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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO-PRPG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS

EVANNOEL DE BARROS LIMA

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARTILHADAS POR PROFESSORES DE


MATEMÁTICA ACERCA DE ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS DO
ENSINO MÉDIO

TERESINA
2015
EVANNOEL DE BARROS LIMA

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARTILHADAS POR PROFESSORES DE


MATEMÁTICA ACERCA DE ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS DO
ENSINO MÉDIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Universidade Federal do Piauí, como
exigência para obtenção do título de mestre em
Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Washington Luís de
Sousa Bonfim.

TERESINA
2015
Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no Código de Catalogação
Anglo-Americano (AACR2)

L732r Lima, Evannoel de Barros

As representações sociais partilhadas por professores de matemática


acerca de alunos de escolas públicas e privadas do ensino médio / Evannoel de
Barros Lima. - 2015.

129 f.

Dissertação (Mestrado) – Apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Sociologia da Universidade Federal do Piauí.

“Orientador Prof. Dr. Washington Luís de Sousa Bonfim”.

CDD: 306.43

1. Escolas – Teresina, PI. 2. Matemática – Ensino Médio. 3. Violência


Bibliotecária Responsável:
Simbólica. 4. Representações Sociais. I. Título.
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188

CDD: 306.43
FOLHA DE APROVAÇÃO

A Dissertação realizada por Evannoel de Barros Lima sob o título: As representações sociais
partilhadas por professores de matemática acerca de alunos de escolas públicas e
privadas do ensino médio como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Sociologia, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Piauí
– UFPI, foi submetida na data de 26 de Junho de 2015, das 16h às 20h horas, à banca
avaliadora abaixo firmada.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Washington Luís de Sousa Bonfim
Presidente

________________________________________
Profa. Dra. Maria Sueli Rodrigues de Sousa
Primeira Examinadora

________________________________________
Prof. Dr. Luís Carlos Sales
Segundo Examinador

________________________________________
Profa. Dra. Mary Alves Mendes
Suplente
Dedico a presente dissertação às minhas duas
mães: Lenice de Barros Lima e Almerinda
Borges de Oliveira Lima. Eu tive a suprema
sorte de ter duas mães. Dedico este trabalho,
também, às memórias de Ruy Fernandes Lima
(avô e pai) e minha Irmã Hilma de Barros
Lima (que carinhosamente chamava-me,
quando eu era criança, de meu filho e que
acreditou em mim quando passei no
vestibular), que por caminhos diferentes,
inspiraram-me na travessia do saber. Carrego
comigo o patrimônio cultural (capital cultural)
transmitido por eles.
AGRADECIMENTOS

Nosso trabalho não é solitário, ele é uma síntese da produção coletiva, mesmo que não
saibamos disso, e a noção de mérito individual é muitas vezes arbitrária, arrogante e ingrata,
pois cheguei até aqui porque me apoiei no ombro de muitos que me sustentaram. Agradeço a
Deus, à minha família (todos os meus irmãos) e à minha noiva, Charlene Veras − muito
obrigado, minha querida, por acompanhar-me nessa travessia árdua.
Agradeço a todos os amigos, em especial a: Stanley Santos, Shyrleane Cunha, Elenita
Oliveira Lopes, Roniel Sampaio, Marsone Araújo, Acácio Vale, Valéria Andrade de
Carvalho, Jonatas Oliveira Viana, Girlene, Meu tio José Wilson de Barros Lima (que não está
mais entre nós, mas que recebi de seus sábios conselhos importantes lições de vida) e amigos
da segunda turma do mestrado de sociologia.
Agradeço ao professor-orientador, Washington Luís de Sousa Bonfim.
Agradeço aos Professores do Mestrado de Sociologia da Universidade Federal do
Piauí e da graduação em Ciências Sociais da universidade Federal do Piauí, em especial a
grandes mestres que merecem ser citados nessa batalha: Mary Alves Mendes, Benedito Carlos
de Araújo Júnior, Maria Lídia Medeiros de Noronha Pessoa, João Batista do Vale Júnior,
Carlos Antônio Mendes de Carvalho Buenos Ayres, Francisco Oliveira Barros Júnior, Maria
Dione Carvalho de Morais, José Maria Vasconcelos, Luís Carlos Sales e Maria Sueli
Rodrigues.
“Na educação, a noção de obstáculo
pedagógico também é desconhecida. Acho
surpreendente que os professores de ciências,
mais do que os outros se possível fosse, não
compreendam que alguém não compreenda.
Poucos são os que se detiveram na psicologia
do erro, da ignorância e da irreflexão”
(Gaston Bachelard).

“A educação geral deve preparar os cidadãos


para escolher entre os padrões, ou achar seu
caminho em uma sociedade que contém
grupos comprometidos com vários padrões.”
(Paul Feyrabend)
RESUMO

A pesquisa analisou as representações sociais que os professores de matemática compartilham


sobre os estudantes das escolas públicas e privadas do ensino médio de Teresina. O objeto de
estudo, portanto, foram as representações partilhadas pelos professores acerca dos alunos das
escolas públicas e privadas de Teresina. A metodologia aplicada fora, predominantemente,
qualitativa e obedeceu às pressuposições da dupla ruptura epistemológica. Utilizou-se a
observação não-participante e entrevistas semiestruturadas para analisar os conteúdos dessas
representações. Assim, a problemática assentou-se na seguinte questão: quais representações
sociais os professores de matemática do ensino médio produzem sobre alunos das redes
pública e privada de Teresina? A pergunta foi formulada porque se teve, como pressuposto
central, a ideia de que a violência simbólica, produzida pelos professores em suas
representações sobre os alunos, pode ser um dos múltiplos fatores para aumentar o risco de
abandono nas escolas públicas de Teresina. O ensino médio foi escolhido porque é o nível de
ensino com maiores problemas de fracasso escolar no país. A disciplina matemática tornou-se
adequada para nossa investigação por três motivos: monopoliza o maior número de horas-
aulas no ensino básico, possui uma representação social de ser uma disciplina de difícil
aprendizagem e constitui-se de um conteúdo basilar para a formação do raciocínio lógico. Os
autores que fundamentaram a proposta foram Bourdieu e Moscovici com as categorias de
habitus e representações sociais. Partiu-se da pressuposição teórica que os professores
constroem representações sobre os alunos em práticas cotidianas e isto, por sua vez, produz
uma violência simbólica. Essa violência simbólica pode ser uma das determinações que
contribuem para a produção do fracasso escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Escola. Violência simbólica. Representações Sociais.


ABSTRACT

The study examined the social representations that teachers of mathematics share about the
students of public schools and private school in Teresina. The object of study, therefore, is the
representations shared by teachers about the students of public and private schools in
Teresina. The methodology applied was predominantly qualitative, followed the assumptions
of double epistemological rupture, we used the observation does not participant and
semisstructured interviews to analyze the content of these representations. Thus, our issue has
stabilized on the following question: what social representations, the middle school math
teachers produce on students of public and private networks of Teresina? The question was
formulated because we have as central premise the idea that the symbolic violence produced
by the teachers in their representations about students can be one of multiple factors to
increase the risk of abandonment, in public schools in Teresina. The high school was chosen
because it is the level of education with major problems of school failure in the country. The
discipline mathematics became appropriate for our research for three reasons: monopolizes
the largest number of class hours in basic education, has a social representation to be a
discipline of difficult learning and constitutes an essential content for the training of logical
reasoning. The authors which motivated our proposal were Bourdieu and Moscovici with
categories of habitus and social representations. We star from theoretical assumption that the
teachers build representations about students in daily practices and this in turn produces a
symbolic violence. This symbolic violence may be one of the determinations that contribute
to the production of school failure.

KEYWORDS: School. Symbolic Violence. Social Representations.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Comparativo de predicados imputados aos estudantes por rede de ensino ............... 88

Tabela 2 Causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas ..................................................................................................... 107

Tabela 4 Percentual de motivos que indicam a maior dificuldade nos alunos da escola pública
................................................................................................................................................ 109

Tabela 5 Motivos para as dificuldades nas duas redes de ensino ........................................... 109

Tabela 6 Diferença de aprendizagem entre os alunos da escola pública e privada ................ 111

Tabela 7 Aproveitamento da disciplina matemática pelo aluno de escola pública e pelo aluno
de escola particular ................................................................................................................. 113

Tabela 8 Fatores que influenciam o aproveitamento do aluno ............................................... 113

Tabela 9 Acesso aos conteúdos de matemática ...................................................................... 115

Tabela 10 Empenho do aluno ................................................................................................. 115

Tabela 11 Motivos para a diferença de empenho dos alunos ................................................. 116

Tabela 12 Paralelo entre os alunos de escola pública e os alunos de escolas particulares ..... 118

Tabela 13 Mudança na forma de ensinar matemática conforme a rede de ensino ................. 120

Tabela 14 Variação na forma de ensinar matemática conforme a rede de ensino.................. 121

Tabela 15 Distorção idade-série ............................................................................................. 122

Tabela 16 Motivos da distorção idade-série ........................................................................... 123


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12

2 O ENSINO MÉDIO E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ................................................ 22

2.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 22

2.2 O ENSINO MÉDIO E O RELATÓRIO DO UNICEF ...................................................... 23

2.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ........................................................................................ 29

2.4 NOÇÃO DE HABITUS E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO ............................. 41

3 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS ................................ 49

3.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 49

3.2 A DUPLA RUPTURA EPISTEMOLÓGICA .................................................................... 50

3.3 OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA ...................................................................... 70

4 PROFESSORES DE MATEMÁTICA E SUAS REPRESENTAÇÕES .............................. 77

4.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 77

4.2 CATEGORIAS ENCONTRADAS NAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS ........................ 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 94

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 101

APÊNDICE A: ROTEIRO DE PERGUNTAS ...................................................................... 104

APÊNDICE B: PRÉ-ANÁLISE ............................................................................................. 105

ANEXO A: ROTEIRO PARA CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES DE


MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DE TERESINA ...................................................... 124

ANEXO B: AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DA ENTREVISTA ............................ 126

ANEXO C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........................ 127


12

1 INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema surgiu a partir da atuação, na condição de aluno bolsista, no


1
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) de sociologia, nos anos
de 2010 e 2011, da Universidade Federal da Piauí (UFPI). A atuação ocorreu num período de
quase dois anos em duas escolas públicas do ensino médio da cidade de Teresina. Nesta
ocasião, por meio de diário de campo, observou-se a inoperância das escolas públicas de
Teresina diante de muitas situações: reuniões pedagógicas − apenas o corpo de professores,
coordenadores e diretores − que avaliavam negativamente o processo ensino-aprendizagem
dos alunos, evasões maciças em todas as disciplinas de todos os turnos, problemas de gestão
escolar, necessidade do aparato policial para conter ocorrências que seriam de
responsabilidade da escola e etc.
Neste período, observou-se o descompasso entre a prática docente e os interesses dos
alunos nas duas escolas públicas de Teresina. As evasões, abandonos, comportamentos
apáticos nas aulas e ausências das salas eram indicadores do desacordo, pois os discentes se
distanciavam das atividades escolares. Os professores e gestores, influenciados pelo
pensamento imediatista da realidade social, percebiam essas ausências como problemas
individuais dos alunos e não social2. Eis a necessidade do estudo mais aprofundado desse
desacordo. O fenômeno é uma realidade constante nas escolas e carece de investigação
inserida na perspectiva sociológica.
Nesta época, a partir da apresentação dos dissentes da universidade como bolsistas
integrantes da equipe do PIBID de sociologia em uma das escolas públicas, em conversa com

1
O PIBID é um programa da CAPES que pretende valorizar a formação de professores para a
educação básica. O programa concede bolsas para alunos da licenciatura participantes de projetos de
iniciação a docência, desenvolvidos por instituições de ensino superior em parceria com as escolas de
educação básica da rede pública de ensino. O programa deve promover a inserção dos estudantes no
contexto das escolas públicas desde o início de suas formações acadêmicas para que desenvolvam
atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e um professor da
escola. Os alunos do PIBID da Universidade Federal do Piauí, munidos de um diário de campo,
realizam atividades denominadas de observação, diagnóstico e monitoria. A observação consiste em
analisar as aulas, o diagnóstico se trata de observar a estrutura da escola de um modo geral e a
monitoria se constitui num acompanhamento dos alunos em atividades da escola. Disponível
em<http://www.capes.gov.br/educaçãobásica/capespibid/> e <http://www.pbidufpi.com.br/>>. Acesso
em 6 de Jun.de 2014.
2
Os gestores não rompiam com o pensamento imediato do senso comum porque lhes faltava o método
específico da sociologia chamada imaginação sociológica. A pesquisa social utiliza o caminho
intelectual específico para perceber as conexões entre as relações aparentemente imediatas e
individuais − biografia − com as questões coletivas e públicas − História. O método foi denominado
por Charles Wright Mills de imaginação sociológica (MILLS, 1972).
13

diretores e o pedagogo, informaram que os principais problemas enfrentados pela instituição


de ensino eram as evasões. Os gestores classificaram-nas em internas e externas. As primeiras
consistiam no comportamento apático diante das aulas ou situar-se fora da sala no momento
de realização das aulas, embora dentro do ambiente da instituição de ensino; as segundas eram
compreendidas como abandono da escola, ou seja, tratava-se da clássica evasão escolar.
A denominação evasão interna foi oferecida pelos gestores no intuito de classificar,
nomear e explicar um fenômeno complexo e multifacetado ligado à situação de fracasso
escolar3. Inicialmente, na presente pesquisa, a noção evasão interna foi transformada em
objeto de pesquisa sociológica, porque parecia definir precisamente a condição social que se
encontram muitos alunos atendidos pelo sistema educacional brasileiro. A categoria evasão
interna constituía-se naquilo que Geertz (1997) denomina conceito de experiência próxima
(GEERTZ, 1997), ou seja, conceitos expressos espontaneamente e sem esforços pelos
informantes no tocante às suas vivências no âmbito escolar. Os gestores das referidas
instituições distinguiam essas duas situações com o intuito de identificar pretensos culpados
para os fatos.
A noção oferecida pelos gestores comportava muitos problemas, pois o termo evasão
interna resultava numa imputação de culpas para certos indivíduos. A evasão interna tornou-
se um emblema capaz de explicar as mazelas cotidianas na escola. O professor era
culpabilizado pela falta de autoridade em sala de aula. O estudante era responsabilizado pela
indisciplina e fragilidade cognitiva. A gestão escolar era acusada de ineficiência
administrativa. A família, por sua vez, era culpada com o discurso da irresponsabilidade e
falta de autoridade em relação ao filho. Por essas razões, o presente trabalho problematizou o
conteúdo desses discursos que tomam certos indivíduos como bode expiatório dos problemas
educacionais. Os gestores das referidas instituições desenvolveram um conhecimento sobre o
comportamento dos alunos.
Como afirma Moscovici (2012), as explicações do senso comum constituem-se, não
somente, em preconceitos irrefletidos, mas em uma maneira dos grupos sociais conhecerem o
mundo. Ao modo dos arquivistas, os indivíduos, cotidianamente, resumem, recortam, reúnem,
classificam e combinam os resultados dos múltiplos conhecimentos numa sequência de
registros que produzem um esquema coerente do real. O objetivo é, menos, desenvolver
conhecimento e, mais, obter informações para bem relacionar-se socialmente.
3
O fracasso escolar é conceituado como a incapacidade da instituição de ensino em cumprir seu papel
educacional (PATTO, 1988). O fracasso escolar é medido pelos índices distorção idade-série,
repetência, abandono e evasão escolar.
14

Aprendeu-se, com Moscovici (2012), que o conhecimento do senso comum não é


“espontâneo”, confuso, conjunto aleatório de opiniões e concepções, mas é forma de conhecer
controlada e orientada por valores compartilhados socialmente. O senso comum produz
conhecimento ordenado sobre a realidade social e a constrói. Primeiramente, questionou-se,
na presente investigação, os motivos subjetivos que fariam os alunos evadirem internamente.
O pressuposto que sustentava a problemática afirmava a existência objetiva da evasão interna.
Porém, o termo evasão interna se tratava, talvez, não de uma realidade das escolas,
mas de uma representação compartilhada socialmente (MOSCOVICI, 2012) por gestores,
pedagogos e professores sobre o comportamento dos alunos. A evasão interna, vista como
realidade tácita, verdadeira, dada, recorrente nas escolas, não era concebida como sintoma ou
resultado da condução pedagógica dos gestores, pedagogos, diretores e professores. Eles não
se percebiam como coprodutores da chamada evasão interna. Ao insistir no estudo do
pretenso fenômeno, a pesquisa norteou o problema para disciplina sociologia no ensino médio
e na condução da prática docente dos professores dessa matéria.
O olhar foi dirigido para a disciplina sociologia porque observava-se as seguintes
situações: o comportamento apático dos discentes nas aulas de sociologia, muitas ausências da
sala de aula − situações que os alunos bolsistas foram treinados na escola a denominar evasão
interna − e a recente incorporação da disciplina sociologia como matéria de estudo obrigatória
nos três anos do ensino médio do país4. Havia a especificidade da disciplina em relação às
demais, porque não se formou um consenso quanto a conteúdos mínimos ministrados
(MORAIS, 2009). Até pouco tempo, a sociologia não era cobrada nos exames nacionais de
inserção ao ensino superior e, assim, com carga horária reduzida, era delegada para segundo
plano pelos sistemas de ensino. Alguns Estados da federação não cumpriam a norma
adequadamente. O Piauí, por exemplo, adotava a disciplina no 2° ano do ensino médio.
Assim, por todas essas especificidades, a disciplina sociologia se tornava pouco atraente para
os alunos.
Porém, percebeu-se que não era somente na disciplina de sociologia que acontecia a
chamada “evasão interna”, mas ocorria em disciplinas já consagradas pelo sistema
educacional brasileiro como matemática e português. As referidas disciplinas são basilares
para a construção do exercício do raciocínio lógico, da interpretação e leitura de textos. Um
dos objetivos do ensino básico é desenvolver estas capacidades humanas fundamentais. A Lei
4
A lei n° 11.684 foi implementada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio em 07
de julho de 2008, incluindo Sociologia e Filosofia como disciplinas obrigatórias no currículo do
ensino médio. Ver: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2008/pceb022_08.pdf.
15

de Diretrizes e Bases da Educação afirma que o ensino médio deve aprofundar os


conhecimentos do ensino fundamental e, este, por seu turno, tem como um dos seus objetivos
educacionais, o domínio da escrita e do cálculo. Desse modo, compreende-se a razão, pela
qual, as referidas disciplinas monopolizam maior quantidade de horas-aulas nos sistemas de
ensino brasileiro.
A investigação indagou sobre os profissionais de uma das disciplinas com o maior
número de horas-aulas, pois, dessa forma, a pesquisa tem maior chance de demonstrar seu
potencial investigativo. A pesquisa escolheu a disciplina matemática porque estudos mostram
que essa disciplina é envolta de uma representação depreciativa por parte dos alunos no
ensino básico. A disciplina matemática possui uma representação de ter um conteúdo de
difícil aprendizagem no ensino básico. Em pesquisa de campo no Piauí5, Fernanda Lúcia
Sales (1999) constatou que as representações compartilhadas da disciplina matemática têm
uma influência no fracasso escolar. A disciplina, dotada de uma representação como “bicho
papão”, produz, cotidianamente, reflexos no comportamento dos alunos. O comportamento de
tédio, medo e, até mesmo, apatia por parte dos discentes foram constatados como respostas às
representações da disciplina matemática. A pesquisa foi realizada com alunos do 6° ano de
algumas escolas públicas de Teresina.
A problemática pode ser reformulada, mais precisamente, nos seguintes termos: quais
representações os professores de matemática possuem sobre alunos das redes pública e
privada de Teresina no ensino médio? As representações sobre os alunos da escola privada
servirão como ponto de referência comparativo para análise das representações que
profissionais da educação possuem sobre os alunos das escolas públicas. A indagação
seguinte foi formulada desta forma: essas representações influenciam em suas práticas
docentes? A pergunta foi formulada porque a relação entre professor e aluno é uma
comunicação pedagógica (BORDIEU; PASSERON, 2011). Esta, por sua vez, pressupõe um
emissor pedagógico e um receptor pedagógico e, portanto, constitui-se numa relação de poder.
Detectou-se, em pesquisa de campo, ainda na época de atuação no PIBID, que a
maioria das aulas de sociologia nas escolas observadas se pautava no modelo conservador de
ensino (BEHRENS, 2003). Consistia em aulas expositivas de uma síntese do conteúdo do
livro didático. As avaliações eram extensões dessas aulas e, geralmente, se configuravam em
um roteiro de dez perguntas que objetivavam verificar conceitos que foram memorizados
5
Monografia apresentada à Universidade Estadual do Piauí como parte dos requisitos para obtenção
do título de especialista em Supervisão Escolar de autoria de Fernanda Lúcia Sales: As representações
da matemática em alunos de escola pública na 6° série.
16

durante as aulas. Exames estes que, muitas vezes, produziam um mau desempenho nas notas
dos alunos. Constatou-se que o professor incorporava essa prática educacional em sua rotina
que a tornava invisível para ele. Os professores observados não conseguiam perceber as
fragilidades dessa prática docente e, por isso, comumente, culpavam outros agentes
socializadores como: família, Estado e os próprios alunos pelo fracasso dos resultados desta
prática educacional.
Por outro lado, muitas vezes, por força desta rotineira prática docente, levaram-se os
alunos bolsistas a participarem das aulas da mesma maneira que os docentes que foram
observados. Percebeu-se que a instituição de uma prática docente influencia, fortemente, o
comportamento dos alunos e docentes. A estrutura educacional, à maneira como está
montada, convence a repetir esta prática que tende a se estabelecer. Em grande medida, a
desmotivação entre os alunos bolsistas era nítida e comprometia-lhes para fazer uma crítica
efetiva ao modelo educacional vigente porque, muitas vezes, não conseguia-se inovar. Neste
sentido, é importante fazer uma reflexão sociológica das representações dos professores sobre
os alunos. A prática docente demonstra a construção de um habitus (BOURDIEU;
PASSERON, 2011) entre os professores e, como sabe-se, este produz violência simbólica. O
discurso da evasão interna parte desses profissionais da educação, por isso deve-se não partir
dessa realidade como pronta e acabada, mas indagar-se sobre as consequências desses
discursos acerca dos alunos.
A evasão interna não será objeto de problematização do presente trabalho científico
porque se trata de uma noção, cuja representação social carrega estigmatização dos múltiplos
sujeitos participantes das comunidades escolares. O termo evasão interna, repetido
excessivamente como um jargão científico nas escolas, constitui-se naquilo que Bachelard
(2011) denomina obstáculo epistemológico, ou seja, noções que, antes de explicar os
fenômenos da realidade, atrapalham o trabalho investigativo.
Elas são noções construídas por realismo ingênuo e constitui-se parte do processo de
objetivação de noções abstratas, demonstrado por Moscovici (2012). A pesquisa científica,
segundo Bachelard (2011), se constrói contra o conhecimento anterior. Jargões
pseudocientíficos, muitas vezes, são tomados como categorias teóricas e transformam-se em
barreiras para a investigação. A ruptura com as noções do senso comum impõe-se como
condição necessária para o desenvolvimento científico, como afirmam Bachelard (2011),
Bourdieu (2004) e Boaventura de Sousa Santos (1989).
Em ciências sociais, a ruptura epistemológica obedece ao principio da não
transparência e o primado das relações sociais (BOURDIEU, 2004) que, por conseguinte,
17

desconhecedores dessas regras epistemológicas, os professores e gestores explicam o


comportamento dos alunos como se conhecessem as determinações para o fenômeno e o
conhecimento produzido sobre a chamada evasão interna não se refere a causas sociais. Ao
invés de tomar a evasão interna como objeto de estudo, deslocou-se o sentido sociológico do
problema inicial e, deste modo, problematizou-se o conteúdo das representações dos
professores e formulou-se as seguintes indagações: quais representações os professores
possuem sobre alunos das redes pública e privada de Teresina no ensino médio? Essas
representações influenciam em suas práticas docentes?
Pensou-se numa maneira de apreender as representações dos professores de
matemática sobre os alunos sem recair em interpretações arbitrárias sobre as mesmas
representações. A interpretação científica deve ser controlada por um instrumento que serve
de ponto de referência para análise. Planejou-se, seguindo Weber (2004), a construção de um
tipo ideal comparativo como ponto de referência para a pesquisa. As representações sociais do
mesmo sujeito nas duas redes de ensino foi o melhor ponto de comparação para exercer a
interpretação científica. Neste caso, utilizou-se entrevistas semiestruturadas como a forma de
apreender e comparar as representações sociais compartilhadas pelos professores sobre os
alunos. Elaborou-se roteiro de perguntas abertas, onde percebeu-se as representações dos
professores sobre os alunos das escolas públicas tomando como parâmetro as representações
sobre os alunos das escolas privadas.
O trabalho de pesquisa, predominantemente qualitativo, analisou o conteúdo dos
dados construídos através de entrevistas semiestruturadas, norteadas por um roteiro de
perguntas abertas, onde foi possível compreender melhor o conteúdo das representações
sociais. O enfoque epistemológico da pesquisa seguiu a dupla ruptura epistemológica
apregoada por Boaventura de Sousa Santos (1989), pois trabalhar com as noções de habitus e
representações sociais exige que se rompa com o conhecimento do senso comum e, ao mesmo
tempo, aceite o valor dessa forma de conhecimento, rompendo com os preconceitos
científicos. Os professores compartilham representações, cotidianamente, nas escolas sobre os
alunos. Essas representações podem ser fundamentais para sedimentar uma visão sobre os
discentes das duas redes de ensino, visão esta, atuante em suas práticas docentes.
A investigação ocorreu no ensino médio porque o fracasso escolar é mais crítico neste
nível de ensino no Brasil. Na ocasião, da estadia no PIBID, mal se podia esperar que a etapa
de ensino − ensino médio − sobre o qual se atuava, nas escolas públicas de Teresina, era o de
maior dificuldade no País. Ao exercitar a ferramenta metodológica, denominada imaginação
sociológica, a presente pesquisa compreendeu que as escolas públicas brasileiras estão
18

inseridas em relações de poder como entende Bourdieu (1994). Através da imaginação


sociológica, as percepções imediatas, construídas nessas escolas na época de atuação no
PIBID, podem ser confrontadas com os resultados obtidos pelo relatório Iniciativa Global
Pelas Crianças Fora da Escola, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância –
UNICEF6. Por meio de amplo estudo estatístico, o documento investigou o multifacetado
fenômeno social da exclusão escolar no Brasil, com a maioria dos jovens afastados da escola,
oriundos das regiões Norte e Nordeste.
O complexo fato social tem seus pontos de apoio nas seguintes situações:
discriminação racial, exposição à violência, gravidez na adolescência, vulnerabilidade
socioeconômicas, apresentação de conteúdos distantes da realidade dos alunos, a não
valorização dos profissionais da educação, número insuficiente de escolas, falta de
acessibilidade aos alunos com deficiência, inadequação de infraestrutura escolar, falta de
transporte escolar, escassez de recursos reservados à educação pública brasileira, precariedade
da oferta educacional para os povos indígenas e para alunos oriundos das comunidades
quilombolas. O relatório ainda analisa a situação dos alunos em risco de abandono.
Porém, o sistema escolar brasileiro não é visualizado no relatório como um campo
onde forças de grupos sociais procuram impor a legitimidade de seus arbitrários culturais. Os
números demonstram a forte exclusão escolar brasileira e pode-se interpretá-la através do
programa de pesquisas da sociologia de Bourdieu (2011). O autor demonstrou que o sistema
escolar produz seu fracasso e denunciou a escola pública como não democrática. Para
Bourdieu, todos os agentes pedagógicos escolares, na maioria das vezes inconscientemente,
são cúmplices das relações de poderes existentes no sistema escolar em suas múltiplas formas.
A presente investigação pesquisou uma peça importante do sistema escolar: as
representações construídas pelos professores acerca dos alunos. O pretenso desinteresse dos
discentes pela escola pode ser reflexo de uma violência simbólica produzida pelos docentes
em suas representações. Cabe aqui uma indagação: as representações sociais produzidas
cotidianamente pelos professores, acerca dos alunos, contribuem para violência simbólica? O

6
O relatório do UNICEF 2012 no Brasil é parte da iniciativa global pelas crianças fora da escola
realizada pelo UNICEF e instituto de estatística da UNESCO. O estudo objetiva analisar a exclusão e
risco de abandono em 25 países. A intenção do escritório do UNICEF, no Brasil foi analisar as
desigualdades regionais, etnorraciais, socioeconômicas registradas no relatório Situação da Infância e
Adolescência Brasileira 2009. O foco principal, no relatório atual, é voltar a atenção para crianças e
adolescentes fora da escola ou risco de abandono no País. O relatório deve ajudar o Estado Brasileiro a
cumprir o dever constitucional de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da Educação Básica
na idade certa. Disponível em: www.uis.unesco.org/Education/.../brazil-oosci-report2012-pr.pdf.
Acesso em 02 de Jun. 2014.
19

objetivo da presente pesquisa foi analisar as representações sociais que os professores de


matemática compartilham sobre os estudantes das escolas públicas e privadas do ensino
médio de Teresina. Os objetivos específicos foram: identificar a influência que as
representações sociais exercem sobre a prática docente dos professores de matemática;
identificar as representações sociais compartilhadas por professores matemática sobre os
alunos do ensino médio público e privado de Teresina; identificar as representações sociais
compartilhadas pelos professores de matemática sobre os alunos em risco de abandono, nas
escolas públicas de Teresina. A mediação pedagógica do mesmo docente realizada nas duas
redes de ensino foi imprescindível, porque a rede privada tornou-se importante ponto de
referência comparativo para interpretar as representações que os professores constroem sobre
os alunos da rede pública.
A pesquisa é importante, porque a exclusão escolar tem como ponto de apoio àquilo
que Bourdieu e Passeron (2011) denominam violência simbólica. As representações sociais
criadas, cotidianamente, pelos profissionais da educação podem produzir múltiplas violências
aos indivíduos atendidos nas escolas privadas e públicas, porque há uma discrepância de
capitais culturais entre os alunos das diferentes redes de ensino. Os currículos escolares −
mesmo o currículo oculto − podem privilegiar o capital cultural de grupos dominantes em
detrimento de outros. A investigação procura contribuir para que os professores de
matemática a reflitam, criticamente, acerca das diferentes representações construídas sobre os
alunos da rede pública e rede privada.
O peso das representações dos professores é um fator não analisado no relatório do
UNICEF, porque estava para além de suas pretensões. O relatório, ao ater-se apenas a
resultados quantitativos, não conseguiu perceber as sutilezas da violência simbólica produzida
por gestores e docentes, porque apenas o olhar sociológico é capaz de desvelá-las. A violência
simbólica, produzida pelos professores em suas representações sobre os alunos, pode ser um
dos múltiplos fatores para aumentar o risco de abandono.
O risco de abandono é quantificado, no relatório, pelo índice de distorção idade-série.
Esta medida pressupõe a reprovação e a repetência. O risco de abandono está diretamente
ligado ao fracasso escolar. Segundo o relatório do UNICEF, o perfil social do aluno em risco
de abandono no Brasil pode ser identificado entre os seguintes indivíduos: negros, indígenas,
quilombolas, alunos oriundos de famílias de baixa renda, alunos que trabalham em paralelo
com os estudos e indivíduos portadores de deficiência. A maioria desses indivíduos não são
portadores dos capitais financeiros, sociais e culturais legitimados no sistema de ensino.
Dessa maneira, a renda é um agravante do risco de abandono.
20

Segundo o supracitado relatório, a distorção idade-série é mais acentuada no ensino


infantil, nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. Nas duas últimas etapas, o
trabalho em paralelo aos estudos é um fator de risco de abandono. A escolha pela investigação
no ensino médio se deveu porque o fracasso escolar é mais crítico nesta etapa do ensino. A
pesquisa também constatou as diferenças do tratamento oferecido aos públicos das duas redes
de ensino. Quando se comparou o fracasso escolar nas duas redes, observou-se uma forte
disparidade, pois no ensino médio privado, os índices de distorção idade-série, repetência e
evasão são menores.
O estudo pode contribuir para refletir acerca de políticas públicas7 voltadas para a
formação de professores. O PIBID é desdobramento, em forma de programa, de uma política
pública. O PIBID é um programa cuja base epistemológica e teórica centra-se na formação
inicial de professores. Os alunos vivenciam o fazer docente na escola pública desde o início
de suas formações. O professor deve aprender a ser um profissional reflexivo. Neste sentido,
as representações construídas pelos professores acerca dos alunos devem ser objeto de
reflexão para os bolsistas, porque, estas, em muito, são reproduzidas, inconscientemente,
pelos profissionais da educação. Desta forma, a pesquisa contribuirá para melhorar o
desempenho dos objetivos do PIBID, pois o olhar sociológico é fundamental para perceber as
sutilezas da violência simbólica.
A presente dissertação primou pelo olhar sociológico. Este pressupôs a dupla ruptura
epistemológica, o conhecimento praxiológico e a imaginação sociológica. Estes três recursos
metodológicos implicam na concepção da retroalimentação entre estrutura social e agente
individual. As representações sociais são compartilhadas por professores de matemática na
interação entre indivíduo e estrutura social. Esta íntima relação social foi demonstrada ao
longo dos três capítulos da presente dissertação. O trabalho de pesquisa foi dividido em três
capítulos intitulados: ensino médio e representações sociais (capítulo 1), considerações
epistemológicas e metodológicas (capítulo2) e professores de matemática e suas
representações (capítulo3).
O capítulo 1, intitulado ensino médio e as representações sociais, expôs a situação do
ensino médio no país, principalmente através do relatório do UNICEF. Este analisa a exclusão

7
Uma política pública, na definição de Celina Sousa (2007), pode ser compreendida como um campo
do conhecimento que visa colocar o governo em ação, analisar a ação governamental e propor
mudanças nos rumos dessa ação. As políticas públicas, depois de formuladas, desdobram-se em
planos, programas, projetos, bases de dados, sistema de informação e grupos de pesquisa. O processo
de formulação, decisão, implementação e avaliação de políticas públicas deve levar em consideração a
complexidade que envolve esse processo cíclico do ser das políticas públicas (BONETI, 2007).
21

escolar no ensino básico brasileiro e demonstra que a evasão escolar é mais forte no final do
ensino fundamental e em todo o ensino médio. O ensino médio carrega indefinições legais e
dualidade estrutural identificada como oposição ensino propedêutico e ensino técnico, razões
apontadas como determinantes para o fracasso escolar concentrar-se nessa etapa do ensino. A
qualidade da oferta educacional foi apontada, no relatório, como um dos fatores para o
fracasso escolar ocorrer nesse nível de ensino e os conteúdos ministrados distantes da
realidade do aluno é fator agravante da oferta educacional. Tal fato remeteu para relação
professor e aluno como uma comunicação pedagógica que produz um habitus e este, por sua
vez, constrói representações sociais.
O capítulo 2 intitulado Considerações epistemológicas e metodológicas versou sobre a
dupla ruptura epistemológica apregoada por Boaventura de Sousa Santos. As categorias
analíticas de habitus e representações sociais pressupõem as duas rupturas ao mesmo tempo,
pois elas permitem uma leitura científica e positiva do senso comum. O capítulo traçou um
histórico das concepções epistemológicas que culminaram na proposta de ruptura e retorno da
ciência ao senso comum através de Boaventura de Sousa Santos. Iniciou com a revolução
científica e sua defesa dogmática através do positivismo lógico, prosseguiu com uma lenta
desdogmatização através de Bachelard, Popper, Lakatos, Kuhn, Feyerabend e o próprio
Boaventura de Sousa Santos. Logo, em seguida, mostrou o percurso metodológico utilizado
pela pesquisa como: natureza qualitativa da pesquisa, método compreensivo, escolha do
instrumento das entrevistas semiestruturada e análise de conteúdo das entrevistas através da
técnica de análise categorial com discriminação de todas as etapas e, por fim, considerações
éticas da pesquisa.
O capítulo 3, cujo título é Os professores de matemática e suas representações expôs
o resultado da pesquisa através da análise de conteúdo por meio da técnica de análise
categorial. O objetivo dela foi extrair, das falas dos entrevistados, as categorias principais
utilizadas para explicar a realidade educacional dos alunos através da quantificação da
incidência das respostas dos entrevistados. Foram identificadas três categorias que estão
concatenadas entre si e servem de emblemas para explicar o comportamento dos alunos nas
escolas públicas e privadas da cidade de Teresina: família, aluno e escola. Elas formaram
explicação, no senso comum dos professores, através de um discurso coerente sobre o
comportamento dos alunos, da relação entre interesse do aluno e cobrança familiar. A
explicação foi analisada através dos aportes teóricos de habitus e representações sociais e as
considerações epistemológicas que pressupõem a dupla ruptura epistemológica.
22

2 O ENSINO MÉDIO E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.1 INTRODUÇÃO

O presente capítulo, dividido em três tópicos, discutiu o ensino médio brasileiro


através do relatório do UNICEF, a categoria representações sociais e o conceito de habitus. O
relatório do UNICEF apresentou resultados de estudos estatísticos sobre a exclusão escolar no
ensino básico brasileiro. O documento demonstrou, quantitativamente, que a evasão escolar é
mais acentuada nos últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio inteiro. O relatório
demonstrou, através de correlações estatísticas, que os fatores renda e a necessidade de aliar
estudo com trabalho são agravantes da evasão escolar no ensino médio.
A oferta educacional foi apontada, no relatório, como um dos agravantes para o
fracasso escolar ocorrer no ensino médio e, na mesma linha de raciocínio, argumentou que os
conteúdos ministrados distantes da realidade do aluno é fator para ocorrer a evasão escolar.
Historicamente, o ensino médio é perpassado por uma dualidade estrutural identificada como
oposição entre o ensino propedêutico e ensino técnico. A chamada dualidade estrutural
carregou o ensino médio atual de indefinições legais, razões apontadas como determinantes
para o fracasso escolar concentrar-se nessa etapa do ensino.
O ensino propedêutico tornou-se a norma no Brasil e transformou o ensino
conservador em tendência pedagógica hegemônica no país. Tal fato remeteu para relação
professor e aluno como uma comunicação pedagógica que produz um habitus e este, por sua
vez, constrói representações sociais sobre os alunos. Esta última categoria, vistas sob o prisma
de Moscovici, é uma explicação de senso comum sobre a realidade social. Tal explicação
torna-se uma visão de mundo ordenada e coerente controlada pelos valores partilhados pelos
grupos sociais.
As representações sociais são construídas por relações sociais precisas e, por isso, foi
necessário recorrer ao conceito de habitus construído na interação entre campo e o agente
social. Em função das representações sociais, os agentes sociais produzem e reproduzem um
habitus. A escola, como pertencente ao campo educacional, está inserida em relações de
poderes diversos. A ação pedagógica é uma comunicação pedagógica que através do trabalho
pedagógico constrói habitus e todas essas relações produzem violência simbólica. As
representações sociais construídas pelos professores sobre os alunos são uma relação de
poder.
23

2.2 O ENSINO MÉDIO E O RELATÓRIO DO UNICEF

O ensino médio brasileiro deve ser compreendido imerso em relações objetivas de lutas
entre grupos, classes ou frações de classes (BOURDIEU, 1994). Para a sociologia de
Bourdieu (1994), existe relação íntima entre agentes e estruturas sociais. A escola deve ser
compreendida, inserida na interação entre agente e estrutura. Todos os sujeitos estão inseridos
em relações de forças. O ensino público contém diversas formas de relações de poder
(BOURDIEU, 1994).
Pode-se visualizar a situação educacional brasileira através dos resultados obtidos pelo
relatório Iniciativa Global Pelas Crianças Fora da Escola, realizado pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF. Por meio de amplo estudo estatístico, o documento
investiga o multifacetado fenômeno social da exclusão escolar no Brasil, com a maioria dos
jovens afastados da escola, oriundos das regiões Norte e Nordeste. O complexo fato social
tem seus pontos de apoio nas seguintes situações: discriminação racial, exposição à violência,
gravidez na adolescência, vulnerabilidade socioeconômica, apresentação de conteúdos
distantes da realidade dos alunos, a não valorização dos profissionais da educação, número
insuficiente de escolas, falta de acessibilidade aos alunos com deficiência, inadequação de
infraestrutura escolar, falta de transporte escolar, escassez de recursos reservados à educação
pública brasileira, precariedade da oferta educacional para os povos indígenas e para alunos
oriundos das comunidades quilombolas.
O relatório ainda analisa a situação dos alunos em risco de abandono. O risco de
abandono é quantificado pelo índice de distorção idade-série. Esta medida pressupõe a
reprovação e a repetência. O risco de abandono está diretamente ligado ao fracasso escolar. O
pressuposto central da presente investigação sustenta que a violência simbólica produzida
pelos professores em suas representações sobre os alunos pode ser um dos múltiplos fatores
para aumentar o risco de abandono, nas escolas públicas de Teresina. Categoria central da
abordagem de Bourdieu e Passeron (2011), a violência simbólica explica as várias
dissimulações das relações de forças existentes nos espaços sociais (BOURDIEU;
PASSERON, 2011).
Dentre as barreiras citadas para assegurar o sucesso escolar na Educação Básica, serão
destacadas as barreiras relacionadas à oferta educacional. A falta de interesse pelos conteúdos
ministrados em sala de aula merece atenção neste trabalho, porque o pretenso desinteresse dos
alunos é explicado pela sociologia de Bourdieu como resultado das relações de poder
existentes no espaço escolar. O relatório aponta que os adolescentes entre 15 a 17 anos − que
24

deveriam estar no ensino médio − evadem por quatro motivos básicos em ordem decrescente
de importância: a escola se torna desinteressante, necessidade de trabalho, geração de renda e
dificuldade de acesso à escola. O desinteresse pela escola, articulado à necessidade de
trabalho e geração de renda, podem ser explicados recorrendo à noção de violência simbólica
reproduzidas pelas representações dos docentes.
No Brasil, o grande desafio da permanência, aprendizagem e conclusão da educação
básica está concentrado, principalmente, nos últimos anos do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio. Segundo o relatório, 46,2% dos alunos matriculados nos últimos anos do
ensino fundamental não concluem esta etapa. Dos concludentes do ensino fundamental −
representam 64,8% −, 70% finalizam na idade certa, ou seja, com 14 anos e apenas 68,7%
concluem o ensino médio sem distorção idade-série. Dos adolescentes brasileiros entre 15 e
17 anos, 14,8%, não frequentam o Ensino Médio. O relatório conclui que a ampliação do
ensino médio requer universalização da conclusão do Ensino Fundamental.
O relatório afirma que o ensino médio é o seguimento da educação brasileira que mais
há disparidade na qualidade quando comparado aos países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). O currículo é voltado para a memorização e os
estados sofrem escassez de professores nas áreas de matemática e ciências. Reprovações,
abandonos e ingresso tardio na escola elevam o número de anos necessários para a conclusão
da educação básica dos alunos na idade certa. O Piauí tem um índice de abandono escolar, no
ensino médio, de 20,2% perdendo somente para os estados do Rio Grande do Norte (20,9%) e
para o Pará (20,7%)8.
O relatório do UNICEF afirma que um dos fatores para o fracasso escolar se
estabelecer no Ensino Médio, principalmente, na Rede Pública é o fato de se trabalhar em
paralelo aos estudos. 4,3 milhões de crianças e adolescentes trabalham no país. Em média,
trabalham 26,3 horas semanais. Os indivíduos mais ricos (10,7%) têm quase o dobro da
escolaridade dos mais pobres (5,5%), dentre outros fatores, isso ocorre porque os mais ricos
estão dispensados do trabalho. A necessidade de trabalho na adolescência está ligada a
variável renda familiar.
Os dados analisados até 2009, segundo o mesmo relatório, comprovam que as
diferenças de renda impactam significativamente na escolarização da população. Há uma
diferença de 5,2 anos de estudo quando comparam-se os grupos mais ricos da população e os

8
Disponível em: <http/www.ibge.gov.br/home>. Acesso em 02 de jun. 2014.
25

mais pobres. A renda familiar é uma variável que transita por todos os níveis de ensino da
Educação Básica. Nos anos finais do Ensino Fundamental − indivíduos com idade entre 11 e
14 anos −, as crianças fora da escola, com renda de até ¼ de salário mínimo, representam
3,5% em relação a 0,8% daquelas oriundas de famílias com renda de mais de dois salários
mínimos. No Ensino Médio, quando se considera renda familiar, 31,3% dos jovens mais
pobres cursa este nível contra 72,5% de adolescentes com renda superior a dois salários
mínimos. O acesso dos adolescentes mais ricos ao Ensino Médio é duas vezes maior que o
dos mais pobres.
Porém, os números demonstram, apenas, a estrutura de forma objetivada. Pretendeu-se
visualizar melhor a participação dos agentes sociais na construção da educação brasileira. A
educação é lócus de disputa de forças sociais. A relação professor e aluno é uma forma de
dominação e exercício de poder da comunicação pedagógica (BOURDIEU; PASSERON,
2011). A comunicação pedagógica exige um transmissor pedagógico e um receptor
pedagógico. Esta se impõe porque se oculta na forma de sua autoridade. A realização da ação
pedagógica se faz através de um trabalho pedagógico (BOURDIEU; PASSERON, 2011). O
trabalho pedagógico elabora aquilo que Bourdieu chama habitus. O habitus é produtor de
representações sociais. Os alunos são representados socialmente pelos professores. A
representação é conhecimento que exige sujeito conhecedor e objeto a ser conhecido e
comporta relação de poder (MOSCOVICI, 2012). O professor é detentor de um habitus que,
por sua vez, produz conhecimento cotidiano sobre os alunos.
Os estudiosos afirmam que o sistema escolar é local de reprodução de um arbitrário
cultural específico que se investiu de autoridade pedagógica e transmite seu modo de pensar,
agir e sentir como único, justo, necessário e legítimo. A ação pedagógica investida de uma
autoridade pedagógica somente é legitimada porque dissimula sua violência. Os autores
criticam uma visão ingênua sobre educação e a exibe como inculcação e imposição de um
arbitrário cultural de uma classe determinada para outra. Esta última, por sua vez, é obrigada a
ressignificar-se para adquirir o sucesso escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
O sistema de ensino violenta, simbolicamente, seus alunos porque eles possuem
múltiplos códigos culturais estranhos à ação pedagógica dominante. A escola é palco de uma
relação de forças oriundas de arbitrários culturais de classes e grupos diferentes. A escola
representa o arbitrário cultural da classe economicamente dominante. Nem todos os alunos se
adequam a essa violência cotidiana praticada pela ação pedagógica, razão pela qual se
verificam todos os tipos de evasões como o abandono total da escola ou desinteresse pelos
conteúdos ali ministrados (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
26

Um dos motivos apontados para o fracasso no ensino médio se estabelecer é sua falta
de identidade. A falta de identidade resulta na perpetuação da dualidade estrutural histórica,
reforçada pelas indefinições legais acerca das finalidades do ensino médio. A dualidade
consiste na divisão deste nível de ensino em educação propedêutica, de formação geral,
tradicional e humanística, voltada historicamente para educar as elites e o ensino profissional,
com um currículo mais tecnicista, direcionado para educar as classes economicamente mais
desfavorecidas. O ensino propedêutico permitiria o ingresso na educação superior e o ensino
profissional e possibilitaria, ainda, o aprendizado de um ofício sem perspectivas de
continuidade dos estudos (KUENZER 2001). Percebeu-se a hegemonia do ensino
propedêutico no ensino médio, ou seja, reprodução de um arbitrário cultural das elites. A
dualidade estrutural favorece, historicamente, o sucesso escolar das classes economicamente
dominantes.
A dualidade estrutural reconfigurou-se em fins do século XX da seguinte forma: o
ensino propedêutico é lócus do ensino médio não profissionalizante público e privado e a
educação tecnológica teria o ensino profissional aliado à formação de cultura geral. A defesa
de que o ensino médio não profissionalizante público deveria priorizar um currículo
propedêutico humanista em detrimento do ensino profissional não elidiu a dualidade
estrutural, mas apenas inverteu sua lógica sob a justificativa que as classes desfavorecidas
deveriam adentrar no ensino superior. O ensino propedêutico, de cunho tradicional e
conservador, não está adaptado às necessidades dos indivíduos atendidos nas escolas públicas.
Constitui-se numa imposição de um arbitrário cultural em detrimento de tantos outros. A
celebração, um tipo de ensino tradicionalmente voltada para as elites nas escolas públicas, é a
reprodução de uma violência simbólica. As repercussões políticas disso são expressas por
Kuenzer (2011) sobre o ensino médio no Brasil, ao comentar as conclusões de Zibas acerca da
mesma inversão no Chile:

O barateamento, com a adoção do modelo de ensino médio de educação


geral, não se deve a uma suposta natureza desqualificadora da modalidade,
mas à forma como ela se objetiva. Uma educação técnico-científica de bom
nível não é incompatível com a produção de alta tecnologia e com a inserção
do jovem em uma sociedade em permanente transformação, afirma autora.
Mas exige elevado investimento; o desenvolvimento de um currículo amplo
e articulado de caráter geral exige professores qualificados e bem pagos,
espaço físico adequado, com biblioteca, laboratórios, computadores, quadras
esportivas e outros recursos. O custo elevado, assumido pela burguesia nas
escolas privadas, é incompatível, contudo, com as possibilidades de
financiamento do setor público. O resultado é um arremedo de educação, que
antes geral e sólida, é apenas genérica e superficial, com prejuízos
irreparáveis para a classe trabalhadora (KUENZER, 2011, p.50).
27

Um currículo apenas propedêutico para o ensino médio não tecnológico e profissional


constitui-se em um aparente avanço. A proposta escamoteia a histórica dualidade e não
responsabiliza o Estado de comprometer-se em estruturar as escolas de ensino médio público.
A continuidade à dualidade estrutural é parte de uma concepção histórica no Brasil, segundo a
qual, as classes mais abastadas não deveriam trabalhar, portanto, sua educação deveria voltar-
se para o comando e as classes menos favorecidas seriam relegadas a profissionalização e
trabalho manual. Essa noção classicista atravessa toda a história brasileira, desde a educação
na colônia, criação do ensino secundário na reforma Capanema até a Lei de Diretrizes e Bases
atual (GHIRALDELLI, JR, 2008). A LDB não deixa clara a identidade do ensino médio. Essa
falta de clareza perpetua a dualidade estrutural no ensino médio. Etapa final da educação
básica, transição entre o ensino fundamental e superior, o ensino médio tem múltiplas
finalidades como no disposto no artigo 35:

I) Consolidação e aprofundamento dos conhecimentos do ensino


fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II) preparação
básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III) o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV) a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando teoria e prática, no ensino de cada disciplina
(BRASIL, 1996).

A lei deixa confusa a identidade do ensino médio em suas finalidades: o ensino


propedêutico prepara para o ensino superior ou aprofunda o ensino fundamental? O ensino
propedêutico deve preparar para o exercício da cidadania e o mundo do trabalho ou isso
somente seria prerrogativa do ensino profissional? Esta falta de precisão na caracterização
legal do ensino médio torna as políticas públicas ineficazes. A reivindicação histórica pela
escola politécnica e unitária tornou-se mais difícil porque as finalidades do ensino médio são
vagas. A escola politécnica teria uma instrução para o ensino humanístico geral, próprio da
educação propedêutica e desenvolveria as aptidões profissionais do educando (CIAVATTA ;
RAMOS, 2011). O aluno estaria apto para refletir, criticamente, acerca da profissão em que
ele estaria inserido e a escola seria mais atraente porque teria íntima relação com sua
profissão.
Contudo, Maria Ciavatta e Marise Ramos (2011) apostam numa superação futura
dessa dualidade estrutural. Apontam que o decreto 5.124/2004 foi um avanço, ainda que
tímido, frente ao decreto 2.208/97. Este último reforçou a histórica cisão entre as duas
modalidades de ensinos. Porém, o primeiro decretou a obrigatoriedade de cursar o ensino
28

médio propedêutico para os indivíduos que desejem seguir o ensino profissionalizante. A


expectativa das lutas sociais a favor da escola pública é que esse movimento desemboque na
escola politécnica e unificada. Na compreensão das autoras, o sentido dessa educação seria:

O primeiro sentido que atribuímos à integração expressa uma concepção de


formação humana que preconiza a integração de todas as dimensões da vida
– o trabalho, a ciência e a cultura - no processo formativo. Tal concepção
pode orientar tanto a educação geral quanto a profissional, independente da
forma como são ofertadas. O horizonte da formação, nessa perspectiva, é a
formação politécnica e omnilateral dos trabalhadores e teria como propósito
fundamental proporcionar-lhes a compreensão das relações sociais de
produção e do processo histórico e contraditório de desenvolvimento das
forças produtivas. Sob essa concepção afirma-se o trabalho como princípio
educativo, isto é, como o fundamento da concepção epistemológica e
pedagógica que visa a proporcionar aos sujeitos a compreensão do processo
histórico de produção científica, tecnológica e cultural dos grupos sociais
considerada como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente,
para a transformação das condições sociais naturais da vida e para a
ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos
(CIAVATTA; RAMOS, 2011p. 33)

Nesta perspectiva, a escola de ensino médio teria como princípio basilar e norteador da
educação, o trabalho. O currículo seria voltado para o perfil dos alunos, comprometer-se-ia
com a devida articulação entre formação para o trabalho e instrução humanística geral. O
indivíduo, formado neste currículo, não seria apenas um sujeito que aprenderia um ofício e
atenderia as exigências das necessidades básicas das vicissitudes do mercado, mas tornar-se-ia
um profissional que refletiria, criticamente, acerca do seu ofício e, possivelmente,
transformar-se-ia em sujeito que exerceria sua cidadania.
Porém, a violência da ação pedagógica dominante exercida no ensino propedêutico se
faz notar, nas aulas, pela predominância da educação tradicional (DEWEY, 2010). Este
modelo tem como principal tarefa transmitir um legado de conteúdos e habilidades
construídos por gerações anteriores. Ela forma indivíduos condizentes com regras de conduta
destas gerações. O objetivo da escola é preparar o jovem para responsabilidades futuras e o
sucesso na vida por meio da aquisição de um conjunto organizado de informações e de formas
pré-estabelecidas de habilidades que constituem o material de instrução. A atitude do aluno
deve ser de docilidade, receptividade e obediência. O livro didático é o principal representante
do conhecimento e do saber do passado. Os professores são agentes pelos quais o
conhecimento e as habilidades são transmitidas e as regras de condutas são reforçadas
(DEWEY, 2010). O ensino propedêutico tradicional é construtor de um habitus nos alunos e
nos professores. O habitus é construtor de representações sociais.
29

Lembrando que alguns desses indivíduos da escola pública estão no grupo de alunos
em risco de abandono, o pressuposto central sustenta que a violência simbólica produzida
pelos professores em suas representações sobre os alunos pode ser um dos múltiplos fatores
para aumentar o risco de abandono nas escolas públicas de Teresina. Como viu-se, a violência
simbólica é uma das categorias centrais da abordagem de Bourdieu e Passeron (2011). Para os
autores, o poder simbólico impõe significações como legítimas e dissimula as relações de
forças que estão na sua base (BOURDIEU; PASSERON, 2011). Neste sentido, Pierre
Bourdieu e Passeron (2011) fazem-se perceber o desacordo entre o capital cultural da escola e
os capitais culturais dos alunos. Este desacordo produz uma violência simbólica praticada pela
ação pedagógica escolar. A escola pública, aparentemente democrática, é um campo de lutas
de forças de grupos e classes sociais. As representações sociais, contudo, constituem-se em
imposição de poder.

2.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A teoria das representações sociais − outra denominação oferecida por Durkheim é


representações coletivas − tem seu surgimento nos estudos sociológicos de Émile Durkheim,
para quem o conjunto de crenças e sentimentos de uma mesma sociedade forma um sistema
determinado com uma “vida própria” chamado “consciência coletiva” ou “representações
sociais”. Ela é difusa em toda sociedade, tem características especiais e é independente das
consciências individuais. Ela é o tipo psíquico da sociedade com propriedades, características
e modo de desenvolvimento próprio. Durkheim, através de sua pesquisa, descobrira fatos,
propriamente, sociológicos. Para o intelectual, existem atos executados que se constituem
espécies de deveres e obrigações e, mesmo que sentidos interiormente, são aprendidos por
educação, transmitidos a partir do exterior. São maneiras de sentir, pensar e agir exteriores às
consciências individuais (DURKHEIM, 2002).
As maneiras de pensar, agir e sentir são identificados como objeto da sociologia e
contendo realidade objetiva, porque Durkheim foi o pioneiro em produzir a primeira ruptura
epistemológica em sociologia, ou seja, aquela realizada contra o conhecimento produzido
anterior à construção da ciência, em outras palavras, com as explicações de senso comum.
Cônscio das dificuldades da construção de uma sociologia realmente científica, o autor rejeita
proposições pseudocientíficas como as formuladas por autores como Comte, Spencer e Stuart
Mill e afasta as afirmações do senso comum. Nas palavras de Emile Durkheim:
30

[...]É tão pouco habitual tratar os fatos sociais cientificamente que algumas
proposições contidas nesta obra correm o risco de surpreender o leitor.
Entretanto, se existe uma ciência das sociedades, cabe esperar que ela não
consista em simples paráfrase dos preconceitos tradicionais, mas nos mostre
as coisas diferentemente de como as vê o vulgo; pois o objeto de toda
ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta mais ou menos as
opiniões aceitas (DURKHEIM,2002. p. 11).

Durkheim pôde caracterizar e conceituar os fatos sociais porque rompeu com os


conhecimentos do senso comum e percebeu os fatos sociológicos como coisas objetivas, ou
seja, exteriores às consciências individuais. A exterioridade da consciência coletiva é uma
característica que diferencia os fatos sociais dos fenômenos biológicos e psicológicos. A
exterioridade garante a objetividade dos mesmos fatos, pois eles existem independentes das
consciências individuais. As instituições sociais, como são chamados os fatos sociais, também
possuem uma característica denominada coercitividade. As representações coletivas
controlam o comportamento a partir de um imperativo categórico. Os pré-requisitos da
consciência coletiva constituem-se de forte grau de difusão e, por isso, tendem a se
generalizar perante as consciências individuais. Portanto, Durkheim conceitua fato social
como:

toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo


uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na
extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência
própria , independente de suas manifestações individuais (DURKEIM, 2002
p.13).

Os fatos sociais para Durkheim devem ser tratados como coisa, portanto, são dotados
de existência própria independente das manifestações individuais. Durkheim não nega a
construção dos fatos sociais pelos indivíduos, porém as produções coletivas não são
modificáveis a vontade e, deste modo, as instituições sociais são dotadas de força superior aos
indivíduos. As representações sociais e seus sistemas de classificações são fatos sociais
dotados, portanto, de todas essas características. Para o autor, as noções lógicas,
hierarquicamente organizadas, categorias do pensamento e manifestações simbólicas são
todas construídas pelos fatos sociais.
A noção de representação social pode ser compreendida, no estudo de Durkheim,
sobre religião. As religiões são sistemas de ideias tendendo a abarcar a totalidade das coisas e
nos dá uma representação total do mundo. Elas têm uma cosmologia, formam uma visão e
classificação moral do mundo e do universo. Estudando o totemismo, o autor descobriu que
há algo por trás do totem que é mais importante, o mana. Trata-se de uma força impessoal,
indefinível e anônima que se concentra em cada ser sagrado, que não se confunde com
31

nenhum deles. Ninguém o possui e todos participam dele. Ela é independente dos indivíduos
particulares que se encarna. Ele tanto os precede como sobrevive a eles. O mana é a força
coletiva responsável por unir os indivíduos.
Essa força, por ser anônima, somente é inteligível para as consciências individuais se
representada em símbolo. O totem é a sua expressão simbólica. O símbolo é importante
porque a coletividade só se faz respeitada se as consciências individuais a reconhecerem em
suas mentes. O sagrado é só mais uma expressão individualizada do mana. Durkheim afirma
que essa força é a própria sociedade mais hipostasiada, representada na forma simbólica. Toda
sociedade só existe graças ao vasto simbolismo. As representações sociais ou representações
coletivas são essencialmente simbólicas (DURKHEIM, 1989).
O autor afirma que a religião comporta uma face real e outra ideal. A religião reflete
uma imagem ideal da sociedade, porém a religião não ignora sua base real. A faculdade de
idealizar é condição para a existência humana. O ideal é produto “natural” da vida social, não
havendo sociedade que não sinta a necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos
regulares, os sentimentos coletivos e as ideias coletivas que constituem a sua unidade e sua
personalidade. Essa restauração moral só pode ser obtida por meio de reuniões, assembleias,
congregação.
A religião é, também, um sistema de ideias cujo objetivo é exprimir o mundo. As
noções da lógica têm origem religiosa. Os conceitos são fabricações coletivas. Os conceitos
são criados para a comunicação entre os indivíduos. O ser humano que não pense por
conceitos não seria humano porque não seria ser social. O universo e as coisas só podem ser
pensados em termos de totalidade porque a própria sociedade só pode aparecer na sua forma
total. Ela é classe suprema que encerram todas as outras classes. A sociedade não é um ser
ilógico ou alógico. A vida coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica, já que é a
consciência das consciências (DURKHEIM, 1989).
O objetivo da religião não é dar ao ser humano uma representação do universo físico.
Ela é, antes de qualquer coisa, um sistema de noções, através das quais os indivíduos
compreendem a sociedade de que são membros e as relações obscuras mais íntimas que
mantém com ela e, mesmo sendo metafórica e simbólica, essa representação, no entanto, não
é infiel, pois traduz, ao contrário, tudo o que existe de essencial nas relações a exprimir,
porque possui verdade “eterna” fora do homem, algo maior ele e com o qual comunga.
Pode-se dizer que a religião não existe sem certo “delírio”, contudo, é preciso
acrescentar que o delírio e as imagens que o constituem não são pura ilusões como alguns
põem na base da religião, correspondem a algo real e, certamente, é inerente à natureza das
32

forças morais. Nesse sentido, se chamado delírio qualquer estado no qual o espírito aumenta
os dados da intuição sensível, projetando seus sentimentos e suas impressões nas coisas,
talvez não exista representação coletiva que não seja delirante. As crenças religiosas
constituem, apenas, caso particular da lei muito geral. Entretanto, ainda que puramente ideais,
os poderes que lhe são conferidos agem como se fossem reais, determinam a conduta do ser
humano com as mesmas necessidades que forças físicas (DURKHEIM, 1989).
Os símbolos são instrumentos, por excelência, de integração, de conhecimento e de
comunicação. Eles tornam possível o mínimo de ordem social. Ao estudar as religiões e
perceber seu fundamento social, Durkheim não julga a religião a partir do crivo da verdade ou
mentira. Pode-se dizer que, ao estabelecer a religião como fato social, ela é vista como uma
instituição que cumpre uma função na coletividade. Vê-se nas palavras de Durkheim sobre o
fenômeno:

Não é nossa tarefa investigar aqui se realmente houve estudiosos que


merecem essa crítica e que fizeram da história e da etnografia religiosa uma
máquina de guerra contra a religião. Seja como for não poderia ser o ponto
de vista do sociólogo. Na verdade, o postulado essencial da sociologia é que
uma instituição humana não poderia repousar sobre o erro ou na mentira:
Sem isso ela não poderia durar. Se não tivesse por base a natureza das
coisas, encontraria nas coisas mesmas resistências que não conseguiria
vencer (DURKHEIM, 1989, p.30).

As representações sociais também não devem ser julgadas nestes parâmetros.


Fundadas no campo social, elas cumprem uma função nas relações humanas. O papel
exercido pelas representações é o de classificar, simbolizar e conhecer. Deste modo,
Durkheim deixa margens para a construção da segunda ruptura epistemológica (SANTOS,
1989), ou seja, aquela que relativiza o conhecimento científico e valoriza o senso comum. A
exposição sobre religião serviu para demonstrar que as instituições sociais cumprem função
importante na vida coletiva. As representações sociais, em muitos casos, parecem absurdas ao
olhar desatento. Durkheim demonstrou que as representações sociais ou coletivas é sistema de
classificação da realidade disponível nas relações entre os indivíduos no cotidiano. Não há
relação humana que não disponha de representações sociais para conhecer a realidade.
O papel da classificação é dispor os objetos da realidade em relações de coordenadas e
subordinadas, ou seja, os elementos que compõem a realidade estão organizados
hierarquicamente. O autor demonstrou que a função psíquica classificadora individual tem seu
fundamento na coletividade social. As consequências retiradas desse estudo é que os princípios
− princípios da não contradição, terceiro excluído, identidade e causalidade −, que a lógica
formal obedece, são construídos social e historicamente. Em outros termos, as bases da
33

racionalidade humana são construídas coletivamente. Durkheim abriu espaço para um fértil
programa de pesquisas para estudos acerca do cotidiano, das representações sociais, do senso
comum e do imaginário. Durkheim levou o racionalismo científico ao ponto de sutura consigo
mesmo e abriu caminho para a segunda ruptura epistemológica.
Durkheim, preocupado em estabelecer a sociologia como ciência, separou as
consciências individuais da consciência coletiva. Promoveu uma cisão entre a psicologia e a
sociologia, onde a primeira investigaria as consciências individuais e a segunda estudaria a
consciência coletiva. As relações entre as duas seriam investigadas por uma disciplina híbrida
denominada psicologia social. Porém, Durkheim se expressou da seguinte maneira quanto à
construção da disciplina psicologia social:

Com efeito, tudo o que sabemos, por um lado, sobre a maneira como se
combinam as ideias individuais se reduz a algumas proposições, muito gerais
e muito vagas, que chamamos comumente lei de associação de ideias. E,
quanto às leis de ideação coletiva, elas são ainda mais completamente
ignoradas. A psicologia social, que deveria ter por tarefa determina-las, não
é mais do que uma palavra que designa todo tipo de generalidade, variadas e
imprecisas, sem objeto definido (DURKHEIM, 2002, p. XXV).

Porém, ao tempo que a psicologia e a sociologia desenvolveram-se, ao longo do século


XX, a noção de representação social vulgarizou-se, perdendo seu potencial teórico explicativo.
O resgate do conceito de representações sociais foi realizado por Serge Moscovici (2012) para
consolidar, justamente, a ciência psicologia social contemporânea ao perguntar-se sobre o
poder das ideias no cotidiano e problematizar como e porquê os indivíduos partilham o
conhecimento nas sociedades modernas e, desse modo, como transformam ideias em prática.
Serge Moscovici (2012) percebeu, na interação entre os indivíduos, a construção das
representações sociais. Ele construiu uma síntese entre teorias psicológicas e sociológicas
contemporâneas. Deste modo, sobre a complexidade da noção de representações sociais,
escreve o psicólogo social:

No entanto, se a realidade das representações sociais é facilmente


apreendida, o conceito não o é. São muitas as razões para isso. Razões em
grande parte históricas, por isso é preciso deixar aos historiadores a tarefa de
descobri-las. As razões não históricas se reduzem a uma única: a posição
“mista”, no cruzamento entre uma série de conceitos sociológicos e de uma
série de conceitos psicológicos. É nesse cruzamento que temos que nos
situar (MOSCOVICI, 2012, p.39).

Representante de uma síntese teórica entre psicologia e sociologia, o intelectual não


separava os reinos coletivo e individual e, menos ainda, dotava o coletivo de força hipostasiada
como desejava Durkheim. Moscovici definiu representações sociais diferente das
34

representações coletivas do patrono da sociologia. A psicologia social de Serge Moscovici está


interessada nos processos através dos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado
no mundo social moderno. O intelectual explicitou, de modo mais claro, aquilo que Boaventura
de Sousa Santos (1989) denomina segunda ruptura epistemológica, e, dessa forma, o intelectual
produz um verdadeiro resgate e valorização do conhecimento do senso comum. Vê-se em suas
próprias palavras:

Retomemos o problema da penetração da ciência na sociedade. A passagem


do plano da ciência para as representações sociais implica numa
descontinuidade, um salto de um universo de pensamento e de ação para o
outro, e não uma continuidade, uma variação do mais para menos. Deplora-
se essa ruptura, pois nela se enxerga uma demissão, um enfraquecimento do
império do lógico ou da razão. Essa nobre atitude é, no entanto, demasiado
unilateral e limitada. Ela desconhece que, ao contrário, a ruptura é condição
necessária da entrada de cada conhecimento − físico, biológico e psicológico
etc. − no laboratório da sociedade, onde se encontra dotada de um novo
estatuto epistemológico, na forma de representações sociais (MOSCOVICI,
2012, p, 27).

Para o autor, a ciência e o senso comum estão em mútua interação. O senso comum,
antes do advento da ciência, era dotado de seus próprios arquétipos do qual o conhecimento
erudito retiravam suas inspirações. Essa relação, hoje, está invertida, pois a ciência inventa seus
próprios objetos, problemas, conceitos e analogias que são absorvidas pelo senso comum.
Porém, o conhecimento, dito vulgar, absorve as teorias científicas segundo critérios específicos.
A descontinuidade dessas duas formas de conhecimento implica na desconstrução da
superioridade do conhecimento científico sobre o senso comum e exige que se aceite as suas
diferenças em termos de descontinuidades epistemológicas e não de precariedade de um em
relação ao outro. A ciência e o senso comum são duas formas distintas de conhecer o mundo.
Para Moscovici (2012), o senso comum e a ciência atuam com duas formas de
sistemas cognitivos: um operatório e um metassistema, que trabalha a matéria produzida no
primeiro plano. O plano operatório nomeia, classifica, discrimina e explica. Já o metassistema
constitui-se num conjunto de relações de controle, validação e de manutenção da coerência do
sistema operatório. Na ciência, o sistema operatório faz associações, inclusões, discriminações,
deduções e o metassistema controla, verifica, seleciona com o auxílio de regras da lógica
formal. O senso comum produz processos semelhantes no plano operatório, porém o último é
controlado por um metassistema de relações normativas do grupo. No senso comum, as
representações implícitas em valores dos grupos determinam o pensamento operatório. Vê-se
nas palavras do autor sobre essa descontinuidade das duas formas de conhecer:
35

O controle social e o controle científico obedecem a regras e objetivos


específicos. A presença da ciência na sociedade modifica ao mesmo tempo a
visão e abordagem do real. As representações sociais têm um grau de
objetividade variável em relação à ciência que está na origem. As práticas
como os valores correntes podem pender num ou noutro sentido; a
necessidade de tal inflexão, o conflito resultante, a transformação das
práticas e dos valores fazem parte da história e da estrutura das
representações sociais de uma ciência (MOSCOVICI, 2012, p.113).

A ciência quando é absorvida pelo senso comum deixa de ser vista como um conjunto
de relações, no âmbito do qual pode-se compreender as coisas e passa a ser uma ciência-
emblema que depende de normas coletivas. Levando em consideração normas científicas, as
teorias necessitam serem demonstradas e validadas por um conjunto de critérios lógicos
formais e empíricos específicos. Porém, o senso comum não vulgariza as teorias, mas, apenas,
realiza releituras das mesmas, a partir de seu estilo de pensamento e através de certos atributos.
O estilo do pensamento comum apresentado obedece a certos atributos tais quais:
repetição informal, causalidade mista e o primado da conclusão. O primeiro atributo é uma
estratégia de comunicação econômica através de usos de expressões consagradas 9 e
transformadas em “clichês.” No ato da comunicação, o uso dessas expressões supõe que o
interlocutor reconstitua, por si, o contexto e as relações necessárias para o entendimento de algo
que está sendo explicado. O “clichê” serve para que economizem-se explicitações. A
causalidade mista pressupõe duas formas de causalidades: a temporal e a ontológica. A
primeira estabelece uma ligação causal entre dois acontecimentos que se sucederam no tempo
ou ocorreram no mesmo instante e a segunda exige uma intencionalidade para os
acontecimentos. O primado da conclusão estabelece que as opiniões não precisem ser
demonstradas de modo dedutivo. Não precisa-se explanar todas as premissas para que chegue-
se a uma conclusão, pois ela é apresentada em forma de opinião e suas premissas são
oferecidas, depois das conclusões, ao sabor das circunstâncias (MOSCOVICI, 2012).
O estilo do pensamento comum obedece a dois princípios básicos, são eles: analogia e
compensação. A analogia, princípio de mediação entre dois universos a serem conhecidos,
ajuda a fundar as características básicas do objeto, pois ela define as suas classes e as distingue
de outras e o princípio da compensação constrói as significações ou ligações que concernem. A
analogia economiza informações justificadas pela exigência da comunicação. Ela cristaliza e
estabiliza as representações em torno de símbolos, imagens e termos. A compensação comanda

9
Através desse mecanismo, existe a formação da linguagem temática ou conjunto de unidades léxicas
que ligam e se impregnam de uma representação social. Muitas vezes, derivada de uma concepção
científica, essa linguagem temática representa na comunicação cotidiana o mesmo papel que
concepções teóricas na ciência.
36

as operações de identificações e diferenciações entre os objetos10. Esse princípio controla e guia


a racionalidade do senso comum, pois garante certa coerência para as várias formas de
conhecimentos com suas múltiplas linguagens − mesmos que esses sejam contraditórios em si
(MOSCOVICI, 2012).
A condição de coerência é uma necessidade psicológica e coletiva. Os indivíduos e os
grupos necessitam de um equilíbrio. As contradições, discordâncias cognitivas e coletivas são
resolvidas por essa operação de compensação e é ela quem garante a unidade grupal e
cognitiva. Desta forma, a racionalidade do senso comum atinge dois objetivos: o primeiro é
integrar elementos autônomos e separados num conjunto mais amplo, o outro, por conseguinte,
é dominar, impondo um modelo, o desenvolvimento da imagem de um fato ou conceito que
entra nos horizontes do grupo ou dos indivíduos. Os princípios de analogia e compensação
permitem que os indivíduos classifiquem, identifiquem, expliquem a realidade, utilizando
várias linguagens incompatíveis, sem apresentar incoerência (MOSCOVICI, 2012).
A ciência e senso comum são dois estilos de pensamento que se intercruzam. Essa
relação entre ciência e senso comum transforma-se segundo o contexto histórico. A relação
entre senso comum e ciência é diferenciada nas sociedades modernas e pré-modernas. Segundo
Moscovici, em sociedades pré-modernas, o poder estava concentrado numa instituição
principal, por isso, a coletividade exercia uma pressão mais intensa sobre os indivíduos, porém
em sociedades modernas, o poder é mais difuso e as formas de legitimidade são mais
complexas. A difusão das várias formas de poder dotou a modernidade de dinamicidade maior.
Parte dessa dinamicidade dos poderes deveu-se, em grande medida, à influência das formas de
comunicações modernas. O social não pode ser compreendido como coletivo durkheimiano nas
sociedades modernas (MOSCOVICI, 2012).
Desta forma, para compreender o termo social no mundo moderno, deve-se levar em
consideração a diversidade e a variação nas ideias coletivas. Durkheim, preocupado com a
coesão social, percebia as representações coletivas como estáveis e estáticas. Serge Moscovici,
ao contrário, pontua a diversidade, mudança, variações e inovações nas representações sociais.
Pode-se dizer que Durkheim enfatizava a reprodução das representações coletivas e Moscovici
destaca a produção e compartilhamento das representações sociais. As diferenças entre os
grupos refletem uma distribuição desigual, complexa e dinâmica das representações. Por estas

10
As características da compensação são: sujeição das partes ao todo, existência de uma escala
hierarquizada de orientação da opinião e disposição para identificação. As operações ocorrem sem
levar em consideração as contradições parciais. A compensação ignora, em partes, o princípio da não-
contradição da lógica formal. Esse princípio garante a coesão cognitiva e social na ciência.
37

razões, o psicólogo social abandonou a noção de representações coletivas em favor da noção


representações sociais (MOSCOVICI, 2012).
As representações sociais podem ser conceituadas como um corpo organizado de
conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças, aos quais, os homens tornam a realidade
física e social compreensível. Ao produzir tal conhecimento, o objetivo é a aceitação no grupo
e compartilhamento de imagens e símbolos entre os indivíduos. A difusão do conhecimento
científico não é uma mera reprodução mal elaborada por parte dos indivíduos não especialistas,
mas tradução, interpretação, combinação, invenção e produção dos objetos sociais. A
representação social pressupõe sempre representação de alguém sobre algo (MOSCOVICI,
2012).
Há sempre um sujeito do conhecimento e um objeto a ser conhecido. Porém, essas
duas realidades não são separadas de maneira radical, pois o objeto existe em função dos meios
e dos métodos que permitem conhecê-lo. O sujeito, ao constituir o objeto, constitui-se ao
mesmo tempo. Deste modo é obrigado a organizar ou aceitar o real e situa-se no universo social
ou material. O sujeito ao exprimir uma opinião sobre algo ou alguém, deve-se supor que ele
tem representado alguma coisa do objeto. A representação social condiciona a ação dos
indivíduos conhecedores da realidade porque, sobretudo, tem o poder de remodelar, redefinir a
realidade objeto de sua abordagem. Ela possibilita dar sentido ao comportamento e integrá-lo
numa rede de relações em que está ligado ao objeto, fornecendo as noções, teorias e o fundo de
observações que tornam essas relações possíveis e eficazes (MOSCOVICI, 2012).
As representações sociais não são apenas opiniões, pré-noções, mas uma maneira de
organizar o mundo, fruto de teorias, noções, conceitos, doutrinas e valores compartilhados
socialmente. Em outras palavras, é uma lógica própria que permite conhecer o objeto abordado
que por seu turno é obrigado a enquadrar-se aos ditames desta forma de conhecer. O objeto é
representado sob a perspectiva de certos valores, conhecimentos, teorias, noções e doutrinas
articuladas de modo organizado. Uma forma de conhecer organizada de modo diferente do
saber do especialista de certa área científica (MOSCOVICI, 2012).
O senso comum, ao apropriar-se dos conhecimentos dos especialistas não os vulgariza,
mas reelabora-os sob a égide de uma nova forma de conhecer o mundo. Ao modo dos
arquivistas, os indivíduos, cotidianamente, resumem, recortam, reúnem, classificam e
combinam os resultados dos múltiplos conhecimentos numa sequência de registros que
produzem um esquema coerente do real. O objetivo é menos desenvolver conhecimento, mas
obter informações para bem relacionar-se socialmente e compartilhar imagens, valores, ideias
e símbolos (MOSCOVICI, 2012).
38

A representação social é um sistema de intepretação do real. Como tal, as


representações nomeiam, classificam e identificam o objeto e suas características. Ela
constrói-se através de dois processos fundamentais: objetivação e ancoragem. A objetivação é
a transformação dos conceitos, noções e categorias de determinada especialidade em
percepção do real11 e trata-se do processo de naturalização dos vários saberes distribuídos
socialmente. Tal distribuição somente ocorre através da noção de ancoragem. A ancoragem
constitui-se na inserção e distribuição das noções dos saberes especializados no senso comum.
A inserção ocorre através da transformação dessas noções em categorias aceitáveis e úteis na
prática social. As noções são aceitas sob a condição de conformarem-se ao padrão de valores,
normas organizadas no corpo social, contudo, esse processo transforma algo estranho em
sistemas particulares de categorias que já se domina. A ancoragem permite classificar, avaliar
e categorizar segundo valores distribuídos nos grupos sociais (MOSCOVICI, 2012).
Através dos processos de ancoragem e objetivação, as teorias científicas são
absorvidas, utilizadas, distribuídas e reinterpretadas no cotidiano pelos vários grupos sociais.
Desta forma, as teorias tornam-se o objeto sobre o qual se fala e transformam-se na mediação
pela qual se refere à realidade. Acerca dos dois processos o autor diz:

A objetivação mostra como os elementos representados de uma ciência se


integram a uma determinada rede social, enquanto que a ancoragem permite
apreender a maneira como eles contribuem para modelar as relações sociais
e como eles as exprimem. O objeto visado pela sociedade assim como o
sujeito saem desses desenvolvimentos transformados (MOSCOVICI, 2012,
p.159).

A objetivação transfere os conceitos científicos para o domínio do ser e a ancoragem


transporta para o nível do fazer tratando-se de uma ordenação da percepção e conduta dos
indivíduos. A ancoragem permite que as noções científicas tornem-se um instrumento
referencial, ou seja, um modelo de ação que possui uma dimensão simbólica, imaginária, que
ultrapassa o plano dos conceitos. Através dos dois processos descritos, as teorias científicas
tornam-se um sistema de interpretação da realidade que por sua vez tem consequências nas
práticas dos indivíduos possuidores dessas teorias (MOSCOVICI, 2012).

11
A objetivação produz os modelos figurativos, ou seja, esquematiza um sistema teórico abstrato.
Formam-se assim traduções em forma de esquemas adaptados para determinados fins no cotidiano.
Essas esquematizações reproduzem as noções científicas de modo seletivo e classificam-nas em
função de certos elementos metafóricos e imagéticos. Os modelos figurativos cumprem certas funções:
transformam a teoria abstrata em tradução imediata do real − isso faz com que as teorias não
necessitem serem demonstradas logicamente; constituem-se em ponto comum entre a teoria abstrata e
a representação social e associa elementos indicados numa sequência autônoma com dinâmica própria.
A intenção é que o modelo seja tornado “natural” aparecendo aos sujeitos como se fosse cópia do real.
39

Porém, esse sistema de interpretação tem certas peculiaridades: a sua aplicação não é
observável, seu emprego e eficácia são fundados no consenso e não tem consequências
verificáveis. As noções de ancoragem e objetivação leva à seguinte conclusão: atitude em
relação ao objeto social depende do contexto social e histórico de sua apreensão. O objeto
representado é concernente à experiência coletiva subjetivada. Nas palavras do psicólogo
social “pertence a um habitus cultural” (MOSCOVICI, 2012, p.175).
As representações sociais são produções, eminentemente, sociais porque é fundada na
produção linguística cotidiana. A sociologia do conhecimento, a micro sociologia, o
interacionismo simbólico e a escola de Chicago, todas influenciadas pelas matrizes
sociológicas durkheimiana e weberiana, produziram um estoque variado sobre estudos do
cotidiano, do qual a psicologia social de Moscovici é herdeira. Existe um razoável consenso
nas ciências humanas que a linguagem é a primeira, e principal, instituição social do qual o
ser humano entra em contato. Ela transforma indivíduos em seres culturais. As representações
sociais, produções linguísticas por excelência, constroem a realidade social ao tempo que são
construídas por ela.
Neste sentido, concorda-se que a produção de representações sociais é o processo de
construção social da realidade para utilizar um termo caro a Peter Berger e Thomas
Luckmann (2001). Toda construção social é histórica, porque é produzida em três momentos
denominados: exteriorização, objetivação e interiorização. A exteriorização é a contínua
efusão dos indivíduos na sociedade. Objetivação12 é quando a invenção social ganha o
estatuto de facticidade. A interiorização é subjetivação da construção exterior.
Assim, todas as construções sociais são produtos humanos que retroagem
continuamente sobre seus produtores. Os dois autores afirmam que uma análise sociológica
satisfatória tem que estar atenta aos três momentos de construção social. A análise, ao
concentrar-se na construção individual, corre o risco de cometer o erro da ilusão idealista,
quando centrada na realidade construída independente dos indivíduos incorre no erro da
reificação da realidade social e, por último, ao concentrar esforços no indivíduo construído
pela sociedade comete o mesmo equívoco dos funcionalistas de não perceber a mudança
social (BERGER; LUCKMANN, 2011).

12
A noção de objetivação de Peter Berger e Thomas Luckmann difere da noção de objetivação da
psicologia social. A primeira é uma espécie de autonomização da realidade social do seu criador e a
segunda é a percepção dos conceitos construídos socialmente como naturais. Porém, as duas noções
são dialogáveis, pois se trata da percepção da realidade social como objeto natural, dado e autônomo
dos sujeitos construtores.
40

A análise sociológica do presente trabalho, para não produzir uma análise parcial,
levará em consideração os três momentos da construção das representações sociais: o
momento de produção das representações, enfatizado pela psicologia social de Moscovici; a
representação autonomizando-se dos sujeitos construtores, como analisou Durkheim; e a
ocasião de reprodução de uma relação de poder apresentada pela sociologia de Pierre
Bourdieu. Serge Moscovici enfatizava que os indivíduos compartilham conhecimento no
senso comum porque se relacionam a relações de poder. O transmissor do conhecimento
compartilhado é detentor de poder e o ouvinte é apenas inexperiente. Para este autor, as
representações sociais estão ligadas à noção de poder. Pode-se relacionar as representações
sociais à noção de habitus, violência simbólica e poder de Bourdieu.
Quanto a esse diálogo, Moisés Domingos Sobrinho (2000) realiza muitas
aproximações teóricas e epistemológicas entre Bourdieu e Moscovici. O autor destaca duas
aproximações importantes. Os dois teóricos enfatizam a relação sujeito e objeto a partir de um
novo estatuto epistemológico. Neste sentido, o objeto é sempre construído à imagem e
semelhança dos sujeitos conhecedores. Porém, as repercussões teóricas do referente diálogo
afirmam que as representações sociais não são construídas pelos sujeitos num vácuo, mas
inseridas num contexto histórico e social. Vê-se nas palavras de Domingos Sobrinho:

[...] Todavia a construção das representações sociais não se dá, por


conseguinte, num vazio social. Elas são construídas por sujeitos que ocupam
uma determinada posição no espaço social sendo, por conseguinte,
portadores de “sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes”, como destaca
Bourdieu. O habitus é, portanto a nosso ver, uma dimensão fundamental a
ser apreendida no processo de construção das representações sociais,
sobretudo quando se trata de compreender as particularidades que envolvem
as diferentes “leituras” de objetos socialmente compartilhados (DOMINGOS
SOBRINHO, 2000 p.119-120).

Portanto, as representações sociais são construídas por um habitus e compartilhadas


num contexto de relações de poder em determinado campo social. Com Bourdieu, tornam-se
mais claras as relações sociais pelas quais as representações sociais são construídas
socialmente. Para os propósitos específicos da presente investigação, esse diálogo torna-se
frutífero porque Bourdieu foi um dos teóricos que mais se preocupou com os estudos
sociológicos da educação.
41

2.4 NOÇÃO DE HABITUS E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO

O programa de pesquisas de Pierre Bourdieu (1998) revela as relações de poder onde


menos se mostram. Os efeitos simbólicos do poder são os mais invisíveis, porque tendem a
dissimular a sua violência. O poder só pode ser exercido com desconhecimento do exercício
dos dominadores e da cumplicidade dos que não desejam saber que estão sujeitos a sua
dominação. Para Bourdieu, o poder é uma relação entre dominantes e dominados, no qual o
trabalho simbólico dissimula a sua existência. Os poderes são múltiplos e estão distribuídos
no espaço social. O trabalho simbólico, através da inculcação de maneiras de ser, pensar, agir
e sentir convence os agentes sociais da inexistência das suas posições sociais divididas entre
dominantes e dominados. A realidade social aparece como dada, natural, evidente em si e por
si e imutável. Os agentes sociais percebem-se como indivíduos autônomos e convencem-se de
sua liberdade. Leia-se o que diz Bourdieu sobre as relações de poder existentes nos vários
espaços sociais:

No entanto, num estado de campo em que se vê o poder por toda a parte,


como em outros tempos não se queria reconhecê-lo nas situações em que ele
entrava pelos olhos dentro, não é inútil lembrar que - sem nunca fazer dele,
numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de “círculo cujo centro está
em toda parte e em parte alguma” - é necessário fazer descobri-lo onde ele se
deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto,
reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível qual só
pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhes estão sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU,1998,p.7-8)

Uma das formas de exercício de poder é a comunicação pedagógica. Ela é uma relação
de poder e um exercício de violência simbólica, ou seja, poder que impõe significações como
legítimas e, assim, dissimula as relações de forças que estão na sua base (BOURDIEU;
PASSERON, 2011). A comunicação pedagógica exige um transmissor pedagógico e um
receptor pedagógico. O primeiro é agente da inculcação dos modos de pensar, agir e sentir de
um grupo, classe ou uma fração de classe; o segundo é o alvo do exercício de poder e onde se
realiza a ação pedagógica13. Esta se impõe porque se oculta na forma de sua autoridade14. No
caso do espaço escolar, os pedagogos, supervisores, gestores e professores são alguns

13
A ação pedagógica é o exercício de imposição de modos de pensar, agir e sentir da cultura de um
grupo ou classe determinados. Toda ação pedagógica implica uma relação de poder legitimada e
dissimulada entre um emissor pedagógico e receptor pedagógico. O autor classifica vários tipos de
ações pedagógicas, da família, da igreja, da escola, porém o interesse primordial do autor e o nosso é
pela ação pedagógica escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
14
A autoridade pedagógica se define como o direito legítimo de imposição da violência simbólica
(BOURDIEU; PASSERON, 2011).
42

exemplos de transmissores pedagógicos e os alunos são exemplos de receptores pedagógicos


(BOURDIEU; PASSERON, 2011).
A realização da ação pedagógica se faz através de um trabalho pedagógico, ou seja,
processo de criação de uma disposição, nos indivíduos, durável de modos de pensar, agir e
sentir capazes de reproduzir-se para outros indivíduos. O trabalho pedagógico produz um
sistema de esquemas de percepção, de pensamento, de apreciação e de ação nos indivíduos
que estão sob seu poder. Bourdieu e Passeron (2011) denominam habitus esse sistema de
esquemas entendidos como um conhecimento adquirido pelos agentes, um capital, uma
disposição incorporada, quase postural, absorvida pelos sujeitos. O habitus é uma prática
cumulativa de um conjunto de saberes e do saber fazer acumulado em todos os atos do
conhecimento (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
O habitus − também um sistema simbólico − deve ser visto como uma construção
social. Trata-se de construções arbitrárias − no sentido que os sistemas simbólicos não podem
ser deduzidos da ordem universal, divina ou biológica − e socialmente determinadas.
Bourdieu afirma que os sistemas simbólicos são estruturas estruturantes e estruturas
estruturadas. O primeiro movimento enfatiza a ação prática produtora realizada pelo agente,
construção subjetiva das estruturas, o aspecto ativo do conhecimento e das formas de
classificação − processo de produção da estrutura objetivada pelo sujeito cognoscente. O
segundo processo demonstra-se na lógica específica das formas simbólicas, isolada na
estrutura imanente a cada produção simbólica. Trata-se do processo de construção dos sujeitos
cognoscentes pelas estruturas sociais.
O habitus é produzido por relações sociais estruturais, necessárias e exteriores aos
indivíduos. O habitus reproduz o arbitrário cultural de um grupo, classe ou frações de classes.
Essa reprodução é inconsciente. Ele também se forja em situações complexas de
contingências históricas, dotando os indivíduos de um caráter produtor de ações, sentimentos,
pensamentos e representações. O habitus, também, comporta uma dimensão de escolha e
produção consciente. Existe uma relação dialética entre a reprodução estrutural e a
reatualização das estruturas pelos indivíduos, em outras palavras, o habitus permite que os
indivíduos participem da realidade objetiva das instituições, garantindo sua manutenção,
porém os indivíduos, ao incorporar a instituição subjetivamente, contribuem para as suas
constantes transformações. Sobre o habitus veja-se o que diz Bourdieu:

O habitus, sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas


estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja,
como princípios geradores e organizadores de práticas e representações que
podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção
43

consciente de fins e domínios expressos das operações necessárias para


alcançá-los, objetivamente “reguladas” e “regulares” sem em nada ser
produto da obediência a algumas regras e, sendo tudo isso, coletivamente
orquestrada sem ser produto da ação organizadora de um orquestrador
(BOURDIEU, 2009. p.87).

O habitus é produtor das práticas individuais e coletivas. Ele forma esquemas de


percepções, de pensamentos e ações. O habitus garante a regularidade das práticas e sua
constância. Neste sentido, as representações construídas no senso comum são produzidas em
condições objetivas e na relação dialética entre estruturas e ações dos sujeitos. O habitus
constrói as representações no senso comum. O habitus constrói sistemas classificatórios,
categorias da percepção, formas diferenciadas de gostos e preferências permitindo, aos
indivíduos, estabelecerem diferenças, discernirem e distinguirem. O realismo ingênuo,
considerado no senso comum, é produto da maneira de conhecer da incorporação do habitus
de determinado grupo.
O habitus é um sistema simbólico. Os sistemas simbólicos são instrumentos de
conhecimento, comunicação e exercem seu poder estruturante porque são estruturados. O
poder simbólico constrói a realidade e tende a estabelecer uma ordem gnoseológica −
concepção homogênea do tempo, do espaço, de número, de causalidade, que torna possível a
concordância entre as inteligências −, ou seja, os sistemas simbólicos constroem
representações sociais acerca da realidade (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
Os sistemas simbólicos são instrumentos, por excelência, de integração enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação, uma vez que, eles tornam possível o
mínimo de ordem social. Os sistemas simbólicos possuem funções políticas. Eles servem a
interesses de grupos dominantes que aparecem como interesses universais. Porém, a cultura
de grupos, ou classes, é arbitrária15. O poder simbólico tem uma função integradora, na
medida em que une, por uma comunicação, todos os membros do grupo, ao tempo que possui
um papel distintivo, ou seja, estes mesmos membros ao se unirem, distinguem-se dos
integrantes de outros grupos. Acerca desse assunto, Bourdieu se expressa:

O modelo define, assim, distâncias que predizem encontros, afinidades,


simpatias e até desejos: concretamente, isso significa que as pessoas situadas
no alto do espaço têm pouca probabilidade de se casar com as pessoas
situadas em baixo; em primeiro lugar porque há pouca probabilidade de que
elas se encontrem fisicamente − a não ser no que chamamos de lugares de
“má fama”, isto é, ao preço de uma transgressão das fronteiras sociais que
15
A cultura de uma classe ou de um grupo é arbitrária por que suas estrutura e funções não podem ser
deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual. A sua violência é arbitrária
por que é determinada social e historicamente (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
44

duplicam as distâncias espaciais − e , também, porque se eles se encontram


de passagem, por acaso, incidentalmente, eles “não se entenderão”, não
compreenderão de fato umas às outras e não agradarão umas às outras (
BOURDIEU,1997, p.24-25).

No sistema de ensino, ocorre o encontro entre habitus distintos e, portanto, sistemas


simbólicos diferentes. Professores e alunos participam de arbitrários culturais diferentes e,
muitas vezes, estranham-se como que participantes de culturas distintas. Porém, no espaço
escolar, a estranheza é resolvida através da imposição de um arbitrário cultural sobre o outro.
Na escola, esses arbitrários não são vistos numa relação de relatividade, mas de superioridade.
Deste modo, a cultura que une é a mesma que separa e que legitima as distinções compelindo
todas as culturas − definidas como subculturas − a definirem-se pela sua distância à cultura
dominante num determinado campo.
O sistema de ensino não foge a esta regra, pois o desempenho intelectual dos alunos é
examinado em função da distância ou proximidade com a cultura de grupos ou classes
legitimadas no campo do sistema de ensino. Essa avaliação é, essencialmente, simbólica e
reporta a maneira como os agentes pedagógicos reproduzem, em suas representações, a ação
pedagógica. A maneira como os alunos são representados pelos agentes pedagógicos contribui
para o risco de abandono (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
Os sistemas simbólicos são instrumentos de imposição e legitimação da dominação de
uma classe sobre a outra. Eles contribuem para a domesticação das classes dominadas. Os
vários grupos, classes ou frações de classes estão envolvidos numa luta interna de campos de
forças na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica legítima. O campo da
produção simbólica é locus da luta simbólica de classes. As frações de classes dominantes,
cujo poder se assenta no capital econômico, desejam impor a legitimidade de sua dominação
por meio da produção simbólica.
Os sistemas simbólicos, que lutam pelo monopólio da produção simbólica legítima,
reproduzem a estrutura do campo das classes sociais. Os sistemas simbólicos são
instrumentos de dominação estruturantes que, por sua vez, já estão estruturados. Existe,
portanto, uma homologia entre campo de produção simbólica e campo das classes sociais. A
luta no campo das classes é dissimulada pela produção no campo simbólico e, é neste sentido,
que a violência simbólica produz efeitos reais sem dispêndio de energia (BOURDIEU, 1994).
As relações de poder e os efeitos da violência simbólica são dissimulados através da
noção meritocrática em educação segundo o qual, somente por esforços pessoais, os alunos
serão capazes de conseguir o sucesso escolar. Essas explicações têm sua eficácia no
45

pressuposto, não sociológico, cuja assertiva designa que todos os indivíduos têm iguais
capacidades de aprendizagem, independente da estratificação social em que se encontram.
Aparentemente democrática, esta pressuposição esconde as relações de poder
existentes no espaço educacional e servem como pretexto para culpar os estudantes pelo
fracasso escolar. Estes, vistos como indivíduos autônomos, são responsabilizados pelos êxitos
e fracassos dentro do ambiente de ensino. Esta visão impera quando não se produz a ruptura
epistemológica contra as explicações do senso comum. Para Pierre Bourdieu (2004), seguindo
a epistemologia de Bachelard, a sociologia deve produzir a ruptura epistemológica contra o
senso comum. Em suas palavras:

A vigilância epistemológica impõe-se, particularmente, no caso das ciências


do homem nas quais a separação entre opinião comum e discurso científico é
mais imprecisa que em outros lugares. [...] O sociólogo nunca conseguirá
acabar com a sociologia espontânea e deve impor uma polêmica incessante
contra as evidências ofuscantes que proporcionam, sem grandes esforços, a
ilusão do saber imediato e de sua riqueza insuperável (BOURDIEU, 2004, p.
23).

A sociologia exige técnicas especiais, e mais rigorosas que as ciências naturais, para
produzir a ruptura epistemológica. Isso ocorre por uma familiaridade maior com o senso
comum do que as ciências da natureza. Nesta última, o laboratório garante a separação entre
as duas formas de conhecimento. O senso comum produz um realismo ingênuo, este último,
por sua vez, pressupõe que a realidade social é autônoma das ações humanas. A realidade
social é visualizada como acabada e natural. Os indivíduos são vistos de modo atomizados e
completamente responsáveis por suas ações.
Neste sentido, os autores desconstroem a defesa ingênua, advinda dessa visão vigente
nos muitos estudos sobre educação e amplamente reproduzida no senso comum. Os
estudiosos afirmam que o sistema escolar é local de reprodução de um arbitrário
cultural16específico que se investiu de autoridade pedagógica e transmite seu modo de pensar,
agir e sentir como único, justo, necessário e legítimo. A ação pedagógica investida de uma
autoridade pedagógica somente é legitimada porque dissimula sua violência. Através de
sólida pesquisa empírica, o programa de pesquisas de Bourdieu demonstra a influência do
habitus de uma classe sobre o sucesso escolar dos alunos.

16
A cultura de uma classe ou de um grupo é arbitrária por que suas estrutura e funções não podem ser
deduzidas de nenhum principio universal, físico, biológico ou espiritual. A sua violência é arbitrária
por que é determinada social e historicamente (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
46

Desta forma, o sistema educacional, para esses autores, constitui-se num campo, ou
seja, um espaço social com relações objetivas de lutas entre grupos, classes ou frações de
classes. O campo pode ser definido como uma estrutura de relações objetivas que explica as
formas concretas de interações sociais, onde as classes investem no tipo de capital mais
rentável dentro das relações imanentes ao campo. Bourdieu, para além da teoria marxista,
afirma a existência de vários tipos de capitais: capital econômico, concebido como
apropriação de bens materiais; capital social, fundado em relações de alianças estratégicas
entre grupos e classes que detém influência no campo; capital cultural, que se define pela
posse de títulos escolares; e o capital científico, que seria a influência no campo científico
pelo acúmulo de títulos acadêmicos. Há uma íntima relação entre sujeitos e estruturas sociais.
Todas as relações interiores à escola devem ser compreendidas e inseridas nessas interações.
O campo é uma estrutura social que insere todos os agentes em relações de forças. Nas
palavras de Bourdieu:

[...] Minha hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, muito
distanciados, entre os quais se supõe, um pouco imprudentemente, que a
ligação possa se fazer, existe um universo intermediário que chamo campo
literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão
inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou
difundem a arte, literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social
como os outros, mas que obedece a leis, sociais mais ou menos específicas.
A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente
autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis próprias. Se, como o
macrocosmo, ele dotado de leis sociais, essas não são as mesmas. Se escapa
às imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma
autonomia parcial mais ou menos acentuada (BOURDIEU, 2004,p. 20-21).

Os dois polos dos quais o autor se refere são as escolas estruturalistas ortodoxas, de
um lado, e as marxistas e fenomenológicas, do outro. A noção de campo escapa aos ditames
ortodoxos do programa de pesquisas estruturalista, segundo as quais as estruturas devem ser
estudadas de forma autônomas e independentes do contexto social e histórico e não segue a
risca a ênfase excessiva dada à dependência das relações sociais ao contexto histórico,
exagerado por algumas vertentes marxistas ou mesmos as escolas fenomenológicas.
As noções de campo e habitus surgiram como sínteses teórica e metodológica das
sociologias funcionalista, marxistas, estruturalista e da sociologia de inspiração hermenêutica.
As três primeiras escolas enfatizam o primado da estrutura, das instituições sobre as ações
individuais. A metodologia sociológica é inspirada no campo epistêmico das ciências da
natureza. A quarta escola, em muito, redunda num individualismo metodológico, pois tem nas
ações individuais a explicação da gênese do todo social. Em outras palavras, trata-se de uma
47

síntese, especial, teórico-metodológica entre as tradições durkheimianas, weberianas e


Marxistas num programa de pesquisas.
A rivalidade epistemológica entre as escolas citadas levou a noções dicotômicas como:
macroestrutura e microssociologia; objetivismo17 e subjetivismo18; estrutura e ação social;
ciências empíricas e ciências interpretativas; leis imutáveis e história, etc. Em grande medida,
o cabedal teórico dessas escolas foi sintetizado pela sociologia de Bourdieu. O autor tenta
criar um campo teórico epistemológico mais poderoso para a sociologia e capaz de explicar os
fenômenos negligenciados pelas escolas em muito antagônicas. O autor produziu essa síntese
teórica em torno do que ele chamou de conhecimento praxiológico, que consiste na superação
dos limites entre a macrossociologia e microssociologia. Tal forma de conhecimento
pressupõe, a nosso ver, as duas rupturas epistemológicas ao mesmo tempo. O autor fala a
respeito do conhecimento praxiológico:

[...] Em fim, o conhecimento que podemos chamar de praxiológico tem


como objeto não somente o sistema de relações objetivas que o modo de
conhecimento objetivista constrói, mas também relações dialéticas entre
essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e
que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da
exterioridade e exteriorização da interioridade: este conhecimento supõe
uma ruptura com o modo de conhecimento objetivista, quer dizer, um
questionamento das condições de possibilidade e, por aí, dos limites do
ponto de vista objetivo e objetivante que apreende as práticas de fora,
enquanto fato acabado, em lugar de construir seu princípio gerador,
situando-se no próprio movimento de sua efetivação (BOURDIEU, 1983
p.47).

O conhecimento praxiológico consiste numa crítica aos limites do pensamento


objetivista − o conhecimento objetivista é necessário para realizar a ruptura com o
conhecimento subjetivista do senso comum − em sociologia, em outros termos, pressupõe a
sociologia da sociologia. A macrossociologia objetivista, funcionalista e estruturalista tratou
os indivíduos como menos cognoscitivos do que realmente o são. Para a macrossociologia, as
leis sociais, impessoais e imutáveis influenciariam os indivíduos sem que os mesmos tivessem
o controle ou consciência dessa influência. A sociologia hermenêutica, subjetivista e

17
O objetivismo, na concepção de Bourdieu, é um modo de conhecimento que privilegia o primado das
regularidades, estruturas, leis e sistemas de relações sobre a ação dos indivíduos. Esta concepção é
condição necessária para construir o conhecimento científico, porém, a extrapolação dessa forma de
pensamento incorre no erro da reificação da realidade social, ou seja, a realidade é vista como
autônoma das relações entre os sujeitos.
18
O subjetivismo, nas formulações de Bourdieu, é a forma de pensamento descritivo que não consegue
ir além das evidências imediatas e assim não conecta as ações individuais com o contexto mais geral,
parte do primado do sujeito sobre a estrutura social. Essa forma de conhecimento incorre na ilusão do
indivíduo livre e autônomo das estruturas ou contextos coletivos.
48

microssociológica levaram as ciências sociais a um individualismo metodológico e reflexões


epistemológicas que inviabilizavam a pesquisa em ciências humanas. Porém, muito das
mútuas críticas dessas escolas sociológicas foram absorvidas para formular as noções de
campo e habitus.
A sociologia de Bourdieu parte da premissa de que essas dicotomias devem ser
superadas. Trata-se de uma tentativa de formulação de uma descrição coerente da atividade
humana e da estrutura. A oposição micro e macro fora repensada em situações de interação
entre agentes e estruturas. Os campos são múltiplos no espaço social e seguem regras próprias
de relações de poder. São estruturas, com regras sociais específicas, construídas pelos agentes,
classes e grupos em múltiplas relações de poder. A arte, a ciência, a educação, a religião são
exemplos de campos que exigem regras que lhes são imanentes. A ciência exige acúmulo
daquilo que Bourdieu chamou de capital científico, enquanto a arte e a educação requer
acúmulo de capital cultural, mas todos esses espaços sociais comportam lutas de classes para
impor sua influência. O programa de pesquisas de Bourdieu estudou, precisamente, a forma
de funcionamento desses campos. O autor surpreendeu seu público quando estudou a
educação sob esse prisma.
Nesse sentido, o ensino público, por mais que absorva o maior número de alunos, está
sujeito, em todos os níveis, a múltiplas formas de poder (BOURDIEU, 1994). A educação é
exibida como inculcação e imposição do habitus de determinado arbitrário cultural de uma
classe social específica. Os indivíduos alvos dessa relação de poder, por sua vez, são
obrigados a abrir mão de parte de seu capital cultural familiar em favor do habitus dominante
no campo social educacional. Somente assim, os alunos de outras classes conseguem obter o
sucesso escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
Neste sentido, mostram-se desveladas uma das formas mais cruéis da violência
simbólica praticada no sistema de ensino. O sistema de ensino violenta, simbolicamente, seus
alunos, porque eles possuem múltiplos códigos culturais estranhos à ação pedagógica
dominante. A escola é palco de relação de forças oriundas de arbitrários culturais de classes e
grupos diferentes. A escola representa o arbitrário cultural da classe, economicamente,
dominante, sistematizado em formas de conteúdo. Nem todos os alunos se adéquam a essa
violência cotidiana praticada pela ação pedagógica e razão pela qual se verificam todos os
tipos de evasões como o abandono total da escola ou desinteresse pelos conteúdos ali
ministrados (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
49

3 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS

3.1 INTRODUÇÃO

O presente capítulo debruçou-se sobre a dupla ruptura epistemológica apregoada por


Boaventura de Sousa Santos e o caminho metodológico operacional percorrido pela pesquisa.
A dupla ruptura epistemológica são dois movimentos necessários para a pesquisa nos moldes
da ciência atual. O primeiro movimento é uma ruptura com as prerrogativas do senso comum.
Ela tem, como expoente, o racionalismo de Gaston Bachelard que propõe uma dolorosa luta
contra ideias falsas, jargões filosóficos, pseudociências e a maneira costumeira de raciocinar
do senso comum.
Em ciências sociais, Durkheim e Bourdieu são autores da ruptura epistemológica com
o conhecimento do senso comum. A segunda ruptura propõe o retorno e comunicação da
ciência com o senso comum e o autor que melhor enfatizou, em ciências humanas e sociais,
esse momento foi Moscovici com a noção de representações sociais, porém a noção de
habitus, de Bourdieu, é uma análise que também comporta a segunda ruptura epistemológica.
Percebeu-se que as categorias analíticas de habitus e representações sociais
pressupõem as duas rupturas ao mesmo tempo, pois elas permitem uma leitura científica e
qualificadora do senso comum. Logo em seguida, foi traçado histórico das concepções
epistemológicas que culminaram na proposta de ruptura e retorno da ciência ao senso comum.
O tratamento histórico iniciou com a revolução científica e seus autores nos séculos
XVI ao XVIII: Copérnico, Galileu, Kepler, Descartes, Bacon e Newton. Logo após, foi
demonstrado a sua defesa dogmática através do positivismo lógico no século XX e prosseguiu
com sucessivas críticas epistemológicas através do racionalismo, de Bachelard; racionalismo
crítico, de Karl Popper (1993); os programas de pesquisas, de Lakatos; a noção de
incomensurabilidade dos paradigmas, de Thomas Kuhn (1991); anarquismo epistemológico,
de Paul Feyrebend; o realismo não representativo, de Chalmers; e a dupla ruptura
epistemológica de Boaventura de Sousa Santos.
O capítulo demonstrou o percurso metodológico operacional utilizado pela pesquisa
como: natureza qualitativa da pesquisa, com Goldenberg; método compreensivo, de Weber; e,
a Hermenêutica, de Geertz. O critério de escolha dos sujeitos da pesquisa − ser professor, ou
já ter lecionado, nas duas redes de ensino na cidade Teresina, no ensino médio − e do
instrumento das entrevistas que consistiu em possuir um roteiro semiestruturado. A análise de
conteúdo foi utilizada com a técnica de análise categorial, sob enfoque de Bardim, com
50

objetivo de retirar, das entrevistas, as categorias utilizadas pelos sujeitos da pesquisa para
explicar sua realidade.

3.2 A DUPLA RUPTURA EPISTEMOLÓGICA

A presente investigação obedece aos pressupostos teórico-metodológicos da dupla


ruptura epistemológica da ciência pós-moderna. A primeira ruptura epistemológica consiste
no rompimento da ciência com o senso comum e, a segunda, obedece ao nivelamento do
discurso científico com o conhecimento do senso comum. Desta forma, constitui-se no
retorno da comunicação da ciência com o senso comum. O presente trabalho deseja analisar o
conteúdo das representações comuns dos sujeitos, mas os procedimentos metodológicos
devem romper com a leitura de mundo do senso comum. A primeira ruptura é necessária
porque o senso comum, multifacetado, em um dos seus aspectos, os sujeitos influenciados por
ele, sofrem da ilusão da transparência, ou seja, refletem suas ações como se soubessem as
determinações que as comandam. Visto por esse prisma, o senso comum pode ser
caracterizado como um conhecimento evidente, fixista, naturalista, realista ingênuo,
superficial, não metódico e, muitas vezes, a favor do status quo (SOUSA SANTOS, 1989).
A primeira ruptura epistemológica foi produzida pela ciência desde os seus
primórdios. Ela constituiu condição necessária para a construção do campo científico. Ela se
perguntou para que serve o senso comum? O campo científico foi construído contra o senso
comum. A visão científica, que está na base de nossa cultura, foi formulada em suas linhas
essenciais nos séculos XVI e XVII. A cosmologia racional foi modificada, inteiramente, em
suas bases epistemológicas e visão de mundo por Copérnico, Kepler, Galileu, Newton,
Descartes e Francis Bacon. Enquanto a ciência medieval se pautava na razão e na fé e sua
principal finalidade era compreender o significado das coisas, a ciência preconizada por esses
“filósofos” naturais pretendeu exercer a predição dos fenômenos e seu devido controle.
A mudança radical na filosofia natural começou com Nicolau Copérnico que se opôs à
concepção geocêntrica do modelo aristotélico-ptolomaico. Copérnico, literalmente, destruiu o
universo aristotélico – tomista - baseado na divisão do cosmo nos domínios sublunar e
celeste. A divisão aristotélica em sublunar e supralunar com a hierarquia moral adotada pela
teologia medieval cristã deixaram de fazer sentido. O sistema de Copérnico explicava,
naturalmente, as diferenças entre os períodos orbitais dos planetas, ou seja, quanto mais longe
do sol, mais tempo é necessário para que o planeta complete sua revolução. Ele concluiu que,
51

afinal, é possível encontrarmos uma explicação simples para o arranjo do cosmo (GLEISER,
1997). Porém, sua forma de calcular e explicar os movimentos dos planetas contrariavam as
experiências e intuições do senso comum.
Após Copérnico, seguiu-se Johannes Kepler, cientista que se empenhava em descobrir
a harmonia das esferas e terminou por formular, através de trabalho laborioso com tabelas
astronômicas, suas célebres leis empíricas do movimento planetário, as quais vieram
corroborar o sistema de Copérnico. Kepler construiu um modelo geométrico do universo no
qual cada esfera representava uma órbita planetária. Johannes Kepler adicionou dois aspectos
importantes da ciência moderna: primeiro, que as teorias devem acomodar dados
experimentais e não oposto; segundo, que as teorias descrevendo fenômenos naturais devem
ser físicas, ou seja, elas devem revelar as causas por trás do comportamento observado.
Rompendo com o passado, neste sentido preciso, ele irá obter as primeiras leis matemáticas
descrevendo o movimento dos planetas (GLEISER, 1997).
Mas a verdadeira mudança de opinião científica foi provocada por Galileu Galilei, que
já era famoso por ter descoberto as leis da queda dos corpos, quando voltou sua atenção para a
astronomia. Ao dirigir o recém-inventado telescópio para os céus e aplicar seu extraordinário
talento na observação científica dos fenômenos celestes, Galileu fez com que a velha
cosmologia fosse superada e estabeleceu a hipótese de Copérnico como teoria científica
válida. Galileu foi o primeiro a combinar a experimentação científica com o uso da linguagem
matemática para formular as leis da natureza por ele descobertas. É, portanto, considerado o
pai da ciência moderna. Ele modificou os padrões científicos e sua prática científica foi
acompanhada de reflexões epistemológicas. A sua obra está comprometida em estabelecer
filosoficamente a demarcação entre ciência e os demais conhecimentos. O estilo de Galileu
era algo completamente novo. Ao invés de acreditar cegamente nas teorias do senso comum,
Galileu propunha experimentos para validar ou refutar conhecimentos. Galileu desenvolveu
conhecimentos matemáticos que poderiam ser testados por experimentos cuidadosamente
controlados e exaustivamente repetidos.
Galileu defendia a conveniência de separar ciência dos demais conhecimentos.
Afirmava que a teologia, filosofia e senso comum não possuíam autoridade nas questões
científicas. Por isso, mesmo afirmando a efetiva emancipação da ciência, propõe que as
interpretações teológicas das escrituras devem esforçar-se para serem compatíveis com as
descobertas e conclusões científicas. Galileu elaborava, assim, um manifesto em favor da
liberdade da pesquisa científica, defendendo que os problemas científicos devem ser
interpretados à luz do conhecimento humano dos fenômenos naturais, conhecimento esse
52

obtido por observação e demonstração, ou ainda, pelo uso da razão. Vale ressaltar que o
conhecimento científico válido é aquele que é passível de uma demonstração através de
experimento cuidadosamente controlado e não com o uso apenas dos sentidos (GLEISER,
1997).
René Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna, pois era um brilhante
matemático e sua perspectiva filosófica foi profundamente afetada pela nova física e
astronomia. Ele não aceitava qualquer conhecimento tradicional, propondo-se a construir um
novo sistema de pensamento. Sua vocação, na vida, passou a ser distinguir a verdade do erro
em todos os campos do saber. A crença na certeza do conhecimento científico está na própria
base da filosofia cartesiana. Essa certeza é matemática em sua natureza essencial. Para ele
ciência era sinônimo de matemática. Sua preocupação era propor um método de investigação
da natureza (DESCARTES, 1973).
O ponto fundamental do método de Descartes é a dúvida. Ele duvida de tudo o que
pode submeter à dúvida – todo o conhecimento tradicional, as impressões de seus sentidos e
até mesmo o fato de ter o corpo - e chega a uma coisa de que não se pode duvidar: a
existência de si mesmo como pensador. Assim, chegou à sua famosa afirmação “penso, logo
existo”. Daí deduziu, Descartes, que a essência da natureza humana reside no pensamento e
que todas as coisas que se concebem, clara e distintamente, são verdadeiras. O conhecimento
certo, portanto, é obtido através da intuição e da dedução e, essas, são as ferramentas que
Descartes usa em sua tentativa de reconstrução do edifício do conhecimento sobre sólidos
alicerces (DESCARTES, 1973).
O método cartesiano é analítico e consiste em decompor pensamentos e problemas em
suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. Esse método analítico de
raciocínio é a maior contribuição de Descartes à ciência. Tornou-se uma característica
essencial do moderno pensamento científico e provou ser extremamente útil no
desenvolvimento de teorias científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos.
O cogito cartesiano levo-o a conclusão que corpo e matéria são separados. Ele privilegiou a
mente em relação ao corpo (DESCARTES, 1973).
Enquanto Descartes trabalhava em seu método analítico na França, Francis Bacon
descrevia explicitamente na Inglaterra o método empírico da ciência. Bacon foi o primeiro a
formular uma teoria clara do procedimento indutivo – realizar experimentos e extrair deles
conclusões gerais, a serem testadas por novos experimentos – e tornou-se extremamente
influente ao defender com vigor o novo método. Atacou frontalmente as escolas tradicionais
53

de pensamento e desenvolveu uma verdadeira paixão pela experimentação científica


(BACON, 1973).
Newton desenvolveu uma completa formulação matemática da concepção mecanicista
da natureza e, portanto, realizou uma grande síntese das obras de Copérnico, Kepler, Galileu,
Descartes e Bacon. A Física Newtoniana, realização culminante da ciência seiscentista,
forneceu uma consistente teoria matemática do mundo, que permaneceu como sólido alicerce
do pensamento até boa parte do século XX. Ele criou um método completamente novo, hoje
conhecido como cálculo diferencial, para descrever o movimento de corpos sólidos, um
método que foi muito além das técnicas matemáticas de Descartes. Newton combinou as leis
empíricas do movimento planetário de Kepler às descobertas engenhosas de Galileu, para
formular as leis gerais do movimento que governam todos os objetos do sistema solar, das
pedras aos planetas. Newton, portanto, elaborou a síntese dos métodos dedutivo e indutivo
como caminhos para a validação das teorias científicas (GLEISER, 1997).
Os cientistas no século XIX rompem com todos os outros conhecimentos e os afastam
completamente da prática científica. Tudo que os cientistas devem fazer é levar a cabo o
mandamento científico de que qualquer teoria deve ser testada empiricamente. As teorias
devem ser lógicas e suas consequências serem devidamente testadas através de experimento
de controle. De Galileu até os cientistas do século XIX a ciência havia avançado por conta
desse recurso epistemológico. Como se vê, a ciência está cada vez mais desmistificando o
universo. Retirou dele tudo o que havia de divino e Deus foi afastado completamente das
reflexões sobre o universo. Neste momento, acreditava-se ter explicado a maioria dos
fenômenos do universo e nada de divino havia se revelado. O programa mecanicista,
reelaborado agora de maneira mais complexa, havia galgado êxito. Para alguns, a ciência não
apenas era o conhecimento superior como o único válido (GLEISER, 1997).
Portanto, todo o empreendimento científico foi uma constante tentativa de diferenciar-
se das outras formas de conhecimento, principalmente do senso comum. A ciência, para se
constituir, rompeu com o senso comum e produziu um novo código de leitura do real, fundou
novos objetos e todo um sistema de novos conceitos e relações entre eles. No âmbito das
ciências sociais, essa ruptura obedece a dois princípios básicos: o princípio da não consciência
e o primado das relações sociais. O primeiro preconiza que o sentido das ações sociais não
possa ser investigado a partir das intenções ou motivações dos atores porque os transcende e
reside antes no sistema global de relações sociais em que tais ações têm lugar. O primado das
relações sociais estabelece que os fenômenos individuais se expliquem pela interação
54

complexa entre indivíduos e estruturas sociais e não por acontecimentos individuais ou


naturais. Esse segundo princípio garante a objetivação científica (BOURDIEU, 2004).
Santos (1989), porém, observa que esses princípios são difíceis de cumprir nas
ciências humanas. O abandono dos conhecimentos do senso comum é um sacrifício. Por isso,
citando Bachelard, Santos acha necessário exercer uma vigilância epistemológica; consiste
numa relação realista que o cientista faz com sua prática científica − chamada por ele de
filosofia diurna. Assim, o cientista social luta contra obstáculos epistemológicos impostos por
ideias vulgares, por vezes recobertas de jargões filosóficos, preconceitos idealistas e dados
pseudocientíficos. O conhecimento sociológico se faz contra o objeto e por isso causa
polêmica. Deste modo o cientista social é tentado a ceder à sociologia espontânea − essa
última atitude é chamada por ele de filosofia noturna. A vigilância epistemológica em ciências
sociais se realiza quando a comunidade científica se organiza de modo a maximizar a livre
comunicação de cientistas e o controle rigoroso dos resultados (SANTOS, 1989).
Durkheim, ao definir o objeto da sociologia e o método para seu estudo, apela para um
tratamento científico e rigoroso dos fatos sociais. Em sociologia, foi o primeiro a produzir a
primeira ruptura epistemológica. Pontua, insistentemente, para que o cientista social não se
entregue facilmente às proposições de senso comum. Coloca-se ao lado do racionalismo
científico e afirma que os fatos sociais devem ser tratados como coisas para que sejam
passíveis de experimentação. Tal atitude permite conhecer os caracteres exteriores e
aprofundá-los. O cientista consegue definir, precisamente, o objeto da sociologia. Argumenta
que todos os sociólogos, até então, utilizaram a categoria social para designar mais ou menos
todos os fenômenos que se dão no interior da sociedade; porém, agindo dessa maneira, esses
sociólogos confundiram fatos biológicos, psicológicos e sociais. Durkheim, através de sua
pesquisa, descobrira fatos propriamente sociológicos. Pela primeira vez é definido o objeto da
sociologia (DURKHEIM, 2002).
Para Durkheim, o método que estabelece relação de causa e efeito na sociologia é o
comparativo. Esse método é indireto porque não há como isolar, à maneira dos físicos, os
objetos. Esse método permite ligar os fatos às suas causas ou suas causas aos efeitos úteis. O
método comparativo é objetivo, pois os fatos sociais escapam à ação do operador. Durkheim
conclui que seu método é independente de toda a filosofia. A sociologia reivindicou o
princípio de causalidade para os fenômenos sociais. Afirmou que o método das variações
concomitantes consegue o controle empírico e atende ao postulado epistemológico da
objetividade. A sociologia não deve seguir as filosofias determinista, positivista,
evolucionista, espiritualista, naturalista, materialista, individualista, comunista ou socialista.
55

Essas filosofias não devem interferir na ciência social. O método da sociologia é objetivo,
pois considera os fatos sociais como coisas passíveis de controle empírico. Os fatos sociais,
apesar de serem resultados suigeneris das consciências individuais, têm sua especificidade. A
sociologia não é um anexo de outras ciências como as biológicas, físicas, químicas ou
psicológicas. A definição das representações sociais é um esforço científico de construção do
objeto sociológico (DURKHEIM, 2002). A primeira ruptura é pertinente para se formar a
ciência social, ou seja, uma leitura do real diferente da leitura de vários outros conhecimentos,
principalmente do senso comum.
Assim, se faz necessário o exercício da imaginação sociológica, concebido por Charles
Wright Mills (1972). A imaginação sociológica é o recurso epistemológico empregado por
clássicos e contemporâneos da ciência sociológica com o objetivo primordial de explicar os
dramas individuais e privados conectados a determinações coletivas e públicas. Portanto, os
professores de matemática de Teresina constroem certas representações sobre os alunos de
modo compartilhado e não desconectados das realidades escolares brasileira e piauiense. Cabe
à pesquisa sociológica promover uma análise que produza a ruptura epistemológica. Como
todos os sujeitos inseridos no senso comum, os docentes também sofrem da ilusão da
transparência, pois, frequentemente, não são conscientes das determinações sociais que
influenciam suas representações acerca dos discentes.
A ciência, ao separar-se das outras formas de conhecimento, dogmatizou-se e jugou-
se superior às demais. Ela passou a estabelecer uma filosofia noturna consigo mesma através
do círculo de Viena, mas conhecido como Positivismos Lógicos. Essa concepção
epistemológica tinha como objetivo demarcar o campo científico da metafísica, religião, senso
comum. Lembre-se aqui que posição de Newton, para quem tudo que não fosse comprovado
pela experimentação era considerado hipótese. Assim, a ciência definiu-se a partir daí como
teoria aliada à empiria. As teorias para serem validadas deveriam passar pelo crivo da
experimentação.
O positivismo lógico afirmava que a ciência começa com a observação não
preconceituosa. As afirmações que se lhe apresentam a partir da observação − proposições de
observação − formam a base de leis e teorias que constituem o conhecimento científico. A
cuidadosa observação estabelece a verdade de tais afirmações. Essas afirmações são
singulares, ou seja, acontecem num lugar e tempo específicos. Porém, desde que certas
condições sejam satisfeitas, é legítimo generalizar a partir de uma lista finita de proposições
de observações singulares para uma lei universal − acontecem em todos os tempos e lugares.
As condições para tal generalização são: o número de proposições de observações que
56

formam a base de uma generalização deve ser amplo; as observações devem ser repetidas sob
uma extensa variedade de condições; nenhuma proposição de observação deve conflitar com a
lei universal, derivada. Esse raciocínio que leva de eventos particulares para generalizar em
forma da lei é chamado de raciocínio indutivo e o processo de indução. Para essa corrente, a
indução é o método experimental por definição e a base sólida da ciência (CHARMERS,
2006).
Conforme cresce o número de dados estabelecidos pela observação e experimento − e
os fatos tornam-se mais refinados e esotéricos, devido ao aperfeiçoamento em nossas
capacidades de observação e experimentação − cada vez mais leis e teorias de maior
generalidade e escopo são construídas por raciocínio indutivo cuidadoso. O crescimento da
ciência é contínuo, para frente e para o alto, conforme o fundo de dados de observação
aumenta. Para que esse desenvolvimento aconteça com pleno vigor, a ciência necessita do
método dedutivo. A dedução é um elemento importante da lógica. É o caminho de raciocínio
que garante que a conclusão esteja contida nas premissas. Isso só é possível se se extrair
conclusões particulares a partir de teorias gerais. Para o positivismo lógico, a dedução é um
método secundário porque não estabelece a verdade sobre o mundo, porém, apenas garante
coerência e permite explicação e previsão (CHALMERS, 2006).
A explicação indutivista ingênua da ciência tem alguns méritos aparentes. A sua
atração reside no fato de que ela dá explicação formalizada de algumas impressões
popularmente mantidas a respeito do caráter da ciência, seu poder de explicação e previsão,
sua objetividade e confiabilidade superior comparada a outras formas de conhecimento.
Assim, qualquer explicação da religião não deve ser levada em consideração para o
positivismo lógico porque não são baseadas nos princípios da verificação indutiva, sequer
possui coerência e, portanto, um poder explicativo. Deus não pode ser verificado
empiricamente, por exemplo. A metafísica possui uma coerência lógica – pode-se citar
Descartes –, porém, suas proposições não possuem poder de verificação e, portanto, mesmo o
Deus racionalista dos deístas não é verificável empiricamente. O senso comum é um
conhecimento empírico, porém não utiliza a coerência e lógica dedutiva. O conhecimento
comum é ambíguo e não rigoroso (CHALMERS, 2006).
Para o positivismo lógico, o conhecimento científico é provado. As teorias científicas
são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experimentação adquiridos por
observação e experimento. A ciência é baseada no que se pode ver, ouvir e tocar. Opiniões e
preferências pessoais não têm lugar na ciência. A ciência é um conhecimento objetivo. É um
conhecimento confiável porque pode ser provado objetivamente. A observação e o raciocínio
57

indutivo são objetivos. Proposições de observações podem ser averiguadas por qualquer
observador pelo uso normal dos sentidos. A verdade das proposições de observação é
adquirida pelo uso direto dos sentidos. A ciência é superior ao senso comum, religião e
metafísica porque é um conhecimento provado, objetivo, neutro, metódico e coerente. O
positivismo lógico é o suprassumo do dogmatismo científico. Para essa corrente, o estatuto
científico só é dado para as ciências naturais, especialmente as que acompanharam o
desenvolvimento do mecanicismo (CHALMERS, 2006).
A segunda ruptura consiste na queda da dogmatização da ciência com a crescente
crítica ao etnocentrismo científico realizado pelas posturas do positivismo lógico. O principal
crítico do positivismo lógico foi Popper (1993). Reúne-se o conjunto de críticas a essa escola
epistemológica com o intuito de avaliar sua validade. Não se restringe apenas às críticas de
Popper (1993). A primeira pergunta que foi feita contra essa escola foi formulada ainda no
século XVIII por David Hume. O positivismo lógico foi construído sem levar em
consideração críticas lógicas formuladas séculos antes. Hume indagava: como pode o
princípio de indução se justificar? O filósofo demonstrou que as conclusões indutivas não são
lógicas porque dão margens a resultados ambíguos. Assim, além de conter resultados
contraditórios, apelar para o sucesso histórico do método incorre em contradição porque
utiliza o raciocínio indutivo para justificar-se. Portanto, as tentativas de justificar a indução
através do recurso lógico e o outro através da experiência foram mal sucedidos (CHAMERS,
2006).
As condições para uma indução legítima são exigências vagas e indefinidas. Um
grande número de repetição nunca será o suficiente para uma generalização, pois a última
pede um número infinito de repetições. Se se define o número de repetições, então a
generalização é arbitrária, tornando inválida a indução. As variadas circunstâncias do teste
também incorrem em problemas de indefinição expostos acima. A escolha das variadas
circunstâncias para validar a indução já constitui um preconceito e fere a imagem da ciência
neutra. Popper afirma que por conta desses problemas o número de indícios repetidos em
variadas circunstâncias torna zero a probabilidade de a generalização ser verdadeira
(POPPER, 1993).
Outra dimensão do positivismo lógico que merece avaliação são as suposições de que
a ciência começa com a observação e a outra é que a observação produz uma base segura da
qual o conhecimento pode ser derivado. A concepção popular de observação é baseada numa
explicação como: em condições físicas os observadores veriam as mesmas propriedades do
mundo, pois a luz através da lei da refração e reflexão tornaria os observadores aptos a ter
58

acesso direto à realidade. Os observadores veriam as mesmas propriedades do mundo dadas


as condições físicas. Thomas Kuhn argumentou utilizando experimentos de N. R. Hanson que
ao ver um objeto alguém interpreta sua visão a partir de suas experiências passadas e
expectativas. Assim, a ideia de acesso direto à realidade é criticada.
As proposições de observação são expressas em linguagem pública. Isso por si implica
que a observação pressupõe uma teoria. Nenhum conceito é adquirido através da observação,
mas antes as proposições de observação são formuladas à luz de um conhecimento teórico.
Thomas Kuhn afirma que o experimento controlado de Galileu não fazia sentido dentro do
arcabouço teórico metodológico aristotélico-tomista. Assim, a física galilaica não constitui
um avanço linear na ciência, mas uma ruptura. E ainda o experimento de controle só faz
sentido dentro do mecanicismo newtoniano. Portanto, a ciência não começa com a observação
não preconceituosa. O mesmo Galileu teve que argumentar que os sentidos eram falhos e não
representavam base segura para demonstrar a veracidade de uma teoria. Contra os
aristotélicos, ele teve que demonstrar que a luneta corrigia os sentidos (KUHN, 1991).
Diante das críticas ao positivismo lógico, depara-se com três respostas. A primeira é
desistir da ciência e da racionalidade. A segunda resposta é apelar para a indução calcada em
outras bases como fizeram alguns indutivistas mais sofisticados. Uma resposta aceita foi
apelando para a probabilidade, ou seja, as leis são provavelmente verdadeiras quando a
indução atende àquelas exigências. Porém, essa versão sofre as mesmas críticas que o
positivismo lógico. A terceira resposta foi preconizada por Popper (1993) que sugeriu o
afastamento do método indutivo na ciência e propôs que a ciência, quando foi bem sucedida ,
não utilizava indução. Imre Lakatos, após Popper (1993), demonstrou que o positivismo
lógico é um programa degenerescente, pois não leva a descobertas novas (LAKATOS, 1979).
Popper (1993), em suas conjecturas e refutações, retoma o problema da indução
formulado filosoficamente por David Hume, porém rejeita a conclusão cética de Hume quanto
à racionalidade. Popper (1993) propõe que a ciência e a racionalidade se fundam em outras
bases, segundo ele, bases inseguras. O racionalismo crítico ou falsificacionalismo, nomes
dados a essa posição de Popper (1993), admite livremente que a observação é orientada pela
teoria e a pressupõe. Abandona qualquer afirmação que faz supor que as teorias podem ser
estabelecidas como verdadeiras ou provavelmente verdadeiras à luz das proposições de
observação. As teorias são interpretadas apenas como conjecturas ou suposições criadas pelo
intelecto humano no sentido de superar problemas encontrados por teorias anteriores e dar
uma explicação adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo. As
teorias devem ser rigorosamente testadas por observações ou experimentos. As teorias que
59

não sobreviverem ao teste devem ser eliminadas e substituídas por outras. A ciência progride
por tentativas e erros. Apenas as teorias mais aptas sobrevivem, embora nunca se possa
afirmar definitivamente que são verdadeiras, pode-se dizer que ela é a melhor explicação
disponível. O racionalismo crítico apoia-se numa particularidade lógica, a qual a dedução não
confirma a veracidade das teorias, mas pode confirmar a falsidade das teorias sem que para
isso envolva contradição. O racionalismo crítico explora essa particularidade lógica ao
máximo (POPPER, 1993).
Assim, o positivismo lógico tinha como critério a verificabilidade das teorias como
estatuto científico. Contudo, Popper (1993) tem como critério fundamental para
cientificidade das teorias a falseabilidade. Para serem tidas como científicas, as teorias devem
ser falseáveis. Para Popper (1993), uma teoria só é passível de teste se for falseável. Assim,
as teorias devem fazer afirmações decisivas sobre o mundo para que ganhem o estatuto de
ciência. Caso contrário, serão vagas, ambíguas ou autoexplicativas e, por isso, infalseáveis.
As teorias devem ter um conteúdo informativo amplo, pois quanto maior a amplitude e,
portanto, a falseabilidade, tanto melhor para o racionalismo crítico. Para o racionalismo
crítico, a boa teoria é aquela que tem um alto grau de falseabilidade e resiste a toda tentativa
de falsificação quando confrontada com o teste. A ciência começa com a tentativa de resolver
problemas encontrados nas teorias anteriores. Esses problemas são resolvidos através da
proposta de novas teorias. A teoria proposta como resolução do problema da anterior deve
acertar onde a antecedente acertou e galgar igual êxito onde a teoria passada errou. A nova
teoria deve ter um conteúdo informativo maior que a velha e por isso um maior grau de
explicação, de previsões e grau de falseabilidade. O cientista deve estar sempre pronto para
falsear as teorias propostas. O racionalismo crítico afirma que a ciência progride rumo ao grau
maior de proximidade da verdade, pois nela existe um mecanismo eficaz de eliminação de
erros, uma vez que o progresso se dá por tentativas e erros (POPPER, 1993).
Um quadro mais dinâmico do racionalismo crítico pensa em múltiplas teorias
concorrentes. Fala-se em graus de falseabilidade relativos a teorias e não absolutos. Assim,
uma teoria que tem um problema não precisa ser abandonada, porém modificada de modo a
ter consequências testáveis. Modificações que não têm tais consequências são denominadas
ad hoc. Essas são feitas como estratégias para imunizar a teoria de qualquer crítica. Assim, o
racionalismo crítico não é falsificacionista rígido, pois enfatiza modificações na teoria que
tem problema, porém, essa modificação tem que ser independentemente testável. Se o teste
confirmar a modificação que se constitui numa previsão audaciosa com um conteúdo
informativo amplo, então houve um progresso na ciência. Essa confirmação não é semelhante
60

ao verificacionismo do positivismo lógico, pois trata-se da “confirmação” de uma teoria


altamente falseável. Uma teoria só será audaciosa se levar em consideração o contexto
histórico. Assim, o positivismo lógico não leva em consideração para confirmar suas teorias o
contexto histórico (POPPER, 1993).
Nesse contexto, o racionalismo crítico afirma que para ser científica é necessário que a
teoria seja falseável. Assim, a metafísica é baseada em proposições autoexplicativas,
assertivas ambíguas sem consequências testáveis. A religião também está calcada em
assertivas que não podem ser testáveis, quando não, em teorias que se revelaram falsas. Para
Popper (1993), o senso comum é o conhecimento que utiliza o teste como seleção de teorias,
contudo não utiliza a dedução de maneira rígida que, como se viu, é o método que permite
explicar e prever. O senso comum é empírico, mas não crítico, e consiste num empiricismo
ingênuo. A ciência para Popper (1993), é um senso comum esclarecido. Para ele, as ciências
humanas não têm consequências testáveis, são Pseudociências. A economia é a única ciência
humana verdadeiramente científica (POPPER, 1993).
O contexto histórico do racionalismo crítico de Popper (1993) é o das descobertas da
relatividade e da mecânica quântica. Einstein introduziu duas tendências revolucionárias no
pensamento científico: uma foi a teoria especial da relatividade; a outra, um novo modo de
considerar a radiação eletromagnética, que se tornaria característico da teoria quântica, a
teoria dos fenômenos atômicos. A teoria quântica completa foi elaborada vinte anos mais
tarde por uma equipe de físicos. A teoria da relatividade, porém, foi construída em sua forma
completa quase inteiramente pelo próprio Einstein. Os ensaios científicos de Einstein são
momentos intelectuais que marcam o começo do pensamento do século XX (GLEISER,
1997).
Einstein acreditava profundamente na harmonia inerente à natureza e, ao longo de sua
vida científica, a maior preocupação foi descobrir um fundamento unificado para a física.
Começou a perseguir esse objetivo ao construir uma estrutura comum para a eletrodinâmica e
a mecânica, duas teorias isoladas dentro da física clássica. Ela é conhecida como teoria
especial da relatividade. Ao fazer essa síntese teórica, provocou mudanças radicais nos
conceitos tradicionais de espaço e tempo e, por conseguinte, abalou um dos alicerces da visão
do mundo newtoniana. Dez anos depois, Einstein propôs sua teoria geral da relatividade, na
qual a estrutura da teoria especial foi ampliada, passando a incluir também a gravidade. Isso
foi realizado mediante novas e drásticas modificações nos conceitos de espaço e tempo
(GLEISER, 1997).
61

A relatividade obrigou a abandonar as ideias clássicas de um espaço absoluto como


palco dos fenômenos físicos e de um tempo absoluto como dimensão separada do espaço. De
acordo com a teoria de Einstein, espaço e tempo são conceitos relativos, reduzidos ao papel
subjetivo de elementos da linguagem que um determinado observador usa para descrever
fenômenos naturais. Para fornecer uma descrição precisa de fenômenos que envolvem
velocidades próximas da velocidade da luz deve-se recorrer a uma estrutura relativística que
incorpore o tempo às três coordenadas espaciais, isso deve a uma quarta coordenada a ser
especificada em relação ao observador. Em tal estrutura, espaço e tempo estão íntima e
inseparavelmente ligados e formam um contínuo quadridimensional chamado espaço-tempo,
pois na relatividade não se pode falar de tempo separado do espaço e vice-versa (GLEISER,
1997).
A relatividade acarretou uma modificação de todos os conceitos usados em física para
descrever a natureza. A mais importante consequência da nova estrutura relativística foi a
compreensão de que a massa nada mais é senão uma forma de energia. Mesmo um objeto em
repouso tem energia armazenada em sua massa e a relação entre as duas é dada pela famosa
equação de Einstein, E = m.c², sendo “c” a velocidade da luz. Isso significa que a massa e a
energia equivalem-se. Tal equivalência tem sido verificada inúmeras vezes. Essa descoberta
forçou a modificação do conceito de partícula de um modo essencial. As “partículas”
subatômicas são essencialmente dinâmicas. As partículas devem ser entendidas como padrões
de atividades (GLEISER, 1997).
Outra conquista importante em física no século XX foi a consequência da investigação
experimental dos átomos. No começo do século, os físicos descobriram vários fenômenos
relacionados com a estrutura dos átomos, como os Raios X e a radioatividade, os quais eram
inexplicáveis nos termos da física clássica. Além de serem objetos de intensos estudos, esses
fenômenos foram usados das maneiras mais engenhosas como novas ferramentas para sondar
a matéria mais profundamente do que tinha sido possível até então. Por exemplo, descobriu-se
que as chamadas partículas alfa que se desprendem de substâncias radiativas eram projéteis de
alta velocidade, com dimensões subatômicas, tornam-se possíveis de serem usadas para
explorar o interior do átomo. Essa exploração do mundo atômico e subatômico colocou os
cientistas em contato com uma estranha e inesperada realidade que pulverizou os alicerces da
sua visão de mundo e os forçou a pensar de um modo inteiramente novo. Os físicos
enfrentavam, pela primeira vez, um sério desafio à sua capacidade de entender o universo. A
natureza respondia sempre, com paradoxo, os experimentos realizados. A mecânica quântica,
como era chamada, foi formulada durante as primeiras três décadas desse século por um
62

grupo internacional de físicos, entre eles Max Planck, Albert Einstein, Neil Bohr, Louis de
Broglie, Erwin Shödiger, Wolfigan Pauli, Werner Heisenberg e Paul Dirac (GLEISER, 1997).
A nova física exigia profundas mudanças nos conceitos de espaço, tempo, matéria,
objeto e causa/efeito. Como esses conceitos são fundamentais para o nosso modo de vivenciar
o mundo, sua transformação causou grande choque. A visão do universo como uma máquina
foi superada por um universo como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão
essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo
cósmico. As partículas sólidas do modelo newtoniano que produziam a realidade foram
substituídas por várias regiões de espaços vazios. Essas partículas apresentam um aspecto
dual. São compreendidas como partículas e ondas ao mesmo tempo. Embora um elétron não
seja uma partícula ou uma onda, pode apresentar aspectos de partícula em algumas situações e
aspectos de onda em outras. Enquanto age como partícula é capaz de desenvolver sua
natureza ondulatória à custa de sua natureza de partícula e vice-versa, sofrendo
transformações contínuas de partículas para onda e onda para partícula (GLEISER, 1997).
A grande realização de Heisenberg consistiu em expressar as limitações dos conceitos
clássicos numa forma matemática precisa conhecida como princípio de incerteza. Esse
princípio consiste em determinar que não se pode saber, com precisão, a velocidade e a
posição de uma partícula ao mesmo tempo. Assim, Niels Bohr introduziu a noção de
complementaridade de conceitos. Partícula e onda são conceitos complementares, e isso era
impossível nos termos da física clássica. Outra implicação da teoria quântica é que esses
objetos subatômicos são padrões ondulatórios de probabilidades (GLEISER, 1997).
Tais transformações ensinaram a Popper (1993) que a ciência não se constituiu como
um conhecimento que detém a verdade, mas, ao contrário, como um empreendimento sempre
“revolucionário”. A ciência newtoniana estava bem estabelecida como verdade até que a
relatividade e a mecânica quântica destruíram algumas de suas firmes bases. Para Popper
(1993), a relatividade não é a teoria verdadeira, mas uma teoria hipotética que está mais
próxima da verdade que as teorias newtoniana e aristotélica. A relatividade acertou onde a
teoria newtoniana foi mal sucedida e explica bem os fenômenos que a teoria anterior teve
sucesso. Nesse sentido, afirma-se que o racionalismo crítico acredita num progresso da
ciência. A teoria da relatividade contém a teoria newtoniana que, por sua vez, contém a teoria
aristotélica. Popper (1993), baseado na história da ciência, afirma que essa progride através de
tentativas e erros.
Pode-se citar Carl Segan como um entusiasta da ciência nos termos de Popper (1993).
Ele afirma claramente que a ciência é superior sobre os demais conhecimentos. Justifica essa
63

superioridade no mecanismo interno de autocrítica embutido nesse conhecimento. Oferece ao


leitor uma receita do pensamento cético que consiste em adotar uma metodologia crítica
similar a de Popper (1993). Seguindo essa receita, afirma que assertivas religiosas não são
testáveis e que muitas ciências humanas são pseudociências. Ataca crenças religiosas,
modismos da nova era, discos voadores, ensina a receita do ceticismo, critica as
pseudociências, divulga o pensamento científico como superior aos demais conhecimentos.
Esse livro é uma popularização da aplicação do racionalismo crítico (SAGAN, 1996).
O racionalismo crítico de Popper (1993), apesar de bastante aceito por eminentes
cientistas, possui muitas limitações. Tanto o falsificacionista ingênuo como o sofisticado
pregam que a aceitação de uma teoria é sempre tentativa. A rejeição da teoria pode ser
decisiva, porém as teorias são falsificadas à luz de proposições de observação. Entretanto,
essas são tão falíveis quanto as teorias que a pressupõem. Nada na lógica garante que o
confronto entre a teoria e a proposição de observação seja sempre a teoria a ser descartada e
não a proposição de observação. Portanto, partindo deste princípio, falsificações conclusivas
diretas de teorias não são realizáveis. Muitas teorias que foram descartadas no passado porque
eram inconsistentes com as proposições de observação disponíveis para a época retornaram
depois à luz de outras proposições de observação. Pode-se citar o heliocentrismo proposto na
idade antiga que retorna como teoria válida séculos depois.
O racionalismo crítico não atenta para o fato de que uma situação de teste realista
incluirá aumento de suposições auxiliares às premissas básicas no qual se apoiam. Isso torna a
refutação de uma teoria algo mais complexo do que a refutação simples de hipóteses. Um erro
nas previsões de uma teoria não significa identificar erro na teoria, pode ser que a falha esteja
nas premissas auxiliares. As premissas auxiliares podem mudar sem isso constituir uma
modificação ad hoc (LAKATOS, 1979).
A partir dessas críticas, advêm as propostas de Imre Lakatos como tentativa de salvar
o racionalismo crítico e a proposta de Kuhn (1991) que se constituiu no principal rival de
Popper (1993). Para esses autores, o racionalismo crítico é inadequado em bases históricas.
Kuhn (1991), principalmente, insiste num relato da ciência consistente com sua história.
Abordar-se-á primeiramente a proposta dos programas de pesquisas de Imre Lakatos, logo
após examinar-se-á a proposta dos paradigmas de Kuhn (LAKATOS, 1979).
Diante desses problemas, Lakatos argumenta que as teorias têm uma estrutura. Um
conceito tem precisão na medida em que adquire um papel específico na estrutura da teoria.
Como a experimentação depende da teoria, ela também só pode ser planejada na mesma
proporção do cabedal teórico. A história da ciência revela que um conceito tem sua aparição
64

sob forma vaga e posteriormente na prática científica ganha precisão. Essas teorias se
estabelecem quando contém no seu interior indícios e receitas bastante claras, oferecendo um
programa de pesquisas. Assim, Imre Lakatos tentou analisar as teorias científicas como
estruturas organizadas para melhorar o racionalismo crítico e superar as objeções a ele. Um
programa de pesquisas é uma estrutura que fornece orientação para a pesquisa futura de uma
forma negativa e positiva (LAKATOS, 1979).
A primeira forma é denominada de Heurística negativa e envolve o núcleo irredutível
que seria suposição básica da teoria que não pode ser modificada ou rejeitada sob o risco de
sair do programa de pesquisa. Esse núcleo é composto por hipóteses auxiliares e condições
iniciais que servem de cinturão de proteção. A heurística positiva é composta de uma pauta
geral que indica como pode ser desenvolvido um programa de pesquisas explicando
fenômenos conhecidos e prevendo fenômenos novos. Os programas de pesquisas podem ser
progressivos ou degenerescentes, de acordo com o sucesso ou fracasso para com o objetivo de
levar à novas descobertas (LAKATOS, 1979).
O critério para uma teoria obter estatuto de cientificidade pede que se avalie se ela tem
uma estrutura heurística positiva e uma heurística negativa. A psicanálise satisfaz o primeiro
critério, mas não o segundo; a moderna sociologia satisfaz o segundo critério, mas não o
primeiro. As ciências humanas em geral não têm um programa de pesquisas coerentes. Para
alguns críticos, como Paul Feyerabend (1977), esse critério é muito vago, pois não prevê a
conciliação de programas de pesquisas rivais e nem é bem definido para que se tenha uma
maneira de rejeitar os programas, pois estes são degenerescentes ou progressivos, mas nunca
se pode rejeitá-los ou confirmá-los de uma vez por todas (LAKATOS, 1979).
Kuhn (1991) afirma que as epistemologias anteriores como o racionalismo crítico e o
positivismo lógico não deram um relato da ciência condizente com sua história. A novidade
do epistemólogo é sua ênfase no caráter revolucionário do progresso científico. Outro traço
essencial é o importante papel desempenhado na teoria de Kuhn (1991) pelas características
sociológicas das comunidades científicas. Antes da atividade científica, há o período pré-
paradigmático que consiste numa atividade desorganizada onde imperam paradigmas
conflitantes. A ciência estrutura-se quando a comunidade científica atém-se a um único
paradigma. Um paradigma é o modelo teórico metodológico que orienta uma comunidade de
cientistas a fim de explicar a realidade, composto de suposições teóricas gerais, leis e técnicas
de suas aplicações. Os cientistas que trabalham na comunidade científica orientada por um
paradigma praticam a ciência normal (KUHN, 1991).
65

A ciência normal requer que o cientista não seja crítico do seu paradigma. Porém,
demanda a resolução de certos quebra-cabeças. Esses últimos são problemas cuja solução é
prevista pelo paradigma. Contudo, ele mesmo encontrará algumas inadequações na tentativa
de submeter a realidade aos seus ditames. Essas irregularidades muitas vezes são insolúveis e
por isso chamadas de anomalias. As anomalias são invisíveis ao cientista normal. Assim, o
paradigma vai resolvendo seus quebra-cabeças e esse vai se refinando e tornando-se mais
preciso, mas por um momento ele não consegue resolvê-los de uma maneira precisa. Ele dá
margens a múltiplas respostas para tais quebra-cabeças. O paradigma se enfraquece de tal
maneira que suas anomalias ficam evidentes aos seus praticantes e se inicia uma crise. Essa,
no geral, é resolvida com a substituição do paradigma vigente por outro incompatível. A crise
é um momento parecido com o período pré-paradigmático onde há uma luta entre vários
paradigmas incompatíveis entre si, embora um deles, por alguns motivos, convence a
comunidade a adotá-lo como explicação da realidade (KUHN, 1991).
O progresso científico se dá por meio de revoluções, pois um paradigma não
representa uma evolução linear, mas um progresso revolucionário porque um paradigma é
incompatível com o anterior. O que distingue a ciência da não-ciência é porque a ciência é
governada por um único paradigma. Ele determina os padrões legítimos, orienta de maneira
ordenada seus participantes. As ciências humanas ainda não são ciências porque trabalham
com múltiplos paradigmas, ainda estão na fase pré-paradigmática. A mudança de um
paradigma para outro se dará pelo julgamento da comunidade científica. Assim, não se pode
dizer que um paradigma é superior ao outro, porque cada um utilizará seus padrões para julgar
o outro. Portanto, o critério da cientificidade perpassa pelo julgamento da comunidade
científica. Para Kuhn, a verdade não existe como algo transcendente, mas é um consenso da
comunidade científica (KUHN, 1991).
Houve um debate entre esses epistemólogos no sentido de demarcar os seus
posicionamentos. Dividiram-se as posições em dois blocos: o primeiro foi chamado de
racionalismo que engloba a posição do positivismo lógico, racionalismo crítico e os
programas de pesquisas de Lakatos e o segundo foi chamado de relativismo que engloba a
posição de Kuhn (1991) e Paul Feyerabend (1977). Essas denominações são dadas em função
do critério do que seja ciência e não ciência. O racionalista extremado afirma que há um
critério único e universal para a avaliação dos méritos das teorias rivais. Esse critério é
também atemporal, por isso tais metodologias têm um caráter não histórico. A distinção entre
ciência e não-ciência é dada para aquelas teorias que atendem ou se afastam de critérios
universais para ciência. O relativista extremado nega que haja um padrão universal em relação
66

ao qual possa se julgar que uma teoria é melhor que outra. Aquilo que é melhor ou pior será
avaliado pelo indivíduo ou pela comunidade envolvida. Um relativista irá negar a categoria
única e superior para o saber científico, ao passo que os racionalistas necessitam de padrões
universais para garantir a superioridade do conhecimento científico (LAKATOS, 1979).
Assim, Lakatos queria defender uma posição racionalista, pois critica a posição de
Kuhn (1991) de demarcação da ciência. O critério de Kuhn (1991) é simplesmente uma
questão de poder. Ele gostaria de uma avaliação da teoria sem levar em consideração a
opinião ou gosto dos indivíduos. Lakatos defendia que seu critério era independente e testável
com a história da ciência, porém sua ênfase em testes de programas rivais não tem um critério
universal. Lakatos errou em achar que toda ciência deveria seguir o modelo da física − aliás,
erro das escolas positivista e falsificacionista. Ele não tem argumento para tal defesa. Por
outro lado, Kuhn (1991) tem uma postura relativista, pois a demarcação do que é a ciência e
não-ciência é consentida pela comunidade científica. Os critérios, portanto, variarão
historicamente. Kuhn (1991) defendeu, inadvertidamente, que o paradigma aceito é superior
ao anterior, mas isso conflita com sua defesa de incompatibilidade de paradigmas. Feyerabend
(1977), porém, argumenta que a comunidade científica não se diferencia de um crime
organizado ou que a filosofia de Oxford também pode ser científica. O relato de Thomas
Kuhn (1991) incorre em alguns erros porque o conceito de paradigma é ambíguo e vago. A
física atual, por exemplo, lida com dois paradigmas incompatíveis como a relatividade e a
física quântica. A noção de paradigma foi reformulada e passou a ser denominada de matriz
disciplinar (LAKATOS, 1979),
Outro autor relativista que se deve levar em consideração é Paul Feyerabend (1977). O
seu livro Contra o Método delineia o seu anarquismo epistemológico. O livro é a compilação
das cartas que mandava para seu amigo Imre Lakatos onde se encontram críticas à tendência
racionalista acima exposta. Seu amigo morrera antes e por isso o segundo volume não foi
publicado. Feyerabend (1977) é crítico de todas as metodologias apresentadas aqui. Para ele,
nenhuma delas apresentou de maneira consistente uma demarcação clara entre ciência e não-
ciência. Para o autor, o único critério aceito é o vale-tudo. O cientista para ser um bom físico
não precisa estar familiarizado com as metodologias contemporâneas, basta estar
familiarizado com a física. Feyerabend (1977) argumenta, com sucesso, na medida em que
demonstra que as escolhas e decisões dos cientistas não sejam restringidas por regras
estabelecidas ou implícitas na metodologia da ciência (FEYERABEND, 1977).
Um aspecto importante, tanto em Kuhn (1991) como em Feyerabend (1977), é a
incomensurabilidade de teorias. Nenhuma teoria pode fazer críticas à outra com base em seus
67

próprios critérios. Para o epistemólogo, a escolha de teorias e de critérios é, em última análise,


subjetiva. A ciência é, portanto, um empreendimento anárquico e comparável a qualquer outro
conhecimento. Ela não é necessariamente superior a outras formas de conhecimento. Não é
possível rejeitá-las porque não se adequa ao padrão de racionalidade das ciências naturais,
notadamente, a física. A sociedade rejeita outras formas de conhecimento sem primeiro
investigar profundamente em que se apoiam as religiões e crenças. A ciência defende uma
demarcação e superioridade aos demais conhecimentos, porque é uma religião de estado. O
autor é a favor de aumentar a liberdade do indivíduo para que esse esteja apto para escolher a
ciência ou qualquer outro conhecimento. Ele acredita que a escola deva ensinar religiões,
mitos, contos de fadas e o conhecimento científico de maneira igualitária para que o indivíduo
esteja hábil a escolher qual o conhecimento é melhor para sua vida. A demarcação não tem
bases lógicas e por isso só serve ao poder de uma elite (FEYERABEND, 1977).
Alan Chalmers defende um objetivismo que é imune às críticas relativistas. Para ele,
as teorias simples até as mais complexas têm propriedades independentes dos estados
subjetivos das consciências dos cientistas, portanto na sua avaliação é considerada a teoria e
não os seus produtores. A teoria pode ter consequências e levar à conclusões das quais os
cientistas individuais não estão cônscios e não importa se estes acreditam nelas ou não.
Muitos cientistas contribuem de maneiras separadas com suas habilidades para o crescimento
e a articulação da física. O desenvolvimento da ciência envolve uma complexa interação
social com a qual o experimento ou vários experimentadores, de maneira especializada,
contribuem para a ciência. Os testes são validados através da coerência com a teoria. A
validação envolverá uma prática social, ou seja, os testes serão avaliados pelos cientistas que
foram treinados pela mesma estrutura teórica (CHALMERS, 2006).
Alan Chalmers acrescenta aos programas de pesquisas de Lakatos a noção de grande
fertilidade. Com isso, ele quer descrever o grau objetivo de oportunidades que a teoria oferece
para seu desenvolvimento, quer os cientistas estejam conscientes ou não. O grau de fertilidade
se explica em proposições lógicas e precisamente definidas. Ele consiste também em
previsões novas com consequências testáveis. Um alto grau de fertilidade é pouco para se
avaliar as teorias: é preciso que o programa forneça resultados práticos. O grau de fertilidade
deverá respeitar o núcleo rígido do programa para que este progrida coerentemente. Para
Chalmers, a realidade existe independente do sujeito. Quanto a isso ele se filia ao lado de
Popper (1993) e Lakatos, porém, critica a noção de verdade, à maneira de Kuhn (1991). Ele
cunhou seu relato de realismo não representativo. É um relato realista objetivista, embora não
68

incorpore a noção de teoria representativa da realidade, ou seja, não absorve a concepção de


verdade (CHALMERS, 2006).
O seu relato é realista porque o mundo existe independente do que os indivíduos
pensem dele. A aplicabilidade das teorias é feita dentro e fora de situações experimentais. Só
se pode avaliar as teorias do ponto de vista da extensão em que lidam com sucesso com algum
aspecto do mundo. Mas não é possível avaliar até que ponto descreve o mundo, pois não se
tem acesso a ele independente de nossas teorias (CHALMERS, 2006).
Alan Chalmers acredita que o realismo não representativo talvez funcione só na física,
pois não dispõe de meios para avaliar outras áreas do conhecimento. Ele acredita que a
ciência não é o único conhecimento válido e nem que para ter o estatuto de cientificidade o
saber precise imitar o padrão da física. O realismo não representativo quer evitar um
dogmatismo científico e o relativismo de Feyerabend (1977). A “liberdade” apregoada por
Feyerabend (1977) pode servir de desculpa para o conformismo. Vale-tudo pode significar
que tudo permanece. O autor acredita que o realismo representativo demarque o campo da
física dos demais conhecimentos sem que esse seja superior aos restantes. A física tem sua
autonomia sem necessariamente se tornar superior a outros conhecimentos. Nesse sentido,
Alan Chalmers fala em ciências no plural e não no singular. As ciências não são superiores
aos demais conhecimentos, principalmente ao senso comum (CHALMERS, 2006).
Essa é uma discussão epistemológica válida para as ciências naturais. À exceção de Popper
(1993), todos os epistemólogos citados são físicos. A discussão de demarcação entre ciência e
os demais conhecimentos leva em consideração a física e seu estatuto epistemológico. No
ensejo de Alan Chalmers, avalia-se a segunda ruptura epistemológica. Não existe um padrão
absoluto dessa demarcação, isso significa que ele muda no decorrer da história. Demonstrar-
se-á o processo histórico e epistemológico de desdogmatização do campo científico.
Muito do que se teoriza epistemologicamente para as ciências naturais vale igualmente
para os objetos humanos. No entanto, existe um método relativamente específico para as
ciências sociais porque o fenômeno humano possui certas especificidades. Assim, as ciências
humanas seguem os procedimentos lógicos do saber científico, utilizam a dedução como
método essencial e têm, como ideal a ser seguido, a objetividade; utilizam métodos
quantitativos, notadamente a estatística em suas pesquisas. Porém, os objetos humanos
possuem certas peculiaridades que devem ser respeitadas no decorrer da pesquisa (DEMO,
1987).
O objeto das ciências humanas é histórico enquanto o das ciências naturais é no máximo
cronológico. O primeiro é apresentado de maneira narrativa e o segundo apresentado na forma
69

descritiva de uma experiência. As ciências naturais estudam fatos simples, eventos isoláveis,
recorrentes e sincrônicos. Por isso são eventos reproduzidos dentro de condições de controle
razoáveis de laboratório. O laboratório assegura certas condições de objetividade. Em
contraste com isso, as chamadas ciências sociais estudam fenômenos complexos, situados em
planos de casualidade e determinação complicados. Nos eventos que constituem a matéria-
prima do cientista humano não é fácil isolar as causas e motivações exclusivas. Os eventos
das ciências humanas têm determinações complexas e podem ocorrer em ambientes
diferenciados, tendo por causa disso a possibilidade de mudar seu significado de acordo com
o ator, as relações existentes num dado momento e, ainda, com sua posição numa cadeia de
eventos anteriores e posteriores. Porém, a diferença crucial está na dicotomia entre sujeito e
objeto. Essa interação complexa entre investigador e o sujeito investigado proporciona o
compartilhamento dos dois num mesmo universo das experiências humanas. Nas ciências
naturais, o sujeito e o objeto estão situados em planos diferentes (DAMATTA, 1987).
Alan Chalmers (2006), depois de ter revisado as posições das principais escolas
epistemológicas analisadas no capítulo anterior, descobriu que o erro comum entre elas, à
exceção do anarquismo epistemológico de Feyerabend (1977), era pensar na física como
modelo único de cientificidade; como as ciências humanas têm sua especificidade, eles não
atribuíram o estatuto de cientificidade às ciências humanas. Alan Chalmers (2006) acredita
que as ciências humanas devem ser avaliadas, levando em conta os seus padrões específicos
de cientificidade. Para o autor, constitui-se um erro para as ciências humanas seguir
cegamente o padrão da física.
Assim, a identidade entre sujeito e objeto era vista como algo que impossibilitava as
ciências humanas alcançarem o ideal de cientificidade. Porém, como os ideais de objetividade
e neutralidade apregoados nesse argumento para invalidar a ciências humanas foram
severamente criticados, os cientistas humanos afirmam que essa diferença crucial é o que
torna o empreendimento até mais desafiador. O objeto humano é histórico e por isso sofre
condicionamentos pré-estabelecidos por essa peculiaridade e assim impõe ao investigador a
consciência clara de seus condicionamentos também. A identidade entre sujeito e objeto
permite ao investigador conhecer-se melhor. Assim, também os objetos das ciências humanas
apresentam formas mais qualitativas (DEMO, 1987). A investigação concorda com essa
defesa das ciências humanas e por isso leva em consideração seu julgamento para avaliar a
problemática proposta. Esse movimento preparou terreno para a segunda ruptura
epistemológica preconizada por Boa Ventura de Sousa Santos.
70

Frente a tal configuração da ciência, a segunda ruptura epistemológica se constitui


numa ruptura com a primeira e se pergunta: para que se quer a ciência? O autor acredita que
o conhecimento científico deve fazer um esforço para superar esse etnocentrismo realizado
contra o senso comum e tomar para si algumas de suas características. Contudo, a primeira
ruptura não deve ser anulada, mas, tão somente, relativizada. A ciência deve caracterizar o
senso comum não apenas pelo prisma negativo. No entanto, deve ressaltar suas características
positivas, tais como: criatividade, praticidade, pragmatismo, persuasão, competência
linguística e cognitiva − ou seja, todos sabem o sentido do vocabulário e todos são capazes de
conhecer −, garantia do sentimento de segurança individual e coletiva, uso da retórica e
metáfora. Sua superficialidade se explica porque desconfia da profundidade dos objetos. Sua
indisciplina e falta de método tem sua razão de ser na reprodução espontânea das relações
cotidianas (SANTOS, 1989).
A ciência e o senso comum, obtidos pela dupla ruptura epistemológica, são duas
formas de conhecimentos novos. Uma ciência pragmática, utilitária, democraticamente
distribuída e finalista que dota de sentido a existência do cidadão comum e o ensina a decidir
bem. Por outro lado, um senso comum mais esclarecido, contrário ao status quo e crítico.
Nessa concepção epistemológica, os dois conhecimentos se influenciam e se transformam
mutuamente. Esses dois movimentos demonstram que as diferenças entre os modos de
conhecer do senso comum e da ciência não são tão absolutas assim, porém existem e são
significativas. Para o autor, essa dupla ruptura segue alguns tópicos: uma comunicação entre
os discursos vulgares e eruditos; superação da dicotomia contemplação/ação e um novo
equilíbrio entre adaptação e criatividade. As noções de verdade e conhecimento se modificam,
passam a ser um acontecer, e se deslocam de um entendimento feito para uma compreensão
por fazer-se sempre (SANTOS 1989).

3.3 OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA

As noções de habitus e representações sociais propõem as duas rupturas epistemológicas


ao mesmo tempo. O sociólogo, ao analisar o senso comum, deve realizar a primeira ruptura sem
desvalorizá-lo como um conhecimento negativo. As duas noções servem para compreender a
positividade do conhecimento dos indivíduos no cotidiano. O habitus constitui-se de maneiras de
pensar, agir e sentir incorporadas pelos indivíduos a partir do grupo ou classe social ao qual ele
pertence. Essa incorporação tem uma face objetiva, pois trata-se da subjetivação do capital
71

cultural, parte de um campo de forças objetivas do grupo e comporta uma faceta subjetiva. Desse
modo, traduz-se em formas particulares de ver o mundo. Pode-se afirmar que o habitus constrói,
desse modo, representações sociais. Elas são compartilhadas nas conversas cotidianas, como bem
afirma Serge Moscovici. Através da noção de habitus é possível perceber aspectos de reprodução
deixados de lado pelas investigações da psicologia social e por meio dessa última se podem
perceber as formas de produção do conhecimento sobre o objeto.
O importante é salientar que as representações não são meras opiniões deslocadas, mas
formam uma visão unificada e coerente do mundo, mesmo que misturas recortadas de muitos
conhecimentos filosóficos, artísticos, científicos. Porém constroem-se sob o crivo de uma forma
de conhecer e ver o mundo. As representações constroem os objetos alvos de seu conhecimento.
A análise das representações sociais leva em conta um sujeito do conhecimento e um objeto a ser
representado. O sujeito do conhecimento que representa a realidade social reproduz um habitus de
um grupo ao tempo que produz representações acerca do objeto do conhecimento. O professor é o
sujeito do conhecimento que reproduz e produz certo conhecimento sobre o aluno. O objetivo da
investigação é analisar os conteúdos dessas representações sociais.
Desse modo, a investigação é predominantemente qualitativa (GOLDENBERG, 2001),
pois a intenção é inteirar-se junto aos professores de matemática das escolas públicas e privadas
de Teresina dos significados compartilhados de suas representações construídas sobre os alunos
cotidianamente em suas práticas sociais. O conhecimento praxiológico pressupõe a dupla ruptura
epistemológica. Como tal, a primeira rompe com o subjetivismo do senso comum e a segunda
tenta romper com o objetivismo sociológico dogmático. O conhecimento praxiológico admite
metodologias quantitativas e qualitativas.
Neste sentido, a investigação tem como interesse principal decifrar os significados das
maneiras de pensar, agir e sentir dos profissionais das escolas públicas que, apesar de locais, não
são individuais, e sim coletivos, uma vez que são compartilhados pelos sujeitos da pesquisa
(GEERTZ, 1989). Assim, os procedimentos metodológicos deverão explicar, compreender e
interpretar, conforme o pensamento epistemológico de Max Weber (2004), os significados das
ações sociais dos diferentes docentes sujeitos da pesquisa.
A pesquisa sociológica, segundo Max Weber (2004), deve estabelecer um parâmetro de
interpretação das ações sociais e desta forma construir tipos ideais na pesquisa. Estes, não
necessariamente existentes na realidade social, servem de padrão de controle das interpretações
sociológicas. À medida que se aproximam ou se distanciam do tipo ideal, pode-se interpretar o
sentido das ações sociais. Para o autor, todos os agentes sociais são capazes de interpretar as
ações, porém, estas interpretações são intuitivas, ou seja, são interpretações que não precisam de
72

esforços racionais de pesquisa para realizar-se. A condição para a interpretação intuitiva exige
somente que os atores estejam vivenciando as mesmas condições sociais. Contudo, estas
interpretações falham quando distantes das relações imediatamente conhecidas.
As realidades sociais que não podem ser apreendidas imediatamente necessitam de uma
interpretação racional. A explicação racional estabelece a criação de tipos ideais para o controle
da interpretação sociológica. O tipo ideal é um parâmetro comparativo da análise racional. A
comparação é também uma estratégia do pensamento do senso comum. As representações sociais
dos professores das escolas públicas tomaram como um parâmetro de interpretação as
representações produzidas nas escolas privadas. Neste sentido, a escolha dos sujeitos da pesquisa
exigiu que os professores de matemática atuassem ou já tivessem atuado nas redes pública e
privada.
A metodologia se inspira também na descrição densa, que consiste em decodificar,
detalhadamente, os significados que o informante utiliza para falar sobre suas experiências
privadas e de seus próximos. A descrição densa tem a vantagem de identificar as particularidades
locais. Esse método trabalha com conceitos de “experiência próxima” e “experiência distante” 19.
A Hermenêutica de Geertz procura articular, em suas análises, essas duas maneiras de pensar. Ela
tem a vantagem de valorizar o particular sem perder a noção do todo. Deste modo, o cientista
social estará condicionado sempre a revisões, pois sua interpretação é de segunda mão (GEERTZ,
1989).
O universo da pesquisa compõe-se dos professores de matemática que representam
socialmente os alunos da rede pública e privada do ensino médio de Teresina. Assim, os critérios
de escolhas dos participantes da pesquisa foram: ser professor de matemática em Teresina, ser
professor de matemática no ensino médio e ministrar aulas na rede pública e privada de ensino, ou
já ter ministrado aulas nas duas redes de ensino. No intuito de procurar os sujeitos que se
enquadrassem no perfil, escolas públicas e privadas da cidade foram visitadas. As escolas públicas
foram as mais visitadas e situavam-se em múltiplas regiões da capital piauiense. Estas foram as
mais procuradas devido a maior receptividade dos sujeitos para colaborar com a pesquisa. Porém,
quatro escolas particulares foram visitadas, no decorrer da pesquisa de campo, e uma delas,
renomada, situa-se no centro da cidade.

19
A “experiência próxima” são conceitos expressados pelo informante espontaneamente e sem
esforços, para falar sobre aquilo que ele e seus semelhantes sentem. A “experiência distante” são
generalizações mais formais e abstratas, que são as noções dos especialistas (GEERTZ, 1997).
73

A pesquisa de campo iniciou no segundo semestre de 2014. O número total de sujeitos


entrevistados foi de dezenove, todos licenciados no curso de matemática em instituições estaduais
e federais de ensino do Estado Piauí e de outras localidades do País. Seis deles possuem apenas a
formação inicial, treze sujeitos são especializados, e desse universo, dois possuem mestrado. O
perfil mais encontrado foi de professores de matemática que ministram aulas nas escolas públicas
e já atuaram nas escolas privadas. Apenas quatro professores desse universo continuam atuando
nas duas redes de ensino e um professor ministra aulas apenas na rede privada − o motivo para
isto decorre de aposentadoria na rede pública.
Quando indagados informalmente sobre as razões de não atuarem mais nas escolas
privadas, a resposta mais comum foi porque a escola pública estava remunerando melhor que no
passado e houve, ao longo dos últimos anos, uma redução de carga horária dentro de sala de aula
nas escolas públicas. O relato mais comum era o de que nas escolas privadas do passado
complementava-se a renda familiar, condição que se devia aos baixos salários no setor público.
Tal declaração foi realizada, em sua maioria, por professores com mais de dez anos de experiência
em sala de aula. Treze, do total do universo dos professores entrevistados, possuem experiências
com mais de dez anos em sala de aula na disciplina de matemática. Apenas um afirmou ter três
anos na rede privada e três meses na rede pública.
Para atender aos objetivos e construir os dados da pesquisa, optou-se pela observação não
participante (MAY, 2004) e entrevistas semiestruturadas (GASKELL, 2003). Este instrumento
permitiu penetrar na trama dos sentidos contidos nas representações construídas cotidianamente
pelos professores de matemática acerca dos alunos. A observação não participante, aqui
empregada, pressupõe o olhar exterior às vivências dos docentes nas comunidades escolares.
Deste modo, as entrevistas (BEAUD; WEBER, 2007) são o recurso adequado para a perquirição
dos nossos objetivos e no caso particular trata-se de entrevistas qualitativas semiestruturadas
(GASKELL, 2003).
A entrevista semiestruturada tem um roteiro livre, guiado por tópicos ou perguntas abertas
(APÊNDICE A) e, assim, a investigação não é orientada por perguntas fechadas e precisas como
se faz nas entrevistas fortemente estruturadas. Essa modalidade evita respostas superficiais e
racionalizadas das entrevistas profundamente estruturadas. Esse procedimento técnico-
metodológico se justifica na medida em que permite uma análise em profundidade acerca do
comportamento dos entrevistados (GASKELL, 2003). Elegeram-se entrevistas semiestruturadas
individuais porque almejava-se explorar em profundidade os conteúdos das representações dos
professores sobre os alunos.
74

As entrevistas foram norteadas por um roteiro de perguntas abertas (APÊNDICE A) com


a finalidade de compreender as representações que professores de matemática constroem sobre os
alunos das escolas públicas e privadas de Teresina. As perguntas formuladas tiveram a finalidade
de cumprir os seguintes objetivos específicos: identificar a influência que as representações
sociais exercem sobre a prática docente dos professores de matemática, identificar as
representações produzidas por professores de matemática acerca dos alunos do ensino médio da
rede pública e privada de Teresina e identificar as representações produzidas pelos professores de
matemática a respeito dos alunos em risco de abandono nas escolas públicas de Teresina.
Os dados construídos através dessas entrevistas foram analisados mediante o uso da
análise de conteúdos, através da técnica da análise categorial (BARDIM, 1977). A análise de
conteúdo tem como objetivo inferir o sentido do conteúdo da comunicação realizada no contexto
social concreto, ou seja, o sentido construído e compartilhado entre os indivíduos. A análise de
conteúdo, nesse caso, tentou compreender as representações − imagens, símbolos e signos −
compartilhadas entre os professores de matemática, sujeitos da presente pesquisa. A análise de
conteúdo foi adequada aos propósitos, porque pressupõe analisar a mensagem levando em
consideração o contexto de produção desta. A análise de conteúdo pressupõe um sujeito emissor,
a própria mensagem e um sujeito receptor.
A pesquisa implica, como contexto social, numa comunicação pedagógica. O professor de
matemática é sujeito do conhecimento e transmissor de um arbitrário cultural. A representação
estará contida na própria mensagem produzida nestas condições e o aluno é sujeito receptor do
arbitrário cultural e, portanto, objeto da representação cotidiana do professor. A tríade: emissor,
mensagem e receptor, para Moscovici e Bourdieu, comporta uma relação de poder. Uma relação
de dominação cujo sujeito, ao representar um determinado objeto, produz controle sobre este. Os
professores de matemática, amparados por uma relação de poder, dentro do sistema de ensino,
representam os alunos das escolas públicas, e, por conseguinte, exercem dominação simbólica.
A técnica da análise categorial pressuposta na análise de conteúdo seguiu três etapas: a
pré-análise (APÊNDICE B), a exploração do material construído e o tratamento dos resultados. A
primeira fase constituiu-se da organização do material, na qual realizou-se a chamada “leitura
flutuante” e uma espécie de rastreamento de temas julgados importantes nas entrevistas. Esta fase
da análise de conteúdo está demonstrada no APÊNDICE B. A segunda etapa consistiu em
codificar as unidades de registro. Na última etapa classificaram-se os elementos segundo suas
semelhanças e diferenças mediante o reagrupamento e a função de características comuns
(BARDIM, 1977).
75

A pré-análise (APÊNDICE B) foi a fase de organização do material empírico construído e


correspondeu a um conjunto de procuras iniciais. Ela consistiu em três metas, estritamente
interrelacionadas: escolher o material passível de análise, formular hipóteses e objetivos e elaborar
os indicadores que fundamentem a interpretação. A pré-análise realizou essas três metas através
de quatro atividades: a leitura flutuante, escolha de documentos, formulação de hipóteses e
referência aos índices (BARDIM, 1977).
A primeira atividade da pré-análise foi inspirada na escuta psicanalítica, para a qual o
pesquisador deixa-se invadir pelas impressões, representações contidas nos documentos. A
segunda atividade escolheu os documentos através de hipótese e objetivos da pesquisa. Porém,
depois de demarcados os documentos, foi construído um corpus, ou seja, a escolha de
documentos relevantes que seguem certas regras. Estas regras denominam-se: regra da
exaustividade20, regra da representatividade21 e regra da homogeneidade22. A formulação de
hipóteses é a terceira atividade e surgiu após o rastreamento dessas primeiras informações. Esta,
por sua vez, levou à quarta atividade que foi a elaboração de indicadores que mencionaram o tema
das mensagens. Esses indicadores levaram em consideração a frequência com que aparece acerca
de uma questão e a inferência semântica ao conteúdo (BARDIM, 1977). Na presente pesquisa,
quantificou-se a incidência repetitiva do conteúdo semântico que indicariam os temas das
mensagens.
A segunda etapa da análise de conteúdo consistiu na criação de categorias e compõe o
ponto principal da análise de conteúdo. A categorização é a operação de classificação
(agrupamentos e diferenciações) de elementos baseados em analogias. As categorias podem ser
criadas a priori pelo pesquisador ou que possivelmente emergem da fala dos sujeitos. Para os
propósitos da pesquisa, de acordo com as perguntas formuladas (APÊNDICE A) na entrevista
semiestruturada, escolheu-se analisar as categorias que surgiram das respostas dos professores de
matemática sujeitos da pesquisa. As categorias criadas devem obter as seguintes qualidades:
exclusão mútua e pertinência. A primeira reúne o que é homogêneo e exclui o que se tornou
heterogêneo. A pertinência condiz com o material escolhido em consonância com o referencial,
objetivos, hipóteses e problemática do pesquisador (BARDIM, 1977).

20
Esta regra estabelece que se identifiquem os elementos e se considerem todos os elementos desse
corpus.
21
A representatividade estabelece que o material a ser analisado seja volumoso.
22
Os documentos construídos não devem ser singulares e heterogêneos, mas possuir uma
homogeneidade.
76

A terceira etapa − etapa final da pesquisa − consistiu em interpretar as categorias


despontadas pelos sujeitos entrevistados de acordo com os conceitos teóricos da pesquisa
(BARDIM, 1977). Para os propósitos, as categorias analisadas foram interpretadas sob a
perspectiva do cabedal teórico de Bourdieu e Moscovici. Centraram-se as análises nas noções de
habitus e representações sociais e suas consequências epistemológicas.
Neste sentido, a escolha dos participantes da investigação obedeceu às exigências da
resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa envolvendo seres
humanos. Nos termos desta resolução, a aceitação de participação dos sujeitos da pesquisa
implicou na sua concordância para que fossem cumpridas todas as exigências do consentimento
livre e esclarecido. Os sujeitos abordados foram informados, no devido momento, sobre a
natureza da pesquisa, observando o princípio ético da transparência e da franqueza. Ainda foram
observados a disponibilidade e o interesse dos sujeitos em participar da pesquisa (COOK, 1987;
MAY, 2004). Os resultados da pesquisa retornarão para os sujeitos com o intuito de sugerir
indicações para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem. Porém, por questões
institucionais e cumprimento de prazos, a presente pesquisa não foi submetida ao comitê de ética,
no devido tempo.
77

4 PROFESSORES DE MATEMÁTICA E SUAS REPRESENTAÇÕES

4.1 INTRODUÇÃO

O capítulo expôs os resultados da pesquisa através da técnica de análise categorial da


análise de conteúdo. O objetivo dela consistiu em extrair das falas dos entrevistados as categorias
principais utilizadas para explicar a realidade educacional dos alunos, através da quantificação da
incidência das respostas dos entrevistados. O processo de quantificação, denominado de pré-
análise, foi demonstrado no APÊNDICE B.
Foram identificadas três categorias que estão concatenadas e serviram de emblemas para
explicar o comportamento dos alunos nas escolas públicas e privadas da cidade de Teresina:
família, aluno e escola. Para fins éticos, as identidades dos sujeitos da pesquisa foram
resguardadas e reporta-se a eles com a letra S de sujeitos, enumerados do 1 ao 19 como no
exemplo a seguir: S1, S2, S3. Analisou-se as categorias na ordem exposta a seguir: a categoria
família, logo em seguida a categoria aluno e, por último, a categoria escola.
As representações sociais que os professores partilham sobre os alunos formaram
explicação coerente e concatenada a respeito do comportamento dos alunos, no senso comum dos
professores. As representações sociais partilhadas pelos professores de matemática relacionaram o
interesse do aluno e a cobrança familiar. A explicação foi analisada através dos aportes teóricos de
habitus e representações sociais e as considerações epistemológicas que pressupõem a dupla
ruptura epistemológica.
As representações sociais partilhadas pelos professores de matemática têm a vantagem de
romperem com a noção biológica de aprendizagem dos alunos. Porém, a noção de ensino
subjacente a essas representações sociais foi a tendência conservadora de ensino. A pesquisa
revelou que os docentes desejam um aluno obediente e disciplinado. Os docentes acreditam numa
certa noção funcionalista que faz com que eles vejam-se apenas como passivos aos processos
sociais exteriores à escola.
A explicação responsabilizou a família e desresponsabilizou o professor de refletir sobre
sua prática de ensino. A pesquisa propôs romper com essas representações sociais e com o ensino
conservador delas derivado. Ao analisar epistemologicamente as representações partilhadas pelos
professores, indicou-se que os professores utilizem-se da dupla ruptura epistemológica em suas
práticas docentes.
78

4.2 CATEGORIAS ENCONTRADAS NAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS

A categoria família foi o principal emblema utilizado pelos professores entrevistados para
explicar o comportamento dos alunos nas duas redes de ensino. A família foi responsabilizada
pelas diferenças no rendimento do aluno da escola pública e privada, através da crença na relação
entre proveito escolar e cobrança familiar. A explicação teve seu núcleo na seguinte assertiva: os
alunos das escolas privadas atingem melhores desempenhos educacionais porque são mais
cobrados pelos pais e os alunos das escolas públicas têm o rendimento menor porque são menos
cobrados pela família. Veja-se o que afirmam os sujeitos da pesquisa:

[...] O ensino de matemática fica mais difícil na rede pública, não é? Por conta
do acompanhamento dos alunos nas tarefas de casa, cobrada pela família,
devido a esse não cumprimento de fazer tarefa, todo o trabalho fica restrito ao
professor. Então ele precisa fazer muitas questões por isso perde muito tempo,
perde muito conteúdo em trabalhar em sala de aula (S1).

Olha, o ensino de matemática é mais difícil basicamente na rede pública. Porque


na rede pública a gente sente a ausência da família. Os programas dos governos,
os programas oficiais visam basicamente a qualificação dos professores,
deixando um pouco de lado outras fatores que ajudam, que influenciam na
educação. Então a gente observa a grande diferença, a diferença básica entre a
rede pública da rede privada, é exatamente de família e assim dificulta o
trabalho na rede pública. A gente pode avaliar isso nas reuniões de pais e mestre.
Na rede particular a presença da família é rela... Significativamente maior do
que na rede pública (S9).

As explicações acima não formaram reuniões de opiniões confusas e despretensiosas,


trataram-se da descrição da realidade social pautada em princípios controlados por valores morais
do grupo de professores. As representações sociais são explicações norteadas pelo grupo onde os
indivíduos estão envolvidos. O grupo como forte modelador do comportamento dos indivíduos
impõe concepção homogênea de tempo, espaço, causalidade e número. Ele impõe aquilo que
Bourdieu (1997) chama de ordem gnoseológica aos indivíduos. Como afirma Moscovici (2012),
as representações sociais necessitam da condição de coerência interna em suas explicações para
tornar o grupo coeso.
A explicação aponta a família como causa eficiente do sucesso ou fracasso escolar dos
alunos. A família é vista como instituição responsável por parte da educação dos estudantes. O
discurso revela o processo de objetivação, nos termos de Moscovici (2012), porque os professores
apropriaram-se do artigo 2° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, onde lê-se (1996,
p. 1): “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
79

O dispositivo da lei é concebido como atributo da realidade social. Há naturalização dos


termos legais como correspondente da realidade social. O próprio artigo da lei foi concebido para
desresponsabilizar a escola e o Estado de suas obrigações. Os professores, como agentes
pedagógicos da escola e inseridos no contexto jurídico educacional, reproduzem
inconscientemente a estratégia estatal. Para o segundo sujeito, a família é a grande responsável
pela educação dos indivíduos e os programas de governo deveriam investir nela para melhorar o
desempenho dos alunos na escola. Para ele, o investimento excessivo na qualificação dos
professores deixa de lado políticas públicas voltadas para a família.
Subjacente a essas explicações, percebe-se a influência da noção funcionalista da
sociedade, onde cada instituição possui seu papel para que o corpo social funcione com eficiência.
À semelhança do funcionalismo, os professores sofrem influência do objetivismo em sociologia.
O primado das relações sociais sobre os indivíduos é considerado preponderante em suas práticas
docentes. Estas são vistas apenas como resultado passivo das relações exteriores às escolas. Na
fala exposta acima, pode-se interpretar que a escola pública não cumpre sua função educadora
porque antes a família não zelou pela educação dos seus filhos. Os discentes devem ser educados
com princípios básicos de convivência na família para que a escola pública transmita apenas os
conhecimentos formais para os alunos. O discurso, amplamente compartilhado pelo grupo de
professores, tem a concepção da família como redentora dos males da sociedade. A família é vista
como a principal instituição educadora dos indivíduos na sociedade.
As explicações têm a vantagem de considerar o conhecimento dos alunos como
construído na interação entre os seres humanos. Os estudantes são vistos como seres de iguais
capacidades cognitivas para instruírem-se na disciplina matemática. Os discentes não são tomados
como dotados de talentos inatos à sua genética. A explicação rompe, nos termos de Bachelard
(2011), com a noção biológica, tão divulgada em nossos tempos, segundo a qual o conhecimento
é pré-requisito da herança genética. A explicação geneticista é perniciosa porque responsabiliza o
aluno pelo seu fracasso ou sucesso e desresponsabiliza a escola e seus profissionais de qualquer
trabalho pedagógico.
Na concepção biologizante do comportamento do ser humano, o discente teria que
encontrar as condições propícias para desenvolver seu conhecimento e o trabalho docente seria
apenas o facilitador do surgimento do conhecimento inato ao indivíduo. Na fala dos entrevistados,
o interesse dos alunos pela disciplina matemática é produzido pela cobrança dos pais em casa e
rompe epistemologicamente com a concepção biológica amplamente divulgada.
As representações sociais compartilhadas pelos professores formam explicação
organizada da realidade social. Pode-se constatar, na fala dos entrevistados, uma cadeia sucessiva
80

de acontecimentos, de causas e efeitos para explicar o sucesso ou o fracasso escolar. A explanação


dos docentes entrevistados obedece aos atributos da causalidade mista apresentada por Moscovici
(2012): a temporal e a ontológica. A causalidade mista é um dos atributos do estilo de pensamento
do senso comum. A explicação possui coerência interna e revela o modo de ver a realidade social
dos professores entrevistados. A causalidade ontológica oferece sentido moral para a cadeia
temporal explicativa. Na explanação dos professores, ao término do raciocínio causal, encontra-se
a imputação de responsabilidades e consequentes culpas para outros agentes sociais. Para os
professores, a família é a culpada pelo sucesso ou fracasso escolar do aluno.
A relação entre família e rendimento escolar, na fala dos docentes, é explicitada da
seguinte forma: o interesse do aluno é causado pelo acompanhamento familiar mediante disciplina
de estudos em casa e o pagamento de mensalidades na escola privada. As duas causas
concatenadas temporalmente produzem empenho no aluno e por sua vez incide no seu
rendimento. A causalidade ontológica responsabiliza a família pela não-aprendizagem na escola
porque antes a causalidade temporal ligou uma sucessão de acontecimentos como: interesse do
aluno ao acompanhamento familiar. A explicação dos professores é ilustrada com clareza
cartesiana. Veja-se o que afirmam os sujeitos da pesquisa:

[...] Eu acho que, a diferença de aprendizagem ela existe sim, e que essa
diferença de aprendizagem, ela acontece mais pelo interesse e pela cobrança. Os
pais de aluno de escolas particulares estão pagando, eles querem o retorno do
filho, então eles cobram um pouco mais do filho o resultado. E os da escola
pública, por achar que é de graça... Como se seus impostos não fossem uma
forma de pagamento do ensino, eles não tem tanta cobrança... Nem os pais dos
alunos e nem os alunos cobram dos professores. Por tanto, às vezes, é mais fácil
perceber que ele, digamos assim, tenha um interesse menor. Então eu vejo que
existe uma pequena diferença nesse sentido. Quando há um interesse, há uma
facilidade, quando não há interesse, também não há facilidade (S13).

Sim, existe diferença. A diferença é devido às questões anteriores já


respondidas. A gente consegue perceber que o empenho é maior, como eu já
dito anteriormente, devido à questão do empenho da família, questão da
cobrança que a escola faz em cima da família. Na rede pública a gente consegue
perceber que são alunos que vêm de família mais carente onde os pais e não
tendo muito conhecimento pra ajudar seus filhos, então ele não consegue ter
essa diferença. Então há um paralelo entre essas duas redes e a aprendizagem
(S12).

A aprendizagem e o interesse do aluno são tomados como fruto das suas relações sociais
familiares. A diferença entre as aprendizagens dos alunos é comentada como resultado da prática
de estudos em casa. A explicação com o centro na família afirma que a aprendizagem é produto
final do interesse do discente. O interesse do aluno, por sua vez, é adquirido mediante disciplina
de estudos diários, resultado da cobrança dos pais. Os pais cobram porque pagam mensalidades
81

nas escolas privadas. Os alunos das escolas públicas, oriundos de famílias de baixa renda, não são
acompanhados pelos pais, logo os discentes não adquirem disciplina de estudos e não têm
interesse na matéria matemática. Para os docentes entrevistados, o trabalho pedagógico dos
profissionais da educação no âmbito escolar é diretamente influenciado pelo processo social que
ocorre fora da escola. A função da escola é tão somente a de transmitir os conteúdos formais.
O trabalho docente, visto como participante do processo ensino-aprendizagem, é
concebido como passivo aos processos sociais ocorridos fora da escola. A prática docente do
professor sofre interferência direta da disciplina familiar do aluno. A prática docente tem o papel
apenas de modelador da educação que ocorre em casa. O rendimento do aluno é explicitado como
efeito da causalidade ontológica da família dos alunos, para os entrevistados. A explicação dos
professores aponta a responsabilidade da aprendizagem dos alunos para a família. A concepção
que responsabiliza a família é ancorada em valores compartilhados pelos próprios professores:

[...] E quando eu falo em família parte dos pais para os alunos, ou alguém da
casa dele pra ficar cobrando. Eu digo isso porque eu tenho meus filhos e a gente
tem que tá toda hora... Eles estudam em escola privada e eu cobro deles
diariamente, estou sempre acompanhando, cobrando deles direitinho „pra‟ que
eles façam. Quanto na escola pública não, os pais não querem fazer isso, deixam
os alunos soltos e aí ele termina chegando na escola sem fazer nada. E aí o
professor tem que dar todo o conteúdo, todas as questões pra que ele faça, pra vê
se ver um resultado melhor e ainda é difícil (S1).

A disciplina de estudos é cobrada em casa com os próprios filhos. A atitude revelou o


comportamento ancorado, nos termos de Moscovici (2012), em valores familiares dos
professores. O professor em casa, na posição de pai zeloso pela educação dos seus filhos,
corroborou com a própria explicação oferecida para o comportamento dos discentes na escola. A
representação social sobre os alunos fora bem assentada, através do processo da ancoragem, na
crença de que o sucesso escolar é resultado do acompanhamento familiar do aluno. Percebeu-se
que a representação compartilhada pelos professores interfere na sua prática docente. A cadeia de
raciocínio iniciada no acompanhamento familiar como produtor do interesse do discente
intervém nas práticas dos professores na escola e em casa.
As representações sociais, visões de mundo produzidas no senso comum, são
consagradas nas práticas cotidianas dos professores. Em função das representações sociais, os
indivíduos conduzem atitudes e práticas nas escolas. Ao conceber a prática docente como
influenciada por processos exteriores à escola, os professores não se percebem como construtores
do interesse dos alunos. A exposição dos professores sobre a aprendizagem dos alunos sofre do
que Bourdieu (2008) denomina realismo ingênuo, que consiste em visão fixista da realidade
social idealizada, com existência independente das ações dos indivíduos. Em termos
82

sociológicos, as falas dos professores revelam objetivismo dogmático e concebem a realidade


social como reificada.
A realidade social é imaginada como independente das ações dos seus construtores. A
explicação cartesiana oferecida pelos professores é ilusoriamente transparente, a tal ponto que
aparenta não necessitar de pesquisa sociológica. A explicação tem a vantagem de carregar em si
o postulado da aprendizagem construída na relação entre familiares. Porém, com a família
responsabilizada, os professores desresponsabilizaram-se de reflexão sobre suas práticas
docentes. Estas, vistas como resultados dos processos exteriores à escola, promovem uma
escolha por não agir a favor da transformação da realidade social vigente. A escola pública é
apresentada como lócus problemático para exercer a profissão docente.
A dificuldade para lecionar na escola pública foi explicitada da seguinte forma: a falta de
acompanhamento familiar e as tarefas não realizadas em casa pelos alunos acarretam maior
trabalho para o professor, em sala de aula, na escola pública; em contrapartida, na escola
particular os alunos cumprem suas tarefas e a aula fica mais acelerada; a falta de
acompanhamento familiar tem um impacto na disciplina do aluno e torna mais difícil o trabalho
docente em sala de aula; a falta de acompanhamento familiar, por causa da sua desestrutura, não
cria rotinas diárias de estudos em casa e por isso o trabalho docente é mais lento; na escola
pública, os pais dos alunos não pagam e por isso não cobram de seus filhos. Na escola pública, os
alunos dependem de si. Eles têm menor conhecimento porque são menos acompanhados pelos
pais e isso dificulta o trabalho em sala de aula. Veja-se mais exemplos da fala dos professores
quanto à dificuldade de lecionar na escola pública:

[...] Sinceramente, o mais difícil de ensinar ainda é na escola pública. O porquê é


devido a gente ter que se esforçar muito, pra que os alunos possa compreender.
A gente tem que procurar mil maneiras „pra‟ explicar um determinado assunto.
E na particular, às vezes não existe essa coisa de repetir, o aluno... Lá os pais
fazem com que os alunos, seus filhos se, se... Eles ajudam os filhos com meios,
eles pagam reforços escolares, eles dão livros e eles têm mais acesso as coisas.
Enquanto que na pública não é assim, a gente tem que assumir aquela
responsabilidade, de dar aquilo que os pais não dão em casa. Tem que dar o
incentivo e também os meios com que eles aprendam (S3).

Bem, na escola pública é mais difícil ensinar matemática, por muitas razões, por
muitos fatores que influenciam aí, né? A participação da família na escola, a
disciplina dos alunos, e tudo isso contribui pra que seja mais difícil lecionar
matemática na escola púbica (S2).

Aí você vai entrar num processo muito grande. Porque o aluno da escola pública
traz com ele a necessidade que ele não tem apoio familiar, tá tendo maior
mudança atualmente nesse quesito. E o aluno da escola particular não, ele cobra
mais do professor, e por isso ele aprende mais. O problema tá no interesse do
aluno, basicamente, o que faz com que o aluno da escola pública seja mais
83

relaxado. Ele encontra dificuldade nas duas, na escola pública, ele... A


dificuldade dele, geralmente pra quem trabalha na pública, ele não tem uma base
bem feita. E os da particular, que a cultura da particular realmente é cobrar do
aluno o máximo (S4).

O trabalho do professor fica mais lento na escola pública, segundo a visão hegemônica
dos professores entrevistados, porque não há acompanhamento familiar e não produz o efeito
esperado: o interesse do aluno. O acompanhamento do aluno está diretamente ligado ao fator
financeiro familiar. Para os docentes sujeitos da pesquisa, existe relação entre fator financeiro
familiar e acúmulo de conhecimentos escolares. A sociologia de Bourdieu (2011) pode nos
ajudar a compreender a visão de mundo dos professores, empregada em suas falas acerca do
comportamento dos alunos. Autor da ruptura epistemológica contra a noção funcionalista de
ensino, Bourdieu (2011) esclarece as relações entre classes sociais e a escolaridade dos
indivíduos.
O autor rompeu com a noção meritocrática de ensino, segundo a qual os alunos possuem
iguais oportunidades de aprendizagem na escola. Para esta concepção, o fracasso ou sucesso
escolar são responsabilidade dos alunos, pois possuem as mesmas condições de aprendizagem. A
noção de mérito é individualista e responsabiliza o aluno pelo seu aprendizado. A explicação foi
atacada pela sociologia de Bourdieu através do conhecimento praxiológico. Tal recurso
intelectual explica as ações individuais por meio de determinantes sociais, sem desmerecer a
produção do campo estrutural pelos mesmos sujeitos. Em outras palavras, o conhecimento
praxiológico utiliza o recurso da imaginação sociológica e tem como hipótese a noção da
reversibilidade da realidade social através das intervenções humanas.
Bourdieu recorre à noção de capital − cultural, econômico, social e científico − para
explicar a dinâmica dos campos sociais. Cada campo social legitima a hegemonia de
determinado tipo de capital. Na escola, o capital legitimado é o cultural. Os alunos das escolas
privadas adquirem o capital cultural escolar na família. Os alunos das escolas públicas não têm
acesso ao capital cultural na família e desta forma ficam em situação desvantajosa frente aos
alunos das escolas particulares. Para Bourdieu e Passeron (2011), o professor, ao premiar os
alunos com maior capital cultural em sua prática docente, produz violência simbólica, pois, os
alunos das escolas públicas não possuem o capital cultural legitimado na escola, enquanto que
aqueles das escolas privadas detém na família o capital cultural legitimado na instituição de
ensino.
Os professores revelaram em suas falas que a representação social compartilhada sobre os
alunos influencia em suas práticas docentes. A representação social comporta uma relação de
poder e supõe o sujeito do conhecimento e o objeto a ser conhecido. O objeto é obrigado a
84

conformar-se aos ditames do conhecimento produzido na relação de poder. Bourdieu e Passeron


(2011) denominam essa relação de comunicação pedagógica. Esta é relação de poder por
excelência porque comporta violência simbólica. Existe a divisão entre sujeito transmissor da
ação pedagógica e sujeito receptor. A comunicação pedagógica é construtora de habitus de grupo
ou classe social.
Como afirma Moisés Sobrinho Soares (2000), as representações sociais não são
construídas e partilhadas no vazio social. Elas são produzidas e reproduzidas dentro de um campo
social: são modos de pensar, agir e sentir do grupo que as partilham. Pode-se interpretar em suas
falas que a representação social é construtora de um habitus nas práticas dos professores.
Estruturas estruturadas, predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, solidificam
práticas, gostos e preferências no grupo dos docentes. Os professores enfatizam em suas falas que
a falta de treino e disciplina de estudos em casa, por parte dos alunos, é a principal causa para
seus fracassos. A disciplina e treino excessivamente repetidos e reclamados são poderosos
instrumentos de inculcação do habitus nos indivíduos. Treino e disciplina rígidos, reclamados
para os alunos, são requisitos do ensino conservador.
Esta postura visa a reprodução do conhecimento. Valoriza o ensino humanístico e da
cultura geral. O educando, neste modelo educacional, deve entrar em contato com as grandes
realizações da humanidade. A escola é vista como local por excelência da educação e seu ambiente
é austero, cerimonioso e conservador. A escola é o único local de acesso à cultura. O professor
apresenta o conteúdo pronto e acabado e tem uma postura severa, rigorosa e objetiva. Ele se
distancia dos discentes e incentiva a obediência, o silêncio e a disciplina na turma. O educando é
passivo e tem a função de apenas realizar tarefas (BERENHS, 2003).
Quanto à aprendizagem, é silenciosa e cumulativa. O aluno memoriza conceitos,
definições e realiza sínteses e resumos de grandes obras. A metodologia consiste em aulas
expositivas, fundamentadas em quatro pilares: escute, leia, decore e repita. Utiliza fórmulas prontas
fundamentadas na repetição do conteúdo. A repetição é utilizada como caminho para
aprendizagem. O conteúdo é sequenciado, ordenado e fragmentado. A avaliação contempla
questões que valorizam a memorização, repetição e exatidão dos conteúdos, por isso tem um
caráter punitivo (BEHRENS, 2003).
O ensino conservador é produto do que Schön (2000) chamou de racionalidade técnica.
Trata-se de uma epistemologia da prática baseada na filosofia positivista, construída nas
universidades modernas. Existe um modo de hierarquização e organização do conhecimento da
seguinte forma: em primeiro lugar a ciência básica, em segundo lugar a ciência aplicada e, por
último, as habilidades técnicas e práticas cotidianas (SCHÖN, 2000). O conhecimento geral e
85

teórico desfrutava de uma posição privilegiada e a prática cotidiana usufruía de posição


secundária, com carga horária reduzida. Esta epistemologia, além de separar a teoria da prática
tornava a primeira superior à segunda. As instituições de ensino superior formam seus
profissionais para solucionarem problemas instrumentais através da aplicação de teorias e técnicas
derivadas de conhecimentos sistematizados pela ciência. Os profissionais deveriam se munir do
arcabouço teórico e técnico para posteriormente aplicá-los na prática cotidiana (SCHÖN, 2000).
Esta organização consolidou-se com a formação da ciência moderna que tem como
pressupostos básicos as noções mecanicistas da ciência. A comunidade científica produziu o
paradigma da ciência moderna. Um paradigma é um modelo de explicação da realidade que
domina todos os discursos que o realizam: conceitos fundamentais, categorias mestras e o tipo de
relações lógicas entre estes elementos. Os indivíduos conhecem, pensam e agem conforme o
sistema de ideias organizado pelo paradigma. O paradigma moderno e a racionalidade técnica
operam com os princípios lógicos formais da não-contradição, do terceiro excluído, da identidade e
da causalidade (KUHN, 1991).
O paradigma está fora do alcance de qualquer refutação − apesar de suas teorias serem
falsificáveis; dispõe do princípio de autoridade axiomática − seus preceitos são tidos como
autoevidentes; apresenta o principio de exclusão − exclui dados, enunciados, problemas e ideias
divergentes; possui um efeito de cegueira − o que exclui passa a não existir; apresenta invisibilidade
− pois é reproduzido de modo inconsciente −, cria evidência se auto-ocultando − o indivíduo
submetido a ele pensa obedecer aos fatos; é cogerador do sentimento de realidade; é invulnerável
por ser invisível; está recursivamente ligado aos discursos e sistema que gera; determina através de
teorias e ideologias uma visão de mundo; e não pode ser atacado ou arruinado diretamente − é
necessário que apareçam fissuras em suas estruturas (KUHN,1991).
O paradigma moderno construiu o ensino conservador. Aliado à racionalidade técnica
tende a produzir o profissional da educação que separa teoria e prática; razão e emoção;
objetividade e sensibilidade. Neste sentido, o paradigma moderno e a racionalidade técnica estão
em crise. A crise dos paradigmas científicos teve repercussões nas universidades (SCHON, 2000).
Donald Schön (2000) menciona a crise de confiança vivida pelas universidades. As
instituições de ensino superior não ensinam os profissionais a agirem em situações inesperadas,
chamadas pelo autor de zonas indeterminadas da prática profissional. Eles se tornam incapazes de
resolver dilemas humanos da mais alta relevância. Os especialistas aprenderam a formular e
resolver problemas técnicos e instrumentais com pouca importância para a maioria dos indivíduos.
As questões socialmente relevantes são vistas pelo paradigma que rege a racionalidade técnica
como confusas, caóticas e inúteis. O ensino conservador imuniza-se de certas questões, por
86

exemplo, o interesse dos alunos envolve muitas questões sociais e é visto pelos professores como
culpa das famílias dos alunos. A explicação invisibiliza o problema e produz efeito de cegueira nos
docentes.
Os professores entrevistados, guiados pelo paradigma de ensino conservador,
inadvertidamente, reclamam uma prática docente conservadora e, por sua vez, um aluno dócil,
obediente, passivo e disciplinado. As suas falas não refletem sobre suas próprias práticas docentes.
Elas constroem o modelo de ensino, treina a subserviência dos alunos e produz violência simbólica.
Os professores, ao premiarem o aluno que se enquadra nessa prática docente promove a violência
simbólica. A prática docente conservadora tem a função social de formar indivíduos obedientes. O
ensino propedêutico no Brasil imprimiu marcas profundas na educação, ao universalizar a prática
de ensino conservadora. Gaston Bachelard (2011, p. 23) reporta-se ao ensino conservador como
obstáculo pedagógico que deve ser superado:

Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Acho


surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros se possível
fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se
detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da irreflexão. O livro de Gérart
Varet não teve repercussão. Os professores de ciências imaginam que o espírito
começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha
pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-
a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física
como conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de
adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental,
de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana.

A noção de obstáculo pedagógico pressupõe o conceito de obstáculo epistemológico.


Aprendeu-se com Bachelard (2010) que o obstáculo epistemológico é superado quando se
problematizam crenças arraigadas. O professor deve realizar a primeira ruptura epistemológica e
produzi-la nos conhecimentos empíricos dos alunos. O docente, ao praticar e saber como funciona
o pensamento científico, produz a ruptura pedagógica. O docente saberá que o conhecimento
científico e o senso comum são duas formas díspares de conhecimento. Ele terá que se deter sobre
os erros comuns aprendidos no senso comum e praticados por si e pelos estudantes: o
conhecimento científico inicia no reconhecimento desses erros.
Quanto a isso, as concepções epistemológicas de Gaston Bachelard (2010) concordam
com Popper (1993), para quem a ciência diferencia-se de outras formas de conhecimento porque
tem em sua lógica de pesquisa a refutação constante de suas teorias. A ciência é conhecimento
diferenciado porque seus praticantes são treinados para desconfiarem de suas hipóteses. Estas têm,
por obrigação, que passar por rígida seleção darwiniana. A sobrevivente não é a explicação
verdadeira, mas a melhor disponível naquele momento do desenvolvimento científico. O professor,
87

para produzir ruptura epistemológica, deve passar por este treinamento científico. O docente
somente irá transformar sua prática se conseguir pesquisar sempre. Ele deve pesquisar
constantemente desde os conteúdos até sua prática docente. A pesquisa deve começar por
problemas, erros, dúvidas e situações caóticas. Estas são conjunturas inusitadas que no primeiro
momento desestabilizam, mas podem provocar a pesquisa científica.
A categoria aluno foi encontrada nas respostas dos professores. A explicação relaciona
interesse, acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades. O interesse do aluno tem
ligação causal com o acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades na escola privada,
segundo a fala dos professores. O desinteresse do aluno da escola pública é explicado porque a
família não paga mensalidades diretamente e consequentemente ela não cobra do aluno os
resultados. O discente de escola privada se interessa pela matemática porque é cobrado pela família
e consequentemente acumula conhecimentos durante a vida escolar. Ele tem maior rendimento
escolar porque capitaliza conhecimentos, enquanto que o aluno da escola pública tem menor
rendimento porque não sistematizou conhecimentos por consequência da falta de acompanhamento
e cobrança familiares.
Por meio de analogias, os alunos das duas redes foram valorados pelos professores da
seguinte forma: os alunos das escolas particulares são mais acompanhados e mais cobrados pela
família e, por isso, mais disciplinados, tem menor dificuldade para compreender o conteúdo e
adquirem maior base de conhecimentos matemáticos. As explicações afirmam que os alunos das
escolas públicas são menos acompanhados e cobrados pelos pais e, em decorrência, são menos
interessados, possuem menos aproveitamento na disciplina e apresentam mais dificuldade para
absorver o conteúdo da disciplina matemática. Observe-se o que afirma um dos nossos sujeitos da
pesquisa sobre os alunos das duas redes de ensino:

[...] Olha, o aluno da escola privada, como eu te falei, ele é mais cobrado, por
isso, ele de certa forma ele se vê obrigado a ter que estudar, „tá entendendo‟? Já
na escola pública não há tanto essa cobrança, que falta também essa cobrança
dos alunos em mostrar um maior interesse, por que alguém tá exigindo dele.
Nesse aspecto, eu vejo assim, na escola privada tá lá o pai, a própria escola que
cobra, como te falei, a própria sociedade. O aluno, ele quer estudar na escola
particular, por que quer passar no ENEM. E infelizmente na escola pública não
acontece isso. Falta o quê? Incentivo, na escola pública falta que o aluno tenha
esse interesse de estudar matemática, não passar só no ENEM, mas que ele
possa „tá‟ desenvolvendo também as habilidades que vai empregar lá fora, no
mundo do trabalho, exercendo a cidadania, „tá entendendo‟? Quando você faz
um paralelo assim, você faz o que um aluno da escola particular ele é mais
cobrado, ele é mais exigido, pelos próprios pais que tão pagando. O da escola
pública não tem tanto essa cobrança a não ser da gente que há essa cobrança, a
escola propriamente dita que cobra dele, mas a gente vê que o paralelo que a
gente faz. Eu não diria, por exemplo que o estudante da escola pública é mais
fraco que o da particular no que diz respeito a matemática, o que eu digo é
88

assim, o que falta é trabalhar de uma forma melhor e mais adequada com o
aluno da escola pública, pra que ele possa mostrar maior interesse nessa
disciplina (S6).

A analogia é um princípio da lógica das representações sociais. Através dela, os


professores foram capazes de distinguir as características dos alunos das duas redes de ensino. A
analogia permite classificar, identificar, discriminar e distinguir predicados para os alunos das
duas redes de ensino. O aluno da escola pública é visto numa situação sempre de precariedade e
falta em relação ao aluno das escolas particulares. A explicação elabora as seguintes cadeias
causais para o comportamento dos alunos: o aluno da escola privada é mais cobrado pela família e
pela sociedade, portanto, ele tem maiores interesses e galga maiores êxitos escolares. O aluno da
escola pública é concebido em relação ao aluno da escola particular sob o signo da falta. Ele é
menos exigido pela família e pela sociedade e por isso tem menos interesse na disciplina
matemática e, portanto, não obtém sucesso escolar como os alunos das escolas privadas.
Demonstra-se o quadro comparativo de predicados imputados aos estudantes por rede de ensino:

ALUNOS DA ESCOLA PRIVADA ALUNOS DA ESCOLA PÚBLICA


Mais acompanhados pela família Menos acompanhados pela família
Mais cobrados pela família Menos cobrados pela família
Mais disciplinados Menos disciplinados
Têm menor dificuldade de aprendizagem Mais dificuldade em termos de aprendizagem
Têm mais base em termos de conteúdo Menor base em termos de conteúdo
Mais interesse pela disciplina Menos interesse pela disciplina
Tabela 1 Comparativo de predicados imputados aos estudantes por rede de ensino
As representações sociais através do processo de objetivação da realidade social modelam
as práticas dos indivíduos. Em função das representações sociais dos alunos, os professores
pautaram suas práticas docentes. Professores se dividiram ao afirmar sua atitude frente à forma de
ensinar em função das representações sociais compartilhadas sobre os alunos das duas redes de
ensino. Alguns professores afirmaram que mudam e a maioria afirmou que não mudam a forma
de ensinar conforme a rede de ensino. Os professores que afirmaram mudar a prática docente por
rede ensino justificaram tal atitude porque o aluno da escola pública tem menos preparo,
aproveitamento e aprendizagem. A mudança da prática docente em função do aluno da escola
privada se deveu porque é mais preparado, o aproveitamento é melhor e consequentemente a
aprendizagem tem mais qualidade. Leia-se o que afirmaram os sujeitos da pesquisa:
89

[...] Os alunos da escola pública não têm base, então a gente tem que trabalhar
de forma diferente pra eles, uma forma bem mais simples, tem que pegar
aqueles conteúdos mais simples e os complexos quando a gente vai trabalhar
tem dificuldade. Quanto na particular não, você põe uma questão de nível
complexo o aluno consegue resolver devido... O nosso aluno aqui o problema
todo é base porque às vezes a gente dá o conteúdo, as fórmulas e devido ao
treino que ele consegue desenvolver, aí quando chaga lá no que ele precisa
operar com (solda), com subtração, com multiplicação ele se perde todinho,
então essa base toda está desconhecida do aluno (S1).

A exposição acima revela a reprodução do fracasso escolar na prática dos professores. Tal
reprodução de representações sociais sobre os alunos produz a construção do habitus nos
professores. A mudança da prática docente em função dos alunos das duas redes de ensino
demonstra uma faceta da violência simbólica. Os alunos das escolas públicas estão em
desvantagem por um déficit de capital cultural familiar. A desvantagem é reforçada pela
concepção que o docente possui sobre o aluno da escola pública. A prática docente muda no
sentido de simplificar o conteúdo de matemática em função da desvantagem cultural, embora ela
seja construtora da realidade social dos alunos, e não apenas passiva à força impessoal da
sociedade. Note-se o que os sujeitos da pesquisa responderam quando indagados sobre a mudança
da prática docente em função da rede de ensino:

[...] Varia, varia. Porque é como eu falei, eu tenho que me adequar, como diz na
nossa lei, eu tenho que ser um facilitador da aprendizagem, eu tenho que facilitar
a vida deles, então pra isso eu tenho que conhecer a realidade. Então na pública
e na particular muitas vezes as realidades são diferentes, então eu tenho que me
adequar àquilo. Só não tento diminuir os assuntos ou diminuir a questão do
aluno em si porque é público ou porque é privado. Procuro sim colocar o
assunto, mas de forma diferente sempre (S3).

Com certeza porque o professor, às vezes, até quer dá os mesmos conteúdos de


lá, mas o professor observa que o aproveitamento dos alunos é diferente dos
alunos da escola particular. Então ele tem que fazer uma adaptação, então ele
tem que fazer uma mudança para que os alunos acompanhem aquele conteúdo
(S2).

Por esse motivo, varia sim, porque... As condições do aluno da escola particular
e escola pública são diferentes, as realidades são diferentes. Então por esse
motivo a forma de ensinar, de transmitir o conhecimento também são diferentes
(S2).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é evocada para justificar


democraticamente a mudança na prática docente e simplificações no conteúdo em função da rede
de ensino. Neste sentido, concorda-se com Bourdieu (2000): a ralação de poder exercida pela
comunicação pedagógica é legitimada simbolicamente. Os professores validam suas atitudes
pautadas em princípios democráticos expressos na LDB (1996). Os processos de ancoragem e
objetivação operam nas representações dos professores. Eles interpretam a lei, transformam-na
90

em visão de mundo de acordo com valores éticos e morais já ancorados em suas visões de grupo.
Segundo o artigo 3° da LDB (1996, p. 1):

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:


I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento,
a arte e o saber;
III-pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV-respeito à liberdade e apreço á tolerância.

O Professor justifica sua mudança em função das concepções pedagógicas que afirmam
que o docente deve ser facilitador da aprendizagem. O dispositivo da lei e práticas pedagógicas
transforma-se em justificativas para escamotear a violência simbólica praticada. Porém, não é
apenas a mudança que revela a reprodução da violência simbólica. Bourdieu (2000) ensina que a
violência simbólica se reproduz quando tratam-se os discentes com ritmos de aprendizagens
diferentes como iguais. Os professores reproduzem a prática docente conservadora nas duas redes
de ensino. Ao lecionarem dessa forma, pensam agirem democraticamente, mas a violência
simbólica torna-se eficaz porque é invisível, sob a legitimação que todos têm iguais oportunidades
de aprendizagem na escola. A mudança de prática docente ocorre em casos excepcionais, segundo
esses professores. No caso dos professores entrevistados, a maioria afirmou não mudar a prática
docente em função da rede de ensino por questões éticas. Desses professores, alguns afirmaram
mudar a prática docente em função das turmas, levando em consideração o nível de
amadurecimento intelectual dos alunos − absorção de conteúdos de matemática. Em suas
palavras:

[...] a gente trabalha onde quer que se esteja de acordo com a realidade da turma,
não se olha se é particular ou se é pública porque os alunos têm as mesmas
necessidades, cada um tem seu objetivo, que se faz é buscar favorecer o aluno a
alcançar o seu objetivo, no caso, é indiferente a forma de ensinar, no meu caso é
a mesma (S15).

Não, com relação à forma de ensinar não varia, o que modifica é a quantidade de
conteúdos, diferença alguma. Mas em termos de didática, não há diferenciação.
Bem, porque é exatamente a base. O aluno da escola pública, ele não tem a base,
então o professor tem que retornar, dependendo da série que ele tá, ele tem que
retornar ao conteúdo de séries anteriores pra assimilar o conteúdo da série que
ele está estudando (S5).

Os professores, muitas vezes, afirmam não mudar a prática docente por questões éticas,
mas, dizem modificar a metodologia em cada rede de ensino, o que sugere, em outras palavras,
variar a prática docente em função dos alunos de cada rede de ensino. Os docentes,
inadvertidamente, afirmam isso. Veja-se exemplo na fala dos docentes entrevistados:
91

[...] Não, nunca mudei a minha forma de ensinar, nem na pública e nem na
particular, eu procuro dar a aula da melhor maneira possível. Porém, quando eu
chego na escola particular eu consigo alcançar melhor os objetivos e lá na
particular eu sou mais cobrado em relação ao conteúdo. Na pública, eu sou mais
cobrado quanto à metodologia, à forma de mostrar e na particular você explica a
mesma coisa 3 vezes, na pública você explica 6 vezes pra chegar no objetivo
(S4).

A distorção idade-série é explicada em função do acompanhamento familiar do aluno. O


aluno da escola pública é menos cobrado, menos disciplinado, está apropriado de menos
conteúdo, tem menos interesse e por isso distorce mais nas séries. O aluno da escola privada
distorce menos porque é mais cobrado, mais disciplinado, tem mais conteúdo e interesse. A
distorção idade-série também é explicada em função da necessidade de trabalho. O aluno da
escola pública tem que ajudar em casa, por isso trabalha e estuda e distorce mais que alunos das
escolas particulares. Os alunos da escola particular estão dispensados do trabalho e têm mais
horas para os estudos. Note-se:

A rede que tem maior distorção é a rede pública. Primeiro porque na rede
pública não tem assim um acompanhamento extra além do professor em sala de
aula, e pela própria condição social do aluno da escola pública, às vezes é um
aluno pobre, com pais pobres e às vezes se evade da escola para poder trabalhar
e ajudar a família. E a escola não tem um mecanismo de prevenção, de evitar
tanta evasão escolar, enquanto que na escola particular eles têm outro
mecanismo e também a própria condição econômica, dos pais dos alunos são
diferentes dos pais dos alunos da escola pública. E mesmo assim a escola
particular ela tem mecanismo pra conversar com aluno, ir atrás do aluno, saber o
que está acontecendo... Enquanto que no Estado não tem isso aí, o aluno se
evade e ninguém sabe por que ele se evadiu, ninguém vai se informar e ninguém
procura saber o porquê (S2).

Para explicar a distorção idade-série, os professores recorrem ainda ao elemento trabalho e


renda, complementando o núcleo central da explicação hegemônica dos professores entrevistados.
A visão dos professores sobre os alunos com distorção idade-série é corroborada pelo relatório do
UNICEF. A distorção mencionada é indicador quantitativo do risco de abandono segundo o
relatório. O documento aponta para a necessidade de trabalho como causa de reprovações,
evasões e distorções idade-série no ensino médio. A distorção idade-série é menor entre alunos
que não trabalham segundo o mesmo relatório. A explicação dos professores está coerente com a
os dados estatísticos do documento do UNICEF.
Porém, apesar da representação compartilhada por professores condizer com a realidade
educacional, o discurso afirma passividade frente ao problema enfrentado na escola pública. A
representação social hegemônica dos professores produz práticas, e estas, por sua vez, constroem
a realidade social, mesmo que os docentes não se percebam como construtores. Ao explicar a
distorção idade-série e não perceber-se implicado no processo de sua construção, o professor
92

ajuda na construção da própria distorção idade-série. As representações sociais dos professores


sobre os alunos reforçam o risco de abandono.
A categoria, também retirada do discurso dos professores, foi a escola. O interesse do
aluno nas escolas é explanado como resultado da estrutura da escola pública, carga horária, greve
que compromete o cumprimento da carga horária nas escolas públicas, valorização do profissional
da educação nas duas redes de ensino e sistema disciplinar na escola privada. Mudança da prática
docente em função da rede de ensino ocorre porque a carga horária é menor e o professor se sente
menos cobrado na escola pública. Na escola pública, o conteúdo é comprometido porque a carga
horária é menor e a prática docente muda em função das greves. Na escola particular, os
professores e alunos são mais cobrados e a carga horária é cumprida de forma rigorosa. Veja-se o
que afirma o Sujeito Oito para explicar como a categoria escola elucida a diferença de
aprendizagem dos alunos das duas redes de ensino:

Se a gente for analisar existe um aprendizado diferenciado, não por causa da


incapacidade intelectual dos alunos da escola pública, mas dentro de uma
estrutura como eu já falei pra você. Se você pegar uma escola particular, as salas
são bem confortáveis, salas com ar-condicionado, material direcionado, a
cobrança dos pais em cima. E já quando a gente vai para a iniciativa pública, pra
esfera pública é totalmente diferente. São escolas totalmente danificadas,
professores desmotivados, sem nenhum tipo de cobrança, por parte da família,
acompanhamento... Então faz com isso... Essa diferença de aprendizado existe
sim entre a pública e a privada. Como já respondi, eu creio que essa diferença
seja estrutural. Se você analisar um sistema todo que tá inserido aí. Se agente for
comparar o número de alunos que se interessa pela disciplina de matemática nas
escolas de iniciativa privada é um número maior do que o número de alunos que
se interessa pela matemática na escola pública. Mas nisso tudo está envolvido a
questão de espaço, de material, da motivação do profissional e a cobrança que o
profissional tem em relação a iniciativa privada que é bem maior que a pública.
Volto de novo a história toda, não posso dizer que o problema é ímpar ou
determinista, é um sistema que a gente tá envolvido, entra aí a questão familiar,
a econômica que isso aí dificulta e muito qualquer pessoa a aprender, “n”
fatores. Com certeza já foi dito na escola pública devido a “n” problemas que já
estão envolvidos E isso chega a dificultar o aprendizado do aluno com certeza.
A dificuldade como eu já falei chega a ser cultural, não é porque uma coisa tão
corriqueira de se ver, alunos de colégio públicos competindo nas Olimpíadas
Brasileira de Matemática, a gente não vê aqui incentivo tão grande por parte do
governo. Aí se você pega uma instituição privada, os donos querem demais que
os alunos de lá apareçam com a medalha, dizendo que foi campeão de uma
Olimpíada Brasileira de Matemática, ou qualquer coisa do tipo, então há essa
problemática também em cima (S8).

A fala do professor utiliza o raciocínio similar à imaginação sociológica, pois explica o


comportamento individual dos alunos como resultado de fatores coletivos e estruturais. Segundo o
professor, o comportamento do aluno sofre interferência direta do espaço físico. A escola privada
tem espaço físico diferenciado voltado para o conforto do aluno. O espaço físico da escola pública
93

não é confortável para os alunos. O professor faz referências há fatores estruturais e aponta-os:
espaço físico, material, motivação do profissional da educação e cobrança diferenciada nas duas
redes para com o mesmo profissional. O professor se diz inserido em estrutura social imponente e
situa-se determinado como indivíduo por fatores econômicos, políticos e sociais. As causas
estruturais interferem na aprendizagem dos alunos.
O professor afirma que é obrigado por forças objetivas estruturais a diferenciar sua prática
nas duas redes de ensino. Na rede privada, o professor é obrigado a trabalhar de forma mais
intensa do que na rede pública. Ele é disciplinado pela construção do habitus através do ensino
médio propedêutico. Na escola pública, o professor é menos cobrado e por isso muda sua forma
de ensinar. O professor não se percebe construtor da realidade educacional na escola. Percebe-se
uma concepção pessimista frente à mudança da realidade social. O objetivismo concebido na
visão dos professores é justificativa para afirmar passividade frente à realidade educacional em
que está inserido. O conhecimento praxiológico de Bourdieu rompe com o objetivismo das
escolas sociológicas funcionalistas e das múltiplas tendências de reificações sociais. O processo
de coisificação da realidade social desconsidera a construção coletiva do ser social pelos agentes.
As concepções reificantes da realidade social tendem a ser cômodas para os agentes sociais
porque lhes retiram o mal-estar da reflexão sobre suas práticas docentes
94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As representações sociais partilhadas por professores de matemática sobre os alunos da


rede pública e privada de Teresina explicaram o comportamento do aluno da seguinte maneira: a
aprendizagem dos discentes foi vista como fruto de árduo treino dos exercícios em casa. O treino
é resultado do acompanhamento diário dos pais no âmbito familiar. A cobrança diária provoca
disciplina de estudos. A disciplina produz interesse em sala de aula. Os pais cobram na medida
em que gastam com seus filhos. A representação social explica o fracasso escolar, concatenando,
temporal e causalmente, a relação entre o desempenho do aluno e o acompanhamento familiar.
Existe uma concepção gnoseológica − noção homogênea de espaço, tempo, número e causalidade
− da realidade educacional dos alunos e consequente imputação de culpas para as suas famílias.
A representação social compartilhada pelos professores sobre os alunos das escolas
privadas adquiriu a seguinte explicação: os alunos das escolas privadas são acompanhados pelos
pais por causa da renda familiar. Esses discentes são disciplinados, interessados e acumularam
mais conteúdos na disciplina matemática ao longo dos anos de estudos. Os professores
representam socialmente os discentes atendidos na escola pública da seguinte forma: os alunos
das escolas públicas são mais indisciplinados que alunos das escolas particulares, porque não são
acompanhados pelos pais. A família não acompanha os estudantes porque não paga mensalidades.
A falta de acompanhamento dos pais afeta o interesse e rendimento dos alunos, ou seja, o
rendimento e interesse dos estudantes são menores nas escolas públicas. São alunos oriundos de
família com renda menor que a família de alunos das escolas particulares.
A explicação rompe com a noção biológica da educação, segundo a qual o aluno teria em
sua genética a predisposição para a aprendizagem. Os discentes teriam intrínsecas competências
cognitivas diferenciadas hierarquicamente. Contudo, a aprendizagem foi vista, pelos professores,
como produto das relações sociais e construída por árdua disciplina imposta aos alunos pela
família. Os docentes percebem a relação entre renda e escolaridade similar à sociologia de
Bourdieu (2000). Entende-se que são os principais ganhos sociológicos das representações
produzidas pelos professores de matemática em Teresina. Porém, essa explicação assemelha-se
muito à noção funcionalista da educação, segundo a qual cada instituição social tem seu papel na
sociedade e o mau funcionamento numa instituição acarreta problemas em outras. A família foi
responsabilizada pelo desempenho negativo dos filhos. Na visão dos entrevistados, a escola só
pode desempenhar sua função se a família educar os discentes no lar. Os alunos devem treinar em
casa para que a aprendizagem ocorra efetivamente. Tal visão isenta os professores de refletirem
95

acerca de suas práticas, pois estas são vistas como apenas passivas aos processos sociais existentes
fora da escola.
Crítico da noção funcionalista da educação, Pierre Bourdieu (2000) desvela relações de
poder existentes no interior do campo educacional. A visão funcionalista de educação, apreciada
na fala dos professores, fruto de comunicação pedagógica particular, dissimula relações de poder
inerentes ao campo educacional e imputa culpa para agentes sociais que deveriam ser
beneficiados com o processo ensino-aprendizagem na escola. A família aposta na educação
escolar e por isso deveria beneficiar-se de suas benesses e não ser responsabilizada pelo
rendimento escolar dos dissentes. Principalmente, as famílias mais carentes economicamente
deveriam ter garantido o direito à educação e não serem culpabilizadas pelo mau desempenho
escolar de seus filhos.
Os professores afirmaram que a estrutura escolar é diferente nas duas redes de ensino e
afeta o interesse do aluno. A escola particular é adaptada para o aluno: a carga horária é maior e o
assunto é transmitido de modo mais rigoroso. A escola privada possui sistema disciplinar. Já na
escola pública, a estrutura não é confortável para o aluno, a carga horária é menor e a incidência
de greves compromete o aprendizado dos alunos porque o assunto da matemática não é lecionado
em sua totalidade. A escola pública não possui sistema disciplinar. Nesta visão fica bem clara a
relação entre classe social e educação. Eles percebem uma diferenciação no tratamento de alunos
da escola pública e escola privada.
A maioria dos professores afirmou não mudar a forma de ensinar em função da rede de
ensino por questões éticas. Eles afirmaram mudar sua prática em função das turmas, independente
da rede de ensino. Relataram também apenas adequarem-se à rede de ensino e não mudar a
prática docente, mas apenas variar a metodologia de ensino. Porém, parcela dos professores
afirmou mudar a prática docente em função das representações sociais que possuem sobre o aluno
das duas realidades. Eles afirmam que na rede privada é melhor ensinar porque os alunos são mais
disciplinados, absorvem o conteúdo melhor e são mais interessados. Os alunos da escola pública
são mais indisciplinados, absorvem menos o conteúdo e são desinteressados.
As duas atitudes tomadas pelos professores contribuem com o fracasso escolar porque não
são críticas do campo educacional. Para Bourdieu, quando os professores realizam a mesma
prática docente com indivíduos pertencentes a capitais culturais diferentes, negligenciam os
múltiplos habitus existentes na escola e acabam por exercer violência simbólica. Tal prática tende
a premiar o aluno que detém o capital cultural escolar na sua família. Contudo, diferenciar a
prática docente e simplificar os conteúdos, sob a justificativa de que alunos são públicos distintos
96

por questões familiares e econômicas, também é uma prática que distingue os alunos numa escala
hierárquica de competências e favorece os alunos da classe dominante.
As duas atitudes não analisam o problema fundamental que é a reprodução involuntária do
capital científico. Os professores e agentes da escola reproduzem o capital científico,
inadvertidamente porque foram educados para tal. O campo social como disposto obriga o
docente a reproduzir inconscientemente o capital científico. Não se trata de imputar culpas a
nenhum dos agentes escolares, mas demonstrar que suas práticas docentes reproduzem as
desigualdades de classe inerentes ao campo educacional. A reprodução ocorre de modo
imperativo, forçoso e sem a devida tomada de consciência por parte dos agentes pedagógicos. Há
uma dissimulação do campo de forças existentes no espaço social e os agentes pedagógicos são
vítimas de tal estratégia do poder.
A distorção idade-série foi explicada da seguinte forma: o aluno da escola pública é menos
acompanhado pela família, menos disciplinado, menos interessado nos estudos, necessita
trabalhar e por isso distorce mais nas séries. O aluno da escola privada é mais acompanhado pela
família, mais disciplinado, mais interessado e não necessita de trabalhar para sobreviver e,
portanto, distorce menos nas séries. A explicação sobre a distorção idade-série ajuda a produzi-la
porque as representações sociais constroem a realidade e produzem práticas no sujeito
conhecedor. As representações sociais partilhadas pelos professores sobre os alunos reforçam o
risco de abandono. As representações formam a visão de mundo do sujeito do conhecimento
através da objetivação e da ancoragem.
As representações sociais dos professores construídas acerca dos alunos são explicadas de
modo organizado e pretensamente transparentes ao sujeito conhecedor. As representações dos
professores naturalizam as prerrogativas do ensino conservador. Este modelo de ensino é parte do
realismo ingênuo dos professores, porque ele ganhou hegemonia no campo educacional. O
modelo de ensino conservador visa a reprodução do conhecimento científico. O capital científico,
hegemonicamente dominado pelo positivismo lógico, é reproduzido como o conhecimento
superior e legítimo.
O professor, formado num currículo positivista que torna superior a teoria sobre a prática,
apresenta os conteúdos científicos como prontos e acabados e o aluno memoriza conceitos,
definições e realiza sínteses. A metodologia consiste em aulas expositivas fundamentadas em
quatro pilares: escute, leia, memorize e repita. Utiliza fórmulas prontas fundamentadas na
repetição do conteúdo. A repetição é utilizada como caminho para aprendizagem. O conteúdo é
sequenciado, ordenado e fragmentado. A avaliação contempla questões que valorizam a
memorização, repetição e exatidão dos conteúdos (BEHRENS, 2003).
97

Os professores precisam romper epistemologicamente com essa representação social e a


prática de ensino dela derivada para produzirem novas representações sociais na escola. A ruptura
epistemológica, para o conhecimento praxiológico, obedece aos princípios da não-transparência e
o primado das relações sociais, ou seja, inicia a pesquisa rompendo com o individualismo
metodológico − que implica reconhecer a objetividade de causas estruturais − e a explicação
ilusoriamente diáfana do senso comum. Em contrapartida, o sujeito tem possibilidades de romper
com as forças impessoais da sociedade e abandonar a visão fatalista segundo a qual sua prática é
apenas passiva aos processos exteriores à escola. O habitus não é somente reprodutor do capital
cultural legitimado na sociedade. Ele tem possibilidades de produzir práticas e gostos novos. Para
Bourdieu, essa é a essência da ruptura epistemológica.
A ruptura epistemológica requer a ruptura pedagógica, como afirmou Bachelard (2010). O
ensino conservador, que prima pela repetição da lição, incorre no erro da premissa de que os
alunos entram em sala de aula sem conhecimento algum. A aprendizagem se daria pela repetição
exaustiva da lição. Porém, o aluno carrega consigo muitos conhecimentos ou lógicas próprias aos
seus capitais culturais familiares. Essa maneira costumeira de pensar, e seus consequentes
resultados, devem ser atacados para que seja introduzida uma nova forma de pensar. A
aprendizagem somente ocorrerá se a lógica anterior do discente for atacada e o método científico
ensinado. O método científico deve ser explicado e seguido pelo professor para que haja
aprendizagem − vigilância epistemológica constante. O professor deve se deter sobre uma espécie
de psicologia dos erros comuns que os indivíduos cometem (BACHELARD, 2010). Dessa forma,
o aluno aprende com os próprios erros.
Neste sentido, o racionalismo crítico de Karl Popper (1993) é imprescindível para nos
ensinar que a ciência inicia sempre com um problema do conhecimento anterior e nunca chega à
verdade, mas aproxima-se da realidade através de constantes refutações de seus próprios
conhecimentos. A matemática desenvolve-se da mesma forma que a descrição do progresso
científico descrito pelo epistemólogo citado. A matemática, quando se desenvolve no conjunto
dos naturais até o conjunto dos reais, produz uma espécie de autorrefutação constante de modo
que o conjunto superado torna-se subconjunto do seu sucessor. A matemática pode nos ensinar a
sermos sujeitos críticos constantes porque a superação do conjunto pelo outro se faz através da
crítica lógica ao anterior. O professor pode ensinar matemática, o método científico e produzir
indivíduos críticos capazes de utilizar o raciocínio lógico.
A crítica realizada por John Dewey (2010) ao ensino conservador consiste em afirmar que
ele não produz a experiência que leva ao desenvolvimento de experiências futuras, ou seja, as
experiências realizadas nesse ambiente não produzem aprendizagens futuras. Para Dewey, a
98

repetição da lição como metodologia para reproduzir o conhecimento acumulado no passado leva
à produção de uma experiência que não é capaz de desenvolver-se e aprisiona o indivíduo numa
espécie de doutrinação. Crítica semelhante é produzida por Feyerabend (1977) à ciência e suas
epistemologias propagandistas. Para o epistemólogo, o conhecimento científico (leia-se,
principalmente ciências naturais) é ensinado na escola como o mais importante e, por isso, utiliza
técnicas de lavagem cerebral, por exemplo, a repetição exaustiva dos conteúdos para inculca-los
nos alunos. Ele argumenta que a criança é muito nova para defender-se contra a doutrinação
recebida na escola. Deve haver uma separação entre ciência e Estado como no passado ocorreu a
separação entre este e a religião. Os dois autores concordam que o ensino conservador é
incompatível com os valores democráticos.
Feyerabend (1977) propõe como metodologia epistemológica o vale tudo. Tal ferramenta
metodológica afirma que a empiria não consegue avaliar a teoria adequadamente porque uma
pressupõe a outra, razão pela qual o experimento não consegue refutar ou confirmar
definitivamente as teorias. Para o físico, todas as teorias científicas são falhas e passíveis de
crítica. A única maneira de avaliar os conhecimentos obtidos é comparar com outros sistemas de
conhecimentos incompatíveis. Cada um apontará falhas no sistema teórico que se propõe atacar.
Os princípios do vale tudo − do qual ele chamou de contrarregras − são dois: o primeiro afirma
que se deve atacar a teoria mais estabelecida e defender a hipótese que foi refutada e o segundo é
que não há que se obedecer ao princípio de coerência numa teoria sob pena de favorecer a teoria
mais velha e não a melhor ou a mais lógica. Feyerabend (1977), à maneira de Kuhn (1991),
reconhece que os conhecimentos são incomensuráveis entre si e, deste modo, não há como avaliá-
los com base numa metodologia universal e única como gostaria o positivismo lógico ou
falsificacionismo de Popper (1993).
Todos os conhecimentos obtêm sucessos e fracassos. A ciência ocidental produz
propaganda forte de si mesma, comemora seus próprios sucessos e negligencia seus fracassos. Ela
ataca outros conhecimentos com base nos seus padrões de avaliação, aponta os fracassos e não
reconhece êxitos de outras formas de conhecimento. O epistemólogo afirma que o cientista, para
avaliar outros conhecimentos, conhece muito pouco deles e os julga a partir dos padrões
científicos. Para o filósofo da ciência, a escolha de uma teoria é completamente subjetiva e
individual. Quanto maior o acesso à teorias incompatíveis, maiores serão as chances de avaliar
por meio de comparações cada uma delas. Os conhecimentos devem ser avaliados internamente
sob o julgo de seus próprios padrões e a partir do crivo de outros sistemas de conhecimentos. Para
o autor, a ciência deve ser ensinada nas escolas como qualquer outro conhecimento e não como
superior ou melhor. Tal ensinamento deve dotar os alunos do poder de avaliação e escolha
99

individual. O vale tudo para Feyerabend (1991) é a metodologia mais democrática porque a
escola deverá oportunizar ao aluno reconhecer os conhecimentos relevantes para sua vida comum.
O vale tudo deu margens para a segunda ruptura epistemológica de Boaventura de Sousa Santos
(1989) que é aquela que capacita o conhecimento científico a dialogar com o senso comum.
O professor deve estar atento para a dupla ruptura epistemológica. A dupla ruptura
epistemológica criou um modelo de ciência novo. A nova ciência é pragmática, utilitária,
democraticamente distribuída e finalista; dota de sentido a existência do cidadão comum e,
sobretudo, quer ensinar aos indivíduos a decidirem bem os rumos de suas vidas individuais e
coletivas. Uma ciência próxima do senso comum e, portanto, criativa, prática, persuasiva;
competente linguisticamente e cognitivamente; que garante o sentimento de segurança individual
e coletiva; e que utiliza da retórica e metáfora para se fazer compreendida. A ciência que
acompanha o movimento das estruturas cognitivas dos indivíduos e assim os ajude a desenvolvê-
las. A ciência que sempre refuta seus conhecimentos porque desconfia das verdades estabelecidas
e sabe que a verdade é sempre construída. Deste modo, a ciência tem consciência de que é mais
importante problematizar os conhecimentos do que transmiti-los como verdadeiros (SANTOS,
1989).
Esta nova ciência requer uma transformação do modelo educacional. A dupla ruptura
epistemológica produz ruptura pedagógica com o ensino conservador. Este somente é possível
porque há a reprodução do capital científico como o conhecimento superior e legítimo. A
metodologia expositiva, com repetição exaustiva dos conteúdos, é o caminho por excelência da
inculcação do habitus produzido pelo capital científico. A escola que hoje despreza os múltiplos
habitus trazidos pelos alunos no âmbito familiar deverá capitalizar os conhecimentos do senso
comum e torná-los relevantes no campo educacional. A crítica epistemológica já mostrou que a
ciência não é superior às outras formas de conhecimento, como o senso comum, a filosofia e a
religião. Os conhecimentos comuns devem ser valorizados porque são úteis na vida prática e em
grande medida são frutos das práticas grupais cotidianas.
Lembre-se que a ciência não é tão distante das práticas triviais dos indivíduos, agindo por
sucessivas tentativas e erros, tal e qual as práticas cotidianas: ela deve ser vista como um senso
comum esclarecido. Os alunos valorizarão mais o conhecimento construído por eles. A prática
docente deve romper e ao mesmo tempo acompanhar o devir das práticas cotidianas. Ela deve
estar atenta constantemente para a dupla ruptura epistemológica. O segredo de uma prática
docente competente é a que consegue romper epistemologicamente, ao se movimentar em
consonância com o habitus dos alunos.
100

A avaliação deve ser termômetro para que o docente sempre reflita sobre sua prática. Ela
avalia o ensino e aprendizagem como um todo e não pode servir como instrumento de coação e
punição. A avaliação bem conduzida vai detectar o ponto de encontro entre a prática docente,
estruturas cognitivas e modos de investigações cotidianas.
A educação conservadora somente será ultrapassada se a escola coletivamente se repensar.
As escolas públicas, principalmente, devem começar produzindo um documento chamado de
Projeto Político Pedagógico, que é o instrumento que permite à escola se refletir como instituição
a todo o momento. A escola, através de um movimento coletivo, deve repensar principalmente
suas práticas docentes. Pode-se ser cerne dessa transformação paradigmática que está por emergir.
Em sociologia, através da imaginação sociológica, sabe-se que o micro e o macro estão
intimamente interrelacionados e, portanto, a atitude de pequenas transformações pode fazer uma
diferença na inspiração de futuros profissionais. A educação é local estratégico para promover
esta transformação. O esforço de mudar a prática docente influencia os alunos que serão alvos da
aprendizagem. Esta estratégia pode gerar uma reação em cadeia que anos depois ajudará na
transformação mundial.
Por fim, acredita-se nesta máxima: o bater de asas de uma borboleta na China pode causar
um furacão na América, ou seja, pequenos esforços de mudança em práticas docentes em escolas
públicas no Piauí podem gerar explosões revolucionárias no mundo.
101

REFERÊNCIAS

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_______. Decreto n° 5.154, 23 de julho de 2004. Regulamenta o 2° do art. 36 e os arts. 39 a


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104

APÊNDICE A: ROTEIRO DE PERGUNTAS

1. Quanto tempo você ensina matemática?


2. Quanto tempo você ensina nas duas redes de ensino? Como são essas experiências?
3. Qual rede de ensino você acha mais difícil ensinar matemática? Por quê?
4. Você acha que existe diferença de aprendizagem de acordo com a rede de ensino? Se a
resposta for positiva: Por que você acha que existe essa diferença? Qual rede de ensino o
aluno encontra mais dificuldade?
5. Comente como você vê o aproveitamento da disciplina matemática pelos alunos,
considerando a rede de ensino.
6. Os alunos de escola pública têm acesso aos mesmos conteúdos de matemática que os
alunos de escola particular? Justifique sua resposta.
7. Em que rede de ensino você observa que os estudantes estão mais empenhados na
disciplina de matemática? Há diferença? Em sua opinião: por que há diferença de empenho ou
dedicação entre os alunos das diferentes redes de ensino?
8. Estabeleça uma comparação entre os alunos de escola pública e os alunos de escolas
particulares.
9. Você acha que há professores matemática que mudam a forma de ensinar em decorrência
da rede de ensino?
10. Você muda sua forma de ensinar matemática em decorrência da rede de ensino? Por quê?
11. Em sua opinião, em qual rede de ensino existe o maior número de alunos com problema
de distorção idade-série? Há diferenças? Em sua opinião, porque você acha que existe essa
diferença?
12. Em sua opinião, porque existe distorção idade-série? Diferencie os motivos para distorção
idade-série em cada rede de ensino − pública e privada.
105

APÊNDICE B: PRÉ-ANÁLISE

O objetivo da técnica análise categorial é identificar as categorias que emergem das


respostas dos sujeitos pesquisados. As categorias surgidas das respostas dos professores
entrevistados construíram um corpus de análise das representações sociais. Tal corpus foi
construído a partir da quantificação das respostas sugeridas pelos indivíduos a cada pergunta.
As categorias emergidas da análise de conteúdo, através da técnica da análise categorial
foram: família, aluno e escola. Com o intuito de atender aos objetivos geral e específicos,
construiu-se um roteiro de perguntas abertas. O intuito era que os professores explicassem,
classificassem e identificassem os alunos das escolas públicas e privadas de Teresina, em
outras palavras, construíssem representações sociais acerca dos alunos.
O objetivo geral da pesquisa é analisar as representações sociais que os professores de
matemática compartilham sobre os estudantes das escolas públicas e privadas do Ensino
Médio de Teresina. Os objetivos específicos são: (1) identificar as representações sociais
compartilhadas por professores de matemática sobre os alunos do Ensino Médio público e
privado de Teresina; (2) identificar a influência que as representações sociais exercem sobre a
prática docente dos professores de matemática; (3) identificar as representações produzidas
pelos professores de matemática sobre os alunos em risco de abandono nas escolas públicas
de Teresina.

ROTEIRO DE PERGUNTAS
Com o objetivo de rastrear o tempo de ensino dos professores, foi elaborada a questão
um. O tempo é importante para saber consolidação de habitus e das representações
construídas pelos professores acerca dos alunos. Essa primeira questão tinha um objetivo de
ajudar a caracterizar o perfil do sujeito.

1. Quanto tempo você ensina matemática?


A segunda questão teve o objetivo de precisar a primeira para saber sobre o tempo nas
duas redes e iniciar um diálogo sobre as experiências nas duas redes de ensino. A questão teve
o propósito de iniciar a identificação das representações construídas pelos professores sobre
os alunos. Ajudando a atender ao primeiro objetivo específico.

2. Quanto tempo você ensina nas duas redes de ensino? Como são essas experiências?
106

Desta segunda questão interessaram as respostas para a segunda pergunta. Ela reporta
para o início de uma apreciação da representação sobre as duas realidades e indaga sobre as
experiências nas duas redes, em termos gerais. Dos dezenove entrevistados, dezessete
afirmaram que as experiências são diferentes. Apenas um deles afirmou não haver diferença
e um deles não respondeu.
As diferenças foram explicadas, através da seguinte forma: interesse dos alunos,
diferença de clientela – alunos −, cobrança por parte dos pais para com alunos, cobrança por
parte dos alunos para com professores, rebeldia dos alunos da rede particular, estrutura
familiar do aluno, sistema disciplinar na escola, exigência por parte dos pais para com o
aluno, indisciplina dos alunos, violência escolar, material escolar, diferença dos alunos,
interesses do aluno na progressão de níveis escolares, particularidades de cada rede de
ensino, base em termos de conteúdo por parte dos alunos e gestão escolar.
As repostas sugerem que as diferenças são estabelecidas numa escala hierárquica,
cujo padrão de ensino de excelência, no geral, está na escola privada. A realidade da escola
pública é vista, sobremaneira, em termos de precariedade quando comparada com a rede
privada de ensino. As respostas que mais se repetiram para explicar as diferenças foram
atreladas às famílias dos alunos. Deste modo, 73,684% das respostas reportaram-se às
famílias dos alunos para explicar as diferenças entre as escolas públicas e privadas. Estas
explanações, por sua vez, apontaram para as seguintes causas: cobrança dos pais para com os
discentes − falta dela na pública −, interesse dos estudantes e indisciplina dos alunos. Deste
universo, 42,857% responderam que a diferença se fazia pela cobrança dos pais para com os
alunos, 21,428% responderam que a diferença estava no interesse dos alunos e 14,285%
afirmaram a diferença em termos de indisciplina. Para a maioria dos entrevistados, os alunos
das escolas públicas são vistos como menos: cobrados pelos pais, disciplinados, interessados
em relação aos alunos das escolas privadas. Ressalte-se que um dos sujeitos afirmou que os
alunos da escola privada eram mais indisciplinados que os da rede pública. Veja-se a tabela
de causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas:

ALUNO ESCOLA PÚBLICA ESCOLA PRIVADA


Cobranças dos pais 42,8% Menos cobrados Mais cobrados
Interesse dos alunos 21,4% Menos interessados Mais interessados
Indisciplina do aluno 14,2% Mais indisciplinados Menos indisciplinados
107

Tabela 2 Causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas
Encontra-se a categoria família − cobrança dos pais − como o emblema principal para
explicar o sucesso ou fracasso escolar. A família é a principal responsabilizada pelas
diferenças no rendimento do aluno da escola pública e privada, segundo a fala dos
professores. Há a crença na relação entre rendimento escolar e cobrança familiar. Os alunos
da escola privada atingem melhores desempenhos educacionais porque são mais cobrados
pelos pais, segundo a fala desses professores. A relação entre família e rendimento escolar
adquire na fala dos professores entrevistados três versões: a primeira relaciona interesse do
aluno e acompanhamento familiar, a segunda afirma que o interesse é causado pelo
acompanhamento familiar mediante disciplina de estudos em casa, a terceira versão afirma
que pagamento de mensalidades na escola privada produz cobrança familiar e por sua vez
incide no rendimento do aluno. Na escola pública, os alunos não são acompanhados pelas
famílias por desestrutura familiar principalmente, segundo a fala dos professores.
A categoria aluno − interesse do aluno − foi o segundo emblema encontrado nas
respostas dos professores. A primeira explicação relaciona interesse, acompanhamento
familiar e pagamento de mensalidades. O interesse do aluno tem ligação causal com o
acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades na escola privada, segundo a fala dos
professores. O desinteresse do aluno da escola pública é explicado porque a família não paga
diretamente e consequentemente ela não cobra do aluno resultados. A segunda versão afirma
que o interesse do discente está ligado ao acúmulo de conhecimentos durante a vida escolar.
O aluno da escola privada tem maior rendimento escolar porque tem acúmulo de
conhecimentos e da escola pública tem menor rendimento porque não acumulou
conhecimentos. Outra versão dessa explicação afirma que o aluno da escola pública vai para
escola com interesse profissional. A explicação remete para um individualismo metodológico.
O interesse é obtido por cada aluno tomado individualmente sem relações com seu contexto
social e histórico.
A indisciplina − categoria aluno − emergiu das respostas dos sujeitos entrevistados
com as seguintes versões: a primeira afirma que os alunos da escola pública são mais
indisciplinados que alunos das escolas particulares porque a família não acompanha o aluno.
A escola pública não possui um sistema disciplinar e a escola privada possui o sistema
disciplinar. O rendimento do aluno é menor na escola pública porque são alunos mais
indisciplinados, em contra partida, o aluno da escola privada tem um rendimento maior
porque é mais disciplinado.
108

A terceira questão teve como objetivo aprofundar a questão anterior e identificar mais
precisamente as representações produzidas pelos professores acerca dos alunos nas escolas
públicas e privadas. A questão ajuda a aprofundar o primeiro objetivo específico por meio de
comparações das duas realidades. A comparação, além de ser um método das ciências sociais
por excelência, permite que, por meio de analogias −estilo de raciocínio do senso comum −,
identifiquem-se representações que os professores produzem acerca dos alunos das duas
realidades.

3. Qual rede de ensino você acha mais difícil ensinar matemática? Por quê?
Dos dezenove que responderam esta pergunta, onze afirmaram que é mais difícil na
rede pública; dos seis nas duas redes de ensino, um disse não haver dificuldades em nenhuma
das duas realidades e um assegurou sentir dificuldade por série − a prática docente no ensino
médio mais difícil que no ensino fundamental − e não por redes de ensino. Nenhum disse que
a maior dificuldade está na rede privada. Em termos percentuais, significa que 57,894% do
total de entrevistados respondem que a dificuldade maior concentra-se na rede pública, 31,
578% dos sujeitos entrevistados dizem ter dificuldades nas duas e 5.2631 diz não ter
dificuldades e 5.2631 diz que a dificuldade é por série. Observe-se a tabela a seguir:

57,8% dizem que dificuldade maior encontra-


se na pública
31 5% afirmam que a dificuldade encontra-se
nas duas redes de ensino
Tabela 3 Local mais difícil para ensinar matemática
Os onze entrevistados que responderam que a dificuldade maior está na rede pública
elencaram como motivos para sua existência: falta de acompanhamento familiar, indisciplina
do aluno, meios de aprender, acesso a livros, falta de interesse do aluno, material didático
diferenciado, estrutura escolar diferenciada, qualidade do conhecimento do aluno, carga
horária diferenciada, ciclo de aprovações em séries anteriores sem real aprendizagem. Em
termos de porcentuais, os motivos que mais apareceram foram: falta de acompanhamento
familiar e falta de interesse dos alunos, ou seja, 54,545% dos entrevistados apontaram que o
motivo para dificuldade se dá pela falta de acompanhamento familiar, 27, 272% apontaram
falta de interesse do aluno. Os 18,183% restantes ficaram divididos para os outros motivos
equitativamente. Analise-se a tabela que indica o percentual de motivos que indicam a maior
dificuldade nos alunos da escola pública:
109

Falta de acompanhamento familiar 54, 5%


Falta de interesse do aluno 27, 2%
Tabela 4Percentual de motivos que indicam a maior dificuldade nos alunos da escola pública
A falta de acompanhamento familiar − categoria família − é explicitada das seguintes
formas para explicar motivo que na escola pública é mais difícil lecionar: a falta de
acompanhamento familiar, o não-cumprimento das tarefas em casa acarretam maior trabalho
para o professor em sala de aula na escola pública, em contrapartida, na escola particular os
alunos cumprem suas tarefas e a aula fica mais acelerada; a falta de acompanhamento
familiar tem um impacto na disciplina do aluno e torna mais difícil o trabalho docente em
sala de aula; a falta de acompanhamento familiar por causa da sua desestrutura e não cria
rotina diárias de estudos em casa e por isso o trabalho docente é mais lento; na escola pública
os pais dos alunos não pagam e por isso não cobram de seus filhos. Na escola pública os
alunos dependem de si. Os alunos têm menos conhecimento porque são menos
acompanhados pelos pais e dificulta o trabalho em sala de aula.
O interesse do aluno − categoria aluno – tem as seguintes versões, no intuito de
explicar a dificuldade na escola pública: o interesse do aluno está ligado ao acompanhamento
familiar, rotina de estudos, disciplina do aluno. Há a versão que diz que a diferença nas duas
redes é no interesse dos próprios alunos, tomados individualmente.
Dos seis que responderam que as dificuldades apresentam-se nas duas redes,
apresentaram os seguintes motivos para suas respostas: na rede pública em específico não há
sistema disciplinar; os alunos não têm base para assimilar os conteúdos; a matemática é uma
disciplina estigmatizada; os alunos estão na mesma idade; matemática é difícil de assimilar;
existem alunos desinteressados nas duas realidades; a variedade de alunos é muito grande que
impossibilita a comparação e nas duas existem alunos que querem e não querem nada; 33%
dos seis apontaram para a dificuldade da disciplina; e 50% afirmaram que existem alunos
interessados e desinteressados nas duas redes. Os 16,667% restantes distribuíram-se entre os
outros motivos. Leia-se o que indica a tabela abaixo:
Interesse do aluno 50%
Dificuldade na disciplina matemática 33%
Tabela 5 Motivos para as dificuldades nas duas redes de ensino
O interesse do aluno − categoria aluno − explica não haver diferença de dificuldade
das duas redes de ensino porque depende do interesse do aluno e a disciplina matemática
110

explica a dificuldade nas duas redes e por isso não é possível estabelecer a diferença em
ambas.
A quarta questão teve o escopo de comparar as representações sobre os alunos em
termos de aprendizagens nas duas realidades de ensino. Ressalte-se que a comparação é um
método científico e alude para uma classificação por analogia acerca dos alunos. A questão
específica permite precisar a sua visão acerca da aprendizagem dos alunos. Atende ainda ao
primeiro específico.

4. Você acha que existe diferença de aprendizagem de acordo com a rede de ensino? Se a
resposta for positiva: Por que você acha que existe essa diferença? Qual rede de ensino o
aluno encontra mais dificuldade?
Dos dezenove entrevistados, dois sujeitos não responderam à pergunta e quatorze
afirmaram haver a diferença de aprendizagem entre os alunos da escola pública e estudantes da
escola privada. Todas respostas desse universo de quatorze indivíduos afirmaram que os alunos
das escolas privadas aprendem com mais facilidade que os da pública. O aluno da pública está
em desvantagem em relação ao aluno da privada em termos de aprendizagem, segundo estes
entrevistados.
Segundo os mesmo sujeitos, as causas para que este fenômeno ocorrer são as seguintes: o
aluno da escola pública não treina em casa; não é cobrado pela família; é indisciplinado; ausência
dos pais; falta de investimento; a instituição escola; falta de base familiar; questões políticas;
aluno sem base de séries anteriores; desinteresse; desestímulo do professor e do aluno; questões
de infraestrutura; falta de laboratórios; gestão financeira escolar; poder aquisitivo das famílias;
estrutura das famílias; público mais heterogêneo na pública; material diferenciado; motivação
profissional; cobrança menor do professor na pública pela instituição de ensino; a noção de
público e privado adquirido pelos indivíduos das duas realidades e pais de alunos; políticas
públicas que não trabalham a família e tão somente a qualificação de professores; greves na escola
pública; medo de não aprender a disciplina; problema de criação dos filhos; problema de gestão
escolar; e descaso do poder público.
Em termos percentuais, 73,684% dos entrevistados afirmaram existir diferença na
aprendizagem dos alunos das duas realidades e esse percentual asseverou que a escola pública tem
mais alunos com dificuldades. Das causas apontadas, as mais frequentes foram: falta de
acompanhamento familiar; interesse do aluno; estrutura da escola pública; e situação financeira
das famílias dos alunos. Percentualmente, 85,714% dos sujeitos apontaram o acompanhamento
familiar como a causa da dificuldade de aprendizagem. Seguiu-se a esta o interesse do aluno,
111

apontado por 21,428% dos sujeitos; estrutura da escola pública apontada por 21,428% dos
entrevistados; motivação dos alunos e dos professores registrada por 14, 285% dos sujeitos; e a
questão financeira das famílias teve o mesmo percentual 14,285%. Veja-se a tabela a seguir:

Falta de acompanhamento familiar 85,7%


Falta de interesse do aluno 21,4%
Estrutura da escola pública 21,4%
Motivação do aluno e do professor 14,2%
Questão financeira das famílias dos alunos 14,2%

Tabela 6 Diferença de aprendizagem entre os alunos da escola pública e privada


A falta de acompanhamento familiar − categoria família − explica para esses indivíduos a
diferença de aprendizagem dos alunos nas duas redes da seguinte forma: os alunos da escola
pública aprendem menos porque não treinam em casa e não são acompanhados. De igual modo, o
aluno é indisciplinado nos estudos porque não é acompanhado em casa. A cobrança está ligada ao
interesse que, por sua vez, está diretamente relacionado à aprendizagem. O poder aquisitivo das
famílias incide diretamente na falta de cobrança e, como consequência, afeta a aprendizagem. O
aluno da escola pública é menos interessado porque é menos cobrado. O problema está na criação
dos pais.
O emblema interesse do aluno − categoria aluno − explica a diferença de aprendizagem
nas duas redes de ensino da seguinte forma: na primeira versão, o interesse do aluno está ligado ao
acompanhamento familiar; outro discurso atribui o interesse do aluno à questão financeira da
família que valoriza apenas o que paga diretamente; o interesse está relacionado à estrutura da
escola e o interesse do aluno depende dele enquanto indivíduo.
A estrutura da escola − categoria escola − explica o interesse no sentido da carga horária,
greve que compromete o cumprimento da carga horária, valorização do profissional da educação
e sistema disciplinar na escola. A motivação dos alunos − categoria aluno e categoria professor −
incide na aprendizagem porque a família acompanha ou deixa de acompanhar. A motivação está
ligada à questão financeira do aluno e dos professores e a motivação ligada à estrutura da escola.
A questão financeira do aluno − ligada à categoria família − recai na aprendizagem do
aluno porque a família não valoriza a educação, apenas valoriza aquilo que paga. O sucesso
escolar dos alunos da escola privada reside numa cobrança maior porque os pais pagam a
mensalidade de uma escola.
112

Dois dos dezenove sujeitos, afirmaram não haver diferença de aprendizagem e elencaram
os seguintes motivos: eles têm as mesmas capacidades e assim, o problema é na cobrança
familiar, existem alunos com dificuldades nas duas redes e essa questão é relativa.
A quinta questão teve como objetivo identificar as representações dos alunos das duas
realidades em termos de aproveitamento na disciplina matemática sempre por meio de
comparações e analogias. A questão teve como objetivo ajudar a atender de modo mais claro o
primeiro objetivo.

5. Comente como você vê o aproveitamento da disciplina matemática pelos alunos,


considerando a rede de ensino.
Quanto ao aproveitamento, dos dezenove entrevistados, doze afirmaram haver diferença
entre os alunos da escola pública e privada e sete sujeitos afirmaram não perceber a diferença. Os
doze sujeitos que afirmaram a diferença explicam-na tendo como padrão de excelência a escola
privada. A escola pública é vista como precária e carente em relação à escola privada. Eles
elencaram como motivos para a diferença de aproveitamento entre as redes de ensino: a cobrança
dos pais; treino em casa; disciplina de estudo; interesse do aluno; perspectivas de progressão de
estudos futuros; base do aluno; valorização da educação; cobrança do aluno; dificuldade da
disciplina − matemática como Bicho-papão −; e ausência de uma cultura do raciocínio lógico.
Dos doze sujeitos, seis afirmaram que o motivo é a falta de cobrança dos pais; cinco afiançaram
que o interesse do aluno é importante; três afirmaram a disciplina de estudos em casa; e dois que a
base do aluno é a causa.
Em termos percentuais, 63,157% dos entrevistados afirmaram que existem diferença no
aproveitamento da disciplina. Desse percentual de sujeitos, 50% assegurou que o motivo é a
cobrança dos pais, 41,666% apontou que o interesse do aluno é um fator importante para haver
essa diferença, 25% mencionou que se deve à disciplina de estudo do aluno e 16,666% que a base
do conhecimento do aluno em séries anteriores é a causa para haver a diferença. Observe-se a
tabela:

Falta de cobrança dos pais na escola pública 50%


Falta de interesse do aluno do aluno da escola 41,6%
pública
Falta de disciplina de estudos do aluno da 25%
escola pública
113

Falta de base de conhecimento em séries 16%


anteriores do aluno da escola pública
Tabela 7 Aproveitamento da disciplina matemática pelo aluno de escola pública e pelo aluno de
escola particular
O aproveitamento realizado pelo aluno da escola pública na disciplina matemática está
ligado à falta de cobrança dos pais − categoria família – e na escola pública há as seguintes
versões: os pais cobram menos e por isso o aproveitamento é menor; os alunos treinam menos em
casa porque não são cobrados pelos pais; a ausência de cobrança acarreta falta de disciplina; a
cobrança dos pais eleva o interesse dos alunos; e a ausência de cobrança dos pais porque não têm
base e não valorizam a educação.
O aproveitamento realizado pelo aluno da escola pública na disciplina matemática quando
está ligado à falta de interesse do aluno − categoria aluno − da escola pública foi explicitada as
seguintes versões: a falta de cobrança dos pais acarreta a falta de interesse dos alunos na escola
pública, o aproveitamento na disciplina não é bom porque o aluno não se interessa em estudar e
carece de interesse pela matemática como disciplina.
O aproveitamento realizado pelo aluno da escola pública na disciplina matemática quando
está ligado à falta de disciplina do aluno − categoria aluno − adquire as seguintes versões: o aluno
é indisciplinado porque não está sendo acompanhado pela família ou porque é indisciplinado.
O aproveitamento realizado pelo aluno da escola pública na disciplina matemática quando
está ligado à falta de conhecimento do aluno − categoria aluno − tem as seguintes versões: o aluno
não tem base de conhecimentos em séries anteriores porque não é acompanhado pela família;
porque não treina em casa − falta de disciplina de estudos −; e porque não é interessado.
Os sete que asseveraram não haver diferença elencaram como motivos: depende do aluno;
falta de sistema disciplinar nas duas escolas; prática docente inadequada; transformações na
disciplina matemática; formação do professor; ajuste curricular no ensino médio; e desinteresse
dos alunos. Dois deles elencaram a prática docente inadequada e o desinteresse do aluno. Em
termos percentuais, 36,842% dos sujeitos entrevistados afirmaram não haver diferença e os
motivos que mais apareceram foram a prática docente inadequada e o desinteresse dos alunos nas
duas realidades, que representam 28.571% para cada motivo. Ver tabela abaixo:

Prática docente inadequada 28,5%


Desinteresse dos alunos 28,5%
Tabela 8 Fatores que influenciam o aproveitamento do aluno
114

A sexta questão teve como objetivo saber sobre o acesso dos alunos aos mesmos
conteúdos da disciplina matemática. Almejou-se rastrear se os dois públicos têm acesso aos
mesmos conteúdos, embora sendo de realidades diferentes. Assim, saber se o aproveitamento e
aprendizagem dependem, no atual momento, do acesso ao conteúdo nas duas redes de ensino.

6. Os alunos de escola pública têm acesso aos mesmos conteúdos que os alunos de escola
particular? Justifique sua resposta.
Dos dezenove sujeitos, nove afirmaram que os alunos possuem acesso aos mesmos
conteúdos nas duas redes de ensino; um não respondeu a questão; um respondeu que depende do
professor; e oito responderam que o acesso aos mesmos conteúdos é diferenciado. Os sujeitos que
afirmaram não haver diferença de conteúdo nas duas redes elencaram os seguintes motivos: as
duas redes abrangem os mesmos programas; igual acesso à internet; são os mesmos livros e têm
os mesmos conteúdos. Os livros e os conteúdos são apontados como principais motivos. Cinco
entrevistados falaram que os livros são os mesmos e dois afirmaram que os conteúdos são
idênticos.
Os sujeitos que afirmaram haver diferença elencaram os seguintes motivos para explica-
la: o trabalho do professor comprometido; os alunos são relapsos com as tarefas de casa; diferença
do livro didático; assunto simplificado na escola pública; professor não pode acelerar na púbica
porque os alunos não acompanham; os alunos não se adaptam aos padrões da escola, mas sim o
professor; dificuldade de assimilação do aluno da escola pública; greve; estrutura escolar; e carga
horária menor. A greve na escola pública, carga horária menor e os assuntos mais simplificados
foram as causas mais apontadas para a diferença nos conteúdos. Dois sujeitos afirmaram que a
greve é uma das causas. Outros dois sujeitos afirmaram que a carga horária é um dos fatores e
dois, ainda, afirmaram que o conteúdo é mais simplificado.
Em termos percentuais, 42.105% dos entrevistados responderam que existe diferença no
conteúdo e 47, 368% dos sujeitos disseram o contrário, que não há.. Do primeiro grupo, 25%
afirmou que a greve é uma das causas, 25% apontou a carga horária e 25% assegurou que era a
simplificação do conteúdo na escola pública. Dos entrevistados que disseram que os alunos têm
acesso aos mesmos conteúdos, 55% dos entrevistados apontou como causa ter os mesmos livros e
22 % afirmaram ter o mesmo conteúdo. Leia-se as tabelas:

Dos sujeitos que 25% afirmou a greve 25% afirmou que é a 25% afirmou que a
afirmaram haver na escola pública diferença de carga simplificação dos
115

diferença como causa horária nas duas redes conteúdos na rede


de ensino como causa pública como causa
Dos que não 55,5% afirmou como 22,2% afirmou que ter
afirmaram não haver causa acesso aos acesso aos mesmos
diferença mesmos livros conteúdos.
Tabela 9 Acesso aos conteúdos de matemática

A sétima questão teve como objetivo saber as representações que os professores produzem
sobre os alunos em termos de empenho nas escolas públicas e particulares do ensino médio,
sempre por meio de analogias e comparações. Atende ainda ao primeiro objetivo específico.

7. Em que rede de ensino você observa que os estudantes estão mais empenhados na disciplina de
matemática? Há diferença? Em sua opinião: porque há diferença de empenho ou dedicação entre
os alunos das diferentes redes de ensino?
Doze entrevistados relataram haver diferença de empenho e seis asseguraram não haver
diferença de empenho. A escola privada foi apontada como a rede na qual os alunos estão mais
empenhados. O primeiro grupo elencou como causas para a diferença: fatores financeiros
familiares dos alunos da escola privada; cobrança maior da família para com alunos da escola
privada; na escola pública os alunos não acreditam na educação; desestrutura familiar dos alunos
da escola pública; droga na família; violência familiar; a família dos alunos não acredita na
educação; e o interesse dos alunos. Oito dos doze apontaram como causa a cobrança da família;
quatro apontaram fatores financeiros e três relataram como causa o interesse dos alunos. Em
termos percentuais, do total de entrevistados, 63, 157% apontou a diferença de empenho nos
alunos das duas redes. Desse percentual, 66% elencou a cobrança dos pais como causa, 33%
fatores financeiros da família dos alunos e 25% assinalou como causa o interesse dos alunos.
Observe-se tabela abaixo:

Cobrança dos pais como causa 66,6%


Fator financeiro familiar como causa 33,3%
Interesse dos alunos como causa 25%
Tabela 10 Empenho do aluno
O empenho do aluno da escola pública na disciplina matemática quando está relacionado
à cobrança dos pais − categoria família: os pais cobram menos e por isso o empenho é menor na
escola pública; os alunos treinam menos − disciplina de estudos − em casa porque não são
116

cobrados pelos pais; a ausência de cobrança acarreta a falta de disciplina; a cobrança dos pais
eleva o interesse dos alunos; a falta de cobrança dos pais porque não têm base e não valorizam a
educação.
A falta de empenho do aluno da escola pública na disciplina matemática quando está
ligado ao fator financeiro − categoria família − é explicitado dos seguintes modos: o fator
financeiro acarreta em menor cobrança por parte dos pais dos alunos. Os pais dos alunos da escola
pública não investem em educação e por isso cobra pouco dos filhos.
Sobre empenho do aluno da escola pública na disciplina matemática quando está ligado à
falta de interesse do aluno da escola pública − categoria aluno −, foram explicitadas as seguintes
versões: a falta de cobrança dos pais acarreta a falta de interesse dos alunos na escola pública; o
empenho na disciplina não é bom porque o aluno não se interessa em estudar e falta de interesse
pela matemática como disciplina
Os seis que relataram não haver diferença apontaram como motivos: a disciplina é difícil
nas duas redes; as diferenças estão nos objetivos dos alunos, independente da rede de ensino;
existem interessados e desinteressados nas duas redes; e o aluno da escola pública tem mais
responsabilidade. Desse percentual, três professores afirmaram ser a disciplina difícil e dois
apontaram que a diferença recai nos objetivos dos alunos, independente da rede. Em termos
percentuais, 31, 578% dos professores afirma não haver diferença no empenho. Desse percentual,
50% acredita que a disciplina é difícil nos dois seguimentos de ensino e 33% afiança que a
diferença está nos objetivos dos alunos tomados individualmente.

Disciplina matemática é difícil 50%


A diferença nos objetivos dos alunos 33,3%
Tabela 11 Motivos para a diferença de empenho dos alunos
A disciplina matemática é considerada difícil nas duas redes e a diferença encontra-se nos
alunos concebidos como indivíduos autônomos, portanto, não por rede de ensino.
A oitava questão teve como objetivo que o professor fizesse uma comparação diretamente
dos alunos das duas realidades. Depois de respondidas as questões anteriores, os professores
seriam capazes de sintetizar suas representações sobre os alunos. Atende os primeiro objetivo
específico.

8. Estabeleça uma comparação entre os alunos de escola pública e os alunos de escolas


particulares.
117

Dos dezenove sujeitos, dois entrevistados não apontaram a diferença ao realizar o


paralelo entre os alunos da escola pública e alunos da escola particular. Dezessete entrevistados
apontaram a diferença ao fazer o paralelo. Os alunos da particular receberam as seguintes
designações: menos dificuldade, mais disciplinados, maior aproveitamento, melhores condições,
menor dificuldade financeira, chances melhores, mais acompanhamento familiar, mais cobrado
pela família, alunos mais homogêneos, não trabalham, bem alimentados, têm acesso a todos os
conteúdos, sabem seus direitos, mais interessados, mais pressionados na escola, não usam
celulares em aula, mais dedicados, possuem mais base em termos de conteúdo e contato maior
com a cultura erudita. Quatro indivíduos apontaram que os alunos da escola privada são mais
acompanhados pela família, outros quatro afirmaram que os alunos das escolas privadas são mais
cobrados pela família, três elencaram que os alunos das escolas particulares são mais
disciplinados, dois asseguraram que eles têm menor dificuldade e dois disseram que esses alunos
encerram mais base em termos de conteúdo.
Os alunos da escola pública foram classificados como: com mais dificuldade, menos
aproveitamento, menos possibilidades, menos chances, menor condição financeira, menos
acompanhados pela família, menos disciplinados, menos cobrados pela família, falta de incentivo
na escola, público mais heterogêneo, não percebem a importância da educação, não incentivados
pelo poder público, não têm acesso a todos os conteúdos, menos interesse e menos dedicação.
Para os alunos das escolas públicas, sete entrevistados apontaram acompanhamento familiar, sete
apontaram menos cobrança da família, dois sugeriram menos interesse, dois apontaram a menor
condição financeira, dois apontaram menor aproveitamento e dois sugeriram alunos com mais
dificuldade.
Dois entrevistados não viram as diferenças nos alunos e apontaram como problemas:
diferença na postura do professor, falta de rendimento, interesse e uso tecnologias nas duas redes e
diferença é no sistema de ensino.
Em termos percentuais 89, 473% dos entrevistados fizeram o paralelo dos alunos notando
diferenças entre os estudantes de escola pública e de escola privadas. 23,5% dos indivíduos
apontaram que os alunos da escola privada são mais acompanhados pela família, 23,5%
apontaram que os alunos das escolas privadas são mais cobrados pela família, 17, 647%
apontaram que os alunos das escolas particulares são mais disciplinados, 11,75% apontaram que
eles tem menor dificuldade e 11,75% apontaram que esses alunos tem mais base em termos de
conteúdo. Para os alunos da escola pública obteve-se a seguinte configuração: 41,1% desses
mesmos entrevistados apontaram que os alunos das escolas públicas são menos acompanhados
pela família, 41,1% dos entrevistados apontaram que esses alunos são menos cobrados pela
118

família, 11,77% sugeriu menos interesse por parte dos alunos das escolas públicas, 11,77%
apontaram a menor condição financeira dos alunos, 11,77% apontaram que os alunos das escolas
públicas têm um menor aproveitamento e 11,77% sugeriram alunos com mais dificuldade. Os
entrevistados que não diferenciaram os alunos das duas redes representam em termos percentuais
10,5% do total de entrevistados. Veja-se o quadro a seguir:

ALUNOS DA ESCOLA PRIVADA ALUNOS DA ESCOLA PÚBLICA


Mais acompanhados pela família 23,5% Menos acompanhados pela família 41,1%
Mais cobrados pela família 23,5% Menos cobrados pela família 11,7%
Mais disciplinados 17,6% Menos interessados 11, 7%
Têm menor dificuldade 11,7% Menor condição financeira 11,7%
Têm mais base em termos de conteúdo11, 7% Menor aproveitamento 11, 7%
Mais dificuldade 11,7%
Tabela 12 Paralelo entre os alunos de escola pública e os alunos de escolas particulares

As explicações mais correntes afirmam que os alunos das escolas particulares são: mais
acompanhados e mais cobrados pela família − categoria família − e, por isso são mais
disciplinados − categoria aluno −, têm menor dificuldade para compreender conteúdo − categoria
aluno − e adquirem uma maior base no conteúdo − categoria aluno.
As explicações afirmam que os alunos das escolas públicas são menos acompanhados e
cobrados pelos pais − categoria família − e, por isso, são menos interessados − categoria aluno −,
possuem menos aproveitamento − categoria aluno − na disciplina e apresentam mais dificuldade
− categoria aluno − para absorver o conteúdo da disciplina matemática.
A nona questão teve como objetivo identificar se, em função da representação dos
professores acerca dos alunos, os professores mudam sua forma de ensinar. Essa questão teve
como meta atender ao segundo objetivo específico.

9. Você acha que há professores de matemática que mudam a forma de ensinar matemática em
decorrência da rede de ensino?
Doze professores responderam que existem professores que mudam a forma de ensinar
conforme a rede de ensino e sete afirmaram saber não conhecer professores que mudam a forma
de ensinar. Foram apontados como motivos para mudança: preparo do aluno, aproveitamento do
aluno, conteúdos diferentes, adequação do professor à realidades diferentes, diferença de
119

aprendizagem entre os alunos, dificuldade na rede pública, diferença no rendimento do aluno,


mais conforto do professor na rede pública para ministrar os conteúdos da forma que deseja,
diferença de desempenho dos alunos e divergência do ritmo da escola. Cinco sujeitos apontaram
como causa da mudança a diferença do preparo dos alunos, quatro dos entrevistados apontaram
como causa da mudança da prática docente a alteração do aproveitamento dos alunos, três
comentaram a diferença de aprendizagem do aluno, três o maior conforto do professor em
ministrar o conteúdo na rede pública da forma como preferem e dois a mudança em função da
diferença de conteúdo.
Sete entrevistados afirmaram não conhecer as pessoas que mudam. Elencaram como
motivos para não mudar: a não congruência entre as concepções de professores e alunos, a
continuação da matemática, a falha ética ao se fazer essa distinção entre os alunos, o melhor
empenho do aluno na rede pública às vezes e por último porque numa realidade, o aluno se
adéqua na privada e o professor se adequa na realidade pública. Três afirmaram que não mudam
por problemas éticos e dois afirmaram que a matemática é a mesma.
Em termos percentuais, 63,157% dos entrevistados responderam que existe professores
que mudam a forma de ensinar em função da rede de ensino. 41, 666% sujeitos apontaram como
causa da mudança em função da diferença do preparo dos alunos; 33% dos entrevistados
apontaram como causa da mudança da prática docente a diferença do aproveitamento dos alunos;
25% comentaram a causa da mudança em função da diferença de aprendizagem do aluno; 25%
apontaram como causa que o professor sente-se mais confortável da maneira que deseja para
ministrar o conteúdo na rede pública e 16,666% afirmaram que os professores mudam em função
da diferença de conteúdo. 36,842% dos professores afirmaram que não conhecem professores que
mudam e 28,57% afirmaram que não mudam porque a disciplina matemática é a mesma nas duas
redes. Leia-se a tabela a seguir sobre os fatores apontados para diferença na prática docente nas
duas redes de ensino:

Mudança da prática docente em função da 41,6%


falta de preparo do aluno dos alunos da escola
pública
Mudança da prática docente em função do 33,3%
aproveitamento do aluno de cada rede de
ensino
Mudança da prática docente em função da 25%
120

diferença de aprendizagem de cada rede de


ensino
Ministra aulas de modo confortável na escola 25%
pública
Ministra aula em função da diferença de 16,6%
conteúdo das duas redes de ensino
Tabela 13 Mudança na forma de ensinar matemática conforme a rede de ensino

A mudança da prática em função aluno − categoria aluno − decorre de o aluno da escola


pública ter menos preparo, aproveitamento e aprendizagem. A mudança da prática docente em
função do aluno da escola privada ocorre porque ele é mais preparado, o aproveitamento é melhor
e consequentemente a aprendizagem também. Mudança da prática docente em função da rede de
ensino − categoria escola − decorre de a carga horária ser menor e o professor se sentir menos
cobrado na escola pública. Na escola pública, o conteúdo foi comprometido porque a carga
horária é menor e a prática docente muda em função das greves. Na escola particular, os
professores e os alunos são mais cobrados e a carga horária é cumprida de forma rigorosa.
A décima questão teve como objetivo de identificar se em função da representação dos
professores acerca dos alunos, os docentes mudam sua forma de ensinar. Essa questão teve como
escopo atender ao segundo objetivo específico.

10. Você muda sua forma de ensinar matemática em decorrência da rede de ensino? Por quê?
Doze entrevistados responderam que não mudam conforme a rede de ensino e seis afirmaram que
mudam a forma de ensinar de acordo com rede de ensino. Os seis professores que relataram a mudança
elencaram como motivos: falta de base dos alunos da rede pública, adequar-se à realidades diferentes, criar
situações na rede pública para chamar a atenção dos alunos na rede pública, falta de compromisso dos
alunos da rede pública e interferência pedagógica da escola. Dois deles elencaram adequação de realidade.
Os doze que relataram não mudar a forma de ensinar o fizeram por que: existem exigências diferentes, o
que muda é a base do aluno e não a forma de ensinar, muda por turma e não por rede, não muda a forma de
ensinar por questões éticas, a organização do conteúdo no quadro é igual, tem que atender às necessidades
dos dois públicos e os alunos gostam das aulas independente da rede. Dois deles afirmam mudar por turma
e não por rede. Em termos percentuais, 31,578% dos entrevistados afirmaram mudar em função da rede de
ensino e 63, 157% afirmaram não mudar. 33% dos professores que responderam que mudam a forma de
ensinar deram como motivo elencaram questões de adequação às diferentes realidades. 16,666% dos
respondentes que mudam em função da turma, mas não da rede de ensino.
121

Os professores mudam em função da rede de 31,5% adequação a realidade de cada rede de


ensino ensino
Os professores não mudam em função da rede de 16,6% mudam em função da turma nas duas redes
ensino de ensino.
Tabela 14 Variação na forma de ensinar matemática conforme a rede de ensino
A maioria dos professores afirmou não mudar a prática docente por questões éticas. Os que
afirmaram mudar alegam que o fazem em função das turmas em nível de amadurecimento dos alunos.
A décima primeira questão teve como objetivo saber o conhecimento construído do professor
acerca dos alunos em risco de abandono. Esse índice é medido pela distorção idade-série. Teve como
propósito atender ao terceiro objetivo específico.

11. Em sua opinião, em qual rede de ensino existe o maior número de alunos com problema de distorção
idade-série? Há diferenças? Em sua opinião, porque você acha que existe essa diferença?
Dezessete entrevistados afirmaram ser na rede pública e dois relataram não haver diferença.
Quando indagados acerca dos motivos da diferença elencaram: não acompanhamento da família, usos da
tecnologia, falta de acompanhamento extraclasse, condição financeira, necessidade de trabalho, paternidade
e maternidade precoce, a escola pública absorve todos os alunos, políticas públicas de acesso, usos de
drogas, desistências, faltas, aluno que mata a aula, falta de interesse dos alunos e falta de trabalho
pedagógico. Cinco entrevistados elencaram falta de acompanhamento familiar, quatro deles afirmaram que
os alunos sentem necessidades de trabalho e outros quatro asseveraram que a escola pública absorve todos
os tipos de alunos. Os dois que afirmaram não haver diferença atribuem ao acesso às mesmas tecnologias,
têm acesso aos mesmos conteúdos e a variação é pela idade e não pela rede de ensino. Em termos
percentuais, 89,473% dos entrevistados afirmaram que a distorção maior está na rede pública. Pelas suas
respostas, os motivos para distorção idade-série estar na rede pública são: 29,41% dos entrevistados
elencaram falta de acompanhamento familiar, 23,529% deles afirmaram que os alunos sentem
necessidades de trabalho e 23,529% deles asseguraram que a escola pública absorve todos os tipos de
alunos. 10,526%afirmaram não haver diferença na distorção idade-serie por rede de ensino. Veja-se a
tabela a seguir:

Falta de acompanhamento familiar 29,4%


Necessidade de trabalho 23,5%
Publico massificado da escola pública 23,5%
122

Tabela 15 Distorção idade-série


A distorção idade-série é explicada em função do acompanhamento familiar − categoria família −
do aluno. O aluno da escola pública é menos cobrado, menos disciplinado, tem menos conteúdo, tem
menos interesse e por isso distorce mais nas séries. O aluno da escola privada distorce menos porque é mais
cobrado, mais disciplinado, tem mais conteúdo.
A distorção idade-série é explicada em função da necessidade de trabalho − categoria família. O
aluno da escola pública tem que ajudar em casa, pois trabalha e estuda, e por isso distorce mais que alunos
das escolas particulares. Os alunos da escola particular estão dispensados do trabalho e têm mais horas para
o estudo.
A distorção idade-série é explicada em função da maior massificação da escola pública. Ela é
obrigada a receber um público mais diversificado e a escola privada faz uma triagem porque a mensalidade
já exclui.
A décima segunda questão teve como objetivo aprofundar a questão anterior e precisar melhor a
representação acerca do aluno em risco de abandono. Teve como propósito atender ao terceiro objetivo
específico.

12. Em sua opinião, porque existe distorção idade-série? Diferencie os motivos para distorção idade-série
em cada rede de ensino − pública e privada.
As respostas elencadas como motivos para distorção-série fora,: falta de domínio de conteúdo, não
acompanhamento da família, pobreza dos alunos, falta de informação dos pais que atrasam na matrícula do
aluno na idade certa, os pais na pública não se importam com as reprovações dos alunos, necessidade de
trabalho na escola pública, na particular ocorre quando a escola não detecta problemas cognitivos, não tem
sistema disciplinar na escola pública, o aluno não tem tempo de estudar na pública, poder psicológico para
ajudar os filhos, perda do ano letivo, dificuldade do aluno da escola pública, o aluno e sua família não
priorizam a educação, não aproveitamento nas duas redes e qualidade da oferta educacional.
Na privada não existe distorção porque o pai prioriza a educação, compra material, obriga o filho a
estudar, o aluno é acompanhado, poder aquisitivo que permite e quando há distorção são problemas
familiares, problemas de saúde e mudança de escola. Dezesseis indivíduos responderam essa questão e sete
dos sujeitos afirmaram que o aluno não é acompanhado na escola pública pelos pais. Quatro entrevistados
afirmaram que o aluno da escola pública tem necessidade de trabalhar e dois afirmaram que se devia ao
poder aquisitivo do aluno e de sua família. Três indivíduos não responderam porque julgaram tê-la
respondido no quesito anterior. Em termos percentuais, 84.210% dos sujeitos entrevistado responderam
essa pergunta e 43,75% entrevistados que o aluno não é acompanhado na escola pública pelos pais. 25%
dos entrevistados afirmaram que o aluno da escola pública tem necessidade de trabalhar e 12,5%
123

afirmaram que se devia ao poder aquisitivo do aluno e de sua família. 15,789% dos indivíduos não
responderam porque julgaram tê-la respondido no quesito anterior. Observe-se a tabela a seguir:

Aluno não é acompanhado na escola pública 43,7%


Aluno da escola pública tem necessidade de 25%
trabalhar
O poder aquisitivo do aluno da escola pública 12%
Tabela 16 Motivos da distorção idade-série
O sentido da resposta foi o mesmo da questão anterior. As categorias família e aluno são
explicados da mesma forma para se referir à distorção idade-série ser maior na escola pública e menor na
escola privada.
124

ANEXO A: ROTEIRO PARA CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES DE


MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DE TERESINA

Prezado Professor (a),

Solicitamos sua colaboração no sentido de fornecer as informações solicitadas neste roteiro.


As informações obtidas servirão de referência a uma caracterização dos professores que
participarão de uma pesquisa em nível de Mestrado para Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFPI sobre representações sociais produzidas pelos professores sobre o aluno
de escola pública e privada de Teresina. Este roteiro tem por objetivo construir informações
de sua vida profissional a fim de subsidiar esta pesquisa.

1. Dados de Informação Geral


Sexo:
( ) masculino ( ) feminino
Faixa etária:
( ) 18 a 30 anos
( ) 31 a 35 anos
( ) 36 a 40 anos
( ) 41 a 50 anos
( ) 46 a 50 anos

Escolaridade (especificar o tipo de curso e instituição)

( ) Ensino Superior ________________________________________________________


( ) Especialização _________________________________________________________
( ) Mestrado _____________________________________________________________
( ) Doutorado __2. Experiência Profissional

Tempo de experiência em sala de aula:

Rede pública: ________________________________

Rede particular: ______________________________

Séries em que trabalha:

Rede pública:

Ensino Médio
( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3° ano
Rede particular

Ensino Médio
( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3°
ano____________________________________________________________
125

Escolas em que trabalha


Rede pública: _______________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Rede particular:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Além da rede oficial da Educação Básica, você trabalha ou trabalhou em outras
instituições? Quais?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
126

ANEXO B: AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DA ENTREVISTA

Prezado Professor (a), Solicitamos a sua autorização para gravação da entrevista para
subsidiar a análise da pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Piauí sobre as representações sociais construídas por professores de
matemática acerca dos alunos das escola públicas e privadas. Informamos que o conteúdo da
entrevista será usado na análise da referida pesquisa, mas a sua identidade será mantida em
sigilo.
Agradecemos antecipadamente a sua colaboração.
_______________________________________________________________
EVANNOEL DE BARROS LIMA (Mestrando)
AUTORIZAÇÃO
Eu,________________________________________________________________________
_________,RG___________________________________ CPF _______________________,
autorizo a gravação da entrevista, a fim de subsidiar os dados para a pesquisa conduzida por
Evannoel de Barros Lima, Mestrando do programa de Pós-Graduação em Sociologia pela
Universidade Federal do Piauí.
Teresina, ____/____/_____
127

ANEXO C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA - PPGS
Campus Universitário Ministro Petrônio Portela - Bairro Ininga - CEP 64.049-550 – Teresina-
PI
Sala 308-B – CCHL/UFPI, Telefones: (86) 3215-5697; E-mail: sociologia_mest@ufpi.edu.br

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do projeto: representações sociais produzidas pelos professores sobre os alunos da


escola pública e privada de Teresina.
Pesquisador responsável: Evannoel de Barros Lima CPF904268863-72; RG/nº 2098755 -
SSP/PI; Matrícula UFPI/CCHL/PPGS/SIGAA/nº 2013102736; e-mail
<evannoel3@hotmail.com>.
Instituição/Departamento: UFPI/CCHL/Programa de Pós-Graduação em Sociologia –
PPGS, nível de Mestrado.
Telefone para contato: (86)-8815-7498 (pessoal/residencial)/ (86)-3215-5697 (Coordenação
do Mestrado em Sociologia – PPGS/UFPI).
Orientador do Pesquisador responsável pela pesquisa: Prof. Dr. Professor Wasshignton
Luis de Sousa Bonfim – Professor Efetivo da Universidade Federal do Piauí – UFPI,
CPF34726144391, RG/nº 848935 – SSP/PI; Matrícula UFPI/SIAPE/nº 11678372; e-mail
<washbonfim@gmail.com>.

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), em uma pesquisa. Você
precisa decidir se quer participar ou não. Por gentileza e cuidado com o assunto, não se
apresse em tomar a decisão. Leia cuidadosamente – ou solicite que alguém leia em voz alta
para você - o que se segue e pergunte ao pesquisador responsável pelo estudo qualquer dúvida
que você tiver. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte da pesquisa, assine nas três páginas deste documento, que está em duas vias. Uma das
vias deste documento ficará em seu poder e guarda e a outra é do pesquisador responsável. No
caso de você se recusar a participar da pesquisa, você não será penalizado (a) de forma
alguma; o direito de livre escolha é seu.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
O Projeto de Pesquisa situa-se no campo da Sociologia da Educação e, dentro deste, as
representações sociais que os professores possuem sobre os alunos da escola pública e privada
de Teresina. Tem como objetivo Focal analisar as representações sociais construídas sobre os
alunos das escolas públicas e privadas de Teresina. As questões que orientarão as investigação
e as perguntas da pesquisa são: Quais representações, os professores de matemática produzem
sobre alunos das redes pública e privada de Teresina no ensino médio? Essas representações
influenciam em suas práticas docentes nas diferentes esferas educacionais? Quais
representações os professores de matemática produzem sobre os alunos com fortes distorções
idade-série atendidos no ensino médio púbico de Teresina? O objetivo geral é: Analisar as
128

representações que os professores de matemática produzem sobre os estudantes das escolas


públicas e privadas do ensino médio de Teresina e os objetivos específicos da pesquisa são:
(1) identificar as representações sociais compartilhadas por professores de matemática sobre
os alunos do Ensino Médio público e privado de Teresina; (2) identificar a influência que as
representações sociais exercem sobre a prática docente dos professores de matemática; (3)
identificar as representações produzidas pelos professores de matemática sobre os alunos em
risco de abandono nas escolas públicas de Teresina.
A meta central da pesquisa, para fins científicos sob coordenação do Programa de Pós-
Graduação em Sociologia – PPGS, do Centro de Ciências Humanas e Letras – CCHL, da
Universidade Federal do Piauí - UFPI, é a produção de uma Dissertação de Mestrado que, em
sendo aprovada pela Banca Examinadora da UFPI/CCHL/PPGS, resultará no título de Mestre
em Sociologia ao Pesquisador responsável. As principais contribuições científicas previstas
são: O estudo contribuirá com subsídios teórico-práticos ao debate público sobre a reflexão da
prática docente de matemática e demais docentes em Teresina-PI.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
Você será entrevistado com as seguintes perguntas formuladas num roteiro: 1. Quanto tempo
você ensina matemática? 2. Quanto tempo você ensina nas duas redes de ensino? Como são
essas experiências de ensino nas duas redes? 3. Qual rede de ensino você acha mais difícil
ensinar matemática? Por quê? 4. Você acha que existe diferença de aprendizagem de acordo
com a rede de ensino? Se a resposta for positiva: Por que você acha que existe essa diferença?
Qual rede de ensino o aluno encontra mais dificuldade? 5. Comente como você vê o
aproveitamento da disciplina matemática pelos alunos, considerando a rede de ensino. 6. Os
alunos de escola pública tem acesso aos mesmos conteúdos de matemática que os alunos de
escola particular? Justifique sua resposta. 7. Em que rede de ensino você observa que os
estudantes estão mais empenhados na disciplina de matemática? Há diferença? Em sua
opinião: porque há diferença de empenho ou dedicação entre os alunos das diferentes redes de
ensino? 8. Estabeleça uma comparação entre os alunos de escola pública e os alunos de
escolas particulares. 9. Você acha que há professores matemática que mudam a forma de
ensinar matemática conforme a rede de ensino? 10. Você muda sua forma de ensinar
matemática em decorrência da rede de ensino? Por quê? 11. Qual rede de ensino existe o
maior número de alunos com problema de distorção idade-série? Há diferenças? Em sua
opinião, porque você acha que existe essa diferença? 12. Em sua opinião, porque existe
distorção idade-série? Diferencie os motivos da distorção idade-série em cada rede de ensino.
O conteúdo de sua fala será transcrito em um texto (reduzido a termos) pelo pesquisador; o
que você disser será registrado para posterior estudo e será publicado, no todo, pelo
pesquisador. Você terá o direito de solicitar que alguma parte do conteúdo de sua fala não seja
divulgada, caso você considere que o conteúdo seja sigiloso, perigoso, reservado, segredo
cultural, gerador de conflitos que você não deseja enfrentar ou, simplesmente, você não deseja
publicar. Antes de publicar o conteúdo de sua fala e de sua imagem, o pesquisador terá que
lhe consultar e terá que apresentar sua autorização para publicar. Você terá garantia de acesso
ao pesquisador responsável, em qualquer etapa dos trabalhos da pesquisa, para esclarecimento
de eventuais dúvidas, com garantia de sigilo, esclarecimento do período de participação,
término dos trabalhos e, ainda, o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
O ciclo geral dos trabalhos da pesquisa será desenvolvido no período de 28 de Agosto de
2014 a 28 (vinte e oito) de fevereiro de 2015.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
Consentimento da participação da pessoa como sujeito
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
129

Eu,____________________________________________________,RG/nº_______________
_________ CPF/ ____________________________________, abaixo assinado, concordo em
participar do estudo como sujeito. Fui suficientemente informado a respeito das informações
que li ou que foram lidas para mim, sobre o Projeto de Pesquisa representações sociais
produzidas pelos professores sobre os alunos da escola pública e privada de Teresina.
Discuti com o Pesquisador responsável pela pesquisa sobre a minha decisão em participar
nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos da pesquisa, os procedimentos
a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de
despesas. Concordo voluntariamente em participar desta pesquisa e poderei retirar o meu
consentimento a qualquer momento, antes ou durante os trabalhos da pesquisa, sem
penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, ou no meu
acompanhamento/ assistência/tratamento neste trabalho.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
Local e data_________________________________________________________________

Nome e Assinatura do sujeito ou responsável:


___________________________________________________________________________
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):
Nome:______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
RG:
___________________________________________________________________________
Assinatura:__________________________________________________________________
Nome:_________________________________________________________________________
RG:_________________________
Assinatura:
____________________________________________________________________________
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
sujeito de pesquisa ou representante legal para a participação neste estudo.
Teresina, ________/ _______ de 2014.

__________________________________________
Evannoel de Barros Lima - Pesquisador responsável
CPF: 904268863-72; RG/nº 2098755 SSP/PI; Matrícula UFPI/CCHL/PPGS/SIGAA/nº
2013102736

Observações complementares
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato:
Comitê de Ética em Pesquisa – UFPI - Campus Universitário Ministro Petrônio Portella -
Bairro Ininga
tel.: (86) 3215-5734 - email: cep.ufpi@ufpi.edu.br web: www.ufpi.br/cep

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