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Evannoel de Barros Lima
Evannoel de Barros Lima
TERESINA
2015
EVANNOEL DE BARROS LIMA
TERESINA
2015
Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no Código de Catalogação
Anglo-Americano (AACR2)
129 f.
CDD: 306.43
CDD: 306.43
FOLHA DE APROVAÇÃO
A Dissertação realizada por Evannoel de Barros Lima sob o título: As representações sociais
partilhadas por professores de matemática acerca de alunos de escolas públicas e
privadas do ensino médio como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Sociologia, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Piauí
– UFPI, foi submetida na data de 26 de Junho de 2015, das 16h às 20h horas, à banca
avaliadora abaixo firmada.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Washington Luís de Sousa Bonfim
Presidente
________________________________________
Profa. Dra. Maria Sueli Rodrigues de Sousa
Primeira Examinadora
________________________________________
Prof. Dr. Luís Carlos Sales
Segundo Examinador
________________________________________
Profa. Dra. Mary Alves Mendes
Suplente
Dedico a presente dissertação às minhas duas
mães: Lenice de Barros Lima e Almerinda
Borges de Oliveira Lima. Eu tive a suprema
sorte de ter duas mães. Dedico este trabalho,
também, às memórias de Ruy Fernandes Lima
(avô e pai) e minha Irmã Hilma de Barros
Lima (que carinhosamente chamava-me,
quando eu era criança, de meu filho e que
acreditou em mim quando passei no
vestibular), que por caminhos diferentes,
inspiraram-me na travessia do saber. Carrego
comigo o patrimônio cultural (capital cultural)
transmitido por eles.
AGRADECIMENTOS
Nosso trabalho não é solitário, ele é uma síntese da produção coletiva, mesmo que não
saibamos disso, e a noção de mérito individual é muitas vezes arbitrária, arrogante e ingrata,
pois cheguei até aqui porque me apoiei no ombro de muitos que me sustentaram. Agradeço a
Deus, à minha família (todos os meus irmãos) e à minha noiva, Charlene Veras − muito
obrigado, minha querida, por acompanhar-me nessa travessia árdua.
Agradeço a todos os amigos, em especial a: Stanley Santos, Shyrleane Cunha, Elenita
Oliveira Lopes, Roniel Sampaio, Marsone Araújo, Acácio Vale, Valéria Andrade de
Carvalho, Jonatas Oliveira Viana, Girlene, Meu tio José Wilson de Barros Lima (que não está
mais entre nós, mas que recebi de seus sábios conselhos importantes lições de vida) e amigos
da segunda turma do mestrado de sociologia.
Agradeço ao professor-orientador, Washington Luís de Sousa Bonfim.
Agradeço aos Professores do Mestrado de Sociologia da Universidade Federal do
Piauí e da graduação em Ciências Sociais da universidade Federal do Piauí, em especial a
grandes mestres que merecem ser citados nessa batalha: Mary Alves Mendes, Benedito Carlos
de Araújo Júnior, Maria Lídia Medeiros de Noronha Pessoa, João Batista do Vale Júnior,
Carlos Antônio Mendes de Carvalho Buenos Ayres, Francisco Oliveira Barros Júnior, Maria
Dione Carvalho de Morais, José Maria Vasconcelos, Luís Carlos Sales e Maria Sueli
Rodrigues.
“Na educação, a noção de obstáculo
pedagógico também é desconhecida. Acho
surpreendente que os professores de ciências,
mais do que os outros se possível fosse, não
compreendam que alguém não compreenda.
Poucos são os que se detiveram na psicologia
do erro, da ignorância e da irreflexão”
(Gaston Bachelard).
The study examined the social representations that teachers of mathematics share about the
students of public schools and private school in Teresina. The object of study, therefore, is the
representations shared by teachers about the students of public and private schools in
Teresina. The methodology applied was predominantly qualitative, followed the assumptions
of double epistemological rupture, we used the observation does not participant and
semisstructured interviews to analyze the content of these representations. Thus, our issue has
stabilized on the following question: what social representations, the middle school math
teachers produce on students of public and private networks of Teresina? The question was
formulated because we have as central premise the idea that the symbolic violence produced
by the teachers in their representations about students can be one of multiple factors to
increase the risk of abandonment, in public schools in Teresina. The high school was chosen
because it is the level of education with major problems of school failure in the country. The
discipline mathematics became appropriate for our research for three reasons: monopolizes
the largest number of class hours in basic education, has a social representation to be a
discipline of difficult learning and constitutes an essential content for the training of logical
reasoning. The authors which motivated our proposal were Bourdieu and Moscovici with
categories of habitus and social representations. We star from theoretical assumption that the
teachers build representations about students in daily practices and this in turn produces a
symbolic violence. This symbolic violence may be one of the determinations that contribute
to the production of school failure.
Tabela 1 Comparativo de predicados imputados aos estudantes por rede de ensino ............... 88
Tabela 2 Causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas ..................................................................................................... 107
Tabela 4 Percentual de motivos que indicam a maior dificuldade nos alunos da escola pública
................................................................................................................................................ 109
Tabela 5 Motivos para as dificuldades nas duas redes de ensino ........................................... 109
Tabela 6 Diferença de aprendizagem entre os alunos da escola pública e privada ................ 111
Tabela 7 Aproveitamento da disciplina matemática pelo aluno de escola pública e pelo aluno
de escola particular ................................................................................................................. 113
Tabela 12 Paralelo entre os alunos de escola pública e os alunos de escolas particulares ..... 118
Tabela 13 Mudança na forma de ensinar matemática conforme a rede de ensino ................. 120
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
1 INTRODUÇÃO
1
O PIBID é um programa da CAPES que pretende valorizar a formação de professores para a
educação básica. O programa concede bolsas para alunos da licenciatura participantes de projetos de
iniciação a docência, desenvolvidos por instituições de ensino superior em parceria com as escolas de
educação básica da rede pública de ensino. O programa deve promover a inserção dos estudantes no
contexto das escolas públicas desde o início de suas formações acadêmicas para que desenvolvam
atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e um professor da
escola. Os alunos do PIBID da Universidade Federal do Piauí, munidos de um diário de campo,
realizam atividades denominadas de observação, diagnóstico e monitoria. A observação consiste em
analisar as aulas, o diagnóstico se trata de observar a estrutura da escola de um modo geral e a
monitoria se constitui num acompanhamento dos alunos em atividades da escola. Disponível
em<http://www.capes.gov.br/educaçãobásica/capespibid/> e <http://www.pbidufpi.com.br/>>. Acesso
em 6 de Jun.de 2014.
2
Os gestores não rompiam com o pensamento imediato do senso comum porque lhes faltava o método
específico da sociologia chamada imaginação sociológica. A pesquisa social utiliza o caminho
intelectual específico para perceber as conexões entre as relações aparentemente imediatas e
individuais − biografia − com as questões coletivas e públicas − História. O método foi denominado
por Charles Wright Mills de imaginação sociológica (MILLS, 1972).
13
durante as aulas. Exames estes que, muitas vezes, produziam um mau desempenho nas notas
dos alunos. Constatou-se que o professor incorporava essa prática educacional em sua rotina
que a tornava invisível para ele. Os professores observados não conseguiam perceber as
fragilidades dessa prática docente e, por isso, comumente, culpavam outros agentes
socializadores como: família, Estado e os próprios alunos pelo fracasso dos resultados desta
prática educacional.
Por outro lado, muitas vezes, por força desta rotineira prática docente, levaram-se os
alunos bolsistas a participarem das aulas da mesma maneira que os docentes que foram
observados. Percebeu-se que a instituição de uma prática docente influencia, fortemente, o
comportamento dos alunos e docentes. A estrutura educacional, à maneira como está
montada, convence a repetir esta prática que tende a se estabelecer. Em grande medida, a
desmotivação entre os alunos bolsistas era nítida e comprometia-lhes para fazer uma crítica
efetiva ao modelo educacional vigente porque, muitas vezes, não conseguia-se inovar. Neste
sentido, é importante fazer uma reflexão sociológica das representações dos professores sobre
os alunos. A prática docente demonstra a construção de um habitus (BOURDIEU;
PASSERON, 2011) entre os professores e, como sabe-se, este produz violência simbólica. O
discurso da evasão interna parte desses profissionais da educação, por isso deve-se não partir
dessa realidade como pronta e acabada, mas indagar-se sobre as consequências desses
discursos acerca dos alunos.
A evasão interna não será objeto de problematização do presente trabalho científico
porque se trata de uma noção, cuja representação social carrega estigmatização dos múltiplos
sujeitos participantes das comunidades escolares. O termo evasão interna, repetido
excessivamente como um jargão científico nas escolas, constitui-se naquilo que Bachelard
(2011) denomina obstáculo epistemológico, ou seja, noções que, antes de explicar os
fenômenos da realidade, atrapalham o trabalho investigativo.
Elas são noções construídas por realismo ingênuo e constitui-se parte do processo de
objetivação de noções abstratas, demonstrado por Moscovici (2012). A pesquisa científica,
segundo Bachelard (2011), se constrói contra o conhecimento anterior. Jargões
pseudocientíficos, muitas vezes, são tomados como categorias teóricas e transformam-se em
barreiras para a investigação. A ruptura com as noções do senso comum impõe-se como
condição necessária para o desenvolvimento científico, como afirmam Bachelard (2011),
Bourdieu (2004) e Boaventura de Sousa Santos (1989).
Em ciências sociais, a ruptura epistemológica obedece ao principio da não
transparência e o primado das relações sociais (BOURDIEU, 2004) que, por conseguinte,
17
6
O relatório do UNICEF 2012 no Brasil é parte da iniciativa global pelas crianças fora da escola
realizada pelo UNICEF e instituto de estatística da UNESCO. O estudo objetiva analisar a exclusão e
risco de abandono em 25 países. A intenção do escritório do UNICEF, no Brasil foi analisar as
desigualdades regionais, etnorraciais, socioeconômicas registradas no relatório Situação da Infância e
Adolescência Brasileira 2009. O foco principal, no relatório atual, é voltar a atenção para crianças e
adolescentes fora da escola ou risco de abandono no País. O relatório deve ajudar o Estado Brasileiro a
cumprir o dever constitucional de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da Educação Básica
na idade certa. Disponível em: www.uis.unesco.org/Education/.../brazil-oosci-report2012-pr.pdf.
Acesso em 02 de Jun. 2014.
19
7
Uma política pública, na definição de Celina Sousa (2007), pode ser compreendida como um campo
do conhecimento que visa colocar o governo em ação, analisar a ação governamental e propor
mudanças nos rumos dessa ação. As políticas públicas, depois de formuladas, desdobram-se em
planos, programas, projetos, bases de dados, sistema de informação e grupos de pesquisa. O processo
de formulação, decisão, implementação e avaliação de políticas públicas deve levar em consideração a
complexidade que envolve esse processo cíclico do ser das políticas públicas (BONETI, 2007).
21
escolar no ensino básico brasileiro e demonstra que a evasão escolar é mais forte no final do
ensino fundamental e em todo o ensino médio. O ensino médio carrega indefinições legais e
dualidade estrutural identificada como oposição ensino propedêutico e ensino técnico, razões
apontadas como determinantes para o fracasso escolar concentrar-se nessa etapa do ensino. A
qualidade da oferta educacional foi apontada, no relatório, como um dos fatores para o
fracasso escolar ocorrer nesse nível de ensino e os conteúdos ministrados distantes da
realidade do aluno é fator agravante da oferta educacional. Tal fato remeteu para relação
professor e aluno como uma comunicação pedagógica que produz um habitus e este, por sua
vez, constrói representações sociais.
O capítulo 2 intitulado Considerações epistemológicas e metodológicas versou sobre a
dupla ruptura epistemológica apregoada por Boaventura de Sousa Santos. As categorias
analíticas de habitus e representações sociais pressupõem as duas rupturas ao mesmo tempo,
pois elas permitem uma leitura científica e positiva do senso comum. O capítulo traçou um
histórico das concepções epistemológicas que culminaram na proposta de ruptura e retorno da
ciência ao senso comum através de Boaventura de Sousa Santos. Iniciou com a revolução
científica e sua defesa dogmática através do positivismo lógico, prosseguiu com uma lenta
desdogmatização através de Bachelard, Popper, Lakatos, Kuhn, Feyerabend e o próprio
Boaventura de Sousa Santos. Logo, em seguida, mostrou o percurso metodológico utilizado
pela pesquisa como: natureza qualitativa da pesquisa, método compreensivo, escolha do
instrumento das entrevistas semiestruturada e análise de conteúdo das entrevistas através da
técnica de análise categorial com discriminação de todas as etapas e, por fim, considerações
éticas da pesquisa.
O capítulo 3, cujo título é Os professores de matemática e suas representações expôs
o resultado da pesquisa através da análise de conteúdo por meio da técnica de análise
categorial. O objetivo dela foi extrair, das falas dos entrevistados, as categorias principais
utilizadas para explicar a realidade educacional dos alunos através da quantificação da
incidência das respostas dos entrevistados. Foram identificadas três categorias que estão
concatenadas entre si e servem de emblemas para explicar o comportamento dos alunos nas
escolas públicas e privadas da cidade de Teresina: família, aluno e escola. Elas formaram
explicação, no senso comum dos professores, através de um discurso coerente sobre o
comportamento dos alunos, da relação entre interesse do aluno e cobrança familiar. A
explicação foi analisada através dos aportes teóricos de habitus e representações sociais e as
considerações epistemológicas que pressupõem a dupla ruptura epistemológica.
22
2.1 INTRODUÇÃO
O ensino médio brasileiro deve ser compreendido imerso em relações objetivas de lutas
entre grupos, classes ou frações de classes (BOURDIEU, 1994). Para a sociologia de
Bourdieu (1994), existe relação íntima entre agentes e estruturas sociais. A escola deve ser
compreendida, inserida na interação entre agente e estrutura. Todos os sujeitos estão inseridos
em relações de forças. O ensino público contém diversas formas de relações de poder
(BOURDIEU, 1994).
Pode-se visualizar a situação educacional brasileira através dos resultados obtidos pelo
relatório Iniciativa Global Pelas Crianças Fora da Escola, realizado pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF. Por meio de amplo estudo estatístico, o documento
investiga o multifacetado fenômeno social da exclusão escolar no Brasil, com a maioria dos
jovens afastados da escola, oriundos das regiões Norte e Nordeste. O complexo fato social
tem seus pontos de apoio nas seguintes situações: discriminação racial, exposição à violência,
gravidez na adolescência, vulnerabilidade socioeconômica, apresentação de conteúdos
distantes da realidade dos alunos, a não valorização dos profissionais da educação, número
insuficiente de escolas, falta de acessibilidade aos alunos com deficiência, inadequação de
infraestrutura escolar, falta de transporte escolar, escassez de recursos reservados à educação
pública brasileira, precariedade da oferta educacional para os povos indígenas e para alunos
oriundos das comunidades quilombolas.
O relatório ainda analisa a situação dos alunos em risco de abandono. O risco de
abandono é quantificado pelo índice de distorção idade-série. Esta medida pressupõe a
reprovação e a repetência. O risco de abandono está diretamente ligado ao fracasso escolar. O
pressuposto central da presente investigação sustenta que a violência simbólica produzida
pelos professores em suas representações sobre os alunos pode ser um dos múltiplos fatores
para aumentar o risco de abandono, nas escolas públicas de Teresina. Categoria central da
abordagem de Bourdieu e Passeron (2011), a violência simbólica explica as várias
dissimulações das relações de forças existentes nos espaços sociais (BOURDIEU;
PASSERON, 2011).
Dentre as barreiras citadas para assegurar o sucesso escolar na Educação Básica, serão
destacadas as barreiras relacionadas à oferta educacional. A falta de interesse pelos conteúdos
ministrados em sala de aula merece atenção neste trabalho, porque o pretenso desinteresse dos
alunos é explicado pela sociologia de Bourdieu como resultado das relações de poder
existentes no espaço escolar. O relatório aponta que os adolescentes entre 15 a 17 anos − que
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deveriam estar no ensino médio − evadem por quatro motivos básicos em ordem decrescente
de importância: a escola se torna desinteressante, necessidade de trabalho, geração de renda e
dificuldade de acesso à escola. O desinteresse pela escola, articulado à necessidade de
trabalho e geração de renda, podem ser explicados recorrendo à noção de violência simbólica
reproduzidas pelas representações dos docentes.
No Brasil, o grande desafio da permanência, aprendizagem e conclusão da educação
básica está concentrado, principalmente, nos últimos anos do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio. Segundo o relatório, 46,2% dos alunos matriculados nos últimos anos do
ensino fundamental não concluem esta etapa. Dos concludentes do ensino fundamental −
representam 64,8% −, 70% finalizam na idade certa, ou seja, com 14 anos e apenas 68,7%
concluem o ensino médio sem distorção idade-série. Dos adolescentes brasileiros entre 15 e
17 anos, 14,8%, não frequentam o Ensino Médio. O relatório conclui que a ampliação do
ensino médio requer universalização da conclusão do Ensino Fundamental.
O relatório afirma que o ensino médio é o seguimento da educação brasileira que mais
há disparidade na qualidade quando comparado aos países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). O currículo é voltado para a memorização e os
estados sofrem escassez de professores nas áreas de matemática e ciências. Reprovações,
abandonos e ingresso tardio na escola elevam o número de anos necessários para a conclusão
da educação básica dos alunos na idade certa. O Piauí tem um índice de abandono escolar, no
ensino médio, de 20,2% perdendo somente para os estados do Rio Grande do Norte (20,9%) e
para o Pará (20,7%)8.
O relatório do UNICEF afirma que um dos fatores para o fracasso escolar se
estabelecer no Ensino Médio, principalmente, na Rede Pública é o fato de se trabalhar em
paralelo aos estudos. 4,3 milhões de crianças e adolescentes trabalham no país. Em média,
trabalham 26,3 horas semanais. Os indivíduos mais ricos (10,7%) têm quase o dobro da
escolaridade dos mais pobres (5,5%), dentre outros fatores, isso ocorre porque os mais ricos
estão dispensados do trabalho. A necessidade de trabalho na adolescência está ligada a
variável renda familiar.
Os dados analisados até 2009, segundo o mesmo relatório, comprovam que as
diferenças de renda impactam significativamente na escolarização da população. Há uma
diferença de 5,2 anos de estudo quando comparam-se os grupos mais ricos da população e os
8
Disponível em: <http/www.ibge.gov.br/home>. Acesso em 02 de jun. 2014.
25
mais pobres. A renda familiar é uma variável que transita por todos os níveis de ensino da
Educação Básica. Nos anos finais do Ensino Fundamental − indivíduos com idade entre 11 e
14 anos −, as crianças fora da escola, com renda de até ¼ de salário mínimo, representam
3,5% em relação a 0,8% daquelas oriundas de famílias com renda de mais de dois salários
mínimos. No Ensino Médio, quando se considera renda familiar, 31,3% dos jovens mais
pobres cursa este nível contra 72,5% de adolescentes com renda superior a dois salários
mínimos. O acesso dos adolescentes mais ricos ao Ensino Médio é duas vezes maior que o
dos mais pobres.
Porém, os números demonstram, apenas, a estrutura de forma objetivada. Pretendeu-se
visualizar melhor a participação dos agentes sociais na construção da educação brasileira. A
educação é lócus de disputa de forças sociais. A relação professor e aluno é uma forma de
dominação e exercício de poder da comunicação pedagógica (BOURDIEU; PASSERON,
2011). A comunicação pedagógica exige um transmissor pedagógico e um receptor
pedagógico. Esta se impõe porque se oculta na forma de sua autoridade. A realização da ação
pedagógica se faz através de um trabalho pedagógico (BOURDIEU; PASSERON, 2011). O
trabalho pedagógico elabora aquilo que Bourdieu chama habitus. O habitus é produtor de
representações sociais. Os alunos são representados socialmente pelos professores. A
representação é conhecimento que exige sujeito conhecedor e objeto a ser conhecido e
comporta relação de poder (MOSCOVICI, 2012). O professor é detentor de um habitus que,
por sua vez, produz conhecimento cotidiano sobre os alunos.
Os estudiosos afirmam que o sistema escolar é local de reprodução de um arbitrário
cultural específico que se investiu de autoridade pedagógica e transmite seu modo de pensar,
agir e sentir como único, justo, necessário e legítimo. A ação pedagógica investida de uma
autoridade pedagógica somente é legitimada porque dissimula sua violência. Os autores
criticam uma visão ingênua sobre educação e a exibe como inculcação e imposição de um
arbitrário cultural de uma classe determinada para outra. Esta última, por sua vez, é obrigada a
ressignificar-se para adquirir o sucesso escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
O sistema de ensino violenta, simbolicamente, seus alunos porque eles possuem
múltiplos códigos culturais estranhos à ação pedagógica dominante. A escola é palco de uma
relação de forças oriundas de arbitrários culturais de classes e grupos diferentes. A escola
representa o arbitrário cultural da classe economicamente dominante. Nem todos os alunos se
adequam a essa violência cotidiana praticada pela ação pedagógica, razão pela qual se
verificam todos os tipos de evasões como o abandono total da escola ou desinteresse pelos
conteúdos ali ministrados (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
26
Um dos motivos apontados para o fracasso no ensino médio se estabelecer é sua falta
de identidade. A falta de identidade resulta na perpetuação da dualidade estrutural histórica,
reforçada pelas indefinições legais acerca das finalidades do ensino médio. A dualidade
consiste na divisão deste nível de ensino em educação propedêutica, de formação geral,
tradicional e humanística, voltada historicamente para educar as elites e o ensino profissional,
com um currículo mais tecnicista, direcionado para educar as classes economicamente mais
desfavorecidas. O ensino propedêutico permitiria o ingresso na educação superior e o ensino
profissional e possibilitaria, ainda, o aprendizado de um ofício sem perspectivas de
continuidade dos estudos (KUENZER 2001). Percebeu-se a hegemonia do ensino
propedêutico no ensino médio, ou seja, reprodução de um arbitrário cultural das elites. A
dualidade estrutural favorece, historicamente, o sucesso escolar das classes economicamente
dominantes.
A dualidade estrutural reconfigurou-se em fins do século XX da seguinte forma: o
ensino propedêutico é lócus do ensino médio não profissionalizante público e privado e a
educação tecnológica teria o ensino profissional aliado à formação de cultura geral. A defesa
de que o ensino médio não profissionalizante público deveria priorizar um currículo
propedêutico humanista em detrimento do ensino profissional não elidiu a dualidade
estrutural, mas apenas inverteu sua lógica sob a justificativa que as classes desfavorecidas
deveriam adentrar no ensino superior. O ensino propedêutico, de cunho tradicional e
conservador, não está adaptado às necessidades dos indivíduos atendidos nas escolas públicas.
Constitui-se numa imposição de um arbitrário cultural em detrimento de tantos outros. A
celebração, um tipo de ensino tradicionalmente voltada para as elites nas escolas públicas, é a
reprodução de uma violência simbólica. As repercussões políticas disso são expressas por
Kuenzer (2011) sobre o ensino médio no Brasil, ao comentar as conclusões de Zibas acerca da
mesma inversão no Chile:
Nesta perspectiva, a escola de ensino médio teria como princípio basilar e norteador da
educação, o trabalho. O currículo seria voltado para o perfil dos alunos, comprometer-se-ia
com a devida articulação entre formação para o trabalho e instrução humanística geral. O
indivíduo, formado neste currículo, não seria apenas um sujeito que aprenderia um ofício e
atenderia as exigências das necessidades básicas das vicissitudes do mercado, mas tornar-se-ia
um profissional que refletiria, criticamente, acerca do seu ofício e, possivelmente,
transformar-se-ia em sujeito que exerceria sua cidadania.
Porém, a violência da ação pedagógica dominante exercida no ensino propedêutico se
faz notar, nas aulas, pela predominância da educação tradicional (DEWEY, 2010). Este
modelo tem como principal tarefa transmitir um legado de conteúdos e habilidades
construídos por gerações anteriores. Ela forma indivíduos condizentes com regras de conduta
destas gerações. O objetivo da escola é preparar o jovem para responsabilidades futuras e o
sucesso na vida por meio da aquisição de um conjunto organizado de informações e de formas
pré-estabelecidas de habilidades que constituem o material de instrução. A atitude do aluno
deve ser de docilidade, receptividade e obediência. O livro didático é o principal representante
do conhecimento e do saber do passado. Os professores são agentes pelos quais o
conhecimento e as habilidades são transmitidas e as regras de condutas são reforçadas
(DEWEY, 2010). O ensino propedêutico tradicional é construtor de um habitus nos alunos e
nos professores. O habitus é construtor de representações sociais.
29
Lembrando que alguns desses indivíduos da escola pública estão no grupo de alunos
em risco de abandono, o pressuposto central sustenta que a violência simbólica produzida
pelos professores em suas representações sobre os alunos pode ser um dos múltiplos fatores
para aumentar o risco de abandono nas escolas públicas de Teresina. Como viu-se, a violência
simbólica é uma das categorias centrais da abordagem de Bourdieu e Passeron (2011). Para os
autores, o poder simbólico impõe significações como legítimas e dissimula as relações de
forças que estão na sua base (BOURDIEU; PASSERON, 2011). Neste sentido, Pierre
Bourdieu e Passeron (2011) fazem-se perceber o desacordo entre o capital cultural da escola e
os capitais culturais dos alunos. Este desacordo produz uma violência simbólica praticada pela
ação pedagógica escolar. A escola pública, aparentemente democrática, é um campo de lutas
de forças de grupos e classes sociais. As representações sociais, contudo, constituem-se em
imposição de poder.
[...]É tão pouco habitual tratar os fatos sociais cientificamente que algumas
proposições contidas nesta obra correm o risco de surpreender o leitor.
Entretanto, se existe uma ciência das sociedades, cabe esperar que ela não
consista em simples paráfrase dos preconceitos tradicionais, mas nos mostre
as coisas diferentemente de como as vê o vulgo; pois o objeto de toda
ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta mais ou menos as
opiniões aceitas (DURKHEIM,2002. p. 11).
Os fatos sociais para Durkheim devem ser tratados como coisa, portanto, são dotados
de existência própria independente das manifestações individuais. Durkheim não nega a
construção dos fatos sociais pelos indivíduos, porém as produções coletivas não são
modificáveis a vontade e, deste modo, as instituições sociais são dotadas de força superior aos
indivíduos. As representações sociais e seus sistemas de classificações são fatos sociais
dotados, portanto, de todas essas características. Para o autor, as noções lógicas,
hierarquicamente organizadas, categorias do pensamento e manifestações simbólicas são
todas construídas pelos fatos sociais.
A noção de representação social pode ser compreendida, no estudo de Durkheim,
sobre religião. As religiões são sistemas de ideias tendendo a abarcar a totalidade das coisas e
nos dá uma representação total do mundo. Elas têm uma cosmologia, formam uma visão e
classificação moral do mundo e do universo. Estudando o totemismo, o autor descobriu que
há algo por trás do totem que é mais importante, o mana. Trata-se de uma força impessoal,
indefinível e anônima que se concentra em cada ser sagrado, que não se confunde com
31
nenhum deles. Ninguém o possui e todos participam dele. Ela é independente dos indivíduos
particulares que se encarna. Ele tanto os precede como sobrevive a eles. O mana é a força
coletiva responsável por unir os indivíduos.
Essa força, por ser anônima, somente é inteligível para as consciências individuais se
representada em símbolo. O totem é a sua expressão simbólica. O símbolo é importante
porque a coletividade só se faz respeitada se as consciências individuais a reconhecerem em
suas mentes. O sagrado é só mais uma expressão individualizada do mana. Durkheim afirma
que essa força é a própria sociedade mais hipostasiada, representada na forma simbólica. Toda
sociedade só existe graças ao vasto simbolismo. As representações sociais ou representações
coletivas são essencialmente simbólicas (DURKHEIM, 1989).
O autor afirma que a religião comporta uma face real e outra ideal. A religião reflete
uma imagem ideal da sociedade, porém a religião não ignora sua base real. A faculdade de
idealizar é condição para a existência humana. O ideal é produto “natural” da vida social, não
havendo sociedade que não sinta a necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos
regulares, os sentimentos coletivos e as ideias coletivas que constituem a sua unidade e sua
personalidade. Essa restauração moral só pode ser obtida por meio de reuniões, assembleias,
congregação.
A religião é, também, um sistema de ideias cujo objetivo é exprimir o mundo. As
noções da lógica têm origem religiosa. Os conceitos são fabricações coletivas. Os conceitos
são criados para a comunicação entre os indivíduos. O ser humano que não pense por
conceitos não seria humano porque não seria ser social. O universo e as coisas só podem ser
pensados em termos de totalidade porque a própria sociedade só pode aparecer na sua forma
total. Ela é classe suprema que encerram todas as outras classes. A sociedade não é um ser
ilógico ou alógico. A vida coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica, já que é a
consciência das consciências (DURKHEIM, 1989).
O objetivo da religião não é dar ao ser humano uma representação do universo físico.
Ela é, antes de qualquer coisa, um sistema de noções, através das quais os indivíduos
compreendem a sociedade de que são membros e as relações obscuras mais íntimas que
mantém com ela e, mesmo sendo metafórica e simbólica, essa representação, no entanto, não
é infiel, pois traduz, ao contrário, tudo o que existe de essencial nas relações a exprimir,
porque possui verdade “eterna” fora do homem, algo maior ele e com o qual comunga.
Pode-se dizer que a religião não existe sem certo “delírio”, contudo, é preciso
acrescentar que o delírio e as imagens que o constituem não são pura ilusões como alguns
põem na base da religião, correspondem a algo real e, certamente, é inerente à natureza das
32
forças morais. Nesse sentido, se chamado delírio qualquer estado no qual o espírito aumenta
os dados da intuição sensível, projetando seus sentimentos e suas impressões nas coisas,
talvez não exista representação coletiva que não seja delirante. As crenças religiosas
constituem, apenas, caso particular da lei muito geral. Entretanto, ainda que puramente ideais,
os poderes que lhe são conferidos agem como se fossem reais, determinam a conduta do ser
humano com as mesmas necessidades que forças físicas (DURKHEIM, 1989).
Os símbolos são instrumentos, por excelência, de integração, de conhecimento e de
comunicação. Eles tornam possível o mínimo de ordem social. Ao estudar as religiões e
perceber seu fundamento social, Durkheim não julga a religião a partir do crivo da verdade ou
mentira. Pode-se dizer que, ao estabelecer a religião como fato social, ela é vista como uma
instituição que cumpre uma função na coletividade. Vê-se nas palavras de Durkheim sobre o
fenômeno:
racionalidade humana são construídas coletivamente. Durkheim abriu espaço para um fértil
programa de pesquisas para estudos acerca do cotidiano, das representações sociais, do senso
comum e do imaginário. Durkheim levou o racionalismo científico ao ponto de sutura consigo
mesmo e abriu caminho para a segunda ruptura epistemológica.
Durkheim, preocupado em estabelecer a sociologia como ciência, separou as
consciências individuais da consciência coletiva. Promoveu uma cisão entre a psicologia e a
sociologia, onde a primeira investigaria as consciências individuais e a segunda estudaria a
consciência coletiva. As relações entre as duas seriam investigadas por uma disciplina híbrida
denominada psicologia social. Porém, Durkheim se expressou da seguinte maneira quanto à
construção da disciplina psicologia social:
Com efeito, tudo o que sabemos, por um lado, sobre a maneira como se
combinam as ideias individuais se reduz a algumas proposições, muito gerais
e muito vagas, que chamamos comumente lei de associação de ideias. E,
quanto às leis de ideação coletiva, elas são ainda mais completamente
ignoradas. A psicologia social, que deveria ter por tarefa determina-las, não
é mais do que uma palavra que designa todo tipo de generalidade, variadas e
imprecisas, sem objeto definido (DURKHEIM, 2002, p. XXV).
Para o autor, a ciência e o senso comum estão em mútua interação. O senso comum,
antes do advento da ciência, era dotado de seus próprios arquétipos do qual o conhecimento
erudito retiravam suas inspirações. Essa relação, hoje, está invertida, pois a ciência inventa seus
próprios objetos, problemas, conceitos e analogias que são absorvidas pelo senso comum.
Porém, o conhecimento, dito vulgar, absorve as teorias científicas segundo critérios específicos.
A descontinuidade dessas duas formas de conhecimento implica na desconstrução da
superioridade do conhecimento científico sobre o senso comum e exige que se aceite as suas
diferenças em termos de descontinuidades epistemológicas e não de precariedade de um em
relação ao outro. A ciência e o senso comum são duas formas distintas de conhecer o mundo.
Para Moscovici (2012), o senso comum e a ciência atuam com duas formas de
sistemas cognitivos: um operatório e um metassistema, que trabalha a matéria produzida no
primeiro plano. O plano operatório nomeia, classifica, discrimina e explica. Já o metassistema
constitui-se num conjunto de relações de controle, validação e de manutenção da coerência do
sistema operatório. Na ciência, o sistema operatório faz associações, inclusões, discriminações,
deduções e o metassistema controla, verifica, seleciona com o auxílio de regras da lógica
formal. O senso comum produz processos semelhantes no plano operatório, porém o último é
controlado por um metassistema de relações normativas do grupo. No senso comum, as
representações implícitas em valores dos grupos determinam o pensamento operatório. Vê-se
nas palavras do autor sobre essa descontinuidade das duas formas de conhecer:
35
A ciência quando é absorvida pelo senso comum deixa de ser vista como um conjunto
de relações, no âmbito do qual pode-se compreender as coisas e passa a ser uma ciência-
emblema que depende de normas coletivas. Levando em consideração normas científicas, as
teorias necessitam serem demonstradas e validadas por um conjunto de critérios lógicos
formais e empíricos específicos. Porém, o senso comum não vulgariza as teorias, mas, apenas,
realiza releituras das mesmas, a partir de seu estilo de pensamento e através de certos atributos.
O estilo do pensamento comum apresentado obedece a certos atributos tais quais:
repetição informal, causalidade mista e o primado da conclusão. O primeiro atributo é uma
estratégia de comunicação econômica através de usos de expressões consagradas 9 e
transformadas em “clichês.” No ato da comunicação, o uso dessas expressões supõe que o
interlocutor reconstitua, por si, o contexto e as relações necessárias para o entendimento de algo
que está sendo explicado. O “clichê” serve para que economizem-se explicitações. A
causalidade mista pressupõe duas formas de causalidades: a temporal e a ontológica. A
primeira estabelece uma ligação causal entre dois acontecimentos que se sucederam no tempo
ou ocorreram no mesmo instante e a segunda exige uma intencionalidade para os
acontecimentos. O primado da conclusão estabelece que as opiniões não precisem ser
demonstradas de modo dedutivo. Não precisa-se explanar todas as premissas para que chegue-
se a uma conclusão, pois ela é apresentada em forma de opinião e suas premissas são
oferecidas, depois das conclusões, ao sabor das circunstâncias (MOSCOVICI, 2012).
O estilo do pensamento comum obedece a dois princípios básicos, são eles: analogia e
compensação. A analogia, princípio de mediação entre dois universos a serem conhecidos,
ajuda a fundar as características básicas do objeto, pois ela define as suas classes e as distingue
de outras e o princípio da compensação constrói as significações ou ligações que concernem. A
analogia economiza informações justificadas pela exigência da comunicação. Ela cristaliza e
estabiliza as representações em torno de símbolos, imagens e termos. A compensação comanda
9
Através desse mecanismo, existe a formação da linguagem temática ou conjunto de unidades léxicas
que ligam e se impregnam de uma representação social. Muitas vezes, derivada de uma concepção
científica, essa linguagem temática representa na comunicação cotidiana o mesmo papel que
concepções teóricas na ciência.
36
10
As características da compensação são: sujeição das partes ao todo, existência de uma escala
hierarquizada de orientação da opinião e disposição para identificação. As operações ocorrem sem
levar em consideração as contradições parciais. A compensação ignora, em partes, o princípio da não-
contradição da lógica formal. Esse princípio garante a coesão cognitiva e social na ciência.
37
11
A objetivação produz os modelos figurativos, ou seja, esquematiza um sistema teórico abstrato.
Formam-se assim traduções em forma de esquemas adaptados para determinados fins no cotidiano.
Essas esquematizações reproduzem as noções científicas de modo seletivo e classificam-nas em
função de certos elementos metafóricos e imagéticos. Os modelos figurativos cumprem certas funções:
transformam a teoria abstrata em tradução imediata do real − isso faz com que as teorias não
necessitem serem demonstradas logicamente; constituem-se em ponto comum entre a teoria abstrata e
a representação social e associa elementos indicados numa sequência autônoma com dinâmica própria.
A intenção é que o modelo seja tornado “natural” aparecendo aos sujeitos como se fosse cópia do real.
39
Porém, esse sistema de interpretação tem certas peculiaridades: a sua aplicação não é
observável, seu emprego e eficácia são fundados no consenso e não tem consequências
verificáveis. As noções de ancoragem e objetivação leva à seguinte conclusão: atitude em
relação ao objeto social depende do contexto social e histórico de sua apreensão. O objeto
representado é concernente à experiência coletiva subjetivada. Nas palavras do psicólogo
social “pertence a um habitus cultural” (MOSCOVICI, 2012, p.175).
As representações sociais são produções, eminentemente, sociais porque é fundada na
produção linguística cotidiana. A sociologia do conhecimento, a micro sociologia, o
interacionismo simbólico e a escola de Chicago, todas influenciadas pelas matrizes
sociológicas durkheimiana e weberiana, produziram um estoque variado sobre estudos do
cotidiano, do qual a psicologia social de Moscovici é herdeira. Existe um razoável consenso
nas ciências humanas que a linguagem é a primeira, e principal, instituição social do qual o
ser humano entra em contato. Ela transforma indivíduos em seres culturais. As representações
sociais, produções linguísticas por excelência, constroem a realidade social ao tempo que são
construídas por ela.
Neste sentido, concorda-se que a produção de representações sociais é o processo de
construção social da realidade para utilizar um termo caro a Peter Berger e Thomas
Luckmann (2001). Toda construção social é histórica, porque é produzida em três momentos
denominados: exteriorização, objetivação e interiorização. A exteriorização é a contínua
efusão dos indivíduos na sociedade. Objetivação12 é quando a invenção social ganha o
estatuto de facticidade. A interiorização é subjetivação da construção exterior.
Assim, todas as construções sociais são produtos humanos que retroagem
continuamente sobre seus produtores. Os dois autores afirmam que uma análise sociológica
satisfatória tem que estar atenta aos três momentos de construção social. A análise, ao
concentrar-se na construção individual, corre o risco de cometer o erro da ilusão idealista,
quando centrada na realidade construída independente dos indivíduos incorre no erro da
reificação da realidade social e, por último, ao concentrar esforços no indivíduo construído
pela sociedade comete o mesmo equívoco dos funcionalistas de não perceber a mudança
social (BERGER; LUCKMANN, 2011).
12
A noção de objetivação de Peter Berger e Thomas Luckmann difere da noção de objetivação da
psicologia social. A primeira é uma espécie de autonomização da realidade social do seu criador e a
segunda é a percepção dos conceitos construídos socialmente como naturais. Porém, as duas noções
são dialogáveis, pois se trata da percepção da realidade social como objeto natural, dado e autônomo
dos sujeitos construtores.
40
A análise sociológica do presente trabalho, para não produzir uma análise parcial,
levará em consideração os três momentos da construção das representações sociais: o
momento de produção das representações, enfatizado pela psicologia social de Moscovici; a
representação autonomizando-se dos sujeitos construtores, como analisou Durkheim; e a
ocasião de reprodução de uma relação de poder apresentada pela sociologia de Pierre
Bourdieu. Serge Moscovici enfatizava que os indivíduos compartilham conhecimento no
senso comum porque se relacionam a relações de poder. O transmissor do conhecimento
compartilhado é detentor de poder e o ouvinte é apenas inexperiente. Para este autor, as
representações sociais estão ligadas à noção de poder. Pode-se relacionar as representações
sociais à noção de habitus, violência simbólica e poder de Bourdieu.
Quanto a esse diálogo, Moisés Domingos Sobrinho (2000) realiza muitas
aproximações teóricas e epistemológicas entre Bourdieu e Moscovici. O autor destaca duas
aproximações importantes. Os dois teóricos enfatizam a relação sujeito e objeto a partir de um
novo estatuto epistemológico. Neste sentido, o objeto é sempre construído à imagem e
semelhança dos sujeitos conhecedores. Porém, as repercussões teóricas do referente diálogo
afirmam que as representações sociais não são construídas pelos sujeitos num vácuo, mas
inseridas num contexto histórico e social. Vê-se nas palavras de Domingos Sobrinho:
Uma das formas de exercício de poder é a comunicação pedagógica. Ela é uma relação
de poder e um exercício de violência simbólica, ou seja, poder que impõe significações como
legítimas e, assim, dissimula as relações de forças que estão na sua base (BOURDIEU;
PASSERON, 2011). A comunicação pedagógica exige um transmissor pedagógico e um
receptor pedagógico. O primeiro é agente da inculcação dos modos de pensar, agir e sentir de
um grupo, classe ou uma fração de classe; o segundo é o alvo do exercício de poder e onde se
realiza a ação pedagógica13. Esta se impõe porque se oculta na forma de sua autoridade14. No
caso do espaço escolar, os pedagogos, supervisores, gestores e professores são alguns
13
A ação pedagógica é o exercício de imposição de modos de pensar, agir e sentir da cultura de um
grupo ou classe determinados. Toda ação pedagógica implica uma relação de poder legitimada e
dissimulada entre um emissor pedagógico e receptor pedagógico. O autor classifica vários tipos de
ações pedagógicas, da família, da igreja, da escola, porém o interesse primordial do autor e o nosso é
pela ação pedagógica escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
14
A autoridade pedagógica se define como o direito legítimo de imposição da violência simbólica
(BOURDIEU; PASSERON, 2011).
42
pressuposto, não sociológico, cuja assertiva designa que todos os indivíduos têm iguais
capacidades de aprendizagem, independente da estratificação social em que se encontram.
Aparentemente democrática, esta pressuposição esconde as relações de poder
existentes no espaço educacional e servem como pretexto para culpar os estudantes pelo
fracasso escolar. Estes, vistos como indivíduos autônomos, são responsabilizados pelos êxitos
e fracassos dentro do ambiente de ensino. Esta visão impera quando não se produz a ruptura
epistemológica contra as explicações do senso comum. Para Pierre Bourdieu (2004), seguindo
a epistemologia de Bachelard, a sociologia deve produzir a ruptura epistemológica contra o
senso comum. Em suas palavras:
A sociologia exige técnicas especiais, e mais rigorosas que as ciências naturais, para
produzir a ruptura epistemológica. Isso ocorre por uma familiaridade maior com o senso
comum do que as ciências da natureza. Nesta última, o laboratório garante a separação entre
as duas formas de conhecimento. O senso comum produz um realismo ingênuo, este último,
por sua vez, pressupõe que a realidade social é autônoma das ações humanas. A realidade
social é visualizada como acabada e natural. Os indivíduos são vistos de modo atomizados e
completamente responsáveis por suas ações.
Neste sentido, os autores desconstroem a defesa ingênua, advinda dessa visão vigente
nos muitos estudos sobre educação e amplamente reproduzida no senso comum. Os
estudiosos afirmam que o sistema escolar é local de reprodução de um arbitrário
cultural16específico que se investiu de autoridade pedagógica e transmite seu modo de pensar,
agir e sentir como único, justo, necessário e legítimo. A ação pedagógica investida de uma
autoridade pedagógica somente é legitimada porque dissimula sua violência. Através de
sólida pesquisa empírica, o programa de pesquisas de Bourdieu demonstra a influência do
habitus de uma classe sobre o sucesso escolar dos alunos.
16
A cultura de uma classe ou de um grupo é arbitrária por que suas estrutura e funções não podem ser
deduzidas de nenhum principio universal, físico, biológico ou espiritual. A sua violência é arbitrária
por que é determinada social e historicamente (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
46
Desta forma, o sistema educacional, para esses autores, constitui-se num campo, ou
seja, um espaço social com relações objetivas de lutas entre grupos, classes ou frações de
classes. O campo pode ser definido como uma estrutura de relações objetivas que explica as
formas concretas de interações sociais, onde as classes investem no tipo de capital mais
rentável dentro das relações imanentes ao campo. Bourdieu, para além da teoria marxista,
afirma a existência de vários tipos de capitais: capital econômico, concebido como
apropriação de bens materiais; capital social, fundado em relações de alianças estratégicas
entre grupos e classes que detém influência no campo; capital cultural, que se define pela
posse de títulos escolares; e o capital científico, que seria a influência no campo científico
pelo acúmulo de títulos acadêmicos. Há uma íntima relação entre sujeitos e estruturas sociais.
Todas as relações interiores à escola devem ser compreendidas e inseridas nessas interações.
O campo é uma estrutura social que insere todos os agentes em relações de forças. Nas
palavras de Bourdieu:
[...] Minha hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, muito
distanciados, entre os quais se supõe, um pouco imprudentemente, que a
ligação possa se fazer, existe um universo intermediário que chamo campo
literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão
inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou
difundem a arte, literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social
como os outros, mas que obedece a leis, sociais mais ou menos específicas.
A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente
autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis próprias. Se, como o
macrocosmo, ele dotado de leis sociais, essas não são as mesmas. Se escapa
às imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma
autonomia parcial mais ou menos acentuada (BOURDIEU, 2004,p. 20-21).
Os dois polos dos quais o autor se refere são as escolas estruturalistas ortodoxas, de
um lado, e as marxistas e fenomenológicas, do outro. A noção de campo escapa aos ditames
ortodoxos do programa de pesquisas estruturalista, segundo as quais as estruturas devem ser
estudadas de forma autônomas e independentes do contexto social e histórico e não segue a
risca a ênfase excessiva dada à dependência das relações sociais ao contexto histórico,
exagerado por algumas vertentes marxistas ou mesmos as escolas fenomenológicas.
As noções de campo e habitus surgiram como sínteses teórica e metodológica das
sociologias funcionalista, marxistas, estruturalista e da sociologia de inspiração hermenêutica.
As três primeiras escolas enfatizam o primado da estrutura, das instituições sobre as ações
individuais. A metodologia sociológica é inspirada no campo epistêmico das ciências da
natureza. A quarta escola, em muito, redunda num individualismo metodológico, pois tem nas
ações individuais a explicação da gênese do todo social. Em outras palavras, trata-se de uma
47
17
O objetivismo, na concepção de Bourdieu, é um modo de conhecimento que privilegia o primado das
regularidades, estruturas, leis e sistemas de relações sobre a ação dos indivíduos. Esta concepção é
condição necessária para construir o conhecimento científico, porém, a extrapolação dessa forma de
pensamento incorre no erro da reificação da realidade social, ou seja, a realidade é vista como
autônoma das relações entre os sujeitos.
18
O subjetivismo, nas formulações de Bourdieu, é a forma de pensamento descritivo que não consegue
ir além das evidências imediatas e assim não conecta as ações individuais com o contexto mais geral,
parte do primado do sujeito sobre a estrutura social. Essa forma de conhecimento incorre na ilusão do
indivíduo livre e autônomo das estruturas ou contextos coletivos.
48
3.1 INTRODUÇÃO
objetivo de retirar, das entrevistas, as categorias utilizadas pelos sujeitos da pesquisa para
explicar sua realidade.
afinal, é possível encontrarmos uma explicação simples para o arranjo do cosmo (GLEISER,
1997). Porém, sua forma de calcular e explicar os movimentos dos planetas contrariavam as
experiências e intuições do senso comum.
Após Copérnico, seguiu-se Johannes Kepler, cientista que se empenhava em descobrir
a harmonia das esferas e terminou por formular, através de trabalho laborioso com tabelas
astronômicas, suas célebres leis empíricas do movimento planetário, as quais vieram
corroborar o sistema de Copérnico. Kepler construiu um modelo geométrico do universo no
qual cada esfera representava uma órbita planetária. Johannes Kepler adicionou dois aspectos
importantes da ciência moderna: primeiro, que as teorias devem acomodar dados
experimentais e não oposto; segundo, que as teorias descrevendo fenômenos naturais devem
ser físicas, ou seja, elas devem revelar as causas por trás do comportamento observado.
Rompendo com o passado, neste sentido preciso, ele irá obter as primeiras leis matemáticas
descrevendo o movimento dos planetas (GLEISER, 1997).
Mas a verdadeira mudança de opinião científica foi provocada por Galileu Galilei, que
já era famoso por ter descoberto as leis da queda dos corpos, quando voltou sua atenção para a
astronomia. Ao dirigir o recém-inventado telescópio para os céus e aplicar seu extraordinário
talento na observação científica dos fenômenos celestes, Galileu fez com que a velha
cosmologia fosse superada e estabeleceu a hipótese de Copérnico como teoria científica
válida. Galileu foi o primeiro a combinar a experimentação científica com o uso da linguagem
matemática para formular as leis da natureza por ele descobertas. É, portanto, considerado o
pai da ciência moderna. Ele modificou os padrões científicos e sua prática científica foi
acompanhada de reflexões epistemológicas. A sua obra está comprometida em estabelecer
filosoficamente a demarcação entre ciência e os demais conhecimentos. O estilo de Galileu
era algo completamente novo. Ao invés de acreditar cegamente nas teorias do senso comum,
Galileu propunha experimentos para validar ou refutar conhecimentos. Galileu desenvolveu
conhecimentos matemáticos que poderiam ser testados por experimentos cuidadosamente
controlados e exaustivamente repetidos.
Galileu defendia a conveniência de separar ciência dos demais conhecimentos.
Afirmava que a teologia, filosofia e senso comum não possuíam autoridade nas questões
científicas. Por isso, mesmo afirmando a efetiva emancipação da ciência, propõe que as
interpretações teológicas das escrituras devem esforçar-se para serem compatíveis com as
descobertas e conclusões científicas. Galileu elaborava, assim, um manifesto em favor da
liberdade da pesquisa científica, defendendo que os problemas científicos devem ser
interpretados à luz do conhecimento humano dos fenômenos naturais, conhecimento esse
52
obtido por observação e demonstração, ou ainda, pelo uso da razão. Vale ressaltar que o
conhecimento científico válido é aquele que é passível de uma demonstração através de
experimento cuidadosamente controlado e não com o uso apenas dos sentidos (GLEISER,
1997).
René Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna, pois era um brilhante
matemático e sua perspectiva filosófica foi profundamente afetada pela nova física e
astronomia. Ele não aceitava qualquer conhecimento tradicional, propondo-se a construir um
novo sistema de pensamento. Sua vocação, na vida, passou a ser distinguir a verdade do erro
em todos os campos do saber. A crença na certeza do conhecimento científico está na própria
base da filosofia cartesiana. Essa certeza é matemática em sua natureza essencial. Para ele
ciência era sinônimo de matemática. Sua preocupação era propor um método de investigação
da natureza (DESCARTES, 1973).
O ponto fundamental do método de Descartes é a dúvida. Ele duvida de tudo o que
pode submeter à dúvida – todo o conhecimento tradicional, as impressões de seus sentidos e
até mesmo o fato de ter o corpo - e chega a uma coisa de que não se pode duvidar: a
existência de si mesmo como pensador. Assim, chegou à sua famosa afirmação “penso, logo
existo”. Daí deduziu, Descartes, que a essência da natureza humana reside no pensamento e
que todas as coisas que se concebem, clara e distintamente, são verdadeiras. O conhecimento
certo, portanto, é obtido através da intuição e da dedução e, essas, são as ferramentas que
Descartes usa em sua tentativa de reconstrução do edifício do conhecimento sobre sólidos
alicerces (DESCARTES, 1973).
O método cartesiano é analítico e consiste em decompor pensamentos e problemas em
suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. Esse método analítico de
raciocínio é a maior contribuição de Descartes à ciência. Tornou-se uma característica
essencial do moderno pensamento científico e provou ser extremamente útil no
desenvolvimento de teorias científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos.
O cogito cartesiano levo-o a conclusão que corpo e matéria são separados. Ele privilegiou a
mente em relação ao corpo (DESCARTES, 1973).
Enquanto Descartes trabalhava em seu método analítico na França, Francis Bacon
descrevia explicitamente na Inglaterra o método empírico da ciência. Bacon foi o primeiro a
formular uma teoria clara do procedimento indutivo – realizar experimentos e extrair deles
conclusões gerais, a serem testadas por novos experimentos – e tornou-se extremamente
influente ao defender com vigor o novo método. Atacou frontalmente as escolas tradicionais
53
Essas filosofias não devem interferir na ciência social. O método da sociologia é objetivo,
pois considera os fatos sociais como coisas passíveis de controle empírico. Os fatos sociais,
apesar de serem resultados suigeneris das consciências individuais, têm sua especificidade. A
sociologia não é um anexo de outras ciências como as biológicas, físicas, químicas ou
psicológicas. A definição das representações sociais é um esforço científico de construção do
objeto sociológico (DURKHEIM, 2002). A primeira ruptura é pertinente para se formar a
ciência social, ou seja, uma leitura do real diferente da leitura de vários outros conhecimentos,
principalmente do senso comum.
Assim, se faz necessário o exercício da imaginação sociológica, concebido por Charles
Wright Mills (1972). A imaginação sociológica é o recurso epistemológico empregado por
clássicos e contemporâneos da ciência sociológica com o objetivo primordial de explicar os
dramas individuais e privados conectados a determinações coletivas e públicas. Portanto, os
professores de matemática de Teresina constroem certas representações sobre os alunos de
modo compartilhado e não desconectados das realidades escolares brasileira e piauiense. Cabe
à pesquisa sociológica promover uma análise que produza a ruptura epistemológica. Como
todos os sujeitos inseridos no senso comum, os docentes também sofrem da ilusão da
transparência, pois, frequentemente, não são conscientes das determinações sociais que
influenciam suas representações acerca dos discentes.
A ciência, ao separar-se das outras formas de conhecimento, dogmatizou-se e jugou-
se superior às demais. Ela passou a estabelecer uma filosofia noturna consigo mesma através
do círculo de Viena, mas conhecido como Positivismos Lógicos. Essa concepção
epistemológica tinha como objetivo demarcar o campo científico da metafísica, religião, senso
comum. Lembre-se aqui que posição de Newton, para quem tudo que não fosse comprovado
pela experimentação era considerado hipótese. Assim, a ciência definiu-se a partir daí como
teoria aliada à empiria. As teorias para serem validadas deveriam passar pelo crivo da
experimentação.
O positivismo lógico afirmava que a ciência começa com a observação não
preconceituosa. As afirmações que se lhe apresentam a partir da observação − proposições de
observação − formam a base de leis e teorias que constituem o conhecimento científico. A
cuidadosa observação estabelece a verdade de tais afirmações. Essas afirmações são
singulares, ou seja, acontecem num lugar e tempo específicos. Porém, desde que certas
condições sejam satisfeitas, é legítimo generalizar a partir de uma lista finita de proposições
de observações singulares para uma lei universal − acontecem em todos os tempos e lugares.
As condições para tal generalização são: o número de proposições de observações que
56
formam a base de uma generalização deve ser amplo; as observações devem ser repetidas sob
uma extensa variedade de condições; nenhuma proposição de observação deve conflitar com a
lei universal, derivada. Esse raciocínio que leva de eventos particulares para generalizar em
forma da lei é chamado de raciocínio indutivo e o processo de indução. Para essa corrente, a
indução é o método experimental por definição e a base sólida da ciência (CHARMERS,
2006).
Conforme cresce o número de dados estabelecidos pela observação e experimento − e
os fatos tornam-se mais refinados e esotéricos, devido ao aperfeiçoamento em nossas
capacidades de observação e experimentação − cada vez mais leis e teorias de maior
generalidade e escopo são construídas por raciocínio indutivo cuidadoso. O crescimento da
ciência é contínuo, para frente e para o alto, conforme o fundo de dados de observação
aumenta. Para que esse desenvolvimento aconteça com pleno vigor, a ciência necessita do
método dedutivo. A dedução é um elemento importante da lógica. É o caminho de raciocínio
que garante que a conclusão esteja contida nas premissas. Isso só é possível se se extrair
conclusões particulares a partir de teorias gerais. Para o positivismo lógico, a dedução é um
método secundário porque não estabelece a verdade sobre o mundo, porém, apenas garante
coerência e permite explicação e previsão (CHALMERS, 2006).
A explicação indutivista ingênua da ciência tem alguns méritos aparentes. A sua
atração reside no fato de que ela dá explicação formalizada de algumas impressões
popularmente mantidas a respeito do caráter da ciência, seu poder de explicação e previsão,
sua objetividade e confiabilidade superior comparada a outras formas de conhecimento.
Assim, qualquer explicação da religião não deve ser levada em consideração para o
positivismo lógico porque não são baseadas nos princípios da verificação indutiva, sequer
possui coerência e, portanto, um poder explicativo. Deus não pode ser verificado
empiricamente, por exemplo. A metafísica possui uma coerência lógica – pode-se citar
Descartes –, porém, suas proposições não possuem poder de verificação e, portanto, mesmo o
Deus racionalista dos deístas não é verificável empiricamente. O senso comum é um
conhecimento empírico, porém não utiliza a coerência e lógica dedutiva. O conhecimento
comum é ambíguo e não rigoroso (CHALMERS, 2006).
Para o positivismo lógico, o conhecimento científico é provado. As teorias científicas
são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experimentação adquiridos por
observação e experimento. A ciência é baseada no que se pode ver, ouvir e tocar. Opiniões e
preferências pessoais não têm lugar na ciência. A ciência é um conhecimento objetivo. É um
conhecimento confiável porque pode ser provado objetivamente. A observação e o raciocínio
57
indutivo são objetivos. Proposições de observações podem ser averiguadas por qualquer
observador pelo uso normal dos sentidos. A verdade das proposições de observação é
adquirida pelo uso direto dos sentidos. A ciência é superior ao senso comum, religião e
metafísica porque é um conhecimento provado, objetivo, neutro, metódico e coerente. O
positivismo lógico é o suprassumo do dogmatismo científico. Para essa corrente, o estatuto
científico só é dado para as ciências naturais, especialmente as que acompanharam o
desenvolvimento do mecanicismo (CHALMERS, 2006).
A segunda ruptura consiste na queda da dogmatização da ciência com a crescente
crítica ao etnocentrismo científico realizado pelas posturas do positivismo lógico. O principal
crítico do positivismo lógico foi Popper (1993). Reúne-se o conjunto de críticas a essa escola
epistemológica com o intuito de avaliar sua validade. Não se restringe apenas às críticas de
Popper (1993). A primeira pergunta que foi feita contra essa escola foi formulada ainda no
século XVIII por David Hume. O positivismo lógico foi construído sem levar em
consideração críticas lógicas formuladas séculos antes. Hume indagava: como pode o
princípio de indução se justificar? O filósofo demonstrou que as conclusões indutivas não são
lógicas porque dão margens a resultados ambíguos. Assim, além de conter resultados
contraditórios, apelar para o sucesso histórico do método incorre em contradição porque
utiliza o raciocínio indutivo para justificar-se. Portanto, as tentativas de justificar a indução
através do recurso lógico e o outro através da experiência foram mal sucedidos (CHAMERS,
2006).
As condições para uma indução legítima são exigências vagas e indefinidas. Um
grande número de repetição nunca será o suficiente para uma generalização, pois a última
pede um número infinito de repetições. Se se define o número de repetições, então a
generalização é arbitrária, tornando inválida a indução. As variadas circunstâncias do teste
também incorrem em problemas de indefinição expostos acima. A escolha das variadas
circunstâncias para validar a indução já constitui um preconceito e fere a imagem da ciência
neutra. Popper afirma que por conta desses problemas o número de indícios repetidos em
variadas circunstâncias torna zero a probabilidade de a generalização ser verdadeira
(POPPER, 1993).
Outra dimensão do positivismo lógico que merece avaliação são as suposições de que
a ciência começa com a observação e a outra é que a observação produz uma base segura da
qual o conhecimento pode ser derivado. A concepção popular de observação é baseada numa
explicação como: em condições físicas os observadores veriam as mesmas propriedades do
mundo, pois a luz através da lei da refração e reflexão tornaria os observadores aptos a ter
58
não sobreviverem ao teste devem ser eliminadas e substituídas por outras. A ciência progride
por tentativas e erros. Apenas as teorias mais aptas sobrevivem, embora nunca se possa
afirmar definitivamente que são verdadeiras, pode-se dizer que ela é a melhor explicação
disponível. O racionalismo crítico apoia-se numa particularidade lógica, a qual a dedução não
confirma a veracidade das teorias, mas pode confirmar a falsidade das teorias sem que para
isso envolva contradição. O racionalismo crítico explora essa particularidade lógica ao
máximo (POPPER, 1993).
Assim, o positivismo lógico tinha como critério a verificabilidade das teorias como
estatuto científico. Contudo, Popper (1993) tem como critério fundamental para
cientificidade das teorias a falseabilidade. Para serem tidas como científicas, as teorias devem
ser falseáveis. Para Popper (1993), uma teoria só é passível de teste se for falseável. Assim,
as teorias devem fazer afirmações decisivas sobre o mundo para que ganhem o estatuto de
ciência. Caso contrário, serão vagas, ambíguas ou autoexplicativas e, por isso, infalseáveis.
As teorias devem ter um conteúdo informativo amplo, pois quanto maior a amplitude e,
portanto, a falseabilidade, tanto melhor para o racionalismo crítico. Para o racionalismo
crítico, a boa teoria é aquela que tem um alto grau de falseabilidade e resiste a toda tentativa
de falsificação quando confrontada com o teste. A ciência começa com a tentativa de resolver
problemas encontrados nas teorias anteriores. Esses problemas são resolvidos através da
proposta de novas teorias. A teoria proposta como resolução do problema da anterior deve
acertar onde a antecedente acertou e galgar igual êxito onde a teoria passada errou. A nova
teoria deve ter um conteúdo informativo maior que a velha e por isso um maior grau de
explicação, de previsões e grau de falseabilidade. O cientista deve estar sempre pronto para
falsear as teorias propostas. O racionalismo crítico afirma que a ciência progride rumo ao grau
maior de proximidade da verdade, pois nela existe um mecanismo eficaz de eliminação de
erros, uma vez que o progresso se dá por tentativas e erros (POPPER, 1993).
Um quadro mais dinâmico do racionalismo crítico pensa em múltiplas teorias
concorrentes. Fala-se em graus de falseabilidade relativos a teorias e não absolutos. Assim,
uma teoria que tem um problema não precisa ser abandonada, porém modificada de modo a
ter consequências testáveis. Modificações que não têm tais consequências são denominadas
ad hoc. Essas são feitas como estratégias para imunizar a teoria de qualquer crítica. Assim, o
racionalismo crítico não é falsificacionista rígido, pois enfatiza modificações na teoria que
tem problema, porém, essa modificação tem que ser independentemente testável. Se o teste
confirmar a modificação que se constitui numa previsão audaciosa com um conteúdo
informativo amplo, então houve um progresso na ciência. Essa confirmação não é semelhante
60
grupo internacional de físicos, entre eles Max Planck, Albert Einstein, Neil Bohr, Louis de
Broglie, Erwin Shödiger, Wolfigan Pauli, Werner Heisenberg e Paul Dirac (GLEISER, 1997).
A nova física exigia profundas mudanças nos conceitos de espaço, tempo, matéria,
objeto e causa/efeito. Como esses conceitos são fundamentais para o nosso modo de vivenciar
o mundo, sua transformação causou grande choque. A visão do universo como uma máquina
foi superada por um universo como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão
essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo
cósmico. As partículas sólidas do modelo newtoniano que produziam a realidade foram
substituídas por várias regiões de espaços vazios. Essas partículas apresentam um aspecto
dual. São compreendidas como partículas e ondas ao mesmo tempo. Embora um elétron não
seja uma partícula ou uma onda, pode apresentar aspectos de partícula em algumas situações e
aspectos de onda em outras. Enquanto age como partícula é capaz de desenvolver sua
natureza ondulatória à custa de sua natureza de partícula e vice-versa, sofrendo
transformações contínuas de partículas para onda e onda para partícula (GLEISER, 1997).
A grande realização de Heisenberg consistiu em expressar as limitações dos conceitos
clássicos numa forma matemática precisa conhecida como princípio de incerteza. Esse
princípio consiste em determinar que não se pode saber, com precisão, a velocidade e a
posição de uma partícula ao mesmo tempo. Assim, Niels Bohr introduziu a noção de
complementaridade de conceitos. Partícula e onda são conceitos complementares, e isso era
impossível nos termos da física clássica. Outra implicação da teoria quântica é que esses
objetos subatômicos são padrões ondulatórios de probabilidades (GLEISER, 1997).
Tais transformações ensinaram a Popper (1993) que a ciência não se constituiu como
um conhecimento que detém a verdade, mas, ao contrário, como um empreendimento sempre
“revolucionário”. A ciência newtoniana estava bem estabelecida como verdade até que a
relatividade e a mecânica quântica destruíram algumas de suas firmes bases. Para Popper
(1993), a relatividade não é a teoria verdadeira, mas uma teoria hipotética que está mais
próxima da verdade que as teorias newtoniana e aristotélica. A relatividade acertou onde a
teoria newtoniana foi mal sucedida e explica bem os fenômenos que a teoria anterior teve
sucesso. Nesse sentido, afirma-se que o racionalismo crítico acredita num progresso da
ciência. A teoria da relatividade contém a teoria newtoniana que, por sua vez, contém a teoria
aristotélica. Popper (1993), baseado na história da ciência, afirma que essa progride através de
tentativas e erros.
Pode-se citar Carl Segan como um entusiasta da ciência nos termos de Popper (1993).
Ele afirma claramente que a ciência é superior sobre os demais conhecimentos. Justifica essa
63
sob forma vaga e posteriormente na prática científica ganha precisão. Essas teorias se
estabelecem quando contém no seu interior indícios e receitas bastante claras, oferecendo um
programa de pesquisas. Assim, Imre Lakatos tentou analisar as teorias científicas como
estruturas organizadas para melhorar o racionalismo crítico e superar as objeções a ele. Um
programa de pesquisas é uma estrutura que fornece orientação para a pesquisa futura de uma
forma negativa e positiva (LAKATOS, 1979).
A primeira forma é denominada de Heurística negativa e envolve o núcleo irredutível
que seria suposição básica da teoria que não pode ser modificada ou rejeitada sob o risco de
sair do programa de pesquisa. Esse núcleo é composto por hipóteses auxiliares e condições
iniciais que servem de cinturão de proteção. A heurística positiva é composta de uma pauta
geral que indica como pode ser desenvolvido um programa de pesquisas explicando
fenômenos conhecidos e prevendo fenômenos novos. Os programas de pesquisas podem ser
progressivos ou degenerescentes, de acordo com o sucesso ou fracasso para com o objetivo de
levar à novas descobertas (LAKATOS, 1979).
O critério para uma teoria obter estatuto de cientificidade pede que se avalie se ela tem
uma estrutura heurística positiva e uma heurística negativa. A psicanálise satisfaz o primeiro
critério, mas não o segundo; a moderna sociologia satisfaz o segundo critério, mas não o
primeiro. As ciências humanas em geral não têm um programa de pesquisas coerentes. Para
alguns críticos, como Paul Feyerabend (1977), esse critério é muito vago, pois não prevê a
conciliação de programas de pesquisas rivais e nem é bem definido para que se tenha uma
maneira de rejeitar os programas, pois estes são degenerescentes ou progressivos, mas nunca
se pode rejeitá-los ou confirmá-los de uma vez por todas (LAKATOS, 1979).
Kuhn (1991) afirma que as epistemologias anteriores como o racionalismo crítico e o
positivismo lógico não deram um relato da ciência condizente com sua história. A novidade
do epistemólogo é sua ênfase no caráter revolucionário do progresso científico. Outro traço
essencial é o importante papel desempenhado na teoria de Kuhn (1991) pelas características
sociológicas das comunidades científicas. Antes da atividade científica, há o período pré-
paradigmático que consiste numa atividade desorganizada onde imperam paradigmas
conflitantes. A ciência estrutura-se quando a comunidade científica atém-se a um único
paradigma. Um paradigma é o modelo teórico metodológico que orienta uma comunidade de
cientistas a fim de explicar a realidade, composto de suposições teóricas gerais, leis e técnicas
de suas aplicações. Os cientistas que trabalham na comunidade científica orientada por um
paradigma praticam a ciência normal (KUHN, 1991).
65
A ciência normal requer que o cientista não seja crítico do seu paradigma. Porém,
demanda a resolução de certos quebra-cabeças. Esses últimos são problemas cuja solução é
prevista pelo paradigma. Contudo, ele mesmo encontrará algumas inadequações na tentativa
de submeter a realidade aos seus ditames. Essas irregularidades muitas vezes são insolúveis e
por isso chamadas de anomalias. As anomalias são invisíveis ao cientista normal. Assim, o
paradigma vai resolvendo seus quebra-cabeças e esse vai se refinando e tornando-se mais
preciso, mas por um momento ele não consegue resolvê-los de uma maneira precisa. Ele dá
margens a múltiplas respostas para tais quebra-cabeças. O paradigma se enfraquece de tal
maneira que suas anomalias ficam evidentes aos seus praticantes e se inicia uma crise. Essa,
no geral, é resolvida com a substituição do paradigma vigente por outro incompatível. A crise
é um momento parecido com o período pré-paradigmático onde há uma luta entre vários
paradigmas incompatíveis entre si, embora um deles, por alguns motivos, convence a
comunidade a adotá-lo como explicação da realidade (KUHN, 1991).
O progresso científico se dá por meio de revoluções, pois um paradigma não
representa uma evolução linear, mas um progresso revolucionário porque um paradigma é
incompatível com o anterior. O que distingue a ciência da não-ciência é porque a ciência é
governada por um único paradigma. Ele determina os padrões legítimos, orienta de maneira
ordenada seus participantes. As ciências humanas ainda não são ciências porque trabalham
com múltiplos paradigmas, ainda estão na fase pré-paradigmática. A mudança de um
paradigma para outro se dará pelo julgamento da comunidade científica. Assim, não se pode
dizer que um paradigma é superior ao outro, porque cada um utilizará seus padrões para julgar
o outro. Portanto, o critério da cientificidade perpassa pelo julgamento da comunidade
científica. Para Kuhn, a verdade não existe como algo transcendente, mas é um consenso da
comunidade científica (KUHN, 1991).
Houve um debate entre esses epistemólogos no sentido de demarcar os seus
posicionamentos. Dividiram-se as posições em dois blocos: o primeiro foi chamado de
racionalismo que engloba a posição do positivismo lógico, racionalismo crítico e os
programas de pesquisas de Lakatos e o segundo foi chamado de relativismo que engloba a
posição de Kuhn (1991) e Paul Feyerabend (1977). Essas denominações são dadas em função
do critério do que seja ciência e não ciência. O racionalista extremado afirma que há um
critério único e universal para a avaliação dos méritos das teorias rivais. Esse critério é
também atemporal, por isso tais metodologias têm um caráter não histórico. A distinção entre
ciência e não-ciência é dada para aquelas teorias que atendem ou se afastam de critérios
universais para ciência. O relativista extremado nega que haja um padrão universal em relação
66
ao qual possa se julgar que uma teoria é melhor que outra. Aquilo que é melhor ou pior será
avaliado pelo indivíduo ou pela comunidade envolvida. Um relativista irá negar a categoria
única e superior para o saber científico, ao passo que os racionalistas necessitam de padrões
universais para garantir a superioridade do conhecimento científico (LAKATOS, 1979).
Assim, Lakatos queria defender uma posição racionalista, pois critica a posição de
Kuhn (1991) de demarcação da ciência. O critério de Kuhn (1991) é simplesmente uma
questão de poder. Ele gostaria de uma avaliação da teoria sem levar em consideração a
opinião ou gosto dos indivíduos. Lakatos defendia que seu critério era independente e testável
com a história da ciência, porém sua ênfase em testes de programas rivais não tem um critério
universal. Lakatos errou em achar que toda ciência deveria seguir o modelo da física − aliás,
erro das escolas positivista e falsificacionista. Ele não tem argumento para tal defesa. Por
outro lado, Kuhn (1991) tem uma postura relativista, pois a demarcação do que é a ciência e
não-ciência é consentida pela comunidade científica. Os critérios, portanto, variarão
historicamente. Kuhn (1991) defendeu, inadvertidamente, que o paradigma aceito é superior
ao anterior, mas isso conflita com sua defesa de incompatibilidade de paradigmas. Feyerabend
(1977), porém, argumenta que a comunidade científica não se diferencia de um crime
organizado ou que a filosofia de Oxford também pode ser científica. O relato de Thomas
Kuhn (1991) incorre em alguns erros porque o conceito de paradigma é ambíguo e vago. A
física atual, por exemplo, lida com dois paradigmas incompatíveis como a relatividade e a
física quântica. A noção de paradigma foi reformulada e passou a ser denominada de matriz
disciplinar (LAKATOS, 1979),
Outro autor relativista que se deve levar em consideração é Paul Feyerabend (1977). O
seu livro Contra o Método delineia o seu anarquismo epistemológico. O livro é a compilação
das cartas que mandava para seu amigo Imre Lakatos onde se encontram críticas à tendência
racionalista acima exposta. Seu amigo morrera antes e por isso o segundo volume não foi
publicado. Feyerabend (1977) é crítico de todas as metodologias apresentadas aqui. Para ele,
nenhuma delas apresentou de maneira consistente uma demarcação clara entre ciência e não-
ciência. Para o autor, o único critério aceito é o vale-tudo. O cientista para ser um bom físico
não precisa estar familiarizado com as metodologias contemporâneas, basta estar
familiarizado com a física. Feyerabend (1977) argumenta, com sucesso, na medida em que
demonstra que as escolhas e decisões dos cientistas não sejam restringidas por regras
estabelecidas ou implícitas na metodologia da ciência (FEYERABEND, 1977).
Um aspecto importante, tanto em Kuhn (1991) como em Feyerabend (1977), é a
incomensurabilidade de teorias. Nenhuma teoria pode fazer críticas à outra com base em seus
67
descritiva de uma experiência. As ciências naturais estudam fatos simples, eventos isoláveis,
recorrentes e sincrônicos. Por isso são eventos reproduzidos dentro de condições de controle
razoáveis de laboratório. O laboratório assegura certas condições de objetividade. Em
contraste com isso, as chamadas ciências sociais estudam fenômenos complexos, situados em
planos de casualidade e determinação complicados. Nos eventos que constituem a matéria-
prima do cientista humano não é fácil isolar as causas e motivações exclusivas. Os eventos
das ciências humanas têm determinações complexas e podem ocorrer em ambientes
diferenciados, tendo por causa disso a possibilidade de mudar seu significado de acordo com
o ator, as relações existentes num dado momento e, ainda, com sua posição numa cadeia de
eventos anteriores e posteriores. Porém, a diferença crucial está na dicotomia entre sujeito e
objeto. Essa interação complexa entre investigador e o sujeito investigado proporciona o
compartilhamento dos dois num mesmo universo das experiências humanas. Nas ciências
naturais, o sujeito e o objeto estão situados em planos diferentes (DAMATTA, 1987).
Alan Chalmers (2006), depois de ter revisado as posições das principais escolas
epistemológicas analisadas no capítulo anterior, descobriu que o erro comum entre elas, à
exceção do anarquismo epistemológico de Feyerabend (1977), era pensar na física como
modelo único de cientificidade; como as ciências humanas têm sua especificidade, eles não
atribuíram o estatuto de cientificidade às ciências humanas. Alan Chalmers (2006) acredita
que as ciências humanas devem ser avaliadas, levando em conta os seus padrões específicos
de cientificidade. Para o autor, constitui-se um erro para as ciências humanas seguir
cegamente o padrão da física.
Assim, a identidade entre sujeito e objeto era vista como algo que impossibilitava as
ciências humanas alcançarem o ideal de cientificidade. Porém, como os ideais de objetividade
e neutralidade apregoados nesse argumento para invalidar a ciências humanas foram
severamente criticados, os cientistas humanos afirmam que essa diferença crucial é o que
torna o empreendimento até mais desafiador. O objeto humano é histórico e por isso sofre
condicionamentos pré-estabelecidos por essa peculiaridade e assim impõe ao investigador a
consciência clara de seus condicionamentos também. A identidade entre sujeito e objeto
permite ao investigador conhecer-se melhor. Assim, também os objetos das ciências humanas
apresentam formas mais qualitativas (DEMO, 1987). A investigação concorda com essa
defesa das ciências humanas e por isso leva em consideração seu julgamento para avaliar a
problemática proposta. Esse movimento preparou terreno para a segunda ruptura
epistemológica preconizada por Boa Ventura de Sousa Santos.
70
cultural, parte de um campo de forças objetivas do grupo e comporta uma faceta subjetiva. Desse
modo, traduz-se em formas particulares de ver o mundo. Pode-se afirmar que o habitus constrói,
desse modo, representações sociais. Elas são compartilhadas nas conversas cotidianas, como bem
afirma Serge Moscovici. Através da noção de habitus é possível perceber aspectos de reprodução
deixados de lado pelas investigações da psicologia social e por meio dessa última se podem
perceber as formas de produção do conhecimento sobre o objeto.
O importante é salientar que as representações não são meras opiniões deslocadas, mas
formam uma visão unificada e coerente do mundo, mesmo que misturas recortadas de muitos
conhecimentos filosóficos, artísticos, científicos. Porém constroem-se sob o crivo de uma forma
de conhecer e ver o mundo. As representações constroem os objetos alvos de seu conhecimento.
A análise das representações sociais leva em conta um sujeito do conhecimento e um objeto a ser
representado. O sujeito do conhecimento que representa a realidade social reproduz um habitus de
um grupo ao tempo que produz representações acerca do objeto do conhecimento. O professor é o
sujeito do conhecimento que reproduz e produz certo conhecimento sobre o aluno. O objetivo da
investigação é analisar os conteúdos dessas representações sociais.
Desse modo, a investigação é predominantemente qualitativa (GOLDENBERG, 2001),
pois a intenção é inteirar-se junto aos professores de matemática das escolas públicas e privadas
de Teresina dos significados compartilhados de suas representações construídas sobre os alunos
cotidianamente em suas práticas sociais. O conhecimento praxiológico pressupõe a dupla ruptura
epistemológica. Como tal, a primeira rompe com o subjetivismo do senso comum e a segunda
tenta romper com o objetivismo sociológico dogmático. O conhecimento praxiológico admite
metodologias quantitativas e qualitativas.
Neste sentido, a investigação tem como interesse principal decifrar os significados das
maneiras de pensar, agir e sentir dos profissionais das escolas públicas que, apesar de locais, não
são individuais, e sim coletivos, uma vez que são compartilhados pelos sujeitos da pesquisa
(GEERTZ, 1989). Assim, os procedimentos metodológicos deverão explicar, compreender e
interpretar, conforme o pensamento epistemológico de Max Weber (2004), os significados das
ações sociais dos diferentes docentes sujeitos da pesquisa.
A pesquisa sociológica, segundo Max Weber (2004), deve estabelecer um parâmetro de
interpretação das ações sociais e desta forma construir tipos ideais na pesquisa. Estes, não
necessariamente existentes na realidade social, servem de padrão de controle das interpretações
sociológicas. À medida que se aproximam ou se distanciam do tipo ideal, pode-se interpretar o
sentido das ações sociais. Para o autor, todos os agentes sociais são capazes de interpretar as
ações, porém, estas interpretações são intuitivas, ou seja, são interpretações que não precisam de
72
esforços racionais de pesquisa para realizar-se. A condição para a interpretação intuitiva exige
somente que os atores estejam vivenciando as mesmas condições sociais. Contudo, estas
interpretações falham quando distantes das relações imediatamente conhecidas.
As realidades sociais que não podem ser apreendidas imediatamente necessitam de uma
interpretação racional. A explicação racional estabelece a criação de tipos ideais para o controle
da interpretação sociológica. O tipo ideal é um parâmetro comparativo da análise racional. A
comparação é também uma estratégia do pensamento do senso comum. As representações sociais
dos professores das escolas públicas tomaram como um parâmetro de interpretação as
representações produzidas nas escolas privadas. Neste sentido, a escolha dos sujeitos da pesquisa
exigiu que os professores de matemática atuassem ou já tivessem atuado nas redes pública e
privada.
A metodologia se inspira também na descrição densa, que consiste em decodificar,
detalhadamente, os significados que o informante utiliza para falar sobre suas experiências
privadas e de seus próximos. A descrição densa tem a vantagem de identificar as particularidades
locais. Esse método trabalha com conceitos de “experiência próxima” e “experiência distante” 19.
A Hermenêutica de Geertz procura articular, em suas análises, essas duas maneiras de pensar. Ela
tem a vantagem de valorizar o particular sem perder a noção do todo. Deste modo, o cientista
social estará condicionado sempre a revisões, pois sua interpretação é de segunda mão (GEERTZ,
1989).
O universo da pesquisa compõe-se dos professores de matemática que representam
socialmente os alunos da rede pública e privada do ensino médio de Teresina. Assim, os critérios
de escolhas dos participantes da pesquisa foram: ser professor de matemática em Teresina, ser
professor de matemática no ensino médio e ministrar aulas na rede pública e privada de ensino, ou
já ter ministrado aulas nas duas redes de ensino. No intuito de procurar os sujeitos que se
enquadrassem no perfil, escolas públicas e privadas da cidade foram visitadas. As escolas públicas
foram as mais visitadas e situavam-se em múltiplas regiões da capital piauiense. Estas foram as
mais procuradas devido a maior receptividade dos sujeitos para colaborar com a pesquisa. Porém,
quatro escolas particulares foram visitadas, no decorrer da pesquisa de campo, e uma delas,
renomada, situa-se no centro da cidade.
19
A “experiência próxima” são conceitos expressados pelo informante espontaneamente e sem
esforços, para falar sobre aquilo que ele e seus semelhantes sentem. A “experiência distante” são
generalizações mais formais e abstratas, que são as noções dos especialistas (GEERTZ, 1997).
73
20
Esta regra estabelece que se identifiquem os elementos e se considerem todos os elementos desse
corpus.
21
A representatividade estabelece que o material a ser analisado seja volumoso.
22
Os documentos construídos não devem ser singulares e heterogêneos, mas possuir uma
homogeneidade.
76
4.1 INTRODUÇÃO
A categoria família foi o principal emblema utilizado pelos professores entrevistados para
explicar o comportamento dos alunos nas duas redes de ensino. A família foi responsabilizada
pelas diferenças no rendimento do aluno da escola pública e privada, através da crença na relação
entre proveito escolar e cobrança familiar. A explicação teve seu núcleo na seguinte assertiva: os
alunos das escolas privadas atingem melhores desempenhos educacionais porque são mais
cobrados pelos pais e os alunos das escolas públicas têm o rendimento menor porque são menos
cobrados pela família. Veja-se o que afirmam os sujeitos da pesquisa:
[...] O ensino de matemática fica mais difícil na rede pública, não é? Por conta
do acompanhamento dos alunos nas tarefas de casa, cobrada pela família,
devido a esse não cumprimento de fazer tarefa, todo o trabalho fica restrito ao
professor. Então ele precisa fazer muitas questões por isso perde muito tempo,
perde muito conteúdo em trabalhar em sala de aula (S1).
[...] Eu acho que, a diferença de aprendizagem ela existe sim, e que essa
diferença de aprendizagem, ela acontece mais pelo interesse e pela cobrança. Os
pais de aluno de escolas particulares estão pagando, eles querem o retorno do
filho, então eles cobram um pouco mais do filho o resultado. E os da escola
pública, por achar que é de graça... Como se seus impostos não fossem uma
forma de pagamento do ensino, eles não tem tanta cobrança... Nem os pais dos
alunos e nem os alunos cobram dos professores. Por tanto, às vezes, é mais fácil
perceber que ele, digamos assim, tenha um interesse menor. Então eu vejo que
existe uma pequena diferença nesse sentido. Quando há um interesse, há uma
facilidade, quando não há interesse, também não há facilidade (S13).
A aprendizagem e o interesse do aluno são tomados como fruto das suas relações sociais
familiares. A diferença entre as aprendizagens dos alunos é comentada como resultado da prática
de estudos em casa. A explicação com o centro na família afirma que a aprendizagem é produto
final do interesse do discente. O interesse do aluno, por sua vez, é adquirido mediante disciplina
de estudos diários, resultado da cobrança dos pais. Os pais cobram porque pagam mensalidades
81
nas escolas privadas. Os alunos das escolas públicas, oriundos de famílias de baixa renda, não são
acompanhados pelos pais, logo os discentes não adquirem disciplina de estudos e não têm
interesse na matéria matemática. Para os docentes entrevistados, o trabalho pedagógico dos
profissionais da educação no âmbito escolar é diretamente influenciado pelo processo social que
ocorre fora da escola. A função da escola é tão somente a de transmitir os conteúdos formais.
O trabalho docente, visto como participante do processo ensino-aprendizagem, é
concebido como passivo aos processos sociais ocorridos fora da escola. A prática docente do
professor sofre interferência direta da disciplina familiar do aluno. A prática docente tem o papel
apenas de modelador da educação que ocorre em casa. O rendimento do aluno é explicitado como
efeito da causalidade ontológica da família dos alunos, para os entrevistados. A explicação dos
professores aponta a responsabilidade da aprendizagem dos alunos para a família. A concepção
que responsabiliza a família é ancorada em valores compartilhados pelos próprios professores:
[...] E quando eu falo em família parte dos pais para os alunos, ou alguém da
casa dele pra ficar cobrando. Eu digo isso porque eu tenho meus filhos e a gente
tem que tá toda hora... Eles estudam em escola privada e eu cobro deles
diariamente, estou sempre acompanhando, cobrando deles direitinho „pra‟ que
eles façam. Quanto na escola pública não, os pais não querem fazer isso, deixam
os alunos soltos e aí ele termina chegando na escola sem fazer nada. E aí o
professor tem que dar todo o conteúdo, todas as questões pra que ele faça, pra vê
se ver um resultado melhor e ainda é difícil (S1).
Bem, na escola pública é mais difícil ensinar matemática, por muitas razões, por
muitos fatores que influenciam aí, né? A participação da família na escola, a
disciplina dos alunos, e tudo isso contribui pra que seja mais difícil lecionar
matemática na escola púbica (S2).
Aí você vai entrar num processo muito grande. Porque o aluno da escola pública
traz com ele a necessidade que ele não tem apoio familiar, tá tendo maior
mudança atualmente nesse quesito. E o aluno da escola particular não, ele cobra
mais do professor, e por isso ele aprende mais. O problema tá no interesse do
aluno, basicamente, o que faz com que o aluno da escola pública seja mais
83
O trabalho do professor fica mais lento na escola pública, segundo a visão hegemônica
dos professores entrevistados, porque não há acompanhamento familiar e não produz o efeito
esperado: o interesse do aluno. O acompanhamento do aluno está diretamente ligado ao fator
financeiro familiar. Para os docentes sujeitos da pesquisa, existe relação entre fator financeiro
familiar e acúmulo de conhecimentos escolares. A sociologia de Bourdieu (2011) pode nos
ajudar a compreender a visão de mundo dos professores, empregada em suas falas acerca do
comportamento dos alunos. Autor da ruptura epistemológica contra a noção funcionalista de
ensino, Bourdieu (2011) esclarece as relações entre classes sociais e a escolaridade dos
indivíduos.
O autor rompeu com a noção meritocrática de ensino, segundo a qual os alunos possuem
iguais oportunidades de aprendizagem na escola. Para esta concepção, o fracasso ou sucesso
escolar são responsabilidade dos alunos, pois possuem as mesmas condições de aprendizagem. A
noção de mérito é individualista e responsabiliza o aluno pelo seu aprendizado. A explicação foi
atacada pela sociologia de Bourdieu através do conhecimento praxiológico. Tal recurso
intelectual explica as ações individuais por meio de determinantes sociais, sem desmerecer a
produção do campo estrutural pelos mesmos sujeitos. Em outras palavras, o conhecimento
praxiológico utiliza o recurso da imaginação sociológica e tem como hipótese a noção da
reversibilidade da realidade social através das intervenções humanas.
Bourdieu recorre à noção de capital − cultural, econômico, social e científico − para
explicar a dinâmica dos campos sociais. Cada campo social legitima a hegemonia de
determinado tipo de capital. Na escola, o capital legitimado é o cultural. Os alunos das escolas
privadas adquirem o capital cultural escolar na família. Os alunos das escolas públicas não têm
acesso ao capital cultural na família e desta forma ficam em situação desvantajosa frente aos
alunos das escolas particulares. Para Bourdieu e Passeron (2011), o professor, ao premiar os
alunos com maior capital cultural em sua prática docente, produz violência simbólica, pois, os
alunos das escolas públicas não possuem o capital cultural legitimado na escola, enquanto que
aqueles das escolas privadas detém na família o capital cultural legitimado na instituição de
ensino.
Os professores revelaram em suas falas que a representação social compartilhada sobre os
alunos influencia em suas práticas docentes. A representação social comporta uma relação de
poder e supõe o sujeito do conhecimento e o objeto a ser conhecido. O objeto é obrigado a
84
exemplo, o interesse dos alunos envolve muitas questões sociais e é visto pelos professores como
culpa das famílias dos alunos. A explicação invisibiliza o problema e produz efeito de cegueira nos
docentes.
Os professores entrevistados, guiados pelo paradigma de ensino conservador,
inadvertidamente, reclamam uma prática docente conservadora e, por sua vez, um aluno dócil,
obediente, passivo e disciplinado. As suas falas não refletem sobre suas próprias práticas docentes.
Elas constroem o modelo de ensino, treina a subserviência dos alunos e produz violência simbólica.
Os professores, ao premiarem o aluno que se enquadra nessa prática docente promove a violência
simbólica. A prática docente conservadora tem a função social de formar indivíduos obedientes. O
ensino propedêutico no Brasil imprimiu marcas profundas na educação, ao universalizar a prática
de ensino conservadora. Gaston Bachelard (2011, p. 23) reporta-se ao ensino conservador como
obstáculo pedagógico que deve ser superado:
para produzir ruptura epistemológica, deve passar por este treinamento científico. O docente
somente irá transformar sua prática se conseguir pesquisar sempre. Ele deve pesquisar
constantemente desde os conteúdos até sua prática docente. A pesquisa deve começar por
problemas, erros, dúvidas e situações caóticas. Estas são conjunturas inusitadas que no primeiro
momento desestabilizam, mas podem provocar a pesquisa científica.
A categoria aluno foi encontrada nas respostas dos professores. A explicação relaciona
interesse, acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades. O interesse do aluno tem
ligação causal com o acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades na escola privada,
segundo a fala dos professores. O desinteresse do aluno da escola pública é explicado porque a
família não paga mensalidades diretamente e consequentemente ela não cobra do aluno os
resultados. O discente de escola privada se interessa pela matemática porque é cobrado pela família
e consequentemente acumula conhecimentos durante a vida escolar. Ele tem maior rendimento
escolar porque capitaliza conhecimentos, enquanto que o aluno da escola pública tem menor
rendimento porque não sistematizou conhecimentos por consequência da falta de acompanhamento
e cobrança familiares.
Por meio de analogias, os alunos das duas redes foram valorados pelos professores da
seguinte forma: os alunos das escolas particulares são mais acompanhados e mais cobrados pela
família e, por isso, mais disciplinados, tem menor dificuldade para compreender o conteúdo e
adquirem maior base de conhecimentos matemáticos. As explicações afirmam que os alunos das
escolas públicas são menos acompanhados e cobrados pelos pais e, em decorrência, são menos
interessados, possuem menos aproveitamento na disciplina e apresentam mais dificuldade para
absorver o conteúdo da disciplina matemática. Observe-se o que afirma um dos nossos sujeitos da
pesquisa sobre os alunos das duas redes de ensino:
[...] Olha, o aluno da escola privada, como eu te falei, ele é mais cobrado, por
isso, ele de certa forma ele se vê obrigado a ter que estudar, „tá entendendo‟? Já
na escola pública não há tanto essa cobrança, que falta também essa cobrança
dos alunos em mostrar um maior interesse, por que alguém tá exigindo dele.
Nesse aspecto, eu vejo assim, na escola privada tá lá o pai, a própria escola que
cobra, como te falei, a própria sociedade. O aluno, ele quer estudar na escola
particular, por que quer passar no ENEM. E infelizmente na escola pública não
acontece isso. Falta o quê? Incentivo, na escola pública falta que o aluno tenha
esse interesse de estudar matemática, não passar só no ENEM, mas que ele
possa „tá‟ desenvolvendo também as habilidades que vai empregar lá fora, no
mundo do trabalho, exercendo a cidadania, „tá entendendo‟? Quando você faz
um paralelo assim, você faz o que um aluno da escola particular ele é mais
cobrado, ele é mais exigido, pelos próprios pais que tão pagando. O da escola
pública não tem tanto essa cobrança a não ser da gente que há essa cobrança, a
escola propriamente dita que cobra dele, mas a gente vê que o paralelo que a
gente faz. Eu não diria, por exemplo que o estudante da escola pública é mais
fraco que o da particular no que diz respeito a matemática, o que eu digo é
88
assim, o que falta é trabalhar de uma forma melhor e mais adequada com o
aluno da escola pública, pra que ele possa mostrar maior interesse nessa
disciplina (S6).
[...] Os alunos da escola pública não têm base, então a gente tem que trabalhar
de forma diferente pra eles, uma forma bem mais simples, tem que pegar
aqueles conteúdos mais simples e os complexos quando a gente vai trabalhar
tem dificuldade. Quanto na particular não, você põe uma questão de nível
complexo o aluno consegue resolver devido... O nosso aluno aqui o problema
todo é base porque às vezes a gente dá o conteúdo, as fórmulas e devido ao
treino que ele consegue desenvolver, aí quando chaga lá no que ele precisa
operar com (solda), com subtração, com multiplicação ele se perde todinho,
então essa base toda está desconhecida do aluno (S1).
A exposição acima revela a reprodução do fracasso escolar na prática dos professores. Tal
reprodução de representações sociais sobre os alunos produz a construção do habitus nos
professores. A mudança da prática docente em função dos alunos das duas redes de ensino
demonstra uma faceta da violência simbólica. Os alunos das escolas públicas estão em
desvantagem por um déficit de capital cultural familiar. A desvantagem é reforçada pela
concepção que o docente possui sobre o aluno da escola pública. A prática docente muda no
sentido de simplificar o conteúdo de matemática em função da desvantagem cultural, embora ela
seja construtora da realidade social dos alunos, e não apenas passiva à força impessoal da
sociedade. Note-se o que os sujeitos da pesquisa responderam quando indagados sobre a mudança
da prática docente em função da rede de ensino:
[...] Varia, varia. Porque é como eu falei, eu tenho que me adequar, como diz na
nossa lei, eu tenho que ser um facilitador da aprendizagem, eu tenho que facilitar
a vida deles, então pra isso eu tenho que conhecer a realidade. Então na pública
e na particular muitas vezes as realidades são diferentes, então eu tenho que me
adequar àquilo. Só não tento diminuir os assuntos ou diminuir a questão do
aluno em si porque é público ou porque é privado. Procuro sim colocar o
assunto, mas de forma diferente sempre (S3).
Por esse motivo, varia sim, porque... As condições do aluno da escola particular
e escola pública são diferentes, as realidades são diferentes. Então por esse
motivo a forma de ensinar, de transmitir o conhecimento também são diferentes
(S2).
em visão de mundo de acordo com valores éticos e morais já ancorados em suas visões de grupo.
Segundo o artigo 3° da LDB (1996, p. 1):
O Professor justifica sua mudança em função das concepções pedagógicas que afirmam
que o docente deve ser facilitador da aprendizagem. O dispositivo da lei e práticas pedagógicas
transforma-se em justificativas para escamotear a violência simbólica praticada. Porém, não é
apenas a mudança que revela a reprodução da violência simbólica. Bourdieu (2000) ensina que a
violência simbólica se reproduz quando tratam-se os discentes com ritmos de aprendizagens
diferentes como iguais. Os professores reproduzem a prática docente conservadora nas duas redes
de ensino. Ao lecionarem dessa forma, pensam agirem democraticamente, mas a violência
simbólica torna-se eficaz porque é invisível, sob a legitimação que todos têm iguais oportunidades
de aprendizagem na escola. A mudança de prática docente ocorre em casos excepcionais, segundo
esses professores. No caso dos professores entrevistados, a maioria afirmou não mudar a prática
docente em função da rede de ensino por questões éticas. Desses professores, alguns afirmaram
mudar a prática docente em função das turmas, levando em consideração o nível de
amadurecimento intelectual dos alunos − absorção de conteúdos de matemática. Em suas
palavras:
[...] a gente trabalha onde quer que se esteja de acordo com a realidade da turma,
não se olha se é particular ou se é pública porque os alunos têm as mesmas
necessidades, cada um tem seu objetivo, que se faz é buscar favorecer o aluno a
alcançar o seu objetivo, no caso, é indiferente a forma de ensinar, no meu caso é
a mesma (S15).
Não, com relação à forma de ensinar não varia, o que modifica é a quantidade de
conteúdos, diferença alguma. Mas em termos de didática, não há diferenciação.
Bem, porque é exatamente a base. O aluno da escola pública, ele não tem a base,
então o professor tem que retornar, dependendo da série que ele tá, ele tem que
retornar ao conteúdo de séries anteriores pra assimilar o conteúdo da série que
ele está estudando (S5).
Os professores, muitas vezes, afirmam não mudar a prática docente por questões éticas,
mas, dizem modificar a metodologia em cada rede de ensino, o que sugere, em outras palavras,
variar a prática docente em função dos alunos de cada rede de ensino. Os docentes,
inadvertidamente, afirmam isso. Veja-se exemplo na fala dos docentes entrevistados:
91
[...] Não, nunca mudei a minha forma de ensinar, nem na pública e nem na
particular, eu procuro dar a aula da melhor maneira possível. Porém, quando eu
chego na escola particular eu consigo alcançar melhor os objetivos e lá na
particular eu sou mais cobrado em relação ao conteúdo. Na pública, eu sou mais
cobrado quanto à metodologia, à forma de mostrar e na particular você explica a
mesma coisa 3 vezes, na pública você explica 6 vezes pra chegar no objetivo
(S4).
A rede que tem maior distorção é a rede pública. Primeiro porque na rede
pública não tem assim um acompanhamento extra além do professor em sala de
aula, e pela própria condição social do aluno da escola pública, às vezes é um
aluno pobre, com pais pobres e às vezes se evade da escola para poder trabalhar
e ajudar a família. E a escola não tem um mecanismo de prevenção, de evitar
tanta evasão escolar, enquanto que na escola particular eles têm outro
mecanismo e também a própria condição econômica, dos pais dos alunos são
diferentes dos pais dos alunos da escola pública. E mesmo assim a escola
particular ela tem mecanismo pra conversar com aluno, ir atrás do aluno, saber o
que está acontecendo... Enquanto que no Estado não tem isso aí, o aluno se
evade e ninguém sabe por que ele se evadiu, ninguém vai se informar e ninguém
procura saber o porquê (S2).
não é confortável para os alunos. O professor faz referências há fatores estruturais e aponta-os:
espaço físico, material, motivação do profissional da educação e cobrança diferenciada nas duas
redes para com o mesmo profissional. O professor se diz inserido em estrutura social imponente e
situa-se determinado como indivíduo por fatores econômicos, políticos e sociais. As causas
estruturais interferem na aprendizagem dos alunos.
O professor afirma que é obrigado por forças objetivas estruturais a diferenciar sua prática
nas duas redes de ensino. Na rede privada, o professor é obrigado a trabalhar de forma mais
intensa do que na rede pública. Ele é disciplinado pela construção do habitus através do ensino
médio propedêutico. Na escola pública, o professor é menos cobrado e por isso muda sua forma
de ensinar. O professor não se percebe construtor da realidade educacional na escola. Percebe-se
uma concepção pessimista frente à mudança da realidade social. O objetivismo concebido na
visão dos professores é justificativa para afirmar passividade frente à realidade educacional em
que está inserido. O conhecimento praxiológico de Bourdieu rompe com o objetivismo das
escolas sociológicas funcionalistas e das múltiplas tendências de reificações sociais. O processo
de coisificação da realidade social desconsidera a construção coletiva do ser social pelos agentes.
As concepções reificantes da realidade social tendem a ser cômodas para os agentes sociais
porque lhes retiram o mal-estar da reflexão sobre suas práticas docentes
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
acerca de suas práticas, pois estas são vistas como apenas passivas aos processos sociais existentes
fora da escola.
Crítico da noção funcionalista da educação, Pierre Bourdieu (2000) desvela relações de
poder existentes no interior do campo educacional. A visão funcionalista de educação, apreciada
na fala dos professores, fruto de comunicação pedagógica particular, dissimula relações de poder
inerentes ao campo educacional e imputa culpa para agentes sociais que deveriam ser
beneficiados com o processo ensino-aprendizagem na escola. A família aposta na educação
escolar e por isso deveria beneficiar-se de suas benesses e não ser responsabilizada pelo
rendimento escolar dos dissentes. Principalmente, as famílias mais carentes economicamente
deveriam ter garantido o direito à educação e não serem culpabilizadas pelo mau desempenho
escolar de seus filhos.
Os professores afirmaram que a estrutura escolar é diferente nas duas redes de ensino e
afeta o interesse do aluno. A escola particular é adaptada para o aluno: a carga horária é maior e o
assunto é transmitido de modo mais rigoroso. A escola privada possui sistema disciplinar. Já na
escola pública, a estrutura não é confortável para o aluno, a carga horária é menor e a incidência
de greves compromete o aprendizado dos alunos porque o assunto da matemática não é lecionado
em sua totalidade. A escola pública não possui sistema disciplinar. Nesta visão fica bem clara a
relação entre classe social e educação. Eles percebem uma diferenciação no tratamento de alunos
da escola pública e escola privada.
A maioria dos professores afirmou não mudar a forma de ensinar em função da rede de
ensino por questões éticas. Eles afirmaram mudar sua prática em função das turmas, independente
da rede de ensino. Relataram também apenas adequarem-se à rede de ensino e não mudar a
prática docente, mas apenas variar a metodologia de ensino. Porém, parcela dos professores
afirmou mudar a prática docente em função das representações sociais que possuem sobre o aluno
das duas realidades. Eles afirmam que na rede privada é melhor ensinar porque os alunos são mais
disciplinados, absorvem o conteúdo melhor e são mais interessados. Os alunos da escola pública
são mais indisciplinados, absorvem menos o conteúdo e são desinteressados.
As duas atitudes tomadas pelos professores contribuem com o fracasso escolar porque não
são críticas do campo educacional. Para Bourdieu, quando os professores realizam a mesma
prática docente com indivíduos pertencentes a capitais culturais diferentes, negligenciam os
múltiplos habitus existentes na escola e acabam por exercer violência simbólica. Tal prática tende
a premiar o aluno que detém o capital cultural escolar na sua família. Contudo, diferenciar a
prática docente e simplificar os conteúdos, sob a justificativa de que alunos são públicos distintos
96
por questões familiares e econômicas, também é uma prática que distingue os alunos numa escala
hierárquica de competências e favorece os alunos da classe dominante.
As duas atitudes não analisam o problema fundamental que é a reprodução involuntária do
capital científico. Os professores e agentes da escola reproduzem o capital científico,
inadvertidamente porque foram educados para tal. O campo social como disposto obriga o
docente a reproduzir inconscientemente o capital científico. Não se trata de imputar culpas a
nenhum dos agentes escolares, mas demonstrar que suas práticas docentes reproduzem as
desigualdades de classe inerentes ao campo educacional. A reprodução ocorre de modo
imperativo, forçoso e sem a devida tomada de consciência por parte dos agentes pedagógicos. Há
uma dissimulação do campo de forças existentes no espaço social e os agentes pedagógicos são
vítimas de tal estratégia do poder.
A distorção idade-série foi explicada da seguinte forma: o aluno da escola pública é menos
acompanhado pela família, menos disciplinado, menos interessado nos estudos, necessita
trabalhar e por isso distorce mais nas séries. O aluno da escola privada é mais acompanhado pela
família, mais disciplinado, mais interessado e não necessita de trabalhar para sobreviver e,
portanto, distorce menos nas séries. A explicação sobre a distorção idade-série ajuda a produzi-la
porque as representações sociais constroem a realidade e produzem práticas no sujeito
conhecedor. As representações sociais partilhadas pelos professores sobre os alunos reforçam o
risco de abandono. As representações formam a visão de mundo do sujeito do conhecimento
através da objetivação e da ancoragem.
As representações sociais dos professores construídas acerca dos alunos são explicadas de
modo organizado e pretensamente transparentes ao sujeito conhecedor. As representações dos
professores naturalizam as prerrogativas do ensino conservador. Este modelo de ensino é parte do
realismo ingênuo dos professores, porque ele ganhou hegemonia no campo educacional. O
modelo de ensino conservador visa a reprodução do conhecimento científico. O capital científico,
hegemonicamente dominado pelo positivismo lógico, é reproduzido como o conhecimento
superior e legítimo.
O professor, formado num currículo positivista que torna superior a teoria sobre a prática,
apresenta os conteúdos científicos como prontos e acabados e o aluno memoriza conceitos,
definições e realiza sínteses. A metodologia consiste em aulas expositivas fundamentadas em
quatro pilares: escute, leia, memorize e repita. Utiliza fórmulas prontas fundamentadas na
repetição do conteúdo. A repetição é utilizada como caminho para aprendizagem. O conteúdo é
sequenciado, ordenado e fragmentado. A avaliação contempla questões que valorizam a
memorização, repetição e exatidão dos conteúdos (BEHRENS, 2003).
97
repetição da lição como metodologia para reproduzir o conhecimento acumulado no passado leva
à produção de uma experiência que não é capaz de desenvolver-se e aprisiona o indivíduo numa
espécie de doutrinação. Crítica semelhante é produzida por Feyerabend (1977) à ciência e suas
epistemologias propagandistas. Para o epistemólogo, o conhecimento científico (leia-se,
principalmente ciências naturais) é ensinado na escola como o mais importante e, por isso, utiliza
técnicas de lavagem cerebral, por exemplo, a repetição exaustiva dos conteúdos para inculca-los
nos alunos. Ele argumenta que a criança é muito nova para defender-se contra a doutrinação
recebida na escola. Deve haver uma separação entre ciência e Estado como no passado ocorreu a
separação entre este e a religião. Os dois autores concordam que o ensino conservador é
incompatível com os valores democráticos.
Feyerabend (1977) propõe como metodologia epistemológica o vale tudo. Tal ferramenta
metodológica afirma que a empiria não consegue avaliar a teoria adequadamente porque uma
pressupõe a outra, razão pela qual o experimento não consegue refutar ou confirmar
definitivamente as teorias. Para o físico, todas as teorias científicas são falhas e passíveis de
crítica. A única maneira de avaliar os conhecimentos obtidos é comparar com outros sistemas de
conhecimentos incompatíveis. Cada um apontará falhas no sistema teórico que se propõe atacar.
Os princípios do vale tudo − do qual ele chamou de contrarregras − são dois: o primeiro afirma
que se deve atacar a teoria mais estabelecida e defender a hipótese que foi refutada e o segundo é
que não há que se obedecer ao princípio de coerência numa teoria sob pena de favorecer a teoria
mais velha e não a melhor ou a mais lógica. Feyerabend (1977), à maneira de Kuhn (1991),
reconhece que os conhecimentos são incomensuráveis entre si e, deste modo, não há como avaliá-
los com base numa metodologia universal e única como gostaria o positivismo lógico ou
falsificacionismo de Popper (1993).
Todos os conhecimentos obtêm sucessos e fracassos. A ciência ocidental produz
propaganda forte de si mesma, comemora seus próprios sucessos e negligencia seus fracassos. Ela
ataca outros conhecimentos com base nos seus padrões de avaliação, aponta os fracassos e não
reconhece êxitos de outras formas de conhecimento. O epistemólogo afirma que o cientista, para
avaliar outros conhecimentos, conhece muito pouco deles e os julga a partir dos padrões
científicos. Para o filósofo da ciência, a escolha de uma teoria é completamente subjetiva e
individual. Quanto maior o acesso à teorias incompatíveis, maiores serão as chances de avaliar
por meio de comparações cada uma delas. Os conhecimentos devem ser avaliados internamente
sob o julgo de seus próprios padrões e a partir do crivo de outros sistemas de conhecimentos. Para
o autor, a ciência deve ser ensinada nas escolas como qualquer outro conhecimento e não como
superior ou melhor. Tal ensinamento deve dotar os alunos do poder de avaliação e escolha
99
individual. O vale tudo para Feyerabend (1991) é a metodologia mais democrática porque a
escola deverá oportunizar ao aluno reconhecer os conhecimentos relevantes para sua vida comum.
O vale tudo deu margens para a segunda ruptura epistemológica de Boaventura de Sousa Santos
(1989) que é aquela que capacita o conhecimento científico a dialogar com o senso comum.
O professor deve estar atento para a dupla ruptura epistemológica. A dupla ruptura
epistemológica criou um modelo de ciência novo. A nova ciência é pragmática, utilitária,
democraticamente distribuída e finalista; dota de sentido a existência do cidadão comum e,
sobretudo, quer ensinar aos indivíduos a decidirem bem os rumos de suas vidas individuais e
coletivas. Uma ciência próxima do senso comum e, portanto, criativa, prática, persuasiva;
competente linguisticamente e cognitivamente; que garante o sentimento de segurança individual
e coletiva; e que utiliza da retórica e metáfora para se fazer compreendida. A ciência que
acompanha o movimento das estruturas cognitivas dos indivíduos e assim os ajude a desenvolvê-
las. A ciência que sempre refuta seus conhecimentos porque desconfia das verdades estabelecidas
e sabe que a verdade é sempre construída. Deste modo, a ciência tem consciência de que é mais
importante problematizar os conhecimentos do que transmiti-los como verdadeiros (SANTOS,
1989).
Esta nova ciência requer uma transformação do modelo educacional. A dupla ruptura
epistemológica produz ruptura pedagógica com o ensino conservador. Este somente é possível
porque há a reprodução do capital científico como o conhecimento superior e legítimo. A
metodologia expositiva, com repetição exaustiva dos conteúdos, é o caminho por excelência da
inculcação do habitus produzido pelo capital científico. A escola que hoje despreza os múltiplos
habitus trazidos pelos alunos no âmbito familiar deverá capitalizar os conhecimentos do senso
comum e torná-los relevantes no campo educacional. A crítica epistemológica já mostrou que a
ciência não é superior às outras formas de conhecimento, como o senso comum, a filosofia e a
religião. Os conhecimentos comuns devem ser valorizados porque são úteis na vida prática e em
grande medida são frutos das práticas grupais cotidianas.
Lembre-se que a ciência não é tão distante das práticas triviais dos indivíduos, agindo por
sucessivas tentativas e erros, tal e qual as práticas cotidianas: ela deve ser vista como um senso
comum esclarecido. Os alunos valorizarão mais o conhecimento construído por eles. A prática
docente deve romper e ao mesmo tempo acompanhar o devir das práticas cotidianas. Ela deve
estar atenta constantemente para a dupla ruptura epistemológica. O segredo de uma prática
docente competente é a que consegue romper epistemologicamente, ao se movimentar em
consonância com o habitus dos alunos.
100
A avaliação deve ser termômetro para que o docente sempre reflita sobre sua prática. Ela
avalia o ensino e aprendizagem como um todo e não pode servir como instrumento de coação e
punição. A avaliação bem conduzida vai detectar o ponto de encontro entre a prática docente,
estruturas cognitivas e modos de investigações cotidianas.
A educação conservadora somente será ultrapassada se a escola coletivamente se repensar.
As escolas públicas, principalmente, devem começar produzindo um documento chamado de
Projeto Político Pedagógico, que é o instrumento que permite à escola se refletir como instituição
a todo o momento. A escola, através de um movimento coletivo, deve repensar principalmente
suas práticas docentes. Pode-se ser cerne dessa transformação paradigmática que está por emergir.
Em sociologia, através da imaginação sociológica, sabe-se que o micro e o macro estão
intimamente interrelacionados e, portanto, a atitude de pequenas transformações pode fazer uma
diferença na inspiração de futuros profissionais. A educação é local estratégico para promover
esta transformação. O esforço de mudar a prática docente influencia os alunos que serão alvos da
aprendizagem. Esta estratégia pode gerar uma reação em cadeia que anos depois ajudará na
transformação mundial.
Por fim, acredita-se nesta máxima: o bater de asas de uma borboleta na China pode causar
um furacão na América, ou seja, pequenos esforços de mudança em práticas docentes em escolas
públicas no Piauí podem gerar explosões revolucionárias no mundo.
101
REFERÊNCIAS
BONETI, L. W. Políticas públicas por dentro. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2007.
_______. Os usos Sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São
Paulo: Ed. UNESP, 2004.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Ed. Martim Claret, 2002.
GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos da criação ao Big Bang. São Paulo:
Companhia das letras, 1997.
_______. Uma descrição densa. In: GEERTZ. C. A interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: Guanabara koogan s. a.1989.
SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no
escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SANTOS, B.S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Ed Graal, 1989.
SITES ACESSADOS
APÊNDICE B: PRÉ-ANÁLISE
ROTEIRO DE PERGUNTAS
Com o objetivo de rastrear o tempo de ensino dos professores, foi elaborada a questão
um. O tempo é importante para saber consolidação de habitus e das representações
construídas pelos professores acerca dos alunos. Essa primeira questão tinha um objetivo de
ajudar a caracterizar o perfil do sujeito.
2. Quanto tempo você ensina nas duas redes de ensino? Como são essas experiências?
106
Desta segunda questão interessaram as respostas para a segunda pergunta. Ela reporta
para o início de uma apreciação da representação sobre as duas realidades e indaga sobre as
experiências nas duas redes, em termos gerais. Dos dezenove entrevistados, dezessete
afirmaram que as experiências são diferentes. Apenas um deles afirmou não haver diferença
e um deles não respondeu.
As diferenças foram explicadas, através da seguinte forma: interesse dos alunos,
diferença de clientela – alunos −, cobrança por parte dos pais para com alunos, cobrança por
parte dos alunos para com professores, rebeldia dos alunos da rede particular, estrutura
familiar do aluno, sistema disciplinar na escola, exigência por parte dos pais para com o
aluno, indisciplina dos alunos, violência escolar, material escolar, diferença dos alunos,
interesses do aluno na progressão de níveis escolares, particularidades de cada rede de
ensino, base em termos de conteúdo por parte dos alunos e gestão escolar.
As repostas sugerem que as diferenças são estabelecidas numa escala hierárquica,
cujo padrão de ensino de excelência, no geral, está na escola privada. A realidade da escola
pública é vista, sobremaneira, em termos de precariedade quando comparada com a rede
privada de ensino. As respostas que mais se repetiram para explicar as diferenças foram
atreladas às famílias dos alunos. Deste modo, 73,684% das respostas reportaram-se às
famílias dos alunos para explicar as diferenças entre as escolas públicas e privadas. Estas
explanações, por sua vez, apontaram para as seguintes causas: cobrança dos pais para com os
discentes − falta dela na pública −, interesse dos estudantes e indisciplina dos alunos. Deste
universo, 42,857% responderam que a diferença se fazia pela cobrança dos pais para com os
alunos, 21,428% responderam que a diferença estava no interesse dos alunos e 14,285%
afirmaram a diferença em termos de indisciplina. Para a maioria dos entrevistados, os alunos
das escolas públicas são vistos como menos: cobrados pelos pais, disciplinados, interessados
em relação aos alunos das escolas privadas. Ressalte-se que um dos sujeitos afirmou que os
alunos da escola privada eram mais indisciplinados que os da rede pública. Veja-se a tabela
de causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas:
Tabela 2 Causas apontadas pelos professores para explicar as diferenças das experiências nas
escolas públicas e privadas
Encontra-se a categoria família − cobrança dos pais − como o emblema principal para
explicar o sucesso ou fracasso escolar. A família é a principal responsabilizada pelas
diferenças no rendimento do aluno da escola pública e privada, segundo a fala dos
professores. Há a crença na relação entre rendimento escolar e cobrança familiar. Os alunos
da escola privada atingem melhores desempenhos educacionais porque são mais cobrados
pelos pais, segundo a fala desses professores. A relação entre família e rendimento escolar
adquire na fala dos professores entrevistados três versões: a primeira relaciona interesse do
aluno e acompanhamento familiar, a segunda afirma que o interesse é causado pelo
acompanhamento familiar mediante disciplina de estudos em casa, a terceira versão afirma
que pagamento de mensalidades na escola privada produz cobrança familiar e por sua vez
incide no rendimento do aluno. Na escola pública, os alunos não são acompanhados pelas
famílias por desestrutura familiar principalmente, segundo a fala dos professores.
A categoria aluno − interesse do aluno − foi o segundo emblema encontrado nas
respostas dos professores. A primeira explicação relaciona interesse, acompanhamento
familiar e pagamento de mensalidades. O interesse do aluno tem ligação causal com o
acompanhamento familiar e pagamento de mensalidades na escola privada, segundo a fala dos
professores. O desinteresse do aluno da escola pública é explicado porque a família não paga
diretamente e consequentemente ela não cobra do aluno resultados. A segunda versão afirma
que o interesse do discente está ligado ao acúmulo de conhecimentos durante a vida escolar.
O aluno da escola privada tem maior rendimento escolar porque tem acúmulo de
conhecimentos e da escola pública tem menor rendimento porque não acumulou
conhecimentos. Outra versão dessa explicação afirma que o aluno da escola pública vai para
escola com interesse profissional. A explicação remete para um individualismo metodológico.
O interesse é obtido por cada aluno tomado individualmente sem relações com seu contexto
social e histórico.
A indisciplina − categoria aluno − emergiu das respostas dos sujeitos entrevistados
com as seguintes versões: a primeira afirma que os alunos da escola pública são mais
indisciplinados que alunos das escolas particulares porque a família não acompanha o aluno.
A escola pública não possui um sistema disciplinar e a escola privada possui o sistema
disciplinar. O rendimento do aluno é menor na escola pública porque são alunos mais
indisciplinados, em contra partida, o aluno da escola privada tem um rendimento maior
porque é mais disciplinado.
108
A terceira questão teve como objetivo aprofundar a questão anterior e identificar mais
precisamente as representações produzidas pelos professores acerca dos alunos nas escolas
públicas e privadas. A questão ajuda a aprofundar o primeiro objetivo específico por meio de
comparações das duas realidades. A comparação, além de ser um método das ciências sociais
por excelência, permite que, por meio de analogias −estilo de raciocínio do senso comum −,
identifiquem-se representações que os professores produzem acerca dos alunos das duas
realidades.
3. Qual rede de ensino você acha mais difícil ensinar matemática? Por quê?
Dos dezenove que responderam esta pergunta, onze afirmaram que é mais difícil na
rede pública; dos seis nas duas redes de ensino, um disse não haver dificuldades em nenhuma
das duas realidades e um assegurou sentir dificuldade por série − a prática docente no ensino
médio mais difícil que no ensino fundamental − e não por redes de ensino. Nenhum disse que
a maior dificuldade está na rede privada. Em termos percentuais, significa que 57,894% do
total de entrevistados respondem que a dificuldade maior concentra-se na rede pública, 31,
578% dos sujeitos entrevistados dizem ter dificuldades nas duas e 5.2631 diz não ter
dificuldades e 5.2631 diz que a dificuldade é por série. Observe-se a tabela a seguir:
explica a dificuldade nas duas redes e por isso não é possível estabelecer a diferença em
ambas.
A quarta questão teve o escopo de comparar as representações sobre os alunos em
termos de aprendizagens nas duas realidades de ensino. Ressalte-se que a comparação é um
método científico e alude para uma classificação por analogia acerca dos alunos. A questão
específica permite precisar a sua visão acerca da aprendizagem dos alunos. Atende ainda ao
primeiro específico.
4. Você acha que existe diferença de aprendizagem de acordo com a rede de ensino? Se a
resposta for positiva: Por que você acha que existe essa diferença? Qual rede de ensino o
aluno encontra mais dificuldade?
Dos dezenove entrevistados, dois sujeitos não responderam à pergunta e quatorze
afirmaram haver a diferença de aprendizagem entre os alunos da escola pública e estudantes da
escola privada. Todas respostas desse universo de quatorze indivíduos afirmaram que os alunos
das escolas privadas aprendem com mais facilidade que os da pública. O aluno da pública está
em desvantagem em relação ao aluno da privada em termos de aprendizagem, segundo estes
entrevistados.
Segundo os mesmo sujeitos, as causas para que este fenômeno ocorrer são as seguintes: o
aluno da escola pública não treina em casa; não é cobrado pela família; é indisciplinado; ausência
dos pais; falta de investimento; a instituição escola; falta de base familiar; questões políticas;
aluno sem base de séries anteriores; desinteresse; desestímulo do professor e do aluno; questões
de infraestrutura; falta de laboratórios; gestão financeira escolar; poder aquisitivo das famílias;
estrutura das famílias; público mais heterogêneo na pública; material diferenciado; motivação
profissional; cobrança menor do professor na pública pela instituição de ensino; a noção de
público e privado adquirido pelos indivíduos das duas realidades e pais de alunos; políticas
públicas que não trabalham a família e tão somente a qualificação de professores; greves na escola
pública; medo de não aprender a disciplina; problema de criação dos filhos; problema de gestão
escolar; e descaso do poder público.
Em termos percentuais, 73,684% dos entrevistados afirmaram existir diferença na
aprendizagem dos alunos das duas realidades e esse percentual asseverou que a escola pública tem
mais alunos com dificuldades. Das causas apontadas, as mais frequentes foram: falta de
acompanhamento familiar; interesse do aluno; estrutura da escola pública; e situação financeira
das famílias dos alunos. Percentualmente, 85,714% dos sujeitos apontaram o acompanhamento
familiar como a causa da dificuldade de aprendizagem. Seguiu-se a esta o interesse do aluno,
111
apontado por 21,428% dos sujeitos; estrutura da escola pública apontada por 21,428% dos
entrevistados; motivação dos alunos e dos professores registrada por 14, 285% dos sujeitos; e a
questão financeira das famílias teve o mesmo percentual 14,285%. Veja-se a tabela a seguir:
Dois dos dezenove sujeitos, afirmaram não haver diferença de aprendizagem e elencaram
os seguintes motivos: eles têm as mesmas capacidades e assim, o problema é na cobrança
familiar, existem alunos com dificuldades nas duas redes e essa questão é relativa.
A quinta questão teve como objetivo identificar as representações dos alunos das duas
realidades em termos de aproveitamento na disciplina matemática sempre por meio de
comparações e analogias. A questão teve como objetivo ajudar a atender de modo mais claro o
primeiro objetivo.
A sexta questão teve como objetivo saber sobre o acesso dos alunos aos mesmos
conteúdos da disciplina matemática. Almejou-se rastrear se os dois públicos têm acesso aos
mesmos conteúdos, embora sendo de realidades diferentes. Assim, saber se o aproveitamento e
aprendizagem dependem, no atual momento, do acesso ao conteúdo nas duas redes de ensino.
6. Os alunos de escola pública têm acesso aos mesmos conteúdos que os alunos de escola
particular? Justifique sua resposta.
Dos dezenove sujeitos, nove afirmaram que os alunos possuem acesso aos mesmos
conteúdos nas duas redes de ensino; um não respondeu a questão; um respondeu que depende do
professor; e oito responderam que o acesso aos mesmos conteúdos é diferenciado. Os sujeitos que
afirmaram não haver diferença de conteúdo nas duas redes elencaram os seguintes motivos: as
duas redes abrangem os mesmos programas; igual acesso à internet; são os mesmos livros e têm
os mesmos conteúdos. Os livros e os conteúdos são apontados como principais motivos. Cinco
entrevistados falaram que os livros são os mesmos e dois afirmaram que os conteúdos são
idênticos.
Os sujeitos que afirmaram haver diferença elencaram os seguintes motivos para explica-
la: o trabalho do professor comprometido; os alunos são relapsos com as tarefas de casa; diferença
do livro didático; assunto simplificado na escola pública; professor não pode acelerar na púbica
porque os alunos não acompanham; os alunos não se adaptam aos padrões da escola, mas sim o
professor; dificuldade de assimilação do aluno da escola pública; greve; estrutura escolar; e carga
horária menor. A greve na escola pública, carga horária menor e os assuntos mais simplificados
foram as causas mais apontadas para a diferença nos conteúdos. Dois sujeitos afirmaram que a
greve é uma das causas. Outros dois sujeitos afirmaram que a carga horária é um dos fatores e
dois, ainda, afirmaram que o conteúdo é mais simplificado.
Em termos percentuais, 42.105% dos entrevistados responderam que existe diferença no
conteúdo e 47, 368% dos sujeitos disseram o contrário, que não há.. Do primeiro grupo, 25%
afirmou que a greve é uma das causas, 25% apontou a carga horária e 25% assegurou que era a
simplificação do conteúdo na escola pública. Dos entrevistados que disseram que os alunos têm
acesso aos mesmos conteúdos, 55% dos entrevistados apontou como causa ter os mesmos livros e
22 % afirmaram ter o mesmo conteúdo. Leia-se as tabelas:
Dos sujeitos que 25% afirmou a greve 25% afirmou que é a 25% afirmou que a
afirmaram haver na escola pública diferença de carga simplificação dos
115
A sétima questão teve como objetivo saber as representações que os professores produzem
sobre os alunos em termos de empenho nas escolas públicas e particulares do ensino médio,
sempre por meio de analogias e comparações. Atende ainda ao primeiro objetivo específico.
7. Em que rede de ensino você observa que os estudantes estão mais empenhados na disciplina de
matemática? Há diferença? Em sua opinião: porque há diferença de empenho ou dedicação entre
os alunos das diferentes redes de ensino?
Doze entrevistados relataram haver diferença de empenho e seis asseguraram não haver
diferença de empenho. A escola privada foi apontada como a rede na qual os alunos estão mais
empenhados. O primeiro grupo elencou como causas para a diferença: fatores financeiros
familiares dos alunos da escola privada; cobrança maior da família para com alunos da escola
privada; na escola pública os alunos não acreditam na educação; desestrutura familiar dos alunos
da escola pública; droga na família; violência familiar; a família dos alunos não acredita na
educação; e o interesse dos alunos. Oito dos doze apontaram como causa a cobrança da família;
quatro apontaram fatores financeiros e três relataram como causa o interesse dos alunos. Em
termos percentuais, do total de entrevistados, 63, 157% apontou a diferença de empenho nos
alunos das duas redes. Desse percentual, 66% elencou a cobrança dos pais como causa, 33%
fatores financeiros da família dos alunos e 25% assinalou como causa o interesse dos alunos.
Observe-se tabela abaixo:
cobrados pelos pais; a ausência de cobrança acarreta a falta de disciplina; a cobrança dos pais
eleva o interesse dos alunos; a falta de cobrança dos pais porque não têm base e não valorizam a
educação.
A falta de empenho do aluno da escola pública na disciplina matemática quando está
ligado ao fator financeiro − categoria família − é explicitado dos seguintes modos: o fator
financeiro acarreta em menor cobrança por parte dos pais dos alunos. Os pais dos alunos da escola
pública não investem em educação e por isso cobra pouco dos filhos.
Sobre empenho do aluno da escola pública na disciplina matemática quando está ligado à
falta de interesse do aluno da escola pública − categoria aluno −, foram explicitadas as seguintes
versões: a falta de cobrança dos pais acarreta a falta de interesse dos alunos na escola pública; o
empenho na disciplina não é bom porque o aluno não se interessa em estudar e falta de interesse
pela matemática como disciplina
Os seis que relataram não haver diferença apontaram como motivos: a disciplina é difícil
nas duas redes; as diferenças estão nos objetivos dos alunos, independente da rede de ensino;
existem interessados e desinteressados nas duas redes; e o aluno da escola pública tem mais
responsabilidade. Desse percentual, três professores afirmaram ser a disciplina difícil e dois
apontaram que a diferença recai nos objetivos dos alunos, independente da rede. Em termos
percentuais, 31, 578% dos professores afirma não haver diferença no empenho. Desse percentual,
50% acredita que a disciplina é difícil nos dois seguimentos de ensino e 33% afiança que a
diferença está nos objetivos dos alunos tomados individualmente.
família, 11,77% sugeriu menos interesse por parte dos alunos das escolas públicas, 11,77%
apontaram a menor condição financeira dos alunos, 11,77% apontaram que os alunos das escolas
públicas têm um menor aproveitamento e 11,77% sugeriram alunos com mais dificuldade. Os
entrevistados que não diferenciaram os alunos das duas redes representam em termos percentuais
10,5% do total de entrevistados. Veja-se o quadro a seguir:
As explicações mais correntes afirmam que os alunos das escolas particulares são: mais
acompanhados e mais cobrados pela família − categoria família − e, por isso são mais
disciplinados − categoria aluno −, têm menor dificuldade para compreender conteúdo − categoria
aluno − e adquirem uma maior base no conteúdo − categoria aluno.
As explicações afirmam que os alunos das escolas públicas são menos acompanhados e
cobrados pelos pais − categoria família − e, por isso, são menos interessados − categoria aluno −,
possuem menos aproveitamento − categoria aluno − na disciplina e apresentam mais dificuldade
− categoria aluno − para absorver o conteúdo da disciplina matemática.
A nona questão teve como objetivo identificar se, em função da representação dos
professores acerca dos alunos, os professores mudam sua forma de ensinar. Essa questão teve
como meta atender ao segundo objetivo específico.
9. Você acha que há professores de matemática que mudam a forma de ensinar matemática em
decorrência da rede de ensino?
Doze professores responderam que existem professores que mudam a forma de ensinar
conforme a rede de ensino e sete afirmaram saber não conhecer professores que mudam a forma
de ensinar. Foram apontados como motivos para mudança: preparo do aluno, aproveitamento do
aluno, conteúdos diferentes, adequação do professor à realidades diferentes, diferença de
119
10. Você muda sua forma de ensinar matemática em decorrência da rede de ensino? Por quê?
Doze entrevistados responderam que não mudam conforme a rede de ensino e seis afirmaram que
mudam a forma de ensinar de acordo com rede de ensino. Os seis professores que relataram a mudança
elencaram como motivos: falta de base dos alunos da rede pública, adequar-se à realidades diferentes, criar
situações na rede pública para chamar a atenção dos alunos na rede pública, falta de compromisso dos
alunos da rede pública e interferência pedagógica da escola. Dois deles elencaram adequação de realidade.
Os doze que relataram não mudar a forma de ensinar o fizeram por que: existem exigências diferentes, o
que muda é a base do aluno e não a forma de ensinar, muda por turma e não por rede, não muda a forma de
ensinar por questões éticas, a organização do conteúdo no quadro é igual, tem que atender às necessidades
dos dois públicos e os alunos gostam das aulas independente da rede. Dois deles afirmam mudar por turma
e não por rede. Em termos percentuais, 31,578% dos entrevistados afirmaram mudar em função da rede de
ensino e 63, 157% afirmaram não mudar. 33% dos professores que responderam que mudam a forma de
ensinar deram como motivo elencaram questões de adequação às diferentes realidades. 16,666% dos
respondentes que mudam em função da turma, mas não da rede de ensino.
121
11. Em sua opinião, em qual rede de ensino existe o maior número de alunos com problema de distorção
idade-série? Há diferenças? Em sua opinião, porque você acha que existe essa diferença?
Dezessete entrevistados afirmaram ser na rede pública e dois relataram não haver diferença.
Quando indagados acerca dos motivos da diferença elencaram: não acompanhamento da família, usos da
tecnologia, falta de acompanhamento extraclasse, condição financeira, necessidade de trabalho, paternidade
e maternidade precoce, a escola pública absorve todos os alunos, políticas públicas de acesso, usos de
drogas, desistências, faltas, aluno que mata a aula, falta de interesse dos alunos e falta de trabalho
pedagógico. Cinco entrevistados elencaram falta de acompanhamento familiar, quatro deles afirmaram que
os alunos sentem necessidades de trabalho e outros quatro asseveraram que a escola pública absorve todos
os tipos de alunos. Os dois que afirmaram não haver diferença atribuem ao acesso às mesmas tecnologias,
têm acesso aos mesmos conteúdos e a variação é pela idade e não pela rede de ensino. Em termos
percentuais, 89,473% dos entrevistados afirmaram que a distorção maior está na rede pública. Pelas suas
respostas, os motivos para distorção idade-série estar na rede pública são: 29,41% dos entrevistados
elencaram falta de acompanhamento familiar, 23,529% deles afirmaram que os alunos sentem
necessidades de trabalho e 23,529% deles asseguraram que a escola pública absorve todos os tipos de
alunos. 10,526%afirmaram não haver diferença na distorção idade-serie por rede de ensino. Veja-se a
tabela a seguir:
12. Em sua opinião, porque existe distorção idade-série? Diferencie os motivos para distorção idade-série
em cada rede de ensino − pública e privada.
As respostas elencadas como motivos para distorção-série fora,: falta de domínio de conteúdo, não
acompanhamento da família, pobreza dos alunos, falta de informação dos pais que atrasam na matrícula do
aluno na idade certa, os pais na pública não se importam com as reprovações dos alunos, necessidade de
trabalho na escola pública, na particular ocorre quando a escola não detecta problemas cognitivos, não tem
sistema disciplinar na escola pública, o aluno não tem tempo de estudar na pública, poder psicológico para
ajudar os filhos, perda do ano letivo, dificuldade do aluno da escola pública, o aluno e sua família não
priorizam a educação, não aproveitamento nas duas redes e qualidade da oferta educacional.
Na privada não existe distorção porque o pai prioriza a educação, compra material, obriga o filho a
estudar, o aluno é acompanhado, poder aquisitivo que permite e quando há distorção são problemas
familiares, problemas de saúde e mudança de escola. Dezesseis indivíduos responderam essa questão e sete
dos sujeitos afirmaram que o aluno não é acompanhado na escola pública pelos pais. Quatro entrevistados
afirmaram que o aluno da escola pública tem necessidade de trabalhar e dois afirmaram que se devia ao
poder aquisitivo do aluno e de sua família. Três indivíduos não responderam porque julgaram tê-la
respondido no quesito anterior. Em termos percentuais, 84.210% dos sujeitos entrevistado responderam
essa pergunta e 43,75% entrevistados que o aluno não é acompanhado na escola pública pelos pais. 25%
dos entrevistados afirmaram que o aluno da escola pública tem necessidade de trabalhar e 12,5%
123
afirmaram que se devia ao poder aquisitivo do aluno e de sua família. 15,789% dos indivíduos não
responderam porque julgaram tê-la respondido no quesito anterior. Observe-se a tabela a seguir:
Rede pública:
Ensino Médio
( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3° ano
Rede particular
Ensino Médio
( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3°
ano____________________________________________________________
125
Prezado Professor (a), Solicitamos a sua autorização para gravação da entrevista para
subsidiar a análise da pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Piauí sobre as representações sociais construídas por professores de
matemática acerca dos alunos das escola públicas e privadas. Informamos que o conteúdo da
entrevista será usado na análise da referida pesquisa, mas a sua identidade será mantida em
sigilo.
Agradecemos antecipadamente a sua colaboração.
_______________________________________________________________
EVANNOEL DE BARROS LIMA (Mestrando)
AUTORIZAÇÃO
Eu,________________________________________________________________________
_________,RG___________________________________ CPF _______________________,
autorizo a gravação da entrevista, a fim de subsidiar os dados para a pesquisa conduzida por
Evannoel de Barros Lima, Mestrando do programa de Pós-Graduação em Sociologia pela
Universidade Federal do Piauí.
Teresina, ____/____/_____
127
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA - PPGS
Campus Universitário Ministro Petrônio Portela - Bairro Ininga - CEP 64.049-550 – Teresina-
PI
Sala 308-B – CCHL/UFPI, Telefones: (86) 3215-5697; E-mail: sociologia_mest@ufpi.edu.br
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), em uma pesquisa. Você
precisa decidir se quer participar ou não. Por gentileza e cuidado com o assunto, não se
apresse em tomar a decisão. Leia cuidadosamente – ou solicite que alguém leia em voz alta
para você - o que se segue e pergunte ao pesquisador responsável pelo estudo qualquer dúvida
que você tiver. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte da pesquisa, assine nas três páginas deste documento, que está em duas vias. Uma das
vias deste documento ficará em seu poder e guarda e a outra é do pesquisador responsável. No
caso de você se recusar a participar da pesquisa, você não será penalizado (a) de forma
alguma; o direito de livre escolha é seu.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
O Projeto de Pesquisa situa-se no campo da Sociologia da Educação e, dentro deste, as
representações sociais que os professores possuem sobre os alunos da escola pública e privada
de Teresina. Tem como objetivo Focal analisar as representações sociais construídas sobre os
alunos das escolas públicas e privadas de Teresina. As questões que orientarão as investigação
e as perguntas da pesquisa são: Quais representações, os professores de matemática produzem
sobre alunos das redes pública e privada de Teresina no ensino médio? Essas representações
influenciam em suas práticas docentes nas diferentes esferas educacionais? Quais
representações os professores de matemática produzem sobre os alunos com fortes distorções
idade-série atendidos no ensino médio púbico de Teresina? O objetivo geral é: Analisar as
128
Eu,____________________________________________________,RG/nº_______________
_________ CPF/ ____________________________________, abaixo assinado, concordo em
participar do estudo como sujeito. Fui suficientemente informado a respeito das informações
que li ou que foram lidas para mim, sobre o Projeto de Pesquisa representações sociais
produzidas pelos professores sobre os alunos da escola pública e privada de Teresina.
Discuti com o Pesquisador responsável pela pesquisa sobre a minha decisão em participar
nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos da pesquisa, os procedimentos
a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de
despesas. Concordo voluntariamente em participar desta pesquisa e poderei retirar o meu
consentimento a qualquer momento, antes ou durante os trabalhos da pesquisa, sem
penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, ou no meu
acompanhamento/ assistência/tratamento neste trabalho.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.
Local e data_________________________________________________________________
__________________________________________
Evannoel de Barros Lima - Pesquisador responsável
CPF: 904268863-72; RG/nº 2098755 SSP/PI; Matrícula UFPI/CCHL/PPGS/SIGAA/nº
2013102736
Observações complementares
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato:
Comitê de Ética em Pesquisa – UFPI - Campus Universitário Ministro Petrônio Portella -
Bairro Ininga
tel.: (86) 3215-5734 - email: cep.ufpi@ufpi.edu.br web: www.ufpi.br/cep