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REVISTA DE

JORNALISMO
ESPM COLUMBIA
JOURNALISM
EDIÇÃO BRASILEIRA DA

REVIEW
Imprensa livre, Democracia forte

DE OLHO
NO UMBIGO
QUANDO, ONDE, COMO E POR QUE
A IMPRENSA DO BRASIL CRITICOU A SI MESMA
ALZIRA ALVES DE ABREU e FERNANDO GABEIRA
CADERNOS DE JORNALISMO DO JB
CARLOS VOGT
OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
GAUDÊNCIO TORQUATO
CADERNOS DE COMUNICAÇÃO PROAL
LÚCIA COSTA
CRÍTICA DA INFORMAÇÃO
PAULA CESARINO COSTA
OMBUDSMAN NO BRASIL
Enquanto isso lá fora:
ESTHER ENKIN
OMBUDSMAN NO MUNDO
MICHAEL SCHUDSON
O “MEDIA CRITICISM” NUNCA FOI TÃO BOM

DOSSIÊ ESPECIAL
UM ESTUDO DO TOW CENTER FOR DIGITAL JOURNALISM
SOBRE AS NOVAS PLATAFORMAS DA MÍDIA
ENTREVISTA EXCLUSIVA: STEVE COLL
O DIRETOR DA ESCOLA DE JORNALISMO DE COLUMBIA
REVELA AS FRONTEIRAS ATUAIS DO ENSINO
CAPA: KIKO FARKAS

ESPM JUL/DEZ 2017


ISSN 2238-2305

9 772238 230504 00020


Nº 20 / ANO 6 / R$ 20,00

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A IMPRENSA
NAS PLATAFORMAS
COMO O VALE DO SILÍCIO REESTRUTUROU O JORNALISMO

por e m i ly b e l l e tay l o r ow e n
com p e t e b row n , c o d i h au k a , n u s h i n r a s h i d i a n

Sumário executivo Pág. 49


Introdução: da melancia à democracia Pág. 50
A terceira onda do jornalismo Pág. 52
De plataformas a editoras Pág. 54
Opção de sobra – mas a um custo Pág. 55
A construção de sua casa em terreno alheio Pág. 62
A quem pertence o público? Pág. 64
Siga o dinheiro Pág. 65
As plataformas têm a solução? Pág. 69
Facebook e a eleição de 2016 nos Estados Unidos Pág. 71
Um dia extraordinário Pág. 71
De amigos e família à viralização da notícia Pág. 72
Ano de eleição, tempestade perfeita Pág. 74
A resposta do Facebook Pág. 78
Conclusão: uma transferência de poder turbulenta Pág. 80
Entraves estruturais Pág. 81
Um ambiente melhor para a imprensa Pág. 83
Apêndice: Metodologia Pág. 83

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o relatório a seguir é fruto de um trabalho contínuo de Editores continuam a transferir a maior parte do jorna-
pesquisa no âmbito do projeto Plataforms and Publishers, lismo que produzem a plataformas de terceiros, mesmo
iniciativa do Tow Center for Digital Journalism, parte da sem a garantia de que o investimento vá dar retorno. Em
Columbia Journalism School. Somos imensamente gratos certas organizações jornalísticas, a publicação deixou de
a todos os entrevistados, cuja colaboração permitiu que ti- ser a principal atividade – tendência que deve seguir fir-
véssemos uma compreensão e uma visão muito maiores me à medida que mais meios abrem mão do papel tradi-
das transformações em curso no meio jornalístico do que cional de editor.
imaginávamos que teríamos no início dos trabalhos. O relatório a seguir, parte de um trabalho contínuo de pes-
Gostaríamos de agradecer a Steve Coll e Sheila Coronel, quisa do Tow Center for Digital Journalism, da Columbia
diretores da Columbia Journalism School, pelo apoio e Journalism School, traça a convergência entre jornalismo
orientação. Nosso agradecimento se estende a todos os e plataformas digitais. No intervalo de 20 anos, o modelo
pesquisadores e bolsistas do Tow Center que contribuí- de negócios e de distribuição do jornalismo sofreu três mu-
ram de alguma forma para esse projeto – especialmente danças importantes: a migração do analógico para o digi-
Claire Wardle, Elizabeth Hansen, Priyanjana Bengani, Shant tal, o advento de mídias sociais e, hoje, a primazia do mo-
Fabricatorian, Alex Gonçalves, Mike Lukasiak e Meritxell bile. Nessa última virada, grandes empresas de tecnologia
Roca – e à equipe central de pesquisadores, formada por passaram a dominar o mercado em termos de audiência e
Pete Brown, Nushin Rashidian e Codi Hauka, pelas ideias, publicidade e obrigaram meios de comunicação a repen-
pesquisa e paciência. sar processos e estruturas.
Deixamos um especial agradecimento a Kathy Zhang,
que cuidou da coordenação da logística, de atividades de CONCLUSÕES
apoio e de eventos, e a Nausicaa Renner pela meticulosa
e paciente edição do relatório. Sem Kathy e Nausicaa este • Plataformas digitais assumiram, em um curto espaço
projeto simplesmente não existiria. de tempo, o papel de editores, ou publishers, deixando or-
O projeto é financiado pela Fundação John D. and ganizações jornalísticas perdidas quanto ao próprio futu-
Catherine T. MacArthur, com apoio adicional das seguin- ro. Mantida a convergência no ritmo atual, a publicação –
tes instituições: John S. and James L. Knight Foundation, distribuir, hospedar e monetizar – deve deixar de ser uma
The Foundation to Promote Open Society e The Abrams atividade central de mais e mais veículos de imprensa.
Foundation, Inc. • A competição entre plataformas para lançar produtos
—Emily Bell e Taylor Owen, março de 2017 para editores está ajudando meios de comunicação a atin-
gir um público maior do que nunca. Mas é difícil avaliar as
vantagens de cada plataforma – e o retorno do investimen-
to é inadequado. Diluição da marca, acesso nulo a dados

Sumário sobre o público e migração da receita publicitária são ques-


tões que continuam tirando o sono de publishers.

executivo • Plataformas sociais influenciam o jornalismo em si.


Ao incentivar a produção de formatos específicos de con-
teúdo – como vídeo ao vivo – ou ao ditar padrões gráficos
aos meios, as plataformas assumem um papel claramen-
te editorial.
O impacto de plataformas sociais e empresas de tecnolo- • O fenômeno das notícias falsas – as fake news – duran-
gia no jornalismo americano está sendo maior do que o te a campanha eleitoral nos Estados Unidos em 2016 obri-
da migração do impresso para o digital. Empresas como gou plataformas sociais a assumir uma responsabilidade
Facebook, Snapchat, Google e Twitter estão assumindo maior por decisões de publicação. O grande problema, no
cada vez mais funções de meios de comunicação tradi- entanto, é que a estrutura e a matemática das plataformas
cionais, o que levanta sérias dúvidas sobre a sobrevivên- incentivam a disseminação do conteúdo de baixa qualida-
cia financeira do jornalismo no futuro. Hoje, plataformas de. O jornalismo com valor cívico – o jornalismo que vigia
já não exercem apenas o papel de canal de distribuição – os detentores do poder ou que fala a estratos menos favo-
mas determinam o que o público vê, quem é remunera- recidos da sociedade – é preterido por um sistema que pre-
do por essa audiência e até que formato e gênero de jor- za escala e shareability.
nalismo emplacam. • Plataformas usam algoritmos para organizar e distri-

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buir o conteúdo. Até aqui, não quiseram investir em edi-
ção humana para evitar o custo e a percepção de que uma Introdução:
edição feita por gente seria parcial. Mas, como o jornalis-
mo exige critério editorial, terão de rever essa postura. da melancia à
• Plataformas precisam mostrar mais transparência e
accountability. Embora o jornalismo hoje chegue a mais
gente do que nunca, esse público não tem como saber co-
democracia
mo ou por que recebeu certo conteúdo, como os dados
que está fornecendo às plataformas são usados ou como
sua atividade na internet é manipulada. Já os meios es- Elas [as plataformas] são editoras. Sob muitos aspectos, contro-
tão produzindo mais conteúdo do que nunca, mas sem lam a audiência (…). São a porta de acesso ao público e decidem
saber a quem esssa informação está chegando, nem co- quem entra e quem não entra. É o mundo delas.
mo. Estão à mercê do algoritmo. — Kim Lau, vice-presidente sênior e diretora de desenvolvimento
de negócios, The Atlantic
Na esteira das eleições nos Estados Unidos, há uma opor-
tunidade imediata de converter em ação toda a atenção Em abril de 2016, milhares de engenheiros e executivos
dada ao poder de empresas de tecnologia e ao jornalismo. lotaram um centro de convenções em São Francisco, na
Até pouco tempo atrás, a norma entre plataformas (em es- Califórnia, para participar da conferência anual de desen-
pecial o Facebook) foi evitar a responsabilidade e a impu- volvedores do Facebook. No teatro onde acontecia a discus-
tabilidade da função de publisher – pois isso custa caro. são sobre a mídia, não havia um lugar livre. Executivos de
Lideradas por Facebook e Google, as plataformas foram meios de comunicação do mundo todo se acotovelavam
proativas ao lançar iniciativas voltadas a melhorar o mer- para descobrir o que o Facebook iria fazer para que conse-
cado do jornalismo e promover a alfabetização midiática. guissem ganhar dinheiro com o conteúdo que produziam.
Ninguém toca, no entanto, em questões mais estruturais. No palco, Jonah Peretti, criador do BuzzFeed, e Chris
Organizações jornalísticas só continuarão a ser enti- Cox, um dos fundadores do Facebook e diretor de produ-
dades autônomas no futuro se houver uma reversão de tos da empresa, davam exemplos de coisas que “funcio-
tendências de consumo de informações e gastos com pu- nam” na web social. Um dos destaques era o episódio em
blicidade ou uma transferência considerável de riqueza que dois funcionários do BuzzFeed estrangularam uma
de empresas de tecnologia e anunciantes. Nos Estados melancia com elásticos até o fruto explodir em uma trans-
Unidos, certos meios receberam um empurrão após as missão ao vivo no Facebook Live. A brincadeira chegou
eleições – o chamado “Trump Bump” –, com o aumento a ter 807 mil visualizações simultâneas e foi usada para
de assinaturas e doações. Há indícios de que editores – mostrar como uma inovação do Facebook abria novas
tanto grandes como de nicho – voltaram a investir para oportunidades de geração de receita para os meios. No
conquistar público e fontes de receita sem a intermedia- auditório, muita gente deve ter se identificado com a me-
ção de plataformas. É cedo, no entanto, para dizer se isso lancia, pois também vem sendo estrangulada aos poucos
representa uma mudança sistêmica e não apenas uma por forças externas fora de seu controle. E uma dessas for-
oscilação cíclica. ças é o próprio Facebook.
Veículos de comunicação enfrentam um sério dilema. Sete meses depois, explodia outra bomba no Facebook.
Deveriam seguir no oneroso negócio que é ter uma in- Uma semana após o inesperado resultado das eleições
fraestrutura de publicação própria, com um público me- presidenciais de 2016 nos Estados Unidos, o editor de mí-
nor mas total controle sobre a receita, a marca e os dados dia do BuzzFeed, Craig Silverman, publicou uma série de
da audiência? Ou deveriam ceder o controle dos dados de reportagens mostrando como a desinformação tinha se
usuários e da publicidade em troca do considerável cres- propagado pelas mídias sociais durante a campanha elei-
cimento do público garantido por Facebook e outras plata- toral – sobretudo no Facebook. Da Califórnia à Macedônia,
formas? Para mostrar como a imprensa está lidando com proliferavam sites especializados em produzir notícias
essa questão, fizemos entrevistas e análises de conteúdo. falsas em escala industrial. O trabalho de reportagem de
A nosso ver, o recente fenômeno da propagação digi- Silverman mostrou que, nos meses que antecederam as
tal da desinformação é um indicador de problemas mui- eleições, o número de likes e compartilhamentos de publi-
to maiores sobre a comercialização e o controle privado cações de sites como o Freedom Daily, no qual metade do
da esfera pública. conteúdo é falso ou tendencioso, foi quase 19 vezes maior,

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em média, do que o de posts de um veículo de comunica- Mídias sociais e buscadores não são plataformas neu-
ção sério como a CNN. tras. Fazem, sim, uma edição ou “curadoria” da informação
No filme de terror que é a crise do modelo de negócios que apresentam. Plataformas já começam a reconhecer o
do jornalismo, o escândalo das fake news é o equivalen- papel que exercem na provisão de notícias. Mas o exercí-
te àquela cena em que o telefone toca e algo ruim aconte- cio do critério editorial complicou sua missão comercial,
ce. Lá no começo, a esperança era que a convergência de que é levar o maior número de gente possível a usar sua
mídias sociais e jornalismo fosse criar uma versão supe- plataforma com a maior frequência possível. As contradi-
rior ou híbrida de ambos: uma rede repleta de informa- ções inerentes a esse novo papel provocaram rápidas mu-
ções úteis e oportunas que um público engajado iria en- danças e alterações de estratégia. Em agosto de 2016, por
riquecer, compartilhar e comentar. Em vez disso, houve exemplo, o Facebook demitiu seus 30 editores – ou “cura-
uma combinação do pior desses dois mundos, maculan- dores”, como eram chamados – em resposta à acusação
do tanto a velha mídia como a nova. de que a rede estava editando seus Trending Topics pa-
A propagação viral de notícias falsas, exageradas e ab- ra eliminar conteúdo de fontes conservadoras. Pouco de-
surdamente tendenciosas está provocando um debate há pois, quando o fenômeno das fake news foi exposto, viu-
muito necessário sobre direitos e deveres tanto de organi- se que o Facebook devia ter promovido uma intervenção
zações jornalísticas como de plataformas sociais. Manter editorial direta maior – e não menor – em sua plataforma.
a independência do jornalismo de qualidade à medida Mesmo depois do escândalo das notícias falsas nas úl-
que este se converte em uma subdivisão de mídias so- timas eleições americanas, Mark Zuckerberg seguiu insis-
ciais é uma tarefa crucial tanto para publishers quanto tindo que o Facebook “deve ter muita cautela para [não] vi-
para plataformas. rarmos nós mesmos os árbitros da verdade”. O que a em-
No final de 2016, acuado pela publicidade negativa que presa fez foi firmar parcerias com várias organizações jor-
o fenômeno das notícias falsas atraíra para o Facebook, nalísticas e de checagem de fatos para denunciar notícias
Mark Zuckerberg parou de afirmar que seu invento era de caráter duvidoso. Até onde se sabe, esses parceiros não
“apenas uma empresa de tecnologia” e reconheceu que ganham para isso.
era uma “nova espécie de plataforma”. Tanto o jornalismo quanto os meios de comunicação se
Várias empresas de tecnologia – incluindo Apple, Google, encontram em um ponto crítico de sua história como um
Snapchat, Twitter e, acima de tudo, Facebook – assumi- poder independente em sociedades democráticas. A opor-
ram boa parte das funções de organizações de imprensa. tunidade de chegar a um público global com o deslizar de
Querendo ou não, viraram atores cruciais no ecossistema um dedo está aí – e traz consigo possibilidades jornalísti-
do jornalismo. Um punhado de plataformas hoje contro- cas tremendas, que ninguém ainda entende por comple-
la a distribuição e a apresentação da informação, a mone- to. Mas a hiperconectividade engendrada pela web social
tização da publicação e a relação com o público. E, ainda e pelo mobile criou um vasto mercado de informações do
que se importem com a saúde do jornalismo, sua razão qual o jornalismo é só uma pequena parte. Em sua essên-
de existir não é essa. cia, o jornalismo não mudou. Sua função ainda é relatar e
Empresas de comunicação estão penando para des- contextualizar fatos para ajudar a explicar o mundo. Hoje,
cobrir como trabalhar com essas novas potências do se- contudo, está integrado a um sistema que gira em torno
tor. A rápida adoção de smartphones transformou o con- de escala, agilidade e receita.
sumo do jornalismo, convertendo empresas de tecnolo- O modelo de negócios das plataformas incentiva a “vi-
gia – juntamente com seus aplicativos e sistemas opera- ralidade” – o conteúdo que as pessoas querem comparti-
cionais – em novos gatekeepers da informação. Segundo lhar –, algo sem nenhuma correlação com a qualidade jor-
dados do centro de estudos Pew relativos a 2016, 92% dos nalística. A arquitetura que permite a organizações jorna-
americanos na faixa dos 18 aos 29 e 77% da população de lísticas chegar a seu público em plataformas sociais tam-
modo geral têm um smartphone – parcela superior à de bém milita contra sua sustentabilidade.
gente com banda larga em casa no país. Mais de 62% da No cerne de uma democracia saudável está o acesso
população dos Estados Unidos recebe notícias por algu- universal a informações fidedignas – acesso hoje contro-
ma mídia social (sendo o Facebook a principal delas). O lado por empresas de tecnologia que exercem um poder
tempo que essa gente passa de olho na tela do aparelho enorme praticamente sem rédeas. Enquanto o mercado
e o volume de dados pessoais coletado por essas empre- da informação seguir em um ritmo acelerado de evolu-
sas criaram um mercado totalmente novo – mercado no ção, temos a oportunidade de criar um modelo mais ro-
qual o jornalismo hoje deve operar. busto e transparente para o jornalismo.

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A terceira onda bancados por sites especializados e pelo Google, respecti-
vamente. Já fazer o modelo de assinatura vingar com pro-
do jornalismo dutos digitais se provou difícil. Cada tendência dessas exa-
cerbou a outra: a transição digital e a experimentação no
novo meio, que eram essenciais, foram inibidas pela de-
pendência da receita trazida pelo impresso – que, apesar
O impacto de mídias sociais no jornalismo foi tão cataclís- da queda gradativa, seguia sendo considerável.
mico quanto o de qualquer outra transformação radical O efeito disso não foi só derrubar o custo para anuncian-
que o setor já viveu. tes e a receita dos meios. O fenômeno também rompeu a
Durante a primeira fase da digitalização das redações – integração vertical do setor, que garantia acesso ao públi-
que se estendeu basicamente do advento da internet co- co por meio de sistemas de distribuição privilegiados e de
mercial em 1994 à popularização da banda larga em 2004 alto custo. Na web aberta, as qualidades que no passado
–, a grande preocupação de organizações jornalísticas era uniam o setor – a semelhança de métodos adotados por
saber como transferir o produto impresso para o meio di- um grupo relativamente reduzido e coerente de empre-
gital. Embora em muitas organizações tradicionais essa sas e a incapacidade de quem não pertencia a esse grupo
migração fosse cercada de dúvidas, havia a esperança de de produzir um produto competitivo – deixaram de existir.
que seria possível criar um ecossistema digital em torno Embora essa dupla mudança – tanto na produção quan-
dos valores e métodos tradicionais do jornalismo, no qual to no financiamento do jornalismo – tenha provocado
um modelo financeiro sustenta o dever básico e as fun- uma séria convulsão em organizações jornalísticas tradi-
ções cívicas da imprensa livre – e até inova em torno disso. cionais, muitos a trataram como uma evolução positiva
Na década seguinte, a disseminação da banda larga e a na prática do jornalismo. A estrutura cívica da internet e
chegada da Web 2.0 permitiram a publicação de material o propósito cívico do jornalismo estariam, em última ins-
multimídia em qualquer lugar. Jornalismo interativo, co- tância, alinhados.
mentários sobre artigos, podcasts e crowdsourcing abriram Agora, estamos vivendo uma terceira onda de transfor-
oportunidades interessantes para o jornalismo. Pequenos mação tecnológica. A migração do computador para a te-
sites, como o americano Homicide Watch DC, ganharam linha do celular e o desenvolvimento de uma web móvel
prêmios por demonstrar o poder do uso de bancos de da- privatizada encerraram e monetizaram a promessa da
dos para apurar e redigir reportagens com uma equipe re- web aberta. Os princípios da rede aberta, que tanto foram
duzidíssima. Jornalistas se uniram para criar ferramentas alardeados para cidadãos e jornalistas, deram lugar a um
inéditas como o site de hospedagem de documentos pú- ecossistema dominado por um pequeno número de pla-
blicos Document Cloud. Com o lançamento do iPhone em taformas que exercem tremenda influência sobre o que
2007, despontaram ainda mais oportunidades para che- vemos e sabemos. A internet que hoje vemos, controlada
gar a novos públicos. em grande medida por duas ou três empresas, está muito
O surgimento da internet e os princípios que no início longe da internet aberta de Tim Berners-Lee.
definiram a web aberta tiraram o controle das mãos de Nos últimos dois anos, a integração do meio jornalístico
poucos e o transferiram para muitos. Era, em sua essên- com plataformas sociais como Facebook, Twitter, Snapchat
cia e em sua concepção, uma tecnologia democratizante. e Google acelerou. No mundo todo, há mais de 40 sites de
Nesse período, houve uma proliferação de sites e servi- mídias sociais e aplicativos de troca de mensagens pelos
ços nos Estados Unidos – desde atores com foco nacional, quais empresas jornalísticas podem atingir parte de seu
como The Huffington Post, ProPublica, Business Insider, público. O Facebook opera em escala nunca antes vista. Na
Quartz, BuzzFeed, até inovadores locais, como The Texas história do jornalismo, nenhuma empresa editora teve tan-
Tribune, Patch e Deseret News. Organizações tradicio- ta influência sobre o consumo de notícias no mundo todo.
nais maiores, como CNN, BBC, The New York Times e The Esse remanejamento do poder editorial seria o respon-
Washington Post, viviam em um estado de constante revo- sável pela massiva perda de verbas de instituições jorna-
lução, com diferentes graus de sucesso. lísticas. Segundo dados do Pew para 2016, Verizon, Twitter,
Embora tenha sido um período de muita experimenta- Yahoo, Google e Facebook ficaram com mais de 65% de to-
ção, a situação financeira era difícil. Durante a maior parte da a receita publicitária no digital. A Digital Content Next,
do século 20, o jornalismo se manteve graças a três gran- uma associação do setor editorial, informou que 90% do
des fontes de receita, todas elas comprometidas pela inter- aumento da receita com publicidade digital em 2015 foi
net. Classificados e publicidade convencional foram des- para o Facebook e o Google. Essa mudança não contri-

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bui para a tese de que o ambiente fechado das platafor- 12 outubro 2011: Apple lança Newsstand, banca de publi-
mas seria bom para a saúde do jornalismo a longo pra- cações digitais.
zo – não sem o empenho de empresas de tecnologia pa- 9 abril 2012: Facebook compra Instagram por US$ 1 bilhão.
ra que assim o seja. 3 outubro 2013: Snapchat lança Stories, compilação de
A influência dessas empresas no intercâmbio de infor- “snaps” vistos por amigos do usuário.
mações em geral é ditada por sistemas sociotécnicos fe- 20 novembro 2013: lançado Google Play Newsstand,
chados e movida por incentivos que servem a interesses outro aplicativo de banca de revistas.
privados, não públicos. 30 janeiro 2014: Facebook lança Paper e seção Trending.
Buscamos lançar luz sobre a dinâmica da convergência A ideia do Paper era personalizar o noticiário. Já a Trend-
de editoras e plataformas com base em informações obtidas ing é uma lista de assuntos que estão bombando na plata-
em mais de 70 entrevistas feitas em 12 meses (entre 2016 forma.
e 2017) e em análises de conteúdo em quatro períodos de fevereiro 2014: Facebook compra WhatsApp por US$ 19
duas semanas (para mais informações veja o apêndice so- bilhões.
bre a metodologia). Fizemos, além disso, duas mesas-redon- 24 abril 2014: Facebook lança Newswire. Com ele, um
das, cada qual com mais de uma dezena de participantes: meio pode aproveitar postagens no Facebook cuja auten-
uma com acadêmicos e estudiosos de aspectos específi- ticidade foi verificada como fonte na hora de apurar e no-
cos desse relacionamento e outra com gerentes de mídias ticiar fatos.
sociais de organizações jornalísticas com distintos mode- 17 junho 2014: Snapchat lança Our Story, recurso que
los de negócios. Nossa pesquisa e o presente relatório são agrega postagens públicas da comunidade de usuários
concentrados nas plataformas mais utilizadas por veícu- sobre um determinado fato ou evento.
los de imprensa – e de maior impacto neles. 27 janeiro 2015: Snapchat lança Discover. Um grupo
Fake news, bolhas, filtros, “sociedade pós-verdade” e que- seleto de meios, escolhidos pelo Snapchat, cria canal no
da da confiança na mídia são fenômenos no centro do de- Discover atualizado diariamente, como uma pequena re-
bate público. São, todos, uma espécie de senha para a ques- vista interativa.
tão maior da transformação do mundo do jornalismo e da 9 março 2015: Twitter compra aplicativo de streaming de
informação pela tecnologia. Esse relatório é nossa contri- vídeo Periscope.
buição para uma melhor compreensão dessa mudança. 31 março 2015: Twitter lança Curator. Com ele, um meio
pode buscar e postar tuítes usando hashtags, keywords,
LANÇAMENTOS, NOVIDADES E AQUISIÇÕES localização e outros critérios.
IMPORTANTES NO MUNDO DAS PLATAFORMAS 12 maio 2015: Facebook lança Instant Articles. O recurso,
para mobile, carrega mais depressa o conteúdo hospeda-
No universo das plataformas, a frequência e o gênero dos do no próprio Facebook, que fica com 70% da receita da
lançamentos ligados à publicação de conteúdo foi aumen- publicidade que acompanha a matéria quando vendida
tando ao longo do tempo, à medida que crescia a concor- pela própria plataforma.
rência para satisfazer necessidades da imprensa. Hoje, as 8 junho 2015: Apple News substitui aplicativo Newsstand;
plataformas são mais diretas sobre o relacionamento com receita da publicidade veiculada com conteúdo é dividi-
o jornalismo, formalizando sua relação com publishers e, da à proporção de 70/30.
em certos casos, incursionando na área editorial. 22 junho 2015: Google lança News Lab para promover a
2 fevereiro 2004: surge o Facebook, à época restrito a es- colaboração tecnológica com imprensa.
tudantes de Harvard. 5 agosto 2015: Facebook Live lança recurso de streaming
15 julho 2006: Twitter é lançado, com grafia Twttr. Cada de vídeo ao vivo.
tuíte pode ter no máximo 140 caracteres. 23 setembro 2015: estreia do Facebook 360 para vídeo.
5 setembro 2006: Facebook lança o feed de notícias, que Ao mover celular, pessoa pode ter uma visão panorâmi-
mostra atividade da rede do usuário. ca, ou esférica, de uma cena.
1º maio 2009: nasce aplicativo de troca de mensagens 6 outubro 2015: Twitter lança Moments, curadoria de
pelo celular WhatsApp. tuítes postados sobre um fato.
6 outubro 2010: lançado o Instagram, rede social espe- 7 outubro 2015: anunciada a chegada do Google AMP (si-
cializada em fotos. gla de Accelerated Mobile Pages). Com recurso, conteúdo
26 setembro 2011: surge o Snapchat, aplicativo para celu- jornalístico acessado pelo mobile carrega mais depressa.
lar cujas mensagens são apagadas depois de lidas. 11 novembro 2015: lançado o Facebook Notify, recurso de

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notificação de notícias. gitais e organizações jornalísticas especializadas em ví-
13 novembro 2015: Snapchat lança Official Stories, com deo. Modelos de negócios incluíam assinaturas, publici-
conteúdo de marcas ou influenciadores verificados. dade e sem fins lucrativos.
9 junho 2016: estreia do Facebook 360 para fotos. Ao Veículos de imprensa continuam confusos ou indeci-
mover o celular, pessoa pode ter visão panorâmica, ou sos quanto à melhor maneira de tirar partido da relação
esférica, de uma foto. com empresas de tecnologia. Um número crescente de
2 agosto 2016: Instagram lança Stories, clone do Stories organizações jornalísticas vê no investimento em plata-
do Snapchat. formas sociais a única perspectiva de um futuro susten-
21 novembro 2016: Instagram lança Live Stories, para tável, tanto em termos de tráfego como de alcance. Mas
streaming de vídeo ao vivo. a falta de transparência de algoritmos impede um bom
12 dezembro 2016: lançado Facebook Live 360 para planejamento. Nada garante que o que funciona hoje vai
vídeo. Com ele, visão panorâmica é de vídeos ao vivo. funcionar no futuro.
20 dezembro 2016: lançado Facebook Live para áudio, Ceder o controle da distribuição provocou uma trans-
compatível com formatos como o jornalismo de rádio. ferência de poder de publishers para plataformas bem
11 janeiro 2017: Facebook anuncia o Journalism Project maior do que se esperava. O algoritmo mais controverso,
(Projeto Jornalismo). Ideia é trabalhar com meios de co- influente e impenetrável do mundo é o que rege o feed de
municação para lançar produtos, definir formatos de notícias do Facebook. Embora um meio de comunicação
narrativa, promover o jornalismo local, criar modelos de possa publicar livremente no Facebook, é o algoritmo que
assinatura, treinar jornalistas e colaborar com o News determina o que chega ao leitor. “Cedemos muito contro-
Literacy Project e organizações de checagem de fatos. le sobre aquilo que é lido”, disse Cynthia Collins, editora
14 fevereiro 2017: anunciado Facebook TV: aplicativo de mídias sociais do New York Times.
para Apple TV e Amazon Fire que permitirá à pessoa as- Com o aumento da disputa entre plataformas – tanto
sistir vídeos do Facebook no aparelho de TV. Facebook como Twitter, por exemplo, tentam fechar acor-
dos de exclusividade para transmitir vídeos – e a melho-
ria de ferramentas de distribuição, organizações jornalís-
ticas estão sendo mais criteriosas na seleção de parcei-

De plataformas
ros. Embora em público se digam céticas sobre a vanta-
gem de jogar seu conteúdo em plataformas, nossos dados

a editoras
mostram que esses meios seguem publicando um gran-
de volume de textos e vídeos nos chamados “jardins mu-
rados”. Os meios podem até querer abandonar o sistema,
mas poucos estão realmente fazendo isso.
Nos últimos meses, a atitude de plataformas – especial-
mente do Facebook – em relação à notícia mudou radi-
Depois de mais de um ano estudando a relação entre pla- calmente. O Facebook criou uma diretoria de Parcerias
taformas e veículos de imprensa, está claro que não há Jornalísticas – comandada pela jornalista Campbell Brown
meio de comunicação que escape à força gravitacional –, fez uma série de workshops e hackathons com a me-
de grandes empresas de tecnologia. Decisões tomadas ta expressa de melhorar a plataforma para jornalistas e
por Facebook, Google e congêneres hoje ditam a estraté- criou um programa para avançar a questão da alfabeti-
gia de toda organização jornalística, sobretudo daquelas zação midiática na esfera pública. Desde as eleições nos
que dependem da receita publicitária. Essas plataformas Estados Unidos (quando o algoritmo foi acusado, talvez
já influenciam que organizações jornalísticas têm resulta- sem fundamento, de ter influenciado o processo políti-
do bom ou ruim no novo ambiente distribuído. co ao difundir desinformações e fake news), a platafor-
No primeiro semestre de 2016, o Tow Center come- ma vem investindo em serviços independentes, como a
çou a estudar exatamente como veículos de imprensa checagem de fatos. Ainda não há, no entanto, indícios de
estavam usando mídias sociais para distribuir conteú- uma transferência considerável de riqueza de empresas
do, examinando uma amostra tanto de editoras como de tecnologia para organizações jornalísticas. Nosso es-
de plataformas e usando uma combinação de análise de tudo descreve a escala da mudança em quatro áreas: dis-
conteúdo e mais de 70 entrevistas, como já dissemos. Na tribuição e marketing, hospedagem e produção, relação
lista de publishers havia veículos tradicionais, meios di- com o público e monetização.

54 JULHO | DEZEMBRO 2017

ESPM Book(18/set).indb 54 9/20/17 4:11 PM


7 14 9 14 11 12 14 14 9 14 7 12 4 6 6 13 12 6 13 13 14 4 1
20
14
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17
20
Publishers na plataforma

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14
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Publisher postou na plataforma


Plataformas usadas por publisher

Figura 1: Como 14 organizações jornalísticas de nossa amostra usam 21 plataformas digitais


Última atualização: 16 março 2017.

Quando o público foi para a web móvel e social, as or-


Opção de sobra ganizações jornalísticas não tiveram saída senão ir atrás.

– mas a um custo Entender como chegar ao público, como mantê-lo e como


integrar o conteúdo jornalístico nesse complexo emara-
nhado de sites e aplicativos mudou fundamentalmente o
modus operandi das redações.
O gráfico acima mostra as opções de terceiros com
O maior problema do mundo é que o Facebook comprou, que veículos de imprensa estão lidando. Embora pos-
sem gastar um centavo, dois terços das novas empresas sa não ser um ambiente tão competitivo e diversifica-
de mídia do mercado, pois controla a maioria do seu [ne- do quanto parece do lado das plataformas – Facebook,
gócio no] mobile. É ótimo para o Facebook, mas ruim pa- Instagram e WhatsApp são todas empresas de proprie-
ra elas. É por isso que estamos tentando entrar em todas dade do Facebook –, essas opções representam um leque
as plataformas – pois, se formos capazes de monetizar impressionante de novas oportunidades para chegar ao
em todas, podemos nos livrar do jugo do Facebook. É co- público. Ou, de outra perspectiva, expõem “todo o proble-
mo ceder seu destino a outra empresa. Se não está nes- ma do jornalismo em um gráfico”, declarou Jessica Lessin,
sas plataformas, [o meio] está morto, mas se estiver ne- fundadora da newsletter de tecnologia The Information,
las, não está ganhando dinheiro. (…) Esse será o maior de- em tuíte a propósito da Figura 1.
safio na mídia no futuro. Facebook e Google são, de longe, as fontes externas mais
— Shane Smith, fundador da Vice, em entrevista em importantes de geração de tráfego para o conteúdo jornalís-
maio de 2016 tico. Segundo a Parse.ly, que monitora o mercado editorial,

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 55

ESPM Book(18/set).indb 55 9/20/17 4:11 PM


emergentes e “off-platform” Publicações “nativas” em
plataformas X publicações
Google em “rede”, 6-12 fevereiro 2017
Newstand
Apple Google (n=23.827)
News AMP
social e mensagens 13.000
Apple
Google 12.346
Vr Day 12.000
Watch 11.481

Postagens em plataformas
dream
Twitter 11.000
LINE
Moments
Kik Twitter 9.000
Samsung Google 8.000
Watch Facebook plataformas de vídeo Instagram Home
7.000
Live Stories
Apple 6.000
TV 5.000
Facebook
Messenger Amazon
Instagram 4.000
Samsung Oculus
Edge
Androide “core” Fire
Rift 3.000
TV TV
2.000
CNN
Facebook CNN Snapchat 1.000
Mobile
Instant Desktop Discover
Apps
Articles 0
Nativas Em rede
CNN Nativas: Apple News, Facebook [nativa],
Samsung Facebook Amazon
YouTube Mobile CNNgo Roku Snapchat Instagram [incluindo Stories], Snapchat
VR Newsfeed Echo
Web Discover, Snapchat Stories, Tumblr, YouTube
Em rede: Facebook (em rede), LINE,
LinkedIn, Messenger, Pinterest, Twitter

Publishers incluídos:
BuzzFeed, BuzzFeed News, Chicago Tribune,
CNN, Fox News, Huffington Post, Los Angeles
Times, New York Times, NY Daily News, Vice,
Wall Street Journal, Washington Post

Figura 2: Gráfico de produtos editoriais. Gentilmente cedido por Figura 3: Total de publicações nativas (que residem na plataforma)
CNN Digital. e em rede (que remetem o público ao site do veículo) feitas por 14 meios
em nossa amostra na semana iniciada em 6/2/2017.

no final de 2016 45% do tráfego de referência para sites de cisões distintas sobre o que publicar, quando e como. Às
meios de comunicação vinha do Facebook e 31% do Google. vezes, é parte do trabalho de uma única pessoa, às vezes
A Figura 2, cedida pela diretora de redação de digital na de toda uma equipe”, afirmou Artley, que tem uma equipe
CNN, Meredith Artley, dá uma ideia da situação do ponto global de mais de 50 pessoas dedicadas a formatar o con-
de vista dos meios de comunicação e de como isso afeta teúdo para plataformas distribuídas. “Nosso objetivo é ser
suas decisões editoriais. a número um no noticiário em vídeo no mobile – tudo gi-
Sua intenção foi mostrar a complexidade das opções ao ra em torno dessa meta.”
dispor de empresas editoriais. No centro do diagrama está Chegar a um equilíbrio entre a exploração de oportu-
a CNN. No anel interno, as distintas marcas e plataformas nidades de distribuição social e o investimento em plata-
próprias que o canal de notícias usa no digital: internet mó- formas próprias é uma questão estratégica crucial para or-
vel, aplicativos no mobile, desktop e CNNgo. Em seguida ganizações jornalísticas. É preciso fazer ambos, diz Mark
vem um estrato de novas plataformas de vídeo: YouTube, Thompson, diretor executivo do New York Times, que para
Android TV, Apple TV, Amazon FireTV e Roku. Logo depois, garantir sua sustentabilidade busca chegar a um grande nú-
a camada social e de mensagens: Facebook Live, Facebook mero de potenciais assinantes. Para cultivar leitores fiéis, o
Instant Articles, Facebook Messenger, Facebook News Feed, jornal instala o que chama de editores de crescimento em
Instagram, Twitter, LINE, Kik e Snapchat. E, por último, um todas as editorias e distribui links para seu conteúdo em
anel externo de serviços “emergentes e ‘off-platform’”, que várias plataformas sociais. Até o BuzzFeed, que partiu da
expandem a noção de plataformas sociais: realidade virtual, tese de que seu lar seriam as mídias sociais e que não per-
relógios Apple e Samsung, Amazon Echo e Google AMP. deria muito tempo pensando em seu próprio site, fez uma
“Por trás de cada um desses círculos há uma série de de- correção de rota e relançou a homepage em 2016. Em um

56 JULHO | DEZEMBRO 2017

ESPM Book(18/set).indb 56 9/20/17 4:11 PM


327 links 36 vídeos 19 vídeos
para histórias live nativos 765 tuítes 117 retuítes snaps

15 fotos 8 vídeos 1 status 882 18 32 fotos 2 vídeos


360º

406 34

31
partes
no Story

12 3

8 x vídeos 4 vídeos postagens


360º 74 153 47

1 meio
links para 7 dias
artigos pins
matérias 9 plataformas
1.660 publicações

Figura 4a: Publicações feitas pelo New York Times em plataformas durante a semana iniciada em 6/2/2017, uma segunda-feira.

painel sobre fake news em 2017, Ben Smith, seu diretor de a forma de conteúdo nativo – varia consideravelmente.
redação, disse que, contrariando as expectativas, “o tráfe- Nas Figuras 4a, 4b e 4c, por exemplo, vemos o que fize-
go no site continuou subindo, pois as pessoas gostavam ram The New York Times, The Huffington Post e CNN du-
do que viam, gostavam da marca e iam para a homepage”. rante uma determinada semana de fevereiro, quando os
Isso posto, grande parte do conteúdo de muitos veícu- três veículos trabalharam com dez plataformas distintas.
los de imprensa é feita para ser consumida nativamen- No período em questão, o Huffington Post e o Times lança-
te, em plataformas como Apple News, Facebook Instant ram um número quase idêntico de matérias nessas plata-
Articles, Instagram e Snapchat, e não para redirecionar o formas (1.655 e 1.673, respectivamente).
público aos sites de seus criadores. Produtos de publica- O uso que fizeram de conteúdo nativo e em rede foi, no
ção nativa, incluindo páginas do Google AMP, Facebook entanto, muito diferente. Por conteúdo nativo entenda-se
Instant Articles, Twitter Moments, Apple News, Snapchat o material hospedado totalmente em plataformas de ter-
Discover e Instagram Stories significam que um leitor po- ceiros, como Snapchat Discover e Apple News, enquanto
de conferir uma matéria da Economist no Google sem ja- o conteúdo em rede são links que conduzem o leitor ao si-
mais entrar no aplicativo ou no site da própria Economist. te que criou o material. Dois terços dos posts do Huffington
A Figura 3 compara o volume de conteúdo publicado em Post (66%) estão no formato nativo, incluindo 695 maté-
páginas nativas de aplicativos sociais com o conteúdo posta- rias no Apple News e 305 no Facebook (Instant Articles,
do em mídias sociais com um link que remete ao site do meio. vídeos ao vivo etc.). Esse material nativo no Facebook re-
Embora editores precisem estar presentes em uma presenta, ainda, 98% de tudo o que o Huffington Post joga
série de plataformas, como distribuem esse conteúdo no Facebook. Em comparação, só 16% dos posts do Times
– e sobretudo o volume que “cedem” a plataformas sob em plataformas eram nativos; os outros 84% conduziam o

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 57

ESPM Book(18/set).indb 57 9/20/17 4:11 PM


441 fotos 2 vídeos 6 GIFs
nativas nativos nativos

901 tuítes 47 retuítes

948

261 Instant 16 links para 14 fotos nativas


Articles web aberta

17 fotos 5 vídeos
19 vídeos 10 vídeos 1 evento
nativos live

321 22

6 19

vídeos
postagens
no mural

1 meio
7 dias 695 13 10 7 53
10 plataformas
1.665 publicações
Dados colhidos na
links para pins postagens
artigos matérias partes
semana iniciada em no Story
6 fevereiro 2017

Figura 4b: Publicações feitas pelo Huffington Post em plataformas durante a semana iniciada em 6/2/2017, uma segunda-feira.

público ao site nytimes.com, onde até quem não é assinan- do que o Huffington Post e o Times) inclui 1.016 artigos no
te pode consumir uma amostra grátis do conteúdo do jor- Apple News, 948 tuítes e 278 vídeos no YouTube. A campa-
nal. No período em questão, só 79 dos 406 links do Times nha da CNN para atingir um público mais jovem também é
no Facebook (19%) eram nativos (o Times não está mais evidente em seu canal no Snapchat Discover, onde vimos
no Instant Articles). E somente 74 artigos foram postados uma migração de itens roláveis e repaginados do site cnn.
no Apple News, o menor número que registramos para o com para textos condensados, além do compromisso con-
Times em quatro rodadas trimestrais de coleta de dados. tínuo com o aplicativo de bate-papo LINE.
Uma terceira abordagem é a da CNN (Figura 4c), que Levada ao extremo, a estratégia de enfatizar a distribui-
distribui posts generosamente por diversas plataformas. ção produz um NowThis News, um serviço de notícias em
Embora a parcela de conteúdo nativo (59%) seja equipará- vídeo que, em sua homepage, informa ao público que não
vel à do Huffington Post, o que chama a atenção na estra- há homepage: “HOMEPAGE. A PRÓPRIA PALAVRA SOA
tégia da CNN é o volume imenso de links inseridos em to- VELHA. LEVAMOS A NOTÍCIA A SEU FEED SOCIAL”. A
da sorte de plataforma. O total de 2.811 (cerca de 40% mais aposta em plataformas é ditada pelo modelo de negócios do

58 JULHO | DEZEMBRO 2017

ESPM Book(18/set).indb 58 9/20/17 4:11 PM


276 fotos 36 vídeos 16 GIFs
nativas nativos nativos

901 tuítes 47 retuítes

12 artigos
roláveis
948
131 links para 71 Instant 57 cartões 2 vídeos
cnn.com Articles

27 fotos 15 vídeos
116 vídeos 16 vídeos live 8 fotos 71
nativos nativas

343 42

54
278

vídeos
postagens
no mural
32

1 meio 1.016 1
7 dias
3 25
11 plataformas partes
2.814 publicações do Story
artigos postagem
Dados colhidos na
semana iniciada em
6 fevereiro 2017 mensagens links para
artigos

Figura 4c: Publicações feitas pela CNN em plataformas durante a semana iniciada em 6/2/2017, uma segunda-feira.

veículo – no caso do NowThis News, publicidade e escala. na plataforma se perguntando se “o áudio realmente com-
A estratégia em plataformas varia segundo o modelo de bina com um formato como o Facebook”.
negócios da organização jornalística. No caso específico do Embora esteja claro que o modelo de negócios deter-
Instant Articles, Jim Brady, fundador e CEO da Billy Penn, mina a estratégia em plataformas, há casos atípicos como
uma plataforma americana de notícias no mobile, disse o o da Vice – que, a exemplo do NowThis News, depende
seguinte: “Posso ser um pouquinho mais agnóstico do que da publicidade e da escala. Sterling Proffer, vice-presiden-
alguém cuja receita depende de onde estão os pageviews”. te sênior e diretor de estratégia e desenvolvimento de ne-
Gabe Dance, ex-editor-gerente do Project Marshall, uma or- gócios na Vice, disse: “‘Que coisas você precisa controlar e
ganização de imprensa sem fins lucrativos, disse que seus quais não?’ Depender exclusivamente da plataforma para
recursos buscam gerar “impacto”, pois é isso que interessa sustentar todo o seu ecossistema, em todos os sentidos, é
aos financiadores da entidade. Já Wright Bryan, editor sê- uma aposta pesada”.
nior de engajamento da rede pública de rádio NPR, saiu de Vimos, ainda, uma variação enorme em padrões de uso
um teste infrutífero para hospedar áudio de forma nativa ao longo do tempo. O New York Times, por exemplo, sim-

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 59

ESPM Book(18/set).indb 59 9/20/17 4:11 PM


Links no Facebook: Instant Articles x links para site do meio de comunicação
(6-12 fevereiro 2017)
Instant Articles Links
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4% 6% 8% 9% 10% 15% 65% 80% 97% 100% 100% 100% 100% 100%
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Figura 5: Proporção de links no Facebook postados como Instant Articles na semana iniciada em 6/2/2017, uma segunda-feira

plesmente saiu do Instant Articles em fevereiro de 2017. que mais consome recursos de todas, a Discover é alimen-
A Figura 5 mostra como foi a atuação de alguns veícu- tada por equipes editoriais de cerca de dez pessoas que pro-
los importantes no Facebook – no Instant Articles, especi- duzem e repaginam conteúdo especificamente para ela. O
ficamente – em fevereiro de 2017. que antes era uma equipe de bom tamanho para um pe-
• The Washington Post (96%), The Huffington Post (94%), queno site hoje administra uma mescla de jornalismo ori-
Vox (92%), Fox News (91%), BuzzFeed News (90%) e BuzzFeed ginal e reciclado para um aplicativo social. Muitas publi-
(85%) encamparam a ideia do Instant Articles (as cifras do cações não têm a marca certa para o Snapchat nem os re-
Washington Post não surpreendem, pois a decisão de en- cursos para preencher seus requisitos. De modo geral, essa
trar com tudo na plataforma vem de setembro de 2015). questão de recursos preocupa pequenas redações na ques-
• The New York Times, Chicago Tribune, Los Angeles Times tão da distribuição em plataformas. “O discurso deles pa-
e Vice News não estão usando o Instant Articles. O Wall Street ra nós é [que o uso dessas ferramentas é] totalmente grátis”,
Journal, que depende de assinaturas, publica uma peque- declarou um editor local sobre o Instant Articles. Mas grá-
na parcela de links (3%) como Instant Articles. tis não é, pois alguém da equipe precisa se dedicar a isso.
• The New York Daily News (20%) e CNN (35%) estão bus- Ainda assim, quando uma plataforma lança um forma-
cando um meio-termo. to novo, a tendência de veículos é logo adotá-lo. Quando
Já para veículos menores e locais, a escolha – de que colhemos dados em agosto de 2016, o Instagram Stories ti-
plataformas usar e com que intensidade – parece um lu- nha só uma semana de vida, mas muitas empresas já esta-
xo. “Estamos terceirizando nossa principal competência a vam mostrando o desejo de usá-lo. Durante a semana em
outros. Simplesmente não temos escolha”, informou David que fizemos a análise, registramos 151 matérias em cinco
Skok, executivo de mídia digital que já trabalhou para jor- contas (a CNN, em particular, usou a plataforma extensa-
nais como Boston Globe e Toronto Star. “Minha sensação mente na cobertura das Olimpíadas do Rio). Durante a se-
é que somos um dano colateral na guerra entre essas pla- mana da eleição nos Estados Unidos, esse número dispa-
taformas. Elas dão a oportunidade de participar a certos rou para 253 matérias de oito contas, caindo apenas ligei-
veículos, mas não a outros. Dão tarifas e tratamento favo- ramente durante fevereiro, para 228 (Figura 6).
ráveis a alguns, mas não a outros. Já estão determinando A eficiência com que as plataformas chegam a públicos
quem vai vencer.” muito maiores e mais segmentados é o maior benefício
Peguemos o exemplo do Snapchat. O acesso ao Snapchat para organizações e profissionais do jornalismo. A escala
Discover é restrito a certos meios. É a plataforma que deci- é viciante. Com 1,86 bilhão de usuários ativos por mês no
de com que veículos fechar contratos – veículo que, então, Facebook, 313 milhões no Twitter e 1,2 bilhão no WhatsApp,
precisa aceitar termos de desempenho. Plataforma social e 160 milhões de usuários ativos por dia no Snapchat, o po-

60 JULHO | DEZEMBRO 2017

ESPM Book(18/set).indb 60 9/20/17 4:11 PM


Instagram Stories x Snapchat Stories
(6-12 fevereiro 2017)

60
53
50 Instagram Stories (n=228)

43 Snapchat Stories (n=58)


40
Partes do Story/“snaps”

32 31
30
22 21
20 18
14 15 14
9 10
10

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Figura 6: Número de “snaps” publicados no Instagram Stories e no Snapchat Stories na semana iniciada em 6/2/2017, uma segunda-feira.

der de conexão de plataformas só faz crescer. A inovação vou que essa integração a um ambiente jornalístico maior
agora brota de serviços como o Instagram, onde há opor- faz os leitores locais parecerem distantes: “Acho que quan-
tunidades naturais para a criação de novas ramificações do o conteúdo é tirado do contexto do nosso próprio site
ou verticais para publicações. e colocado em um entorno diferente, como o Facebook, é
O Billy Penn, um site “mobile-first” voltado ao que acon- natural supor que parte do trabalho da marca será perdi-
tece na cidade americana da Filadélfia, é o tipo de negó- do para o novo hospedeiro. Precisamos nos esforçar mais
cio que nem existiria sem as novas estruturas de distri- agora para criar reconhecimento e fidelidade à marca”.
buição. Embora o site fature primordialmente com even- Agora, escala é tudo, desde o número de likes e compar-
tos e não dependa tanto da receita publicitária trazida por tilhamentos até o alcance final. Plataformas sociais iguala-
plataformas como o Facebook, a rede social é importante ram as condições de disputa para o conteúdo, priorizan-
para promover esses eventos para o público. “Ter um site do a partilha em detrimento de tudo o mais. Antes mes-
voltado a um público dos 18 aos 34 e dizer que não vamos mo da chegada do Facebook, a imprensa já tentava atrair
estar em plataformas externas é como ter um restauran- tráfego e compartilhamentos e teve um papel importan-
te e nunca fazer promoções”, comparou Jim Brady, vete- te na definição das métricas que moldaram o atual ecos-
rano do digital hoje no Billy Penn. “Não achamos ruim in- sistema. Muitas das táticas para fazer notícias falsas vira-
corporar a marca ao Facebook se isso contribuir para que lizarem saíram diretamente da velha cartilha da impren-
mais gente nos veja”. sa marrom ou sensacionalista. Coisas populares em geral
Essa visão pragmática do equilíbrio entre marca e pene- têm títulos que prometem mais do que entregam, opiniões
tração toca em uma fonte crucial de ansiedade para mui- sensacionais ou agressivas que chamam a atenção e cau-
tos. O instituto Pew descobriu que apenas 56% dos con- sam polêmica ou repetem sem parar coisas já populares.
sumidores de notícias na internet que tinham clicado em Delaney Simmons, diretora de conteúdo digital e social
um link lembravam da fonte da notícia (2016). Já o Media na emissora de rádio americana WNYC, disse: “Estamos
Insight Project do American Press Institute (2017) desco- cobrindo coisas que outros veículos não estão cobrindo,
briu que no Facebook de cada dez pessoas apenas duas o que, no mundo do conteúdo viral, chega a ser uma des-
lembravam a fonte – e muito mais confiança era deposita- vantagem para nós. No Facebook e no Twitter, o que está
da no compartilhador. “Se estamos aqui para promover a ‘trending’ (…) não é a matéria que ninguém tem. É a maté-
marca e ninguém sequer a reconhece, se nossa marca for ria que todo mundo tem”.
associada à marca Snapchat, então (…) pode não valer a pe- Em 2013, o repórter do site AllThingsD Mike Isaac pu-
na”, comentou um editor de revistas. blicou um texto sob o título “Facebook Wants to be a
Outro publisher local entrevistado para o estudo obser- Newspaper, Facebook Users Have Their Own Ideas” [em

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 61

ESPM Book(18/set).indb 61 9/20/17 4:11 PM


Total de postagens em plataformas em três períodos de uma semana

12.000

11.000

10.000 8-14 agosto 2016


9.000 7-13 novembro 2016
(eleição EUA)
8.000 6-12 fevereiro 2017

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
Apple News Facebook Instagram Instagram LinkedIn Snapchat Snapchat Twitter YouTube
Stories (posts no feed) Discover Stories (tuítes)

Figura 7: Total de publicações nas principais plataformas durante nossas três fases mais recentes de coleta de dados, 2016 e 2017.

tradução livre, “Facebook quer ser um jornal, mas usuários do cer autênticos e manter nossa voz para publicar de um jeito
Facebook têm outra ideia”]. Segundo Isaac, Mark Zuckerberg que faça sentido naquela plataforma.
e o diretor de produtos, Chris Cox, queriam transformar a — Carla Zanoni, editora executiva de novas mídias e desen-
plataforma e o feed de notícias em algo útil por excelên- volvimento de audiência do Wall Street Journal
cia. Só que, na realidade, o que os usuários queriam era ver
vídeos de gatos, memes e piadas – e não que o Facebook A integração do jornalismo à trama da web social come-
fosse “útil”. çou bem antes do surgimento de todos esses formatos e
É como observou Isaac na época: “A diferença entre es- ferramentas de publicação que hoje vemos no mercado.
ses dois Facebooks – o que seus executivos querem ver e Em 2009, o Facebook lançou um plugin para hospedar
aquele do qual seus usuários gostam (…) – começa a ficar comentários de sites em sua plataforma, liberando orga-
visível. No começo do ano, os usuários do Facebook rejei- nizações jornalísticas da necessidade de lidar com a ca-
taram uma repaginada anunciada com estardalhaço por ra e complicada tarefa de moderar comentários. Para os
Zuckerberg. Agora, o Facebook está ajustando o algorit- meios, foi um alívio poder repassar a atividade que con-
mo para priorizar o conteúdo que, a seu ver, os leitores de- sideravam menos gratificante – a interação com o leitor –
vem ver, o que vai jogar para baixo parte daquilo que atual- para uma comunidade com tarimba na área. Mas isso tam-
mente é popular. Que versão do Facebook vai prevalecer?” bém significava que o formato dessa interação social seria
regido pelas normas do Facebook – coisas como o uso obri-
gatório do nome verdadeiro e ter um perfil no Facebook.
Em 2011, o Facebook permitiu que meios de comuni-
cação lançassem um “social reader”, um aplicativo adota-
A construção de sua do por jornais como The Washington Post e The Guardian.
Esse leitor social foi uma espécie de precursor do Instant
casa em terreno alheio Articles, pois hospedava o conteúdo jornalístico em um
app no Facebook e gerava enorme tráfego para as matérias
postadas. Entretanto, dois problemas frustraram o experi-
mento: o tráfego era imprevisível – uma manifestação ini-
Quando entra em uma nova plataforma, você tem acesso a cial do problema do algoritmo do feed de notícias – e nin-
um público que pode diferir de alguma maneira do seu lei- guém gostava de saber que tudo o que lia estava à vista de
tor típico. Para nós, é importante perguntar como permane- todo mundo em sua rede.

62 JULHO | DEZEMBRO 2017

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De lá para cá, cresceu exponencialmente o número de uma redação, sozinha, tem dificuldade para desenvolver.
ferramentas criadas por plataformas para trazer mais con- Com as novas ferramentas, no entanto, chegam novos
teúdo de veículos de imprensa para seus sites. Não sur- custos. Estruturas, fluxos de trabalho e alocação de recur-
preende que as plataformas sociais se saiam melhor na sos de organizações jornalísticas são, cada vez mais, dita-
hospedagem de conteúdo social e de conversas; afinal, es- dos por plataformas – segundo revelaram nossas entrevis-
se é seu negócio. Empresas jornalísticas tinham passado tas. Se no passado um veículo tinha gerentes de mídias so-
uma década tentando montar comunidades e criar partici- ciais, hoje, cada vez mais, há equipes dedicadas a geren-
pação em seus monolíticos sites; já as mídias sociais parti- ciar e a criar conteúdo para plataformas específicas – e a
ram do princípio de que o ambiente criado era para todos, administrar as relações resultantes desse formato. E, cada
que qualquer um poderia publicar ali. vez mais, essas equipes são fundamentais para a redação.
Ferramentas para ajudar veículos de imprensa a produ- E, embora as plataformas não tenham voz em decisões
zir material para plataformas específicas – como Facebook editoriais de um meio, ao hospedar seu conteúdo é inegá-
Live Video, Instagram Stories, Snapchat Discover e Twitter vel que acabem influenciando essas decisões. Certos ajus-
Moments – cumprem a dupla função de deixar que jorna- tes feitos pelos meios são menores – e mais uma concessão
listas e meios de comunicação produzam conteúdo di- ao comportamento do usuário na plataforma do que à pla-
retamente na plataforma em questão e ajudar a platafor- taforma em si. No Facebook, por exemplo, os vídeos come-
ma a incentivar a produção do gênero e formato de jorna- çaram a vir com texto sobreposto às imagens porque o pú-
lismo que hospedam. O Facebook prioriza o vídeo, que é blico estava desativando a reprodução automática do áu-
uma mídia publicitária mais cara. Quando ofereceu a fun- dio. Já uma plataforma como o Snapchat exige uma espécie
ção de vídeo ao vivo para os meios, a rede tomou a atípica de minirredação. Em certos casos, nossa pesquisa indicou
decisão de pagar até US$ 5 milhões a cada um para usá-lo. uma influência mais direta. Em um caso, o Snapchat opi-
O incentivo para que publishers produzam conteúdo em nou sobre o logo de uma publicação; em outro, ditou o gê-
certos formatos responde a exigências do mercado publi- nero de conteúdo no qual um meio deveria se concentrar.
citário. Para anunciantes, vídeos e imagens têm mais força Todo conteúdo está sofrendo microajustes para casar
do que palavras. Em 2015, Mark Zuckerberg disse que “em melhor com a plataforma ou mostrar resultados melho-
mais cinco anos” grande parte do conteúdo no Facebook res em cada mídia social – o que inevitavelmente muda a
seria em vídeo. É um reflexo da realidade econômica pa- apresentação e o tom do jornalismo propriamente dito. Um
ra uma plataforma publicitária. meio pode até dizer que esses resultados são apenas um
Para os meios, o problema é, de novo, o custo da produ- dentre muitos indicadores de desempenho e que os valo-
ção. Produzir vídeos dá mais trabalho e sai mais caro. O res fundamentais da organização jornalística não sofrem
Facebook já avisou, no entanto, que vai exibir comerciais sua influência. Em decisões de pauta, contudo, estrategis-
no meio de vídeos de no mínimo 90 segundos, para incen- tas de audiência e editores de plataformas sociais têm ca-
tivar a produção do material mais longo – que, além disso, da vez mais voz. Um publisher contou que uma matéria
seria priorizado pelo algoritmo. E, ao contrário do que ocor- pode nem entrar na pauta se a equipe de audiência achar
re com o Instant Articles, o Facebook sempre fica com par- que não vai atrair um bom público.
te da receita publicitária de vídeos. Por outro lado, a criação de novos produtos nas platafor-
Para todos os publishers que entrevistamos, a alocação mas está ficando mais editorializada. No Twitter, a seção
de recursos e a criação de conteúdo em plataformas de ter- Moments é feita por uma equipe de curadores com base
ceiros era uma realidade cotidiana (veja Figura 7). em fragmentos de histórias, o que configura uma forma de
Embora equipes de tecnologia de organizações jornalís- edição para plataformas sociais. O Snapchat criou um es-
ticas já tenham criado formatos e produtos para suas pró- pecial para o atentado em San Bernardino, na Califórnia. O
prias plataformas, hoje em dia é bem provável que também Facebook contratou editores para montar a seção Trending.
estejam trabalhando no desenvolvimento de produtos que YouTube e Instagram trabalham com indivíduos para aju-
se integram com plataformas de terceiros. dá-los a criar conteúdo para as plataformas. Em cada plata-
Empresas de plataformas parecem convencidas de que forma dessas, equipes de parcerias cada vez maiores estão
são capazes de criar ferramentas e espaços de publicação em constante contato com a redação e responsáveis por
muito melhores do que empresas de comunicação, em vir- redes sociais de meios de comunicação.
tude da escala e do know-how. Realidade virtual, aplica- “O relacionamento das redações com empresas exter-
ções de inteligência artificial (como a Alexa, da Amazon, e nas é novíssimo. Sobretudo para nós, da redação, é uma
o Home, do Google) e realidade aumentada são coisas que experiência inédita discutir com alguém de fora que com-

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binação de conteúdo funciona bem em qual plataforma diz que ouviu seus usuários, não foi só literalmente, por
e trabalhar com (…) alguém de certa forma nos dirigindo”, meio de pesquisas. A rede também interpretou seu com-
disse Carla Zanoni, editora executiva de novas mídias e portamento com base nos dados.
desenvolvimento de audiências do Wall Street Journal. Em novembro de 2015, quando o Tow Center realizou um
simpósio sobre a relação de empresas de tecnologia com
a imprensa, Michael Reckhow, o executivo do Facebook à
época responsável pelo lançamento do Instant Articles,
tratava os usuários do Facebook como leitores. “Nossos
A quem pertence leitores são clientes aos quais queremos levar um jorna-
lismo de qualidade”, disse Reckhow. Já Mark Thompson,
o público? presidente do New York Times, referiu-se aos leitores do
jornal no Facebook como leitores do New York Times. O
desenvolvimento dessa relação com uma marca jorna-
lística – não importa se falamos de usuários do Facebook
O que computamos como nosso público? E como mone- lendo o Times ou de leitores do Times no Facebook – é de
tizamos isso? Quando vamos a um anunciante e ele diz: suma importância.
“Queríamos muito saber o que está no seu site” (…) meu dese- A maior mudança em todos os veículos monitorados e
jo seria perguntar-lhe se ele [o anunciante] tem alguma ideia entrevistados ao longo do último ano foi o reconhecimen-
de como as pessoas consomem conteúdo”. to de que a marca e o site do meio são importantes. No New
— Editor de revistas York Times, no Washington Post e até no ProPublica, que ope-
ra sem fins lucrativos, houve um salto no número de assi-
Ao ficar a cargo da hospedagem, da distribuição e da mo- naturas ou doações após as eleições nos Estados Unidos.
netização, as plataformas conquistam a vantagem crucial Essa relação direta com o leitor é crucial para todo negó-
de coletar informações sobre o público. Bilhões de usuá- cio que depende de assinantes ou membros e, com o de-
rios deixam um rastro de dados nos sistemas de cada em- clínio da publicidade empurrando os meios para modelos
presa dessas. Toda vez que um usuário entra em um site de pagamento direto, controlar essa relação é fundamen-
usando o login universal do Facebook, mais informação é tal. Em muitos casos, manter um “relacionamento” signifi-
coletada sobre essa pessoa. O Facebook tem como seguir ca ter dados.
os usuários dentro e fora da plataforma – e o cotejo desse Segundo Carla Zanoni, do Wall Street Journal, o sucesso
grande volume de dados permite uma segmentação muito “depende da natureza da plataforma e da sua capacida-
mais sofisticada pelas grandes empresas e, portanto, uma de como meio de comunicação de se envolver com esse
receita potencialmente maior de anunciantes. Os dados público e estabelecer uma relação de longo prazo que vá
ajudam plataformas a criar produtos e algoritmos que se além da plataforma”. Mas o desenvolvimento de um novo
adaptam instantaneamente ao comportamento do usuário. público em uma plataforma e de estratégias para falar a es-
Para comprar um anúncio no Facebook ou promover se público e faturar com ele faz perguntarmos “quem de-
um conteúdo jornalístico o processo é o mesmo: o anun- tém o relacionamento com o usuário”, diz Cynthia Collins,
ciante precisa definir o grupo demográfico visado com ba- do New York Times, e “quem controla esse relacionamen-
se na localização, em informações do perfil e em qualquer to e esses dados?”.
outra filiação que o Facebook apurou – perguntando dire- O acesso a dados também é fundamental para que o meio
tamente ao usuário ou analisando seu comportamento de de comunicação avalie o sucesso de sua estratégia de dis-
modo geral. Uma vez definidos os parâmetros da audiên- tribuição e sua relação com plataformas. Plataformas dão
cia, a publicação ou publicidade será dirigida aos indiví- a promessa de um potencial resultado – não uma garantia
duos eleitos. Desde que o material esteja em consonância – e o retrato que um meio enxerga nunca é claro. Acesso a
com os termos de uso do Facebook, quase tudo pode ser – dados e clareza foram reiteradamente citados por meios
e em geral é – promovido mediante pagamento. de comunicação como motivo de preocupação durante
Entender esse perfil – toda a informação ligada ao com- nossas entrevistas.
portamento de quem usa a plataforma – é como o Facebook Segundo Haile Owusu, principal cientista de dados do
e outras plataformas sociais interpretam seu relacionamen- site americano Mashable, isso cria dificuldades para que
to com o usuário e é fundamental para entender o meca- uma redação determine corretamente os resultados do
nismo comercial das mídias sociais. Quando o Facebook Instant Articles, ainda que o meio tenha recursos para tal.

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% da receita anual % da receita anual
com publicidade display digital com publicidade display mobile
100 100

Verizon 75 75

Twitter
50 50
Yahoo

Google
25 25
Facebook

Outros 0 0
2014 2015 2014 2015

Figura 8a: Porcentagem da receita anual com publicidade display digi- Figura 8b: Porcentagem da receita anual com publicidade display mo-
tal, 2014 e 2015. Fonte: Pew. bile, 2014 e 2015. Fonte: Pew.

Na sua opinião, há “impedimentos técnicos para realmen- tal as plataformas são tecnológicas: buscadores, redes sociais
te estabelecer qual a vantagem ou desvantagem” do recur- e aparelhos. A publicidade digital é uma fonte de receita com-
so. “O Facebook detém todas as informações. Ou seja, quan- plementar útil, mas, para manter uma redação de alto padrão,
do falamos de dados, nossa capacidade de avaliar o valor publishers precisam atrair clientes pagantes.
a longo prazo é explicitamente limitada pelo Facebook.” —Mark Thompson, presidente da New York Times Company
Durante muito tempo, a mídia viveu cercada de dados
sobre o público – mas não tinha capacidade ou motiva- Para quem esperava que a nova onda de relações integra-
ção para imaginar o que fazer com toda aquela informa- das e publicação em plataformas sociais fosse aumentar a
ção. Agora que a ciência de dados virou parte indissociá- receita, 2016 foi um ano decepcionante. Organizações jor-
vel do sucesso no mundo editorial, meios de comunica- nalísticas que entrevistamos disseram ser difícil calcular
ção percebem que perderam algo que valia tanto quan- o retorno do investimento feito para adaptar seu conteúdo
to dinheiro. As plataformas, que nasceram usando dados a diferentes plataformas – e, em entrevistas mais recentes,
para criar, lançar, aprimorar e monetizar produtos, sem- que esse retorno financeiro era baixo.
pre estarão em imensa vantagem, por sua própria natu- Para entender a situação, é preciso entender a natureza
reza e pela vasta escala que possuem. “Elas sabem mais da publicidade digital, que não para de mudar.
sobre nossos leitores do que nós – e podem vender [esse
conhecimento] aos anunciantes de um jeito que não pode- PUBLICIDADE DIGITAL DISPARA,
mos”, disse um exasperado executivo da imprensa. As pla- PARA FACEBOOK E GOOGLE
taformas, obviamente, diriam que o usuário é delas para
começo de conversa. Nos últimos dez anos, a publicidade digital (adtech) trans-
feriu poder de meios de comunicação para anunciantes. A
adtech engloba, de modo geral, uma série de ferramentas
digitais que dá a anunciantes um público a um só tempo
muito maior e mais segmentado do que antes.
Siga o dinheiro O Google dominou o mercado de publicidade digital com
uma solução tecnológica que oferecia todo serviço que o
anunciante (de uma multinacional a um negócio local) pre-
cisasse para fazer propaganda para um público específico.
O problema básico não é o Facebook ou o Google, é a inter- Era um sistema muito mais eficiente do que o tradicional-
net (…) Ficar pensando que tudo estaria bem se não fosse o mente oferecido por meios de comunicação (o anuncian-
Facebook e o Google é um equívoco. A esperança generali- te não precisava negociar e lidar com vendedores de car-
zada de que a receita com publicidade digital gerada por um ne e osso para comprar anúncios), muito mais direcionado
imenso número de usuários seria suficiente para bancar um (não havia chute no tocante ao grupo demográfico que es-
jornalismo de qualidade sempre foi uma ilusão. A receita pu- tava vendo os anúncios) e infinitamente mais “escalável” (o
blicitária fica basicamente com quem controla a plataforma. mercado era exponencialmente maior do que o que qual-
No impresso e na TV, eram veículos de imprensa, mas no digi- quer meio de comunicação poderia oferecer). Com isso,

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Google + Facebook = 76% (e em alta) do crescimento da publicidade na internet, EUA
Receita publicitária e taxas de crescimento (%) de Google x Facebook x outros
EUA, 2014-2015

$35
+ 18% A/A
Receita publicitária EUA (US$ bi)

$30
+ 13% A/A
$25
$20
$15
+ 59% A/A
$10
$5
$
2014 2015 2014 2015 2014 2015
Google Facebook Outros
IAB/PWC 2015 Advertising Report, Facebook, Morgan Stanley Research KPCB Internet Trends, 2016, p. 44
Nota: receita do Facebook inclui Canadá. Receita publicitária do Google USA estimada pelo Morgan Stanley, já que a empresa informa apenas receita publicitária total e receita total nos EUA.
“Outros” incluem todas as outras receitas publicitárias na internet nos EUA (mobile + desktop) tirando Google e Facebook.

Figura 9: Receita publicitária e taxa de crescimento do Google e do Facebook e do resto do mercado.


Fonte: http://www.kpcb.com/internet-trends.

o Google usurpou a maior fonte de receita do jornalismo. adtech sabe quem está vendo a página de esportes e quem
E, ao conquistar uma grande fatia de um mercado de publi- está lendo reportagens especiais – e pode direcionar a pro-
cidade digital em acelerado crescimento (Figura 8b), virou paganda diretamente a esses indivíduos. Na publicidade
a empresa de mídia mais rentável do mundo. digital, em geral não importa onde um anúncio é exibido,
O Facebook chegou depois do Google no mercado pu- mas sim quem o vê.
blicitário – mas, enquanto o Google dominava a publicida- Como há muito conteúdo na internet e programas de
de na internet convencional, o Facebook fechou o foco no adtech são muito eficientes, o valor por impressão é bai-
mobile. Para anunciantes, o problema era que os cookies xíssimo (frações de centavo) e segue caindo. O resultado é
usados para rastrear os passos do usuário pela internet não que o limiar para participação em redes de adtech é igual-
viajavam bem entre o computador convencional e apare- mente baixo; Google e Facebook não limitam muito quem
lhos móveis. No caso do Facebook, como o usuário em ge- pode participar de suas soluções publicitárias, nem de so-
ral estava logado na rede em todo aparelho que possuía, o luções de conteúdo como o Instant Articles (nos quais é in-
ID do Facebook era mais eficaz para monitorar sua movi- serida a propaganda). Isso cria um ambiente no qual a es-
mentação do que cookies. Outra vantagem do Facebook cala manda. Essa necessidade de escala empurra até mes-
na publicidade era o volume de dados que tinha sobre a vi- mo a imprensa séria a criar conteúdo viral e caça-cliques.
da e o comportamento de seu 1,9 bilhão de usuários – não Embora o BuzzFeed produza jornalismo de qualidade, é
só dados que a pessoa fornecia de livre e espontânea von- o conteúdo viral que traz receita ao site e muitos veículos
tade, mas informações obtidas da observação de seu com- de imprensa tradicionais vêm lançando mão dessa tática.
portamento na plataforma e, a certa altura, na internet to- A receita da publicidade digital disparou nos últimos
da. Com esses dados todos, um anúncio podia ser dirigido dois anos. Em 2015, Google e Facebook ficaram com 76% do
a um grupo específico de usuários e inserido diretamente faturamento com propaganda digital (Figura 9). No tercei-
no feed de notícias. Graças ao sucesso extraordinário des- ro trimestre de 2016, essa receita foi 20% maior do que no
sa estratégia, em 2014 o Facebook já detinha a maior fatia mesmo trimestre de 2015, segundo dados do International
da receita publicitária no mobile (Figura 8a). Advertising Bureau (IAB), e a expectativa é que o total
Essa revolução no modelo publicitário teve sérias reper- em 2016 ultrapasse os US$ 70 bilhões. No mesmo perío-
cussões financeiras para quem cria conteúdo – o que ex- do, houve uma redução dramática na verba aplicada em
plica, em parte, a disposição de muitos em trabalhar com publicidade impressa: mais de 8% na maioria dos veícu-
soluções como o Instant Articles, que dão acesso não só a los, o maior recuo na publicidade impressa desde 2009.
um público novo, mas a novas oportunidades publicitárias. Grandes veículos de imprensa, incluindo o New York Times
Meios de comunicação já não podiam ostentar um e o Wall Street Journal, donos de uma sólida base de assi-
acesso privilegiado ao público nem o alcance de cifras nantes no digital, tiveram de promover mudanças e cor-
hiperbólicas de circulação. Na internet, uma empresa de tes de pessoal. O problema de organizações jornalísticas –

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Matérias no Apple News antes e depois do iOS 10
(8-14 agosto e 7-13 novembro 2016)

1.400
1280
1.200 8 -14 agosto
Número de matérias postadas

1.000 7 - 13 novembro
864
800

600
513
433
400

200
67 40
0
Chicago Tribune Los Angeles Tmes Wall Street Journal

Figura 10: Número de matérias postadas no Apple News por Chicago Tribune, The Los Angeles Times e The Wall Street Journal antes e de-
pois do lançamento do iOS 10.

à exceção de canais de TV a cabo – é que a receita publici- OPORTUNIDADES EM PLATAFORMAS


tária no digital não está crescendo com rapidez suficiente.
Veículos decididos a monetizar o público em seu pró- Com o mercado publicitário ficando cada vez mais difícil
prio site, e não em plataformas, enfrentam uma ameaça para veículos de comunicação, a saída foi buscar fluxos
cada vez maior: ad blockers. No celular, a propaganda pe- mais substanciais de receita em plataformas. Monetização
sada e intrusiva que os meios normalmente exibem em em plataformas pode significar várias coisas. No caso da
sites virou não só motivo de irritação – mas algo que faz o publicidade, pode ser vender ao anunciante tanto seu
usuário perder tempo e dinheiro, ao comer sua franquia know-how como um conteúdo que funcione bem em mí-
de dados. Em 2015, a Apple causou comoção no mundo dias sociais. Em outras palavras, as plataformas dão a em-
editorial ao incluir bloqueadores de anúncios em sua lo- presas de mídia a oportunidade de passar por cima de
ja de aplicativos. A impressão era que a receita da publici- agências de publicidade. Aqui, o BuzzFeed é o expoente
dade no mobile, já pequena, iria secar. mais óbvio. Suas verticais de lifestyle, como o popular ca-
Devido aos bloqueadores e à quantidade ilimitada de in- nal de comida Tasty, são, na prática, pura publicidade nati-
ventário disponível, a publicidade nativa virou o único for- va. Mas foi preciso fazer muito teste com conteúdo edito-
mato de publicidade que funciona para a maioria dos publi- rial (explodir melancias, por exemplo) para descobrir que
shers no meio digital. Graças a ela, organizações como Vox linguagem e que apresentação funcionam no meio social.
e BuzzFeed subverteram o negócio tradicional das agên- Já que plataformas também são mais eficazes para a
cias, pois sua compreensão de como chegar ao consumi- venda de publicidade, há novas saídas para a partilha de
dor no universo social é superior à da maioria delas. Além receitas. Nas AMPs do Google – uma solução para carre-
disso, a pegada do tráfego social desses sites permite que gar páginas mais depressa no mobile –, editores ficam com
a publicidade nativa percorra a mesma trilha que suas lis- toda a receita. No Instant Articles, a receita da publicida-
tas, quizzes, hot takes e reportagens. Depois de inúmeros de vendida pelo Facebook é de 30% – e de 100% caso seja
pedidos de publishers, o Facebook liberou a publicação de vendida pelo próprio veículo. No Snapchat, a plataforma
“branded content” no Instant Articles – quase um ano após paga uma taxa para usar o conteúdo do meio, embora os
o lançamento do produto e apenas uma semana antes que termos desses acordos não pareçam uniformes. A opor-
o Instant Articles fosse aberto a todo e qualquer publisher. tunidade mais interessante em plataformas pode ter sido
A propósito da importância desse formato publicitário, o incentivo direto que o Facebook deu a publishers para a
o editor de uma revista disse: “Eles basicamente contro- adoção do recurso de vídeo ao vivo – pagando até US$ 5
lam o produto de monetização e, embora seja do interes- milhões a certos veículos de imprensa e a um punhado de
se deles permitir a publicação de conteúdo nativo e bran- celebridades para que produzissem vídeos. O experimento
ded na plataforma (…), eles podem mudar todo um setor foi encerrado no final de 2016 e o Facebook diz que já não
da noite para o dia”. remunera produtores diretamente pelos vídeos ao vivo.

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Muitos meios veem a oportunidade de obter uma recei- se meio uma equação mais complicada. “Às vezes, o otimi-
ta permanente ao usar as plataformas sociais para condu- zado para uma plataforma é o contrário do otimizado pa-
zir usuários e leitores “funil” abaixo. A ideia aqui é levá-los ra outra”, disse um entrevistado. Nosso estudo mostrou que
ao site do próprio meio para convertê-los em assinantes. a era de uma estratégia única para mídias sociais está che-
Vimos um salto no uso do Apple News, por exemplo, com gando ao fim e que as redações precisam, cada vez mais,
a chegada do iOS 10, que permite a organizações jornalís- de abordagens diversas. Ficou patente, por exemplo, que
ticas vender assinaturas (Figura 10). o Snapchat é visto como um meio de expor a marca a um
público jovem, ainda que exija muitos recursos; já o Instant
POUCO E DEVAGAR Articles permite um acesso mais fácil a um público mais va-
riado, embora não seja rentável.
Segundo uma pesquisa divulgada no começo de 2017 pela Whitney Dawn Carlson, que foi editora de mídias sociais
Digital Content Next, uma entidade que representa grandes do Chicago Tribune, falou da dificuldade de organizações
empresas de comunicação nos Estados Unidos, o veículo jornalísticas não só para definir, mas para chegar a um con-
médio da amostra teve uma receita de US$ 7,7 milhões, ou senso sobre o que configuraria um retorno desse investi-
14% do total, com o conteúdo publicado em plataformas. Ir mento. “É criar uma comunidade, para isso são mídias so-
de zero a 14% em um intervalo de dois anos sugere que is- ciais. O pessoal no alto escalão não entende, pois [algumas
so pode vir a ser parte considerável da receita de organi- plataformas] não estão trazendo pageviews nem dinheiro”,
zações jornalísticas caso o crescimento siga a um ritmo ra- informou. “É uma mentalidade do impresso.”
zoável. Essa receita não contabiliza, no entanto, custos adi- Enquanto o custo de produzir jornalismo de qualidade
cionais – que podem ser bastante elevados, sobretudo pa- consome parte do lucro de meios de comunicação sérios
ra produzir um canal no Snapchat Discover ou vídeos pa- nas plataformas, divulgadores de conteúdo falso ou enga-
ra o Facebook Live. noso podem faturar milhares de dólares com material pro-
De todas as soluções lançadas por empresas de tecnolo- duzido em segundos. Estamos falando, na ponta positiva
gia para ajudar meios de comunicação a publicar em suas desse fenômeno, de matérias de interesse humano. Já no
plataformas, a que gerou mais expectativa foi o Instant outro extremo fica um conteúdo que pode emplacar por jo-
Articles, do Facebook. No final de 2016, muitos dos meios gar com o medo ou divisões ideológicas, distorcer a realida-
que entrevistamos se diziam decepcionados com o retor- de ou até fabricar mentiras. Jestin Coler tem 40 anos, dois fi-
no do investimento no Instant Articles. Alguns, como o New lhos, mora na Califórnia, é registrado no Partido Democrata
York Times, tinham pulado fora. americano e criou a Disinfomedia.com para abrigar sites de
“Estou no mesmo ponto que antes”, afirmou Kim Lau, vi- notícias falsas, como o Denverguardian.com. O que come-
ce-presidente sênior e diretora de desenvolvimento de ne- çou como um exercício para expor e “infiltrar as câmaras
gócios da revista The Atlantic. Sua esperança era que, de- de eco do alt-right” com notícias totalmente fabricadas ter-
pois de mais de um ano no Instant Articles, o valor da so- minou com as mesmíssimas mentiras se alastrando como
lução já estivesse claro. “Nada nos leva a crer que o Instant fogo; o conteúdo foi aceito como fato por grupos ideológicos
foi ruim para nós, mas ainda não temos motivo para di- que não ligavam se era verídico ou não. Por mês, Coler po-
zer que foi algo positivo” (ela está mais otimista quanto ao dia faturar entre US$ 10 mil e US$ 30 mil com publicidade.
Projeto Jornalismo, anunciado há pouco pelo Facebook). A mecânica e a arquitetura de plataformas como YouTube
“Estou abrindo mão, entre outras coisas, da capacidade de e Facebook foram um terreno fértil para a proliferação desse
fazer campanhas de recirculação (…) para tentar levar o lei- gênero de conteúdo. Tanto Facebook como Google já mos-
tor a consumir outras coisas, de vender assinaturas”, acres- traram preocupação com a quantidade de lixo automatiza-
centou a executiva. do ou de desinformação sendo lançado nessas plataformas
Não surpreende que, no relacionamento com platafor- devido aos incentivos monetários à atividade. Mas um sis-
mas, a questão mais espinhosa seja a do retorno do inves- tema que dá ao conteúdo de baixa qualidade, sensaciona-
timento. Entrevistados em meios de comunicação ainda lista ou inventado o mesmo incentivo que dá ao jornalis-
não sabem se, a longo prazo, a receita obtida com essa re- mo sério vai acabar dominado pelo primeiro.
lação vai compensar a perda do controle da marca, do con-
tato com o público e de dados de usuários. O DILEMA DAS EMPRESAS JORNALÍSTICAS
O uso de plataformas sociais pode trazer uma série de
benefícios – benefícios que variam de plataforma para pla- A opacidade do mercado em todas essas plataformas, a
taforma, tornando a abordagem estratégica à adoção des- baixa confiabilidade das métricas e a possibilidade de mu-

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dança dos termos de remuneração sem nenhum aviso pré- Pouquíssimos meios têm recursos para fazer o mesmo.
vio ajudam a explicar por que os meios estão investindo O caráter “pay-to-play” dos jardins murados do mobi-
pesado na busca de fontes de receita que não dependam le está tornando mais difícil, para startups digitais, criar
dessas empresas de tecnologia. O que vimos, no entanto, um negócio do jeito “tradicional”, com redatores, editores,
foi que esse desejo manifesto de independência não se ex- gente de tecnologia e uma equipe comercial. Não é im-
pressava em uma retirada geral do conteúdo de platafor- possível erguer uma empresa editorial nova, como pro-
mas de distribuição social. Havia uma pequena possibili- varam inovadores experientes como Mike Allen e Jim
dade de conseguir receitas adicionais com o Apple News, VandeHei, da Axios. Com novos modelos, ainda dá para
por exemplo, embora a realidade tenha sido outra. montar um negócio do zero, com pouquíssima influência
Para empresas como BuzzFeed e NowThis News, abdi- de plataformas. Casos como o da newsletter de tecnologia
car da publicação em plataformas está fora de cogitação, The Information (disponível só por assinatura), o do enxu-
pois seu modelo de negócios está intimamente ligado a to boletim TinyLetter ou de serviços de podcasting como
essa distribuição. Empresas cuja sobrevivência depende Gimlet Media são exemplos de empresas inovadoras que
do relacionamento com redes sociais são quase tão vul- estão criando produtos livres do controle de plataformas
neráveis quanto aquelas com uma presença insuficiente sociais. Muitos veem uma bifurcação do mercado – entre
nessas mídias. Devido à criação e à eliminação de incenti- empresas capazes de atingir uma grande escala e negócios
vos e à incerteza sobre a viabilidade da distribuição no fu- pequenos o suficiente para atuar em nichos do mercado.
turo, a capacidade de influenciar decisões de plataformas
é particularmente importante para essas organizações.
Em conversas privadas, falou-se em duas vias para a pro-
moção de certa equanimidade: uma delas seria uma abor-
dagem mais voltada à negociação; a outra é que a concor- As plataformas têm
rência entre as próprias plataformas acabaria sendo bené-
fica para organizações jornalísticas. Mas o conteúdo mais a solução?
popular em geral não é o mais caro. Nesse ambiente, a úni-
ca possibilidade para veículos de imprensa sérios é tentar
faturar mais diretamente com seus leitores – com assinatu-
ras ou outras taxas. O modelo de publicidade nativa pode A decepção com a receita da publicidade digital está levan-
funcionar para certos meios; um punhado de sites de ne- do tanto plataformas como publishers a repensar sua rela-
gócios, como o Quartz, acredita que é possível seguir no ção com o modelo de assinaturas e de planos de serviços.
azul sem apostar em plataformas para obter receita publi- A arquitetura do Google e de plataformas sociais aposta,
citária (o Quartz não está no Instant Articles). em certa medida, em fluxos de informação de custo bai-
Com o surgimento de um modelo tríplice de sustenta- xo ou zero, sem a barreira da assinatura ou de paywalls.
ção – publicidade, assinatura e sem fins lucrativos –, o jor- Mas, com o mercado dando cada vez mais indícios de que
nalismo de qualidade passou a apostar mais em modelos o público está disposto a pagar organizações jornalísticas
que não vivem só de publicidade. por uma assinatura digital, a atitude está mudando. Até
No vaivém desse pêndulo, certas organizações jornalís- empresas como o Google, sempre avessas à ideia da assi-
ticas manifestam, ao menos temporariamente, o desejo de natura, começam a aceitar que adotar o modelo de assi-
redefinir e consolidar sua condição de publicadoras: a pro- natura em certos casos pode ser o único meio de garantir
liferação de serviços de assinatura é tanto uma via de sol- uma receita condizente para organizações jornalísticas.
vência quanto de independência para muitas. Marcas ex- A migração para ambientes mais controlados, em con-
cepcionais do jornalismo americano, como The New York traposição ao mundo altamente dinâmico da distribuição,
Times, The Washington Post, The New Yorker, BuzzFeed e é uma tendência tanto em plataformas como em empre-
até CNN (embora muitos possam rejeitar a inclusão de um sas jornalísticas. O IPO de US$ 24 bilhões do Snapchat é,
canal a cabo nessa turma), têm muito mais condição de basicamente, um endosso de um modelo de mídia mais
proteger sua relação com o público e de manter a visibili- tradicional, no qual o acesso é restrito a certos formatos,
dade de sua marca dentro de um mercado fragmentado. a plataforma publicitária é mais linear e o risco de publi-
Além disso, podem investir em tecnologia e conhecimen- cação é mitigado – pois tudo desaparece sem deixar ras-
tos para criar produtos publicitários melhores e acom- tro pouco depois de publicado.
panhar o ritmo de desenvolvimento das plataformas. O Snapchat ainda não provou que seu modelo de negó-

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cios é sustentável, ainda não deu lucro – mas aponta para Afinal, se há algo do jornalismo que as plataformas não
uma maneira muito mais clara de uma plataforma definir fazem, e dizem que nunca irão fazer, é produzir conteúdo
quem, no meio editorial, sairá vitorioso, permitindo o aces- jornalístico. E, no que se refere aos recursos ao dispor de jor-
so a sua plataforma fechada e exclusiva apenas a um gru- nalistas, as plataformas sociais têm ajudado muito. Durante
po seleto, ditando a frequência de publicação e estipulan- a campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos, parte
do metas de desempenho. E, de fato, o Snapchat Discover da melhor cobertura foi feita por repórteres como David
assume para si todo o poder associado à publicação. No Fahrenthold, do Washington Post, que contou com a ajuda
começo de 2017, o Facebook anunciou que iria recalibrar de seguidores em mídias sociais para apurar o uso de re-
o mecanismo do Instant Articles para dar uma fatia maior cursos da fundação de Donald Trump, e Craig Silverman,
da receita a publishers. Quando soltamos esse relatório, ain- editor de mídia do BuzzFeed, que escancarou o fenôme-
da havia poucos detalhes sobre essa mudança. no das fake news e, no processo, mudou a pauta política.
Em 2015, quando o Facebook lançou o Instant Articles, Hoje, no entanto, o jornalismo de qualidade não é algorit-
Michael Reckhow, então gerente do produto, descreveu micamente privilegiado nas plataformas. Não no Facebook,
um cenário utópico de parceria da plataforma com meios não no YouTube, não no Instagram, nem mesmo no Twitter
de comunicação – que deixariam de arcar com custos de – embora o ambiente aberto permita, sim, que esse conteú-
venda de publicidade e com ferramentas de produção pa- do ganhe destaque em grupos informados. Se os aconte-
ra se concentrar puramente no editorial. Meios que preci- cimentos políticos de 2016 nos Estados Unidos e a cober-
sam ser autossuficientes estão buscando maneiras de cor- tura do problema na época e posteriormente provaram al-
tar custos e reestruturar a redação. Se o incentivo finan- go, foi que a incapacidade das plataformas de “editar” seu
ceiro fosse adequado, a meta do Facebook para o Instant próprio feed pode causar um estrago generalizado. A táti-
Articles talvez pudesse ser atingida antes. ca de “plausible deniability” das plataformas – ou seja, se
Em entrevistas com executivos de plataformas, perce- eximir da responsabilidade pelo que publicam – está che-
bemos uma vontade genuína de promover o jornalismo de gando ao fim.
qualidade. Incertezas à parte, publishers em nossas entre- A evolução desse relacionamento aponta para uma ques-
vistas falaram de forma positiva de novas oportunidades tão crucial para organizações jornalísticas: a publicação se-
de narrar histórias e da capacidade de chegar a novos pú- guirá sendo uma atividade fundamental do jornalismo ou
blicos ou envolver a audiência atual de novas maneiras. terminará sendo totalmente integrada à tecnologia e a em-
Fora isso, as plataformas estão mudando o modo como presas que hospedam o conteúdo?
muitas redações encaram o trabalho que fazem – o que, É perfeitamente possível que o significado de uma orga-
apesar dos pesares, nem sempre é uma mudança indese- nização jornalística seja, cada vez mais, definido em termos
jada, como explicou Kim Lau, da revista The Atlantic: que excluam a monetização, a hospedagem e até o desen-
volvimento de formatos – e se atenha ao tom, ao conteúdo
Uma coisa boa das mudanças [trazidas] pelo Google e e à comunidade em torno da cobertura.
pelo Facebook é que obrigaram todo mundo a começar O medo, no momento, é que para outros isso não seja
a pensar na agilidade, quando ninguém pensava nisso, possível e que qualquer padrão de sustentabilidade que
e no desempenho da página e na experiência do usuá- contemple os segmentos do mercado com pelo menos al-
rio. Essas coisas estão se tornando fundamentais para o gumas novidades duráveis e úteis vá encolher ou desapa-
raciocínio básico dos meios sobre como crescer e apre- recer. É algo que já está acontecendo em mercados de por-
sentar seu conteúdo, mas, poucos anos atrás, raramente te médio e em localidades pequenas.
falávamos sobre o usuário e sobre como queríamos que Se a monetização do material cedido às plataformas so-
ele pensasse sobre as necessidades dele versus as nossas. ciais por organizações jornalísticas não melhorar, a crise
no jornalismo sustentável nos planos local e regional vai
No começo da pesquisa, sentimos um otimismo conti- se agravar. Se as ferramentas e a estrutura das plataformas
do: uma sensação de que se o Facebook realmente fosse não tiverem também fins voltados aos cidadãos (e não só
mais eficiente na venda de publicidade, o resultado não comerciais), será algo inevitável. Na improvável hipótese
seria de todo ruim. de que as plataformas criem um modelo econômico viá-
Mas há, também, um sentimento forte de alienação. vel para o jornalismo dentro de seus próprios ecossiste-
Meios de comunicação sentem o temor da migração do mas, ficaria mais difícil defender a independência da im-
público para plataformas maiores que fazem tudo de for- prensa do ponto de vista financeiro – embora não de uma
ma mais eficiente. perspectiva de cidadania.

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Facebook e a mo dia, a CNN divulgara que tanto Obama como Trump
tinham sido informados sobre o material. O BuzzFeed re-

eleição de 2016 solvera publicar o documento na tese de que o público ti-


nha o direito de julgar o conteúdo por si só.

nos Estados
Mais tarde, o diretor de redação do BuzzFeed, Ben Smith,
participou de um acalorado debate com Brian Stelter, apre-

Unidos
sentador de um programa na CNN. A discussão se concen-
trou na diferença entre a menção da existência do dossiê
pela CNN e a publicação do documento pelo BuzzFeed. No
centro do debate estava a ideia bem distinta que cada or-
ganização tinha do jornalismo. Como resumiu Stelter, en-
quanto a mídia tradicional partia da premissa de que um
Muitos de nós se sentem, hoje, mais seguros dentro de nossas material como aquele não devia ser divulgado ao público,
próprias bolhas – seja no bairro, na universidade, no local de para os novos meios a pergunta era “por que não?”.
culto ou, especialmente, no nosso feed em redes sociais, cer- Na manhã seguinte, Donald Trump passou boa parte da
cados de gente que se parece conosco, que tem a mesma vi- primeira coletiva à imprensa como presidente eleito des-
são política das coisas e que nunca questiona nossas ideias. mentindo o conteúdo do dossiê e atacando a imprensa.
A polarização do debate, a crescente estratificação econô- Trump acusou a CNN de dar “fake news”, comparou a pu-
mica e regional e a fragmentação da mídia em canais para blicação do dossiê a algo típico da Alemanha nazista, cha-
todo e qualquer gosto – tudo isso faz com que esse grande mou o BuzzFeed de “um monte de lixo” e disse que o por-
processo de categorização pareça natural, até inevitável. E, tal “sofreria consequências” pela publicação.
cada vez mais, nos sentimos tão seguros em nossas bolhas Naquela mesma manhã, o Facebook anunciou o cha-
que só aceitamos informações, verídicas ou não, que coinci- mado Projeto Jornalismo. Com a iniciativa, a empresa se
dam com nossa opinião, em vez de basear nossa opinião na comprometia a criar ferramentas melhores para ajudar a
evidência existente. imprensa a criar um modelo de negócios sustentável, dar
— Barack Obama, 10 de janeiro de 2017 treinamento a jornalistas e lançar um programa de alfabe-
tização midiática para o público em geral. Era uma reação
à crescente insatisfação de meios de comunicação com o
fraco retorno do Instant Articles e uma resposta pública à
revelação da estreita ligação entre o Facebook e a circu-
Um dia extraordinário lação de notícias falsas. Na ocasião, também foi anuncia-
da uma parceria com verificadores de fatos independen-
tes, para que fosse mais fácil determinar que publicações
na rede são falsas.
Às 21 horas do dia 10 de janeiro, em Chicago, Barack Obama Esse intervalo de 24 horas mostrou como a mídia e a po-
fez seu último discurso como presidente dos Estados lítica nos Estados Unidos tinham mudado nos anos que
Unidos. Faltando dez dias para a posse de Donald Trump, antecederam a eleição de 2016. Do pleito de 2008 para cá,
Obama usou a ocasião para mandar um alerta ao povo surgira uma verdadeira rede de direita, com meios relati-
americano: a desigualdade econômica, a divisão racial e o vamente novos. Parte da pauta dessa rede era desacreditar
surgimento de uma mídia fragmentada e tendenciosa pu- a mídia tradicional e criar uma narrativa alternativa. Para
nham em risco a própria democracia no país. O problema, a circulação dessa informação, o Facebook era um vetor
segundo Obama, é ficar ensimesmados em bolhas de in- crucial. A campanha de Trump aproveitou esse modelo,
formação, isolados uns dos outros por “fatos” conflitantes. gastando muito no Facebook para difundir sua mensagem.
Horas antes, às 17h20, o BuzzFeed tinha publicado um O resultado das eleições reverberou por todo o Facebook
dossiê com informações não confirmadas sobre supos- e causou uma guinada considerável na atitude da rede so-
tas aventuras financeiras e sexuais do presidente eleito na cial em relação à imprensa. Quando incentivou o meio jor-
Rússia. O documento, preparado por um ex-agente da in- nalístico a se apoiar mais no Facebook para a distribuição
teligência britânica, Christopher Steele, vinha circulando de conteúdo, a plataforma também abriu ferramentas de
havia meses entre jornalistas, sem que ninguém pudesse publicação para todos os demais usuários. E, enquanto a
comprovar a veracidade das informações. Naquele mes- rápida propagação de informações falsas pelo Facebook

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foi um problema à parte nas eleições, foi também um in- soras ABC, NBC e CBS e apenas 3,56 milhões de america-
dício de um problema estrutural muito maior, causado nos recebiam um jornal diário da maior editora de jornais
pelo modelo econômico e pelo sistema de automação na da época, a Gannett Co.
base do Facebook. Mas o papel central do Facebook no ecossistema jorna-
Foi uma série de iterações sobre a monetização da pla- lístico é um fenômeno novo. Em um episódio recente co-
taforma e sobre como a informação foi disseminada e fil- mo a campanha à reeleição de Obama, o papel da rede so-
trada ali que deixou claros os desafios que a imprensa ho- cial no jornalismo foi bem distinto.
je enfrenta – e, em última instância, a criação de um siste- Em novembro de 2012, uma foto de Barack e Michelle
ma que exacerbou a disseminação de informações falsas Obama se abraçando, acompanhada do texto “Mais qua-
durante a campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos. tro anos”, virou o tuíte mais compartilhado da história, se-
gundo Kantrowitz no BuzzFeed.
Embora o Twitter fosse bem menor do que o Facebook –
em 2012, tinha só 200 milhões de usuários, contra o 1,06 bi-
lhão do Facebook –, a plataforma despontava como amea-
De amigos e família à ça; não em termos de penetração geral, mas no comparti-

viralização da notícia lhamento instante a instante crucial para produzir visitas


regulares. Graças ao botão “retuitar”, era muito mais fácil
um conteúdo viralizar no Twitter do que no Facebook, on-
de, naquela época, o conteúdo tinha que ser manualmen-
te repostado. Embora o Facebook tivesse usuários regula-
Dias depois de a primeira matéria sobre o fenômeno das res, boa parte deles só usava o serviço para manter conta-
fake news (redigida por Alex Kantrowitz, do BuzzFeed) to com a família e os amigos.
ter viralizado no Facebook, Mark Zuckerberg reiterou, Algum tempo depois, o Facebook lançou o equivalen-
no final de agosto de 2016, que o Facebook era uma pla- te do retuíte: o botão “Share”. Com isso, qualquer um podia
taforma, não um meio jornalístico. “Somos uma empre- distribuir uma publicação para seus seguidores, fazendo
sa de tecnologia, não de mídia”, disse Zuckerberg a uma um mesmo post chegar a um público cada vez maior. Em
turma de estudantes italianos durante uma viagem à 2013, o Facebook adicionou hashtags e, em janeiro de 2014,
Itália para ver o papa. “Damos as ferramentas, não pro- uma seção “Trending”, que exibia os tópicos mais popula-
duzimos o conteúdo”. res ao lado do feed de notícias.
Só que o Facebook é, sem sombra de dúvida, a maior “Lançar uma série de recursos parecidos com os do
editora do mundo. Com 1,9 bilhão de usuários ativos e 2 tri- Twitter deu ao Facebook a capacidade de disseminar ra-
lhões de publicações “buscáveis”, a plataforma tem um pú- pidamente o conteúdo [bombando] no momento”, concluiu
blico maior do que o de qualquer outra organização de mí- Kantrowitz. Em termos de velocidade, o Facebook ainda
dia da história. Um estudo recente (2016) do instituto Pew perdia para a publicação em tempo real do Twitter. Mas
revelou que 67% dos americanos em idade adulta são ati- não importava. “Era rápido o suficiente e, com 1 bilhão de
vos no Facebook e que 47% dos americanos recebe notí- usuários ativos por mês, em comparação com os 250 mi-
cias pela plataforma. São cifras incríveis – e muito superio- lhões do Twitter, compensava em massa o que faltava em
res às de outras plataformas sociais; a segunda mais popu- energia”, completou.
lar, o Twitter, é usada por 16% dos americanos, sendo que Paralelamente, o Facebook fazia testes com o algoritmo
somente 9% recebem notícias por ali. O alcance do Twitter do feed de notícias. Como o algoritmo determina o que ca-
obviamente é maior – tuítes, sobretudo de Donald Trump, da usuário vê, dá para ajustá-lo de acordo com os dados ou
acabam reverberando em outras mídias também –, mas o comportamento do usuário. Como explicam duas estu-
é o Facebook que detém o público. O Facebook “não é só diosas da mídia, Nicole B. Ellison e danah boyd, a platafor-
quase onipresente entre usuários americanos de internet; ma pode determinar quem de seus amigos é mais impor-
ele centraliza o consumo de notícias no digital de manei- tante para você, por exemplo, e priorizar publicações des-
ra nunca vista”, explicou John Herrman, repórter que rece- se subconjunto de usuários. Uma mudança em 2011 para
beu a bolsa David Carr do New York Times. permitir que publicações de certos usuários ou de certas
São cifras superlativas até quando comparadas ao apo- páginas fossem ocultas deu ao algoritmo ainda mais in-
geu da mídia tradicional. Em 1980, por exemplo, 42% dos formação sobre o tipo de coisa que cada pessoa quer ver.
americanos viam o telejornal no horário nobre das emis- Segundo um estudo do próprio Facebook de 2015 intitula-

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do “Exposure to Ideologically Diverse News and Opinion algoritmo para aumentar a probabilidade de o conteúdo vi-
on Facebook” (Exposição a notícias e opiniões ideologica- ralizar. Se criasse um conteúdo que calava fundo em um de-
mente diferentes no Facebook, em tradução livre), essas pre- terminado público, com títulos chamativos ou até lascivos,
ferências indicadas pela própria pessoa têm o maior peso qualquer um podia conseguir um alto compartilhamen-
no algoritmo. Em um experimento polêmico, o Facebook to, não importando para onde o link levasse. Enquanto si-
mostrou conteúdos diferentes a usuários para monitorar tes como o Upworthy tentaram aproveitar o algoritmo do
como a pessoa reagia, o que permitia em tese que priori- Facebook para viralizar mensagens positivas, outros usa-
zasse informações que deixavam as pessoas felizes. Ou se- ram o recurso para espalhar desinformação, teorias da
ja, esses dados ajudam a adaptar o News Feed às preferên- conspiração e mentiras, como mostrou Craig Silverman
cias de cada usuário. em reportagens no BuzzFeed.
O resultado é que, quando um meio posta um material A capacidade de criar conteúdo que viralizasse – tan-
jornalístico no Facebook, a menos que pague pela exposi- to de organizações legítimas quanto de “fazendas de con-
ção, nada garante que vai aparecer no feed de seus segui- teúdo” mais questionáveis – virou um problema crescen-
dores. No sistema de informação do Facebook, o controle te para o Facebook, pois o conteúdo caça-cliques, além de
sobre a distribuição do jornalismo é cedido ao algoritmo. frustrante para o usuário, gerava um excesso de desinfor-
O algoritmo do feed de notícias decide o que o usuário vai mação que começava a afetar a qualidade do feed de no-
ver primeiro quando abre o Facebook. Essa equação é cons- tícias da pessoa. Em um estudo de 2015 para o Tow Center
tantemente iterada para otimizar a experiência e maximi- (“Lies, Damn Lies and Viral Content”), Craig Silverman mos-
zar o valor comercial do feed. O leitor recebe o conteúdo trou que organizações jornalísticas tradicionais também ti-
que mais condiz com sua opinião, pois o mercado publici- nham culpa pela circulação de conteúdo falso ou engano-
tário vive de curtidas e compartilhamentos. Para incenti- so, pois volta e meia não corrigiam a informação para con-
var a mídia a compartilhar conteúdo, o Facebook lançou seguir cliques: “Em vez de agir como fonte de informações
ferramentas para ajudar na produção e na distribuição de fidedignas, a mídia digital com frequência promove a de-
jornalismo e criou incentivos financeiros para isso. sinformação para gerar tráfego e engajamento social. O re-
Naturalmente, a intenção era que isso fosse – e de cer- sultado é uma situação na qual a mentira se propaga mui-
to modo foi – um avanço em relação à mídia tradicional e to mais do que a verdade e o papel de organizações jorna-
suas limitações. O público não teria mais de depender de lísticas é importantíssimo.”
um número restrito de fontes para filtrar e agregar todo o Em resposta a esses problemas, em janeiro de 2015 o
conteúdo da mídia. Em uma sessão de perguntas e respos- Facebook anunciou que qualquer “publicação com um link
tas em novembro de 2014, Zuckerberg disse que o objetivo para um artigo que muita gente tenha indicado ser um “hoax”
do Facebook era criar um jornal perfeitamente personali- (boato) ou deletado teria sua distribuição reduzida no feed
zado para cada pessoa no mundo. Estamos tentando per- de notícias”. A plataforma previu que isso diminuiria o pú-
sonalizar [o feed] e mostrar aquilo que é mais interessan- blico de boatos e fraudes. Foi, no entanto, a primeira de uma
te para cada um. Segundo ele, era uma necessidade, pois série de tentativas basicamente infrutíferas de resolver o
qualquer pessoa só conseguiria consumir uma fração de problema. Para lidar com o enorme fluxo de conteúdo do
todo o conteúdo hoje disponível. E acrescentou: “Como há Facebook, a solução teria de ser algorítmica, não humana
mais concorrência para mostrar algo [aos usuários], somen- – e é muito difícil programar um algoritmo para resolver
te o conteúdo de qualidade vai passar”. Quando o algoritmo questões complexas de verdade e mentira.
determina que conteúdo é de qualidade, o Facebook vira Em abril de 2015, o Facebook passou a priorizar posta-
o gateway para o público. gens da rede de amigos da pessoa, deixando veículos de
A consequência imediata, no entanto, não foi um jornal comunicação em segundo plano. Com seu feed de notícias
personalizado, mas o surgimento de toda uma indústria invadido por caça-cliques, usuários temiam “perder publi-
de empresas buscando tirar partido do potencial viral do cações importantes”.
conteúdo no Facebook. O Facebook conseguiu converter Quase um ano depois, a campanha de transformação
seu gigantesco exército de usuários ativos em receita pu- do feed para aumentar a facilidade de compartilhamen-
blicitária, especialmente no mobile. Como mostra Tim Wu to e dar mais regularidade ao fluxo de informações estava
no livro The Attention Merchants (2016), a publicidade pro- tendo o efeito desejado. Como informou o site de tecnolo-
gramática permitiu a microssegmentação do público, pu- gia The Information, as pessoas estavam compartilhando
xando o crescimento da receita das grandes plataformas. mais. Mas também estavam postando menos.
Qualquer publisher, legítimo ou não, podia manipular o Ainda hoje, o Facebook continua lutando para achar uma

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forma de incentivar a difusão de informação boa e conter 29 junho 2016: Facebook muda algoritmo para dar mais
coisas ruins. A viralização de um hoax ou de uma mentira ênfase a postagens da família e de amigos do usuário e
traz ganhos para um publisher questionável no curto prazo, criar um feed que “informe” e “divirta”.
mas abala a credibilidade do Facebook e pode ter sérias re- 4 agosto 2016: Facebook ajusta feed de notícias para redu-
percussões para a informação do público. Embora a campa- zir conteúdo caça-clique.
nha inicial para definir e resolver o problema tenha se con- 11 agosto 2016: Facebook modifica feed de notícias para dar
centrado no hoax, o xis da questão é que tanto o conteúdo ênfase a postagens que a pessoa considere “informativas”.
bom quanto o ruim são incentivados pelas mesmas ferra- 26 agosto 2016: seção Trending Topics passa a ser defini-
mentas e mudanças no algoritmo. É muito difícil conter a dis- da totalmente pelo algoritmo.
seminação da desinformação sem restringir também a pro- 19 novembro 2016: em resposta a críticas na esteira das
pagação do jornalismo – a menos que comecem a tomar de- eleições americanas, Mark Zuckerberg se pronuncia sobre
cisões editoriais sobre que organizações seriam confiáveis. o papel do Facebook na disseminação de notícias falsas.
5 dezembro 2016: na tentativa de combater a desinforma-
FEED DE NOTÍCIAS DO ção, Facebook pede a usuários que denunciem conteú-
FACEBOOK, 2006–2017 do “enganoso”.
11 janeiro 2017: Facebook anuncia o Journalism Project
5 setembro 2006: Facebook lança feed de notícias. (Projeto Jornalismo). Ideia é trabalhar com meios de co-
25 agosto 2014: algoritmo do feed de notícias é alterado pa- municação para lançar produtos, definir formatos de nar-
ra dar menos prioridade ao conteúdo caça-clique. rativa, promover o jornalismo local, criar modelos de assi-
20 janeiro 2015: Facebook muda algoritmo do feed de no- natura, treinar jornalistas e colaborar com o News Literacy
tícias para “mostrar menos boatos”. Project e organizações de checagem de fatos. No mesmo
21 abril 2015: Facebook ajusta feed de notícias para priori- dia, o site TechCrunch anuncia que o Facebook aceita cen-
zar postagens de amigos e da família e garantir que usuá- surar conteúdo na Tailândia a pedido do governo do país.
rios não deixem de ver “publicações importantes”. 31 janeiro 2017: Facebook muda algoritmo para priorizar
7 maio 2015: Facebook divulga estudo interno sobre bolhas conteúdo “autêntico” e postagens que tratem de notícias
segundo o qual “a maioria das pessoas tem amigos com ou- em desdobramento, em tempo real.
tra ideologia política e o conteúdo no feed de notícias das 6 fevereiro 2017: é revelado que um refugiado sírio move
pessoas reflete essa diversidade de opiniões”. uma ação contra o Facebook na Justiça por ter sido falsa-
15 junho 2015: algoritmo do feed de notícias muda para mente identificado como terrorista na plataforma.
priorizar o tempo que a pessoa passa lendo ou vendo um 16 fevereiro 2017: Mark Zuckerberg publica um manifesto
conteúdo, ainda que não interaja com o material. de quase 6.000 palavras – “Building Global Community”
21 abril 2016: Facebook muda algoritmo para dar destaque – sobre o futuro do Facebook e da sociedade civil global.
ao conteúdo que o usuário provavelmente vai passar mais 3 março 2017: Facebook cria uma tag de conteúdo “con-
tempo vendo ou lendo. testado” na rede.
9 maio 2016: Gizmodo revela que a seção Trending Topics
do Facebook é editada por indivíduos que “suprimem” con-
teúdo de teor conservador.
12 maio 2016: Facebook lança documento interno de 28
páginas com diretrizes para a equipe a cargo da seção Ano de eleição,
Trending Topics. Foi uma resposta à acusação, na impren-
sa, de que a equipe era tendenciosa em sua seleção. tempestade perfeita
23 maio 2016: diretor jurídico do Facebook envia car-
ta a republicanos no Congresso americano preocupa-
dos com o problema; na semana anterior, a equipe jurídi-
ca do Facebook se reuniu com o presidente do Comitê de No começo de 2014, o Facebook lançou uma série de pro-
Comércio do Senado americano, John Thune. dutos para o jornalismo. Nenhum deu muito certo. Um de-
24 maio 2016: Facebook anuncia que vai rever o modelo les, o Paper, servia para o usuário criar um jornal perso-
de curadoria da seção Trending Topics e que deixará de re- nalizado com base em assuntos de seu interesse. Outro, o
correr a sites externos para validar a importância de uma Newswire, permitia a publishers incorporar a seu próprio
publicação no feed. material qualquer conteúdo do Facebook que julgassem

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útil, usando a plataforma como instrumento de apuração e meios vendessem a publicidade, ficavam com 100%. E, co-
reportagem; era uma parceria com o Storyful. Com isso tu- mo mostramos antes, havia fortes incentivos para ceder
do, o Facebook mostrava a intenção de pôr as mãos na pu- o controle ao Facebook, incluindo o acesso ao sistema de
blicação. Era uma tentativa de ajudar editores a explorar o segmentação de usuários da plataforma. A dúvida era se
potencial da plataforma e de incentivar a transformação do as empresas deviam postar links no Facebook para atrair
feed em um fluxo regular de informações sobre o mundo. o público para seus sites ou apostar na potencial penetra-
Ao anunciar o Newswire, Andy Mitchell, diretor de jor- ção do Instant Articles e ceder o controle do público e do
nalismo e parcerias globais de mídia, escreveu: tráfego para seus próprios sites.
O jornalismo vem encontrando um público maior do A proposta do Facebook despertou o interesse de mui-
que nunca no Facebook. Jornalistas e organizações de mí- tos meios. Grandes empresas de mídia, como BuzzFeed,
dia viraram parte do Facebook, o que é visível em recur- New York Times e National Geographic, a princípio apos-
sos como o Trending Topics, no aprimoramento do Pages taram na solução. Por um período de tempo limitado, veí-
e em mudanças recentes no feed de notícias. Os meios es- culos importantes tiveram acesso exclusivo ao recurso e
tão vendo os resultados do nosso compromisso, com o trá- chegaram a ter seu conteúdo diferenciado no mobile com
fego de referência do Facebook para sites da mídia crescen- um raiozinho. Mas a posição privilegiada não durou muito.
do mais de quatro vezes em 2013, e estamos animados pa- Em fevereiro de 2016, o Facebook anunciou que o Instant
ra aprofundar a relação com organizações de mídia e jor- Articles não seria mais só para organizações jornalísticas
nalistas no futuro próximo. aprovadas: seria aberto a qualquer criador de conteúdo. Até
Já em 2015, o Facebook virara uma ameaça à existên- uma empresa como a Intel podia publicar conteúdo direta-
cia de muitos publishers, pois se convertia na plataforma mente no Instant Articles – e foi o que fez em junho, decla-
central de distribuição de notícias. Diante da queda acen- rando: “Acreditamos que somos um editor” (a Intel foi a pri-
tuada da receita com circulação, classificados e publici- meira de todas). Em abril, o Facebook liberou a postagem
dade impressa, muitas organizações jornalísticas tinham de conteúdo patrocinado ou branded no Instant Articles,
começado a fazer um doloroso corte de pessoal e a transi- marcando o patrocinador ou a marca.
ção organizacional rumo à sustentabilidade digital. Agora, A admissão de publicidade nativa em uma plataforma
o Facebook fazia planos para absorver mais de sua distri- até então reservada a meios de comunicação eliminou a
buição digital. breve distinção entre jornalismo e outros conteúdos no
Após uma série de conversas com organizações de notí- Facebook. Quando, do nada, esses recursos foram libera-
cias, em maio de 2015, o Facebook lançou o Instant Articles, dos a todos, o resultado foi minar ainda mais os sinais que
uma ferramenta em sua plataforma mobile que permitia o usuário recebia para poder distinguir a qualidade da in-
a um meio postar conteúdo diretamente no Facebook, formação no Facebook (isso corrobora os resultados de
em vez de dar o link que remetia o leitor a seu próprio site. um estudo do American Press Institute segundo os quais,
Como disse Chris Cox, diretor de produtos do Facebook, ao de cada dez pessoas, apenas duas lembravam qual era a
New York Times após o lançamento, a princípio o serviço fonte de um material compartilhado no Facebook e que,
seria restrito a um grupo seleto de veículos: “Estamos par- quando diante de dois conteúdos de duas fontes distin-
tindo com algo que, a nosso ver, vai funcionar para certos tas, uma inventada e outra a Associated Press, 45% classi-
meios, para certas matérias e para certos modelos de ne- ficaram a fonte inventada de “confiável” e um pouquinho
gócios; nossa ideia não é absorver tudo”. mais, 48%, disseram o mesmo para a AP.)
Já não bastava dar o link para seu site em mídias sociais, A plataforma vinha passando por uma grande mudan-
um sistema do qual muitos publishers já dependiam para ça. O que antes era um espaço para manter contato com a
gerar tráfego para sua página. Em breve, o Facebook vira- família e os amigos estava rapidamente virando uma fon-
ria também a plataforma na qual o jornalismo era consumi- te de diversos tipos de informação, incluindo notícias, fofo-
do – não só a principal plataforma na qual era descoberto. cas, entretenimento e publicidade. Além disso, havia cada
A justificativa expressa para o lançamento do Instant vez menos diferença na forma como cada conteúdo desses
Articles foi que as pessoas desistiam de abrir algo quan- era apresentado ao usuário e monetizado por meios de co-
do a página demorava muito para carregar. Se o conteúdo municação, anunciantes e o próprio Facebook.
estivesse abrigado no próprio Facebook, a pessoa passaria Paralelamente a essas mudanças, surgia outra polêmica.
mais tempo com o conteúdo – e no Facebook. O custo, pa- O Facebook estava usando editores de carne e osso para
ra os meios, era o controle sobre o público. Se o Facebook determinar o que saía na lista de Trending Topics. Embora
vendesse os anúncios, ficava com 30% da receita; já se os isso possa ser considerado uma intervenção editorial po-

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sitiva para garantir a integridade da lista, que tem alta vi- primia o que eles chamaram de “conteúdo diverso” em
sibilidade, uma matéria de maio de 2016 no site Gizmodo 8% das vezes para gente que se identificava como liberal
revelou que esses editores estavam vetando conteúdo e e 5% para indivíduos que se diziam conservadores. O es-
causas conservadores. O caso provocou protestos gene- tudo, que foi inicialmente concebido para refutar o impac-
ralizados na mídia conservadora e em outros círculos e le- to de filtros, também descobriu que quanto mais no alto
vou a uma improvável reunião, na sede do Facebook, de do feed estiver um conteúdo jornalístico, maior a proba-
Zuckerberg com um grupo de líderes da mídia conserva- bilidade de que a pessoa clique nele e menor a de que di-
dora. Em seguida, o empresário reiterou o foco na integri- fira de sua opinião. No Medium, o especialista em mídia
dade ideológica de seus produtos. e tecnologia Zeynep Tufekci escreveu: “Você está ven-
Em uma provável resposta a essa pressão, o Facebook do menos conteúdo jornalístico do qual discordaria, ain-
mudou de novo o feed de notícias em agosto de 2016 pa- da que compartilhado por seus amigos, pois o algoritmo
ra dar maior ênfase a posts “pessoalmente informativos”. não está mostrando”.
Em um post no blog anunciando a mudança, o Facebook Segundo Eli Pariser, esse processo de filtragem algorít-
declarou: mica pode, naturalmente, ser manipulado: “Algoritmos [es-
tavam] bebendo em distintas fontes (…) até que ganharam
Um dos valores do nosso feed de notícias é que toda consciência. Criadores de conteúdo perceberam que essa
publicação no seu feed deve ser informativa. O que faz era a dinâmica na qual estavam trabalhando e a alimen-
alguém se sentir informado sobre o mundo é pessoal. taram. O que acontece não só quando há essa dinâmica
O que alguém considera informativo pode ser diferen- – mas quando as pessoas sabem que ela existe e pensam
te do que outra pessoa acha informativo. Pode ser uma em maneiras de reforçá-la?”
matéria sobre um fato corrente, sobre sua celebridade fa- Peguemos, por exemplo, a ausência inicial de cobertu-
vorita, uma notícia da sua cidade, uma crítica de um fil- ra, no Facebook, dos protestos de Ferguson. A análise de
me prestes a estrear, uma receita ou qualquer outra coi- Tufekci revelou que “o algoritmo do feed de notícias do
sa que o informe. Facebook basicamente ocultou os relatos de protestos pe-
la morte do [adolescente negro] Michael Brown por um po-
Lida de outra forma, essa descrição mostra como o licial em Ferguson, no estado americano do Missouri, pro-
Facebook pode criar uma bolha de ideias, causas e ideo- vavelmente porque essas publicações não se prestavam
logias com as quais um usuário se identificou. a ‘curtidas’, nem mesmo a comentários”. Enquanto muita
gente acompanhava as notícias das manifestações em seu
A OPACIDADE DE ALGORITMOS feed do Twitter (que à época não era determinado por um
algoritmo, mas exibia, na ordem de publicação, os posts
Uma crítica importante do efeito do Facebook no mundo de gente que você seguia), quando entrava no Facebook
é que a plataforma reforça os filtros de uma bolha e torna o que a pessoa via no feed eram publicações sobre o de-
quase impossível que alguém saiba por que ou como es- safio do balde de gelo (uma campanha viral para promo-
tá recebendo certas notícias ou informações. ver a conscientização sobre a ELA – esclerose miotrófica
Eli Pariser, presidente do Upworthy, acha que um algorit- lateral). E não foi só uma questão da quantidade de maté-
mo pode ter dois efeitos no ecossistema da mídia. Primeiro, rias escritas sobre cada acontecimento. Conforme conta o
“ajuda as pessoas a se cercarem de informações que cor- jornalista John McDermott, embora houvesse muito mais
roborem aquilo em que já acreditam”. Segundo, “tende a notícias sobre Ferguson do que sobre o desafio do balde
preterir a modalidade de mídia que é mais necessária em de gelo, no Facebook o número de “referrals” (referências)
uma democracia: notícias e informações sobre os temas aos protestos foi muito menor. No Twitter, foi o oposto.
sociais mais importantes”. O conteúdo que todo usuário vê Esses vieses algorítmicos têm consideráveis implica-
no Facebook é filtrado tanto pelos amigos que têm na rede ções para o jornalismo. Enquanto organizações do im-
como por seu comportamento na plataforma (o que cur- presso e de radiodifusão podiam controlar que conteú-
te, comenta, compartilha ou lê), bem como por uma série dos eram agrupados em seus produtos e, com isso, le-
de conjecturas que o algoritmo da plataforma faz sobre o var ao público uma variedade de pontos de vista e mo-
conteúdo que poderia interessar àquela pessoa. dalidades de conteúdo (jornalismo esportivo, cultural,
Um estudo de 2015 publicado na revista Science e es- atualidades e reportagens investigativas), no algoritmo
crito por três membros da equipe de ciência de dados do do Facebook toda informação – inclusive o jornalismo –
Facebook revelou que o algoritmo do feed de notícias su- é atomizada e distribuída com base em uma série de re-

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gras ocultas, inexplicáveis, individualizadas e de rápida las americanas (uma única publicação teve mais de 2,1 mi-
iteração. O efeito bolha significa que o debate público es- lhões de compartilhamentos, comentários e reações no
tá menos assentado em uma narrativa comum, e em uma Facebook). Um dos exemplos de desinformação viral mais
série de verdades aceitas – coisas que antes sustentavam comentados foi o chamado “Pizzagate”, que culminou com
o discurso cívico. um homem armado invadindo um bar em Washington para
“investigar” rumores de que Hillary Clinton e outros demo-
DESINFORMAÇÃO VIRALIZADA cratas operavam uma rede de tráfico de menores no local.
Esse meio é perfeito para a propagação da desinforma-
Em 26 de agosto de 2016, o Facebook cortou os editores da ção e da propaganda viralizada, que segundo um profes-
seção Trending, que passou a ser definida completamen- sor de direito em Harvard, Yochai Benkler, é “um esforço
te pelo algoritmo. A decisão confirmou o pendor da plata- sistemático para criar e distribuir uma série de relatos, nar-
forma por soluções algorítmicas, não humanas. Como de- rativas e crenças que determinam como as pessoas en-
talhou Sam Thielman no Guardian, no fim de semana sub- xergam o mundo”. Em um estudo de mais de 1,25 milhão
sequente a Trending “deu uma notícia falsa sobre a apre- de itens publicados na internet entre 1º de abril de 2015 e o
sentadora da Fox News Megyn Kelly, um texto polêmico dia das eleições nos Estados Unidos, Benkler, Robert Faris,
sobre um palavrão desferido por um comediante contra a Hal Roberts e Ethan Zuckerman mostram que uma rede de
comentarista de direita Ann Coulter e links para uma ma- mídia de direita cujo centro era o portal de extrema direita
téria sobre um vídeo de um homem se masturbando com Breitbart criou um sistema de mídia fechado que distribuía
um sanduíche de frango do McDonald’s”. e confirmava informações falsas, criando uma “verdade”.
No exaustivo especial para o BuzzFeed, Craig Silverman Como sustenta Benkler, o papel do “quarto poder” precisa
contou que, nos três meses seguintes, houve um salto no ser ajustado a uma situação na qual há uma relação per-
que ele chamou de fake news: informações falsas feitas pa- sistente entre um presidente e uma rede de propaganda
ra parecer jornalismo de verdade. Durante o período crí- que cria uma fluência de desinformação com a intenção
tico que antecedeu a eleição, as 20 principais notícias fal- de manipular uma narrativa. Jornalistas precisam defen-
sas geraram mais engajamento no Facebook do que as 20 der maneiras compartilhadas de checar a veracidade de
principais matérias de importantes veículos de imprensa. fatos, mas o desafio que enfrentam é que a veracidade va-
Quase todas as principais histórias falsas compartilha- le muito pouco em um ecossistema regido pela confusão.
das no Facebook no trimestre anterior às eleições eram Gilad Lotan, vice-presidente de ciência de dados do
pró-Trump, segundo a análise de Silverman – embora BuzzFeed, também está preocupado com a erosão do dis-
também circulassem notícias falsas anti-Trump. A popu- curso cívico devido à proliferação de propaganda em pla-
laridade do conteúdo pró-Trump dava dinheiro para seus taformas sociais. A seu ver, um dos maiores problemas do
criadores, incentivando sites como o hoje famoso exem- sistema atual de mídia é a mistura de fato e ficção. Em ma-
plo dos adolescentes da Macedônia que ganharam mi- téria após matéria, jornalistas e teóricos da conspiração se
lhares de dólares com a criação de sites sensacionalistas aglutinam em torno de um assunto, cuja cobertura contí-
pró-Trump. O site americano Ending the Fed é outro que nua acaba polarizando o discurso público em comunida-
publicou reiteradamente notícias falsas de direita (como des que pensam igual. Nenhum dos lados é necessaria-
as listadas abaixo) que produziram um crescimento in- mente falso, mas a narrativa cuidadosamente elaborada
crível no tráfego do site – sendo que seu conteúdo sobre em ambos omite detalhes e contexto importantes. Quando
o pleito gerou consideravelmente mais engajamento no isso ocorre de forma consistente e persistente, argumenta
Facebook do que o material de veículos tradicionais co- Lotan, nossa percepção da realidade é afetada de forma
mo o New York Times ou o Washington Post. Matérias sen- sistemática e profunda.
sacionalistas, de direita, davam resultado espetacular no Um exemplo: Gary Coby, diretor de publicidade do
algoritmo do Facebook. Comitê Nacional Republicano, disse à jornalista Issie
Entre as publicações mais compartilhadas no Facebook Lapowsky, da Wired, que diariamente a campanha de
durante a campanha eleitoral de 2016 estava uma que fal- Trump testava de 40 mil a 50 mil versões de seus anún-
samente afirmava que o papa Francisco apoiava Donald cios no Facebook – uma atividade que Coby chamou de
Trump para a Presidência, uma série de matérias que ali- “teste A/B com esteroides”. Diferentemente do grosso da
mentavam teorias da conspiração sobre a saúde de Hillary propaganda política, esses anúncios eram sujeitos a pra-
Clinton e a afirmação de que Barack Obama proibira o ticamente zero monitoramento, permitindo que a cam-
“Pledge of Allegiance” (o juramento à bandeira) nas esco- panha de Trump chegasse a um número infinito de ni-

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chos do mercado com mensagens sob medida, sem ne-
nhuma regulamentação. Isso é possível graças à coleta de
A resposta do Facebook
grandes quantidades de dados e ao declínio da privacida-
de do usuário na internet. É como explica David Carroll,
professor associado de design de mídia na New School:
A princípio, Mark Zuckerberg tentou rebater a acusação
Se considerarmos como a segmentação da publici- de disseminação de informações falsas no Facebook du-
dade é cada vez mais usada como arma, sobretudo des- rante a campanha. Em um post em sua página pessoal
de (…) que o Google e o Facebook consolidaram nosso no Facebook quatro dias depois da eleição, escreveu que
histórico de navegação em seus IDs de usuário, e pen- “mais de 99% do [conteúdo] que as pessoas veem é legíti-
sarmos em como qualquer pessoa no mundo pode mi- mo”, o que tornaria “extremamente improvável que infor-
rar qualquer indivíduo nos Estados Unidos com preci- mações falsas tenham influenciado o resultado das elei-
são cirúrgica com base em suas suscetibilidades e in- ções”. Provavelmente, é verdade. Isso posto, o Facebook
clinações, talvez essa eleição tenha sido similar a um contribuiu, sim, para a propagação de mentiras que se fa-
momento 11 de setembro, mas não violento e invisível, ziam passar por verdade, como reconheceu Zuckerberg
no qual nossa infraestrutura comercial foi usada con- quatro dias depois. Em um post no qual admitia que a de-
tra nós e só percebemos isso depois da catástrofe. Será sinformação era um problema no Facebook, anunciou vá-
que em eleições futuras vai ser pior ainda? rios projetos para tentar conter o problema, incluindo me-
canismos melhores para a imprensa, alertas de informa-
Essa capacidade de microdirecionamento também vale ções falsas e o fim de incentivos financeiros para criado-
para o jornalismo sério. Em vez de criar audiência em seus res de notícias falsas, ideia que certamente teria impacto
próprios sites e usar mídias sociais para gerar tráfego neles, no modelo de negócios da organização. A mudança pare-
um meio hoje pode simplesmente comprar visualizações. A cia ser ditada pela crescente revolta do público, justificada
capacidade de empresas de comprar acesso ao público tor- ou não, com as fake news.
na cada vez mais difícil, para pequenas organizações de mí- Elliot Schrage, vice-presidente de comunicação glo-
dia sem esse poder de ação, aumentar sua audiência. O ecos- bal, marketing e políticas públicas do Facebook, foi me-
sistema publicitário que permite que notícias falsas se alas- nos otimista. Em um simpósio de chefes de campanha
trem é o mesmo do qual certos meios dependem para sobre- política em Harvard – a Campaign Managers Conference
viver. Toda informação é monetizada da mesma maneira. – no dia 29 de janeiro de 2017, Schrage admitiu que a dis-
Mudar essa realidade não será fácil, pois uma solução te- seminação de informações falsas era um problema que
ria de envolver decisões editoriais em grande escala, pa- precisavam encarar: “Durante muito tempo, não quise-
ra determinar que informações são legítimas. Até aqui, o mos ter normas sobre o que era ou não digno de publi-
Facebook optou, basicamente, por repassar essa função cação, pois não nos consideramos um serviço (…) de dis-
a verificadores de fatos independentes. Mas essa solução tribuição de notícias. Foi um erro!”. Na continuação, dis-
se equilibra sobre um desafio estrutural muito maior: uma se: “Esta eleição nos obrigou a questionar se é nossa fun-
vez que todo conteúdo é desagregado e comercializado em ção determinar a veracidade do conteúdo que as pessoas
uma comunidade muito grande de troca de informações, compartilham. E tenho de dizer a todos vocês, e é uma
haveria como aumentar a supervisão humana? das razões pelas quais estou aqui, que exercer esse pa-
Essa confusão de limites entre tipos de conteúdo e o mo- pel dá um medo tremendo”.
do como são distribuídos e monetizados levou ao surgi- Um mês depois, após uma série de aparições em públi-
mento de muitos modelos de criadores de conteúdo, que co que levaram muita gente a especular que o criador do
vão desde aqueles que direcionam e monetizam a desin- Facebook tinha ambições políticas, Mark Zuckerberg lan-
formação a comunidades ideologicamente definidas, àque- çou um manifesto de 6.000 palavras sobre o futuro do
les que vendem o perfil e a microssegmentação de grupos Facebook e da sociedade civil:
eleitorais altamente definidos.
Carroll é pessimista sobre o impacto coletivo dessa mu- Uma imprensa forte é fundamental para a criação de
dança para a publicidade: uma comunidade informada. Dar voz às pessoas não
Quem faz jornalismo não está colhendo os ganhos na re- basta – precisamos ter gente dedicada a descobrir e a
ceita, que cada vez mais vão para o duopólio, e essas plata- analisar novas informações. Temos de fazer mais pa-
formas que distribuem e lucram com a criação de conteú- ra apoiar a imprensa e, com isso, garantir que esse pa-
do estão ganhando o controle do setor sem assumir a res- pel social vital seja sustentável. Isso inclui incentivar
ponsabilidade de serem empresas de mídia. Se não corri- o jornalismo local, criar formatos mais adequados ao
girmos isso, acabou. A atividade jornalística e a democra- mobile e melhorar o leque de modelos de negócios dos
cia que ela vem proteger estarão fadadas à morte. quais organizações jornalísticas dependem.

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Utópicas, as declarações são opacas o suficiente para tizadas não são mais objetivas do que o editor de um jor-
evitar a discussão de problemas estruturais subjacentes. nal, mas são muito menos transparentes. E, embora tenha
Peguemos a questão da sinalização de informações falsas. a pretensão de ser aberta a todos, a plataforma na realida-
Zuckerberg parece sinceramente preocupado com a dis- de é um sistema fechado no qual normas de conduta são
seminação de inverdades em sua plataforma. Só que qual- rigorosamente controladas – é possível “curtir”, mas não
quer solução para enfrentar diretamente esse problema es- “não curtir”, uma publicação.
taria em conflito tanto com a visão de mundo do Facebook O problema disso, como resumiu Martin Moore, dire-
quanto com sua realidade comercial. Zuckerberg defende o tor do Centre for the Study of Media, Communication, and
poder de decisão do usuário e sua influência sobre a infor- Power na King’s College London, em um relatório de 2015
mação que posta e sobre o que vê em seu feed de notícias. (Tech Giants and Civic Power), é que:
Iniciativas para inserir editores humanos no fluxo de in-
formações do Facebook vão contra essa visão e podem ser O sonho dessas empresas de escapar do domínio pú-
difíceis de implementar no contexto das políticas atuais da blico e de encontrar espaços sem restrições legais suge-
plataforma. É como argumenta Adrienne LaFrance, que es- re um compromisso limitado com o dever cívico, ou pe-
creve sobre tecnologia: lo menos com o dever cívico nos moldes atuais. Mas, em-
bora essas empresas possam querer se libertar de restri-
Observando essa abordagem da perspectiva do jor- ções cívicas, seus serviços hoje exercem um papel cívi-
nalismo, no entanto, é possível ver como Zuckerberg co cada vez mais importante.
continua insistindo na abordagem distanciada do
Facebook à responsabilidade editorial. O Facebook es- É o caso, particularmente, de mercados mundo afora
tá terceirizando o poder de decisão sobre o que apare- nos quais o Facebook é a principal via de acesso à inter-
ce no seu feed de notícias. Não é como em um jornal, net pelos cidadãos.
onde um editor decide o que dar na primeira página; Apesar de Zuckerberg revestir a expansão global do
aqui, o usuário decide. Facebook em termos cívicos idealizados, o que está sen-
do oferecido é um sistema fechado no qual a informação
O manifesto de Zuckerberg é, em última instância, um é atomizada e automaticamente distribuída e no qual o
útil lembrete do muito que avançamos desde a promessa comportamento de usuários é monitorado e monetizado.
inicial da internet. Em vez de um mundo de jardins estrei- Embora por um instante a cultura e o objetivo central de
tos murados, de conteúdo criado e selecionado por um nú- plataformas e editores tenham se alinhado graças aos prin-
mero reduzidíssimo de autores (jornais), a internet permiti- cípios da web aberta, isso já não ocorre.
ria uma troca de informações muito mais aberta, com a ati- A cultura na base da razão de ser histórica do Facebook
vidade colocada nas mãos de criadores de conteúdo isola- está em crescente conflito com a natureza dos mercados
dos e daqueles que decidem consumir e compartilhar es- altamente controlados, vigiados (tanto pelo Facebook co-
se conteúdo. A mídia seria descentralizada e democrati- mo, na prática, por governos) e fechados que as platafor-
zada. Durante um tempo, essa cultura de individualismo mas estão erguendo. A economia política das plataformas
e a necessidade de democratizar o jornalismo estiveram está muito distante dos princípios cívicos da web aberta.
alinhadas. Vimos empresas de mídia começarem a migra- O efeito pernicioso da desinformação viral na platafor-
ção por vezes dolorosa do ecossistema fechado do impres- ma do Facebook é inquestionável. O clima financeiro e po-
so e da radiodifusão para o mundo mais aberto e desregra- lítico que incentiva a criação, a promoção e a rápida disse-
do da internet. O resultado foi um período de experimen- minação de informações falsas ameaça minar a confiança
tação movida à tecnologia tanto na velha imprensa como depositada por usuários no Facebook. Além disso, já que
na nova mídia. diferentes tipos e qualidades de conteúdo se tornaram in-
Mas algo essencial mudou. Plataformas digitais vira- distinguíveis no Facebook, essa crise de confiança supos-
ram o “establishment” que lá atrás atacavam. Se no passa- tamente se estenderia a debates muito maiores sobre a na-
do criticavam a regulamentação pública e as leis pré-inter- tureza da informação confiável e o papel do jornalismo no
net que, a seu ver, inibiam a inovação, hoje essas empresas discurso cívico.
entraram em áreas nas quais a colaboração com o gover- Se a real intenção do Facebook ao promover mudanças
no é fundamental (setor aeroespacial, tecnologia de saú- no algoritmo, criar ferramentas e lançar novas estratégias
de, vigilância e segurança nacional, setor automobilístico). de monetização foi legitimamente ajudar a imprensa, ge-
E, se no início chegaram para subverter instituições do rar tráfego e manter os usuários no Facebook, ou simples-
século 20 (incluindo organizações jornalísticas), as plata- mente maximizar seu próprio potencial publicitário, é ba-
formas estão, hoje, reproduzindo o sistema de controle que sicamente irrelevante.
caracterizou a mídia tradicional – só que com algoritmos, É como sustenta o especialista em jornalismo Mike
não com editores de carne e osso. Essas decisões automa- Ananny:

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Ao seguir afirmando que é uma empresa de tecnologia lhor com o jornalismo profissional – e não a bater em re-
– não uma empresa de mídia –, o Facebook pode dizer que tirada. Também levou Mark Zuckerberg a aproveitar o fe-
qualquer erro detectado na [seção] Trending Topics ou no riado do President’s Day para postar, no Facebook, um
feed de notícias é resultado de algoritmos que precisam obrigado geral à classe jornalística por seu trabalho. A fo-
ser ajustados, de inteligência artificial que precisa assimi- to que acompanhava a publicação trazia Zuckerberg e a
lar mais dados ou de reflexões de usuários. [A plataforma] mulher, Priscilla, em frente à sede do Selma Times-Journal.
alega que não está tomando qualquer posição editorial. No momento, a trajetória de meios de comunicação no
mundo social está criando duas categorias de organiza-
Se o Facebook vai ser o novo árbitro social da confiança, ção jornalística: uma que estabelece e mantém sua pre-
assumindo um papel que o jornalismo há muito vem exer- sença na rede, seu sistema de assinatura e sites próprios,
cendo, ainda que de forma imperfeita, [a plataforma] terá de e outra na qual a atividade de publicação deixa de ser um
conter a disseminação de desinformação e incentivar a di- dos pilares da operação jornalística.
fusão do jornalismo fundado em fatos. Vai, simplesmente, Tony Haile, ex-presidente da empresa de análise edi-
ter de começar a tomar decisões editoriais. torial Chartbeat e fundador da scroll.com, descreve es-
sa progressão:

Há duas rotas para os publishers. [Uma é] aceitar que

Conclusão: uma estão [no] negócio da publicidade, mas que (…) o ponto
de controle migrou para plataformas e, portanto, o pon-

transferência de to no qual a conta fecha também mudou. Nesse caso, [os


publishers] precisam cortar o máximo possível de cus-

poder turbulenta tos e adotar a mentalidade e a estrutura de um forne-


cedor de baixo custo/baixas margens e alta escala. Ou,
se decidirem que preferem margem à escala, precisam
se preparar para um futuro sem publicidade e com vá-
rias fontes de receita (e não só o modelo de acesso) (…).
Toda organização jornalística – tanto a mais tradicional A receita total pode ser menor, mas a margem maior.
das publicações como a startup nascida ontem – tem, ho- O problema desses meios, em geral, é não querer to-
je, a necessidade estratégica de encarar sua saúde futura mar uma decisão difícil (…). Com isso, acabam optando
como atrelada a plataformas de terceiros. Cada vez mais, pelo meio-termo, tentando otimizar para ambos [os mo-
decisões e recursos de veículos de imprensa precisam delos], o que significa não otimizar para nenhum.
computar necessidades dessas plataformas, o que afeta
desde decisões de pauta até a integração com um gran- E como seria o jornalismo se a atividade de publicação
de leque de padrões técnicos. não fosse mais o sustentáculo das organizações que pa-
Embora essas novas plataformas abram oportunida- gam por ele?
des e criem novos modelos de publicação, a maioria dos O NowThis News, por exemplo, nem tem uma homepa-
meios de comunicação ainda não conseguiu garantir que ge propriamente dita – só uma página que redireciona o
o investimento dará retorno. Embora muitos meios ainda usuário para redes sociais. Sua produção é consumida ex-
encarem estratégias de plataforma com reticência, nossos clusivamente pela web e tem pouco conteúdo original. Na
dados mostram que, nesse processo de acelerada conver- Reuters e na Associated Press, a publicação nunca foi parte
gência, não há volta. É um problema para veículos de pe- do modelo básico de negócios. O mesmo vale para organi-
queno e médio porte, especialmente locais e regionais, que zações sem fins lucrativos mais novas, como ProPublica e
se sentem prejudicados pelo novo paradigma. o International Consortium for Investigative Journalism. O
Embora muitos veículos tenham ficado decepcionados BuzzFeed pode até estar investindo no site, mas sua princi-
com o retorno inicial de formatos como o Instant Articles, pal atividade econômica é a de uma agência de publicida-
o Facebook hoje domina a discussão na imprensa devi- de, com o jornalismo bem segregado em uma divisão autô-
do ao porte de seu público e a sua participação no merca- noma, separada. A CNN, cujo objetivo é ser “a número um
do de publicidade no mobile. O escândalo das fake news, no noticiário em vídeo no mobile”, já adotou uma estrutu-
que estourou após as eleições presidenciais nos Estados ra que a afasta da transmissão tradicional e prioriza a pro-
Unidos, levou o Facebook a tentar forjar uma relação me- dução de conteúdo variado para dezenas de plataformas.

80 JULHO | DEZEMBRO 2017

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Google, Apple, Facebook, Snapchat, Twitter – e, em me- COMO VIGIAR UM SISTEMA DE PODER AO QUAL A
nor grau, até plataformas como LinkedIn e YouTube (do ATIVIDADE JORNALÍSTICA ESTÁ INCORPORADA
Google) – são todos publishers, e a maioria já começou a
montar equipes e traçar estratégias focadas na promoção O vale do Silício cultiva, há muito, a ideia de que as ferra-
do jornalismo. O LinkedIn, por exemplo, há pouco anunciou mentas e plataformas criadas por suas empresas empo-
uma seção de “trending topics” nos moldes da do Facebook. deram o indivíduo. Essas mesmas empresas, contudo, ga-
Contudo, essa progressão acelerada e implacavelmente nham dinheiro basicamente vendendo dados sobre o com-
lógica de resultados movidos pelo mercado dirigido não portamento de seus usuários. Quando propõe a criação de
deu tempo suficiente para calibrar as consequências dessa uma “comunidade global” no Facebook, Mark Zuckerberg
transferência de dinheiro, funções e influência da impren- também está pensando na expansão de uma das maiores
sa para empresas de tecnologia. Em 14 anos, o Facebook empresas do mundo.
passou da ideia de um universitário para, potencialmen- Paralelamente, ao adentrar setores altamente regula-
te, a redação mais importante do mundo. A plataforma mentados (aeroespacial, automotivo, telecomunicações,
tem só um punhado de funcionários dedicados ao jorna- segurança nacional), muitas empresas de tecnologia es-
lismo, embora nenhum deles realmente pratique o ofício. tão, cada vez mais, trabalhando em estreita parceria com
E, isso posto, as plataformas não podem erguer um fire- o Estado, e sob direto controle deste.
wall entre sua própria atividade e o jornalismo. Enquanto O resultado é que um pequeno número de empresas
um Napster podia festejar a derrocada de uma EMI, detém um controle considerável tanto da imprensa co-
Facebook, Google e Apple têm ao menos a necessidade mo de setores que o jornalismo tradicionalmente cobre.
instrumental de parecer estar protegendo o jornalismo e Esse conflito põe em xeque a viabilidade do “accountabi-
a liberdade de expressão. lity journalism”, sobretudo do trabalho que exige a pres-
Mas o desejo de contribuir para a viabilidade do jornalis- tação de contas pelos detentores do poder no governo e
mo, por mais bem intencionado que seja, vai contra o mo- em empresas. Esse trabalho exige um grau de indepen-
delo e a estrutura de incentivos de plataformas. Enquanto dência difícil de imaginar em um mundo no qual a ativi-
isso não mudar, ou enquanto não houver um esforço para dade de publicação da imprensa é exercida por controla-
delinear e incentivar o conteúdo de qualidade, plataformas doras de grandes plataformas digitais.
sociais vão seguir minando o bom jornalismo. A dúvida é saber como a imprensa vai vigiar os novos
nós do poder quando essa mesma imprensa depende de-
les para distribuição, audiência e receita.

Entraves estruturais COMO CORRIGIR INCENTIVOS PARA O JORNALIS-


MO NA WEB SOCIAL

Em plataformas, o conteúdo é atomizado em categorias


monetizáveis (anúncios, conteúdo patrocinado, publica-
O recente esforço para a criação de instrumentos de iden- ções pessoais etc.) e comprado e vendido da mesma ma-
tificação de informações falsas e campanhas de alfabetiza- neira. Não há prêmio para a qualidade da informação, ape-
ção digital são iniciativas importantes e indicam que ope- nas para a escala. Além disso, como o Facebook já informa
radoras de plataformas começam a enfrentar problemas a anunciantes, o comportamento do público pode ser in-
que há muito têm evitado. Essas iniciativas farão diferença fluenciado pela informação que este recebe. O mesmo é
tangível na qualidade da informação compartilhada em válido para a influência política. Interesses de grandes em-
plataformas digitais e ajudarão o cidadão a lidar de forma presas de tecnologia estão reforçando a tendência a uma
responsável com inverdades, que continuarão existindo. atomização e automação maiores – duas coisas difíceis de
Só que essas iniciativas têm efeito limitado, pois estão des- conciliar com o papel do jornalismo como um bem social.
vinculadas dos problemas estruturais inerentes ao ecos- Se quiserem manter a independência, é evidente que
sistema de plataformas: o domínio quase total da ideolo- organizações jornalísticas terão de achar modelos de fi-
gia do vale do Silício, o efeito pernicioso do modelo eco- nanciamento que não dependam do ecossistema das re-
nômico da adtech e a opacidade da automação. des sociais. Isso pode significar utilizar plataformas co-
Nesse contexto, é importante que a imprensa encare mo ferramenta para chegar ao público e com ele se rela-
com seriedade quatro problemas fundamentais. cionar, mas sem depender delas para monetizar o con-

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teúdo. Pode, também, significar um grande reequilíbrio jornalismo no ecossistema de informação. É como disse
do financiamento do jornalismo – nos moldes do apoio Ethan Zuckerman:
público à imprensa em várias democracias. Para muitos,
os Estados Unidos precisam de uma radical intervenção Precisamos trabalhar mais pela construção de uma
no mercado, semelhante à que fez o Reino Unido em 1922 mídia que nos leve a ver outras perspectivas e nos ajude
com a criação da BBC. Dada a realidade política atual, uma a entender a complexa realidade política em que vive-
opção mais viável seria que as próprias plataformas aju- mos. A resposta não é combater falsas notícias – é criar
dassem a bancar um empreendimento nesses moldes. um jornalismo mais inclusivo, uma mídia que nos aju-
de a entender gente da qual discordamos e gente que
COMO RESOLVER O PROBLEMA DE EDIÇÃO raramente ouvimos.
EM ESCALA
Espaços cívicos como esses exigirão soluções huma-
Plataformas dependem de algoritmos porque precisam nas, não só algorítmicas.
operar em grande escala.
O problema é que, embora um editor de carne e osso O PAPEL DO ESTADO E DA REGULAMENTAÇÃO
possa filtrar com relativa facilidade uma notícia obvia-
mente falsa, para um algoritmo é bem mais difícil. Há Em uma carta aberta, Tim Berners-Lee sugeriu há pou-
maneiras de classificar tanto a informação como quem co que os princípios sobre os quais ergueu a World Wide
a publica – caso dos badges verificados do Twitter ou do Web há 28 anos hoje estão ameaçados pela perda de da-
Google PageRank. O Facebook está recrutando sites in- dos pessoais, pela disseminação da desinformação e pe-
dependentes de checagem de fatos e avançando rumo la evolução da publicidade política. Para combater esses
a uma intervenção editorial maior na seção Trending males, sustentou, será preciso salvaguardar a privacida-
Topics. Para a imprensa, isso impõe um sério dilema: de pessoal, construir sistemas alternativos de pagamento
dar às plataformas um poder maior de decisão sobre o e combater a vigilância do Estado. Há um forte argumento
ecossistema da informação, mas perder o controle co- para uma maior transparência algorítmica e uma melhor
mo intermediária. regulamentação de campanhas políticas, diz Berners-Lee.
A busca de soluções algorítmicas traz, também, o risco Em suma, empresas de plataformas precisam reincutir os
de uma espécie de censura automatizada. Nas palavras valores da web aberta em sua atividade.
de Jonathan Albright, professor assistente de comunica- Muitas dessas ideias podem exigir o envolvimento de
ções da Elon University, nos Estados Unidos: governos – uma ideia que não atrai simpatia nos Estados
Unidos, apesar de uma longa história da regulamenta-
A próxima era [das guerras da informação] provavel- ção da mídia pelo Estado. É, sem dúvida, o caminho que
mente resultará no filtro mais difundido de todos: é pro- outros países estão seguindo. Iniciativas propostas na
vável que normalize a eliminação de pontos de vista União Europeia, na Alemanha e no Canadá imporiam
que estejam em conflito com interesses estabelecidos freios ao mercado aberto das plataformas dominantes
(…). Na próxima década, filtros movidos por inteligência e, em certos casos, responsabilizariam financeiramen-
artificial criados por empresas de tecnologia irão pesar te empresas pela disseminação da desinformação em
a legitimidade da informação antes que o público tenha suas plataformas.
a chance de determiná-la por si só. Outra possibilidade é que vejamos toda uma nova ge-
ração de ações antitruste à medida que grandes platafor-
Essa intervenção na liberdade de expressão pode re- mas entrarem em segmentos de mercado maiores e se ex-
sultar de mudanças compulsórias em algoritmos ditadas pandirem globalmente.
por governos, de organizações que compram audiência No passado, a lei só interveio para regular a mídia ameri-
em plataformas ou de empresas de plataformas ajustan- cana quando práticas comerciais nocivas fugiram ao con-
do seus algoritmos por esse ou aquele motivo. Seja co- trole. As grandes mudanças foram feitas pelo mercado –
mo for, a natureza opaca dessa filtragem traz um desa- e, nos últimos 20 anos, quase inteiramente pelas empre-
fio para a função cívica do jornalismo em uma socieda- sas de tecnologia do vale do Silício que examinamos em
de democrática. nossa pesquisa. No entanto, em um momento no qual re-
A resposta pode, em última instância, exigir não só so- lacionamentos, estruturas, normas e regras do meio jor-
luções algorítmicas, mas uma “re-imaginação” do papel do nalístico estão em fluxo, temos a oportunidade de per-

82 JULHO | DEZEMBRO 2017

ESPM Book(18/set).indb 82 9/20/17 4:11 PM


guntar que outro tipo de intervenção – privada, filantró- Apêndice: Metodologia
pica ou pública – seria possível.
Como sustentou o colunista do New York Times Tom Ao projetar nossa análise de conteúdo, buscamos
Edsall, talvez seja preciso reformas substantivas como es- montar uma amostra diversificada de organizações
sas para garantir que a tecnologia contribua para a demo- jornalísticas americanas que incluísse emissoras tra-
cracia – em vez de miná-la. dicionais de TV (CNN, Fox News), grandes jornais de
penetração nacional (The New York Times*, The Wall
Street Journal*, The Washington Post*), jornais regio-
nais (Chicago Tribune*, Los Angeles Times*, New York

Um ambiente melhor Daily News), meios que já nasceram digitais (BuzzFeed,


BuzzFeed News, The Huffington Post, Vox) e híbridos
para a imprensa de impresso/digital (Vice, Vice News).
Dados sobre o volume de publicações (ou postagens)
do principal veículo de cada marca acima (ex.: @cnn,
@nytimes) são colhidos durante períodos de uma se-
mana de duração (de segunda a domingo) uma vez a
No contexto das eleições de 2016 nos Estados Unidos, cada trimestre nas plataformas a seguir: Apple News,
meios de comunicação tiveram a oportunidade de reafir- Facebook, Instagram, Instagram Stories, LINE, LinkedIn,
mar o valor de uma imprensa independente. O mesmo ci- li.st, Messenger, Pinterest, Snapchat Discover, Snapchat
clo eleitoral também demonstrou as perigosas falhas do Stories, Tumblr, Twitter e YouTube.
novo ambiente jornalístico. A incapacidade de empresas Sempre que possível, os dados são obtidos através da
de tecnologia de instituir metas sociais (além das comer- API das próprias plataformas. Quando a plataforma ou
ciais) é tão flagrante quanto a negligência exibida por or- o produto não possui um API (ex.: LinkedIn, Facebook
ganizações jornalísticas nas últimas duas décadas ao não Instant Articles, Apple News, Snapchat, Instagram), os
repensar suas tecnologias e modelos de negócios com ra- dados são obtidos pelo próprio site ou compilados ma-
pidez suficiente. nualmente. A lista de publicações e plataformas incluí-
Com a regulamentação da mídia em queda livre, foi re- das nessa pesquisa cresceu ao longo do tempo. Entre as
legada a dirigentes de instituições de jornalismo e de em- plataformas não incluídas na primeira fase da análise
presas de tecnologia a tarefa de arbitrar as regras do rela- estão LinkedIn, Pinterest, Tumblr e Instagram Stories.
cionamento entre esses dois setores. Nessa balança, em- Devido às limitações da API do Twitter, não pude-
presas de tecnologia cada vez mais detêm o poder, tanto mos computar retuítes. A primeira fase da coleta de
econômica como culturalmente. É preciso que organiza- dados tampouco inclui BuzzFeed, Vice ou os três jor-
ções e demais interessados no jornalismo se unam para nais diários regionais acima citados. Quando fazemos
abordar não o problema específico das plataformas e da referência a um entrevistado sem identificá-lo no tex-
estrutura do mercado publicitário, mas também a ques- to é porque a pessoa falou sob condição de anonima-
tão maior e mais duradoura do ambiente que desejamos to. O símbolo * indica um modelo de negócios basea-
criar para o jornalismo. ■ do em assinaturas.

emily bell é professora de prática profissional na Columbia


O original em inglês deste estudo está disponível no site do Tow Center
University Graduate School of Journalism e diretora do Tow Center https://www.cjr.org/tow_center_reports/platform-press-how-silicon-
for Digital Journalism. valley-reengineered-journalism.php.

taylor owen é professor assistente de mídias digitais e assuntos


internacionais na University of British Columbia.

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 83

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