fazem necessariamente ter prazer em ler porque não trazem algo novo.
Principalmente no campo da Psicologia para profissionais de Psicologia e estudantes.

CONTATO 148 | 5
O potencial da
Programação
de Ensino
Por psic. Andrey Santos Souza (CRP-08/30587),
mestre em Psicologia, doutorando em Educação e
conselheiro do XV Plenário

P rogramação de Ensino ou Programação


de Condições para Desenvolvimento
de Comportamentos (PCDC) é uma
tecnologia de ensino derivada de conheci-
mentos produzidos por pessoas que pesqui-
um comportamento, nunca apenas um
conteúdo ou uma informação.

Vamos considerar um exemplo: uma psi-


cóloga pode decorar todos os artigos da
sam fenômenos sob a perspectiva da Análise Declaração Universal dos Direitos Humanos
do Comportamento. É uma contribuição da da ONU, mas isso não implica, necessa-
Psicologia para a educação em seu âmbito riamente, que a mesma psicóloga esteja
formal, mas também para qualquer contex- preparada para, a partir do conhecimento
to em que comportamentos complexos pre- acerca do conteúdo do referido documento,
cisam ser ensinados e/ou aprendidos. É uma defender os direitos humanos de outra pes-
tecnologia no sentido mais amplo da pala- soa em uma situação em que estejam sendo
vra, do estudo de um conjunto de técnicas violados. Neste sentindo, programar con- Muitos destes
e procedimentos. dições para ensinar alguém a “defender os trabalhos sobre a
Programação de
direitos humanos” envolverá a realização de Condições para
Sobre essa tecnologia de ensino, outras atividades para além da leitura, arti- Desenvolvimento de
Comportamentos
destaca-se o pioneirismo da psicóloga go a artigo, do principal documento relacio- (PCDC) estão reunidos
na Biblioteca de
e professora Carolina Martuscelli Bori nado ao tema. Discutir fatos relacionados, Programação
(1924-2004), figura importantíssima na simular situações, debater possibilidades de de Ensino:

Psicologia Brasileira com papel fundamental atuação seriam alguns caminhos possíveis. bit.ly/44tPXru

na estruturação de cursos de Psicologia


CIÊNCIA E PESQUISA

e de outras áreas do conhecimento em Hoje, vivemos em meio a situações como a


universidades brasileiras nos anos 1960. popularização da Inteligência Artificial, o
A partir de contribuições anteriores sobre aumento desenfreado de vagas em cursos
ensino de comportamentos em programas de nível superior e o movimento em defesa
individualizados, a PCDC tem entre seus de cursos EaD de Psicologia e outras áreas
princípios básicos a valorização do contexto da saúde. Neste contexto, a produção cien-
social em que uma pessoa está inserida tífica em PCDC pode servir de base para ar-
no processo de decisão sobre o que será gumentos e construções em defesa de uma
ensinado para ela e a avaliação contínua Psicologia comprometida com a transfor-
dos procedimentos utilizados por quem mação da realidade social – em uma socie-
programa as condições para ensinar algo a dade que avança em um ritmo assustador
alguém. Importante enfatizar que o “algo” a – e da promoção de saúde e bem-estar para
ser ensinado, nessa perspectiva, será sempre todas as pessoas.

6 | CONTATO 148
Diversidade de
gêneros e sexualidades:
pequenas ações na prática psi e acolhimento
criam sociedade menos violenta
Entrevista por Thais Rodrigues dos Santos (CRP-08/23443) e texto
por Julia Mezarobba Caetano Ferreira (CRP-08/25872)

S eguindo a tendência das últimas edi-


ções da Revista Contato, nas quais
apresentamos, na coluna de Políticas
Públicas, as pessoas da nossa categoria
profissional e movimentos sociais que rece-
Centro Universitário Dom Bosco, pesquisa-
dora na Universidade Federal do Paraná e
Universidade de São Paulo, além de ativista
na área em que foi premiada.

beram reconhecimento por suas atuações A profissional coordenou o Núcleo de


em Direitos Humanos e pelo compromisso Diversidade de Gêneros e Sexualidades
com o projeto ético-político da Psicologia (Diverges) da Comissão de Direitos
em suas práticas, nesta edição trazemos Humanos (CDH) do CRP-PR desde sua con-
as contribuições de Grazielle Tagliamento cepção e trabalhou arduamente na forma-
(CRP-08/17992), agraciada com o prêmio ção de profissionais e na disseminação de
Anual de Direitos Humanos do Conselho informações sobre o atendimento adequa-
Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) do à população LGBTQIAPN+.
POLÍTICAS PÚBLICAS
– Edição Cleia Oliveira Cunha, em 2022, por
sua atuação no eixo Diversidade de gêne- Em 2018, viu-se diante de um dos maio-
ros e sexualidades. res desafios de sua trajetória até então: a
Resolução nº 001/1999 do Conselho Federal
Grazielle Tagliamento foi premiada como de Psicologia (CFP) – documento pioneiro e
forma de reconhecimento do CRP-PR pelas muito importante para a proteção e para o
importantes contribuições que vem tecen- acesso aos serviços de ordem psi por par-
do há mais de 20 anos para a promoção de te da população LGBTQIAPN+, pois postula
uma sociedade mais inclusiva e que pro- o entendimento de que a sexualidade faz
mova os direitos humanos, sobretudo no parte da identidade humana e, justamente
que diz respeito às questões de gênero e por isso, não pode ser enquadrada como
sexualidade e suas interfaces com a promo- doença, distúrbio ou perversão – foi derru-
ção de saúde e a erradicação da violência. bada por uma liminar na primeira instância
Grazielle, além de psicóloga, é professora do judiciário. Naquele momento, Grazielle
de Psicologia da Universidade Positivo e coordenou os esforços do CRP-PR para o

CONTATO 148 | 7
lançamento da campanha "Diferença não é psi estão inseridas em uma sociedade que
doença", que envolveu a produção de ma- é permeada por preconceitos e discrimina-
teriais informativos, documentários e notas ções, incluindo a LGBTfobia, o machismo,
técnicas para orientar a categoria psi no o racismo e o capacitismo. Essas estruturas
atendimento à população LGBTQIAPN+. O de violência afetam diretamente o trabalho
movimento em prol da resolução, natural- de profissionais psi, tornando a discussão
mente, foi nacional, e em 2019 o Supremo sobre diversidade de gênero e sexualidade
Tribunal Federal acatou pedido do Conselho um tema complexo e delicado.
Federal de Psicologia para manter a valida-
de da íntegra da normativa. Uma das questões levantadas por Grazielle
é a necessidade de profissionais compreen-
Não obstante a campanha ter sido divul- derem que o sofrimento de uma pessoa
gada, Grazielle percebeu que a dúvida, de LGBTQIAPN+ não se deve à sua orientação
certo modo de maneira generalizada entre sexual ou identidade de gênero, ou ainda
a categoria psi, ainda pairava sobre como à sua identidade étnico-racial e social, mas
agir de modo não discriminatório. Por mais sim às inúmeras formas de discriminação
que possa parecer natural tratar todas as que ela enfrenta, uma vez que essas ques-
pessoas com igualdade, a realidade de- tões se sobrepõem e aumentam a comple-
monstra que nem sempre isso é tão sim- xidade demandada da leitura psi de fenô-
ples. Consciente disso, foram empreendidas menos como o sofrimento socioexistencial.
diversas ações com o objetivo de garantir
que não ocorressem violações de direitos “O diálogo entre academia, movimento
da comunidade LGBTQIAPN+ nos atendi- social e profissionais que estão na ponta
mentos psicológicos, fossem eles realizados é fundamental”, destaca a profissional. “A
em unidades básicas de saúde ou em clíni- pessoa que está ali é mulher, lésbica, pre-
cas particulares. ta, periférica, candomblecista, tem algu-
ma deficiência. É uma pessoa que está ali.
“Muitas vezes, profissionais de saúde, prin- Parece que a gente está falando de frag-
cipalmente que estão lá na ponta, dizem mentos identitários, mas é uma pessoa só
que falta conhecimento, que isso não é que tem todas essas identidades. Se não
ensinado na faculdade. Mas eu sempre lem- unificarmos o diálogo, fragmentamos e vio-
bro: vocês sabem que tem que acolher e lentamos o sujeito.”
respeitar a pessoa, isso é o básico. Você não
precisa ter conhecimento específico sobre o Por fim, a professora de Psicologia reforça
racismo, sobre a LGBTIfobia, sobre gênero, a importância de a categoria se envolver na
sexualidade, você tem que ter conhecimen- luta pela formulação de políticas públicas
to sobre ética profissional e acolhimento”, e no controle social, já que, caso contrário,
explica, acrescentando que estes conhe- “outras pessoas estariam decidindo por
cimentos podem ser adquiridos ao longo nós, inclusive sobre o nosso fazer, sobre a
da carreira. nossa prática”. Em sua opinião, é só assim
que alcançaremos a promoção da igualda-
Em que pesem estes esforços empreendi- de de direitos e oportunidades para todas
dos por profissionais como Grazielle, o en- as pessoas. “É no micro que a gente faz a
frentamento dos preconceitos e violências diferença, que a gente vai construindo uma
é desafiador porque a ciência e a categoria outra realidade.”

8 | CONTATO 148
Maternidades
negras e saúde:
A interface entre o
cuidado e a cor
Por psic. Julia Gindre Soreano Lopes (CRP-08/32661)
e psic. Jefferson Olivatto da Silva (CRP-08/13918),
da Comissão Étnico-Racial do CRP-PR

P or muitos anos, utilizando plantas,


ervas e técnicas próprias, represen-
tantes femininas dominaram o ce-
nário do parto, tornando-se protagonistas
deste rito, seja como mães ou como partei-
saúde da mãe e do recém-nascido (Ferreira,
2018). O histórico do Paraná demonstra que
a combinação de políticas de saúde distan-
tes da demanda social, aliada ao tipo de
controle de natalidade, uso indiscriminado
ras (Martins, 2020). Apesar de sua extensa de cesáreas, falta de acompanhamento mé-
contribuição no cuidado em saúde, com a dico e número reduzido de profissionais de
introdução da medicina europeia nos cen- saúde, tem expressado efeitos nocivos. Essa
tros de formação biomédica, o espaço do realidade pode ser confirmada ao analisar
cuidado social passou a ser dominado por as taxas de mortalidade infantil observa-
práticas masculinas a ponto de as anterio- das no Estado, próximas a 11,1 a cada mil
res serem discriminadas ou perseguidas nascidos vivos, taxa que vem aumentando
ÉTNICO-RACIAL

como feitiçaria. Dessa forma, um momento e é a maior desde 2014, conforme os dados
antes feminino e centrado no processo de preliminares da SESA (Secretaria de Saúde)
parturição tornou-se masculino, medicali- apontados pelo G1 (2023).
zado e meticulosamente regulado.
DESVALORIZAÇÃO DO SABER
É possível notar, a partir do século XX, uma TRADICIONAL
aceleração da hospitalização dos partos –
no final do século 90% já eram realizados O movimento eugênico, que se fortaleceu
em hospitais. Ao mesmo tempo nota-se um no século XIX, baseia-se em um discurso
aumento do uso de tecnologia buscando de superioridade das práticas e conhe-
controlar o nascimento, ainda que muitas cimentos europeus, bem como da raça
destas ações se mostrem inadequadas e des- branca. Essa estratégia de dominação fin-
necessárias, oferecendo inclusive riscos à cou raízes no Brasil por meio da superva-

CONTATO 148 | 9
lorização da racionalidade europeia e da apropriados às pessoas devido à sua cor,
desvalorização de outros saberes, conse- origem ou cultura, perpetuando assim a de-
quentemente acelerando o processo de subs- sigualdade e injustiça. Não se limita às inte-
tituição das parteiras por profissionais da rações interpessoais e se manifesta também
Medicina (Martins, 2020). por meio das normas que regulam a orga-
nização das instituições sociais (Almeida,
A ausência de uma proposta intercultural 2019). A saúde se revela uma das áreas com
– como ainda se observa na formação bio- maior comprovação de atuação do racismo
médica ou das políticas de saúde – apenas institucional, sendo este uma forma de res-
reforça a dependência do imaginário social tringir o acesso e/ou a qualidade do atendi-
em relação às práticas hospitalocêntricas e mento (Ferreira, 2018). Os impactos dessa
alopáticas, que, em muitos casos, podem prática podem ser percebidos a partir da
ser sanadas pelo exercício tradicional de situação desfavorável em que as mulheres
prevenção ao longo da vida (Silva; Dias; negras se encontram em comparação com
Santos, 2020). as mulheres brancas que vivenciam o ciclo
gravídico-puerperal.
A partir desse contexto é possível obser-
var que o cuidado em saúde é influencia- Pesquisas confirmam essa realidade, apon-
do diretamente pela cultura e época; sen- tando que 87,2% das mulheres grávidas
do assim, esse conhecimento não pode brancas recebem informações sobre a im-
ser compreendido apenas por uma única portância do pré-natal, enquanto apenas
perspectiva. O perigo dessa abordagem, 76% das gestantes negras têm acesso a
conforme aponta Martins (2020), é a cria- essa mesma informação (Oliveira, 2019).
ção de regimes de verdade absoluta, como Resultados semelhantes são observados
ocorreu na reprodução dos conhecimen- no que diz respeito a informações sobre o
tos sobre saúde baseados exclusivamente parto, orientações sobre alimentação ade-
em um saber europeu. O impacto dessa quada, cuidados com o recém-nascido e até
construção é profundamente sentido no mesmo a opção pela aplicação de anestesia
corpo das mulheres negras e indígenas, durante o parto. Além disso, as mulheres
uma vez que são elas as que enfrentam negras têm 65% mais chances de morrer por
maior severidade das intervenções biológi- agravos da gestação, parto ou puerpério
cas, devido à sua pertença a grupos sociais em comparação com as brancas (Ferreira,
historicamente discriminados. 2018). O Ministério da Saúde, por sua vez,
reconhece que em 92% dos casos essas mor-
SAÚDE REPRODUTIVA PARA QUEM? tes seriam evitáveis.

A saúde reprodutiva pode ser entendida Tamiz Lima de Oliveira (2019) pergunta a
como a possibilidade de desfrutar de uma um grupo de mulheres-mães negras sobre
vida sexual satisfatória, segura e livre de a satisfação com o tipo de parto que tive-
discriminação, incluindo a autonomia na ram. Embora inicialmente tenham expres-
escolha sobre gestar ou não uma vida. Para sado que a experiência foi satisfatória, ao
mulheres negras, porém, essa realidade ain- aprofundar o debate as mulheres revelam
da está distante, uma vez que ao longo da sentimentos de frustração, revolta e violên-
história foram implementadas práticas ba- cia. A autora identifica a presença de uma
seadas em um ideal racista, que submetem aceitação naturalizada da violência no con-
seus corpos à dor e ao desrespeito, resul- texto do parto, o que pode dificultar sua
tando em desafios ao buscar cuidados em percepção e denúncia.
saúde (Oliveira, 2019).
Oliveira (2019) utiliza o termo racismo obs-
Esses efeitos são reflexos do racismo institu- tétrico para descrever as manifestações de
cional, que pode ser definido como a falha violência obstétrica que estão relacionadas
das das organizações em fornecer serviços a atitudes racistas. Essas práticas são sus-
tentadas pelo poder médico construído ções adequadas sobre os procedimentos
historicamente e validadas pelo racismo do parto. Esses aspectos são essenciais
institucional. Diante desses elementos, para o sentido social da maternidade e o
compreende-se a dificuldade em reagir ao significado familiar deste momento. Ainda
racismo obstétrico, considerando a posição assim, no que diz respeito a mulheres ne-
hierárquica em que se encontram profis- gras e indígenas, tais direitos seguem
sionais de saúde. Afinal, como responder à sendo ignorados.
violência perpetrada por alguém que está
supostamente oferecendo cuidado, espe- A dinâmica descrita tem impactos significa-
cialmente quando se trata de profissional tivos na saúde mental das mulheres-mães
que se respalda em um conhecimento mé- negras, sendo comum a associação do sur-
dico estabelecido como verdade absoluta? gimento de condições clínicas como depres-
são e ansiedade no período de nascimento
SAÚDE MENTAL DE MÃES NEGRAS de seus filhos (Oliveira, 2019; Ferreira,
2018). O cenário aqui retratado é difícil e
A promulgação da Lei n° 20.127/2020 de triste, sendo imprescindível que profissio-
combate à violência contra a mulher du- nais de Psicologia auxiliem nessa mediação.
rante a gestação e parto no Paraná sinali-
za, ainda, que a existência dessa falta de Faz-se urgente a busca de estratégias de
cuidado humanizado pode coexistir de enfrentamento dessas violências a fim de
forma velada nos atendimentos. Somente construir uma sociedade em que a mulher
em 2020, no Paraná, foi estabelecido por brasileira negra, indígena, parda, amarela
lei o direito ao acompanhamento durante ou branca seja tratada de forma digna e
o parto, o respeito às crenças religiosas da equitativa no Brasil.
mulher e a disponibilização de informa-

Para ler e saber mais:

Almeida, S. (2019). Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen Livros.


Ferreira, V. M. (2018). Mãe preta, estudo sobre o índice de violência
obstétrica entre as mulheres negras. In Anais do X COPENE: (Re)existência
intelectual negra e ancestral (pp. 01-14). Uberlândia, MG: ABPN. Acessado
em 10 de julho de 2023.

bit.ly/3rj51Kq

G1 Paraná RPC. (2023, 8 de junho). Número de mortes de bebês é o mais alto


no Paraná desde 2014, diz SESA. Acessado em 10 de julho.

bit.ly/3PQrSXY

Martins, M. T. S. L. (2020). A arte de trazer vida pelas mãos. In M. C. Alves & A.


C. Alves (Eds.), Epistemologias e metodologias negras, descoloniais e antirracis-
tas (pp. 135-143). Editora RedeUnida.

bit.ly/3Kv2nYz

Oliveira, T. L. (2019). Mulheres Negras e Maternidade: um olhar sobre o ciclo


gravídico-puerperal. Cadernos De Gênero E Diversidade, 5(4), 12–23.

bit.ly/43MysBY

Silva, J. O.; Dias, M. D. L.; Santos, T. R. (2020). Contribuições à reflexão afrocêntri-


ca:aprendizagens matricentrais em processos de longa duração. In:Alves, M. A.;
& Alves, A. C. Epistemologias e metodologias negras, descoloniais e antirracis-
tas. Porto Alegre: Rede UNIDA. p. 176-189.

bit.ly/3Y8q7rl

Paraná. Assembleia Legislativa. (2020). Lei 20.127 de 15 de janeiro de 2020:


Proteção à gestante e à parturiente contra a violência obstétrica. Acessado em
10 de julho de 2023.

bit.ly/44jhQ5Z
CONTATO 148 | 11
O cuidado
qualificado
pelo meio
humanizado do agir
Por psic. Aline Maran Brotto (CRP-08/26004) e
Jociane Casellas (CRP-08/08279), mestras em Bioética

Q
uando se dialo- em sociedade. É comum que profissionais
ga sobre saúde da saúde do gênero feminino tenham uma
mental, é ne- complexidade moral diferenciada, que en-
cessário pensar sobre o volve a amplitude dos cuidados da sua pró-
que envolve a sua prática, pria saúde e, em especial enquanto mulher,
manutenção e equilíbrio. Entende-se no papel de cuidar.
que saúde mental é um estado de bem-
-estar que leva em conta as habilidades, a A ética surge como a maneira e conduta
recuperação do estresse rotineiro, a produ- correta de agir diante do que é posto. Logo,
tividade e a contribuição para as pessoas quando pensamos na ética do cuidado, é
com quem nos relacionamos. Logo, o con- necessário defini-la e colocá-la em termos
ceito de saúde mental é mais vasto do que práticos sobre o que ela significa. Engloba
somente a ausência de doenças mentais e as transformações político-sociais das
pode ser entendido também como um “pro- opressões sofridas que a mulher,enquanto
cesso dinâmico” que envolve as questões profissional da saúde, acaba por sentir, ne-
físicas, cognitivas, afetivas e sociais, e que gligenciando os cuidados consigo mesma
regem os valores e objetivos de vida. e colocando o cuidado do outro em de-
trimento do seu. Busca-se tornar a saúde
SAÚDE E BIOÉTICA

O termo saúde mental é diariamente dis- um campo mais acessível não somente no
cutido e debatido na academia, espaços sentido estrito, mas também em relação à
de saúde e comunidade como um todo. conscientização. Normalmente as mulheres
Infelizmente, no entanto, há a tendência profissionais de saúde têm acesso, mas ne-
de se destinar a atenção somente à pessoa gligenciam o seu cuidado para poderem
que busca por ajuda ou cuidados médicos, cuidar dos demais e tudo que envolve a sua
e não a quem cuida de alguém que pere- vida de cuidados para além do profissional.
ceu. Profissionais de saúde precisam tam-
bém de cuidados, mas muitas vezes o ato CUIDADO: RAIZ DA ÉTICA
de cuidar encontra-se nas multivivências
dos seus clientes, buscando correlacionar a O cuidado é entendido como um estado no
moral com os objetivos enquanto vivência qual algo tem relevância, pois se relaciona

12 | CONTATO 148
com a identificação de algo ou alguém que para entender os valores relevantes de cada
sofreu e, por consequência, merece ou pre- pessoa que direcionam uma autocompreen-
cisa de cuidados. Portanto, o cuidado é a são da vida a partir dos cuidados recebidos.
raiz da ética, percebendo então que uma
vida com dignidade ou com qualidade ad- O cuidado humanizado precisa ser com-
vém do que está em situação de vulnerabi- preendido como formação: não se age hu-
lidade, isto é, precisa de atenção, mudanças manizadamente apenas lendo a respeito,
e cuidados. A ética do cuidado envolve uma mas vivenciando os pormenores que dão
relação difícil entre a disponibilidade e a in- subsídios para entender a realidade, aco-
disponibilidade do reconhecimento da res- lher e agir diante das diversas necessidades
ponsabilidade das pessoas e os seus valores. das pessoas. É importante que profissionais
da saúde consigam perceber até onde de-
Cuidar da outra pessoa como uma dimen- vem cuidar da saúde mental das outras pes-
são ética e bioética é uma exigência que soas e o impacto que isso pode causar na
precisa ser vivenciada por quem cuida. O sua própria saúde mental.
cuidado é uma necessidade urgente de
(re)construção no que tange à saúde. Assim Violar os valores e cuidados com a própria
sendo, a humanização da assistência e a éti- atuação aproxima profissionais profissio-
ca no cuidado são extremamente relevan- nais de questões de saúde mental que mui-
tes para o bem-estar da pessoa que é cuida- tas vezes buscam resolver e acolher. Por
da e de quem cuida. exemplo, profissionais da Psicologia que
trabalham clinicamente com situações que
Além disso, o cuidado humanizado precisa ir abordem eventos ansiosos ou de burnout
além, ser uma junção de análise crítica e re- precisam entender de maneira técnica,
flexiva, mas também ativa, para que o pro- mas, mais do que isso, cuidar de sua própria
cesso de cuidado aconteça de acordo com saúde também.
a necessidade do indivíduo. Nitidamente a
pandemia fragilizou pessoas, famílias, sis- A ética do cuidado contém a semente de
temas e enfraqueceu recursos, e tudo isso uma nova forma de enfrentar os desafios
dificulta o melhor aproveitamento de um sociais, como o educacional, que pode con-
trabalho ético e digno. A constante refle- figurar-se como uma alavanca que ativa
xão crítica de profissionais da saúde sobre estruturas, em especial sobre o aprender
como atender, cuidar e prestar a melhor a humanizar, e não esperar que cada pes-
assistência deve ser um modo de serviço soa tenha esse “talento” in loco. A ética do
constante. Acredita-se que a ética do cuida- cuidado nos obriga a voltar às questões
do é negligenciada por não se entender a educacionais clássicas: o que e o como da
importância dessa reflexão, considerando a educação. Temos dedicado muito tempo a
variedade de clientes/pacientes sob acom- elas nas últimas décadas; entretanto, a éti-
panhamento profissional. ca do cuidado explora duas outras questões
que raramente aparecem na agenda da
O cuidado como uma atitude ética implica política educacional.
a disponibilidade pessoal de cada profis-
sional, permitindo a relação não teórica e AS BASES DO CUIDADO
de não isenção, a dos sentidos, dos afetos
e a da abertura ao outro, o que possibilita Existe um “porquê” da educação. São os
a abertura de reflexões práticas. Não existe propósitos educacionais, esses que nor-
mudança enquanto sociedade se não hou- malmente encaramos como garantidos.
ver mudança de comportamento individual Valorizando a educação integral, aposta-se

CONTATO 148 | 13
nela porque nada humano nos é estranho. A produção dos cuidados para com a saúde
Se existe educação para a inserção crítica deveria ser produto permanente dentro dos
em um tipo de sociedade plural e justa, objetivos de qualquer atendimento a quem
esta será usada em situações delicadas, sofre ou necessita de cuidados. As ações
profissionalmente falando, mas também centradas na ética, diálogo e entendimento
em termos do cuidado individual. As mu- do que significa cuidado da saúde são pe-
danças climáticas e a pandemia de Covid-19 ças fundamentais para o início da constru-
são sinais que alertam para uma educação ção do cuidado, seja em ambientes mais ou
que vá além da lógica do mercado e ilumi- menos hostis. Logo, é preciso ressignificar
ne pessoas capazes de sentir e pensar sobre o que se mostra fora da forma que a ética
outras relações, outras organizações e ou- traz consigo, assim como profissionais da
tro mundo a ser construído. saúde devem perceber a necessidade e bus-
car ajuda para conseguirem de fato ajudar
Outro ponto a ressaltar é “de onde” vem a quem a este recurso recorre.
ética do cuidado. Provavelmente a pergun-
ta mais esquecida e menos respondida. De O campo da saúde demanda um modo di-
onde vem o cuidado? E, posteriormente, de ferenciado de trabalho, ainda mais quando
quem vem esse cuidado? A ética do cuidado fatores externos como a pandemia influen-
traz em sua essência a educação de desen- ciam a sua qualidade, ou mesmo a capaci-
volver uma ação social e individualmente dade de resiliência em situações vivencia-
importantes; no contexto profissional, en- das de maneira intensa e frequente. Não
tender como se cuidar e cuidar do outro cabe apontar que os modelos usados na
além da psicopatologia ou da fisiologia, atualidade são desproporcionais à realida-
mesmo estando muitas vezes relacionadas. de, mas sim que podem auxiliar nas mu-
Mas como aprender a estabelecer limites danças para uma sociedade com ética no
havendo, ainda assim, a técnica e a sensibi- cuidado mais assertivo e sensibilizar pro-
lidade (por vezes empáticas)? Ações concre- fissionais de saúde ainda durante sua for-
tas que têm a ver com o cuidado são muito mação, para que, ao chegarem ao campo
específicas para cada pessoa, e a assertivi- de trabalho, possam entregar um cuidado
dade é um dos pontos mais importantes mais ético e humanizado.
dentro da ética do cuidado.

Outro aspecto referente ao cuidado se es-


tabelece com a indignação diante da injus-
tiça daquilo que fere os valores, as norma-
tivas do que é respeitoso, digno e humano.
Cuidado e justiça não são excludentes;
pelo contrário, são duas faces da mes-
ma moeda que procuram humanizar
nosso mundo. Basear-se no passa-
do para agir de maneira coeren-
te é um ponto relevante, mas
não deve ser a base do agir no
presente e para o futuro, pois,
quando se aponta sobre bioé-
tica e a ética do cuidado, de-
vemos perceber cada situação
como única, levando em con-
ta a história, a vida, as ações e
os objetivos de quem faz parte
desse diálogo.

14 | CONTATO 148
CONTATO 148 | 15
A
criação do Sistema Único de Saúde de Saúde (UBSs), compostas por equipes
(SUS), em 1990, colocou o Brasil em multidisciplinares, que os conhecimentos
posição de destaque mundial quan- da profissão despontam para identificar as
do se trata de saúde pública: nenhum outro necessidades de cada paciente.
país presta atendimentos gratuitos ou pos-
Trata-se, portanto, de uma perspectiva
sui rede de atenção e cuidados com propor-
que busca solucionar os problemas de saú-
ções similares às nossas. A Psicologia é pro-
de, também, a partir de suas causas mais
tagonista nessa história, pois foi ainda na
abrangentes: como é possível, por exem-
década de 1970 que a categoria iniciou sua
plo, usufruir de boa saúde sem condições
defesa por um modelo mais amplo e coleti-
adequadas de moradia, emprego, renda,
vo de saúde, como alternativa ao tradicio-
educação e lazer? Se esses são direitos fun-
nal padrão clínico, predominante até então.
damentais, a saúde integra a lista igualmen-
Mais de 30 anos depois da sua regulamen- te, em nítida codependência. Corroborando
tação, o SUS não é o mesmo, tampouco os fundamentos da Psicologia, o sentido
a Psicologia. O Brasil também mudou e, integralizado de saúde, reconhecido pela
junto com ele, as necessidades mais ime- Organização Mundial da Saúde (OMS), é en-
diatas da saúde foram se alterando – como contrado, ainda, nos objetivos e princípios
o maior acesso da população aos serviços que exprimem como o SUS e toda a sua es-
de Psicologia, por exemplo, e a criação de trutura devem ser regulados.
programas de desinstitucionalização –, ora
O conceito pode parecer longínquo por ser
experimentando mitigações, ora enfren-
definido em leis, normativas, portarias e
tando agravos, em um ciclo que denota a
resoluções expedidas pela administração
fragilidade de certos grupos sociais. Nesse
pública, mas, na prática, as implicações
contexto movediço, a profissão continua
dessa perspectiva são determinantes, como
exercendo um papel único e decisivo para a
a psicóloga e especialista em saúde mental
saúde pública no país.
Suzete Ferreira dos Santos (CRP-08/14505)
ATENÇÃO INTEGRALIZADA aponta. Atuante no Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) II de Colombo, ela lem-
Dividido em três níveis de atenção, o SUS bra que a Psicologia na saúde pública busca,
foi projetado para atender à saúde de todas dentre outras coisas, concretizar o princípio
as pessoas de forma otimizada, conforme da equidade, considerando que os seres hu-
o grau de complexidade, tecnologia e cus- manos têm diferentes necessidades, numa
tos requeridos: uma empreitada arrojada, aproximação que valoriza o conhecimento
ainda mais se considerarmos as dimensões popular e único que cada pessoa possui.
geográficas e populacionais do nosso país.
Essas camadas consideram a saúde e seus Isso não significa, entretanto, que o atendi-
diagnósticos em sentido amplo, pois funcio- mento prestado no SUS deva assumir uma
nam como um filtro, determinando a me- compreensão isolada das pessoas. Pelo
lhor condução dos casos de acordo com a contrário. A profissional, que também inte-
classificação de agravo. gra a Comissão Étnico-Racial do Conselho
Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR),
Para a Psicologia, o modelo permite uma explica que “as pessoas usuárias dos serviços
abordagem panorâmica e crítica da socieda-
de saúde devem ser consideradas como um
de e da forma como ela se organiza, porque
todo, já que estão inseridas em um contex-
considera fatores históricos, econômicos,
to social com aspectos diversos”, portanto,
políticos, étnicos, culturais, religiosos e filo-
Suzete prossegue, “é importante conhecer
sóficos. Uma das principais vias de encon-
sua real necessidade, indo além de escuta
tro das pessoas usuárias da saúde pública e
centrada em sintomas e diagnósticos”.
profissionais de Psicologia é a atenção pri-
mária. Apesar da aparente simplicidade da Profissional do SUS há 21 anos, o psicólo-
nomenclatura, é ali, nas Unidades Básicas go Emerson Luiz Peres (CRP-08/06673) se

16 | CONTATO 148
preocupa com a impressão equivocada que tar. Segundo ele, a qualidade do atendi-
muitas pessoas, até mesmo profissionais de mento está relacionada ao seu objetivo e à
Psicologia, têm acerca da saúde pública no capacidade organizacional e de gestão da
país. “Quando falamos de SUS, não nos refe- instituição ou equipamento de saúde.
rimos a práticas individualistas, mas a uma
Em acréscimo a essa percepção, Emerson
proposta de atenção à saúde que deve pri-
afirma que, na saúde complementar, as
vilegiar a dimensão social e ações coletivas;
restrições quanto à remuneração e aos
ele é pensado para que se tenha participa-
horários que os planos de saúde, de cer-
ção e controle social”, explica. Assim sendo,
ta forma, impõem sem a possibilidade de
para que a sociedade tenha seus interesses
participação de profissionais da Psicologia, Você conhece
atendidos, nada mais legítimo do que dar a
podem tornar a prestação do serviço ainda ou utiliza os
ela e a profissionais espaço para que digam
mais difícil. “No SUS, ocorre o oposto, pois serviços do SUS?
do que precisam.
há o princípio da participação e controle
Ao reunir representações populares e de social, no qual profissionais de saúde po- A despeito das fragilidades
profissionais da saúde, a I Conferência dem atuar”, explica o psicólogo e conselhei- já conhecidas e
Nacional de Saúde Mental, em 1987, buscou ro do CRP-PR. combatidas, a robustez
consolidar a reforma sanitária e reorganizar do SUS é inquestionável.
a assistência à saúde mental no país. O SUS FORMAÇÃO TEÓRICA X PSICOLOGIA Anualmente, cerca de 180
estava em sua fase embrionária e, já na- NA PRÁTICA milhões de pessoas se
quela época, profissionais da Psicologia de- beneficiam dos quase 3
Afinal, além do aspecto administrativo que bilhões de atendimentos
nunciavam ao poder público, dentre outras
ocasiona, por vezes, a escassez de recur- prestados, sejam eles de
violações de direitos, os danos do modelo
sos, das longas filas de espera em função natureza ambulatorial ou
asilar que torna o sofrimento mental uma de maior complexidade.
situação crônica, em nítido contraponto da crescente demanda e suas consequentes
Paralelamente, o sistema
aos efeitos benéficos e inclusivos da abor- condições de trabalho, que entraves se in- desenvolve pesquisas
dagem humanizada e integralizada. terpõem entre profissionais da Psicologia e científicas, realiza controle
as pessoas usuárias do SUS? Suzete perce- epidemiológico, vigilância
A adoção de medidas elaboradas a partir sanitária e cobertura
be uma falha que começa muito antes do
da reivindicação popular e das contribui- vacinal, regulamenta os
atendimento e, inevitavelmente, deságua
ções técnico-científicas da Psicologia em bancos de sangue e mantém
na rede de serviços: o perfil da formação
eventos similares – como as Conferências um programa público de
acadêmica, somado à estrutura que ainda transplante de órgãos,
Nacionais, Estaduais e Municipais de Saúde
está a caminho do que seria ideal, não con- tecidos e células. Isso significa
– trouxe conquistas cruciais para a saúde
segue preparar a categoria em formação dizer que até quem acredita
mental. A proposta do fim dos manicômios,
suficientemente para a prática profissional não precisar ou utilizar os
a expansão gradativa da rede de atenção
nessa realidade. serviços do SUS faz uso
primária, a exemplo da implementação da dele em algum momento.
Estratégia Saúde da Família (ESF) – que deu Graduada há 32 anos em Psicologia, ela
fundamento aos Núcleos de Apoio à Saúde perscruta a conjuntura atual com precisão, Acesse:
da Família (NASF) – e a estruturação de observando que, “por anos, as universida- pensesus.fiocruz.br/sus
equipes multiprofissionais, integradas por des associaram a formação acadêmica a
profissionais da Psicologia, são apenas al- uma atuação puramente clínica, centra-
guns desses avanços. da em diagnóstico”. Esse perfil, em parte,
Apesar das conquistas, o psicólogo Emerson decorre de uma prática psicológica cujas
reconhece que há falhas no SUS, mas lem- origens se dedicaram a um ser humano
bra que sua organização possibilita ajustes supostamente concentrado em si mes-
e correções. Diante de questionamentos mo. O modelo biomédico – que limita o
sobre a dificuldade de se prestar um bom conceito de saúde e doença a condições
atendimento psicológico nesse contexto, físicas, excluindo fatores de dimensões
o especialista em Análise de Situação em históricas, políticas, econômicas e sociais
Saúde avalia que, em certos casos, ela é a – frequentemente atravessa o trabalho de
mesma encontrada na saúde complemen- profissionais da Psicologia que atuam no

CONTATO 148 | 17
SUS, impactando o acompanhamento das principal área de atuação profissional con-
pessoas usuárias. tinua sendo a clínica, de acordo com dados
do CFP, em censo realizado no ano de 2022.
Para diluição do descompasso entre a teo-
A resposta, mais uma vez, deve se voltar ao
ria e a prática profissional, os cursos de
panorama da sociedade. Ao considerarmos
graduação em Psicologia devem ter suas
apenas os índices majoritários do último
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
censo, em uma interpretação puramente
atualizadas periodicamente. Algo que a psi-
numérica, tenderíamos a ignorar grande
cóloga Cláudia Cibele Bitdinger Cobalchini
parte da população que não possui aces-
(CRP-08/07915), professora de graduação
so à assistência de saúde privada. A pos-
em Psicologia, aponta como essencial,
tura denotaria grave equívoco, dados os
diante da implantação de políticas públicas
aspectos socioeconômicos desiguais do
no país e da consolidação dos espaços de
Brasil. O SUS é o amparo de muitas pessoas,
atuação da ciência psicológica. “Em fun-
senão a sua única forma de acesso a servi-
ção das necessidades que se desenham na
ços de saúde, independentemente do seu
realidade brasileira, priorizando diferentes
grau de necessidade.
populações e configurações identitárias,
faz-se premente que a formação profissio- Este é um fato facilmente identificado por
nal seja atualizada desde a graduação”, afir- profissionais que estão na linha de fren-
ma a psicóloga, que também é coordenado- te recebendo o contingente diário, como
ra da Comissão de Ética do CRP-PR. Emerson explica: “há um crescimento da
busca por serviços de Psicologia e saúde
Apesar da urgência, as DCN vigentes são de
mental, no âmbito do SUS, em parte impul-
2011, em constrangedora defasagem, mas
sionado pela pandemia de Covid-19, sem o
não por inércia do Sistema Conselhos de
correspondente investimento na área; se há
Psicologia. Nesse processo, em cooperação
esse aumento de demanda, é porque há um
com Instituições de Ensino Superior (IES) e
reconhecimento, ou ao menos uma percep-
entidades representativas da profissão, o
bit.ly/3pMJkSy ção popular, da contribuição da Psicologia
Conselho Federal de Psicologia (CFP) elabo-
ao bem-estar da população”.
ra minutas sugerindo novas diretrizes, que
são submetidas à aprovação do Conselho Aquele que ficou marcado como um dos pe-
Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho ríodos mais conturbados da saúde recente
Nacional de Educação (CNE). no Brasil, de fato, colocou o SUS à prova.
Superado o momento crítico, a população
Em 2018, após reuniões preparatórias, en-
brasileira e profissionais ainda lidam com o
contros – regionais e nacionais – e consul-
momento pós-pandêmico, vivenciado numa
ta pública, o CFP, a Federação Nacional
lacuna gerada por mais de uma década sem
dos Psicólogos (Fenapsi) e a Associação
a realização da Conferência Nacional de
Brasileira de Ensino em Psicologia (ABEP)
Saúde Mental. Suzete espera que a próxi-
publicaram um relatório com a revisão jus-
ma edição, em outubro deste ano, traga,
tificada das DCN. A proposta de diretrizes
dentre outros progressos, melhorias à Rede
decorrentes desse registro ainda aguarda
de Atenção Psicossocial (RAPS) e a partici-
homologação do Ministério da Educação
pação de pessoas usuárias, seus familiares
(MEC). O documento cita o SUS como com-
e corpo técnico dos serviços. “Ainda temos
ponente a ser considerado pela graduação
municípios longe de possuírem equipamen-
em Psicologia, a fim de que conteúdos teóri-
bit.ly/3pMJkSy tos voltados aos cuidados integrados em
cos, práticas e estágios estejam comprome- saúde mental de crianças e adolescentes,
tidos com a concepção de saúde ampliada. por exemplo”, lamenta a psicóloga.
QUEM PRECISA DO SUS? Indo ao encontro da percepção de Emerson,
Suzete cita, ainda, pesquisa recente da
Ainda assim, pode haver quem se pergunte Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que re-
a real necessidade dessa ênfase, quando a velou aumento considerável de casos de

18 | CONTATO 148
Para ler e
saber mais:
suicídio no período da pandemia, principal- a realidade do SUS; é preciso que a pessoa
DCN da Psicologia – Ano da
mente entre a população jovem. Conforme formada em Psicologia conheça a política
formação em Psicologia 2018:
defende a psicóloga, esse quadro indica a pública em que está inserida”, pondera o Relatório final da revisão
necessidade urgente de ampliação da dis- profissional, que atua na Escola de Saúde das diretrizes curriculares
cussão em saúde mental. Em complemento Pública do Paraná (ESPP). nacionais para os cursos de
à participação popular, ela acredita que o graduação em Psicologia:

concurso público é o meio mais adequado ESTOU NO SUS PORQUE... bit.ly/44HwTpW


para que o estado de bem-estar social apre-
Nesse cenário, seria, então, optar por exer-
goado pelo SUS seja efetivado.
cer a Psicologia no SUS uma escolha incerta?
Ela faz, porém, uma ressalva sobre os ter- Ao afirmar que nele há várias “Psicologias”
mos das contratações, lembrando a neces- e uma amplitude de espaços – da atenção
sidade de melhores condições de trabalho, primária à terciária – nos quais a profissão Fiocruz avalia excesso
implementação da jornada de 30 horas e pode ser exercida, Emerson crê no oposto. de suicídios no Brasil na
primeira onda de Covid-19:
observância de outros direitos trabalhis- Ele avalia que somente “quem não reconhe-
ce a Psicologia como uma ciência e profis- bit.ly/44pr9Bz
tas: pautas em tramitação no Congresso
Nacional, acompanhadas pelo Sistema são comprometida com o contexto social,
Conselhos de Psicologia e entidades re- com a defesa dos direitos humanos, e tem
presentativas da categoria. Em um cená- uma perspectiva individualista e elitizante
rio no qual a vacância de profissionais da pode não ver o SUS como ambiente propí-
Psicologia seja minimamente superada, ca- cio à prática psicológica”. Museu Bispo do Rosário:
tegoria e sociedade se beneficiariam tanto bit.ly/46M1jJA
Suzete não pensa de modo diverso. A psicó-
da concepção do exercício da Psicologia
loga iniciou sua trajetória no SUS no Rio de
como do atendimento e promoção da saú-
Janeiro, em 1991, e ao trabalhar no antigo
de mental e universalização dos serviços.
Hospital Colônia Juliano Moreira conheceu
Logo, depreende-se que a extensão do a história do artista e poeta Arthur Bispo
SUS em todos os seus níveis e a garantia do Rosário nas celas do então manicômio. Normativas e referências
de políticas voltadas à saúde mental são Encantou-se com o acervo. Em 2023, a psi-
Resolução CFP nº 17/2022:
indissociáveis da universalização pretendi- cóloga se emociona com histórias seme-
dispõe sobre parâmetros
da, conforme Cláudia sinaliza. “As políticas lhantes àquela, como a do ex-usuário de um para práticas psicológicas em
públicas são importantes empregadoras de CAPS II da região metropolitana de Curitiba contextos de atenção básica,
profissionais da saúde, assim como a assis- que ela encontrou no transporte coletivo. secundária e terciária de saúde:
tência e outros campos de atuação. O que bit.ly/3PRRtzP
Seu relato descreve os efeitos da prática
ainda se percebe são práticas que carecem
psicológica no SUS. “Em nossa conversa,
de maior reflexão e conhecimento crítico,
ele me mostrou o comprovante de mar-
para um exercício que prime pela ética e
cação de consulta no celular, dizendo que
transformação social”, defende a psicóloga.
está muito bem, continua seu tratamento
Apesar da falta de profissionais de Psicologia com as medicações, faz hidroginástica e Referências Técnicas do Crepop
suficientes para atender à demanda da as- estava indo visitar a irmã. Nós nos despedi- para atuação na Atenção
sistência pública em saúde mental no SUS, mos com um abraço”, narra a profissional. Básica à Saúde, nos Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS)
Emerson é igualmente cauteloso quando “Reflito por instantes que, sim, a Psicologia
e na Psicologia Social:
questionado sobre as contratações por con- faz a diferença. Podemos e devemos exer-
bit.ly/46LMGpF
curso. “Antes de sairmos em defesa da con- cer nosso papel no SUS, na lógica de pro-
tratação generalizada, é necessário avaliar mover a equidade, essencial para garantir
que perfil profissional se quer e quais práti- saúde mental e, em especial, um cuidado
cas psicológicas são melhor orientadas para em liberdade”, Suzete conclui.

CONTATO 148 | 19
O conceito de
“SUS Real”
Por psic. Mário Seto Takeguma Junior (CRP-08/18972)*

D
esde que iniciei minha jornada como muito a capacidade profissional de atender
psicólogo no Sistema Único de todas as pessoas de maneira adequada.
Saúde (SUS), há 10 anos, enfrentei Para mitigar esses desafios, tenho defen-
uma série de desafios para os quais a for- dido e implementado práticas coletivas
mação acadêmica tradicional não prepara. de trabalho em equipe multiprofissional,
Quando entrei no CAPS de Sarandi [Centro sendo que o cuidado da saúde mental não
de Atenção Psicossocial], cheio de ideias de pode ficar somente a cargo de profissionais
como aplicar práticas grupais, deparei-me da Psicologia.
com pessoas em cadeira de rodas, pessoas
que não falavam e a necessidade de adaptar Os encontros entre profissionais, os pron-
o que aprendi na universidade com o que tuários unificados, os matriciamentos, a
encontrei na realidade. clínica ampliada, a organização da agenda,
somados às atividades em grupo, oficinas e
De lá pra cá passei por unidades básicas, ações comunitárias se tornaram não apenas
hospitais, escolas e outros locais de cuida- essenciais para o gerenciamento da deman-
* Texto elaborado por sugestão da categoria. Se você

do. Com base na minha experiência e ago- da, mas também ferramentas importantes
também tem uma ideia de pauta, envie para nós!

ra ocupando um cargo de gestão, costumo para o atendimento da saúde integral.


abordar o conceito que chamo de "SUS
SAÚDE PÚBLICA

Real" quando quero elucidar as questões Outra questão fundamental é a discre-


emergentes e soluções viáveis que surgem pância que frequentemente encontramos
todos os dias na prática profissional. entre o que a lei propõe e a realidade que
encontramos em nossas rotinas. Enquanto
No "SUS Real", um dos desafios mais pal- a legislação sugere a desinstitucionalização
páveis é o equilíbrio entre a enorme e a inclusão social, temos os preconceitos,
demanda de pacientes e os recursos limi- a discriminação e a falta de recursos para
tados. Frequentemente, sofremos pressão implementar tais políticas como grandes
para conduzir um alto número de atendi- barreiras que persistem.
mentos individuais, lidando com casos com-
plexos e em situação de grande vulnerabili- Acredito na necessidade de ampliarmos
dade social. nosso papel em defesa da saúde mental,
estimulando e participando de discussões
Nesse cenário, é inevitável questionar a sobre as políticas públicas, a promoção da
qualidade dos atendimentos realizados, já justiça e o incentivo para que toda a comu-
que frequentemente a fila de espera excede nidade se envolva.

20 | CONTATO 148
Recentemente participei da palestra de uma profissionais de saúde em diferentes áreas.
professora universitária para toda a rede de Diante disso, minha prática como psicólo-
saúde, na qual gostaria de ter acessado dis- go no "SUS Real" tem se tornado cada vez
cussões sobre os desafios e estratégias de mais política, buscando a capacidade de
implementação da política de saúde men- dialogar, negociar e encontrar soluções
tal na prática do “SUS Real”. Infelizmente, o conjuntas para os desafios enfrentados,
que houve foram muitas referências e lem- atuando com pessoas, ideias e valores di-
branças de momentos históricos e pratica- versos e até divergentes.
mente nenhum exemplo aplicável ao dia a
dia de profissionais. Fiquei preocupado com Concluindo, o "SUS Real" é um conceito que
o caminho que estamos seguindo, e não foi enfatiza a importância do aprendizado con-
a primeira vez. tínuo, da prática baseada em evidências, da
ética profissional, do trabalho em equipe e
Isso me leva a um ponto crucial: a impor- do compromisso com a saúde mental e a
tância de as universidades começarem justiça social. Acredito que nós, profissio-
a incorporar o "SUS Real" em seus cur- nais da Psicologia atuantes no SUS, temos
rículos. É essencial que docentes sejam a responsabilidade de contribuir para a con-
profissionais que tenham contato com o cretização dessa percepção, seja na forma-
SUS de forma direta, e assim possam trazer ção de profissionais, na implementação de
seus conhecimentos práticos para a sala de políticas de saúde ou no cuidado direto a
aula. Além das teorias e leis que sãofunda- quem faz uso dos nossos serviços.
mentais, estudantes e também profissionais
precisam conhecer os desafios reais e as
soluções possíveis.

O convite para que profissionais da ponta


compartilhem suas experiências e discutam
os problemas enfrentados seria um avanço
significativo nessa direção, mas esse é um
caminho longo e que precisa amadurecer.
A atualização constante de profissionais e a
supervisão regular são imprescindíveis para
garantir a qualidade do cuidado e para lidar
com os desafios complexos que surgem no
dia a dia do SUS.

Vale lembrar que o estabelecimento de par-


cerias duradouras e efetivas entre universi-
dades e serviços pode potencializar os pro-
cessos de cuidado, contribuindo para um
ciclo de melhoria contínua. Nesse sentido,
diversos projetos que a universidade ofere-
ce para o SUS terminam com o semestre ou
o ano letivo, deixando profissionais e pes-
soas usuárias com expectativas que muitas
vezes não são cumpridas. Precisamos colo-
car essa questão na balança.

Por fim, esse conceito evidencia para mim


a necessidade de manter uma comunica-
ção efetiva e construtiva entre gestão e

CONTATO 148 | 21
CAPACITISMO E
FORMAÇÃO PROFISSIONAL:
REFLEXÕES A PARTIR DO ESTÁGIO NO CAMPO
DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Por Emanuelly Rosa Chagas, Gustavo Rigo de Mello, Lais Caroline Alves Penteado
e Roberta Brites Turques da Silva
Supervisão: psic. Fernanda Costa Peixoto Primo (CRP-08/12328)

A
experiência de estágio no cam- A intersecção de vulnerabilidades, a lógica
po de defesa de direitos da pes- capacitista, a falta de conhecimento e o
soa com deficiência é desafiadora acesso limitado às políticas públicas abre
em diversos sentidos: desde as lacunas espaço para a violação de direitos das pes-
teóricas devido à ausência de disciplinas soas com deficiência, colocando-as em si-
específicas durante a graduação até o en- tuações de maior suscetibilidade a abusos
PSIC. ANTICAPACITISTA

contro com contextos complexos de vulne- e negligências. Cabe, então, à Psicologia


rabilidade e a ausência de políticas públicas compreender as transversalidades que per-
que deem conta da realidade concreta des- passam essas relações e realizar orienta-
ta população. ções e responsabilizações adequadas, quan-
do necessário.
Dentre as diversas demandas que se apre-
sentam neste campo, encontram-se situa- É essencial que a categoria se posicione, ali-
ções em que o trabalho se direciona dire- nhada ao Código de Ética Profissional – e
tamente a contextos de riscos e extrema por consequência à Declaração Universal
vulnerabilidade social. Na articulação da dos Direitos Humanos –, como defensora
política transversal de direitos da pessoa dos direitos das pessoas com deficiência.
com deficiência, em muitos casos, a pes- Em contextos de inúmeras vulnerabilidades,
soa estagiária assume papel mediador en- profissionais da Psicologia (e estudantes,
tre família, comunidade, equipamentos e neste exercício) possuem um importante
profissionais que atuam nas diferentes polí- papel na afirmação dos direitos desta po-
ticas públicas. pulação. Cabe a nós situarmos a Psicologia

22 | CONTATO 148
como lugar de defesa de um atendimento deve ser contemplada em todas as etapas
digno e qualificado para as pessoas com de- da formação profissional.
ficiência, em uma perspectiva crítica, eman-
É necessário, também, em um movimento
cipatória e inclusiva, rompendo com a lógi-
contra o capacitismo estrutural que per-
ca segregadora, institucional e aniquiladora
meia as instituições de ensino superior,
da diferença.
sensibilizar o corpo docente dos cursos de
O estágio no campo dos direitos da pes- Psicologia e promover condutas mais inclu-
soa com deficiência se configura como um sivas no formato em que o ensino é condu-
ambiente propício ao aprendizado. Porém, zido. A falta de implicação com a realidade
devido às especificidades que envolvem a e os direitos das pessoas com deficiência
realidade de exclusão das pessoas com defi- acaba por perpetuar estereótipos, precon-
ciência, torna-se evidente a necessidade de ceitos e práticas excludentes dentro do pró-
que o conhecimento prático seja construído prio contexto acadêmico. O capacitismo se
a partir de uma base teórica consistente, de evidencia na falta de acessibilidade comu-
forma que a atuação profissional se fun- nicacional, física e digital, na ausência de
damente em uma crítica transformadora e recursos pedagógicos adequados e de su-
não reproduza perspectivas assistenciais e porte perante preconceitos perpetuados –
médicas da deficiência. até mesmo por colegas e docentes –, o que
interfere na participação plena e igualitária
A inclusão da temática da deficiência na
da totalidade de estudantes.
grade curricular dos cursos de Psicologia é
um importante aspecto a ser considerado Em geral, a deficiência e suas especificida-
quando pensamos no desenvolvimento de des são pouco apresentadas e debatidas
uma Psicologia Anticapacitista. No entanto, nos espaços de formação profissional. Esse
observa-se que a abordagem dessa temáti- cenário resulta em uma lacuna no conheci-
ca nos currículos ainda é limitada, de forma mento e sensibilização de profissionais em
geral. Muitos cursos não oferecem discipli- formação em relação a essa temática, além
nas específicas sobre o assunto, deixando de ser um fator de apagamento do tema e,
a decisão de abordar ou não a questão da por consequência, de perpetuação do capa-
deficiência a critério do corpo docente. citismo. Em nosso grupo de estágio, perce-
bemos diferentes realidades de formação, a
Observa-se que o ambiente acadêmico não
partir de vivências em instituições de ensino
escapa da lógica capacitista que ainda per-
que possuem disciplina obrigatória na área
dura em nossa sociedade e que, assim como
da deficiência, outras em que a temática é
outras formas de preconceito, limita uma
abordada de maneira não obrigatória e ins-
questão que deveria ser coletiva a uma de-
tituições que não abordam de maneira al-
manda de uma comunidade específica. Ao
guma a temática durante a graduação.
discutir a atuação geral em Psicologia, de-
ve-se discutir como a realidade enfrentada A experiência de estágio se torna eviden-
por pessoas com deficiência não é restrita temente enriquecida e facilitada quando
a suas vivências individuais: ela é compar- a chegada ao campo social de direitos das
tilhada por toda a sociedade e, como tal, pessoas com deficiência se dá amparado

CONTATO 148 | 23
por conhecimentos prévios, adquiridos na No entanto, tal discussão teórica e vivên-
universidade. A presença de disciplina crí- cia prática ainda são restritas a um número
tica na graduação proporciona uma com- reduzido de profissionais em formação. A
preensão do capacitismo enquanto uma lógica segregacionista, que ainda mantém
opressão sistemática vivenciada por pessoas grande parte das pessoas com deficiência
com deficiência e o reconhecimento da defi- como indivíduos à margem do convívio so-
ciência enquanto um produto social, desvin-
cial, faz com que a relação de estudantes e
culando-a da relação de causalidade entre
profissionais de Psicologia com a questão
capacidades individuais e exclusão social.
da deficiência seja distante e compreendi-
Esses conhecimentos possibilitam o rompi-
da como um fator externo à sua atuação
mento com as práticas sociais normativas
que reproduzem uma atuação profissional em geral. Evidencia-se, portanto, uma ne-
capacitista e, em conjunto com o estágio cessidade essencial na formação de profis-
na área, tornam-se um fator importante de sionais de Psicologia, de forma a propiciar
desenvolvimento profissional para as pes- o comprometimento com um atendimento
soas estudantes. ético e inclusivo a todos os sujeitos.

PERSPECTIVA DOCENTE
Por Claudia Cibele Bitdinger Cobalchini (CRP-08/07915), professora de
curso de Psicologia e conselheira do XV Plenário do CRP-PR

Mesmo que disciplinas relacionadas ao desenvolvimento e aos tipos de defi-


ciência estivessem historicamente presentes em parte dos currículos da gra-
duação em Psicologia, ainda se mantinham como saber periférico, ou mesmo
restrito a áreas de atuação como educação ou saúde. Os movimentos civis, de
grupos de pessoas com deficiências, produziram mudanças nas legislações, o
que foi marco para geração de perspectivas mais inclusivas.

Paulatinamente, evidenciou-se a necessidade de ampliação de produção de


conhecimento para práticas profissionais comprometidas com a inclusão tam-
bém no trabalho e nas demais interações sociais. Assim, não se pode mais con-
ceber instituições de ensino e cursos que não estejam atentos à promoção de
práticas anticapacitistas em sua convivência desde a formação profissional.

24 | CONTATO 148
Nada sobre nós, sem nós:
aprendizados a partir dos movimentos em
prol da população em situação de rua
Por psic. Julia Mezarobba Caetano Ferreira (CRP-08/25872), João Victor da Silva (CRP-
08/25123) e Kaio Cesar Pacheco (CRP-08/29517); Letícia da Silva Leite (acadêmica de
Psicologia) e Mariana Provenci da Silva (Pedagoga e acadêmica de Psicologia), do
Núcleo de População em Situação de Rua do CRP-PR

O
mês de agosto é conhecido por além de conquistas nas áreas da assistência
representar a luta e o luto da po- social e da saúde.
pulação em situação de rua (PSR).
Neste campo, as lutas são diárias: ainda
Em 2004, entre os dias 19 e 22, ocorreu em
enfrentamos frequentes ataques de ódio a
São Paulo a chacina de pessoas em situação
essa população, além das dificuldades no
de rua que ficou nacionalmente conhecida
acesso às políticas existentes e a falta de
como Massacre da Sé. O acontecido impul-
conhecimento e reconhecimento das parti-
sionou a PSR a se organizar politicamente
cularidades da vida nas ruas. Assim, 19 anos
na luta pela proteção de suas vidas, de seus
após o Massacre da Sé, seguimos refletindo
direitos fundamentais e pelo exercício ple-
no de cidadania. Fruto dessas mobilizações, acerca da garantia e proteção dos direitos
em 2005 foi criado o Movimento Nacional fundamentais básicos da PSR e a promoção
da População em Situação de Rua (MNPR), de formas de vida que conduzam ao exercí-
POP RUA

em Belo Horizonte, durante o Festival Lixo cio pleno da cidadania.


e Cidadania.
POLÍTICAS PARTICIPATIVAS
Desde então, a mobilização política da PSR
tem crescido e culminou em importantes O lema dos movimentos sociais que atuam
conquistas para esse grupo populacional, com a PSR é: Nada sobre nós, sem nós. A
a citar: a primeira pesquisa censitária, em fim de assegurar que nosso trabalho com
2008, intitulada “Rua: aprendendo a con- essa população reverbere em políticas efe-
tar” – que ajudou a subsidiar a Política tivas e direcionadas às demandas reais da
Nacional para a PSR implementada pelo vida nas ruas, é crucial que nos questione-
Decreto Presidencial nº 7.053, de 2009 –, mos sobre os fatores incorporados na socie-

CONTATO 148 | 25
dade que mantêm a marginalização urbana desenvolvimento subjetivo e simbólico das
e corroboram para a prática da violência. pessoas. Uma Psicologia que vise a cumprir
com o seu compromisso ético-político, e
Em debates recentes, após Adela Cortina
que se posicione pela defesa intransigen-
elaborar o conceito de aporofobia em sua
te dos direitos humanos, deve se atentar
obra intitulada “Aporofobia: aversão ao po-
continuamente para a expressão “nada so-
bre - um desafio para a democracia”, per-
bre nós, sem nós”. Não se pode pensar em
cebemos algo que os dados no campo já
projetos que visem a lidar com a PSR sem
apontavam: é impossível trabalhar com a
considerá-la nesse processo, ou acabamos
PSR se tomarmos a realidade da população
por incidir novamente em um processo
domiciliada como base.
colonizador, paternalista e que retira a au-
Mas o que de fato significa a palavra “apo- tonomia. Assim, a formulação de políticas
rofobia”? O termo foi pensado a partir de públicas e o levantamento das demandas
duas palavras gregas: á-poros (pobres) e da PSR são fortalecidos à medida que reco-
fobia (medo, aversão). Pela inacessibilidade nhecemos e valorizamos os saberes dessa
do termo e seu significado pouco dedutivo, população, enquanto assimilamos nossa
as pessoas que participam de formações total ignorância sobre a realidade da vida
com a PSR e que exploram o conceito de nas ruas.
aporofobia têm proposto, partindo de uma
O próprio termo “em situação de rua”, em
perspectiva decolonial, a adoção de outro
oposição à expressão “morador de rua” ou
termo, de significado mais conclusivo e de
“mendigo”, nos mostra a importância de
mais fácil apreensão: a pobrefobia.
formas de linguagem alinhadas aos direitos
Acreditamos que tal consideração leva a re- humanos – rua não é moradia, mas sim uma
fletir sobre a importância de pensarmos na situação advinda da falha estatal. Da mes-
rua a partir da rua e de nos adaptarmos a ma forma, o conceito de pobrefobia deve
essa realidade, em vez de forçarmos nossa ser difundido e popularizado para que pos-
lógica enraizada no norte global, domici- samos de fato repensar políticas públicas
liada, dissociada das vivências de rua. Nas que assegurem existências plurais.
ruas, há muito conhecimento e um grande
Assim, a luta com a PSR visa não apenas
acúmulo de saberes. No entanto, relações
a combater as desigualdades e injustiças
hierárquicas, especialmente por parte das
enfrentadas, mas também ecoar sua voz e
pessoas que se propõem a trabalhar com a
garantir o respeito aos direitos básicos. As
PSR, podem resultar em violências contra
contribuições de uma Psicologia que está
um grupo que já enfrenta dificuldades em
nas ruas, que rompe os muros institucio-
algo que deveria ser simples: garantir a pró-
nais, que de fato se propõe a exercer uma
pria sobrevivência.
escuta atenta, humana e empática, são
A representação de si e do mundo a sua vol- imprescindíveis para a construção de uma
ta desempenha um papel fundamental no sociedade mais inclusiva e justa.

26 | CONTATO 148
Atuação profissional
diante de novas
tecnologias

Por psic. Ramone Kely de Oliveira (CRP-08/31206), com colaboração da


Comissão de Orientação e Fiscalização (COF)

O aumento do acesso aos meios di-


gitais tem proporcionado modi-
ficações consideráveis tanto na
forma como as pessoas estabelecem suas
relações privadas quanto em suas práticas
serviços. Neste sentido, a Comissão de
Orientação e Fiscalização (COF) salienta
alguns cuidados éticos necessários no uso
de TICs, tais como cautela com recursos
tecnológicos utilizados, resguardo do sigilo
profissionais. A partir disso, mudanças vêm profissional, especificações quanto ao con-
ocorrendo expressivamente na prática da trato de trabalho e reflexão quanto ao vín-
prestação de serviços de Psicologia em seus culo estabelecido.
diferentes âmbitos, levando profissionais a
adaptarem suas práticas, sendo que o aten- Cabe à categoria, em sua autonomia e res-
dimento online passou a ser uma realidade ponsabilidade, analisar caso a caso a viabi-
para grande parte da categoria. lidade da prestação de serviços a distância
e identificar qual meio de comunicação é

ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
Diante do uso das novas tecnologias como mais adequado. Ainda, é essencial que as
ferramenta de trabalho, atualmente há pessoas usuárias se envolvam em tal deci-
duas regulamentações que direcionam a são, tendo em consideração que as carac-
e-psi.cfp.org.br prática: Resolução CFP nº 11/2018, que terísticas da prestação do serviço perpas-
versa sobre a prestação de serviços psico- sam o acordo entre as partes, observando
lógicos realizados por meios de Tecnologias a corresponsabilização.
da Informação e da Comunicação (TICs),
e a Resolução CFP nº 04/2020, que a alte- Nesta modalidade de atendimento, reco-
ra considerando o cenário da pandemia. menda-se a elaboração de um contrato de
Além de atender às duas normativas, há prestação de serviços prevendo a natureza
a necessidade mandatória de se cadastrar das trocas, armazenamento de informa-
na plataforma e-Psi do Conselho Regional ções, tempo de resposta, recursos a serem
de Psicologia. utilizados, responsabilidade conjunta pelo
sigilo das informações e adequação do am-
Ressaltamos que a responsabilidade de biente para que o atendimento ocorra em
profissionais de Psicologia é uma exi- um local seguro e livre de interferências,
gência estruturante do Código de Ética visando a garantir o sigilo e qualidade do
Profissional para a prestação de seus serviço prestado.

CONTATO 148 | 27
Ainda, diante da especificidade deste tipo reconhecidamente fundamentados
de atendimento, torna-se essencial refletir na ciência psicológica, na ética e na
acerca da qualidade do vínculo estabeleci- legislação profissional;
do com as pessoas atendidas, identificando Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
se há diante do ambiente virtual algo que j. Estabelecer com a pessoa atendi-
possa interferir negativamente nos obje- da, familiar ou terceiro, que tenha
tivos do serviço prestado – fazendo os de- vínculo com o atendido, relação que
vidos encaminhamentos após diálogo con- possa interferir negativamente nos
junto, se necessário. objetivos do serviço prestado;
Art. 3º – O psicólogo, para ingressar,
O Sistema Conselhos de Psicologia não associar-se ou permanecer em uma
possui lista com recomendação de TICs a organização, considerará a missão, a
serem utilizadas nessa modalidade de ser- filosofia, as políticas, as normas e as
práticas nela vigentes e sua compa-
viço. Profissionais deverão prestar atenção
tibilidade com os princípios e regras
à escolha da ferramenta de comunicação
deste Código.
a distância a ser utilizada, bem como bus-
Parágrafo único: Existindo incom-
car qualificação para o manejo do recurso
patibilidade, cabe ao psicólogo
escolhido, observando que as respectivas recusar-se a prestar serviços e, se
informações devem também ser repassadas pertinente, apresentar denúncia ao
a quem utiliza o serviço. Para tanto, desta- órgão competente.
camos os seguintes trechos do CEPP:
Frisamos, ainda, que o uso de testes psi-
DAS RESPONSABILIDADES DO PSICÓLOGO cológicos no atendimento online requer
consulta ao Sistema de Avaliação de Testes
Art. 1º – São deveres fundamentais Psicológicos (SATEPSI) para verificar se há
dos psicólogos: autorização para aplicação informatizada.
b. Assumir responsabilidades profis- Isso não significa, necessariamente, que
sionais somente por atividades para pode ser feita a utilização online, mas sim
as quais esteja capacitado pessoal,
com o uso do computador ou outra tecno-
teórica e tecnicamente;
logia. Assim, é necessário conhecer o teste e
c. Prestar serviços psicológicos de verificar se pode ser utilizado também a dis-
qualidade, em condições de traba-
tância – a habilitação para este uso poderá
lho dignas e apropriadas à nature-
za desses serviços, utilizando prin- ser verificada a partir da consulta de cada
cípios, conhecimentos e técnicas teste psicológico: se estiver apto para uso a
distância, constará a informação “remoto”.

Para ler e
saber mais:

Para mais informações sobre o tema, recomendamos a leitura do tópico


“Atendimento online” do guia de orientação do CRP-PR, disponível em:
https://crppr.org.br/guia-atendimento-online

Acesse as resoluções citadas neste artigo nos links abaixo:


Resolução CFP nº 11/2018: Resolução CFP nº 04/2020:
bit.ly/46K1HIm bit.ly/3JPqHEw

28 | CONTATO 148
Elaboração de documentos
psicológicos e atendimentos
a crianças e adolescentes
Por psic. Mariana Heloisa Bojanowshi (CRP-08/32497),
colaboradora da Comissão de Ética (COE)

o atendimento psicoterapêutico
a crianças e adolescentes, assim
como qualquer área da Psicologia,
tem suas diretrizes e princípios. O enca-
minhamento pode ser feito por diversos
Mas e quando falamos de pais e mães que
se separaram ou divorciaram? E se estive-
rem em disputa judicial? Onde a criança ou
adolescente tem lugar, espaço para lidar
com isso? Qual a postura de profissionais
motivos, e os sintomas apresentados pela da Psicologia quando há conflito? E, prin-
criança podem ser resultantes justamente cipalmente, quando pais e mães procuram
de conflitos familiares – ou seja, sintomas os serviços da Psicologia para ter um docu-
familiares e não infantis. Nesse sentido, a mento a seu favor em situações que envol-
direção de tratamento deve se pautar pela vam a justiça?
promoção do bem‑estar, proteção e garan-
tia da integridade física, moral e emocional Ao estudar o sofrimento vivido pela criança
da criança ou adolescente. na vivência da disputa de guarda no con-
texto da justiça, Santos (2015) argumenta
Autuori e Granato (2017) realizaram uma que a separação conjugal obriga a prole
revisão de literatura voltada ao encaminha- a se adaptar a muitas mudanças em suas
mento de crianças para atendimento psi- vidas, podendo ser alterações na condição
cológico, e um dos dados obtidos sinaliza socioeconômica, mudança de residência,
ÉTICA

a necessidade da triagem de atendimento de escola e até mesmo no tempo para es-


ser realizada por meio de instrumentos que tar com quem cuida. Dependendo da ida-
considerem os princípios normativos de de- de e vulnerabilidade, a criança pode de-
senvolvimento, fatores culturais, linguagem monstrar e sentir sintomas depressivos, ter
e necessidades especiais das crianças, pois baixo rendimento escolar, agressividade,
uma interpretação do sintoma que descon- mau comportamento e dificuldades em
sidera o contexto pode levar a equívocos. seus relacionamentos.
Além disso, a participação de pessoas cuida-
doras ao longo do atendimento psicológico Johnston et al. (2009), citados por Moreira,
é determinante para o sucesso ou fracasso Bedran e Carellos (2011), chamam a aten-
do tratamento. ção para o fato de a criança correr o risco de

CONTATO 148 | 29
se tornar despercebida por pais e mães, pela relevância para o atendimento e elabora-
justiça e por profissionais que a acompa- ção de documento.
nham, por conta dos conflitos enfrentados
no âmbito judicial. Santos (2015) adverte Por isso é indispensável pautar a postu-
que, do ponto de vista prático, ao permitir ra a partir, principalmente, dos Princípios
a expressão do sofrimento da criança, pro- Fundamentais e demais orientações do
fissionais de Psicologia poderão auxiliá-la Código de Ética Profissional da categoria,
a encontrar recursos de enfrentamento, pois o que é colocado em um documento
promovendo a resiliência em suas relações psicológico é de responsabilidade de quem
e conflitos. A categoria pode também eluci- o assina. Lembramos que qualquer docu-
dar e orientar responsáveis sobre os riscos mento elaborado e disponibilizado para as
aos quais está a criança exposta. partes responsáveis ou para a justiça po-
derá ser analisado em todos os detalhes, e
Outro aspecto observado por Santos (2015) possíveis falhas ou omissões, por menores
– um assunto bem importante e delicado que sejam, podem ser apontadas numa dis-
para nós, profissionais da Psicologia –, diz puta judicial e, eventualmente, em um pro-
respeito aos pareceres técnicos. Com esse cesso ético no CRP.
documento, a justiça poderá ter acesso à
narrativa da criança independente dos vie- Neste sentido, ao se atentar para as orien-
ses das partes interessadas e representan- tações de atendimento e elaboração de
tes legais. Assim, a criança pode ser ouvi- documentos, profissionais da Psicologia po-
da, trazendo elementos para reconhecer a dem garantir não somente a integralidade bit.ly/3QiYnOG

expressão de sofrimento pontuada durante do bem-estar da criança ou adolescente,


a realização do estudo psicossocial. Ao ter mas também a confiabilidade de seus do-
sua voz e expressões representadas no pro- cumentos. Atualmente, a Resolução CFP nº
cesso, ela terá mais visibilidade para rece- 06/2019 dispõe sobre as regras e orienta-
ber a proteção e a segurança. ções detalhadas para a elaboração de docu-
mentos psicológico.
Com base nisso, é notável a importância do
cuidado que este tema exige. Ao atender O Código de Ética e os Conselhos de
uma criança ou adolescente e elaborar um Psicologia existem para nos orientar
documento atendimento, profissionais da e auxiliar. Por meio da observância e
Psicologia podem enfrentar diversas situa- atenção às suas orientações podemos
ções e, em muitos casos, as tentativas de ter a segurança de um trabalho adequa-
interferência externa no processo terapêu- do, respeitando e promovendo o que a
tico ou avaliação psicológica podem trazer Psicologia mais preza: o bem-estar em
informações que exigem análise sobre sua qualquer situação.

Para ler e saber mais

Autuori, M. & Granato, T. M. M. (2017). Encaminhamento de crianças para


atendimento psicológico: uma revisão integrativa de literatura. Psicologia Clínica,
29(3), 449-467. Recuperado em 06 de junho de 2023, de http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652017000300006&lng=pt&tlng=pt

Moreira, M. I. C.; Bedran, P. M.; Carellos, S. M. S. D. (2011). A família


contemporânea brasileira em contexto de fragilidade social e os novos direitos
das crianças: desafios éticos - Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 17,
n. 1, p. 161-180. Recuperado em 06 de junho de 2023, de http://periodicos.
pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/2292/2669

Santos, M. R. R. dos. (2015). O Sofrimento da Criança na Vivência da Disputa de


Guarda no Contexto da Justiça. Revista Portuguesa De Pedagogia, 1(1), pp. 25-37.
Recuperado em 06 de junho de 2023, de https://doi.org/10.14195/1647-8614_48-1_2

30 | CONTATO 148
EDITAL DE CENSURA PÚBLICA
COE 001/2023
O Conselho Regional de Psicologia - 8ª Região, em obediência ao disposto na Lei consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar com estes, salvo
nº 5.766/71, Decreto nº 79.822/77 e Código de Processamento Disciplinar, pelo impedimento por motivo relevante.
presente Edital, torna pública a decisão do Conselho Regional de Psicologia, Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
no Processo Ético Disciplinar no 019/2017, em aplicar a pena de CENSURA
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,
PÚBLICA, cumulada de MULTA 01 (uma) anuidade, tendo como referência o valor
discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
da anuidade praticada por este CRP-08 no exercício de 2023, para a Psicóloga
Glaucia Penasso, CRP-08/11755, por infração ao Princípio Fundamental II; j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo
Artigo 1º, alíneas “a”, “c”, “e” e “j”; Artigo 2º, alíneas “a” e “j”; Artigo 7º, alíneas com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do
“a”, “b”, “c” e “d” do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Do Código de Ética serviço prestado.
Profissional dos Psicólogos: Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psi-
cológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, nas
Princípio Fundamental:
seguintes situações:
VII. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida
a) A pedido do profissional responsável pelo serviço;
das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer
b) Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quan-
formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
do dará imediata ciência ao profissional;
opressão.
c) Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrup-
Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
ção voluntária e definitiva do serviço;
a) Conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Código;
d) Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas metodologia adotada.
de conhecimento e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psi-
cológica, na ética e na legislação profissional. Curitiba, 02 de maio de 2023.

e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do Psic. Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153)
usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia; Conselheira Presidenta
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais, respeito, Conselho Regional de Psicologia do Paraná

COE 003/2023
O Conselho Regional de Psicologia - 8ª Região, em obediência ao disposto na Lei Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
nº 5.766/71, Decreto nº 79.822/77 e Código de Processamento Disciplinar, pelo
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais
presente Edital, torna pública a decisão do Conselho Regional de Psicologia,
esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
no Processo Ético Disciplinar no 018/2016, em aplicar a pena de CENSURA
e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do
PÚBLICA, para a Psicóloga Josy Neumann de Oliveira, CRP-08/12375, Censura
usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
Pública, por infração aos Princípios fundamentais I, II e VII; Art. 1°, alíneas “a”,
“b”, “c” e “e”; Art. 2°, alíneas “a” e “g”; Art. 9°; Art. 10, caput e parágrafo único – k) Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis,
todos do Código de Ética Profissional do Psicólogo; Art. 10, caput e inciso II, da não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu inicialmen-
Resolução CFP 008/2010; itens 2.1, 2.2 da Resolução CFP 007/2003. te, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à continuidade
do trabalho.
Princípios Fundamentais:
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,
da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valo- discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
res que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológi-
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de cas, adulterar seus resultados ou fazer declarações falsas;
vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo
quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do
crueldade e opressão.
serviço prestado.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e histo- – Resolução CFP 007/2003 – que institui o Manual de Elaboração
ricamente a realidade política, econômica, social e cultural. de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da po- Avaliação Psicológica.
pulação às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços – Resolução CFP 008/2010
e aos padrões éticos da profissão.
Art. 10 – Com intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de con-
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dig- dições, é vedado ao psicólogo que esteja atuando como psicoterapeuta das
nidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada. partes envolvidas em um litígio.

VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que Curitiba, 22 de maio de 2023.
atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais,
Psic. Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153)
posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios
Conselheira Presidenta
deste Código.
Conselho Regional de Psicologia do Paraná
EDITAL DE SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL POR TRINTA DIAS E MULTA
O Conselho Regional de Psicologia do Paraná, em obediência ao disposto na Lei Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
no 5.766/71, Decreto no 79.822/77 e Código de Processamento Disciplinar, pelo
a) Conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Código;
presente Edital torna pública a decisão do Conselho Federal de Psicologia, no
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais
Processo Ético Disciplinar nº 017/2016 em aplicar a pena de SUSPENSÃO DO
esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
EXERCÍCIO PROFISSIONAL POR TRINTA DIAS cumulada de MULTA 04 (qua-
tro) anuidades, tendo como referência o valor da anuidade praticada por este c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas
CRP-08 no exercício de 2023, à Psicóloga Saionara Fatima Finatto (CRP- e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos
08/11911), por infração aos seguintes dispositivos do Código de Ética Profissional e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e
dos Psicólogos: na legislação profissional;
e) Estabelecer acordos de prestação se serviços que respeitem os direitos do
Princípios Fundamentais:
usuário ou beneficiários de serviços de Psicologia;
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valo-
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,
res que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimora-
f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informa-
mento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como
ções concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;
campo científico de conhecimento e de prática.
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da po- com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do
pulação às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços serviço prestado.
e aos padrões éticos da profissão.
Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dig-
a) Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados deman-
nidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.
das que extrapolem seu campo de atuação.
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que
atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, Curitiba, 09 de maio de 2023.
posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios Psic. Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153)
deste Código. Conselheira Presidenta
Conselho Regional de Psicologia do Paraná
Planejamento
estratégico do
triênio 2022-2025
está disponível
para consulta

E m março de 2023, o Conselho Regional


de Psicologia do Paraná (CRP-PR) reali-
zou o seu Planejamento Estratégico
para estabelecer as metas da gestão para
o triênio 2022-2025. O evento aconteceu
e corpo funcional do CRP-PR acerca dos
trabalhos que serão executados pela insti-
tuição em um futuro próximo.

Ao longo das atividades, participantes se


Agora, você já pode
conferir o resultado
deste intenso
trabalho. O caderno
de deliberações
do Planejamento
na sede do Conselho, em Curitiba, e reuniu integraram em manifestações artísticas Estratégico, que
cerca de 70 participantes, dentre pessoas executadas por pessoas convidadas, como contém as diretrizes
que vão balizar
conselheiras, colaboradoras e funcionárias a indígena Angela Kaingang, que resgatou o trabalho do XV
da autarquia. a ancestralidade de povos originários, além Plenário até 2025,
está disponível em:
de performance musical e leitura de poesia
bit.ly/3OuYVzN
Um dos destaques do encontro foi a pa- por integrantes do plenário.
lestra de abertura, “Pacto narcísico da
branquitude paranaense: interseções da A construção do Planejamento Estratégico
Psicologia preta e indígena para a transfor- foi fomentada por uma série de reuniões
mação social”, ministrada pela psicóloga prévias das diversas comissões do CRP-PR
Maria de Jesus Moura (CRP-02/04617) e pelo – gestoras, permanentes, temáticas e se-
ativista indígena Kretã Kaingang. A expo- toriais –, a fim de apresentar e examinar
sição, embasada numa Psicologia antirraci- contextos e identificar suas dificuldades. É
sta, deu o tom do planejamento, ao afirmar somente a partir desses encontros iniciais,
o posicionamento da gestão em defesa dos com objetivos e metas gerais estabelecidos,
direitos humanos das pessoas negras e das que ele acontece. ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO
populações indígenas.
Após essa etapa de análise e definição de
Os debates que se seguiram foram organi- panoramas, o Planejamento Estratégico dá
zados em quatro grupos temáticos, defini- lugar ao Plano de Ações, definindo as prio-
dos pelas pessoas que participaram do pla- ridades do Conselho ao longo dos próximos
nejamento estratégico: direitos humanos, anos e colocando em prática o diálogo e
ambientais e questões étnico-raciais; exer- o envolvimento de todos os seus departa-
cício profissional da Psicologia; processos mentos, comissões e frentes de atuação.
internos do CRP-PR; e interlocução com a
categoria e com a sociedade. Todas as ati- Na avaliação da conselheira secretária do
vidades do evento foram acompanhadas CRP-PR, Fernanda Costa Peixoto Primo
sob a supervisão de Jesus Moura, que atuou (CRP-08/12328), o Planejamento Estratégico
como consultora, assessorando os grupos, foi “um momento rico, de construção coleti-
mediando as reflexões e a construção dos va, marcado pelo compromisso com uma
materiais. O evento promoveu, ainda, a tro- Psicologia ética, transformadora e posicio-
ca de expectativas mútuas entre plenário nada na perspectiva antirracista”.

CONTATO 148 | 33
Precisamos cuidar
de quem cuida:
relato de experiência de um grupo
ESPAÇO PSI Ψ

terapêutico com mães de crianças


com diagnóstico de TEA
Por Aline Ferreira Marotto (CRP-08/24516), psicóloga clínica, especialista em
Neuropsicologia, pós-graduanda em Avaliação Psicológica, membro da Comissão
Setorial do Norte Pioneiro do CRP-PR

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por déficits qualitati-


vos na comunicação, interação social e no padrão de comportamento, e traz consigo im-
portantes repercussões no contexto familiar. Atualmente as intervenções em equipe multi-
disciplinar têm foco no repertório de comportamentos da criança. Entretanto, é necessário ampliar
as ações e oferecer o suporte também às famílias, principalmente para a figura materna, que na
maior parte dos lares é quem se torna responsável pelas demandas da prole, sofrendo o maior
impacto psicossocial.
O luto pela perda da criança idealizada, associado à sobrecarga de tarefas que incluem acompanhar
uma intensa jornada de terapias, continuar a estimulação em casa e lidar com as cobranças sociais,
faz com que essas mães deixem de lado as suas necessidades básicas e tendam a adoecer física e
emocionalmente. Mães de crianças atípicas estão mais propensas a vivenciar episódios depres-
sivos e estresse crônico. Elas sofrem, ainda, com os impactos nos relacionamentos familiares,
sociais e amorosos, chegando a um extremo de se verem sozinhas, sem rede de apoio.
Com o intuito de oferecer apoio psicológico às mães atípicas, em fevereiro de 2022 inicia-
mos o grupo terapêutico TEAcolher, na recepção da clínica em que atuo. O grupo, desde
então, vem se construindo a partir de encontros mensais, com duração média de duas
horas, sempre nas segundas-feiras à noite. Recebemos em média 10 mães por encon-
tro e todo o trabalho realizado é voluntário, com aporte teórico da Terapia Analítica
Comportamental. Atualmente, é um grupo aberto a qualquer mãe atípica residen-
te no município de Wenceslau Bráz, ou nas cidades vizinhas, que tenha interesse
em participar.
O TEAcolher foi pensando com o objetivo de se tornar um espaço de escuta
qualificada e acolhimento, e tem como finalidade oferecer suporte na com-
preensão, aceitação e adaptação após o diagnóstico de TEA de crianças. As
mães são estimuladas a falar sobre as suas angústias, resgatar a própria identi-
dade, praticar o autocuidado e retomar gradualmente sonhos e projetos pes-
soais que vão além da maternidade.
No grupo, elas são capazes de acessar emoções, nomeá-las e aceitá-
-las como parte do processo natural de enfrentamento das dificulda-
des que o TEA traz consigo, sem julgamentos. O sentimento de per-
tencimento é construído e, a partir dele, uma nova rede de apoio
vai se formando. Tenho acompanhado mães voltando a se verem
mulheres e apoiando outras no processo de superação pessoal
e fortalecimento, a fim de lutarem pelos direitos das(os/es)
filhas(os/es) e pela transformação social que se faz necessária.

34 | CONTATO 148
TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO
DO TRABALHO DE PROFISSIONAIS
DA PSICOLOGIA

A terceirização dos serviços psicológicos é uma prática controversa que levanta preocupações significati-
vas. Embora possa parecer uma solução eficiente para suprir demandas e reduzir custos, ela pode resultar
na exploração de profissionais, que passam a se submeter a condições precárias de trabalho, salários baixos
e falta de estabilidade no emprego.
Enquanto algumas pessoas lucram com essa prática, psicólogas(os/es) sofrem com a desvalorização do seu
trabalho. Além disso, a terceirização pode comprometer a qualidade do atendimento psicológico, uma vez
que a medida se refere à redução dos gastos e aumento da produtividade para suprir a lacuna das deman-
das de profissionais que possuem contrato.
A terceirização incorpora e sintetiza as dimensões de precarização do trabalho, tais como:

a) formas de mercantilização da força de trabalho, diante de piores condições de trabalho e salariais;


b) padrões de gestão e organização do trabalho;
c) condições de insegurança e insalubridade no trabalho;
d) desemprego ou ameaça de desemprego, isolamento e perda de enraizamento e de vínculos, como
resultado da descartabilidade e da desvalorização;
e) baixas chances de desenvolvimento profissional;
f) enfraquecimento das formas de luta e de representação enquanto classe;
g) crise do direito trabalhista, expressada nos ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por
exemplo.

Além disso, a terceirização dos serviços de psicologia pode gerar impactos negativos para a saúde mental
de profissionais da categoria. Isso provoca, muitas vezes, o sofrimento psíquico, uma vez que os direitos
trabalhistas não são assegurados.

Procure o Sindicato dos Psicólogos do Paraná (Sindypsi) para entrar em


sua defesa: busque o sindicato para consolidar sua proteção e lutar por
melhores condições de trabalho para a nossa categoria.

Entre em contato: (41) 99285-1288


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