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CORAÇÃO DE
LEÃO
Suzanne Barclay
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PRÓLOGO
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CAPITULO 1
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tarefas clericais.
— Não devia ir correndo atrás dela? — perguntou Owain.
— Não quero chegar ruborizado como um garoto que foi pego
roubando maçãs. — Tinha orgulho. Orgulho demais. Suspirou
novamente e pensou na melhor forma de diluir a raiva do pai.
Ross deixou a parte antiga da fortaleza que servia como seu
apartamento e chegou ao pátio interno. Muitos dos membros do clã sorriram e
assentiram em saudação, mas outros que haviam saído com seu pai
franziram o cenho e desviaram o olhar. Quando foi na direção deles, Andrew
Carmichael grunhiu alguma coisa e cuspiu no chão. Não podia deixar a
reação do cavaleiro que fora o segundo em comando de Lion passar
despercebida, senão pareceria fraco.
— Tem algo a me dizer, Andrew? — inquiriu.
— Disse que é muito fácil ficar em cima dos livros enquanto nós
vamos à luta — resmungou ele.
— É bom mesmo eu cuidar dos negócios — disparou Ross. — Porque de
outra forma não haveria dinheiro suficiente para sustentar essas
viagens de caça. — Lançou um olhar reprovador a Andrew, que fora
seu amigo e mentor antes da morte de Lion, observando depois o
grupo de feridos, com curativos sujos de sangue. Se esses homens
tinham se
machucado numa caça, ele... ele comeria o próprio cavalo. —
Presumo que o Lorde esteja no salão — comentou, e foi nessa direção.
— Mas nós fomos mesmo caçar — bradava Lionel Carmichael
quando Ross chegou à porta.
Oh, pai. Por que não podemos esquecer isso tudo? Sabia a resposta.
Era porque o valente e tempestuoso Lion fora o coração da família. Sem
ele, viviam nas sombras. Para sempre nas sombras.
— Os Sutherland devem ser punidos — berrava Lionel.
Elspeth estava a seu lado. Quando avistou Ross, segurou o braço do
pai, mas a atenção dele estava totalmente voltada para a pequena mulher que
o olhava de cima.
— Vai ser uma fraca vitória se o rei nos banir — relembrou Carina
Carmichael. Apesar da desvantagem corporal, fazia frente ao marido
com bravura.Tinha os mesmos olhos de Ross, e legara a ele também a
frieza e lógica de raciocínio.
— Tenho o direito de vingar meu filho — reclamou Lionel, com os olhos
violeta faiscando. Amava a mulher e ensinara aos filhos que as
mulheres deviam ser protegidas e valorizadas, não desdenhadas e
castigadas, como alguns homens faziam.
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— Você está bem? — indagou uma aflita voz masculina. Achando que
era Comym, Megan instintivamente se encolheu.
— Que droga. Não quis machucá-la. — O homem ergueu o visor do
capacete e o retirou, passando-o a um auxiliar. — Você está bem? —
perguntou novamente, afastando do rosto bronzeado os cabelos negros e
úmidos.
Lion, foi o primeiro pensamento de Megan. Não. Este homem tinha os
olhos azuis.
Ross Carmichael.
Megan ficou sem ar. Nossa, ele era lindo como um anjo baixado à
terra! Cachos negros se lhe colavam à testa, emoldurando um rosto
determinado e forte. Ele tinha preocupação no semblante, e não desviava os
olhos dela. Olhos quentes e claros como o céu de verão... brilhantes,
inteligentes. Um homem inteligente? Bem, Lion disse que ele era diferente. E
precisaria disso para ajudá-la a salvar Siusan.
— Pode falar? — perguntou ele, com tal gentileza que ela imaginou
se ele era real.
Megan se estendeu para tocá-lo, mas percebeu que ainda tinha as
luvas de bonecos nas mãos e tentou escondê-las. Só que ele foi mais rápido
e lhe agarrou os pulsos com os dedos enluvados.
— O que é isso? Algum tipo de luva das Terras Altas?
Oh, que droga.
— É... lady Fiona. — Ela estava mais vermelha que um tomate.
O sorriso dele a deixava ainda mais embaraçada.
—Um boneco?
—Eu., eu divertia as crianças...
—Minhas irmãs gostariam disso.
Tinha quatro irmãs, lembrou-se Megan. Sentiu a esperança crescer em
seu peito. Imaginava como seria viver no sul, perto de uma cidade grande
como Edimburgo, num castelo cheio de pessoas que a repudiariam pela
morte de Lion. Agora, via uma forma de fazê-los gostar dela...
—Ficaria feliz em...
—Oh, Meggie. — A multidão de curiosos deu passagem para Chrissy,
que se colocou a seu lado. — Está ferida?
— Você é Megan? — perguntou Ross. — Megan Sutherland?
Ela assentiu, e ele largou sua mão como se fosse uma pedra quente,
levantando-se. Seus os olhos azuis de repente se mostraram mais frios que um
lago no inverno. Virando-se, grunhiu:
— Deixe que os Sutherland cuidem dos seus — e saiu a passos
largos.
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Maldito seu pai por atacar de surpresa; maldito o rei por se intrometer!
E maldita Megan Sutherland, também!, pensou Ross, enquanto escovava Zeus.
Malditos olhos castanhos ardentes, a timidez, o sorriso perturbador, e
seus... seus bonecos. Quem já ouvira falar de uma mulher adulta brincando
com bonecos? Parou, franzindo o cenho. Seria meio retardada? Estaria
Eammon tentando fazê-lo de idiota?
Escovou com mais força, sentindo-se agitado. Bem podia tratar-se de
um plano para castigar os Carmichael pelos ataques.
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—Me forçar a casar com sua filha parva e dar origem a uma
linhagem de imbecis, poluindo nosso sangue — resmungou,
esquecendo-se de que não tinha intenção de se casar com a garota
de jeito nenhum.
—Acho que Zeus não gosta de ser o alvo de sua raiva— observou
Owain.
Ross piscou, surpreso em ver o garanhão olhando para ele. O
cinzento cavalo de guerra, criado pelos seus primos ingleses, não merecia tal
tratamento só porque ele estava zangado com Megan Sutherland.
Não, era com ele mesmo que estava nervoso, pensou, lembrando-se da
dor que sua rejeição causara nos grandes olhos castanhos de Megan. Naquele
instante, ficara tentado a confortar a mulher que deveria desprezar. Porque
ela era linda.
Linda, não... encantadora. Seus olhos amendoados erguiam-se nos
cantos de um jeito provocador, sob sobrancelhas finas que davam um ar
sensual a seu rosto delicado.
Os olhos fogosos levavam um homem à loucura, atraindo, fazendo-o
esquecer-se de seus deveres e honra para se perder na luxúria daquela
promessa.
Sentiu o encanto se manifestar em seu corpo, abaixo do cinto,
enrijecendo seus músculos. Luxúria. Antes de saber quem ela era, desejara-
a. Terrivelmente. A manifestação do desejo o surpreendera sem defesas,
chocando-o. Depois do que acontecera com Rhiannon, jurara controlar esses
rompantes de paixão, reforçando a lógica e a serenidade. Aparentemente,
porém, não tinha mais controle sobre isso do que tinha sobre a cor de seu
cabelo.
—A praga Carmichael — resmungou entre os dentes. Fora assim
com seus pais e com Lion quando ele conheceu Siusan e aquele clã
maldito. O irmão desafiara o pai, ignorara o conselho do irmão e partira ao
encontro da morte.
Tudo por uma garota com olhos de veludo e boca... Estremecendo,
Ross se enrijeceu para resistir, lembrando-se de que Megan era igual à
traiçoeira Rhiannon. Embora fisicamente fossem bem diferentes, sabia que
eram irmãs por baixo da pele. Feiticeiras no coração... determinadas a
ludibriar os homens para seus próprios fins.
Não desta vez.
—Os Sutherland estão esperando-o para jantar — informou Owain.
—Deixe-os esperar.
Fazia horas que haviam chegado e Ross ainda não pisara no interior
de Curthill. Balançou a cabeça para desfazer a imagem do rosto cativante
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sobre a gente das Terras Altas viver como bárbaros certamente eram
verdadeiras. Como Lion pudera escolher um mulher criada ali para
governar o castelo esplêndido que os pais haviam construído com tanto
afinco? Felizmente, ele não corria o risco de cair naquela armadilha.
Sedutora que fosse, Megan Sutherland poderia ter os dons de Circe e
mesmo assim, ele resistiria. Se ficasse tentado, bastaria se lembrar do que
lhe causara a paixão por Rhiannon. Agora, sentia-se controlado e moderado.
E precisaria disso ali.
Pararam junto aos muros, o som do marulho abaixo abafando-lhes as
vozes.
—Quais são as novidades, Wat?
—Quando Lion chegou aqui no ano passado, lorde Eammon se recusou
a deixá-lo se casar com lady Siusan.
—O quê? Por que ele...
—Mudou de ideia. Correm rumores de que isso passou a acontecer
com frequência, depois da morte do filho, há dois anos. Isso o
arrasou. Eammon se tornou um recluso. Raramente sai da torre,
onde vive com uma prostituta, e não tem interesse pelo bem-estar
dos membros do clã.
Ross sabia muito bem o quanto a morte de um filho podia transtornar
um pai; entretanto, não sentia empatia pelo inimigo.
—Conhecendo Lion, ele deve ter lutado pela mulher. Esse pode ser
o motivo de Eammon tê-lo matado.
—Talvez. Mais algumas moedas e soube que Lion nem estava junto
com o grupo principal da caçada quando morreu.
—Os homens se separam na caçada — ponderou Owain.
Wat assentiu.
—Dizem que Lion foi ludibriado por uma mensagem.
—Ludibriado? Pode provar isso?
—Não. O aldeão disse que um caçador viu que, assim que o veado foi
localizado, um menino se aproximou de Lion e sussurrou algo em seu
ouvido. Lion sorriu e partiu sem dizer nada a ninguém.
Infelizmente, o menino que passou a mensagem partiu.
—Partiu. — Ross sentiu o coração pesar. — Está morto?
—Não. Duas semanas depois da morte de Lion, o menino deixou a vila.
Ross franziu o cenho.
—Quem é esse menino misterioso?
—Lucais era pajem de lady Megan e lady Siusan. O pai dele é alfaiate
na vila, mas quando parei lá para fazer perguntas, o homem se
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— Acha que ele não vai vir? — perguntou Megan, ansiosa. Sua mãe se
estendeu sobre a cadeira vazia, reservada para Ross, e deu um tapinha
confortador na mão de Megan.
—Provavelmente está se lavando e se trocando das roupas de viagem.
— Estavam só as duas à mesa ornamentada, à espera dos homens.
—Ele recusou o banho preparado para ele.
A voz de Megan revelava dor e ressentimento. Ficara uma hora no
banquinho diante da lareira do melhor aposento de hóspedes, levantando-se
ocasionalmente para esticar a perna e acrescentar um pouco de lenha no
fogo, para que o ambiente estivesse aquecido quando o noivo chegasse. Ele
não aparecera.
Enquanto a água esfriava nos baldes de madeira que os servos
haviam levado pelas escadas da torre, o nervosismo inicial quanto a banhar
seu primeiro homem dera lugar ao tédio e, então, à irritação. Uma centena de
tarefas a cumprir, e lá estava ela à mercê da vontade de um homem. Como
sua mãe, que continuava à disposição do marido, embora Eammon a
ignorasse — bem como a todo mundo — nos dois últimos anos.
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esta noite.
—Cheguei antes do que pretendia, mas recebi notícia de que O
Falcão chegou.
—Sim... má sorte.
—Concordo que não era a melhor hora, mas é um problema pequeno.
— O senhor pousou a mão sobre o cinto de prata. — Diga aos
homens que descarreguem O Falcão esta noite.
—Douglas fez uma boa colheita... a arca está cheia. Vai levar pelo
menos duas noites para descarregar tudo — advertiu Archie.
—Use todos os nossos homens, mas descarregue o navio. Quero tudo
escondido pela manhã — grunhiu o senhor.
—E quanto ao carregamento que conseguimos vender?
—Mande Douglas chegar com O Falcão amanhã à noite... bem depois
da meia-noite. Vamos carregar o que der, e ele volta quantas vezes
for preciso para acabarmos a tarefa. — Deu meia-volta.
Archie se endireitou nervosamente.
—Mas...
—O que é agora? — Voltando-se, o senhor mostrou o
descontentamento.
—E se Ross ficar curioso? — resmungou Archie. — Vier xeretar na
aldeia ou no depósito?
—Faça os homens de Douglas o levarem de volta ao castelo. Tem
que receber uma lição, mas não precisa matá-lo. — Não ainda. Não
enquanto não planejasse um meio de fazê-lo sem chamar a atenção.
—Mas e se lorde Nigel ficar sabendo que houve confusão?
—Não vai ser surpresa se Ross for atacado na vila, o pai dele
provocou um incêndio não faz nem três semanas.
Archie rejuvenesceu. .
— Sim. Tem razão. E o jovem lorde é bem o tipo de aparecer
aqui, arranjando briga conosco, os bárbaros das Terras Altas.
— Sim. Ele precisa de uma lição. Só providencie para que nenhum
de nossos homens seja reconhecido ou questionado. Entendeu?
— Perfeitamente. Tudo será feito como deseja, milorde.
O sorriso do senhor diminuiu ao se lembrar de que parte de seu plano
falhara. Siusan escapara. Acabaria encontrando-a, mas, após dez meses, sua
paciência já se esgotava.
Megan sabia onde se escondia a irmã, disso estava certo. Oh, ela
negara, hábil em disfarçar a verdade, tanto quanto em contar uma história.
Felizmente, também era sentimental. Não resistiria a uma última visita à
irmã antes de deixar as Terras Altas rumo ao castelo Carmichael. Quando
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Feito isso, Ross se virou, ainda confuso por saber que Eammon
mandava homens recolher impostos. O que poderiam levar de um alfaiate?
Roupas? Moedas? Franzindo o cenho, estudou o ambiente que só vira de
relance quando entrou. Agora, via com novos olhos, notando o tecido luxuoso
sobre a mesa, agulhas e retalhos. Obviamente, eram os apetrechos de um
alfaiate; contudo, algo o intrigava. Não sabia dizer exatamente o que... Era
quase como um instinto. O mesmo sentimento que Wee Wat mencionara.
O sentimento se intensificou ao ver uma arca sobre a mesa. Havia
umidade sobre o tampo de carvalho... como se tivesse acabado de chegar do
mar. Ah. Encaixava-se na ideia de que ele era...
— Ninguém saiu daqui — informou Owain, em galês, entrando pela
porta dos fundos. — E não tem ninguém à espreita. Mas alguém veio aqui
faz pouco tempo, havia marcas de botas.
Ross assentiu.
— Deixe um homem observando quem entra e sai — ordenou, na
mesma língua, embora pudesse ter dado a ordem em francês, para não ser
entendido por aquelas pessoas humildes.
Uma vez fora da casa, Ross ordenou a Andrew e metade dos homens
que fizessem uma busca silenciosa pela vila, enquanto o resto acompanhava
Wee Wat até a praia. Lá, tochas permaneciam acesas e um guarda vigiava
enquanto dois homens armados se colocavam junto a barcos que haviam
sido recolhidos para a noite.
Uma vigilância reforçada para uns poucos barcos de pesca, estranhou
Ross, mas o que o intrigava eram os atracadouros vagos, indicando que
várias embarcações haviam saído. Com aquele tempo? Ergueu o olhar para o
mar, agitado e revolto, mesmo na baía protegida. Um segundo navio estava
ancorado junto àquele que o trouxera de Edimburgo; na superfície, podia
distinguir vários barcos menores.
O que estava acontecendo? Sentiu os cabelos se arrepiarem, mas não
era a brisa que provocava essa reação. Traição. Perigo. Chegavam com o
vento, tão decididos quanto a chuva que cairia a qualquer momento, fazendo
o ar estalar intensamente, assim como os relâmpagos que rasgavam os céus.
Um dos guardas avançou para se confrontar com Ross.
—Fique longe. O lorde não permite ninguém por aqui à noite.
—Certamente ele não inclui o futuro genro.
—Você é um Carmichael? — O nome saiu como uma praga, e os
outros homens logo se colocaram junto ao primeiro, os semblantes
sérios sob as tochas.
Que droga. Como pudera esquecer-se do recente ataque do pai a
Curthill? Ross notou um corte acima do olho de um dos homens. Oito
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—Quantos são?
—Muitos. — A resposta encerrou-se com um grunhido de dor. —
Menos um — informou Owain. — Mas ainda há dois ou mais.
Nos instantes seguintes, Ross se manteve ocupado com os dois que o
atacavam. Os inimigos eram menos habilidosos, mas a superioridade
numérica acabaria suplantando-o e a seus homens. Além disso, lutavam em
terreno conhecido, e no escuro. Sua única esperança era que Andrew
ouvisse os sons e os socorresse antes que fosse tarde demais.
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Ross grunhiu quando o oponente passou a lâmina por sob sua guarda
e através da malha de ferro, atingindo-lhe o ombro esquerdo. Não sentiu a
dor. Estava ocupado demais tentando eliminar o último homem. O calor da
batalha separara-o dos outros, e estava ansioso para se reunir aos
companheiros que enfrentavam a massa de atacantes.
O primeiro homem que Ross subjugara se erguera e fugira, mas ele
ainda não conseguira despachar o outro oponente. Seu braço doía e seus
pulmões queimavam devido ao esforço, mas se empenhou ainda mais.
Investindo contra o homem, deslizou a espada sobre a lâmina do outro.
A batida de aço contra aço cortou o ar, o oponente bradou, e Ross
pensou ter ouvido um trovão. Quando se voltou para procurar Owain, viu
uma carroça impedindo a passagem.
—Ross! — gritou Owain. — Eles o isolaram.
—Estou vendo! — Ross correu, arma na mão, pronto para destruir a
carroça.
Houve um explosão de chamas pouco antes de ele alcançá-la. A força
do impacto o atirou no chão. Embora confuso, conseguiu se levantar. Ouvia
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tempo que ele ia a seu encontro para experimentar o que ela oferecia.
— Megan, Megan, eu...
O barulho de madeira cedendo assustou a ambos. A porta dos fundos
veio abaixo.
Ross hesitou apenas por um instante.
—Temos que sair daqui. — Com agilidade, agarrou Megan e foram
para a porta da frente. Com a espada na mão direita, a mão esquerda
ao redor da cintura dela, parou só o suficiente para ver que a rua
estava deserta. Ela hesitou quando ele deveria ter virado para a
esquerda.
—Há mais cobertura por aqui — informou ela. Não tinham andado
muito quando ele notou que ela mancava.
—Machucou sua perna?
—Não é nada. Posso acompanhá-lo.
Fez mais que isso, mostrou o caminho. Depois de passarem por várias
ruelas, Ross ordenou que parassem.
Ele voltou a cabeça para ouvir melhor. Passos, vozes. Muitos homens
correndo. Procurando.
—Podem ser meus homens.
Megan balançou a cabeça.
—Estão vindo do lado errado.
—Certo — concordou ele, e continuou andando.
—Devemos dar a volta e encontrar Chrissy, foi onde combinamos.
— Quando Ross hesitou, querendo saber se ela dizia a verdade, ela
comentou:
—Não tema, milorde. Estou decidida a me casar e vou sair daqui
com você inteiro.
—É sempre assim tão atrevida? — reclamou ele.
—Sempre que posso. — Quando Megan recomeçou a andar, tropeçou e
teria caído se Ross não a segurasse pela cintura.
—Sua perna piorou. Você aponta o caminho e eu faço o trabalho. —
Ele a agarrou com o braço esquerdo, mantendo-a bem junto a seu
corpo.
Como ele era forte, pensou Megan. Seu pés mal tocavam o solo,
andando com energia, parando só para receber suas instruções sussurradas.
Ele os manteria a salvo. Em seus braços, não sentia medo, embora estivesse
ouvindo os gritos de homens que os caçavam como coelhos.
— Você é uma garota e tanto. — Seu sorriso alvo se destacava nas
feições sombreadas.
Megan sentiu o coração pulsando, e sob a mão podia sentir a reação
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dele também.
— Você também não é tão ruim, milorde — respondeu ela, no lugar
do eu te amo que cantarolava em suas veias.
De repente, ele deixou de sorrir. Ela esperava que ele a soltasse. Ao
invés disso, ele traçou a linha de sua espinha por sobre o vestido de lã. A
trilha deixada por seus dedos era semelhante à energia dos relâmpagos que
rasgavam os céus sobre suas cabeças. Sob a iluminação brilhante, ela ergueu o
rosto, estudou seu semblante, os músculos tensos, os olhos azuis muito
escuros, misteriosos e espantados como a noite.
—Meg — sussurrou ele. E mais nada. A palavra resumia todo o desejo.
—Sim. — A voz dela saiu como um suspiro. Ela o queria, queria sentir
seu toque, seu beijo. A respiração junto à sua pele foi o único aviso
que recebeu antes que ele inclinasse o rosto para o contato íntimo.
O primeiro beijo foi tudo o que Megan sonhara e mais... muito mais.
Os lábios firmes e quentes, a pressão gentil de carne contra carne,
incendiando seu corpo. Gemendo levemente, ela se ergueu na ponta
dos pés, as mãos procurando seu rosto, trazendo-o para mais perto. Em
resposta, um gemido ecoou no corpo dele enquanto dava-lhe o que ela
queria, aprofundando o beijo, apartando-lhe os lábios com a ponta da
língua. Ela deu boas-vindas à invasão sensual, glorificada com o
tremor que o sacudia, a urgência feroz que explodia em seu interior,
deixando-a alheia a tudo, exceto à onda selvagem de sensações.
Cedo demais, ele ergueu a cabeça, a respiração ofegante.
— Oh, Deus. Como isso aconteceu?
A rouquidão na voz a fez se aninhar junto dele.
—Sabia que seria assim entre nós — sussurrou ela.
—Não. Não pode ser. — Ele começou a afastá-la, mas ela
manteve as mãos entrelaçadas, prendendo-o.
—O que foi? Por que nega seus sentimentos?
—Meu irmão morreu com uma flecha Sutherland nas costas, e
ainda pergunta por quê? — grunhiu ele. Removendo seus dedos.
—Megan! — gritou uma voz feminina estridente. — Meg, você está
bem? Trouxe os homens de milorde. Onde está você?
Ross ergueu a cabeça.
— É a sua prima?
Confusa, Megan conseguiu pronunciar, fraco:
— Sim.
— Já não era sem tempo. — Ele conseguiu se soltar e recuou.
A perda de contato fez Megan estremecer.
—Não. Não pode acabar assim — lamentou seu coração ferido.
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Inquieto como um leão enjaulado, Ross foi até a janela com vista
para o mar. A tempestade passara, deixando o ar frio e limpo, mas preferiria
uma pousada na vila ou um quarto no inferno àquele aposento maldito no
castelo Curthill.
O veludo vermelho sobre a cama lhe lembrava o sangue esparramado
do irmão; as cadeiras luxuosas, a prataria o lembravam de que Eammon
devia andar fazendo pirataria, mas não havia jeito de provar. Por que achara
que gostaria do desafio?
Mesmo assim, não era tolo o bastante para sair novamente à noite à
procura de respostas. Tivera sorte em escapar quase sem nenhum arranhão.
—O que o faz pensar que os homens que nos atacaram não eram do
castelo Curthill? — inquiriu ele a Owain.
Sentado do outro lado da sala, os pés estendidos na direção do calor
da lareira, cerveja sobre o estômago, Owain resmungou:
—Gostaria que houvesse mais alguém para ver esse seu ombro.
—Cuido dos ferimentos de milorde há anos — declarou Davey, o
escudeiro. — Não está tão ruim — acrescentou. — A lâmina deslizou
pelo colo. O corte foi extenso, mas não profundo.
Ross fez uma careta. A despreocupação do subordinado contrastava com os
cuidados de Megan. Os temores dela por sua saúde não deviam tocá-lo, mas
tocavam. Mesmo agora, aquecia-o lembrar-se como ela o fizera sentar-se na
cadeira e passara a mão por seu corpo procurando outros ferimentos.
Luxúria. Seu castigo, disse a si mesmo, para espantar essas imagens.
Verdade fosse dita, a dor em sen ombro não era nada comparada à frustração
que crescia a cada instante.
— Sobre o ataque.
Owain se endireitou.
— Giles e os outros vigiaram junto aos muros de Curthill com atenção.
Ninguém saiu depois de nós.
—Podiam ter ido à vila antes — murmurou Ross.
Uma batida na porta e os três homens procuraram suas espadas. Davey
atendeu, e Ross sentiu o pulso se acelerar quando viu Andrew com o galês
que fora deixado para vigiar os barcos.
O galês falou com Owain num dialeto que Ross não conseguiu
entender, e esperou enchendo uma taça de vinho. Para seu desgosto, Davey
se antecipou, provando-o primeiro.
— Não precisa — informou Ross, e sorveu um grande gole. —
Eammon não é tão estúpido a ponto de me envenenar enquanto o tio do
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serviu-lhe vinho e, antes que ele levasse a taça aos lábios, apressou-se para
prová-lo primeiro.
— Davey — protestou Ross, tentando colocar a taça de lado. O rapaz
não se deixou enganar, tomou um longo gole e limpou a boca com um
guardanapo.
— Owain e eu não acreditamos que tentem envenená-lo com lorde
Nigel aqui, mas...
Tomando a taça de Davey, Ross ergueu a taça recebendo a saudação de
Owain:
— A sua saúde, milorde!
Ao erguer a taça, sentiu dor no ombro ferido na noite anterior. O fato
não passou despercebido a lorde Nigel e lady Mary, e ele improvisou uma
história, sem mencionar a presença de Megan na vila.
— Oh, isso é terrível — lamentou lady Mary, quando ele acabou sua
história fantasiosa. — Quando cheguei a Curthill como noiva, também achei o
lugar selvagem e melancólico. Mas logo comecei a valorizar essa gente. São
independentes a ponto da rebelião às vezes, mas bravos e honrados ao
extremo.
Honrados? Ross quase engoliu a língua. Do outro lado do salão, uma
briga entre dois grandalhões causava confusão. Ha! Esses Sutherland não são
honrados nem com eles mesmos, pensou Ross, franzindo os lábios. Os
Carmichael não se comportavam assim.
— Como está vendo, a disciplina entre os membros já sente a ausência
de Eammon no salão — lamentou lady Mary.
— Ainda tenho que conhecer o lorde. — Que Deus o castigue. — Onde
ele está? — Fora, saqueando?
Lady Mary ruborizou e depois, empalideceu.
— Ele está... indisposto. Não é mais o mesmo depois da morte de nosso
filho há dois anos. Fica em seus aposentos e raramente desce.
Ross se amaldiçoou por continuar espetando.
— Lorde Eammon não lidera mais o clã?
— Oh, ele ainda comanda, não me interprete mal. Archie traz as ordens
de Eammon e leva as notícias com fé de Moisés. O comércio que Eammon
idealizou trouxe trabalho à nossa gente. Embora ainda não tenhamos
alcançado a prosperidade — explicou ela. — Archie diz que chegará a época
em que as pessoas poderão manter as riquezas ao invés de reinvestir na
compra de mais mercadorias.
— Archie?
— É o capitão aqui. Mas ele também, como Eammon, com exceção do
comércio, nos deu as costas.
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—De fato, mas o motivo principal, acho, foi provar que papai matou
Lion. — Sem se deter pelo franzir de cenho ela se ajoelhou ao lado
da banheira. — Quero a verdade também. Tudo o que peço é que
não condene meu pai por antecipação.
—Tem também o desaparecimento de Siusan.
— Não posso comentar nada sobre isso — desconversou ela. — Talvez
depois do nosso casamento.
—Se estava tão ansiosa para ter um marido, por que não se casou
antes? — disparou Ross.
—Estava esperando por você. — Era verdade.
—Você nem me conhecia — grunhiu ele.
—Eu... Lion me falou de você, sempre com muito orgulho.
—Falou? — Ele pareceu espantado. — Se eu tivesse vindo com ele,
talvez ele não estivesse morto. — A culpa surgiu em seus olhos. —
Bem, se sair agora...
—Não. Vou fazer um curativo. — Ela pousou os dedos sobre os
músculos de seu tórax e sentiu que ele reagia.
A lógica dizia-lhe que desejo somente não era suficiente para ganhar
um homem tão complexo para todo o sempre. Para conseguir isso, deveria
conquistar sua mente e seu coração, bem como seu corpo.
—Meg — sussurrou ele, os pensamentos confusos como os vapores que
saíam da água, misturando-se com seu cheiro de alecrim e limões. Ela
estava tão perto que ele podia distinguir as pupilas em seus olhos
escuros, ver como se dilatavam de desejo, ver a boca se partindo. —
Não devíamos estar assim.
—Mas eu o quero. — Suas palavras o atingiram como uma carícia,
fazendo sua pele se arrepiar ao seu toque.
—Oh, Meg. Jurei que não faria isso novamente — murmurou ele, o
polegar acariciando seu rosto.
—Por favor. — Ela fechou os olhos com um leve gemido que fez sua
pulsação crescer ainda mais.
—Não devia desejá-la assim.
—Me beije mais uma vez. — Era um pedido e uma ordem. — Nós
dois precisamos disso. Ele gemeu quando ela se aproximou ainda
mais, esfregando os lábios nos dele, o perfume sedutor, tentador.
—Eu não posso... não podemos — começou ele, a voz grave, rouca
de desejo e controle.
—Que mal pode acontecer com um beijo? — Ela pressionou
levemente os lábios nos dele, num beijo até infantil, que não devia dar
ignição, mas deu.
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CAPITULO 7
— Tente demonstrar que não espera que alguém surja com uma adaga
para atacá-lo — sugeriu Megan, enquanto conduzia Ross num passeio
supostamente sem objetivo pela vila, uma hora depois.
—Foi exatamente isso o que aconteceu ontem à noite — afirmou
Ross.
—Nos deixa com jeito suspeito.
—Eu sou suspeito.
—Bem, tente não parecer um caçador de ladrões. — A voz era firme,
mas sua pulsação estava tão rápida quanto a dele, a mão delicada
sobre seu pulso à maneira da corte.
Os homens que lutaram com eles na noite anterior teriam se
escondido?
—Devia ter trazido mais homens — resmungou Ross.
—Dez homens são mais do que suficientes. Ora, costumo vir aqui
sozinha ou com Chrissy. Não quer que os Sutherland achem que meu
noivo é covarde, não é? — Lançou-lhe um olhar maroto, inclinando-
se para sussurrar: — Se continuar com essa cara carrancuda,
ninguém vai acreditar que se apaixonou por mim, milorde.
—Foi isso o que aconteceu comigo?
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claro.
—Mamãe mantém as contas do castelo, já que papai não sabe ler.
Duvido que ele tenha documentos nos aposentos. Espere... — Ela
pousou a mão sobre o peito. — Douglas é o homem. Ele comanda o
navio, carrega as mercadorias para lá e para cá. Foram os marujos
dele que o atacaram. Além disso, ele é grande e tem olhos cruéis e
traiçoeiros.
—Pensei nisso. Não na bobagem sobre os olhos — acrescentou ele,
cínico. — Quando acha que O Falcão vai voltar?
—Normalmente demora um pouco.
Ross adotou uma expressão preocupada. E se Douglas não voltasse
até depois do casamento? O casamento em si já não o incomodava como
antes, mas, assim que estivessem casados, não haveria motivo para
permanecer em Curthill e procurar pela verdade sobre a morte de Lion.
— Vamos voltar e apresentar todos esses fatos a meu pai.
Ross balançou a cabeça.
— Não temos provas suficientes para acusá-lo. Talvez, quando ele
descer para o salão, um homem meu possa fazer uma busca em seus
aposentos.
— Não quero acusá-lo. Quero que ele nos ajude. Além disso, ele não
desce há semanas.
De repente, Ross se sentiu ansioso por ver o homem que relutara tanto
em conhecer. O lorde fantasma. Algo diabólico ocorria em Curthill, e tinha a
estranha sensação de que o tesouro fazia parte disso. Sentiu um frio na
espinha.
—Tem que me prometer que vai me deixar agir a meu modo.
—Não se achar que está moroso demais.
—E um negócio perigoso... negócio de homens — disparou ele.
—E negócio da minha família — contra-atacou ela.
—Meu Deus, é melhor fecharmos a porta e sairmos antes que os
guardas fiquem mais desconfiados — interrompeu Owain.
Ross assentiu, mas não tirou os olhos de Megan. Seu destemor o
assustava.
—Você é minha esposa, e, sob minha autoridade, vai fazer o que
mando e ficar fora disso.
—E você vai aprender que as mulheres das Terras Altas não são tão
dóceis quanto as das Terras Baixas — disparou ela, antes de dar as
costas e sair.
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Que garota rápida, pensou Comyn, sombrio. O que evitaria que ela e
Ross vissem Eammon?
—O que está acontecendo? — chegou uma voz feminina, fazendo
Megan estacar e Ross parar a perseguição. Félis.
—Ora, é a pequena Megan — balbuciou Félis, descendo outro degrau,
revelando pernas formosas, joelhos com covinhas. — Seu pai achou
que era a sua voz nos perturbando. — Outro passo. O ambiente
estava tão silencioso que se podiam ouvir as coxas nuas roçando
uma na outra.
Estaria Félis completamente nua? Que criativo, pensou Comyn,
enquanto Megan engasgava e recuava, o rosto mais pálido que os topos
nevados das montanhas. Os guardas esticavam os pescoços para ver o que a
curva da escada ia revelar. Mesmo Ross parecia hipnotizado pela
apresentação de Félis.
Ela não estava nua, mas quase. Comyn a viu surgir inteira, as formas
amplas emolduradas por cabelos ruivos compridos e uma camisa curta junto
ao peito. Os mamilos estavam à vista através do tecido transparente,
expondo igualmente as coxas.
Estúpida que fosse, Félis sabia pintar uma cena carnal. Comyn sorriu
e relaxou um pouco.
— Oh, nossa. — Os lábios de Félis eram carnudos. — Todos vocês
vieram para ver Eammon? Temo que ele esteja... dormindo. Estivemos
muito ocupados esta manhã. — Pelos cílios, os olhos verdes exóticos
avaliavam cada homem, parando em Ross. — Entende, milorde, quando a
paixão segue quente e doce... — Sua voz era baixa e rouca.
Se ele não entendesse, havia meia dúzia de homens com a língua de
fora, pensou Comyn, sorrindo de leve. Félis ganhava uma porcentagem dos
lucros, mas agora, estava valendo cada centavo.
—Eu entendo perfeitamente — disparou Megan. — Os homens são
estúpidos e manipuláveis como qualquer outro animal, quando estão
no cio. Diga a meu pai que volto depois. — De cabeça erguida, desceu
as escadas e partiu, batendo a porta de ferro atrás de si.
—Se me desculpam... — A saída de Félis foi tão sensual e graciosa
quanto a chegada.
Ross limpou a garganta.
— Pelo menos, ela deixa suas intenções bem claras — grunhiu, e
saiu da torre.
Comyn coçou o queixo, pensativo. Megan não tinha exatamente
ameaçado envenenar o noivo, mas serviria. Era o modo perfeito de se livrar
de Ross e Megan... sem se incriminar, nem a Archie. Tudo o que precisava
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CAPITULO 8
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cadeira à direita de lady Mary. Pelo rosto vermelho e pela mão incerta
à procura da taça de vinho, concluía-se que passara o dia todo
bebendo. — O lorde não vai descer para jantar — acrescentou, antes
de levar a taça à boca.
—Falou com ele? — perguntou lady Mary, espantada.
—Não. Archie me disse — balbuciou lorde Nigel. — Ah, Comyn, seja
bem-vindo. Sente-se aqui a meu lado.
Concordando, Comyn olhou para Megan. Ele estava tramando alguma
coisa, percebeu ela. Mas como provar?
—Oh, Meg — sussurrou Chrissy. — Lorde Ross parece...
—Pronto a roer as unhas ou o meu couro — murmurou Megan. Não
podia deixar de comparar a entrada dele com a de Comyn, que parecia
um rato. Embora fosse um estranho ali, Ross dava passos como um
conquistador, forte, gracioso e comandante. A capa preta e vermelha
fazia o contraste perfeito com seus cabelos negros e a pele bronzeada.
Como ele era bonito... e zangado. De algum modo, tinha que lançar
aquela energia contra Comyn.
—Lady Mary. — Ross inclinou a cabeça e tomou seu lugar, evitando
olhar para Megan.
Megan sentiu ira instantânea. Pegando uma pequena faca, enterrou
a ponta sobre a mesa bem próxima à mão de Ross.
— Por tudo que é sagrado! — Ele retirou a mão, flexionando os
dedos. — Por que fez isso?
—Não vou ser ignorada em meu próprio salão.
Ele arregalou os olhos.
—Você é louca?
— Queria a verdade entre nós, milorde — declarou ela, baixinho, só
para ele. — E essa é a verdade.
Ele abriu a boca e então fechou-a. Os lábios se franziram como que
suprimindo um riso.
—Você é esperta e tem a língua ferina.
—Disse-lhe que nós combinávamos.
—É mesmo? — Ele deu um sorriso enigmático, que suavizou suas
feições. Gentileza. Ternura.
O que acontecera para que ele escondesse esses sentimentos de si
mesmo? E como poderia ela curá-lo do que o incomodava? Talvez com a
verdade que ele tanto valorizava.
—É mesmo. — Megan soltou um suspiro. — Peço desculpas — sussurrou
— por querer ver meu pai esta tarde. Mas...
—Com você, sempre tem um "mas". — Ele balançou a cabeça,
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—Façam alguma coisa! — gritou Andrew aos outros três homens que se
juntavam ao redor da cama onde Ross estava deitado, tremendo,
debaixo de vários cobertores. Seu rosto estava mais branco que o
travesseiro, os olhos encovados e sombreados.
—Não sei o que fazer — gritou Owain, fechando e abrindo os punhos.
—Água — pediu Ross. — Estou... com... sede.
—Tome. — Davey rapidamente levou um copo aos lábios de Ross, mas
ele engasgou. — Nem pode engolir.
—Está morrendo — sussurrou Giles. — Temos que fazer alguma coisa.
Owain estremeceu.
—O quê? Me diga o que fazer, e eu...
—Me deixem entrar! — A porta se abriu e Megan entrou, seguida de
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CAPITULO 9
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Passava da meia noite quando Comyn saiu pelo portão dos fundos de
Curthill em direção à praia.
— Já não era sem tempo — reclamou Douglas.
Comyn ergueu a cabeça.
— Os homens de Carmichael estão vigiando. Levei tempo para escapar
— explicou.
—Pensei que tivesse dado um jeito nele.
—Algo deu errado. — Megan. Outro ponto perdido para ela, mas ele
ainda se vingaria. — Carmichael se casa com ela amanhã e logo irão
embora.
Megan não deixaria Curthill sem ver a irmã. Comyn colocara homens
vigiando-a dia e noite, e logo ela o levaria até Siusan.
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CAPITULO 10
— Lá está ela!
Megan se virou. No pátio, viu uma horda de mulheres animadas
aproximando-se apressadamente.
— Chegou a hora! Chegou a hora! — alardeavam.
Da cerimónia nupcial. Instintivamente, ela tratou de tirar o garoto de
vista, ordenando:
—Esconda-se entre as mesas. Eu... eu volto assim que puder e nós
combinamos como ajudarei minha irmã — sussurrou, por sobre o
ombro.
—Mas, milady... Certamente não pensa em trazê-la e ao bebê sem
proteção. Precisamos de uma guarda.
— Meu novo marido tem homens, guerreiros treinados. — No dia
anterior, não confiaria em Ross para ajudá-la. Mas agora era diferente. Ele
se mostrara tão... tão gentil, tão descontraído e amigável. Ele a ajudaria.
Tocou no amuleto que fora seu presente de casamento.
— Vá, Lucais, esconda-se.
Na cerimónia nupcial, quando ela ficaria nua para a inspeção do
marido, suas cicatrizes seriam finalmente expostas. Ele se importava o
bastante com ela para ignorá-las? Bom Deus, por favor, faça com que ele
não me repudie.
Logo, as senhoras chegaram ao aposento nupcial... e então, gritos e
batidas de pés chegavam pelas escadas.
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— Milorde?
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pequeno corte.
—O que está acontecendo? — interrogou.
—Não! Não vou ser enforcado sozinho! — O homem jogou Félis
contra Ross.
Enquanto tentava se livrar das pernas e braços nus da prostituta,
Ross viu que Archie se esgueirava para a borda da cama.
— Detenham-no! — gritou, jogando Félis para o lado.
Comyn chegou primeiro e recebendo Archie com a própria espada,
fazendo-o recuar.
—Bastardo... — blasfemou Archie, as duas mãos no peito tentando
estacar o fluxo de sangue. — Nunca devia ter confiado... —
Tombou sobre o tapete.
—Que droga, eu o queria vivo — reclamou Ross.
— Disse que queria que o detivéssemos — corrigiu Comyn.
Ross atirou a cabeça para trás e grunhiu de frustração.
Tão perto de solucionar o crime e punir os culpados, e então perdia os
dois responsáveis.
Lady Mary entrou com trajes de dormir, viu Archie estendido no chão
e então o homem encolhido na cama. Ajoelhou-se a seu lado e, ternamente,
passou a mãos por seus cabelos grisalhos.
—Oh, Eammon. O que eles fizeram com você?
—Provavelmente foi mantido drogado com ópio — esclareceu Wee Wat.
— Já vi homens assim em minhas viagens.
—Ópio! — exclamou Ross, comovido com as lágrimas de lady Mary,
que enterrava o rosto nas mãos.
Ross piscou tentando juntar todas as peças.
—Então, Eammon não estava por trás disso tudo. Archie o mantinha
prisioneiro e deixava o castelo inteiro pensar que ele estava
enfeitiçado pelos encantos de Félis, enquanto todo o tempo ele
governava em nome do lorde.
—Pegue a prostituta e veja o que descobre dela — ordenou ele a
Owain.
— Meu lugar é com você — reclamou o galês.
Comyn passou por cima do corpo de Archie.
— Deixe comigo. É um débito que devo a Eammon — acrescentou
ele, sombrio.
Os berros de Félis ficaram mais aterrorizados à medida que Comyn se
aproximava. Ela tentou fugir, mas ele lhe deu um soco que a fez desmaiar.
Pegou-a pelo braço e prometeu que só voltaria quando tivesse extraído toda a
verdade dela.
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CAPITULO 12
Ansioso que estava para ver Megan, Ross hesitou ante a barraca,
indeciso entre anunciar a chegada e ir entrando, como era seu direito como
marido. Que os direitos se danassem. Naquele momento, estava mais para
mendigo em seu portão. O que deveria dizer?
Informá-la de que seu pai não era um assassino seria o mais fácil,
naquelas circunstâncias. E seria um prazer dizer-lhe que ela agira certo ao
confiar em Eammon. Mas como se desculparia da violência da noite
anterior? Um ataque de insanidade?
— Megan? — chamou, suavemente, abrindo o pano que fechava a
barraca.
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CAPITULO 13
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Megan e ele haviam dado um primeiro passo, mas ela pusera tudo abaixo
com a revelação de mais uma mentira.
As primeiras gotas de chuva começaram a cair e, perversamente, sua
primeira preocupação foi com Megan.
—Vamos parar aqui — gritou ele.
—Aqui? — gritou Owain. — Impossível. Não há nada que possa nos
abrigar.
Lucais levou seu cavalo até perto de Ross e sussurrou em seu
ouvido:
— Não podemos ficar aqui, logo vai descer um rio das encostas. Há
uma cabana a um quilómetro daqui. A velha senhora que mora lá disse que
sempre que precisasse podia ficar lá, ela estando ou não.
Ross assentiu.
—Tome a frente, garoto. Vou ver como Megan está.
—Sim, milorde. Seria melhor levá-la em seu cavalo — sugeriu
Lucais. — Depois do acidente, ela ficou com medo de cavalgar.
Medo de cavalgar. Ela pedira para ir com Lucais e ele não permitira,
com medo de que os dois fugissem.
Ignorando o olhar assustado de Megan, tomou-lhe as rédeas e puxou
sua égua. Desceram uma colina escorregadia. Um cavalo perdeu o pé e
escorregou, levando o cavaleiro na enxurrada que descia a colina. Não
havia como ajudar o pobre homem.
— Por aqui, Megan — gritou ele, gesticulando para a esquerda. De
repente, o cavalo dela se assustou. — Megan! — gritou, mas o vento apenas
trouxe o nome de volta.
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— Em todo lugar...
Ross tateava seu corpo, verificando os ferimentos.
— Abra os olhos, amor.
Ela ergueu as pálpebras lentamente, vendo uma sombra, então
encolheu-se.
—Não... não deixe o cavalo cair sobre mim.
—A égua sumiu.
Ela estava viva e coerente. Ross engoliu em seco, mas o medo não foi
embora. Ela se ensopava, tremendo incontrolavelmente, e só Deus sabia o
quanto estava machucada. Precisavam chegar a um lugar seco e quente
rápido.
— Vou erguê-la.
Com Megan desmaiada em seus braços, colocou o cavalo Zeus em
passo lento, retomando o rumo da cabana. Andaram por um bom tempo, e ele
já perdia a direção, quando Zeus estacou e olhou para a esquerda.
— O que foi, rapaz? — Esperava que o garanhão tivesse ouvido
Owain procurando por eles, mas não se desapontou quando viu a pequena
cabana.
Estava vazia. Ross relaxou e guardou a espada, pousando Megan sobre
o leito ao lado da lareira. Acendeu o fogo e foi buscar as provisões no
cavalo.
— Volto já para cuidar de você — garantiu ao cavalo, afagando seu
pescoço.
Cortou as roupas de Megan e viu seu corpo roxo de frio. Não sabia o
quanto ela estava machucada. Com dor no coração, enxugou-a com a
coberta que encontrou na cabana. Após secar seus cabelos, sob a fraca
iluminação, tentou desembaraçá-los.
— Au! — Ela abriu os olhos, reprovadora.
—Megan! Você está bem?
Ela piscou.
—Onde estou?
—Numa cabana. Tirei-a da chuva e...
—Eu... eu não posso me mexer.
—Oh, Meg. — Ross sentiu um frio no estômago.
—Algum tolo me embrulhou como um cadáver — resmungou
Megan, mexendo-se para se soltar.
Ross olhou para o cobertor, aliviado.
—Não se mexa, quero ter certeza de que não quebrou nada. —
Desajeitadamente, começou a tateá-la.
Ela fez uma careta.
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CAPITULO 14
Ross abriu os olhos para ver o aposento ainda envolto nas sombras; o
fogo diminuíra, restando só brasas. Faltavam poucas horas para deixarem o
ninho e ir procurar Owain e os outros. Não querendo que a noite acabasse,
abraçou Megan, sentindo-lhe as pernas macias contra as suas, musculosas.
—Ross? — A cabeça sobre seu peito se ergueu. — O que foi? —
perguntou ela, piscando confusa.
—Nada. — Ele a beijou no nariz. — Volte a dormir.
—Humm. Não quero. — Ela passou os dedos sobre seu peito. — Você
é tão peludo... e quentinho.
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CAPITULO 15
—Dame Islã disse que ele estava com uma poetisa, Jock.
Jock cofiou a barba amarela.
—Como sabemos que você é ela?
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—Vou provar contando uma história. Que tal, um conto antigo pelo
direito de passagem?
—Não temos tempo para histórias — resmungou Ross.
—Mas temos tempo para um batalha — rebateu Megan.
—Se meu pai souber disso, estou acabado — resmungou ele.
—Ah, seria melhor que morresse lutando — disparou Megan.
—Meg — advertiu Ross.
—Ela é Meg Sutherland, sim — bradou uma mulher. — Lady
Siusan, que era a imagem dessa moça, se abrigou com Dame Islã há
um ano e falou com orgulho da irmã, Megan, a poetisa de Eammon
Sutherland, de Curthill.
—Ele é das Terras Baixas, Mairi — respondeu rápido o gigante.
—Mas é casado comigo, o que o faz um Sutherland.
—E Sutherland não tomam dinheiro de seus membros —concluiu a
ruiva alta.
— Nobres sentimentos para um grupo de salteadores — resmungou
Ross.
Jock franziu o cenho.
— Não nos chame de ladrões. Vocês das Terras Baixas cobram pela
passagem pelas estradas e pontes. É apenas o que estamos tentando fazer
aqui.
Era verdade, mas Ross não cederia.
—E se não pudermos pagar?
—Entre membros do clã não é necessário o pagamento. —
resmungou Jock.
— Obrigada. — Megan lançou um olhar conhecedor a Ross. —
Estranhos passaram por aqui ontem?
Jock balançou a cabeça.
—Não temos tido movimento.
—Ouvi homens na floresta esta manhã — declarou um homem.
—Quantos homens? — apressou-se Ross. — Para onde foram?
—Não sei. — Mais perguntas revelaram que o homem morava ao
norte da floresta e ouviram duas tropas passarem, uma logo após a
outra.
—Owain e meus homens — murmurou Ross. Mas eram os perseguidos
ou os perseguidores? E onde estavam os outros? — Bem, nós vamos
continuar.
Nesse instante, um homem chegou correndo avisando que vira tropas
armadas com cavalos de batalha.
— São os meus homens! — exclamou Ross. — Se puder me levar à
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Ross sorriu.
—Vamos até eles, então.
—Um momento — Jock se voltou, chamando o último homem do
grupo, e Ross percebeu que alguém estava na garupa. — E melhor
deixarmos a poetisa aqui — opinou.
—Megan! — exclamou Ross, quando ela apareceu por trás do homem.
— Que diabos...
—Vim para socorrer os feridos — informou ela. Nossa, como ele
estava zangado. Fora pelo mesmo motivo pelo qual não deixara a
cabeceira de sua cama quando ele fora envenenado. Sabia... no
fundo do coração... que se ele ficasse longe de seus olhos, morreria.
—De todas as coisas estúpidas... — Ross retirou o capacete e
avançou contra ela, tão alterado que a fez recuar um passo. — Se
não estivesse com tanta pressa, eu... eu...
Ele a amaria. Megan entendeu aquilo em seu olhar e se encheu de
coragem para permanecer no lugar. Ficando na ponta dos pés, beijou-o
rapidamente nos lábios. Ele realmente a amava.
—Vá com Deus, meu amor — sussurrou ela. — Estarei aqui, a salvo,
nas rochas, esperando por você, rezando para que volte a salvo.
—Megan, ordeno que se esconda atrás das rochas e fique lá até que eu
volte. Serei inútil nessa luta se meus pensamentos estiverem em
você.
—Prometo por tudo o que é sagrado. — Isso pareceu satisfazê-lo,
pois ele assentiu e voltou-se para os Sutherland.
—Venham, vamos fazer uma surpresa a esses bastardos.
—Sim — responderam os homens decididos.
Megan se assustou ao ouvir o brado de Ross ao partirem para a luta.
Apesar da promessa, permaneceu encostada num rochedo e assistiu ao
desenrolar do drama. Assustados pela chegada, os atacantes ficaram
confusos e se voltaram para avaliar a nova ameaça, esquecendo a batalha
original. Um brado dos Carmichael chamou novamente a atenção dos
atacantes. Pegos entre duas forças, o inimigo gritou e desistiu, saindo da
cena em completa desordem.
Os dois homens que lideraram a retirada chamaram a atenção e
Megan. Um era bem mais alto que o outro, que estava muito bem trajado.
Comyn, foi seu primeiro pensamento. Comyn e aquele mercenário dele.
Qual era mesmo o nome? Haken ou Hakor ou algo assim. Geralmente, ficava
em Shurr More durante a ausência de Comyn. Gostaria de alertar Ross, pois
seria a única forma de fazê-lo acreditar que Comyn estava por trás de tudo.
Com sabedoria, Ross não permitiu que os homens fossem atrás dos
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controlá-lo.
— Não fique aí parado — reclamou Megan. Ela pressionava um pano
contra o braço ferido. — Temos que acalmá-lo antes que sangre até morrer.
Ross guardou a espada, chamando Owain e Davey com um gesto.
—Ela vai cortar o meu braço! — berrou Andrew.
—O quê? — Ross ergueu a cabeça. — Meggie? — questionou.
—Vou salvá-lo, se puder. Mas ele se recusa a tomar o remédio contra
a dor. E não posso fazer nada enquanto ele se agita.
—Ela vai cortar o meu braço!
—Se Meg diz que não vai, ela não vai — garantiu Ross.
—Dei motivo para ela não gostar de mim — murmurou ele.
—Não foi o único — refletiu Ross. — Mas, felizmente, Megan tem um
coração de ouro. Você cometeu menos crimes do que eu, e ela me
salvou do envenenamento. — Andrew relaxou. — Davey, prepare
outra dose e ajude-o a tomar.
Megan sorriu para Ross, agradecida.
— Faça o melhor, amor. É tudo o que podemos pedir.
Davey e Ross permaneceram a seu lado durante toda a operação de
sutura do corte que ia do ombro ao cotovelo. Quando acabou, ela se deixou
ficar no abraço de Ross, mas logo enrijeceu-se.
—Tenho que cuidar de Lucais — Ela trocou o curativo da pancada na
cabeça, mas ele não recuperara os sentidos. Temia que nunca fosse
recuperar.
—Davey vai ficar aqui — assegurou Ross. — Já fez tudo o que podia
por esta noite.
— Mas... — Ela tentou se desvencilhar.
Ross a segurou com firmeza.
— Se não descansar agora, não vai poder ajudar ninguém depois.
Ela suspirou, cedendo à lógica.
— Está certo.
Já deitados na barraca, Megan passou a mão por seu maxilar
determinado.
—Obrigada. Por sua ajuda. Por sua confiança.
—Sou eu que tenho que agradecer, Meggie. — Ele a ergueu,
alinhando seus corpos de tal forma que se tocavam do peito aos
joelhos, masculinidade e feminilidade.
— Oh, Meggie. Eu... — Eu te amo. Ele a amava, entretanto, não
ousava dar-lhe tal poder sobre ele. Com a boca escondida em seu pescoço,
recuperando o fôlego, estremeceu como um cavalo que correra uma grande
distância, rápido demais.
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era tarde e temia que não chegassem à torre da tia antes do escurecer.
— É fácil ver por que a chamaram Kilphedir, a rocha — resmungou
Owain, chamando a atenção de Megan para a torre.
A torre se erguia de uma escarpa como um punho negro apontando
para o céu. A medida que se aproximavam, Megan viu que a fortaleza era
uma ilusão. A defesa real de Kilphedir estava no fato de não haver portas ou
janelas ao nível do solo.
Está vendo por que estava preocupada? — perguntou Megan com o
olhar.
Veremos — respondeu ele, igualmente silencioso.
Exceto por luzes distantes nas janelas, parecia que Kilphedir estava
em repouso. Ao se aproximarem do muro, cabeças com capacetes surgiram
lá em cima.
— Digam seu nome e assunto — exigiu uma voz áspera.
Ross deu seu nome e posição social. Antes que suas palavras se
perdessem, carregadas pelo vento, quatro homens surgiram nas janelas
superiores, e mais outra dúzia se materializou às suas costas.
Cansada de toda essa paranóia, Megan se pronunciou:
— É Megan, tia Brita.
Instantaneamente, dois homens foram postos de lado e uma
cabeça grisalha surgiu na janela.
— Megan! Não fique aí parada; seus grandes tolos, deixem a
moça entrar — berrou Brita.
Ross ergueu uma sobrancelha.
—Uma mulher formidável, a tia Brita. — Não se arrependeu
quando a mulher veio ao seu encontro, descendo as escadas. Ela
tirou Megan do cavalo e a abraçou antes que ele pudesse piscar.
— Olhe para você — censurou ela, sacudindo-a com energia. — E
quem é esse? — voltou a cabeça grisalha para Ross.
—M-meu marido.
—Ross Carmichael — anunciou ele, desmontando e fazendo uma
mesura à senhora.
Ela o olhou como a um garanhão que se compra na feira.
— Bonito como o pecado e duas vezes mais forte, aposto.
Provavelmente, o diabo na cama também, como o meu querido
Dugan — acrescentou: — Dê ordens a seus homens enquanto
eu providencio comida para todos.
—Quero ver Siusan — começou Megan, mas a tia nem queria
ouvir sobre isso até que tivessem se alimentado.
Alguma coisa estava errada, pensou Ross, enquanto via a tia
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— Tarde demais... desde que Lion... desde que Lion morreu em meus
braços. Não há alegria para mim. — Soltou a mão da de Ross e acariciou
o rosto de Megan. — Quero ir... preciso estar com Lion. Mas detesto deixar
Kieran... — O olhar angustiado se voltou para o berço.
—Tio Dugan fez o berço há muitos anos para os bebês que tia Brita
perdeu. Pensei que fosse perder Kieran também, mas ele é forte
como o pai. — Siusan olhou para Ross. — Ele é tudo que restou de
Lion e mim. Vai mantê-lo a salvo por nós?
—Sim. Farei qualquer coisa pelo filho de Lion — foi o que Ross
conseguiu dizer antes que o nó na garganta se apertasse. Lion
tivera um filho que jamais conhecera. A gravidade da situação fê-lo
ir até o berço. Sentiu as pernas fracas quando olhou e viu um ser
humano pequenino ali, de cabelos escuros. — O filho de Lion. —
Ajoelhando-se, tocou a cabecinha, hesitante.
O bebê se mexeu, erguendo cílios negros, voltando os olhos violeta
tão familiares para Ross, que sentiu um aperto no coração. Quanto isso
significaria para seus pais, agora que Lion deixara uma parte de si para
trás.
—Por que não nos avisou?
—Estava com medo. — A voz de Siusan era tão fraca que mal
chegava a todos os pontos do aposento. — Com medo de que, se
ele soubesse que eu estava carregando o filho de Lion, nos
mandasse matar.
—Ele? Sabe quem matou Lion? — exigiu Ross, incapaz de reprimir a
pergunta que o atormentava havia um ano.
Assustado com sua alteração, o pequeno Kieran começou a chorar.
Megan deixou a cama como um gato escaldado. Passando por Ross,
pegou o sobrinho nos braços.
— Ei, ei, fofinho. Tia Meg está aqui. Não vou deixar o homem bravo
machucá-lo. Isso pode esperar até Siusan ficar mais forte — censurou ela.
Ross olhou para Siusan e temeu que ela nunca fosse ficar mais forte.
—Vou deixá-las então. Podemos conversar sobre isso amanhã.
—Em horas assim é que sinto falta de meu Dugan. Oh, sou capaz de
proteger o que ele me deixou quando morreu há cinco anos. — Brita
olhou para os homens que descansavam sobre o assoalho no fim do
salão. — Mas seria bom ter um homem forte para cuidar disso.
Ross assentiu, olhando para o fogo, mas pensando em Megan.
—Ouvi dizer que foi forçado a se casar com Megan. Ainda se sente
forçado?
—Não — declarou Ross, voltando a cabeça para encarar a matrona. —
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Brita suspirou.
—Sim, mais tarde, quando voltou a si, ela percebeu que eram
Eammon... e Comyn.
—Os dois? — Ross suspirou. — Mas quem matou...?
—Ela não sabe quem matou Lion, talvez nem Lion, pois foi morto
pelas costas.
—Mas quando voltou a Curthill ela não inquiriu o pai e Comyn?
—Não, em princípio estava muito abatida pela morte de Lion.
Passou uma semana de cama lamentando. — Brita limpou a garganta.
— Megan suspeitava de que Siusan estivesse grávida de Lion. Isso
pelo menos tirou Siusan momentaneamente de sua miséria. Ela
perdera seu amor, mas carregava o filho dele.
—Isso teria confortado meus pais também... se soubessem —
censurou Ross. — Se ela tivesse vindo a nós...
Brita desdenhou.
— De alguma forma não posso imaginar um homem que tenha
desafiado o rei atacando Eammon recebendo Siusan.
Era verdade. E agora, ele receberia Megan quando soubesse que um
Sutherland estivera na cena do crime? De alguma forma, precisava descobrir
quem realmente matara Lion.
— Eammon ou Comyn ameaçaram Siusan? Foi por isso que ela
deixou Curthill?
—Não. De acordo com o que Siusan me contou quando chegou aqui,
ela estava com muito medo. Não podia nem ver o pai ou Comyn. E
também temia que, se soubessem que ela desconfiava de alguma
coisa, tentassem matá-la e ao bebê.
—Megan sabia disso tudo? — perguntou Ross. A rápida negativa da
mulher, sentiu-se aliviado. — Chegadas que eram, por que Siusan
não confiou na irmã?
—Se pergunta isso é por que não conhece Meg muito bem. Por mais
que amasse o pai e odiasse Comyn, ela teria se confrontado com os
dois imediatamente.
—Sim. — Ross massageou a nuca.
—Se quer a verdade, acho que Comyn é culpado. Ele olhava de
forma estranha para Siusan quando achava que ninguém o
observava.
Ross ficou atónito.
— Se ao menos houvesse um modo de ter certeza.
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More.
Ela balançou a cabeça.
—Não toque em mim.
—Siusan, eu amo vo... Sempre ame... — Ele desistiu de argumentar e
a tomou nos braços, percebendo o quanto ela estava magra.
—Lion! — gritou ela. Seus olhos se reviraram e ela deixou de lutar.
Não. Não podia ser, Comyn a deitou no chão. Com as mãos trémulas,
afastou os cabelos de seu rosto.
—Siusan?
—Lion... — O sussurro terminou com um suspiro. A expressão do
rosto relaxou e ela se foi.
CAPITULO 17
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—Meggie...
—É Siusan, não é? — Ao assentimento, ela gemeu, enchendo a boca
com os nós dos dedos para não gritar. — Comyn...
—Acho que o coração desistiu — informou Brita, gentil. — Ela está
com Lion agora.
Megan começou a soluçar incontrolavelmente.
— E-ela queria mais do que tudo. Mais do que ver seu filho se
tornar homem. — Virou-se para o berço. — Pobre Kieran. Está sozinho
agora. Traga-o, por favor. — Estendeu os braços para que Ross trouxesse a
criança.
Ross ficou ainda mais sombrio.
—Quando chegamos aqui, Kieran já não estava mais — contou. — Os
guardas ouviram um choro de criança e alguém saindo pelo muro
na parte de trás.
—Comyn o levou? Não! — Megan se sentou e balançou tonta. —
Precisamos ir atrás dele.
Ross a abraçou, embalando-a.
—Meus homens já estão se preparando para a jornada. Você vai ficar
aqui com...
—Não. Vou também — Megan apoiou-se, ignorando a dor na cabeça.
— Vai precisar de mim para cuidar de Kieran.
Ross balançou a cabeça.
—Você está cansada, ferida.
—Prometi a Siusan que cuidaria dele, mas Comyn o roubou.
—É minha culpa — admitiu Ross, chocando-a com essa afirmação. —
Se tivesse acreditado em suas acusações, Siusan poderia estar viva e
Kieran, são e salvo.
—Oh, Ross, não quis culpá-lo.
—Eu culpo a mim mesmo. Não vou arriscar você também. Você fica
aqui onde sua tia pode cuidar de você. — À tia, pediu: — Apreciaria
se pudesse ceder um guia que conhecesse estas montanhas.
—Eu vou. — Megan se levantou, mas desta vez quem a deteve foi a
mão larga da tia.
—Eu cuido da menina — declarou Brita. — Vinte de meus melhores
homens vão indicar o caminho e ajudarão se houver luta.
Provavelmente, ele foi para Shurr More, cerca de setenta
quilómetros a oeste daqui, mas passando pela parte mais selvagem
das Terras Altas.
Ross assentiu.
— Não importa se tiver que passar pelo inferno, devo alcançá-lo
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antes que chegue à torre. — Ou senão ele vai se fechar e nós nunca mais
conseguiremos Kieran.— Cuide-se — foi tudo o que disse antes de sair
apressado do aposento.
—Não posso deixá-lo ir sozinho — insistia Megan, agarrando-se ao
braço da tia. — Sei que algo ruim vai acontecer se eu não estiver lá
quando ele enfrentar Comyn.
—Ele é como o meu Dugan — divertiu-se a senhora. — Forte, honrado
e orgulhoso demais para seu próprio bem. — Soltando-se de Megan,
ergueu-se. — Venha, temos muito a fazer e pouco tempo antes que
seu cavaleiro saia atrás de Kieran.
Megan concordou, submetendo-se ao curativo que a tia habilmente
fez em sua cabeça, e vestiu-se para a jornada com uma túnica de couro e
calça de lã xadrez.
— Eu as usava quando era mais jovem e mais elegante —
confidenciou tia Brita.
— Sobre Siusan...
— As servas a levaram para o seu aposento.
A tia a acompanhou até lá.
Siusan parecia em paz e feliz pela primeira vez em um ano. Usava o
vestido que fizera para o casamento, de veludo vermelho escuro que
acentuava o dourado de seus cabelos e dava um tom rosado à sua pele.
— Oh, Sius...
Tia Brita abraçou Megan, oferecendo conforto, força e calor humano.
Queria ficar ali, mas já ouvia os gritos de Ross lá fora, pedindo o cavalo. E
em algum lugar na escuridão, Comyn corria com seu prêmio.
— Vou enterrá-la no morro, com Dugan e nossos bebês. — prometeu
a tia, as lágrimas rolando sobre o rosto.
Megan deu-lhe um beijo e olhou pela última vez para Siusan.
— Vou sentir sua falta, doce irmã — sussurrou. — E juro pela sua
alma que vou encontrar Kieran e criá-lo como se fosse meu próprio filho.
Pararam uma vez para dar água aos cavalos num riacho. Megan
aceitou uma caneca que lhe passaram, mas não desmontou, sentindo que não
poderia se sustentar em pé se o fizesse. Ross estava longe, conversando com
Owain, e não queria chamar sua atenção. Fechou os olhos por um instante,
cansada de procurar por algum sinal de Comyn no horizonte.
E de Kieran.
Ele era tão pequeno, tão vulnerável. Por favor, Deus, mantenha-o a
salvo até o encontrarmos. Imaginou a batalha que se seguiria. Homens,
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seu pai, Siusan como esposa, Curthill como base para meus
negócios.
Demónio. Sentiu um amargo na boca, mas tinha que mantê-lo falando,
tinha que encontrar um modo de fugir com Kieran.
—Por que ninguém encontrou a flecha no cavalo?
—Porque Hakon se ofereceu para recolher os animais e o corpo de
Ewan. Ele retirou a flecha nessa hora. — Comyn cruzou os braços sobre
as correntes de ouro sobre seu peito. — Você precisa pagar, percebe
— comentou, com a calma de quem compra um tecido.
—Ficar aqui trancada na sua fortaleza já é tortura suficiente —
rebateu ela, com astúcia. — Se pudesse induzi-lo a dar-lhe a liberdade de
andar pelo castelo, poderia encontrar um meio de escapar.
—Não é o suficiente. — Comyn pousou a mão no queixo, as luzes das
velas intensificando a loucura em seu olhar. — Você é uma
prostituta orgulhosa. Poetisa do clã Sutherland — desdenhou.—
Umas poucas noites nas barracas com meus homens vão baixar seu
orgulho.
—Não. — Megan sentia o coração batendo tão forte que mal podia
ouvir a risada de Comyn. Protegeu-se atrás do poste do dossel.
Ele foi até ela, a expressão ameaçadora, predatória.
— Talvez eu a use primeiro. —Esboçou um sorriso de lobo. —
Lembra-se da vez que me pegou atormentando os cães? Seu pai não
acreditou na sua história, mas ele ficou pensando como um cão podia se
perder. Não são apenas cães que gosto de amarrar, Meg. Vai aprender
coisas em minha cama que nunca imaginou na de Ross.
Megan avaliou a distância até a porta. Longe demais para sua
perna manca. Nem poderia levar Kieran. Foram salvos pelo toque de
sinos.
— Que diabo! — Comyn foi até a janela, abriu-a e pôs a cabeça para
fora. — Fumaça, da cozinha e dos estábulos. Isso é coisa de Ross. Achei que
ele desistiu depressa demais, mas ele não vai incendiar tudo aqui como os
MacKay fizeram com meus pais. Voltarei para terminar nosso assunto —
disparou, antes de sair apressado.
O som da barra de ferro sendo posicionada ecoou pelas paredes de
pedra do aposento. Estremecendo, Megan se deixou afundar no canto da
cama. Escapar era seu primeiro instinto, mas como? Estava sozinha, no
terceiro andar da torre dentro da fortaleza do inimigo, com a porta trancada
pelo lado de fora.
Sairia pela janela.
Megan se levantou, tomou Kieran e foi até a lareira. Pousou o bebê
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—Eu? — Comyn riu. — Mas eu não matei o seu irmão... foi Eammon.
Eu disse a ele que Lion tinha o ópio. Disse que, se ele quisesse a
droga, teria que matar Lion. Que boa pontaria tem o velho,
considerando suas condições.
—Eammon matou Lion?
Não. Não podia ser.
—Não poderia ir a Siusan com as mãos sujas do sangue de Lion.
Comyn aproveitou que Ross se distraíra para tirar vantagem. Puxando
uma adaga do cinto, pulou para cima dele. Rolaram os dois no chão, a adaga
junto ao pescoço de Ross.
— Agora, vai pagar...
Ross segurou sua mão e procurou a própria adaga. Lembrou-se de que
a usara para silenciar um vigia. Mas... havia alguma coisa. Um pedaço de
madeira liso e fino. O galho que Dame Islã lhe dera. Por sorte.
Ross acertou Comyn no olho. Ele gritou, surpreso. Então, soltou o ar e
morreu.
Ross imaginou ter ouvido as portas do inferno se abrirem para abrigar
outro demónio. Um cujos atos se refletiriam além túmulo, perturbando os
vivos.
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Ver Eammon Sutherland era uma provação, mas não aquela que Ross
imaginava. O velho homem na cama com dossel parecia mais um fantasma,
o rosto tão branco quanto o travesseiro sob sua cabeça.
—Oh, papai — engasgou Megan. Apertou a mão de Ross até seus ossos
estalarem em protesto, mas ele não a largou, não querendo que ela
enfrentasse essa luta sozinha.
—Meggie? — Eammon ergueu levemente as pálpebras. — Ah. Você é
um colírio para esses olhos cansados. — Olhou para Ross. — Lion?
— Esboçou um leve sorriso. — Que bom vê-lo, rapaz. Tive um
sonho terrível... pensei que alguma coisa ruim tivesse acontecido.
Não podia suportar aquilo. Chegue mais perto... — Ergueu a mão,
que caiu novamente sobre a cama. — Preciso... pedir um favor.
Piratas. Piratas malditos. Tente pará-los... Fracassei. Não fui forte o
bastante. Mas você é. — Novamente a mão se ergueu.
Por instinto, Ross se estendeu e tomou-lhe a mão, pressionando-a
ternamente.
—Está tudo bem, senhor.
—Não. Não vai estar tudo bem enquanto eles não pararem. Diga que
vai... pará-los, pelo meu povo — implorou Eammon, os olhos
lacrimejantes.
—Considere feito — declarou ele, gentil.
—Ah. — O velho homem relaxou na cama. — Soube no momento em
que o vi que era o homem para minha Siusan... o homem para salvar
minha gente.— Fechou os olhos.—Negócio ruim... não posso pensar
em como começou. Cansado... cansado demais para lutar com
Comyn.
—Shh — pediu Megan. — Está tudo bem agora. Deve se concentrar
em melhorar.
—Tenho... minha Mary diz que vai me matar se eu não melhorar.
O pai voltou a dormir, Megan se voltou e enterrou o rosto na túnica
de Ross.
—Obrigada por fingir que era Lion. Amanhã, se ele estiver mais
forte, vamos contar a verdade.
Verdade. A palavra atingiu Ross como uma lâmina em brasa.
— Vamos esperar ele melhorar — ofereceu ele, suave, acariciando
suas costas. Se contasse a verdade, arriscaria machucar Eammon, que fora
tão vítima quanto Lion, arriscaria machucar lady Mary e todo o resto do clã
que agora se esforçava para recolocar a vida em ordem.
E quanto a Megan? A vida em comum estava apenas começando.
Como podia manchar aquela esperança brilhante? E quanto ao pequeno
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Kieran? Sua família aceitaria a criança, sabendo que em suas veias corria o
sangue do assassino de seu pai?
Se pelo menos não tivesse ouvido a confissão de Comyn.
— Ross. Você está tremendo de frio e cansaço — percebeu lady Mary.
— Pedi um banho para o aposento que você e Megan dividiram na noite
de núpcias. Vá na frente. Eu... eu preciso conversar com ela.
Sem perceber que a sogra estava preocupada com alguma coisa, Ross
ficou agradecido pelos minutos de privacidade que teria para refletir.
— Mamãe, estou contente em vê-la, e gostaria de conversar com
você, mas preciso ver se Ross quer alguma coisa. E Kieran, embora ele tenha
aceitado bem toda essa agitação, pode estar assustado com tantos rostos
estranhos. — Megan fez menção de sair.
A mãe passou-lhe uma taça de vinho.
—Por favor, sente-se um minuto... aqui, junto ao fogo.
Megan tomou uma cadeira.
—Alguma coisa está errada.
—Bem. — A mãe engoliu em seco e desviou o olhar.
— Mamãe, essa confusão toda me ensinou a valorizar a verdade.
Deve me contar o que a aborrece para podermos ver como vamos lidar com
isso.
Lady Mary olhou para as mãos.
—Existe a possibilidade de você não poder ter filhos.
—O quê? — Chocada, Megan gelou no mesmo instante. Ajoelhou-se
diante da mãe. — Como pode ser? — perguntou, confusa, magoada.
Ouviu as explicações e só conseguia entender que seus sonhos
estavam desmoronando.
—Ross — foi a primeira preocupação de Megan. — Ele vai ficar
arrasado.
—Por que contar a ele? — perguntou a mãe. — Ele pode repudiá-la por
isso.
—Ele tem o direito de saber que a esposa é uma... es... es — Não
conseguia nem pronunciar. Estéril. Por que isso, depois de tudo? Por
que isso, quando todos os problemas pareciam ter ficado para trás?
— E-eu preciso contar a ele. — Mas como?
O sino da capela soou chamando para o jantar. Relutante, Ross abriu os
olhos e se sentou na banheira. Megan teria que se apressar se quisesse se
lavar antes de descer para comer. O sino tocou novamente, mais alto, mais
estridente. Quando o som se perdeu, chegaram a seus ouvidos passos no
corredor.
— Ross! — Owain entrou de supetão, a espada numa das mãos, o
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—Se foi? O que quer dizer com Megan se foi? — exigiu Ross de lady
Mary. — Cansada como estava, se ela foi à vila cuidar da gota de
Lang Gordy, eu... eu...
—Ela... ela teve que partir — respondeu a lady. Ele seguiu seu
olhar até a lareira onde sua família brincava com Kieran.
—Tem alguma coisa a ver com o bebê?
Lady Mary balançou a cabeça, mas empalideceu mais ainda.
—Se me contar sem rodeios por que e para onde Megan fugiu, eu irei
atrás dela e a trarei de volta ou esperarei até que ela volte.
—Ela... ela foi embora porque ela não pode lhe d-dar um bebê.
—Que loucura é essa? Casada por uma semana e já teme ser es...?
— E-ela é estéril. — A sogra desmoronou em prantos.
Quando se controlou, Ross tomou-a pelos ombros.
—Por que teve que contar a ela? Nunca se pode ter certeza nesse
assunto.
—Porque ela insistiu em saber a verdade.
A verdade. Ross voltou os olhos para o teto. Então, essa era sua
punição por sua obsessão pela verdade.
— Me diga para onde ela foi? — exigiu ele.
Assim que obteve a informação, ele pegou um cavalo do estábulo do
castelo, não Zeus, que estava exausto da viagem, e partiu para a vila.
Minutos depois já estava na cabana de George.
—Quem está aí? — perguntou o alfaiate, tímido.
—É Ross. Quero falar com Megan. Sei que ela está aí, portanto, me
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deixara órfão.
— Ross! Ross! Ross! — cantou a assembleia de Carmichael. Ruborizado
de constrangimento, mesmo assim emocionado às lágrimas, Ross se levantou e
acenou para sua gente. Então foi até Megan, sem saber se queria beijá-la ou
sacudi-la.
Andrew tirou a decisão de suas mãos, agarrando-o pelo braço.
— Venha. Temos alguns assuntos para resolver. — A multidão abriu
passagem enquanto o cavaleiro levava Ross para o extremo do campo de
treino.
Ross sentiu o coração palpitar quando viu sua armadura sobre a relva
e Davey esperando para ajudá-lo a vesti-la.
—Não vou lutar com você.
—Já houve bastante luta — concordou Andrew.
—Então, o que...?
—E um tipo de cerimónia — sussurrou Megan, passando a mão sobre
ele, reconfortando-o.
—E coisa sua? — exigiu ele, cauteloso.
—Realmente mencionei sobre isso quando conversava com seu pai,
mas...
—Vista a armadura — bradou o pai. — O pessoal já está cansado de
ficar em pé com as pedras.
Ross piscou, percebendo que cada um dos Carmichael tinha uma
grande pedra, na mão ou junto aos pés.
—Vão me atirar pedras?
—Tolinho. — Megan o beijou no rosto e se retirou enquanto Davey,
Owain e Andrew o ajudavam com a armadura.
—Bem? — exigiu Ross quando acabaram, sentindo-se um tolo com a
armadura completa de batalha. O sentimento continuou até que o pai
carregou uma rocha de verdade uns doze passos, pousando-a à sua
frente.
—Eu, que plantei a semente, coloco a primeira pedra — declarou o
senhor, solene. — Permita que seja a fundação da qual o próximo
senhor dos Carmichael comandará um dia.
Os raios de sol brilharam nas lágrimas de Lionel, que se afastou
indo para junto da esposa. Os outros homens rapidamente imitaram o gesto,
pousando pedra após pedra até construírem uma estrutura da altura do
ombro, de forma triangular. Por último, Megan tomou a frente com Kieran
nos braços. Na mão, ele carregava uma pedrinha, que ela ajudou a soltar,
juntando-a às outras.
— Por Kieran, que será o herdeiro de Ross — declarou ela, a voz
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rouca de emoção.
Se os Carmichael acharam estranho que Ross designasse o filho do
irmão para sucedê-lo ao invés de um seu próprio que um dia teria, não ficou
claro nos brados de aprovação. Em seguida, os homens ergueram Ross nos
ombros e o colocaram acima das pedras. Giles e Davey ficaram dos lados
para sustentá-lo enquanto Andrew passava a espada que Lionel levava
para a batalha.
— Que seja conhecido que, deste dia em diante — gritou o pai, a voz
atingindo os muros do castelo — Ross Carmichael é meu herdeiro
reconhecido,e será o chefe do clã depois de mim. — A alegria tomou
conta da assembleia de Carmichael.
Tomado pela emoção, Ross balançou e teria caído se Andrew não o
sustentasse. O mar de rostos ficou borrado, todos exceto um. Megan ergueu
o olhar com amor, as lágrimas correndo pelo rosto. Ela ainda estava lá,
segurando Kieran e sorrindo, quando os membros do clã o baixaram de
volta.
—Vai me pagar por todo esse constrangimento — disparou Ross,
beijando-lhe a testa para amainar a dureza das palavras. Na
verdade, estava mais tocado do que podia externar sem se
desequilibrar emocionalmente.
—Não culpe a moça — censurou o pai, batendo-lhe nas costas. — Ela
só mencionou que uma cerimónia assim é realizada nas Terras Altas
para confirmar o herdeiro e eu...
Agarrou-se a isso como uma truta faminta, pensou Megan, abraçando
mais um pouco Kieran de felicidade. A cerimónia fora uma maneira graciosa
para Lionel reconhecer Ross como seu herdeiro sem admitir que devia ter
feito isso havia um ano. E Ross...
O sorriso encantado, a serenidade no olhar, azul e límpido como o céu
outonal, fez seu esquema valer a pena. Mas... havia mais alguma coisa
naquele olhar, toda vez que se encaravam, que a estava deixando
preocupada. Quando a refeição terminou, Ross já tinha sido saudado por
cada Carmichael com idade superior a dez anos.
As sombras se alongavam, o ar estava definitivamente mais frio
quando Megan caminhou pelo castelo para ver se estava tudo bem com
Kieran. Olhando para seu rosto doce, os cabelos negros emoldurando
bochechas cheias levemente rosadas pelo sol, sentiu o coração se apertar.
Oh, Siusan.
— Não se lamente por eles, amor — sussurrou Ross, abraçando-a
pela cintura e trazendo-a para mais perto. — Eles estão juntos, como
queriam, e nós vamos manter Kieran a salvo.
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Fim!
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