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38,
Setembro/Dezembro de 2020 - ISSN 1983-2850
/ O espiritismo e suas disputas: Fernando do Ó e Denizard Souza no campo religioso
brasileiro, p. 215-239 /
DOI: https://doi.org/10.4025/rbhranpuh.v13i38.51984
1Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010),
mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (2014) e doutorado em História
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019). Atualmente é tutor da Universidade Federal de
Santa Maria e professor regente do Instituto São José (SM). Email: renansnatos@gmail.com.
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brasileiro, p. 215-239 /
Introdução
Ao assinalar a construção da identidade espírita a partir do registro escrito e sua
vinculação com a cultura letrada, defendemos a possibilidade de análise histórica sobre as
disputas em torno do projeto de identidade espírita. Nesse sentido, tencionamos, a partir
da trajetória de Fernando do Ó, com suas performances, debates, posicionamentos,
relacionar o projeto de sociedade proposto a partir das redes de sociabilidades espíritas
organizadas na cidade de Santa Maria no estado do Rio Grande do Sul.
Considerando a ampliação dos estudos sobre espiritismo e a problemática do
campo religioso, consideramos importante compreender o que representava ser espírita
ou não. Nesse sentido, baseamos nossa análise das relações sociais e culturais tendo por
base os conceitos de “campo” e “habitus”. Bourdieu (2011) esclarece que o campo trata
das relações entre agentes e instituições que visam o acúmulo de capital e, logo, poder,
com o intuito de conquistar o monopólio sobre o respectivo campo em que se
encontram. Dessa forma, Bourdieu (1996) assinala as tensões religiosas consubstanciadas
entre os detentores dos bens simbólicos, e os leigos, destituídos desse monopólio.
Nesse cenário, ainda sustentamos nosso referencial com a perspectiva do
trabalho de voz autorizada a falar em nome do espiritismo, no processo de “formalização
de bens simbólicos” e gestão do mesmo de acordo com noção de conquista de
legitimidade. Por isso, reforçamos o empenho dos agentes históricos em instituir
verdades, ou seja, em ter a palavra credenciada em torno do “verdadeiro espiritismo”.
Compartilhamos com a perspectiva de poder estudada por Bourdieu quando afirma que:
“Todo o agente social aspira, na medida de seus meios, a este poder de nomear de
constituir o mundo nomeando-o” (BOURDIEU, 1996, p. 81), e o delineamento da
construção da autoridade simbólica.
Conforme Bourdieu, ainda é possível assinalarmos a ideia de identidade
enquanto construção, ou seja, um projeto identitário que almeja a imposição da leitura
“legítima” do mundo social. Afastando-se da perspectiva essencialista, e situando a
dinâmica da construção social dos processos de identidade, Bourdieu assinalou:
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2 O jornal “A Razão” foi fundado na década de 1930 com o propósito tanto de promover
candidatura de Osvaldo Aranha quanto evidenciar os problemas que acometiam a cidade a partir de
seu Editor-Chefe, Clarimundo Flores. Desse modo, vinculava-se ao esforço de grupos sociais em
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endossar as feições de modernidade evocada pelo status de polo ferroviário, ou seja, articula-se com
o projeto social de inserir Santa Maria na relação com o contexto mundial, barganhando esse capital
cultural para fazer frente ao principal concorrente no contexto da década de sua criação – o jornal
“Diário do Interior”. Após o fechamento deste último, o periódico tornou-se o principal veículo
impresso da cidade de Santa Maria, cujo sucesso editorial pode ser atribuído às estratégias de
divulgação e as redes de conexões com o cenário internacional em primeira mão (PAVANI, 1980).
Em 1943, a crise institucional e o pouco retorno financeiro desencadeou o fim da Era Clarimundo
Flores, sendo assim, o jornal foi vendido aos Diários Associados. O formato alterou-se, e passou a
receber “as notícias da agência Meridional, da mesma rede, e a publicar as colunas de seu
proprietário, Assis Chateaubriand e suas críticas ao Getúlio Vargas” (JOBIM, 2013, p.33). Assim, o
jornal traduzia nas suas páginas a vida cotidiana da cidade: a movimentação teatral, os lançamentos
no cinema, as feiras literárias, as ofertas de hotéis, o comércio, os grupos e as demandas sociais do
município, desse modo, é possível ler a dinâmica cultural e espiritual da cidade, ou seja, revela como
o campo religioso local foi disputado entre agentes sociais de diferentes crenças para conquistar
adeptos (BORIN, 2010, p.33)
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sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua
comunhão” (ANDERSON, 1989, p. 15).
Não obstante, como sugere Eric Hobsbawm, a nação, além de fenômeno
recente, “deve ser entendida como produto de conjunturas históricas particulares
necessariamente regionais e localizadas” (HOBSBAWM, 2002, p.14). A identidade
nacional do período que sucede os anos de 1945 foi tributária dos anos de 1930 e a
conjuntura pós-segunda guerra mundial, tendo como particularidade tanto a discussão
sobre o legado de Vargas na constituição do aparelho do Estado quanto a sua influência
na consolidação do capitalismo brasileiro. Sendo assim, diferentes grupos forjaram
sentidos para o nacional-desenvovimentismo como projeto político caracterizado por
tensões entre a dinamização da industrialização, a defesa da economia nacional e ações
voltados para promoção da justiça social3.
O nacionalismo enquanto bandeira política revelou-se, segundo Vânia Moreira,
ao tratar do governo de JK, um movimento político e social, e esteve presente nos
discursos de diferentes grupos sociais 4, é nesse percurso que a análise de como as
diferentes vertentes religiosas se aproxima desse debate mostra-se refinado na perspectiva
de aproximação entre política e o campo religioso. Logo, nomear o que é e o que não é
espiritismo configura-se como parte integrante da identidade espírita, e como as
instituições representativas esforçaram-se em delimitar a sua verdadeira identidade, e em
dialogo com elementos da cultura política em debate: nacionalismo cristão, religião
nacional e progresso como marcadores desse processo.
Frente sumário levantamento, é importante situar as transformações históricas
ocorridas no campo religioso brasileiro. Nesse sentido, demarcamos que novas forças
religiosas que passaram a fazer parte do cotidiano brasileiro, entre as quais, o espiritismo
e a umbanda revelaram-se no mercado religioso. Sobre esse assunto, Artur Isaia pondera
sobre o projeto de identidade brasileira e a sua uniformização, em que
3 Ver ABREU, Alzira Alves de. O nacionalismo de Vargas ontem e hoje. In: D’ARAÚJO, Maria
Celina (Org.). As instituições brasileiras da era Vargas. Rio de Janeiro: EdUERJ; FGV, 1999;
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In:
PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 199-228.
4 Alessandro Bastistella (2007) assinala, por exemplo, que os setores progressistas estava dividido
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Diante disso, o mercado religioso brasileiro tornou-se mais complexo tanto com
a emergência religioso do protestantismo e a vertente pentecostal, com cultos mais
emotivos e espontâneos, quanto com as religiões mediúnicas (espiritismo, candomblé e
Umbanda) o que despertou a preocupação da hierarquia católica. Nesse sentido, entre os
elementos desse quadro, podemos citar que a crise do projeto reformista do século XIX,
a sucessão do cardeal, em que D. Sebastião Leme por D. Jaime Câmara não apresentou a
mesma destreza no relacionamento com os Estado, implicaram em novas estratégias. A
hierarquia católica e os leigos tiverem que enfrentar o déficit de sacerdotes, a redução dos
fiéis bem como o crescimento de outros cultos e manifestações religiosas (GIUMBELLI,
2012, p. 83).
Giumbelli (2012) analisou a pluralização do campo religioso em meados do
século XX, em que reiterou o campo religioso “como um espaço plural e dinâmico”,
cujas reconfigurações e transmutações relacionam ao contexto mais amplo e a temas que
se encontravam em voga, como desenvolvimentismo e modernização em pauta na
sociedade Brasileira (GIUMBELLI, 2012, p. 83).
Desse modo, a questão do mercado religioso brasileiro delimitou a atuação de
eclesiásticos e leigos no contexto pré-conciliar. Sendo assim, em 1952, a Conferência
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5 Segundo Bruno Scherer (2013, p. 36), a organização do espiritismo ocorre diante da perspectiva
de uniformização do catolicismo na cidade de Santa Maria. Situada numa região de trânsito entre o
litoral e o interior do Rio Grande do Sul, a cidade destacou-se desde o início pela atividade
comercial e por sua diversidade cultural. Elementos que se intensificaram com o advento da
ferrovia, em 1885, com a inauguração da linha Cachoeira do Sul – Santa Maria o que proporcionou
grande desenvolvimento econômico e social para a região.
6 Conforme Bruno Scherer (2013, p. 46), em 21 de maio de 1939, foi fundada a “Sociedade da
Juventude Espírita de Santa Maria”, instituição que funcionava junto ao Abrigo Espírita Instrução e
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Trabalho, sendo a mesma dedicada à evangelização espírita de crianças e jovens de dentro e fora da
instituição. De acordo com as atas, é possível perceber a leitura das obras de Fernando do Ó nesse
espaço.
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7 Se a ordem militar estaria entre elementos de constituição de uma noção patriótica e nacionalista,
a maçonaria configuraria um espaço de sociabilidade importante de sua formação e projeção
intelectual, completada pela atuação como colaborador no jornal Diário do Interior. Assim, no ano
de 1915, ainda sargento, passou a fazer parte da Loja Maçônica Luz e Trabalho, que nasceu da
fusão, em 1907, das Lojas Luz e Fraternidade e Paz e Trabalho. Nesse sentido, Fernando do Ó
envolveu-se em polêmicas com a candidatura para Deputado Federal pela Liga Pró-liberdade
Religiosa, em 1933, defendendo a laicidade do Estado.
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8 Antonio Xavier da Rocha, nascido em 1902, na cidade de São Pedro do Sul, fronteiriça à Santa
Maria, havia conquistado carreira política nesta cidade, condiçãopartilhada por outros membros da
família como Otacílio Xavier da Rocha. Após se formar em medicina, Antonio, membro do PRR,
depois da Revolução de 1930, foi eleito deputado estadual. No governo Flores da Cunha, também
compôs a dissidência do PRL (Dissidência Liberal), desligando-se politicamente do governador do
estado. Foi interventor municipal no período de 1937 a 1941. In: BAGGIO, Eduardo Dalla Lana.
Poder e convencimento: a urbanização vista pelas elites letradas (1937-1941). 2010. 182 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de
Passo Fundo, Passo Fundo, 2010, p. 122.
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9 Foi escritor, poeta e jornalista do Jornal A Razão. Foi vereador municipal em 1951 pelo PTB,
envolvendo em fortes tensões políticas nesse período. Foi amigo e correspondente de Fernando do
Ó.
10 Entre os romances espíritas, entre 1930-1960, publicou: A dor do meu destino, E as vozes
falaram, Almas que voltam, Marta, Apenas uma sombra de mulher, Alguém chorou por mim e
Uma luz no meu caminho. Participou juntamente com Edmundado Cardoso, em 1938, da
Fundação do Centro Cultural da Cidade de Santa Maria. Publicou ainda o livro Sociologia Geral da
Educação em 1938, escreveu peças teatrais, críticas de teatro e o Ensaio sobre o Divórcio (1934).
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11 Nome atribuído por Francisco Cândido Xavier a um dos espíritos presentes em sua na obra
psicografada. O romance psicografado corresponde a um estilo de literatura espírita desenvolvido,
no Brasil, tendo como característica o regime de autoria compartilhada entre médium e espírito-
autor, ocupando as posições singulares de autor empírico e autor espiritual (CUNHA, 2015).
Segundo Lewgoy (2004), a obra Nosso Lar (1943) ditada pelo espírito em questão é paradigmática,
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pois o romance acompanha experiência de André Luiz, médico e sanitarista, na Colônia espiritual
Nosso Lar, sendo assim, noções que reafirmam elementos caros à identidade espírita como a
evolução adquirida pelo aprendizado, pela caridade e pelo trabalho. Ver Lewgoy (2004) e Cunha
(2015).
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13 Artur Isaia (2016, p. 117) explica que obra de codificação espírita já trazia uma concepção
histórica na qual as “leis divinas” acenavam, tanto para o progresso evolutivo individual quanto
social. A lei do progresso contínuo atingia não somente o destino individual do homem,
mas presidia a própria teleologia histórica, acenando para um futuro radioso, com base no
progresso e a evolução.
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na introdução do texto o autor assinala o senso comum que norteia a leitura em torno do
espiritismo e homeopatia, e a comumente criminalização das práticas mediúnicas:
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Considerações Finais
Diante do apresentado, as clivagens em torno dos escritos de Fernando do Ó e
Denizard Souza, obviamente geracionais, evidenciam engajamentos e campos de lutas
que os mesmos incorporam nos projetos de suas vidas. Não cabe aqui levantar qualquer
tipo de juízo de valor, mas perceber o quanto tais evidências empíricas dialogam com
regimes de verdades, e os posicionamento de Fernando do Ó e Denizard fazem parte do
esforço de lideranças espíritas em credenciar-se tanto no campo religioso e intelectual,
por isso todo o destaque em torno da formação acadêmica de ambos.
O discurso letrado enquanto bem simbólico também impele a pensar sobre o
esforço em legitimar uma visão hegemônica em torno da identidade espírita, e a
demarcação de seu território frente à pluralidade de práticas mediúnicas, o que inclui
sobretudo a umbanda. Sendo assim, a exegese dos intelectuais da cidade de Santa Maria
analisados dimensiona as operações em definir “o verdadeiro” espiritismo. Os discursos
analisados transitam tanto para o elogio da ciência e do progresso quanto para o endosso
de aspectos como a humildade, resignação e caridade, e, dessa forma, propõe-se a ação
espírita de agir no mundo e em conexão com os tempos modernos pós-1945, diante das
inovações tecnológicas.
Enfim, é possível perceber como esses grupos teciam suas lógicas, inventavam
suas opções políticas (SILVA, 2012, p. 87). Logo, indícios da busca de compreensão da
realidade por parte dos sujeitos históricos, envolvendo a aposta, as táticas frente ao poder
assimétrico. Ou seja, as utopias tornam-se centrais no discurso histórico, projetos esses
tidos talvez como fracassados, e revelam o discurso que emana poder. E coloca o quanto
a modernização religiosa brasileira, caracterizada pelo conhecimento em torno da
pluralização da oferta religiosa no Brasil, abria possibilidades do empreendimento em
torno de definir o que era e o que não era espiritismo, e a extensão do significado e
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