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REVISTA DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE SÃO PAULO

v. 7 n. 1 janeiro/junho 2006

São Paulo

ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

Sinergia 1__ Sã_o_P_a_u_lo v._7_ n. 1.1 p. 01 - 80 1 jan.jjun. 2006


ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

CENTRO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA
DE SÃO PAULO

A Revista IINElGIA é uma publicação


semestral do Centro Federal de Educação
Tecnológica de São Paulo e tem por objetivo
a divulgação de todo o conhecimento técnico,
científico e cultural que efetivamente se
alinhe ao perfil institucional do CEFET-SP.

Os artigos publicados nesta Revista são de


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CONTATO:
NÚCLEO EDITORIAL DA REVISTA SINERG;IA -
A/C: MARIA TERESA MARTINS FURTADO
ENZO BASÍLIO ROBERTO
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Tel.: (11) 6763-7617
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SINERGIA (Centro Federal de Educação


Tecnológica de São Paulo).
São Paulo, v.7 n.1, jan./jun.,
2006

Semestral

ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

1. Centro Federal de Educação


Tecnológica de São Paulo - Periódicos.

CDU 001(05)"540.6":(81)

DIGITALIZAÇÃO E PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA


Ademir Silva
Índice

EDITORIAL
5
Raul de Souza Püschel

Filosofia para a educação básica


9
Enzo Basílio Roberto

A evolução histórica -da escrita e sua importância na formação do sujeito


Ana Paula Pires Trindade 20

Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura -


proposta para turmas do ensino médio do CEFET-SP 24
Ricardo Roberto Plaza Teixeira/Fausto Henrique Gomes Nogueira

A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios


32
Siony da Silva

O xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas


de aprendizagem
40
Divina de Fátima Santos/Maria Anita Viviani Martins/
Ricardo Roberto Plaza Teixeira

Uma análise histórica da educação brasileira


49
Diamantino Fernandes Trindade/ Lais dos Santos Pinto Trindade

Determinação da equação geral do período do pêndulo simples


59
Augusto Massashi Horiguti

Violência silenciosa
64
Vânia Amparo

Símbolos nacionais: representações em conflito


70
Cleber Santos Vieira

Normas para submissão de artigos


85
Instruções para os autores
-
,
EDITORIAL
MUITOS CAMINHOS NA PESQUISA E NO ENSINO

Raul de Souza Püschel


Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Professor da Área de Códigos e Linguagens do CEFET-SP

Esta edição mostra novamente várias, mas não todas, facetas das pesquisas realizadas no
Cefet-SP. Fala-se agora de educação, de tecnologia, de fisica, de questões sociais e culturais, o
que denota a amplitude das preocupações desta Instituição.
Em "Filosofia para a educação básica", há uma acurada descrição de um projeto de
capacitação de docentes da rede pública de Osasco para uma atuação crítica e democrática em
um programa transdisciplinar.
Na seqüência, o texto "A evolução histórica da escrita e sua importância na formação do
sujeito" apresenta inicialmente uma pequena e sucinta evolução da representação verbal, bem
como reflexões sobre processos e teorias clássicas da alfabetização.
No relato de experiência "Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura
- proposta para turmas do ensino médio do Cefet-SP", é mostrado o papel relevante que este tipo de
interface produz na vida dos alunos e de que forma o Cefet-SP coloca-se na vanguarda do ensino
médio ao adotar as chamadas disciplinas (ou antes, interdisciplinas-projeto) na grade escolar.
O ensaio "A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios" discute amplamente em
que setores da medicina as novas tecnologias da informação podem ser aproveitadas no presente,
quais as tendências futuras e quais os cuidados com tal utilização.
Em "O xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de
aprendizagem", os autores demonstram como o xadrez pode ser uma excelente ferramenta
educacional, ao proporcionar o autodomínio, a segurança, a capacidade de conviver com os
outros e perceber o que são regras, entre outras coisas. Ou seja, auxilia no amadurecimento do
indivíduo enquanto cidadão.
A seguir, o estudo "Os caminhos da educação brasileira" apresenta diacronicamente os
descaminhos do ensino no Brasil, sempre a serviço das elites, como dizem ao final os autores do
artigo.
Em "Determinação da equação geral do período do pêndulo simples", é feita "uma revisão
do problema do pêndulo simples para qualquer ângulo", mostrando-se ainda dentro de que limites
o modelo simplificado pode ser útil para experimentos no ensino médio.
O estudo "Violência silenciosa" comprova como historicamente o descaso pelos direitos
sociais tem acentuado a desigualdade econômica e, conseqüentemente, gerado mais violência.
Este número encerra-se com "Símbolos nacionais: representações em conflitos", que
mostra como, se de um lado muitas vezes bandeiras e hinos, entre outros, escondem as lembranças
dos convenientemente excluídos, por outro lado, cada vez mais, à margem do discurso oficial,
surgem outras formas de representação que dão voz a tais grupos, tradicionalmente segregados.
FILOSOFIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

Enzo Basílio Roberto


Mestre em Ciências Sociais e Religião pela Universidade Metodista de SBC
Assistente Administrativo do CEFET-SP, Professor de Ciências Sociais da Uninove,

Este artigo apresenta o projeto de implantação do programa de filosofia para os alunos da


rede pública de Osasco, através de uma mudança no professorado e nos educandos através
do desenvolvimento de competências e habilidades em um programa transdisciplinar.

Palavras-chave: Filosofia; capacitação de professores.

The aim of this article is to present the project of implementing the philosophy program for
I the pupils of Osasco 's public schools, through a change in the teaching staff as well as the
students, through the development of capabilities and abilities in a transdisciplinary programo

Key-words: Philosophy; qualification of teachers.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS professores da rede, envolvendo


psicomotricidade, artes, gestão, línguas, canto
o artigo "Filosofia para educação coral, musicalização para crianças, entre
básica" apresenta o projeto de incluir filosofia outros, oferecidos no "Centro Municipal de
na educação infantil e no ensino fundamental, Formação Continuada de Profissionais de
desenvolvido para a Prefeitura de Osasco pelo Educação Professora Águeda Theresa Binotti
autor, podendo ser estendido para o ensino Pires" - que denominaremos apenas Centro
médio. de Formação -, localizado na Avenida
A inserção faria parte das ações Marechal Rondon, no centro de Osasco.
regi das pela Secretaria de Educação de O grupo de dirigentes do Centro de
Osasco dentro do projeto educacional de Formação não só percebeu a receptividade do
políticas públicas, portanto com uma série de professorado da rede pública aos cursos
diretrizes que delinearam os desafios que oferecidos mas também sentiu a necessidade
marcariam o projeto, além do contexto social de desenvolver as ações empreendidas em
e político. eixos temáticos maiores, que foram
O artigo não pretende analisar o denominados de "programas" e divididos em
quadro conjuntural acima referido, mas grupos de trabalho, a saber: Educação e Meio
disponibilizar o projeto desenvolvido para Ambiente, Diversidade de Gênero e Etnia, e
subsidiar outros pesquisadores educacionais Filosofia para a Educação Infantil e Ensino
que se interessem pela temática do ensino de Fundamental.
filosofia. O prof. Edison Alves da Silva foi
A pesar de não abordar toda a designado para coordenar as reuniões dos
conjuntura, é mister delinear o aspecto grupos de trabalho e convidou o prof. Enzo
histórico que engendrou o projeto para melhor B. Roberto para desenvolver o projeto de
compreensão dos diversos passos planejados. implantação do programa de filosofia para a
A Secretaria de Educação de Osasco Educação Infantil e Ensino Fundamental.
promoveu, nos anos de 2004 e 2005, uma série O Projeto de Filosofia para Educação
de cursos de extensão para a capacitação dos Infantil e Ensino Fundamental (PFEISI)

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Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

elaborado e apresentado pelo prof. Enzo B. JUSTIFICATIVA


Roberto à Secretaria de Educação de Osasco,
em dezembro de 2005, teve como eixo O ensino de filosofia deve ser
principal o desenvolvimento de competências compreendido como o grande impulsionador
e habilidades dos professores da rede pública para a criação de uma consciência crítica e
e dos educandos em um programa transformadora na formação de cidadãos e
transdisciplinar. Não se pretendia incluir uma profissionais.
nova disciplina nas grades vigentes. Ao desenvolver inteligências e
Após a apreciação do projeto, na competências, contribui para a formulação de
presença do então secretário Marco Aurélio caminhos para a transformação da educação,
Rodrigues Freitas, o programa começou a ser desenvolvendo e potencializando atitudes e
desenvolvido. Era o primeiro semestre de hábitos de pensamento nos diferentes tipos
2006, ano de eleição, em que mudanças de alunos. Isso evidencia o compromisso da
políticas ocorreram. Tanto o secretário da educação com a construção de uma sociedade
Educação como boa parte da equipe que mais justa e solidária e, portanto, mais
acionava os vários projetos foram democrática e menos excludente.
substituídos, fator que ocasionou a O ensino de filosofia deve imbricar-
interrupção prematura da implantação dos se na construção de um projeto educacional
programas. sustentado por princípios como a gestão
O PFEISI está subdividido em democrática, a autonomia, o incentivo à
justificativa, princípios, objetivos, pesquisa e o respeito ao outro. Esses
abordagem, procedimentos metodológicos e princípios visam consolidar a
proposta de implantação. responsabilidade social e o compromisso
A justificativa apresenta as principais formativo do educador, inserido na política
questões contextuais que engendraram o educacional da Secretaria de Educação de
programa e conseqüentemente orientaram o Osasco/SP e de ações correspondentes no que
arcabouço do projeto através da percepção do se refere à capacitação da rede pública de
alunado e seu contexto social, do professor e professores de educação infantil (E I) e das
sua prática pedagógica, da direção e sua séries iniciais do ensino fundamental (SIEF).
postura relativa ao exercício do poder, como O ensino de filosofia deve ser
também da comunidade e seu relacionamento entendido como um processo valorativo
com a escola. Os princípios associam o desenvolvido por membros internos
programa às diretrizes legais que o orientam, (professores, alunos e funcionários) e externos
descritos para a compreensão dos objetivos e (família, vizinhos da escola) de uma dada
etapas que se seguirão. comunidade educacional, visando promover
Os objetivos prevêem a a qualidade de ensino escolar em todos os seus
sensibilização, a capacitação, a avaliação dos níveis (cognitivo, lingüístico, afetivo, social,
elementos escolares e o engajamento dos etc.).
professores na modificação da realidade
educacional, enquanto a abordagem esclarece
como será inserida a filosofia sem a PRINCÍPIOS
necessidade de acrescentar uma disciplina nos
horários escolares. O PFEISI aspira a desenvolver no
Finalmente, o procedimento educador e no educando o espírito
metodológico (etapas e ações) implica em investigativo e reflexivo, apoiado em alguns
expressões da articulação e materialização dos princípios fundamentais para promover a
ideais e idéias expressas nos itens anteriores. qualidade da educação básica através do
pensamento lógico e racional, como também
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Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

o aprofundamento dos compromissos e participativa, fazendo com que a escola seja


responsabilidades sociais. Conforme a CEB um lugar de liberdade, reflexão e interação.
n" 01/99, esses princípios são: No programa de sensibilização
a) princípios éticos da autonomia, da buscar-se-ão as condições para que se
responsabilidade, da solidariedade e do estabeleçam os princípios, além dos demais
respeito ao bem comum; critérios já aludidos, da sistematicidade e
b) princípios políticos dos direitos e continuidade em que o processo se efetivará.
deveres de cidadania, do exercício da 2 - capacitar o docente a trabalhar na
criticidade e do respeito à ordem democrática; vida escolar filosoficamente, para que sua
c) princípios estéticos da postura e desempenho frente ao ensino e sua
sensibilidade, da criatividade, da ludicidade prática pedagógica expressem seu
e da diversidade de manifestações artísticas e envolvimento com a ciência e a pesquisa e
culturais. seu interesse pela educação; e demonstre sua
preocupação enquanto agente de
transformação da sociedade que vislumbra a
OBJETIVOS inovação e a integra como compromisso
social.
o objetivo central do PFEISI é Nessa perspectiva há de se levar em
promover a capacitação dos professores da conta a questão da qualidade, oferecendo à
rede pública para trabalharem comunidade respaldo para desenvolver suas
transversalmente os temas de filosofia, de plenas potencialidades.
forma autônoma no cumprimento de sua 3 - avaliar a dinâmica dos elementos
pertinência e responsabilidade social. que compõem a estrutura curricular na sua
totalidade (transversal idade), em que, numa
a) Objetivo geral: discussão coletiva, serão analisados os
Promover a implantação do ensino de processos pedagógicos e organizacionais
filosofia nas escolas de ensino básico da rede utilizados no desenvolvimento das atividades
pública de Osasco, de forma contínua e curriculares e o desenvolvimento das
participativa, enfocando autonomia e competências, assim como as condições para
democratização do processo educativo, sua realização. Ao corpo docente
adequando esses conceitos ao momento (multiplicadores) cabe a tarefa de promover
histórico em que se inserem, a fim de garantir a autocrítica, como primeiro passo ao
a qualidade e a eficácia da ação educativa. engajamento do repensar a escola e sua
organização frente aos desafios sociais nos
b) Objetivos específicos: quais está inserida.
1 - sensibilizar os professores da rede A avaliação nesse sentido envolve a
pública no sentido de envolvê-Ios na articulação dos aspectos quantitativos e
implantação do PFEISI, o que deve ser qualitativos das atividades escolares, em
entendido como um momento dinâmico de busca de uma formação cidadã que associe a
reflexão na escola, deve-se então discutir aquisição de conteúdos à capacidade de
estratégias que permitam integrar o ensino de compreender, criticamente, o papel que cabe
filosofia com o ensino dos demais conteúdos, ao indivíduo no contexto da sociedade
criando no educador o desejo de rever seus brasileira.
posicionamentos. O momento em que 4 - propagar os fundamentos do
vivemos exige o despertar de novas PFEISI através da mudança de postura dos
percepções e de novas posturas, em que o ser docentes envolvidos no projeto
e o vir-a-ser configurem e impulsionem o (multiplicadores) frente à instituição e
modus vivendi da comunidade para tomá-Ia comunidade escolares, com novas práticas
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desenvolvidas pela inserção do ensino de alteração cultural escolar, adequando-se às


ternas filosóficos. O traçado documental do demandas de formação do século XXI,
projeto nesta fase dependerá da construção resgatando o humano em todas as suas
coletiva, por meio de registros dos docentes, dimensões. Mesmo que as ações iniciais
definidos e efetuados, nas duas dimensões sejam tímidas, para o programa atingir o ápice
supracitadas, considerando: é necessário repensar a escola corno um todo
- a dimensão prática de inserção do e sua inserção na comunidade, implantando
ensino de ternas filosóficos no cotidiano no ambiente escolar a semente da
escolar e sua relação com o desenvolvimento transformação de pensamento e de práticas
de competências e habilidades relacionadas pedagógicas, o que culminará numa mudança
a outros conteúdos curriculares enquanto da cultura escolar resgatando a auto-estima
elementos catalisadores do saber e da prática do docente e do discente.
escolar; O pensar na escola corno um todo
- a nova postura enquanto avaliação inclui um projeto político-pedagógico. O
da escola corno um todo, em urna leitura pensamento filosófico deve encontrar sua
crítica do jogo das relações e do poder, tendo realização na prática da vida real da escola.
em vista o funcionamento democrático das Urna vez elaboradas e discutidas as diretrizes
instâncias decisórias, colegiadas, consultivas; que presidem o projeto político da instituição,
envolvimento das famílias e da comunidade a autonomia se toma imprescindível para o
na vida escolar, assim corno descentralização, aperfeiçoamento das condições materiais e
agilidade de decisão e transparência. humanas que visem à plena realização das
tarefas escolares desenvolvidas em seu
interior, em particular, e na sociedade da qual
ABORDAGEM faz parte, em geral.
Neste contexto, a autonomia significa
Os ternas filosóficos serão inseridos a ausência de ingerências e pressões políticas
nas demais atividades da escola, externas ao meio escolar, que acarretem
dialogicamente, desfragmentado o saber e prejuízo à liberdade necessária para garantir
restabelecendo o desej o de aprender do o mais amplo desenvolvimento das dimensões
alunado através da re-significação dos saberes culturais, artísticas e científicas da instituição.
no contexto amplo e social, em que o Entretanto, não se pretende que, assim, sejam
conhecimento significativo auxiliará no diminuídos seu comprometimento e sua
desenvolvimento cognitivo e afetivo. inserção social, destacando apenas que cabe
Prevalece, na proposta deste PFEISI, aos membros da comunidade atuar com
a aquisição procedimental e atitudinal da liberdade e independência para garantir a
filosofia, o que implica no desenvolvimento consecução do projeto político da escola em
da autonomia em um ambiente democrático, suas dimensões administrativa e didático-
conforme exposto por Nogueira (2004). pedagógica.
Não se concebe o desenvolvimento do Corno colocamos antes, o pleno
conhecimento e pensamento filosófico, desenvolvimento do PFEISI necessita de urna
atrelado à rigidez estrutural. A proposta não é mudança na cultura escolar, e isto demanda
acrescentar um elemento curricular corno planejamento de ações a curto, médio e longo
penduricalho da grade ou matriz curricular, prazo. Ainda sobre a autonomia - considerada
um placebo à tradição que relegou o a totalidade da vida escolar - para o
pensamento coerente, crítico, racional, desenvolvimento do conhecimento filosófico,
criativo e rigoroso (no sentido científico) ao deve ser concebida corno parte das políticas
segundo plano. públicas da Secretaria de Educação de Osasco
A proposta, portanto, é de urna e um instrumento político-pedagógico a ser
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utilizado pelos diretores da rede pública, a fim discente. O desejo de educá-lo para a vida de
de fazer valer um ponto de vista que afirme a forma cidadã e consciente, capaz de realizar
qualidade e a vinculação social do ensino por projetos pessoais, implica na perspectiva
ela veiculado, assim como o compromisso de participativa do questionamento dos
gerar conhecimentos capazes de atender aos conteúdos dos currículos e cotidiano das
interesses coletivos. aulas. O argumento prepotente que
I~ Ao lado da autonomia, o ambiente desconsidera o aluno como ser pensante, que
democrático é o solo fértil para a consecução não tem nada com que contribuir, contradiz
dos objetivos deste projeto. Relembrando que por princípio o desenvolvimento do
tanto a filosofia como a democracia pensamento filosófico. Suplantar as barreiras
encontram suas origens em comum do autoritarismo e preconceitos para a
interligadas na Grécia clássica, também na participação democrática efetiva é o desafio
escola devem andar coligadas. A liberdade de principal para desenvolver o canal de
discussão e de crítica são características comunicação entre docente e discente e
fundamentais do exercício das atividades fomentar a postura filosófica almejada.
filosóficas e mediante a aceitação coletiva de A democratização do espaço escolar
normas se concretiza o pensamento filosófico na reintegração das escolas no espaço
em uma direção colegiada. geográfico do bairro, através programa
Seguramente, a direção da escola atual municipal Recreio nas Férias, programa
não pode ser feita por déspotas autoritários, estadual Escola da Família ou na prática
mas por um conjunto de prescrições de pedagógica como da ONG Cidade Escola
validade geral, implementadas por uma Aprendiz e da escola Lumiar (inspirada na
estrutura de organismos colegiados. Escola da Ponte, de Portugal), servem de
Nesse contexto, destaca-se que indicadores de como a participação
democratizar possui o sentido de encontrar comunitária agrega valor ao processo
formas para a comunidade escolar participar educativo. Apesar da distância que estas
ativamente de seus processos de decisão. propostas guardam com o PFEISI, tanto em
Mantendo-se a diretriz j apresentada,
á sua proposta conceitual quanto atitudinal,
segundo a qual os envolvidos na consecução podemos inferir que o ensino de filosofia
dos objetivos do PFEISI devam ser levados sendo abordado integrado à vivência escolar,
em consideração, a democratização e a paulatinamente renovará a prática escolar,
autonomia se conjugam. Não há garantia de gerando uma cultura educacional que possa
autonomia sem a presença de órgãos servir de paradigma para a própria educação
colegiados atuantes e responsáveis brasileira, como alternativa de um ensino
politicamente. Portanto, a capacidade que público gratuito, relevante e de qualidade, e
uma instituição apresenta de incorporar, na que a abordagem transversal, autônoma e
elaboração de seus objetivos e metas, a democrática proposta no PFEISI oferecerá
dinâmica dos componentes dos diversos alternativas para melhorar o desempenho
segmentos que a constituem, seguramente é global e interesse do aluno pelo estudo, com
um traço característico de funcionamento conseqüente diminuição da indisciplina.
democrático.
A democratização do âmbito escolar,
para ser completa, envolve a autocrítica PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
docente enquanto uma revisão do fundamento
da autoridade do professor no próprio Para implantação do PFEISI na rede
exercício pedagógico. Em direção a um pública municipal de Osasco, propõem-se
ensino inovador e de qualidade, não se pode estratégias distintas, visando à consecução de
prescindir da participação atuante do corpo cada objetivo levantado no projeto em
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Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

questão. implicarão numa mudança de


Cada objetivo corresponde a um comportamento.
contexto e a um momento específico. O
conjunto de ações a ele relacionado obedece Ação 1 - Divulgação
às linhas desse objetivo e age em relação aos Divulgar o PFEISI através de material
demais de forma recíproca. Os programas não informativo (boletim informativo impresso,
são hierarquizados seqüencialmente, mas fôlderes, cartazes, faixas, malas diretas,
darão respaldo e servirão de apoio às demais boletins eletrônicos e web-página do
etapas, significando uma somatória de ações programa), para a comunidade escolar
que se complementam e interagem, servindo conhecer as datas dos eventos, acompanhar
como fonte de leitura, fundamentação e o andamento e os objetivos do projeto,
análise para o desenvolvimento do processo circular textos curtos para leitura e reflexão,
corno um todo (Figura 1). sensibilizando a comunidade para o repensar
de sua atuação na escola e, quando o ciclo de
I---
reciprocidade estiver completo, divulgar as
sensibilização
H capacitação propostas da própria comunidade sobre o
programa nas práticas educacionais e vida
A~i ~
escolar, veiculando sugestões da comunidade
educacional;
•••!Ir

Ação 2 - Fundamentação
transversalidade
H multiplicadores Através da realização de minicursos
e divulgação de referencial bibliográfico
específico, e da organização tanto de banco
de material de estudo e pesquisa corno de
pequenos textos para leitura e reflexão para
Figura 1 o informativo. Assessorar os grupos de
trabalho quanto à fundamentação teórica,
1. Etapa de sensibilização (primeiro organizando palestras e debates e formulando
objetivo do projeto) questões reflexivas para o corpo docente,
O desenvolvimento da etapa de subsidiando-os e oferecendo o instrumental
sensibilização abrange cinco ações distintas teórico para a implantação do programa.
e inter-relacionadas. Abrir canal de comunicação através
Corno o programa PFEISI pressupõe de meios virtuais e fisicos (urnas nas diversas
uma mudança de atitude ético-política frente escolas da rede) para recebimento de críticas
aos demais conteúdos, faz-se mister pensar e sugestões da comunidade escolar, analisar
este momento, em que o resultado da leitura e catalogar os dados e sugestões apresentados,
"de como é", para sua projeção, "do corno divulgando sugestões que se ajustem à
pode vir a ser" impulsione a comunidade questão da qualidade dos objetivos propostos;
somada à vontade política do "querer fazer",
para efetuarem-se mudanças que se julgarem Ação 3 - Evento interativo
necessárias. Promover a Semana da Filosofia, com
O processo de sensibilização já palestras, debates, eventos culturais, grupos
constitui urna postura filosófica, pois abre de estudo sobre ensino de filosofia, feira de
possibilidades de leitura de mundo livros, lançamentos de livros (contatar
diferenciadas e força, pelo seu próprio caráter, editoras para que autores visitem escolas ),
a criação de novos interativos, em que outras
posturas no inter-relacionamento pessoal

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Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

concurso literáriosobre temas filosóficos,oficinas acatadas como verdadeiras, mas obriga os


pedagógicas e teatro; docentes a exercerem uma reflexão
permanente sobre o sentido de sua prática.
Ação 4 - Avaliação diagnóstica A inserção da filosofia, seu
Diagnosticar problemas das atividades conhecimento, pensamento e práticas através
por meio de entrevistas e reuniões; organizar dos instrumentos que são a história da
sondagens de problemas, cursos e filosofia e seus temas, a teoria do
treinamentos; verificar recursos da instituição; conhecimento ou qualquer outro campo de
teor filosófico, desenvolvidos de maneira
Ação 5 - Comunidade escolar comprometida pelo docente, permitem
Organizar grupos de alunos, pais, resgatar a integridade da função do processo
funcionários; promover integração entre educativo, para fazer com que a sociedade,
escolas, encontros, eventos, seminários e assim como sua comunidade local, consiga
campanhas. superar a indiferença pelo outro, com o
respeito às diferenças raciais e de gênero,
2. Etapa de capacitação (segundo desenvolvendo a consciência ecológica, bem
objetivo do projeto) como uma postura crítica frente à miséria e
Essa etapa deve simplesmente ser ao analfabetismo.
entendida com mais profundidade do que A atuação dos docentes junto aos
ensinar técnicas pedagógicas. Significa discentes e à comunidade visa à apropriação
colocar o docente e sua prática como objeto do conhecimento filosófico através da
de reflexão (atitude filosófica de autocrítica). reelaboração dos mesmos e não da reprodução
Para o professor que reconstrói o dos discursos instituídos.
conhecimento no convívio com o aluno, O processo auto-avaliativo demanda
consciente de que ele próprio é um ser em especial atenção no momento de
construção, parecerá uma tarefa fácil. sensibilização, descartando-se o confronto, ou
Entretanto a tarefa toma-se complexa e até contraposição, entre os segmentos docente e
mesmo conflituosa quando se trabalha o discente. Para atingirmos êxito faz-se
modelo de professor como detentor da necessário que a dinâmica de discussão e as
verdade, aplicador técnico de conteúdos concepções deste segmento sejam
consagrados, não sendo questionáveis nem adequadamente dimensionadas, a fim de que
sua autoridade, nem o conteúdo. as resistências e temores sejam dissipados
Todavia, para ambos os modelos, logo no início do processo.
resguardadas as dificuldades e as resistências Algumas estratégias podem ser
pessoais, a interação com a sociedade utilizadas na parte formal desta etapa:
hodiema solicita ao docente que desempenhe psicodrama, depoimentos, debates sobre as
adequadamente sua atividade de ensino tanto realidades escolares, diagnósticos dos
no aspecto didático-pedagógico quanto nos principais problemas da sala de aula, vendo-
saberes enquanto emanações culturais do se e analisando-se criticamente filmes - que
labor humano em constante processo tratam da relação professor-aluno, temas
dialético. filosóficos, filmes infantis -, lembrando que
Essa concepção de capacitação abriga os resultados desta etapa retroalimentam a
a postura filosófica (ético-política) do etapa de sensibilização, gerando novos temas
professor frente ao contexto da educação e e reiniciando as cinco ações já referidas sob a
seu ambiente escolar, direcionando-a para a égide dos interesses apontados pelos docentes.
formação da criança e do adolescente. Não
se resume à simples reprodução de conteúdos
da história da filosofia, reconhecidas e
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Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

3. Etapa de aplicação na escola holística O saber com os demais enfoques


(terceiro objetivo do projeto) curriculares, recuperando o conhecimento e
O terceiro objetivo propõe a avaliação sua intersubjetividade, desfragmentando-o);
da dinâmica dos elementos que compõem a transdisciplinaridade (em que se
estrutura do curso na sua totalidade e como ultrapassariam os limites de conteúdo
trabalhar os temas filosóficos disciplinar inserindo-se as grandes questões
transversalmente, isto é, analisando as práticas filosóficas, observando-se o conhecimento
didático-pedagógicas dos professores em seu humano como um todo); procedimentos
cotidiano e como estes podem relacionar os didáticos, interação teoria-prática, iniciando
componentes curriculares existentes e seus a criança e o adolescente nas atividades de
conteúdos aos temas é procedimentos pesquisa;
filosóficos. c) fatores formativos: perfil a ser
Devemos lembrar que no momento da desenvolvido no educando, importância e
realização desta etapa o docente já terá competência para o desempenho de funções
incorporado, através da sensibilização e (papéis) básicas como ser humano e cidadão,
capacitação, os quesitos cognitivos e capacidade de análise e crítica;
procedimentais necessários; sendo assim, em d) fatores sociais: localização da
discussão coletiva, analisar-se-ão os processos escola, necessidades e possibilidades de
pedagógicos e organizacionais utilizados no desenvolver projetos culturais e sociais.
desenvolvimento das atividades curriculares Recomenda-se que os grupos de
e das competências, assim como as condições professores de cada escola considerem estes
para sua realização, em um julgamento fatores ao traçar estratégias pontuais de
qualitativo, fundamentado em dados aplicação do PFEISI.
relevantes das situações vividas, e a tomada
de decisão que resulte na correção e Ação 2 - Oficinas
aperfeiçoamento das ações. Para a realização do terceiro objetivo
A terceira etapa envolve a articulação deve-se partir do pressuposto de que o
de aspectos qualitativos e quantitativos das relacionamento das escolas de educação
atividades escolares, em que serão básica de Osasco com o contexto é de
desenvolvidas duas ações: interdependência, ou seja, este tipo de
relacionamento constitui um dos suportes
Ação 1 - Instrumentalização. estratégicos mais eficientes para receber as
Consideram-se fatores concretos que possam respostas aos estímulos por ela gerados.
ser agrupados em quatro grandes categorias A execução do projeto na escola
capazes de alterar o perfil da aplicação deverá envolver aspectos quantitativos e
conforme as possibilidades particulares de qualitativos para favorecer a crítica que
cada escola: possibilite a reorientação da prática
a) fatores organizacionais: a realidade pedagógica. A ação compreenderá dois
de cada escola tem que ser levantada pelo módulos por questões metodológicas, mas
grupo docente, com as devidas condições que não se dissociam em sua finalidade da
técnicas; recursos humanos (docentes e inserção da filosofia no ensino de crianças e
técnico-administrativos), infra-estrutura adolescentes enquanto indutora da realidade
(biblioteca, laboratórios, oficinas, etc.) e em transformação.
possibilidades administrativo-pedagógicas x
operativas; 10 Módulo: a família e a comunidade
b) fatores didáticos-pedagógicos: escolar
interdisciplinaridade (abordagem do saber Inserir a filosofia em toda a vida
disciplinarmente, inter-relacionando de forma escolar, criando um ambiente externo propício
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-19, jan.jjun. 2006
Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

ao pensamento filosófico. Diagnosticar o 4 - Disciplina: autocontrole também deve


comprometimento social, com criação de ser estimulado através de diversos
grupos de discussão (talvez chegar a criar uma questionamentos que façam rever decisões
Associação Filosófica ou similar) e promoção anteriores e refletir sobre os questionamentos
de encontros anuais inter-escolares. e resultados apresentados por outros grupos;
5 - Iniciativa: procedimento do
2° Módulo: práticas em sala de aula debate, questionamento de um elemento ou
Identificar as dificuldades e grupo a outro buscando elementos que
inadequações na inserção da filosofia e seu venham a contribuir para o enriquecimento
método de utilização na prática cotidiana do do grupo;
professor. Revelar a ótica do docente frente 6 - Respeito: desenvolvimento de
ao programa. Dimensionar a expectativa dos experiências de ouvir o outro. Em um debate
alunos frente aos questionamentos vitais e os argumentativo o que importa não é o que fala
temas de maior interesse para que o ensino mais alto e não deixa o outro falar, por isso é
de filosofia não se transforme num fim em si necessária a atenção de todos para não se
mesmo. A visão integradora da educação perder o raciocínio;
evitará a visão reducionista, privilegiando a 7 - Argumentação: expressão de
ampliação e compreensão dos aspectos opiniões, raciocínios próprios e
isolados e suas relações com o todo, podendo- conhecimentos para solução de problemas;
se assim, através de oficinas no Centro de 8 Contra-argumentação:
Formação de Professores ou nas próprias incorporação ou rejeitação de argumentos e
escolas, compartilhar as experiências, o que outras opiniões em suas próprias
abre possibilidades de correções argumentações;
metodológicas e didáticas. 9 - Rigor: o pensamento rigoroso não
A realização das oficinas deve girar é o rígido, mas aquele que procura precisão
em tomo do desenvolvimento e utilização de nas repostas, um certo grau de exatidão;
dinâmicas que fomentem a pluralidade de 10 - Raciocínio: adoção de critérios
pensamento, argumentação e respeito ao de valor e formulação de juízos em relação
próximo. Os livros para crianças de Rubem ao texto que for estudado;
A. Alves podem ser utilizados como base dos 11 - Ética: oportunidades para
trabalhos por conter temas que se coadunam expressar as próprias opiniões ou critérios
com a proposta do projeto. com base na convicção de que serão escutados
Apontamos onze quesitos que podem e respeitados.
ser desenvolvidos no decorrer das oficinas:
1 - Reflexão: autoquestionamento do 4. Etapa de propagação do projeto
propósito da atividade, encontrando uma (quarto objetivo do projeto)
finalidade objetiva, mesmo que transitória No contexto de um programa para
para o estudo de um texto ou a aquisição de atingir a rede municipal, assentado na busca
alguma informação; da qualidade, deve-se primar pela participação
2 - Cooperação: compartilhamento de cada segmento e de cada membro da
das idéias sobre o texto com o grupo, estímulo comunidade escolar, sendo imprescindível
à comunicação e procura por cumplicidade que se ampliem as discussões que merecem,
entre os colegas de classe; necessariamente, ser analisadas através da
3 - Aperfeiçoamento: avaliação e reflexão e do exercício da crítica coletiva.
reavaliação das atividades anteriores que O processo de propagação, através de
/
inicialmente sej am vistas como erros e multiplicadores do ensino de filosofia, passa,
fracassos, estimulando o desenvolvimento e certamente, pela consideração desse quadro
aprimoramento das atividades realizadas; de variáveis internas e de suas respectivas
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-19,jan.jjun. 2006

/
Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

ligações com a comunidade que a rede pública incentivadas ao envolvimento?


de ensino se propõe a servir. Da dinâmica das
ações empreendidas nas etapas anteriores, que Questão 4 - Democratização
continuam atuando concomitantemente com Os diversos segmentos escolares
as novas etapas, face às expectativas e participam de alguma maneira dos processos
compromissos advindos da inserção social, decisórios?
apresentamos algumas questões que poderão
ser desenvolvidas nas escolas:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Questão 1 - Projeto pedagógico
Em que medida o projeto pedagógico O PFEISI foi apresentado ao grupo
da instituição vem ao encontro dos anseios organizador, que deliberou implantá-Io junto
da comunidade e se mostra relevante frente à com os programas de meio ambiente,
demanda do contexto social? Como a inserção diversidade étnica e de gênero. Considerando
da filosofia tem contribuído para a promoção os dois primeiros meses de preparação
da melhoria de qualidade de ensino e como (novembro/dezembro de 2005), em que se
essas ações se articulam entre si e com o definiu a constituição do grupo de trabalho, a
resultado prático revelado no comportamento organização e o delineamento do projeto, a
do aluno dentro e fora da sala de aula seleção de textos de sensibilização e o estudo
(rendimento, comportamento, interesse, etc.)? de um grupo de controle do projeto (seleção
de universo de acompanhamento da
Questão 2 - Inserção social implantação em que um grupo pequeno de
Como a instituição se relaciona com escolas, de preferência próximas entre si,
a comunidade local? Em que medida a serviriam para acompanhar metódica e
inserção da filosofia promove a paz social, o acuradamente o projeto - que deverá ser
respeito às diferenças de gênero, raça, credo acolhido por toda a rede, mas cuja escolha de r
e condição social; divulga e preserva as um ponto para concentrar esforços iniciais
questões ambientais e as manifestações tem o propósito de corrigir possíveis desvios
artístico-culturais da região; auxilia na no PFEISI) e a elaboração dos instrumentos
inclusão? Como se dão os programas e de acompanhamento e avaliação do projeto,
parcerias das escolas da rede pública com dimensionou-se um cronograma para que as
outras instituições do bairro e demais órgãos demais fases de implantação do projeto
públicos e privados? ocorressem no ano de 2006, como segue:

Questão 3 - Comunidade escolar Implantação: sete meses (janeiro/julho


A comunidade escolar tem contribuído para de 2006)
o bom funcionamento do projeto? Como se Etapa 1 - Ação 1 - Divulgação -
encontram as condições técnicas de subsídio iniciar com no mínimo dois canais:
ao ensino da filosofia? Como se encontra o Boletim - mensal, com início em
atual envolvimento de docentes e funcionários Janeiro
administrativos e quais as mudanças ocorridas Confecção da web-página - pagma:
após a implantação do projeto? dois meses (janeiro/fevereiro); ela deverá ir
Em que medida o projeto alterou a ao ar em março, com implementos mensais.
participação do corpo discente na vida Etapa 1 - Ação 2 - Fundamentação
escolar? Considerando o conhecimento como Incluir nos cursos (32 horas - 16
um todo, em que medida as atividades semanas) que são ministrados no Centro de
esportivas, recreativas e culturais se Formação cursos de didática e de temas
enquadram no projeto e como podem ser
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-19, jan'/jun. 2006
Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto

filosóficos. escolar (interna) e Etapa 3 - Ação 2 - módulo 1


Palestras bimestrais com debates e - podem ocorrer concomitantemente (junho)
painéis de temas éticos atuais Consolidação: seis meses
desarmamento, bioética, clonagem, eutanásia, Etapa 3 - Ação 2 - módulo 2 - (agosto/
pena de morte, transgênicos, aborto, etc ... dezembro 2006)
Etapa 2 - (iniciar em março, no estilo Etapa 4 - (agosto/dezembro 2006)
dos cursos de 32 horas) As etapas foram estimadas em tão
Psicodrama, depoimentos, debates curto prazo de implantação para que o projeto
sobre as realidades escolares, diagnósticos dos fosse colocado em andamento, completo,
principais problemas da sala de aula. dentro do ano de 2006, antes do vencimento
Assistência e analise críitica de filmes que do mandato do secretário da educação.
tratem de relações professor-aluno e de temas Entretanto, mudanças partidárias
filosóficos. Análise ideológica de filmes substituíram-no em dezembro de 2005, o que
infantis. prejudicou a consolidação do projeto.
Etapa 1 - Ação 3 - Evento interativo
Organização: um mês
Realização: uma semana, em meados REFERÊNCIAS
do mês de abril. Evento que envolva toda a
comunidade escolar, com atenção especial às BRASIL. RESOLUÇÃO CEB N° 1, de 7 de
escolas do grupo de controle. abril de 1999
Etapa 3 - Ação 1
Levantamento do perfil (um mês) NOGUEIRA, N. R. Pedagogia dos projetos:
Etapa 1 - Ação 4 - Avaliação uma jornada interdisciplinar rumo ao
diagnóstica (maio) desenvolvimento das múltiplas inteligências.
Levantamento de dados e 5.ed. São Paulo: Érica, 2004.
informações. Análise das informações.
Para contato com o autor:
Relatórios parciais
Etapa 1 - Ação 5 - Comunidade Enzo Basílio Roberto
robs_ebr@yahoo.com.br

IEtapa/ação
IEtapa 1 - ação 1
IEtapa 1 - ação 2
IEtapa 1 - ação 3
IEtapa 1 - ação 4
IEtapa 1 - ação 5
IEtapa 2
IEtapa 3 - ação 1
Etapa 3 - ação 2 - módulo 1
Etapa 3 - ação 2 - módulo
IEtapa 4
Figura 2 - cronograma

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-19, jan./jun. 2006


A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ESCRITA E SUA IMPORTÂNCIA NA
FORMAÇÃO DO SUJEITO

Ana Paula Pires Trindade


Professora e Coordenadora da Escola de Idiomas Wizard
Pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos

Este artigo discorre sobre a evolução histórica da escrita e suas primeiras funções, a seguir
sobre opapel da escrita no contexto atual e sua relação com o sucesso ou fracasso do indivíduo,
passando pelo processo de alfabetização, e finalmente discute a importância da escrita na
formação do sujeito.

Palavras-chave: Escrita; alfabeto; educação; história.

This article starts presenting an overview of the historical evolution of writing and its first
uses. Then, it also discusses the role of writing in the present context and its relation with the
individual's success or failure, the literacy process and the importance of writing in the
formation of the subject.

Key-words: Writing; alphabet; education; history.

alfabética, e foi o alfabeto fenício arcaico que


A ORIGEM DA ESCRITA OCIDENTAL
surgiu pela primeira vez em Biblos e deu
origem a todos os alfabetos atuais. O alfabeto
Podemos dizer que uma das grandes
fenício expandiu-se até o Egito através de
"invenções" da humanidade até hoje foi a
colônias fenícias fundadas em Chipre e no
escrita, que surgiu a partir da necessidade do
norte da África e do Egito. Este alfabeto foi
homem de criar registros, armazenar dados,
expandido para as regiões que não sofriam
enfim, de preservar sua história. Os vestígios
influências fenícias diretas.
mais antigos da escrita são originários da
O alfabeto fenício arcaico foi o mais
região baixa da antiga Mesopotâmia e datam
perfeito e difundido do mundo antigo e é
de mais 5500 anos. Primeiramente a escrita
anterior ao séc. XV a.C. Este alfabeto era
era formada por ideogramas que
constituído de 22 signos que permitiam
representavam uma palavra; assim sendo,
escrever qualquer palavra, e sua expansão foi
eram necessários diversos signos pictóricos
rápida devido à sua simplicidade.
para representar tantos quantos objetos ou
Um fato importante para a nossa
idéias fossem necessários.
civilização foi a adoção deste alfabeto pelos
Numa segunda fase a escrita passa a
gregos, em aproximadamente VIII a.C. Os
adquirir valores fonéticos e menos signos são
gregos incorporaram neste alfabeto alguns
necessários para exprimir as idéias de um
sons vocálicos, e o alfabeto grego clássico que
idioma.
conhecemos é composto de 24 letras, vogais
O alfabeto surge a partir da
e consoantes. Deste alfabeto origina-se o
decomposição da palavra em sons simples.
alfabeto etrusco, que junto com o alfabeto
O primeiro povo a decodificar as palavras em
gótico da Idade Média (também originário do
sons e a criar signos para representá-Ios foram
alfabeto grego clássico) dá origem ao nosso
os fenícios.
alfabeto latino, que dominou o mundo
A escrita então evolui e passa a ser

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 20-23,jan.jjun. 2006


A evolução histórica da escrita e sua importância na formação do sujeito
Ana Pauta Pires Trindade

ocidental devido à expansão do Império gerando conforto para si e suas famílias.


Romano. Nos dias de hoje o não conhecimento
da leitura e da escrita (analfabetismo) é
sinônimo de fracasso escolar e
A ESCRITA E O FRACASSO ESCOLAR conseqüentemente do fracasso do indivíduo
como ser social, uma vez que nos padrões da
A escrita surgiu quando o homem sociedade atual é somente através da
passou de nômade para sedentário e começou escolaridade que a pessoa poderá vir a "ser
a cultivar seu alimento e criar animais, ou seja, alguém", ou sej a, ter acesso a cultura,
o homem precisava de um recurso para dinheiro, poder e felicidade.
registrar o número de animais que possuía,
quanto alimento havia estocado etc. Mais
tarde a escrita foi utilizada para registrar os A AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA
dias do ano (calendário), posteriormente ESCRITA
começou-se a usar a escrita para registrar
grandes feitos, batalhas, tratados, A escola funciona baseada no código
proclamações de governantes, casamentos, escrito e, sendo a instrução escolar o pré-
empréstimos, orações, e assim por diante. Não requisito necessário para o sucesso do
era necessário que pessoas comuns indivíduo, a primeira coisa que a criança
dominassem a escrita, pois seus oficios não aprenderá ao ingressar na escola será a ler e a
exigiam tal conhecimento. Mais tarde obras escrever, e este será o enfoque durante os
literárias começavam a ser registradas e primeiros anos da vida escolar da criança, uma
pessoas de classe mais alta também vez que para desenvolver-se no ambiente de
aprendiam a ler para ter acesso a tal ensino necessita dominar o código escrito.
conhecimento. Ainda assim dominar ou não Dadas as informações acima, é
a escrita não fazia diferença para a maioria importante salientar a importância da
das pessoas. alfabetização na vida social do indivíduo.
N o final do século XVIII ocorrem Segundo Emília Ferreiro, "o que acontece no
mudanças drásticas em nossas sociedade, a primeiro ano da escola tem reflexos não
revolução industrial e seus avanços apenas na alfabetização, mas na confiança
tecnológicos diminuem as pequenas oficinas básica que cerca toda a escolaridade
e dão lugar a produtos fabricados em massa, posterior" .
acabando com a classe de artesãos e A criança inicia o aprendizado do
trabalhadores rurais e dando lugar a uma aspecto formal da escrita com
classe de operários, que eram explorados até aproximadamente 3 ou 4 anos, e esse processo
o fim da vida. segue até aproximadamente os 10 anos.
Numa tentativa de melhorar a situação Durante esse período a criança passa por
e o perfil da população no final do século XIX algumas etapas de desenvolvimento da
é instaurada a escolaridade obrigatória e é a linguagem escrita, as quais serão descritas
partir deste momento que a aquisição da abaixo.
./
escrita passa a ser sinônimo de sucesso. Primeiramente a criança passa pela
Até o final do século XIX e início do fase pré-silábica ou pré-comunicativa, que
século XX, a sociedade possuía uma acontece entre os 3 e 4 anos; é quando ela
hierarquia bem definida, e o não começa a distinguir a escrita do desenho e
conhecimento da escrita (analfabetismo) não começa a querer escrever. A escrita então se
./
era considerado uma deficiência, pois todos parece com rabiscos e num segundo momento
podiam ter acesso a oficios que permitiam que aparecem as letras e os números, mas ela não
a pessoa tivesse uma vida bem-sucedida, diferencia uns dos outros e não associa a
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.20-23, jan.jjun. 2006
A evolução histórica da escrita e sua importância na formação do sujeito
Ana Pauta Pires Trindade

escri ta com a fala. É a porta de entrada para a cultura, o saber


Numa segunda fase, chamada de tecnológico, científico, erudito, etc.
silábica ou semifonética, a criança já sabe que Além de sua função básica utilizada
a escrita está relacionada com a fala e cada no dia-a-dia, corno ler nome de ruas, de
letra representará um som. Lentamente ônibus, consultar listas, rótulos de produtos,
aparecerá o valor sonoro correto das letras. revistas, jornais, a leitura também é um meio
Nesta fase a criança tem de 5 a 6 anos. de comunicação entre as pessoas, que através
Na terceira fase, quando a criança tem dela se comunicam por cartas, e-mails,
de 6 a 7 anos, a escrita representa a fala com telegramas, etc. Sem um conhecimento
diferenças sonoras, compondo vogais e básico da leitura e da escrita o indivíduo fica
consoantes. Esta fase chama-se alfabética ou fadado ao trabalho braçal (sem desmerecer
fonética. este tipo de emprego, que é tão digno quanto
Quando a criança chega aos 8 anos, todos os outros). Esse é temor da maioria dos
geralmente na 2a série do ensino fundamental, pais atualmente. A escrita é um fator
ela começa a adquirir padrões ortográficos, eliminatório na hora da busca por qualquer
morfológicos e visuais. Esta fase é chamada emprego.
de transicional. Saber decodificar o código escrito, ou
Finalmente aos 10 anos, durante a fase seja, ler é muito mais que atribuir significados
ortográfica correta, o aluno já domina regras a palavras isoladas, resumindo-se a um
básicas de ortografia, sinais de acentuação, processo mecânico. O ato de saber ler corno
grupos consonantais, e começa a acumular o patamar para atingir o sucesso implica em
vocabulário aprendido. construir conhecimento, gerar reflexões e
Após este árduo e longo processo de desenvolver urna consciência crítica sobre o
alfabetização, a criança começa a produzir que é lido.
frases, ampliar o seu vocabulário, utilizar É através da leitura e interpretação de
sinônimos, mas somente a aquisição da textos que se compreendem os direitos e os
linguagem escrita não garante o sucesso na deveres reservados às pessoas dentro da
escola nem na vida do indivíduo. Ele precisa sociedade, que é possível apropriar-se de bens
dar significado a tudo que aprendeu. culturais, que se preserva e dissemina-se a
Porém, para a sociedade atual não história e os hábitos de um povo ou povos e,
basta que o indivíduo reconheça e reproduza corno conseqüência, é também através da
os signos que formam a palavra, pois isoladas escrita e da leitura que são transmitidos valores
e fora de contexto não bastam. É necessário sociais, morais e culturais de urna geração a
que a criança e o adolescente sejam capazes outra.
de compreender e interpretar textos, bem A leitura também porta prazer ao
corno, produzir textos próprios. sujeito, pois através da literatura (seja
comédia, romance, aventura, suspense, etc),
é ativada a sua sensibilidade e em alguns
o PAPEL DA ESCRITA NA FORMAÇÃO casos a sua criatividade, pois quando lemos
DO SUJEITO imaginamos cenários, personagens e
situações. É a literatura que desperta a
Se a princípio a escrita era utilizada produção de textos nos alunos, pois escrever
somente para o registro de informações é tornar o caminho oposto; imaginar primeiro
importantes e era reservada a uma elite seleta, e transcrever depois.
nos dias de hoje seu papel é completamente Então, é de fundamental importância
diferente e é pré-requisito básico na formação que a escola ensine aos alunos, não somente
do ser. O papel da escrita na formação do o aspecto formal da escrita, mas também
sujeito é muito mais profundo do que se pensa. corno fazer bom uso dela e o porquê da sua
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 20-23, jan,fjun. 2006
A evolução histórica da escrita e sua importância na formação do sujeito
Ana Pauta Pires Trindade

importância. Os professores (sejam eles de


qualquer disciplina, uma vez que a escrita e a
leitura são o canal principal da aquisição do
conhecimento) devem estimular os alunos a
compreender textos, interpretá-los e a levantar
hipóteses sobre eles. Além disso deve-se
incentivar os alunos a usar a criatividade e
desenvolver seus próprios textos, sejam eles
sobre qualquer assunto. Somente desta
maneira o aprendizado da escrita se dá por
completo e funciona como alavanca para o
sucesso em diversas áreas. Desta maneira não
se toma um processo maçante, mecânico e
sem propósito.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, D. M. Usos e funções da


escrita: o saber da criança e o fazer da escola.
http://www.educacaoonline.pro.br/
usos _e_ funcoes.asp. Data de acesso: 07/06/
2005.

CONDEMARIN, M.; CHADWICK, M.


Escrita criativa eformal. Porto Alegre: Artes
Medicas, 1987.

CORDIÉ, A. Os atrasados não existem:


psicanálise de crianças com fracasso escolar.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

FERREIRO, E. Reflexões sobre a


alfabetização. São Paulo: Cortez, 2000.

GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de


aula: leitura e produção. São Paulo: Ática,
1999.
HIGOUNET, C. História concisa da escrita.
São Paulo: Parábola, 2003.

PEDROSA, M. G. S. P. A apropriação da
palavra escrita como condicionante do
sucesso escolar num um enfoque
psicanalítico. (Monografia do curso
Psicanálise, Infância e Educação), São Paulo:
Faculdade de Educação da USP/ LEPSI, 2002.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.20-23, jan./jun. 2006


REFLEXÕES SOBRE A DISCIPLINA-PROJETO CIÊNCIA, HISTÓRIA E
CULTURA, PROPOSTA PARA TURMAS DO ENSINO MÉDIO DO CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza Teixeira
Professor Doutor em Física do CEFET-SP e da PUC-SP

Fausto Henrique Gomes Nogueira


Professor Mestre em História Social do CEFET-SP

Neste artigo nós analisamos algumas idéias e práticas que foram implementadas com alunos
do ensino médio do CEFET-SP entre 2001 e 2007. O eixo central deste trabalho pedagógico
consistiu em fornecer aos estudantes o conhecimento necessário para fazer as inter-relações
entre história e ciência, em outras palavras, entre as "duas culturas": as humanidades e as
ciências naturais. O trabalho apresentado aquifoi realizado no espaço curricular da disciplina
projeto que tem a história, a ciência e a cultura como seus temas principais.

Palavras-chave: História da ciência; educação cientíjica; ética.

This article analyzes some ideas and practices implemented at CEFET-Sp, with high school
students from 2001 to 2007. The central axis of this pedagogical work was to provide the
necessary knowledge to the students, so that they could make the links between history and
science. In other words, the link between 'two cultures': humanities and natural sciences.
This pedagogical work was carried out in the discipline project that presents history, science
and culture as its main themes.

Key-words: History of science; scientific education; ethics.

INTRODUÇÃO associadas. A área de Ciência e Tecnologia do


CEFET-SP propôs um bloco cujo tema seria
A partir de 1998 com o fim das turmas "Energia e Vida", no qual tópicos de fronteira
do chamado ensino integrado da ciência - da física, da química, da biologia e
(médio+técnico) no CEFET-SP (Centro da matemática - seriam discutidos para os alunos
Federal de Educação Tecnológica de São que estavam concluindo seus estudos no ensino
Paulo), a criação de turmas de ensino médio médio do CEFET-SP, selecionando para estas
regulares abriu a perspectiva de inclusão na disciplinasalunosque estivessemde alguma forma
sua grade horária - na denominada parte vocacionados para a ciência. No caso da física,
diversificada - de disciplinas que permitissem por exemplo, os assuntos trabalhados referiam-
o estabelecimento de pontes interdisciplinares se à física moderna e contemporânea, área da
entre diferentes áreas do conhecimento, como física geralmente desconsiderada no ensino desta
estava previsto na Lei de Diretrizes e Bases disciplina do ensino médio em detrimento da
da Educação Nacional (Brasil, 1996). tradicional física clássica. Este bloco teria como
A primeira proposta executada foi a disciplina agregadora entre as várias ciências
introdução no 3° ano do ensino médio de um estudadas a História da Ciência e o trabalho
bloco de disciplinas com um total de 12 aulas, realizado nesta matéria por um dos autores
tendo cada bloco um eixo temático norteador do presente artigo (R. R. P.Teixeira),juntamente
dos trabalhos didáticos das disciplinas com o professor Diamantino Fernandes

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.24-31, jan,fjun. 2006


Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio do
CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza Teixeira/Fausto Henrique Gomes Nogueira

Trindade, e foi relatado em artigo publicado na na sua vida prática, temos uma determinada
revista Sinergia (Teixeira, 2002). A dissertação carência de orientação na vida presente; por
de mestrado escrita pelo professor Diamantino isso existe a necessidade de buscar
c (Trindade, 2002) teve como tema exatamente mecanismos de orientação em meio a estas
esta experiência de tentativa de inclusão de uma mudanças. O homem precisa situar-se no
disciplina de História da Ciência para turmas do mundo - caracterizado por rápidas mudanças
ensino médio do CEFET-SP. tecnológicas - e assim surge a necessidade
A inserção da história da ciência no de construção de uma consciência histórica
currículo da educação básica brasileira, orientadora para uma ação transformadora.
infelizmente, não tem sido um objeto de Nesse sentido:
estudo sistemático, como nos indica Roberto É justamente no ponto em que os interesses
se transformam em idéias que se pode fixar o
de Andrade Martins:
limite de uma ciência especializada. Essas
A História da Ciência não tem um papel
idéias têm de ser relacionadas às experiências
estabelecido no ensino de 10 e 20 Graus. Ela
do tempo, no passado, a fim de que estas
aparece apenas esporadicamente sem chamar
possam ser investigadas metodicamente. A
a atenção, em um ou outro ponto: nas
elaboração metódica da experiência do
disciplinas científicas, quando se fala de
tempo, no passado, em uma perspectiva
'grandes nomes' como Newton, Galileu,
orientadora que toma possível ver o passado
Pasteur, Mendel, Lavoisier, Dalton, Pitágoras,
como história, só aparece nas formas de
Euclides, etc.; nas disciplinas históricas,
apresentação (na historiografia). É nestas que
quando se menciona alguma informação sobre
a perspectiva orientadora com respeito ao
os pensadores da Antigüidade, sobre o
passado toma a forma concreta de saber
surgimento das universidades na Idade Média,
histórico (Rüsen, 2001).
sobre as alterações de visão de mundo no
Renascimento, sobre a Revolução Industrial. Para as turmas de ensino médio que
f Mas esses aspectos são abordados entraram no CEFET-SP a partir do ano de
ligeiramente, tanto nas disciplinas científicas 2001 foi proposta uma nova grade curricular,
quanto nas históricas, sem ao menos chamar
com a parte diversificada do currículo sendo
a atenção para a existência de um campo de
diluída ao longo das três séries nas
estudos chamado "História da Ciência"
/ (Martins, 1993). denominadas disciplinas-projeto de quatro
Isso se deve a uma multiplicidade de aulas para cada série tendo como tema um
fatores mas, principalmente, de acordo com tópico interdisciplinar proposto por um
o autor, pelo fato do professor de história docente da escola e como pano de fundo uma
interessar-se mais pelo desenvolvimento proposta didática claramente estabelecida.
social e econômico do que pelo científico, Surgiram disciplinas-projeto com temas os
enquanto que os professores de ciências estão mais diversos possíveis. Ao longo dos anos
mais preocupados com as questões presentes subseqüentes, alguns destes projetos foram
do que com as passadas. substituídos por outros, sempre levando em
Paralelamente, toma-se necessário um consideração as aptidões dos professores e os
resgate da História, pois "o desprestigio das interesses dos alunos; outros - e este é o caso
humanidades épatente,face a uma sociedade de Ciência, História e Cultura - se
consumista, na qual o saber tecnolôgico é o mantiveram até o momento atual. Em muitos
./
único valorizado, pois aparentemente casos a disciplina-projeto é trabalhada por
possibilita a ascensão em direção às dois professores, às vezes de áreas diferentes,
./

"profissões do futuro" (Nogueira, 2002). de forma a aprofundar o seu caráter


Essas discussões são fundamentais interdisciplinar. No nosso caso, atuam, ao
para a construção de uma determinada mesmo tempo na sala de aula, um professor
consciência histórica, isto é, na medida em de fisica (área de Ciência e Tecnologia) e um
que os homens agem e sofrem as professor de história (área de Sociedade e
conseqüências das ações de outros homens Cultura). O conceito de projeto traz implícita

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.24-31, jan.jjun. 2006


Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira

a idéia de projetar-se para a frente, para o individuais ou em grupo, muitas vezes


futuro: para isto, é necessário tomar decisões, apresentados de forma teatralizada, elaboração
avaliar os interesses e investigar as de trabalhos finais como vídeos, maquetes,
possibilidades de trabalho. As disciplinas- jogos, sites na Internet, etc.
projeto, pelas diferenças que apresentam com Proporcionar experiências significativas
respeito às disciplinas tradicionais, implica em uma atitude criativa, sendo o caminho
conseguem extrapolar os limites rígidos percorrido para a construção do conhecimento
destas últimas e criam um ambiente fértil para tão ou mais importante quanto o ponto de
a realização de uma transdisciplinaridade chegada. No caso do ensino de história,
efetiva e não só teórica. As características atualmente a historiografia educacional
mais marcantes de qualquer forma destas considera necessário que o aluno, além de
determinados conhecimentos básicos,
disciplinas-projeto são a extrema diversidade
compreenda o instrumental do "fazer do
de abordagens em cada uma e o caráter de historiador", com vistas ao entendimento da
pesquisa que adquire o trabalho dos alunos realidade, o que garante um novo estatuto da
nestes espaços curriculares. disciplina no currículo escolar. A sua
Com efeito, quando falamos em finalidade formativa deve estar agora
assegurada pela possibilidade de investigação,
pedagogia de projetos, referimo-nos à
reconstrução, crítica aos documentos e
possibilidade de uma escolarização mais interpretação da realidade a partir de
significativa para os nossos educandos, múltiplos aspectos como os culturais, sociais,
inclusive, em termos da construção de novas econômicos e políticos, possibilitando a
competências educacionais. Se o nosso analogia, a reflexão, etc. A História não é mais
entendida como reconstrução de fatos e
objetivo consiste em contribuir para a
"narrativa linear", ou como "conhecimento
formação de sujeitos autônomos que possam verdadeiro", mas como "conhecimento
situar-se em face das mudanças tecnológicas explicativo". A ciência de referência com seus
e científicas, além dos valores e métodos específicos pode dar o seu contributo
representações existentes, para uma leitura na construção das metodologias de ensino,
visto que é na epistemologia de cada ciência
complexa e multifacetada da nossa realidade
que podem ser encontrados alguns dos
atual, a inserção de temas relevantes no elementos específicos de sua metodologia de
currículo, tratados sob uma ótica ensino (Nogueira, 2002).
interdisciplinar, faz-se necessária. A participação de um dos autores deste
A idéia fundamental consiste em artigo (F. H. G. Nogueira) no 3° Congresso
ultrapassar uma abordagem "tradicional", isto Internacional sobre Projetos na Educação que
é, uma prática a partir da qual o professor ocorreu entre os dias 20 e 22 de outubro de
ministra os seus conteúdos de forma verbal, 2006 na cidade de São Paulo - evento no qual
tendo como "platéia" alunos que os assimilam foram discutidas muitas experiências nessa
passivamente. As aulas são, assim, área, inclusive em outros países como
organizadas de forma dialógica, em que os Espanha ou Cuba - permitiu um maior
alunos são convidados a construir o conhecimento de inúmeros projetos que
conhecimento, tendo a pesquisa um papel abarcaram toda a realidade escolar e os
valorizado, a partir de uma multiplicidade de componentes curriculares em prol de uma
linguagens, como o cinema, textos abordagem interdisciplinar. Os congressistas
acadêmicos e jornalísticos, histórias em concordaram que a Pedagogia dos Projetos
quadrinhos, imagens, etc. Não há, portanto, não diz respeito a uma técnica educacional,
um material didático fixo. Ao mesmo tempo, mas constitui-se como uma nova concepção, uma
as avaliações não se constituem em provas abordagem diferenciada da aprendizagem e do
escritas, mas sob a forma de cartas endereçadas conhecimento, uma proposta de intervenção na
aos professores, relatando as suas impressões e realidade escolar, gerando situações de
idéias sobre os conteúdos discutidos, seminários aprendizagem diversificadas, a partir das quais
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,~
Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira

os sujeitos da aprendizagem podem construir a um em uma imagem distorcida do outro. Suas


sua autonomia. atitudes são tão diferentes que, mesmo no
L nível da emoção, não encontram muito terreno
comum [...] Os não-cientistas têm a impressão
arraigada de que superficialmente os cientistas
A ESTRUTURA DOS QUATRO são otimistas, inconscientes da condição
BIMESTRES DO PROJETO CIÊNCIA, humana. Por outro lado, os cientistas
mSTÓRlAE CULTURA acreditam que os literatos são totalmente
desprovidos de previsão, peculiarmente
indiferentes aos seus semelhantes num sentido
Segundo Fernando Hernández e profundo antiintelectuais, ansiosos por
Montserrat Ventura (1998) restringir a arte e o pensamento ao presente
um projeto pode organizar-se seguindo um imediato.
determinado eixo: a definição de um conceito, Assim, de fato a história da ciência,
um problema geral ou particular, um conjunto até mesmo etimologicamente, se apresenta
de perguntas inter-relacionadas, uma temática
como uma ponte entre as humanidades e as
que valha a pena ser tratada por si mesma ...
Normalmente, superam-se os limites de uma ciências naturais. A interação entre estas duas
matéria. grandes áreas de conhecimento no currículo
A disciplina-projeto Ciência, História e Cultura escolar colabora na produção de uma cultura
nasceu a partir de várias influências: em primeiro integradora por parte do aluno e cidadão em
lugar, foi marcante a experiência desenvolvida formação de forma que ele compreenda que
na disciplina História da Ciência do bloco de a ciência também é parte da cultura humana
disciplinas Energia e Vida. Também sofreu acumulada e transformada ao longo dos
influência das discussões e reflexões propiciadas séculos.
pela criação do curso de licenciatura em fisica A proposta da disciplina-projeto
do CEFET-SP: a história e a filosofia da ciência originalmente apresentada, e até agora
passaram a ser um eixo importante para as mantida na sua essência, pressupõe que cada
disciplinas deste curso superior, que foi criado aluno tem seus interesses acadêmicos
no CEFET-SP - justamente em 2001 -, com a específicos, já que alguma escolha foi
/
participação ativa de um dos autores deste realizada pelo próprio aluno para que ele se
trabalho (R. R. P. Teixeira). Prova desta inter- matriculasse nesta disciplina-projeto.
relação é que no 6° semestre do curso de Portanto, paralelamente a todo trabalho
Licenciatura em Física há uma disciplina coletivo com a classe, realizado ao longo do
intitulada exatamente Ciência, História e Cultura. ano letivo, cada aluno escolhe um tema de
/
Entretanto a disciplina-projeto Ciência, pesquisa no qual se aprofundará ao longo dos
História e Cultura, apresentada para as turmas meses a partir de leituras que devem ser
de 1° ano de ensino médio do CEFET-SP a realizadas. O quarto e último bimestre de
partir de 2001, pretendeu ir muito além da trabalho didático é dedicado, então,
história da ciência. Um dos textos motivadores justamente à apresentação por parte dos
para a sua proposta foi a palestra proferida em alunos dos trabalhos realizados. Como a
1959 por C. P. Snow, intitulada "As duas escolha do tema é algo ao mesmo tempo
culturas", na qual o autor faz uma reflexão crítica delicado e vago, ela se dá pela escolha de um
a respeito do distanciamento cada vez mais livro específico de uma lista fomecida no início
intenso no mundo intelectual entre as ciências das aulas, com cerca de duzentos títulos de obras
naturais e as humanidades (Snow, 1995): que são referências em suas áreas e ao mesmo
Num pólo os literatos; no outro os cientistas tempo estimulantes, apesar de serem evitadas
e, como os mais representativos, os fisicos. obras de caráter paradidático nas quais o tema
Entre os dois, um abismo de incompreensão
já aparece pasteurizado e com leitura facilitada
mútua - algumas vezes (particularmente entre
os mais jovens) hostilidade e aversão, mas sobretudo para adolescentes. O livro escolhido
principalmente falta de compreensão. Cada define o tema sobre o qual se efetuará todo o

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.24-31, jan.(jun. 2006


Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
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Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira

trabalho de investigação ao longo do ano em início do século XX foi a julgamento pelo fato
várias etapas: pesquisa de outros livros e de de ensinar a teoria da evolução. Em 2006 a
outras fontes que se associam ao tema original; discussão migrou para a questão da introdução
definição do problema-foco da pesquisa; do criacionismo como conteúdo obrigatório,
realização da leitura do livro; entrega de uma motivado por debates que ocorreram tanto em
carta de análise da obra escolhida; estados norte-americanos, como no estado do
apresentação do seminário sobre o livro e o Rio de Janeiro. Em outra oportunidade houve
tema escolhidos em relação aos quais o aluno uma discussão sobre o ensino religioso
apresenta um trabalho material final. Estes obrigatório no currículo escolar, e em que
trabalhos são orientados pelos professores e medida isto entraria em contradição com uma
avaliados ao longo do ano para a apresentação postura científica tomada pelos currículos
final. Assim, as formas de avaliação se escolares.
diversificam e se diferenciam da tradicional Ao mesmo tempo, como estratégia de
prova escrita. sensibilização, discutimos filmes de ficção
Concomitantemente às pesquisas científica que refletem sobre estas questões,
individuais de cada aluno, transcorre o como, por exemplo, Matrix, eXistenZ, Blade
trabalho didático com a classe toda durante Runner e Contato. A ficção científica é uma
as aulas nos diferentes bimestres, com excelente ferramenta para isto, pois a ela se
diferentes objetivos que se complementam em dá a liberdade de especular - liberdade esta
termos globais. Ao mesmo tempo que os limitada nos campos da ciência e da história,
conteúdos são articulados em aula, muitas sobre uma visão prospectiva muitas vezes
visitas extraclasse são realizadas, construindo negativa dos rumos tomados pela
uma cultura de valorização do cinema de arte, humanidade. Assim sendo, uma das
do teatro, de livrarias, de museus, de centros provocações sistemáticas realizadas durante
culturais, etc. Muitos alunos dizem que as aulas diz respeito às "histórias" alternativas
passam a freqüentar estes locais por causa do ou contrafactuais, possibilidades históricas
projeto. que não aconteceram realmente devido a um
No primeiro bimestre, é realizado um outro transcorrer dos fatos e das motivações
trabalho de apresentação da proposta do curso e condições dos sujeitos históricos.
de introdução da história da ciência enquanto Claramente a "história" contrafactual não está
campo de conhecimento autônomo e é feita no campo da ciência histórica, mas sim no
uma discussão a respeito das origens - do ser campo da ficção, mas mesmo assim - e até
humano, da vida e do universo - a partir de por isto mesmo - ela permite que a
diferentes estratégias, mas sobretudo de textos imaginação dos alunos se manifeste e
escolhidos para este objetivo, de filmes e paradoxalmente se aprofunde o seu
vídeos didáticos abordando estes temas como conhecimento sobre a história e a ciência! A
A Guerra do fogo, 2001 e documentários questão problematizadora feita aos alunos no
científicos. É interessante registrar que em início das aulas é: "A história da ciência (aliás,
cada ano as discussões tomaram caminhos a história em geral) poderia ter acontecido de
diferenciados, pois elas dependem de que os uma outra forma?" Finalmente, os alunos, no final
alunos também participem no processo de deste primeiro bimestre, tomam público o seu
seleção de conteúdos. Em algumas vezes, a interesse por um tema específico utilizando
discussão sobre a origem do homem pequenos cartazes feitos com este objetivo e
encaminha-se para o confronto entre uma dispostos em um mural na escola; a apresentação
visão religiosa criacionista e uma visão de um e-mail para contatos é necessária e isto
científica evolucionista. Trabalhamos, então, fortalece a idéia de que investigar pressupõe
com o filme Herdeiros do vento, sobre um necessariamente pôr em contato diferentes
professor de biologia norte-americano que no pessoas, campos de conhecimento e fontes de
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Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
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informação que deverão dialogar entre si ao minimamente útil para a formação cidadã dos
longo de todo o processo. jovens, tem que manter um espaço de
O segundo bimestre é dedicado a discussão e reflexão sobre esta indústria,
seminários feitos por seis grupos nos quais é particularmente sobre o cinema. Marcos
dividida a classe, referentes às três partes de Napolitano (2003), em seu Como usar o cinema
dois livros escolhidos especialmente com o na sala de aula, faz interessantes observações
objetivo de aproximar história e ciência. O sobre este tipo de ferramenta pedagógica.
primeiro livro é Bilhões e bilhões que foi Paralelamente, sabemos que ao apresentarmos
escrito pelo físico norte-americano - já um "filme histórico, não significa que estamos
falecido - Carl Sagan, e o segundo livro é A presenciando a História, pensada como
corrida para o século -XXI escrito pelo passado, ou como verdade, mas sim que a análise
historiador brasileiro Nicolau Sevcenko: cinematográfica é instigante pela leitura da
ambos tratam, a partir de pontos de vista realidade histórica que é efetuada, e que nos
diferentes mas complementares, dos impactos revela determinadas interpretações e visões
crescentes da ciência nas sociedades ao longo parciais da realidade. Alguns dos filmes já
dos séculos e particularmente no mundo utilizados neste trabalho foram: A cor dafúria;
,-
contemporâneo. São dois livros de leitura O cão branco; Uma outra história americana;
agradável e ao mesmo tempo provocativa e Gattaca; Uma cidade sem passado; Filhos da
I instigante. Um dos objetivos do trabalho guerra (Europa, Europa); Arquitetura da
pedagógico desta disciplina-projeto é também destruição; Amém; A onda. Paralelamente
incentivar o gosto pela leitura, a capacidade neste terceiro bimestre os alunos entregam uma
/
de ler - não só livros mas a mídia em geral-, de avaliação em forma de carta destinada aos
forma crítica, e a habilidade em escolher as obras professores, analisando criticamente a obra
a serem lidas. Normalmente proliferavam escolhida para fundamentar toda a sua pesquisa.
discussões sobre o impacto das novas A avaliação é em forma de carta para ressaltar o
tecnologias e do consumismo na cultura caráter de pessoalidade de um projeto: projetar-
contemporânea. Trabalhamos, então com se significa percorrer pessoalmente uma
curtas-metragens e documentários como trajetória escolhida de forma autônoma.
Meow, A alma do negócio e Surplus. O quarto bimestre, como já relatamos,
O terceiro bimestre tem como tema é inteiramente dedicado aos alunos, que
específico a questão do racismo e dos apresentam os seminários sobre os temas que
preconceitos existentes nas sociedades em estudaram ao longo do ano e paralelamente
geral e no Brasil em particular; o trabalho é entregam algum trabalho feito que materialize
realizado utilizando-se filmes (longas- concretamente o assunto investigado: poesias,
metragens) que propiciam reflexões fitas de vídeo, quadrinhos, músicas, desafios,
interessantes sobre este tema. A discussão roteiros teatrais, romances, textos de ficção
central se. dá em termos das diferenças entre científica, histórias possíveis que não
a ciência e a pseudociência, e sobre a forma como aconteceram, pinturas, CD-Rom, site na intemet,
desigualdades e injustiças sociais foram e são maquetes, pôsteres.rnonografias, etc.
pretensamente justificadas e reproduzidas a partir
de considerações ideológicas pseudocientíficas.
Parte do trabalho realizado neste bimestre já foi IMPRESSÕES DE EX-ALUNOS SOBRE
descrito em um artigo anterior (Teixeira, 2003). O PROJETO E CONCLUSÕES
A linguagem do cinema é usada como eixo
metodológico aqui devido à sua influênciana vida A escolha dos temas de pesquisa pelos
dos alunos e dos adolescentes em geral: a alunos freqüentemente marca de forma
denominada indústria cultural apresenta cada vez significativa a vida de cada um, inclusive as suas
mais força e a escola, se quiser se manter opções profissionais após terminar o ensino
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médio e sair do CEFET-SP, corno pode ser alienamos; passa a ter maior consciência moral
avaliado após seis anos de existência desta e autonomia em seus posicionamentos".
disciplina-projeto. Abaixo, apresentamos as Urna conclusão importante que pode ser
reflexões de alguns ex-alunos de Ciência, realizada a partir deste trabalho é a relevância
História e Cultura. do trabalho em forma de projeto, indo além dos
Nas palavras de urna ex-aluna que limites usuais das disciplinas tradicionais
agora já terminou o ensino médio: "Até hoje (matemática, física, história, etc) tanto no escopo
surpreendo meus colegas de faculdade dos assuntos abordados quanto na metodologia
quando digo as disciplinas que tive na e nas formas de avaliação utilizadas. Além disso,
Federal. Matérias de vanguarda que vejo um ganho importante do projeto é o estímulo ao
agora corno nos preparavam para o hábito da leitura, sobretudo de livros de qualidade
ambiente universitário de monografias e e que estejam em sintonia com os interesses dos
iniciação científica". alunos. Finalmente, um trabalho que aproxime
Urna outra ex-aluna que agora está as "duas culturas" - as humanidades e as
estudando biologia nos Estados Unidos, ciências naturais - inclusive por meio de
afirmou em urna correspondência: "Talvez professores de duas diferentes áreas
você esteja se perguntando o porquê de eu disciplinares do conhecimento humano
estar te escrevendo logo agora, quatro, quase trabalhando concomitantemente, viabiliza
cinco anos depois. Estou escrevendo para urna compreensão muito mais ampla do
dizer que as aulas do projeto contribuíram processo de construção do conhecimento
muito para minha formação intelectual. Mais científico e tecnológico.
do que simples reprodutores de informações,
posso te dizer que as aulas de projeto em geral REFERÊNCIAS
constroem cidadãos pensantes".
Um terceiro ex-aluno afirmou: "Estou BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da
atualmente fazendo Ciências Moleculares na Educação Nacional N° 9304.20/12/1996.
USP, um curso voltado para a formação de
pesquisadores, e pretendo me encaminhar a HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A
estudos de neurociências e inteligência organização do currículo por projetos de
artificial: coincidentemente o terna do meu trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
projeto foi sobre Inteligência Artificial,
lembra? Gostaria de aproveitar para dizer que MARTINS, R. de A. Abordagens, métodos e
tenho boas lembranças do curso e sem dúvida historiografia da história da ciência. In: O tempo
esta disciplina foi a que mais me influenciou". e o cotidiano na história. São Paulo: FDE, 1993
Finalmente, em um espaço na internet (Série Idéias).
criado por ex-alunos para discutir a disciplina-
projeto Ciência, História e Cultura, a sua NAPOLITANO, M. Como usar o cinema em
importância pedagógica é salientada devido a- sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
nas palavras destes ex-alunos - sua
"contundência": "Primeiramente por exigir NOGUEIRA, F. H. G.. Entre teorias e
reflexões críticas incomuns em nível de ensino prescrições: o ensino de história nos periódicos
médio: a proposta temática centralnos traz muitas educacionais paulistas na Primeira República.
perspectivas externas a questões acadêmicas 2002. (Dissertação de Mestrado). São Paulo:
comuns. Depois porque quem faz esse projeto FFLCH-USP.
passa por um ano de questionamentos, éticos
em alguns sentidos, científicos em outros; passa
a questionar suas próprias convicções,
percebendo falsas doutrinas nas quais nos
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Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira

Para contatos com os autores:


RÜSEN, J. Razão Histórica. Teoria da
Ricardo Roberto Plaza Teixeira:
história: os fundamentos da ciência histórica. rrpteixeira@bol.com.br
Brasília: Editora Universidade de Brasília,
Fausto Henrique Gomes Nogueira:
2001.
fausto@cefetsp.br

SAGAN, C. Bilhões e bilhões: reflexões sobre


vida e morte na virada do milênio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.

SEVCENKO, N. A corrida para o século


XXI: No loop da montanha-russa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.

SNOW, C. P.As duas culturas e uma segunda


leitura. São Paulo: Edusp, 1995.
(

TEIXElRA, R. R. P. e TRINDADE, D. F.
Reflexões sobre uma experiência de inclusão
da disciplina "História da ciência" no ensino
médio. In: Revista Sinergia. São Paulo: CEFET-
SP, 3,2001, p.33.

TEIXEIRA, R. R. P.; TEIXEIRA, R. P.


Educação, cinema e cidadania. Relatos de
uma experiência em um projeto no ensino
Médio tendo o filme "A cor da fúria" como
/ motivador de discussões sobre o racismo. In:
Revista Sinergia. São Paulo: CEFET-SP, 4,
(2) 2003, p.146.

TRINDADE, D. F. História da ciência: um


/
ponto de mutação no ensino médio - a formação
interdisciplinar de um professor, 2002.
(Dissertação de mestrado). São Paulo:
UNICID.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à professora Wania Tedeschi, ao


professor Paulo Klein e à professora Maria
Aparecida Rodrigues Pinto que lecionaram em
diferentes períodos para turmas do projeto
Ciência, História e Cultura e colaboraram para
idéias aqui expostas.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 24-31, jan./jun. 2006


A TELEMEDICINA NA SOCIEDADE ATUAL: VANTAGENS E DESAFIOS

Siony da Silva
Professora do CEFETSP -Mestre em Educação

As novas tecnologias de informação e comunicação estão sendo empregadas em várias áreas


do conhecimento humano, e desta forma modificam o comportamento das pessoas na forma
de se comunicarem, no lazer, no aprendizado e são incorporados nas suas atividades
profissionais.
A telemedicina é uma das .áreas que utiliza os recursos de comunicação e informação na área
médica. Este artigo destaca resumidamente a importância da telemedicina, no sentido de
favorecer o médico nas suas atividades profissionais e educacionais e favorecer o paciente ao
disponibilizar um atendimento de qualidade.

Palavras-chave: Novas tecnologias da informação e comunicação; telemedicina; recursos


tecnológicos.

The new information and communication technologies are being used in some areas ofhuman
knowledge, modifying people's behavior in the way they communicate, in their leisure time
and in their learning process, and including these resources in their professional activities.
Telemedicine is one of the areas that uses the resources of communication and information
in the medical area. This article briefly points out the importance of telemedicine in helping
doctors in their professional and educational activities and patients in providing service with
quality.

Key-words: New information and communication technologies; telemedicine; technological


resources.

A SOCIEDADE TECNOLÓGICA EA - lógica das redes: a morfologia das


MEDICINA redes parece se adequar a essa nova estrutura
de tecnologia da informação, caracterizada
Vivemos uma realidade em que as pela crescente complexidade de interação e
novas tecnologias da informação e pelos modelos imprevisíveis do
comunicação (NTIC) estão provocando desenvolvimento derivado do poder criativo
verdadeiras transformações em várias áreas dessa interação;
do conhecimento humano. - flexibilidade: possibilidade de
Os aspectos centrais do paradigma da modificações e alterações dos componentes
tecnologia da informação segundo Castells das organizações;
(1999, p. 78), são: - convergência de tecnologias
- informação é sua matéria-prima, ou específicas para um sistema altamente
seja, são tecnologias para agir sobre a integrado.
informação; O emprego crítico dos recursos
- penetrabilidade dos efeitos das proporcionados pelas novas tecnologias pode
novas tecnologias: como a informação é parte trazer profundas transformações nas relações
integrante da atividade humana, quer seja humanas, no ensino, e nas ciências físicas,
individual ou socialmente, as tecnologias da químicas e biológicas.
informação moldam esse processo; A incorporação e apropriação deste
conhecimento tecnológico está também se
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan'/jun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

instalando na área médica, quebrando as Considerando os profissionais


barreiras geográficas, no sentido de propiciar envolvidos em um projeto de telemedicina e
o acesso à medicina e aos conhecimentos a importância deste serviço no bem-estar da
médicos atualizados a uma grande parcela da sociedade, ao melhorar o estado de saúde,
população, que se encontra distante dos Peréz et. al (2005) fazem a seguinte
grandes centros tecnológicos, além de auxiliar representação de seus componentes em um
a administração e o gerenciamento de dados processo de telemedicina:
de pacientes em consultórios e hospitais.

medicina
tecnologia interesse
científico
profissiona is
eletromedicina organização
informática
telefonia valor sanitário
+
indicado
+
adequado interesse
assistencial

indivíduo/social

fonte: Peréz et. a\. (2005)

Assim, surge a telemedicina, que Embora estejamos presenciando uma


emprega os recursos das tecnologias da grande evolução da telemedicina, convém
comunicação e informática em serviços destacar que as tecnologias sempre foram
ligados à saúde. incorporadas a seu tempo na área médica.
Telemedicina é a oferta de serviços ligados Sigulem (1997), citando Blois &
aos cuidados com a saúde, nos casos em que Shortliffe, destaca. que a primeira aplicação
a distância é um fator crítico; tais serviços
prática da computação na área da saúde foi
são providos por profissionais da área da
saúde, usando tecnologias de informação e baseada em cartões perfurados, desenvolvidos
de comunicação para o intercâmbio de por Herman Hollerith, em 1890, para a
/ informações válidas para diagnósticos, realização do censo dos Estados Unidos, pois
prevenção e tratamento de doenças e a o sistema foi adotado para solucionar
contínua educação de prestadores de serviços
em saúde, assim como para fins de pesquisas
problemas nas áreas de epidemiologia e saúde
e avaliações; tudo no interesse de melhorar a pública.
/

saúde das pessoas e de suas comunidades. A primeira expenencia em


(Organização Mundial de Saúde - OMS) telemedicina ocorreu em 1906 quando
Wihelm Eithoven transmitiu um
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006 ~======================~33
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

eletrocardiograma de seu laboratório na em geral e ao aperfeiçoamento profissional, mas


Universidade de Leiden a um hospital na para que os beneficios advindos da telemedicina
mesma universidade a 1,5 km de distância possam ser verificados, há necessidade de
(González, 2005). estrutura tecnológica (hardware, software,
As gerações da TM, segundo Pena meio de comunicação), além de treinamento
(2005), são as seguintes: dos profissionais para que possam vislumbrar
- Primeira geração (1970) o desenvolvimento tecnológico como mais
Serviços isolados específicos, uma ferramenta que permita o exercício de
teleemergência e teleconsulta. sua profissão de forma mais ampla e com
Conexão ponto a ponto; enlaces fixos informações seguras para a tomada de decisão
RDSI (meio preferido pará discagem manual frente a problemas de saúde de seu paciente,
na internet). sem que seja descartado seu envolvimento
pessoal enquanto profissional.
- Segunda geração (1990)
Serviço em rede multiponto;
aplicações múltiplas, telessaúde. PRINCIPAIS APLICAÇÕES DA
Tecnologias IP; multimedia; banda TELEMEDICINA
larga; cabo ADSL (asymetric digital
subscriber line). As aplicações da telemedicina
abarcam diferentes possibilidades, tais como
- Terceira geração (2000) o envio de e-mails entre médicos,
Suporte a serviços assitenciais em videoconferência, envio de imagens e
geral. resultados laboratoriais, segunda opinião,
Extensão hospital digital; aplicações monitoração de paciente que se encontra
sobre internet. distante do centro médico, cirurgia a distância,
Mobilidade (GSM global system educação continuada e participação de
mobile communicator, WIFI wireless fidely, congressos a distância.
bluetooth padrão de comunicação sem fio Assim, a grande maioria das
utilizado em grandes distâncias); PDAs aplicações em telemedicina consiste na
(personal digital assistants) e palmtops. transferência de informações através da
palavra escrita, da palavra falada, de sons e
- Quarta geração (2005) imagens, e os meios de comunicação nesta
Componente de e-saúde. transferência de informações podem ser o
Integração em infra-estruturas digitais telefone, e-mails, videoconferência,
sanitárias. teleconferência, cabo, satélite, etc.
Sistemas pessoais móveis (rn-health) Alguns empregos de telemedicina são
UMTS (universal mobile telecommunication destacados a seguir:
System)
Telepatologia
- Quinta geração (2010) O desenvolvimento da informática
Serviços integrados de e-assistência nos últimos anos tem propiciado que seja cada
(e-care) para pessoas. Suporte ao bem-estar, vez mais comum trabalhar com imagens
à prevenção e ao cuidado para todos. digitalizadas. As vantagens da imagem
Tecnologia de inteligência ambiental. digitalizada frente à imagem analógica são
Computação baseada em contexto. dadas através das múltiplas possibilidades de
manipulação, além de permitir o
Sabemos que o emprego da telemedicina processamento das imagens para obter
traz muitas vantagens ao paciente, à população informação (Nistal, 2001, p. 11).
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

Dessa forma, sua utilização permite que Consulta médica virtual


as imagens possam ser facilmente armazenadas, A intemet tem possibilitado verdadeiras
preservadas, duplicadas, copiadas e transformações na comunicação e aprendizado
transmitidas através dos meios de comunicação em todas as áreas do desenvolvimento humano
(Martinez; Ferreres, 2001). e, com freqüência, as pessoas fazem uso dessa
ferramenta para ter maiores informações com
Telerradiologia relação a saúde, moléstias e tratamento das
A telerradiologia visa possibilitar a mesmas.
transmissão de imagens radiológicas de um O contato entre médico e paciente
lugar a outro para que possam ser avaliadas também pode ser feito, utilizando-se os
e desta forma elaborado um diagnóstico. recursos das NTIC, de forma que a
L Neste sentido, a imagem que será enviada privacidade e o sigilo dos contatos possam
deverá possuir qualidade para que possa ser ser preservados.
feito um diagnóstico preciso. Convém Convém destacar a importância dos
ressaltar que, antes de enviar as imagens, o Conselhos de Medicina na elaboração de
diagnóstico primário deverá ser feito sobre normas que atendam aos princípios éticos e
imagens não comprimidas ou que se faça que respeitem as necessidades dos
análise em imagens com algoritmos de profissionais da área da saúde.
compressão sem perda.
Prontuário eletrônico de paciente
Teledermatologia O prontuário médico do paciente foi
Teledermatologia é a área da telemedicina criado inicialmente para documentar as
que estuda a aplicação das tecnologias informações de saúde e de doença do
de telecomunicação e informática para a paciente.
prática dermatológica sem necessidade da Atualmente, graças às novas
presença física do especialista, com
tecnologias e a~ acompanhamento
potencial de levar planejamento de saúde,
pesquisa, educação, discussão clínica, multidisciplinar, houve um aumento das
/ segunda opinião e assistência informações que deverão ser armazenadas
dermatológica às populações com e coletadas para dar o diagnóstico e
dificuldades de deslocamento para ações acompanhamento da saúde de um paciente.
presericrars (Miot; Paixão; Wen, Desta forma, o prontuário eletrônico do
2005). paciente (PEP), pode se tornar uma tarefa
/ fácil, confiável, segura para o profissional
Telehomecare de saúde administrar o cadastro dos
É o monitoramento remoto feito ao pacientes, incluindo informações básicas do
paciente que está em sua casa, utilizando paciente, acompanhar quadro de saúde,
linhas telefônicas. Tal monitoramento além da agenda, podendo utilizar recursos
controla os sinais vitais do indivíduo e da telefonia móvel. Destaca-se que hoje o
estatísticas de peso, pressão sangüínea e paciente pode ser cuidado por vários
sintomas que indicam emergência em profissionais de especialidades distintas,
potencial. ficando o médico com maiores informações
para a tomada de decisão.
/
Telemedicina em emergências O PEP é dinâmico, podendo ser
médicas construído e reconstruído tanto por pacientes
É uma das áreas da medicina que mais como pela equipe de saúde (Pinto, 2006), e,
pode se beneficiar dos recursos tecnólogicos, portanto, é uma excelente ferramenta para a
para o atendimento de pacientes em tomada de decisão pelos profissionais de
emergências urbanas. saúde que cuidam do paciente.
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

habilidades;
Computador móvel com conexão - ruptura das barreiras de espaço e
wireless tempo;
Com o desenvolvimento das tecnologias - abertura e flexibilização do processo
de comunicação, a respectiva mobilidade de educativo.
transporte dos computadores, ou seja, a A utilização dos recursos tecnológicos
associação de dispositivos de comunicação na educação é um excelente meio de permitir
wireless, em conjunto com os computadores de que o aluno aprenda a aprender, conforme
mão e a utilização do prontuário eletrônico do suas necessidades e interesses, empregando
paciente, permitirá que as informações não sejam sua vontade pessoal para atingir os
perdidas, mesmo quando (J contato do médico conhecimentos que ele considere adequados
com o paciente não for realizado "em ambientes para sua formação profissional, além de
habituais de trabalho como na assistência prepará-lo para uma nova organização de
domiciliar, no atendimento em campo aberto", trabalho.
além de permitir que as decisões tomadas, Considerando as dimensões
através de ligações telefônicas fora do territoriais do Brasil, a concentração de
consultório, não sejam perdidas. Assim, os riqueza, a heterogenidade de recursos e
dados poderão ser coletados e recuperados, e conhecimentos, com vários centros de
as informações poderão ser analisadas quando excelência concentrados nas regiões sul e
e onde for necessário (Wechsler et al., 2003). sudeste, a educação médica a distância pode
ser um mecanismo que se bem elaborado "( ...)
Educação médica a distância pode vir a ser um meio para permitir que essa
O avanço dos recursos tecnológicos excelência possa ser mais bem distribuída
em especial nas áreas de informação e pelo país, facilitando o acesso ao
comunicação estão promovendo mudanças conhecimento e ao aperfeiçoamento
nos relacionamentos, no trabalho, na forma profissional daqueles que residem em áreas
de adquirir conhecimento e na educação em distantes e cujas populações sofrem ainda
geral mais com a má qualidade da assistência à
A situação atual e os desafios gerados saúde" (Christante et. al, 2003, p.328).
pela sociedade do conhecimento na educação, A educação a distância, na medicina,
segundo Herrero (2006), são os seguintes: pode ser uma forma de permitir a atualização
acelerados processos de dos profissionais da saúde, independente da
transformação social, cultural e tecnológica; distancia dos grandes centros de referência, e
- novas necessidades educativas; assim possibilitar uma homogenidade no
- novas organizações e processos de tratamento da população brasileira, atendendo
trabalho; também pessoas distantes dos centros de
- novos instrumentos e processos; referência.
- novos conteúdos, modelos e Convém destacar a importância das
estratégias de aprendizagem; faculdades médicas, no sentido de adequar
excesso de produção de seus currículos profissionais a mais uma área
conhecimentos; de conhecimento tecnológico,
- necessidade de aprender ao longo instrumentalizando o futuro profissional a
da vida; fazer uso de recursos de atualização
- preparação para enfrentar situações profissional a distância. Também se faz
de forma crítica e reflexiva; necessário atualizar os profissionais médicos
- estimulo a aprender a aprender e no acompanhamento de cursos a distância.
aprender a ser; Desta forma, os cursos deverão ser
- exigência de novas competências e direcionados para determinado perfil de
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 32-39, jan./jun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

conhecimento de alunos, com um especialistas em casos de desastres e


emergências; uso mais efetivo de recursos;
acompanhamento técnico, que minimize a
através da centralização de especialistas,
possibilidade de evasão por desconhecimento
descentralização da saúde primária,
dos recursos de informática. Assim, tanto distribuição, alcançando um número maior de
futuros profissionais como aqueles que já pessoas; cooperação e integração de
estão atuando no mercado de trabalho, pesquisadores com o compartilhamento de
poderão ser beneficiados no registros clínicos; e aumento na qualidade dos
acompanhamento de um curso a distância. programas educacionais para médicos e
residentes localizados em zonas fora de
centros especializados.

VANTAGENS DO USO DA TELEMEDICINA

LIMITAÇÕES NO USO DA TELEMEDICINA


o emprego da telemedicina pode
trazer várias vantagens, entre elas o acesso à A utilização dos recursos de
/
medicina para as populações distantes dos informática na área médica está evoluindo
grandes centros de referência; diminuição no rapidamente, e para que os profissionais
custo de transferência de médicos e pacientes; possam utilizar os benefícios desse
diminuição de custos e disponibilização de procedimento, há necessidade que sejam
conhecimentos clínicos e administrativos. treinados, que ocorra normatização de sua
A atualização constante do médico utilização, além de padronização internacional
pode se efetivar através da participação de para que os profissionais possam se
cursos a distância, videoconferências, comunicar, enviar imagens com qualidade
contatos com profissionais de grandes centros para a tomada de decisão sobre a evolução de
de referência para solucionar dúvidas e para saúde do paciente.
se ter uma segunda opinião médica Gutierrez et al. (2000) destacam as
A telemedicina também pode principais características desejáveis em
contribuir significativamente para a qualidade qualquer sistema destinado a diagnóstico
de vida dos portadores de deficiência fisica, remoto: "fidelidade sonora, resolução da
provendo atendimento sem que elas tenham imagem (espacial, temporal e contraste) e a
de se deslocar aos centros assistenciais quantidade de informação que pode ser
distantes (Wen, 2003). transmitida em um período definido de tempo
O emprego da telemedicina (velocidade de transmissão)".
/ proporciona a criação e manutenção do Destaca-se também que deve ser
histórico do paciente de forma mais preservada a segurança dos dados, a
sistematizada, diminuindo a repetição de confidencialidade, além de ser definida a
exames e, corno conseqüência, diminuindo forma de pagamento dos serviços prestados
custos administrativos; favorece a através desses recursos.
universalidade do acesso à assistência Portanto, tanto fatores técnicos,
médica; apóia o desenvolvimento de um novo operacionais, como fatores humanos, de
modelo de atendimento à saúde centrado no treinamento e utilização adequada dos
paciente e aumenta o acesso à informação em recursos, bem como aspectos legais e éticos
todos os níveis assistenciais de saúde. deverão ser observados para a implantação da
Lopes; Sigulem; Barsottini (2000) telemedicina.
destacam as seguintes vantagens:
redução das transferências, tempo e custos de
transporte de pacientes; ajuste fino no
gerenciamento dos recursos de saúde devido
à avaliação e triagem por especialistas; menor
pressão sobre hospitais; acesso rápido a

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006


A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

CONSIDERAÇÕES FINAIS regiões carentes de atendimentos primários,


a telemedicina pode minimizar as
Nos dias atuais, a telemedicina é uma desigualdades ao atendimento médico de
área de grandes progressos, pois alia os qualidade.
conhecimentos na área médica aos recursos
tecnológicos de informação e comunicação. REFERÊNCIAS
Desta forma, a área educacional é
contemplada, pois possibilita tanto ao médico CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era
recém-formado como àquele atuante no da informação: economia, sociedade e
mercado de trabalho atualizações constantes, cultura. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999,
através de participação em cursos a distância, vol. 1.
videoconferências, teleconferências e fóruns.
O paciente também será beneficiado, pois CHRISTANTE, L.; RAMOS, M. P.; BESSA,
passa a ter acesso a maiores informações sobre R., SIGULEM, D. O papel do ensino a distância
doenças e tratamentos, participando na educação médica continuada: uma análise
ativamente da sua recuperação, pois hoje a crítica. ln: Revista associação médica
internet permite acesso a portais médicos de brasileira, 2003. Disponível em: http://
qualidade. Além disso, o médico poderá www.virtuaI.epm.br/materialltis/amb. pdf Data
utilizar vários recursos midiáticos que de acesso: 09/2006.
poderão esclarecer dúvidas de seus pacientes.
A telemedicina também rompe com a GONZÁLEZ, F. Experiência de lmplantación
barreira geográfica, permitindo acesso a de Telemedicina en Galícia. ln: Boletin de Ia
especialistas mesmo a pacientes que residam sociedad de Ia información: tecnologia y
em locais distantes dos grandes centros de inovacción, 2005. Disponível em: http://
excelência médica. Assim, o paciente não sociedaddelainformacion. telefonica. es/j spl
precisa se deslocar para que possa ter um articulo si detalle.j sp?elem= 109. Data de
atendimento de qualidade. Esta situação é acesso: 09/2006.
extremamente positiva, ao se considerar
pessoas com doenças crônicas e a população GUTlERREZ, M. A. et al. Rede de alta
idosa. velocidade para a transmissão,
A rapidez no envio dos resultados armazenamento e visualização de imagens
médicos, bem como a possibilidade de médicas. O mundo da sáude, v. 24, p. 182-
segunda opinião são outros atrativos para que 186, 2000. Disponível em: http://
a telemedicina se consolide cada vez mais. p h y s i o n e t. i n c o r. u s p . b r 1 ~ j u I i o 1
Mas, para que as vantagens da sua publicacoes.htm. Data de acesso: 0912006.
utilização sejam notadas, há necessidade de
políticas governamentais consistentes, claras HERRERO, R. G. Critérios de calidad en
e com continuidade; recursos tecnológicos educación a distancia. ln: Expomedical - 6
(hardware, software); profissionais que to Simpósio de lnformática en Salud, 2006.
recebam treinamento no uso das tecnologias; Disponível em: http://www.gibba.org.ar/
garantia de segurança e confiabilidade dos expomed2006/herrero. pdf#search=%22%22
dados armazenados, processados e enviados, ricardo%20g.%20 Herrero%22%22. Data de
de tal forma que só tenham acesso a eles acesso: 10/2006.
pessoas envolvidas no processo médico.
Considerando a extensão do território
brasileiro, a necessidade de atendimento
médico, a heterogenidade das regiões, com
grandes pólos de excelência em medicina, e
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva

LOPES, P.; SIGULEM, D.; BARSOTTINI, C. PINTO, V B. Prontuário eletrônico do paciente:


Telesaúde e telemedicina. Disponível em: http:// documento técnico de informação e
www.virtual.epm.brlmaterial/tis/mat _ apoio/ comunicação do domínio da saúde. In: Revista
telemed/v3dcrnnt.htm., 2000. Data de acesso: eletrônica biblioteconomia, ciência,
07/2006. informação, Florianópolis, n. 21. 1 sem. 2006.
Disponível em: http://www.encontros-
MARTINEZ, E. B.; FERRERES, L.A. bibli.ufsc.brlEdicao _21/pinto.pdf. Data de
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FERRERES, L. A.; ROJO, M. G.; GIL, A. M.
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Paulo: EPM-UNIFESP. Disponível em: http:/
MIOT, H. A.; PAIXÃO, M. P.; WEN, C. L. /www.virtual.epm.br/material/tis/ curr - medi
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Data de acesso: 09/2005. WORLD HEALTH ORGANIZATION.
Disponível em: http://www.who.int/enl
PERÉZ, c. F. et aI. Healt over IP: programa de
desarrollo de unidades para monotoreo de
sefíales cardíacas a distancia- telemedicina. Para contato com a autora:
In Clase Taller. Tópicos de networking,
Siony da Silva
programacion Java y Sistemas Operativos. siony@cefetsp.br
Academias locales CISCO y ORACLE UTN siony.silva@gmail.com
Fone: 5083- 1767

FRM 2005. Disponível em: http:// Coordenadoria de Informática r. 525

web.frm.utn.edu.ar/codarec/Telemedicina/
Presentaciones.htm. Data de acesso: 11/2006.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.32-39, jan.jjun. 2006


o JOGO DE XADREZ COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA PARA
CRIANÇAS COM PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM

Divina de Fátima dos Santos


Professora do SESI-SP

Maria Anita Viviani Martins


Professora Doutora da PUC-SP

Ricardo Roberto Plaza Teixeira


Professor Doutor do CEFET-SP e da PUC-SP

Este artigo estuda as possibilidades do uso de xadrez como alternativa para a superação 'das
dificuldades de aprendizagem. É apresentada uma pesquisa realizada com seis crianças entre
9 elO anos, estudantes de uma escola pública de São Paulo, e que apresentavam problemas
de leitura e escrita. Realizamos uma rejlexão sobre os principais objetivos educacionais
possíveis de serem atingidos pelo jogo de xadrez.

Palavras-chave: Educação; ensino-aprendizagem; xadrez; leitura; escrita.

The present study aims at verifying the possibilities 0/ using chess games as a way of overcoming
learning dijJiculties. The study analyzes the case 0/ six children, between 9 and 10 years old,
students 0/ a public school in São Paulo who presented reading and writing problems. We
rejlect upon the main educational objectives that can be reached using chess games.

Keywords: Education; teaching-learning; chess; reading; writing.

INTRODUÇÃO necessários em cada área de conhecimento ou


disciplina. Hoje, tão importante quanto o
Nas últimas décadas tem-se aprender é o aprender a aprender - tomando-
estabelecido um consenso cada vez maior, na se um bom aprendiz para toda a vida - visto
área educacional, de que o objetivo primeiro que neste nosso século XXI as mudanças
da educação é a formação de um cidadão acontecem com velocidades crescentes,
consciente, independente e solidário. Os exigindo indivíduos preparados para lidar
documentos oficiais produzidos nos anos 90, com elas e enfrentá-Ias; estas mudanças
como os PCN s e a LDBEN (Brasil, 1996) têm cotidianas são sobretudo impulsionadas pela
claro este objetivo. Um indivíduo, enfim, que tecnologia da informação e seus avanços
seja capaz de, a partir do corpo de tecnológicos que acabam por imprimir novos
conhecimento acumulado pela civilização, enfoques e pontos de vista relativos à natureza
interferir na sua comunidade de forma e à sociedade em que vivemos. Preparar-se
positiva, influenciando decisões que para as mudanças que estão acontecendo e
permitam que a vida em comum seja sempre que irão acontecer com velocidade cada vez
permeada pelo respeito ao próximo, pela mais vertiginosa, desenvolvendo as
tolerância para com as diferenças, pelo habilidades de aprendizagem de cada um: esta
sentimento de justiça, pelo ímpeto de cooperar é a tarefa número um dos educadores
e, ao mesmo tempo, pelo crescimento das preocupados de fato com o futuro de seus
possibilidades individuais de cada um. Para alunos.
atingir este objetivo é vital realizar uma Mas neste turbilhão tecnológico a
escolha correta dos conteúdos escolares capacidade de pensar e de refletir de forma
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48, jan.jjun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

madura e independente, de julgar e de decidir, metodologia alternativa - uma construção de


tem a sua própria velocidade, que é ditada pelo caráter emancipador-, capaz de potencializar
ser humano e seu cérebro, e esta capacidade o aprendiz de forma a investi-lo de força,
é, como devemos esperar, a principal relacionada a sua capacidade de analisar e de,
ferramenta de cada um de nós para a partir da realidade e das condições
sobrevivermos nesta "selva tecnológica". existentes, prever acontecimentos e traçar
A educação formal deve, de alguma "caminhos" que permitam atingir certos
maneira, estabelecer pontes entre o objetivos.
conhecimento científico e o nosso cotidiano. As conseqüências da aprendizagem do
Contextualizar o conhecimento científico xadrez interferem na realidade do educando
significa exatamente mostrar a sua utilidade de forma concreta. E não apenas com os "bons
e a sua aplicabilidade concreta que vai muito alunos", mas também com aqueles alunos
além de justificativas abstratas, distantes e a com problemas de disciplina ou de
posteriori. Isto obviamente não significa uma aprendizagem, enfrentando desta maneira o
rendição a um pragmatismo restrito e fracasso escolar de forma efetiva (Marchesi,
utilitarista, mas sim a constatação de que 2006). De fato a multidimensionalidade do
somente aquilo que faz sentido e que ajuda a fenômeno do fracasso escolar pode ser
diminuir o "sofrimento humano" - nas potencialmente enfrentada pelo uso do xadrez,
palavras de Brecht - pode ser estimulante no visto que esta estratégia de ensino é eficaz,
processo de aprendizagem. O conhecimento pois se apresenta de fato como multifacetada,
que se aprende deve poder ser útil para a tarefa viabilizando soluções e superações de
diária de resolver problemas. problemas, e desenvolvendo habilidades
O xadrez em certo sentido é contrário cognitivas que os alunos têm de possuir para
à rapidez contemporânea imposta pela aprender bem. Portanto o xadrez é inclusivo,
globalização e pela tecnologia da informação pois é prazeroso e não tem a vitória como
na nossa sociedade tão marcada pela cultura objetivo maior: de certo modo, o caminho
dofast food e do consumo rápido e irrefletido. trilhado ao longo de uma partida, pelo seu
Mas paradoxalmente aprender a jogar xadrez caráter desafiador, acaba proporcionando
pode de fato permitir a construção de um mais prazer do que a finalização mesmo que
indivíduo que não vai ser "esmagado" pela vitoriosa da partida. Com o jogo, o educando
avalanche de informações e de mudanças dos se reconhece e reconhece seu desafiante como
nossos dias. Jogos de estratégia, pelo fato de sujeito e interlocutor na partida (Santos,
terem uma velocidade própria, são perfeitos 2000).
para desenvolverem a capacidade crítica de A seriedade com que as crianças
análise dos próprios atos e da realidade que passam a se dedicar ao xadrez permite que
nos cerca, superando a fugacidade das elas lidem melhor com os seus sentimentos
experiências rápidas que se sucedem na vida de ansiedade, de raiva e de frustração. A
contemporânea. Ser um bom aprendiz de derrota, quando acontece, é racionalizada, e
xadrez é também ter personalidade própria e o desafio toma-se vencer de certa forma a si
aprender a tomar decisões consciente das suas mesmo, superando-se no futuro. A competição
conseqüências! Em geral, o jogo é uma é parte da vida (não a única parte, felizmente),
necessidade básica da nossa constituição, um ainda mais em nossa sociedade capitalista, e
,/

comportamento primário de nossa espécie uma boa parcela da energia da agressividade


humana (Schwarcz, 2004) e isto também é sublimada em um jogo de xadrez para
revela a importância do uso de jogos de transformar-se em reflexão e raciocínio
estratégia nas escolas. estratégico. Uma partida é, à sua maneira, uma
O xadrez caracteriza-se como sendo construção "artística", pois demanda um
mais um método que um conteúdo, uma processo criativo, com considerações
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48jan./jun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

estéticas: cada partida é uma reinvenção do fato de constituir uma rica experiência cognitiva
jogo de xadrez. que pode ter conseqüências extremamente
Assim como· na matemática, a positivas no desempenho escolar dos
simplicidade - associada ao antigo princípio educandos. Há vários livros bons no mercado
conhecido como "navalha de Occam" - é um editorial brasileiro que apresentam o trabalho
"valor" importante no xadrez, pois dentre dois pedagógico com o jogo de xadrez na escola;
movimentos com os mesmos objetivos, dentre vários títulos indicamos: O ensino de
quanto maiores forem os condicionantes xadrez na escola (Fontamau, 2003), Iniciação
existentes, mais improvável será o desenrolar ao xadrez para crianças (Girona, 2003) e
imaginado para os próximos lances de uma Xadrez na escola: uma abordagem didática para
partida. Da mesma maneira, a separação e a principiantes (Rezende, 2002).
classificação entre o que é relevante e o que é O jogo de xadrez amplia o horizonte
superficial - uma característica do jogo - é a cultural dos alunos, já que para estudá-Io é
base também do método experimental: nos preciso conhecer sua história, e a história de
experimentos tenta-se sempre isolar as outros povos e culturas localizados em
variáveis relevantes daquelas que não diferentes regiões do planeta. Com o advento
influenciam no fenômeno estudado. O da internet, o aluno que queira aprofundar-se
trabalho de investigação e de observação, no tema vê-se diante de possibilidades de
intrínseco da visão científica de mundo, são interação com outras realidades culturais e
vitais para o bom jogador de xadrez. ampliação de seus conhecimentos gerais. A
própria habilidade de leitura é desenvolvida
JUSTIFICATIVA PARA O USO DO com o xadrez, pois, para o desenvolvimento
XADREZ COMO FERRAMENTA de um bom jogador, é absolutamente
PEDAGÓGICA necessário estudar as técnicas de abertura,
meio jogo e finalização, bem como as grandes
oxadrez é um jogo de estratégia e partidas, que são acessíveis por uma imensa
tática e não um jogo de sorte. Ele é jogado variedade de livros, revistas e sites com estes
pelo mundo todo de acordo com regras fixas objetivos.
e bem definidas. Como é um jogo de baixo Para Maria da Glória Lopes (2000),
custo - há tabuleiros vendidos por menos que há 14 objetivos pedagógicos para a utilização
R$ 2,00 nas lojas de comércio popular do de jogos - em geral- no contexto escolar: 1-
Brasil- ele é plenamente acessível a todos os Trabalhar a ansiedade; 2- Reavaliar os limites;
interessados, não discriminando pessoas 3- Reduzir a descrença na autocapacidade de
devido a sua condição financeira. realização; 4- Diminuir a dependência,
Comparando-se com outros esportes que desenvolvendo a autonomia; 5- Aprimorar a
demandam investimentos grandes em coordenação motora; 6- Desenvolver a
equipamentos, piscinas e quadras, o xadrez organização espacial; 7- Melhorar o controle
apresenta um retorno excelente para um de diferentes segmentos do corpo para a
pequeno investimento financeiro em material, realização de tarefas; 8- Aumentar a atenção
tendo em vista o desenvolvimento cognitivo e a concentração; 9- Desenvolver a
e intelectual das crianças e adolescentes. O capacidade de antecipação e o senso de
investimento que na verdade conta é aquele estratégia; 10- Trabalhar a discriminação
na formação de professores que tenham auditiva; 11- Ampliar o raciocínio lógico; 12-
conhecimento de suas regras e possam atuar Desenvolver a criatividade; 13- Perceber
como multiplicadores nas suas próprias salas figura e fundo; 14- Trabalhar as emoções com
de aula. o jogo, aprendendo a perder e a ganhar. É
De fato a principal justificativa para o evidente que a ampla maioria destes objetivos
uso do xadrez na educação formal reside no é muito bem trabalhada pelo jogo de xadrez.
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, P-40-48, jan,fjun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para criancas com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

A introspecção necessária ao jogo rápidas geralmente não constituem uma boa


possibilita que o aprendiz possa estratégia. Como ele é um jogo de regras no
sistematicamente estar se re-avaliando e ao qual há um respeito a condutas e
mesmo tempo avaliando as conseqüências de comportamentos específicos, o
suas atitudes, aumentando desta forma a sua desenvolvimento ético do aprendiz também
responsabilidade social. A causalidade é estimulado, visto que viver civilizadamente
intrínseca a toda ação humana torna-se em sociedade também pressupõe respeitar
também clara, já que a relação de causa e regras importantes para o convívio.
efeito é inerente ao xadrez. O fato de ser um O xadrez também desenvolve no
esporte igualitário - acessível a todos, aluno o hábito de pensar local e globalmente
inclusive deficientes visuais, auditivos, fisicos ao mesmo tempo, pois para o caráter
e mentais - transforma-o numa ferramenta antecipatório de uma boa estratégia se ver
perfeita para a construção de posturas éticas plenamente realizada, um olhar global sobre todo
que enfatizem o respeito às diferenças de cada o tabuleiro deve ser sempre realizado juntamente
ser humano. com os olhares específicos sobre cada peça
Ao perceber ao mesmo tempo a específica. Há então no xadrez um grande
importância de buscar diferentes soluções, de potencial para realizar a tarefa básica da
antecipar e de organizar previamente o educação na visão de Michel Montaigne:
'-
raciocínio e de aprender com eventuais erros interiorizar-se, duvidar e entrar em contato
analisando-os (Macedo, 2000), o estudante com outros pontos de vista.
começa de fato a construir o seu próprio Uma questão que permeia os estudos
processo de aprendizagem. O jogo de xadrez educacionais há décadas é o debate sobre o
nas escolas não pode ser encarado como que é inato e o que é adquirido. Philip Ross
apenas mera diversão ou lazer, pois desta (2006), em seu artigo "Mentes brilhantes"
forma todas as suas potencialidades indaga: "O que é mais importante, o talento
pedagógicas são desperdiçadas. Para a sua inato ou o treinamento intensivo? Psicólogos
inserção como conteúdo escolar, é necessário procuraram responder essas questões
tanto um conhecimento do xadrez e de suas estudando mestres do xadrez. Os resultados
regras - sem no entanto ter de ser um expert coletados em cem anos de pesquisas levaram
no assunto - quanto das possibilidades a novas teorias sobre como a mente organiza
pedagógicas adequadas ao processo de e recupera informações. Eles também podem
ensino-aprendizagem pelo qual estão ter implicações importantes na área da
passando os educandos em questão - e isto educação. Talvez as técnicas que os
pressupõe conhecimentos de didática e de enxadristas usam para aperfeiçoar suas
psicologia necessários para perceber a habilidades tenham aplicação no ensino da
oportunidade que cada passo no aprendizado leitura, da escrita e da aritmética." Assim
possibilita para o crescimento do aluno. sendo, a motivação toma-se um fator mais
As crianças aprendem o jogo de importante que qualquer habilidade inata!
maneiras diferentes e com velocidades Ross termina seu artigo de forma otimista:
diferentes; como o jogo de certa forma "Em vez de perguntar 'Por que Joãozinho não
diminui o medo de arriscar, e para além do consegue ler?', talvez os educadores
desenvolvimento de habilidades lógicas, devessem pensar 'Não há nada neste mundo
também possibilita a aprendizagem por que não se consiga aprender". Inclusive,
tentativa e erro, o xadrez evidencia o papel completamos, o próprio xadrez.
fundamental do erro como ferramenta de
aprendizagem; por outro lado e de forma
complementar o xadrez também ensina o
papel da prudência, pois jogadas irrefletidas e
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48,jan.jjun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

o TRABALHO REALIZADO COM O áreas do conhecimento. A história e a geografia


JOGO DE XADREZ EM SALA DE AULA eram abordadas utilizando o globo e o mapa
mundi. A partir de então fazia-se um estudo da
o tema deste trabalho surgiu quando localização dos povos envolvidos na história do
o jogo de xadrez foi introduzido no trabalho xadrez, suas línguas, suas culturas, suas moedas
educacional de um dos autores desde artigo e suas capitais. Incluímos também neste trabalho
(D. F. Santos) com um grupo de seis crianças diferentes livros históricos encontrados pelas
com dificuldades de aprendizagem (Santos, próprias crianças na biblioteca da escola.
2005). As atividades desta pesquisa foram Embora o uso pedagógico de jogos não
realizadas durante o ano de 2005 em uma seja novidade, procuramos neste caso a resposta
escola estadual de ensino fundamental de para algumas perguntas: Como ojogo de xadrez
tamanho médio, situada na cidade de São poderia beneficiar as crianças em seu processo
Paulo. Como parte do projeto foram de aquisição e apropriação da língua materna e
realizadas reuniões com as professoras da dos códigos matemáticos? Épossível utilizar-se
escola; os encontros iniciais tiveram como das estratégias do xadrez para desenvolver os
objetivo esclarecer a proposta códigos lingüísticos? É possível, por meio das
psicopedagógica para as crianças que regras do jogo do xadrez, perceber as regras da
necessitavam de um trabalho diferenciado na língua materna?
aprendizagem escolar da leitura e da escrita.
Recebemos 32 indicações para o projeto e ESTRATÉGIAS ADOTADAS PARA O
selecionamos 6 crianças com idades entre 9 e ENSINO DO XADREZ
10 anos e que estavam cursando a 3a e a 4a
série do ensino fundamental para compor o No contexto didático, exploramos as
grupo. Essas crianças foram classificadas regras gerais do xadrez, ensinando-as
pelas suas professoras como hiper-ativas, gradualmente e exemplificando os
agressivas, indisciplinadas e com baixo nível movimentos de cada peça e seus "valores"
cognitivo. relativos em cada contexto específico. O
O trabalho com o xadrez surgiu a primeiro passo foi explicar para as crianças
partir do interesse demonstrado pelas próprias que o tabuleiro de xadrez oficial é composto
crianças. Em um dos nossos encontros, elas por 32 peças, sendo que um jogador possui
estavam na biblioteca e observaram vários 16 peças na cor branca e o outro, 16 peças na
jogos, dentre eles o de xadrez. Elas ficaram cor preta; o tabuleiro possui 64 casas, sendo
encantadas, pois quase todas - com uma única 32 de cor branca e 32 de cor preta; cada peça
exceção - nunca tinham visto um tabuleiro tem posicionamentos e movimentos
de xadrez e ficaram curiosas para saber o que diferenciados. De forma a definir
era aquele jogo e como se jogava. Iniciamos inequivocamente cada jogada, usa-se uma
o trabalho contando a origem e a história do nomenclatura para nomear cada uma das 64
xadrez e das peças; apresentamos os grandes casas do tabuleiro: as oito colunas verticais,
enxadristas, a "viagem do xadrez pelo a partir da esquerda do jogador que está com
mundo" e a maneira como o xadrez tornou- as peças brancas, são nomeadas com as letras
se um esporte da mente. Surpreendentemente, de a até h; as oito linhas ou fileiras horizontais,
desde o começo, as próprias crianças a partir das peças brancas, são nomeadas com
cobravam umas das outras silêncio e atenção os números de 1até 8. Assim sendo, o tabuleiro
para poderem ouvir as histórias tanto do toma-se uma tabela ou matriz 8 por 8. Devido
xadrez quanto das peças que o compõem. Elas às dificuldades existentes no uso desta convenção
se entusiasmavam quando escutavam estas e a pouca idade das crianças, não trabalhamos
histórias. Sempre que o momento era de forma intensiva com esta nomenclatura.
propício, aproveitava-se para explorar várias Iniciamos nosso trabalho orientando as crianças
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o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

quanto ao posicionamento das peças: os oito sólida O movimento da rainha emjogos anteriores.
peões devem ficar à frente das demais peças, as Apenas quando elasjá possuíam um bom
torres devem posicionar-se nos vértices do domínio do tabuleiro foi que introduzimos o
tabuleiro, os cavalos ficam ao lado das torres cavalo no jogo, isto porque o cavalo possui
e os bispos ficam ao lado dos cavalos; a rainha movimentos mais complexos que as demais
branca deve ficar na casa de cor branca ao peças: é a única peça do jogo que pode saltar
lado de um dos bispos, e a rainha preta deve por cima das outras peças, e ele anda em forma
ficar na casa de cor preta também ao lado de de "L" em todas as direções ("percorrendo" três
um bispo de sua equipe; a última casa, ao lado casas). Ao apresentar o cavalo, inicialmente
da rainha, pertence ao rei. retiramos todas as demais peças do tabuleiro,
Após a compreensão do com exceção dos peões, e nessa combinação
posicionamento inicial das peças, começamos realizamos várias partidas com o grupo. Quando
o trabalho de ensinar os movimentos e a forma as crianças dominaram o movimento do cavalo,
de capturar as peças adversárias. O primeiro foi que aos poucos fomos incluindo as demais
/
passo foi treinar as crianças no jogo com os peças até a formação do tabuleiro com sua
peões, num jogo conhecido como "mata- composição completa.
mata" ou "come-come" (a chamada "guerra Para manter as crianças estimuladas, nas
de soldados"). Após o domínio do movimento partidas iniciais deixávamos que elas vencessem:
dos peões, acrescentamos as torres, cujo o objetivo era fazê-Ias perceber que eram
movimento e captura das peças adversárias capazes de aprender esse jogo que tanto as
ocorrem em linha reta - coluna ou fileira - fascinava, pois muitas delas pensavam que não
desde que as casas à sua frente estejam livres. seriam capazes de aprender, já que não se
As crianças não tiveram dificuldade com achavam inteligentes o bastante para isso.
relação a esta peça. O passo seguinte foi Notamos que a auto-estima de todas as crianças
aprender a jogar com os bispos, cujo foi melhorando a cada novo encontro com o
movimento ocorre em diagonal. Neste caso, xadrez. Para que elas não ficassem cansadas,
novamente o tabuleiro foi somente montado fizemos variações tanto no que se refere ao jogo
com os peões e os bispos e, para não confundir de xadrez quanto na introdução de outras
o aprendizado do grupo, as torres foram atividades: histórias sobre o xadrez ou sobre
retiradas. Algumas crianças tiveram de fazer enxadristas, trabalhos de leitura e escrita, caça
um número maior de jogos nesta composição, palavras, jogo dos sete erros, charadas, desenho,
pois demoraram a compreender o que era uma pintura, estudo do mapa mundi e atividades de
diagonal. matemática, dentre outras.
Em seguida, retiramos os bispos do À medida que as crianças se
tabuleiro e em seu lugar entrou a rainha, cujos apropriavam do jogo, diferentes temas foram
movimentos possíveis são iguais à soma dos surgindo: questões sobre preconceitos de
movimentos dos bispos com os movimentos classe, gênero e raça - uma única criança era
das torres. Neste caso, também repetimos menina e outras duas eram negras; a questão
inúmeras partidas para igualmente fixar os religiosa - desencadeada pela peça do bispo;
movimentos da rainha pelo grupo. Após a a questão de cidadania, da ajuda ao próximo
compreensão dos movimentos da rainha, o rei e do respeito mútuo; a questão do espírito de
foi introduzido na partida e novamente equipe e de esportista competidor no sentido
jogamos com peões e rei, cujo movimento é de saber reconhecer a vitória do colega; a
semelhante ao da rainha, porém de forma questão da agressividade; a questão sobre o
reduzida, ou seja, ele anda somente uma casa vocabulário mais adequado a ser utilizado
por vez, mas em todas as direções. Neste caso, durante uma partida. Uma das mais relevantes
as crianças não apresentaram qualquer foi o debate sobre se o xadrez era jogo só para
problema, pois já haviam aprendido de forma meninos ou se meninas também poderiam jogá-
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48,jan./jun. 2006
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Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto P/aza Teixeira

10: após a resistência inicial da ampla maioria próprios e diferentes. Com isso, a aprendizagem
masculina, as crianças acabaram concordando é lenta, pois é preciso dominar os movimentos
que todos, independentemente do gênero, simples para aos poucos se apropriar dos
poderiam jogar bem o xadrez, até porque movimentos mais complexos, e o aprendiz
justamente a própria instrutora, que estava necessita ser perseverante para não desistir de
ensinando ojogo de xadrez, era uma mulher. jogar logo na primeira dificuldade que encontrar.
Cada pessoa desenvolve sua própria maneira de
CONCLUSÕES apropriar-se do tabuleiro e de suas peças. A
autoconfiança amplia-se à medida que o sujeito
No que se refere à utilização do jogo desmistifica seus temores e, novamente, a forma
de xadrez na prática educativa, alguns de trabalho do instrutor é crucial para um bom
aspectos importantes merecem destaque, resultado.
sobretudo quanto aos problemas para sua Durante o período em que realizamos
implementação. Em nossas conversas com este trabalho, nos chamou a atenção o total
diferentes pessoas, notamos que muitas delas desconhecimento do jogo de xadrez por boa
têm medo do xadrez e se julgam incapazes parte das pessoas que nos cercam,
de aprender a jogá-lo, num processo de real independentemente da idade. Notamos
auto-exclusão. Esta é sem dúvida uma das também que muitos professores
grandes limitações da aplicabilidade do jogo principalmente do sexo feminino - não sabem
de xadrez, pois como esse pensamento é jogar xadrez, e devido a esse
muito recorrente e está enraizado na mente desconhecimento não conseguem obviamente
da maioria da população, é preciso ensiná-lo aos seus alunos. Assim sendo, é
desmistificar essa crença, o que não é fácil. importante que os cursos de pedagogia
Um outro problema é a resistência de alguns dediquem um espaço para a aprendizagem do
pais de alunos, que desconsideram a prática xadrez e de seu potencial didático.
do xadrez e de qualquer jogo em sala de aula, Segundo uma das crianças
por não conseguirem ver o seu lado educativo, componentes do grupo, seu pai conhecia e
boicotando a participação dos filhos nessa sabia jogar xadrez, mas não se preocupou em
atividade. ensiná-lo, pois ele só foi capaz de jogar com
É importante que o profissional que o próprio filho a partir do momento em que o
deseja trabalhar com o xadrez seja paciente, garoto passou a jogá-lo na escola. Seu pai
colocando-se no lugar do aprendiz que tem tinha dificuldade em ver os aspectos
medo por acreditar não ser inteligente o educativos do jogo e sua visão do xadrez era
bastante para jogá-lo, e principalmente somente recreativa. Este é um bom exemplo
utilizando-se de uma didática ampla e de como o xadrez pode proporcionar maior
cuidadosa, a fim de mostrar que qualquer um proximidade entre as pessoas. Devido às
é capaz de aprender desde que tenha força de crescentes preocupações com o trabalho,
vontade e dedicação. A metodologia por nós muitas vezes pais e filhos não encontram
aplicada foi lenta e gradual, porém muito tempo para se falare se conhecer melhor, e o
eficaz, pois respeitávamos as dificuldades de uso do xadrez pode ser um bom pretexto para
cada participante e os desafiávamos a cada melhorar as relações entre os familiares e amigos.
momento, a fim de mantê-Ios sempre O MEC sugere, a partir da 5a série do
estimulados e, para tanto, a curiosidade do ensino fundamental, o uso do xadrez pelo
aprendiz necessitava estar em alta e a condução professor de matemática em atividades
do trabalho realizado foi fundamental para isto. extrac1asse com objetivos matemáticos.
Outro problema do uso do xadrez é a Acreditamos que o xadrez é uma excelente
grande complexidade do jogo em si, já que ferramenta pedagógica para qualquer professor
cada uma das peças possui movimentos ou professora em todas as áreas do saber -
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inclusive pelo(a) professor( a) de alfabetização de inicialmente os perdedores recusavam-se a


crianças (antes da 5" série, portanto) - e que ele cumpri-lo, mas aos poucos perceberam que
pode ser utilizado de forma orgânica em sala de perder ou ganhar dependeria apenas deles
aula e não apenas como atividade extraclasse. mesmos e que um bom jogador é possuidor de
O uso do xadrez na educação deve ser grandes gestos e atos, ou seja, perder uma
implementado de forma cuidadosa, já que partida é possível e é parte da vida, mas com
passa por várias áreas do conhecimento e deve classe e elegância, até para poder convidar o
ser encarado como "jogo ciência", no sentido adversário a fazer uma nova partida como
de capacitar a criança e o jovem desde o início revanche. Este foi sem dúvida um grande
da sua formação motora e cognitiva, aprendizado para as crianças.
ampliando seu potencial intelectual e Geralmente o xadrez é associado ao
atitudinal. ensino de matemática devido ao fato de serem
O trabalho de Jean Piaget (1978) em ressaltadas duas das suas características:
muitos momentos faz referência a respeito da desenvolver o raciocínio lógico e a
introdução de jogos com fins pedagógicos e capacidade de organização espacial - o
como importante atividade facilitadora da primeiro caso relaciona-se ao campo da
introdução de regras sociais que viabilizam o lógica, e por tabela, da aritmética, e o segundo
convívio em grupo e o espírito esportivo. O caso relaciona-se à geometria. Todavia, é
jogo se relaciona à possibilidade de ganhar e fundamental lembrar que não são somente
de perder de forma legitimada e regulamentada estes dois os objetivos do trabalho com o
por códigos transcritos de geração em geração xadrez em sala de aula, como pudemos
ou por acordos momentâneos. Portanto, as observar nesta experiência: o raciocínio não
suas regras assumidas e compreendidas por se expressa somente na matemática. Por
todos os jogadores favorecem a socialização exemplo, o jogo no nosso caso foi utilizado
e a preparação para a aquisição das atividades como objeto intermediário para a apropriação
intelectuais por parte do cidadão em formação. da leitura e da escrita e do raciocínio no uso
Para Winnicott (1975), brincar é uma atividade das letras ao compor as palavras, tomando a
excitante, já que consome espaço e tempo; criança autora de sua própria história.
nesse sentido, brincar é fazer. O brincar é Nesta experiência, pode-se afirmar
intermediário entre o interno - não é a que o xadrez muito influenciou no
realidade psíquica interna, não é alucinação - comportamento geral do grupo. No início do
e o externo - que não se restringe ao objetivo, trabalho, as crianças mostravam-se muito
mas se acha a serviço do sonho, revestido de inseguras, brigavam constantemente e
sentimentos e significações. Com o mesmo desrespeitavam-se. Percebemos que, com a
sentido, Alicia Fernandez (1990) afirma que utilização do xadrez, os comportamentos
para aprender precisamos jogar com as agressivos foram aos poucos sendo
informações, num processo de substituídos pelo companheirismo e pela
reconhecimento do eu e do não-eu. colaboração entre eles em todos os seus
O xadrez proporcionou às crianças com aspectos. Tomaram-se mais pacientes uns com
as quais trabalhamos grande responsabilidade, os outros, passaram a ajudar os colegas com
humildade, respeito e companheirismo: antes de dificuldades de leitura e escrita, oferecendo
iniciar cada partida, as regras eram bem sugestões de como escrever e ler determinadas
esclarecidas e definidas e, como um bom palavras. À medida que o xadrez foi ganhando
enxadrista, ao final de uma partida o jogador corpo entre as crianças, a auto-estima do grupo
perde dor deveria como regra cumprimentar o teve um grande salto e as crianças melhoraram
adversário vencedor, em sinal de respeito à significativamente em todos os aspectos, tanto
sabedoria do outro que naquele momento o nos comportamentais quanto nos cognitivos.
superou. Esse gesto foi fundamental a este grupo: Passaram a confiar mais em si mesmas e o medo
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o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira

de errar foi aos poucos sendo superado. SANTOS, D. F. Xadrez na educação escolar:
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divinafs@bol.com.br

LOPES, M. G.. Jogos na educação: cnar, Maria Anita Viviani Martins:


vivimart@uol.com.br
fazer, jogar. São Paulo: Cortez, 2000.
Ricardo Roberto Plaza Teixeira:
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Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48, jan.jjun. 2006


UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Diamantino Fernandes Trindade


Professor de História da Ciência e Divulgação Científica do CEFET-SP
Doutorando em Educação pela PUC-SP

Lais dos Santos Pinto Trindade


Professora de Metodologia do Ensino de Ciências e Psicologia da Aprendizagem do ISE de Boituva
Doutoranda em História da Ciência pela PUC-SP

L-

o objetivo deste trabalho é mostrar o processo histórico do ensino no Brasil e seus problemas
desde o processo de colonização, que visava ao enriquecimento da Metrópole, passando pelas
reformas educacionais, sempre de caráter político que atendiam às necessidades das elites,
até os dias de hoje com a LDB 9.394/96 que pretende, pelo menos em sua essência, ser mais
democrática.

Palavras-chave: Educação; reformas educacionais.

The objective of this work is to show the historical process of education in Brazil and its
problems since the colonization process, that aimed at the enrichment of the Metropolis,
passing for the educational reforms, always of politician character that accommodated the
necessities of the elites, until the present with LDB 9,394/96 that it intends, at least in its
essence, more democratic being.

Key-words: Education; educational reforms.

em Portugal, o ensino ficou a cargo dos


o ENSINO NO BRASIL COLONIAL
jesuítas, o que desobrigou a Coroa de custeá-
10 (Pinto, 2002).
É bastante difícil compreender os
Quando aqui chegaram (1549),
problemas educacionais do Brasil de hoje
fundaram em São Vicente um seminário que
desconhecendo-se o contexto no qual foi
se tomou o modelo para ensino médio por
tecido o sistema escolar desde sua
mais de 200 anos. Embora tivesse como
implantação, que remonta ao período da
pressuposto a formação de sacerdotes,
colonização.
apresentava-se como a única opção para a
Estruturada para atender as
formação da elite local, preparando-a para o
necessidades de enriquecimento da
ingresso nas universidades européias.
Metrópole, a economia na colônia, até o
Observa-se, então, que o ensino médio, desde
século XVII, assentou-se inicialmente no
sua implantação, apresenta uma configuração
extrativismo do pau-brasil e depois, em
elitista e propedêutica cuja metodologia ainda
função de garantir a posse da nova terra, no
valoriza a disciplina e a memorização e o
plantio da cana-de-açúcar. Modificou-se o
estudo das humanidades em detrimento das
enfoque da colonização pela ocupação, para
ciências experimentais. No entanto, havia
o do povoamento e cultivo da terra. Com isso,
outro grupo a ser atendido: o constituído pelos
aportaram no Brasil membros da pequena
nativos, negros e colonos pobres.
nobreza portuguesa que se dispuseram a levar
Assim, o primeiro programa
avante tal empresa. Daí, a necessidade da
educacional, implantado pelo padre Manuel
criação de escolas. Para tanto, como já ocorria
da Nóbrega, além catequizar e instruir os
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 49-58, jan.jjun. 2006 49
Uma análise histórica da educação brasileira
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indígenas, conforme determinavam os de recursos e o pequeno número de


Regimentos'; atendia também aos filhos professores disponíveis, que, formados pelo
homens dos colonos, uma vez que os jesuítas antigo método jesuítico, continuaram
eram os únicos educadores profissionais e a reproduzindo o ensino nos mesmos moldes.
educação feminina restringia-se a boas Mal-remunerados e vitalícios nos cargos,
maneiras e prendas domésticas. O mérito freqüentemente sublocavam seu direito de
deste plano era o de ter sido elaborado de lecionar (Pinto, 2002). Na prática, a elite
forma diversificada para atender à diversidade colonial (masculina) continuou a freqüentar
aqui encontrada, mas a partir de 1599, com a os mesmos seminários, que passaram a ser
publicação da Ratio Studiorum', o ensino dirigidos por outras ordens religiosas.
jesuítico optou definitivamente pela formação Até o início do século XIX o ensino
da elite colonial. Seguindo os padrões fundamental, destinado às camadas populares,
vigentes em Portugal, tal sistema adaptou-se foi tratado com descaso pela administração
perfeitamente às necessidades da política colonial. Só com a vinda Família Real é que
colonial e, ao privilegiar o trabalho intelectual, foram abertas duas escolas primárias públicas
acabou por afastar os estudantes da realidade no Rio de Janeiro para atender a uma
imediata e evidenciou as desigualdades população de 45.000 pessoas, acrescidas das
SOCIaiS. 15.000 que vieram com a Corte. De qualquer
No período que permaneceu aqui no forma, mais para atender aos interesses da
Brasil - mais de 200 anos - a Companhia de Coroa portuguesa do que os da elite foram
Jesus promoveu e sofreu modificações, instaladas as primeiras escolas superiores no
entretanto, sempre permaneceu fiel àquela Brasil. Entre elas, a Academia Real de
educação humanista, tão cara aos Marinha (1808) e a Academia Real Militar
portugueses e ao espírito escol ástico, (1810), hoje Escola de Engenharia da
impermeável à pesquisa e experimentação Universidade Federal do Rio de Janeiro.
científica, (Cardoso et aI., 1985, p.15). E foi Foram também criados os cursos de cirurgia,
justamente este conservadorismo que anatomia, para formar médicos e cirurgiões
manteve o ensino, tanto na Metrópole como para o Exército e a Marinha, e os cursos
na Colônia, nos moldes medievais e com o técnicos de agricultura, química, desenho e
objetivo de formar indivíduos para a Igreja, o economia. É importante frisar que eram
precursor de um movimento de renovação que cursos isolados e não tinham o caráter de uma
culminou com as reformas concretizadas pelo organização universitária, e os níveis
marquês de Pombal e resultou na expulsão escolares anteriores não sofreram qualquer
dos jesuítas, em 1759. Para substituir este modificação significativa: a escola primária,
sistema, foram introduzi das as aulas régias', destinada às classes dominadas, uma vez que
interrompendo um processo educativo os mais abastados estudavam com
arcaico, mas uniforme em sua estrutura. A preceptores, caracterizava-se pelo ensino das
organização monolitica de ensino dosjesuítas primeiras letras; a secundária, sem qualquer
não foi substituída por uma nova forma preocupação forrnativa, tinha objetivos
organizada de ensino que garantisse todas nitidamente propedêuticos e destinava-se às
as etapas do processo de escolarização. classes dominantes. Esta organização refletia
(Feldman. 1983, p.24). Sob o ponto de vista a estrutura da sociedade brasileira, e deste
pedagógico, foi um retrocesso, embora modo, pautada por objetivos diferentes,
trouxesse algumas modificações importantes métodos pedagógicos diferentes,
introduzindo as ciências experimentais e o contribuindo para a sua caracterização como
ensino profissional no seu currículo. tipos de ensino ligados a determinada classe
O maior problema encontrado na social e não graus subseqüentes de um
consolidação deste novo sistema foi a falta processo de escolarização (Feldman. 1983,
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p.27). Estas escolas continuaram existindo


Foi neste cenário que se estruturou o em pequeno número. Não havia pessoal
ensino no período imperial. preparado para o magistério, e a falta de
amparo a estes profissionais era total (Ribeiro,
2003). Em 1834, o Ato Adicional à
o ENSINO NO PERÍODO IMPERIAL Constituição do Império atribuiu às
províncias a responsabilidade da educação
Em que pesem todas as modificações pública. Essa descentralização, naquele
políticas originadas pela vinda da Família momento histórico, teve como conseqüência
Real, a sociedade ainda se organizava em condenar as províncias mais afastadas da
função de uma economia agro-rural, cujas capital do Império a uma situação de
atividades produtivas eram garantidas pelo abandono educacional, piorando uma
trabalho escravo, o que legou ao ensino situação que já era ruim (Tobias, s.d. p. 204-
técnico o caráter de escola de categoria 206).
inferior. Portanto, não foi levada a efeito uma
Com a Independência, em 1822, distribuição de escolas pelo território
/ embora fossem os mesmos grupos sociais que nacional, portanto a exclusão ocorria desde o
continuavam dominando o país, observa-se, início da escolarização. Ao omitir-se da
pelo menos no discurso, a intenção de se organização das etapas iniciais, o império
modernizar a educação. Contudo, o ensino no colaborou para o fracasso do ensino superior.
período imperial permaneceu divido nos três A razão fundamental para o insucesso de toda
níveis: primário, secundário e superior. O e qualquer inovação sempre foi a manutenção
primário mantinha a condição de escola de dos interesses da classe dominante, avessa, é
primeiras letras. Este nível de ensino passou claro, às transformações sociais e
a ter maior destaque em função do número especificamente às educacionais. E, nesse
crescente de pessoas que passaram a perceber sentido, o ensino manteve-se como fiel
que, além do preparo para o secundário, ele guardião dos interesses dos grupos
poderia também ser importante para o dominantes. Por isso, a exigência não recaía
ingresso em cargos burocráticos de menor sobre uma formação de qualidade, mas sim
importância. O ensino secundário, com que fosse o mais breve possível para habilitar
poucas alterações, continuou com a função de os jovens para os exames preparatórios das
preparar a elite local para o acesso aos níveis faculdades.
superiores, que passaram a atender os anseios Na tentativa de se modificar o padrão
dos grupos dominantes com a criação dos de ensino vigente, foi criada, no capital do
cursos de direito em São Paulo e Olinda. Império, em 1837, uma escola oficial que
Em 1827 D. Pedro I sancionou uma lei deveria atender a uma nova proposta: o
que criava as escolas de "primeiras letras", as Colégio D. Pedro lI, exclusivo para rapazes e
chamadas pedagogias, único nível ao qual as considerado padrão em excelência, manteve-
meninas tinham acesso, em todas as cidades se, entretanto, nos antigos moldes de ensino
mais populosas do Império. Determinava, propedêutico. Um ano depois, Nísia Floresta
também, os limites da educação feminina que fundou, na mesma cidade, o Colégio Augusto,
deveria se restringir a escrever, contar, bordar que causou polêmicas, ao instituir uma
e costurar. Cabe lembrar que esta foi a única educação feminina completamente inusitada
lei geral federal relativa ao ensino elementar para a época. (Filgueiras, 2004, p. 2).
até 1946. Às crianças negras, indígenas e Funcionou por 17 anos, ensinando francês,
mestiças eram negadas quaisquer formas de inglês, italiano, geografia, história e educação
escolarização, e sua presença não era física. Por se insubordinar contra a
permitida nas escolas públicas. mentalidade hegemônica da época, ao manter
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uma escola que se preocupava mais com a a libertação dos escravos. Contudo, a
instrução do que com o bordado e a costura, Constituição de 1891 efetivou a
foi duramente atacada por seus descentralização do ensino proposta pelo Ato
contemporâneos. Naquele tempo só existia Adicional de 1834, reforçando a distância
um colégio particular para moças, dirigido entre a educação para a classe dominante,
pela professora inglesa Mrs. Hitchings, que concretizada nos níveis secundário e superior,
ensinava ciências naturais. A educação e para o povo, restrita à educação primária e
feminina deveria ser feita por professoras profissional. Neste contexto, foi adiada, mais
mulheres e, para atender a tal necessidade, uma vez, a criação de uma universidade
foram abertas nessa época, para ambos os brasileira, sob a influência do positivismo que
sexos, as escolas normais secundárias para a também orientou a organização escolar.
formação de docentes. O interessante é que A Reforma Benjamin Constant,
estas escolas passaram a receber um número seguindo a orientação expressa na
cada vez maior de mulheres, numa época em Constituição, visava à liberdade de ensino, sua
que o ensino superior era proibido para elas: laicidade e gratuidade, bem como a co-
a primeira brasileira médica formou-se no educação de gênero. A escola primária
New York Medical College e, curiosamente, organizou-se em duas categorias: a de
sob o patrocínio do próprio imperador. primeiro grau, para crianças de 7 a 13 anos, e
Nota-se que no final do século havia de segundo grau, para as de 13 a 15 anos.
uma tendência para se incrementar a educação Uma das intenções da reforma era possibilitar
feminina, especialmente no que se referia à que todos os níveis de ensino se ocupassem
formação das professoras. Este processo não da formação, e não apenas de preparação dos
aconteceu sem resistências. Para alguns alunos. A outra era estruturar a formação
parecia uma completa insensatez entregar às científica substituindo a tradição humanista
mulheres usualmente despreparadas, clássica que vigorava no país há mais de 300
portadoras de cérebros "pouco anos. Nos moldes positivistas, foram
desenvolvidos" pelo seu "desuso a educação introduzi das matemática, física, astronomia,
das crianças". (Louro. 2004, p. 450). Para biologia, química e sociologia. Nada disso se
outros, as mulheres seriam naturalmente efetivou e o que ocorreu foi apenas um
moldadas para o ensino infantil, que seria uma acréscimo das matérias científicas às
extensão da maternidade. Assim, tradicionais sem se conseguir implantar um
a docência não subverteria a função feminina ensino secundário adequado.
fundamental, ao contrário, poderia ampliá-Ia Também teve início neste período a
ou sublimá-Ia. Para tanto seria importante que
implantação das escolas primárias estaduais.
o magistério fosse também representado como
uma atividade de amor, de entrega e doação. Em São Paulo muitas escolas primárias foram
A ele acorreriam aquelas que tivessem abertas, e mereceu cuidados especiais a
"vocação" (Louro. op.cit.) formação dos futuros docentes que contavam
com escolas-modelos para sua futura prática,
em que havia a possibilidade de se
o ENSINO NOS PRIMEIROS ANOS DA experimentar novas técnicas e métodos de
REPÚBLICA ensino. No entanto, não havia escolas que
formassem professores para o ensino
Os últimos anos do regime imperial secundário. Os outros estados, pobres em sua
foram marcados por uma significativa maioria, não conseguiram desenvolver
modificação da paisagem social brasileira: o qualquer sistema em educação.
crescimento da classe média e sua A Reforma Benj amin Constant
participação na vida pública, a urbanização e ignorou o tema universidade. A primeira
universidade brasileira foi criada no Paraná,
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p,49-58, jan,fjun. 2006
Uma análise histórica da educação brasileira
Diamantino Fernandes Trindade/Lais dos Santos Pires Trindade

em 1912, por iniciativa e esforços de alguns o ENSINO NO PERÍODO DE 1930 A 1960


educadores e políticos locais. No entanto, o
projeto não foi bem-sucedido e a universidade
A revolução de 1930 provocou um
encerrou suas atividades três anos mais tarde.
rearranjo nos blocos do poder e refletiu a crise
Um decreto de 7/9/1920, do presidente
em que mergulhara o modelo agro-exportador.
Epitácio Pessoa, criou a Universidade do Rio
Pela primeira vez, nos 400 anos de sua
de Janeiro, organizada pela reunião dos
história, o Brasil passou a contar com o
cursos superiores existentes na cidade, a Ministério da Educação e Saúde Pública, que
saber: Escola Politécnica, Faculdade de elaborou mais urna reforma educacional, sem
Medicina e Faculdade de Direito (Nathanael, entretanto modificar substancialmente o curso
1977, p. 21). Em 1935; se transformou na primário, estruturou o secundário e as
Universidade do Brasil, que antecedeu a condições para o ingresso neste nível de
Universidade Federal do Rio de Janeiro. ensino, com a criação dos exames de
Até 1920, 75% (Brasil. 1936, p. 43) admissão. Significativamente, estes exames
da população brasileira era analfabeta e havia exigiam conhecimentos que não eram
um número reduzido de escolas secundárias fornecidos pela escola primaria, contribuindo,
e, em sua maioria particulares, que supriam ao mesmo tempo, para resguardar a função
os anseios da elite. Com isso, podemos seletiva desenvolvida pelo ensino secundário
afirmar que até 1930, o nosso sistema e reforçar o reconhecimento da inutilidade da
educacional continuava em grande parte sob escola primária.
a inspiração jesuitica de conteúdo Conhecida como a Reforma de
intelectualista, sem ligação com o trabalho, Francisco Campos, então ministro da
refletindo sobretudo uma cultura importada Educação, continuou marginalizando o ensino
de modelos epadrões estrangeiros e servindo primário e desatendendo à formação de
quase que exclusivamente aos interesses da professores, mas instituiu para o secundário
classe dominante (Feldman. 1983). as disciplinas anuais com freqüência
Estes primeiros anos da República obrigatória. Com duração de oito anos,
foram marcados por intensas mudanças dividia-se em um curso fundamental de seis
sociais corno reflexo da chegada dos grupos anos e outro complementar com dois anos de
de imigrantes, a quebra da Bolsa de N ew York, duração.
a industrialização e o decorrente aumento da Em 1932 um grupo de educadores
urbanização do país, que criou urna nova dirigiu à nação o Manifesto dos Pioneiros, um
classe dominante, agora constituída por uma documento com inovações pedagógicas cujo
burguesia industrial, de origem estrangeira. objetivo era o de renovar o sistema
A par disso, surgiu também urna classe educacional brasileiro. Almejava a escola
operária que se organizou em torno de ideais como um serviço essencialmente público,
políticos, corno o socialismo e o anarquismo, laico" e gratuito, que garantisse a educação
que não só reivindicou educação para suas comum para todos. Colocava homens e
crianças, como a efetivou através da mulheres corno iguais frente às possibilidades
construção de escolas. Essas iniciativas de aprendizagem e às oportunidades sociais,
ocorreram principalmente entre os anarquistas abolindo, assim, os privilégios de gênero e
que enfatizavam as questões relativas à classe. No seu texto, encontramos que a escola
educação feminina (. ..) como arma novas optara por servir não aos interesses de
privilegiada de libertação para a mulher classes, mas aos interesses do individuo, e
(Louro. 2004, p.446). Deixou de ser, pois, que se funda sobre o principio da vinculação
da escola com o meio social (EducaBrasil.
urna questão de gabinete para receber atenção
2004). Claro que foi urna visão bastante
maior da população.
romântica, novamente um produto de

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.49-58, jan'/jun. 2006


Uma análise histórica da educação brasileira
Diamantino Femandes TrindadejLais dos Santos Pires Trindade

transplante cultural e de uma concepção primeira reforma que trata da articulação entre
ingênua da realidade. Como sabemos, não se o ensino primário e o secundário, em 1942,
efetivou, no entanto, teve o mérito de trazer a porém com uma abordagem muito aquém das
primeira proposta concreta no sentido da expectativas, foi a Reforma Gustavo
integração dos diferentes níveis de ensino e Capanema, ministro da Educação na época.
influenciar, de maneira marcante, o capítulo Restringia-se à proposta de que para o
da educação na Constituição de 1934. Esta ingresso no ensino secundário, o aluno
Carta, apesar de ainda atender aos católicos precisava de uma satisfatória educação
conservadores, que se opunham à política de primária, ainda que não exigisse a necessidade
laicização da escola pública, com a introdução de um curso primário regular para o ingresso.
do ensino católico, incorporou a gratuidade Manteve o ensino secundário com dois ciclos:
do ensino, reconheceu a educação como um o ginasial de 4 anos e o colegial de 3 anos,
direito de todos e estabeleceu a universalidade com as opções entre o curso clássico e o
do ensino primário. científico, formato que permaneceu quase que
Na década de 1920, São Paulo já inalterado até 1971, não passando de um
reivindicava a criação de uma universidade transplante da ideologia nazifascista
que fosse um centro de produção científica, (Ribeiro. 2003, p.131) para o ensino
cultural e artística. Em 1934, um decreto do brasileiro. Apesar de o Estado continuar
governador Armando de Salles Oliveira criou a desobrigado da manutenção e expansão do
Universidade de São Paulo com a integração da ensino público, decretava as reformas do
recém-estruturada Faculdade de Filosofia, ensino industrial e comercial. Criou ainda o
Ciências e Letras, à Faculdade de Direito (que Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
antes era federal), à Escola Politécnica, à (Senai), sob o controle dos empresários. A
Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, às seguir, em 1946, foi promulgada a lei orgânica
Faculdades de Medicina, Farmácia e dos ensinos primário, normal e agrícola e foi
Odontologia, Medicina Veterinária e ao implantado o Serviço Nacional de
Instituto de Educação Caetano de Campos. Aprendizagem Comercial (Senac).
Este fato não se constituiu apenas num Transcorridos 119 anos, em janeiro de
processo burocrático de reunião de faculdades 1946 foi assinada a segunda Lei Orgânica do
isoladas, mas, sim, numa revolução no ensino Ensino Primário, que estabelecia a alçada da
com a possibilidade de formação de União, dos estados e dos municípios; as
professores universitários que pudessem se normas para a atribuição de cargos no
dedicar integralmente ao magistério. Até magistério, bem como a remuneração e
então, esses profissionais exerciam outras formação dos professores. O ensino primário
atividades de suas áreas e trabalhavam passou para quatro anos, com uma quinta
algumas horas semanais nas faculdades. A série, agora de caráter complementar.
USP contratou alguns professores europeus Novamente as medidas foram insuficientes
que trouxeram novas idéias e concepções para mudar a realidade do ensino primário: a
sobre o ensino. Porém esse processo de demanda continuou maior que a oferta e a
transposição não respeitava as quantidade de professores leigos continuou
particularidades do ensino e dos alunos praticamente inalterada, chegando a aumentar
brasileiros. em 1957.
Com a Constituição Federal de 1937, Como exigência da Constituição de
implantou-se um sistema dual. Permanecia 1946, em outubro de 1948 foi encaminhado à
não só o ensino propedêutico, o único que Câmara Federal o projeto da Lei de Diretrizes
possibilitava o acesso ao ensino superior, e Bases da Educação Nacional, que só seria
sendo marcado pelas mesmas características, aprovado em 1961, em função dos amplos
mas também foi criado o profissionalizante, debates que desencadearam, em especial pelos
que se destinava às classes operárias. A defensores do ensino particular, representados

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pela escola católica que defendia seus interesses 4.024/61, tendeu, no seu texto, a apoiar a
sob o ponto de vista pedagógico e jurídico. vertente religiosa e, quanto à estrutura do
No aspecto pedagógico, a Igreja ensino, manteve o que já existia, ou seja, o
Católica acusa a escola pública de ter ensino primário de pelo menos quatro anos;
condições de desenvolver somente a o ginasial também com quatro anos,
inteligência e, enquanto tal, instrui mas não subdividido em comercial, industrial, agrícola
educa. Ela não tem uma "filosofia integral e normal (formação de professores); o ensino
de vida" (Ribeiro. 2003, p.166). Portanto, colegial com três anos, subdividido em
apenas ela seria capaz de desenvolver a comercial, industrial, agrícola e normal
inteligência e formar o caráter, ou seja, educar. (especialização) e o superior.
Em sua defesa chegou ao extremo de
relacionar o aumento da criminalidade com o
aumento do número de escolas públicas. o ENSINO DURANTE O REGIME
Contudo, o próprio Manifesto dos Pioneiros MILITAR
da Educação Nova já apontava suas
preocupações formativas ao afirmar que: o clima de terror instalado no país nos
O fisico e o químico não terão necessidade
dias que se seguiram ao golpe militar de 1964
de saber o que está a se passar além da janela
do seu laboratório. Mas, o educador, como o logo atingiu a educação. Universidades foram
sociólogo, tem necessidade de uma cultura invadidas, alunos e professores, presos,
múltipla e bem diversa; as alturas e as inviabilizando qualquer processo de reforma
profundidades da vida humana e da vida universitária. Também foram extintos ou
social não devem estender-se além do seu raio
paralisados programas e núcleos de educação
visual. Ele deve ter o conhecimento dos
homens e da sociedade em cada uma de suas popular, especialmente aqueles orientados
fases, para perceber, além do aparente e do para a alfabetização de jovens e adultos.
efêmero, o "jogo poderoso das grandes leis Muitos de seus membros foram considerados
que dominam a evolução social" e a posição subversivos.
que tem a escola e a função que representa,
Paralelamente, o governo deveria
na diversidade e pluralidade das forças
sociais qu~ cooperam na obra da civilização tomar algumas iniciativas para ordenar as
(Azevedo. s/d, p. 60). atividades educativas segundo seus
No aspecto jurídico, defendia que a princípios. Foi criado, em 1967, o Mobral
família seria anterior ao Estado, cabendo a (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e a
ela orientar a educação física, intelectual, educação foi atrelada ao mercado de trabalho,
moral e religiosa de seus filhos. Os incentivando a profissionalização na escola
escolanovistas, no entanto, argumentavam média, a fim de conter as aspirações ao
que a formação do indivíduo não era de ensino superior (Libâneo et. al. 2003, p.144)
competência do Estado ou da família, que cujo número de vagas era extremamente
deveriam promover condições para que o reduzido. A Lei 5.692/71 ampliou a
indivíduo adquirisse autonomia para escolaridade básica para oito anos, fundindo
direcionar sua formação. o ensino primário com o ginasial, e tomou
Conforme Fernandes (1966), as profissionalizante, obrigatoriamente, o ensino
escolas religiosas abrigavam as classes sociais secundário, agora denominado de segundo
mais privilegiadas, contribuindo para a grau. Contudo, esta lei feria os interesses da
manutenção dos seus interesses. Com a elite, que não tinha qualquer interesse na
República, através da escola pública houve profissionalização de seus filhos; não teve,
uma democratização do ensino, o que portanto, o apoio dos industriais, a quem tinha
justificaria plenamente a defesa deste tipo de a intenção de beneficiar. Assim sendo, nove
escola. anos depois foi revogada, e o problema da
A LDB, aprovada como lei de número escolarização superior resolvido, da pior forma
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possível, com o a expansão significativa das iniciativa velava os interesses neoliberais de


faculdades particulares. Analisando-a, verifica- reduzir os gastos sociais do Estado, o que se
se que essa Lei tinha um caráter tecnicista, com tornou mais claro após a promulgação da Lei
destaque à quantidade e não à qualidade, nas 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação,
técnicas pedagógicas em detrimento dos ideais que centralizou na instância federal as
pedagógicos, na submissão e não na autonomia. decisões sobre currículo e avaliação, e
Neste período, houve, de fato, um transferiu para a sociedade responsabilidades
crescimento do número de escolas públicas, que seriam de sua exclusiva competência.
mas sem a ampliação dos recursos Essa descentralização é um exemplo concreto
financeiros, o que resultou na sua degradação. de uma política que centralizava o poder e
Com isso, a classe média, interessada num descentralizava as responsabilidades
ensino de melhor qualidade, abandonou a rede (Libâneo et al. 2003, p. 142).
pública gerando o incremento das empresas Na elaboração da Constituição de 1988
de ensino privado. observou-se, novamente, o embate entre os
No final dos anos de 1970 e início da defensores do ensino público e do privado,
década de 1980, a ditadura militar esvaía-se, agora com as fileiras deste último engrossadas
e iniciou-se o processo de redemocratização pelos empresários da educação. Estes
e reconquista dos espaços perdidos pela classificavam o ensino público como
sociedade civil brasileira. ineficiente e fracassado diante da
superioridade de suas instituições, mas
omitiam os benefícios obtidos do próprio
o ENSINO NOS ÚLTIMOS VINTE governo, como imunidade fiscal, garantia de
ANOS pagamento das mensalidades e bolsas de
estudo e o descompromisso estatal com a
As mais importantes modificações educação pública, que deteriorou a estrutura
introduzidas pela Constituição de 1988 estão da escola e o salário dos professores.
contidas nos artigos 205 e 208, que atribuem A partir daí, a educação escolar passou
o direito de todos à educação, cujo dever é do a se constituir de dois níveis: a educação
Estado e da família. O acesso ao ensino, por básica - que compreende a educação infantil,
sua vez, obrigatório e gratuito, como direito o ensino fundamental e o médio - e a
público subjetivo". Estabeleceu, por lei, o educação superior.
Plano Nacional de Educação, que tem, em A educação básica foi dividida em três
linhas gerais, definidos como objetivos: o etapas (infantil, fundamental e médio) e coube
aumento do nível de escolaridade da prover o estudante de uma formação
população, a melhoria da qualidade de ensino indispensável para o exercício da cidadania,
em todos os níveis, reduzindo as para progredir no trabalho e em seus estudos
desigualdades sociais e regionais no que se posteriores. A educação infantil é uma
refere ao acesso e à permanência na escola novidade como dever do Estado e deve ser
pública, além de democratizar o espaço oferecida em creches para crianças de até 3
escolar com a participação dos professores e anos e em pré-escolas para crianças de 4 a 6
da comunidade na elaboração do projeto anos. Os níveis fundamental e médio têm em
pedagógico da escola. seus currículos uma base nacional comum e
Embora o regime militar houvesse uma parte diversificada, a fim de atender as
atribuído aos municípios a administração do características regionais. No que se refere ao
ensino fundamental, não alocou recursos ensino médio, cabe ressaltar que seus
técnicos e financeiros para sua concretização. objetivos são ambiciosos, entretanto distantes da
Apenas com a Constituição de 1988 é que o realidade do que hoje é oferecido, exceto pelo
município passou a fazê-lo. Contudo, tal seu eterno caráter propedêutico.
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A educação superior foi pela primeira vez dando uma maior importância à liberdade e ao interesse
contemplada numa LDB, que definiu suas dos alunos. Incentivou o trabalho em grupo e a prática
de trabalhos manuais nas escolas. Colocou os alunos,
finalidades, objetivos e abrangência, mas a
e não mais os professores, como centro do processo
par disso o Estado vem se descuidando deste educacional.
nível de ensino, beneficiando, mais uma vez,
os setores privados da educação. 6. O direito público subjetivo é aquele que pode ser
pleiteado no Poder Judiciário

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nestes 500 anos do ensino no Brasil , a REFERÊNCIAS


educação sempre esteve a serviço das elites
políticas e financeiras. °
professor sempre foi AGÊNCIA EDUCABRASIL. Manifesto dos
Pioneiros. In: Dicionário interativo da
deixado à margem do processo, pelos baixos
salários, pela má formação e pelas precárias educação brasileira. Disponível em:
condições de trabalho. Na atualidade , a www.agenciaeducabrasil.com.br. Data de
democratização do ensino público é uma acesso em 15/11/2005.
necessidade social para as transformações do
mundo do trabalho, para o desempenho AZEVEDO, F. A educação entre dois
econômico e técnico-científico. Contudo mundos: problemas, perspectivas e
acabou por assumir, no Brasil, um caráter de orientações. São Paulo: Melhoramentos, s.d.
mercadoria ou serviço que pode ser adquirido
e não um direito de todos, o que colabora por BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil. Rio
reafirmar sua condição competitiva, de Janeiro: Instituto Nacional de Estatística ,
fragmentada e seletiva. 1936.

BRASIL. Constituição Federal. Brasília,


1. Os Regimentos eram a política de D. João III (17/ 1988.
12/1548) destinada à conversão dos nativos à fé
católica por meio da instrução e da catequese. CARDOSO, W. et al. Para uma história das
ciências no Brasil colonial. In: Revista da
2. O Ratio Studiorum era a organização e plano de
sociedade brasileira de história da ciência.
estudos da Companhia de Jesus (1599), baseado na
cultura européia. Consistia de aulas elementares de Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de
humanidades, filosofia (artes), e teologia, História da Ciência, 1985.
possibilitando a obtenção dos títulos de bacharel,
licenciado e mestre em artes. FELDMAN, M. G. Estrutura e ensino de 1°
3. As aulas régias eram aulas avulsas, com professor
grau. Petrópolis: Vozes, 1983.
único de latim, grego, filosofia e retórica
FERNANDES, F. Educação e sociedade no
4. O ensino laico está baseado no princípio de que o Brasil. São Paulo: EDUSP, 1966.
ambiente escolar deve ser autônomo em relação a
crenças e disputas religiosas, garantindo a liberdade
FILGUEIRAS, C. A. L. A química na educação
de consciência e o respeito à integridade da
personalidade dos alunos. da princesa Isabel. In: Química nova, vo1.27,
n.2. Sociedade Brasileira de Química, 2004.
5. A Escola Nova refere-se ao movimento de
transformações na educação tradicional com ênfase na
utilização de métodos ativos de ensino e aprendizagem,

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.49-58, jan.jjun. 2006


Uma análise histórica da educação brasileira
Diamantino Fernandes TrindadejLais dos Santos Pires Trindade

LIBÂNEO,1. C.; OLIVEIRA, 1. F.; TOSCHI,


M. S. Educação escolar: políticas, estrutura
e organização. São Paulo: Cortez, 2004.

LOURO, G. L. Mulheres na aala de aula. In:


PRIORE, M. DeI (org.). História das
mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo:
Contexto, 2004.

PINTO, J. M. R. °
ensmo médio. In:
OLIVEIRA, R. P.; ADRIÃO, T. (orgs.).
Organização do ensino no Brasil. São Paulo:
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RIBEIRO, M. L. S. R. História da educação


brasileira a organização escolar. 18. ed.
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SOUZA, P. N. P. LDB e Ensino superior


(estrutura e funcionamento). São Paulo:
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TOBIAS, J. A. História da educação


brasileira. 2 ed. São Paulo: Juriscredi, s.d.

www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/
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www.usp.br/j orusp/ arquivo/2004/jusp673/


pag0809.htm. Data de acesso em 29/11/2005.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.49-58, jan.jjun. 2006


DETERMINAÇÃO DA EQUAÇÃO GERAL DO PERÍODO DO PÊNDULO
SIMPLES

Augusto Massashi Horiguti


Doutor em Ciências pelo IFUSP
Professor do CEFET-SP

Este trabalho apresenta uma revisão do problema do pêndulo simples com a demonstração
da equação do período do pêndulo simples não linear, isto é, não usando a aproximação
seno(O) = O,mas mostrando a expansão para chegar à equação que não fica limitada a pe-
quenos ângulos.

Palavras-chave: Período; pêndulo simples; ângulos pequenos.

This article presents a study about the simple pendulum problem with the demonstration 01
the non-linear period equation 01simpie pendulum, that is, without using the approximation
seno(O) = O, but showing the expansion to reach the equation that is not limited to small
angles.

Key-words: Period; simple pendulum; small angles.

INTRODUÇÃO a determinação do cálculo da gravidade


(Lima; Piacentini, 1984), ou como mote para
o estudo
de movimentos periódicos introdução do cálculo numérico (Castro
(Nussenzveig, 1983), tem enorme Barbosa; Carvalhaes; Costa, 2006).
importância para compreensão de diversos Em geral, a maioria das abordagens
problemas mecânicos. Dentre os diversos trabalha com a expressão do período do
casos, o pêndulo simples (Yung-Kuo, 1984), pêndulo simples para pequenos ângulos:
é o mais fácil de ser reproduzido, visto que
necessitamos apenas de um fio ou similar e
um corpo de massa elevada quando
T~ 27rJ! '
comparada com a do fio, de modo que a massa o que de certa forma possui uma certa
deste último pode ser desprezada em primeira limitação que não atrapalha a análise de
aproximação. Assim, o centro de massa do dados.
sistema massa-fio estará muito próximo do Nosso objetivo consiste em
centro de massa do corpo. Caso se queira um demonstrar a equação em segunda
problema mais complexo, basta levar em aproximação, a qual está mais próxima da
conta ambas as massas e teremos uma realidade e não fica restrita a pequenos
abordagem dada pelo pêndulo composto ângulos. Para isto, iremos resolver a equação
(Symon, 1982). diferencial do pêndulo simples:
O problema do pêndulo simples d2e
permite diversas abordagens, seja para a ml-2 = -mgsen(e),
dt
simples determinação de um modelo
sem utilizar a aproximação sen (9) 9
simplificado para a equação do período
para ângulos pequenos.
(Marion,1991), seja para determinação
N este trabalho iremos fazer uma
empírica da equação do período (Silveira,
revisão do problema do pêndulo simples para
1986 e Horiguti; Pascholati, 2002), seja para
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 59-63, jan.jjun. 2006
Determinação da equação geral do período do pêndulo simples
Augusto Massashi Horiguti

qualquer ângulo, iniciando com a resolução para Em geral, a resolução desta equação
pequenos ângulos, finalizando com a diferencial utiliza a aproximação para
determinação da equação do período para pequenos ângulos de forma que o problema
qualquer ângulo (Medina; Velazco; Salinas, fica semelhante à equação do MHS:
2006) e a comparação com o modelo d2e 2
--f':::-@Oe,
simplificado. 2
dt
onde

RESOLUÇÃO DO PÊNDULO SIMPLES


PARA PEQUENOS ÂNGULOS
@~ =~ =::;, @O = jf- .
Usando a definição de pulsação, isto é
o problema
do pêndulo simples pode @o = 2Jf ,o período do pêndulo simples será
ser representado pela figura 1, na qual temos T
um corpo suspenso por um fio, onde a massa
dado por T = 2Jf~
do corpo é muito maior do que a massa do
fio, fazendo com que o centro de massa do
Lembramos que esta resolução fica
sistema corpo-fio praticamente coincida com
limitada em termos de ângulo, impossibilitando
o centro de massa do corpo. Desta forma,
análises para movimentos de maior amplitude.
podemos tratar o problema analisando as
forças sobre um ponto que é o centro de massa
do corpo.
EQUAÇÃO DO PERÍODO PARA
QUALQUER ÂNGULO
I
I
18 Nosso problema consiste em resolver
I a equação diferencial (ED) sem a
I l aproximação angular, isto é, .. g
I e= --sene
I Jl '
I
I supondo que o pêndulo foi abandonado de um
I ângulo 80,
I Primeiramente usamos a definição da
I
velocidade angular:
I
I
. d{} . d{} .
{}= - ~ ()dt =- dt ~ ()dt = d{} .
dt dt

Figura I. Representação das forças atuantes no pêndulo sim- Multiplicando a definição acima nos
ples.
Decompondo a força Peso nas dois membros da ED da equação diferencial
componentes tangencial (P ta) e normal (PN)' temos:
verificamos que a resultante das forças será:
Od{) = - g senôdi) ~ Oédt =- g senôdt).
FR = -Etan = -mgsen(e)
e e
Para resolvermos o problema, usamos em que o lado esquerdo dessa equação pode
a segunda Lei de Newton de forma que, ser reescrito como:
escrevendo em coordenadas polares: . .

d2 e = -mg sen (e) .


...
=dti ,
{}{}dt -{}dt
. dt) .. 1
= {}-dt = ()d{)= -d\{}('2)
mt -2 dt dt 2
dt

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.59-63, jan.jjun. 2006


Determinação da equação geral do período do pêndulo simples
Augusto Massashi Horiguti

enquanto que no lado direito da equação será com o ângulo variando de -nl2 até n/2, vamos
dado por - sen éb'e = d (cos e) . obter:
Desse modo, a ED ficará como:

d(éP)= 2g d(cos9),
I
a qual pode ser integrada equação para
ângulos de 80 até 8, enquanto que a velocidade

~ 1fT HI-sen2(6; }en ($ f d$


1t I
angular varia de O atég :
2
iJ 2 8 2 =
Sd(tr)=~ Sd(cosB)~tr =~(cosB-cosBo)~ --
o fOr, . f 2

~ de = f2idt Usando a expansão binomial


~(cosB-cosBo) fT
Para determinarmos o semiperíodo de (l-x) rn =l+nx+
n(n + 1) 2
\: x + ...
oscilação, temos de integrar esta equação de 2!
-80 até 80, ou seja: temos:
e o de (2g T
-8
S 0
~ (cos e - cos eo) = ~f 2.
--
A resolução dessa integral não é 2

trivial. Devemos primeiramente usar a


identidade trigonométrica

cosli = 1- 2sen' (~)

1 (1-2sen'(6~1+2sen'( ~ JJ =Hl~ As integrais


conhecidas:
trigonométricas são

--
2
Assim, a equação do período será dada
por:
Fazemos agora a mudança de variável:
T=2n
H -[l+-sen
g 4
1 2(8-2J
0
+-sen
9
64
4(8-2J
0
+

e + 225 sen6(80J+ 11025 sens(80J+ ...] .


2304 2 147456 2
2sen(~ }OS($ )t$ Ao compararmos esta equação com o
d8 =
modelo simplificado, isto é,
l_sen (6; }en ($)
21fl,
2 2
./

To =
vamos obter uma relação entre as duas
soluções:
Sinergia,
Sinergia,São
SãoPaulo, v.v.7,7,n.n.1,1,
Paulo, p.p.49-63,
59-63, jan./jun.
jan.jjun. 2006
2006
Determinação da equação geral do período do pêndulo simples
Augusto Massashi Horiguti

T I
To = 1+ 4 sen
2(Bo)
2 9
+ 64 sen
4(Bo)
2 +

225
+--sen 6(Bo)
- + 11025 sen 8(Bo)
- +...
2304 2 147456 2

a qual permite que seja confeccionado um gráfico


em termos do ângulo inicial 90' conforme a gráfico
1.

1,7
--------
1,6

1,5
~/
/
1,4 /
//
1,3

1,2 /
1,1
.> ~

L-----"
----------
1,0
O 1(:j4 nf2 31r/4

(radianos)
Gráfico 1. Representação das relações entre os períodos e o ângulo inicial.

Podemos notar que o modelo Em termos experimentaisé muito comum


simplificado do cálculo do período do pêndulo sugerirmos o uso de pêndulos com um grande
simples é uma ótima aproximação para ângulos comprimento, visto que os ângulos pequenos são
de até n/12 radianos, visto que a diferença em mais fáceis de serem obtidos, fazendo com que
relação ao modelo mais preciso fica acima dos o experimento fique restrito aos limites em que o
99,5 %, enquanto que a simplificação constitui modelo simplificado constitui uma boa
uma boa aproximação até ângulos de n/6 aproximação. Isto justifica o fato de que não é
radianos, com uma precisão de 98,0 %. comum a utilização do modelo mais preciso em
Porém, mesmo para ângulos superiores experimentos do ensino médio, apesar de
a n/6 radianos, o modelo simplificado ainda constituir um ótimo momento para discussão dos
proporciona uma boa estimativa para o cálculo limites dos modelos matemáticos, de forma a
do período do pêndulo, visto que a precisão demonstrar que muitas vezes um modelo
mínima deste modelo fica em tomo dos 80,0 %, simplificado pode explicar muito bem um
isto se estivermos levando em conta que apenas determinado fenômeno dentro de certos limites
uma oscilação será analisada. O fato de o modelo e que se podem construir modelos mais
simplificado não depender da amplitude complexos, os quais apresentam resultados que
proporciona diversas facilidades em termos se aproximam mais da realidade.
experimentais.
Sinergia,
Sinergia, SãoSão Paulo,
Paulo, v. n.
v. 7, 7, 1,
n. p.
1, 49-63,
p. 59-63, jan./jun.
jan./jun. 2006
2006
Determinação da equação geral do período do pêndulo simples
Augusto Massashi Horiguti

REFERÊNCIAS

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Sinergia,
Sinergia, São
SãoPaulo,
Paulo,v.
v. 7,
7, n.
n.1,1,p.p.59-63, jan./jun. 2006
49-63,jan,/jun. 2006
VIOLÊNCIA SILENCIOSA

Vânia Ferreira do Amparo


Professora de Sociologia do CEFET-SP

o presente artigo propõe uma rejlexão sobre a falta de políticas públicas eficientes desde a
formação da sociedade brasileira até a atualidade. O desapreço com que os governantes têm
tratado a questão dos direitos sociais constitucionalmente instituídos acentua as desigualdades,
não facilita a criação de novos postos de trabalho que atendam à demanda crescente, não
garantem distribuição das riquezas nacionais mais equânimes, impedindo acesso à melhor
qualidade de vida para a maior parte da população, criando e reproduzindo o que chamamos
"violência silenciosa".

Palavras-chave: Direitos humanos; cidadania; desigualdade social; concentração de renda;


exclusão social.

The present article proposes a rejlection upon the lack of ejJicient public policies since the
beginning of the Brazilian society. The lack of importance with which the government has
been treating the social rights guaranteed by the Constitution increases the inequalities in the
Brazilian society. Besides, it neither facilitates the creation of new job positions to meet the
increasing demand nor provides a better national wealth distribution. Consequently, it hinders
the access to a better life quality to the most part ofthe population, creating and reproducing
what is called 'silent violence'

Key-words: Human rights; citizenship; social inequality; income concentration, social


exclusion.

Nos últimos tempos, ocorreram, na São Paulo. Não faltaram entrevistas, reportagens,
cidade de São Paulo, fatos inusitados que estatísticas, propostas, análises, promessas,
causaram a perplexidade da população e das bombas, mortes, tiroteios, desespero e medo!
autoridades. Vivenciamos a ousadia de O coração do Brasil estava enfartando!
pessoas marginalizadas pela sociedade, quer Opiniões que denotam um verdadeiro
por crimes cometidos, quer, indiretamente, paradoxo entre a realidade que se vive e a
atuando como coadjuvantes do crime, quer realidade que se pensa. E agora, perguntava-
se identificando com facções ou grupos se? E os direitos humanos? E defender os
organizados ligados ao narcotráfico. direitos humanos era personificar a defesa dos
As reações das pessoas foram as mais "fora da lei." Esqueceram-se, talvez, ou não
diversas: da indignação à revolta; de pedidos sabem, que os direitos humanos representam
para mais reforços policiais à solicitação das o Estado e se corporificam em nossa Carta
Forças Armadas para patrulharem nosso Magna, a Constituição Brasileira, cuja
espaço físico; de agressões políticas verbais aplicabilidade é efetuada pelo Ministério
a ameaças de processos por difamação e Público.
calúnia entre parlamentares. No livro Casa-grande&senzala,
A mídia não poupou esforços para Gilberto Freire retrata com detalhes as
detalhar, minuciosamente, todos os características da época colonial:
acontecimentos "inesperados," que abalaram

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 64-69, jan.jjun. 2006


Violência silenciosa
Vânia Amparo

Os que lamentam não sermos puros de raça diretas-já e a manutenção da eleição indireta;
nem o Brasil região de clima temperado o que Assembléia Constituinte - nova Constituição;
logo descobrem naquela miséria e naquela inércia eleições diretas em 1989 - crises econômicas;
é o resultado dos coitos sempre danados, de
impedimento político; Plano Real; reeleição; um
brancos com pretas, de portugas com Índias. É
da raça a inércia e a indolência ou então, é o
"príncipe" e um operário no poder "sem medo
clima que só serve para o negro. E sentencia-se de ser feliz"; corrupção; falta de decoro
de morte o brasileiro porque é mestiço e o Brasil parlamentar; promessas não cumpridas ...
porque está em grande parte em zona de clima No campo legislativo e socioeconômico,
quente. Palavras que Joaquim Nabuco repetiria verifica-se que a trajetória histórica da nossa
mais tarde, em 1883, "que se acham nessa nação apresentouum desenvolvimento incipiente.
condição intermédia, que não é o escravo, mas No século XVIII, os direitos civis que afirmavam
também não é cidadão".-"Párias inúteis vivendo
a liberdade do indivíduo frente ao Estado; século
em choças de palha, dormindo em rede ou
estrado, a vasilha de água e a panela seus únicos
XIX, o direito político que concedia ao cidadão
utensílios, sua alimentação a farinha com a sua participação no governo por meio da
bacalhau ou charque; e a viola suspensa ao lado representatividade; e no século XX, os direitos
da imagem". (Freire, s/d, capítulo I) sociais reforçados a partir da Segunda Guerra
A formação da sociedade brasileira Mundial, que permitiam ao cidadão ser
inseriu em sua estrutura o "ranço" colonial beneficiado pelo Estado por meio da
da 'exclusão e inclusão, marca forte, que implantação de políticas públicas. Entre nós,
separou colonizadores e colonizados e brasileiros, os direitos sociais se reafirmaram
estabeleceu um divisor comum identificado, primeiro ao lado da negatividade da liberdade
posteriormente, como a camada e representação, na década de 1930 - governo
intermediária, a pequena burguesia e a camada de Getúlio Vargas, apesar de termos, desde a
formada por mestiços, negros (ex-escravos) Constituição de 1824, os direitos civis e
e indígenas (também escravizados), moldando políticos assegurados legalmente.
desde o seu princípio a desigualdade social. O pós-guerra consolidou a política
A manutenção desse quadro econômica de Keynes e do Estado do bem-
preconceituoso e excludente das minorias estar social, até 1980, contribuindo para que
perdura até hoje, e soluções paliativas ou o Brasil, entre as demais economias,
assistencialistas são apresentadas obtivesse índices significativos de
sucessivamente, por nossos governantes, sem crescimento, passando de uma economia
que se resolva realmente o abandono, a agroexportadora para a de industrializados.
discriminação, a mentira política eleitoreira, Posteriormente, observou-se o início das
a vida periférica de milhares de brasileiros_ políticas neoliberais. De acordo com estudos
A trajetória política brasileira da Fundação Getúlio Vargas, de 1982 a 1994,
demonstra a fragilidade de suas instituições. o país passou por seis recessões, ocasionando
Assim, é só lembrarmos o processo histórico de uma enorme queda no PIB brasileiro
nossa emancipação política de Portugal e o (conjunto de riquezas produzidas em um país
modelo monárquico adotado após 1822; a durante um ano) mantendo a média de 2,4%,
Proclamação da República, em 1889, a crise ao ano.
político-institucional, que consolidou o poder da Apesar do Plano Real, estabilidade da
oligarquia cafeeira, a chamada "república do moeda e controle da inflação, tanto o governo
café-com-leite", a larga utilização do voto de FHC quanto o do presidente Lula, até o
"cabresto" e o coronelismo; Getúlio Vargas e o momento, . não conseguiram taxas de
poder autoritário que culminou com o crescimento compatíveis com as necessidades
fechamento do Congresso, destituindo o povo do país. De acordo com os dados, em 2003 o
do direito de escolha de seus representantes pelo PIB cresceu 0,5%; em 2004, 4,9%; em 2005,
voto; os entraves legislativos de 1946 a 1964
2,%; e em 2006, com a mudança de
que significaram quase vinte anos de poder dos
metodologia pelo IBGE, para o cálculo, cresceu
interesses da classe que assumira
3,7% (Estado de São Paulo, 2007).
institucionalmente o poder; o movimento pelas
Em relação à América Latina nosso
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.64-69, jan,fjun. 2006 65
Violência silenciosa
Vânia Amparo

crescimento foi pífio. O Relatório do elaborado por Waldir Quadros, da Unicamp, em


Departamento de Assuntos Econômicos e 2003, mostra que o número de pessoas com
Sociais da América Latina nos traz outro dado renda média familiar mensal superior a R$
assustador: entre os 24 países emergentes que, 5000,00 caiu 13%, e os que apresentavam
provavelmente, crescerão em média de 5,5% renda entre R$ 200,00 e R$ 5000,00, caíram
ao ano, o Brasil apresentará o índice de 3%, o 6,9%; e os com renda entre R$ 1000,00 e R$
menor crescimento. 200,00, 3,8%.
A conseqüência imediata desses dados A pesquisa divulgada pelo DIEESE
na organização social brasileira é o (Folha de São Paulo, 2006b), com base em
desemprego, confirmando-se tal indicativo dados do Distrito Federal e das regiões
pelos dados do DIEESE - Departamento metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte,
Intersindical de Estatística e Estudos Porto Alegre, Recife e Salvador, revela que
Socioeconômicos. Entre 1995 e 2004 a taxa em 2005 havia 3,2 milhões de jovens
registrada foi de 17,5%, com uma pequena empregados. A população jovem somava 6,5
queda em 2006, com taxa de 16,9%. Cabe milhões em 2005, correspondendo a 23,8%
ressaltar que 37% dos trabalhadores tinham acima de 16 anos, caracterizando 2% da
carteira assinada e que a informalidade população economicamente ativa das áreas
responde por 2/3 dos empregos no Brasil, pesquisadas.
acarretando, naturalmente, a queda dos O perfil elaborado foi: masculino,
salários e da renda. ensino médio completo, dificuldade para
O Serviço Social de Indústria - SESI conciliar trabalho e estudo, setor de serviços,
- por meio de seus estudos, demonstra que jornadas acima de 39 horas semanais, salários
entre 2001 e 2003, os trabalhadores que entre um e dois mínimos, carteira de trabalho
ganhavam mais de três salários mínimos assinada. O DIEESE afirmou
diminuíram de 41,7% para 35,5%, enquanto que é nítida a desigualdade de oportunidades
os que ganhavam até três salários mínimos ocupacionais quando se leva em consideração
o grupo de renda familiar a que pertence esse
aumentaram de 58,1 % para 64,2%, o que
jovem ocupado. Notadamente, a realidade
mostra a perda salarial da maior parte dos ocupacional dos jovens oriundos das famílias
trabalhadores formais. mais pobres situa-se muito aquém desse perfil,
O estudo sociológico de Álvaro uma vez que a grande maioria apenas trabalha e
Comin, do Cebrap, destacou que entre os 10% não estuda, possui o ensino fundamental
incompleto e recebe rendimentos médios
dos trabalhadores mais pobres, o rendimento
inferiores a um salário mínimo.
médio caiu de R$ 96,00 para R$ 58,00, entre
O órgão conclui pela influência da renda
1995 e 2004, demonstrando nitidamente a
familiar nesse perfil, afirmando que
exclusão do mercado de trabalho e a
é importante a elaboração de políticas públicas
dependência cada vez maior dos programas que de um lado promovam uma melhor
assistencialistas do governo federal. Em 1995, distribuição de renda no país e de outro,
89% da renda dessa população era busquem o desejável equilíbrio entre a formação
proveniente do trabalho e, em 2004, caiu para escolar e o profissional e a inserção do jovem
no mercado de trabalho.
48%.
Os dados do IPEA - Instituto de O Brasil, apesar de melhores
Pesquisa Econômica Aplicada - de 2003, indicadores· econômicos e potencialidades
Radar Social- capítulo que trata da renda no naturais, mantém um índice de desigualdade
Brasil - nos mostram que há no Brasil 53,9 social muito alto. Somos o 4° pior país do
milhões de pobres, que recebem até meio planeta em distribuição de renda: o 1% mais
salário mínimo e 21,9 milhões com renda de até rico da população detém 13% da renda nacional,
1/4 de salário mínimo. Outra camada social, a e os 50% mais pobres detêm quase essa mesma
classe média, também foi atingida: estudo parcela de renda.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 64-69, jan,fjun. 2006


Violência silenciosa
Vânia Amparo

I~ A concentração de riqueza patrimonial, aos direitos humanos - civis, políticos e sociais?


de acordo com Mareio Porchman (2005), da Constatamos problemas estruturais de
Unicamp, mostra que 5 mil famílias no Brasil longa data que se arrastam sem que
detêm cerca de US$ 250 bilhões de patrimônio. visualizemos soluções efetivas, como a
As privatizações, no governo FHC, não só distribuição de renda, tão insignificante no
transferiram empresas estatais para o capital país, que não a percebemos. Ao lado disso,
internacional,como também patrimônio nacional os nossos representantes políticos, ou um
privado para os mesmos capitais. Essas grande número de parlamentares, não
transações se efetivam apenas no campo apresentam uma sólida formação política,
patrimonial, pois não garantem a criação de confundindo responsabilidade eleitoral e
emprego para a classe trabalhadora. O governo consciência política com fisiologismos,
Lula insistiu nessa política permitindo, por corporativismos, trampolins políticos para
exemplo, a venda de parte das ações da ascensão e mobilidade social, apresentando
empresa têxtil Coteminas, do seu vice-presidente como currículo sua formação em corrupção.
da República, para uma empresa norte- São inúmeras sonegações fiscais, contratos
amencana. superfaturados, "mensaleiros," sanguessugas,
Os dados socioeconômicos nos dossiês, interesses escusos. A corrupção
mostram que pouca coisa mudou no governo ninguém vê, ninguém sabe, ninguém prova,
atual, apesar de todos os índices sociais e pois ela é silenciosa, rastejante como um
econômicos que nos são apresentados. animal peçonhento.
As melhorias necessárias e concretas A lentidão da justiça brasileira acaba
se tomam improváveis diante das altas taxas favorecendo os corruptos prescrevendo os
de juros reais estabelecidas, as mais altas do crimes. O recurso de substituição dos
mundo. A carga tributária que hoje chega a funcionários envolvidos no crime não garante
37% do PIB - Produto Interno Bruto - a honestidade dos mesmos, na administração
acompanha o mesmo ritmo. De acordo com pública. A corrupção não é apenas moral, mas
econômica, diz a ONG Transparência Brasil.
Carlos Lessa (Rossi, 2006)
enquanto isso, o governo federal paga 146
A liberdade que os governantes
bilhões de juros da dívida pública, a qual não possuem para nomear pessoas para os cargos
.- pára de crescer e já se aproxima de R$ 1 trilhão . de confiança acaba favorecendo o
Segundo estimativa do professor Mareio fisiologismo, o corporativismo. De acordo
Pochmann, 70% desses juros destinam-se a com o IBGE - Instituto Brasileiro de
apenas 20 mil famílias. São R$ 110 bilhões para Geografia e Estatística -, cerca de 84% dos
os muito ricos, em contraste com R$ 7 bilhões municípios brasileiros não têm arrecadação
para os mais pobres. O governo pratica a mais
própria e dependem de transferência de
brutal concentração de renda e riqueza do
recursos federal e estadual (O globo,2006).
planeta.
O cidadão pobre quando é pego
Para tanto diminuiu os investimentos
roubando recebe o tratamento de ladrão, o
sociais e de infra-estrutura, ou seja, o
parlamentar quando rouba milhões é corrupto,
percentual do superávit primário foi apenas desviou recursos. A justiça brasileira
aumentado de 4,25% do PIB, exigido pelo é cara e inacessível, falta a aplicação da lei.
FMI - Fundo Monetário Internacional-, para Ricos e pobres, negros e brancos não recebem
mais de 5%. Esses recursos poderiam ser o mesmo tratamento, sendo poucos os
investidos em moradias para as pessoas de brasileiros que podem pagar um advogado.
baixa renda, creches, malhas ferroviárias e O ministro César Peluso afirma que "a Justiça
metroviárias ... Em contrapartida, o lucro dos está longe da população, até fisicamente,
bancos, cresce assustadoramente! (Folha de instalada em palácios, longe da periferia ".
São Paulo, 2006a). É o superávit da Faz-se necessário diversificar, tirar a
concentração de renda! pomposidade das instituições dejustiça e colocá-
Assim, retoma-se a questão referente Ias, realmente, a serviço dos cidadãos,
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.64-69, jan.jjun. 2006 67
Violência silenciosa
VAnia Amparo

multiplicando suas varas pela periferia. Durante dignidade humana. Sabemos que as
um determinado período, as associações de instituições políticas contemporâneas têm nas
bairros fizeram esse papel, mas hoje, com o forte soberanias nacionais um conceito
indispensável. Mas os progressistas jamais
clientelismo existente, algumas perderam o
esqueceram que o verdadeiro conceito de
verdadeiro significado de suas funções, ao lado soberania nacional compreende, em seu
de um Estado que subestimou ao longo dos anos interior, a soberania popular. E não existe
sua população excluída mantendo-a fora do soberania popular sem Direitos Humanos
dinamismo social, marginalizada, seja no campo (Felippe, s/d).
ou na cidade, promovendo políticas
A violência silenciosa transforma a
assistencialistas e eleitoreiras.
cidadania em um simples ato mecânico: o de
Os novos movimentos foram surgindo e
votar, reduzindo-a a um significado apenas.
organizando o espaço que o Estado não assumiu.
Hoje o governo o quer, mas não tem acesso. A Os demais são, constantemente, protelados,
marginalidade social ganhou status. Para aquele eleição após eleição, por meio de promessas
que nada tem, nem mesmo a ilusão de poder ter, de consolidação de planos econômicos
qualquer concretude é suficiente para cooptá-lo. monetaristas que possibilitem "o bolo
Ser rei ou rainha, mesmo que seja por um dia ou crescer", e dessa feita, dividi-Io para
algumas horas. multiplicar. E a cada eleição novos
Segundo José Arthur Gianotti, deserdados da sorte se mobilizam na tentativa
a política contemporânea se estrutura em novas de fazer valer os seus direitos, enquanto não
formas. Ao perder grandes horizontes assistem ao espetáculo do crescimento.
ideológicos, amplia a rede de conhecimento
disponível; os grupos em lutas não mais tendem
a se polarizar, pulverizam-se em células que se
juntam e se separam em momentos de comoção REFERÊNCIAS
pública. (Gianotti, 2006).
Diante desse quadro, os dados apontam ABRAMO, C. W. Por que não há justiça no
para a verdadeira violência: a violência Brasil. www.transparência.org.br
silenciosa. Ela se insinua e se espalha pelos
bairros das capitais e periferias, CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil.
corporificando-se na falta de saneamento São Paulo: Civilização Brasileira
básico, na precariedade da educação e do
trabalho, na ineficiência dos postos de saúde, FELIPPE, M. S. Procuradoria Geral do
nas políticas assistencialistas que não Estado (Série documentos, n° 14). Imprensa
reabilitam a dignidade humana. Ela pinta oficial.
retratos realistas e se exterioriza de forma
física, pois a fome e a desnutrição agridem,
FOLHA DE S. PAULO, 14/09/2006.
ferem e matam milhares de brasileiros,
anualmente. A violência silenciosa se mascara
no ideário da felicidade de satisfazer o desejo FOLHA DE S. PAULO, 15/0812006.
da aquisição de materialidades. São seres
humanos cooptados pela força das FRElRE, G. Casa-grande&senzala. Rio de
propagandas consumistas veiculadas pela Janeiro: Mara&Smith.
mídia, diuturnamente.
das políticas governistas
° fetiche da retórica,
neopopulistas, GIANNOTTI, 1.A. Intelligentsia carunchada.
constrói no imaginário popular a idéia da Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 03/09/2006.
inclusão social e se configura, por outro lado, na
exclusão pela falta de oportunidades no mercado
de trabalho.
° ESTADO DE SÃO PAULO, 28/03/2007.

Como diz Sotelo Felippe:


Nos tempos da chamada "globalização", é preciso
° GLOBO, 29/08/2006.
- se me permitem o neologismo - "globalizar" a

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.64-69, jan./jun. 2006


Violência silenciosa
vfmia Amparo

PORCHMANN, M. Evidências recentes na


relação entre gastos sociais e desigualdade
de renda no Brasil. Campinas, maio 2005.

ROSSI, C. A grande maldição. Folha de S.


Paulo, 23/0212006.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.64-69, jan'/jun. 2006


SÍMBOLOS NACIONAIS: REPRESENTAÇÕES EM CONFLITO

Cleber Santos Vieira


Professor do CEFET-SP
Doutorando FEUSP

Este artigo propõe narrar a história dos símbolos nacionais, particularmente a bandeira,
através das representações. Inicialmente um breve histórico sobre a fabricação do símbolo
oficial e, a seguir, o contraditório, ou seja, as apropriações e recriações, enfim outras
representações conferidas por protagonistas sociais situados à margem do discurso oficial.

Palavras-chave: Símbolos nacionais; Brasil república; nacionalismo.


--
This article aims at reporting the history of the national symbols, specially the flag, through
representations. It starts presenting a brief report about the creation of the official symbol,
followed by the contradictory, that is, the appropriations and recreations; other representations
built by social actors that remain aside of the official speech.

Key-words: Nacional symbols; republic Brazll; nationalisme.

I ESQUECIMENTOS SOB querelas religiosas entre huguenotes e


LEMBRANÇAS católicos em 1572, como se sabe, renderam
a morte de centenas de pessoas. O conflito
Disse Emest Renan (1882) que uma explicita a ruptura instaurada entre correntes
nação faz-se, sobretudo, pela obra dos religiosas de visões antagônicas e,
esquecimentos. Esses lapsos de memória conseqüentemente, revelam a impossibilidade
cumprem tarefa essencial no sentido de viabilizar de viverem pacificamente dentro das mesmas
a coexistência harmoniosa dos elementos fronteiras geográficas. Explicitam, portanto,
contraditórios formadores de qualquer a negação de uma história comum. Todavia,
sociedade moderna, tarefa que flui para ser lembrado enquanto episódio da
particularmente por meio de narrativas sobre o história francesa, foi necessário esquecer as
passado e dos símbolos nacionais. Ao comentar incompatibilidades e reintegrá-Ias como
esta reflexão, Benedict Anderson (1991) acontecimento histórico pertencente a todos
considera que o esquecimento enunciado por os franceses. Todo cidadão francês, portanto,
Renan significa, na verdade, um exercício de já deve ter esquecido São Bartolomeu. O
lembrar/esquecer. No ato discursivo que esquecer aqui age, por um lado, nas estruturas
preconiza a lembrança de determinado episódio imaginárias da sociedade afastadas
está implícito o ato de esquecê-lo, esquecer a temporalmente dos mortos e de seus
sua aparência enquanto expressão dos conflitos assassinos e, por outro, reincorporando-os
sociais para lembrá-l os como figurações na forma de episódio pertence à história
históricas do passado da comunidade política nacional, portanto, de todos os cidadãos.
imaginada. Enquanto representação nacional, o fato é
Anderson demonstra a análise extraído da sociedade histórica, transfigurado
utilizando-se do exemplo do discurso por um novo discurso que o reenvia buscando
histórico francês sobre o massacre de São engendrar a sociedade a-histórica no seio da
Bartolomeu (Anderson, 1991, p. 261). As sociedade histórica
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.70-78, jan.jjun. 2006
Simbolos nacionais: representações em conflito
Cleber Santos Vieira

No Brasil, a operação imaginária de "nós nem cremos" pressupõe uma sociedade já


lembrar/esquecer determinados acontecimentos unida, sem tiranos e sem oprimidos, todos iguais
pode ser evidenciada na representação elaborada unidos na construção do Brasil moderno.
pelo Hino à República. Escrito por Medeiros e
Albuquerque e musicado por Leopoldo Miguez,
o hino coloca a escravidão como um percalço na OS SENTIDOS DA BANDEIRA
história do Brasil, episódio estranho ao passado. NACIONAL
lf,
A escravidão, fator decisivo na constituição das
bases excludentes e autoritárias que marcam a O ato de esquecer/lembrar a história
herança histórica, é apresentada como um nacional é também retratado na história de
fenômeno surpreendente. Com a república, todos outros símbolos nacionais. Este é o caso da
os habitantes tomam-se livres e iguais. No hino, a bandeira nacional, ou a "Majestade da Pátria",
abolição e a república promovem o encontro do como a chamou João do Rio em 1916.
Brasilcom o mundo civilizado.Representam,pois, Sabemos que a bandeira nacional oficial foi
a modernização da sociedade. engendrada pelos pincéis de Décio Villares
Entrecortando o refrão que evoca a por encomenda de Teixeira Mendes. Este
"Liberdade! Liberdade!/ abre as asas sobre último, um militante da corrente positivista
nós!,I das lutas na tempestade!/dá que ortodoxa do movimento republicano
ouçamos tua voz!", seguem outros versos (Carvalho, 1990, p.109-128), alcançando a
quase convidando ao esquecimento sobre condição de símbolo oficial quatro dias após
aquele que significou um dos mais a proclamação, em 19 de novembro de 1889.
significativos marcos da história política do Sabemos ainda que até ser afirmada
país: a escravidão. como símbolo maior da nação, esta bandeira
enfrentou outros projetos e propostas de
Nós nem cremos que escravos outrora representação. No ato de proclamação da
Tenha havido em tão nobre país ... república, por exemplo, a bandeira hasteada
Hoje o rubro lampejo da aurora anunciando o governo provisório foi aquela
Acha irmãos, não tiranos hostis. idealizada pelos radicais republicanos reunidos
Somos todos iguais! Ao futuro no Clube Lopes Trovão. Inspirada na bandeira
Saberemos, unidos, levar norte-americana, era composta por 13 listas
Nosso augusto estandarte que, puro, verde-amarelas distribuídas de forma
Brilha, ovante, da Pátria no altar. intercalada na posição horizontal. Ao alto, no
canto esquerdo, uma constelação de 21 estrelas
Tal qual a representação do episódio de alocadas no interior de um quadrilátero negro
São Bartolomeu para os franceses, a lembrança em homenagem à raça negra. Uma versão desta
da escravidão retratada no Hino à República é bandeira foi inclusive içada ao navio Alagoas
fugaz. Se, inicialmente, figura como fenômeno que conduziu a família real para fora do
historicamente inacreditável, o sentido é, a seguir, território brasileiro.
desfigurado: a lembrança é reordenada
assumindo a forma de esquecimento. O que
importa não é a permanência ou não do fato
enquanto afirmação do contraditório entre os
grupos, mas sim a apropriação do contraditório
e seu relançamento na história nacional. As
distinções e características que moldaram a
opressão, isto é, o escravismo colonial encerra-
se no passado, ao passo que as características
históricas lançadas ao futuro são apagadas. O
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Cleber Santos Vieira

Outras propostas surgiram no correr Todos esses projetos foram derrotados.


das campanhas republicanas. Silva Jardim, um Prevaleceram o verde e o amarelo como cores
dos mais radicais militantes do jacobinismo nacionais predominantes. Seguindo a lógica
brasileiro, propunha profunda mudança nas positivista dos grupos republicanos vitoriosos,
cores e formas de representar a nação (Luiz, tendo Benjamim Constant à frente, a primeira
1986). Em sua proposta, verde, amarelo, azul etapa da transição orgânica da humanidade
e branco seriam substituídos por três faixas deveria manter as cores do antigo regime
na posição horizontal de cores vermelha, acrescentando-se as inscrições "Ordem e
preta e branca representando os povos Progresso" (Carvalho, op. cit. p.112). Assim
formadores do Brasil: o índio, o negro e o permaneceu o quadrado verde preenchido pelo
branco, respectivamente. No centro da faixa losango amarelo, herdados da bandeira imperial.
vermelha uma esfera representando o mundo, Eliminaram, porém, o escudo, a coroa, a cruz
cercada por ramos de café, simbolizando a da Ordem de Cristo e os ramos de café e tabaco,
riqueza nacional. que simbolizavam os vetores da economia
imperial. Em seu lugar, acrescentaram a calota
azul entrecruzada pela faixa verde com a famosa
inscrição "Ordem e Progresso".

Em 1890, ainda no momento de


afirmação do regime republicano, este projeto
foi novamente cogitado. Desta vez pelas mãos
de ninguém menos que o barão do Rio Branco
(Luiz, 1986). Todavia, com algumas poucas
alterações: as faixas vermelha, branca e preta
viriam ordenadas na posição diagonal e no
centro a cruz da Ordem de Cristo, o escudo
sobressaindo no lado superior.

Dos discursos e propostas sobressaídas


das correntes que compunham o movimento
republicano, a bandeira nacional lentamente
alcançou a sociedade. Desta vez no sentido
contrário, isto é, afirmada enquanto símbolo nas

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instâncias jurídicas-políticas, precisava dar políticas, sem história. À moda brasileira


forma às almas dos cidadãos brasileiros pelo estruturavam-se as condições para um culto
cálice verde-amarelo. Nas décadas de 1910 e homogêneo da pátria: independentemente da
1920 a afirmação histórica da bandeira nacional condição sócio-econômica e da classe social,
correu as ruas, colégios do país, entre outros, as pessoas se identificam com o símbolo por
pelas campanhas cívicas organizadas por Olavo uma questão a priori, o fato de ser brasileiro.
Bilac e por intelectuais entusiasmados com a Encobria-se, então, o passado de opressão e
idéia de construir a pátria. Em 1906, o próprio genocídio. O esquecimento necessário para se
Olavo Bilac, poeta, escritor, político e futuro construir o mito do Brasil mestiço, da
líder da Liga de Defesa Nacional, compôs o democracia racial, da integração ordeira e
Hino à Bandeira Nacional. Tornando-a, desse pacífica entre negros, índios e colonizadores.
modo no auri-verde pendão da esperança.
De fato, como analisou Marilena Chauí,
sabemos que, desde a Revolução Francesa,
Hino à Bandeira Nacional as bandeiras revolucionárias tendem a ser
Letra: Olavo Bilac (1906) tricolores e são insígnias das lutas políticas
por liberdade, igualdade e fraternidade. A
bandeira brasileira é quadricolor e não exprime
Salve lindo pendão da esperança
o político, não narra a história do país. É um
Salve símbolo augusto da Paz! símbolo da Natureza. É o Brasil-jardim, o Brasil-
Tua nobre presença à lembrança paraíso. Essa produção mítica do país-jardim,
A grandeza da pátria nos traz. ao nos lançar no seio da Natureza, lança-nos
para fora do mundo, fora da história. E, como
se trata da Natureza-paraíso, não há sequer
Recebe o afeto que se encerra
como falar num estado de Natureza à maneira
Em nosso peito juvenil daquele descrito, no século XVII, pelo filósofo
Querido símbolo da terra inglês Hobbes, em que a guerra de todos
Da amada terra do Brasil! contra todos e o medo da morte suscitariam o
aparecimento da vida social, o pacto social e
o advento de poder político. Nesse estado de
Em teu seio famoso retratas
Natureza paradisíaco em que nos
Este céu de purissimo azul, encontramos há apenas nós - pacíficos
A verdura sem par destas matas, ordeiros - e Deus, que, olhando por nós, nos
E o esplendor do Cruzeiro do Sul. .. deu o melhor de sua obra e nos dá o melhor
de sua vontade. (Chauí, 2001, p.62-63)
Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever, Com o advento do Estado Novo, a
E o Brasil, por seus filhos amado, bandeira nacional enraizou-se definitivamente
Poderoso e feliz há de ser. por todo o território nacional. O nacionalismo
autoritário desses tempos repercutiu nos
Sobre a imensa nação brasileira, estados e seus símbolos. Foram proibidos os
Nos momentos de festa e de dor, usos de todas as bandeiras estaduais. Em todas
Paira sempre, sagrada bandeira, as regiões, cidades e cantos do país somente
Pavilhão da justiça e do Amor! era permitido hastear e cultuar apenas uma
bandeira: a nacional. O regime militar (1964-
Esta representação da identidade 1985) reforçou as cores verde-amarelas. Os
nacional foi inserida, assim, em um contexto de aparelhos de propaganda ideológica foram
fabricação da nação e do patriotismo. A acionados para reforçar a difusão dos
comunidade imaginada pelos intelectuais da símbolos. Em alguns casos por instrumentos
primeira república passava, juntamente com o oficiais como o Departamento de Imprensa e
hino nacional, a ser firmada como o símbolo de Propaganda do Estado. Em outros, se valendo
uma nação sem conflitos sociais, sem diferenças de canções populares (Eu te amo, meu Brasil),

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responsáveis por saudar os chamados anos de discurso nacionalista. Através de instrumentos


chumbo (1969-1974) e reforçar os lemas oficiais como o Instituto Social de Estudos Brasileiros
que ditavam o ritmo do amor à pátria: Brasil: (ISEB), Centro Popular de Cultura da União
ame-o ou deixe-o. Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), entre
outros, o verde-amarelo vislumbrou como
elemento da luta de classes: o imperialismo,
OUTRAS REPRESENTAÇÕES em particular o norte-americano, foi visto
como o "não-nacional", causa maior da
Esta forma de representar a nação traz opressão do povo brasileiro, da colonização
consigo extraordinária força de persuasão. Em política e econômica e obstáculo para o
outras palavras, pode-se dizer que a desenvolvimento nacional. Outro ato
representação oficial da bandeira nacional, ao constantemente lembrado como momento de
revelar sentido único e absoluto aos símbolos, reencontro entre povo e nação diz respeito ao
constitui-se verdadeiro ato de violência movimento pelas Diretas Já!, desencadeado
simbólica. Impõe a idéia de homogeneidade entre 1983 e 1984. Os comícios, passeatas e
no seio da sociedade segregada, cuja herança atos públicos que no fim da ditadura militar
da colonização e da escravidão ainda é reivindicaram a soberania popular na escolha
explicitada na contraditória coexistência de do presidente da República, restituíram os
condomínios de luxo por entre favelas ou de símbolos nacionais como força política, como
favelas em meio a condomínios de luxo. A mecanismo de passagem para um novo
violência simbólica reside justamente no fato tempo, uma nova república. A espontaneidade
de esse tipo de representação engendrar da campanha remete à fala de Alberto Tosi
comportamentos sociais indiferentes ao Rodrigues sobre o movimento:
preconceito racial; de engendrar uma visão Muito mais que um simples comício, é
de mundo insensível ao caráter histórico dos impossível não evocar a imagem da "festa
cívica". Mais uma vez a manifestação
problemas sociais. A violência simbólica é,
ampliava o escopo da política para além do
pois, a manifestação do poder simbólico, âmbito institucional, não apenas porque
exercida sem ser vista, opaca, sutil. Mas, ao engajava novos atores, mas também porque
mesmo tempo, um poder de estruturas rígidas contaminava o lugar da política com a folia
com barreiras quase intransponíveis. (Tosi, 2003, p.83).
da festa popular
(Bourdieu, 1989, p.7-19). E complementa O raciocínio citando
Contra esse tipo de força persuasiva Marlyse Meyer e Maria Lúcia Montes:
ergueram-se e erguem-se resistências políticas é como cidadão que, ao reivindicar seus direitos,
sobretudo o direito de eleger seus próprios
que transformam as representações da
govemantes, cada participante da festa política
bandeira nacional em mais um palco das lutas
se redescobre como membro da comunidade da
sociais. Neste cenário, as práticas sociais e nação (...) e essa descoberta, como experiência
políticas reinventam os sentidos históricos dos coletiva, só foi possível através da recriação da
símbolos nacionais. Assim, para além de uma festa e graças ao substrato da cultura popular
simbologia oficial que reproduz uma visão de através dela reinventado. (Meier e Montes,
mundo caracterizada pela afirmação das 1985).
homogeneidades nacionais, estas práticas Mas interessa pensar as reinvenções da
instituem outras interpretações sobre a nação. simbologia nacional principalmente através da
Nelas tornam-se visíveis os conflitos e as parcela mais excluída da nação. São as
divisões intrínsecas à sociedade brasileira. organizações de luta que protagonizam, ao nosso
Povo e nação se reencontram redefinindo a ver, as distâncias que separam as classes sociais
própria imagem nacional. no interior da comunidade imaginada. Nesta
Nas décadas de 1950 e 1960, a perspectiva, pode-se situar a letra da música
esquerda marxista navegou pelos mares do Ordem e Progresso, escrita por Zé do Pinto. A

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música ficou conhecida porque entoou a Marcha urbano, onde a população negra, mesmo
do movimento dos trabalhadores rurais sem apartada nos guetos periféricos das grandes
terra do Brasil (MST), realizada em Brasília em cidades, resiste às injustiças sociais dando
abril de 1996. O ato, além de chamar atenção visibilidade aos seus problemas por meio de
para o secular problema da reforma agrária, foi estratégias políticas, culturais e discursivas. Este
uma homenagem aos 19 ativistas sem-terra é o exemplo vindo do movimento hip hop. As
assassinados pela polícia militar do estado do frátrias órfãs, como denominou Maria Rita Khel,
Pará um ano antes. Naquele evento, o MST em 2000, representam parte da juventude que,
contou com apoio de estudantes, operários e nascida e crescida em situações social e
outros setores, que, através dos sindicatos, economicamente adversas, organizaram-se em
grêmios estudantis, centros acadêmicos, CUT tomo das lutas contra o preconceito racial, por
e UNE, ocuparam a Esplanada dos direitos civis, sociais e políticos, a favor de uma
Ministérios. A realização da marcha coincidiu vida mais digna. Como estratégia desenharam
com a chegada dos milhares de sem-terra, que, um novo horizonte da cultura de periferia,
a pé, haviam se deslocado de acampamentos sobretudo a negra, em tomo da qual organizam
e assentamentos de cada estado do país em e atraem outros jovens.
direção à Capital Federal. Nas caminhadas e O hip hop, sendo um movimento social,
no dia do encontro, a canção que embalou os permite aos jovens desenvolver uma educação
política e, conseqüentemente, o exercício do
manifestantes chamava-se Ordem e
direito à cidadania. Nunca, na história social
Progresso. Por ela, a majestade da pátria foi do país, houve uma mobilização social tão
assim representada: expressiva, produzida por jovens negros; esse
fato é exclusividade dos anos 1990.
Esse é o nosso país (Andrade, 1999, p.89).
Essa é a nossa bandeira Em oficinas, panfletos, palestras,
E é por amor a essa pátria Brasil imprensa alternativa e posses, as "frátrias
Que a gente segue em fileira órfãs" correspondem a uma das principais
forças sociais e urbanas com trânsito efetivo
Queremos mais felicidade entre a população pobre. Aos estereótipos que
No céu desse olhar cor de anil geralmente galvanizam as imagens desses
No verde a esperança sem fogo locais, o movimento hip hop - entre outros
Bandeira que o povo assumiu protagonistas como educadores, ONGs e em
Amarelo só os campos floridos alguns casos o poder público municipal -,
As faces agora rosadas tratou de apontar as dimensões humanas,
Se o branco da paz se irradia positivas e enriquecedoras existentes nestes
Vitória das mãos calejadas locais. Na luta diária em prol da transformação
do cotidiano, a importância da educação não
Queremos que abrace essa terra ficou despercebida. Nas periferias das grandes
Por ela quem sente paixão cidades firmaram-se grande parte das famílias
Quem põe com carinho a semente de migrantes nordestinos e de famílias de ex-
Para alimentar a nação escravos. São nesses lugares que surgem novas
forças sociais, como é o caso do hip hop, que
A ordem é ninguém passar fome
demonstram o avesso do "mundo ao avesso".
Progresso é povo feliz
Organizam-se politicamente e conscientemente
A reforma agrária é à volta
apontam para o canal pelo qual passa toda e
Do agricultor à raiz (Zé do Pinto,
qualquer transformação social:
1996)
Z' África Brasil, grupo de hip hop da
zona sul de São Paulo, representa bem este
É mister salientaras batalhas circunscritas
exemplo. No álbum Antigamente quilombos,
à representação da bandeira nacional no front
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hoje periferia, lançado em 2002, há uma música negro. Por isso sou feliz, por ter esse sangue
chamada "A cor que falta à bandeira". A letra correndo nas veias. Por ter nascido de três
deste rap "esquece" do caráter paradisíaco das raças formada brasileira. Habitada por índios
cores nacionais, da vitalidade dos recursos e construida por negros. Administrada por
riquezas naturais. Prefere lembrar aquilo que brancos era nobreza herdeiro. Era, era nada,
parece ter sido esquecido na memória do verde- era uma bandeira de gangues. Falta o
amarelismo. Ao evocar a falta da cor vermelha vermelho derramado por eles. O vermelho do
na bandeira nacional os rapers do Z' África Brasil sangue. Eu não me esqueço eu não me rendo.
não pretendem prestar homenagens ao elemento Foram muitos erros foram muitos lamentos.
indígena, como dantes fizeram Silva Jardim ou Que não há fortaleza de baqueador do
Rio Branco. Querem, sim, narrar a questão da passado. Que não há receita que cura a dor
violência com a qual foi construída nossa história. da alma além da vida. A dor do laço que foi
amarrado nos açoite dos arames farpados.
A cor que falta na bandeira Na triste dor da luta como na triste dor do
brasileira (Z' África Brasil -2002) parto. Inevitável além da selva. O sangue das
crianças nascidas na senzala. A dor da época.
E ali estava ela, hasteada, para que Se existiu o julgamento final e ainda foi
todos pudessem ver suas cores radiantes divulgado. É como sempre nesse país estar
simbolizando Ordem e Progresso. certo ou errado. E se os assassinos serão
E aos redores grandes qui/ambos julgados por Deus na mesma maneira. Eles
periféricos. Um lugar de guerreiros cujo afogarão nesse sangue cor que falta na
olhar vermelho é pela liberdade entre terras bandeira brasileira.
e mares. Oh! Pátria amada e idolatrada
salve-se salve. E do passado que restou, é Outro exemplo de recriação dos
rubro terror. Como o vermelho de Xangô a sentidos da bandeira nacional pode ser
cor do amor. Que pulsa no coração com localizado no artigo "Continência às estrelas",
passos de ódio e paixão esparramando publicado no ato II da revista Literatura
sangue ao chão na eterna contradição de uma marginal, organizada pelo escritor, músico e
nação. Verde, amarela, azul, branca e compositor Férrez. O artigo de Santiago Dias
vermelha. São as cores que compõem a reaproxima Estado e nação. Os usos da
bandeira brasileira. Só que o vermelho não bandeira nacional pela mãe e a filha recém-
quiseram botar. É cor de sangue, é cor de nascida colocam os seguintes problemas.
morte, é cor de farsa. É todo o sangue Primeiro, ou a nação, representada pela
derramado nesses 500 anos. É toda a história bandeira, serve para promover o bem-estar das
maquiavélica tramada nos nossos mocamos. pessoas ou não serve para nada, ou melhor,
A dominação de um povo por ouro. Fora o apenas para ser cultuada como um ser
sofrimento de um povo. Que foram se transcendental; segundo, opera-se uma
acabando aos poucos. Meus antepassados reaproximação entre nação e Estado na medida
indígenas celebravam os deuses. Hoje me em que a bandeira simboliza as funções dos
lembro que os índios são poucos e só aparecem equipamentos do aparelho jurídico-político da
às vezes quando queimados vivos em praça nação conclamados a garantir um dos mais
pública por uma raça sádica que faz um mal básicos direitos sociais: saúde pública. E
a sua cultura. Luta, resistência, traçar a vida surpreendentemente o autor chama a criança
são batalhas. A morte o salvamento Deus que nascida nas mais duras condições de vida:
era suas almas. Era um das matas, era um Pindorama. A criança abandonada pela saúde
dos cantos. Hoje índios são poucos mas pública representa a própria nação.
significam tanto. Isso é para quem sabe para
quem tem raiz, porque sou índio, porque sou Uma vez vi a linda bandeira brasileira
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tendo utilidade. Diga-se de passagem que foi revelam como tais. São as palavras únicas
um ato verdadeiramente heróico. Uma faculdades pelas quais os homens são capazes
mulher tipicamente brasileira. Uma cabocla. de participar da esfera pública, fabricar e partilhar
Tendo a maçã do rosto saliente, cabelos lisos o mundo. É pelo discurso na esfera pública que
e pele bem escura. Olhar profundo e os homens revelam a essência da condição
semblante triste. Foi ter criança em um humana. Quando o movimento hip hop, ou seja,
hospital público. De repente não havia vaga. a organização cultural e política da juventude
Pegou o ônibus e partiu para outro hospital, urbana, reelabora a idéia de nação, apresenta
onde também não havia vaga foi então que a os símbolos na perspectiva dos jovens pobres,
pobre mulher, se contorcendo 'de dor, deu à pretos e segregados, recria os sentidos da
luz uma linda criança na calçada daquela simbologia nacional inserindo aspectos da
maternidade. Sendo auxiliada pelos história no bojo da representação a-histórica.
indigentes, garis e transeuntes. Sem higiene, Nesta ação os esquecimentos são outros.
sem estrutura e sem nada para se limpar, Acentuam-se as feridas não curadas de nossa
outra companheira de falta de sorte, olhou história. Estes mutirões discursivos, com seus
para o céu, como se pedisse socorro a Deus! erros e acertos, ousadias e equívocos, operam
Inesperadamente enxergou balançando no sobre as representações nacionais por meio
vento a bandeira do Brasil, que parecia dizer: da comunicação de massa, mas com
- Olha eu aqui. Para que sirvo se não para fortíssimo traço de enraizamento comunitário.
ficar diante desse monte de imbecis??? Os rappers do movimento hip hop
A senhora coberta de humildade lembram os problemas sociais pertinentes à
entrou no jardim e desceu a bandeira do parte real da comunidade imaginada a que
mastro. Com o amarelo, limpou a sujeira. pertencem, mas não esquecem as quebras e
Com o verde cobriu a mãe. Com o azul e quebradas espalhadas pelos centros. urbanos
branco coberto de estrelas, ele vestiu a brasileiros que motivam suas intervenções
criança. Aliviada e sorridente, parecia sócio-políticas. As letras das músicas ou os
ignorar a situação que se encontrava. Disse contos publicados nos veículos de
com alegria: - Se chamará Pindorama! comunicação alternativos - como é o caso de
Tempos depois, Pindorama, inocente, A cor que falta à bandeira brasileira e
ouviu nos noticiários que seu primo da aldeia Continência às estrelas - transformam as
pataxó foi sacrificado. Incendiado vivo no condições adversas em combustível histórico.
Planalto Central do Brasil. Enquanto o país Parecem querer lembrar aquela frase dita por
comemorava cinco séculos de civilização. Isak Dinessen que abre um dos mais
Ele, índio, aborígine, mendigando um pedaço importantes textos de Hannah Arendt: "todas as
de terra para plantar e viver. Terra que é sua mágoas são suportáveis quando fazemos dela
por direito divino. Recebeu como recompensa uma história ou contamos uma história a seu
as chamas, as labaredas e a fúria do fogo. respeito" (Arendt, 2003, p. 188). Pela narrativa
Em nome da modernidade e da civilização. dos problemas locais, as letras de rap produzem
Para quem não sabe, Pindorama quer dizer: um tipo de discurso sobre a nação, mas que na
lugar de palmeiras, primeiro nome do Brasil. verdade evocam a humanidade, pois nas
(Dias, 2004 p.12). entrelinhas já iniciaram novas possibilidades de
lembrar e recriar a história nacional.
Não existe, pois, nação no singular. Dos
discursos sobre a nação traçados nas práticas
sócio-políticas dos grupos e movimentos, REFERÊNCIAS
emergem várias nações. No livro Condição
humana, HannahArendt (2003) relembra que ANDERSON, B. Comunidades imaginadas.
é na ação e no discurso que os homens se Lisboa: Edições 70,1991.

Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.70-78, jan.jjun. 2006


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Cleber Santos Vieira

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