Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
v. 7 n. 1 janeiro/junho 2006
São Paulo
ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X
CENTRO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA
DE SÃO PAULO
CONTATO:
NÚCLEO EDITORIAL DA REVISTA SINERG;IA -
A/C: MARIA TERESA MARTINS FURTADO
ENZO BASÍLIO ROBERTO
Rua Pedro Vicente, 625 - Canindé
São Paulo - SP - CEP 01109-010
Tel.: (11) 6763-7617
E-mail: sinergia@cefetsp.br
robs_ebr@yahoo.com.br
www.cefetsp.br/edu/sínerqta
Semestral
ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X
CDU 001(05)"540.6":(81)
EDITORIAL
5
Raul de Souza Püschel
Violência silenciosa
64
Vânia Amparo
Esta edição mostra novamente várias, mas não todas, facetas das pesquisas realizadas no
Cefet-SP. Fala-se agora de educação, de tecnologia, de fisica, de questões sociais e culturais, o
que denota a amplitude das preocupações desta Instituição.
Em "Filosofia para a educação básica", há uma acurada descrição de um projeto de
capacitação de docentes da rede pública de Osasco para uma atuação crítica e democrática em
um programa transdisciplinar.
Na seqüência, o texto "A evolução histórica da escrita e sua importância na formação do
sujeito" apresenta inicialmente uma pequena e sucinta evolução da representação verbal, bem
como reflexões sobre processos e teorias clássicas da alfabetização.
No relato de experiência "Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura
- proposta para turmas do ensino médio do Cefet-SP", é mostrado o papel relevante que este tipo de
interface produz na vida dos alunos e de que forma o Cefet-SP coloca-se na vanguarda do ensino
médio ao adotar as chamadas disciplinas (ou antes, interdisciplinas-projeto) na grade escolar.
O ensaio "A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios" discute amplamente em
que setores da medicina as novas tecnologias da informação podem ser aproveitadas no presente,
quais as tendências futuras e quais os cuidados com tal utilização.
Em "O xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de
aprendizagem", os autores demonstram como o xadrez pode ser uma excelente ferramenta
educacional, ao proporcionar o autodomínio, a segurança, a capacidade de conviver com os
outros e perceber o que são regras, entre outras coisas. Ou seja, auxilia no amadurecimento do
indivíduo enquanto cidadão.
A seguir, o estudo "Os caminhos da educação brasileira" apresenta diacronicamente os
descaminhos do ensino no Brasil, sempre a serviço das elites, como dizem ao final os autores do
artigo.
Em "Determinação da equação geral do período do pêndulo simples", é feita "uma revisão
do problema do pêndulo simples para qualquer ângulo", mostrando-se ainda dentro de que limites
o modelo simplificado pode ser útil para experimentos no ensino médio.
O estudo "Violência silenciosa" comprova como historicamente o descaso pelos direitos
sociais tem acentuado a desigualdade econômica e, conseqüentemente, gerado mais violência.
Este número encerra-se com "Símbolos nacionais: representações em conflitos", que
mostra como, se de um lado muitas vezes bandeiras e hinos, entre outros, escondem as lembranças
dos convenientemente excluídos, por outro lado, cada vez mais, à margem do discurso oficial,
surgem outras formas de representação que dão voz a tais grupos, tradicionalmente segregados.
FILOSOFIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
The aim of this article is to present the project of implementing the philosophy program for
I the pupils of Osasco 's public schools, through a change in the teaching staff as well as the
students, through the development of capabilities and abilities in a transdisciplinary programo
utilizado pelos diretores da rede pública, a fim discente. O desejo de educá-lo para a vida de
de fazer valer um ponto de vista que afirme a forma cidadã e consciente, capaz de realizar
qualidade e a vinculação social do ensino por projetos pessoais, implica na perspectiva
ela veiculado, assim como o compromisso de participativa do questionamento dos
gerar conhecimentos capazes de atender aos conteúdos dos currículos e cotidiano das
interesses coletivos. aulas. O argumento prepotente que
I~ Ao lado da autonomia, o ambiente desconsidera o aluno como ser pensante, que
democrático é o solo fértil para a consecução não tem nada com que contribuir, contradiz
dos objetivos deste projeto. Relembrando que por princípio o desenvolvimento do
tanto a filosofia como a democracia pensamento filosófico. Suplantar as barreiras
encontram suas origens em comum do autoritarismo e preconceitos para a
interligadas na Grécia clássica, também na participação democrática efetiva é o desafio
escola devem andar coligadas. A liberdade de principal para desenvolver o canal de
discussão e de crítica são características comunicação entre docente e discente e
fundamentais do exercício das atividades fomentar a postura filosófica almejada.
filosóficas e mediante a aceitação coletiva de A democratização do espaço escolar
normas se concretiza o pensamento filosófico na reintegração das escolas no espaço
em uma direção colegiada. geográfico do bairro, através programa
Seguramente, a direção da escola atual municipal Recreio nas Férias, programa
não pode ser feita por déspotas autoritários, estadual Escola da Família ou na prática
mas por um conjunto de prescrições de pedagógica como da ONG Cidade Escola
validade geral, implementadas por uma Aprendiz e da escola Lumiar (inspirada na
estrutura de organismos colegiados. Escola da Ponte, de Portugal), servem de
Nesse contexto, destaca-se que indicadores de como a participação
democratizar possui o sentido de encontrar comunitária agrega valor ao processo
formas para a comunidade escolar participar educativo. Apesar da distância que estas
ativamente de seus processos de decisão. propostas guardam com o PFEISI, tanto em
Mantendo-se a diretriz j apresentada,
á sua proposta conceitual quanto atitudinal,
segundo a qual os envolvidos na consecução podemos inferir que o ensino de filosofia
dos objetivos do PFEISI devam ser levados sendo abordado integrado à vivência escolar,
em consideração, a democratização e a paulatinamente renovará a prática escolar,
autonomia se conjugam. Não há garantia de gerando uma cultura educacional que possa
autonomia sem a presença de órgãos servir de paradigma para a própria educação
colegiados atuantes e responsáveis brasileira, como alternativa de um ensino
politicamente. Portanto, a capacidade que público gratuito, relevante e de qualidade, e
uma instituição apresenta de incorporar, na que a abordagem transversal, autônoma e
elaboração de seus objetivos e metas, a democrática proposta no PFEISI oferecerá
dinâmica dos componentes dos diversos alternativas para melhorar o desempenho
segmentos que a constituem, seguramente é global e interesse do aluno pelo estudo, com
um traço característico de funcionamento conseqüente diminuição da indisciplina.
democrático.
A democratização do âmbito escolar,
para ser completa, envolve a autocrítica PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
docente enquanto uma revisão do fundamento
da autoridade do professor no próprio Para implantação do PFEISI na rede
exercício pedagógico. Em direção a um pública municipal de Osasco, propõem-se
ensino inovador e de qualidade, não se pode estratégias distintas, visando à consecução de
prescindir da participação atuante do corpo cada objetivo levantado no projeto em
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-19,jan./jun. 2006
Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto
Ação 2 - Fundamentação
transversalidade
H multiplicadores Através da realização de minicursos
e divulgação de referencial bibliográfico
específico, e da organização tanto de banco
de material de estudo e pesquisa corno de
pequenos textos para leitura e reflexão para
Figura 1 o informativo. Assessorar os grupos de
trabalho quanto à fundamentação teórica,
1. Etapa de sensibilização (primeiro organizando palestras e debates e formulando
objetivo do projeto) questões reflexivas para o corpo docente,
O desenvolvimento da etapa de subsidiando-os e oferecendo o instrumental
sensibilização abrange cinco ações distintas teórico para a implantação do programa.
e inter-relacionadas. Abrir canal de comunicação através
Corno o programa PFEISI pressupõe de meios virtuais e fisicos (urnas nas diversas
uma mudança de atitude ético-política frente escolas da rede) para recebimento de críticas
aos demais conteúdos, faz-se mister pensar e sugestões da comunidade escolar, analisar
este momento, em que o resultado da leitura e catalogar os dados e sugestões apresentados,
"de como é", para sua projeção, "do corno divulgando sugestões que se ajustem à
pode vir a ser" impulsione a comunidade questão da qualidade dos objetivos propostos;
somada à vontade política do "querer fazer",
para efetuarem-se mudanças que se julgarem Ação 3 - Evento interativo
necessárias. Promover a Semana da Filosofia, com
O processo de sensibilização já palestras, debates, eventos culturais, grupos
constitui urna postura filosófica, pois abre de estudo sobre ensino de filosofia, feira de
possibilidades de leitura de mundo livros, lançamentos de livros (contatar
diferenciadas e força, pelo seu próprio caráter, editoras para que autores visitem escolas ),
a criação de novos interativos, em que outras
posturas no inter-relacionamento pessoal
/
Filosofia para a educação básica
Enzo Basílio Roberto
IEtapa/ação
IEtapa 1 - ação 1
IEtapa 1 - ação 2
IEtapa 1 - ação 3
IEtapa 1 - ação 4
IEtapa 1 - ação 5
IEtapa 2
IEtapa 3 - ação 1
Etapa 3 - ação 2 - módulo 1
Etapa 3 - ação 2 - módulo
IEtapa 4
Figura 2 - cronograma
Este artigo discorre sobre a evolução histórica da escrita e suas primeiras funções, a seguir
sobre opapel da escrita no contexto atual e sua relação com o sucesso ou fracasso do indivíduo,
passando pelo processo de alfabetização, e finalmente discute a importância da escrita na
formação do sujeito.
This article starts presenting an overview of the historical evolution of writing and its first
uses. Then, it also discusses the role of writing in the present context and its relation with the
individual's success or failure, the literacy process and the importance of writing in the
formation of the subject.
REFERÊNCIAS
PEDROSA, M. G. S. P. A apropriação da
palavra escrita como condicionante do
sucesso escolar num um enfoque
psicanalítico. (Monografia do curso
Psicanálise, Infância e Educação), São Paulo:
Faculdade de Educação da USP/ LEPSI, 2002.
Neste artigo nós analisamos algumas idéias e práticas que foram implementadas com alunos
do ensino médio do CEFET-SP entre 2001 e 2007. O eixo central deste trabalho pedagógico
consistiu em fornecer aos estudantes o conhecimento necessário para fazer as inter-relações
entre história e ciência, em outras palavras, entre as "duas culturas": as humanidades e as
ciências naturais. O trabalho apresentado aquifoi realizado no espaço curricular da disciplina
projeto que tem a história, a ciência e a cultura como seus temas principais.
This article analyzes some ideas and practices implemented at CEFET-Sp, with high school
students from 2001 to 2007. The central axis of this pedagogical work was to provide the
necessary knowledge to the students, so that they could make the links between history and
science. In other words, the link between 'two cultures': humanities and natural sciences.
This pedagogical work was carried out in the discipline project that presents history, science
and culture as its main themes.
Trindade, e foi relatado em artigo publicado na na sua vida prática, temos uma determinada
revista Sinergia (Teixeira, 2002). A dissertação carência de orientação na vida presente; por
de mestrado escrita pelo professor Diamantino isso existe a necessidade de buscar
c (Trindade, 2002) teve como tema exatamente mecanismos de orientação em meio a estas
esta experiência de tentativa de inclusão de uma mudanças. O homem precisa situar-se no
disciplina de História da Ciência para turmas do mundo - caracterizado por rápidas mudanças
ensino médio do CEFET-SP. tecnológicas - e assim surge a necessidade
A inserção da história da ciência no de construção de uma consciência histórica
currículo da educação básica brasileira, orientadora para uma ação transformadora.
infelizmente, não tem sido um objeto de Nesse sentido:
estudo sistemático, como nos indica Roberto É justamente no ponto em que os interesses
se transformam em idéias que se pode fixar o
de Andrade Martins:
limite de uma ciência especializada. Essas
A História da Ciência não tem um papel
idéias têm de ser relacionadas às experiências
estabelecido no ensino de 10 e 20 Graus. Ela
do tempo, no passado, a fim de que estas
aparece apenas esporadicamente sem chamar
possam ser investigadas metodicamente. A
a atenção, em um ou outro ponto: nas
elaboração metódica da experiência do
disciplinas científicas, quando se fala de
tempo, no passado, em uma perspectiva
'grandes nomes' como Newton, Galileu,
orientadora que toma possível ver o passado
Pasteur, Mendel, Lavoisier, Dalton, Pitágoras,
como história, só aparece nas formas de
Euclides, etc.; nas disciplinas históricas,
apresentação (na historiografia). É nestas que
quando se menciona alguma informação sobre
a perspectiva orientadora com respeito ao
os pensadores da Antigüidade, sobre o
passado toma a forma concreta de saber
surgimento das universidades na Idade Média,
histórico (Rüsen, 2001).
sobre as alterações de visão de mundo no
Renascimento, sobre a Revolução Industrial. Para as turmas de ensino médio que
f Mas esses aspectos são abordados entraram no CEFET-SP a partir do ano de
ligeiramente, tanto nas disciplinas científicas 2001 foi proposta uma nova grade curricular,
quanto nas históricas, sem ao menos chamar
com a parte diversificada do currículo sendo
a atenção para a existência de um campo de
diluída ao longo das três séries nas
estudos chamado "História da Ciência"
/ (Martins, 1993). denominadas disciplinas-projeto de quatro
Isso se deve a uma multiplicidade de aulas para cada série tendo como tema um
fatores mas, principalmente, de acordo com tópico interdisciplinar proposto por um
o autor, pelo fato do professor de história docente da escola e como pano de fundo uma
interessar-se mais pelo desenvolvimento proposta didática claramente estabelecida.
social e econômico do que pelo científico, Surgiram disciplinas-projeto com temas os
enquanto que os professores de ciências estão mais diversos possíveis. Ao longo dos anos
mais preocupados com as questões presentes subseqüentes, alguns destes projetos foram
do que com as passadas. substituídos por outros, sempre levando em
Paralelamente, toma-se necessário um consideração as aptidões dos professores e os
resgate da História, pois "o desprestigio das interesses dos alunos; outros - e este é o caso
humanidades épatente,face a uma sociedade de Ciência, História e Cultura - se
consumista, na qual o saber tecnolôgico é o mantiveram até o momento atual. Em muitos
./
único valorizado, pois aparentemente casos a disciplina-projeto é trabalhada por
possibilita a ascensão em direção às dois professores, às vezes de áreas diferentes,
./
trabalho de investigação ao longo do ano em início do século XX foi a julgamento pelo fato
várias etapas: pesquisa de outros livros e de de ensinar a teoria da evolução. Em 2006 a
outras fontes que se associam ao tema original; discussão migrou para a questão da introdução
definição do problema-foco da pesquisa; do criacionismo como conteúdo obrigatório,
realização da leitura do livro; entrega de uma motivado por debates que ocorreram tanto em
carta de análise da obra escolhida; estados norte-americanos, como no estado do
apresentação do seminário sobre o livro e o Rio de Janeiro. Em outra oportunidade houve
tema escolhidos em relação aos quais o aluno uma discussão sobre o ensino religioso
apresenta um trabalho material final. Estes obrigatório no currículo escolar, e em que
trabalhos são orientados pelos professores e medida isto entraria em contradição com uma
avaliados ao longo do ano para a apresentação postura científica tomada pelos currículos
final. Assim, as formas de avaliação se escolares.
diversificam e se diferenciam da tradicional Ao mesmo tempo, como estratégia de
prova escrita. sensibilização, discutimos filmes de ficção
Concomitantemente às pesquisas científica que refletem sobre estas questões,
individuais de cada aluno, transcorre o como, por exemplo, Matrix, eXistenZ, Blade
trabalho didático com a classe toda durante Runner e Contato. A ficção científica é uma
as aulas nos diferentes bimestres, com excelente ferramenta para isto, pois a ela se
diferentes objetivos que se complementam em dá a liberdade de especular - liberdade esta
termos globais. Ao mesmo tempo que os limitada nos campos da ciência e da história,
conteúdos são articulados em aula, muitas sobre uma visão prospectiva muitas vezes
visitas extraclasse são realizadas, construindo negativa dos rumos tomados pela
uma cultura de valorização do cinema de arte, humanidade. Assim sendo, uma das
do teatro, de livrarias, de museus, de centros provocações sistemáticas realizadas durante
culturais, etc. Muitos alunos dizem que as aulas diz respeito às "histórias" alternativas
passam a freqüentar estes locais por causa do ou contrafactuais, possibilidades históricas
projeto. que não aconteceram realmente devido a um
No primeiro bimestre, é realizado um outro transcorrer dos fatos e das motivações
trabalho de apresentação da proposta do curso e condições dos sujeitos históricos.
de introdução da história da ciência enquanto Claramente a "história" contrafactual não está
campo de conhecimento autônomo e é feita no campo da ciência histórica, mas sim no
uma discussão a respeito das origens - do ser campo da ficção, mas mesmo assim - e até
humano, da vida e do universo - a partir de por isto mesmo - ela permite que a
diferentes estratégias, mas sobretudo de textos imaginação dos alunos se manifeste e
escolhidos para este objetivo, de filmes e paradoxalmente se aprofunde o seu
vídeos didáticos abordando estes temas como conhecimento sobre a história e a ciência! A
A Guerra do fogo, 2001 e documentários questão problematizadora feita aos alunos no
científicos. É interessante registrar que em início das aulas é: "A história da ciência (aliás,
cada ano as discussões tomaram caminhos a história em geral) poderia ter acontecido de
diferenciados, pois elas dependem de que os uma outra forma?" Finalmente, os alunos, no final
alunos também participem no processo de deste primeiro bimestre, tomam público o seu
seleção de conteúdos. Em algumas vezes, a interesse por um tema específico utilizando
discussão sobre a origem do homem pequenos cartazes feitos com este objetivo e
encaminha-se para o confronto entre uma dispostos em um mural na escola; a apresentação
visão religiosa criacionista e uma visão de um e-mail para contatos é necessária e isto
científica evolucionista. Trabalhamos, então, fortalece a idéia de que investigar pressupõe
com o filme Herdeiros do vento, sobre um necessariamente pôr em contato diferentes
professor de biologia norte-americano que no pessoas, campos de conhecimento e fontes de
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 24-31, jan.jjun. 2006
Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira
informação que deverão dialogar entre si ao minimamente útil para a formação cidadã dos
longo de todo o processo. jovens, tem que manter um espaço de
O segundo bimestre é dedicado a discussão e reflexão sobre esta indústria,
seminários feitos por seis grupos nos quais é particularmente sobre o cinema. Marcos
dividida a classe, referentes às três partes de Napolitano (2003), em seu Como usar o cinema
dois livros escolhidos especialmente com o na sala de aula, faz interessantes observações
objetivo de aproximar história e ciência. O sobre este tipo de ferramenta pedagógica.
primeiro livro é Bilhões e bilhões que foi Paralelamente, sabemos que ao apresentarmos
escrito pelo físico norte-americano - já um "filme histórico, não significa que estamos
falecido - Carl Sagan, e o segundo livro é A presenciando a História, pensada como
corrida para o século -XXI escrito pelo passado, ou como verdade, mas sim que a análise
historiador brasileiro Nicolau Sevcenko: cinematográfica é instigante pela leitura da
ambos tratam, a partir de pontos de vista realidade histórica que é efetuada, e que nos
diferentes mas complementares, dos impactos revela determinadas interpretações e visões
crescentes da ciência nas sociedades ao longo parciais da realidade. Alguns dos filmes já
dos séculos e particularmente no mundo utilizados neste trabalho foram: A cor dafúria;
,-
contemporâneo. São dois livros de leitura O cão branco; Uma outra história americana;
agradável e ao mesmo tempo provocativa e Gattaca; Uma cidade sem passado; Filhos da
I instigante. Um dos objetivos do trabalho guerra (Europa, Europa); Arquitetura da
pedagógico desta disciplina-projeto é também destruição; Amém; A onda. Paralelamente
incentivar o gosto pela leitura, a capacidade neste terceiro bimestre os alunos entregam uma
/
de ler - não só livros mas a mídia em geral-, de avaliação em forma de carta destinada aos
forma crítica, e a habilidade em escolher as obras professores, analisando criticamente a obra
a serem lidas. Normalmente proliferavam escolhida para fundamentar toda a sua pesquisa.
discussões sobre o impacto das novas A avaliação é em forma de carta para ressaltar o
tecnologias e do consumismo na cultura caráter de pessoalidade de um projeto: projetar-
contemporânea. Trabalhamos, então com se significa percorrer pessoalmente uma
curtas-metragens e documentários como trajetória escolhida de forma autônoma.
Meow, A alma do negócio e Surplus. O quarto bimestre, como já relatamos,
O terceiro bimestre tem como tema é inteiramente dedicado aos alunos, que
específico a questão do racismo e dos apresentam os seminários sobre os temas que
preconceitos existentes nas sociedades em estudaram ao longo do ano e paralelamente
geral e no Brasil em particular; o trabalho é entregam algum trabalho feito que materialize
realizado utilizando-se filmes (longas- concretamente o assunto investigado: poesias,
metragens) que propiciam reflexões fitas de vídeo, quadrinhos, músicas, desafios,
interessantes sobre este tema. A discussão roteiros teatrais, romances, textos de ficção
central se. dá em termos das diferenças entre científica, histórias possíveis que não
a ciência e a pseudociência, e sobre a forma como aconteceram, pinturas, CD-Rom, site na intemet,
desigualdades e injustiças sociais foram e são maquetes, pôsteres.rnonografias, etc.
pretensamente justificadas e reproduzidas a partir
de considerações ideológicas pseudocientíficas.
Parte do trabalho realizado neste bimestre já foi IMPRESSÕES DE EX-ALUNOS SOBRE
descrito em um artigo anterior (Teixeira, 2003). O PROJETO E CONCLUSÕES
A linguagem do cinema é usada como eixo
metodológico aqui devido à sua influênciana vida A escolha dos temas de pesquisa pelos
dos alunos e dos adolescentes em geral: a alunos freqüentemente marca de forma
denominada indústria cultural apresenta cada vez significativa a vida de cada um, inclusive as suas
mais força e a escola, se quiser se manter opções profissionais após terminar o ensino
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 24-31, jan.jjun. 2006
Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira
médio e sair do CEFET-SP, corno pode ser alienamos; passa a ter maior consciência moral
avaliado após seis anos de existência desta e autonomia em seus posicionamentos".
disciplina-projeto. Abaixo, apresentamos as Urna conclusão importante que pode ser
reflexões de alguns ex-alunos de Ciência, realizada a partir deste trabalho é a relevância
História e Cultura. do trabalho em forma de projeto, indo além dos
Nas palavras de urna ex-aluna que limites usuais das disciplinas tradicionais
agora já terminou o ensino médio: "Até hoje (matemática, física, história, etc) tanto no escopo
surpreendo meus colegas de faculdade dos assuntos abordados quanto na metodologia
quando digo as disciplinas que tive na e nas formas de avaliação utilizadas. Além disso,
Federal. Matérias de vanguarda que vejo um ganho importante do projeto é o estímulo ao
agora corno nos preparavam para o hábito da leitura, sobretudo de livros de qualidade
ambiente universitário de monografias e e que estejam em sintonia com os interesses dos
iniciação científica". alunos. Finalmente, um trabalho que aproxime
Urna outra ex-aluna que agora está as "duas culturas" - as humanidades e as
estudando biologia nos Estados Unidos, ciências naturais - inclusive por meio de
afirmou em urna correspondência: "Talvez professores de duas diferentes áreas
você esteja se perguntando o porquê de eu disciplinares do conhecimento humano
estar te escrevendo logo agora, quatro, quase trabalhando concomitantemente, viabiliza
cinco anos depois. Estou escrevendo para urna compreensão muito mais ampla do
dizer que as aulas do projeto contribuíram processo de construção do conhecimento
muito para minha formação intelectual. Mais científico e tecnológico.
do que simples reprodutores de informações,
posso te dizer que as aulas de projeto em geral REFERÊNCIAS
constroem cidadãos pensantes".
Um terceiro ex-aluno afirmou: "Estou BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da
atualmente fazendo Ciências Moleculares na Educação Nacional N° 9304.20/12/1996.
USP, um curso voltado para a formação de
pesquisadores, e pretendo me encaminhar a HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A
estudos de neurociências e inteligência organização do currículo por projetos de
artificial: coincidentemente o terna do meu trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
projeto foi sobre Inteligência Artificial,
lembra? Gostaria de aproveitar para dizer que MARTINS, R. de A. Abordagens, métodos e
tenho boas lembranças do curso e sem dúvida historiografia da história da ciência. In: O tempo
esta disciplina foi a que mais me influenciou". e o cotidiano na história. São Paulo: FDE, 1993
Finalmente, em um espaço na internet (Série Idéias).
criado por ex-alunos para discutir a disciplina-
projeto Ciência, História e Cultura, a sua NAPOLITANO, M. Como usar o cinema em
importância pedagógica é salientada devido a- sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
nas palavras destes ex-alunos - sua
"contundência": "Primeiramente por exigir NOGUEIRA, F. H. G.. Entre teorias e
reflexões críticas incomuns em nível de ensino prescrições: o ensino de história nos periódicos
médio: a proposta temática centralnos traz muitas educacionais paulistas na Primeira República.
perspectivas externas a questões acadêmicas 2002. (Dissertação de Mestrado). São Paulo:
comuns. Depois porque quem faz esse projeto FFLCH-USP.
passa por um ano de questionamentos, éticos
em alguns sentidos, científicos em outros; passa
a questionar suas próprias convicções,
percebendo falsas doutrinas nas quais nos
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.24-31, jan./jun. 2006
Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura - proposta para turmas do ensino médio
do CEFET-SP
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajFausto Henrique Gomes Nogueira
TEIXElRA, R. R. P. e TRINDADE, D. F.
Reflexões sobre uma experiência de inclusão
da disciplina "História da ciência" no ensino
médio. In: Revista Sinergia. São Paulo: CEFET-
SP, 3,2001, p.33.
AGRADECIMENTO
Siony da Silva
Professora do CEFETSP -Mestre em Educação
The new information and communication technologies are being used in some areas ofhuman
knowledge, modifying people's behavior in the way they communicate, in their leisure time
and in their learning process, and including these resources in their professional activities.
Telemedicine is one of the areas that uses the resources of communication and information
in the medical area. This article briefly points out the importance of telemedicine in helping
doctors in their professional and educational activities and patients in providing service with
quality.
medicina
tecnologia interesse
científico
profissiona is
eletromedicina organização
informática
telefonia valor sanitário
+
indicado
+
adequado interesse
assistencial
indivíduo/social
habilidades;
Computador móvel com conexão - ruptura das barreiras de espaço e
wireless tempo;
Com o desenvolvimento das tecnologias - abertura e flexibilização do processo
de comunicação, a respectiva mobilidade de educativo.
transporte dos computadores, ou seja, a A utilização dos recursos tecnológicos
associação de dispositivos de comunicação na educação é um excelente meio de permitir
wireless, em conjunto com os computadores de que o aluno aprenda a aprender, conforme
mão e a utilização do prontuário eletrônico do suas necessidades e interesses, empregando
paciente, permitirá que as informações não sejam sua vontade pessoal para atingir os
perdidas, mesmo quando (J contato do médico conhecimentos que ele considere adequados
com o paciente não for realizado "em ambientes para sua formação profissional, além de
habituais de trabalho como na assistência prepará-lo para uma nova organização de
domiciliar, no atendimento em campo aberto", trabalho.
além de permitir que as decisões tomadas, Considerando as dimensões
através de ligações telefônicas fora do territoriais do Brasil, a concentração de
consultório, não sejam perdidas. Assim, os riqueza, a heterogenidade de recursos e
dados poderão ser coletados e recuperados, e conhecimentos, com vários centros de
as informações poderão ser analisadas quando excelência concentrados nas regiões sul e
e onde for necessário (Wechsler et al., 2003). sudeste, a educação médica a distância pode
ser um mecanismo que se bem elaborado "( ...)
Educação médica a distância pode vir a ser um meio para permitir que essa
O avanço dos recursos tecnológicos excelência possa ser mais bem distribuída
em especial nas áreas de informação e pelo país, facilitando o acesso ao
comunicação estão promovendo mudanças conhecimento e ao aperfeiçoamento
nos relacionamentos, no trabalho, na forma profissional daqueles que residem em áreas
de adquirir conhecimento e na educação em distantes e cujas populações sofrem ainda
geral mais com a má qualidade da assistência à
A situação atual e os desafios gerados saúde" (Christante et. al, 2003, p.328).
pela sociedade do conhecimento na educação, A educação a distância, na medicina,
segundo Herrero (2006), são os seguintes: pode ser uma forma de permitir a atualização
acelerados processos de dos profissionais da saúde, independente da
transformação social, cultural e tecnológica; distancia dos grandes centros de referência, e
- novas necessidades educativas; assim possibilitar uma homogenidade no
- novas organizações e processos de tratamento da população brasileira, atendendo
trabalho; também pessoas distantes dos centros de
- novos instrumentos e processos; referência.
- novos conteúdos, modelos e Convém destacar a importância das
estratégias de aprendizagem; faculdades médicas, no sentido de adequar
excesso de produção de seus currículos profissionais a mais uma área
conhecimentos; de conhecimento tecnológico,
- necessidade de aprender ao longo instrumentalizando o futuro profissional a
da vida; fazer uso de recursos de atualização
- preparação para enfrentar situações profissional a distância. Também se faz
de forma crítica e reflexiva; necessário atualizar os profissionais médicos
- estimulo a aprender a aprender e no acompanhamento de cursos a distância.
aprender a ser; Desta forma, os cursos deverão ser
- exigência de novas competências e direcionados para determinado perfil de
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 32-39, jan./jun. 2006
A telemedicina na sociedade atual: vantagens e desafios
Siony da Silva
web.frm.utn.edu.ar/codarec/Telemedicina/
Presentaciones.htm. Data de acesso: 11/2006.
Este artigo estuda as possibilidades do uso de xadrez como alternativa para a superação 'das
dificuldades de aprendizagem. É apresentada uma pesquisa realizada com seis crianças entre
9 elO anos, estudantes de uma escola pública de São Paulo, e que apresentavam problemas
de leitura e escrita. Realizamos uma rejlexão sobre os principais objetivos educacionais
possíveis de serem atingidos pelo jogo de xadrez.
The present study aims at verifying the possibilities 0/ using chess games as a way of overcoming
learning dijJiculties. The study analyzes the case 0/ six children, between 9 and 10 years old,
students 0/ a public school in São Paulo who presented reading and writing problems. We
rejlect upon the main educational objectives that can be reached using chess games.
estéticas: cada partida é uma reinvenção do fato de constituir uma rica experiência cognitiva
jogo de xadrez. que pode ter conseqüências extremamente
Assim como· na matemática, a positivas no desempenho escolar dos
simplicidade - associada ao antigo princípio educandos. Há vários livros bons no mercado
conhecido como "navalha de Occam" - é um editorial brasileiro que apresentam o trabalho
"valor" importante no xadrez, pois dentre dois pedagógico com o jogo de xadrez na escola;
movimentos com os mesmos objetivos, dentre vários títulos indicamos: O ensino de
quanto maiores forem os condicionantes xadrez na escola (Fontamau, 2003), Iniciação
existentes, mais improvável será o desenrolar ao xadrez para crianças (Girona, 2003) e
imaginado para os próximos lances de uma Xadrez na escola: uma abordagem didática para
partida. Da mesma maneira, a separação e a principiantes (Rezende, 2002).
classificação entre o que é relevante e o que é O jogo de xadrez amplia o horizonte
superficial - uma característica do jogo - é a cultural dos alunos, já que para estudá-Io é
base também do método experimental: nos preciso conhecer sua história, e a história de
experimentos tenta-se sempre isolar as outros povos e culturas localizados em
variáveis relevantes daquelas que não diferentes regiões do planeta. Com o advento
influenciam no fenômeno estudado. O da internet, o aluno que queira aprofundar-se
trabalho de investigação e de observação, no tema vê-se diante de possibilidades de
intrínseco da visão científica de mundo, são interação com outras realidades culturais e
vitais para o bom jogador de xadrez. ampliação de seus conhecimentos gerais. A
própria habilidade de leitura é desenvolvida
JUSTIFICATIVA PARA O USO DO com o xadrez, pois, para o desenvolvimento
XADREZ COMO FERRAMENTA de um bom jogador, é absolutamente
PEDAGÓGICA necessário estudar as técnicas de abertura,
meio jogo e finalização, bem como as grandes
oxadrez é um jogo de estratégia e partidas, que são acessíveis por uma imensa
tática e não um jogo de sorte. Ele é jogado variedade de livros, revistas e sites com estes
pelo mundo todo de acordo com regras fixas objetivos.
e bem definidas. Como é um jogo de baixo Para Maria da Glória Lopes (2000),
custo - há tabuleiros vendidos por menos que há 14 objetivos pedagógicos para a utilização
R$ 2,00 nas lojas de comércio popular do de jogos - em geral- no contexto escolar: 1-
Brasil- ele é plenamente acessível a todos os Trabalhar a ansiedade; 2- Reavaliar os limites;
interessados, não discriminando pessoas 3- Reduzir a descrença na autocapacidade de
devido a sua condição financeira. realização; 4- Diminuir a dependência,
Comparando-se com outros esportes que desenvolvendo a autonomia; 5- Aprimorar a
demandam investimentos grandes em coordenação motora; 6- Desenvolver a
equipamentos, piscinas e quadras, o xadrez organização espacial; 7- Melhorar o controle
apresenta um retorno excelente para um de diferentes segmentos do corpo para a
pequeno investimento financeiro em material, realização de tarefas; 8- Aumentar a atenção
tendo em vista o desenvolvimento cognitivo e a concentração; 9- Desenvolver a
e intelectual das crianças e adolescentes. O capacidade de antecipação e o senso de
investimento que na verdade conta é aquele estratégia; 10- Trabalhar a discriminação
na formação de professores que tenham auditiva; 11- Ampliar o raciocínio lógico; 12-
conhecimento de suas regras e possam atuar Desenvolver a criatividade; 13- Perceber
como multiplicadores nas suas próprias salas figura e fundo; 14- Trabalhar as emoções com
de aula. o jogo, aprendendo a perder e a ganhar. É
De fato a principal justificativa para o evidente que a ampla maioria destes objetivos
uso do xadrez na educação formal reside no é muito bem trabalhada pelo jogo de xadrez.
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, P-40-48, jan,fjun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para criancas com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira
quanto ao posicionamento das peças: os oito sólida O movimento da rainha emjogos anteriores.
peões devem ficar à frente das demais peças, as Apenas quando elasjá possuíam um bom
torres devem posicionar-se nos vértices do domínio do tabuleiro foi que introduzimos o
tabuleiro, os cavalos ficam ao lado das torres cavalo no jogo, isto porque o cavalo possui
e os bispos ficam ao lado dos cavalos; a rainha movimentos mais complexos que as demais
branca deve ficar na casa de cor branca ao peças: é a única peça do jogo que pode saltar
lado de um dos bispos, e a rainha preta deve por cima das outras peças, e ele anda em forma
ficar na casa de cor preta também ao lado de de "L" em todas as direções ("percorrendo" três
um bispo de sua equipe; a última casa, ao lado casas). Ao apresentar o cavalo, inicialmente
da rainha, pertence ao rei. retiramos todas as demais peças do tabuleiro,
Após a compreensão do com exceção dos peões, e nessa combinação
posicionamento inicial das peças, começamos realizamos várias partidas com o grupo. Quando
o trabalho de ensinar os movimentos e a forma as crianças dominaram o movimento do cavalo,
de capturar as peças adversárias. O primeiro foi que aos poucos fomos incluindo as demais
/
passo foi treinar as crianças no jogo com os peças até a formação do tabuleiro com sua
peões, num jogo conhecido como "mata- composição completa.
mata" ou "come-come" (a chamada "guerra Para manter as crianças estimuladas, nas
de soldados"). Após o domínio do movimento partidas iniciais deixávamos que elas vencessem:
dos peões, acrescentamos as torres, cujo o objetivo era fazê-Ias perceber que eram
movimento e captura das peças adversárias capazes de aprender esse jogo que tanto as
ocorrem em linha reta - coluna ou fileira - fascinava, pois muitas delas pensavam que não
desde que as casas à sua frente estejam livres. seriam capazes de aprender, já que não se
As crianças não tiveram dificuldade com achavam inteligentes o bastante para isso.
relação a esta peça. O passo seguinte foi Notamos que a auto-estima de todas as crianças
aprender a jogar com os bispos, cujo foi melhorando a cada novo encontro com o
movimento ocorre em diagonal. Neste caso, xadrez. Para que elas não ficassem cansadas,
novamente o tabuleiro foi somente montado fizemos variações tanto no que se refere ao jogo
com os peões e os bispos e, para não confundir de xadrez quanto na introdução de outras
o aprendizado do grupo, as torres foram atividades: histórias sobre o xadrez ou sobre
retiradas. Algumas crianças tiveram de fazer enxadristas, trabalhos de leitura e escrita, caça
um número maior de jogos nesta composição, palavras, jogo dos sete erros, charadas, desenho,
pois demoraram a compreender o que era uma pintura, estudo do mapa mundi e atividades de
diagonal. matemática, dentre outras.
Em seguida, retiramos os bispos do À medida que as crianças se
tabuleiro e em seu lugar entrou a rainha, cujos apropriavam do jogo, diferentes temas foram
movimentos possíveis são iguais à soma dos surgindo: questões sobre preconceitos de
movimentos dos bispos com os movimentos classe, gênero e raça - uma única criança era
das torres. Neste caso, também repetimos menina e outras duas eram negras; a questão
inúmeras partidas para igualmente fixar os religiosa - desencadeada pela peça do bispo;
movimentos da rainha pelo grupo. Após a a questão de cidadania, da ajuda ao próximo
compreensão dos movimentos da rainha, o rei e do respeito mútuo; a questão do espírito de
foi introduzido na partida e novamente equipe e de esportista competidor no sentido
jogamos com peões e rei, cujo movimento é de saber reconhecer a vitória do colega; a
semelhante ao da rainha, porém de forma questão da agressividade; a questão sobre o
reduzida, ou seja, ele anda somente uma casa vocabulário mais adequado a ser utilizado
por vez, mas em todas as direções. Neste caso, durante uma partida. Uma das mais relevantes
as crianças não apresentaram qualquer foi o debate sobre se o xadrez era jogo só para
problema, pois já haviam aprendido de forma meninos ou se meninas também poderiam jogá-
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48,jan./jun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto P/aza Teixeira
10: após a resistência inicial da ampla maioria próprios e diferentes. Com isso, a aprendizagem
masculina, as crianças acabaram concordando é lenta, pois é preciso dominar os movimentos
que todos, independentemente do gênero, simples para aos poucos se apropriar dos
poderiam jogar bem o xadrez, até porque movimentos mais complexos, e o aprendiz
justamente a própria instrutora, que estava necessita ser perseverante para não desistir de
ensinando ojogo de xadrez, era uma mulher. jogar logo na primeira dificuldade que encontrar.
Cada pessoa desenvolve sua própria maneira de
CONCLUSÕES apropriar-se do tabuleiro e de suas peças. A
autoconfiança amplia-se à medida que o sujeito
No que se refere à utilização do jogo desmistifica seus temores e, novamente, a forma
de xadrez na prática educativa, alguns de trabalho do instrutor é crucial para um bom
aspectos importantes merecem destaque, resultado.
sobretudo quanto aos problemas para sua Durante o período em que realizamos
implementação. Em nossas conversas com este trabalho, nos chamou a atenção o total
diferentes pessoas, notamos que muitas delas desconhecimento do jogo de xadrez por boa
têm medo do xadrez e se julgam incapazes parte das pessoas que nos cercam,
de aprender a jogá-lo, num processo de real independentemente da idade. Notamos
auto-exclusão. Esta é sem dúvida uma das também que muitos professores
grandes limitações da aplicabilidade do jogo principalmente do sexo feminino - não sabem
de xadrez, pois como esse pensamento é jogar xadrez, e devido a esse
muito recorrente e está enraizado na mente desconhecimento não conseguem obviamente
da maioria da população, é preciso ensiná-lo aos seus alunos. Assim sendo, é
desmistificar essa crença, o que não é fácil. importante que os cursos de pedagogia
Um outro problema é a resistência de alguns dediquem um espaço para a aprendizagem do
pais de alunos, que desconsideram a prática xadrez e de seu potencial didático.
do xadrez e de qualquer jogo em sala de aula, Segundo uma das crianças
por não conseguirem ver o seu lado educativo, componentes do grupo, seu pai conhecia e
boicotando a participação dos filhos nessa sabia jogar xadrez, mas não se preocupou em
atividade. ensiná-lo, pois ele só foi capaz de jogar com
É importante que o profissional que o próprio filho a partir do momento em que o
deseja trabalhar com o xadrez seja paciente, garoto passou a jogá-lo na escola. Seu pai
colocando-se no lugar do aprendiz que tem tinha dificuldade em ver os aspectos
medo por acreditar não ser inteligente o educativos do jogo e sua visão do xadrez era
bastante para jogá-lo, e principalmente somente recreativa. Este é um bom exemplo
utilizando-se de uma didática ampla e de como o xadrez pode proporcionar maior
cuidadosa, a fim de mostrar que qualquer um proximidade entre as pessoas. Devido às
é capaz de aprender desde que tenha força de crescentes preocupações com o trabalho,
vontade e dedicação. A metodologia por nós muitas vezes pais e filhos não encontram
aplicada foi lenta e gradual, porém muito tempo para se falare se conhecer melhor, e o
eficaz, pois respeitávamos as dificuldades de uso do xadrez pode ser um bom pretexto para
cada participante e os desafiávamos a cada melhorar as relações entre os familiares e amigos.
momento, a fim de mantê-Ios sempre O MEC sugere, a partir da 5a série do
estimulados e, para tanto, a curiosidade do ensino fundamental, o uso do xadrez pelo
aprendiz necessitava estar em alta e a condução professor de matemática em atividades
do trabalho realizado foi fundamental para isto. extrac1asse com objetivos matemáticos.
Outro problema do uso do xadrez é a Acreditamos que o xadrez é uma excelente
grande complexidade do jogo em si, já que ferramenta pedagógica para qualquer professor
cada uma das peças possui movimentos ou professora em todas as áreas do saber -
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 40-48, jan,fjun. 2006
o xadrez como estratégia pedagógica para crianças com problemas de aprendizagem
Divina de Fátima dos Santos/Maria Anita Viviani Martins/Ricardo Roberto Plaza Teixeira
de errar foi aos poucos sendo superado. SANTOS, D. F. Xadrez na educação escolar:
urna perspectiva psicopedagógica.
(Monografia do curso de Especialização). São
REFERÊNCIAS Paulo: Psicopedagogia-PUC-SP, 2006.
L-
o objetivo deste trabalho é mostrar o processo histórico do ensino no Brasil e seus problemas
desde o processo de colonização, que visava ao enriquecimento da Metrópole, passando pelas
reformas educacionais, sempre de caráter político que atendiam às necessidades das elites,
até os dias de hoje com a LDB 9.394/96 que pretende, pelo menos em sua essência, ser mais
democrática.
The objective of this work is to show the historical process of education in Brazil and its
problems since the colonization process, that aimed at the enrichment of the Metropolis,
passing for the educational reforms, always of politician character that accommodated the
necessities of the elites, until the present with LDB 9,394/96 that it intends, at least in its
essence, more democratic being.
uma escola que se preocupava mais com a a libertação dos escravos. Contudo, a
instrução do que com o bordado e a costura, Constituição de 1891 efetivou a
foi duramente atacada por seus descentralização do ensino proposta pelo Ato
contemporâneos. Naquele tempo só existia Adicional de 1834, reforçando a distância
um colégio particular para moças, dirigido entre a educação para a classe dominante,
pela professora inglesa Mrs. Hitchings, que concretizada nos níveis secundário e superior,
ensinava ciências naturais. A educação e para o povo, restrita à educação primária e
feminina deveria ser feita por professoras profissional. Neste contexto, foi adiada, mais
mulheres e, para atender a tal necessidade, uma vez, a criação de uma universidade
foram abertas nessa época, para ambos os brasileira, sob a influência do positivismo que
sexos, as escolas normais secundárias para a também orientou a organização escolar.
formação de docentes. O interessante é que A Reforma Benjamin Constant,
estas escolas passaram a receber um número seguindo a orientação expressa na
cada vez maior de mulheres, numa época em Constituição, visava à liberdade de ensino, sua
que o ensino superior era proibido para elas: laicidade e gratuidade, bem como a co-
a primeira brasileira médica formou-se no educação de gênero. A escola primária
New York Medical College e, curiosamente, organizou-se em duas categorias: a de
sob o patrocínio do próprio imperador. primeiro grau, para crianças de 7 a 13 anos, e
Nota-se que no final do século havia de segundo grau, para as de 13 a 15 anos.
uma tendência para se incrementar a educação Uma das intenções da reforma era possibilitar
feminina, especialmente no que se referia à que todos os níveis de ensino se ocupassem
formação das professoras. Este processo não da formação, e não apenas de preparação dos
aconteceu sem resistências. Para alguns alunos. A outra era estruturar a formação
parecia uma completa insensatez entregar às científica substituindo a tradição humanista
mulheres usualmente despreparadas, clássica que vigorava no país há mais de 300
portadoras de cérebros "pouco anos. Nos moldes positivistas, foram
desenvolvidos" pelo seu "desuso a educação introduzi das matemática, física, astronomia,
das crianças". (Louro. 2004, p. 450). Para biologia, química e sociologia. Nada disso se
outros, as mulheres seriam naturalmente efetivou e o que ocorreu foi apenas um
moldadas para o ensino infantil, que seria uma acréscimo das matérias científicas às
extensão da maternidade. Assim, tradicionais sem se conseguir implantar um
a docência não subverteria a função feminina ensino secundário adequado.
fundamental, ao contrário, poderia ampliá-Ia Também teve início neste período a
ou sublimá-Ia. Para tanto seria importante que
implantação das escolas primárias estaduais.
o magistério fosse também representado como
uma atividade de amor, de entrega e doação. Em São Paulo muitas escolas primárias foram
A ele acorreriam aquelas que tivessem abertas, e mereceu cuidados especiais a
"vocação" (Louro. op.cit.) formação dos futuros docentes que contavam
com escolas-modelos para sua futura prática,
em que havia a possibilidade de se
o ENSINO NOS PRIMEIROS ANOS DA experimentar novas técnicas e métodos de
REPÚBLICA ensino. No entanto, não havia escolas que
formassem professores para o ensino
Os últimos anos do regime imperial secundário. Os outros estados, pobres em sua
foram marcados por uma significativa maioria, não conseguiram desenvolver
modificação da paisagem social brasileira: o qualquer sistema em educação.
crescimento da classe média e sua A Reforma Benj amin Constant
participação na vida pública, a urbanização e ignorou o tema universidade. A primeira
universidade brasileira foi criada no Paraná,
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p,49-58, jan,fjun. 2006
Uma análise histórica da educação brasileira
Diamantino Fernandes Trindade/Lais dos Santos Pires Trindade
transplante cultural e de uma concepção primeira reforma que trata da articulação entre
ingênua da realidade. Como sabemos, não se o ensino primário e o secundário, em 1942,
efetivou, no entanto, teve o mérito de trazer a porém com uma abordagem muito aquém das
primeira proposta concreta no sentido da expectativas, foi a Reforma Gustavo
integração dos diferentes níveis de ensino e Capanema, ministro da Educação na época.
influenciar, de maneira marcante, o capítulo Restringia-se à proposta de que para o
da educação na Constituição de 1934. Esta ingresso no ensino secundário, o aluno
Carta, apesar de ainda atender aos católicos precisava de uma satisfatória educação
conservadores, que se opunham à política de primária, ainda que não exigisse a necessidade
laicização da escola pública, com a introdução de um curso primário regular para o ingresso.
do ensino católico, incorporou a gratuidade Manteve o ensino secundário com dois ciclos:
do ensino, reconheceu a educação como um o ginasial de 4 anos e o colegial de 3 anos,
direito de todos e estabeleceu a universalidade com as opções entre o curso clássico e o
do ensino primário. científico, formato que permaneceu quase que
Na década de 1920, São Paulo já inalterado até 1971, não passando de um
reivindicava a criação de uma universidade transplante da ideologia nazifascista
que fosse um centro de produção científica, (Ribeiro. 2003, p.131) para o ensino
cultural e artística. Em 1934, um decreto do brasileiro. Apesar de o Estado continuar
governador Armando de Salles Oliveira criou a desobrigado da manutenção e expansão do
Universidade de São Paulo com a integração da ensino público, decretava as reformas do
recém-estruturada Faculdade de Filosofia, ensino industrial e comercial. Criou ainda o
Ciências e Letras, à Faculdade de Direito (que Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
antes era federal), à Escola Politécnica, à (Senai), sob o controle dos empresários. A
Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, às seguir, em 1946, foi promulgada a lei orgânica
Faculdades de Medicina, Farmácia e dos ensinos primário, normal e agrícola e foi
Odontologia, Medicina Veterinária e ao implantado o Serviço Nacional de
Instituto de Educação Caetano de Campos. Aprendizagem Comercial (Senac).
Este fato não se constituiu apenas num Transcorridos 119 anos, em janeiro de
processo burocrático de reunião de faculdades 1946 foi assinada a segunda Lei Orgânica do
isoladas, mas, sim, numa revolução no ensino Ensino Primário, que estabelecia a alçada da
com a possibilidade de formação de União, dos estados e dos municípios; as
professores universitários que pudessem se normas para a atribuição de cargos no
dedicar integralmente ao magistério. Até magistério, bem como a remuneração e
então, esses profissionais exerciam outras formação dos professores. O ensino primário
atividades de suas áreas e trabalhavam passou para quatro anos, com uma quinta
algumas horas semanais nas faculdades. A série, agora de caráter complementar.
USP contratou alguns professores europeus Novamente as medidas foram insuficientes
que trouxeram novas idéias e concepções para mudar a realidade do ensino primário: a
sobre o ensino. Porém esse processo de demanda continuou maior que a oferta e a
transposição não respeitava as quantidade de professores leigos continuou
particularidades do ensino e dos alunos praticamente inalterada, chegando a aumentar
brasileiros. em 1957.
Com a Constituição Federal de 1937, Como exigência da Constituição de
implantou-se um sistema dual. Permanecia 1946, em outubro de 1948 foi encaminhado à
não só o ensino propedêutico, o único que Câmara Federal o projeto da Lei de Diretrizes
possibilitava o acesso ao ensino superior, e Bases da Educação Nacional, que só seria
sendo marcado pelas mesmas características, aprovado em 1961, em função dos amplos
mas também foi criado o profissionalizante, debates que desencadearam, em especial pelos
que se destinava às classes operárias. A defensores do ensino particular, representados
pela escola católica que defendia seus interesses 4.024/61, tendeu, no seu texto, a apoiar a
sob o ponto de vista pedagógico e jurídico. vertente religiosa e, quanto à estrutura do
No aspecto pedagógico, a Igreja ensino, manteve o que já existia, ou seja, o
Católica acusa a escola pública de ter ensino primário de pelo menos quatro anos;
condições de desenvolver somente a o ginasial também com quatro anos,
inteligência e, enquanto tal, instrui mas não subdividido em comercial, industrial, agrícola
educa. Ela não tem uma "filosofia integral e normal (formação de professores); o ensino
de vida" (Ribeiro. 2003, p.166). Portanto, colegial com três anos, subdividido em
apenas ela seria capaz de desenvolver a comercial, industrial, agrícola e normal
inteligência e formar o caráter, ou seja, educar. (especialização) e o superior.
Em sua defesa chegou ao extremo de
relacionar o aumento da criminalidade com o
aumento do número de escolas públicas. o ENSINO DURANTE O REGIME
Contudo, o próprio Manifesto dos Pioneiros MILITAR
da Educação Nova já apontava suas
preocupações formativas ao afirmar que: o clima de terror instalado no país nos
O fisico e o químico não terão necessidade
dias que se seguiram ao golpe militar de 1964
de saber o que está a se passar além da janela
do seu laboratório. Mas, o educador, como o logo atingiu a educação. Universidades foram
sociólogo, tem necessidade de uma cultura invadidas, alunos e professores, presos,
múltipla e bem diversa; as alturas e as inviabilizando qualquer processo de reforma
profundidades da vida humana e da vida universitária. Também foram extintos ou
social não devem estender-se além do seu raio
paralisados programas e núcleos de educação
visual. Ele deve ter o conhecimento dos
homens e da sociedade em cada uma de suas popular, especialmente aqueles orientados
fases, para perceber, além do aparente e do para a alfabetização de jovens e adultos.
efêmero, o "jogo poderoso das grandes leis Muitos de seus membros foram considerados
que dominam a evolução social" e a posição subversivos.
que tem a escola e a função que representa,
Paralelamente, o governo deveria
na diversidade e pluralidade das forças
sociais qu~ cooperam na obra da civilização tomar algumas iniciativas para ordenar as
(Azevedo. s/d, p. 60). atividades educativas segundo seus
No aspecto jurídico, defendia que a princípios. Foi criado, em 1967, o Mobral
família seria anterior ao Estado, cabendo a (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e a
ela orientar a educação física, intelectual, educação foi atrelada ao mercado de trabalho,
moral e religiosa de seus filhos. Os incentivando a profissionalização na escola
escolanovistas, no entanto, argumentavam média, a fim de conter as aspirações ao
que a formação do indivíduo não era de ensino superior (Libâneo et. al. 2003, p.144)
competência do Estado ou da família, que cujo número de vagas era extremamente
deveriam promover condições para que o reduzido. A Lei 5.692/71 ampliou a
indivíduo adquirisse autonomia para escolaridade básica para oito anos, fundindo
direcionar sua formação. o ensino primário com o ginasial, e tomou
Conforme Fernandes (1966), as profissionalizante, obrigatoriamente, o ensino
escolas religiosas abrigavam as classes sociais secundário, agora denominado de segundo
mais privilegiadas, contribuindo para a grau. Contudo, esta lei feria os interesses da
manutenção dos seus interesses. Com a elite, que não tinha qualquer interesse na
República, através da escola pública houve profissionalização de seus filhos; não teve,
uma democratização do ensino, o que portanto, o apoio dos industriais, a quem tinha
justificaria plenamente a defesa deste tipo de a intenção de beneficiar. Assim sendo, nove
escola. anos depois foi revogada, e o problema da
A LDB, aprovada como lei de número escolarização superior resolvido, da pior forma
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.49-58, jan.jjun. 2006
Uma análise histórica da educação brasileira
Diamantino Fernandes TrindadejLais dos Santos Pires Trindade
A educação superior foi pela primeira vez dando uma maior importância à liberdade e ao interesse
contemplada numa LDB, que definiu suas dos alunos. Incentivou o trabalho em grupo e a prática
de trabalhos manuais nas escolas. Colocou os alunos,
finalidades, objetivos e abrangência, mas a
e não mais os professores, como centro do processo
par disso o Estado vem se descuidando deste educacional.
nível de ensino, beneficiando, mais uma vez,
os setores privados da educação. 6. O direito público subjetivo é aquele que pode ser
pleiteado no Poder Judiciário
CONSIDERAÇÕES FINAIS
PINTO, J. M. R. °
ensmo médio. In:
OLIVEIRA, R. P.; ADRIÃO, T. (orgs.).
Organização do ensino no Brasil. São Paulo:
Xamã, 2002.
www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/
ult95u83031.shtml. Data de acesso em 29/11/
2005.
Este trabalho apresenta uma revisão do problema do pêndulo simples com a demonstração
da equação do período do pêndulo simples não linear, isto é, não usando a aproximação
seno(O) = O,mas mostrando a expansão para chegar à equação que não fica limitada a pe-
quenos ângulos.
This article presents a study about the simple pendulum problem with the demonstration 01
the non-linear period equation 01simpie pendulum, that is, without using the approximation
seno(O) = O, but showing the expansion to reach the equation that is not limited to small
angles.
qualquer ângulo, iniciando com a resolução para Em geral, a resolução desta equação
pequenos ângulos, finalizando com a diferencial utiliza a aproximação para
determinação da equação do período para pequenos ângulos de forma que o problema
qualquer ângulo (Medina; Velazco; Salinas, fica semelhante à equação do MHS:
2006) e a comparação com o modelo d2e 2
--f':::-@Oe,
simplificado. 2
dt
onde
Figura I. Representação das forças atuantes no pêndulo sim- Multiplicando a definição acima nos
ples.
Decompondo a força Peso nas dois membros da ED da equação diferencial
componentes tangencial (P ta) e normal (PN)' temos:
verificamos que a resultante das forças será:
Od{) = - g senôdi) ~ Oédt =- g senôdt).
FR = -Etan = -mgsen(e)
e e
Para resolvermos o problema, usamos em que o lado esquerdo dessa equação pode
a segunda Lei de Newton de forma que, ser reescrito como:
escrevendo em coordenadas polares: . .
enquanto que no lado direito da equação será com o ângulo variando de -nl2 até n/2, vamos
dado por - sen éb'e = d (cos e) . obter:
Desse modo, a ED ficará como:
d(éP)= 2g d(cos9),
I
a qual pode ser integrada equação para
ângulos de 80 até 8, enquanto que a velocidade
--
2
Assim, a equação do período será dada
por:
Fazemos agora a mudança de variável:
T=2n
H -[l+-sen
g 4
1 2(8-2J
0
+-sen
9
64
4(8-2J
0
+
To =
vamos obter uma relação entre as duas
soluções:
Sinergia,
Sinergia,São
SãoPaulo, v.v.7,7,n.n.1,1,
Paulo, p.p.49-63,
59-63, jan./jun.
jan.jjun. 2006
2006
Determinação da equação geral do período do pêndulo simples
Augusto Massashi Horiguti
T I
To = 1+ 4 sen
2(Bo)
2 9
+ 64 sen
4(Bo)
2 +
225
+--sen 6(Bo)
- + 11025 sen 8(Bo)
- +...
2304 2 147456 2
1,7
--------
1,6
1,5
~/
/
1,4 /
//
1,3
1,2 /
1,1
.> ~
L-----"
----------
1,0
O 1(:j4 nf2 31r/4
(radianos)
Gráfico 1. Representação das relações entre os períodos e o ângulo inicial.
REFERÊNCIAS
Sinergia,
Sinergia, São
SãoPaulo,
Paulo,v.
v. 7,
7, n.
n.1,1,p.p.59-63, jan./jun. 2006
49-63,jan,/jun. 2006
VIOLÊNCIA SILENCIOSA
o presente artigo propõe uma rejlexão sobre a falta de políticas públicas eficientes desde a
formação da sociedade brasileira até a atualidade. O desapreço com que os governantes têm
tratado a questão dos direitos sociais constitucionalmente instituídos acentua as desigualdades,
não facilita a criação de novos postos de trabalho que atendam à demanda crescente, não
garantem distribuição das riquezas nacionais mais equânimes, impedindo acesso à melhor
qualidade de vida para a maior parte da população, criando e reproduzindo o que chamamos
"violência silenciosa".
The present article proposes a rejlection upon the lack of ejJicient public policies since the
beginning of the Brazilian society. The lack of importance with which the government has
been treating the social rights guaranteed by the Constitution increases the inequalities in the
Brazilian society. Besides, it neither facilitates the creation of new job positions to meet the
increasing demand nor provides a better national wealth distribution. Consequently, it hinders
the access to a better life quality to the most part ofthe population, creating and reproducing
what is called 'silent violence'
Nos últimos tempos, ocorreram, na São Paulo. Não faltaram entrevistas, reportagens,
cidade de São Paulo, fatos inusitados que estatísticas, propostas, análises, promessas,
causaram a perplexidade da população e das bombas, mortes, tiroteios, desespero e medo!
autoridades. Vivenciamos a ousadia de O coração do Brasil estava enfartando!
pessoas marginalizadas pela sociedade, quer Opiniões que denotam um verdadeiro
por crimes cometidos, quer, indiretamente, paradoxo entre a realidade que se vive e a
atuando como coadjuvantes do crime, quer realidade que se pensa. E agora, perguntava-
se identificando com facções ou grupos se? E os direitos humanos? E defender os
organizados ligados ao narcotráfico. direitos humanos era personificar a defesa dos
As reações das pessoas foram as mais "fora da lei." Esqueceram-se, talvez, ou não
diversas: da indignação à revolta; de pedidos sabem, que os direitos humanos representam
para mais reforços policiais à solicitação das o Estado e se corporificam em nossa Carta
Forças Armadas para patrulharem nosso Magna, a Constituição Brasileira, cuja
espaço físico; de agressões políticas verbais aplicabilidade é efetuada pelo Ministério
a ameaças de processos por difamação e Público.
calúnia entre parlamentares. No livro Casa-grande&senzala,
A mídia não poupou esforços para Gilberto Freire retrata com detalhes as
detalhar, minuciosamente, todos os características da época colonial:
acontecimentos "inesperados," que abalaram
Os que lamentam não sermos puros de raça diretas-já e a manutenção da eleição indireta;
nem o Brasil região de clima temperado o que Assembléia Constituinte - nova Constituição;
logo descobrem naquela miséria e naquela inércia eleições diretas em 1989 - crises econômicas;
é o resultado dos coitos sempre danados, de
impedimento político; Plano Real; reeleição; um
brancos com pretas, de portugas com Índias. É
da raça a inércia e a indolência ou então, é o
"príncipe" e um operário no poder "sem medo
clima que só serve para o negro. E sentencia-se de ser feliz"; corrupção; falta de decoro
de morte o brasileiro porque é mestiço e o Brasil parlamentar; promessas não cumpridas ...
porque está em grande parte em zona de clima No campo legislativo e socioeconômico,
quente. Palavras que Joaquim Nabuco repetiria verifica-se que a trajetória histórica da nossa
mais tarde, em 1883, "que se acham nessa nação apresentouum desenvolvimento incipiente.
condição intermédia, que não é o escravo, mas No século XVIII, os direitos civis que afirmavam
também não é cidadão".-"Párias inúteis vivendo
a liberdade do indivíduo frente ao Estado; século
em choças de palha, dormindo em rede ou
estrado, a vasilha de água e a panela seus únicos
XIX, o direito político que concedia ao cidadão
utensílios, sua alimentação a farinha com a sua participação no governo por meio da
bacalhau ou charque; e a viola suspensa ao lado representatividade; e no século XX, os direitos
da imagem". (Freire, s/d, capítulo I) sociais reforçados a partir da Segunda Guerra
A formação da sociedade brasileira Mundial, que permitiam ao cidadão ser
inseriu em sua estrutura o "ranço" colonial beneficiado pelo Estado por meio da
da 'exclusão e inclusão, marca forte, que implantação de políticas públicas. Entre nós,
separou colonizadores e colonizados e brasileiros, os direitos sociais se reafirmaram
estabeleceu um divisor comum identificado, primeiro ao lado da negatividade da liberdade
posteriormente, como a camada e representação, na década de 1930 - governo
intermediária, a pequena burguesia e a camada de Getúlio Vargas, apesar de termos, desde a
formada por mestiços, negros (ex-escravos) Constituição de 1824, os direitos civis e
e indígenas (também escravizados), moldando políticos assegurados legalmente.
desde o seu princípio a desigualdade social. O pós-guerra consolidou a política
A manutenção desse quadro econômica de Keynes e do Estado do bem-
preconceituoso e excludente das minorias estar social, até 1980, contribuindo para que
perdura até hoje, e soluções paliativas ou o Brasil, entre as demais economias,
assistencialistas são apresentadas obtivesse índices significativos de
sucessivamente, por nossos governantes, sem crescimento, passando de uma economia
que se resolva realmente o abandono, a agroexportadora para a de industrializados.
discriminação, a mentira política eleitoreira, Posteriormente, observou-se o início das
a vida periférica de milhares de brasileiros_ políticas neoliberais. De acordo com estudos
A trajetória política brasileira da Fundação Getúlio Vargas, de 1982 a 1994,
demonstra a fragilidade de suas instituições. o país passou por seis recessões, ocasionando
Assim, é só lembrarmos o processo histórico de uma enorme queda no PIB brasileiro
nossa emancipação política de Portugal e o (conjunto de riquezas produzidas em um país
modelo monárquico adotado após 1822; a durante um ano) mantendo a média de 2,4%,
Proclamação da República, em 1889, a crise ao ano.
político-institucional, que consolidou o poder da Apesar do Plano Real, estabilidade da
oligarquia cafeeira, a chamada "república do moeda e controle da inflação, tanto o governo
café-com-leite", a larga utilização do voto de FHC quanto o do presidente Lula, até o
"cabresto" e o coronelismo; Getúlio Vargas e o momento, . não conseguiram taxas de
poder autoritário que culminou com o crescimento compatíveis com as necessidades
fechamento do Congresso, destituindo o povo do país. De acordo com os dados, em 2003 o
do direito de escolha de seus representantes pelo PIB cresceu 0,5%; em 2004, 4,9%; em 2005,
voto; os entraves legislativos de 1946 a 1964
2,%; e em 2006, com a mudança de
que significaram quase vinte anos de poder dos
metodologia pelo IBGE, para o cálculo, cresceu
interesses da classe que assumira
3,7% (Estado de São Paulo, 2007).
institucionalmente o poder; o movimento pelas
Em relação à América Latina nosso
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.64-69, jan,fjun. 2006 65
Violência silenciosa
Vânia Amparo
multiplicando suas varas pela periferia. Durante dignidade humana. Sabemos que as
um determinado período, as associações de instituições políticas contemporâneas têm nas
bairros fizeram esse papel, mas hoje, com o forte soberanias nacionais um conceito
indispensável. Mas os progressistas jamais
clientelismo existente, algumas perderam o
esqueceram que o verdadeiro conceito de
verdadeiro significado de suas funções, ao lado soberania nacional compreende, em seu
de um Estado que subestimou ao longo dos anos interior, a soberania popular. E não existe
sua população excluída mantendo-a fora do soberania popular sem Direitos Humanos
dinamismo social, marginalizada, seja no campo (Felippe, s/d).
ou na cidade, promovendo políticas
A violência silenciosa transforma a
assistencialistas e eleitoreiras.
cidadania em um simples ato mecânico: o de
Os novos movimentos foram surgindo e
votar, reduzindo-a a um significado apenas.
organizando o espaço que o Estado não assumiu.
Hoje o governo o quer, mas não tem acesso. A Os demais são, constantemente, protelados,
marginalidade social ganhou status. Para aquele eleição após eleição, por meio de promessas
que nada tem, nem mesmo a ilusão de poder ter, de consolidação de planos econômicos
qualquer concretude é suficiente para cooptá-lo. monetaristas que possibilitem "o bolo
Ser rei ou rainha, mesmo que seja por um dia ou crescer", e dessa feita, dividi-Io para
algumas horas. multiplicar. E a cada eleição novos
Segundo José Arthur Gianotti, deserdados da sorte se mobilizam na tentativa
a política contemporânea se estrutura em novas de fazer valer os seus direitos, enquanto não
formas. Ao perder grandes horizontes assistem ao espetáculo do crescimento.
ideológicos, amplia a rede de conhecimento
disponível; os grupos em lutas não mais tendem
a se polarizar, pulverizam-se em células que se
juntam e se separam em momentos de comoção REFERÊNCIAS
pública. (Gianotti, 2006).
Diante desse quadro, os dados apontam ABRAMO, C. W. Por que não há justiça no
para a verdadeira violência: a violência Brasil. www.transparência.org.br
silenciosa. Ela se insinua e se espalha pelos
bairros das capitais e periferias, CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil.
corporificando-se na falta de saneamento São Paulo: Civilização Brasileira
básico, na precariedade da educação e do
trabalho, na ineficiência dos postos de saúde, FELIPPE, M. S. Procuradoria Geral do
nas políticas assistencialistas que não Estado (Série documentos, n° 14). Imprensa
reabilitam a dignidade humana. Ela pinta oficial.
retratos realistas e se exterioriza de forma
física, pois a fome e a desnutrição agridem,
FOLHA DE S. PAULO, 14/09/2006.
ferem e matam milhares de brasileiros,
anualmente. A violência silenciosa se mascara
no ideário da felicidade de satisfazer o desejo FOLHA DE S. PAULO, 15/0812006.
da aquisição de materialidades. São seres
humanos cooptados pela força das FRElRE, G. Casa-grande&senzala. Rio de
propagandas consumistas veiculadas pela Janeiro: Mara&Smith.
mídia, diuturnamente.
das políticas governistas
° fetiche da retórica,
neopopulistas, GIANNOTTI, 1.A. Intelligentsia carunchada.
constrói no imaginário popular a idéia da Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 03/09/2006.
inclusão social e se configura, por outro lado, na
exclusão pela falta de oportunidades no mercado
de trabalho.
° ESTADO DE SÃO PAULO, 28/03/2007.
Este artigo propõe narrar a história dos símbolos nacionais, particularmente a bandeira,
através das representações. Inicialmente um breve histórico sobre a fabricação do símbolo
oficial e, a seguir, o contraditório, ou seja, as apropriações e recriações, enfim outras
representações conferidas por protagonistas sociais situados à margem do discurso oficial.
música ficou conhecida porque entoou a Marcha urbano, onde a população negra, mesmo
do movimento dos trabalhadores rurais sem apartada nos guetos periféricos das grandes
terra do Brasil (MST), realizada em Brasília em cidades, resiste às injustiças sociais dando
abril de 1996. O ato, além de chamar atenção visibilidade aos seus problemas por meio de
para o secular problema da reforma agrária, foi estratégias políticas, culturais e discursivas. Este
uma homenagem aos 19 ativistas sem-terra é o exemplo vindo do movimento hip hop. As
assassinados pela polícia militar do estado do frátrias órfãs, como denominou Maria Rita Khel,
Pará um ano antes. Naquele evento, o MST em 2000, representam parte da juventude que,
contou com apoio de estudantes, operários e nascida e crescida em situações social e
outros setores, que, através dos sindicatos, economicamente adversas, organizaram-se em
grêmios estudantis, centros acadêmicos, CUT tomo das lutas contra o preconceito racial, por
e UNE, ocuparam a Esplanada dos direitos civis, sociais e políticos, a favor de uma
Ministérios. A realização da marcha coincidiu vida mais digna. Como estratégia desenharam
com a chegada dos milhares de sem-terra, que, um novo horizonte da cultura de periferia,
a pé, haviam se deslocado de acampamentos sobretudo a negra, em tomo da qual organizam
e assentamentos de cada estado do país em e atraem outros jovens.
direção à Capital Federal. Nas caminhadas e O hip hop, sendo um movimento social,
no dia do encontro, a canção que embalou os permite aos jovens desenvolver uma educação
política e, conseqüentemente, o exercício do
manifestantes chamava-se Ordem e
direito à cidadania. Nunca, na história social
Progresso. Por ela, a majestade da pátria foi do país, houve uma mobilização social tão
assim representada: expressiva, produzida por jovens negros; esse
fato é exclusividade dos anos 1990.
Esse é o nosso país (Andrade, 1999, p.89).
Essa é a nossa bandeira Em oficinas, panfletos, palestras,
E é por amor a essa pátria Brasil imprensa alternativa e posses, as "frátrias
Que a gente segue em fileira órfãs" correspondem a uma das principais
forças sociais e urbanas com trânsito efetivo
Queremos mais felicidade entre a população pobre. Aos estereótipos que
No céu desse olhar cor de anil geralmente galvanizam as imagens desses
No verde a esperança sem fogo locais, o movimento hip hop - entre outros
Bandeira que o povo assumiu protagonistas como educadores, ONGs e em
Amarelo só os campos floridos alguns casos o poder público municipal -,
As faces agora rosadas tratou de apontar as dimensões humanas,
Se o branco da paz se irradia positivas e enriquecedoras existentes nestes
Vitória das mãos calejadas locais. Na luta diária em prol da transformação
do cotidiano, a importância da educação não
Queremos que abrace essa terra ficou despercebida. Nas periferias das grandes
Por ela quem sente paixão cidades firmaram-se grande parte das famílias
Quem põe com carinho a semente de migrantes nordestinos e de famílias de ex-
Para alimentar a nação escravos. São nesses lugares que surgem novas
forças sociais, como é o caso do hip hop, que
A ordem é ninguém passar fome
demonstram o avesso do "mundo ao avesso".
Progresso é povo feliz
Organizam-se politicamente e conscientemente
A reforma agrária é à volta
apontam para o canal pelo qual passa toda e
Do agricultor à raiz (Zé do Pinto,
qualquer transformação social:
1996)
Z' África Brasil, grupo de hip hop da
zona sul de São Paulo, representa bem este
É mister salientaras batalhas circunscritas
exemplo. No álbum Antigamente quilombos,
à representação da bandeira nacional no front
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, p.70-78, jan.jjun. 2006
Simbolos nacionais: representações em conflito
Cleber Santos Vieira
hoje periferia, lançado em 2002, há uma música negro. Por isso sou feliz, por ter esse sangue
chamada "A cor que falta à bandeira". A letra correndo nas veias. Por ter nascido de três
deste rap "esquece" do caráter paradisíaco das raças formada brasileira. Habitada por índios
cores nacionais, da vitalidade dos recursos e construida por negros. Administrada por
riquezas naturais. Prefere lembrar aquilo que brancos era nobreza herdeiro. Era, era nada,
parece ter sido esquecido na memória do verde- era uma bandeira de gangues. Falta o
amarelismo. Ao evocar a falta da cor vermelha vermelho derramado por eles. O vermelho do
na bandeira nacional os rapers do Z' África Brasil sangue. Eu não me esqueço eu não me rendo.
não pretendem prestar homenagens ao elemento Foram muitos erros foram muitos lamentos.
indígena, como dantes fizeram Silva Jardim ou Que não há fortaleza de baqueador do
Rio Branco. Querem, sim, narrar a questão da passado. Que não há receita que cura a dor
violência com a qual foi construída nossa história. da alma além da vida. A dor do laço que foi
amarrado nos açoite dos arames farpados.
A cor que falta na bandeira Na triste dor da luta como na triste dor do
brasileira (Z' África Brasil -2002) parto. Inevitável além da selva. O sangue das
crianças nascidas na senzala. A dor da época.
E ali estava ela, hasteada, para que Se existiu o julgamento final e ainda foi
todos pudessem ver suas cores radiantes divulgado. É como sempre nesse país estar
simbolizando Ordem e Progresso. certo ou errado. E se os assassinos serão
E aos redores grandes qui/ambos julgados por Deus na mesma maneira. Eles
periféricos. Um lugar de guerreiros cujo afogarão nesse sangue cor que falta na
olhar vermelho é pela liberdade entre terras bandeira brasileira.
e mares. Oh! Pátria amada e idolatrada
salve-se salve. E do passado que restou, é Outro exemplo de recriação dos
rubro terror. Como o vermelho de Xangô a sentidos da bandeira nacional pode ser
cor do amor. Que pulsa no coração com localizado no artigo "Continência às estrelas",
passos de ódio e paixão esparramando publicado no ato II da revista Literatura
sangue ao chão na eterna contradição de uma marginal, organizada pelo escritor, músico e
nação. Verde, amarela, azul, branca e compositor Férrez. O artigo de Santiago Dias
vermelha. São as cores que compõem a reaproxima Estado e nação. Os usos da
bandeira brasileira. Só que o vermelho não bandeira nacional pela mãe e a filha recém-
quiseram botar. É cor de sangue, é cor de nascida colocam os seguintes problemas.
morte, é cor de farsa. É todo o sangue Primeiro, ou a nação, representada pela
derramado nesses 500 anos. É toda a história bandeira, serve para promover o bem-estar das
maquiavélica tramada nos nossos mocamos. pessoas ou não serve para nada, ou melhor,
A dominação de um povo por ouro. Fora o apenas para ser cultuada como um ser
sofrimento de um povo. Que foram se transcendental; segundo, opera-se uma
acabando aos poucos. Meus antepassados reaproximação entre nação e Estado na medida
indígenas celebravam os deuses. Hoje me em que a bandeira simboliza as funções dos
lembro que os índios são poucos e só aparecem equipamentos do aparelho jurídico-político da
às vezes quando queimados vivos em praça nação conclamados a garantir um dos mais
pública por uma raça sádica que faz um mal básicos direitos sociais: saúde pública. E
a sua cultura. Luta, resistência, traçar a vida surpreendentemente o autor chama a criança
são batalhas. A morte o salvamento Deus que nascida nas mais duras condições de vida:
era suas almas. Era um das matas, era um Pindorama. A criança abandonada pela saúde
dos cantos. Hoje índios são poucos mas pública representa a própria nação.
significam tanto. Isso é para quem sabe para
quem tem raiz, porque sou índio, porque sou Uma vez vi a linda bandeira brasileira
Sinergia, São Paulo, v. 7, n. 1, P.70-78, jan./jun. 2006
Simbolos nacionais: representações em conflito
Cleber Santos Vieira
tendo utilidade. Diga-se de passagem que foi revelam como tais. São as palavras únicas
um ato verdadeiramente heróico. Uma faculdades pelas quais os homens são capazes
mulher tipicamente brasileira. Uma cabocla. de participar da esfera pública, fabricar e partilhar
Tendo a maçã do rosto saliente, cabelos lisos o mundo. É pelo discurso na esfera pública que
e pele bem escura. Olhar profundo e os homens revelam a essência da condição
semblante triste. Foi ter criança em um humana. Quando o movimento hip hop, ou seja,
hospital público. De repente não havia vaga. a organização cultural e política da juventude
Pegou o ônibus e partiu para outro hospital, urbana, reelabora a idéia de nação, apresenta
onde também não havia vaga foi então que a os símbolos na perspectiva dos jovens pobres,
pobre mulher, se contorcendo 'de dor, deu à pretos e segregados, recria os sentidos da
luz uma linda criança na calçada daquela simbologia nacional inserindo aspectos da
maternidade. Sendo auxiliada pelos história no bojo da representação a-histórica.
indigentes, garis e transeuntes. Sem higiene, Nesta ação os esquecimentos são outros.
sem estrutura e sem nada para se limpar, Acentuam-se as feridas não curadas de nossa
outra companheira de falta de sorte, olhou história. Estes mutirões discursivos, com seus
para o céu, como se pedisse socorro a Deus! erros e acertos, ousadias e equívocos, operam
Inesperadamente enxergou balançando no sobre as representações nacionais por meio
vento a bandeira do Brasil, que parecia dizer: da comunicação de massa, mas com
- Olha eu aqui. Para que sirvo se não para fortíssimo traço de enraizamento comunitário.
ficar diante desse monte de imbecis??? Os rappers do movimento hip hop
A senhora coberta de humildade lembram os problemas sociais pertinentes à
entrou no jardim e desceu a bandeira do parte real da comunidade imaginada a que
mastro. Com o amarelo, limpou a sujeira. pertencem, mas não esquecem as quebras e
Com o verde cobriu a mãe. Com o azul e quebradas espalhadas pelos centros. urbanos
branco coberto de estrelas, ele vestiu a brasileiros que motivam suas intervenções
criança. Aliviada e sorridente, parecia sócio-políticas. As letras das músicas ou os
ignorar a situação que se encontrava. Disse contos publicados nos veículos de
com alegria: - Se chamará Pindorama! comunicação alternativos - como é o caso de
Tempos depois, Pindorama, inocente, A cor que falta à bandeira brasileira e
ouviu nos noticiários que seu primo da aldeia Continência às estrelas - transformam as
pataxó foi sacrificado. Incendiado vivo no condições adversas em combustível histórico.
Planalto Central do Brasil. Enquanto o país Parecem querer lembrar aquela frase dita por
comemorava cinco séculos de civilização. Isak Dinessen que abre um dos mais
Ele, índio, aborígine, mendigando um pedaço importantes textos de Hannah Arendt: "todas as
de terra para plantar e viver. Terra que é sua mágoas são suportáveis quando fazemos dela
por direito divino. Recebeu como recompensa uma história ou contamos uma história a seu
as chamas, as labaredas e a fúria do fogo. respeito" (Arendt, 2003, p. 188). Pela narrativa
Em nome da modernidade e da civilização. dos problemas locais, as letras de rap produzem
Para quem não sabe, Pindorama quer dizer: um tipo de discurso sobre a nação, mas que na
lugar de palmeiras, primeiro nome do Brasil. verdade evocam a humanidade, pois nas
(Dias, 2004 p.12). entrelinhas já iniciaram novas possibilidades de
lembrar e recriar a história nacional.
Não existe, pois, nação no singular. Dos
discursos sobre a nação traçados nas práticas
sócio-políticas dos grupos e movimentos, REFERÊNCIAS
emergem várias nações. No livro Condição
humana, HannahArendt (2003) relembra que ANDERSON, B. Comunidades imaginadas.
é na ação e no discurso que os homens se Lisboa: Edições 70,1991.