Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARQUIVO OMovimentoUniversitarioEspirita-FINAL
ARQUIVO OMovimentoUniversitarioEspirita-FINAL
1
Doutorando PPGH-UFSC
Bobbio em seus estudos também chama nossa atenção para o fato de que o
conceito de Política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, encontra-
se intimamente ligado ao de poder, onde
Este [o poder] tem sido tradicionalmente definido como "consistente nos
meios adequados à obtenção de qualquer vantagem" (Hobbes) ou,
analogamente, como "conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos
desejados" (Russell). Sendo um destes meios, além do domínio da natureza, o
domínio sobre os outros homens, o poder é definido por vezes como uma
relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria vontade e
lhe determina, malgrado seu, o comportamento. Mas, como o domínio sobre
os homens não é geralmente fim em si mesmo, mas um meio para obter
"qualquer vantagem" ou, mais exatamente, "os efeitos desejados", como
acontece com o domínio da natureza, a definição do poder como tipo de
relação entre sujeitos tem de ser completada com a definição do poder como
posse dos meios (entre os quais se contam como principais o domínio sobre
os outros e sobre a natureza) que permitem alcançar justamente uma
"vantagem qualquer" ou os "efeitos desejados". O poder político pertence à
categoria do poder do homem sobre outro homem, não à do poder do homem
sobre a natureza (BOBBIO, 1998, pp. 954 - 955).
Afonso Arinos de Mello Franco aponta em sua obra que Tomás de Aquino,
na Suma Teológica, nos apresenta a seguinte máxima: “Finis politica est urbanum
bonum”, ou seja, “o fim da política é o bem comum”. Mas, esse bem comum não é uma
concepção exclusivamente religiosa ou filosófica e que seus fundamentos são
necessariamente sociais (FRANCO, 1988, pp. 9 – 14). Portanto, a política não é apenas
uma atividade pertencente às instituições sociais, ela se origina na própria essência
dessa mesma sociedade.
Kardec em Obras Póstumas apontava para um futuro onde a supremacia dos
“bons” sobre os “maus” criaria a oportunidade da implantação na sociedade humana de
uma ordem política onde aqueles que detêm o poder saberiam que se encontram
investidos de uma missão e que serão cobrados pelo bom ou mau uso que dela fizerem.
Para tanto, seria implementada o que Kardec denominou de “aristocracia intelecto-
moral”, a qual teria por base o princípio moral, sedimentado na justiça e caridade
(KARDEC, 2003b, pp. 296 - 300). A previsão estabelecida por Kardec não foi
suficiente para decretar um envolvimento maciço dos adeptos do Espiritismo na
política, dando-se como foi mencionado acima um movimento contrário na maioria das
vezes ao envolvimento com a política.
Por outro lado, podemos especular sobre a posição defendida por Kardec em
relação à atuação política quando da implementação do “Regulamento da Sociedade
Parisiense de Estudos” onde em seu artigo primeiro define os objetivos da sociedade
como
Art. 1º — A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos
relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais,
físicas, históricas e psicológicas. São defesas nela as questões políticas, de
controvérsia religiosa e de economia social. Toma por título: Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas (KARDEC, 2003a, p. 524).
Diante desse artigo do referido regulamento podemos supor que tenha servido de
base para muito de seus membros defenderem o isolamento do Espiritismo em relação a
questões ligadas a política em seus aspectos mais amplos ligados ou não a política
partidária.
O Movimento Universitário Espírita (MUE) fundado em 1961, na capital
paulista, no interior da Faculdade de Direito da USP, na contramão dessa tendência
majoritária do Movimento Espírita Brasileiro, contou com total apoio do Conselho
Deliberativo da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE) na época
da sua criação, surgiu com o incentivo de intelectuais espíritas do quilate de Herculano
Pires e Eurípedes de Castro. O movimento tinha como objetivo inicial a divulgação
espírita no meio acadêmico2.
Além da divulgação o MUE possuía como objetivos iniciais aprofundar:
• o estudo do aspecto político e social da doutrina;
• discutir os problemas comportamentais sem moralismo;
• implantar a mentalidade universitária no meio espírita; e
• fazer uma análise crítica do Movimento Espírita Brasileiro (PEREIRA).
Ao final de março de 1964, ocorreu o golpe civil-militar fundado em uma
aliança entre setores conservadores da sociedade civil e militar, responsável pela
derrubada do Presidente eleito João Goulart. Inicialmente, o MUE atuava de forma
semelhante ao que hoje atuam os Núcleos Espíritas Universitários (NEUs), sem
engajamento político, voltado a discussões de temas variados à luz da Doutrina Espírita
como podemos observar nos programas de várias dessas instituições espalhadas pela
internet3. Porém, como resultado dos acontecimentos gerados pós-golpe em várias
universidades brasileiras, o MUE não ficou imune aos fatos, aproximando-se mais das
questões políticas daquela época, sob a liderança primeiramente de Armando de
Oliveira Lima e Sidnei Nicolau Venturi e posteriormente de Adalberto Paranhos
(LARA, 2002, pp. 21 – 32).
2
3
Núcleo Espírita Universitário da Londrina – http://reflexaoespirita.org.br/reflexaoespirita/; Núcleo Espírita
Universitário da UNICAMP – http://neuunicamp.blogspot.com.br/; Núcleo Espírita Universitário UFF –
http://neuuff.blogspot.com.br/p/objetivos-do-neu-uff.html; Núcleo Espírita Universitário UERJ – http://neu-
uerj.zip.net/.
No final da década de 1960 o MUE já difundido pelo país, passou a ostentar um
caráter mais social e político, sob influência do pensamento filosófico dos pensadores
argentinos Humberto Mariotti (1905 – 1982) e seu “Parapsicologia e Materialismo
Histórico” e Manuel S. Porteiro (1881 – 1936) com seu livro “Espiritismo Dialético”
além de outras influências marxistas, como David Grossvater e seu “Espiritismo Laico”,
Eusínio Lavigne e Souza do Prado com a obra “Os espíritas e as questões sociais”, e
Jacob Holzmann Netto (1934 – 1994) com “Espiritismo e Marxismo”, obras que
serviram de inspiração para o discurso crítico, laico e politizado dos universitários
espíritas da época.
Cada núcleo ligado ao MUE tinha seu próprio periódico, geralmente imbuídos
do mesmo espírito crítico e panfletário, característico das correntes de esquerda da
década de 1960. Sob o comando de Oliveira Lima e Paranhos a revista “A Fagulha”,
órgão de divulgação do MUE de Campinas – SP, dissertava sobre temas como: a
questão dos direitos humanos, violência, atuação política e social dos espíritas, etc
(LARA, 2002, pp. 21 – 32). Entre outras iniciativas do grupo ligado a “A Fagulha”
destacamos a publicação dos livros “Espiritismo Dialético” de José Herculano Pires e
“Espiritismo e Marxismo” de Jacob Holzmann Netto (LARA, 2002, pp. 21 – 32). Outra
iniciativa importante do MUE sob a liderança de Adalberto Paranhos foi o incentivo a
criação de seccionais em Salvador e na cidade do Rio de Janeiro (QUINTELLA, sd,
p.27).
Por outro lado, em relação às lideranças e dirigentes espíritas, de forma geral, a
postura de omissão em relação à ditadura foi à forma mais difundida no interior do
Campo Espírita Brasileiro. Tais lideranças espíritas preferiram ignorar a ilegitimidade
de um governo autoritário e altamente repressor, a fim de evitar qualquer tipo de
problema ou intervenção nas instituições espíritas diante de um Estado ditatorial.
Conforme já abordamos em outros trabalhos a FEB historicamente mantém uma
posição de silêncio e aparente distanciamento quanto a assuntos que não convém aos
interesses de seus dirigentes.
Embora a Espiritismo possua em sua raiz um viés ligado ao progresso e ao
trabalho, contemplando os direitos trabalhistas, direitos iguais entre homens e mulheres,
além de uma condenação à escravidão, refletidos no rol das “Leis Morais” elencadas por
Kardec em “O Livro dos Espíritos”, obra fundamental da doutrina, conforme aponta o
historiador Artur Isaia, o Espiritismo possui um caráter conservador em relação à
manutenção da ordem burguesa, totalmente refratária à luta de classes e ao ativismo
radical dos trabalhadores (ISAIA, 2004, p.107). Conforme o Espiritismo, as “leis
naturais” formuladas por Deus dão o caráter da sociedade humana; assim sendo, Isaia
afirma que
a ordem “natural” explicava as desigualdades entre os homens, vistas como
fatos inevitáveis. Herdeiros das conquistas burguesas pós-revolucionárias, o
Espiritismo endossava totalmente os ideais de igualdade, liberdade e
fraternidade, que julgava essencialmente ligados às leis de evolução
humana. Por outro lado, se os homens são naturalmente iguais, o
Kardecismo salienta que há uma desigualdade de aptidões, fruto do desigual
estágio evolutivo entre eles. Às desigualdades de aptidões intelectuais
somavam-se as de condição social, como fatos positivos totalmente
inseridos na explicação evolucionista da vida (ISAIA, 2004, p.107).
4
A região da Alta Paulista era uma antiga região ferroviária que abrangia as cidades de Marília, Tupã, Garça,
Dracena, Parapuã, Brotas, dentre outras, no tempo da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Monteiro de Barros5 (RIZZINI, 2001, pp. 54 – 55). José Herculano Pires nas páginas do
jornal Mensagem, de fevereiro de 1975, reportando-se a proposta apresentada por Pedro
de Camargo relata que “seus objetivos não eram apenas doutrinários, mas políticos, o
que provocou a rejeição do plenário, com numerosas críticas e protestos” (PIRES, 1975,
p.3), e a seguir Pedro de Camargo foi nomeado “delegado do Congresso, pelo plenário,
para tentar demover a FEESP dos objetivos políticos, o que, felizmente, conseguiu”
(PIRES, 1975, p.3).
Em editorial do Reformador de julho de 1958 Boanerges da Rocha defende a
posição da FEB que o Espiritismo é absolutamente apolítico e que deve se manter
sempre afastado das questões partidárias
Que tem feito a Federação Espírita Brasileira? Permanecer fiel à Doutrina,
relembrando, consoante a palavra de Allan Kardec (<<Obras Póstumas>>,
11ª ed., pág. 336), que << a constituição do Espiritismo tem como
complemento necessário, no que concerne à crença, um programa de
princípios definidos, sem o qual seria obra sem alcance e sem futuro>> .
Diante dos postulados doutrinários e mesmo em face da tradição que há cem
anos nos orienta, não deve jamais o Espiritismo intrometer-se em lutas
políticas, indicando candidatos ou apoiando nomes, por mais respeitáveis que
o sejam, e, mais absurdo ainda, criando órgãos especializados para tais fins.
Cumpre-nos dilatar progressivamente a distancia que já nos separa de
religiões constantinizadas, de grupamentos religiosos que sobrepuseram à
estrutura ética de seus credos meras ambições políticas, discutíveis vantagens
profanas, que rebaixam, que aviltam, que destroem a autoridade que a
Religião precisa conservar a fim de se perpetuar no respeito e na
compreensão dos povos (ROCHA, 1958, pp. 145-146).
Com o passar do tempo a situação política brasileira foi cada vez mais se
deteriorando e, em paralelo, o regime militar foi cada vez mais endurecendo, atingindo
seu auge com a instituição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), baixado em 13 de dezembro
de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, dando poderes de exceção ao
governo a fim de controlar e punir arbitrariamente todos aqueles que fossem
considerados inimigos do regime de exceção instalado no Brasil.
O ano de 1968 passou para a história, não só no Brasil, mas como em boa parte
do mundo, como um momento de grande contestação da política e dos costumes
vigentes. O movimento estudantil, de forma geral, notabilizou-se como protestos dos
jovens contra a política tradicional, e no Brasil mostrou-se ligado a uma linha de luta
mais organizada contra o regime militar através da intensificação dos protestos. Por sua
vez o regime ditatorial lançou mão de instrumentos cada vez mais sofisticados,
rigorosos e opressores contra qualquer tipo de oposição.
5
Ex-presidente da USE e da FEESP.
Aos poucos a atuação dos grupos de universitários espíritas ligados aos MUE´s
também se intensificaram na luta contra os arbítrios do regime militar. Como
mencionamos anteriormente os lideres do movimento espírita reagiram contra o
engajamento político de seus membros, reiterando sua antiga postura de distância de
assuntos ligados à política.
Em uma longa nota ao fim do livro “Espiritismo e Marxismo” de Jacob
Holzmann Netto de 1969, com prefácio de Humberto Mariotti, os membros do MUE –
Campinas se comprometiam ao engajamento político em paralelo a sua atuação no
interior do movimento espírita tentando uma fusão de desses princípios
1 - Aos que tomarem gosto ao estudo das questões de cunho filosófico e
científico desenvolvidas neste capítulo, remetemo-los á leitura da obra de
Humberto Mariotti, "O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização", e,
mais especificamente, aos seus capítulos IV e V, em que o filósofo argentino
se põe a analisar, respectivamente, "A Filosofia Científica de Gustave Geley"
e "O Significado Espírita do Materialismo Dialético".
[...]
4 - Em assim pensando, os jovens integrantes do Movimento Universitário
Espírita (MUE) de Campinas houveram por bem se cometer à obrigação de
esboçar um trabalho de natureza cientifica nesse sentido. Nele examinarão as
implicações entre a Sociologia e o Espiritismo, conferindo ênfase especial às
contribuições que uma ao outro se podem prestar mutuamente. Semelhante
estudo frise-se, fará parte da tese que, em forma de anteprojeto, será
apresentada em Sorocaba, SP, dias 5, 6 e 7 de setembro de 1.97O, quando da
efetivação da III Concentração dos MUEs do Estado de São Paulo, a qual,
ulteriormente, virá a público em mais uma edição A FAGULHA.
[...]
6 - A prática do Serviço Social, à luz dos princípios espiritistas, aqui
preconizadas, já constitui, de algum tempo a esta parte, motivo de
preocupação dos universitários espíritas paulistas. Assim é que, quando da
efetivação da II Concentração dos MUEs do Estado, levada a efeito nesta
cidade, a 19, 2O e 21 de abril de 1.969, procedeu-se ao estudo das
correlações existentes entre o Espiritismo e aquela técnica que, sob a égide,
doutrinária, se fada a se tornar um meio de promoção social e espiritual do
homem.
[...]
7 - Ciente de que nada guarda tão preponderante poder de transformação
como o exemplo, que é pronunciado na linguagem concreta dos fatos e das
realizações, o MUE de Campinas– começando por exemplificar o ideal de
renúncia – instituiu, por sugestões de todos os seus componentes, o dízimo,
tributo pelo qual como o próprio nome o indica – cada um dos que o
integram recolhe aos cofres da entidade soma correspondente a 1O% de seus
proventos. Porém, acima de tudo, cumpre notar que eles intentarão dar
contornos de realidade a uma experiência comunitária, na qual o trabalho
associativo identificará todas as relações humanas. Juntarão, também nesse
ponto, a teoria à prática, em sua campanha de esclarecimento que promovem
em favor da libertação social e espiritual do homem.
Para tanto, numa primeira fase dessa vivência comunitária, cuidarão de
oferecer aos que a seu lado trabalharem – possivelmente num
empreendimento gráfico – uma vigorosa orientação sócio-espiritual. Numa
palavra, porão cobro à exploração do homem pelo homem, que fere os
princípios da isonomia divina. Isso por que entendem os rapazes do MUE de
Campinas que a autoridade racional constitui condição para ajuda à pessoa
que, temporariamente, se encontra em posição inferior. E à parte superior,
por exercer uma autoridade fundada em princípios de amor e solidariedade,
toca se empenhar mais e mais no afã de elevar a parte subordinada, para que
cada vez menor seja a diferença que as separa.
Dessa maneira, afinando-se por um diapasão inovador, em tal experiência
comunitária os universitários espíritas campineiros abdicarão – depois de
convenientemente preparados, espiritual e culturalmente, os empregados dos
seus direitos e prerrogativas de proprietários. Todos quantos nela trabalharem
virão, então, a ser guindados à condição de sócios, banindo-se, por
conseguinte, a distinção entre patrões e empregados. Por outro lado, é de bom
alvitre acentuar que semelhante gráfica não terá outro objetivo fundamental
que não o de proclamar o advento de uma nova era de compreensão entre os
homens! (HOLZMANN NETTO, 1969, pp. 56 – 57).
6
Este livro é composto pelo longo prefácio de autoria de José Herculano Pires, escrito para o livro do filósofo e
conferencista espírita argentino Humberto Mariotti denominado “Dialética e Metapsíquica”. Conforme
<<http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=124>>. Acessado em 20/06/2014.
No prefácio da obra dado pela redação de “A Fagulha” ao sociólogo baiano Luiz
de Magalhães Cavalcanti, encontramos duras críticas ao Movimento Espírita Brasileiro
aos seus dirigentes de modo geral e também a Herculano Pires de forma espífica
Muitos confrades situados na linha de frente do movimento espírita padecem
dêsses desequilíbrios psicológicos que afetam muito à Doutrina. Porisso não
alimentamos temores nem receiamos o inevitável confronto entre Espiritismo
e Marxismo, como acontece a maioria dos espíritas, o que evidencia mêdo e
insegurança, devidos quer à covardia, quer ao reacionarismo, quer à
ignorância sôbre assuntos que temos a obrigação de conhecer (PIRES, 1971,
pp. 13 -14).
Cavalcanti também faz duras críticas ao que classifica como abandono dos
aspectos filosóficos e científicos do Espiritismo e ao misticismo imperante no
movimento quando afirma
Nesse espaço de tempo, abandonou quase por completo as armas da ciência e
da filosofia, dialéticamente utilizáveis, enveredando, com grande freqüência,
pelo sinuoso caminho do misticismo inconseqüente e, não raro, estagnando
nas areias movediças do mediunismo dogmático e do animismo vulgar.
Voltar às origens do Espiritismo e, simultâneamente, desenvolvê-lo é um
imperativo do momento que está mobilizando minorias conscientes que não
se deixaram empolgar pelo fanatismo e mediocridade que dominam nossas
fileiras. Como também reagem à igrejificação ridícula que está condenando o
Espiritismo a mais uma seita na história da humanidade (PIRES, 1971, pp. 15
-16).
Como podemos observar o MUE – Campinas entrou em rota de colisão com Herculano
Pires, certamente um dos mais importantes e prestigiado intelectual espírita de seu tempo ao
lado de Deolindo Amorim, também contrário as posições políticas assumidas pelo MUE –
Campinas. Esses atritos tiveram como consequência imediata a colisão explícita com a parcela
mais conservadora e dominante do Movimento Espírita Brasileiro.
O MUE de forma ampla foi proibido de falar em nome da USE, além de que os
periódicos espíritas fecham-lhe as portas, com exceção do periódico espírita santista Espiritismo
e Unificação, dirigido por Jaci Regis e José Rodrigues, muitas das suas lideranças foram
denunciadas pelos próprios espíritas aos agentes da repressão e fichadas no DOPS (LARA,
2002, p. 29)..
Em sua dissertação Sinue Neckel Miguel aponta para o fato de que embora os
integrantes do MUE tivessem confiança na vitória de seus objetivos, o fato é que o MUE não
resistiu e dissolveu-se. Entre as diversas entrevistas colhidas por Miguel destaca-se as
explicações para o término do movimento de um de seus lideres Adalberto Paranhos,
demonstrando a percepção dos integrantes do MUE à época de sua dissolução:
olha, o Espiritismo está carcomido como movimento social, envolto em
práticas de caráter assistencialista, em concepções religiosas, há um
embotamento da sua dimensão filosófica, científica. A pregação em nome da
fé raciocinada é mais da boca pra fora, não é alguma coisa incorporada à
prática do movimento espírita. Tudo isso foi mostrando pra nós que o
movimento espírita não tinha por assim dizer, aspas, salvação. Então é isso
mesmo, vamos ficar malhando em ferro frio assim? Enquanto movimento.
Que, repito, uma coisa são as concepções individuais, particulares de cada
um. Se continuou acreditando, alimentando ou não determinadas convicções,
isso vai da história de cada um, de cada pessoa que participou do MUE. Mas
a aposta de uma perspectiva mais avançada do movimento espírita, no
sentido de se tornar protagonista na luta pela transformação efetiva da
sociedade, isso se esboroou né, como que evaporou (MIGUEL, 2012, p.279).
Outro depoimento relevante apresentado por Sinue Neckel Miguel foi o de Edson Silva
Coelho, que concordava com Adalberto Paranhos, afirmando que foi a reação fortemente
negativa do Movimento Espírita Brasileiro que determinou o fim do MUE, destacando o caráter
repressivo, asfixiante, da “contra-revolução” comandada pela USE – SP :
Literalmente por falta do que fazer. Explico. Qualquer embate pressupõe a
existência de contendores. Se um lutador não apenas é alijado do ringue, mas
impedido de voltar a ele, atado, vendado e manietado, deixa de ser
propriamente um contendor. As teses politicamente engajadas dos MUEs no
congresso juvenil de 1968 despertaram uma reação furiosa por parte da USE,
que, depois de quatro ou cinco encontros prévios realizados, todos sob o
impacto destas posições, decidiu de modo unilateral e arbitrário, suspender a
realização do evento principal.
Exatamente para não permitir aos MUEs amplificar sua pregação em defesa
do engajamento dos espíritas nas questões de ordem política e social, na luta
contra a desigualdade e a injustiça, a repressão, a tortura, a violação
sistemática dos direitos humanos, contra a ditadura militar e em defesa das
liberdades democráticas. E do caráter laico, não religioso, mas científico e
filosófico do Espiritismo. Em um primeiro momento, esta reação furibunda,
fez os MUEs vicejarem em debates acalorados com seus algozes. Foi o que
marcou os anos de 1969 e de 1970, exatamente os de maior ativismo e
expansão dos MUEs. Mas os algozes não queriam o debate. Almejavam a
asfixia e sabiam que para extinguir a fagulha era necessário, antes, suprimir o
oxigênio. Assim, em 1971, após a publicação de Espiritismo Dialético, os
MUEs foram excluídos da USE e viram todas as portas das entidades oficiais
do Espiritismo, bem como de seus periódicos, fechadas a eles. Como se não
bastasse, muitas das lideranças do movimento foram denunciadas, por
espíritas, aos órgãos de repressão política do regime e fichados no DOPS. A
este quadro somou-se o forte refluxo dos movimentos sociais de massas que
se seguiu ao Ato Institucional Número 5. Para uma parcela dos ativistas do
MUE, mirar nos fariseus do movimento espírita institucional era algo menor.
Importava, acima de tudo, lutar contra o regime militar; Eu fui um destes que
migraram da militância no movimento espírita para a militância na esquerda
clandestina (MIGUEL, 2012, p.279).
ANJOS, Luciano dos. Espiritismo e Política. Reformador, Rio de Janeiro, jul, 1970.
BOBBIO, Norberto. Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI Nicola e
PASQUINO Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1998.
DENIS, Léon. Socialismo e Espiritismo. Matão(SP):Casa Editora O Clarim, 1987.
FRANCO, A. A. de M. A Necessidade da Política. In: O Que é Política. Brasília,
Instituto Tancredo Neves, 1988.
ISAIA, A. C. Espiritismo, conservadorismo e utopia. In: PINTO, Elizabeth Aparecida;
ALMEIDA, Ivan Antonio. (Org.). Religiões, tolerância e igualdade no espaço da
diversidade (exclusão e inclusão social). São Paulo: Falapreta, 2004.
HOLZMANN NETTO, Jacob. Espiritismo e Marxismo. Campinas – SP: A Fagulha,
1969.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB. 2003a.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB. 2003b.
LARA, Eugenio. História Ilustrada do Espiritismo. CPDOC- CENTRO DE
PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO ESPÍRITA, 2002. pp 21 – 32.
PEREIRA, Cândido. Série - O LAICISMO E OS MOVIMENTOS DE REFORMA – I.
Acessado em:
http://www.lampadarioespirita.com/noticias.asp?ID_Noticia=205&ID_AreaNoticia_Not
icia=4. Em 20/06/2014 às 17:06.
PIRES, Jose Herculano. Espiritismo Dialético. Campinas: Edições A Fagulha, 1971.
PIRES, Jose Herculano. Os 25 anos de Pacto Áureo. Mensagem Ano I nº 1 - São
Paulo.
ROCHA, Boanerges da. Espiritismo e Política. Reformador, Rio de Janeiro, jul, 1958.
QUINTELLA, Mauro. História do Espiritismo no Brasil. Edição do autor, sd. p.27.
RIZZINI, Jorge. J. Herculano Pires: O apóstolo de Kardec. São Paulo: Editora
Paideia, 2001.
WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB. 1969.