Você está na página 1de 13

Capa: obra de um artista soviético retratando o ataque da Alemanha contra o país.

Essa
ilustração estampará um cartaz do governo para angariar apoio à Guerra Patriótica. A
pintura usou os soldados para representar a URSS - surpresa com a traição e vingativa.

Junho de 1941

O GRANDE DUELO
Entrevista: Josef Stalin 2
A agressão à URSS 4
A blitz em Londres 7
O Bismarck naufraga 8
Massacres de judeus 10
Veja essa: Frases e números 11
Ponto de vista: Virginia Woolf 12

VEJA Junho de 1941 1


ENTREVISTA: Josef Stalin

O supremo comandante bolchevique é agora inimigo de Hitler - com


quem a URSS fez um tratado de não-agressão, em 1939. Stalin
aposta que o Exército Vermelho vencerá em seu duelo com a
Wehrmacht e dá boas-vindas ao apoio do antigo rival Churchill:
"Isso evoca um sentimento de gratidão pelo país".

O sonho de Ekaterina Vissarionovich era de que seu filho fosse padre. E o garoto Josef bem que tentou,
entrando, aos 15 anos, no Seminário de Tiflis. Para desgosto da mãe, porém, o jovem seminarista foi expulso da
tradicional instituição ortodoxa russa cinco anos depois, em 1899, por faltar regularmente aos exames - Josef
estava mais interessado no movimento socialista, do qual se tornou figura atuante. Preso e exilado repetidas
vezes na Sibéria, adotou em 1913 o pseudônimo de Stalin, ou "Homem de Aço"; depois da morte de Lênin,
conseguiu escantear o rival Trostky numa briga de foice e martelo pela liderança do partido comunista. Tornou-
se, então, senhor da União Soviética. Desde 1938, vem aniquilando quem não diga "amém" a suas idéias.
Considerando-se traído por Adolf Hitler, Stalin busca agora unir seu povo para resistir à invasão germânica,
arrebatadora em seus primeiros dias. Nesta entrevista, ele garante que a situação se reverterá, e se recusa a
classificar como equivocada a aliança com o Führer, agora seu inimigo. "Nenhum país pacífico poderia recusar
um tratado de paz com um vizinho, mesmo que esse país seja liderado por monstros e canibais como Adolf
Hitler e Joachim von Ribbentrop."

VEJA - Em poucos dias, as tropas de Hitler já capturaram a Lituânia, o Oeste da Bielorússia e parte da
Ucrânia. Como o senhor explica esse sucesso relâmpago das forças alemãs no território defendido pelo
Exército Vermelho?
Stalin - O que ocorre é que a guerra da Alemanha fascista contra a União Soviética começou sob condições
extremamente favoráveis às tropas germânicas. A Alemanha, como um país em guerra, tinha suas tropas todas
mobilizadas, e as 170 divisões que foram trazidas para as fronteiras da União Soviética estavam em total estado
de alerta, esperando apenas um sinal para entrar em ação. Já as tropas soviéticas ainda tiveram de ser
mobilizadas e deslocadas para as fronteiras.

VEJA - Mas países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, além de seu próprio serviço de inteligência, já
alertavam para esse ataque.
Stalin - Não, senhor. O que sabíamos é que tínhamos um pacto com a Alemanha desde 1939, pacto de não-
agressão que a Alemanha nazista súbita e traiçoeiramente violou, ignorando o fato de que todo o mundo a
enxergaria como a agressora. Naturalmente, um país como o nosso, amante da paz, que jamais tomaria a
iniciativa de romper um pacto, não poderia recorrer a essa insídia. Ela foi única e exclusivamente fruto de Hitler
e Ribbentrop, seres pérfidos, falsos e desleais.

VEJA - Não terá sido então um erro da parte do senhor colocar a União Soviética em aliança com figuras
desse naipe, assinando um pacto de não-agressão com a Alemanha nazista?
Stalin - Claro que não! Um pacto de não-agressão é um pacto de paz entre dois países. Foi exatamente isso que a
Alemanha nos propôs em 1939. Acredito que nenhum país pacífico poderia recusar um tratado de paz com um
país vizinho, mesmo que esse país seja liderado por monstros e canibais como Hitler e Ribbentrop. Isso, claro,
sob a condição indispensável que esse tratado de paz não ameaçasse, direta ou indiretamente, a integridade
territorial, a independência e a honra do país amante da paz.

VEJA - Agora que o acordo foi para as calendas gregas, fica a pergunta: o pacto com a Alemanha foi de
alguma forma favorável para a União Soviética?

VEJA Junho de 1941 2


Stalin - Sem dúvida. Asseguramos a paz por mais de um ano e meio, ganhando a oportunidade de preparar
nossas forças para repelir as forças fascistas germânicas caso elas atacassem nosso país em violação do pacto.
Definitivamente, foi uma vantagem para nós e uma desvantagem para a Alemanha fascista. E o que foi que a
Alemanha ganhou e perdeu por rasgar o pacto e atacar a União Soviética? Ela ganhou uma posição de vantagem
para suas tropas por um curto período de tempo, mas perdeu politicamente por ter se exposto aos olhos de todo o
mundo como uma sanguinária agressora. Não há dúvida que esse ganho militar da Alemanha é efêmero,
enquanto que o ganho político da União Soviética é tremendo, um fato respeitável e duradouro que deverá
formar a base para o desenvolvimento de um sucesso militar do Exército Vermelho na guerra contra a
Alemanha.

VEJA - De que forma esse sucesso pode ser alcançado? Quais medidas precisam ser tomadas internamente
para vencer a Alemanha?
Stalin - Acima de tudo, é essencial que nosso povo perceba o imenso perigo que ameaça nosso país, e, assim,
elimine a complacência, o relaxamento e a mentalidade de trabalho pacífico e construtivo que vinha sendo tão
natural antes da guerra, mas que hoje, diante de uma situação radicalizada pelas batalhas, pode ser fatal. O
inimigo é cruel e implacável, e está aqui para tomar as terras que foram regadas com o suor de nossa fronte, para
tomar os grãos e o petróleo que foram obtidos pelo trabalho de nossas mãos. Ele está aqui para restaurar o
czarismo e destruir as culturas nacionais dos povos livres da União Soviética, para torná-los escravos dos
príncipes e barões germânicos. Por isso, a questão que se apresenta a nós é de vida ou morte. Os habitantes da
União Soviética, então, precisam se mobilizar e reorganizar seu trabalho em um novo equilíbrio, um equilíbrio
de guerra, no qual não pode haver piedade para o inimigo.

VEJA - Desde 1936, o senhor tem promovido um expurgo nos comandos das forças armadas. Isso não pode
prejudicar a resistência militar da União Soviética?
Stalin - Pelo contrário. Em nossas fileiras, não há lugar para chorões ou covardes, para alarmistas e desertores.
Nosso exército e nosso povo não podem ter medo da luta, devem se unir de corpo e alma à Guerra Patriótica de
libertação contra os captores fascistas. Lênin, o grande fundador de nosso Estado, costumava dizer que as
maiores virtudes dos homens e mulheres soviéticos eram a coragem, o valor, o destemor na luta e a prontidão
para lutar, unidos, contra os inimigos do país. Essas esplêndidas virtudes bolcheviques devem ser assimiladas
pelos milhões de homens do Exército Vermelho e da Marinha Vermelha e por todos os povos da União
Soviética. Elas só nos farão mais fortes.

VEJA - Britânicos e americanos já ofereceram apoio à causa soviética. Está se desenhando uma aliança
tripartite contra a ameaça nazista?
Stalin - A guerra contra a Alemanha não pode ser considerada uma guerra comum. O objetivo desta Guerra
Patriótica popular contra os opressores fascistas é não apenas repelir o perigo que assombra nosso país mas
também ajudar todos os povos europeus que gemem sob o jugo do fascismo alemão. E, nessa guerra de
libertação, devemos ter como aliados genuínos os países da Europa e da América, incluindo os alemães que estão
escravizados pelos desmandos de Hitler. Será um front dos povos que defendem a liberdade contra a escravidão
e suas ameaças representadas pelos exércitos de Hitler. Nesse sentido, as afirmações de Winston Churchill e a
declaração de apoio do governo dos Estados Unidos, que evocam um sentimento de gratidão nos corações dos
soviéticos, são completamente compreensíveis e sintomáticas.

VEJA - O senhor acredita que a máquina de guerra do Reich pode ser derrotada?
Stalin - A história mostra que não existem exércitos invencíveis. O exército de Napoleão era considerado
imbatível, mas foi derrotado sucessivamente por tropas da Rússia, da Inglaterra e da Alemanha. O exército do
kaiser Guilherme no período da primeira guerra imperialista também era considerado invencível, mas foi
vencido diversas vezes pelas tropas russas e anglo-francesas, sendo finalmente arrasado por elas. A mesma coisa
pode ser dita hoje do exército fascista de Hitler. Esse exército, até agora, não se deparou com uma resistência de
verdade no continente europeu. Somente em nosso território é que ele encontrará essa resistência. E, assim, o
exército fascista de Hitler será derrotado, assim como o foram os exércitos de Napoleão e Guilherme.

VEJA Junho de 1941 3


Alemanha dá início a colossal campanha militar para conquistar União Soviética -
'Wehrmacht' espalha o terror pelos povoados eslavos – Stalin convoca Guerra
Patriótica contra Hitler e recebe promessas de auxílio de Churchill e Roosevelt

Nas garras do Reich: os prisioneiros de guerra soviéticos foram executados e abandonados

Winston Churchill e Franklin Roosevelt já haviam levantado a lebre. Espiões russos espalhados pelo globo
foram taxativos em seu alerta. Em dramática e desesperada carreira, desertores germânicos cruzaram a fronteira
da Polônia para dar a notícia: a Alemanha estava prestes a invadir a União Soviética. Apesar de tudo, o líder
vermelho Josef Stalin, que recebia havia semanas relatórios sobre a movimentação das tropas tedescas ao Leste,
preferiu fazer ouvidos moucos. Adolf Hitler, para ele, continuava a ser um aliado. Foi preciso que três milhões
de nazistas penetrassem numa faixa de 2.880 quilômetros da fronteira russa, na madrugada de 22 de junho, para
que finalmente Stalin saísse de sua letargia e fosse apresentado à realidade. A União Soviética é,
definitivamente, a bola da vez no mapa-múndi de feltro do Reich.

O ataque ao território vermelho foi determinado pelo Führer, sem declaração de guerra ou ultimato, sob a
justificativa de retaliar supostas "violações de fronteira". Mas a destruição do bolchevismo e a conquista do
chamado "espaço vital a Leste" já vinham sendo defendidos por Hitler havia anos. Na verdade, o mundo inteiro
já previa o ataque - exceto Stalin, que se agarrava como uma criança ao jogo de aparências contido no pacto
nazi-soviético. Agora, civis e militares russos estão pagando pela inépcia de seu líder: em menos de 10 dias de
combate, os alemães já fizeram 300.000 prisioneiros e destruíram mais de 1.200 tanques. A Luftwaffe, apenas no
primeiro dia de batalha, destruiu 1.811 aeronaves inimigas, perdendo apenas 35. A cidade de Minsk foi
alcançada em 28 de junho, graças à eficiência do general Heinz "Ligeirinho" Guderian e seus Panzers - que,
devastadores, continuam avançando uma média de 40 quilômetros diários.

Genuinamente surpreso com o ataque, Stalin demorou quase dez dias para se recompor. Apenas ao virar o mês,
pouco antes do fechamento desta edição, é que o "Homem de Aço" se dirigiu à população, invocando uma
"Guerra Patriótica" contra os invasores. Apelou para uma política de "terra arrasada" - a mesma que ajudou os
russos a derrotar Napoleão - para vencer os nazistas. Os nativos devem levar toda espécie de suprimento na
retirada para Leste; o que não for possível transportar deve ser destruído. Stalin também incitou a formação de
unidades de guerrilheiros e grupos de sabotagem nas áreas ocupadas pelo inimigo: "Técnicas de guerrilha devem
ser aplicadas em todo lugar, para explodir pontes e estradas, destruir linhas telefônicas e de telégrafos e incendiar
florestas, depósitos e trens."

Mas, para Adolf Hitler, de nada adiantará o esforço vermelho. O manda-chuva teutônico prevê que a campanha
esteja finalizada em menos de dez semanas - antes, portanto, da chegada do temível inverno soviético. "Só
precisamos chutar a porta da frente", garante ele. "Então toda a apodrecida estrutura interna irá desmoronar."

VEJA Junho de 1941 4


Em ponto de bala - A confiança do Führer resulta do porte da incrível máquina de guerra que deslocou ao front
soviético. "Esta é a maior movimentação militar da história", afirmou Hitler sobre a chamada Operação
Barbarossa - batizada em homenagem ao kaiser Frederico I, o Barba-Ruiva -, que foi desenhada durante meses
bem debaixo do bigode de Stalin e pretende destruir a União Soviética e o bolchevismo. Hitler manobrou nada
menos que três milhões de soldados para o front oriental, com o suporte de 3.350 tanques e 2.815 aeronaves - o
que deixa a Alemanha com apenas 600.000 homens para defender o resto da Europa e o Norte da África. Além
disso, divisões da Finlândia, Romênia, Eslováquia, Hungria e Itália, alinhadas com os germânicos, também
devem apresentar-se para a batalha.

Já a União Soviética, por sua vez, conta com 2,5 milhões de homens (132 divisões) em sua fronteira ocidental,
além de 20 divisões na fronteira com a Finlândia e mais 133 no interior do país e a Leste. Ao menos em
números, há um equilíbrio; porém, enquanto as tropas tedescas estão em ponto de bala, as forças vermelhas só
entraram em alerta de guerra na véspera do ataque - diferença que pode ser fatal.

Pelo que se viu até agora, o plano de ação germânico divide-se em três frentes. 1) O Grupo de Exército Norte,
comandado pelo marechal-de-campo Wilhelm von Leeb, atravessa os países bálticos em direção a Leningrado,
que também está sendo acossada pelos finlandeses; 2) O Grupo de Exército Central, sob a direção do marechal-
de-campo Fedor von Bock, conta com as mais fortes divisões blindadas e tem a missão de cercar e destruir as
forças vermelhas na Bielorússia, para assim abrir caminho rumo a Moscou; 3) O Grupo de Exército Sul, liderado
pelo marechal-de-campo Gerd von Rundstedt, está se preparando para um ataque à Bessarábia, enquanto um
destacamento de tanques rasga a Ucrânia, sentido Kiev, para eliminar a resistência.

Em comum, todos eles têm a determinação não apenas de conquistar territórios, mas também de espalhar o terror
pelas cidades e povoados soviéticos - função que escapava, até agora, aos procedimentos tradicionais da
Wehrmacht. No início de junho, uma Kommissarbehefl (Ordem do Comissário) foi emitida com o título
"Determinações para a Conduta das Tropas na Rússia". "O bolchevismo é o inimigo mortal da Alemanha
Nacional-Socialista, e a luta da Alemanha é dirigida contra essa ideologia e seus simpatizantes." Os soldados
foram orientados a eliminar de forma bruta e enérgica toda a resistência. Ordens de Hitler também estabeleceram
que nenhum oficial será julgado por crimes cometidos contra civis soviéticos.

Os russos, como os eslavos em geral, são considerados pelo governo do Reich como Untermenschen, ou sub-
humanos; muitos estão sendo executados com frieza brutal pelos carrascos nazistas. Os milhares de prisioneiros
tomados pelos alemães estão sendo praticamente abandonados à própria sorte, sem alimentação ou cuidados
médicos, apodrecendo em seu confinamento. Como se não bastasse, os SS Einsatzgruppen, esquadrões
assassinos de Heinrich Himmler, também estão na zona de guerra, cumprindo sinistras "tarefas especiais"
delegadas pelo Führer - entre elas, o atroz massacre de judeus, forçados a cavar suas próprias sepulturas e
abatidos por metralhadoras.

Com o sucesso dos primeiros dias de campanha, o comando militar alemão arrisca ousadas previsões. Hitler
espera que o desfile da vitória em Moscou ocorra no começo de agosto. Oficiais já começam a trabalhar em
planos de ataque à distante região industrial dos Urais, no extremo Leste russo. Tudo isso faz parte de um "Plano
Geral Leste" nazista, que prevê a destruição total de Moscou e Leningrado, com a aniquilação de toda sua
população, e esquemas gigantes de reconstrução urbana, com a troca de 30 milhões de habitantes nativos por
povos germânicos. "Jamais deixaremos as terras soviéticas", avisou o Führer.

Grande Expurgo - Esse conflito era tudo o que não queria Josef Stalin, que no último dia 5 tornou-se presidente
do Conselho dos Comissários (título equivalente ao de primeiro-ministro), em substituição a Vyacheslav
Molotov - até então, apesar de seu poder real, Stalin detinha apenas o título de Secretário Geral do Partido
Comunista. Para evitar animosidades com a Alemanha, Stalin, nos últimos meses, vinha fazendo uma série de
agrados a Hitler. Entre outros mimos, promoveu o aumento da remessa de suprimentos ao Reich, facilitando o
trânsito da borracha do oriente à Alemanha, determinou a censura expressa de qualquer crítica da imprensa russa
ao nazismo, deixou de lado suas reivindicações na fronteira dos Balcãs, expulsou o embaixador iugoslavo de
Moscou e recusou-se a reconhecer o governo grego em exílio.

De nada adiantou - e agora Stalin tem de superar graves problemas internos para colocar-se em posição de duelo
com a Alemanha. Em primeiro lugar, mais da metade de seu exército ainda está em fase de adaptação às novas

VEJA Junho de 1941 5


posições nas fronteiras russas pós-1939 - em territórios ocupados como a Bessarábia, a Polônia, a Finlândia e os
países Bálticos -, o que significa que suas fortificações e linhas de comunicação nesses locais ainda são
improvisadas ou incompletas. Além disso, as tropas ainda se recuperam das perdas derivadas do Grande Expurgo
que Stalin, aterrorizado com a possibilidade de um golpe usurpador, promove desde 1936.

Enquanto Hitler domou seu corpo de oficiais, Stalin simplesmente matou o seu, executando, apenas para
mencionar alguns, três de seus cinco marechais, todos os 11 Comissários da Defesa, 75 dos 80 membros da Junta
Militar Soviética e 13 dos 15 comandantes de Exército. Essa decapitação desorganizou e minou o poderio da
máquina militar soviéticas de tal forma que, apesar de não representar mais uma ameaça interna para Stalin,
também não significa risco para um inimigo - ainda mais para um rival do porte da Alemanha. A Guerra da
Finlândia foi um exemplo disso, forçando os russos a empregar 1,5 milhão de homens em três meses numa
batalha em que as falanges teutônicas teriam gasto uma ou duas semanas, no máximo.

Depois desse choque, Stalin acelerou a reorganização de suas defesas, mas a impressão é de que as armadas
vermelhas ainda estão abaixo da média. Não foram muitos os novos líderes que emergiram em campo - com
gloriosas exceções, caso do general Georgi Konstantinovich Zhukov, que após sua notável campanha contra os
japoneses foi nomeado em janeiro deste ano como Chefe do Estado-Maior.

A verdade, os analistas são unânimes em afirmar, é uma só: em processo de reorganização e renovação de seus
equipamentos, as forças armadas e as defesas fronteiriças soviéticas terão um trabalho hercúleo para conter os
três milhões de triunfantes e confiantes soldados alemães que avançam a Leste. Os relatos do front apontam que
civis e soldados vermelhos, ainda que de forma desordenada, têm lutado bravamente, entregando-se apenas em
forma de cadáver aos alemães. Mas será apenas a vontade arma suficiente contra o rolo compressor bélico
nazista?

Patife sanguinário - Stalin desconfia que não, e, por isso, já aceitou a ajuda da Grã-Bretanha, oferecida tão logo
as primeiras bombas começaram a chover sob o céu vermelho. Já no dia 24, em Westminter, o secretário
britânico Anthony Eden anunciou um acordo oficial anglo-soviético de auxílio mútuo. Crítico ferrenho do
comunismo, Winston Churchill foi o primeiro a correr em apoio à União Soviética, sem ver nenhuma
contradição entre suas idéias e seus atos. "Nos últimos 25 anos, ninguém tem se oposto ao comunismo de forma
tão consistente como eu. Não retirarei uma palavra do que disse sobre esse regime. Mas tudo isso desaparece
diante do espetáculo que se descortina agora", afirmou.

O primeiro-ministro foi além. "Hitler é um monstro da maldade, insaciável em seu desejo de sangue e riquezas.
Não contente em ter a Europa sob seus calcanhares, agora leva sua carnificina e desolação para as vastas terras
da Rússia e da Ásia. Sua máquina de guerra não pode ficar parada, precisa estar em constante movimento,
ceifando vidas humanas e eliminando lares e direitos de centenas de milhões de homens. Mais que isso, precisa
ser alimentada não só com cadáveres mas também com petróleo. E agora esse patife sanguinário lança seus
exércitos mecanizados para novos patamares de massacre, pilhagem e devastação", atacou. "Por isso, qualquer
homem ou Estado que lute contra o nazismo terá o suporte da Grã-Bretanha. Qualquer homem ou Estado que
marche com Hitler será nosso inimigo."

Já os Estados Unidos, que aprovaram há três meses a nova Lei de Empréstimos e Arrendamento - o Lend-Lease
Act, que permite ao país fornecer ajuda econômica e material aos países em guerra com a Alemanha -, também
prontificaram-se a auxiliar os vermelhos. O presidente Franklin Delano Roosevelt conseguiu dobrar a oposição e
estendeu a lei para a União Soviética, recusando-se a colocá-la na Lei de Neutralidade. Já no fim de junho,
disponibilizou 39 milhões de dólares e enviou a Moscou o secretário Harry Hopkins, eminência parda de seu
governo, para oferecer seu apoio formal a Stalin e verificar as reais necessidades russas em termos de material
bélico.

"Na opinião deste governo, qualquer defesa contra o hitlerismo irá apressar a queda dos atuais líderes
germânicos, redundando, portanto, em benefício de nossa própria defesa e segurança. Os exércitos de Hitler são,
hoje, o prinicipal perigo das Américas", justificou o norte-americano Sumner Welles, no papel de Secretário de
Estado, em fala muito próxima à de Churchill, comprovando, uma vez mais, os baixíssimos índices de
popularidade de Hitler no Ocidente - perto do nazista, o camarada Stalin parece ser o menor dos males.

VEJA Junho de 1941 6


Um velho ditado russo ensina: "Se estão dando, pegue. Se vierem buscar, corra". Josef Stalin está seguindo à
risca o conselho, aceitando a ajuda de britânicos e americanos e incentivando o recuo a Leste para evitar o braço-
de-ferro com os alemães. Cedo ou tarde, porém, o encontro com a Wehrmacht ocorrerá. E o líder soviético
precisará de mais do que provérbios para manter-se de pé.

Bombardeiros da Luftwaffe levam o inferno à capital britânica - Com 500 caças no


ar, pesada blitz de maio causa estrago recorde - Campanha na Rússia é esperança
londrina, depois de quase 20.000 mortes só na capital

Céu negro: em apenas uma ofensiva, 1.400 mortos, 1.800 feridos e 2.200 focos de incêndio

Quando os ataques aéreos da Luftwaffe às cidades britânicas começaram, no outono passado, obviamente
nenhum cidadão imaginava que teria vida fácil pelos meses subseqüentes. O fato da Força Aérea Real ter
conseguido manter a superioridade aérea na Batalha da Inglaterra nos célebres embates louvados por Winston
Churchill, que forçaram Adolf Hitler a adiar a invasão da Grã-Bretanha, não representou respiro algum para os
munícipes de Londres e arredores. Aliás, ao contrário: depois de ter frustrada a Operação Leão do Mar, os
comandantes alemães optaram por amplificar os bombardeios contra as cidades inimigas, espalhando terror na
esperança de que o moral britânico entrasse em colapso. Mas o que os londrinos realmente não esperavam é que,
depois de oito meses de precipitações diuturnas de toneladas de explosivos, ainda não tenha chegado a hora de
dizer, simplesmente, que "o pior já passou".

Os bombardeios tedescos têm aumentado em progressão geométrica, e o último deles, na noite de 10 de maio,
superou todas as expectativas. Aproximadamente 500 aeronaves da Luftwaffe rasgaram o céu londrino,
provocando um número recorde de fatalidades para uma única jornada de assalto: 1.400 mortos, além de 1.800
gravemente feridos. Mais de 2.200 focos de incêndios foram registrados; cerca de 150.000 pessoas estão sem
gás, água ou eletricidade; um terço das ruas estão intransitáveis; as principais estações de trem estão fora de
funcionamento; mais de 5.000 moradias foram destruídas. Marcos históricos de Londres, como a Abadia de
Westminster, o Palácio de St. James, a sede da Scotland Yard e o Escritório de Guerra foram atingidos. Do
prédio da Câmara dos Comuns, restaram apenas paredes em ruína.

Apesar das severas adversidades, os obstinados britânicos não se deixam abater. "As atividades do Parlamento
não serão interrompidas pela ação inimiga", afirmou o primeiro-ministro Winston Churchill. Famílias inteiras
literalmente se mudaram para as estações de trens subterrâneos, formando uma sólida comunidade de 60.000
pessoas que convive todas as noites debaixo da superfície. Peter Prichard, um dos londrinos que encontrou

VEJA Junho de 1941 7


refúgio no chamado tube, revela que, apesar das precárias condições de higiene, as pessoas se adaptam bem ao
abrigo improvisado. "Algumas até mantêm relações sexuais aqui, como se estivessem em sua própria casa."

Perigosa calmaria - Essa tradicional fleuma britânica mascara a real dimensão do estrago causado pelos
bombardeiros da Luftwaffe. Desde o início da blitz, há cerca de oito meses, 39.678 pessoas morreram em ataques
aéreos na Grã-Bretanha, metade delas apenas em Londres. Outras 46.119 ficaram gravemente feridas. Nada
menos que 2.250.000 cidadãos estão desabrigados.

Esses números revelam um equívoco de preparação das autoridades britânicas no pré-guerra, que estimavam
600.000 óbitos - razão pela qual foram encomendados milhões de caixões de papelão e providenciados mais de
750.000 leitos em hospitais, que agora estão vazios. Em compensação, no início da campanha alemã, havia
apenas 129 abrigos provisórios em Londres para atender o que hoje são 1.400.000 cidadãos sem-teto. O governo
aumentou as vagas, mas ainda há déficit.

Desde o último ataque, no dia 10 de maio, Londres não voltou a sofrer com os bombardeios aéreos alemães.
Apesar de temporariamente aliviada, a população teme que o próximo assalto da Luftwaffe seja o mais
catastrófico de todos, visando recuperar o tempo perdido nesse período de calmaria. A esperança dos londrinos é
que, com a Operação Barbarossa em curso, os bombardeiros rumem ao Leste para ajudar na conquista da União
Soviética, e a capital do Império Britânico possa finalmente retomar seu nobre cotidiano.

O couraçado 'Bismarck' é afundado pelos britânicos após caçada feroz no Atlântico


- Marinha Real comemora vingança de seu velho 'Hood' - A 'Kriegsmarine', de
crista baixa, mantém luta por supremacia no mar

O golpe crucial: o torpedo britânico deu início à noite de agonia do gigante ferido do Reich

Aquela tênue linha que separa os extraordinários triunfos das caudalosas humilhações militares voltou a aparecer
nesta guerra, agora nas águas do Atlântico - e foi atravessada com sucesso pelos britânicos, no final de maio.
Após ver o Hood, maior navio de guerra do mundo, ser facilmente afundado pelos alemães, a Marinha Real já se
resignava com a fuga de seu carrasco, o impetuoso couraçado Bismarck, quando um vôo despretensioso de um
Catalina localizou novamente o temível touro de aço tedesco. Em seguida, ao colocar a pique o Bismarck, os
britânicos não só vingaram o Hood como também impingiram uma dolorosa perda moral à Kriegsmarine, que
certamente a enfraquecerá no conceito de Adolf Hitler.

VEJA Junho de 1941 8


Considerado o navio de guerra mais bem equipado do planeta, o moderno e rápido Bismarck era a menina dos
olhos da Marinha germânica. Só sucumbiu, em 27 de maio, após ser caçado por mais de 100 embarcações
britânicas ao longo de sete dias de operações no Atlântico - operações essas que começaram após o Bismarck
deixar Gotenhafen, nas primeiras horas do dia 19 de maio, ao lado do Prinz Eugen e outros navios, com a missão
de destruir a escolta do estoque de suprimento dos aliados. O cruzadores-irmãos Norfolk e Suffolk, que
patrulhavam o Estreito da Dinamarca, avistaram o Bismarck e o Prinz Eugen no dia 23 de maio, informando a
localização do inimigo para o comandante da frota britânica, almirante John Tovey. Sem delongas, este enviou o
Hood e o Prince of Wales para o cerco ao Bismarck.

Na madrugada de 24 de maio, ambos já estavam na costa da Groenlândia, e, às 5h53, dispararam contra o


couraçado tedesco, cujos canhões responderam em eco ao ataque. A terceira salva do Bismarck atingiu o Hood,
fazendo crepitar labaredas na chaminé; alguns segundos depois, uma explosão decretou o óbito do cruzador, que
afundou em poucos minutos e deixou apenas três sobreviventes de sua tripulação de 1.416 - o timoneiro Ted
Briggs, o marinheiro Robert Ernest Tilburn e o aspirante William Dundas.

Entretanto, o Bismarck também não sairia ileso da batalha: um obus disparado pelo Prince of Wales acertou seu
flanco e causou sério vazamento de óleo, esgotando seu suprimento e contaminando os outros tanques de
combustível. O almirante alemão Gunther Lütjens percebeu que isso significaria o fim da jornada do couraçado
pelo Atlântico e dirigiu-se para reparos em Saint-Nazaire, sentido Sul - ainda que a prudência o recomendasse a
seguir sentido Norte, para as altas latitudes norueguesas. Lütjens nunca pôde justificar essa decisão, ele que em
breve encontraria seu túmulo marinho.

Amargo aniversário - O Norfolk e o Suffolk continuavam escoltando, a uma distância segura, o Bismarck e o
Prinz Eugen. Por volta das 18 horas do mesmo dia 24, os navios teutônicos se separaram, com o Bismarck
dobrando a Sudeste; o Suffolk seguiu em seu encalço, mas acabou o perdendo de vista às 3 horas do dia 25. O sol
nasceu e se pôs sem que o alvo fosse novamente localizado. O Almirantado, então, determinou que todas as
embarcações convocadas para a caçada retornassem aos portos mais próximos - entre elas, o Revenge, o
Victorious, o Prince of Wales, o Repulse, o King George V e o Rodney. Os oficiais britânicos, humilhados, já
davam como certa a chegada do Bismarck em segurança ao círculo polar, fora de seu alcance. Entretanto, como
que por desencargo de consciência, enviaram uma patrulha de Catalinas para fazer uma última varrição dos
mares, entre a Bretanha e a Islândia.

Houve regozijo no Almirantado quando uma das aeronaves anunciou ter localizado o Bismarck a 160
quilômetros de Brest, na França - muito próximo não apenas da defesa dos submarinos U-boat como também dos
aviões da Luftwaffe ali baseados. Entretanto, a Marinha Real agiu rápido. Do porta-aviões Ark Royal, partiram 14
caças Swordfish, que atingiram, por volta das 21h, o golpe crucial: um torpedo que atropelou as hélices e
arrancou o leme. A velocidade, que no início da retirada era de 28 nós, caiu para 3 nós. Além disso, sem direção,
o couraçado começou a andar em círculos. O comandante Lütjens, pouco antes da meia-noite, transmitiu uma
funesta mensagem a seus superiores. "Sem condições de manobrar o navio. Lutaremos até o último cartucho.
Vida longa ao führer!"

Era o início da noite de agonia do gigante ferido do Reich. Na madrugada, cinco contratorpedeiros assediaram o
Bismarck, atingindo-o por duas vezes; ao amanhecer, apresentaram-se para a pugna o King George V e o
Rodney, atirando com canhões de 14 e 16 polegadas de uma distância cada vez menor. Após a saraivada, o
Almirantado convocou de volta a dupla de navios de guerra, cujo combustível começava a faltar, e deixou a
finalização do trabalho para o cruzador Dorsetshire e seus torpedos. Padecendo em chamas, com a totalidade de
seus canhões mudos, mas ainda em sua imponência taurina, o Bismarck afundou às 10h36. Mais de 2.200
tripulantes morreram, incluindo o almirante Lütjens, que completava 52 anos naquela data. Pouco mais de uma
centena de germânicos foram salvos pelas embarcações britânicas presentes na área - autoridades alemãs
reclamam de vingança pelo baixo número de sobreviventes no desaparecimento do Hood.

A Grande Anfíbia - Desde que o homem colocou o primeiro barco para navegar, a estratégia de dominação
marítima é a mesma: negar as águas para seu inimigo, controlando-as de forma total e irrestrita. Nesse sentido, a
perda do Bismarck é duplamente daninha para os alemães: não apenas tira da Kriegsmarine sua maior arma
como também planta na cabeça de Hitler dúvidas e questionamentos sobre suas próximas ações navais. É nessa

VEJA Junho de 1941 9


hesitação que a Grã-Bretanha pode fazer sua armada novamente dominante nas águas européias - como fora no
período de 1805, quando derrotou as frotas de França e Espanha na Batalha de Trafalgar, até o início da Grande
Guerra, em 1914. Ninguém ousa discutir a importância do controle dos mares no desfecho de um combate
prolongado.

Winston Churchill, veterano da Grande Guerra e hoje primeiro-ministro britânico, conta, em suas memórias, que
pensou em intitular a batalha da década de 1910 como "A Grande Anfíbia". Se os aliados souberem tirar proveito
desse momento positivo nas águas, Churchill pode reciclar o título para esta presente refrega.

Soldados alemães massacram os judeus em territórios conquistados - Atrocidades


são comemoradas como tentos futebolísticos - Auxiliar de Hitler fala pela primeira
vez em "solução final" para questão judaica

Armas na mão e sorriso no rosto: a sangue frio, nazistas matam quatro judeus na Lituânia

"Nesta era do capitalismo judaísta, o estado do Nacional-Socialismo


é um monumento ao bom senso. Ele perdurará por mil anos."
Adolf Hitler, em discuso no mês passado, na Alemanha

Mais do que nunca, as tropas alemãs caminham a passos largos para sustentar a frase do Führer, sentenciada na
Kroll Opera House, em Berlim. Com o Reich ampliando seus domínios para Grécia, Iugoslávia, e,
possivelmente, União Soviética, praticamente toda a Europa está sob o jugo fanático do cetro nacional-socialista.
Entretanto, mais que isso, os soldados nazistas estão tratando também de garantir a erradicação do mencionado
"capitalismo judaísta" - para isso, basicamente, fazendo desaparecer cada judeu que cruza o caminho de suas
baionetas.

A incitação do ódio, da segregação e da violência contra o povo judeu têm sido uma constante no regime de
Hitler. Em 1933, o Führer inaugurou o primeiro campo de concentração - em Dachau, inicialmente para
oponentes políticos - e ordenou um boicote às empresas de origem judaica. Dois anos depois, ceifou o direito dos
judeus de participar da vida pública. Aos poucos, as agressões a esse povo foram se tornando parte do cotidiano
na Alemanha, um comportamento que culminou na fatídica "Noite dos Cristais", em novembro de 1938.
Recentemente, carregamentos de judeus chegaram aos guetos de Varsóvia, Vilna e outras cidades; obrigados a
usar um bracelete branco com uma Estrela de Davi azul, são encarcerados, em condições no mínimo precárias,
nesses quarteirões fechados.

VEJA Junho de 1941 10


Schalke x Nuremberg - Situação ainda mais grave é provocada pelos Einsatzgruppen da SS, a temível falange
de 3.000 homens treinados pela Gestapo para levar a cabo "tarefas especiais em nome do Führer". Tão logo um
território estrangeiro é ocupado pelas tropas do exército germânico, os Einsatzgruppen movem-se para o front,
reúnem os judeus locais, retiram seus pertences e suas roupas e os executam em partes remotas do território em
questão. Essas execuções são acompanhadas pelos soldados com o mesmo entusiasmo que dedicariam a um
clássico futebolístico entre os campeões Schalke 04 e Nuremberg. Outros martírios impostos e comemorados
pelos tedescos são ceifar cérebros de crianças e colocar mangueiras com água corrente na boca de judeus até que
os corpos das vítimas estourem.

A sensação, porém, é a de que os nazistas ainda não estão satisfeitos com a forma de condução pouco uniforme
dada para a chamada "questão judaica" nos territórios ocupados. Nesse sentido, uma circular do Escritório
Central de Imigração do Reich, emitida em 20 de maio para os consulados alemães, pode ser uma pista da
política a ser adotada por Hitler. A carta diz que Hermann Göring baniu toda a emigração de judeus da França e
da Bélgica por conta da "evidente iminência da solução final". Na missiva, não há mais detalhes sobre o que
consistiria essa "solução final". Entretanto, com base no ódio declarado de Adolf Hitler aos judeus e nas
barbaridades acima relatadas, é seguro afirmar que coisa boa ela não pode ser.

"O nazismo desponta como um monumento sólido ao bom senso. Deve durar mil anos."
Adolf Hitler, chanceler da Alemanha, em discurso na Kroll Opera House de Berlim.

"Eu disse que só queria ser acordado em caso de invasão da Inglaterra...


Winston Churchill, primeiro-ministro da Grã-Bretanha, ao ser acordado por causa da invasão da Rússia.

"A guerra contra os soviéticos não poderá ser conduzida de maneira cavalheiresca. Essa luta é de ideologias e
diferenças raciais e deverá ser conduzida com rispidez inédita, impiedosa e incansável."
Hitler, sobre o ataque à União Soviética.

"A guerra está se aproximando dos nossos lares. Jamais aceitaremos um mundo dominado por Hitler."
Franklin Roosevelt, presidente dos EUA, em discurso à nação, declarando estado de emergência nacional.

"Já me enchi de Hitler. Essas conferências convocadas ao toque de um sino não são de meu agrado. Toca-se um
sino quando se chama um criado. E, além disso, que espécie de conferência é essa? Durante cinco horas sou
forçado a escutar um monólogo inútil e chato..."
Benito Mussolini, ditador da Itália, conversando com seu genro sobre o chanceler alemão. O Duce anda irritado com o
tratamento que recebe de Hitler.

"Gostaria de prestar meu tributo à mais galante das lutas contra as mais impossíveis adversidades."
Almirante John Tovey, da Grã-Bretanha, na derrota do navio Bismarck.

"Não pretendo retirar uma palavra sequer do que disse. Mas tudo isso desaparece diante do que se apresenta no
momento. Qualquer um que lute contra o nazismo terá nossa ajuda."
Churchill, sobre as antigas críticas aos soviéticos e a nova aliança com eles.

"Sou apenas um homem comum."


Robert Watson-Watt, pesquisador britânico, desfilando sua modéstia ao ser homenageado pela criação do aparelho de
rádio-localização, ou "radar". O equipamento foi fundamental para a vitória na Batalha da Grã-Bretanha.

VEJA Junho de 1941 11


£1,25 mi
é a previsão de custo para desenhar e testar a bomba baseada em fissão nuclear na Grâ-Bretanha. O custo,
calculado por um comitê a cargo do assunto, inclui a construção de uma fábrica para produzir a bomba. Na
avaliação do grupo, pode- se obter a bomba em 1944.

24
consulados da Alemanha foram fechados neste mês nos Estados Unidos. Com a medida, determinada por
Franklin Roosevelt, só um posto diplomático alemão, em Washington, continua aberto. Os EUA dizem que os
consulados não tinham mais utilidade diplomática.

420 mi
de dólares das empresas e moradores dos EUA estão congelados em bancos da Alemanha e da Itália. Com
tensões cada vez maiores, a relação entre os países é pior a cada dia - apesar da resistência dos EUA em ir à
guerra e fornecer tropas, navios e aviões à Aliança.

PONTO DE VISTA: Virginia Woolf

A escritora britânica Virginia Woolf, morta recentemente, não


suportou ver outra guerra de perto - sua já instável condição
psicológica se agravou mais ainda em meio aos bombardeios. Ela
cometeu suicídio. Antes, registrou sua impressão sobre a guerra
num diário, cujos trechos são publicados a seguir.

Entramos na guerra. A Inglaterra está sendo atacada. Tive esta sensação plena ontem pela primeira vez. A
sensação de opressão, perigo, horror. Mais tarde os aviões começaram a zumbir. Explosões. Para a cama. Aviões
muito próximos. A sensação é de que há uma batalha, uma batalha encarniçada. Pode se estender por quatro
semanas. Estou com medo? Ora sim, ora não. Claro que este pode ser o começo da invasão. Uma sensação de
opressão. Histórias sem fim deste lugar. Não, de nada serve tentar captar o sentimento que tenho pelo fato de a
Inglaterra estar em guerra.

Voltamos de Londres, onde passamos meio dia - talvez nossa visita mais estranha. A casa a uns 30 metros da
nossa foi atingida à 1 da madrugada por uma bomba. Totalmente destruída. Outra bomba na praça não chegou a
explodir. Pedaços de pano pendurados nas paredes nuas ainda de pé. Acho um espelho balançando. Como um
dente arrancado a soco - um corte preciso. Nossa casa intacta. Um enorme buraco no alto de Chancery Lane.
Fumegando ainda. Uma loja grande completamente destruída: o hotel em frente parecia uma concha. Em uma
casa de vinhos não sobrara uma só vidraça. Pessoas de pé junto às mesas - acho que serviam bebida. Montes de
vidro verde-azulado na rua. Homens despedaçando fragmentos que ficaram nos marcos. Vidros caindo. Depois a
Lincolns Inn. Janelas quebradas, mas o prédio incólume. Entramos por ele. Desabitado. Corredores molhados.
Vidro nas escadas. Portas fechadas. Então voltamos para o carro.

Som sinistro - Um enorme congestionamento do tráfego. O cinema atrás de Madame Tussaud estraçalhado: o
palco visível; um ornamento balançando no ar. Todas as casas de Regent's Park com janelas quebradas, mas

VEJA Junho de 1941 12


intactas. Ruas vazias. Rostos rígidos e olhos turvos. O escritório de meus datilógrafos destruído. Depois, em
Wimbledon, uma sirene: as pessoas se puseram a correr. Continuamos, por ruas quase desertas, acelerando o
carro ao máximo. Cavalos desatrelados dos varais. Carros acostavam ao meio-fio. Depois o alerta de ataque
aéreo. As pessoas em que penso agora são os donos das pensões imundas, que vão enfrentar outra noite; velhas
desventuradas à porta de suas casas, sujas, miseráveis. Achei que fui covarde ao sugerir que não dormíssemos
duas noites no mesmo lugar. Senti um grande alívio quando telefonaram aconselhando-nos a não ficar.

Churchill diz que a invasão está sendo preparada. Se ocorrer, será indubitavelmente nas próximas duas semanas.
Navios e barcaças concentram-se nos portos franceses. O bombardeio de Londres é sem dúvida uma preparação
para a invasão - o que me comove, porque acho Londres majestosa. Um avião derrubado diante de nossos olhos
pouco antes do chá: sobre o hipódromo, um embate, uma guinada, em seguida um mergulho e uma explosão de
espessa fumaça negra. Contamos agora com um ataque aéreo por volta das 8h30. Em todo caso, se houver ou
não, é mais ou menos a esta hora que ouvimos o sinistro som de serra, que fica muito forte e some; depois um
intervalo; depois ouvimos outro. "Lá vêm eles", dizemos. De vez em quando há um baque surdo. As janelas
estremecem. Assim sabemos que Londres volta a ser atacada.

Só ruínas - Deveria pensar na morte? À noite houve uma terrível e violenta precipitação de bombas sob a janela.
Tão próximas que nos sobressaltamos. Um avião passara despejando estes frutos. Corremos ao terraço.
Penduricalhos estelares salpicados e coruscantes. Quietude. As bombas caíram sobre Itford Hill. Duas delas
perto do rio, indicadas por duas cruzes brancas de madeira, ainda por explodir. Eu disse: não quero morrer ainda.
As probabilidades são adversas para isso. Mas eles estão almejando a ferrovia e as centrais elétricas. A cada vez
chegam mais perto. Oh, tento imaginar como é morrer por uma bomba. Tenho-a relativamente viva, a sensação.
Mas não sou capaz de ver outra coisa além de uma inexistência asfixiante. A compressão e o esmagamento, a
trituração de meus ossos sobre meus olhos e meu cérebro laboriosos. O apagar das luzes. Doloroso? Sim.
Apavorante? Presumo que sim. Depois delíquio, zumbido, dois ou três estertores atrás da consciência - e depois,
ponto ponto ponto.

A mais - o quê? Impressionante? Não, não é isto - cena em Londres foi a fila, na maior parte de crianças com
malas, em frente à estação de metrô de Warren Street. Pensamos que tinham sido evacuados. Mas ainda estavam
lá, numa fila bem mais comprida, com mulheres, homens, mais malas e cobertores, sentadas, imóveis, às três
horas. Faziam fila para entrar no abrigo no ataque aéreo à noite. Dali para Tavistock Square. Um monte de
destroços. Três casas destruídas. Vi uma parte da parede de meu estúdio ainda de pé – no mais, só entulho onde
escrevi tantos livros. Ar livre onde nos sentamos tantas noites, demos tantas festas. Dali para Mecklenburgh
Square. Também só ruínas, vidros, poeira preta e fofa, pó de reboco. É horrível... Livros espalhados pelo chão da
sala de jantar. Na sala de estar vidros espalhados pelo armário e assim por diante. Só na sala de visitas as janelas
ficaram quase inteiras. Um vento soprando. Comecei a procurar diários. O que podíamos resgatar com este
carrinho? Darwin, e a prataria, e alguns copos e louças. Fico satisfeita por ter perdido bens - a não ser quando
quero livros e cadeiras e tapetes. Trabalhei tanto para comprá-los, um a um. E os quadros. Mas gostaria de
começar a vida, em paz, quase destituída - livre para ir a qualquer parte.

Virginia Woolf, romancista, ensaísta e crítica literária, morreu no fim de março, afogada num rio próximo à
sua casa em Rodmell. Autora de Flush - Memórias de um Cão, Mrs. Dalloway, Orlando, As Ondas e O Vestido
Novo, ela tinha 59 anos.

VEJA Junho de 1941 13

Você também pode gostar