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Descartes
Descartes
PRIMEIRA MEDITAÇÃO
Nã o posso duvidar das certezas metafísicas, posso duvidar das verdade físicas, e
posso entã o testá -las matematicamente.
Esta contemplaçã o do falso, de que o mundo é uma ilusã o, é uma das coisas
exteriores, “cunctaque externa”.
O problema é o provar a existência do mundo sensível.
Descartes parte, no quadro da dú vida metó dica, do princípio de que talvez nã o
seja prová vel, e de que como tal, sendo os sentidos totalmente enganadores, a
verdade nã o existe e estou condenado ao erro.
Mas o projeto cartesiano é justamente o de provar que mesmo que o mundo
sensível, as coisas exteriores, fossem de facto uma mera ilusã o, há algo de certo,
de onde podemos partir para chegar ao verdadeiro. É o sujeito cogitante.
No fundo, esta falsa partida através do mundo sensível é apenas para provar que,
em direçã o à verdade, nã o é possível partir do sensível, mas necessariamente do
cogito.
A ascese e a via negativa, a apophasis. “Nihil esse certi, cognoscam”. AT, VII, 24.
“Imo certe ego eram, si quid mihi persuasi”. AT, VII, 24. “De certeza que eu
era, se era a mim que me persuadia”.
Nada que ver com a representaçã o, porque nada de conteúdo.
O final da P19. Sei que sou, mas nã o sei o que sou. Estamos na forma e nã o no
conteú do.
“Sum autum es vera et vere existens; sed qualis res? Dixi cogitans”.
Qualis, de qualitas. Como sou?
Sou, mas nã o sou nada de imaginá vel, nã o de duvidá vel, logo, algo de certo.
Logo, sendo algo, sou algo de uma natureza diferente da das coisas imaginá veis.
A distinçã o dualista entre as duas naturezas.
“Figura” vai ser definida contra “imago”. As “imagines”, que se referem à “natura
corporea”, e nã o a pró pria em geral, “nihil sint praeter insomnia”.
“Res corporea” como extensa, “nihil aliud quam extensium quid, flexibile,
mutabile”. AT, VII, 31.
A demonstraçã o é o facto de tal coisa corpó rea mudar de forma, continuando a
ser a mesma coisa. O exemplo da cera.
Nã o há a possibilidade de conhecer a “res corporea” pelos sentidos, que nã o a
definem, porque não há uma sua permanência definitiva na coisa. A forma de
um corpo muda, tal como o cheiro, a temperatura, etc. Por exemplo, derretendo a
cera muda a cor.
A pergunta é entã o, o que é que não muda no “corpo qua corpo”, que me
permita conhecê-lo? A “extensio”, a “flexibilitas”, a “mutabilitas”.
Com estas ideias, é logo introduzida a de “figura” na frase seguinte.
Recorrência do trabalho deste problema dualista da unidade dos contrá rios com
o par pensamento interior e pensamento vocalizado. “Decepior ab ipso uso
loquendi”.
O ponto de Arquimedes.
Nunca posso perceber a coisa sem a existência da minha mente, apenas através
da qual se pode pensar, e em ú ltima aná lise provar ou nã o, a existência da coisa.
Logo, a “certitude” do “cogito” determina a essência da própria coisa, que
assim só é na relação comigo.
“Quamvis adhuc error on judicio meo esse passit, non possum tamen sine
humana mente percipere.” AT, VII, 32.
Descartes vai completar este ponto na quinta meditaçã o, argumentando em
direçã o a uma objetividade da coisa independentemente de mim, do meu
pensamento, ou dos meus erros. Se assim fosse, a verdade nã o seria objetiva,
absoluta e universal. A ideia de que não se trata nunca de inferir o ser a partir
do pensamento, mas de, depois de um primeiro encontro com a coisa, deduzir
apenas a sua existência a partir de uma certa determinação da sua
essência.
O modo de ser determina o modo de conhecer?
É de novo o círculo, mas parece ser justamente o contrá rio, o método cartesiano,
a partida da “certitude” matemá tica a determinar a natureza do real.
Esta parece ser a consequência inevitá vel da partida no sujeito, não na coisa.
A crítica do cartesianismo. Há um modo de conhecer impositivo e redutivo que
vem apagar a coisa tal como se mostra a partir de si.
O conhecimento das coisas “in ipsa mente” é mais seguro que o das “quae
corpore ad illam emanant”.
“In ipsa mente, ex quibus ejus notitia distinctior redde potest”, dentro da mente,
a partir da qual a determinaçã o destes se pode tornar mais distinta.
A terceira começa com uma recapitulaçã o, “quamvus illa quae sentio vel
imaginor extra me fortasse nihil sint, (...) in me esse sum certus”. Se bem que
as coisas que sinto ou imagino podem não ser nada fora de mim, dentro de
mim estou certo de que são. AT, VII, 35.
“Illud omne esse verum, quod valde clare et distincte percipio”. AT, VII, 35.
No fundo, se o ego é objecto certo do ego, pode haver, “pro regula generali”,
objeto certo, logo verdadeiro, logo falso.
Separaçã o entre a ideia da coisa, “in me”, e a pró pria coisa, “ex me”. P28.
A coisa “ex me” como “a quibus ideae istae procedebant”. Descartes vai
demonstrar que isto, se bem que verdadeiro, nã o se pode seguir de mim. É aqui
que entra a necessidade de provar a existência de Deus, como um exterior a
mim que está em mim, e unir as duas realidades num ponto.
“La souveraine puissance d’un Dieu”, seja bom ou mau, também é certa, nã o
falsificá vel.
A existência de um Deus bom vai fundar a das ideias e a do mundo exterior? Sim.
É possível ter ideias adventícias, que nos chegam das coisas exteriores.
O exemplo das duas ideias de sol.
A ideia nã o pode “in me esse (...) nisi in me posita sit ab aliqua causa”.
As minhas ideias, ou seja, o meu cogitare e em ú ltima aná lise a minha
existência, são efeitos de uma causa, de algo “in qua tantumdem ad minimum
sid realitatis quantum esse (...) concipio”, de algo que tem pelo menos tanta
realidade quanto tudo aquilo que concebo. AT, VII, 41.
O conteú do das ideias corresponde aos objetos, à s pró prias coisas, à realidade, à
natureza. Isto é o “modus essendi objetivus”. A forma das ideias corresponde à
sua causa, ou seja, à pró pria actividade cogitante. Isto é o “modus essendi
formalis”.
Descartes argumenta entã o, se uma ideia pode ser causa de uma ideia, segundo
as determinaçõ es aristotélicas da causa formal e final, há uma ideia primeira,
nã o pode haver uma regressã o da causa ao infinito.
Esta primeira ideia é de um ente “in quo omnis realitas formaliter
contineatur, quae est in idea tantum objetive”, de algo no qual está contido
formalmente o todo da realidade, que é apenas contida objetivamente e de forma
parcial nas minhas ideias. AT, VII, 42.
Descartes conclui que é por isso que a ideia é apenas uma imagem imperfeita das
coisas de onde foram tiradas.
A realidade objetiva da ideia nã o está em mim, vem da coisa, exterior. A realidade
formal da ideia está em mim.
Não pude causar sozinho a ideia, logo, Descartes conclui que não estou só,
“non solum esse in mundo”, que nã o há outra coisa que tem de existir. AT, VII, 42.
Tem de existir alguma coisa que causou o facto de ter em mim a ideia de
alguma coisa que está fora de mim.
Ou seja, admitir a existência de Deus, como causador das minhas ideias, é admitir
simultaneamente a existência do mundo exterior.
Sim, o meu “cogitare” pode ser realidade para uma forma, efeito para uma causa,
para Deus. Mas o ponto nã o é esse. É o de que acima da formalidade do meu
pensamento está a realidade de Deus como sua causa, que corresponde,
como o ente que contém formalmente em si o todo da realidade, todas as
ideias que possa ter, pois como criador, contém em si todos os entes do mundo,
criados, que uma vez que Deus existe, existem de facto fora de mim, sã o de facto
a origem das minhas ideias, pois Deus é a origem das minha ideias.
O raciocínio parece ser, sem Deus, que aqui é a ideia de Deus, estaria só , o mundo
nã o existia, eu seria apenas uma forma vazia, com pensamentos sem
conteúdo, puramente formais; que no fundo nã o seriam pensamentos, nã o
existindo.
Mas eu nasço com uma ideia dentro de mim que tem uma realidade
objetiva, com algo que nã o sou eu, a ideia de Deus. Esta é a tal primeira ideia,
que causa as outras.
É Deus que me une ao mundo. O tal ponto de Arquimedes onde o interior e o
exterior se intersectam.
De seguida, Descartes afirma que estas sã o ideias que “non est necesse ut
aliquem authorem a me diversum assignem”, ideias cujo autor posso ser
apenas eu, porque são desprovidas de conteúdo real, ou seja, de realidade
objetiva.
Estas ideias “procedent du néant”, c’est à dire qu’elles ne sont en moi que parce
qu’il manque quelque chose à ma nature”.
Se bem que também podem ser tomadas como verdadeiras, porque “elles me
font paraître si peu de réalité”. Mas não consigo claramente discernir a coisa
do nã o ser, entã o posso ser eu o seu ú nico autor.
Definiçã o de “substantia”, “rem quae per se apta est existere”. AT, VII, 44.
A ideia de que também poderia tirar de mim mesmo, da ideia que tenho de mim,
parte das claras e distintas que posso fazer das “rerum corporalium”.
Por exemplo, a de “substantia”. Concebo-me certamente como uma. Logo, a
“substantia extensa” podia ser um modus de mim mesmo. O mesmo quanto à s de
“durationis” e “numero”.
Porque é que as “rerum corporalium ex me” nã o o sã o entã o?
Porque nã o posso conceber “extensio”, entre outras ideias, “situs”, “figura” e
“motus”, a partir de mim mesmo?
Nã o, pois a “extensio”, se bem que nã o se encontra formalmente em mim, é
apenas modo da “substantia”. Ou seja, podia conceber toda a “res” como
“substantia” a partir de mim mesmo, eminentemente.
Esta ideia de infinito tem de proceder de algo realmente infinito, uma vez
que não tendo os meios de a conceber, a tenho em mim.
A ideia de Deus como a mais clara e distinta, pois se tudo o que concebo desse
modo tem em si uma perfeição, esta por ser a da perfeição suprema contém
em si tudo o que assim posso conceber.
Todas as ideias que posso conceber clara e distintamente estã o assim contidas
formalmente e eminentemente na de Deus.
Deus como causa de minha pró pria existência. Se fosse a causa de mim mesmo,
ergo, dos meus pensamentos, seria independente, ou seja, perfeito, e nã o
poderia duvidar, desejar, errar, ou seja, nã o poderia pensar de todo.
Ou seja, é o facto de ser dependente, causado, “creatum”, que determina a
minha existência, e com isso, o meu pensamento.
O tempo também como argumento. Mesmo que imagine que tenha sido sempre
como sou, o da minha vida pode ser dividido em partes. Nã o sendo uno, segue-se
que se fui, posso deixar de ser agora, e que tem de ser Deus, necessariamente,
tanto a ter-me produzido como a conservar-me neste momento.
Sobre a natureza do tempo, a ideia de que “substantia” tal precisa da mesma
força e da mesma acção que a que precisou para ser criada para se
conservar em todos os momentos em que dura. Ou seja, de que conservação
e criação são unas.
Nã o sou capaz de garantir por mim pró prio que continuo a ser.
“Ad minimum esse debere in causa quantum est in effectu”. AT, VII, 49.
Se sou uma coisa que pensa e que tem em si a ideia de Deus, segue-se
necessariamente que a minha causa tem de ser também uma coisa que
pensa, e que tenha em si todas as perfeiçõ es que atribuo à natureza divina.
É por isso que a minha causa nã o pode ser os pais ou outra entidade qualquer.
De onde tira esta causa a sua existência? De si pró pria ou de uma outra?
Deus, “per se existendi”, “possidendi actu omnes perfectiones quaram
edeam in se habet”. AT, VII, 50.
De novo a escolá stica, se Deus é causa de si pró prio, se como nenhum outro ente
este se deu a si pró prio o ser, segue-se que possui em si como “actus”, forma,
todos os conteú dos, todas as potencialidades, qualidades concebíveis, incluindo
aquelas supremas que na sua ideia, concebo.
A própria ideia do uno vem de Deus. Impossível então pensar com certeza,
clara e distintamente, sem a sua existência, impossível ser o que sou.
No AT, VII, 50, “ullo modo me”, enquanto “res cogitans, sive mentem”.
“(...) ex hoc solo quod existam, quaedamque idea entis perfectissimi, hoc est Dei,
in me sit, evidentissime demonstrari Deum etiam existere”. AT, VII, 51.
Nunca recebo as ideias das coisas sensíveis só pelos sentidos, mas sempre pela
acção do intelecto. Como objetos, estas coisas “expectanti mihi advenit”,
formando entã o ideias de “rerum externa sensibilium”, que podem entã o existir
mesmo ou apenas parecer existir.
A ideia de que é impossível que a de Deus seja produto da minha fantasia, pois
nã o lhe posso acrescentar nem retirar nada.
Como salvar a religiã o, a fé, da pró pria certeza? Descartes opõ e contemplaçã o a
meditaçã o no final da terceira.
QUARTA MEDITAÇÃO
Oposiçã o entre “rebus imaginabilus” e “intelligibiles”.
A consideraçã o das coisas puramente inteligíveis, como daquelas que sã o
independentes de toda a matéria.
“In me esse judicandi facultatem”, que vem de Deus. Se sim, e se este é perfeito
e nã o enganador, é porque posso julgar com certeza e nã o erradamente.
Quando só penso em Deus, só posso estar certo.
Deus como verdade, o nada como falsidade, e “me tanquam medium quid inter
Deum et nihil”. AT, VII, 54.
Esta ideia do nada que se encontra em mim é a causa dos meus erros. Assim que
me afasto de Deus em direçã o a mim mesmo, “experior me tamen innumeris
erroribus esse obnoxium”.
Porquê o nada? Porque sou finito. Entre “Dei et nihil”, “ita esse constitutum”.
“De nihilo (...) participo, hoc est quatenus non sum ipse summum ens”,
participo do nada pois nã o sou eu pró prio “ens perfectissimum”. AT, VII, 54.
“Certe intelligo errorem, quatenus error est, non esse quid realem”, problema
do estatuto ontológico do erro, negativo.
Mas o erro nã o é uma pura negaçã o, um nada negativo. É uma privação, uma
carência, de um conhecimento que podia possuir.
Deus criou-me imperfeito, mas a criaçã o divina, tomada no seu todo, é perfeita.
Como “ens creatum” sou apenas parte do universo, do todo dos entes.
Considerado em si, o “intellectu” nunca pode errar, porque não afirma nem
nega coisa alguma, mas apenas concebe as ideias de coisas que posso entã o
julgar verdadeiras ou falsas, afirmar ou negar.
“Per solum intellectum percipio tantum ideas de quibus judicium ferre
possum”. AT, VII, 56.
Sou livre, mas terei sempre de escolher, uma coisa ou outra, um dos dois
contrá rios. A tese de uma liberdade condicionada.
Deus criou-me livre para que pudesse escolher livremente o bem. A definiçã o
desta pela “divina gratia”.
Mas também pela “naturalis cognitio”, porque para escolher o bem tenho de ter
um conhecimento do bem.
O exemplo da indiferença, o nã o conseguir escolher, como o mais baixo degrau
da liberdade, nã o uma evidência da sua perfeiçã o, porque verdadeiramente uma
“cognitione defectum”.
Antes de ter que ver com a verdade, a razão tem que ver com a clareza.
Que nexo entre as duas “facultatem”? Uma segue-se à outra. Concebo, logo
ajuízo. E entã o, Descartes afirma, acredito.
O erro é determinado formalmente como privaçã o, quando ajuízo sem ter razã o,
ou seja, sem ter tido antes uma concepçã o clara e distinta que me permita
afirmar ou negar qualquer coisa.
O erro encontra-se na operação, é feito por mim, ou seja, nã o é imanente à s
“puissances” que me foram dadas por Deus, nã o procede dele.
O erro, como privaçã o, não procede de Deus porque não é ente, mas
“negatio”.
A ideia de que se estivesse só no mundo talvez fosse sem erro, só teria certezas.
A de que se tudo fosse uno na criaçã o, no universo, nã o havendo partes e tudo
sendo igual, nã o havia erro, porque a criaçã o no seu todo é perfeita.
Sim, claro que o que é certo é verdadeiro. Mas é preciso compreender, que aqui
trata-se de enraizar, fundamentar, a pró pria possibilidade do verdadeiro.
“(...) quid agendum ut assequar veritatem”, trata-se do que fazer para chegar à
verdade, como se antes, nã o se soubesse de todo o que a verdade é. AT, VII, 62.
“Confusius et obscurius”.
É com este primado do problema ontoló gico, com a ideia de que antes do juízo,
do problema da verdade e da mentira, é necessário assegurarmo-nos,
termos uma concepção perfeita, da existência do objeto, que Descartes
termina a quarta meditaçã o.
A quinta, e depois a sexta, vã o justamente tratar das “rerum materialium”, como
objetos do intelecto “excogitante”, primeiro da sua “essentia”, depois da sua
“existentia”.
QUINTA MEDITAÇÃO
Na escolá stica, eminentemente é apenas o contrá rio de formalmente, é o que se
passa ao nível do atributo da essência, da “potentialitas”, e nã o da existência da
essência, da “actualitas”.
A coisa é assim conhecida porque é “in genere spectata”, tomada na sua má xima
generalidade. E é precisamente isto que na coisa me permite entã o conceber
“particularia innumera” quanto aos já enumerados “modus” desta “extensio”.
A ideia de triâ ngulo nã o veio à minha mente, “a rebus externis per organa
sensum”, por ter visto corpos de figura triangular, pois em mim posso imaginar
uma data de figuras que nunca vi no mundo.
A ideia de “excogitare”, usada aqui pela primeira vez. AT, VII, 64.
É porque conheço que é. (mas sou antes de conhecer, como Deus é antes de o
conhecer).
Algo de divino no objeto matemá tico, “ad ejus natura pertinere ut sempre
existat”, na traduçã o, “une actuelle et éternelle existence”.
Só de Deus dependem as “mathematicae veritates”. Estas nã o sã o menos certas
que a sua existência.
Impossível pensar um Deus que nã o existe, pois se penso a sua essentia como a
da perfeiçã o, nã o lhe pode faltar nada, incluindo a existentia.
Tal como o exemplo da ideia da montanha, que essencialmente é o
contrário de um vale, nã o é concebível da ideia deste.
Mas, este é o tipo de argumento aristotélico que aqui Descartes procura refutar.
Nã o é do ter uma ideia do que é um montanha que a montanha existe.
Nã o é por conceber Deus como existente que se segue que Deus exista mesmo. O
meu pensamento nã o impõ e nenhuma necessidade à s coisas.
“(...) Neque ex eo quod cogitem Deum ut existentem (...) ullam enim
necessitatem cogitatio mea rebus imponit”. AT, VII, 66.
Como é que posso deduzir a existência do pensamento?
A questã o central da obra.
Descartes afirma que este tipo de argumentos sã o sofísticos, de que aqui se trata
de um “effingere”.
Nã o se pode nunca provar assim que a coisa “in mundo esse”, que a coisa existe.
Daqui pode seguir-se apenas, que a essentia e a existentia nã o podem ser
pensadas uma sem a outra.
Nã o se segue que é por ter pensado a primeira proposiçã o que sou “contraint” de
chegar à terceira.
O exemplo de que ao pensar primeiro uma lei geral, todas as figuras de quatro
lados podem inscrever-se no círculo, nã o me constrange a ter de concluir que um
rhombe também o pode, o que é falso.
Ou seja, é sempre a prova da realidade do conteúdo a provar a forma, e isso
não tem nada que ver com impor o meu pensamento à realidade, ao ser.
Exemplo seguinte, nã o é por me acontecer pensar em Deus que ele existe, posso
nã o pensar em Deus que ele existe à mesma, ou até pensar que nã o existe e estar
errado. O que nã o posso é pensar na existência de um ente perfeito e estar
errado, ou seja, só posso negar Deus nã o sabendo o que é.
Toda esta quinta é um argumento contra o idealismo. Não é por pensar na coisa
que ela existe, mas se pensar na coisa e concluir que há uma realidade do
seu conteúdo, sou forçado não apenas a concluir que a coisa existe
atualmente, como a passar a ter este critério gnosiológico da certeza como
medida do próprio ser.
Do erro. É necessá rio que se penso num ente perfeito lhe atribua as qualidades
de ser perfeito. É necessá rio que se penso num triâ ngulo lhe atribua as
qualidades de ser triâ ngulo. Nã o é necessá rio que se penso no tipo de figuras que
se inscrevem num círculo lhe atribua figuras que nã o se inscrevem.
A ideia de “falsas positiones”, oposta à de “ideas veras”, porque uma ideia falsa
não é uma ideia.
Na prova da realidade do seu conteúdo, a ideia tem de se provar como tal.
Ao contrá rio do “me”, Deus é o ú nico ente cuja existência pode ser de facto
deduzida pelo pensamento, porque é o ú nico onde a existência está
perfeitamente contida na essência.
“Summum ens esse, sive Deum, ad cujus solius essentiam existentia pertinet,
existere”. AT, VII, 69.
No fundo, nunca chega entã o a haver um confronto com a escolá stica a este nível.
Mas argumento de Descartes aqui é o de que a existência de Deus antecede o
meu pensamento, condiciona-o. Logo, é do ser que vem o pensar, nã o o
contrá rio.
No pará grafo seguinte, a ideia de que toda a certeza depende da certeza de Deus,
“absque eo nihil unquam perfecte sciri possit”.
A de que se Deus nã o existisse, estaria obrigado a ter apenas opiniõ es, a que o
meu juízo estivesse sempre a mudar. Tem entã o de existir algo de firme e
eterno, que seja causa da minha certeza.
Sou de uma tal natureza, que a posteriori só me lembro do juízo antes da prova,
antes das razõ es que me levaram ao juízo. Consequência do facto de nã o ter uma
“obfirmata mente”, fixada numa só ideia, a de Deus, ou seja a da pró pria natureza
da certeza que me permite conhecer, de maneira a que nã o errasse nunca.
É por isso que outras razõ es se apresentam a mim, com a passagem do tempo, e
que tendo a estar sempre a mudar de opiniã o, quando me esqueço da existência
de Deus.
O ponto de Arquimedes da “vera et certa scientia”, como perfeita, una, imutá vel e
eterna.
“Postquam vero percipi Deum esse”, se concebo claramente que Deus existe, e se
“omnia ab eo pendere”, tudo depende dele, segue-se que “illa omnia, quae clare
et distincte percipio, necessario esse vera”, e assim, enquanto me recordar desta
concepçã o clara e distinta de Deus, mesmo que me esqueça das razõ es que me
levaram aí, nenhuma razã o contrá ria o poderá negar, “quae me ad dubitandum
impellat”, seguindo-se necessariamente que “habeo scientiam”.
Isto significa que, “at jam scio me in iis, quae perspicue intelligo, falli non
posse”, que a “scientiam” é a de que sei que se concebo o objeto distinta e
claramente, não posso falhar.
Na traduçã o, que “je ne puis me tromper dans les jugements dont je connais les
raisons”.
Ou seja, nã o adianta pensar que a minha natureza é tal que estou condenado ao
erro.
Sobre o seu estatuto ontoló gico, as ideias inatas como “rebus intellectualibus”.
Em oposiçã o à s de “natura corporea”, na linha seguinte, apresentadas como
plena e certamente conhecíveis, tais enquanto “purae Matheseos objectum”.
Provado foi que posso inferir a existência de Deus da sua essência, porque é um
“ens perfectum”, onde a primeira está necessariamente contida na segunda.
Mas como é que, da realidade da sua essência, posso inferir a existência das
coisas materiais?
Este parece ser o assunto da sexta meditaçã o.
SEXTA MEDITAÇÃO
Ao contrá rio da razã o, a imaginação está em mim, não sou eu. “Ad mentis mea
essentiam non requiri”, logo, “illam ab aliqua re a me diversa pendere”. Nã o se
segue de mim, segue-se do meu corpo, uma substâ ncia diferente. AT, VII, 73.
É entã o porque tenho um corpo, ou seja, porque tenho uma ideia clara e distinta,
certa, do meu corpo, que os outros corpos existem? Nã o.
O sentir, pelo qual percebo uma série de entes de forma menos distinta, por
exemplo, os cheiros ou as cores, como um “cogitandi modo”.
Nesta questã o das qualidades sensíveis, cujas ideias podem distinguir os corpos
entre eles, é levantada a da presença.
É porque há uma necessidade da “praesens”, porque esta não depende de mim,
da minha vontade subjetiva, que posso sentir um objeto sensível, e que isso pode
constituir conhecimento.
Se o objeto sensível está presente aos meus sentidos, não o posso não
sentir, ou fingir que sinto outra coisa.
Segue-se entã o que há uma realidade do sentir, que nã o é um “effingere” meu,
ou seja, que estas ideias das qualidades sensíveis sã o adventícias, que sã o
conteú dos reais que se seguem de objectos formalmente existentes, no mundo
“ex me”.
“(...) me sentire res quasdam a mea cogitationes plane diversas, nempe corpora a
quibus ideae istae procederent”; “ (...) illas absque ullo meo consensu mihi
advenire”; “(...) nec possem non sentire cum erat praesens”. AT, VII, 75.
No fundo, é só esta sexta meditaçã o que trata das ideias adventícias, como “ideae
sensu perceptae”, à sua maneira muito mais distintas que as factícias.
Factícias as que sã o “avec dessein et de propos délibéré”.
A questã o plató nica, se tudo o que posso saber da coisa corpó rea é a imagem que
tenho da coisa como objeto sensível, será que as coisas sã o semelhantes à s ideias
que em mim causam?
O círculo também pode ser visto ao contrá rio. Da razã o, para o mundo onde a
razã o se prova, de volta para a razã o esclarecida. A tal funçã o medial do corpo. A
ciência moderna e o método experimental.
No fundo, a ideia parece ser, a coisa sensível pode ser verdade e pode nã o ser.
Ou seja, é possível ter uma ideia clara e distinta do objeto sensível, concebê-lo
racionalmente através do critério da presença, mas para poder provar a
existência do objeto, este carece a um segundo nível da aplicaçã o da grelha
matemá tica, de ser determinado como “extensio”, ao nível da essência, do
conteú do da ideia.
Satisfeitas estas duas “regulae”, posso deduzir a existentia?
Tudo o que posso conceber com certeza pode ser feito, produzido, criado por
Deus tal como o concebo.
“Quoniam scio omnia clare et distinte intelligo, talia a Deo fieri posse qualia
illa intelligo”. AT, VII, 78.
Argumento para a deduçã o da existência das “rerum materialium”.
Descartes define entã o a pró pria “intellectio” segundo o “pouvoir des contraires”,
que a concepçã o certa é sempre a do ente que posso conceber separadamente,
como uma unidade, ou seja, do ente que é distinto, diferente, de um outro.
Isto serve retrospectivamente como fundamentaçã o da concepçã o das tais
“qualitatem” sensíveis, que podem efectivamente distinguir o ente.
Mas aqui, funciona como explicaçã o de que só me conheço a mim como coisa
mental na distinção em relação à coisa corporal. Entã o se estou
absolutamente certo do meu ser mental, esse é também o argumento para poder
ter a certeza da existência de um ser corporal, como o seu contrá rio.
Segue-se que há uma real distinção entre “mens” e “corpus”.
É a certeza do meu corpo, e com isso, a da sua diferença real em relaçã o à minha
mente, “res cogitans”, que me permite determiná -lo como o seu contrá rio, “res
extensa”.
As ideias de “cujunctum” e “parte”.
“Ex una parte” tenho a certeza do que sou, cogito.
“Ex alia parte” só posso ser entã o outra coisa, extensa.
AT, VII, 78.
“Certum est me a corpore meo revera esse distinctum, et absque illo posse
existere”. AT, VII, 78.
É certo que eu sou realmente distinto do meu corpo, e de que posso existir sem
ele.
Posso ser sem o corpo, mas este não pode ser sem mim. Como “modis
cogitandi”, as “facultates imaginandi” e “sentiendi” não podem ser sem uma
“substantia inteligente”.
O meu corpo como “modus” de mim?
Ou seja, será correto afirmar que as ideias do sensível têm conteú do cognitivo?
Têm apenas uma realidade formal, e claro, um conteú do qualquer, que ao nã o ser
certo, nã o posso afirmar como cognitivo?
Aqui Descartes, um mestre da retó rica, deixa-nos em suspenso. Só no final vai
afirmar que sim, mesmo que nã o certas, há um conteú do cognitivo, da ideia da
percepçã o sensível.
Logo, esta “facultatem” do sentir, quer passiva quer activa, nã o está em mim, nã o
pertence à minha sustâ ncia, mas a uma outra.
E aqui, Descartes vai apresentar a soluçã o do problema essencial da obra, o de
como provar a existência da realidade, ou seja, o de como se dá o acesso da razã o
ao mundo.
A que substâ ncia pertencem as ideias objetivas do sensível, que têm uma
realidade formal adventícia, e um conteú do determinado pela presença de um
ente, que se apresentando ao meu “sensorium”, nã o posso nã o perceber?
Pertencem formalmente ao corpo e eminentemente a Deus.
“Corpus”, “in qua nempe omnia formaliter continentur quae in ideis objective”.
“Deus”, “in qua continentur eminenter”.
Ou seja, a cor da minha caneta pertence formalmente à substâ ncia corpó rea, ao
corpo caneta, e eminentemente, ao nível do conteú do objetivo cor como
percepçã o da realidade existente, à substâ ncia perfeita, Deus.
Tem de ser Deus a garantir o nexo do pensamento com a realidade, e com isso, a
pró pria existência da realidade!
Se nã o houvesse este link, o da participação eminente dos conteúdos
sensíveis, cuja ideia não me pertence, na substância divina, cuja ideia me
pertence, simplesmente nã o estava no mundo.
Este link é entã o precisamente o da minha mente com o meu corpo, que só se
juntam em Deus.
Este é o ponto mais importante da obra.
Assim, é Deus que me envia estas ideias de forma mediata, através dos
corpos onde estã o contidas formalmente.
Ou seja, nã o sã o as coisas a enviar-me as suas ideias, é Deus por meio delas.
Sendo assim, se procedem de Deus, “rebus corporeis existunt”. AT, VII, 80.
E é aqui que Descartes afirma, como bom plató nico, que talvez as coisas
existentes nã o sejam exactamente como as compreendo pelos sentidos.
Ou seja, das coisas dos sentidos só posso ter a certeza das “quae in pura
Matheseos objecto comprehenduntur”. AT, VII, 80. A coisa assim concebida como
“generaliter spectata”.
Quanto à s “particularia”, sã o duvidosas e incertas, “minus clare intellecta”. Mas
apenas porque as suas ideias procedem de Deus, que nã o é enganador, e que
apesar de eu me poder enganar tenho em mim a capacidade de me corrigir,
que posso ter “un espoir certain” de chegar a conhecê-las verdadeiramente.
Na traduçã o, de que tenho os meios de as poder conhecer verdadeiramente. P64.
“Unum quid cum illo componam”, eu e o meu corpo. AT, VII, 81.
“Unione et quasi permixtione”.
Isto demonstra-se no facto de ter pensamentos que sã o do corpo, as sensaçõ es,
“hoc ipsum expresse intelligerem, non confusus sensis haberem”.
O exemplo de que ao magoar o corpo tenho uma sensaçã o, um pensamento claro
e distinto a partir deste. Outro exemplo, o de que nã o há sensaçã o de fome
confusa.
O que em nada refuta o facto de as sensaçõ es, como “modus”, “accidens” do
cogito como “puro intellectu”, serem maneiras mais confusas de pensar,
inferiores, na cadeia de ser.
A ideia de que é só porque tenho um que posso pensar outros corpos, que sã o
“circa meum”.
Corpos de que devo fugir ou aproximar-me, por causa do meu corpo. E ideias
sensíveis, que através de Deus, deles emanam, agradá veis ou desagradá veis
O falso “ad mentem solam pertinent”. É por isso que Descartes pode afirmar que
“a natura doctus esse”. AT, VII, 82.
Coisas que conheço pela “natura”, em sentido estrito, pelo meu corpo. Outras
pela “lumen naturali”, pela minha mente.
Coisas que me foram dadas por Deus, aqui “natura”, como o ser composto de
mente e corpo, e coisas que me foram dadas por mim pró prio, aqui “lumen
natural”, como as noçõ es da filosofia ou da ciência.
A distinçã o profunda entre concepçã o e juízo.
As pró prias concepçõ es, os conteú dos objetivos do meu pensamento, sã o sempre
certas, vêm de Deus. Eu é que ao servir-me delas, para produzir juízos, muitas
vezes erro.
Os “modus” sã o “accidens “do “attributum”, que é a “essentia” do “ens”. Descartes
expõ e-no nos “Principiae”, artigos 52 e 53 da primeira secçã o.
Se bem que “la nature m’enseigne quelque chose”, nunca me pode ensinar
nada sobre a existência das “rebus extra nos”. Nã o é possível concluir nada de
verdadeiro, ou seja de ajuizar, sobre estas a partir dos sentidos, mas só através
da “lumen naturali”, o intelecto.
“Verum scire ad mentem solam”. AT, VII, 83.
Só eu, a mente, e nã o o conjunto de mente e corpo que sou, pode conhecer com
certeza.
A partir dos sentidos, “sine ratione judicavi”.
O exemplo do calor. Nã o tenho razã o para acreditar, através dos sentidos, que o
calor está no fogo. Tenho apenas razã o para acreditar que há qualquer coisa no
fogo que me faz sentir, que provoca em mim, o sentir calor.
Ou seja, através dos sentidos só me posso referir ao corpo fogo através do meu
corpo, nunca diretamente ao fogo!
Posso conhecer, e com isso ajuizar, através dos sentidos que tenho calor, mas
nada posso conhecer sobre o que o fogo é ou nã o, excepto o ser algo que me
afecta desta ou daquela maneira. P66.
A não identidade perfeita entre o que me parece ser a coisa, como a
percebo sensualmente, e o que a coisa realmente, certamente, é, tal como
concebida pelo “intellectu”.
E por outro lado, já uma antecipação da Ding-an-sich kantiana.
Distinçã o entre a coisa “illa ipsa quae (...) mihi a natura exhibentur” e os
“internos sensus” que dela procedendo, Deus me envia.
Problema de estes “internus sensus” poderem ser enganadores, e com isso Deus.
O exemplo da carne com veneno, onde a natureza nã o é culpada da minha morte,
pois Deus leva-me apenas a desejar a carne, nunca o veneno. O problema sou eu,
que ignoro que tem veneno, ou seja, que a minha natureza como “res limitata”
nã o é omnisciente, mas de uma “limitata perfectionis”.
Um modelo mecâ nico de toda a afecçã o, do sentir, “idem de quolibet alio sensu”.
O problema de ser a mente que sente, e nã o por exemplo o pé, quando faço uma
ferida.
No final, depois das provas metafísicas, as físicas. A ordem das razõ es.
A ideia de que posso sentir qualquer coisa no pé sem vir do pé, mas de um erro
no meu sistema nervoso. De que, tal como no exemplo do doente, “sensusque
naturaliter fallaetur”. AT, VII, 88.
Conclusã o, se o meu corpo é uma má quina, é possível que se possam processar
erros, e por isso, como conjunto de corpo e mente, apesar da soberana bondade
de Deus, sou “fallacem”.
Mas da possibilidade de erros no corpo, que como no exemplo dos “hydropiques”
sã o anomalias, nã o devemos concluir que nos engana sempre, mas que “corpus
est bene constitutum”.
Os sensus “multo frequentius verum indicare quam falsum”. AT, VII, 89.
Nã o uma rejeiçã o final de toda a dú vida, mas de uma incerteza geral. A certeza
de que posso estar certo.
A memó ria prova que a vigília é distinta do sonho, pois nã o posso ligar os sonhos
uns aos outros.
Distinçã o final entre “spectrum” e “res vera”, a determinada segundo um “unde,
ubi et quando”, pelo meu intelecto, cuja percepçã o da ocorrência posso conectar
com as outras da minha vida pela minha memó ria. O sonho e a vigília. AT, VII, 90.
“La vertu du doute fait de son incertitude même le seul véritable point fixe”.
Descartes concede que a mente é uma forma substancial, e que há uma união
substancial com o corpo.
Mas antes, conclui que há uma distinção real entre mente e corpo, conceito que
integra o título da pró pria obra.
A ideia de que a uniã o é subordinada à distinçã o.
Descartes contrasta o saber humano, limitado, com o saber divino, ilimitado, que
como tal ultrapassa os limites do conhecimento.
É um contraste entre compreensível e inteligível.
A ideia de que a intelecçã o nã o tem de ser adequada, de que nã o tem de igualar o
seu objeto. Deus é entã o inteligível e indefinível.
Contraste entre infinito, como uma ideia positiva, e indefinido, como ilimitado,
algo cujos limites nã o nos sã o acessíveis. “Le monde”, de 33.
A liberdade cartesiana como indiferenciaçã o, por sua vez, como ignorâ ncia,
indiferença.
O conhecimento é entã o a diferenciação, o poder dos contrários.
Um lado determinista.
Ulteriormente, no debate com os jesuítas, Descartes vai associar a liberdade aos
contrá rios, ao poder do sim e nã o, implícito em cada acto livre. Só a diferença
entre um e outro permite a escolha.
Na sexta meditaçã o há dois factos que apoiam a prova da existência dos corpos.
A passividade, constrangedora, do nosso sentir. A inclinaçã o natural a relacioná -
lo com o nosso corpo; que passa entã o a ser uma a acreditar que o meu sentir se
deve à acçã o de um outro.
Colocar tudo em dú vida, para nesse estado demonstrar que há coisas de que nã o
é possível duvidar.
Há uma distinçã o real entre mente e corpo, mas que de alguma forma perfazem
uma unidade.
É assim, a partir da evidência da mente e através desta ideia de unidade, que
Descartes vai tentar provar a existência das coisas corporais.
Descartes concede que a de Deus e da mente é mais certa e mais fá cil de
demonstrar, refugiando-se quanto ao corpo na inutilidade da prova
relativamente ao provado, segundo Beyssaud.
OUTRAS LEITURAS
“... me resolvant de ne chercher plus d’autre science que celle que se pourrait
trouver en moi-même, ou bien dans le grand livre du monde”, Descartes,
Discours de la Méthode, Première partie, 9 (ePub, Les É chos du Marquis, 2011)
“...que ces choses peuve servir d’objets à des pensées véritables”. Descartes
a Mersenne, 16.10.1639. AT II, 597, 15-16.
“Ein ‘Zirkel im Beweis’ kann in der Fregestellung nach der Sinn des Seins
uberhaupt nicht liegen, weil es in der Beantwortung der Frage nicht eine
abteilende Begrundung, sondern um aufweisende Grund-Freilegung geht”.
“Na colocaçã o da questã o acerca do sentido do ser em geral nã o pode residir ‘um
círculo na demonstraçã o’, pois tal questã o nã o se atinge no responder por uma
fundamentaçã o derivante, mas apenas pela assinalante libertaçã o do
fundamento”, Heidegger, Sein und Zeit, GA 02:08.
“Le cogito est l’idée de Dieu (...) L’idée de Dieu n’est pas dans la conscience, c’est
la conscience.” Ferdinand Alquié, La découverte metaphysique de l’homme
(Paris, PUF, 1950, p. 236)
“Die Beziehung zwichen dem Ich und dem Gegenstand, die oft gennante Subjekt-
Objekt-Beziehung, die ich fur die allgemeinste hielt, ist offenbar nur eine
geschichtliche Abhandlung des Verhaltnisses des Menschen zum Ding, insofern
die Dinge zu Gegenstanden werden konnen...” Heidegger, Gelassenheit (3ª ed,
Pfullingen, 1959, S. 55)
“...interdit d’admettre comme existant ce qui n’est pas tout à fait à l’abri de toute
possibilite d’être mis en doute.” Husserl, Méditations Cartésiennes (Paris, J. Vrin,
1966, Trad. Gabrielle Peiffer e Emmanuel Levinas, p. 2)
“Was er aber bei diesem ‘radikalen’ Anfang unbestimmt lasst, ist die
Seinsart der ‘res cogitans’, genauer der Seinssinn des ‘sum’.” Heidegger, Sein
und Zeit (GA 02:24)
“Die ‘res cogitans’ wird ontologisch bestimmt als ‘ens’...” Heidegger, Sein und Zeit
(GA 02:24)
“Was seiner seinsart nach so ist, dass es dem Sein genugt, das in der
mathematischen Erkenntnis zuganglich wird, ist im eigentlichen Sinne.”
Heidegger, Sein und Zeit (GA 02:95)
“Per se autem notum mihi videtur, omne id quod est, vel esse a causa, vel a se
tanquam a causa.” Descartes, Responsiones, AT, VII, 117
“Aquilo que é Deus como causa sui, para o ente que defende a sua causa, é-o o
ego, como cogito, para o ente como cogitatum. O ego torna-se ente supremo para
uma ontologia do ente representado.” Jean-Luc Marion, Sobre a ontologia
cinzenta de Descartes (Lisboa, Piaget, 2011)