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AU eee) TESST Reso ies itn OEE AS Onome de Roger Chartier felt efaucrBayepcocaalcC uel} O autor coloca-se entre os mais conhecidos, lidos, debatidos Cate Cele-patts woe tCelo ce} 1a atualidade. Tem suas obras icadas em varios paises cfob eRe REL). sem cessar, a dar conferéncias, a expor suas idéias, a partilhar BEC Bcoi(ce mel RCC ace Rote Meron satlereCotce Frente a este perfil, que dizer, oon mtcneoscer tel eiererecre cn celd Rotter cecil de maneira definitiva, a esta Nova Historia Cultural Pittaronacet nests rntittect: exert Bevin tetas aos pesquisadores, que passat também a descobrir novas fontes, ou entao descobriram ser possivel retornar aos mesmos documentos, mas com o olhz iluminado por outras questoes. Nesta medida, Chartier associa ao seu perfil de pesquisador atento uma reflexao te6ric inovadora, nao muito freqiiente entre os historiadores A BEIRA DA FALESIA BONERS Ue Bt UO Ae ee eae Peo} eee ee ed José Carlos Ferraz Hennemann eer tara oor ann Cruz Meirelles ete Cnn tg Cat Reon ares U CoN inio Carlos Guimariies Pcie) es ere ety Clovis M.D, Wannmacher aldo Valente Canali José Augusto Avanc eatin cs ren Mics Maria Cristina Le, Geraldo F. Huff, presidente Editora da Universidade /UFRGS ® Av. Joo Pessoa, 415 -90040-000 - Porto Alegre. RS - Fone/fax (51) 3316-4082 ¢ 3316-4090 - E-mait editora@ uirgs.br; vendas.editora@ ulrgs. br TPR anecdote Oc ee aT ae eco PYOMEMSINCote Meus Core ias Rect MN MOTE CM CTEM: eon MAUurorc Rie enter la de Mello; suporte editoriat. Fernando Piccinini Schmitt, Gabriel Bolognesi 110 (bolsista), Luciane Leipnitz ¢ Silvia Aline Otharan Nunes (bolsista) * Adminis : Najdra Machado (coordenadora), Jos Brito Filho, Laerte Balhinot Dias, Mary Cire Lima € Norival Hermeto Nunes Sauccdo: suporte administrative, Ana Maria D'Andrea dos Santos, Erica Fedatto, Jean Paulo da Silva Carvalho, Joao Batista de Souza Dias e Marcelo Wagner Scheleck * Apoio: Idalina Louzada ¢ Laéreio Fontoura. 2A DA FALESIA Welcnec tans ROGER CHARTIER Tradugao PATRICIA CHITTONI RAMOS Editora iene: rae dh rd © de Roger Chartier 1* edicao: 2002 Titulo original em francés: Au bord de la falaise:L’ histoire entre certitudes et inquiétude. Direitos reservados desta edi¢ao: Universidade Federal do Rio Grande do Sul Capa e projeto grafico: Carla M. Luzzatto Ilustracdo da capa: Diego Velasquez, “Las hilanderas”, leo sobre tela, Museo de Prado, Madrid; manipulado eletronicamente. Traducdo: Patricia Chittoni Ramos Revisdo: Rosangela de Mello Editoracao eletrénica: Fernando Piccinini Schmitt Roger Chartier € historiador. Diretor de estudos na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales - EHESS. Conhecido por seus trabalhos de histéria cultural ¢ especialista em histdrias do livro e da leitura, publicou e dirigiu inimeras obras. C486b Chartier, Roger A beira da falésia: a hist6ria entre incertezas e inquie- tude / Roger Chartier, trad. Patricia Chittoni Ramos. — Porto Alegre : Ed. Universidade/UFRGS, 2002. 1. Hist6ria — Filosofia. 2. Histéria - Sociologia. L. Titulo. CDU 930.23:101 930.23:304 Catalogacdo na publicacdo: Monica Ballejo Canto — CRB 10/1023 ISBN - 85-7025-623-X Sumario Introducao geral / 7 PRIMEIRA PARTE Percurso Introducado / 21 1. Hist6ria intelectual e histéria das mentalidades / 23 2.O mundo como representac¢ao / 61 3. A hist6ria entre narrativa e conhecimento / 81 A. Figuras retéricas e representacées histéricas / 101 SEGUNDA PARTE Leituras Introducao / 119 5. “A quimera da origem”. Foucault, o Iluminismo e a Revolucao Francesa / 123 6. Estratégias e taticas. De Certeau e as “artes de fazer” / 151 7. Poderes e limites da representacao. Marin, 0 discurso e a imagem / 163 8. O poder, o sujeito, a verdade. Foucault leitor de Foucault / 181 TERCEIRA PARTE Afinidades Introdugao / 201 9. A hist6ria entre geografia e sociologia / 203 10. Filosofia e histéria / 223 11. Bibliografia e histéria cultural / 243 12. Histéria e literatura / 255 Fontes / 273 Indice de autores citados / 275 Introdugao geral “A beira da falésia”. Era com essa imagem que Michel de Certeau caracterizava‘o trabalhowde MichelFowcaull.’ Ela me parece designar lucidamente todas as tentativas intelectuais que, como a nossa, colo- LE sempre ameacado pela tentagao de apagar toda diferenga entre légicas heter6nomas mas, no entanto, articuladas: as que orga- nizam os enunciados € as que comandam os gestos e as condutas. Seguir assim “a beira da falésia” também permite formular mais seguramente a constatacao de crise ou, no minimo, de incerteza fre- qiientemente enunciada hoje em dia acerca da historia.’ Aostelasjoti> -mistas e conquistadores da “nova histéria” sucedeu, com efeito, um ' Michel de Certeau, “Microtechniquces et discours panoptique : un quiproquo”, in Michel de Certeau, Histoire et psychanalyse entre science et fiction, Paris, Gallimard, 1987, p.37-50. *Em lingua francesa, trés publicacSes coletivas situam a disciplina historica: Histoire socia- le, histoire globale? Actes du. colloque des 27-28 janvier 1989, Christophe Charle (ed.), Paris, Editions de la Maison des sciences de l'homme, 1993, Passés recomposés. Champs et chantiers de Uhistoire, Jean Bouticr ¢ Dominique Julia (ed.), Paris. Editions Autrement, 1994, e UHistoire et le métier dhistorien en France 1945-1995, Francois Bédarida (ed.), com a colabo- racio de Maurice Aymard, Yves-Marie Bercé e Jean-Francois Sirinelli, Paris, Editions dela Maison des sciences de l’homme, 1995. Cf., também, Gérad Noiriel, Sur la “crise” de Uhestoire, Paris, Belin, 1996. Em lingua inglesa, ver Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob, Telling the Truth about History, New York e Londres, W.W. Norton and Company, 1994. tempo de dtividas e de interrogacées. Para esse humor inquieto e, as vezes, impertinente, varias razées: a perda de confianga nas cer- tezas da quantificacao, o abandono dos recortes classicos, primeira- mente geograficos, dos objetos histéricos, ou ainda, o questionamen- to dasn6¢6es (“mentalidades”, “Cultura popular’, etc.) ,dasicatego- rias (classes sociais, classificacdes socioprofissionais, etc.), dos mo- delos de interpretacao (estruturalista, marxista, demografico, ctc.) que eram os da historiografia triunfante. A crise da inteligibilidade histérica foi mais rudemente senti- da porque sobreveio em uma conjuntura de forte crescimento do numero de historiadores profissionais e de suas publicagoes. Ela teve um duplo efeito. De inicio, fez a histéria perder sua posicao de disciplina federalista no seio das ciéncias sociais. Na Franca, mas também fora dela, fora emmornodosdoisprogramasisucessivosidos Annales (aquele comandado pelo primado da hist6riajecondmica €s0cial!d6s\anios11930) aquele identificadogjantropologia histéri= ca dos anos 1970) que se realizara, senao a unificacao da ciéncia social com que sonhavam no inicio desse século a sociologia dur- kheimianaje o projeto de sintese histérica de Henri Berr/pelo menos uma interdisciplinaridade, cuja pedra angular era dada pela histéria. Hoje nado ocorre mais o mesmo. Em segundo lugar, o tem- po dos questionamentos foi também o da dispersao: todas as gran- des tradicdes historiograficas perderam sua unidade, todas se frag- _ mentaram/em propostas diversas, freqiientemente contraditorias, que multiplicaram os objetos, os métodos, as “historias”. Diante do refluxo dos grandes modelos explicativos, uma pri- meira e forte tentagao foi a volta ao arquivo, ao documento bruto que registra o surgimento das palavras singulares, sempre mais ri- cas e mais complexas do que pode delas dizer o historiador. Desa- parecendo por detras das palavras do outro, o historiador esforga- se para escapar 4 postura que lhe viria de Michelet e que, segundo Jacques Ranciére, consistiria na “arte de fazer os pobres falarem ca- lando-osyde fazé-los\falaremycomomudos’,* Tal vontade de apaga- SJacques Ranciére, Les Mots de l'histoire, Essai de poétique du savoir, Paris, Editions du Seu- il, 1992, p.96. mento por detras das palavras, dadas a ler em sua propria literalida- de, pode parecer paradoxal em um momento em que, bem ao con- trdrio, a histéria é habitada por uma reivindicacdo, por vezes alta- mente proclamada, da subjetividade do historiador, da afirmacao dos direitos do ew no discurso histérico e das tentagdes da ego-historia’. No entanto, a contradicao € apenas aparente. De fato, dar a 1€PfER- tos antigos nao é, de acordo com as palavras de Arlette Farge, “reco- piar o real”. Pelas escolhas que faz e pelas relacées que estabelece, o historiador atribui um sentido inédito as palavras que arranca do silénciowdosjarquivos: “A apreensdo da palavra responde a preocu- pacao de reintroduzir existéncias e singularidades no discurso his- torico, de desenhar a golpes de palavras cenas que sao igualmente acontecimentos”.” A presenga da citacao no texto hist6rico muda assim totalmente de sentido. Ela nao é mais ilustragao de uma regu- laridade, estabelecida gracas a série e 4 medida; indica agoraa irrup- cao de uma diferenca e de uma variacao. O retorno ao arquivo levanta um segundo problema: o das re- lac6es entre as categorias manipuladas pelos atores e as nocdes em- pregadas no trabalho de andlise. Por longo tempo, a ruptura entre ambas pareceu a propria condicao de um discurso cientifico sobre © mundo social. Essa certeza nao existe mais. Por um lado, os crité- rios € os recortes classicos que por muito tempo fundamentaram a histéria social (por exemplo, a classificac¢do socioprofissional ou a posicao nas relacdes de producao) perderam sua forca de evidén- cia. Os historiadores tomaram consciéncia de que as categorias que ‘Maurice Agulhon, Pierre Chaunu, Georges Duby, Raoul Girardet, Jacques Le Goll, Michelle Perrot, René Rémond, Essais d‘ego-histoire, Pierre Nora (ed.), Paris, Gallimard, 1987. Para um exemplo americano, Pensar la Argentina. Los historiadores hablan de histo- na y politica, Roy Hora e Javier Trimboli (ed.), Buenos Aires, Ediciones El Cielo por Asalto, 1994. * Arlette Farge, Le Cours ordinaire des choses dans la cité du XVIIF siécle, Paris, Editions du Seuil, p.9. Ver também Arlette Farge, Le Gotit de Uarchive, Paris, Editions du Seuil, 1989, € 0 texto fundador de Michel Foucault, “La vie des hommes infames”, Les Cahiers du che- min, 29, 1977, p.12-29, reeeditado em Michel Foucault, Dits et écrits, 1954-1988, edicdo estabelecida sob a direcao de Daniel Defert e Francois Ewald, com a colaboracdo de Jacques Lagrange, Paris, Gallimard, 1994, t. III, p.237-253.

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