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2ª.

Edição

2022
Copyright © Anne K Silva
Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Edição Digital: Criativa TI

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as


pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos

são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com


nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o


armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,

através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o


consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime


estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código

Penal.
Sumário
Sinopse

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15
Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Epílogo

Cena bônus

Yasmim

Sobre a autora

Outras obras
Sinopse

Camila estava na melhor fase da sua vida quando um dos


seus irmãos gêmeos foi assassinado. Destruída, a jovem arquiteta
decide encontrar a culpada e se vingar.
Bernardo voltou ao Brasil para cuidar da irmã caçula, que
em um ato imaturo, causou a morte de um jovem.
O destino acabou colocando Bernardo frente a frente com
Camila e enquanto ela sabia onde estava se metendo, ele entregou
seu coração.
Disposto a tirar a irmã do sofrimento, Bernardo não percebe
que a garota que roubou seu coração será a única que poderá
destruí-lo.
Camila tem um alvo.
Bernardo é seu meio.
Yasmim, o fim.
E Camila não liga se para chegar em um, precisa destruir o
outro.
Será que o amor pode encontrar paz em meio a dor, ódio e
vingança?
Prólogo

Minha vida quase poderia ser chamada de perfeita. Aos

vinte e três anos estava formada em arquitetura e trabalhando na


área dos meus sonhos. Eu poderia querer algo mais? Afinal, estava

começando a me realizar profissionalmente, estava em uma fase da

vida onde se descobre o seu melhor e o aperfeiçoa.

A minha família era unida, vivíamos sorrindo e brincando

uns com os outros. Sempre fomos abertos, sempre conversamos

sobre tudo e colhíamos o fruto de um lar tranquilo e unido. Até que


tudo quebrou. Não há como voltar atrás, não há como voltar ao que
éramos.

Ele se foi. Um dos meus irmãos gêmeos se foi.

Sim, nós éramos três.

Eu, Guilherme e Tiago.

Meu pai sempre brincou que ele e a mamãe eram muito

férteis e tinham genes poderosos. Em apenas uma gestação três


filhos chegaram. “Como fomos sortudos” ele declarava aos nos ver
juntos.

E droga!

Éramos grudados. Os três. Unidos como unha e carne, mas

o Gui? Ele era meu melhor amigo, o irmão que me defendia e que
me ajudava. Ele estava sempre e fielmente ao meu lado. Era doce,

forte. Já o Tiago foi o irmão que se achava pai. Dava broncas e

puxava orelha enquanto o Gui era a calmaria.

Com o coração apertado, fecho os olhos e lembro-me

daquele dia. Lembro-me todos os malditos dias. Há dois meses

saímos de férias e o que era para ser divertido virou um desastre.

Estávamos em um grupo médio. Família, poucos amigos e a

namorada do Tiago. Planejamos as férias com tanta antecedência,

planejamos uma viagem incrível, mas foi um pesadelo porque ele se


foi e eu nunca vou perdoar aquela garota.

~ Dois meses antes ~

— Camila, você viu o Guilherme? — Tiago pergunta e sua

voz soa preocupada.


— Não. A última vez que o vi, ele estava no restaurante do

hotel, jogando charme. — Dou de ombros porque Gui adora flertes.

— E quando foi isso?

— Ontem.

— Que horas Camila?

— Meio-dia. Não nos vimos hoje. Saí cedo para a piscina e


achei que ele estava dormindo, afinal, ele saiu o dia inteiro ontem. O

que houve? Você está me deixando nervosa!

— Ele não voltou para o quarto, não telefona, não manda


mensagem, tirando essa vez que você o viu, ninguém esbarrou

nele.

Eu levanto assustada porque todos nós sabemos que o Gui


não some, nunca. Embora seja aventureiro, Guilherme é

responsável.

— O que isso significa? — pergunto, sentindo um arrepio


percorrer meu corpo.

— Que ele não voltou para o quarto. Já o procurei, mandei


mensagens e nada! O Gui simplesmente sumiu.
— No restaurante, ele não estava sozinho — digo, enquanto

tento me lembrar de detalhes — Eu já disse que ele estava


flertando, mas era com aquela atriz famosa. A que está hospedada

aqui e vai receber um prêmio, não lembro o nome, mas era ela.
Tenho certeza. Ele pode estar se divertindo com ela.

— A Yasmim?

— Eles estavam de papo no fundo do restaurante, flertando


mesmo. Os vi sorrindo e depois ele a beijou. Estavam na parte

reservada, mas estavam lá.

— Vamos fazer uma busca, Camila — diz, e meu coração se


aperta. Busca não pode ser algo bom, não é?

Sigo meu irmão e passamos o dia procurando o Guilherme.

O hotel e seus arredores se tornaram pequenos para nós. O

reviramos e não achamos meu irmão, até contato com o empresário


da Yasmim tentamos, mas nada! Passei a noite em claro, minha

mãe já havia chorado, meu pai brigado com o gerente do hotel, meu
coração se apertava cada vez mais. E nada!

Com o celular em mãos, jogo o nome da Yasmim nos sites


de buscas da internet. Não deveria ser tão complicado falar com ela,
seu empresário ou representante, afinal, eles estão em hotéis com
pessoas comuns. Se quisessem privacidade estariam em outro.

Encaro a tela e meu coração se aperta.

Yasmim Medeiros Campos tem 21 anos, namora Ricardo


Mota de 36 anos, ambos estão concorrendo a um prêmio por um
filme e ambos estão aqui, no mesmo hotel. Um arrepio percorre meu

corpo.

O dia amanhece e mais uma vez saímos para procurar


Guilherme, estamos cansados, angustiados e no fim da tarde,

quando, Lino, nosso melhor amigo recebe uma ligação vemos seu
rosto ficar pálido.

Observo nosso amigo prestar atenção no que ouve, se

afastar e caminhar de um lado para o outro. Por um instante seu


olhar bate no meu, ele rapidamente o afasta. E eu sei. Algo grave

aconteceu. Lino então caminha até nós e segura minhas mãos.

— Eu preciso que você fique calma para acalmar sua mãe,


entendeu? — Faço que sim e sinto meu coração bater forte. — Um

amigo meu, que trabalha na polícia aqui perto, disse que


encontraram um cor... uma pessoa, pelas características parece um
pouco com o Gui. Como eu já tinha informado a ele que a última vez
em que ele foi visto foi aqui no hotel, eles revistaram todos os
quartos, olharam câmeras de segurança, conversaram com algumas
pessoas e descobriram que um homem chamado Ricardo estava

armado, ele está detido no quarto por porte ilegal, ainda não
possuem informação que ligue um fato ao outro, mas precisam

investigar, ir até o local do...

— Corpo — falo por ele.

— Estou indo com eles.

— Eu vou — digo.

— Camila — Sua voz soa suave, mas também preocupada.

— É o meu irmão, Lino. Eu vou.

Seguimos em silêncio até que ele me questiona se


conhecemos algum Ricardo, se Gui conhece.

— Não. Sim. Não! — Olho a estrada, não posso pensar em

mais loucura do que a que estamos vivendo. Meus pais morreriam

de tristeza.

— Sim ou não?

— Não e sim.

— Camila, seja clara. Tudo pode ajudar a polícia agora.


— Não conhecemos, mas o Gui estava flertando com uma

atriz que está no hotel, eu os vi se beijando, como ele sumiu e não


conseguimos contato com o empresário dela, pesquisei sobre a

Yasmim. Lino, ela namora esse tal de Ricardo que foi detido — digo

nervosa.

— Ai, porra!

Meu amigo estaciona e descemos. O local é de difícil

acesso e nos trouxe para próximo a um lago. Um carro da polícia


está parado e Lino me pede para esperar enquanto vai falar com

seu contato. Ao retornar eu sei.

— É ele, não é? — Sinto meu coração começar a quebrar.

Em silêncio, com apenas um menear de cabeça, Lino me

confirma e sinto meu peito ser rasgado.

— Eu quero ver — peço e começo a caminhar até lá. Meu

amigo me puxa, tentando me parar.

— Não! — Ele é firme, mas eu sou mais.

— É o meu irmão e eu vou ver!

Rapidamente me aproximo e sinto o mundo ruir. Tudo

desmorona. Sinto meu sangue gelar, meu coração ser destruído e


algo sendo quebrado, ferindo, tão forte que a dor parece nunca

acabar. Se infiltra por dentro e me mata. E então eu grito.

Tão alto e forte.

Continuo gritando até meus pais chegarem, até ouvi-los

chorar, até ouvir a polícia dizer que atiraram nele.

— Cinco disparos — Ouço ao longe e me solto dos braços

do meu amigo de infância. Com raiva, passo por ele e sigo em

direção ao seu carro.

— Para onde você vai?

— Eu vou matar aquela filha da puta! — Entro no carro e


dirijo em alta velocidade até chegar ao hotel. Estou consumida pela

raiva. Lino e Tiago estão me seguindo.

A entrada do teatro não tem seguranças, então apenas

entro e a vejo. Ela está conversando com poucas pessoas, é tão

bonita, mas como ela pode sorrir? Como ela pode estar vivendo

sabendo que alguém morreu por culpa dela?

Cheia de raiva e dor, caminho até parar em sua frente,


Yasmim me olha e sorri, deve achar que sou uma fã maluca atrás de

uma foto.
— Oi — murmura e minha mão bate tão forte em seu rosto

que a assusta. Seguranças aparecem. Alguém lhe entrega um


telefone.

— Você o matou! Você o matou! Ele morreu — grito

sentindo tudo de novo, o vazio, a dor.

— Eu não fiz nada! — Ela está assustada. Deveria estar. Ela

o matou, afinal.

— Você ficou com ele e seu namorado o matou, eu sei que

foi ele. Foi você!

— Calma, Camila! — Lino e meu irmão tentam me segurar.

— Você tinha um namorado. Você flertou com ele, ficou com

ele e sabe onde o Guilherme está agora? Em um maldito lago.


Morto. E foi você, você matou o meu irmão. — Choro sentindo a dor

me matar um pouco mais.

— Como assim? O seu irmão está aqui! — Aponta para o

Tiago.

— O Tiago está aqui, o Gui não! — Meu irmão me abraça.

Ela finalmente atende o celular.


— O que houve Ricardo? — murmura coisas incoerentes. E

então grita: — O quê? Preso?

Choro nos braços do meu irmão e ouço o segurança

esvaziar o teatro.

— Pai? O Ricardo foi preso. Eu não sei direito. Ele matou

um cara. Ele ligou e disse. — A ouço falar ao telefone. — Um cara

que eu fiquei. A gente brigou, eu conheci esse cara e para magoar o


Ricardo eu o levei para o quarto. Sim, o nosso quarto. Eu sei. Não,

eu não sabia. Certo. — Ela me olha. Sei que está assustada. Seus

olhos estão cheios de lágrimas e medo.

— Você é tão estúpida! Para magoar seu namorado você

condenou meu irmão! Você pode não ter puxado o gatilho e pode
não ter estado lá, mas foi você. Você causou isso — falo, e Tiago

me arrasta para longe.


Capítulo 1

É tão difícil seguir em frente. É tão estranho esse vazio que

sinto. Eu passei um mês fugindo do Tiago. Logo após o enterro do


Gui, fugi do meu outro irmão. Não consigo mais olhar para ele,

afinal, eram tão iguais.

Acordo cedo e mais uma vez ouço Tiago bater na porta do


meu quarto. Outro vazio. Esse apartamento. Nós três morávamos

aqui. O papai nos deu quando entramos na faculdade.

— Camila, por favor, abre a porta? — pede cansado. Passei

a trancá-la para que não entrasse. Eu não suporto ver o Tiago. Não

é culpa dele, mas eu não consigo vê-lo e saber que a nossa outra

metade está faltando. Ele bate mais uma vez, suspira e sai. Eu

espero um tempo, então levanto, pego todas as minhas roupas,


todas as minhas coisas, jogo numa mala e saio, para nunca mais

voltar.

— O que houve Camila? — A voz da minha mãe está


preocupada. Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Posso voltar para casa? — pergunto assustada e ela me
puxa para seus braços. Meu pai leva minhas coisas para meu antigo

quarto e nos deixa sozinhas.

— Você falou com o Tiago? Ele também está sofrendo.

— Como você consegue enxergar o Tiago e não ver o Gui?

— Ah, meu bem! — Ela me abraça mais forte.

Os dias vão se passando e continuo fugindo do meu irmão,

continuo sofrendo, continuo a odiando, Yasmim nos roubou uma

parte de nós. O meu melhor amigo. O meu companheiro de festas,

de planos, o filho perfeito.

Passo a procurar notícias sobre ela, mas Yasmim Medeiros

sumiu. Após as manchetes ela simplesmente sumiu. Encaro a tela

do computador e releio a última que acessei:


“Após escândalo e tragédia, Yasmim Medeiros está reclusa.

A família não entrou em detalhes, mas informaram que ela está se


recuperando do trauma. A jovem e talentosa atriz se envolveu em

um escândalo após se relacionar com um arquiteto durante uma


viagem. Seu ex-namorado, Ricardo Mota, é acusado de homicídio,
porte ilegal de arma de fogo e ocultação de cadáver. Ricardo está

preso. A família do arquiteto não deu entrevistas, o nome e a


imagem da vítima e de qualquer familiar, foi proibida de ser

divulgado.”

— Ela sumiu. — Ana me olha como se eu fosse louca. —


Durante esses dois meses, ela não apareceu. Nem quando o

Ricardo foi notícia. Nenhuma aparição. Nenhuma foto.

— Camila, você está ficando paranoica! — Minha cunhada

me olha e fecho o guia de internet sobre a Yasmim. Rabisco um


desenho na folha de papel ao lado do computador, tentando mudar
meus pensamentos.

— Não estou. Quero que ela sofra. Eu vou encontrá-la, Ana!


Nem que seja no inferno, eu vou encontrá-la e vou dizer tudo que
está entalado na minha garganta. Eu vou fazê-la sofrer.

— Vingança não adianta nada. Não traz o Gui de volta.


— Ele era meu melhor amigo, meu irmão. Como eu posso

esquecer isso?

— Seguindo em frente — fala, e desligo o computador. — O


que te trouxe hoje? — pergunto, enquanto a vejo me seguir como se

eu estivesse perdida. Não estou. Estou sofrendo.

— Você tem fugido dele.

— Nossos horários não combinam — resmungo, saindo

para fora do prédio e caminhando pela rua.

— Vocês trabalham no mesmo lugar, vocês moravam juntos


até você fugir para a casa dos seus pais.

— Isso não significa que estamos distantes, apenas que


nossas agendas não batem.

— Minta para você mesma, mas isso não nos engana.


Enfrente o problema — diz, e entramos em um café.

— Eu vou conhecer o Bernardo!

— Quem?

— O irmão dela. Eu vou me aproximar dele de algum jeito.


Vi uma matéria dizendo que ele virá ao Brasil para visitá-la. Dizem

que só ele sabe onde ela está. Ele vai me levar até ela.
— Você está maluca? Acha que ele não vai te reconhecer?

— Não saiu foto nossa no jornal. Papai proibiu.

— Quem é você, Camila?

— Não sei.

— Não te conheço mais.

— Às vezes, nem eu mesma me conheço mais. A dor me


sufoca.

— E você quer seguir assim?

Não respondo. Apenas pego meu café e o tomo em silêncio.


Ninguém entende a dor que sinto. Meu irmão se foi, eu o vi pela
última vez e não pude dizer que o amava, que ele era o meu melhor

amigo. O perdi e nada poderá voltar a ser como antes.


Capítulo 2

Bernardo Medeiros Campos.

É exatamente para ele que estou olhando. O destino é


mesmo sacana e talvez, esteja ao meu favor. Meu pai me pediu

para assumir uma reunião com um possível cliente. Eu só não sabia

que o cliente era nada menos que o Bernardo. Talvez o meu pai não
tenha percebido a ironia do destino ou até mesmo não tenha ligado

o nome, a pessoa.

Meus pais fizeram e vem fazendo de tudo para esquecer

aquele dia. Eles evitam falar sobre o Guilherme, a sala dele está

trancada, nada de pesquisas sobre ela ou a família. O Gui morreu e

no dia do enterro meus pais enterraram todo o assunto. Eles sofrem

em silêncio, calados, mas sofrem.

Eu o olho e ele sorri.

Bernardo estava fora do país até um mês atrás. Tem vinte e

seis anos, é alto, forte, seus cabelos e olhos são escuros. Lembro-

me das fotos que já vi desse homem, ele posa para a câmera como
se estivesse seduzindo o mundo e facilmente me atrairia. Deve ser
o sonho de todas as mulheres solteiras. Ele seria perfeito, se não
fosse quem é.

Fecho o computado irritada. Não posso achá-lo perfeito, não

posso achar que me atrai. Preciso manter meu foco. Eu vou


encontrá-la e jogar nela todas as palavras que eu desejo que ouça.

Talvez, seja uma vingança fraca, mas desejo apenas encontrá-la,

para que possa fazê-la ouvir o quanto ela nos destruiu e espero que

ao ouvir, ela sofra.

— Esse escritório foi o mais recomendado pelo meu amigo e

empresário e ele pesquisou muito para chegar a essa conclusão —

diz.

— Somos bons no que fazemos, Bernardo — falo, enquanto

o observo atentamente. — Que tipo de projeto tem em mente?

— Eu gostaria de reformar a minha casa. Inteira. Estou

voltando para o Brasil por um tempo e preciso sentir que ela é

minha casa. De novo.

— Entendo. Já tem alguma ideia do que quer? Podemos

visitar o imóvel e assim você explica na prática o que deseja mudar.

— Claro.
Marcamos um novo encontro e ele sorri. É uma porra de

sorriso lindo. Eu sorrio de volta.

— Que droga! — murmuro ao sair da sala de reuniões. Meu


pai ficará feliz em saber que Bernardo ficará com nossa equipe.

Pelo menos até descobrir quem é o nosso cliente. O que me faz


questionar como Bernardo pode não ligar os pontos? Existem tantos

Santana Muniz por aí? Quantos arquitetos possuem o nome do Gui?

Dirijo para casa e ao ver o carro do Tiago entro direto para o

quarto pela porta dos fundos. No café da manhã papai sorri ao me


ver. Ele beija minha mão e me puxa para sentar-me à sua frente.

— Querida, sei que tem sido difícil para você.

— Eu não quero falar sobre isso.

— O Tiago nos indicou uma psicóloga, talvez seja bom para

você.

— Ele já foi nela? Por que todo mundo está focado na minha

dor? Por que cada um não cuida da sua e me deixa sentir a minha?

— Porque você é única que está se prendendo a ela. — A


voz da minha mãe é forte, mas sei que ela está prestes a

desmoronar.
— Porque todos vocês o esqueceram e fazem de conta que

nada mudou. Tudo mudou. Meu irmão morreu e está todo mundo
sorrindo para o mundo. Ela está por aí, ele está lutando para sair da

cadeia e Gui está na porra de um cemitério! — grito.

— Ele não vai sair. Nossos advogados têm checado


diariamente o andamento do processo.

— Eu não quero falar sobre isso.

Comemos em silêncio. Eu tenho fugido de conversas como


essa. A única coisa que não deixo de lado é a minha raiva em saber

que ela está bem enquanto ele morreu. O Gui não agiu certo, não
fomos criados para nos meter no em relações alheias. Fidelidade e

respeito foram à base da nossa educação, mas morrer por isso?


Quem não ama o próximo o suficiente para tirar uma vida?

Saio para o escritório no horário de sempre para evitar o

meu irmão, que tem me dado espaço. Já Ana, vive reclamando que
o estou magoando, mas eu não ainda não consigo. Por enquanto
não.
Capítulo 3

Uma semana depois, Bernardo me mostrou sua casa, explicou as

mudanças que desejava e definiu tudo com nossa equipe especializada.


Começo os desenhos e vou atualizando-o a cada etapa. Rapidamente a

reforma começa e ele acompanha tudo de perto. Assim como eu.

— Você vive mais na obra que no escritório — diz.

— Eu estou assinando. Nada pode sair errado. Não posso ser a


causadora de um desastre — digo, e o observo. Por um momento ele fica

sério, mas então a leveza está de volta em seus olhos escuros.

— Você é uma boa profissional.

— Assim eu espero.

— Tempo para tomar um café?

— Eu adoro café, mas no momento, meus colegas de obra


precisam de mim.

— Hoje à noite você está livre? Conheço um bom restaurante e um

deles serve um bom vinho.

— Bernardo, eu não sei se isso seria correto. — Jogo, afinal, tudo o

que mais quero é essa aproximação.


— Te pego ou te encontro lá? — pergunta e me questiono, mais

uma vez, se ele não me conhece.

Será que o destino realmente quer realmente brincar com a gente?


Devo me aproximar agora?

— Me encontra lá. Você pode passar o endereço por telefone. Meu


contato pessoal estava no e-mail que enviei o projeto — respondo por fim.

Ele sorri e caminha para fora, um segurança o espera próximo ao carro e

torço para que não seja nenhum da equipe daquele dia.

O dia se torna longo, alguns problemas surgem na obra e eu


preciso conferir de perto, está ficando tarde quando eu termino de

redesenhar um dos quartos e sigo para casa. Sorrio ao perceber que ele

está ali. Bernardo desce do carro assim que o meu estaciona. Pulo para
fora sem me importar de abrir o portão da garagem.

— Até onde me lembro, eu deveria encontrar você lá! — falo, e o

vejo caminhar até mim.

— Você atrasou por duas horas e meia achei que estava me dando

um bolo, mas olhando você agora, imagino porque não apareceu. — Olha

minhas roupas e percebo que eu realmente mergulhei na obra e acabei me


sujando inteira.

Reviro os olhos.

— Vinte minutos. É o tempo que eu entro tomo um banho e

encontro você onde quer que você tenha marcado.


— Posso esperá-la.

— Eu te encontro lá.

Bernardo me olha, sorri, e então diz:

— Espero que realmente apareça.

Subo correndo para meu quarto, tomo um banho, visto uma roupa

casual e novamente desço correndo as escadas. Meus pais estão na sala e

ao me verem com pressa perguntam para onde estou indo.

— Jantar fora. Não precisam me esperar.

Eles sorriem porque pela primeira vez em muito tempo eu estou

saindo e sorrindo. O que me faz pensar que talvez, deva dar um passo

para trás e analisar como estou me saindo. Embora Bernardo seja um

homem atraente, alguém que consegue mexer comigo, não é esse o meu

objetivo com ele. Não posso me deixar levar por encontros casuais, um
sorriso sedutor.

Engulo as borboletas que surgem em meu estômago e dirijo até o


local marcado. Muitos minutos depois, chego ao restaurante e encontro

Bernardo em um canto reservado. Ao me ver, ele sorri e então visto minha

máscara de garota comum. Sorrio e caminho até ele como se o motivo para

tudo isso não fosse vingança.

— Pensei que não viria — diz, e sorrio tentando soar natural.

— Trânsito ruim.
Bernardo me olha de forma sedutora e me joga um sorriso de lado

que faz meu coração acelerar. Mentalmente, repito que conhecê-lo, me

aproximar, não tem nada romântico. Obrigo-me a construir muros mais

altos, mais fortes de serem derrubados e me permito entrar no jogo. Afinal,

não será um sorriso sedutor que irá me derrubar. Mesmo que esse sorriso

seja capaz de fazer o mundo sorrir junto com ele.

— Por que decidiu fazer uma reforma quando sua casa estava
bem? Quer dizer, ela tinha alguns problemas, mas eram mais infiltrações.

Poderia ser resolvido sem praticamente precisar refazê-la — pergunto,

porque ainda tenho dúvidas sobre sua chegada até nós.

Será que Bernardo se aproximaria de nós? Tentaria algo da mesma

forma que estou buscando?

— Estou voltando ao país após um longo período longe. Preciso

me sentir em casa.

— O trabalho te trouxe de volta? — Jogo verde.

— Não. É um ano sabático. Estou colocando em ordem alguns

problemas familiares.

— Entendo. Vi algumas matérias sobre sua família. Sinto muito —


digo e sinto meu coração apertar. Dizer que sinto muito por sua família

quase me mata. Minhas mãos tremem e respiro fundo tentando controlar a

raiva, a vontade de chorar e o vazio. Porque sim, eu sentia muito, mas pela

minha família. A dela nada perdeu.


— É complicado. Minha irmã precisava crescer e, infelizmente, ela

está apanhando da vida para isso.

Fico em silêncio, não há nada que eu possa dizer que ele gostaria

de ouvir. Não sei se sou capaz de ser empática com ela. Não quando a
vida de Yasmim continua para ser reconstruída e meu irmão não existe

mais.

— Entendo que você tenha interesse em nossa empresa, porém o

que estamos fazendo aqui? Como sabe meu endereço pessoal?

— Não estamos fazendo nada demais. Apenas jantando — fala e o

encaro. Sei que Bernardo sabe que estou analisando-o. Para ele, estou

pensando se vale a pena arriscar tudo, mas na verdade, estou testando o

caminho. — E sobre o endereço, seguranças — resume sua descoberta

sobre algo pessoal e a dúvida volta a me perseguir.

— E por que estamos jantando?

— Porque quando meu empresário que é meu melhor amigo disse

que a empresa era uma das melhores e disse que a reunião seria com uma
arquiteta jovem, mas talentosa eu fiquei um tanto intrigado.

— Por que eu sou talentosa?

— Não. Porque ele disse que eu deveria ter cuidado.

Minhas mãos gelam e meu coração bate forte. Tem como esse

homem não ter descoberto nada sobre minha família? Com certeza, eu iria
investigar o máximo que pudesse.

— Por quê?

— Porque ela era linda. E eu estava frágil.

— Você está?

— Não. Estou preocupado, não frágil.

— Sei...

— Eu gostei de você, Camila. Está sempre concentrada, focada. É

inteligente. Você é um conjunto que me fascina, embora eu não devesse

estar me aproximando. Meu regresso não teve a ver comigo, mas com a

minha família, ainda assim, te conhecer, me fez sentir algo estranho, algo

que nunca senti. Uma ligação complicada de explicar, mas que desejo

viver.

— Flertando? Não sei se acredito nisso tudo. Nunca fui de acreditar

que toda essa fascinação à primeira vista existe.

— Por que não poderia existir?

— Porque ninguém gosta de outra pessoa assim tão facilmente.

Ele me observa e tomo um pouco do vinho e como um pouco do

jantar dos deuses que foi preparado para nós.

— O que você gosta de fazer nas horas livres? — me questiona

mudando de assunto.
— Ver filmes, comer muito chocolate, tomar vinhos ou uma cerveja

barata, gosto de olhar fotografias e desenhar.

— Qual último filme que você viu?

— Missão impossível. Meus irmão adoram. Vimos juntos.

— Há quanto tempo isso aconteceu?

— Tempo demais, estou sem tempo para ver filmes ou qualquer

besteira dessas que fazemos nas horas vagas.

Ele me olha e sei que meu rosto transparece a raiva que sinto.

— O que você gosta de fazer nas horas vagas? — pergunto,

tentando voltar ao clima “leve”.

— Ver séries, futebol, ouvir música, beber com os amigos, sair com

a minha irmã, nada fora do normal.

— Time favorito?

— Barcelona.

— Litoral ou campo?

— Litoral, campo apenas quando finalizo as gravações de algo que

foi extenso e cansativo.

— Como sua carreira surgiu?

— Minha mãe me colocou para fazer um teste desses de família

feliz, comercial de margarina e por aí vai, rendeu, após isso foram surgindo
comerciais para roupas, passarela, até que eu finalmente entendi que eu

queria atuar, fiz cursos de teatro e investi nisso, deu certo.

— A vida de famoso é tudo isso que parece?

— Como se parece?

— Sempre ganham presentes, são convidados para tudo e a

qualquer hora, muito glamour, muito dinheiro, romances que acabam logo,

essas coisas... — Dou de ombros fazendo pouco caso.

— Ah, as coisas “fáceis”. Sim e não. Claro que recebemos presente

para divulgar lojas, somos convidados para eventos, o dinheiro pode ser

muito, os romances podem acabar logo, tudo depende. Existe o lado

glamoroso, mas é cansativo, trabalhoso, é preciso estar com a mente, o

coração. É uma entrega total, sua, da sua família, da sua liberdade.

Estamos aqui, mas a qualquer momento podemos estar em um site de

fofoca ou sair na capa de revista da semana, não sei... amo o que faço,

mas a privacidade se vai.

— Isso é ruim?

— Novamente, tudo depende. Eu cresci nesse mundo. Eu

compreendi desde cedo o que eu deveria e não deveria fazer. Ser discreto

é uma característica minha, mas também é algo que aprendi na profissão.

— Elas não se importam?

— Quem?
— As mulheres com quem você se relaciona.

Bernardo sorri e mais uma vez, sinto meu estômago se agitar.

— Para mergulhar em um relacionamento com um ator, uma

pessoa famosa ou pública, precisa ter amadurecimento. Eu vou beijar outra

pessoa, mas isso não significa que eu estou traindo, é parte do meu

trabalho. É arte.

— Arte?

— Sim, assim como você desenha — explica.

— É diferente. Eu não faço sexo com meus desenhos. Quem

garante que tudo aquilo não é real?

— Não é real. É ensaiado, pensado, trabalhado, coreografado, é

tudo, menos real.

— Não sei se conseguiria compreender. Imagina meu namorado

beijando outras bocas? Eu quero que beije apenas a minha — respondo e

ele olha para a minha boca. Segundos depois, Bernardo fica sério, olha em

meus olhos e diz:

— Você entenderia se amasse o seu namorado. Existe respeito.

Estamos trabalhando, não flertando, caçando, ou seja, lá o que pensam —

fala, e sei que o chateie com minha opinião.

— Não quis ofender.


— Não ofendeu — mente, e suspiro. Talvez, como minha cunhada

tenha dito, eu não saiba o que estou fazendo, onde estou me metendo.

— Por que quis ser arquiteta?

— Meu pai é. E ele é o máximo. Eu sempre o via desenhando,

planejando, idealizando, correndo por obras, meus irmãos o imitavam e eu

queria ser como ele. Achava o máximo saber que foi ele quem desenhou

nossa casa, que pensou em cada detalhe, que a idealizou. No Dia dos

Pais, eu tirava o dia para ele. O seguia pelos cantos, o imitava, desenhava

junto com ele, ele me mostrava seu trabalho e pedia minha opinião e ele as

ouvia, e muitas vezes, colocou minhas ideias no papel. Ele me influencia

positivamente a ser a melhor, como ele. — Sorrio.

— Vocês parecem ter uma boa relação.

— Nós temos. Família unida e essas coisas todas.

— Isso é raro, bonito de ser ver, mas um pouco raro.

— Sua família, não é? — pergunto e ele suspira

— A minha família é unida. Nós temos problemas como todas as

outras, nós brigamos, mas nós nos amamos, protegemos um ao outro.

Eu o observo e imagino até onde ele ou qualquer um deles iria para

protegê-la. Será que eles sentem uma dor tão grande como a que

sentimos?
— Você não tem medo de se abrir comigo dessa forma e amanhã

nossa conversa estar nas revistas de fofocas mais badaladas do país?

Bernardo sorri.

— Não. Eu sou verdadeiro, Camila. O que você precisar perguntar,

pergunta para mim. E eu não vou deixar de viver ou de confiar nas pessoas

porque tudo o que vivemos ou falamos pode acabar nas páginas das

revistas sensacionalistas. Eu sou maduro o suficiente e eu acredito ou

espero que a pessoa que está comigo também seja, então não, não tenho

esse medo.

Eu o observo em silêncio enquanto tomo um copo de água. É difícil

saber até onde eu posso ir, até onde terei coragem de ir. Eu quero magoá-

lo? Nem um pouco. Ele parece ser bacana, mas se eu vou? Com toda

certeza! Eu posso não saber ao certo o meu limite, mas em meus planos,

eu não me importo de ultrapassá-lo. Eu quero que ela me olhe nos olhos e

diga se tem pesadelos como eu tenho, se ela fecha os olhos e o vê, ou se

ela sabe a dor que é perder um irmão, um filho, um amigo. Quero ver o

sofrimento da Yasmim.

Quando damos o encontro por encerrado, sigo para casa e após

um banho, me deito em minha cama, fecho meus olhos e o vejo. Seu corpo

está sem cor, seus olhos fechados. O que será que o Guilherme pensou?

Ele implorou para viver? Lágrimas caem dos meus olhos e me forço a me

entregar ao sono.
Capítulo 4

Não consigo dormir. Reviro na cama e sempre que fecho os


olhos eu o vejo. O ódio que eu sinto parece me sufocar e a dor
parece não ter fim. Como podem esquecê-lo? Como aprender a
viver assim? E se eu o esquecer? E se com o tempo sua voz, sua
risada sumir da minha mente?
Levanto-me irritada, pois não deveria estar pensando em
coisas assim. No entanto, quando saio do meu quarto e o vejo, sei
que tomei uma decisão.
Tiago está parado no corredor que levava aos nossos
quartos, seu braço cruzado em seu peito, seus olhos cheios de
mágoas.
Bem-vindo ao clube querido irmão!
Passo por Tiago e sigo para a cozinha sem encará-lo. Porque
ainda dói, porque evito guardar detalhes e fazer comparações. Meus
irmãos eram tão iguais e ainda assim, tão diferentes. E mesmo
sabendo que eram duas pessoas com personalidades opostas,
olhar para um sabendo que nunca mais verei o outro me mata um
pouco mais.
— Pelo visto sua operação não deu certo — papai fala ao ver
o Tiago entrar na cozinha.
— Ela mal me olhou. Era como se eu nem estivesse lá.
— Não sabemos o que fazer. Ela não quer ajuda, a ouço
chorar e chamar o Gui em alguns momentos, em outros, fazer voto
de silêncio. Sei que ela já não dorme, ouço seus passos pela casa,
já a vi chorar na frente da porta do quarto dele. Sei que a ligação de
ambos era única, que eram duas almas livres que se inspiravam,
mas estou perdendo outro filho, porque minha a minha menina está
perdida na dor.
— Isso não é bom, papai. Ela vai enlouquecer desse jeito. Ele
era meu irmão também!
— Não parece — murmuro para mim mesma, mas eles
ouvem.
— A dor não é apenas sua. Eu perdi meu irmão, eu perdi o
meu melhor amigo, o cara que eu amava mais que a mim mesmo,
eu perdi o padrinho do meu casamento, eu perdi o homem que me
apresentou a mulher mais sensacional da minha vida. Nossos pais
perderam um filho e você acha que apenas você está sofrendo? A
sua dor é a única autêntica? É a única difícil de curar?
Pego meu café e não o olho.
— Olha para mim — Ignoro meu irmão. Não posso olhá-lo. —
Olha para mim, porra — ele grita bravo. Eu olho para o chão e uma
lágrima escorre. — Olha para mim, Camila, por favor, me olha, me
vê.
— Eu sinto muito. Eu não posso. Eu não posso te olhar e não
quero te olhar, não quero te ouvir, não quero te ver.
— Por favor, Camila... — ele implora.
— Eu não posso te olhar, Tiago... não posso olhar para você
e saber que ele se foi.
— Eu não sou nada para você?
— Você é tudo e é exatamente por isso que te ver machuca.
Pego minhas coisas e saio. Não vou trabalhar. Em um ato
desesperado, sigo direto para a penitenciária em que ele se
encontra. Ricardo está em uma cela especial. Com muito custo,
consigo uma autorização para vê-lo, e preciso aguardar, após
Ricardo entrar na sala o observo em silêncio.
Ele está mais magro, mas ainda assim, está bem. Sei que
está. Ele está vivo, afinal.
— Conheço você? — pergunta e suspiro.
— Essa é a primeira vez que venho te ver...
— Devo conhecer você? — Me corta.
— É um desprazer te conhecer, Ricardo. — Ele me olha
curioso — Me chamo Camila Rafaela Santana Muniz, você matou
meu irmão.
— Você é uma dos gêmeos.
— Você sabe afinal.
— Meu advogado falou. O que você faz aqui?
— Eu queria te ver.
— Já viu. — Ele faz menção de se levantar.
— Eu queria entender. O que você fez destruiu minha família,
mas você está bem, preso, mas bem, ela... está bem. Ele? Está
morto.
— Você nunca irá entender. Também não espero que
entenda.
— Eu realmente não irei.
— Não vou me desculpar. Reconheço os meus erros, mas
não vou me desculpar.
— Eu imaginei que não iria. Mas, eu gostaria de saber como
você chegou até ele, o que ele fez, o que disse, o que você sentiu
tirando a vida de alguém que estava começando a viver.
— Não quer esperar o julgamento?
— Pode demorar, pode nunca acontecer. E eu quero
respostas.
— Eu usei o celular dela para marcar um encontro. Ele foi e
ao me ver, ele sabia que algo estava errado. Nós discutimos.
Quando eu saquei a arma ele me olhou, reconheceu que errou,
pediu desculpas, disse que sabia que eu tinha uma filha pequena e
que o fato deles terem me traído assim, bem na minha cara, na
minha cama, não valia o risco de não a ver mais. Ele se desculpou
sim, e ainda disse que terminaria a viagem antes, iria se afastar.
Guilherme disse que eu deveria pensar, mas eu não queria isso,
afinal, ele brincou comigo, bem debaixo do meu nariz, aquele
moleque levou minha mulher para a cama.
Ele me olha atentamente e há tanta raiva.
— Eu pensei em parar, mas eu estava com raiva. Dela, dele,
da situação. Ele pediu que eu parasse, que daria tempo de voltar
atrás. Seus olhos estavam com medo. Eu senti que eu estava
roubando sonhos, eu vi cada um deles morrer nos olhos do seu
irmão. Quando eu o olhei sem vida, eu entendi que eu fiz algo que
estava além, muito além de tudo. Eu joguei o corpo dele no lago
quando lembrei mais uma vez do que eles me fizeram — termina.
— Você tem uma filha, Ricardo. Em algum momento você se
colocou na posição de pai? Você pensou o que meus pais sentiriam
ao ver o corpo do filho sendo retirado de um maldito lago gelado e
cheio de perfurações? Meu irmão era um arquiteto brilhante, ele
tinha planos, era um bom filho, um bom irmão.
— Um mau caráter — diz.
— Não. Ele errou por ter se relacionado com ela. Mas o
caráter dele? Era perfeito. Esse foi o único erro do meu irmão. Ele
jamais se envolveu em relacionamentos alheios. Ele era o melhor
amigo que uma pessoa poderia ter.
— Por que você veio até aqui?
— Vocês dois abriram dentro de mim uma ferida que não
cicatriza. Eu não durmo porque eu fecho os olhos e o vejo. Eu o vejo
sorrindo, o vejo desenhando, o vejo me carregando pela casa e
bagunçando meus cabelos, o vejo abraçando o meu irmão, vejo o
Gui com nossos pais. E finalmente eu o vejo em um lago. Vejo sua
pele sem cor, seus olhos fechados, eu o vejo baixando para o chão,
um monte de terra ser jogado, alguns blocos colocados e finalmente
vejo cimento lacrando seu túmulo. Eu tenho medo de esquecê-lo,
mas eu sei que eu nunca poderei esquecer a pessoa que divide o
mesmo rosto com meu outro irmão. E sempre que o meu irmão me
procura e eu o evito como se ele fosse o próprio diabo — digo, e
percebo que estou chorando.
— Eu desejo que sua vida seja muito, muito ruim Ricardo. Eu
desejo que você não durma nunca mais, que sua vida e resuma a
uma patética existência, que sua filha esqueça sua voz, seu cheiro.
Eu desejo que ela saiba que você é um homem ruim, sem coração e
eu desejo que ela te odeie por tirar uma vida. Eu desejo que todos
os dias, todas as noites você ouça a voz do meu irmão. Você o veja
e perceba que você destruiu uma vida, sonhos, que você matou
uma família inteira. Eu desejo que você apodreça aqui dentro e que
nunca mais veja o mundo. Que você veja o sol pelas brechas, que
saiba que lá fora tem uma vida e você não poderá vivê-la, assim
como ele não vai.
— Eu realmente acho que eu vou viver da forma como você
descreve.
— É o que você merece.
Levanto-me para ir embora.
— Eu não faria de novo, Camila. Mas eu não vou me
desculpar.
Eu saio daquele inferno e sigo para o único lugar que eu acho
que poderei ter um pouco de paz. Eu sigo para o escritório e tranco-
me em minha sala e choro por um momento grande demais. Eu não
quero chorar por ele todos os dias, pois Gui odiava choros, mas
ainda não consigo superar.
Horas depois, destranco a porta e reviso o projeto que tenho
em mãos. Conversar com o Ricardo só me fez desejar encontrá-la
ainda mais. Eu vou dizer como espero que ela viva olhando bem
diante de seus olhos. E assim como eu sei que ele não se
arrependeu, quero saber como ela vive seus dias de merda.
Capítulo 5

É fim da tarde quando meu pai, meu irmão e o nosso

advogado entra em minha sala. Como meus pais disseram que ele
se informa todos os dias do andamento do processo imagino que

tenha sido informado da minha visita.

— Posso saber o que você estava pensando quando se


dirigiu até a penitenciária e o visitou? Quando sozinha você ficou em

uma sala com um assassino contra quem estamos lutando na

justiça?

— Eu estava pensando no Guilherme. Em seus últimos

momentos, eu queria saber como aconteceu, o que ele falou, o que

o Ricardo sentiu — respondo encarando meu trabalho. Não vou

chorar!

— Você pode atrapalhar o andamento de tudo agindo assim

— o advogado do papai diz com cuidado.

— Ele atrapalhou bem mais coisas que eu. — Viro-me para

o meu pai. — Ele disse que o Gui não tinha caráter, mas me contou
o que aconteceu. Disse que o Gui conversou, pediu desculpas,
tentou colocar juízo na cabeça idiota dele. O Guilherme pediu para
que pensasse na filha e no modo como isso iria destruir a vida

deles. Que iria embora, que nunca mais se aproximaria dela, mas

ele estava irredutível. Ele disse que ao percebê-lo morrendo

entendeu que estava roubando os sonhos dele. Ele não se

arrependeu e vi nos seus olhos isso.

— Por que você está se machucando mais? — A voz do

Tiago me sufoca.

— Por que esquecê-lo?

— Querida, deixar a dor ir embora não significa que o

esquecemos. — Meu pai me abraça.

— Eu preciso sentir algo. Qualquer coisa, ou eu não sentirei

nada.

— É uma pena te ouvir falar assim. Percebo que realmente,

é como se eu tivesse perdido dois filhos. Um para a morte, um para

a dor. Um não posso olhar, tocar, abraçar, outro eu posso tudo isso,

mas ainda assim, perdi para a dor.

Tiago vai embora ao perceber que eu não estarei próxima a

ele. Não por enquanto. Papai me disse que conversou com ele,

reforçou que preciso de tempo, que estou sentindo demais o luto e


ainda não estou pronta. Tiago é um irmão incrível e por ser

maravilho disse que me daria mais tempo, mais espaço, mais amor.
O advogado do papai me fez jurar que não ia mais procurar o

Ricardo e que eu não iria ao julgamento. Eu concordei porque não


quero mais ouvi-lo repetir tudo aquilo. Eu quero apenas seguir
minha vida e para isso preciso me encontrar com ela.

Uma semana depois eu estou na obra do Bernardo,

avaliando tudo, supervisionando o que já está sendo feito. Caminho


ao redor da propriedade e imagino se ela estará por aqui. Yasmim
viverá nesta casa? Na casa que estou construindo novamente?

Bernardo me pediu agilidade na obra, como uma boa


profissional, sorri e disse que se queria algo corrido e com pressa,
que tivesse procurado outro lugar. Meu nome assina o projeto,

Bernardo terá que aceitar que cada etapa é um processo e eles


levam tempo. Não vou apressar porra nenhuma. Prefiro ter um
cliente reclamando do prazo do que problemas na obra e essa casa,

embora fosse simples e seus pilares fossem bons, era meu projeto
especial. Eu precisava de um pouquinho mais de tempo. Nada fora

do normal, apenas o suficiente para que ele me olhasse. Me


enxergasse.

— Jantar hoje à noite? — A voz do Bernardo próxima ao

meu ouvido faz arrepios percorrem meu corpo. Queria não sentir
nada, mas a cada aproximação eu sinto como se pudesse trair a

mim mesma e me obrigo a lembrar do porquê estou aqui.

— Você não tem medo disso dá errado?

— Você fala muito em medo, Camila. Esquece o medo.

— Tudo bem. Podemos jantar — digo, e continuo o trabalho

que estou fazendo.

Saímos de sua casa já no início da noite. Bernardo me leva


a um restaurante chique. Desses que apenas famosos vão. Ao

entrar, um grupo de fãs pedem fotos, autógrafos e conversam sobre


seus trabalhos recentes. Atencioso, Bernardo os atende, sorri, é

educado. E vê-lo assim, tão sincero e aberto, me faz pensar, por um


momento, que seria errado usá-lo da forma que estou usando, mas
quem eu quero enganar? Ele é a única pessoa que pode me
aproximar dela e não vou desistir de encontrá-la.

Durante o jantar, vejo mais vez, o quanto Bernardo é


inteligente, em como fala sobre tudo de forma apaixonante. Não

importa o assunto, viagens, planos de negócios, vida no geral,


Bernardo apenas conversa como se nada mais importasse além de

você. E por alguns instantes eu realmente sou eu mesma e me


permito vê-lo entregue.

Seria tão fácil me apaixonar. Machucar-me ainda mais.

Sorrio e bebo a taça de vinho. Suas mãos tocam meu rosto


enquanto ele me observa. Eu sei o que ele quer. Bernardo é um

homem lindo e extremamente sedutor. Por isso quando se aproxima


de mim, eu apenas fecho os olhos. Sua boca cola na minha de
maneira suave, ele respira em minha boca, apenas testando o

terreno, quer saber se será aceito. No momento em que abro meus


olhos e o olho, sei que ele está pedindo permissão, então me

aproximo e o beijo. De verdade. Sua língua enrosca na minha e


suas mãos se fecham em meus cabelos. Ele domina o momento e

eu me entrego.

Sem medo.
Sem culpa.

Ao me deixar em casa, pois estava sem carro, Bernardo me


beija novamente, dessa vez com um pouco mais de atrevimento.

Suas mãos passeiam por meu corpo e suspiro. Meu corpo arde por
algo que não sei exatamente o que é. Pode ser a porra de um
clichê, mas tenho vinte e três anos sou virgem e estou

completamente perdida. Esqueço a vingança e entro em casa

sorrindo. Apesar de tudo, o cara beija bem e se com um beijo ele


me enfraquece, imagino de quantas maneiras ele pode me

enlouquecer?

Entro em meu quarto e sigo diretamente para o banheiro,

ouço o alerta de mensagens em meu celular informar que tenho

algumas quando saio do banho.

Cunha: “Posso saber o que é isso?”

Leio, ainda enrolada na toalha. O nome da Ana Rebeca

aparece na tela junto com uma foto. Sorrio. Na foto, eu e o Bernardo


estamos nos olhando. Ele com suas mãos em meu rosto, seu olhar

parece faminto, o meu apaixonado. Mais uma mensagem e sei qual

a foto a seguir. Estamos nos beijando, primeiro, no restaurante,


depois em seu carro.
“Duas pessoas. Dois beijos.”

Respondo rapidamente e acesso à internet. Jogo seu nome

no buscador e uma enxurrada de fotos nossas aparecem. Como os


fotógrafos conseguiram fotos nossas na obra? Nelas, sorrimos, ele

me toca de forma carinhosa, eu mostro alguns trabalhos da equipe.

Na maioria, estou completamente entregue ao meu trabalho, mas


em muitas eu o observo com um lápis na boca e um sorriso idiota.

— Preciso ter cuidado — Suspiro.

Clico em um link e uma matéria aparece sobre nós.

“Astro do cinema e jovem arquiteta: do trabalho para a vida?

O ator e diretor de cinema, Bernardo Medeiros Campos,

parece estar entregue aos talentos da jovem arquiteta Camila


Muniz. Sorridentes, parceiros e sedutores. É exatamente assim que

colegas de trabalho tem definido a relação dos dois.

O ator, que voltou ao Brasil recentemente vinha mantendo

distância de relacionamentos até envolver-se com a arquiteta, com

quem já trocou beijos em um restaurante, carícias no carro e


jantares divertidos. Uma fonte ligada ao astro diz que ele a está

conhecendo melhor. ‘Camila é uma profissional brilhante, ela é

dedicada, atenta e cuidadosa. No início teve receio em aceitar


encontrar-se fora do ambiente de trabalho, mas após a saída, ela

provou ao Bernardo que possui muitas qualidades e ele está feliz

em poder conhecê-la melhor.’ Questionado sobre o possível


romance entre eles, o amigo do astro disse que ambos fariam bem

um ao outro. ‘Bernardo está saindo de uma fase de preocupação e

cuidados. Ele veio para dedicar-se à família, mas está fazendo

novos amigos e se entregando. Ele está seguindo em frente e


mostrando para seus familiares que isso é possível.’

Camila Muniz formou-se em arquitetura há dois anos. Sua

vida parece calma e a jovem tem evitado a fama, todas as suas

redes sociais são fechadas e ela segue pouquíssimas pessoas.

Bonita, inteligente e extremamente sexy, a arquiteta tem dividido a


opinião dos fãs do ator. Resta-nos saber se Bernardo virá ao Brasil

encontrar um amor ou apenas salvar sua irmã? Resta-nos descobrir

se esse trabalho irá render e durar.”

— Idiotas. Um sorriso falso e uma maquiagem e estou feliz?

Que mundo tão mentiroso esse seu, Bernardo! — murmuro.

Deito-me em minha cama e entrego-me ao cansaço. Pela


primeira vez em muito tempo não é o rosto do Guilherme que vejo
ao fechar os olhos. São os olhos do Bernardo que aparecem em

meus sonhos.
Capítulo 6

Desço para o café da manhã e meus pais me observam.

Não digo para os dois como foi minha noite, mas sei que sabem.

— Você não falou que estava namorando esse rapaz —

Ouço a voz da minha mãe soar cheia de acusação. Eles já devem

ter percebido a ligação.

— Não estamos namorando.

— Estão ficando, se pegando ou qualquer coisa parecida. —


Sua voz é dura.

— Estamos nos conhecendo um pouco mais.

— Se eu soubesse quem ele era jamais teria permitido a

assinatura do contrato, deveria ter cancelado assim que soube —

meu pai diz.

— Ele não é ela papai.

— O que você está fazendo, Camila?

— Nada! Já disse. Estamos nos conhecendo, nada muito

sério. Ele não sabe quem somos e prefiro que seja assim. Pela
primeira vez em meses eu dormi, sorri, estou feliz. Se ele é parente
dela, eu apenas ignoro. Isso pode dar em nada. Não vou

enlouquecer por isso. — Minha mãe me olha desconfiada, mas

percebo que em seu olhar brilha a esperança de estar certa sobre a

minha felicidade.

— Queremos seu bem — diz cansada.

— Eu sei mamãe. Obrigada.

Logo após encerrar uma reunião com a equipe que


trabalhou na casa dele, entro no carro e sigo para sua casa. As

chaves em minha bolsa parecem pesar. Sei que é o fim desta etapa,

não consigo pensar de que forma poderei continuar com isso. De

que forma posso atraí-lo ainda mais? De que maneira posso

envolvê-lo?

Desço do meu carro e o encontro na porta. Bernardo sorri e

pego em minha bolsa as chaves.

— Aqui estão suas chaves.

— É um prazer tê-las de volta. — Ele me abraça e beija

meus lábios de leve. Derreto-me. Que porra!

— Vem, vou te mostrar como tudo ficou. A limpeza já foi

feita. Agora só falta a decoração. Temos uma ótima decoradora


caso tenha interesse em deixar em nossas mãos — digo, enquanto

o puxo para dentro.

— Ficou incrível e totalmente do meu jeito — fala,


aprovando o trabalho.

— Sua casa recebeu um toque moderno, mas ainda


permanece com uma aparência clássica. Ela é ecologicamente

correta. Por isso a demora, alguns materiais estavam em falta e


precisamos aguardar do nosso fornecedor.

— Ela está incrível — diz admirado.

— Como falei, basta apenas a mobília e decoração.

— Pode mandar a decoradora vir.

Sorrio.

— É tão fácil trabalhar para você — falo e ele sorri.

— Fui convidado para uma festa no próximo mês. Na casa

de um amigo. Nada muito formal. Ele apenas vai comemorar o


aniversário da esposa, como já faz um tempo que não nos vemos

ele me convidou e não quero ir sozinho. — Me abraça, fazendo um


convite implícito.
— Tem certeza de que deseja que eu o acompanhe? Não

vai aguardar sua decoradora chegar e perceber que o trabalho dela


é marcante a ponto de ser para toda a vida?

Bernardo sorri abertamente.

— Caralho, você lê as matérias de fofocas?

— Uma amiga leu e decidiu me mostrar.

— Desculpe-me — pede e sei que está sendo sincero.

— Não por isso.

— Tenho certeza de quem eu quero me acompanhando.

— Então tudo bem... — Sorrio e o beijo.

Sua boca encosta na minha com fome, desejo, paixão. Eu

me entrego. Meu coração bate acelerado, sinto minhas pernas


fraquejarem e meu estômago gelar. Algo está errado comigo! Como
posso desejá-lo tanto? Como posso querer isso tanto quanto ele?

Como posso enganá-lo?

Suspiro contra sua boca.

— O que estamos fazendo, Bernardo?

— Estamos namorando. — Ele sorri e me aperta em seus


braços.
Suspiro encantada e então me pergunto:

E se eu me apegar?

Dias se passam sem que possamos nos ver. Entrego-me ao

trabalho e tento esquecê-lo. A cada mensagem trocada meu


coração parece explodir. Ao mesmo tempo em que minha raiva

piora. Ele não falou mais de sua irmã. Evito perguntar, não quero
que ele me ache curiosa. Se em poucos meses que estamos juntos
ele não percebeu nossa ligação, não sou eu quem irá trazê-la para

sua mente.
Refaço meus planos ao me vestir para a festa. Nada de falar
sobre meus irmãos, afinal, podem perguntar quem são. Nada de
falar sobre a empresa dos meus pais, nada de usar meu nome

completo. Nada de ser a Camila que sofre. Eu me visto e desço.


Alguns minutos depois estamos chegando em uma casa gigantesca.

Esse local seria o triplo da casa dos meus pais. Observo o entorno,
as luzes foram colocadas de modo a formar um caminho. O barulho
da música e das risadas chega até nós.

— Fica tranquila. Eles são gente boa.

— Se você diz.

— Pode confiar em mim.

Entramos na casa e um homem sorri ao ver o Bernardo. Ele


caminha até nós e o abraça.

— Quanto tempo! — diz, sorrindo para o homem ao meu


lado. Bernardo está com uma mão em minha cintura agora.

— Desde seu último teste. Depois do sucesso do filme, você

passou a ser convidado para atuar.

— Não é para tanto, ainda faço testes.

— E essa beleza? — Ele me olha e o encaro.


— Essa é a Camila. Estamos namorando há pouco tempo.

— Então a história de voltar ao Brasil e encontrar um amor

era real?

— Você sabe meus motivos para a volta.

— Como ela está?

— Ela está destruída. A barra é mais pesada do que

deveria. Alguns contratos foram finalizados, ela está sem chão, à


pausa na carreira é algo que ela nunca sonhou, mas agora é além

do necessário.

— Onde ela está?

— Yasmim está reclusa — Bernardo responde.

— Não foi algo fácil. O Ricardo vai a julgamento em breve,


novamente o nome dela estará na mídia. Ela sairá mais uma vez

como a infiel e causa de um assassinato. Será duro para ela, ainda

mais agora que ela... — Ele para e me observa. — Vamos mudar de


assunto... temos coisas felizes para comemorar, como o aniversário

da minha Janet.

— Mais um ano ao seu lado e ela prova que realmente não

tem um pingo de juízo.


— Ela me ama e isso vocês não conseguem aceitar.

— Não são eles que precisam aceitar ou acreditar, meu

bem!

Uma mulher o abraça e sorri.

— Janet e você deve ser a Camila. A jovem e brilhante

arquiteta que o Bernardo está conhecendo melhor. — Ela aperta

minha mão ao se apresentar.

— Chegou atrasada meu bem! Eles agora namoram. — O

marido da Janet diz e a beija na bochecha.

— Finalmente. Achei que após aquela desilusão você iria se


afastar eternamente de romances.

— Não. O amor me encontrou novamente e agora, ele não


vai quebrar nada, vai apenas unir — Bernardo diz e eu aceito uma

taça de champagne que me é oferecida. Como posso mentir tão

bem? Como ele não percebe que o estou usando? Como posso feri-

lo sem culpa? Quem eu sou?

Ficamos na festa tempo suficiente para que ele pudesse


rever seus amigos e me apresentar. Logo voltamos para sua casa

que já está organizada e mobiliada, um mês foi necessário para

deixá-la habitável.
Bernardo tem sido cavalheiro comigo. Ele não tem forçado

ou insistido em algo mais. Sempre que nos excedemos nos toques


eu suspiro e digo que preciso ir, assim, ele me acompanha até seu

carro ou me deixa em casa.

Os meses vão passando e nada vai mudando, a única coisa

que muda é a porra do que sinto. A cada sorriso dele é como se o

sol voltasse a brilhar, cada toque parece vir acompanhado de


milhões de descargas elétricas.

Seu cheiro tem estado grudado em meu travesseiro.

Resultado de quando meus pais viajaram e ele veio ficar comigo.

Aliás, meus pais o conheceram brevemente. Continuo com receio

de uma reunião mais demorada. Ainda evito o Tiago. Por mais difícil
que seja. Ainda tenho planos. Não sei o que sinto ou como me sinto.

Ainda não a vi. Tudo irá acabar quando eu finalmente conseguir vê-

la.
Capítulo 7
~ Cinco meses depois ~

Organizo minha mala e sorrio. Finalmente estou de férias.

Bernardo fez um roteiro de praias e lugares para conhecermos


durantes estes quinze dias que estaremos fora. Não conheço seus

pais pessoalmente e me pergunto quando será este grande dia.

Segundo o Bernardo será em breve. Muito em breve. Meus pais


estão viajando. Na verdade, a única pessoa aqui em casa é o Tiago,

mas ele tem me dado privacidade e respeitado minha distância,

infelizmente junto com ele, tenho me distanciado da Ana Rebeca.

Ela era ótima, mas preciso mantê-la longe das minhas loucuras.

Finalizo a mala e desço as escadas. Por um instante olho

para trás e o vejo. De braços cruzados, sério e imponente, Tiago me


olha do corredor. Suspiro e meu coração se aperta, em breve

poderei voltar a ser a irmã que ele sempre conheceu, mas antes, eu

preciso encontrá-la. E droga! Eu achei que seria mais fácil, mais

rápido, mas onde quer que ela esteja, está muito bem escondida.
Durante o voo, durmo tranquilamente. Já no hotel, aproveito
para ver a vista e organizar nossas malas. O nosso primeiro dia

passa rápido. A ilha é meio deserta e o hotel é algo único. No

entanto, acordo cedo e percebo que estou sozinha. Bernardo sumiu

e deixou recados para mim pelo quarto.

O primeiro informava que havia uma reservada para mim no

SPA do hotel e que eu deveria aproveitar. O segundo, que ele

deixou um presente na gaveta ao lado de nossa cama, sim!

Dividimos uma cama e nunca nos tocamos, não que eu não queira.

Cheguei a um ponto em que eu o desejo como uma louca, mas ir


adiante? Nunca.

E agora, no fim do dia, me deparo com último bilhete. Ainda

sozinha no quarto e longe dele o dia inteiro, meu coração se aperta

e me preocupo com o que está aprontando. Ainda assim, leio o

bilhete e visto o vestido branco e leve que mandou me entregar.

Descalça, sigo até o local onde informou que está me

esperando. Nada poderia ter me preparado para isso. Bernardo

estava armando para mim e não por maldade, mas por amor.

Percebo finalmente que um dia eu vou quebrar seu coração,

mas ainda assim, não paro. Não sei mais o real sentido de ir até o
fim, mas caminho descalça entre alguns amigos seus até chegar ao

pequeno altar.

Meus pais, que surpreendentemente, estão aqui, me


encaram. Meu pai com um olhar duro, minha mãe desconfiada. Do

outro lado, os pais de Bernardo, pessoas com quem tive contato


apenas por telefone, quando uma vez ou outra atendia o celular de

Bernardo, mas que torcem por nós. O que me faz pensar se eu


estou fazendo a coisa certa.

Mas o que é certo e o que é errado a essa altura?

Eu continuo sentindo meu coração bater forte por ele.


Continuo sentindo seus beijos em todos os lugares. Continuo

sonhando com ele. Continuo querendo-o, tudo isso, ao mesmo


tempo em que continuo me repreendendo, continuo dizendo a mim
mesma que isso é apenas carência. É apenas um meio para o fim.

E eu continuo querendo o fim.

O encontro no altar e Bernardo sorri.

— Bem-vinda ao seu, digo, nosso casamento.

— Você é maluco.

— Completamente. Maluco e apaixonado por você.


— Prontos? — A voz do padre nos fez virar. Ele me olha

como se soubesse todos os meus pecados. Eu atentamente ouço


os sermões, exemplos e conselhos e na hora dos votos eu ouço o

Bernardo me jurando amor.

— Te recebo Camila como minha esposa. Prometo te amar,


respeitar, ser fiel, prometo te compreender, aceitar, ser eternamente

louco por você. Eu prometo que será eterno e que eu te amarei para
todo o sempre e muito além disso — diz, e coloca a aliança em meu

dedo.

— Eu te recebo Bernardo, como meu esposo. Prometo te


respeitar, compreender, aceitar e ser fiel. Prometo ser sua amiga e

sua companheira diária, prometo cuidar de você e prometo que


nunca, jamais, irei querer te machucar. — Eu coloco a aliança em

seu dedo e o beijo.

Meu pai me abraça.

— Espero que essa loucura não o machuque. Você não o


ama — sussurra ao meu ouvido.

— Eu não quero machucá-lo.

— Você machucará — diz, e minha mãe me puxa para si e


me abraça forte.
— Minha menina. Eu te olho e meu coração se aflige.

— Não diga isso no dia do meu casamento. Só se casa uma


vez.

— Você me aflige, Camila. Eu te olho e percebo o cuidado, o


medo, o anseio por ele, mas percebo a dor, a raiva e um pouco de
maldade. E você não era assim.

— Não vamos falar de dor hoje. Fiquem felizes por mim —


peço.

— Como ficarei feliz se posso estar sendo cúmplice de algo

ruim? — minha mãe diz e sinto meu peito apertar.

— Não fale bobagens, mamãe. Eu gosto do Bernardo.

— Mais do que você a odeia?

— Não a traga para este momento.

— Você não aprendeu nada nesses meses. E eu achando

que a cada sorriso você estava se permitindo viver novamente, ser


feliz, mas na verdade, você estava cavando seu lugar até aqui.

— Parece que sou um monstro.

— Não é, você está ferida e quer ferir. Apenas isso. — Ela


se afasta. Eu observo o mar em silêncio. Não posso me apegar a
ele. Não posso me entregar.

Horas depois, entramos em nosso quarto de hotel aos


beijos. Suas mãos passeiam por meu corpo e eu finalmente estou

entregue. Esqueço tudo o que venho esperando, eu esqueço que


não posso me permitir muito, que não posso querer muito, mas a
cada vez que sua boca descobre novos lugares cheios de

terminações em meu corpo eu me entrego. Eu me derramo em suas

mãos.

Sem receio, Bernardo destrói meu vestido e me olha cheio

de admiração. Minha pele queima, meu corpo deseja algo que


nunca conheceu. O puxo para mim e o beijo. Devagar, tiro suas

roupas e agora, sou eu quem o olha de forma admirada. Bernardo é

forte, possui um corpo muito bem definido, é gostoso e lindo. Eu


poderia passar o dia admirando a beleza desse homem.

Mas sou trazida de volta a realidade quando sinto suas

mãos me empurrarem para a cama. Bernardo para sobre mim e me

encara. Apenas de calcinha, em meio a lençóis de seda, sinto meu

corpo queimar, implorando por seu toque.

Devagar, sua boca encosta na minha, sua mão desce do


meu rosto e chega até meu seio. Ele o aperta e então belisca o bico
me fazendo gemer. Os lábios, famintos, descem por meu pescoço,

beijando, chupando, um arrepio percorre meu corpo até que sua


boca encontra meus seios. Ele chupa e morde um, me

enlouquecendo, sua mão entra por minha calcinha e me acaricia.

Estou tão perdida. Tão fodida.

A boca continua descendo, Bernardo para os beijos e puxa

minha calcinha, livrando-me dela e então me encara como se eu

fosse a sobremesa mais desejada. Quando volta a estar sobre mim,


ele me encara de forma gentil.

— Mal posso aguentar para estar dentro de você, mas

preciso sentir sua boceta na minha boca, preciso conhecer o seu

gosto e fazer você gritar enquanto goza em minha boca.

— Céus, Bernardo — murmuro sentindo-me encharcar.

Os beijos recomeçam e então ele está lá. Beijando,

chupando meu clitóris e me fazendo agarrar as cobertas. Tento


fechar minhas pernas, mas Bernardo a segura, deixando-me aberta

para sua boca. Um dedo me penetra e gemo com a invasão. Ele me

testa, então sinto outro dedo. A combinação me deixa mole e sinto

que posso morrer.

Morrer de paixão.
— Não para, por favor — suplico, até que explodo em sua

boca, em seus dedos.

Sinto Bernardo sobre mim, mas meus olhos estão fechados.

Estou tentando recuperar o fôlego, tentando fazer com que minha

alma volte para o meu corpo. Quando abro os olhos e o encaro, ele
está me olhando fascinado.

— Posso beijar você? — pergunta e faço que sim.

Sinto meu gosto em sua boca e suas mãos prenderem meu


cabelo. Seu pau duro entre minhas pernas e suspiro. O beijo que

recebo me provoca, Bernardo me atormenta com sua língua. Me

beija, morde, enlouquece. Seus dedos voltam a me estimular,


dedilhando meu clitóris, entrando e saindo de mim, me preparando,

até que com um impulso Bernardo se une a mim. Um gemido de dor

escapa da minha boca e a ardência e me faz fechar os olhos e

respirar com dificuldade.

— Sério, Camila? Todo este tempo se segurando e você


nunca me disse por quê? — Para e me olha.

— Era para ser algo especial, Bernardo e nada mais

especial do que um casamento.

— Eu poderia ter sido mais cuidadoso com você.


— Apenas se movimente. Faça algo, por favor — peço, e

devagar, Bernardo entra e sai de mim, a dor se transforma em


prazer. Bernardo se entrega para mim e me fode olhando em meus

olhos, mostra-me como nossa vida poderia ser, como tudo poderia

ser. Até que goza, dizendo em meu ouvido que me ama, me


marcando como sua.

Com cuidado, Bernardo se levanta, vai até o quarto e volta


com uma toalha morna, ele me limpa, me leva para o banho, me

trata como a joia mais rara que encontrou no caminho, fazendo com

que me sinta um lixo.

Quando mostra cansaço, fecho os olhos e o deixo pensar

que dormi. Abro meus olhos e o vejo dormindo de forma tranquila,


meu peito se aperta e, pela primeira vez, depois de meses, eu volto

à estaca zero.

Fecho os olhos e ao invés do sorriso do Bernardo eu vejo o

Gui. Ele sorri, me observa e é como se ele soubesse. Seu rosto se

fecha e ele me olha sério. Então meu irmão se afasta de mim, me


fazendo correr para chegar até ele, para me desculpar. Odeio deixá-

lo triste. Quando finalmente consigo alcançá-lo, o encontro deitado,

seus olhos estão fechados e o medo me toma. Toco em seu rosto e


sua pele está fria. Assusto-me e grito. Grito tão forte, tão alto. O

encontrei, mas ele nunca mais abre os olhos para mim, nunca mais

abrirá.

Acordo assustada. Bernardo está dormindo sereno ao meu

lado, com o coração batendo acelerado, me levanto e sigo para a


varanda. Observo as ondas, a escuridão, e penso em quem me

tornei.

Detesto ver o Bernardo sofrer. Nesses oito meses juntos eu

aprendi muitas coisas sobre ele. E Bernardo é um homem incrível.

Companheiro, adora beber com os amigos, mas nunca se excede,


adora presentear as pessoas que ama. É reservado, direto,

batalhador. Ele ama muito e se entrega ainda mais. E eu? Sou

apenas um poço de raiva e medo. Alguém que o machucará, que

não merece o amor que recebe.

Sem conseguir dormir, fico olhando o nada durante toda


madrugada e ao nascer do sol, volto para a cama. O dia está

começando quando fecho os olhos e finalmente me entrego ao

sono. Acordo já na metade do dia. Bernardo está lendo um livro na


varanda e diz que algo ali o inspira para produzir. Desejo que ele
realmente se entregue ao trabalho e evite sofrer quando eu o fizer

ruir.

Os dias se passam e nossas férias estão próximas do fim.


Tiramos muitas fotos e nos dedicamos um ao outro. Na medida em

que ele se entrega eu me perco. Nele. Em mim. Evito dizer que o

amo. Evito declarações. Não quero ser a pior pessoa que ele

conheceu em toda a sua vida. Cada eu te amo que o ouço dizer me


sinto sufocar, ao mesmo tempo meu coração sente como se

estivesse encontrando seu lugar, a paz que eu precisava. A casa

que eu necessitava. A cada eu te amo, sinto como se eu pudesse


me encontrar e como se a dor pudesse ter fim.

Mas como encontrar o amor se estou cheia de ódio?


Capítulo 8

Dias depois do meu pesadelo com o meu Guilherme,

estamos de volta. Vou na casa dos meus pais buscar algumas


coisas, mas não levo tudo porque eu sei que um dia eu voltarei.

Talvez mais rápido do que eu imagino. Ana Rebeca está com minha

mãe na cozinha, elas falam sobre seu casamento. Eu as ouço e


uma lágrima escorre por meus olhos.

Ana e eu sempre brincamos que iríamos ser madrinha uma

da outra, mas na realidade, ela e o Tiago não estiveram presentes.


Eles não conhecem minhas dores e meus medos, e não querem
participar, mesmo que involuntariamente, como meus pais fizeram,

dos meus planos.

— Tenho medo de tê-la perdido. — Ouço e volto a prestar


atenção na conversa

— Ela vai se virar. Dia menos dia, a Camila encontrará seu

caminho — minha cunhada diz.

— Eu espero que sim e eu espero que ela não machuque


aquele rapaz apenas para ferir a Yasmim.
— Não posso mentir e dizer que isso não passou pela
cabeça dela. Ela já me confidenciou que sim, que ia usá-lo, mas

apenas para encontrá-la, não entendo esse relacionamento, não sei

se ela o ama ou apenas está buscando um meio. Eu espero do

fundo do meu coração que ela esteja amando.

— O amor é superestimado, Ana Rebeca — digo ao entrar e

ela me olha com pena. Pena de mim? Da situação? Já não sei. —

Vim buscar algumas coisas. Não vou levar tudo, também não quero

atrapalhar.

— Filha...

— Não, mãe! Pelo que sempre ouço falarem de mim, me

tornei um monstro. Por que eu deveria parar agora? Por que será eu

quem irá machucá-lo e não o contrário? Não sou capaz de amar?

Ou não sou capaz de amá-lo?

— Camila, a questão não é sobre você ser má, você não é,

mas a questão é que a morte do Gui disparou em você um gatilho

ruim. Você não quis conversar sobre isso, você se afastou de cada
um de nós e agarrou a dor como se ela fosse a única força que te

motiva para viver e talvez, seus motivos para estar com ele sejam

errados.
— Estou feliz mãe. Setenta por cento do meu dia é feliz e eu

o olho e percebo o cara incrível que ele é, mas isso tudo não apaga
o restante do dia em que eu fecho os meus olhos e vejo aquela

cena se repetir. Não vou mais discutir sobre isso, estou levando a
minha vida do jeito que eu quero e eu vou fazer o que for preciso
para estar bem.

Subo para o quarto e organizo o que vim buscar. Ao voltar,


Ana Rebeca está abraçando a mamãe e se ela já vai, significa que o
Tiago está lá fora. Ele tem me evitado a todo custo após meu

casamento. Minha relação com ele tem piorado a cada dia e já não
sei como superar ou recuperá-la. Sinto-me perdida.

Em casa, guardo minhas coisas em seus novos lugares,


organizo nossas fotos e o espero chegar. Bernardo tem organizado

uma festa surpresa de Natal para toda a família. Segundo ele, essa
é uma chance de eu me enturmar com sua família, ou seja, ele
finalmente está pronto para me levar para conhecê-la ou revê-la e

eu anseio por isso ao mesmo tempo em que tenho medo do que


virá.

— Oi, meu amor! — diz, ao entrar em casa e me puxar para

seus braços. Beijo sua boca com paixão e entrega. Se pudesse eu


jamais o deixaria sair de nossa cama. Bernardo é lindo vestido, mas

sem nada ele é exuberante.

— Oi. — Sorrio.

— Seu casamento virou notícia — diz, ao me entregar uma


revista e me pergunto até que ponto Yasmim está reclusa. Ela não
viu?

— Quem poderia dar tantos detalhes assim? — questiono

— Algum amigo querendo se promover.

— Você não se importa disso acontecer?

— Nem todos deixam o pessoal longe do profissional. Mídia

é importante para muitos.

— Entendo...

Olho a revista. Estamos na capa, nos beijando e sorrindo.


De longe pareço a mais apaixonada das mulheres.

“Casamento do ano: Bernardo Medeiros Campos se casa


em praia privada.

Apenas amigos íntimos e familiares estavam presentes. O

casamento ocorreu há um mês e os recém-casados já voltaram ao


Brasil. A lua de mel foi na mesma praia onde o casamento foi
realizado. Entre os convidados apenas amigos do noivo, seus pais e
os pais da noiva. Yasmim continua reclusa e não compareceu.
Fontes ligadas aos Medeiros Campos dizem que em breve ela

conhecerá sua nova cunhada. Pode Yasmim ressuscitar e voltar


para a mídia?”

Parei de ler na metade da matéria. Não me interessa o que

eles acham o ou que a mídia fala, interessa se ele está pronto para
nos apresentar. Interessa se estou pronta.

Volto ao trabalho. O escritório do papai tem tido muita


procura desde que meu nome foi associado aos Medeiros Campos.

O dia tem estado corrido, no escritório e me pergunto como ainda


ninguém ligou os pontos. Não deveria ser fácil isso acontecer?

Tentando não pensar em problemas futuros, me entrego ao

trabalho e aos canteiros de obras. Em casa, me entrego ao meu


marido sem nenhum medo ou receio. Tenho aproveitado nosso
tempo junto como se cada momento fosse o último e no processo
de me entregar, tenho dado muito mais do que o meu corpo, tenho
precisado dele muito mais do que para me aquecer durante nossas

noites, ele é tudo o que eu espero encontrar quando estou em casa.

Seus amigos têm se aproximados. Leandro, seu melhor


amigo e empresário, tem se feito presente e Bernardo tem voltado

aos poucos a trabalhar. Chego em casa cansada e suja, pois não

tive tempo de me trocar no escritório.

— Quando o Bernardo falou que você mergulhava no

trabalho não imaginei que seria a esse ponto — diz, me avaliando.


Seu tom de voz diz que algo não está normal.

— Muito engraçado, Leandro. Se você não fosse um amigo

e empresário tão incrível poderia tentar a sorte como comediante.

Ele sorri.

— O que houve?

— Um problema em uma obra. Um escritório diferente tinha

assumido a construção, mas após alguns problemas os donos nos

contrataram, estava tudo errado, do nada alguns encanamentos

estouraram, tudo virou lama e uma bagunça dos infernos. Fui ajudar
a limpar.
— Você se esforça demais para se sujar — diz e me olha

sério. Eu o observo. A animosidade dele se foi. Leandro me observa


atentamente. E eu não perco um instante do seu olhar acusador.

Talvez ele finalmente esteja juntando as peças.

— Na minha área, se sujar faz parte.

— Como dizia a minha mãe, o buraco sempre pode ser mais

fundo. É preciso ter cuidado para não cair nele.

— Você está muito filosófico esses dias.

— Eu diria que estou enxergando bem.

Nós nos olhamos. E eu sei.

Leandro diz muito em silêncio e eu sei, que ele sabe, que eu

sei. Sim, eu sei que ele já sabe quem sou. Porque enquanto me

olha, analisando-me, Leandro deixa claro que descobriu meu

segredo. A questão agora é, porque ele ainda não contou?


Capítulo 9

Um dia normal.

A droga de um dia normal.

Bernardo me chamou para jantar na casa dos seus pais

como já fizemos outras vezes depois do casamento. Ele me disse


que queria me mostrar algo, mas como eu iria saber que ele

realmente a trouxe de volta, quando ainda faltavam algumas

semanas?

Eu tinha imaginado esse momento diversas vezes. Em

todas elas eu tinha mantido a calma, mas na prática? Eu não


saberia como reagir. Eu não sei bem como reagir.

Ouço aquela voz e sinto novamente a mesma dor. O mesmo

desespero de antes.

— Posso conhecer a garota que convenceu meu irmão a

casar escondido? — Viro-me para ela e Yasmim me olha. Seu

sorriso morre e volto a me perguntar se não teve acesso a nada.


Como porra ninguém dessa família descobriu quem sou? Por que
apenas Leandro sabe?

Vejo nos olhos da jovem e talentosa atriz, como a mídia

sempre a chamou, que se pergunta o que faço aqui, como diabos eu


me casei com seu irmão.

— Olá, Yasmim! Finalmente te encontrei.

— Camila — sua voz está quebrando. — Eu estava com

problemas, não foi fácil. Foi duro pra caramba!

— Você precisa sair desse sofrimento constante — Marília

diz e eu a olho.

Sofrimento? Quem a minha sogra acha que sofreu mais?

— O sofrimento é opcional — Bernardo diz e percebo que

ele está atento, mas sem entender nada.

— O sofrimento é uma droga. Ele nos mata por dentro e

não, não é tão opcional quanto nos fazem acreditar — resmungo.

— Yasmim está seguindo em frente, ela merece isso,

merece ser feliz — Seu pai diz.

Encaro aquela família, se reconstruindo, algo que a minha

não teve a chance. Sorrio e os imagino pensando em como


chegamos a esse assunto. É tão duro vê-los tentando ser forte por

ela. Ninguém desta família sequer apareceu no velório do meu


irmão, não que quiséssemos.

— Você procurou a família depois? — pergunto e ela me

olha assustada.

— Camila, o que você está fazendo? — Bernardo me olha

procurando respostas.

— Não. Eu queria que o assunto morresse, eu sinto muito.


Foi um erro... — Eu a observo tentar se explicar.

Um erro?

Eu explodo.

— Um erro? Era o meu irmão, o meu irmão sua vadia! —


grito. — Você destruiu a minha família. Você matou o meu irmão, o

meu melhor amigo, o meu conselheiro. Você não sabe o que é


sofrer. Eu não sei como seguir em frente, fecho os meus olhos e o

vejo em um maldito lago. Ele não teve chances nenhuma. O seu


namorado atirou diversas vezes nele e o jogou fora como se ele

fosse lixo, mas o lixo era você. Você! — grito, sentindo meu corpo
tremer.

— Eu sinto muito — A ouço dizer e chorar.


— Você sentir muito não adianta de nada. Eu visitei o

Ricardo, Yasmim, ele me disse que o Guilherme o pediu desculpas,


disse que ele pediu que pensasse melhor, meu irmão foi morto

pedindo para que seu namorado pensasse na vida de cada


envolvido. E sabe o que o Ricardo me disse? Que ele via os sonhos

do meu irmão morrer, ele via o Gui morrer e não se importava com
isso. Por você, por sua culpa.

— Por favor... Camila, para — ela pede.

— Nós íamos tirar um ano viajando pelo mundo. Já


tínhamos escolhido o roteiro. Eu, o Gui, o Tiago e a Ana. Mas o que
você sabe sobre isso? O que você sabe sobre ele? Ele desejava ser

doador de órgãos, ele doava sangue, ele queria assumir a empresa


do papai. Casar-se aos trinta e ter duas meninas, como se fosse

possível escolher. Queria tatuar os nomes dos nossos pais, criar um


projeto de moradia para pessoas carentes. Ele era tão altruísta e

você o destruiu. Ele me dava conselhos, me segurava quando eu


chorava, ele me abraçava sempre. Dizia ser meu cupido porque o
Tiago afastava todos os garotos que estavam ao meu redor. Ele era

o filho perfeito. Que assumia a culpa para não ver a mim e ao Tiago
levar broncas. Ele queria fazer a diferença e você o matou.
— Eu não queria, eu juro.

— Eu queria que você sentisse uma fração da dor que eu


sinto. Queria que você olhasse os olhos da minha mãe e visse a dor
de olhar o Tiago e saber que o Guilherme não vai voltar. Eu não

aguento olhar para o meu irmão, você sabe por quê?

Ela me olha em silêncio.

— Por quê? — questiono.

— Eles eram idênticos.

— Eles são idênticos. Eu olho o Tiago e vejo o Guilherme.


Eu me afastei dele, eu não suportava, a minha mãe ainda não

suporta a dor, embora diga que está bem.

— Eu sinto muito.

— Você não sente.

— Eu sinto tanto, Camila. Todos os dias. Eu durmo e o vejo.

Eu não faria. Se eu soubesse que tudo aquilo ia acontecer, eu juro


que eu não faria.

— Eu sinto tanto. A dor me sufoca, Yasmim. Às vezes a


raiva me alimenta. Olha o que eu fiz para te ver! — Volto a gritar e
sinto os olhos de todos sobre mim. — Olha aonde eu cheguei! Eu
larguei meus planos. Eu fiz tudo para te encontrar.

Minhas mãos voam para minha aliança e eu a giro em meus

dedos.

— Eu fui tão baixa só para te ver. Só para te dizer o quanto


dói em mim, como você destruiu minha família. Eu planejei. Eu
quebrarei um coração só porque queria te ver sofrer. Só para dizer

que desejo que sua vida seja um inferno e que você nunca durma

tranquila.

— Camila? — A voz do Bernardo soa dura. Eu o olho e sei

que ele entendeu. Ele entendeu por que eu nunca disse “eu te amo”.
— Por que você casou comigo? — pergunta, sabendo da resposta.

Pergunta, tentando se iludir, ser o homem perfeito que sempre foi.

— Você já sabe.

— Diga...

— Porque eu precisava.

— Nada foi real?

Fico em silêncio. Tantas coisas foram reais, Bernardo. Senti


tantas coisas que me odeio por sentir e te adoro por me mostrar que
ainda estou viva.

Sem tanto cuidado, Bernardo me puxa com força escadas

acima e me leva para o quarto.

— Você casou comigo para machucar a Yasmim?

— Casei-me para encontrá-la. Só você sabia onde ela

estava e eu precisava olhar na cara dela e saber se ela tinha se


arrependido. Se doía nela tanto quanto em mim.

— Ela sofre. Todos os dia! Ela não dorme. A garota que

você quer ver sofrer, ficou grávida e teve um bebê há poucos

meses. Ela ficou grávida do cara que morreu por culpa dela. Ela vai

ter que explicar isso a uma menina um dia. Vai ter que olhar no rosto
da filha e dizer que seu pai morreu por culpa das ações dela. Isso

não é sofrer?

— Não é do meu irmão. Qualquer filho que ela possa ter

tido, não é do Gui.

— É do seu irmão. É nossa sobrinha.

— Não é!

— Como você sabe?

— Como você sabe? — devolvo irritada.


— Talvez porque o Ricardo me disse que a Yasmim o

evitava na cama há alguns meses. Talvez porque a Yasmim me

disse que não se preveniram, talvez porque eu olho a minha irmã e


eu vejo a verdade nela. Verdade que já não vejo em você. Como

pude ser tão burro? Tão inocente? Nunca ligar os nomes porque

porra, sobrenomes é algo tão comum. Como pude acreditar... —

fala, ao andar pelo quarto e então me encarar.

— Você não sabe o que é perder alguém que ama — tento


me justificar.

— Eu sei. Porque embora minha perda seja diferente, eu


estou perdendo alguém que amo. Eu te perdi, ou melhor, eu nunca

tive você — diz conformado e sinto meu corpo voltar a tremer.

Ouço o choro de um bebê. Bernardo me dá as costas e vai

embora.

Meu coração se parte.

Em infinitos pedaços.

E dói ainda mais saber que ele não vai voltar.


Capítulo 10

Estou sentada na cama que deveria ser nossa, no quarto

que seus pais separaram para nós quando a Marília entra. Ela
senta-se diante de mim e eu evito olhá-la.

— Quando nós temos filhos, nós fazemos até mesmo o

impossível para vê-los bem. Foi um ano tão difícil, Camila. Para
todos. Sua dor é diferente da nossa dor, sim. Da dor que a minha

filha carrega. Ela acordava gritando, pedindo perdão. Ela foi

massacrada pela mídia por um erro. Não era para ser aquele fim.
Uma pessoa normal teria terminado o relacionamento e seguido
adiante, mas o Ricardo sempre foi meio explosivo. A raiva dele

mata. A sua raiva te consome. Dores nunca são iguais. Os pesos

são diferentes. Você perdeu alguém que amava, a Yasmim se

lembra todos os dias de que pelos seus erros, alguém morreu. Ela

lembra do Guilherme ao acordar e ao dormir porque o rosto daquele

jovem interessante e envolvente, faz companhia a ela em seu

quarto. Quando descobrimos a gravidez pensamos na possibilidade


de ser do Ricardo, em uma conversa isso foi totalmente descartado.
Foram meses de terapia, o parto foi difícil, e para Yasmim, olhar
para a Giulia é o mesmo que olhar para ele.

— Vocês não o conheciam.

— Não. Nem a Yasmim. Mas ela fez questão de pesquisar

sobre ele e salvar as fotos para a filha conhecer o pai um dia. O que
me deixa surpresa, nós nunca termos chegado a você. As raras

vezes que te vi, achei que te conhecia, mas nunca sabia o porquê. E

veja onde estamos. Você está sofrendo, mas minha filha também. É

diferente, mas a Yasmim, precisa ver, no rosto da filha, que sua

escolha trouxe uma consequência e lidar com isso, é difícil.

— Não é do Guilherme.

Ela sorri.

— O Bernardo saiu daqui quebrado. Ele amou uma vez e o


machucaram, mas você o destruiu. Ele caiu tão rapidamente aos

seus pés e encantos só para ter o coração o arrancado dessa

forma. Você conseguiu. Meus dois filhos estão perdidos. Estão

sofrendo. Você não seguiu em frente e por mais que eu não

conheça sua família, eu imagino o que eles estariam pensando

agora. O que o Guilherme estará pensando agora, Camila?

— Sinto muito. — E eu realmente sentia.


— Vá para casa. Não somos inimigos aqui, conte a sua

família sobre a Giulia, se abra com eles, se descubra, se cure e


então siga em frente, com ou sem o Bernardo. Hoje, gostaria de

pensar, que o meu filho estará muito melhor sem você, mas sou
mãe e sei que ele a ama e que é um homem incrível, se Bernardo
for capaz de te perdoar, eu também serei.

Marília levanta-se e sai do quarto. Eu observo a porta da


frente fechada e o som de um ninar faz meus olhos arderem. Ele se
foi. Todos eles se foram. E a dor? Ela continua aqui. E essa porra

dói muito.

Caminho até a porta. Dói pensar que o Gui não conhecerá o

bebê que é dele. Machuca. A porta se abre e Yasmim me olha. Há


dor em seus olhos, há arrependimento, medo, insegurança.

— Pode vê-la se desejar.

Ela se afasta da porta e me olha. Estou parada olhando um

quarto que abriga uma criança.

Yasmim se aproxima e me afasto.

— Ela está dormindo, pode ter o tempo necessário. Vou


deixá-la conhecer Giulia sozinha. — Ela se afasta e desce as
escadas. Dou um passo hesitante e então entro no quarto.
É simples. Um guarda-roupa, uma cama de casal e um

berço. Há uma cômoda ao lado e poucos itens de bebê espalhados


por cima. Há fotos do Gui espalhadas e sei que foram de suas redes

sociais, o que mais uma vez me faz questionar como não sabiam
sobre mim. Talvez o fato de termos excluídas todas após o enterro.

Devagar, eu caminho até o berço e a vejo. Seus cabelos têm

a mesma tonalidade que os dele, ela tem as mesmas feições


suaves, seus traços são todos dele. Ela é a cara do Guilherme.

Giulia se espreguiça, se estica inteira, dá uma choramingada e abre


os olhos claros como os dele. Como os meus, como os do Tiago.
Dói olhar para essa menina e saber que ela nunca conhecerá seu

pai. Dói olhar para ela e saber que o Gui jamais a conhecerá.

Toco seu rosto e logo me afasto. Meus olhos se enchem de

lágrimas. Eu desço as escadas com pressa, pego o carro deixado


por Bernardo e dirijo sem rumo, até que bato em sua porta com

lágrimas nos olhos.

Ele abre e se assusta ao me ver.

— Ele tem uma filha. Ela engravidou. O Guilherme tem uma


filha, Tiago e ela é linda e é a cara dele.

Jogo-me em seus braços chorando.


— Está doendo saber tudo o que ele perdeu, Tiago. Parece
que a dor nunca acaba. Sinto-me sufocada, nós o perdemos.
Perdemos o Guilherme, a Giulia o perdeu. Eu perdi o Bernardo. Ele

me odeia, Ti e talvez eu o ame. Talvez eu ame o irmão da mulher


que causou a morte do nosso irmão.

— Calma, Camila! Vai ficar tudo bem.

— Desculpa. Eu sinto tanto. Ele tem uma menina. A


Yasmim, ela, ela teve um bebê. Eu a vi. Toquei nela, eu disse

coisas. Magoei todos eles, me senti vazia, Tiago, meu coração


doeu. Ele se foi. Ele me odeia. Eu o usei e ele me odeia. Eu me

apaixonei. Meu Deus! Eu me apaixonei por ele e agora acabou!


Tudo acabou.

— Ah, minha irmã! — Tiago fecha a porta e me leva até a


sala. Ana Rebeca me olha. Há pena, há dor, há saudade. Perdi

tanto. Vou perder tanto.

— Ele iria amar ser pai. Onde estiver, Guilherme está feliz
por ser pai da Giulia — minha cunhada diz ao me abraçar.

— Perdi, Ana! Perdi o Bernardo.

— Vai ficar tudo bem.


— Ela é tão pequena, tão linda. Abriu os olhos para mim.
São iguais ao dele. Odeio que ele perdeu isso. Roubaram esse
momento do meu irmão, Ana e aquela menina, ela nunca terá um

pai, ela nunca o conhecerá a não ser por fotos, fotos a mostrarão
um rosto, mas nunca o calor humano dele. É tão triste. Sinto-me em

pedaços.

— Vou ligar para o papai. Ele e a mamãe virão e você nos

explica melhor que houve, tudo bem?

— Tudo bem. Giulia. O nome dela é lindo e combina com o

dele.

Ana me traz água e senta-se ao meu lado. Poucos instantes


depois meus pais chegam, agarro-me aos braços da mamãe e

choro em silêncio.

— O que aconteceu Tiago? — papai pergunta preocupado.

— Não sei bem. Ela chegou chorando, falando algumas

coisas sem nexo e dizendo que o perdeu. Que o ama e o perdeu.

— Ah, meu bem! — mamãe me abraça mais forte. Respiro e

a olho.

— Ele tem uma filha. O Guilherme tem uma filha — digo.


Capítulo 11

Os olhos da minha mãe se enchem de lágrimas. Sinto meu

coração apertar um pouco mais. É tão duro. Tão triste.

— Eu a encontrei, mamãe. O Bernardo finalmente me levou

para conhecê-la e foi um desastre! Eu não consegui me controlar.

Falei coisas dura para ela. Xinguei, briguei, ele se quebrou diante de
mim. Vi o quanto sofreu por eu tê-lo enganado, ele foi embora sem

mim, mas antes me puxou para o quarto disse que ela sofria, disse

que ele, ele tem uma filha. Não acreditei, jamais poderia acreditar,
então Bernardo foi embora. E Yasmim me deixou vê-la. Giulia é o
nome dela. É tão pequena, tão linda!

— Oh, meu Deus!

— Delicada. Os mesmos olhos, cabelos. Ela é o Guilherme

por completo. Senti tanta tristeza por saber que ele nunca a

conhecerá. Ela o conhecerá por fotos. Há várias. A Yasmim

espalhou por todo o quarto fotos dele. Senti um aperto em meu


peito. Uma dor. Então peguei o carro e fugi de lá.

— Precisamos conhecê-la. Por que nos esconderam isso?


— Não sei!

— Vou entrar em contato com nosso advogado. — Papai se

afasta. Vejo minha mãe feliz após tantos meses.

— O Bernardo sumiu. Não sei para onde. Não sei o que

fazer.

— Você se apaixonou Camila, mas ele agora... — A voz da

minha mãe some e sei o que quis dizer. Agora Bernardo deve me

odiar.

— O advogado estará entrando com um pedido de

reconhecimento, colocaremos o nome dele na certidão dela.


Podemos pedir a guarda.

— Ela cuida bem da menina. Ela ama aquela menina —

digo.

— A está defendendo, Camila?

— Não, mas estou dizendo a verdade. Vi medo, vi dor nos

olhos dela, mas quando falou da Giulia, só havia amor. Estamos tão

ferrados!

— Vamos entrar em contato, conhecê-la, passar um pente

fino nessa história e pôr um fim em tudo isso.


— É tão surreal.

Tiago me abraça e retribuo forte.

— Você voltou? — Entendo sua pergunta. Entendo sua dor.

— Voltei Tiago! Desculpe-me. Eu te amo, eu estou tão

perdida!

— Vai ficar tudo bem — fala e, pela primeira vez, eu imagino


que realmente tudo possa ficar bem.

Dias se passam e não recebo sinal do Bernardo. O trabalho

tem sido minha salvação. Faço mais horas do que o necessário.


Passei em sua casa e vi que ele não estava ali, não passou por ali.

Mando mensagens e ele não as visualiza. Ligo e ele não me atende.


Sinto-me vazia.

Meu telefone toca. A secretária diz que há alguém querendo

falar comigo. Leandro entra e seu rosto está sério.

— Oi, Leandro. Como ele está? — pergunto sabendo que


sua visita não é por sermos amigos.

— Aqui estão os termos do divórcio, assine, pegue suas


tralhas e saia da vida do meu melhor amigo.

— Não fiz por mal.


— Não fez por bem. Agiu como uma cobra traiçoeira. Eu

devia ter contado a ele quando descobri sobre você. Agora posso
perder meu melhor amigo por uma vadia vingativa e burrice minha.

Esperar para contar, porque ainda não tinha tantas certezas?


Porque ainda não tinha muitas provas? Idiota. Mas, Camila, você

merece sofrer o que ele está sofrendo, merece ser traída da pior
maneira. Quebrou alguém que não merecia por uma vingança baixa.

— Não foi baixa!

— Ela perdeu tudo, Camila! A carreira está em suspenso,


tem uma filha que não terá um pai, ela se culpa, ela só não tentou
nada contra si mesma porque tinha um bebê dentro dela, mas

ficávamos observando cada crise. Não foi apenas você quem


perdeu. Yasmim perdeu um pouco de sua moral, perdeu a fé em si

mesma.

— Ele perdeu a vida, Leandro. Ela está aí, pode se


recuperar, pode ter a carreira de volta, uma vida de volta, sua moral

de volta. E ele? Ele jamais voltará. O meu irmão está morto e nada
vai mudar isso.

— Sinto muito. Sentimos muito. Yasmim carrega a culpa de

ter sido o motivo da morte de uma pessoa. Isso não é fácil de


carregar.

— Não consigo dormir bem desde aquele dia. Os dias em


que estive bem foram os dias que passei com o Bernardo. Ele
acendia algo dentro de mim que eu lutava contra e ainda assim os

pesadelos vinham. Eu o vi Leandro. Eu vi as marcas, vi seu rosto


sem cor, vi o meu irmão, meu melhor amigo diante de mim, sem

vida. Jogado fora como se fosse lixo, como se fosse nada! Seu
futuro foi roubado, seus sonhos todos mortos. Nada, nada vai fazer

com que isso mude.

— Você se apaixonou pelo Bernardo, Camila e agora você

vai perdê-lo e eu vou ficar feliz em saber que você vai sofrer o
mesmo ou pior do que ele está sofrendo agora. Assine, suma de
nossas vidas.

Leandro se levanta e vai embora, limpo as lágrimas que

desceram sem que eu percebesse e leio o papel.

— Não posso!
Capítulo 12

Minha cabeça dói. Meu corpo parece ter sido moído. Estou

cansada, enjoada e sonolenta. Meu pai reclama da rotina de


trabalho, mas não posso parar agora, se eu parar, posso

enlouquecer.

Marcamos de ir visitar a Giulia amanhã. Espero conseguir


ver o Bernardo. Meus pais estão felizes, pois a Yasmim em nada

tem dificultado o acesso a menina. Os advogados conseguiram

adiantar um exame de DNA e colocar o nome do Guilherme na


certidão da menina. Giulia faz parte da nossa família agora.

É cedo quando chegamos à casa da minha sogra. Meu peito

dói quando percebo que não o verei, que não poderei explicar ou

pedir desculpas. Meus pais babam a Giulia e ela sorri feliz pela
atenção. Os pais de Yasmim ficam assustados com a aparência do

Tiago com o Gui. É sempre assim.

— Olha, amor! Ela é muito linda. É a cara do seu irmão —


Ana traz Giulia em seus braços.

Tiago a pega.
— Oi, Giulia. Sou seu tio. Seu pai iria amar te conhecer.
Sinto muito por isso não ser possível. Sinto muito por nunca poder

tocá-lo, mas prometo que serei o melhor tio do mundo. Prometo te

contar tudo sobre o Guilherme, prometo que você sentirá orgulho

dele. E prometo que se ele pudesse saber de você, juro que se ele

soubesse de você, você seria a menina mais amada do mundo

inteiro.

Meu irmão chora com a pequena em seus braços. Yasmim

chora abraçada a mãe. Ela está tensa ao nosso lado. Minha mãe dá

um passo e se aproxima dela, a vejo se encolher, mas então a


mamãe a abraça.

— Sinto muito. Sinto muito. Eu juro que não queria que ele

morresse. Foi minha culpa, eu sei, mas eu juro que não queria. Se

quiserem brigar por ela, eu entenderei, mas a amo, sinto muito, sinto

muito por ter tirado o pai da minha filha da vida dela.

— Não foi você menina. Você errou, mas não foi você. Ela é

sua, tanto quanto é dele, é nossa. Queremos apenas a oportunidade

de estar na vida dela. De mostrarmos a ela quem era o Guilherme.

Fique em paz, siga sua vida. Quem o matou está preso.

— Foi minha culpa.


— Foi culpa de erros. Guilherme tinha caráter, não foi justo o

que seu namorado fez. Podemos perdoar você algum dia, mas ele
jamais. O Ricardo jamais terá meu perdão.

O dia se passa enquanto meus pais paparicam a Giulia. Não

consigo retorno de Bernardo e isso me machuca, sinto-me culpada,


sinto-me cansada demais.

A semana começou difícil no escritório, o cansaço e enjoo


não passa. A rotina tem sido puxada, não estou conseguindo focar.

Estamos em uma reunião com um grupo de empresários da cidade,


vamos assinar a construção do shopping. Tiago está falando sobre

gastos, sustentabilidade. Meu celular vibra e o alerta de pesquisa


sobre o nome do Bernardo que salvei toca.

Há várias fotos dele em uma festa ontem. Ele está

acompanhado de uma morena. Uma modelo que participou de uma


campanha com ele alguns meses atrás. Eles estão próximos
demais. Na próxima estão aos beijos e na última estão deitados em

uma cama de hotel. A foto é de alguma rede social da modelo. Há


matérias.

Ator casado é visto aos beijos com modelo famosa.

Bernardo Medeiros é flagrado aos beijos com Nicole Xavier.


Ambos estavam em uma balada famosa. Segundo amigos de Nicole

a modelo estava interessada no ator desde a campanha que


estrelaram juntos. Bernardo, que é casado com a arquiteta Camila

Muniz, curtiu a noite ao lado da modelo que logo postou fotos de


ambos em um quarto de hotel. Na legenda Nicole declara-se ao
ator: Melhor noite da vida, com o melhor!

Segundo amigos do Bernardo o casamento que ocorreu em


praia deserta está em crise.

Paro de ler e levanto-me rápido. Todos me olham.

— Desculpem. Eu... — Minha cabeça dói, olho para todos

aqueles rostos me olhando e tudo escurece. Sinto meu corpo cair e


tudo se apaga.

Acordo em um hospital pouco tempo depois. Meu pai me


olha atento. Meu irmão, cunhada e mãe entram desesperados no
quarto. Meu coração dói muito mais do que a dor física.
— Olá, Camila! Vejo que acordou. — O médico me avalia
por alguns minutos e diz que pedirá exames, mas que
aparentemente estou bem.

— Estou apenas cansada, tenho trabalhado em excesso,

exames não são necessários.

— Você bateu a cabeça, mas está bem. Em duas horas

passo e com o resultado a libero ou não.

Ele sai do quarto e resmungo.

— O que houve querida? — Mamãe está preocupada.

— Nada mamãe. Desmaiei, apenas. Sinto-me bem.

— Você nos assustou. — Papai se aproxima.

— Sustos acontecem. Não foi nada demais.

Aguardamos o resultado. O médico entra e todos ao meu


redor ficam aflitos, o médico me olha e suspiro.

— Vou liberar você Camila. Seus exames estão normais,


diminua o ritmo de trabalho, mantenha uma alimentação saudável,

comece o pré-natal. Os enjoos provavelmente são frutos da


gravidez.

— Gravidez? — pergunto assustada.


— Seis semanas. Boa sorte.

Meus pais me abraçam, Ana Rebeca sorri nos braços do


Tiago e ele me olha, ele enxerga minha dor. Troco de roupa e sigo

para o carro em silêncio.

— Filha, está tudo bem, vai ficar tudo bem. — Minha mãe
me abraça e suspiro.

— Preciso ficar sozinha. Só por um tempo.

— Camila... — A voz do meu pai soa preocupado.

— É só por um tempo papai. Ficarei bem.

Entro no carro e dirijo até a casa do Bernardo. A sala

bagunçada mostra que há alguém ali. Subo para o quarto e deito-

me cansada. Vejo nossas fotos jogadas no chão, algumas rasgadas.


O som do chuveiro me diz que logo ele entrará aqui. Saio em

silêncio e vou para o quarto ao lado.

Deito-me e desejo dormir. Está começando a anoitecer. O

barulho me diz que há de duas pessoas na casa. Meu coração se

quebra. Ouço a porta do quarto bater e risadas encher aquele lugar.


Nosso lugar.
— Sua esposa é bonita, Bernardo. — A voz feminina soa

alto.

— Bonita, inescrupulosa, vingativa. Ela é tudo isso.

— Ela saberá que estamos aqui?

— Quem porra se importa Nicole? Não eu. — Eu me importo

Bernardo!

— Sempre quis você.

— Estou aqui.

— Para mais.

— Rótulos?

— Quero ser sua namorada.

— Sou casado.

— Serei sua amante?

— Será o que quiser, desde que faça o que eu quero agora.

— O que você quer?

— Que me beije e me faça esquecê-la.

Fecho os olhos. Lágrimas correm por meu rosto ao ouvi-los.

A noite se prolonga, ouço a maldita cama bater contra a parede. A


ouço pedir por mais, ele falar o quanto ela é gostosa, ela gritar seu

nome e xingar ao gozar.

Meu coração se quebra. Há dor. Há raiva, há medo. Toco

minha barriga e caio no sono.

É cedo. Levanto-me sem fazer barulho e sigo até a cozinha.

Pego um copo de água e pulo ao vê-la entrar no cômodo. Nicole

sorri ao me ver. Seu riso é vitorioso. Ela sabe que me machuca.

— Veio pegar suas coisas? Bernardo já separou tudo. Ele


está ansioso para colocar essa casa a venda.

Não a respondo, termino de beber a água e saio da casa.


Capítulo 13

Dirijo perdida por um longo tempo, até que decido ir para

casa. Entro em silêncio. Estou cansada. Meus pais me perguntam


por onde andei, mas sigo em quieta até meu quarto. Tranco-me ali,

me desespero por saber que tudo está desmoronando e eu causei

isso. Doeu ouvi-lo, doeu saber que nada ali representa nós dois.
Doeu tanto.

Tomo um banho e deito-me, lágrimas escorrem por meu

rosto, pego uma foto minha com meus irmãos.

— O que fiz Gui? Estraguei tudo. Sinto muito.

Abraço o travesseiro e pego no sono.


Volto a focar em minha rotina extensa de trabalho, papai
passa a reclamar da minha rotina. Estou saindo de uma obra

quando um fotógrafo me aborda.

O barulho das fotos sendo tiradas me irritam. Suas


perguntas me fazem quebrar.

— O motivo da separação foi o caso do Bernardo?

— Você sabia que o Bernardo estava se relacionando com a

Nicole? Era recente?

Entro no carro e choro. Dirijo irritada até o escritório entro na

sala do papai sem bater.

— Não estarei indo às obras por enquanto. Vou avaliar os

projetos, desenhar, fazer trabalho interno.

— O que houve?

— Um fotógrafo.

— Você sabia dos riscos que era se relacionar com ele.

— A culpa não é minha. O assunto não é ele ser meu

marido, é ele me trair na cara dura com uma modelo com quem

trabalhou.

— Bernardo te traiu?
Dou de ombros.

— Assinou o divórcio?

— Não posso, papai.

— Camila! O que droga tem feito da sua vida?

— Eu não sei. Não faço ideia do que tenho feito, não sei

como mudar nada. Estou perdida.

— Vou passar as visitas técnicas para algum arquiteto.

Saio de sua sala e entro na minha. Suspiro. Abro um arquivo

novo e começo a planejar como desejo que o quarto do meu bebê


seja. Faço alguns desenhos. O restante do dia se passa sem que eu

trabalhe de fato em algo do escritório, mas no “projeto bebê a


bordo”.

Meu telefone toca e vejo o nome do Leandro na tela. Tenho

evitado falar com ele, afinal, sei bem o que deseja. O pedido de
divórcio continua guardado na gaveta, o telefone para e então volta
a tocar.

Suspiro.

— Oi, Leandro.

— Assinou?
— Você sabe a resposta.

— Egoísta é o que você é. Assine a porra do divórcio!

Ele desliga e jogo o telefone na parede. Tiago entra em

minha sala.

— Como anda o bebê do titio?

— Ótimo. Os enjoos têm passado com o remédio, mas sono


ainda faz parte da rotina.

— Papai disse que voltou a ficar até mais tarde.

— Nada demais, não precisa se preocupar.

— E seu celular quebrado ali, devo me preocupar?

— Novamente, nada demais! Leandro me enchendo pela

assinatura.

— Falou com o Bernardo?

— Falei com a amante dele.

— Então é sério o que saiu na revista de fofocas?

— Sério. Nicole estava na casa do Bernardo, ela disse que

ele juntou minhas coisas e está ansioso para vender a casa.

— Será verdade?
— Não sei.

— Você dormiu lá?

— Não só eu! Os ouvi. Bernardo não sabia que eu estava lá.

Ele a levou, falou que sou bonita, inescrupulosa, vingativa. Depois


dormiu com ela em nossa cama.

— Assine o divórcio, Camila. Você errou, mas passar por

isso?

— Não quero assinar sem antes falar com ele. Ele precisa
me ouvir, Tiago!

— Bernardo ainda tem evitado você?

— Como o diabo foge da cruz.

— E é isso que você quer?

Fico em silêncio porque eu realmente não sei.

Dias se passam. Bernardo some do meu radar. Leandro


parou de me procurar. Passo a buscar notícias dele. Bernardo tem
ido a festas e viajou em um fim de semana com Nicole. Raiva me

toma quando os vejo juntos, mas eu o entendo. De certa forma


também o traí, minha traição foi moral, a dele é carnal. Ele não se
importa com as notícias que passam a circular, nossas fotos passam
a rodar.

Sento-me na sala de espera da obstetra e pego uma revista

para ler. Há uma matéria que me chama atenção.

Ainda casado, Bernardo Medeiros assume namoro com


Nicole Xavier.

Vistos de mãos dadas em uma praia, Bernardo não evitou a

imprensa. O ator e a modelo estavam se divertindo na praia e


informaram que estão namorando. Questionado pelo seu casamento

ainda recente, Bernardo disse que já estão em processo de divórcio

e que ambos concordaram que foi um erro.

Paro de ler e jogo a revista longe. Entro na sala da médica.

— Como estão?

— Indo.

— Não desanime, Camila! A gravidez muda muitas coisas,

você ficará emotiva, é um processo de descobrimento.

— Não estou desanimada pela gravidez. De tudo que vivi

nos últimos meses descobrir sobre a gestação foi o melhor que me


aconteceu.
— Se precisar de ajuda para lidar com os problemas,

procure um profissional. O bebê está bem, você continua saudável.


Continue assim.

A consulta se passa e logo estou no escritório abro o projeto

bebê a bordo e mudo algumas coisas.

— Estou em dúvidas sobre as cores, bebê! — murmuro

sozinha enquanto fecho o arquivo e começo a trabalhar.

Papai entra em minha sala e olha meus desenhos para um

projeto pessoal e novo dele.

— Está bom, mas ainda não é o que quero.

— Quais mudanças o senhor sugere?

— É um condomínio como tantos outros, mas quero nossa

cara.

— Sustentabilidade.

— Um pouco mais e ficará como espero. Visitou o terreno?

Mordo o lábio.

— Como quer saber como projetar bem o que desejo se não

fez uma visita básica ao terreno, Camila?

— Sinto muito. Fui ao médico hoje.


— Giulia passará o fim de semana em nossa casa. Sua mãe

está louca, fique mais em casa e conte-nos sobre suas idas ao

médico.

— Ok.
Capítulo 14

~ Dois meses depois ~

Parei de ir ao escritório quando minha barriga começou a

aparecer. Ainda está pequena, mas tenho evitado aparições.


Enquanto Bernardo não resolve aparecer ou falar comigo, não tenho

saído, não quero que descubra assim.

Giulia passa a ter uma rotina conosco. Ela vem durante os


fins de semana e hoje é um dos dias em que ela ficará em nossa

casa. Saio do quarto com uma blusa folgada para que Marília não
veja minha barriga um pouco inchada. Sorrio ao ver Giulia chegar. A

pego em meus braços e minha mãe me olha.

— Que bom te ver de novo, meu amor! A titia ficou com

saudades de você!

— Como você está? — Marília pergunta.

— Estou bem. Ele tem dado notícias?


— Não muitas. Falou que pediu o divórcio, Yasmim está
pedindo para que ele pare de agir como um menino imaturo, essa

história de namorar é constrangedora.

— Dói, Marília, mas o entendo. O traí. Ele está devolvendo


na mesma medida. Ainda não sei como você tem coragem de olhar

para mim, falar comigo.

— Nenhuma história deve começar dessa forma. Você quis

vingar seu irmão, ele quer vingar sua aproximação e onde vamos

parar? Nossa família estava se recuperando, estávamos esperando

o tempo passar um pouco mais para trazê-la até vocês, mas tudo

continua afundando.

— Sinto muito.

— O que você realmente queria com nossa família?

— Queria vê-la e saber o que sentia. Eu estava dilacerada,

dona Marília. Ainda dói.

— Sinto muito, Camila.

Ela sai e minha mãe pega a Giulia.

— Sua tia está usando você, Giulia! Ela quer saber como

cuidar de um bebê antes do seu primo chegar. — Tenta mudar o


clima.

— Ainda não sabemos se é um primo.

— Eu sinto. Sinto que é sua redenção com o Bernardo.

— Filhos não prendem ninguém se é isso que imagina.

— Não prende, mas acho que ainda tem história entre vocês

e sei que você também acha isso, se não sentisse nada, se não
achasse nada, daria o divórcio, mas está sendo traída em rede

nacional e não o deixa ir.

— Não posso ainda.

— Ah, Camila! Juízo menina!

Sorrio brincando com Giulia e então subo para meu quarto e

ligo para o Bernardo.

— O que quer Camila? — Pela primeira vez ele atende.

— Quero te ver.

— Não.

— Por favor? Precisamos conversar.

— Não quero te ver.

— Bernardo...
— Tchau Camila — Desliga e permito que lágrimas

escorram por meu rosto. Saber que Bernardo me odeia dói.

Deito-me em minha cama e sinto o quanto machuca amar.


Dói estar perdida e sem saber o que fazer. Fujo do jantar com meus

pais e passo o restante do dia trancada em meu quarto. Nos dias


que se seguem passo o dia no escritório da casa do papai

desenhando e fugindo de todos. Minha rotina tem começado a


cobrar seu preço, mas ainda assim, evito sair dela.

As buscas por mais informações sobre ele me afetam. Estou


olhando mais um site de notícia quando Tiago para ao meu lado.

— Assine o divórcio e pare de sofrer, Camila.

— Não posso.

— Não quer. Como sempre faz ao planejar algo, você

apenas não quer abrir mão, isso está te machucando. São dores
que te sufocam e você não trata, apenas ignora. Em algum

momento você irá explodir. Pense no bebê, Camila. Cresça!

— Sou culpada por amá-lo?

— É culpada por estar onde está. Nunca nos ouve. Sinto

muito que esteja sofrendo, sinto muito por não poder ajudá-la.
Chega um momento em que apenas você é capaz disso. Coloque
um ponto final. Você já sabe que a Yasmim sofre, que ela se
arrependeu, já sabe que nada vai fazer aquela menina se perdoar
pelo que fez, recolha seus cacos e os cole. Tome as rédeas de sua

vida e volte a viver. O Guilherme estaria odiando te ver assim.

— Como conseguiu sobreviver a dor? Sinto um vazio


enorme.

— Eu também sinto. Ele também era meu irmão. Seguir em


frente não significa esquecê-lo. Sentir a dor, o vazio de perdê-lo não

pode nos fazer desistir de viver.

— Marquei a consulta com a psicóloga que indicou.

— Isso te fará bem.

— Como estão os preparativos para seu casamento? —

Mudo de assunto e fecho a guia em que aparece meu marido


beijando sua namorada.

— Achei que seria apenas entrar na igreja e dizer sim. Ana

Rebeca me tem feito provar tantas comidas. Odeio doces e ela me


faz experimentar todos. Diz que é importante decidirmos tudo juntos.

Eu queria apenas ouvi-la dizer sim, assinar os papéis e fugir para


nossa lua de mel.
— Você queria a parte fácil. Casamento é um sonho para
quase todas as mulheres. É algo que planejamos para ocorrer
apenas uma vez. Devia ser mágico.

— Sinto muito Camila! — diz, ao perceber que o meu é um


fracasso.

Tiago sai minutos depois. Insisto em ligar para Bernardo,


mas como sempre, sou direcionada ao correio de voz. Resolvo focar

nos planos que fiz para mim e para o bebê. Abro o projeto que

elaborei para uma bolsa de estudos no Canadá e finalmente o

envio. Desligo o computador, pego minha bolsa e vou para mais


uma consulta.
Capítulo 15

— Em um mês receberei a resposta sobre a bolsa de

estudos. Em um mês saberei o sexo do meu bebê. Em um mês fará


cinco meses que destruí tudo.

— Por que acha que destruiu?

— Ele me odeia. Sou um vexame em rede nacional,

internacional talvez. Não consigo abrir mão e sinto-me sem rumo.

Talvez sair do país seja o rumo que eu realmente preciso dar a


minha vida.

— Não sente como se estivesse fugindo mais uma vez?

— Talvez. Mas, preciso fazer algo.

— Fugir nem sempre resolve as coisas Camila. Pense sobre

isso — a psicóloga diz.

Saio do consultório e sigo direto para casa, revejo o projeto

do quarto para o bebê e choro. Meus planos estão mudando. Releio

as anotações feitas e por um instante penso em apagá-las, mas


então as imprimo e guardo na gaveta do papai. Trabalho o restante
do dia e pela primeira vez não pesquiso sobre ele.

Os dias se passam e divido meu tempo entre ir à psicóloga

e trabalhar. Giulia me alegra todos os fins de semana. A menina tem


crescido esperta e linda como o Gui. Pensar em deixá-la dói, mas

ficar dói ainda mais. Desço para jantar e volto para o quarto.

Minutos depois Ana Rebeca entra com revistas de casamento.

— Acredita que seu irmão achava que casar seria apenas

dizer sim e assinar papéis? — Joga-se em minha cama e sorrio.

— Ele me disse.

— Detestou ter que provar os docinhos.

— Você podia tê-lo poupado. Sempre soube que ele odiava.

— O casamento é dos dois, os sacrifícios devem ser dos

dois.

— Justo.

— Preciso de ajuda para escolher as cores para as

madrinhas.

— Já pensou sobre o significado delas? Era o que estava

fazendo no projeto do quarto para o bebê.


— Pode ser uma boa.

— Você pode anotar palavras que definam o que você

deseja ter em seu casamento.

— Sexo.

— Mais do já tem você.

Ana sorri.

— Eu desejo amor, união, lealdade. Quero paixão,


companheirismo, serenidade, segurança. Quero tudo o que Tiago

significa para mim.

— Procure sobre isso. Procure sobre cores, flores. Tudo o

que você deseja são pilares, Ana Rebeca e todos eles podem ser
alcançados, cultivados.

— Como você está?

— Bem. Marquei o ultra para o próximo mês.

— Tem alguma preferência?

— Não, mas tenho sonhado com um menino.

— Seu irmão me falou sobre o Canadá. Tem certeza?


— Nada é certo nessa vida, mas sinto que preciso me

afastar.

— De novo?

— Será diferente dessa vez. Não é sobre fugir, é sobre me


encontrar. Preciso de um tempo sozinha.

— E o Bernardo?

— Tem sido difícil, mas estou pensando.

— Quer falar sobre?

— Dói, Ana Rebeca. Eu sabia que ele era lindo, mas me


apaixonar? Eu estraguei tudo. Sinto um vazio gigantesco. A única

vez em que me atendeu ele foi indiferente e a indiferença dele


machuca. Muito mais do que as notícias que sai.

— Ele continua namorando a modelo?

— Será que ele já a ama?

— Tem mais cara de alguém machucado querendo ferir e


alguém aproveitador conseguindo o espaço que deseja na mídia.

— Ele parou de me seguir. Apagou nossas fotos. Até o

Leandro parou de me procurar.

— Seu irmão já estava enlouquecendo com ele.


— Acho que o entendo. Mas, não entendo por que ele
nunca me entregou. Disse que estava investigando.

— Difícil entender bem as pessoas. Talvez, buscasse provas


antes de expor.

— Já decidiu o modelo do seu vestido? — Mudo de assunto.

— Quero um dos sonhos. Como se fosse um conto de

fadas.

Ana Rebeca se empolga ao explicar o que deseja em seu


casamento. Seus olhos brilham e sinto que se tudo der certo sentirei

sua falta. Sentirei falta das broncas do Tiago, mas sei que preciso
de um tempo sozinha. Preciso estar sozinha, preciso pensar, viver,
me redescobrir e para isso preciso de um tempo.

Os dias se passam sem que nada mude. Passo a procurar


apartamentos no Canadá. Sondo alguns amigos que moram por lá e
passo a planejar como posso viver em outro país com um bebê e
apesar de achar que pode ser difícil não me desanimo. Será
inverno. Odeio o frio, mas desejo imensamente que possa ir.

Um mês se passa. O e-mail solicitando documentos


chegam. Envio projetos e currículo para análise e informo que
desejo apenas estudar, que vou trabalhar na parte prático no fim do

curso. Insiro a informação de que estou grávida, mas tenho

condições de manter um bebê lá enquanto estudo e depois,


enquanto trabalhar.

Aguardo cinco dias para saber se fui aceita e por isso


remarco o ultrassom. Desço para jantar cedo. Meus pais, Tiago e

Ana Rebeca estão à mesa. Sento e suspiro pelo cheiro gostoso da

comida da mamãe.

— Já saiu o resultado da seleção? — papai pergunta e


mamãe resmunga.

— Amanhã.

— Ganhei uma neta e estou perdendo outro.

— Por favor, mamãe! — Tiago intercede.

— Não está perdendo. Serão apenas dois anos. Posso vir

nas férias ou vocês podem ir. Venho para o casamento e nada ainda
está certo.

— Tem certeza de que é isso que quer?

— Tenho certeza.

— Então boa sorte! — papai conclui.

— E quando vai finalmente saber o sexo do nosso bebê? —

mamãe pergunta ao passar por mim e alisar minha barriga que já

está mostrando. — Posso ir com você se desejar.

— Obrigada, mamãe, mas desejo fazer isso sozinha.

— Não está sozinha, Camila!

Seis meses.

Esse é o tempo que faz que não vejo Bernardo e que estou

grávida. Espero que nosso bebê não pareça tanto com ele, assim irá

doer menos.
Suspiro, pois marquei o exame para a noite fugindo de

aparições. Odiaria ser reconhecida logo agora. Lana, minha médica,

assinou um contrato de sigilo, minha identidade e nenhuma foto


pode ser divulgada.

Entro na sala e ela sorri.

— Como tem estado?

— Bem. Tranquila e finalmente certa da escolha que fiz.

— Então realmente irá embora antes do nascimento? —

pergunta preparando-se para o ultra.

— Sim. Em no máximo quinze dias. Estou apenas


terminando as malas.

Suspira.

— Gostaria que esperasse, mas se não posso fazê-la mudar


de opinião, peço que, por favor, inicie suas consultas o mais rápido

possível. Estarei lhe entregando cópias do seu prontuário e qualquer

dúvida, pode me procurar.

— Obrigada!

— Pronta?

— Sim. Estou ansiosa.


— Como das outras vezes, seu bebê está bem, você está

saudável e ele também. Agora esse menino só precisa de um nome,


mamãe.

Choro.

— Já pensou em algo?

— Noah.

— Significado especial ou escolha aleatória?

— Pesquisei alguns nomes, gostei como esse soa e é

pequeno.

— É um nome muito bonito, Camila. — Lana me ajuda a me

arrumar. Pede para que espere enquanto ela arruma as cópias e me


abraça.

— Obrigada!

— Espero que tudo corra bem. Espero que consiga achar o

pedaço que está faltando.

— Encontrarei.

Pego o prontuário e sigo para casa. Ao abrir a porta me

deparo com meus pais, meu irmão e minha cunhada segurando


Giulia. A casa está decorada para festa, me pergunto como

conseguiram fazer tudo em pouco tempo, mas choro.

— Eu amo vocês! — falo emocionada.

— Nós te amamos, agora diga é um sobrinho? — minha

cunhada pergunta.

— É um sobrinho, Ana Rebeca. O Noah é lindo e irá amar a

madrinha.

— Jura?

— Eu confio em você. E confio em você, Tiago. Quero que

sejam os responsáveis por ele, quero que o amem, cuidem,

eduquem caso eu não possa algum dia.

— Para de falar bobagem, Camila! Vamos amá-lo e mimá-lo


muito, mas você será uma mãe excelente.

— Vou sentir saudades de cada um.

— Tem certeza de que ir é o que seu coração pede?

— Sim. Posso estar cometendo mais um erro, mas sinto que

preciso.

Jantamos e comemos o bolo que Ana Rebeca preparou. Ela


diz que está treinando para a vida de casada.
— Está uma delícia. Eu poderia comer esse bolo a vida

inteira!

Suspiro e Giulia sorri.

— Bolo gostoso, não é meu amor?

— Camila, não dê bolo a minha neta! — mamãe reclama.

— Não estou dando, estou comendo mesmo.

Horas depois sigo até o meu quarto, tomo um banho e pego

o documento que há meses trouxe para casa e não assinei. Mais

uma vez eu tento falar com o homem que descobri amar.

O celular toca e ansiosa aliso minha barriga. Enquanto

aguardo, me pergunto se ele apagou meu número já que me


bloqueou de suas redes e de sua vida. A ligação cai, mas insisto,

ligo novamente e escuto seu suspiro cansado.

— Oi. — Atende e sei que está chateado.

— Oi, Bernardo!

— O que quer Camila?

— Te ver.

— Não.
— Por favor? — imploro tocando a barriga e sentindo Noah
mexer.

— Não faz isso Camila!

— Precisamos conversar.

— Não mais! O tempo de conversar era no primeiro


momento e o que você fez? Planejou! Eu me apaixonei e você me

traiu.

— Sinto muito.

— Não agora. Não importa mais.

— Por favor?

— Amor, o jantar chegou.... — Ouço a Nicole o chamar.

— Estou indo. — Meu coração se quebra. Bernardo suspira.


— Tchau, Camila!

Choro, releio o pedido de divórcio e o assino.

— Sinto muito, Noah! Sinto muito não poder contar sobre


você, sinto muito estragar tudo!

Volto a colocar o documento no envelope e deito-me

enquanto lágrimas grossas caem por meu rosto.


Capítulo 16

Há um mês estou no Canadá! Está frio e o clima me deixa a

sensação de solidão. Nos primeiros dias chorei trancada no


pequeno apartamento de dois quartos, mas agora finalmente resolvi

sair de casa e equipei o quarto do Noah. É tudo simples e diferente

do que imaginei quando estava na casa dos meus pais, mas ao


mesmo tempo é mágico.

O quarto em azul e branco tem decoração com nuvens, é

aconchegante e mostra como meu menino já é muito amado.

Estou olhando a paisagem branca pela janela do quarto

enquanto como uma versão improvisada de brigadeiro. Noah se

mexe, coloco as mãos na barriga e lembro-me do dia em que vim

embora.

— Preciso que entregue ou mande entregar isso no

escritório do Leandro. — digo, ao entregar a Tiago, o envelope que

dá ao Bernardo sua liberdade.

— Sinto muito. — Tiago me abraça e choro.


— Eu procurei por isso, Tiago. Eu o machuquei. É justo que
ele fique assim.

— Não é, mas é compreensível.

— Sentirei saudades. Em seis meses venho para seu

casamento.

— Antes disso, vamos todos para o nascimento do Noah.

— Obrigada!

— Volta logo.

— Dois anos passa voando.

Despedir-me dos meus pais foi difícil. Despedir-me da Giulia

e da Ana Rebeca foi doloroso e agora, enquanto me afasto do Tiago


e sigo para o embarque sinto como se estivesse quebrando e porra,

isso dói!

— Ah, Noah! Sinto tanta falta dele. — Volto ao presente,

observo pela janela e agarro o cobertor com mais força.


Hoje é o primeiro dia do curso de arquitetura comercial. As

aulas do dia são dinâmicas e passo à tarde em casa. O frio


incomoda e o peso da barriga também. Os dias se passam e os

meses voam. Falta apenas duas semanas para a chegada do Noah


e Ana já está comigo. Meus pais estão ansiosos para virem me

visitar, mas pedi que eles e Tiago deixassem apenas para o pós-
parto. A casa pequena ficará um ovo com todos nós reunidos, mas
combinamos que ficarei com Noah, meus pais no meu quarto e meu

irmão e cunhada na pequena sala.

Ana Rebeca trabalha remotamente. Suspiro por estar

incomodada com algumas dores. A última aula não rendeu e volto


para casa. Ana reclama por eu ainda estar saindo como se não

estivesse prestes a ter um bebê e sorrio.

— Vou dormir — digo enquanto ela trabalha.

— Vai sua espertinha. Só está saindo porque está fugindo.


Vou trancar a porta e esconder a chave.

Deito-me no quarto do Noah na cama pequena que

montamos, mas logo desperto com dores. Choro assustada e Ana


entra no quarto apressada para me ajudar. Rapidamente, minha
cunhada me leva ao hospital. Como escolhi, entro na sala de parto

sozinha e por longas horas sinto dores e choro, até que junto ao
meu, se junta um choro único, capaz de mudar minha vida. Os

médicos me mostram meu menino e lágrimas de felicidade


escorrem por meu rosto.

Em casa, Noah se mostra um verdadeiro príncipe. Meu

menino dorme bem, apesar de que, quando chora, ele é um


verdadeiro gritador. Meus pais, Tiago e Ana Rebeca o mimam.

Enquanto eles ficam comigo, consigo descansar.

~ Dois meses depois ~

Noah está deitado em minha cama e eu o observo. O

menino é a cara de Bernardo e embora não o ter ao meu lado seja


doloroso, me encanta ver nosso filho. Estou esperando o táxi
enquanto observo Noah se mexer e sorrio feliz por ter o pequeno ao
meu lado.

— Vamos casar o titio, meu amor! É isso mesmo, o tio Tiago


vai se casar com a tia Ana! — Passo o dedo pelo nariz perfeito do

meu menino.

— Você é tão lindo. A mamãe te ama e tenho certeza de

que se o papai soubesse sobre você ele te amaria muito! — Noah


me observa.

Logo recebo notificação de que o táxi chegou e saio com ele

para fora, seguindo para o aeroporto, o voo, embora longo nos


levará para casa. Ou melhor, para a casa dos meus pais, lugar que

ainda considero o meu lar.

Desembarco com Noah nos braços. É noite. Sinto-me uma


fugitiva por escolher viver nos horários noturnos sempre que preciso
sair. Ana Rebeca sorri ao me ver. Seus braços se esticam, ela pega
Noah dormindo e o abraça.

— Que saudades do meu príncipe!

— Ele estava de você também. — Acaricio o cabelo escuro


do meu filho.

— Ele já sabe quem é a dinda mais maravilhosa do mundo.

— E convencida! — Devolvo e seguimos para o carro.

— Bem-vinda de volta estranha! — Tiago sorri e sento-me

ao seu lado, já que Ana não desgruda do meu filho e sentou-se ao

lado da cadeirinha no banco de trás.

— Ansioso para o grande dia?

— Ana me torturou muito esses meses.

— Na lua de mel eu compenso amor! — Minha cunhada

sorri.

— Não fale sobre lua de mel comigo aqui — resmungo.

Estou sozinha há tempo suficiente para sentir falta dele. Bernardo


nunca saiu da minha mente. Sinto falta dos seus braços, do seu

calor, do seu corpo sobre o meu. Sinto falta de fazer amor ou foder

com ele por todos os cantos da casa. — Estou com saudades da


Giulia. Mesmo mamãe fazendo chamadas de vídeos meu coração

sente falta daquela menina — digo, tentando mudar o rumo dos


meus pensamentos.

— Ela está tão esperta. Às vezes tenho vontade de roubá-la

para mim — Ana Rebeca diz enquanto baba meu filho.

— Mamãe não deixaria, meu amor! Melhor fazermos o

nosso.

— Um ano. É o tempo de Giulia ficar um pouco maior e da

ingrata da sua irmã está mais perto de finalizar o curso. Quero que
os três cresçam juntos. Sejam melhores amigos. Sejam como

irmãos.

— Vou anotar isso. — Tiago sorri e estaciona na garagem

da casa da mamãe.

Pego as coisas do Noah enquanto Tiago traz as minhas e

Ana traz meu bebê que dorme tranquilo.

— O que você dá a esse menino que ele dorme como um

anjo e não acorda fácil? É o sono mais tranquilo que já vi. Nem a
Giulia dorme assim.

Sorrio.
— Ele é um amor. Sabe que a mamãe precisa dormir para

dar conta das aulas e dele.

— Parou de colocá-lo para dormir em sua cama?

— Não!

— Camila! Isso estraga um bebê! Depois vai querer ter a

cama só para si e ele não vai gostar. — Minha mãe surge com uma

Giulia desperta em seus braços.

— Somos apenas nós dois, mamãe. Por muito tempo será

apenas nós dois. Com ele ao meu lado não me sinto sozinha.

— Alguma notícia?

— Não. Parei de procurar quando assinei o divórcio. Não o

sigo mais nas redes sociais. Não quero vê-lo seguindo a vida, acho
que foi o melhor. — Sento-me e pego Giulia. — Essa menina não

deveria estar dormindo? Amanhã vamos ter festa para comemorar o

aniversário dessa princesa. Duas festas de aniversário. Como você

é sortuda! — Observo minha sobrinha que irá ter uma festa conosco
e uma no dia exato do seu aniversário com a família da mãe.

— Vou colocá-la na cama. Yasmim pediu que não a

deixasse acordada até tarde. Disse que tem Giulia tem acordado

bastante por lá.


— Como ela está?

— Seguindo a vida. Aos poucos tem feito trabalhos na

mídia, postou algumas fotos da Giulia e me pediu autorização para


uma entrevista.

— Entrevista?

— Devido às fotos, muitos rumores surgiram. Ela quer


mostrar a Giulia e explicar sobre a paternidade.

— Precisa?

— Não, mas seu irmão acha que pode ser importante. Pode
no futuro mostrar a Giulia que não houve dúvidas em sua

paternidade.

— Sei.

— Pediu autorização para usar o nome do Gui. Mostrar o

quarto da Giulia significa mostrar o que tem lá e você sabe que há

várias fotos dele.

Suspiro.

— Quando será o julgamento?

— Em um mês e meio.
— Em um mês você completa um ano Giulia — Afago suas

bochechas, e a pequena me olha sonolenta. — Em um mês e meio

a justiça será feita.

Minha mãe suspira e pega Giulia nos braços.

— Vamos dormir. Amanhã tem festa de aniversário, no

domingo tem festa de casamento. Temos muitos motivos para sorrir.

— Ele iria amar estar aqui — digo e minha mãe para na

escada que dá acesso aos quartos. — Ele iria amar criar essa
menina e por mais motivos que tenhamos para sorrir nada jamais irá

se comparar a isso.

Ouço os passos da mamãe indo para o quarto. Choro e

sinto os braços de Tiago me aquecer. Dói! Porra dói muito!

— Um passo de cada vez, Camila! É assim que seguimos

sem ele. Olhar aquela menina crescer tem um sentido duplamente


especial. Fazemos por amá-la e fazemos por ele. Representaremos

o Guilherme para a Giulia. — O papai sai da cozinha, me abraça e

sobe para seu quarto.

— Você ouviu. É por ele, por nós — Tiago diz e segue atrás

de Ana que subiu com meu filho para o quarto de hóspede.


Capítulo 17

O aniversário antecipado da Giulia foi lindo. A menina está

dando seus primeiros passos e fazendo minha mãe babar. Dona


Letícia, também conhecida, como minha mãe, está radiante ao ouvir

as primeiras palavras da neta. “Papa” tem sido uma constante.

Giulia Medeiros Santana Muniz tem sido a alegria dos meus pais e a
constante lembrança de que o Guilherme estará conosco sempre.

É o casamento do meu irmão.

Enquanto entro de braços dados com Lino lembro os

momentos difíceis que passamos. Eu o rejeitei por tantos meses.

Sinto-me culpada por isso. Sorrio ao vê-lo nervoso esperando sua

melhor amiga tornar-se sua esposa. Coloco-me ao seu lado e deixo

a lágrima descer ao entender o significado do vazio do outro lado.


Aquele seria o lugar do nosso irmão e ninguém poderia substituí-lo.

Ana Rebeca entra. Ela está deslumbrante. Sorrindo,

caminha até ele e faz as juras de amor. Noah e Giulia fazem barulho
durante a cerimônia, meu menino chora e desejo pegá-lo, mas

mamãe me repreende com o olhar e aquieto-me.


Uma hora e meia depois estamos no salão de festa. Nossos
pais fizeram discursos, Lino já fez o dele. Ouvimos a família da Ana

e finalmente me levanto.

— Hoje é seu momento Tiago. Seu e da Ana. Não consigo


expressar com palavras a felicidade que sinto ao vê-los aqui. Não foi

fácil. Casamento não é apenas assinar um papel, Tiago! — As

pessoas sorriem. — Mas também, não é apenas idealizá-lo, Ana!

Casamento é união no real sentido da palavra. Há brigas, há

entregas, renúncias. Há amor, paixão. Não é fácil, mas não há

necessidade de ser apenas difícil. Eu desejo que tudo aquilo que


conversamos meses atrás esteja presente nessa jornada, Ana.

Desejo amor, fidelidade, companheirismo, união. Desejo felicidade,

cumplicidade. Desejo que continuem melhores amigos. Que sejam

amantes. Que vivam, sonhem, idealizem. Desejo muito e sei que por

estarem aqui lutarão para ser e ter tudo o que merecem.

Engulo o choro e continuo:

— Além de desejar tudo isso, quero me desculpar. Hoje ao

entrar na igreja e te ver ansioso eu me lembrei de tudo o que

vivemos. Sinto muito pelas fugas, sinto muito as recusas em te

olhar, sinto muito pelas vezes em que te feri tentando me curar.


Sinto por afastá-lo, por magoá-lo. Nunca mais irá se repetir. Você é

um dos melhores irmãos que eu... — suspiro. — Obrigada por não


desistir de mim. E obrigada por ser quem você é.

Tiago sorri com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu deveria estar finalizando meu discurso, mas a verdade


é que ontem, ao entrar no quarto do nosso irmão, quarto que hoje é

da Giulia, eu achei algo. Eu chorei com as lembranças, mas achei


algo que era dele e que foi feito para você. Sinto-me na obrigação

de te dar e sinto muito por ser eu, e não ele a dizer tudo isso.

Pego a folha de papel e abro. Minhas mãos tremem, meu


coração acelera. A saudade nos sufoca e a dor nunca vai embora,

aprendemos a lidar com ela. Tiago me olha emocionado, pois


sabemos quando foi escrito. Há dois anos Tiago nos convidou para
sermos padrinhos de seu casamento. Há dois anos esse papel está

esquecido. Talvez eu fosse a pessoa certa a achá-lo, talvez eu


apenas tenha tido a sorte. Olho as primeiras palavras e suspiro.

“Porra! Você se casou com a dentucinha do lado! Irmão, eu

sabia que isso iria acontecer assim que te vi com ela. A menina
desastrada que te conquistou e como conquistou. Você merece

tantas coisas, Tiago, que é difícil enumerá-las. Não vou desejar


porque eu sei que seu casamento terá amor, lealdade, sonhos, tudo

isso não serão meros desejos, serão fatos concretos! E sei, porque
vocês são incríveis juntos. Sei, porque você é o melhor amigo que

alguém poderia ter e sei, porque será o melhor marido que a


anãzinha poderia ter. O amor de vocês é inspirador. Será incrível vê-

los construindo essa união. Obrigado por ser o melhor irmão, amigo
que um cara e uma garota (não precisa ter ciúmes Camila!)
poderiam ter. Obrigado pelos conselhos. Obrigado pelo amor. Vou

recompensá-los dando o cargo de padrinhos do meu primeiro filho


ou filha e do segundo a Mila Camila. Enfim, Ana, boa sorte em

aturá-lo. A bola agora é sua. Não aceitamos devolução. Cuide do


meu melhor amigo. Do meu parceiro, irmão. E, Tiago, não é porque
te amo e você é meu irmão que deixarei passar algo. Faça a Ana

anãzinha sofrer e acabo com você. Amo vocês. Sejam felizes.


Esses são os votos do melhor padrinho de casamento que alguém

pode ter.”

Tiago chora e vem até mim.

— Acho que você será um padrinho incrível — digo, o

abraçando. Coincidentemente, ontem, Tiago recebeu o convite de


Yasmim para ser padrinho de Giulia.
— Sinto muito não ter um segundo. — Ele chora em meus
braços e o abraço com força.

— Está tudo bem. Divirta-se, é o seu casamento!

— Quero esse papel. Quero guardar.

— Será seu!

A festa corre tranquila e me permito viver um pouco da


felicidade do meu irmão, da minha amiga, da minha família.

— Estará aqui para o batizado? — papai me questiona ao

me passar o Noah.

— Não. Tenho algumas aulas importantes e Bernardo vai

estar.

— Poderia vir. Adoraríamos que fosse.

— Eu adoraria ir, mas não posso.


A volta para casa foi tranquila, mas entrar no apartamento
depois de estar com eles por um tempo foi solitário. Os dias se
passam. Noah se parece a cada dia com ele. Evito olhar notícias

sobre Ricardo, mas choro sozinha no quarto quando o papai liga e


diz que ele foi condenado. Sua pena será tão longa como poderia

ter sido a vida do meu irmão. Choro ao lembrar-me dos momentos


felizes que vivemos juntos e jamais irão se repetir, choro pelo irmão,
filho, amigo, pelo pai que jamais irá conhecer sua filha. Choro e

decido que agora há um ponto final. Agora posso seguir em frente.

Um mês.

Há exato um mês a sentença de Ricardo saiu e hoje, a

matéria sobre a Yasmim. Abro o site da revista e sinto um aperto em

meu peito.

“Recomeço. É cheia de recomeços que a vida de Yasmim

Medeiros tem sido desde que seu ex-namorado, Ricardo Mota, ao


saber de uma traição, matou o jovem arquiteto Guilherme Muniz,

com quem Yasmim se relacionou na época.

Abalada, Yasmim nos recebe na sala de casa, mas logo nos


leva a um cômodo que segundo ela ‘lhe traz paz’. A paz que tem

buscado diariamente. E a força para continuar.

Revista Fama: Você gostaria de falar sobre aquele dia?

Yasmim Medeiros: Estávamos no hotel para o recebimento

de um prêmio. Ricardo e eu fomos alguns dias antes para tirar

férias. Há dois anos eu não parava, trabalhava muito. Brigamos, por


motivos bobos, por ciúmes deles, brigamos e ele me bateu. Não era

a primeira vez que ele me machucava, mas foi a primeira vez que

eu quis machucá-lo. Ele era orgulhoso e eu sabia que seu orgulho

seria ferido. Eu passei um dia almoçando com o Guilherme. Nós


flertamos, nos beijamos no restaurante. Ficamos juntos o dia inteiro.

À noite, eu o levei ao meu quarto. Eu fiquei com ele sabendo que a

qualquer momento Ricardo chegaria e poderia nos pegar. Quando


ele estava indo embora, percebeu que esqueceu o celular e voltou.

Ricardo já estava no quarto e soube que não era um acaso. Nós

brigamos, Guilherme o impediu de me bater e ele saiu chateado.

RF: Guilherme sabia do seu relacionamento?


YM: Soube quando voltou ao meu quarto.

RF: O que houve depois?

YM: Guilherme ficou chateado, disse que não teria feito


nada se soubesse, pegou o celular e foi embora. Não o vi mais.

Ricardo sumiu, achei que tinha pedido um quarto só para si. Passei

o dia no teatro.

RF: Como foi saber da morte do Guilherme?

YM: Assustador. Eu estava no teatro, a irmã dele entrou, me

bateu, ela dizia que ele tinha morrido e eu estava olhando para ele.
Diante de mim. Guilherme estava em nossa frente enquanto ela

dizia que eu o matei. Ricardo me ligou dizendo que estava preso.

Ele me disse ‘O matei, Yasmim, deveria ter sido você, mas ele

esbarrou primeiro e o matei.’ Foi assustador. Eu percebi que fiz algo


errado e não tinha como voltar atrás. Então o olhei, olhei nos olhos

do Guilherme e entendi que aquele não era ele. Ela gritava: ‘não é o

Gui, é o Tiago’. Entendi que eles eram gêmeos.

RF: Quando soube da Giulia?

YM: Poucos dias do atraso eu sabia. Não tinha como ser do

Ricardo, eu estava esperando a poeira abaixar para ir até a família,


mas eles chegaram antes.
RF: Você assumiu um relacionamento com o melhor amigo

e empresário do seu irmão.

YM: Aconteceu e estou seguindo a vida. É difícil porque eu


olho minha filha e vejo os traços de alguém que eu condenei a

morte. Sinto-me culpada. Nada faz com que esse sentimento mude.

Posso ouvi-la dizer que sou um lixo, que o matei e a culpa me

corrói.

RF: Quais seus planos?

YM: Estou recomeçando. Sinto que não será fácil, mas

estou vivendo. Giulia é o maior presente que eu poderia ter. Ela veio
de um cara que teria um futuro pela frente. Sei que a família do

Guilherme ainda não me perdoou e gostaria de dizer que sinto

muito. Eu jamais faria o que fiz se soubesse como acabaria. Sinto


muito por ter destruído uma família. Espero que um dia tudo fique

bem. Giulia passa os fins de semana com eles e adora. A primeira

palavra dela foi papai e sei que todos irão honrar a memória do

Guilherme. Ela saberá quem ele era, saberá que pode se orgulhar
dele. Ele não era um hipócrita como o Ricardo disse, ele apenas

não sabia. Novamente, sinto muito!


Yasmim tem morado com os pais desde o ocorrido. A atriz

tem participado de algumas ações e seguido sua carreira...”

Paro de ler e suspiro. Na matéria há fotos do Guilherme, da

Giulia, da Yasmim e do Ricardo. Choro prometendo deixar tudo para

trás.
Capítulo 18

~ Dois anos depois ~

É o nosso primeiro dia de férias! Assim que retornei do

Canadá em definitivo pensei em tirar férias com o Noah, mas isso só


foi possível agora, quando finalmente terminei de nos reestabelecer.

Aluguei um apartamento, comprei alguns móveis e fiz dele nosso lar.

Minha mãe reclamou, o papai me perguntou o que eu estava


fazendo e pacientemente expliquei que sou adulta, estou seguindo a

minha vida e que morei sozinha, acompanhada do meu filho, por

dois anos. Não era como se estivesse fugindo de casa ou fazendo

algo que eu não sei.

Dos dois anos que passei fora retornei para o casamento do

meu irmão, o aniversário de dois anos da Giulia, o nascimento do

Gabriel e um Natal. Meus pais sempre me visitavam. Ana Rebeca,

Tiago e Giulia foram me visitar duas vezes. Cada retorno tinha um


gosto diferente, mas o nascimento do Gabriel foi um momento

único. Ana Rebeca e Tiago planejaram muito a chegada do filho. De


longe ajudei minha cunhada a planejar o quarto e sonhar com a
chegada do pequeno. Assim como ela se fez presente em meu

parto, quando soube que sua bolsa estourou, fiz as malas, peguei

meu filho e fui encontrá-la. Assistir Ana e Gabriel juntos foi

emocionante. A maternidade caiu tão bem para ela. O cuidado e o

amor com o filho eram tão visíveis. Tiago estava radiante. E eu

sabia que ele seria um pai perfeito. Ele é um padrinho maravilhoso


para Giulia e para Noah.

Giulia adora os primos. Apesar de pequena ela é paciente e

adora presenciar as descobertas deles, assim como adoramos


presenciar as delas. Mamãe disse que estava ficando difícil manter

a existência do Noah da família do Bernardo, pois Giulia adorava

chamar o Noah. Dona Marília questionou quem era Noah e mamãe

disse que a deixou achar ser o filho do Tiago, afinal, minha ex-sogra

sabia que meu irmão seria pai. Consegui convencer o papai de que

seria o momento ideal para voltar a trabalhar assim que retornasse


das pequenas férias com o Noah.

Coloco meu filho no berço que o hotel organizou e o observo

dormir. Tão lindo, tão esperto. Meu menino tem se parecido muito

com o pai e não apenas fisicamente, Noah parece ter herdado o

jeito simples e simpático do Bernardo. Aproveito seu sono para


tomar banho e dormir. A viagem foi cansativa e o descanso é bem-

vindo.

No segundo dia de nossas miniférias levo Noah à praia. O


menino adora água e brincar com ele na areia enquanto as ondas

terminam e jogam um pouco de água em nossos pés é


recompensador!

Vamos ainda ao parque, tiro muitas fotos e finalmente dou o


dia por encerrado. O cansaço nos bate e passamos o terceiro dia no

quarto. Saímos apenas para almoçar e na volta, brincamos no


próprio quarto. O quarto dia passamos na piscina, em praias
vizinhas.

É fim de tarde quando corro atrás do Noah pela orla da


praia. Meu menino dá passos incertos ao correr, ele foge da água,
mas sorri quando o fim de uma onda bate em seus pés. Corro atrás

dele, o pego em meus braços, viro-me focando o pôr do sol e tiro


uma foto nossa. Noah, assim como eu, está sorrindo, a luz natural

dá ainda mais naturalidade a nossa foto. Noah esperneia e o coloco


no chão voltando a correr atrás dele. Meu coração se aperta ao vê-
lo cair, dou um passo maior para pegá-lo quando mãos o seguram.

Pego meu filho sem olhar para a pessoa que o levantou.


— Filho, você está bem? Deixa a mamãe ver se machucou.

— Procuro em seu corpo marcas de algum arranhão da areia e


suspiro ao ver que ele está bem. Noah, na verdade, sorri por ter se

molhando com a água.

O seguro nos braços, dando-lhe um abraço apertado e


acalmando o meu coração.

— Obrigada. Ele adora água e está aprendendo a correr,


apesar dos passos incertos ele é bem-sucedido na empreitada —

digo, levantando-me e olhando pela primeira vez a pessoa que


ofereceu ajuda.

Meu coração para quando percebo que são os olhos

escuros de Bernardo que me olham. Há tantos sentimentos ali. Vejo


a dor, a raiva. Aperto Noah em meus braços. Jamais imaginei
encontrá-lo assim, em uma praia, que azar!

— Camila!

Dou as costas e caminho rapidamente para o hotel. Noah


chora. Entro sem olhar se me seguiu. Faço as malas enquanto meu

filho assustado, continua chorando. Dou-lhe um banho quente, o


alimento e ligo para a recepção pedindo um táxi.
Volto para casa assustada. É estranho fugir do cara que
você procurou por tanto tempo. Ao chegar, sou recebida por um
abraço apertado e quente da minha mãe.

— Sabíamos que esse momento um dia chegaria. Se

pararmos para pensar é injusto tê-lo mantido longe do filho tanto


tempo.

— Eu ia contar, mas ele sempre rejeitava minhas ligações e


quando me atendia ele só... não queria falar comigo.

— Eu entendo. Não estou lhe julgando, mas chegou o

momento. Ele provavelmente irá lhe procurar.

— Talvez não. Talvez ele ache que assim como ele, eu segui
em frente.

— Camila! — repreende ao se despedir de mim e me olhar


pedindo juízo.

Tento manter a rotina e para isso, volto ao trabalho

passando a aplicar o que aprendi no escritório. Papai está


preocupado e Tiago embora não diga, tem me observado. Tento

manter o dia a dia normal. Deixo Noah com a mamãe para trabalhar,
mas sempre volto cedo. Papai quis me dá horários flexíveis, não vou

mentir, aproveitei os benefícios de ser filha do dono para ter tempo


extra com meu filho. Tiago também costuma sair cedo para buscar
Gabriel e Ana Rebeca.

Pego Noah na casa dos meus pais e sigo até meu

apartamento. Após um banho quentinho o alimento, coloco para


dormir e aproveito para tomar um banho. Com um short de malha e
uma camiseta simples, passo no quarto do meu filho e o observo

dormir até que batidas na porta me tiram a atenção.

— Já vou! — respondo ao passar pela porta e ir desligar

meu jantar. Meu pai ficou de trazer um projeto para que eu revise.

Como é importante e urgente, o trabalho virá para casa. Papai


prometeu ser rápido, pois ainda quer jantar com a mamãe, então

apenas abro a porta sem questionar quem poderia ser, no entanto,

me surpreendo com quem vejo.

Bernardo está diante de mim. Por tanto tempo implorei por


um encontro. Tanto pedi e me negou e agora ele está aqui, em

minha frente. Seus olhos percorrem meu corpo e então me olham

novamente.

— Como me achou Bernardo?

— Meu melhor amigo e empresário tem contatos.

Sorrio.
— O que te faz achar que desejo sua presença? — pergunto

e ele entra. Fecho a porta porque não sei mais o que fazer.

— Não é questão de desejar. Precisamos conversar!

— Agora, Bernardo? — repito as palavras que usou contra

mim há dois anos.

— Agora.

— Mamãe — Noah choraminga e Bernardo vira-se em


direção ao quarto.

— Bernardo, não! — o repreendo, mas logo o sigo, pois ele

está indo direto para quarto do meu filho.

Bernardo abre a porta e sorri ao vê-lo. Eu sei que ele soube

logo ou não tem muitas dúvidas. Noah é muito parecido com ele. Os

cabelos e olhos são do mesmo tom, o nariz é igual.

— Oi — diz ao se aproximar e pegá-lo em seus braços.

Meus olhos se enchem de lágrimas. — Ele é meu, não é?

— Não sei do que você está falando. Ele é meu.

— Produção independente? Fala sério, Camila, não sou

burro!

— Me dê o meu filho Bernardo!


— Shiii — Vira-se para mim e o nina. — Ele está com sono.

Minutos se passam e Bernardo o balança, após ter certeza

de que está dormindo o coloca de volta em seu berço e o observa.

Uma hora se passa com Bernardo de pé, observando o filho dormir.

Então se vira, suspira e me olha.

O sigo para a sala e sento-me no sofá. Bernardo senta-se

diante de mim e me olha.

— Por favor, Camila? — pede.

— Não entendo o que faz aqui. O que te trouxe aqui.

— O que me trouxe? Talvez esbarrar na porra da minha ex e


seu filho em uma praia. Talvez o fato de que olhar para aquele

menino me lembrou de alguém e talvez esse alguém seja eu

mesmo.

Suspiro.

— Por que o escondeu?

— Não o escondi. Não fiquei no radar da mídia, mas não o

escondi. Em todas as minhas redes sociais ele está. Não o nego,

Bernardo.

— Eu o nego? — fala mais alto.


— Não disse isso.

— O que disse?

— Que eu não nego o meu filho. Se você olhasse minhas

redes sociais saberia que ele existe.

— Por que eu olharia suas postagens se eu te ode...

— Odeia, Bernardo. Pode falar sem culpa. Eu sinto muito ter

me aproveitado de você, sinto muito por tê-lo usado daquela forma,


mas eu aprendi. Eu me odiei por muito tempo por ter feito o que fiz,

mas eu não me arrependo. Eu me apaixonei.

— Me usou.

— Te usei, mas me apaixonei. Doeu tanto te ver com ela,


doeu tanto assinar aquele papel e ir embora.

— Ir embora?

Sorrio. Sua família não o disse.

— Passei dois anos no Canadá. Noah nasceu lá. Fui


estudar, voltei há menos de dois meses em definitivo. Vim algumas

vezes visitar.

— Meus pais sabiam?

— Que eu fui embora sim, sobre ele não.


— Por quê?

— Tentei falar com você. Tentei por muito tempo contato,


mas você nunca quis me ouvir. Leandro foi cruel em alguns

momentos, eu insisti por um tempo e então segui minha vida. Pelo

que lembro você seguiu a sua muito antes de mim.

— Está com alguém, Camila?

— Não interessa!

— Interessa.

— Por que Bernardo?

— Porque você é minha Camila! Porque eu sou o pai do seu

filho, porque eu sou o único.

Sorrio. Único cara a me ter de tantas formas, a conhecer o

meu melhor e pior lado. Único para quem entreguei meu coração. O

único homem que machuquei e amei na mesma medida. Sim,


Bernardo, você foi único.

— Vai embora, Bernardo. Volte em outro dia e aí

conversaremos sobre paternidade, fazemos um exame, você o

reconhece e seguimos nossas vidas.

— Camila!
— Vai embora, Bernardo. Sua namorada não vai gostar do

que tem falado.

Ele me olha chateado, mas logo se levanta e vai embora.


Meu coração dói e sento-me no sofá aos prantos. Pouco tempo

depois o papai chega.

— Era Bernardo saindo daqui? — pergunta enquanto limpo

o rosto das lágrimas.

— Sim.

— O que conversaram? Você estava chorando? — Me

abraça e me desmancho em seus braços.

— Não resolvemos nada. Ele disse algumas coisas, que o

Noah é sua cara, quis saber se tenho alguém. Quis saber por que o
escondi. Não escondi papai! Eu tentei....

— Sei que sim.

— Eu o ligava e sempre rejeitou minhas ligações. Foram


pouquíssimas vezes que me atendeu e fez questão de mostrar que

estava com ela, que acabou, agora me diz que interessa saber se

tenho alguém.

— Vão brigar pelo meu neto?


— Não quero brigar, papai. Se ele quiser os direitos dele,
combinamos tudo. Não o proíbo de ver o Noah, só não o quero

perto. Ainda dói.

— Ainda o ama.

— Ainda o amo.

— Ah, Camila!
Capítulo 19

Dias se passam sem que Bernardo me procure, aos poucos

volto a minha realidade, passo a ir mais vezes ao parque com Noah


e aproveito para levar a Giulia, em muitos desses momentos Ana

está conosco e traz o pequeno Gabriel. A amizade que se forma

entre os três primos é bonita.

A rotina no escritório do papai tem sido puxada. Tiago e eu

assumimos um grande projeto e papai está orgulhoso.

— Oi, posso entrar? — Tiago abre a porta da minha sala.

— Sempre.

Meu irmão caminha até mim e puxa uma cadeira. Seu rosto
está um pouco cansado.

— Ana me ligou. Gabriel passou a noite com febre, está


vomitando. Achei que melhoraria durante o dia, mas estou

preocupado. Vou para casa. Vamos levá-lo ao médico.

— O que ainda está fazendo aqui?


— Preciso que vá jantar com nosso cliente. Ele acabou de
solicitar e não quero perder tempo. É apenas para definir alguns

pontos.

— Ok.

— Desculpa.

— Por?

— Te deixar sozinha em uma reunião em que o projeto é

nosso.

— Seu filho tem prioridade aqui, Tiago! Vá cuidar do nosso

menino e só volte quando ele estiver bem.

— Papai disse a mesma coisa. Preciso ir. — Levanta-se e

me abraça apertado.

— Vai ficar tudo bem!

Vejo meu irmão sair preocupado e volto ao trabalho, por

causa do jantar saio mais cedo da empresa, mando mensagem para

a mamãe perguntando se pode olhar o Noah durante a noite. Em

casa tomo um banho quente, já que são os meus preferidos e

suspiro ao me olhar no espelho. A vida é cheia de surpresas, jamais

imaginei que eu mesma jogaria minha felicidade no lixo, mas em um


momento de dor estraguei tudo. Noah é meu recomeço, me

encontrei ao tê-lo, minha vida ganhou sentido e tenho um motivo


para sorrir. Apaixonei-me e quebrei um coração da pior forma. Eu

traí o Bernardo e quebrei a confiança que ele tinha em mim.

— Grandes feitos trazem grandes responsabilidades. Foi um


grande e imenso erro e foi grande e imensa a queda! — digo ao me

olhar no espelho enquanto finalizo a maquiagem.

Chego ao restaurante e encontro o Abner. Ele se levanta ao

me ver e sorri.

— Desculpe pelo atraso, precisei checar com a mamãe


sobre o Noah.

— Seu pai falou orgulhoso do neto. Na verdade, netos. São

dois ou três, não é?

— Três. Um de cada filho. Ele é um avô babão.

— Imagino que sim!

Sorrio.

— Tiago me deixou a par do que falta. Já analisou o projeto


enviado?

— Sim! Gostei muito das partes ecológicas.


— São as minhas partes favoritas. O mundo está mudando

e gosto de pensar que questões ecológicas serão mais debatidas


em obras.

— Espero que sim. Tem o meu aval para modernizar o

prédio e pensar ecologicamente.

— Fico feliz, Abner. O escritório tem investido nisso e

buscamos sempre os melhores resultados.

— Conheço o trabalho do seu pai há muito tempo. O modo


como a empresa é gerida e ....

Abner continua falando, mas minha atenção está na mesa a

frente. Bernardo está com ela. Nicole sorri enquanto ele fala e então
me vê. Os olhos de Bernardo param nos meus e dói vê-lo tão

distante. Será que ele realmente é feliz? Que a ama? Estão juntos
há dois anos, então algo funciona ali. Há algo que não houve

comigo. O jantar com Abner termina mais rápido do que imaginei e


sigo direito para a casa da mamãe. Pego meu filho e sigo para casa.

Após dar banho e ninar meu menino, tomo um banho frio e

deito-me em minha cama. É tão estranho pensar sobre ele, ter


alguém comigo que está ficando sua cara, mas é tão gratificante tê-
lo conhecido e ter uma parte dele aqui do meu lado. Bernardo não é
o típico artista metido, ele é gentil e inteligente. É romântico, ético e
apaixonante. As batidas na porta me fazem voltar à realidade. Olho
a hora e resmungo por alguém resolver bater a essa hora na porta,

abro sonolenta e Bernardo me olha.

— Quem era, Camila? — pergunta e me faz olhá-lo bem.

— Como a Nicole está?

— Porra, Camila, quem era?

— Um cliente, Bernardo. Estava trabalhando.

— Em um restaurante?

— O que faz aqui?

— O que acha que faço?

— Já falou com o advogado? Esse não é um horário de


visitas. Noah está dormindo e...

— Posso entrar?

— Não.

— Precisamos conversar.

— Fale...
— Aqui? — pergunta, ao apontar para o corredor onde
alguns moradores dos outros dois apartamentos que fazem parte do
meu andar passam. — Amanhã estaremos nas revistas de fofocas.

— Então volte em um horário aceitável. Será pior se ao


invés de ser visto na porta, você seja visto entrando.

Bernardo suspira e então passa por mim. A vizinha da frente


sorri sabendo que irá ganhar uma nota preta pela maldita foto e bato

a porta chateada. O som de Noah choramingando me deixa

arrependida. Bernardo caminha até o quarto do meu filho e sento-

me no sofá, instantes depois ele volta e senta-se em minha frente.

— O que quer aqui Bernardo?

— Me irritou te ver com outro, mesmo sabendo que talvez


fosse um contato profissional.

— Me irritou te ver assumir um relacionamento enquanto


éramos casados.

— Me irritou saber que me casei com uma mulher que arma

para magoar outra pessoa.

— Ah, sim! Sou uma bruxa má e cruel. Casei-me com o

príncipe que assume relacionamentos enquanto continua casado!


— E eu me casei com uma mulher que estava prestes a dar

o bote como uma cobra. Se sente traída por eu ter seguido minha
vida, Camila? Posso ter traído os votos que fiz, posso ter levado

outra para nossa casa, nosso quarto, nossa maldita cama, enquanto

eu te amava, mas eu não fui injusto com você. Pedi mil vezes o
divórcio, mas e você? É uma traidora. Traiu minha confiança. Falei

diversas vezes sobre como me sentia em ser tratado como um meio

para um fim e você fez tudo o que eu dizia odiar. Traiu o que havia

de mais puro entre nós. Traiu o meu amor.

Ficamos em silêncio. Dói ouvir tudo isso porque é verdade.


Dói saber que eu fui a pessoa a estragar tudo. Dói saber que o

magoei e fui injusta com ele.

— O reconhecimento do Noah pode ser feito, você quer um

exame? Podemos marcar rapidamente. Não precisa se preocupar

com pensão, mas caso queira, afinal, é um direito dele, podemos


decidir tudo amigavelmente. Se quiser pode visitá-lo em horários

combinados previamente.

— Você está se ouvindo? Se eu quiser, não preciso ajudar

meu filho a se manter? Que porra está se passando na sua cabeça?

Eu sou um homem Camila. Vou assumir meu filho e dar a ele tudo o
que merece e o que tem direito e não preciso de um advogado para

me dizer qual é o meu papel, eu sei qual é!

— Você a ama? A chama tão fácil de amor. Estão juntos. A

ama?

— Amor é superestimado. Chegou a me amar?

— No início não. Eu queria apenas... mas sempre soube

que você era o tipo de cara por quem eu me apaixonaria e conhecer

você foi, foi inevitável, Bernardo! Eu me apaixonei. Eu te amei, te


amo.

— Amor. Tão difícil acreditar que você me amou. É uma

mentirosa.

— Vai embora.

— Mas te amo. Mentiu, não confio em suas palavras, mas te

amo, Camila.

Lágrimas descem por meu rosto. É duro saber que ele não

confia em mim. É duro saber que eu fiz isso a nós.

— Sinto muito. Estraguei tudo. Eu te amo e estraguei tudo!

— Doeu tanto. — Bernardo se aproxima e toca meu rosto.


— Doeu em mim também. Não foi fácil fazer o que fiz. Eu

sentia muito e depois, não fazia mais sentido. Magoá-la não fazia
sentido porque te perdi. Eu estava sofrendo, achava que ela não

sofria ou que sua dor era muito menor que a minha. Afastei-me de

todos, eu não consegui seguir em frente e achava que a Yasmim


sim. Por muito tempo medi a dor de todos e considerei a minha

maior por estar presa a ela. Todos sentiram, todos sentem muito,

mas eu foquei na dor e não saía dela. Foi sufocante. O dia que

encontrei meu irmão, foi tão desesperador. Foi cruel, triste. Passei a
não dormir bem, passei a afastar o Tiago e a fugir de tudo e todos. A

dor me engoliu e a raiva me consumiu.

— Sinto muito — diz e muda de assunto, buscando que a

mudança traga leveza. Não trará, mas não há o que ser feito. —
Como foi descobrir sobre o Noah?

— Foi um pouco assustador, mas cada etapa foi cheia de


descobertas. Eu planejei por muito tempo a chegada dele e então

desisti e fui embora. Era um modo de me curar da dor. Assinar o

divórcio foi me dar à possibilidade de recomeçar sem culpa. Foi

triste, mas libertador. Eu estava te dando à liberdade e me dando a


chance de me perdoar. O Noah nasceu e trouxe a paz que eu

precisava. Ele era quieto, me lembrava muito de você. Ele sempre


foi simpático mesmo sendo apenas um bebê. Vim algumas vezes

com ele, mas sempre preferi voltar logo e nossas viagens eram à

noite.

— Iria me contar?

— Tentei te contar diversas vezes. Liguei, sempre fui

direcionada a caixa de mensagem, a última vez em que tentei foi

antes de assinar o divórcio e ir embora. Eu sabia que um dia teria


que falar, mas eu estava magoada. Eu sei que você sofreu com o

que eu fiz, mas doeu tanto te ver com ela. Doeu como nunca

imaginei.

— Nicole e eu não estamos mais juntos. Jantamos hoje por

questões de negócios. Fizemos umas fotos para uma campanha e


hoje foi à finalização do trabalho.

— Não me deve satisfação, não me deve nada!

— Quero explicar por que apesar de ainda doer, apesar de

ainda não saber se devo confiar em você, eu estou enlouquecendo

em saber que você está aqui, a um toque e eu não posso tocá-la,


que temos um filho e podemos formar a família que ele merece.

— Não... não faz isso. Não se aproxime de mim por ele. É


melhor que o Noah cresça sabendo que podemos nos dar bem do
que crescer com pais juntos que lamentam a vida.

— Quero que ele saiba que eu sou o pai dele.

— Ele sabe. Há fotos suas aqui em casa.

— Não por fotos. Quero ouvi-lo me chamar de pai. Quero

que me veja e me reconheça.

Suspiro.

— Amanhã, ao invés de levá-lo para passar o dia com a

mamãe, posso deixá-lo em sua casa. Passam o dia juntos.

— Podemos?

— É seu filho, Bernardo. Pode vê-lo, criar uma relação com

ele.

— Obrigado. — Toca meu rosto com carinho.

Suspiro.

Bernardo me olha e sei que há desejo entre nós, sei que, o

que quer que tenhamos tido, não acabou, mas sei que não estamos

prontos para algo entre nós e é por isso que quando se aproxima e
seus lábios quase tocam os meus, viro-me sentindo sua boca tocar

em minha bochecha.
— Está tarde. Amanhã às oito passo na sua casa. Mora no
mesmo lugar?

— Moro.

— Tchau, Bernardo. — Com a deixa, ele se levanta, me olha


e então sai. É estranho vê-lo partir. Tranco a porta e sigo para o

quarto do Noah. Sento-me na cadeira parecida com a que usava

para amamentação e o observo dormir. Por muito tempo vejo seu


ressoar baixo, observo seu peito subir e descer suavemente, até

que cansada, pego no solo ali mesmo.


Capítulo 20

Tiago está sentado em uma cadeira diante da minha mesa

quando entro em minha sala. Ele me observa e como o conheço sei


que logo estará falando o que faz aqui ao invés de estar na sua

sala.

— A mamãe falou que o Noah estará passando o dia com


Bernardo.

— Acertamos ontem.

— O viu ontem? — pergunta enquanto mexe nos meus lápis

de desenho. O olho sabendo que é curiosidade, mas que logo Ana


Rebeca irá dar sinal de vida.

— Você está me saindo muito curioso e logo estará se

saindo um bom fofoqueiro. — Tiago sorri, mas logo seu sorriso

morre.

— Só estou preocupado.

— Ele me viu jantar com o Abner. Ficou sentido ou algo


assim. Apareceu lá em casa e ficou até quase a madrugada.
Conversamos. Ele disse que não confia em mim, que doeu muito o
modo como o usei, mas que apesar de tudo me ama.

— E você?

— Disse a verdade, Tiago. Que sinto muito, mas que já é

tarde para voltar atrás. Estava perdida, quebrada e o magoei. Disse


que o amo porque não adianta negar, mas que entendo que não há

confiança. Ele quis me beijar, mas me afastei. Nada vai dar certo se

começarmos errado.

— Está madura.

— Não é apenas sobre mim que estamos falando. Não há


motivos para negar ao Noah a presença paterna. Bernardo é um

homem incrível. Ele não me traiu, foi o contrário. Acabei com a

confiança que ele tinha, acabei com nosso casamento.

— Ele também te magoou.

— Toda ação gera uma reação. Eles vão passar o dia

juntos. Mostrar ao Noah o pai por fotos nunca será a mesma coisa

que ele ter o pai ao lado.

— Espero que fiquem bem. De verdade, você está tocando

sua vida superando os desafios e a dor. Se houver a possibilidade

de vocês ficarem juntos...


— No momento essa possibilidade está descartada. A única

possibilidade agora é de focar no trabalho.

— Recado dado.

Tiago sai da minha sala e começo a trabalhar. No meio da

tarde, meu celular começa a tocar com números que já conhecia. O


coloco no modo silencioso e então o fixo passa a perturbar.

— Alô?

— Senhorita Camila, bom dia! Embora saiba que a sua


resposta será não, preciso repassar a informação. Há algumas
ligações para a senhorita e são um tanto insistentes — A secretária

do papai informa e uma pontada de dor de cabeça surge.

— Se não for cliente ou alguém da família, pode dizer que


estou indisponível.

— Já usei essas desculpas, não nos deixam em paz. Sinto


informar, mas devido às notícias do dia, será um pouco difícil fazê-

los parar com as ligações.

— Diga que estou em reunião, saí para visitar uma obra,


mas não repasse as ligações e não lhes dê informações pessoais.

Pode dizer que eu estarei indisponível até o fim da minha vida. — A


ouço sorri. — E, por favor, não acredite em tudo o que vê por aí.
Desligo e aproveito para acessar a internet. Olho o celular e

lá está! A foto do Bernardo entrando em minha casa e a matéria:

“Flash Black ou volta? Bernardo Medeiros é visto entrando


no apartamento da ex-mulher.

Há dois meses Bernardo Medeiros Campos terminou o


namoro com a modelo Nicole Xavier. Segundo amigos da modelo o

término foi devido a incompatibilidades de agenda e os dois


continuam amigos. Segundo a assessoria do ator, o relacionamento

dos dois começou quando Bernardo (28), ainda estava casado com
a arquiteta Camila Santana Muniz (25). ‘Os dois estavam casados
apenas no papel. Camila saiu da casa do Bernardo após ele optar

pelo fim do casamento, mas eles já não tinham envolvimento.’ Sobre


o fim do casamento a assessoria informou que o ator decidiu manter

o motivo em privado. A possível volta veio à tona quando fotos do


ator entrando na casa da ex surgiram. Segundo uma moradora do

prédio em que a Camila mora, Bernardo foi visto duas vezes no


local. ‘A Camila raramente é vista nos corredores do prédio.
Sabemos que não mora sozinha, ela tem um filho e o menino é a

cara do Bernardo. Nas duas vezes em que ele foi ao apartamento


dela, ela não estava satisfeita e na última, ela não parecida desejá-
lo ali. Ficaram se encarando, tentando mostrar quem mandava mais,
até que ele entrou e ela não teve muito o que fazer’.”

Suspiro. Aí está. Fatos isolados de nossas vidas


escancarados porque minha vizinha decidiu ganhar dinheiro com a

história, ou uma parte dela. Sinto uma mistura de raiva e medo ao


ler a matéria. Entro nas redes sociais e vejo que sou marcada em

diversas postagens. Há fotos minhas, do Noah, da nossa vida no


Canadá e há uma foto do Bernardo. Ele me marcou na postagem e

está deitado em uma cama com Noah dormindo em seu colo. A foto
é linda. Eles são parecidos até na forma de dormir.

“Dois anos depois te conheci e você já me mudou muito.


Está me fazendo descobrir o pai que há dentro de mim. Desculpa se
as escolhas que fizemos nos afastaram. Desculpa só te ter agora.

Prometo que estarei presente em todos os momentos. Prometo ser


teu amigo, prometo ser o melhor pai que puder. Você sempre será o

melhor de nós. Obrigado por ele, Camila! #paideprimeiraviagem


#paidemenino #Noah”

Meu celular volta a tocar e o nome da Ana aparece na tela.

— Como está? — pergunta assim que atendo.


— Confusa. Eu sabia que a história iria vazar, mas não sei
como será a repercussão disso tudo. Não queria Noah no meio de
tudo isso, mas ele sempre estará.

— Pai famoso.

— É tão estranho saber que as pessoas que estão ao meu


lado não ligam a mínima para nossa privacidade.

— Eles não estão do seu lado, moram ao seu lado. É

diferente. Bernardo provavelmente vai esclarecer tudo. A família


Medeiros Campos gosta de revelar filhos já nascidos — brinca e

sorrio porque sei que Bernardo irá explicar tudo na mídia porque ele

é o tipo de homem que não gosta de maus entendidos e se para


isso ele precisar se expor, ele se expõe.

— Já ligaram diversas vezes para cá. Perdi o foco no

trabalho e estou cansada, Ana! Já me escondi demais. Estou

arrependida, mas não quero ser o tipo de pessoa que se perde

nisso. Sinto que essa não sou eu.

— Então seja a garota que é.

— Acho que finalmente posso ser. Noah mudou muitas

coisas em mim, mas eu mudei por mim também. Sei que nada vai
apagar o passado, sei que me perdi em um momento duro e me
tornei amarga e solitária. Errei, aprendi, mas quero amar e ser

amada. Quero criar o meu filho e me realizar na carreira.

— Você pode fazer tudo isso. O passado é passado e é lá


que deve ficar.

— Sinto como se ainda não estivesse livre dele.

— Histórias não resolvidas. Já se perdoou? Já a perdoou?


Está livre para recomeçar seja com ele ou sem ele?

Suspiro.

— Pensa nisso, talvez esse seja o único passo que falta

para sua vida mudar.

Após Ana finalizar a ligação, pego minhas coisas e sigo para

casa. Bernardo ficou de levar Noah no início da noite. Aproveito o

tempo extra e faço o jantar. Abro o vinho e enquanto cozinho coloco

Ed Sheeran para tocar.

How would you feel

If I told you I loved you

It's just something that I want to do

I'll be taking my time

Spending my life
Falling deeper in love with you

So tell me that you love me too

Preparo a massa enquanto tomo uma taça de vinho, quando


finalmente o jantar está pronto batidas na porta soam e sinto o

coração apertar. Sei que talvez seja difícil reconquistar a confiança

desse homem, mas se pudermos pelo menos manter uma relação

amigável ficarei feliz.

Abro a porta e o vejo segurar o Noah com a bolsa


pendurada em seus ombros. Sorrio e o convido a entrar. Bernardo

olha a taça de vinho na mesa de centro e me olha.

— Foi apenas uma taça. Quer ficar para jantar?

— Outro dia talvez. Marquei uma entrevista para daqui a

pouco. Você está bem para ficar sozinha com ele?

— Estou. Foi uma taça no fim da tarde enquanto preparava

o jantar. Seguiu os horários?

— Exatamente como explicou.

— Ok.

— Preciso ir. — Pega novamente Noah no colo e o beija. —

Vai sentir saudades do papai?


— Papai.

Bernardo sorri.

— Aprendeu rápido. Papai sentirá sua falta. Dos choros e

das risadas. — Me estende o Noah que ao perceber que irá trocar

de colo abraça o pescoço de Bernardo e sorrimos.

— Acho que alguém agora tem uma clara preferência por


colos — digo ao pegá-lo. Bernardo nos observa por um instante,

toca meu rosto.

— Sinto muito por hoje.

— Faz parte.

— Até mais — diz e olha o pequeno. — Cadê o tchau do


papai? — Noah dá tchau animado e resmunga quando fecho a

porta.

— Ele já te ganhou, não ganhou? Imagino que sim! —

Aperto meu menino em meus braços. — Eu também adorava


aqueles braços.

Após jantar, brincar, dar banho e então colocá-lo para

dormir, tomo um banho e me deito cansada.


Deixo Noah com a mamãe e sigo para o trabalho. A manhã

parece ainda pior que o dia anterior. Os telefones não param de

tocar, sair para o almoço é extremamente difícil. Há fotógrafos por

todos os lados. Durante a tarde faço uma visita técnica na obra de


Abner e lá estão todos eles. Há mais fotos minhas espalhadas pela

imprensa sensacionalista do que eu gostaria. À noite, peço uma

pizza para mim e dou o jantar do Noah. Ligo a televisão e lá está


ele. Bernardo é ridiculamente lindo. Noah pula na sala assim que o

vê na tevê.

— Papai — diz em sua alegria infantil.

— É filho, é o papai. Agora vamos dormir? — O pego e me

deito com ele no sofá enquanto assistimos a uma entrevista ao vivo

com Bernardo.

— Ontem você deu uma entrevista assumindo publicamente

um filho. Um menino de mais ou menos dois anos, certo?


— Isso. Descobri sobre o Noah há pouco tempo. Estamos

recuperando o tempo perdido.

— Por que a existência do Noah foi escondida?

— Vou responder o que a Camila me respondeu quando fiz

a mesma pergunta a ela. Ele nunca ficou escondido. Parei de seguir


a Camila em redes sociais e buscar notícias dela assim que ela saiu

de casa. A gestação do Noah, os momentos deles juntos sempre

foram postados, mas eu não vi.

— Ela não te procurou? Uma gravidez não deveria ser

anunciada pessoalmente? Não é meio impossível que nunca tenha


sido marcado nas fotos?

— Nossa separação não foi muito amigável na época.

Estamos bem agora, eu ainda amo muito a Camila, mas alguns

erros nos afastaram e eu fiquei magoado, nessa necessidade de me

afastar do que eu sentia por ela, eu a evitei. Camila tentou de


diversas maneiras entrar em contato comigo, mas eu sempre

evitava. A sua última ligação foi quando ela finalmente assinou o

divórcio. Camila pediu uma chance para conversarmos, mas eu


neguei e pedi que não me ligasse mais, logo em seguida ela foi

aprovada em um curso de pós-graduação no Canadá e morou lá por


dois anos. Sobre as marcações, eu nunca abria nada em que me
marcassem no perfil dela e meu assessor conseguiu bloquear as

marcações.

— O motivo do fim ainda é segredo?

— Não é uma questão de ser segredo, é uma questão de

privacidade. Não houve traições, não da maneira que as pessoas

imaginam. Não foi envolvimentos com outras pessoas, não foi sobre
ter sentimentos por outras pessoas.

— Seu relacionamento com a Nicole?

— Camila e eu já estávamos separados, apenas o divórcio


não tinha sido assinado. Eu gostava da companhia da Nicole, mas

não nos amávamos. Éramos mais amigos que um casal

apaixonado.

— Sua relação com a Camila?

— Estamos recomeçamos. Temos um filho, há sentimentos

entre nós, mas precisamos rever conceitos, rever os erros e seguir


adiante. Se há uma volta, não sei. Não depende apenas de mim.

Camila está muito mais madura do que há dois anos. Em uma


conversa ela deixou claro que prefere ver o Noah crescer com pais
amigos do que com pais que estão juntos por conveniência. Eu a
entendo e concordo. Precisamos nos sentar mais, conversar mais e
pensar além de nós mesmos.

— Bernardo, há rumores de que a real causa do término de


vocês foram os laços da Camila com o Guilherme e o caso que sua

irmã se envolveu.

Ele suspira.

— Não vou mentir. Nossos problemas começaram por isso.

Não pelo fato de ser irmã gêmea dele. Mas, pelo fato dela não me
contar. Não quero ser injusto com ela falando sobre algo que a
machuca e a faz sofrer, mas Camila se aproximou de mim pela dor.

Ela se apaixonou no meio disso tudo, mas ela sabia onde estava se
metendo e eu não. Não foi uma escolha fácil a que fiz. Eu vi duas
mulheres que amo sofrer pelas escolhas que fizeram, mas não

posso medir a dor e julgá-las por isso.

— E agora?

— Agora nós seguimos. Amanhã é um novo dia. A amo.


Não posso mentir sobre isso, mas é um passo de cada vez. Sinto

muito não ter dado certo e se ainda dará? Apenas o tempo vai nos
dizer. Estou colocando um ponto final nesse assunto para a mídia e
espero que a respeitem, nos respeitem.
Desligo a tevê e sigo para o quarto com Noah. O coloco em
minha cama e dormimos juntos como há algum tempo não
acontecia. Meu pequeno além de amor, é meu porto seguro.
Capítulo 21

Os dias se passam sem que tenhamos parado para pensar

no futuro. Quando não trabalha, Bernardo passa a ficar com Noah.


Entrego-me ao trabalho, mas respeitando meus limites. Hoje é dia

de pegar meu filho na casa da minha mãe, pois Bernardo estava

gravando cenas de uma série na qual está participando. Fotógrafos


pararam de me seguir, mas às vezes nos esbarramos. Eles

fotografam de longe. Parei de ler as notícias de sites de fofocas.

Mantive fechada todas as minhas redes sociais.

Dirijo até a casa dos meus pais enquanto Recomeçar da


Tânia Mara toca no som.

Eu canto ao vento

Que beija os meus cabelos num alento


Eu canto ao mar

Que apaga os meus sentidos, e me faz

Recomeçar

Decidi avançar o meu caminho


Sem deixar
Que o passado, o destino, possam destruir

Uma vida honesta

Revirar

Alegrias e lamentos

Entender, que só mesmo o próprio tempo


Nos dará, todas as respostas

Não é fácil, prosseguir apagando da memória

Tudo aquilo que fez a nossa história

Nossa vida de novo começar

Entro na garagem quando a música termina, sei que tudo

agora irá acontecer como deve ser e apesar das lágrimas em meus

olhos evito chorar. Noah está dormindo quando entro. Mamãe me

chama e me sento ao seu lado observando meu pequeno dormir no

sofá enorme.

— Ele está crescendo rápido. É tão lindo — digo.

— Filhos... Sempre babamos por eles.

— Entendo todas as ações que a senhora e o papai

tomavam. Eu sempre o coloco em primeiro lugar, o amo tão


intensamente.

— Nosso coração fora do corpo. É o que sempre dizem, é o

que é. Te ver todo aquele tempo perdida, sofrendo, me magoava.


Nenhum de nós conseguia te alcançar. Você sofria tanto. Fiquei com

tanto medo de ter perder também. Não sabe como foi difícil te ver se
afastar, afastar seu irmão. Enxuguei tantas lágrimas do Tiago. E é

por isso que hoje quero te dizer algumas coisas. Porque eu te vejo
olhar esse pequeno e apesar de seu olhar ser cheio de amor, sinto
que ainda falta um brilho.

— Sinto muito mamãe. Não queria fazê-los sofrer.

— Primeiro, quero falar sobre você. Quero que pare, que

pense em sua vida, que se perdoe e recomece de fato a viver.


Quero que tudo a partir de hoje seja por amor. Que se entregue por
amor, que lute por amor, que viva por amor. Segundo, sei que já

entende que ser mãe, pai, não é apenas o lado maravilhoso. Há


muitas noites sem dormir, sem sair, sem ter um tempo de qualidade

para si mesmo, mas não se anule. Seja mãe, mulher, profissional.

— Por que está me dizendo tudo isso?

— Vi a entrevista dele, Camila. Ele a ama.

Choro.
— Sei que o ama também. Sei que juntos poderão ser uma

família unida e sei que antes de começarem algo precisam se sentar


e conversar. Sei que está magoada, sei que se culpa, mas precisa

se dar a chance. Precisa ser a menina forte que sempre foi, precisa
lutar pelo amor da sua vida, Camila. Com muita determinação. Vai

ser um caminho longo, confiança abalada é tão difícil de recuperar,


mas conseguem. Estou te falando tudo isso porque quero que se
permita viver, quando o momento chegar. Quero que coloque seu

coração a mostra e que decidida por si se viver com ele valerá a


pena.

— O amo, mas sinto tanta culpa.

— Errou, filha. Mas se arrependeu, isso é o que importa.


Quero que seja feliz, Camila. Prometa-me que irá tentar, não,

prometa que será feliz.

— Prometo mamãe.

— Com ele ou sem ele, será feliz.

— Serei.

Noah acorda nos tirando da conversa. O pego em meus


braços e ele me beija. Eu o amo. Amo esse pequeno desde que
soube sobre ele. Meu filho chegou para mudar minha vida, para me
dar um sentido real. Aprendi a enxergar a vida de maneira diferente
ao tê-lo, mas é no dia a dia, enquanto o vejo crescer que entendo os
motivos de estarmos onde estamos. A vida não é perfeita. Às vezes,

acontecem coisas ruins e precisamos ser fortes para não nos


machucarmos ainda mais, eu não fui madura, errei, machuquei

pessoas por estar ferida, sofrendo, mas aprendi e o importante é


que estou refazendo minha vida. Estou vivendo.

Pego meu menino e caminho para o carro. Sigo em silêncio

com ele, vejo Bernardo ao chegar. Ele está parado na porta


mexendo no celular.

— Papai. — Noah se inquieta em meu colo e o Bernardo


nos olha. Há tanto naquele olhar. Há um mundo repleto de amor, há
esperanças, medo, mas não há mais raiva.

Caminho até ele que pega Noah dos meus braços e abro a

porta e ouço a da frente abrir.

“Ah, meu Deus! Você é mesmo vizinha da mãe do filho do


Bernardo? Eu não estou acreditando, amiga. Poderia vir morar aqui

só para ver esse deus grego visitar o bebê.”

Ouço e reviro os olhos.

“Cala a boca, amiga. Estão ouvindo, é chato!”


“Chato seria se eu os fotografasse como a sua vizinha fez e
vendesse por aí, só estou dizendo que gostaria de vê-lo todos os
dias. Já prestou atenção nele?”

Bernardo entra e fecho a porta.

— Desculpe por isso — pede, ao se sentar e pôr Noah no


chão.

— Eu sempre soube que seria assim. Desde o primeiro

momento quando as minhas intenções não eram as mais corretas.

— Está tudo bem...

— Preciso que me ouça. Preciso falar tudo que sinto para


finalmente começar a viver.

— Não precisa explicar nada, Camila.

— Eu quero. Pode me ouvir? — Bernardo me olha e


suavemente balança a cabeça dando-me a chance de explicar tudo.

— Já falei em como me senti perdida quando perdi meu

irmão. Fiquei muito mal, eu não sabia como lidar com o luto, eu

sempre achei que ferir a pessoa que na minha mente era a culpada

me daria liberdade. Não deu. Não deu porque entendi que não era
ela. A culpada não era a Yasmim. Era ele. Ela errou, mas não o
matou. A ação dela não deveria justificar o ato dele. Pessoas ruins

não precisam de justificativas, sei que ele a machucou também.

— Yasmim sempre foi impulsiva, mas está aprendendo. Ela


está numa fase tão tranquila, de recomeços.

Sorrio porque também estou nessa fase.

— O que eu queria dizer era que errei, Bernardo. Errei


quando te usei como o meio para o meu fim. A minha dor não

justificava o sofrimento que eu causaria. Aprendi tanto nesses

últimos dois anos. Passei tanto tempo presa na raiva, perdida na


dor, e só percebi que eu estava perdendo tudo quando você se foi.

Aprendi da forma mais dura que a dor precisa ser vivida,

compartilhada, tratada.

— Existem várias formas de se aprender. Errando é a mais

dura, a mais comum, mas não a única. Nossas escolhas têm


consequências. Eu ir embora era a consequência dos seus atos

naquele momento. Hoje, não sei como poderíamos ter lidado.

Precisava acontecer — fala.

— Precisava para tê-lo. — Aponto para nosso filho

brincando com seus carrinhos no chão. — Conversei com a mamãe


hoje. E sinto que preciso me abrir mais com você. Primeiro, gostaria
de pedir desculpas por magoá-lo, por fazer sua família sofrer,

segundo, e não menos importante, preciso dizer que te amo. passei

anos te amando de longe. Me apaixonei completamente, te amar


era meu maior medo e aconteceu, porque você é incrível. É

inteligente, é divertido, honrado, você luta pelos seus, você é tão

esforçado.

— Você é incrível, Camila. Estava perdida, mas é uma

mulher incrível. Sei que falei coisas injustas, mas a conheço. É forte,
dedicada e determinada, é uma mãe amorosa, é uma mulher linda.

Não consegui te esquecer, acho que nunca conseguirei. Sei que

precisamos recomeçar, sei que será aos poucos, mas aceita? Aceita

esquecer tudo e recomeçar?

Choro. Bernardo se levanta e caminha até mim. Ele me


abraça forte.

— Eu aceito. Aceito recomeçar.

Bernardo me olha e então me beija. É um beijo intenso,


cheio de saudade. É um beijo sensual, mas não desesperado. Nós

nos beijamos com amor e entrega até que Noah choraminga e nos

largamos. Olho meu pequeno resmungar com seu carro que parou
debaixo do sofá e sinto que podemos construir uma família incrível.
Bernardo suspira. Caminha até a parte de trás do sofá e o puxa,

levantando-o. Noah pega o carro e digo quando Bernardo pode


baixá-lo. O pai do meu filho me olha, sorri e mordo o lábio.

— Bem-vindo ao mundo do “faço tudo por ele” — digo, e

Bernardo senta-se ao lado do filho.

— A melhor parte do mundo. — Sorrio e vou me juntar aos

dois.
Capítulo 22

Terminamos o processo de reconhecimento da paternidade

e apesar de estar cheio de trabalho, Bernardo todos os dias fala


com Noah. Quando não vem, faz chamada de vídeo como se o filho

realmente entendesse tudo que o pai fala.

Temos conversado muito, ainda não saímos juntos, mas


Bernardo tem jantado comigo e com Noah. Estamos a passos

lentos, mas felizes. Entendemos que estamos indo aos poucos, nos

conhecendo novamente, criando etapas. Sei que muitas notícias


têm saído sobre nós, principalmente porque meus vizinhos não são
os mais discretos. Há muitas especulações, mas Bernardo não fala

de sua vida pessoal. Também não falo nada quando estou sendo

fotografada, decidi fazer de conta que não era comigo e segui minha

rotina como sempre fiz.

Estou num parque com Noah, Ana, Giulia e Gabriel quando

vejo os fotógrafos.

— Odeio quando pegam fotos das crianças — resmungo e

Ana sorri.
— São os frutos da fama do seu...

— Do pai do meu filho. Estamos recomeçando, mas não

definimos nenhum rótulo.

Ana sorri ainda mais.

— Bernardo está sempre com vocês. Até para almoço na

sua mãe já foi.

— Ele foi levar o Noah, mamãe o convidou para almoçar e

ele ficou. Não foi nada premeditado.

— Torço para que fiquem juntos logo. Noah está tão feliz.

Vive falando do papai para a Giulia e para o Gabriel — diz.

— Ele adora o pai. São tão grudentos um com o outro.

— Você está apaixonada. De novo. Pelo menos cara.

Bernardo roubou seu coração.

— Nunca o esqueci.

— Sabemos que não, mas te ver feliz é tão recompensador.

As crianças correm na grama verde.

— Estou grávida — Ana diz e a olho. Então sorrio.

— Tiago já sabe? — pergunto.


— Ainda não. Vou contar no próximo almoço de família, mas

queria te contar.

— Obrigada. Eu desejo que sejam ainda mais felizes.

Ana sorri e sei que meu irmão e cunhada têm construído a

vida que sonharam juntos.

— Estou tão feliz, Camila. Gabriel é um amor, Tiago é... A


pessoa que sempre sonhei. Ele é o homem por quem me apaixono

todos os dias e jamais me cansarei de me apaixonar.

Noah corre em nossa direção e por um instante acho que


virá até mim, mas ele passa por mim e me assusto. Viro-me para

pegá-lo e então os vejo. Noah já está nos braços do pai. Bernardo


sorri com ele e caminha até nós. Ele se senta ao meu lado e já

posso imaginar as notícias no dia seguinte.

— Saí cedo da gravação e vi que estavam aqui.

Noah brinca com o pai, mas logo volta paras os primos.

— Trouxemos as crianças para cansar. Depois é só dar

banho, alimentar e ter uma boa noite de sono. — Ana entrega nosso
truque e sorrio.
— Realmente fazem isso? — ele pergunta e me puxa para

perto. Fico com meu peito colado em suas costas e Ana sorri,
desviando o olhar para as crianças.

— Vale tudo para ter boas e inteiras noites de sono.

— Achei que nessa idade já dormiam a noite inteira.

— Dormem, mas se até nós às vezes perdemos o sono... —


minha cunhada insiste e dá de ombros.

— Já está na hora de ir — digo, e sinto Bernardo me


abraçar e beijar meus cabelos. — Amanhã estaremos mais uma vez
nos sites de fofoca.

— Pouco me importa. Te amo, isso é o que me importa.

Sorrio.

— Também amo.

— Que lindos! Mas vamos pegar os pequenos. Estão

chegando mais fotógrafos.

As crianças resmungam um pouco, mas logo vem até nós.

Noah vai para o colo do pai que caminha ao meu lado até o carro.
Giulia está comigo e por isso Ana rapidamente se despede.
Após colocar as crianças em suas cadeirinhas, Bernardo me
beija e segue para seu carro. Em casa, dou banho nos dois
pequenos, Bernardo dá o jantar enquanto aproveito para tomar um

banho e nos dividimos para colocá-los para dormir.

Sozinhos na sala, Bernardo me puxa para seu colo.

— Sei que precisamos formalizar. Quero te levar para

almoçar num domingo na casa dos meus pais. Quero que faça parte
da minha família, que se sinta aceita.

— Tenho medo de que a raiva deles por mim seja maior do

que...

— Ninguém sente mais raiva de nada. Colocamos um ponto


final em tudo e recomeçamos, lembra? Mas os quero juntos. Quero

minha família unida.

— Quando será?

— Tão logo você aceite.

— Aceito tudo. Eu te amo.

— Também te amo, Camila. Começamos torto, mas


seremos felizes. Já estamos sendo — fala, e então me beija.
Bernardo me beija com intensidade. Então, me olha
buscando aprovação. Retiro minha blusa dando-lhe a certeza que
precisa para continuar. Sua boca em meu pescoço, mordendo e

beijando me faz lembrar de tudo o que passamos juntos. Levanto-


me do seu colo e tiro o pijama. Bernardo continua me observando,

aprovando cada gesto.

— Bernardo... — resmungo enquanto ainda o vejo vestido

em meu sofá.

— O quê?

— Tira a porra da sua roupa logo — rebato e ele sorri.

Calmamente, se levanta, toca meus ombros com as pontas

dos dedos.

— Tão linda. Tão gostosa e tão minha. Vai ser minha para

sempre, Camila? — pergunta e arrepios surgem em meu corpo.

— Sempre.

— Não vou te tocar aqui, talvez, um outro dia. Mas hoje,

quero te mostrar lentamente, tudo o que ainda podemos sentir —


me pega nos braços e leva-me para o quarto.
Bernardo o observa rapidamente e então, me põe em minha

cama. Ele suspira ao me ver.

— Continua linda. A porra da mulher mais linda que passou


por minha vida — fala, e o assisto se despir.

— Já você, se tornou ainda mais gostoso — falo e ouço sua


risada.

O homem que amei e continuo amando para sobre mim e

nos olhamos vendo o desejo, a sinceridade no olhar um do outro.

— Eu te amo, Camila

— Eu te amo, Bê.

Sua boca cola na minha de forma suave, Bernardo me deixa

como se estivesse fazendo amor lentamente comigo. Suas mãos

correm por meu corpo, apertando, beliscando, tocando como se

fosse a primeira vez. De forma paciente, sinto os lábios de Bernardo


redescobrir cada ponto do meu corpo, adorar cada parte dele.

Quando chega em minha boceta, Bernardo deixa um beijo

suave, e então se mostra faminto. Ele me penetra com a porra da

sua língua e sinto que posso desmaiar. Quando volta sua atenção
ao clitóris, seus dedos se juntam a exploração e tenho certeza de

que vou morrer.


— Bernardo... ah, porra, Bernardo — gemo e minhas mãos

se fecham em seus cabelos. Rebolo em seu rosto sem vergonha

nenhuma até que sou apenas prazer. Minha mãos caem ao meu
lado e permaneço de olhos fechados.

A boca faminta de Bernardo me beija suavemente, até que


abro a boca para que me devore.

— Está pronta? — Bernardo pergunta e suspiro.

— Estou pronta há dois anos, só... me come logo — falo e


Bernardo sorri.

— Dois anos, é? — provoca, roçando seu pau em minha

entrada.

— Dois longos e solitários anos.

— E o que fez para se aliviar?

— O que acha que fiz? — pergunto e ele sorri.

— De virgem a DJ — fala, e enrosca suas mãos nas


minhas. Bernardo leva uma das mingas mãos aos lábios e beija

meus dedos. — Te fizeram feliz?

— Satisfeita, não. Feliz sim. Agora para de me torturar, eu

preciso de você dentro de mim — imploro e com uma arremetida


Bernardo entra em mim, nos unindo e arrancando-me um gemido.

— Porra! — Para, aguarda um minuto e encara meus olhos.

Bernardo rebola enquanto entra e sai e minha boca se abre

em um grito mudo. Ele repete seus movimentos leves, uma, duas,

três, quatro vezes até que se perca e se mova cada vez mais
rápido.

— Mais forte

— A. Porra. Da. Mulher. Da. Minha. Vida — Se afasta, me

vira, enrola uma mão em meus cabelos e me fode por trás. O aperto

em meu cabelo, a outra mão beliscando os bicos entumecidos e

então, meu clitóris inchando que implora por atenção. Sinto minha
boceta apertar, mordidas e chupões serem deixados por meus

ombros e pescoço. Bernardo entra e sai rápido, forte. O barulho dos

nossos corpos, o cheiro, o aperto firme, tudo me leva ao limite e


explodo, Bernardo continua estocando até que desaba sobre mim,

nos levando a cair sobre a cama.

— Estava morrendo de saudade de você — murmura em

meu ouvido e sorrio esperando meu corpo se recuperar.

— Pela primeira vez, em muito tempo, estou me permito de

novo.
Bernardo me puxa para seus braços e sim, pela primeira

vez, após muito tempo, me permito ser de alguém de corpo, coração

e alma. Porque Bernardo conseguiu tocar os três.

— A partir de hoje, será sempre minha — diz em meu

ouvido e mordo os lábios empolgada. Desde que recomeçamos


nossa relação, essa é a primeira vez que Bernardo ficará em minha

casa.

Após o momento intenso, Bernardo e eu seguimos juntos

para o banheiro, após mais uma rodada de sexo intenso, nos

jogamos nos braços um do outro, permitindo que nosso corpo e


mente descansem. Enquanto fecho meus olhos, percebo que

seguiremos sem nos importar com as notícias que surgirão sobre

nós, afinal, estaremos juntos e felizes. E isso é tudo o que nos

importa.
Capítulo 23

Duas semanas se passam sem que Bernardo tenha tempo

para organizar o almoço com sua família. Estou ansiosa e com


medo da relação que podemos criar, sei que também os machuquei

assim como eles sabem que ainda há muita dor em minha família

vinculada a deles. Nunca será uma relação fácil e simples. Mesmo


que nos perdoemos sempre haverá datas tristes onde pensaremos

o porquê de tudo ter acontecido.

É domingo, Noah e Gabriel está na piscina com Tiago


enquanto eu e Ana Rebeca tomamos sol. Ela me conta como foi
contar a ele sobre a gravidez e o quanto ele aposta numa menina,

enquanto ela acha que seu mundo será “azul”. Sorrio e concordo

que ela tem mais “cara” de mãe de meninos. Ana impõe limites, mas

adora a bagunça dos meninos. Ela é uma dualidade como mãe. Já

Tiago, continua com seu modo pai responsável ativado e mesmo

ensinando Gabriel a ser organizado, o deixa livre para bagunças.

Olho meu irmão brincar com as crianças e sorrio.

— Ele é tão incrível como pai — Ana diz e sorri.


— E como tio. Noah o adora. Giulia o adora. Nós o
adoramos!

— Como tem estado com Bernardo?

— Ele tem ficado algumas noites, não nos importamos mais

com as notícias e não classificamos o que estamos vivendo além do


amor que sentimos, da chance do recomeço. O trabalho tem sido

corrido e logo terá uma pré-estreia, ele não falou muito sobre isso,

então...

— Gostaria de ir?

— Não sei. Sem termos um rótulo fica estranho.

— Estranho vocês já são.

— Ele disse que precisamos formalizar, mas não falamos

muito sobre isso, sabe? Apenas vamos vivendo. Noah se

acostumou com a presença dele. Eu também. Já até me acostumei


com os inconvenientes da profissão.

— Tiago disse que muitos artistas têm procurado o

escritório.

— Nem me fale.

Sorrimos.
— O que um nome não faz?

Meu celular toca com a chegada de mensagens. Olho o

nome de Bernardo e lembro que hoje era o último dia de gravação


da primeira temporada da série em que Bernardo estava como

personagem principal.

Bernardo: Combinei com meus pais para amanhã irmos

para lá. Como o Noah está? Estou morrendo de saudades! Dos


dois! Te amo!

— Ele marcou para amanhã o temido encontro — digo, e

Ana se vira para me olhar.

— Não podem te crucificar. Não deixe. E se acaso a relação


não for boa, não é obrigada a manter contato. Podem se ver apenas

em momentos especiais.

— Não temo por isso. A primeira vez me aceitaram bem,


mas agora que sabem o meu motivo daquela vez...

— Passado, Camila. Deixe o passado para trás. Estão


recomeçando, certo? Isso envolve seguir em frente.

— Sim, mas sinto como se os tivesse traído também.


— Apenas pare de se lamentar, o que aconteceu,

aconteceu. Não deve ser fácil para eles te verem também, sabendo
que a Yasmim... você sabe!

— Sim. As poucas vezes em que nos vimos ela estava

desconfiada, principalmente quando soube que eu sabia do


relacionamento com o Leandro. Ela me olhava como se estive

pedindo desculpa por viver e ele não.

— Tantas culpas, tantos erros. É tudo tão triste.

— Os recomeços curarão cada um de nós.

— Espero que cure o cuzão do Leandro — diz, me

arrancando uma gargalhada.

— Ele não é tão ruim. Apesar de nunca mais termos nos


visto desde a última vez em que me pediu para assinar o divórcio, o

entendo. Juro que entendo todos eles, Ana!

— Ainda assim, ele foi idiota!

Sorrio e me levanto para dar uma folga ao meu irmão. Entro


na piscina e pego meu menino.

— Deixou o dindo maluco? Duas crianças e um adulto na


piscina? — Noah me abraça e as boias nos bracinhos batem em
meu rosto. Tiago sorri.

— Ainda bem que os dois moleques já fazem natação,


assim é mais fácil os olhar.

— Ou não — digo, e vejo Noah se jogar na água, saindo dos


meus braços. A segurança que ele tem em se jogar sem medo veio
pelo amor a água, mas também pelas aulas no clube. Tiago o

matriculou junto com Gabriel e Giulia. Era mais uma forma de lazer
para os três, uma atividade juntos.

Suspiro e pego Noah que logo joga-se novamente e me faz

sorrir.

— Como tem ido?

— Estou feliz. E você?

— Muito feliz. Ansioso também. Espero que minha menina


chegue.

Faço uma careta.

— Você também?

— Sinto que a única garota da nova geração será a Giulia.

— Não quer mais um?


— No futuro, mas ainda assim, acho que será menino. Acho
que teremos meninos e acho que o Guilherme será o único o pai de
menina. Tipo, um movimento especial do universo para tornar a

Giulia ainda mais especial.

— Sente falta dele?

— Todos os dias. Muita falta.

— Eu também. É como se faltasse uma parte minha. Uma

parte que nunca voltará.

— Ele está feliz onde estiver. Nos vendo construir família, ter
filhos, educá-los.

— Conversei com o papai. — O olho sem entender. —

Começaremos uma nova etapa na empresa. Já temos um setor

responsável por responsabilidade social, você sabe... o papai gosta

de ajudar, mas começaremos um projeto chamado Gui Social. O


papai quer conseguir apoio para construir casas para pessoas

carentes, garantir reformas. O Gui tinha um fundo para isso e acho

que podemos ajudar. Teremos um escritório específico dentro da


empresa para isso. Iremos contratar um equipe para focar apenas

no projeto.
O abraço forte. Meu coração acelera e lágrimas enchem

meus olhos.

— Papai disse que a Yasmim o procurou. Ela quer ajudar de


alguma maneira. Ele disse que precisava conversar conosco. Já ela,

disse que uma vez você falou sobre os planos do Gui e lendo uma

matéria sobre isso ela pensou em ajudar.

— Tanto faz. Não me importo se ela quer ajudar — falo,

porque o que importa é que o sonho do Guilherme estará saindo do


papel, um legado será construído. — Quero ajudar, Tiago. Quero

fazer parte.

— Faremos. Todo projeto terá que passar por nós. Eu, você,

papai e mamãe decidiremos onde iremos atuar.

— Estou feliz.

— Eu também. Estamos seguindo em frente. O primeiro ano

foi difícil, os outros serão, mas saberemos lidar.

— Estou orgulhosa também. De como você agiu por mim.

Pelo espaço, pelo cuidado, pelo amor e principalmente por nunca ter
desistido — digo e Noah me abraça. Sei que meu pequeno cansou.

O pego nos braços e saio acompanhada do meu irmão e seu filho.

— Seremos inteiros de novo. Verá! — Tiago diz.


Sorrio e entro na casa. Arrumo Noah, me arrumo e sigo para

meu apartamento ansiosa, afinal, sei que o dia seguinte será longo,

estranho, mas único. Não importa mais os erros. Aprendemos com


eles, mudamos, crescemos e estamos todos seguindo a vida. Tenho

certeza de que apesar de triste, de alguma forma o universo nos

uniu.
Capítulo 24

Com o coração apertado, arrumo Noah e me arrumo em

seguida. Sei que esse momento iria acontecer, precisava acontecer,


no entanto, nunca parei para pensar como seria, afinal, minhas

escolhas tiveram consequências, e consegui o que queria. A fiz

sofrer, não apenas ela, mas em níveis diferentes, devolvi a mesma


moeda e fiz toda aquela família sofrer e agora, estou me arrumando

para ser incluída novamente na vida dos Medeiro Campos.

Lembro do Natal desastroso que passamos juntos, em como


me deixei agir de forma impulsiva e cheia de rancor. Sinto meu
estômago embrulhar e as lágrimas escorrerem. Fiz tudo o que achei

necessário, tomei decisões erradas e me vi presa na necessidade

de me vingar. Ganhei, perdi, magoei, fui magoada no processo.

Lembro-me de Marília dizendo que se Bernardo fosse capaz de me

perdoar ela também seria. Poderemos mesmo nos perdoar e

esquecer todo o passado construindo algo do zero?

O medo me toma e o choro em silêncio se transforma em

um soluço, respiro fundo voltando a me controlar e ouço o choro de


Noah.

— Mamãe não chola. — Pego meu filho em meus braços e

o beijo, acalmando e mostrando que está tudo bem.

Meu menino amoroso, o amor da mamãe, a criaturinha que

detesta me ver sofrer, se acalma ao estar em meu colo. Engolindo


as lágrimas, entro no banheiro com Noah em meus braços e então o

coloco sentado na bancada. Refaço a maquiagem e a campainha

toca. Noah sorri e vejo sua ansiedade para descer e ir até a porta.

— Vamos lá... Acho que o seu pai chegou — falo,

colocando-o no chão e o vendo correr desajeitado pela casa.

Entre quedas e tombos, Noah chega até a porta e a encara.

Meu filho me olha mostrando sua pressa, ao mesmo tempo em que

parece chateado por não conseguir abri-la. Com um sorriso no rosto

a abro e Noah não espera para se jogar nas pernas pai, que logo o

coloca nos braços.

— Estavam chorando? — pergunta.

— Como sabe?

— Olhos vermelhos. Se não quiser ir...

— Tudo bem. Eram apenas lembranças. Estamos prontos.


— Eu te amo, Camila. E vai ficar tudo bem.

Seguimos para o carro do Bernardo e então até sua família.

A casa mudou um pouco. A frente está de outra cor, agora há um


jardim e Bernardo diz que Giulia tem um quarto próprio.

— Muitas coisas mudaram — diz, casa puxando-me pela


mão para entrar na residência. Sinto-me travada. Estou tensa e com

a sensação de que estou invadindo o lugar. — Vamos para o quintal.


Todos já estão lá.

Caminhamos juntos e gostaria de estar com Noah nos

braços. Me surpreendo quando vejo meus pais, Ana Rebeca e


Gabriel junto com a família da Yasmim. Meus olhos se enchem de

lágrimas. Bernardo me olha e as enxuga. Todos nos olham.

Há tantas coisas e sentimentos nos olhos de cada um. Tento


sorri, mas estou nervosa demais.

— Quero agradecer por terem vindo — Bernardo fala,

olhando minha família. — Quero pedir desculpas se vir aqui traz


memórias ruins. Não era minha intenção. Cada um de nós sabe o
que aconteceu, sabe dos erros, das dores, do medo, mas sabe que

estamos nos curando. Recomeçando.


— Está tudo bem, Bernardo. Recomeços são difíceis, mas

para que tudo continue bem, precisamos começar. E esse — meu


pai aponta para nós — é o nosso começo.

— Estamos aqui por alguns motivos. Esse encontro era

necessário porque eu quero muito mais. Eu quero amar livremente a


mulher que roubou meu coração, meu filho, quero que todos nós

possamos conviver em harmonia. Sei que as feridas às vezes vão


surgir, mas seremos fortes e juntos ficaremos bem. — Bernardo

continua. Com cuidado, coloca Noah no chão e me olha. — Eu te


amo. Sempre amei, sempre amarei.

Meu coração acelera quando ele e Noah se ajoelham diante

de mim. Sinto o ar faltar. Meus olhos estão neles. Meu mundo gira
por eles.

— Roubou meu coração. Nos perdemos no caminho.

Erramos, mas nunca deixamos de sentir o que sentimos desde a


primeira entrega. Sou seu. Somos seu. Meu mundo tem sentido

graças a vocês, por isso te quero todos os dias na minha vida.


Quero tudo com você, Camila. Quer casar comigo? — Estende uma

caixinha e Noah uma flor. Onde esse menino a pegou não sei.
Quando o Bernardo conversou com ele muito menos, mas são
lindos!

— Quero. Eu quero me casar com você.

Bernardo se levanta e coloca o anel em meu dedo. Minha


família me abraça nos parabenizando. Timidamente a família de
Bernardo também. Almoçamos juntos, conversando ainda com

receios, depois que minha família se vai, sinto-me ansiosa.


Acompanho a mãe de Bernardo até a cozinha.

— Pode relaxar, Camila. É bem-vinda aqui — diz, e tento

sorrir. — Sei que acha que a odiamos, sentimos muito por tudo, mas
não a odiamos. É livre para viver com ele os sonhos que sonham, o

amor que tem. Quero meus filhos felizes. Já falei a você uma vez,
erraram, você, Yasmim, mas estão se curando e voltando a viver.
Isso é o importante. Estamos começando do zero. Estamos felizes

pela escolhas do Bernardo. Estamos felizes por termos o Noah,


estamos apenas felizes.

— Obrigada, Marília. Eu o amo e juro que jamais irei magoá-

lo como já fiz.

— Bem-vinda de volta a família!

Yasmim entra com Giulia na cozinha e o clima fica estranho.


— Se resolvam — Marília fala e pega Giulia. Nos sentamos
e olhamos uma para a outra em silêncio.

— Sinto muito — Começa e suspiro.

— Sei que sim. Sei que sempre vai doer. Em todos nós, mas
aconteceu, nada irá mudar isso. Os anos irão passar, a dor sempre
vai existir, mas o Gui iria querer ser lembrando pelo amor.

— Não o conheci bem. Foi tão rápido, gostaria de tê-lo

conhecido verdadeiramente.

— Ele era uma mistura de aventura e calmaria.

— Como a Giulia! — Sorri.

— Sim. Era apaziguador. Odiava brigas. Ele era intenso,

insano e incrivelmente responsável.

— Adoraria ter tido a chance de tê-lo conhecido, adoraria ter


estado com ele em outro momento.

— Sinto muito. Sinto por ter diminuído seu sofrimento,

diminuí o de todos ao meu redor e só enxerguei minha dor.

— Está tudo bem — fala, e sem jeito, nos levantamos para

que de forma estranha, selarmos esse momento em um abraço que

nunca acreditei que daria.


— Ah, não se preocupe em viver. Sinto que algumas vezes

fica desconfortável em mostrar que seguiu em frente, mas não


precisa.

— Obrigada. Acho que finalmente achei alguém que me

entende e me faz desejar mostrar sempre o meu melhor.

— Fico feliz.

Sorrimos timidamente e Giulia entra na cozinha atrás da

mãe. Sigo atrás do Noah e do Bernardo quando me deparo com

Leandro. Ele me olha sério. Meu sorriso se vai. Sei que ele é mais
duro, sei que ele teve lidar com a quase perda do amigo. Sei que ele

também ficou ferido.

— Não vou desejar boas-vindas.

— Não precisa.

— Não o entendo. Tantos anos conhecendo esse cara e


nunca o entendi por completo. Quando ele te conheceu achei que

seria um recomeço para essa família. Então, desconfiei de você. Por

uma pequena ação desconfiei, mas o deixei seguir adiante. Você


quebrou meu melhor amigo, feriu a garota que sempre amei,

magoou os pais deles que tiveram todas as feridas que tanto

lutaram para fechar abertas novamente. Quase a perdi. Você veio


aqui, destilou ódio e então sairia das nossas vidas. As poucas vezes

em que a viu bem na mídia era apenas uma máscara. Foi difícil

fazê-la entender que não era culpa dela. Quase perdi meu amigo,
meu melhor amigo. Meu emprego ficou em risco. E agora volta. O

entendo, a ama. Não cabe a mim gostar de nada, não me cabe

nada, apenas aceito. Não é a minha vida. Torço pela felicidade do

Bernardo, ele é como um irmão e por isso preciso ser sincero. Não
confio em você.

— Tudo bem, Leandro.

— Não seremos amigos.

— Não importa.

— Não...

Ele passa por mim e suspiro. Sento-me na cadeira e fecho

os olhos.

— Logo passará. Leandro está pensando como irmão, como

melhor amigo. — A voz de Diego soa forte. Abro os olhos e o vejo


sentar-se ao meu lado.

— Acontece. Eu me enganei quando achei que machuquei

apenas a família.
— Leandro é família. É com quem Bernardo se abre. Ele

ouviu muita coisa sobre tudo o que aconteceu. É normal o que está
sentindo.

— O entendo.

— Não entende tão bem, mas aceita.

— Sinto-me em um mundo paralelo ao mesmo tempo em


que sinto que nunca iremos esquecer tudo o que aconteceu.

— Chegamos aonde estamos graças ao que vivemos. Você

se aproximou do Bernardo por um motivo.

— O encontrei por acaso, mesmo quando já tinha traçado

um caminho para chegar até Yasmim, encontrá-lo foi puro acaso. A

cada aproximação eu perdia meu coração, me esforçava para não


me apaixonar, então quando tudo aconteceu, percebi que já era

tarde. Nenhuma vingança, nenhum sofrimento que eu causasse iria

mudar o fato de que eu o amava.

— Vinganças nunca levam a nada. Quando te vi perder a

linha naquele dia, pensei em como você não percebia isso? Seu
irmão, ele se foi por vingança, e você, em proporções diferentes e

menores seguia o mesmo caminho. Foram vinganças diferentes,

não estou igualando você a ele. Ninguém merece ser comparado ao


Ricardo, mas falo da dor. Você sofreu, sua família sofreu e em vez

de encontrar paz, você cavou um caminho que levou a dor. Não

apenas sua. Não a julgo, Camila. É jovem, estava machucada, mas

sabia o que fazia.

— Acha que um dia estaremos finalmente como uma família


normal?

— Nada será normal. Sempre terá a imprensa nos


lembrando coisas, sempre haverá o passado, mas acho que

construiremos algo sólido.

— Obrigada por não julgar.

— Não fiz por você. Senti raiva naquele dia, mas finalmente

minha família viu o quanto outra sofria. Não éramos apenas nós

lutando contra a dor, a sua dor era tão intensa, senti muito por seus
pais. Eu estava perdendo uma filha enquanto ela vivia. Eu a estava

perdendo, mas podia abraçá-la, lutar por ela, e vocês? Seus pais

perderam muito mais.

— Acabou de dizer que dores não podem ser medidas.

— A dor de perder um filho é sem igual, Camila. Quase

perdi, enlouqueceria se não pudesse ajudá-la e por isso, pelo medo


de vê-la fazer algo que não pudesse ter volta eu me colocava no

lugar dos seus pais. E doeu.

— Sinto muito. Não era para nenhum de nós ter passado


por isso.

— Não era, mas aconteceu. Agora, apenas recomeçamos.

— Amo seu filho, Diego.

— Sei que sim. Ele está no quarto com o Noah. Estão

cochilando. Pode ir até lá se desejar. Sinta-se em casa, Camila.


Nossa família agora é sua família.

Sorrio de forma serena e ainda assim, sem graça, Diego

entra em sua casa e deixa-me sozinha observando o quintal bem

arrumado. Com um suspiro, encaro o céu, engulo as lágrimas e


puxo minhas pernas para cima da cadeira. Apoio o queixo em meus

joelhos e admiro o lugar sem realmente focar em nada.

— Um família. O que será que pensa disso Gui? — me

pergunto e volto a suspirar.

Sinto meu corpo se arrepiar quando sou abraçada pelo

vento. As folhas de uma roseira que estavam caídas param próximo

a mim e o sinto o perfume de Guilherme. Meu coração se aperta, e


então acelera. Engulo as lágrimas porque sei que estamos virando a
página.

— Está feliz por termos encontrando o caminho de volta

para a vida, não é? — A brisa suave parece me abraçar e deixo que

uma lágrima escorra. — Estamos bem Gui. Tudo vai se organizar


novamente, mas estamos fazendo o mais importante, estamos

vivendo, seguiremos vivendo e cuidaremos de tudo — finalizo, e

sinto um raio de sol me aquecer.

Enxugo o rosto e sorrio, levanto-me, fecho os olhos e deixo

que o sol bata em todo meu corpo, então suspiro e sigo para dentro,

certa de que a vida, continua. De que ainda há muito para descobrir,


para viver. E que no fim, encontramos a calmaria que buscávamos,

mas acima de tudo, encontramos um caminho que é guiado pelo

amor. Encontramos o amor.


Capítulo 25

O almoço na casa dos pais do Bernardo se revelou intenso,

após ele, nossas famílias passaram a juntas, trabalharem para que


o sofrimento fosse finalmente esquecido. Yasmim estava empolgada

em ajudar o papai no projeto Gui social, Leandro a apoiava mesmo

que não tivéssemos uma boa relação.

Os dias passam, Bernardo fica bastante comigo e com o

Noah. Saímos juntos várias vezes e temos tentado manter uma

rotina normal dentro do mundo que é a profissão do Bernardo.


Noah, já percebeu que sempre tem alguém com câmeras ao nosso
redor e sempre que as vê posa como se tivesse nascido para isso, o

que rendeu muitas matérias divertidas sobre o modo natural como

ele se comporta diante das lentes.

Fomos a uma pré-estreia juntos. Bernardo posou comigo e

logo em seguida Yasmim e Leandro posaram com ele. É estranho

que o melhor amigo do meu noivo, seu empresário, raramente me

dirija a palavra, mas o entendo. Entendi que nossa relação não irá

mudar e que precisamos aceitar o fato de que não seremos amigos.


No entanto, torço sempre para que Bernardo não sinta a distância
que há entre nós.

Os meses passam. Estamos felizes, nosso casamento está

sendo planejado de maneira simples e discreta. Novamente, apenas


alguns amigos e a família, o que me faz sorrir, pois parece que

nossas comemorações sempre serão assim. No entanto, diferente

da outra vez, estaremos de fato celebrando o amor.

Acabo de ler uma matéria que fala sobre como nosso

casamento segue em completo segredo e sorrio. Ainda não

entenderam que não gostamos de pôr nossa vida pessoal nas

bancas de revistas e abrir nosso dia a dia para os sites de fofocas.


Seguimos uma vida pessoal tão discreta quanto a escolha

profissional de Bernardo e Yasmim permite, e mesmo que boatos

surjam aos montes, seguimos expondo apenas o necessário.

Em meu prédio, as meninas finalmente conseguiram as

fotos e autógrafos que desejaram e sorrio ao vê-las enlouquecendo

por finalmente Bernardo dar atenção. Enquanto Noah pulava ao

meu lado, Bernardo explicava como funcionava a carreira, dos

esforços e estudos necessários. Na hora das fotos, sinto a mão de

Noah, soltar-se da minha e sei que correu para sair nas fotografias.
Em pouco tempo há entrevistas com as meninas sobre

como o Bernardo é inteligente, gentil e dedicado a profissão, além


de dar conselhos importantes e sobre como meu filho é um amor.

Aprendi, ao longo dos meses em que finalmente assumimos o rumo


de nossas vidas, que nem sempre as pessoas vão querer ganhar
vantagens sobre você. Sim, haverá as que irão adorar fazer pés de

meias, mas o importante é filtrar, sabemos que em nossas vidas só


estão aqueles que nos apoiarão em todos os momentos.

Enquanto faço o jantar, Bernardo começa a empacotar as

coisas do quarto do Noah. Estaremos nos mudando para a casa


nova do Bernardo. Ele vendeu a antiga, afinal, se estamos dando

início a uma nova vida que seja realmente nova. Concordei, a casa
me trazia lembranças ruins.

— Já parou para pensar que em um mês estaremos


casados? — Bernardo pergunta e percebo que não o vi entrar na
cozinha. Ele pega os pratos e me ajuda a pôr a mesa.

— Fico ansiosa sempre que lembro.

— Será tão diferente do primeiro.

— Será como tem que ser. Assim, como a vida é — digo, e


o abraço. Noah entra na cozinha e abraça nossas pernas.
— Me acostumei a te ajudar em tudo aqui, a Bel vai

enlouquecer quando finalmente estivermos todos em casa. Já a


enlouqueço quando ela chega e a louça está limpa. Ela diz que se

faço, não preciso dela.

— Não quero ser a esposa mimada, Bernardo. Não quero


que ele cresça achando que terá sempre alguém limpando suas

bagunças. Irei ajudar, não me importo.

— Você é a melhor pessoa que já conheci.

— Adoro ter um noivo que vive se declarando, me fazendo

sentir que sou especial.

— É especial.

Sorrio.

— Nossa família é! Agora vamos jantar, porque logo apenas


uma pessoa de nós três irá dormir.

— As outras duas irão se divertir?

— Não. Irão embalar coisas.

Bernardo me beija e sorri.

Nossa vida está entrando nos eixos.


Duas semanas é o tempo que dura a mudança. Nunca
imaginei que duraria tanto, mas são tantas coisas e detalhes. O
casamento chegando também toma nossa tempo. Há ensaio,

provas e a lista de confirmação de quem irá. Há planejamento da


viagem de lua de mel e há a escolha da escola para Noah. Há

tantas coisas para serem planejadas, mas apenas vamos deixando


acontecer, deixando a vida nos dizer o que fazer e não nos
importamos com isso. Não nos importamos por não ter um

cronograma ou roteiro.

O dia do casamento chegou. Noah e Bernardo estão num


hotel diferente do meu. Ana Rebeca me ajuda a me vestir e sorri.
— Esse sim é um casamento de verdade. Com a sua melhor
madrinha, do jeito que planejou. Estou tão feliz por você.

— Estou feliz por estarmos aqui. É como sempre sonhei.

— Está linda! — Meu pai entra no quarto e sorrio. Sei que


precisamos ir.

— Obrigada! Estamos atrasados demais?

— Não, mas o necessário para a imprensa descobrir o local.

— Não achei que conseguiríamos manter segredo. Vamos,

quero me casar logo, papai!

De braços dados caminhamos até o carro que nos levará à

igreja pequena. Caminhamos até o altar com Noah a nossa frente.

Ele adora festa e os flashes o faz parar para posar causando risos
nos convidados.

No altar, Bernardo está lindo. O padre prega sobre o amor e

juramos manter aceso os laços de amizade, amor, respeito.

Prometemos cumplicidade, segurança e dedicação. A cerimônia é

rápida, as fotos também, pois o que queremos mesmo é curtir o


nosso momento.
A viagem de duas semanas passa rápida. Entre momentos

intensos criamos lembranças só nossas. Falamos com Noah todos


os dias por telefone e sempre nos surpreendemos em como ele é

inteligente. A volta é feita a noite, chegamos na casa dos meus pais

enquanto Noah dorme tranquilamente. Com cuidado o levamos para


casa. Adorarei ver a confusão nos olhos do pequeno ao perceber

que dormiu em um lugar e acordou em outro.

Prontos para começar uma vida a dois. É assim que nos

sentimos quando não ligamos para mais nada e nos entregamos,

sabemos que temos uma vida inteira pela frente e que o amor
sempre será a base de tudo, pelo menos do nosso “tudo”!

Na manhã seguinte a nossa viagem, estamos sentados no


chão de casa separando as fotos do Noah para espalhá-las pela

casa quando o vemos. Ele surge desconfiado, sem saber como

chegou aonde está. Não resisto e sorrio.

— Papai...

Noah corre até Bernardo.

— Mereço abraço também? — Cobro e ele me aperta.

— Sua mãe é ciumenta, sabia? — Bernardo diz e Noah

aponta para as fotos.


— Noah na foto — diz.

— Aposto que esse menino vai seguir a carreira do papai. —

Ouço Bernardo e resmungo. — Quem diria que chegaríamos até

aqui? Já parou para pensar em como tudo começou e como

estamos transformando tudo em amor? — pergunta.

— Penso nisso todos os dias. A culpa se foi, mas sempre

penso em como me perdi, na vingança e no amor.

— Se formos analisar bem, era uma péssima estrategista.

— Não gosto de pensar nessa parte.

Bernardo sorri.

— Da vingança ao amor. É uma história e tanto, Camila. Por

um tempo me perguntei como não associei, como não pesquisei


sobre vocês, mas entendi que eu estava focado em ajudar minha

irmã, não faria mais diferença quem era, já tinha acontecido, agora

precisávamos nos curar.

— Também me perguntei isso por vários momentos. Até

mesmo como a imprensa não pesquisou sobre mim. Não


profundamente. A verdade é que hoje, aceito tudo o que aconteceu.

Se nada tivesse acontecido não estaríamos aqui. Não é estranho?


— É, mas o que construímos e o que iremos construir faz

valer a pena boa parte do percurso. Queria poder apagar a parte


mais dolorosa, mas não há como.

— Acho que chegou o momento de enterrar o passado. A

partir de hoje, não falaremos em como sofremos, falaremos em

como nos amamos.

— Amor. Sempre ouvi dizer que no fim o amor vencia tudo.

— Não é o fim.

— É o fim da dor e o começo da nossa vida por amor — diz.

— Sim, há um tempo vivemos a mistura de fim e começo,

mas hoje? Apenas seguiremos.

Bernardo com Noah em seu colo, me puxa para ainda mais

perto. Ele me beija, beija os cabelos de Noah e volta a escolher as

fotos. Sorrio porque estamos sim, deixando o passado em seu


devido lugar, sorrio porque estamos vivendo, amando e nos

curando. Sorrio porque fui da vingança ao amor.


Capítulo 26

~ Um ano depois ~

Estamos oficialmente “lançando” o projeto Gui social.

Planejamos durante um ano como poderíamos fazer um trabalho


social bacana, onde mesmo com nossas atividades diárias

pudéssemos estar presentes em todo o processo.

A equipe foi contratada, as primeiras casas construídas.


Conseguimos apoio necessário para que arcássemos apenas com

os custo da equipe e hoje, finalmente as estamos entregando.

A sensação de dever cumprindo me atinge, nos atinge. É


como se uma parte do Gui estivesse presente. Meu irmão e meus

pais se aproximam de mim que observo as casas. Lutamos para

conseguir entregá-las feitas e mobiliadas.

— Realizamos um dos sonhos dele. Tenho certeza de que o

Guilherme está feliz. Tenho certeza de que nos ajudará a manter

esse projeto.
— É tão incrível. Conseguimos parceiros suficientes para
construir as dez casas do ano. Parece pouco eu sei, mas estou

orgulhoso. Era o sonho do Guilherme, e agora... é real! — papai diz

e o abraço, sendo acolhida por ele em seus braços. Vejo Tiago

ganhar os braços da mamãe. Raramente o vejo chorar e agora?

Agora ele está soluçando. Meus olhos se enchem de lágrimas.

— É um pedaço dele, Tiago. Realizamos — diz, ao abraçá-

lo com força.

— Eu sei. Nada será como antes, mas estou feliz. Estou

feliz por estarmos fazendo o que ele sempre sonhou. — Ouço Tiago.

Suspiro.

— Jamais o esqueceremos — mamãe diz reforçando o que

já sabemos.

Olhamos para as casas, como o papai disse, pode parecer

pouco, simples, mas é tanto. É o sonho do meu irmão se realizando

mesmo que ele já não esteja aqui. É uma parte do seu coração,

uma parte dele.

Tiago, solta a mamãe, pega as chaves e a entrega aos

donos das casas, pessoas simples, pessoas como o Guilherme

sempre quis ajudar. O olhar de felicidade brilha em seus rostos.


— Obrigada, nunca saberemos como agradecer o suficiente

— diz uma mulher ao segurar com força a chave e entendo o que


Guilherme tanto buscava fazer. Meu irmão queria que as pessoas

tivessem dignidade, um lugar seguro, queria que todos pudessem


viver como nós, mas sabendo em como o mundo é injusto sabia que
nem todas poderiam, no entanto, com seu coração enorme ele

planejava fazer algo. Algo por eles, por ele, por nós.

— Não nos agradeça. Talvez, por enquanto, nossos motivos


sejam egoístas. Esse era o sonho do meu filho, o perdemos, mas ao

resgatar esse projeto sentimos como se ele ainda estivesse em nós.


Sentimos que estaremos dando a ele um legado — mamãe diz.

— Também perdi um filho. Entendo a dor, mas estão


lembrando dele. Estão dando ao mundo, ao nosso mundo, uma

parte dele. Obrigada. Ele está orgulhoso de todos vocês. — A


mulher simples abraça a mamãe.

Talvez tenha sido egoísta começarmos o projeto do meu

irmão por ele, mas sei que no processo sentimos o mesmo que ele
sempre sentiu. Guilherme sempre foi sonhador. Ele era divertido,
brincalhão, mas preocupado, cheio de planos. Estamos fazendo por

ele, mas também porque aprendemos muito desde que o perdemos.


Sorrio ao ver que estamos no caminho certo. Começando,

sim, mas no caminho certo. Mamãe, dá as mãos ao pai e Tiago me


abraça. Juntos, nós quatro caminhamos para nossos carros. A

equipe ganhou uma comemoração na empresa pelo trabalho


desenvolvido ao longo do ano, mas nós, decidimos entregá-las

sozinhos, comemorar sozinhos, pelo menos as primeiras.

Na casa da mamãe, Bernardo, Noah e Giulia nos esperam.

— Como foi? — pergunta ao me abraçar forte.

— Foi intenso. Foi lindo. Acho que será um trabalho incrível,

torço para dar sempre certo. Acho que senti o Gui, é estranho?

— Não. Você o sente sempre. Ele se foi, mas está aqui.


Está nos pensamentos, na Giulia, nas fotos, na lembrança. Ele está

em você, no seu irmão, nos seus pais.

O abraço, não choro mais, acho que chegou o momento de


lembrarmos com carinho e não mais dor.

— Ele sempre foi o meu melhor amigo. Estou feliz,


Bernardo. Acho que minha família encontrou paz.

— Estou feliz por vocês.

— Amo você e sou grata pelo apoio.


— Eu te amo.

O beijo suave de Bernardo me acalma. Mostra que apesar


de tudo sempre o terei ao meu lado, sempre poderei contar com ele.
Sempre o terei. Mostra que há dores que sempre existirão, mas que

diminuirão com o tempo. O beijo não é sobre paixão, é sobre apoio,


cuidado, respeito.

É nosso modo de cultuar tudo o prometemos no dia do


nosso casamento, é o modo de estar juntos.

É amor.

Puro e simples, como o amor deve ser.


Epílogo

~ Quinze anos depois ~

Ouço o barulho no corredor do escritório. A voz forte e

decidida de Giulia se sobressai sobre a voz calma de Noah e a


desesperada de Gabriel. A porta da minha sala se abre

abruptamente.

— Tia, pode dizer a esses dois que não podem usar a fama
para conquistar minhas amigas? Elas agora só querem saber deles.

É tão difícil ter uma conversar normal com elas. Por que os
deixaram entrar no mundo do mamãe e do tio Bê? — reclama e me

lembro de como foi fácil para Noah entrar no universo do pai.

Na medida em que crescia, Noah acompanhava Bernardo

em gravações, logo veio o desejo de atuar e aulas de teatro

começaram. Veio o primeiro trabalho, o segundo, o terceiro e então

meu menino cresceu e está conquistando os corações das

adolescentes e matando a prima no processo.


Observo Giulia, uma menina encantadora, que começou a
faculdade de arquitetura, pois deseja seguir a carreira do pai.

Apesar de morar com o Leandro, que se casou com Yasmim, a

única menina da minha família nunca o chamou de pai e o não o vê

como padrasto. Leandro virou tio e Guilherme sempre foi seu pai,

ela sentiu falta dele, mas disse não sentir necessidade de pôr outra

pessoa em seu lugar. Ela quase matou a mamãe de orgulho ao


passar na mesma faculdade que estudamos.

— Tia, diz a ela que posso sim, usar meu charme e minha

profissão? — Gabriel diz e desligo o computador.

Gabriel entrou no mundo da televisão e do cinema graças


ao Noah. Eles são melhores amigos e por isso Gabriel seguiu o

primo nas aulas de teatro, conseguiram bons papéis na TV e sem a

ajuda do Bernardo. Tiago quase surtou quando soube, mas no fim,

desejava mesmo era que o filho fosse feliz.

— Vamos todos para casa — digo e saio da sala, ouço os

passos dos três me seguindo e entrando no meu carro. Dirijo para a

casa da mamãe onde todos nos esperam para jantar.

Abro a porta e logo recomeçam. Gael corre para mim e me

abraça, meu pequeno chegou há sete anos. Não estávamos


planejando, não estávamos tentando e sua chegada nos deixou tão

felizes. A gravidez foi diferente, Bernardo estava comigo em cada


etapa, os enjoos também. Sua chegada foi tumultuada. Gael não

esperou o momento certo e veio antes do tempo.

Francisco, segundo filho de Tiago está sentado no sofá


estudando. Diz que deseja ser médico. É um menino esforçado,

bonito e inteligente, no entanto, é mais um a roubar a atenção das


amigas de Giulia o que faz a justificativa que usa contra Noah e
Gabriel cair por terra.

— Tia, pode dizer ao Noah e ao Gabriel que não podem


usar a fama para atrair minhas amigas? — diz Giulia ao ver Ana

Rebeca.

— Aceita, pequena. Só por reclamar, eles usarão ainda


mais. Esqueça ou aceita e vida que segue. Agora, todos lavando as

mãos e indo para a sala de jantar, a vovó fez um jantar especial e


quer todos lá em dez minutos. Dez minutos!

Giulia sai resmungando, mas decidida a mostrar aos primos

que o que fazem não é certo.

Sorrio.
— Quem diria que quatro adolescentes nos deixariam

loucas? Ela está cada vez mais parecida com o Guilherme.


Personalidade forte, aqui estamos nós! — Ana diz e a sigo.

— Dá para imaginar que nossa família cresceu tanto?

Quatro adolescentes, uma criança.

— Seus pais adoram. — Seguimos para a sala de jantar

onde Tiago, mamãe, papai e Gael já estão. Meu menino, é esperto,


foi só ouvir Giulia reclamar e correu para longe.

Logo Gabriel, Noah, Francisco e Giulia entram.

— Mamãe, faz eles parar de brigar? — Gael pede e sorrio.

— O certo é pararem e não estão brigando realmente. —


Bagunço seus cabelos. Ouço a porta da frente abrir e fechar e
sorrio. Logo braços envolvem minha cintura e respiro o perfume de

Bernardo.

Nossa vida mudou tanto ao longo dos anos. Tivemos brigas,

pedidos de desculpas, mas todos os dias eram cercados com amor,


entregas e paixão. Até os dias mais difíceis.

Viro-me para ele e o beijo. Rápido, mas cheio de amor.

— Que bom que chegou! — digo ao abraçá-lo.


— Terminei mais cedo a gravação, vim direto para cá —
conta, e nos sentamos à mesa.

— Sempre gostei de reunir a família. Sempre achei


importante que pelo menos uma vez na semana estivéssemos todos

juntos. Família é importante para mim, sempre foi — mamãe diz ao


colocar a mesa. Os meninos prestam atenção, por baixo da mesa,

Bernardo aperta minha mão. — Passamos por muito e estamos


aqui, rodeados de amor, cercados de netos, filhos, primos, tios.

Estamos felizes, vivendo, amando, aprendendo.

Aos poucos, mamãe serve cada um dos netos, sempre

adorou paparicá-los. A observo.

— Nossa família tem tantas histórias — continua ao sentar-


se ao lado do papai. — Esse jantar, com esse papo nostálgico tem
sentido. Quando decidi parar de trabalhar na empresa que criei e

deixei Ana Rebeca à frente eu pensava em descansar, mas me


envolvi com o projeto social do Gui e não parei. Vieram as festas

para as crianças que faziam parte do projeto, Ana mais uma vez
embarcou na minha e tem me ajudado. Mas, etapas terminam.

Decidi que realmente preciso descansar.


— Estarei sempre ajudando, Letícia. A equipe cresce, mas
os projetos não param — Ana diz e Tiago sorri.

— O motivo desse jantar vai além dos nossos desejos de

sempre reunir as famílias, contar histórias para esses pequenos.

— Grandes, vovô estamos grandes — Giulia reclama e


sorrimos.

— Pequenos e grandes — papai corrige. — O motivo real do

jantar de hoje é como Letícia falou. Etapas terminam. Sinto que a


minha terminou. Vocês são ótimos profissionais, dedicados,

inteligentes e aptos para estarem à frente do escritório. Cuidam

mais dele do que eu. Estou saindo dele, descansando a mente.

— Vai abandonar o projeto do papai? — Giulia quase grita.

— Não, Giulia. Vou tomar conta até que uma menina

inteligente, dedicada, forte e apaixonada por arquitetura se sinta


pronta para geri-lo.

Giulia chora.

— O projeto era dele, será seu. Poderia ser um dos meus


filhos a cuidar do que tanto Guilherme sonhava, mas quero você lá,

se for o que desejar. Tem os mesmos ideais do seu pai sem nunca o
ter conhecido. Tem os mesmos sonhos, a mesma liberdade, coração

grande e a mesma birra. Merece guiar o projeto como imagina.

Minha sobrinha sorri.

— O conheci vovó. Não conheci fisicamente, mas conheci

sua essência. Me ensinaram tanto sobre quem ele era. Me orgulho


dos sonhos que tinha. Vou me esforçar, prometo. Vou ser a aluna

mais dedicada que a aquela faculdade de arquitetura já viu. E aí,

assim que terminar, vou assumir o projeto e fazer dele o projeto de


arquitetura mais incrível que já viu. O papai terá orgulho de mim.

— Ele tem — digo e ela me olha.

— Ele estaria muito feliz, Giulia. É linda, seu coração é lindo.


Merece brilhar — Tiago diz. Sinto que se pudesse, Giulia iria

correndo para o quarto, onde agarraria a foto do pai e choraria

emocionada, mas ela se levanta e corre para o papai. O abraça


apertado e ele enxuga suas lágrimas.

— Te amamos Giulia.

— Vovô, agora vai ter mais tempo para brincar comigo? —


Gael pergunta e fungo ao mesmo tempo que sorrio.

— Sempre terei tempo para você, Gael — papai responde.


O jantar se passa com Giulia empolgada, os meninos

tentam falar dos seus planos na TV para a avó e então a guerra

sobre como todos os primos roubam suas amigas recomeça.

Em casa, me deito no sofá e logo Bernardo deita-se ao meu

lado. Noah e Gael já estão em seus quartos, ambos dormindo.

— Imaginou que seria assim? — Bernardo pergunta.

— Não, mas não mudaria nada.

— Sempre imaginei que seria cheio de amor, algumas

pitadas de loucuras, mas todos os dias ao longo desses anos foram


únicos.

— Intensos, apaixonantes, loucos. Foram dias felizes,

Bernardo. Se olhar para trás, não mudaria nada. Nem mesmo meus

erros — digo e ele me aperta abraçando-me mais forte.

— Eu também não mudaria.

— Poderia fingir mudar seu namoro quando ainda éramos

casados — digo e ele sorri.

— Eu mudaria meu namoro enquanto éramos casados

apenas no papel.

— Queria tanto o divórcio. Poderia mudar isso também.


— Nunca pediria o divórcio.

Sorrio.

— E poderia...

— Ah, Camila! Quer mudar todo meu passado.

Sorrimos.

— Não mudaria nada, porque em cada momento te amei,

mesmo quando erramos, foi por amor.

— Também não mudaria nada — digo e viro-me para ele. —

Eu te amo.

Bernardo toca meu rosto como a primeira vez. Ele me olha

por um longo tempo, sorri e então me beija. É um beijo cheio de

amor, cheio de vida, planos, intenções, paixão. É o tipo de beijo


único, especial. É um beijo cheio de entrega, um beijo que mostra

seu amor, seu coração. Ele me beija como se fosse o primeiro dia,

como se fosse o último, mesmo sabendo que ainda teremos muitos.


Que ainda viveremos muito.
Cena bônus

Essa cena se passa no momento do epílogo e surgiu com o

objetivo de mostrar um pouco dos sentimentos da Yasmim. Espero


que gostem do bônus.
Yasmim

Encaro a foto do homem sorridente que ajudei a destruir e


meu coração se parte em mil pedaços. Há erros que nos ajudam a
crescer e erros que destroem vidas. Fiz uma escolha que mudou

completamente a minha e destruiu totalmente a dele.

Guilherme era lindo. Alto, forte, simpático. O tipo de cara


que te ganha com um sorriso. Conversar com ele foi fácil como
respirar. Atencioso, Guilherme me ouviu atento, sorriu junto comigo,

bebeu comigo, comeu comigo. Arrastá-lo para o fracasso que era o


meu relacionamento com Ricardo foi o ato mais egoísta que cometi.
O condenei a morte quando meu namorado voltou aquele quarto,

nosso maldito quarto.

Céus, como fui imatura e burra. Não amava mais o homem


com quem me relacionava e por uma briga, estraguei a vida de

alguém inocente. Aproveitei o dia com Guilherme e pensei em como


minha vida poderia voltar a ser leve, em como eu era jovem e me

sentia presa, sufocada junto a um homem que não me entendia, que

se colocava acima de tudo e que em brigas me machucava. Nada

justifica a escolha que fiz, mas estava cansada de brigar e ouvir o


quanto eu era boba, o quanto eu seria engolida por tudo se o

deixasse. Foi a segunda vez que Ricardo me bateu. Um tapa no


rosto seguido de “olha o que me fez fazer” foi o estopim. Irritava

queria me vingar do homem que humilhou, fazendo-o sentir na pele

o quanto doía uma traição. Porque cada aperto de braço, cada grito,
cada machucado que deixou em meu coração se transformaram em

traição para mim.

Meu relacionamento com meu ex surgiu repentino, o homem


mais velho, mais interessante te olhando? Admirando você?

Jurando te amar? Eu me apaixonei rápido e fui idiota. Assumo

minhas parcelas de culpas em cada etapa, mas essa...

Engulo as lágrimas enquanto olho o túmulo de Guilherme e


sinto a culpar pesar em meus ombros. Camila estava certa, eu pude

refazer a minha vida. Sumi por um tempo, mas tive uma filha, pude

voltar a trabalhar, voltei a amar, engravidei do homem que amo e

tive um filho com ele. Construí uma vida enquanto Guilherme perdeu

a dele.

Os sonhos roubados, a filha que nunca conheceu. Roubei

tudo isso dele ao ser impulsiva. Nunca sentirei a mesma dor que a
família Muniz sente, mas nunca me libertei da culpa das escolhas
que fiz.

Minhas mãos tremem, meus olhos se enchem de lágrimas

ao olha a foto de um jovem sorridente, feliz. Meu coração parece


estar sendo dilacerado mais uma vez. Então sinto um aperto suave

em minhas mãos e a voz que se transformou em minha calmaria

quebrar o silêncio.

— Quer ficar sozinha? — Giulia pergunta e aperto com força

sua mão. Minha menina, a minha surpresa, o presente inesperado

que ganhei da vida cresceu. Está se tornando uma mulher incrível e

enche meu coração de amor.

Giulia chegou para mostrar que ainda havia vida, que ainda

havia uma chance. Essa menina mudou minha vida de tantas

formas.

— Não, mas não sei se deseja ouvir o que tenho para falar

— digo e ela vira-se para o túmulo que já conhece bem.

Enquanto vim aqui pouquíssimas vezes, apenas para olhar

o rosto dele, Giulia vinha no Dia dos Pais, no aniversário do

Guilherme e em tantas outras datas. Arrastava a avó para o


cemitério e deixava flores para o pai, me mostrando que não era

preciso a presença física dele para que criassem um laço.

— Se me quer aqui, estarei ao seu lado, como sempre


esteve ao meu. Está tudo bem. Acho que o papai já sabe o que tem

para falar, porque sinto que de algum jeito, ele pode escutar o nosso
coração, mas se precisa dizer em voz alta, estou aqui. Sou forte

para ouvir e a senhora é forte para falar, estamos juntas.

Sinto as batidas do meu coração acelerarem e abaixo-me,

olhando mais de perto a foto que há ali.

— Não sei como começar a não ser dizendo que sinto


muito, Guilherme. Nunca consegui me perdoar pela escolha que fiz.

Um erro meu estragou toda a sua vida. E suportar foi tão difícil.
Acho que de certa forma, sempre será. Não consigo deixar de
pensar em como tudo poderia ter sido diferente. O que teria sido de

nós se a escolha dele fosse outra? Quais sonhos você teria


realizado? O que teria construído nesses anos? gosto de pensar

que teríamos nos tornado amigos. Que sua veia aventureira teria se
ligado a minha e que me daria um pouco de juízo — tento sorrir e
sinto lágrimas quentes escorrem por meu rosto. — Gosto de pensar

que teríamos criado a Giulia juntos, de forma madura, mas com um


a mimando enquanto o outro dá bronca, só para depois os papéis se

inverterem. Gosto de pensar que a vida teria sido leve. Que você
teria sido feliz. Sinto muito por nada disso ter acontecido, por tê-la

conhecido e por sua família ter perder.

Paro, respiro fundo, solto minha mão da mão da minha filha


e toco a foto. Mais lágrimas descem e com as trémulas, as enxugo.

— Sinto muito ter demorado tanto para vir me desculpar. De


alguma maneira deve sentir que me arrependi. Não me arrependi de

ter te conhecido, porque me trouxe a Giu, mas me arrependi de ter


julgado a reação do Ricardo de forma tão leviana. Ele continua
preso, mas roubamos de você uma vida inteira. É assim que ainda

me sinto. Culpada, por tudo o que tiramos de você. Demorou mais


chegou o dia. Minha vida seguiu, como todos disseram que seguiria,

mas senti sua falta mesmo que não tido tempo de ter conhecer de
verdade. Cuidei da nossa filha como pude, me apaixonei por um

cara incrível, casei-me com ele, tivemos um filho lindo. Vi nossa


menina seguir os seus passos orgulhosa de quem você foi. Isso me
encheu de orgulho. Dela, de você. E isso me faz ver que nos

daríamos muito bem. Realmente acho que teríamos construído uma


vida leve e uma amizade sincera. Mas nada disso importa, porque

não está aqui. No entanto, meu coração implorou para vir te ver e
dizer o quanto sinto muito, para dizer que fui feliz, que amei, ou
melhor, que amo, sou amada, e que gostaria que você pudesse ter
vivido tudo isso.

Sinto os braços de Giulia ao meu redor e suspiro. Fecho os

olhos por um instante e me permito sentir tudo. O vento, o abraço


reconfortante, a dor, a culpa, o vazio que se criou dentro de mim, o

amor que conheci, que sinto e que me fortalece. Permito-me sentir e


sei que tudo voltará a estar bem.

— Obrigada por ter me deixado essa menina. Giulia salvou


minha vida, Guilherme. E você faz parte dela. Uma menina intensa,

forte, decidida, aventureira como você. Como todos dizem que era,
como se mostrou aquele dia. A minha vida seguiu, Gui. Continuará
seguindo, mas nunca me esqueci de você, nunca esquecerei.

Obrigada por mesmo distante ter cuidado da Giu, tenho certeza de


que você a ama de onde estiver. E amaria muito se estivesse aqui.

Vir aqui demorou, vir aqui é um processo de cura, preciso curar


essa ferida. Vir aqui é buscar paz e talvez agora, eu encontre a
minha de forma completa.

— Sabe o que acho? — Giulia pergunta, virando-se para


mim e limpando minhas lágrimas. — Que carrega culpa demais. Sei
que escolhas trazem consequências, mas não pode se culpar pela
escolha de uma terceira pessoa. Não matou o papai, embora a
senhora pense que sim. Também não o roubou de mim, sabemos

quem fez isso e sabemos que vingança não leva a nada. Me


mostrou o homem incrível que ele era. Se esforçou para estar bem

por mim.

— Sempre lutarei por você, princesa.

— E sempre serei grata por isso. O amor, nos faz deixar os

fardos para trás, amor não deve envolver fardos. Não precisa

carregar essa culpa e dor para sempre. Acho que dezoito anos já
foram o suficiente. Com certeza, o meu pai adoraria te ver livre.

Como a tia Camila se libertou. Somos uma família, e não

precisamos que a dor do passado seja levada adiante. Sinto


saudades de algo que não conheci, como o abraço dele, gostaria de

ter ouvido a voz real e não em vídeos, sentindo o cheiro, mas você

me deu tanto, mãe. Não vivi muitas coisas ao lado dele, no entanto,

você me encheu de amor. Me ensinou a ser forte, a amar, a ser


bondosa. Me ensinou a ser corajosa e quando precisava de

abraços, me acolhia nos seus braços quentes, quando achava que

era o dele que eu desejava, você arrastava o tio Ti para perto e o


fazia me acolher como se ele pudesse se transformar no papai.
— Desculpe por isso — sorrio enquanto permito que novas

lágrimas escorram.

— Não há como pôr ninguém no lugar de Guilherme


Santana Muniz, porque ele é único, meu pai é único e mesmo que

nunca o tenha visto, nunca tenha sentido seu cheiro, nunca tenha

conhecido seu abraço, eu o amo com todo o meu coração porque


você me ensinou a amá-lo. E eu te amo porque mesmo na dor,

encarou tudo para que eu me sentisse amada.

— Ah, pequena.

— Grande, mamãe. Estou grande — fala e me faz sorrir. —

E certa de que hoje estamos colocando um ponto final nessa

história. A dor se foi, a culpa está sendo deixada e continuaremos

vivendo felizes, porque com certeza é que o meu pai gostaria que
fizéssemos, é o que ele faria. Acolheria a vida e seria feliz.

— Amo você.

— E eu amo você. Agora, pronta para seguir construindo a

vida que merece ter?

Volto a encarar o túmulo e sinto uma brisa leve passar por

nós. O cheiro das flores que Giulia trouxe para o pai nos envolve e

pela primeira vez, em todos esses anos, me sinto completamente


em paz. Fecho os meus olhos, me permito deixar a culpa, a dor e o

arrependimento saírem da minha vida.

Com um suspiro, agradeço a Guilherme pelos poucos

momentos que tivéssemos juntos, pela filha que me deu e pela vida

que essa menina me permitiu ter. Então, encaro minha bebê, quase
uma adulta e cheia de certeza, estendo minha mão.

Giulia a segura com força, passando-me confiança, amor,


dizendo que tudo está bem, que continuaremos bem.

— Pronta, querida.

O sorriso que surge em seu rosto é um dos mais lindo que já

a vi dá. Giulia é cheia de vida, de sonhos, de força. É a menina que

me fez levantar todos os dias e permanecer firme. É Guilherme por

completo, mas é minha menina. Que cresceu, está buscando seus


sonhos, seus caminhos, me dando amor e sendo amor para sua

família.

De mãos dadas, saímos do cemitério. Meu coração, que

chegou vazio e dolorido, sai transbordando de amor. Há 15 anos o


perdão encontrou minha família, mas eu precisava me perdoar,

conseguiu isso hoje. Embora exista saudade, a família do Gui se

permitiu viver a cura e hoje me permito também.


Demorou e mesmo que eu tenha encontrado o amor há

muito tempo, me permito hoje, seguir apenas com ele. Me permito


ser feliz sem culpa, sem medo. Acolho o conselho que há tantos

anos Camila me deu e sigo feliz.

A nossa história pode ter tido muitos altos e baixos, pode ter

sido moldada na dor, mas continuará pelos caminhos do amor.


Sobre a autora
Anne K Silva é apaixonada pelo mundo dos livros e pelas

possibilidades que um novo livro pode trazer. Sempre adorou


escrever e apenas poucas amigas liam seus materiais.

É apaixonada por séries, músicas, gatos e pizza.


Outras obras
Para Sempre
Sinopse: Amora ama Ian desde que se entende por gente. Para a
menina sonhadora ele é o amor da sua vida, o seu para sempre. O
problema é que Ian não sabe disso e para Amora não há nada pior

que amar e não ser amada.

O amor poderia ser fácil.

Poderia chegar de igual modo para todos, mas a verdade é que


existem amores e amores. O amor entre Amora e Ian é para

sempre, eles só não sabem de que forma. Poderá Amora continuar


seguindo sendo a amiga, irmã que Ian adora e protege ou Ian irá

perceber que sua menina é também a mulher da sua vida?


Sua cura
Sinopse: Lua sempre acreditou no amor. A jovem advogada
cresceu vendo e desejando um amor intenso e companheiro como
os dos pais e se sente sortuda por tê-lo encontrado cedo.

Entregue e completamente apaixonada pelo homem que roubou seu


coração quando ainda era uma adolescente, Lua descobre o lado

feio quando esse mesmo homem destrói todos os seus sonhos de


uma vida a dois.

Traída, sozinha e um tanto amargurada Lua segue desacreditada no


amor. A menina encantadora dá lugar a uma mulher fria e solitária,
até que Léo, o novo advogado do escritório de seu pai passa a fazer

parte de sua vida.

O jovem e curioso Léo poderá ser o caminho para a cura de um


coração machucado? Até que ponto o coração da Lua foi quebrado?

O amor da sua vida pode ser o homem que você menos espera?
Eu, ele e o amor
Sinopse: Clara é uma jovem estudante de jornalismo que acredita
em histórias felizes e príncipes encantados.
Preocupada em ser um peso para o irmão que a ajuda a se manter

em outra cidade para fazer o que sempre sonhou, Clara deseja


apenas um emprego e é através de sua melhor amiga que ela
consegue manter-se sem se preocupar em prejudicar o irmão, mas

é também através de Jessica que Clara conhece Henrique.

Henrique é um estudante de direito cheio de si. Ele sabe que é

inteligente, bonito e que sempre teve tudo o que quis e isso faz dele
tudo, menos o modelo de príncipe que Clara sempre sonhou.

Ela é cheia de sonhos e deseja amar.

Ele é imaturo e complicado.

Atraídos um pelo outro, Clara e Henrique passam a viver como gato

e rato. A imaturidade os enche de erros, seus corações são


roubados pelo amor, mas amar exige muito mais do que eles

imaginam.
Recomeçando por amor
Sinopse: Luísa é uma jovem de origem humilde, mas com

grandes valores. Apaixonada por André, um jovem de classe social

diferente da sua, Luísa sabe que o relacionamento não será fácil,

mas nada a prepara para o fato de ser afastada do homem que ama
ao se descobrir grávida.

André foi obrigado pelo pai a se afastar de Luísa, imaginando


que logo o pai aceitaria sua relação, optou por manter-se distante e

para então poder lutar por ela, até que seu pai a faz odiá-lo.

Com o coração quebrado Luísa precisa lutar pela filha.

Odiado por Luísa, André luta internamente para que um dia

mãe e filha voltem a ficar juntas.

Poderia o amor continuar a existir entre eles? Poderia o

recomeço feito por amor?

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