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Cidade de riscos:

notas etnográficas sobre pixação, adrenalina,


morte e memória em São Paulo

Alexandre Barbosa Pereira1

Universidade de São Paulo

RESUMO: O artigo aborda a pixação em São Paulo. Descreve como os


pixadores transformam a paisagem urbana e reinventam a cidade. A partir
de um ponto de vista etnográfico, discute-se como esta atividade proporcio-
na reflexões sobre as ideias de risco, memória e morte. O fio condutor do
artigo é a história de vida e de morte de um pixador famoso por sua ousadia.
Demonstra-se, assim, como, ao arriscarem-se pela cidade, esses jovens que-
rem efetivamente visibilidade e, de alguma maneira, ser lembrados. Os ris-
cos aos quais se expõem pela cidade são, portanto, também um dispositivo
de memória. A possibilidade de morte ou sua ocorrência efetiva põe dois
elementos em relação: o risco e a memória.

PALAVRAS-CHAVE: Pixação, cidade, risco, memória, morte.

Já se foram vários embora.


A pixação tem muito perigo.
(JC)

“Queria mandar uma homenagem para o Nego dos Homens Pizza e


pro Moreno dos Vikings, apesar de eu não os conhecer, estejam em paz”
– Lalo/Sombras. Assim se encerrou uma conversa gravada que realizei
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no ano de 2003 com três jovens pixadores do município de Diadema,


na Região Metropolitana de São Paulo. A frase foi proferida, ao fim do
registro, por Lalo, então com 23 anos, que pixava com a alcunha Som-
bras. Tratava-se de uma reverência a colegas de pixação assassinados por
motivos que meu interlocutor não sabia. Destaca-se, na homenagem,
Lalo revelar que não conhecia os pixadores a quem prestara tal tributo.
Na verdade, a citação ocorrera porque o pixo de Lalo, Sombras, perten-
cia à mesma grife dos pixos de Nego, Homens Pizza, e Moreno, Vikings2.
Os relatos das mortes e as homenagens aos colegas já falecidos eram
constantes nas narrativas que ouvi dos pixadores e nas marcas que eles
deixavam nos muros. Não é difícil observar, ao lado de alguns pixos, as
frases: “In memoriam” ou “Esteja em paz”. Lalo, apesar de não conhecer
os dois pixadores que citou, sentia-se impingido a homenageá-los numa
entrevista porque os mesmos tinham pertencido, antes dele, à grife da
qual passou a fazer parte. Há que se esclarecer que entrar numa grife
implica estar disposto a cumprir uma série preceitos, tais como elevar o
reconhecimento entre os pixadores, espalhando sua marca pelo maior
número possível de lugares, proteger os colegas em casos de conflito e
prestar reverência aos mais velhos e aos que já morreram, dentre outros.
Ocorriam variações nas obrigações, conforme as regras estipuladas pe-
los criadores e/ou responsáveis principais por cada grife.
Para conceber este artigo, baseio-me em experiências etnográficas
realizadas entre os anos 2001 e 2007 junto às redes de relações sociais da
pixação, que resultaram em minha dissertação de mestrado: De rolê pela
cidade: os pixadores em SP (Pereira, 2005). Nesse período, acompanhei
os adeptos da prática da pixação em encontros semanais que ocorriam
em frente ao Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro. Ali, eu par-
ticipava das rodas de conversa e observava as relações que eram esta-
belecidas no local. Além disso, circulei com eles pela cidade, visitei al-
guns em seus bairros e participei de festas de pixação. O que descrevo

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aqui, portanto, são as experiências que vivenciei com eles nesses contex-
tos e pelo tempo anteriormente especificado. Não discuto, portanto, os
desdobramentos que essa atividade teve nos últimos anos em São Paulo.
Os pixadores com os quais estabeleci contato eram, em sua maioria, jo-
vens entre 13 e 25 anos. Contudo, cheguei a entrevistar alguns com mais
de 30 anos, estes já considerados ídolos, exemplos a serem seguidos den-
tro dessa atividade. A pixação em São Paulo é uma atividade exercida
predominantemente por jovens oriundos de bairros pobres da periferia
de São Paulo e do sexo masculino3.
Neste artigo, da mesma forma que Lalo em sua homenagem póstuma
aos colegas, pretendo começar com a referência a um pixador que já mor-
reu e não conheci: o #DI#4. Na verdade, mais do que falar sobre ele,
minha intenção aqui é discutir o que me falaram a seu respeito. Um dos
nomes de destaque na pixação paulistana, por isso sempre lembrado e
reverenciado, #DI# era da região de Osasco, município da zona oeste da
Grande São Paulo. Ele morreu em meados dos anos 1990. Seus amigos
mais próximos fizeram uma pequena escultura no formato do seu pixo e
o citavam em diferentes momentos como forma de homenageá-lo. Fala-
va-se sobre o #DI# em conversas nos points5, postagens em fóruns e co-
munidades virtuais, e em produções audiovisuais ou reportagens sobre
pixação. Ele foi sempre muito lembrado pela maioria dos pixadores.
Durante o período em que realizei a pesquisa de campo, obtive dife-
rentes informações sobre a morte de #DI# e também sobre sua impor-
tância para os colegas. O que proponho aqui, portanto, é refletir sobre
as referências a esse personagem específico no contexto da pixação em
São Paulo, relacionando-as com as histórias de outros protagonistas das
intervenções visuais urbanas na cidade. Para isso, pretendo discutir a
especificidade dos relatos de sua morte e das homenagens que lhe eram
prestadas a partir de duas noções bastante importantes para a dinâmica
da pixação: as ideias de risco e memória.

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Memória

Na pixação, os relatos de morte de colegas destacavam a importância da


memória e ressaltavam a necessidade de se lembrar dos companheiros já
falecidos. O respeito à memória dos mortos era evidenciado também
no modo como a maioria abordava uma prática considerada execrável,
a de “atropelar” a inscrição do outro. Atropelar era a forma como deno-
minavam o ato de passar por cima da intervenção visual alheia, de pixar
sobre o pixo do outro. Não havia ofensa maior do que se ter sua marca
sobreposta por outra. Presenciei muitas discussões e brigas por causa
disso. Aquele que atropelava as marcas alheias não era bem-visto. Por
outro lado, quem tivesse sua inscrição atropelada, caso encontrasse o
atropelador, exigiria satisfações. Além da ofensa pessoal, os pixadores
também destacavam a questão do desrespeito à memória dos mais ve-
lhos – “os mais antigos” na atividade –, dos mortos e da própria pixação
como justificativa para a desqualificação do atropelo. Uma das ações
mais rechaçadas era a que envolvia o desrespeito ao pixo de alguém mais
velho, que muitas vezes já até havia abandonado o ofício, ou de alguém
que já houvesse morrido. Nesse último caso, em particular, diziam-me
que o pixador não poderia voltar para refazer o pixo e, portanto, essa
seria uma grande afronta à memória do mesmo e da própria pixação.
Há que se destacar que, ao falar dos atropelos dos pixos antigos, eles
não se referiam apenas à pixação, mas também ao grafite. Diziam que
muitos grafiteiros também desrespeitavam pixos antigos, atropelando-
-os. Esse movimento, de sobreposição de grafites a pixações, aliás, au-
mentou muito a partir do momento que o grafite foi eleito como um
agente de embelezamento da cidade em contraposição à pixação, vista
como rabisco e sujeira. Lembro-me, no entanto, de um movimento con-
trário num muro da cidade em que o grafiteiro preservou e incorporou
em sua manifestação visual, por meio de uma moldura que pintou em

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torno da inscrição, um pixo antigo do Tchentcho, um dos pioneiros da


pixação paulistana, com grande destaque nos anos 1980. Esse fato é
apenas um dos muitos que demonstram como há regras comuns, com
práticas partilhadas por protagonistas das duas expressões, explicitando,
assim, a dificuldade em se traçar fronteiras muito rígidas entre ambas.
Em suas dinâmicas relacionais na cidade de São Paulo, os pixadores
engendravam um importante dispositivo de interação, circulação e me-
mória. Eles estabeleciam diversos pontos de encontro em espaços públi-
cos da cidade, como praças, calçadões, parques etc. Destes, o mais im-
portante, no período em que fiz a pesquisa, era o ponto de encontro,
denominado por eles de point, que ocorreu entre os anos de 2000 e 2005
nas proximidades do Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro6.
Neste, conhecido como Point da Vergueiro, pixadores de toda a Região
Metropolitana de São Paulo encontravam-se às terças-feiras à noite para,
dentre outras atividades, conversar e contar histórias sobre lugares
pixados, “perreios”7 passados com a polícia, festas de pixadores etc.
Entre as ações que eram realizadas no point, a principal era a combi-
nação de novos rolês 8. A partir de um local específico de encontro sema-
nal, indivíduos e grupos de diferentes regiões, ainda que não se conhe-
cessem pessoalmente, trocavam informações e combinavam de pixar
juntos. Quase sempre esses acordos implicavam conduzir um ao outro e
a deixar suas marcas nos bairros onde moravam ou sair para pixar pelo
centro da cidade. Conseguiam, assim, ao mesmo tempo, alcançar dife-
rentes objetivos perseguidos por quem pertencia a esse circuito9 especí-
fico da pixação paulistana: deixar sua marca no maior número possível
de lugares e o mais distante de seu local original de moradia, estabelecer
alianças com outros pixadores e, assim, conseguir grande visibilidade
entre os colegas ou, conforme expressão dos próprios, “aumentar o
ibope”. Configurava-se, assim, uma rede social que permitia a jovens,
em sua maioria oriundos de bairros pobres da periferia de São Paulo,

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transitar por diferentes regiões da cidade, centrais ou periféricas, esta-


belecendo laços de amizade ou, em alguns momentos, de inimizade.
O último caso acontecia principalmente por causa dos atropelos.
Essa rede estabelecida pelos pixadores em São Paulo desenvolvia-se
por meio de dinâmicas muito particulares de interação. Uma delas, que
em grande medida disparava todas as outras relações, acontecia por meio
do contato inicial que estabeleciam entre eles para assinar as folhinhas.
Observei no point, muitas vezes, pessoas que não se conheciam abor-
dando-se para perguntar o que o outro pixava e de qual quebrada10 vi-
nha. Após essa primeira apresentação, quase sempre um pedia ao outro
que assinasse o seu pixo numa folha de papel. Geralmente, vários indi-
víduos assinavam num mesmo papel. Algumas vezes eram utilizados
também cadernos e/ou agendas como suporte para as assinaturas. As
folhinhas eram guardadas em pastas. Muitos constituíam grandes acer-
vos. O tamanho do acervo de folhinhas – além do maior número de
lugares pixados, de preferência em lugares de visibilidade e risco – con-
feria prestígio, ou ibope, diante dos pares. As folhinhas dos mais velhos
e/ou há mais tempo em atividade e as dos que já haviam morrido eram
as que possuíam maior valor e alguns chegavam a vendê-las. As folhi-
nhas eram, portanto, o principal registro escolhido para conservar a
memória dessa prática. Em outras palavras, ainda que a questão da me-
mória fosse acionada o tempo todo, a principal política de patrimônio
desenvolvida por eles era a troca e a guarda das folhinhas. Além disso,
no acervo constituído por alguns havia também fotografias, recortes de
matérias jornalísticas sobre a pixação e convites para festas11. Dok e Fer-
rugem explicaram-me a importância das folhinhas:

O lance das folhinhas é assim: você pega um pixo do maluco, de repente


amanhã acontece alguma coisa com o maluco, tipo ele morre, e você fica

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com a folhinha. Mas o mano tá ali na folhinha e representou (Dok, entre-


vista concedida em 2004).

A importância da troca de folhinhas é você pegar uma folhinha de um cara


que você não tem, aquela folhinha é rara, você não tem aquela folhinha,
tipo o cara já é velho, já morreu. Isso vale mais. Se você tiver uma pasta
grande, você já pode até vender (Ferrugem, entrevista concedida em 2003).

Importante refletir sobre o modo como o próprio ato de inscrever


nomes e símbolos com traços pontiagudos na paisagem urbana estabe-
lecia – sob diferentes perspectivas – dinâmicas ou ações associadas à
questão da preservação da memória ou da fixação da história da ativida-
de em São Paulo. Uma das acusações que se faz aos pixadores é a de
conspurcar a memória da cidade, pois eles não respeitariam os bens his-
tóricos, principalmente os prédios tombados e os monumentos antigos,
como os da Ladeira da Memória, no centro de São Paulo. Considerada
o monumento mais antigo da cidade, a Ladeira da Memória, que fica
perto da saída da estação Anhangabaú do metrô, foi, ironicamente, um
dos primeiros locais de encontro de pixadores no centro de São Paulo.
Todo marcado pelas inscrições, o Point da Ladeira da Memória antece-
deu o Point da Vergueiro. A mudança de um local para o outro aconte-
ceu devido a pressões de determinados segmentos sociais pela recupera-
ção do monumento. No final dos anos 1990 e início dos 2000, a
administração municipal da época iniciou um plano de recuperação do
monumento da Ladeira da Memória e impediu, com a presença cons-
tante de agentes da Guarda Civil Metropolitana, a concentração de
pixadores no local.
Tentou-se, assim, preservar uma parte da história da cidade. Porém,
há que se indagar: qual parte e de quem? Porque, talvez para espanto
dos defensores do patrimônio e dos bens históricos urbanos, sobretudo

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daqueles de “pedra e cal”12, os jovens pixadores também se mostravam


preocupados com a história e com a memória. E é essa preocupação com
a memória e a história da pixação que fazia com que muitos deles dei-
xassem suas marcas em prédios históricos, bens tombados e monumen-
tos importantes da cidade. Primeiro, porque neles haveria maior reper-
cussão entre os colegas, que veriam a marca e comentariam a ousadia no
point, saudando o autor quando o encontrasse; e também porque certos
segmentos da imprensa sempre se interesssam em realizar matérias so-
bre atos de vandalismo contra bens arquitetônicos considerados impor-
tantes. No caso das matérias em jornais, haveria fotos da pixação, o que
contribuiria para divulgar ainda mais a ação. Essas matérias, aliás, seriam
guardadas como recordação junto ao acervo de folhinhas. Além disso, e
esse era o segundo motivo, as estruturas dos edifícios e bens históricos
quase sempre são de pedra ou de materiais antigos que não podem ser
pintados e que, por isso, proporcionam um maior tempo de exposição
para a pixação. Nesses materiais, seria mais difícil a remoção da marca.
Desse modo, a própria proposta de preservação dos bens arquitetôni-
cos, levantada sobretudo pelos defensores dos patrimônios de “pedra e
cal”, tem contribuído para a dinâmica da pixação em sua busca por visi-
bilidade e memória.
“Quem não é visto, não é lembrado”, foi uma expressão que ouvi
várias vezes entre os pixadores. Essa era, em grande medida, a lógica se-
guida pela maioria deles. Nessa busca por ser visto e lembrado – princi-
palmente pelos outros colegas pixadores, é importante ressaltar – esta-
belecia-se uma disputa com a dinâmica da cidade e com a tão comum
aversão à pixação. Em outras palavras, se eles queriam a permanência de
suas marcas o maior tempo possível na paisagem urbana, grande parte
dos outros citadinos queria extirpá-la. Uma pixação poderia, para deses-
pero de seus autores, ser apagada na manhã seguinte de sua realização,
por isso a busca por lugares de grande visibilidade e por superfícies que

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conferissem maior perenidade. Engendrava-se uma grande disputa en-


tre a efemeridade da atividade e de seu suporte, a paisagem urbana, e a
busca pela perenidade, por ser lembrado e por entrar para a história. Por
isso, numa análise mais detida, pode-se depreender que o próprio ato
de pixar, de grafar uma inscrição num muro ou no alto de um edifício,
mobilizava essa dimensão da memória que quero aqui enfatizar.
Na verdade, o elemento principal que se fixava ao gravar um nome
no muro era a aventura de alcançar um determinado ponto, seja ele um
muro baixo num bairro do outro lado da cidade ou o alto da fachada de
um prédio nas regiões centrais. A designação do ato de sair para pixar
como rolê evidenciava, portanto, a importância dessa circulação pela
cidade e também o quanto essa escrita da pixação registrava esses per-
cursos pelo espaço urbano. A expressão “sair para dar um rolê” é muito
comum em outros contextos, em sua maioria juvenis, e refere-se a sair
para dar uma volta ou para se divertir. No caso específico da pixação,
rolê dizia respeito também, e essencialmente, ao ato de sair para pixar a
cidade. Eles se referiam aos que tinham muitas marcas pela paisagem
urbana como pixadores que “tinham muito rolê”.
De certa forma, na pixação ocorria uma recriação do espaço urbano,
com a construção de novas referências. A pixação convertia o espaço
urbano em espaço de memória para os que participavam dessa ativida-
de. Ao organizar o espaço materialmente ou ao transformá-lo à sua ima-
gem, era a transmissão de certa memória coletiva o que se tentava ga-
rantir. Ao seguir a perspectiva levantada por Maurice Halbwachs (1990),
de que o espaço é um importante suporte para a memória, pode-se
apreender a pixação como um modo de representar o espaço urbano e,
portanto, de construir uma memória coletiva sobre o mesmo ou de arti-
cular na paisagem urbana referências de memória.
Percorrer a cidade sob a perspectiva da pixação é estar atento à paisa-
gem, observar muros, edifícios e monumentos para tentar identificar

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pixações recentes, descobrir novos espaços para se pixar e relembrar his-


tórias de pixações gravadas há algum tempo. No último caso, contava-
-se quem era o autor ou particularidades de como tal marca teria sido ali
deixada. Certa vez, ao visitar um point no bairro da Lapa acompanhado
de um pixador, este me disse que sabia que estávamos chegando ao local
de encontro por causa das pixações nos prédios. Contou-me que muitas
vezes utilizava-se desse recurso para se orientar na cidade, sabia que já
passara por algum lugar por causa das inscrições observadas anterior-
mente. A escala metropolitana de São Paulo permitiu, portanto, a cria-
ção das dinâmicas específicas da pixação paulistana, mas, ao mesmo tem-
po, por meio destas, os pixadores recriaram a metrópole ao seu modo,
registrando nela suas marcas de referência e inventando uma nova cida-
de. Nessa criação de um espaço próprio da pixação, há um uso tático,
no sentido exposto por Michel de Certeau (1994)13, das estruturas físicas
e sociais da cidade em que – ao contrário do flâneur parisiense descrito
por Walter Benjamin (2007), cujo trajeto conduz a um tempo que de-
sapareceu – o registro do trajeto no presente busca um passado por vir.
Se a escrita permite uma ampliação da consciência da história, tam-
bém entre os pixadores ela desenvolve um papel importante para o re-
gistro de sua história, ainda que estas sejam um tanto quanto particula-
res14. Havia na pixação uma apropriação lúdica da escrita que não se
importava tanto com o que escrever, mas sim com o modo como se
escrevia, pois a estilização conferida às letras dos nomes grafados nos
muros adquiria maior importância do que o próprio significado dos ter-
mos. Assim, na escrita dos muros, o significado subordinava-se à forma
das letras. Essa particularidade acarretava numa dificuldade de enten-
dimento daqueles que não pertenciam ao circuito da pixação. Isso acon-
tecia não por utilizarem um código apenas compreendido entre eles,
mas porque a estilização conferida às letras era um elemento que apenas

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fazia sentido para quem era adepto dessa prática. Jovens de diferentes
regiões da cidade estabeleciam contato entre si e sabiam quem, na pai-
sagem urbana, escrevia a marca que tinha aquele formato específico. Por
isso a prática de “lançar” palavras estilizadas nos muros era mais voltada
para eles mesmos ou, como me disse um famoso pixador certa vez, para
quem sabia ler o muro.
O registro, especialmente em vídeo, do ato da escrita da pixação era
outra prática recorrente. Isso implicava tanto registrar os próprios atos e
os dos amigos, como deixar-se ser filmado por outras pessoas que não
pertenciam à pixação, tais como jornalistas, videodocumentaristas e pes-
quisadores. Os pixadores mostravam-se muito solícitos na concessão de
entrevistas e faziam poses pixando para fotografias ou gravações em
vídeo. Alguns desses vídeos tiveram seus lançamentos divulgados no
Point da Vergueiro, dentre eles o intitulado “Pixadores em Ação”, lança-
do ainda em VHS no início dos anos 2000, que fez muito sucesso na
época em que comecei minha pesquisa de campo. Esses vídeos, em sua
maioria, eram comercializados no piso subterrâneo, dedicado ao hip hop
e congêneres, da galeria da Rua 24 de Maio, no centro de São Paulo,
também conhecida como Galeria do Rock. É importante frisar que os
vídeos produzidos por pessoas ligadas de forma mais direta à pixação
tinham uma característica bastante peculiar: a de ressaltar seus autores
em ação, como aponta o nome do filme supracitado, e, principalmente,
em ações de risco, pixando o topo de prédios ou dependurando-se em
janelas. Numa exibição de um vídeo sobre pixação produzido por um
pesquisador e, portanto, um não pixador, ouvi críticas de um praticante
do ofício. Ele me disse que não gostara muito do filme, pois faltara ação
e cenas de ousadia. Essa observação demonstrou, portanto, que a me-
mória audiovisual na pixação valorizava, de maneira fundamental, um
aspecto: o risco.

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Risco

O risco era um dos principais elementos em jogo na prática da pixação


na cidade de São Paulo. Pode-se dizer, inclusive, que, ao lado do dispo-
sitivo de registro e memória, o dispositivo de produção ou experimen-
tação de riscos era um componente fundamental. A atividade estava,
portanto, marcada por múltiplas concepções e práticas de risco. A ima-
gem que parecia, e ainda parece, causar mais espanto no restante da po-
pulação era a de uma marca deixada no alto de um prédio. Ao apresen-
tar minha pesquisa para um público mais amplo, muito comuns eram
as perguntas que faziam sobre como eles conseguiam chegar em lugares
tão altos. Na mídia, fotos e vídeos de jovens dependurados em edifi-
cações da cidade reafirmavam esse estranhamento. Porém, não era ape-
nas nas alturas que eles se arriscavam. Apesar de “dar muito ibope” pixar
no alto da fachada dos prédios, também causava admiração entre os pa-
res marcar a paisagem longe de onde se morava ou em lugares restritos
que proporcionassem a vivência de maiores perigos e garantissem consi-
derável visibilidade.
Além disso, outros riscos estavam presentes na pixação, como o de
ser parado pela polícia e apanhar, ter o corpo todo pintado com a pró-
pria tinta que carregava ou ser preso. A despeito da repressão, a polícia
era um ator importante com quem os pixadores se relacionavam na ci-
dade, pois, em seus encontros, era comum eu ouvir conversas sobre
como foram pegos ou como conseguiram escapar. Eles tinham sempre
uma história para contar de situações de tensão que vivenciaram com
policiais, seguranças particulares, proprietários de imóveis ou mesmo
com outros grupos de pixadores rivais. No entanto, o risco mais grave
ao qual estava exposto um pixador era o de morrer, o que poderia ocor-
rer tanto ao desequilibrar-se do alto de um prédio, como em alguma
abordagem mais violenta feita por um agente de segurança pública ou

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privada. A morte poderia ser consequência também de outros contextos


não diretamente ligados à pixação, como no caso de acidentes de moto
ou carro15, ou devido ao envolvimento com práticas criminosas, tais
como roubo ou narcotráfico.
A pixação apresentou-se, para mim, como uma forma de estabeleci-
mento de uma rede social sustentada no ato de aventurar-se pela metró-
pole. Enquadrada como crime ambiental pela Lei no 9.605/9816, confi-
gurava também uma transgressão juvenil. Pode-se dizer, portanto, que a
pixação apresentava-se como uma conjunção de dinâmicas típicas de
jogos de vertigem (Caillois, 1958) ou de esportes de aventura (Spink,
2001) com práticas transgressoras que flertavam com a delinquência e/
ou com a criminalidade17. Os pixadores criavam maneiras arriscadas de
vivenciar os riscos das grandes cidades, transformando-os em meio de
expressão e estabelecimento de relações no espaço urbano. Torna-se di-
fícil, assim, traçar as diferenciações entre risco e perigo, como fazem al-
guns autores que analisam a noção de risco. No caso da pixação, as fron-
teiras entre as ameaças externas, que independem das ações dos sujeitos,
que Niklas Luhmann (1993) e Ulrich Beck (1992) definem simples-
mente como perigos, e os riscos, definidos como perigos oriundos de
decisões e/ou de cálculos individuais ou coletivos, mostravam-se muito
mais complexas do que a conceituação teórica formula. A linha divisó-
ria entre o perigo, inesperado, e o risco, calculado, tornava-se, nessa ati-
vidade específica, bastante tênue.
Com suas práticas de risco, os pixadores colocavam em questão a
própria definição de risco. Autores como Denise Martin (2003) e Franz
Brüseke (2007) utilizam, respectivamente, as noções de permissividade
e de contingência em diálogo com a de risco para refletir a partir de seus
contextos particulares de pesquisa. No caso dos pixadores, para se pen-
sar etnograficamente, as concepções de risco podem ser problematizadas
a partir de dois fatores: a noção de adrenalina e a postura que costuma-

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vam apresentar diante dos riscos ou perigos de morrer ou ser preso. Nesse
sentido, na pixação, a dimensão do risco pode ser pensada a partir das
ideias de experimentação e desafio diante das situações de risco que pro-
duziam, e também como uma reflexão sobre os riscos aos quais estavam
expostos previamente, os riscos socioeconômicos, por exemplo, ou so-
bre aqueles a que se expunham a partir de suas ousadas intervenções na
paisagem urbana, como o de ser assassinado por um agente de seguran-
ça particular. Portanto, além dos riscos próprios de sua prática, grande
parte dos pixadores também se relacionava com outras dimensões de
riscos, como a de se morar num bairro pobre da periferia marcado por
altos índices de homicídio, a de envolver-se com a criminalidade ou a
de se enquadrar no que certos discursos apontam como uma suposta
maior suscetibilidade juvenil a expor-se aos riscos18.
O conceito de risco, como se percebe, não possui uma definição
unívoca. Mary Douglas (1992), por exemplo – que em sua obra clássi-
ca, Pureza e perigo (Douglas, 1991), associou a concepção de perigo às
de sujeira e tabu, discutindo esses conceitos como elementos que são
percebidos como fora de lugar e que, portanto, desafiariam os princípi-
os classificatórios –, em texto no qual aborda, de maneira específica, a
ideia do risco, afirma que este termo inicialmente seria neutro, apon-
tando tanto para a possibilidade de perda como de ganho. Risco, nessa
acepção, indicaria aposta ou cálculo. Posteriormente, afirma Douglas, a
palavra “risco” passou a receber uma conotação negativa, remetendo ao
perigo ou à possibilidade de perda. Já Franz Brüseke (2007), retoman-
do a afirmação de Luhmann sobre a “contingência como valor próprio
da sociedade moderna”, ao discutir a questão da técnica e da ciência em
suas relações com a dimensão do risco na modernidade, defende que,
ao invés de sociedade do risco, como define Beck, a modernidade deve-
ria ser entendida como uma sociedade da contingência. O risco seria,
portanto, “uma expressão moderna da consciência da contingência”.

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Segundo Brüseke, a noção de contingência não se refere ao acaso sim-


plesmente, como poderiam deduzir algumas visões mais simplificado-
ras, mas a um conceito que concerne, simultaneamente, ao necessário e
ao possível.
Denise Martin (2003), ao estudar os riscos vivenciados por mulheres
ligadas à prostituição na cidade portuária de Santos, aponta para a ne-
cessidade antropológica de se pensar o risco a partir da experiência etno-
gráfica. Ou seja, a partir do que os interlocutores de campo apresentam
como sua experiência e definição de risco. A autora trabalha, a despeito
das diferentes dimensões de risco ou de perigo em jogo – de ser vítima
de algum tipo de violência ou de se contrair o vírus do HIV, por exem-
plo –, com a noção de permissividade nas relações que as mulheres esta-
beleciam a partir da prática da prostituição. Martin, a partir de etnografia
e entrevistas, demonstra como as mulheres adquiriam, na rede de rela-
ções de risco que a prostituição engendrava, uma maior permissividade
a arriscar-se, tendo em vista a situação marginal e de perigo cotidiano
em que elas estavam inseridas. “Assim, os riscos são inconscientemente
absorvidos pela ação cotidiana” (Martin, 2003: 230).
Da mesma forma, em diálogo com a discussão mais ampla sobre os
riscos e a reflexividade na modernidade (Giddens, 1991; Beck, 1992),
outra autora, Angelina Peralva (2000), discute a relação de certos jovens
cariocas com práticas de risco e com a própria criminalidade. Segundo a
autora, em meio aos riscos da violência aos quais a juventude – e, prin-
cipalmente, a juventude pobre – está exposta, a adesão às condutas de
risco, como a prática do surfe ferroviário19, seria uma espécie de respos-
ta antecipada ao risco, para se apropriar dele, subjugá-lo e não ser subju-
gado por ele.

A resposta reflexiva do risco é considera ainda atributo da “juventude”, sua


consciência orgulhosa. O jovem só pensa em se divertir e percebe a morte

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como perigo longínquo. Há nessa representação cultural da juventude a


ideia de que os jovens são por definição mais capazes que os adultos de
associar na vida reflexividade e graça. A força da idade lhes permite viver
intensa e prazerosamente. Incorporam o medo como um dado de uma ex-
periência geral – a da oposição antropológica entre a vida e a morte. Mas
constroem ao mesmo tempo a afirmação da vida como prazer ligado à su-
peração do medo (Peralva, 2000: 169).

Ao discutir a condição juvenil contemporânea, a reflexão de Peralva


acena para a possibilidade de articulação de três dimensões do risco: o
transcendente da pobreza e das desigualdades sociais, o inerente à con-
dição juvenil e o que se apresenta como um componente criado ou
enfatizado pela sociedade moderna a partir, dentre outros fatores, do
progresso e do desenvolvimento científico20. A autora reflete, portanto,
a partir da interação entre essas três modalidades, sobre os riscos criados
pelos jovens por meio de práticas que colocam em xeque a integridade
física deles.
Dessa maneira, seguindo por trilha análoga às traçadas por Martin e
Peralva, pretende-se aqui discutir outras possibilidades para o conceito
de risco e para as outras noções que tal conceito suscita ou se associa:
perigo, contingência, permissividade etc., a partir da experiência etno-
gráfica com a pixação. Nesse caso específico, havia, na verdade, um modo
próprio de pensar e/ou refletir sobre a questão do risco e tentarei apro-
fundá-lo aqui. Quando realizei a pesquisa de campo, os pixadores utili-
zavam-se de duas noções para remeter às concepções de risco que expe-
rimentavam em seu cotidiano: a adrenalina e o perreio.
A primeira, a adrenalina, dizia respeito aos riscos criados por eles
mesmos e associados diretamente às ações principais engendradas na
pixação. Eles se referiam ao ato de pixar, de sair de madrugada para es-
calar um muro ou de subir no alto de um prédio e deixar sua marca

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como “a maior adrenalina”, em alusão ao hormônio e neurotransmissor


liberado em momentos de grande tensão, que causa alterações em de-
terminadas funções fisiológicas, preparando o corpo para enfrentar cer-
tas situações. Na pixação, havia a demonstração de satisfação ou de pra-
zer com os efeitos das experiências de risco que empreendiam pela
cidade, com a experimentação da adrenalina. O risco aí se situava, por-
tanto, na chave do lúdico21. Já a noção de perreio ressaltava o aspecto
dos apuros enfrentados com outros agentes não diretamente ligados à
pixação. Havia uma posição ambígua com relação a esta ideia, pois, ao
menos num primeiro momento, eles não demonstravam grande satis-
fação com a vivência dos perreios como acontecia com a adrenalina.
Os relatos dos perreios eram marcados pela indignação e, ao mesmo tem-
po, pela resignação, como se fossem inevitáveis, mas também continham
certo autoelogio, ressaltando a força ou esperteza demonstrada nesses
momentos. O perreiro implicava uma situação em que já se encontrava
no meio do perigo e se corria o risco de enfrentar um perigo ainda maior,
como o de ser assassinado ao ser pego por um agente de segurança pri-
vada ou ser preso por um policial militar. Livrar-se de uma situação de
perreio era considerado positivo e até engrandecedor. Nem as surras da
polícia eram percebidas de forma totalmente negativa. Certa feita, ouvi
um pixador contar, muito animado, no point, que tinha apanhado mui-
to ou, em suas palavras, “levado um salve lindo da polícia” ao ser pego
em ação. Assim como este, muitos relatos de perreios eram feitos de for-
ma entusiasmada nos points, descritos como algo inerente à vida dura
que levavam e aos riscos que produziam ou desafiavam com sua prática:
“Pixação é passar perreio por causa dos rabiscos e do perigo que se pas-
sa, não é fácil sair para pixar e enfrentar a opressão da polícia e da socie-
dade” (Zé, entrevista concedida em 2003).
No point, eram comuns os relatos sobre os perreios enfrentados com
a polícia: apanhar, ter o corpo pintado com a tinta spray que portava, ser

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ALEXANDRE BARBOSA PEREIRA. C IDADE DE RISCOS...

preso, fugir etc. Contudo, de certa forma, essa noção também estava
associada à condição socioeconômica a que pertenciam. Morar em al-
guma quebrada da cidade, por exemplo, implicava estar mais exposto
aos chamados riscos sociais e, de certa maneira, já viver, no dia a dia,
inúmeros e diferentes perreios. Por meio de uma prática transgressora
de arriscar-se pela cidade em prédios altos e lugares de difícil acesso, os
jovens pixadores também criavam um modo particular de referir-se às
condições de vida que levavam nos bairros pobres da periferia. A ideia
de “quebrada”, tão propalada por eles e por outros coletivos juvenis,
adquiria novos contornos em seu cotidiano, revertendo-se de sinal ne-
gativo, de estigma e/ou carência, a sinal positivo, de afirmação e mesmo
de superioridade. Quem vive nas quebradas da cidade, conforme essa
perspectiva, adquire maior força por saber lidar com os riscos sociais de
tais lugares e, assim, marca-se por meio de uma prática juvenil trans-
gressora a noção de risco de modo social, econômico e – por que não? –
classista.
Outro aspecto fundamental para se entender os riscos da pixação re-
fere-se à questão de gênero. Afinal, como já afirmei, essa é uma prática
predominantemente masculina. Importante pensar como a pixação re-
toma padrões de um modelo de masculinidade hegemônica pautado em
valores como agressividade, virilidade e competição. A questão da mas-
culinidade de jovens das camadas populares no Brasil é ressaltada por
Alba Zaluar (1985), que discute o quanto a afirmação de um éthos de
masculinidade, associado a exibições de força e à exaltação de uma dig-
nidade masculina, tem sido um dos fatores responsáveis pela adesão de
jovens pobres a práticas criminosas, por exemplo. Em outra pesquisa,
esta realizada em escolas públicas de ensino médio em bairros da perife-
ria de São Paulo (Pereira, 2010), apontei para o protagonismo dos me-
ninos nas brincadeiras e gozações que desestabilizavam as aulas e a or-
dem institucional escolar. Pude, nesse outro contexto, perceber que havia

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uma tendência maior dos meninos a empreenderem o que denominei


como performances lúdico-agonísticas, seja por meio das brincadeiras e
gozações, seja pelas encenações de brigas e domínio dos jogos de com-
petição: desde o futebol na quadra da escola ao dominó e ao baralho
nos corredores e nas salas de aula. Deve-se ressaltar, portanto, como as
relações com o risco empreendidas por meio da prática da pixação têm
de ser entendidas a partir da interação entre três aspectos sociais: a ida-
de, a camada socioeconômica e o gênero, tendo em vista que, na pixação,
ser jovem, morador de bairros pobres da periferia da cidade e homem
são condições que não apenas predominam, mas, de certa forma, confi-
guram em grande medida as dinâmicas dessa atividade em São Paulo.

Morte

Discutir as relações da pixação com as noções de risco e memória impli-


ca não reduzir essa prática a apenas essas duas dimensões, mas demons-
trar o quanto elas eram questões importantes na articulação dos pixa-
dores em São Paulo, no período em que realizei a pesquisa com eles.
O que tentei, portanto, não foi definir as noções de memória ou de ris-
co, mas sim apresentar os diferentes sentidos que podem adquirir con-
forme o contexto e o enfoque, ressaltando como eram desenvolvidas e
refletidas em campo pelos agentes. Por isso, o objetivo aqui, ao discutir
esses dois elementos, foi o de demonstrar como eles foram apreendidos
etnograficamente. Nessa parte final, retomarei a história de #DI#, com
a qual iniciei este artigo, e, ao destacar aspectos de sua vida que me fo-
ram contados por outrem, enfatizarei como as dimensões de memória e
risco articulam-se entre si na pixação. Demonstrarei, também, como as
lembranças e homenagens a #DI# ajudam a elucidar as referências aos
outros jovens que se expressavam visualmente pela cidade.

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#DI# era lembrado por sua ousadia e por seu “apetite”, como diziam
alguns pixadores. Ele gostava de pixar no maior número possível de lu-
gares e estes tinham que ter grande destaque e risco. Suas marcas foram
deixadas, dentre outros lugares, no alto de prédios e em casarões históri-
cos22 da Avenida Paulista, uma das mais importantes e vigiadas da cida-
de. Uma das histórias sobre as façanhas de #DI# foi registrada num ál-
bum de figurinhas sobre a pixação, lançado por pixadores. Nele, as
páginas de fundo são ilustradas com matérias de jornal que abordam tal
temática. Numa delas, há uma reportagem que relata uma das ações
ousadas de #DI#. Ele pixou o prédio do Conjunto Nacional, importan-
te e histórico edifício da Avenida Paulista. Após a repercussão de sua
ação na imprensa, ligou para um jornal popular de São Paulo e disse ser
um morador do Conjunto que havia visto como a ação tinha ocorrido.
#DI# relatou como a pixação tinha sido realizada aos jornalistas e pediu
para não ter seu nome revelado. Disse ainda que não queria sofrer re-
presálias e que gostaria de ser identificado apenas como Di. Além de sua
audácia, #DI# também era lembrado por sua humildade, por ser alguém
que não desprezava os outros e que se mostrava sempre disposto a con-
versar ou a assinar uma folhinha para os colegas mais novos da pixação.
Eram recorrentes os comentários sobre sua morte ter ocorrido por um
motivo banal. Segundo os relatos, ele teria sido assassinado por causa de
uma mulher. Porém, há diferentes versões sobre como teria acontecido.
Numa delas, alguém teria insinuado algo para sua namorada que ele não
gostara e ele teria ido tirar satisfação com a pessoa, levando a pior. Em
outra, ele teria paquerado uma moça comprometida e sido morto por
causa disso.
Não é o objetivo deste artigo, entretanto, desvendar o que o levou à
morte. A questão principal está em pensar como, a partir dessa forma
de abordar a morte, é que a pixação apresenta uma síntese dos dois as-
pectos destacados anteriormente: o risco e a memória. A morte é, ao

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mesmo tempo, a representação mais extrema das consequências do ris-


co e da necessidade de se lembrar dos colegas e de ser lembrado. Por
isso, a aversão aos atropelos das pixações dos que já morreram e que,
portanto, não podem voltar para refazer seus pixos, e o imenso valor
dado às folhinhas dos já falecidos. Por #DI# ter sido um dos pixadores
mais atuantes e, portanto, um dos que mais se arriscavam, ele foi um
dos mais vistos e mais comentados, e, assim, continuou a ser lembrado
de maneira intensa.
Porém, ele não era o único a ser lembrado e homenageado pelos co-
legas. Como vimos no início do artigo, essa era uma prática comum
com relação aos pixadores falecidos. Nessas recordações, muitas versões
de uma mesma morte eram contadas. No entanto, nenhum desses rela-
tos de morte que ouvi, em suas diferentes versões, eram decorrentes dos
riscos da pixação em si, mas de outros riscos aos quais tais jovens esta-
riam expostos. Embora muitos relatassem de modo mais genérico e su-
perficial saber de casos de pixadores que haviam morrido ao despencar
de prédios ou ao encontrar com policiais ou agentes de segurança pri-
vada, nunca ouvi uma história mais aprofundada sobre esses eventos.
Os casos de morte mais detalhados haviam ocorrido em contextos, que,
ao menos a princípio, não guardavam relação direta com a pixação.
Outro caso relevante de um jovem lembrado e homenageado por seus
colegas na cidade refere-se a um outro protagonista de intervenções vi-
suais, este mais ligado ao grafite23. Trata-se de Niggaz, morador do dis-
trito do Grajaú, no extremo sul do município de São Paulo, que faleceu
em 2003. No seu bairro, é considerado um precursor das artes de rua,
mas ele também conseguiu certo destaque fora do local onde morava.
Os relatos que ouvi a seu respeito sempre enfatizaram o seu talento para
os traços do grafite. Ele chegou a atuar numa ONG voltada às artes de
rua, situada num bairro de classe média alta da cidade. Circulou, por-
tanto, por um circuito mais central do grafite e das artes na cidade.

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Obtive de muitas pessoas – não necessariamente ligadas ao grafite, mas


de diferentes contextos articulados a uma determinada produção artís-
tica e que têm a periferia como tema de suas obras – versões divergentes
sobre a morte de Niggaz. Assassinato, acidente ou suicídio, todas estas
possibilidades foram aventadas. O corpo de Niggaz foi encontrado na
Represa Billings, no distrito onde morava, e ele continuou a ser lembra-
do e reverenciado pelos amigos. Em 2011, ocorreu a oitava edição de
um evento criado em sua homenagem, o Encontro Niggaz, que tem reu-
nido no Grajaú uma série de grafiteiros que intervém artisticamente em
determinados espaços.
#DI# e Niggaz, mas também Nego e Moreno, citados por Lalo, são
alguns dos casos de jovens que perderam muito cedo suas vidas. De-
monstra-se, assim, que mais do que o risco da prática que engendravam
nos muros da cidade – quase sempre de forma não autorizada e, portan-
to, ilegal –, o que é posto em xeque por sua atividade são os outros ris-
cos que vivenciavam por serem, ao mesmo tempo, homens, jovens, po-
bres, moradores de bairros periféricos da cidade e negros24. É curioso
notar que a alcunha de três dos quatro jovens aqui citados refere-se à cor
da pele ou à questão racial: Nego, Moreno e Niggaz. No último caso,
um pseudônimo reflexivo, pois faz alusão ao termo que, nos Estados
Unidos, configura um modo pejorativo de referir-se aos negros, aceito
apenas quando dito de forma jocosa por eles e entre eles25. Dessa forma,
a pixação aqui descrita configura, se não uma resposta a esses riscos, ao
menos a possibilidade de uma reflexão teórica e prática – ou tática, reto-
mando mais uma vez a noção de Michel de Certeau – sobre os diferen-
tes riscos aos quais estavam, e ainda estão, em sua maioria, sujeitos.
Importante, então, relembrar a forte dimensão de gênero presente
na pixação e a importância da questão da honra masculina que permeia
de forma intensa as relações sociais dentro dessa atividade. Nesse sentido,

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cabe-nos refletir – de modo não conclusivo, pelo contrário, abrindo para


outras possibilidades de ampliar a reflexão que as experiências etnográ-
ficas junto aos pixadores suscitaram-me – sobre o que afirma Jean-Pierre
Vernant em artigo sobre a morte entre os heróis gregos26. Esse autor, ao
expor que na Grécia arcaica a verdadeira morte situava-se na chave do
esquecimento e da ausência de fama, demonstra que nesse contexto:

[...] existir é – esteja-se vivo ou morto – ser reconhecido, estimado, honra-


do; é sobretudo ser glorificado: ser objeto de uma palavra de louvor, de
uma narrativa que conta, sob a forma de uma gesta, retomada e repetida
sem cessar, um destino por todos admirado. Neste sentido, pela glória que
ele soube conquistar devotando sua vida ao combate, o herói inscreve na
memória coletiva do grupo sua realidade de sujeito individual, exprimin-
do-se numa biografia que a morte concluiu e tornou inalterável. Pelo can-
to público dos feitos a que ele se deu por inteiro, o herói continua, além do
traspasso, presente, a seu modo, na comunidade dos vivos. Tornada lendá-
ria, sua figura tece, associada com outras, a trama permanente de uma tra-
dição que cada geração deve aprender e tornar sua para aceder plenamen-
te, através da cultura, à existência social (Vernant, 1979: 41).

No caso específico do contexto da pixação, a relação entre morte,


memória, risco e honra pode ser resumida da seguinte maneira: Quem
não se arrisca, não é lembrado.

Notas
1
Pesquisador associado ao Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São
Paulo. E-mail: alexandrepereira@ig.com.br.
2
Para os que não estão acostumados com a terminologia da pixação – com X e não
com CH, conforme designação dos próprios pixadores –, cabe um breve esclareci-

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mento de dois termos: pixo e grife. O primeiro refere-se a um nome que um indi-
víduo ou um grupo com poucos integrantes escreve com letras estilizadas, de difícil
compreensão para quem não pertence à prática, e tinta spray pelos muros da cida-
de. Geralmente, o pixo nomeia um conjunto de amigos de um mesmo bairro. Já o
segundo, grife, refere-se a um nome ou símbolo que diferentes pixos – que podem
referir-se a grupos ou indivíduos – grafam ao lado de sua inscrição. Esse símbolo
diz respeito, portanto, a uma aliança de vários pixos, que podem fazer parte de
mais de uma grife, ou aliança, desde que não haja conflito entre elas. No caso dos
Sombras, eles eram de duas grifes: Os mais originais e Os melhores.
3
O que não significa que jovens de bairros mais centrais e com situação econômica
mais privilegiada também não participem da pixação; porém, nesses casos, não é
incomum que escondam a classe social a que pertencem, não revelando o bairro
onde moram, por exemplo. O mesmo vale para a questão de gênero, pois, ainda
que em franca minoria, há mulheres na pixação. Uma delas, Caroline Pivetta, des-
tacou-se em 2008 quando pixadores realizaram uma das ações de maior ousadia e
visibilidade ao invadir a 28ª Bienal Internacional de São Paulo para pixar o pavi-
mento que havia sido deixado vazio. A pixadora Caroline Pivetta foi, então, presa e
alcançou relativa notoriedade.
4
Era com esses símbolos, utilizando-se de uma letra D pontiaguda, que ele assinava
seus pixos na paisagem urbana de São Paulo. A alcunha Di era seu apelido pessoal
e pixo ao mesmo tempo.
5
Pontos de encontro que os pixadores estabeleciam na cidade e para onde conver-
giam jovens de diferentes localidades que combinavam de sair para pixar juntos.
6
Em 2005, o point central dos pixadores muda-se para outro local do centro da
cidade, devido à repressão policial na Rua Vergueiro.
7
“Perreio” era o termo utilizado para relatar situações que envolviam dificuldades,
embaraços ou mesmo perigo. O mesmo que apuro. Em alguns momentos, utiliza-
va-se também a palavra “perrengue”, que consta no dicionário da Academia Brasi-
leira de Letras com o significado de “situação difícil de se resolver” (Dicionário
Escolar da Língua Portuguesa – Academia Brasileira de Letras. São Paulo: Compa-
nhia Editora Nacional, 2008).
8
Modo como designavam as saídas para pixar. Para uma descrição mais detalhada
dos rolês e dos points dos pixadores, ver Pereira (2005 e 2007).

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9
A categoria “circuito” é desenvolvida por Magnani (2002) e refere-se ao exercício
de uma determinada prática ou estabelecimento de certos serviços em espaços não
contíguos na paisagem urbana, mas reconhecidos em seu conjunto por quem os
frequenta.
10
“Quebrada” é um termo muito usado por diferentes coletivos para designar bair-
ros de periferia que seriam marcados por pobreza e violência, mas também por
certos laços sociais considerados como mais próximos e/ou solidários. Tem-se,
portanto, nessa ideia de quebrada, certa ambiguidade, pois a mesma pode ser vista
tanto sob a ótica das carências quanto de afirmações positivas de laços de sociabi-
lidade e/ou de força moral.
11
Festas de pixação, na verdade, cujos convites tinham uma apresentação estética
muito parecida com a das folhinhas, pois neles assinavam os pixadores que apoia-
vam a festa. Além das assinaturas, havia a descrição do motivo da festa, muitas
vezes a comemoração do aniversário de surgimento do pixo, e um mapa com as
indicações de como chegar no local servindo-se do transporte coletivo. Os convi-
tes eram distribuídos no point.
12
A noção refere-se à escolha de bens arquitetônicos como principal objeto das polí-
ticas públicas de patrimônio cultural no Brasil. Nos últimos tempos, entretanto,
têm ganhado força propostas alternativas que enfocam a ideia de patrimônio
imaterial. Para uma discussão mais aprofundada sobre a noção de patrimônio de
pedra e cal, ver Gonçalves (2009) e Fonseca (2009).
13
A noção de tática, segundo Michel de Certeau, refere-se a procedimentos criativos
do cotidiano que se contrapõem ou produzem alternativas às grandes estratégias
de controle e/ou de exercício de poder, configurando uma rede de antidisciplina.
14
A escrita, conforme Lévi-Strauss (1996 [1955]), permitiria o desenvolvimento de
uma grande capacidade de preservar os conhecimentos e, consequentemente, uma
maior consciência do passado que levaria a uma maior capacidade em organizar o
presente e o futuro. O autor realiza uma analogia entre a posse ou não da escrita e
os seus conceitos de sociedades quentes e frias, conforme a relação que essas esta-
belecem com a sua história.
15
Durante a pesquisa, a morte de um pixador em acidente de motocicleta foi bas-
tante comentada e lamentada num dos encontros no point. Seu irmão, também
pixador, passou a homenageá-lo nos muros da cidade, escrevendo frases que sau-
davam sua memória.

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16
A lei foi alterada em 2011. Seu texto passou a fazer maior distinção entre pixação
e grafite. Aumentou-se também a restrição à venda de tinta spray.
17
Alguns pixadores adotavam práticas delinquentes como o furto, que poderia abran-
ger tanto latas de tinta spray quanto produtos de tamanho reduzido, mas de valor
médio, como protetores solares, garrafas de uísque, energéticos, pilhas etc., en-
contrados em supermercados. Havia inclusive aqueles que exaltavam a prática do
furto e o artigo correspondente no código penal, o 155. Um exemplo era o da
grife LOVE 155, criada no período em que eu fazia a pesquisa de campo. Além
disso, não era incomum haver jovens envolvidos em ações criminosas mais graves,
como tráfico de drogas e assaltos.
18
Essa suposta maior suscetibilidade é abordada por autores como Margulis e Urresti
(1996), que apresentam, em discussão sobre a noção de moratória, a ideia de uma
maior disposição dos jovens para a diversão, para o risco e para a aventura. Essa
disposição, porém, segundo tal enfoque, seria construída socialmente a partir da
perspectiva de que os jovens teriam um capital energético a ser gasto, pois, afinal,
a morte ainda estaria longe.
19
Prática, não convencional, comum no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990,
de se postar sobre o teto dos trens urbanos em movimento, equilibrando-se como
numa prancha de surfe.
20
Nesse último caso, Ulrich Beck afirma, ao defender que a sociedade industrial
clássica teria se convertido na sociedade industrial do risco, que, com o desenvol-
vimento científico e a busca cada vez maior pelo controle da natureza e dos riscos
que essa poderia oferecer, novos riscos seriam criados, tais como os da poluição, da
contaminação de alimentos, dos acidentes de trânsito ou aéreos, das catástrofes
nucleares etc.
21
A relação entre o lúdico e o arriscar-se ou expor-se a perigos não é grande novida-
de. Mikhail Bakhtin (1987), ao discutir o Carnaval e as festas populares na Idade
Média a partir da obra de François Rabelais, ressalta o caráter agonístico e mesmo
de agressividade e violência intensas que muitas vezes assumia o lúdico.
22
Dentre os casarões, o da família Matarazzo, demolido em 1996. Numa das fotos
de sua demolição, constam os pixos de #DI# e seu colega Dino, conforme pode
ser constatado no link a seguir, em que se discute a pouca preocupação com a
memória da cidade ao abordar a destruição dos antigos casarões e palacetes desta

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avenida. Disponível em: http://www.saopauloantiga.com.br/mansao-matarazzo-


o-que-ainda-resta. Acesso em: 5 mar. 2013.
23
Como já destacado no artigo, apesar de possuir dinâmicas próprias na cidade,
pixadores e grafiteiros circulam por um mesmo circuito na cidade: o das artes de
rua. Por isso, as relações entre os adeptos das duas expressões visuais são marcadas
por aproximações e distanciamentos. Há, inclusive, muitos que são adeptos das
duas atividades.
24
Em grande levantamento realizado no Mapa da Violência no Brasil, confirma-se
como os números de vítimas de homicídio no Brasil são fortemente influenciados
por três fatores: o sexo, a faixa etária e a cor. Em outras palavras, homens mais
jovens, com idade entre 15 e 24 anos, e negros têm maiores chances de constar
nas estatísticas da violência como vítimas de homicídio no Brasil (Waiselfisz, 2011).
25
Utilizam-se também as variantes nigger ou nigga.
26
Agradeço, aqui, à amiga antropóloga Íris Morais Araújo por apresentar-me a essa
reflexão feita pelo Vernant e sugerir-me a similaridade da relação com a morte
entre pixadores e os heróis gregos. Agradeço também ao – ou à – parecerista que
me indicou a discussão sobre gênero e, particularmente, sobre a honra masculina
como uma das possibilidades de desenvolvimento para o artigo.

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ALEXANDRE BARBOSA PEREIRA. C IDADE DE RISCOS...

ABSTRACT: This article presents the tag graffiti (pixação) in São Paulo
and describes how the taggers change the urban landscape. They are re-in-
venting the city. From an ethnographic point of view, it also discusses how
this activity provides reflections on the ideas of risk, memory and death.
The history of life and death of a particular tagger, famous for his will of
daring, is what links the facts presented in here. It is shown how these young
people put themselves in dangerous situations to be recognized and, in some
way, to be remembered. The possibility of death, or its actual occurrence,
connects two elements: risk and memory.

KEYWORDS: Tag Graffiti, City, Risk, Memory, Death.

Recebido em maio de 2011. Aceito em março de 2012.

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