Você está na página 1de 345
x Pai Cido de dau fyte * CANDOMBLE” ‘ A panela do " ite 2¢ Tracar um panorama da religiao dos orixds, ou seja, do Candomble, desde suas origens remotas, na N até a atualidade, é 0 objetivo Oe er ur Ronn retin didade a criagao do mundo segundo PRIPCCHOR CMe sbe eMC eL! POE ONION sss] MTCC ante y 1S Pet CMC Crm Tere one Me tr MMe UUM Lee Pree een eee oRone oman coesao do universo. Este livro interessa tanto ao ini- ciado, uma vez que reflete sobre os PY cu com iem ine a clicks Cone iCoy descreve rituais e revela seus prin- cipais fundamentos, quanto as pes soas que buscam simplesmente uma Patter eceretnt ets tome arse RECN B ro unm Ame Cc mee os crito em uma linguagem didatica e Clee RTM ener OM: MTT Coos magées que contém o faz, segura mente, um dos livros mais comple- tos e inovadores sobre Candomblé, POT ORSON NEM MTT) oom Err Pe ee NS CORE R Mm STI MCel onto Memo el cer Om MECC. eto) merit Teme outer tecme ttm nT cs PER Mee eT ite TSM (leer Oe Cnet CMe ee cc OM ete TT Ces PRM Cece CR Tete) Poser ene ert cert Inclui, ainda, um breve histérico CES enet tee eet tr he COON UnaE MS COnt a AMS fer ometre POe novas perspectivas para o futu- To, introduz as principais leis que as- Se EM rote eco Teter Nee cando, portanto, o respeito Sere ticas do Candomblé, e fornece as Pat Cido de Osun Eyin ~ CANDOMBLE A panela do segredo Gostaria de agradecer a todos os que contribuiram direta ou indit mente para a realizagao deste trabalho; nao citarei nomes para niio ter 0 risco de cometer injustigas. Peco licenga, contudo, para citar d pessoas: Pedro Paulo de Sena Madureira e Teresinha Bernardo. Par Cipo sumARIO parte 1 parte 2 APRESENTAGAO, IT PREFAcIO, 13 Nota sopre 0 auTOR, 17 INTRODUGAO, 24 a CRIAGAO OO Mundo segundo a tradigdo OOs ORIXAS, 29 I. GENESE: CRIAGAO E RECRIAGAO DO MUNDO, 31 Olodumaré e os deuses da criagio, 33 / A criagio da Terra, 34 / ‘Transgressio ¢ reeriagio do mundo: os nascimentos de Exu, 36 / ‘© mundo em quatro partes, 41 2. AGUA: A ENERGIA FEMININA QUE COMANDA © MUNDO, 44 A importincia da gua, 44 / Orixés da fgua, 45 3. TERRA: A MANTENEDORA DA VIDA, 47 ‘A importancia da terra, 47 / Orixis da terra, 48 4. FOGO: 0 PODER DA TRANSFORMAGAO, 50 A importincia do fogo, 50 / Orixis do fogo, 52 5. AR: A ESSENCIA DA VIDA, 53 A importincia do ar, 53 / Orixis do ar, 54 a hist6ria OO CandomBLE, 55 6. O cutto A onixk Na Arnica, 57 Ancestral divinizado, 57 / Os deuses e suas cidades, 59 7. A FORMAGAO DO CANDOMBLE NO Brasil, 61 © negro e a escravidio, 61 / Sincretismo, 63 / Os primeiros terreiros, 64 8. PERSPECTIVAS PARA © FUTURO, 67 © Candomblé no século XXI, 67 / Legislagio e Candomblé, 70 / Lei n® 7.716, de 5/1/1989, 74 ll ees parte 3 oRIXAs: as Forgas vivas oa natuReza, 77 9. EX: PRINCiPIO DE TODAS AS COISAS, 79 Origem ¢ histéria, 79 / Dominios de Exu, 83 / Rituais especificos, 84 / Caracteristicas dos filhos de Exu, 86 / Aspectos gerais, 87 TO. OGUM: 0 DEUS MAIS CULTUADO Na AFRICA E NO BRASIL, 88 Origem ¢ histéria, 88 / Dominios de Ogum, 92 / Rituais especificos, 93 / Caracteristicas dos filhos de Ogum, 95 / Aspectos gerais, 97 11. OXOssI: © SENHOR DA HUMANIDADE, 98 Origem ¢ histéria, 98 / Dominios de Oxéssi, 104 / Rituais especificos, 105 / Caracteristicas dos filhos de Oxéssi, 106 / Aspectos gerais, 107 12. OssaIM: 0 SENHOR DE TODAS AS PLANTAS SELVAGENS, 108 Origem ¢ histéria, 108 / Dominios de Ossaim, 112 / Rituais especificos, 113 Caracteristicas dos filhos de Ossaim, 114 / Aspectos gerais, 115 13. OBALUAIE/OMOLU: © CAGADOR NEGRO QUE SE VESTE DE PALHA-DA-COSTA, 116 Origem e histéria, 116 / Dominios de Obaluai/Omolu, 121 / Rituais especificos, 122 / Caracterfsticas dos filhos de Obaluaig/Omolu, 124 Aspectos gerais, 125 14. OXUMARE: A UNIDADE ELEMENTAR ENTRE CEU E TERRA, 126 Origem ¢ histéria, 126 / Dominios de Oxumaré, 129 / Rituais espe Caracteristicas dos filhos de Oxumaré, 131 / Aspectos gerais, 133 15. NANA BURUKU: A PODEROSA DONA DOS CAURIS, 134 Origem ¢ histéria, 134 / Dominios de Nani Buruku, 139 / Rituais especificos, 140 / Caracterfsticas dos filhos de Nana, 141 / Aspectos gerais, 143 16. OXUM: A BELA DEUSA SENSUAL DO AMOR E DA FECUNDIDADE, 144 Origem c histétia, 144 / Dominios de Oxum, 150 / Rituais espec Caracterfsticas dos filhos de Oxum, 154 / Aspectos gerais, 155 / 17. LoGUN EDé: © MENINO CAgADOR, 156 fficos, 151 Origem c histéria, 156 / Dominios de Logun Edé, 161 / Rituais especi! Caracterfsticas dos filhos de Logun Edé, 162 / Aspectos gerais, 163 / 18. OU/IANSA: VENTO DA MORTE — VENTO DA VIDA, 164. Origem e histéria, 164 / Domfnios de Oi, 172 / Rituais espectficos, 1 Caracteristicas dos filhos de Oi, 174 / Aspectos gerais, 175 19, OBA: A GUERREIRA MAIS VALENTE, 176 Origem e histéria, 176 / Dominios de Obé, 180 / Rituais especificos, 181 Caracteristicas dos filhos de Ob4, 182 / Aspectos gerais, 183 20. EWA: A VIRGEM DA MATA VIRGEM, 184 Origem ¢ histéria, 184 / Dominios de Ewé, 188 / Rituais especificos, 189 Caracterfsticas dos Filhos de EwS, 190 / Aspectos gerais, 191 2.1, IEMANJA: MAE DE TODOS Os FILHOs, 192. Origem e hist6ria, 192 / Dominios de lemanjé, 197 / Rituais espectficos, 198 / Caracteristicas dos filhos de lemanjé, 200 / Aspectos gerais, 201 parte 4 22, XANGO: O REI POR EXCELANCIA, 202 ‘Origem e histétia, 202 / Dominios de Xang6, 214 / Rituais especificos, 215 / Caracterfsticas dos fillhos de Xang6, 218 / Aspectos gerais. 219 23. IROKO: © GUARDIAO DA ANCESTRALIDADE, 220 Origem e hist6ria, 220 / Domfnios de Iroko, 223 / Rituais especificos, 225 / Caracterfsticas dos filhos de Iroko, 224 / Aspectos gerais. 225 24, InEgl: ORIXAS & CRIANGAS, 226 Origem e histéria, 226 25. IFA: 0 PROFETA DO CULTO A ORIXA, 230 Origem ¢ histéria, 231 / Os poemas de If, 235 26, OXALUFA/OXALA: © CEU QUE NOS PROTEGE, 240 Origem c histéria, 240 / Domfnios de Oxaluft/Oxals, 245 / Rituais especificos, 246 / Caracteristicas dos filhos de Oxalufi/Oxalé, 248 / Aspectos gerais, 249 27. OXAGUIA: A GUERRA PELA PAZ, 250 Origem e histéria, 250 / Dominios de Oxaguis. 253 / Ricuais espectficos, 254 / Caracterfsticas dos filhos de Oxaguid, 255 / Aspectos gerais, 257 28. OUTROS ORIXAS: ODUDUA, ORANIAN, OKO, OTIN, APAOKA, ONILE, O1oKum, 258 Odudua, 258 / Oranian, 259 / Ok6, 260 / Orin, 260 / Apaoks, 260 / Onilé, 261 / Olokum, 261 29. BABA-EGUNGUN: NOSSO PAI ANCESTRAL, 262, Otigem ¢ histéria, 263 30. LyA-Mt Oxoronsi Origem e histéria, 268 \S SENHORAS DO PASSARO DA NOITE, 268 AXE: A FORGA SAGRAdA, 273 31.0 SIGNIFICADO DO SANGUE, 275 Sactificios, 275 / Sangue vermelho, 277 / Sangue preto, 278 / Sangue branco, 278 32. RITUAIS DE INICIAGAO E DE PASSAGEM, 279 Boti, 279 / Feitura, 282 / Obtigagio de sete anos, 284 / Axexd, 285 33. ORACULOs, 290 Obi, 290 / Merindilogun, 291 34.A MORTE NO CANDOMBLE, 294 35. COMIDAS DE SANTO, 296 CONSIDERAGOES FINAIS, 301 G1ossAnio, 303 BrBLioGRAFiA, 311 fice REMISsIVO, 313 _ apRresentagao © Candomblé, religito afto-brasileira, fruto da diéspora africana, ga- nha visibilidade somente a partir do século XIX na Bahia. Em Sao Pau- até meados do século XX, os cultos afro-brasileiros perma- lo, porém, repleto de siléncio ¢ nio ditos. neceram nas sombras. Era subterraneo, Na entrada do século XI essa expressio religiosa encontra-se envolta em mistérios, especialmente em terras paulistas. E nesse sentido que o livro Candomblé: a panela do segredo, de Pai Cido de Qsun Eyin, organizado por Rodnei William Eugénio, ganha incontestavel importancia, além de ser um texto rico, bem-esctito, que ao tratar os mitos enfoca com maes- tria os elementos da natureza: Agua, terra, fogo ¢ ar. Os rituais também foram capturados pelo autor. Nesse sentido, trava- se entre o mito ¢ 0 tito 0 didlogo fundamental para a compreensio do Candomblé. Mas Pai Cido vai além ao contextualizar a religiao dos orixés. Em suas palavras “a compreensio da histéria do negro no Brasil é fundamental para explicar o surgimento do Candomblé..” Em minhas palavras “nao se entenderia a religiio, nem em sua realidade, nem em seu conceito, se quiséssemos explicé-la isoladamente”. A religiio nio constitui nenhu- ma comunidade separada, mas é parte do povo que a criou. Por isso existe um diglogo baseado em simbolos entre a religiio ¢ 0 povo. E nesse sentido que o livro Candomblé: a panela do segredo é motivo de ale- gtia. Na verdade, vem preencher uma grande lacuna, pois si0 poucos os sacerdotes que sio autores. Os sacerdotes-autores sio, normalmente, Pessoas que vém do povo que criou essa expresso religiosa. E 0 caso do Pai Cido, que cria e recria diariamente o Candomblé. Eu nio pertengo ao povo criador, mas estou aqui porque, no dizer do povo-de-santo: “No Candomblé vocé nio escolhe, voce é escolhido” Axé. ERNARDO Professora-doutora do Programa de Estudos de Pés-Graduag: em Ciéncias Sociais da Pontificia Universidade Catélica de Sio Paulo — PUC-SP 12 prefacio © Candomblé sobrevive até hoje porque ndo quer convencer as pessoas sobre uma verdade absoluta, ao contrario da maioria das religides. PIERRE VERGER Quem ousaria construir sua casa sobre as dguas? S6 aqueles que acredi- tam em Oxum; sé os que sabem que nio hi alicerce mais seguro do que 6 amor. Quem é capaz de destruir 0 que o amor construiu? Este livro é uma prova de amor a Oxum a todos os orixis, pois trans- mite uma mensagem de amor forjada a partir de uma histéria de amor vivida no seio de uma comunidade. Amor recfproco entre um pai e seus filhos, entre um sacerdote ¢ seus deuses; amor sincero, capaz de superar as adversidades, de aceitar os defeitos, de amar, A casa de Oxum é a casa do amor, na qual todos sio bem-vindos: ho- mens e mulheres em busca de alento, de compreensio, de uma famflia; pessoas de coragio aberto, prontas para receber e para doar o melhor de si; pobres ¢ ricos em busca de ligdes de humildade, prontos para amar e ser amados. Este livro é uma compilagio de histérias de amor: histérias que ouvi- mos ¢ contamos, que lemos ¢ transmitimos, histérias que vivemos. Re- latos de amor aos deuses que amamos ¢ A povo que amamos feitos por pessoas que os amam também: Aninha, Menininha, Senhora, Joiozinho, Nezinho, Bamboxé, Massi, Caetana, Runhé, Cotinha, Bobé, Procépio, Cleusa, Olga, Bida, Roxa, Lufs, Ciddlia, Vava, Deuzuita, Waldemiro, Oia Niqué, Pérsio, Rosinha, Ana, Nicinha, Teté, Nitinha, Tata, Juju, Vina, Diniz, Regina, Stella, Cantu, Isabel, Wanda, Gilberto, Idérito, Alvinho, Carmem, Beata, Didi, Manodé, Toloké, Roxinho, Caio, Nilzete, Agenor, Meruca e tantos outros que passaram seus saberes ¢ mantém viva a meméria de nossa teligiao. Outros também existem que amam esse povo e esses deuses, um amor discreto, mas verdadeiro: Carneiro, Bastide, Verger, Augras, Costa Lima, Elbein, Ziegler, Lody, Concone, Consorte, Prandi, Bernardo, Risério, Braga, Lepine, Moura, Trindade, Portugal, Abimbola, Sodré ¢ tantos outros que em suas obras registram as histérias de um povo seus deuses. © que senio o amor motivaria tal escolha? e Quantos que por amor dedicaram sua arte a essa gente e seus deu- ses: Jorge Amado ¢ sua literatura, Carybé e seus desenhos, Caymmi Caetano, Gil, Roberto Mendes, Vinfcius e suas poesias e misicas, Clara Nunes, Bethania, Gal e suas vozes. Tantos exemplos de amor, de dedicagio, de entrega. Exemplos de vida, de amor 4 vida ¢ de respeito ao outro. Foi por amor que muitos entregaram suas vidas e tantos outros a sua obra e a sua arte, foi por amor que cada um deu o melhor de si e ajudou a construir ¢ trar a histéria de um povo e sua fé. a regis- Foi 0 amor que construiu e: hist6ria: o amor pela vida, que muitas vezes fez calar os injustigados, pois a necessidade de sobreviver e perpetuar era mais forte, era 2 a ga- rantia de que os deuses que traziam em seus coragdes também conti- nuariam vivos. E, portanto, o amor que inspira este livro, e, por ser produto de um amor profundo, a Oxum ele € dedicado ¢ também a todos que amam Oxum e a todos que Oxum ama. Este livro é para as pessoas de passos 14 nnn dignos e que justamente por isso véem com dignidade 0 esforgo do trabalho; é para todos que sabem que as relagdes e os lagos que nos unem devem estar baseados na cooperagao e nao na competigao; é para aquele que abraga o meu orixd como se seu fosse; pata os que ouvem a minha histéria e se reconhecem; para aqueles que amam e respeitam; para todos que eu amo! Que este trabalho seja visto com os olhos do bem, do amor e da dignidade! Salve Oxum!!! . Pat Cipo EyIN 15 © babalorixé agbs Pai Bobs de Iansi (Oié Gueré), precursor do Candomblé de Sao Paulo. Pai Cido de Osun Eyin. nota SOBRE O autor Se vocé nao puder ser uma drvore frondosa No alto de uma montanha Seja um pequeno arbusto na beira do rio Mas seja 0 melhor arbusto que voce puder ser. D. Mattock Mais do que um babalorixé (babalorisd), Pai Cido de Osun Eyin é, antes, um grande defensor da cultura afro-brasileira. Interessado na valoriza- gio do negro e na conservagio de suas tradigées, especialmente as reli- giosas, tem se dedicado, nos tiltimos anos, a0 estudo e & interpretagio de toda a teogonia do Candomblé — teligiao que professa como inicia~ do desde 1974, mas que conheceu muito antes, na Bahia, onde nasceu em 10 de agosto de 1949. A ilha Madre de Deus, vizinha de Salvador, é a terra natal de Pai Cido, que € 0 quarto filho de uma familia de nove irmios. Seu pai, o senhor Alcides Reis, um marinheiro, morreu de tuberculose em 1954, fadando sua mae, dona Zilah Reis, ¢ seus irmaos a uma vida bastante modesta, cheia de humilhagées e dificuldades. Em virtude do falecimento de dois irmios, num tragico acidente de 4nibus em 1964, mudou-se com a familia para a cidade de Candeias, onde comegou a trabalhar como balconista num café-e-leite. Pai Cido para ir e voltar do emprego. Foi nesse café caminhava cerca de trés hora que passou a sentir as primeiras manifestagdes espirituais. No entanto, a primeira manifestagio realmente forte aconteceu quando j4 nao trabalhava mais l4, num momento de desespero. Pai Cido comegou a ter os sintomas e as reagdes da doenga que matara seu pai, mas nfo estava doente fisicamente. Diante disso, voltou para Madre de Deus e hospedou-se na casa de uma tia, sem saber que esta era uma médium de transporte, como classificam os espiritas. Assim, foi identi- ficado 0 problema com o egum (égiin) do senhor Alcides e Pai Cido curou-se quase que imediatamente. A tia, no entanto, teve de procurar ajuda espiritual para se curar. Dona Zilah casou-se novamente e deu 4 luz mais dois filhos. Com © padrasto, a familia mudou-se para um sftio na cidade de Alagoinhas. Porém, tempos depois, a mie separou-se e enfrentou, com os filhos, uma vida de sacrificios. Para sobreviver, Pai Cido colhia jacas, abacates e outras frutas do sitio, colocava~as em uma mula emprestada do vizinho e, junto com o irmio, que sempre ficava meio de longe, ia 4 cidade para vendé-las. Com © dinheiro fazia a despesa do dia e levava para a mie. Tudo isso até conseguir um emprego como cortador de carne num armazém do mer- cado, onde ficou alguns anos. A familia mudou-se do sftio para a cida- de. Dona Zilah, por transferéncia de uma amiga, conseguiu uma banca no mercado e Pai Cido deixou o armazém para trabalhar com a mie. Nessa ocasiao, as manifestag6es espirituais voltaram e, psicologicamente desestruturado, Pai Cido procurou ajuda, mas nada parecia dar certo. Sem perspectivas, decidiu vir a Sao Paulo para trabalhar e procurar um médico. Chegou & cidade no dia 24 de dezembro de 1973, hospe- dando-se na casa de amigos. No dia 4 de janeiro de 1974, conseguiu emprego como servente de obra no prédio-esqueleto do Anhembi, pas- sando a residir no mesmo local. Foi af que encontrou uma abelha de ouro com olhos de rubi, a qual mais tarde ofereceu ao seu ib’ Oxum (igbd Osun). Meses depois, saiu da obra e com o dinheiro da rescisio iniciou-se no Candomblé. Residiu na casa de Candomblé em que foi iniciado até conseguir emprego no almoxarifado de uma firma. Entao, mudou-se para uma casa pequena comegando, a pedido de Oxum, sua trajetéria como babalorixa. 18, Engana-se, no entanto, quem pensa que a partir daf os sacrificios acabaram, pois apesar de hoje gozar do maior prestigio entre os adeptos da religido, Pai Cido enfrentou intimeras dificuldades até se estabelecer como sacerdote respeitado ¢ consolidar o seu templo como uma impor- tante referéricia do Candomblé de Siio Paulo. Tornar-se babalorixa foi, acima de tudo, uma missio imposta por Oxum e no ano de 1977, naquela pequena casa de apenas um quarto, sala e cozinha, Pai Cido iniciou suas atividades. Construiu uma divis6- ria no quarto: de um lado dormia e do outro guardava o seu ib& Oxum. Como trabalhava fora, s6 nas horas vagas realizava suas obrigagdes. Em outubro do mesmo ano recolheu sua primeira iad (iaw6), cus- teando as despesas da feitura com o dinheiro do seu fundo de garantia. Até hoje Pai Cido guarda o quelé (Kelé), 0 pano-da-costa e outros ape- trechos dessa primeira filha-de-santo. Para realizar os toques, Pai Cido retirava os méveis da sala e os colocava no quintal. Muitas pessoas testemunharam essa dificil fase de sua vida religiosa, entre elas a falecida Mae Teresa (Oxum Laibé), Marcio de Oxumaré (Osiimaré) e a equédi (ekéji) Cagula, amiga de sempre que até hoje freqiienta sua casa de Candomblé. Naquela época, as dificuldades eram muito maiores para tocar uma casa religiosa, o preconceito era muito pior. Pai Cido chegou a ser viti- ma de um abaixo-assinado e ao final do contrato de locagio foi obrig: do a se mudar, pois a imobilidria negou-se a renovar o contrato de um pai-de-santo. Com o crescimento das atividades, foi para uma casa maior e com um aluguel bem mais alto. Apesar de contar com a ajuda de algumas s, precisou voltar a trabalhar fora, continuando em sua trajetéria pessoa de sacrificios e dificuldades constantes. Pai Cido casou-se em 1978 e no ano seguinte nasceu sua filha Gabriela. Acabou se separando da esposa em 1982. Nesse meio tempo iniciou novos iads. Porém, quando venceu o contrato de aluguel, devido ao valor muito alto, mudou-se para uma casa muito pequena e simples, com apenas um cémodo ¢ cozinha, onde nao tinha condigées nem de receber seus clientes, nem de guardar 0 seu préprio ibé, sendo obrigado 19 a deixar de tocar Candomblé. Nessa fase de extremo sacrificio, uma série de dificuldades se sucederam. Pai Cido passou a jogar biizios em domicflio e conseguiu comprar um terreno em Franco da Rocha, no qual pretendia estabelecer seu axé (ase). No entanto, as coisas tomaram outros rumos quando uma cliente ofereceu uma casa na Vila Prudente (Zona Leste de Sao Paulo), onde passou a morar ea atender seus clientes, mas ainda sem tocar Candom- blé, atendendo também em domicilio. Como nfo pagava pela moradia, alugou uma outra casa no Jardim Iguatemi (periferia da Zona Leste), voltando a tocar seu Candomble. Em 1981, completando os sete anos de iniciacao, recebeu 0 cargo, oi€ (cyé), de sacerdote com seu saudoso babalorixd, Pai Bobs de Iansi, vin- do do Axé Oxumaré (Ase Ostimaré) da Bahia. Sem automével, Pai Cido fazia um grande sacriffcio para se locomover da Vila Prudente ao Jardim Iguatemi, até que um cliente o indicou a virias pessoas, entre as quais estava um grupo de japoneses proprietarios de imobilidria, que conseguiu uma casa bastante grande onde poderia morar e tocar 0 Candomblé. O terreno em Franco da Rocha era mantido por medida de precau- go e, quando venceu o contrato desta nova casa, Pai Cido estava deci- dido a mudar-se para 14, mas o mesmo grupo de japoneses construiu uma outra casa e, por meio de um acordo, Pai Cido comprou a proprie- dade, estabelecendo definitivamente seu templo de Candomblé. A casa era bastante humilde, bem pobre, muito diferente da atual construgio. O mais importante, no entanto, é que, livre do aluguel, a vida de Pai Gido se equilibrou e ele pode se projetar e se tornar uma das figuras mais importantes do Candomblé de Sao Paulo. Dona Zilah, que havia alguns anos morava com o filho, faleceu em 1990. Pai Cido ainda sente a dor desta partida, pois foi a mae quem sempre 0 apoiou em seus momentos dificeis. Tendo participado de intimeros programas em todas as emissoras de televisio, em diversos programas de radio, concedido entrevistas ¢ informagSes aos mais importantes jornais de Sio Paulo, proferido pa- 20 lestras — inclusive em faculdades de teologia —, Pai Cido de Qgun Eyin tornou-se conhecido do grande pablico e, por suas opinides sem- pre acertadas e precisas, conquistou 0 respeito e a admiragio de todos. Gravou dois CDs com cantigas de Candomblé: Raiges de Kétu (lan- gado em vinil em 1988) e Candomblé Brasil (langado em 1999). O pri- meito, segundo informagées dos distribuidores, vendeu seguramente mais de 150 mil cépias, projetando Pai Cido em ambito nacional, e, devido ao seu grande sucesso e ao registro de mtisicas que preservam um importante patriménio cultural, foi inclufdo no acervo do Museu Afro-Brasileiro de Salvador. Jé o segundo, uma superprodugio, deve seguir o mesmo caminho do Rafges de Kétu. Pai Cido vinha escrevendo uma série de revistas sob 0 titulo Orixds: 0 segredo da vida. Foram langados, com grande sucesso, dois ntimeros e © terceiro j4 estava pronto quando surgiu a oportunidade de fazer um livro. Percebe-se que nio faltam experiéncias a esse sacerdote, que co- nhece as histérias dos orixés, que pesquisou, que percorreu varios pon- tos do Brasil em busca de conhecimento. Em 1991, esteve na Africa e conheceu varias cidades sagradas, os costumes e a cultura do povo nigeriano; percebeu o respeito ¢ a verdadeira adoragio que as pessoas dispensam as autoridades religiosas naquele pais. Acompanhado por Ogtin Dijd, escritor e professor da Universida- de de Oba Femi — um amigo que sempre o visitava no Brasil —, Pai Cido percorreu a cidade de Ilé-Ift, considerada 0 bergo da civilizagio iorubé (yortib4) e do resto do mundo, onde conheceu a famosa Univer- sidade de Ilé-Ife, na qual recebeu o diploma comemorativo do Primeiro Congresso de Tradigio de Orixé — The Orisha Tradition: A World View. Foi também a cidade de Osogbé, onde se encontra o principal templo de Oxum e o rio consagrado 4 deusa. Pai Cido banhou-se nas Aguas do rio Oxum, conheceu a if quequeré (ind kékéré) do templo e doou muitas nairas (moeda da Nigéria) para a realizagio do festival de Oxum. Visitou, ainda, as cidades de Ies4, a terra de Logun Edé (Légunéde), € Abidjan, que fica na Reptiblica do Benin (antigo Daomé). Sempre vestido com trajes tipicos, axé oqué (asd oké), Pai Cido foi ovacionado 21 pelas ruas de Lagos e 0 v6o de volta ao Brasil chegou a se atrasar porque formaram-se filas no aeroporto de pessoas que queriam ser tocadas pelo eruqueré (erukeré) de Pai Cido. Ainda no hotel, foi procurado por um repérter local que soubera que havia um rei brasileiro visitando a Nigéria. Pai Cido concedeu a entrevista e explicou que era, na verdade, um sacerdote de Candomblé. Na Nigétia, os sacerdotes — babalads (babalaw6) ¢ babalorixas — sao respeitados como chefes de Estado, e Pai Cido foi reconhecido como sacerdote por suas roupas e apetrechos, por sua simpatia e gene- rosidade e, principalmente, pelo conhecimento de orixé que soube de- monstrar ao longo de sua estada. Trouxe da Nigéria muitos objetos sagrados, obi, orob6 (orogb6), Agua do rio Oxum, folhas, colares de coral (um, em especial, com mais de dois séculos de existéncia) ¢ utilizou tudo para reforgar o axé de sua casa de Candomblé. Pai Cido de Osun ostenta com orgulho o titulo de Obé Afoxé Quini (Qba Afos? Ikini), outorgado pelo Ié Omé Dada (Ilé Ome Dadé), 0 mais tradicional afoxé de Sio Paulo. Ele tornou-se o rei do afoxé em 1996 enesse mesmo ano foi convidado para desfilar na escola de samba Mocidade Alegre, uma das maiores de Sio Paulo. O belo samba-enredo falava de Oxum em seu refrao e Pai Cido desfilou com trajes de babalorixa representando o rei de Osogbé em um dos carros alegéricos, acompa- nhado de importantes destaques, entre cles a ‘Globeleza’ Valéria Valenssa Pai Cido conquistou importantes amigos na Mocidade, e nunca mais deixou de desfilar na sua escola do coragio e prestigiar 0 Carnaval paulistano — a cada ano mais grandioso. A propésito, Pai Cido de bal esté A frente de uma das casas de Candomblé mais bonitas e respeitadas de Sao Paulo, o Ilé Dara Ase Qsun Byin, que jé se tornou uma referéncia da religito afro-brasileira, haja vista o grande namero de pesquisadores, antropélogos, socidlogos € tedlogos, entre outros, que o tem procurado como informante para suas dissertagSes e teses. Por tudo isso, Pai Cido tornou-se grande dentro do espago que conseguiu conquistar; um exemplo de humildade e dedicagao, sempre recebeu em sua casa, com a mesma atencio, pessoas simples e sem re- 22 Hee a cursos, empresdrios, politicos, intelectuais, ‘socialites’, atores, canto- res, artistas plisticos, enfim, pessoas de todos os estratos sociais. Ao longo desses anos, soube manter e fortalecer sua comunidade, contri- buindo, dessa forma, para a preservagio desse importante patriménio cultural afro-brasileiro que € 0 Candomblé. 23 mtrRodugsao A filosofia do Candomblé ndo é uma filosofia barbara, ¢ sim um pensamento sutil que ainda nao foi decifrado. Rocer BasTIDE Desde 0 século XIX, os estudos sobre religides afro-brasileiras vém despertan- do o interesse de intelectuais. Muitos antropélogos, socidlogos, etndlogos, psicélogos dedicaram suas disserta- ces e teses ao Candomblé e a outros importantes aspectos da cultura ne- gra preservados no Brasil. Ocorre, contudo, que boa parte desses estu- dos, sobretudo os que nfo se trans- formaram em livros, ficou restrita 4 comunidade académica, e muitas ve- zes os principais interessados, isto é, os adeptos da religifo, nao tém acesso a essas informag6es ou sio desestimulados por sua linguagem extremamente formal. HA muitas publicagdes sobre Candomblé, in- clusive varios trabalhos de pés-graduagio. A religiao, entretanto, ressentia-se de uma obra que contemplasse sua teologia, suas concepgdes de mun- do, sua ética ¢ seus mais importantes fundamentos, ¢ que considerasse a necessidade de uma contribuigio pratica a sacerdotes, iniciados, simpatizantes e a todos os que quisessem es saber um pouco mais sobre Candomblé, representando, assumidamente, uma visao de dentro para fora. Ni se pode negar a importancia da contribuigio dos pesquisado- res, mas a dificuldade em assumir posturas, imposta pelo rigor acadé- mico, muitas vezes afasta suas obras do interesse da comunidade religiosa emesmo do leigo que busca uma introdugio mais voltada ao engajamento € ao compromisso com a fé. Felizmente, essa tendéncia tem mudado e sao cada vez mais freqiientes os trabalhos de intelectuais também inicia- dos no Candomblé. Este livro contempla intimeros assuntos referentes ao Candomblé, comegando pela ctiagio do mundo segundo a tradigéo dos orixés, pas- sando pela histéria da religiao e de seus deuses e concluindo com refle- x6es sobre a organizagio do culto e sobre a energia que mantém a coe- sao entre as forgas atuantes no universo, ou seja, os homens, os deuses € a natureza. Todas as histérias que explicam a origem do universo, sua criagio ¢ rectiagio, sio enumeradas na primeira parte do livro, que descreve nao s6 a génese, mas introduz importantes reflexdes a respeito dos elementos da natureza, ja que no Candomblé € 0 equilibrio entre esses elementos que concorre para a manutengio da Terra. A histéria da religito dos orixds na Africa e no Brasil é exposta na segunda parte, que também ressalta as principais diferencas entre o cul- to a orixd na Africa e o Candomblé brasileiro. Vale lembrar que a com- preensio da histétia do negro no Brasil é fundamental para explicar © surgimento do Candomblé como religido e revela a necessidade de uma retomada do verdadciro sentido de comunidade, mostrando que o grande mérito do Candomblé é a reconstituigio da familia negra, completa- mente esfacelada com o processo de escravidao. A terceira parte é a mais densa, pois retine as hist6rias dos deuses africanos, sua relagdo com as forgas vivas da natureza, com os seres humanos, com 0s ritos e atividades sociais como a metalurgia, a caga, 0 exercicio do poder, a maternidade e tantos outros aspectos da vida. Muitos cAnticos ¢ oriquis (orikf) ilustram esta parte do livro, enrique- cendo a explanagio sobre os feitos ¢ efeitos das magias dos deuses 26 ae, africanos. A histéria ¢ a origem, os dominios e os rituais especificos de cada orix4 sio descritos exaustivamente, bem como as caracterfsticas de seus filhos, configurando, seguramente, uma completa introdugao a0 rico universo dos orixés.) A quarta parte trata da forga vital que tudo consagra, ou seja, fala do axé, uma energia indispensdvel, sem a qual a existéncia estaria parali- sada, tudo seria inerte. E em torno dessa forga que se erguem as comu- nidades de Candomblé, portanto, a organizagio dos templos, dos ri- tuais, e tudo mais que ocorra na religido, pressupde a existéncia de axé. Este livro espelha a visto de um sacerdote a tespeito da religido que professa e dos deuses que cultua. £ 0 relato de experiéncias vividas ¢ 0 registro de hist6rias contadas e recontadas no interior de uma comunida- de de Candomblé, ouvidas repetidas vezes ¢ a cada vez com um novo sabor, com novos elementos; sao histérias lidas e relidas, ¢ a cada leitura um novo olhar. Este livro é 0 reflexo de um aprendizado constante e, felizmente, inacabado, pois os que tém capacidade de aprender é que her- dam o futuro, enquanto os que jé aprenderam, os que j4 sabem tudo, descobrem-se preparados para viver em um mundo que nao mais existe. ‘A mudanca € fundamental para que a tradigio se mantenha; des- vendar segredos nio significa violar a ética — é, antes, a condigio para um aprofundamento imprescindivel em nossas préprias raizes, com- preendendo a esséncia da religifo que professamos ¢ dos deuses que adoramos. E cada vez mais evidente a necessidade de pensar e refletir a respeito do Candomblé, pois a histéria dos orixés, por si s6, jé nao esgota a caréncia de informagoes que sentem o iniciado e 0 nao-inicia- do. preciso uma reflexio que dé conta de aspectos simples mas extre- mamente relevantes da teogonia e da organizagio da teligiao dos orixés. Nao basta a histéria do orixé; € necess4ria uma interpretagio que res- salte elementos que possam ajudar as pessoas a viver melhor, Em outros termos, é preciso mostrar que a experiéncia dos orixas pode servir de exemplo para a construgio de uma vida mais feliz e préspera. Este livro nao pretende esgotar 0 assunto, pois ainda ha muito para falar sobre Candomblé. © principal objetivo é tragar um panorama da religizo, ressaltando fatos interessantes de sua histéria ¢ de sua 27 a} teogonia que possam interessar ao sacerdote e ao nefito, ao leigo e ao intelectual e a todos os que, independentemente de convicgées religio- sas, busquem um conhecimento bem fundamentado a respeito da cul- tura afro-brasileira, especialmente no que concerne A religiao. As concepgées equivocadas que tém vigorado sobre Candomblé jé nao condizem com um mundo no qual a informagio se difunde num ‘piscar de olhos’. O Candomblé é uma religiio aberta a todos, na qual todos os segredos sio compartilhados ea reciprocidade fornece o exem- plo de uma vivéncia comunitéria que pode preencher todas as caréncias de uma pessoa. Este livro caminha no sentido de pelo menos tentar extirpar uma parcela da ignorancia coletiva, que é fruto de uma heranga Preconceituosa nao apenas em relagio ao Candomblé, mas a toda uma cultura e ao préprio negro como pessoa. 28 4 CRIAGAO OO MUNdO sEGuNdO a tRAdIGAO SOs ORIXAS No principio era o verbo... néo havia o nada. Eo verbo como o nada era tudo que havia... E os filbos da evolugao, da desordem, Soram os elementos ¢ dos elementos foi a vida ea vida foi o homem. Entaéo 0 homem chamou o nada ¢ o verbo de Olorum, senhor de todos os seres espirituais, das entidades divinas ¢ dos ancestrais. . GENESE: CRIAGAO € RECRIAGAO 6O MUNdO —, A origem do mundo, na tradigio ioruba (yoritbé), considera dois momentos cruciais: a criagio € a recriagao do uni- verso. Varios orixés tém participagio fundamental nesses episédios, mas dois acabam se destacando como deuses da maior importancia na combinagio de forgas que criou o mundo: Exu (Esit), que é 0 princf- pio dinamico da vida, a transforma- gio, e Oxalé (Orisanlé ou Qbardl), a criagio em sua totalidade. Nio € por acaso que Exu é 0 primei- ro orixd a ser cultuado e Oxala, 0 al- timo. Ao contrario do que muitos po- dem pensar, esse fato nao aponta para a rivalidade que de fato existe entre esses deuses, basta lembrar que o ritual em que os orixds sio festejados, 0 xiré (giré), se faz a par- tir de um cfrculo constante, composto por filhos ¢ filhas-de-santo, que gira em sentido anti-horario, pro- vando, uma vez que © cfrculo nio tem comego nem fim, que a distancia entre os extremos niio existe, ou seja, que o Can- © domblé nao trabalha com conceitos que se opdem, mas com fatores complementares, mesmo que aparentemente contraditérios. No Candomblé nao existe oposigio, no existe contradigio, por- tanto, no existe exclusio. Aquilo que parece contraditério é, na verda- de, complementar, pois o dia se opSe A noite, mas se um nao viesse apds © outro © universo e a vida simplesmente nio existiriam. Oxala cria o mundo, mas Exu o recria. O cfrculo, que em tantos momentos aparece nos ritos do Candomblé, é 0 simbolo da coesio e da manutengio do universo — mostra a necessidade de dinamismo, de movimentagio constante. A roda formada no xiré, em particular, parte da recriagio, do agora, do concreto, do provisério, e caminhan- do (dangando) chega ao eterno, ao permanente, ao transcendence, § origem, 3 criagio. Uma vez criado, o universo no poderia permanecer inerte, estatico. A missao — ou 0 desafio — de Exu foi inserir o movimento, a dinamizagio. a transformagao no mundo; em outras palavras, coube a Exu organizar o caos, pois, transgredindo e restabelecendo a ordem, introduziu a cultura, atribuin significados, deu sentido A desordem, Exu é, portanto, a criagio do mundo em termos simbélicos, representa 0 universo percebido e recria- do a partir da palavra, do gesto, da agio. Exu nasce com o primeiro ho- mem, porque se manifesta na capacidade eminentemente humana de atri- buir significado as coisas. Em sintese, as coisas nio sio por elas, mas pelos significados que lhe atribuem. Oxalé é 0 orixd da criagao por exceléncia, embora tenha falhado em sua missao de criar o mundo. Seu maior erro foi desprezar Exu, foi desconsiderar que o mundo desprovido do principio dinamico da trans- formagio nio faria sentido, no poderia existir. Com a falha de Oxali. outro importante orixd entra em cena: Odudua (Oditdua). As histérias que narram a criagio do mundo revelam-se na tradic3o transmitida oralmente ¢ nos poemas de If’, pois se os discfpulos de Jesus sao os profetas do cristianismo, se Maomé é 0 profeta do islamismo, Ifa € o profeta dos orixds. Na tradigao dos orixis, o mundo no é simplesmente criado em seu aspecto fisico. A criag3o do universo envolve o aparecimento do 32 © cosmo, dos elementos da natureza, dos deuses e dos homens, que man- tém uma relagio constante animada por uma forga vital: 0 axé. O caos nada mais é do que a natureza desprovida de significados, por isso o mundo é criado e recriado, numa génese que nao termina, is 0 mundo, assim como o homem, sio projetos inacabados ¢ com potencialidades ainda desconhecidas e inesperadas. OLODUMARE E OS DEUSES DA CRIAGAO Olodumaré (Oléditmar’), ou Olorum (Qlégrun), € 0 Deus Supre- mo, senhor do orum (3run) e do destino. E também o Grande Deus da Criagio. No entanto, por nio ser uma divindade centralizadora, nunca realiza, mas fornece a forca vital, o axé, para que a criag%o acontega. E Olorum quem delega o poder potencial de tudo, quem dé origem aos deuses da criagio. Antes que fosse criado o mundo, uma massa infinita de ar era tudo 0 que havia. Essa massa de ar era 0 préprio Deus Supremo Olorum, que a0 mover-se lentamente, ao respirar, deu origem a Agua. Da relagio entre are 4gua surgiu Orixalé (Orisanlé), 0 maior entre todos 0s orixas, 0 grande deus do branco (orixé funfun). © ar ea 4gua continuaram a mover-se Jentamente até que uma parte da matéria solidificou-se formando um monticulo de terra lamacenta e avermelhada, ao qual Olodumaré soprou avida: nasce Iangui (Yangi — Qba Baba Esit) o primogénito do universo, a primeira forma dotada de existéncia individual. Esses mesmos orixés estariam encarregados de criar a Terra e os seres que a habitariam, até que da relagio entre ar e terra surge Odudua, mudando os rumos da histéria. O mundo é criado e recriado em varios aspectos, e a Terra (nao por acaso a morada dos homens) é sempre © centro das nartativas que con- tam a origem e as transformagées do universo. Nao ha uma seqiténcia estabelecida para essas histérias, mas a que narra a criagdo da Terra ¢ os conflitos entre Oxalé e Exu ea disputa de Oxalé com Odudua pelo titulo de Orixé da Criagio sempre é a primeira a ser mencionada. 33 © A CRIAGAO DA TERRA E Olorum decide criar a Terra... Para essa importante missao con- vocou Oxalé e a ele entregou 0 saco da existéncia (ap3-iwa), explicando como deveria proceder. Entao Oxalé reuniu os demais orixds e seguiu para cumprir a tarefa. No caminho, encontrou-se com Odudua e 0 con- vidou para a missio, mas este recusou-se a acompanhi-lo sem que se cumprissem as devidas obrigagGes rituais, ou seja, a consulta ao ordculo de Ifa © a execugio dos sacrificios prescritos. Oxala continuou a viagem e em seguida encontrou-se com Exu, o dono dos caminhos, que permitia a comunicagio entre 0 mundo dos deuses (Grun) e 0 mundo dos homens (aiyé). Exu perguntou se Oxals havia feito as oferendas necessérias e este, altivo e Prepotente, sem dar a menor atengao a Exu, respondeu que nao e seguiu adiante. Irado, Exu Prometeu se vingar, ndo permitindo que Oxal4 fosse feliz em sua mis- sido. Oxal4 seguiu viagem e no caminho comegou a sentir muita sede Ele havia passado por um rio, mas nio parou; em uma aldeia lhe ofere- ceram leite, mas recusou. A sede foi aumentando e tornou-se insupor- tavel. Deparando-se com uma palmeira, igui opé (igi-dpe), Obatalé no teve divida: fincou 0 seu cajado ritual, o onde escorreu uma seiva refrescante —o vinho de palma (emun). Oxals bebeu tanto que acabou perdendo os sentidos ¢ adormecendo. Tendo consultado Ifé, Odudua fez suas oferendas a Exu. O babalad que consultou mandou que levasse cinco galinhas com cinco dedos em cada pé, cinco pombos, um camaleio, dois mil elos de cadeia, outras coisas. Exu aceitou o sacrificio, retirou uma pena da cabeca de cada ave ¢ devolveu a Odudua os elos ¢ todos os animais vives. If também o aconselhou a fazer uma oferenda (ebé) aos pés de Olorum com duzentos caracéis (igbin), pois eles possuem o ‘sangue branco’, 1 Agua que apazigua, 0 omi-trd, Odudua foi ao encontro de Olorum levando as oferendas. Como nao havia partido com os demais orix4s para auxiliar Oxalé, 0 Deus Supremo, a princfpio, Paxors (pds6r8), no tronco, de entre Tecusou-se a aceitar o sacrificio, mas voleou atrés quando Odudua calmamente explicou que sé havia cumprido as ordens 34 @ de If. S6 entio Olorum apercebeu-se de que nao havia colocade no saco da criagio 0 recipiente que continha a terra e o deu a Odudua, para que © entregasse a Oxal4, mas, ao encontré-lo completamente embria- gado ¢ desacordado com os outros orixds sem saber o que fazer, Odudua tomou-lhe 0 saco da criagio e voltou para devolvé-lo a Olorum, que, diante disso, o encarregou de criar a Terra. Odudua reuniu os demais orixds e todos juntos seguiram para o drun dkasd, lugar determinado por Olorum para a criagio do mundo. O caminho levava as Aguas onde Exu, Ogum (Ogiin) © Oxdssi (Osé9s?) costumavam cagar e pescar. Ogum, como o desbravador dos caminhos, seguiu na frente. Havia um pilar que ligava o orum ao resto do mundo, ao longo do qual Odudua colocou a cadeia de dois mil clos, deslizando por sobre as Aguas até 0 local indicado. Entiéo Odudua langou a terra e mandou que 0s pombos (ey¢lé) fossem espalhé-la. As galinhas, cujos pés tinham cin- co dedos, ajudaram a remover e espalhar a terra pata todes os lados. Para saber se a terra estava firme, Odudua enviou 0 camale%o, que pru- dentemente colocou uma pata apés a outra e sentiu-se seguro. Af, sim, Odudua pisou sobre a terra, ¢ foi o pioneiro, e a sua pegada € chamada ¢s? ntaiyé Odidua. Seguido pelos demais orixds, Odudua fundou a cidade de Ilé-Ift — 0 berco da civilizagio iorubs e do resto do mundo. Quando Oxalé acordou e viu-se sem 0 saco da criagio foi queixar- sea Olorum, que, diante do ocorrido, delegou a ele a importante mis- sio de criar todos os seres que habitariam a Terra: drvores, plantas, ervas, animais, aves, passaros, peixes e todos os tipos humanos. Acom- panhado por Olufa (Olifin), Etecé (Eteko), Oluorobé (Olsioragbo), Olofin (Olsiswofin), Oxaguia (Osagiydn) ¢ todos os outros orixas funfun, Obatald seguiu em directo ao aié (aiyé), e Odudua, orientado por Orunmild (Ortinmila), recebeu-o muito bem, como 0 Grande Pai. No entanto, confronto entre Oxald e Odudua foi inevitavel, até que Orunmild deci- diu intervir e convocou os dois para selar um acordo, Do alto de sua sabedoria, Orunmila mostrou a importancia de ambos na criacgio do universo ¢ explicou ainda que da convivéncia har- moniosa entre eles dependia a manutengio do mesmo. Entao, Oxaldé sentou-se A direita, ovum (stun), de Orunmilé ¢ Odudua, a esquerda, 35 ossi (62), ¢ juntos festejaram o equilibrio entre os dois niveis da exis- téncia. entre 0 orum (Orali) ¢ 0 2i¢ (Odudna), 0 que permitin asobre- vivéncia do universe € 2 continuaggo da énci. existéncia. ‘TRANSGRESSAO E RECRIACAO DO MUNDO: OS NASCIMENTOs DE Exu Exu € 0 orixd que transgride e restabelece 2 ordem, o grande res- Ponsével pela transformagio do universo ¢ por sua recriagio. A histériz revela que Exu nasceu varias vezes ¢ a cada nascimento impunha um alterago dréstica no mundo; era como se o destruisse ¢ 0 criasse no: mente, deizando marcas profundas, estabelecendo uma nova ordem. Nos primérdios do mundo, o orum nio era separado do aié ¢ os homens circularam livremente pelo espaco dos deuses. Havia um mem que trabalhava no campo, mais exatamente no limite entre o © € © aié. Sua esposa era estéril, mas tanto rogou a Oxalé que este concede a graca de dar 3 luz um menino, mas com uma condi jamais deveria ultrapassar os limites da terra, nunca deveria penetrar nO mundo dos deuses. © menino foi crescendo, assim como sua cutiosidade, ¢ sempre insistia para ir a0 campo com o pai, que o ignorava. Muito esperto, o rapaz fez um pequeno furo no saco que © pai carregava todos os dias ¢ Ii colocou cinzas. No dia seguinte, sé teve 0 trabalho de Seguir 0 rastro € encontrar © caminho do orum, no qual penetrou, ¢ gritando e¢ des2- fiando os deuses percorreu todos os espacos. Irritado, Oxalé langou o seu cajado, o opaxoré (0 cetro do mistério), e separou definitivamente © orum — espaco dos deuses — do aié — espaco dos homens —. impondo assim uma nova ordem ao universo. Entre o orum e 0 aié formou-se um vio, que foi preenchido pelo sopro de Olorum, dando origem a atmosfera. Sabe-se que nove sio os espagos do orum, quatro superiores e quatro inferiores, no espaco cen- teal est4 localizada a Terra. Embora nio tenha sido mencionado, nao é dificil imaginar o nome 36 do transgressor que fez Oxalé separar o orum do aié. E evidente que se ‘trata de Exu, o tinico capaz alterar toda a estrutura do universo. ~ Orunmils, senhor do destino e patrono do ordculo de Iff, dirigiu- sea Oxala para lhe pedir um filho, Oxalé nem sequer havia criado os seres humanos, mas langui ji existia e ficava 4 esquerda da porta de Oxald, tomando conta de sua casa. A esposa de Orunmilé, que se cha- mava Yebifrii, insistia em cer um filho, ¢ ele tanto rogou a Oxala que the foi concedido tornar-se pai de Exu Jangui. ‘Ao sair da casa de Oxalé, Orunmilé, conforme foi orientado, colo- cou as mios em Exu e, de volta ao aié, deitou-se com sua mulher. De- pois de doze meses Yebifni dew A luz. um menino, que recebeu o nome de Elebara (Elébara), 0 senhor do poder e da transformagao. © menino j4 nasceu falando e com uma fome tio intensa que passou a engolir tudo o que encontrou pela frente: comeu todos os animais, todas as aves, todos os peixes, enfim, comeu tudo 0 que havia sobre a Terra, inclusive a propria mie, Voltou-se, enti, para Orunmilé ¢ o teria engolido se este nfo erguesse o seu sabre passas- sea persegui-lo. Exu fugiu, mas Orunmilé o alcangou e com sua espada o dividiu em duzentos e um pedagos, O ducentésimo primeiro, para espanto de Orunmilé, regenerou-se por completo em Exu, que continuou fugindo. No segundo céu, foi novamente alcangado e retalhado em duzentos € um pedacos, e o ducentésimo primeiro pedago transformou-se em Exu econtinuou fugindo, E assim sucessivamente até que chegaram ao nono é Nio restou outra alternativa a Exu a nao ser fazer um acordo com Orunmila. ja nao havia mais para onde fugit. Entao, Exu devolveu sua mae e tudo o que havia engolido, devol- veu a ordem ao universo, recriando-o. Por isso, todos os seres vivos passaram a ter seu Exu pessoal, o seu Béra, Exu passou a ter a poten- cialidade de tudo transformar, ficou encarregado de receber as oferendas e leva-las a quem fosse de direito. A histéria, portanto, revela a multiplicidade de Exu, seu poder de unir e transforma pela boca, ou seja, pela palavra. Exu contém em si tudo o que existe (¢ tudo o que existe contém Exu), todos os antago- 37 © nismos, especialmente a multiplicidade e a unidade. Ele tem poder de devolver a ordem ao mundo, de recri4-lo. E Exu quem mantém a coesio do universo, ele é a unidade que se multiplica ¢ faz 0 ato virar poténcia. A altima e talvez a mais importante histéria que conta o nascimen- to de Exu envolve muitos orixds e revela aquela que se eternizou como sua verdadeira mae: Oxum. Um dos mais belos poemas de Ifa conta o nascimento de Oxetud (Osetiié), que veio para devolver ao mundo a fertilidade, pois “para tudo ser tem que ter iwd (princ{pio da existén- cia), para vir a ser tem que ter axé (principio da realizagio) e para o sempre ser tem que ter abé (princfpio da permanéncia)”. Senhor abso- luto dessas trés forgas, Exu impediu o fim do mundo e mais uma vez 0 rectiou, convertendo-se no grande transportador de oferendas ¢ men- sageito do oréculo de If. Quando Olodumaré enviou os orixds, os dezesseis, ao mundo para que viessem criar ¢ estabelecer a Terra. E vieram verdadeiramente nessa época. As coisas que Olodumaré lhes ensinou Nos espagos do orum constituiram os pilares de fundacao que sustentaram a Terra Para existéncia de todos os seres humanos E de todos os deuses. E 05 oixas seguiram as determinagdes do Deus Supremo: abriram clareiras nas florestas para cultuar or6 (ors — a coletividade dos ances- trais), egum (os ancestrais), iff (0 orsculo) e orixé (os deuses). Olodumaré ensinou-os a fazer os assentamentos e as oferendas e como evitariam que a morte prematura, a esterilidade, a infecundidade, a pobreza, as doengas, enfim, qualquer tipo de inforttinio, se abatesse sobre a Terra. Embora cumprissem todas as determinagdes de Olodumaré, cada vez que iam realizar algum ritual, os orix4s nao convidavam Oxum — apenas entregavam a ela os animais sacrificados para que os cozinhasse. Insatisfeita, Oxum, uma grande feiticeira, passou a evocar o poder das Iyé-Mi (axé lyé-mi-Ajé), que tornava tudo indtil. Assim: 38 © Se se predissesse a alguém que ele ou ela ndo fosse morrer, essa pessoa nao deixava de morrer Se fosse proclamado que uma pessoa ndo sobreviveria, a pessoa sobrevivia. Se se previsse que uma pessoa daria & luz um filho, A pessoa tornava-se estéril. Um doente a quem se dissesse que ficaria curado ndo seria jamais aliviado de sua doenca. Sem compreender 0 que estava acontecendo, os orixds, sob 0 co- mando de Orunmilé, decidiram consultar Iff, e 0 odu (odit) que res- pondeu foi chamado de Oxetud. A solugio seria, entao, falar com o proprio Olodumaré. Assim o fez Orunmil4, que, ao chegar ao orum, reencontrou Exu Odara (Odara). Este j4 explicava a Olodumaré o que vinha acontecendo, pois o fato de no terem convidado aquela que cons- titufa a décima sétima dentre eles estragava tudo o que empreendiam. Quando Orunmilé voltou ao aié, foi com os outros orixds convi- dar Oxum para segui-los em todos os rituais. Oxum recusou-se: Ela jamais iria com eles. Comegaram a suplicar a Oxum ¢ ficaram prostrados um longo tempo. Todos comecaram a homenaged-la ea reverencid-la. Tanto rogaram a Oxum, que ela acabou cedendo, mas com uma condigio: que todos os orixis usassem seu poder (axé) para que a crianga que carregava em seu ventre fosse do sexo masculino, pois esse filho iria representa-la em todos os ritos. Se nascesse uma meni- na, o mundo perecer Nasceu um menino, ¢ os orixas decidiram chamé-lo Asetiwa (o is tarde, consultando Ifs, Orunmi poder 0 trouxe ands). M 4 verificou 0s odus da crianga: eram oxé (ds?) ¢ oud (dtd), por isso resolveu rebatizé- la com o nome de Oxetud (Ogttiid). A partir desse momento, tudo pas- sou a dar certo e a ordem retornou ao mundo, 39 ©. \s pessoas, entao, cobriram Oxetui de presentes ¢ riquezas ¢ este, vez, deu tudo o que recebeu a Exu Odara, que havia tanto transportava as oferendas sem que ninguém retribufsse a sua . Assim, Exu Odara deu a Oxetus o cargo de ojis? eb3 — 0 lor das oferendas — e sé através dele é que qualquer sacrificio ia ao poderoso orum. Oxetud é sem diivida, a reencarnagio de Exu em forma de odu, co que muda o destino do mundo. Ele é a sintese do oraculo, pois dezesseis odus mais um (Oxetud), ou seja, ha um décimo sétimo ‘odu, e é ele que contém todas as possibilidades, todos os caminhos. Foi assim que Exu rectiou o mundo: introduzindo forgas vitais, “transformando, transgredindo, impondo uma nova ordem, devolvendo a fertilidade. E para que as coisas tenham o efeito esperado € preciso contar com 0 apoio de Exu — 0 principio da transformagio. Exu, explosdo tinica, origem de tudo! O MUNDO EM QUATRO PARTES Para as religides cristas, Deus configura-se como uma trindade: Pai, Filho e Espfrito Santo. Muito anterior ao cristianismo, o Candom- blé concebe a origem do universo, a criagio do mundo, a manutengao da vida ea propria definigio de Deus a partir de pares, sempre dois que, somados ou multiplicados, resultam no némero quatro. Parece um pen- samento complexo mas na verdade é elementar. Vejam: 2x2=4x4=16 A vida sé se torna possfvel a partir da jungio de pares, ou seja, homem/mulher, macho/fémea, dia/noite ete., ¢ o mais importante par, o proprio universo; orum/aié. Quatro é 0 produto de dois multiplicado por dois, é um ntimero sagrado para a religiio dos orixds, pois quatro so os pontos cardea (norte, sul, leste e oeste); quatro sao as estagdes do ano (primavera, veriio, outono ¢ inverno); quatro sao as fases da lua al © (crescente, minguante, nova e cheia); quatro sio os elementos da natu teza (Agua, terra, fogo e ar). No Candomblé, toda a teogonia pode ser compreendida a partir do ntimero quatro, pois quatro sio os deuses primordiais (Olorum, 0 Deus Supremo, Oxali, Exu e Odudua), res ponsaveis pela criagio do mundo; quatro sao as fases da iniciagio (ras pagem, obrigagées de um ano, trés anos e sete); a festa de Candomblé se divide em quatro partes (ipadé, xiré, oi€ e run); e 0 obi (noz de cola) — 0 fruto sagrado dos orixés — deve ter quatro gomos. Finalmente, o néimero dezesseis, ou seja, 0 produto de quatro ve Zes quatro, é, na verdade, o préprio ntimero quatro em sua plenitude, pot isso dezesseis odus, dezesseis orixds, dezesseis biizios no ordcule etc. O ndimero dezesseis representa um ciclo completo, pois expressa « par da vida, isto é, a soma entre sete (mimero relacionado ao poder masculino) e nove (ligado ao poder feminino), portanto remete 3 pei petuagio da vida, ao nascimento. Os orixis so as forcas vivas da’natureza)’onde’' Huimiem deve ser inclufdo, ¢ por meio dos elementos se manifestam, expressando seus dominios e 0 seu vasto poder. Observando a histéria da criagio do mundo vemos que foi da rela- sa entre os elementos da natureza que surgiram os deuses: 0 a1 (Olorum) se movendo originou a Agua (Oxalé, ou seja, relacio entre a1 © Agua) e uma parte da matéria que se solidificou formou a terta (Exu e Odudua). Portanto, os orixas ¢ os elementos da natureza esto intrin secamente ligados e s6 se pode entender as forcas que criaram ¢ man. tém o mundo (orix4s) compreendendo a sua telagdo com os quatro elementos da natureza. Do equilibrio entre os quatro elementos é que surgiram os seres humanos. Ora, nao hé diivida de que cada ser guatda em sts esséncia aera parcela de 4gua, outra de terra, uma de fogo e outra de ar. Vejam: da fusio entre a gua e a tera formou-se o barro, com qual Obatalé moldou © corpo dos homens, o fogo serviu para assar esses corpos, dando a eles rigidez e cor, e, finalmente, 0 sopro de Olodumaré foi o ar da vida. Se fosse possfvel escolher um simbolo Para representar o Can- domblé, a cabaga seria o mais indicado, porque esta relacionada a todos 42 © principalmente aos da 4gua, uma vez que é a representagio do evoca a fertilidade e 0 poder das grandes mies. E na cabaga que dam todos os segredos, todos os encantamentos. Na cabaga resi- s, pois a Terra é uma grande cabaga, um grande ventre que abriga res vivos. A Terra é a grande cabaga que guarda o segredo da vida, gera a energia dos quatro elementos ¢ permite a dinamica constante as forgas atuantes no universo: os orixds, os homens e a natureza. ~ Cabe ao homem compreender que o solo fértil, onde tudo que se ta da, pode secar; que o chao que da frutos ¢ flores pode dar ervas as; que a caga (escassa) se dispersa, e a terra da fartura pode se sformar na terra da pentiria, da fome, da destruigio. O homem sisa entender que de sua boa convivéncia com a natureza depende subsisténcia, por isso nao deve matar um animal se nao for se ali- mentar dele, nio deve arrancar uma folha sem necessidade, nao deve abrir caminhos na floresta por onde jamais passar4. O ser humano pre- cisa entender que a destruigio da natureza é a sua propria destruigio, ‘pois a sua esséncia é a natureza: a sua origem e 0 seu fim. 1 Gee 43 2. AGua: a ENERGIA feminina que comanda 0 mundo Acima de Deus, nada. Abaixo de Deus, a doua! A IMPORTANCIA DA AGUA Como foi visto na histéria da eriagio do mundo, a Agua precede a forma & mais do que isso, sustenta a criagio, pois ao chegar no local indica, Bara ctiar a Terra, Odudua encontrou uma extensio ilimitada de dgun 4 agua parada ¢ lamacenta como a dos pantanos, que Odudun encerccou quando veio criar 0 mundo, lembra a divindade mais antiga do Candom- blé, Nana Buruku (Wand Buruku), uma deusa de origem simultanea a cria- Gio do mundo, a representance da meméria ancestral do pove negro. A agua é a forga das Grandes Mies, a forca da mulhen, origem da vida. Falar da agua é falar da energia feminina que comanda o mung A agua ja dominava 0 mundo antes de a Terra ser criada, a mulher jf se anunciava como um ser que nasceu para comandar, para brilhar, Para ser exaltada e pe aca a PaoiparalserseubmnisedeOtiomevACKota € ua forsa feminina, a terra é feminina. O mundo, portanto, Pertence A mulher, A Terra é um planeta composto em sua maioria Por Agua, o préprio corpo contém uma parcela muito grande de Agua (cerca de 60 por cen- to), as frutas possuem Agua, assim como muitos vegetais. A gua é uma fonte de energia imprescindivel, sem a qual nio existirin vidse Mares, rios, lagos, cachoeiras, chuvas, fontes infinitas de axé, de forga vital. A agua é sagrada, principalmente por ser um alimenca indispensvel © 0 € a0 espirito. Ela pode ser a béngao das chuvas, que fertilizam 0 € garantem © sustento, mas também as tempestades repentinas, os que transbordam causando as enchentes, a destruigao, a morte. Um fragmento de um oriqui de Iemanjé (Yemoja), a mais eminente das Aguas, comprova o poder desse elemento: (.) Temanja se revira quando vem a ventania Gira ¢ rodopia em volta da vila. _ Temanja descontente destréi pontes. A comparagio de Iemanja com um rio revolto é perfeita, um exem- plo bastante comum no mundo inteiro, que tem assistido a intimeras enchentes que arrastam casas, carros, pessoas e tudo mais que encon- tram pela frente. % : Ninguém segura a dgua! Nem seria necessério ratificar que a natureza se revolta contra o ho- mem, e se vinga. Portanto h4 que se promover o progresso, mas o progresso consciente, que respeita o ser humano e, sobretudo, a natureza. E a Agua que mantém e renova a energia do orixd e do homem, portanto, nos rituais do Candomblé, esse elemento nao pode faltar, seja nas quartinhas, que devem estar sempre cheias, seja nos sacriffcios; alids, © primeiro sacrificio do Candomblé é verter 4gua sobre a terra para que a vida seja sempre fértil. OrrxAs DA AGUA Varios orixds participam do elemento agua, mas Nana Buruku, Iemanja ¢ Oxum sao, sem david: suas mais eminentes representantes. Os dom{- nios de cada deusa, evidentemente, so distintos, mas juntas elas podem controlar o mundo, relacionadas que esto 4 fecundidade'e & riqueza. Nana Buruku é a mais antiga deusa das Aguas e do Candomblé. Seus dominios sio as Aguas paradas e lamacentas dos pantanos e lagoas. Também esté relacionada 4 agricultura e As chuvas que fertilizam o solo. 45 Embora as dguas paradas tenham uma aparéncia morta, guardam em suas profundezas o segredo da vida, a sintese de Nana Buruku, os mis- térios do renascimento. Iemanja é a deusa de todas as Aguas do mundo, doces ou salgadas Na Africa, é representada por um rio que corre para o mar, mas no Brasil converteu-se na rainha do mar, a mae de todos os homens, pois o mar é 0 grande simbolo de uniao entre os povos, por isso Iemanjé considerada a grande mae — a mie de todos os filhos (iva ghogbo oie). Oxum domina as Aguas doces dos rios, nascentes e cachoeiras. Al- gumas de suas qualidades estio relacionadas a lagoas e chuva. E consi- derada a mais bela deusa do pantefo africano, a mais sensual. Domina também o amor e a fertilidade, protegendo as mulheres parturientes. Olokum (Olédskun) a mais bela e tica deusa que a Africa j& conhe- ceu, a senhora do mar, que guarda todas as riquezas do mundo, a mie de Temanjé, Oloxé (Olosa), na Africa, é considerada a divindade de uma lagoa onde desdguam varios rios. No Brasil, Oloxa é cultuada como uma qualidade de Iemanja. Averekué € 0 principe jeje que habita as espumas do mar e gosta de receber orobé como oferenda. e um deus que garante riqueza ¢ prospe- ridade Aqueles que o agradam, Ewa é a divindade do rio Yewa, que corre na Africa paralelamente a0 tio Ogum; em certas histérias é freqiientemente confundida com Ieman ja Erinlé é 0 deus do rio de mesmo nome, situado na regiao de Ijesa; é um deus da caga, um, cagador de elefantes. Na regiao de Ilobu é feito 0 culto ao rio e ao orixa Brinlé, as margens do lugares profundos. No Brasil, é uma ces qualidades de Oxéssi, 0 orixé cagador, Erinlé teve um filho com Oxum Ipondi — Logun Edé, que também participa do elemento Agua. Como orixé do movimento, Oxumaré participa do elemento agua quando ela sobe aos céus em forma de vapor e cai novamente sobre a terra em forma de chuva. E 0 orixa dos ciclos, Obé (Qba), assim como Iansi (Yansin), 6, na Africa, a deusa do rio de mesmo nome, mas no Brasil passou a ser associada ao elemento fogo. Finalmente, vale lembrar que todos os anos em iniimeros Candemlic, realiza-se a ceriménia das aguas de Oxals. Essa festa marca o inicio dein novo ciclo, de um novo ano. Oxalé é a Agua da limpeza e da renovagio. 46 ee cps peed peopel 2 pia hbanseree walt #2; neuen “ANCIA DA TERRA € uma forga que vem completar, com o elemento Agua, a compo- planeta, possibilitando (com 0s outros elementos essenciais: ar) a criagio ¢ manutengio da vida humana. Pode-se dizer que ndes forgas femininas dominam este planeta: a 4gua e a terra. que o homem é um animal que se diferencia dos demais por sua cidade de pensar, por sua racionalidade. No entanto, se imagindsse- oser humano sem essa capacidade, perceberiamos a sua fragilidade diante dos outros animais. Na verdade, o homem nio conseguiria se -adaptar nacuralmence sequer As condigées climaticas da Terra, nem po- " deria se defender de animais selvagens ou buscar os alimentos necess4- _ figs & sua subsisténcia. ‘Ocorre que a natureza foi generosa com os seres humanos, tirou-lhes garras e presas ¢ thes dew inteligéncia para utilizar os recursos de que © dispunham e transformé-los em utensilios e objetos que auxiliaram em sua sobrevivéncia. Assim, o homem pode criar a langa e transformar o seu predador em caga, péde transformar galhos, barro e folhas em moradia, ou seja, péde conviver com a natureza e utilizé-la em seu beneficio. A terra é a grande mantenedora do homem em sua trajetéria, é ela que fornece os animais e os frutos para a sua alimentagio; nela o ho- mem se fixa e estabelece sua tribo, é dela que advém todos os metais ¢ minérios que possibilitam a evolugao e 0 progresso humano. Se a Agua € a origem — afinal as mies so a origem —, a terra é a continuidade, a manutengio, o sustento, o progresso. Sea Agua pari, a terra cria, nutre e abriga, completando a fungio da 4gua no ciclo da vida. Por tudo o que foi dito, fica evidente que o elemento terra esté relacionado A fertilidade; sendo assim, 0 culto a terra é fundamental para a manutengio da vida. Nos Candomblés de tradi¢ao Kétu nao po- dem faltar os assentamentos de Lé, ile ou Onilé (este mais cultuado nos Candomblés de Egringiin), pois sio deuses que representam a terra, ou melhor, sio a prépria terra — a morada dos homens — que deve ser preservada, fertilizada e cultivada, para que a vida nfo pereca, para quic © mundo ni acabe. OrrxAS DA TERRA Embora seja um elemento feminino, a grande maioria dos orixis da terra € do sexo masculino. O primeiro deles € Exu, a terra da magia. do poder, da transformagio. Ogum é a terra do avango, da tecnologia, das guerras, da conquista. Oxéssi 6 a terra da fartura, da caca, da ali- mentagio. Omolu (Qmolu), a terra das epidemias, das doencas, das cu ras. Ossaim (Qsanyin), terra das folhas medicinais e livtrgicas. Oxumaré éa terra dos movimentos e dos ciclos. Logun Edé € a terra da riqueza c iagbeleza! A deusa Ewé também participa do elemento terra — habil cacado- ra no seio da mata virgem, a terra dos mistétios. Nani Buruku participa do elemento terra por ser uma deusa das Aguas paradas e pantanosas e da lama, ou seja, da fusio entre terra e Agua. 48 © Ok6 é 0 deus da agricultura; Odudua é 0 herdi civilizador que, de acordo com a tradicio de Ifé, criou a Terra. Na regio de Oy6, acredita-se que Oranian (Ordnmiyan) cumpriu a importante tarefa de criar a Terra, por isso tornou-se seu patrono. Troko é um orixd da floresta, protetor das grandes Arvores centenérias, especialmente a que leva o seu nome. Babé-Egum (Egringiin) ¢ ly4-Mi Oxorongé (Iyé-Mi Osoronga) nao sio exatamente orixds, enquadram-se no conceito de ancestral, e justa- mente por isso estao ligados 4 terra. A terra congraga, certamente, o maior nimero de orixds. Perten- cem ao elemento terra os deuses mais perigosos, que comandam, en- tre outras coisas, a alimentagio, as guerras, as doengas, a vida e a morte; é por isso que o culto a esses deuses nunca deve ser esquecido ou negligenciado. 49 © O grande poder do fogo reside na capacidade que possui de trans- formar as coisas, no grande impacto que produz na vida humana. O fogo transforma o metal, 0 alimento, a organizagio da tribo e o préprio homem, que ao dominé-lo deixa de ser vulnervel, afastando de si todos os perigos da escuridao da noite. Em torno do fogo é que surgiram as primeiras sociedades, pois ja niio havia necessidade de fugir dos predadores e a tribo poderia se fixar num mesmo local por mais tempo. Além disso, cozinhar os alimentos deu outra qualidade de vida ao ser humano, facilitando nao sé a mas- tigagio ¢ a digestio, mas produzindo modificagées, inclusive biolégi- cas, e conduzindo o homem a outra etapa da culeura. Quando se fala em fogo, remete-se inevitavelmente aos perigos de lidar com ele, e aqueles que trabalham e dominam um elemento tao perigoso tornam-se portadores de grande poder, inclusive de poderes mégicos. Basta imaginar a relacio dos homens nos primérdios da histé- ria com aqueles que sabiam produzir 0 fogo. Tudo que passa pelo fogo se transforma, o proprio homem, com 0 advento do fogo, se transformou, Entre os orixds, aqueles que domi- nam o fogo expressam de maneira mais expansiva o seu poder. Existem dois tipos de fogo controlado pelos deuses africanos, 0 primeiro se chama iz6 (ig6) e € 0 fogo no ambito da natureza, que destréi, que o homem nao domina; manifesta-se nas lavas vulcAnicas, nos raios, no sol e em outros elementos que simples mortais niio ousariam enfrentar. O segundo tipo de fogo se chama ini (ind), que é 0 elemento usado em beneficio do homem, o fogo que cozinha os alimentos, que ilumina os caminhos, que protege. Os orixds transformam o préprio fogo, pegam um elemento que poderia destruir qualquer um e mostram a utilidade que tem para a vida ¢ sua manutengio. Aquilo que poderia significar a destruigio da huma- nidade, se usado com a devida precaugio, pode reverter-se no grande elemento da transformagio da vida. O fogo é a luz no caminho do homem, guiando-o na diregio do progresso. 51 © ORIxAs DO FOGO Por estar relacionado A transformagiio e ao poder, o fogo remete imediatamente a figura de dois poderosos orixds: Exu e Xangd (Sangé). O primeiro esta mais diretamente relacionado a transformagio, a magia € 4 introdugao da cultura no mundo humano; hd inclusive intimeras cantigas que satidam Exu como senhor do fogo (Esti Ind). Em certo sentido Exu € 0 préprio fogo, representando a grande explosao que deu origem ao universo. : Xang6 € 0 orixé do poder, © grande rei da cidade de Oyé, sempre gostou de desafiar 0 perigo. Iansi, que Mandou que sua primeira esposa, fosse buscar um encantamento que lhe possibilitaria solt: pela boca. Jans atendeu 0 marido, mas antes também provou d. © passou a soltar labaredas quando falava. Xang6 traz o fogo d sie consegue dominar o fogo da natureza, por isso é sand © pai do fogo. Xangé entre os seus deve ter © fogo, a dominar tio precioso segredo, ¢ poder que conquistou, Tansa, a deusa dos ventos e das tempestades, poderia ser confundi- da com wma devisa do an j&i que o'vento nada rnais & co que o ar em movimento, e este €é uma tepresentagao do fogo e 0 vento é 0 seu grande propagador. Ob4 também relaciona-se a0 fogo por meio do movimento, Jf que € a deusa das aguas revoltas, cujo impacto é fonte she poderosa energia, gerando inclusive a luz, Ogum, o Gra lo para forjar os metais trabalho, comprova que o home: utiliz4-la em beneficio de todos. ar fogo 0 feitico lentro de lado como rei sido © primeiro a produzir desse fato advém todo o m € capaz de controlar a natureza e 52 5. AR: A ESSENCia Oa VIOA Entre todos os elementos da natureza, oar é0 tinico que ndo pode ser visto. Ninguém vé Deus. Pai C1p0 A IMPORTANCIA DO AR Ar é sindnimo de vida. Uma pessoa pode ficar dias e dias sem comer ou beber Agua, mas ninguém consegue ficar normalmente muitos minutos sem respirar. O sopro é a esséncia da vida; se nfo houver ar, a vida também nfo pode existir. Quando se diz que o ar é a esséncia da vida, nao € apenas A vida humana que se est4 referindo. Todos os elementos dependem do ar, todos os eres, animais ou vegetais, que vivem na terra ou nas 4guas precisam de at O fogo, por exemplo, 86 se mantém se houver oxigénio; da mesma forma a Agua e a terra, para que a vida floresga, precisam do ar. Oar é invisivel, nao tem cheiro, nao tem gosto, mas ninguém duvida de sua existéncia, pois todos conseguem senti-lo e sabem que sé existiraio enquanto conseguirem levar o ar para dentro de si. As pessoas desco- nhecem, no entanto, que 0 ar, ou melhor, a atmosfera, € 0 préprio Deus Supremo Olodumaré, e, portanto, todos respiram deus ¢ guardam um © pouco da esséncia divina dentro de si. Estar vivo é estar com Deus, é ter a certeza de que Oledumaré exisre muito embora nao /possamos vé-lo, Como jé vimos, 0 ar esté intimamente ligado A eriagio, pois foi da movimentagio de uma intensa massa de ar, que era 0 proprio Olodumare, que surgiram os orixds que criaram 9 mundo e, por conseguinte, todos os outros elementos da natureza. Quando nos referimos ao planeta Ter- ra, a 4gua torna-se o primeiro elemento, mas o universo inclui outros componentes e s6 a atmosfera preenche 0 vacuo que se forma entre os mundos: o mundo fisico, dos homens (aié), e 0 mundo sobrenatural, dos deuses (orum). Oar, portanto, é 0 elemento da totalidade, da criagio ¢ da perpetua- do da vida. Sem ar a existéncia nao aconteceria, o mundo nio teria surgido e 0 nada seria 0 tinico elemento. Quando a atmosfera, 0 ar, 0 nada, comegou a se mover, a existéncia aconteceu, a vida surgiu ¢ Olodumaré habitou em cada homem, em cada ser; ele permeou todos os elementos da natureza ¢ mostrou que a vida sé é possivel com sua pre- senga, que nfo deve ser vista, nem palpavel, tem que ser sentida como a mais poderosa das forgas, a que mantém os homens com vida. ORrIxAS DO AR Todos os deuses da criagio esto ligados ao elemento ar. Assim, os orixds funfun, j4 que a atmosfera (6fuurufi) € a sua origem, so os grandes deuses do ar. Entre eles, Oxalufa (Osdlufén) e Oxaguia (Osagiydn) sio os mais conhecidos e cultuados no Brasil, mas ha pelo menos 154 orixés _funfun conhecidos na Aftica, dos quais poucos passaram a ser cultuados no Brasil como qualidades das duas configuracées principais de Oxals. Além de Oxalufa e Oxaguia, sio conhecidos como deuses da cria gio, e portanto orixés funfun, Odudua, Orunmilé, Ajalé, Obatalé, orix Okin, orixé Ok6, Babé Salé, Baba Epé, Ajagun, orixé Tjgbe, orixé Akir’, Baba Igbé, Ifuru, entre outros, que nao chegam a constituit orixés inde- pendentes, sendo cultuados como qualidades de Oxalé. 54 6. 0 Culto a orIxd na Africa Orisa 16 n pa’ ni ¢ da On on pa Orisa a da O orixé (que é um ser supremo) & quem pode mudar a existéncia. Ninguém pode mudar orixd. ANCESTRAL DIVINIZADO Primeiramente, é preciso esclarecer que existem duas categorias de po- deres divinos evocados entre os iorubé: um € 0 ancestral propriamen- te dito conhecido tanto na Africa como no Brasil com 0 nome de Egringiin; outro 0 ancestral divinizado, conhecido como orixd. A diferenga reside, no primeiro caso, na experiéncia da morte. O egum, a0 contrario do orixé, expetimentou a morte e sabe 0s seus mis- mascara é a sua forma de aparigao. foram em vida seres excepcionais, 0 morrem simplesmente, fa tétios, por isso a i Os orixis, por sua vez, que detinham um poderoso axé € nai

Você também pode gostar