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REVISTA DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE SÃO PAULO

v. 8 n. 1 janeiro/junho 2007

São Paulo

ISSN 2177-451X
ISSN 1677-499X

I Sinergia São Paulo v. 8 n. 1 p. 01 - 80 I jan,/jun. 2007 I


ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

CENTRO FEDERAL
PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE EDUCAÇÃO
Luiz Inácio Lula da Silva
TECNOLÓGICA
MINISTRO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
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A Revista IIHElGIA é uma publicação


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PROFISSIONAL E TECNOLOGICA semestral do Centro Federal de Educação
Eliezer Moreira Pacheco Tecnológica de São Paulo e tem por objetivo
a divulgação de todo o conhecimento
DIR. GERAL DO CEFET DE SÃO PAULO técnico, científico e cultural que
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GER. PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA SINERGIA (Centro Federal de Educação


Augusto Massashi Horiguti Tecnológica de São Paulo).
São Paulo, v.8 n.1, jan./jun.,
2007

Semestral

ISSN
ISSN2177-451X
1677-499X

1. Centro Federal de Educação Tecnológica


de São Paulo - Periódicos.

CDU 001(05)"540.6":(81)
DIGITALIZAÇÃO E PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA
Ademir Silva
Índice

EDITORIAL
7
Raul de Souza Püschel

Os botões de Napoleão: a História da Química e a educação científica


9
Ricardo Roberto Plaza TeixeirajWilmes Roberto Gonçalves Teixeira

Desmistificando a Domótica
17
Caio Augustus Morais Bolzani

Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento


de combustíveis líquidos 21
Cláudio BuononatojTheodore Evangelos Joannou

o protocolo foundation fieldbus na indústria de processo


29
Mônica Santana

Análise de sinais gravitacionais usando transformada Q


36
Carlos FrajucajFábio da Silva BortolijNadja Simão MagalhãesjRubens de
Meio Marinho Jr.

Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez


45
Augusto Massashi Horiguti

Conhecimento de português, redação e compreensão de leitura em


estudantes de psciologia
51
Elza Maria Tavares SilvajGeraldina Porto Witter

A imprensa periódica educacional e as fontes de pesquisa para a


História da Educação
60
Fausto Henrique Gomes Nogueira

Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos


66
Andrieli Bianca Rodrigues CamilojCarla WitterjRenati Erika Souza Caporali

Função de lazer e entrenimento nos shopping centers de São Paulo


77
Bruna Vanessa Santos Silva
f

Normas para submissão de artigos


79
Instruções para os autores
EDITORIAL

I
Raul de Souza Püschel
V Editor
Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Professor da Área de Códigos e Linguagens do CEFET-SP
Professor do Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)

o primeiro artigo da revista neste semeste é "Os botões de Napoleão: a História da Química
e a educação científica", em que elementos distantes de uma reflexão sobre a Química são
apresentados em uma articulação que renova certas dimensões historiográficas da própria Química
e também do modo de vê-Ia em sua concretude, como uma atividade humana.
No texto seguinte, "Desmistificando a Domótica", vários aspectos, tanto cronológicos quanto
atuais, que cercam a automação residencial, são discutidos, mostrando ainda que o desperdício
pode ser contido, ao mesmo tempo em que são obtidos inúmeros benefícios com isso.
Em "O sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis
líquidos" é revelado como se podem evitar prejuízos ao ambiente, ao governo e ao consumidor,
caso houver um efetivo controle de vazamentos e de adulterações, além da fiscalização que coíba
práticas ilegais. Isso poderia ocorrer pelo uso de um sistema automatizado que é descrito neste
trabalho.
"O protocolo foundation fieldbus na indústria de processo" demonstra que esta tecnologia
"disponibiliza em tempo real informações sobre as condições de operação dos instrumentos de
campo", melhorando o desempenho dos equipamentos.
O ensaio "Análise de sinais gravitacionais usando transformada Q" investiga "a possibilidade
de um aumento da sensibilidade com o emprego de uma trasformada alternativa" - no caso, a
conhecida como Q - em vez da de Fourier, valendo-se para tanto do detector Schenberg.
Em "Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez" são discutidas três formas
diferentes de organizações de disputas, uma envolvendo a eliminatória simples ou dupla, outra
com jogos de todos contra todos (Sistema Schuring) e outra - o Sistema Suíço - que, apesar de
breve, apresenta maior precisão que a pura forma eliminatória e exige menor tempo de disputa do
que a do campeonato no qual todos se enfrentam.
O trabalho "A imprensa periódica educacional e as fontes de pesquisa para a História da
Educação" revela que jornais e revistas funcionam muitas vezes como indutores das práticas de
ensino. Aponta também que se deve ter algum cuidado, tendo em vista que as mediações
jornalísticas marcam o discurso pedagógico com um certo viés, de modo algum neutro.
O estudo "O conhecimento de português, redação e compreensão de leitura em estudantes
de Psicologia" analisa o desempenho de educandos de primeiro semestre de curso noturno. Utiliza,
para este fim, três mecanismos: uma redação, o teste Cloze - processo que mensura a compreensão
de leituras - e uma avaliação de conteúdos ministrados na disciplina Língua Portuguesa.
Na seqüência, "Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos" apresenta
um estudo de caso com homens e mulheres, metade deles japoneses e metade brasileiros,
pertencentes à "terceira idade" e moradores de Mogi das Cruzes.
Fechando esta edição, o artigo "Função de lazer e entretenimento nos shopping centers de
São Paulo" nos dá a dimensão do papel do shopping center no lazer do paulistano.
OS BOTÕES DE NAPOLEÃO, A HISTÓRIA DA QUÍMICA E A EDUCAÇÃO
CIENTÍFICA
L
Ricardo Roberto Plaza Teixeira
Professor Doutor em Física do CEFET-SP e da PUC-SP

Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira


Professor livre-docente de Medicina Forense da Universidade Braz Cubas e membro feIlow da AmericanAcademy of Forensic Sciences, EUA

Este artigo analisa o livro Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história,
escrito por Penny Le Couteur e Jay Burreson. É apresentada a importância de estudar a
História da Química para compreender o desenvolvimento desta ciência e o seu papel no
mundo atual. As inter-relações entre uma educação científica efetiva e o uso pedagógico da
História da Ciência são expostas aqui.

Palavras-chave: Química; História da Ciência; educação científica.

This paper analyzes the book Napoleon's buttons: how 17 molecules changed history, written
by Penny Le Couteur and Iay Burreson. lt shows the importance of studying the History 01
Chemistry to understand the development of this science and its hole in the present word ..
The interrelations between an effective scientific education and the pedagogical use of the
History of Science are exposed.

Keywords: Chemistry; History of Science; scientific education.

INTRODUÇÃO passaram a ser repetidas exaustivamente no


contexto educacional. Citá-Ias é fácil, porém
A Química é uma das ciências naturais implementá-las demanda trabalho e
obrigatórias. para os alunos da educação conhecimento.
básica brasileira, mas é ensinada geralmente No caso da Química, uma boa maneira
como uma coleção de nomes, propriedades e de motivar sua aprendizagem de modo efetivo
reações a serem decoradas. Na importante é buscar em sua história a ferramenta
parte denominada Química Orgânica, isto se pedagógica para esclarecer o importante papel
acentua muito e os alunos de ensino médio, que diferentes elementos e compostos
que se preparam para alguns vestibulares, químicos tiveram ao longo do curso da
vêem-se diante da ingrata tarefa de decorar humanidade. A História dá sentido aos atos
nomes, prefixos e sufixos de compostos sobre do ser humano e é, sem dúvida, uma estratégia
os quais nada sabem e que esquecerão aos didática muito eficiente no campo da educação
poucos após concluir a universidade. científica, tema, aliás, já ressaltado em artigo
Os Parâmetros Curriculares Nacionais anterior (Teixeira & Trindade, 2002) com
(Brasil, 1996), documento que procurou relação a sua importância para alunos do
direcionar a educação básica no país na última ensino médio.
década, determinam explicitamente que a Nos últimos anos, dentre vários livros
educação só pode fazer sentido se os temas a lançados no mercado editorial brasileiro tendo
serem aprendidos forem contextualizados e se como tema a História da Química, destacamos
as áreas do conhecimento forem inter- três importantes: Da alquimia à química, de
relacionadas durante o processo de Ana Maria Alfonso Goldfarb (1987);
aprendizagem. Daí que contextualização e Alquimistas e químicos: o passado, o presente
interdisciplinaridade são duas palavras que e o futuro, de José Atílio Vanin (1994), e O

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Ricardo Roberto Plaza Teixeiraj Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

sonho de Mendeleiev: a verdadeira História mais acostumado às condições rigorosas do


da Química, escrito por Paul Strathern (2002). inverno russo, parece existir algo a mais a
Há outros livros que de alguma forma se explicar a derrota de Napoleão. Le Couteur e
relacionam com a química e com sua história, Burreson especulam em seu livro que a derrota
mas sem objetivos didáticos ou de divulgação do exército de N apoleão pode ter sido causada
desta ciência. Destacamos A tabela periódica, por algo tão minúsculo quanto botões! Sim,
de Primo Levi, conhecido autor de obras pois os botões que fechavam as fardas dos
importantes como É isto um homem?, que soldados do exército francês (sobretudos,
trata sobretudo da Segunda Guerra Mundial túnicas, calças), eram feitos de estanho, um
e do Holocausto. A tabela periódica é uma material metálico que, quando muito resfriado,
espécie de autobiografia de Primo Levi e tem, se desfaz num pó cinza e não metálico; o
como mote, a sua paixão pela química: cada mesmo elemento químico estanho, porém
um dos 21 capítulos tem como título um desmanchado sob outra forma estrutural, que
elemento químico, desde o primeiro, "O desta forma não se presta a fechar o vestuário
vanádio", até o último, "O carbono". Segundo militar de inverno.
Levi, cada um dos elementos químicos diz a Esta especulação histórica não
cada pessoa uma coisa diferente, com a cabalmente comprovada - aliás é a única
exceção do carbono, que "diz tudo a todos", história não confirmada do livro -, é uma
pois é o elemento da vida! interessante explicação que muitos químicos
costumam citar como uma razão científica
para a derrota de N apoleão e para o aparente
OS OBJETIVOS DO LIVRO OS BOTÕES paradoxal efeito do inverno rigoroso de
DENAPOLEÃO maneira diferente para os dois lados.
Obviamente, outros fatores foram importantes
Os botões de Napoleão: as 17 para o desfecho desta campanha militar, dentre
moléculas que mudaram a história, livro que os quais cabe salientar a estratégia russa de
motivou este artigo, escrito por Penny Le destruir as cidades e vilarejos ao abandoná-
Couteur e Jay ~urreson e publicado em 2006 los antes da chegada do inimigo. De qualquer
pela editora Jorge Zahar, também tem como forma, a derrota francesa acarretou a
foco a química e sua história, mas sua maior permanência da servidão feudal por mais um
preocupação versa sobre os extraordinários século na Rússia czarista. Aliás, os metais em
impactos econômicos e transformações sociais geral foram importantíssimos na história da
que a química produziu ao longo da história humanidade desde sua pré-história: a idade do
da humanidade. bronze (liga de estanho e cobre) e a idade do
O título do livro levanta curiosa ferro foram importantes fases da evolução da
questão sobre uma estranha história - não humanidade que permitiram ao ser humano o
exatamente confirmada - referente aos uso de ferramentas não exclusivamente feitas
motivos da derrota do exército de Napoleão de pedra e madeira. O ouro e a prata, por outro
na campanha russa, após inúmeras vitórias em lado, acabaram sendo a força motriz e da
batalhas anteriores. Muitos autores fizeram riqueza de países europeus que colonizaram
referência a respeito do chamado "general as Américas.
inverno", que teria abatido as tropas francesas, O livro não está organizado em ordem
e que, mais de um século depois, teria ajudado cronológica, mas de modo a evidenciar as
na derrota dos alemães na Segunda Guerra relações entre estruturas químicas e episódios
Mundial. Entretanto, numa guerra, o históricos. Nas suas palavras, "uma mudança
"inverno" e as condições climáticas tão pequena quanto a da posição de uma 1
desfavoráveis valem para os dois lados, e, ligação - o vínculo entre átomos numa
mesmo avaliando que um deles poderia estar molécula - pode levar a enormes diferenças
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Ricardo Roberto Plaza Teixeiraj Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

nas propriedades de uma substância e, por sua ciências. Mesmo na área científica, esfera na
vez, influenciar o curso da história". Não é, qual critérios de rigor e de qualidade são
portanto, um livro sobre a história da química, primordiais, acidentes e coincidências
mas, sim, um livro sobre a influência desta costumam estar mais presentes do que
ciência na história da humanidade. imaginamos. Entretanto, a capacidade de
~. Algumas das histórias relatadas são perceber propriedades importantes a partir dos
fascinantes. Por exemplo, no início da obra, acontecimentos fortuitos ou imprevistos é uma
os autores se perguntam: por que a noz- das habilidades dos grandes cientistas e que
moscada era tão valorizada no século XVII, permitiram que eles conseguissem separar o
a ponto de os holandeses trocarem o domínio relevante do superficial em cada campo do
de Nova Amsterdã (a ilha de Manhattan da conhecimento, muitas vezes transformando
atual Nova Iorque) pela pequena ilha de Run, uma experiência com resultados indesejados,
na Indonésia, cuja única riqueza eram seus imprevistos e não planejados em uma
arvoredos de noz-moscada? A surpreendente descoberta científica fundamental, como, para
resposta reside no fato de que se pensava que citar apenas um exemplo, o eloqüente caso
a noz-moscada protegia as pessoas da peste de Alexander Fleming e a descoberta da
negra, doença que, após matar quase um terço penicilina, que mudou o curso da humanidade!
da população européia no século XIV,
esporadicamente atingiu regiões daquele
continente nos séculos seguintes. A peste ALGUNS TEMAS INTERESSANTES
negra, em verdade a doença infecto- ABORDADOS PELO LIVRO OS
contagiosa mais conhecida como peste BOTÕES DE NAPOLEÃO
bubônica, é causada por bactérias transmitidas
por picadas de pulgas de ratos. Uma No primeiro capítulo de Os botões de
"superstição" da época afirmava que pessoas Napoleão, o tema são as especiarias (pimenta,
que pendurassem saquinhos com noz-moscada noz-moscada, cravo-da-índia) que
no pescoço ficariam protegidas da peste. Os transformaram a história da humanidade no
autores especulam que esta "superstição", início da era moderna. "Por Cristo e pelas
como a vemos hoje, pode ter amparo especiarias", estas foram as duas forças
científico, pois o odor exalado pela noz- motrizes - religião e economia - das
moscada deve-se a um composto chamado embarcações da era dos descobrimentos,
isoeugenol, desenvolvido pelas plantas como desde as tentativas de contornar a África para
um pesticida natural! Esta possível explicação chegar à Índia, destacando-se os grandes
para a eficiência dos saquinhos de noz- navegadores portugueses Diogo Cão,
moscada no pescoço - como proteção contra Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, até as
a peste por repelir as pulgas - deve ser notáveis expedições dos descobrimentos da
complementada com um efeito estatístico de América, pelo genovês (a serviço da coroa
correlação não-causal: pessoas que tivessem espanhola) Cristóvão Colombo, e do Brasil,
dinheiro para comprar a cara noz-moscada da pelo português Pedro Álvares Cabral. Uma
época possivelmente morariam em locais libra de pimenta (cerca de meio quilo) custava
menos populosos, com melhores condições tanto que poderia comprar a liberdade de um
higiênicas e, desta forma, seriam menos servo ligado ao patrimônio feudal de um nobre
molestadas pelos ratos e pulgas. da época! As propriedades gastronômicas da
Os autores também salientam a pimenta-do-reino - sobretudo devido à
importância do acaso em muitas das molécula piperina -, que davam um sabor
descobertas científicas, tema, aliás, também especial à comida seca e conservada pelo sal
magnificamente trabalhado por Royston (não se usava refrigeração na época),
Roberts em Descobertas acidentais em enriqueceram, no século XV, os comerciantes
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Os botões de Napoleão, a História da Química e a educação científica
Ricardo Roberto Plaza Teixeiraj Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

venezianos, que monopolizaram o comércio Tratado sobre escorbuto, de Lind, que


e as rotas das especiarias, atiçando a afirmava: "O marinheiro ignorante e o médico
imaginação e a busca por rotas alternativas culto sentem necessidade, igualmente, e com
para o oriente, o que motivou os grandes a mesma intensidade, de vegetais verdes e das
descobrimentos que sucederam logo depois. frutas frescas da terra". Nas palavras de
Coincidentemente, ao chegar à América, Richard Gordon, em A assustadora história
Colombo encontrou um outro tempero da medicina (1996), "Lind receitou suco de
bastante picante, o chile, que nas décadas limão ou de lima. Ele havia encontrado o
seguintes acabou por se espalhar pelo mundo remédio específico, sem idéia de como
todo e atualmente se incorporou à culinária funcionava, para uma doença cuja causa
de diferentes nações. ninguém conhecia". Mesmo assim, passaram-
Outra importante substância química se 42 anos até que a marinha britânica
que pode ser relacionada diretamente à era resolvesse implementar as recomendações de
dos descobrimentos é o ácido ascórbico, mais Lind. Somente em 1928 a vitamina C ou ácido
conhecido como vitamina C. A principal ascórbico viria a ter sua estrutura química
doença que acometia os marinheiros na época (C6H806) determinada pelo húngaro Albert
era o escorbuto, provocado pela ausência de Szeznt-Gyõrgyi e pelo britânico Norman
ácido ascórbico e que produzia inflamação nas Haworth, por isso laureados em 1937 com o
gengivas, com hemorragia, fraqueza, perda de Prêmio Nobel de Medicina e de Química,
dentes, diarréia, dores musculares, afecções respectivamente.
nos pulmões e no fígado, insuficiência cardíaca À glicose e à celulose, os autores
e, no limite, após uma infecção aguda, a morte. associaram duas plantas: a cana-de-açúcar e
Noventa por cento da tripulação das naus de o algodão - constituído em 90% por celulose
Fernão de Magalhães, que, no extremo sul da -, que foram fundamentais respectivamente
América do Sul, contornou o continente e para o estabelecimento do tráfico escravista e
passou do Atlântico para o Pacífico, não para a revolução industrial, dois importantes
sobreviveram à expedição de circunavegação, marcos da história mundial. Quanto ao açúcar,
sendo que grande parte das mortes deveu-se uma outra obra recém-lançada, A história do
ao escorbuto. Na virada do século XVI para mundo em 6 copos, de Tom Standage, salienta
o XVII, experiências e relatos já evidenciavam o papel do rum - destilado a partir da cana-
que o uso na alimentação de frutas cítricas, de-açúcar - como bebida que foi fundamental
como limão e laranja, e verduras evitava o em todo o comércio triangular entre Europa,
escorbuto, simplesmente devido à sua riqueza África e América e que o autor classifica como
de vitamina C. Apesar disto, o escorbuto ainda primeira bebida globalizada do planeta. A
permaneceu atingindo e exterminando América também só foi colonizada e sua
tripulações de navegantes por muitas décadas, população nativa dominada à força graças ao
devido a alguns motivos: 1- resistência na domínio da pólvora e de materiais explosivos
mudança nos hábitos alimentares dos oriundos de compostos nitrados: sem eles
marinheiros; 2- custos e despesas para cultivar, Hernán Cortés jamais conseguiria ter sucesso
transportar e conservar essas frutas e na batalha em que venceu com algumas
hortaliças nas embarcações; 3- não centenas de soldados o exército asteca que
reconhecimento da verdadeira explicação para tinha centenas de milhares de soldados - três
a origem do escorbuto, com a disseminação ordens de grandeza maiores!
de "teorias" alternativas atribuindo a doença Da mesma forma, Francisco Pizarro
a uma falta de carne fresca na alimentação dos destroçou o desenvolvido império incaico.
marinheiros etc. Toda essa polêmica começou Mais tarde, associada a novas armas, a pólvora
a ser superada pela publicação, em 1753, do dizimou os índios norte-americanos, em tristes

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Os botões de Napoleão, a História da Química e a educação científica
Ricardo Roberto Plaza Teixeire/ Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

episódios como o do general Custer, nos EUA. mesmo pela extensa relação de químicos
,
Em termos econômicos, com o mesmo notáveis que ostenta, tomou-se um país líder
L. papel que anteriormente teve a seda, abrindo na produção de produtos químicos sintéticos
rotas de comércio pelo mundo, o náilon e outras orgânicos e, particularmente, de corantes.
fibras sintéticas modernas tiveram uma grande Nesta área, automaticamente, os leitores são
influência no século XX e colaboraram para remetidos aos nomes de grandes empresas
elevar a importância do petróleo ao papel que alemãs como a BASF, a Hoechst e a Bayer.
ele hoje desfruta mundialmente, com todas as As principais indústrias químicas alemãs
,
v conseqüências disto. Assim, estariam os EUA reuniram-se após a Primeira Guerra Mundial
hoje no Iraque se lá não existisse petróleo? Na na IG Farben (na tradução literal do alemão,
mesma linha de raciocínio, outro material de uma "comunidade de interesse"),
importância econômica fundamental foi o conglomerado que teve um triste papel de
isopreno, o constituinte da borracha, apoio a Hitler na Segunda Guerra Mundial,
responsável por suas propriedades elásticas. inclusive utilizando trabalho escravo,
Importante historicamente, sobretudo para o realizando experimentações e dispensando
nosso país, já que as "bolas de borracha" tratamentos desumanos aos prisioneiros (na
possibilitaram um desenvolvimento importante grande maioria civis judeus) dos campos de
na Amazônia brasileira - e por extensão de todo extermínio que compunham a grande força
o país - na virada do século XIX para o século de trabalho em suas fábricas. Após a guerra,
XX. Viabilizou, inclusive, a transformação nove executivos da IG Farben foram
rápida do pobre vilarejo de Manaus numa condenados por roubo e pilhagem em
cidade encravada no "inferno verde", onde territórios ocupados.
resplandeciam - se bem que, deploravelmente, O fenol é uma molécula aromática
às custas da miserável exploração escravista dos simples consistindo de um anel de benzeno
trabalhadores da borracha - esplêndidas ligado a um grupo oxigênio-hidrogênio
mansões, entrepostos comerciais erigidos pela (OH). Foi o grande cirurgião britânico Lister
mais moderna arquitetura européia, estruturas quem descobriu as propriedades
magníficas de ferro forjado, em todo esse fausto antissépticas do fenol no final do século XIX
cabendo destacar a construção do imponente e muitas amputações deixaram de ser feitas
teatro lírico de Manaus, onde as melhores graças ao seu uso em cirurgia, como
companhias e cantores da Europa brilharam em lembram os autores de Os botões de
pleno inferno verde. Napoleão. Alguns outros capítulos do livro
Entretanto, devido a um dos primeiros - "Remédios milagrosos", "A pílula" ,
casos de biopirataria da história (e, também, "Moléculas versus malária" - tratam
de nosso descaso pelas imensas riquezas do especificamente dos inúmeros compostos
país, "adormecido em berço esplêndido"), medicamentosos Neles, os autores
perdemos facilmente a liderança na produção descrevem com detalhes as propriedades e
mundial de borracha para a Ásia: a evolução de medicamentos como a aspirina
Em 1876, um inglês, Henry Alexander (ácido acetilsalicílico), as sulfas, a penicilina,
Wickham, deixou a Amazônia num navio a cortisona e a quinina. Sobre a pílula
fretado, levando 70 mil sementes de Hevea
anticoncepcional, que alterou totalmente o
brasiliensis, a espécie que mais tarde se revelou
a mais prolífica fonte de látex de borracha.
papel da mulher na sociedade das últimas
Não se sabe por que seu navio não foi décadas, os autores lembram a importância
inspecionado por funcionários brasileiros - desempenhada por Carl Djerassi, o "pai da
I talvez porque as autoridades estavam pílula". É importante lembrar que Djerassi
convenci das de que a seringueira não podia
escreveu (2004), com Roald Hoffmann, o
crescer em nenhum lugar fora da bacia
amazônica.
roteiro da peça teatral Oxigênio e esteve no
A Alemanha, por diversas razões, até Brasil em 2006 para o lançamento da peça,

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)
Os botões de Napoleão, a História da Química e a educação científica
Ricardo Roberto Plaza Teixeiraj Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

que foi produzida aqui pelo grupo Arte e potente analgésico, calmante para tosse e
Ciência no Palco. Ela relata a história do remédio para dor de cabeça, asma, enfisema
descobrimento do oxigênio, envolvendo três e tuberculose!
importantes cientistas - Lavoisier, Priestley e Um capítulo interessante e ameno
Scheele - e suas esposas. A obra alinha-se versa sobre o azeite, descrito como um ácido
também nas atividades culturais que viabilizam oléico com 18 carbonos e monoinsaturado -
uma educação científica efetiva pelo uso da um ácido graxo em estado líquido à
História da Ciência como norteadora temperatura ambiente -, com propriedades
pedagógica. Realizamos produtivas atividades que explicam os motivos pelos quais pessoas
didáticas com alunos do CEFET-SP que que vivem na região do Mediterrâneo têm um
assistiram a esta encenação teatral e discutiram menor risco de doenças cardíacas, pois seu
em aula o papel dos cientistas no curso dos uso concorre para que no sangue prevaleçam
acontecimentos que têm contribuído para o maiores teores de lipoproteína de alta
avanço das ciências. densidade (HDL ou high density lipoprotein)
Nos capítulos "Moléculas de bruxaria" e menores taxas de lipoproteína de baixa
e "Morfina, nicotina e cafeína", e em outras densidade (LDL ou low density lipoprotein),
partes do livro, ao explicar as propriedades ou seja, provocando uma maior proporção
de substâncias químicas naturais que entre a "boa" e a "má" lipoproteína. As
provocam alterações no estado psíquico e na lipoproteínas de alta densidade (HDL)
conduta das pessoas, os autores discutem a transportam o colesterol acumulado em
forma como essas substâncias foram células de volta para o fígado, eliminando-o
produzidas e as sérias conseqüências que da circulação do sangue e evitando seu
tiveram e ainda têm na sociedade. No caso da acúmulo em artérias e conseqüente
Inquisição, há uma reflexão interessante e entupimento, que resulta principalmente em
muito triste a respeito de afirmações de "doença coronariana" (angina, infarto, "ataque
mulheres (muitas vezes obtidas em confissões cardíaco"), responsável por um grande
sob tortura) sobre efeitos de produtos que as número de mortes naturais súbitas de adultos
"capacitavam a yoar", em verdade decorrentes e por altos índices de morbilidade, que afetam
de alucinações sob o poderoso efeito químico a sociedade como um todo. Por isso são
de certas substâncias psicotrópicas, e que, por rotuladas de lipoproteínas "boas". Na mesma
isso, eram consideradas bruxas! De certa linha, os autores explicam que o sal- cloreto
forma uma mulher como essa, na visão dos de sódio ou NaCI- é talvez um dos compostos
terríveis tribunais da época, estaria se auto- conhecidos há mais tempo pela humanidade
incriminando, aqui sendo possível perceber e, devido à necessidade imperiosa de nossos
que não somente a química evoluiu, mas o corpos por esta substância, foi um produto
direito também. Se alucinações serviram de bastante apropriado para o domínio político,
prova condenatória de bruxas durante a para a tributação e a remuneração das pessoas:
Inquisição (claro que a Inquisição serviu-se o termo "salário" deriva etimologicamente da
de outros "motivos" para exterminar palavra sal, que era a forma como muitos
inocentes), é irônico descobrir que a própria trabalhadores foram pagos durante séculos.
diacetilmorfina, conhecida popularmente Finalmente, ao expor a respeito de
como "heroína" - denominação proveniente compostos clorocarbônicos, os autores
da tentativa de considerá-Ia um medicamento discutem questões ambientais importantes
heróico, isto é, para resolver situações como a que se refere à importância para a.
extremas - produzida pela Bayer e, humanidade da camada de ozônio (03)
sabidamente, a droga mais "pesada" que existente na estratosfera, que nos protege da
existe, pretendia ser uma superaspirina e foi maior parte dos raios ultravioletas nocivos de
comercializada no início do século XX como altas energias. A produção por décadas de
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Os botões de Napoleão, a História da Química e a educação científica
Ricardo Roberto Plaza Teixeiraj Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

moléculas de CFC ou clorofluorcarbonetos, que muitos países europeus juntos), destrói


para serem utilizados como fluidos muitas espécies vegetais que, com certeza,
refrigerantes em geladeiras, acabou por devem abrigar princípios químicos ativos
destruir boa parte da camada de ozônio: naturais que representam uma incalculável
calcula-se que cada molécula de CFC que riqueza potencial para a descoberta e
chega à estratosfera destrói em média cem mil fabricação de inúmeros fármacos de grande
moléculas de ozônio antes de ser desativada! importância para a humanidade na cura de
O Protocolo de Montreal, assinado em 1987, doenças e em vários campos da Medicina!
exigiu que os países signatários reduzissem
aos poucos a produção de CFC até eliminá-Ia REFERÊNCIAS
por completo; de fato, este tratado produziu
resultados efetivos e hoje os dados indicam BRASIL. Parâmetros Curriculares
que aos poucos o problema referente à Nacionais. Brasília: Ministério da Educação,
destruição da camada de ozônio está sendo 1996.
controlado e reduzido. Este é um exemplo de
que, com vontade política, questões DJERASSI, c., HOFFMANN, R. Oxigênio.
ambientais importantes podem ser enfrentadas Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2004.
sem que a economia dos países envolvidos seja
drasticamente prejudicada. Hoje seguramente LE COUTEUR, P.; BURRESON, J. Os
o composto que mais afetará o nosso ambiente botões de Napoleão: as 17 moléculas que
é o dióxido de carbono ou gás carbônico mudaram a história. Rio de Janeiro: Jorge
(CO), cuja presença crescente na atmosfera Zahar, 2006.
- a partir sobretudo da queima de
combustíveis fósseis e de florestas - está GOLDFARB, A. M. A. Da alquimia à
acentuando o chamado efeito estufa, química. São Paulo: Edusp, 1987.
aquecendo o planeta e desequilibrando muitos
ecossistemas. O desafio político colocado pelo GORDON, R. A assustadora história da
problema do. aquecimento da Terra é maior medicina. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
que no caso da destruição da camada de
ozônio, mas suas conseqüências ambientais, GORE, A. Uma verdade inconveniente.
terríveis a médio e longo prazo, devem tirar Barueri: Manole, 2006
todos os cidadãos conscientes do imobilismo,
em qualquer parte do planeta, pois seus efeitos LEVI, P. Um livro extraordinário. Rio de
serão globais. Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
Bem a propósito deste tema, de
importância vital para o planeta Terra, ROBERTS, R. M. Descobertas acidentais em
sugerimos a leitura (e, se possível que se ciências. Campinas: Papirus, 1995.
assista ao filme correspondente) do livro
intitulado Uma verdade inconveniente, escrito STANDAGE, T. História do mundo em 6
por AI Gore (2006). É importante uma copos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
reflexão sobre o final do livro, que diz respeito
a todos os brasileiros. A queimada das STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev. Rio
florestas, particularmente na Amazônia, além de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
de aumentar enormemente a concentração de
CO2 na atmosfera e concorrer TEIXEIRA, R. R. P. ; TRINDADE, D. F.
substancialmente para o aquecimento global, Reflexões sobre uma experiência de inclusão
com suas catastróficas conseqüências, e a da disciplina História da Ciência no ensino
desertificação daquela extensa região (maior médio. In: Sinergia, 3 (2002), 33.
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 9 -16, jan.jjun. 2007
Os botões de Napoleão, a história da química e a educação científica
Ricardo Roberto Plaza Teixeire/ Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira

VANIN, J. A. Alquimistas e químicos. São


Paulo: Moderna, 1994.

Para contatos com os autores:

Ricardo Roberto Plaza Teixeira


rrpteixeira@bol.com.br

Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira


wrgteixeira@uol.com.br

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 9 -16, jan./jun. 2007


DESMISTIFICANDO A DOMÓTICA

Caio Augustus Morais Bolzani


Mestre em Sistemas Eletrônicos
Engenheiro Eletricista pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Diretor Técnico da A URESIDE (Associação Brasileira de Automação Residencial)
Diretor Técnico do LAR - Laboratório de Automação Residencial da POLI - USP
Autor do livro Residências inteligentes, o primeiro livro sobre AR e Domótica no Brasil
,
v
A automação residencial tem mostrado que a integração de dispositivos eletroeletrônicos e
eletromecânicos aumenta consideravelmente os benefícios se comparados com os sistemas
isolados, de eficiência limitada. É também uma aliada na redução do consumo de recursos
como água e energia elétrica, além de trazer maior conforto e segurança aos usuários. Neste
artigo serão enfatizados os principais protocolos e tecnologias utilizados na construção da
residência inteligente. O conteúdo do presente artigo foi apresentado em forma de palestra
durante a I Semana da Automação do Cefet-Sp' ocorrida de 17 a 19 de outubro de 2006.

Palavras-chave: automação residencial; Domótica; residências inteligentes; sistemas de


controle.

Residential automation has shown that the integration between electroelectronic and
electromechanical devices increase considerably the benefits when compared to isolated
systems, which have limited efficiency. It is ais o an ally in reducing the consumption of
resources such as water and electrical energy, as well as generating more comfort and safety
" to final users. In this article the main protocols and technologies used in the construction of
an Intelligent Residence will be emphasized. This paper was written based on a lecture given
in the I Automation Week ofthe Cefet-Sp' October 17-19,2006.

Keywords: residential automation; Domotics; intelligent residences; control systems.

Desde a década de 1920, quando disso, O funcionamento de todos os


surgiram os primeiros eletrodomésticos nos eletrodomésticos estava condicionado à
Estados Unidos, os fabricantes já usavam o conexão com um volumoso motor, através de
termo casa do futuro para promover os correias e engrenagens. Era um absurdo
benefícios que seus equipamentos iriam trazer pensar que cada eletrodoméstico poderia ter
para a dona de casa na época. A promessa era seu próprio motor independente.
que eles iriam poupar o tempo das pessoas Quase 90 anos depois, a casa do futuro
executando as tarefas rotineiras e cansativas ainda é mote para a venda de eletrodomésticos
do lar. e continua representando urna situação de
Um dos fatores que contribuíram para facilidades e conforto. Porém, assim corno
alavancar a venda de eletrodomésticos na aconteceu com os motores elétricos, hoje a
época foi a utilização de novos núcleos dúvida surge sobre os benefícios de se
ferromagnéticos, o que possibilitou a conectar cada eletrodoméstico em rede
diminuição do tamanho dos motores elétricos permitindo seu monitoramento e comando
e urna subseqüente queda no preço. Antes remoto.

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 17-20, jan.jjun. 2007


Desmistificando a Domótica
Caio Augustus Morais Bolzani

É fato que nos últimos anos a equipamentos a fim de acomodar a maioria


automação residencial (AR) tem novamente dos usuários. No caso da automação
despertado o interesse das pessoas. A residencial, o usuário interage e interfere no
computação pessoal e a internet são as sistema todo o tempo e isso cria diversos
principais responsáveis pela naturalidade com entraves na concepção de um equipamento,
que conversamos sobre tecnologias em nossas eletrônico.
casas usando um jargão antes restrito apenas Nessa nova dimensão, a AR cede o
aos analistas de sistemas. Muitos já fazem da lugar de destaque para ser incorporada em
automação residencial sua fonte principal de uma nova ciência denominada Domótica. Com
recursos, seja desenvolvendo e construindo caráter multidisciplinar, ela agrega vários
novos equipamentos, seja integrando-os. O conceitos de outras ciências como Arquitetura,
número de publicações e de sites na internet Engenharia, Ciência da Computação,
cresce vertiginosamente e a cada dia estão Medicina, Sociologia e Psicologia, a fim de
mais completos e tecnicamente mais precisos. estudar todas as necessidades do usuário
Estamos vivenciando a segunda grande onda frente às possibilidades oferecidas pelo mundo
da automação residencial depois da criação digital e suas interações com a residência
dos dispositivos X-lO, no fim da década de automatizada. Em suma, esse estudo mais
1970 (X -10 são dispositivos que emitem sinais amplo toma a Domótica a principal diferença
de comando pela própria rede elétrica; é na conquista do sucesso definitivo dessa
sucesso de vendas até hoje). segunda onda das casas do futuro.
Dois fatores contribuem para a Para que esse processo de
procura dessa tecnologia e para o crescimento desenvolvimento ocorra de forma crescente e
desse mercado: o primeiro é o ambiente gradual, os inúmeros desafios e a
residencial, que permanece praticamente complexidade de projeto devem ser atacados
inexplorado para a implementação de sistemas de maneira pragmática. Pelo fato de a AR
de redes e de controle: o outro é o apelo ao moderna ser um tema relativamente novo, não
novo que aflora desse tema. Para hobistas e existe ainda um conjunto de protocolos,
entusiastas, AR é sinônimo de equipamentos equipamentos e dispositivos padronizados e
de iluminação automatizados e home-theaters unânimes. Muitos ainda são emprestados dos
incrementados. Para os que enxergam além, a ambientes de automação industrial e predial.
AR representa novas descobertas, desafios e No entanto, devido à demanda, algumas
oportunidades. entidades internacionais como aCABA
A automação residencial tem (Continental Automated Buildings
demonstrado que a integração de dispositivos Association), a OSGi(Open Services Gateway
eletroeletrônicos e eletromecânicos aumenta Initiative) e a HAVI (Home Audio Video
consideravelmente os benefícios, se Interoperability), apenas citando as principais
comparados com os sistemas isolados, de entre dezenas de outras, e nacionais como a
eficiência limitada. É também uma aliada na Aureside (Associação Brasileira de
redução do consumo de recursos como água Automação Residencial), vêm organizando e
e energia elétrica, além de trazer maior intensificando as interações entre as grandes
conforto e segurança aos usuários. No empresas de informática, eletroeletrônicos,
entanto, revendo os últimos 20 anos de softwares e de controle, visando padronizar e
história, a AR tem sido vítima da problemática fomentar a tecnologia de automação
em se desenvolver equipamentos e sistemas residencial.
para o uso residencial. A automação predial e Enquanto isso não acontece, o
a industrial adotam como premissa básica a integrador deve iniciar seu projeto escolhendo
existência do usuário "padrão" que facilita e tecnologias que permitam uma flexibilidade
direciona o planejamento das instalações e no desenvolvimento das soluções e na
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 17-20, jan.jjun. 2007
Desmistificando a Domótica
Caio Augustus Morais Bolzani

r
I
l

Figura 1. Divisão planificada das responsabilidades na automação residencial

integração entre equipamentos e dispositivos: O setor de dados apresenta as redes


Inicialmente, existem três grandes setores com Ethemet (e derivadas) como padrão de fato.
que ele deve se preocupar (vide Figura 1). Recentemente, as redes sem fio (Wi-Fi) têm
O primeiro setor é o de controle, estado em grande evidência devido à facilidade
responsável pelo gerenciamento dos de instalação e ao custo total.
atuadores, dispositivos de controle e sensores. O setor de multimídia compreende
Muitas dessas tecnologias adotaram nós de todos os dispositivos necessários para a
controle com inteligência e memória execução de áudio e vídeo em uma residência.
./
embutidas, o que garante uma abordagem mais Ele é responsável pelo gerenciamento de
descentralizada do que a utilizada em conteúdo, filtragem de canais, gravação digital
ambientes prediais, provendo uma maior sob demanda e pelo transporte da informação
autonomia a cada um destes pontos. Cálculos em redes de alta velocidade com qualidade de
e tomadas de decisões são realizados serviço assegurada.
diretamente por microprocessadores Essa divisão auxilia o integrador no
instalados próximo aos sensores e atuadores, desenvolvimento dos projetos de AR, pois
desafogando o gerenciador principal. Isso traz facilita o entendimento das responsabilidades
vários benefícios ao sistema, reduzindo tráfego herdadas por cada sistema e aumenta a
na rede e evitando uma total paralisação do velocidade de detecção de problemas em casos
conjunto em caso de pane. de falha. Apesar desses contratempos de uma

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 17-20, jan.jjun. 2007


Desmistificando a Domótica
Caio Augustus Morais Bolzani

tecnologia emergente, existe a motivação de


encarar os desafios que surgem nesse novo
caminho rumo à construção de um ambiente
automatizado e, num breve futuro, ao da casa
inteligente.

Para contatos com o autor:

Caio Augustus Morais Bolzani


caio@bolzani.com.br

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 17-20, jan./jun. 2007


SISTEMA DE GERENCIAMENTO E CONTROLE DO PROCESSO DE
RESSUPRIMENTO DE COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS
L
Cláudio Buononato
Engenheiro Elétrico - Mauá
Diretor Industrial da RSP Technology do Brasil

Theodore Evangelos Joannou


Especialista em Administração Industria 1- FCAV-USP
Engenheiro Elétrico - UNICAMP
Diretor de Tecnologia da RSP Technology do Brasil

Este artigo apresenta uma solução de gerenciamento do ressuprimento de combustíveis líquidos


através do uso de um sistema automatizado de controle. São apresentados o cenário da
distribuição de combustíveis no Brasil e os problemas conseqüentes do crescimento acelerado
desse mercado. O sistema de gerenciamento é então exposto juntamente com uma análise de
seu uso. Melhor logística de distribuição e de abastecimento, e redução de custos são os
principais benefícios obtidos com o uso do sistema. O conteúdo do presente artigo foi
apresentado em forma de palestra durante a I Semana da Automação do Cefet-Sp' ocorrida
de 17 a 19 de outubro de 2006.

Palavras-chave: combustíveis; ressuprimento; distribuição; controle; automação.

This article presents a solution for management of liquids fuel re-supplying using an automated
control system. The scenario of the fuel distribution in Brazil and the consequent problems of
the fast growing of this market are presented. The use of the managing system is exposed with
a brief analysis of it benefits. Better distribution and supplying logistic, and costs decrease are
the major results to be observed using the system. This paper was written based on a lecture
given in the I Automation Week ofthe Cefet-Sp' October 17-19,2006.

Keywords: fuel; re-supplying; distribution; control; automation.

Este artigo tem como objetivo


INTRODUÇÃO
apresentar uma solução para o gerenciamento
do ressuprimento de combustíveis líquidos
Quando se cita o assunto "ressuprimento
através do uso de um sistema automatizado
de combustíveis", é importante salientar os
de controle. Mostra conceitos de hardware,
principais problemas deste setor: observa-se
software e conectividade utilizados de forma
no cenário atual, por um lado, a total falta de
a permitir a ampliação dos mecanismos de
controle sobre vazamentos, que trazem
controle e gerenciamento de todas as
prejuízos ao meio ambiente, e, por outro lado,
atividades envolvidas no processo de
as adulterações de produtos na revenda, que
I ressuprimento de combustíveis líquidos de
se traduzem em dolo ao consumidor. Além
modo global. Além de possibilitar a
disso, práticas ilegais geram evasão fiscal, que
identificação sistêmica e totalmente
é realimentada pela escassez de fiscalização.
desassistida quando houver algum tipo de
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan,fjun. 2007
Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononatoj Theodore Evangelos Joannou

atividade ilegal, agregando facilidades em Impacto ao meio ambiente


todas as etapas do processo.
Além dos prejuízos causados aos
consumidores, à saúde dos trabalhadores e aos
AVALIAÇÃODO CENÁRIO NACIONAL cofres públicos, a adulteração de combustíveis
causa grandes impactos ambientais. Os efeitos
Estimativa da frota e volume de combustíveis provocados ao homem pelo uso de
líquidos comercializados no Brasil combustível adulterado, por ficarem expostos
continuamente à inalação de substâncias
• Volume de combustíveis líquidos tóxicas como benzeno e outros, presentes na
(gasolina, diesel e álcool) gasolina, podem levá-los a contraírem doenças
comercializados no Brasil em 2005 como leucemia ou linfomas, por exemplo.
ANP, 2006 b, c): 67.332.980.000 Além disso, em caso de vazamento, o
litros. combustível penetra no solo, podendo atingir
• Frota estimada de veículos os lençóis freáticos. A ingestão de água,
automotores no Brasil em 2005 alimentos de origem vegetal, ou mesmo
(Anfavea, 2006): 23.023.000 animal, produzidos em solo contaminado por
veículos. combustíveis, expõe a população a graves
• Total de postos de comercialização riscos de saúde.
de combustíveis líquidos no Brasil
em 2005 (ANP, 2006, a): 35.585 Impacto para o consumidor
postos.
• Quantidade de postos autuados por O consumidor, frente a esta situação,
qualidade, multados por infração ou torna-se totalmente refém do sistema
interditados em 2005 (ANP, s/d): corrupto, pois não dispõe de informações a
5.995 postos (16,85%). esse respeito, o que o leva a arcar com um
• Estimativa de impostos sonegados ônus excessivamente alto, pagando preços
(O Estado de São Paulo, 3 jun.): R$ desproporcionais por produtos de baixa
10 bilhões /ano. qualidade e comprometendo seu patrimônio,
pois o combustível adulterado causa danos a
Aspectos do governo seu veículo.

As estimativas de sonegação de GERENCIAMENTO DO RESSUPRIMENTO DE


impostos no mercado de distribuição de COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS ATRAVÉS DO USO
DE UM SISTEMA AUTOMATIZADO DE
combustíveis chegam a R$ 10 bilhões ao ano
CONTROLE
(O Estado de São Paulo, 3 jun.). Segundo
dados da ANP, o país consome anualmente Para eliminar as conseqüências de um
67 bilhões de litros de combustíveis, dos quais gerenciamento deficiente da distribuição de
mais de 16% não atendem às normas e combustíveis no Brasil, foi desenvolvido um
especificações da agência. São Paulo é um dos sistema automatizado para o controle do
estados com maior média de combustível em ressuprimento, descrito a seguir.
não conformidade com essas normas,
apresentando aproximadamente 15% de Conceito do sistema
adulteração do total contabilizado de volume
comercializado. Apesar do monitoramento da O sistema, pela ampla gama de
ANP, a estrutura da agência ainda é incipiente funcionalidades exigidas e pela segurança
para promover uma fiscalização eficaz. envolvida, foi concebido de forma a atingir
os mais altos requisitos de confiabilidade e
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Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononatoj Theodore Evangelos Joannou

operacionalidade. Dentre eles está a desassistido), procurando viabilizar


necessidade do projeto de segurança intrínseca, economicamente os diversos perfis dos
característica obrigatória em sistemas postos de serviços existentes no Brasil.
instalados em áreas classificadas. Os seguintes • Controle ambiental efetivo: Capacidade
critérios foram obedecidos: de tomada imediata de ações, através dos
• Tolerância a falhas: Capacidade de mais atualizados mecanismos de
suportar falhas simples e múltiplas de informações existentes, de forma a
equipamentos, de forma a continuar minimizar os impactos ambientais,
operando mesmo que de forma degradada, detectando e informando situações de
informando ainda eventuais violações à vazamento em tempo real.
integridade dos equipamentos. • Monitoramento contínuo (24x7):
• Ampla conectividade: Suportar Capacidade de difundir e analisar
conectividade a diversos sistemas de remotamente as informações geradas pelo
interface humana disponíveis no mercado, sistema, de forma a otimizar os controles
de forma a informar e controlar o sistema existentes, obtendo-se ganhos em
de forma remota. logística, redução de custos, controle de
• Inteligência distribuída: Facilidade de evasão fiscal e manutenção da qualidade
operação em diversos níveis (local, remoto, do produto entregue ao consumidor.
centralizado) e das formas mais diversas
(totalmente controlado ou totalmente A Figura 1 mostra uma topologia de

Topologia do Sistema
r
r-----------------------------~
Posto de Serviços Conexão Outros Sistemas
Smart Seal Smart Probe LCS Browser

Web
~~/
•••• /' Supervisor

Smart Box 1-""


,~~Dialup

ri;MJ ADSL

Smart Console Companhia Regional


-'

RCS

(
SAP • Sistema de Gestão
Companhia


~II ~
.)d~
Matriz

RCS
da Companhia RCS

Figura 1 - Topologia de interligação dos diversos equipamentos do sistema de gerenciamento do ressuprimento de combustíveis líquidos

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan,fjun. 2007


Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononeto/ Theodore Evangelos Joannou

interligação dos diversos equipamentos e suas cruzamento de informações.


respectivas funções no sistema, que são • Conexão com outros sistemas: Por possuir
expostos em seguida. uma base de comunicação e gerenciamento
• Postos de serviços: Com um conjunto de de informações distribuídas, permitem-se
equipamentos instalados, permitem o outros controles (controle de bombas,
gerenciamento local da informação e sua controle de frotas, etc.), de forma a refinar
distribuição aos diversos sistemas que ainda mais o controle gerencial dos postos
compreendem a cadeia de ressuprimento de distribuição.
de produtos líquidos.
• Central de monitoramento: É Descrição dos equipamentos
responsável pelo gerenciamento das
informações, garantindo a integridade e Tampa de acesso inteligente (Smart seal")
confiabilidade dos dados reportados. Sua
concepção permite que sejam Consiste na tampa de acesso aos bocais
incorporados ao sistema novos centros de de enchimento dos tanques de armazenamento
processamento, de forma totalmente de combustíveis (Figura 2). Localizada sobre
transparente aos demais elementos da a pista, possui sensores de violação,
estrutura. inteligência própria local e baterias internas
• Distribuidoras e órgãos controladores: para operação independente por mais de 36
Todos os agentes envolvidos com o horas, inclusive para o sistema motorizado de
sistema, tais como as companhias, órgãos travamento e destravamento do acesso.
governamentais ou outros, poderão Executa ainda o gerenciamento de sensores
interligar seus centros de processamento intersticiais de vazamentos e o registro
de forma a ampliar a automatização de histórico de eventos, levando em conta com
seus processos, facultando a realização de indicação cronológica de qualquer operação
realizada (abertura/fechamento, travamento/

Figura 2 - Tampas de acesso inteligente

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan,fjun. 2007


Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononatoj Theodore Evangelos Joannou

l- destravamento, violação, nível das baterias Sonda de medição (Smart probe")


internas, falta de comunicação, etc.).
Instalada no interior dos tanques,
Módulo de barreira (Smart box") realiza o controle de entrada e saída de
produtos, através da leitura contínua dos
Tem por finalidade permitir a volumes líquidos armazenados nos mesmos
distribuição limitada de energia fornecida para (Figura 4); utiliza tecnologia ótica na medição
operação e condicionamento de sinais comuns com precisão de ±0,1mm na altura do tanque,
a todas as tampas de acesso e às sondas de o que representa 0,007% de precisão para
medição; realiza a interface entre a área tanques de 15.000 litros, por exemplo.
classificada (área de segurança intrínseca, com Fornece sempre o volume real do líquido a
atmosfera potencialmente explosiva) e a área uma temperatura de referência (20°C),
não classificada. Também possui baterias para evitando assim desvios de medidas devido à
fornecimento suplementar de energia em caso expansão. Além disso, é dotada de um
de falta ou falha do fornecimento de energia dispositivo exclusivo capaz de detectar a
elétrica principal aos demais equipamentos do variação de cor do combustível, o que é
sistema. indicativo de adulteração do produto.

Console de pista (Smart console") Gerenciador local de dados (Supervísor")

Consiste num equipamento robusto a Realiza o gerenciamento global das


ser instalado na pista de abastecimento do operações do sistema, possibilitando ao
r
posto; contém teclado e visor de cristal líquido administrador do posto o acesso a todas as
para permitir a realização de operações por informações operacionais através de uma
usuários devidamente autorizados (Figura 3). simples conexão em rede, detectando
situações especiais e realizando todas as

./

Figura 3 - Console de pista


/

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan.jjun. 2007


Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononatoj Theodore Evangelos Joannou

Figura 4 - Sonda de medição

análises de tendências dos produtos. As a logística de ressuprimento e a identificação


informações são disponibilizadas de forma de descarga, e eliminando a possibilidade de
gráfica (Figura 5) ou através de relatórios, inclusão de volumes adicionais adulterados.
permitindo realizar análises detalhadas de
abastecimento e movimentações de produtos
por entrada e saída dos tanques de Operação do sistema
armazenagem, determinação de volumes
estocados nos inúmeros postos revendedores o sistema pode ser operado de várias
de todo o país, programação prévia para formas e até mesmo controlado remotamente,
entrega de produtos, melhorando desta forma dentre outros meios através de um aparelho

Histórico do Volume de Combustível por Tanque

30000
v28000
?26000 Tanque1
u24000 .. ,.
m22000
e 20000
e 18000
m16000
114000 Tanque2
~ 12000 . i-.

r 10000 +-"""--'=---;-_.
~ 8000
6000+-~--~~--~~--~~--~~--~~ __ ~~~~
dom(01) seg(02) ter(03) qua(04) qui(05) sex(06) sáb(O?) dom(08)
Dia da Semana abr/O?)
L- .

Figura 5 - Exemplo de histórico de vendas gerado pelo gerenciador local de dados

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan.jjun. 2007


Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononatoj Theodore Evangelos Joannou

t celular (Figura 6), ou ainda via internet. Um Benefícios


usuário devidamente autorizado pode
comandar o destravamento de uma ou de mais Dentre os diversos benefícios que a
tampas de acesso aos tanques, efetuar o utilização do sistema traz ao usuário, podem
gerenciamento de um tanque ou um grupo de ser citados como principais:
tanques do posto ou até da totalidade de • Logística de abastecimento: Com as
postos conectados ao sistema. Os informes informações geradas pelo sistema (média
mais importantes, tais como alarmes, de vendas, previsão de duração do estoque
destravamentos, travamentos, condições de etc.), a distribuidora poderá programar o
1,- falha podem ser configurados de forma a fornecimento de produtos para toda a rede
enviar uma mensagem SMS ("torpedo") para de postos revendedores antecipadamente,
informar um grupo de agentes que deverá simplificando significativamente a logística
tomar as ações corretivas necessárias para o de abastecimento e minimizando custos
efetivo controle da operação. com estas operações.
Em uma situação de queda de todos os • Logística de distribuição: Com o sistema
equipamentos de gerenciamento, as tampas de dispondo de uma ampla gama de
acesso, por possuírem uma inteligência própria informações a respeito dos postos, a
local, executam destravamento automático, distribuidora poderá definir uma melhor
permitindo o suprimento do posto sem logística de distribuição, otimizando sua
frota e minimizando significativos custos
operacionais.
/
• Redução de custos operacionais: Uma
preocupação dos administradores de
empresas é a busca constante por redução
de custos operacionais sem prejuízo da
/
melhoria dos serviços prestados e da
qualidade de seu produto, mas, para uma
companhia distribuidora, essa tarefa se
,
1 toma difícil em razão do grande número
de estabelecimentos, da localização
geográfica, tráfego e outras dificuldades.
Com as informações detalhadas de cada
posto disponíveis para a companhia, as
tomadas de decisão serão mais rápidas e
precisas e existirá também um melhor
acompanhamento de toda a operação de
Figura 6 - Exemplo de acesso ao sistema via celular (Wap) distribuição.
I
prejuízo de interrupção em sua operação.
Ainda que isto ocorra, todas as operações de CONCLUSÃO
abertura e fechamento continuarão sendo
registradas. Então, quando o sistema for Este trabalho apresentou uma proposta
restabelecido, os eventos serão repassados à de sistema de gerenciamento do ressuprimento
central para manutenção e continuidade dos de combustíveis líquidos, que tem como
/ registros de dados pertinentes. objetivo a detecção imediata de vazamentos
para a proteção ambiental, bem como a
eliminação de adulteração nos combustíveis,
evitando assim prejuízos tanto ao meio
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-28, jan./jun. 2007
Sistema de gerenciamento e controle do processo de ressuprimento de combustíveis líquidos
Cláudio Buononato/ Theodore Evangelos Joannou

ambiente quanto ao consumidor e ao governo. o Estado de São Paulo, R$ 10 bilhões por


O artigo mostra a utilização de ano, preço da máfia dos combustíveis.
tecnologia nacional unida à integração de Caderno de Economia, l/jun./2003, p. B4.
técnicas economicamente viáveis, exploradas
de forma a contribuir para o efetivo controle Para contatos com os autores:
ambiental, para a melhoria de qualidade dos
Claudio Buononato
produtos oferecidos ao consumidor e para a c\audio@rsp.com.br
significativa redução de custos, tomando a
Theodore Evangelos Joannou
empresa mais competitiva e preparada para theodore@rsp.com.br
correta tomada de decisões.
A efetiva utilização -do sistema traz
diversos benefícios, podendo ser citados como
principais a efetiva melhoria na logística de
abastecimento e de distribuição, além da
redução de custos operacionais.

REFERÊNCIAS

ANP. Anuário estatístico 2006: vendas


nacionais, pelas distribuidoras, dos principais
derivados de petróleo - 1996-2005, http://
www.anp.gov.br/doc/anuario2006/T3.2.xls.
on-line, acesso em abr./07.

ANP. Anuário estatístico 2006: vendas de


álcool etílico hidratado, pelas distribuidoras,
segundo grandes regiões e unidades da
federação 1996-2005, http://
www.anp.gov.br/doc/anuario2006/T4.4.xls.
on-line, acesso em abr./07.

ANFAVEA. Anuário estatístico 2006: frota


estimada de veículos - 2005, http://
www.anfavea.com.br/anuario2006/
CapOL2006.pdf, on-line, acesso em abr./07.

ANP. Anuário estatístico 2006: distribuição


percentual dos postos revendedores de
combustíveis automotivos no Brasil, segundo
a bandeira, http://www.anp.gov.br/doc/
anuario2006/G3.9.pdf, on-line, acesso em
abr./07.

ANP. Ações de fiscalização: histórico, s/d


http://www.anp.gov.br/petro/fiscalizacao.asp.
on-line, data de acesso: abro2007.

Sinergia, São Paulo, V. 8, n. 1, p. 21-28, jan,fjun. 2007


o PROTOCOLO FOUNDATION FIELDBUS NA INDÚSTRIA DE PROCESSO
Mônica Santana
Sup. Eng. de Aplicação de Sistemas da YokogawaAmérica do Sul

Neste trabalho discorre-se sobre a rede foundation fieldbus, situando-a dentro do universo
das redes industriais. O conteúdo do presente artigo foi apresentado em forma de palestra
durante a I Semana da Automação do Cefet-Sp' ocorrida de 17 a 19 de outubro de 2006.

Palavras-chave: redes de computadores; redes industriais; fieldbus.

In this work foundation fieldbus is presented in the context of the universe of the industrial
L- computer nets. This paper was written based on a lecture given in the I Automation Week of
the Cefet-Sp' October 17-19, 2006.

Keywords: computer nets; industrial nets; fieldbus.

INTRODUÇÃO REDES INDUSTRIAIS

Existem vários padrões de redes de Em função do tipo de informação que


comunicação de campo disponíveis no trafega em uma rede e dos equipamentos
mercado. Para se discorrer especificamente conectados a ela, podemos classificá-Ia em três
sobre a rede foundation fieldbus é necessário níveis hierárquicos.
primeiramente entender como ela se situa
I'
dentro do universo das redes industriais.

Redes de
gerenciamento

Redes de controle

I
Redes fieldbus

/
/ Figura 1 - Arquitetura das redes industriais

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan,fjun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
Mônica Santana

As redes fieldbus (ou redes de campo) REDES FIELDBUS


basicamente interligam instrumentos
inteligentes de campo com os cartões de 1/0 Sua definição é muito ampla e pode
do sistema de controle. ser utilizada indiscriminadamente por qualquer
As redes de controle, por sua vez, são rede de comunicação digital que interliga
responsáveis pela conexão entre a interface instrumentos de campo com sistema de
homem-máquina (lHM) e a CPU controle. No entanto, em função do tipo de
(controladora) do sistema de controle. Esta instrumento conectado à rede e do formato
rede é que faz a conexão entre PCs e PLCs, dos dados que nela trafegam se podem
sendo também parte integrante dos SDCDs subdividir as redes fieldbus em três grupos
(Sistema Digital de Controle Distribuído). distintos.
As redes de gerenciamento se
caracterizam por interligar as IHM's dos Redes sensorbus
sistemas de controle com um nível hierárquico
superior, ou seja, com os computadores nos São utilizadas para aplicações em nível
quais rodam as aplicações de controle discreto. Logo, os equipamentos que se
avançado, de otimização, de planejamento de conectam à rede são tipicamente sensores. Os
produção, ERPs , PIMs, etc . dados que nela trafegam estão no formato de

• pc

-,.- __________

Estação de
Monitoração
~ Red e_d_e_G
__e~_e_nc
__ia_m_e_m_o
__

~~ ..
Rede de Controle

Cartões 1/0

Terminador
Rede Fieldbus

Fonte

Figura 2 - Arquitetura das redes industriais

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan./jun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
Mônica Santana

bits. As redes sensorbus cobrem pequenas Os equipamentos que se conectam à


distâncias. rede são discretos e analógicos, e os dados
Alguns exemplos deste tipo de rede que nela trafegam estão no formato de pacotes
são Seriplex, ASI e INTERBUS Loop. de mensagens. Todos os padrões de rede
pertencentes ao grupo fieldbus disponibilizam
Redes devicebus informações de diagnóstico. As redes fieldbus
L cobrem grandes distâncias (até 9.500 metros).
A elas estão conectados equipamentos Alguns exemplos de redes são ECIISA
discretos e analógicos, e os dados que nela SP50, Profibus PA e Foundation Fieldbus.
trafegam estão no formato de bytes. A opção de qual rede de campo deve
Algumas redes devicebus ser utilizada é função do tipo de aplicação a
disponibilizam informações de diagnóstico, ou que ela se destina, ou seja, das características
seja, permitem transferir pacotes de do processo. Simplificadamente podemos
mensagens. Estas redes podem cobrir dizer que as redes dos grupos sensorbus e
distâncias maiores se comparadas às redes devicebus são mais utilizadas na indústria de
sensorbus. manufatura, enquanto as redes do grupo
Exemplos típicos de redes devicebus: fieldbus são utilizadas na indústria de processo.
Device Net, Profibus DP e INTERBUS-S.

Redes fieldbus REDES FOUNDATION FIELDBUS

Tipos de
/
Controles

FIELDBUS
Controle - Foundation
Re gulatório Fieldbus
- Profibus PA
r---------~----~
DEVICEBUS
-CAN
- DeviceNet
-LonWorks
- Profibus DP
- Interbus

Controle
Lógico SENSORBUS
~AJI
~L.w
••
-$!íiplex

Equipalltl!llt4S Simples Equip.uu'1ntos CompJ~s

Tipos de Equipamentos

Figura 3 - Exemplos de redes industriais

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan.jjun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
Mônica Santana

Conceitualmente a rede foundation


fieldbus pode ser definida como um Redução do custo de fiação
barramento de comunicação digital
bidirecional que interliga os instrumentos de A atual conexão física "ponto a
campo inteligentes com o sistema de controle. ponto", na qual cada instrumento instalado no
Contudo, quando se fala em foundation campo se conecta a um cartão de 1/0, será
fieldbus não se deve ater-se somente a sua substituída pela conexão "multiponto", em que
definição literal e encarar a rede somente como vários instrumentos são conectados a um
uma nova tecnologia que veio para substituir mesmo par de fios (barramento). Somente este
o atual padrão de comunicação 4- 20mA. É barramento é conectado ao cartão de 1/0. Isto
necessário ter consciência das vantagens que significa uma redução significativa na
essa tecnologia trouxe agregada a ela, algumas quantidade de cabos, bandejas, bomeiras, etc.
das quais serão citadas abaixo:

I~ --.a
~ 4-20mA

~aJf--- __
Cartões 1/0

FOUNDATION FIELDBUS

Cartões 1/0
] ~ ]

Figura 4 - Comparativo entre redes, ilustrando economia de fiação

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan.jjun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
M8nica Santana

Diagnóstico de falhas
Comunicação bidirecional
A tecnologia foundation fieldbus
Todos instrumentos foundation trouxe um aumento significativo das
fieldbus conectados à rede estarão enviando informações de não-controle. Estas
e recebendo informações do sistema de informações são basicamente de diagnóstico,
controle, assim como trocando dados entre ou seja, todo instrumento foundation fieldbus
si. que estiver conectado à rede terá indicação
de falha em tempo real, assim como uma
I~
I.
-t~rrJ!J~:
___ ---"I Foundation fieldbus

~fiiiiiiiii--.---'t ]r--l -t] I . t]-1


Cartões IIO
I t

Figura 5 - Comunicação bidirecional em rede foundation fieldbus

Neste ponto vale verificar que a avaliação das suas condições de operação. O
grande diferencial desta tecnologia é que ela
capacidade dos instrumentos mudou muito.
Cada transmissor ou posicionador de válvula disponibiliza em tempo real informações sobre
terá capacidade de mandar, receber e trocar as condições de operação dos instrumentos
de campo. Quando bem trabalhadas, as
informações ..
informações de diagnóstico possibilitam,
dentre outros, melhorar a performance dos
equipamentos, aumentar a disponibilidade da
planta (ou ainda prevenir paradas inesperadas)
e evitar situações críticas.

Sistemas de automação baseados em foudation fieldbus

Informações de não-
controle

----
Sistemas de automação tradicionais

• Informações de
controle

Figura 6 - Esquema comparativo entre sistemas de automação tradicionais e os baseados em foundation fieldbus

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan./jun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
Mônica Santana

,~

IALllO~I-- __ l__
- _ I
I
PID 110

AO 110
1___.
I ..)
'1'" l,

Figura 7 - Exemplo de atuação de instrumento inteligente de campo

REDE FOUNDATION FIELDBUS


Instrumentos inteligentes
o barramento FF que interliga os
Como mencionado, os instrumentos instrumentos inteligentes do campo ao sistema
com tecnologia FF têm a capacidade de de controle é também chamado de nível Hl.
executar funções no campo; por exemplo, o O H 1, considerando o meio físico fio, tem uma
algoritmo PID. taxa de comunicação de 31,25 Kbps.

Para o nível Hl a norma dita, dentre


PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA

1900 mmáx.-----------+l~ I
rede foundation fieldbus
terminador

barreira de
segurança

fonte

Figura 8 - Topologia da rede foundation fieldbus

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan,fjun. 2007


o protocolo foundation fieldbus na indústria de processos
M6nica Santana

outras, as seguintes regras: segurança do usuário, optou-se por testar todo


o equipamento disponível no mercado que
Segurança intrínseca suporte este protocolo.
É através de um certificado emitido
Instrumentos intrinsecamente seguros pela foundation fieldbus que um equipamento
poderão ser conectados à rede mediante a tem a sua interoperabilidade garantida.
l instalação de uma barreira de segurança Somente com a aquisição de
I intrínseca para atenuação da tensão. equipamentos certificados o usuário estará

r É importante observar que se utilizará uma


barreira por barramento e não uma barreira
por instrumento como é feito no atual padrão
4-20mA.
"praticando a interoperabilidade", que é a
possibilidade de se comprar equipamentos de
campo e sistemas de controle de diferentes
fornecedores sem qualquer preocupação com
relação a compatibilidade de transferência de
Alimentação informações.

A alimentação dos instrumentos


conectados à rede pode ser feita através do NOTAS
mesmo barramento de sinal (2 fios).
(*) Apesar da regra acima, é muito
Número máximo de equipamentos por importante, quando se fala em instrumentos
barramento (*) com protocolo de comunicação Foundation
Fieldbus, analisar alguns fatores que
- De 2 a 32 equipamentos: sem segurança influenciam o número de instrumentos que
intrínseca e alimentação separada do podem ser conectados ao barramento FF.
barramento de sinal (4 fios). Entre estes fatores está o consumo de corrente
- De 2 a 12 equipamentos: sem segurança de cada instrumento, tipo de cabo, uso de
intrínseca e alimentação no mesmo barramento repetidores, etc.
de sinal (2 fios). (**) Hoje já existem padrões
- De 2 a 6 equipamentos (**): com segurança específicos para utilização em zonas I e 2
intrínseca e alimentação no mesmo barramento (FISCO E FNICO, respectivamente) que
de sinal. possibilitam a conexão de um número maior
de instrumentos ao barramento FF.
Distância máxima Entretanto, a norma brasileira que irá
regulamentar a utilização destes padrões
o comprimento total do barramento ainda não está disponível.
principal, incluindo as derivações, não poderá
ultrapassar 1.900 metros. Com a utilização
de no máximo quatro repeti dores, pode-se
cobrir a distância de até 9.500 metros. REFERÊNCIA

CONCLUSÃO O conteúdo do presente artigo foi apresentado


em forma de painel durante a I Semana da
o fieldbus foundation é um protocolo Automação do Cefet -SP, ocorrida de 17 a 19
utilizado por muitos fabricantes de de outubro de 2006.
instrumentos em todo o mundo. O
compromisso destes fabricantes em seguir este
padrão único seria suficiente para garantir a
interoperabilidade. Contudo, para uma maior
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 29-35, jan./jun. 2007
ANÁLISE DE SINAIS GRAVITACIONAIS USANDO TRANSFORMADA Q

Carlos Frajuca
Doutor pelo Instituto de Física da USP
Docente da Área de Mecânica do CEFET-SP
Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação do CEFET-SP

Fábio da Silva Bortoli


Mestre pelo Instituto de Física da USP
Docente da Área de Mecânica do CEFET-SP

Nadja Simão Magalhães


Doutora peJo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP)
Docente da Área de Automação Industrial do CEFET-SP

Rubens de Melo Marinho Jr.


Doutor em Física
Chefe do Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)

o detector de ondas gravitacionais Schenberg deverá ser sensível a sinais impulsivos emitidos
por fontes astrofísicas por volta de 3.200 Hz. Para detectar sinais gravitacionais com formas
de onda pouco conhecidas, tem sido apresentado na literatura um método que utiliza a
transformada Q. Neste trabalho iremos expor osfundamentos deste método e sua possibilidade
de utilização com os dados gerados pelo detector Schenberg. O conteúdo do presente artigo
foi apresentado em forma de painel durante a I Semana da Automação do Cefet-Sp' ocorrida
de 17 a 19 de outubro de 2006.

Palavras-chave: análise de sinais; séries temporais; detectores; ondas gravitacionais.

The gravitational wave detector Schenberg is expected to be sensitive to impulsive signals


emitted by astrophysical sources around 3,200 Hz: In order to detect gravitational signals
with not well-known waveforms, , a method which uses the Q transform has been presented
in the literature. In this work we show thefoundations ofthis method and the possibility ofits
utilization with the data generated by the Schenberg detector. This paper was written based on
a lecture given in the I Automation Week ofthe Cefet-Sp' October 17-19,2006.

Keywords: signal analysis; time series; detectors; gravitational waves.

INTRODUÇÃO Ondas gravitacionais alteram as posições


relativas entre partículas. No caso de um corpo
A radiação gravitacional é uma sólido, como uma esfera massiva, essas ondas
previsão de teorias de gravitação, entre elas a irão distorcê-la, fazendo oscilar seus modos
teoria da relatividade geral de Einstein. Assim quadripolares. Na Figura 1 há um exemplo
como as ondas eletromagnéticas são deste tipo de movimento.
detectadas pelas antenas e podem ser Para serem percebidas, essas ondas
escutadas, por exemplo, através de aparelhos precisariam ser emitidas por fenômenos
de rádio, as ondas gravitacionais poderiam ser celestes intensos, como explosões de
detectadas por dispositivos apropriados, supemovas ou sistemas binários de buracos
chamados detectares de ondas gravitacionais. negros. E justamente por isso permitiriam o

36 Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan,/jun. 2007


Análise de sinais gravitacionais usando transformada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de Meio Marinho Junior

estudo destes mesmos sistemas, que às vezes trabalho é a possibilidade de um aumento de


não podem ser investigados facilmente através sensibilidade com o uso de uma transformada
da análise das ondas eletromagnéticas usuais. alternativa - a transformada Q - conforme será
Assim, realizar a detecção de ondas exposto nas próximas seções.
gravitacionais é interessante por várias
finalidades:
• Testar teorias de gravitação, em o DETECTOR MARIO SCHENBERG
particular a teoria da relatividade geral;
• Investigar a astrofísica de corpos o
detector de ondas gravitacionais
celestes, especialmente aqueles que Schenberg vem sendo construído com verba
não emitem suficientemente na banda do estado de São Paulo (projeto temático da
eletromagnética; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
• Verificar a existência de objetos de São Paulo, Fapesp, processo 2006/56041-
astrofísicos previstos teoricamente 3) no campus da Universidade de São Paulo
(tais como estrelas bosônicas); localizado na capital. Ele possui uma esfera
• Desenvolver a astronomia massiva (1.15 toneladas, feita de uma liga com
gravitacional. 94% de cobre e 6% de alumínio, com 65 em
Como conseqüência deste processo, de diâmetro) que funciona como antena e
novas tecnologias têm sido desenvolvidas, deverá vibrar na presença de ondas
além de investigações inéditas sobre a gravitacionais(*). A teoria da relatividade geral
natureza. Neste trabalho será apresentado um prevê que essas ondas excitarão os modos
estudo relacionado a uma das linhas de quadripolares da esfera.
pesquisa envolvidas no desenvolvimento deste O Schenberg estará sintonizado com
tipo de detector, a linha de análise de dados. ondas de freqüências entre 3 e 3.4 kHz. Nesta
Como a detecção destes sinais é muito difícil faixa as melhores fontes são as que emitem
devido a sua minúscula amplitude, ao se ondas do tipo impulsivo (Aguiar et aI., 2002)
realizar o processamento dos dados têm-se curta duração e ampla largura de banda.
buscado novas formas de se fazer a análise do Quando resfriado a 4 K, pretende-se que o
sinal. Normalmente, se usa a transformada de sistema alcance uma sensibilidade próxima a
Fourier para conseguir o espectro de 10-21HZ-1/2. Na Figura 2 mostra-se um esquema
freqüências da onda. A fim de aumentar as do detector.
chances de detecção, o que se investiga neste
ey
/

~00000
~O··ÇJOOO
Figura I - Efeito da passagem de uma onda gravitacional, incidindo na direção z, sobre um anel de partículas

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan./jun. 2007

r-
I
Análise de sinais gravitacionais usando transfomada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de Meio Marinho Junior

Figura 3 - Foto de um dos transdutores de microondas que será usado


no Schenberg

Figura 2 - Esquema do detector Schenberg

COMO A DE'l'ECÇÃO OCORRE

A oscilação da esfera, causada pela


passagem da onda, precisa ser percebida. Para
isso, a superfície é monitorada por
transdutores eletromecânicos, que são
dispositivos projetados para ter uma grandeza
física que se altera quando a superfície da
esfera se move. A alteração dessa grandeza
física gera um sinal elétrico correspondente
que é enviado para armazenamento e análise.
Os transdutores do Schenberg possuem
cavidades de microondas, cujo tamanho é
Figura 4 - Diagrama da antena do Schenberg com a disposição dos
alterado quando a superfície da esfera se
transdutores
movimenta (Figura 3). Quando totalmente
operacional, a esfera contará com nove
Os sinais elétricos que saem do
transdutores. Seis deles serão destinados à
transdutor são enviados para o sistema de
recomposição do sinal gravitacional e
processamento de dados, que os armazena
posicionados convenientemente para otirnizar
como amplitudes recebidas em seus
a detecção (Figura 4).

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan.jjun. 2007


Análise de sinais gravitacionais usando transfornada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de MeIo Marinho Junior

respectivos instantes: f(t). Para se saber o uso de computadores, foi desenvolvido um


espectro de freqüências carregado pelo sinal, algoritmo, conhecido como Fast Fourier
geralmente determina-se F(w), a transformada Transform (FFT) (Higgins, 1976). Este
de Fourier(Weinstein; Zubakov, 1962) de I(t): algoritmo é usado atualmente no detector
Schenberg, por exemplo, para determinação
da transformada de Fourier do sinal coletado.

f e-
+00

itú
F(ro) f(t)dt
-00 TEMPO DE AMOSTRAGEM

O tempo de amostragem, ~t , é o
Por outro lado, ao se processar dados
intervalo de tempo necessário para se colher
em um computador trabalha-se com um
uma única amostra de dados. Uma maneira
conjunto discreto de dados, X, (k = 0, ±l. ±
de especificá-lo é através de sua relação com
2, ... ), que pode ser visto como o resultado
a banda de detecção, segundo o teorema de
de medidas realizadas com amostras. Por isso,
./
Kotelnikov, derivado com base na
uma transformada de Fourier contínua passa
transformada de Fourier. Também é conhecido
a ser aproximada trocando-se a integral por
como teorema da amostragem (Wainstein;
somatória:
Zubakov, 1962) e, através dele, sabe-se que
quando um sinal f'(t) possui uma banda
F(m) X
k
e-iW:ffk limitada, ~OOD °
(ou seja, F(O) = para
- ~O)D12 e O)> ~O)D/2),então seu valor em
co<
k=-oo
I qualquer instante t é determinado pelos valores
Ao mesmo tempo, os dados que ele toma nos instantes tk = k ~t ,
provenientes de medidas são normalmente afastados entre si por ~t segundos, com ~t =
1t I (~O)D/2) e k = 0, 1, 2, ... N-l. Resultado
disponíveis apenas dentro de um intervalo de
tempo finito (a janela), de modo que as análogo pode ser provado para um sinal
somatórias envolvidas deverão ter limites restrito a um intervalo de tempo finito (ou
;'

finitos também. Para uma j anela de T segundos sinais de duração finita ou sinais limitados
(durante os quais são tomadas as N amostras no tempo, como o usado em TFD) e para sinais
que participam da somatória), a transformada aleatórios (como ruídos).
de Fourier passa a ter a seguinte expressão: Este teorema permite o cálculo do
tempo de amostragem de um detector
conhecendo-se a banda, ~O), do mesmo. Por
~X -2trirk exemplo, através da Figura 5 nota-se que a
Ar = L..J k exp ---- sensibilidade máxima do Schenberg, quando
k=O N resfriado a 4,2K, encontra-se por volta da faixa
de 3170 e 3230 Hz (linha vermelha, "sum").
Nesta equação, dada a natureza
Esta faixa corresponde a ~O)D== 80 Hz. Assim,
discreta da transformada, substituiu-se F(oo)
pelo teorema, o sinal do detector pode ser
pelos coeficientes de Fourier, Ar . O "número
representado por uma transformada de Fourier
de onda", r , relaciona-se com a freqüência,
em um tempo de amostragem ~t == 78 ms.
00, de acordo com a relação [5] O)r= r 1t I (T/2),
r = 0, 1, 2.... A análise espectral de dados
amostrados, ao longo de uma j anela temporal,
/ TRANSFORMADAS E FILTROS
costuma ser chamada de Transformada de
Fourier Discreta (TFD).
A transformada de Fourier pode ser
O cálculo da transformada de Fourier
vista com um banco de filtros. A função de
discreta é comum. Para sua determinação com
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan'/jun. 2007 39
Análise de sinais gravitacionais usando transfomada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de MeIo Marinho Junior

filtragem, neste caso, é dada pela exponencial.


A cada freqüência associa-se um filtro "r" e, entrada: u(t) saída: v(t)
____ ~. filtro: k(t)
como cada uma delas varia linearmente com r
(00r = r 1t / (T/2), com r = 0, 1, 2...), então
todos esses filtros possuem freqüências Figura 6: Diagrama esquemático do funcionamento de um filtro
igualmente espaçadas entre si. Este
espaçamento (largura de banda dos filtros)
EXEMPLO COM O SCHENBERG
vale ~ooF= 21t / T.
Um filtro com função de filtragem k(t)
No caso do Schenberg, os valores das
(ilustrado na Figura 6) age sobre um sinal de
freqüências dos modos quadripolares de
entrada, modificando-o segundo a relação
vibração da esfera nua, obtidos por simulação
(Wainstein; Zubakov, 1962).
computacional (Frajuca; Bortoli, 2006) são,
-í-cc
em Hz, iguais a 3189,7, 3190,0, 3190,8,
v(t) = f k( r)u(t - tvdt 3191,2 3192,1. Teoricamente esses cinco
modos são degenerados (-3,19 kHz), e
A largura de banda dos filtros, ~(OF' atribuem-se as diferenças a possíveis
também é chamada resolução. Assim, para os limitações do programa de elementos finitos.
filtros da transformada de Fourier a resolução Para efeito de exercício, admitindo-se esses
é a mesma, para uma dada janela de duração valores, resulta que os intervalos entre eles
T. É a resolução que permite a separação entre são, respectivamente e em Hz, 0,3, 0,8, 0,4 e
as componentes de um sinal, de acordo com 0,9. A mínima separação entre os modos vale
suas freqüências. Deste modo, se a resolução ~(OF = 0,3 Hz. Esta, portanto, deveria ser a

não for pequena o bastante, componentes com resolução dos filtros da TDF caso se desejasse
freqüências muito próximas deixam de ser observar distintamente esses modos no espaço
percebidas individualmente. das freqüências. Usando a relação válida para

Schenberg Sensilivily at 4.2 K


1e·18 r------.------~------_r------_r------,_------~------r_----_,
noise emperature: 2.19604e- 5K

1e-19 r"'--;:~;
1e-20 r-----~:.;;;;~
1e-21

1e-22

sum --+--
sphere thermal noise -- >< --
1e-23 R1 Ihermal noise ....• ---
R2 thermal noise ....-8-.....
backaction noise
phase noise
1e-24 ~ ~L- ~ ~ -L -L ~ series noise
~ -- -+_.~
3000 3050 3100 3150 3200 3250 3300 3350 3400
frequency (Hz)

Figura 5: Sensibilidade do Schenberg

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan.jjun. 2007


Análise de sinais gravitacionais usando transfomada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de Meio Marinho Junior

transformadas de Fourier, MUF = 21t I T, N = 80 amostras.


conclui-se que a janela deve ser de T == 21 s. Por outro lado, admitindo-se a
Assim, sendo o tempo de amostragem igual a degenerescência dos quintupletos em seu valor
~t == 78 ms, conclui-se que o número total de médio, as freqüências para este sistema passam
amostras por janela vale N = TI ~t -7 N = a ser: 3168, 3187 e 3203. Neste caso ~ü)F =
268 amostras. 16 Hz, T == 0,4 s e, para ~t == 78 ms, N = 5
Em 2004 foram publicados (Aguiar et amostras. Um resumo dos resultados
aI., 2002), os valores das freqüências dos encontra-se na Tabela 1.
modos quadripolares de vibração da esfera Na prática, quando os seis
nua, mas já com os furos que acomodam transdutores estiverem operando sobre a
suspensão e transdutores. Eles são, em Hz, superfície da esfera, deverão existir onze
iguais a 3172,5,3183,0,3213,6,3222,9 e modos não-degenerados devido a quebras de
3240,0. Acredita-se que os furos causaram simetria de diferentes origens. Estes modos
essa não-degenerescência, Os intervalos entre possivelmente seguirão um padrão de
estes valores são, respectivamente e em Hz: distribuição no espaço das freqüências, a
10,5, 30,6, 9,3 e 17,1. A mínima separação saber: dois grupos de cinco freqüências
entre os modos vale ~ú)F = 9,3 Hz, implicando próximas entre si, nas extremidades da banda
que a janela deve ser de T == 0,7 s. Para um de detecção, e uma freqüência isolada
tempo de amostragem de 78 ms, o número (singleto) na região central da banda, como
total de amostras por janela vale N = 8,9 ilustra a Figura 7.
amostras. A representação do sinal no espaço das
Na fase de detecção Schenberg deverá freqüências é normalmente feita através de
contar com pelo menos seis transdutores. transformadas de Fourier, um banco de filtros.
Estes mais a esfera formarão um sistema com A resolução dos filtros, ~ü)F' é definida a partir
onze modos quadripolares, sendo dois do menor espaçamento entre as freqüências
quintupletos e um singleto. Na simulação de interesse. Neste caso, seria o espaçamento
obteve-se, para esses modos, as seguintes entre valores que estão nas extremidades da
freqüências, ~m Hz, 3164, 3168, 3171, 3171, banda de detecção. Então, na representação
3172, 3187 (singleto), 3194, 3196, 3204, com transformadas de Fourier, este
3206, 3215. A mínima separação entre os espaçamento seria mantido o mesmo entre
modos (salvo os coincidentes) vale ~ú)F = 1 todas as freqüências dos modos, como se elas
Hz, implicando que a janela deve ser de T == fossem distribuídas uniformemente na banda
6,3 s. Para um tempo de amostragem de 78 (vide Figura 8).
ms, o número total de amostras por janela vale
(

Componentes Resolução Duração Número de


do filtro da janela amostras por
(Hz) (s) janela
Esfera nua 0,3 21 268
Esfera nua com furos 9,3 0,7 8
Esfera + 6 transdutores, 11 modos 1 6,3 80

Esfera + 6 transdutores, 3 modos 16 0,4 5

Tabela 1 - Resumo dos resultados com o Schenberg, para um tempo de arnostragem de 78 ms

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan.jjun. 2007

/
Análise de sinais gravitacionais usando transfomada Q

Note-se que entre os grupos das o que caracteriza esta transformada é


extremidades e o singleto há uma lacuna que o fato de que a razão entre a freqüência e a
não precisaria ser varrida no espaço das resolução do filtro é uma constante, Q: Q =
freqüências para descrever o sinal (escurecida, 00 / ~OOF' Esta constante é também conhecida
na Figura 8). No entanto, o uso da como fator de qualidade do sinal. A forma
transformada de Fourier demanda a varredura geral da transformada Q parece com a de
desta região na mesma proporção que Fourier, como se verá, de modo que a análise
qualquer outra. da primeira pode ser realizada em analogia
com a segunda.

••••• • • ••••
freqüências

Figura 7 - Distribuição de freqüências dos onze modos

freqüências
Figura 8 - Ilustração do espaçamento entre as freqüências

A TRANSFORMADA Q
T
As considerações anteriores ilustram
o fato de que nem sempre uma resolução dos
filtros constante (como ocorre com a f

transformada de Fourier, quando a duração e


da janela, T, é fixada arbitrariamente) seja a q
ü
que otimiza o processo de detecção de um ê
~OOF
sinal. Graficamente, esta constância pode ser n
c
ilustrada em um mapa tempo x freqüência que
apresenta um padrão uniforme para todas as a

faixas consideradas (vide Figura 9). No tempo


entanto, sinais de baixa freqüência exigem
janelas de longa duração para que se acumule Figura 9 - Mapa tempo x freqüência para a transformada de
Fourier em tempo finito (Chatterji, 2003)
informação bastante em freqüência, enquanto
que sinais de alta freqüência são mais bem
isolados no tempo usando-se janelas de curta Note-se que, como visto anteriormen-
duração. te, ~COF = 21t / T. Assim, resulta que, para a
Para melhorar o desempenho da transformada Q, o tempo de duração da jane-
representação de sinais no espaço das la, T, relaciona-se com o bin (00, ou freqüência
freqüências, têm sido propostas outras amostrada) necessariamente segundo a rela-
transformadas, além da de Fourier, uma das ção T = Q 21t / . Isto gera um mapa tempo x
quais é a transformada Q, que tem se freqüência com um padrão logarítmico, como
mostrado útil na análise de sinais musicais se vê na Figura 10.
(Brown; Accoust, 1991).
42 Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan./jun. 2007
Análise de sinais gravitacionais usando transfornada Q
Carlos Frajuca/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de MeIo Marinho Junior
I,..

TRATAMENTO ESTATÍSTICO E
TRANSFORMADA Q
f
A distribuição estatística dos
e
q
coeficientes desta transformada, A[r], é bem
ü
ê
conhecida quando o sinal de entrada, dado
n
pelos X[k], é do tipo ruído branco (há
c oscilações em todas as faixas de freqüências,
a
com mesmas intensidades). No caso deste tipo
de sinal, usando o teorema do limite central,
verifica-se que, para uma escala (r)
suficientemente grande, os coeficientes A[r]
dentro desta escala irão aproximar uma
distribuição gaussiana de média zero e desvio-
tempo padrão ar'
Figura 10- Mapa tempo x freqüência para a transformada Q em Isto significa que, para pixels (os
tempo finito (Chattergi, 2003)
tijolinhos em um mapa t x f) de duração
Assim como ocorre com a de Fourier, suficientemente longa, a energia do pixel de
a transformada Q possui uma versão para freqüência r, c[r] = IA[r]12,deverá aproximar
intervalos de tempo finitos, aplicável a uma distribuição exponencial. Assim, para
situações práticas. Sua estrutura parece-se cada pixel tem-se uma medida de significância
com a de Fourier, mas, além da diferença na P( > c[r]) = exp (-c[r]/ 1.1), em que Ilr é a
duração da janela, N[r], a transformada Q energia média do pixel na freqüência r.
apresenta uma janela cujo formato, W[k,r], Para aproveitar, em detecção de ondas
pode ser variável, enquanto que a de Fourier gravitacionais, essa estatística já conhecida,
utiliza uma janela retangular, W=I, que cria uma estratégia consiste em se "embranquecer"
interferência entre bins adjacentes. os dados reais. Isto pode ser feito porque, do
Ou seja, para um conjunto discreto de ponto-de-vista de suas propriedades de
dados - Xk == X [k] - obtém-se sua transformada correlação e das correspondentes densidades
Q, A[r], projetando-se estes dados em espectrais, qualquer processo aleatório pode
exponenciais submetidas a uma j anela W[k,r]: ser identificado com um ruído branco que
passou por um filtro apropriado (Wainstein;
Zubakov, 1962).
-I ( 2·k1t )
A[r]= N!X[k]w[r,k]exp - I~ { Uma forma de se embranquecer
k=O ]V r dados gravitacionais é usando-se a técnica da
previsão linear (Haykin, 2002). Nela se parte
do princípio de que a k-ésima amostra é bem
Como formato de janela é interessante modelada por uma combinação linear das M
a de Hanning (Brown; Accoust, 1991), que amostras anteriores, cujos coeficientes são
possui um suporte finito no domínio das escolhidos de modo a minimizar a média
freqüências ao mesmo tempo que permite uma quadrática do erro de previsão (devidamente
boa localização em tempo e em freqüência (a definido), dentro de uma seqüência de dados
= constante): representativa. Supondo que {X[k]} é um
/ processo estacionário estocástico, os cálculos
W[r,kJ = a + (l-a)cos(2k7rlN[rJ) são conhecidos e obtém-se uma seqüência de
dados embranquecida, correspondente ao

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan.jjun. 2007


Análise de sinais gravitacionais usando transfomada Q
Carlos Frejuce/ Fábio da Silva Bortoli/ Nádia Simão Magalhães/ Rubens de MeIo Marinho Junior

conjunto {X[k]}. Em particular, mostra-se que


os dados embranquecidos, por si só, já REFERÊNCIAS
permitem um teste de significância pré-
definido (Chatterji et al, 2004), simplificando Mais detalhes sobre o detector Schenberg
a identificação subseqüente de pulsos podem ser encontrados na página eletrônica
candidatos. do grupo Gráviton: < www.das.inpe.br/
graviton>.

MÉTODO PARA IDENTIFICAÇÃO DE AGUIAR, o. D. et al., Class. Quant. Grav.


SINAIS CANDIDATOS 19 1949 (2002).

Um procedimento usado pelo grupo WAINSTEIN, L. A.; ZUBAKOV, V. D.


do Ligo para utilizar a transformada Q em Extraction of signals from noise. New York:
Dover PubI., 1962.
detecção de ondas gravitacionais impulsivas
(Chatterji et al., 2004) consiste em realizar
múltiplas transformadas Q, cada uma delas BUTKOV, E. Física matemática. Rio de
produzindo um plano tempo x freqüência Janeiro: Guanabara Dois, 1978.
fragmentado segundo seu Q particular dentro
de uma faixa de interesse. Para melhor estimar HIGGINS, R. J. Am. J. Phys. 44 766,
os parâmetros de sinais candidatos , 1976.
selecionam-se, de todos os planos Q, os pixels
mais significativos que não se sobrepõem, FRAJUCA, c, BORTOLI, F. Apresentado
usando-se um simples algoritmo de exclusão. no XXVII Encontro Nacional de Física de
Os pixels são, então, colocados em Partículas e Campos, SBF: Águas de Lindóia,
ordem decrescente de significância (P) e SP, outubro 2006.
qualquer pixel que se sobreponha, em tempo
ou em freqüência, com um pixel mais AGUIAR, O. D. et al. Class. Quantum. Grav.
significativo é ~escartado. Deste modo, para 21 459,2004.
cada sinal localizado é relatado apenas o único
pixel que melhor representa os parâmetros CHATTERJI, S. K. The Fast Discrete Q
desse sinal. Este procedimento pode ser Transform. LIGO Scientific Collaboration
implementado com o auxílio da FFT Meeting, 10-13/nov /2003. Transparências
(Chatterji, 2004). disponíveis em <www.ligo.caltech.edu/docs/
Como continuidade deste trabalho , G/G030544-00. pdf>.
pretende-se aplicar aos sinais do Schenberg a
metodologia apresentada. A meta será BROWN, J. C. ; ACCOUST, J. SocoAm. 89
425, 1991.
investigar a eficiência do uso da transformada
Q para obter a distribuição espectral do sinal
do detector, comparando-a com o uso da HAYKIN, S. Adaptativefilter theory. 4. ed.
transformada de Fourier. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 2002.

CHATTERJI, S. K. et al. Class. Quantum


AGRADECIMENTO Grav. 21, S1809, 2004.

NSM agradece à Fapesp o apoio dado através CHATTERJI, S. K. The Q Transform Search
de sua linha de auxílio a pesquisa (processo for Gravitational-Wave Bursts with LIGO.
n° 2006/07316-0). Gravitational Wave Data Analysis Workshop,
dez/2004. Transparências disponíveis em
<www.ligo.caltech.edu/docs/G/G040521-
Sir@0lj9d~9 Paulo, v. 8, n. 1, p. 36-44, jan./jun. 2007
Ir
SISTEMAS DE EMPARCEIRAMENTO PARA TORNEIOS DE XADREZ

Augusto Massashi Horiguti


Doutor em Ciências pelo IFUSP
Árbitro Internacional da Fide
Professor do CEFET-SP

Este trabalho apresenta os três principais sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez:
eliminatória simples, Schuring e suíço. Mostramos a metodologia desses sistemas através de
exemplos e discutimos os pontos favoráveis e contrários.

Palavras-chave: xadrez/ emparceiramento; Schuring; sistema suíço.

This work presents the three more relevant pairing systems for chess tournament: simple
eliminatoria, Schuring e Swiss pairing. We show the methodology of these systems through
examples and we discuss the advantages and disadvantages of these systems.

Keywords: chess; pairing; Schuring; Swiss system.

executado, visto que muitos docentes limitam-


INTRODUÇÃO
se a utilizar o sistema de eliminatória simples,
causando muitas vezes situações de
A realização de atividades lúdicas em desmotivação para aqueles que são eliminados
sala de aula (Huizinga, 1990), (Baptistone; com uma ou duas partidas. A utilização do
Penazzo, 2000) é cada vez mais preconizada sistema "todos contra todos" é evitado muitas
e utilizada como forma de melhorar diversos vezes pela falta de tempo e condições para
aspectos do processo ensino-aprendizagem sua execução, enquanto que a alternativa do
(Araújo, 2007), (Schwartz, 1998). sistema Suíço é desconhecida para a maioria
das pessoas.
Dentre as diversas possibilidades, o
xadrez se apresenta como uma das alternativas Neste trabalho pretendemos
mais viáveis, visto que desenvolve a maior apresentar os três principais sistemas de
quantidade de competências e habilidades que emparceiramento, isto é, o sistema de
um jogo pode proporcionar (Rodrigues Neto, eliminatórias, o sistema Schuring
I
2003), além de facilitar o aprendizado de (popularmente chamado "todos contra todos"
determinados componentes curriculares ou "pontos corridos") e o sistema Suíço,
(Christofoletti, 1999). mostrando suas vantagens e desvantagens.

Dessa forma, o xadrez tem sido


aplicado em diversos sistemas de ensino, seja
público ou privado (Fontarnau, 2003)
SISTEMA DE ELIMINATÓRIAS
(Goulart, 2007), fazendo com que exista a
necessidade de realização de eventos
enxadrísticos intraescolas e interescolas, para
o sistema eliminatório (Calleros,
que haja uma continuidade na motivação dos
2006), seja simples ou duplo, é uma alternativa
/ alunos.
mais rápida para a execução de um torneio,
A realização destes eventos pode porém é pouco preciso, visto que alguns
esbarrar na forma como ele é planejado e participantes podem ser prejudicados ao serem

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 45-50, jan./jun. 2007


Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez
Augusto Massashi Horiguti

emparceirados com outros de maior força e A lx16

venc B x
B 9x8
serem eliminados logo nas primeiras rodadas. venc A

venc C x
C 12x5 J
venc D
Como princípios básicos do sistema D 4x13 N Ivenc x I
venc J
(vamos considerar o simples) temos que
classificar previamente os jogadores, de forma
que o número 1 será o jogador com melhores o Ivenc Lx
E 3x14
venc M
resultados no esporte em questão. venc E x
F 11x6 L
venc F

O jogador de número 1 será sempre G 10x7


M
venc
venc
G x
H

colocado na primeira linha e o número 2 na H 2x15

última linha. Os demais jogadores da primeira


metade da lista serão colocados como
subcabeças de chave, enquanto que os
jogadores da segunda metade da lista serão emparceiramento da seguinte forma:
posicionados de forma a haver um equilíbrio
no caminhar das rodadas, de forma que, na SISTEMA SCHURING ("TODOS
situação em que os favoritos confirmem seus CONTRA TODOS" OU "ROUND-
resultados, a semifinal será realizada pelos ROBIN")
jogadores 1,2,3 e 4 e a final pelos jogadores
1 e 2. O sistema de emparceiramento
Schuring, também conhecido como sistema
Como primeiro exemplo temos o caso
"todos contra todos" ou "pontos corridos",
de oito participantes. Neste caso, os jogadores
ou ainda "round-system", é aquele em que
1 e 2 serão os cabeças de chave; os jogadores
temos a maior precisão na apuração de uma
3 e 4, os subcabeças de chave; e os jogadores
classificação entre um determinado número de
5, 6, 7 e 8 serão emparceirados de forma a
participantes (individuais ou equipes),
equilibrar as chaves. Caso não se complete o
principalmente se houver dois jogos em cada
número de jogadores, é comum deixar as
emparceiramento.
Neste sistema cada participante joga
com cada um dos outros competidores. A
A lx8
ordem na qual um jogador enfrentará seus
venc B x oponentes, assim como a cor (isto no caso de
B 5x4 E
venc A
emparceiramento simples), depende da
G venc E x venc F quantidade de participantes e da sua alocação
H perd E x perd F em termos de numeração inicial. O sistema de
emparceiramento Berger é o mais popular.
venc D x
C 6x3 F
venc C No sistema Berger cada jogador é
D 2x7 associado a um número por meio de sorteio,
antes de a competição começar. Isto
automaticamente determina o
emparceiramento e as cores de cada rodada,
numerações maiores em branco. bastando para isto utilizar as tabelas Berger
que podem ser colocadas mais adiante.
Para o caso de 16 jogadores, os
jogadores 1, 2 , 3 e 4 serão os cabeças de De acordo com Calleros (2006), as
chave, enquanto que os jogadores 5, 6, 7 e 8 tabelas Berger estão baseadas em certos
serão os subcabeças de chave, sendo o princípios algorítmicos que nos permitem
construir uma tabela para qualquer número de
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Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez
Augusto Massashi Horiguti

participantes. Basicamente temos três regras: Os demais participantes (de 1 a N-l) irão
sendo posicionados seqüencialmente em cada
1°) Se ambos jogadores têm emparceiramento num ciclo contínuo, isto é,
numeração homogênea (i.e. ambos são pares ao chegar ao N-l, volta-se ao 1, dirigindo-se
ou ímpares), então o jogador com a da esquerda para direita e de cima para baixo.
numeração mais alta joga com as brancas. Se Finaliza-se a tabela preenchendo os espaços
os jogadores têm numeração heterogênea (um vazios com a seqüência cíclica 1 a N-l de
par e outro ímpar), então o jogador com a baixo para cima, da direita para a esquerda.

numeração mais baixa joga com as brancas.


O último número é a exceção se o número de
I" rodada x x x x
jogadores for par. Neste caso, a metade
superior dos jogadores joga de branco com 2" rodada x x x x
este, enquanto que a metade inferior joga de 3" rodada x x x x
pretas com o mesmo.
4" rodada x x x x
2°) Em cada rodada o jogador com o
5" rodada x x x x
número 1joga com aquele cujo número é igual
ao número da rodada, com exceção da 6" rodada x x x x

primeira rodada quando ele ou será o bye no 7" rodada x x x x


caso de número ímpar de participantes, ou
joga com o jogador que possui o último Ex. Para 8 participantes temos 7 rodadas e 4
partidas por rodada:
número no caso de um número par de
participantes. Na quinta rodada, por exemplo,
o jogador número 1 joga com o jogador
I" rodada x8 x x x
número 5.
2" rodada 8x x x x
3°) As tabelas Berger para um número
par de participantes são exatamente idênticas 3" rodada x8 x x x
a mesas para um número par com um 4" rodada 8x x x x
participante a mais. A única diferença é que
/ 5" rodada x8 x x x
com um número ímpar de participantes, o
jogador que, em um número par de 6" rodada 8x x x x
participantes, deveria jogar com o último 7" rodada x8 x x x
número, ficará bye nesta rodada.
O participante de número 8 começa com as
Temos vários métodos para se pretas e vai alternando sempre na primeira
construir as tabelas Berger, sendo que iremos partida:
detalhar o método geral (Horiguti, 2001):
Define-se o número total de rodadas I" rodada 1x 2x 3x 4x
tomando-se o número de participantes N
2" rodada 8x5 6x 7x x
(par) e subtraindo um (se o número de
participantes for ímpar basta considerar o 3" rodada x8 x x x
próprio número de participantes) e o número
4" rodada 8x x x x
de emparceiramentos em cada uma,
dividindo N por dois. Com isto monta-se uma 5" rodada x8 x x x
tabela de N-l linhas com N/2 colunas.
6" rodada 8 x x x x
o participante de maior número n (igual ao
número de participantes, se for par, ou 7" rodada x8 x x x
somado de um, se ímpar) começará o
emparceiramento jogando com pretas e irá Agora preenchemos de 1 a 7, uma partida
I alternando a cor, mas sempre posicionado no por vez, da esquerda para a direita e de cima
emparceiramento mais à esquerda. para baixo:
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/
Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez
Augusto Massashi Horiguti

eliminado por derrota, exceto os


Ia rodada 1x 2x 3 x 4x
casos de abandono do torneio;
z- rodada 8xS 6x 7x 1x
2. Dois atletas podem se enfrentar
3a rodada 2x8 3 x 4x Sx somente uma vez;
4a rodada 8x x x x
3. Os atletas são emparceirados com
sa rodada x8 x x x outro que possua a mesma pontuação
6a rodada 8x x x x
ou com pontuação mais próxima;

T' rodada x8 x x x 4. Quando possível, um atleta jogará


com as peças brancas tantas vezes
Ao chegar no número 7 recomeça-se a quanto com as peças pretas;
contagem:
5. Quando possível, um atleta jogará
Finalmente, basta preencher de 1 a 7 de baixo com as peças de cor oposta àquela
com que jogou na rodada anterior;
Ia rodada 1x 8 2x7 3x6 4xS 6. A ordem da classificação final é
2a rodada 8xS 6x4 7x3 Ix2
determinada pela soma dos pontos
ganhos: um ponto para uma vitória,
3a rodada 2x8 3 x 1 4x7 Sx6
meio ponto para um empate e zero
4a rodada 8x6 7xS Ix4 2x3 ponto para uma derrota. Um atleta
5" rodada 3x8 4x2 S xl 6x7
cujo oponente não compareça para
um jogo programado recebe um
6a rodada 8x7 1x 6 2xS 3x4
ponto.
T' rodada 4x8 Sx3 6x2 7xI
Exemplo de torneio regido pelo
para cima e da direita para a esquerda, sistema suíço
ignorando as partidas que já estiverem Vamos supor que tenhamos 8
emparceiradas:
jogadores e que seja escolhido o
sistema suíço para a execução deste
o SISTEMA suíço torneio:
• número de rodadas será: log, 8 = 3,
isto é, três rodadas são o suficiente
A idéia do sistema suíço é juntar as para este torneio;
vantagens de um torneio reduzido
• Os jogadores são numerados em
(sistema de eliminatórias) com a ordem decrescente de força, isto é,
precisão (sistema Schuring). A o número 1 é o jogador mais forte;
regulamentação deste sistema é dada • Faz-se o sorteio para se saber a cor
pela FIDE através do anexo 4 do seu com que o jogador número 1 irá
regulamento. jogar na primeira rodada (suposição
Como normas gerais temos que: do sorteio de cores: brancas);
• Divide-se o grupo ao meio e
1. O número de rodadas a serem
emparceira-se:
jogadas deve ser fixado antes do
• Grupo superior: 1, 2, 3 e 4
torneio iniciar (é costume usar o
Grupo inferior: 5, 6, 7 e 8
número de rodadas como sendo o
• 1a rodada: 1 x 5 6 x 2 3 x 7 8
número ímpar mais próximo de log,
x4
Np, em que Np é o quantidade de
• Vamos supor que os favoritos
participantes). Nenhum jogador é

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Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez
Augusto Massashi Horiguti

ganhem suas partidas em todas as caso de quantidade ímpar.


rodadas. Temos então ao final da
Claramente o sistema suíço consegue
primeira rodada:
equilibrar os problemas destes sistemas, visto
Com 1,0 ponto: 1, 2, 3 e 4;
que não há a eliminação do jogador em caso
Com 0,0 ponto: 5, 6, 7 e 8;
de derrota, fazendo com que o mesmo ainda
• Divide-se o primeiro grupo em duas
tenha chance de se recuperar, e o número de
parte e emparceira-se, procurando
rodadas costuma ser bem inferior do que no
inverter as cores:
sistema Schuring.
• 2a rodada: 4 x 1 2 x 3
Um dos grandes problemas para a
• Repete-se o procedimento com o
implementação do sistema suíço é a falta de
segundo grupo:
conhecimento de muitos professores sobre
• 2a rodada: 5 x 8 7 x 6
como utilizar o mesmo, porém, temos hoje
• Após os jogos temos:
diversos aplicativos, dentre eles o Swiss
Com 2,0 pontos: 1 e 2;
Perfect ®, que fazem o emparceiramento de
Com 1,0 ponto: 3,4,5 e 6;
modo informatizado, o que facilita o trabalho
Com 0,0 ponto: 7 e 8;
daqueles que se propões a utilizar o sistema
• Divide-se o primeiro grupo em duas
suíço.
parte e emparceira-se, procurando
inverter as cores:
REFERÊNCIAS
• 2a rodada: 1 x 2
• Repete-se o procedimento com os
outros grupos: ARAÚJO, A. A. O xadrez como atividade
• 2a rodada: 3 x 5 6 x 4 8x7 lúdica na escola: uma possibilidade de
• Finalmente temos a seguinte utilização do jogo como instrumento
classificação: pedagógico no processo ensino-
Com 3,0 pontos: 1; aprendizagem. Disponível em:
Com 2,0 pontos: 2, 3 e 4; http://www.fsba.edu.br/
Com 1,0 ponto: 5, 6 e 7 s ema naac ademic a20 6/TEXTO
ANDRE%20DE%20ALMEIDA %. Data de
°
S1
Com 0,0 ponto: 8;
• Para se obter uma classificação final, acesso: 14/02/2007.
deve-se usar critérios de desempate
internacionais (FIDE). BAPTISTONE, S. A.; PENAZZO, A. A. O
jogo na história: um estudo sobre o uso do
jogo de xadrez no processo ensino-
aprendizagem. 2000 - s. n.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CALLEROS - Xadrez: introdução à
organização e arbitragem - 3. ed. Rio de
Dentre os sistemas apresentados, o
Janeiro: Ciência Moderna, 2006.
sistema de eliminatória simples é aquele que
pode gerar maiores problemas, tendo em vista CHRISTOFOLETTI, D. F. A. A prática
a eliminação de jogadores com apenas uma escolar de xadrez e o jogo na educação
/ derrota. Já o sistema Schuring é sempre o mais matemática no ensino fundamental.
recomendado para se avaliar qual o melhor (Monografia de conclusão do curso de
jogador num determinado evento, porém o licenciatura em Pedagogia). UNESP-campus
/ tempo geralmente é excessivo, visto que o Rio Claro, 1999.
número de rodadas é dado pelo número de
participantes menos 1, no caso de quantidade
par, e igual ao número de participantes, em
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 45-50, jan.jjun. 2007

/
Sistemas de emparceiramento para torneios de xadrez
Augusto Massashi Horiguti

FIDE. Actual handbook of World Chess


Federation, http://www.fide.com/official/
handbook.asp. data de acesso: 17/08/2007.

FONTARNAU, A. S. O ensino de xadrez na


escola. Porto Alegre: Artmed, 2003.

GOULART, F. O ensino de xadrez para


D D
crianças das 3 e 4 séries do ensino
fundamental, site: http://www.unesp.br/
prograd/PDFNE2004/a-rtigos/eixo 101
oensinodexadrex.pdf, data de acesso: 14/021
2007.
.,,
HORIGUTI, A. M. Notas de aula do curso
de arbitragem. Federação Paulista de Xadrez,
2001.

HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como


elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva,
2. ed., 1990.

RODRIGUES NETO, A. Geometria e


estética: experiências com o jogo de xadrez
(dissertação mestrado). São Paulo: Faculdade
de Educação - USP s.n., 2003.

SCHWARTZ, G. M. O processo educacional


emjogo: algumas reflexões sobre a sublimação
do lúdico. LICERE, v.l, n.l, 1998, p. 66-76

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 45-50, jan./jun. 2007


CONHECIMENTO DE PORTUGUÊS, REDAÇÃO E COMPREENSÃO DE
LEITURA EM ESTUDANTES DE PSICOLOGIA (1)

Elza Maria Tavares Silva


Doutora
UMC/UNICASTELO

Geraldina Porto Witter


Doutora
UNICASTELO

Ler e escrever são competências essenciais à vida universitária. Os objetivos do presente


trabalhoforam verificar as competências em compreensão de leitura, redação e conhecimento
da língua portuguesa. Osparticipantes da pesquisa foram 19 calouros do curso de Psicologia,
com idade entre 19 e 42 anos que consentiram formalmente em participar do trabalho, sendo
submetidos a uma prova de conhecimentos de português, a uma prova de compreensão de
leitura e solicitados a elaborar uma redação (Eu leitor). As aplicações ocorreram após
assinarem um termo de consentimento. Os resultados em todas as atividades ficaram aquém
do esperado e não foram encontradas correlações entre as atividades. Há necessidade de
desenvolver programas para melhorar o desempenho dos alunos.

Palavras-chave: Escrita; desempenho acadêmico; nível de compreensão.

Reading and Writing skills are essentials competences in the academic life. The aims of the
present work were to veriJythe competences in Reading Comprehension and Writing skills as
well as the knowledge ofthe Portuguese Language. 19freshman of a graduation course in
Psychology, with age varying from 19 to 42 were selected to take part in this work. They
agreed on being subjects of this research, taking two tests to evaluate their knowledge in the
Portuguese Language and their Reading Comprehension skill. They were also asked to write
: a composition (1, the reader). The results in ali the three activities were less than the expected
ones and no correlations were found among the activities. There is a great need to develop
more programs to improve the performance of the students.

Keywords: Writing; academic development; comprehension levei.

INTRODUÇÃO eficientes de ensino forem usados


(Schwanenflugel et aI., 2006) como, por
Ler é um processo complexo, mas exemplo, as estratégias para desenvolvimento
passível de ser compreendido via pesquisa. Ao de vocabulário (Blachowicz, et aI., 2006).
longo da história, a leitura foi privilégio de A avaliação da alfabetização e da
poucos por ser restrito o conhecimento da leitura é um problema complexo, pois envolve
representação escrita, atualmente, embora se um conjunto de habilidades e de estratégias a
reconheça que todo cidadão tem o direito de serem aprendidas, competências complexas
ser alfabetizado, a leitura permanece um mito em que influem variáveis locais, pessoais e
para muitos. sociais. Johnston e Cortello (2005) lembram
Quando o aluno completa o ensino que ao aprender a ler se está aprendendo
/
fundamental, e mesmo antes disso, já deve ter formas de viver com as pessoas. Dessa
se tomado um leitor fluente e independente. maneira, uma avaliação completa da leitura
Isto ocorrerá se procedimentos adequados e precisa também considerar como o leitor usa

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a leitura no sentido do envolvimento social. estabelecer objetivos para a leitura; explorar


No Brasil, o trabalho de muitos figuras, títulos e subtítulos para obter
pesquisadores tem como foco o sujeito informação; usar uma visualização geral para
enquanto leitor, bem como a identificação das compreender o texto; usar pistas do contexto,
habilidades e estratégias envolvidas na leitura dos grafemas e fonemas para aprender as
entendidas como fundamentais para o palavras novas; lembrar detalhes do que leu;
processo da compreensão nas diversas etapas fazer previsões/confirmações ou reajustar suas
da escolarização e, em especial, no ensino previsões; formular questões e ler ou reler o
superior (Marini, 1986; Oliveira, 1993; Witter, texto para respondê-Ias; usar seu
1997; Silva, 1998 e 2002). Dos alunos que conhecimento anterior para compreender o
cursam uma universidade, o desejado é que que leu; fazer conexões com a leitura; formar
tenham alta competência em leitura e escrita, opiniões e saber sustentá-Ias tendo o texto por
porém não foi observado tal desempenho nos referência; ajustar o ritmo de leitura ao tipo
estudos referidos. de texto; automonitorar-se ou pedir ajuda
Hussein (1999) comenta que a leitura quando necessário; fazer inferências;
compreensiva de universitários deve englobar estabelecer conclusões; comparar e contrastar
a leitura crítica, definida como a capacidade textos e, naturalmente, desejar ler mais. Essas
do estudante de discemir se as informações características deveriam estar presentes em
que o texto contém estão baseadas em fatos todo leitor, especialmente nos profissionais
ou opiniões do autor, preservando o nível de que precisam estar atualizados e,
adequação ao contexto da leitura. Testando a conseqüentemente, em todos os universitários.
eficiência de estratégias específicas no As competências em leitura e escrita
treinamento da compreensão em leitura, tendem a se desenvolver concomitantemente,
verificou a possibilidade de os universitários pois desde o início da escrita é importante que
desenvolverem a leitura crítica e a criativa, pois os professores estejam atentos e exercitem os
após a aplicação do programa os alunos alunos em todas as fases e aspectos do
conseguiram não só compreender as processo de maneira freqüente, dando-lhes
informações qu~ o texto trazia, mas também oportunidades para rascunhar, revisar, editar
relacioná-Ias com outros conteúdos e com a e publicar (ainda que seja no mural da classe).
sua própria vida, sempre mantendo o nível Segundo Scala (2001), só assim é possível
adequado da resposta. desenvolver nos alunos as habilidades de
Outro ponto salientado em pesquisas escrita e garantir aperfeiçoamento contínuo.
brasileiras tem sido a preocupação com No que conceme ao ensino superior,
universitários ingressantes no que se refere à espera-se que o aluno tenha bom desempenho
caracterização das habilidades básicas que desde a escolha do tema, do tipo de trabalho;
interferem no desempenho acadêmico, tais na boa organização e clareza da redação, na
como compreensão em leitura, nível de atenção para que idéias e dados sejam
conhecimentos gerais, atualização e apresentados ao leitor de forma interessante,
capacidade de raciocínio. Silva e Santos evitando palavras e frases repetitivas, e ainda
(2004) consideram que esses fatores são que demonstre cuidado com mecanismos e
requisitados constantemente no aprendizado regras da boa escrita, sem erros gramaticais
de novos conteúdos, exigindo do universitário ou de concondância (Scala, 2001). Todos
a ativação dos processos de apreensão, estes aspectos pedem que o professor domine
retenção e contextualização de novas tecnologias específicas de eficiência
informações obtidas por meio da leitura. cientificamente comprovadas. Infelizmente,
Para ser um bom leitor, segundo parece que, pela situação atual da educação
revisão de Scala (2001), a pessoa deve saber no Brasil, os docentes não estão devidamente
escolher textos de acordo com seu nível; capacitados para tanto. Como resultado, ao
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ingressarem na universidade, muitas das

lv habilidades da escrita não foram adquiridas a


contento. Além disso, por tradição, só são
Material

trabalhados os tipos de textos literários, mas Termo de Consentimento Livre e


é o discurso científico que é requerido na Esclarecido - solicitando a participação do
maioria dos cursos. Para este discurso, aluno, explicando o propósito da pesquisa,
novamente se esbarra na falta de formação seus objetivos, garantia de sigilo quanto aos
docente e com o agravante de ele ser ignorado dados pessoais, bem como assegurando a ele
nos anos que precedem o ingresso na desistir ou retirar seu consentimento quando
universidade, o que é, certamente, uma grande desejar.
falha (Santa e Alvermarin, 1991; Guthrie e Teste Cloze - A preocupação com o
Wigfield,1997). uso adequado de instrumentos de avaliação
Assim, no contexto da preocupação tem levado muitos estudiosos da área a se
de melhor conhecer as competências dos debruçarem sobre uma análise mais acurada
alunos para as atividades acadêmicas foi que sobre o teste Cloze, em busca de evidências
/
se realizou a presente pesquisa. de validade para a mensuração da
compreensão em leitura. Silva e Santos (2004,
Objetivos p. 461) salientam que o teste Cloze é um deles,
pois busca uma mensuração da compreensão
Geral: avaliar aspectos de em leitura, enquanto fenômeno psicológico,
compreensão da leitura e da escrita em possibilitando que as tomadas de decisões
estudantes universitários de Psicologia. sejam as mais adequadas.
Assim, na avaliação do desempenho
Específicos: a) avaliar a compreensão em leitura foi utilizado um texto estruturado
de leitura em estudantes universitários de segundo a técnica tradicional de Cloze,
Psicologia matriculados no 10 semestre; b) proposta por Taylor (1953), na qual todo
verificar o desempenho em redação feita pelos quinto vocábulo de um texto é omitido,
participantes; c) caracterizar o desempenho mantendo-se o espaço correspondente à
geral em língua portuguesa; d) correlacionar palavra omitida com dez toques, perfazendo
os resultados dos objetivos anteriores. um total de 40 omissões, resguardando-se
intacta a primeira e a última orações. O texto
aplicado foi de autoria de Almeida (1992)
MÉTODO sobre leitura.
Redação (Eu Leitor) - o tema tratou
Participantes do relato dos alunos acerca de sua vivência
em leitura e de quais foram as pessoas e livros
Participaram da pesquisa dezenove que contribuíram para sua evolução enquanto
alunos universitários do primeiro semestre do leitores. Para a correção utilizaram-se os
curso de Psicologia, de uma universidade seguintes itens com seus respectivos valores
particular, período noturno, sendo dezessete num total de 10 pontos: título adequado (1.0);
do sexo feminino e dois do sexo masculino, adequação ao tema (4.0); coerência (2.0);
com idade variando entre 19 e 42 anos. A coesão (1.0); adequação gramatical (2.0).
coleta incluiu todos os alunos da classe, que Avaliação na disciplina de Língua
participaram do trabalho tendo respondido aos Portuguesa - foi uma avaliação dos conteúdos
três instrumentos usados no procedimento. O trabalhados durante o semestre, referente
/
curso era noturno; a maioria dos candidatos especificamente a aspectos estruturais e
trabalhava em tempo integral e era proveniente redacionais da língua portuguesa, tais como
de classes sociais desprivilegiadas. coesão, coerência, organizadores textuais,
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organização lógica do pensamento, correção se interessassem pela leitura, bem como os


gramatical. livros que despertaram interesse e tiveram
participação nesta evolução enquanto leitores.
Procedimento A cada aula do semestre foram criadas
condições para o desenvolvimento de
Esta pesquisa - Prevenção de competências e habilidades necessárias à
problemas biopsicossociais: atuação de leitura e à produção de textos em Língua
profissionais, pesquisadores e de futuros Portuguesa, sendo estimulado o emprego da
profissionais - faz parte de um projeto norma culta da língua.
elaborado pelo curso de Psicologia da
Universidade de Mogi das Cruzes: trata-se de
um projeto aprovado pelo Comitê de Ética RESULTADOS
em Pesquisas com Seres Humanos (CEP - 017/
2005). Os resultados foram analisados e são
Os alunos participantes estavam apresentados a seguir, na ordem dos objetivos
regularmente matriculados no 1 semestre do
0
propostos. Na correção do texto em Cloze
curso de Psicologia, cujo programa inclui a deste estudo foi considerado como "certo"
disciplina de Língua Portuguesa - base geral. apenas o preenchimento da lacuna com a exata
Todos eles foram informados a respeito do palavra omitida. Assim, os sujeitos foram
presente estudo. Após esclarecimentos de classificados de acordo com os acertos num
dúvidas, passou-se à aplicação do Termo de teste Cloze padrão, sendo incluídos no nível
Consentimento Livre e Esclarecido. O passo de Frustração aqueles que obtiveram até 44%
seguinte foi a aplicação do teste Cloze, tendo de acertos; no nível Instrucional, de 45% a
na página inicial as instruções de como 56% de acertos, e no nível Independente,
proceder para respondê-lo. Isso foi realizado acima de 57%, segundo proposta de Bormuth
no primeiro dia de aula. (1971) . Na Figura I há a representação gráfica
Na aula seguinte, foi solicitado aos do obtido.
alunos que elaborassem uma redação na qual Nesta análise observou-se que nenhum
relatassem tudo e indicassem o nome de todos aluno alcançou o nível de leitura Independente
os que colaboraram para que eles - alunos - e que apenas 26% dos participantes obtiveram

40

35

30
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o
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o
eu 20
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Participantes

Figural- Desempenho em doze

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número de acertos no nível Instrucional, isto médias, entre 2,5 e 7,5 (Figura 2).
é, ainda precisam do apoio docente para
entender o texto. A maior parte dos A fim de verificar se o desempenho
participantes ficou no nível de Frustração de dos participantes nos três instrumentos
compreensão, num total de 79% dos estavam relacionados, optou-se pela análise
estudantes, indicando muitas dificuldades para da correlação por postos de Sperman. O
compreender o relatado no texto. Verificou- resultado foi que na verificação do
se que os estudantes com melhor desempenho conhecimento da língua portuguesa com a
no Cloze são os com mais de 25 anos de idade. redação foi ro= 0,11; conhecimento da língua
Com relação ao apresentado, pode-se notar portuguesa com compreensão de texto ro = -
que os sujeitos, ao ingressarem em um curso 0,06 e redação com compreensão ro= 0,40.
superior, demonstravam muita dificuldade em Sendo N=19, n.sig. 0,05, rc = 0,43, pode-se
leitura e compreensão de textos. dizer que não foram encontradas correlações
Quanto à redação, tendo como base o com significância estatística entre as três
critério de correção descrito no material, os medidas de desempenho.
sujeitos tiveram um desempenho razoável,
demonstrando seqüência lógica de raciocínio
e ordenação das idéias. Houve, no entanto, DISCUSSÃO
dificuldade quanto à obediência dos padrões
gramaticais referentes aos itens regência Os dados obtidos indicam que, embora
verbal, concordância, grafia e acentuação se considere que tanto a leitura como a escrita
gráfica. As notas variaram entre 6,5 e 9,0, não podem ser tomadas de forma separada
como demonstra a Figura 2. do conhecimento de mundo e da informação
Quando solicitados a fazerem a prova cultural que cada indivíduo possui (Hirsch Jr.,
de avaliação semestral de Língua Portuguesa, 1988), não foi obtida a esperada correlação.
correspondente a toda a matéria ministrada, Entretanto, entre todas as dificuldades
ocorreram picos. O primeiro ficou com a apresentadas pelos sujeitos ao ingressarem e
média 9,0, equivalente a 16,5%; o segundo se adaptarem à vida acadêmica, os problemas
/
com a média 8,5, correspondendo a 5,5%; o relativos à leitura e à produção de textos
terceiro com a média 8,0, correspondendo a parecem ser as mais preocupantes. O fato de
11%. Os resultados tenderam a ser positivos. não se ter encontrado correlação pode ser
Os demais sujeitos ficaram abaixo destas indício de inadequação na forma e nas técnicas

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Participantes

Figura 2- Desempenho em escrita e avaliação semestral de língua

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usadas para que aprendessem as competências compreensão. Entretanto, o completar


de ler e de escrever (Heller, 1991; Scala, sentenças tem variações formais e pede
2001). Isto pode ter ficado para os alunos recorrer a tecnologias tão sofisticadas que
como comportamento de domínio não podem ser úteis em todos os níveis de ensino
conexo, distinto, não transferindo o aprendido e no processo de avaliação de conteúdos
ou dominado de uma área para a outra, o que diversos do aprendido (Montelongo &
resulta em grande prejuízo na sua formação e Hernandez, 2007). Possivelmente, se os
em uso inadequado e insuficiente de tais professores do ensino médio e fundamental
competências. Também, implica em não dominassem tais técnicas e as usassem
aprender a se envolver com a leitura e saber efetivamente, os universitários estariam
usar tais conhecimentos em outras situações apresentando melhor desempenho em leitura.
da vida. Não são criadas condições para que Para melhorar este quadro, os docentes
cheguem a ser bons leitores (Sprage & universitários também poderiam adotar
Keeling, 2007). algumas destas proposições para colaborar na
Para fazer a redação, o aluno ficou melhoria da competência dos alunos como
mais livre para trabalhar no seu universo leitores. Uma sugestão é o uso de tais técnicas
particular, recorrer ao próprio conhecimento para aprender a compreender seqüências
de vida e da língua, usando apenas o que já discursivas, fazer comparações e contrastes
domina. No texto em cloze encontra outro entre textos e partes de texto, analisar relações
universo, um discurso diferente do seu causais, generalizar com adequação etc.
cotidiano, daí a sua maior dificuldade. Assim, a cultura vivenciada pelo leitor
Possivelmente a solicitação de uma produção e a subjacente no texto são variáveis que
de texto com características próprias do precisam ser consideradas quando se foca a
discurso universitário encontrasse resultado compreensão que os alunos alcançam face a
diferente. um determinado texto. Brooks (2005)
Os dados indicam que há necessidade demonstra como os leitores se apóiam na
de a leitura e a escrita serem melhor própria cultura como base para
trabalhadas em anos anteriores à universidade compreenderem a matéria lida. Os
(Saul & Dieckman, 2005), porém no Brasil universitários do presente estudo eram
observa-se que a leitura é pouco valorizada, predominantemente de segmentos culturais
limitando-se ao estudo de alguns textos pouco privilegiados da população, o que pode
literários nos primeiros anos dos ensinos ter feito com que o texto aplicado para o teste
fundamental e médio e ainda restringe-se às de compreensão se tomasse em alguns pontos
aulas de Língua Portuguesa. Ela deveria ser difícil, por conter palavras da linguagem culta,
cuidada por todos os professores, mesmo na o que não é o correspondente da linguagem
universidade. Os resultados foram similares coloquial usual desses alunos.
aos de Santos (1997), Santos et al. (2002), Não se pode esquecer que os sujeitos
Oliveira (2003), Santos, Suehiro e Oliveira da pesquisa são alunos oriundos da classe
(2004) e Silva e Santos (2004). baixa e média baixa. Sendo o contexto familiar
Embora a técnica Cloze guarde alguma fator importante na formação de hábitos de
afinidade com a técnica de completar estudo e na formação de leitores (Dias,
sentenças, muitas vezes usadas pelos Gutiérrez e Lopez, 2007), não se deve ignorar
professores do ensino fundamental no Brasil, tal contexto na interpretação dos dados aqui
ainda que sem dispor de dados de pesquisa, relatados. Realmente, a influência dos pais na
parece que eles apenas trabalham a construção formação dos leitores é marcante e só cursos
semântica da frase e a ortografia. É pouco breves (um semestre) de aulas sobre a língua
provável que saibam como trabalhar a leitura não é suficiente.
e o desenvolvimento de estratégias para Outra variável a ser considerada para
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o desempenho em compreensão de leitura é das aulas de português. O mesmo se pode


certamente a motivação para esta atividade, dizer da compreensão em leitura. Parece que
l
I,.. que necessita ser trabalhada pelos docentes ao longo da formação dos leitores estudados
dos vários níveis de ensino. Para que os alunos não se estabeleceu uma relação efetiva e
cheguem à universidade com bons hábitos de necessária entre leitura e escrita, como é de
leitura e motivados para a tarefa e o lazer nesta se esperar desde os primeiros anos escolares
atividade, é particularmente relevante que no (Ciardiello, 2006). É possível que, mais do
ensino médio os professores estejam atentos que um curso de Português, muitos precisem
e recorram às muitas estratégias para de uma programa de intervenção remediativa
assegurar este desenvolvimento (Pitcher et al., de leitura e escrita, contando com um trabalho
2007). Como parece que ás alunos brasileiros integrado com outros professores.
estão chegando à universidade com baixo nível
motivacional, seria necessário conhecê-los
neste aspecto e correlacionar motivação com CONCLUSÕES
compreensão. Fica aqui a sugestão de
ampliação do estudo aqui descrito. A presente pesquisa envolve muitos
O baixo desempenho na avaliação da fatores que são complexos, pois compõem a
disciplina de Língua Portuguesa apresentado realidade do ensino superior brasileiro,
por alguns alunos pode refletir o pouco tempo notadamente o ensino noturno, cuja população
para estudar, visto trabalharem e cursarem o é composta, em sua maioria por alunos-
período noturno, além da insuficiência do trabalhadores, bem como com uma história
ensino anterior à universidade, nem sempre enquanto leitores que está longe de ser a ideal.
recuperável em um semestre de aulas. Dessa forma, com base nos resultados
Porém, nos dias de hoje, não se deve obtidos, é possível concluir que o teste Cloze
ignorar que qualquer aluno dispõe de uma mostrou-se mais uma vez adequado para
quantidade expressiva de informações sobre identificação da compreensão em leitura de
todos os domínios do conhecimento, sejam universitários. Os resultados permitiram
elas via mídi~ escrita ou falada. Parece que afirmar que o nível de compreensão está
ele não sabe é aproveitá-Ias fazendo a sua aquém do desejável.
hierarquização, estabelecendo as devidas As dificuldades em compreensão de
relações, discernindo as que são úteis das que leitura e elaboração satisfatória de textos
não o são, utilizando-as apropriadamente são obstáculos consideráveis para a formação
como recursos na sua produção escrita. profissional dos universitários. Entretanto,
Além disso, a produção de textos e o recursos como a realização de uma avaliação
ensino da leitura, segundo Fiorin e Platão diagnóstica com o objetivo de fornecer
(1998), não devem ser vistos como exclusivos elementos importantes para a identificação de
do professor de Língua Portuguesa, mas são dificuldades de leitura e escrita são possíveis
seu compromisso prioritário. Os autores ainda de serem implantados. Certamente os
salientam que não é suficiente munir o aluno participantes em sua maioria carecem de
de regras gramaticais e utilizá-Ias em frases atenção neste sentido.
isoladas, o ideal consiste em descrever os Vale ressaltar que a cada dia se torna
mecanismos de construção de um texto e mais urgente que as instituições de ensino
capacitar o aluno para que opere com eles, superior se conscientizem dessas limitações
resultando em textos lógicos e coerentes. de seus ingressantes. Assim, conforme
Dessa forma, a não correlação entre o sugestão de Witter (1997), os alunos que
desempenho na disciplina e na redação mostra apresentassem dificuldades passariam por
que a habilidade redacional com que entraram programas de recuperação, a fim de suplantar
na escola não é indicativa de aproveitamento suas dificuldades.
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É preciso lembrar que, ao contrário de BORMUTH, R. J. Cloze test readability:


países como Estados Unidos, Reino Unido e criterion reference scores. Journal of
França, em que as autoridades educacionais Educational M easurement, 5, 189-196, 1971.
buscam estabelecer mudanças tendo por
suporte a pesquisa científica e os resultados BROOKS, W. Reading representations of
dos programas de avaliação, no Brasil tal themselves: urban youth use culture and
assimilação produtiva não ocorre. O ensino African American textual features to develop
em sala de aula segue modismos e pouca literacy understanding. Reading research
mudança real ocorre na essência. A qualidade quarterly, 41 (3): 372-392, 2005.
do ensino de leitura e escrita continua precária.
Não se formam leitores; nem se evitam CARDOSO-MARTINS, C. International
problemas (Cardoso-Martins, 2005). Nestas reports on literacy research: Brazil. Reading
'-
circunstâncias, os alunos continuam a chegar Research Quarterly, 40 (2): 270-271, 2005. •
à universidade com sérias lacunas em sua
formação enquanto leitores. CIARDIELLO, A. V. Puzzle then firstl
Também as condições de trabalho na Motivating adolescent readers witb question-
universidade são restritivas e não viabilizam finding. Newark: IRA, 2006.
o uso de várias tecnologias de ensino de leitura
e escrita de eficiência comprovada. Por falta DIAS, J. J.; GUTIERREZ, I. M.; LOPEZ.
de opção acaba-se usando tecnologias de Componentes cognitivos de los padres en
ensino e meios convencionais. Seria relevante relación con Ias habilidades lectoras de sus
testar comparativamente, por exemplo, o hijos. Lectura y vida. 38 (1): 32-40,2007.
planejamento instrucional da tecnologia de
ensino assistido recorrendo à internet. HIRSCH Jr., E. D. Cultural literacy. New
É prudente salientar que a técnica York: Vintage Books (Randon House), 1988.
Cloze não permite avaliar todos os múltiplos
aspectos da leitura, embora seja um FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. Lições de texto:
instrumento confiável para medir a leitura e redação. São Paulo: Ática, 1998.
compreensão. É possível que outros aspectos
da própria leitura interfiram no obtido e aqui GUTHRIE, J. T. ; WIGFIELD, A. (eds.).
relatado; assim sendo, recomenda-se Reading Engagement: motivating readers
comparar em outros estudos a compreensão though integrated instruction. Newark: IRA,
com outros aspectos da própria leitura como 1997.
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A IMPRENSA PERIÓDICA EDUCACIONAL E AS FONTES DE
PESQUISA PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Fausto Henrique Gomes Nogueira


Mestre em História Social pela USP
Professor do CEFET-SP

Este artigo propõe apresentar algumas possibilidades de utilização da imprensa periódica


educacional como fonte nos estudos de História da Educação e de formas de abordagem.
Apresenta, ainda, as idéias de alguns autores que se debruçaram sobre o tema.

Palavras-chave: História da educação; imprensa educacional.

This article describes some possibilities of use of the education press as source of studies in
the History of Education and its different approaches. lt also describes the ideas of some
specialists in the field about this theme.

Keywords: History of Education; education periodicals.

Os estudos em História da Educação e alcance devem ser estudados. Ao


se ressentem da falta de fontes que possam defenderem posições ou tendências
desnudar muitos conceitos e práticas presentes pedagógicas na elucidação de muitas
no campo educacional. Nesse particular, a propostas educacionais, revelam práticas e
imprensa de educação e ensino pode significar representações acerca das disciplinas
um corpus documental relevante para a escolares. Além disso, constituem uma forma
pesquisa nessa área. de compreender as relações entre a teoria e a
prática pedagógica.
Por imprensa educacional, entende-se,
conforme Pierre Caspard, Outro ponto importante a ser
destacado é que a imprensa educacional
o conjunto de revistas que, destinadas aos
professores, visam principalmente guiar a presta-se à divulgação de projetos de muitos
prática cotidiana de seu ofício, oferecendo- professores, demonstrando a heterogeneidade
lhes informações sobre o conteúdo e o espírito das propostas individuais. Os pesquisadores,
dos programas oficiais, a condução da classe em grande número, observam que o trabalho
e a didática das disciplinas. Essa imprensa
com esta fonte de pesquisa auxilia na
constitui um elo indispensável no
conhecimento do que tem sido durante quase superação de barreiras documentais no
dois séculos (no caso francês) o sistema de tratamento da História da Educação. Pierre
ensino, já que ela representa o espaço onde Caspard afirma que as revistas permitem
se desdobra e o ponto no qual se concentra
todo um conjunto de teorias e práticas escrever a história da educação de um outro
educativas de origem tanto oficial quanto modo: menos centrado no papel do Estado
ou dos grandes pedagogos e mais atento à
privada (apud Catani, 1997, p. 43).
riqueza das iniciativas locais, institucionais,
A imprensa educacional pode nos ideológicas, sócio-profissionais e também ao
atendimento de expectativas, de vez que,
mostrar diversas características pertinentes ao
diferentemente do livro, a imprensa periódica
campo educacional ao servir como importante é uma rnídia interativa na orientação da qual
instrumento de divulgação de projetos e idéias os leitores participam de um modo ou de
pedagógicas. Os artigos publicados nestes outro, quer escrevendo para ela, quer
periódicos normalmente articulam uma série assinando-a ou deixando de fazê-Ia (apud
de informações e conceitos, cuja profundidade Catani, 1994, p. 46).

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A imprensa periódica educacional e as fontes de pesquisa para a História da Educação
Fausto Henrique Gomes Nogueira

Através de uma análise crítica dos os periódicos ao procurar orientar o trabalho


artigos presentes nessas publicações, podemos docente possuem uma determinada
l~ levantar aspectos do trabalho dos professores capacidade para influenciar a cultura escolar
que ultrapassam os limites estreitos das ao instituir saberes.
propostas oficiais. Com efeito, esse corpus De acordo com Denice Catani (1998,
documental demonstra como os professores p. 117), o estudo da imprensa periódica
estão trabalhando, possibilitando verificar as educacional, tendo como categoria articulada
c1ivagens entre as orientações oficiais e as da análise a orientação do trabalho
práticas pedagógicas. As revistas constituem pedagógico, pode revelar, dentre outras
um importante material acerca das práticas coisas, as boas leituras para professores. As
escolares e do ensirro específico das características dos materiais destinados a
disciplinas, além de ser um instrumento contribuir para o aperfeiçoamento do trabalho
privilegiado, a partir do qual muitas finalidades docente, as práticas de leituras correntes entre
educativas são apresentadas aos professores. os professores, as expectativas dos agentes
Nesse sentido, são utilizadas pelos professores produtores das revistas podem ser notadas a
em função da fácil leitura, por serem mais partir de uma abordagem que leve em
acessíveis economicamente, ou por serem as consideração os artigos presentes nesse tipo
únicas formas de divulgação de projetos a que de publicação. Assim,
têm acesso. as revistas especializadas em educação, no
Brasil e em outros países, de modo geral,
Interessante notar, também, as formas constituem uma instância privilegiada para
através das quais ocorrem as "traduções" das a apreensão dos modos de funcionamento do
orientações oficiais para a cultura escolar. Jean campo educacional enquanto fazem circular
informações sobre o trabalho pedagógico e o
Hébrard e Anne-Marie Chartier (1995), por
aperfeiçoamento das práticas docentes, o
exemplo, assinalam que os periódicos auxiliam ensino específico das disciplinas, a
no entendimento das relações entre os textos organização dos sistemas, as reivindicações
oficiais e as práticas escolares. Os autores da categoria do magistério e outros temas que
assinalam que entre o ministro e o professor, emergem do espaço profissional ( ... ) É
possível analisar a participação dos agentes
as revistas expressam os discursos
produtores do periódico na organização do
pedagógicos intermediários. Nesse sentido, sistema de ensino e na elaboração dos
os periódicos educacionais propiciam em discursos que visam a instaurar as práticas
diversas vezes o entendimento sobre o exemplares.
conteúdo e o funcionamento de uma disciplina
Noção semelhante partilha Maria
escolar. Por exemplo, muitas vezes são
Helena Câmara Bastos (1997, p. 48), ao
tomados como "guia" para o trabalho
informar que a imprensa periódica é aliada do
pedagógico ao divulgar práticas educacionais
professor na sistematização do ensino, no
consideradas como "práticas exemplares".
aprimoramento do trabalho docente, com
Aqui, portant<?, representam um importante
sugestões e práticas pedagógicas, pois
instrumento de formação. Os artigos das
revistas permitem a recuperação de conceitos o estudo do lugar da imprensa pedagógica
no discurso social, as estratégias editoriais
sobre ensino, através do estudo de
face aos fenômenos educacionais e sociais,
procedimentos que são considerados revela-se rico de informações ao pesquisador,
adequados e outros que devem ser superados, para o resgate do discurso pedagógico, das
apontando para o que deve ser modificado. práticas educacionais, do cotidiano escolar,
do grau de submissão dos professores aos
O estudo destes periódicos são, assim, programas e instruções oficiais, da ideologia
fundamentais para entender como as oficial e do corpo docente, da força de
discussões que propõem novas maneiras de inovação e de continuidade que representa,
/
ensinar atingem os professores. Neste sentido, das contradições do discurso.

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Existem alguns aspectos importantes uma notícia, para um escritor/jornalista ou


a serem notados pelos pesquisadores que irão mesmo um leitor mais desavisado, mas a
apropriação dessa nova experiência, num
trabalhar com essas fontes. Diferentemente de
texto pedagógico, precisa ser refletida em
outras publicações da imprensa jornalística, função da complexidade do contexto
na qual o público espera a informação, educacional, sob pena de se tornar um fato
imparcialidade e rápida mortalidade, nelas é isolado e visto de forma fragmentada e a-
esperada uma tomada de posição; ao mesmo histórica por outros professores leitores

tempo, elas não são descartadas pelos (Frade, 1999, p. 108).


professores, não sofrendo o fenômeno da Em uma pesquisa que objetiva analisar
desatualização. Como afirma Isabel Frade o discurso pedagógico veiculado na imprensa,
(1999, p. 107), as publicações possibilitam torna-se imperioso compreendê-lo em sua
uma leitura extensiva e intensiva de matérias especificidade. O discurso jornalístico produz
antigas, pois, para os professores, um determinado sentido para as práticas
o que se trabalha nas revistas pedagógicas educativas, homogeneizando práticas e
não é a notícia ... mas conceitos, práticas e
instaurando memória, tida como oficial, pois
idéias sempre contextualizadas em
tendências pedagógicas e políticas, mas a análise do discurso jornalístico se faz
passíveis de recuperação mesmo após um importante e necessária já que este, enquanto
tempo. prática social, funciona em várias dimensões
temporais simultaneamente, transforma e
Tanto isso é verdade que é comum o divulga acontecimentos, opiniões e idéias da
fato de os professores considerarem atualidade - ou seja, lê o presente - ao mesmo
importante a aquisição de números antigos, tempo em que organiza um futuro - as
pois muitos dos projetos podem ser utilizados possíveis conseqüências desses fatos do
presente - e, assim, legitima, enquanto
em sua prática pedagógica.
passado - memória - a leitura desses mesmos
Uma outra diferenciação deve ser fatos do presente, no futuro (Mariani,
realizada. Tomando como exemplo a disciplina 1993, p. 33).
História, podemos averiguar artigos que Em relação ao discurso pedagógico
tratam do ensino de História presentes em produzido, Eni Orlandi demonstrou como este
publicações distintas. Dessa maneira podemos é feito a partir da formulação de problemas
afirmar a existência de periódicos acadêmicos, clássicos, mas de maneiras diferenciadas, sem
como a Revista Brasileira de História, que a devida consciência disso, uma vez que não
conta com artigos sobre o ensino de História se trata de uma reflexão sobre os fatos, nem
produzidos por pesquisadores; periódicos da história das diferentes formulações dos
produzidos por professores, como o Bolando mesmos problemas colocados pelos fatos.
Aula de História e revistas comerciais Dessa forma, produz-se na sociedade um
produzidas por jornalistas, por exemplo, como conhecimento que é considerado valorizado,
a Nova escola, que possui em suas páginas isto é, um saber legítimo, mas sem reflexão,
reportagens sobre a disciplina História, dentre simplificado, e que acaba influenciando o
outras. Neste caso, os jornalistas que trabalho dos professores. Este procedimento
produzem revistas educacionais possuem se institui a partir de "máximas", isto é,
concepções próprias do campo e as transferem modelos que parecem válidos para a ação
para a educação, caso, por exemplo, da revista pedagógica, com a legitimidade do seu
Nova escola. Para realizarem o seu intento, discurso; mas que desconhecem a história dos
efetuam uma aproximação entre pedagogia e conceitos, ou que os conceitos têm uma
jornalismo que deve ser analisada com história (Orlandi, 1984, p. 20-22). A partir daí,
cuidado, pois ocorre um processo de simplificação, no qual
dizer que um professor tal, da região X, tudo o que é complexo se torna óbvio,
inventou uma "nova metodologia" pode ser legitimando maneiras de interpretar o real.

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A produção de periódicos essas possam ser apreendidas em parte nos


educacionais é condicionada por diversos documentos oficiais, estes não podem ser
fatores presentes no campo educacional e que entendidos como expressões únicas da
não podem ser desprezados. Esta forma de realidade pedagógica. O historiador da
imprensa representa um instrumento através disciplina deve verificar as funções
do qual grupos sociais impõem suas educacionais que são impostas à escola em
representações do mundo, construindo uma determinada época, a partir de fontes
sentidos para a realidade. Dessa forma, diferenciadas, pois as realizações em sala de
Chartier (1990, p. 17) demonstrou como as aula se distanciam muitas vezes das
representações do mundo social, embora orientações oficiais. Chervell faz uma
aspirem à universalidade- de um diagnóstico interessante pergunta: Como as finalidades são
fundado na razão, são determinadas pelos reveladas aos professores? Para ele:
interesses de grupos que as forjam, pois as ... é através de uma tradição pedagógica e
percepções do social não são de forma alguma didática complexa, na verdade sofisticada,
discursos neutros: produzem estratégias e minuciosa, que elas chegam aos docentes. E
-- práticas (sociais, escolares, políticas) que não é raro ver a massa de práticas
tendem a impor uma autoridade à custa de pedagógicas acumuladas numa disciplina
outros, por ela menosprezados, a legitimar ocultar, para numerosos professores, alguns
um projeto reformador ou a justificar, para dos objetivos últimos que eles perseguem.
os próprios indivíduos, as suas escolhas e Agora é uma máquina que gira totalmente
condutas. sozinha, bem ajustada, e bem adaptada a seus
fins (p. 191).
Esses processos discursivos auxiliam
na perpetuação e cristalização de Ao considerarmos que as finalidades
representações ao homogeneizar educativas de uma disciplina estão inscritas
determinadas maneiras de pensar, isto é, ao em diversos tipos de documentos, acreditamos
reproduzir de forma homogênea determinados que os artigos presentes em periódicos
sentidos, enquanto silencia outros, excluídos. educacionais podem fornecer pistas
A imprensa de educação e ensino pode importantes, pois proporcionam aos
funcionar, assim, como dispositivo que educadores uma tradução dos documentos
normatiza saberes e práticas pedagógicas, oficiais ou das formas consideradas legítimas
impondo determinados conhecimentos. Nos de trabalho. A documentação pode revelar
periódicos educacionais aparecem diversas finalidades e formas através das quais é
orientações sobre o trabalho docente com os pensada a formação do professor:
A realidade de nossos sistemas educacionais
rótulos da mudança e que, muitas vezes, não
não coloca os docentes, a não ser
são analisadas com cuidado pelos professores. excepcionalmente, em contato direto com o
Nesta perspectiva, os saberes pedagógicos problema das relações entre finalidades e
veiculados na imprensa são entendidos como ensinos. A função maior da "formação dos
modelos culturais, pois normatizam as práticas mestres" é a de lhes entregar as disciplinas
inteiramente elaboradas, perfeitamente
escolares, intervindo na realidade escolar
acabadas, as quais funcionarão sem
(Carvalho, 1998). incidentes e sem surpresas por menos que
eles respeitem o seu "modo de usar". Pode-
Uma última observação merece ser
se até perguntar se a ignorância das
destacada. Nos últimos anos tem aumentado finalidades do ensino não é proporcional ao
o interesse pelo estudo da História das volume e ao número de órgãos de formação
Disciplinas Escolares, inspirado pelas que presidem ao funcionamento das
considerações realizadas por Chervell. Uma (Chervell, p. 191).
disciplinas
das questões fundamentais deste campo de Neste sentido, entendemos que a
pesquisa refere-se ao estudo das finalidades imprensa educacional seja produzida por
de cada disciplina. Dessa maneira, embora pesquisadores, professores ou jornalistas, e e

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e deva ser analisada cada qual em sua III,1998.


especificidade, levando-se em conta a
diversidade de seus produtores. É fundamental CATANI, D. B. Perspectivas de investigação
que nos proporcione a possibilidade de e fontes para a História da Educação
apreensão das finalidades educativas dispersas brasileira: a imprensa educacional. Seminário
nas diversas disciplinas; com certeza, este História da Educação Brasileira: a ótica dos
aspecto não tem merecido interesse por parte pesquisadores. Belo Horizonte: Inep, 1994.
dos pesquisadores. Em suas páginas são
reveladas, por meio de debates, formulação CHARTIER, A.M. Os futuros professores e
de teorias, prescrição de atividades, a leitura. In BATISTA, A A; GALV ÃO, A
apresentação de projetos, uma série de M. O. (orgs). Leitura: práticas, impressos,
objetivos que influenciam o trabalho letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
pedagógico.
CHARTIER, R. História cultural: entre
A abordagem a partir da imprensa
práticas e representações. Rio de Janeiro:
educacional pode, assim, proporcionar a
Bertrand Brasil, 1990.
recuperação das formas através das quais se
propunham práticas e saberes escolares, na
CHERVEL, A. História das disciplinas
medida em que esta funciona como importante
escolares: reflexões sobre um campo de
veículo de divulgação, em diferentes épocas,
pesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre,
produzidas por e/ou para professores, tendo
1990,n. 2,p. 177-229.
por objetivo contribuir para o aperfeiçoamento
da atividade docente.
FRADE, I. C. A S. Revistas pedagógicas: qual
é a identidade do impresso? In BATISTA, A
REFERÊNCIAS
A; GALV ÃO, A. M. O. (orgs). Leitura:
práticas, impressos, letramentos. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
CARVALHO, M.M.C. Por uma história
cultural dos saberes pedagógicos. In: SOUSA,
GALV ÃO, A. M. O.; HÉBRARD, J.
C. P.; CATANI, D. B. Práticas educativas,
Discursos sobre a leitura - 1880-1980. São
culturas escolares, profissão docente. São
Paulo: Ática, 1995.
Paulo: Escrituras, 1998.

MARIANI, B. S. C. Os primórdios da
CATANI, D. B.; BASTOS, M. H. C.
imprensa no Brasil (ou: de como o discurso
Educação em revista - a imprensa periódica
jomalístico constrói memória). In: ORLANDI,
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E. P. (org). Discurso fundador. Campinas:
Escrituras, 1997.
Pontes, 1993.
CATANI, D. B. A imprensa periódica
MARINHO, M.; SILVA, C. S. R. (orgs).
educacional: as revistas de ensino e o estudo
Leituras do professor. Campinas: Mercado
do campo educacional. Educação e filosofia,
das Letras, 1998.
10 (20) 115-130, jul/dez 1996, pp. 115-130.

NOGUEIRA, F. H. G. Entre teorias e


CATANI, D. B. Leituras para professores: a
prescrições: o ensino de história nos
imprensa periódica educacional e a orientação
periódicos educacionais paulistas na Primeira
do trabalho pedagógico no Brasil republicano.
República. São Paulo: FFLCH-USP, 2002
Actas do Primeiro Congresso Luso-Brasileiro
(dissertação de mestrado).
de História da Educação. Porto: Sociedade
Portuguesa de Ciências da Educação, vol.
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A imprensa periódica educacional e as fontes de pesquisa para a História da Educação
Fausto Henrique Gomes Nogueira

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ensino: repertório analítico (séculos XIX e
XX). Lisboa: Instituto de Inovação
Educacional, 1993.

ORLANDI, E. P. (org). A linguagem e seu


funcionamento: as formas do discurso. São
Paulo: Brasiliense, 1984.

,-
Para contato com o autor:

Fausto Henrique Gomes Nogueira


fausto@cefetsp.br
/

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ATIVIDADE FÍSICA E LEITURA: INFLUÊNCIA DE GÊNERO E ETNIA EM
IDOSOS!

Andrieli Bianca Rodrigues Camilo


Psicóloga

Carla Witter
Univ. São Judas Tadeu

Renati Erika Souza Caporali


RBC Consultoria e Treinamento S/S Ltda

Objetivou-se verificar as relações entre gênero e etnia em idosos quanto à leitura e à atividade
física. Participaram quatro grupos, dois brasileiros de cada gênero e outros dois de origem
japonesa. Utilizaram-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o roteiro de Formação
de Leitores e o Questionário Internacional de Atividade Física. Resultados: para re=0,50, não
houve correlações para gênero e etnia que fossem significantes (p=0,05), o mesmo ocorreu
para o total dos grupos (r0=-0,04).ANO VA (de=79,1) mostrou diferença significante em leitura
entre os grupos GJF e GBM (84,5), não sendo observada diferença em atividade física. No
teste U (U e=55) de etnia, obteve-se Uo =38,5, sendo H o reieitada
'J
e para gênero Uo =73 e H o não
rejeitada.

Palavras-chave: envelhecimento; diferenças culturais; exercício físico.

The objective of this research was to verify the relation between gender and ethnic aspects in
old people in relation to reading and physical activity. Four groups took part in the research:
two Brazilians and two Japaneses of each gender. The Concordance Term, the Reader
Formation and the International Physical Activity Questionnaire were used. Results: for
re=0,50, no correlation was found by gender and ethnic groups at p=0,05; the same occurred
to the total of groups (ro=-0,04). ANOVA (d e =79,1, showed significant difference in reading
between the groups GJF and GBM (84,5). Howerver, no difference was observed in the physical
activity. In test U (U e=55) about the ethnic aspect, the result Uo=38,5 was obtained, being H o
rejected,
'J
while to gender Uo=73 and H o was not rejected.

Keywords: aging; cultural differences; physical exercises.

INTRODUÇÃO o processo de envelhecimento vem recebendo


destaque em conseqüência da divulgação de
A chamada terceira idade vem pesquisas que demonstram o aumento da
ganhando destaque na sociedade, pelos meios população idosa, resultante de melhores
de comunicação como a televisão, a intemet condições de sobrevivência como a melhora
e outros, como também pela criação do Dia e dos serviços de saúde e dos avanços da
do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), que medicina. Neste sentido, Rolim e Forti (2004)
contribuíram para dar relevo ao segmento também ressaltam que o envelhecer está mais
idoso. presente na atualidade, tomando-se cada vez
Witter e Bassit (2006) enfatizam que mais indispensável estudar fatores que

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Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Camiloj Carla Witterj Renati Erica Souza Caporali

auxiliem a população idosa, que se encontra orientação e concentração. Argimon e Stein


em constante crescimento, a ter melhor (2005) citam o estudo de Schaie (1996) que
qualidade de vida. analisou a população geral acima de 60 anos,
Mendes et al. (2005) e De Vitta (2000) constatando que o envelhecimento incidiu
concordam que o envelhecer se caracteriza por necessariamente nas tarefas que precisavam
um processo natural, distinguindo-se por ser de rapidez, concentração e raciocínio. Porém
uma etapa da vida marcada por mudanças essas perdas podem ser menos agressivas com
físicas, psicológicas e sociais que ocorrem de programas de prevenção, como a prática de
forma específica de indivíduo para indivíduo. atividade física, conforme ressaltam Buriti e
Néri e Freire (2000) ressaltam que até Campobelo (2006). O ciclo de vida na velhice
há pouco tempo as fases da vida eram bem deve ser vivido de forma saudável e com
definidas, ou seja, criança, jovem, adulto e qualidade, pois o envelhecimento está
velho, porém hoje se observa que houve uma associado à redução da força muscular,
expansão, principalmente com relação à atividades motoras eficientes e declínio da
velhice, muitas vezes pelo fato de as pessoas aptidão física.
não se identificarem com as denominações, Para De Vitta (2000), o envelhecer de
podendo ocorrer que a mudança esteja forma saudável depende de fatores genéticos
relacionada com atividades desempenhadas, e principalmente do contexto social. Estudos
que favorecem à boa saúde física e mental. mostram que a boa qualidade de vida na
Santa Rosa (2004) observa que, após o final velhice é conseqüência da junção entre saúde
do século XX, muitas mudanças sociais e física e psicológica, como demonstra a
econômicas ocorreram, afetando tanto as pesquisa de S. Matsudo, Matsudo e Barros
pessoas como as relações pessoais e a cultura. Neto (2000) sobre os efeitos benéficos da
Afirma ainda que a velhice como objeto de atividade física para o bem-estar físico e
estudo deve ser analisada como produto da mental, caracterizando a atividade como um
modernidade, sendo assim uma construção aspecto fundamental do estilo de vida saudável
social. do idoso. Rolim e Forti (2004) defendem
A maneira como cada indivíduo lida também que a atividade física está relacionada
com as mudanças decorrentes do com a melhora da saúde e com a redução da
envelhecimento, bem como se adapta às morbidade e da mortalidade, enfatizando os
modificações físicas, intelectuais e sociais, benefícios nos aspectos sociais e psicológicos
determinará um envelhecimento saudável ou dos praticantes ativos. Também o estudo de
com dificuldades (Mazo et aI., 2005). Neste Porto (2006) concluiu que idosos que
sentido, com base na literatura, Alves (2004) praticam atividade física regularmente
também lembra que essas alterações nos percebem ter uma melhor qualidade de vida.
domínios biopsicossociais interferem na Realmente, parece plausível aceitar que a
qualidade de vida do idoso, por colocar sua prática de exercícios físicos, além de combater
saúde em maior vulnerabilidade e afetar a o sedentarismo, contribui para a manutenção
capacidade para realizar as atividades do da aptidão física do idoso, seja na saúde, seja
quotidiano. nas capacidades funcionais, conforme revisão
./
Essas alterações físicas (diminuição da de Alves et aI. (2004).
visão, audição, força e flexibilidade) e mentais Além da prática de atividade física,
(memória, criatividade, atenção e iniciativa, outras atividades devem ser vistas como
sociais e sexuais) relacionam a idéia de perda preventivas, como é o caso da leitura, que, de
à velhice (Mazo et aI., 2005). Neste sentido acordo com Witter (2006) se caracteriza por
Rolim e Forti (2004) destacam, que o um comportamento complexo que parte de
envelhecimento intelectual é marcado por uma base biopsicossocial, tendo a
falhas na memória, dificuldades de atenção, compreensão como seu principal componente,

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Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
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pois sem ela não ocorre a leitura. Práticas de Association (2003) orienta e estimula os
leitura constituem preocupação crescente entre psicólogos para que estejam cientes de que,
os pesquisadores desde os anos oitenta do como seres culturais, as pessoas podem ter
século xx. Este crescimento se justifica pela atitudes e crenças que influenciam
sua relação com os vários aspectos da atividade negativamente as suas percepções das
de ler e por sua característica individualizada, interações com pessoas que são diferentes
já que cada pessoa desenvolve suas próprias delas.
práticas. Além disso, como Mellard, Patterson De acordo com a APA (2003), a
e Prewett (2007) lembram, o conhecimento das etnicidade pode ser considerada como a
práticas correntes de leitura pode ajudar os aceitação de práticas e costumes da cultura
educadores na escolha de materiais a serem de origem da pessoa em um sentimento de
usados na instrução de leitores para torná-los pertencer ao grupo. Mas, pessoas podem ter
mais persistentes e com maior probabilidade mais de uma identidade étnica, embora uma
de êxito. possa se destacar em uma situação e outra
Ferreira e Dias (2004) ressaltam que a em outra. No contexto do presente trabalho,
leitura para ser entendida, deve considerar a entende-se por raça o conjunto de
participação do leitor enquanto retentor de características físicas (cor de pele, tipo de
uma história individual, que diferencia seu cabelo, tipo de olho etc.) e generalizações e
encontro com o texto, favorecendo a ativação estereótipos dele resultante. Nestas
de sua memória. circunstâncias, a etnicidade pode ser um
Witter (2005) enfatiza que a leitura tem conceito mais útil ao psicólogo.
importante papel na formação do cidadão e
do profissional, fornecendo cultura para novas OBJETIVOS
gerações. A mesma ainda relata que as
pesquisas nesta área cresceram Para conhecer mais sobre alguns dos
consideravelmente, surgindo periódicos comportamentos enfocados e suas relações
específicos como o Reading Research foram definidos para a pesquisa os seguintes
Quartely abordado em sua pesquisa, onde objetivos:
constatou que entre os assuntos relatados • identificar os índices de leitura nos
destacavam-se o ensino-aprendizagem e a participantes;
alfabetização. • identificar os índices de atividade
Witter e Ferreira (2005), em sua física nos participantes;
pesquisa sobre leitura em idosos, verificaram • correlacionar leitura e atividade física
que há uma carência na produção de por gênero e etnia;
conhecimento a respeito de pessoas idosas em • verificar o nível de significância das
boas condições de saúde, pois encontraram diferenças entre os grupos, nas
maior incidência em idosos com problemas variáveis estudadas.
biopsicossociais. Nesse sentido as autoras
revelam que a principal preocupação dos
pesquisadores se concentra no conhecimento, MÉTODO
descrição e prevenção de perdas de leitura em
idosos. Participantes
Witter (2006) enfatiza a necessidade da Os membros integrantes como
investigação de aspectos relacionados a unidades amos trais da presente pesquisa
variáveis que garantem um bom nível de leitura foram escolhidos por conveniência dentre os
até na velhice avançada e que conseqüências que participaram da pesquisa realizada pelo
positivas este hábito pode trazer para o idoso grupo de Estudo dos Idosos em Mogi das
e os que o cercam. A American Psychological Cruzes. O critério de inclusão na pesquisa
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Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Cemito/ Carla Witter/ Renati Erica Souza Caporali

exigia que o participante tivesse 70 anos ou pontuadas e a soma dos pontos alcançados
mais de idade e residisse na cidade há 20 anos constituiu-se no Índice de Leitura alcançado
ou mais e que tivesse respondido aos pelo participante. A pontuação seguiu o
instrumentos do presente estudo de forma seguinte critério:
completa. Quanto ao nível de escolaridade, a
Para o presente trabalho, foram pontuação levou em consideração que quanto
compostos quatro grupos com sete mais elevado este índice é de se esperar melhor
participantes em cada um deles, sendo dois leitor. A distribuição dos pontos foi a seguinte:
de origem japonesa e dois de origem brasileira. 1 ponto - ensino primário (completo); 2
No primeiro caso denominou-se GJ e no pontos - ensino médio (completo); 3 pontos
segundo GB. Vale lembrar que a colônia de - superior (incompleto); 4 pontos - superior
origem japonesa é grande, atuante e muito (completo); 4 pontos -lato sensu; 4 pontos-
importante na cidade e região. Cada grupo por stricto sensu (mestrado) e 5 pontos
etnia (N = 14) ficou constituído por sete (doutorado) .
pessoas de cada gênero e podem ser assim Como a primeira lembrança de contato
caracterizados: com a leitura e a escrita é uma marca
• GiF - a idade variou de 70 até 90 anos importante na formação do leitor, ela recebeu
sendo a média de 77 anos. A residência a seguinte pontuação: O ponto - sem
na cidade variou de 20 a 40 anos, lembrança específica; 1 ponto -lembrança de
sendo a média 30 anos. livro; 1 ponto -lembrança de atividade.
• GiM - apresentou idade variando de Considerando a lembrança de leitura
73 a 86 anos, com média de 80 anos. fora do contexto escolar, pontuou-se: O ponto
Viviam na cidade de 20 a 73 anos, - sem lembrança; 1 ponto - lembrança
tendo a média de 49 anos. genérica; 1 ponto - lembrança específica.
• GBF- foi constituído por pessoas com Quanto à lembrança, foi importante
idade entre 72 e 84 anos, sendo a constatar de que forma ocorreu a percepção
média do grupo de 77 anos. O tempo do pesquisado como leitor e sua idade nesse
de vivência na cidade variou de 42 a período, sendo 1 ponto -lembrança genérica;
70 anos, com média de 53 anos. 1 ponto - lembrança de pessoas; 1 ponto -
• GBM - foi composto por homens lembrança de método; 1 ponto - lembrança
entre 70 e 83 anos ficando a média em de idade inferior ou igual a 7 anos e O ponto -
79 anos. Residiam na cidade de 30 a lembrança maior que 7 anos.
83 anos, ficando a média em 66 anos. Como a alfabetização ocorre na
escola, foi importante ressaltar sua lembrança
Material neste período, determinando O ponto - sem
Para a coleta de dados foram utilizados lembrança; 1 ponto por área - lembrança de
um roteiro de entrevista, um questionário e o área de conhecimento; 1 ponto - lembrança
termo de consentimento livre e esclarecido, com apreciações positivas; (-) 1 ponto -
os quais são descritos a seguir. lembrança com apreciações negativas.
Formação de Leitores - trata-se de um roteiro A formação do leitor ocorre
de entrevista usado em pesquisas anteriores concomitantemente à alfabetização, sendo
(Witter e Oliveira, 1997; Ruiz, 2005; Witter e importante verificar se o ato de ler
Passos, 2006 a, b; Witter e Queiroz, 2006). proporcionava bem-estar na infância, na
As questões cobrem desde as primeiras adolescência e na fase adulta, considerando:
lembranças de leitura, sua vivência desta O ponto - ausência de lembrança; 1 ponto -
atividade ao longo da vida até o presente. gosto pela leitura; 2 pontos - gosto acentuado
Para efeito de realizar as comparações pela leitura; (-) 1 ponto - sem gosto pela
previstas nos objetivos estas vivências foram leitura.

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 66-76, jan.jjun. 2007


Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Camiloj Carla Witterj Renati Erica Souza Caporali

As pessoas que influem na leitura são Para efeito dos cálculos, foi criado um
de fundamental importância para o índice de atividade física mediante a soma de
desenvolvimento do leitor freqüente, pontos alcançados pelo participante ao
recebendo como pontuação: 2 pontos - mãe responder ao instrumento.
e 2 pontos - pai ; 1 ponto por participante - Tendo em vista a importância de
avós e outros parentes; 2 pontos - por realizar atividades físicas regularmente, é
professor; 1 ponto - colega; 2 pontos - por necessário conhecer a forma como a mesma é
autores. desempenhada, podendo ser leve, moderada
Para compreender se considerava e vigorosa. Considerando o nível de
importante a transmissão do hábito de ler aos intensidade aplicado, o instrumento buscou
filhos e netos, pontuou-se: 2 pontos - sim e O explicitar quantos dias e horas os participantes
ponto - não. dedicavam a essa prática.
Para verificar se atuava como N as duas questões referentes à
reforçador da prática de leitura de filhos e atividade leve, estabeleceu-se - 1 ponto por
netos, considerou-se: 2 pontos - sim e O dia, nas duas questões sobre atividade
pontos - não. moderada - 1 ponto por dia e nas duas
relativas à atividade considerada vigorosa - 2
Questionário Internacional de pontos por dia.
Atividade Física (IPAQ) - em sua versão
curta, validada por amostra brasileira por
Matsudo et al. (2001) e usada em outras Termo de Consentimento Livre e
pesquisas realizadas no Brasil, como as de Esclarecido (TCLE) - informava aos
Buriti et al. (2006, a), Buriti et al. (2006, b) e participantes os objetivos da pesquisa, os
Borges (2006). procedimentos e a garantia de respeito aos
Como instrumento, argui do seus direitos, tendo o modelo sido aprovado
participante a freqüência e a duração das juntamente com a pesquisa pelo Comitê de
atividades físicas que realiza, podendo estas Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos
ser avaliadas como moderadas, vigorosas e da UMC (Proc. n° 063/2003).
de caminhada.

60
p
i.
o 50
n 40 ~
T
Atividade Física
.~

u 30
a -Leitura
ç 20 1- ~
ã

10
~
--...... ..•
o
o ~
1 2 3 4 56 7 8 910111213141516171819202122232425262728
Participantes

Figura 1- Pontuação mínima e máxima alcançada pelos particip~tes em leitura e em atividade física

Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 66-76, jan'/jun. 2007


Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Camiloj Carla Witterj Renati Erica Souza Caporali

Ao correlacionar leitura e atividade


Procedimento física à variável gênero, obteve-se ro=-0,07
Após o consentimento do CEP, os para o gênero feminino, r o=0,12 para o
sujeitos foram contados pessoalmente e os que masculino. Verificando-se a etnia, observou-
optaram por participar preencheram o TCLE. se ro=-0,18 para o grupo de japoneses e ro=-
Aplicou-se então o instrumento sobre leitura 0,04 para o grupo de brasileiros, sendo
e, em seguida, enfocou-se a atividade física. nenhuma significante, considerando p= 0,05.
(Tabela 1). Ao comparar as variáveis nos

RESULTADOS E DISCUSSÃO Grupos

-0,04-
GBF
A pontuação mínima e máxima
alcançada pelos participantes em leitura e em GBJVI
0,56

atividade física é demonstrada na Figura l. -0,"04-


GJF
Observa-se que a atividade de leitura obteve
0,33
uma pontuação mais elevada do que a GJJVI

atividade física, possivelmente pelo fato de a GF


-0,07

leitura poder ser realizada em qualquer local,


0,12
diferentemente da atividade física para a qual GJVI

é necessário um ambiente específico ou maior. GB


0,04-

Por exemplo, uma caminhada exige o 0,18


GJ
deslocamento do idoso no espaço físico. Nota-
-0,04-
se também que o participante que teve o maior Tot:a1

escore em atividade física apresentou


resultado semelhante na leitura, embora os Tabela 1 - Correlação entre leitura e atividade física por gênero e
resultados não tenham revelado diferença etnia

significante, e isso evidencia a necessidade de


maiores pesquisas, pois o desempenho físico quatro grupos nos mesmos parâmetros não
/
provavelmente facilita e estimula a leitura. se constatou correlação significante ro=-0,04.
As práticas de leitura implicam no (Siegel, 1956). Apesar das campanhas
envolvimento da pessoa com diferentes governamentais para realização de atividade
conteúdos impressos em suportes como livros, física, é necessária uma maior conscientização
jornais, revistas, documentos, relatórios, desse segmento da população para os
diários e mais recentemente via meios benefícios de uma atividade física devidamente
eletrônicos. Influem nestas práticas: variáveis assessorada por profissionais competentes.
como etnia, escolaridade, idade, gênero, Especialmente pelos benefícios
proficiência em leitura, trabalho etc. cognitivos, é importante estimular a atividade
A pesquisa realizada por Mellard, de leitura para desenvolver as capacidades e
Patterson e Prewett (2007), com adultos de competências biopsicofisiológicas do cérebro
baixa escolaridade, mostrou que estes tendem como um todo e, em específico, da memória.
a não ler diariamente e a ter baixos níveis de Os idosos poderiam participar de clubes de
competência: quando praticam a leitura, leitores" de programas de leituras nas escolas
recorrem a uma ampla gama de materiais públicas e particulares e em outros ambientes
como revistas, correspondência, manuais de que promovessem atividades de leitura. Assim,
instrução e diretrizes para o trabalho. O gênero estariam desempenhando uma das tarefas de
é outra variável: mulheres tendem a ler mais desenvolvimento esperadas nesta idade:
paralelamente com o crescimento das suas participar na comunidade como cidadão ativo
competências do que homens. (Havighurst,1953).
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Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Camiloj Carla Witterj Renati Erica Souza Caporali

Mazo et aI. (2005) cita os estudos de Portanto, os homens brasileiros lêem


Gobbi (2004) e de Stiles (2000), enfatizando mais do que as mulheres japonesas,
a importância da prática de atividades que provavelmente devido aos fatores sociais e
estimulem a cognição e a consciência corporal culturais, pois no Brasil e no mundo em geral,
(Gobbi, 2004 ; Stiles, 2000, apud Mazo et aI., o gênero masculino sempre foi incentivado a
2005). ter instrução formal, ser educado formalmente
para ter uma inserção no mercado de trabalho
GJF GJM GBF GBM
e adquirir o status social de líder e provedor
137,0 125,5 91,0 52,5 da fann1ia. Já, as mulheres, principalmente na
GJF cultura nipônica, sempre ficaram relegadas ao
137 segundo plano, devendo servir ao marido e à
GJM família, sendo a primeira opção e, por vezes
única de estudo ofertada ao filho e não à filha.
125,5 11,5
Esta, muitas vezes, nem teve a oportunidade
GBF
de aprender a ler e, muito menos, escrever.
91 46,0 34,5 Isto é particularmente válido para as gerações
GBM idosas. Sprague e Keeling (2007) relatam que,
52,5 84,5* 73,0 38,5 no passado, o contexto sócio-cultural era
* Significante p < 0,05 caracterizado por restrições de gênero, então
Tabela 2- Significância das diferenças entre grupos em leitura comum a muitos países, sendo muito diferente

Ribeiro (2006), em seu estudo sobre


estilo de vida e desempenho cognitivo em
GBM GJM GBF GJF
idosos, concluiu que não houve relação entre
124,5 104,0 101,5 76,0
atividade física e cognição. Os resultados aqui
relatados caminham na mesma direção. Isto GJF
sugere a necessidade de desenvolver 124,5
estratégias de leitura ou de atividade física GJM
que viabilizem '0 duplo envolvimento, o que 104 20,5
é econômico e eficaz. Caso contrário, há GBF
necessidade de oferecer aos idosos tanto
101,5 23,0 2,5
programas que enfoquem o físico como
GBM
programas de leitura ou outro de estimulação
76 48,5 28,0 25,5
cognitiva, devendo ambos ocorrerem
Tabela 3 - Significância das diferenças entre grupos em atividade
paralelamente.
física
Para verificar se as diferenças entre
os quatro grupos era significante, foi feita uma a vida das pessoas no mundo atual. O gênero
ANOVA não paramétrica (Wi1cox e Wi1coxon, feminino tinha que conviver com muitas
1964), comparando todos os grupos entre si. restrições no vestir, no se comportar, nas
Definiu-se como H o a igualdade entre os opções de carreira e no casamento. As
grupos e para Ha a diferença entre eles, restrições eram maiores dependendo da etnia
mantendo-se no nível para rejeição p = 0,05. e classe social. Isto se reflete nos resultados
Neste caso, d c = 79,1. Os resultados sobre das idosas aqui enfocadas. As mulheres de um
leitura aparecem na Tabela 2. Só os grupos modo geral tiveram menores possibilidades de
GJF (japoneses) e GBM (brasileiros) estudo. Na situação de imigrantes e vindo para
apresentaram diferença significante (84,5), a zona rural, com poucas possibilidades de
não sendo observada diferença significante estudo, ficavam em situação ainda menos
entre os outros grupos. privilegiada.
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 66-76, jan./jun. 2007
Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieli Bianca Rodrigues Camiloj Carla Witterj Renati Erica Souza Caporali
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Pinto e N éri (2001) ressaltam que especialmente em regiões do país em que


estudos transculturais são fundamentais para houve forte ocorrência de inclusão de
fornecer informações a respeito de diferentes imigrantes vindos da Europa, da Ásia e da
grupos, como suas crenças, expectativas própria América Latina.
sociais e assuntos importantes nas fases do Concorda-se com o definido pelaAPA
desenvolvimento. As mesmas ainda lembram (2003) de que etnia é um conceito
que o estudo feito com imigrantes de etnias controverso, já vez que é cada vez mais
diferentes fornece informações de seus valores patente que cada pessoa é uma mistura de
e costumes característicos de sua cultura, muitas "raças", embora suas características
permitindo compreender o que é universal e físicas predominantes sejam de uma delas. No
o que é particular. Brasil, esta realidade é mais evidente devido
Foram mantidas as mesmas bases para à sua colonização e a todo o seu percurso
a análise da atividade física realizada pelos histórico repleto de imigrações de diversos
grupos (k=4; n=7), ou seja, a mesma d c. O países e regiões como: África, Europa, Japão
melhor desempenho foi de GJF e o pior de entre outros. A história do país permitiu a
GBM. miscigenação das raças e, conseqüentemente,
Na Tabela 3 com a aplicação da uma grande pluralidade e diversidade social e
ANOVA, considerando a variável atividade cultural que expandem e estreitam as relações
física, não foi observada diferença significante entre as etnias. Esta é uma característica mais
entre os grupos, ou seja, tanto em relação à marcante no estado de São Paulo e,
etnia, quanto ao gênero, as diferenças entre principalmente, na capital, que é um grande
os grupos não foram significantes. (Tabela 3). centro, também de migrantes de todos os
O trabalho de De Vitta, N éri e estados brasileiros, o que, talvez, seja uma
Padovani (2005) mostra que mulheres e idosos variável que justifique a inexistência de
sedentários apresentam maior número de diferença significante entre os grupos e as
doenças, demonstrando que a qualidade de variáveis analisadas. No entanto, são
vida é afetada pela prática de atividades físicas. necessárias outras pesquisas com
Para verificar o efeito das variáveis delineamentos mais sofisticados para se
etnia e gênero recorreu-se ao teste U (Siegel, afirmar as hipóteses levantadas neste estudo.
1956), tendo por Ho a igualdade e por Ha a
diferença entre os grupos, definindo-se como CONCLUSÃO
margem de erro aceitável p = 0,05. Com a
Cabe lembrar que, em nenhum
utilização do teste U (U c = 55) na variável etnia,
momento, este trabalho teve por objetivo ser
a comparação entre os grupos de japoneses e
o ponto final na pesquisa e discussão acerca
brasileiros obteve U o= 38,5, resultando em H o
dos aspectos avaliados, mas sim contribuir
rejeitada, demonstrando com isso que há uma
para o aumento do conhecimento científico
diferença entre os grupos. Em relação à
sobre o assunto. De modo geral, o estudo
variável gênéro, comparando os grupos
correlacional entre os aspectos relacionados
masculino e feminino, obteve-se U o=73, sendo
ao envelhecimento, hábito de leitura e prática
Ho não rejeitada, confirmando que não houve
de atividade física é de grande relevância em
diferença significativa entre os grupos.
diversos âmbitos, exatamente pelo escasso
Sendo o Brasil um país em que o
número de pesquisas que relacionam estes
multiculturalismo se faz presente em
dados em conjunto.
praticamente todo o território, é preciso
Bassit e Witter (2006) enfatizam que,
pesquisar a influência psicológica desta
no Brasil, os idosos se distribuem de acordo
variável tão presente no mundo atual (Fouad
com o histórico de migração e imigração,
& Arredondo, 2007). Nesse contexto, os
sendo importante observar as condições de
conceitos de raça e etnia são relevantes
sobrevivência nos diferentes estados e capitais,
Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 66-76, jan.jjun. 2007 73
Atividade física e leitura: influência de gênero e etnia em idosos
Andrieti Bianca Rodrígues Cemtlo/ Carta Witter/ Renatí Erica Souza Caporalí

indicando que o processo de envelhecer segue jan./fev., 2005.


as próprias transformações sociais, culturais
e econômicas das sociedades. BASSIT, A Z.; WITTER, C. Envelhecimento:
Considerando o objetivo do presente objeto de estudo e campo de intervenção. In:
trabalho, que foi verificar a influência do WITTER, G.P. (org). Envelhecimento:
gênero e da etnia nas variáveis analisadas, referenciais teóricos e pesquisas. Campinas:
pode-se considerar que tal objetivo foi Alínea, 2006.
alcançado.
A partir dos resultados obtidos e BORGES, G.F. Nível de aividade física,
analisados, é possível concluir que: capacidade funcional e qualidade de sono em
1. as variáveis gênero e etnia não têm idosas, 2006.Dissertação de mestrado
associação diferencial com o hábito de Universidade Federal de Santa Catarina,
leitura e a prática de atividade física Educação Física.
em idosos;
BRASIL. Estatuto do idoso: Lei n° 10.741,
2. em relação à variável etnia, o grupo
de 10 de outubro de 2003. São Paulo:
de japoneses foi significantemente
Sugestões Literárias, 2003.
diferente do grupo de brasileiros, nas
variáveis analisadas; BURITI, M.S.L.; CAMPOBELO, C.G.
3. quanto à variável gênero, tanto o Atividade física e envelhecimento. In:
grupo de mulheres quanto o de WITTER G. P. (org.). Envelhecimento:
homens não influem nos índices das referenciais teóricos e pesquisas. Campinas:
variáveis estudadas. Alínea, 2006, a
Esta situação pede, entre outras coisas,
pesquisas que caracterizem e comparem BURITI, M.S.L.; SILVA, M.A et al. Estudo
grupos étnicos e de gênero, fornecendo do idoso de descendência japonesa em Mogi
informações para os profissionais que das Cruzes: lazer. In: WITTER, G. P. (org.).
trabalham com grupos socialmente distintos Envelhecimento: referenciais teóricos e
e agregando qualidade de vida ao processo pesquisas. Campinas: Alínea, 2006, b.
de envelhecimento.
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Sinergia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 66-76, jan./jun. 2007


FUNÇÃO DE LAZER E ENTRETENIMENTO NOS SHOPPING CENTERS DE SÃO PAULO

Bruna Vanessa Santos Silva


Graduanda do curso de Gestão em Turismo pelo CEFET-SP

Este trabalho busca fazer uma análise do surgimento e do atual estágio do lazer nos shopping
centers da cidade de São Paulo, bem como da incorporação dos cinemas e demais atrativos
que propiciaram aos shoppings tornarem-se uma das principais referências de lazer e
entretenimento na cidade.

Palavras-chave: cinema; lazer; shopping center; entretenimento; tempo livre.

This work analyses the beginning and the present stage of leisure in malls of the City of São
Paulo. This article analyses how the inclusion of cinemas and other attractions have
transformed the malls into the most important references of leisure and entertainment in São
Paulo.

Keywords: cinema; leisure; malls; entertainment; free time.

A pós-modernidade apresenta a tempo livre, com a finalidade de evitar


ruptura de critérios universais de arte e anseio superprodução e desemprego em massa, e
pela perenidade e legitimação, o que fez com repor a energia da classe trabalhadora. Um
que se caracterize como um período de tempo livre que veio a tomar-se "um tempo
superação do antigo modelo de compreensão social e de lazer, transformando-se em produto
do mundo (Costa, 2005). da sociedade de consumo, mercadoria que se
Somos acometidos por um elevado compra e se vende" (Rodrigues, 1989).
ritmo de mudanças, no qual a informática é a Esse tempo livre toma-se com o passar
emergência' das relações econômicas, da dos anos uma mercadoria da sociedade de
produção e da comunicação entre as pessoas consumo. Ele deve oferecer ao trabalhador a
- que marcava a decadência dos regimes satisfação e o prazer, para que a sua rotina
comunistas no mundo -, o fim da produção seja suportada mais facilmente.
industrial de massas e o desencanto com as Podemos observar isso no dia-a-dia
expectativas idealistas da filosofia e ciência das grandes metrópoles, como São Paulo, que
modernas (Costa, 2005). geram no indivíduo "estresse, esgotamento
Com essa transformação mundial físico e psíquico, vazio interior e tédio"
gerada pela pós-modernidade, os indivíduos (Krippendorf, 2003).
passaram a concentrar-se mais em si mesmos Essa tendência, crescente na sociedade,
e em consumir grande volume de informações. desenvolve a motivação para a evasão do
Há um forte apelo ao novo, embora essa indivíduo de seu cotidiano, e a própria
sociedade viva sem ideais e participe, sem sociedade fornece-lhe subsídios para sua fuga
envolvimento profundo, de pequenas causas da rotina. Subsídios esses que são:
inseri das no cotidiano (ecologia, minorias - o dinheiro, sob a forma de salários mais
raciais e sexuais, associações e defesa do elevados, graças a horários de trabalho cada
consumidor), encontrando-se seduzida por vez mais reduzidos;
- o carro, símbolo da liberdade, concede ao
bens e serviços que lhe propiciem prazer indivíduo o direito natural à motorização e
(Santos, 1987). mobilidade individual ilimitada (Krippendorf,
Assim, essa nova sociedade adquire 2003).

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Função de lazer e entretenimento nos shopping centers de São Paulo
Bruna Vanessa Santos Silva

Entretanto, a locomoção do indivíduo na sociedade, sentidas com maior intensidade


em busca de turismo e lazer em cidades nas últimas décadas do século XX, quando
vizinhas e litorâneas pode significar trânsito, houve um boom de novas formas de diversão
o que compromete seu tempo livre. e lazer (Neves, 2006).
A partir desse momento, as metrópoles Os cinemas, até o fim da década de
passaram a desenvolver atividades de 1970 eram símbolos do glamour.
entretenimento e lazer dentro do seu espaço, [:..] estes templos, erigidos para adoração das
e um novo nicho de mercado abriu-se para a divindades cinematográficas, provocam, de
acordo com a lógica pragmática do sistema
sociedade consumidora.
exibidor, um saudável efeito psicológico nos
freqüentadores, algo como uma gratificação
- vivenciar por um certo tempo ambientes
o SURGIMENTO DA RELAÇÃO de luxo, com mármore, veludos, espelhos,
ENTRE O SHOPPING CENTER E O banheiros deslumbrantes" (Simões, 1990).
LAZER EM SÃO PAULO Todo o glamour, presente nos anos da Belle
Époque, perde-se em meio à euforia e a
agitação da vida moderna. O que antes se
A partir dos anos 1930, a avenida
constituía como um acontecimento social,
Paulista iniciou seu processo de verticalização. para o qual as pessoas trajavam-se de modo
Seus casarões começam a ser substituídos por diferenciado - fora dos padrões do dia a dia
edifícios residenciais e a avenida ganhou nova -, perdeu esse significado. O adentrar às
personalidade: sessões escurinhas, para contemplar a enorme
tela - que se assemelhava a ritual de
surgem conjuntos comerciais e de serviços,
esplendor e contentamento - adquiriu novos
galerias e lojas de departamentos; constroem-
significados (Neves, 2006).
se o MASP e o Complexo Viário em seu
trecho final, completando o novo perfil com Paralelamente a tudo isso, os shopping
as obras de alargamento. Assim, entre várias centers surgem nos Estados Unidos na década
edificações de expressão, a I Bienal de 1950, com um "conceito de cidade
Internacional de São Paulo, o Restaurante artificial", na tentativa de criar uma nova
Fasano e o Cine Astor, ambos no Conjunto
cidade sem problemas urbanos como: trânsito,
Nacional, e o prédio da Gazeta interam-se à
Paulista, ela se transforma em centro chuva, sol, pedintes, acidentes e falta de
comercial, residencial, cultural e de lazer estacionamento nas ruas (Padilha, 2006).
(ltaú Cultural). Depois de a idéia fazer sucesso pelo
Com a modernização da avenida mundo, ela chega ao Brasil em 1966, em São
Paulista, que passou a facilitar o acesso aos Paulo, com o Shopping Center Iguatemi.
demais pontos da cidade e se transformar em A segurança, a facilidade de encontrar tudo
grande pólo, a região central de São Paulo foi no mesmo lugar, a idéia de modernidade e
sendo aos poucos deixada de lado, já que os progresso aliada ao shopping foram os
maiores atrativos para os brasileiros elegerem
novos prédios construídos na região daquela
esse 'templo do consumo' como lugar
que vinha se tomando a principal avenida da privilegiado para compras e lazer (Padilha,
cidade apresentavam instalações modernas 2006).
que acompanhavam o desenvolvimento Porém, embora houvesse tanta
tecnológico que se iniciava. praticidade, ainda faltava algo que motivasse
A avenida Paulista toma-se o novo as pessoas a retomar com maior regularidade
eixo financeiro, e o centro da cidade, aos e, conseqüentemente, consumir mais.
poucos, vai sendo desocupado e abandonado. A percepção do lazer como indústria
Diversos escritórios, empresas e os antigos lucrativa de consumo fez com que a
cinemas, antes instalados no centro da cidade, preocupação com o entretenimento da
começam a sair dali e tomar novos rumos. população aumentasse. Percebeu-se que, nos
Esse desenvolvimento tecnológico da momentos de lazer, o indivíduo fica mais
capital paulista criou uma série de mudanças suscetível a consumir.

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Função de lazer e entretenimento nos shopping centers de São Paulo


Bruna Vanessa Santos Silva

Como uma estratégia de marketing, brinquedos eletrônicos e simuladores virtuais.


que deu certo em outros países, surge a idéia Nesse período, devido ao sucesso do
de unir shopping e cinema no Brasil.O cinema empreendimento, milhares de famílias
passou então a fazer parte dos shopping passaram a freqüentar o shopping.
centers como fator decisivo para atrair os A Multiplan, administradora do
consumidores para o lazer, principalmente por shopping, em 1993, numa nova aposta voltada
ficar abrigado dentro de uma "cidade sem para o lazer e o entretenimento, inaugurou o
problemas urbanos", com segurança, Parque da Mônica, um dos maiores parques
estacionamento, sem chuvas e com cobertos da América Latina, que conta até hoje
comodidade de serviços, como o shopping era com serviços personalizados, como o "Toma
considerado. Conta", que permite que os pais deixem seus
filhos no Parque, enquanto fazem compras no
shopping. E inaugurando também o Espaço
ENTRETENIMENTO E SHOPPING Cultural Eldorado, uma academia dedicada a
CENTER NA ATUALIDADE dança, teatro e moda, com aulas, cursos e
mostras de artistas de variadas áreas.
Em uma pesquisa realizada em 2005 Com resultados muito positivos, a
pela ABRASCE (Associação Brasileira de administração continuou a investir na área:
Shopping Centers) observou-se que, quando inaugurou um boliche e, em 2004, o Teatro
vai ao shopping apenas pela prestação de das Artes. O cinema, reinaugurado no segundo
serviços, o consumidor permanece cerca de semestre de 2006, conta com nove salas de
54 minutos, enquanto que, numa ida atrelada exibição da rede Cinemark, uma delas
ao lazer, permanece em tomo de 165 minutos. contando com projeção 3D - a primeira da
Em virtude disso, os shoppings América do Sul -, e oito salas com projeção
passaram a oferecer o lazer como principal digital, reafirmando sua postura voltada ao
diferencial e atrativo de visitantes, um âncora, entretenimento. O shopping ainda apresenta
sempre em busca de novidades para manter o atrações como Patinação no Gelo e Laser
indivíduo atrelado à necessidade de freqüentar, Shots (uma espécie de paintball, em que
consumir, usufruir seus serviços e sua infra- grupos batalham com pistolas sem tinta).
estrutura. Outros shoppings têm realizado
Mas, mesmo que a produção seja apostas semelhantes às do Eldorado, como o
massiva, seu consumo é personalizado SP Market e o Pátio Higienópolis.
(Santos, 1987). Como nos mostra, por Atualmente, o grupo Victor Malzoni,
exemplo, o Iguatemi, que possui como que administra o Pátio Higienópolis e o
diferencial a possibilidade de o cliente comprar Shopping Paulista, está com uma nova
seu ingresso com cadeira numerada na intemet proposta para o Paulista, repetindo o sucesso
ou nos caixas eletrônicos do shopping. do teatro e dos cinemas de útima geração.
Para analisarmos melhor a estrutura de Novas lojas serão abertas, incluindo quatro
lazer e entretenimento dos shopping centers, âncoras, e haverá ampliação da praça de
peguemos o exemplo do Eldorado, o terceiro alimentação e a instalação de um complexo
de São Paulo, inaugurado em 1981, localizado de cinemas em sistema stadium e
atendimento VIP, além de um teatro. Pisos e
na zona oeste da cidade, próximo à Marginal
fachada serão totalmente remodelados, para
Pinheiros. reforçar a nova proposta do empreendimento,
Em 1983, o Grupo Playcenter que passará a se chamar Shopping Pátio
inaugura, no Shopping Eldorado, a Playland, Paulista (Canal Executivo).
que resultou, desde o início, em sucesso Entretanto, embora haja grandes
imediato. Na Playland, enquanto os pais iam apostas no cinema e nas atividades de lazer,
às compras, as crianças dispunham de diversos as administradoras ainda apostam em eventos

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itinerantes, buscando sempre novidades para A tendência é que os shopping centers


atrair todos os tipos de consumidores ao estejam situados estrategicamente em locais
shopping. onde há uma alta demanda de passageiros de
O Shopping Anália Franco é um dos meios de transporte - como no caso do metrô
que mais apostam em eventos. Administrado -; tornando-o cada vez mais acessível para
pela Multiplan, mesma administradora do todas as classes da população. É uma forma
Eldorado, o shopping teve em sua planta de de dar uma ênfase tanto ao consumidor que
construção um mezanino na praça de eventos pode vir de carro quanto àquele que utiliza os
com bancos para os visitantes, que poderiam transportes de massa.
se acomodar durante os shows de MPB, que
acontecem esporadicamente. Houve também
eventos de simulação de espaços de REFERÊNCIAS
ecoturismo, exposições, além de um planetário
móvel. ABRASCE. Disponível em: http://
www.abrasce.com.br/. Data de acesso: 24 de
setembro de 2007.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ANÔNIMO. Shopping Paulista anuncia
projeto de expansão. Disponível em: http://
As mudanças paradigmáticas geradas www2. uol. com. brl canalexecu ti vol
pela pós-modernidade modificaram todo o notasemp06/emp250520063.htm. Data de
dia-a-dia da sociedade atual, que, dispondo acesso: 24 de setembro de 2007.
de tempo livre e dinheiro, passou a ser COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência
seduzi da pelo consumo de bens e serviços que da sociedade. São Paulo: Moderna, 2003.
lhe dessem prazer. KRIPPENDORF, J. Sociologia do turismo:
O lazer passou a ser um mercado em para uma nova compreensão do lazer e das
crescimento, e os shopping centers, com o viagens. São Paulo: Aleph, 2000.
passar do tempo, passaram a englobar os ITAÚ CULTURAL. Histórico Avenida
cinemas, a fim de manter o visitante mais Paulista. In: Performance paulista. Disponível
tempo no shopping para que consumisse mais. em: http://www.agperformance.com.br/
A partir de então, dentro da escala paulista/historico.asp. Data de acesso: 24 de
evolutiva dos shopping centers, podemos setembro de 2007.
analisar a mudança de eixo do shopping apenas NEVES, K. C. M. C. Cinema: a modernidade
como centro de compras para também centro e suas formas de entretenimento.In: Revista
de lazer, entretenimento e serviços. de História e Estudos Culturais. Vol. 3, ano
É evidente que o shopping center está 3, n° 4, 2006.
intrinsecamente aliado a lazer e entretenimento RODRIGUES, A. A. B. Tempo livre como
como forma persuasiva para o consumo, objeto de consumo e lazer dirigido como
encontrando-se atualmente em expansão na oportunidade de manipulação. In: Boletim
cidade por agregar segurança, lazer e a oferta paulista de geografia. Vol. 67, 1989.
de produtos básicos (vestuário, bancos, PADILHA, V. A sociologia vai ao shopping
academias, hipermercados). center. Jornal da Unicamp, 324, 22-28, maio
Com base nos estudos realizados, de 2006. Entrevista a Luiz Sugimoto.
pode-se chegar à conclusão de que os SANTOS, J. F. O que é o pós-mordemo? São
shoppings tornaram-se, para a população, Paulo: Brasiliense, 1987.
centros de lazer atrelados à cultura e à SIMÕES, I. Salas de cinema em São Paulo.
tecnologia, presentes em suas características Pesquisa da equipe técnica de cinema, PW I
atuais: jogos eletrônicos, cinema, teatro, Secretaria Municipal de Cultura! Secretaria de
eventos e atividades correlatas. Estado da Cultura, São Paulo, 1990.

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