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A partir de fins dos anos 50, uma polêmica


internacional se travou em torno do conceito de
modo de produção asiático. Não somente
procurou-se renovar a visão de determinadas
sociedades - muitas delas não-asiáticas -,
como também criticou-se a noção de que, em
princípio, todas as sociedades devessem
atravessar as mesmas etapas em seu
desenvolvimento histórico.
Este livro aborda essa polêmica, tomando-a
como pano de fundo para a análise das
sociedades do antigo Oriente Próximo, através
de dois exemplos: Egito e Baixa Mesopotâmia.
Ciro Flamarion S. Cardoso é professor da
Universidade Federal Fluminense. Publicou,
entre outros títulos, O Egito antigo, O trabalho
compulsório na Antiguidade, A cidade-Estado
antiga e O trabalho na América Latina
colonial (na Série Princípios).
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Palácios, templos e aldeias:
o "modo de produção
asiático"

A forma como abordaremos, neste livro, o estudo


das sociedades do antigo Oriente Próximo - através dos
exemplos egípcio e mesopotâmico - vincula-se direta-
mente à noção de modo de produção asiático. Começare-
mos, então, por uma exposição sumária: dos antecedentes
do surgimento deste polêmico conceito; da sua elaboração
na obra de Marx; e do seu complexo destino posterior.
Em seguida, trataremos de expor a versão específica do
mencionado conceito, que nos servirá de base para inter-
rogar os exemplos escolhidos.

Antecedentes do conceito de "modo de


produção asiático"
Do século XVI ao XVIII, os escritores europeus que,
por alguma razão, se referiam ao Oriente - à Ásia -,
faziam-no no contexto do pensamento acerca do social
como existia em sua época, isto é, manifestando interesse
prioritário, ou mesmo exclusivo, pelos aspectos políticos.
A idéia de que a política não passa de uma parte do todo
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social, do qual só aparentemente é o princípio condutor, finanças, impostos e leis, estavam na ordem do dia.
não começou a se desenvolver antes do século XIX. Assim, Pensadores se debruçavam sobre tais problemáticas, ten-
na fase anterior, noções como o "despotismo oriental" tando entendê-Ias e dar-Ihes respostas positivas e prag-
apareciam como objetos perfeitamente autônomos e legí- máticas, alguns dos quais foram pioneiros na apresentação
timos de análise. Inicialmente, os materiais usados provi- do Estado oriental como antítese da monarquia européia.
nham da Bíblia e de escritores clássicos antigos - por MachiaveIli, por exemplo, acreditava que no Império Turco
exemplo, as opiniões manifestadas pelos gregos acerca do havia um único senhor, sendo todos os outros homens
Império Persa -, bem como de informações não muito seus servidores; a razão disto seria que, ao contrário do
precisas sobre os turcos otomanos e o Império Moscovita. que ocorria na Europa, entre os otomanos inexistiria uma
A partir do século XVII, porém, multiplicaram-se as publi- nobreza hereditária, idéia algum tempo depois retomada
cações de escritos de viajantes, mercadores, navegantes e por Francis Bacon. Ele opunha, então, o governo europeu,
diplomatas que se dirigiam ao Oriente (Império Turco, exercido por um monarca cercado de conselheiros, ao
Pérsia, tndia, China etc.) em busca de ganho mercantil, despotismo oriental; contrastava os numerosos Estados
de vantagens comerciais para si próprios ou para os europeus, em que havia condições que favoreciam a criati-
países que os enviavam. Tais escritos foram lidos e utili- vidade dos habitantes, aos imensos impérios orientais, ca-
zados, na Europa, por pensadores (filósofos, historiadores, racterizados por uma população servil. Bodin, por sua vez,
economistas políticos) interessados principalmente em con- sob forte influência de Aristóteles, comparou a "monarquia
trastar os dados que conheciam ou acreditavam conhecer real" européia - em que os súditos obedeciam às leis
a respeito da "Ásia" ou do "Oriente" - então quase do rei e às leis naturais, sendo-Ihes reconhecido o direito
sempre visto como uma única totalidade homogênea - à liberdade natural e à propriedade - com a "monarquia
com sua interpretação do que ocorria na Europa, em senhorial" do Oriente, esta ilustrada pelos Estados turco
polêmicas acerca do absolutismo, do livre comércio, dos e moscovita. Em tais Estados o rei, senhor dos bens e
direitos naturais dos homens, e de outros temas. Foi unica- das pessoas por direito de conquista, governava seus súdi-
mente no século XIX que as sociedades asiáticas passaram tos como um chefe de família romano governava seus
escravos.
a ser encaradas em sua heterogeneidade e multiplicidade,
e vistas como objeto de estudo em si mesmas, em função Em 1650, Thomas Hobbes endossou algumas das
não apenas das mudanças ocorridas na maneira de abor- idéias de Bodin, ao tratar do que, por influência grega,
dar o social, mas também de uma penetração crescente chamou de "reino despótico".
e em profundidade dos interesses europeus nessas socie- No século XVII, comerciantes e embaixadores que
dades orientais. haviam conhecido a Pérsia e a lndia especularam sobre
No século XVI, a Europa vivia a emergência das as origens e bases do "poder despótico": elementos de
nações-Estados modernas, das monarquias absolutistas. seus escritos foram amplamente usados, sobretudo na
Questões como a necessidade de exércitos e burocracias França, nas acaloradas polêmicas acerca do absolutismo
permanentes, de sistemas nacionalmente integrados de monárquico. Em seus contatos com o Oriente, os europeus

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notaram, em primeiro lugar, o contraste entre a imensa Voltaire, que via a China como o país dos reis filó-
riqueza das cortes e a pobreza abjeta da maioria da popu- sofos, protótipo do "despotismo esclarecido", por ele pre-
lação, confirmando, portanto, uma visão como a de Ma- conizado, criticou Montesquieu, no que foi imitado por
chiavelli e Bacon acerca da ausência de mediações sociais alguns fisiocratas. Quesnay, por exemplo, encarava a China
entre a corte e o povo. Quase todos afirmaram que o como um "despotismo legal", em oposição ao "despotismo
déspota era o único proprietário do solo. O mais famoso arbitrário". Embora nem todos os fisiocratas fossem "sinó-
dos viajantes, Bernier, acreditava ser esta propriedade a filos", credita-se a eles a formulação do primeiro modelo
fonte do poder despótico - tese que seria adotada poste- econômico sistemático aplicado ao "despotismo oriental";
riormente pelos fisiocratas, por Adam Smith e por Marx isto porque foram também os primeiros que perceberam a
-, enquanto outros, pelo contrário, achavam que era do economia como uma totalidade coerente, feita de partes
poder absoluto que o governante derivava seus direitos interdependentes ou solidárias.
sobre as pessoas e os bens. Bernier notou também que Numa posição relativamente isolada na época, o orien-
-
os artífices orientais artesãos de alta qualificação - talista francês Anquetil-Duperron, em obras publicadas
dependiam, para viver, da redistribuição das riquezas entre 1778 e 1791, opôs-se à idéia de que o governo da
concentradas através de tributos feita pelos soberanos, índia fosse despótico e ignorasse as leis ou o direito de
para os quais trabalhavam.
propriedade, e também à afirmação - feita em 1783 por
No século XVIII, além de uma voga generalizada, A. Dalrymple - de que a terra ali fosse possuída coletiva-
na Europa, das coisas e dos costumes turcos e persas - mente pelas aldeias.
como os viam os europeus, numa evidente reinterpretação Ainda no final do século XVIII, Adam Smith, em
-, a China fez sua aparição no universo intelectual do
A riqueza das nações (1776), afirmou que na índia e na
Ocidente, alimentando a oposição entre "sinófilos" e "sinó-
China a agricultura, e não a manufatura, era altamente
fobos": Voltaire serve para ilustrar a primeira posição e
considerada e favorecida. A riqueza (ouro e prata) estava
Montesquieu, a segunda.
nas mãos de uns poucos magnatas, que não a investiam
Montesquieu, em 1748, considerou o "despotismo"
nem permitiam que outros o fizessem. O Estado - pro-
como sendo uma qas formas fundamentais de governo,
prietário de todo o solo - interessava-se em promover a
exemplificando-o, porém, não apenas com sociedades
orientais, mas igualmente com personagens do Império agricultura, manter os caminhos e os canais de irrigação.
Já no início do século XIX, o filósofo alemão Hegel
Romano e com a Inglaterra de Henrique VIII. Seu con-
traste entre "monarquia" e "despotismo" baseava-se na
noção de que, sob este último regime, inexiste qualquer
_ que lera os filósofos franceses do século XVIII e Adam
Smith - procedeu a um contraste entre Oriente e Oci-
instância entre o déspota e o povo: todos os súditos são dente. A Europa conhecera um progressivo desenrolar da
"nada" diante do governante todo-poderoso. Uma socie- autoconsciência, enquanto no Oriente se dera o desenvol-
dade despótica carece de leis políticas fundamentais e de vimento de uma consciência moral externa ao indivíduo,
comércio; nos casos extremos, o déspota monopoliza a ou seja, abstrata. Por tal razão, na China a história se
propriedade da terra. reduzia a uma mera crônica, enquanto na índia ela sim-
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plesmente não existia. A política, na forma de invasões Da elaboração do conceito ao seu abandono
ou revoltas palacianas, era indiferente para os camponeses,
em suas aldeias imutáveis. Na obra de Marx o "modo de produção asiático"
A imutabilidade das aldeias como base da estagnação aparece, na imensa maioria dos escritos - como ocorre,
da 1ndia pré-britânica foi salientada por John Stuart Mill, aliás, com todos os modos de produção pré-capitalistas -,
num contexto bem definido: em relação mais ou menos
em 1848: nelas se combinavam o artesanato e a agricul-
tura, e, embora o Estado fosse o proprietário das terras, direta com a análise do capitalismo e com a crítica da
os camponeses detinham seu usufruto mediante o paga- economia política que hoje chamamos "clássica". Nestas
mento de rendas fixadas pelo costume. Outro economista condições, não se pode esperar encontrar nos escritos do
político, cujas idéias teriam grande influência sobre Marx, fundador do marxismo uma teoria explícita e acabada a
foi Richard Jones: em 1831 caracterizara a "renda em respeito das sociedades "asiáticas". Mesmo assim, embora
forma de tributo" - típica, para ele, da 1ndia e de outras baseadas nas idéias que vinham se desenvolvendo na
sociedades asiáticas - entre as modalidades possíveis da Europa durante cerca de três séculos a respeito do Orien-
renda - desenvolvendo, neste ponto, certas idéias de te, as suas concepções acerca do "modo de produção
Adam Smith -, e ligara-a à estagnação oriental, pelo asiático" foram suficientemente interessantes para terem
fato de impedir a acumulação individual e preservar o duradoura influência.
despotismo. Na década de 1850, como correspondente do jornal
A partir de meados do século XIX, multiplicaram-se New Y ork Daily Tribune, em Londres, Marx redigiu uma
os estudos de sociedades orientais, não mais a partir dos série de artigos sobre a 1ndia e a China, ao cobrir debates
governantes e, sim, das unidades aldeãs e suas instituições. no Parlamento britânico a respeito de temas como a reno-
Tais estudos foram influenciados por duas grandes corren- vação dos privilégios da Companhia das 1ndias Orientais,
tes de pensamento. Uma delas consistia na crença de ser as rebeliões Taiping, a revolta dos cipaios etc. Sua corres-
o sânscrito a língua-mãe das grandes línguas da Europa, pondência com Engels, na mesma época, preparou alguns
o que levava a crer numa espécie de "unidade institucional dos desenvolvimentos presentes naqueles artigos.
indo-européia", exemplificada nos estudos em que, entre Em carta a Engels, em 1853, Marx cita longos extra-
1861 e 1875, Henry Maine comparou as comunidades tos do livro Voyages contenant ia description des états du
aldeãs da 1ndia às dos eslavos, germanos e celtas. A outra Grand Mogoi, de Bernier (1670), chegando à conclusão
foi a' longa polêmica - ainda atual - acerca de serem de que o viajante do século XVII tivera razão ao ver, na
ou não as sociedades aldeãs primitivas caracterizadas pela inexistência da propriedade privada da terra - na Turquia,
propriedade coletiva sobre o solo, reconhecendo-se às famí- Pérsia, 1ndia -, a base de todos os fenômenos do Oriente,
lias individuais unicamente um direito de usufruto. 1 inclusive a ausência de história de que falara Hegel.
Engels sugeriu-lhe, em resposta, que a origem da inexis-
1 A respeito dos antecedentes do conceito de "modo de produção tência de propriedade privada residiria nas condições cli-
asiático", ver BAILEY, Anne M. & LLOBERA, Josep R., eds. The
Asiatic mode 01 production, p. 13-23. V. "Bibliografia comentada". máticas de semi-aridez, fazendo com que a irrigação arti-

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ficial, organizada seja pelas comunidades, seja pelo Estado, da separação do trabalhador em relação às condições obje-
fosse condição primordial para que a agricultura pudesse tivas da produção e reprodução de sua vida, o que signi-
ser praticada. Estas e outras idéias expostas na carta de ficou, historicamente, tanto a dissolução da pequena pro-
Engels foram retomadas por Marx, com algumas modifi- priedade quanto a da propriedade coletiva, baseada na co-
cações, em seu artigo de 25 de junho de 1853, a partir munidade oriental. De fato, no texto, a "forma asiática" de
do papel do governo no que diz respeito às obras públicas propriedade comum da terra aparece como uma entre vá-
de irrigação. Na índia, a ausência de propriedade privada rias modalidades possíveis - justamente a mais resistente à
da terra e o papel do Estado nas obras públicas, bem mudança, devido à união entre agricultura e artesanato
como o caráter autárquico das aldeias - cada uma das nas comunidades autárquicas, e devido a que, no interior
quais, um pequeno mundo em si -, cujas terras podiam destas, o indivíduo não pudesse converter-se em proprie-
ser cultivadas em lotes familiares, permanecendo porém tário, tendo exclusivamente a posse da terra. Assim, mes-
comuns as pastagens, explicariam a estagnação, o caráter mo o surgimento da escravidão ou da servidão e da
estacionário da sociedade. Essas comunidades conheciam, riqueza monetária pouco pôde afetar as resistentes comu-
sem dúvida, as distinções de casta e a escravidão; mas, nidades "asiáticas".
na medida em que combinavam o artesanato e a agricul- Marx imagina uma evolução que, passando pelo pas-
tura, sua auto-suficiência bloqueava o desenvolvimento do toreio nômade, levasse a tribo à sedentarização em deter-
indivíduo e servia de base ao despotismo oriental. A minado território, mantendo sua comunidade de sangue,
única revolução autêntica na história da Ásia se devia língua e costumes. Na variedade "asiática" de comunidade,
ao impacto do capitalismo. Num artigo de 8 de agosto o produtor individual vê na organização tribal -
formada
de 1853, Marx tratou do modo pelo qual os britânicos, "naturalmente" - um suposto natural ou divino do pro-
rompendo a autarquia aldeã na índia - pela introdução cesso de trabalho, não produzido por este. O indivíduo
de tecidos baratos de algodão e pela construção de estra- só pode apropriar-se das condições objetivas de sua vida
das de ferro - e absorvendo-a em sua civilização, estavam na qualidade de membro da comunidade: a apropriação
lançando as bases do progresso de uma efetiva transfor- real dessas condições através do trabalho só se pode dar
mação social. sob aquele suposto que aparece como natural, ou sobre-
Entre 1857 e 1859, Marx redigiu um extenso manus- natural. Por cima das comunidades locais está uma unidade
crito para pôr em ordem suas pesquisas em economia, superior ou englobante, encarnada, em última análise,
como também a elaboração do seu método específico de numa só pessoa - o déspota -, que se apresenta como
análise. Tal manuscrito - os Grundrisse (Fundamentos a única proprietária do solo; as comunidades locais são,
da crítica da economia política) - só seria publicado pela simplesmente, possessoras hereditárias. Deste modo, a uni-
primeira vez em 1939-41, tendo maior difusão somente dade superior mediatiza a relação entre o indivíduo e as
no fim da década de 1950. condições de trabalho por intermédio de cada comunidade
Numa passagem dos Grundrisse - "Formas que pre- particular, que dela parece receber o direito de uso sobre
cedem a produção capitalista" -, Marx aborda o processo os recursos naturais. Em conseqüência, uma parte do traba-

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lho excedente de cada comunidade local destina-se à uni- em contraste com o capitalismo, a imobilização da riqueza
em tesouros ainda aparecia como uma finalidade em si.
dade englobante, ou "comunidade superior", na forma de
tributo e de trabalho comum para exaltação da unidade, Em O capital - obra da qual somente o primeiro
prestado ao déspota real ou ao ser imaginário que encar- tomo foi publicado com Marx ainda em vida (1867),
na a unidade tribal: a divindade. surgindo os outros dois postumamente, em função de for-
midável esforço de Engels na organização do texto (1885,
Vê-se que, na análise de Marx, na fundação material
1894) -, diversas passagens esparsas têm a ver com o
do "despotismo oriental", por trás das aparências- poder
"modo de produção asiático" ou com sociedades especí-
despótico, ausência de propriedade - se perfila a base
ficas por ele conformadas (índia, Peru pré-colombiano),
real constituída pela propriedade comunal, em que se com-
tendo sempre como ponto de referência o contraste com
binam agricultura e artesanato, nas comunidades autár-
o modo de produção capitalista. Tratando do destino do
quicas que contêm em seu interior todas as condições
para sua reprodução e para a produção de excedentes. excedente nas sociedades "asiáticas", diz Marx que ele
A realização do trabalho pode dar-se tanto pelas famílias, se destina, em parte, à troca entre as aldeias e, em parte,
em lotes individuais, quanto pelo cultivo em comum do à renda apropriada pelo Estado, com a qual este paga os
solo. Dentro de cada comunidade, a unidade desta pode-se artesãos pelo seu serviço e realiza o comércio de longo
encarnar, seja num chefe individual, seja num conselho curso. Seguindo uma opinião de Adam Smith e de Richard
de chefes de famílias. Jones, ele afirma que, nos Estados da Ásia, dá-se a coin-
cidência. entre renda e tributo. Por outro lado, nas socie-
As obras públicas, na prática levadas a cabo pelas
dades "asiáticas", como em todas aquelas em que o pro-
comunidades, aparecem como realização da unidade englo-
dutor direto controla os meios de produção, a extorsão
bante do regime despótico ao qual cada indivíduo, de
cada comunidade, parece pertencer. O excedente acumu- do trabalho excedente só pode ocorrer mediante o recurso
à coação extra-econômica, ou seja, pela utilização da re-
lado pela "comunidade superior" serve para o comércio
exterior, as obras públicas e a remuneração de artesãos pressão militar, dos mecanismos judiciais, da ideologia etc.
especializados, a serviço da corte. Inexiste o intercâmbio O papel de Engels na elaboração do conceito de
mercantil no interior de cada comunidade, podendo haver, "modo de produção asiático" foi bem menor do que o
no entanto, trocas entre as comunidades. de Marx. No Anti-Dühring (1878), Engels reafirmou a
Em 1859, no prefácio à sua Contribuição à crítica necessidade de organização das obras de irrigação no
da economia política, Marx afirmou que, de maneira geral, Oriente como elemento que explica o surgimento dos
os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês Estados despóticos. Ele via no despotismo oriental a mais
moderno podem ser encarados como épocas que marcam primitiva forma de Estado, por basear-se na mais elementar
das formas de renda: a renda em trabalho. O livro men-
sucessivos progressos no desenvolvimento econômico da
sociedade. No livro, chamou a atenção sobre o fato de cionava também que as comunidades aldeãs da índia ha-
que, na Ásia, a tesaurização da riqueza em metais preciosos viam evoluído da propriedade comunal tribal ao parcela-
tinha pequeno papel no mecanismo total de produção; mento da terra e ao surgimento de diferenças de riqueza

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entre os indivíduos, devido à distribuição desigual do pro- russa, ou mir, acreditando poder ela ser a base da transição
duto das trocas intercomunitárias. ao socialismo, enquanto os marxistas sublinhavam que,
Em sua obra A origem da família, da propriedade por um lado, historicamente, as comunidades rurais haviam
privada e do Estado (1884), Engels descartou a análise servido de base ao despotismo - inclusive na Rússia -
da "história antiga dos povos civilizados da Ásia". Isto e, por outro, encontravam-se em franca dissolução. Ple-
foi interpretado por alguns como significando o seu aban- khanov tinha, das origens do "modo de produção asiático",
dono do conceito de "modo de produção asiático", o que uma concepção apoiada num determinismo geográfico e
não parece procedente. No Anti-Dühring ele sugerira a técnológico bastante estreito.
existência de dois caminhos históricos para o surgimento Nos anos que se seguiram à Revolução de 1917, as
do Estado: o que conduz ao despotismo oriental, no qual discussões acerca do "modo de produção asiático" passa-
se mantêm em existência as comunidades aldeãs, e o que ram a estar crescentemente dominadas por preocupações
passa pela dissolução das comunidades tribais e pela evo- políticas ligadas a qual deveria ser a posição socialista
lução das forças produtivas, levando ao desenvolvimento correta da Terceira Internacional diante das conseqüências
do escravismo. Tudo indica que, no novo livro, decidira do colonialismo europeu e da determinação das principais
limitar-se ao segundo caminho, para ele o mais completo forças revolucionárias presentes nas sociedades orientais.
por dar acesso às sociedades de classes nas quais se desen- No fim da década de 1920, a situação da China concen-
volvem a propriedade privada e a produção mercantil. trava quase toda a atenção. Enquanto Varga e Riazanov
No século XIX, a arqueologia não revelara, ainda, a acreditavam ver na sociedade chinesa a articulação de
existência de civilizações próximas por suas características dois modos de produção - o asiático e o capitalista -,
das sociedades orientais na Grécia continental e insular outros líderes tinham opiniões diferentes, e achavam que
proto-histórica; assim a Engels parecia que, na Grécia, a idéia de "estagnação", que em vários textos de Marx
passara-se da organização tribal à sociedade clássica, num se vinculava à noção de "modo de produção asiático",
processo que não conhecera qualquer modalidade social poderia levar à conclusão da impossibilidade da revolução
de tipo "asiático". 2 socialista no Oriente. Simpósios realizados em Tbilisi
Da morte de Marx, em 1883, até 1929, o conceito (1930) e em Leningrado (1931) concluíram pela inexis-
de "modo de produção asiático" apareceu com bastante tência de um "modo de produção asiático" específico,
freqüência, e sem contestação, na obra de diversos autores havendo apenas uma "variante asiática" do escravismo ou
marxistas (P. Lafargue, H. Cunow, R. Luxemburg, G. do feudalismo. Estruturava-se, já então, a visão unilinear
Plekhanov etc.) e nos debates da Segunda Internacional. da evolução da humanidade que Stalin consagraria em
Na Rússia, as intervenções a respeito tiveram muitas vezes, 1938. Defensores do "modo de produção asiático", como
como pano de fundo, a discussão dos marxistas com os Riazanov e Madiar, desapareceram na repressão dos anos
chamados "populistas", que idealizavam a com una agrária 1930, e o conceito foi quase universalmente abandonado
por várias décadas: 3
2 Os textos de Marx e Enge1s que interessam aos pontos de que
tratamos foram reunidos em !.1ARX,ENGELS,LENIN.Sur les sociétés 3 Ver SoFRI, Gianni. 11 modo di produzione asiatico. Torino,
précapitalistes. Préf. M. Godelier. V. "Bibliografia comentada". Einaudi, 1969. capo 2.

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Reabre-se a discussão Para Wittfogel, a economia hidráulica primeiramente


surgiu nas regiões áridas, difundindo-se depois pelas semi-
Wittfogel, ex-membro do Partido Comunista Alemão -áridas e úmidas, sempre na dependência da sua aceitação
que, mudando-se para os Estados Unidos, ali ensinara his- por parte dos grupos humanos aos quais se tenha colocado
tória da China e fora um delator quando das perseguições a opção. Ele acha que é possível a adoção da forma
da era de McCarthy, publicou, em 1957, Oriental des- hidráulica de sociedade e de Estado, mesmo em regiões
potism 4, livro no qual expôs sua teoria a respeito das onde não exista ou seja pouco importante a agricultura
"sociedades hidráulicas", cujas máximas representantes no hidráulica: é a "sociedade hidráulica marginal". No caso
mundo contemporâneo seriam a União Soviética e a China de serem adotadas só parcialmente as características do
socialista, as grandes inimigas do Ocidente. "despotismo oriental", teríamos uma "sociedade hidráulica
Wittfogel mescla uma concepção ecologista e tecnicis- submarginal". Assim, a necessidade de obras hidráulicas
ta, semelhante à de Plekhanov, ao difusionismo e a outras
seria condição necessária para o surgimento da sociedade
influências. Afirma que as condições em que surge a opor- hidráulica em caráter pioneiro, sem ser, no entanto, impres-
tunidade - não a necessidade - para que se desenvolvam
cindível para a difusão de tal forma de organização social.
padrões despóticos de governo e sociedade, por ele identi-
ficados com a "sociedade hidráulica", dependem de certos Por fim, diz o autor que, uma vez esgotadas as possi-
requisitos: 1. A reação do grupo humano diante de uma bilidades de desenvolvimento e de mudanças criadoras
paisagem deficitária em água. 2. Tal grupo tem de estar contidas no modelo da "sociedade hidráulica", esta tenderia
acima do nível de uma estrita economia de subsistência. à repetição estereotipada - epigonismo - ou mesmo à
3. O grupo deve estar distante da influência de centros decadência. O seu ciclo completo seria: formação, cresci-
importantes da agricultura de chuva. 4. O nível do grupo mento, maturidade, estagnação, epigonismo e retrocesso
precisa ser inferior ao de uma cultura industrial baseada institucional.
na propriedade privada. As idéias de Wittfogel tiveram muitos seguidores.
Cumprindo-se todos esses requisitos, o surgimento Outrossim, uma de suas posturas básicas, a "hipótese causal
de uma sociedade hidráulica torna-se possível, embora não
necessário; a escolha entre adotar ou não tal forma de
hidráulica" - isto é, a idéia de que a necessidade de
controle sobre os grandes trabalhos exigidos pela manu-
organização permanece em aberto, sempre havendo alter- tenção de um sistema complexo de irrigação foi o fator
nativas. O controle, armazenagem e uso de grandes massas
central na geração do Estado "despótico" -, era já bem
de água através de obras hidráulicas exigem um trabalho
antiga, tendo sido defendida por historiadores como J.
maciço, que tem de ser coordenado, disciplinado e diri-
Baillet, J. Pirenne, A. Moret, J. Vercoutter e H. W. F.
gido, o que impõe a subordinação à autoridade reguladora
de um Estado forte e eficaz; este acaba por esmagar a Saggs. Tal hipótese é falsa, o que foi evidenciado, sem
liberdade do grupo que lhe está submetido. dúvida, por inúmeras pesquisas bem apoiadas na arqueolo-
,I gia e em fontes escritas. É irônico que uma dessas pesqui-
1/
4 WITIFOGEL,Karl A. Despotismo oriental. Trad. F. Presedo. Ma- sas tenha sido realizada por um dos mais incondicionais
drid, Guadarrama, 1966. seguidores de Wittfogel, A. Palerm, que começou sua inves-
II

1I
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I
I
tigação arqueológica e etno-histórica pensando provar a mesmo dizer, no contexto de um vivo debate e de agudas
"hipótese causal hidráulica" no caso do México pré-colom- divergências.
biano, mas demonstrou, de fato, o contrário: que o con- Entre os temas em torno dos quais se desencadeou
trole dos sistemas de irrigação competia às comunidades a discussão acerca do "modo de produção asiático" -
locais, e que só muito tardiamente o Estado desenvolveu
que muitos passaram a chamar de "tributário", "despótico-
uma política de grandes obras públicas de tipo hidráulico. ~ -tributário", "despótico-aldeão" etc., por ser obviamente
Entre os marxistas, o livro de Wittfogel -
que pro- inadequado o adjetivo asiático aplicado a um tipo de
vocou grande indignação - constituiu apenas um entre sociedade que os pesquisadores julgavam encontrar na
muitos fatores que deram impulso à retomada do interesse história de regiões situadas em todos os continentes
pelo conceito de "modo de produção asiático". Outros estavam as seguintes indagações: Qual a sua organização
fatores foram: a "desestalinização", iniciada pelo XX Con- interna, sua origem, suas contradições, seu desenvolvi-
gresso do Partido Comunista da União Soviética, que no mento? Tratar-se-ia de uma forma de transição das socie-
campo do materialismo histórico desencadeou um ataque dades comunitárias tribais às sociedades de classes plena-
I

à noção do unilinearismo evolutivo das sociedades huma-


mente desenvolvidas, ou de um tipo específico e bem
nas; o progresso dos movimentos de libertação nacional,
II

definido de sociedade de classes? Seria uma formação


sobretudo a partir da década de 1950, com a admissão marginal restrita somente a certas sociedades, ou universal?
"I sucessiva, às Nações Unidas, de numerosas nações afro-
As respostas dadas a estas e outras perguntas foram
-asiáticas, cujos problemas socioeconômicos específicos
heterogêneas segundo autores e tendências, em parte por-
exigiam também respostas de tipo histórico; a ampla cir-
que nos próprios textos a que todos recorriam, como diz
culação dos Grundrisse, texto de Marx praticamente desco-
Melotti,
nhecido até a mesma década, bem como a republicação
de seus artigos sobre a índia e de escritos de Plekhanov, A ênfase de Marx se desloca, nas diversas passagens, de
Varga e outros autores acerca das sociedades "asiáticas". um a outro dos (. . .) aspectos. Ora afirma que o elemento
fundamental do sistema oriental é a ausência da proprie-
Nos países socialistas, na França, na Itália, no Japão dade privada, ora atribui esta mesma ausência aos fatores
e em outras partes do mundo, inclusive na América Latina particulares de caráter geográfico e climático (.. .). Ora
- se bem que modestamente, a não ser no caso do explica o papel eminente do Estado por estes fatores ecoló-
México -, os anos 60 e 70 viram proliferar uma biblio- gicos, que impunham a necessidade de grandes trabalhos
grafia numerosa e variada sobre o "modo de produção hidráulicos, ora, pelo contrário. pela dispersão e pelo isola-
mento das aldeias. Em certas passagens, atribui este isola-
asiático", em meio a ativa troca de idéias - poder-se-ia mento à economia auto-suficiente. garantida pela combina-
I
ção de agricultura e artesanato doméstico. Em outras, pa-
1;Ver, sobretudo, ADAMS,Robert M. Early civilizations, subsistence, rece adotar contrariamente a idéia de que seja a estrutura
111/
and environment. In: STRUEVER,S., ed. Prehistoric agricul/Ure. New
York, The Natural History Press, 1971. p. 591-614; PALERM, simples destas aldeias, e portanto a limitada divisão do
Angel & WOLF, Eric. Agricultura y civilización en Mesoamérica. trabalho, o que explica a estagnação do sistema oriental.
México, Secretaria de Educación Pública, 1972. p. 128-48. Alhures, sublinha fatores diversos, como a civilização dema-

..
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II

22 23

siado rudimentar. o baixo nível das forças produtivas ou a Embora seja impossível seguirmos aqui toda a traje-
particular estrutura de c/asses, que aliás faz decorrer, por tória do conceito de "modo de produção asiático" desde
sua vez, dá insuficiência da divisão do trabalho. 6
que sua discussão foi retomada, pouco antes de 1960, é
mister, além de remeter o leitor aos textos principais
o que significa, como já foi mencionado, que Marx gerados em tal discussão, 8 recordar que, se bem que até
não chegou a elaborar uma teoria sistemática e acabada meados da década de 1960 ainda fossem comuns os
do "modo de produção asiático".
escritos puramente exegéticos e teóricos a respeito, desde
Embora alguns autores (K. A. Antónova, P. Ander- então tem-se desenvolvido a perspectiva de que, sem des-
son, B. Hindess e P. Q. Hirst, G. Komoróczy) concluíssem curar da teoria, é essencial proceder ao seu confronto com
pela inexistência de tal modo de produção como forma o material empírico disponível, infinitamente mais rico do
específica de sociedade, outros (F. Tokei, Godelier, Me- que no século passado. Afinal, foram Marx e Engels que
lotti, J. Suret-Canale, J. Chesneaux, R. Bartra etc.) che- frisaram, referindo-se à "síntese dos resultados mais gerais
garam à conclusão contrária e também salientaram a im- que é possível abstrair do estudo do desenvolvimento
portância desse conceito para basear uma visão multilinear histórico" :
do desenvolvimento das sociedades humanas, em oposição Tais abstrações, tomadas em si mesmas, separadas da
à perspectiva unilinear consagrada por Stalin. Ainda mais história real, não têm qualquer valor. 9
interessante é a posição de Goblot, que se opõe tanto ao
unilinearismo quanto ao multilinearismo, já que defende a
opinião de que a evolução das sociedades não é linear: o "Modo de produção doméstico" e "modo de
desenvolvimento social, caracterizado por contatos e in- produção palalino"
fluências, deslocamentos, "novos começos", não é contínuo
em cada unidade "etnogeográfica" - que pode mesmo co- As tentativas de aplicação do conceito de "modo de
nhecer estagnações e involuções -, por mais que a conti- produção asiático" disseram respeito a grande número de
sociedades e a cortes cronológicos também variados: as
nuidade temporal e lógica daquela evolução possa ser
civilizações do antigo Oriente Próximo; algumas das civi-
recuperada quando integramos os diferentes processos
lizações da proto-história mediterrânea (cretense, micênica
evolutivos numa unidade superior. Por isso, diz M. Rebé-
e, com menos verossimilhança, a etrusca); lndia, Sudeste
rioux que o historiador deve abandonar a busca (absurda)
Asiático e China pré-coloniais; algumas das culturas da
da continuidade geográfica do desenvolvimento histórico e
África negra pré-colonial; as altas culturas da América
aprender "a ver o contínuo no descontínuo".7
pré-colombiana. Casos muito controversos, e com graus
de probabilidade muito mais baixos, são o Império Bizan-
6 MELOITI, Umberto. Marx e il terzo mondo. Milano, li Saggia-
tore, 1972. p. 92.
7 GoBLOT, Jean-Jacques. L'histoire des "civilisations" et Ia con- 8 A coletânea mais atualizada é a já citada na nota 1, organizada
ception marxiste de I'évolution sociale. In: PELLETIER,A. & _. por Bailey e LIobera.
Matérialisme historique et histoire des civilisations. Paris, Ed. 9 MARX,Karl & ENGELS,Friedrich. La ideología alemana. Mon-
Sociales, 1969. p. 57-197. tevideo, Pueblos Unidos, 1968. p. 25.

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~ ~

24
25

tino, o mundo muçulmano - insistiu-se mais no caso mação e redistribuição dos excedentes extraídos por tem-
turco -, a Rússia tzarista e o Japão. plos e palácios dos produtores diretos - em sua maioria
Aqui nos interessa o antigo Oriente Próximo, visto ainda membros de comunidades aldeãs -, mediante coa-
através de dois exemplos: o Egito faraônico e os Estados ção fiscal, configurando tributos in natura e "corvéias",
da Baixa Mesopotâmia. Por tal razão, apoiar-nos-emos ou trabalhos forçados por tempo limitado, para atividades
na interpretação da evolução social próximo-oriental ela- civis (trabálhos diversos) e militares; isto manifestava
borada, sob inspiração das discussões acerca do "modo divisão e especialização do trabalho, com o surgimento
de produção asiático", por dois autores italianos, especia- de especialistas de tempo integral (artesãos, sacerdotes e
listas na história dessa região: M. Liverani e C. Zaccagnini. burocratas dependentes dos templos e palácios), uma dife-
Por volta de 7000 a.C. já existiam, na Ásia Ociden- renciação fortemente hierárquica da sociedade, um sistema
tal, aldeias sedentárias, resultantes do processo que o já complexo de propriedade que incluía, entre outras for-
arqueólogo australiano Gordon Childe propôs fosse cha- mas, as propriedades dos palácios e dos templos. As
mado "revolução neolítica"; esta forma de organização comunidades aldeãs e, em regiões marginais, também as
se generalizou aos poucos no Oriente Próximo. Alguns comunidades tribais, tomadas em si mesmas, eram o resí-
duo de um modo de produção cujas raízes mergulhavam
volta dessa data, no Egito, nova transformação
Childe chamava "revolução urbana" -
_
séculos antes de 3000 a.C., na Baixa Mesopotâmia, e por
que
se traduziu no
no passado pré-histórico; mas constituíam, ao mesmo tem-
po, a base sobre a qual se desenvolvera o novo modo de
surgimento de cidades, do Estado, e de uma diferenciação produção; este só pôde surgir e se expandir explorando
social profunda; ou, mais em geral, do que se conven- o modo de produção mais antigo, que foi subordinado,
cionou denominar "civilização". adaptado e utilizado de acordo com os novos interesses,
Liverani, ao interpretar a situação posterior à "revo- mas sem perda de todas as suas características próprias. 10
'.. lução urbana", propõe um duplo quadro de referência: Para Zaccagnini, a articulação entre estruturas pala-
o "modo de produção doméstico", ou "aldeão", e o "modo tinas hegemônicas e estruturas aldeãs subordinadas -
ti mas ainda reconhecíveis e com certo nível de autonomia
de produção pala tino". O primeiro seria uma estruturação
I
social cuja origem remonta à "revolução neolítica"; são local - é que constitui o "modo de produção asiático",
~
características suas a economia de subsistência, a ausência ou "tributário", tal como existiu no antigo Oriente Próxi-
de divisão e especialização do trabalho - dando-se, em mo. Ele crê também que, nos grandes vales fluviais
cada aldeia, a união da agricultura e do artesanato _, a irrigados e urbanizados (Egito, Baixa Mesopotâmia), a
forte centralização palatina levou, já no lU milênio a.C.,
ausência de uma diferenciação em classes sociais, a pro-
priedade comunitária sobre a terra. O "modo de produção a um redimensionamento tão profundo das comunidades
pala tino", por sua vez, resultaria da "revolução urbana", aldeãs, que elas perderam a maior parte de sua autonomia
I que desembocara no surgimento de complexos palaciais e
templários como centros de nova organização social. A 10LIVERANI,Mario. La struttura politica. In: MOSCATI,Sabatino,
111
ed. L'alha de/la civiltà, v. I, p. 277-414. V. "Bibliografia comen-
economia passara a basear-se na concentração, transfor- tada". Id. 11 modo di produzione, ibid., v. 2, p. 3-126.
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26 27

e importância econômica -
talvez tenhamos aí uma apre- (agrícolas) e "especializados" (de transformação, troca,
ciação exagerada, como veremos. Nas regiões menos nu- administração) .
cleares do antigo Oriente Próximo (Palestina, Síria, Asia Quando as mudanças desembocam plenamente na
Menor, partes da Assíria), pelo contrário, o sistema de urbanização e na organização estatal, três setores sociais
comunidades de aldeia teria sobrevivido com força, man- básicos são perceptíveis: 1. A imensa maioria da popu-
tendo reconhecível seu caráter comunitário tradicional até lação dedica-se às atividades agropecuárias, consumindo
pelo menos 1200 a.C., aproximadamente. 11 diretamente parte do que produz e entregando o resto ao
Como foi possível a transição de aldeias indiferen- poder central; tal população não participa das decisões
ciadas à situação de desigualdade e domínio que se confi- comuns. 2. Um grupo muito minoritário se ocupa com
gurava já claramente desde o lU milênio a.C.? Obvia- atividades artes anais, de troca, de administração, religio-
mente, o ponto de partida tem de ser um início de sas; é mantido pela redistribuição dos excedentes extraídos
diferenciação funcional no seio das próprias comunidades das aldeias, e não participa das decisões comuns. 3. Um
aldeãs, tanto devido a fatores internos quanto por impactos grupo ínfimo organiza o trabalho das comunidades, pelas
externos (comércio intercomunitário ou de longo curso, quais é sustentado, e decide por todos; este poder de
guerra, influências diversas). Tal diferenciação, ao ocorrer, decisão tende a personalizar-se, a ter como expoente uma
se cristaliza no plano do prestígio, do ganho e do poder só pessoa.
decisório: certos "notáveis" saídos das famílias mais' im-
A ampliação do corpo social, que passa a englobar
portantes passam a manipular de fato, por sua influência
numerosas comunidades aldeãs, mais os núcleos urbanos,
e formas materiais de pressão, as decisões do "conselho
leva a uma coesão cada vez mais artificial e menos auto-
de anciãos" da aldeia. A origem primeira da diferenciação mática; se tal coesão na aldeia decorre de relações de
pôde decorrer do fato de que certas famílias, mais nume-
parentesco e vizinhança e de decisões tomadas por repre-
rosas que outras, concentraram o controle de mais lotes
sentantes das famílias nas confederações tribais amplas
de terra comunitária e mais cabeças de gado do que as e, mais ainda, num Estado, recorre-se à sanção divina do
demais; ou de que as famílias estabeleci das há mais tempo poder e da ordem social. O governante supremo passa a
na aldeia tivessem privilégios negados às mais recentes;
situar-se num plano diferente do que caracteriza o resto
ou ainda do resultado da distribuição desigual de bens da sociedade: a sacralidade facilita a aceitação das decisões
provenientes do comércio intercomunitário ou de longo
pela maioria não consultada. A contraparte dos excedentes
curso. Seja como for, quem alcançasse posições vantajosas recebidos das comunidades é de tipo administrativo, mas
tentaria garanti-Ias para seus filhos. Com o tempo, esta-
sobretudo ideológico: o rei, ou governante, é o garantidor
belecia-se uma diferença entre os que trabalham e os que
da justiça - ordem cósmica aplicada a casos particulares
dirigem o trabalho alheio; entre os que decidem e os que - e da fertilidade da terra e dos rebanhos, utilizando-se,
executam; entre os que realizam trabalhos "comuns"
para tal, de meios sobrenaturais.
11ZACCAGNINI,Carlo. Modo úi produzione asiatico e Vicino Oriente
O palácio e o templo são impensáveis sem a aldeia,
antico. Dialoghi di Archeologia. V. "Bibliografia comentada". mas esta, ao inserir-se no interior de um sistema palatino,
11'1

--I
,
28

sofre transformações: já não é a aldeia autônoma do


Neolítico; assim, os dois níveis básicos da integração social
são interdependentes. No entanto, as relações entre eles
são de iniciativa exclusiva do nível superior, manifestando-
2
-se na taxação, no recrutamento militar, na repressão.
Existe uma tensão, um hiato de interesses e mesmo de A Baixa Mesopotâmia
compreensão entre ambos os níveis, que a ideologia oficial
tenta ocultar, difundindo a imagem de uma sociedade ho-
mogênea em que todos - do mais pobre camponês ao
mais exaltado funcionário - são "servos" do monarca,
que, por direito divino, é o senhor de suas vidas e o
dispensador da abundância.

Introdução
A Mesopotâmia - vale fluvial do Eufrates e do
I
Tigre - pode ser dividida em duas partes, respectiva-
I mente a noroeste e a sudeste do ponto em que os dois
rios mais se aproximam um do outro: a Alta Mesopotâmia,
mais montanhosa, e a Baixa Mesopotâmia, imediatamente
ao norte do golfo Pérsico, região extremamente plana.
Enquanto o povoamento da Alta Mesopotâmia deu-se
desde tempos pré-históricos muito antigos, a Baixa Meso-
potâmia - potencialmente fértil, mas pouco adequada à
j agricultura primitiva de chuva - não parece ter sido
ocupada em caráter permanente antes do V milênio a.C.,
durante a fase de Ubaid, talvez entre aproximadamente
5000 e 3500 a.C. - basicamente neolítica ou, mais exata-
I mente, calcolítica, pois objetos de cobre já aparecem em
pequeno número a partir de 4500 a.c. A fase arqueológica
seguinte, a de Uruk (aproximadamente 3500-3100 a.c.),
viu os primórdios da urbanização e da escrita, inovações
que se consolidaram no Período Inicial do Bronze (3100-
-2100 a.C.), iniciado com a fase de Jemdet-Nasr (aproxi-

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31
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madamente 3100-2900 a.C.), considerada como a época 11)

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da verdadeira revolução urbana.
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cidades-Estados. (GARELLI, Paul. L'assyriologie. Paris, Presses Uni- If


versitaires de France, 1964. p. 75.)

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33
32

tas vindos do oeste através do deserto da Síria (amorreus, Eufrates, além disto, sempre correu por mais de um leito
ou amorritas, arameus, caldeus) e de montanheses do ao mesmo tempo: no lU milênio a.C., o principal dos
leste (gútios, elamUas, cassitas; estes últimos, provavel- três canais naturais deste rio era o que passava pela cidade
mente dirigidos por um reduzido grupo de língua indo- acadiana de Kish; o da cidade de Babilônia se tornou o
-européia) ou do norte (os assirios, que representavam mais importante no final do milênio seguinte. A mudança
um velho povo da Alta Mesopotâmia, posteriormente de curso dos rios significava igualmente uma transformação
semitizado) . gradual dos assentamentos e das concentrações demográ-
ficas. Por outro lado, a planície não constitui uma zona
integralmente fértil. No caso da Suméria, por exemplo, as
As forças produtivas cidades-Estados constituíam dois grupos principais, sepa-
rados pelo deserto de Edin: a oeste, as cidades de Nippur,
Os grandes rios da Mesopotâmia têm uma cheia mais Shuruppak, Uruk, Ur e Eridu; a leste, além do deserto,
irregular do que a do Nilo em sua cronologia e incidência. as de Abad, Zabalam, Umma, Bad- Tibira e Lagash. O
As águas sobem, em princípio, entre março e maio, e terreno cultivável formava, além do mais, manchas mais
baixam entre junho e setembro. A enchente se caracteriza ou menos separadas entre si.
por sua grande violência: o Eufrates e o Tigre, ao desce- As condições ecológicas explicam que a agricultura
rem velozmente, durante a cheia de zonas montanhosas, de irrigação, ao impor trabalhos consideráveis - embora
a uma região absolutamente plana, depositam enormes não necessariamente transcendam a esfera local, como
quantidades de aluviões - limo misturado com cal - e, veremos -, torna impossível uma organização individua-
embora a corrente se faça mais lenta na planície, como lista da agricultura. As obras de proteção e de irrigação
II
é natural, ainda é suficiente para causar muita destruição. exigiam, para serem construídas, limpas e conservadas, um
Ora, quando as águas sobem, as plantações já foram esforço coletivo; e o seu uso devia ser regulamentado
semeadas há vários meses; a inundação poderia, em tais e disciplinado pela lei. A dependência para com os diques
II condições, destruir os campos cultivados e pôr a perder e instalações de irrigação era tão grande que há casos
todo o trabalho. Isto torna imperativo um sistema de historicamente comprovados de reversão à vida nômade,
diques e barreiras de proteção, e ao mesmo tempo é pre- devido à sua destruição local.
ciso acumular água e cavar canais que irriguem os campos No caso do Eufrates, o trabalho em si de cortar a
durante os meses de seca; em suma, é necessário um margem não apresenta dificuldades especiais, e com o
sistema completo de proteção e de rega dio, de caracte- sistema de diques de proteção, tanques, canais principais
rísticas perenes. e regos, a cheia fertiliza o solo com seus aluviões, e
Dos rios, o Tigre, mais violento e cujo leito é baixo pode-se ter água abundante durante o ano todo. O pro-
demais em relação às margens, é menos útil para a irri- blema maior consiste em ser a região absolutamente plana,
gação, enquanto o Eufrates sempre teve mais possibili- o que dificulta o escoamento do excesso de água, que se
dades de aproveitamento, já que corre acima do nível imobiliza em charcos e tende a impregnar a terra de sal
da planície. Os dois já mudaram de leito várias vezes. O e gesso. Tal problema, assinalado já em fontes do lU

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34
3S

milênio a.c., não foi solucionado na Antiguidade; a dre- apresentavam na Antiguidade os 30 000 km2 de terras
/;
nagem insuficiente causou, freqüentemente, o abandono cultiváveis da Baixa Mesopotâmia.
de amplas superfícies de terra, que antes haviam sido
férteis. Em que medida pode-se aceitar, para a região em
"
estudo, uma "hipótese causal hidráulica", como a que
Os canais, cortados nas margens altas, eram refor- foi discutida no primeiro capítulo? Bem antes dos textos
çados pelo acúmulo de aluvião, ao qual às vezes se soma- mais conhecidos de Wittfogel e seus seguidores, tal hipó-
vam esteiras de junco. Muitos cursos naturais, correspon- tese era já muito popular na primeira metade deste século,
dentes aos braços dos rios principais e aos tributários como podemos comprovar em obras como as do arqueó-
destes, foram regularizados e canalizados, mesmo porque logo australiano Childe e do historiador francês A. Morel.
também serviam para a navegação. O sistema de regadio Mais recentemente, Saggs afirmava, em tom peremptório,
acompanhava tradicionalmente o curso do sistema fluvial que
natural, e foi mudando para acompanhar seus freqüentes a reunião de comunidades no sul. formando cidades, foi
deslocamentos.
quase certamente ditada pelos rios: para controlá-Iase uti-
O enorme esforço gasto era compensado por um lizá-Iasem forma efetiva precisava-se da cooperaçãonuma
rendimento muito considerável. Sem que aceitem rendi- escala maior do que a que pequenas aldeias isoladas e
mentos de 200 e até 300 grãos colhidos para cada grão primitivas poderiam prover.2
semeado, de que fala Heródoto (I, 193), os autores de
hoje, baseando-se no testemunho menos espetacular dos No entanto, a tendência dominante tem sido, cada
próprios documentos mesopotâmicos, admitem variações vez mais, a que predomine a opinião que vê na "hipótese
de 8 a 103 grãos colhidos para cada grão semeado, caindo causal hidráulica" uma simplificação abusiva de processos
depois de 2000 a.c. para a média de 30 por um. Seja multicausais e complexos. Entre os que assim pensam, a
como for, trata-se de rendimentos importantes, além de opinião de R. M. Adams é uma das que têm maior peso,
que, com freqüência, era possível obter duas colheitas já que ele é um dos poucos arqueólogos que levaram a
anuais. Isto sem dúvida explica a grande concentração cabo escavações relativas aos sistemas mesopotâmicos de
demográfica e a forte urbanização da Baixa Mesopotâmia, irrigação. Ele mostrou que os padrões básicos de assenta-
embora as estimativas tentadas variem muito. Para o mento seguiam de perto os cursos dos principais rios,
final do lU milênio a.c. e início do seguinte, L. WooIley caracterizando-se por sistemas locais de irrigação em pe-
calculou, para a cidade de Ur, uma população de 360 000 quena escala, desde aproximadamente 4000 a.C. Tal situa-
habitantes. Outros autores acham, com maior verossimi- ção continuou 1a predominar mais tarde, apesar das consi-
lhança, que a população das cidades sumérias variava de deráveis obras hidráulicas levadas a cabo pelos governantes
~ 111
I 10 000 a 50000 habitantes, aproximadamente, e que Ur a partir de meados do lU milênio a.c., obras que, seja
- a maior delas - poderia ter uns 200 000 habitantes. como for, só foram iniciadas muito posteriormente à
Tais cálculos são frágeis, mas há dados indiretos que per-
2 SAGGS,H. W. F. The grearness rhar was Babylon. New York,
mitem comprovar o caráter de "formigueiro humano" que The New American Library, 1968. p. 41.

1
,.....-

II
36 37

urbanização e ao surgimento da civilização, o que des- tuiu de todo a madeira e a pedra ao difundir-se o ferro,
11;
mente a "hipótese causal hidráulica". 3 a partir de .fins do 11 milênio a.C. Enxadas, picaretas e
Como explicar, então, o desenvolvimento das cidades- machados eram de cobre e depois de bronze. Mas o
arado foi, durante muitos séculos, feito de madeira, bem
I1 -Estados sumérias? Embora este seja um tema mal conhe-
II cido - porque não o iluminam os textos decifráveis, já
como a foice - na qual se inseriam pedras cortantes de
que, quando começam, o processo de urbanização já
sílex - e o trenó usado para separar o grão da palha -
terminou -, é provável que a explicação tenha de ser prancha sob a qual se fixavam pedras pontudas. Como
os instrumentos de bronze não permitiam tosquiar as
multicausal e complexa, incluindo fatores como a própria
ovelhas, antes da Idade do Ferro a lã tinha de ser
irrigação - ligada à multiplicação dos excedentes agríco- arrancada.
las e ao crescimento demo gráfico, sem os quais as cidades
não poderiam ter surgido -, mas em conjunto com outros: Um documento de aproximadamente 1700 a.C., que
religiosos, políticos, militares, populacionais etc. os especialistas chamaram de "almanaque do lavrador",
Os milênios IV e 111a.C. viram constituir-se o sistema descreve os trabalhos agrícolas, que começavam logo de-
tecnológico básico da Mesopotâmia da ~poca do Bronze pois das chuvaradas de outubro-novembro. Tal texto men-
e, no conjunto, dão a impressão de um dinamismo maior ciona a necessidade de controlar a altura da água antes
das forças produtivas do que, por exemplo, o que se vê de começar a preparar a terra. Previamente ao uso do
no Egito da mesma época. O arado de madeira meso- arado, o terreno era trabalhado com picaretas, para tor-
potâmico, acoplado a um dispositivo por onde entravam ná-lo fofo; se necessário, os torrões eram quebrados com
um malho. O arado, puxado por bois, abria sulcos sepa-
os grãos, permitia arar e semear ao mesmo tempo. A
rados por aproximadamente um metro, para evitar o
transição do cobre ao bronze se fez muito mais rapida-
esgotamento do solo. Cem litros de sementes bastavam
mente do que no Egito, já no período protodinástico, e
para semear 20 000 m2 - contra 5 000 m2 atualmente.
embora o metal fosse caro - já que os minérios tinham
Depois da semeadura, os sulcos eram limpos; as sementes
de ser integralmente importados -, seu uso para fins deviam ser protegidas contra insetos e pássaros, e regadas
produtivos difundiu-se mais do que no Egito na ~poca em quatro ocasiões. A colheita - de abril a junho ou
do Bronze. O instrumento para elevação de água baseado julho - era realizada pela sega com a foice; as espigas
no princípio do contrapeso, conhecido pelos egípcios de eram cortadas curtas, e os caules do cereal, queimados.
hoje como shaduf, aparece representado na Mesopotâmia ~ interessante notar que, segundo o "almanaque do lavra-
por volta de 2000 a.C. e, no Egito, só uns seiscentos anos dor", as diferentes operações do ciclo agrário acompa-
mais tarde. nhavam-se de rezas a diversas divindades.
Mas convém não exagerar: o instrumental agrícola Tanto na agricultura quanto no artesanato, a produ-
era, no conjunto, bastante rudimentar. O metal só substi- tividade do trabalho parece ter sido baixa, o que era
compensado mediante o uso maciço de trabalhadores. Três
3 Ver o artigo de Adams incluído na nota 5 do primeiro capítulo, mulheres deviam trabalhar oito dias, por exemplo, para
o qual aborda não somente o caso da Baixa Mesopotâmia, mas
também o do Egito e os do Peru e Meso-América pré-colombianos. fiar e tecer um pano de 3,5 X 4 m. A divisão técnica

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38 3!J
I
do trabalho artesanal e agrícola teve pouco desenvolvi- e mesmo árvores plantadas para obtenção de madeira,
mento, predominando a cooperação simples, onde todos muito escassa na região. O cultivo da tamareira - da
os trabalhadores realizam as mesmas operações. qual se aproveitavam os frutos, fibras e madeira ordinária
Na economia da Baixa Mesopotâmia, as fomes e - exigia o uso da polinização artificial.
crises de subsistência eram freqüentes, causadas pela irre- Desde o Neolítico, a agricultura se associava à pe-
gularidade da cheia, como também pela guerra, que des- cuária: criavam-se ovinos, caprinos, suínos, bovinos e
truía as instalações de irrigação ou as colheitas. Uma muares. O gado bovino era usado como animal de tiro
dessas crises acompanhou a queda do Império de Ur, para o arado e para os carros - estes também podiam
em 2004 a.c. Outro período de crises econômicas relati- ser puxados por asnos; o cavalo só se difundiu no 11
vamente bem conhecidas ocorreu nas cidades de Eshnunna, milênio a.c. -, além de fornecer carne, um alimento
Ur e Larsa, pouco antes da expansão imperial de Ham- de luxo, e leite. A lã das ovelhas era a matéria-prima
murapi, no século XVIII a.C.; mas não se deu então a básica para a produção têxtil, embora também se conhe-
mesma coisa em Mari e Babilônia. A economia continuava cesse o linho e, bem mais tarde, o algodão. O asno era
não-unificada e os transportes eram lentos. Quando a o meio de transporte terrestre mais importante. Sabe-se
guerra ou a incidência de calamidades naturais afetavam que os rebanhos eram muito numerosos desde o 111 milê-
o equilíbrio instável inerente a forças produtivas - ape- nio a.C., e que às vezes eram importados animais de boa
sar de tudo insuficientes ou precárias -, numa sociedade raça para aprimoramento das espécies criadas.
marcada por extremas desigualdades, o resultado era o Há prova documental da importância persistente da
endividamento e o aumento do sofrimento dos agricultores pesca (no golfo Pérsico, nos pântanos costeiros, rios e
mais pobres e do povo em geral.
canais), que empregava um pequeno barco feito de molhos
de junco trançado, anzol e rede. A caça, atividade com-
plementar, era bem menos vital.
Descrição das principais atividades
econômicas Praticava-se a coleta em terras pantanosas, especial-
mente para obtenção do junco, que, além de ser usado em
A agricultura intensiva era a base da vida econômica cestas, barcos, cordas e cabos de ferramentas, constituía
e da urbanização. Os textos sumérios anteriores ao Império o material de construção, por excelência, de cabanas rurais.
de Akkad permitem conhecer com algum detalhe as ativi- A argila era também matéria-prima essencial, usada na
dades agrícolas desde meados do 111milênio a.c. O cereal fabricação de cerâmica, tijolos.
mais cultivado era a cevada, usada como alimento humano Existiam numerosas especializações artesanais. Os
e do gado, e como matéria-prima para fabricação de cer- textos e algum material iconográfico - muito menos rico
veja. Diversos tipos de trigo eram também plantados, do que o egípcio - permitem-nos conhecer a produção
além do sésamo (gergelim), do qual se extraía o azeite de cerveja, vasilhas (de argila, sobretudo, mas também
para alimentação e iluminação. Os textos mencionam de pedra, madeira e vidro), tijolos - secos ao solou
igualmente legumes, raízes, pomares de árvores frutíferas, cozidos no forno -, que eram a base de todas as cons-

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truções, objetos de metal, têxteis, objetos de couro (san- A principal rota terrestre para o norte e o oeste,
dálias, roupa, equipamento militar, odres, sacos, guarnições percorrida por caravanas de asnos, ganhava a Ásia Menor
'I de carros, certas embarcações), artigos de madeira etc. através da Assíria, que ficava na parte leste da Alta
Os textos da lU Dinastia de Ur, por exemplo, mencionam Mesopotâmia. Por mar, havia contatos freqüentes com
escultores, ourives, cortadores de pedra, carpinteiros, forja- Dilmun - atual Bahrein -, com outros pontos da Arábia
dores de metais, curtidores, alfaiates, calafates. Havia gran- e, indiretamente, com a índia. Os comerciantes mesopotâ-
des oficinas pertencentes aos templos e palácios; assim, micos mantinham uma rede de agentes e correspondentes
no final do lU milênio a.c., em três localidades próximas ao longo das rotas comerciais. Apesar de riscos conside-
à cidade de Lagash trabalhavam 6 400 artesãos têxteis ráveis, desde que deixou de ser monopólio exclusivo dos
em oficinas estatais. Mas também existiam oficinas fami- palácios e templos, o comércio de longo curso passou a
II :1 liares, e nas cidades os artesãos se agrupavam em ruas permitir considerável acumulação privada de riquezas -
especiais. O desenvolvimento da produção era dificultado mesmo porque se associava à compra de terras e escravos
pela escassez de combustíveis, matérias-primas, metal para e ao empréstimo a juros. A economia era protomonetária:
as ferramentas, cujo abastecimento dependia quase total- não houve moeda cunhada antes do domínio persa, mas a
mente da importação. Mesmo assim, certas unidades de cevada e os metais (prata e cobre, sobretudo) funciona-
produção empregavam muita mão-de-obra, especialmente vam como padrão de valor e unidade de conta nas tran-
os moinhos e as manufaturas têxteis. sações. No comércio exterior o pagamento podia ser feito
O comércio local e o entre as cidades da Baixa Meso- com lingotes de metal.
potâmia, utilizando a navegação nos rios e canais para Em certas ocasiões falhava o abastecimento de maté-
o transporte, implicavam poucos riscos, mas a concorrência rias-primas importadas, afetando as atividades de trans-
era grande. Muito mais importante foi o comércio de formação. Na época do apogeu do Império de Akkad, por
longo curso. Já aproximadamente em 4000 a.C., a obsidia- exemplo (século XXIV a.C.), houve uma reversão
na e o sílex eram importados do leste, e o asfalto, do passageira do bronze ao cobre, aparentemente porque fal-
curso médio do Eufrates. Na fase de Jemdet-Nasr, alguns tou o estanho.
textos já mencionam um "chefe dos agentes comerciais"
entre os funcionários das cidades-Estados. b que a Baixa
Mesopotâmia só conta com pouca madeira, de má quali- Propriedade e relações de produção:
dade, faltando-lhe de todo pedra e metais. Até as grandes interpretação das estruturas econômico-
mós de pedra dos moinhos tinham de ser incomodamente -sociais
importadas. Assim, excedentes agrícolas e produtos manu-
faturados (especialmente têxteis de lã) foram desde cedo Escreveu certa vez o arqueólogo Petrie:
mobilizados para serem trocados no exterior por matérias- A idéia de propriedade não é absolutamente uma abstração
-primas (madeira, cobre, estanho, pedras duras) e por simples; é de fato tão complexa em suas variadas natu-
artigos de luxo (ouro, prata, lápis-Iazúli, tecidos estran- rezas que se trata de uma generalização que não podemos
geiros etc.). esperar encontrar em uma sociedade arcaica. Existem várias

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11 modalidades de propriedade, tão diferentes entre si que, eles? Outrossim, o rei e a família real dispunham também
para a maneira concreta de perceber, nada têm em comum.
I de terras próprias: uma parte do rendimento delas deri-
Existe o lote de terra tribal. ocupado unicamente em usu-
fruto e usado só como um meio de trabalho. Existe a arma vado podia, no entanto, destinar-se a financiar despesas
ganha ao inimigo, ou o saque de assentamentos. que é dos templos, como ocorria no período da lU Dinastia
de Ur.
I' o prêmio da bravura. Existe a porção de manteiga feita
pela dona-de-casa. e que será consumida. Existe o chifre Vejamos outro exemplo:
esculpido, que serve para beber, produto de um artesanato Na antiga Baixa Mesopotâmia havia seres humanos
individual. guardado como herança de familia. Estas dife- que chamamos de escravos, pois pertenciam a pessoas que
rentes modalidades de coisas não são percebidas como podiam vendê-Ios, legá-Ios ou alugá-Ios, bem como casti-
similares em sua origem, na natureza da posse sobre elas. gá-Ios fisicamente, marcá-Ios com signos de propriedade
ou em sua finalidade. Generalizá-Ias todas como proprie- e fazê-Ios trabalhar. Com algumas exceções - sob a lU
dade não é, absolutamente, algo óbvio. 4
Dinastia de Ur, por exemplo, os prisioneiros de guerra
Embora Petrie não estivesse pensando, aqui, numa
escravizados (namra) careciam de status jurídico -, tais
sociedade como a da Mesopotâmia e, sim, numa cultura escravos, porém, podiam casar-se com pessoas livres, ter
bens, intentar ações em justiça; e pagavam impostos. De
como a dos celtas da fase pré-romana, esta passagem certa forma eram "propriedade" de seus donos, mas certa-
serve para alertar-nos sobre um ponto importante: quando mente não no mesmo sentido e extensão em que o eram
empregamos o termo propriedade, muitas vezes lhe asso-
os escravos no mundo greco-romano clássico.
ciamos, automática e implicitamente, uma noção unificada Poderíamos dar outros exemplos, mas é importante
e absoluta de propriedade, típica da tradição ocidental que que fique registrada apenas a seguinte advertência: o uso
remonta ao Direito Romano. Ora, tal noção, não sendo de termos comuns não garante, ao se tratar de sociedades
adequada nem pertinente ao se tratar do antigo Oriente tão diferentes da nossa, que o seu significado permaneça
Próximo, pode conduzir a becos sem saída e a falsas necessariamente o mesmo.
percepções.
Nas terras pertencentes aos templos sumérios do lU
milênio a.C., por exemplo, havia extensões consideráveis o 11I milênio a.C.
cuja renda era revertida ao rei e a membros da família O pólo "pala tino" da sociedade histórica da Baixa
real. Seriam, por tal razão, "propriedade" do rei e de Mesopotâmia, ou seja, uma classe dominante mais ou
seus familiares? Um sumério não veria assim as coisas, menos confundida com o aparelho de Estado, já havia
nem sentiria necessidade de fazer tal pergunta. Mas, se surgido claramente na passagem do IV para o lU milênio
a renda dessas terras, sistematicamente, não ia para os a.C. - fase de Jemdet-Nasr; então aparecem, nos
templos, que significa dizer que tais terras pertenciam a documentos, funcionários como o chefe da cidade-Estado,
que era também sumo sacerdote (en), o chefe dos agentes
4 PETRIE, William M. F. Some sources Df human history. London, comerciais, a grande sacerdotisa, e outros. A partir de
Society for Promoting Christian Knowledge, 1922. p. 105-6. meados do lU milênio começamos a perceber outros ele-
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I~ mentos da organização estatal: o sistema de tributos in que correspondem ao que Liverani chama de "modo de
natura e "corvéias" - trabalhos forçados, por tempo produção pala tino" e "modo de produção doméstico", ou
limitado, para obras públicas, serviços para o grupo diri- "aldeão": 1. Os complexos econômicos organizados em
gente e serviço militar - imposto à população, e desta- cada cidade-Estado à volta dos templos e do palácio real,
camentos militares recrutados entre os dependentes do além de concentrarem os resultados dos impostos e cor-
templo, o que permitia a existência de um núcleo de força véias que a maioria da população devia - redistribuídos
I policial e militar independente da milícia camponesa con- aos dependentes em forma de rações -, controlavam
vocada em época de guerra. terras próprias dotadas de sistemas de irrigação. 2. Por
Nas cidades-Estados da Baixa Mesopotâmia, no pólo outro lado, as comunidades familiares, ou aldeãs, possuindo
dominante estatal, o setor dos templos por muito tempo a terra coletivamente, utilizavam o esforço comunal para
III predominou sobre o do palácio, aparentemente mais tardio, organizarem a irrigação, para a ajuda mútua, para se
mas ambos eram ligados entre si; a tendência ao longo defenderem dos efeitos da usura - em anos de más
do lU milênio a.C. foi à ascensão dos "chefes" (en, ensi), colheitas era preciso pedir grãos emprestados, que nem
que em certos casos assumiram o título de "rei" (lugal) sempre podiam pagar -, para a prestação de corvéias e
e, por fim, no período de Akkad, declararam-se de caráter o pagamento dos impostos. Tanto a nível de cada aldeia
divino, em detrimento dos templos: o aparelho militar sob quanto da própria cidade, existia um "conselho de anciãos"
comando real se ampliou, independentemente das milícias e uma "assembléia" como órgãos administrativos e para
dos templos, e as terras reais tomaram-se gradualmente dirimir disputas, de clara derivação comunal e tribal. 5
mais extensas do que as dos santuários. Ao lado das duas estruturas polares da sociedade, a pro-
Até 1950, aproximadamente, foi popular entre os priedade privada aparecia como algo ainda pouco impor-
especialistas a tese da "economia-templo", ou "cidade- tante; pode mesmo ter desaparecido momentaneamente
-templo", suméria: os templos, acreditava-se, possuíam durante o período estatizante da lU Dinastia de Ur, como
toda a terra cultivada. Foi Diakonoff que demonstrou pretendem alguns autores.
ser falsa tal opinião. Os templos talvez ocupassem, em
meados do lU milênio a.c., a metade do solo arável; o Ignoramos o detalhe da organização econômica do
resto dividia-se em terras do palácio e terras comunais complexo palacial, que segundo parece se baseou na dos
- de famílias extensas e de comunidades aldeãs. A pes- templos. A organização destes nos é conhecida sobretudo
quisa posterior obriga a acrescentar um quarto elemento: por um exemplo, o do santuário da deusa Baba o -
a propriedade privada incipiente, que aparece em documen- segundo em importância da cidade de Lagash, que tinha
tação publicada por D. O. Edzard e pode também ser uma vintena de templos -, possuidor de 4 465 hectares
deduzida do fato, iluminado pelo próprio Diakonoff, de de terra, nos quais trabalhavam 1 200 indivíduos, sob a
se darem vendas de terra comunal a indivíduos que nem . supervisão de um sacerdote administrador, um intendente,

sempre representavam o Estado. um inspetor e grande número de capatazes e escribas. As


Devemos, então, imaginar o funcionamento da econo-
5 JACOBSEN,Thorkild. Primitive democracy in ancient Mesopotamia.
mia baixo-mesopotâmica a partir de duas estruturas básicas, Journal 01 Near Eastern Studies, Chicago, 2, 1943. p. 159-72.

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111
suas terras se dividiam em três blocos principais: uma conhecidas. Tais comunidades somente aparecem em algu-
quarta parte era cultivada diretamente para o templo, ma documentação, sobretudo em contratos de venda de
através de alguma mão-de-obra escrava, mas sobretudo porções de terra comunal em que os vendedores são vários
do trabalho de dependentes juridicamente livres; o resto - representando grupos de parentes e recebendo porções
dividia-se em "terras de labor", dadas em arrendamento desiguais do pagamento em cobre e de "presentes" in
por 1/7 ou 1/8 da colheita, e "campos de subsistência", natura --, e o comprador um só: o rei, um comerciante
em que pequenas parcelas eram distribuídas aos agriculto- agiota, um funcionário. Interpreta-se, portanto, este tipo
res, artesãos, guardas, pescadores, escribas, serviçais etc., de contrato como significando a venda de terra comuni-
que também recebiam rações. tária, sob coação política - o rei acadiano Manishtusu,
por exemplo, comprou, "à força", grande extensão de
Os templos devem ser imaginados como enormes
terreno de comunidades, para distribuí-Ia em usufruto a
complexos, com terras, reservas de pesca, rebanhos, ofi-
cinas artesanais e uma participação direta e talvez predo- dependentes seus - ou como resultado da usura.
minante no comércio de longo curso e nos empréstimos Os comerciantes (damgar) eram funcionários a ser-
usurários de prata e cereal. Os trabalhadores dependentes viço do palácio e dos templos, dos quais recebiam os
parecem ter tido origens variadas: refugiados estrangeiros produtos para serem trocados no exterior. No entanto,
transformados em "clientes" dos templos, membros de também faziam negócios por conta própria; certos fun-
famílias e comunidades arruinadas pela usura. Quanto à cionários aparecem, igualmente, comprando terras e reali-
escravidão, predominantemente feminina nesta época, era zando empreendimentos próprios, às vezes financiados
importante na tecelagem, nos moinhos, no serviço domés- por empréstimos dos templos, mesmo no período estati-
tico, mais do que na agricultura. zante de fins do lU milênio a.C.
No período fortemente estatizante da lU Dinastia
de Ur, os lavradores dependentes (gurush), agora na sua
imensa maioria instalados em terras estatais, já não rece- o 11milênio a.C.
biam lotes de subsistência e, sim, somente rações: traba-
Os historiadores estão de acordo em perceber três
lhavam em tempo integral para o Estado, e suas rações,
tipos de propriedade sobre a terra na primeira metade do
ao que parece, eram pequenas demais para que pudessem U milênio a.c.: 1. As extensas terras reais. 2. Os domínios
constituir família. Este sistema foi abandonado no milênio
dos templos, muito menos importantes do que no período
seguinte. 6 Também a produção artesanal tornou-se, na
sumero-acadiano. 3. As propriedades privadas, geralmente
época, estatal na sua maioria, e os artesãos eram muito
pequenas, mas numerosas; segundo alguns, predominantes
vigiados. em termos de área total, afirmação difícil de ser provada.
Como a escrita era usada sobretudo na administração Um quarto setor é objeto de divergências: Diakonoff crê
dos templos e palácios, as comunidades aldeãs são mal que as comunidades se mantivessem como proprietárias
de terras coletivas ainda neste período, enquanto Komo-
6 GELB, I. J. The ancient Mesopotamian ration system. Journal of
Near Easlern Sludies, Chicago, 24, 1965. p. 230-43.
róczy acha que elas continuavam sendo órgãos adminis-

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I 49

trativos e judiciais, mas haviam perdido toda a importância renda in natura. 3. Porções (ilku) concedidas em usufruto
econômica nas áreas mais dinâmicas, conservando-se por a soldados e funcionários em troca de serviço; eram ina-
algum tempo a propriedade comunal sobre certas terras, lienáveis mas transmissíveis por herança. Embora a escra-
unicamente em regiões mais atrasadas, periféricas. 7 vidão continuasse existindo, alimentada pela guerra, pelo
Há muitos indícios de um desenvolvimento da pro- tráfico, por condenações judiciárias e pelo não-pagamento
de dívidas - neste último caso foi limitada, por Ham-
priedade e das atividades privadas nesta época, e não
somente no setor rural. Os tamkaru (mercadores) forma- murapi, a uma duração de três anos -, os escravos eram
vam, em Babilônia, uma corporação subordinada ao Esta- raramente empregados no trabalho agrícola, mas com
do, e faziam negócios a mando do governo. Mas também maior freqüência, nas oficinas artesanais e no serviço do-
negociavam em proveito próprio, aproveitando-se da ampla méstico. A mão-de-obra agrícola compreendia lavradores
rede de agentes que mantinham dentro e fora da Meso- dependentes (ishshakku) e também assalariados alugados
potâmia; praticavam, ainda, o empréstimo a juros, forma- por dia, em especial para a colheita, tanto nas terras do
vam sociedades mercantis, compravam terras e escravos. rei quanto nas de particulares.
Um dos sinais de que tais atividades tinham importância A sociedade dividia-se em três categorias jurídicas:
considerável é o desenvolvimento do direito privado, que awilum, o homem livre que gozava da plenitude dos
se expressa na atividade legislativa dos reis, em especial direitos; mushkenum, o homem livre de status inferior -
de Hammurapi (1792-1750 a.c.), fundador do Império talvez uma categoria de dependentes do palácio, e por este
Paleobabilônico. Outro sinal é a freqüência com que, a tutelados e protegidos; wardum, o escravo. Os direitos,
prazos irregulares e sem aviso prévio - para não inter- deveres e privilégios desses grupos variavam de acordo
romper as atividades de crédito -, os reis decretavam o com a sua categoria. Embora as menções aos mushkenu
tenham começado ainda no lU milênio a.c., sua origem
misharum ("justiça"), edito que anulava as dívidas e a
não é clara, e a documentação disponível não permite
escravidão por dívidas, o que era uma forma de proteger
que se dê razão em forma decisiva a alguma das nume-
a pequena propriedade privada da terra, a qual devia,
rosas teorias existentes a respeito.
portanto, desempenhar um papel importante.
Nas terras reais encontramos três setores: 1. A parte O período paleobabilônico viu sem dúvida um desen-
volvimento das transações mercantis e creditícias, mesmo
administrada diretamente pelo palácio, trabalhada por na ausência de moeda cunhada, e um incremento da
lavradores dependentes e pessoas que cumpriam a "corvéia divisão social do trabalho. Alguns acham que isto teria
real". 2. Lotes arrendados, ou confiados a colonos -
aos abalado as estruturas comunitárias das aldeias, mas tal
quais o rei adiantava os animais de tiro -, contra uma ::oisa é duvidosa. Há indícios, outrossim, de uma grande
heterogeneidade regional na Baixa Mesopotâmia, que
7 DIAKONOFF,I. M. Main features of the economy in the monarchies
of ancient Western Asia. In: CONFÉRENCEINTERNATlONALED'Hls- exemplificaremos. Uma pesquisa baseada em 1 600 do-
TOIRE EcoNOMIQUE. V. "Bibliografia comentada"; KOMORÓCZY,G. cumentos, que permitiram conhecer as atividades de cerca
Landed property in ancient Mesopotamia and the theory of the de 20 000 pessoas, mostrou, na cidade de Sippar, entre
so-called Asiatic mode of plOduction. Oikumene. V. "Bibliografia
comentada" . 1894 e 1595 a.C., a existência de muitas famílias ricas

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50 51
II~I
sem conexões com os templos e o governo real, dedicadas no caso de Babilônia, "cidade santa" -, em cujas estru-
à agricultura e ao comércio exterior, sendo que os ganhos turas internas os dominadores do norte pouco intervieram.
comerciais eram investidos na compra de terras e na impor- Os assírios favoreceram os templos com muitas doações,
tação de escravos. Mesmo o rei de Babilônia vendeu ter- mantendo-os, porém, sob controle estatal. As comunidades
I renos rurais a pessoas de Sippar, que eram, em parte, aldeãs foram reformuladas: as famílias camponesas - em
arrendados. Eshnunna apresentava características simila- muitas regiões do império vindas de outras plagas, segundo
res às de Sippar, e Ur - centro da importação do cobre o sistema assírio de deportações de populações inteiras
I
- estava, pelo contrário, sob estreito controle estatal e - deviam entregar certas taxas in natura ao governador

f mostrava menor pujança da iniciativa privada.


O período seguinte - a segunda metade do 11 milê-
provincial, enquanto a aldeia, em bloco, devia outras taxas
ao rei. Esta reorganização rural assíria afetou poucas re-
nio a.c., ou período cassita da Babilônia - é mal conhe- giões na Baixa Mesopotâmia, onde muitas das cidades
cido. Ao chegarem à Mesopotâmia, imigrações de povos gozavam de privilégios fiscais e conservavam suas próprias
ainda tribais (os cassitas, os arameus e, já no início do leis e instituições, incluindo as assembléias e conselhos
I milênio a.c., os caldeus) revitalizaram as estruturas de anciãos (aldeães e urbanos), de tradição muitas vezes
comunitárias. Por outro lado, a interrupção dos editos do milenar. Embora as numerosas guerras do período tenham
tipo misharum significou o abandono da proteção aos pe- intensificado a escravidão, esta continuou constituindo um
quenos proprietários endivida dos, disto resultando a con- aspecto secundário das relações de produção.
centração da propriedade do solo. Os santuários viram-se Ao domínio assírio sucedeu-se o Império Neobabi-
novamente com a atribuição de muitas terras, mas sob lônico (626-539 a.C.). Nesta fase - a última da história
estreito controle real. Os reis cassitas doaram extensos independente de Babilônia -, os templos tiveram outra
, apanágios a seus parentes, a chefes militares e a funcio- vez um papel fundamental na economia. Um único templo
nários do palácio, isentando-os de corvéias e impostos, (o Eanna, de Uruk) possuía, em meados do século VI
como sabemos por monumentos inscritos de pedra (kudur- a.c., 20650 hectares de terra conhecidos, que eram,
ru). A diferenciação sociojurídica entre os awilu e os como se sabe, só uma parte de um conjunto ainda mais
mushkenu continuou em vigor, prolongando-se até o milê- vasto. No entanto, o dízimo real atingia todas as terras,
nio seguinte. inclusive as dos templos, e a ingerência do Estado na
economia dos santuários foi causa de forte oposição sacer-
dotal ao rei Nabonido. As propriedades do palácio, menos
o I milênio a.C. conhecidas, eram também importantes.
A Baixa Mesopotâmia - sob domínio às vezes so- Os domínios dos templos eram em grande proporção
mente nominal de Babilônia - estava, na primeira parte arrendados a pequenos parceiros, que entregavam parte
do I milênio a.c., inicialmente sob a influência indireta da colheita (erreshu), ou a pessoas de posses (os arren-
dos assírios e, depois, sob seu governo. Babilônia, Sippar, datários ikkaru), que arrendavam grandes extensões de
Nippur, Uruk faziam parte, porém, de um grupo de cida- terra por períodos longos, para explorá-Ias mediante tra-
des privilegiadas, centros agrícolas e manufatureiros - balhadores (sabé); estes podiam ser livres ou escravos,

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52 53

os quais se alugavam coletivamente: formavam "tropas" possuíam terras - que em parte arrendavam - e atuavam
errantes em busca de trabalho. As terras administradas como bancos.
pelo próprio templo eram cultivadas por agricultores de- No período persa não houve grandes mudanças estru-
pendentes, que, tal como os pastores e os artesãos do turais, mas com a introdução da moeda cunhada deu-se,
santuário, recebiam alimentos, roupas e prata em troca ao que parece, um empobrecimento ainda maior dos cam-
de trabalho. A renda de certas terras era dada em pre- poneses de menos recursos.
benda a trabalhadores graduados e dignitários do templo, Apesar do grande desenvolvimento da propriedade
correspondendo a dias de serviço, e os titulares podiam privada, da economia mercantil e da escravidão, concor-
negociar com ela. damos com Adams quando afirma o seguinte a respeito
A importância social dos complexos dos santuários das comunidades aldeãs:
era tanta que se pode falar de uma espécie de "sociedade (. . .) o papel das comunidades corporativas na agricultura
dos templos", muito estratificada, dentro da sociedade ba- mesopotâmica permaneceu substancial não apenas durante
bilônica global. Esta "sociedade dos templos" (shirkatu) o 1/ milênio. mas até muito mais tarde. Seu número e
estava constituída por indivíduos que haviam sido consa- influência sobre o curso dos acontecimentos seguramente
grados à divindade por seus pais ou outras pessoas, for- foram sujeitos a fIutuações. mas enquanto tais comunidades
mando uma hierarquia que ia desde grandes personagens são fracas. individualmente, coletivamente parecem quase
- possuidores de terras e escravos, e que participavam indestrutiveis. Em suma, elas eram regularmente minadas e
continuamente geradas de novo por um contexto mais
do grande comércio - até agricultores, pastores e artesãos amplo de incerteza ecológica. de pressões no sentido de
dependentes. sua subordinação ao crédito e ao poder urbanos, de resis-
Nota-se a ligação dos templos com a sociedade global tência a tais pressões. e de cristalização e decadência
no fato de que o grupo de "notáveis" (os mar bani), que alternadas dos controles politicos e administrativos impos-
ocupava o topo da sociedade mesopotâmica, exercia pre- tos por dinastias sucessivas. N
bendas nos templos e era formado por "anciãos" dos con-
selhos ou tribunais que funcionavam no interior dos san- Este fato pode ser ocultado por uma documentação
tuários. de origem maciçamente urbana e não-rural, e pela insis-
tência dos poderes constituídos só nas formas legais de
f: possível que as grandes oficinas artesanais e o in- propriedade, deixando na sombra - por não mencioná-Ias
tenso comércio exterior tenham sido majoritariamente con- - as modalidades informais e consuetudinárias de acesso
trolados pelos templos. Mas os comerciantes tamkaru ao solo e à água, que nem por isso cessavam de existir
continuavam ativos, ligados ao palácio: o principal tam- e de ter grande peso nas zonas rurais.
karum do rei Nabucodonosor tinha nome fenício, e sabe-
mos que as cidades de Tiro e Sidon ocupavam lugar
privilegiado no comércio do Império Neobabilônico. Havia 11AOAMS, Robert M. Property rights and functional tenure in
verdadeiras firmas privadas, como os Egibi, de Babilônia, Mesopotamian rural communities. In: - et aI. Societies alld
lallguages of the aflciellf Near East, p. 11. V. "Bibliografia co-
e os Murashu, de Nippur, que investiam no comércio, mentada".

1
--
55

mente, a tendência é inversa: estudos unindo a paleoeco-

3 logia com métodos arqueológicos e históricos mostraram


que o vale, no período chamado Pré-Dinástico - que
antecede o processo de unificação completado por volta
o Egito faraônico de 3000 a.c. -, era mais densamente povoado que o
delta. Este último manteve-se como zona de colonização
agrícola ao longo de boa parte da história faraônica, e
quiçá só por volta de fins do 11 milênio a.C. sua popu-
lação tenha se igualado à do sul em números absolutos,
conservando-se ainda inferior em densidade.
O Egito foi povoado desde tempos pré-históricos mui-
to remotos, mas é provável que o fator decisivo na for-
mação do país como o conhecemos na fase histórica tenha
sido a constituição da ecologia atual da região, com o
Introdução vale do Nilo apertado entre colinas que o separam do
deserto Líbico, a oeste, e do deserto Arábico, a leste. No
Como área de assentamento permanente, o antigo passado, a agricultura e a criação de gado foram possíveis
Egito é sinônimo das terras imediatamente atinentes ao numa faixa de vários quilômetros de cada lado do curso
curso do rio Nilo: do Mediterrâneo, ao norte, até a atual do Nilo, e igualmente em vales tributários, hoje secos.
Assuan, ao sul, onde começava a Núbia. Rio perene, em Porém, por volta de 3300-3000 a.C., isto é, no final do
zona desértica, o Nilo era a garantia da vida num país Pré-Dinástico e na fase da unificação, uma forte queda
onde a agricultura de chuva representava uma impossi- da pluviosidade, ligada à desertificação agora completa
bilidade. Por razões que tanto a História quanto a Geo- do norte da África, tornou impossível a vida agrícola fora
grafia justificam, é usual a distinção entre o Baixo Egito, do vale do Nilo. Isto estimulou o início, ainda tímido, da
que compreende o delta do Nilo e uma pequena porção irrigação artificial.
do vale fluvial imediatamente ao sul, e o Alto Egito, A língua egípcia antiga, na classificação de M. Gre-
integrado pela porção do vale do Nilo, ao sul do atual enberg, pertence à família "hamito-semítica", ou "afro-
Cairo e ao norte de Assuan. -asiática", o que a vincula, por um lado, a línguas africa-
Era corrente, entre os egiptólogos mais antigos, acre- nas (berbere, tchadiano) e, por outro, às línguas semíticas
ditar numa espécie de "prioridade" do delta em matéria da Ásia Ocidental. Isso talvez reflita dados do povoamento
de povoamento e civilização, quando comparado ao vale do país, onde elementos vindos do Saara, outrora fértil,
que, no entanto, foi a região de onde partiu a unificação se mesclaram com elementos chegados da Síria-Palestina,
do reino - mesmo se este continuou sendo visto como enquanto a arqueologia e outros dados mostram um forte
um país duplo: o faraó, ou monarca egípcio, era "rei do influxo de negróides que desceram o curso do Nilo. Pre-
Alto e Baixo Egito", ou "senhor das duas terras". Atual- tendeu-se mesmo, recentemente, que os antigos egípcios

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56 57

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fossem total ou predominantemente negróides, mas a ver- C/) ...
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58 59

Quadro 3
II
do bronze como resultado da introdução, por invasores
asiáticos (hiesas) de técnicas mais aperfeiçoadas de meta- POPULAÇAO,AREA CULTIVADA E
lurgia, permitindo finalmente a fusão simultânea de miné- DENSIDADEDEMOGRAFICAHIPOTÉTICASNO EGITO
rios de cobre e de estanho; quanto ao ferro, embora conhe- FARAONICOSEGUNDOCALCULOSDE BUTZER
cido desde a segunda metade do II milênio a.C., sua Km2 cultiváveis Habitantes por km2
Ano (a.C.) Habitantes disponíveis de terras cultiváveis
produção não teve qualquer importância no Egito até a
invasão dos assírios (século VII a.C.). Insistimos nisso 3000 870 000 15100 57,61
porque no Brasil, ao que tudo indica, esses dados ainda 2500 1 600 000 17100 93,57
são amplamente ignorados. 2 1800 2 000 000 18450 108,40
Também no tocante ao estudo da irrigação antiga, os 1250 2 900 000 22 400 129,46
progressos foram fantásticos nas duas últimas décadas,
em especial devido às pesquisas de KarI Butzer e Barbara Fonte: BUTZER, Karl W. Early hydraulic civiliza/íon in Egypt.
Chicago, University of Chicago Press, 1976. p. 83. (Com
BeIl. Os níveis das cheias do Nilo, a população egípcia simplificações. )
e a superfície cultivada, antes tratados quase sempre como
constantes - salvo fIutuações acidentais -, passaram a Para o período que consideramos - da unificação
ser vistos como variáveis. O nível do rio e de suas cheias até a conquista macedônica -, os estudos de Butzer cons-
variou segundo fases perceptíveis nos tempos históricos; tataram maior densidade demográfica no vale do que no
a população aumentou ou diminuiu conforme as épocas, delta e ocorrência de diminuições da população nas
mudando a sua distribuição espacial, e o sistema de irri- épocas de divisão e anarquia política (os três períodos
gação - de início baseado quase todo nas bacias formadas intermediários do quadro 2).
naturalmente pelo rio - foi-se complicando e aperfei- O sistema de irrigação egípcio era muito diferente
çoando ao longo dos séculos para adaptar-se à pressão do complexo sistema mesopotâmico, porque as condições
populacional -criando maior superfície cultivável e - naturais eram muito diversas nos dois casos. A cheia do
aos insumos de trabalho variáveis. Ao mesmo tempo que Nilo também fertiliza as terras com aluviões, mas é muito
as técnicas da irrigação mudaram constantemente, as do mais regular e favorável em seu processo e em suas datas
cultivo e da colheita permaneceram, pelo contrário, prati- do que a do Tigre e Eufrates, além de ser menos destrui-
camente inalteradas, por serem adequadas às condições da dora. Sua fase principal começa em julho; isto quer dizer
agricultura egípcia. (Ver o quadro 3, cujos dados devem que nos meses de maior calor o solo arável é coberto
ser encarados somente como ordens de grandeza, admi- pela água, sendo protegido ao mesmo tempo em que é
fertilizado. Quando as terras voltam a emergir, em fins
tindo importante margem de erro.)
de outubro ou em novembro, é o momento adequado para
a semeadura. Entre a colheita (abril-maio) e a nova cheia
2 HARRIS,J. B. Technology and materiaIs. In: -, ed. The legacy
of Egypt. Oxford, Clarendon Press, 1971. p. 83-111. passa-se tempo suficiente para a limpeza e o conserto das
Ver um dos últimos estudos metalúrgicos de objetos do Reino instalações de irrigação. Não são necessárias, na maioria
Antigo em Journal of Egyptian Archaeology, London, 70, 1984.
p. 33-41. dos casos, as obras de proteção, absolutamente essenciais

I
60 61

na Mesopotâmia. Embora as circunstâncias da agricultura O sistema egípcio de agricultura irrigada adequava-se


irrigada egípcia, no período faraônico, não permitissem bem a um controle local, ao nível do que no Egito unifi-
mais de uma colheita anual, os rendimentos eram satis- cado eram as províncias - cada uma delas chamada spat,
fatórios na maioria dos anos. mas que denominamos mais correntemente de nomos,
Outrossim, o vale e o delta do Nilo são autodrena- usando um termo derivado do grego -, ou mesmo ao
dos ao passar os meses de inundação, ao contrário do nível das aldeias. Não há qualquer sinal de grandes obras
que acontece na Baixa Mesopotâmia. Ao ocorrer a cheia, de irrigação levadas a cabo pelo governo central, ou sob
o rio invade uma série de tanques naturais interconectados, seu controle, até o Reino Médio, quando a unificação do
formando conjuntos locais totalmente independentes uns país já tinha um milênio de existência. Por outro lado, o
dos outros quanto à entrada e saída da água. No início estabelecimento de reservas de alimentos para redistribui-
do período histórico, uma agricultura irrigada herdada do ção em caso de necessidade, de que dá testemunho o Velho
Pré-Dinástico, adaptada às bacias, ou tanques, naturais - Testamento (Gênesis, capítulos 41 a 43), e que se
regularizadas e às vezes subdivididas e providas de diques baseava na rede de celeiros dos templos, não é atestado
de separação para o controle da entrada e saída do flu- antes do Reino Novo (segunda metade do 11 milênio a.c.).
xo -, começava apenas a criar também redes de canais Isso significa que a conclusão para o Egito tem de
pequenos para melhor distribuição da água pelos campos. ser a mesma que para a Mesopotâmia: a agricultura irri-
Com o tempo, o sistema passou por sucessivos aperfeiçoa- gada, ao permitir o aumento demográfico e a produção
mentos e as hortas e vergéis situados em terrenos mais de excedentes, foi condição necessária para o surgimento
altos deviam ser regados com a água transportada em da civilização faraônica, mas não procede a "hipótese
potes, pois só no século XIV a.C. se introduziu um meca- causal hidráulica" - muito popular entre os egiptólogos
nismo baseado no contrapeso para elevação da água, que
até um passado recente -, posto que o controle
no Egito de hoje é conhecido como shaduf.
da irrigação era local, e só tardiamente o Estado se voltou
Como a agricultura dependia das cheias, ao ser feita
para grandes obras no setor; aliás, sem que mudasse por
a avaliação do solo para o estabelecimento do imposto, isto o caráter fundamentalmente local da organização
fazia-se a distinção entre a chamada "terra alta" - que hidráulica. 3
constituía a categoria mais extensa, entendida como solo
que era habitualmente produtivo para cereais, mas que em Quanto aos outros aspectos das forças produtivas,
anos de má inundação podia ficar a seco - e a "terra podemos considerar três fases principais em que se deram
baixa" - um terreno que em hipótese alguma deixava de inovações tecnológicas: 1. Durante o IV milênio a.C. e
receber a inundação. Às vezes se considerava um terceiro no início do milênio seguinte (até aproximadamente 2700
elemento: as "ilhas", que funcionavam como terra baixa, a.C.), fixaram-se algumas das técnicas básicas da civili-
mas eram consideradas, por definição, propriedade direta zação egípcia: diversas técnicas agrícolas e da pecuária;
do rei; muitas delas eram formadas só ocasionalmente,
sem que constituíssem traços permanentes da topografia 3 BUTZER, Karl W. Perspectives on irrigation civilization in Pha-
do vale. raonic Egypt. In: ScHMANDT-BESSERAT,D., ed. Immortal Egypt.
Malibu, California, Undena Publications, 1978. p. 13-8.

--- ,
---

63
62

nistrativo. Se a Baixa Mesopotâmia deixou uma quanti-


metalurgia do cobre, persistindo porém o predomínio de
dade de documentos escritos, pertinentes para a história
uma tecnologia da pedra e da madeira nos instrumentos
econômica, maior do que o Egito faraônico, este, em
da produção agrícola; um torno lento para a produção
da cerâmica; o tear horizontal; técnicas de construção em compensação, legou-nos uma riquíssima iconografia (pin-
turas e relevos murais das tumbas, modelos de ferramentas,
tijolo e, no final do período, em pedra; de navegação a
remo e a vela; de escrita e aritmética etc. 2. O Reino maquetas diversas), que nos facilita a descrição das ativi-
Médio (2040-1640 a.c.) viu uma relativa difusão do uso dades de produção e transporte.
do bronze, mas foi o Segundo Período Intermediário Os cultivos básicos eram o trigo-duro (emmer), para
(1640-1550 a.c.) que se apresentou como novo na ino- o pão, a cevada, para a cerveja, e o linho, para o vestuário.
vação e aperfeiçoamento tecnológico, com a introdução, A semeadura destas plantas era feita, com freqüência,
pelos asiáticos hicsos, de métodos melhores de metalurgia na terra ainda muito mole, imediatamente depois do reflu-
do bronze, de um torno rápido para fabricar cerâmica, xo da cheia anual. O leve arado de madeira abria os
do tear vertical mais eficiente, do gado zebu e do cavalo, sulcos, e o gado menor pisoteava os campos para enterrar
de novas frutas e legumes, além de técnicas militares (arco as sementes. Se, ao chegar o momento da semeadura, a
composto, carro), sem as quais as conquistas do Reino terra estivesse seca, a enxada e o arado - muito simples,
I Novo na Ásia seriam impossíveis. 3. Por fim, a ocupação de madeira e corda - serviriam para abrir e homoge-
assíria difundiu, no século VII a.C., o uso do ferro, popu- neizar a terra, e enterrar os grãos.
I larizando finalmente no Egito os instrumentos metálicos, Entre a semeadura e a colheita, a umidade com que
I antes raros e caros. a cheia impregnara o solo bastava para o crescimento
I
Essa cronologia mostra um nítido atraso na evolução das plantas. Os camponeses podiam, portanto, dedicar-se
I tecnológica egípcia em comparação com a da Ásia Oci- à horticultura, à viticultura e aos vergéis: aos cereais se
dental. O baixo nível geral das forças produtivas era juntavam, assim, legumes e verduras diversos, a uva para
I
compensado com o uso maciço de uma mão-de-obra abun- o vinho, frutas variadas.
I dante. Ao ocorrerem cheias demasiado baixas, ou altas A colheita de cereais era feita cortando-se o talo
I demais, apesar das condições naturais serem normalmente com uma foice primitiva: um crescente de madeira no
I favoráveis, elas podiam trazer catástrofe e fome, coisa qual se inseriam lâminas cortantes de sílex; o linho era
bem documentada nos tempos faraônicos. arrancado. Em seguida, o grão e a palha eram separados,
I
fazendo-se com que o gado pisoteasse os montes de espi-
I gas na eira. Peneiravam-se os grãos resultantes, para lim-
Descrição das principais atividades pá-Ios, armazenando-os por fim em celeiros.
econômicas
I: No antigo Egito, os animais domésticos mais usuais
eram os bois, asnos, carneiros, cabras, porcos, aves diver-
A economia egípcia baseava-se na união da agricul-
tura e da pecuária, atividades estas que, no entanto, eram sas e, a partir do período dos invasores hicsos, os cavalos.
Os bovinos serviam principalmente para o tiro e para o
sempre estritamente separadas do ponto de vista admi-

- 1
--
j 64 6S
11

I leite; a carne era um alimento de alto luxo, só muito de cedro, que vinha de Blblos, na Fenícia; minérios; o
ocasionalmente disponível para os menos favorecidos. Os lápis-Iazúli.
pastos se localizavam quase sempre em terras pantanosas. A organização artesanal fazia-se em dois níveis dife-
Como na Mesopotâmia, o rebanho era melhorado mediante rentes. Nas aldeias, os camponeses fabricavam seus im-
importação de reprodutores (da Núbia e Ásia). A criação plementos e objetos grosseiros de uso corrente, não tendo
I
I se fazia em duas fases: na primeira, os animais eram em geral acesso aos produtos do artesanato de alta quali-
deixados em liberdade; na segunda, selecionavam-se al- dade. Este último concentrava-se em oficinas, às vezes
guns para a engorda sistemática, encerrando-os. grandes, instaladas nos palácios do rei, templos e grandes
A pesca era praticada no Nilo, nos canais e nos domínios rurais. O faraó exercia o monopólio sobre a
pântanos segundo métodos variados (anzol, rede, nassa, exploração das minas e pedreiras através de expedições
arpão), e o consumo popular de peixe era grande, espe- intermitentes, bem como sobre as grandes construções e.
cialmente seco. Entre os privilegiados, porém, havia certas obras públicas.
limitações de cunho religioso a tal consumo. A caça era Desde o Reino Antigo, as tumbas mostram em seus
realizada nos pântanos e no deserto, como esporte, para relevos a existência de um pequeno comércio local baseado
prover a mesa dos poderosos e renovar a criação de aves: no escambo. Existiam especialidades regionais - Sais
captura de patos e gansos selvagens com redes. As ativi- era grande centro têxtil; o delta tinha os melhores vinhedos
dades extrativas compreendiam o barro do Nilo para e os maiores rebanhos; Mênfis concentrava muita ativi-
fabricação de cerâmica, tijolos; o papiro, de múltiplas dade metalúrgica etc. -, e o Nilo era singrado por
utilidades- a mais importante era a fabricação de mate- barcos, às vezes de grande porte; mas, como veremos, a
rial para a escrita; juncos e caniços para confecção de circulação das cargas de uma a outra parte do país fazia-se
sobretudo administrativamente, por conta do sistema eco-
cestas e móveis populares; a madeira de qualidade inferior
nômico estatal. Nas transações mais importantes usava-se
I disponível no Egito (sicômoros, palmeiras, acácias etc.).
um padrão de referência, constituído por pesos de metal
II
O artesanato dependia, antes de mais nada, das maté- (cobre, prata), que serviam de equivalente de valor e
rias-primas fornecidas pela coleta e agricultura: produção moeda de conta, mas o pagamento efetivo era feito com
de tijolos e vasilhas de argila; fabricação diária do pão objetos diversos. O grande comércio exterior, realizado
li e da cerveja; produção de vinho; fiação e tecelagem do por terra, subindo-se o Nilo e, principalmente, por mar
linho; indústrias do couro, do papiro e da madeira. Dife- - com as ilhas de Creta e Chipre, com a Fenícia, no
II rentemente da Mesopotâmia, o Egito contava, em regiões Mediterrâneo, e com o "país de Punt" (talvez a costa
submetidas nas épocas de centralização monárquica à sua da Somália), pelo mar Vermelho -, servia para importar
jurisdição direta (o Sinai, o deserto oriental, a Núbia), matérias-primas e objetos de luxo, bem como artigos ne-
com fácil abastecimento de pedras para construção e cessários ao culto religioso, pagando-se as importações em
I estatuária, gemas semipreciosas e minérios (ouro, cobre, boa parte com o ouro extraído do deserto Arábico e da
I chumbo; agora se sabe que também algum estanho). Mas Núbia. Tal comércio de longo curso organizava-se através
certas matérias-primas deviam ser importadas: a madeira de expedições ordenadas pelo rei ou pelos templos.

,
67
66
r real", tenha conhecido certa intensificação, além de ser
Propriedade e relações de produção: exigida para finalidades mais numerosas; e que a recipro-
interpretação das estruturas econômico- cidade típica das sociedades tribais tenha assumido, nas
-sociais relações entre o Estado e as aldeias, o aspecto de distri-
buições de rações quando do trabalho para o governo,
A formação da sociedade faraônica
e talvez também de "prêmios" especiais na forma de
O Egito foi o primeiro reino unificado da História. bebidas e carne em certas ocasiões, o que pareceria asse-
Esta é uma das razões pelas quais sua evolução difere gurar a continuidade com as estruturas do período anterior.
da mesopotâmica. Diz Trigger que, na Mesopotâmia, os É possível supor, também, que ao lado do domínio emi-
frutos da civilização foram partilhados entre diversas cida- nente que pelo menos em teoria e ao nível da ideologia
des-Estados e, no interior destas, entre vários grupos o soberano exercia sobre o solo, e das primeiras formas
sociais, se bem que desigualmente. No Egito dos faraós, de propriedade individual (de função e privada) que
os frutos em questão concentraram-se por muito tempo começavam a aparecer, formas mais antigas de acesso à
quase só na corte real e, secundariamente, nos centros terra, ao nível das aldeias, mas também dos "notáveis"
regionais do poder. 4 Se na Mesopotâmia, partindo do locais, puderam manter-se, adaptando-se à nova organi-
controle estatal - dos templos e do palácio -, o comércio zação político-social.
cedo começou a servir também à acumulação de riquezas A situação do período pós-unificação foi preparada
privadas, no Egito as trocas importantes permaneceram desde o IV milênio a.c., pelo fato de as sociedades do
por muitíssimo mais tempo sob controle do Estado, sem final do Pré-Dinástico certamente não serem já iguali-
abrir as oportunidades sociais surgidas no caso mesopo- tárias. Mesmo antes da unificação existiram sistemas locais
tâmico. O efeito mais marcante da forma pela qual a de centralização e redistribuição de bens, sem os quais
unificação precoce afetou a história egípcia foi que, para - pensamos especialmente na redistribuição de cereais em
as aldeias, as mudanças ocorridas no nível político no forma de rações - seria difícil explicar trabalhos cole-
final do IV milênio a.C. e no início do milênio seguinte tivos consideráveis (em santuários, por exemplo), cuja
_ ao emergir a monarquia "divina" dos faraós - tiveram existência é demonstrada pelas escavações arqueológicas.6
conseqüências bem limitadas: o Egito unificado perma-
neceu, em sua base rural, uma sociedade baseada na
As estruturas básicas do Egito durante o 11I
agricultura aldeã. 5 milênio a.C. e a primeira metade do 11milênio a.C.
II1
Podemos supor que a ajuda mútua camponesa, sur-
gida no Pré-Dinástico como forma de organização a O Egito faraônico, salvo nos períodos de anarquia
II1
serviço da irrigação e transformada agora em "corvéia e divisão, era um reino centralizado, no qual o Estado
I~
II
4 TRIGGER,B. G. The rise of Egyptian civilization. In: - et aI. 6 Id., ibid., p. 319; CASTlLLOS,
Juan J. A study oi lhe spatial dis-
II1 Ancient Egypl, p. 51, 57-8, 61. V. "Bibliografia comentada".
I 5 HOFFMAN,Michael A. Egypl beiore the Pharaohs. London, IribU/ion oi large and richly endowed tombs in Egyplian Pre-
dynaslic and Early Dynaslic cemeleries. Toronto, Benben, 1983.
1,1 Routledge & Kegan Paul, 1978. p. 17.

- - - - - -- - - - -- 1
r-
68 I
69

exercia estreito controle sobre a economia do país. Outros- O excedente recolhido das comunidades locais era
sim, mesmo se a informação disponível sobre as comu- armazenado para futura (e parcial) redistribuição. Os
nidades rurais e as cidades e povoados locais é bastante tributos assim acumulados eram de vários tipos: cereais,
escassa, começa-se a perceber, atualmente, algo que por gado, alimentos diversos, tecidos etc. A partir dos depó-
muito tempo escapara à egiptologia: a vitalidade de formas sitos estatais, eram manipulados num complexo sistema
locais ou regionais de poder, de relações sociais e de de redistribuição, que variava desde rações a nível de
organização econômica ligadas a padrões consuetudinários, subsistência, distribuídas a trabalhadores não-qualificados
nas quais o governo central interferia só em forma muito e às pessoas submetidas à corvéia, até remunerações muito
limitada, no sentido de impor um controle geral. mais substanciosas atribuídas aos funcionários de todos
Assim, seria possível descrever o sistema econômico- os tipos (pessoal da corte, escribas, sacerdotes), a arte-
-social egípcio em dois níveis. O primeiro, e para nós sãos de alta qualificação que trabalhavam para a corte
o mais visível, em função da origem e do caráter" das ou para os templos etç. Tudo isso supunha uma boa orga-
fontes disponíveis, era o das estruturas econômico-sociais nização burocrática, para que fosse possível cOl11putar
"estatais": baseava-se na extração de excedentes de todas as pessoas, o gado e as riquezas em geral para o cálculo
as comunidades locais, tanto urbanas quanto rurais, atra- do imposto e a distribuição das corvéias; e um sistema
vés do tributo em produtos e de trabalho para todos os de contabilidade que permitisse o controle das equipes
empreendimentos do Estado - na forma da "corvéia de trabalhadores com seus capatazes, dos funcionários e
real", que servia para o trabalho agrário nas terras da da remuneração devida, em produtos, a cada homem,
coroa, dos templos e dos grandes funcionários, para as segundo sua atividade e seu status, enquanto ele estivesse
construções públicas, para as expedições extrativas envia- nas listas das distribuições estatais - pois mesmo o tra-
das às minas e pedreiras, e para a guerra. O outro nível, balho de corvéia era remunerado, apesar de compulsório,
maciçamente camponês, era o de unidades domésticas, através da distribuição de rações. Diversos departamentos
ou comunais, em grande parte auto-suficientes, possuindo do governo, sob a supervisão geral do tjati - termo
economia e sistema social provavelmente bastante variáveis usualmente traduzido por vizir -, encarregavam-sedo
no detalhe de região a região, já que eram governados controle dos recursos disponíveis,dos impostos e da força
pelo costume. Na medida em que não afetasse as relações de trabalho.
entre o Estado e seus súditos tributários, esta vida social Ao falarmos de um nível "oficial" da economia, não
local e consuetudinária era deixada em paz pelos fun- estamos implicando que só existisse a propriedade do
cionários da monarquia. J? fato, por exemplo, que o casa- Estado. Através de concessões que formavam um tecido
mento no antigo Egito nunca foi visto como instituição complicado de direitos justapostos, ou mesmo superpostos,
jurídica, mas tão-somente como uma prática social e ao uso e controle das terras e seu rendimento, assim como
privada governada pelo costume, desprovida de qualquer do gado e de pessoas, de fato surgiu uma rede coerente
sanção religiosa ou pública. de propriedades da coroa (terras do Tesouro, terras que
Analisemos, primeiro, o setor "estatal" das estruturas eram propriedade pessoal do faraó, terras de fundações
econômico-sociais. reais), dos templos e possuídas em caráter privado (here-

1
r
71
70

ditárias e negociáveis) ou através de funções públicas (não- Passaremos agora a considerar o outro pólo das
-hereditárias, a não ser que a função passasse de pai para estruturas econômico-sociais egípcias: as comunidades
filho, e não-negociáveis) exercidas por grandes funcio- aldeãs. Basear-nos-emos numa pesquisa, ainda inédita, que
nários: tal rede mudou muito em seus detalhes ao longo realizamos recentemente a respeito, e da qual só apresen-
da história egípcia. Existiam vínculos estreitos entre as taremos algumas das conclusões.
diferentes categorias de propriedades. As terras dos templos Havia três aspectos fundamentais em que se mani-
devem ser vistas como parte do domínio do Estado, festavam os princípios de uma organização aldeã comu-
mesmo possuindo considerável autonomia e gozando às nitária no Egito dos faraós: 1. Existiam elementos de
vezes de muitas isenções; com freqüência eram adminis- solidariedade econômico-social num sentido amplo: união
tradas por funcionários que não eram sacerdotes, e, seja entre artesanato e agricultura nas aldeias, mantendo a sua
como for, inexistiam barreiras separando os empregos tendência autárquica; formas de crédito, de transações
civis e religiosos no interior do Estado egípcio. As pro- comerciais e de presentes recíprocos (dons e contradons)
priedades privadas e "de função" dos grandes funcionários, entre as famílias, de forte caráter comunitário, 8 ao qual
bem como aquelas possuídas pelos templos, pagavam im- vem se somar o fato de que o controle social, a nível
postos e deviam contribuir para o sustento do rei e da local, era deixado às instâncias das próprias comunidades
corte. urbanas ou rurais. 2. Havia o controle da irrigação e de
aspectos específicos do ciclo agrário exercido por órgãos
Uma organização como essa, muito centralizada e comunitários locais: controle da água e das instalações

_
na qual um sistema estrito de regras, disciplina e repressão
além, claro está, do peso ideológico da "monarquia
divina" - governava as relações entre Estado e súditos,
de irrigação, talvez, de início, do acesso à terra pelas
famílias da comunidade rural - sendo este, porém, um
dos pontos mais duvidosos diante da documentação dispo-
não favorecia o surgimento de formas privadas de comér- nível -, da lavra do solo e da semeadura, de problemas
cio. Na verdade, até meados do 11 milênio a.C. inexistia de limites que afetassem o imposto sobre a colheita; existia,
na língua egípcia um termo que significasse mercador. igualmente, uma solidariedade aldeã diante de tal imposto
No entanto, são numerosos os autores que, contra toda a e das corvéias exigidas. 3. Por fim, aos órgãos derivados
evidência, procuram convencer-nos do contrário. Kemp, das próprias comunidades eram deixadas - sob a vigi-
por exemplo, acredita - sem qualquer base documental lância e o controle, em última instância, dos poderes
de apoio - na existência de um "complexo e extenso provinciais e do poder central - amplas funções adminis-
sistema de comercialização"7 no Reino Antigo. Nisto trativas e judiciárias a nível local: tais órgãos dirimiam
podemos constatar, simplesmente, a força ideológica e disputas, intervinham em questões criminais e cíveis, regu-
a ampla difusão de um tipo de teoria econômica que lavam e registravam as transações e os atos ligados à
baseia a explicação do funcionamento da economia herança, tinham vasta competência administrativa.
de qualquer economia - nos fatos do mercado. 8 Ver MENU, Bernadette. Le prêt en droit égyptien. Etudes sur
I'Egypte et te Soudan Ancien, Lille, 1, 1973. p. 59-141; JANSSEN,
J. J. Gift-giving in ancient Egypt as an economic feature. Journal
7 KEMP, Barry J. Old Kingdom, Middle Kingdom and Second
Intermediate Period. In: TRlGGER, B. G. et aI. Op. cit., p. 81. of Egyptian Archaeotogy, London, 68, 1982. p. 253-8.

- ,
-
72 73

Os órgãos básicos que regulavam a ação comuni- algum tráfico de escravos. Provas de uma maior difusão
tária quanto aos três pontos acima especificados eram das relações mercantis são o desenvolvimento, pela pri-
conselhos locais. Existiu, inicialmente, um conselho cha- meira vez no Egito, do direito privado, e o aperfeiçoa-
mado djadjat; em seguida outro, a kenebet, que acabou mento dos meios de avaliar qualquer objeto em pesos de
superando de vez o primeiro. Tais conselhos eram forma- metal ou cereal, embora os pagamentos continuassem
dos por membros da própria comunidade, por esta desig- sendo feitos com objetos diversos. f: indubitável, também,
nados, podendo a sua composição variar de um dia para a presença de muitos milhares de prisioneiros de guerra
outro. Um dos títulos dos membros dos conselhos locais e escravos obtidos como tributo, servindo à coroa, aos
era o de "anciãos"; em outras ocasiões eram chamados templos, a muitos funcionários e, mesmo, a cidadãos pri-
"notáveis" - título que indica uma certa hierarquia vados - alguns de baixa extração. Finalmente, é verdade
sociofuncional -, o que nos deve alertar contra a ten- que pequenas parcelas de terra tornaram-se uma forma
tação de associar a existência de traços comunitários a normal de pagamento não apenas de serviços militares,
um "igualitarismo" interno à comunidade. Sabemos, pelo como também de outras atividades profissionais: metalur-
contrário, que desde o final do Pré-Dinástico tais comu- gistas do cobre, gravadores, sacerdotes, capatazes, culti-
nidades já apresentavam nítida hierarquização social inter- vadores aparecem como pequenos proprietários em muitos
na, acentuada nos milênios seguintes. documentos, mesmo se - ao contrário do que ocorreu
na Mesopotâmia - o sistema de rações continuou exis-
tindo.
Transformações ocorridas na segunda metade do
11milênio a.C. e no I milênio a.C. Além das conquistas, outro fator deve ser levado em
conta ao se explicar essas mudanças: as transformaçõestec-
O sistema econômico-social que acabamos de des- nológicas introduzidas no período dos hicsos - mesmo
crever persistiu durante a totalidade da história do Egito porque, sem elas, as conquistas na Ásia seriam impossíveis,
faraônico. Mesmo assim, existe um forte sentimento entre estando anteriormente o Egito em inferioridade de condi-
os egiptólogos de que algo mudou no período inaugurado ções de técnica e armamento, em comparação com os
com a XVIII Dinastia. Tal mudança é quase sempre expli- asiáticos - e a introdução do shaduf para elevação de
cada pelas conquistas militares do Reino Novo, que causa- água, no século XIV a.C. As conseqüências de tais trans-
ram um aumento do comércio, a introdução no Egito de formações, e mesmo o seu detalhe, são ainda mal co-
numerosos escravos, a expansão da propriedade privada nhecidos.
através de doações de terras a soldados etc. Apesar de tudo, não foi destruída a estrutura essencial
Pela primeira vez as fontes começam a mencionar do regime que descrevemos anteriormente. Mesmo sob
"comerciantes" - mesmo se não sabemos muito sobre o Reino Novo e períodos posteriores, como foi notado
eles, e pareçam dep~nder do palácio e dos templos; perce- por Edgerton, unicamente o serviço público (administração
bemos, então, a existência de algum comércio privado civil, sacerdócio ou carreira das armas, esta incremen-
dentro do Egito, e deste com a Ásia e a Núbia, incluindo tada com o surgimento de um verdadeiro exército profis-

..
r
74

sional em lugar das milícias camponesas do passado)


propiciava boas possibilidades de ascensão social a homens
ambiciosos: 4
Não conhecemos carreiras baseadas na riqueza privada ou
na habilidade profissional fora do serviço público. 9 Conclusão
o Egito continuava a ser bem diverso da Mesopotâmia.
Ao nível das comunidades aldeãs, as transformações
mencionadas tiveram um impacto que as enfraqueceu, sem
destruí-Ias. Perderam algumas de suas atribuições econô-
micas - como o controle do acesso à terra; os progressos
do direito privado, da estrutura familiar individualizada
e das relações mercantis abalaram alguns dos laços de
solidariedade comunal. A verdade, porém, é que a existên-
A História Antiga, sobretudo a do Oriente Próximo,
cia das comunidades e sua ligação estreita com o controle
defronta-se habitualmente com sérios problemas de do-
da irrigação persistiram no Egito tanto quanto o sistema
de irrigação por tanques ou bacias, ou seja, até o século cumentação, em especial no concernente às fontes escritas,
XIX depois de Cristo. mal distribuídas no tempo, no espaço e segundo os dife-
rentes aspectos das sociedades abordadas pelos estudiosos.
Nestas condições, a ilusão dos historiadores tradicionais
- a crença em que "fatos históricos" prontos dormiriam
nos documentos até serem despertados pelo historiador -
é particularmente absurda ao se tratar da História Antiga,
na qual o estado das fontes exige sua exploração siste-
mática segundo hipóteses de trabalho derivadas de um
quadro teórico escolhido como ponto de partida. A noção
de "modo de produção asiático", em alguma de suas
variantes, constitui um exemplo adequado: integram-na
conjuntos de hipóteses vinculadas entre si, que podem
servir para interrogar, de forma pertinente, a documen-
tação disponível acerca de sociedades como a egípcia
e a mesopotâmica, em cujo conhecimento é possível, desta
maneira, avançar.
9 EDGERTON,William F. The government and the governed in the Seria ingênuo esperar candidamente que os documen-
Egyptian empire. Journal of Near Eastern Studies, Chicago, 6,
1947. p. 159. tos nos "falem" por si mesmos, detalhada e explicitamente,

--- --- -- ~ ..
76 77
I

sobre as comunidades aldeãs - para exemplificar concre- tada por Wittfogel e seus discípulos, pretendia derivar o
tamente -, ao considerarmos o uso limitado e muito surgimento do Estado, das cidades, da hierarquia social
I

especializado da escrita no antigo Oriente Próximo, e o e de toda a civilização -no caso de certas sociedades -
fato de se originarem os textos no pólo urbano da socie- linear e diretamente da necessidade de um controle centra-
dade (palácio, templos). Por esta razão, autores já predis- lizado das obras hidráulicas de proteção e irrigação. Ela
postos em tal sentido por sua posição ideológica podem, demonstrou ser falsa, mas o fato de ter sido enunciada e
facilmente, tomar "o que é um desequilíbrio documental" posta à prova, pelos que nela acreditavam e pelos seus
como sendo um "desequilíbrio real". 1 Podem chegar, opositores, foi um caminho através do qual o conhe-
mesmo, a negar a própria existência das comunidades cimento histórico de diversas sociedades pôde progredir.
aldeãs nas sociedades em exame, e o farão baseando-se, Parece-nos que, quanto ao estudo sumário a que
às vezes, nas mesmas fontes que, compulsadas por pes- nos dedicamos neste pequeno livro, os casos estudados
quisadores que escolheram outra teoria e outras hipóteses justificam a escolha que fizemos de certa vertente do
de trabalho, revelaram-se úteis para abordar o estudo debate acerca do "modo de produção asiático", desen-
daquelas comunidades. volvida na Itália por autores como Liverani e Zaccagnini:
Exemplificaremos de forma ainda mais específica. pelo menos no Egito e na Baixa Mesopotâmia, a lógica
O fato de se traduzir o termo egípcio ur não adequadamen- "palatina" e a lógica "doméstica", ou aldeã, das comu-
te - significa ancião - e, sim, à maneira de certos espe- nidades parecem ter sido bem diferentes entre si, por
cialistas britânicos, como magistrado, de uma penada trans- mais que estivessem em contato e se influenciassem
forma um "conselho" local egípcio - composto por mutuamente.
membros da própria comunidade, por ela nomeados - A noção de "despotismo oriental" e, posteriormente,
num "tribunal" formal, presumivelmente um órgão inte- a de "modo de produção asiático" integram uma corrente
grado de forma direta ao aparelho de Estado faraônico, de pensamento em que, durante mais de três séculos, um
onde conviria, pelo contrário, perceber a sobrevivência Oriente às vezes vagamente definido serviu de repoussoir 2
de uma velha instituição pré-histórica como emanação à Europa Ocidental, permitindo a esta reconhecer e avaliar
local de poder, subordinada, sem dúvida, ao Estado dos suas próprias especificidades. Em nosso século, o debate
faraós, mas dispondo de uma lógica própria, intrínseca, a respeito teve grande importância ao ligar-se historica-
cujas raízes mergulham no passado neolítico. mente à crítica e superação das concepções rígidas do
Mesmo nos casos em que as hipóteses de trabalho unilinearismo evolutivo. Acreditamos que ele continue
foram derrubadas no decorrer do processo de pesquisa, sendo um instrumento útil de pesquisa para certas áreas
isto não quer dizer que tenham sido inúteis. A "hipótese do estudo da História e, de um modo mais geral, para
causal hidráulica", tomada, entre outros escritos, dos pri- procurar algumas das respostas possíveis às perguntas que
meiros textos de Marx sobre a lndia, e especialmente ado- constituem o cerne das ciências sociais: como funcionam
e mudam as sociedades humanas?
1 LIVERANI,Mario. Communautés rurales dans Ia Syrie du 11 mil1é-
naire a.C. In: THÉODORIDES,Aristide et a!. Les communaulés 2 Este termo francês, de difícil tradução refere-se a algo que, por
rurales, p. 147-8. V. "Bibliografia comentada". contraste, valoriza uma outra coisa.
f

79

"Corvéia" (também chamada "corvéia real"): forma de

5 trabalho compulsório por tempo limitado, exigido pelos


Estados "asiáticos" ou "orientais" - que na verdade
foram detectados na história antiga de todos os conti-
nentes - à maioria da população, com exceção de
Vocabulário crítico pequeno grupo de privilegiados. Seria para construir
e reparar o sistema de irrigação, para as obras públicas,
para a exploração de minas e pedreiras, para o serviço
agrícola e artesanal, para a guerra. O termo corvéia
designava, originalmente, uma forma de trabalho da
Idade Média ocidental, e sua extensão a sociedades
distintas é usual, mas um tanto inadequada.
"Despotismo oriental": expressão que, a partir do século
XVI, passou a ser empregada na Europa Ocidental para
Awilum (plural: awilu): na antiga Mesopotâmia, homem designar, seja o conjunto das estruturas sociais do Orien-
livre, gozando da plenitude dos direitos jurídicos. Os te, tal como percebido pelos europeus, seja mais espe-
awilu não formavam uma "classe social", como às vezes cificamente o sistema político "asiático". A maioria dos
se diz, mas uma categoria sociojurídica; entre eles havia que usaram o termo ao longo de vários séculos acredi-
grandes distinções de fortuna e posição. tava que, nas sociedades orientais, o "déspota", ou go-
vernante, fosse de fato o único dono da terra e o único
Comunidade aldeã: grupo humano solidário, caracterizado
homem livre de seu reino, sendo os demais seus servos
por laços de parentesco e/ou vizinhança que reúnem ou escravos - daí a concepção de uma "escravidão
seus membros ou famílias num conjunto que apresenta,
generalizada", que Marx retomou em alguns textos.
às pessoas de fora, uma frente comum, segundo certos
I pontos de vista. Acreditava-se que a estrutura comuni- Djadjat: termo egípcio que designa um "conselho" local
I tária aldeã dependesse da ausência da propriedade pri- (provincial, urbano ou aldeão) formado por membros
vada e de uma hierarquização social interna, mas, de da própria comunidade, por ela eleitos, possuindo diver-
II
II fato, no caso do antigo Oriente Próximo, as comunida- sas atribuições econômicas, administrativas e judiciárias.
des rurais não eram igualitárias e nem sempre se pode A djadjat deixou de existir sob o Reino Novo.
I
falar, com respeito a elas, de uma verdadeira "proprie-
dade coletiva" do solo; mesmo assim, mantinham-se Escravidão: o termo escravo designa, em princípio, uma
devido à união do artesanato e da agricultura, ao con- pessoa que pertence a outra, podendo esta última utilizar
trole local da irrigação e a diversos mecanismos que o seu trabalho, vendê-Ia, alugá-Ia, emprestá-Ia ou legá-
-Ia. No Egito e na Mesopotâmia houve escravos, mas,
preservavam a solidariedade interna do grupo - no
por um lado, nunca constituíram a base das relações
Egito, por exemplo, um sistema de dons e contradons
entre as famílias. de produção e, por outro, diferenciavam-se bastante da-

...,
I
_ ___ tI
81
80
r
I

queles do período greco-romano clássico: podiam casar- invasores que, no decorrer do Segundo Período Inter-
-se com pessoas livres, ter bens, pagar impostos, teste- mediário, vindos da Ásia, se instalaram em parte do
munhar nos tribunais etc. De fato, as diferenças são território egípcio. Sua importância principal consistiu
tão grandes que certos autores - por exemplo, a egip- em introduzir novas técnicas que, por cerca de meio
I
tóloga Bernadette Menu -contestam que fossem ver- milênio, equipararam o nível tecnológico do Egito ao
dadeiros escravos. da Ásia Ocidental, durante o Reino Novo (segunda
II
metade do 11 milênio a.c.).
II Estagnação asiática: tanto em autores mais antigos -
I
como os da Economia Política Clássica -
quanto em "Hipótese causal hidráulica": hipótese presente em alguns
alguns textos de Marx relativos ao "modo de produção dos textos de Marx, Engels, Plekhanov e outros autores
asiático", transparece a idéia de uma espécie de socie- acerca do surgimento da civilização em certas regiões
dade sem história, afirmação feita por Regel, como do mundo. Na segunda metade do nosso século, foram
sendo típica da Ásia: as comunidades aldeãs auto- principalmente Wittfogel e seus discípulos os defensores
-suficientes, o baixo nível das forças produtivas, a tesau- de tal hipótese, que pode ser sintetizada assim: em
rização da riqueza em lugar de seu investimento, seriam condições de semi-aridez e solos potencialmente férteis,
alguns dos fatores de "estagnação". Tal noção, na e sendo as forças produtivas disponíveis relativamente
verdade não confirmada pelos estudos detalhados de limitadas, se e somente se for desenvolvido um controle
\
casos disponíveis, é das mais polêmicas de quantas institucionalmente centralizado sobre a irrigação e a
foram ventiladas em função do debate acerca do "modo distribuição da água, será possível o surgimento da
1'1 de produção asiático". civilização (urbanização, estratificação social, Estado,
Forças produtivas: conceito marxista que designa uma grandes construções etc.). As pesquisas concretas mos-
'111
forma histórica, concreta, dos objetos e meios de tra- traram a falsidade desta hipótese - como sói ocorrer,
II1
balho (os meios de produção), mais os trabalhadores aliás, com hipóteses monocausais aplicadas a processos
vistos em suas capacidades físicas e mentais. Simplifi- históricos.
I cadamente, pode-se dizer que as forças produtivas com-
I Kenebet: no antigo Egito, conselho local com funções
I
preendem as técnicas de produção - entendidas tanto
administrativas, econômicas e judiciárias, surgido duran-
I
como os modos de fazer quanto como os instrumentos
te o Primeiro Período Intermediário. No Reino Novo,
1I com que se faz - e os próprios trabalhadores. O
II
termo tornou-se polêmico devido ao esforço dos discí- suplantou totalmente outro conselho local mais antigo
I1 - de origem pré-histórica -, a djadjat. Como esta
pulos de Althusser no sentido de subsumir as forças
produtivas, na prática, às relações de produção, por última, formavam-no membros da própria comunidade
\ certo que sem qualquer base" efetiva nos escritos de aldeã, urbana ou provincial, por ela eleitos.
Marx.
Misharum: termo que significa justiça. Na Babilônia da
Hicsos: forma simplifica-ia de Hek khasut ("governantes primeira metade do 11 milênio a.c., designava um edito
dos estrangeiros", em egípcio). O termo se aplica a real que, a intervalos irregulares, abolia todas as dívidas

..-oi
...

82

e a escravidão temporária de pessoas livres que esti-


r "Modo de produção palatino": expressão de Liverani,
substituindo a de "modo de produção asiático". Mais
83

vessem sujeitas à condição servil na sua qualidade de exatamente, como explicado por Zaccagnini, seria o
devedoras.
1i conjunto formado por este "modo de produção palatino"
I MOlJ,ode produção: conceito marxista que designa uma e o "modo de produção doméstico", que equivaleria
I1
articulação dada historicamente entre um determinado ao "modo de produção asiático", mas a dicotomia ser-
nível e formas de desenvolvimento das forças produ- viria para assinalar que a economia estatal e a das
II
tivas, e as relações de produção que lhes correspondem. comunidades aldeãs têm lógicas distintas de funciona-
Em nosso século, as polêmicas principais acerca de tal mento.
conceito ligam-se àquilo que certos autores pretenderam
demonstrar - sem qualquer base nos escritos dos Multilinearismo evolutivo: noção que se contrapõe ao
\'11
fundadores do marxismo -, ou seja, que ele engloba unilinearismo evolutivo consagrado na época de Stalin.
igualmente as superestruturas jurídico-políticas e ideo- O multilinearismo supõe que as sociedades humanas não
lógicas. passam todas pelas mesmas fases de evolução. O debate
em torno do "modo de produção asiático" foi uma
I "Modo de produção asiático": expressão usada por Marx
peça essencial no confronto entre unilinearismo e mul-
I uma única vez, mas que se tornou usual entre os mar- tilinearismo.
xistas para designar determinado tipo de sociedade em
,\ que uma "comunidade superior", mais ou menos con- Mushkenum (plural: mushkenu): termo que designa, na
I

fundida com o Estado e que se encarna num governante sociedade antiga da Mesopotâmia, uma pessoa livre,
I "divino", explora mediante tributos e trabalhos forçados mas cujos direitos políticos e jurídicos são inferiores
I as comunidades aldeãs -
caracterizadas pela ausência aos do awilum. Designaria dependentes do palácio real,
de propriedade privada e pela auto-suficiência, permitida por este protegidos. Os mushkenu formavam não uma
\
pela união do artesanato e da agricultura. Nas discussões classe social, como às vezes se pretende, mas uma
do século XX, preferiu-se substituir o inadequado adje- categoria sociojurídica. Suas origens são de fato desco-
, II~

tivo asiático - posto que as sociedades desse tipo não nhecidas, havendo várias teorias a respeito, algumas
II são somente da Ásia - por "despótico-tributário", baseadas na conquista, outras no desenvolvimento social
1li,
"tributário", "despótico-aldeão" etc. O próprio conteúdo interno da sociedade mesopotâmica.
\\1:
do conceito sofreu modificações às vezes grandes em
I11 Palácio: no antigo Oriente Próximo, palácio designa não
I
relação à sua formulação por Marx.
11
simplesmente um edifício, mas um dos pólos da orga-
"Modo de produção doméstico" (ou "aldeão"): expressão nização social; um complexo de bens, edifícios e pes-
Ii proposta por Liverani para designar a forma de orga- soas que se estendia por todo o reino.
nização das comunidades rurais, tanto no Neolítico como
Propriedade: antes de ser uma forma jurídica, a proprie-
quando já integradas a um Estado que as explora. Foi dade é uma apropriação real das condições de existên-
usada por outros autores com sentidos diferentes deste.

-
~
I

84 8S

cia. J:. essencial ter isto em mente ao discutir as variadas Tributo: no antigo Oriente Próximo, até a conquista persa,
modalidades de propriedade nas sociedades do antigo os tributos foram cobrados em produtos. Juntamente
Oriente Próximo, às quais são completamente inade- com a corvéia, configuravam a forma usual da explo-
quadas as noções usuais derivadas do Direito Romano. ração social imposta pelo Estado às comunidades aldeãs
e em geral à imensa maioria das pessoas, salvo uns
Relações de produção: na definição de Marx, "determi- poucos privilegiados.
nadas relações necessárias e independentes de sua von-
tade", em que os homens entram entre si, e que "cor- Unilinearismo evolutivo: também conhecido como "teoria
respondem a uma certa fase de desenvolvimento de suas dos cinco estádios". Na época de Stalin, uma forma
forças produtivas". O elemento central a dar forma às dogmática de marxismo pretendia que, em princípio,
relações de produção é a configuração da propriedade todas as sociedades humanas (comunismo primitivo,
sobre os meios de produção. escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo) evo-
luíam segundo a mesma linha, admitindo-se, quando
Renda: à diferença do que ocorre sob o capitalismo, nas muito, a possibilidade de que uma ou mais etapas fossem
condições pré-capitalistas a renda e a mais-valia são saltadas ao ser um povo mais atrasado influenciado, em
idênticas. Portanto, a renda não é, neste caso, apenas sua evolução, por uma sociedade mais avançada.
uma renda do solo: inclui também o resultado do exer-
cício do poder de coação extra-econômica sobre traba- Wardum (plural: wardu): termo que, na antiga Mesopo- III
lhadores submetidos a diversas formas e graus de depen- tâmia, designava o escravo.
dência pessoal. Sob o "modo de produção asiático", ~I
renda e tributo são a mesma coisa.

Sociedades hidráulicas: expressão proposta por Wittfogel


como equivalente ao "despotismo oriental".
Tamkarum (plural: tamkaru): termo que designa os gran-
des comerciantes na sociedade de Babilônia. Formavam
uma corporação dependente do Estado e dos templos,
mas comerciavam igualmente por sua própria conta,
investindo seus lucros na usura, em terras, na compra
de escravos.

Templo: da mesma forma que o palácio, os templos do


antigo Oriente Próximo não devem ser entendidos so-
mente como santuários e, sim, como um grande com-
plexo de edifícios, terras, oficinas, pessoal dependente,
funcionários, situado às vezes em regiões diversas.
r 87

produção asiático", precedidos de uma longa apresen-

6 tação de Bartra. Predominam materiais anteriormente


publicados na França e União Soviética.
MARX, ENGELS, LENIN. Sur les sociétés précapitalistes.
Bibliografia comentada Préf. M. Godelier. Paris, Ed. Sociales, 1970.
Livro que reúne todos os textos de Marx, Engels e
Lenin sobre as sociedades pré-capitalistas - incluindo
o "modo de produção asiático" -, comentados por
Godelier num longo e útil prefácio.
STEWARD,Julian et aI. Las civi/izaciones antiguas dei
Viejo Mundo y de América; symposium sobre Ias civili-
zaciones de regadío. Washington, Unión Panamericana,
1955.
Obras de cunho teórico sobre o
Esta publicação consta de uma apresentação sumária,
"modo de produção asiático" por Wittfogel, de suas idéias acerca das "sociedades
BAILEY,Anne M. & LLOBERA,Josep R., eds. The Asiatic hidráulicas" - dois anos antes da publicação de seu
" mode of production; science and politics. London, livro Oriental despotism - e das reações de diversos
antropólogos a tais idéias. Algumas comunicações são
Routledge & Kegan Paul, 1981.
de caráter geral e outras referem-se especificamente à
\ A mais atualizada coletânea disponível acerca desse
tema. Consta das seguintes partes: "Introdução geral";
Mesopotâmia e ao Peru e Meso-América pré-colom-
bianos.
"O modo de produção asiático: fontes e formação do
~
conceito"; "O destino do modo de produção asiático ZACCAGNINI, Carlo. Modo di produzione asiatico e Vicino
~II
de Plekhanov a Stalin"; "A vertente de Wittfogel"; "O Oriente antico; appunti per una discussione. Dialoghi
debate contemporâneo sobre o modo de produção asiá- di Archeologia: Nova série, Roma, Ed. Riuniti, 3 (3):
tico". No total, incluindo-se Bailey e Llobera, contém 3-65, 1981.
textos de 26 autores. Artigo que, além de debates de caráter teórico, contém
uma discussão fundamentada em fontes primárias sobre
BARTRA,Roger, ed. El modo de producción asiático;
a aplicabilidade do conceito de "modo de produção
antología de textos sobre problemas de Ia historia de asiático" ao Oriente Próximo asiático. Engloba os
los países coloniales. Trad. F. Blanco e outros. México,
seguintes temas: as comunidades aldeãs; a propriedade
Ed. Era, 1969.
comunitária da terra; a propriedade eminente do solo
Esta coletânea inclui textos de Marx e Engels, e de
reservada à "unidade superior"; o "tributo"; a autarquia
numerosos marxistas posteriores acerca do "modo de das comunidades aldeãs; a relação cidade/campo.

-- - 1
89
88

PRITCHARD,James 8., ed. Ancient Near Eastern texts


Obras gerais
relating to the Old Testament.3. ed. Princeton,New
CARDOSO,Ciro F. S. o trabalho compulsório na Antigui- Jersey, Princeton University Press, 1969.
dade. Rio de Janeiro, Graal, 1984. Excelente coletânea de fontes primárias traduzidas por
Coletânea de fontes primárias traduzidas, precedida de vários especialistas, cobrindo muitos aspectos e civili-
um ensaio introdutório. Entre os casos abordados in- zações do antigo Oriente Próximo. Bom número dos
cluem-se o Egito faraônico e a Baixa Mesopotâmia dos textos aqui incluídos é relevante para os temas aborda-
milênios 111 e 11 a.c. O livro trata principalmente das dos neste nosso livro.
variadas formas de trabalho não-livre existentes na Anti-
I guidade. O caso egípcio e o mesopotâmico estão ilustra-
1111 Obras sobre a Mesopotâmia
dos, cada um, por quinze fontes primárias.
GARELLI,Paul & SAUNERON,Serge. EI trabajo bajo los ADAMS,Robert M. et aI. Societies and languagesof the
primeros Estados. Trad. F. Fernández Buey e M. Sa- ancient Near East; studiesin honourof I. M. Diakonoff.
cristán. Barcelona, Grijalbo, 1965. Warminster, Aris & Phillips, 1982.
Resumidamente, o livro trata da problemática do traba- Obra que consta de grande número de ensaios de diver-
lho na Ásia Ocidental - com ênfase na Mesopotâmia sos autores, muitos dos quais - Adams, M. A. Danda-
- e no Egito antigos, colocando-a num contexto geral mayev, I. J. Gelb, W. F. Leemans etc. - abordam
relativo à história econômico-social dessas regiões do questões do maior interesse para o debate acerca do
antigo Oriente Próximo. "modo de produção asiático" no concernente à Meso-
potâmia.
HAWKES, Jacquetta. The first great civilizations. New
York, Alfred A. Knopf, 1973. ARNAUD,D. Le Proche-Orient ancien de I'invention de
Síntese de boa qualidade, relativa à vida na Mesopo- I' écriture à I' hellénisation. Paris, Bordas, 1970.
tâmia, na lndia - vale do rio Indo - e no Egito Manual universitário de ótimo nível, que proporciona
1"1 antigos, bem ilustrada e com ênfase na vida quotidiana. uma boa visão geral da história da Mesopotâmia, in-
cluindo seus aspectos econômico-sociais.
MOSCATI,
Sabatino, ed. L'alba della civiltà; società, econo-
mia e pensiero nel Vicino Oriente antico. Torino, UTET, BOUZON,Emanuel, introd., trad. do orig. cuneiforme e
1976. 3 v. coment. O código de Hammurabi. 3. ed. Petrópolis,
De longe a melhor obra de conjunto interpretativa que Vozes, 1980.
existe sobre o antigo Oriente Próximo. Sobressaem os O livro vale não só por permitir a consulta, em por-
excelentes capítulos redigidos por Liverani, F. Mario tuguês, de fonte primária de grande relevância para
Fales e Zaccagnini. A obra, em geral, reflete os debates temáticas econômico-sociais, mas também pelos úteis
acerca do "modo de produção asiático". comentários do Prof. Bouzon.

- ,
1
-r-

90 91

-, introd., texto cuneiforme em transcr., trad. do orig. Visão de conjunto, muito documentada bibliografica-
cuneiforme e coment. As leis de Eshnunna (1825- mente, acerca da evolução das formas de propriedade
-1787 a.C.). Petrópolis, Vozes, 1981. da terra na Mesopotâmia, com o fito de mostrar que
O que foi dito para o livro anterior vale também para elas sofreram grandes transformações ao longo de três
este, sendo que a introdução e os comentários são milênios, em lugar de reproduzir-se sem maiores mu-
aqui ainda mais elaborados. danças. Por tal razão, o autor crê que é impossível
pretender que um único "tipo histórico" possa explicar
DIAKONOFF,I. M. Main features of the economy in the a totalidade da história antiga da região.
monarchies of ancient Western Asia. In: CONFÉRENCE
INTERNATIONALE D'HISTOIREECONOMIQUE,3, Munich, KRAMER,Samuel N. Os sumérios; sua história, cultura e
1965. The ancient empires and the economy. Paris, carácter. Trad. S. Telles de Menezes. Lisboa, Bertrand,
Mouton, 1969. v. 3, p. 13-32. 1977.
Interpretação marxista da história econômico-social da Obra de síntese escrita por um especialista. O capítulo
antiga Ásia Ocidental por um especialista que não é 3 - "Sociedade: a cidade suméria" - é rico em infor-
partidário da teoria do "modo de produção asiático". mações úteis para a nossa temática.

GARELLI,Paul & NIKIPROWETZKY, V. O Oriente Próximo 1HÉODORIDES, Aristide et aI. Les communautés rurales.
asiático. São Paulo, PioneirajEdusp, 1982. 2 v. Paris, Dessain et Tolra, 1983. Segunda parte: "Anti-
Manual universitário traduzido do francês, que propor- quité" .
ciona boa visão de conjunto. Os aspectos sociais e Publicação do colóquio da Sociedade Jean Bodin sobre
econômicos da Mesopotâmia são tratados com bastante as comunidades rurais (Varsóvia, 1976), relativo à
vagar. Antiguidade. A Mesopotâmia é tratada em três comu-
nicações: de W. F. Leemans, J. Klima e M. Danda-
HAWKINS,J. D., ed. Trade in the ancient Near East. mayev; .por outro lado, há um importante texto de
London, British School of Archaeology in Iraq, 1977. Liverani sobre as comunidades aldeãs na Síria do 11
Este livro reúne comunicações apresentadas durante milênio a.c.
um colóquio internacional que teve lugar na Universi-
dade de Birmingham, em 1976. Muitos dos textos Obras sobre o Egito
referem-se à Mesopotâmia e dão subsídios para aquila-
tar a importância e o significado do comércio em dife- BUTZER, Karl W. Early hydraulic civilization in Egypt;
rentes períodos. a study in cultural ecology. Chicago, The University
of Chicago Press, 1976.
KOMORÓCZY, G Landed property in ancient Mesopotamia Obra essencial para a discussão das forças produtivas
and the theory of the so-called Asiatic mode of pro- no caso do antigo Egito, em especial a irrigação e a
duction. Oikumene, Budapest, Akadémiai Kiadó, 2, relação entre a evolução da população e da superfície
1978. p. 9-26. cultivada. Derrubou vários mitos antes amplamente acei-

~
.
r
92 93

tos, tais como o da prioridade demográfica e cultural LICHTHEIM,Miriam, trad., coment. e notas. Ancient Egyp-
do delta em comparação com o vale, e o de que a tian literature; a book of readings. Berkeley, University
necessidade de controle da cheia do Nilo e das obras of California Press, 1975. 3 v.
de irrigação tenha sido a causa essencial do surgimento Coletânea bem mais extensa que a anterior, contendo
do Estado unificado egípcio. fontes traduzidas de grande interesse para a nossa pro-
blemática.
CARDOSO,Ciro F. S. O Egito antigo. 3. ed. São Paulo,
Brasiliense, 1983. (CoI. Tudo é História, 36.) MENU, Bernadette. Recherches sur l'histoire juridique,
Texto de divulgação, que tenta dar uma idéia de con- économique et sociale de l'ancienne Egypte. Versailles,
junto da civilização egípcia. Inclui discussões especí- Edição da Autora, 1982.
ficas sobre a "hipótese causal hidráulica" e acerca da Livro que reúne diversos artigos de uma das mais
aplicabilidade do conceito de "modo de produção asiá- lúcidas especialistas da história econômico-social do
tico" ao Egito faraônico. Egito faraônico. Propriedade da terra, regime agrário,
sistemas de distribuição de bens, empréstimo, organi-
CARLTON,Eric. ldeology and social order. London, Rout- zação do trabalho, são alguns dos temas analisados.
ledge & Kegan Paul, 1977.
MOKHTAR,G., ed. A África antiga. São Paulo, Ática,
Análise comparativa das sociedades egípcia e ateniense
na Antiguidade em termos institucionais, com a finali- 1984. capo 2 a 5. (CoI. História Geral da África, 2.)
dade central de aquilatar a importância e as modali- Os capítulos assinalados apresentam uma síntese atuali-
zada acerca da antiga civilização egípcia. Para a nossa
dades do fator ideológico. Os capítulos de 6 a 10, em
problemática ver sobretudo o capítulo 3. Consulte-se,
especial, são pertinentes para a nossa temática.
também, a rica bibliografia do volume.
JAMES, T. G. H. Pharaoh's people; scenes from life in SAAD,Ahmad S. L'Egypte pharaonique; autour du mode
imperial Egypt. London, The Bodley Head, 1984. de production asiatique. Paris, Centre d'Etudes et de
Síntese inteligente da vida quotidiana no Egito do Reino Recherches Marxistes, 1975.
Novo. Boa parte do livro interessa à interpretação do Embora esta curta monografia fique aquém do desejável,
caráter da sociedade do Egito faraônico em seu apogeu. constitui uma das poucas tentativas disponíveis de apli-
cação sistemática do conceito de "modo de produção
LALOUETTE, Claire, trad. e coment. Textes sacrés et textes asiático" ao caso do antigo Egito.
profanes de l'ancienne Egypte; des Pharaons et des
hommes. Paris, Gallimard, 1984. v. 1. TRIGGER,B. G. et aI. Ancient Egypt; a social history.
Cambridge, Cambridge University Press, 1983.
Coletânea de fontes primárias traduzidas, muitas das
Importante síntese da história do Egito faraônico, com
quais importantes para a história econômico-social do ênfase nos aspectos econômico-sociais. Obra atualizada,
antigo Egito. contendo uma excelente bibliografia.

-I ---
~

Poema_ di CarIo.Dnmnonddi A_ - RIIa - Z~ia de Alme~ CardosoI 173


lnIcIoçIo.. lIIin
deCass.BarbosaI 111. CInImI. montagom .. Eduardo Expraa6n_. COIIVIIIdoOIII-
leone5 MariaDoraMouflo I 112. Déc~ - Tagn~11740__ - RobertolobaloCorrêa
Stella Ortwetier

SaesI 113.O _1ngIh -


TIOriI.pritIcI- Valler I 175 ACIIItUIÇio.- 1mvIgOf- Am~, BoaN~
SÉRIE I L~I.
S~uelra
I 114
_. coIonizIçIo- HauyI 176fot~ - 80<.Kossov
. hIot6riII I 177
~ JanceT_odaSiva 1115 D.JoIoV1:OIbII1Idom ~ - Anna ManlavamI 178 GItuIiomo.
dllndIpencNnciI- LeiaMezanAlgranliI 116.EocmiIIo 1r8bIIhiomo - AngeIade CastroGomes& Mar. CelN
_ nolIraI
A_limo.
- Su~ RoblesRe. de Quelro. I 117
lIIIICOIIIndiCIIllmo G,useppma Slerra - 1180.
I 179Artigo
O'ArauJO
HIst6rill do _- Mar.Apare<.~Baccega
negro - Clóv. Moura

- I 1810 T_ Mundo.t no.._ ilttmlCional

PRINcíPIOS
I 118 A feitiçoriI 01 Europllmoderna Laura deMello
OSouzaI 119 fIIIç6Io di ~
Sam.. Chalhub - - Anlon~CarlosWoIkmerI 182.AlIticI.UçIodo11110
I 120 CIcIo ela vicia - RItoo. rItmoo - Thales de Azevedo - ElisaGurmaraes
I 183.Oinp6riodi CarIos Mogno
I 121T._ .pliclNlisI- Munrz Sodrê . 122 - JoséRoberlo Melk>I 184 Novn toc:noIogÔIIem
~ popuI8no lIraI Mareos -
Ava.& Mar.igne. lCIucIçJo - lil Kawamura I 185 ComunicIçto do corpo
Nova.AvaiaI 123 Dnon_,to ela~ - Mona ReelO< & AluillOR. TI~ta I 186. T_
- SínboIos. erqu6t",", - Carlos8VmglonI 124 - -
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Mundo Conc:Iito
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e hit16ri11 Tullo
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Vigevanl I 187

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I 125PIriodos
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00 povos - Mar. SonsolesGuerrasI 127 I 189. EduCIçto. -.cio.
- Mar. dIrnoaItizoçIo
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17.ÜIguIgom' - AdisonCrtelliI 18.... - JoséCarlos SebeI 66 lIraI RIpúbIico Hamilon -
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F~v~ R. KOlh. I 25 Sonho.iouan - José Roberlo proIet6riI - EdefSadefI 71. PncocIorndo ... - IntImIdonal di Unidadn -
RomeuC Rocha.Fiho Introduçlo 't..pie lamlier Magdalena Ramos I 199

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- Evan~do 8echara I 27 MorIoIogio ingIIu - Noç6Is KOlhe. 73 ConsciIncIo.1dIndcIadI - Malvma Muszl<al SWordinIçio . coordInIçio ConfIontos - . burgueuÕlA'RovoIuçio Franc:osI - T C W

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I 74. 0fIc1nl di traduçAo -
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Jul.n Nazar~I 140 RomIlllpubllcaM NormaMuseo -
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Anlon~ Paulo Relende I 76. Neurosn - MerclesI 141.PosquisIdI oo MamaRuner & - IIngüIotIelno lIraI -
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Adison Grandmo 5 ().,rval Nogue.a
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Manuel Ignac~ Ouites I 77 SurIIIIiomo
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C~ia GalvaG Ou,"no5 Mar. Luc.
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MonlesI 86 Lit..turI Renale 8<~ln. Vrerller I 149.Inc:as._ - c..tturas PrimlIra GUIIrI Mundill RulhHen~I 213 AIorigino -
untldos Kaben9OloMunangaI 41 1m
- hmillnI infIntI - Voz di ~ - Ma,. JoséPaio& Mar. Rosa ~-JO<9OL~.Ferr"aI1500plll1llllllt1to ela Segunda GUIIrI Mundill Rulh Hen~ I 214 O -
()"leiia SchroederBu,lomI 42. Se.o . ndII ODI . 87A'"-" - Eduardo
Ne~aJr. I 88 ~IIVII - Inês C Inác~ & Tano Reg... de Luca I 151. -
Antigo Regime Wil.m Ooyle I 215 formIçIo di
-lçaml Tiba I 43 MIIIII._o m6g1co
- Pauia Margar~
TIOriIII.iCII- Basi~
I 89ApoIlticu_ O romanc:opicIrasco -
Mar~ Gan.éle. I 152H_ pllnral 1m portugu', VaJter Kehdi 216 - *
MonleroI 44. A motaIinguagom- Sam.. ChalhubI 45 brIsIHII1822.19851- AmadoLurzCervo& Clodoaldo do 1IraI_. - Son. RegN d. Mendonça& v.gm. Mequ_ -
Sérg~ Balh I 217 A """lei de
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Psicon6IisI.linguagom
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Elianade MauraCaslro I 46.
Rober1o Aci2e1o de Souza
SodocIacItdo Antigo 0riIntI Pr6.ÍIIO C.OFiamarM -
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PrmentaI 92. HIst6rillela lit8IIt1n _
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Arlolót" - L9. MilllZ da Costa I 218. ConquÔOII .
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._ desltwolvimlntlttos
Manu~ Corre. d. Andrade I 49. A linguegIm Ih_
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OO<nic~ Proença FihoI 50.IIraIlmp6rio- Hamilton - AI" Lenharo
I 95 FacIomoltJfieno Angelo Trenlo - .. -'" regional - Man~Co<re. deAndrade I 157 _11. poIltiCI-
Mar.Helena
M. Montero I 51
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Eliao. Maria Te"olla Lopes I 52. CIm_ -
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01 GricII AntJge Marcos AIv,IO Perera de
SouzaI 158.1ntroduçIo,clrameturgie - RenataPalloltlOl
Paes I 222A_di 70 A_uaisleladilldln
.. Nad,ne Haborl
- I 223A_ di
iIIIntI-M...daGIór.8<rc!u 98 PICtos._1IzaçJo mr"", brIsIHI

Margallda Mar. Moura I 53. RIgIIo . "lII"izIçIo ICOfI6mIel Pedro -Scuro NeloI 99 Estitleldo...... . 159.A pnquÔllem hlst6rill- Mar~do PilardeAraujO 80 -
aras.. quendo ell1l.ftldlo voltou U praças - Marlv
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