Você está na página 1de 70

Direção e Coordenação Geral Copyright © 2022 by Luciana Brites

Luciana Brites Todos os direitos desta edição são reservados à


Editora NeuroSaber.
Equipe Editorial Av. Ayrton Senna da Silva, 600, sala 903.
Fabrícia Cristina Florencio Londrina, PR – 86050-460
Roselaine Pontes de Almeida Telefone: (43) 3361-6750
Thaís Aparecida Zorzela E-mail: editoraneurosaber@neurosaber.com.br

Ilustração, Iconografia
e Diagramação
Gabriela Naomi Umezu Oliveira
Luke Boaro Almeida Machado

Colaboração
Fabrícia Cristina Florencio
Roselaine Pontes de Almeida
Thaís Aparecida Zorzela

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Tamires Cassia Rodrigues Okada - CRB-9/2049)

B862p
Brites, Luciana.
Programa de aperfeiçoamento em TDAH
– Livro Teórico/ Luciana Brites. – 1. ed. – Londrina: NeuroSaber, 2022.
69 p. ; il. ; 29,7 X 21 cm
ISBN 978-65-89959-35-9
1. TDAH. 2. Aprendizagem. 3. Intervenção.
4. Saúde. 5. Neuropsiquiatria I. Título
CDD – 618.928589

Índice para catálogo sistemático:


1. Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade:
Neuropsiquiatria: 618.928589
Bem-vindo a este material!
Este E-book foi preparado com muito carinho pela Equipe NeuroSaber,
especialmente para auxiliar você!
Por isso, lembre-se de que é vedada a reprodução, total ou parcial,
do conteúdo contido neste livro digital, nos termos da Lei n° 9.610/98.

Esperamos que você faça bom uso desta obra.


Aproveite!

Um grande abraço,

Equipe NeuroSaber

3
Sumário

1 APRESENTAÇAO.............................................................5

2 NEUROLOGIA E NEUROCIÊNCIAS DO TDAH.......6

3 COMORBIDADES...........................................................21

4 TDAH: QUADRO CLÍNICO E ESCOLAR..............38

5 AVALIAÇÕES, TESTES E DIAGNÓSTICOS........56


Apresentação
Este material apresenta a compreensão do que é o TDAH e sobre
as suas implicações no geral, explicando e compartilhando conhecimen-
tos de uma forma facilitada, com aplicabilidade prática.

Possibilitar uma linguagem homogênea é importante para que to-


dos os envolvidos tenham conhecimentos sobre o TDAH para que o indi-
víduo receba a atenção adequada.

Além disso, o conteúdo apresentado aqui contempla pais, cuidado-


res, professores e profissionais, tendo uma abordagem multidisciplinar
que pode auxiliar a todos.

Tudo isso guiado por evidências científicas, pilar essencial para


compreensão do transtorno. Garantindo um conteúdo que tenha verda-
deiro impacto na vida dos indivíduos.

5
NEUROLOGIA E
NEUROCIÊNCIAS DO TDAH

A neurologia e neurociências estão muito presen-


tes no contexto de todos que trabalham com desenvol-
vimento do comportamento e aprendizagem da criança,
seja ela no ambiente escolar ou não.
Muitas pessoas desconhecem os conceitos ou a
definição de neurologia e há ainda um receio em abordar
o assunto, já que até pouco tempo era uma área que se
restringia somente aos médicos e aos alunos de gradu-
ação na área de ciências da saúde. Ainda é muito inco-
mum ver professores, pedagogos, gestores de educação
ou superintendentes, supervisores e coordenadores da
área educativa lidarem com assuntos da neurologia. Isso
muitas vezes se torna um problema no ambiente escolar,
onde há certa resistência que, na verdade, se apresenta
por pura desinformação, além do fato de ser uma ciência
ainda pouco disseminada.
Por isso, é importante, mesmo sem um aprofunda-
mento minucioso, trazer os conceitos principais aborda-
dos no assunto, com uma linguagem acessível a todos.

O que é Neurologia?

A neurologia é uma área da medicina responsável pelo estudo do sis-


tema nervoso central e periférico. O Sistema Nervoso Central compreende
o cérebro, cerebelo, áreas do encéfalo (mais a parte superior do cérebro) e,
também, a medula, que vai desde a base inferior do cérebro até próximo à
lombar. Enquanto o Sistema Nervoso Periférico são os nervos que saem da

6
estrutura central (braços, pernas, intestinos, coração, pulmão, rins etc), ou
seja, todas as áreas inervadas pelos nervos que saem do sistema nervoso
central.

NEUROLOGIA

Sistema
Nervoso

Sistema Nervoso Sistema Nervoso


Central Periférico

Compreende o cérebro, São os nervos que


cerebelo, áreas do saem da estrutura
encéfalo (mais a parte central (braços, pernas,
superior do cérebro) e intestinos, coração,
também a medula, que pulmão, rins etc.), ou
vai desde a base inferior seja, todas as áreas
do cérebro até próximo a enervadas pelos nervos
lombar. que saem do sistema
nervoso central.

7
Essas informações são importantes para entender como é o trans-
torno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e como ele ocorre no cére-
bro dos indivíduos.

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é um transtorno


neurocomportamental, caracterizado por déficit de atenção, hiperativi-
dade e impulsividade (esses três são os sintomas centrais do transtorno,
os que aparecem na enorme maioria dos pacientes acometidos por ele).
O aparecimento desses sintomas é de forma irregular, heterogê-
nea e nem sempre acontecem os três ao mesmo tempo, mas a definição
abarca os três, porque são os sintomas mais comuns vistos no transtor-
no e devem aparecer em níveis significantemente mais elevados do que
o esperado num indivíduo, levando em consideração a sua idade e o ní-
vel de desenvolvimento. Assim, não é nenhum tipo de déficit de atenção
ou qualquer intensidade de hiperatividade e impulsividade que deve ser
considerado características do transtorno. É preciso que apareça em
níveis exagerados, muito mais elevados do que se espera do indivíduo
daquela idade comparando com outras pessoas.
Esse transtorno, com essas características, na maioria das vezes
leva a problemas de interação com seus pares na família, com amigos e
autoridades da escola ou fora dela. Além de comportamentos que cha-
mamos de disruptivos, que são os comportamentos agressivos, de ex-
plosão, ou ações inadequadas para manter um bom convívio social.
Podem, também, apresentar características emocionais exacerba-

8
das, com choros em excesso, baixa autoestima e maior sensibilidade em
situações de conflito.
Além disso, o TDAH também pode levar a alterações cognitivas, de
linguagem e em neuroimagem funcional.

Mas sempre foi assim?

No final do século 18, Alexander Crichton, que foi o primeiro psi-


cólogo a observar essas crianças, as definiu como pessoas que tinham
a incapacidade de atender com o necessário grau de constância uma
concentração para um único objeto. O indivíduo não dava tempo nem
persistência para cumprir, com o necessária constância, uma determina-
da concentração e foco para um objeto ou para uma tarefa que exigisse
um pouco mais de engajamento e de apoio da sua concentração.
Mais tarde, Heinrich Hoffman, médico clínico, escreveu um livro. Ele
tinha um filho extremamente agitado. Além de ser médico, ele era muito
criativo e uma das formas que ele encontrou de se comunicar melhor
com o filho, além das atividades lúdicas, foi escrevendo um livro. Ele
ilustrou uma criança hiperativa, contudo, na época as ilustrações foram
consideradas pejorativas, exageradas. Essa foi a primeira publicação em
livro infantil que sugere uma criança com TDAH.
Posteriormente, o Doutor Jorge Still, um Pediatra, foi o primeiro a
publicar casos de indivíduos com transtornos de déficit de atenção e hi-
peratividade em uma revista médica, em 1902. O autor descrevia esses
indivíduos como pessoas com algum tipo de defeito de controle moral,
devido ao fato de que eles não conseguiam se controlar de forma ade-
quada ao ambiente. Tinham pouca consciência moral, pouca vontade de
fazer as coisas, mas não apresentavam comprometimento cognitivo.
O próprio Jorge Still, em 1902, ao descrever aquelas crianças e
adolescentes, definiu que os sintomas de hiperatividade podiam ser di-

9
vididos em dois grupos: um grupo com algum transtorno do desenvolvi-
mento ou deficiência (tinha um tumor cerebral ou uma sequela de menin-
gite, tinha um histórico de crises convulsivas ou em algum momento da
vida sofreu um trauma craniano e ficou com uma sequela, ou até mesmo
uma doença infecciosa que possa ter acometido o cérebro); no outro
grupo de crianças hiperativas, ele viu que não tinha nenhuma causa apa-
rente, eram indivíduos sem histórico clínico, porém mesmo assim eram
extremamente agitadas.
Por volta de 20 anos depois, esses indivíduos foram agrupados no
transtorno chamado Hipercinética da Infância, que foi descrita por dois
médicos Doutor Kramer e Doutor Pollnow, em 1932. O artigo deles mos-
tra, perfeitamente, alguns detalhes que até então não se tinham dessas
crianças. Segundo eles, elas apresentavam pouca capacidade de des-
canso motor, ou seja, qualquer momento que elas tinham que ficar quie-
tas, elas não conseguiam. Não havia sintomas corporais, nem distúrbios
do sono, nem agitação noturna. A agitação era primordialmente diurna,
onde apresentavam uma excessiva inquietude, moviam-se demais e mo-
viam os objetos sem qualquer objetivo.
Desse modo, essa foi a primeira descrição que começou a expor os
sintomas do TDAH como algo que leva a movimentos sem objetivos que
atrapalham a condução da própria vida da criança.
Por fim, Doutor Kramer e Doutor Pollnow foram os pioneiros em
perceber que além de agitados, eram distraídos e desatentos, tendo uma
desatenção excessiva tanto para tarefas do cotidiano quanto para brin-
cadeiras.

10
Dano Cerebral Mínimo (1976)

Nos anos 70, um novo nome passou a ser dado para o TDAH, o cha-
mado Dano Cerebral Mínimo. Essa definição associava a hiperatividade
como algo resultante de uma lesão cerebral causada por algum dano
na vida da pessoa. Assim, os autores descreviam a hiperatividade na
época como associada à quadros de epilepsia, traumas, infecções cere-
brais como encefalite ou encefalite por Sarampo ou a Hipóxia Neonatal,
àqueles bebês que nasciam com um sofrimento durante e logo depois
do parto.
Nessa fase, começou-se a pensar que poderia haver alguma liga-
ção entre problemas de comportamento em algumas pessoas e cone-
xões cerebrais, uma vez que esses danos e traumas poderiam lesar áre-
as cerebrais, desconectá-las e fazer com que o indivíduo desenvolvesse
algum tipo de transtorno de comportamento. E o TDAH, a hiperatividade,
naquele tempo era um sintoma evidentemente claro para poder descre-
ver esse dano cerebral.
Goldstein, 1942, fez experimento no qual realizou a retirada do lobo
frontal de alguns macacos. O Lobo frontal está altamente associado ao
controle motor, controle de movimentos, planejamento e autocontrole
emocional. Ele observou que ao retirar o lobo frontal, os macacos fica-
ram extremamente agitados e distraídos. A partir disso, começaram a
imaginar que a hiperatividade pudesse ser um problema relacionado à
conexão neurológica.
Em seguida, nos anos 60 e 80, começaram a perceber que alguns
indivíduos não apresentavam lesões neurológicas, mas apenas algumas
disfunções. Os indivíduos com sintomas de TDAH passaram a ser des-
critos como portadores de disfunção cerebral mínima. Logo, a hiperati-
vidade é o resultado de um distúrbio cerebral mínimo, sem que a lesão
ou alteração neurológica pudesse ser demonstrada. Eles começaram a

11
notar isso, principalmente em algumas pessoas que tinham um elétron
extremamente alterado, eram hiperativas e quando se comparava com
crianças típicas, ao receber tratamento, o elétron se estabilizava e com-
portamento muitas vezes melhorava, ficando mais próximo de uma crian-
ça que não tinha hiperatividade.
Clementes (1966) foi mais longe e percebeu que além desses indi-
víduos terem uma melhora no padrão elétrico, eles também tinham pro-
blemas de percepção audiovisual, distúrbios de linguagem, problemas
de memorização e controle da atenção e do movimento.
A ideia que temos hoje sobre o TDAH é muito parecida com a ideia
do que se tinha nos anos 50, 60 e 70. O que vai contra a ideia de o que
o transtorno é algo da modernidade, visto que é possível perceber que
vários conceitos já eram bem amadurecidos em relação ao TDAH.

Reação Hipercinética da Infância (1968)

O DSM-II é manual de transtornos mentais, a referência de pesqui-


sadores e clínicos especialistas nas áreas de comportamento, que passa
por constantes atualizações conforme os estudos e pesquisas se atuali-
zam. O DSM-II já colocou o TDAH com o nome Reação Hipercinética da
Infância e a descrição era de que essas crianças tinham uma desordem
caracterizada por uma excessiva inquietação, incapacidade de descan-
sar, alta distratibilidade (é a incapacidade de deixar de prestar atenção
em coisas inúteis para manter o foco naquilo que é realmente importante
para aquele momento e que tende a diminuir na adolescência). Foi a pri-
meira vez em que se citou que o TDAH pudesse ter uma diminuição dos
sintomas na adolescência. A ideia de lesão neurológica, de destruição
cerebral era abandonada e o TDAH estava muito mais para uma disfun-
ção ou uma leve falha de funcionamento em algumas áreas do cérebro,

12
muito mais ligado a isso do que a uma lesão neurológica.
Em 1980, o DSM-III mantém o diagnóstico só que com o nome de
Desordem de Déficit Atenção com e sem Hiperatividade. Ou seja, havia
crianças que eram desatentas, mas que não eram agitadas. Foi a primei-
ra vez que começou ser feita a separação da desatenção e da hiperati-
vidade.
Dessa forma, o DSM-III colocou os problemas atencionais e a im-
pulsividade como algo mais importante do que a hiperatividade. Nesse
tempo, eles já começaram a organizar melhor a definição e o Diagnós-
tico do TDAH, inserindo como sintomas-alvo essas três características
(atenção, hiperatividade e impulsividade). Já estavam sendo utilizadas
notas de corte em que o indivíduo tinha que atingir uma quantidade de
critérios para poder ser dado o diagnóstico. Nessa fase, também já se
inseriu uma idade mínima para se fazer o diagnóstico.
Atualmente, o TDAH já é melhor descrito pelo DSM-IV e também
pelo DSM-5 como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, sem
aquela distinção de ser com ou sem a hiperatividade. No entanto, se
separa em três grupos: o indivíduo com o TDAH puramente ou predomi-
nantemente desatento, o hiperativo/impulsivo e o combinado.

TDAH: evolução do conhecimento

Como vimos, a definição do termo foi sendo construída ao longo


do tempo, principalmente nas últimas décadas. Após ter sido feita uma
pesquisa de observação de um grande número de pessoas acometidas
pelo transtorno. Com o aparecimento de tecnologias que naquela época
não existiam, hoje temos subsídios para que possamos fazer um diag-
nóstico muito mais adequado e observar de forma mais esquematizada,
específica e aprofundada o comportamento das pessoas para chegar ao
diagnóstico final.

13
Nesse contexto, é fundamental compreender que não só a defini-
ção do TDAH passou por evoluções, mas o conhecimento sobre o trans-
torno também.
Em 1798, tinha-se apenas os sintomas da hiperatividade como algo
descrito e visto nesses indivíduos, aquilo que mais chamava atenção. Os
prejuízos que esse indivíduo tinha na sua vida eram focados no com-
portamento. Tudo isso ocorria sem que se soubesse as causas, não que
as causas do TDAH hoje sejam conhecidas, pois ainda não se sabe os
mecanismos específicos do distúrbio.
O tratamento, naquela época, ainda não era preconizado. Os pri-
meiros tratamentos foram surgindo muitos anos depois das primeiras
descrições, deixando claro que o que vem primeiro no TDAH não é o
remédio para ver o transtorno, mas sim a descrição do transtorno. E os
processos terapêuticos só apareceram muitos anos depois.
Em 2013, já se sabe claramente que o TDAH tem como primordial
os sintomas de Déficit de Atenção, que podem ou não estar acompa-
nhados de hiperatividade e impulsividade. Os sintomas de atenção são
preponderantes na descrição e nos prejuízos, inclusive, relacionados ao
transtorno. Os prejuízos e as maiores dificuldades geradas pelo TDAH
não interferem só na vida da criança e do adolescente como um todo,
mas no desenvolvimento dessa criança. Hoje já se sabe que o transtorno
prejudica a criança nos primeiros três de vida, dos 4 aos 8 anos e dos
8 aos 11 anos. O que significa que a cada etapa que a criança tem de
desenvolvimento, vai sendo prejudicada pelos sintomas de TDAH.
Atualmente, as causas do transtorno estão mais aprofundadas.
Hoje, sabemos que o TDAH é um transtorno predominantemente ge-
nético, com alguma influência do ambiente em alguns casos. Assim, é
possível um tratamento muito mais definido.
O tratamento é multidisciplinar e já existem Guidelines (consensos

14
e orientações bem detalhadas e embasadas em pesquisa), ou seja, é um
guia com linhas de ação, de como agir de acordo com o diagnóstico de
TDAH, quais os aspectos a serem levados em consideração, a idade da
criança etc. A partir daí, tem-se uma linha de tratamento, correlacionada
às questões acerca das dificuldades e do perfil da criança, indicando o
que se deve fazer, qual o remédio usar e como a escola deve agir.

Transtorno de Desenvolvimento

O TDAH deixou de ser considerado transtorno de comportamento


e passou a ser um transtorno de desenvolvimento, porque diz respeito
aos comprometimentos que ocorrem nos primeiros 10 a 11 anos de vida.
Ou seja, antes de entrar na escola, o que leva a prejuízos no desenvolvi-
mento e no funcionamento pessoal, social, acadêmico e, futuramente, no
trabalho.
Desse modo, é um problema que deve ser detectado nos primeiros
5 a 6 anos de vida, em período pré-escolar. Esses transtornos variam des-
de problemas de função executiva (problemas de organização, planeja-
mento, controle de emoções, controle motor para atividades do dia-a-dia,
dificuldade de análise, síntese, dificuldades relacionadas à memorização
imediata de determinadas informações importantes), de aprendizagem e
também problemas de funcionamento social, na comunicação e no rela-
cionamento afetivo e emocional.
Com essa definição, quais seriam hoje os transtornos de desenvol-
vimento que estão descritos e colocados dentro do DSM-5? Os transtor-
nos de déficit de atenção e hiperatividade, os transtornos do espectro
autista, deficiência intelectual, os transtornos específicos de linguagem,

15
os de desenvolvimento da coordenação, os transtornos de aprendiza-
gem verbal (dislexia, discalculia, disgrafia) e os transtornos de aprendi-
zagem não verbais.

TDAH como um problema de desenvolvimento

Elencamos a seguir quais os fatores podem ser prejudicados com


o TDAH. São eles:

• Sono: o TDAH pode afetar a vida da criança desde os pri-


meiros anos. A criança pode ter, desde o começo, proble-
mas para dormir junto, demora pra pegar no sono, dormir
e acordar diversas vezes e, quando mais velho, querer dor-
mir com os pais por não conseguir dormir sozinho.

• Alimentação: o programa de alimentação do bebê é muito


agitado, pois ele não para quieto na hora da amamentação,
seja no peito ou com a mamadeira, o que pode culminar em
perda de peso. Com o passar do tempo, a criança hipera-
tiva começa ou a comer demais ou petisca muito, não tem
muita paciência de parar na mesa para comer.

16
• Atraso motor: é muito frequente e pode ocorrer dois ex-
tremos – ou a criança começa a andar precocemente ou
começa a andar muito tarde (até os 2 anos).

• Atraso de linguagem: pode ocorrer em até 50% das Crian-


ças com TDAH, no início tem a fala muito enrolada que pode
se estender até dois, três ou quatro anos.

• Associação com RGE, alergias respiratórias ou alimentares:


é frequente o TDAH estar associado com algumas condi-
ções clínicas, como o refluxo gastroesofágico.

• Dificuldades esfincterianas: é quando a criança faz as ne-


cessidades no lugar errado, em horário também errado, as
chamadas enureses noturnas ou diurnas e as encopreses.
Então, a criança com TDAH tem risco maior de ter dificul-
dade em seguir uma rotina de idas ao banheiro (a cada
duas crianças com o transtorno, uma vai ter esse proble-
ma).

• Dificuldade em desenvolver as habilidades cognitivas e


adaptativas: estão relacionadas às dificuldades na função
executiva, de memória, de se engajar para atividades mais
difíceis, que exigem maior foco e concentração, e dificul-
dade de se adaptar a situações novas e aprendizagens.

17
São crianças que por terem dificuldade de concentração,
acabam demorando mais para cumprir as mesmas tarefas
quando exigem uma flexibilidade maior, não só motora e de
linguagem, mas também de aumentar o nível de foco para
poder dar conta de um novo desafio. Isso já começa a ocor-
rer nos primeiros anos de vida.

O TDAH e o desenvolvimento humano

O TDAH pode prejudicar todas as fases de desenvolvimento huma-


no, desde o contato com a família e escola, até na sua vida adulta, com a
chegada da carreira profissional e responsabilidades.
Diante disso, é importante delimitarmos quando começam os pre-
juízos no TDAH. É fundamental, sem dúvida, ficarmos atentos a esses
prejuízos, especialmente se isso atrapalha a interação com os pais. Em
muitas crianças com TDAH, os prejuízos podem iniciar nos primeiros 2
a 3 anos de vida, quando ingressam no ambiente escolar ou, ainda, no
ensino médio. Vale ressaltar que varia de criança para criança e é pri-
mordial que tais dificuldades sejam identificadas no tempo certo para
que não causem perdas, desistências, traumas, redução da autoestima e
o envolvimento dos indivíduos com situações de risco social.
Até o último DSM-IV, a idade de início dos sintomas tinha que se
dar até os 7. No DSM-5 as pesquisas mostram, depois de 18 anos, que a
idade de início pode ir até os 12 anos. Foi observado que 50% dos indiví-
duos desenvolveram o TDAH após os 7 anos e que 95% dos sintomas de
TDAH começam antes dos 16 anos. Portanto, dos 7 aos 12 anos temos
uma percentagem significativa de pessoas que não tinham sintomas e
que passam à apresentá-los.

18
Atualmente, sabe-se que o TDAH pode estar associado a outros
transtornos de desenvolvimento, como: deficiência intelectual, autismo,
transtornos de linguagem, transtorno de aprendizagem e transtorno do
desenvolvimento.
Dos anos 80 para cá, o TDAH passou a ser visto de forma mais
ampla, considerando todas as coisas importantes que o permeiam e as
implicações na interação da criança com a sua vida e com o que está a
sua volta, seja em casa, na escola e, depois, no trabalho.

Epidemiologia

A epidemiologia analisa a população como um todo, com índices


de doenças e como elas se manifestam e se comportam em uma deter-
minada população ou conjuntos de populações, por isso ela é tão impor-
tante.
É uma disciplina básica da saúde pública voltada para a compreen-
são do processo que avalia a saúde das populações: qual a incidência,
prevalência, casos novos, tendências, epidemias, fatores do ambiente
que aumentam ou reduzem o risco, fatores genéticos que influenciam no
desenvolvimento de doenças etc.
Serve para estudar as doenças e o seu comportamento nas popu-
lações e produz estatísticas que auxiliam na prevenção e no combate às
doenças.
A metodologia utilizada pela epidemiologia é baseada na compa-
ração de populações, além de subsidiar dados comparativos para ex-
plicar o comportamento das doenças nos grupos populacionais, como,
por exemplo, o porquê de algumas doenças serem mais comuns em de-
terminados grupos. Todavia, a epidemiologia não traz respostas rápidas
a essas questões, muitas vezes os estudos levam 10, 15, 20 anos para
poder chegar a uma conclusão confiável.

19
Epidemiologia no TDAH

Quando pensamos na epidemiologia do TDAH, alguns questiona-


mentos são levantados, afinal: o TDAH existe no mundo todo? Há popu-
lações mais propensas a desenvolvê-lo? Quais os riscos de desenvolver
TDAH? Ele está relacionado a como educar e à cultura e costumes de
uma população? Tem relação com a herança familiar?
Essas questões, especialmente no TDAH, têm uma grande impor-
tância devido ao fato de muitas pessoas ainda não saberem sobre trans-
torno.

Índices de prevalência mundial

Um dos trabalhos mais influentes, com maior confiabilidade nas


buscas de prevalência mundial do TDAH, é um trabalho brasileiro em
que o Dr. Polanczyc e cols (2007) avaliaram 303 artigos, dos quais, por
questões metodológicas e estatísticas, foram selecionados 102. Nesses
102 artigos, a soma das pessoas envolvidas nas pesquisas foi de mais
de 170.000. Assim, os autores chegaram à conclusão de que o índice de
TDAH no mundo é em torno de 5,29%, onde há variações significativas
de região para região. Por exemplo:

- EUA: 6%
- Europa: 4%
- América do Sul: 12%
- África: 8-9%
- Ásia: 3%
- Oceania: 5%

20
Todos esses índices seguem uma média, independentemente de
cultura, perfis educacionais e sociais totalmente diferentes. Então, pode-
mos concluir que o TDAH é um transtorno intercultural, intersocial, interli-
gado a vários fatores que independem da região e da cultura. Indicando
que a questão está muito mais ligada à genética.

Comorbidades
Uma das coisas importantes no TDAH, e que a epidemiologia au-
xilia, é o estudo das comorbidades. A comorbidade é a frequente as-
sociação entre outros sintomas que podem estar relacionados a outros
diagnósticos. É comum termos essas associações em quadros clínicos,
em que há a junção de um diagnóstico a outras comorbidades.
O TDAH é um transtorno extremamente ligado às comorbidades,
70% das pessoas que têm o transtorno apresentam alguma comorbida-
de associada, o que mostra que é preciso ter uma visão holística e não
focar somente no TDAH. Atualmente já foi constatado que 40 a 50% das
pessoas com TDAH possuem o Transtorno Opositivo-Desafiador, de 20
a 40% têm Transtorno de Ansiedade, 5% têm Transtorno Bipolar, de 20
a 30% têm Transtornos de Aprendizagem, 23% têm Fobia Social, de 18
a 40% apresentam Depressão, dentre outras comorbidades menos co-
muns.
De acordo com os estudos epidemiológicos, observa-se também
que o indivíduo que apresenta o transtorno de ansiedade com o TDAH
tem mais chances de ter os riscos que o TDAH traz, mesmo não sendo o
diagnóstico principal.

21
Durante o ciclo da vida

Outro ponto importante é que a epidemiologia colabora para que


possamos compreender melhor o comportamento do TDAH durante o
ciclo de vida do indivíduo. 80% das crianças com TDAH têm chance de
continuar com as características na adolescência e, posteriormente, de
50 a 60% na fase adulta. Portanto, o transtorno não cura na adolescên-
cia como muita gente acredita, os dados epidemiológicos mostram que
o TDAH é um transtorno crônico, que vai permear a vida da maioria dos
indivíduos por muitos anos, podendo chegar até a fase idosa.
Também há evidência de que uma criança altamente agitada tende
a melhorar a sua agitação com o passar do tempo, porém o déficit de
atenção, não, podendo persistir em 60 a 70% dos casos na fase adulta.
O indivíduo para de ser agitado, mas lá na frente será só desatento e
quieto.
Desse modo, é preciso estar atento aos prejuízos que ambas as
situações podem causar durante o ciclo de vida. Sem contar que quanto
mais velho o indivíduo vai ficando e sem o tratamento adequado para o
TDAH, mais comorbidades vão aparecendo.

Evolução das Comorbidades x Gênero

Indivíduos com TDAH do sexo biológico masculino tendem à de-


senvolver, caso não haja tratamento, o Transtorno-Opositivo-Desafiador
em 40 a 60% dos casos e o Transtorno de Conduta em 10 a 15%. Assim,
os meninos costumam evoluir para quadros disruptivos, com comporta-
mentos agressivos.
Já as pessoas do sexo biológico feminino com TDAH tendem à de-
senvolver quadros intrínsecos, de interiorização de problemas, apresen-
tando problemas de ansiedade em 40% dos casos, fobias em 25 a 30%

22
dos casos e transtornos de humor em 20 a 40%, podendo levar a proble-
mas de habilidade social, bullying, entre outras dificuldades relaciona-
das à autoestima e à quadros depressivos.

Comorbidades Neurológicas

Nos diagnósticos abaixo, temos a porcentagem de que eles são


atrelados ao TDAH:
Tics (30%)

Epilepsia (20 a 40%)


Dislexia (20%)
Cefaléias/enxaquecas (30 a 40%)
Distúrbios do sono (80%)
Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (50%)
Autismo (20 a 30%)
Deficiência intelectual (15%)

Dessa forma, a hiperatividade deve ser tratada com atenção, pois


pode ser somente a ponta do iceberg, escondendo outros possíveis
diagnósticos.

Prevalência Nacional

O TDAH no Brasil está em um contexto de grande florescimento


de pesquisas e artigos. O país é hoje um dos mais presentes em publi-

23
cações sobre o assunto, inclusive a nível internacional. O Brasil possui
muitos pesquisadores de renome e com destaque, entre eles, o Dr. Luiz
Augusto Rohde, considerado o maior nome em TDAH no país e que par-
ticipou de todo o processo dos novos critérios do DSM-5.
Apesar de todo esse avanço, ainda não existe no Brasil um con-
senso ou um Guideline. Isso ocorre por conta de muitas dificuldades re-
lacionadas à pesquisa e à resistência do sistema público, que pouco
participa desse processo, em dar condições para que os pesquisadores
façam esse trabalho.
Além disso, há muita dificuldade e muita burocracia para o acesso
à medicação de qualidade e, muitas vezes, os pais necessitam judiciali-
zar a questão para que o Estado forneça os medicamentos.
O fato de não existir uma regulamentação e uma proteção legal
aos pacientes com TDAH faz com que muitas crianças hoje sejam vistas
com olhar de preconceito, até mesmo sofrendo discriminação pela sua
condição.
Em detrimento disso, existem pesquisas que mostram a prevalên-
cia do TDAH no Brasil, que é de 5,8% a 17,1%, dependendo da meto-
dologia estabelecida, resultado que está dentro da média internacional.
Estima-se que 58% a 60% das crianças com TDAH no Brasil apresentam
comorbidades, sendo que dessas, segundo Pastura (2003), 35% são de
Transtorno Opositivo-Desafiador, 15% são Tics e 7% de Transtornos de
Humor e de Ansiedade.
Uma outra dificuldade encontrada quando se estuda o TDAH, é
que se depende muito de relatos dos pais, dos professores e de outros
profissionais. Ainda hoje o que se destaca no Brasil é a desinformação e
o despreparo desses profissionais para auxiliar pesquisadores. Os pro-
fissionais ainda não sabem observar de forma criteriosa o comporta-
mento do paciente, pois falta a cultura de transmissão consolidada de

24
conhecimento para todas essas pessoas que precisam saber sobre o
assunto.
Além disso, existem alguns outros fatores importantes sobre o
TDAH no Brasil:

• A medicação ainda é pouco disponível no SUS: existem municípios


que fornecem os medicamentos, porém com recursos próprios;

• Ausência de equipes multidisciplinares acessíveis: na maioria dos


municípios brasileiros, raramente se encontra uma equipe multidisci-
plinar e realmente capacitada para lidar com o TDAH;

• Escolas sem apoio técnico e protocolo de ação: muitas vezes o


professor precisa dar conta sozinho da criança com TDAH, sem ne-
nhum suporte psicopedagógico e fonoaudiológico (para crianças que
precisam);

• Tratamento insuficiente e poucas crianças atendidas: sabemos


que o tratamento para o TDAH é feito de forma multidisciplinar, o que
requer múltiplas estratégias e múltiplos profissionais. Mas isso ainda
não é estruturado no sistema público e no sistema privado ocorre de
maneira fragmentada, visto que os profissionais podem não se co-
nhecer ou conversar entre si;

• Centros de pesquisa sem estrutura: estão desconectados das esco-


las e das estratégias de Saúde da Família;

• Falta de tratamento: cerca de 1,9 milhões de indivíduos estão sem


qualquer tratamento, de acordo com estatísticas (Polanzcky, Mattos e
Rohde, 2013).

25
Avaliação e encaminhamento

Para que se entenda a razão desses índices estarem altos ou bai-
xos, o primeiro ponto é observar como essas crianças estão sendo ava-
liadas e encaminhadas. Para isso, deve-se observar como os profissio-
nais envolvidos realizam as avaliações a partir dos pontos a seguir:

• Observação dos professores: como eles julgam o que é um compor-


tamento adequado e inadequado, como observam as reações emo-
cionais e a forma de interação social e o caminho cognitivo com que
a criança aprende;

• Avaliação do psicólogo e fonoaudiólogo: como esses profissionais que


fazem parte do ambiente escolar estão avaliando essas crianças, pois
algumas vezes há um certo receio de fazer o encaminhamento em
virtude de achar que os índices de TDAH estão altos. Outra questão
é que os alunos estão cada vez mais indisciplinados em sala de aula.
Por que essa indisciplina tem acontecido? Tem a ver com TDAH? Não.
O que ocorre é que muitas vezes ambos são colocadas como se fos-
sem a mesma coisa. Indisciplina é quando o indivíduo não consegue
seguir as regras da escola, mas o TDAH pode ou não estar nesse gru-
po. Fatores de estrutura familiar e a da própria escola podem instigar
comportamentos relacionados à disciplina. Por isso, diversos fatores
e falta de disciplina podem confundir os profissionais no momento de
definir o que é TDAH e o que é apenas um quadro de indisciplina.

• Abordagem pediátrica: no TDAH a abordagem pediátrica é muito fa-


lha, o pediatra é um profissional que a sua formação básica é detectar
problemas de desenvolvimento, problemas nutricionais e estaturais.
Contudo, esse profissional, por conta da formação, pode ter dificul-

26
dade para saber como observar o comportamento e associá-lo com
problemas cognitivos e de aprendizado.

• Resistência dos pais: muitos pais não querem levar os seus filhos a
um neuropediatra por preconceitos construídos e receios sobre os
possíveis diagnósticos.

Aspectos Genéticos e Ambientais do Desenvolvimen-


to Infantil

Quando falamos em desenvolvimento infantil, temos que falar tam-


bém em comportamento. O desenvolvimento infantil depende de quatro
grandes fatores de observação: fatores motores, de linguagem, adapta-
tivos e sócio-pessoal afetivos, sendo que esses dois últimos são muito
ligados ao comportamento. Assim, dentro do desenvolvimento também
existem fatores de comportamento que devem ser observados.
Além disso, tanto no desenvolvimento quanto no comportamento,
se faz necessário entender como se fazem os processos de aprendiza-
gem, visto que estão ligados diretamente ao avanço do desenvolvimento
da criança de acordo com a idade e com o meio em que vive. A partir daí,
os fatores que influenciam este processo são:

- Influências genéticas;
- Influências ambientais;
- Interação genético-ambiental.

27
Aspectos Genéticos

Para os aspectos genéticos, devemos considerar:

• História familiar: se existem na família casos de influências genéticas,


de comportamento, de aprendizagem ou problemas relacionados ao
neurodesenvolvimento, existem maior risco da criança apresentar es-
ses mesmos sintomas;

• Associação entre gêmeos: na medicina, quando um gêmeo apresenta


determinada doença e o outro desenvolve também, concluímos que
essa doença pode ser desenvolvida por questões genéticas;

• Perfil intelectual dos pais: níveis intelectuais paternos e maternos in-


fluenciam resultados intelectuais de seus filhos;

• Espécie-especificidade: cada espécie possui características próprias


específicas;

• Herança comportamental (“Copy Number Variations”): quando estu-


damos doenças genéticas, precisamos tomar muito cuidado, pois de-
pendendo do que se apresenta, a forma de herança é diferente. Por
exemplo, a Síndrome de Down tem um perfil de herança muito diferen-
te do perfil de herança de uma doença como o diabetes, assim como
é totalmente diferente do perfil de herança de distúrbios comporta-
mentais, visto que o comportamento humano depende da influência
de inúmeros genes (herança poligênica);

• Influência de gênero: a nossa genética é influenciada pelo nosso sexo,


tanto que existem transtornos de comportamento que se apresentam

28
de forma muito peculiar no sexo biólogico masculino e que mudam
quando se expressa no sexo biólogico feminino;

• Doenças neurodegenerativas e/ou epilépticas: quando essas doen-


ças estão presentes em crianças que apresentam sintomas de TDAH,
é muito provável que esta condição tenha sido recebida por meio ge-
nético.

Aspectos ambientais

Os aspectos ambientais são fatores que vem do ambiente, de fora


do indivíduo, que podem influenciar no desenvolvimento de transtornos
neurodesenvolvimentais. Entre eles, podem ser citados:

• Complicações obstétricas: doenças durante a gestação, pré-eclâmp-


sia, diabetes, placenta prévia ou doenças genéticas da placenta, en-
tre outros;

• Uso de drogas lícitas e ilícitas;

• Período perinatal e de parto;

• Prematuridade;

• Baixo peso ao nascer;

• Interação emocional com cuidadores: existem vários artigos que mos-


tram o perfil do cuidador da criança levando a consequências no de-
senvolvimento do comportamento, do temperamento, do equilíbrio
emocional etc.;

29
• Influências sócio-culturais: o perfil da família, o jeito da família lidar
com problemas, a forma como a família instiga a criança, também in-
fluencia muito no desenvolvimento dela nos seus primeiros anos de
vida;

• Traumas/infecções no sistema nervoso central: doenças infecciosas


ou acidentes que podem ocorrer na vida da criança e podem deixar
sequelas neurológicas e comportamentais, além das infecções no sis-
tema nervoso central, por exemplo, a meningite.

Interação genético-ambiental

A interação genético-ambiental é o resultado das mais diversas in-


terações entre a herança genética estrutural que temos e a influência
do ambiente. Esse resultado varia de acordo com o estímulo e o grau de
vulnerabilidade de nossa carga genética. Nesse contexto, as infecções
são um exemplo clássico, por exemplo: em uma epidemia, nem todos os
atingidos morrem, pois algumas pessoas já nascem geneticamente re-
sistentes à essa epidemia. Sabe-se, portanto, que:

• a interação depende da carga de herança de fatores fortes e fracos


de resiliência;
• o meio ambiente influencia muito;
• quanto mais genes de risco por transtorno o indivíduo tem, mais risco
ele terá de ter esse transtorno;
• se um gêmeo tiver uma doença, o outro tem 100% de chance de de-
senvolver a mesma doença;
• há associação entre genes específicos e fatores ambientais.

30
Epigenética

Em um experimento de Marian Diamond (2000) realizado com ratos


gêmeos, um rato (a) foi colocado em um ambiente totalmente pobre de
estímulos, onde só tinha água e comida. Já o outro rato (b), foi colocado
em um ambiente altamente estimulante, com água, comida e brinquedos.

a)

b)
©Shutterstock/SpicyTruffel.

31
Após um período de observação, ao fazer a comparação entre os
dois cérebros, notou-se que o cérebro do rato (b) possuía quantidade
maior de neurônios grandes e ricamente ramificados. Este estudo com-
provou que, mesmo nascendo com a mesma genética, diferentes am-
bientes influenciam o desenvolvimento e a capacidade de maior ou de
menor adaptação, levando a um estímulo biológico de desenvolvimento
do cérebro.
Existem alguns genes já estudados hoje que, em interação com
determinados fatores do ambiente, podem desenvolver um determinado
transtorno. O TDAH é um transtorno em que já foram mapeados pelo me-
nos nove genes diferentes, que estão direta ou indiretamente ligados.
Um deles é o Gene Dat 1, responsável pelo desenvolvimento dos trans-
portadores de dopamina. Indivíduos que nascem com esse gene certa-
mente desenvolverão TDAH.
Os Genes Serotoninérgicos são responsáveis por organizar e pro-
duzir serotonina no cérebro. A baixa expressão desse gene durante o
desenvolvimento neurológico da criança somado a um ambiente de ins-
tabilidade familiar e sentimento de culpa, aumenta muito o risco da crian-
ça ter TDAH.
O artigo de revisão Environmental influences on child menta health,
dos brasileiros Ricardo Halpern e Amira Figueiras, mostra que vários
fatores negativos do ambiente têm papel na geração de problemas emo-
cionais na infância. Quanto maior o número de problemas emocionais no
ambiente, maior a chance dessa criança apresentar dificuldades no seu
desenvolvimento.

Sistemas Atencionais do Cérebro

Primeiramente, é importante ressaltar que não existe apenas uma


área do cérebro responsável pela atenção, mas várias, por isso que não
é fácil estudar e avaliar a atenção.

32
Atenção é uma habilidade cognitiva cerebral caracterizada por au-
mento da percepção com o objetivo de direcionar toda a energia cere-
bral para um determinado assunto, objeto ou tarefa.
Em virtude da atenção, o nosso cérebro aumenta o grau de per-
cepção geral e de detalhes, de enumerar sequências, controlar o ritmo,
de flexibilizar interesses, prioridades e ações em detrimento de outros
que não são tão importantes. Assim, podemos direcionar com qualidade,
memorização e percepção de detalhes as nossas atividades do cotidia-
no.
A atenção está classificada em dois grandes grupos:

• Voluntária (Consciente) • Involuntária (Automática)

Características da Atenção

Como toda habilidade cerebral, ela tem funções, limitações e ca-


racterísticas. Atenção é uma habilidade de capacidade autolimitada –
depende da situação e do momento. Por exemplo, é difícil se manter
atento em uma atividade monótona. Ela depende do grau de motivação,
quanto mais motivado, mais atento é possível ficar.
A capacidade de atenção está intimamente ligada às funções exe-
cutivas e à memória de trabalho (recrutamento de memórias necessá-
rias para a execução de determinada tarefa) e para cumpri-las é preciso
inibir estímulos inúteis para que se possa coordenar detalhadamente as
sequências a serem memorizadas. A atenção tem um poder inversamen-
te proporcional ao tempo e a monotonia: quanto maior o tempo da tarefa,
mais monótono ela é e menos atenção o indivíduo terá.

33
Neurotransmissores da Atenção: Dopamina

A atenção não possui somente áreas múltiplas de localização, é
uma atividade que depende bastante do bom funcionamento e de níveis
ótimos de neurotransmissores. Os neurotransmissores mais associados
à atenção são a Dopamina, Noroadrenalina e, em menor quantidade, a
Serotonina.
A Dopamina é uma substância neurotransmissora que tem como
principal função a motivação, o prazer e estímulo ao funcionamento de
ação e de atitude no cérebro. As vias de acesso da Dopamina saem des-
de áreas inferiores, involuntárias do cérebro e vão se espreitando a áre-
as cerebrais superiores e voluntárias. Ela se origina na área Tegmental
Ventral, que é uma área do tronco encefálico responsável pelo estímulo
ativador do cérebro. O Núcleo Accumbens é o responsável pelo sistema
de recompensa cerebral e dele saem vários feixes de neurônios dopami-
nérgicos para a região do córtex frontal superior, médio e inferior, que é
a área das nossas funções executivas.
Outra via de grande importância são as noradrenérgicas que tam-
bém se localizam no tronco, passam pelo sistema límbico e se distribuem
por várias áreas cerebrais, não só áreas frontais como também pelas
posteriores. A Noradrenalina tem a função de manter o cérebro em aler-
ta, com em situações de medo, de estresse, de necessidade de tomada
de decisão.

Atenção: neurotransmissores

A Dopamina auxilia o indivíduo a cumprir tarefas em que se exi-


ge o autoengajamento (atividade na qual não há recompensa, mas que
precisa ser feita), contribui para o esforço (capacidade de fazer algo um
pouco além do que foi pedido). Também é o neurotransmissor do prazer,

34
da satisfação frente às experiências do cotidiano e é responsável pelo
impulso para cumprir tarefas.
Já a Noradrenalina serve para manter o cérebro em um bom nível
de vigilância e uma ativação generalizada.

O balanço da atenção

Quando o indivíduo está dormindo, ele se encontra em total falta de


atenção; a vigília já é a atenção automática e durante a vigília se atende
somente estímulos relevantes e se ignora estímulos irrelevantes. Nos es-
tímulos relevantes se tem dois grupos de atenção: a atenção sustentada
e seletiva (controlada); e a atenção dividida, que é quando além de pres-
tar atenção no que se está fazendo, é preciso ficar atento ao que está
acontecendo ao redor e muitas vezes não se consegue controlar esse
processo.

Processos que envolvem a atenção

1) Auto-engajamento: em uma situação em que é esperado um determi-


nado nível de ação, precisar de fato realizar uma ação. Está relacionado
ao processo de esforço cerebral;

2) Impulso emocional: fazer mais ou menos de acordo com a motivação


e com o nível de ativação cerebral que se tem naquele momento;

3) Execução: os dois itens anteriores influenciam nesse processo, pois


quando se está com um bom nível de ativação e motivado, é possível per-
ceber melhor os estímulos que fazem parte da tarefa, analisar sequen-
cialmente e responder da melhor forma.

35
Sendo assim, é necessário que a atenção seja aumentada ou dimi-
nuída conforme a situação. No caso do TDAH, veremos mais à frente que
esse nível de atenção deveria aumentar, mas isso não ocorre.

Dopamina e os sistemas de recompensa

O sistema de recompensa dopaminérgico é uma área do cérebro


parcialmente involuntária e parcialmente voluntária responsável por mo-
dular a intensidade das funções de execução frente a uma recompensa
antecipada. Se analisarmos, todos nós, seres humanos, funcionamos em
grande parte por meio da recompensa (financeira, afetiva, oportunidade
etc). Por outro lado, quando se age sem esperar uma recompensa como
é o caso do cumprimento de regras, rotina e execução de tarefas em que
ela virá só à longo prazo, o sistema de recompensa cerebral se autoali-
menta com a restituição de quantidade de Dopamina normal para que o
indivíduo possa se sentir recompensado mesmo quando não se é.
Esse sistema está dividido em três áreas anatômicas no cérebro,
o córtex frontal interligado aos sistemas talâmicos e estriatal. Todo esse
sistema se integra para ligar sistemas involuntários com os sistemas vo-
luntários do cérebro. Muitas coisas que fazemos, não depende da nossa
vontade, o nosso cérebro automaticamente processa isso em contato
com processos voluntários e esse sistema trabalha basicamente com a
Dopamina.
Dessa forma, a Dopamina faz essa ligação e interage com áreas
superiores (cognitivas e voluntárias) e inferiores (emocionais e voluntá-
rias). Esse processo precisa ser autorregulado, essa autorregulação se
faz por meio dos próprios mecanismos neuro-bioquímicos de controle
dessa Dopamina, ou seja, a Dopamina que é produzida nessa região,

36
é automaticamente retirada desse local, metabolizada e quebrada para
que a ação dela fique suficiente ou em níveis controlados, não podendo
ficar em excesso.

Ação do sistema de recompensa

No dia a dia da criança, do adolescente e do adulto, ao ser anteci-


pada uma recompensa, o indivíduo responde de forma controlada para
ir atrás desse processo, pois nesse momento em que ele está indo atrás,
emocionalmente, naquela situação de querer fazer determinada coisa, a
Dopamina aumenta e já passa por um processo de autorregulação para
ele poder executar a atividade.
No TDAH é diferente, pois no momento em que o indivíduo vai cum-
prir alguma tarefa, a Dopamina não preenche direito todas aquelas vias
e ele não consegue cumprir de forma adequada ou não consegue se
controlar para fazer de forma modulada de acordo com o que se espera.
Assim, como a dopamina preenche esse sistema de forma incompleta,
ele cumpre a tarefa, mas com um desempenho inadequado. Daí vem ou-
tra implicação: o indivíduo com TDAH, se não tiver recompensa nenhu-
ma, ele nem começa uma atividade; e se tiver alguma recompensa, ele
quer para já e faz tudo às pressas.
É possível notar nitidamente tal fato quando se compara crianças
com TDAH com outras que não possuem o transtorno, traçando um com-
parativo do funcionamento cerebral desse sistema de recompensa.

TDAH e o sistema de recompensa



O que acontece com o indivíduo que tem TDAH e o sistema de re-
compensa dopaminérgico:

37
1) Como tem uma baixa ativação do sistema de recompensa, pois tem
pouca dopamina, ele acaba extinguindo precocemente uma postura (de-
sempenha atividades que não oferecem recompensa com baixa vigilân-
cia e motivação);

2) Ocorre um condicionamento fraco, o indivíduo se autoprepara de for-


ma baixa, pensa logo em executar a tarefa do seu jeito e não da maneira
que lhe é exigido;

3) Dificuldade grande de autoengajamento, se não tiver uma recompen-


sa ou um reforço imediato, nem começa a executar uma atividade ou
começa já pensando em terminar. Ou, ainda, inicia sem conseguir ativar
todas as áreas cerebrais necessárias para perceber erros e detalhes.

Portanto, não tem capacidade de irrigar o cérebro adequadamente


nos momentos em que se tem pouca recompensa para fazer atividades
que são fundamentais naquele contexto.

TDAH: Quadro clínico e escolar


O TDAH não possui um marcador biológico, não é um transtorno
que se faz um diagnóstico por meio de exames clínicos laboratoriais ou
de imagem, isto é feito por meio de um estudo de vários sinais e sintomas
que causam problemas específicos. Para o diagnóstico do transtorno, se
utiliza:

38
• DSM-5;
• Escalas de Avaliação Comportamental;
• Perfil neuropsicológico;
• Aspectos desenvolvimentais que devem ser pesquisados na criança;
• Aspectos da estrutura da linguagem (fonológica, pragmática, morfos-
sintática, semântica, etc.);
• Tipos de prejuízos observados na vida social, afetiva e acadêmica;
• Consequências no humor, sono, alimentação, esfíncteres e sensibili-
dade a dor;
• Fatores de risco genético e ambientais.

Em alguns municípios é impossível realizar todos esses itens para


um diagnóstico, como, por exemplo, avaliação neurológica e fonoaudio-
lógica, considerando a carência de profissionais que muitas vezes há
nesses locais. Logo, mesmo esses dois itens sendo importantes, depen-
dendo da experiência do avaliador e do conjunto de pessoas pesquisa-
das, eles não serão tão necessários a princípio. Assim, é preciso apren-
der a observar o comportamento da criança na escola e fora dela.

Tipos clínicos do TDAH



O transtorno possui três tipos clínicos, de transmissão e manifesta-
ção de como esse indivíduo se comporta, funciona e sente no ambiente:
É fundamental separar adequadamente os tipos clínicos de TDAH,
pois possuem apresentação e evolução muito distintas e formas de de-
tecção bem particulares. E, logicamente, que o TDAH do tipo combinado
é o mais fácil de ser detectado uma vez que causa problemas no am-
biente e desarticula o âmbito familiar.

39
Por outro lado, o TDAH do tipo desatento é aquele do tipo quieto,
introspectivo, não dá trabalho e, por isso, ninguém repara na escola, mas
apresenta baixo rendimento escolar porque não se concentra.

Critérios diagnósticos (DSM-5, 2013)

Déficit de atenção

• Desatenção a detalhes e erros


• Dificuldade em sustentar atenção (desiste fácil das coisas)
• Parece não ouvir (por causa da falta de atenção)
• Dificuldade com o cumprimento de tarefas instrucionais, regras e pra-
zos
• Desorganização
• Evita/reluta tarefas de esforço mental, especialmente as monótonas e
repetitivas (precisa de motivação positiva ou negativa)
• Perde, esquece objetos
• Alta distractibilidade
• Não automatiza tarefas do cotidiano

Hiperatividade e impulsividade

• Movimento excessivo do corpo durante uma postura ou tarefa em que


é necessário um autocontrole
• Dificuldade em permanecer sentado
• Sobe, escala, exposição a perigos
• Acelerado para as atividades
• Faz tudo a “mil”
• Fala demais e se intromete
• Responde antes de concluir perguntas

40
• Dificuldade em esperar
• Interrompe importunamente

Logicamente não se pode ter como base somente os critérios, mas
é preciso tê-los como algo formal para se orientar.

Outras características do TDAH



Além dos sinais e sintomas-alvo do TDAH em si, há outras caracte-
rísticas:

• Sono
• Atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor
• Mais alergias
• Problemas escolares diversos
• Problemas motores
• Problemas espaciais
• Problemas de comportamento global (comorbidades de ansiedade,
opositivo-desafiadoras, autísticas)
• Maior risco de epilepsia
• Baixa sensibilidade a dor (não em todos os casos)
• Risco de traumas (se machucar)

Aprendizagem escolar

A área acadêmica é uma questão importante dentro do TDAH, por-


que a aprendizagem escolar se diferencia das aprendizagens em ou-
tros ambientes ou com brinquedos lúdicos da criança. O aprender exi-
ge: prontidão afetiva, maturidade neuro-bio-emocional, pré-requisitos de

41
desenvolvimento completados adequadamente nos primeiros 5 a 6 anos
de idade, formalidade (regras, prazos), processo estruturado, sequen-
ciação de tarefas, postura comportamental, atenção e concentração.

Comportamento acadêmico

O comportamento acadêmico é um processo imenso que come-


ça nos primeiros 5 a 6 anos de vida e segue até a faculdade, podendo
se estender por ainda mais tempo. Ou seja, é todo processo que exige
evolução instrumental do indivíduo no sentido de adquirir as habilidades
acadêmicas que são necessárias para a sua evolução, e isso varia con-
forme a cultura, ambiente familiar e a sua capacidade. Também é um pro-
cesso que leva em consideração a atitude do indivíduo em relação aos
processos escolares. A prontidão e postura para o processo acadêmico,
que dependem, entre outras coisas, da satisfação com o ambiente e o
professor; requer, no mínimo, de rendimento, memorização, sentimento
de sucesso e autossatisfação.
Todos esses fatores envolvem o comportamento acadêmico e quan-
do vai avaliá-lo é necessário considerar esses sete quesitos. Além disso,
é preciso dividi-lo em duas grandes vertentes:

• Conhecimentos e habilidades adquiridas (comportamento acadêmico


básico)
- Leitura
- Escrita
- Matemática
- Informação

42
• Sucesso no ambiente escolar (evolução)
- Séries
- Reprovações
- Curso de escolarização (satisfação)
- Nível de escolarização atingida

Por meio dessas análises é possível entender o que acontece com


o indivíduo que não tem ou tem TDAH.

Sucesso no ambiente acadêmico

Depende da aquisição e apropriação das habilidades básicas (lei-


tura, escrita, matemática e grau de informação) e a evolução do proces-
so acadêmico durante as séries.
De acordo com uma visão atual, não se pode achar que o mau de-
sempenho escolar é um processo puramente cultural-afetivo, é necessá-
rio ter uma visão mais ampla, pois além desses fatores sociais, culturais
e afetivos se tem os neurobiológicos também. Ou seja, existem causas
biológicas para o mau desempenho escolar e o TDAH está em uma de-
las.
O artigo Desempenho escolar e transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade evidencia que o sucesso acadêmico no TDAH é inferior
quando comparado a indivíduos que não apresentam o transtorno ou
qualquer outra restrição. Ainda, artigos mais atuais mostram que indi-
víduos com TDAH têm oito vezes mais riscos de não conquistar o seu
diploma.
Outro aspecto significativo na evolução educacional do indivíduo
com TDAH é a importância de realmente modificar o ambiente acadêmi-
co com atitudes psicoeducativas, psicoafetivas e de melhora na estrutu-
ração do processo ensino-aprendizagem. Conforme demonstra o artigo

43
Educational Outcomes of a collaborative School-Home Behavioral Interven-
tion for ADHD esse tipo de conduta é fundamental para transformar o
futuro e a evolução do indivíduo com TDAH no ambiente escolar, fazendo
com que situações de risco se transformem em situações de oportunida-
de.
Desse modo, a pouca satisfação escolar e esse risco de fracasso
no processo acadêmico, leva a consequências afetivas, sociais e a várias
outras que se coadunam a esse processo.

Dificuldades na alfabetização

A alfabetização define-se como o processo de aquisição e apro-
priação do código alfabético, ou seja, a percepção do som e da grafia
da letra. A partir do momento em que o indivíduo adquire a união entre
essas duas condições, auditiva e visual, ele está começando a ser alfa-
betizado. O processo de alfabetização depende da aquisição de pré-re-
quisitos de percepção visual e auditiva, da construção e estruturação da
linguagem da criança e também de estruturação motora.
No início do processo acadêmico, a criança precisa de muito mais
atenção e de uma boa estruturação de suas funções executivas, para
que possa se adequar às propostas e metodologias utilizadas para a
alfabetização.

Evidências do TDAH com alfabetização

Ainda hoje existem poucos estudos com evidências científicas re-


lacionando o TDAH à alfabetização, porém alguns artigos já vêm mos-
trando a significância de dar maior valor à observação de processos
atencionais da criança já nessa fase.

44
A alfabetização é um processo que exige controle motor e contro-
le de linguagem. Essas são características em que crianças com TDAH
podem apresentar déficits, apresentando maiores dificuldades em se al-
fabetizar. Além disso, existem evidências que mostram que uma criança
com TDAH tem de 2 a 7 vezes mais chances de apresentar dificuldades
na construção da linguagem, o que também pode prejudicar essa etapa
do desenvolvimento.
Sendo assim, as crianças precisarão de uma mediação muito maior
do professor para que a alfabetização se faça da melhor forma possível.
Os estudos nessa área falam muito da necessidade de um maior enga-
jamento do alfabetizador da criança que apresenta sinais de TDAH, do
contrário ela provavelmente ficará com lacunas nesse processo e toda
consolidação da alfabetização será prejudicada, fazendo com que pas-
se uma parte da sua vida escolar com dificuldade de compreensão de
leitura.
Outras evidências mostram que as habilidades atencionais são
também muito importantes para que a criança adquira uma alfabetiza-
ção adequada. Sabemos que existem vários critérios fundamentais para
adquirir uma boa alfabetização, são eles:

• Aquisição da linguagem oral;


• Processamento fonológico: reconhecer o som das letras e capacida-
de de associá-los à grafia correta;
• Reconhecimento da diferença entre figuras impressas e desenhos co-
muns;
• Além disso, a criança deve ter boas habilidades atencionais, ou seja,
precisa estar em uma situação boa, no ponto de vista de atenção exe-
cutiva e concentração.

45
Sabemos que o processo escolar, especialmente no Brasil, não se
preocupa muito em identificar essas dificuldades e fazer uma interven-
ção precoce. Desta forma, muitas crianças acabam sendo empurradas
para aprovações automáticas, sem levar em consideração se está plena-
mente alfabetizada ou se apresenta algum sinal de risco, chegando no 3°
ou 4° ano com insuficiência de compreensão de leitura.
Todos os testes e programas, nacionais e internacionais, que fa-
zem avaliações periódicas da capacidade de leitura e escrita das nossas
crianças, têm mostrado que o Brasil tem ficado nas últimas posições, o
que pode ser explicado por vários motivos, sendo um deles justamente
a falta de preocupação em identificar se a criança apresenta sinais de
déficit de atenção, por exemplo.
Existem basicamente seis sinais que ajudam o professor a iden-
tificar, ou pelo menos levantar a suspeita de que essa criança que não
está conseguindo ter a mesma performance de outros colegas, possa ter
desatenção.

1: Dificuldade em persistir nas atividades adequadas a sua idade;


2: Persiste nos mesmos erros e falhas de reconhecimento gráfico;
3: Pouca memorização de sons de letras;
4: Problemas de coordenação motora e espacial;
5: Dificuldade de manipulação dos sons e associação com a grafia das
letras;
6: Dificuldades de socialização e de realizar atividades de grupo.

Dificuldades de leitura

A leitura não é um processo fácil, exige um alto engajamento de


várias áreas cerebrais, autoengajamento e esforço mental prolongado.
Para o ato da leitura, é necessário recrutar de 30 a 40 áreas do cérebro
ao mesmo tempo.

46
Assim, para podermos ler adequadamente, necessitamos da aten-
ção seletiva e sustentada, pois é preciso concentrar, focar e manter
a atenção. A partir do momento em que o indivíduo passa a ter esse
engajamento atencional, são ativadas duas vias: uma auditiva e outra vi-
sual. A via visual é a ativação de áreas no cérebro que permitem a visão
espacial, com movimentos sacádicos da esquerda para a direita, ter o
reconhecimento das letras, palavras e seu conjunto sequencial para que
se possa compreender a frase e fazer inferências de análise, síntese e in-
terpretação. Ao mesmo tempo, áreas auditivas são ativadas, onde se faz
o reconhecimento dos sons das letras, dos sons das sílabas e da palavra
pronta, fazendo um processo de decodificação e codificação, associan-
do essas palavras aos seus significados, que é a associação semântica.
Por fim, durante e ao término do processo, tem que, automaticamen-
te, trazer para o processo de leitura, as memorizações de aprendizagens
anteriores e atuais para que se possa entender o texto, contextualizá-lo,
problematizá-lo. Para um cérebro sem marcas de alterações biológicas
todo esse processo já é bem cansativo, para um cérebro que tem baixa
autorregulação emocional e cognitiva para cumprimento de tarefas sem
recompensa, que é o caso do TDAH, é ainda mais difícil.
A leitura é uma habilidade complexa, que deve ser construída por
meio de várias sequências e pré-requisitos básicos para aprender a ler.
A leitura consolidada, estando a criança alfabetizada, passa a usar o
instrumento de leitura para aprender outros conteúdos. No desenvolvi-
mento escolar infantil, a leitura é um processo de duas fases:

1) Aprender a ler
- Desenvolvimento de aprendizagens fonológicas, ou seja, consciência
dos sons das letras;
- Transformar os sons dos símbolos gráficos (decodificação fonêmico-
-grafêmica);

47
- Estruturação de linguagem (habilidade lexical, semântica, pragmática
e morfo-sintática);
- Memorização sintática;
- Associar informações não-verbais com as verbais.

2) Ler para aprender


- Habilidades discursivas;
- Vocabulário;
- Memória de trabalho verbal e não-verbal;
- Interpretação de texto;
- Análise e síntese textual;
- Uso funcional da leitura.

O TDAH passa por seis fases que podem prejudicar a leitura:

1) Manter a informação do que está lendo;


2) O controle desse processo de informação (em que momento deve pa-
rar ou dar foco);
3) Examinar a relevância de um dos itens que está na leitura;
4) Selecionar o que é importante e inibir o que não é (deixar de lado es-
tímulos inúteis para o cumprimento da leitura);
5) Integrar o que acabou de ser lido ao conhecimento prévio que já se
tinha;
6) Usar o que acabou de ser lido para utilizar isso em outras fases do
desenvolvimento escolar ou em outros contextos.

Em suma, no processo de aprender a ler, a dificuldade do indivíduo


com TDAH está em: problemas de consciência fonológica e de memória
de trabalho verbal e não-verbal, maior risco de apresentar dificuldade
na aquisição de todo o processo da linguagem, controle visuo-motor, e
problemas atencionais e comportamentais.

48
Já no processo ler para aprender, se tem as seguintes dificulda-
des: baixo rendimento em atividades de memorização e atenção susten-
tada que usam a leitura, pobreza em interpretação, principalmente de
textos, dificuldades em análise e síntese, baixa percepção de detalhes e
sequências durante o processo textual.

Déficit na memória de trabalho e na inibição de


informações irrelevantes

Como o TDAH tem baixo nível de atenção, consequentemente ele
tem mais prejuízos na memória de trabalho e maior dificuldade em inibir
informações irrelevantes. Essas crianças podem:

• Evitar rever erros, ou seja, a leitura pode não ser boa, mas não conse-
guem voltar atrás para revê-los;
• Ter baixo nível de vigilância para o processo de leitura;
• Apresentar fragmentação e lacunas de conteúdo, ou seja, faz a leitura
de maneira displicente;
• Proferir “eu acho” em vez do que realmente estava escrito, por não
prestar atenção no que está lendo;
• Confundir e trocar termos e localização de fragmentos. Acaba de ler,
mas não consegue encontrar determinada página no texto;
• Fazer uma leitura superficial, deixando os detalhes do que foi lido, de
lado;
• Faz a leitura rapidamente e até pula determinadas partes para termi-
nar mais rápido;
• Ter dificuldades para escrever.

49
Escrita

A escrita é uma habilidade que o ser humano adquire desde que


entra no processo de desenvolvimento, nos primeiros anos de vida, pas-
sando por processos de estimulação ambiental e a aquisição de matu-
ração psicomotora para que tal habilidade se torne cada vez mais espe-
cializada.
Dentro de todo esse aparato simbólico, a escrita também é um pro-
cesso motor, mas que depende muito do recrutamento de diversas áreas
cognitivas específicas, inclusive as que trabalham em conjunto com os
processos de leitura. Por isso, entende-se que a leitura e a escrita cami-
nham de mãos dadas.
Todavia, a escrita é um processo mais especializado e complexo
que pode ser mais difícil para a criança com TDAH na escola. Pois, além
de todo o processamento visual, auditivo e fonológico que é necessário
no processo de escrita, também depende bastante da coordenação mo-
tora.
Ademais, a escrita exige um padrão de evolução desenvolvimental
e mediação pedagógica mais ampla para que ocorra uma lapidação es-
truturada do processo e que a criança venha a adquirir toda a habilidade
de escrita da melhor forma possível.
©Shutterstock/ GoodStudio.

50
Ato de escrever

O ato de escrever depende de várias áreas cerebrais e habilidades


cognitivas, apresentadas no quadro abaixo:

ATO DE ESCREVER
Atenção seletiva e
sustentada

Percepção Visual e Auditiva

Planejamento Motor
e Visual

Reconhecimento
Grafêmico e Fonológico

Ditado Cópia Processamento Coodenação


Ortográfico Motora

Implicações da escrita e o TDAH

Para se ter uma escrita adequada é preciso ter um bom processa-


mento ortográfico (lembrar das regras, pontuação, ter noção de concor-
dância, etc). O texto tem que ter coerência, com sequência de ideias e
seguir um padrão desenvolvimental. É preciso apresentar um bom traba-
lho de análise e síntese de ideias.

51
Escrever requer fazer-se entender pelos leitores, tem que ter obje-
tivos e utilizar elementos retóricos. Saber fazer esboço, detalhes especí-
ficos e também demonstrar uma certa complexidade no texto para que
este tenha uma qualidade literária. É necessário fazer o uso de informa-
ção contida na memória de outras vivências com manipulação de todos
os dados necessários e aplicados para determinado tema.
Assim, os problemas frequentes dos indivíduos com TDAH e que,
mesmo depois de terem passado por todo o processo de aprendizagem
da leitura e da escrita persistem por anos, são: erros sintáticos, incoe-
rência, uso de estrutura simples e vocabulário básico, planejamento sim-
ples, pouca supervisão, baixa criatividade, histórias curtas e omissão de
palavras-chave.

Dificuldades na escrita e TDAH

O TDAH complica a escrita nos seguintes aspectos:

1) No processamento ortográfico, pois há dificuldade de memorizar re-


gras e sintaxe.
2) Dificuldade ampla de coordenação motora tanto no sentido caligráfi-
co, porque eles têm dificuldade com ritmo, persistência e controle inibi-
tório do processo de coordenação, quanto na espacialidade, ou seja, a
distribuição dessas palavras ou frases no espaço determinado.
3) Dificuldade de planejamento, como montar o texto com coerência e
associar o assunto e as palavras do vocabulário que serão utilizadas.
Além de dificuldade de memória de trabalho.

Todos esses três fundamentos básicos de escrita estão prejudica-


dos na criança com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. 20
a 40% das crianças com TDAH apresentam transtornos de aprendiza-

52
gem de leitura e escrita; quase 40% das crianças vão ter problemas para
aprender, manter e utilizar a escrita como recurso do processo acadêmi-
co e isso é muito mais comum em criança com TDAH do tipo desatento.
Portanto, a criança precisa ser constante e intensamente instigada
para dar conta do processo de escrita. É evidente que as dificuldades
não desaparecerão tão facilmente, aí entra o papel da mediação da es-
cola e da identificação das dificuldades.

Dificuldades na Matemática

O processamento cerebral e a aprendizagem da matemática re-


quer a utilização de algumas habilidades fundamentais: a consciência
numérica, a linguagem matemática, a memória de trabalho verbal e não-
-verbal, memorização de longo prazo e atenção seletiva para o passo-a-
-passo.
A consciência numérica, assim como a consciência fonológica, é ter
habilidade inata adquirida de reconhecer os sons das letras. A criança
deve ser estimulada desde muito pequena a desenvolver as habilidades
de reconhecer quantidades, volumes, grandezas e conceitos numéricos.
Desde o primeiro ano de vida, a criança sabe o que é “um” e o que é
“nada”, e aos poucos ela adquire a consciência numérica, principalmen-
te quando começa a ter uma base de raciocínio matemático dentro do
seu convívio com as pessoas em conjunto.
Já a linguagem matemática diz respeito ao uso de termos, sinais e
símbolos voltados para a matemática.
A matemática é feita de dois tipos de memórias de trabalho verbal
e não-verbal. Uma voltada para conceitos espaciais e outra ligada à lin-
guagem e representação gráfica de conceitos. A memória de trabalho
verbal é a representação gráfica dos números e símbolos. Já a memória

53
de trabalho não-verbal é a noção de empréstimo para o lado direito ou
esquerdo, noção de subtração, proporção etc.
A memorização de longo prazo (conceitos, regras e propriedades)
corresponde à possibilidade de ter à disposição do cérebro os concei-
tos que se aprendem desde os primeiros anos escolares.
A atenção seletiva e sustentada para o “passo-a-passo” é a capaci-
dade de aplicação de todas as habilidades anteriores no momento certo,
de maneira que possa resolver adequadamente problemas relacionados
ao raciocínio lógico matemático.
Na imagem a seguir, podemos observar de que forma ocorrem os
processos de aprendizagem de habilidades matemáticas.

Fonte: Adaptado de Zentall (2006).

54
Na coluna da esquerda, podemos ver as habilidades cerebrais par-
ticipantes dos processos de aprendizagem matemática e, na coluna da
direita, as habilidades matemáticas propriamente ditas, importantes para
a formação do processo de raciocínio e de apropriação do aprender e
do conduzir processos matemáticos.
Podemos observar na imagem a atenção seletiva, que é extre-
mamente importante para selecionar o fato matemático específico; a
atenção sustentada, junto com a memória de trabalho verbal, que leva
à fluência e recuperação de dados; o raciocínio verbal, que é a utili-
zação dos símbolos e dos códigos matemáticos para a resolução de
problemas; e, por fim, o raciocínio não-verbal, que é a aplicação do
conceito, da noção abstrata de determinada propriedade que está sen-
do utilizada no momento.

TDAH e Matemática

Sabendo que o TDAH leva a problemas variados de atenção, obvia-


mente pessoas com esse transtorno terão mais dificuldades em matemá-
tica. Enquanto na população geral, 6 a 7% das pessoas têm dificuldade
em aprender matemática, em crianças com TDAH, essa dificuldade é
muito maior, chegando a 31%. Apesar dos indivíduos com TDAH terem
um QI muito bom, a performance é ruim, então há uma progressão de
baixo rendimento, ou seja, mesmo tendo boa capacidade intrínseca e um
potencial natural, acabam tendo muito mais dificuldades de rendimento.
Além disso, observa-se que 25% dos alunos com dificuldades em mate-
mática têm TDAH.
O problema da matemática no TDAH está justamente no déficit de
atenção sustentada e na memória de trabalho, além do descontrole ini-
bitório. Quando está resolvendo um problema matemático, durante a lei-
tura do enunciado e a colocação passo-a-passo de toda a resolução,

55
precisa-se estar a todo o momento decidindo entre o que se deve e o
que não se deve utilizar.
Nessa questão automática de raciocínio, o indivíduo com TDAH tem
muita dificuldade no controle inibitório do “não deve”, e acaba colocan-
do sinais que não devia, números que não eram necessários, não per-
cebendo que deixou para trás alguns conceitos essenciais para aquela
expressão numérica.

Avaliação, testes e diagnósticos


Agora, falaremos sobre os sinais e sintomas associados ao Trans-
torno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e quais são os parâmetros
e instrumentos que podem ser utilizados para direcionar e auxiliar no
fechamento do diagnóstico.

DSM-5 e Escalas de Avaliação

O DSM-5 é um manual de descrição de transtornos mentais utiliza-


do como referência para toda comunidade médica, nacional e interna-
cional, para o diagnóstico de quaisquer transtornos mentais. Os critérios
atuais constantes no DSM-5 são resultado de quinze anos de pesquisa
com envolvimento de mais de trezentos pesquisadores, com suporte de
vários especialistas. 30% dessas pessoas não possuíam formação psi-
quiátrica, dando uma característica multidisciplinar para a definição dos
critérios, todos eles embasados em evidências científicas.

Critérios diagnósticos do TDAH, de acordo com o


DSM-5

Déficit de atenção
- Desatenção a detalhes e erros;

56
- Dificuldade em sustentar atenção: dificuldade de manter o foco por mui-
to tempo, especialmente em situações que exijam esforço mental prolon-
gado, organização, regras e rotinas, atividades sequenciais, entre outros;
- Parece não ouvir;
- Dificuldade com instruções, regras e prazos;
- Desorganização;
- Evita/reluta tarefas de esforço mental;
- Perde, esquece objetos;
- Alta distractibilidade: se distrai facilmente com qualquer coisa inútil du-
rante uma tarefa importante, reduzindo o rendimento e a eficácia no que
está fazendo;
- Não automatiza tarefas do cotidiano.

Hiperatividade e Impulsividade
- Movimento excessivo do corpo durante postura;
- Dificuldade em permanecer sentado;
- Sobe, escala, exposição a perigos;
- Acelerado para as atividades;
- Faz tudo “a mil”;
- Fala demais e se intromete;
- Responde antes de concluir perguntas;
- Dificuldade em esperar;
- Interrompe inoportunamente.

A partir do momento em que a criança começa a apresentar os


primeiros sintomas, o que deve sempre ocorrer antes dos doze anos, é
importante que já seja iniciado o tratamento antes que sejam causados
prejuízos.
Segundo estudos, 95% dos sintomas ocorrem antes dos doze anos

57
e 50% apresentam-se antes dos sete anos de idade, o que possibilita que
o diagnóstico seja feito bem cedo.

Escalas de Avaliação

As escalas de avaliação são muito importantes pois oferecem in-


formações mais acessíveis sobre o transtorno na prática do cotidiano,
possuindo um padrão estatístico bem definido que auxilia na correta gra-
duação para fazer o diagnóstico. Outra vantagem dessas escalas é que
são de fácil acesso e podem ser utilizadas por pais, escolas e profissio-
nais de saúde e educação, mesmo que não sejam especialistas.
Essas ferramentas são complemento importante junto aos aspec-
tos clínicos observados nas entrevistas com as crianças, além de ajudar
na monitoração da evolução do tratamento e permitir avaliar o impacto
na qualidade de vida dos pacientes.

As escalas utilizadas são:

- ADD-H Comprehensive Teacher’s Rating Scale;


- ADHD Rating Scale-IV;
- ADHD Symptom Checklist-4;
- Behavoir Assessment System for Children;
- Brown ADD Scales for Children and Adolescents;
- Conners Comprehensive Behavior Rating Scales;
- Conners Early Childhood;
- SNAP-IV.

Entre as escalas citadas, somente a SNAP-IV foi traduzida para o


português e está disponível gratuitamente no site da Associação Brasi-
leira de Déficit de Atenção e é a escala mais utilizada no país.

58
O SNAP-IV completo possui mais de 90 itens de avaliação, mas
existe uma versão resumida desta escala que pode ser utilizada na es-
cola ou pelos pais.
No SNAP-IV cada item deve ser avaliado quantitativamente: Nada
– Pouco – Bastante – Demais, sendo que Bastante e Demais valem um
ponto. Se a soma dos pontos for maior do que dez, há risco significativo
do indivíduo ter TDAH. É importante ressaltar que somente a escala não
define o diagnóstico, sendo utilizada juntamente com a avaliação clínica,
escolar e também de outros profissionais que acompanham o caso.

Entrevista com os pais: investigação de fatores
genéticos, perinatais e desenvolvimentais (DNPM)

A entrevista com os pais é extremamente importante, pois é a base


de toda e qualquer avaliação na medicina e o TDAH não foge à regra,
especialmente por não ter um marcador biológico. Quando trabalhamos
com transtorno comportamental, os dados coletados na entrevista com
os pais e cuidadores são fundamentais no diagnóstico.
Existem pontos fundamentais a se explorar na entrevista com os
pais. São eles:

• Queixa principal: qual a preocupação principal que levou os pais e


cuidadores ao consultório (comportamento, falta de concentração,
problemas de aprendizagem, problemas no desenvolvimento, entre
outros);
• Investigação relacionada à queixa principal: nesse ponto é muito im-
portante que o profissional conheça profundamente os sinais e sinto-
mas do TDAH para que consiga elaborar mentalmente um questioná-
rio com as perguntas adequadas para a investigação;
• Tempo decorrido;

59
• Prejuízos observados em casa e/ou na escola;
• O que a escola tem referido: qual o relato do professor em relação aos
quesitos observados na criança;
• História perinatal e familiar: é essencial saber se existem casos de
transtornos de desenvolvimento na família ou qualquer condição mé-
dica com alto índice de herdabilidade;
• Intercorrências do nascimento até hoje.

Testes neuropsicológicos

A neuropsicologia é uma ciência que se dedica a elucidar e avaliar


as habilidades cerebrais que são recrutadas e utilizadas durante o fun-
cionamento do cérebro em determinados comportamentos ou tarefas.
Baseia-se em dados e propedêuticas da anamnese da psicologia, mas
com ênfase a aplicação de baterias de testes de avaliação e a corre-
lação delas com as queixas cognitivas, comportamentais e/ou afetivas
trazidas pelo paciente.

Avaliação neuropsicológica no TDAH

Avaliação neuropsicológica no TDAH auxilia no raciocínio clínico


frente às queixas da família, pois ajuda a trazer esses dados para um pa-
tamar mais aprofundado e objetivo. Também mostra as habilidades cog-
nitivas que estão mais em déficit na criança e as que estão melhor, per-
mite um planejamento melhor dos passos que devem ser implementados
em todo o processo de tratamento interdisciplinar. No TDAH, especifica-
mente, a avaliação neuropsicológica ajuda a destacar outras condições
que podem piorar a evolução do transtorno e atrapalhar o tratamento,
como a deficiência intelectual ou os transtornos de aprendizagem.

60
Avaliação neuropsicológica: alguns testes utilizados

O profissional que está devidamente capacitado a aplicar esses


testes é o neuropsicólogo e na ausência desse profissional, pode ser
aplicada por um psicólogo que tenha experiência, formação e que saiba
interpretar de forma adequada.
Os testes utilizados são:

• Atenção (Stroop Test, GoNoGo, D2, Neupsilin)


• Funções executivas (WISC-IV, Wiscosin, Torre de Londres, Trail Making
Test A/B, Cancelamento)
• Memória de trabalho verbal e não-verbal (WISC-IV, RAVLT)
• Processamento temporal (Variabilidade de tempo e Reação)
• Controle inibitório (Stroop Test, GoNoGo, Stop Test)
• Nível intelectual (WISC-IV, Raven)
• Escalas de avaliação comportamental (SNAP – bastante utilizada no
Brasil e SWAN – avaliação inicial)

O primordial é que além de avaliar quantitativamente o resultado


desses testes, é possível avaliar a criança qualitativamente, levando em
consideração os pontos em que ela se dá “melhor” ou “pior”. Divergên-
cias nos índices dos resultados são muito mais significativas para avaliar
no contexto do TDAH do que o resultado total.

Testes fonoaudiológicos

A atenção é essencial para o bom desenvolvimento da linguagem


oral, das habilidades comunicativas da criança, organização gramatical
e dificuldades de memória auditiva.
Por outro lado, indivíduos desatentos têm, ao mesmo tempo, difi-

61
culdades em várias habilidades fonoaudiológicas relacionadas especi-
ficamente a dificuldade de processamento auditivo (não há concentra-
ção suficiente no momento de ouvir/reproduzir frases), fragmentação da
compreensão (não compreende adequadamente), dificuldade na utiliza-
ção da informação e não pensar nas consequências do seu comporta-
mento verbal.
30% dos pacientes com TDAH têm problemas no desenvolvimento
da linguagem, é comum ver pacientes muito agitados e com problemas
de fala. A criança com TDAH faz mais omissões e substituições de fone-
mas (trocas de letras e sons), omissões de sílabas, reduções vocabula-
res, perda de elementos nas frases, fala acelerada ou elevada e dificul-
dade de controle motor da fala.

Avaliação fonoaudiológica

As avaliações fonoaudiológicas servem para avaliar:

• a linguagem oral e discurso com testes de velocidade de leitura oral e


análise do discurso espontâneo e dirigido;
• o processamento auditivo e audição com testes auditivos;
• a estruturação da linguagem e da leitura/escrita com provas de nome-
ação rápida, provas de leitura de palavras e pseudopalavras, escrita
temática e sob ditado;
• as habilidades cognitivas associadas às habilidades fonológicas, apli-
cação de testes como o CONFIAS e memória de trabalho fonológica.

Esses são os quatro itens fundamentais para fazer toda a avaliação


da linguagem e da audição no processo de avaliação fonoaudiológica de
uma criança com suspeita de TDAH.

62
Testes psicopedagógicos

Primeiramente, é imprescindível que no ambiente escolar haja


a cultura de triagem e a identificação de crianças com dificuldade de
aprendizagem desde cedo. Infelizmente, as escolas brasileiras não têm
esse hábito e tampouco uma política ampla voltada para isso.
A avaliação psicopedagógica auxilia nas decisões em relação à
classificação da aprendizagem da criança uma vez que traz à tona os
pontos mais críticos inerentes a sua aprendizagem, possibilitando a
identificação dos reais problemas enfrentados pela criança durante todo
esse processo. Na realidade, o psicopedagogo é a ponte entre os pro-
cessos escolares e de saúde.
A avaliação psicopedagógica tem a finalidade de definir objetivos a
curto e longo prazo na sequência da aprendizagem e no andamento da
criança na escola. Por fim, o psicopedagogo tem o papel de ensinar as
estratégias para resolver determinadas dificuldades de aprendizagem,
de tornar o ambiente propício e receptivo para que a criança se encaixe
e tenha uma evolução satisfatória.
Ainda, avaliação psicopedagógica pode ser definida em 6 passos:

1) Avaliação qualitativa e quantitativa dos aspectos da aprendizagem da


leitura e da escrita.
2) Avaliação qualitativa e quantitativa dos aspectos da aprendizagem da
matemática.
3) Teste de desempenho escolar (TDE) que verifica as áreas de maior
dificuldade da criança.

63
4) Testes de consciência fonológica.
5) Anamnese e histórico escolar.
6) Avaliação do perfil de aprendizagem (maiores dificuldades, avanços,
melhor forma da criança aprender etc.).

Portanto, é fundamental que o psicopedagogo não conheça so-


mente a sua ciência, mas que também conheça profundamente o que
é TDAH e as suas consequências, porque muitas crianças apresentam
insuficiências escolares não por causa do contexto, da infraestrutura da
escola, mas sim devido a uma dificuldade intrínseca desatencional que
os indivíduos com TDAH apresentam. O psicopedagogo deve, portan-
to, ter também conhecimento acerca da neurologia e neurociência da
aprendizagem.
O psicopedagogo deve associar a sua avaliação com fatores com-
portamentais e cognitivos, considerando a ligação entre a escola e a
equipe técnica. Além disso, também é dever desse profissional indicar as
maiores urgências na abordagem de cada criança com TDAH avaliada.
Têm crianças com TDAH que apresentam mínimos déficits pedagógicos
e que, por isso, não precisam ir para o reforço, pois a medicação e o su-
porte resolvem, no entanto, outras necessitam de reforço, pois possuem
maiores dificuldades.

Testes psicomotores

A avaliação motora na criança com TDAH é fundamental visto que


é um transtorno de atenção e é importantíssima para as atividades de
integração e sequência planejada de movimentos. Não é possível fazer
um movimento adequado se não houver foco correto do começo do ato
até o final.
A aprendizagem motora e dos atos motores sequenciais ocorrem

64
mais efetivamente quando os processos são feitos da seguinte forma:
observação, imitação, repetição dos atos e memorização.
A atenção é uma habilidade que controla e faz a conectividade de
todas essas competências ligadas ao ato motor. Então, não é por acaso
que o ato motor possui a atenção como base, porque ela permite que se
memorize o ato motor, dê a ele ritmo e persistência de acordo com con-
texto, sempre utilizando o controle inibitório.

TDAH e ato motor

As crianças com TDAH frequentemente apresentam dificuldades


motoras, sendo a desorganização motora o sinal mais evidente do pro-
blema. Além disso manifestam:

• Imprecisão do ato voluntário, ou seja, o ato que o indivíduo faz de


maneira desorganizada, pouco eficaz, que culmina em cansaço, dor
e desistência;
• Falta de coordenação visuo-motora (percebe, mas no momento de
executar o ato motor, é impreciso) e visuo-espacial (dificuldade de
distribuir o ato motor conforme o espaço), pois não se concentram o
suficiente;
• Dificuldade na antecipação de movimentos;
• Menos agilidade eficaz (desastrada);
• Desarmonia de movimentos;
• Direcionamento ineficaz de movimentos;
• Pouca sistematização das estratégias (faz tudo no improviso);
• Lentidão na automatização de sequências motoras, tem dificuldade
de aprender e apreender o processo, demorando mais para assimilar
atos motores do cotidiano;
• Pressa para concluir, faz mal feito;

65
• Derruba mais, cai mais, se envolve em acidentes, sofre mais culpa
pela fama de desastrado;
• Menos equilíbrio;
• Dificuldade de ritmo em atividades compartilhadas socialmente.

É importante sempre perguntar aos pais e cuidadores se a criança


nasceu já com essas dificuldades motoras ou se isso foi surgindo com
o tempo e quais são as atividades que a criança mais tem dificuldade.
Perguntar ao professor de Educação física se já foi observada alguma
dificuldade para realizar as atividades, também pode auxiliar no diag-
nóstico.

Testes motores

Os testes psicomotores ainda não são reconhecidos no Brasil, por


isso, normalmente os testes motores utilizados são:

• Exame neurológico geral


• Exame neurológico evolutivo
• Escala de desenvolvimento motor de Rosa-neto

Diagnóstico TDAH

O diagnóstico do TDAH é complexo e nos leva a ter que buscar ou-
tros recursos, porque não existe um marcador biológico. O conhecimen-
to superficial sobre o transtorno também dificulta o diagnóstico precoce,
visto que muitos profissionais da saúde e educação ainda não sabem
exatamente o que é TDAH.

66
Além disso, o TDAH é um transtorno que sofre muito preconceito
dependendo da cultura, do lugar e de áreas que têm fortes influências
ideológicas de processos histórico-sociais, como se o TDAH fosse um
processo gerado pela forma de educar a criança, o que não é verdade.
Ainda, não há exames específicos para fechar o diagnóstico e ava-
liar o comportamento é complexo. É uma questão muito mais dimensio-
nal, ou seja, quanto mais dados sobre o comportamento são avaliados,
mais próximo estamos de chegar a um diagnóstico.

Diagnóstico: primeiros passos

Por isso, para chegar a um diagnóstico é preciso:

1) Conhecimento teórico aprofundado.


2) Prática de atendimento clínico – acompanhar os resultados dos trata-
mentos que são implementados.
3) Valorizar as queixas escolares.
4) Dar atenção ao sofrimento dos pais e cuidadores.
5) Conhecer todas as comorbidades médicas e neuropsiquiátricas asso-
ciadas ao TDAH.
6) Investigar os sinais precoces desde os primeiros anos de vida e o his-
tórico genético.

Assim, o diagnóstico do TDAH tem que estar envolvido por cinco


pilares: médico especialista, escolas, exames (avaliação complementar),
profissionais de saúde e pais e cuidadores.

67
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diag-
nóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed
Editora, 2014.

BRITES, C.; SERGEANT, J. A. TDAH à luz do modelo cognitivo-energé-


tico. In: CIASCA, S. M. et al. Transtornos de Aprendizagem: do diag-
nóstico precoce às estratégias de intervenção. São Paulo: Book Toy,
2015.

CORREIA Filho, A. G., et al. Princípios e práticas em TDAH-Transtor-


no de déficit de atenção/hiperatividade. Porto Alegre: Artmed Editora,
2003.

CIASCA, S. M.; CAPELLINI, S. A.; TONELOTTO, J. M. F. Distúrbios espe-


cíficos de aprendizagem. In: CIASCA, S. M. Distúrbios de Aprendiza-
gem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicó-
logo, 2003.

CLEMENTS, SAM D. Minimal brain dysfunction in children: Terminology


and identification. Phase one of a three phase project. Vol. 55. US De-
partment of Health, Education and Welfare, 1966.

DIAMOND, MARIAN; HOPSON, JANET. Árvores maravilhosas da men-


te. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

DOUGLAS, V. Stop, look and listen: the problem of sustained atten-


tion impulse control in hyperactive and normal children. Canadian
Journal of Behavioral Science, 1972.

68
HALPERN, RICARDO, AND AMIRA FIGUEIRAS. Environmental influen-
ces on child mental health. Jornal de pediatria 80, 2004.

KRAMER F, POLLNOW H. Uber eine hyperkinetische Erkrankung im


Kindesalter. Aus der Psychiatrischen und Nerven-Klinik der Charité
in Berlin. Mschr Psychiat Neurol. 1932.

GOLDSTEIN, KURT. After effects of brain injuries in war: their evaluation


and treatment. The application of psychologic methods in the clinic.
Grune & Stratton: 1942.

PASTURA, GIUSEPPE MÁRIO C., PAULO MATTOS, AND ALEXANDRA


PQ ARAÚJO. Desempenho escolar e transtorno do déficit de aten-
ção e hiperatividade. Archives of Clinical Psychiatry. São Paulo. 32,
2005.

PFIFFNER, LINDA J., ET AL. Educational outcomes of a collaborative


school–home behavioral intervention for ADHD. School Psychology
Quarterly 28.1, 2013.

POLANCZYC G, SILVA DE LIMA M, LESSA HORTA B, BIEDERMAN J,


ROHDE LA. The Worldwide prevalence of ADHD: a systematic review
and metaregression analysis. Am J Psychiatry 2007.

SIQUEIRA, CLÁUDIA MACHADO, AND JULIANA GURGEL-GIANNETTI.


Mau desempenho escolar: uma visão atual. Revista da Associação
Médica Brasileira 57.1, 2011.

ZENTALL, T.R. Imitation: definitions, evidence, and mechanisms. Anim


Cogn 9, 2006.

69
MUITO OBRIGADO
ABRAÇOS, EQUIPE NEUROSABER!

SIGA NAS REDES SOCIAIS CLICANDO ABAIXO

70

Você também pode gostar