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Apem | Artigos e Projetos Pedagégicos Aauséncia di 5 musi ‘A ausén le outras misicas nas aprendizagens em formagao musical Jorge Alexandre Costa jacosta@ese.ipp.pt Luisa Pais-Vieira Inés Pinto Resumo hs Autili Izagao de reportério musical, no dmbito das atividades letivas da disciplina de Formagio Musical do ‘ensino especializado de misica, é, nos dias de hoje, uma praxis (re)conhecida e empreendida com uma regularidade assinalavel, Esta predisposigdo para o uso do reportorio musical, como recurso e dispositivo pedagégico gerador de miliplas aprendizagens, advém, sobretudo, de uma conseiencializagio, por parte des diferentes atores, da nevessi- dade da disciplina em recorrer @ miisica para ensinar misica (Karpinski, 2000) ‘Mas a observaedo desta praxis musical remete-nos para uma outra constatagéo que Ihe é concomitante, a ‘saber, este reportério musical organiza-se e converge, de um modo geral, num iinico sentido estético ~ 0 reportério musical enidito ocidental. As outras miisicas ficam ausentes desta praxis que se limita, no tempo, a reforgar a produgio da sua ndo-existéncia (Santos, 2006). E sobre esta assuncio que desqualifica ou nio da visibilidade as outras misicas (Schippers, 2010; Bradley, 2012), no ambito das priticas letivas em Formagdo Musical, que pretendemos refletir erticamente neste artigo. ‘Aanilise qualitativa e quanttativa dos inquétitos realizados a diferentes doventes de Formagio Musica, permite-nos, pporum lado, perceber que esta ndo-existencia parece encontrar as justifiagbes necesérias mum continuum de cinco vminios furamentais . esictico, séenico, pedagégico, afinidade musical e indiferenca = e, por outro, venificar possiveisIogicas de transformagao desta pretensa hegemonia da cultura musical erudia ocdental Palavras Chave: Formagao Musical, Reportorio, Priticas Letivas, Sociologia das Ausencias. Introducdo A utilizagio de reportério musical, no ambito das atividades letivas da disciplina de Formagao ‘Musical do ensino especializado de misica, ¢ nos dias de hoje, uma praxis (re)conhecida ¢ empreendida, Fou secncnirezlaridade, nas diferentes escolas, publicas¢ privadas, de ensino de misica do pais. Esta predisposigao para 0 gerador de miltiplas aprendizagens, Tentes atores, da necessidade da disciplina Clemens Kilhn (1988), em realizar com CH ‘Como nos lembra Fatima Pedroso, ss as técl siga Hhecimentos e competéncia sl Cees errnisica, seja esta para masicos amadores ou par pablicos infor- lasico profissional, ¢ 10 et sica, omacio Musical] deve ser sempre a musica ¢ ndo dio 0“ ejetivos das aulas (de Formaga is : w ee: co vos das jos de musica Teal pode(deve” (2003, p. 183) estar sempre uso do reportério musical, como recurso e dispositive pedagogic ‘advém, sobretudo, de uma consciencializacio, por parte dos dife- vim recorrer 8 misica para ensinar musica ov, na perspetiva de ancia as aprendizagens da educagio em misica, d a disciplina de Formagio Musical tem como missiio rnicas e tedricas, imprescindiveis a qualquer pen Parga de Bic Masel 8 44, jas erent 2018 0. S19 Artigos e Projetos Pedagégicos | apem J ivilegia 0 pensar a partir presente, i uma orientago que, no entender de Gary Karpinski (2000, p. 4). Priv! ae me dda misica em detrimento do pensar, apenas, sobre misica!. Mas observagio desta praxis musialremete-nos para uma Cua CoP TT A my nico tane, a saber, este reprtrio musical organiza-see eonverge, de wm modo BF eT OT oo sentido eso e estilo — reporbro musical eno ocidental As ous miblens CSU TTS | Bradley, 2012), sejam estas todas as que nio o reportorio referido, E im pura Timita, no tempo, areforear, de diferentes modos, a produglo da sua nao-exsiéncia. "Como hipdtese construiva do nosso estilo, asumimos que sia ndo-exisictt MSlet® analog acio constuid por Boaventura Sousa Santos (2006) para exlicar os Fenonncd ft i” temiade, prec encontar es jusifcaesnesessrias num confnuum de cinco demining Funan designaamene, 0 etic, qe eee opredominio do cinon musical universal ovic, dvs sins ‘do saber musical; da pedagogia, que elege a adaptabitidade : ee Lec i ical, que privilegia 0 carater ideal do gosto Saber musical ao contts; de uma presume finidade muses, que privilegiao caries dominant; or ino, dominio da inderenca,perantequalguer ou aber msi E, por isso, sobre esta assungaio que desqualifica ou nao as _ roe priticas letivas em Formagio Musical do ensino especializado de miisica, que pretendem rie Indo, perceber quais os motivos fundamentais refletircrticamente neste trabalho, Pretendemos, por um lado, pe tives finders que enquadram ¢ justifieam esta produgao de auséncia e, por outro, verificar se se vislumbra as de resistEncia e ldgicas de contradigdo e transformagao a esta pretensa hegemonia da cultura musica! erudita ocidental. ‘uma outra constatagao que Ihe é concomi- Breve apontamento sobre o uso dos reportérios na Formacao Musical A Formago Musical € uma disciplina que, incorporada no ensino artistico especializado de Misica, integra os curriculos deste de uma forma historicamente irregular, Simbolo das alteragdes que foi vivendo, 0 seu nome e dura¢ao no curriculo foram-se alterando: desde Preparatérios e Rudimentos, Solfejo, Educagéo Musical e Formagao Musical ¢ de dois, trés e seis A Formagio Musical tem uma forte tradigdo de alfabe triangular a teoria musical, a formagao do ouvido e a leitura ‘Tem um carictertaefeio ¢ de tino (Pedroso, 2003, p. 76) que poderd competir com a construsio de uma aula que exija uma atuagao mais critica e ampla e que permita o questionamento ea compreensio dos diversos contextos musieais (Karpinsky, 2000, p. 4) No que se refer inserpo de uma cultura musical ou, por outras palavras, de miisica, nas praticas {civas de Formagdo Musical, ndo se pode indicar que este & um assunio nove Lopes Ga we ion numa controvérsia sobre o valor pedagogico do solfejo rezad : fa Joe do solfe *(..) que 0 ensino da miisica deve ser feito core” ino pela... misica” (Lopes-Graga, 19 P. c ieee eee ea Pes-Graga, 1973, p. 121). © autor nao explicita aqu 08 uum principio promissério para a nossa discussiv , : nossa discussic Bakemos que Toms Borba publicou, em 1921, um liv de solfje Bitetie pes a, compositores porueses seus contempordneos ~ para cantar com acompanhaisento fe piano, Este material didatico {va Preocupasio, jd no primeiro quartel do século XX. com di disciplina de Solfejo, eee Teper =e anos até aos atuais oito graus. tizacao (Femandes, 2007, p. 47) ¢ procura © escrita musical (Pedroso, 2003, p. 85). ado nas praticas educativas da Formac Musics! i 8s que também no constitui em Portugs al uma preo- 1 MEt88 nogdes thinking in music thinking abou musi wi Dissertagdo apresentad 1931. O manuserito ori Nacional, em Lisboa, izadas por Gary Kampinski (2000, p. 4). ‘Concurso para professor de pelo autor, encontra-se nos ls por Femando Lopes-Graga no es a oo Solfejo do Conservatorio Nacional. © Arquivos da seeretaria dor Conserv ators evs Pores de Ebuca Mse 1 i-Sremdo 2018, pp. 51.39 a ; r PEM | Artizos & Projetos Pedagogicos . O Boletim da Ass Issociagdo Portugues Jean Papineau de 1972 (uadurido por lo Aa epimiusieais de todos os pene’ ose Mauino), no. qual o autor defend Pettbre dos os wéneros” (Papineau, 1973, nee 8 preparagio d ,p. 3). Também Maria Tere ee los jovens miisicos a cn RE osnccnseecc salda das escolas profissionais et fice a0 fendmeno musical contemporine” (1986, 8), Pn wane intade fMusiol “(.) formar o futuro misico sob\e poate de vee oc ee MRM Ss iricscdl de vin corn me eee ese tee, por const ris paca, eos, gneos proveniéncias” ee eur, urn inden que “.) em termes es ferent da ior inportnsn a rs de rages de paris devi CTT Sean eepeaee irvine que 0 aluno nio abuse do exercicio ee rmiist (1986p 10), Acrescenta ainda que no encontrado ges, an es dem seven em al om ymentos de composigdes relati ‘ ee HOF IDA professcra refers divorsos cxcraplos~ ees en | plos ~ Bach, Stravinsky, Messiaen, a eee a steulo Ai eemiaiee do professor de Educagdo Musical, como se ae ee peuaasl is contemporineos (1986, p. 8). oe eee Lis le, em 1994, Joio Pinheiro, entdo coorder . » enador do antigo bacharelato ects relesas oa ferrase Mata td 0 quanto 0 descjado 0 desenvolvimento cultural, atistico expressivo dos 8s insiste que a misica deveré sero conteido da aula de Formagdo Musical Tal como bait cempliios, hhomeando compositores, agora mais diversificados no estilo Joso, Messiaen, Lopes Graga, Jacques Brel e tantos outros de tio diversos 'p:5), B acrescenta que todas “...)s sequéncias de trabalho [no bacharelato] tem como Indes compositores que marcaram a Historia da Misica e todas as dficuldades Genicas ‘no contexto original” (1994, p. 5). 97 Francisco Monteiro (ndo especificando a Formagio. Musical, mas, por omissio, conceito lato de educagiio musical) alerta para um reportério no ensino da masa resumido | eos ivamente a estruturas ¢ formas musicals dos séculos XVII e XIX” (1997, p. 131). dissertagiio sobre a disciplina de Formagao Musical, Fatima Pedroso discute, apoiada 38) e Cuddy & Upitis (1992), 0 desenvolvimento da capacidade auditiva que “(..) no pode ‘o” (Kiihn, 1998, p. 12). Mais recentemente, a temitiea do ddiscutida em diferentes dissertagdes de mestrado em ensino is-Vieira, 2015; Ribeiro, 2015; Tavares, 2015; Alves, lucagdo Musical incluiu em margo de tem vindo a apresentar-se © @ ser dio Musical (Correia, 2015; Pay de reportérios nas priticas letivas da Form ‘observam-se atuagdes que silenciam as io de um reportorio © os motivos para c discutir a utilizag cal nf jo constitui uma temitica inovadora. Apesar disso, tisicas, © que nos leva a questionar 0 porqué do monopé de outros. fe indolente Da racionalidad io da nio-existéncia 5 légicas de produc ites ; Bie deve breve enqusdramento, nfo ¢ nos#o prondsi claborar qualquer sintese tebrica Pretendemos, apenas, apropriar-nos ide alguns dos seus Sobre pensamento de Boaventura Sousa Santos A ot peursticos capazes de fundamentar € ‘questionar o objeto € transformé-los em dispositiv sen, Pan ac Mes cee AIS Artigos e Projetos Pedagogicos | apem . it to do autor — Uma Sociologia das rows invesgagio. Serimo-ns, par ste URED, £6 gg, no io = Cramiieg dn” = 4 oe 3 06 vséncias e uma Sociologia das Emergéncias ~, publicado em 2006, no liv 5 para uma nova cultura politica, do {qual retiramos duas ‘orientagdes epistemologicas fundamentais para a realizagio do nosso estudo®, os ‘Uma primeira, assente na conslatagao que Boaventurl formula sobre, por um lado, 0 predomini de uma racionalidade ocidental dominante como modelo explicativo unico do es. =. is vmidade indolente, e, por outro, anccessidade de se desenvolVer ua nova raionalidade, 8 acionlia osmopolita, menos parcial ¢ homogénea e mais aberta € vieersficada, Uma racionalidade que promove sobretudo, a presenga de tudo aquilo que parece estar ausente ou de tudo aquilo que a racionalidade ‘ccidental dominante parece promover para a sua efetiva néjo-existéncia. E é se ommaganda orintagdo,ancorada na definifo desta produo te ndjo-existéncia que, nas palavras do autor, se verifica "(.) sempre que uma dada entidade © desqualificada ¢ tomnada invisivel mar ioe ou ceseartvel dem mode ireversivel” (2006, p. 95) ena formulas de légicas ou modos de produgaio desta mesma ndo-existéncia «rein ovientagdo, a raconaidade indolent no necesita, julgamos nos, de qualaver escla- recimants sereseido.O mesmo no poderemos dizer da segunda orientagdo, nomeadamente sobre o sign!- Tram dos logeasteferias, A primeira légica de produgdo da ndo-exsténcia, a monocultura do saber do rigor do saber, resulta, segundo Boaventura, da trnsformagao da ciéncia modema ¢ da alta culurs mr.) eritriosdnicos de verdade e de qualidade estética”, em “(..) cones exclusivos de producio ce conhgsimento ¢ de criagio artistica”, todo o resto, fora deste campo, nao existe. A segunda logica. 2 mmonoculua do temp linear, promove a inexitécia porque assume que a“(.) historia tem sentido ¢ dios consis” uno um pros exclusivo, em que os mais desenvolvidos e complexos seam prt fran sda of kaso simples, A terceira lagica, a da classificaca Se ee logica, ada escala dominante, pe eentanes ‘i inferior. A quart Pe ee conse sub iar asta anor ieae eae ess aa ee ee ee ee ai, cilins cultura ocidental so produtivas, por isso, todos eoiad Sel ane coe as ee estéril e desqualificado (Santos, 2006, ues existem porque assumem um __Sintetizando as logicas mencionadas echiceh Sa ndo-existéncia porque a ciéneia moderna sare podemos dizer que existe uma produgio da universal e produtiva,arrogase de uma rasionalidade indolente quece dec ncnca a Seer ts considera’ guoranten resi cuais finer croelOeawle ieee aero attude,oaparecimenio do ma desejvelracionalidade mae nigga ee estan, £0 esta aan EaaRIIE eR idade mais integradora ou cosmopolita. a hmelogamens eo portno skal crudta ovidental oe? & estado, podemos interpretar fortemente indolente e muito pouc’ logicas especificas de produgio ¢ encontrar as justficaga : la 4 im de cinco domi LS inios, (re)adaptados © dominio esitico ~ em que se veri 8, ', em virtude deste se assumir como © de Antonio Pinho Vargas, Aorta Porat de Eves do Marcal. 0°14, zero 2018, pp 51.59 apem | Artigos ¢ Projetos Pedagégicos cfitério tinico de verdade © de qualidade estética musical; 0 dominio téenico ~ em que os elementos de progresso, de complexidade e de rigor sioatributos que parecem ser reconhecidos,principalment, ao va per musical erudito; o dominio da pedagogia — em que a adaplabilidade, aclarividéncia ea sincronia do saber musical com os diferentes conteidos da diseiplina encontram um maior eco e justifieaglo na chamada misica erudita; 0 dominio da presumivel afinidade musical ~ em que 0s agentes edvestivos pressupsiem a existéncia de uma familiaridade do gosto da turma com os reportorios dominantes escolhidos; e, por iltimo, o dominio da indiferenga ~ em que se sublinha a inrelevdncia, ou mesmo & ignorincia, do saber musical das outras miisicas face a um cdnon musical que parece ser hegemonico no seio do ensino especializado de misica. Construgao do olhar metodologico AAs hipéteses interpretativas referidas, concretizadas nos cinco dominios definidos, tomaram-se no elemento determinante para a construgdo da nossa metodologia. Assim, com o objetivo de percecionar a utilizago de reportério musical nas préticas letivas da disciplina de Formagio Musical ¢ os seus eritérios ide selegdo, adotou-se uma metodologia de recolha de dados através de inquerito por questionario (Bell, 2010, p. 118). Dado o piblico-alvo deste trabalho, e sendo do nosso interesse contemplar 0 maior numero possivel de professores, o questiondrio foi realizado através de uma plataforma digital. Fel enviado por core eletronico a 31 escolas e 58 professores do pais, as quais foi assegurado o anonimato ¢ confi oncialidade das informagSes concedidas. A amostra obtida foi de 44 respostas, sendo que dias tiveram que ser anuladas. ‘0 questionério foi claborado em duas secges complementarcs em que 2 primeira procurou tracar «© perfil pessoal, académico e profissional dos intervenientes, segunda procurou saber a frequéncia de portérios nas aulas de Formago Musial, bem como o grau de concordncio com aanvtevos, definidos pelos cinco dominios elencados, que justificam a escolha dos diferentes report6rios, ‘A tipificagao dos reportérios em quatro segmentos aglutinadores ‘erudito, jazz, popular € tradicional — fem come propésito nico simplificar € consensualizar o significado ex'slenit sobre cada um deles Enistindo # preocupasio de tornar 0 questionério cil e de resposta 8 mples, as questdes apresentadas foram, na sua maioria, de resposta fechada, existindo também duas persunias de resposta aberta (Fortin et al,, 2009, pp. 117-118). No que diz respeito & andlise dos dados, as fespostas de pergunta fechada foram aglomeradas através da eonstrayao de tabelas e gréficos que permitram a Jeitura do uni eit ‘obtido. As questdes de resposta longa procuraram, apés uma anilise de conteido s fematica, encontrar nos intervenientes modos potencinis de inovagae e reformulagao dos materials didaticos utilizados nas priticas letivas da disciplina de Formagao Musical. utilizagao € o tipo de rey Andilise e (rejinterpretagao do questiondvio ebidos por meio do questiondrio focar-se-4 sobre dois ia necessidade de se revelar a amostra, ¢ as escolhas izagio de diferentes reportorios ‘A anilise e (re)interpretagao dos dados ree petos: 0 perfil dos professores, justficado pel reulizadas pelos intervenientes no que se refere & sua percetio sobre au nas priticas letivas da Formagao Musical 0 perfil socioprofissional dos professores de Formagio Musical inquiridos ra de professores de Formagio Musical que responderam a0 inavett Tendo em atengao a amost ana etéria predominante So situa entre os 22 ¢ os 50 anos de idade (n=42), podemos observar que a f vt Prngese de dua Mus 0° 4, one 01% 79S Artigos e Projetos Pedagogicos | apem (68.1%) € que 6 nimero de profesores do Sexo feminino (52.4%) ¢ do sexo masculino (47.6%) ¢ - Seca sadémica i i iridos detém o grau de mestre formagao iT realizada, 45,2% dos inquit 7 sea Musical, 33,3% adie dominio disciplinar ¢ os restantes 2 14 % = aera ae de formacao na Area cientifica de misica. Os professores inquiridos so mator aescat pofssonalizados (90.5%), sendo 50,0% profssinalizados com o grau de mesic vovicio da atividade docente, 81,0% dos inguiridos trabalha em estabelecimentos dc i suat ra correspondem na sua maioria a escolas de ensino especializado de misica, lecionando atina de Formagao Musical, cumulativamente, tanto no ensino bsico (92,99%) como no ensine Senne 65 5%) ¢ na Iniciagio Musical (31,0%). 35,8% dos inquiridos leciona a disciplina de Se gao Musical hé mais, de 15 anos, 38,1% encontram-se dispersos pelo periodo de 5a 15 anos de docenci: (16,7% entre 5 € 10 anos ¢ 214% entre 1 e 15 anos) e 23,8% leciona ha menos de 5 anos. 0 uso de reportérios mas praticas letivas em Formagao Musical (0s inquiridos quando questionados se ulilizam reportorios nas praticas letivas em Formagdo ‘Musical, afirmam, unanimemente, que sim, muito embora, apenas, 16,7% o faga sempre, 73,8% de uma forma regular € 9,5% muito pontualmente, O valor médio de frequéncia é de 3,1 Md*, o que significa que 1 utilizagao de reportérios é tendencialmente regular. ‘No que diz respeito aos tipos/géneros de reportério utilizado na sala de aula podemos constatar que a misica erudita, como componente de uma racionalidade indotente, obtém 0 valor de média mais clevado, de 3,14 Md, seguido da misica tradicional com 2,14 Md, da miisica Jazz com 2,00 Md e da ‘misica popular com 1,95 Md, em terceiro ¢ quarto lugares, respetivamente. Como se pode verificar pelos valores da média inferiores ao nivel 3 (regular), especialmente visivel na utilizago de misica popular com uma média abaixo do valor 2 (pontualmente), as outras miisicas permanecem distantes de uma desejavel racionalidade cosmopolita, em que os valores médios teriam que ser mais uniformes. Independentemente da regularidade (ou no) que os inquiridos manifestam quanto a utilizagao dos diferentes reportérios nas préticas letivas em Formagao Musical, podemos ainda observar como € que estes hierarquizamyvalorizam os motivos propostos pelo questiondrio, que tém como referéncia os cinco dominios definidos anteriormente: Motivo a) porque este representa, estética e culturalmente, os valores principais patrimoniais da nossa civilizacdo ~ Dominio Estético; Motivo b) porque este usufrui de suportes materiais (partit a ai vo b is (partituras ¢ gravacées so mais acessiveis e fidedignos ~ Dominio Técnico; inte Motivo ¢) porque este se adapla e se adequa melhor ao desenvolvimento das diferentes comp: oe aaa éprdtieas necessérias @disciplina de Formagao Musical - Dominio Pedagézic ivo jue todos os outros tipos/gé: brie ai Bese ears s outros tipos/géneros de reportorios me so indiferentes - Dominio da Motivo €) porque estes vio ao encontro do gosto i disciplina de Formagdo Musical - Dominio da emits Rue sce ‘Temos assim que os inquiridos optam pelo: |. reportério erudito nas préticas tecnico (2,60 Md°), ¢) do domi que frequentam « letivas em Formaciéo Musical is | n Por motives b) do dominiv unio pedagogico (2,49 Md), a) do dominio estético (2,17 M3) * © valor médio méximo que se 3 (regularmente)e 4 (sempre) NEE % apem | Artigos ¢ Projetos Pedagogicos ©) do dominio da presumivel afinidade musical (1,67 Md) e do 4) dominio da indiferenca (1.07 Md); 2. reportério jazz nas priticas letivas. em Formacdo Musical, por motivos ¢) do dominio peda- ‘gigico (2,15 Ma), b) do dominio tecnico (2,09 Mad), ) do dominio da presumivel afinidade ‘musical (1,80 Md), a) do dominio estético (1,74 Ma) e do d) dominio da indiferenca (1,09 Md), 3. reportorio popular nas priticas letivas em Formacdo Musical por motivos a) do dominio esté- {ico (2,06 Md), e) do dominio da presumivel afinidade musical (1.91 Md), ¢) do dominio peda- ‘gégico (1,88 Md), b) do dominio técnico (1,76 Md) ¢ d) do dominio da indiferenca (1,03 Md), 4. reportério tradicional nas priticas letivas em Formacio Musical por motivos a) do dominio vetético (2,31 Md), c) do dominio pedagdgico (1,92 Md), b) do dominio técnico (1,76 Md), ©) do dominio da presumivel afinidade musical (1,67 Md) ¢ 4) do dominio da indiferenca (1,08 Md). ‘Sumariamente podemos referir que os inquiridos optam pelo reportorio erudito nas préticas letivas em Formacdo Musical, tendo em conta o suporte material e técnico disponivel, bem como a sua adequa- bilidade aos contetidos, fazendo este género musical espelho do cfnon musical estabelecido, Relativamente 4s outras miisicas, é justificada a presenga de reportério jaz pelo seu domin pedagégico, sendo que os reportérios popular e tradicional se justificam mutuamente através do dominio estético. Os diversos Trativos que levam a escolher 0 reportério jazz ¢ 0 reportério popular obtém valores relativamente apro- imados (entre 1,74 Md e 2,15 Md) excerao do dominio da indiferenca. Este € 0 que apresenta maior ‘imanimidade, tendo em conta que o valor da média (em todos os casos abaixo de 1,10 Md) situa-se muito proximo do nivel ndo concordo. Ou se apesar de se fomentar auséncias em sala de aula, conclu-se que globalmente os docentes consideram a existéncia de outras misicas relevantes para a cultura ocidental, tnio deixando, por isso, de implementar alguma variedade de reportorios nas suas praticas letivas. Por diltimo, no sentido de se compreender a possivel relagdo entre carateristicas pessoais € profis- sionais dos individuos e 0 nimeroltipo de reportorio que é utilizado nas aulas de Formacao Musical, verificou-se que 16.7% dos docentes que colocam sempre misica, 14,3% possuem_ idade acima dos 31 anos ¢ lecionam ha mais de 11 anos. Tendo como referéncia os professores que nunca colocam determi- ado reportério musical, coneluiu-se que todos os docentes tilizam, pelo menos, dois géneros musicais istintos, ou seja, misica erudita ¢ uma ouira misica, Observa-se, portanto, uma primazia da misica teudita por parte de professores que se encontram hi mais tempo no sistema de ensino, mas também, ainda que com menor frequéncia, outras culturas musicais. “As respostas dadas nas duas dltimas perguntas, sobre as tentativas de resistencia e de transformacao a esta pretensa hegemonia musical, foram analisadas a luz dos cinco dominios previamente referidos No dominio estético foi observada a presenga de alguma resisténcia deste sistema de ensino para com as pumas misicas (R6— existe ainda muito nas escolas de musica especializadas aquele sentimento ualidade superior em comparagdo com outros subliminar de que a mitsica classica/erudita tem uma qu tipos/géneros), ‘No dominio téenico foi sugerida a elaboracdo de manuais ¢ 0 acesso a outros materiais pedagogicos que facilitem a utilizagio de reportrios variados (RS ~ .. mats manuais/materiais para FM contendo veportirio diversificado, Pesquisa e adaptaciao permanentes de materiais variados aos diversos contextos e necessidades dos alunos) No dominio da pedagogia foi sugerida e desejada uma maior uniformizagio das praticas, mais formagdo de professores, maior adaptabilidadc dos recursos e exemplificaglo do seu uso, a claboracio de programas que fomentem ou até obriguem uma maior variedade de reportorios ¢ 0 questionamento das priticas educative (RG ~ ...promover agdes de formagdo para professores para uilizagao desses reper Prion, uma vez que, ainda em muitos casos, estes ndo fizeram parte da sua prépria formagdo musical iversos disponiveis para consulta e utilizagdo nas bibliotecas das escolas). (..) reportorios di evista Portuese de 58 Artigos e Projetos Pedagdgicos | apem i tos dos alunos ida a integragdo dos gos! n ahog: R37... sensibilizar os professores da No dominio da presumivel afinidade musical foi para além da mivsica erudite, criando (R7-...trabathar misica (...) partindo de sugestaes de a disciplina para a utilizacdo mais regular de exemplos de rep pau SET Caan) da paleta musical disponivel a fe eats bs semnconeaee tered indica que a variedade estilistica nao ¢ indiferente ae ino dominio (RO ~ 0 que deve ser feito é mostrar aos doventes a rivicu dese material e como ustel,inependentemnt, do peso que se dia cada um dos reportérios, i ‘mental ser variado). Dizer o que ja esté dito, acrescentando wm pouco mais Para finalizar, tentemos esbogar um diltimo olhar interpretativo sistematizado sobre a informacio recolhida e tratada. e | Primeiro, a utilizagao de reportérios musicais no ambito das praticas letivas da disciplina parece ser uma realidade incontomavel. Segundo, dos diferentes reportérios existentes e passiveis de uma utili- zagio pedagégica, 0 reportério erudito é aquele que marca uma presenga dominante, muito embora seja aquele que os docentes referem como 0 mais distante do gosto musical dos alunos. Terceiro, a menor Ou a imegular utilizagio de outras misicas nfo se deve ao facto de existir uma qualquer atitude de indiferenga para com estes géneros, mas a circunstincia do reportorio erudito e, de um certo modo, do report6rio de Jazz, terem a sua disposigao suportes materiais ¢ tecnicos mais acessiveis e fidedignos com um maior grat de adequabilidade pedagdgica. A supremacia estética e cultural dos reportérios frudio ¢ e Jazz surge, na maioria das respostas, como um motivo de menor importancia. Quarto, « incluso dos reportrios popular ¢ tradicional nas priticas letivas tem as quest@es estétioas e cultuaoi, como motivos prineipais. ‘endendo ao exposto anteriormente, julgamos poder afirmar que, nos dias de hoje, ja nao est em debate a necessidade de se construir uma disciplina de Formagio Musical com miisica e musicalmente barter etl & Homogénea. O que esti em debate, em nosso entender, 6 come operacionalizamos aberura a esa diversidad, como engendramos uma Formagdio Musical ‘menos indolente e mais cesm, pola sem perder otuno 3 petngnne de een 4 0s indolente e mais cosmo- a A simples uiliagio dos diferentes reportérios, por sis, &, num primeira momento, agregar, adequar ¢ interagir de sttuit uma espécie de ecologi que estéo em jogo. Neste sentic ccapacidade em ee canes tories, domind-los em todos os sent conhecimento que nos vai possi Sem que esta tenha que cair num ©m todos os dominios, idade musical na, idade de conteiid Porque € este o tipo de isciplina de Formacio Music ‘8 © competéncias musicais ica Tradicional si Portugues (Orla esquecida (Relatério d beh trea io de Eatige vical: vantas desv« er P Perior de Educagio ¢ Escola Soper trade CEE Mialctmrancs poe apem | Artigos Projetos Pedagégicos Bell, J. (2010), Como realizar um projecto de investigagdo (5+ ed). Lisboa: Gradiva orbs, T. (1921). Solfeias autdgrafos de compositores portiguczesservindo de complemento aos exercicios gradua- dos de solfeo. Lisboa: Valentim de Carvalho. Bradley, D, (2012). Good for what, Good for whom: Decolonizing music edueation philosaptics In W. D. Bere ALL, Froga (eds), The Oxford Handbook of Philosophy in Music Education (pp. 409-433) ‘Oxford: Oxford University Press. 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