No Reino Do Perdido Do Beleléu - D

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ro peino Perdido Be Beleléu ~ | Maria Heloisa pentead? sumarlo I, Sua Majestade a Rainha do Reino Perdido do Beleléu .. 2. O investigador ... 3. Nota zero para Valdomira .. 4. No Reino Perdido do Beleléu .... 5. Joaquim Orangotango ... 6. O remédio precioso . 7. O problema de Joaquim .. 8. O saco de estopa . 9. Tudo em ordem 10. Uma lembranga que foi para o Beleléu .... Ser que vocé encontrou tudo que foi pro Beleléu?.... A autora Digitalizado com CamScanner Sua Majestade a Rainha do Reino Perdido do Beleléu Dizem que todas as coisas perdidas vao para o Beleléu. Nao sei onde fica esse lugar, mas que ele existe, existe. Jé ouvi mui- ta gente grande, gente instrufda, dizer “Foi para o Beleléu” sem- pre que perde alguma coisa e nao acha mais. Sei também de um garoto que foi para 1a. Chamava-se Zé Léo, e um dia sumiu de casa. S6 a irma dele, a Valdomira, nao estranhou o seu sumico. Ele tinha mesmo que desaparecer, foi o que ela pensou. Pois tudo o que era dele ndo sumia? Sumiam os lapis, os livros e as ligGes da escola para fazer em casa. Sumiam os brinquedos e as meias (sempre um pé s6), sumiam as camisas, os chinelos e mais coisas. Ia tudo para o Beleléu. S6 faltava ele mesmo ir para 14. co E que o Zé Léo tinha um costume muito ruim: largava tudo por ai. Quem quisesse que guardasse. Ele nao! Quem ja viu a maior bagun¢a do mundo viu o quarto dele. Para que serviam os armirios, as estantes, as gavetas? Nao sei, mas nao serviam para guardar coisa alguma do Zé Léo. Se trocava de roupa, 14 ficava a roupa usada esparramada no chao, Se escovava os dentes, era certo encontrar a escova jogada na pia. Quando voltava da escola, largava os livros por af e, na hora de estudar, era aquele procura que procura. A gente dele j4 estava cansada de suas perguntas, sempre as mesmas: “Onde esta isso? Onde est4 aquilo? Vocé nao viu...” Digitalizado com CamScanner Pois uma noite 0 Zé Léo estava quase dormindo, quan, ; * Wand ouviu um barulhinho no quarto. Abriu um olho, espioy cf eZ, uma cara espantada. Uma pessoinha, menor que a menorzinha das bonecas a la irma, estava 14 no quarto de lanterna na mao, passeando q luz pelas paredes, pelos moveis, por tudo. — Que desordem... Mas que desordem!... — ela dizia um jeito de quem estava adorando aquela confusdo. , Com we Era a voz de Maria Porunga, que vendia amendoim no por. tao da escola... Ela dizia “Que desordem!” do mesmo jeitinho que gritava “Amendoim torradinho!”, e tinha a mesma cintura fini- nha da Maria Porunga. Era ela! S6 que estava pequenininha e mais bonita. Nunca Zé Léo a viu assim tao bonita, com aquele ar de gente importan- te. Reparou no seu vestido de todas as cores, nos seus sapatinhos verdes e... Seria possivel? Maria Porunga tinha uma coroa de WwW Depois de ter andado pelo quarto examinando tudo, sem- pre se maravilhando com a confusao, Maria Porunga, para grande susto de Zé Léo, pulou para a cama e assentou a luz da lanterna na cara dele. O menino cobriu a cabeca com o lengol. — Ora, ora... — A maozinha de boneca de Maria Porung@ puxou 0 lengol com firmeza e descobriu a cara dele. — Nao val me dizer que tem medo de mim? ouro na cabeca! | Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner oo Zé Léo recuperou a voz e a coragem. Entao ia te uma mulherzinha daquele tamanhinho? — Maria Porunga! Como é que ficou assim, tao mind TMedg de in| e bonita? ha Maria Porunga nao gostou. — Veja como fala, menino! Sou Sua Majestade a Rainha Maria Porunga III do Reino Perdido do Beleléu! — Vocé agora é rainha? Nao vende mais amendoim? Sua Majestade Maria Porunga revirou os olhos para o teto, “Ah... Essas crian¢as nunca me tratam com respeito, Sera por causa do meu tamanho...?” Ela tirou um papel comprido de sua bolsinha da cor do sapato e disse: — Vou fazer uma porcdo de perguntas. Se responder tudo certinho, tem nota 10, esta aprovado. Se errar uma perguntinha, vou embora e sé volto no fim do més. Zé Léo aborreceu-se. Nao gostava de perguntas. A Profes- sora fazia uma porgdo e sempre achava ruins as respostas dele. — Vai me fazer perguntas pra qué? Maria Porunga irritou-se: — Mais respeito, menino! Sempre que falar comigo, trate- -me por “Sua Majestade”. E quem faz perguntas sou eu. Vocé sé responde! — e ela comecou: — Onde esta aquele suéter vermelho e azul que tem uma mancha de tinta nas costas? — Aquele que a vov6 fez? Eu perdi. — Ea bolinha de gude amarela que o Juca deu pra vocé? — Perdi. — Ea caixa de lapis de cor que a Valdomira te emprestou? — Perdi. — Ea estrela-do-mar seca que vocé prometeu pro Jorginho? Digitalizado com CamScanner — Perdi. Assim fol perguntando Maria Porunga, isto é, Sua Majes- tade Marla Porunga, ¢ a todas as perguntas Zé Léo respondia sem titubear: “Perdi”, Afinal, depois de ter feito noventa e nove perguntas e ter escutado noventa € nove vez es “perdi”, ela parou de perguntar, escreveu qualquer coisa num papel e guardou-o na bolsinha. —Nota 10! — disse, satisfeita. — Aprovado com distin¢ao! — Aprovado em qué? Maria Porunga fez uma careta. —Faga a pergunta direito, menino! Diga assim: “Sua Majes- tade pode me informar em que fui aprovado?” Ansioso por saber em que tinha sido aprovado, Zé Léo re- petiu a pergunta direitinho. E ela explicou: — Aprovado em matéria de perder coisas. Quer dizer: esta apto para o meu servico e vai comigo pro Beleléu. Nao precisa levar nada. No meu reino, ha uma boa quantidade de roupas e coisas que vocé perdeu. Vamos! Meu carro estd ld fora esperando. — Entio vocé acha que vou nessa conversa de Beleléu? — perguntou o menino, que nao era do tipo de se deixar conven- cer facilmente. — Vou-me embora coisa nenhuma! Sua Majestade Maria Porunga ficou palida. Na sua mao, a lanterna tremeu. Muito nervosa, tirou da bolsinha um apito de ouro e comeg¢ou a apitar. “Essa agora... Por que sera que ela esta apitando?” Muito preocupado, Zé Léo deu um puxdo no lengol, atirando Maria Porunga no chido, e preparou-se para fugir. la 1a saber quem aquela mulherzinha estava chamando? Quem? Uma coisa ficou sabendo: ndo era bom brincar com Maria Porunga, isto é, com Sua Majestade Maria Porunga. Digitalizado com CamScanner Antes que tivesse tempo de chegar a porta, antes que py desse gritar, um macacdo enorme entrou feito um tufao pela ja, nela, agarrou-o como quem agarra um ratinho e meteu-o dentrg de um saco. Depois 0 bicho ii Maria Porunga, pegou-4 também, botou-a sentadinha no ombro dele, Um carro estava esperando na rua. do saco, nao poder vé-lo. Era uma beleza de carro, todo pintado de xadrez preto € amarelo. Uma vez dentro dele, Sua Majestade deu ordem de parti- avemente e se foi voando sem fazer um nclinou-se numa linda mesura diante de mas com muita delicadeza, e 14 se foram os trés. Pena o Zé Léo, dentro da. O carro decolou su barulhinho. Digitalizado com CamScanner 2 O Investigador , B muito aborrecido quando alguma coisa some e vai para 0 Beleléu, principalmente se é de estimagao. Mas quando é crianga que desaparece ¢ vai para 14, é muito mais do que aborrecido, éum Deus nos acuda, Imaginem a afligao na casa do Zé Léo quando, de ma- nh, encontraram a cama dele vazia e nao viram nem sombra do menino em lugar nenhum. — Foi raptado! — exclamou a mie branca de susto. — Fugiu! — disse o pai. — Mas vou pegar aquele espo- letinha nem que seja no fim do mundo. Ea irma dele, a Valdomira, disse: — Foi pro Beleléu — mas ninguém ouviu. — Fugiu? Mas por qué? — a mie perguntou. —Eessa mania de aventura... Essas revistinha: Vai ver, ele quis imitar algum super-herc A televi- — disse o pai. — Foi pro Beleléu — repetiu Valdomira, tratando de fa- lar mais alto. sdo. Nao adiantou. O pai e a mae nao queriam mesmo ouvi-la. — Vai ver, o pirralho esta escondido por ai, s6 pra pre- gar um susto na gente — disse o pai. — Se fosse isso, j4 tinha aparecido — a mie estava cada vez mais nervosa. Cansaram de chamar o menino, revistaram a casa toda, a vizinhanga toda, perguntaram para todo mundo, e nada do Zé Léo. Valdomira viu a mae deixar-se cair largada numa cadeira, 13, Digitalizado com CamScanner ON zinho a Professor, plantou-se diante dela ¢ disse devay a igi quando queria explicar uma coisa dificil: — Zé Léo esté perdido pra sempre. A mie agarrou-a pelos ombros. O pai, num pulo, j4 Cstavg ao lado dela. —O que esta dizendo, Mirinha? Sabe onde ele est4? — Sei. — Entao diga! Nao vé que estamos morrendo de afligag? —Ja disse! Mas ninguém quer me escutar! — Fale de uma vez! — ordenou o pai. E ela falou devagar, muito convicta: — Ele foi pro Beleléu. A gente tem que ir 14 pegar ele. A mie comecou a chorar, e o pai resmungou: — Essa bobinha nao sabe nada. “As vezes 6 bem ruim ser crianca, porque ninguém leva a gente a sério”, pensou Valdomira com vontade de chorar. Mas quem estava chorando era a mae. —E preciso chamar a policia! — ela gritou de repente. — Vamos procurar um pouco mais — disse o pai. Ele nio queria ter a policia em casa, a vizinhanca alvorogada, espiando, perguntando. Mas a mie ja havia corrido, agarrou o telefone e chamou a policia. E veio um investigador. Mal chegou, foi fazendo perguntas e tomando notas: idade do Zé Léo, cor da pele, dos olhos e do cabelo, tamanho, peso, roupa que vestia na ocasiao do sumico, as Gltimas coisas que disse ou fez antes de desaparecer, A menina ensaiou diversas vezes interrompé-lo e contar onde estava o irmio, Poupando assim tanto trabalho. Nao adiantou. Digitalizado com CamScanner O homem andou pela casa toda, fez perguntas para todo mundo, menos para Valdomira, apesar de tropecar nela uma porcdo de vezes. Afinal foi obrigado a notar sua presenga, mas, se pensam que procurou escuta-la, enganam-se. $6 disse, de um modo muito antipatico: — £ bom mandar essa garota brincar 1a fora. Esta atrapa- lhando. 15 Digitalizado com CamScanner E mandaram Valdomira sait. Danada da vida, ela foi chorar no quintal. Mas nao Alesistiy O 26 Léo era irmdo dela, nao era? Pois ia procurd-Io a conta prépria. A pri meira coisa a fazer era descobrir onde ficaya o Beleléu. Pedir informagées ndo podia, iam cagoar dela. Mas, Para uma garota esperta como Valdomira, problema era coisa que nig existia. Num instante, achou a solugdo: ia se perder, e como todas as coisas perdidas, ia para 0 Beleléu. Tao facil. Pois nao foi assim tao facil. Valdomira descobriu que, para a gente desaparecer, boa vontade s6 nao basta. ery No outro dia, apesar do acontecido, teve de ir 4 escola. Ideia do pai. Ele disse que o desaparecimento do irm4o nao era moti- vo para ela ficar em casa. E foi dificil se perder porque ele foi le- va-la a escola e, 4 tarde, foi busc4-la. Em casa, nao a deixaram sair para a rua e foi obrigada a ir para a cama mais cedo. No dia seguinte de manhi, o investigador veio outra vez e, sem querer, foi ele quem ajudou Valdomira a fugir. Quando chegou, mal viu a menina, foi pedindo: — Fagam o favor de mandar essa garota brincar 14 fora! Nao gosto de interrup¢ao. Dessa vez Valdomira nao chorou, nem se importou. Ao con- trario, ficou bem satisfeita. A mae, de tio preocupada, nem repa- rava nela. E foi muito bom. Valdomira ja sabia o que tinha de fazer € nao perdeu tempo. Disfarcou e saiu sorrateira para a rua. A hora nao era muito propria para alguém desaparecer. La fora, dia claro demais, sol danado de quente. Mas a menina, 16 — Digitalizado com CamScanner decidida a ir para o Beleléu de qualquer jeito, foi andando, vi- rando uma esquina, outra esquina, sem olhar para onde ia. Mas nao se perdeu, e 0 caso ficou complicado. £ dificil a gen- te se perder numa cidade pequena que se conhece muito bem. “Pra gente se perder, é preciso ser muito criancinha ou muito burra”, pensou. “Mas o Zé Léo nao é nem uma coisa nem outra... Como fez pia desaparecer?” “Ja sei! Tenho que sair da cidade... Andar por uma estrada cheia de encruzilhadas, nao ler placa nenhuma... Entrar numa floresta escura... Ai eu me perco. Nao vou achar o caminho.de volta, nem vou querer achar ele, e estou no Beleléu!” Beco Em cidade pequena, as ruas se acabam depressa. Valdomira saiu dela sem dificuldade e logo se viu na estrada poeirenta. Ladeando a estrada, s6 descampado de capim ralo com uma ou outra Arvore que ndo se sabe como ainda estava 14. Ao longe, montes pelados. Como se perder num lugar assim? Valdomira andou bastante, ficou cansada e com fome. “Ja faz um dia que o Zé Léo anda desaparecido”, pensou. “Pode ficar mais um pouquinho, que nao faz mal.” E resolveu voltar para casa. Vinha vindo uma charrete. Era o homem que vendia quei- jos na cidade. Valdomira j4 o conhecia e pediu que a levasse de volta para casa. Nao que tivesse desistido de ir para o Beleléu. Apenas dei- xou para se perder num outro dia de menos calor. ie @ Digitalizado com CamScanner 3 Hota zero para Valdomira Quando Valdomira chegou em casa, 2 ee traida: — Onde vocé esteve? _— L4 fora... — ela respondeu. Viu que escutando e achou que nao precisava explicar. O pai ea mae andavam agora muito tristes. Amie sem- pre de olhos vermelhos, 0 pai nao sorria mais. Tudo por causa do Zé Léo, que sumiu de casa e ninguém mais soube dele. Perder um irmao é muito triste, mesmo sendo um meni- no implicante e barulhento como 0 Zé Léo. E claro que Valdo- mira sentia falta dele, mas nao chorava como a mie. Ela sabia onde ele estava e ia buscé-lo. Quem tem alguma coisa impor- tante para fazer nao tem tempo de chorar. gap Naquele dia, Valdomira foi 4 escola como de costume e, como de costume, viu na saida Maria Porunga no portao ven- dendo amendoim. — Maria Porunga, me dé um pacotinho de amendoim torrado! — Pronto, menina. Valdomira pagou, e nao péde deixar de contar: = nee Maria Porunga, o meu irmdo desapareceu. — Foi pro Beleléu — disse Mari: i x oO ria Porunga, simples: a mae nado estava Digitalizado com Camscanner Digitalizado com CamScanner | — Vocé também acha que ele foi pra 14? — Valdom;,, ficou contente. Afinal havia encontrado alguém que pensz,, © mesmo que ela. — E eu vou buscar ele, Maria Porunga. — Ore, menina! Entdo pense que qualquer um pode ir 137 — Eu posso porque vou me perder. Vou andar por camj. nhos dificeis que eu nunca vi, por trilhas no meio do mato € quando quiser voltar e ndo achar 0 caminho, fico perdida, ¢ estou no Beleléu. Maria Porunga baixou a voz e disse: — Hé uma maneira mais facil de chegar 14... — Vocé me ensina? — Valdomira ficou muito excitada. — V4 me esperar no jardim, no banco perto do repuxo. Agora no posso falar. Vem vindo crianga comprar amendoim. Valdomira obedeceu. «__ A mie vai ficar zangada porque vou chegar tarde em casa... Nao vai. Anda tao distraida.. Nem liga mais pra mim. S6 chora... Perder um filho é horrivel... Eo homem da policia, que nao descobre nada?... O que sera que ele foi falar 1a em casa hoje de manh@? Ele disse que era importante... O que eu sei é que nao foi coisa boa... A mae ficou mais triste...” Valdomira ficou pensando, pensando e sobressaltou-se quando viu Maria Porunga ao seu lado. —Uil... Nao vi vocé chegar! — Vou fazer uma porcdo de perguntas — disse apressa- da Maria Porunga, tirando da bolsa uma folha de papel. — Se acertar todas, vai comigo pro Beleléu. Se errar uma pe! guntinha — e desconfio que vai errar muitas — fica pt nunca mais. — Maria Porunga! Vocé esta esquisita... E vai me faze! perguntas por qué? 20 — Digitalizado com CamScanner A moga aprumou-se. Estava diferente da Maria Porunga que vendia amendoim no portio da escola. — Vocé esté falando com Sua Majestade a Rainha Maria Porunga III do Reino Perdido do Beleléu! fi bom nao se esquecer disso e me tratar com o devido respeito. — O qué? Vocé é rainha? — Quem faz perguntas sou eu. Preste atencdo e v4 respon- dendo: onde esta a boneca que vocé ganhou no Natal? — Esté guardada ld em casa. — E aquela bola de pingue-pongue que vocé furou? —Joguei no lixo. — Eo lapis de um lado azul, de outro vermelho, que vocé emprestou da Lticia? — Devolvi pra ela, claro! — Vai mal... — com um ar aborrecido, Maria Porunga continuou: — Onde esta 0 anelzinho de ouro que tem o seu nome gravado? — Aqui — a menina mostrou o anel no dedo. — Onde esta... Bom! Nao preciso perguntar mais. Vocé é das tais que sempre sabem onde estdo as coisas. & por isso que sua mae, quando precisa de algo, manda vocé buscar. * —£ mesmo. Mamie esté sempre me mandando procurar isso ou aquilo. Nunca pede pro Zé Léo. — Pois é, menina, vocé tem nota zero! Est4 reprovada. Adeus! Até nunca mais. — Maria Porunga! — Valdomira agarrou-a pelo vestido. — Eu nunca tirei zero na vida! Me leva pro Beleléu! — Meninas do seu tipo ndo entram no meu reino — disse, livrou-se de Valdomira e se fol equilibrando na cabe Cesta de amendoim. Andava depressa, com um jeito orgulhoso. SS Digitalizado com CamScanner “Hum... Maria Porunga tinha mesmo um jeito de rai. nha...” Valdomira pestanejou e enxugou OS olhos com as cos- tas das méos. Seria capaz de jurar que viu uma coroa de ouro, em vez de cesta, na cabe¢a de Maria Porunga. Foi coisa de um instante. Era cesta mesmo. E sem se preo- cupar com a mochila largada no chio, foi seguindo Maria Po- runga. i A moga andava rapido, € atras dela foi Valdomira, sem querer perdé-la de vista, sem olhar onde pisava. E coisa dificil de entender é como nao tropegou e calu- E como é que Maria Porunga conseguia andar tao de- pressa, sem derrubar a cesta de amendoim da cabega? Nao era cesta... Era coroa de ourol... Se Valdomira tivesse olhado por onde ia, teria reparado que nao estava mais na cidade. Agora corria por uma trilha, ziguezagueando no meio do capim. Sentia 0 cheiro gostoso de mato, de terra timida, e 0 sol nao estava mais queimando. Quando afinal deu uma paradinha, olhou a sua volta e levou um susto. Estava numa floresta! Numa floresta de verdade! Havia Arvores tao altas, de tronco tao grosso, que era de fazer qual- quer um ficar pasmado. La em cima, os galhos se entrelaca- vam escondendo o céu. Da luz do sol mesmo, s6 umas rodeli- nhas no chao. “Mas onde estava Maria Porunga? Nao devia ter tirado os olhos de cima dela!” Valdomira assustou-se. Maria Porunga havia desaparecido! eel Digitalizado com CamScanner Foi para o Beleléu! E ela, Valdomira, ali sozinha no meio do mato... Perdida! Perdida? Mas nao era isso que ela queria? & que se perde vai para o Beleléu, ela també: Devia estar satisfeita, nao devia? Pois nao estava! Para falar a verdade, vorada! como tudo. 'm ia para 1a! ela estava era apa- O Zé Léo que ficasse no Beleléu a vida toda. O que ela queria era voltar para casa, sentir os bracos da mae apertan- do-a, ver 0 pai, tao grande e forte. 23 —_$—s Digitalizado com CamScanner » Valdomira fez forca para ndo chorar. Tentou voltar Pelo mesmo caminho pelo qual viera, mas quem andou sem olhar por onde ia, como pode saber por onde andou? Estava perdida de uma vez! A noite vinha chegando, 0 medg apertando, e quando a gente tem medo vé € escuta tanta coisa! Sentou-se no chao, encostou-se numa 4rvore e encolheu-se toda, Nao adiantava fazer nada. Ia ficar ali bem quietinha, até 0 dia clarear. Entao... Entdo adormeceu. E foi muito bom. Sonhou que estava dor. mindo na cama grande da mae, sentiu-se tranquila, e dormiu a Noite toda. 24 — Digitalizado com CamScanner 4. Ho Reino Perdido do Beleléu Fliguem cutucou Valdomira e disse: cordou. Uma voz autoritéria — Menina! Vocé nao pode ficar aqui! Nao esté perdida nao! £ bom voltar pra casa! Valdomira abriu os olhos com muita preguiga ¢ olhou a sua volta. — Estou numa floresta tao linda... — murmurou com voz arrastada de sono. — Vou dormir mais um pouquinho... Mas a voz tornou impaciente: — O caminho é ali! £ s6 ir andando sempre pra frente. Vamos! Alguém puxou Valdomira pela roupa, ¢ ela acordou de todo. Devia ser muito cedo. Os passarinhos faziam grande alga- zarra, havia ainda a umidade do orvalho. A menina sentiu-se animada e valente. De dia, é outra coisa. A gente esquece o medo que sentiu 4 noite, acha tudo simples ¢ natural. — Estou perdida numa floresta... Perdida! Que bom! — pensou em voz alta. — Perdida coisa nenhuma! V4 embora! Ninguém quer vocé aqui! Valdomira olhou. Quem falava assim, tao irritado e mandio. era, imaginem, um pequenino sagui de cara muito esquisita. 25 Digitalizado com CamScanner 1 Digitalizado com CamScanner fa primetra vez que vejo um bic! —&s cho falar — ’ 1 falar — disse, sur. preendida. — Nao sel por que esse espanto, Aqui no Beleléu todos Os pichos falam, ¢ falam multo bem! — Entdo estou no Beleléu? — Valdomira estava mara- vilhada. Levantou-se, sacudlu a terra ¢ as folhas secas gruda- das na roupa. — Est4, mas nao fical Vocé nado est4 desaparecida, nao! V4 seguindo por aquele caminho, em cinco minutos est4 em casa. A menina reagiu. Tivera tanto trabalho para chegar no Beleléu, e agora que estava 14, aquele bichinho queria manda- -la embora... — Vocé nio manda em mim! Estou aqui e vou ficar! $6 volto pra casa se 0 Zé Léo for comigo! — Ficar aqui? Nunca! Sua Majestade Maria Porunga ja me informou que vocé foi reprovada. Nota zero! Imaginem se isso € nota! Nem sei como pode ser irma do Zé Léo! Ele fez bonito! Respondeu noventa e nove vezes “perdi”. Tirou nota 10! Passou com distingdo! — Grande coisa! Eu também passei para o segundo ano com distingdo. J4 tirei nota 10 uma porcdo de vezes! — Nota de escola nao interessa. Vocé nao serve! £ um elemento indesejavel no Reino Perdido do Beleléu! Haverd desaforo maior do que dizer a uma pessoa que ela é indesejavel? Valdomira ficou indignada. Mas sua raiva logo passou, quando viu a cara cémica do sagui. Um bichinho téo pequeno, dando-se ares, querendo mandar! Teve vontade de rir, Mas depois lembrou a mie cho- tando em casa, 0 pai tao aflito e 0 irmio perdido. “Ndo vou @ dd Digitalizado com CamScanner jaa brigar’, pensou. “Vou tratar bem esse bicho, sled de ele me tratar tio mal. Talvez me conte onde esta 0 Zé Lé — Vocé sabe que eu sou a Valdomira, mas eu nao sei quem vocé é. Aposto como €é pessoa importante aqui no Beleléu, — Importante? Sou importantissimo! — ¢ 0 sagui contoy n, guarda-costas € motorista de Sua Majes. que ele era 0 Joaq tade. Outro servigo dele era ajudar Sua Majestade a recolher objetos perdidos antes que eles fossem parar na Se¢ao de Ob. jetos Perdidos da Prefeitura. Quando se tratava de criangas entdo, Sua Majestade ndo podia passar sem a ajuda dele. Era preciso agarrar as criangas 4 forca porque elas nunca queriam vir, e Sua Majestade era muito delicada para esse servigo. Valdomira duvidou: — Mas como um macaquinho tao pequeno como vocé pode fazer tudo isso? — Entao nao percebe que sou pequeno s6 aqui no Be- leléu? Pra viver aqui, é preciso ser miudinho. Coisas gratidas nao podem ficar no Beleléu, nao se perdem nem vém pra ca. J teve noticias de algum elefante sumir do jardim zoolégico? De algum piano ou geladeira desaparecer de casa? Mas ja deve ter reparado como somem agulhas, botdes, lenc¢os, luvas, di- nheiro, chupetas, 6culos, vidrinhos de remédio, mosquitos, carteiras de identidade, colherinhas de café, grampos. O sagui parou para tomar folego, e a menina continuou: — Pentes, tesourinhas de unha, pregos, rolhas de garrafa, pés de meia, brincos, guarda-chuvas, sapatinho de boneca.. — Sapatinho de boneca! — interrompeu o sagui. — Me di- 8a, menina, vocé ja perdeu pelo menos um sapatinho de boneca? — Ja! Mas nao descansei enquanto nao encontrei ele. Estava debaixo do armario da cozinha. Digitalizado com CamScanner _-Viu? Vocé é 0 tipo da chata! Acha tudo! Nao Pode fi- cat aqui de jeito nenhum! — Espera ai, Joaquim! Também nio é tanto assim, Amenina percebeu que para cair nas boas gracas do sagui era preciso ter perdido coisas. E foi dizendo as coisas que per- geu. Algumas eram verdade mesmo, outras eram invencio, — Eu perdi uma pulseirinha, um apontador, uma fivela de cabelo, um batom da mame, um gorro... —Eachou tudo, nao foi? — Nao achei, nao, Joaquim! Foi tudo pro Beleléu! — a menina suspirou. — Se eu fosse contar tudo o que eu perdi, nao acabava nunca! Ficava falando a vida inteira. —Ecomo é que tirou nota zero? antas. Algumas coisas que Valdomira perdeu esto escondidas "0 meio a i eae rocure: um pé de sapato, uma faca, umm gorro, Wt Iago de fita, fivela de cabelo. 29 Digitalizado com CamScanner te | — Foi azar! Sua Majestade s6 me perguntou coisas que ey sabia onde estavam. — Vamos acabar com essa conversa! Vocé foi reprovada : fim! Vamos! Um pezinho diante do outro, pegue aquele camj. nho e sumal... Isto é, nao suma! Sendo fica aqui mesmo No Beleléu. O que eu quero dizer é: volte para o lugar de onde veio} Valdomira perdeu a paciéncia. — S6 saio daqui com o meu irmAo junto! O sagui deu um pulo. — Vocé vai sair jd e j4! Gente como vocé nao fica aqui! Fala demais, é encrenqueira, mentirosa... — Mentirosa? Quem é mentiroso é vocé! Pensa que acre- ditei que é motorista, guarda-costas e que é vocé que agarra as criangas? Imagine! Qualquer crianga vira vocé no avesso! O sagui p6s as mdos na cintura e ficou diante dela. — Pare de me chamar de sagui! Olhe bem pra mim. Tenho cara de sagui? A menina observou-o com aten¢ao. —E... Vocé nao tem cara de sagui. £ mais feio... Mas tem tamanho de sagui! — Sou orangotango, menina. — Sé se for miniatura de orangotango. —E isso! Agora vocé entendeu! Sua Majestade Maria Porunga também é miniatura. Miniatura da Maria Porunga que vende amendoim no portao da escola. Duvida? Vou ficar grande pra vocé ver. De repente, Valdomira ficou com medo. Um orangotango ao lado dela? De jeito nenhum! — Nao precisa ficar grande, ndo! Actedito em vocé! Mas... Sera que o Zé Léo ficou miniatura também? 30 _d Digitalizado com CamScanner — Claro! — Ficou muito pequeno? — Do tamanho de uma garrafa de guaran4. —Coitado do meu irmio... — Valdomira suspirou e disse, decidida: — Ele precisa crescer outra vez pra voltar comi- go! Nao pode chegar em casa pequenininho. A mie vai ter um treco e desmaiar. — Crescer outra vez? Essa é boa! Pois se ele ja esta de papéis arrumados, j4 se naturalizou beleleuense! —Joaquim, seja bonzinho! Compreenda! O Zé Léo é meu irmao! O pai esté muito triste, a mae chora o dia inteiro! Diga onde ele esta! Prometo tudo o que vocé quiser. Prometo per- der uma por¢do de coisas: meus brinquedos, minhas roupas, sapatos, livros... — Chega, menina! Prefiro que nao perca coisa alguma! Sendo se perde também e vem aqui pro Beleléu! Deus me livre! Nao quero saber de vocé nem pintada! Alids, n4o gosto de tra- zer criangas pra ca. Dao muito trabalho. Choram muito e estdo sempre chamando o pai e a mde: Quando comegam a se acos- tumar e a chorar menos, ficam malcriadas, exigentes e recla- mam de tudo! E esto sempre querendo fugir. Precisam ficar presas na Torre DD até ficarem boazinhas. — Que torre é essa? —£a torre dos Desaparecidos Desajustados. —Eo Zé Léo, esté 14? — Oh, no! Ele ainda esta na fase da choradeira. Por isso, fica por algum tempo na casa de Sua Majestade. LA tem tudo que existe pra divertir crianga perdida que chora muito: televi- sao, bicicleta, brinquedos de todo tipo, piscina, pista de patina 40, tudo, tudo! 31 Digitalizado com CamScanner Oe gion Ata gone de quanand «2 tinha que IMM Mais ‘ te de Sua Majestae Keon ae = 32 Digitalizado com CamScanner — Oh, Joaquim! Me leva pra casa dela! Sou o tipo da me- nina boazinha. Nao choro, nao brigo, sou muito ajuizada, —£ nada! Entao nao fugiu de casa? E é teimosa, fala de- mais... Valdomira comegou a chorar. —Me leva, Joaquim, por favor! — Viu? Vocé disse que nao chora e esté chorando! Mas nao adianta! — Por favor, Joaquim! — Menina, vocé esti me cansando! Valdomira enxugou os olhos e tentou ganhar tempo. —Sabe de uma coisa? Nao acredito em nada do que vocé disse! S6 vou embora se me explicar tudo direitinho! —Pois € muito simples. Quando Sua Majestade diz “Joaquim, traga o carro que hoje é dia de colheita”, eu obedeco. Pego o carro, chego a casa dela e dou trés buzinadas, Entdo ela aparece. Muito bonita, sempre com um vestido diferente, entra no carto e partimos. £ uma beleza de carro que voa melhor que avido. Claro que é miniatura de carro. Mas, quando voa e passa Por cima das arvores, ele e eu ficamos do tamanho normal das coisas do mundo de fora do Beleléu. $6 Sua Majestade continua Pequenina. Assim, pode entrar nas casas Pelo vitré e abrir uma janela pra mim. — Evocé fica do tamanho de um orangotango? — Uma beleza de orangotango, menina! Maior do que aquele do jardim Zool6gico. Vocé conhece? —Conhego. E depois? — Depois, Sua Majestade faz uma porgdo de perguntas Pro garoto ou garota que ela quer trazer pra cA. Se respondem diteitinho, convida eles pra vir com ela, Se aceitam 0 convite, 33 Pe Digitalizado com CamScanner tudo bem, Se nao aceitam, Sua Majestade apita, vou ld e Tesoly, © problema. Pronto! Esta explicado! Agora va embora! : — Bu vou... Mas 0 Zé i possivel? Nao estou aguentando voce, meninay bem, vai de outro jeito. Viro orango. Léo tem que ir comigo! — Seri Pois se nao quiser it por tango, agarro voce por uma perna, giro voce no ar e jogo pop cima das drvores. Vai cait direitinho na sua casa. Se se ma chucar, azar seu! Valdomira assustou-se e comecou a chorar. 34 Digitalizado com Camscanner _— Eu... eu vou embora... mas, por favor... me deixa 86 dar 8 espiadinha no Zé Léo... —Nio! foi entdo que Valdomira chorou de verdade. Seus olhos reciam duas cascatinhas, ¢ seus solugos eram de cortar 0 co- racio. O macaquinho ficou nervoso e comegou a pular. — Ih! Vocé me deixa numa situacio! Nao Posso ver me- nina chorando! Enxugue essas lagrimas e venha comigo! Vou Jevar voce a casa de Sua Majestade! Mas vocé nao entra, enten- dido? S6 uma espiadinha pela janela e vai embora, volta pra casa de sua mae! £ claro que Valdomira prometeu tudo o que ele quis, FEE. 35 Digitalizado com CamScanner Joaquim Orangotango isa ter muito cuidado quando anda em terras dg rec! i Al gente p! hou o macaquinho e a todo mo. Beleléu. Valdomira acompan to era obrigada a parar por causa dos avisos dele. Primeirg mento ele dava um guincho e depois avisava: Cuidado! Tem uma taca de cristal no meio do capim: Nao va pisar nesse relégio! Olha um gatinho dormindo ai! Agora dé um pulo pra nao pisar nesse embrulho! Nao sei o que tem dentro, mas esta escrito “fragil”. Olhe um binéculo! Olhe essa peteca... Valdomira olhava e no via nada. Mas desviava e pulava imitando o macaquinho. Coisas perdidas a gente nao vé por- que estado perdidas, mas existem. A menina obedecia a todos os avisos. O macaco expli- Cou que s6 os beleleuenses podiam ver coisas perdidas. Gente de fora, nao. Afinal ela avistou, ndo muito longe, a casa de Sua Majes- tade Maria Porunga. Parecia casa de fazenda. Grande, esparra- mada, varanda na frente e uma Porc: parou, ela parou também, — Seu irmao est chorando, escute.., Era choro do 26 Léo, si ficou aflita, ‘40 de janelas. Joaquim im! Choro sentido... Valdomira Digitalizado com CamScanner — O que sera que 0 Zé Léo tem? O que estdo fazendo com ele? Quis correr, mas Joaquim agarro Por uma perna, f caiu ¢ descobriu uma coisa: aquele ma ‘Aquinho do cine ; deum sagui tinha muita forga.., “For anho ade Orangotango”, pen- sou, assustada. — Othe aqui, menina! Nada de afoba ‘do! Vocé vai me seguit direitinho ¢ muito cuidado! Agora e: das cobras perdidas. Pise onde eu pisar, se em cobras! Valdomira ficou com muito medo. Po: Stamos na zona ndo quiser pisar T mals que olhasse, njo via cobra nenhuma. Mas elas estavam 14, perdidas no meio do capim... — Estou com medo... Joaquim parou de repente. — Quer voltar? — parecia aliviado com o medo dela. — Olha, eu ensino o caminho, e vocé chega em casa num instan- te, quer? Entdo ela ia voltar, agora que estava pertinho do Zé Léo e escutava o choro dele? Entao ia desistir? — Eu quero ver meu irmao — disse resoluta. O macaquinho ficou desapontado. “Que menina dura! Pensei que falando em cobras ela dis- parasse pra casa dela, e esta ai firme, querendo continuar!...” — Pois bem, venha comigo. Se as cobras perdidas pica- tem vocé, bem feito! Pois que v4 pro Beleléu! O qué?! Tinha mandado a menina pro Beleléu?!... Minha nossa! Uma garota que ndo estd perdida e ainda por cima foi Teprovada!... Um elemento indesejavel no Reino Perdido do Beleléu, nao foi o que Sua Majestade disse?... a rr Digitalizado com CamScanner ‘Se vocé olhar bem, vai encontrar perdidos nesta mata do Beleléu: nove cobras, cinco peixes, seis pdssaros, quatro pessoas, a gato, ur cacTorp, uma boneca e, se a sua paciéncia ido tiver ido para o Beleléu, uma raquete de pingue-pongue, uma bola de tenis, um jacaré, uma borboleta e um sapato. Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner os Joaquim olhou preocupado a sua volta. Sera que alguém ha. via escutado? Naol... Nao havia ninguém por perto. Nem poi, haver, Aquele dia era ferlado para 0s beleleuenses, ¢ todo mundo, Sua Majestade inclusive, estava se divertindo na Lagoa do Sui Migo, Sua Majestade havia dito: — Nao, Joaquim. Hoje vocé ndo vai. Quero que fique to. mando conta desse menino. £ novo aqui e nao pode sair ainda —e prometeu-lhe uma folga na outra semana. Sua Majestade partiu guiando ela mesma 0 carro, levando le coisas gostosas para um. piquenique a beira d’agua, aes O ruim é que o menino nao parava de chorar. Queria crescer de novo. Queria voltar pra casa. Queria o pai, queria a mie. Entdo, como ja estivesse cansado, Joaquim amarrou-o ao uma porgio di Eele ficou. pé da mesa e saiu para espairecer um pouco. E aconteceu que encontrou a menina, irma do menino, e as coisas se complicaram. Mas daria um jeit — Vamos depressa! Acho que estéo batendo no Zé Léo! Escute s6 0 choro dele! — exclamou Valdomira. — Aqui no Beleléu é proibido andar depressa. A gente tem que andar devagar, olhando sempre para o chao. Principalmen- te quando se esta na zona das cobras perdidas. Olha aquela cascavel ali! Nao va pisar nessa cobra-coral tao lindinha! Pule pro lado! Tem uma surucucu dormindo ai! Eta, cobra danada! Encosta o dente e bumba! A gente cai de comprido no chao! — Pare de falar, Joaquim! Esté querendo pér medo em mim?! Esta querendo que eu volte pra casa? 40 Digitalizado com CamScanner “Que OS santos me ajudem! Essa menina é fogo!” revirou os olhos para o céu. E ele tinha tanto 0 que fazer! Est: Joaquim ‘ava na hora de dar a segunda dose do remédio de diminuir Para 0 garoto. Sua Ma- jestade exigiu que ele ficasse com dez centimetros justinhos! pa primeira vez, fol um trabalhdo. O menino gritou, esper- neou, ndo queria tomar o remédio. Agora ia ser facil porque ele jd estava menorzinho, do tamanho de uma garrafa de gua- rand, Mas a menina estava atrapalhando. Sera que dava tempo de dar o remédio na hora certa? Bom... Ele ia fazer uma coisa completamente fora do regu- lamento: ia crescer. De repente, Valdomira nao viu mais Joaquim. — Ué... Ele sumiu! Nem me disse nada! E agora? Como vou saber onde pér os pés pra nao pisar em cobras? Oh! Com um grito de susto, recuou. Nao pisou em cobra per- dida nenhuma porque elas também tinham levado um susto e foram ficar desaparecidas noutro lugar. Em pé, diante de Valdomira, estava um orangotango, um macacdo enorme com a cara mais feia deste mundo. A menina se pés a tremer como capim quando o vento est forte. Estava branca, branca. Mais um pouco desmaiava. — Pra que tanto medo? Nao vou comer voce! Era a voz de Joaquim, s6 que muito mais forte. Ele bem que havia dito que era um orangotango em miniatura, e quan- do queria, ficava grande. — Vo... vocé é 0... 0 Joaquim? Digitalizado com CamScanner * Claro! Vou carregar vor? pra gente chegar MAls dp pressa na casa de Sua Majestade = e ele dew um PASSO pary i frente, com os enormes bragos peludos estendidos, As pernas de Valdomira amoleceram. Tudo escure cua sua volta, Desmalou, “Quem val entender essa menina?", pensou o Orango. tango. “Nao tem medo de cobras venenosas, mas tem Medo de mim!” Carregou-a nos seus bragos fortes ¢ disparou Para a casa de Sua Majestade. Digitalizado com CamScanner 6 O remédio precioso Chegando a casa de Sua Majestade, Joaquim largou Val- domira na varanda e entrou correndo. Teve de parar um instante porque lembrou que tinha que virar macaquinho. Se o menino o visse daquele tamanho, com aquela cara de orangotango, ia desmaiar. E como é que ia tomar o remédio? Viu no relégio da sala que eram quase seis horas. Tanto tempo perdido! Tudo por causa da menina. Ah! Ele havia aprendido a ligo! Nunca mais na vida dele daria prosa com meninas, por mais bonitinhas que fossem. Pronto! Estava pequeno outra vez. Agora era o sagui, comoa menina dizia. E 14 estava o remédio de diminuir, exata- mente onde o havia deixado. Uma das coisas boas do Reino Perdido do Beleléu era isso: nada sumia. Nem podia sumir, pois se 14 era o ponto fi- nal de todas as coisas perdidas! Ninguém perdia tempo 4 pro- cura de coisa alguma, ninguém se atrasava, nem precisava correr e se afobar. Mas ele, Joaquim, estava atrasado, afobado e corria. Igual- Zinho ao pessoal do mundo de fora do Beleléu. Com o remédio na mao, enveredou aos pulos pelo cor- tedor cheio de portas de um lado e de outro € foi parar diante da dltima. O menino continuava chorando. Chorava de birra, pois 43 Digitalizado com CamScanner tice. se ele tinha tudo! Até um cavalinho de carne € oss0, um pang, inho, que Sua Majestade the reduzido ao tamanho de um dera e 0 autorizara a galopar pela casa toda — com 0 Joaquim, vigiando, bem entendido... Teimoso esse Zé Léo, Igualzinho a irma! E como dava trabalho! Teve de amarr-lo pela cintura ao pé da mesa, para poder sair e respirar um pouco. — Nao quero esse cavalo, quero voltar pra casa! — 0 me- nino havia gritado para Sua Majestade. Ela tentou outra coisa: — Vou levar vocé pra chupar jabuticabas no Pomar das Frutas Perdidas. Eo malcriado respondeu: — Nao quero jabuticaba, quero voltar pra casa! E Sua Majestade, com muita paciéncia: — Vou levar vocé pra nadar na piscina de Agua azul-anil. Todos que entram nela saem azuis. Ficam to engracados! O menino gritou: — Nao quero ficar azul, quero voltar pra casa! Sua Majestade fechou a cara. No Beleléu, ninguém per- dia tempo com criangas teimosas. 4 Digitalizado com CamScanner — Cuide desse menino! — ela the dissera, — g nao se esquega do remédio de diminuir que tem que dar a ele as seis horas em ponto! Quero encontré-lo com dez centimetros de tamanho, exatinhos! E la se foi, tao bonita no seu vestido de todas as cores com um ramo de violetas no decote, Na opinido dele, o menino nao servia Para o Beleléu. Deixara-o chorando, perdera um tempio 14 fora com a irma dele, aquele horror de menina prosa e intrometida, e agora vi- nha encontra-lo chorando ainda! RERCER Joaquim girou a chave e empurrou a porta. — Ail Que maneira de receber a gente! — o menino ha- via lhe atirado um pé de sapato. — Menino! Como é que faz uma coisa dessas? E se 0 vidro de remédio quebrasse? Nao sabe que é precioso? Que é o tiltimo vidro da Ultima remessa, e que ninguém sabe quando vai chegar a outra? Joaquim tinha um vicio: falava demais. Sua Majestade ja havia dito uma porgdo de vezes que ninguém ganha nada com muito falatorio. Pelo contrario, perde muito. Perde tempo e pa- lavras que deviam estar bem guardadinhas para nao serem apro- veitadas por outras pessoas, ninguém sabe de que maneira. Nao fosse a dedicagdo dele, seu bom génio, boa vontade para traba- thar e forca bruta (muque de orangotango), Sua Majestade nao © conservaria a seu servico. Coitado do Joaquim, que se esforgava tanto para se corri- gir e havia ficado t4o contente quando Sua Majestade lhe disse, uma vez, que ele estava melhorando. Mas agora, depois que 45 Digitalizado com CamScanner > falante quant, “Nao vou Mai: S abrir ay, havia encontrado a menina, que era tao vicio voltou. Ele bem que percebeu. hoje”, prometeu a si mesmo. Nao adiantava mais. O Zé Lé0 ficou sal sa importante: o vidro de remédio era 0 Ulti ele se quebrar... Entao fingiu que estava m bonzinho. — Nao precisa me segurar, nao, Joa médio! — e ele abriu uma boca enorme. Joaquim arregalou os olhos. Omenino havia CTiado juizo E, como nao havia tempo a perder, foi chegando Pressuroso, com a colher numa das m4aos, 0 vidro de Temédio na Outra, E aconteceu! De repente, o menino pulou e Ihe dey um empurrao. Joaquim nao caiu. Era Tijo, bem plantado nas Pernas. Pois nao era orangotango? bendo de uma g ‘imo. Coisa boa si a ito Conformag, : quim. Eu tomo Ore. Mas 0 vidro de remédio, ai! O vidro de remédio tao pre- Cioso caiu e se espatifou no chao, Tudo perdido! E dizer que isso aconteceu no Reino Perdido do Beleléu, onde nada se perdia! Eagora? Acabou-se o mundo Para Joaquim. Ea culpa nao era do menino. Era dele mesmo que se deixou enganar tao bobamen- te. Tudo perdido... O menino ia crescer outra vez e, grande, nao Podia ficar no Beleléu, Tinha que voltar Pra terra dele... Ele ea me- nina. As lagrimas comegaram a correr pelo seu rosto peludo. — Minha vida acabou! — disse ao menino. — Agora Sua Majestade nao vai mais querer saber de mim. — Eu vou crescer outra vez? — era sO 0 que interessava a0 Zé Léo. Joaquim balangou a cabe¢a afirmativamente, com um jeito muito abatido. 46 Digitalizado com CamScanner — Vou pegar aquele diabo de menina, a Valdomira, e man- r= murmurou dar os dois pra casa deles... 86.0 que posso faze para si mesmo. Zé Léo deu um pulo, — A Valdomita esta af?! Joaquim nao respondeu. Saiu arrastando as pernas, sem pressa nenhuma. a7 Digitalizado com CamScanner 7 O problema de Joaquin Vaniomira estava na varanda no mesmo lugar Onde Joaquim a deixou. Mas j4 havia voltado a si e olhava a sua Volta um pouquinho tonta, “Estou na casa de Sua Majestade Maria Porunga!”, pensava. “Quem me trouxe aqui foi... foi... Oh! Foi aque- le horror de orangotango!” Ficou de pé apavorada sem saber o que fazer. Fugia ou ficava? Lembrou as cobras perdidas no meio do capim e sentiu um calafrio, Depois lembrou-se do irmdo. Tinha que encontra-lo de qualquer jeito! Mas onde estava o orangotango? E se ele aparecesse de repente? E nesse instante, ele apareceu. Assim que o viu, Valdo- mira ficou tranquila. Estava Pequenino outra vez. Era o mes- mo sagui de cara esquisita que havia conhecido na floresta. — Vamos, menina! — Aonde? — Voc nao queria encontrar seu irmao? Ele esta li dentro! — Joaquim deu-lhe as costas e tornou a entrar. Valdomira seguiu-o, ansiosa, Ele ia tao devagar... Pareclt tao abatido... — Que € que vocé tem, Joaquim? Fle nao respondeu. Andava olhando fixo para a frente, com jeito de sonambulo, as Digitalizado com CamScanner ad _ i. ~§ Voc? esta exquistto, Joaquim! Anda tio devagarinbol.. Joaquim! Eu quero ver Jogo o meu Inmdol Que colsal O macaquinho nao respond Rak Estavan ora na sala de estar de Sua Majestade, e Valdo- mira depressa esqueceu o siléncio de Joaquim. : Era uma beleza de sala. O chao forrado de um tapete azul ¢ roxo, cadeiras de balango, almofadas em forma de bicho, e, janelas, cortirfas muito leves bordadas de ouro ¢ prata. Coisa mais linda, porém, foi a casinha de boneca que ela viu um canto, Casinha, nao! Palacio de boneca. Tinha esca- daria, sacadinha nas janelas, jardim, piscina, tudo, tudo... Val- domira esqueceu Joaquim e foi espiar por uma janelinha. Viu uma boneca de avental espanando os mévei “Nao parece boneca, parece miniatura de menina”, pen- sou. “Sera que 6?” Afastou a cortininha para enxergar melhor e sentiu-se puxada com violéncia. — Nao mexa na casa de Sua Majes tade! Era o Joaquim! Parecia téo zangado que Valdomira assus- tou-se, E quando ele disse “Ande atrés de mim sem tocar em nada!", obedeceu prontamente, wat, J4 estavam no corredor, quando abriu-se a janelinha do relégio da sala e, em vez de cuco, apareceu um periquito. —Joaquim, Joaquim! Vocé perdeu quinze minutos! Agora a9 Digitalizado com CamScanner nao adianta mais dar © remédio pro garoto! — ele Britou e top, nou a entrar batendo a janela. O aviso nao impressionou Joaquim. Que Ihe importavam quinze minutos perdidos, se o desastre ja tinha acontecido? Agora estava pensando no que fazer da vida. Jé que Sua Majestade nao ia mais querer saber dele, tinha de voltar Parao mundo onde as coisas se perdiam, o mundo que mandava coi- sas para 0 Beleléu. Joaquim parou e cogou a cabe¢a, suspirando. Atrds dele, Valdomira parou também. — Vocé esta triste, Joaquim? — E nao era pra estar? Ou queria que eu estivesse pulan- do e cantando? — O que aconteceu? Joaquim arremedou a menina arreganhando os dentes numa careta muito feia. — O que aconteceu?... Quer saber? Encontrei uma diaba de menina, perdi tempo conversando com ela e por causa disso perdi a hora de dar o remédio de diminuir pra um garo- to! — levantou os bragos e deixou-os cair num grande desani- mo, resmungando: — E pela primeira vez na hist6ria, o Reino Perdido do Beleléu vai perder trés coisas. — Que coisas? — Um menino, uma menina e um orangotango... — Quer dizer que vamos sair do Beleléu? Que bom! — Bom pra vocés! Entdo acha que vou querer sair daqui? — Nao quer? — Claro que nao! — Joaquim deu um pulo que assustou @ menina. — Nao sabe que adoro 0 Beleléu? Que adoro Sua Majestade? ae Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner - __ arre! Isso no é o fim do mundo! Vocé vai gostar 4, vida 14 fora. Arranja uma namorada e esquece Sua Majestade — Pare de falar! — 0 macaquinho comegou 2 chorer Valdomira ficou com pena dele. — Othe, se vocé quiser, eu explico tudo pra Sua Majesade Digo que a culpa foi minha €... — Deus me livre! Chega de confus4o! — Joaquim enxy_ gou as lagrimas. — Que meu destino se realize. Vou pra um jardim zoolégico. Aonde mais poderia ir? — Para um circo! — lembrou a menina. — De jeito nenhum! Nao sou chimpanzé pra ficar fazen- do gracinhas pros outros verem! Valdomira quase convidou Joaquim para ir morar na casa dela. Parou a tempo. Lembrou que fora do Beleléu ele nao seriz um macaquinho, mas um macacdo, isto €, um orangotango. Fechou a boca e engoliu o convite. —E... Acho que ndo hé outro jeito_. — disse Joaquim, que parecia estar morrendo de tristeza. — Vou ter mesmo de iz pro — Lé eles tratam muito bem os bichos — informou 2 menina. — Olhe, eu vou visitar vocé todos os dias_. O macaquinho irritou-se. — Gostaria de ficar engaiolada e que eu fosse visitar voce todos os dias? “Como vai, Valdomira? Olha a banana-nani que eu trouxe pra vocé!” Lindo, nao? Ele suspirou € ficou pensativo por um instante. De repe te, seus olhos brilharam. Quem disse que ele ia para um jardim zoolégico? Acabal de ter urna ideia. O diabo é que nao havia tempo a perder. — Nao fique ai parada com cara de boba! — diss® sz Digitalizado com CamScanner menina. — Se quer salvar seu irmao, ande rapido! — Ele se foi aos pulos pelo comprido corredor. Sem compreender a stibita mudanga, Valdomira foi atras. Apesar da pressa, reparou nas portas azuis com fechaduras doura- das. Tudo tdo bonito na casa de Sua Majestade! E por que havia tanta tesoura pendurada na parede? De passagem, Joaquim pegou uma. E Valdomira pegou outra. Nao péde resistir quando viu uma tesoura dourada com o parafuso em forma de flor. “Tesoura perdida nao tem dono”, pensou. “E se ndo tem. dono, eu fico sendo a dona dela...” 53 Digitalizado com CamScanner § O saeo de estopa CChegaram a ultima porta. Estava aberta. Valdomira Pode ver irmao amarrado pela cintura ao pé da mesa, to entretido lidandg para desatar 0 no da corda que nem percebeu a chegada deles, Néo cego. Joaquim ja havia avisado que tentar desaté-lo era tempo perdido. No Beleléu era assim. Tudo 0 que se amarrava nao se desamarrava nunca mais. Era por isso que havia tanta tesoura na casa de Sua Majestade. — Zé Léo! — Valdomira gritou. O menino virou-se. — Valdomira! Puxa! Vocé esté mesmo aqui? — os dois se abra¢caram, muito felizes. A menina lembrou de repente: : — Joaquim, vocé nao disse que o Zé Léo estava do tama- nho de uma garrafa de guarana? — Estava. Mas como nao tomou a segunda dose do remé- dio, cresceu outra vez. — Ele podia ter esperado um pouquinho! — ela reclamou. — Eu queria tanto ver ele pequenininho... — Eh, menina dificil... — resmungou Joaquim, cortando apressado a corda que prendia o menino. — Pronto! Agora vamos embora. Vamos sair pela janela, Porque pela porta é perigoso. O periquito pode ver a gente. — E que tem isso? — Tem que ele é linguarudo! Vai contar pra Sua Majestade, € vou ter que explicar a presenca de uma menina indesejada 1 casa dela, Digitalizado com CamScanner — Joaquim, Joaquim! Vocé perdeu mais quinze minutos! — gritou, nesse instante, o periquito do reldgio. — Nao perdi, néo senhor! Quem perdeu foi outra pessoa — Joaquim deu um pulo para o peitoril da janela. Ouviu-se um barulhinho seco. O periquito havia entrado no relégio batendo a janelinha. O macaquinho amarrou a corda no trinco da janela e jo- gou-a para fora. — Vamos, meninos! — Espera um pouquinho! — Valdomira acabara de desco- brir o cavalinho que Sua Majestade havia dado ao irmao. — Mas que belezinha! £ um cavalo de verdade? Miniatura de cavalo, nao é? Posso levar ele? — Ele é meu! Sua Majestade deu ele pra mim! — avisou prontamente Zé Léo. — O! Mas que coisa! — Joaquim deu um grito, grito de orangotango, embora ele fosse miniatura, e comecou a bater os punhos fechados no peito. — Parece o King Kong — cochichou Zé Léo para a irma. Ele estava ficando com medo, e a menina também. E quando Joaquim gritou: —Ninguém leva nada! Se nao vierem imediatamente, viro orangotango e dou um jeito em vocés! Foi s6 dizer isso, Zé Léo e Valdomira ja estavam encarapi- tados no peitoril da janela. Desceram todos pela corda e, quando chegaram ao cho, © macaquinho parecia estar muito calmo. As criangas suspira- ram de alivio. — As sete horas em ponto, Sua Majestade esta de volta. Tenho pouco tempo pra despachar vocés dois ¢ recuperar © 55 Digitalizado com CamScanner — dq Te tempo, ne "di mais de meia hora. Estou explicando, porque vou fazer uma Coisa tempo que cu perdi. Aqui no Beleléu, é assim: ninguém pe el 7 m minutos, nem segundos de tempo. E eu pei que vocés no vio gostar. Zé Léo e Valdomira assustaram-se. —O que vocé vai fazer, hein, Joaquim? — Obedecam sem fazer perguntas! Juro que vio chegar em casa hoje mesmo, na horinha do jantar. — Nao machuque as criangas! — disse uma voz que veio do alto. As criangas olharam. Era um gavidozinho-carij Iho de arvore. — Nao precisa se preocupar! Sou muito cuidadoso! — i Joaquim desapareceu aos pulos atrés da casa, e ndo demorou muito, estava de volta arrastando um enorme saco de estopa. — Entrem os dois aqui! Depressa, vamos! num ga- — Eu nao entro! — Zé Léo deu trés passos para tras. — Nem eu! — Valdomira escondeu-se atrés do irmao. Mas Joaquim nao podia absolutamente perder tempo. Fez uma careta e sumiu. — Vamos fugit! — 26 Léo puxou a irma pela mao. Mal deram um Passo, esbarraram numa coisa grande ¢ es- Cura que surgiu de repente na frente deles, como uma parede. Nem puderam ver o que era. Um Par de bracos peludos agarrou 0s dois a0 mesmo tempo, “E 0 Joaquim, que virou orangotango”, adivinhou Val- domira. SS — Digitalizado com CamScanner SS Num abrir e fechar de olhos, viram-se os dois no &scury dentro do saco, Cuja boca foi imediatament. 'e fechada e amarra. da por duas maos enormes. Mos de orangotango.., Que abafamento! Agarrados um ao Outro, Valdomira eZ Léo ficaram Paralisados de pavor. Sentiram-se levantados do chao, Agora o saco girava no ar, num rodopio louco. Senti No estémago e uma horrivel tontura. De repente, z4s! Perceberam que haviam sido at voavam rodopiando com incrivel ra com forga e esperaram o pior. ram um frig irados no ar pidez. Fecharam os olhos — Parece um disco voador — foi tudo © que disse 0 gaviao- zinho-carij6. | 58 — Digitalizado com CamScanner 9 Tudo em ordem Joaquim Orangotango olhou 0 saco de estopa desaparecer por cima das rvores e esfregou as maos, contente. — Trabalhinho bem-feito! Livrei o Reino Perdido do Be- leléu de dois individuos indesejaveis. Acho que mereco ser con- decorado! Sua Majestade vai dizer: “Joaquim, vocé é demais!” Mas logo perdeu o seu ar satisfeito. — Preciso parar de imaginar coisas, parar de sonhar! Sua Majestade j4 me disse uma por¢ao de vezes: “Sonhar sé é permi- tido durante o sono!” E ld estava ele, perdendo tempo sonhando acordado. Pos dois dedos na boca e assobiou. O gavidozinho-carij6é apareceu na hora: — Me chamou? — Viu aquele saco com as criangas dentro, que eu atirei por cima das arvores? — Se vi! Pelo jeito, vai voar por muito tempo! — o gavido- zinho olhou com respeito os robustos bracos de Joaquim. — Bem, eu quero que vocé v4 ver onde ele caiu. Faz esse favorzinho pra mim, ta? —E pra ja! — 0 gavidozinho levantou voo ¢ desapareceu. Joaquim entrou novamente pela janela, correu apressado pelo corredor cheio de portas azuis e tesouras pela parede, e quando chegou 4 sala de estar, estava novamente transformado num macaquinho. Era o sagui, como Valdomira dizia. Eram quase sete horas. Abriu-se a janelinha do relégio, eo periquito apareceu. Deu com Joaquim e levou um susto. 59 Digitalizado com CamScanner — Vocé ainda esta ai! Esta atrasado! Sua Maijestade vai chegar ja, ja! 7 —Niao vai, nao! Fiz em quarenta e cinco minutos ° devia ter feito numa hora e tenho quinze minutos Pra es Sua Majestade. Quinze minutos que alguém Perdeu, es cebendo? — Pare de falar besteira! Entéo aqui no Beleléy alguém perde alguma coisa? — Pois perdeu, e eu sei quem foi. Vamos! Vire pra tras esse ponteiro! Faltam quinze minutos para as sete! oO periquito, que ja se aprontava para dar os sete &ritos das sete horas, de repente ficou nervoso. — Vocé andou me espionando? ‘Petar td Der. — Claro! Se eu nao ficar de olho vivo, o Reino Perdido do Beleléu vai pro Beleléu!... O periquito nao disse mais nada. Atrasou quinze minutos 0 rel6gio, e entrou nele apressadinho. Pam! fez a janelinha, ba- tendo com forga. “Estar sempre alerta observando tudo, eis uma maneira de ganhar tempo.” ‘Sua Majestade havia dito uma vez essa grande verdade, e Joaquim ficou muito impressionado, Foi assim que virou uma espécie de detetive, investigando e xeretando tudo. Foi assim que um dia descobriu o Periquito 14 fora, conversando com uma cobra perdida, Ela dizia ao periquito que ele podia chegar pertinho dela, Porque cobras perdidas nao mordem. Mas o Periquito afirmava 60 rE _—— Digitalizado com CamScanner |i a— que elas mordiam, sim! Pois ndo haviam perdido nem os dentes nem o veneno. Entdo a cobra, uma urutu muito bonitinha, contou que, como todas as cobras perdidas, desde que se perdeu nao mordia mais ninguém. E contou como foi que chegou no Beleléu. Raff Numa noite, ela fugiu do Instituto Butantan e, sem saber como, foi parar no centro da cidade de Sao Paulo, um horror de lugar cheio de luzes piscando, gente e carros de um lado para outro, uma barulheira infernal. Nao gostou, e resolveu voltar para 0 sossego do Instituto. Entao a cidade virou um labirinto sem saida e ela percebeu que estava perdida. Fechou os olhos para pensar no que ia fazer da vida, e quando abriu, estava no Beleléu. Gostou do lugar, gostou das cobras perdidas suas cole- gas e, principalmente, de certos bichinhos perdidos, ras, lagarti- xas, pintinhos etc., todos muito apetitosos. E ja que estava per- dida mesmo, ficou por ali. E estava a-do-ran-do! Nunca tivera tanto espaco, tanta arvore para subir, descer e ficar dependurada! E, principal- mente, estava achando uma delicia ser cobra incégnita. La no Instituto, ela ficava em exposi¢éo num envidragado, e era um tal de gente espiando “uma das cobras mais venenosas do mundo” e fazendo comentirios tao bobos que era de fazer rir um jacaré. E foi indo por ai, contando coisas, quando o periquito se lembrou que estava na hora de anunciar o meio-dia. Voltou vo- ando, mas quando chegou no relégio ja era meio-dia e quinze. Muito preocupado, pensando que ninguém estava olhando, 61 Mil Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner juntou depressa os ponteiros direitinho no ntimero 12 ¢ deu os doze gritos do meio-dia. Mas Joaquim viu. E, se no contou nada para ninguém, foi porque resolveu guardar aqueles quinze minutos sobressalentes. Enio foi muito bom? Estava pensando nisso quando ouviu um bater de asas. O gavidozinho-carijé estava na sala. —Eentao? — Tudo em ordem. As criancas chegaram em casa sis e salvas. Joaquim suspirou, aliviado. — Agora vou me arrumar pra esperar Sua Majestade. — E nao vai me contar como foi que a garota chegou aqui? — Vocé bem sabe que no tenho segredos pra vocé! $6 que estou com pressa. Amanhi a gente se fala. O gavidozinho saiu pela janela, e Joaquim foi se arrumar. Levou um tempao escovando a pelagem fulva e fazendo caretas diante do espelho. Mas, no momento exato em que o carro de Sua Majestade aterrissou diante da miniatura de palicio, ele es- tava 14, abrindo respeitosamente a porta. Ela desceu lépida e satisfeita. — Foi muito divertido o piquenique na Lagoa do Sumico — contou. — Andamos de lancha, fizemos esqui aquatico, to- mamos banho de sol, nadamos e brincamos. O lanche estava uma delicia, e o pessoal, muito alegre. Enquanto escutava, Joaquim, solicito, ia tirando as folhi- nhas e galhinhos secos que haviam ficado grudados no vestido nos cabelos de Sua Majestade. Ela contou que as quatro criangas perdidas da Torre DD, que havia levado consigo, haviam se comportado muito bem. 63 Digitalizado com CamScanner | Nao se lembravam mais da familia nem de onde tinham Vindo Estavam bem integradas na vida do Beleléu, Eomenino que estava sob a guarda de Joaquim? Contintiaya chorando? Fizera muita estripulia e malcriacdo? Crianca algu. ma lhe dera tanto trabalho como aquela. Desconfiava que havig trazido um mau elemento para o Beleléu. O menino era Tebelde, tinha cabeca dura. Como é? Ja estava reduzido a dez centimetros? — Amanhi ele vai comigo para a Torre DD — disse, — A senhora falou bem. O menino é um mau elemento —Joaquim falou devagar, escolhendo bem as palavras, — Além disso, houve complicagao. A irma dele, menina intrometida, ou. tro mau elemento que nao podia ficar no Beleléu... 6a Digitalizado com CamScanner | —— —A Valdomira? — Ela mesma. Seguiu Sua Majestade e esteve aqui. — Mas como péde entrar? — Sua Majestade nao conhece a menina. Nao sabe como é insistente e teimosa. Deu um trabalhdo. A paz e a harmonia do Reino Perdido do Beleléu foram seriamente abaladas. Sua Majestade Maria Porunga empalideceu. Quem estava seriamente abalada era ela. Joaquim amparou-a, com medo que desmaiasse. — Asenhora pode ficar tranquila. Tudo acabou bem, sem danos pra ninguém. —Joaquim! O que vocé fez das criangas? ME 65 Digitalizado com CamScanner O macaquinho contou tudo. 86 no falou, claro, do vidy remédio quebrado e dos quinze minutos Perdidos @ tur aravilhosol Merece sor con " O macaquinho fez uma profunda reveréncla @ feliz, Depols do acontecido, Jurou flcar se po, para ndo perdé-lo a toa, FE Sua Majestade, refelta do susto, outra vez alegre, no palacto ¢ delxou-se car na cy balangava, pe — Joaquim, voce é 1 Wecoradyy AMastonsy Mpre de olho no tem, entroy Enquanto % aquilo, Duas Crlancas adelra de balango, k ava na esquisitice de tudo perdidas desapareceram do Beleléu.., Do Beleléu, fim de linha para todas as coisas, desaparecidos?!, Bente & bichos Fato inédito na histéria dos beleleuenses! Mas 0 Zé Léo ea irma nunca se lembrariam do acontecido, A meméria daquela lembra nga ficaria perdida no Beleléu, ay 66 ——— 4 Digitalizado com CamScanner Fl ] Uma lembranea que fol para o Beleléu Vatdomira e Zé Léo cairam justamente no quintal da casa deles. Nao se machucaram porque o saco de estopa primeiro se enroscou num galho da mangueira, para depois cair no chao. Ea danada da Valdomira, com a tesoura que havia pegado na casa de Sua Majestade, cortou 0 saco de estopa e, assim, ela e o irmdo puderam sair. Entraram pela cozinha sem fazer barulho e espiaram pela porta da sala. ‘A mie estava chorando e se culpava de ter se descuidado da Valdomira, com a confusdo do sumigo do Zé Léo. O pai procurava acalmé-la, afirmando que os garotos ndo podiam estar longe, e que a policia estava de prontidaio procurando pela cidade toda. Enem desconfiavam que os filhos estavam ali pertinho. — O pai e a mae emagreceram — observou Zé Léo. —Também, o que vocé queria? Pensa que é brincadeira perder dois filhos de uma vez? a8 Zé Léo empurrou a porta ¢ entrou correndo. Atras dele, foi Valdomira. Atiraram-se nos bracos dos pais e, de repente, tudo mudou. Os pais eram agora os pais mais felizes do mundo. 67 Digitalizado com CamScanner Houve muito choro, muita alegria, muita Pergunta, Os pais ndo quiseram acreditar na hist6ria fantisticg que as criangas contaram. : Mas havia uma prova: 0 saco de estopa. Foram Velo, Nao estava mais no quintal! Zé Léo e Valdomira compre. enderam que nao adiantava procur-lo. O saco de estopa tinha ido para o Beleléu. Mas, ea tesoura? ‘Também era uma prova, nao era? Valdomira procurou-a por toda a parte ¢ afinal se cansou, ‘A danada da tesoura nao estava em lugar nenhum, e isso 56 significava uma coisa: também tinha ido para o Beleléu, — Que pena... Tao bonitinha, com aquele parafuso em forma de flor... — Do que vocé esta falando? — perguntou a mie, — Estou falando da... — a menina interrompeu-se, con. fusa. Da 0 qué? Nao sabia mais do que estava falando. — Ey me esqueci, mame. — Vocé estava falando de alguma coisa que vocé perdeu. — Mas eu nao perdi nada! E Valdomira nao percebeu que havia perdido uma coisa. Tinha perdido a lembranga de tudo que aconteceu no Reino Perdido do Beleléu. 4 Pee tf ft eee Digitalizado com CamScanner - | | gera que voce eneontrou tudo que foi pro Beleléul Solugdo da brincadeira das paginas 38 e 39. 69 Digitalizado com CamScanner

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