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Lições de Direito Constitucional- Vol I

José de Melo Alexandrino

Resumos do livro

Ana Baptista 2016/2017


Ana Baptista 2016/2017

1. O objecto e o método do Direito Constitucional

a. O interesse e a importância do estudo do Direito constitucional

- Relevância social, económica e política


- ...

b. O objecto do Direito constitucional

1.2.1 De que matérias trata então o Direito constitucional?

Marcelo Rebelo de Sousa: A matéria regida pelo Direito constitucional pode ser
genericamente definida como a respeitante à estrutura, aos fins e às funções do
Estado, bem como à organização, titularidade, exercício e controlo do poder político a
todos os níveis.

Staatsrecht1: o Direito constitucional é antes de mais o direito do estado.

Jorge Miranda: O direito constitucional é a parcela da ordem jurídica que rege o


próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder.

Paulo Otero: O direito constitucional deve ser deslocado do Estado para a pessoa
humana.

1.2.2 Posição adoptada

José de Melo Alexandrino: O primeiro fim do direito constitucional é garantir a


liberdade, pois, “a liberdade é o fim, a constituição o instrumento” 2. Não se pode
reduzir a matéria do direito constitucional ao Estado, pois aí faltariam coisas
fundamentais: a própria ideia de Constituição, direitos fundamentais e a garantia
jurídica da Constituição.

Objeto do Direito constitucional:


a) Normas que definem e regulam o poder político do Estado;
b) Normas que definem os direitos fundamentais das pessoas perante o
Estado;
c) Normas que definem a garantia do cumprimento da constituição.

1.2.3 Nota suplementar

Direito constitucional tem 2 acepções:


a) Conjunto de normas jurídicas (sector da ordem jurídica)
b) Disciplina cientifica que estuda essas matérias (sector da ciência do direito).
1 Doutrina tradicional, sobretudo germânica
2 Thomas Paine
2
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a. As características do Direito Constitucional3

Características:
a) Supremacia: As normas do direito constitucional são em geral lex superior
b) Estadualidade: Assinala-se a centralidade do Estado
c) Politicidade: Natureza política do objecto, mas também a natureza jurídica e
política de muitas estruturas, normas e instituições constitucionais
d) Complexidade: Variedade e pluridimensionalidade das normas
e) Incompletude: Existem grandes espaços por decidir
f) Abertura: Sendo uma ordem incompleta, esta aberta aos valores (abertura
axiológica), às estruturas políticas, econômicas e sociais (abertura
estrutural), mas também a outras normas e interpretações (abertura
normativa) e ao futuro (abertura temporal)
g) Permanência: Considerável estabilidade e até uniformidade das principais
normas do direito constitucional.

a. Direito Constitucional e Teoria da Constituição

1.4.1 Introdução à Teoria da Constituição

Gomes Canotilho: Teoria da constituição é uma teoria científica e uma teoria política
do Direito Constitucional.
Científica: Procura descrever, explicar e refutar os fundamentos, ideias,
postulados, construção, estrutura e métodos (dogmática) do direito
constitucional.
Política: Pretende compreender a ordenação constitucional do político, através
da analise, discussão e critica da força normativa, possibilidades e limites do
direito constitucional.

Distinção entre Teoria da Constituição e Direito constitucional:


a) Direito constitucional é um ramo do direito, Teoria da constituição é uma
disciplina cientifica transversal
b) Direito constitucional lida com normas jurídicas positivas concretas, Teoria
da Constituição lida com conceitos, teorias e problemas relativos ao
fenómeno constitucional
c) Direito constitucional tem perspectiva normativa, Teoria da constituição
tem perspectiva analítica.

Poderá haver uma Teoria da constituição desligada do Direito constitucional?

1.4.2 Distinção entre Ciência política e Direito constitucional

Direito Constitucional: estatuto jurídico do político

3 Enquanto sector da Ciência do Direito


3
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Ciência política: ciência social não normativa que estuda o fenómeno do poder, de
carácter descritivo, neutral e não normativo.

a. Direito constitucional e disciplinas próximas

1.5.1 O Direito constitucional será o tronco da ordem jurídica?

De modo nenhum4:
 Devemos respeitar a autonomia de cada ramo do direito
 As regulações constitucionais dessas matérias representam
apropriações parciais de domínios que se traduzem sobretudo em
limitações de direito publico
 A haver um direito comum do direito publico, ele é hoje o direito
administrativo 5
 O direito constitucional é um ramo de direito com características muito
especiais

1.5.2 Distinção entre Direito constitucional, Direito do Estado e Direito administrativo

Direito constitucional: Mais amplo, envolve os ramos de direito de estado e direito


administrativo.

Direito de Estado: Não apresenta, em s. Amplo nenhuma das características do direito


constitucional.

Direito Administrativo: Objecto cinge-se à Administração pública, e ao desempenho da


função administrativa.

1.5.3 Perspectivas metodológicas

José de Melo Alexandrino: Centralidade da ideia de constituição como ordem-quadro

2. O ensino do Direito constitucional no contexto de bolonha

Consultar manual

3. Sistematização da matéria e bibliografia

Consultar manual e/ou programa da cadeira

4 José de Melo Alexandrino


5 Paulo Otero
4
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Capítulo I- O constitucionalismo

4. A ideia de constitucionalismo

4.1 Vários prismas sobre o conceito de constitucionalismo

Gomes Canotilho: Teoria (ou ideologia) que ergue o principio do governo limitado
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade.
Técnica especifica de limitação do poder com fins garantísticos.
C. Moderno: movimento político, social e cultural que, sobretudo, a partir de
meados do séc. XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os
esquemas tradicionais de domínio político, surgindo, ao mesmo tempo, a
invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político.
C. Antigo: Conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da
existência de direitos estatais perante o monarca e simultaneamente
limitadores do seu poder.

Maria Lúcia Amaral: Dois significados, com um só objectivo (moderar o exercício do


poder político, de forma a que este respeite a autonomia e a liberdade dos indivíduos:
1) Ideal que evoca uma certa tradição de pensamento e que pertence ao
domínio da historia das ideias. Constitucionalismo no singular.
2) Pratica jurídica, que pertence à linguagem do direito. Constitucionalismo no
plural.

Miguel Nogueira de Brito: Identifica o conceito de constitucionalismo com o conceito


de constituição.6

4.1.2

MacIlwain7: O traço marcante do constitucionalismo é a limitação do poder político


pelo Direito.

Maurizio Fioravanti8: O constitucionalismo é um movimento de pensamento que está,


desde as suas origens, orientado a prosseguir finalidades políticas concretas, que se
traduzem essencialmente na limitação dos poderes públicos e na afirmação de esferas
de autonomia normativamente garantidas9.
Lados do constitucionalismo:
 Do limite (lado negativo/resistência): moderação, limitação do poder, garantia
dos direitos individuais, separação de poderes, tutela judicial

6 Linha de corrente Alemã


7 Tradição anglo-saxónica: Estados Unidos
8 Europeu- Corrente Italiana
9 Conceito aceite por Lúcia Amaral e Gomes Canotilho

5
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 Da construção da unidade política (lado positivo/participação): consenso,


participação, contrato social, soberania, vontade geral, solidariedade,
racionalização, de eficiência.

4.2 Constitucionalismo antigo e moderno

4.2.1

Surgimento do constitucionalismo por volta do séc XIV.

Maria Lúcia Amaral: O constitucionalismo moderno é um herdeiro natural do ideal


antigo do governo moderado, mas traz uma ruptura com a tradição clássica:
a) O fundamento do poder político provem da vontade dos seus membros e não
de uma realidade que lhe seja transcendente;
b) A ordem fundamental de uma comunidade política deve constar de uma
constituição escrita que resulta da decisão soberana da nação ou do povo;
c) Os poderes só são legítimos quando exercidos de acordo com o titulo que lhes
confere constituição;
d) O titulo que determina a pertença à comunidade política nao é a corporação,
mas a condição de cidadão;
e) Os direitos do homem têm primado sobre qualquer outro valor e devem ser
respeitados pelo poder político;
f) A esfera política é autónoma da esfera religiosa;
g) Os poderes do Estado não devem estar concentrados num único órgão;
h) O mais importante desses poderes deve ser o legislativo, a cargo do
Parlamento que represente a vontade do povo ou nação;
i) As decisões políticas tomadas em nome do povo devem em principio
corresponder à vontade da maioria.

4.2.2 Posição adoptada pedagogicamente: Maurizio Fioravanti

Fases do constitucionalismo:
 Constitucionalismo das origens
o Duração: Séc XIV até segunda metade do séc XVIII (1776-1789)
o Nomes associados: Henry Bracton, Sir Edward Coke, James Harrington,
Maquiavel10, Althusius, Montesquieu11
o Traços que caracterizam: não envolve ideia de poder soberano, nem de
igualdade, nem de direitos individuais; assenta num principio de
moderação; ideal de constituição mista; assente em leis fundadas na
historia
 Constitucionalismo das revoluções
o Estados unidos termina em 1787; França termina em 1799
o Thomas Hobbes, Rousseau, John Locke, Kant
o Afirmação da igualdade dos indivíduos; estado de natureza;
reconhecimento e proclamação dos direitos naturais como direitos
10 Propõe principio fundamental de moderação
11 Forma moderada de governo
6
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morais; valorização da vontade geral; principio da soberania ilimitada;


democracia directa; fim da sociedade política é a conservação dos
direitos naturais; constituição como conjunto de princípios- liberdade
 Constitucionalismo da época liberal
o 1814 a 1917
o Edmund Burke, Benjamín Constant, Paulo Otero, Alexis de Tocqueville
o Influencia do modelo Inglês; soberania limitada pelos direitos
individuais; primado da lei
 Constitucionalismo da democracia constitucional
o Tem início após 1945
o Hans Kelsen
o Democracia constitucional; supremacia da constituição; primado dos
direitos fundamentais sobre o poder político do Estado; poderes
limitados; introdução do controlo da constitucionalidade; democracia
pluralista; renovação do principio de igualdade; constitucionalização dos
direitos sociais

4.3 Raizes filosóficas do constitucionalismo: a ideia de governo moderado

Platão: Ideia de que a constituição não tem uma origem violenta, mas sim conciliadora
e plural; primeira ideia de constituição mista (concilia democracia, monarquia e
aristocracia); governo dos homens.

Aristóteles: Discípulo de Platão; à partida todas as formas de governo são legitimas


(monarquia, aristocracia ou democracia); não se pode aceitar degeneração destas
formas de governo: tirania (interesses particulares de um), oligarquia (de vários) e
demagogia (de muitos); constituição média; governo das leis12.

Políbio: Toda a forma de governo simples e fundada num único centro de poder é
instável.

Cícero: Conceito de equabilidade (exigência de conciliação, consenso, estabilidade e


equilíbrio).

João de Salisbury: Direito de resistência contra tirania do rei.

S. Tomás de Aquino: Príncipe deve agir de modo equitativo e justo; admite direito de
resistência; constituição mista; poder temperado.

Marsílio de Pádua: Precursor da modernidade; reconheceu supremacia da comunidade


política; cabe ao poder legislativo eleger o poder governativo, que lhe esta
subordinado.

4.4 a) A finalidade primeira da protecção da pessoa humana

12 Paulo Otero: ideia embrionária de Estado de Direito


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Constitucionalismo: objectivo de garantia da protecção da liberdade da pessoa


humana.

4.4.1

Hobbes: (Leviatã) Coloca a pessoa em primeiro lugar face ao Estado 13. O fim do Estado
é a conservação da liberdade dos homens, para que vivam de forma mais satisfeita.

Locke: O Estado é criado para preservar e garantir a liberdade, a vida e a propriedade.

Montesquieu: Doutrina da separação de poderes centra-se na necessidade de garantir


liberdade individual para todos, só existindo em Governos moderados.

Rousseau: Contrato social com objectivo de preservar a liberdade primitiva, sendo esta
bem supremo. Quanto mais o Estado cresce, mais a liberdade diminui.

Kant: A liberdade como direito inato, único e originário. Primeiro principio da


Constituição é a liberdade.

4.4.2
Garantia dos direitos
Declaração de Independência dos Estados
naturais do Homem
Unidos 1776
Declaração dos direitos do Homem e do
cidadão 1789

4.4.3

Sinais da prioridade dos Direitos fundamentais sobre qualquer outro valor


constitucional:
1) Vêm à cabeça das constituições
2) As normas são imediatamente aplicáveis
3) Estão previstos mecanismos, internos e internacionais de reacção contra
violações cometidas pelos poderes públicos
4) Constituição alemã de 1949 e constituição sul-africana de 1996 (exemplares a
esse respeito).
5)

4.5 Idem: Génese e metamorfoses dos “direitos do homem”

José Melo Alexandrino: Os direitos do homem nasceram no final do séc XVIII como
direitos morais e desde essa altura até hoje passaram por duas metamorfoses: na

13Antecipou o pensamento de Paulo Otero em vários séculos


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primeira, transformaram-se em direitos constitucionais (direitos fundamentais); na


segunda, transformaram-se em direitos humanos fundamentais (direitos humanos).
Explicando:
 Direitos teorizados por filósofos (Hobbes, Locke, Rousseau)- Direitos Naturais
(domínio da filosofia)
 Direitos morais proclamados no séc XVIII- Direitos do Homem (estudados em
várias disciplinas)
 Direitos individuais inscritos nas constituições- Direitos Fundamentais
(estudados no Direito Constitucional)
 Direitos da pessoa humana previstos em normas de Direito Internacional-
Direitos humanos (estudados pelo Direito Internacional).

4.6 Idem: “Estado de direitos humanos” ou “Estado constitucional”?

Estado de Direitos humanos 14: É um modelo de sociedade política fundado no respeito


pela dignidade da pessoa humana, na garantia e defesa da cultura da vida e na
vinculação internacional à tutela dos direitos fundamentais, possuindo normas
constitucionais dotadas de eficácia reforçada, um poder político democrático e uma
ordem jurídica axiologicamente justa.

José Melo Alexandrino: Prefere Estado Constitucional a Estado de direitos humanos.


Porque:
 Estado de Direitos humanos parte de uma concepção valorativa e
antropocêntrica do direito constitucional. Sendo a concepção do prof
Alexandrino essencialmente formal.
 Não pode acolher a concepção subjacente ao estado de direitos humanos, nem
o seu amplo conteúdo.
 Os direitos humanos estão muito mais desprotegidos do que os direitos
garantidos ao nível nacional (direitos fundamentais), pois só aí por regra podem
ser efectivamente protegidos.
 Prefere falar em Estado Constitucional e não em Estado de direitos humanos,
pela mesma razão que entende que só se pode falar em constitucionalismo
nacional e não em constitucionalismo global.

4.7 b) A finalidade da limitação e da racionalização do poder político

A pessoa é o fim e o Estado o instrumento.

Hobbes: Poder político limitado pelo fim de garantir a segurança dos súbditos, mas
também pela equidade.
Racionalização do poder político (igual submissão de todos à mesma lei).

14 Doutrina de Paulo Otero


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Locke: Poder político limitado pelo fim de garantir a vida, as liberdades e a


propriedade, a prossecução do bem comum. Está limitado porque não deve alargar os
seus domínios de intervenção, mas também pela possibilidade de apelo à revolução.
Racionalização do poder político (separação dos poderes, especialmente legislativo e
executivo e com subordinação à lei, separação das Igrejas do Estado).

Montesquieu: Poder político limitado pelo direito, pelo pluralismo social e pela
moderação, e também pelos controlos recíprocos que devem existir entre os vários
poderes.
Racionalização do poder político (racionalização dos regimes políticos, doutrina da
separação de poderes).

Rousseau: até certo ponto o poder político está limitado pela soberania do povo, que
pode exprimir-se em qualquer momento.
Racionalização do poder político (vontade geral, regra da maioria, democracia directa,
referendo, participação de todos os cidadãos na feitura da lei).

Kant: poder político limitado pelo principio da liberdade, que lhe impõe a garantia dos
direitos, a moderação e recusa do despotismo.
Racionalização do poder politico (principio da maioria, doutrina de separação de
poderes).

4.8 Excurso: desafios do constitucionalismo num sistema de capitalismo globalizado

No contexto de globalização em que nos encontramos, podemos falar de um


constitucionalismo global?

Manifestações das formas de regulação já existentes do poder politico para além das
fronteiras do Estado:
 Normas de ius cogens (matéria de direitos humanos em particular)
 Direito da União Europeia (art 8º/4 CRP)
 O nosso T.C. Ter apreciado em sucessivos acórdãos a validade dos
Memorandos da Troika à luz do Direito Internacional Publico e do
Direito da U.E.
 Existência de instituições e das suas estruturas, como: ONU, TJUE, TEDH
 Surgimento de um direito transnacional decretado à margem dos
Estados, por empresas e poderes transnacionais nas mais diversas
áreas.

José Melo Alexandrino: Ainda não ha lugar para falar em constitucionalismo global.
Porque:
 No plano interno está-se a dar a crise das constituições
 Dificuldade em regular o poder económico à escala global sobre o poder
politico e o jurídico
 É ainda muito débil a protecção oferecida às normas de Direito Internacional,
como os direitos humanos

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 Não se pode falar em liberdade garantida, nem de separação de poderes, nem


de igualdade, nem de efectiva protecção judicial; não se pode falar em
democracia de participação, de consenso.

5. As matrizes históricas do constitucionalismo moderno

As três principais matrizes do constitucionalismo ocidental.

5.1 A importância e a superioridade crono-lógica do constitucionalismo Inglês

Gomes Canotilho:
 Chega primeiro, antes do séc XIV
 A superioridade deste modelo reside na força dos elementos em que se baseia,
nos principais agentes a que recorre e no fim que tem em vista:
o Baseia-se na tradição e pragmatismo, mas também a revolução e a
reforma
o Os agentes são o Rei, Parlamento e a supremacia da lei
o E o seu fim é a expansão da liberdade

Paulo Otero:
 A liberdade/democracia fala Inglês
 O contributo Britânico é anterior e qualitativamente superior ao legado da
Revolução Francesa
 Desde o séc XIII: liberdade pessoal, direito de circulação, direito de acesso à
justiça, garantia de proporcionalidade da pena- Magna Carta 1215
 Liberdades são base da constituição, são produto de direito ordinário e
aplicadas pelos juizes.

5.1.1

Gomes Canotilho:
Marcas do constitucionalismo Britânico:
 Liberdade torna-se liberdade pessoal de todos os Ingleses e como segurança da
pessoa e dos bens de que é proprietário (39º Magna Carta)
 Garantia da liberdade e da segurança impôs a criação de um processo justo
regulado por lei
 As leis do País reguladoras das liberdades são reveladas e interpretadas pelos juizes
(common law)
 A partir do séc XVII ganha estatuto constitucional a ideia de representação e
soberania parlamentar- Governo moderado
 O poder supremo deve-se exercer através da lei do Parlamento (Rule of law-
primado do direito ou estado de direito)- Governo das Leis e não dos homens.

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5.1.2 Nomes associados a esta matriz

Henry Bracton: Séc XIII; recolha das leis e dos costumes da Inglaterra; o poder
governativo compete ao Rei, e o poder de declarar o direito é obra do Rei no
Parlamento.

Thomas Smith: Séc XVI; Parlamento como lugar de representação de todo o reino com
ascendente sobre o Rei.

Edward Coke + John Locke: Figuras cimeiras do constitucionalismo Britânico:


 Defesa dos ancient common laws and costums of the realm- própria
constituição
 Essas leis, pactos e costumes constituem o direito comum, tendo precedência
sobre o parlamento
James Harrington: Definição do governo de direito- o império das leis e não dos
homens; Definição do governo de facto- império dos homens e não das leis.

John Locke: Filósofo do constitucionalismo das revoluções; não rompe com a tradição
inglesa de Constituição mista.

5.1.3

Marcas da Constituição Inglesa:


 Constituição histórica: repousa na tradição e num longo tempo, preservando a
imagem de Governo Misto- elementos monárquicos, aristocrático, e
democrático.
 Não escrita: não há texto/documento chamado de Constituição.
 Em grande medida consuetudinária: Prevalecia de costume como fonte de
direito constitucional, na medida em que uma boa parte das regras sobre
organização do poder politico ou sobre liberdade individual derivam do
costume ou de convenções constitucionais.

Múltiplas leis constitucionais escritas:


 Magna carta 1215
 Petição de direitos 1628
 Lei do habeas corpus 1679
 Bill of rights 1689
 Acto de estabelecimento 1701
 Acto de união com a Escócia 1707
 Leis do Parlamento de 1911 e 1949
 Lei dos Direitos humanos 1998
 Lei da câmara dos Lordes 1999
 Leis sobre a devolução 1998/...
 Lei de reforma constitucional 2005
 ...

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Princípio de supremacia do Parlamento- não há nem pode haver fiscalização da


constitucionalidade das leis no Reino Unido.

Revoluções Inglesas- 1648 e 1688

5.2 A matriz norte-americana

A revolução começa por ser um acto de protesto das colónias contra a Inglaterra, por
causa da lei do papel selado 1765. A reação da coroa Inglesa e o surgimento das leis
intoleráveis (1774) vão dar lugar à revolta e à guerra das colónias com Inglaterra,
guerra que dura de 1775 até 1782.
Entretanto as colónias em guerra convocam dois congressos (reuniões dos seus
representantes), e a 4 de Julho de 1776, o II congresso vota a declaração de
independência, que apela aos direitos naturais, ao povo e à liberdade.
Em 1777, os novos Estados recém independentes criam uma confederação (uma
associação internacional de Estados, com vista a determinado fim, neste caso, o
esforço de guerra).
Perante a fraca estrutura, sob o impulso de nomes como Washington, Madison e
Hamilton, propõe-se a reforma da Confederação. Virá a surgir assim um Estado federal
e uma constituição- Constituição dos Estados Unidos- aprovada na Convenção da
Filadélfia em 1787 e posteriormente submetida à ratificação dos Estados.

5.2.1

Gomes Canotilho:
Marcas do constitucionalismo norte-americano:
a) Vontade de afirmar os Direitos que vinham da tradição Britânica e da Glorious
Revolution
b) Dirige-se contra um principio do direito constitucional inglês: o principio da
soberania do Parlamento
c) Reclama que acima da lei do Parlamento, deve existir uma lei superior
d) É ao povo que compete o exercício do poder constituinte
e) Poder politico normativamente limitado pela constituição
f) Consequências da constituição ser a lei suprema: lei superior torna nula
qualquer lei de nível inferior que contradiga os preceitos constitucionais; essa
proeminência da Constituição levará à elevação dos tribunais a defensores da
constituição (surge fiscalização da constitucionalidade)

5.2.2 Nomes associados à matriz

Edward Coke: Autor Inglês; Leis fundamentais imanentes ao common law; necessidade
das normas fundamentais se tornarem vinculativas e garantidas pelos tribunais

John Locke: Autor Inglês; Novo fundamento racional das leis fundamentais;

Montesquieu: Separação de poderes

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Thomas Paine: Defendia que o Rei de Inglaterra tinha abdicado perante os súbditos
americanos; a constituição é uma norma anterior e limitadora do poder do Estado; a
base do governo é um misto de autonomia e consenso

5.2.3

Marcas da constituição norte-americana:


a) Escrita
b) Rígida: só pode ser alterada através de um processo especial que exige 2/3 dos
votos do Congresso e a ratificação por ¾ dos Estados, alem de certas matérias
não poderem ser alvo de revisão
c) Sintética e enriquecida pelo costume e pela jurisprudência
d) Constituição em sentido formal- texto solene que se distingue das demais leis
ordinárias
e) Tem apenas 7 artigos, pois adapta-se, através de aditamentos (o ultimo foi à
cerca de 40 anos) e de precedentes, praticas e interpretações do Supremo
Tribunal
f) A versão inicial não prevê direitos individuais, mas em Setembro de 1789 são
aprovados os 10 primeiros aditamentos (Bill of rights), que procederam à
constitucionalização dos direitos do homem- tendo os direitos do homem que
eram até então apenas morais, passado a ser garantias jurídicas invocáveis
contra o estado federal.

5.3 A matriz francesa

A matriz francesa começa com a Revolução Francesa, dando-se uma extraordinária


aceleração de movimentos políticos e constitucionais.

5.3.1

Traços:
a) Constitucionalismo que visa fazer um corte com o passado
b) Pretende criar uma ordem social e política totalmente nova
c) Ruptura com a constituição histórica precedente e com os direitos até ai
reconhecidos
d) Revolução proclama os direitos naturais do homem como direitos individuais
e) Contrato social assente nas vontades individuais
f) Poder de fazer a constituição (poder constituinte) é um poder originario
pertencente à nação15.

5.3.2 Nomes associados à matriz

François Hotman: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis romper.

15 Abade de Sieyés
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Montesquieu: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis romper.

Jean Bonin: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis romper.

Rousseau: Contrato social.

Abade de Sieyés: Poder de fazer a constituição (poder constituinte) é um poder


originário pertencente à nação; importante distinção entre poder constituinte e poder
constituído; afirmação de uma soberania originaria e incomprimível da nação; valor da
representação política como lugar necessário de formação da vontade geral;
justificação de um sufrágio não universal; procura de instrumentos de garantia, de
limitação dos poderes constituídos.

Benjamín Constant: Constitucionalismo liberal séc XIX.

Tocqueville: Constitucionalismo liberal séc XIX.

5.3.2 Traços das Constituições Francesas

Em relação à Constituição Inglesa:


 Constituições Francesas são escritas e rígidas, cortam com a tradição de
constituição mista diferenciando-se
 Nem em Inglaterra nem na França se pode falar rigorosamente em direitos
fundamentais. Na Inglaterra não ha constitucionalização dos direitos, e na
França ainda vale essencialmente a Declaração dos Direitos do Homem e do
cidadão de 1789
 Nem na Inglaterra nem na França se admitiu o controlo de constitucionalidade
das leis. Na França por força da ideia de lei como expressão da vontade geral 16.
A partir de 2008, na França admitiu-se um certo controlo de questões que
envolvam direitos e liberdades

Em relação à Constituição norte-americana:


 A constituição é nos EUA um documento jurídico fundador e uma lei superior,
na França é apenas um texto politico
 A constituição dos EUA é valorativa e pragmática, na França é artificial e
desligada das realidades
 Nos EUA a constituição esta acima da lei, na França as leis estão acima da
constituição
 Nos EUA há fiscalização da constitucionalidade, na França é expressamente
recusada a interferência dos juizes nos demais poderes
 Semelhanças: nos dois países fala-se em poder constituinte, do povo ou da
nação; em ambos é um documento escrito com autor e data; em ambos a
constituição é rígida e distinta das leis ordinárias.

6. Constitucionalismo(s) e sistemas constitucionais na actualidade


16 Teorização de Rousseau
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Elementos da grelha comparativa:


 Matriz dominante
 Forma de Estado (distribuição do poder politico no território do Estado)
 Regime politico (natureza da relação entre os governantes e os governados)
 Sistema de governo (forma como se estruturam as relações entre os vários
órgãos do poder politico do Estado)
 Direitos e liberdades
 Sistema eleitoral
 Sistema de partidos (nº de partidos que existem)

6.1 O constitucionalismo Britânico

 Matriz dominante: constituição mista, expressa hoje em dia na soberania do


Parlamento, na rule of law e na relevância das convenções constitucionais.

 Forma de Estado: União Real- forma de Estado composto; Estado Unitário, com
fenómeno de descentralização política desde 1999, com a criação de
parlamentos regionais no País de Gales, na Escócia e na Irlanda do Norte-
Estado Unitário Regionalizado.

 Regime politico: Democracia Parlamentar- uma das mais antigas e consolidadas


democracias do Mundo. Alem da democracia representativa, incrementou-se
nas últimas décadas também o recurso ao referendo.

 Sistema de governo: Sistema parlamentar de gabinete

o Principais órgãos que compõem este sistema: Monarca, Governo


(Gabinete, PM e o Ministério ou Governo em sentido amplo),
Parlamento bicameral (Câmara dos comuns com 650 deputados e a
Câmara dos Lordes com nº de membros que não e fixo).
o Designação dos órgãos: Monarca por sucessão hereditária, tal como 92
lordes; membros da Câmara dos comuns são eleitos por sufrágio
universal com um mandato de 5 anos; os deputados elegem o Speaker
(que preside e dirige os trabalhos na Câmara dos Comuns); o PM é por
convenção constitucional, o líder do partido mais votado nas eleições
para a Câmara dos Comuns, sendo os ministros escolhidos de entre os
membros do Parlamento e emanando portanto o Governo da Câmara
dos Comuns, perante a qual é responsável.
o A coroa é símbolo da unidade nacional, não dispondo o Rei de poderes
efectivos, mas apenas poderes formais. Os seus antigos poderes, a
chamada prerrogativa (destaque para o poder de dissolução da Câmara
dos Comuns) passou a ser exercido pelo PM, sendo este o verdadeiro
eixo da vida política britânica. Dentro do Governo sobressai o Gabinete,
onde têm assento, alem do PM, os Ministros mais importantes e onde
são tomadas as decisões políticas fundamentais. O Governo depende da
confiança do Parlamento, que o pode derrubar, aprovando moções de

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Ana Baptista 2016/2017

censura ou em caso de derrota seria do Parlamento. O Governo tem


vários meios de acção sobre o Parlamento, podendo dissolver a Câmara
dos Comuns.
o A separação de poderes trata-se de um modelo de integração,
destacando-se mais a separação entre a maioria e a oposição, entre a
maioria e o Governo sombra, sendo o líder da oposição considerado o
PM sombra.

 Direitos e liberdades: Human Rights act de 1998; costume e common law;


tecnicamente por falta de constituição escrita, não ha direitos fundamentais no
Reino Unido.

 Sistema Eleitoral: Para a Câmara dos comuns, é um sistema maioritário


uninominal a uma volta- é eleito apenas um deputado em cada circulo (há 650),
aquele que tiver mais votos.

 Sistema de partido: Sistema bipartidário, consequência do sistema eleitoral-


partido Conservador e Trabalhista. Nos últimos anos tem havido um terceiro
partido a evidenciar-se, os Liberais Democratas, ou futuramente o Partido
Nacionalista Escocês. Estes partidos têm uma forte organização e disciplina
partidária.

6.2 O constitucionalismo norte-americano

 Matriz dominante: Matriz moderada ou Lockeana- primado da constituição,


direitos fundamentais como limites do poder do Estado, equilíbrio de poderes,
controlo da constitucionalidade das leis.

 Forma de Estado: Estado Federal, forma de Estado composto. Havendo uma


dupla estrutura do poder politico no território, a do Estado federal e dos 50
Estados federados, e uma sobreposição de constituições, a do Estado federal e
as constituições dos Estados federados. O federalismo é um federalismo
perfeito.

 Regime politico: Democracia constitucional.

 Sistema de Governo: Presidencialismo

o Principais órgãos que integram o sistema: Presidente dos E.U.;


Parlamento bicameral (Congresso) composto pela Câmara dos
Representantes (435 membros que representam a população) e pelo
Senado (100 senadores que representam os Estados federados);
Supremo tribunal (9 juizes).
o Designação destes órgãos: Presidente eleito por sufrágio universal
formalmente indirecto para um mandato de 4 anos, pode ser reeleito
uma vez; com o Presidente é eleito um vice-presidente que preside ao
Senado; os Representantes são eleitos por sufrágio directo por 6 anos,

17
Ana Baptista 2016/2017

sendo o Senado renovado em 1/3 de 2 em 2 anos; os juizes do supremo


são nomeados a titulo vitalício pelo Presidente depois de obtido o
consentimento do Senado.
o O poder executivo cabe ao Presidente; o poder legislativo ao Congresso;
o poder judicial aos tribunais. O Presidente não pode dissolver o
Congresso, nem o Congresso pode demitir o Presidente. Sistema de
checks and balances: veto presidencial das leis, superável apenas por
maioria de 2/3; poderes de mensagem e de iniciativa do presidente a
parecer do Senado; ratificação dos tratados pelo Senado; dependência
orçamental do Presidente; existência de comissão de inquérito;
possibilidade do impeachment; fiscalização da constitucionalidade das
leis.
o Modelo de separação de poderes- Montesquieu

 Direitos e liberdades: Em 1789 prevaleceu a corrente que defendia que a


constituição deveria enunciar expressamente os direitos fundamentais dos
cidadãos, que começaram por se dirigir apenas contra a Federação. Esses 10
primeiros aditamentos17 viriam a ser complementados por outros, também
dirigidos contra os Estados Federados. O papel do Supremo Tribunal também é
importante na revelação de outros Direitos não enumerados no Bill of rights
(como o direito à privacidade, ao aborto, a morrer etc).

 Sistema eleitoral: Na eleição presidencial é o sistema maioritário plurinominal a


uma volta, pelo que o partido que tiver mais votos num determinado circulo
fica com todos os lugares em disputa nesse circulo. Na eleição para as 2
Câmaras do Congresso, o sistema eleitoral (salvo excepção pontual) é o
maioritário uninominal a uma volta.

 Sistema de partidos: Sistema de 2 partidos (bipartidarismo), sendo eles o


partido democrata (mais à esquerda) e o partido republicano (mais à direita).
De forma diferente dos partidos europeus (quer sejam ingleses, franceses ou
até Portugueses), não tem organização central nem forte disciplina partidária,
funcionando como estruturas locais muito foçadas no processo eleitoral. A
flexibilidade ideológica permite que dentro dos partidos se possam exprimir
distintas correntes de opinião.

6.3 O constitucionalismo Francês

 Matriz dominante: Neste momento vigora a V Republica (fundada com a


Constituição de 1958). Confluem neste momento várias matrizes:
Rousseauniana (ideia de lei como expressão da vontade geral, soberania
popular e referendo) e do Constitucionalismo liberal a que se junta ainda uma
componente Bonapartista (visível no perfil do PR).

17 Bill of rights
18
Ana Baptista 2016/2017

 Forma de Estado: Estado unitário.

 Regime politico: Democracia constitucional.

 Sistema de Governo: As opiniões divergem. Mas para a maior parte dos autores
é um sistema semipresidencial18, havendo quem fale em sistema de tendência
presidencial, em sistema hiperpresidencial e em sistema sui generis. Para o
Prof Alexandrino, parece tratar-se de um sistema de governo ambivalente, que
oscila entre semipresidencialismo (em cenário de coabitação) e o
hiperpresidencialismo (no habitual cenário de confluência entre a maioria de
governo e a maioria presidencial).

o Os principais órgãos do sistema são: PR; Governo; um Parlamento


bicameral composto pela Assembleia Nacional (577 deputados) e pelo
Senado (à data com 348 senadores); um Conselho Constitucional
(composto por 9 membros) que exerce funções de controlo de
constitucionalidade.
o O PR é eleito por sufrágio universal por 5 anos, podendo ser reeleito
apenas uma vez; a Assembleia Nacional, principal Camara do
Parlamento é eleita por sufrágio universal por 5 anos; o Senado
representa as unidades territoriais e é eleito por sufrágio indirecto por 9
anos renovando-se em 1/3 a cada 3 anos; os membros do Conselho
Constitucional são designados em 1/3 pelo PR, pelo Presidente da
Assembleia nacional e pelo Presidente do Senado.
o O eixo da vida política é o Presidente, de quem na pratica o Governo
depende; formalmente o Governo é apenas responsável perante a
Assembleia nacional que o pode demitir. O Presidente preside o
Conselho de ministros, pode dissolver o Parlamento, tem iniciativa de
revisão constitucional e de referendo, podendo assumir poderes
excepcionais (com limites apertados desde o séc XXI) e dispõe de um
domínio reservado.
o Quanto à separação de poderes ha primazia do PR, com subalternização
tanto do Governo como do Parlamento.

 Direitos e liberdades: Não dispõe de catalogo de direitos fundamentais. Vale


ainda a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
complementada com os direitos enunciados no preambulo da Constituição de
1946 (da IV Republica). Em 1971 o Conselho Constitucional reconheceu a
relevância jurídica destes documentos e a revisão constitucional de 2008
introduziu a questão de constitucionalidade contra violações de direitos e
liberdades.

 Sistema eleitoral: Na eleição para a Assembleia Nacional é o sistema


maioritário uninominal a duas voltas.

18 Como por exemplo Maurice Duverger


19
Ana Baptista 2016/2017

 Sistema de partidos: Sistema multipartidário, com tendência à formação de 2


blocos, um à direita e outro à esquerda. O que tem perturbado o sistema, tem
sido o crescimento da extrema direita (Frente Nacional), que acabou de dar
entrada no Senado.

6.4 O lugar do sistema constitucional Português; remissão

Regista-se uma aproximação nos séc XIX e XX à matriz Francesa, sobretudo nos traços
definidores do Estado de legalidade, mas com aproximação à matriz Inglesa, sobretudo
no período liberal, à matriz norte-americana em 1911 e ao constitucionalismo alemão
desde 1933.

6.5 O superconjunto de “Estado Constitucional”

Superconceito- ideia de um conceito que contem dentro de si vários conceitos, vários


mundos.
O Estado Constitucional pode definir-se pelas seguintes características:
 Positividade dos direitos do homem
 Democracia representativa
 Divisão de poderes
 Independência dos tribunais
 Respeito pela rule of law (primado do Direito)

Estado constitucional: conceito que se define com os vários elementos acima


enumerados e que em geral, se aproxima da essência do que define o
constitucionalismo da democracia constitucional.

Capítulo II- O Estado

7. Enquadramento histórico

O Estado é uma criação da modernidade, e o Estado como pessoa colectiva é uma


criação ainda mais recente, pois apenas surge com muitas hesitações no final do séc
XIX.

7.1 Tipos históricos de Estado

Segundo Georg Jellinek os tipos fundamentais de Estado ate ao surgimento do Estado


Moderno são: Estado oriental, grego, romano e o medieval. Estes tipos de Estado têm
desde logo em comum: ausência de constituição em sentido formal, ausência de

20
Ana Baptista 2016/2017

igualdade jurídica entre as pessoas, ausência de direitos e liberdades fundamentais


(pois só surgem no final do séc XVIII).

Características particulares de cada um destes tipos de Estado 19:


 Estado Oriental:
o Estados de grande dimensão
o Origem divina do poder (teocracia)
o Sociedades hierarquizadas e desigualitárias
o Diminutas garantias dos indivíduos

 Estado Grego:
o Estados de reduzidas dimensões territoriais (espécies de municípios:
cidades- estado)
o Religião como fundamento ou cimento da comunidade
o Ideia de comunidade política dos cidadãos- princípio da igualdade cívica
o Liberdade apenas no âmbito da participação política (na polis) e não no
plano individual
o Diversidade de formas de governo
o Estabelecimento de coordenadas da democracia moderna e da
teorização do politico: formas de governo (puras e degeneradas); ideia
de governo misto; várias dimensões de justiça (comutativa, distributiva,
equidade); construção de utopias políticas.

 Estado Romano:
o Organização hierárquica e escalonada do poder (base aristocrática)
o Não vigora principio de igualdade cívica
o Desenvolvimento da noção de poder politico, como poder uno
o Estruturação do sistema politico sobre a cidadania romana e o
município
o Reconhecimento de direitos do cidadão romano e uma progressiva
atribuição de direitos aos estrangeiros
o Separação entre o poder público e poder privado
o Coordenação entre poder central e o poder das províncias e dos
municípios
o Surgimento da ordem de valores cristã na ultima fase.

 Estado medieval (ainda que seja prematuro falar em Estado nesta fase)
o Ausência de um poder central unificado
o Limitação teológica, moral e política do poder pela cristandade
o Identificação do bem comum como finalidade do poder político
o Distinção entre Rei (equidade) e tirano e pela admissão do direito de
resistência20
o Concreta aplicação da ideia de constituição mista, numa estrutura que
envolve o Rei, as corporações e os estamentos

19 Síntese do Prof Jorge Miranda


20 São Tomás de Aquino
21
Ana Baptista 2016/2017

o Relevância do costume pelo pluralismo jurídico e pela supremacia da


função jurisdicional
o Afloramentos da soberania do povo.

7.2 O surgimento do Estado Moderno

O Estado Moderno surge com a desagregação do sistema medieval, surgindo como


resultado dos processos de centralização do poder politico e da supressão dos
privilégios feudais, e do facto de passar a ser directa a relação entre Rei e o súbdito. E
pelo facto da lei privada dar lugar à lei vontade do Rei, e também por o sistema de
privilégios e obrigações feudais ser substituído pela submissão de todos ao poder
central.
Este processo conclui-se praticamente no séc XVI.

Características básicas do Estado Moderno:


 O Estado tende a corresponder a uma Nação (comunidade ligada por laços
culturais e históricos)
 Progressiva secularização- comunidade política separada da esfera religiosa
 Afirmação da soberania como poder supremo e aparentemente ilimitado.

Primeira manifestação histórica do Estado Moderno: Estado absoluto.


Fases do Estado Absoluto21:
 Fase patrimonial: o Estado é considerado um bem que integra o
património do príncipe e em que o poder real é justificado como tendo
origem divina.
 Fase do Estado polícia: Apogeu no séc XVIII, em que o Monarca ja não é
dono do Estado e em que a origem do seu poder ja não é divina, mas
racional. O Rei tem direito de intervir em nome da razão, em todos os
domínios da vida política, social, cultural, econômica ou mesmo privada,
com vista à prossecução do interesse e bem públicos.

Estado absoluto: Não esta limitado nem pelo Direito (acima do Direito) nem pela
separação de poderes (concentração de poderes no Rei), nem pelos direitos (ja não
existem antigos privilégios nem foram reconhecidos direitos do homem). O Monarca
pode intervir arbitrariamente.

Síntese22 do Estado absoluto:


 Máxima concentração possível de poder no Rei
 Acção política passa a ser razão de Estado23, conveniência e não legalidade
 Prevalência da lei sobre o costume
 Intervenção do Estado alarga-se à cultura, economia, assistência social, etc
 Antigas Cortes deixam definitivamente de reunir.

21 Segundo Jorge Reis Novais


22 José de Melo Alexandrino
23 Maquiavel

22
Ana Baptista 2016/2017

É neste contexto de Estado acima do Direito que surge o constitucionalismo das


revoluções (revolução americana e francesa). Deixa-se o período pré-constitucional e
surge o Estado constitucional em sentido amplo (Estado limitado pela constituição).

7.3 Formas históricas do Estado constitucional

Desde o séc XVIII até hoje o Estado constitucional em s. Amplo ja passou por diversas
formas históricas, para alem de momentos de ruptura e de suspensão.
Hoje em dia estaremos num momento denominado: Estado pós-social e democrático
de Direito.

Estado liberal de Direito:


 Chega primeiro à Inglaterra do que ao resto da Europa, no fim do séc XVII com
a Glorious Revolution
 Nos EUA e na França chega com as revoluções do séc XVIII
 Nos restantes países da Europa (PT incluido) chega no séc XIX
 Em Inglaterra é designada de império da lei (rule of law)
 Na Alemanha é designada de Estado de direito (rechtsstatt)
 Na França como Estado constitucional (état constitutionnel)

Estado de Direito: oposto a Estado policia. Um Estado limitado e organizado


juridicamente com vista à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Governo representativo: separação entre a titularidade do poder politico e o exercício
do poder politico.

Estado liberal de direito: dá-se a afirmação da burguesia como classe dominante,


assentando em 3 elementos
a) Separação clara entre sociedade e Estado
b) Redução da intervenção do Estado ao mínimo- Estado guarda nocturno
c) Preocupação com a actuação do Estado regulada pelo Direito

Exigências da submissão ao Estado de Direito:


A. Conceber o Estado como pessoa jurídica
B. Repartição das funções do Estado por vários órgãos
C. Supremacia da lei geral e abstrata

Elementos essenciais do Estado de direito:


 Direitos fundamentais: liberdades negativas do Homem burguês
 Divisão de poderes: supremacia da lei (e do Parlamento) sobre a administração
e o poder judicial, estando este subordinado à lei estritamente.

7.4 O Estado social e democrático de Direito

Estados anti-liberais do séc XX: Estado fascista; Estado soviético; Estado nacional-
socialista- estas experiências de modo algum podem entrar no conceito de Estado de

23
Ana Baptista 2016/2017

direito, na medida em que devemos entender os totalitarismos como Estados de não-


direito.

Após a II Guerra Mundial, com o constitucionalismo da democracia constitucional o


Estado de direito assume uma nova forma: Estado social e democrático de direito.

Estado social: Estado empenhado na realização do bem-estar e da justiça social e na


prossecução da igualdade material- Um Estado que intervêm na sociedade com vista a
assegurar condições mínimas de existência às pessoas e a redistribuir a riqueza.

Estado democrático: Durante o séc XX o constitucionalismo incorporou a democracia,


quer pelo fundamento e pela organização de poder, quer pela universalização do
sufrágio e pelo alargamento dos mecanismos de representação e participação política.

Estado de direito: a herança essencial do Estado de Direito é preservada- limitação do


poder e garantia dos direitos.

Esta nova forma de Estado constitucional traz transformações no plano dos direitos
fundamentais e no plano da divisão de poderes:
 Quanto aos direitos fundamentais- constitucionalização dos direitos sociais;
alargamento dos direitos políticos; reinterpretação dos direitos de liberdade.
 Quanto à divisão de poderes- racionalização e eficiência estatal; reforço do
poder judicial; instituição da justiça constitucional para garantia da supremacia
da constituição.

Síntese:
 Até ao séc XVI não se pode efectivamente falar de Estado
 Com a desagregação do Estado medieval surge o Estado moderno como Estado
absoluto (Estado acima do direito, intervencionista e com concentração de
poderes no Rei)
 Ao Estado absoluto sucede o Estado liberal de direito (Estado limitado pela
Constituição e pelo Direito, não intervencionista e com separação de poderes)
 O Estado liberal de direito é interrompido na Europa pelo Estado anti-liberal
(como poder totalitário e noutras formas que assumiram os autoritarismos)
 Ao Estado liberal de direito e ao Estado anti-liberal sucede o Estado social e
democrático de direito (intervencionista, aberto a uma pluralidade de
concretizações, com novo entendimento de separação de poderes, constituição
com supremacia sobre a lei)
 Na actualidade, está a emergir um Estado pós-social e democrático de direito
(Estado limitado pelo direito, menos intervencionista e com um poder politico
cada vez mais diluído e fragmentado por factores externos e internos).

8. Conceito de Estado

8.1 Introdução

24
Ana Baptista 2016/2017

Características do Estado- Prof Jorge Miranda:


 Complexidade de organização
 Institucionalização
 Coercibilidade
 Autonomização
 Sedentariedade

Hobbes- Estado é uma obra de arte

Hegel- Estado é a encarnação do Espírito absoluto

Estado numa perspectiva histórica- José de Melo Alexandrino (JMA): Estado como
resultado de um processo de concentração, racionalização, organização e
diferenciação do “politico”

Estado numa perspectiva holística24- JMA: o Estado é um sistema altamente completo


de elementos, estruturas, relações e funções.

Estado do ponto de vista material- JMA: Comunidade política organizada que exerce
uma determinada autoridade sobre um território.

Estado do ponto de vista organizativo- JMA: É um conjunto de órgãos que prosseguem


diversas actividades.

Estado do ponto de vista jurídico- JMA: Estado como pessoa colectiva.

Estado: Uma associação formada por um povo, dotada de um poder


politico originário e fixada num determinado território.

Ou

Estado: Um povo fixado num determinado território que institui, por


vontade própria, dentro desse território, um poder político
relativamente autónomo.

Elementos do Estado:
Elementos essenciais:
 Povo
 Território
 Poder politico
Elementos formais:
 Nome
24 Holístico ou holista é um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o
holismo, ou seja, que procura compreender os fenómenos na sua totalidade e
globalidade.
25
Ana Baptista 2016/2017

 Reconhecimento do Estado
 Símbolos nacionais- bandeira, hino

8.2 Povo

Povo: elemento humano do Estado. Conjunto de cidadãos do Estado, ou seja, conjunto


das pessoas que se encontram ligadas ao Estado através de um vínculo jurídico de
cidadania ou nacionalidade. É um conceito jurídico.

Art 4º CRP

8.2.1 População

População: conjunto de pessoas, sejam ou não nacionais, que residam habitualmente


no território do Estado. Conceito demográfico e económico.

Não há coincidência entre o conceito de Povo e o de População, pois nem todos os


residentes são cidadãos e nem todos os cidadãos são residentes.

8.2.2 Nação

Nação: Colectividade identificada pela comunhão de laços culturais e histórico-


geográficos entre os seus membros, permitindo recortar uma alma comum ou espírito
comum.

Este conceito tem relevância constitucional:


 No respeito devido a certas tradições religiosas da comunidade, mesmo num
Estado laico
 Na protecção devida ao património cultural ou à defesa da língua
 No reduto que deve constituir a defesa da identidade nacional, no âmbito da
construção da União Europeia.

8.2.3 Vínculo de cidadania

Cidadania/Nacionalidade: é o vínculo jurídico que liga uma pessoa a um determinado


Estado, não estando todavia excluída a possibilidade de alguém ter mais do que uma
nacionalidade (pluricidadania) ou não ter nenhuma (apátrida).

A atribuição da cidadania cabe a cada Estado soberano, de forma regulamentada nas


suas leis. Critérios: ius sanguinis (vinculo da filiação) e o ius soli (determinado pelo local
de nascimento).

Portugal- Lei 2/2006 de 17 Abril- maior relevância do ius soli

26
Ana Baptista 2016/2017

Art 26º CRP

A cidadania pode ser originária (quando decorre do nascimento ou de acto ou facto


que se reporte ao nascimento) ou adquirida (quando resulta de qualquer outro acto ou
facto jurídico: vontade, adopção ou naturalização).

Cidadania activa: plenitude ou totalidade dos direitos que pertencem ao cidadão.

Cidadania passiva: cidadãos, que por razoes de idade, demência ou outras definidas
por lei, não têm capacidade de exercer os direitos de participação política..

Semi-cidadania: Condição típica em que se encontravam, nas sociedades colonizadas,


os indígenas, os autóctones ou aborígenes, que não eram verdadeiramente cidadãos
mas sujeitos a um estatuto especial.
8.2.4 Regime jurídico dos estrangeiros e apátridas

15º CRP-Principio de equiparação

8.3 Território

Uma das características do Estado é a sedentariedade. Não se pode conceber um


Estado nómada ou sem território, na medida em que o Estado é um fenómeno
essencialmente espacial.

8.3.1

Território engloba:
 Território terrestre- abrange o solo e o subsolo correspondente à superfície da
crosta terrestre demarcada pelas fronteiras
 Território aéreo- abarca o espaço aéreo compreendido entre as verticais
traçadas a partir das fronteiras terrestres e do limite do mar territorial quando
este existir
 No caso de se tratar de um Estado ribeirinho, o território marítimo-
corresponde ao mar territorial, largura de 12 milhas náuticas. Convenção de
Mondego Bay 1982 e Lei 34/2006 de 28 Julho

Território marítimo:
 Zona contígua: estende-se até às 24 milhas contadas desde a linha de costa
 Zona económica exclusiva: Estende-se até às 200 milhas, exercendo o Estado
poderes relativos aos recursos naturais, aproveitamento económico,
investigação cientifica, etc e determinadas obrigações
 Plataforma continental: abrange o leito do mar e o subsolo das regiões
submarinas adjacentes às costas ate uma profundidade de 200 metros ou até
onde a profundidade das aguas permita a exploração de recursos naturais.

8.3.2

27
Ana Baptista 2016/2017

Relevância do território:
 Dado definidor da nação- elemento unificador e aglutinados do Povo
 Pressuposto de exercício de determinados poderes ou de presença de certas
atribuições
 É ainda:
o Condição de independência nacional
o Circunscreve o âmbito do poder soberano do Estado
o Representa um meio de actuação juridico-política do Estado

Principio da territorialidade- as leis e o direito do Estado são aplicáveis em principio,


dentro das fronteiras do Estado e àqueles que nele se encontrem.
Excepções:
 Atribuições de poder soberano a outras entidades que não o Estado
 Atribuição de privilégio de extraterritorialidade- Chefes de Estado, pessoal
diplomático
 Integração numa organização supranacional como a U.E.
 Atribuições de estatuto de zona franca a uma determinada região dentro do
território do Estado

8.3.3

Natureza jurídica das relações entre o Estado e o seu território: Teoria da jurisdição –
Estado com poder de jurisdição sobre as pessoas e as coisas que se encontrem no
território e ainda um poder de domínio sobre as coisas não apropriadas.

8.4 Poder politico

Elemento mais difícil de definir.

Marcello Caetano: Faculdade exercida por um povo de, por autoridade própria (não
recebida de outro poder), instituir órgãos que exerçam o senhorio de um território e
nele criem e imponham normas jurídicas, dispondo dos necessários meios de coação.

Notas:
A. O poder politico é uma faculdade que o povo exerce por direito próprio
B. Exprime uma autoridade constituinte, autoridade essa originária e
subordinante
C. Não se confunde com as demais formas de poder politico, nem se confunde
com soberania, pois nem sempre os Estados são soberanos
D. Traduz-se na instituição de órgãos de governo e instituição e definição da
ordem jurídica da colectividade
E. Implica a susceptibilidade do uso da força.

28
Ana Baptista 2016/2017

8.5 Estado soberano e outras comunidades políticas

Estado soberano: É a comunidade política cujo poder politico reveste a forma de


soberania.

Soberania: poder politico supremo na ordem interna e independente na ordem


internacional25.

Podem existir: Estados que não dispõem de soberania (Estados não soberanos e semi-
soberanos) e outras comunidades políticas territoriais que não são Estados (como U.E.,
regiões políticas ou autarquias locais).

8.5.1 Estados soberanos e Estados não soberanos

Estados não soberanos:


 Estados protegidos: poder politico é tutelado pelo Estado protector, que
orienta as relações internacionais ou mesmo a política interna
 Estados federados: o poder politico encontra-se subordinado ao poder politico
da Federação (a única que dispõe de soberania plena)
 Sao Estados que não gozam de soberania no plano internacional – Estados
membros de União Real, Estados federados

Estado soberano, quando é titular dos seguintes direitos:


 Direito de celebrar tratados (ius tractuum)
 Direito de receber e enviar representantes diplomáticos (ius legationis)
 Direito de fazer guerra (ius belli)
 Direito de reclamação internacional
 Direito de participação em organizações internacionais

Estados semi-soberanos: Estados que gozam de soberania no plano internacional , mas


onde a mesma está reduzida ou limitada por factores jurídicos, materiais ou políticos,
contando-se entre eles:
 Estados protegidos: Tendo personalidade internacional só pode exercer os
correspondentes direitos através de outros Estados, que se comprometem a
protege-lo
 Estados vassalos: Tendo personalidade internacional, esta ligado por certas
obrigações (vínculo feudal) a um Estado suserano, o que implica que o exercício
de uma competência internacional dependa de uma autorização do suserano.
 Estados exíguos: aqueles que, pela sua diminuta extensão de território ou
escassez da população, não esta em condições de exercer plenamente a
soberania, encontrado-se numa situação especial face ao Estado limítrofe. Ex:
Monaco, S. Mariano, Lichtenstein ou Andorra.
 Estados confederados: Aquele que por ser membro de uma confederação fica
com uma soberania internacional limitada ao que tiver sido estabelecido no
tratado

25 Jean Bodin
29
Ana Baptista 2016/2017

 Estados neutralizados: aqueles cujo estatuto internacional os impede de


participar em qualquer conflito armado, salvo em caso de legitima defesa
(Suíça desde 1815)
 Estados ocupados ou divididos: aqueles que se encontram numa situação
excepcional decorrente da guerra ou de outras vicissitudes, estando sujeitos a
ocupação ou a outras formas especificas de limitação politico-militar. Ex: Iraque
2003, Ucrânia ou Síria 2014
 Estados intervencionados: Por razoes económico-financeiras. Ex: PT 2011 e
Irlanda 2010.

8.5.2 Outras comunidades políticas territoriais

O poder politico pode ainda ser exercido por outras comunidades políticas territoriais
que não os Estados: a nível supraestadual (U.E.), a nível infra-estrutural (regiões
políticas e autarquias locais).

Elementos nucleares:
 Uma comunidade de pessoas
 Um poder politico não soberano
 Um território

Poder politico do Estado soberano = Soberania

Poder politico das regiões autónomas = autonomia política

Poder politico das autarquias locais= autonomia local ou poder local

8.6 Fragmentação do poder politico do Estado

Factores que têm levado à fragmentação do poder politico do Estado 26:


 Internacionalização: certos assuntos deixaram de ser do domínio do Estado
para passarem a ser da comunidade internacional. O domínio reservado dos
Estados tem sofrido uma certa erosão.
 Globalização: questões cuja resolução tem de ser encarada à escala mundial.
Ex: terrorismo, aquecimento global, etc
 Integração europeia: 7º/6 CRP + 8º/4 CRP
 Neofeudalização interna: diversos centros de poder que rivalizam e disputam
com o Estado parcelas relevantes do poder politico. Ex: regiões autónomas,
autarquias locais, grandes empresas, grupos económicos, grupos financeiros,
etc.

Tanto por factores extra-jurídicos (globalização, desregulação do capitalismo


financeiro, neofeudalização, desafios de sustentabilidade)como jurídicos

26 Paulo Otero
30
Ana Baptista 2016/2017

(internacionalização, europeização, direito transnacional), o Estado, na actualidade,


apresenta-se reconhecidamente com uma soberania fragmentada e diminuída.

9. Formas de Estado

9.1 Conceito de forma de Estado

Forma de Estado: tem a ver com as relações que se instauram entre o poder politico e
o território. O que está em causa portanto, é o modo como se relacionam esses dois
elementos do Estado: poder politico e território.

9.2 Tipologia das formas de Estado

Há 2 formas básicas:
 Estado simples ou unitário: ha apenas um poder politico dotado de autoridade
constituinte em todo o território.
 Estado composto ou complexo: há vários poderes políticos dotados de
autoridade constituinte no território, poderes esses que se articulam em
distintos níveis territoriais

Estado unitário: centralizado, descentralizado ou regional.

Estado composto: Estado federal e União Real

Confederação: não é uma forma de Estado, mas uma mera associação de Estados para
fins determinados no tratado constitutivo.
União pessoal: não é uma forma de Estado, apenas se traduz na existência de um
chefe de Estado comum a dois Estados.

9.2.1 Estado Federal

Estado federal:
 O principio republicano é favorável ao desenvolvimento da uma organização
federal
 As principais experiências federais regem-se pelo principio da igualdade dos
Estados federados
 Vários ordenamentos federais admitem a possibilidade de secessão

Carácteres sintomáticos do Federalismo:


 Reconhecimento às entidades descentralizadas de um efectivo poder
constitucional e não apenas estatutário
 Critério de distribuição de competências
 Bicameralismo diferenciado
 Participação dos entes descentrados no exercício das funções soberanas
 Participação dos entes descentrados no procedimento de revisão constitucional
31
Ana Baptista 2016/2017

 Previsão de procedimentos de garantia jurisdicional da autonomia


 Competência dos Estados membros de reconhecer e garantir nas suas
constituições direitos fundamentais da pessoa

Resumindo:
 Federalismo pressupõe uma dualidade/sobreposição de constituições, de
estruturas estaduais e de ordens jurídicas, devendo cada Estado federado
elaborar a sua constituição e organizar os respectivos poderes no respeito pela
constituição federal
 Os Estados federados intervém na vontade política federal, quer na câmara que
os representa, quer na revisão da constituição federal
 So o Estado Federado dispõe de soberania no plano internacional

Federalismo perfeito: Sao os Estados independentes que decidem criar uma realidade
politico constitucional superior (federação), razão pela qual a fundação é originaria e
não superveniente. Ex. EUA, Suíça, Canada.

Federalismo imperfeito: Parte-se originariamente de um Estado unitário para a


respectiva transformação em Estado federal, por mera conveniência de
descentralização política. Ex: Brasil, Bélgica.

9.2.2 União Real

União real: forma de Estado composto em que dois ou mais Estados, sem perderem a
sua autonomia adoptam uma constituição comum, prevendo a existência de um ou
mais órgãos também comuns, a par de órgãos particulares inerentes a cada qual.
Ex: Inglaterra e Escócia desde 1707, Reino Unido de Portugal e do Brasil entre 1815 e
1822, Suécia e Noruega entre 1818 e 1905.
Jorge Miranda: Na federação ha um fenómeno de sobreposição, na União real verifica-
se uma fusão.

9.2.3 Estado unitário e feições que pode assumir

Centralizado: monopólio das decisões por parte do poder politico central. Recusa o
pluralismo de poderes públicos dentro do território do Estado. Ex: Angola

Descentralizado: Existem outras pessoas colectivas publicas territoriais para alem do


Estado, a quem são cometidos poderes e atribuições que normalmente competiriam
ao Estado. Ex: Portugal ate ao séc XX sempre foi um Estado descentralizado

Estado unitário regional: descentralização política, ou seja, atribuição de poderes


políticos autônomos, designadamente poderes legislativos e governativos, a certas
pessoas colectivas publicas territoriais. Ex: Regiões

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Ana Baptista 2016/2017

Estado Regional: Estado unitário, que dispõe de uma só constituição, elaborada por
uma instancia em que não participam as regiões enquanto tais, e em que se verifica
uma descentralização política em regiões autónomas.

Diferenças entre Estado federal e Estado unitário Regional:

Estado federal Estado unitário regional


Cada Estado elabora livremente a sua As regiões autónomas elaboram o seu
constituição estatuto politico-administrativo, mas este
tem de ser aprovado pelos órgãos
centrais do poder politico
Os Estados federados participam através Não esta prevista nenhuma participação
dos seus representantes na elaboração e especifica das regiões autónomas através
revisão da constituição federal dos seus representantes na elaboração e
revisão da constituição do Estado
Existe uma segunda Câmara Parlamentar No Estado Regional não existe qualquer
cuja composição é definida em função segunda Câmara Parlamentar de
dos Estados representação das regiões autónomas ou
cuja composição seja definida em função
delas

9.2.4 Tipos de Estado unitário regional

Atendendo ao âmbito do território divido em regiões, pode ser: Integral, Parcial ou


Periférico. Ex: Portugal, Itália, Reino Unido

Atendendo ao estatuto aplicável, pode falar-se de: regionalização uniforme ou


diferenciada.

Atendendo às relações entre os ordenamentos jurídicos, pode haver: Estado regional


com prevalência do Direito do Estado (regra geral) ou com sistemas jurídicos
derrogatórios do Direito do Estado (Hong Kong e Macau).

9.3 As formas de Estado nos diversos sistemas constitucionais

Reino Unido Estados Unidos França Portugal


Estado Unitário Estado federal Estado unitário Estado unitário
regional parcial – descentralizado regional
1º grau periférico
União real Federalismo Típico da Europa
(Inglaterra e perfeito continental
Escócia desde
1707)- 2º grau
Não admite
secessão
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Ana Baptista 2016/2017

10. Fins e funções do Estado

 Para que existe o Estado, qual a sua razão de ser, quais os fins para que foi
criado?

 De que forma, através de que actividades, o Estado realiza esses objectivos?

O Estado não é um fim em si mesmo, o Estado é um instrumento ao serviço da pessoa


humana (o fim ultimo do direito e da sociedade política).

10.1 Os fins do Estado

S. Tomas de Aquino: Prossecução do bem comum.

Hobbes: Segurança.

Locke: Garantia da liberdade

10.1.1 Segurança

O primeiro fim da comunidade política é a segurança 27: segurança contra a natureza,


contra a violência dos outros homens, contra a instabilidade e o arbítrio.

Cabe ao Estado:
 Proteger o homem contra a natureza, através das mais variadas formas
 Proteger o homem contra a violência dos outros membros da comunidade e
contra inimigos externos, institucionalizando os mecanismos de garantia da paz
social e organizando o monopólio do uso da força
 Proteger o homem contra a incerteza e o arbítrio, definindo, através de normas
jurídicas, os direitos e deveres de cada um.

A segurança como fim do Estado envolve a prossecução dos interesses vitais da pessoa
humana e da comunidade, a organização da força colectiva, bem como a determinação
jurídica dos direitos e deveres de cada um.

10.1.2 Justiça

A segunda missão do poder politico há-de ser a manutenção da justiça.

Formas de justiça- Aristoteles:


a) Justiça comutativa: Pressupõe uma medida igual
b) Justiça distributiva: Pressupõe uma medida desigual
27 Marcello Caetano: o primeiro interesse do Homem no mundo é viver
34
Ana Baptista 2016/2017

c) Equidade: critério correctivo da justiça

Conteúdo da justiça:
a) Justiça como igualdade
a. Expressa nos direitos e liberdades básicas iguais para todos
b. A diferença expressa nos direitos e nos instrumentos ou os direitos
sociais mínimos que visam compensar as desigualdades de partida

A missão indeclinável do Estado é a realização da justiça.

10.1.3 Bem-estar

O terceiro fim do Estado: realização do bem-estar, isto é a promoção das condições


materiais de acesso a bens e serviços necessários à vida da colectividade.

Só aparece nos textos constitucionais no séc XX.

10.1.4 Sustentabilidade?

Devido aos novos desafios contemporâneos que a sociedade enfrenta, tem que se
deixar em aberto a questão de saber se devemos considerar a sustentabilidade como
novo fim dos Estados.
a) A sustentabilidade, não pode deixar de ser considerada um pressuposto da
Constituição
b) Ainda que seja um fim partilhado, não pode deixar de ser considerada um
fim próprio do Estado – sustentabilidade do planeta
c) Se não fosse considerada como fim de Estado, ficariam em risco os outros 3
fins clássicos do Estado, a começar pela segurança da vida colectiva.

Os 4 fins têm expressão na constituição portuguesa de 76.

10.2 As funções do Estado

10.2.1

Funções de Estado: Actividades desenvolvidas de forma permanente pelos órgãos do


poder politico do Estado, tendo em vista a realização dos respectivos fins.

Critérios das funções de Estado- Marcello Caetano:


 Critério formal: atende à forma externa revestida por cada uma das actividades
 Critério orgânico: relaciona as funções com as características dos órgãos que as
desempenham

10.2.2

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Ana Baptista 2016/2017

Kelsen: apenas haveriam 2 funções de Estado- a criação e aplicação de direito e mais


tarde admitiu a função de obediência ao direito.

Marcello Caetano + Paulo Otero: Teoria integral das funções de Estado


 Funções jurídicas (legislativa e executiva (processo administrativo e o processo
jurisdicional))
 Funções não jurídicas (função política e função técnica)

Jorge Miranda + Blanco de Morais:


 Função política
o Função legislativa
o Função governativa
 Função administrativa
 Função jurisdicional

Marcelo Rebelo de Sousa:


 Função constituinte e da revisão constitucional
 Demais funções constituídas do Estado
o Função política (f. Primaria)
o Legislativa (f. Primaria)
o Jurisdicional (f. Secundaria, dominante ou dependente)
o Administrativa (f. Secundaria, dominante ou dependente)

Função política: pratica de actos que respeitem, de modo directo e imediato, ao poder
politico e às relações deste com os outros poderes de Estado.

Função legislativa: actividade permanente e de carácter politico de definição de


princípios e elaboração de preceitos com eficácia externa, tipicamente de carácter
regulador da vida colectiva e, portanto, com vocação primacial de incidência directa e
imediata dos cidadãos.

Função jurisdicional: resolução de questões de direito relativas a conflitos de


interesses públicos e privados, com vista à reintegração da paz jurídica.

Função administrativa: execução das leis e satisfação de necessidades colectivas que,


por virtude de previa opção política, se entende que incumbe ao Estado prosseguir.

10.3 Idem: construção adoptada

Aproximação à proposta do prof Marcelo Rebelo de Sousa.

José de Melo Alexandrino:


 Função de revisão constitucional
 Função política
 Função legislativa
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 Função jurisdicional
 Função administrativa

A cada uma destas funções correspondem, por sua vez, vários tipos de actos, podendo
os mesmos revestir conteúdo geral e abstrato ou natureza individual e concreta:
 Função de revisão constitucional: correspondem leis de revisão constitucional,
actos que distinguem pela sua forma e força
 Função política: correspondem inúmeros tipos de actos, entre os quais o
referendo popular, o programa de governo, as moções de confiança e censura,
veto, etc
 Função legislativa: correspondem os actos legislativos, que se definem
essencialmente pela sua forma (conceito formal de lei)
 Função jurisdicional: correspondem os actos por regra individuais e concretos
que revestem a designação de sentenças e acórdãos
 Função administrativa: correspondem os actos administrativos e as operações
materiais, os regulamentos (que constituem normas jurídicas de carácter geral
e abstrato e execução permanente) e os contratos administrativos.

Também aceita a matriz adoptada por Jorge Miranda.

10.4 As funções do Estado nos diversos sistemas constitucionais

10.4.1 Sistema constitucional britânico

Função constituinte: compete primordialmente ao Parlamento, sem prejuízo do


costume e da pratica (convenções constitucionais) ou do papel reservado aos
tribunais.

Função política: confiada ao Parlamento, ao gabinete e ao monarca (ainda que neste


caso apenas formalmente).

Função legislativa: Parlamento (neste caso com primado absoluto da Camara dos
comuns)

Função administrativa: Governo, governos locais e pela restante administração publica

Função jurisdicional: tribunais (com exclusão recente do seu exercício pela Camara dos
Lordes).

Devido à forma de Estado regional , os parlamentos e os governos regionais (da


Escócia, de Gales e da Irlanda do Norte) também desenvolvem as funções políticas,
legislativa e administrativa.

10.4.2 Sistema constitucional norte-americano

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Função de revisão constitucional: Cometida ao Congresso (ou uma convenção nacional


proposta por 2/3 dos Estados por intermédio dos respectivos parlamentos), bem como
os parlamentos dos estados federados (ou a convenções estaduais expressamente
convocadas para o efeito); materialmente o supremo tribunal também tem participado
nesta função.

Função política: Presidente, Congresso, órgãos legislativos dos Estados.

Função legislativa: compete ao congresso e mediante autorização ao presidente.

Função administrativa: cabe ao presidente e aos órgãos das demais administrações


publicas.

Função jurisdicional: tribunais e residualmente ao congresso (no impeachment).

10.4.3 Sistema constitucional Francês

Função de revisão constitucional: Parlamento e ao povo mediante referendo.

Função política: PR, parlamento e Governo.

Função legislativa: parlamento.

Função administrativa: governo e aos órgãos das demais administrações publicas.

Função jurisdicional: tribunais e conselho constitucional.

10.5 As funções do Estado na Constituição de 1976

Função de revisão constitucional: Assembleia da republica 161º al. a) e 284º e


seguintes, não podendo o PR recusar a promulgação da lei de revisão 286º/3 CRP.

Função política: PR (120º, 133º, 135º), pela AR (161º, 162º e 169º), pelo governo
(197º, 200º e 201º), cabendo ainda ao colégio eleitoral.

Função legislativa: AR (161º, 164º, 165º), ao Governo (198º), assembleias legislativas


regionais (227º/1 al. A) a c))

Função administrativa: Governo (199º), à restante administração publica

Função jurisdicional: tribunais, tanto estaduais como arbitrais- 202º, 209º.

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11. A organização do poder político

Como pode o Estado actuar e existir como unidade, capaz de exprimir e de agir, se não
possui vontade física?
O Estado vai ter de ser entendido e de se organizar como uma pessoa jurídica-
personalização do Estado.

11.1 O Estado como pessoa colectiva

Pessoa de base associativa: resulta de um conjunto de pessoas que se congregam para


prosseguirem em conjunto fins não lucrativos, diversamente do que sucede nas
pessoas colectivas em que ha um património afectado à realização de fins não
lucrativos (a que correspondem às fundações) ou daquelas em que coexistem
elementos pessoas e patrimoniais (as sociedades).

A questão da personalidade jurídica do Estado não está definitivamente encerrada,


mas destas ideias podemos ter certeza:
 O Estado é uma construção jurídica e tudo o que lhe diz respeito é configurado
pelo Direito
 Esta construção técnico-jurídica permite atribuir certos direitos se deveres a
uma comunidade (sendo então o Estado um esquema de imputação)

Temos que admitir que o Estado é uma pessoa colectiva de tipo associativo, realizando
os seus fins e desenvolvendo as suas actividades através de órgãos que actuam em
representação do povo.

11.2 Órgão, titular e agente

Órgão: é um centro institucionalizado de poderes funcionais que exprime a vontade


funcional imputável à pessoa colectiva.

Aspectos a destacar desta definição de órgão:


 É um centro institucionalizado, ou seja tem um “papel institucionalizado”,
através do Parlamento, Governo, Conselho de Estado, TC...
 Poderes funcionais (exercidos materialmente por uma pessoa ou por um
conjunto de pessoas que estiverem providos do cargo) são as competências
conferidas pelas normas do órgão
 Vontade funcional é a vontade expressa pelo titular do órgão e que, por ficção
do Direito, se considera atribuída à pessoa colectiva
 A imputação é a conexão que se estabelece entre a actuação do titular e a
vontade do Estado

Titulares: pessoas físicas que, em cada instante, emprestam a sua vontade ao órgão
para que ele se possa exprimir.

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Ana Baptista 2016/2017

Não confundir o conceito de órgão com o de titular. Pode existir um órgão sem titular,
sem que isso implique o desaparecimento do órgão.

Agentes: são as pessoas singulares que se limitam a colaborar no processo de


formação da vontade, a preparar ou dar execução às decisões tomadas, mas que não
exprimem a vontade colectiva. Ex: funcionário publico.

Atenção que a lei tem atribuído poderes funcionais a agentes, mas isso não significa a
perda do sentido da distinção, na medida em que esses funcionários são elevados de
agentes a órgãos administrativos do Estado.

11.3 Competência e imputação

11.3.1

Competência: conjunto de poderes funcionais que a lei confere a determinado órgão


para o desempenho da função.

É através do exercício desses poderes que a pessoa colectiva realiza as suas


atribuições, ou seja, os interesses públicos que como tal lhe são confiados pelas
normas jurídicas: no caso do Estado, além dos interesses públicos primários
(segurança, justiça e o bem-estar), há uma infinidade de outros interesses públicos que
as diversas normas jurídicas (direito interno, internacional e europeu) que o Estado
deve realizar. O Estado é por isso uma pessoa colectiva de fins múltiplos.

A competência não se presume, é sempre resultante da norma jurídica que a estipula.


Embora, não afastando a possibilidade do reconhecimento de competências
estabelecidas de forma implícita na norma (doutrina dos poderes implícitos- sistema
norte americano).

Definição normativa da competência:


 Traduz limitação do poder politico do Estado, para garantia da liberdade da
pessoa e da sociedade
 Mecanismo de racionalização normativa do poder.

Órgãos do Estado- principio da competência- só podem praticar os actos que a lei


autorizar, caso contrario será invalido por vicio da competência.

Pessoa individual- principio da liberdade- pode fazer tudo o que nao for proibido.

A competência pode ser definida em:


 Razão da matéria
 Tempo
 Hierarquia
 Valor dos actos

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Ana Baptista 2016/2017

A competência é: imprescritível e irrenunciável, só podendo ser delegada noutro órgão


se a norma jurídica o autorizar.

11.3.2

Imputação: mecanismo jurídico através do qual a vontade manifestada pelo titular ou


titulares, nos termos da norma, é atribuída a determinado órgão do Estado.

Temos que considerar 2 momentos:


I. O titular ou titulares do órgão agem dentro dos limites da norma, imputando-
se a sua conduta ao órgão
II. A decisão ou deliberação do órgão é atribuída imediata ou mediatamente ao
Estado

Tudo se passa como se fosse o Estado a agir.

11.3.3

Cargo: papel institucionalizado em que esta investido um determinado titular,


exprimindo a função ou magistratura especifica que lhe foi confiada (chefe de estado,
PM, deputado, secretario de estado, juiz, provedor de justiça, etc).

11.4 Tipologia dos órgãos do Estado

Critérios mais relevantes:


a) Número de titulares
b) Previsão constitucional
c) Estrutura
d) Obrigatoriedade da existência
e) Funções desempenhadas

11.4.1 Número de titulares

Podem ser singulares ou colegiais, conforme tenham 1 ou uma pluralidade de titulares.

Colegiais: Órgãos colegiais de tipo colégio (Conselho de ministros ou tribunal colectivo)


e Órgãos colegiais de tipo assembleia (câmaras parlamentares).

Requisitos de deliberação de órgãos colegiais:


 Quórum- presença de nº mínimo de membros, ex: 116º/2 CRP
o Votação: maioria relativa (é o maior nº de votos a favor do que contra);
maioria absoluta (ha mais de metade dos votos a favor); maioria
qualificada (não basta nem a maioria relativa nem a maioria absoluta);
unanimidade. Ex: 136/3, 168/6, 279/2 e 4. A nossa regra geral é a
maioria relativa- 116º/3 CRP.

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Ana Baptista 2016/2017

O eleitorado será ou não um órgão de Estado e um órgão colegial?

Jorge Miranda: o eleitorado, pelo menos no caso de referendo, é um verdadeiro órgão


de Estado, na medida em que exprime uma vontade que a este é imputável.

José de Melo Alexandrino: o eleitorado é pelo menos um “equivalente funcional” de


um órgão de Estado, ainda que se trate de um colégio atípico.

11.4.2 Previsão constitucional

Os órgãos podem ser: órgãos constitucionais ou órgãos não constitucionais.

Órgãos constitucionais: PR, AR, Governo, Tribunais, órgãos de direcção política e os


demais órgãos constitucionais (procurador geral da republica, assembleias legislativas
regionais, etc).

110º/2 CRP

11.4.3 Estrutura

Órgãos simples/ Órgãos complexos, consoante sejam unitários ou compreendam


outros órgãos no seu seio.

Os órgãos singulares são simples.

Mas alguns órgãos colegiais, como o Governo, Parlamento ou o Conselho de Estado,


desdobram-se ou compreendem outros órgãos dentro de si.

11.4.4 Obrigatoriedade de existência

Há órgãos de existência obrigatória e órgãos de existência facultativa (ex: 184º/4CRP)

11.4.5 Funções desempenhadas


Os órgãos podem ser:
 Deliberativos (se tomam decisões) ou consultivos (se apenas estudam,
aconselham ou emitem pareceres sobre os actos a praticar pelos órgãos
deliberativos)
 Primários ou auxiliares (consoante decidem ou coadjuvam outros a decidir)
 Políticos, legislativos, jurisdicional e administrativos (consoante função de
Estado que desempenhem).

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11.5 Separação de poderes

Marcello Caetano: poderes tanto pode significar faculdades da soberania contida no


poder politico como sistema de órgãos a que esta confiada uma parcela do poder
politico, sendo este o sentido tradicional.

11.5.1

A ideia de separação de poderes tem as suas origens remotas no constitucionalismo


antigo.

Locke: Preocupação central era a de que o poder legislativo e o poder executivo não
estivessem nas mãos do mesmo órgão, o que conduziria à tirania. Poder legislativo
como poder supremo, ao qual está subordinado o poder executivo e o poder
federativo.

Montesquieu: Só o poder pode limitar o poder. Existência de: poder legislativo;


executivo; e poder judicial. “Freios e contrapesos”: cada poder tem uma faculdade de
estatuir sobre as matérias da sua competência, mas também uma faculdade de
impedir relativamente aos actos praticados pelos outros poderes. Ideal clássico de
governo misto.
Constituição dos Estados Unidos.

Kant: Funções de Estado rigorosamente separadas.


Constituição Francesa de 1791, Constituição Espanhola de 1812, Constituição
Portuguesa de 1822- não vieram a ter qualquer efectividade estas constituições.

Benjamin Constant: Poder executivo, legislativo, judicial, e poder neutro (vulgo poder
moderador).
Concretização nas constituições portuguesas, salvo na primeira de 1822 e na de 1911.

Esta ideia de separação de poderes prende-se com:


 Evitar a concentração de poder nas mãos de uma pessoa só
 Distribuição de competências pelos diversos órgãos do Estado

11.5.2

Dimensão clássica de separação de poderes- divisão horizontal de poderes.

Divisão vertical de poderes: liga-se à forma de Estado e à repartição do poder politico


em sentido amplo pelo território (federalismo, autonomia política, autonomia local).

Divisão social de poderes: repartição do poder politico em sentido amplo entre o


Estado e outros grupos sociais qualificados pelos poderes que exercem (associações
sindicais, patronais e profissionais).

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Separação entre Governo e oposição: Observação do peso do fenómeno partidário no


funcionamento das democracias constitucionais.

11.5.3

i. A divisão de poderes nas democracias constitucionais não e concretizada de


acordo com o modelo ideal;
ii. Nos sistemas parlamentares nem o governo nem a administração estão livres
das intervenções do legislativo;
iii. Quanto a rupturas, ha diversas situações em que um poder exerce funções do
outro;
iv. No moderno Estado social, devido ao surgimento de leis-medida, perdeu
nitidez a delimitação clássica entre o que cabia ao poder legislativo e o que
cabia ao poder executivo, surgindo assim leis intervencionistas que regulam
situações concretas;
v. Nas democracias parlamentares, observa-se que o partido ou coligação de
partidos maioritários tanto domina o governo como o parlamento, conduzindo
à apropriação a que o controlo parlamentar da acção do governo tenha
passado para a oposição e, em parte, também para o aparelho burocrático.

11.5.4

Funções desempenhadas pela separação de poderes:


 Limitação
 Racionalização
 Especialização
 Controlo

11.6 Representação política

Bluntschli: A representação em direito publico é completamente diferente da


representação no direito privado.

Caro Schmitt: haveria pelo menos um sentido da representação política próximo do


conceito de mandato e assim, da representação no direito privado. Apresentação da
unidade política.

Jorge Miranda: a representação política não se pode assimilar ao mandato de direito


privado, é uma espécie de representação necessária.
Não pode haver representação política quando se verifica a identidade entre o titular
do poder e os governantes. Sendo a representação política, antes de mais, a
representação do povo, enquanto modo de tornar o povo presente no exercício do
poder. A representação implica que os governantes representam toda a colectividade
e não apenas quem os designou. Não há representação política sem eleição, um
elemento que constitui peça essencial dos sistemas de democracia representativa.

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Ana Baptista 2016/2017

Maria Lucia Amaral: espécie de representação voluntária. Em Direito representar


significa tornar presente quem esta ausente, através do estabelecimento de uma
relação que una adequadamente o representado e o representante.
A representação jurídica pode ser necessária ou voluntária. A representação política é
em primeiro lugar uma forma de representação voluntária, na medida em que, quando
o povo exerce a sua soberania através da eleição das pessoas que irão ocupar os
cargos, ocorre um verdadeiro mandato, e não uma representação necessária.

Principio de mandato livre ou representativo

Principio de proibição do mandato imperativo- 152º/2 CRP

No constitucionalismo da democracia constitucional actual, a representação política


passa por 2 elementos essenciais:
 Sufrágio universal
 Indispensabilidade da função mediadora dos partidos políticos

Partidos políticos: forma de mediação entre a sociedade e o Estado e veiculo de


ordenação e agregação do crescente pluralismo social.

11.7 Modos de designação dos titulares

11.7.1

Jorge Miranda- distinção entre as seguintes formas:


 De designação por mero efeito do Direito: sucessão hereditária, rotação,
antiguidade, inerência.
 De designação por efeito do Direito e da vontade: Cooptação, adopção,
nomeação, eleição, aclamação, aquisição revolucionária.

11.7.2 Os mais importantes

Herança: forma de designação em que o novo titular ocupa, segundo as normas que
definem a ordem legal de sucessão, a posição de sucessor hereditário, após morte do
anterior titular.

Inerência: forma de designação de alguém em virtude da titularidade de outro cargo,


publico ou privado.

Cooptação: forma de designação do titular de um órgão colegial por outro ou outros


titulares do mesmo órgão.

Nomeação: forma de designação de um titular por efeito da vontade expressa nesse


sentido por outro órgão, seja este titular singular ou colegial.

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Eleição: forma de designação que resulta da expressão dos votos de uma pluralidade
de sujeitos.

11.7.3 Exemplos

Eleição: Por sufrágio universal: PR, deputados da assembleia da republica, assembleias


legislativas regionais, membros dos órgãos representativos das autarquias locais;
Provedor de justiça, entidade reguladora da comunicação social, 10 juizes do tribunal
constitucional.

Nomeação: PM, Ministros, juizes, presidentes dos governos regionais, representantes


da republica, procurador geral da republica,...

Cooptação: 3 juizes do TC pelos restantes juizes eleitos pela AR 222º/1

Inerência: Conselho de Estado do PR, do PM, do Presidente do TC, do Provedor de


justiça, dos presidentes dos governos regionais, dos antigos PR 142º/1, presidentes das
juntas de freguesia nas assembleias municipais 251º.

11.8 Legitimidade dos governantes

Ligação com a forma de designação dos titulares dos órgãos.

11.8.1

Ideia de legitimidade ligada a:


 Fundamentos em que assenta o poder dos governantes, conformes a critérios e
valores (perspectiva ética) e aceites e reconhecidos pela comunidade
(perspectiva sociológica)

Max Weber:
1) Legitimidade tradicional: hábitos e tradições acerca do fundamento de um
determinado poder existente
2) Legitimidade carismática: fascínio suscitado por alguém que é detentor de um
poder, de uma qualidade ou de um dom e na crença acerca da respectiva
missão
3) Legitimidade legal-racional: reconhecimento racional do carácter inevitável do
poder estatal, levando à crença na legalidade.

11.8.2

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I. Estado pré-liberal: dominante a legitimidade tradicional, com muitas variantes,


o poder vindo ou não de Deus, residia no chefe, no imperador ou no rei.
II. Estado liberal de Direito: conciliação entre legitimidade tradicional com
legitimidade legal-racional. Nos sistemas dualistas ou mistos no séc XIX,
procurou-se conciliar legitimidade monárquica com legitimidade democrática.
III. Estado anti-liberal: legitimidade carismática. Na actualidade temos o exemplo
da Coreia do Norte.
IV. Estado social e democrático: legitimidade legal-racional.

11.8.3

A legitimidade legal-racional própria Estado constitucional dos nossos dias assenta:


 Consenso sobre o fundamento da ordem estadual, com alicerces na autonomia
moral dos cidadãos e no facto da pessoa humana ser ponto de referencia dos
fins do Estado;
 Existência de uma Constituição que recolhe valores básicos e que legitima,
regula, limita e configura juridicamente o poder do Estado;
 Eleição por sufrágio universal como forma-regra de designação dos
governantes;
 Democracia como regime politico, pressupondo a discussão, tolerância, livre
formação de opinião publica, consenso, critica e possibilidade de correcção
constante;
 Submissão do poder do Estado a regras e princípios de Direito internacional
que o transcendem;
 Existência de um conjunto de limites, jurídicos e extra-jurídicos, ao poder do
Estado e ao seu exercício pelos governantes.

12. Limites ao poder do Estado

O Estado é obra do Direito, estando moldado pelo Direito e actuando segundo o


Direito. Os respectivos órgãos regem-se pelo principio da competência e não podem
exorbitar das funções que lhe estão cometidas pelas normas.

12.1 Limitações jurídicas e não jurídicas ao poder do Estado

12.1.1

A limitação do poder do Estado é variável, desde logo em função do tipo de Estado.

Limitações no Estado liberal:


 Jurídicas:
o Declarações de direitos
o Constituição escrita
o Separação de poderes (incluindo divisão vertical de poderes)
47
Ana Baptista 2016/2017

o Direito de resistência
o Principio da legalidade
 Não jurídicas:
o Referencia do sistema ao Direito natural
o Ideia de separação entre o Estado e a sociedade
o Não intervenção do Estado na esfera econômica e social- Estado
mínimo/Estado guarda nocturno

12.1.2

Limitações no Estado social (ou pós social) e democrático de Direito:


 Jurídicas:
o Normas de ius cogens
o Constituição
o Direito internacional publico
o Direito da União Europeia
o Lei ordinária
 Não jurídicas:
o Moral
o Pluralismo de organização política
o Opinião pública
o Meios de comunicação social

12.1.3

Em que medida a Moral é um limite ao poder do Estado?

Paulo Otero: ha uma progressiva recepção e jurisdicionalização das normas da moral


 Referencia às justas exigências da moral- 29º/2 DUDH
 Administração publica submetida a padrões de moral através da subordinação
da sua actividade a princípios como o da justiça, imparcialidade, boa fé
 Sujeição dos militares a normas éticas
 Surgimento de órgãos vocacionados expressamente para a pronúncia de
questões de natureza ética
 Actuação da moral ao nível da consciência individual dos titulares dos órgãos
do Estado- declarações de voto, protecção da objeção de consciência

É possível verificar que grande parte das demissões dos titulares dos órgãos de Estado
acontece não por violação de normas jurídicas, mas por violação de padrões éticos.

12.1.4

Em que medida a comunicação social é um limite ao poder do Estado?

48
Ana Baptista 2016/2017

 Considerados o 4º poder durante mais de um século, ao lado do poder


legislativo, executivo e judicial
 Cão de guarda do poder politico, amigo da liberdade e inimigo da opressão
 No séc XX deu-se uma grande transformação na sua natureza, transformando-
se num poder oligárquico (económico) carecendo de limitação
 Limitados através da lei e de instituições que velam pelo respeito dos valores e
interesses da sociedade aberta

Não se pode negar à comunicação social, o seu papel na limitação do poder politico.

12.2 A ideia de ius cogens

12.2.1

Ius cogens: conjunto de normas imperativas de Direito internacional às quais não é


possível qualquer derrogação, sendo inválidos os actos dos sujeitos de Direito
internacional (Estados e organizações internacionais) que com elas colidam.

Em principio, são normas resultantes de costume internacional de alcance universal.

Fausto de Quadros: possibilidade de ius cogens regional.

Identificação das regras de ius cogens:


 Corrente ampliativa: normas de direitos humanos universais seriam todas elas
normas de ius cogens
 Corrente restritiva28: são poucas as verdadeiras normas de ius cogens,
destacando-se a igualdade jurídica dos Estados, a liberdade interior de
pensamento ou a proibição do genocídio, da escravatura e da discriminação
racial.

12.2.2

Existência de uma corrente doutrinaria defensora do Direito natural, que invoca o


Direito suprapositivo como limite ao poder do Estado: o poder politico esta vinculado
por um conjunto de princípios fundamentais de Direito.

Paulo Otero: a subordinação do poder politico à ordem de valores acima referida


envolveria os seguintes postulados:
 Respeito e dever de protecção da vida e da existência humanas
 Proibição da utilização da pessoa como meio
 Direito ao livre desenvolvimento da personalidade
 Proibição do arbítrio
 Direito de recusar comer uma injustiça

28 Posição adoptada pelo Prof. José de Melo Alexandrino


49
Ana Baptista 2016/2017

José de Melo Alexandrino: Não sendo jusnaturalista, não nega a interferência, e tem
defendido que a Constituição escolhe e vincula-se a um conjunto de valores que
recebe do exterior.

12.3 A Constituição e os direitos fundamentais

A Constituição é sem duvida o principal limite ao poder politico do Estado- lei


fundamental do Estado.

Uma constituição normativa é o mais estruturado e eficaz sistema de limites ao poder


politico do Estado:
 Direitos fundamentais
 Mecanismos de controlo do poder do Estado (fiscalização política e
jurisdicional)
 Princípios:
o Dignidade da pessoa humana 1º CRP
o Pluralismo de organização política 2º
o Separação e interdependência de poderes 2º e 111º
o Constitucionalidade das leis e dos demais actos do Estado 3º
o Subsidariedade 6º/1 e 7º/5
o Responsabilidade civil das entidades publicas 22º, 27º/5, 62º/2, 117º/1,
271º
o Princípios fundamentais a que estão subordinados aos órgãos da
Administração publica 266º

O Estado também beneficia dos direitos de liberdade, pela estabilização da sua relação
com a sociedade, e não são só meio de limitação da sua actuação.

Direitos fundamentais sociais surgiram com o Estado social, pressupondo uma


colaboração entre o Estado e a sociedade, pelo que não constituem limites em sentido
próprio, mas sim deveres e incumbências do Estado na promoção de certas tarefas e
políticas orientadas ao bem-estar e à igualdade material.

12.4 O Direito internacional público e os direitos humanos

As normas de DI Público desempenham hoje, ao lado da CRP, uma função muito


relevante na limitação da acção do Estado, na sua relação com outros Estados e com
os demais sujeitos da comunidade internacional, quer na relação do Estado com as
pessoas sob a sua jurisdição.

Com a internacionalização do direitos do homem, após a II Guerra mundial, as normas


de Direito internacional (resultantes de costume ou previstas em Tratados
internacionais) passaram a constituir verdadeiros limites jurídicos ao poder politico do
Estado, vinculando o Estado a deveres de respeito, protecção e promoção desses
50
Ana Baptista 2016/2017

direitos. O desrespeito por essas normas pode fazer com que os Estados incorram em
condenações decretadas por órgãos da comunidade internacional, sejam políticos ou
jurisdicionais.

Carta das nações unidas de 1945- de onde decorrem a maioria das obrigações dos
Estados.

Existem diversos tribunais internacionais, embora nem todos os Estados lhes estejam
submetidos- Tribunal Internacional de justiça, Tribunal penal internacional, e no plano
regional, Tribunal Europeu dos Direitos do homem, Tribunal interamericano de direitos
do homem, Tribunal Africano dos Direitos do homem e dos povos.

12.5 O Direito da União Europeia

Para os Estados integrados na União Europeia, constituiu o seu Direito, um limite de


poder politico, seja ele entendido como autolimite (Estados e constituições tem a
ultima palavra sobre a matéria) ou heterolimite (âmbito da União).

7º/6 CRP
8º/4 CRP

Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia, adquiriu carácter vinculativo com
o Tratado de Lisboa a 1 de Dezembro de 2009.

12.6 A lei ordinária

Também desempenha a lei ordinária um papel importante na limitação do poder do


Estado:
 Os órgãos de Estado estão submetidos não só à CRP, mas também à lei,
enquanto a mesma vigorar
 Nem sempre o legislador tem plena liberdade de revogar ou modificar a lei
ordinária, como resulta da jurisprudência do TC.

13. Regimes políticos

Jorge Miranda: Designa regimes políticos como formas de governo.

Paulo Otero: Designa regimes políticos como modelos politico-constitucionais.

José de Melo Alexandrino: adopta a designação dada por Jorge Reis Novais.

51
Ana Baptista 2016/2017

13.1 Enquadramento histórico e conceito de regime politico

13.1.1

Aristóteles: Primeiro autor a teorizar os regimes políticos. Na sua definição tem que se
considerar 2 elementos: elemento externo (ou estrutural) que tem a ver com a
distribuição dos cargos governativos; e um elemento interno que tem a ver com a
concepção de Justiça partilhada por governantes e governados. Havia para este autor
regimes puros e regimes corrompidos.

Formas puras de regime Formas corrompidas de regime

Monarquia: poder politico é confiado a Tirania: poder é exercido por um só no


um só seu interesse
Aristocracia: poder politico é exercido Oligarquia: poder é exercido por um
por poucos grupo visando o interesse dos mais ricos
República: são muitos os que exercem o Democracia/Demagogia: muitos
poder politico exercem o poder no interesse exclusivo
dos mais pobres

Maquiavel: Distingue entre Monarquia (principado) e República, sendo que na


República o poder pertence aos cidadãos, podendo ser definida justamente como a
forma de governo em que não existem súbditos, mas cidadãos, ao passo que na
Monarquia o poder pertence a um só, sem a participação dos súbditos.

Montesquieu: Distingiu os regimes políticos com base na natureza do governo e no


principio do governo, identificando 3 tipos de regimes políticos:
1) República: o poder pertence ao povo e tem como principio a virtude
2) Monarquia: poder pertence ao Rei e tem como principio a honra
3) Despotismo: o poder pertence ao tirano, sem qualquer respeito pelas leis, e o
principio é o medo.

13.1.2 Definição

Regime politico: diferentes modalidades de exercício do poder politico no Estado


moderno e contemporâneo, considerando o relacionamento institucional entre
governantes e governados e tendo especialmente em conta a titularidade e o exercício
efectivo do poder constituinte, a existência e peso das instituições representativas e a
natureza, graus e formas de participação dos governados no exercício do poder.

Tem a ver com a natureza das relações entre os governantes e os governados.

13.1.3

52
Ana Baptista 2016/2017

O conceito de regime politico distingue-se do de forma de governo.

Forma de governo: restringe-se a um aspecto particular, o da consideração do tempo e


modo de sucessão na chefia do Estado, distinguindo-se em função do carácter vitalício
ou temporário do exercício do cargo, e em regra, em função da via hereditária ou não,
de sucessão.

Não se deve confundir o conceito de forma de governo com o de forma de Estado


(composto, simples).

13.2 Tipologias dos regimes políticos

13.2.1

Marcelo Rebelo de Sousa: a grande distinção a fazer é entre regimes ditatoriais e


regimes democráticos.

Jorge Miranda: São 9 os regimes políticos (prefere a expressão formas de governo)


1) Monarquia absoluta- dominante até 1789
2) Governo representativo clássico liberal
3) Democracia jacobima ou democracia radical
4) Governo cesarista- Bonaparte
5) Monarquia limitada
6) Democracia representativa- hoje dominante no Ocidente
7) Governo leninista- implantado na Rússia em 1917
8) Governo fascista ou fascizante
9) Governo islâmico fundamentalista.

Jorge Reis Novais: Democracias representativas, Regimes ditatoriais, regimes de


transição. Embora a grande distinção passe por:
1) Regimes políticos de Estado absoluto e de Estado autocrático (monarquia
absoluta e ditadura)
2) Regimes políticos de Estado de Direito (monarquia constitucional – monarquia
limitada, orleanista, parlamentar; governo representativo e democracia
representativa).

Paulo Otero: Prefere a expressão modelos politico-constitucionais do Estado. Distinção


próxima de Marcelo Rebelo de Sousa.
1) Modelo pluralista
2) Modelo não pluralista

Miguel Nogueira de Brito: Regime liberal-democrático, regime autoritário, regime


totalitário.

53
Ana Baptista 2016/2017

Luis Pereira Coutinho: Perspectiva de Ciência política. Regimes totalitários,


autoritários, democráticos, teocráticos.

13.2.2

Um regime politico prende-se com a relação entre governantes e governados.

Quais os critérios importantes para proceder a uma classificação?

Marcelo Rebelo de Sousa: são 3 os elementos primordiais


a) O facto de o poder politico assumir uma filosofia de Estado como exclusiva
ou dominante e como tal politicamente imposta, ou, em alternativa, o
reconhecimento de um pluralismo ideológico;
b) A existência ou não de um aparelho politico colocado ao serviço da filosofia
de Estado, com sacrifício dos direitos fundamentais dos cidadãos, em
particular dos seus direitos políticos;
c) A adopção de formas autocráticas ou democráticas de designação dos
governantes, bem como de controlo do exercício do poder politico.

Aplicando estes critérios:


 Ditadura: imposição dogmática de uma filosofia de Estado, na sua aplicação
sistemática através de um aparelho politico que subordina a garantia dos
direitos essenciais dos cidadãos à lógica da linha ideológica exclusiva ou
dominante e às conveniências do poder politico.
 Regime democrático: é respeitado o pluralismo de concepções filosóficas, onde
são efectivamente salvaguardados os direitos fundamentais dos cidadãos e
onde estes participam na designação e controlo dos governantes.

José de Melo Alexandrino: Concorda com os critérios acima apresentados.


Há ainda outro regime a considerar- totalitarismo.
Formula os critérios da seguinte forma:
a) A presença ou ausência de uma ideologia ou de uma doutrina abrangente;
b) A presença ou ausência da limitação do poder politico, particularmente por
via da garantia efectiva dos direitos fundamentais dos cidadãos;
c) A presença ou ausência do pluralismo e da efectiva participação dos
governados na designação dos governantes e no controlo do poder politico.

13.2.3

José de Melo Alexandrino: É adequada uma tripartição dos regimes políticos:


a) Regimes democráticos: não ha uma ideologia nem uma doutrina
abrangente adoptada pelo Estado, verifica-se uma efectiva limitação do
poder politico pela separação de poderes e sobretudo pelo respeito e pela

54
Ana Baptista 2016/2017

protecção efectiva dos direitos e liberdades fundamentais os cidadãos


participam de facto na designação dos governantes e no controlo do
exercício do poder politico;
b) Regimes autoritários/ditatoriais: o Estado adopta uma doutrina abrangente
ou impede que as pessoas adoptem livremente outras doutrinas, a
separação de poderes e os direitos fundamentais não limitam
efectivamente o poder politico e existem restrições graves ao pluralismo e à
liberdade de participação política. Ex: China, Rússia;
c) Totalitarismo: Pior das formas de governo que alguma vez existiu. Ideia de
mal absoluto. Dois elementos essenciais: terror e fusão. Ao terror
corresponde uma ideia de duplicidade e instrumentalização do Estado ao
serviço de uma ideologia. Ausência de estrutura ou de sistema dessa forma
política; não-direito; arbitrariedade; caos permanente; crueldade;
irracionalidade. À ideia de fusão corresponde: a intervenção do poder
totalitário em todas as esferas da vida individual e social; dissolução da
pessoa e dos grupos nas massas; invulnerabilidade aos factos da vida real;
expressão da vontade inorgânica da colectividade pelo chefe infalível;
despolitização; racismo; instrumentalização política de todos os recursos e
de todas as técnicas ao alcance do poder totalitário. Não prescinde de um
partido único, sobreposto ao Estado e a qualquer aparente organização
formal do poder. Ex: Coreia do Norte, Estado islâmico. Caracteriza-se por:
 Presença de uma ideologia como principio absoluto de governo;
 Existência de um poder politico ilimitado, face ao Direito e à moral;
 Completa aniquilação e instrumentalização da pessoa humana,
manipulada e dissolvida na massa.

13.3 A distinção básica entre regimes democráticos e não democráticos

Regimes democráticos- democracia representativa (pluralista, liberal ou regime liberal-


democrático) que corresponde ao tipo ideal, por satisfazer inteiramente os critérios.
Podemos também pensar em democracias limitadas, em que os traços são cumpridos
de forma mais atenuada (caso da U.E.)

Regimes de transição- do autoritarismo para o regime democrático. Ex: novos países


de língua portuguesa, salvo Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.

Regimes não democráticos- regimes autoritários (de vários tipos, com lugar especial
para os regimes de teocracia constitucional que existem em países islâmicos dotados
de constituição escrita- Irão, Paquistão, Afeganistão) e totalitarismo.

14. Sistemas de governo

14.1 Conceito de sistema de governo

Gomes Canotilho- formas de governo


55
Ana Baptista 2016/2017

Sistemas de governo- relacionamento institucional entre os diferentes órgãos do poder


politico, podendo aplicar-se ao Estado, mas também a outras realidades (regiões
autónomas, autarquias locais, U.E.).

Marcelo Rebelo de Sousa- Sistema de governo é a forma como se estruturam os


órgãos do poder politico soberano do Estado, envolvendo:
1) O elenco desses órgãos;
2) A sua composição;
3) A sua competência;
4) A sua interrelação;
5) O seu modo de funcionamento;
6) O processo de designação e o estatuto dos seus titulares.

14.2 A relação entre regimes políticos e sistemas de governo

Segundo a definição de sistemas de governo dada, há algumas questões a levantar:


1) Saber qual o plano determinante para qualificar os sistemas de governo, se o
jurídico ou o plano politico, se em exclusivo ou em possível combinação;
2) Saber se ha ou não uma relação relevante entre os regimes políticos e os
sistemas de governo.

14.2.1

Relativamente à primeira questão:

O que é efectivamente discutido é saber qual das duas perspectivas é a determinante,


havendo 3 posições:
i. É a constituição que determina o sistema de governo, por ser essa a função da
constituição- Reis Novais
ii. Deve partir-se da visão jurídica para a política, na medida em que o
enquadramento dos órgãos do poder politico vai depender antes de mais das
normas constitucionais- Jorge Miranda
iii. A fisionomia do sistema de governo deriva tanto ou mais da forma como a
Constituição é efectivamente aplicada (constituição real) do que das regras da
constituição escrita- José de Melo Alexandrino.

Exemplo Francês: o Presidente Francês teria menos poderes na constituição do que o


presidente Português, mas na pratica política os poderes do presidente francês seriam
maiores do que em qualquer outro sistema semipresidencialista (admitindo a imagem
de “monarquia absoluta”). Após 1962, a constituição escrita francesa, tem uma
componente parlamentar e uma componente presidencial, tendo por isso sido dada a
designação de sistema semipresidencial, contudo na Constituição real, o sistema de
governo é ambivalente: nos períodos de coabitação reconduz-se ao
semipresidencialismo, mas nos períodos de confluência, a pratica leva a uma

56
Ana Baptista 2016/2017

concentração de poder politico no presidente, daí que Paulo Otero prefira falar em
hiperpresidencialismo.

Uma das características do direito constitucional é a sua politicidade, por isso, em


certos casos, podemos admitir a combinação entre a perspectiva jurídica e a
perspectiva política. Razão pela qual não podemos separar o que está unido desde o
inicio.

14.2.2

Quanto à segunda questão:

A doutrina diverge:
i. Para alguns autores só interessa verdadeiramente o estudo de sistemas de
governo nos regimes democráticos (num regime ditatorial torna-se irrelevante
pois só necessitamos de identificar a fonte e revelar os mecanismos políticos e
jurídicos que encobrem a concentração de poderes);
ii. Para outros autores, o tipo de sistema de governo consagrado em certo Estado
não pode deixar de assumir um conteúdo estritamente relacionado com o
regime político vigente, começando pela sua filosofia que lhe serve de
conteúdo

O prof. José de Melo Alexandrino diz que devemos dar razão à segunda orientação. A
primeira tese acaba por tratar da mesma forma dois regimes políticos completamente
diferentes, o totalitarismo e o autoritarismo. Desconsiderando também o âmbito da
realidade regulado pelas normas que definem o sistema de governo, e deixa-nos sem
ferramentas para enquadrar e compreender os regimes autoritários, quando estes têm
características próprias que importa conhecer. Quanto à ciência política e direito
comparado, é necessário analisar as aproximações e afastamentos dos diferentes
sistemas, sob pena destas áreas ficarem em branco.

14.2.3

Tripartição dos sistemas de governo:


 Sistemas de governo de regimes democráticos
 Sistemas de governo de regimes autoritários
 Sistemas de governo de regimes totalitários

Teóricamente deveria ser assim, na pratica não é possível em virtude da essência do


totalitarismo, pois a fusão e o carácter do partido único implicam a impossibilidade de
uma qualquer repartição racional do poder que possa ser reconduzida à ideia de
sistema de governo. Ou seja, no totalitarismo não chega sequer a haver sistema de
governo, por não existirem regras que configurem um poder que é ilimitado e sem
estrutura racional.

A grande distinção cabe então a:


 Sistemas de governo de regimes democráticos- divisão de poderes

57
Ana Baptista 2016/2017

 Sistemas de governo de regimes autoritários- sem divisão de poderes

14.2.4

Jorge Miranda: 4 sistemas de governo de concentração de poderes:


1) Monarquia limitada- inaugurada com a Carta Constitucional francesa de 1814
2) Sistema de governo representativo simples- Constituição de Angola de 2010
3) Sistema convencional- constituição francesa de 1793
4) Sistema de governo soviético

Na monarquia limitada e no sistema de governo representativo simples o poder esta


concentrado no chefe de Estado.
No sistema convencional a concentração do poder politico está numa assembleia.
No sistema soviético a concentração de poder politico está num partido único ou no
partido hegemónico.

O Chefe de Estado tanto pode governar directamente (Angola), como governar através
de um órgão, podendo falar-se em sistema de chanceler (Constituição Imperial Alemã
de 1871).

14.3 Tipologia dos sistemas de governo em regimes democráticos

Na actualidade, são 4 os subtipos de sistemas de governo em regimes democráticos:


1) Sistema parlamentar
2) Sistema presidencialista
3) Sistema semipresidencialista
4) Sistema directorial

14.3.1 Sistema parlamentar

Sistema parlamentar (experiência britânica):


 Governo formado a partir da composição do Parlamento, depende apenas da
confiança do Parlamento e é politicamente responsável perante o Parlamento;
 Parlamento pode provocar demissão do Governo;
 Apagamento da posição de Chefe de Estado, o que explica que não possa
praticar actos políticos sem a referenda ministerial (sem a assinatura de um
ministro responsável que responda por esses actos);
 Separação ou dualidade entre Chefe de Estado e Chefe de Governo;
 O Governo é solidário em relação ao seu programa e às deliberações do
Gabinete (ou Conselho de Ministros)

Este sistema assume diversas modalidades devido à forma de eleição do chefe de


Estado, existência ou não do poder de dissolução, diferentes factores políticos

58
Ana Baptista 2016/2017

(legitimidade, sistema eleitoral, sistema de partidos) e diferentes praticas


constitucionais:
A. Sistema parlamentar orleanista
B. Sistema parlamentar de assembleia
C. Sistema parlamentar de Gabinete
D. Sistema parlamentar racionalizado

Sistema orleanista: Nasceu com a revisão da Carta constitucional francesa de 1830. Ha


uma conciliação da legitimidade monárquica com a legitimidade democrática, havendo
dupla responsabilidade política do Governo, perante o Rei e perante o Parlamento.

Sistema parlamentar de assembleia: Vigorou na III e IV Republicas francesas e I


republica portuguesa. Postula o multipartidarismo e caracteriza-se por:
 Ascendente do Parlamento em relação ao Chefe de Estado, que elege e
destitui;
 Não existe poder de dissolução do Parlamento;
 O Governo não dispõe de poderes de intervenção efectiva junto do
Parlamento, sendo este que domina a vida política, com a inerente
instabilidade governativa.

Sistema parlamentar de Gabinete: Consolidou-se no séc XX no Reino Unido. Pressupõe


em regra o bipartidarismo, que resulta do sistema eleitoral, caracteriza-se por:
 O chefe de Estado não é eleito pelo Parlamento;
 Existência de poder de dissolução;
 Governo dispõe de poderes de intervenção efectiva junto do Parlamento,
sendo o Gabinete o eixo da vida política, com a inerente estabilidade
governativa.

Sistema parlamentar racionalizado: Existe na Polónia e na Alemanha. Caracteriza-se


por:
 Presença de mecanismos que visam dificultar a queda dos governos
(estabilidade governativa através de uma série de travões)- moção de censura
construtiva- na qual só se pode derrubar o Governo no Parlamento, se
juntamente com a moção de censura, se apresentar uma alternativa
maioritária de governo e o nome do novo PM (ou chanceler na Alemanha).

14.3.2 Sistema presidencialista

O Sistema presidencialista nasceu nos EUA e não teve qualquer implementação na


Europa. Características:
 Chefe de Estado eleito por sufrágio universal e em geral directo, ainda que não
seja formalmente directo nos EUA;
 Não existe dualidade no Executivo, sendo o chefe de Estado simultaneamente
chefe de governo, nomeando livremente os secretários de Estado;

59
Ana Baptista 2016/2017

 Ha uma rigorosa separação orgânica entre Chefe de Estado e o Parlamento,


não respondendo politicamente um perante o outro, falando-se a esse respeito
de “casamento sem divorcio”29;

EUA- presidencialismo perfeito, com sistema de freios e contrapesos que mantém o


sistema em equilíbrio, apesar desta separação rígida.
Presidencialismo adulterado- existe na América Latina, o Presidente da Republica é
auxiliado por Ministros individualmente responsabilizados e em que os actos do PR são
referendados por esses mesmos Ministros.

14.3.3 Sistema semipresidencial

Componente parlamentar + Componente presidencial

Marcelo Rebelo de Sousa- os traços da componente parlamentar são:


 Governo formado em função dos resultados das eleições parlamentares;
 A constituição e sobrevivência do Governo depende da confiança parlamentar;
 Existe uma diarquia ou dualidade no Executivo, com distinção de funções entre
o Chefe de Estado e o Chefe de Governo.

Traços da componente presidencial:


 Chefe de Estado eleito por sufrágio universal;
 Governo politicamente responsável perante o Chefe de Estado,
cumulativamente com a sua responsabilidade perante o Parlamento;
 Chefe de Estado dispõe de amplos poderes, entre os quais o poder de
dissolução do Parlamento e de veto das leis.

Particularidades do sistema presidencial:


 Variabilidade e a grande dependência que mostra relativamente ao peso de
factores políticos, como a composição do Parlamento, a personalidade e
estratégia do PR...
 Tende para a prevalência da componente parlamentar;
 Conheceu algum sucesso junto dos novos países de língua portuguesa e das
democracias surgidas no Leste da Europa, depois da queda do muro de Berlim
em 1989.

14.3.4 Sistema directorial

Existe na Suíça.

Características:
 Concepção rígida da separação de poderes
 Afasta-se do sistema presidencial apenas pelo facto de o poder executivo estar
entregue a um órgão colegial (o Directório), e não a um órgão singular;
29 Paulo Otero
60
Ana Baptista 2016/2017

 Também há aqui um “casamento sem divorcio”, na medida em que não há


responsabilidade entre Directório e Parlamento, não podendo este demitir o
Directório, nem o Directório dissolver o Parlamento.

15. Excurso: Sistemas eleitorais e sistemas de partidos

15.1 Conceito e tipologia dos sistemas eleitorais

Vamos cingir-nos aos regimes democráticos, e ter em conta apenas o sistema de


eleição para o Parlamento ou assembleias legislativas.

15.1.1

Sistema eleitoral: conjunto de regras que definem a forma de expressão da vontade


eleitoral, particularmente as que respeitam à delimitação das circunscrições eleitorais
e à definição do modo de escrutínio.

Circunscrições eleitorais/ círculos eleitorais: são as parcelas do território do Estado no


seio das quais são apurados os mandatos, podendo haver vários círculos de diversa
dimensão (como é habitual) ou haver um único circulo nacional (ex: eleições para
parlamento europeu).
Quando em cada circulo apenas é eleito um representante existe o sufrágio
uninominal. Quando a cada circulo são eleitos vários representantes, estamos perante
sufrágio plurinominal (Portugal, EUA, na eleição para o Presidente).

15.1.2

Modos de escrutínio: são as formas de apuramento dos mandatos a partir dos votos
expressos pelos eleitores. Sistema maioritário e o sistema de representação
proporcional.

 Sistema maioritário: é eleito o candidato ou a lista de candidatos que


obtiverem maior nº de votos:
o Sistema maioritário a uma volta é eleito o candidato mais votado seja
qual for a maioria obtida (Reino Unido ou EUA)
o Sistema maioritário a duas voltas é eleito o candidato que na primeira
volta obtiver maioria absoluta dos votos, e, se tal maioria não tiver sido
alcançada, deve realizar-se nova eleição para os candidatos mais
votados na primeira volta, sendo eleito o que obtiver a maioria relativa
(França).
Dominante até final do séc XIX, vantagens:
o Simplicidade, estabilidade governativa, menor influência dos directórios
partidários, maior aproximação entre os eleitos e os eleitores.
Inconvenientes:

61
Ana Baptista 2016/2017

o Injustiça pois prejudica gravemente os partidos menos votados


(subrepresentação).

 Sistema de representação proporcional: corresponde necessariamente a um


sufrágio plurinominal, a representação de cada partido deve ser proporcional
ao nº de votos que lhe couberam na eleição.
o Sistema dominante na Europa continental;
o Jorge Miranda: ajusta-se melhor a sociedades ideologicamente mais
fragmentadas e com maior conflitualidade política e social;
o Vantagens: retrata mais fielmente a sociedade;
o Inconvenientes: pulverização partidária, não favorecimento da
estabilidade governativa, reforço da importância das maquinas
partidárias, afastamento entre eleitos e eleitores;
o Modalidades/subsistemas de representação proporcional:
 Sistema de maior resto
 Sistema da média mais alta de Hondt: sistema adoptado em
Portugal
 Sistema da média mais alta de SaintLague.

Sistema da média mais alta de Hondt: tendo presente o nº de lugares a eleger num
determinado circulo, divide-se o nº de votos que cada partido obteve pelo nº de
lugares, ordenando-se em seguida os quocientes assim calculados, distribuindo então
os lugares pelos quocientes mais elevados.

15.1.3

Fala-se também em sistemas de escrutínio misto (Alemanha/Itália), mas a tendência é


sempre para os sistemas acima referidos.

15.2 Conceito e tipologia dos sistemas de partidos

Seguiremos de perto a opinião doutrinária de Marcelo Rebelo de Sousa.

15.2.1 Partido politico

Marcelo Rebelo de Sousa: agrupamento duradouro de cidadãos organizado tendo em


vista participar no funcionamento das instituições e formar e exprimir
organizadamente a vontade popular, para o efeito acedendo, exercendo ou
influenciando directamente o exercício do poder politico.

Fins dos partidos: participação no funcionamento das instituições do poder politico e a


representação política da comunidade.

Principais funções dos partidos: representativa, selecção do pessoal politico, definição


de posições políticas.
62
Ana Baptista 2016/2017

15.2.2

Sistema de partidos: formula ou modo através do qual se exprime o nº, o peso


eleitoral e a influencia dos diversos partidos existentes num determinado Estado.

Tipologia dos sistemas de partidos:


 Sistema sem partidos
 Sistema de partido único
 Sistema de partido hegemónico
 Sistema bipartidário
 Sistema multipartidário

Sistema sem partidos: Realidade existente até séc XVIII, mas ainda hoje existente na
Arabia Saudita, Macau.

Sistema de partido único: Sistema próprio de regimes não democráticos. Existente na


Coreia do Norte, China, Cuba. Portugal teve 2 experiências com partido único: 1910 a
1911 e com o Estado Novo (1933-1974). Os países africanos de língua portuguesa
passaram na décadas de 70/80 por uma fase de partido único.

Sistema de partido hegemónico: Há mais do que um partido, mas é o principal partido


o único a ter efectivo acesso, exercício e controlo do poder, coexistindo com um
regime politico não democrático ou em transição para a democracia, e com sistemas
políticos não competitivos. Ex: Angola, anteriormente Moçambique que passou para
bipartidarismo condicionado.

Sistema bipartidário:
 Bipartidarismo perfeito: os 2 maiores partidos obtêm cerca de 90% dos votos.
Ex: Cabo Verde ou EUA- em 4 de Nov. De 2014 os 2 principais partidos
obtiveram mais de 96% dos votos.
 Bipartidarismo imperfeito: os 2 maiores partidos não obtêm mais de 75% a 80%
dos votos, o que confere a outro ou outros partidos um papel relevante no
equilíbrio do sistema. Ex: Reino Unido ou Alemanha.
 Bipartidarismo condicionado: atendendo à presença de outros factores, de
ordem cultural, política ou social, que limitam a influencia real dos partidos.

Sistema multipartidário:
 Perfeito: quando nele existam 3 ou + partidos que tenham um peso eleitoral
aproximado. Ex: Espanha no final de 2014.
 Imperfeito/ de partido dominante: quando um dos partidos alcança pelo
menos 35% dos votos. Ex: é a situação de Portugal nas ultimas décadas.
 Condicionado: quando existem outros factores que limitam a influencia real
dos partidos, como sucedeu em Portugal em 1975 ou como é o caso de Hong
Kong.

63
Ana Baptista 2016/2017

15.3 Relações entre sistema eleitoral, sistema de partidos e sistema de governo

Maurice Duverger: três leis sociológicas

André Gonçalves Pereira: quer o sistema eleitoral quer o sistema de partidos têm de
ser considerados elementos constitutivos da própria definição de sistema de governo,
bem como o sistema eleitoral é a chave do sistema de governo.
15.3.1

Leis de Duverger:
 O sistema maioritário a uma volta gera o bipartidarismo, com alternância de
grandes partidos independentes;
 O sistema de representação proporcional geral o multipartidarismo, com
partidos rígidos, independentes e estáveis;
 O sistema maioritário a 2 voltas gera um sistema multipartidário, com partidos
flexíveis, dependentes e relativamente estáveis.

Douglas W. Rae, veio chamar a atenção para os aspectos seguintes:


 Todos os sistemas eleitorais favorecem os grandes partidos em detrimento dos
pequenos;
 Quanto maior for a dimensão dos círculos eleitorais tanto maior será o nº de
partidos ou o nº de partidos necessários para formar uma coligação, bem como
tanto maior será o beneficio do partido mais votado.

André Gonçalves Pereira:


 Os sistemas eleitorais não são neutros, dado poderem alterar a própria
natureza do sistema de governo;
 A representação maioritária e a representação proporcional são fórmulas
incompatíveis.
 Consequência lógica a extrair: não existem verdadeiramente sistemas mistos.

15.3.2

André Gonçalves Pereira: estabeleceu um conjunto de suposições na relação entre


sistema eleitoral e o funcionamento de sistema de governo:
I. Existe ligação entre sufrágio maioritário a uma volta e o bipartidarismo;
II. Existe relação entre a representação proporcional e o multipartidarismo;
III. O principio da representação proporcional está associado a instabilidade
governativa;
IV. A representação maioritária a duas voltas leva a coligações pré-eleitorais;
V. A representação proporcional leva a coligações pós-eleitorais;
VI. A representação maioritária acentua a importância individual do deputado e a
sua responsabilização perante o eleitor;

64
Ana Baptista 2016/2017

VII. A representação proporcional, sobretudo se for em grandes círculos, como em


Portugal, acentua a importância das máquinas partidárias e diminui a relação
deputado-eleitor;
VIII. Quando levada ao limite, a representação proporcional, através do sistema de
substituições dos deputados, pode levar à ruptura da relação deputado-eleitor;
IX. A representação proporcional leva à oligarquia partidária e, no limite, ao
Estado absoluto de partidos;
X. A representação proporcional conduz a partidos disciplinados, ao passo que a
representação maioritária afrouxa a disciplina partidária;
XI. A representação maioritária torna mais fácil a chamada “alternância
democrática”, ao passo que a representação proporcional torna tal alternância
mais difícil.

Notas:
 A reflexão acima apresentada acolhe e confirma o essencial das Leis de
Duverger;
 Estas hipóteses de trabalho não perderam a sua actualidade e relevância;
 A 3ª e 11ª hipótese não obtêm confirmação na realidade Portuguesa, desde
1987, ano em que foram publicadas;
 A chave para estes desvios encontra-se num conjunto de factores culturais,
sociais e políticos especificamente portugueses.

Que devemos pensar destas várias


propostas?

 Devem ser olhadas não como leis, mas como tendências ou hipóteses de
trabalho;
 É extremamente difícil concordar ou discordar;
 Podem ser condicionados por factores específicos: culturais, nacionalistas,
étnicos, linguisticos.

15.3.4

Olhando às 3 experiências constitucionais analisadas, podemos concluir:


 Quanto à experiência Britânica, o sistema eleitoral maioritário uninominal a
uma volta conduz normalmente ao bipartidarismo imperfeito, o que por sua
vez da lugar à estabilidade governativa e à significativa concentração de
poderes no Governo, justificando assim a existência de um sistema
parlamentar de gabinete. Contudo o peso eleitoral de um terceiro partido e de
um partido regional têm debilitado o tradicional bipartidarismo imperfeito.

65
Ana Baptista 2016/2017

 Quanto à experiência norte-americana, o sistema maioritário a uma volta,


favoreceu o bipartidarismo perfeito, com partidos flexíveis e sem disciplina
partidária, resultando num sistema de governo presidencial e no equilíbrio de
poderes;
 Quanto à experiência Francesa, o sistema maioritário a duas volta gerou de
facto um sistema multipartidário, que vêm facilitar a presença de 2 blocos no
Parlamento, o que facilita a liderança do sistema por parte do PR.
Diferentemente do que acontece nos EUA, o factor mais determinante nao é
tanto a Constituição escrita como a pratica constitucional.

66
Ana Baptista 2016/2017

Capítulo III- A constituição

16. Conceito e tipos de constituição

A Constituição é o mais estruturado sistema de limites ao poder do Estado.


Pode ser olhada como obra resultante do exercício da autoridade constituinte (poder
politico originário e subordinante) no seio de uma dada comunidade.

Critérios de classificação:
a) Extensão;
b) Carga ideológica;
c) Processo de alteração;
d) Autoria;
e) Concordância com a realidade (ou classificação “ontológica”).

16.1 A constituição como ordem jurídica fundamental do Estado

Werner Kagi: Ordem jurídica fundamental do Estado.

Ordem jurídica fundamental:


 Significa, que a Constituição não pretende regular tudo o que respeita ao
Estado, mas apenas as regras básicas relativas à organização do poder politico
do Estado, à definição dos direitos e liberdades dos cidadãos e ao acatamento
das normas constitucionais;
 A Constituição não pode resumir-se a um texto escrito. Mais que qualquer
outra Lei a Constituição é uma realidade política e culturalmente determinada.
Por um lado é determinada por factores externos (cultura política, ethos
nacional, literacia, estrutura das classes sociais, grau de desenvolvimento
humano, distribuição da riqueza, sistema de partidos, etc) e pelo regime
politico existente.
Há quem se refira a 4 dimensões da Constituição30:
1) Estrutural;
2) Axiológica;
3) Volitiva;
4) Normativa;
 Só se pode falar em Constituição sem sentido próprio diante da realidade
estadual (importante no caso da UE ou Regiões administrativas de Macau e
Hong Kong).
A Constituição não é uma lei fundamental da sociedade, ainda que possa ser
vista como parte da ordem fundamental para a sociedade:
1) Trata-se de um conjunto limitado de realidades sociais;
2) Trata-se de um quadro de princípios parcial e fragmentário;
3) A principal função dos direitos de liberdade é a de assegurar as condições
de diferenciação entre o Estado e a sociedade.

30 Marcelo Rebelo de Sousa


67
Ana Baptista 2016/2017

16.2 Constituição em sentido material, formal e instrumental

Há 3 sentidos básicos da Constituição que importa conhecer:


 Sentido material
 Sentido formal
 Sentido instrumental

16.2.1

Constituição em sentido material: Conjunto de normas jurídicas fundamentais que


regulam a organização do poder politico do Estado, os direitos e liberdades das
pessoas, bem como a fiscalização do acatamento dessas normas por parte do poder
politico.

A Constituição em s. Material parte da delimitação de matérias a que deve ser


reconhecida dignidade constitucional.

O que permite verificar se uma norma jurídica é ou não constitucional, é o seu


conteúdo material, seja qual for a forma que a norma apresente (escrita ou não
escrita, positiva ou costumeira, em lei avulsa ou documento solene).

16.2.2

Constituição em sentido formal: Conjunto de normas jurídicas decretadas através de


um processo específico, dotadas de uma força superior e integradas num documento
qualificado de Constituição ou lei constitucional.

O que permite, neste caso, ver se uma norma é ou não constitucional, não é o seu
conteúdo material, mas sim o procedimento adoptado, o lugar que ocupa no
ordenamento e a sua positivação num texto solene.

16.2.3

Constituição em sentido instrumental31: o texto denominado Constituição ou


elaborado como Constituição, naturalmente ligado à força jurídica especifica da
Constituição formal.

12.2.4

A distinção entre Constituição em s. Formal e em s. Material é de grande relevância,


pelas seguintes razoes:
a) Existe sempre uma constituição em s. Material, ainda que possa faltar em s.
Formal (Reino Unido ou Nova Zelândia);

31 Jorge Miranda
68
Ana Baptista 2016/2017

b) Ao lado da constituição em s. Formal, ha normalmente ainda, alem de leis


materialmente constitucionais, normas de costume ou ate interpretações
de nível constitucional alem de outros usos e praticas;
c) Nem todas as normas da constituição material se encontram na
constituição formal, de certo modo que normas da constituição formal não
o são em sentido material;
d) Em certos momentos a constituição formal é deliberadamente afastada,
como sucede nos períodos de interregno ou vacuum constitucional;
e) Tem-se registado um significativo alargamento do âmbito da constituição ,
quer em s. Formal, quer em s. Material;
f) São muitos os corolários da constituição em s. Formal- supremacia, rigidez,
necessidade de sistemas de fiscalização do cumprimento das normas.

A ideia de constituição instrumental tem reduzida relevância pratica e heurística, por


estar consumida em grande parte no conceito de constituição formal. O S.
Instrumental serve essencialmente para dar nota da existência de sistemas com várias
leis constitucionais avulsas.

16.3 Constituições concisas e prolixas

Cingimo-nos agora em diante, apenas às Constituições escritas.

Quanto à sua extensão, as constituições podem ser: concisas ou prolixas.

Constituições concisas: são aquelas que formulam apenas as regras gerais básicas
relativas à organização dos poderes do Estado, aos direitos e liberdades fundamentais
dos cidadãos e à garantia da Constituição, cingindo-se à matéria constitucional em
sentido estrito e deixando tudo o mais à legislação orgânica ou complementar.
São normalmente associadas a normatividade, estabilidade e a maior capacidade de
adaptação do texto às mudanças sociais e políticas.
Ex: Constituição dos EUA de 1787, a mais concisa das Portuguesas é a de 1911 com 87
artigos.

Constituições prolixas: são aquelas que incorporam no texto matérias alheias ao


Direito constitucional, que tratam da matéria constitucional com demasiada minúcia e
que se ocupam com desenvolvimentos que melhor caberiam ao legislador ordinário.
Tendem à inefectividade, à instabilidade, revisionismo constitucional, e à incapacidade
de regulação do processo politico, cujo espaço de realização previamente estreitaram.
Ex: Constituição de Cádis de 1812 (384 artigos), Constituição de 1976, Constituição
federal brasileira de 1988, Constituição da Bolívia de 2009 (+ de 420 artigos).

Paulo Bonavides: O carácter excessivamente detalhado de uma constituição é um


pecado constitucional, da mesma forma que a concisão é uma virtude constitucional.

69
Ana Baptista 2016/2017

16.4 Constituições estatutárias e Constituições pragmáticas

Distinção de Constituições com base na sua carga ideológica 32: estatutárias ou


pragmáticas.

Constituição estatutária: limita-se a definir o estatuto e organização do poder politico


e a regular a participação política dos cidadãos, abstendo-se de definir objectivos ou
programas de acção. As constituições do Estado liberal de Direito eram, por definição,
Constituições estatutárias, ainda que não se devam considerar neutras 33.
Ex: Constituição Mexicana de 1917, Alemã de Weimar de 1919.

Constituição pragmática: é aquela que, além da organização do poder politico e dos


direitos fundamentais dos cidadãos, se ocupa da fixação de um conjunto de objectivos,
programas e metas a alcançar pelo Estado nos domínios económico, social e cultural,
procurando, na sua versão extrema, dirigir a sociedade (Constituição dirigente).
Ex: Constituições marxistas-leninistas, Constituições de regimes autoritários
(Constituição de 1933).

As Constituições de Estado social e democrático de Direito da 2ª metade do séc XX


envolvem, ao lado da componente estatutária , que é predominante, uma
componente pragmática, que começa pela afirmação do principio do Estado social e se
desenvolve particularmente no catálogo de direitos fundamentais.

16.5 Constituição rígida e Constituição flexível

Atendendo ao processo de alteração, as Constituições podem ser: rígidas ou flexíveis.

Constituições rígidas: São aquelas que não podem ser modificadas pelo mesmo
processo adoptado para a elaboração das leis ordinárias, estando sujeitas a um
conjunto de limites formais, temporais ou materiais.

Constituições flexíveis: São aquelas que podem ser alteradas pelo processo
estabelecido para as leis ordinárias.

Por regra, as constituições escritas são rígidas (Constituição americana, Constituição


Francesa de 1958 ou todas as Constituições dos países de língua portuguesa), são
excepção os exemplos históricos do Estatuto Albertino de 1848, na Itália, ou, em parte,
da Carta Constitucional Portuguesa de 1826.

Nas constituições não escritas, a regra é a de que sejam flexíveis.


Não está dito que a adaptação das Constituições escritas à mudança não se faça
também pela interpretação, pela prática e pelas convenções constitucionais.

32 Karl Loewenstein
33 Jorge Miranda
70
Ana Baptista 2016/2017

Difícil de modificar, pelo processo de revisão constitucional, é a Constituição dos EUA,


e a de Espanha.

16.6 Constituições outorgadas, pactícias e democráticas

Classificação relevante para o estudo da história constitucional portuguesa, em função


da autoria: outorgadas, pactícias e democráticas.

Constituição outorgada: aquela que provém de um acto unilateral de um órgão


soberano, seja ele Rei ou eventualmente junta ou partido.
O outorgante apenas se vincula na medida que for estabelecido na Constituição.
Ex: Constituição brasileira de 1824, Carta portuguesa 1826, Constituição Japonesa de
1889, Constituição da Arábia Saudita de 1950.

Constituição pactícia: é aquela que exprime na sua aprovação um compromisso entre


dois princípios de legitimidade ou entre duas forças políticas rivais.
Alguma aproximação ao conceito de constituição compromissória (aquela em que na
decisão constituinte e na estrutura do documento se tenham revelado vontades
fragmentadas ou justapostas).
Ex: Constituição portuguesa de 1838, Bill of rights 1689.

Constituição democrática: É aquela que exprime em toda a sua extensão o principio


politico e jurídico de que todo o governo deve apoiar-se no consentimento dos
governados e traduzir a vontade soberana do povo. Forma habitual das Constituições
nos sistemas de democracia constitucional, com ou sem recurso a referendo. A
primeira constituição moderna foi a dos EUA.

Jorge Miranda: Numa constituição existirá necessariamente sempre um módico de


princípios conflituantes, razão pela qual não se justifica a contraposição entre
Constituições simples e Constituições compromissórias.

16.7 Constituição normativa, nominal e semântica

Concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do saber.

16.7.1

Constituição normativa: é aquela cujas normas regulam efectivamente o processo


politico e em que o processo politico se ajusta ele próprio a essas normas. A
constituição é como um fato que serve e é efectivamente usado 34.
A sua primeira função é limitação do poder do Estado.
Constituição nominal: é aquela que não consegue regular o processo politico, ficando
sem realidade existencial, por falta de correspondência na prática política. A
34 Loewenstein
71
Ana Baptista 2016/2017

constituição é como um fato que por enquanto está no armário, para ser usado
quando o corpo politico nacional crescer35.

Constituição semântica: é aquela cuja realidade ontológica não é senão a formalização


da situação do poder politico existente em beneficio exclusivo dos detentores de facto
do poder, que dominam a maquina de coação do Estado. Iniciada por Napoleão
Bonaparte. O fato não é honesto, mas apenas um disfarce ou um vestido de fantasia 36.
Serve para estabilizar e perpetuar uma determinada classe política no poder.

16.7.2

Relevância da tipologia acima descrita, passa por 4 relações:


 Relação com os pressupostos da constituição;
 Relação com a substancia dos regimes políticos;
 Relação com a teoria das fontes do Direito constitucional;
 Relação entre Direito e política

Marcelo Rebelo de Sousa: a constituição nominal é aquela cujas normas foram


derrogadas por praticas consuetudinárias de sentido inverso.

17.7.3

Relação com o tema dos regimes políticos:


 A Constituição normativa, ao limitar efectivamente o poder politico e garantir
os direitos fundamentais dos cidadãos, é própria dos regimes democráticos;
 A Constituição nominal é frequente em regimes autoritários ou de transição,
podendo também ocorrer em regimes democráticos com deficiências nos
pressupostos e nas demais condições de realização da Constituição
(parcialmente o caso Português);
 A Constituição semântica é própria de regimes não democráticos e caracteriza-
se por:
o Completa distorção da função da constituição;
o Não pretender ter uma vigência efectiva;
o Por ser mero reflexo do domínio da política sobre o Direito;
o Por poder evoluir em função das transformações sofridas pelo regime
político.

17. O poder constituinte

17.1 Conceito de poder constituinte

35 Loewenstein
36 Loewenstein
72
Ana Baptista 2016/2017

Poder constituinte: é a faculdade de um povo, no exercício da sua autoridade


suprema, dar a si próprio uma Constituição.

Poder constituinte material: Poder de definir, segundo uma determinada ideia de


Direito, o conteúdo da Constituição, traduzido nas diversas estruturas da Constituição
(forma de Estado, regime politico, sistema de governo, garantias dos cidadãos, etc).

Poder constituinte formal: Poder de adoptar normas com força jurídica superior à das
leis ordinárias, ou seja, o poder de adoptar uma Constituição em sentido formal.

Poder constituinte originário/ poder constituinte derivado: consoante se trate de criar


uma Constituição ex-novo ou de rever uma Constituição ja existente.

O poder constituinte tanto se pode exprimir na produção de normas escritas, como na


produção de normas de costume ou de interpretações.

Em sentido lato e em tese geral, o poder constituinte tanto se pode exprimir na


produção de normas escritas, como na produção de normas de costume ou de
interpretações.

A Teoria do poder constituinte surge apenas com o constitucionalismo das revoluções-


John Locke + Abade de Sieyes

A novidade do poder constituinte reside desde logo no facto de ele vir a ocupar o lugar
deixado vago pelas anteriores concepções da legitimidade e da origem do poder,
atribuindo ao povo (ou à nação) o fundamento da autoridade soberana que ate então
era reconhecida a Deus ou ao príncipe, conduzindo a um novo patamar o processo
histórico de racionalização e institucionalização do poder politico.

Poderes constituídos: poderes criados pela Constituição, e que se encontram num


plano de subordinação em relação ao poder constituinte. Ex: poder de revisão
constitucional.

17.2 Características e natureza do poder constituinte

 Características
 Qual a sua natureza: estaremos diante de um poder politico supremo e
ilimitado ou diante de um poder jurídico essencialmente limitado?

17.2.1

Classicamente na Tradição Francesa, o poder constituinte era apresentado como


sendo um poder:
 Originário: por nenhum outro poder anterior lhe servir de fundamento;

73
Ana Baptista 2016/2017

 Autónomo: na medida em que se pode dispor de forma independente e


incondicionada sobre a ordenação da vida política da comunidade;
 Omnipotente: por não estar subordinado a nenhuma regra de forma ou de
fundo;
 Inesgotável: por não desaparecer com a aprovação da Constituição mas
continuar permanentemente operacional.

Quanto à tradição Britânica: Punha em causa a característica da omnipotência, devido


à ideia de contrato social e limitação do poder politico pelo Direito natural.

Jorge Miranda-limites ao poder constituinte:


 Limites transcendentes: Provêm do Direito natural e de valores éticos
superiores e que teriam sobretudo a ver com os direitos fundamentais mais
próximos da dignidade da pessoa humana;
 Limites imanentes: Decorrem da própria identidade do Estado;
 Limites heterónomos: Provenientes da articulação com outros ordenamentos,
como o internacional e o europeu, ou os decorrentes a existência de uma
federação.

Marcelo Rebelo de Sousa-Haveria sobretudo 2 tipos de limites: os condicionamentos


estruturais e os condicionamentos de valor.

Miguel Nogueira de Brito- São de recusar os limites transcendentes e imanentes,


admitindo apenas os limites respeitantes à própria acção que consiste em elaborar e
aprovar uma Constituição.

Carlos Blanco de Morais- Não há quaisquer limites jurídicos ao poder constituinte.

O poder constituinte é um poder originário e autónomo que se encontra condicionado


por factores extra-jurídicos- Vieira de Almeida- limites horizontais.

O poder constituinte é um poder funcionalmente limitado pela natureza da tarefa que


lhe compete.

Admite-se que se encontre de algum modo limitado juridicamente pelas normas de ius
cogens.

17.2.2

Miguel Nogueira de Brito- 3 posições registadas:


 O poder constituinte é um poder politico que está acima da constituição em
sentido formal, traduzindo-se na “autoridade capaz de adoptar a concreta
decisão de conjunto sobre o modo e forma da própria existência política,
determinando assim a existência da comunidade política como um todo”- Carl
Schmitt;

74
Ana Baptista 2016/2017

 Trata-se de um poder jurídico, porquanto não é a decisão política do povo que


institui a ordem jurídica, mas sim a ordem jurídica que da vida à unidade
política do Estado- Hans Kelsen;
 O poder constituinte é também um poder jurídico, uma vez que a feitura da
Constituição só pode ser imputada ao povo estando reunidas as condições
mínimas da separação de poderes e da garantia dos direitos individuais, pelo
que o poder constituinte existe apenas no acto de fazer a Constituição- Miguel
Nogueira de Brito.

Não se questiona que o poder constituinte seja um poder essencialmente jurídico, por
trazer consigo a afirmação de uma nova ordem de validade, expressa nos princípios
que dão corpo à nova Constituição material.
Não deixa também de ser autoridade e poder no sentido politico, razão pela qual
também o poder constituinte, se situa na encruzilhada entre Direito e a política.

17.3 Formas de exercício do poder constituinte

Tipologia paralela à utilizada no estudo dos regimes políticos, distinguindo entre


formas democráticas e formas não democráticas de exercício do poder constituinte.

17.3.1

Nas formas democráticas de exercício do poder constituinte:


 O povo exerce o poder constituinte, intervindo directa ou indirectamente, de
forma livre e não condicionada, na feitura da Constituição, o que pressupõe a
existência de uma sociedade aberta, respeito pelos direitos e liberdades
fundamentais, existência de condicionamentos que afectem a expressão dessa
vontade- Marcelo Rebelo de Sousa
 O povo pode intervir de distintos modos:
o Através da eleição de representantes para uma Assembleia que discute,
elabora e vota uma constituição (democracia representativa);
o Através de uma assembleia em que participem todos os cidadãos
interessados (democracia directa);
o Através da aprovação por voto popular em referendo de uma
Constituição previamente elaborada por um órgão representativo ou
por este constituído (democracia semidirecta).

17.3.2

Nas formas não democráticas de exercício do poder constituinte:


 O exercício do poder constituinte pertence a uma pessoa ou a um grupo de
pessoas, sem intervenção do povo nesse exercício ou com grave manipulação
ou condicionamento da expressão da vontade popular;

75
Ana Baptista 2016/2017

 Existem restrições à manifestação de ideias e doutrinas, o respeito pelos


direitos e liberdades não esta assegurado, existindo ainda fortes
condicionamentos à livre expressão da vontade popular.

17.3.3

Referendo: as normas objecto de consulta foram elaboradas por um órgão designado


democraticamente, num contexto de pluralismo e de liberdade de participação
política. Ex: Espanha em 1978

Plebiscito: as normas foram elaboradas por um órgão monocrático (como sucedeu


com Napoleão Bonaparte) ou autocrático (como sucedeu em Portugal em 1933).

17.4 A revisão constitucional e o problema dos limites materiais

Revisão constitucional: consiste na modificação expressa, de alcance geral e abstrato,


da Constituição.

Jorge Miranda: a regra será a de que se trate de uma modificação parcial, visando a
continuidade institucional.

Também é possível revisão total (Constituição Espanhola de 1978), ou que possa existir
de facto uma transição constitucional, que representará uma ruptura com a
Constituição material anterior (ruptura na ordem constitucional).

17.4.1

 O poder constituinte e o poder de revisão estão ou não no mesmo plano?

Maurice Duverger: um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e de modificar


a sua Constituição. Nenhuma geração pode sujeitar as gerações futuras às suas leis 37.
O poder de rever a constituição (poder constituinte derivado) representa ainda a
subsistência do poder constituinte originário, sendo como ele omnipotente e
incondicionado.

Blanco de Morais: (generalidade dos autores tem esta opinião) o poder de revisão é
um poder juridicamente limitado pelo poder constituinte, encontrando-se submetido
aos limites que lhe tenham sido fixados na Constituição.

José de Melo Alexandrino: Só a 2ª corrente é aceitável (Blanco), ainda que se deva


admitir a latência do poder constituinte que, como tal, pode irromper a qualquer
momento.
17.4.2
37 Constituição Francesa de 1793, art 28º
76
Ana Baptista 2016/2017

Constituição rígida: aquela que não pode ser modificada pelo mesmo processo
adaptado para elaboração das leis ordinárias, estando sujeita a um conjunto de limites
formais, temporais ou materiais.

Limites formais: são aqueles que respeitam à definição dos órgãos competentes para
desencadear ou aprovar a revisão ou às maiorias necessárias para o efeitos.

Limites temporais: são que respeitam à dimensão temporal do exercício do poder de


revisão. No caso Português pode haver revisões ordinárias em determinados períodos
de “cio constitucional”38 , ou revisões extraordinárias, que implicam uma deliberação
especial prévia à abertura de um processo de revisão.

Limites materiais: são os que respeitam a um conjunto de matérias (visam a garantia


da identidade da ordem constitucional) que por determinação expressa, não são
passíveis de revisão- subjacente a esta definição esta a recusa de limites materiais
implícitos (todavia com muitos defensores na nossa doutrina).
Pioneira a Constituição norte-americana.
Controvérsia na doutrina a propósito da relevância jurídica:
 Tese da irrelevância jurídica: Tudo o que esta na constituição pode ser revisto,
na medida em que não ha uma diferença qualitativa entre o poder constituinte
originário e o poder constituinte derivado, devendo por conseguinte os limites
materiais serem entendidos como meras orientações políticas- Marcello
Caetano;
 Tese da relevância relativa: há limites de 1º e 2º grau distinguidos pela
doutrina. Os limites materiais têm valor jurídico, mas podem ser removidos
através de uma “dupla de revisão”, nos termos da qual, num primeiro
momento, se altera a norma de limites e, numa ulterior revisão, se alteram as
normas que estavam protegidas por aqueles limites, que todavia, no caso de
serem limites de 1º grau, permanecem na Constituição na qualidade de limites
implícitos- Jorge Miranda;
 Tese da relevância limitada: as normas de limites materiais estão no mesmo
nível de todas as demais normas da Constituição, razão pela qual também elas
podem ser revistas através dos procedimentos previstos na Constituição, o que
todavia não põe em causa a obrigação de preservar a identidade da
Constituição- Miguel Nogueira de Brito;
 Tese da relevância absoluta: as normas de limites materiais situam-se num
nível hierárquico superior ao das restantes normas constitucionais, razão pela
qual os limites materiais devem ser entendidos como proibições permanentes
e absolutas, cuja violação coloca a lei de revisão constitucional fora da ordem
constitucional- Gomes Canotilho.

17.4.3 Posição adoptada


38 Miguel Nogueira de Brito
77
Ana Baptista 2016/2017

A tese que o Prof. José de Melo Alexandrino tem defendido é a da relevância absoluta,
com base nos seguintes postulados jurídicos acerca do poder de revisão constitucional:
 Não existe identidade de natureza entre o poder constituinte e o poder de
revisão constitucional;
 O poder de revisão, enquanto poder constituído, está heteronomamente
subordinado aos limites que previa e superiormente lhe foram fixados;
 Os limites materiais constituem proibições permanentes e absolutas, cuja
violação coloca a lei de revisão constitucional extra ordinem;
 As normas de limites materiais constituem normas de nível hierarquicamente
superior ao das restantes normas constitucionais;
 Não pode deixar de presumir-se o conteúdo útil e a relevância jurídica de todos
os limites materiais expressos;
 Os limites materiais não protegem necessariamente toda a Constituição
material, mas algumas das suas linhas mestras;
 Os limites materiais protegem núcleos duros, princípios, essências, mas não a
extensão ou a concreta expressão constitucional de um determinado domínio
regulativo;
 São múltiplas as funções desempenhadas pelos limites materiais, desde uma
função de clarificação, de individualização, de advertência política, até à função
de assinalar a superioridade normativa dessas mesmas disposições de limites;
 Os limites materiais não são a única formula, nem talvez a mais eficaz, de
garantir os conteúdos identificadores da Constituição;
 É razoável a orientação geral segundo a qual (numa ordem jurídica democrática
e livre) os limites materiais devem ser objecto de interpretação e de aplicação
restritivas.

17.5 Outras vicissitudes constitucionais

Vicissitudes constitucionais: quaisquer eventos que se projectem sobre a subsistência


da Constituição ou de alguma das suas normas.

Jorge Miranda:
 Vicissitudes expressas:
o Revisão constitucional
o Derrogação constitucional
o Transição constitucional
o Revolução
o Ruptura não revolucionária
o Suspensão parcial da constituição
 Vicissitudes tácitas:
o Costume constitucional
o Interpretação evolutiva da Constituição
o Revisão indirecta

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Ana Baptista 2016/2017

Afastamos aqui as vicissitudes tácitas, pois reconduzem-se a fenómenos melhor


enquadrados na teoria das fontes e na teoria das normas.

17.5.1

Derrogação (ou ruptura constitucional): traduz-se na existência de regulamentações


constitucionais especificas contrarias a um principio ou regra geral da Constituição.
Ex: 308º da Constituição de 1976- privação de direitos políticos aos antigos agentes da
policia política do Estado Novo.

17.5.2

Transição constitucional: é a passagem a uma nova Constituição material através do


aproveitamento das regras constitucionais que regulam o processo de revisão.
Ex: instauração do fascismo e do nazismo, na Itália e na Alemanha há 80 anos;
transição Espanhola de 1976-1978; passagem do regime de apartheid ao regime
democrático na África do Sul em 1995-1996; etc.

17.5.3

Revolução: é a ruptura na ordem constitucional da qual deriva um novo fundamento


de validade material da ordem jurídica. A revolução não é uma patologia ou algo que
esteja fora do Direito.

Doutrina: a revolução desempenha uma função de legitimação (pois tem valor de


fonte de direito), uma função hermenêutica (determina interpretação das futuras
normas) e uma função constitutiva (validade própria), cumprindo ainda o período
revolucionário “uma parte da missão que em período de estabilidade pertencente à
constituição”- Galvão Teles.

Distingue-se da transição, pois nesta há uma mudança do fundamento material da


ordem jurídica com observância das regras estabelecidas, ao passo que na revolução a
mudança se dá sem observância dessas regras- Miguel Nogueira de Brito.

17.5.4

Discussão na doutrina sobre a natureza do fenómeno porque estará a passar, desde


2011, a Constituição de 1976:
 Para a maioria dos autores, a Constituição Portuguesa estaria plenamente em
vigor;
 Para outros autores, a Constituição estaria condicionada por um “direito de
crise”- Maria Benedita Urbano; ou afectada pela erosão do constitucionalismo
estadual- Rui Medeiros;
 Uma terceira corrente, a Constituição portuguesa estaria ja numa situação de
“coma jurídico”- Paulo Otero

79
Ana Baptista 2016/2017

José de Melo Alexandrino: a CRP de 76 está de facto afectada por um conjunto de


factores, jurídicos e extra-jurídicos, que reduzem a sua capacidade de regulação do
processo politico (uma marca da Constituição nominal); por outro lado, entende que
esta capacidade limitada de conformação não põe em causa nem a validade nem a
vigência da Constituição, obrigando sim a uma releitura das suas normas. Seja como
for, a CRP de 76 não está suspensa.

18. A especificidade (natureza) da Constituição

A Constituição é o objecto do Direito Constitucional.

18.1 A constituição como ordem aberta

Constituição: ordem fundamental do Estado.

Ordem jurídica especialmente aberta sobre o social e sobre o politico.

A abertura como traço particular da Constituição manifesta-se de várias maneiras:


1) Na relação entre o texto constitucional e os pressupostos da Constituição, de
onde resulta a articulação entre o texto e a realidade constitucional, em tudo o
que respeita a interpretação, aplicação e realização das normas constitucionais;
2) O facto da Constituição se apresentar como uma rede de princípios carecidos
de complementação e abertos a uma pluralidade de concretizações;
3) O facto das normas constitucionais se apresentarem normalmente com uma
textura aberta;
4) A inevitabilidade do recurso a ponderações, na resolução de muitos dos
problemas que se colocam na aplicação da Constituição;
5) Na relação especial da Constituição com o tempo, detectável:
a. Ligação da Constituição com o futuro;
b. Necessidade de actualização do consenso constitucional e vontade da
Constituição, de forma a garantir a força normativa da constituição;
c. O facto da constituição institucionalizar um procedimento (revisão
constitucional) que pretende evitar a distancia entre a Constituição
escrita e a constituição material39.

Abertura não significa que tudo esteja aberto na Constituição, nem que não haja
limites a esse fenómeno. Espera-se que a Constituição fixe aquilo que deve ser
considerado decidido.

18.2 A Constituição como ordem-quadro

18.2.1
39 Canotilho
80
Ana Baptista 2016/2017

Constituição como ordem-quadro (ou moldura): salienta-se que nem tudo está
predefinido na Constituição. É tarefa da interpretação constitucional a definição da
largura dessa moldura.

Doutrina Alemã: o preenchimento do interior do quadro/moldura compete apenas ao


legislador, com exclusão do Tribunal Constitucional.

18.2.2

Esta nota é menos nítida junto de Constituições prolixas ou prescritivas como a


Portuguesa.

A ideia de ordem-quadro remete para o facto da Constituição consistir numa


ordenação parcial e fragmentária, na medida em que se trata da “ordem fundamental”
ou básica, deixando opções abertas diversas- observações:
 A Constituição estará sempre longe de constituir uma codificação exaustiva,
estabelecendo uma rede de princípios que carecem posteriormente de
complementação através da acção dos poderes constituídos do Estado. A
Constituição deixa um espaço livre à sua concretização e realização futura;
 Os princípios fundamentais equilibram-se e limitam-se reciprocamente,
revelando a sensibilidade da Constituição às tensões existentes na comunidade:
o O equilíbrio no interior da Constituição não esta livre de contradições;
o Para preservar a capacidade de regulação do processo politico perante
as mudanças que vão ocorrendo, a Constituição deve saber acomodar
princípios contrários, não podendo assentar numa estrutura unilateral;
o Os princípios constitucionais apresentam-se logo à partida como forças
em tensão, normas limitadas por outras que lhe são congéneres e com
as quais têm de ser devidamente equilibradas (dimensão negativa do
conceito de principio);
 Polaridade existente na Constituição entre:
o Estabilidade (ser ordem jurídica fundamental);
o Mudança (regulação efectiva do processo de formação da unidade
política numa sociedade cada vez mais complexa);
o Rigidez;
o Flexibilidade.

18.2.3

As principais implicações da ideia prendem-se com a distribuição de tarefas e papéis


entre o legislador e o TC, vedando a este o alargamento da moldura e a interferência
nas opções tomadas pelo legislador no espaço não ocupado pela moldura.

18.3 A Constituição como sistema de valores, princípios, regras e procedimentos


81
Ana Baptista 2016/2017

Vamos olhar aqui para a Constituição como algo mais vasto- sistema de valores,
princípios, regras e procedimentos- e não como Constituição enquanto sistema de
regas e princípios (estritamente normativa).

18.3.1 Exemplos

Art 1º CRP: Constituição proclama a sua adesão ao valor da dignidade da pessoa


humana, como base da comunidade política, e aos valores da liberdade, justiça e
solidariedade. (Valores sociais)

Art 24º/1: Enuncia principio (segundo a doutrina)

Art 24º/2: Enuncia uma regra (segundo a doutrina)

Pode-se admitir esta interpretação, contudo no nº1, não podemos resumir esse
preceito a uma única norma, uma vez que dele decorrem pelo menos 4 normas
diferentes:
1) Garante o direito de não ser morto pelo Estado;
2) Dever do Estado de proteger a vida da pessoa;
3) Garantia da vida humana como bem;
4) Direito à sobrevivência.
Não se pode excluir aqui que a vida humana seja também aí proclamada como valor.

Art 284º a 287º: Instituem um conjunto de regras fundamentais do procedimento para


o caso de se pretender alterar a Constituição.

Art 116º/2: Regras gerais de procedimento

Art 116º/3: Regra geral nas deliberações dos órgãos colegiais

18.3.2 Conceitos

Valores: são realidades referidas a fins (mas também a bens e interesses) que
reflectem preferencias intersubjectivamente partilhadas: liberdade, autoridades
dignidade humana, lei divina, igualdade, etc.
Distingue-se das regras e princípios, porque estes têm carácter deontológico e
vinculatividade plena, ao passo que os valores se definem por serem apenas
relativamente vinculativos e pelo seu carácter axiológico.
Os valores são autônomos, vivem em geral numa esfera diversa da esfera do Direito e
são afectados de forma diferente pelas alterações sofridas pelo Direito positivo.
 Qualidade:
o Valores transcendentes
o Valores imanentes
o Valores reais

82
Ana Baptista 2016/2017

 Espécie:
o Religiosos
o Éticos
o Políticos
o Sociais
o Estéticos
o Jurídicos
 Relevância:
o Velha sabedoria do povo
o Bem-estar

Os valores conflituam entre si incessantemente, mais ainda quando são da mesma


espécie.

Princípios e regras: Sao as 2 formas que podem apresentar as normas constitucionais,


exprimindo em qualquer dos casos um dever ser (carácter deontológico).

Procedimento: Esquema juridicamente regulado e organizado de actos e formalidades


com vista à produção de um resultado.
No âmbito da Constituição, este resultado tanto pode ser uma lei de revisão
constitucional como um acórdão do TC, um acto eleitoral ou um referendo, aprovação
de uma lei ou de uma convenção internacional, a declaração do estado de sitio ou a
apreciação do programa do Governo, etc.
Em Direito Constitucional, a regra é de que não há actos de produção instantânea,
envolvendo sempre um procedimento prévio.

18.3.3

Os Valores, podem a ver do Prof. Desempenhar funções de sinalização e orientação:


 Sinalização: das opções fundamentais, das linhas directrizes e dos fins que uma
concreta comunidade política escolheu num determinado momento histórico
como expressão do consenso fundamental e de onde decorre também a
legitimidade daquela ordem constitucional;
 Orientação: nas tarefas de interpretação e realização da Constituição, na
medida em que o apelo a essas referencias se mostre necessário ou devido (art
16º2 CRP).

Os Princípios ocupam hoje lugar central na Constituição, na teoria da constituição e na


praxis constitucional:
 As potencialidades e grandes fragilidades da CRP giram em torno dos
princípios, seja em torno da definição do seu conteúdo como norma de acção,
seja cedo seu alcance como norma de controlo, seja na resolução de conflitos
normativos e nas ponderações a que dão lugar;
 Os princípios garantem flexibilidade e adaptação;

83
Ana Baptista 2016/2017

 Uma constituição onde só existissem princípios geraria grave incerteza e


insegurança jurídica, caindo num “Estado jurisdicional”.

Uma Constituição precisa de Regras:


 Frequentes em matéria de organização do poder politico, mas também em
direitos fundamentais, de garantia da constituição, ...
 As regras constitucionais tem a vantagem da simplicidade e da segurança
juridica que proporcionam. Contudo, têm os inconvenientes da rigidez e da
inadaptação às mudanças sociais.

Os Procedimentos, em muitos casos, elemento fundamental da formação da vontade


política, expressamente regulado pela Constituição:
 É uma estrutura que emerge da constituição para garantia da liberdade e para
racionalização do poder político, apresentando ligações a princípios como da
segurança, competência, separação de poderes...
 Os países latinos tendem a desvalorizar o procedimento e a importância das
formas. Ex: Aprovação memorandos da Troika em 2011.

18.4 A garantia jurisdicional da Constituição: os Tribunais Constitucionais

Garantia das normas constitucionais, criando uma subfunção ao Estado: Jurisdição


constitucional, cabendo ao Tribunal Constitucional.

Tribunal Constitucional:
 Formalmente um tribunal
 Função jurisdicional
 Os seus actos têm natureza de actos jurisdicionais
 Não deixa de ser um órgão politico:
o Forma de designação dos seus titulares (eleitos por órgãos políticos)
o Legitimação democrática reforçada de que aparece revestido
o Natureza das matérias que é chamado a resolver, como a fiscalização da
constitucionalidade ou os processos relativos a conflito de poderes
o Poderes especiais de modulação das decisões de inconstitucionalidade
(sentenças manipulativas)
 Deve o TC, a partir do conhecimento aprofundado das realidades jurídicas e
políticas que lhe são trazidas, desenvolver um conjunto de virtudes de um juiz
de principio, nomeadamente as de razoabilidade das soluções perfilhadas, a da
previsibilidade das decisões, a da adequação funcional dos juízos e a da
legitimidade no confronto com a maioria;
 A jurisdição constitucional não cabe apenas ao TC, cabe também aos Tribunais
superiores da ordem comum (Europa, América do Sul, Alguns países africanos)
ou a Conselhos Constitucionais (França, Países africanos de influência francesa);
 O TC é obra de Kelsen;
 O Conselho Constitucional acusa influencia de Sieyes;

84
Ana Baptista 2016/2017

 Não ha nada de correspondente no Reino Unido;


 Sistema de controlo difuso da constitucionalidade nos EUA.

19. O sistema normativo da Constituição

Devemos resumir a Constituição, no caso de ser escrita, à sua parte visível (textos) ou
deveremos integrar outros materiais no seu corpus?

19.1 A prévia inserção da Constituição numa “rede de regulações constitucionais”

A Constituição não pode ser concebida como uma ordem totalmente isolada.
Devemos olhar para a Constituição como uma estrutura normativa rodeada de uma
série de outras normas de relevância constitucional, mesmo que não sejam
formalmente constitucionais. Essas outras normas chamamos de “rede de regulações
constitucionais”.

Alguns autores: a CRP não passa hoje verdadeiramente de uma constituição parcial,
regional ou até exígua. (Talvez seja exagerado)

Exemplos destas regulações constitucionais:


 DUDH de 1948 (16º/2) objecto de incorporação funcional (ou recepção
formal40), mas também de princípios cooperativos (61º/2), que terão sido
objecto de recepção formal41 ;
 As normas de direito europeu são aplicáveis na ordem interna, com respeito
pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (8º/4), não
havendo duvida de que muitas normas do Tratado da união europeia ou da
respectiva carta de direitos fundamentais têm natureza materialmente
constitucional e segundo alguma doutrina, têm valor supraconstitucional 42;
 A Convenção europeia dos direitos do homem de 1950, têm valor
materialmente constitucional igualmente, e as normas são assistidas por uma
instancia jurisdicional europeia equivalente ao TC, Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem;
 Deve ser reconhecida relevância constitucional, traduzindo um limite ao poder
constituinte, às normas de ius cogens.

19.2 Introdução às fontes do Direito constitucional: fontes primárias e secundárias

A doutrina portuguesa nem sempre trata expressamente este ponto.

Paulo Otero: trata do assunto quando fala da abertura normativa da constituição,


aludindo à normatividade constitucional “não oficial”.

40 Jorge Miranda + Blanco de Morais


41 Canotilho
42 Fausto de Quadros

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Ana Baptista 2016/2017

Blanco de Morais: trata do assunto a propósito da temática do poder constituinte-


mutações informais da constituição.

Razões para falar em fontes de direito constitucional:


 Segurança jurídica
 Racionalização do trabalho de jurista
 Preservar as funções da constituição.

19.2.1

Não podemos reduzir o corpus constitucional ao texto/documento chamado


constituição: o corpus constitucional estende-se a outras matérias.

Em sistemas de constituição escrita, são fontes primárias (ou imediatas) do Direito


constitucional:
 Lei constitucional
 Costume constitucional
 Interpretações que têm em comum as seguintes características:
o Serem parâmetros imediatos da normatividade constitucional;
o Beneficiarem da garantia oferecida pela sanção jurisdicional;
o Terem uma função primária de dizerem o direito constitucional
realmente existente numa comunidade política;
o Serem ainda projecções do poder constituinte.

As fontes secundárias (mediatas) do Direito constitucional, caracterizam-se por:


 Corresponderem apenas a um Direito constitucional vivente;
 Por não serem assistidas de imperativamente ou sanção jurisdicional;
 Por não terem função primária de dizer o Direito, mas sim uma função
subsidiária, auxiliar ou de recurso;
 Por não constituirem manifestações do poder constituinte.

São fontes secundárias do Direito constitucional :


 Convenções constitucionais (típicas do constitucionalismo britânico, mas que
também se revelam nos sistemas de constituição formal);
 Jurisprudência constitucional (prática usual ou procedente);
 Direito de necessidade (hipótese excepcional, neste caso como fonte extra
ordinem43.

19.2.2

Lei constitucional escrita: é a fonte por excelência correspondendo à Constituição em


sentido instrumental (como a CRP 76) ou ao conjunto das leis formalmente
constitucionais.

43 Blanco de Morais invoca como fonte neste quadro de crise financeira recente.
86
Ana Baptista 2016/2017

Pode acontecer ir alem desses elementos, como sucede no caso francês, com a
inclusão no corpus constitucional dos preâmbulos das constituições de 1946, 1958 e da
própria Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789.

Interpretações: fonte de direito constitucional actuada pela jurisdição constitucional


através da qual se revelam normas jurídicas inovadoras, a partir da estrutura, do
sistema ou das raizes da Constituição, e não directamente do texto constitucional.

Quais os limites a colocar a estas interpretações?

Limites à legitimidade das interpretações:


 Limitação pela sua raridade e excepcionalidade (a requerer um verdadeiro
momento extraordinário e o consenso na comunidade jurídica);
 Limitação por se tratar de actuação desenvolvida no âmbito do ius dicere (não
sendo por isso nem acto da função constituinte, nem de qualquer das funções
primárias do Estado, ainda que lhes seja funcionalmente equivalente);
 Limitação pelo principio do pedido;
 Limitação pela natureza e objecto do processo;
 Limitação pela necessidade de decisão do caso;
 Limitação pelo aquis jurisdicional anterior;
 Limitação pelo facto de o resultado exprimir ainda a fidelidade à Constituição
posta (não correspondendo a uma opção ou acto de criação dos juizes).

19.3 Idem: o costume constitucional e o conceito de Constituição “não oficial”

19.3.1

Costume constitucional:
a) Secundum legem;
b) Praeter legem;
c) Contra legem.

O Costume Constitucional é admitido por uma parte significativa da doutrina e


também pela jurisprudência constitucional.

Elementos/especificidades do costume constitucional:


 Pratica reiterada
o Só é relevante a pratica dos órgãos constitucionais;
o Admitir brevidade dessa pratica;
o Flexibilidade dessa pratica, dada a inerente natureza política da matéria.
 Convicção de obrigatoriedade
o Não é necessária a presença de comportamentos contendes, podendo
apenas ser permissivos;
o Reconhecimento pelo TC pode ser decisivo na certificação da
vinculatividade do costume.

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Ana Baptista 2016/2017

Constituição formal rígida: carácter derivado do costume tem sido revelado, na sua
relação com a lei constitucional.
A AP não pode invocar o costume para justificar uma actuação contrária à lei, nem
pode haver afectações de direitos fundamentais com fundamento no costume.

Modalidade de costume com maior resistência na doutrina: contra legem.

Ex CRP 76 de costume contra legem:


 168º/3- leis estão a ser votadas na especialidade pelas comissões;
 239º/1- desde 1991 desenvolveu-se um verdadeiro presidencialismo
autárquico.

Para alem desse costume derrogatório, ha outro tipo de costume contra legem muito
mais frequente, que tem uma relação directa com o conceito de Constituição nominal:
desuso.

Desuso: traduz-se na simples inefectividade das normas constitucionais escritas.

19.3.2

Paulo Otero: Ao lado da Constituição oficial decretada pelo poder constituinte existe
uma constituição não oficial, resultante do poder constituinte informal (que é difuso,
não escrito e não intencional), cuja principal componente é justamente o costume
constitucional.
A constituição revela sempre uma permeabilidade, maior ou menor, aos factos e à
normatividade informal. Normatividade esta que pode completar o direito escrito,
como pode levar à sua desaplicação, subversão e transfiguração.

A isto tudo se chama constituição não oficial.

José de Melo Alexandrino: uma constituição não se pode resumir ao seu texto. Tem
que se reconhecer a distancia que pode existir entre o texto e a realidade
constitucional. Em termos normativos, o que interessa é a Constituição efectivamente
em vigor, a Constituição real.
A proposta de Paulo Otero não se articula com a teoria das fontes, nem com a teoria
da interpretação, levando a consequências incompatíveis com os postulados básicos
do constitucionalismo.
Inclina-se para a rejeição não do costume constitucional, mas da ideia de constituição
não oficial, pois a questão coloca sérias dificuldades em matéria de
inconstitucionalidade e revisão constitucional.

19.4 Os preâmbulos constitucionais

Qual a relevância dos preâmbulos constitucionais?


Pertencem ainda ao texto e têm a relevância da lei constitucional?

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Ana Baptista 2016/2017

Não podem ser considerados fonte do Direito constitucional?


Doutrina:
 Irrelevância jurídica, por terem valor meramente politico
 Relevância jurídica, indirecta por valerem como elemento de interpretação
 Relevância jurídica plena, por conterem normas jurídicas

Em abstrato: a tese mais ajustada parece ser a de admitir a relevância constitucional


indirecta dos preâmbulos constitucionais, considerando-os elementos úteis na
interpretação e integração dos preceitos constitucionais, naturalmente alem do
significado histórico, politico, literário ou simbólico que lhes esteja associado.

Em concreto: Vai mais alem. Os preâmbulos das Constituições francesas projectam


uma abertura do catalogo de direitos fundamentais. A constituição da Republica
popular da China procede ao balanço, enquadramento e prospectiva da ordem
constitucional Chinesa.

Jorge Miranda: Ainda que resulte de um acto do poder constituinte e possa


eventualmente considerar-se parte da Constituição, o preambulo nem pode ser
invocado isoladamente, nem cria direitos ou deveres, nem pode haver
inconstitucionalidade por violação do preambulo.

Preâmbulo: feição histórica e simbólica. Nada impede juridicamente a sua revisão.

19.5 A centralidade da distinção entre regras e princípios

A distinção seguramente mais importante do Direito constitucional é entre regras e


princípios.

Maria Lúcia Amaral: os Princípios distinguir-se-iam das Regras pelo seu diferente:
 Conteúdo (que é mais amplo e indeterminado);
 Função (porque não se esgotam em si mesmos);
 Modo de realização (por se poderem cumprir em diferentes medidas).

Robert Alexy44:
 Os princípios são normas que exigem que alguma coisa se realize na maior
medida possível, dentro das possibilidades factícias e jurídicas existentes; Os
princípios são por isso mandados de optimização susceptíveis de
preenchimento em graus diversos; as regras são normas que ou se preenchem
ou não se preenchem, sendo aplicáveis em termos de tudo ou nada;
 Uma vez que são mandados de optimização, os princípios apresentam um
outro traço distintivo, que consiste numa específica dimensão de peso, força ou
importância, o que se mostra particularmente relevante nas situações de
colisão entre princípios, dando origem a problemas de eficácia, mas não de

44 Prof. José de Melo Alexandrino discorda desta doutrina


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Ana Baptista 2016/2017

validade; pelo contrário, se 2 regras entram em conflito num caso concreto,


uma delas é necessariamente inválida;
 A operação em que se estabelece a prevalência de um principio sobre outro
num caso concreto envolve necessariamente uma ponderação (uma pesagem);
pelo contrario, as regras não requerem ponderação, mas sim subsunção:
verificada a previsão da norma, segue-se a consequência jurídica.

Canotilho: Os princípios exigem a realização de algo da melhor forma possível, de


acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas, ao passo que as regras proíbem algo
em termos definitivo, sem qualquer excepção.

Habermas: Os princípios são normas que têm uma pretensão de validade não
especificada (podendo ser realizados em graus diversos), ao passo que as regras
fornecem a solução de um problema.

José de Melo Alexandrino: Os princípios definem-se primariamente pela sua dimensão


negativa (que remonta à metafísica de Aristoteles), dado que têm forçosamente de
conviver e de se articular com outras realidades congéneres.

19.6 Outras classificações das normas constitucionais

Outras classificações das normas constitucionais:


1) Normas materiais, orgânicas e procedimentais;
2) Normas preceptivas e normas programáticas;
3) Normas exequíveis e não exequíveis por si mesmas.

19.6.1 Normas materiais, orgânicas e procedimentais

Baseia-se no objecto das normas.

Normas materiais: incidem sobre o fundo.

Normas orgânicas: sobre a competência.

Normas procedimentais: sobre a forma ou procedimento.

19.6.2 Normas preceptivas e normas programáticas

Relação entre a norma e as realidades de que depende a respectiva eficácia.

Normas preceptivas: Têm eficácia incondicionada, não estando dependentes de


factores económicos ou sociais; 24º e seg, 103º/2 e 3 etc.

90
Ana Baptista 2016/2017

Normas programáticas: São aquelas que estando dirigidas à realização de


determinados fins ou tarefas, dependem de um conjunto de factores de ordem
econômica e social, pressupondo maior liberdade do legislador na respectiva
concretização; 9º al d), 58º, 63º, 64º, 65º, 78º, 93º etc.
Devido a esse condicionamento intrínseco, as normas programáticas nem podem ser
directamente invocadas pelos cidadãos, nem dão origem a direitos subjectivos
fundamentais.

19.6.3 Normas exequíveis e não exequíveis por si mesmas

Carácter completo (completude) ou incompleto das normas.

Normas exequíveis: são aplicáveis por si mesmas, sem necessidade de lei que as
complemente. 12º, 24º, 42º, 43º, 44º, 45º, etc.

Normas não exequíveis por si mesmas: carecem de outras normas legislativas para
serem plenamente aplicáveis às situações da vida. 26º/2, 40º, 41º/6, 52º/3, 61º/4 etc.

19.6.4

Normas exequíveis preceptivas: 24º

Normas não exequíveis preceptivas: 41º/6

Normas não exequíveis programáticas: 58º

20. Normas constitucionais, estruturas constitucionais e dogmática


constitucional

CRP 76:
 Quanto às normas, trata-se de realidades espirituais que exprimem aquilo que
é devido (um dever ser); podem ser expressas ou implícitas; podem revelar-se
na lei constitucional, no costume ou nas interpretações; podem ser regras ou
princípios; podem ser normas preceptivas ou programáticas; podem ser
normas exequíveis ou não exequíveis por si mesmas, etc;
 Estrutura: uma forma, dotada de um certo grau de complexidade, onde se
articulam vários elementos;
 Dogmática: disciplina (multidimensional) que procura descrever o Direito em
vigor, proceder à sua analise conceptual e sistemática e elaborar propostas
sobre a solução adequada de problemas jurídicos.

20.1 Direitos fundamentais, deveres fundamentais e garantias institucionais

91
Ana Baptista 2016/2017

Art 12º a 79º CRP 76- Direitos e deveres fundamentais

Direitos fundamentais: situações jurídicas activas básicas da pessoa perante o Estado


consagradas na Constituição, ou seja, são situações de vantagem da pessoa na sua
relação com o Estado.

Há 2 tipos de Direitos fundamentais na CRP:


 Direitos, liberdades e garantias, 24º ao 57º. Em regra enunciados em normas
preceptivas e exequíveis por si mesmas,
 Direitos, económicos sociais e culturais, 58º ao 79º. Em regra enunciados em
normas programáticas e não exequíveis por si mesmas.

Direitos fundamentais: estruturas constitucionais particularmente complexas.

Sendo estruturas constitucionais, cabe então à dogmática explicar quais são os


elementos que compõem um direito fundamental, quais as relações entre esses
elementos, qual o sentido dessas ligações, quais as funções que desempenham.

O Estado não pode descer a baixo de um certo patamar de protecção- Principio da


proibição do défice.

De um simples enunciado constitucional decorrem dezenas de outras realidades e


implicações jurídicas: conceitos, normas, estruturas, categorias jurídicas.

36º/2- não é um direito fundamental mas sim uma garantia institucional, ou seja, uma
estrutura constitucional que protege uma instituição ou realidade social, neste caso, ja
existente na ordem jurídica. (Cabe à dogmática constitucional identificar o significado,
alcance, o regime e a função destas figuras)

Há ainda na I parte realidades que não são direitos fundamentais, nem garantias
institucionais, mas sim deveres fundamentais. Ex: 36º/5, 66º/1, 78º/1, 103º/3.

Dever fundamental: estrutura que define uma situação jurídica passiva básica da
pessoa consagrada na Constituição. Neste caso, a pessoa está obrigada a praticar ou a
não praticar certo acto. Segundo a dogmática constitucional, os deveres fundamentais
têm certas características e podem servir, por exemplo, de fundamento para restrições
a direitos fundamentais.

20.2 Organização do poder politico

Parte III da CRP- 108º a 276º

Princípios fundamentais da organização do poder politico45, normas sobre órgãos de


soberania, normas sobre outros órgãos constitucionais da Republica, normas sobre o
sistema eleitoral e o sistema de governo, bem como normas respeitantes a outras
45 18 grandes princípios segundo o Prof. Paulo Otero
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Ana Baptista 2016/2017

pessoas colectivas infra-estaduais (regiões autónomas e autarquias locais), AP em


geral.

20.3 A garantia da Constituição

Parte IV, art 277º ao 289º- Fiscalização da constitucionalidade+regras de revisão


constitucional.

Várias modalidades de fiscalização da Constitucionalidade:


a) Fiscalização preventiva
b) Fiscalização concreta
c) Fiscalização sucessiva abstrata
d) Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão

Quer as modalidades de fiscalização da constitucionalidade, quer a revisão


constitucional constituem procedimentos, ou seja, uma estrutura que se define por ser
uma série ordenada de actos e formalidades com vista à produção de um resultado.

Procedimento: estrutura definida pelas normas jurídicas.

20.4 Seguimento do estudo

Ver no livro.

21. Como ler a Constituição

21.1 Considerações prévias

A Constituição é composta por regras e princípios. As regras normalmente não dão azo
a grandes problemas de interpretação, sendo normalmente aplicadas em termos
subsuntivos. Já com os princípios, as coisas são diferentes, uma vez que para além da
determinação do seu alcance, em muitos casos, eles têm de ser ponderados, tendo em
conta o peso ou importância, podendo por essas razões vir a ser aplicados em graus
distintos.

Há ou não especificidades na interpretação da Constituição?

Alguns autores46: se a constituição é uma lei, ela deve ser interpretada do mesmo
modo do que a lei, não sendo a interpretação da constituição de natureza diferente da
interpretação em geral.

Jorge Miranda: Conjunto de postulados da interpretação constitucional:


46 Ernst Forsthoff, e posição semelhante à de Jorge Miranda
93
Ana Baptista 2016/2017

 Unidade;
 Identidade;
 Adequação;
 Efectividade;
 Supremacia.

Miguel Nogueira de Brito: estes postulados demonstram a falência do método de


interpretação clássico em ralação às normas constitucionais.

Porque razão é insustentável a 1ª resposta?


 Natureza política do objecto das normas constitucionais;
 Referencia a valores em muitos dos princípios e regras constitucionais;
 Pelo facto de a constituição ser uma ordem-quadro, fragmentária e aberta;
 Pelo facto de a constituição, ao contrário da generalidade das leis, ser
composta essencialmente por princípios e por normas relativamente abertas
cuja aplicação implica o recurso a ponderações;
 Pelo facto de as normas da constituição se deverem muitas vezes articular com
a margem de decisão do legislador;
 Pelo facto da Constituição não constituir uma ordenação unitária, estruturada e
plenamente desenvolvida, ao contrário do que sucede com as disposições
legais ligadas por conexões de sistema, susceptíveis de serem mais facilmente
trabalhadas pelos métodos clássicos de interpretação.

21.2 Distintas abordagens teóricas sobre a forma de interpretar a Constituição

Método clássico adoptado- Blanco de Morais

2 grandes correntes:
 Método tópico orientado aos problemas
 Metódica estruturante (que entende a interpretação como concretização) 47.

21.2.1

Método tópico: é inaceitável por ir longe de mais na recusa do método clássico de


interpretação:
 As regras clássicas de interpretação são despromovidas a pontos de vista
parciais, o mesmo sucedendo com os princípios e os valores constitucionais;
 A consistência da interpretação deixa de assentar no texto e nas opções da
Constituição, que passam para segundo plano, para se transferir para o
consenso dos interpretes (que formam uma verdadeira sociedade aberta);
 A Constituição passa a ser vista como uma espécie de recipiente vazio, de onde
podem sair as mais variadas interpretações, segundo o primado do problema e
o consenso do momento.

47 Lição alemã
94
Ana Baptista 2016/2017

Corre-se o risco de não estarmos já perante interpretação, mas em face de uma


permanente alteração da Constituição sob a designação de interpretação 48.

Excluímos então a 1ª corrente.

Vamos responder à pergunta: como ler a constituição, mas a partir não de uma
corrente teórica, mas a partir da reflexão constitucional norte-americana.

21.2.2

Exemplos de casos de problemas com interpretação constitucional: ver livro.

21.3 Como ler a Constituição: a lição norte-americana

Transparecem certas especificidades da Constituição de 1787:


 Idade do documento;
 Manifesta rigidez constitucional;
 Dificuldade efectiva de promover revisão constitucional;
 Marcado activismo do Supremo Tribunal.

21.3.1

Observações de partida:
 Constituição concebida como documento que procurou estabelecer um
delicado equilíbrio entre o governo politico da sociedade e a liberdade
individual e a questão, considerada central, determinar que papel deve a
historia desempenhar, quando o próprio texto constitucional se apresenta com
uma historia complexa e multifacetada e deixa, ele próprio muitas vezes, ainda
muito espaço para a imaginação.
 A constituição pode ser misteriosa, não deve ser uma bola de cristal, onde
possamos ler o que nos aprouver.

Olhando para a Constituição com os traços que ela apresenta na actualidade, os


autores identificam 2 falácias na interpretação da Constituição:
 Des-integração
 Hiper-integração

Des-integração: abordagem da constituição por vias que ignorem o facto saliente de


que as suas partes estão ligadas num todo- a Constituição- não sendo simples ramos
desprendidos de clausulas separadas e de preceitos com historias separadas, que têm
de ser interpretados.

48 Paulo Bonavides
95
Ana Baptista 2016/2017

Hiper-integração: uma abordagem da Constituição por vias que ignorem o facto não
menos importante de o todo conter partes distintas, partes que reflectem diferentes
premissas, muitas vezes radicalmente incompatíveis.

Ex da 1ª falácia na CRP 76: 13º/2, 36º/1, 24º/1.

Exemplos de leituras hiper-integradoras: igualdade, aperfeiçoamento da democracia,


federalismo, separação de poderes, propriedade privada, ou outro qualquer pretenso
principio ou valor unitário.

A Constituição é conflitual e está penetrada por muitas visões e contradições, conflitos


e contradições esses que não podem ser ignorados ou eliminados autoritariamente
pelo interprete.

Ex da 2ª falácia na CRP76: 13º/2, 36º/1, 24º/1- que pretendem identificar como visões
unitárias e sagradas da Constituição, respectivamente, a não-discriminação ou a
inviolabilidade da vida humana.

21.3.2

Se a des-integração e a hiper-integração correspondem a 2 caminhos perigosos e


desaconselhados, quais então as vias que o interprete pode e deve seguir?

Há 3 caminhos que têm de ser percorridos para uma adequada leitura da


Constituição49:
 Texto;
 Estrutura;
 História.

 Texto: deve ser sempre o ponto de partida do interprete, sendo muitas vezes
suficiente para resolver um nº considerável de casos, sem recorrer a uma visão
da estrutura. Impõe-se ao interprete um vinculo com o texto, que deve ser
entendido como padrão de conduta juridicamente vinculativo.
 Estrutura: quadro de princípios que dão solidez ao edifício constitucional
(relações organizativas entre os postulados estruturais fundamentais que
enformam a constituição como um todo). Na insuficiência de texto, há um
certo nº de casos que exige a extrapolação para essa dimensão superior.
 História: e ainda a doutrina e precedentes.

21.3.3

As contradições invadem certas partes da constituição.

Ex: 1º e 2º; 288º.


49 Lição norte-americana
96
Ana Baptista 2016/2017

O facto da Constituição estar internamente atravessada por conflitos e contradições


não deve ser encarada como uma realidade triste, podendo residir aí a maior das suas
forças.
O interprete não se deve espantar se não conseguir obter sempre uma resposta,
quando for possível uma ultima palavra, a Constituição terá perdido o seu papel numa
sociedade em permanente mudança.

21.3.4

O Direito é como a literatura, mas não é como a matemática.

21.3.5

Ex: casamento homossexual: em relação ao casamento, a Constituição decidiu apenas


um mínimo (é isto que faz uma ordem-quadro), remetendo o resto para o legislador.

Ex: interrupção voluntária da gravidez: devemos excluir à partida quer uma leitura dês-
integrada da norma da “inviolabilidade” da vida humana, quer uma leitura hiper-
integrada da Constituição, em que a dignidade humana ou vida humana funcionassem
como valor unitário e sagrado. (24º/1)

Uma vez que a Constituição não impõe directamente a criminalização de condutas,


também a decisão sobre o que é ou não é crime acabou por ser remetida ao legislador
ordinário, na condição de este não deixar os bens e interesses constitucionais abaixo
de um patamar de protecção, pois nesse caso incorreria em défice de protecção.

Talvez mais do que o texto, é a estrutura que justifica a legitimidade das soluções
encontradas em Portugal para os 2 casos acima.
Não quer dizer que sejam as respostas melhores ou as definitivas, razão pela qual o
legislador estará autorizado a modificar qualquer dessas 2 opções- reversibilidade das
decisões.

21.4 Como ler a constituição: a lição alemã

Seguida por Gomes Canotilho e Miguel Nogueira de Brito, confluem o método jurídico,
a hermenêutica filosófica e a metódica normativo-estruturante em sentido estrito.

Metódica estruturante50, algumas premissas básicas:


1) Não identidade

50 Seguindo os termos de Canotilho


97
Ana Baptista 2016/2017

a. Enunciado (ou disposição) é a formulação textual que se apresenta


numa fonte de direito (ou texto normativo);
b. Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a
um fragmento de disposição, combinação...).
2) Conceito de norma constitucional: entende-se um modelo de ordenação
juridicamente vinculante, positivado na Constituição e orientado para uma
concretização material e constituído:
a. Por uma medida de ordenação expressa através de enunciados
linguisticos (programa normativo);
b. Por uma constelação de dados reais (sector ou domínio normativo).
3) Distinção entre o programa normativo e o domínio normativo, pois é a
consideração e a posterior coordenação desses dois planos (dos dados
linguisticos e dos dados reais) que torna possível a concretização normativa.

21.4.1

A doutrina tradicional da interpretação não serve à Constituição, na medida em que a


mesma procura identificar uma vontade (objectiva ou subjectiva) da norma.
Essa concepção assente no dogma da vontade, esta desligada da realidade do Direito
constitucional moderno, não fornecendo nenhuma resposta nos casos duvidosos.

21.4.2

Pela observação da praxis, os métodos tradicionais de interpretação não dão, em


muitos casos, directrizes suficientes, sendo alias muito pouco claras as relações entre
esses elementos e muito duvidosa a própria possibilidade de os hierarquizar.

O próprio TC (partidário dos elementos tradicionais), começou ja a fazer apelo a outros


tópicos:
 Melhor correspondência com a decisão de valores da Constituição;
 Sentido do aperfeiçoamento dos princípios da lei fundamental;
 Principio da distribuição de competências;
 Principio da unidade da Constituição;
 Consideração de conexões políticas, sociológicas, históricas e dos pontos de
vista da adequação do resultado
 ...

21.4.3

A chave para resolver o problema da interpretação constitucional foi em boa medida


apresentada pela hermenêutica filosófica: a interpretação da Constituição é
concretização. Neste sentido, aquilo que ainda não é unívoco deve ser determinado
mediante a inclusão da realidade a regular.

Tem que se esclarecer:


98
Ana Baptista 2016/2017

 Quais são as condições da interpretação?


 Qual o processo (ou procedimento) a que deve obedecer a concretização?

 Para que a concretização possa ocorrer têm de se verificar pelo menos 2


condições:
o O interprete só pode compreender o conteúdo da norma numa situação
histórica concreta, na qual ele se encontra. Exige fundamentação da
pré-compreensão;
o O interprete deve relacionar a norma com um problema concreto.
Tripla vinculação do interprete: à norma ser realizada, à pré-
compreensão e ao problema do concreto.
 Quanto ao processo de concretização podem arrolar-se os seguintes tópicos:
o O interprete, na sua marcha a favor ou contra o seu anteprojecto inicial,
deve encontrar os pontos de vista directivos adequados ao caso;
o Sao estes pontos de vista que contêm as premissas apropriadas;
o Na escolha desses pontos de vista, o interprete está particularmente
vinculado à compreensão do que a norma a concretizar lhe fornece, ou
seja: programa normativo e ao domínio normativo;
o Quanto ao programa normativo, estando ele essencialmente contido no
texto da norma, ganham ai destaque para a compreensão do respectivo
significado os métodos de interpretação, e uma vez considerados esses
pontos de vista, o interprete pode ter de recorrer ainda aos
precedentes de casos análogos e ao apoio fornecido pela dogmática
constitucional;
o Uma vez que em muitos casos a mera interpretação do texto ainda não
possibilita a concretização, é preciso então indagar os pontos de vista
fornecidos pelo domínio normativo;
o Desse procedimento vem a resultar uma coordenação material entre os
pontos de vista que resultam do texto e do programa normativo com os
pontos de vista que resultam da observação dos âmbitos da realidade
objecto de regulação.

21.4.4

Princípios da interpretação constitucional:


 Princípio da unidade da Constituição: as várias partes que integram a
constituição formam uma unidade de ordenação, ainda que com as suas
tensões e contradições. O olhar do interprete não se deve dirigir para uma
norma isolada, mas sempre para o sistema de conexões em que a mesma se
encontra, conseguindo evitar contradições com outras normas constitucionais
e manter a sintonia com as decisões fundamentais da Constituição.
 Princípio da concordância pratica: na solução de um problema, dois bens
protegidos pelas respectivas normas constitucionais de garantia devem ser
coordenados um com o outro, de modo a que ambos venham a obter

99
Ana Baptista 2016/2017

efectividade. O principio de unidade da constituição impõe uma tarefa de


optimização.
 Princípio da correcção funcional: o interprete deve manter-se dentro do quadro
das funções e das competências constitucionalmente estabelecidas, o que se
revela especialmente importante na relação entre o legislador e o TC.
 Princípio do efeito integrado: se a Constituição visa alcançar e manter a
unidade política, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, o
interprete deve dar preferencia aos pontos de vista que mais favoreçam esse
efeito.
 Princípio da força normativa da Constituição: o interprete deve dar preferencia
aos pontos de vista que, articulados com os pressupostos relevantes,
proporcionem a maior eficácia possível às normas da Constituição.

21.4.5

A considerar:
 O plano das condições da concretização: a 1ª etapa consiste na identificação da
solução prevista por um determinado interprete, 2ª o anteprojecto de solução
que ele concebeu.
 O plano do procedimento da concretização: o interprete deve começar por
escolher os pontos de vista apropriados que o hão-de orientar. Deve depois
percorrer os vários elementos de interpretação (literal, genético, histórico,
sistemático, teológico). Deve então prosseguir, interrogando os precedentes e
investigando outros eventuais pontos de apoio junto da dogmática
constitucional.
 O plano dos princípios da interpretação: ter em conta o impacto da solução nas
relações (ou na delimitação das esferas) entre jurisdição e legislação, o efeito
integrador resultante do sentido da solução de cada caso e a sua eventual
repercussão (negativa ou positiva) na força normativa da Constituição.

21.5 Apontamento sobre a integração e aplicação das normas constitucionais

Há ou não lacunas na Constituição? Como deve ser resolvido esse problema?

Como se aplicam as normas? (Tempo e espaço)

21.5.1

Lacunas: as situações constitucionalmente relevantes não previstas ou acauteladas


pelas normas.

Há lacunas na CRP.

100
Ana Baptista 2016/2017

Exemplos:
 30º/5- Que direitos fundamentais podem ser limitados numa situação de prisão
preventiva quando a CRP só prevê limitações nos casos já condenados?
 186º/5-Qual é a situação em que o Governo fica após a dissolução da AR,
quando a CRP só acautela a situação do Gov. Antes da apreciação do programa
ou após a sua demissão?
 249º- De que garantias gozam as freguesias antes de serem extintas, quando a
CRP apenas acautela a audição dos municípios?
 286º/3- Qual o prazo de que dispõe o PR para promulgação da lei de revisão
constitucional, quando a CRP apenas diz que ele é obrigado a promulgar?

As lacunas devem ser distinguidas daquelas situações que a CRP pretendeu deixar à
decisão política, havendo aí não uma lacuna, mas uma margem de liberdade
(discricionariedade) concedida ao legislador, sendo esses domínios encontrados nos
planos das funções políticas e legislativas e não constitucionais.

As lacunas também devem ser distinguidas das omissões legislativas, que podem ser
absolutas ou parciais, conforme falte uma lei necessária para dar exequibilidade a
normas constitucionais (283º) ou haja apenas, à luz do principio da igualdade, falta de
regulação de certas situações relativamente a determinadas categorias de pessoas.

As lacunas prendem-se com ausência de normas constitucionais, e requerem


integração por via da aplicação dos critérios previstos no ordenamento.

As omissões com a ausência de lei ou regulação legal, e só podem ser reparadas pelo
legislador (no caso de omissões absolutas) ou pelo juiz constitucional (omissões
parciais).

Não poderia deixar de haver lacunas na CRP, na medida em que esta se apresenta à
partida como uma ordem-quadro, aberta e fragmentária, e não como um código
pormenorizado ou menos ainda como um sistema fechado. A CRP tem de deixar
necessariamente espaços abertos às opções e decisões dos poderes constituídos sob
pena de uma rigidez que levaria rapidamente à ruptura com a realidade constitucional.

Jorge Miranda: Uma vez que a Constituição é uma ordenação (ou seja, um sistema)
que tem características próprias que a distinguem dentro do ordenamento jurídico, a
integração das lacunas em sistemas de Constituição formal deve ser procurada no seio
da própria Constituição, sem recurso às normas da legislação ordinária.

Pode acontecer que a CRP escrita não preveja uma determinada norma, mas que a
situação esteja acautelada por uma norma implícita, por uma norma de costume ou
por uma interpretação. Nestes casos não existe propriamente uma lacuna no sentido
amplo.

101
Ana Baptista 2016/2017

A CRP pode não prever certas matérias, mas pode proceder à devolução do assunto
para lei ordinária ou para normas do Direito Internacional ou de Direito Europeu
(remissões).

Fora as situações acima descritas, os critérios a utilizar pelo interprete no


preenchimento de lacunas são os do art. 10º CC: Analogia, e na sua falta, a norma que
o interprete criaria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Como integraríamos os exemplos de lacunas da CRP acima dados?


 Os presos preventivos podem estar sujeitos a certas limitações no exercício dos
seus direitos fundamentais, por se tratar de um estatuto especial e, em parte,
por analogia com o disposto no 30º/5. Mas essas limitações não podem ser
equivalentes às dos condenados, na medida em que estes já não beneficiam da
presunção de inocência (32º/2).
 Apos a dissolução da AR, pode entender-se que o Gov. Fica como Governo de
gestão por analogia com o disposto no 234º/251.
 À luz do principio da autonomia local e do principio do Estado de Direito, as
freguesias devem igualmente ser ouvidas antes da respectiva extinção, sendo a
ver do Prof duvidosa a aplicação analógica do 249º.
 O PR dispõe do prazo de 8 dias para a promulgação da lei de revisão
constitucional, por analogia com o prazo definido no 136º/2 e 3.

21.5.2

Quanto à aplicação (ou eficácia) das normas constitucionais- notas fundamentais:


 Em principio, as normas constitucionais dispõem apenas para o futuro, nao
tendo eficácia retroactiva;
 O surgimento de uma nova constituição escrita tem efeitos sobre o Direito
constitucional anterior e sobre o Direito ordinário anterior:
o Direito constitucional anterior: ocorre revogação, cessação de vigência
ou ainda caducidade, salvo se a CRP expressamente o ressalvar
(290º/1), salvo persistência como norma de costume ou, num outro
plano, salvo persistência como valor;
o Direito ordinário anterior: mantém-se (novação) desde que nao seja
contrario à nova CRP (290º/2), havendo inconstitucionalidade
superveniente no caso contrário. Estas ideias não põem em causa a
atendibilidade que pode ser reconhecida ao Direito constitucional ou
ordinário anterior52;
 Em termos espaciais, as normas constitucionais, aplicam-se, em principio, em
todo o território do Estado, seja qual for a forma do Estado, e apenas nesse
território. Pode no entanto acontecer que a constituição não se aplique em
todo o território (Hong Kong e Macau no que respeita à constituição Chinesa)
ou que a sua aplicação possa estender-se para fora do território do Estado
(caso Português com os territórios de Macau ate 1999 ou de Timor até 2002).
51 Jorge Miranda
52 Miguel Galvão Teles
102
Ana Baptista 2016/2017

22. Funções da Constituição

22.1 A ideia de funções da Constituição

Funções da Constituição = Para que serve a Constituição?

 A Constituição é um instrumento ao serviço da liberdade 53 e tudo nela está


orientado para esse fim:
o Direitos fundamentais;
o Organização do poder politico;
o Garantia do cumprimento das normas constitucionais;
 Uma das características do Direito constitucional, a complexidade, projecta-se
justamente nas funções da Constituição (uma ordem normativa dotada de
características muito especiais);
 Um dos dois lados do constitucionalismo e o seu traço mais marcante é o da
“limitação do poder politico pelo Direito”, com fins de garantia da esfera de
autonomia da pessoa, mas que, a par desse lado do limite, há também o lado
positivo da racionalização da actuação estatal (construção da unidade política);
 Esses dois lados do constitucionalismo vão-se realizando desde o séc XVIII nas
diversas formas históricas do Estado Constitucional, a culminar no Estado social
e democrático de Direito do segundo pós-guerra (onde se verifica a confluência
da garantia dos direitos e a limitação do poder, do fundamento e exercício
democrático do poder e do empenhamento na realização do bem-estar e da
justiça social);
 O Estado é obra do Direito, e está moldado pelo Direito e só pode actuar
dentro dos limites consentidos pelo Direito;
 A organização do Estado como pessoa jurídica implica nomeadamente:
o Que este desenvolva as suas actividades através de órgãos que actuam
em representação do povo;
o Que haja uma conveniente repartição das funções (divisão do poder)
entre os vários órgãos;
o Que os fundamentos em que assenta o poder dos governantes
(legitimidade) sejam conformes a critérios éticos e possam ainda ser
aceites e reconhecidos pela comunidade;
 Que em especial, a legitimidade própria do Estado constitucional assenta:
o No consenso sobre o valor da autonomia moral dos cidadãos;
o Na existência de uma Constituição que se refere a esse a outros valores
básicos e que legitima, regula, limita e configura juridicamente o poder
do Estado;
o Na democracia como regime politico;
o Na submissão do poder de Estado a regras e princípios que o
transcendem;
o Na existência de um conjunto de outros limites ao exercício do poder
politico pelos governantes;
53 Thomas Paine
103
Ana Baptista 2016/2017

 A Constituição normativa apresenta-se como principal limite do poder politico


do Estado, dado ser aí que se definem os direitos fundamentais, os princípios
estruturantes da organização e do funcionamento do Estado, bem como os
diversos mecanismos de controlo do poder;
 No final, a Constituição define-se como a “ordem jurídica fundamental do
Estado”, apresentando-se a mesma como um complexo sistema de valores,
princípios, regras e procedimentos.

22.2 Sistematização das funções da Constituição

Quais são então as funções da Constituição?

Consultar: Blanco de Morais- Curso de Direito Constitucional, tomo II, parte V “Para
que serve uma constituição?”

Gomes Canotilho54- são 5 as funções gerais da Constituição:


 Função de consenso fundamental: ou de integração/unidade; cabe à CRP a
revelação normativa do consenso fundamental de uma comunidade
relativamente a princípios, valores e ideias directrizes que servem de padrões
de conduta política e jurídica nessa comunidade.
 Função de legitimidade e legitimação da ordem jurídica constitucional: diz que
por um lado, a validade material da CRP pressupõe uma conformidade
substancial com a ideia de Direito, com os valores, os interesses de um povo
num determinado momento histórico (legitimidade); por outro, que é a CRP
que justifica o poder de mando, ou seja, que funda o poder, que regula o
exercício do poder e que limita (legitimação).
 Função de garantia e protecção: diz respeito à garantia e à protecção dos
direitos e liberdades da pessoa, defendidos pela lei suprema e pelos seus
mecanismos e remédios, envolvendo também a correspondente limitação do
poder.
 Função de ordem e ordenação: diz que é a CRP que molda e determina
juridicamente o Estado e as suas formas de actuação pelo Direito (Estado de
Direito).
 Função de organização do poder politico: diz que pertence à CRP criar os
órgãos, definir as suas atribuições e competências, estabelecer os princípios
estruturantes da organização do poder politico e definir o sistema de governo.

Notas finais:
 Esta sistematização apenas serve nos regimes democráticos
 Não cabe à Constituição dirigir a sociedade
 Num momento de crise do Constitucionalismo (dilata por: globalização, perda
de capacidade de regulação do económico e do politico por parte do Direito,
diluição da força normativa da Constituição), mas também de crise da Teoria da
Constituição, a insistência neste núcleo de funções pode continuar a ser um
apoio útil.
54 Posição adoptada pelo Prof. José de Melo Alexandrino
104
Ana Baptista 2016/2017

22.3 A realização da Constituição

As normas constitucionais aplicam-se afinal como as demais normas jurídicas?

A resposta situa-se no plano da realização da constituição

José de Melo Alexandrino: Resposta negativa. Negativa, quer em virtude do conteúdo


da CRP, quer em virtude da disponibilidade dos participantes, quer em virtude do tipo
de procedimento que é necessário.

1) Uma Constituição só é juridicamente eficaz se for realizada. Essa realização é


um processo continuo, que recorre a milhares de sucessivos protagonistas, em
múltiplos contextos e cenários sociais, políticos e económicos, tudo feito
dentro de um processo politico aberto. Quanto mais prolixa e programática for
uma constituição, tanto maior será a dificuldade da respectiva realização ideal.
A Constituição prolixa e programática estará sempre mais próxima de se
transformar numa constituição nominal.
2) A vigência das normas constitucionais está sobretudo condicionada pela
vontade actual de realizar os conteúdos da constituição. O TC manifestou uma
vontade actual de realizar a Constituição, mesmo neste período de crise.
3) Relativamente ao procedimento, não pode a interpretação e aplicação das
normas constitucionais deixar de articular devidamente o sentido do texto
normativo com as condições reais e concretas da vida: a relação entre a CRP e a
realidade vem assim logicamente exigir, na fase da concretização, uma devida
articulação entre o texto e o contexto. A realidade da situação financeira do
Estado impunha um diferente entendimento do sentido de algumas normas
constitucionais. O TC optou por uma estratégia de não reconhecer a debilitação
da normatividade constitucional, ditada pela situação em que se encontrava o
país, e preferiu a invocação de princípios abstratos (como a igualdade e a
protecção da confiança).

105

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