Você está na página 1de 86

WWW.AEROMAGAZINE.COM.

BR
BRASIL · ANO 29 · Nº 338 · · € 4.00

FAB
CAMPO DE MARTE MUDANÇAS
O FUTURO DO MAIS EM CURSO
ANTIGO AEROPORTO
DE SÃO PAULO

AVIÕES
E CARROS
AS CURIOSAS CONEXÕES ENTRE AS
INDÚSTRIAS AUTOMOTIVA E AERONÁUTICA
2 | MAGAZINE 3 3 6
MAGAZINE 3 3 6 | 3
APENAS PARA MAIORES DE 18 ANOS

Os melhores vinhos
das melhores importadoras
em um único clube

Acesse e faça parte


ClubeAdega.com.br
E D ITO R I A L
ASAS E RODAS
Montadoras de automóveis que já produziram aeronaves,
AERO MAGAZINE
BRASIL · ANO 29 · Nº 338 · 2022 fabricantes de aviões que um dia construíram carros e marcas
de helicópteros e jatos de negócios que se uniram à de veículos
DIREÇÃO
Publisher superesportivos de luxo para desenvolver projetos especiais.
Christian Burgos - christian@innereditora.com.br
Embora trafeguem por vias diferentes, as indústrias aeroespacial
Diretora de Operações
Christiane Burgos - christiane@innereditora.com.br e automobilística compartilham inúmeras pontos em comum.
REDAÇÃO Investigando essas intersecções, preparamos uma extensa e
REVISTA
Editor-chefe
curiosa reportagem com os casos mais marcantes envolvendo os
Giuliano Agmont - giuliano@aeromagazine.com.br
transportes aéreo e rodoviário.
DIGITAL
Editor
Também preparamos um artigo especial sobre o aeroporto
Edmundo Ubiratan - edmundo@aeromagazine.com.br
mais antigo de São Paulo (para alguns, do Brasil). Localizado
Colaboradores
David Clark, Georges Ferreira, Luiz Felipe B. de Barros,
na Zona Norte da capital paulista e alvo de disputas históricas
Pedro Guilherme G. de Souza, Rodrigo Duarte e
Teomar Benito Ceretta
entre os governos federal e municipal, o aeroporto Campo de
ARTE
Marte será concedido à inciativa privada depois do fim de um
Diretor de Arte imbróglio que durou décadas. Uma oportunidade e tanto para
Ricardo Torquetto - ricardo@innereditora.com.br
um aeródromo que tem como principal virtude proporcionar
PUBLICIDADE / ADVERTISING
publicidade@innereditora.com.br capilaridade aérea entre o maior centro financeiro da América
+55 (11) 3876-8200 – ramal 11
do Sul e centenas de destinos do país.
Representante Comercial Brasil e América Latina
Teresa Rebelo – teresarebelo.inner@gmail.com Ainda na aviação geral, produzimos um especial sobre
MARKETING turismo aeronáutico com dicas para quem quer literalmente dar
Coordenador
Vinícius Araújo - vinicius@innereditora.com.br a volta ao mundo. São recomendações de como se planejar para
INTERNATIONAL SALES realizar a grande viagem de sua vida, pilotando o próprio avião.
Estados Unidos
Inner Publishing - sales@innerpublishing.net Prepare-se e embarque nessa.
Marketing - marketing@innereditora.com.br
Na aviação militar, analisamos as mudanças em curso na Força
FINANCEIRO
financeiro@innereditora.com.br Aérea Brasileira e o impacto das decisões da Aeronáutica nos
CIRCULAÇÃO grandes contratos da corporação. Com a decisão de investir na
R.Scola Marketing Editorial
FAB mais como braço armado do que como parceira de fomento
ASSINATURAS
assinaturas@innereditora.com.br
da indústria nacional, os caças Gripen ganham relevância em
+55 (11) 3876-8200
detrimento dos pedidos do C-390 Millenium.
ASSESSORIA JURÍDICA
Machado Rodante Advocacia
Também nesta edição, mostramos as perspectivas e as
www.machadorodante.com.br
novidades da indústria para o transporte aéreo de carga.
FALE CONOSCO
info@innereditora.com.br | + 55 (11) 3876-8200
Elencamos os principais aviões que prometem ganhar espaço
IMPRESSÃO
nesse mercado, com uma importante ofensiva da Airbus sobre
Grass Indústria Gráfica a líder Boeing. E mais: duas matérias que registram nossa
AERO Magazine é uma publicação
memória, uma revoada com centenas de aviões brasileiros para
mensal da INNER Editora Ltda.
Buenos Aires e a saga de um piloto brasileiro até integrar o
www.aeromagazine.com.br
Senta a Pua, na Segunda Guerra.
A Inner Editora não se responsabiliza por opiniões,
ideias e conceitos emitidos nos textos publicados e
assinados na revista AERO Magazine, por serem de
inteira responsabilidade de seu(s) autor(es). Bom voo,

Giuliano Agmont e Christian Burgos


32
SUMÁRIO

48

22

22 ESPECIAL 40 INFRAESTRUTURA

A presença de marcas de carros As perspectivas em torno


no mercado de aeronaves do Campo de Marte após
o fim do imbróglio

32 AVIAÇÃO CIVIL 48 INDÚSTRIA

As dúvidas sobre a cobrança da A nova geração de aeronaves


taxa ambiental em Guarulhos destinadas ao transporte de cargas

34 TURISMO 56 AVIAÇÃO MILITAR

A importância do planejamento As mudanças na FAB


em viagens longas com seu e o impacto nos contratos
próprio avião com a Embraer
40

56 74

66 MEMÓRIA

Uma revoada com centenas de


aeronaves do Brasil à Argentina

SEÇÕES
74 HISTÓRIA
08 N A RE DE
A saga de um piloto brasileiro
que enfrentou o inferno 16 C UR IOS IDADE S

na Segunda Guerra
82 AE ROCL I CK
NA REDE

MIRAGE:
MISSÃO
CUMPRIDA
A Força Aérea da
França (Armée de
l’Air) aposentou
seu último Mirage
2000C RDI (versão
especial do avião
equipada com um
radar especial).
Uma cerimônia
especial foi realizada na base aérea de Orange-
Caritat 115, localizada na cidade francesa de Orange.
Além da aposentadoria do delta, apelido dos
membros da família Mirage, também foi desativado
temporariamente a unidade de caça, Escadron de CONTRA O TEMPO
Chasse 2/5, que operava caças Mirage 2000 RDI.A
unidade retornará em 2024, já equipada com os A Boeing corre contra o tempo para obter a
avançados Dassault Rafale F4 (versão mais recente). certificação do 737 MAX 10 até o final de 2022, antes
O último Mirage 2000 aposentado entrou em serviço que expire o prazo para homologação dentro das
em 1984 e registrou um total de 235 mil horas de voo atuais regras sobre os sistemas de alerta de cabine.
ao longo de quase 40 anos de atividade. O legado do Se esse prazo vencer, os custos de certificação vão
Mirage para a França é motivo de orgulho nacional. subir. Isso porque, como o MAX não conta com um
O primeiro caça da família foi desenvolvido nos anos sistema de alerta de cabine (como o EICAS, acrônimo
1950, com uma série de variantes e modernizações. para Sistema de Indicação de Motores e Alerta de
O Mirage 2000 foi desenvolvido em meados da Tripulação), a eventual adição de qualquer dispositivo
década de 1980 e serviu como um vetor rápido de vai significar treinamento adicional dos pilotos, algo
interceptações aéreas não apenas na França, mas, que a Boeing e os operadores não desejam, diante da
também, em vários outros países, inclusive no Brasil, elevação de custos com formação dos pilotos, além
por um curto período de tempo. da necessidade de uma carteira exclusiva para o 737
MAX 10, comprometendo a competitividade do
modelo no mercado.

102,4 %
Foi a alta acumulada pelo
querosene de aviação (QAV) em
doze meses, dobrando de valor
de 2021 para 2022.

8 | MAGAZINE 3 3 8
REDE 5G
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) divulgou
os requisitos que deverão ser observados pelas prestadoras
de telefonia móvel na instalação de suas estações para
operação da tecnologia 5G, na subfaixa de 3.300 a 3.700
megahertz, em áreas próximas de aeroportos estratégicos.
Segundo o órgão, as diretrizes estabelecem uma “Zona de
Atenção” nas proximidades de pistas de pousos e decolagens
de certos aeroportos, ainda não divulgados. Nessas zonas, as
prestadoras deverão observar as regras definidas pela Anatel
com relação ao apontamento do feixe principal das antenas,
de modo a manter os devidos padrões de segurança da
navegação aeronáutica. Estudos realizados pela Anatel não
revelaram riscos de interferência entre o uso típico de redes
celulares na faixa de 3,5 gigahertz, adotada pelo Brasil para
o funcionamento da tecnologia 5G, e os equipamentos utilizada pelos altímetros dos aviões provocou o adiamento
de radionavegação aeronáutica, ao contrário do que da implantação das antenas perto dos sítios aeroportuários
aconteceu nos Estados Unidos, no início do ano, quando e, até mesmo, a substituição dos equipamentos nas cabines
a coincidência do intervalo das frequências com aquela dos pilotos, depois que vários voos foram cancelados.

LEASING E BAGAGEM
O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou
a lei que reduz o Imposto de Renda Retido na Fonte
(IRRF) para pagamentos de aluguel (leasing) de aviões
por empresas aéreas brasileiras. Segundo a Associação
Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), a medida deve
preservar mais de 95 mil empregos, manter salários
na ordem de 2,8 bilhões de reais e injetar 6,2 bilhões
de reais no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O presidente também vetou a alteração na Medida
Provisória (MP) do Voo Simples, feita pela Câmara dos
Deputados e aprovada posteriormente pelo Senado
Federal, que permitiria o retorno da gratuidade do
despacho de bagagens nos voos no país. Na prática,
mantido o veto, as empresas vão poder cobrar menos de
quem viajar só com bagagem de mão, por exemplo.

ASA VOADORA
O conceito de asa voadora na aviação civil ganhou um novo impulso
com a proposta da Bombardier de desenvolver um jato de negócios
blended-wing. O avião ainda se encontra em fase preliminar, de estudo
conceitual, com ensaios aerodinâmicos. Mas os resultados podem
contribuir já para modelos que estão em desenvolvimento, como o
Global 8000. O uso de uma asa voadora é um antigo plano na aviação
civil, beneficiando-se de maior eficiência aerodinâmica e redução do
consumo de combustível, aliados à possibilidade de configuração de
cabines maiores e velocidades mais elevadas.

MAGAZINE 3 3 8 | 9
NA REDE
VOO INAUGURAL
A Airbus realizou o voo inaugural do
A321XLR, a versão de ultralongo alcance
do modelo, que permite voar rotas
intercontinentais sem escala. O novo
avião poderá voar rotas internacionais
com até 8.700 quilômetros de distância,
ampliando as opções de novos destinos ao
redor do mundo. O primeiro A321XLR
(MSN 11000) decolou do aeroporto
alemão de Hamburg-Finkenwerder
às 11h05 (local) para o primeiro voo
de teste, que durou quatro horas e 35
minutos. Por ser um modelo derivado
de uma família já certificada, o primeiro
voo teve uma duração consideravelmente
superior aos de voos inaugurais. Em voo
foram feitos uma série de avaliações e
análises, incluindo principalmente os
controles de voo, propulsão, sistemas
principais e envelope de voo. Atualmente,
AVIÕES o A321XRL é o avião de fuselagem
estreia com maior alcance da categoria,
INTERDITADOS superando o irmão mais velho, o A321LR.
Uma operação Com capacidade máxima em classe única
conjunta da de 244 assentos, o A321XRL se destaca
Agência Nacional por grande flexibilidade operacional. As
de Aviação Civil e empresas aéreas poderão optar por voar,
da Polícia Civil de com aproximadamente 200 lugares, em
São Paulo, com a novas rotas internacionais, como Nova
participação do setor York e Campinas, ou Miami e Londres,
de inteligência de explorando linhas até então inviáveis para
outros quatro estados, modelos de fuselagem larga. Da mesma
interditou 15 aviões no forma, será possível voar rotas de média
fim de maio último. A capacidade, com até 244 lugares, com
operação Divisas Integradas máximo uso do espaço interno.
VI promoveu ações fiscais em
municípios do interior paulista,
além de Andirá, no Paraná, tendo
como objetivo reforçar as atividades TREINADOR INDIANO
de combate a crimes ambientais A aeronave de treinamento básico Turbo Trainer-40 (HTT-40), da indiana
que impactam o agronegócio e Hindustan Aeronautics, recebeu o certificado de homologação do Centro
preservação da ordem pública e de Aeronavegabilidade e Certificação Militar (Cemillac, na sigla em inglês),
da segurança da população. No da Índia. O modelo visa modernizar a capacidade de treinamento da
total, os agentes fiscalizaram mais força aérea da Índia, que tem ampliado o uso de avançadas aeronaves nos
de 60 aeronaves e vistoriaram nove últimos anos. O avião será a base de formação dos pilotos da força aérea
entidades. Uma delas foi interditada indiana. Após passarem pelo HTT-40, os jovens aviadores seguem
por descumprimento das regras na formação voando os jatos
do setor e onze profissionais da Kiran Mark II e Hawk. Todos
aviação foram inspecionados. Entre estes estágios ocorrem antes
as infrações identificadas estão a dos pilotos serem qualificados
execução de serviços de manutenção para pilotarem aeronaves
por pessoas ou entidades não de alta performance, como
habilitadas e/ou autorizadas, o Su-30MKI, o HAL Tejas
operação de aeronaves sem marcas (tambem de fabricação local) e
de nacionalidade (matrícula) e o Dassault Rafale.
ainda a operação de aeronaves com
matrículas destruídas ou ocultadas.

10 | MAGAZINE 3 3 8
FÁBRICAS
NACIONAIS

FALCON 6X EM CAMPANHA
DESAER EM ARAXÁ... O novo jato executivo da Dassault, o Falcon 6X, realiza uma nova campanha
A Desaer, novo fabricante de de voos de testes ao redor do mundo. Segundo o fabricante, o objetivo é
aeronaves regionais com capacidade garantir a confiabilidade do Falcon 6X e dos sistemas de bordo em condições
para até 50 passageiros, anunciou a operacionais reais. Os voos de prova são parte da rotina de testes finais,
instalação de uma fábrica próximo realizados antes das entregas iniciais aos clientes. O Falcon 6X já concluiu
ao aeroporto de Araxá (AAX), em quase totalmente a série de ensaios de voo de certificação, incluindo testes
Minas Gerais. A intenção é produzir de imersão ao frio, testes de operação em alta altitude e ainda expandiu o
no local o ATL-100, a primeira envelope de voo muito além da velocidade operacional máxima de Mach
aeronave da Desaer, que será um 0,90 (1.111 km/h). O número de testes de voo restantes inclui testes de gelo
bimotor com capacidade para 19 natural e de pista contaminada. Capaz de voar 5.500 milhas náuticas (10.186
passageiros, podendo ser convertida quilômetros) sem escalas, o Falcon 6X apresentará a maior seção transversal
em transporte aeromédico, de de cabine de qualquer jato de negócios não convertido do mercado. O
tropas ou paraquedistas, patrulha modelo só deverá ser superado pelo futuro Falcon 10X, também da Dassault,
e vigilância. A nova fábrica deve que vai disputar o mercado de ultralongo alcance.
entrar em operação em janeiro de
2025.

100 ANOS
A primeira travessia aérea do Atlântico Sul completou 100 anos. A
ousada missão foi feita pelos pilotos portugueses Gago Coutinho
e Sacadura Cabral e teve como destinado o Brasil. A grande e
audaciosa viagem aconteceu entre os dias 30 de março e 17 de junho
de 1922, percorrendo 8.300 quilômetros em 62 horas e 26 minutos de
voo. Porém, a viagem exigiu uma série de escalas e paradas técnicas,
consumindo, assim, várias semanas. A ideia da travessia do grande
lago (como é conhecido o Oceano Atlântico) teve como propósito
fazer parte das comemorações
...OCTANS EM SOBRAL do primeiro centenário
da independência do
Outro fabricante nacional, a Octans Brasil, realizado em 7
Aircrafts, negocia uma mudança de de setembro de 1822. A
sua linha de montagem para Sobral, partida do hidroavião
no Ceará. Atualmente, o fabricante F III-D, de fabricação
desenvolve e produz o Cynus, um inglesa, ocorreu no
monomotor de asa alta para cinco famoso Rio Teja e o
ocupantes, em São João da Boa destino foi a então capital
Vista, no interior de São Paulo. O do Brasil, o Rio de Janeiro
avião tem certificação IBR 2020
emitida pela Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac).

MAGAZINE 3 3 8 | 11
NA REDE

C-390 PARA A HOLANDA


A Holanda confirmou a escolha do Embraer C-390 Millennium como
substituto dos C-130 Hercules. Segundo o Ministério da Defesa daquele
país, a previsão é que o primeiro avião de um total de cinco seja entregue
em meados de 2026. O órgão realizou um intenso e complexo processo
de análise para o substituto dos C-130, com os estudos demonstrando
que o C-390 seria uma opção melhor do que o C-130J, a versão mais
recente do turbo-hélice da Lockheed Martin. “A disponibilidade do
C-390M é maior, a aeronave pontua melhor em uma série de requisitos
operacionais e técnicos e requer menos manutenção”, afirmou o Ministério
da Defesa da Holanda.

JATOS DE NEGÓCIOS
EM CONGONHAS?
A Associação Brasileira de Aviação Geral se reuniu com
Centro Regional de Controle do Espaço Aéreo Sudeste
(CRCEA-SE), órgão que controla o tráfego aéreo de
São Paulo, para discutir as demandas da aviação de
negócios, em especial as operações no aeroporto de
Congonhas. A entidade busca manter a viabilidade
operacional dos aviões privados nas terminais de São
Paulo e Rio de Janeiro, os maiores mercados do Brasil,
mas sofre com a prioridade ao tráfego comercial. Em
abril de 2022, a movimentação de aeronaves da aviação
de negócios em Congonhas registrou alta de 40% em
relação ao mesmo período de 2019, antes da pandemia
de covid-19. A aviação geral manteve um crescimento
constante e sustentado desde o último quadrimestre de
2020, sendo atualmente responsável pela conectividade
da cidade de São Paulo com 343 aeroportos localizados
em 26 estados – enquanto os voos comerciais atendem a
aproximadamente 40 destinos regulares, a maioria deles
nas regiões Sul e Sudeste. A Abag quer assegurar o uso
de Congonhas por aeronaves da aviação de negócios B-25 RESTAURADO
após a concessão do aeroporto, que terá como principal Histórico bombardeiro usado pela Força
vocação a operação regular. Aérea Brasileira volta a ser exposto no
Museu Aeroespacial (Musal) após um
cuidadoso processo de restauração de
quatro meses, incluindo trabalhos nas
áreas de estrutura, corrosão, pintura e
armamento. O North American B-25
Mitchel é um bombardeiro médio e suas
diversas versões foram utilizadas pela
FAB entre 1942 e 1974. Com entrada e
estacionamento gratuitos, o Musal funciona
de terça a domingo, das 9h às 16h, no
Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.

12 | MAGAZINE 3 3 8
MAGAZINE 3 3 8 | 13
NA REDE

THUNDERBOLT RENOVADO
A Força Aérea dos Estados Unidos (USAF, na
sigla em inglês) recebeu o primeiro conjunto de
novas asas para os aviões de ataque ar-solo A-10
Thunderbolt II. As novas asas foram entregues pela
Boeing e foram produzidas pela Korean Aerospace
Industries e por outros fornecedores. No total, serão
50 conjuntos de asas para os A-10, um avião robusto
com grande poder de fogo, sobretudo pela presença
do canhão GAU-8/A de 30 milímetros instalado
no nariz, que pode disparar 3.900 tiros por minuto.
O principal alvo do A-10 são veículos blindados e
ameaças em solo.

G800 NO AR
A Gulfstream realizou o primeiro voo do G800, seu novo avião
de negócios de ultralongo alcance. O primeiro G800 partiu do
aeroporto internacional de Savannah/Hilton Head, nos Estados
Unidos, às nove da manhã e pousou duas horas depois. Um
dos destaques do primeiro voo, que avaliou o comportamento
dinâmico, foi o uso de uma mistura de combustível de aviação
sustentável (SAF). Anunciado no fim de 2021, o novo avião é
derivado do também recém-lançado G700, contando com uma
cabine ligeiramente menor, mas com maior alcance, podendo
voar por até 8.000 milhas náuticas (14.800 quilômetros) a Mach
0.85 ou 7.000 milhas náuticas (12.964 quilômetros) a Mach 0,90.
Um dos destaques do G800 é seu projeto aerodinâmico refinado,
com asas de alta velocidade projetadas para voar próximo do
regime transônico com máxima eficiência. O jato de negócios
é equipado com os novos motores Rolls-Royce Pearl 700, que
combinam elevada potência e baixo consumo de combustível,
assim como menores emissões de poluentes e ruído. O cockpit
70 ANOS
é equipado com a suíte de aviônicos Symmetry Flight Deck, O documentário Fumaça
com controle de voo ativo, além de contar com dez displays 70, produzido pela Hunter
touch-screen, inclusive no overhead. No G800, os displays duplos Press, celebra os 70 anos de
apresentam o novo Sistema de Visão Combinada (CVS) da existência do Esquadrão de
Gulfstream, que une o Enhanced Flight Vision System (EFVS) Demonstração Aérea (EDA)
e o Synthetic Vision System (SVS) em uma única imagem, da Força Aérea Brasileira
aumentando a consciência situacional do piloto e o acesso a (FAB). O documentário exibe
mais aeroportos em todo o mundo. ao longo dos episódios as sete
décadas da Esquadrilha da
Fumaça com depoimentos
e imagens histórias. A pré-
estreia aconteceu na Academia
da Força Aérea (AFA) para
cerca de 100 convidados que
puderam assistir ao episódio
especial da série, além de
conhecer as instalações do
EDA.

14 | MAGAZINE 3 3 8
No marketplace oficial da Revista ADEGA
você encontra os melhores vinhos
das melhores importadoras em um único lugar.
Todos pontuados pelos principais críticos do mundo.

Os leitores da AERO Magazine ganham:

Acesse agora:

www.AdegaOnline.com.br

MAGAZINE 3 3 8 | 15
CURIOSIDADES

OS ASES DOS
QUADRINHOS
Pilotos e aeronaves como inspiração de
cartunistas para criarem icônicas HQ

PO R | E DM UND O UB IRATAN

A
aviação já habitava como Ace Drummont, criado por
o imaginário po- Eddie Rickenbacker e ilustrado do
pular antes mesmo Clayton Knight, de 1933, quando
dos primeiros voos os aviões se tornavam poderosas
dos chamados máquinas tanto de transporte
“mais pesado do que o ar”, no como de guerra. Por vários anos, a
início do século 20. Passados aviação se manteve como um tema
quase 120 anos desde o feito dos relativamente comum no mercado
irmãos Wrigth com o Flyer, as dos comic books, chegando até o
máquinas voadoras ainda encan- espaço, como na saga SkyMasters,
tam, exalando magia por onde de Jack Kirby e Wallace Wood.
sobrevoam. Não por acaso são Mais recentemente, algumas
inspiração para artistas de dife- histórias retomaram o espírito da
rentes vertentes. Entre eles estão aviação nos quadrinhos, como The
os cartunistas que, desde sempre, Aviator, de Jean-Charles Kraehn,
eternizam pilotos e aeronaves com desenhos de Millien Chrys
em eletrizantes quadrinhos, com e Arnoux Erik. Nesta reportagem
histórias que acompanham o especial, prestamos uma home-
desenvolvimento das tecnologias nagem aos cartunistas da aviação,
aeroespaciais. listando algumas histórias icônicas.
Lançado em 1923, um dos Sem a pretensão de determinar as
primeiros títulos a ganhar as grá- mais importantes, perpassamos
ficas foi Tailspin Tommy, de Glen brevemente por um mundo de fan-
Chaffin, com ilustrações de Hal tasia onde a aviação esteve sempre
Forrest. Nos anos seguintes, surgi- presente, em diferentes décadas do
ram diversos outros quadrinhos, século 20 e dos tempos atuais.

16 | MAGAZINE 3 3 8
Bruce Gentry
(1945-1951)
Foi considerado um dos desenhos mais belos de seu aérea sul-americana. A temática buscava atualizar as
tempo, com Ray Bailey tendo sido elogiado por sua HQ com a realidade de muitos aviadores e da própria
técnica lapidar e seus traços extremamente técnicos. A indústria de transporte aéreo. Lógico, com um ar aven-
história de Bruce Gentry, que surgiu em março de 1945, tureiro, com Gentry desafiando criminosos e grandes
teve inspiração no trabalho de Terry And The Pira- vilões. Logo, o personagem viajou o mundo, mas seu
tes – Bailey havia sido assistente de Caniff. A história final aconteceu em 1951, quando Gentry se casou com
girava em torno de Bruce Gentry, um ex-piloto da força a namorada Cleo Patric. Digamos, bem realista para
aérea que trabalhava em uma recém-criada empresa aqueles tempos.

Scorchy Smith
Skyroads (1930-1961)
(1929-1942) O protagonista que
A reboque do empresta seu nome a
bem-sucedi- esta HQ estreou em
do Tailspin março de 1930 como
Tommy, os um piloto de aluguel
pioneiros da que percorria as
aviação Lester Américas lutando
J. Maitland e contra criminosos
Dick Calkins, e, lógico, ajudando
este último belas moças em perigo. O desenhista John
tenente-aviador do exército dos Estados Unidos, Terry fez a estreia de Scorchy Smith na
lançaram Skyroads, em maio de 1929. Um dos AP Newsfeatures, mas ficou pouco tempo
destaques da saga era a ausência de um personagem à frente da história, falecendo três anos
central, deixando a aviação brilhar como tema prin- depois, de tuberculose. Na sequência, Noel
cipal. Uma série de personagens interagiu dentro do Sickles assumiu a produção, mantendo o
ambiente da aviação ao longo de treze anos. Inicial- tema aventureiro das séries e filmes de ação
mente, surgiram Ace Ames e Buster Evans, sócios da daquela época. Com uma publicação que
empresa de transporte aéreo Skyroads Unlimited. Mas chegou até dezembro de 1961, Scorchy teve
novos personagens e situações davam o tom das his- tempo de acompanhar a evolução das histó-
tórias. Os autores originais ficaram na Skyroads até rias, tornando-se, logo, o herói que viajava o
1933, quando novos roteiristas e desenhistas assumi- mundo lutando contra ameaças estrangeiras
ram a revista, como Russell Keaton e posteriormente e espiões.
Leonard Dworkins.

18 | MAGAZINE 3 3 8
Flyin’Jenny
The Adventures of Smilin Jack (1939-1946)
(1933-1973) Mais um entre as histórias pioneiras,
O mercado editorial norte-americano estava em alta e os títulos de aviação Flyin’Jenny, criada pelo ilustrador Russell
cresciam conforme novos feitos reais se tornavam destaques no mundo. Era um Keaton, surgiu em outubro de 1939, no
período de grande avanço do transporte aéreo diante da consolidação da Pan início da Segunda Guerra, ganhando noto-
American, do surgimento do Douglas DC-3 e do voo solo de Amelia Earhart riedade justamente por retratar o ambiente
pelo Atlântico. The Adventures of Smilin Jack surgiu justamente neste momento belicoso e de desenvolvimento daqueles anos.
de aventuras e avanços, tendo sua primeira história publicada em outubro de Mas o roteiro se destacava duplamente.
1933, no Chicago Tribune. O criador Zack Mosley, que já havia trabalhado em Primeiro por ter como personagem central a
Skyroads, era entusiastas da aviação e membro de entidades como Aircraft Ow- aviadora Jenny Dare e, segundo, por ela ser
ners and Pilots Association (AOPA), Aviation-Space Writers Association e Silver piloto de testes da fictícia Starcarft Aviation
Wings Society. Originalmente intitulada On the Wing, a história foi rebatizada Factory. Ao longo da trama, a aviadora
por exigência do editor do Chigado Tribune, que não gostava do nome. The enfrentou espiões, sabotadores e criminosos,
Adventures of Smilin Jack teve seu herói Jack Martin inspirado na aparência além de se envolver no próprio conflito. Com
do piloto de acrobacia Roscoe Turner, um ícone da época. A história fez tanto toda a trama ambientada na guerra, o que
sucesso que a se somou à morte
última tira foi de Keaton em
publicada em 1945, os editores
1o de abril de não conseguiram
1973, exatos reinventar a his-
40 anos tória e a última
depois de sua edição foi lançada
estreia. em 1946.

Terry and the Pirates


(1934-1973)
Uma das histórias Tailspin
mais originais dos anos Tommy
1930 foi Terry And (1928-1942)
The Pirates, criada Com o sucesso
pelo cartunista Milton das notícias
Caniff e lançada em sobre o voo
outubro de 1934. A solitário
história inicialmente de Charles
narrava a aventura Lindbergh,
do jovem piloto Terry que, em 1927,
Lee, que viajou até a cruzou o
China com seu amigo, Atlântico Norte
o jornalista Pat Ryan. sem escalas,
Embora mantivesse o o mercado
clichê da visão ociden- editorial viu o potencial da aviação como
tal sobre a China nos anos 1930, a história envolvia disputa com entretenimento. Tailspin Tommy veio na esteira
piratas locais, algo relativamente comum naqueles anos. Com a desse sucesso nos Estados Unidos, sendo lançada
Segunda Guerra, a história aproveitou o conflito para se atualizar em 1928, contando as aventuras do jovem piloto
e ainda promoveu um tema audacioso para a época. Em plena dé- Tommy Tomkins. Com uma narrativa inspirada
cada de 1940, a espião Sanjak foi inserida como lésbica. A história nas aventuras clássicas, a história foi sucesso
se manteve atualizada conforme o mundo e a aviação se desen- e durou 14 anos, com a última revista sendo
volviam, chegando com relativo sucesso até fevereiro de 1973. Em lançada em março de 1942, já em plena
1946, Caniff venceu o prêmio de “Cartunista do Ano”, da National Segunda Guerra.
Cartoonists Society, por seu trabalho em Terry and the Pirates.

MAGAZINE 3 3 8 | 19
Les Aventures de Tanguy et Laverdure Dan Cooper
(1959-1971, com relançamentos até 2002) (1954-2010)
A Guerra Fria trouxe a geopolítico para uma série de quadrinhos, O nome desta HQ remete ao famoso caso do
aproveitando o momento e expandindo a propaganda de guerra em sequestro do Boeing 727, quando um criminoso
diversas frentes. Nos anos 1950, muitos filmes, revistas e músicas saltou de paraquedas do avião com uma pequena
tinham como pano de fundo a disputa silenciosa entre os Esta- fortuna. O que se especula é que Dan Cooper, o
dos Unidos e a então União Soviética (URSS). E o fenômeno não criminoso, tenha se inspirado justamente no per-
demorou para chegar à Europa. Criada por Jean-Michel Charlier e sonagem de Les Aventures de Dan Cooper, uma
Albert Uderzo, Les Aventures de Tanguy et Laverdure é uma série série franco-belga sobre um às canadense e piloto
sobre dois pilotos da força aérea francesa, Michel Tanguy e Ernest de uma fictícia força espacial, para criar uma
Laverdure. Essa HQ franco-belga ajudou a popularizar o tema avia- identidade falsa. Dan Cooper foi uma resposta do
ção no Velho Continente, em especial na França e na Bélgica, o que desenhista e roteirista Albert Weinberg ao sucesso
perdura até os dias de hoje. O sucesso foi tamanho que inspirou o de Tintim, o ilustre protagonista de As Aventuras
seriado Les Chevaliers du Ciel (Os Cavaleiros do Ar), exibido entre de Tintim, sendo lançada em 1954. Inicialmente,
1967 e 1969. A primeira edição foi lançada em outubro de 1959, a série exibia um
sendo publicada até 1971. Mas a saga dos pilotos foi transferida ar futurista, como
para a revista Tintim em 1973 voos em um fogue-
e passou por outras publica- te para uma lua
ções antes de ser relançada por em Marte. Com o
novos autores em 2002. Mais passar dos anos,
recentemente, em 2005, foi lan- tornou-se mais ve-
çado o filme de mesmo nome, rossímil, buscando
inspirado na temática da série e temas realistas. A
dos quadrinhos. série foi publi-
cada até pouco
antes da morte
de Weinberg, em
2011. Faz grande
sucesso até os dias
de hoje.

Buck Danny
(1947-2022)
Outra série
franco-belga que
é reeditada até
os dias de hoje. Titanium Rain
Buck Danny (2008-2022)
foi lançada em Uma das séries mais
janeiro de 1947, recentes, Titatium Rain
sendo reconhe- foi lançada em 2008
cida por seu pela norte-americana
realismo técnico, Archaia Entertain-
com descrições ment. Com desenhos
bastante coeren- hiper-realistas, a
tes do universo história tem como mote
militar. Criada uma guerra civil que
originalmente eclodiu na China em
por Jean-Michel Charlier, com desenhos de Victor Hubinon, a história 2031. A série é escrita por Josh Finney,
abordava os conflitos dos Estados Unidos no Pacífico, em seguida, en- com arte de Josh Finney e Kat Rocha, e
tre 1950 e 1953, passando para os Flying Tigers e pirataria, a Guerra explora o avanço do conflito para uma
Fria até meados de 1979, e mantendo temas sempre atualizados com guerra global. A história mostra o piloto
o contexto geopolítico e militar. Usualmente, a história tem como pano Alec Killian, da força aérea dos Estados
de fundo a Marinha e a Força Aérea dos Estados Unidos, aproveitando Unidos, que voa no 704º Esquadrão de
diversos momentos para estruturar o enredo, que já inclui óvnis, fim Caça Tático Phoenix, baseado na Ilha de
da União Soviética, terrorismo, ameaças atômicas, entre outros. Hainan.

20 | MAGAZINE 3 3 8
AGORA ESTAMOS
TAMBÉM NO TELEGRAM

Participe do nosso grupo e receba


automaticamente as melhores notícias
de aviação do Brasil e da América Latina

LEIA O QR CODE
E FAÇA PARTE

www.aeromagazine.com.br @aeromagazine aeromagazine Aero Magazine


MAGAZINE 3 3 8 | 21
E S PEC I A L

ENTRE O AR
E A TERRA
Os curiosos intercâmbios entre duas poderosas indústrias,
a automobilística e a aeronáutica
P O R | ED MU ND O U B I RATAN E GIULI AN O AG MONT

22 | MAGAZINE 3 3 8
PORSCHE
No final de 2020, ainda sob os
efeitos da pandemia que impac-
taram positivamente a venda de
aviões de negócios, a Embraer
e a alemã Porsche lançaram a
série Duet, na qual um Phenom
300E e um Porsche 911 Turbo S
tiveram inspiração mútua para
o desenvolvimento de seus aca-
bamentos. Ou seja, detalhes do
superesportivo estão a bordo do
avião, e vice-versa. “Utilizamos
o know-how de ambas as marcas
para trabalhar em conjunto em
um par único de veículos, que
são igualmente atraentes para o
seleto grupo de clientes de jatos e
carros esportivos”, disse Alexan-
der Fabig, vice-presidente da área
de Personalização e Clássicos da
Porsche AG.
Apenas dez unidades do Duet
foram colocadas à venda, sem op-
ção de uma décima primeira uni-
dade. A ideia combinava design
exclusivo, que alia os conceitos
de velocidade, estilo e potência,
em um interior personalizado. Os
dois fabricantes destacaram que
A relação entre as indústrias desenvolver seus principais os times de projeto trabalharam
aeroespacial e automobilística projetos, nascendo, assim, conjuntamente para oferecer uma
remonta aos primórdios do uma geração de automóveis transição em que o design de um
século 20, quando ambas dei- com lanternas, carrocerias e inspira o do outro.
xavam o espectro de invenções interiores que remetiam aos A série Duet contou com uma
exóticas para se tornar segmen- avanços especialmente dos placa especial, destacando com
tos econômicos. Neste contexto, jatos. Mais recentemente, com a um distintivo representando que
montadoras de automóveis, popularização dos automóveis, aquele modelo é um em apenas
como a Ford, chegaram a cons- em especial após o surgimen- dez unidades disponíveis. “O Duet
truir aviões enquanto fabrican- to do setor de alto luxo, com é um pacote exclusivo desenvolvi-
tes de aeronaves, como a alemã modelos superesportivos ou que do em uma colaboração de design
Messerschmitt, produziram ostentavam enorme conforto, os com a Porsche. Essa combinação
carros. principais fabricantes aeronáu- rara e refinada estará disponível
Com a evolução da aviação, ticos passaram a unir o glamour somente desta vez, por meio dessa
que teve seus anos dourados de marcas como Porsche, parceria exclusiva”, disso Michael
entre as décadas de 1950 e 1960, Mercedes-Benz, BMW e Aston Amalfitano, presidente e CEO
a indústria automotiva passou Martin a projetos considerados da Embraer Aviação Executiva,
a se inspirar em aeronaves para “ultraexclusivos”. durante o lançamento do projeto.

24 | MAGAZINE 3 3 8
Essa não foi a primeira vez para atender às necessidades ASTON MARTIN
que a Embraer buscou no setor não apenas de transporte aéreo, Graças ao sucesso da parce-
automotivo ideias e conceitos mas de exclusividade de um se- ria entre a Mercedes-Benz e a
para seus aviões. Originalmente, leto grupo de proprietários. Um ACH, em 2020, a Airbus assinou
a família Phenom foi lança- dos projetos mais importantes outro acordo de parceria para
da com interior desenvolvido continua sendo o ACH145 criar um helicóptero exclusivo e
pela também alemã BMW. Na Mercedes-Benz Style, que é inspirado nas pistas. A britânica
ocasião, o objetivo era oferecer descrito pelo fabricante como Aston Martin, lendária por seus
a bordo dos aviões a experiência um “santuário em movimento”. esportivos de luxo e por ser o
proporcionada por versões de O modelo conta com projeto carro oficial de James Bonde, o
luxo da BMW. Se no passado a e acabamento diferenciados, eterno 007. A fama que precede
ideia era oferecer aos motoristas desenvolvidos pela divisão de o espião do cinema está atrelada
inspiração na aviação, no século design da Mercedez-Benz, agre- a seu gosto refinado, que inclui
21, a experiência dos supercarros gando elementos que remetem belos e exclusivos carros da Aston
se tornou atraente para criar aos modelos de alto luxo da Martin. A parceria com a Airbus
soluções que unissem qualidade, marca alemã. seguiu o perfil de produtos
sofisticação e uma experiência A Airbus comercializou feitos sob medida da montadora
conhecida e apreciada pelo até o final de 2021 um total de britânica e, após vários meses,
comprador. 28 unidades da série ACH 145 foi anunciado o ACH130 Aston
Mercedes-Benz Style. “A versão Martin Edition.
MERCEDES-BENZ ACH145 Mercedes-Benz Style “A aplicação de nossos
Não por um acaso, a fórmula Edition tem sido um sucesso des- próprios princípios de design au-
foi duplamente empregada pela de o seu lançamento”, comentou tomotivo no mundo aeroespacial
Airbus Helicopters. A divisão Jean-Luc Alfonsi, presidente da é um desafio fascinante e do qual
de luxo ACH, acrônimo de Air- Helibras, na ocasião da entrega estamos gostando muito”, comen-
bus Corporate Helicopters, foi a do primeiro exemplar no merca- tou Marek Reichman, vice-pre-
resposta do fabricante europeu do brasileiro. sidente e diretor de criação da

MAGAZINE 3 3 8 | 25
Aston Martin Lagonda, durante a tor automotivo não teve de criar Uma curiosidade é que, nos
divulgação da parceria. A parceria projetos exclusivos ou raríssimos. anos 1990, quando a Honda
exigiu trabalhos conjuntos por A japonesa Honda lançou seu passou a trabalhar no NSX, um
mais de um ano, durante o qual a próprio avião, o HondaJet, que esportivo de alto rendimento, o
Aston Martin acionou sua linha nasceu após duas décadas de chefe de design Masahito Nakano
de artesãos e arte automotiva para trabalho. O projeto, que consu- e o chefe executivo de Engenharia
trazer um novo conceito de estéti- miu uma infinidade de estudos Shigeru Uehara, inspiraram-se
ca e rigorosa atenção aos detalhes aerodinâmicos e soluções inéditas no cockpit do caça F-16 para
no mercado de helicópteros. na aviação de negócios, inseriu desenvolver o interior do carro.
O destaque ficou por conta a montadora japonesa, famosa A ampla área envidraçada e a
das asas do logotipo da Aston por seus carros e motocicletas, posição de dirigir tinham como
Martin estampadas nos elemen- no seleto grupo de fabricantes base o conceito do avião, que
tos de couro e posicionadas em aeronáuticos. oferece excelente visibilidade ao
toda a cabine. O interior foi inspi- O HondaJet disputa o mer- piloto. O desenvolvimento ainda
rado nos carros, fazendo amplo cado de jatos leves, justamente o contou com apoio do tricampeão
uso de couro e camurça. Para des- segmento de entrada da aviação Ayrton Senna.
tacar ainda mais exclusividade, os de negócios, aquele em que os
ACH130 Aston Martin Edition proprietários, em geral, estão no AYRTON SENNA
receberam uma placa no painel seu primeiro avião ou vieram do A marca Senna, aliás, tornou-
de instrumentos onde consta o mercado de turbo-hélices. Seria -se famosa por oferecer produ-
registro da aeronave, o número um público que reconhece as tos exclusivos e de luxo. E, em
da edição limitada e o nome do qualidades da marca Honda, em novembro de 2021, a Eve Air
proprietário original. especial na linha premium Acura Mobility, divisão de eVtol da
(pronuncia-se É-kiu-ra) de carros Embraer, a marca Senna anun-
HONDA de luxo voltados especialmente ciam uma parceria para desen-
Para além de parcerias pontuais, para o mercado dos Estados volvimento de uma série especial
um importante fabricante do se- Unidos. do eVtol batizado de Eve-Senna.

26 | MAGAZINE 3 3 8
Motores da Baviera, foi criada
em 1916, após a fusão de duas
empresas especializadas em
motores e surgiu com o intuito
de produzir motores para
aviões. Por várias décadas, a
BMW afirmou que o logotipo
era uma hélice bipa girando.
Mais recentemente, porém, a
Em nota, a Senna afirmou que uma parceria com a Piaggio Aero, empresa informou que o logo
o projeto simbolizava a visão de para a venda de uma edição ex- foi inspirado na antiga bandei-
futuro sustentável e inovação no clusiva do Avanti II, que recebeu ra da Baviera.
mercado de mobilidade urbana uma pintura alusiva à Scuderia Nos anos 1910, a BMW
das duas marcas. O Eve-Senna Ferrari, assim como o icônico projetou e produziu o Illa,
se inspira na visão da marca logo do Cavallino Rampante. um motor de seis cilindros
Senna em desafiar limites, criar A Piaggio Aero tinha como em linha, refrigerado a água,
projetos futurísticos e autênticos. investidor Piero Ferrari, filho de que foi usado pelos Fokker
O design, as cores e o interior Enzo Ferrari, que tinha 10% das D.VII e teve mais de três mil
da aeronave prometem entregar ações. Durante o Dubai Air Show unidades produzidas. Outro
uma experiência única para seus 2007, o brasileiro Felipe Massa, motor lendário foi o BMW IV,
tripulantes. então piloto da Ferrari, anunciou outro modelo seis cilindros em
“A marca Senna tem em seu a encomenda do P-190 Avanti linha, refrigerado a água, com
DNA e propósito sempre desafiar II. Uma Ferrari F550 Maranello 250 cavalos de potência, que,
limites em todos os campos de esteve exposta ao lado do avião em 1919, quebrou o recorde
atuação, proporcionando ao durante todo o evento. de altitude, quando um DFW
mundo produtos inovadores que F37, um avião de reconhe-
mostrem que superar limites é BMW cido alemão, voou a mais de
possível e necessário”, comentou Historicamente, outras marcas 32 mil pés por 89 minutos. O
Bianca Senna, CEO da Marca estiveram presentes na aviação. É motor ainda foi usado em uma
Senna. o caso da alemã BMW, que, hoje, infinidade de aviões, como nos
embora, no máximo, desenvolva Junkers A35 e Junkers F 13,
FERRARI interiores de aviões dentro de Rohrbach Ro VIII Roland I,
Mais uma marca lendária é a sua divisão de design, nasceu Albatroz L 72, Heinkel HD 22,
italiana Ferrari, que dispensa justamente no setor aéreo. A entre outros. Além disso, ainda
qualquer apresentação. Durante marca que é a sigla de Bayerische equipou os blindados pesados
alguns anos, a Ferrari manteve Motoren Werke, ou Fábrica de Type 91 e Type 95.

MAGAZINE 3 3 8 | 27
Pacífico. Outro poderoso progra-
ma deu origem aos bombardeiros
G3M e G4M, além dos aviões de
transporte K3M e Ki-57.
A atual Mitsubish Heavy
Industries tem ampla presença
no setor aeroespacial, sendo
responsável pela montagem dos
F-15J, a versão japonesa do F-15
Eagle, assim como pelo desen-
volvimento do F-2, uma versão
do F-16 criada para atender
especificamente às necessidades
da força aérea de autodefesa do
Japão. Além disso, o fabricante
atua fornecendo componentes
para a Boeing, como parte dos
painéis da fuselagem do 777 e
as wing boxes do 787 Dreamli-
ner. Ainda no segmento civil, a
Mitsubishi foi responsável pelo
turbo-hélice de negócios MU-2,
considerado um dos melhores
aviões de sua categoria, com
mais de 700 unidades produzidas
entre 1963 e 1986. Já o jato leve
MU-300 Diamond teve apenas
92 aviões produzidos, antes do
projeto ser vendido para a Beech
Aircraft dos Estados Unidos e
Já em 1926, surgiram os até 1.158 cavalos de potência. Ele ser relançado como Hawker 400,
grandes motores V12, refrige- foi usado nos Messerschmitt Bf com mais de 800 aviões entregues
rados a água, como o BMW VI, 109E-F, Messerschmitt Bf 110C-F, e se tornando famoso por ser um
de 46,96 litros e 740 cavalos de Dornier Do 215, assim como em dos raros jatos leves sem limite de
potência, usado em uma infinida- versões produzidas sob licença horas da célula.
de de aviões, como destaque para na Itália e no Japão. Uma versão Com esse histórico, o mundo
Dornier Do 17, Heinkel He 111, aperfeiçoada, o DB 603, de até assistiu entusiasmado ao lança-
Kawasaki Ki-10 e até no Tupolev 1.750 cavalos de potência, equi- mento do Mitsubishi Regional
TB-3. A BMW ainda produziu pou os Dornier Do 217, Heinkel Jet (MRJ) em meados de 2007. O
alguns motores radiais da Pratt He 219, entre outros. jato regional prometia ser uma
& Whitney sob licença como o resposta japonesa ao sucesso dos
R-1690 Hornet, designado como MITSUBISHI E-Jet da Embraer e dos CRJ da
BWM 14 e usado no Junker Ju 52. A japonesa Mitsubishi também Bombardier. O projeto logo en-
fez história nos dois mercados. A controu uma série de problemas,
DAMILER-BENZ marca teve projetos lendários na inclusive de foco, com mudanças
A Daimler-Benz também teve sua aviação, como o A6M “Zero”, que no modelo básico. Ora a intenção
presença na aviação, com motores alcançou quase 11 mil unida- era a versão maior M90, para até
importantes como o DB 601, um des produzidas e foi, por vários 88 passageiros em classe única,
V12 invertido, turbo, que oferecia meses, o terror dos aliados no e que não atendia aos requisitos

28 | MAGAZINE 3 3 8
das Clausulas de Escopo da aviação
regional dos Estados Unidos,
depois o foco era o M70, de menor
capacidade e voltado para o merca-
do regional, competindo de forma
direta com o E175 da Embraer.
Quando parecia que haviam
encontrado um mercado, foi
anunciado o fim do M70 e o
lançamento do M100, a ver-
são intermediária, com até 84
assentos em classe única e que
também estava fora das regras de
escopo, pesando 42 toneladas. A aviação durante a Segunda Guer- nas necessidades da força aérea
própria ideia do M90 ser maior ra, mas logo focou seus esforços do Japão, teve um histórico ope-
do que o M100 era vista como no segmento automotivo. Ainda racional considerável. Isso levou
um contrassenso. Após atrasos assim, produziu sob licença as autoridades a encomendarem
constante, a Mitsubishi revelou algumas aeronaves, como o T-22, o C-2, um cargueiro multifuncio-
uma mudança no nome, de MRJ P-2H Neptune e Bell 47. Ainda nal com capacidade para até 32
para SpaceJet, que pretendia atuar foi sócia do consórcio Nihon toneladas de carga paga, e equi-
em uma faixa intermediária entre Aircraft Manufacturing Corpo- pado com dois motores General
os E175 e E190, um mercado sem ration, que deu origem ao avião Electric CF6-80, similares aos
qualquer perspectiva de vendas. comercial YS-11. Mais recente- utilizados no 747-400, MD-11,
Se não fosse bastante toda a mente, a Kawasaki desenvolveu C-5M Super Galaxy e A300.
confusão de mercado, a Mitsu- o avião de patrulha P-1, baseado O projeto parecia simples,
bishi, após iniciar a campanha de exclusivamente nas necessidades mas logo uma série de tropeços
ensaios em voo, se viu diante de da marinha de autodefesa do tomaram conta do programa.
um grave problema, o SpaceJet Japão, criando, assim, um qua- Um dos fatos mais notórios foi o
era inverificável. O avião não drimotor, equipado com motores primeiro protótipo ter sido cons-
atendia a um sem-fim de normas turbofan IHI F7, que oferecem truído com um lote de rebites não
e seu desenvolvimento acumulou 13 mil libras-força de empuxo aeronáuticos que foram mistura-
novos atrasos. A Bombardier cada. O avião, que tem um porte dos aos certificados. O resultado:
acusou a rival japonesa de espio- similar ao do Airbus A320, foi o avião não podia voar antes de
nagem industrial, ao contratar criado para responder ameaças serem encontrados quais eram
seus técnicos e engenheiros e submarinas, realizar patrulha os rebites incorretos. Um extenso
solicitar que fossem obtidos de aérea, entre outros. trabalho foi feito para reconstruir
forma ilícita dados de certificação Também em projeto volta- o avião, que voou apenas em
do CSeries (Atual Airbus A220). do apenas para as necessidades janeiro de 2010 e teve sua estreia
Com a pandemia, a Mitsubishi japonesas foi lançado, em 1981, na força aérea em 2016.
teve o argumento ideal para can- o treinador avançado a jato T-4.
celar o projeto, mas o destino dos Anos antes, em 1970, voou pela FORD
protótipos continua incerto. primeira vez o cargueiro médio Nos anos 1920, se um executivo
de curto alcance C-1, que tem falasse que aviação parecia ser
KAWASAKI capacidade para até oito tonela- um mercado com grande poten-
Famosa por suas motocicletas, a das de carga paga. O modelo, por cial, especialmente no transporte
Kawasaki também fez história na mais exclusivo e focado que fosse aéreo, muitos iriam pedir seu

MAGAZINE 3 3 8 | 29
os mais importantes aviões britâ-
nicos da Segunda Guerra, como
os Avro Lancaster, de Havilland
Mosquito, Handley Page Halifax,
Hawker Hurricane e Supermarine
Spitfire. Se não fosse o bastante,
a versão V-1650, produzida sob
licença nos Estados Unidos pela
Packard, equipou também o Nor-
th American P-51 Mustang, e teve
55,523 unidades produzidas.
Na era dos motores a reação,
posto. Havia evidências de que a ROLLS-ROYCE a Rolls-Royce construiu os
aviação tinha potencial, mas não Quando Henry Royce se uniu a propulsores a jato de compressor
o bastante para um fabricante Charles Rolls, a ideia era aprovei- centrífugo RB.23 Welland usado
como a Ford Motor Company en- tar suas expertises na construção nos primeiros Gloster Meteor, e
trar nesse segmento. Ao contrário de pesados e avançados guindas- sua evolução Rolls-Royce RB.37
do que muitos podiam apostar, tes para criar o que ambos defi- Derwen, que equipou modelos
Henry Ford acreditava no futuro niriam como “o melhor carro do mais avançados do Meteor, assim
do transporte aéreo, tanto que mundo”. Desde seu lançamento, como os Avro 707, Fairey Delta
criou uma divisão aeronáutica, a em 1904, a Rolls-Royce se tornou 1, Avro Canada C102 Jetliner (o
Stout Metal Airplane Division of famosa por seus carros de luxo, segundo avião comercial a jato)
the Ford Motor Company. que logo conquistaram a realeza, e até mesmo o argentino I.Ae. 27
Sob os cuidados do promissor primeiro a britânica e depois Pulqui I.
engenheiro William Bushnell outras de todo o mundo, além Outra lenda da Rolls-Royce
Stout, surgiu o Ford Trimotor, de poderosos industriais, estrelas foi o turbo-hélice RB.53 Dart. O
conhecido nos Estados Unidos do cinema e a nova geração de motor era tão avançado que equi-
como Tin Goose. O avião metáli- milionários que surgia no Novo pou os principais turbo-hélices
co equipado com três motores ra- Mundo. dos anos 1950, como o Handley
diais Wright R-975 Whirlwind, de Com os requisitos da Primei- Page Dart Herald, que teve seu
nove cilindros e com 300 cavalos ra Guerra, em 1915, o fabricante nome inspirado no motor. Os
de potênia, tinha capacidade para entregou seu primeiro motor mais de sete mil motores produ-
11 passageiros e alcance de 570 aeronáutico, o Eagle, um podero- zidos equiparam ainda o Vickers
nm, voando a apenas de 93 nós. so V12 refrigerado a água de 200 Viscount, Avro 748, Fokker F27,
O trimotor se tornou um sucesso cavalos de potência, que foi usado Gulfstream I, Bregue Alizé.
e, ao final, a Ford vendeu 199 nos bombardeiros Handley Page Com o turbofan RB211, a
unidades do seu primeiro avião. Type O, Airco DH.4 e Vickers Rolls-Royce mudou paradigmas,
No final dos anos 1920, a Vimy. O motor sofreu uma série embora tenha enfrentado um
empresa já era um dos maiores de melhorias, chegando a superar pesadelo em seu desenvolvimen-
fabricantes aeronáuticos dos Esta- os 360 cavalos de potência no to. O motor desenvolvido para o
dos Unidos. Porém, a crise de 1929 Eagle IX. A experiência da Rolls- Lockheed L-1011 Tristar sofreu
levou a Ford focar em seus negócios -Royce levou ao desenvolvimento diversos atrasos e problemas
no setor automotivo, mas manteve do Falcon, outro V12 amplamen- técnicos, mas, após entrar em
investimentos na aviação como te utilizado na Primeira Guerra serviço, mostrou-se confiável,
subcontratada. Tanto que, durante a pelos caças Bristol F.2 Fighter. econômico e silencioso, sendo
Segunda Guerra, milhares de B-24 Já em 1933, surgiu o famoso adotado pelos Boeing 747, 757,
Liberator foram produzidos sob motor Rolls-Royce Merlin, que 767 e até mesmo pelos Tupolev
licença pela Ford na sua fábrica de teve nada menos que 149.659 Tu-204. Ano mais tarde surgiu a
Willon Run, em Michigan. unidades produzidas, e equipou família Trent, que figuram entre

30 | MAGAZINE 3 3 8
os mais avançados turbofans da
atualidade.
Em 2021, a Força Aérea dos
Estados Unidos selecionou os
motores F-130 para modernizar
seus bombardeiros B-52. Os
F-130 são a versão militar dos
Rolls-Royce BR700, usados por
exemplo, nos Boeing 717, Gulfs-
tream G550, G650 e Bombardier
Global Express, 5000 e 6000.

FIAT
Reconhecida mundialmente
como um dos maiores fabrican-
tes de automóveis do mundo, a
italiana Fiat também construiu de 18 lugares que poderia ter sido John Davenport Siddeley e, junto
aviões por 53 anos, alguns deles um rival europeu do DC-3. com a Gloster Aircraft Company,
notáveis, como o AS.1, que em Já o caça biplano CR.32 voou por formou a Hawker Siddeley, que
suas inúmeras variantes teve 20 anos, inclusive pelas forças aéreas também produziu locomotivas e
mais de 550 unidades produzi- de países como Espanha, Hungria e vagões. Na aviação, alguns proje-
das. Em 1935, o APR.2 foi um China, e teve 1.052 unidades produ- tos se tornaram famosos, como o
interessante avião biplano de asa zidas. O mesmo ocorreu com o tam- HS.121 Trident, o HS.146 (depois
baixa, cantilever, com capacidade bém biplano CR.42 Falco, que em BAe 146), o lendário caça de
para até 12 passageiros. O avião apenas quatro anos teve 1.817 aviões decolagem e pouso vertical Har-
e o motor A.59 eram projetos produzidos. Na era do jato, a Fiat teve rier, o avião de patrulha HS.801
da Fiat Aviazione, que fizeram diversos projetos de sucesso, como Nimrod (criado a partir do de
do APR.2 o mais rápido avião o G.91, um avião de ataque leve, que Havilland Comet), o Blackburn
comercial de seu tempo, che- ultrapassou os 750 aviões produzidos Buccaneer, Hunter, HS.1182
gando aos 210 nós. Infelizmente e ficou em serviço até 1995. A parce- Hawk, entre muitos outros.
para os italianos, os tambores da ria entre a Fiat, Aeritalia e Alenia foi Os intercâmbios entre empre-
Segunda Guerra impediram sua responsável pelo G.222, o cargueiro sas aeronáuticas e automotivas
produção em série, com apenas tático leve que deu origem aos atuais são intermináveis. Incursões
um exemplar produzido, mas C-27J Spartan. menos notórias aconteceram
seu projeto básico serviu para o com outras montadoras, como a
desenvolvimento do bombardei- AMSTRONG SIDDELEY norte-americana General Motors
ro BR.20 Cicogna. Exceto um apaixonado por carros (que chegou a produzir aviões no
Outro projeto foi o G.2, um irá reconhecer a Amstrong Siddeley esforço de guerra, caso do P-75,
avião comercial equipado com como um fabricante do setor além de fabricar modelos de
três motores Fiat A.60. O único automotivo. Embora essa empresa outras marcas, como o Grumman
exemplar, que voou pela primeira britânica tenha construídos luxuo- F4F Wildcat) e a japonesa Subaru
vez em 1932, podia transportar sos automóveis entre 1919 e 1966, (que também desenvolveu ae-
seis passageiros. Curiosamente, o até ser fundida com a Rolls-Royce, ronaves após a Segunda Guerra,
avião estava no Brasil quando Ge- a maioria lembra de seus aviões e como o Fuji FA-200). No sentido
túlio Vargas anunciou guerra ao motores aeronáuticos. inverso, fabricantes aeronáuticos
Eixo e o trimotor acabou cedido Em 1935, o pioneiro da como a sueca Saab, que produz os
para a Varig. Mais um projeto aviação Tommy Sopwith, pro- caças Gripen, chegou a manufa-
comercial da Fiat que sofreu com prietário também da Hawker turar carros na segunda metade
a guerra foi o G.18, um bimotor Aircraft, adquiriu a empresa de do século 20.

MAGAZINE 3 3 8 | 31
AV I AÇ ÃO C I V I L

LEGALIDADE
QUESTIONÁVEL
A polêmica em torno da taxa ambiental de sobrevoo
que o governo municipal instituiu em Guarulhos
POR | P ED RO G U I LH E R ME G . D E SOUZA E R ODR IGO A. F. DUA RTE * , ES P EC IAL PARA A ERO M AG AZIN E

A
Câmara Municipal venção no Domínio Econômico ao nosso país. Qualquer medida
de Guarulhos apro- (CIDE), também de exigibilida- dessa natureza prejudicará não
vou, no último mês de exclusiva da União, cuja regra somente a União como, também,
de maio, a institui- matriz é composta de elementos as já combalidas empresas aéreas
ção do que chamou de extrafiscalidade e de recei- nacionais em todas as suas opera-
de Taxa de Preservação Ambiental ta vinculada a determinados ções internacionais.
(TPA), que deverá ser cobrada de dispêndios. Há estudos em andamento
todas as aeronaves que sobrevoam sobre quais medidas jurídicas
o município. A nova cobrança TRATADOS poderão ser adotadas para que tal
foi prontamente sancionada pelo INTERNACIONAIS cobrança não seja efetivamente
prefeito Gustavo Henric Costa, Por definição, “taxa” é um exigida. O precedente aberto
conhecido como Guti. tributo comutativo, ou seja, pela cidade de Guarulhos é de
Pela lei aprovada, a cobrança, exige contraprestação do poder extremo risco para os operadores
que terá seu início em agosto público. Não pode superar a aéreos, sejam eles da aviação de
deste ano de 2022, deverá ser relação de razoável equivalência, negócios ou da aviação comercial,
aferida no momento anterior à que deve existir entre o custo e poderá ser adotado por outras
decolagem de todas as aeronaves, real da atuação estatal, referida localidades caso medidas imedia-
considerando o seu peso. A valor ao contribuinte, e o valor que o tas não sejam adotadas.
será de três unidades fiscais do Estado pode exigir. Além disso, Vale lembrar que não somen-
município por tonelada. Neste o Brasil, como signatário de di- te as aeronaves que operarem no
ano, cada unidade fiscal tem o versos tratados da Organização aeroporto de Guarulhos estarão
valor estipulado de 3,9381 reais. da Aviação Civil Internacional sujeitas a tal cobrança. Na cidade
A constitucionalidade e a (ICAO, na sigla em inglês), não de Guarulhos, há 11 helipontos
legalidade dessa cobrança são pode efetuar tais cobranças de registrados e a lei da maneira
altamente questionáveis. Tarifar operadores internacionais. Caso como foi aprovada também inclui
sobrevoo de aeronaves não está essa cobrança seja mantida, cobrança às operações de helicóp-
no âmbito de competência de es- estará o país descumprindo teros nessas localidades.
tados ou municípios. Trata-se de essas normas, que têm força de
competência exclusiva da União, lei ordinária. Isso implicará na * Pedro Guilherme G. de Souza
segundo a Constituição Federal, diminuição do tráfego de aero- (SABZ Advogados) é mestre e
a quem cabe tributar e fiscalizar o naves estrangerias, na mudança especialista em Direito Tributário
espaço aéreo brasileiro. das operações para aeroportos e Rodrigo A. F. Duarte (Tristão
Em rápidos aspectos jurí- em outros municípios ou, até Fernandes Advogados) é piloto de
dicos, a TPA possui natureza mesmo, abrirá a possibilidade de avião e helicóptero e especialista
jurídica de Contribuição de Inter- sanções de órgãos internacionais em Direito Aeronáutico.

32 | MAGAZINE 3 3 8
TURISMO

VOLTA
AO MUNDO
Estratégias valiosas para planejar e executar uma grande
viagem pilotando seu próprio avião, talvez a mais
importante de uma vida
PO R | DAVID C LAR K* , ES PEC IAL PARA AE RO MAG AZI NE

34 | MAGAZINE 3 3 8
A
aviação é simples- patrocinadores, equipe de apoio e
mente mágica. muitos outros aspectos. Uma via-
Tem a ver com a gem desse tipo exige uma mente
liberdade, com a disciplinada, capaz de reunir
possibilidade de grandes quantidades de informa-
realizarmos algo que poucas pes- ções e dividi-las em categorias
soas na história do mundo foram gerenciáveis.
capazes de fazer: romper as amar- Um gerente de projeto é um
ras da gravidade e ir a qualquer bom investimento para ajudar a
lugar, a qualquer hora, por meios dividir todas as tarefas em títulos,
próprios. Para alguns, a viagem que podem ser coordenados e
final é uma volta ao mundo – de trabalhados juntos de forma coe-
fato, o escritor francês Júlio Verne sa. Uma boa empresa de suporte
capturou a aventura de tal faça- de voo (como a AOPA Travel,
nha em seu romance de 1872, A vinculada a associação de pilotos
Volta ao Mundo em 80 Dias. Foi e proprietários de aeronaves, por
um sucesso fabuloso, pois pren- exemplo) pode ajudar com tudo,
deu a imaginação de milhares de desde uma lista de verificação de
jovens, que se deliciaram com um preparação de voo até o seguro
desafio que, na época, limitava-se de viagem e guias por país (o site
a ferrovias e hidrovias (ainda que deles é o www.aopa.org/travel/
o cinema, cerca de oito décadas international-travel).
depois, erroneamente, sugira a Outra grande fonte de infor-
presença também de um balão). mações é um grupo chamado Ear-
Hoje, passados 150 anos, thRounders, cujos integrantes fize-
ainda temos um número muito ram viagens ao redor do mundo
pequeno de passageiros que po- e compartilham suas experiências aproveitar a experiência. Quanto
dem afirmar que também deram de bom grado. De fato, o famoso mais você planejar e se preparar,
a volta ao mundo em 80 dias (ou viajante brasileiro Gérard Moss, mais livre você ficará para ver
menos) – de avião particular, no falecido recentemente, era profun- paisagens e desfrutar de expe-
entanto. Para aqueles que têm damente respeitado pelo pessoal riências que jamais esquecerá.
tais aspirações, a questão é como? do EarthRounders e seus livros Certifique-se de pensar na
Onde se começa a cumprir a são uma ótima referência para fase de planejamento de um
viagem da vida – uma viagem ao buscar insights e inspiração para ponto de vista holístico, integral:
redor do mundo? esse tipo de aventura (o site deles é aeronaves, pessoas (piloto e pas-
o www.earthrounders.com). sageiros), rotas e contingências.
PLANEJAMENTO O planejamento inteligente Cada um deles tem muitos itens
Como qualquer coisa na vida, dependerá das experiências dos de ação para cumprir, mas, ao
uma viagem ao redor do mundo outros para evitar erros comuns, traçar o esqueleto das princi-
exige um planejamento enorme. aprender sobre recursos, evitar pais categorias para abordar e
Entram em jogo considerações armadilhas e fazer esse tipo de construir cada uma com detalhes
sobre logística, manutenção viagem de maneira racional para coletados daqueles que fizeram
preventiva, recursos financeiros, que você possa se concentrar em isso anteriormente, você começa-

36 | MAGAZINE 3 3 8
rá a criar o roteiro e sua confiança cos em sua vida, como o dia em acidente grave?” Ele simples- Mesmo
no empreendimento aumentará. que você se casou, ou comprou mente respondeu: “Eu sempre planejando bem
sua primeira casa, ou foi aceito me deixei de fora”. Isso certa- uma viagem,
EXECUÇÃO na universidade. Agora, você está mente se aplica em uma viagem sempre considere
O dia chegou e você empurra os nessa dança entre o planejado as famigeradas
ao redor do mundo – sempre se
contingências e
aceleradores para a frente. Cente- e o desconhecido. Nas semanas deixando de fora. Tenha sempre tenha planos B,
nas de horas de preparação foram ou meses seguintes, as coisas planos B, C, D ou quantos forem C ou D
gastas para isso e estão alimen- provavelmente sairão conforme o necessários para garantir o
tando sua jornada tanto quanto planejado, mas você sabe que isso sucesso do resultado. Esteja você
o querosene ou a gasolina de pode mudar a qualquer momen- lidando com um pneu furado no
aviação em seus tanques. Como to. E é aí que as contingências Marrocos, uma tempestade de
você está se sentindo? Um pouco entram em jogo. areia na Jordânia ou um cartão
nervoso? Animado? Energizado? Certa vez, perguntei ao meu de crédito que não funciona na
A resposta para todas essas per- piloto-chefe, que tinha mais de Austrália, é fundamental ter uma
guntas, provavelmente, é “sim”. 20 mil horas de voo, o seguinte: estrutura para lidar com todas
Você está embarcando em uma “Como você voou tantas horas essas eventualidades e garantir o
aventura que será um desses mar- em 50 anos e nunca teve um sucesso de sua missão.

MAGAZINE 3 3 8 | 37
OPÇÕES DE VIAGEM podem estragar toda a viagem para Moss a ser a primeira pessoa
Algumas das considerações os demais. Existe um vínculo forte a voar sozinho ao redor do
quando você começa a con- o suficiente para lidar com isso? mundo em um motoplanador.
templar esse tipo de viagem são Certifique-se de levar em consi- Foi o que levou o bilionário
práticas. Você voará sozinho ou deração todos os aspectos antes Sam Johnson a construir um
com um grupo de outros pilotos de decidir sobre o tipo de viagem Sikorsky S-38 do zero e voar ele
em aeronaves semelhantes? Se e qual será o objetivo, a fim de deci- mesmo de Racine, Wisconsin,
você pudesse reunir outros seis dir o melhor curso de ação. para Fortaleza, refazendo o
proprietários de Phenom 100 voo exploratório de seu pai nos
para voar ao redor do mundo JUNTANDO TUDO anos 1930 para o Ceará, para
com você, faria isso? Se você Grande parte da justificati- aprender mais sobre a cera de
pudesse ter patrocinadores para va para a despesa de voar é carnaúba. E é isso que pode le-
ajudá-lo a arrecadar dinheiro estratégica – torna as pessoas vá-lo a sonhar em voar ao redor
para uma causa ou caridade, isso mais produtivas e ajuda os do mundo em seu Cessna 182,
lhe interessaria? Se você pudesse empreendedores a construir seu RV10 ou seu Pilatus PC-12.
estabelecer um recorde de algum seus negócios. Outro tipo de voo Então, o que você está espe-
tipo, isso é algo que você poderia é operacional, pois transporta rando? Você passou a vida in-
imaginar para si mesmo? Existem pessoas ou produtos no curso teira transformando sonhos em
várias opções e todas são pos- normal de administrar uma realidade, construindo negócios,
síveis. Não há resposta certa ou empresa ou levar a família para a construindo uma família – e esse
errada, apenas depende do que fazenda de fim de semana. Mas pode ser seu próximo grande
você deseja fazer e como pretende há um tipo especial de voo que é desafio. O céu está esperando
realizar seu projeto. puramente aspiracional e une o pacientemente. Se não for uma
Envolver outras pessoas culminar da perspicácia de voo volta ao mundo, que seja uma
e formar um grupo traz uma de um piloto, os seus recursos grande viagem, repleta de signifi-
sensação de camaradagem e pode financeiros e, ainda, suas capaci- cados. E aí, pronto para voar?
criar amizades para toda a vida, dades organizacionais – apenas
mas também traz riscos. Um piloto porque eles podem. * David Clark é direto executivo
doente ou uma aeronave quebrada Foi o que levou Gerard da Integris Aviantion Consultancy

38 | MAGAZINE 3 3 8
AGORA ESTAMOS TAMBÉM NO YOUTUBE
ASSISTA OS MELHORES VÍDEOS E LIVES SOBRE AVIAÇÃO
DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA

INSCREVA-SE NO CANAL

www.aeromagazine.com.br @aeromagazine aeromagazine aeromagazine Aero Magazine

MAGAZINE 3 3 8 | 39
INFR AESTRUTUR A

40 | MAGAZINE 3 3 8
O FIM DE UM
IMBRÓGLIO
HISTÓRICO
A concessão do aeroporto Campo de Marte
para a iniciativa privada promete encerrar
décadas de batalhas judiciais
P O R | G EO R G ES F ER REI RA* , E S PEC IAL PARA AE RO MAG AZINE
A
história do aeropor-
to Campo de Marte
remonta ao início
do século 20, mais
precisamente em
1906, quando a força pública de
São Paulo utilizava o espaço, um
alagadiço, para a realização de
exercícios de seus homens. Visan-
do refinar a formação da tropa,
foram contratados instrutores
procedentes do exército francês,
que, quase imediatamente, passa-
ram a chamar o local de “Champs
de Mars”, em alusão direta ao seu
homônimo, localizado próximo
à Academia Militar de Paris, cuja
alcunha se refere ao deus da guer-
ra romano, Marte.
A força pública de São Paulo,
após o final da Primeira Grande
Guerra (1914-1918), verifican-
do o potencial da aviação, já no
princípio dos anos 1920, começa
a usar o local para o treinamento
de seus aviadores e, em 1929,
época em que São Paulo contava
com praticamente um milhão de
habitantes, inaugurou oficialmen-
te o Campo de Marte como um
aeródromo, que ficava próximo
ao Quartel da Luz, estabelecendo
ali sua escola de aviação militar.
No mesmo ano, seria implantada
a Escola de Aviação Ypiranga e
a Empresa de Transporte Aéreo o Rio de Janeiro, capital flumi- operações aéreas, que foram in-
(E.T.A.) realizaria seu primeiro nense, em 15 de junho de 1931. cessantes até o desfecho do con-
voo entre o Aeroporto de Man- Todavia, o ano seguinte, 1932, flito (que rendeu alguns ataques
guinhos (RJ) e Marte, na data de traria consequências marcantes aéreos ao próprio aeródromo). O
30 de julho de 1929. para aquele aeródromo, muitas conflito culminou com a derrota
A década de 1930 para Marte das quais repercutindo pelos 90 de São Paulo em 2 de outubro
começou com a criação do Desta- anos seguintes. daquele mesmo ano.
camento de Aviação de São Paulo A Revolução Constituciona-
e do Aeroclube de São Paulo (em lista de 1932, confronto armado PÓS 1932
08 de junho de 1931) e o histó- majoritariamente de paulistas Após o conflito, a esquadrilha da
rico voo de retorno do primeiro contra as forças federais do então Força Pública foi extinta, com a
voo do Correio Aéreo Militar presidente Getúlio Vargas, levou transferência de todos os aviões
(hoje Correio Aéreo Nacional), à utilização do Campo de Marte e hangares ao exército, que, mais
que decolou do aeródromo da por parte dos constitucionalistas tarde, criaria o Destacamento do
Força Pública de São Paulo para como principal base para suas Segundo Regimento de aviação

42 | MAGAZINE 3 3 8
daquela arma. Em 12 de novem- também se deu a instalação Desde então, a região deno-
bro de 1933, houve a inauguração do Parque Aeronáutico, poste- minada Grande São Paulo cres-
de voos comerciais para o interior riormente Parque de Material ceu, transformando-se na maior
paulista pela Viação Aérea de São Aeronáutico (PAMA), existente metrópole do Hemisfério Sul, e
Paulo (VASP), com várias outras no local até os dias de hoje. No ganhou mais outro importante
empresas, escolas e operadores mais, em decorrência do ranço aeroporto, o internacional de
da aviação geral se instalando em pela utilização do local como Guarulhos. Assim, a megalópole
Marte. base pela aviação rebelde e das paulista consolida os maiores
Já em 1934, por ato do presi- constantes ameaças de alagamen- modais da aviação do Brasil,
dente Getúlio Vargas, o governo to, as autoridades passaram a sendo o de voos regulares nacio-
federal interdita o Campo de considerar a construção de outro nais com Congonhas, o de voos
Marte, passando para a União sítio aeroportuário para a capital internacionais com Cumbica e o
suas dependências e uma área de paulista, o que se concluiria com de aviação geral com o Campo de
mais de dois milhões de metros a inauguração do aeroporto de Marte, que lidera tanto na moda-
quadrados. Na mesma época, Congonhas, em abril de 1936. lidade de operações de asas fixas,

MAGAZINE 3 3 8 | 43
como de asas rotativas, tendo desenvolvem suas atividades por apenas em 2022, com um acordo
Campo de Marte
atrai todo tipo sido incorporado à Infraero (Em- meio de empresas de serviços firmado entre a União e a Prefei-
de aviação, de presa Brasileira de Infraestrutura aéreos públicos e executivos, 14 tura de São Paulo.
helicópteros e Aeroportuária) em 1979. empresas, oito escolas de aviação
aviões a pistão a e outros, entre os quais o Grupa- O ACORDO
jatos de negócios: NÚMEROS ATUAIS mento de Rádio Patrulha Aérea Passados praticamente 90 anos
alta conectividade Na atualidade, o Campo de Marte da Polícia Militar de São Paulo e desde o final da Revolução de
é um aeroporto compartilha- o Serviço Aerotático, que apoia 1932, a União e a Prefeitura
do, com 1,13 milhão de metros a polícia civil daquele estado, chegaram a um acordo sobre o
quadrados de sua parte física servindo-se, para tanto, de sua Aeroporto do Campo de Marte,
administrados pelo Comando da pista de 1.600 metros de cumpri- cujo terreno será definitivamente
Aeronáutica, por meio do Parque mento, com recuo de 450 metros passado ao governo federal, a
de Materiais Aeronáuticos de São e heliponto. O pátio de aeronaves partir da extinção da dívida de
Paulo (PAMA-SP), do Núcleo do possui 12.420 metros quadrados, 25 bilhões de reais do municí-
Hospital da Força Aérea de São possibilitando 22 posições de pio para com a federação. Uma
Paulo (NUhFASP), do Centro de estacionamento. polêmica levantada foi quanto à
Logística da Aeronáutica (CE- A Prefeitura de São Paulo compensação da dívida cobrada
LOG), da Subdiretoria de Abas- sempre quis reaver o espaço onde pela prefeitura pelo uso do espaço
tecimento (SDAB) e da Prefeitura está localizado o Campo de Mar- pela União, calculada até então
da Aeronáutica (PASP), abrigados te, tendo voltado às negociações em 49 bilhões de reais, ao que
no local. com a União em 1945, quando foi aprovada sua compensação
A Infraero administra uma se deu o fim do governo Vargas pela Câmara de Vereadores
área de 975 mil metros quadra- e, consequentemente, do Estado Paulistana.
dos, que conta com 23 hangares Novo. As tratativas prosseguiram O acordo firmado entre a
com salas de embarque próprias até 1958, quando o governo mu- União e a Prefeitura de São Paulo
para a aviação de negócios e por nicipal finalmente levou o caso à garante o funcionamento das
volta de 34 concessionários, que Justiça, cuja perlenga se resolveria atividades aéreas do Campo de

44 | MAGAZINE 3 3 8
Marte que, por diversas vezes nos funcionando entre seis da manhã apresentou uma média em torno
últimos anos, foram ameaçadas e onze da noite. Em 2020, o aeró- de 210 voos por dia, com o total
de cessar, por motivos que, quase dromo registrou 49.469 opera- de 56.844 movimentos (redução
em sua totalidade, voltaram-se à ções entre pousos e decolagens, de 25,8% em relação a 2019).
especulação imobiliária ou, quan- contra 67.955 em relação ao ano Importante mencionar que, nos
do não, à criação de um parque de 2019. dados do CGNA, estão inclusas as
ou, mesmo, à instalação de uma Já segundo o ranking do Anuá- operações de aeronaves militares
estação de “trem-bala”. rio Estatístico de Tráfego Aéreo em Marte, que corresponderam a
O Campo de Marte é, do Centro de Gerenciamento da 11% do total em 2020. O movi-
atualmente, o décimo segundo Navegação Aérea (CGNA) de mento de asas rotativas em SBMT,
aeroporto mais movimentado 2019, o aeroporto do Campo de de acordo com o Anuário Estatís-
do Brasil, segundo o Anuário Marte foi o décimo segundo aero- tico do Departamento de Controle
Brasileiro de Aviação Civil de porto mais movimento do Brasil do Espaço Aéreo (Decea) de 2020,
2021, mesmo operando apenas naquele ano, alcançando a sétima representou 47,2% do montante
em condições visuais (VFR) e posição no ano de 2020, quando geral de 2020.

MAGAZINE 3 3 8 | 45
Vale mencionar que, em 2019
(portanto, pré-pandemia de covid
19), o Campo de Marte começa-
va a recuperar seu movimento
pré-recessão de 2014/2016. Para
fins de comparação, em 2012, o
número de movimentos de aero-
naves civis chegou a 144.597, com
um total de 426.692 passageiros
(Infraero). Segundo o Anuário
Brasileiro de Aviação Geral da
Associação Brasileira de Aviação
Geral (Abag) de 2015, Marte se
conectou em 2014, a 729 aeródro-
mos e 474 helipontos, além de 84
localidades “sem identificação”, o
que ocorre, segundo o Decea, de-
vido “à dificuldade de localizar os
helipontos de origem ou destino”.
Ainda segundo a Infraero, em
Marte operam dezenas de tipos
de aeronaves, de asas tanto fixas
como rotativas, e suas oficinas e
instalações são imprescindíveis
para dar suporte à cidade com a
maior frota de helicópteros do
mundo (674 aparelhos operam no O destino desses dois aero- técnica, econômica e ambiental,
estado de São Paulo), sendo que portos definitivamente se alinha o que soma mais 6.008.771,48
a “população fixa” do aeroporto é a partir desse instante, sendo que, reais, além dos investimentos que
de por volta de 368 pessoas. tal qual seu irmão paulista, Jaca- serão necessários para manter
repaguá presta relevantíssimos os aeroportos operacionais,
O FUTURO serviços à aviação geral da cidade superavitários e acessíveis aos
O acordo entre a União e a Pre- do Rio de Janeiro, com grande seus atuais operadores, cujo perfil
feitura de São Paulo representa enfoque nas asas rotativa voltadas econômico, diverge sensivelmen-
a garantia de que as atividades à indústria petrolífera, tendo fi- te daquele de seus congêneres da
voltadas à aviação civil não ape- cado em quinto lugar no ranking aviação regular.
nas serão mantidas, como agora de aeroportos do CGNA de 2020,
passarão por uma nova fase, com com 66.374 movimentos (pousos/ AS BATALHAS
a inclusão do aeroporto do Cam- decolagens/cruzamentos/TGL). O aeroporto Campo de Marte se
po de Marte, e de seu congênere Os planos são ambiciosos, provou essencial para o desenvol-
carioca, o aeroporto de Jacarepa- pois o governo federal pretende vimento da cidade de São Paulo e
guá, na Sétima Rodada de Con- arrecadar com o valor a ser pago da aviação do país. Já foi cotado
cessões dos Aeroportos Federais. à Infraero, referente ao custeio de tanto para ser fechado, inúmeras
Eles serão concessionados no programas de adequação do efe- vezes, como para receber a maior
mesmo bloco (aviação geral), tivo, o importe de 121.608.515,70 feira de aviação de negócios
conforme estipulado no edital reais, fora o que terá de arcar o da América Latina, a Labace,
do leilão (nº 01/2022) redigido cessionário com as despesas da quando a Infraero quis retirá-
pela Agência Nacional de Aviação empresa encarregada pela reali- -la do aeroporto de Congonhas.
Civil (Anac). zação dos estudos de viabilidade Atualmente, vem sendo cotado

46 | MAGAZINE 3 3 8
para receber o acervo do Museu Para quem lida com o dia o que talvez, seja, hoje, seu maior Nas mãos da
“Asas de Um Sonho” e ainda será a dia do transporte aéreo seria capital. iniciativa privada,
instalado em suas dependências o impossível hoje pensar na cidade Dessa forma, o “guerreiro” de o Campo de
Marte pode
Colégio Militar do Estado de São de São Paulo sem o Campo de Santana (bairro onde está locali- ampliar seu
Paulo. Marte, pois a interrupção de suas zado), e seus soldados, prepara-se potencial em
Atende a uma importante atividades ressoaria em toda a para sua mais nova fase, na qual diferentes
missão da Força Aérea Brasileira, aviação nacional e os aeroportos será entregue à iniciativa privada, mercados
com seu longevo Parque de Ma- de Guarulhos ou Congonhas que o administrará nas próximas
nutenção Aeronáutica (PAMA- seriam incapazes de absorver seu décadas. O vencedor do certame
-SP) mais diversas instalações movimento, ou as funções que terá a responsabilidade de manter
técnicas e de apoio, assim como, exerce junto à aviação geral, com e ampliar suas operações, além de
ironicamente, à própria força suas escolas, centros de atendi- deixá-las viáveis e acessíveis aos
pública do estado de São Paulo, mento (FBO), oficinas, empresas operadores que enfrentam a dura
representada hoje pela Polícia e assim por diante. realidade do atual cenário da
Militar (PMESP) e seu grupa- O maior prejuízo, contudo, aviação mundial, e ainda preci-
mento aéreo. Prestou relevantes seria junto à própria comunidade sará preservar sua história e suas
serviços durante a pandemia de aeronáutica, pois o networking tradições, que forjaram a aviação
covid 19, recebendo inúmeros que foi construído dentro de seus geral brasileira.
voos aeromédicos, de transporte muros entre aviadores e demais
de equipamentos médicos e ga- profissionais da aviação decolam * Georges Ferreira é consultor,
rantindo manutenção às aerona- na forma de ideias, negócios e advogado e professor de Direito
ves, fossem estas de asas rotativas amizades, além da própria conec- Aeronáutico, nacional e interna-
ou fixas. tividade com outros municípios, cional.

MAGAZINE 3 3 8 | 47
INDÚSTRIA

48 | MAGAZINE 3 3 8
NOVA GERAÇÃO
DE CARGUEIROS
Com as restrições sanitárias impostas pela pandemia e a
explosão do comércio eletrônico, Boeing, Airbus e Embraer
investem no transporte de carga
P OR | E DM UND O UB IRATAN
U
m dos efeitos ime- aérea, seguido da boa oferta de
diatos da pandemia aviões novos que foram retirados
foi a paralisação de serviço na pandemia e não
quase completa devem retornar ao transporte de
do transporte pessoas, em parte pela própria
aéreo de passageiros ao redor do renovação da frota já planejada e
mundo. Paralelamente, enormes que se tornou urgente em tempos
navios destinados ao transporte de combustível com preço alto
de cargas foram proibidos de e pressões ambientais. Para as
navegar. O resultado foi o uso empresas cargueiras, uma opor-
massivo de aviões comerciais, tunidade de ampliar e/ou renovar
especialmente aqueles destinados suas frotas.
ao transporte de passageiros, em A conversão de aviões de
voos puramente cargueiros. No passageiros para cargueiros não
auge da crise sanitária, entre abril é uma novidade no transporte
e julho de 2020, a necessidade de aéreo. Na verdade, há mais de
transporte de insumos médicos e 80 anos, as empresas aéreas e
hospitalares, assim como fárma- até mesmo forças aéreas con-
cos, que tinham grande volume, vertem modelos destinados
mas massa relativamente baixa, para o transporte de passageiros
permitiu que as companhias aé- em cargueiros. Sem contar os
reas passassem a transportar tais próprios fabricantes, que lançam
volume na cabine de passageiros. cargueiros derivados de sucessos
Inicialmente, as companhias no mercado de passageiros ou
acomodavam as caixas sobre ainda que realizam tais conver-
os bancos, mas, logo, vieram sões de aeronaves usadas. Um dos
autorizações de diversas agências exemplos mais famosos é o C-47,
reguladoras para a retirada da que é uma versão de transporte substituíram os veteranos 727F,
classe econômica e a adaptação militar do DC-3. Com o cresci- levou ao projeto de conversão dos
de redes de carga para ampliar o mento do comércio internacional A320 e A321 por meio de uma
espaço físico disponível. Desde e a popularização do transporte parceria entre a Airbus, a alemã
então, o mundo tem olhado com aéreo, surgiram empresas aéreas Elbe Flugzeugwerke (EFW) e a
mais atenção para o transporte destinadas apenas ao mercado singapurense ST Engineering.
de cargas pelo ar, sobretudo pelo cargueiro ou divisões de empre- O programa, chamado de
crescimento da demanda por sas que aproveitavam sua vasta A320/A321P2F, oferece a con-
distribuição dos milhões de itens malha aérea para também movi- versão de ambos os modelos, que
adquiridos via comércio eletrôni- mentar cargas. ampliam as oportunidades de
co. Fabricantes, lojas e clientes crescimento de frota ou subs-
passaram a ser conectados por FAMÍLIA A320 tituição de modelos antigos. O
via aérea. Pouco antes da pandemia, surgi- projeto tem vital importância
Mais recentemente, os aviões ram novos projetos de conversão, para a Airbus, que sempre teve
asseguraram uma retomada das no chamado P2F, acrônimo em uma presença tímida no merca-
cadeias de produção no menor inglês para “de passageiros para do cargueiro, ainda que o A300/
tempo possível. O fenômeno cargueiro”, em tradução literal. A310 tenha tido algum sucesso
levou a uma rápida expansão Um dos principais destaques foi no passado. Porém, o A330F não
na oferta de aviões de passagei- a oferta da família A320 para o teve condições de competir com
ros para serem convertidos em mercado de transporte de cargas. o amplo domínio da Boeing no
cargueiros. O primeiro motivo O envelhecimento da frota segmento, que lidera com folga
é a elevada demanda por carga de 757F e 737-300/-400F, que com seus 767-300F e 777F novos

50 | MAGAZINE 3 3 8
de fábrica. Além disso, era quase 14 pallets ou contêineres no piso ra a conversão de aviões envolva,
padrão converter antigos mode- principal e outros dez contêi- em geral, de forma simplifica-
los Boeing para o padrão carguei- neres LD3-45W nos porões. A da, o reforço estrutural do piso
ro, desde os 737 Classic até os capacidade máxima de carga principal e a instalação tanto de
757, no segmento médio. Embora está na ordem de 25 toneladas, barreira rígida de 9 g no cockpit
o A320 e o A321 sejam sucesso limitado a pouco mais de duas como da porta de carga, no caso
inegável, os modelos aposentados mil milhas náuticas de alcance. do programa A320/A321P2F, os
em geral acabavam desmontados Porém, é possível ter um alcance engenheiros conseguiram ampliar
até recentemente. de 2.700 milhas náuticas com 15 a capacidade volumétrica do piso
O projeto A320/A321P2F toneladas, tornando o modelo principal mudando a posição da
foi lançado meses antes da crise bastante flexível para operações porta de acesso dos pilotos, que,
sanitária e oferecia ao mercado em mercados de alta capacidade, além de ter sido reduzida em
uma interessante opção de reno- entre centros de distribuição, área, fica bastante próxima do
vação dos envelhecidos 757F, que, ou intercontinental, atendendo cockpit. O lavatório também foi
embora tenham boa capacidade especialmente cargas de maior reprojetado, mantendo o máximo
e alcance, estavam limitados pela volume e massa reduzida. de espaço a bordo para os pilotos,
idade dos aviões e pelos custos Já o A320P2F oferece mas aproveitando o amplo salão
operacionais cada vez maiores. O capacidade para dez pallets no do piso principal.
substituto natural foi o A321P2F, piso superior e sete contêineres A expectativa é que os
que passou a oferecer um volume LD3-45W nos porões, podendo A321P2F se tornem o modelo
utilizável de 208 metros cúbicos transportar até vinte toneladas padrão para a maioria das em-
e capacidade para transportar por 2.300 milhas náuticas. Embo- presas aéreas que hoje voam com

MAGAZINE 3 3 8 | 51
os 757F, com potencial de vendas opção de baixo custo e elevada peso zero combustível varia entre
Airbus A330
convertido em estimado em 4.500 unidades capacidade, capaz de substituir os 168 e 170 toneladas, enquanto o
versão cargueira ao longo de 20 anos. Além de A300-600F, assim como os 767- A330F é de 178 toneladas.
oferecer uma capacidade similar 200F e 767-300F, que acumulam Por fim, outra diferença é o
à do rival da Boeing, o A321P2F mais de duas décadas de serviço. alcance, que, no modelo conver-
se beneficia de ser convertido a Com a ampla oferta de A330 tido, é de aproximadamente 3.900
partir de células relativamente disponíveis no pós-pandemia, os milhas náuticas e, no modelo
novas, assim como conta com preços dos aviões estão conside- original, de 4.150 milhas náuti-
custos operacionais menores, ravelmente mais baixos. Eis onde cas. Porém, entre os convertidos
considerável redução das emis- o A330P2F pode se destacar e o existe a opção do A330-300,
sões de poluentes e ainda controle A330F encontrou dificuldades: o modelo de maior capacidade e
fly-by-wire. preço unitário do avião. que não foi oferecido ao mercado
A conversão do A330 em na versão cargueira pela Airbus.
A330P2F cargueiro oferece ao mercado um Nesse caso, a diferença de capa-
A Airbus também espera con- avião ligeiramente diferente do cidade está mais no volume do
quistar o mercado de aeronaves A330F novo de fábrica. Visual- que em peso máximo. O volume
de grande capacidade, tendo o mente, o mais fácil de identificar no A330-300P2F é de 526 metros
A330P2F como uma das suas é a falta do “queixo” instalado cúbicos e, no A330-200P2F e no
principais aeronaves. A princí- logo abaixo do trem de pouso do A330F, de 453 metros cúbicos. Já
pio parece contrassenso desejar nariz. O motivo é a dificuldade a carga paga é de 63 toneladas e
competir no mercado com um e o elevado custo de instalar o 61 toneladas, respectivamente.
avião convertido já que o novo módulo que permite elevar ligei-
de fábrica jamais obteve vendas ramente o nariz. Além disso, no A350F
consideráveis. Porém, o projeto caso do A330-200P2F, o peso má- Aa Airbus atendeu à demanda do
também em parceria com a ST ximo de pouso é entre 180 e 182 mercado para um avião cargueiro
Engineering e EFW, planeja ofer- toneladas, ante as 187 toneladas novo e de grande capacidade,
tar o A330 convertido como uma do modelo novo de fábrica. Já o com o lançamento do A350F, de-

52 | MAGAZINE 3 3 8
rivado do A350-900. O objetivo é poluentes é de 40%. O objetivo
substituir os 747-400F e oferecer é atender às empresas aéreas
um avião competitivo frente ao especializadas em cargas expres- Briga entre Airbus
777F. Segundo a Airbus, o A350F sas, que individualmente são BOEING 777-8F e Boeing se acirra
oferece o mesmo volume interno pequenas embalagens, montadas A resposta da Boeing, que sempre no mercado
do 747-400F, que, embora seja em pallets ou contêineres, não em teve ampla liderança no segmen- de aeronaves
um avião ligeiramente mais operação com grandes volumes to, foi o 777-8F, que havia sido cargueiras
estreito, o maior comprimento do indivisíveis, que neste caso ainda oferecido ao mercado junto ao
piso principal permite a mesma tem no 747F uma das únicas lançamento do programa 777X,
capacidade volumétrica, assim opções, ao lado dos poucos mas, na ocasião, não encontrou
como permite transportar até Antonov An-124 disponíveis no maiores interesses das empresas
três toneladas a mais do que o mercado. Outro ponto importan- aéreas. Porém, com a disputa
777F, com cinco posições extras te do A350F é sua estrutura em entre a Qatar Airways e a Airbus,
de pallets e custos 11% inferiores. material composto, que oferece pelos problemas na pintura do
Na comparação com o 747-400F, elevada resistência, aliado ao A350, o 777-8F encontrou seu
a Airbus afirma que a redução baixo peso estrutural e menores espaço. A resposta da Qatar ao
no consumo e nas emissões de custos de manutenção. cancelamento unilateral dos

MAGAZINE 3 3 8 | 53
Versão do Boeing pedidos por parte da Airbus foi ao oferecer um avião com uma quando comparado ao modelo
767 dedicada um pedido firme de 34 jatos e capacidade superior ao 747-400F, novo. Ainda assim, existe umas
exclusivamente opções para mais 16 unidades que era praticamente o modelo pequenas diferenças entre os dois
ao transporte de modelos. O 767-300F tem carga
do 777-8F. O novo avião oferece padrão entre aeronaves de grande
carga
17% mais volume interno que capacidade. No caso do 747-8F, o paga de 52,4 toneladas e alcance
o 777F, assim como uma carga peso máximo de decolagem é de de 3.255 milhas náuticas, enquan-
paga de 112,3 toneladas, ante as 447.700 quilos, com carga paga to o 767-300BCF oferece carga
102 toneladas do 777F. Contu- de 137,7 toneladas, já no 747- paga de 51,6 toneladas e alcance
do, o alcance é de 4.410 milhas 400F são 396.890 quilos e 112,9 de 3.345 milhas náuticas.
náuticas no 777-8F, ligeiramente toneladas, respectivamente.
inferior aos 4.970 milhas náuticas BIG TWIN
do 777F. 737-800BCF E 767-300BCF Ainda na família Boeing, existem
Com uma gama sólida de Entre os modelos convertidos, diversas opções de conversão dos
produtos, a Boeing oferece uma a Boeing oferece atualmente modelos 737, 767 e 777, ofereci-
série de opções ao mercado os 737-800BCF, que disputam dos por empresas especializadas,
cargueiro, indo dos 737-800BCF, o mercado intermediário com que rivalizam em capacidade e
o modelo convertido do 737-800 carga paga de 22,7 toneladas, custos com os aviões originais
pela própria Boeing, ao 777-8F, ligeiramente inferior ao A321P2F, da Boeing. A Israel Aerospace
mas até recentemente havia o mas com custos próximos por to- Industries (IAI) é um dos mais
747-8F, que deixará de ser produ- nelada transportada. Outra opção tradicionais fabricantes especiali-
zido nos próximos meses. Aliás, de conversão é o 767-300BCF. zados em conversão de aviões no
o 747-8 obteve uma inexpres- Embora a Boeing tenha a opção mundo, tendo no passado feito
siva participação no mercado do 767F novo, a conversão atende até mesmo uma parceria com a
de passageiros, mas conquistou às empresas aéreas que buscam Varig para transformar alguns
uma importante fatia do mer- uma aeronave com boa capacida- 767-200 no padrão cargueiro.
cado cargueiro de grande porte de e menores custos de aquisição Em outubro de 2019, a IAI

54 | MAGAZINE 3 3 8
e a Gecas, a então divisão de
arrendamentos de aeronaves da
GE, fecharam um acordo para
conversão do 777-300ER. O
projeto batizado de Big Twin, por
se tratar do maior bimotor do
mundo, prevê um avião com 25%
mais capacidade do que os atuais
777F e até 21% mais econômico
no consumo por tonelada do
que aviões cargueiros de quatro
motores, como o Boeing 747.
O avião conta com a mesma
porta de cargas do 777F, que será
produzida pela própria Boeing,
mas que será instalada na parte
posterior da fuselagem, logo
atrás da asa, com 3,72 por 3,05
metros. A capacidade interna será
superior à dos 777F, tendo espaço
para mais dez contêineres padrão
de 2,4 por 3,2 metros, cada. Em
relação aos 747-400F, o avião
pode carregar oito contêineres a
mais, graças ao formato da fusela-
gem que não estreita em sua parte
traseira. Em comparação ao 777F,
o Big Twin terá capacidade para
até 20 toneladas adicionais de
carga paga, basicamente a mesma
tonelagem do 747-400F. o E195F, terá capacidade de 12,3 mercado de usados permite ofe- Acima, conversão
toneladas, aproximadamente 50% recer um avião mais moderno do feita por empresa
EMBRAER a mais volume e três vezes mais que os rivais cargueiros, além de especializada de
Por fim, a Embraer lançou em autonomia do que os grandes permitir à Embraer explorar um jato da Boeing e,
abaixo, o E-Jet
março o programa de conversões turbo-hélices cargueiros e custos novo nicho de mercado até então
cargueiro da
de jatos de passageiros para car- de operação até 30% menores do inexistente nos seus negócios. Embraer
gueiros dos modelos E190 e E195 que as aeronaves de fuselagem A expectativa do mercado de
(P2F). A Embraer afirmou que a estreita, como os 737 Classic. carga aérea é manter as taxas de
intenção é atender ao crescente Outro ponto importante, para ocupação e demandas atuais, que,
mercado gerado pelo e-commerce a estratégia da Embraer, é apro- embora cresçam em um ritmo
(comércio eletrônico) onde existe veitar a modernização da frota de menor que no auge da crise,
uma operação logística mais aviões regionais, que ocorre ao continuam bastante acima dos
ágil e descentralizada. Atual- mesmo tempo que a renovação resultados da pré-pandemia. Mo-
mente, muitas empresas operam e a ampliação da frota cargueira. delos convertidos de aeronaves
turbo-hélices convertidos como Os primeiros E-Jet entraram em de geração mais novas prometem
cargueiros, como os ATR, que serviço há pouco mais de quinze ser a solução entre ampliação da
oferecem flexibilização de uso en- anos e estão sendo aposentados, capacidade, redução dos custos e
tre passageiro e cargas. O E190F seja pelo crescimento do mercado das emissões de poluentes, temas
poderá transportar uma carga ou pela renovação da frota. A presentes em qualquer contrato
paga de 10,7 toneladas enquanto boa oferta de E190 e E195 no na aviação atual.

MAGAZINE 3 3 8 | 55
AV I AÇ ÃO M I L ITA R

56
|
MAGAZINE 3 3 8
AS
MUDANÇAS
NA FAB
Pela primeira vez em 80 anos, o
Comando da Aeronáutica traça um
plano de longo prazo privilegiando a
capacidade bélica de sua força aérea
PO R | ED MUN DO UB I RATAN
H
á alguns anos, furor, pelo teor polêmico e pelo pós-pandemia, o Comando da
o Comando da ineditismo. O comandante da ae- Aeronáutica publicou uma nova
Aeronáutica vem ronáutica, tenente-brigadeiro do nota oficial, desta vez dizendo
promovendo uma ar Carlos de Almeida Baptista Ju- que seu foco seria promover
gradual moderniza- nior, afirmou que negociava uma capacidades da Força Aérea e
ção em quesitos como estrutura, redução do pedido do KC-390 da não mais priorizar apenas os
meios e estratégias. O movimento Embraer pela metade. A falta de interesses da indústria aeroes-
mais importante ocorreu com a recursos para comprar e operar 28 pacial brasileira. “A Força Aérea
criação do Ministério da Defesa, aviões, somada às demais necessi- Brasileira que, abrindo mão de
e a consequente transformação dades imediatas, era a justificativa importar os mais modernos
dos Ministérios da Aeronáutica, para o corte. Era a primeira vez sistemas de armas disponíveis
da Exército e da Marinha em Co- que o Comando da Aeronáutica no mercado mundial a preços
mandos, subordinados imedia- fazia uma nota pública sobre compatíveis com nossas possibili-
tamente à Defesa. Ao longo dos cortes em projetos. Em geral, dades, optou por um processo de
anos, a Aeronáutica deixou uma os ajustes, comuns em qualquer nacionalização industrial, que pu-
série de atividades, como, por força, são feitos nos bastidores e, desse gerar nossa independência
exemplo, a gestão da aviação civil eventualmente, comunicados ao externa, criar empregos de alto
e, mais recentemente, promoveu público quando o processo já está nível e riqueza para nosso povo”,
uma profunda modernização de encerrado entre as partes. afirmava a nota do Comandante
seus meios. Ainda em 2021, na véspera da Aeronáutica.
Em meados de abril de 2021, do Dubai Air Show, o primeiro O tom de desabafo ocorria
um comunicado público causou grande evento aeronáutico no após a Embraer não concordar

58 | MAGAZINE 3 3 8
resse público, iniciará, dentro dos de gerenciamento de tráfego
limites previstos na lei, os proce- aéreo do mundo (que pese suas
dimentos para a redução unilate- limitações e falhas), promover
ral dos contratos de produção das uma aviação civil organizada e
aeronaves KC-390”, citava a nota segura, entre outros. O sistema
publicada horas antes do Dubai funcionou bem por algum tempo,
Air Show. mas logo ficou claro que havia
Para o mercado, o comunica- interesses conflitantes, recursos
do foi visto como um duro golpe limitados e demandas cada vez
nas prospecções de vendas do maiores. Na última década, a
C-390 Millennium no exterior. Aeronáutica passou a se ver mais
Do ponto de vista estratégico, a como seu braço armado, a Força
Aeronáutica deixava claro sua Aérea Brasileira, não mais apenas
mudança de foco. Ao longo dos como um grande gestor de todo
últimos meses, o Comando da um ecossistema aeronáutico.
Aeronáutica explicou que, embo- Uma reestruturação interna
ra considere importante uma in- com redução de unidades,
dústria aeroespacial forte e capaz, bases, pessoal, entre outros está
o Brasil necessita investir em uma em andamento há mais de 15
Força Aérea com capacidades anos, ocorrendo de forma quase
acima do histórico nacional. silenciosa fora dos muros dos
Um ponto importante desta- quartéis. Contudo, o C-390
cado pelo Comando da Aeronáu- Millennium expos mais um
tica se refere, justamente, a uma traço da mudança, de priorizar
confusão histórica entre Aero- agora a Força Aérea e não mais
náutica e Força Aérea. A criação projetos industriais. O problema
do Ministério da Aeronáutica, é que a forma como foi colocada
com os termos de redução do nos anos 1940, previa que o Esta- para o público gerou uma série
contrato do KC-390, visto que o do seria responsável por promo- de controvérsias, afinal, a Em-
pedido inicial de 28 unidades era ver o desenvolvimento da aviação braer e a indústria aeronáutica
suficiente apenas para justificar no Brasil, assim como responder nacional são motivo de orgulho
o programa, não garantia seu às necessidades de segurança do para o brasileiro. Da mesma
sucesso comercial. Uma redução espaço aéreo. A ideia, inspirada forma, a Força Aérea Brasileira é
pela metade comprometeria sobretudo no modelo italiano, considerada uma das instituições
ainda mais a competitividade maximizava os recursos financei- de Estado mais respeitadas para
internacional do avião brasileiro, ros e humanos em uma estru- a população. Um atrito entre
que enfrenta a forte concorrên- tura de aviação única, na qual ambos levou a uma série de
cia do Lockheed C-130J Super indústria, aviação civil e aviação questionamentos e dúvidas.
Hercules, em especial pelo poder militar seriam gerenciadas a par- Ciente dos fatos, o Coman-
de barganha de Washington em tir de uma mesma organização. O do da Aeronáutica promoveu
qualquer negociação. Ministério da Aeronáutica teria um encontro com a imprensa
“A Embraer informou a não um braço para prover a aviação durante o qual explicou exata-
aceitação da proposta da Aero- nacional e um outro armado, no mente o que está sendo feito,
náutica. Considerando a decisão caso, a Força Aérea Brasileira. os motivos e planejamentos.
da Embraer e a impossibilidade Essa estrutura foi responsável Em resumo, a intenção agora
de permanecer com a execução por promover o desenvolvimento é criar uma força aérea bem
do contrato nas quantidades da Embraer, de ampliar o número estruturada e capaz, buscando
atuais, a Força Aérea Brasileira, de aeroportos no Brasil, de criar uma modernização sem prece-
no intuito de resguardar o inte- um dos mais sofisticados sistemas dentes em sua história.

MAGAZINE 3 3 8 | 59
SEGUNDO LOTE DO GRIPEN dos aviões de prontidão. original são insuficientes para
Não por um acaso, o comandante A maioria das forças armadas substituir a totalidade dos F-5
Baptista Junior passou a endossar do mundo tem como métrica bá- e A-1 em serviço. Além disso,
a compra de um segundo lote do sica que metade dos meios estão é um número elevado para um
Gripen, chegando a dar depoi- disponíveis 24 horas, enquanto a único esquadrão, mas baixo para
mentos em vídeos institucionais outra metade passa por revisão, dois ou três. Não por um acaso,
da Saab. Embora seja pouco usual manutenção, modernização ou a compra de mais quatro Gripen
um comandante militar se expor foi perdida em acidentes. Uma E foi justificada justamente para
em ações promocionais de um força aérea bem estruturada tem permitir compor dois esquadrões.
fornecedor, a estratégia é destacar ao menos 20% adicional da frota O segundo lote, caso contratado,
o compromisso do Comando da pronta para entrar em serviço em não deverá atingir nem mesmo
Aeronáutica com a compra dos algumas horas ou dias, em geral, 80 unidades do Gripen, com um
caças e a modernização de suas envolvendo aviões que estão número realista entre 65 e 70
capacidades militares reais. em manutenção programada. aviões no total. Mesmo que dobre
A compra do Gripen NG O restante, algo como 30% da o contrato original, o valor ainda
previu a transferência de tecno- frota, dependeria de vários dias estará distante do necessário para
logia [leia mais em AERO 337], ou semanas para poder entrar em poder substituir toda a aviação de
considerada fundamental para combate. caça e permitir ao Brasil ter uma
o desenvolvimento da indústria O segundo argumento é que força aérea realmente capaz de
nacional e, sobretudo, para o a produção de componentes e enfrentar uma eventual ameaça.
incremento das capacidades de caças no Brasil só é justificada, do Evidentemente, um Gripen E tem
operação dos caças usados pela ponto de vista econômico, caso mais poder de combate, em todos
FAB. O contrato para compra de a linha de produção continue os sentidos, do que o F-5 e o A-1,
36 caças foi consideravelmente ativa com um lote considerá- somados, mas, ainda assim, uma
mais caro justamente por incluir vel contratado. Adicionar um frota pequena torna limitado o
as transferências de tecnologias punhado de pedidos conforme alcance da defesa do espaço aéreo
desejadas pela FAB. Atualmente, surja orçamento ou necessidade brasileiro.
o argumento da Aeronáutica para urgente inviabiliza qualquer linha
o segundo lote é baseado em três de produção no médio prazo ou GRIPEN F 100% SUECO
pilares básicos. O primeiro seria encarece tanto o produto que a Ainda sobre o Gripen, a Ae-
que a compra de um único lote conta não fecha. ronáutica renegociou com a
limita a capacidade de ação da Por fim, a Aeronáutica Saab a mudança contratual que
FAB, que, na prática, terá metade sustenta que os 36 aviões do lote envolve a produção do Gripen F

60 | MAGAZINE 3 3 8
no Brasil. Inicialmente, o plano a discussão para reduzir o pedido a seria que, ao mudar o cronograma,
Programas com
era que os aviões biplace seriam apenas 15 aviões. Entre os argu- a linha de produção sofreria com movimentos
desenvolvidos por uma equipe mentos está a disponibilidade orça- uma menor cadencia, o que, no opostos: contrato
de engenheiros brasileiros, com mentária, que não permite operar final, aumentaria os custos unitários do Gripen se
grande participação da Embraer 22 aviões simultaneamente, assim e agregaria o risco de, no futuro, expande enquanto
no processo, e sua construção se- como a excelente capacidade do a FAB receber seu último KC-390 o do C-390 se
ria nacional. Porém, por questões avião, que supera a do C-130H Her- como um avião já ultrapassado contrai
de custo e industriais foi nego- cules. O Comando da Aeronáutica em várias questões tecnológicas.
ciado que a construção final do ressalta que o Brasil nunca chegou a Seja como for, a FAB estuda como
Gripen F será integralmente feita ter em operação nem vinte C-130H resolver a equação sem comprome-
na Suécia, e o Brasil passará a ter sequer, o que demonstra que o valor ter a sua capacidade nem afetar as
direito de produzir um número de 22 ou 28 unidades estava muito vendas do avião no exterior.
maior dos Gripen E. Isso evita o acima da realidade operacional.
gasto com ferramental destinado Alguns críticos e analistas O CONCEITUAL STOUT
ao Gripen F, que não deverá ter apontam que um acordo entre as Um dos projetos que mais cha-
um lote expressivo produzido, três forças, com a FAB sendo res- maram atenção do público foi
enquanto possibilita a produção ponsável pelo transporte logístico, o Stout, um avião hibrido com
de mais unidades do Gripen E poderia permitir a compra dos 28 capacidade para substituir os
no Brasil, com menores custos aviões. O custo seria dividido entre veteranos Bandeirante e Brasília
quando comparado ao modelo bi- as três forças, que ressarciriam a na FAB. O conceito foi apresen-
place. Apenas uma reorganização Aeronáutica a cada missão – de tado exclusivamente em slides
industrial, mas que pode gerar maneira simplista, seria como um de Power Point no final de 2020,
benefícios adicionais à indústria voo fretado, em que cada uma paga sem o compartilhamento de
brasileira. pela missão contratada. Toda- nenhum detalhe técnico ou ope-
via, esse projeto envolveria uma racional. Nem sequer imagens
MENOS C-390 MILLENNIUM mudança na legislação, que levaria foram divulgadas à imprensa.
A FAB e a Embraer chegaram a um meses ou anos para ser aprovada. A O pouco que se sabia era que
acordo para um total de 22 unida- Aeronáutica não descarta manter o avião seria um quadrimotor,
des do KC-390, mas o Comando da os 22 aviões, apenas mudando o com dois motores turbo-hélices
Aeronáutica não descarta retomar cronograma de entregas. O senão convencionais e dois elétricos,

MAGAZINE 3 3 8 | 61
62 | MAGAZINE 3 3 8
Base aérea de
Anápolis, em
criando uma nova era na aviação onde previa um UCAV, ou seja, KC-30 Goiás, recebeu
de transporte leve da FAB. uma aeronave de combate não Durante uma live, no final de simuladores do
O entrave era a viabilidade tripulada, de grande porte, com janeiro de 2021, o presidente Jair Gripen E com
técnica do projeto, que envolveria capacidade de realizar uma Bolsonaro afirmou que havia domo e cockpit
criar uma tecnologia de propulsão série de missões, desde ataque recursos para a compra de dois integrado
e gestão de sistemas e baterias até reconhecimento. O anún- Airbus A330 MRTT (Multi-Role
que ainda não existe. Isso sem cio não passava de um vídeo Transport Tanker), um transpor-
considerar que o avião mais sofis- com um modelo tridimensio- te multifunção e aeronave-tan-
ticado, em termos de tecnologia nal, sem qualquer acordo de que. Na ocasião, foi considerado
de propulsão, seria justamente desenvolvimento assinado com que o orçamento seria utilizado
aquele que deveria voar em áreas a Aeronáutica. Apenas a troca para a compra de duas unidades
remotas, com pouco ou nenhum de informações sensíveis (como do modelo que estavam sendo
suporte de solo. Para piorar, quais missões e sistemas a FAB ofertadas pela força aérea britâ-
grande parte dos voos seriam na pretendia operar) foi feita entre nica no mercado de usados. O
região Amazônica, onde o clima os militares e a Embraer. Embora projeto avançou e ficou definido
quente e úmido sempre foi um tenha entusiasmado muitos que o orçamento seria oriundo
pesadelo para sistemas eletrôni- militares, os custos e as tecno- do Ministério da Defesa, com
cos e elétricos. O Comando da logias envolvidas no projeto objetivo exclusivo de comprar
Aeronáutica optou por suspender estão completamente fora do dois Airbus A330-200, que
qualquer processo de desenvolvi- orçamento da FAB. Resultado, seriam convertidos poste-
mento do Stout, que foi declarado o Comando da Aeronáutica riormente no padrão MRTT.
cancelado antes mesmo de nascer. anunciou que não seguiria com Inicialmente, o argumento
o estudo. O argumento era custo para a compra era a urgente
AERONAVE NÃO TRIPULADA elevado e a prioridade de curto necessidade de transporte de
Em meados de abril de 2021, prazo de adquirir o segundo lote grande volume para atender à
a Embraer divulgou um teaser do Gripen. pandemia. Evidentemente, o

MAGAZINE 3 3 8 | 63
FAB deve comprar programa não estaria disponível a Avianca, estava estocado após ecossistema que integre todos
dois A330 para no tempo necessário, sendo assim, a crise sanitária. Os aviões foram seus recursos, sem espaço para o
transporte oficialmente, a justificativa passou revisados na Jordânia, apenas por modelo anterior que cada avião,
multifunção e a ser a necessidade de um avião de questões econômicas, e entregues helicóptero ou estação de radar
aeronave-tanque transporte estratégico multifun- para a FAB. Vale destacar que operava de forma quase autôno-
cional. ambos os aviões chegam ao Brasil ma, apenas recebendo ordens.
O A330 MRTT oferece capa- com a designação KC-30, mas As mudanças promovidas
cidade para transporte de grandes sem qualquer capacidade de rea- pelo Comando da Aeronáutica
volumes em seus porões, aliado a bastecimento. A conversão para apontam para a prioridade de
uma cabine no piso principal que o padrão MRTT envolverá uma prover uma capacidade bélica
pode ser convertida em avião VIP, segunda licitação, que ainda não elevada, colocando a capacidade
transporte de pessoal e, dependen- tem data para acontecer. industrial em segundo plano
do da compra de um kit especial, pela primeira vez em 80 anos.
até mesmo uma grande UTI MÍSSEIS E SISTEMAS A estratégia, embora contro-
aérea. O projeto foi detalhado ao A Aeronáutica também ini- versa para muitos, aponta um
longo de um ano, com a definição ciou um completo projeto de novo ciclo na Aeronáutica, de
ocorrendo em 2022, quando ficou reequipamento de seu arsenal, se ver mais como força aérea do
acertado que seriam adquiridos no confirmando a compra de novos que uma estrutura aeronáutica
mercado dois aviões comerciais, mísseis para o Gripen, acordos complexa. Em um cenário com
da mesma série, com no máximo para sistemas integrados que vão recursos limitados e custos cada
oito anos de uso, que seriam na permitir operar os novos caças vez maiores, o comandante da
sequência convertidos pela Airbus e a frota de aviões existente de Aeronáutica definiu um foco,
como MRTT. forma jamais vista no país. Um tornar a FAB muito mais capaz
A Azul Linhas Aéreas venceu dos desafios da FAB será manter do que foi em toda sua história.
a licitação para oferecer os dois um sistema de datalink capaz de Se o modelo escolhido para atin-
A330-200, que seriam converti- oferecer a plena integração entre gir tal objetivo foi certo ou er-
dos. Um dos aviões fazia parte da meios aéreos, sistemas de solo e rado, saberemos no futuro, mas,
própria frota, que, originalmente, centros de comando e controle. seja como for, ao menos agora,
havia sido entregue para a Avian- O Comando da Aeronáutica está existe um plano traçado de longo
ca, enquanto o segundo, que ciente de que a guerra moder- prazo e com um objetivo final
também havia sido entregue para na depende de um sofisticado estabelecido.

64 | MAGAZINE 3 3 8
Ao longo de mais de 20 anos de história, Inner Group
tornou-se referência no Brasil nos mercados de vinho,
aviação e tênis.

Nosso ecossistema de comunicação impacta mais


de 1 milhão de pessoas por mês com revistas, livros,
guias, conteúdo de internet, eventos e e-commerce.

Brasil

www.innergroup.us/pt in company/innergroup +55 (11) 3876-8200


MAGAZINE 3 3 8 | 65
MEMÓRIA

UMA
INVASÃO
COM 500
AVIÕES
Os 70 anos de uma revoada
histórica do Brasil à Argentina,
que envolveu Leonel Brizola,
Getúlio Vargas, Evita Perón e
Assis Chateaubriand, além de
Ada Rogato, Anésia Pinheiro
Machado e Ruben Berta
P OR | P OR L UI Z FE L IPE B. D E BA R R OS *,
E S P ECI AL PARA AE R O M AG AZ INE

66 | MAGAZINE 3 3 8
A
lguns chamavam de Aeronáutica, entre 1941-1945. Aviadores Civis (UBAC), rece-
CAP 4, pilotos e Revoada de Confra- Leonel de Moura Brizola besse a assistência necessária. A
mecânico partindo ternização. Outros, observara que os raids aéreos, Federação dos Aeroclubes do Rio
do aeroclube de de Revoada da Inva- idealizados por Assis Chateau- Grande do Sul planejou o raid a
Novo Hamburgo são da Amizade. O briand, despertavam grande Buenos Aires, atendendo ao con-
fato é que, em abril de 1952, cerca interesse público e repercussão vite do aeroclube argentino.
de mil pessoas, entre aviadores, na imprensa. Espelhando-se O jornal Correio do Povo,
mecânicos de voo e convidados, no exemplo da revoada para o na época, revelou ter sido o voo
participaram da maior prova aé- Uruguai, em 1949, planejou a de coletivo Brasil-Argentina uma
rea da América do Sul e uma das Buenos Aires com o intuito po- experiência para complemen-
maiores do mundo. Inspirado na lítico de promover a imagem da tar a formação dos pilotos civis
vanguarda dos raids do final dos empresa brasileira Varig naquele brasileiros, além da consolidação
anos 1930 dos Diários Associados, país, que tentava havia mais de do elo de amizade entre os dois
e promovida pela Federação dos um ano uma linha aérea para a países. Entre os dias 11 e 12 de
Aeroclubes do Rio Grande do capital argentina. A revoada, a abril de 1952, “A Revoada Invasão
Sul, presidida pelo então depu- priori, seria somente com os pi- da Amizade” partiu de Uruguaia-
tado Leonel de Moura Brizola, lotos do Rio Grande do Sul, mas, na, onde ocorria a Sexta Conven-
a Revoada de Confraternização gradativamente, foi estendida ção Anual da União Brasileira
Brasil-Argentina, intitulada aos demais aviadores do Brasil. de Aviadores Civis. A UBAC
“Alas Americanas Sin Fronteras”, organizou, em cooperação com
reuniu, oficialmente, mais de 430 INICIATIVA DOS PILOTOS o Parque de Aeronáutica de São
aviões, número que, na realidade, O presidente Getúlio Vargas, Paulo, a decolagem de aviões em
chegou a 500 aparelhos, segundo também politicamente inte- Uruguaiana e a chegada em Bue-
consta. Inicialmente, a revoada ressado no êxito da revoada, nos Aires com aviões compondo
foi denominada Salgado Filho determinou todas as providências esquadrilhas.
em homenagem a Joaquim Pedro para que a iniciativa dos pilotos Em palestra com diretores
Salgado Filho, entusiasta da civis gaúchos, que contou com da UBAC, o presidente Getúlio
aviação e primeiro ministro da a adesão da União Brasileira de Vargas destacou que a aviação

68 | MAGAZINE 3 3 8
civil sempre mereceu atenção,
citando que, desde 1928, utilizava
o avião como meio de transporte,
sem nunca ter sofrido qualquer
acidente. Vargas enfatizou, na
imprensa, que “A Revoada” era a
maior que já havia sido empreen-
dida no mundo, lembrando que,
até então, a maior havia ocorrido
em 1949, quando 312 aviões
partiram de Poços de Caldas
(Correio do Povo, 11 de abril de
1952).

AS MÁQUINAS
Inicialmente, 259 aviões fariam
parte do rali aéreo assim listadas:
62 PA 18 Piper Cub, 23 PT 19
Fairchild, 63 CAP 4 Paulistinha,
14 Cessna 140, 11 Aeronca, 21 um avião Curtiss Commando, naves, com pilotos e mecânicos
Bonanza, 15 Stinson, 11 HL; três prefixo PP-VCC, comandada pelo civis oriundos de todo o Brasil, Cardápio assinado
Waco, um Ercoupe, quatro No- piloto Portofé, a qual transpor- principalmente do Centro-Sul. pelos pilotos
brasileiros em
recrin, quatro Navion, 15 Cessna tou os convidados especiais e a Leonel Brizola, como piloto Buenos Aires
170, um Fleet, um Luscombe, um imprensa. Entre os passageiros, civil e grande entusiasta pela
Belanca, quatro Cessna 195, três encontravam-se o embaixador do aviação, além de ter sido um
Beechcraft bimotor e dois DC-3. Brasil na Argentina e o presidente dos principais dirigentes do
Contudo, nos últimos dias, da Varig, Ruben Berta. evento, conduziu a revoada,
já se reuniam 430 aviões. A A finalidade da participação em companhia de sua esposa
concentração foi marcada para o no evento consistia em promover Neusa, em um Cessna 140 de
dia 12 de abril de 1952, na cidade a empresa nos campos social, po- dois lugares, cedido pelo seu
de Uruguaiana (RS). No dia 07 de lítico e econômico, para futuras cunhado João Goulart.
abril, partiu de Porto Alegre (RS) linhas aéreas a Buenos Aires, o Como fato pitoresco, em
a primeira esquadrilha, capita- que veio a ser concretizado após um briefing realizado no cinema
neada pela Varig Aero Esporte um ano e dois meses. Também local de Uruguaiana (RS), houve
(VAE), elevando para mais de esteve presente uma aeronave um impasse de coordenação de
mil pessoas os participantes da Electra, bimotor, da Varig, prefixo tráfego aéreo entre três oficiais
revoada. PP-VAU, comandada pelo piloto do Parque de Aeronáutica de São
O Ministério da Aeronáuti- Carlos Spohr, para dar amparo Paulo e Leonel Brizola.
ca cooperou com a revoada ao logístico à revoada. Segundo as normas operacio-
providenciar o abastecimento de nais, os oficiais queriam que as
gasolina em todos os pontos do CONTROLE DE TRÁFEGO aeronaves mais potentes decolas-
percurso, colocando profissionais Na manhã de domingo de Páscoa, sem primeiro, distanciando-se
encarregados pela manutenção teve início a “invasão aérea” da das menos velozes, em formação
dos aviões e uma aeronave de fronteira argentina. Era a maior de agrupamento e esquadrilhas.
transporte C-47 à disposição dos frota vista na América Latina. Propunham a seguinte sequência:
organizadores. A empresa Varig Espetacular foi a concentração o primeiro agrupamento abran-
ofereceu à comissão organizadora de, aproximadamente, 500 aero- geria os aviões de voo direto; o

MAGAZINE 3 3 8 | 69
segundo agrupamento de aviões Concepción del Uruguay e Guale- saiba que vários aviões se perde-
faria somente escalas em Guale- guaychu) preparados para receber ram no caminho e sofreram ava-
guaychu (190 quilômetros de os aviões, cujas autonomias não rias. Mas, como relata o Diário
Buenos Aires); e o terceiro agru- permitiam chegar diretamente a de Notícias, na época, um Piper
pamento reuniria os “teco-tecos”. Buenos Aires. A recomendação pilonou em Concórdia sem ferir
Estes fariam duas escalas, em para os pilotos era distribuir os seus tripulantes, e um repórter,
Concórdia e Gualeguaychu. aviões entre os três aeródromos que viajava no Curtiss Comman-
Tais providências visavam or- alternativos, a fim de evitar de- do da Varig, machucou o dedo
denar a chegada em fila indiana, mora no reabastecimento. anular da mão direita em um dos
prevenindo acidentes e conges- A chegada a Buenos Aires vários ventiladores de bordo.
tionamento de tráfego. Brizola passava por San Fernando, onde
impôs que se fizesse o contrário, estava situada a estação de broa- AS DECOLAGENS
ou seja, que todos os aviões che- dcasting “LR1” - Radio El Mundo Às sete e trinta da manhã, com a
gassem juntos ao destino. 1070 quilohertz, que poderia ser recomendação de levarem na ba-
utilizada pelos aviões como rádio gagem um filtro de gasolina com
ROTAS E INCIDENTES compasso, auxiliando a nave- camurça para evitar a demora
Em relação à rota Uruguaiana- gação, para fins de localização. de reabastecimento, começava a
San Justo (Argentina) havia várias Perto de San Fernando, localiza- decolagem de mais de 430 apare-
instruções, entre elas, o cuidado va-se o aeródromo de San Justo, lhos com escalas em Concórdia,
com a zona denominada “El facilmente identificado por estar Concepción del Uruguay e Gua-
Delta”, por não oferecer possibi- situado perto de um hangar de leguaychu, na Argentina, tendo
lidades de aterrissagem, exceto cimento pintado de franjas roxas como aeródromos de emergência
o pequeno aeródromo chamado e brancas. Passo de Los Libres, Monte Case-
de Islas de Ibicuy. Os aviões que Até os dias de hoje, existem ros, Chajari e Isla de Ibicuy.
realizavam voos diretos poderiam controvérsias sobre a decisão que É natural ressaltar os pilotos
fazê-los em linha reta, através do prevaleceu. Apenas dois inciden- premiados por terem alcançado
Rio Uruguai. Havia os aeródro- tes na ida foram registrados pelos as primeiras colocações nesse
mos de alternativa (Concórdia, Diários Associados, embora se raid. Às dez horas e vente e três

70 | MAGAZINE 3 3 8
minutos, o aviador Nelson Souza que, na época, era a base aérea rádio compasso, poderia ter sin-
Vieira chegou em primeiro lugar, dos novos jatos Gloster Meteor. tonizado a broadcasting “LR1” - Na p. oposta,
pilotando o seu Beechcraft Bo- Embora no briefing, em Radio El Mundo 1070 quilohertz, flâmula da revoada
nanza prefixo PP-AKA, conquis- Uruguaiana, por inúmeras vezes, de Buenos Aires, deixando San (como a entregue
tando uma medalha oferecida tenha sido enfatizado sobre a Fernando com rumo 190 graus e, à Evita) e tacinha.
Acima, pilotos e
pelo aeroclube argentino. proibição da utilização desse depois de 16 quilômetros, encon- mecânicos fazem
Competições à parte, um fato aeroporto militar, principalmente trando o aeródromo. pausa para um
curioso merece ser citado. O pilo- pela facilidade da localização de Após o constrangimento lanche na chegada
to Mário Bay chegou por último, San Justo, por este achar-se junto e as incansáveis explicações ao aeródromo
oriundo do aeroclube de Júlio a Ezeiza (ainda não inaugura- às autoridades argentinas, o San Justo
de Castilhos, no Rio Grande do do), e pelas suas características piloto castilhense, com o seu
Sul, cidade da qual participaram relatadas anteriormente (o grande monomotor, foram liberados
três aviões de treinamento e um hangar de cimento com teto e “escoltados” por um avião
particular. Este, por sua vez, era pintado de franjas roxas e bran- Fiat, de treinamento militar,
um CAP 5 Carioca, último desse cas, sua torre de controle e pelos até o destino final. O atraso
tipo a ser fabricado, com número numerosos aviões que estariam não permitiu que recebesse a
de fabricação 07. ali estacionados), conta Mário, premiação pessoalmente: uma
Aproximando-se do Rio da que, na época, era acompanhado miniatura da taça destinada ao
Prata com pouco combustível, por seu companheiro de viagem, último lugar. A pequena taça
aliado à dificuldade de localizar Alceu Ribas: “Perdido e sem era intitulada “Prêmio Teco-Te-
o aeroporto San Justo, o piloto combustível, o aeroporto surgiu co”, por chegar em último lugar.
Mário se viu forçado a pousar como única alternativa. Não tive Esta foi entregue em solenida-
seu CAP 4 Paulistinha no Parque outro jeito”. de especial pelo dirigente do
Aéreo Nacional – Aeroparque, Além disso, se dispusesse de aeroclube argentino ao Mário

MAGAZINE 3 3 8 | 71
nicação da época, foi importante -se vestindo uniforme branco
a contribuição dos radioamado- realçado pelos galões dourados.
res do Brasil, do Uruguai e da Ar- Mas, ao mesmo tempo carismá-
gentina, no que tange às posições tico e provido de simplicidade
das aeronaves, escalas técnicas e no trato, fez questão de cumpri-
auxílios em geral. Também teve mentar calorosamente, um a um,
papel destacado a aeronave Elec- todos os aviadores presentes no
tra da Varig, com sua tripulação palácio presidencial, indagando-
coordenando a aviação geral e na -os de que cidade e estado eram
busca de aviões perdidos pelas provenientes. Posteriormente,
províncias argentinas. deixou aberta a possibilidade de
Logo no primeiro dia, após a os pilotos realizarem perguntas
recepção em San Justo, come- que desejassem, sem constrangi-
çaram as intensas atividades mento.
No alto, piloto Vargas, presidente do aeroclube que constavam no programa:
Egydio Flach do de Júlio de Castilhos. EVA PERÓN
domingo à noite, entre 19h e 22h,
aeroclube de
Santo Ângelo e o embaixador Batista Luzardo As aviadoras Ada Rogato e
colegas de voo NA ARGENTINA ofereceu uma recepção no palácio Anésia Pinheiro Machado (esta
em San Justo Os aviadores e mecânicos da embaixada brasileira e, na se- completando 30 anos de pilota-
brasileiros se hospedaram nos gunda-feira, 14 de abril, pela ma- gem) entregaram um pergami-
hotéis Alvear Palace Hotel (onde nha, os pilotos brasileiros foram nho das autoridades da aviação
participaram de uma recepção), recepcionados pelo embaixador civil brasileira para o aeroclube
Buenos Aires Plaza, o inacabado brasileiro Batista Luzardo e pelo argentino.
Constituciones Palace, o novíssi- presidente Juan Domingo Perón, Embora os pilotos
mo Versailles e outros. na Casa Rosada. brasileiros estivessem mais
Vale lembrar que toda a parte O general Perón, no discurso interessados em passear e
logística no território argentino de recepção, destacou a amizade fazer compras em Buenos
era por conta do anfitrião. Devido e a convivência do seu país com Aires (foram levantadas todas
às dificuldades naturais de comu- o Brasil. Imponente, apresentou- as exigências alfandegárias),

72 | MAGAZINE 3 3 8
EVITA E O
INCIDENTE
COM O BRASIL
No mesmo ano da revoada,
em 1952, uma reportagem
da revista O Cruzeiro sobre
a saúde de Eva Perón causou
foram-lhes colocados à dispo- total de vinte e dois aviadores constrangimentos entre os
sição dois ônibus para levá-los e alguns convidados, fomos à países vizinhos
ao encontro da primeira dama, residência oficial. Ela desceu Segundo relatos históricos,
Eva Perón. as escadas do casarão e veio ao o acaso uniu a artista
A imagem de Nossa Senhora nosso encontro, amparada por Maria Eva Duarte e Juan
de Loreto, padroeira dos aviado- duas enfermeiras. Como fui Domingo Perón, capitão do
res, e a logomarca do aeroclube o único a levar o livro dela, A Exército Argentino. Após
de Alegrete, foram oferecidas à razão da minha vida, pedi que formalizarem a união, Maria
Eva Duarte Perón, em solenidade autografasse. Com lágrimas nos Eva (Evita) se tornou a primeira dama argentina e,
especial, na residência oficial dos olhos e feliz pelo meu gesto, gradativamente, mostrou ser política visionária e popular.
“Olivos”, no bairro Palermo. deu-me um beijo na testa e o Evita, além de realizar campanhas sociais, construiu
Como relatou o octogenário autografou”. escolas e hospitais que levaram seu nome. Conhecida
Egydio Flach (agraciado com a No dia 14 de abril, houve como “mãe dos pobres”, fazia caridade pública e dividia
“Medalha do Mérito Santos Du- um banquete no Alvear Palace esmolas e, em pouco tempo, o nome de Evita correu
mont”, pelos destacados serviços Hotel e na manhã do dia 15, às pelos quatro cantos do mundo e, não fosse a imposição
contraria do Exército, teria sido alçada a vice-presidente
prestados à aviação) sobre esse onze horas, foi oferecido um
da Argentina. A primeira dama conquistou o direito
memorável episódio: coquetel pelas empresas aéreas
do sufrágio feminino, sendo considerada a “líder dos
“Logo que cheguei à Argen- Cruzeiro do Sul, Panair do descamisados”.
tina, sem saber da visita à Eva Brasil e Varig nos salões do Plaza Aos trinta e um anos de idade, Eva Perón, saída dos
Perón, fiz questão de adquirir o Hotel. Na parte da tarde, os camarins para política argentina, iniciou o combate ao
livro sobre sua vida. A publicação pilotos foram para o aeroporto câncer, doença que causou sua morte em 26 de julho de
era muito comentada na época, e Ministro Pistarini (Ezeiza), que 1952, aos 33 anos.
a história da autora incentivava estava praticamente pronto, a Sobre a doença da primeira dama, Assis Chateaubriand,
a leitura. Encerrada a visita ao fim de assistir às manobras de 12 dono do maior complexo jornalístico da América Latina
general Perón, disse-nos que a jatos da Força Aérea Argentina da época, convidado para participar do evento com
sua esposa Evita fazia questão de (primeira nação sul-americana seu avião, não participou da revoada, mas enviou os
receber-nos, mas com a recomen- a adotar a propulsão a jato) e, Diários Associados e a revista O Cruzeiro, que realizaram
dação de irmos em número redu- posteriormente, uma saudosa a cobertura jornalística. A reportagem sobre essa
zido, devido ao estado de saúde exibição aérea com biplanos. enfermidade causou grande impacto na imprensa
da primeira-dama. Notei um A revoada terminou da internacional e quase uma crise diplomática entre a
Argentina e o Brasil, em razão de fotos e comentários
certo desinteresse pelo encontro, mesma maneira exitosa como
sobre a saúde de Eva Perón, conforme publicado na
por parte da maioria dos aviado- se iniciou. No dia 17 de abril de
citada revista, com o título: “Os últimos dias de Eva
res, pois estavam deslumbrados 1952, os aviões brasileiros de- Perón”, em 17 de maio de 1952, ou seja, praticamente dois
com a capital argentina e com colaram de vários aeródromos meses antes da sua morte.
um interesse ainda maior: fazer do território argentino, tendo Os enviados dos Diários Associados, Jorge Ferreira e
compras. A fiscalização alfande- como destino o Brasil. Nicolau Leite, receberam o crédito pela reportagem.
gária estava liberada e as compras O embaixador Batista Luzardo escreveu uma carta a
recaiam sobre produtos em voga * O piloto Luiz Felipe B. de Getúlio Vargas informando a contrariedade de Perón e a
no Brasil: calças jeans da marca Barros é autor do livro “Asas do perplexidade do povo argentino. Como Perón nutria uma
Lee, lança-perfume da Rhodia Passado” (Editora da Universi- admiração muito grande por Vargas, o qual chamava de
(acondicionado sob pressão em dade de Santa Cruz do Sul), que, “meu mestre” e para evitar problemas diplomáticos, o
tubos de metal leve), perfume entre outros episódios, narra a presidente brasileiro fez um pedido formal de desculpas
Lancaster e muita bebida alcoó- Revoada da Confraternização pelo incidente.
lica, como vinho e whisky. No Brasil e Argentina.

MAGAZINE 3 3 8 | 73
H I S TÓ R I A

INFERNO NO CÉUA saga de um piloto brasileiro do Primeiro


Grupo de Caça para lutar na Segunda Guerra Mundial
PO R | TEO M AR C E RE TTA, E S PECI AL PA RA AE RO MAG AZI NE

F
ernando Soares Pereyron O desejo de voar como os pássaros seleção. Para sua grande decepção,
Mocellin narra suas era um sonho de infância. Enquan- foi reprovado no exame psicológico.
memórias como piloto to frequentava a faculdade, nas Sentindo-se injustiçado, procurou
do Primeiro Grupo de horas de folga, corria ao aeroclube, um coronel-aviador, amigo de seu
Caça da Força Aérea onde fazia seu curso de aviador. pai. Sob a interferência do amigo
Brasileira (FAB), nos céus da Itália, Ainda naquele ano, obteve o brevê coronel, refez os exames com outro
durante a Segunda Guerra Mundial, de piloto civil. doutor. Dessa vez, sua viagem aos
no livro Missão 60. De acordo com Estados Unidos estava garantida.
o autor, “não se trata de um livro de MINISTRINHO No entanto, outro entrave surgiu
guerra... é, antes de tudo, a história No mesmo ano de 1942, abriu-se para ele. Um colega lhe anunciou
de um homem que foi à guerra e o voluntariado para a Aeronáutica. a triste notícia. “Vai sair a segunda
que viu de perto esse grande crime Mesmo contra a vontade de seu pai, turma para os Estados Unidos, e
coletivo, em todo o seu horror e em Pereyron aproveito a oportunidade teu nome não consta na lista”. Um
toda a sua brutalidade”. Pereyron para abraçar a carreira tão sonha- estranho desígnio parecia perturbar
realizou 59 missões de combate da. Decididamente, ia também ele suas ambições. De fato, seu nome
como piloto de caça com um dos dividir os céus com os pássaros. não constava no grupo que seguia
mais robustos e potente avião de Assim se refere àqueles momentos viagem à América. Mas existia
guerra, o Republic Thunderbolt de decisão em sua vida. “Preenchi Nero Mouro. Diziam, “falando com
P-47. O livro, com título sugestivo, a ficha e extasiei-me. Era mais um o Ministrinho, tudo se ajeita”. O
descreve a sua sexagésima missão. passo, mais uma etapa vencida. major Nero Moura o recebeu, ouviu
Agora era esperar a hora do embar- atentamente seu conterrâneo e, em
SONHO DE INFÂNCIA que e rumar para a aventura”. uma onda de simpatia, disse-lhe: “O
Este aviador, um tanto desconheci- Como bolsista, teria de ir ao alfaiate fica na rua Uruguaiana. Vá
do das novas gerações, comumente Rio de Janeiro para fazer exames buscar seu uniforme e se prepare
chamado pelo nome de guerra, Pe- antes de seguir para os Estados para seguir”.
reyron, nasceu em Santa Maria, no Unidos, onde faria um curso de Fazendo parte da terceira tur-
Rio Grande do Sul, a 20 de junho de aviação militar. Ao chegar ao Rio ma, embarcaram em uma aeronave
1922, no meio de uma tradicional com um grupo de colegas, foram Lockheed C-60 Lodestar da FAB,
família de joalheiros. Após concluir recebidos pelo major Nero Mou- que decolou do aeroporto Santos
seus estudos primários, em 1938, ra, então assessor do Ministro da Dumont no dia 26 de maio de
aos 16 anos de idade, ingressou no Aeronáutica, Salgado Filho. Gaúcho 1943, com destino a Natal. Naquela
Colégio Militar de Porto Alegre, de Cachoeira do Sul, Nero Moura primeira escala, Pereyron se encon-
onde permaneceu como interno era conhecido carinhosamente trou com um jovem paulista que
por apenas dois anos. Sem vocação pela alcunha de “Ministrinho”. Ele havia conhecido nos corredores da
para a carreira militar, em 1940, resolvia os problemas de forma Aeronáutica, e se tornariam grandes
retornou a Santa Maria. A conclu- prática com seu ar bonachão. Por amigos. Era Fernando Rocha, um
são dos estudos ginasiais aconteceu alguns dias, Pereyron, entre outros rapaz de Araraquara, cidade do
em Curitiba, a capital paranaense, e, candidatos, permaneceu na Escola interior de São Paulo, que trancou
em 1942, ingressou na Faculdade de de Aeronáutica no Campo dos o curso de Direito para se tornar
Medicina para cursar Odontologia. Afonsos para fazer o exame de também piloto de caça. Eles iriam

74 | MAGAZINE 3 3 8
dividir uma longa amizade dali CORSICANA conterrâneo gaúcho, de Alegrete,
por diante. De uma turma de 50 cadetes, que se acidentou durante um
Depois de permanecer cinco foram eliminados no pré- voo solo em Corsicana. Outro
alguns dias na Base Aérea -voo, e 45 iriam frequentar uma grande amigo desde os tempos
Brasileira, em Parnamirim, no escola primária de aviação, onde de Curitiba havia se acidentado
Rio Grande do Norte, o grupo o regime era severo e o treina- num voo noturno em um biplano
embarcou num Skymaster C-54 mento, intenso. A escola de Cor- Waco. No dia 1º de dezembro de
e decolaram às quatro horas sicana abrigava em torno de 300 1943, houve o encerramento do
com destino aos Estados Unidos. alunos que faziam o treinamento curso básico. Apenas cinco cadetes
Segundo Pereyron, ele estava a primário em aviões Fairchild PT- brasileiros foram aprovados para
caminho de se tornar “talvez um 19. O treinamento era constituído a fase seguinte, o curso avançado
hot pilot”. Às três horas da tarde, de 65 horas de voo, e havia um na escola de Eagle Pass (O Passo
chegaram a Porto Rico, onde os instrutor de voo para cada cinco da Águia, em tradução livre). No
novos cadetes brasileiros pas- cadetes. Pereyron, que já havia alto da porta do restaurante dos
saram a contemplar a chegada solado o biplano Fleet no aeroclu- cadetes constava uma inscrição:
de vários modelos de aviões de be de Curitiba, relata o primeiro “Por debaixo destas portas passam
guerra no aeroporto de Borin- contato com seu instrutor. “O os melhores aviadores do mundo”.
quen Field. Eram os fabulosos senhor tem experiência de voo?”
P-38, P-51 e P-40. E os novos Sabendo que nem sempre é bom MELHORES DO MUNDO
cadetes brasileiros, estupefatos, falar toda a verdade, respondeu: Eagle Pass era uma pequena
admiravam a grande quantidade “Não, senhor”. No outro dia, dois cidade texana, 200 quilômetros
de bombardeiros estacionados. brasileiros foram eliminados. E a oeste de San Antonio, que faz
Eram as famosas Fortalezas o pavor do corte aumentava à fronteira com o México. Na Army
Voadoras, Liberators B-24 e B-25 medida que as eliminações se Air Force Avanced Flying School,
Mitchell – os primeiros sinais de sucediam. Na escola, diziam, “os cinco brasileiros fariam um curso
ostentação da força que a Améri- americanos não ensinam três avançado com duração de dois
ca lhes imprimia. vezes”. meses. Eram dois paulistas, Fer-
Enfim, o grupo de cadetes Dos 45 cadetes que chegaram nando Rocha e Carlos Amaral,
brasileiros que fazia parte da Tur- a Corsicana, ao final, apenas um mineiro, João Milton Prates,
ma 44-B chegou a San Antonio, doze passaram para a fase se- um carioca, Clóvis A. da Silva, e
no Texas, destino final da longa guinte, para fazer um curso bási- o único gaúcho, Fernando S. Pe-
viagem. Foram encaminhados co com duração de dois meses na reyron Mocellin. Agora o treina-
para a San Antonio Aviation escola da Waco Army Air Field, mento era feito nos famosos AT-6
Cadet Center, uma grande escola na pequena cidade de Waco, 90 com motor de 650 cavalos de po-
de preparação, onde era feita quilômetros a sudoeste de Corsi- tência. A escola dispunha de uma
a triagem dos candidatos aos cana. Naquela escola passaram a frota de cem aviões de instrução
cursos de aviação. Conforme voar o Vultee BT-15 com motor para atender um contingente de
as aptidões vocacionais de cada de 450 cavalos de potência (hp). duzentos cadetes. Os cadetes con-
um, eram enviados para cursos O treinamento passou a constar cluíram o curso com 240 horas de
especializados de bombardeador, de voos de formação aérea, e voo. Os cinco cadetes brasileiros
piloto e navegador. A movimen- voos por instrumento em link- receberam a Silver Wings (Asa de
tada escola abrigava cerca de oito -trainer. Após as primeiras vinte Prata, em tradução livre), famosa
mil alunos, conforme Pereyron, horas, passaram ao voo noturno asa americana de aviação, e iriam
“um vasto mundo onde havia e navegação diurna em cidades continuar seus treinamentos.
praticamente de tudo”. Depois próximas. Após as 70 horas No dia da formatura, o coman-
de concluir o curso pré-voo, de voo, passaram à navegação dante da escola disse a eles: “Os
deixaram San Antonio e foram noturna. senhores receberam o melhor
transferidos para Corsicana, uma Pereyron ia vencendo as treinamento e demonstraram que
pequena cidade 70 quilômetros etapas, apesar de carregar a dor são capazes. Agora, estão aptos a
ao sul de Dallas. da perda de dois amigos. Um dar instrução em qualquer escola

76 | MAGAZINE 3 3 8
do mundo”. Os cinco cadetes voar o Thunderbolt P-47, mas viajando do Panamá para Long Pereyron na
brasileiros, orgulhosos com a asa levantaram suspeitas de que iriam Island. Já fizeram o primeiro Segunda Guerra
americana no peito, retornariam se preparar para guerra. treinamento no Panamá, e agora (Fonte: Projeto
ao Brasil. vão para Suffolk Army Air Field, Museu da Vitória
Quando estavam em Miami HARDING FIELD em Long Island, Estado de Nova – Brig. Nero
Moura)
aguardando o retorno para casa, No Harding Field, durante o pri- York. E é lá para onde os senho-
Pereyron, Rocha e Prates rece- meiro mês, praticamente o tempo res vão, a fim de se reunirem
beram um aviso de que teriam foi dedicado exclusivamente aos seus patrícios, que vão lutar
de se apresentar ao Comando. aos estudos teóricos, incluindo pela causa da democracia. Os
Os três receberam ordem para tática aérea, ataques rasantes, senhores estão completos, têm
embarcar imediatamente para bombardeios picados e combates muita experiência. Tenho certeza
Randolph Field, nas palavras de aéreos. Faziam reconhecimento de que muito poderão ajudar
Pereyron, o “West Point do Ar”. de navios e de aviões, além de aos aviadores brasileiros que vão
Permaneceram alguns dias em conhecimentos técnicos sobre o lutar contra o nazismo”.
Randolph Field, cujo destino, na P-47, segundo diziam, o melhor Quando os três aviadores che-
verdade, era retornar a Eagle Pass avião de caça do mundo para garam ao Suffolk Army Air Field,
para fazer um curso de aperfei- combates de grande altitude. O o oficial encarregado do pessoal e
çoamento de tiro aéreo, em aviões treinamento com o P-47 consistia mais ninguém sabia da existência
N.A. T-6 e nos P-40, Kittyhawk, em navegação aérea, voos de es- deles. O Ministério da Aero-
dotado de motor de 1.150 cavalos quadrilha e combates simulados. náutica não havia informado ao
de potência. Uma curiosidade Em maio de 1944, fizeram o Comandante de Primeiro Grupo
para eles, nos exercícios de tiro último treinamento. O coro- de Caça da designação daqueles
aéreo, o alvo era rebocado por nel-comandante da escola os três novos aviadores. Naquele
aviões pilotados por mulheres. chamou ao seu gabinete e disse: momento, Fernando S. Pereyron
Concluído o treinamento, rece- “Os senhores são agora uns ases Mocellin, Fernando Rocha e João
beram do comandante da escola da aviação. Fizeram o melhor Milton Prates eram os únicos três
uma ordem: “Agora os senhores treinamento do mundo e estão aviadores brasileiros que haviam
vão para Baton Rouge, no Estado aptos a voar e combater em feito treinamento no P-47. Eles
da Luisiana. Em Harding Field, qualquer parte do globo”. E com contavam com 120 horas de voo e
irão pilotar os aviões de caça simpatia passou aos três cadetes iriam ajudar seus companheiros a
P-47, os melhores do mundo. Boa a grande novidade: “O Brasil está se adaptar no Thunderbolt, com o
sorte”. Sem maiores explicações, na guerra e organizou um grupo qual iriam fazer a guerra. E o trei-
ignoravam por que teriam de de caça, que hoje deve estar namento continuava, agora sob o

MAGAZINE 3 3 8 | 77
conclui: “Com espionagem não generalizada mostrava os sinais
se brinca e os americanos tinham da guerra. Todos entraram em
a cabeça no lugar”. No dia 19 de ação para montar um grande
setembro, receberam a ordem de acampamento com material for-
embarque. Ninguém sabia para necido pelos americanos.
onde iriam. À noite, um trem
os levou ao porto de Norfolk ESQUADRÃO BRASILEIRO
para embarcar no navio U.S.S. O Primeiro Grupo de Caça iria
Colombie, um navio francês que operar juntamente com o 350
fora arrendado pela Marinha Fighter Group americano, com
americana. Zarparam para des- a designação de 1st Brazilian Fi-
tino desconhecido na manhã do ghter Squadron, que na organiza-
dia seguinte sob forte nevoeiro, ção americana correspondia a um
fazendo parte de um comboio de Esquadrão1. O major Pamplona,
treze navios de transporte sob a que era o chefe de operações,
escolta de onze torpedeiros. fez a denominação técnica das
E os dias se passavam sem esquadrilhas e a numeração dos
que alguém soubesse para onde aviões. O Primeiro Grupo de
iam sobre aquele mar, sempre Caça era formado por quatro
o mesmo mar. Pereyron assim esquadrilhas (A, B, C, D) e os
resume aqueles dias monótonos aviões receberam as numerações
e incertos: “[...] e nós para onde A-1, A-2, A-3 e assim por diante.
íamos? Para a França? Para a O avião do tenente Pereyron era
Itália? Nós íamos para a guerra e o de número A-6 e pertencia à
Da esq. à dir., João Milton Prates, Fernando Rocha e Fernando a guerra não tem pátria”. esquadrilha vermelha.
S. Pereyron Mocellin. Treinamento no P-47 - Harding Field, Dias se passaram enquanto se Após trinta e quatro dias de
1944 (Fonte: Projeto Museu da Vitória – Brig. Nero Moura) deslocavam em direção à Europa, treinamento, no dia 11 de no-
quando alguém gritou: “Gibral- vembro de 1944, o grupo recebeu
tar”. Daí por diante o comboio a grande notícia. Passariam a
controle de um oficial brasileiro, passou a navegar próximo da operar de forma independente.
o major-aviador Pamplona, chefe costa da África. Na tarde do outro No outro dia, eles realizariam a
de operações. Apesar das notícias dia, alguém anunciou: “Olha lá o primeira missão sobre o campo
sobre os avanços da guerra serem Vesúvio”. Enfim nossos aviado- de batalha em território italiano.
animadoras para os aliados, a res estavam se aproximando de Para começar, sairiam as quatro
guerra continuava. Ignorando Nápoles. A cidade de Livorno, esquadrilhas para fazer um reco-
o destino, o Primeiro Grupo de 20 quilômetros ao sul de Pisa, nhecimento aéreo, armado, sendo
Caça aguardava ordens. recuperada havia poucos dias comandadas pelo tenente coronel
pelos aliados, foi o destino para o Nero Moura, o comandante do
RUMO À GUERRA desembarque do Primeiro Grupo grupo.
No dia 10 de setembro de 1944, o de Caça. No entanto, eles teriam
contingente do Primeiro Grupo de se deslocar de trem para a ci- BATISMO NO AR
de Caça embarcou num imenso dade de Tarquínia, uma pequena Assim Pereyron descreve aquele
trem e deixaram Suffolk Field às cidade localizada junto ao mar batismo do ar. “Decolamos.
seis horas da tarde com destino Mediterrâneo, 70 quilômetros ao Sobranceiramente. Voamos. O
a Norfolk, Estado de Virgínia, norte de Roma, onde iriam ini- rádio mudo. A emoção minava.
e desembarcaram no campo de ciar suas operações. Os brasileiros Oito aviões em linha de combate.
Patrick Henry. Ali permaneceram chegaram no dia 7 de outubro de Estávamos próximos aos montes
oito dias, incomunicáveis com 1944 a um aeródromo desprovido Apeninos. Passamos a terra-de-
o mundo exterior. E Pereyron de construções, pois a destruição -ninguém, um ao lado do outro,

78 | MAGAZINE 3 3 8
com uma distância de treze
metros, em linha transversal,
duas esquadrilhas na frente, duas
atrás. Oito a oito, os avestruzes
voavam. Súbito, uma voz gritou
pelo rádio: ‘Flak’! Era a artilharia
aérea em ação. [...] A espionagem
havia funcionado. Os alemães
sabiam que era o Grupo de Caça
Brasileiro que estava estreando
e tentaram nos intimidar. Inútil.
Nós éramos de ‘sentar a pua’. E
pulávamos, dançávamos no ar,
fugindo das balas, dando um
show de picardia”. Retornou à base ensanguentado 1945. Voo realizado na parte da
E os dias de combate se su- e com seu avião A-6 seriamente tarde. Tarde fria. A missão era es- O Asp. Av. R/2
cediam, pilotos feridos, outros se danificado pelas explosões. coltar uma formação de 30 aviões Pereyron se
saltando de paraquedas, uns cain- Dentre todas as missões, ape- B-25, que iriam bombardear o prepara para uma
do prisioneiros dos alemães, mas, sar daquelas em que foi ferido, a pátio ferroviário de Bolzano, missão com seu
A-6, P-47 (Fonte:
o mais triste eram as perdas de que mais lhe impactou na guerra, aquela cidade meio italiana, meio
Projeto Museu
colegas. No entanto, a “dança” do assim ele faz seu relato: “Vi Um austríaca, incrustada no Passo da Vitória – Brig.
Senta a Pua continuava para aca- Inferno no céu[...] Corria janeiro do Brenner, lá no norte da Itália. Nero Moura)
bar com o pesadelo que havia se e a morte continuava. Sim, a Para mim, aquele tipo de missão
instalado no mundo, durante seis morte. Porque a vida, essa nem era novidade. Estava vibrando
anos de horror. Desespero a bor- sempre continuava. [...] E que em realizá-la. Para nós, pilotos,
do. No dia 2 de janeiro de 1945, o vida a nossa, naquele mês sobre- era uma responsabilidade nova:
então aspirante a oficial-aviador carregado de missões, a morte proteger nossos aliados contra o
Pereyron foi ferido em combate. nos espreitando? Éramos jovens ataque de caças inimigos. Lafaye-
Durante uma missão de ataque e queríamos viver. Amávamos a tte, o líder da esquadrilha fez mil
sobre uma locomotiva na região nossa pátria e estávamos ali para recomendações. ‘Não podemos
de Brécia, os pilotos brasileiros se defendê-la. [...] E as missões, que falhar. Toda a atenção é pouca.
viram violentamente atacados por tanto almejávamos e que esperá- Nossos oito P-47 vão cumprir, na
posições de baterias antiaéreas. vamos, sonhadoramente, eram, guerra aérea do piloto de caça, a
No segundo passe, a cinquenta para nós, também uma incógnita, missão mais nobre e a mais difícil
metros de altura, recebeu um im- pois nunca sabíamos se aquela também. Com estas palavras La-
pacto violento do lado esquerdo seria a última. Contudo, o dever fayette buliu com a gente. A Red
e teve a impressão de que o avião estava sendo cumprido e era isso estava formada com ele de líder,
ia cair. Viu sangue no interior o que importava”. eu na sua ala, e o segundo forma-
do cockpit, também tomado pela do por Torres e Keller. A segunda
fumaça. Dois manetes quebrados BOLA DE FOGO esquadrilha voava com Eustórgio,
e, por trás do braço esquerdo, Em um depoimento ao brigadei- Menezes, Meira e Coelho. Como
caíam tiras de fogo. Com a mão ro Rui Moreira Lima, para o livro éramos apenas oito aviões para
esquerda ferida, Pereyron passou Senta a Pua, assim ele descreveu a proteger 30 bombardeiros B-25,
a administrar o voo, tentando se missão que mais o sensibilizou: Lafayette nos dispôs em redor da
livrar das chamas apenas com a “O quadro da antiaérea formação, formando uma verda-
mão direita. Pensou em saltar. dizimando aqueles B-25 a quem deira caixa, voando os elementos
Mas a barragem de antiaérea era dávamos escolta nunca se apagou em altitudes diferentes”.
tanta, que seu líder o aconselhou de minha memória. Guardo-o “Levamos bombas e entrega-
a fugir do local em voo rasante. até hoje. [...] Dia 28 de janeiro de mos nosso cartão de visitas um

MAGAZINE 3 3 8 | 79
Pereyron é recebido
com honras de herói minuto antes de os B-25 inicia- lavrados, naturalmente gente por tanto estoicismo. [...] Esta foi
pela população nas rem a corrida para o bombardeio. morrendo também. E aqui em a missão que mais me sensibi-
ruas de Santa Maria Recebemos uma séria reação cima? Máquinas explodindo em lizou. O quadro da antiaérea
(Fonte: Projeto antiaérea, porém nenhum avião pleno ar, outros entrando em dizimando aqueles B-25 a quem
Museu da Vitória – foi atingido”. parafusos que só terminavam dávamos escolta nunca mais
Brig. Nero Moura)
“Após nosso bombardeio, quando se chocavam com a se apagou de minha memória.
os B-25 iniciaram sua parte. montanha, virando bola de fogo, Guardo-o até hoje”.2
Fecharam a formatura, para obter tripulantes saltando de paraque-
maior concentração de bombas, e das entre uma orgia de explo- O FIM
aproaram para o alvo. Aí o mun- sões, possivelmente com alguns Sobre o fim da guerra, assim faz
do veio abaixo! Assisti à maior daqueles valentes camaradas seu relato: “No dia 30 de abril,
concentração de fogo antiaéreo sendo estraçalhados em pleno ar. fui fazer um reconhecimento
até então vista por mim. Estoura- E nós? Impassíveis espectadores armado em Udine no extremo
vam em torno daqueles compa- daquela cena terrível de morte e nordeste da Itália e, então, enchi-
nheiros bolas pretas, brancas, destruição [...]. Foi uma tortura -me de ventura, ao ver aquela
cinza, rosa [...]. Eram os nossos inesquecível. Isso marcou de região atapetada de lençóis bran-
conhecidos canhões de 88, 20 e maneira terrível a minha mente. cos. Sim, lençóis brancos, porque
40 que, organizadamente, davam No nosso regresso, ao contarmos simboliza a paz. [...] Senti Deus
a recepção. E os B-25 indefesos, os B-25, faltavam meia dúzia. àquela hora, tive até vontade de
com a formação agora mais Suas tripulações? Só Deus sabe chorar. Criancinhas poderiam
cerrada, marchavam em direção o destino. Mortos uns, prisionei- correr novamente pelos prados,
àquele fogaréu. Um inferno! ros outros, e os com mais sorte, camponesas poderiam cantar ao
Como disse, nunca vi nada igual se os houvesse, talvez tenham sol, no rude amanho da terra.
antes. Enquanto lançavam suas fugido para a Suíça. Confesso que Por ali já não jorrava sangue e
bombas, a barragem de antiaérea voltei arrasado, o coração sob o todos eram novamente irmãos.
ia fazendo sua destruição. Senti impacto da cena e a alma partida. Ali estavam os lençóis brancos,
minha alma torturada por aquela Ao abandonarmos nossos compa- gritando paz”.
cena: as bombas explodindo lá nheiros, lhes acenamos com asas. No entardecer do dia 1º de
embaixo, os incêndios sendo Aceno de adeus e de admiração maio de 1945, a alegria reinava

80 | MAGAZINE 3 3 8
no hotel Albergo Nettuno, um foi recepcionado pelo povo e au- estância. A notícia virou manche-
hotel em Pisa, onde moravam to- toridades como um dos cidadãos te em jornais e revistas e percor-
dos os oficiais do Primeiro Grupo mais ilustres de sua terra. reu o mundo.
de Caça. Alguém anunciou em Como empresário, ele aliava
alta voz: “Dizem que o negócio VOLTA AOS NEGÓCIOS seus negócios com aviação. Pela
não passa de amanhã”. Entre- Depois de passar o calor dos fes- precariedade de estradas, ou na
tanto, as missões continuariam, tejos, retornou ao Rio de Janeiro falta delas pelo interior do estado,
e Pereyron estava escalado para e se apresentou na Base Aérea de Pereyron viajava com um mo-
a missão da madrugada. Assim Santa Cruz para dar continui- nomotor Cessna percorrendo as
ele descreve o fim de tudo: “Não dade à sua carreira. Entretanto, cidades mais prósperas da Cam-
dormi e, se ressonei, não sonhei. desmotivado para a vida militar, panha Gaúcha e Fronteira Oeste
Àquela noite, eu ansiava apenas solicitou baixa e retornou a Santa para vender sua mercadoria. Em
pela madrugada. E, por isso, fui Maria. Na vida civil, Pereyron entrevista com Ricardo, ele não
o primeiro a levantar-me. Na sala trilha a vida como empresário no esconde o orgulho ao lembrar
de operações, o oficial andava de comércio joalheiro. que o primeiro voo com seu pai
um lado para outro. Consultava De acordo com o depoimen- aconteceu quando tinha apenas
mapas, examinava detalhes. Al- to do filho, Ricardo Pereyron dez dias de idade. Dez dias após
guns tomavam cafezinho, quase Mocellin, “seu pai entrou de o seu nascimento na cidade de
todos fumavam, nervosamente. sócio na joalheria da família por Cachoeira do Sul, seu pai o trans-
E, quando o oficial de operações imposição das circunstâncias. portou em uma cesta de vimes a
começou a falar sobre o roteiro Ficou responsável pela parte co- bordo de um avião Paulistinha,
da missão, o telefone tilintou. Ele mercial, como relações públicas, para viver em Santa Maria.
correu para atender e, então, eu e de comprador. Na empresa Fernando Soares Pereyron Mo-
vi em seus olhos a luz de todos os criou um departamento de ótica e cellin faleceu aos 79 anos de idade,
faróis e de todas as estrelas. Lar- estruturou uma fábrica de lentes no dia 5 de junho de 2001, na
gou o telefone com força e gritou, e óculos. Paralelo a isso, criou um cidade de Porto Alegre, Rio Grande
quase chorando: sistema de avaliação de visão para do Sul, onde foi cremado.
a guerra terminou”. crianças, baseado no exame feito
E assim conclui seu livro: por uma máquina que determina-
“Cinquenta e nove bombinhas, va deficiência visual ou não. Com
cinquenta e nove missões. Este esta máquina, Pereyron percorria
livro é a sexagésima, a missão os colégios da cidade, exami- BIBLIOGRAFIA
sessenta, que cumpro dezoito nando de forma gratuita a visão - LIMA, Rui M. Senta a Pua. Rio
anos depois. Hoje, vou dormir de todos os alunos. A Joalheria de Janeiro. Itatiaia, 1989.
feliz. Lençóis brancos sobre a ter- Pereyron foi uma referência no - MOCELLIN, Fernando P.
ra, também sobre a minha alma, Rio Grande do Sul por 80 anos”. A Missão 60. Rio de Janeiro
lençóis brancos”. Paralelo aos seus negócios, Biblioteca do Exército e
Quando chegaram ao Brasil, tinha na aviação o grande hobby. Companhia Brasileira de Artes
os combatentes foram recebidos Foi um dos criadores do aeroclu- Gráficas – Editores, 1971.
pelas autoridades brasileiras. be da cidade de Santa Maria, ten- - MOURA, Nero. Um Voo
Um grande desfile foi organi- do sido na época um dos maiores na História. Rio de Janeiro.
zado pelas avenidas da capital. do Brasil. Naquele aeroclube, com Fundação Getúlio Vargas, 1996.
Uma concentração de gente os um cargo de diretor, vivenciou - SCHEER, Roberto J. Brig.
recebeu em festa. Foram cele- os fatos que envolveram o jovem do Ar. Revista Ideias em
brados como heróis de guerra e aviador Irineu Noal, quando teve Destaque 55. Rio de Janeiro.
condecorados. Em Santa Maria, seu avião Paulistinha laçado em Instituto Histórico-Cultural da
no Rio Grande do Sul, Pereyron pleno voo por um peão de uma Aeronáutica – INCAER, 2020.

MAGAZINE 3 3 8 | 81
CLICK

Parceria entre Airbus Helicopters e Aston Martin


Foto: Divulgação

82 | MAGAZINE 3 3 8
FAÇA UM TESTE
DE VOO DOS PRINCIPAIS NEGÓCIOS
DE PESQUISA EM AVIAÇÃO EXECUTIVA
DO MUNDO.
Uma assinatura JETNET fornecerá uma pesquisa original, extensa
e contínua sobre aeronaves, turboélices, pistões e helicópteros.
Nossos produtos e serviços são adaptados às suas necessidades,
fornecendo resultados relevantes diariamente. Quando você sabe
mais, e sabe disso antes, estará sempre à frente da concorrência.

Se você está pronto para dar o próximo passo, estamos aqui para
ajudar sua empresa a crescer. Solicite uma demonstração hoje
mesmo em.

CONHEÇA MAIS.

O Líder Mundial em Inteligência do Mercado de Aviação


800.553.8638 +1.315.797.4420 +41 (0) 43.243.7056 jetnet.com

Você também pode gostar