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Sumário ISBN 978-85-463-0504-9

Antoniele Silvana de Melo Souza


Jarles Lopes de Medeiros
(Organizadores)

EDUCAÇÃO EM DEBATE
POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E
INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS

Ideia – João Pessoa – 2019

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


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Capa/Diagramação
Magno Nicolau

Ilustração da capa
Ragale Sanzio, 1509-1511

Revisão
Dos respectivos autores

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD


__________________________________________________________________________________
F467 Educação em debate: política, formação docente e inovações pedagógicas [recurso
eletrônico] / organizadores: Antoniele Silvana de Melo Souza, Jarles Lopes de
Medeiros. – Dados eletrônicos - João Pessoa: Ideia, 2019
3,00 mb ; pdf
179p.

ISBN 978-85-463-0504-9

1. Educação. 2. Formação docente. 3.Inovações pedagógicas. I. Souza, Antoniele


Silvana de Melo. II. Medeiros, Jarles Lopes de. III. Título.

CDU 37
__________________________________________________________________________________

Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Gilvanedja Mendes, CRB 15/810

EDITORA
www.ideiaeditora.com.br

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


Sumário

SOBRE OS AUTORES 7

PREFÁCIO 15
Dr. Cícero Edinaldo dos Santos

PARTE I
EXPERIÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E DE GESTÃO ESCOLAR

DE PERTO SE VER O LONGE: NOTAS SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL 17
Isabelle de Luna Alencar Noronha
Kaégila Maria Vieira da Silva
Ilyara Monteiro Leite

A NECESSIDADE DE APRENDER A APREENDER - RELATOS SOBRE A PRÁTICA EDUCATIVA 23


Luiza Batista de Jesus
Helena Ferreira Duarte
Lúcia Helena de Brito

LITERATURA E EDUCAÇÃO INFANTIL: DIÁLOGOS POSSÍVEIS NA FORMAÇÃO DOCENTE 29


Silene Cerdeira Silvino da Silva
Tâmara Maria Bezerra Costa Coelho
Luiz Carlos Carvalho Siqueira
Maria Anália Pereira dos Santos

MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A DIVERSIDADE: O PAPEL DO(A) EDUCADOR(A) NA


DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 36
Marileuda Lopes da Silva
Jarles Lopes de Medeiros

INOVAÇÃO DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS: O USO DE MEMES COMO RECURSO DIDÁTICO-


PEDAGÓGICO 42
Luiz Fernando de Oliveira Lopes
Alisandra Cavalcante de Almeida Fernandes

AS DIFICULDADES DA GESTAO ESCOLAR 50


Wellington Martins da Silva

O TRABALHO DO DIRETOR ESCOLAR SOB A ÓTICA DO MODELO GERENCIAL EM EDUCAÇÃO 56


Felippe Gonçalves Valdevino

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


O TRABALHO PEDAGÓGICO NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL HOSPITALAR 63
Jeane Bizerra Bastos
Otacílio Vieira dos Santos Neto
Robéria Vieira Barreto Gomes

PARTE II
CAMINHOS DA PESQUISA E TRABALHO EM EDUCAÇÃO

MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO 75


Elandia Ferreira Duarte
Josefa Jackline Rabelo
Maria Clea Ferreira Monteiro
Maria das Dores Mendes Segundo
Vítor Maia Saboia

A RELAÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO 82


Rita Oliveira de Carvalho
Rosani de Lima Domiciano
Mirela Máximo Bezerra

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO E A ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR COMO


PRÁTICA AUTOEDUCATIVA DE LUTA E DE RESISTÊNCIA 89
Diego Miranda Aragão

ANÁLISE DOS DESAFIOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA: UM ESTUDO NO CURSO DE


GASTRONOMIA 95
Dilcilene Maria de Oliveira Chaves
Priscila Ximenes Moreira
Alisandra Cavalcante Fernandes de Almeida

PARTE III
PERCURSOS, MEMÓRIAS E ORALIDADES EDUCACIONAIS

RELATOS DE DISCENTES DO CURSO DE PEDAGOGIA COM A DISCIPLINA DE MATEMÁTICA:


EXPERIÊNCIA REALIZADA COM ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ 104
Tainá Salmito Cruz de Lima
Ana Kamyla Oliveira Araújo
Paulo César da Silva Batista

MEMÓRIAS NARRADAS SOBRE AS (RE) FORMULAÇÕES CURRICULARES DO CURSO DE


PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ E AS CONTRIBUIÇÕES NA
FORMAÇÃO DO PEDAGOGO 111
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares
Maria Danieli de Sousa Floriano
Nadja Rinelle Oliveira de Almeida

MEMÓRIAS DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DE SOBRAL: SILÊNCIOS E FRAGMENTOS 117


Luciana de Moura Ferreira

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


ARTE NO ESPAÇO PÚBLICO: A INVENÇÃO DE OUTRAS CIDADES 125
Carla Galvão Farias

CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI PARA A EDUCAÇÃO: BREVES APONTAMENTOS 131


Sirneto Vicente da Silva
Antônio Marcos Rocha de Carvalho
Antônio Marques de Oliveira
Daniela Glícea Oliveira da Silva

CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E REFLEXÕES ACERCA DA COGNIÇÃO HISTÓRICA DOS SUJEITOS


ANALISADOS NO ÂMBITO ESCOLAR 138
Maria Aline Silva Carvalho
Yasmin Ferreira Maia
Diana Nara da Silva Oliveira

TRANSDISCIPLINARIDADE E TOPONÍMIA: REFLEXÕES PARA O ENSINO 147


Patrícia de Oliveira Batista

ETNOMATEMÁTICA: UMA POSSIBILIDADE TRANSDISCIPLINAR PARA O ENSINO DE


MATEMÁTICA 154
Carina Brunehilde Pinto da Silva

ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE FRANCISCO SUDERLAND BASTOS


MOTA: UMA ESCOLA BILÍNGUE PARA SURDOS? 161
Maria Izalete Inácio Vieira
Sara de Araújo Mateus

MOVIMENTO ESTUDANTIL E RESISTÊNCIA: DO MAIO DE 1968 NA FRANÇA À ATUAÇÃO DA


UNE NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR 168
Daniele Kelly Lima de Oliveira
Eliomar Araújo de Sousa
José Rafael Barros de Moraes

A QUESTÃO RACIAL SOB O PRISMA DE FLORESTAN FERNANDES 175


Marcos Andrade Alves dos Santos
Jarles Lopes de Medeiros
Antoniele Silvana de Melo Souza

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 7

SOBRE OS AUTORES

ALISANDRA CAVALCANTE FERNANDES DE ALMEIDA


Doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Mestrado em Tecnologia da Comunicação e Informação em EaD pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Graduada em Pedagogia (UFC). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará (IFCE). Coordenadora do PIBID.
E-mail: alisandra.cavalcante@ifce.edu.br

ANTONIELE SILVANA DE MELO SOUZA


Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduada em Pedagoga pela
Universidade Regional do Cariri (URCA). Especialista em Gestão Educacional e Educação Infantil.
Integrante do Grupo de Pesquisa Práticas Educativas, Memórias e Oralidades (PEMO/UECE). Atua
como Analista em Gestão Educacional - Pedagoga pela Secretaria Estadual de Pernambuco.
E-mail: antonielesouza@hotmail.com

ANTÔNIO MARQUES DE OLIVEIRA


Mestrando pelo Programa Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino da Universidade
Estadual do Ceará (MAIE/UECE). Especialista em Gestão e Avaliação Educacional pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG). Graduado em Pedagogia (UECE). Membro do
Grupo de Estudo Obras Históricas e Filosóficas de Dermeval Saviani, da Faculdade de Filosofia Dom
Aureliano Matos (FAFIDAM). Articulador de Gestão Educacional da Coordenadoria Regional de
Desenvolvimento da Educação (CREDE 10/Russas-CE). Professor da Educação Básica da Rede
Municipal de Palhano-Ceará.
E-mail: marques2018maie@gmail.com

ANTÔNIO MARCOS ROCHA DE CARVALHO


Mestrando pelo Programa Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino da Universidade
Estadual do Ceará (MAIE/UECE). Graduado em História pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos (FAFIDAM/UECE)
E-mail: marcosrochahc182@gmail.com

ANA KAMYLA OLIVEIRA ARAÚJO


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), campus Itaperi.
E-mail: kamyla.araujo@aluno.uece.br

CARINA BRUNEHILDE PINTO DA SILVA


Mestre em Matemática (UFC). Licenciada em Matemática e Bacharel em Estatística (UFC).
Especialista em Gestão Educacional (UFC). Coordenadora de Área do Programa Institucional de
Iniciação à Docência - PIBID (UVA). Integrante do Grupo de Pesquisas e Estudos em Educação
Matemática - GPEEMAT (UVA). Líder do Grupo de Estudos em Matemática e Política - GeMaPo
(UVA). Atua como Professora Assistente no Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade
Estadual Vale do Acaraú (UVA).
E-mail: profcarinamat@yahoo.com.br

Sumário ISBN 978-85-000


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CARLA GALVÃO FARIAS


Mestre em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes, no ICA (Instituto de Cultura e Arte) da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui graduação em Design de Moda pela mesma
universidade (2011). Tem experiência como professora de Modelagem do Vestuário e Desenho de
Moda.
E-mail: carlagalvao18@hotmail.com

CÍCERO EDINALDO DOS SANTOS


Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduado em História
pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Desenvolve estudos com ênfase nos discursos de
Gênero, Sexualidade, Juventude, Família e Educação Católica. Integrante da Linha de Pesquisa
História e Educação Comparada (LHEC - UFC) e do Laboratório de Estudos Urbanos,
Sustentabilidade e Políticas Pública (LAURBS – UFCA).
E-mail: ciceroedinaldo@live.com

DANIELA GLÍCEA OLIVEIRA DA SILVA


Mestra em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Pedagoga pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE/FAFIDAM). Professora do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), campus Acopiara.
E-mail: danielaglicia@yahoo.com.br

DANIELE KELLY LIMA DE OLIVEIRA


Doutora em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Ceará (UFC). Professora adjunta da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
Coordenadora do Grupo de Pesquisas e Estudos Educação, Movimentos Sociais, Política Públicas e
Diversidade (GPEEMPODERAR).
E-mail: dankel28@yahoo.com.br

DIANA NARA DA SILVA OLIVEIRA


Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Educação e Ensino
e Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professora Substituta da
UECE. Membro do grupo de estudos Aspectos históricos e atuais sobre as políticas públicas de
formação docente no Brasil.
E-mail: diana.nara@uece.br

DIEGO MIRANDA ARAGÃO


Mestrando em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceara (FAFIDAM) e bolsista pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Possui graduação em
Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Especialista em Gestão Educacional pela
UVA. Linhas de Interesse de Pesquisa: Educação Popular; Educação, Direito e Movimentos Sociais;
Filosofia Moral e Política; Sociologia e Filosofia da Educação; Filosofia e Sociologia do Direito;
Estudos Descoloniais.
E-mail: rua.diego@hotmail.com

DILCILENE MARIA DE OLIVEIRA CHAVES


Formada em Tecnologia em Gastronomia pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Baturité.
Atualmente encontra-se como concludente do Curso de Especialização em Ciência de Alimentos pelo
IFCE Baturité. Desenvolve pesquisas relacionadas a formação dos profissionais de gastronomia.
Possui interesse por temas como formação gastronômica, currículo e ciência de alimentos.
E-mail: dilcechaves@hotmail.com

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 9

ELANDIA FERREIRA DUARTE


Doutoranda em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui mestrado em Educação
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); graduação em pedagogia pela Universidade Regional
do Cariri - URCA e especialização em Arte/Educação pela mesma instituição. Integrante do grupo de
estudos e crítica de cinema – SÉTIMA; pesquisadora do Instituto do Movimento Operário - IMO e
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade - GPTREES. Atualmente é
Professora da rede municipal de ensino da cidade de Brejo Santo - CE.
E-mail: elandia.duarte@yahoo.com.br

ELIOMAR ARAÚJO DE SOUSA


Pós-Graduando em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade de Quixeramobim.
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Pesquisador do Grupo
de Pesquisas e Estudos Educação, Movimentos Sociais, Política Públicas e Diversidade
(GPEEMPODERAR).
E-mail: elio2015_@hotmail.com

FELIPPE GONÇALVES VALDEVINO


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Campina Grande (PPGEd/UFCG). Especialista em Gestão Educacional pelas Faculdades Integradas
de Patos (FIP). Graduado (licenciatura) em História pela Universidade Regional do Cariri (URCA).
Professor temporário da Universidade Regional do Cariri (URCA), Unidade Descentralizada de
Missão Velha. Professor efetivo da rede municipal de Juazeiro do Norte-CE. Possui experiência em
direção escolar, no Ensino Fundamental.
E-mail: felippe.valdevino@urca.br

HELENA FERREIRA DUARTE


Mestranda em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Possui Graduação
em Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri - URCA (2011). Integrante do Grupo de Estudos
Teoria histórico-crítica e educação escolar da Universidade Regional do Cariri (URCA). Desenvolve
pesquisas em torno das questões de patriarcado, Educação Infantil e linguagem. Atualmente é
professora da rede municipal de ensino da cidade de Crato - CE.
E-mail: helena24.fd@gmail.com.

ILYARA MONTEIRO LEITE


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atualmente
bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC/URCA). Membro do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação (NEP). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Trabalho e
Formação de Professores (GEPET/URCA).
E-mail: ilyarabrito@gmail.com

ISABELLE DE LUNA ALENCAR NORONHA


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Educação,
Comunicação e Cultura (UFPB). Professora Adjunta do Centro de Educação/Depto. De Educação da
Universidade Regional do Cariri (URCA). É membro da equipe coordenadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação (NEP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação e
Tecnologias da Informação e Comunicação (GEPETIC/UFPB). Membro do Grupo de Pesquisa em
Educação, Trabalho e Formação de Professores (GEPET/URCA). Foi coordenadora pedagógica do
Programa de Iniciação à Docência (PIBID/URCA) e atualmente, é Coordenadora Institucional do
Programa de Residência Pedagógica URCA/CAPES.
E-mail: isabelle.luna@urca.br

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JARLES LOPES DE MEDEIROS


Doutorando e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Ceará (PPGE/UFC). Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE), licenciado em Língua Portuguesa pela Faculdade da Grande Fortaleza (FGF) e especialista
em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade da Aldeia de Carapicuíba (FALC).
Professor do Curso de Pedagogia na UECE. Professor de Língua Portuguesa vinculado à Secretaria
da Educação do Ceará (SEDUC).
E-mail: jarlelope@gmail.com

JEANE BIZERRA BASTOS


Acadêmica em Pedagogia - Licenciatura, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista do
Projeto de Extensão: Pedagogia hospitalar: aspectos teóricos e ações didáticas na classe hospitalar,
atuando na Classe Hospitalar do Hospital Pediátrico do Câncer/ Associação Peter Pan/Hospital Albert
Sabin, Fortaleza/CE.
E-mail: jeane.bastos008@gmail.com

JOSÉ RAFAEL BARROS DE MORAES


Pós-Graduando em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade de Quixeramobim.
Graduado em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Pesquisador do Grupo de
Pesquisas e Estudos Educação, Movimentos Sociais, Política Públicas e Diversidade
(GPEEMPODERAR).
E-mail: rafabarros.letras@gmail.com

JOSEFA JACKLINE RABELO


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Educação na
Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora e Coordenadora da Linha de Trabalho, Estética e
Sociabilidade do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do
Ceará (UFC). Pesquisadora-colaboradora do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento
Operário – IMO/UECE.
E-mail: jacklinarabelo@gmail.com

KAÉGILA MARIA VIEIRA DA SILVA


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atualmente
bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/URCA). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Educação (NEP). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Trabalho e Formação de Professores
(GEPET/URCA).
E-mail: kaegilamvsilva@hotmail.com

LÚCIA HELENA DE BRITO


Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Universidade
Estadual do Ceará (UECE), campi FAFIDAM, e do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação
e Ensino (MAIE/UECE). Coordenadora do Grupo de Estudos Capitalismo e Teorias Críticas
(CATE/FAFIDAM).
E-mail: lhelena.brito@uece.br

LUCIANA DE MOURA FERREIRA


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestra em História pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Licenciada em História pela Universidade Estadual Vale
do Acaraú (UEVA). Atua na área de História Cultural, sendo ligada aos temas da História Comparada
da Educação e Saúde - com foco na relação Brasil-Portugal.
E-mail: lucianamoura797@gmail.com

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 11

LUIZ CARLOS CARVALHO SIQUEIRA


Estudante do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA).
Especialista em Gestão Escolar, bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela URCA. Graduado em
Pedagogia pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN). Integra o Grupo de Pesquisa
em Educação, Trabalho e Formação de Professores (GEPET/URCA). Atualmente é coordenador
voluntário do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/URCA), subprojeto de Pedagogia,
no período de 2018-2020.
E-mail: 86luiz@gmail.com

LUIZ FERNANDO DE OLIVEIRA LOPES


Graduando em Letras: português, inglês e suas respectivas literaturas pelo Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Participou do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência PIBID; Programa Corretores de Redação da Fundação Demócrito Rocha;
Monitor da disciplina Língua Inglesa 3, IFCE. Possui vínculo atual com o Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Atua em áreas de pesquisa voltadas a práticas pedagógicas
com ênfase em práticas inovadoras no ensino de língua portuguesa, produção de material didático
digital e práticas colaborativas de aprendizagem.
E-mail: luizfernandooprof@gmail.com

LUIZA BATISTA DE JESUS


Mestranda pelo Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE/UECE).
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela FAEX. Graduada em Pedagogia pela
FECLI/UECE. Linha de pesquisa: Educação, Escola, Sociedade, História.
E-mail: luizabatista100.2016@gmail.com

MARCOS ANDRADE ALVES DOS SANTOS


Mestrando em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual
do Ceará (PPGS/UECE). Bolsista CAPES. Especialista em Gênero e Diversidade na Escola (UFC).
Graduado no curso de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Anhanguera
(UNIDERP). Graduando no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade
Estadual do Ceará (FACEDI-UECE). Tem interesse em Pesquisas nas áreas de Gênero e Sexualidade
com ênfase nos modos de vida gay na zona rural; também pesquisa no ramo da Educação com ênfase
na Formação de Professores.
E-mail: marcos.andrade@aluno.uece.br

MARIA ALINE SILVA CARVALHO


Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) campus Faculdade de Filosofia
Dom Aureliano Matos (FAFIDAM).
E-mail: alinecarvalho184@gmail.com

MARIA ANÁLIA PEREIRA DOS SANTOS


Graduada do Curso de Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA).
E-mail: analiasantos37@gmail.com

MARIA CLEA FERREIRA MONTEIRO


Doutoranda em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui Mestrado em Educação
pela Universidade Federal do Ceará (UFC); graduação em Licenciatura Química pela Universidade
Estadual do Ceará (UFC) e especialização no Ensino de Química pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Atualmente é professora da rede municipal de ensino da cidade de Fortaleza – CE.
E-mail: mariacleafm@gmail.com

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MARIA DANIELI DE SOUSA FLORIANO


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Monitora do
Programa Escola do Adolescente na Escola Luiz Bezerra de Paula, Croatá-CE.
E-mail: danieli.flori14@gmail.com

MARIA DAS DORES MENDES SEGUNDO


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Mestrado
Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Educação (PPGE) na Universidade Estadual do Ceará (UECE). Programa de Pós-
Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisadora-
colaboradora do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO/UECE.
E-mail: mariadasdores.segundo@uece.br

MARIA ISABEL SILVA BEZERRA LINHARES


Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará (UFC). Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e
Formação Especial Pedagógica pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Professora
Adjunta da UVA e Professora vinculada ao Mestrado Profissional em Sociologia (PROFSOCIO). É
professora pesquisadora pelo Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR). Coordenadora de Estágios no Curso de Licenciatura em Pedagogia. Coordenadora de
Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) da UVA. Pesquisadora e
membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Culturas Juvenis (GEPECJU), coordenando a linha
de pesquisa Juventude, Transformações Sociais e Políticas Públicas. Membro e Pesquisadora do
Laboratório Trabalho, Educação, Gênero e Subjetividade (LATEGS/UVA).
E-mail: isabelblinhares@yahoo.com.br

MARIA IZALETE INÁCIO VIEIRA


Mestra em Educação e Ensino (MAIE) pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista
em Educação Especial pela Universidade Vale do Acaraú (UVA). Bacharel em tradução e
interpretação Português/Libras/Português – Letras Libras-Bacharelado pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Professora da Libras do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Ceará (IFCE). Tutora do Curso de Graduação em Letras Libras/EaD (UFSC/IFCE). Professora
formadora da disciplina de Libras da Universidade Aberta do Brasil (UAB/IFCE).
E-mail: izaleteuab@gmail.com

MARILEUDA LOPES DA SILVA


Graduada em Letras Português/Espanhol pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista
em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Efetiva
de Língua Espanhola na Secretaria da Educação (SEDUC/CE).
E-mail: marylopez2006@hotmail.com

MIRELA MÁXIMO BEZERRA


Mestre em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em
Psicopedagogia pela Faculdades Integradas de Patos (FIP). Graduada em Pedagogia pela
Universidade Regional do Cariri (URCA). Professora Efetiva do IFCE- campus Cedro.
E-mail: mirela.bezerra2014@yahoo.com.br

NADJA RINELLE OLIVEIRA DE ALMEIDA


Doutora e Mestre em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira na
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui graduação em Pedagogia
pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Membro do Grupo de Pesquisa Juventude,
Cultura e Sociedade vinculado à UFC e do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 13

(GEPECJU) vinculado à UVA. Atualmente exerce a função de professora substituta na UVA, no


curso de pedagogia.
E-mail: nadjarinelle_234@hotmail.com

OTACÍLIO VIEIRA DOS SANTOS NETO


Acadêmico em Pedagogia - Licenciatura, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista do
Projeto de Extensão: Pedagogia hospitalar: aspectos teóricos e ações didáticas na classe hospitalar,
atuando na Classe Hospitalar do Hospital Pediátrico do Câncer/ Associação Peter Pan/Hospital Albert
Sabin, Fortaleza/CE.
E-mail: ota96cilio@gmail.com

PATRÍCIA DE OLIVEIRA BATISTA


Doutoranda e Mestra em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Ceará (PPGL/UFC). Licenciada em Letras (Português-Literatura) pela UFC.
Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Letras Português da Universidade Estadual do
Piauí (UESPI). Professora tutora do Curso Semipresencial de Licenciatura em Pedagogia da
Universidade Estadual do Ceará (UECE/UAB).
E-mail: patt_batista@hotmail.com

PAULO CÉSAR DA SILVA BATISTA


Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professor da Rede Municipal de
Fortaleza. Membro do grupo de pesquisa Matemática e Ensino (MAES).
E-mail: paulocesarsb35@gmail.com

PRISCILA XIMENES MOREIRA


Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada
em Engenharia de Alimentos (UFC) e Tecnologia em Gastronomia pelo IFCE, Campus Baturité.
Atualmente, atua como servidora técnica do curso de Tecnologia em Gastronomia e Professora do
curso de Especialização em Ciência de Alimentos, no IFCE, campus Baturité.
E-mail: priscilaximenes@ifce.edu.br

RITA OLIVEIRA DE CARVALHO


Mestre em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em
Psicopedagogia pela Faculdades Integradas de Patos (FIP). Graduada em Pedagogia pela
Universidade Regional do Cariri (URCA).
E-mail: rythaolicarvalho@yahoo.com.br

ROBÉRIA VIEIRA BARRETO GOMES


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Educação pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialização em Psicopedagogia. Graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora adjunta da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Foi coordenadora do Programa de Especialização em AEE. Atualmente
está exercendo a função de docente na Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenadora de
projetos de extensão Pedagogia Hospitalar e Política de educação especial e inclusiva.
E-mail: aee.roberia@gmail.com

ROSANI DE LIMA DOMICIANO


Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Psicopedagogia
pela Faculdades Integradas de Patos (FIP). Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional do
Cariri (URCA). Professora Efetiva do IFCE - campus Iguatu.
E-mail: rosani.lima.rl@gmail.com

Sumário ISBN 978-85-000


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 14

SARA DE ARAÚJO MATEUS


Tradutora Intérprete da Língua Brasileira de Sinais- Libras/Português da Assembleia Legislativa do
Ceará- ALEC. Bacharelanda em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC/IFCE).
E-mail: saraaraujo-2009@hotmail.com

SILENE CERDEIRA SILVINO DA SILVA


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Especialista em Alfabetização de Crianças e graduada em Pedagogia também pela UECE. Professora
Assistente do Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA).
Coordenadora do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/URCA), subprojeto de
Pedagogia, no período de 2018-2020. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação, Trabalho e
Formação de Professores (GEPET/URCA), que compõe o Núcleo de Estudos e Pesquisas
Pedagógicas (NEP/URCA), coordenando as linhas de pesquisa de Didática da Matemática e
Alfabetização, letramento e conscientização.
E-mail: silenesilvino@gmail.com

SIRNETO VICENTE DA SILVA


Mestre em Educação e Ensino pelo Programa Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professor da Educação Básica – Redes
Municipal e Estadual.
E-mail: sirnetodh@gmail.com

TAINÁ SALMITO CRUZ DE LIMA


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) campus Itaperi.
E-mail: taina.salmito@aluno.uece.br

TÂMARA MARIA BEZERRA COSTA COELHO


Mestre em Educação pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa – Portugal. Dedica-se à
pesquisa e partilha em narração oral de histórias no Brasil e outros países. Autora de literatura para
crianças e jovens. É Contadora de Histórias sob forte influência da poética do sertão brasileiro. Atua
como formadora de narradores orais e professora do ensino superior. Integra o grupo de estudos,
pesquisas e partilhas com narrativas: Costureiras de Histórias (Ceará-Brasil). Associada da Ações &
Conexões Associação Cultural (Portugal). Coautora do documentário: Sete Histórias à Sombra do
Cajueiro, filme de caráter etnográfico.
E-mail: tamara@loop.com.br

VÍTOR MAIA SABOIA


Mestrando em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Possui graduação em
Educação Física pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialização em Educação Física
Escolar pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente é professor da Secretaria da
Educação Básica do Estado do Ceará.
E-mail: vitor_maia_saboia@hotmail.com

WELLINGTON MARTINS DA SILVA


Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professor na Prefeitura
Municipal de Maracanaú.
E-mail: wellmarts@yahoo.com.br

YASMIN FERREIRA MAIA


Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Campus Faculdade de Filosofia
Dom Aureliano Matos (FAFIDAM).
E-mail: yasminfm2011@hotmail.com

Sumário ISBN 978-85-000


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 15

PREFÁCIO

A palavra educação tem origem em dois termos latinos: educare (nutrir) e educere (conduzir
para fora). Abrange interfaces complexas entre distintas gerações, bem como a vontade de
uniformidade ou diversidade dos modos de existência. É ressignificada ao longo do tempo, com
especificidades espaciais, a partir de práticas pedagógicas cotidianas e pesquisas acadêmicas sobre
suas variadas configurações.
Atualmente, os professores-pesquisadores são convidados a debaterem sobre a educação
nacional, no passado e no presente, apontando alternativas para o futuro que se anuncia. No entanto,
imersos em disputas em torno do papel da educação, são atravessados por pessimismos e incertezas
sobre a eficácia de seus ideais. Dia após dia, pontes inovadoras são demolidas ou restringidas na
formação docente. Alargam-se os fossos e fissuras entre o que se diz e o que se faz nas políticas
públicas. Propostas salvacionistas são providenciadas com bases ideológicas conservadoras e
preconceituosas. Tudo que se refere à educação está numa vertigem sem precedentes.
Nessa tensa conjuntura histórica, o livro Educação em Debate: Política, Formação Docente
e Inovações Pedagógicas tem o propósito de despertar reflexões sobre os saberes e fazeres que
atravessam a educação brasileira, destacando os seus dilemas e potencialidades. É composto por 25
artigos, escritos por professores-pesquisadores de distintos campos do conhecimento, com múltiplas
experiências profissionais ou ainda em formação. Apesar das singularidades de cada artigo
apresentado, nota-se que o conjunto deles trazem em si temas oportunos e críticas construtivas.
O livro abrange um vasto prisma de temáticas, tais como: pensadores da educação, gestão
escolar e universitária; conteúdos disciplinares e suas problematizações; memórias e experiências
pedagógicas, trabalho e produção de conhecimentos históricos; recursos didático-pedagógicos e
instrumentais de pesquisa; Arte, sexualidade, gênero e diversidade étnico-racial. Trata de temas
polêmicos e revisões epistemológicas, com múltiplas abordagens e metodologias, além de estar
atravessado por aportes interdisciplinares, a fim de aprofundar o foco investigativo.
Parece-me que, em tempos obscuros, carecemos – urgentemente – (re)inventar as nossas
formas de ver e entender a educação. Nutrindo e externalizando proposições, o livro Educação em
Debate: Política, Formação Docente e Inovações Pedagógicas se torna um referencial de leitura
contemporânea, inserindo novos lampejos de esperança naqueles que ainda acreditam na
potencialidade transformadora da educação. É uma forma de resistência criativa. É um convite à
reflexão.

Dr. Cícero Edinaldo dos Santos

Sumário ISBN 978-85-000


PARTE I

EXPERIÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS
E DE GESTÃO ESCOLAR

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 17

DE PERTO SE VER O LONGE: NOTAS SOBRE


O ENSINO DE HISTÓRIA NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Isabelle de Luna Alencar Noronha
Kaégila Maria Vieira da Silva
Ilyara Monteiro Leite

INTRODUÇÃO

Como disciplina das séries iniciais do Ensino Fundamental, a História está presente, com
diferentes concepções, desde o início do processo de escolarização formal na História da Educação
no Brasil. No Decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 1827, encontramos que caberia à história
o dever de ensinar a ler, a escrever e a contar, utilizando, para tanto, a Constituição do Império e
História do Brasil, bem como os textos bíblicos (BITTENCOURT, 2004; BRASIL, 1997b).
No Decreto supracitado percebemos que a História carrega uma perspectiva interdisciplinar
que a articula com a Língua Portuguesa e a Matemática, embora não tenhamos conhecimento como
isso aconteceu na prática, ou como acontece hoje em dia, senão em experiências pontuais. Tal
afirmação advém do fato de que a nossa experiência como docentes e pesquisadores evidencia que o
Ensino de História tem ocorrido, na maioria das vezes, independentemente de outras disciplinas na
instituição escolar. Outra evidência que queremos chamar a atenção é que esse ensino carrega traços
do passado que o constituiu como um ensino mnemônico1, desprovido de críticas. Isso porque a
disciplina se estruturou com o objetivo de formar no país uma identidade nacional, e, dentro desses
parâmetros, bastaria conhecer os fatos e os sujeitos em seus respectivos tempos históricos. Assim, de
acordo com a concepção positivista, necessitaria desenvolver apenas a habilidade de decorar e
reproduzir com fidelidade as informações nas avaliações escolares.
Na década de 1930, por exemplo, o Ensino de História foi utilizado para ajudar a desenvolver
no país um sentimento patriótico. Assim, uma galeria de heróis e seus feitos extraordinários ganharam
as páginas dos livros didáticos e o dia a dia dos fazeres escolares com as festas cívicas, dando a essa
disciplina um caráter privilegiado à política de então. Um detalhe interessante é que essa história,
tentando construir sentimentos patriotas, era vista e concebida a partir de fora. Dessa forma é que o
“eurocentrismo” fora aplicado de maneira tão marcante que a História do Brasil se tornava apenas
um apêndice da História Universal. Fato que, segundo Fonseca (1993, p. 51), foi se modificando “[...]
à medida em que o país ‘deixa de ser ‘bárbaro’, ‘atrasado’ e começava a se organizar ‘à imagem da
Europa”. A história do Brasil, assim, passa a ser parte mais presente no currículo.
No plano da educação elementar uma prática que iniciou com os renovadores na década de
1930 foi juntar as disciplinas de História e Geografia, criando os Estudos Sociais, os quais teriam,
praticamente, os mesmos objetivos de ambas as disciplinas citadas, mas, de forma sucinta. Essa
junção, que inicialmente recebeu adesão não obrigatória de escolas e educadores, veio a se consolidar
com a Lei 5.692/1971, durante o governo compreendido como Regime Militar, que também tinha por
objetivo difundir o “amor à pátria” e desprover o ensino de seu conteúdo crítico.

1
Muito difundido no ensino de história, o método mnemônico foi proposto pelo historiador francês Ernest Lavisse, na
prática “significava saber de cor uma maior quantidade possível de história nacional” (BITTENCOURT, 2004, p. 69)
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 18

Em movimento contrário, a luta por um ensino mais crítico ligado à história social, cultural e
do cotidiano, começa a ganhar forma com as críticas da primeira geração da Escola dos Annales
(1929), contestando o positivismo, e, com as lutas de profissionais ligados, especialmente, à
Associação Nacional de História (ANPUH) e à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), que
culminaram redefinindo propostas curriculares a partir da redemocratização do Brasil nos anos de
1980.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996) e a introdução
dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997a), a História e a Geografia retomam
os seus lugares como disciplinas autônomas e com novas concepções de ensino e metodologias. Nesse
contexto, outros desafios surgem para o ensino de História, classificados por Fermiano e Santos
(2014) como: conceber o aluno como sujeito histórico; partir da realidade do aluno e ajuda-lo na
formação do pensamento crítico; educar para a construção da cidadania e da solidariedade; e, também,
trabalhar com os temas transversais.
Nos PCNs de História para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998) o eixo curricular do
primeiro ciclo é a história local e do cotidiano, e, no segundo ciclo, a história das organizações
populacionais. Percebemos um avanço no que tange ao ensino da História do Brasil e a introdução da
história local.
Nossa questão, então, para este artigo, toma forma, e perguntamos: situados em um país tão
grande e diverso, considerando que a história nacional passou por tantos entraves para ser ensinada,
tais como o “eurocentrismo”, o “encurtamento do seu tempo” com a introdução dos Estudos Sociais,
dentre outros, como fica o ensino da história local?
Gostaríamos de saber o que mudou no ensino de História a partir da localidade em que nos
concentramos, o Cariri cearense, e, também, como a história local tem sido abordada nas escolas de
Ensino Fundamental das séries iniciais.
Este artigo é o recorte de uma pesquisa que estamos desenvolvendo, na qual analisamos livros
didáticos de história, adotados em escolas públicas para o Ensino Fundamental, séries iniciais. Nossa
busca é encontrar as formas de como a história local adentra as salas de aulas, se pelos livros didáticos,
ou pelo uso de outros recursos ou se simplesmente ela não entra. Entendemos que o livro didático
ainda se configura como o recurso pedagógico mais utilizado pelo docente para as aulas de História.
No entanto, como o mesmo aborda ou incentiva o professor e o aluno ao conhecimento de suas
localidades? Esta é a pergunta que nos guia.

O CARIRI CEARENSE, UMA REGIÃO CHEIA DE HISTÓRIAS

Situando o que aludimos no título, o lugar de onde falamos é a região do Cariri cearense, assim
conhecida em virtude dos índios Kairis/Kariús que aqui habitavam A região é divulgada nos meios
de comunicação midiática como um “caldeirão cultural”, isso porque ainda temos presente, e bem
preservadas, a influência das culturas indígenas, africanas e portuguesas no nosso modo de ser, de
fazer e de conviver. É possível dizer, também, que o ambiente natural, mesmo com o crescimento
econômico-social, do qual a região tem sido alvo, ainda continua preservado, tendo a Chapada do
Araripe como representação do cenário. Assim, em meio ao semiárido, o Cariri cearense é o lugar do
verde, das fontes de águas naturais e do “Soldadinho do Araripe”, ave nativa descoberta em 1996, e
descrita em 1998 com o nome científico de Antilophia bokermanni.
O Cariri cearense se destaca no âmbito religioso com a figura enigmática do Padre Cícero
Romão Batista, que foi prefeito da cidade que ajudou a fundar, considerado como benfeitor da
pobreza, por orientar as famílias a vencer pelo trabalho e pela oração. Para tanto, o religioso
enfatizava que era preciso criar “[...] em cada sala um altar, e, em cada quintal uma oficina”. É
considerado santo popular, atraindo, desde o suposto milagre da hóstia que virou sangue na boca da
beata Maria de Araújo, milhares de romeiros durante todo o ano à cidade de Juazeiro do Norte.
No campo religioso, há que se colocar, ainda, as tradições populares, como as muitas festas
de padroeiros que acontecem em todas as cidades e vilarejos locais, dentre estas as comemorações
alusivas ao santo casamenteiro, Santo Antônio de Pádua, com o seu dia do Pau da Bandeira. A festa

Sumário ISBN 978-85-000


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 19

foi tombada como patrimônio cultural do Brasil (09/2015) pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) em 2015.
A festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio reúne muitos e diversos grupos folclóricos, tais
como: reisados; bandas cabaçais; quadrilhas, capoeiras; dança de fitas; Mateu, Catirina e bumbas meu
boi; grupos de maneiro pau; a tradicional cachaça do seu vigário e o cortejo com os carregadores do
pau.
Para os grupos citados é uma importante oportunidade de se mostrarem, de expor os seus
rituais profanos e/ou sagrados aos olhos de uma multidão de curiosos que observam, curtem, dançam
e cantam. Ao educador, no entanto, é importante lembrar que tais grupos são constituídos por famílias,
cidadãos/cidadãs comuns que trabalham, estudam e, à noite (em horas vagas), conseguem, nos
terreiros, brincar, socializar saberes e fazeres, manter viva a memória de um passado que não viveram,
mas, que aprenderam a respeitar pela história e pelas tradições.
Assim, considerando o livro didático um artefato cultural e genérico, como é possível
encontrar essas histórias em suas páginas? Mesmo sem encontra-las, estará o professor preparado
para identificar, em sua sala de aula, quem participa de grupos folclóricos? Ou, propor rodas de
conversas entre alunos e integrantes dos grupos? Estudar a cultura e histórias locais?
A capoeira, por exemplo, segundo Lacerda et. al. (2015), está presente em todos os cantos do
Brasil e em mais de 150 países. Tem reconhecida relevância histórica, cultural e educacional, sendo
tombada como patrimônio histórico imaterial pelo IPHAN. A capoeira é pouco encontrada nas
páginas dos livros didáticos, e, quando aparece, é tratada de forma superficial. Porém, é preciso
reconhecer que, se o aluno a pratica, ou a conhece, se faz ela parte do seu convívio, vai ficar mais
fácil partir dela para entender o processo de colonização das Américas, dentre outros conteúdos
históricos. Além do que, tal atitude docente contribui para a autoestima e o fortalecimento dos grupos.
Além disso, a Lei Federal 10.639/2003, sancionada pelo então presidente Lula, determina a
inclusão do estudo da “História e Cultura Afro-Brasileira” nas redes de ensino brasileiras. As
manifestações afro-brasileiras, marginalizadas ou silenciadas na cultura escolar, tornaram-se
parte integrante dos currículos escolares. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), por sua vez, determina que este conteúdo seja trabalhado nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio, sobretudo nas áreas de Educação Artística, Literatura e História
Brasileiras (LACERDA et. al., 2015, p. 78-79).

Este é apenas um exemplo de como a história local pode se imbricar aos conteúdos
curriculares do livro didático e ajudar na formação da cidadania para a construção de um mundo mais
igualitário.
A julgar pela quantidade de grupos folclóricos anteriormente citados, é possível perceber o
quanto a região do Cariri cearense é rica no sentido de oferecer subsídios para o ensino da histórica
local e do cotidiano, e que, agindo assim, o docente estará, também, cumprindo o que pede a Base
Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) que coloca como uma das habilidades a serem
desenvolvidas no ensino fundamental:
Identificar e comparar pontos de vista em relação a eventos significativos do local em que
vive, aspectos relacionados a condições sociais e à presença de diferentes grupos sociais e
culturais, com especial destaque para as culturas africanas, indígenas e de migrantes
(BRASIL, 2018, p.361).

O rico ambiente cultural e natural do Cariri cearense propicia os estudos históricos,


paleontológicos e arqueológicos, dentre outros. Assim, é que, segundo Nuvens (2008, p. 9) a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), após detalhados
estudos, conferiu “[...] a uma parte significativa da Bacia Sedimentar do Araripe, o status de Geopark
Nacional, o que levou a inclusão deste contexto como um dos componentes da rede global de
Geoparks Nacionais”
O Geopark se define pelas seguintes características: “[...] ter limites bem definidos, possuir
um significativo número de sítios com importância científica, geológica e paleontológica, além de

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 20

valores ecológicos, paisagísticos, históricos e culturais” (NUVENS, 2008, p. 16). A região do Cariri
abriga a Floresta Nacional do Araripe (FLONA), a primeira do Brasil, criada por decreto em 1945
(ALENCAR, 2008), e dela advém a riqueza ambiental da região, com sua fauna e flora, e uma grande
quantidade de fontes de águas naturais. É importante salientar que o envolvimento da História com a
educação ambiental deve promover o desenvolvimento de ações, conhecimentos, atitudes e
habilidades que possam fazer refletir e aprimorar uma relação de boa qualidade entre o homem e a
preservação ambiental.
A FLONA, em suas matas, esconde pinturas rupestres e formações rochosas, das quais
emanam contos, mitos e lendas que exprimem as concepções de mundos compartilhadas ao longo
dos tempos pela oralidade.
A Fundação Casa Grande (FCG), situada na cidade de Nova Olinda, abriga o Memorial do
Homem Kariri, e, junto com os estudos arqueológicos que realiza, salvaguarda e socializa o
patrimônio material e imaterial, tal como as lendas, os mitos e os contos da região do Cariri cearense.
Importante salientar o protagonismo infantil e juvenil da supracitada Fundação, posto que em
seu interior as crianças e jovens da comunidade local é que cuidam, organizam e recebem os visitantes
dos museus, atuando como guias e administradores. Para tanto, dispõem, além do museu, de uma
rádio comunitária, teatro, biblioteca, DVDteca, editora, espaço para recreação, laboratório para as
pesquisas paleontológicas, tudo dialogando com o espaço em que a FCG está incluída.
O Memorial do Homem Kariri é um dos principais museus da região do Cariri cearense, de
reconhecimento internacional, e, ainda, um dos únicos lugares em que se é possível conhecer um
pouco da história dos índios kariris.
Engendrada no cenário turístico do Cariri cearense, que engloba história, religiosidade, festas
populares, poetas populares, riquezas ecológicas, paleontológicas e arqueológicas, parques
temáticos, dentre outros valores materiais e imateriais, percebemos que, observando os
projetos desenvolvidos, os arquivos de textos e documentários feitos, a experiência
educacional da FCG trabalha substancialmente com a cultura local sem abdicar dos
conhecimentos globais. (ALENCAR, 2008, p.135).

Voltamos ao tema deste artigo, “de perto se ver o longe”: é assim que os meninos e meninas
da FCG ganham o mundo, trocando experiências com pessoas de lugares longínquos sem abdicarem
de suas identidades.
Trazemos, então, os museus, lugares onde a educação patrimonial está presente. Neles é
possível um contato maior com o passado em suas cores, formas e objetos. Outro museu de relevante
importância na região é o Museu de Paleontologia, situado na cidade de Santana do Cariri, lá
acontecem estudos paleontológicos. O referido museu reúne mais de sete mil peças de fósseis dos
períodos geológicos, como o jurássico e o cretáceo, com cerca 100 e 145 milhões de anos. Também
possuem como guias os jovens da comunidade local, os quais recebem uma bolsa como incentivo e
participam das atividades promovidas pelo museu. São jovens que encontram, nesse contexto,
oportunidades de crescimento intelectual. No Museu de Paleontologia se pode observar réplicas de
seres vivos que habitaram o nosso planeta antes da existência do homem.
Há, ainda, na cidade de Assaré, o Memorial de Patativa do Assaré, em homenagem ao poeta
popular Antônio Gonçalves da Silva, cuja obra tem grande destaque na cultura cearense. Como
exemplo, citamos, dentre outras, a poesia Triste Partida, que, musicalizada e eternizada na voz do
cantor e compositor Luiz Gonzaga, ganhou o mundo narrando a saga de uma família nordestina
fugindo da seca para as terras do sul. Citamos, também, na vizinha região do Cariri pernambucano,
cidade de Exú, o Museu do Gonzagão, que guarda e socializa a obra de Luiz Gonzaga, O Rei do
Baião. Poetas importantes que, cantando as suas terras, ganharam o mundo e promoveram o
desenvolvimento local.
É preciso salientar que a realização da prática educativa em museus deve ser pensada e
organizada pelo professor de História, ou, de forma interdisciplinar, por um conjunto de professores.
O roteiro de observação e a definição de objetivos que se quer alcançar são fundamentais. Assim, é
que:

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 21

Conhecer o passado de modo crítico significa, antes de tudo, viver o tempo presente como
mudança, como algo que não era, que está sendo e que pode ser diferente. Mostrando relações
historicamente fundamentadas entre objetos atuais e de outros tempos, o museu ganha
substância educativa, pois são construídas relações entre o que passou, o que está passando
e o que pode passar (RAMOS, 2004, p. 7)

Há museus e/ou espaços históricos educativos em todas as cidades do Cariri cearense


compreendemos, no entanto, que esses ainda são pouco explorados por nossas escolas de Educação
Básica. Tal compreensão advém de nossa prática como professora e alunas, como, também, de
pesquisas realizadas em seis escolas da rede municipal localizadas na cidade de Crato (aplicação de
questionários), do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental, séries iniciais. Os dados
demonstram que não há uma prática efetiva de visita a museus pelas escolas. Outro ponto apresentado
foi quanto ao formato e ao modelo das aulas de História que têm o tempo médio de uma aula de duas
horas por semana. Chama a atenção o fato de que para os professores, o tempo das aulas destinadas
ao ensino de História é suficiente. Do total de seis, apenas um professor relatou ser insuficiente. Esse
quadro nos levou ao seguinte questionamento: estarão os professores não considerando o ensino de
História como fundamental na construção e formação para a cidadania?
Quando o questionário indagou sobre como acontecem as aulas de História, todos fizeram, de
uma forma geral, referência ao uso de recursos diversos para além dos livros didáticos (que é de uso
contínuo), tais como: filmes, jogos, trabalhos em grupos, histórias lúdicas, mapas, desenhos, dentre
outros. O que consideramos bastante positivo, posto que os recursos citados pelos professores abrem
possibilidades múltiplas de ações que, na atual concepção metodológica para o ensino de história,
buscam a formação de um pensamento crítico-reflexivo, permitindo aos alunos uma visão dialógica
com os conteúdos históricos abordados.
Quando indagadas sobre a história local não encontramos nas respostas nenhuma referência a
aulas de campo, apenas um docente citou que trabalha a História do Padre Cícero, e, outro professor,
que trabalha a história do Município: fundação, emancipação política, pontos turísticos, etc., quando
de seu aniversário. Outro, ainda, enfatizou que procura conciliar os conteúdos valorizando a cultura
local, fazendo, assim, o uso da interdisciplinaridade.
A pesquisa também buscou ouvir alunos/as (do primeiro ao quinto ano das mesmas escolas),
com amostra de dois a três alunos/as por sala de aula. As respostas à questão “o que é História para
você?” foram de forma não idênticas, mas, praticamente, de igual teor: que a “História é algo do
passado”; “são as coisas antigas”; “é uma matéria escolar”; etc. Nesse sentido, é válido lembrar que,
segundo a BNCC (BRASIL, 2018,): “Todo conhecimento sobre o passado é também um
conhecimento do presente elaborado por distintos sujeitos [...]”, e acrescenta que as relações
passado/presente não se processam automaticamente (p. 347). Nesse sentido é que o professor deve
sempre trabalhar com as temporalidades, relacionando-as. O museu, dentre outros, pode ser um bom
espaço para tal estudo. Assim, conhecer e indagar as peças, perceber as mudanças e as permanências,
estabelecer relações no tempo com os seus modos de uso, são alguns, dentre outros aspectos, a serem
explorados.
Dentre as respostas mais bem elaboradas encontramos: “história para mim é um conjunto de
conhecimentos de vida social de muitos povos que viveram em tempos e lugares distantes”. Boa parte
dos alunos que responderam à questão compreende a história como uma “matéria escolar” e, também,
como aquela “em que se faz atividade”. Fomos percebendo, então, que as respostas nos levam a uma
história que ainda valoriza o exercício e as tarefas para fixar conteúdos, sendo considerada uma
disciplina que estuda o distante.
Todos os alunos que responderam colocaram que acham a matéria “boa e legal”, enfatizando
que “tiram notas boas”. Essas afirmações nos levam a inúmeras indagações: matéria boa seria aquela
que não se cobra muito, até pela exiguidade de seu tempo no currículo? Matéria boa é a que traz
muitas histórias que conseguem envolver a turma? Matéria boa tem a ver com a empatia do docente?
Essas são indagações reflexivas. O nosso interesse com a aplicação dos questionários foi discutirmos
com alunos/as do curso de Pedagogia como acontece o ensino de História no Ensino Fundamental,
séries iniciais, e, assim, problematizarmos e teorizarmos a prática para melhor compreendê-la
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 22

Para finalizar, identificamos, neste texto, muitos elementos da história do Cariri cearense que
poderiam/deveriam ser abordados em aulas de História, mesmo sem os livros didáticos trazerem tais
conteúdos, isso porque os mesmos não são produzidos para um único lugar. O que os livros didáticos
trazem, por vezes, são indicações de como o professor deve agir para trabalhar com o local.
Assim, para este artigo, apresentamos algumas formas de exploração da história da região do
Cariri cearense. Ressaltamos que, dentre os objetivos do ensino de História para o Ensino
Fundamental, séries iniciais, está a construção da identidade do sujeito, o “eu”, o reconhecimento do
“outro” e a coletividade do “nós”, a partir do contexto social local. Isso traz a história local para centro
dos objetivos a serem atingidos no ensino: o desenvolvimento da noção de cidadania; o conhecimento
e a vivência de valores humanos; o reconhecimento e o respeito à diversidade; e a efetivação dos
cinco processos propostos pela BNCC (identificação, comparação, contextualização, interpretação e
análise). Nesse âmbito, a construção da identificação com o lugar em que se vive para, a partir desse
lugar, ganhar o mundo em novos conhecimentos, culturas, saberes e fazeres.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Isabelle de Luna. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e
interfaces com a educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008 (Dissertação Mestrado, 270f)
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004
(Coleção Docência em Formação. Série Ensino Fundamental / coordenação Antônio Joaquim Severino, Selma Garrido
Pimenta)
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.393, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros
curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997a.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História, Geografia. Brasília:
MEC/SEF,1997b.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: MEC /SEF,
1998.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular: educação é a
base. Brasília, Distrito Federal, 2018.
FERMIANO, Maria Belintane; SANTOS, Adriane Santarosa dos. Ensino de História para os Fundamental I, Teoria e
Prática. São Paulo: Contexto, 2014.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. 6 ed. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho
Pedagógico). Campinas, SP: Papirus, 1993.
LACERDA, Aroldo Dias [et al]. Patrimônio Cultural, em oficinas: Atividades em contextos escolares. 1 ed. Belo
Horizonte, MG: Fino Traço, 2015.
NUVENS, Plácido Cidade. Apresentação. In: COSTA FILHO (org.) O Geopark Araripe. Crato. Edições URCA,
2008.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. Museu, Ensino de História e Sociedade de Consumo. Fortaleza: Museu do Ceará
/Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2004.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 23

A NECESSIDADE DE APRENDER A APREENDER -


RELATOS SOBRE A PRÁTICA EDUCATIVA
Luiza Batista de Jesus
Helena Ferreira Duarte
Lúcia Helena de Brito

INTRODUÇÃO

O artigo apresenta uma reflexão acerca da prática docente sob o ponto de vista da construção
dialógica da práxis educativa no âmbito da pedagogia dialética. Nossa reflexão parte da experiencia
como educadoras/professoras ao observamos o desenvolvimento do ato de ensinar e aprender, na sala
de aula da educação fundamental de uma escola localizada no município de Iguatu, Ceará. Propomos
um olhar para a prática docente a partir do pensamento crítico presente na pedagogia dialética, no
legado deixado por Paulo Freire (2018), quando este afirma a necessidade do educador ser educado
enquanto educa.
A importância de o educador organizar a sua prática educativa a fim de incluir nela momentos
para observar as ações, conversas, atitudes, comportamentos, concepções de vida da comunidade de
educandos, etc., é fundamental para que se conheça a realidade dos educandos, os desafios que estes
enfrentam e as perspectivas que constroem no âmbito do dinamismo social no qual estão inseridos.
A preocupação central é a de que o educador na sua práxis pedagógica faça do ato de ensinar uma
ação dialógica visando a percepção do sentido do conhecimento, por parte do educando. Por
considerarmos a importância da perspectiva dialógica no processo formativo é que ressaltamos a
necessidade de “aprender para apreender”.
Assim, dialogamos com os educadores da escola observada, em suas práticas pedagógicas,
pois, ao enfatizarmos aqui a relevância da observação das ações dos educandos como princípio
educativo para o educador, é por entendermos que conhecer as características sociais, culturais,
familiar e psicossociais a influenciarem na formação dos alunos, interfere no processo de ensino e
aprendizagem. Como afirma Farias (2014, p. 91), “[...] é no processo de trabalho que surge a
necessidade de avaliar os comportamentos humanos”. Para a autora, o espaço escolar é, de modo
específico, um espaço de formação humana que se efetua na relação entre os educandos e os
educadores.
Essa relação como processo formativo, muitas vezes, passa despercebida pelo educador, e, na
dinâmica de seu cotidiano de trabalho, não é valorizada. O educador/professor já se sente tão ocupado
em atividades referentes às funções que desempenha na escola que a observação pedagógica fica
comprometida pelo cansaço, deixando o professor de perceber a dimensão pedagógica contida nas
relações cotidianas da escola inclusive quando estas se dão nos momentos recreativos.
Consideramos assim o quão relevante é observar as atitudes das crianças, principalmente nas
suas brincadeiras e momentos de recreação, uma vez que a prática educativa dos docentes possibilita
estimular e cultuar novas experiências. Não desprezamos aqui os componentes que cercam o espaço
escolar inserido na lógica de mercado, própria do sistema capitalista. Todavia, enfatizamos o papel
do educador e sua responsabilidade como sujeito histórico em refletir sobre sua prática tendo em vista
o pensar criticamente sobre a realidade imbuído da consciência de poder transformá-la. A construção
da mentalidade de seus educandos é parte norteadora de todo processo formativo, e,
consequentemente, influenciará na percepção dos educandos, eles mesmos como sujeitos na

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 24

sociedade. A formação conscientizadora tem na educação e, precisamente, na sala de aula, um espaço


profícuo proporcionando momentos de interação e aprendizagem mútua.
O artigo que ora apresentamos limita-se, pois, a uma reflexão acerca da experiencia a partir
de uma realidade concreta, pesquisada no período de 2014 a 2017, a fim de compreendermos a
importância de observar os educandos, seus comportamentos, e outros aspectos da subjetividade,
como elementos importantes para a prática docente. Expressa uma reflexão acerca da experiência
docente nas primeiras etapas do ensino fundamental, por abranger uma faixa etária entre cinco e seis
anos de idade, período de idade propício a iniciativas e criatividade do educando no ato de
aprendizagem, no brincar e na criação de brincadeiras. Torna-se, então, central para a preparação
docente, durante a realização de suas atividades na sala de aula, o ato de observar e colher elementos
do cotidiano escolar, para compor o planejamento de suas atividades pedagógicas.
Objetivamos lançar luzes para compreendermos a importância de o educador observar e
analisar as ações e brincadeiras dos educandos no ensino fundamental como estratégia de conhecer a
realidade social, financeira, cultural, familiar e política dos alunos, para melhor planejar a dinâmica
de suas aulas, a fim de relacionar as diferentes realidades encontradas, com os conteúdos curriculares
a serem trabalhados e as exigências institucionais. Sendo assim, partimos da premissa de que é
fundamental para a apreensão dos conhecimentos pelos educandos nessa fase da aprendizagem a
criação de laços afetivos entre os educadores e os educandos. Elementos como a empatia e outros
com dimensões da subjetividade estão presentes no ato de ensinar e aprender, e, em variadas situações
pedagógicas, servem à organização da prática educativa no intuito de contribuir com a construção do
processo de humanização do homem, de ética e de valores humanos.

A NECESSIDADE DE APRENDER A APREENDER COMO FUNDAMENTO DA PRÁTICA


DOCENTE

A educação como princípio formador é uma atividade essencialmente humana, pois envolve
trocas, produção e reprodução de saberes e experiências oriundos da vida cotidiana. Além disso,
envolve um conjunto de práticas que regem a vida no espaço social, cultural, histórico e político. “A
educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2018, p. 96), que ultrapassa a ideia de
transmissão de conhecimentos historicamente acumulados, para a formação de características
individuais e coletivas. É “[...] a fé na educação e a crença no que se pode fazer na escola” que
impulsiona a sua perpetuação, através das gerações, enfatiza Brandão (1986, p. 9), ao acrescentar
elementos da subjetividade humana à prática educativa.
Alguns saberes da prática pedagógica são construídos no cotidiano das experiências com os
educandos e o corpo escolar. Não há uma fórmula mágica e/ou uma preparação definitiva para essa
função. Aprendemos que a experiência do educador é construída diariamente diante dos inúmeros
desafios encontrados na comunidade escolar, nas relações com os educandos, a coordenação, o corpo
docente, os pais dos alunos e a comunidade como um todo, fazendo-se necessário que elementos
presentes nessas relações se tornem objetos da ação educativa e sua relação com a práxis pedagógica.
No ato de refletir a sua prática, Farias (2014, p. 91), defende que “[...] o professor evidencia a
natureza crítico-reflexiva de sua ação”, buscando estratégias para resolver os problemas encontrados
em sua ação pedagógica. Esta postura evidencia a preocupação com o sujeito que está em formação,
ao considerar sobretudo a formação como um processo contínuo. Assim, há a compreensão da
educação em sentido mais amplo que o espaço escolar, figurativo da sala de aula. A educação é
considerada em suas variadas dimensões da formação - orientação científica, psicológica, ética,
formação para a vida, etc., e envolve todos os aspetos da vida social, coletiva e individual. Paulo
Freire (1983, p. 57) reforça esta dimensão da educação para além do espaço escolar ao perceber que
“[...] a reflexão, se realmente reflexão, conduz a prática”, está investida de mudança.
Assim, necessitamos aprender a apreender o sentido do conhecimento tomando como
referência os momentos cotidianos de interação e troca de experiências, que muitas das vezes revelam
o significado educativo enraizado em concepções morais e éticas de extensão social. Como enfatiza
Farias (2014, p.107) “[...] a prática educativa, como intencional e sistemática, precisa ser organizada

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previamente, o que se concretiza por meio do planejamento das ações didáticas e pedagógicas da
escola”. A autora sugere serem as ações didáticas e pedagógicas formas de organizar conhecimentos
e saberes que não necessariamente se restringem, em suas origens e objetivos, ao espaço de sala de
aula. O educador pode utilizar os diversos momentos do aluno na escola para analisar sua postura
social.
A dimensão ética da docência, portanto, se sustenta no fato de esta profissão estar voltada
para a formação de outras pessoas, prática que reclama reflexão crítica constante sobre seu
significado e implicações no conjunto de valores necessários ao convívio em sociedade.
(FARIAS, 2014, p. 89).

Desta forma, o ato de planejar a rotina e o tempo das aulas costuma ser oportuno para se pensar
em articular atividades que permitam ao educador conhecer o desenvolvimento da aprendizagem de
seus alunos. A rotina da sala de aula precisa ser organizada estrategicamente a fim de aproximar
afetivamente a relação professor-aluno, pois o ato de “[...] ensinar pressupõe saberes a aprender”
Farias (2014, p. 93), tanto para os educandos quanto para os docentes.
A ideia não é sobrecarregar os educadores com múltiplas atividades no espaço escolar,
preenchendo seu tempo de trabalho - o tempo dedicado à sala de aula, tempo de planejamento, e
tempo dedicado ao intervalo entre aulas. A intenção educativa é munir-se de um olhar crítico ao
observar as ações dos seus alunos, em momentos do processo educativo que, muitas vezes não
compõem a organização pedagógica dos conteúdos, a exemplo dos momentos de intervalo entre aulas
e/ou de recreação, ou mesmo em sala, no decorrer da aula. A depreciação e desvalorização desses
momentos no cotidiano escolar talvez seja culturalmente reforçada pelo fato do não reconhecimento
do valor científico que tais momentos possuem para a formação do aluno.
Torna-se necessário o questionamento pedagógico-reflexivo-prático, ou seja, partir da
realidade concreta constituída de elementos de experiências partilhadas com os sujeitos envolvidos
no processo educativo, percorrendo o caminho da ação-reflexão-ação (FARIAS, 2014).
Observamos o diálogo como instrumento de objetivação das emoções e conhecimentos,
aproximar educador-aluno na partilha de experiências e reconhecimento do outro como sujeito
humano, propício ao erro e ao acerto. Como afirma Paulo Freire (1983, p. 93), “[...] o diálogo é este
encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, na relação eu-
tu.” É dialogando que nos entendemos, que conhecemos o outro; ação essencial no ato de quem ousa
educar. Nesse sentido, “[..] a práxis [...] é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-
lo” (FREIRE, 1983, p. 40). No ato da reflexão da nossa prática pedagógica encontramos os meios
facilitadores da aprendizagem visando a transformação dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem.
Qualquer pensar consciente do educador sobre o seu trabalho, só pode ser o pensar crítico
que reveja e renove a sua prática todos os dias. Porque, além do mais, este exercício
pedagógico que é fazer a crítica política da educação, é a nossa maior responsabilidade.
(BRANDÃO, 1986, p. 74).

Primeiramente, o educador muda sua consciência acerca das circunstâncias que permeiam sua
prática, transcende o discurso de puro ativismo ou de que alunos “indisciplinados” são incapazes de
aprender, como bem nos ensina Paulo Freire:
É imprescindível, portanto, que a escola instigue constantemente a curiosidade do educando
em vez de “amaciá-la” ou “domesticá-la”. [...] que o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência no mundo e não apenas o de recebedor da que lhe
seja transferida pelo professor. (FREIRE, 2018, p. 121, grifos do autor).

Em segundo plano, é mister que o educador reflita a modificar estratégias de ação que incluem
desde o planejamento de suas aulas até a organização das disciplinas e dos conteúdos. Um produtivo
planejamento das aulas tem como fim aproximar o aluno do conhecimento e vice-versa,
discriminando as ferramentas para sua efetivação. O educador adquire a consciência da não existência

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da neutralidade de suas ações e de seus educandos, de que tudo tem suas consequências, bem como
de que o processo não é algo decorrente de fatalidades, mas é essencialmente construído.
Segundo Nosella e Buffa (2009, p. 35), “A instituição escolar não é uma realidade homogênea,
fixa no tempo; ao contrário, supõe uma grande diversidade de trajetórias de alunos”, na qual o desafio
é aprender a respeitar as diversidades, valorizando suas peculiaridades. É uma trajetória contínua, que
exige do educador muita sabedoria para lidar com todas essas diversidades.
Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem progressivamente vai alcançando alunos
e educadores, na compreensão de sua historicidade, de sua transitoriedade e mudanças apreendidas e
compreendidas, na perspectiva da acumulação e da produção do conhecimento, nas partilha do
entendimento de que “[...] somos: professores, trabalhadores do ensino e sujeitos politicamente
comprometidos, não apenas com a educação, mas com toda a sociedade, através da educação”
(BRANDÃO, 1986, p. 78, grifo do autor).
Como salienta Freire (1986), se faz necessário, por parte dos educadores, não pensar sua
prática pedagógica como algo estagnado, fragmentada em muitas partes individuais, cada qual com
suas características individualizadas, entre as quais os conteúdos, os objetivos, os métodos, os
recursos, as atividades, a avaliação, pois todas as etapas do ato de educar e de ensinar e aprender o
processo formativo do sujeito.

O COTIDIANO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA – CONSIDERAÇÕES SOBRE O


TEMPO E AS TAREFAS NO ATO DE ENSINAR

Nossa reflexão baseia-se na descrição do cotidiano de uma escola a partir do nosso olhar de
professoras e educadoras sobre a experiencia/vivencia do ato de ensinar e aprender. São algumas
experiencias que expressam de aprendizado na carreira docente, especificamente no ensino
fundamental, muitas vezes não valorizada, mas essencial para aqueles que estão em formação ou
desejam aprimorar a sua prática docente, e, como afirma Brandão, consideram
[...] a esperança da pratica de uma nova educação que, de algum modo, aponte para um novo
mundo, e que comece, portanto, por reinventar essa própria pratica pedagógica, através de
incluir o sentido de uma verdadeira luta política dentro de um verdadeiro trabalho do
educador. (BRANDÃO, 1986, p. 09).

Ao adentrarmos na escola foco desta experiencia a primeira etapa do ato educativo é a acolhida
dos alunos, que ocorre com músicas, brincadeiras em grupos, rodas de conversas nas quais
solicitamos para as crianças que desenhem fatos importantes de suas vidas pessoais, promovendo,
por meio desse instrumento, a socialização entre os alunos. O foco pedagógico nesta atividade é
cultivar valores socialmente aceitos e/ou existentes, como mediação de sociabilidade. Analisamos
que as crianças demonstram satisfação em compartilhar acontecimentos importantes de suas vidas
Algumas das atividades educativas são preparadas para serem realizadas em casa. Vale
ressaltar que a correção da atividade enviada para casa é por nós considerado um momento que tem
por finalidade verificar se as crianças estão recebendo a assistência familiar para a execução de sua
tarefa escolar, visto que é um momento de aprimorar saberes aprendidos na sala de aula e em casa.
Essa estratégia é para nós um meio de observarmos as relações familiares e os valores aí
estabelecidos, e percebermos como esses fatores influenciam no desenvolvimento do educando em
suas expressões na sala de aula ao lidar com o conhecimento e a partilha de suas vivencias com seus
colegas de sala.
Percebemos que no âmbito escolar ainda há uma fragilidade no uso dessas observações e a
presença ou não da família no assessoramento do educando em suas atividades realizadas em casa
ainda é visto apenas como uma função da família separada da escola, ficando aí a dimensão afetiva e
sua importância no desenvolvimento dos educandos do ensino fundamental um fator sem importância
pedagógica. O professor lida com esse fato de modo isolado, pois não percebemos uma sistemática
pedagógica na escola conduzida por um projeto pedagógico que considere a afetividade como um
fator fundamental e facilitador para o desenvolvimento dos educandos.
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O momento do intervalo dos educandos, destinado para lanchar, ir ao banheiro, tomar água e
recrear, são singulares em suas possíveis experiências, pois o que parece ser desestímulo (pelos
inúmeros desafios que surgem) à observação para fins de conhecer a realidade dos educandos e trazer
essas observações para a reflexão pedagógica e/ou como conteúdo a ser trabalhado a partir das
vivencias partilhadas ali; é um laboratório vivo de experiências significativas, tanto para os
educandos, pois têm como legado a construção de sua identidade, personalidade, quanto para os
educadores/professores que consideram a importância do brincar no processo de aprendizagem.
As brincadeiras desenvolvidas pelas crianças ultrapassam a nossa imaginação em sua
fundamentação científica, entre as mais comuns estão o correr, o pega-pega, a amarelinha, polícia-
ladrão, pique-esconde, estátua, batatinha frita, dentre outras. Além disso, cantam músicas infantis,
reproduzem as relações familiares e situações da sala de aula por meio da imitação do comportamento
das pessoas adultas.
Algumas atividades esportivas se diferenciam quanto ao gênero, sendo destinado o futebol e
futsal para os meninos e danças para as meninas. Nessa abordagem, analisamos a assimilação de
padrões de comportamentos e atitudes a definirem o que é ou não aceito como “natural” ou “normal”
pelo grupo e pela sociedade. Isso gera preconceitos e impede o exercício da identificação de cada um,
porém, promove a percepção de que há uma discriminação de atividades “femininas” e “masculina”,
são trabalhados conteúdos diversificados, como a linguagem, e a socialização, por meio da troca de
experiências, bem como a formulação de argumentam e a observação de coisas antes despercebidas.
O educador necessita ter a ousadia e enfrentar o desafio de aprender diariamente, ser receptivo
aos saberes trazidos pelos educandos de suas vivências cotidianas para o espaço de sala de aula, bem
como aprender a pesquisar novas estratégias do fazer docente. Por outro lado, precisam ter domínio
científico do conteúdo a ser abordado.
No estudo das disciplinas como Português, Matemática, Ciências, Geografia, História, Inglês
e Artes, conhecimentos científicos e culturais, defendidos pela nossa sociedade como essenciais,
tornam-se fundamentais para a compreensão da realidade do educando, com uso da criatividade do
educador em fornecer material concreto com inúmeras possibilidades, compreendendo, como
esclarece Gramsci (2011), que a criança tem necessidade de dominar tais saberes, como a dialética
de conhecer sua historicidade e atuar sobre sua vida.
Diagnosticamos que as crianças assimilam melhor os conteúdos estudados por meio do
brincar, pois esta ação possibilita a aprendizagem de outros fatores que estão associados ao jogo,
como, por exemplo, a assimilação de regras, desenvolvimento de raciocínio lógico, entre outros.
Aprendemos que a prática docente é uma forma de experimentar momentos de aprender brincando,
como forma de se obter do educando a atenção e a concentração necessárias à aprendizagem e ao
desenvolvimento emocional, construindo um alicerce entre o brincar e o saber científico, a fim de
facilitar a assimilação dos conteúdos propostos.
O final da aula é propício para o incentivo de brincadeiras em grupos e individuais, com uso
de brinquedos infantis e massinhas de modelar, deixando-os livres para criarem objetos, animais e
reproduzirem as relações sociais, como o relacionamento familiar e a conjuntura de sala de aula, ao
representarem situações e personagens, simulando diálogos e assim, abordando temas vivenciados no
dia e na sala de aula.
Uma experiência apreendida com a prática docente, no espaço escolar, foi a necessidade do
educador ser coerente e ético na sua prática educativa, como Freire (2018, p. 101) nos diz “[...] a
coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço”, pois diariamente o educando observa, analisa
e reproduz as atitudes do educador, tomando como exemplo para suas ações em diferentes espaços
sociais. espaços sociais.
É necessário o professor inovar na sua forma de organizar e executar a dinâmica educativa,
procurando refletir e aperfeiçoar suas ações como forma de estar em constante aprimoramento de sua
didática. Na mesma linha de raciocínio, o docente deve compreender a relação entre a teoria e prática,
como também a relação entre os pressupostos científicos que articulam seu fazer. Assim, “[...] esse
entendimento exige do profissional de ensino a percepção do conhecimento como produto das
interações dos sujeitos” (FARIAS, 2014, p.169).

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A educação institucionalizada necessita ser, mais do que nunca, praticada como ação que
motiva a prática da liberdade, como nos alertou Paulo Freire (1986). Durante o tempo em que nos
dedicamos ao ensino e à observação do cotidiano escolar e seus sujeitos, aprendemos a necessidade
de reunir as dimensões da aprendizagem (conteúdo e forma) para transformar o ato educativo numa
práxis, contida de uma pedagogia dialética que subentende a interatividade e conscientização do
educando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cotidiano na sala de aula necessita ser um espaço onde professores e alunos aprendam
juntos. Ao educador cabe refletir acerca da sua práxis pedagógica, numa perspectiva dialética, que
possa aproximar a realidade do educando do sentido do conhecimento traduzido nos conteúdos
curriculares. O ato de educar proporciona a criação de estratégias de ensino visando a realização da
aprendizagem no sentido mesmo da apreensão do conhecimento e de saberes relativos à formação da
autonomia do educando, como sujeito no mundo.
A necessidade de aprender a apreender diz respeito a todos nós educadores pelo fato de ser
esta uma necessidade fundante de todo processo formativo, humanizador, ético e transformador,
tendo a autonomia e a emancipação como norte. Isso nos impele a refletir sobre a nossa prática
pedagógica, pois requer um olhar diferenciado para os educandos, considerando-se que a realidade
dos educandos indica elementos mediadores de sentido para a aprendizagem e a conscientização de
que tanto tematizou Paulo Freire (2018;1986;1983).
O educador que analisa reflexivamente as situações do dia a dia e utiliza elementos colhidos
no cotidiano escolar ao observar os alunos em diversificadas situações e vivencias, desenvolve
condições de aprendizagem mais propícias ao processo de apreensão do conhecimento pelos alunos,
que passam a incorporar novos saberes quando são interpelados pelos desafios cotidianos, e a
formularem entendimentos sobre o mundo.
A relação pedagógica, reconhecendo os princípios educativos que os seus educandos refletem,
tende a promover, a longo prazo, uma transformação na sua prática docente, em processos formativos
visando a construção do conhecimento para a emancipação humana e, portanto, libertação das
subjetividades, como a apontar a educação para a liberdade, no sentido da construção da autonomia
do educando.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos R. Vida ou Morte? Esperança ou Desespero?. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). O educador:
vida e morte. 7 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
______. Refletir, discutir, propor: as dimensões de militância intelectual que há no educador. In: BRANDÃO, Carlos
R. (Org.). O educador: vida e morte. 7 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
COUTINHO, Carlos Nelson (Org.) O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011.
FARIAS, Isabel Maria S. de. (et. al). Didática e docência: aprendendo a profissão. Brasília: Liber livro, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 57 ed. Rio de Janeiro/São Paulo:
Paz e terra, 2018.
______. Educação. O sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). O educador: vida e morte. 7 ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1986.
______. Pedagogia do Oprimido. 13 ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1983.
NOSELLA, Paolo; BUFFA, Ester. Instituições escolares: por que e como pesquisar. Campinas, SP: Editora Alínea,
2009.

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LITERATURA E EDUCAÇÃO INFANTIL: DIÁLOGOS


POSSÍVEIS NA FORMAÇÃO DOCENTE
Silene Cerdeira Silvino da Silva
Tâmara Maria Bezerra Costa Coelho
Luiz Carlos Carvalho Siqueira
Maria Anália Pereira dos Santos

PRIMEIRAS PALAVRAS: ERA UMA VEZ UM CONTADOR DE HISTÓRIAS

Num campo de muitas águas. Os buritis faziam alteza, com suas vassouras de
flores. Só um capim de vereda, que doidava de ser verde – verde, verde,
verdeal. Sob oculto, nesses verdes, um riachinho se explicava: com a água
ciririca – "Sou riacho que nunca seca..." – de verdade, não secava. Aquele
riachinho residia tudo. Lugar aquele não tinha pedacinhos. A lá era a casa do
Boi. (ROSA, 1956, p. 278).

Começamos nossa caminhada da alteza dos buritis, revelada na história do Vaqueiro Menino
com o Boi Bonito, contada por velho Camilo, um contador de histórias da tradição oral. Trata-se de
um personagem/narrador de uma das obras de Guimarães Rosa, em que histórias são contadas dentro
da história. Na novela Uma estória de amor (ROSA, 1956), o autor apresenta contadores de histórias
e cantadores de cantigas, oferecendo ao leitor minúcias a respeito dos desempenhos desses
personagens. Ao descrever a capacidade narrativa do velho Camilo, quando apresenta ambiente,
imagens e cores, Rosa (1956) aponta a força visual da narração.
O velho contador de história desenovela o conto de tal maneira que faz com que todos “vejam”
o riacho, quem sabe até “ouçam” o marulhar das suas águas. A capacidade narrativa do velho Camilo
é tão envolvente que os personagens/ouvintes “veem” tudo; e nós, os leitores de Guimarães Rosa, que
também nos presentificamos nesse duplo ambiente narrativo, da mesma forma que os personagens,
conseguimos ouvir o riacho e ver a alteza dos buritis.
É comum encontrarmos argumentos que evidenciam a importância da literatura para a
educação, seja ela oral ou escrita. Esse discurso é banhado por um vasto contingente de autores que
vêm abordando e mobilizando debates em torno da relevância das narrativas literárias em contextos
educativos. A maioria desses debates aborda, principalmente, o viés pedagógico e utilitário imposto
às histórias, lidas e/ou contadas de memória; em contraposição à sua importância artística e
possibilidades de favorecer um espírito crítico nos leitores/ouvintes.
As discussões em relação ao potencial da Literatura, enquanto elemento de formação,
ampliam-se, principalmente, quando suscitam dimensões filosóficas e epistemológicas, que
certamente contemplam o universo desse produto da cultura humana, que, por sua vez, ocupa
sociedades e contextos educativos, mesmo aqueles que antecedem a criação da instituição escolar. A
própria história nos mostra que “[...] o processo de aprender por meio de histórias e parábolas é uma
estratégia arquimilenar [...]” (MACHADO 2015, p. 32).
Diante de tal relevância, a tônica principal da proposta reflexiva, que aqui apresentamos, é
lançar um olhar específico para a literatura na prática pedagógica da Educação Infantil. Como
paisagem inicial de referência para origem deste artigo, tivemos uma pesquisa desenvolvida por uma
estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia da URCA - Universidade Regional do Cariri, para
seu TCC - Trabalho de Conclusão do Curso no primeiro semestre de 2019. A referida pesquisa teve

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como objetivo “analisar a percepção dos estudantes de Pedagogia sobre a literatura infantil na sua
atuação docente” (SANTOS, 2019, p. 7).
Para tanto, realizou-se um estudo de campo de abordagem qualitativo exploratório, por meio
da aplicação de questionários com estudantes que já tivessem atuando como professores da Educação
Infantil, por no mínimo dois anos, bem como estar cursando os dois últimos semestres do Curso de
Licenciatura em Pedagogia. Tais critérios de inclusão dos participantes da pesquisa decorrem de uma
característica marcante da região do Cariri cearense1, a qual os estudantes dos últimos semestres são
constantemente contratados por escolas privadas ou públicas para atuarem como auxiliares ou
professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mesmo sem supracitada
titulação. Assim, foram encontrados onze estudantes que se encontravam no perfil traçado para a
concretização da pesquisa.
Por meio da busca por compreender a percepção das estudantes que responderam ao
questionário, uma série de reflexões se fizeram presentes ao longo da investigação, reflexões estas
que atravessavam sua formação com as narrativas literárias, bem como a coerência das práticas
pedagógicas realizadas com esses textos literários, a partir do seu contributo e para além da formação
de leitores, ampliando o nosso olhar para os pressupostos de uma formação humana e o fomento do
interesse pelas narrativas literárias na Educação Infantil.
Na percepção das onze estudantes que responderam ao questionário, foi visto também os
desafios que ainda precisam ser vencidos para a condução do trabalho com a literatura na sua atuação
docente, como: a falta de recursos materiais com acervo literário limitado e a necessidade de um
processo de formação que contemple os saberes necessários à sua prática, pois todas apontaram que
ao longo da sua trajetória no curso de Pedagogia, em nenhum semestre tiveram uma disciplina
específica sobre Literatura Infantil. Foi apontado que somente em algumas disciplinas que cursavam
destacou-se a importância da literatura para desenvolvimento da criança.
Além disso, observou-se que as estudantes entrevistadas identificaram, de certo modo, que há
uma necessidade de formação para o docente atuar, mas não conseguiram identificar a dimensão
humana como o principal escopo desses saberes oriundos da Literatura Infantil, porque essa lógica
demanda um processo de formação que quebre paradigmas e amplie o olhar para o vasto mundo de
possibilidades com esta temática.
Dessa forma, inspirados pelo olhar da pesquisa realizada como TCC e pelas vozes da
percepção sobre a literatura infantil das estudantes participantes da pesquisa, este estudo busca
ampliar o coro dessa longínqua discussão para situar a literatura para crianças como conteúdo da
Educação Infantil, que possa preferencialmente ser identificado enquanto produto cultural produzido
pelo ser humano, em direção a outros seres humanos e à própria humanidade.
Assim como Coelho (1997, p. 24), entendemos que Literatura é, antes de tudo, arte:
“fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática; o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização”. A partir
desse argumento, podemos seguir para a compreensão de que os textos literários, orais ou escritos,
criados ou adaptados para o que seria o universo infantil, falam das singularidades humanas,
pertencem ao grande acervo dessa humanidade, que vem acumulando narrativas literárias desde o
princípio da sua existência.

NARRATIVAS LITERÁRIAS: A ARTE DA PALAVRA E DA COMPLEXIDADE HUMANA

As histórias nasceram na oralidade, há milênios os textos da tradição oral são narrados em voz
alta por um sujeito a um grupo ou a um único ouvinte. O movimento sonoro da narração de histórias
configura-se numa prática humana, existente desde o princípio dos tempos, no seio de famílias,
1
Essa microrregião também é chamada de Território da Cidadania do Cariri e se localiza ao sul do Estado do Ceará,
abrangendo um total de 28 municípios, que são: Abaiara, Barbalha, Caririaçu, Crato, Farias Brito, Granjeiro, Jardim,
Juazeiro do Norte, Missão Velha, Várzea, Aurora, Barro, Brejo Santo, Jati, Mauriti, Milagres, Penaforte, Porteiras,
Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Nova Olinda, Potengi, Salitre, Santana do Cariri, Tarrafas.
Ela faz fronteira com os Estados brasileiros de Piauí, Pernambuco e Paraíba (BRASIL, 2010).
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grupos e sociedades. Sendo uma atividade social por natureza, podemos considerar a experiência com
as narrativas literárias como um movimento de socialização, educação e vínculo, que marca a história
da humanidade.
Contar e ouvir histórias permanece como um costume comum, mesmo que sem a assiduidade
e recorrência da ancestralidade. Amadou Hampâté Bâ (2010), africano e estudioso da cultura do
continente original, enfatiza em sua obra o lugar significativo ocupado pela oralidade para a
constituição humana:
[...] os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o cérebro dos homens. Antes de
colocar seus pensamentos no papel, o escritor ou estudioso mantém um diálogo secreto
consigo mesmo. Antes de escrever um relato, o homem recorda os fatos tais como lhe foram
narrados ou, no caso de experiência própria, tais como ele mesmo os narra. (HAMPÂTÉ BÂ,
2010, p. 168)

Na perspectiva desse ser humano que narra, podemos avançar para a compreensão dessas
narrativas em contextos educativos, principalmente por sua capacidade de estabelecer vínculos,
passar conhecimento, valorizar culturas e preservar identidades. Firmados em saber que a literatura
nasceu na oralidade, compreendemos a razão pela qual sua gênese oral permanece marcada,
perpetuando-se como elemento da própria condição humana. A esse respeito, o educador brasileiro
Paulo Freire (2002) enfatiza que “[…] não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2002, p. 78).
O argumento do educador favorece nossa compreensão de que a constituição do homem é
feita pela palavra, pela comunicação, portanto, faz-se necessário lembrar que esse homem, produtor
e transmissor de conhecimento, costumes e valores, permanece fazendo uso de textos orais em seus
contextos comunicativos e formativos. Ao longo da sua vida e em todas as suas inter-relações vem
comunicando-se, partilhando sentimentos, conhecimentos e experiências cotidianas, por meio de
histórias. Dessa compreensão nasce o termo Literatura Oral.

[...] todas as sociedades de tradição escrita foram, em um momento de sua história,


sociedades de tradição oral. Os homens falaram antes de escrever (a melhor prova disso está
em que se estuda o nascimento da escrita) e organizam sua sociedade em função da fala. Mas
esses “vestígios” testemunham também o fato de que todas as sociedades de tradição escrita
conservam uma parte de oralidade, e que essa parte não é, não pode ser considerada como
um corpus fóssil. (CALVET, 2011, p. 140)

Se as histórias nasceram na oralidade, a palavra é um significativo recurso de preservação da


existência humana. Mesmo depois do advento da escrita, em que os textos foram passando da
oralidade para o papel, a fala permaneceu como conteúdo dessa formação humana. Sabemos que nos
contextos atuais os textos escritos ocupam um lugar quase exclusivo da partilha literária, porém,
durante muito tempo, foram narrados apenas oralmente.
Uma das questões que podemos levantar a partir dessa premissa é a escassez de um trabalho
com os textos da tradição oral nos contextos educativos, seja na educação de crianças, seja como
conteúdo de formação de professores. Mesmo diante de um vasto estudo a esse respeito e contando
com o trabalho de nomes como Câmara Cascudo (2012), Sílvio Romero (2013), Teófilo Braga (1985),
Adolfo Coelho (2001), raramente encontramos abordagens que contemplem textos da tradição oral
nos trabalhos com literatura. Tratando-se de uma marca histórica do povo, o texto da tradição oral
deve ser contemplado e reconhecido enquanto literatura, e vale salientar que se torna um equívoco
apontar as práticas de oralidade literária pertencentes exclusivamente ao passado, como sendo esse
corpus fóssil, já que, até hoje, contamos e ouvimos histórias.
As histórias permanecem sendo contadas cotidianamente. Permanecem vivas nos mais
diversos contextos da sociedade atual. E é possível, inclusive, observarmos que a prática de contar
histórias vem ganhando novas vozes, novos contornos e novas dimensões no recém-chegado século
XXI.

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[...] se por um lado os velhos contadores tradicionais estão desaparecendo porque nas
comunidades rurais a televisão ocupa implacavelmente seu lugar, nos grandes centros
urbanos a quantidade de pessoas que se dedicam a essa arte está crescendo. (MACHADO,
2015, p. 33)

Ao identificarmos a recente ampliação desse lugar da narrativa, seguimos em busca por


compreender esses novos contornos, a partir da presença da literatura nos diversos contextos da
sociedade, em particular, no caso da nossa abordagem, a sua presença e permanência na escola,
enquanto instrumento para formar leitores. Percebemos que o debate mais recorrente defende a
importância desse texto literário, não só carregado de ensinamentos, mas de que forma é capaz de
contribuir com a formação humana, já que essas narrativas, orais e escritas, apresentam-nos e revelam
o mundo, a alma dos seres humanos, seus desejos e medos mais profundos, ou seja, ele aborda
características exclusivas da condição humana.

LITERATURA INFANTIL E FORMAÇÃO DOCENTE: UM DIÁLOGO COMPLEXO E


AFETIVO

No universo da formação de professores, é comum o discurso a respeito da importância e


relevância da literatura e da formação do leitor literário, enquanto abordagem significativa para os
diversos contextos da educação. Historicamente, o texto literário, principalmente depois do
alargamento de sua publicação e socialização, passou a ser identificado como uma produção cultural
diretamente associada ao desenvolvimento socioeconômico de grupos e sociedades; portanto, vem
ocupando lugar hegemônico, enquanto produtor de saber e condutor de informação, estando presente
de forma cada vez mais significativa no contexto escolar.
As histórias têm uma longa história na cultura humana. São tão importantes que chegaram à
escola, e lá convivem com a poesia, com o teatro e com as várias modalidades de texto que passam
pela sala de aula, seja oral ou escrito (LAJOLO, 2005). No contexto da educação brasileira, diversos
projetos educacionais privilegiam o texto literário como instrumento de formação, realizando
mediação de leitura e disponibilizando publicações em bibliotecas, salas de leitura e até mesmo
acervos em salas de aula. Essas ações ganharam maior corpo nas três últimas décadas e que podemos
considerar um significativo avanço, principalmente para instituições públicas, que também passaram
a contar com essas ações afirmativas, em direção à promoção da leitura e literatura.
“A obra literária é um objeto social. Para que ela exista, é preciso que alguém a escreva e que
outro alguém a leia. Ela só existe enquanto obra neste intercâmbio social” (LAJOLO, 1993, p. 16).
Porém, sabemos que essa perspectiva de perceber a obra literária como elo social não é amplamente
favorecida nos contextos escolares. Constantemente atribui-se uma função mais utilitária para a
literatura, ou seja, normalmente ela está a serviço de conteúdos curriculares.
Reafirmar o fomento a programas educativos e sociais para dinamização de acervos, como
também realizar ações que busquem práticas exitosas com o texto literário, seja em sala de aula ou
em outros espaços de formação, exige a compreensão de que a narrativa literária é produto da cultura
humana, portanto, conteúdo de formação desse sujeito humano. Para tanto, faz-se necessário que o
processo de formação possa contribuir para ampliação do olhar desse professor ou professora, já que
sua própria trajetória enquanto estudante de qualquer segmento não foi capaz de favorecer essa lógica.
O universo literário é justamente um complexo conjunto que tece as singularidades humanas
e, assim, nos aponta seu extremo potencial formador. Se debruçarmos nosso olhar enquanto
educadores que recorremos à literatura em nossos contextos de atuação, podemos considerar que
comumente ela não vem sendo explorada em sua principal potência formadora. Atuar,
intencionalmente, em busca da sua apreensão estética do texto literário, da sua dimensão subjetiva e
das relações afetivas que circundam os sujeitos envolvidos nessas experiências, deveria ser o principal
objetivo de um trabalho com essa linguagem da arte.
Dessa forma, fazemos um alerta para que a escola possa romper com a função que
historicamente vem atribuindo à literatura, que, de forma recorrente, explora os textos quase que

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 33

exclusivamente como instrumento para o ensino da língua materna ou para impor abordagens que
atendam a conteúdos atitudinais, ou ainda com o objetivo de ampliar conteúdos escolares e/ou
conquistar comportamentos desejados, especialmente no segmento da Educação Infantil (CÂNDIDO,
1995, p. 256). Nessa faixa etária, como as crianças encontram-se em processo de desenvolvimento
das habilidades com os textos escritos, a literatura ocupa um lugar de destaque, principalmente com
a função de contribuir com conteúdos específicos da escola.

Ainda é difícil para pais e professores compreender a diferença entre livros para crianças
(informativos, educativos) e literatura para crianças. Alguns livros informativos são de
excelente qualidade e podem ser úteis em atividades pedagógicas, mas não são literatura
infantil. Qual adulto leitor suporta ler somente livros técnicos? (ACIOLI, 2006)

A pergunta da escritora nos provoca a quebrar esses modelos já postos, fazendo-nos perceber
a urgência em ressignificarmos o tratamento dado à literatura, o que não é impeditivo de
promovermos diálogos entre essa literatura e outros saberes, principalmente no trabalho da Educação
Infantil, justamente por consequência desse apelo didático presente nos trabalhos com o livro infantil,
aqui já identificado. Urge cada vez mais a dar continuidade à nossa jornada reflexiva, à busca por
aspectos pedagógicos que envolvam a formação docente para identificar os conceitos que
fundamentam sua prática, também do ponto de vista didático-metodológico, para alcançarem a
necessidade de romper com um trabalho literário afastado das possibilidades de privilegiar espaços
de fruição e deleito com essas obras.
A nossa questão que se segue é se os educadores identificam a dimensão humana como o
principal escopo desses saberes, se eles entendem que a literatura contribui para a formação da
personalidade, para o desenvolvimento estético e crítico da criança, sobre seus próprios valores, bem
como da sociedade a qual pertence (PAIVA, 2010, p.41). O questionamento, que ao mesmo tempo
se faz argumento, remete-nos à compreensão de que a jornada de formação pedagógica desse
educador que atua com crianças da Educação Infantil necessita apresentar contextos formativos para
que o universo literário, em todas as suas dimensões, também faça sentido para ele.

É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes, como a tristeza, a
raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a tranquilidade, e
tantas outras mais, e viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as
ouve – com toda amplitude, significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar...
Pois é ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário. (ABRAMOVICH, 1993, p. 43)

Ao mergulharmos no convite feito pela autora para que possamos “viver profundamente o que
as narrativas nos provocam”, em contraponto à forma utilitária e equivocada com que essas mesmas
narrativas têm sido tratadas na escola, reencontramos a obra de Edgar Morin (2005, p. 60), que nos
convida a romper com os processos historicamente vigentes na educação escolar, o qual apresenta os
saberes desassociados, principalmente quando separa, de forma evidente, o que seria o saber
científico da formação humana como um todo, ou seja, de suas inter-relações pessoais, emocionais e
sociais.
O pensamento, que divide a educação em saberes departamentalizados produzidos pela lógica
cartesiana, é fortemente combatido pelo autor, que questiona uma educação que separa cognição de
emoção, afirma tratar-se de uma lógica que nos apresenta o conhecimento de forma fragmentada, em
partes separadas de um todo, e dessa forma nos afasta do que ele identifica como conhecimento
global. Identificamos tais aspectos no cotidiano escolar, porém, raramente estabelecemos uma
reflexão a partir dessa lógica da complexidade. Somos capazes de ver, entretanto, temos dificuldades
para enxergar e/ou criticar que essa separação do saber, historicamente constituído, acaba por adquirir
a invisibilidade das coisas que cotidianamente estão no mesmo lugar.
Seria essa a razão pela qual a literatura, quando não massacrada de forma utilitária, é vista na
escola como mais apropriada apenas para os eventos? Seria essa a lógica que faz com que não só as

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 34

obras literárias, mas também outras linguagens da arte sejam desvalorizadas diante da sua capacidade
producente de saber?
Se considerarmos que a Literatura pode ser a escola do entendimento sobre a complexidade
humana (MORIN, 2005), como educadores não podemos apresentá-la afastada de tudo o que está no
entorno da existência humana, na sua relação com tudo o que é e está presente nesse mundo complexo
em que vivemos. Reafirmar a importância da leitura e favorecer o acesso aos textos de literatura
infantil, sejam eles orais ou escritos, permanece como um importante discurso para a formação do
professor em formação ou que já exerce seu ofício. Além disso, nosso chamado é para que possamos
pensar a Literatura a partir de princípios que envolvam cognição, emoção, estética e criatividade. A
compreensão desses princípios deve fazer parte das atribuições do saber e da ação docente.

VITÓRIA, VITÓRIA, AINDA NÃO ACABOU ESSA HISTÓRIA

O trocadilho com os dizeres de despedida de uma sessão de contos, comumente usados por
contadores de histórias, aponta para a necessidade de continuarmos com essa jornada de busca, pois
desejamos que as considerações apresentadas aqui suscitem o início de outros diálogos, para
elaboração de novas histórias de investigação.
Acreditamos que, talvez, a reflexão mais importante que apresentamos no decorrer destas
linhas até aqui escritas é o reconhecimento de que as narrativas literárias, sejam orais ou escritas, são
um nicho de possibilidades formativas e informativas, banhadas de subjetividade humana, e quanto
mais vasto o contato com essa diversidade de narrativas, mais condições as crianças terão de enfrentar
o mundo de forma consciente, crítica, empática e humanitária. As crianças, desde a Educação Infantil,
devem ter acesso aos livros, aos textos literários na sua inteireza, enfatizando a importância do aqui
e agora, permitindo que a criança exista hoje, em suas singularidades enquanto ser, sem se prender
na possibilidade de poder ser útil, ou não, para o que virá no porvir, porque essa criança imagina e
pensa no hoje, quando escuta uma história.
Dessa forma, faz sentido que a ação docente amplie as possibilidades de diálogos para além
da relação utilitária da Literatura, quase que exclusivamente utilizada nas escolas para a compreensão
de habilidades nas diferentes áreas do conhecimento, como leitura, produção de texto, saberes da
matemática, da história, geografia e outras, ou ainda, para ensinar e mostrar aspectos moralizantes,
determinando como a criança deve ou não se comportar.
A Literatura na escola deve ser para fruição, para provocar as mais diversas sensações, ampliar
as possibilidades imaginativas e criativas, para apreciar a constituição estética de um texto escrito,
parafraseando o poeta Manoel de Barros, ao afirmar que aprendeu a “gostar do equilíbrio sonoro das
frases. Gostar quase do cheiro das letras”. O sábio poeta nos motiva a produzir imagens e construir
paisagens na imaginação das crianças, na leitura e escuta de uma história.
Portanto, a provocação que aqui apresentamos é que o docente da Educação Infantil possa
apresentar as narrativas literárias para ampliar possibilidades de seu acesso e contato, para assim
promover o interesse das crianças, construir pontes com os demais saberes contemplados na escola e
buscar as pontes da Literatura para a apreensão estética e formação humana.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1993.
ACIOLI, Socorro. A complexa literatura infantil. Jornal O Povo. Fortaleza, 25 fev. 2006.
BÂ, Amadou Hanpâté. A Tradição Viva. In: KI-ZERBO, joseph. História geral da África, I: Metodologia e pré-
história da África. DF: UNESCO, 2010.
BRAGA, Theóphilo. O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições. I, Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1985.
CALVET, Louis-Jean. Tradição oral e tradição escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
CÂNDIDO, Antonio. O direito à literatura. In:Vários escritos. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
CASCUDO, Luiz da Câmara. Literatura Oral no Brasil. São Paulo: Editora Global, 2012.

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_______. Contos Tradicionais do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ EDUSP, 1986.
COELHO, Adolfo. Contos Populares Portugueses. Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática. 7. ed. São Paulo: Ática, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2002.
LAJOLO, Marisa. A narrativa na literatura para crianças e jovens. In: BRASIL. Ministério da Educação. A narrativa
na literatura de crianças e jovens. Brasília: MEC, 2005. (Coleção Salto para o futuro, n. 21).
MACHADO, Regina. A arte da palavra e da escuta. São Paulo: Editora Reviravolta, 2015.
MORIN, Edgard. Os sete saberes necessários à educação do futuro.10ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2005.
PAIVA, Aparecida et al. Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2010.
ROMERO, Silvio. Contos Populares do Brasil. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2013.
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. Corpo de Baile. 1 vol . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
SANTOS, Maria Anália Pereira dos. As percepções dos estudantes de pedagogia sobre a literatura infantil na sua
atuação docente. Crato: URCA, 2019. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia. Universidade Regional do
Cariri, 2019.

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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A DIVERSIDADE: O PAPEL


DO(A) EDUCADOR(A) NA DESCONSTRUÇÃO DE
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Marileuda Lopes da Silva
Jarles Lopes de Medeiros1

INTRODUÇÃO

Partindo do pressuposto de que a sociedade determina estereótipos de gênero desde o


nascimento do indivíduo, os quais perpassarão toda a sua existência, e a criança, inserida no meio
social, abarca tais determinações, faz-se necessário um olhar mais preciso sobre as repercussões
desses estereótipos na Educação Infantil.
É objetivo do estudo contribuir para o debate em torno do papel da professora diante da
problemática posta a partir das relações de gênero na Educação Infantil. O desafio consiste em
apresentar uma discussão que se alinhe aos discursos e práticas que primem pela equidade entre o ser
masculino e o ser feminino, respeitando as diferentes formas de ser homem e de ser mulher, ainda no
universo infantil, com a possibilidade de contribuir para a efetivação de práticas de valores e de
respeito entre os sujeitos envolvidos no processo, sobretudo a criança. Buscou-se compreender a
função do(a) educador(a) na formação da identidade de gênero, assim como entender como os
estereótipos impostos pela sociedade interferem nas relações escolares e sociais.
Questionamos qual deve ser a postura do(a) professor(a) diante das relações de gênero no
ambiente escolar, e quais os reflexos que isso implica à vida em sociedade. Buscou-se realizar uma
análise acerca dos comportamentos pré-determinados que são propagados naturalmente, de acordo
com a cultura dos indivíduos, e que contribuem para o surgimento de um ambiente escolar segregador,
e, consequentemente, na formação de indivíduos preconceituosos.
Nessa perspectiva, pretendemos, através da discussão a que nos dispomos, contribuir para
uma educação escolar livre de visões estereotipadas e preconceituosas em relação à compreensão da
diversidade do ser humano, principalmente no que diz respeito ao gênero.
O interesse em investigar o tema surgiu a partir da experiência profissional da autora na
Educação Infantil. Inseridas em um universo escolar dividido pelas marcas do gênero feminino e
masculino, as crianças dessa modalidade de ensino convivem diariamente com os reflexos de tal
imposição, fato percebido através da fila antes de entrar na sala de aula, das cores das mesas e cadeiras
que são escolhidas a partir do gênero — rosa para as meninas e azul para os meninos —, da indicação
de brinquedos, dos papéis nas apresentações festivas da escola e da percepção que as professoras têm
a respeito da diversidade de gênero.
Ao observarmos como essas práticas influenciam na formação de um cidadão que possa vir
a ter práticas sexistas, decidimos, então, por analisar como pequenas mudanças na rotina pedagógica
diária em sala de aula podem contribuir para a construção de um pensamento de respeito à
diversidade. Compreendemos que essa mudança de paradigma perpassa, principalmente, a visão do
professor, o qual pode colaborar para a superação de condutas machistas e sexistas e/ou reforço das
mesmas.

1
Professor orientador do artigo.
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RELAÇÕES DE GÊNERO: UM QUADRO DE VIOLÊNCIA

As relações de gênero estão na escola assim como estão na sociedade, portanto, devem ser
questionadas. Vivemos um período histórico marcado pela construção social dos papéis masculinos
e femininos que advêm da relação de poder estabelecida entre homens e mulheres. Tais diferenças,
porém, têm privilegiado os homens, na medida em que a sociedade ainda não oferece as mesmas
oportunidades de inserção social e exercício de cidadania a todos/as (PEREIRA et al, 2007).
Sabemos que as desigualdades de gênero vivenciadas no dia a dia são frutos de uma
consciência preestabelecida por nossa sociedade, que dá vazão a comportamentos preconceituosos e
de exclusão, e a criança, inserida no meio social, tende a abarcar tais comportamentos e retratá-los no
decorrer de sua vida. Diante dessa problemática, é função da escola, através do professor, oferecer
um ambiente de interação social que suscite discussões que visem à empatia e ao respeito à
diversidade dentro e fora do ambiente pedagógico.
Partimos da compreensão de que a diversidade está para além de características visíveis.
Extrapolamos essa percepção quando percebemos que as diferenças de gênero, raça, etnia e idade,
que consideramos aparente são determinantes para a construção de rótulos no ser humano, estando
também atreladas às habilidades mentais e físicas, à identidade sexual, às escolhas religiosas, aos
níveis educacionais e ao poder aquisitivo. Comprovamos nosso pensamento ao nos depararmos com
extensos escritos sobre essas temáticas que consideram o homem um ser diverso.
Dessa forma, constatamos que o olhar aparente para as diferenças tem desencadeado uma
onda de violência no Brasil. Apesar das políticas públicas, os levantes de movimentos sociais e os
debates nas academias, as estatísticas da violência de gênero alcançam números cada vez mais
crescentes, denotando o caminho inverso percorrido pela sociedade ao se propor o respeito à
diversidade de gênero em detrimento de uma cultura machista.
Embora o tema da violência de gênero tenha encontrado espaço nas mídias e nas redes sociais,
o discurso inverso ocupa os mesmos locais, recebendo, ao mesmo tempo, oposição e apoio à prática
de atrocidades contra mulheres e contra pessoas consideradas Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT)2. Entendemos como violência de gênero o que afirma
Silva (2018) ao dizer que “[...] é uma ofensa à dignidade humana; são atitudes oriundas das relações
de poder que mantém as desigualdades entre homens e mulheres e desqualifica outras diversidades e
identidades sexuais que não são ‘heteronormativas’” (p. 83).
Segundo o autor, constitui-se como violência de gênero toda forma de atrocidade, física ou
psicológica, praticada pela negação do reconhecimento da igualdade entre os gêneros e da imposição
da condição biológica de ser homem ou ser mulher. Para este trabalho, ao iniciarmos as leituras,
deparamo-nos com um universo de literaturas sobre a violência de gênero, entretanto, os escritos, em
sua maioria, ora tratavam da violência praticada contra a mulher, ora praticada contra as pessoas
LGBTs.
Salientamos que trataremos aqui da diversidade de gênero considerando gênero não como
uma diferença biológica entre homem/mulher ou masculino/feminino. Portanto, é necessária uma
análise acerca do conceito e da categoria gênero no campo das ciências humanas e sociais para as
quais os conceitos se referem à construção social a partir das diferenças percebidas entre os sexos.
Por gênero, compreende-se a condição social por meio da qual nos identificamos como
masculinos e femininos sem levar em conta exclusivamente a anatomia dos seus corpos. O gênero
não é algo que está dado, mas é construído social e culturalmente, portanto, concebe-se o mesmo
como uma categoria de dimensão relacional a qual não é exata, tampouco imutável, como propõe
Louro (1996):
[...] gênero, bem como a classe, não é uma categoria pronta e estática. Ainda que sejam de
naturezas diferentes e tenham especificidade própria, ambas as categorias partilham das
características de serem dinâmicas, de serem construídas e passíveis de transformação.

2
Neste artigo, ao falarmos em pessoas LGBTs estamos nos referindo aos diferentes grupos que compõem as variações
da sigla.
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Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente pela sociedade, mas
com referência a ambos supõe-se que os sujeitos sejam ativos e ao mesmo tempo
determinados, recebendo e respondendo às determinações e contradições sociais. Daí advém
a importância de se entender o fazer-se homem ou mulher como um processo e não como um
dado resolvido no nascimento. O masculino e o feminino são construídos através de práticas
sociais masculinizantes ou feminizantes, em consonância com as concepções de cada
sociedade. Integra essa concepção a ideia de que homens e mulheres constroem-se num
processo de relação (LOURO, 1996, p. 57)

Segundo Louro (1996), devemos analisar gênero sempre procurando estabelecer a relação
entre o masculino e o feminino como conceito e categoria histórica, buscando relacionar e analisar
criticamente acontecimentos e fatos históricos com a finalidade de compreender a função social e
política dos textos, discursos e mensagens registradas na história humana. Tal leitura nos remete a
uma discussão sobre o lugar e as práticas que as interpretações de gênero impõem às pessoas na
sociedade a partir das diferenças sexuais, necessitando serem repensadas para que se conquiste uma
educação não sexista e a favor da equidade de gênero.

GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

Repensar as diferenças sem transformá-las em desigualdades se tornou um grande desafio


dos(as) professores(as) na atualidade. O(a) educador(a) se depara com um espaço escolar dotado de
instrumentos de produção/reprodução dos valores sexistas e de instrumentos que operam através de
categorias simbólicas. Por exemplo, a ideia de que ao menino cabe ao público, às disciplinas exatas
e a um comportamento mais transgressor, ao mesmo tempo em que as meninas são relegadas ao
privado, às disciplinas humanas, devendo serem bem-comportadas. Portanto, para se pensar em
igualdade e democratização do ensino escolar, nada pode ficar alheio ao enfoque das relações de
gêneros e diversidades, desde as políticas educacionais até a trajetória de meninos e meninas. Sob
essa ótica, cabe ao educador, de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998):
No que concerne à identidade de gênero, a atitude básica é transmitir, por meio de ações e
encaminhamentos, valores de igualdade e respeito entre as pessoas de sexo diferentes e
permitir que a criança brinque com as possibilidades relacionadas tanto ao papel de homem
como ao de mulher. Isso exige uma atenção constante por parte do professor, para que não
sejam reproduzidos, nas relações com as crianças, padrões estereotipados quanto aos papéis
do homem e da mulher, como, por exemplo, que à mulher cabe cuidar da casa e dos filhos e
que ao homem cabe o sustento da família e a tomada de decisões, ou que homem não chora
e que mulher não briga (BRASIL,1998,p.41).

Segundo o documento, o professor deve transmitir aos alunos noções de valores, de igualdade
e de respeito entre as pessoas a fim de contemplar o Art.º29. A da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB (BRASIL, 1996) que diz:
Art. 29º.A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) reconhece a criança como sujeito de direitos,


garantindo-lhes o acesso à educação em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 6 anos). Portanto,
esse reconhecimento da constituição cidadã confere direitos a segmentos sociais negligenciados até
então: as mulheres, os/as negros/as, os/as indígenas, as idosas, as crianças e os adolescentes. Esses
grupos passaram a receber atenção especial, configurando o restabelecimento da ordem democrática.
Vale salientar que em relação ao estabelecido originalmente na Constituição, nos últimos dez
anos, importantes emendas constitucionais alteraram aspectos sobre a Educação Infantil. Temos
como exemplo a Emenda Constitucional nº 53/2006, com a Lei nº 11.274, a qual regulamenta que o
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Ensino Fundamental passasse a ter nove — e não oito anos de duração. Ou seja, as crianças de 6 (seis)
anos que eram atendidas na Educação Infantil passariam a frequentar o primeiro ano do Ensino
Fundamental (BRASIL, 2006).
Observamos que a Educação Infantil teve um percurso intrínseco, o qual para ser
compreendido requer um entendimento que ultrapasse a perspectiva de uma história única. Isto é, de
um processo que partiu de uma ação assistencialista para uma política educativa. Discutir a Educação
Infantil como direito da criança e de sua família é considerar todas as lutas, tanto na dimensão
ideológica quanto na dimensão econômica e social. É trazer para o debate as discussões referentes à
função da mulher e da família, a igualdades de direitos entre homens e mulheres e o direito da criança
(SCHIFINO, 2015).
No dia a dia, frases como “meninas não gritam” e “meninos não choram”, configuram
situações que facilmente encontramos no cotidiano e que são naturalizadas por grande parte das
pessoas. Notamos que são carregadas de estereótipos que reforçam o que é ser mulher e o que é ser
homem em nossa sociedade, e esses procedimentos acabam por desrespeitar a individualidade e as
preferências de cada criança.
Por esses motivos é importante se trabalhar a igualdade de gênero na escola, especialmente
com meninos e meninas da Educação Infantil. Faz-se necessária como forma de eliminar os
estereótipos relacionados aos estereótipos de gênero e, consequentemente, de prevenir situações de
discriminação sexista no futuro.
O ambiente escolar, por ser um dos primeiros espaços sociais que frequentamos longe da
presença familiar, colabora no processo de construção da identidade do sujeito e esse contato com a
diversidade cultural e social fará com que cada menino(a) descubra a si mesmo(a) como ser humano
único e perceba também o outro. É na percepção do outro que ocorre o exercício do respeito à
diversidade, permitindo a prática da compreensão que, segundo Morin (2011), deve ser cultivada no
ambiente escolar para resgatar a empatia que permite a comunicação humana, evitando a visão
unilateral na relação de gênero.

ORIENTAÇÃO SEXUAL PROPOSTAS NOS PARÂMETROS CURRICULARES


NACIONAIS

A busca pela percepção do outro e pela formação integral do indivíduo que favoreça a
emancipação do homem e/ou da mulher, além de promover uma sociedade inclusiva, proporciona o
surgimento de propostas de reformulação do sistema educacional, como, por exemplo, a Orientação
Sexual proposta nos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL,
1997).
Os PCNs foram criados em 1997 e são compostos por orientações curriculares que formam
um conjunto de documentos que apresentam as propostas de uma nova estruturação curricular para a
educação, contemplando o ensino de temas sociais, os chamados Temas Transversais, que incluem
discussões como: Ética, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Dentro
desta última temática se encontra um dos eixos norteadores da discussão deste artigo, o tópico
Relações de Gênero.
Esse eixo propõe o “questionamento de papéis rigidamente estabelecidos a homens e mulheres
na sociedade[...]” (BRASIL,1997, p.28). O texto inicia sua discussão explicando e diferenciando os
conceitos de sexo e gênero, esclarecendo que, enquanto o sexo está relacionado às características
anatômicas, os gêneros feminino e masculino são construções sociais.
Segundo Louro (1997) e Braga (2007), o termo gênero passou a ser usado com o propósito de
marcar as diferenças entre homens e mulheres, que não são apenas de ordem física e biológica. Para
as autoras, a diferença sexual anatômica não pode ser pensada de forma isolada das construções
sociais e culturais da qual fazem parte. Dessa forma:
Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os sujeitos
se fazem homem ou mulher num processo continuado, dinâmico [...]; como também nos leva

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a pensar que gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas
instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a igreja etc. são
“genereficadas”, ou seja, expressam as relações sociais de gênero). (LOURO, 1997, p. 103).

Podem-se trabalhar as relações de gênero em qualquer situação do convívio escolar. Na


Educação Infantil, estão presentes de forma nítida nas brincadeiras, no modo de realizar tarefas
escolares, enfim, nos comportamentos diferenciados de meninos e meninas. Portanto, cabe ao(à)
professor(a), atento(a) às situações, intervir de modo a combater as discriminações e questionar os
estereótipos associados ao gênero, trabalhando com as crianças, em sala de aula, o respeito ao outro
e às diferenças individuais. Dentre os objetivos que os PCN’s trazem no tema Orientação Sexual,
consta o respeito à:
[...] diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos a sexualidade,
desde que seja garantida a dignidade do ser humano; identificar e expressar seus sentimentos
e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro. (BRASIL,1997, p.91).

Vale ressaltar que a criança é um ser social cujo processo de desenvolvimento depende do
contexto sócio-histórico em que vive. A escola é um dos locais em que a criança manifesta relações
diversas, sendo um dos primeiros lugares em que os sujeitos se deparam com as diferenças, tais como
as de gênero. Trata-se de um ambiente em que as meninas e os meninos disputam/dividem espaços,
reproduzem/superam valores, entram em conflitos.
Desse modo, compreende-se a relevância de se trabalhar as diferenças sexistas no espaço
escolar. Como observa Louro (1997), a escola é um dos lugares onde os espaços são delimitados,
servindo-se de símbolos e códigos, afirmando o que cada um pode ou não fazer. Ao mesmo tempo
em que agrega, separa e institui normas, valores e crenças. Além disso:
[...] através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles (as) que deverão
ser modelos e permite, também, que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos. O
prédio escolar informa a todos (as) a sua razão de existir. Suas marcas, seus símbolos e
arranjos arquitetônicos “fazem sentido, instituem múltiplos sentidos, constituem distintos
sujeitos [...] (LOURO, 1997, p.58).
Ao mesmo tempo em que a escola reproduz preconceitos e estereótipos, também produz novas
condutas, reforçando e criando preconceitos em relação às diversidades sexuais e estereótipos de
gênero (AQUINO, 1998). Reafirmamos, por fim, que o papel do(a) professor(a) é fundamental no
processo de construção do conhecimento e desconstrução de estereótipos, uma vez que atua como
mediador(a) de afetos, crenças e valores dos(as) alunos(as), conduzindo-os(as) a uma reflexão que
possibilitará a busca da autonomia para eleger os seus valores, tomar posições e ampliar seus
universos de conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Olhar para a diversidade é constatar que as desigualdades de gênero, impostas no nosso dia a
dia, são frutos de uma consciência e paradigma já preestabelecidos, que foram construídos — e vêm
sendo mantidos — há tempos. A perpetuação dos estereótipos e, consequentemente, da violência de
gênero são alguns exemplos das repercussões da falta de preocupação com a abordagem dessas
temáticas desde a infância não só na escola, mas também na família. Urge, portanto, que na Educação
Infantil o(a) professor(a), consciente de sua função, desenvolva um senso positivo a respeito das
questões de gênero e igualdade, trabalhando ativamente para neutralizar preconceitos e reduzir danos,
contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade sem violência física e psicológica.
Dessa forma, o(a) professor(a) é um pilar necessário para a construção de uma infância
baseada no respeito, na desconstrução de paradigmas e ideias preestabelecidas. As crianças observam,
absorvem e, consequentemente, perpetuam muitos padrões, atitudes e discursos. Trabalhar a
desconstrução desses padrões na Educação Infantil é garantir que elas cresçam em segurança e se
tornem adultos(as) livres de preconceitos, compreendendo e defendendo a igualdade de gênero. Não

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se trata de uma tarefa fácil, tampouco há um manual de instrução. Portanto, cabe ao(à) orientador(a)
ficar atento às ações diárias que refletem e reforçam as desigualdades, tentando combatê-las.

REFERÊNCIAS

AQUINO, J. C. Diferenças e preconceitos na escola. Alternativas teóricas e práticas. 4ºed. São Paulo: Summus
Editorial, 1998.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988.
______. Ministério da Educação. Lei nº 9.393, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação sexual/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil /Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.
Vol.1. Brasília: MEC\SEF, 1998.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade cultural: orientação
sexual. 2 ed. Rio de Janeiro: DP e A, 2000.
______. Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29,30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9(nove) anos
para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6(seis) anos de idade, Diário Oficial da União
Brasília, 7 fevereiro 2006.
LOURO, Guacira Lopes. Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, M. J. D.; MEYER, D. E.; WALDOU, V. R,
(orgs.). Gênero e saúde. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1996.
______. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário à educação do futuro. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2011.
PEREIRA, Alice. Ambientes Virtuais de Aprendizagem: em diferentes contextos, Rio de Janeiro: Ciências Moderna
Ltda, 2007.
SCHIFINO, Reny Scifoni. Direito à creche: um estudo das lutas das mulheres operárias no municipio de Santo André.
In: FINCO, Daniela; GOBBI, Marcia Aparecida; FARIA, Ana Lucia Goulart (Orgs.). Creche e feminismos: desafios
atuais para uma educação descolonizadora. Campinas, SP: Edições Leituras Críticas; Associação de Leitura do Brasil –
ALB; Fundação Carlos Chagas, 2015.
SILVA, Claudionor Renato da Silva. Violência de gênero no Brasil e na América latina: um enfoque psicanalítico, a
produção de conhecimento e perspectivas de enfrentamento. Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 20, n. 1,
p. 80-96, jan./jun., 2018. ISSN: 2594-8385. DOI: 10.30715/rbpe.v20.n1.2018.

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INOVAÇÃO DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS: O USO DE


MEMES COMO RECURSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
Luiz Fernando de Oliveira Lopes
Alisandra Cavalcante de Almeida Fernandes

INTRODUÇÃO

Atualmente, os processos de inovação e ressignificação das práticas pedagógicas contribuem,


verdadeiramente, com a transformação dos espaços educacionais, tendência que tem chamado a
atenção de estudiosos e pesquisadores na área de Educação. Por seu caráter transformador e tendo em
vista a chegada de novas estratégias de ensino, é necessário investigar a viabilidade da utilização do
Recurso Multimodal Digital Meme (RMDM) em sala de aula, como meio de desenvolver
habilidades no campo da Língua Portuguesa.
Esse recurso digital, presente no cotidiano do brasileiro, possui inúmeras maneiras de uso,
visto que o processo de construção do “meme” está relacionado, fundamentalmente, às implicações
pessoais e sociais, além de adequar-se a diversas áreas do conhecimento. Nessa perspectiva, a
semiótica apresenta um entendimento mais aprofundado acerca das relações comunicativas
proporcionadas pelo RMDM, nesse caso, mediadas por um dispositivo digital.
O viés gerador de sentido dos memes permeia vários conceitos da semiótica, pois abrange os
signos linguísticos verbais, não verbais e o ponto de vista do criador e analista dos sentidos e, ainda,
“como se contextualizam, como se estruturam em sistemas e processos, como são emitidos,
produzidos, que efeitos podem provocar nos receptores, como são usados, que consequências podem
advir deles a curto, médio e longo prazo?” (SANTAELLA; NÖTH, 2004, p. 76).
Para facilitar a compreensão, portanto, é preciso ir às discussões que levaram ao surgimento
do termo. A definição de Dawkins (2007) é apontada como a mais integral, pois o autor faz um
paralelo singular entre meme e gene, considerando as especificidades da função desses termos.
Enquanto o gene está ligado diretamente à evolução humana, o meme, saindo do campo biológico,
relaciona-se, intimamente, com as evoluções dos processos culturais, dentre eles, os hábitos, as
práticas e os costumes.

Precisamos de um nome para o novo replicador, um nome que transmita a ideia de uma
unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. “Mimeme” provém de uma
raiz grega adequada, mas eu procuro uma palavra mais curta que soe mais ou menos como
“gene”. [...] “meme” guarda relação com “memória”, ou com a palavra francesa même.
(DAWKINS, 2007, p. 330, grifos do autor).

Embora tenha se acentuado o uso dos memes, ultimamente, é preciso equiparar os contextos
que levaram ao surgimento dessa modalidade comunicacional. Um dos principais motivadores é o
advento de mídias sociais mais dinâmicas e interativas, característica expressa no campo dos memes,
que possuem amplo potencial comunicativo. Assim, infere-se que, do século XX até os dias atuais,
os processos comunicativos vêm caminhando para evoluções mais dinâmicas e fluidas; incluindo o
meme, que perpassa questões cotidianas até críticas político-sociais.
É vital romper paradigmas acerca de práticas com o objetivo de envolver o aluno no atual
contexto escolar, entretanto, é preciso efetivar os estudos aprofundados e contextualizados, que sejam
propulsores de uma educação de qualidade.

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Evidenciamos, nesse sentido, os elementos que compõem os memes, essencialmente, a


linguagem verbal, não verbal e os demais elementos semióticos que compõem o discurso, como
vivências, cultura e as diferentes leituras que o integram.
Aspectos relacionados ao uso dessa unidade de informação têm chamado a atenção de
diversos autores, entre eles, Shifman (2014), que aborda a dinâmica cultural digital permeada pelos
memes; Santaella e Nöth (2004), que elencam as características semióticas e multimodais desse
gênero digital; além de Lendl (2018), que levanta questões acerca da multimodalidade em recursos
imagéticos, como é o caso dos memes.
Para subsidiar a discussão, na contemporaneidade, apoia-se em Freire (2013; 1987) que
contempla o papel emancipatório da educação e as relações escolares e os conceitos de práticas
colaborativas, com destaque ao contato social na construção do saber. Bakhtin (2003) demonstra,
em seus estudos, a incompletude do ser humano, enfatizando que dependemos do outro para obter
uma completude, embora, momentânea, uma vez que os conhecimentos estão em constante
mudança.
A seguir, apresenta-se uma abordagem acerca das inferências da inovação em sala de aula.

UMA NOVA SALA DE AULA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA

Um constante movimento de mudança orienta os vários setores sociais e, na Educação, os


caminhos também são orientados por essas transformações. Cortella (2006, p. 16) entende que deve
existir uma “reorientação curricular que preveja o levar em conta a realidade do aluno. Levar em
conta não significa aceitar essa realidade, mas dela partir; partir do universo do aluno para que ele
consiga compreendê-lo e modificá-lo”. Logo, deve-se conduzir os aprendentes por caminhos que se
orientem por habilidades curriculares, entretanto, partindo da realidade que circunda o contexto
social evidenciado e considerando a premissa de que “ensinar exige aceitação do novo” Freire
(2013).
Os estudos relativos à temática “meme” como recurso educacional ainda são pouco
expressivos, entre as produções científicas, apesar de sua pertinência na contextualização e inovação
de práticas pedagógicas. Atualmente, ajustam-se perspectivas de integração de recursos digitais das
mais diversas áreas, ao cotidiano escolar, a fim de torná-la habitual e atrativa aos aprendentes.
Assim, espaços democráticos são pautados em atividades baseadas nas pretensões dos grupos
assistidos e, para esclarecer melhor o funcionamento desse processo, tomamos como curso desta
pesquisa as narrativas que operam “como janelas que se abrem para a mente dos alunos, permitindo
ao professor compreender o processo individual de cada sujeito em relação à construção do
conhecimento” (RODRIGUES; ALMEIDA; VALENTE, 2017, p. 65).
O currículo é percebido como um recurso moldável - como teoriza Sacristán (2000) -, cujo
objetivo é fornecer caminhos para a aprendizagem. Em outras palavras, é preciso a incluir conteúdos
que tornem mais significativos os estudos prescritos nas etapas de aprendizado. Passamos, assim, de
uma perspectiva monomodal, apoiada, constantemente, em uma única forma de instrução, para a
contemplação de entendimentos multimodais.
Relacionado a práticas contemporâneas, o uso do RMDM tem em sua essência a
multimodalidade, ao incorporar linguagens verbais, não verbais, recursos imagéticos e vivências,
comenfoque maior na composição de sentido por meio da visualização, compreendida por Halliday
(1985), em Gramática Sistêmico-Funcional (GSM) e, posteriormente, por Kress e van Leeuwen
(2000), com estudos acerca da funcionalidade das imagens na construção dos sentidos, em
Gramática do Design Visual(GDV). Há esclarecimentos de Halliday (1985, p. 101) relativos às
abrangências gramaticais:
A gramática vai além das regras formais de correção. É um meio de representar padrões de
experiência. [...] Permite que os seres humanos construam uma imagem mental da realidade,
para fazer sentido em suas experiências do que acontece em torno deles e dentro deles
(tradução nossa).

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Nesse aspecto, o contexto educacional do século XXI é permeado de demandas,


desenvolvimento de habilidades, leituras multimodais, dentre outras competências que circundam a
era digital.
O emprego de memes como recurso pedagógico surgiu para potencializar os conhecimentos
construídos social e cotidianamente pelos alunos e a abordagem docente em sala de aula. Além,
evidentemente, de proporcionar relações adjacentes às experiências dos alunos. Dado que os memes
são imagens que retêm, em sua formação de sentido, determinantes sociais e, em grande parte,
carregam subjetividade, de acordo com a perspectiva do visualizador (KRESS; VAN LEEUWEN,
2000). A seguir, apresenta-se o caminho metodológico.

3 TRILHANDO O CAMINHO METODOLÓGICO

O estudo foi realizado em uma Instituição Federal, no Estado do Ceará, e teve como sujeitos de
pesquisa sete alunos do terceiro ano do Ensino Médio da rede estadual de educação. Os sujeitos
foram subdivididos em grupos, para facilitar a coleta das discussões com seus pares: Grupo 1 (G1)
- Alunos 1 e 2 (A1, A2); Grupo 2 (G2) - Alunos 3, 4 e 5 (A3, A4 e A5); e Grupo 3 (G3) - Alunos 6
e 7 (A6 e A7).
A coleta de dados apontou que 100% dos alunos nunca saíram reprovados. Ao serem
questionados, 71,4% afirmaram que sempre realizam a leitura de livros, revistas ou jornais, e 100%
acessam a internet todos os dias. Um total de 57,1% permanece navegando por mais de seis horas
diariamente. Cinco alunos afirmaram ter a disciplina de Português como preferência, entre os
conteúdos abordados na escola.
Como caminhos metodológicos, a etapa 1 (E1) foi dividida em três momentos: (1)
Organização e delimitação do tema; (2) Levantamento bibliográfico acerca das produções que
permeiam a concepção e o uso do RMDM em espaços educacionais; e (3) Subsídios para a coleta
de dados e as análises pelos parâmetros da pesquisa qualitativa.
Na etapa 1 ainda foi analisada a produção e feitas reflexões a respeito das interações com o
uso do diário de campo e questionários aplicados on-line.
Ao longo da oficina, etapa 2 (E2), ocorreu a coleta de dados, quando foram observados dois
momentos (M1 e M2): (M1) Teoria e prática na produção de RMDM; (M2) Aprofundamento dos
conteúdos de Português.
Na etapa 2 também constaram as reflexões e questões aplicadas e, como instrumentos de
coleta, foram utilizadas entrevistas. A seguir, o Quadro 1 traz a estrutura das coletas.
Quadro 1 - coleta de dados
Oficina Coleta Análises Instrumentos de Coleta

M1 Teoria e prática da produção do Por meio das etapas de Observação - diário de campo
RMDM produção dos memes e Questionários on-line
interações entre professor e
alunos

M2 Aprofundamento dos conteúdos Mediante interação e Entrevistas


relacionados ao RMDM reflexão dos alunos ao
produzirem as questões

Fonte: Elaboração própria.

Como base científica, Minayo (1994); Chizzotti (2003; 2006); e Feldman (2002) indicam
que a pesquisa qualitativa ressalta a relevância de aspectos coletados em situações reais do cotidiano,
buscando os dados na fonte e tendo um olhar sensível e aprofundado sobre ações e situações ocorridas
naquele momento.
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Utilizou-se a pesquisa-ação, em que o professor é o detentor da ação e, ao mesmo tempo,


observador-pesquisador, bem como o sujeito que segue as etapas de investigação, conforme a Figura
1. Para Tripp (1996; 2005), na prática, a docência usa as observações e os registros de pesquisas, a
fim de esclarecer e avançar o olhar de professor e pesquisador. Segundo Feldman (2002, p. 8), não
se pode separar o sujeito que faz do sujeito que o professor é, visto que a “pesquisa-ação está
acontecendo quando uma pessoa investiga dentro dela mesma o seu próprio ser como professor”.
Figura 1 - Representação das fases do ciclo básico da investigação-ação

Fonte: Tripp (2005, p. 446).

A seguir, apresentam-se as discussões reflexivas sobre o objeto de estudo e os resultados após


as análises.

4 INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS: AULAS DE PORTUGUÊS, DIVERSÃO E


APRENDIZAGEM

Ao longo da oficina, intitulada Português sem Neura: Descomplicando os Descritores da


Língua Portuguesa por meio dos Memes, foram coletados os dados com os sujeitos de pesquisa. A
oficina subdividiu-se em dois momentos, expostos no Quadro 2.

Quadro 2 - Ações desenvolvidas

Momentos da Oficina Abordagem do Professor Ação dos Alunos

Ação 1 (AA1) - Apresentação da Oficina - Interação sobre


Laboratório de teoria e prática - Explicação do meme como um recurso práticas e
multimodal digital metodologias ocorridas na
- Importância das imagens na escola
construção e complementação de - Produção de 15 RMDMs
sentidos - Partilha das etapas de
- Contexto e surgimento do meme e produção dos memes
apresentação dos componentes
multimodais pertencentes aos memes
- Utilização do meme como recurso
pedagógico
- Momento prático de produção de
memes

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Ação 2(AA2) - Fundamentação acerca das habilidades - Diálogo sobre o que é


Aprofundamento dos conteúdos na área de linguagens e códigos aprendido na escola
- Apresentação dos reguladores dessas - Breve relação com as
habilidades avaliações externas,
- Detalhamento dos 23 descritores de Spaece, Enem, etc.
Língua Portuguesa - Momento de
- Explanação a respeito da importância construção de dez
do processo de “faça você mesmo” (Do questões
it yourself) - Apresentação das
- Momento prático, produção de produções para os colegas,
enunciados utilizando os memes do para que assim pudessem
primeiro momento dar suas contribuições
-Por fim, entrevista aberta - Entrevista
(HAGUETTE, 1997) individual com os
participantes

Fonte: Elaboração própria.

Os alunos participaram inicialmente de um levantamento literário e reflexão sobre os


RMDMs. Foram apontadas questões relativas à construção de sentido por meio das imagens,
processo percebido como habitual, na organização social, até mesmo pelos participantes da oficina.
Ao longo da história social, cultural e política têm sido produzidos recursos semióticos por
meio dos quais atribuímos sentido às realidades interior e circundante, interagimos e criamos
os nossos textos. As necessidades sociais, culturais e políticas têm levado o homem a
procurar novas formas e tecnologias de comunicação, bem como novas teorias de
linguagem. (VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 7).

Ao serem questionados acerca dos elementos que compõem práticas inovadoras, as respostas
se relacionam. A ação docente torna-se inovadora se o “professor sair da lousa” (A6, relato oral);
com isso, percebe-se que considera inovação uma quebra da rotina, marcada pela permanência do
professor no quadro.
A rotina em sala de aula deve contemplar uma organização e não a repetição de atividades
exaustivas, bem como considerar um conjunto de acordos com os alunos, que envolva ações e
atividades em sala.
Um professor inovador representa aquele docente que “tenta chamar o aluno para estudar”
(A2, relato oral). Nota-se que, para os alunos, a demanda principal na rotina escolar são os diálogos
entre professor, aluno e conteúdo, e a correlação entre interação e inovação. Essa relação favorece,
segundo Freire (2013), uma aproximação entre professor e aluno.
Ao longo da oficina, foram produzidos ao todo quinze RDMDs, com temáticas recorrentes,
tais como: política, cotidiano, drogas, relações afetivas, medo, mas a de maior projeção, em todos
os grupos (G1, G2 e G3), foram as vivências em sala de aula, relativas à obtenção de notas.
Percebeu-se que os processos avaliativos incidiram, frequentemente, nas produções dos
alunos, talvez pelo fato de estarem imersos em espaços em que a avaliação se dá, prioritariamente,
em função de diagnosticar o que o aluno “absorveu” em determinado mês e a partir de então
atribuir-lhe uma porcentagem de aprendizado, assumindo esse processo como classificatório
(LUCKESI, 1997).
Os memes produzidos refletem: “Quando você estuda, mas tira 3,5” (G2) e revelam que,
embora o aluno tenha estudado, a nota alcançada não satisfez às suas expectativas, evidenciando uma
aflição do cotidiano escolar e processo avaliativo. Ainda foram produzidas mais quatro memes,
sobre o esforço dos discentes para atingir a nota desejada.
Apesar de não ter sido especificado, no início da oficina, um número máximo ou mínimo
de criações, cada grupo produziu cinco memes. Há, contudo, outros fatores relevantes na discussão,
em especial, este: “Quando o professor fala que você não vai ter futuro” (G3), tendo em vista que

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o meme, de certa forma, representa um estado ou relações sociais. A produção demonstra os


resquícios de uma educação ordenada pela relação opressor e oprimido (FREIRE, 1987). Embora
deva-se considerar o teor humorístico de cada RMDM.
Nos tópicos seguintes, contemplaremos as habilidades desenvolvidas no processo de
construção dos memes. Como os alunos foram divididos em duplas, houve uma dinâmica
ponderada entre colaboração e autonomia.

4.1 Desenvolvimento, aprendizagem e mudança de hábitos dos alunos

De acordo com os estudos dos discursos bakhtinianos, de Mittermeyer e Santaella (2014), o


advento das redes sociais configura-se como um novo hábito de conduta e leitura. As ações de curtir,
comentar e compartilhar tornaram-se comuns e recorrentes, no cotidiano dos usuários das redes
sociais.
Nas análises da ação AA1, percebeu-se que, ao longo das coletas, os grupos G1, G2 e G3
mantiveram-se motivados, envolvidos e atentos às informações e reflexões. Ao longo da abordagem
da teoria, todos os alunos observavam silenciosamente e, quando questionados, respondiam
rapidamente; já durante a prática, mostraram divertimento ao escolher e produzir os memes. As
atitudes mostraram que as atividades com a criação de memes motivam e envolvem os alunos.
O grupo G3, composto pelos alunos A6 e A7, em toda a etapa da produção, apresentava os
resultados ao grupo G2. Sobre essa situação, Santaella (2014) menciona o hábito de partilhar como
uma forma de expressar e divulgar informações. Nas situações de produção dos memes, registraram-
se a alegria e o orgulho em partilhar os resultados e a criatividade, ao longo da atividade.
Ainda segundo esclarece a autora, fundaram-se ações durante a oficina, mecanismos
próprios das redes sociais, mas que perpassam para as relações reais, no sentido de relações não
digitais, em que o “curtir” é uma ação com a qual o leitor indica ter aprovado a informação ou o
conhecimento publicado; “comentar” é agregar informações novas a essa aprovação; e
“compartilhar” é partilhar como divulgação a informação (SANTAELLA, 2014).
Ao serem questionados sobre a nova aprendizagem adquirida na vivência, dois alunos
afirmaram ter mudado as percepções sobre as imagens. “O meme surge com o advento de
experiências próprias do seu criador e da sociedade em que ele vive” (A4, relato oral). De fato, ao
percebermos a interdisciplinaridade que envolve as áreas do conhecimento e as possibilidades de
construção, passamos a ter “[...] ‘aprendizagem investigativa’, que trata os alunos não como
receptores de informação, mas como produtores de conhecimento” (IDEO, 2010, p. 3, grifo nosso).
O aluno, portanto, ao produzir os memes em sala de aula, reconhece que o processo se relaciona
com os aspectos culturais de seu cotidiano.

4.2 Abordagem da linguagem e do erro como processo pedagógico

Nas observações, registrou-se preocupação em construir frases nas produções de todos os


sujeitos, em especial, o grupo G1, composto pelos alunos A1 e A2, que estabeleceram uma parceria,
pois, a todo momento, o aluno A1 consultava o aluno A2, e vice-versa.
No grupo G2, ocorreu uma reflexão sobre ortografia, discutida na forma de expressar a ideia
do meme, bem como na sua tradução (inglês/português) e pontuação. Na partilha das produções
realizadas no grupo G3, pelos alunos A6 e A7, foi mantido o conflito na produção da atividade. Na
observação, registra-se o aluno A7 chamando a atenção para a pontuação e ortografia em todas as
produções.
O grupo G3 apresentou um meme com erro ortográfico; no entanto, na oportunidade, foi
abordado como parte da aquisição da aprendizagem. Embora o professor estivesse atento à
ortografia, a correção do erro foi abordada como forma de ajuda. Como resultado, a produção de
atividades envolvendo memes oportunizam o entendimento do erro como parte integrante da
aquisição da aprendizagem. “Nossa escola desqualifica o erro, atribuindo-lhe uma dimensão

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catastrófica; isso não significa que, ao revés, deva-se incentivá- lo, mas, isso sim, incorporá-lo como
uma possibilidade de se chegar a novos conhecimentos” (CORTELLA, 2006, p. 11).
Feita essa breve discussão acerca das produções, conduzimos o segundo momento da oficina,
que relacionava os memes com as habilidades a serem desenvolvidas na disciplina de Português.
Apresentamos o conteúdo programado e mediamos o processo de construção dos enunciados,
incentivando, nesses dois momentos, a autonomia dos alunos na criação dos memes, visto que “ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a produção ou a sua construção”
(FREIRE, 2013, p. 25).
A dinamicidade, nos dois momentos da oficina, ofertou aos alunos a possibilidade de
construir e, ao mesmo tempo, interagir com os colegas, consultando-os sobre propostas de melhoria
nos enunciados; erros de Português; como utilizar algumas ferramentas do editor de texto; e como
adequar o meme escolhido à proposta da questão. Adiante, serão dispostas a avaliação e futuras
investigações.

5 AVALIAÇÃO

Os alunos avaliaram a oficina respondendo a um questionário on-line. De acordo com as


análises, ao serem questionados sobre o que favoreceu a aprendizagem de cada sujeito de pesquisa,
quatro deles afirmaram que perceberam de forma efetiva aspectos relacionados às metodologias, que
tornam as aulas dinâmicas e divertidas. Um relatou a importância das imagens no processo de
aprendizagem e dois abordaram a produção criativa dos memes.
Esse dado indica que os alunos percebem as mudanças metodológicas ocasionadas pela
utilização dos memes na oficina de Português. Registrou-se, ainda, o relato da importância do
processo criativo na produção de recursos digitais como estratégia de aprendizagem em sala de aula.
Ao longo da situação, sentiram-se parte integrante e protagonistas. Ademais, perceberam a mudança
de maneira positiva, ao longo da aula.
Ao serem questionados sobre as percepções em relação à oficina, os alunos A1, A3, A5 e A7
remeteram à diversidade de metodologias que pode ser abordada em sala de aula. “Que existem várias
formas de estudar não só olhando um professor escrevendo” (A1, relato oral); “Ter uma aula mais
didática é essencial para a melhoria da aprendizagem” (A3, relato oral); “Como o meme deixa uma
aula mais divertida” (A5, relato oral); “Conhecimentos diversos através de dinâmicas utilizando
memes” (A7, relato oral). Assim, revela-se que os alunos, com o emprego de inovações nas aulas de
Português, percebem a necessidade de mudança nas metodologias utilizadas.
Os demais enfatizaram a importância em promover a criatividade no uso dos memes.
“Estimular criatividade, aprender a fazer memes e o processo de ler imagens” (A2, relato oral); “Ler
imagens, criar memes” (A4, relato oral); “Como criar memes e para que eles servem” (A6, relato
oral).
Houve confluência entre as respostas dos participantes e as devolutivas, na forma de
feedbacks, que se completam em busca de caminhos para reinventar os métodos de ensino. Vale
ressaltar que, apesar do uso cotidiano dos memes ter teor mais humorístico, os alunos teceram
produções críticas utilizando o humor como recurso coadjuvante na totalidade das criações. Além
disso, perceberam a importância de práticas semelhantes em sua escola.
Os resultados da pesquisa indicam a compreensão da dinâmica de construção dos RMDMs
como elemento valioso na composição do saber, visto que, no trajeto, foi possível desenvolver
habilidades e emitir retornos para as propostas, entendidas aqui como devolutivas sobre a
compreensão da atividade.
No decorrer da oficina, registraram-se a colaboratividade entre os pares; o diálogo; a
criatividade; utilização de recursos digitais; oratória; o uso direto dos conteúdos de Português
abordados em sala.
Verificou-se a relevância do estudo para integrar novos recursos e habilidades nos espaços
educacionais, tendo em vista que os alunos reconheceram os processos inovadores como
impulsionadores na percepção dos conteúdos da grade curricular de linguagens e códigos. Incorporar
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 49

temáticas atuais às práticas de ensino é, em suma, proporcionar espaços de aprendizagem mais


colaborativos, emancipatórios e repletos de conhecimentos interdisciplinares.
O estudo sobre a abordagem dos memes em sala de aula colabora para o desenvolvimento
das práticas educacionais em esferas mais abrangentes, fomentando a participação dos alunos de
maneira inovadora.

REFERÊNCIAS

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CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes, 2006.
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Instituto Paulo Freire, 2006.
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http://www.unix.oit.umass.edu/~afeldman/ActionResearchPapers/. Acesso em: 11 jun. 2019.
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1997.
MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria método e criatividade. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. 80 p.
MITTERMEYER, T. e SANTAELLA, L. O dialogismo do Facebook. In:
Sociotramas.Estudos multitemáticos de redes digitais. 2014.
RODRIGUES; ALMEIDA; VALENTE. Currículo, narrativas digitais e formação de professores: Experiências da
pós-graduação à escola. Revista Portuguesa de Educação, 2017, 30(1), pp. 61-83.
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set./dez. 2005 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.pdf Acesso em: 03 jun. 2019.
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 50

AS DIFICULDADES DA GESTAO ESCOLAR


Wellington Martins da Silva

INTRODUÇÃO

Consideramos que a atual conjuntura política e econômica interfere de várias perspectivas na


atuação das gestões escolares, sejam elas na esfera federal, estadual e/ou municipal. Uma vez que
temos a problemática da escassez de recursos para a educação, já a torna um obstáculo muito maior
do que os desafios diários vivenciados, sobretudo nos corredores das escolas, nos balcões de
secretarias escolares, nos atendimentos a família, ao corpo de alunos, enfim, qualquer obstáculo que
permeia o dia a dia escolar não pode ser tão complexo e dinâmico para a gestão do que a falta de
recursos financeiros destinados a tal fim.
A importância que nós estamos conferindo e se referindo, aos recursos para a escola, está no
fato de que toda uma cadeia que depende desses meios, pelos quais a maioria das atividades humanas
são satisfeitas. Numa sociedade capitalista, que a falta de recursos, a ausência de créditos, de
medidas preventivas tornam todo um processo de credibilidade, não só perante a sociedade que é
servida pela escola, mas também pelos credores, comerciantes, fornecedores que viabilizam as
transações e apoiam na execução dos serviços escolares.
O estudo em si, visa ao leitor mais atento uma reflexão sobre a importância de se ter uma
gestão transparente, proativa e eficiente, que os recursos sejam investidos para os fins desejados, mas
com a coerência, com a lisura dos processos democráticos que devem sempre existir numa gestão
íntegra e competente.
Nessa perspectiva, consideramos que é importante debatermos sobre essa temática no sentido
de que será a partir desse debate que vamos conscientizar a comunidade escolar, os gestores, enfim,
para o exercício e uma gestão dos recursos destinados a educação e os mecanismos de controle
também, de maneira eficiente.
Vale salientar que a gestão escolar é apenas um meio, lembrando que o propósito é a
aprendizagem, o conhecimento que o indivíduo tende a desenvolver no âmbito escolar. Na sociedade
contemporânea, a gestão escolar necessita ser mais proativa e participativa. A complexidade que se
exige no momento por que passamos é a causa da necessidade de dispor de gestores, recursos e
utilização mais dinâmicos no processo educacional brasileiro, uma vez que este é muito burocrático.
Evidentemente que para debatermos sobre qualquer estrutura ou forma de gestão, precisamos estar
cientes do contexto histórico-social do sistema ora vigente.
Quando se fala em autonomia, esse termo nos parece um presente, mas como ser autônomos,
se isso deve ser uma construção e não uma coisa pronta. Entendemos que a prática é difícil, mas é
possível, senão será muito melhor rasgarmos a LDB 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira) e fazer o que convier. Consideramos que a solução é partirmos para uma
construção, contando com ampla participação da comunidade escolar, na atuação, na execução do
que fazer ou realizar com os recursos que se destinam a escola. Neste contexto panorâmico,
evidenciamos que a gestão escolar, seja um meio e não um fim, uma vez que os processos precisam
estar em sintonia com os anseios da comunidade que pagam impostos, investem e trabalham para
se ter uma escola pública de qualidade.
Nosso objetivo neste artigo é discutir sobre os desafios que se apresentam na gestão escolar.
Nessa complexidade, segue o questionamento que permeia todos os escalões da educação brasileira:
porque se tiram recursos da educação, ocasionando nas gestões escolares dificuldades muito maiores

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 51

que as diárias? A legislação da educação está a favor da gestão dos recursos destinados a tal fim?
Desse modo, o presente trabalho tem como proposta de pesquisa um artigo bibliográfico que
será realizado com a contribuição de autores como, Quintas (2001), em o projeto pedagógico na
gestão democrática e Lück (1998) em a escola participativa, o trabalho do gestor escolar e a
legislação vigente, como a LDB 9.394/1996 e a própria Constituição Federal do Brasil de 1988.

OS RECURSOS DA EDUCACAO

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394, de 20 de dezembro


de 1996:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a) pré-escola; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
b) ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
c) ensino médio; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

Consideramos sobre os cortes de recursos voltados as políticas de educação, que depende da


política educacional partidária e se aplica sobre o que se está investindo e o que se está sendo
excluindo como sendo uma dinâmica da tomada de decisão ideológica e partidária.
Essa é uma decisão de governo sobre qual plano trabalhar, ou até mesmo em manter um
Estado mínimo de ações educacionais diante do crescimento e das necessidades vigentes torna-se
algo complexo e limita o crescimento da própria sociedade. Esse discurso fica mais evidente nas
campanhas políticas que os partidos políticos, através dos candidatos, são perguntados sobre as
propostas e eles devem responder de que forma serão investidos os recursos para tal política
educacional, nesse contexto, consideramos que a proposta é apenas uma projeção, mas na realidade
vivenciada por milhares de indivíduos existe a necessidade de algo concreto, fora do papel.
Nessas campanhas, os candidatos muitas vezes apresentam ideias para investir em educação
infantil, nas creches e em oferecer total apoio a primeira infância. Não significa dizer que os mesmos
irão colocar todos os seus recursos disponíveis a educação na primeira infância, iria dar prioridade,
essa política ganharia destaque, teria maiores recursos, mas as outras também disporiam de
quantidades para execução de seus planos, projetos de trabalho.
Em relação a legislação da educação, a LDB 9394 de 1996, que é a Lei que rege, ela vem
ajudar nessas conquistas e necessidades, porém a burocracia brasileira e tão complexa que acaba por
jogar a culpa dos processos na Lei. Ora, se a Constituição Federal do Brasil de 1988 assegura a
educação para todos, não deveriam existir no social questionamentos ou ações políticas partidárias
para que isso esse direito assegurando pela legislação seja interpretado ou até mesmo não colocado
em prática, uma vez que é algo fundamental para a sociedade.
Segundo Gadotti (2008), a autonomia escolar ocorre da seguinte forma:

1º) ampliação da jornada de trabalho tanto para professores quanto para alunos;
2º) atendimento integral à criança e adolescentes; 3º) participação comunitária.
Esses elementos estão sustentados por um pressuposto mais amplo: o da maior autonomia
das escolas. Podemos encontrar esses três elementos também nas reformas empreendidas
hoje por outros países [...]. Não quero concluir daí que hoje o debate sobre a autonomia seja
um debate puramente pedagógico. Quero afirmar que ele tem hoje outra qualidade e nessa
qualidade pedagógica tem um papel importante (p. 34).

Compreendemos que o fato dá educação brasileira ter maior dificuldade se refere a ausência
de propostas e ações que ela merece, enquanto a liberação de recursos voltados para a área pública,
sobretudo os financeiros, exigem planejamento, credores, burocracia, normatizações as crianças
ficam desassistidas dos seus direitos a educação de qualidade. Existe a necessidade de mudar a forma

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e as propostas de atuação das escolas públicas brasileiras. Uma delas seria a autonomia da escola de
forma plena.
Ainda de acordo com Gadotti (1995):

Autonomia não significa abandono. Significa o Estado possibilitar os recursos materiais e


humanos para que a escola possa realmente fazer uma escolha democrática, e não optar pela
miséria. Escola popular não significa escola pobre e abandonada (p. 74).

Por isso, a origem dos recursos e a quantidade destinada para a implementação de projetos,
programas entre outros, cabe uma discussão neste cenário político, mas que atualmente o sistema
político estão preocupados com a economia, enfim, importante faz-se estabelecer um percentual
advindo do tesouro nacional. Geralmente, se tira da educação, quando se fala em redução de gastos,
em enxugamento da folha, como se a educação brasileira tivesse um alto investimento que fosse
preciso reduzir.
Conforme Bezerra (2010):

Atualmente, as redes públicas de ensino das cidades brasileiras têm a incumbência de


gerenciar e prover a educação do maior número possível da população, principalmente nos
primeiros anos de vida escolar até o ensino fundamental, no sentido de prover mais qualidade
e adequação do ensino nas escolas públicas. Essa conjuntura educacional modifica a forma
de perceber a escola no contexto nacional, tirando o foco dos Estados e direcionando a
atenção para os Municípios, por estes serem os novos gerenciadores da reforma da política
educacional (p. 37).

Está cada vez mais evidenciado, que a dificuldade não está só no gestor escolar, mas sobretudo,
no Ministério da Educação e nas políticas públicas partidárias em gerir os recursos, em administrá-los
da melhor forma possível. Isso fica mais evidente quando o cenário político toma conta dos jornais,
das mídias sociais e invadem os veículos de comunicação propagando as crises, os desvios a fins de
obterem apoio popular, se escondendo no discurso que é preciso fazer a economia crescer, para gerar
mais empregos, renda e melhorar a educação.

AS CONTRADICOES DA LEI OU INTERPRETAÇÃO INADEQUADA

Em se tratando da gestão escolar, ela e um ato político, no sentido de que essa atuação se
concebe através da participação da Comunidade Escolar, através de algumas ações institucionais.
No entanto, segundo Quintas (1998), em o projeto político democrático, de nada adianta o gestor
saber decorado a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394, ou seja, se não souber trabalhar
com a autonomia, que e uma coisa que não se vê, mas faz muita diferença na gestão democrática,
portanto, já respondendo a indagação, a legislação de certo ponto, não atrapalha, mas não ajuda
como deveria ajudar, porque o que poderia ser um belo presente, pode não ser.
Essa autonomia deve ser construída, conquista, forjada na participação efetiva de todos,
quando temos ações centralizadoras e autoritárias, se torna prejudicial, à medida que não sabemos
as perspectivas que estão sendo postas diante da escolha e da participação. Compreendemos que os
familiares acreditam nas funções da escola, para muitos a escola é a única detentora e responsável,
conforme a lei pela educação de todas as crianças e jovens.
Assim, os ensinos e as aprendizagens dos filhos ficam sujeitos a determinações institucionais,
principalmente quando as famílias não tem formação pedagógica, didática e metodológica para
compreender as ações dos gestores educacionais, coordenadores pedagógicos, professores e
funcionários, por isso, muitas famílias delegam a educação para uma escola que está cada vez mais
assumindo uma função que é de todos.
Quando a gestão fica sem saber colocar propostas de ação e sem parâmetros para lidar com
essas situações das relações família e escola, os núcleos gestores, coordenadores pedagógicos,
secretários de educação dos municípios, colocam, em alguns contextos, a carga de resultados para

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essa problemática nos professores. Diante de uma necessidade que surge na comunidade, no dia a
dia da realidade escolar, os professores vêm sempre aparecendo como solução para todos os
problemas que ocorrem na escola.
O fato de que a legislação foi um processo longo de discussões e foi concebida, criada para
regular, disciplinar, dar um norte a educação. Ela veio diante de desafios sociais e educacionais que
são dinâmicos e interativos, assim a lei veio a tempo de promover mudanças e possivelmente, corrigir
algumas injustiças. Buscando cada vez mais colocar cada profissional na educação no seu papel e
ajudar acima de tudo para uma educação que busca a qualidade. Temos de ter consciência de que
uma legislação, quando discutida e debatida e mais para dentro de uma perspectiva de indução das
ações na sociedade.
Atualmente, infelizmente não estão discutindo, estão impondo, e isso causa muito estranheza
nas discussões que se fazem, em forma de decretos ou nas oratórias acaloradas das câmaras
legislativas. Enfim, é o que estamos vendo em nosso dia a dia. Diante do que podemos constatar e
que há cada vez mais novas interpretações, novos conceitos, novos problemas que também surgem,
advindo das mudanças sociais e pedagógicas, uma vez que os professores não é só a figura do
exemplo, mais desempenha outras funções dentro do espaço escolar deveriam ser mais valorizado e
assistido pela políticas públicas da educação.
Algumas problemáticas da educação convergem para conflitos e buscas constantes de
resoluções e todas as soluções, através das possiblidades devem ser de uma participação mais ampla,
que muitas vezes, criar leis não significa resultado concreto, existe muitas variáveis na educação que
a própria legislação não conseguir abarcar, por isso, a escola precisa da autonomia, para lidar com
suas próprias problemáticas.
A escola brasileira necessita rever urgente o papel da gestão escolar, porque os problemas, as
dificuldades do aluno são também de competência dos professores, dos coordenadores, dos gestores
e dos funcionários, visto que estes devem cuidar do seu aprendizado, do seu bem-estar, mas que
socialmente acaba se envolvendo bastante.

O PAPEL DAS ESCOLAS NO FUTURO

Consideramos que existe uma concepção sobre saber como a escola pública, sobretudo na
atualidade, já que vem sofrendo com os cortes de gastos, poderá sobreviver no futuro,
principalmente, no sentido de que muitos são unanimes em considerar que a educação é um
investimento necessário, que tem maiores possiblidades de retorno do que outros instrumentos
institucionais, como as prisões, a fiscalização da sociedade etc.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais

Hoje em dia não basta visar à capacitação dos estudantes para futuras habilitações nas
especializações tradicionais. Trata-se de ter em vista a formação dos estudantes para o
desenvolvimento de suas capacidades, em função de novos saberes que se produzem e que
demandam um novo tipo de profissional. Essas relações entre conhecimento e trabalho
exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, a máxima ‘aprender a
aprender’ parece se impor à máxima aprender determinados conteúdos”. (BRASIL, 1998a,
p. 44).

A educação deve ser olhada de uma forma plural, com entendimento a longo prazo, sem
economias, nem mendigações, porque a sua efetiva contribuição repercute nas outras áreas, como:
saúde e segurança sempre gerando tranquilidade e bem-estar da população em geral. E importante
lembrarmos que a educação do futuro exigira das gestões muito mais que agora devido a demanda
gritante por conhecimento e tecnologia.
E importante lembrarmos que cada vez mais vemos na escola, um espaço físico que o aluno
se sinta bem e use-o como espaço de interação social, de construção de conhecimento afetivos e
cognitivos. Para que isto possa se efetivar, e preciso repensar os cortes na educação. O estudante de
escola pública e pobre e muitas vezes não come em casa, necessitando do auxílio da merenda escolar

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e da solidariedade da comunidade escolar.


Essas novas metodologias educacionais são formas de colocarmos o aluno mais perto do
professor, da gestão escolar, da coordenação, da comunidade, uma vez que, a escola é para muitos o
único lugar que o aluno tem a liberdade, pode conversar sobre a sua vida, seus dilemas, enfim, suas
dores e suas alegrias.
E terem a oportunidade de desenvolver suas habilidades e potencialidades, assim, a escola
representa hoje uma necessidade fundamental na formação e na vida de milhares de crianças e jovens,
algo que representa uma condição de mudar e de existir que muitas gerações não tiveram acesso e
possibilidade de participar.
Diante dessa perspectiva, a gestão escolar e todos que estão na escola podem contribuir para
que as crianças e jovens possam ter ciência do importante papel que as comunidades, não só a
escolar, mas os familiares, enfim, todo o entorno da vida da criança, desempenha um papel
importante numa democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desafios fazem parte da vida, os desafios da gestão escolar são um sinal da complexidade
institucional que se instala na escola e estão sendo processos que moldam as realizações dos gestores
em detrimento da perfeita ordem jurídica, moral e ética. Portanto, proporcionar ao gestor escolar,
condições mínimas de trabalho e cumprir a Lei de Diretrizes e Bases, e dar a população o respeito e
a dignidade preconizadas na Constituição é algo que no dia a dia se torna complexo e dinâmico.
Este trabalho nos permite mostrar que os interesses devem caminhar juntos para um mesmo
objetivo, embora a realidade não seja sempre assim, tendo em vista o valor mercantil que se sobrepõe
a cada aluno em oposição a qualidade que este mesmo aluno merece. Também se ressalta, a
importância da escola pública na sociedade brasileira, que desde os primeiros anos de vida e
responsável pela maioria da educação do povo brasileiro, e cala, neste ponto a fala de políticos que
desejam a privatização do ensino.
Outro aspecto relevante no trabalho realizado foi o fato da autonomia e as suas interligações
com a prática vivida, humanizada, que representa e se esconde no autoritarismo de alguns gestores,
uma vez que estes, utilizam o termo para traduzir em benesses próprias. Ademais, quando o gestor
ou núcleo gestor se apropria da escola e porque os demais professores estão, de certa forma, sendo
coniventes.
E só consultar a Projeto Político Pedagógico para saber se os objetivos estão sendo
alcançados, se a comunidade participa do processo de aprendizagem ou se ela, ao menos vai as
reuniões do Conselho Escolar. O fato considerado e que os professores não utilizam o P.P.P como
norte nas suas práticas pedagógicas, evidenciando assim, o improviso, e o descompasso com a sua
própria pratica pedagógica, tendo em vista que a ideia de Projeto não se encerra ali, ela vai se
construindo ao longo da jornada.
Se faz necessário o profissionalismo, a ética, a missão de se cumprir o Plano Pedagógico da
Escola, para que se entenda a evolução ou não dos processos. Importante incentivar a participação
da família, uma vez que embora tenha aumentado a sua frequência, ainda se sente a falta da
participação sobretudo nas reuniões do Conselho, estimulando as ações autoritárias em favor das
gestões. E preciso diante desse cenário, reunir todos os entes, comunidade, gestão, alunos frente a
criar e a recriar, construir um plano que beneficie a todos.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Jose Airton de C. As Formas de Participação naConstrução do Projeto Político


Pedagógico: Diferentes Realidades Escolares. 189f. Trabalho apresentado em defesa de Dissertação
(Mestrado em Ciências da Educação). Universidade Lusófona de Humanidade e Tecnologia. Lisboa, 23/03/2010.
Portugal, 2010.

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BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n.º
9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.
______. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais. terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental. (1998a). Estabelece os parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: Ministério da Educação e
do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. 1998.
GADOTTI, Moacir. Escola vivida, escola projetada. 2ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.
______. Escola cidadã. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

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O TRABALHO DO DIRETOR ESCOLAR SOB A ÓTICA DO


MODELO GERENCIAL EM EDUCAÇÃO
Felippe Gonçalves Valdevino

INTRODUÇÃO

As reformas no setor educacional brasileiro, empreendidas a partir da década de 1990,


inspiradas na ideologia neoliberal, e orientadas por organismos internacionais, tais como o Banco
Mundial (BM) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), atuaram fortemente sobre a “Organização Escolar”1, trazendo mudanças que
repercutiram diretamente sobre a “Organização do Trabalho Escolar”2, com a alteração na divisão do
trabalho na escola, nas rotinas administrativas e nas relações hierárquicas. Tais mudanças afetaram
diretamente o trabalho do diretor escolar, cujo perfil foi, também, modificado, em virtude das medidas
descentralizadoras implementadas na gestão educacional e das novas exigências impostas aos
ocupantes desse cargo (OLIVEIRA, 2010).
O presente artigo tem como objetivo discutir as transformações ocorridas no trabalho do
diretor escolar decorrentes da introdução, no campo da educação, do novo modelo de gestão pública,
o gerencialismo. Para tanto, inicialmente, será apresentada uma abordagem histórica da administração
escolar, com ênfase na figura do diretor escolar, contextualizando o surgimento do cargo e situando
a administração escolar nos diversos períodos históricos. Em seguida, será realizada a caracterização
do gerencialismo, englobando desde o contexto do seu surgimento até as suas implicações sobre a
educação escolar, e, em especial, para a gestão das unidades escolares e para o trabalho do diretor
escolar.
As discussões apresentadas neste artigo estão pautadas na abordagem histórica da
administração escolar no Brasil, organizada por: Andreotti, Lombardi e Minto (2012); nas
proposições de Abrúcio (2007) sobre a reforma do Estado; Castro (2007), Fonseca (2009), Krawczyk
(2010) e Oliveira (2010) sobre as reformas educacionais e o advento do novo modelo de gestão
pública; e de Lima (2013) e Paro (2016), sobre a figura do diretor de escola.

ABORDAGEM HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR

Partindo do pressuposto que a administração escolar – aqui compreendida como a “utilização


racional de recursos para a realização de fins determinados” (PARO, 2015, p. 18) – emerge de uma
condição historicamente determinada, a presente abordagem pretende articular os acontecimentos de
ordem econômica, social e política à trajetória educacional brasileira, buscando compreender como
as transformações socioculturais vivenciadas pela sociedade brasileira, ao longo dos últimos séculos,
contribuíram para a criação do cargo de diretor escolar e para a definição do seu papel dentro a
instituição escolar.

1
O conceito de Organização Escolar é definido por Oliveira (2010, p. 134) em referência “às condições objetivas sob as
quais o ensino está estruturado”, passando desde as competências administrativas dos órgãos públicos responsáveis pela
educação escolar até o currículo praticado em sala de aula, incluindo, neste processo, as metodologias de ensino e os
processos de avaliação.
2
Por sua vez, o conceito de Organização do Trabalho Escolar, também definido por Oliveira (2010, p. 133), está
relacionado à forma como o trabalho é dividido dentro da escola, tratando-se, pois, de um conceito de viés econômico,
compreendendo “uma forma específica de organização do trabalho sob o capitalismo”.
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Segundo Lombardi (2012), a administração escolar remonta ao período de atuação, no Brasil


Colônia, dos padres jesuítas3 no campo educacional. O cargo de diretor de escola, no entanto, só foi
instituído durante a Primeira República, com a criação dos grupos escolares. O autor também indica
que as primeiras iniciativas voltadas para a formação do administrador escolar, por meio de cursos
específicos, deram-se somente na década de 1930 (LOMBARDI, 2012). O atraso em relação à
emergência da temática no campo educacional pode ser explicado pelo próprio contexto político e
econômico do Brasil, nas suas fases colonial e imperial. Nestes momentos históricos, percebe-se que
os assuntos educacionais estiveram relegados a um plano inferior e que a prioridade nas tomadas de
decisões governamentais girava em torno dos problemas econômicos e políticos.
O Período Imperial, embora não tenha trazido avanços no que tange à administração escolar,
representou uma importante fase para compreender as relações entre Estado e educação no Brasil,
uma vez que, foi nesse período que o Estado Nacional Brasileiro emergiu, demandando a formação
de quadros administrativos, colocando a instrução primária como um fator importante para trazer a
modernidade à sociedade (ANANIAS, 2012)4.
Com o advento da república, as iniciativas públicas relativas à instrução primária foram
atribuídas aos Estados5. Nesse período, o Estado de São Paulo adotou um projeto de reforma
educacional que serviu de modelo para o restante do país. A reforma paulista de 1892-1893 foi o
marco da criação do cargo de diretor escolar, a partir da criação dos primeiros grupos escolares.
Inicialmente, foi adotada a nomenclatura “diretor de grupo escolar”. Somente com a promulgação da
Lei nº 5.692/71, que reformou os ensinos de primeiro e segundo graus, houve a extinção do cargo de
diretor de grupo escolar e a criação do cargo de diretor de escola6.
Segundo Penteado e Bezerra Neto (2012), o diretor escolar exerceria “[...] um papel central
na cena pedagógica e na estrutura hierárquico-burocrática do ainda incipiente ensino paulista” (p.
86)7. Suas atribuições eram administrativas e técnicas, era o interlocutor entre a escola e a
administração do ensino, devendo zelar pela vigência da reforma republicana (PENTEADO;
BEZERRA NETO, 2012).
A figura recém-criada do diretor de escola foi apresentada, posteriormente, no “Código dos
Institutos Oficiais de Ensino Superior e Secundário”, assinado por Epitácio Pessoa em 1901. Segundo
o Código, o diretor era escolhido pelo Governo e tinha como incumbências assinar correspondências,
organizar o orçamento anual, realizar despesas, regular os trabalhos da secretaria e da biblioteca,
fiscalizar o cumprimento dos programas de ensino, entre outras funções (PENTEADO; BEZERRA
NETO, 2012).

3
O marco inicial da educação no Brasil é a chegada dos Jesuítas em 1549. Sua obra educativa predominou oficialmente
até a expulsão dos mesmos em 1759, pelo Marquês de Pombal. O período iniciado com as reformas pombalinas
representou o primeiro passo na construção da educação estatal no Brasil, que só foi consolidado a partir da década de
1930. Nesse percurso até a consolidação da educação pública estatal, segundo Saviani (2013), houve uma imprecisão em
torno dos rumos da educação brasileira. Esta havia passado da responsabilidade da Igreja, que tinha uma estrutura
educacional bem organizada, por meio dos jesuítas, para o Estado, que, por situações de mudança e instabilidade política,
pouco avançou nas questões da área, apesar das diversas ideias pedagógicas que permearam o período.
4
Ainda segundo Ananias (2012), o período imperial marcou um ajuste do Brasil ao capitalismo internacional, iniciando
uma transição do modelo de sociedade predominantemente agrária de subsistência para um modelo mais moderno e
avançado, embora ainda de base agrária.
5
Nesse contexto, ocorreram diversas mudanças no cenário educacional brasileiro, influenciadas pelos ideais iluministas
que permearam a formação intelectual do Brasil. No entanto, embora a Ilustração tenha contribuído para o avanço do
pensamento educacional brasileiro, as suas contribuições não representavam o interesse das camadas mais pobres, das
mulheres ou dos escravos, pelo contrário, representava a burguesia nascente. Dessa forma, os avanços na educação
permaneceram limitados a uma pequena parcela da população, como se pode notar na alta taxa de analfabetismo no Brasil
de 1890, ultrapassando 67%.
6
Para manter um padrão, optou-se por utilizar, ao longo do texto, apenas a nomenclatura “diretor de escola” ou “diretor
escolar”.
7
O poder dentro das escolas ficaria concentrado nas mãos do diretor, incluindo o controle sobre o trabalho dos
professores. Inicialmente, a nomeação do diretor era feita pelo Governo, escolhido entre os professores, e continuava na
regência de sala, auxiliado por um adjunto.
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 58

Nas primeiras décadas do período Republicano, em meio às reformas educacionais dos


Estados, “[...] a instituição educacional foi se tornando cada vez mais complexa à medida que a
sociedade capitalista se modificava e as novas classes sociais urbanas emergiram, reivindicando às
autoridades governantes o acesso à cultura letrada” (LOMBARDI, 2012, p. 26). Assim, no contexto
do desenvolvimento do capitalismo industrial, a partir da década de 1920, que levou ao processo de
urbanização e industrialização dos anos 1930, o tema da educação pública nacional emergiu na pauta
dos governantes brasileiros e o setor educacional foi aclamado como fator de desenvolvimento
econômico para o país.
Durante a Era Vargas, segundo Andreotti (2012), foram definidas as primeiras diretrizes para
a formação e regulamentação da profissão do administrador escolar e o processo de consolidação da
função de diretor de escola. As políticas de formação de profissionais da educação foram
influenciadas, nesse período, pela atuação dos Pioneiros da Escola Nova. Para este grupo de
educadores, faltava um espírito filosófico e científico que orientasse a administração da educação.
Ainda segundo a autora, “[...] as primeiras diretrizes para os cursos de administração escolar foram
orientadas pelas técnicas de administração na empresa” (ANDREOTTI, 2012, p. 121). A
orientação permaneceu no período que se estendeu entre 1945 até o início dos anos 1960.
Nessa época (1945-1964), a administração escolar acompanhou o ritmo de desenvolvimento
econômico do país. As iniciativas na área refletiam o modelo de expansão industrial, sustentado pelo
capital internacional. As concepções adotadas na administração escolar se aproximavam das
concepções de administração geral e científica adotadas por Fayol e Taylor, destacando a separação
entre a função de planejamento e a execução, o que colocava o diretor numa função intermediária
entre o Governo, que planeja, e os professores, que executam (GALLINDO; ANDREOTTI, 2012).
De acordo com Gallindo e Andreotti (2012), o papel do diretor de escola, sob a perspectiva
do modo de produção taylorista, vigente no período pós-Segunda Guerra, assemelhava-se ao do
supervisor da fábrica. Ao assumir uma posição hierarquicamente superior, o diretor passava a exercer
a função de comando dentro da escola. No entanto, as autoras destacam que:
Desde as Leis Orgânicas de ensino, pode-se observar que a função do diretor esteve
relacionada a um gerenciador a serviço do sistema escolar em seus aspectos econômicos
(verbas da educação e produção de mão de obra para o mercado), políticos (cumprimento da
legislação com vias o crescimento econômico) e sociais (atender os anseios da população por
uma escolarização que implicaria em emprego, melhoria econômica e ascensão social)
(GALLINDO; ANDREOTTI, 2012, p. 140).

Dessa forma, a função do diretor de escola passava a ter um caráter contraditório, pois, a despeito da
autoridade e da posição hierárquica que lhes eram atribuídas, o diretor encontrava-se subordinado à
legislação, o que restringia a sua autonomia e lhe exigia o cumprimento do cargo de reprodutor das
políticas públicas. Uma das exigências que essa condição impôs ao trabalho do diretor de escola foi
a formação especializada na área administrativa em detrimento da formação pedagógica
(GALLINDO; ANDREOTTI, 2012).
Com a aprovação da Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961, a qual estabeleceu as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), passou-se a exigir que o diretor de escola fosse um educador
qualificado. Segundo Clark, Nascimento e Silva (2012), a definição de “educador qualificado” foi
dada pelo Parecer nº 93/1962 do Conselho Federal de Educação, compreendendo:
[...] aquele que reunisse qualidades pessoais e profissionais que o tornassem capaz de infundir
à escola a eficácia do instrumento educativo por excelência e de transmitir a professores,
alunos e à comunidade sentimentos, ideias e aspirações de vigoroso teor cristão, cívico,
democrático e cultural (CLARK, NASCIMENTO E SILVA, 2012, p. 163).

A partir da referida normativa, e da exigência legal prevista na primeira LDB, os estados


passaram a regular o preenchimento do cargo de diretor de escola. Um embate, no entanto,
predominou no período. Por um lado, havia aqueles que defendiam que o diretor deveria ser oriundo
da sala de aula, ou seja, um professor que se tornaria administrador. Por outro lado, existiam os que

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defendiam que houvesse uma formação específica para o cargo. Nesse caso, a formação especializada
acabou transformando o diretor escolar em um burocrata a serviço do poder público dentro da escola
(OLIVEIRA, 2010).
A tendência permaneceu na época do Regime Militar. Nesse período da educação brasileira,
em geral, o diretor de escola era cooptado para exercer uma função semelhante à do gerente da
empresa, qual seja, “[...] atuar como agente controlador e fiscalizador das atividades desenvolvidas
na instituição escolar, com o intuito de assegurar a manutenção da ordem vigente” (CLARK,
NASCIMENTO E SILVA, 2012, p. 170). Esse perfil assumido pelo diretor de escola foi bastante
criticado na década de 1980 por movimentos democráticos, emergindo, assim, a busca pela
democratização da gestão educacional (OLIVEIRA, 2010).
O trabalho do diretor escolar, no período de transição para a Nova República, a partir da
segunda metade da década de 1980, foi permeado por um cenário de lutas dos movimentos de
educadores pela democracia, bem como da implementação da reforma educacional decorrente das
conquistas constitucionais de 1988. Esse quadro compõe o contexto de ascensão do modelo gerencial,
o qual será abordado no próximo tópico.

A REFORMA DO ESTADO, A ADOÇÃO DO MODELO GERENCIAL EM EDUCAÇÃO E


SUAS REPERCUSSÕES SOBRE O CARGO DE DIRETOR ESCOLAR

A reforma do Estado e as reformas educacionais implementadas no Brasil nas últimas três


décadas estão inseridas nesse contexto de transformações sociais, culturais, econômicas e políticas
vivenciadas pela sociedade capitalista contemporânea e caracterizadas pela globalização, pela
revolução tecnológica e pela ascensão de governos com orientação neoliberal (LIBANEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2012).
Segundo Cabral Neto e Rodriguez (2007), a agenda neoliberal para os países em
desenvolvimento, como o Brasil, colocou a educação como um setor importante para o
desenvolvimento e integração, de forma competitiva, desses países no mundo globalizado,
apontando, para tanto, a necessidade de uma reforma no setor. Ao mesmo tempo, passou-se a assumir
um discurso de fracasso da escola pública, condição atribuída à ineficiência do Estado em gerir o bem
comum. Em tal lógica, o Estado deveria deixar de ser o único provedor da educação, passando a
assumir o papel de regulador e avaliador (SAVIANI, 2013).
A mudança no papel do Estado implicou um novo modelo de gestão pública, pautado nos
critérios da economia privada, tais como: a gerência, o aumento da produtividade e a orientação ao
consumidor; bem como nos processos de descentralização, acompanhados por mecanismos de
regulação, como, no caso da educação, a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica –
SAEB (OLIVEIRA, 2010).
O modelo gerencial em educação está, dessa forma, pautado na descentralização das
responsabilidades da União na oferta da Educação Básica, por meio da transferência de recursos
financeiros para os estados, municípios e escolas, mantendo a sua centralidade na formulação dos
objetivos educacionais através da criação de um sistema de avaliação em larga escala e do controle
sobre os seus resultados. Nesse contexto, se por um lado as escolas ganharam maior autonomia, por
outro, passaram a ter uma maior sobrecarga de trabalho, afetando, diretamente, a sua rotina
administrativa, recaindo a maior responsabilidade para a gestão escolar (OLIVEIRA, 2010).
A reforma gerencial começou a ser empreendida durante o Governo de Fernando Henrique
Cardoso, momento em que foi criado o Ministério da Reforma da Administração (MARE), sob o
comando de Bresser-Pereira. Segundo Abrúcio (2007), a reforma promovida por Bresser-Pereira
promoveu uma grande reorganização administrativa do Governo Federal, fortalecendo as carreiras de
Estado e melhorando as informações da administração, além de estabelecer um teto para o gasto com
o funcionalismo e introduzir o princípio da eficiência entre os pilares do Direito Administrativo.
Tendo o Plano Diretor como diretriz para as mudanças, Bresser-Pereira disseminou um debate
sobre novas formas de gestão para melhorar o desempenho do setor público, apoiando-se na ideia de
uma administração voltada para resultados, o chamado Modelo Gerencial. Ainda conforme Abrúcio

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 60

(2007), a atuação do ministro aperfeiçoou o ideal meritocrático, abrindo espaço para o setor público
não estatal. Em relação às implicações da reforma da administração pública sobre o campo da
educação, Castro (2007) assinala que houve uma substituição do modelo burocrático de gestão
pública pela forma gerencial inspirada no setor privado, caracterizada pela flexibilização da gestão e
pelo aumento da autonomia de decisão dos gestores.
Castro (2007) ainda mostra que os organismos internacionais “[...] tiveram um papel
importante na difusão do consenso sobre um novo modelo de gestão” (p. 132), o qual teve como uma
das suas propostas para a educação a descentralização:
[...] baseada numa concepção que enfatiza ganhos de eficiência e efetividade, reduz custos e
aumenta o controle e a fiscalização dos cidadãos sobre as políticas públicas, além de
desresponsabilizar o Estado de parte de suas obrigações com os serviços sociais (CASTRO,
2007, p. 133).

A autora compreende que a descentralização, da forma como está apresentada na Reforma


Gerencial, vem sendo implementada dentro de uma agenda conservadora que responsabiliza o Estado
sem garantir o apoio técnico e financeiro necessário aos lugares mais pobres que passam a assumir a
oferta da educação. A estratégia da descentralização é usada pelo gerencialismo como forma de gerar
responsabilidades da comunidade pelos resultados alcançados e contribuir para formar um controle
por parte das comunidades locais sobre os serviços prestados pela escola.
A descentralização, resultante do modelo de organização e gestão da educação instaurados
pela reforma educacional brasileira, é discutida por Krawczyk (2010) a partir de três dimensões: a
primeira refere-se à descentralização entre as diferentes instâncias de governo, consubstanciada nos
processos de municipalização do ensino; a segunda dimensão se trata da descentralização para a
escola, ampliando a sua autonomia; a terceira diz respeito à descentralização para o mercado, que
envolve a ideia de responsabilidade social e constitui, para a autora, uma forma de privatização da
educação (KRAWCZYK, 2010).
Nesta última dimensão, a descentralização é feita por duas vias. A primeira é a formação de
um mercado de consumo dos serviços educacionais, instalando na gestão a lógica do mercado de
consumo de oferta e demanda. Adotam-se várias estratégias, tais como o ranqueamento, a premiação
de escolas, o sistema de voucher, a ideia de autogestão ou escola charter. Na segunda via, o Estado
deixa de ser o único fornecedor dos serviços educacionais e transfere as funções e responsabilidades
para a comunidade. Trata-se da ideia de responsabilidade social (KRAWCZYK, 2010).
Como resultado da adoção, no setor público, desse modelo de gestão e planejamento
educacional, houve uma submissão da organização e da gestão do trabalho escolar ao modelo de
planejamento e gerenciamento estratégico, os quais estabeleciam novos objetivos, técnicas e rotinas
de trabalho (FONSECA, 2009, p. 193). As mudanças decorrentes desse processo na organização do
trabalho escolar repercutiram na exigência de um novo perfil de diretor escolar, que deveria ser capaz
de atender às novas demandas da escola, garantindo, pelo menos no âmbito do discurso, o
cumprimento ao princípio da Gestão Democrática do ensino público, por meio da elaboração do
projeto pedagógico e da participação dos segmentos escolares no conselho escolar.
Ressalta-se, porém, que, na prática, a perspectiva gerencial não contribui para a efetivação do
princípio da Gestão Democrática, uma vez que defende um modelo de escolha do diretor através de
concurso público, considerando critérios técnicos e da meritocracia, seguido de nomeação pelos
chefes dos órgãos centrais. A eleição do diretor não é tão bem-vista pelos gerencialistas, pois, em
caso de eleição, o diretor tende a atender aos reclames dos seus eleitores. Além disso, o Modelo
Gerencial reforça a centralidade do diretor na condução da escola, o que vem ocorrendo, no entanto,
sem a devida correspondência das condições materiais das escolas e sem o aumento da sua autoridade
(OLIVEIRA, 2010).
Nesse sentido, Lima (2013) apresenta alguns aspectos relativos à influência do gerencialismo
sobre o papel do diretor. Segundo o autor, embora as reformas gerencialistas da educação pública
tenham tido apropriações variadas nos diversos países em que ocorreram, têm se destacado por um
conjunto de dimensões, como:
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Centralização da formulação das políticas educativas e dos processos de decisão sobre o


currículo e a avaliação [...]; a descentralização de certas competências [...]; menor relevância
atribuída a processos de controlo democrático e da participação nos processos de tomada de
decisões, bem como crescente desconfiança relativamente a órgãos colegiais [...]; reforço das
estruturas de gestão de tipo vertical e concentração de poderes no líder formal (LIMA, 2013,
p. 67-68).

A perspectiva apontada por Lima (2013) na análise da emergência do cargo de diretor revela
a contraditória condição do diretor escolar, que se torna, por um lado, um sujeito que concentra
poderes sobre os seus subordinados dentro da organização escolar, e, consequentemente,
concentrando mais atribuições e competências, mas que, por outro lado, é colocado na condição de
subordinado e dependente do poder central. Tal condição também é assinalada por Paro (2016).
Todavia, o autor acrescenta uma segunda ordem de contradição que:
[...] advém do fato de que, por um lado, ele deve deter uma competência técnica e um
conhecimento dos princípios e métodos necessários a uma moderna e adequada
administração dos recursos da escola, mas, por outro, sua falta de autonomia em relação aos
escalões superiores e a precariedade das condições concretas em que se desenvolvem as
atividades no interior da escola tornam uma quimera a utilização dos belos métodos e técnicas
adquiridos (pelo menos supostamente) em sua formação de administrador escolar, já que o
problema da escola pública no país não é, na verdade, o da administração de recursos, mas o
da falta de recursos (PARO, 2016, p. 15-16).

A exigência da competência técnica para o exercício do cargo de diretor escolar, no contexto


da Reforma Gerencial, reforça o pensamento de Lima (2013) quando afirma que o gerencialismo é
responsável pelo aumento de certas dimensões da burocracia racional, como a manutenção dos níveis
hierárquicos de tomada de decisão e controle do poder. Assim, ao invés de contribuir para a promoção
de uma gestão educacional democrática, conforme prescrita na legislação, o Modelo Gerencial
cumpre a função de reforçar a lógica economicista na administração escolar, conforme vem
acontecendo desde a década de 1930, atendendo às demandas atuais do mercado.
Em suma, as discussões apresentadas acima evidenciam como a perspectiva da administração
das escolas, adotada pelo Modelo Gerencial, implica maior centralidade na figura do diretor escolar,
o qual passa a exercer maior controle sobre o trabalho dos professores, reduzindo a autonomia dos
mesmos, demandando para si um perfil técnico, do diretor como um gerente.

REFERÊNCIAS

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 63

O TRABALHO PEDAGÓGICO NO ATENDIMENTO


EDUCACIONAL HOSPITALAR
Jeane Bizerra Bastos
Otacílio Vieira dos Santos Neto
Robéria Vieira Barreto Gomes

INTRODUÇÃO

No Brasil, os dados oficiais sinalizam que o atendimento educacional em ambiente hospitalar


iniciou-se especificamente no Rio de Janeiro, na década de 1950 (OLIVEIRA, 2015), mas apenas em
1994 o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Especial, promulgou a
Política Nacional de Educação Especial (1994), reconhecendo esse serviço como parte da educação
especial que acontece nas chamadas classes hospitalares. Porém, mesmo com o direito à
escolarização, como consta no Artigo 205 da Constituição Federal de 1988, ainda existe um grande
obstáculo para as crianças e os adolescentes hospitalizados. Ainda são incipientes, por parte do
Ministério da Educação, programas, notas técnicas, decretos que favoreçam a implantação desse
serviço pelas redes de ensino dos estados e municípios, ou seja, formar profissionais para atuar nesse
ambiente não escolar.
É sabido que a área da educação escolar é bastante abrangente e os profissionais que atuam
nela devem saber trabalhar em espaços escolares e não escolares, sendo um deles o hospital. Para
atuar nesse tipo de lugar, é essencial uma formação inicial e continuada, que atue na área da docência,
desenvolvendo uma relação intrínseca entre educação e saúde. As formações iniciais dos cursos de
Pedagogia precisam oferecer disciplinas, projetos de extensão, grupos de estudos, seminários e
congressos que possibilitem a inserção do futuro professor nesse ambiente, e a formação continuada
oferecida – principalmente pelas redes de ensino em parceria com o MEC – precisa promover práticas
e teorias acerca desta temática: atendimento educacional em ambiente hospitalar.
Partindo desse cenário, esta pesquisa se justifica por estarmos vivenciando um momento que
ressalta o acesso ao direito à educação, principalmente com a inclusão de um artigo na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, que estabeleceu o direito à educação para
crianças e adolescentes da educação básica que se encontram hospitalizados. Para a elaboração da
pesquisa, a problematização pautou-se em averiguar como acontece o atendimento educacional no
ambiente hospitalar em uma instituição do município de Fortaleza.
Com o intuito de obtermos uma resposta para nossa problematização, elencamos como
objetivos: conhecer fundamentos históricos da Pedagogia Hospitalar; analisar a importância do
pedagogo hospitalar; conhecer o trabalho pedagógico realizado em uma instituição hospitalar do
município de Fortaleza.
Neste sentido, para subsidiarmos os objetivos propostos acima, buscamos referências nos
estudos consolidados por Matos e Mugiatti (2006), Fontes (2005), Cardoso (1995), o documento
orientador do Ministério da Educação (MEC) /2002, dentre outros, além da observação e do diálogo
com uma psicopedagoga, bolsistas da Universidade Federal do Ceará e voluntários. Acreditamos que
os resultados dessa investigação demonstrarão a importância do pedagogo no atendimento
educacional no ambiente hospitalar e a responsabilidade do poder público em garantir o direito à
educação.
Esta produção está organizada da seguinte forma: introdução, ora apresentada; metodologia,
na qual esclarecemos o aporte metodológico; referencial teórico, em que tecemos esclarecimento
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sobre os princípios e fundamentos da Pedagogia Hospitalar e o papel do pedagogo nesse ambiente,


além de apresentarmos os resultados e discussões que nos foram possíveis alcançar; e nossas
considerações finais, nas quais apontamos nossos achados e limites da pesquisa.

CONHECENDO O CAMINHO DA PESQUISA: METODOLOGIA

Para a contemplação do estudo mencionado, utilizamos a pesquisa qualitativa em educação,


que, conforme Vianello (2013), tem como foco analisar a subjetividade do objeto e focar nas
particularidades e experiências de cada sujeito que ali se fizer presente. Como investigação da prática,
utilizamos também a pesquisa de campo, realizada em uma instituição hospitalar, no município de
Fortaleza, inclusive, para essa abordagem, fizemos uso da análise documental e da entrevista.
Na análise documental, realizamos uma averiguação das fichas cadastrais, dos planejamentos
e das fichas de acompanhamentos diários das crianças que frequentam a classe hospitalar, bem como
o leito da instituição hospitalar aqui analisada.
No que tange à entrevista semiestruturada, participaram três bolsistas do projeto de extensão
“Atendimento Pedagógico Hospitalar na Brinquedoteca, Leito e Classe Hospitalar”1, desenvolvido
em parceria com a Universidade Federal do Ceará e a associação pesquisada; além de dois voluntários
e uma psicopedagoga responsável pelo atendimento educacional no ambiente hospitalar da instituição
abordada. Segundo Haguette (1997), a entrevista é “[...] um processo de interação social entre duas
pessoas, na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do
outro, o entrevistado”. Tal instrumento é a técnica mais utilizada no processo de investigação para
obtenção de dados.
Sabemos que a observação se constitui como uma das técnicas principais a serem utilizadas,
no que se refere a uma pesquisa qualitativa. “A observação atenta dos detalhes põe o pesquisador
dentro do cenário, para que possa compreender a complexidade dos ambientes psicossociais, ao
mesmo tempo em que lhe permite uma interlocução mais competente” (ZANELLI, 2002. p. 83). Ou
seja, a partir da observação, o pesquisador conseguirá enxergar o que de fato acontece no ambiente
que está observando e todos os elementos que estão presentes naquele contexto, consequentemente,
poderá exercer a pesquisa de maneira mais concisa, coerente e real. Portanto, pensando nisso, foi
realizada a observação na classe hospitalar e no leito da instituição investigada.
Acreditamos que a utilização desse aporte metodológico nos permitirá alcançar os objetivos
propostos na investigação em análise, de forma a compreender a importância do trabalho do pedagogo
no atendimento educacional hospitalar, no que tange ao direito à educação.

PEDAGOGIA HOSPITALAR NO BRASIL

No Brasil, o atendimento educacional no ambiente hospitalar, iniciou-se especificamente no


Rio de Janeiro, na década de 1950. O hospital possuía uma média de 80 crianças internadas e a
professora Lecy Rittmeyer foi a primeira a atuar nas enfermarias, de maneira individual, levando
atividades pedagógicas para as crianças que se encontravam no local. A professora procurava sondar
o que a criança vinha aprendendo e/ou o que ela já sabia, para a partir das informações obtidas dar
continuidade ao aprendizado do educando.
Entretanto, apenas em 1994, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de
Educação Especial, promulgou a Política Nacional de Educação Especial, reconhecendo a classe
hospitalar como serviço de apoio dessa área. De acordo com o MEC (1994, p. 20), a classe hospitalar:
“[...] É o ambiente hospitalar que possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens
internados que necessitam de educação especial e que estejam em tratamento hospitalar.” Durante
esse período, as crianças e adolescentes que se encontravam internadas tinham o direito de receber

1
O nome do Projeto da Universidade Federal do Ceará foi modificado em decorrência da preservação do nome da
Instituição pesquisada.
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esse serviço, cuja responsabilidade era do setor de educação especial pertencente às redes de ensino
dos municípios e estados, em parceria com o Ministério da Educação.
Faz-se necessário ressaltar que na época supracitada, o público da educação especial era de
alunos com altas habilidades, condutas típicas, deficiência auditiva, deficiência física, deficiência
mental, deficiência múltipla, deficiência visual e crianças de alto risco, ou seja, as crianças que se
encontravam hospitalizadas, que não eram deficientes, ora poderiam se enquadrar em condutas
típicas, ora poderiam se enquadrar como crianças de alto risco (MEC, 1994, p. 13). Atualmente, esse
público da educação especial se reconfigurou, sendo necessária uma nova política que determine o
local de atuação desse serviço no sistema de ensino brasileiro.
Em 2002, foi elaborado o documento orientador “Classe Hospitalar e Atendimento
Pedagógico Domiciliar: estratégia e orientação”, que se tornou um marco para o atendimento
educacional hospitalar, pois expõe referências acerca dos princípios e fundamentos da classe
hospitalar e atendimento domiciliar, os objetivos, a organização e funcionalidade administrativa e
pedagógica, além dos recursos humanos. Com esse documento, foi possível compreender como o
serviço deve ser colocado em prática. Ainda segundo o Ministério da Educação:
Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias
e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico-educacional do processo de
desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados
ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que se encontram
impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente, e garantir a
manutenção do vínculo com as escolas, por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado,
favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar
correspondente, como parte do direito de atenção integral. (MEC, 2002, p. 14).

Desse modo, podemos reconhecer que o documento orientador do MEC propõe que esse
serviço aconteça para todas as crianças, matriculadas ou não na escola regular, e que se encontram
internadas, tendo como um dos principais objetivos o vínculo com a rede de ensino. Isso quer dizer
que os profissionais que atuam nesse setor devem se articular com a escola de origem do aluno, para
que ao retornar, a criança dê continuidade à sua vida escolar, sem prejuízos dos conteúdos
curriculares. Essa ação passa a ser essencial no desenvolvimento do serviço mencionado, e continua,
atualmente, sendo um dos grandes obstáculos vivenciados pelos profissionais do atendimento
educacional no ambiente hospitalar com as redes de ensino, por isso, o papel do pedagogo torna-se
essencial para a realização dessa ação.

A IMPORTÂNCIA DO PEDAGOGO NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL NO


AMBIENTE HOSPITALAR

No decorrer de muitos anos, a Pedagogia sofreu grandes mudanças, como, por exemplo, em
relação ao campo de atuação do pedagogo, pois tal campo acabou expandindo-se bastante. Contudo,
é importante salientar que esses profissionais devem estar atentos e reconhecerem as particularidades
de cada local que irão atuar, e, consequentemente, agir, a partir de determinada realidade. A área da
educação escolar é muito ampla e consolida-se tanto em espaços escolares, quanto em espaços não
escolares, como ONGs, presídios, hospitais, dentre outros. Ou seja, a escola deixou de ser o único
ambiente que proporciona uma educação para indivíduos, assim, o pedagogo possui diversas áreas de
atuação.
Neste trabalho, teremos como foco os espaços não escolares, mais precisamente os hospitais.
O pedagogo que atua nos hospitais apresenta-se como um mediador entre a hospitalização e a
escolarização do aluno-paciente, portanto, ele deve buscar a garantia de uma continuidade do ensino
dentro do espaço hospitalar, evitando uma futura evasão escolar. Tal mediação ocorre por meio da
comunicação entre o hospital e a escola, sendo o hospital o local para onde deverão ser encaminhadas
as atividades pedagógicas desenvolvidas durante a internação do aluno-paciente. De acordo com a
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001:

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Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem
organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar
as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento
ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1º As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade
ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em
escolas da educação básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e
desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no
sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.

Portanto, o pedagogo que atua nos hospitais precisa ter uma formação que busque conhecer
os aspectos das singularidades e possibilidades da área, pois esta se constitui como multifacetada e
interdisciplinar. É também necessário ressaltar a importância da troca de saberes e experiências entre
os docentes que atuam no ambiente hospitalar, pois essa ação promove a reflexão sobre as práticas
pedagógicas, apontando novos olhares, caminhos e propostas para tal modalidade da
educação. Ainda sobre a formação do pedagogo hospitalar, é estabelecido pelo MEC, segundo o
documento orientador “Classe hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e
orientações”, o seguinte:
O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em educação especial ou
em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre as doenças e condições
psicossociais vivenciadas pelos educandos e as características delas decorrentes, sejam do
ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo. Compete ao professor adequar e
adaptar o ambiente às atividades e os materiais, planejar o dia a dia da turma, registrar e
avaliar o trabalho pedagógico desenvolvido. (BRASIL, 2002, p.22).

É importante elencar que o pedagogo que atua no ambiente hospitalar vai, aos poucos,
adquirindo conhecimentos básicos em relação às patologias e rotinas, sendo assim, ele consegue
ampliar a consciência de seu trabalho, promovendo uma ação conjunta, apropriando-se da realidade
do aluno-paciente, bem como compreendendo a sua enfermidade e buscando articular a sua prática
pedagógica com a situação atual da criança ou do adolescente internado. Tais saberes podem ser
construídos mediante as vivências do cotidiano, palestras, encontros, seminários e reuniões, que
oportunizam a troca de experiências com a equipe multiprofissional. Além disso, o profissional
adquire conhecimentos sobre higienização dos materiais utilizados, dos limites da sua locomoção
dentro do hospital e infecção cruzada, sendo necessário que ele concilie suas práticas à realidade do
local onde está atuando.
Portanto, o binômio cuidar-educar deve se fazer presente durante toda a trajetória da criança
e do adolescente, mas para que isso aconteça, é essencial que o docente tenha uma postura sensível,
no sentido de procurar reconhecer a realidade de cada indivíduo e, a partir das informações obtidas,
planejar de maneira atenta e responsável atividades que proporcionem o desenvolvimento efetivo
daquele indivíduo.
Percebendo a inconstância da rotina no ambiente hospitalar, enfatizamos o pedagogo como
um profissional flexível, pois tal fato requer que o professor trabalhe em diversos ambientes – classe
hospitalar, leito, ambulatório e brinquedoteca – e com crianças de diversas idades, níveis de
aprendizagem e interesses. Consequentemente, sua prática deve ser flexível e levar em consideração
a situação da criança ou do adolescente, seus saberes prévios, suas dificuldades de aprendizagem e
potencialidades. Neste sentido, o pedagogo deverá sair da sua zona de conforto e confrontar-se com
a realidade hospitalar e seus desafios.
Ao educador, como participante da equipe de saúde não cabe, assim, postura estanque.
Construir conhecimentos para abrir novos horizontes significa navegar em águas turbulentas,
em que o timoneiro, atento, vive a mutabilidade do fazer e do agir continuamente, tendo em
vista as múltiplas possibilidades que emergem e o desafiam em todo o momento. (MATOS
e MUGIATTI, 2006, p. 24).

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A criança internada se vê em uma realidade sufocada pela rotina hospitalar e pelas


consequências de sua doença, pois os momentos de brincadeiras, socialização e estudos, bastante
comuns na infância, são afetados e tornam-se difíceis nesse ambiente. Os momentos pedagógicos
passam a ser, então, uma possibilidade de quebra de rotina, e auxiliam no enfrentamento da doença,
trazendo oportunidades de novas descobertas, autoestima, desenvolvimento cognitivo, afetivo e
social. Assim, o trabalho do pedagogo torna-se um dos instrumentos para promover o bem-estar da
criança. Para Fontes (2005):
[...] O conhecimento escolar é o “efeito colateral” de uma ação que visa, primordialmente, à
recuperação da saúde. O trabalho do professor é ensinar, não há dúvida, mas isso será feito
tendo-se em vista o objetivo maior: a recuperação da saúde, pela qual trabalham todos os
profissionais de um hospital. (2005, p.121).

Destaca-se a importância da escuta e do olhar sensível, para perceber as necessidades


intelectuais, emocionais e os pensamentos do aluno-paciente. Diferencia-se, pois, da escuta de um
assistente social ou psicólogo. Trata-se de não apenas ver o paciente em si, mas enxergar o todo e
sustentar a sua prática no diálogo, abrir-se para as suas histórias e falas, proporcionando novas
práticas de ensino, baseadas no lúdico, nos saberes prévios das crianças e adolescentes e no
oferecimento de conhecimentos significativos e compatíveis com a sua realidade. Para Fontes (2005),
é importante que o docente articule os saberes científicos da medicina com os saberes cotidianos,
trazendo uma compreensão do que a criança está vivendo naquele momento.

A LUDICIDADE E A LITERATURA NO CONTEXTO HOSPITALAR

Algumas práticas educativas no ambiente hospitalar se efetivam a partir de ações que


articulam o brincar e o aprender, instigando o desejo, a motivação, o interesse e a criatividade da
criança. É através do brincar que as crianças e os adolescentes se sentem livres, ou seja, dão asas à
imaginação. Portanto, é essencial para o desenvolvimento físico, mental e social dos indivíduos que
estão nos hospitais que o lúdico esteja sempre presente, pois além de efetivar de maneira mais concisa
a aprendizagem, faz com que essas pessoas enxerguem o hospital não apenas como sinônimo de
medo, angústia e dor. Cardoso (1995, p. 48) destaca:
Educar significa utilizar práticas pedagógicas que desenvolvam simultaneamente razão,
sensação, sentimento e intuição e que estimulem a integração intercultural e a visão planetária
das coisas, em nome da paz e da unidade do mundo. Assim, a educação – além de transmitir
e construir o saber sistematizado – assume um sentido terapêutico ao despertar no educando
uma nova consciência do eu individual para o seu transpessoal.

Assim, o educador, nesse contexto, será aquele que olhará além do desenvolvimento cognitivo
do aluno e dos saberes já sistematizados. Será alguém que poderá mudar a realidade do aluno-
paciente, pois o olhará como um ser completo, com diversas habilidades a serem reconhecidas.
Torna-se essencial mencionar ainda que a leitura é considerada uma forma de conhecer outros
mundos, de explorar o "eu", de nutrir a alma, conhecer a arte, a poesia e desenvolver a imaginação.
Logo, o contato com os livros pode ser libertador para a criança que está em situação de internamento
e confinada a conviver sem a sua vontade no ambiente hospitalar, cercada de outras crianças doentes
e médicos, vivendo uma rotina que não é própria para a infância, uma fase de descobertas e grandes
aprendizagens. Para alguns autores, a literatura possibilita o desenvolvimento da personalidade das
crianças, para outros, representa o conhecimento da realidade social, podendo trazer momentos de
diversão e aprendizado. Nessa perspectiva, a literatura passa a ser de extrema importância no
cotidiano hospitalar, precisando estar presente nas práticas pedagógicas do professor.

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A abordagem da leitura na Pedagogia Hospitalar pode ser feita de forma individual com a
criança ou adolescente e isso acontece quando o atendimento é no leito2. Na leitura dos livros, o
profissional pedagogo precisa buscar diversas formas de estimular a imaginação do aluno-paciente,
podendo, também, trazer conteúdos escolares após essa leitura, além de apresentar diversos gêneros
literários, objetivando a ampliação do conhecimento cultural e científico. A contação de histórias, por
exemplo, na classe hospitalar, também pode atrair diversas crianças. O diálogo e a troca de saberes
estabelecidos durante uma contação de história fortalecem os laços entre o docente e quem o ouve,
estimulando a participação e integração do grupo e, assim, docente e grupo, juntos, podem imaginar
e criar finais felizes.
É importante que o pedagogo, com o apoio do hospital, promova projetos que facilitem o
acesso aos livros e fortaleçam a vontade de leitura, pois é sabido que, muitas vezes, esse acesso é
dificultado pela condição social da família e pelo distanciamento da literatura. Consequentemente,
esses projetos podem desenvolver atividades relacionadas aos livros, que minimizem os efeitos do
internamento e da doença, levando a imaginação da criança a viajar por outros mundos, promovendo,
desta forma, efeitos terapêuticos, a partir da leitura, viabilizando, também, um processo de
humanização da criança e do adolescente, que serão vistos mais do que como pacientes alheios a
condições humanas ou como receptores apenas do sofrimento, da ansiedade e do medo. Pereira (2012)
fala da importância de apresentar literaturas que possam aproximar-se do que é vivido no hospital:
Existem no mercado, alguns livros que trabalham o ambiente hospitalar, onde trazem uma
mensagem de reflexão e conforto sobre o momento da hospitalização. Rubem Alves lançou
uma coleção de livros para esse fim, voltados para crianças com histórias próprias, entre elas
pode-se destacar: “A operação de Lili”, onde o autor conta a história de uma elefantinha que
precisava fazer uma operação para tirar o Gregório da sua trompa, seu amigo sapo, que lá foi
lançado após uma brincadeira. Lili estava cheia de medos, mas uma fadinha, a Fada da
Floresta, ajudou-a a superá-los fazendo-a dormir para que tivesse vários sonhos bonitos
enquanto a operação acontecia. Desse modo, Lili não sentia nenhuma dor e, quando acordou,
seu amigo Gregório já estava salvo, além de muito contente. O livro traz uma breve reflexão
sobre a condição da criança hospitalizada, entretanto, a forma leve e engraçada faz com que
a leitura seja atraente a qualquer leitor. (PEREIRA, 2012, p. 06).

RESULTADOS E DISCUSSÕES: RELATOS DE EXPERIÊNCIA DOS BOLSISTAS EM


RELAÇÃO AO ATENDIMENTO PEDAGÓGICO NA CLASSE HOSPITALAR E NO LEITO

A investigação foi realizada em uma instituição hospitalar do município de Fortaleza que


atende crianças e adolescentes com câncer. Realizamos entrevistas e observações com a responsável
pelo Projeto “Atendimento Pedagógico na Classe Hospitalar”3, tivemos ainda conversação com três
bolsistas de extensão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC) – em
decorrência da parceria que há entre o hospital e a UFC – com dois voluntários que também atuam
no ambiente e com uma psicopedagoga responsável pelo atendimento educacional hospitalar na
instituição supracitada.
Em conversa com a psicopedagoga, descobrimos que o projeto tem como objetivo dar
continuidade de ensino aos alunos-pacientes que nunca foram e/ou pararam de frequentar a escola
regular. Essa continuidade acontece por meio de atividades lúdicas e artísticas, da leitura, da escrita
e também da escuta. As atividades são divididas de acordo com o nível de aprendizado de cada um e
depois aplicadas dentro do contexto no qual estão inseridos, inclusive, percebemos também esse
objetivo quando entrevistamos a bolsista 01 e obtivemos a seguinte resposta:

2
Ressalta-se que os livros utilizados no atendimento pedagógico no leito devem ser higienizados como os outros
materiais, assim, o material do livro deverá permitir que essa higienização aconteça, sendo critério de escolha para
material pedagógico.
3
O nome do projeto da Instituição Hospitalar pesquisada é fictício, visando à preservação do local.
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[...] Aqui no projeto, nós desenvolvemos atividades de leitura e escrita, sempre abordando
conteúdos curriculares. Nosso objetivo é oferecer os conteúdos trabalhados na escola.
(Entrevista realizada em JUNHO de 2019).

Analisando a fala da psicopedagoga e a entrevista da bolsista 01, constatamos que o projeto


desenvolvido na instituição tem como propósito um ensino sistematizado e isso vai ao encontro do
que propõe o documento orientador “Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar:
estratégias e orientações”. (MEC, 2002).
Nossa investigação constatou que o atendimento ocorre no leito, para as crianças e
adolescentes que estão em situação de internação e/ou na classe hospitalar, para aquelas que estão
realizando consultas e exames diários. Ressalta-se que na classe hospitalar, existe uma psicopedagoga
responsável pela sala e que os voluntários também atuam nesse ambiente.
Foi possível observar que a classe hospitalar é repleta de livros didáticos e paradidáticos, além
de fantoches, jogos pedagógicos, atividades que abordam diversos conteúdos escolares e que o espaço
também dispõe de outros materiais, como lápis, lápis de cor, borrachas, colas, dentre outros.
Consequentemente, constatamos que o ambiente está totalmente de acordo com o que é proposto pelo
Documento Orientador do Ministério da Educação - Classe Hospitalar e Atendimento Educacional
Domiciliar: estratégias e orientações (MEC, 2002), quando define a classe hospitalar como:

Uma sala para desenvolvimento das atividades pedagógicas com mobiliário adequado e uma
bancada com pia são exigências mínimas. Instalações sanitárias próprias, completas,
suficientes e adaptadas são altamente recomendáveis e espaço ao ar livre adequado para
atividades físicas e ludo-pedagógicas. (MEC, 2002, p.16).

Ou seja, percebemos que o local tem um ambiente propício para que o processo de ensino e
aprendizagem aconteça. Perguntamos ao bolsista 02 como é realizado o primeiro contato com o
aluno-paciente, ou seja: o que fazem? Como acontece a abordagem? E obtivemos a seguinte resposta:

A primeira ação é conhecer a criança e fazer uma espécie de triagem: saber o seu nome,
idade, se ainda frequenta a escola, a série em que está ou parou de frequentar e os seus
interesses, para que, a partir dessa coleta, a gente possa planejar a melhor atividade para
ela. (Entrevista realizada em JUNHO de 2019).

Assim, conforme estabelece o documento “Classe hospitalar e Atendimento Pedagógico


Domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002, p.22), o atendimento precisa ocorrer “[...]
implantando estratégias de flexibilização e adaptação curriculares. Deverá, ainda, propor os
procedimentos didático-pedagógicos e as práticas alternativas necessárias ao processo ensino-
aprendizagem dos alunos [...]”. É importante ressaltar ainda o fato dos bolsistas mencionarem que
chamam as crianças e oferecem atividades que possam acrescentar novos saberes.
Tais atividades dependem de todo o contexto educacional em que a criança está inserida, isto
porque, de acordo com o relato dos bolsistas, as crianças possuem idades avançadas, e algumas ainda
estão aprendendo a escrever o seu próprio nome, por exemplo. Por isso a importância da flexibilização
das estratégias pedagógicas. Sendo assim, perguntamos à psicopedagoga responsável pela classe
hospitalar como acontece o atendimento pedagógico no leito e obtivemos a seguinte resposta:

O atendimento se dá de uma criança por cada vez, ou seja, fazemos um levantamento geral
das crianças que estão dispostas e aptas para nos receber e preparamos o material. Essa
preparação é feita, primeiramente, com a separação do que será usado, se atentando para o
material dos produtos e a higienização. O critério de escolha se detém pela idade da criança,
seus saberes prévios e interesses. Assim, buscamos levar atividades escritas, bem como jogos
pedagógicos e/ou livros paradidáticos para a leitura e apreciação. (Entrevista realizada em
JUNHO de 2019).

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Com isso, percebemos que há uma preocupação em as atividades estarem de acordo com a
realidade de cada uma das crianças e/ou adolescentes que são atendidos, ao mesmo tempo em que
podemos perceber a valorização dos conhecimentos prévios desses alunos-pacientes. Portanto, é
extremamente importante que o profissional atuante na área tenha esse olhar sensível e afetuoso.
Constatamos que a Instituição Hospitalar tem, na maioria das vezes, feito um trabalho que
acontece de acordo com as orientações do Ministério da Educação. Logo, acabamos observando, em
conversa com os bolsistas, um aspecto de bastante relevância em relação ao Documento Orientador,
quando este estabelece que “o professor deve ter acesso aos prontuários dos usuários das ações e
serviços de saúde, sob atendimento pedagógico, seja para obter informações, seja para prestá-las, do
ponto de vista de sua intervenção e avaliação educacional.” (Brasil, 2002, p. 18).
Contudo, percebemos que os bolsistas não têm acesso aos prontuários, o que ocasiona um
prejuízo na sua intervenção pedagógica, pois eventualmente eles se deparam com crianças recebendo
alta no momento da intervenção, além de vivenciarem situações nas quais as crianças se encontram
no meio do tratamento da quimioterapia, ou ainda de precisarem perguntar diretamente aos pais o
laudo médico, na tentativa de se aproximarem do que a criança está vivendo e sentindo, e isso acaba
se tornando um momento até desagradável para os pais e mais ainda para as crianças, tendo em vista
o fato de relembrarem tudo pelo qual já passaram e ainda estão passando.

A) O TRABALHO VOLUNTÁRIO NO AMBIENTE HOSPITALAR

No hospital onde realizamos a investigação existem diversos tipos de projetos que são
executados por voluntários. Esses projetos contam com a ajuda dos voluntários na brinquedoteca, na
sala para os adolescentes e na própria classe hospitalar – local em que ocorre o Projeto “Atendimento
Pedagógico na Classe Hospitalar”. Focando o olhar na classe hospitalar, podemos perceber alguns
aspectos dos voluntários que estavam presentes, ao mesmo tempo em que dialogávamos para saber
das suas práticas. Perguntamos como ocorria o processo para se tornarem voluntários e a resposta
que obtivemos do voluntário 01 foi a seguinte:
No início, passamos por um treinamento periódico para exercer essa função. O treinamento
acontece através de palestras, onde nos esclarecem quais as minhas ações no projeto em que
fui encaminhado, como devo agir, quais os procedimentos que devo ter, etc. (Entrevista
realizada em JUNHO, 2019).

Perguntamos ainda sobre o vínculo deles com a educação, se tinham alguma formação
acadêmica na área ou se havia alguma continuidade nos treinamentos para lidarem com o processo
educativo daquelas crianças. Sobre essas questões, o voluntário 02 respondeu:

Passamos por esse treinamento, mas falando da educação, no sentido de saber como levar
esses ensinamentos às crianças, ainda é superficial, pois não existe uma continuidade no
treinamento. Não temos nenhuma formação acadêmica na área da Educação. Às vezes,
participamos de outras palestras, mas não estão diretamente ligadas ao processo de como
educar, por exemplo, e acabamos fazendo do nosso jeito, além da supervisão da
psicopedagoga. (Entrevista realizada em JUNHO, 2019).

Com isso, observando as regras para se tornar voluntário na Instituição Hospitalar


4
investigada, vimos que basta ser maior de idade, ter disponibilidade em conformidade com o
programa escolhido e participar dos treinamentos, além disso, o trabalho voluntário acontece
independentemente da área profissional do indivíduo.
Podemos perceber que os procedimentos pedagógicos são influenciados pelo senso comum
do que é educar, do que é a criança e da questão de como agir. Porém, essa falta de continuidade faz
com que, muitas vezes, os profissionais não saibam como lidar com determinadas situações que
poderiam ser resolvidas se houvesse um treinamento continuado, ou com a presença do poder público

4
Essas informações foram encontradas no site da Instituição pesquisada.
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assumindo a sua responsabilidade, como consta na LDB 9394/96, Art. 4º A, que estabelece o direito
à educação que os sistemas de ensino devem oferecer para todas as crianças da educação básica que
estão hospitalizadas.
Outro ponto é sobre a grande rotatividade dos voluntários, no que tange aos dias, já que cada
um tem a obrigação de cumprir apenas poucas horas de voluntariado e uma vez na semana. Assim,
acaba ocorrendo uma interrupção no acompanhamento das crianças, que apenas entram na classe,
fazem algumas atividades ou jogam, e se retiram. Ou seja, enfatizamos a negação de uma das
recomendações do MEC:

Faz-se necessário comunicar aos órgãos representativos médicos em âmbito municipal,


estadual e federal sobre a necessidade de implantação e implementação de classes
hospitalares e do atendimento pedagógico domiciliar, atendendo o direito à continuidade da
escolaridade do educando enfermo. (BRASIL, 2002, p.27).

Logo, a continuidade da escolaridade das crianças e adolescentes internados é diretamente


afetada, pois o atendimento com intencionalidade pedagógica é feito, quase que sempre e somente,
pela psicopedagoga responsável e pelos bolsistas graduandos em Pedagogia. Consequentemente, os
voluntários que não têm formação em licenciatura oferecem um atendimento pedagógico sem o
planejamento das atividades, reforçando ainda mais a descontinuidade do ensino e da aprendizagem.
Outro ponto que observamos foi sobre o atendimento educacional feito pelos voluntários.
Como já mencionado anteriormente, tais pessoas não têm a formação necessária, consequentemente,
diversas vezes, percebemos a inadequação das atividades propostas. São oferecidos exercícios
escolares sob uma perspectiva tradicionalista, reproduzindo atitudes e “saberes” básicos sobre a
docência. Ou seja, o aluno-paciente é visto como alguém que está apto apenas a ouvir, aprender e
reproduzir, sem levar em consideração seus saberes prévios e condições de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É indiscutível que a educação acontece ao longo de todo o percurso da vida do ser humano e
que não está restrita apenas à escola, ou seja, espaços não escolares também promovem a educação,
como é o caso dos hospitais. O atendimento educacional em ambiente hospitalar, que ocorre na classe
hospitalar, aparece como um local que deve proporcionar conforto e ludicidade e, consequentemente,
aproxima-se de um lugar de acolhimento marcado pelo cuidado e atenção ao bem-estar da criança e
do adolescente. Por isso, surge como um lugar de refúgio também, onde se pode vivenciar uma
pluralidade de atividades e sensações que faz os que ali se encontram esquecer, por momentos, a dor,
o sofrimento e a angústia.
É importante salientar que apesar desses sujeitos estarem dentro dos hospitais, muitas vezes
acamados, a maioria dos pacientes mantém suas funções cognitivas preservadas, o corpo doente não
impõe uma totalidade de debilitação. Auxiliar no desenvolvimento físico e mental das crianças e
adolescentes é uma ação que faz parte do estudo, e este, por sua vez, promove uma estreita relação
entre educação e saúde, e é no hospital que esses vínculos se aprofundam. Toda essa abordagem
torna-se uma maneira de acreditar na infância e preservar a integridade e o direito à construção de
saberes. Então, a possibilidade de dar prosseguimento aos estudos tranquiliza essas crianças e
adolescentes, fazendo-as se sentirem capazes, valorizadas e incluídas socialmente.
Ressaltamos ainda ser por meio do Atendimento Pedagógico no Ambiente Hospitalar que o
prazer do estudo é evidenciado, desenvolvendo na criança e no adolescente a autonomia, o respeito
ao ritmo de aprendizagem nos aspectos cognitivos e afetivos, levando em conta também as condições
físicas e atrelando todas essas questões à sua realidade. Assim, esse serviço proporciona momentos
de descoberta, conhecimento e possibilidade de um desenvolvimento mais completo para a
construção da aprendizagem do indivíduo.
Os resultados apontaram que nenhum dos voluntários que tivemos contato possuía algum
vínculo e/ou formação em alguma licenciatura, além de não possuírem nenhum conhecimento sobre
o Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar, ou seja, a Pedagogia Hospitalar. Foi possível
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perceber também que, de modo geral, os funcionários não conseguem definir um planejamento
didático para as crianças que vão apenas a consultas.
No dia a dia das intervenções, observou-se que os voluntários fazem um acordo com as
crianças, para que elas realizem primeiro a atividade escrita e depois brinquem. Apesar disso, muitas
crianças preferem apenas brincar, devido à rotina hospitalar, além de não haver estratégias
pedagógicas, por parte dos voluntários, que as incentivem a estudar.
Em relação aos bolsistas, ressaltamos que eles vão para a intervenção no hospital duas vezes
por semana, e têm ainda mais uma reunião, que também acontece semanalmente, na própria
Universidade Federal do Ceará (UFC), mediada por uma professora especializada no assunto, e junto
com ela são discutidos textos que tratam sobre a formação do pedagogo e a presença dele dentro do
ambiente hospitalar, além de haver a troca de conhecimento entre todos, com o objetivo de buscar
sempre uma formação mais efetiva, responsável e concreta.
Elencamos ainda que a prioridade para o atendimento que os bolsistas fazem está nos leitos,
pois como bem sabemos, as crianças e adolescentes que se encontram lá não podem sair,
consequentemente, não frequentam a classe hospitalar. Além disso, os voluntários que participam,
atuam diretamente na classe hospitalar juntamente com algum bolsista que não vai para o leito, em
decorrência da falta de atendimento, porque o próprio paciente-aluno não quer e/ou estar disposto, ou
ainda por já ter algum outro bolsista na enfermaria e não poder permanecer mais de um no mesmo
ambiente, devido a normas do hospital – por temerem as infecções cruzadas.
Este fato nos leva a refletir que tais espaços deveriam estar sendo ocupados por profissionais
pedagogos formados e especializados para a área, e que, a partir do momento em que os voluntários
assumem essa posição, dando uma falsa sensação de trabalho pedagógico, as redes hospitalares e o
estado se poupam de contratar os profissionais adequados. Isso é fortalecido, pois não há um
documento oficial que diga com clareza qual o profissional que deve assumir o trabalho no
atendimento educacional no ambiente hospitalar, para realizar a Pedagogia Hospitalar, deixando essa
questão em aberto. Essas circunstâncias nos permitem observar que tal abordagem torna-se
permissiva, e o trabalho pedagógico acaba sendo efetivado por, na maioria das vezes, voluntários que
não possuem pelo menos o conhecimento básico para desenvolver métodos pedagógicos que ajudarão
na evolução e no desenvolvimento das crianças, consequentemente, não existindo nenhuma
intencionalidade pedagógica, algo primordial para um desenvolvimento efetivo.
Conclui-se, portanto, a necessidade de efetivar os profissionais que atuam na classe hospitalar
da instituição investigada, para que o direito à educação seja efetivado, pois a presença de voluntários
sem formação adequada para o exercício da docência descaracteriza os objetivos da classe hospitalar.
Embora a psicopedagoga do hospital tente instruir os voluntários, a prática é feita de acordo com o
que eles acreditam que seja o correto, sem muitas estratégias pedagógicas. Assim, não há qualquer
conhecimento sobre intenções educativas para atuar com o público atendido.
Portanto, recomendamos a elaboração pelo poder público de uma política pública para o
atendimento educacional em ambiente hospitalar, de forma que sejam especificados o perfil, as
atribuições e funções que devem reger o profissional em questão. A elaboração dessa política pode
ser o primeiro passo para a efetivação do direito à educação para crianças e adolescentes
hospitalizados.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 35.
Brasília, 1988.
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PARTE II

CAMINHOS DA PESQUISA E TRABALHO EM EDUCAÇÃO

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MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO
E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Elandia Ferreira Duarte
Josefa Jackline Rabelo
Maria Clea Ferreira Monteiro
Maria das Dores Mendes Segundo
Vítor Maia Saboia

Em meados do século XX, o acirramento da crise teórica nas Ciências Sociais é expresso pelo
dualismo centrando entre subjetividade e objetividade na constituição do conhecimento. Analisamos
neste ensaio, alguns aspectos conceituais e metodológicos que alimentam o debate atual sobre o
conhecimento científico, buscando, na contramão, demonstrar, sob a perspectiva ontológica do
marxismo, os elementos fundamentais que alicerçam a compreensão do real, em sua totalidade, a
partir das raízes históricas-filosóficas e do horizonte da emancipação humana, superando, nestes
termos, o antagonismo entre sujeito e objeto na construção do conhecimento.
Nas Ciências Humanas e Sociais, o caminho para alcançar o conhecimento é definido, em
muitos manuais de metodologia do conhecimento científico, como sendo de aplicar: o método, a
técnica, as proposições, os paradigmas, enquanto diversos conceitos de uma pesquisa na área das
Ciências Humanas.
Em linhas gerais, problematizamos que o exercício da pesquisa nas Ciências Sociais, vem
sofrendo entendimentos considerados rasos e preconceituosos quanto a sua veracidade e sua
validação, sendo atestado como uma investigação difícil de ser provada, uma vez que o terreno
pesquisado se pauta no fazer propriamente humano, mutável e consolidado em bases passíveis de
serem apreendidas apenas na realidade histórica concreta.
Dito de outro modo, o conhecimento produzido pelas Ciências Sociais vem padecendo de
profundas limitações, demarcado por retrocessos de natureza positivista, que divulga como critério
de verdade, àquelas pesquisas materializadas em dados pragmáticos, para a construção de um
determinado saber, sobretudo, pontual e/ou imediato, esvaziados de conhecimento histórico. Este viés
pragmático nas Ciências Humanas consolida, por outro lado, investigações baseadas em
subjetivismos e ideologizações advogando uma pseudomultiplicidade da realidade, que justificaria
múltiplos olhares sobre o mesmo fenômeno, aproximando-se assim, da corrente pós-moderna do fazer
científico, interferindo diretamente na consolidação conceitual dessa área.
No campo da educação, não há consenso entre os autores quanto a denominações e formas de
construir pesquisa científica. Há os que defendem metodologia como sendo as técnicas utilizadas para
coleta de dados, como a junção entre teoria e métodos de pesquisa, por vezes, se reduzindo a
conceituação e não a assimilação de todo o processo, (GHEDIN; FRANCO, 2011); há aqueles, que
reclamam um maior rigor teórico-metodológico nas pesquisas nessa área (TRIVIÑOS, 1987); e há
ainda os que utilizam o termo ‘paradigma’, para ampliar e unir numa mesma definição teoria, método,
técnicas ( MAZZOTTI, 1996).
No entanto, o debate é consensual no campo das Ciências Sociais, quando se coloca a questão
da existência da pesquisa qualitativa e suas possibilidades de diálogo com a abordagem quantitativa
no sentido de se construir especificidade e validação na forma de ser ciência. Nos parece, entretanto,
que para além da perspectiva de definição entre qualitativo e/ou quantitativo, é preciso buscar clareza
na compreensão de qual concepção de mundo valida e para quem serve o conhecimento que o
pesquisador está construindo.
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[...] as opções de pesquisa não se limitam à escolha de técnicas ou métodos qualitativos ou


quantitativos, desconhecendo suas implicações teóricas e epistemológicas. As opções são
mais complexas e dizem respeito às formas de abordar o objeto, aos objetivos com relação a
este, às maneiras de conceber o sujeito, ou os sujeitos, aos interesses que comandam o
processo cognitivo, às visões de mundo implícitas nesses interesses, às estratégias da
pesquisa, ao tipo de resultados esperados etc. (SANTOS FILHO; GAMBOA, 2000, p. 9).

No que concerne à necessidade de uma apreensão maior e mais ampla sobre os caminhos e
bases que norteiam o percurso teórico do pesquisador, que não se constitui em um percurso simples
ou secundário, o que fundamenta e define os resultados da pesquisa, se coloca como central no
processo de investigação de qualquer objeto. Vale ressaltar que método de pesquisa dialoga com os
procedimentos metodológicos da pesquisa, mas que nem sempre são assimilados como idênticos.
Para fins de delimitação desse trabalho, destacamos que iremos partir da concepção de que:
1. teoria é a definição concreta de mundo e a compreensão da realidade por parte do pesquisador, é
sua maneira de captar, perceber e estar no mundo produzindo conhecimentos; 2. método, é o corpo
teórico que possibilita determinadas escolhas, que define seus caminhos e o próprio fim a que se
chegar com o trabalho proposto se conjugando com a totalidade do movimento do real em suas ricas
e complexas mediações – fim aqui, é colocado no sentindo de finalidade teórica, e não definição
preliminar de resultados, sempre na direção de alcançar o objeto no movimento do real – e, 3. técnicas
são as ferramentas que possibilitam esse percurso, viabilizam a coleta de dados para construção do
trabalho, sendo inclusive contraditório definir essas técnicas no início da pesquisa, visto que a
investigação se vai desenhando e solicitando do pesquisador escolhas e não o contrário.
Portanto, a teoria que norteia uma investigação liga-se direta e indissociavelmente ao método
que irá consolidá-la e as técnicas necessárias para sua construção, mas não se confundem e cumprem,
cada uma a seu modo, papel diferente e necessário na análise.
A perspectiva ontológica inaugurada por Karl Marx e resgatada por György Lukács estabelece
um novo patamar de investigação sobre as diversas esferas do ser social, a exemplo da educação. A
crítica ontológica desconstrói a concepção de essência imutável ou a-histórica do homem. A ontologia
marxiana fundamenta que a essência do homem é regida pelo processo histórico e as determinações
naturais, biológica e inorgânica estão presentes, mas, o ser social é construto do e pelo trabalho,
colocando, portanto, o homem como autor de sua própria história.
Nesse sentido, o presente artigo almeja se juntar ao debate onto-histórico que interpreta que o
materialismo histórico-dialético é uma teoria de mundo que contém um modo inovador de produzir
conhecimentos, e que pode fazer uso das mais diversas formas de técnicas para consolidar esse fim,
respeitando sempre as ricas determinações do movimento do real. É uma teoria de mundo que ajusta
sua existência a uma transformação concreta da realidade humana, buscando muito além de fazer
ciência, contribuir no projeto de transformar a sociedade capitalista em uma sociedade emancipada,
pautada no trabalho livremente associado, conforme já apontava Marx em O Capital.
Assim, concebe que entender o materialismo histórico-dialético em sua essência requer um
posicionamento novo do pesquisador, que precisa superar por incorporação todo o arcabouço sobre
método científico anterior a ele, que separa o sujeito do objeto, e perceber método como um processo
da busca de assimilar coerentemente a realidade em sua totalidade e suas amplas determinações a fim
de transformá-la, emancipá-la; não sendo, meramente, um pensar epistemológico ou como um
simples paradigma científico. É válido ressaltar que totalidade não significa simplesmente a soma das
partes, mas sim “realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer
(classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 1976, p.
35, Grifos do Autor).

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SITUANDO O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO E OS FUNDAMENTOS DO


ONTO-MÉTODO NA PESQUISA

Karl Marx, ao advogar uma transformação radical da sociedade capitalista, inaugura uma nova
forma de fazer ciência. O método onto-marxiano é uma ruptura no sistema científico ao consolidar
para si uma utilização para além da teorização acadêmica. O método que nasce da teoria marxiana ao
partir do real concreto, impõe o retorno para esse real de forma elevada e reorganizada teórica e
praticamente, sem em nenhum momento se desvincular desse real que não seja apenas abstratamente.
Para Marx, o ponto de partida do conhecimento são os fatos, a empiria e a realidade fática que
constituem a expressão do real – ou seja, a aparência, que apesar de ser importante, não se encerra
nela própria. De acordo com Marx, o investigador precisa ir além da aparência fenomênica do real,
pois esta sinaliza, revela, mas também mistifica e oculta. Para entender e desvelar o real, a princípio
caótico e mistificado, é indispensável o conhecimento teórico e o levantamento rigoroso dos fatos,
em que cabe ao pesquisador identificar e analisar os processos indicados pela realidade. De posse
destas informações, o pesquisador faz o caminho de volta, elaborando a abstração do movimento do
real contraditório, retornando, assim, ao ponto de partida, agora com ricas determinações,
apreendendo o real na sua essência e totalidade.
Para melhor definirmos essa questão de rompimento realizada por Marx com toda a tradição
filosófica e científica anteriores a ele recorremos aqui a (TONET, 2013), que entende, para o construto
do conceito de cientificidade atual, se faz necessário pensar ciência durante todo o percurso histórico
da humanidade, visto esse fator ser determinante para o pensamento científico de cada época-período
histórico da vida humana.
Segundo a referência por último citada, a conceituação de ciência teve três grandes períodos
históricos e consequentemente três padrões científicos: o padrão greco-medieval, o padrão moderno
e o padrão marxiano. Para fins de limites e finalidades desse trabalho, iremos nos situar
especificamente sobre este último conceito.
Em tese, Tonet (2013) destaca que, no período greco-medieval, o conhecimento, ainda que
de forma a-histórica, era pautado na objetividade do mundo real. Desta realidade deriva a
característica metafisica, idealista e ético-política do conhecimento deste período. Já no período
considerado moderno, que surge com o capitalismo, as mudanças na constituição do homem em
sujeito social, implicam uma mudança de centralidade do coletivo para o individual, da objetividade
do real para a subjetividade do sujeito singular. Temos, assim, a lógica do interesse particular se
sobrepondo ao coletivo.
Elucidado isso, começamos por situar que o materialismo histórico-dialético é antes de tudo
uma teoria de mundo que contém em seus fundamentos um método de pesquisa, e isso define a
imposição da realidade humana por sobre o objeto a ser pesquisado, sendo impensável destituir tal
método de sua ligação direta com o projeto coletivo de transformação da realidade social capitalista,
pois, para essa teoria, o que se impõe como centralidade não é pensar o mundo como finalidade em
si mesmo, mas pensar o mundo para transformá-lo (MARX; ENGELS, 1998).
O onto-método marxiano, ao efetivar um pensar sobre o mundo que não se limita ao pensar
acadêmico, mas se vincula diretamente à realidade da classe trabalhadora buscando desvelar suas
amarras e limites impostos pelo capital, apresenta-se, como um momento de ruptura com todo o
legado anterior de construção de ciência, ruptura que, todavia, carrega no seu cerne, como não
poderia deixar de ser, à custa de ser contraditório com sua própria proposta, uma continuidade
histórica com o conhecimento acumulado anteriormente:

[...] Numa palavra: Marx não fez tábula rasa do conhecimento existente, mas partiu
criticamente dele. Cabe insistir na perspectiva crítica de que era legatário. Não se trata, como
pode parecer a uma visão vulgar de “crítica”, de se posicionar frente ao conhecimento
existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o “bom” do “mal”. Em
Marx a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-
os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo
tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processors

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históricos reais. É assim que ele trata a filosofia de Hegel, os economicistas políticos ingleses
(especialmente Smith e Ricardo) e os socialistas que o precederam (Owen, Fourier et alii)
(PAULO NETTO, 2011, p. 18).

Método, nos fundamentos marxianos, é a própria noção e compreensão da realidade através


da verdade contida no objeto de investigação, porém sem perder de vista que esse objeto tem múltiplas
determinações que recaem sobre si. Em Marx, ontologicamente entendido, é preciso assimilar o
objeto em sua totalidade e isso nada mais é que perceber o objeto inserido no todo social em que ele
surge.
E para ser fiel e coerente com sua proposta de construção teórica do conhecimento do mundo
é preciso que o próprio objeto alvo da pesquisa se apresente no caminho que o pesquisador deverá
seguir, conduzindo o investigador e não o inverso. Isso longe de ser superficial e sem rigor teórico,
ou pretender uma passividade do cientista, requer deste pesquisador aprofundamento teórico e rigor
na pesquisa na busca de que não se perca em divagações idealistas sobre o processo histórico-real.
[...] a teoria é a reprodução, no plano do pensamento, do movimento real do objeto. Esta
reprodução, porém, não é uma espécie de reflexo mecânico, com o pensamento espelhando
a realidade tal como um espelho reflete a imagem que tem diante de si. Se assim fosse, o
papel do sujeito que pesquisa, no processo do conhecimento, seria meramente passivo. Para
Marx, ao contrário, o papel do sujeito é essencialmente ativo: precisamente para apreender
não a aparência ou a forma dada ao objeto, mas a sua essência, a sua estrutura e a sua dinâmica
(mais exatamente: apreende-lo como um processo), o sujeito deve ser capaz de mobilizar um
máximo de conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e
imaginação. O papel do sujeito é fundamental no processo de pesquisa (PAULO NETTO,
2011, p. 25).

E também,

Trata-se, antes, de assimilar, também nesse caso, a concepção marxiana da realidade: ponto
de partida de todo pensamento são as manifestações factuais do ser social. Isso não implica,
porém, nenhum empirismo, embora, como já vimos, este também possa conter uma intentio
recta ontológica, ainda que incompleta e fragmentária. Todo fato deve ser visto como parte
de um complexo dinâmico em interação com outros complexos, como algo que é
determinado, tanto interna como externamente, por múltiplas leis. A ontologia marxiana do
ser social funda-se nessa unidade materialista-dialética (contraditória) de lei e fato (incluídas
naturalmente as relações e as conexões). A lei só se realiza no fato; o fato recebe
determinações e especificidade concreta do tipo de lei que se afirma na intersecção das
interações. Se não se compreende tais entrelaçamentos, nos quais a produção e a reprodução
sociais reais da vida humana constituem sempre o momento predominante, não se
compreende nem sequer a economia de Marx (LUKÁCS, 2012, p. 338).

Cabe aqui, não obstante, uma ressalva cara ao materialismo histórico-dialético: o


conhecimento que se pauta na teoria marxista, não pode perder de vista que o objeto, qualquer que
seja ele, situa-se numa sociedade de classes, e que o conhecimento nessa perspectiva teórica visa
contribuir para que a classe trabalhadora, classe historicamente revolucionária, desvele o real
buscando a completa superação desta sociedade e a construção de uma nova forma de sociabilidade
humana no horizonte de uma plena liberdade do ser social, uma sociedade verdadeiramente
emancipada.
O conhecimento que toma por base a teoria marxista entende claramente que a construção de
conhecimento nunca foi neutra, desligada da totalidade social. Ao contrário, sempre esteve
estritamente ligada com as imposições sociais de sua época histórica e toma posicionamento da classe
trabalhadora, sempre no terreno da luta de classes.
É um conhecimento que se volta para a realidade com o compromisso de desvendá-la, em sua
essência, tal como ela é e tem, consequentemente, o trabalho como elemento ontológico do ser social.
Em A ideologia alemã encontramos a defesa de que

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[...] para viver, é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas
mais. O Primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem satisfazer
essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso mesmo constitui um fato
histórico, uma condição fundamental de toda a história que se deve, ainda hoje como há
milhares de anos, preencher dia a dia, hora a hora, simplesmente para manter os homens com
vida (MARX; ENGLES, 1998, p.21).

A partir desse entendimento podemos perceber que esse primeiro fato histórico é o elemento
fundante do ser social e imprescindível para qualquer objeto de investigação em que se queira fazer
uma análise profunda, visto ser a partir de seu surgimento que podemos falar da realidade humana.
Para Marx,
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo
em que o ser humano, como sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em
movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de
apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria
natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio as
forças naturais (Marx, 2012, p .211).

Para o materialismo histórico-dialético é radicalmente necessário partir do real, da concretude


social para, seguindo abstrações assentadas nesse real, analisar um objeto de investigação a fim de
diminuir tanto quanto possível, imprecisões, falhas, limitações e incoerências na práxis. É a vida
cotidiana humana, em confronto com uma base fundamentada de abstração teórica que possibilita de
forma qualitativa a absorção de qualquer objeto.
Partir do movimento real do mundo humano carrega em si dificuldades de cunho
metodológico, visto que será a própria realidade que mostrará o caminho a ser percorrido, além de
que qualquer abstração feita tomando a realidade como ponto de partida e chegada, se descolada da
história, é infértil e falha.
Sem perdermos de vista que não se pode desprezar a história individual, nem a local, pode-se
afirmar que a história humana é uma história mundial, e quanto mais o mundo se industrializa e
fortalece intercâmbios de toda ordem, inclusive aprofundando a destruição do próprio planeta, mais
esse fato vem à tona e transforma os meios de produção social. Esse fato é concreto, perceptível na
realidade e não apenas uma abstração metafísica ou uma concepção idealista do pesquisador.
Por isso, a necessidade de qualquer investigação ser situada de forma histórica e ampla, para
desta maneira, se conseguir ter extensas determinações acerca de sua materialidade histórica,
desvelando, nesse movimento dialético, a aparência particular do objeto investigado na sociedade
capitalista burguesa atual com mais clareza de sua essência.
Nesse sentido, advogamos que o materialismo histórico-dialético é uma teoria de mundo que
contém um modo novo de produzir conhecimento, que pauta sua existência numa transformação
concreta da realidade humana, buscando, muito além de fazer ciência, contribuir no projeto histórico
de transformar a sociedade capitalista em uma sociedade emancipada, livre do trabalho alienado.
Assim, entendê-lo em sua essência requer um posicionamento novo do pesquisador, que
precisa romper com todo o arcabouço sobre método científico anterior a ele, e perceber método como
resultado da busca de pensar coerentemente a realidade em sua totalidade e amplas determinações, a
fim de transformá-la radicalmente.

MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO: CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A


PESQUISA SOCIAL

Qualquer pesquisa, que leve em consideração a história como uma totalidade e não apenas
como abstrações isoladas, tem possibilidade de elaborar um conhecimento mais próximo da essência
do objeto estudado.

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Portanto, contextualizar historicamente o objeto de pesquisa é imprescindível para que se


torne possível seu desvelamento, para além da aparência imediata, chegando a sua essência,
possibilitando seu conhecimento crítico e suas intersecções com os sujeitos que o fazem e são feitos
por ele, contribuindo ainda, com o caminho histórico de transformação da realidade posta de imediato.
Para tal empreita faz-se salutar partir do entendimento de que
[...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um
grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre
a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo
de vida social, política e intelectual (MARX, 2008, p.47).

A concepção supracitada, que nas palavras de Marx na própria obra, consiste, resumidamente,
em um resultado geral que, uma vez obtido, serviu de guia para seus estudos, também deve assistir
como pressuposto para os esforços de quem tenta compreender determinado objeto a partir do método
inaugurado pelo filósofo alemão.
Pensar o trabalho como forma de garantia do surgimento e da manutenção da vida é ter claro
que as condições materiais de qualquer época, precisam ser levadas em consideração em qualquer ato
de investigação da ciência. Como ato fundador do ser social, o trabalho carrega em si a eterna busca
do novo, que ao nascer e suprir as necessidades de subsistências do ser social, gera novas
necessidades, sendo esse um ato histórico interminável e contínuo, por isso sendo necessário
acompanhar suas modificações e suas interferências para cada época da história humana.
Ressaltamos, no entanto, que é importante não cair na compreensão mecanicista de que a
determinação da estrutura econômica sobre a superestrutura ocorre de forma unilateral, como uma
via de mão única. Apesar de extensa, acreditamos ser relevante expor a seguinte citação em que
Engels, em carta a Bloch, chama a atenção para não cairmos nesse erro.
Segundo a concepção materialista da história, o fator que, em última instância, determina a
história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez se
quer, algo mais do que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fator econômico é o
único fato determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata e absurda. A situação
econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as
formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida
uma batalha, a classe triunfante redige, etc, as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de
todas essas lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas,
filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num
sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em
muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante. Trata-se de um jogo
recíproco de ações e reações entre todos esses fatores, no qual, através de toda uma infinita
multidão de acasos (isto é, de coisas e acontecimentos cuja conexão interna é tão remota ou
tão difícil de demonstrar que podemos considerá-la inexistente ou subestimá-la), acaba
sempre por impor-se, como necessidade, o movimento econômico. Se não fosse assim, a
aplicação da teoria a uma época histórica qualquer seria mais fácil que resolver uma simples
equação de primeiro grau (Grifos nossos).

A partir de tal exposição é preciso ter claro que a estrutura econômica de qualquer época e sua
consequente superestrutura precisam ser levadas em consideração em qualquer ato de investigação
científica de viés social. Os desdobramentos da forma que os seres humanos produzem a vida e suas
consequências interferem ativamente nos objetos de estudo que lançamos mão de compreender.
Partindo dessa premissa, parece-nos necessário pontuarmos que no atual momento o capital
se encontra em crise estrutural sem precedentes1 iniciada, mais ou menos, no começo da década de

1
Apoiamo-nos aqui na definição de Mészáros (2011), que indica que atual crise sofrida pelo capital, é sem precedentes e
não apenas mais uma crise cíclica como as anteriores, para ele a atual situação do sistema é insuperável e nos levará
irrevogavelmente ao socialismo ou a barbárie total.
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1970, e que cada vez mais se agrava e atinge a humanidade em toda a sua totalidade objetiva e
subjetiva. A crise estrutural do capital atinge a sociedade em todos os seus âmbitos: da economia, a
política, a arte, até diretamente a construção da subjetividade dos indivíduos inseridos nesse sistema.
Toda ação humana por menor que seja e por mais individualizada que se proponha, é atravessada por
este fato: a atual crise estrutural do sistema capitalista.
Neste sentido, uma pesquisa que se assenta no materialismo histórico-dialético na atualidade,
precisa partir das determinações impostas por tal crise a sociedade, para desvelar, com rigor científico,
os seus desdobramentos e rebatimentos no objeto investigado.
Por fim, ainda que tendo consciência da abordagem limitada exposta aqui, compreendemos,
portanto, da necessidade de apreender o método onto-histórico marxiano, como importante construto
de pesquisa e de elaboração do conhecimento filosófico-cientifico, na busca de uma pesquisa social
que se paute no movimento do próprio real e que sempre aponte no horizonte a transformação da
lógica desumana da sociedade capitalista,
Estamos diante de um quadro tão adverso e de obscurantismo em relação à ciência e ao
conhecimento acadêmico, com a expansão da negação do conhecimento sistematizado e teorizado.
Nesta direção, a ofensiva ao marxismo torna-se mais agressiva, o que faz necessário o resgate dessa
teoria, de natureza radical, crítica e classista, uma vez que o onto-método se mostra como o mais
coerente e com mais possibilidades analíticas mais ricas e complexas frente ao o perverso mundo
capitalista que interpõe limites ao processo e construção de conhecimento efetivo, obstacularizando
o pleno desenvolvimento das reais necessidades do gênero humano.

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Sumário ISBN 978-85-000


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 82

A RELAÇÃO ONTOLÓGICA
ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO
Rita Oliveira de Carvalho
Rosani de Lima Domiciano
Mirela Máximo Bezerra

INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva tratar da relação ontológica entre trabalho e educação, possibilitando aos
leitores uma visão acerca da temática e trazendo a contribuição do trabalho como ato fundante para
o desenvolvimento do homem e da sociedade, sua relação ontológica, bem como a contribuição da
educação enquanto ato social fundante que constitui o ser social. Todo caminhar metodológico
ocorreu a partir de estudos baseados em pesquisas de autores como: Lima (2009), Mendes Segundo
(2005), Santos (2013; 2017), Marx (2010; 2013), entre outros, que remetem às noções de educação e
trabalho e sua relação ontológica.
Para Marx (2013), o trabalho é o ato que funda o sujeito em meio à natureza, mas não é o que
o esgota, pois existem outros elementos essenciais que são fundamentais para este desenvolvimento.
Este estudo se justifica por considerarmos o trabalho e a educação como ferramentas fundamentais
para o desenvolvimento do ser humano como sujeito na sociedade e, portanto, pela urgente
necessidade da continuidade dessa relação. Neste intuito buscamos neste artigo mostrar a importância
do desenvolvimento do trabalho relacionado a educação como ponte de contribuição para o
desenvolvimento do sujeito de forma significativa, e sem exploração do sujeito.

O TRABALHO E EDUCAÇÃO COMO ATO DE TRANSFORMAÇÃO DO SUJEITO

Como pontua Marx (2013), é por meio do e pelo trabalho que nos tornamos humanos. Além
do trabalho existem outros complexos, a exemplo da educação, responsável pela transmissão para as
gerações dos conhecimentos produzidos pela humanidade. Ao longo da relação homem e natureza,
em que ambos se transformam, o homem adquire conhecimentos e habilidades, desenvolvendo as
forças produtivas.
Neste desenvolvimento da força produtiva, o homem faz uma ampliação de suas habilidades
na construção de aprendizagens significativas, percorrendo sua história no meio da sociedade a partir
de seu do trabalho. E como elucida Lima,
O fundamento ontológico do devir humano dos homens, conforme a concepção
marxiana/lukasiana, reside nas ações humanas, tem caráter imanente. Os homens fazem a sua
história porque são seres sociais, cuja realização de posições causais tem caráter consciente
(2009, p. 21).

Esse caráter consciente é assumido por meio da transformação que o homem faz no seu
processo de transformações no meio social, que está inserido através de seu trabalho. Em outras
palavras, Marx (2010) afirma que é por meio do trabalho que ocorre todo o processo de transformação
da natureza, através do qual o ser humano, em seu processo de manutenção da vida, tem de utilizar
do trabalho como convivência para a sobrevivência. Nessa esteira, Santos (2017) diz que “é o trabalho
que opera a humanidade no homem. Isto é, o que diferencia dos outros animais é o trabalho, pois para
transformar a natureza, transformando-se com ela, ele planeja antecipadamente suas ações” (2017, p.
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44). No processo de formação do sujeito, são necessários vários elementos para o seu
desenvolvimento, e o trabalho é um fator primordial para a transformação deste que dia a dia vai
sendo moldado na sociedade, pois, como indica Marx,

Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem. Uma
aranha executa operações semelhantes a do tecelão, e uma abelha envergonha muitos
arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é o fato de que primeiro tem a colmeia em sua mente antes de
construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já está
presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que
já existia idealmente (2013, p. 255/256).

Neste sentido, o trabalho sendo um ato fundante é uma forma de transformação do sujeito, sua
relação direta com a natureza que tem seu poder de propiciar ao homem novos conceitos e
conhecimentos. Nessa perspectiva, Lima (2009, p. 22) aponta que “o trabalho, ato gênese da
humanidade do homem, ao realizar a ruptura com o âmbito estrito da naturalidade, inaugura a história
humana como resultante das relações sociais efetivado pelo próprio homem”. Diante disso, o homem
passa a encarar os desafios existentes no meio natural e, ultrapassando este momento, faz um salto
para uma transformação real do conhecimento. Nesse salto, o homem faz uma mudança significativa
que possibilita avanços em seu desenvolvimento.
Nessa mesma perspectiva, ocorre uma mediação entre a natureza e o homem para a produção
do novo pelo trabalho, acontecendo um salto1 do natural para a natureza transformada através da
mediação do homem. Assim, este desempenha a função de transformador na natureza e a si próprio,
e isso se chama “trabalho” que, ao fundar o sujeito, o transforma em um novo ser. Este novo homem
volta para a sociedade como um novo ser, transformado, mas carregando em si sua essência enquanto
sujeito que convive em meio a conhecimentos e transformações cotidianamente. Como aponta Marx,
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e natureza, processo em
que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza. Defronta-se com a natureza com uma de suas forças (MARX, 1987,
p. 2002).

Essa participação envolve a transformação do sujeito através de seu ato com a natureza, como
bem esclarecem Lessa e Tonet, “o trabalho é o processo de produção da base material da sociedade
pela transformação da natureza” (2011, p. 121). Essa transformação ocorre no cotidiano da sociedade
em que o homem está inserido, participando e convivendo no meio social. Como aponta Tonet,
Vale notar, ao longo deste processo, também vão se constituindo as duas grandes classes que
serão eixos fundamentais desta nova sociedade: a classe burguesa e a classe proletária. A
primeira, através da transformação da maioria dos servos e camponeses em comerciantes e
depois em industriais e a segunda através da transformação da maioria dos servos em força
de trabalho livre. Deste modo, vai se constituindo a célula mantedora da nova forma de
sociabilidade: o ato de compra e venda de força de trabalho, com todas as suas exigências e
consequências (2016, p. 36).

Ocorre, portanto, uma transformação do trabalho por meio da divisão de classes que fazem
dessa divisão uma exploração de mão de obra dos proletariados para o poder da burguesia. Na esteira
Lukács (2004, p.92), apud Costa, Paula e Morais (2013, p.43),

O desenvolvimento do trabalho contribui para basear cada vez mais em decisões alternativas
da práxis humana, do comportamento do homem frente ao ambiente a ele mesmo, como
descobridor do antes desconhecido, que passa a ser parte de sua formação como sujeito que
aprende cotidianamente.

1
Na compreensão de Lukács (1981, p. 17-18), todo salto implica uma mudança qualitativamente e estrutural do ser, onde
a fase inicial certamente contém em si determinadas premissas e possibilidades [...] (apud Ferreira Lima, 2009, p. 23).
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Para Lukács (2004) “[...] o trabalho é, portanto o momento predominante que inaugura o novo
ser, o ser social/humano (apud COSTA, PAULA E MORAES, 2013, p. 91). Este ser, ao desenvolver
sua função no trabalho, aprende novos conhecimentos e transforma seu meio e a si mesmo. Nessa
esteira, Santos afirma que,
[...] o trabalho tem na sua essência a capacidade de lançar o homem para além de sua própria
efetivação. A transformação a natureza através do trabalho possibilita a criação de algo novo,
completamente inexistente no âmbito natural biológico. O processo de criação do novo,
inaugurado pelo trabalho, não se restringe a produção de objetos, pois ao transformar o meio
natural, o trabalho age sobre o próprio homem, transformando-o de ser biológico em ser
social. Dessa forma da atividade vital do homem origina-se uma nova esfera do ser social
(2013, p. 23).

Sem trabalho não há homem socialmente constituído, já que, através do trabalho, os homens
obtêm uma transformação por meio da natureza e, a partir dessa nova fase, saltam e rompem com o
natural. Este salto ocorre através da transformação que o sujeito desenvolve no meio da sociedade a
partir do trabalho.
Dessa maneira, como já analisado, o trabalho, em um complexo ontológico, é o que funda o
ser social, levando este a obter novos conhecimentos e transformações no meio em que está inserido.
No âmbito deste debate,

Afirmar o trabalho como categoria fundante do ser social não significa entender que haja
uma separação cronológica entre o trabalho e outros complexos do ser social, como a
linguagem e a consciência cuja efetivação derivou do salto ontológico que rompeu com a
esfera natural e inaugurou a sociabilidade humana (LIMA, 2009, p. 29).

Este salto ontológico derivou com os novos conhecimentos e transformações que o homem
foi fazendo e envolvendo no meio social através de seu trabalho. Assim, ao perceber que este
elemento poderia levar a novas descobertas e novas aprendizagens, foi se desenvolvendo e
construindo novos elementos dia a dia. Ainda para a autora:

A transformação da natureza através do trabalho possibilita a criação de algo novo,


inaugurado pelo trabalho, não se restringe à produção de objetos, pois, ao transformar o meio
natural, o trabalho age sobre o próprio homem, transformando-o de ser biológico em ser
social. Desta forma, da atividade vital do homem origina-se uma nova esfera do ser
(FERREIRA; LIMA, 2009, p.23).

Como podemos perceber na citação elencada acima, o trabalho, sendo produzido pelo homem,
o transforma, possibilitando a este um desenvolvimento novo, o qual é inaugurado a partir do
trabalho. Para Lessa e Tonet (2012), é pelo trabalho, sendo ato fundante, que se realiza o intercâmbio
do homem com a natureza, fazendo este desenvolver suas potencialidades na sociedade (2012, p.18).
Como abordam os autores, o trabalho faz parte de um desenvolvimento histórico, podendo ser
modificado a partir das transformações da sociedade, que se modificam cotidianamente. Assim, como
apontam Freres, Rabelo e Mendes Segundo:

O trabalho é criador dos homens. Na medida em que o homem transforma o existente para a
satisfação de suas necessidades, transforma também a si enquanto ser genérico, pois nesse
processo de modificações do existente, adquire novas habilidades e novos conhecimentos
que precisam ser universalizados. Em cada objetivação/exteriorização, surge uma nova
situação histórica que impõe os indivíduos a descoberta de novas possibilidades de realização
de necessidades, complefixicando o gênero humano cujo desenvolvimento caminha para a
universalização de sua história e ampliação das individualidades (2008, p.1).

Nessa esteira, pelo trabalho, o homem se transforma como sujeito em desenvolvimento


cotidiano, adquirindo novas aprendizagens e conhecendo novas descobertas que o elevam a novos

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conhecimentos que, por sua vez, são transformados em novas aprendizagens significativas como
objetivação. Isso nos remete à citação de Lessa e Tonet quando dizem que:
O resultado do processo de objetivação é, sempre, alguma transformação da realidade. Toda
objetivação produz uma nova situação, pois tanto a realidade já não é mais a mesma (em
alguma coisa ela foi mudada) quanto também o indivíduo já não é mais o mesmo, uma vez
que ele aprendeu algo com aquela ação (2012, p. 19).

Lima diz que “o ser social, cujo momento predominante repousa no trabalho, não perde o
liame ontológico com as demais esferas, produzindo como resultado um caráter unitário do ser em
geral (2009, p. 24)”. Neste sentido, o sujeito carrega consigo sua essência, mesmo com a
transformação do trabalho, o ser tem em si uma essência natural e essa naturalidade faz parte de cada
sujeito que, ao se deparar com uma nova transformação do trabalho, deve saber identificar sua
transformação, mas permanecer com sua essência natural.
Como aponta Ribeiro (2015, p. 35), “o trabalho faz com que o conhecimento do homem acerca
da realidade e acerca de si mesmo, torne-se cada vez mais ampliado”. Dessa forma, torna-se
fundamental reforçar que o trabalho desenvolve no sujeito um conhecimento aprofundado,
transformando a si e o meio social. Já o espaço educacional deve oferecer uma educação que seja
democrática e transformadora, voltada para a emancipação. Neste sentido, o ser social tem todo seu
processo de desenvolvimento, permitindo-se um novo salto, inaugurando um novo mundo, um novo
sujeito, uma nova aprendizagem significativa, levando este novo homem a conviver na sociedade
com novas formas de conhecimentos e aprendizagens significativas. Como aponta Ribeiro:
A categoria trabalho se universaliza como instrumento do intercâmbio entre a natureza e o
homem [...]. A educação, por sua vez é chamada a garantir a transmissão dos conhecimentos,
habilidades, e valores necessários para que o ser humano se torne sujeito apto a viver em
sociedade e responda as necessidades, surgindo na práxis social, para pensar em algo novo,
projetando a superação das condições que atormentam a humanidade em sua trajetória
histórica (2015, p. 30).

O trabalho é intercâmbio entre a natureza e homem, pelo qual ocorre o salto transformador. A
educação, por sua vez, é caracterizada pela transmissão de conhecimento, para um desenvolvimento
necessário ao sujeito inserido na sociedade, fazendo na sua práxis social o desenvolver da superação
das ordens vigentes que mascaram o sistema, estabelecendo a importância da transformação e
valorização do aperfeiçoamento de novos conceitos. Para Freres, Rabelo e Mendes Segundo:
A complexidade das relações sociais impôs ao homem a criação de outras atividades que
tenham a função de mediar à reprodução social. Surge, portanto, a educação, atividade
fundada pelo trabalho. Sua função é, pois, a reprodução do ser dos homens cujas objetivações
precisam ser universalizadas para todos os indivíduos. Assim, a educação surge como
atividade que, além de repassar o saber historicamente acumulado pelos homens, atua na
subjetividade, influenciando os indivíduos para agirem dessa ou daquela maneira (2008, p.
2).

Sobre este debate, a educação deve transformar o sujeito, levando-o a desenvolver a


capacidade omnilateral, uma formação qualificada, humana, integral, desenvolvendo todas as suas
capacidades. Concordamos com Lima, que afirma:
Como processo puramente social, a educação desempenha um papel imprescindível para a
apropriação dos elementos sociais que compõem a essência humana genérica e são exigidas
dos indivíduos singulares e em cada momento concreto do desenvolvimento histórico social
(2009, p.108).

A educação é um complexo fundamental na reprodução da humanidade, fornecendo


elementos primordiais para a construção de uma práxis educacional de qualidade para os sujeitos da
sociedade. Ainda menciona a autora que:

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Considerada em sentido latto, a educação guarda significativas similaridades com o


complexo da linguagem. Assim como a linguagem, a educação também é um complexo
universal, comparecendo em todas as formas de sociedade constituídas pelo homem. A
educação é imprescindível em todo o modo de organização social porque sua função consiste
em articular o produzido ao longo do desenvolvimento do gênero humano e, com isso,
possibilitando a continuidade do ser social (LIMA, 2009, p. 109).

Como aponta Lima (2009), a educação possibilita, no meio da sociedade, uma interação,
conhecimento e aprendizagem que deve possibilitar ao sujeito significativas transformações
fundamentais para a qualificação profissional. Ainda para a autora, a “educação é imprescindível em
todos os modos de organização social porque sua função consiste em articular ao genérico,
reproduzindo no individuo as objetivações produzidas ao longo do desenvolvimento do gênero
humano e, com isso, possibilitando a continuidade do ser social” (LIMA, 2009, p.109).
Nestes termos, a educação desempenha um papel importante na sociedade, levando os
indivíduos a desenvolver novos conceitos que se tornam fundamentais ao passo que leva estes a
unificar os complexos da educação aos complexos do trabalho, transformando-os através de seu
desenvolvimento enquanto sujeitos em constantes mudanças significativas. Para Pereira:
É o trabalho o complexo base sobre o qual a práxis social se move, processual e
historicamente sem esgotar jamais as possibilidades da criação de algo novo na realidade
humana. Nesse sentido, a educação, assim como outros complexos, está inserida na realidade
social compondo o quadro da totalidade, para cumprir necessidades humanas estabelecidas,
tanto no plano da singularidade dos indivíduos como da generidade, mediante apropriação e
transmissão do patrimônio cultural. Com efeito, a educação é um complexo de formação
humana que se relaciona com o complexo do trabalho com a totalidade social e como esfera
do conhecimento (2015, p. 32).

Neste caminhar, educação e trabalho, em seus termos ontológicos, são as bases para a
possibilidade da transformação do sujeito enquanto ser em processo de transformação no dia a dia,
em busca de conhecimento. Dentro dessa lógica, Lima diz que a “Educação surge para desempenhar
essa função imprescindível: através dela cada indivíduo singular se apropriam das objetivações que
constituem os traços de sociabilidade, as características humano–genérico produzido pelos próprios
homens” (2009, p. 109).
Como podemos perceber a educação é articulada aos diversos complexos existentes na
sociedade, que se aproximam de conhecimentos significativos e produzem novos conceitos que
servem para sua transformação como sujeito em busca de aprimoramento.
Por meio do trabalho, ocorre um salto ontológico, a partir do qual são inaugurados novos
elementos para uma construção de uma nova esfera. Assim, a educação lançada em sentindo restrito
atende apenas a uma particularidade da sociedade, enquanto que a educação em sentido lato atende
toda a população, sem restrições. Mas o que se observa na contemporaneidade condiz com que aponta
Lima:
A corporação exige uma educação em sentido restrito, orientada para aquela formação
específica. Com a manufatura e a industrialização, as exigências postas para a formação e os
indivíduos alargam-se ainda mais e produzem consequências significativas no complexo da
educação. A principal dela se traduz no terceiro movimento que encontramos como
consequência da influência da complexificação do trabalho sobre o complexo da educação e
consiste na transformação da educação de um complexo universal, espontaneamente
reproduzido, em sentido amplo, para a educação em sentido restrito, todavia não se traduz na
eliminação da educação em sentido lato (2009, p. 115).

A educação em sentido restrito surge para atender aos interesses da sociedade de classes; neste
sentido, burguesia e proletariado são as classes fundamentais do modo de produção capitalista. Para
Lima:

Em sentido restrito, a educação também comparece como práxis social e teleologia


secundária; além disso, o complexo da educação mantém sua relação de dependência

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ontológica e autonomia relativa em relação ao trabalho. A diferença fundamental entre


educação em sentido lato e educação em sentido restrito consiste no caráter universal da
primeira e da divisão de classe da segunda (2009, p. 115).

Ainda pondera a autora que, “por outro lado, em sentido lato, a educação é reproduzida
espontaneamente e não pressupõe a divisão de classe; já em sentido restrito sua reprodução é
influenciada pelos antagonismos da classe” (2009, p. 115). Para Lima (2009), a diferença entre esses
dois tipos de educação é que a primeira, a educação estrito sensu, serve para uma educação particular
e a segunda, a educação lato, se realiza pela síntese dos atos que fazem parte de toda uma sociedade.
A segunda busca propiciar uma educação transformadora ao sujeito, levando-o a se desenvolver de
forma qualificada para enfrentar os desafios existentes na sociedade, enquanto que a primeira serve
para impor ideologias dominantes à classe do proletariado.
Nessa perspectiva, Lima diz que “a educação em sentido restrito, ao incidir sobre a educação
em sentido lato, estende a ela a ideologia dominante que influencia sua prática” (2009, p.116). Nessa
esteira, compreende-se que a educação unificada ao trabalho segue uma proposta voltada para a
burguesia, para o crescimento do capital. A educação como ato fundado deve favorecer uma
transformação real do sujeito, levando-o a uma qualificação fundamental perante a sociedade. Já no
trabalho como ato fundante do sujeito, é pertinente que este desenvolva cotidianamente sua
transformação, levando-o a saltos de transformação que favoreçam possibilidades significativas
perante a sociedade.
Como diz Lessa, “[...] o trabalho é atividade de transformação da natureza pela qual o homem
constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social da qual é partícipe”
(2012, p. 26). Como aponta o autor, o trabalho é base de transformação do sujeito na sociedade,
levando-o a se desenvolver cotidianamente. Para Sousa Junior, “quanto mais profundo for o processo
de transformação do homem, tanto mais ele ultrapassará as limitações do desenvolvimento unilateral
burguês, tanto mais livre este estará dos valores, ideologias e condicionamentos da sociedade do
capital” (2010, p.35).
Portanto, por meio do complexo da educação, os homens podem pleitear uma verdadeira
mudança social, a emancipação. Quanto mais instruído for um povo, uma nação, menos se deixará
alienar.

CONSIDERAÇOES PRÉVIAS

Neste estudo foi possível compreender que o trabalho em seu sentido ontológico transforma
o ser, levando-o a identificar que, através de salto ontológico, ocorre todo processo de
desenvolvimento e transformação, colaborando para um conhecimento que contribui em seu processo
de homem livre. Aponta Lessa que “o trabalho enquanto categoria fundante é o complexo que cumpre
a função social de realizar o intercâmbio material do homem com a natureza, é o conjunto de relações
sociais encarregado da reprodução da base material da sociedade” (2012, p. 28). Neste sentido, o
trabalho fornece ao sujeito uma função de realização de sua transformação como pessoa que busca
conhecimentos e aprendizagens em seu caminhar.
Já a educação fornece suporte necessário e primordial ao sujeito, levando-o ao pleno
desempenho de aprendizagens significativas para uma obtenção de qualificação profissional. Para
Freres, “[...] o salto ontológico entre o ser e as outras esferas é o surgimento do homem como um ser
capaz de trabalhar e produzir sua própria vida” (2008, p. 23). Nestes termos, a educação e trabalho
em seu sentido ontológico são bases fundamentais para a transformação do ser enquanto sujeito que
busca a construção de conceitos antes não adquiridos.
À guisa de conclusão, a educação institucionalizada, ou seja, a Escola, é o lugar, por
excelência, de aprendizagem dos conhecimentos sistematizados, podendo contribuir para a
construção da necessária emancipação dos homens e mulheres, desejosos de libertação dos grilhões
do sistema capitalista de produção com todas as suas barbáries.

REFERÊNCIAS

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 89

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO E A ASSESSORIA JURÍDICA


UNIVERSITÁRIA POPULAR COMO PRÁTICA
AUTOEDUCATIVA DE LUTA E DE RESISTÊNCIA
Diego Miranda Aragão

INTRODUÇÃO

Nem sempre o óbvio é tão óbvio quanto a gente pensa que ele é. E, às vezes, quando a gente
se aproxima da obviedade e toma a obviedade na mão, e dá uma rachadura na obviedade, e
entra na obviedade para vê-la desde dentro e de dentro e por dentro (isto é, ver o óbvio de
dentro e dentro dele olhar para fora), é que a gente vê mesmo que nem sempre o óbvio é tão
óbvio (BRANDÃO, 1982, p. 92).

O excerto que abre este artigo serve para nos mostrar um caminho de desvelamento da
realidade. Percurso esse que pode ser percorrido com o auxílio de instrumentos que permitem melhor
conhecer o real. Tais instrumentos são eivados de concepções, de métodos e de procedimentos
próprios para tal tarefa. Esta, é realizada, dentre outras formas, por meio da pesquisa científica1.
Espaço de criação e de formulação de saberes que funcionam como “lentes” para melhor
visualizarmos as diferentes possibilidades do objeto a ser observado.
A tarefa da ciência não se limita apenas a descrever o mundo real, mas, também, explica-lo.
Para tanto, faz-se necessário a utilização de metodologias que melhor se adequem ao tipo de
abordagem que o pesquisador pretende adotar. A metodologia escolhida foi desenvolvida com base
nas concepções do sujeito que pesquisa, mas, também, da natureza do fenômeno a ser observado.
Ambos os critérios são inter-relacionados e não excludentes.
A pesquisa, principal forma de se fazer ciência ou realizar essa elaboração sobre o real,
encontra bastantes desafios, seja pela própria natureza das coisas, o caráter não explícito dos
fenômenos, seja pelas necessidades estruturais2 (materiais, local de análise, financiamento, eventuais
auxiliares/parceiros de pesquisa, etc.) de tal empreitada. Esse desvelar que a empreitada científica
realiza ocorre pelo fato de “[...] a realidade não ser transparente. A aparência e a essência dos
fenômenos não coincidem, embora uma revele elementos da outra” (GOHN, 2005, p. 255). Daí a
necessidade do trabalho científico e das pesquisas sobre a realidade.

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO: FERRAMENTA DE TRABALHO DOCENTE E


“ÓCULOS” DA PRÁXIS EM SALA DE AULA

Para a nossa concepção de trabalho docente, a pesquisa deve ser revestida de características
especiais. Sobretudo quando se debruça sobre espaços educativos (formais e não formais). Falamos
isso, pois, enxergamos a relação ensino-pesquisa como uma unidade indissolúvel. Se a nossa defesa
é de práticas educativas dialógicas e emancipadoras, não visualizamos de forma diferente o trabalho
de pesquisa educacional.

1
A Arte e a Filosofia também lidam com a realidade. A diferença é que à primeira, cabe a reprodução ou crítica do real.
Já a segunda tem a incumbência de levantar questionamentos sobre ele.
2
Necessidades que, não raro, tornam-se verdadeiros problemas. Um exemplo atual e emblemático é o corte de gastos na
educação que afeta os órgãos de financiamento e apoio à pesquisa nas universidades públicas.
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É necessário que se conceba uma série de dificuldades encontradas e enfrentadas no trabalho


docente. É inegável afirmar ser o professor um sujeito que estuda, tendo a própria prática e pesquisa
como maiores possibilidades de mobilizar recursos para melhorar a sua atuação. Afinal, aquele
docente que apenas está imerso no trabalho, não raro, não atenta para questões de caráter imediato ou
geral acerca do próprio trabalho. Tal tarefa é realizada, com alguma frequência, por um observador
externo, um pesquisador de uma mesma área ou afim.
Torna-se fundamental ressaltar que a pesquisa nunca deve ser realizada de maneira
verticalizada. Isto é, ser conduzida por uma terceira pessoa que adentra o espaço educativo para
refleti-lo ou nele está inserido para pensa-lo. Assim, o pesquisador não deve chegar ao lócus com
concepções que sobrepujem o objeto de estudo. Mas, a atividade de pesquisa educacional deve ser,
eminentemente, dialógica e horizontal, sob pena de apenas reproduzir as concepções do sujeito e não
permitir que o objeto revele outros elementos de compreensão sobre ele mesmo.
Coadunando com tal posição, importante definição e concepção de pesquisa nos traz Pedro
Demo, apontando que: “Pesquisar [...] é sempre também dialogar, no sentido específico de produzir
conhecimento do outro para si, e de si para o outro, dentro de contexto comunicativo nunca de todo
devassável e que sempre pode ir a pique” (2002, p. 15).
Nesse sentido, se a pesquisa já é uma tratativa bem delicada sobre o real, a pesquisa em
educação se reveste de ainda mais cuidados. Afirmamos isso devido ao fato que, diferentemente das
ciências naturais3, o campo da educação lida com seres humanos que serão objeto de estudo. Mais
que isso, são eminentemente sujeitos e sujeitas que têm como trabalho a formação de outros sujeitos.
Portanto, pesquisas nessa área devem atentar que o campo da educação é eivado de disputas, de
dificuldades e de concepções.
Todos esses elementos convergem e influem para a prática docente, objeto de estudo do
presente trabalho. Assim, muitos fatores estão presentes no desenvolvimento dos estudos nessa área.
A política, a economia, o direito e a filosofia são áreas do saber que se conectam para o melhor
entendimento do objeto escolhido. É nesse sentido que a realidade deve ser concebida como um todo,
não apenas em partes isoladas, ou seja:
[...] Não é suficiente o estudo das partes e dos processos, isoladamente. Ao contrário, a forma
como os problemas se apresenta na realidade assemelha-se ao conjunto de relações
organizadas que resultam das interações dinâmicas, internas e externas, e fazem com que o
comportamento da parte seja diverso se, porventura, for analisado isoladamente no interior
de um todo. (GOHN, 2005, p. 256)

A pesquisa em Educação se revela, assim como uma “lente”, a partir da qual o pesquisador
melhor compreenderá a realidade em que está inserido. Tal instrumento, no entanto, não deve ser fim
em si mesmo, mas, intermediário para a expressão e movimento do objeto na relação com o sujeito
que pesquisa, uma vez que:
[...] um objeto de pesquisa nunca é dado; é construído. Ou seja, não é um pacote fechado
que o pesquisador abre e investiga. É um conjunto de possibilidades que o pesquisador
percebe e desenvolve, construindo, assim, aos poucos, o seu objeto (NOSELLA, 2009, p.57).

O referencial teórico a partir do qual deve ser pautada a pesquisa em educação é de extrema
importância, uma vez que estará combinado às concepções e aos métodos que o pesquisador,
porventura, adotará na pesquisa. O referencial é importante, seja no desenvolvimento do estudo seja
na própria prática docente. Não é raro os professores em sala de aula realizarem o trabalho docente
sem se preocuparem com qual teoria irá se embasar. No entanto, involuntária e inconscientemente,
ao ter determinada postura em sala, está a se aproximar ou a se concretizar determinada concepção
educacional.

3
Claro que não são todas as metodologias de pesquisa que apresentam essa abordagem. O Positivismo, por exemplo,
pretende utilizar as formas de compreensão típicas das ciências naturais e não ciências humanas, como a mera observação
dos fenômenos e extração de dados.
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Por exemplo, se sou um docente pautado pela dialogicidade e pela horizontalidade na


comunicação do conhecimento, devo ser guiado (querendo ou não) por concepções educativas que
trazem esses conceitos como base dos constructos teóricos. O mesmo ocorre com um professor que
desenvolve uma prática autoritária e antidialógica. Além disso, a pesquisa em si tem
uma função pedagógica e formativa. Afinal, será uma das iniciativas racionais que permitirão melhor
compreensão sobre determinado objeto. O ato de pesquisar produz conteúdos e gera saberes e
conhecimentos, conforme nos afirma GOHN (2005, p. 265). Por isso, conferimos bastante relevância
à pesquisa em educação. Ela trará novos elementos para a compreensão e para a inovação da prática
docente que podem ou não serem incorporados ao trabalho em sala de aula.
Para além do caráter pedagógico da pesquisa (o qual enriquece o trabalho docente e amplia os
horizontes da pesquisa), essa deve ser, eminentemente, um instrumento de retorno ao espaço
educacional como ferramenta, se não de solução, ao menos de amenização dos problemas concretos.
A universidade, como lócus privilegiado do fazer científico, deve assumir essa tarefa ao incitar e
desenvolver estudos que:
[...] possibilitem vislumbrar mudanças, que façam diagnósticos dos problemas a partir da
análise da trama de relações que os configuram. Só assim as pesquisas poderão ser
ferramentas que promovam alterações qualitativas, que contribuam para a melhoria da escola
e das relações que lá se desenvolvem (GOHN, 2005, p.271).

O fragmento acima nos traz um dos objetivos mais marcantes, talvez o principal, da pesquisa
em educação: melhorar o sistema educacional. Tornar mais aptos e eficazes os processos educacionais
de formação de sujeitos, ao mesmo tempo em que se constroem melhor as relações sociais insertas
nos espaços educativos. A sala de aula deve ser um espaço de afetos, de paixões e de barulhos, mas,
sobretudo, de formulações próprias de saberes. É a “velha” pedagogia da autonomia defendida por
Paulo Freire que deve entrar em ação.
Por fim, é necessário realizar um percurso que demonstre ser o objeto revestido de
características que o tornem universal. Quer dizer, o estudo sobre determinado problema deve estar
relacionado a uma estrutura que o conecte a um todo mais amplo. Exemplo: fechamento de escolas
do campo no Município de Jaguaruana-CE. Tal problemática deve ser vista sob a perspectiva que
atente para quais políticas estatais se relacionam com isso, se o fenômeno é pontual ou algo
generalizado no Ceará ou no Brasil, se há outras dinâmicas relacionadas que influem nesse problema.
Daí a importância da escolha de um adequado método de pesquisa.
O método dialético, por exemplo, tenta trilhar tal percurso de ida e de volta, particular-geral-
particular, além de relacionar o particular com o contexto de forma a integrá-lo em um todo. Nos
estudos sobre educação, tal método “[...] investiga a conexão íntima entre a forma pela qual a
sociedade produz a sua existência material e a instituição escolar que cria. [...] o fundamental do
método está [...] na relação constitutiva entre eles, pois esses termos só existem nessa relação
(NOSELLA, 2009, p. 78).

A ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR E A RELEVÂNCIA DELA PARA


AS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO

Realizadas as considerações sobre a pesquisa em geral e a em educação, vamos, agora, à


relação de nosso objeto de estudo com as mesmas. Isso será feito tendo como fio condutor o
referencial teórico e metodológico e, também, o embasamento teórico próprio dos estudos acerca da
Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP).
Ao se observar o panorama da sala de aula na graduação em Direito, enxergamos uma série
de problemas e de deficiências. As aulas, não raro, são ministradas como palestras, sem diálogo e
com exposição unilateral das questões. A tônica de tais espaços educacionais é marcada pela educação

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bancária4. Os estudos sobre a AJUP, por sua vez, propõem-se a apresentar alguns elementos da
prática político-pedagógica freireana para uma perspectiva de formação do jurista com vieses
dialógicos, horizontais e emancipatórios, bem como exercícios de expansão da positividade jurídica
que podem produzir reflexos na prática e na teoria jurídica.
Numa sociedade crescentemente complexa e conflituosa, identificamos nas assessorias
populares possibilidades de contribuições para esse tipo de formação, uma vez que elas caminham na
contramão de um fazer pedagógico no curso de Direito expressado e legitimado como conhecimento
jurídico acrítico, insuficiente para a resolução de conflitos. Tais problemas vão formar um aplicador
da lei ideologicamente desideologizado5 e distante dos problemas do seu tempo e dos diversos fatores
que influenciam a formação jurídica.
Daí a necessidade de uma formação do jurista que implique saberes reflexivos que pensem a
própria teoria enquanto se fazem prática e vice-versa. A pesquisa cumpre função importante nesse
sentido, seja como denúncia desse tipo de formação antidialógica e acrítica, seja como elemento que
possibilite enxergar e incluir contribuições no Ensino Jurídico.
O tipo de trabalho educativo que a inserção em práticas de assessoria popular realiza pode
instaurar uma nova cultura jurídica na qual percebemos possibilidades de se poder realizar uma
educação jurídica popular. Um modelo educativo, que leve em consideração os âmbitos político,
econômico e cultural, configurando um quadro:
“[...] em que a atuação do profissional tende a ser crítica e transformadora da realidade social
[...]” reverberando no “[...] surgimento de um jurista engajado, em busca da aplicação
libertadora do direito, como instrumento de contestação política e de resgate das classes
sociais que permanecem à margem da ordem jurídica liberal burguesa [...]” (MACHADO,
2009, p. 210).

O Projeto de Extensão Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP) é uma extensão


jurídica universitária, assentada na prática político-pedagógica de Paulo Freire e influenciada por
algumas vertentes da chamada Teoria Crítica6. Quer dizer, o trabalho de educador popular aqui é
assentado na matriz teórica freireana e em constructos teóricos alternativos da Teoria do Direito. A
assessoria estudantil se reveste, portanto, de um caráter criador e potencializador de aprendizagens
entre esses jovens estudantes de Direito. Nesse sentido, a AJUP será como assevera Luz (2014):
[...] uma importante via criativa gerada no interior das tradicionais faculdades de direito,
indicando, de certa forma, não só uma nova instrumentalidade em face da incipiente prática
forense dos estágios curriculares, mas, paralelamente, mostrando-se como promotores de
uma verdadeira “Paideia”, muito mais profunda em seus princípios e perspectivas, a partir de
um novo ideal de formação acadêmica e política para estudantes de direito. (2014, p. 218).

4
Modelo de ensino voltado para a mera transmissão de conteúdo, envolvendo hierarquização de saberes e distanciamento
entre aluno e professor. À educação bancária, Freire vai propor a Pedagogia da Autonomia, fundada na ética da docência
e no amor pela formação de sujeitos que se envolvem no processo de educação, identificados como atores protagonistas
da apreensão do conhecimento. Aqui a realidade do educando é observada e reconhecida como pré-saber e será
problematizada por essa educação que será política por que eivada de intencionalidades: a da emancipação e da libertação
do povo oprimido (FREIRE, 1996).
5
Expressão utilizada por Roberto Lyra Filho, autor que trouxe a reflexão marxista para o direito. Lyra vai afirmar que o
profissional formado nos bancos das faculdades de Direito, essas mesmas que aplicam a educação bancária, segue
destilando a dogmática jurídica juspositivista e nos moldes do Estado Burguês sem problematizações a fundo ou tentativas
de utilização alternativa dos possíveis instrumentos emancipatórios do direito. O que significa reproduzir a ideia da
neutralidade do direito e da desideologização dele. É assim que esse futuro profissional vai sendo ideologicamente
desideologizado (LYRA, 1985).
6
No campo jurídico, a Teoria Crítica vai questionar: o caráter científico do direito, por lhe faltar a pretendida objetividade
que decorreria de uma irreal aplicação mecânica da norma ao fato, com base em princípios e conceitos genericamente
válidos; a alegada neutralidade política, ao denunciar sua função ideológica de reforçador e reprodutor das relações sociais
estabelecidas; a pureza científica, ao preconizar a interdisciplinaridade como instrumental indispensável à formação do
saber jurídico. (2009, p. 4)
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O desenvolvimento de pesquisas em Educação que tenha como objeto práticas autoeducativas


e de resistência dentro dos cursos de Direito, tal como o AJUP, assume relevância extremada, dadas
as necessidades de atuação jurídica inovadoras numa sociedade crescentemente complexa e
conflituosa. Além, é claro, de revelar o caráter interdisciplinar de pesquisas na área do Direito que
podem contribuir para questões ligadas ao Ensino Jurídico, ao Currículo, à Epistemologia das
Ciências Humanas, etc.
Necessário alertarmos que a conexão aqui realizada, Direito-educação, para problematizar a
formação jurídica, não se construiu com o intuito de instrumentalizar apenas as contribuições
educacionais para a melhoria daquela. Isso foi feito, também, para que novos elementos
problematizadores sejam inseridos nos debates educacionais. Afinal, o ensino universitário é temática
de pesquisas em educação.
Somando-se a tal alerta, concebemos que o desenvolvimento de extensões dessa natureza
objetiva satisfazer, eficazmente, o tripé universitário ensino-pesquisa-extensão. Afinal, a prática da
assessoria popular revela indícios de um exercício constante da indissociabilidade desse tripé, pois,
como assevera SEVERINO (2013), a extensão:
[...] deve ser entendida como o processo que articula o ensino e a pesquisa, enquanto
interagem conjuntamente, criando um vínculo fecundante entre a Universidade e a sociedade,
no sentido de levar a esta a contribuição de conhecimento para sua transformação. Ao mesmo
tempo que a extensão, enquanto ligada ao ensino, enriquece o processo pedagógico, ao
envolver docentes, alunos e comunidade num movimento comum de aprendizagem,
enriquece o processo político ao se relacionar com a pesquisa, dando alcance social à
produção do conhecimento. (p. 24)

É exatamente a esse enriquecimento do processo pedagógico de que nos fala o autor que a
prática do AJUP alimenta. A participação em projetos dessa natureza gera inquietações diversas e
levanta questionamentos nos jovens que poderiam surgir dentro das salas de aula. Além disso, os
debates educacionais podem se servir de tal contribuição (recíproca!) para avançar no
desenvolvimento de processos de pesquisa que toquem na epistemologia e Didática das ciências
humanas como um todo.
Portanto, percebemos não só a relevância das pesquisas acerca do AJUP, mas, também, a
contribuição recíproca entre essas e as próprias pesquisas educacionais. É um vaivém que só poderá
trazer bons frutos e suscitar mais inquietações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos ter traçado um percurso que seja compreensível ao leitor. Mais que isso, que tenha
sido clarificada uma proposta de aproximação geradora de novas reflexões para os pesquisadores em
educação e áreas afins, bem como iniciativas de pesquisa na área.
O trabalho nos AJUPs vem trazer essa contribuição para a crítica do Ensino Jurídico e, de
certa forma, da prática jurista profissional também, além de possibilitar um horizonte de formação
com vieses dialógicos, emancipatórios e horizontais. Não há mais que se falar no operador jurídico
tradicional que reproduz fórmulas e cânones que aprendeu na faculdade e na prática jurídica. Torna-
se cada vez mais premente o (re)surgimento de juristas engajados politicamente e munidos de teorias
libertadoras que possam estar atentos aos conflitos e contradições sociais.
A pesquisa em educação assume relevância extremada dado o contexto de conflituosidade
social em que vivemos. O se debruçar sobre objetos interdisciplinares que possibilitem a crítica à
formação de sujeitos e sujeitas condicionados à reprodução de tecnicismos e de atuações acríticas
sobre a realidade social se torna central nessa conjuntura. A teoria e práticas jurídicas se enriquecem
e as teorias de pesquisa em educação acrescem elementos para os estudos da realidade educacional
do país.

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REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues, Marilena S. Chauí, Paulo Freire. O educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1982.
DEMO, Pedro. Pesquisa – princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 2006.
FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOHN, M. da G.M. A pesquisa na produção do conhecimento: questões metodológicas. EccoS – Revista Científica,
São Paulo, v.7, n.2, p. 253 – 274, jul/dez. 2005.
LUZ, Vladimir de Carvalho. Assessoria Jurídica Popular no brasil - marcos teóricos, formação histórica e
perspectivas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2014.
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
NOSELLA, Paolo. Instituições escolares – por que e como pesquisar. Campinas, SP: Editora Alinea, 2009.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez Editora, 2013.

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ANÁLISE DOS DESAFIOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA:


UM ESTUDO NO CURSO DE GASTRONOMIA
Dilcilene Maria de Oliveira Chaves
Priscila Ximenes Moreira
Alisandra Cavalcante Fernandes de Almeida

1 ESTUDO SOBRE OS AVANÇOS

Historicamente, pode-se identificar o marco inicial do fenômeno da expansão da Educação


Superior no Brasil a partir da chegada da família real portuguesa, em 1808 (COSTA et al., 2011).
Porém, os condicionantes econômicos, políticos e culturais da época guardam considerável distinção
do contexto atual. Por isso, os estudos acerca do fenômeno da expansão dos cursos de graduação
limitam-se ao contexto da globalização iniciada no século XX.
A seguir, apresentamos um panorama da expansão do Ensino Superior de graduação no Brasil
entre os anos de 1995 e 20171. Para Sguissardi (2015), a expansão do Ensino Superior insere-se no
contexto de reestruturação do neoliberalismo, sistema que tem como tônica a primazia da esfera
financeira. Segundo o autor, o Ministério da Educação (MEC) promoveu uma desestruturação do
Ensino Superior federal ao reter recursos financeiros e criar novos Institutos Federais de Educação
(Ifes) no período de 1995 a 2002.
O que se seguiu foi um alastramento de instituições privadas de ensino superior, logo
repercutindo no aumento da taxa de crescimento do setor. Na época, observou-se também a adoção
do preceito de Estado Mínimo nas várias dimensões do Ensino Superior. Em síntese, vivenciou-se
uma fase de “sucateamento das Universidades Públicas” (RISTOFF, 2014; ALMEIDA et al., 2016).
A Figura 1 ilustra a expansão dessas instituições privadas, ao representar o percentual de
matrículas em cursos de graduação por categoria administrativa.

Figura 1 - Percentual de matrículas em cursos de graduação

da rede pública, por categoria administrativa – 2017


Fonte: Inep (2017).

1 Esse intervalo foi definido em face dos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) sobre Educação Superior abrangerem esse período.
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Na Figura 1 visualiza-se uma série histórica que contém o percentual de matrículas em cursos
de graduação de 2007 a 2017. Na representação, observa-se o peso das Instituições de Ensino Superior
(IES) privadas que, em 2017, registraram 75,3% (6.241.307) do total de matrícula nesse nível de
ensino, enquanto a rede pública participou com 24,7% (2.045.356). Em comparação com 2016, a
quantidade de matrículas na rede pública, em 2017, foi 2,8% maior, ao passo que a rede privada
assinalou um crescimento de 3,0%. No acumulado de 2007 a 2017, a variação do número de
matrículas na rede privada foi da ordem de 159,4%, enquanto a rede pública registrou 153,1%.
Ao investigar o fenômeno da expansão do Ensino Superior e o financiamento, Carvalho
(2014) aponta que, no período de 2008 a 2015, os Ifes e as Universidades tiveram significativa
expansão. Contudo, persistiu a hegemonia do setor privado na oferta de matrículas, sobressaindo a
lógica de mercado empresarial, combinada com mecanismos de renúncia fiscal e desoneração
tributária, a exemplo do Programa Universidade para Todos (PROUNI).
A autora destaca, ainda nessa fase, a retomada dos gastos, por meio de investimentos, nos Ifes
e assinala a adoção de um modelo de financiamento do ensino federal no qual o estado retoma seu
protagonismo. Entretanto, observou-se a ampliação da abrangência do financiamento destinado ao
sistema privado, via criação do Prouni, e ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
No entendimento de Sguissardi (2015, p. 877), programas como o Prouni, Fies e a Lei das
Cotas focam na democratização do acesso e permanência do estudante na graduação, mas inserem-se
no conceito de políticas focais, uma vez que se destinam “a parcelas da população trabalhadora ou
excluída e têm alcance limitado, pois não atuam sobre as causas da desigualdade social produtora da
exclusão” (p.877).
As escolhas políticas no tocante à expansão do Ensino Superior, em parte, justificam-se em
face da demanda de jovens fora desse nível de ensino. Estatísticas oficiais revelam que apenas 18,1%
dos jovens de 18 a 24 anos frequentavam essa etapa em 2015. Esse indicador, nomeado de Taxa de
Matrícula Líquida, faz parte da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê seu aumento
para 33% em 2024.
Atender a essa demanda via expansão massiva do setor privado causa apreensão, uma vez que
os ditames do mercado tendem a impor à educação uma lógica prioritariamente financeira, limitando
sua oferta como serviço público e direito de todo cidadão, independentemente de renda, classe social,
gênero, origem étnica, etc.
As instituições públicas de Ensino Superior desempenham papel relevante no
desenvolvimento social, econômico e cultural do País. A importância dessas instituições é apontada
em estudos recentes, inclusive em pesquisa desenvolvida por Andriola e Suliano (2015), que
avaliaram as repercussões sociais da instalação de unidades da UFC em municípios cearenses após
sua adesão ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni).
A pesquisa contou com uma amostra de 129 docentes e 503 discentes dos campi avançados
da UFC, nas cidades de Sobral, Quixadá, Juazeiro do Norte e Barbalha. Além desses, foram
incorporados 191 moradores locais. Mediante entrevista, aplicação de questionário, audiência com os
participantes e revisão bibliográfica, Andriola e Suliano (2015, p. 295) apontam o impacto positivo
da expansão dessa universidade para o interior do estado. Processo este, segundo os autores,
acompanhado do incremento no “desenvolvimento econômico e social” das populações locais.

1.1 IFCE Baturité e o Curso de Tecnologia em Gastronomia

Nessa perspectiva, e na atmosfera do processo de expansão e interiorização do ensino superior


público no Brasil, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) deflagrou,
em 2010, um ciclo de expansão no estado, que incluía a abertura de novas unidades. Assim, em
fevereiro de 2010, foi inaugurado o campus do IFCE Baturité, localizado na cidade de Baturité,
distante a aproximadamente 100 quilômetros da capital do estado. Na ocasião, segundo o IFCE
(2017), a infraestrutura do campus era composta de prédio administrativo, laboratórios, sala de
videoconferência, auditório, ginásio e terreno para futuras expansões.

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Nessas condições, em agosto de 2010, iniciaram-se as aulas com a oferta dos cursos de
Tecnologia em Gastronomia e Técnico em Hospedagem. Na atualidade, também são ofertados os
cursos de Tecnologia em Hotelaria, Licenciatura em Letras Português/Inglês, Técnico em
Administração e pós-graduação lato sensu em Ciências de Alimentos. Dentre os cursos mencionados,
destacamos o de Tecnologia em Gastronomia, por tratar-se de uma das unidades de análise desta
pesquisa.
Essa graduação tecnológica foi constitucionalizada pela Resolução 023, de 31 de maio de
2010, do Conselho Superior do IFCE. O Projeto Pedagógico Curricular (PPC) do curso defende a sua
implantação na cidade de Baturité dada a oportunidade de agregar recursos tecnológicos e serviços a
empreendimentos voltados direta ou indiretamente para a área de alimentos e em uma cidade de
ligação entre a capital e cidades serranas, espaço em que despontam o turismo e a agricultura, de
modo a desenvolver a potencialidade gastronômica dessa cidade e do entorno, denominado Maciço
de Baturité.
O mesmo PPC (IFCE, 2017, p. 20) nomeia o egresso do curso como tecnólogo em
Gastronomia, dotado de perfil profissional que lhe permita:
Utilizar adequadamente o ambiente, equipamentos e utensílios nas áreas de Alimentos e
Bebidas; atender às normas e práticas de higiene na aquisição, pré-preparo, armazenamento,
preparo e apresentação de alimentos/refeições; Elaborar preparações culinárias em
conformidade com a legislação vigente; elaborar pratos com finalização atrativa e
sensorialmente aceitáveis; Interagir com a cultura já estabelecida, recriando-a de modo
inventivo e inovador, a partir de várias influências gastronômicas e culturais; construir
empreendimentos em serviços de alimentação, buscando alternativas e conquistando novos
mercados.

Como graduação de curta duração, a matriz curricular espelha o foco de um curso com ênfase no
mercado de trabalho, conforme preconiza a legislação, a exemplo do Parecer CNE/CP 29/2002
(BRASIL, 2002). Abrel e Salles (2015)⁠, ao investigar a formação dos egressos dos cursos de
Tecnologia em Gastronomia, no estado de São Paulo, identificaram a influência do mercado de
trabalho na estrutura da matriz curricular desses cursos e as limitações de uma formação mais ampla
desses profissionais.
Por sua vez, ao entrevistar os coordenadores desses cursos sobre as motivações para mudanças
nas disciplinas, os pesquisadores mapearam razões como: readequação de carga horária de disciplina;
adequação ao mercado; e atualização de alguma técnica gastronômica.
A partir dos achados da pesquisa, os autores apontam a necessidade de uma formação mais
alargada e interdisciplinar dos tecnólogos em Gastronomia, indo além da compreensão de formar
exclusivamente para o mercado e limitada apenas ao preparo de pratos. Para tanto, discute-se, a
seguir, o esforço necessário para superar esse estreitamento.

1.2 Produção acadêmica e TCC

Alcançar um nível de formação dessas proporções pressupõe a aquisição de competências


inerentes ao método científico. Nessa busca, a pesquisa revela-se como ferramenta de primeira
grandeza. O PPC do curso de Tecnologia em Gastronomia do IFCE (2017, p. 22), por sua vez, traz
que:

A matriz curricular e as metodologias de ensino estão formatadas de forma a incentivar o


trabalho em grupo, bem como estimular a assimilação de conhecimentos de forma
interdisciplinar; fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, a iniciação científica, assim como a monitoria, os estágios, as
monografias e/ou trabalhos de conclusão de curso.

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Esse destaque do marco legal elege a iniciação científica e a pesquisa como estratégias fundamentais
na formação dos profissionais da Gastronomia. A pesquisa realizada no percurso da graduação e pós-
graduação faz parte do que, no presente estudo, está definido como produção acadêmica.
Refinando esse conceito, a produção acadêmica pode ser compreendida como o conjunto de
ações desenvolvidas no âmbito do Ensino Superior por sujeitos vinculados à comunidade acadêmica
que adotam a pesquisa científica como eixo central na sua trajetória formativa. Os Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC) elaborados nos cursos tecnológicos ilustram o conceito.
A graduação em Tecnologia em Gastronomia do IFCE Baturité apresenta matriz curricular
com cinco semestres, e a disciplina de TCC aparece como obrigatória no quinto semestre,
computando carga horária de 40 horas. Por esse componente curricular, almeja-se que o futuro
egresso de Tecnologia em Gastronomia desenvolva uma pesquisa que conjugue elementos teóricos,
vistos no decorrer da formação, aliados à prática profissional, atividade que servirá “como uma
espécie de treinamento a fim de consolidar a transição entre o status de estudante e o status de
profissional” (IFCE, 2017, p. 34).
A pesquisa científica, assim como outros métodos de apropriação do conhecimento, requer do
investigador uma etapa de maturação. No transcorrer desse percurso formativo, o tempo, convívio
com abordagens distintas, a discussão, entre outras práticas, integra um conjunto de competências
inerente ao método científico.
Esse rito de passagem para estudantes que, em sua maioria, vivenciam pela primeira vez uma
graduação, pode resultar em dilemas com desfechos nem sempre de sucesso. Portanto, é oportuno
conhecer as revelações de alguns estudos sobre essa questão.

1.3 Desafios da Produção Acadêmica

Ao examinar os desafios vivenciados pelos estudantes no processo de elaboração do TCC,


Oliveira Sorrentino et al. (2017) identificaram escassez de estudos acerca do assunto. Apesar disso,
na busca em periódicos, na web e em repositórios dos Ifes, conseguiu-se estabelecer um referencial
teórico sobre o tema.
Freitas et al. (2013), ao desenvolver estudo quantitativo descritivo com estudantes de
graduação em Enfermagem, identificaram as dificuldades enfrentadas por estudantes dessa
especialidade ao longo da elaboração do TCC. Os dados mostraram o tempo destinado à construção
do TCC como o item mais bem avaliado. Por outro lado, atribuíram menores notas ao processo de
“desenho da pesquisa” e ao fluxo de comunicação com o orientador.
Também adotando uma abordagem do ponto de vista do graduando, Oliveira Sorrentino et al.
(2017) revisaram pesquisas que versavam sobre os desafios dos educandos e identificaram duas
categorias de desafios na elaboração do TCC: desafio pessoal e desafio socioeducacional. O primeiro
expresso pelo enfrentamento do estudante em mobilizar seu repertório de conhecimentos e/ou
habilidades e incorporá-los ao desenvolvimento do TCC. O outro caracterizado por fatores ligados
desde questões de interação com o orientador ao cumprimento de exigências apresentadas pela
instituição de ensino.
Os autores também apontam a relevância da prestação de assistência aos estudantes, nessa
empreitada, tanto por parte dos orientadores quanto pelo Ifes. Entretanto, Dias (2011 apud
OLIVEIRA SORRENTINO et al. 2017, p. 60) destaca a força do protagonismo por parte do
graduando. A falta de professores qualificados e do suporte da instituição surtem efeito reduzido no
fortalecimento do estudante durante a produção do TCC.
Freitas (2012), ao investigar o assunto, empreendeu uma abordagem qualitativa com
estudantes de áreas distintas. Identificou existirem, entre os discentes, apreensões relativas à
normatização e padronização do trabalho final de curso. A pesquisa finda por recomendar a aplicação
de iniciativas, na graduação, voltadas para superar as dificuldades na elaboração do estudo final de
curso, esclarecendo a prática de transgressões, a exemplo do plágio.
Guedes (2012), ao analisar um curso de Medicina, mostra como a experiência de elaboração
do TCC pode ser enriquecedora para os estudantes. Essa vivência promove as capacidades

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relacionadas à leitura crítica de artigos científicos, ao desenho de projetos de pesquisa, à avaliação


estatística e exposição em público.
A revisão bibliográfica apresenta o panorama da expansão do Ensino Superior nos últimos
anos, com ênfase no ensino privado. Não obstante, os Ifes públicos também ampliaram sua oferta,
principalmente a partir de 2013. Nesse movimento de dimensões heterogêneas, destaca-se o
crescimento dos cursos tecnológicos. E foi nessa expansão que, em 2010, o IFCE inaugurou o campus
de Baturité, no qual frisamos o funcionamento do curso Tecnológico em Gastronomia.
Nessa marcha de expansão, os estudantes vivenciam experiências distintas, em sua trajetória
acadêmica. No entanto, para um número expressivo desses discentes, evidencia-se um elo comum,
que é a experiência de elaborar um TCC. Essa atividade revela-se multifacetada e com desafios
diversos, conforme a inspeção dos estudos sobre esse tema revelou.
Segundo Barreto (2016); Favretto e Moretto (2013) e Santos e Xerez (2016), em certa medida,
os desafios podem se acentuar em cursos tecnológicos de graduação, devido às suas características
moldadas com ênfase nas demandas do mercado, apresentando matriz curricular que abrange mais
disciplinas práticas e a integralização curricular, em um período de curta duração.
Portanto, mediante o cenário apresentado e dada a escassez de pesquisas sobre a temática, o
presente estudo objetivou identificar e caracterizar os desafios encontrados na produção acadêmica
dos TCCs no curso de Tecnologia em Gastronomia do IFCE Baturité.
Como objetivos específicos, destacam-se para:
⚫ Identificar os estudantes matriculados na disciplina de TCC;
⚫ Revisar a literatura acerca do tema de pesquisa;
⚫ Caracterizar, a partir da perspectiva dos estudantes, os desafios encontrados na produção do
TCC.

2 METODOLOGIA

Essa investigação pautou-se pela utilização da pesquisa descritiva, uma vez que não se
almejou exercer controle sobre as variáveis em estudo (PRODANOV; FREITAS, 2013). Para tanto,
adotou-se uma perspectiva qualitativa, visto que os sujeitos participantes constituíram a principal
fonte de dados (GIL, 2008; CHIZZOTTI, 2006). Esses sujeitos, que totalizaram 22 discentes, foram
convidados a responder a um questionário misto com questões fechadas e abertas, aplicado no campus
IFCE Baturité, no intervalo da aula.
Importante ressaltar que a presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do IFCE e os
entrevistados responderam ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nos Apêndices
deste texto, constam os modelos do TCLE e também do questionário.
Quanto à amostra, adotou-se como critério de inclusão os estudantes do curso tecnólogo em
Gastronomia do IFCE Baturité, maiores de 18 anos até a data de aplicação do questionário e
matriculados na disciplina de TCC. Esses participantes foram nomeados com a sigla S, de Sujeito,
seguida de uma numeração. Assim, os discentes ficaram identificados como S1, S2, S3, etc.
Os dados que emergiram do questionário, a partir das questões abertas, foram submetidos à
análise de conteúdo para facilitar a compreensão do fenômeno (BARDIN, 2010). As questões
fechadas passaram por uma tabulação com base na estatística descritiva. Quanto à análise e
interpretação dos dados, a revisão bibliográfica do tema serviu de suporte na mediaç
ão do diálogo entre aspectos teóricos e empíricos desta pesquisa, apresentados no tópico a
seguir.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil dos sujeitos da pesquisa revelou quantidade significativa de jovens na turma do curso
de Tecnologia em Gastronomia do IFCE, pois 64% dos entrevistados apresentam-se na faixa etária
entre 20 e 24 anos. Quanto à cidade de procedência, 72% eram do Maciço de Baturité. Cerca de 77%
dos sujeitos concluíram o Ensino Médio em escola pública e chegaram ao Ensino Superior via

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Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Desses, 45% declararam ter ingressado por meio de algum tipo
de ação afirmativa.
Esses dados sugerem o impacto da instalação do IFCE Baturité no âmbito da política de
expansão e interiorização do Ensino Superior no Ceará, corroborando com os estudos de Andriola e
Suliano (2015). Também ilustram o êxito dessa política, mesmo com as críticas de Pinheiro (2018),
pois são jovens que, por intermédio do ingresso no Ensino Superior, tiveram ampliadas suas
potencialidades de empregabilidade e consequente inclusão social.
De acordo com os dados obtidos, cerca de 95% dos estudantes revelaram vivenciar esse nível
de ensino pela primeira vez e 36% contaram com a oportunidade de participar de grupo de pesquisa
no transcorrer do curso, quer seja como bolsista voluntário ou remunerado. Esse conjunto de
elementos, em tese, pronunciam a magnitude do “desafio pessoal” (OLIVEIRA SORRENTINO et
al. 2017) desses alunos na elaboração dos seus estudos finais.
Na ocasião em que foram perguntados a quanto tempo estavam elaborando seus TCCs, as
respostas variaram de um até seis meses. Além disso, com relação ao tipo de TCC, somente um
estudante informou estar desenvolvendo uma monografia e 95% declararam estar produzindo artigo.
Por sua vez, 55% dos sujeitos, quando questionados se iriam submeter suas pesquisas ao
Comitê de Ética, declararam que “não”. Alguns dos motivos para a não submissão estão ilustrados
nas seguintes falas: “… não, devido à burocracia envolvida que acaba atrasando o cronograma”
(S5), “… por que não é pesquisa que envolve seres humanos” (S10) e “não terá a participação de
seres humanos, pela burocracia e demora do processo” (S 12).
O Comitê de Ética cumpre papel relevante nos Ifes. A sua institucionalização vem auxiliando
pesquisadores na incorporação de valores éticos aos seus estudos. No entanto, é salutar refletir se os
trâmites para a submissão das pesquisas, o desconhecimento do manuseio da plataforma, ou, ainda, a
falta de consistência nas propostas submetidas ao comitê, podem estar levando os educandos a optar
por estudos sem mediação direta ou indireta com seres humanos, resultando, no caso específico desta
pesquisa, em trabalhos majoritariamente no formato de artigo.
Ainda sobre a produção do TCC, 82% apontaram ter enfrentado desafios, conforme descritos
na Tabela 1 que também traz a quantidade de respondentes.

Tabela 1 - Desafios na produção do TCC

Quantidade
Desafios
de Respostas
1. Formatação 5
2. Dificuldade na escrita e/ou redação 4
3. Escassez de referencial teórico 4
4. Normatização 4
5. Gestão do tempo 2
6. Definição do objeto de estudo 2
7. Submissão ao Comitê de Ética 1
8. Bloqueio 1
9. Seleção dos participantes 1
10. Metodologia 1
Total 25

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do questionário.

Na Tabela 1, sobressaem como os maiores desafios na elaboração do TCC a formatação do


texto; seguida de dificuldade na escrita e/ou redação; escassez de referencial teórico; e normatização
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esses resultados, em parte, encontram
conformidade com os estudos de Freitas (2012), realizado com estudantes do Ensino Superior. Em
seguida, com menor frequência, constam os desafios ligados à gestão do tempo; definição do objeto
de estudo; submissão ao Comitê de Ética; bloqueio; seleção dos participantes; e metodologia.

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Ao serem questionados sobre a impressão acerca do processo de elaboração do TCC nos


cursos tecnológicos, as falas oscilaram em reconhecimento da importância dessa atividade à sua
caracterização como atividade laboriosa. Os discursos a seguir ilustram esse achado: “Acho de suma
importância, pois, apesar dos desafios de se fazer um artigo ou monografia, vem a experiência, o
êxito, crescimento de experiência e profissional” (S7). “A dificuldade se torna maior, por conta do
curto tempo do curso em si. Fica mais puxado e conciliar várias cadeiras teóricas e práticas e a
cadeira do TCC” (sujeito 18).
A fala do S18 traz um elemento muito presente, quando a pesquisa instigou os sujeitos a
fornecerem sugestões acerca da elaboração do TCC. Surpreendentemente, as falas evidenciaram
desafios para além daqueles apontados pela literatura que permeou esse estudo.
Dentre essas revelações, mencionaram o tempo e a estrutura curricular. Para o S7, “… que
comece a elaboração do TCC bem antes do período”; já para o S11, seria interessante “... colocar
disciplina de TCC e a de metodologia próximas de cada semestre, uma seguida da outra para poder
haver um aproveitamento maior do aluno”.
Foi recorrente o comentário dos respondentes de que o formato de artigo ou monografia dos
trabalhos poderia “... ser de uma forma mais prática como a elaboração de um jantar ou um evento”
(S19) e “deveria ter outras formas de elaboração, como elaboração de um jantar, almoço, …
seminário e etc.” (S5) ou, ainda, “trabalhos práticos junto à comunidade” (S10).
Esse conjunto de achados sobre tempo, parceria e outros formatos, no processo de elaboração
do TCC, constitui o que Oliveira Sorrentino et al. (2017) denominam de “Desafio Socioeducacional”.
Tratam-se de demandas cujo atendimento passa pela implementação de ações de caráter institucional,
com vistas a minimizar os desafios na elaboração do TCC.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do questionamento inicial a respeito dos desafios na elaboração dos TCCs no IFCE
Baturité, este estudo baseou-se na perspectiva dos estudantes. A pesquisa evidenciou, numa escala
mais reduzida, desafios cuja superação encontra-se na esfera da conduta pessoal do estudante. Por
outro lado, os achados mostram enfrentamentos na elaboração do TCC. Embora digam respeito ao
desenvolvimento da política educacional brasileira, dependem, em certa medida, de intervenções
institucionais locais para sua superação.
Essa investigação selecionou como lócus e público, respectivamente, o curso de Gastronomia
e seus estudantes. No entanto, é pertinente que modelos de estudos com essa temática sejam
replicados em outros cursos e com outros sujeitos, tanto do IFCE quanto de outras organizações, com
oferta de cursos tecnológicos. Com isso, será possível testar as validades interna e externa de
pesquisas que versem sobre esse tema.
Pensando nos avanços desse campo de estudo, faz-se necessário propor pesquisas que se
projetem para além da identificação dos desafios na produção do TCC. Nesse sentido, evoluir
mapeando as experiências, no enfrentamento dessa questão, apresenta potencial para contribuir com
o processo mais amplo de melhoramento da qualidade do Ensino Superior tecnológico.

REFERÊNCIAS

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declaração de Bolonha: primeiras aproximações. Revista Internacional de Educação Superior, v. 1, n. 2, p. 182–198,
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Federal do Ceará (UFC). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 96, n. 243, p. 282-298, 2015. Disponível em:
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maio 2019.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 102

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SGUISSARDI, V. Educação superior no Brasil. Democratização ou massificação mercantil? Educação & Sociedade,
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jun. 2019.

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PARTE III

PERCURSOS, MEMÓRIAS E ORALIDADES


EDUCACIONAIS

Sumário ISBN 978-85-463-0504-9


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RELATOS DE DISCENTES DO CURSO DE PEDAGOGIA


COM A DISCIPLINA DE MATEMÁTICA: EXPERIÊNCIA
REALIZADA COM ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DO CEARÁ
Tainá Salmito Cruz de Lima
Ana Kamyla Oliveira Araújo
Paulo César da Silva Batista

INTRODUÇÃO

A dificuldade presente no processo de ensino da Matemática, nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(AIEF), é um tema recorrente em pesquisas sobre a formação de professores. Essa ciência ocupa lugar ímpar
na formação humana e no currículo, desde os primeiros anos da escolarização. O conhecimento matemático
constitui-se instrumento de apropriação e transformação da vida em sociedade.
As rápidas informações provindas da internacionalização da economia, como as novas
tecnologias, acabam que por exigir novas aprendizagens. Da mesma maneira, a matemática, dentro
da conjuntura internacional, exerce papel fundamental na promoção da autonomia e formação cidadã.
Essa ciência ocupa lugar ímpar na formação humana e no currículo, desde os primeiros anos da
escolarização.
Se a discussão sobre a importância da Matemática para o exercício da cidadania é um tema
importante, por outro lado, surge a discussão sobre como a Matemática é ensinada na escola e quem
ensina essa disciplina? Machado (2012) aponta a falta de compreensão de o porquê ensinar os
conceitos matemáticos, como fator dificultador do ensino e da aprendizagem dessa ciência. Muitos
professores não conseguem justificar para si ou para seus alunos, a necessidade de aprendizagem dos
conteúdos previstos no currículo dos diferentes níveis escolares. Frequentemente, a Matemática é
apresentada, com a ideia de que não há espaço para imprecisão; que o conhecimento está pronto e é
exato. Dessa forma, distancia-se a disciplina da realidade, deixando de relacionar conceitos e
procedimentos com a solução de problemas da vida diária.
Parece claro, portanto, que a exatidão da Matemática esteja ligada aos pressupostos de que as
afirmações ou são verdadeiras ou falsas, não havendo espaço para um meio termo. Essa
impossibilidade de um meio termo não deixa espaço para a existência de situações matemáticas que
os alunos não encontram uma solução possível. Além disso, esta crença nos faz crer que as estratégias
desenvolvidas para resolver situações são irrefutáveis e que só podem ser expressas numericamente.
Outro ponto aceito pela sociedade é o que afirma que conhecimento matemático é para gênios,
estando, portanto, restrito àqueles que nasceram com habilidades especiais, assim as relações
matemáticas são vistas como aquelas que exigem mais dos alunos quando comparada às demais
disciplinas.
Necessário considerar-se que cada disciplina exige dos alunos a construção de relações entre
fatos e acontecimentos, que têm complexidade e importância tanto quanto as relações matemáticas.
Percebendo dessa maneira, o conjunto das disciplinas ganha relevo, podendo colaborar com a
desmistificação do referido slogan.
Um terceiro aspecto reconhecido diz respeito à afirmação de que o conhecimento matemático
é abstrato. Trata-se de conotação, que por vezes está atrelada a uma visão negativa. De acordo com
Machado (2011, p. 53) “a maior parte das conotações negativas associadas ao termo abstrato decorre

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 105

de uma caracterização inadequada do papel que as abstrações desempenham na construção do


conhecimento”.
A abstração não é exclusividade da Matemática, outros conhecimentos também fazem uso das
abstrações. Na escola, devido à essa concepção restritiva acerca do termo abstrato, trabalha-se com
materiais manipuláveis como uma forma de tornar concreto, visível e palpável o conhecimento
matemático. Sem dúvida a dimensão material é importante para o desenvolvimento dos conceitos,
porém não esgota a construção de significados. A predominância de uma dimensão sobre a outra
resulta no empobrecimento das significações possíveis de serem feitas pelos alunos durante a
interação com as situações matemáticas.
As crenças dessas naturezas acarretam ensino fundamentado em linguagem distante da
realidade dos alunos, não lhes proporcionando compreensão acerca dos conteúdos que estão sendo
ensinados. Isso afeta a aprendizagem matemática, pois os alunos, durante as aulas de matemática, não
levantam hipóteses e argumentos que os levem a desenvolver estratégias ou questionamentos sobre o
conteúdo.
Para tanto, pesquisas têm sido desenvolvidas com foco a formação de professores na área de
Educação Matemática (NACARATO; MENGALI; PASSOS, 2009; NACARATO, 2010; PASSOS
ET AL, 2006). Tal preocupação é ligada a questões didáticas e conceituais dos professores que
ensinarão matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental (CURI, FERNANDES, 2012).
A formação inicial dos professores que ensinam Matemática é marcada pela evidência de
lacunas conceituais e didáticas. Segundo Nacarato, Mengali e Passos (2009) explicam que as
experiências dos licenciandos com a disciplina de matemática durante a escola básica influenciam
sua prática pedagógica.
Tais influências, segundo Machado (2011) estão relacionados a duas possíveis origens. A
primeira está ligada às dificuldades características da própria Matemática e a segunda é de natureza
didática, isto na forma como os conteúdos são trabalhados nas escolas. Segundo Nacarato (2010) os
professores que ensinam matemática, especificamente os pedagogos, isto é, aqueles que são
responsáveis por introduzir as crianças no mundo da Matemática escolar relatam terem tido, durante
sua própria vida escolar, marcas negativas que os conduziram a lacunas conceituais, provenientes da
dificuldade em compreender os conceitos.
Diante disso, este trabalho tem como objetivo analisar dificuldades seja elas pessoais ou
conteudísticas, de um grupo de estudantes de um curso de Pedagogia no que se refere à disciplina de
matemática. A pesquisa foi realizada durante a proposição de um minicurso com graduandos do curso
de Pedagogia, cuja temática foi atividades matemáticas com materiais manipuláveis para o ensino e
aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA

A pouca afinidade e domínio dos conceitos também influencia a dimensão didática: como é
possível o professor ser capaz de planejar atividades e realizar avaliações diagnósticas, quando ele
também sente dificuldades em ensinar tais conteúdos e conceitos para as crianças. Sendo assim, esta
secção pretende trazer elementos acerca da necessidade de o professor que se propõe a ensinar
Matemática ter conhecimentos na dimensão conceitual e na dimensão pedagógica, como ensinar e
quando ensinar. Nesse sentido, a formação de professores que ensinam matemática vem a contribuir
para o desenvolvimento profissional do professor em sala de aula.
O parecer n° 9/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) determina que os cursos de
formação de professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental incluam uma
visão inovadora ao explorar as relações e conteúdos das áreas do conhecimento. É preciso, diante

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 106

dessa orientação, que o professor se preocupe em fundamentar sua prática de ensino nos conteúdos,
apresentando aos alunos as relações do conhecimento matemático.
O conhecimento lógico-matemático é o tipo de conhecimento apreendido a partir do
estabelecimento de relações entre os objetos. Os conceitos matemáticos não podem ser meramente
repassados, em especial através daquela concepção que entende de forma equivocada, que a lógica
matemática pode ser ensinada por repetição das definições e dos algoritmos, sem o entendimento das
relações ali estabelecidas. O ensino da Matemática deve contemplar as relações percebidas e
estabelecidas pelos indivíduos a partir das atividades propostas a eles. Na escola cabe ao professor a
elaboração dessas situações.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o pedagogo possui a formação inicial para a
docência na Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e ainda nas disciplinas
pedagógicas do curso de Formação de Docentes (Ensino Médio), tendo ainda possibilidade de
trabalhar com gestão escolar e exercer atividades didáticas pedagógicas em diversas dependendo do
contexto.
O professor que ensina matemática deve mobilizar seus conhecimentos, a fim de compreender
a natureza dessa ciência. Segundo Ball (1991) os professores precisam conhecer os princípios e
procedimentos matemáticos. Incluem-se, também, os conhecimentos do fazer matemático em seu
discurso e prática pedagógica.
Esses conhecimentos, segundo Ball, Thames e Phelps (2008), são importantes e devem ser
tomados como base para a prática de ensino. Desta forma, duas categorias de conhecimento são
apresentadas, a saber: conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico do conteúdo (BALL;
THAMES; PHELPS, 2008). Concentrando-se no trabalho de como ensinar o conteúdo matemático,
Ball, Thames e Phelps (2008) consideram que os professores que ensinarão os conteúdos matemáticos
necessitam desenvolver percepções, raciocínios, habilidades e competências matemáticas que os
tornem capazes de compreender as implicações do trabalho pedagógico em sala.
Essa variedade de conhecimentos que é requisitada aos professores, para a prática eficaz de
ensino de Matemática, ressalta que, aos professores, cabe dominar os conceitos, compreender a
função do conteúdo que estará ensinando, a sua organização no currículo escolar, e o comportamento
dos alunos frente ao que está sendo trabalhado.

METODOLOGIA

Este estudo é resultado de um minicurso oferecido em um curso de Pedagogia da Universidade


Estadual do Ceará, campus Itaperi. O curso teve como temáticas atividades matemáticas com
materiais manipuláveis para o ensino e aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Durante o minicurso, foram aplicados formulários com estudantes participantes com a finalidade de
conhecer o perfil e as principais dificuldades que os estudantes de pedagogia enfrentam no processo
de ensino e aprendizagem da Matemática.
No total, participaram do minicurso 10 participantes, com a variação de idade de 21 a 30 anos.
Na qual, 9 dos participantes já cumpriram a disciplina de Matemática 1 na Educação Infantil e nos
anos Iniciais e 5 dos participantes concluíram a disciplina de Matemática 2 na Educação Infantil e
nos anos Iniciais.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 107

Tabela 1: Dados dos participantes

Participantes Idade Curso Semestre Turno

A 21 Pedagogia 3° Noite
B 28 Pedagogia 8° Noite
C 21 Pedagogia 5° Noite
D 22 Pedagogia 8° Noite
E 23 Pedagogia 8° Manhã
F 23 Pedagogia 7° Noite
G 21 Pedagogia 6° Manhã
H 22 Pedagogia 5° Noite
I 30 Pedagogia 5° Noite
J 30 Pedagogia 5° Noite

Fonte: Dados da pesquisa

Foi percebido por meio das análises que os graduandos em Pedagogia têm dificuldades em
alguns conteúdos trabalhados nos AIEF. Com isso, a pesquisa está dividida em duas categorias: i)
relação dos participantes com a Matemática e ii) quais os conteúdos matemáticos os participantes têm
mais dificuldades.

PERCEPÇÕES DAS PARTICIPANTES SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS COM A


DISCIPLINA DE MATEMÁTICA

Ao longo do curso, as participantes responderam o questionário sobre sua relação com a


disciplina de Matemática. Sabe-se que os pedagogos, que também ensinarão a matemática, possuem
experiências negativas com a disciplina. Além disso, em pesquisas realizadas por Nacarato, Mengali
e Passos (2009), há relatos das dificuldades conceituais e didáticas com os conteúdos matemáticos
estarem ligadas as más experiências vividas pelos professores durante sua trajetória escolar e
profissional.
Sobre a relação das participantes do curso, a partir de suas falas é possível observar a presença
de duas vertentes sobre suas relações com a Matemática. A primeira é sobre a boa relação com a
disciplina de Matemática ao longo de sua formação, seja ela escolar ou acadêmica. Esse pensamento
está presente nas falas das participantes A, quando relata que a disciplina foi a melhor matéria que
teve durante sua formação. A participante E também relatou ter interesse com a disciplina por conta
de sua relação familiar. Ademais, a participante B explica que gosta de matemática, mas apresenta
dificuldades em compreender os conteúdos. Em contrapartida, há aquelas participantes que
demonstram não ter boa relação com a disciplina de Matemática ao longo de sua formação escolar e
acadêmica. A participante F explica que sua relação não é boa, pois tem dificuldades desde a infância.
Também é relatado pela participante D que possui dificuldades, mas tem consciência de seu uso
diário. Por fim, a participante G acha a disciplina complicada, mas que isso vem sendo modificada
com a proximidade com a sala de aula e a faculdade.

PARTICIPANTE A: para mim sempre foi uma das melhores matérias ao longo da minha
formação acadêmica, porém atualmente não estou tendo contato.
PARTICIPANTE E: eu sempre me interessei por compreender matemática meu avô era
pedreiro e sempre quando ia fazer medições ou calcular material ele pedia minha ajuda. Hoje
sempre que posso faço atividades (participo) que envolvam matemática.
PARTICIPANTE B: eu gosto, mas infelizmente em certos momentos não consigo entender.
PARTICIPANTE F: Nunca fui muito boa, sempre tive dificuldade. sempre achei muito
difícil, desde pequena.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 108

PARTICIPANTE C: escolar; mais não tive um bom proveito da mesma, pois meus
professores eram muito conteudistas.
PARTICIPANTE D: não gosto muito, porém utilizo em vários momentos.
PARTICIPANTE G: Complicada, mas através da sala de aula e teorias na faculdade venho
melhorando mais.

Nacarato, Mengali e Passos (2009) explicam que os professores que ensinam matemática
tendem a relatar problemas com a disciplina. Nas falas das participantes F, E, D e G é possível
constatar que não há uma proximidade com a disciplina. Para a participante F, o fator dificultador é
a matemática ser difícil, o que a faz não ser boa na disciplina. A frustração em não ser “boa” na
disciplina fez a participante acreditar não ser capaz de aprender, levando-a a se distanciar da
disciplina. Cabe destacar o fato do “ser bom” em matemática sendo aquele aluno que tira notas
elevadas na disciplina.
Já na visão da participante E o problema está no fato dos professores serem conteudistas.
Segundo Nacarato, Mengali e Passos (2009) falam sobre o grande desafio de um currículo matemático
transcendente, onde as aulas de matemática deixem de ser centralizadas apenas no ensino mecanizado
dos conteúdos. Os professores devem propor em suas aulas momentos em que os alunos possam
ampliar suas estratégias. É observado na fala da participante D que a matemática só tem valor se tiver
uma aplicação, o que valeria como argumento para sua aprendizagem. Por fim, a participante G
demonstra uma fase transitória no processo de formação de professores que ensinam matemática, pois
apesar de relatar que os conteúdos são complicados, a graduação tem oferecido teorias que sustentam
a prática do professor em sala de aula.
Sobre isso, no grupo de participantes, foi possível observar que há relatos de boas experiências
com a disciplina e que tais fatos estão interligados a relações extraescolares. Evans (2016) destaca
que as questões afetivas tem destaque no processo de aprendizagem da matemática. Há variados
fatores que podem contribuir para dificuldade na elaboração conceitual, sendo um deles a afetividade
entre o conteúdo e as experiências pessoais dos alunos.
A participante E explica que sua relação com seu avô fez com que ela desenvolvesse uma boa
relação com a disciplina. Além disso, o fato do seu avô ser pedreiro, oportunizou a participante
observar, mesmo que sem explicações formais de conteúdo, alguns conceitos serem postos em
prática. A participante A relata que gosta da disciplina de matemática, mas que atualmente não está
tendo contato com os conteúdos. Por fim, a participante B gosta da disciplina, mas que não consegue
entender alguns conteúdos. Fica claro que ainda que as participantes relatem gostar da disciplina,
ainda é possível identificar em suas falas resquícios de uma formação conteudística.
Sobre as dificuldades relatadas pelas participantes durante o curso, foi possível observar que
as participantes, no geral, possuem lacunas conceituais matemáticas em mais de um conteúdo.
Segundo Nacarato e Paiva (2006) é preciso romper com a ideia de que para se ensinar matemática
basta dominar o conteúdo. Concordamos com Ball (1991) que os professores que ensinarão
matemática devem conhecer os conteúdos, mas que também as propriedades matemáticas,
organização e procedimentos. A partir das falas das participantes, percebe-se que a unidade temática
Números é aquela em que as participantes relataram ter mais dificuldades com os conteúdos. Os
conteúdos foram, divisão, fração e porcentagem, participantes A, B, C e F. A unidade temática
Geometria, teve como principais dificuldades relatadas os conteúdos ângulo, sendo relatado pelas
participantes D e E. Por fim, a participante G explica que suas dificuldades eram em todos os
conteúdos da disciplina.
PARTICIPANTE A: que eu lembre nenhuma, porém creio que funções mais complexas e
frações não tenho mais tanto conhecimento.
PARTICIPANTE B: fração, porcentagem.
PARTICIPANTE C: divisão
PARTICIPANTE F: equações envolvendo frações, porque o resultado não existia.
PARTICIPANTE D: geometria.
PARTICIPANTE E: ainda tenho dificuldade em geometria. não consigo compreender a
questão de ângulos, quando deve somar, ou quando são iguais.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 109

PARTICIPANTE G: Todos. A maioria me trazia dúvida, mas a dificuldade maior foi no


ensino médio.

Sobre as dificuldades nos conteúdos, Ball, Thames e Phelps (2008) argumentam que os
professores que ensinarão matemática devem ter conhecimentos sobre a disciplina. As participantes
A, B e F, relatam que suas dificuldades são referentes ao conteúdo de frações. Segundo Merlini (2005)
as dificuldades em fração são em decorrência de um ensino voltado aos usos dos algoritmos. Além
disso, segundo Vergnaud (2009) para ampliação do campo conceitual, os professores devem trabalhar
com todos os significados da fração (número, parte-todo, medida, quociente e operador). Também é
possível constatar que a participante B tem dificuldades no conteúdo porcentagem, que ao lado da
fração e decimais, compõe o que chamamos de números racionais.
Outro assunto que os estudantes que as participantes relataram ter dificuldade é na unidade
temática Geometria. As participantes D e E relatam ter dificuldades nos conteúdos geométricos.
Ainda é especificado, pela participante E que dentro da geometria, o conteúdo que ela tem dificuldade
no assunto ângulos. De acordo com Santana e Silva (2013) a Geometria não tem ocupado lugar na
prática dos professores que ensinam matemática. Segundo Bittar e Freitas (2005) a geometria é pouco
explorada em sala de aula.
Com a falta de entendimento os professores polivalentes não se sentem à vontade em abordar
conteúdos na qual eles não têm domínio, isso acaba se tornando um ciclo. Muitos professores
carregam essa dificuldade em geometria desde a educação básica, e quando chegam no ensino
superior a disciplina de matemática não consegue suprir as necessidades do estudante. A falta de
contextualização da geometria na educação básica também contribui para que esse ciclo de
dificuldades continue.

CONSIDERAÇÕES

Esta pesquisa propôs trazer uma reflexão sobre: os problemas enfrentados na formação de
professores do curso de pedagogia. Foi percebido que essa ausência de afinidade e apropriação dos
conteúdos. Surge pela deficiência de didáticas e pela não compreensão dos assuntos que a Base
Nacional Comum Curricular aborda.
Levando em consideração os questionários os professores precisam conhecer primeiro quais
são os princípios matemáticos, depois compreender os procedimentos, sem memorizar os processos.
Além disso, a didática do professor auxilia nesse processo de ensino-aprendizagem, pois o mesmo
tem que ser apenas o facilitador na formação dos estudantes, criando situações problemas.

REFERÊNCIAS

BALL, D. Knowledge and reasoning in mathematical pedagogy: examining what prospective teachers bring to
teacher education. (Tese de doutorado), 1991.
BALL, D; THAMES, M; PHELPS, G. Content knowledge for teaching: what makes it special? In: Journal of Teacher
Education, v. 59, n. 5, p. 389-407, 2008.
BITTAR, M.; FREITAS, J.L.M. Fundamentos e Metodologia de Matemática para os ciclos iniciais do ensino
fundamental. Campo Grande: Ed. UFMS, 2005.
EVANS, J. Pensamento matemático, afeto e emoção. In: CASTRO FILHO, J.A. ET AL (Orgs.). Matemática, Cultura
e Tecnologia: perspectivas internacionais. 1° Ed. - Curitiba: CRV, 2016.
MACHADO, N.J. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 6° ed. São Paulo: Cortez,
2011.
MERLINI, V.L. O conceito de fração em seus diferentes significados: um estudo diagnóstico com alunos de 5° e 6°
séries do Ensino Fundamental. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2005.
NACARATO, A. M; PAIVA, M.A.V. A formação do professor que ensina matemática: estudos e perspectivas a partir
das investigações realizadas pelos pesquisadores do GT7 da SBEM. In: NACARATO, A.M; PAIVA, M.A.V. (Org). A
formação do professor que ensina matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 110

NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. S.; PASSOS, C. L. B. (Orgs.). A matemática nos anos iniciais do ensino
fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SANTANA, L.E; SILVA, S.H. Conhecimento de professoras polivalentes em Geometria. In: BARRETO, M.C. et al
(Org.). Matemática, aprendizagem e ensino. Fortaleza: EdUECE, 2013.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 111

MEMÓRIAS NARRADAS SOBRE AS (RE) FORMULAÇÕES CURRICULARES DO


CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ E AS
CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

Maria Isabel Silva Bezerra Linhares


Maria Danieli de Sousa Floriano
Nadja Rinelle Oliveira de Almeida

INTRODUÇÃO

O presente estudo teve como objetivo compreender a formação do pedagogo, tomando como
referência a matriz curricular do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA), Sobral – Ceará. Pretende-se, desse modo, refletir acerca da formação do Pedagogo na região
noroeste do Estado do Ceará, pós implementação dos últimos três currículos no referido curso.
Para tanto, realizamos um corte temporal do histórico da construção dos três últimos
currículos desenvolvidos no curso, de 2001 a 2011, a fim de melhor compreender as mudanças sociais
e políticas que motivaram o redirecionamento da proposta curricular, durante esse período.
Apresentamos, ainda, uma síntese da matriz recém-reformulada no ano de 2018, resultado das demais
modificações que perpassaram o curso de Pedagogia da UVA.
Diante de um cenário de debates e discussões sobre os currículos dos cursos de Pedagogia,
algumas inquietações se apresentavam, de como se estabeleceu o processo de construção da formação
do pedagogo no curso, e como tal processo reflete na formação deste profissional da educação.
Partindo da premissa que o currículo se destina a formação ampla do pedagogo para atuação em
espaços escolares e não escolares, de que forma tais alterações contribuíram para sua formação?
Outro ponto que mereceu destaque foi o fato do Curso de Pedagogia, durante o processo de
reformulação de sua matriz curricular, apesar das divergências, percebia-se em todos o desejo de
mudança. Os professores que lecionavam neste período, incentivavam os acadêmicos a participar dos
debates a fim de provocar a reflexão sobre a formação e identidade do pedagogo, sem perder de vista
as mudanças no cenário político educacional brasileiro.
Desse modo, o curso de Pedagogia da UVA, se propunha a avançar no sentido de se adequar
as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia publicadas no ano de
2006, bem como dos campos de atuação do pedagogo, ao notar o engajamento e participação dos
professores e demais membros da comunidade acadêmica encarando o desafio de reorganizar o
currículo.
Considerando a importância desta temática, este estudo foi/é fundamental para o registro de
dados documentados da própria história do curso de Pedagogia da UVA, através do resgate das
memórias vivas de docentes participantes desse processo, trazendo as falas destes sujeitos para
legitimar o percurso de construção do referido curso.
Vale ressaltar que, em sua essência, os cursos de Pedagogia no Brasil, tradicionalmente, dão
ênfase à docência em sala de aula. Porém, com as mudanças ocorridas na sociedade brasileira,
especificamente no mercado de trabalho, evidencia-se a necessidade de profissionais para atuar em
espaços não escolares, considerando-se as particularidades de cada região, permitindo que a profissão
do pedagogo conquistasse novos espaços de atuação. A partir dessas mudanças o Curso de Pedagogia
teve que adaptar as suas matrizes curriculares para atender essa nova visão da docência além do
espaço escolar.
Nessa perspectiva, o Projeto do Curso de Pedagogia da UVA, caminha no sentido de
acompanhar essas novas reformulações, fato que podemos perceber nas modificações realizadas no
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currículo nos últimos anos, oferendo uma formação ampla destinada aos vários campos de atuação
do pedagogo, a fim de formar profissionais qualificados para a Gestão, Educação Infantil, Anos
Inicias do Ensino Fundamental e Movimentos Sociais e Educação Popular, e noutros campos de
atuação.
Deste modo, esta pesquisa de caráter exploratório e descritiva, consistiu numa abordagem
qualitativa, desenvolvida através de entrevistas narrativas, as quais foram aplicadas com sete docentes
do Curso de Pedagogia da UVA. E ainda a análise documental dos Projetos Pedagógicos do Curso.
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados a partir dos seguintes critérios: Docentes: ser professor
(a) veterano do Curso de Pedagogia UVA, ser ou ter sido coordenador(a) do curso. Para fundamentar
este estudo buscou-se aprofundamento teórico em alguns autores tais como Brandão (1981), Libâneo
(2007), Freire (2007), Silva (2005), entre outros.
Nesta perspectiva, este trabalho encontra-se organizado por mais uma seção, além desta
Introdução e das Considerações Finais. Na segunda seção, apresenta-se o histórico de constituição do
Curso de Pedagogia na cidade de Sobral, recorrendo as narrativas de docentes do curso para validar
o seu processo de constituição e de mudanças que ocorreram durante esse período, utilizando como
fonte documental os Projetos Pedagógicos do Curso (PPC) de 2011 e 2018. Para finalizar, as
considerações finais refletem os principais resultados e aprendizado deste estudo.

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DO CURSO DE PEDAGOGIA EM SOBRAL E SUAS


CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PEDAGOGIA

Nesta seção, tratar-se-á da construção do histórico do Curso de Licenciatura em Pedagogia da


Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), a partir da análise de documentos como o Projeto
Pedagógico do Curso (PPC), recentemente reestruturado em 2018, bem como recorremos as
memórias de docentes do curso de Pedagogia, cujas narrativas percorrem e validam todo o processo
de constituição do curso.
Vale ressaltar que nossas análises incidem sobre os Projetos de Curso referentes ao período
2001 a 2011, pontuando em cada PPC constituído, os elementos presentes nas falas de nossos
interlocutores, sendo estes a memória viva e presente no curso de Pedagogia.
Conforme o PPC (2018), a trajetória de implementação do curso de Pedagogia na cidade de
Sobral – CE tem início no ano de 1979, através do processo Nº 2229/79, quando o Presidente do
Conselho Diretor da Fundação Universidade Estadual Vale do Acaraú solicita a abertura de um Curso
de Pedagogia, sendo ministrado pela Faculdade de Educação, a ser criada e mantida pela Fundação.
O documento aponta que em meados de 1980, através do parecer Nº 75/80, a Câmara de
Planejamento do Conselho Estadual de Educação, reconheceu a necessidade social da abertura de um
curso de Pedagogia na cidade de Sobral. Considerando, diversos fatores que se apresentavam na
época para a efetuação do parecer. Dentre os quais, a população da microrregião que representava
cerca de 6% da população do estado; à distância de 230 quilômetros até Fortaleza, que dificultava o
acesso daqueles que pretendiam seguir a carreira docente e necessitavam do Curso Superior; Sobral
era sede da 10ª Delegacia Regional de Ensino (CREDE-6), constituída por 21 municípios; a urgência
em corrigir o deficit de escolarização; a permanência do aluno no interior do Estado favorecendo a
continuação dos estudos a nível superior, consequentemente aumentando a oferta de trabalho para
profissionais qualificados para a docência.
Considerando os argumentos apresentados, o presidente e relator da Câmara de Planejamento,
Jorgelito Cals de Oliveira, concedeu parecer favorável à abertura do Curso de Pedagogia em Sobral.
Nesse sentido, a Câmara de Ensino Superior do Conselho Estadual de Educação, por meio do Parecer
Nº 778/80, autoriza o “funcionamento” do Curso de Pedagogia em Sobral, contemplando as
habilitações de Licenciatura Plena em Administração Escolar; Orientação Educacional e Formação
para Magistério ofertando anualmente 50 vagas para cada habilitação, segundo o PPC (2018).
De acordo com o documento ao longo de sua existência, o Curso de Pedagogia da UVA passou
por reformulações em seu currículo, sendo a primeira em 1990, a segunda em 1991 e a terceira em
1994.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 113

No final da década de 1990 o currículo do Curso de Pedagogia da UVA, como quase todos
no Brasil, era direcionado para formar pedagogos para a administração, supervisão e
orientação escolar. Era concebido muito mais para transmitir conhecimentos sobre estas
funções – administrar, supervisionar e orientar – e menos sobre os processos de
aprendizagem, para o trabalho docente. Ainda assim, já havia no colegiado, uma significativa
preocupação com a formação do profissional docente. Preocupação demonstrada pela
atenção dada aos estudos das concepções pedagógicas da escola moderna capitalista; pelo
acompanhamento da discussão teórica contemporânea sobre os rumos da pedagogia; pela
busca de situar o Curso no contexto das mudanças políticas e legais (LDB) que estavam
acontecendo no Brasil. (Docente 1).

Com base no PPC (2018) após a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº
9394/96, que estabelece no artigo 64 a formação dos “especialistas” em nível de graduação nos cursos
de Pedagogia, retoma-se o debate em torno da formação do educador, conforme vinha discutindo a
Associação Nacional pela Formação do Profissional da Educação (ANFOPE). A Comissão de
Especialistas de Ensino de Pedagogia da SESU/MEC, ao pensar nas Diretrizes para os cursos de
Pedagogia entende o Pedagogo como “[...] um profissional habilitado a atuar no ensino, na
organização e gestão de sistema, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do
conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo à docência como base obrigatória de sua
formação e identidade profissional” (BRASIL,1999).
Além do currículo considerado tradicional, um novo currículo do curso de pedagogia da
Universidade Estadual Vale do Acaraú, nesse período, inicia a ampliação dos horizontes
curriculares, incluindo o campo social ou pedagogia social no sentido de o pedagogo passar
a atuar não só no âmbito escolar, mas também, nos espaços sociais informais. (Docente 2).

Percebe-se na fala dos docentes que algumas questões motivaram as mudanças no


redimensionamento do currículo do curso de Pedagogia nos últimos anos, conforme destaca o
Docente 6.
[...] uma dinâmica externa e uma dinâmica interna. A dinâmica externa seria a adequação do
nosso currículo a normatividade que vinha sendo modificado nos cursos de pedagogia. [...]
com base nas portarias, nas resoluções do Ministério da Educação sobre o curso de Pedagogia
[...] E internamente que a gente vai sentindo que certas modificações são necessárias [...].

Nesse sentido, em 2001, o colegiado do curso decide realizar a quarta reformulação do


currículo, a fim de atender as novas exigências legais da realidade profissional.
Em 2001 nós tivemos nossa mudança curricular, saímos dessa concepção de currículo de
regime militar que forma o pedagogo como técnico e fomos para uma concepção mais
abrangente do pedagogo enquanto professor. Porque já estávamos vivendo no Brasil todo
uma discussão pelo Fórum de Diretores de Faculdades (FORUMDIR), uma discussão na
ANFOPE (Associação Nacional pela Formação do Profissional da Educação) entre outros
movimentos, que desde meados da década de 80 já vinha dizendo que o pedagogo deveria
ter como base identitária à docência. (Docente 4).

Acompanhando a discussão em torno da identidade do pedagogo, é aprovada a resolução das


Diretrizes Nacionais Curriculares estabelecendo os campos de atuação do pedagogo.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial
para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional
na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p.1).

Com a aprovação da resolução das Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia, é realizada


a quinta reforma da matriz curricular do curso.

[...] em 2008 fizemos a reforma com base na resolução de 2006, que já se tinha diretrizes
estabelecidas, se tinha a carga horária mínima, os eixos do currículo, uma orientação para

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estágio, para prática de ensino, uma série de orientações que antes não tínhamos. (Docente
4).

Vale ressaltar que a estrutura da matriz curricular de 2008 representou uma mudança
significativa no direcionamento da proposta de formação do futuro pedagogo, conforme fica expresso
na fala dos docentes do curso.

No currículo de 2008 para 2009 começamos a trabalhar de maneira integrada através de


eixos, coordenando todos os componentes curriculares daquele eixo, daquele semestre. Ele
tinha uma concepção bem clara do que era a figura do pedagogo para o curso, não um
magistério superior mas era realmente um curso de pedagogia. (Docente 7).

E ainda orientava para a formação do aluno nas três áreas de atuação no mesmo curso:
Educação Infantil, Séries Iniciais e Movimentos Sociais, fato que não ocorria em currículos
anteriores.

[...] em 2005, nós tínhamos um currículo em que o curso na verdade funcionava três cursos
em um. Então o aluno quando chegava na metade do curso ele escolhia trabalhar com
Educação Infantil, Séries Iniciais ou na área de Movimentos Sociais. [...]essa dinâmica
dificultava bastante o andamento do curso, trouxe muitos problemas, mas ai veio a resolução
nacional que unificou essa formação em pedagogia. (Docente 6).

Essa matriz também visava acompanhar as mudanças no papel do pedagogo diante da


realidade social.
[...] então a necessidade de você formar um profissional de pedagogia que seja apto a
trabalhar na escola mas também nos movimentos sociais, na saúde, em outras áreas que ele
poderia não está acostumado a trabalhar, nas organizações sociais, não governamentais, no
terceiro setor, na área empresarial. (Docente 6).

Segundo o PPC (2018) a fim de atender as mudanças regimentais da Universidade Estadual


Vale do Acaraú, em 2011, o curso promove novamente a reorganização de seu currículo, com o intuito
de ajustar a carga horária das disciplinas para múltiplos de vinte, mas mantendo a estrutura quanto
aos componentes curriculares, organização por eixos e competências.
Recentemente, em 2018 a proposta curricular do curso esteve em debate, em virtude da
preocupação em proporcionar uma formação condizente com a realidade da educação básica e demais
instituições, e adequar algumas fragilidades apresentadas.
[...] ele é um currículo bem mais dinâmico […] os nossos currículos anteriores davam ênfase
à teoria, esse não descuida da teoria, mas ele dá uma ênfase grande a prática, começa o
processo de pesquisa e o processo de extensão, ou seja, de ação social na sociedade desde o
primeiro semestre, então isso acho que faz uma diferença grande. (Docente 6).

O curso de Pedagogia da UVA tem como finalidade formar profissionais críticos e reflexivos
para atuar na educação, formando-os através do ensino, pesquisa e extensão estabelecidos por meio
de conhecimentos teóricos metodológicos e da prática propiciada na realização dos estágios
curriculares obrigatórios, habilitando-os para atuar na esfera pública ou privada no exercício da
gestão, docência na Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental e demais modalidades
de ensino bem como em espaços educacionais não escolares.
Nessa perspectiva, para atender a proposta formativa desafiadora que o curso apresenta,
conforme consta no PPC (2018) o quadro de professores é composto por profissionais qualificados,
sendo 3 pós-doutores,11 doutores,11 mestres, 7 especialistas e 1 graduado, conforme dados obtidos
no PPC (2018).

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Em virtude do presente estudo desenvolver-se no momento de transição da matriz curricular


de 2011 para a implantação da matriz reformulada em 2018, considera-se relevante trazer algumas
das características que fundamentam as referidas propostas.
Segundo o Projeto Pedagógico do Curso (2011), a carga horária do curso de Pedagogia é
organizada por núcleos, seguidos de eixos. Assim sendo, o Núcleo de Estudos Básicos, com mil
quinhentos e vinte (1520) horas/aula equivale aos eixos do 1º ao 5º semestre, intitulados de Estudos
básicos; Escola e inclusão social; Educação, trabalho e afetividade; Pesquisa e gestão do
conhecimento educacional; Docência e gestão dos processos educativos no qual é realizado o estágio
supervisionado em gestão educacional.
O Núcleo de Estudos de Aprofundamento desenvolvido do 6º ao 8º semestre com mil e
duzentas (1200) horas/aula, compreende os eixos de Gestão dos processos educativos na Educação
Infantil; Gestão dos processos educativos nas séries iniciais e Gestão dos processos educativos
escolares e não escolares, neste bloco, o graduando tem maior contato com os campos de atuação
através do estudo e prática dos estágios supervisionados.
Conforme destaca o PPC (2011) o 9º semestre é constituído pelo Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) e Seminários de pesquisa totalizando cento e quarenta (140) horas/aula, onde o aluno
ainda precisa apresentar com base em um edital as atividades acadêmico-científico-culturais somando
duzentas (200) horas divididas em ensino, pesquisa e extensão, bem como os componentes
curriculares optativos de cento e sessenta (160) horas/aula, completando um total de três mil, duzentas
e vinte (3220) horas de carga horária mínima obrigatória.
Quanto a nova matriz curricular o PPC (2018) demonstra que a proposta traz em sua
constituição aspectos semelhantes a matriz de 2011, o projeto de mudança visa identificar as
fragilidades do currículo e corrigi-las, assim, a estrutura dos componentes curriculares da matriz de
2018 permanece sendo organizada por núcleos e eixos.
A estrutura curricular é formada pelos núcleos: Núcleo de Estudos Básicos com mil, duzentos
e vinte (1220) horas/aula do 1º ao 4º semestre, compreendendo os eixos: Pedagogia: identidade
profissional e formação sócio histórica; Educação e inclusão social; Educação, trabalho e afetividade;
Ensino e aprendizagem.
O Núcleo de Estudos de Aprofundamento com mil, cento e quarenta (1140) horas/aula do 5º
ao 9º semestre equivalente aos eixos: Docência e gestão dos processos educativos em espaços
escolares e não escolares; Gestão dos processos educativos na Educação Infantil; Gestão dos
processos educativos nas Séries Iniciais e Gestão dos processos educativos em espaços não-escolares,
Estudos orientados de pesquisa. Neste núcleo são desenvolvidos os estágios supervisionados I, II, III
e IV, assim como o TCC.
O diferencial deste currículo é o Núcleo de Estudos das Práticas Integradoras, que
compreendem ações de extensão incluídas como componente obrigatório, distribuídas em cada eixo
com trezentos e quarenta (340) horas/aula. Quanto as atividades acadêmico-científico-culturais as
orientações permanecem as mesmas. Desse modo, a carga horária mínima equivale a três mil e
trezentas (3300) horas/aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da temática apresentada, buscou-se compreender a formação do pedagogo a partir da


matriz curricular do curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, refletindo acerca
das mudanças que foram desenhando e construindo a história do referido curso, considerando,
sobretudo, as vivências de personagens destacados nesse processo de investigação como arquivos
vivos no realizar do estudo documental.
A formação do pedagogo vem sendo discutida e reconstruída ao longo dos últimos anos, em
virtude da necessidade de um novo perfil deste profissional, cujas habilidades e competências
precisam acompanhar as transformações ocorridas no campo educacional e social.
Nesse sentido, o pedagogo em seu processo de formação, necessita de conhecimentos
relevantes que propiciem êxito na realização de seu trabalho. Portanto, é do reconhecimento dos que

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fazem o curso de Pedagogia, que o currículo desenvolvido durante a sua formação inicial exerce um
papel significativo em sua atuação profissional.
Diante das narrativas dos docentes, constata-se que o curso de Pedagogia em suas
reformulações curriculares pretende acompanhar os direcionamentos da profissão do pedagogo frente
as mudanças sociais, do mercado de trabalho, bem como das particularidades da região, se
estabelecendo como um dos principais formadores de profissionais para a Educação Básica.
Percebeu-se, que tanto nos documentos como nas narrativas dos sujeitos, que dois aspectos
motivaram as mudanças no direcionamento do currículo do curso de Pedagogia: o aspecto externo,
no que diz respeito a adequação do currículo as normas que orientam a formação dos cursos de
Pedagogia, acompanhando os rumos da identidade da profissão e os campos de atuação.
E o interno, provocado pelo movimento de (auto)avaliação do curso, ao identificar as
fragilidades, necessidades de mudança da formação ofertada na perspectiva de melhorar a
qualificação dos profissionais da educação. Junte-se a esta necessidade, a importância de qualificação
continuada dos próprios professores efetivos do curso, cujo quadro atual já contempla um número
expressivo de professores doutores.
Desse modo, compreende-se que a formação do pedagogo no Curso de Pedagogia da UVA
parte do princípio de formar profissionais da educação numa perspectiva mais crítica, de olhar seja a
escola, seja as demais instituições não-escolares, como ambientes de aprendizagem e construção da
prática cidadã.
Portanto, a construção deste trabalho teve grande importância para compreender a formação
do pedagogo nos últimos dez anos, ressaltando a relevância da Universidade na região noroeste do
Estado do Ceará, dando ênfase aos novos espaços de atuação destes profissionais, sob a ótica dos
próprios sujeitos envolvidos neste processo: os docentes.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP Nº 1/2006. Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação em Pedagogia. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p.11, 2006.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 02 fev. 2019.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP Nº 2/2015. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 01 de julho de 2015, Seção 1, p.8-12, 2015.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991. Acesso em: 28 mar. 2019
CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. PIBID- Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência. Brasília, 2019. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educaçãobasica/capespibid/pibid>.
Acesso em: 08 fev. 2019.
CAPES. Programa de Residência Pedagógica. Brasília, 2019. Disponível em: http:/www.capes.gov.br/educacao-
basica/programa-residencia-pedagogica. Acesso em: 08 fev. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia, pedagogos para quê? São Paulo: Cortez, 2007.
MOURA, Jónata Ferreira; NACARATO, Adair Mendes; A Entrevista Narrativa: dispositivo de produção e análise
de dados sobre trajetórias de professoras. Disponível em:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/6801/4383. Acesso em: 11 abr.
2019.
PPC, Projeto Político do Curso de Pedagogia. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2011.
PPC. Projeto Político do Curso de Pedagogia. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2018.
Relatório Final do Seminário Dores e Delícias. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2008.

Sumário ISBN 978-85-000


EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 117

MEMÓRIAS DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DE SOBRAL:


SILÊNCIOS E FRAGMENTOS
Luciana de Moura Ferreira

INTRODUÇÃO

A proposta desse artigo é refletir sobre a capacidade dos indivíduos de perceber as cidades
não apenas em suas formas concretas, tampouco em seus registros oficiais, mas, na possibilidade de
ouvir os sussurros que ecoam pelas calçadas e observar os olhos que se deparam com os espaços da
cidade desejada, ao reviverem os encantos e os sonhos que habitam entre a frieza do concreto e o
calor dos desejos.
O trabalho com a memória nos revela que não nos cabe questionar a verdade daqueles que nos
receberam amavelmente e nos presentearam com as suas memórias sobre os “tempos antigos”,
revelando-nos outras formas de perceber e sentir o cotidiano, mostrando que a cidade não era apenas
um desejo dos que a “reordenavam, controlavam, transformavam”.
Entre as muitas possibilidades de estudar a cidade, optamos pela história cultural1, que se
propõe a estudar a cidade partindo de suas representações, sendo elas uma das fascinantes formas de
ouvir os sons e perceber os sentidos que a cidade emite por meio de sua literatura, arquitetura,
cotidiano, práticas sociais, imagens, costumes e tradições que constituem o imaginário da cidade.
Nesse contexto, buscamos compreender a Cidade de Sobral através das memórias que foram
construídas em seu entorno e da comemoração do seu primeiro centenário, durante a década de 1940.
Nessa perspectiva, podemos pensar sobre o poder que essas representações tiveram no modelo
idealizado e como influenciaram nas transformações registradas. Entendemos que a Cidade tem seus
espaços transformados e produzidos, a partir das relações de significados socialmente estabelecidos,
que são ressignificados por seus usuários em forma de representações.
Nosso objetivo é, pois, entender a Cidade nos anos quarenta do século passado, através da
memória daqueles que tiveram, direta ou indiretamente, contato com esse marco temporal,
ressaltando o processo de constituição das representações reveladas. Visualizar Sobral, a partir do
prisma da memória social, é possibilitar o conhecimento de outra cidade, levando em consideração
não apenas o papel dos “homens ilustres” que estiveram envolvidos na organização do evento, mas,
de outros agentes que, na simplicidade de suas experiências cotidianas, fazem-nos melhor
compreender a complexidade das práticas urbanas, vivenciadas em espaços diferenciados, mas
constitutivos de uma paisagem social.
A interpretação desse cotidiano, revelado por diferentes memórias de múltiplas opções de
fazer, possibilita-nos, assim, pensar o período estudado como a apresentação de uma paisagem
urbana, composta por desejos múltiplos, de transformação, definidora de uma identidade, composta
pelo “verso e reverso” da Cidade.
Como pensar o imaginário da cidade a partir da memória na primeira metade do século XX
em Sobral se ainda hoje permanece forte na Cidade o mito de Dom José e a sua influência sobre a
transformação da Cidade no período abordado?

1
Sobre história Cultural, ver: BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro; Zahar, 2005.ROSSINI, Miriam
de Souza; WEBER, Nádia Maria; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (orgs.). Narrativas imagens e práticas sociais: percursos
em história cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 118

A memória, como afirma Polack (1992), “[...] é um elemento constituinte de identidade, tanto
individual como coletiva”. Dessa forma, pode-se pensar que ela é passível de conflitos, afinal, o
indivíduo constrói uma identidade para si e para os outros, sendo, pois, na reconstituição da instituição
de um imaginário local, totalmente cabível essa disputa, ou, até mesmo, uma tentativa de
enquadramento da memória. Assim, tentou-se compreender como esse imaginário foi instituído na
Cidade a partir da memória dos velhos (POLLAK. 1992, p.205).

A PRODUÇÃO DO CENTENÁRIO DE SOBRAL

As comemorações podem ser entendidas como espaço produtor de memórias, ou melhor, de


construção de memórias, em que se destaca a importância das celebrações comemorativas, as quais
fornecem os materiais a serem transformados em identidade, levando a refletir sobre o que é instituído
como “fatos a serem lembrados e comemorados”. Nesse sentido, pensamos como Connerton (1993,
p.15), segundo o qual “a hierarquia de poder” condiciona as memórias da sociedade.
No caso de Sobral, as festividades da comemoração deixaram como marco principal a
produção do Álbum do Centenário, da mesma forma que a memória sobre a realização do primeiro
Congresso Eucarístico, o qual acaba por se confundir com as festividades do Centenário, afinal,
ambas acontecem no mesmo ano e no mesmo período. Aparentemente, somos levados a pensar que
as celebrações do Centenário ecoaram como abertura do congresso o qual se iniciou um dia após a
festa de aniversário de Sobral, estendendo-se por uma semana, e deixando grande recordação na
população.
A organização do evento foi realizada por um grupo de intelectuais, assim intitulado pelo
jornalista Craveiro Filho, composto por: Dom José Tupinambá, Prof. Luís Phellipe, Jornalista Afonso
L. de Carvalho, Dr. Euzébio de Souza, Cel. Antonio Pereira de Menezes, F. Potyguara Frota, Drs.
José de Sabóya, Paulo Sanford e Luiz Vieira, Monsenhor Linhares, Luiz Diogo Fonteles, Wilsom
Vieira, Luiz Patriolino, senhorinhas Izaly Lins, Ondina Pontes e pessoas da família Domingos de
Lira, dentre outros. E uma equipe técnica e financeira, denominada pelo organizador como
“Cyrineus”, a qual, além do próprio jornalista, ainda tinha como membros: Linérica Craveiro, Manoel
Dário Senhorinha, Wilson Craveiro, François Coelho Sampaio, Francisco Carvalho, Fernando,
Onofre Maria da Asumpção e Maria Adília Alves2.
Além da comissão organizadora, as festividades do aniversário da Cidade ainda contaram
com a ajuda de particulares, no que concerne a patrocínios, para a produção dos eventos e participação
popular na organização de atividades a serem encenadas para homenagear a Cidade. Dentre essas
contribuições destacamos o patrocínio dos comerciantes locais e da Prefeitura, os quais, através das
reformas que realizaram na Cidade, ainda mobilizaram um cenário de atividades para comemorar o
Centenário.
A comissão organizadora apoiada tanto pela Igreja como pelo poder público instituiu uma
verdadeira campanha de mobilização para a organização das festividades. Tal campanha mobilizou
diversas classes sociais nessa empreitada que, constantemente, era informada através do jornal sobre
a necessidade do apoio popular, como chama a atenção Andrade Lima Filho, em carta publicada no
Correio da Semana:
[...] Sobral tem origem pernambucana. Constitui desse modo, a antiga comuna poderoso traço
de união entre as duas províncias que sempre viveram unidas em função da grandeza
nacional. Mas não estou aqui para escrever a crônica desta centenária cidade. Eu quero apenas
frisar a oportunidade magnífica que esse centenário, este ano celebrado, oferece aos
sobralenses de boa vontade. E os há, aqui, da melhor estirpe pelo nascimento ou pela
integração em sua vida social.3

2
A comissão organizadora foi aqui citada da mesma forma como é apresentada pelo Jornalista Craveiro Filho, IN:
CRAVEIRO FILHO. Antonino. O centenário: Álbum Histórico Comemorativo do 1º centenário da cidade de Sobral.
Sobral, S/E, 1941.
3
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP, Correio da Semana, 24 jan. 1941. p.1.
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Apelando para o sentido de identidade e pertencimento da população à Cidade, as campanhas


em prol de apoio às festividades permearam grande parte das notas publicadas no Jornal, às vezes,
apelando de forma sugestiva, como na nota acima, outras vezes, sendo mais diretas quanto aqueles
de quem queriam obter apoio para as festividades, como na nota veiculada pelo Jornal, com o seguinte
título “Apenas dois meses e dias”:
Nossa cidade receberá milhares de pessoas que virão assistir as festas religiosas do congresso
bem assim as festas centenárias. Faz-se mister que nossa terra se apresente a altura dos nossos
ilustres convidados.[...]. Estamos informados que o senhor chefe da comuna, Cel. Vicente
Antenor Ferreira Gomes, vai em breves dias, mandar concertar os trechos deteriorados das
ruas. É de se esperar também que os senhores proprietários iniciem de já a pintura externa
dos prédios, bem assim mandarão concertar as calçadas que se acharem estragadas4.

Impressiona não apenas a organização das festividades, mas, também, a amplitude que essa
data toma na construção da história e da memória sobre a Cidade, pois a comemoração se constituía
como momento da construção de símbolos para a história da Cidade, o qual buscava a sacralização
de um passado sobre Sobral. Nesse sentido, organizou-se uma programação para sacralizar o passado
glorioso, a partir do cenário progressista que a Cidade apresentava naquele momento. Para tanto,
elabora-se uma programação de atividades cívicas, com inaugurações, sessões públicas, exposições,
atividades religiosas e manifestações populares.
Cabe, aqui, lembrar que o lugar social dessa comemoração está diretamente ligado a
determinado setor da população, o qual um dos próprios organizadores denomina de intelectuais,
além de ressaltar que, mesmo nas manifestações populares incluídas na programação, essas são
representadas pela classe operária, que, devemos lembrar, estava organizada em sindicatos.
Percebemos que há um controle das comemorações pela elite intelectual da Cidade, a qual
pode ser pensada como estratégia de dominação da memória da grande população, pois, segundo
Lofego (2004, p.26): “Nos rituais comemorativos, é possível o ‘reviver’ do passado que foi escolhido
pelos guardiões da memória. O simbolismo de passado cria uma identidade para o presente”.
Observamos que a organização dos eventos partiu de um grupo, que teve poder de escolha do
que destacar e do que silenciar durante as comemorações. Nesse sentido, pensamos que as
transformações urbanas ocorridas naquele tempo, tais como as reformas e construções na Cidade,
tinham o intuito de associar a imagem da mesma ao progresso, esquecendo o passado de decadência,
relacionado à crise das oficinas e da produção algodoeira.
Novamente, a memória surge como elemento principal no estudo sobre a comemoração, pois,
percebemos que a comissão organizadora institui um controle sobre o que deve ser lembrado durante
o Centenário da Cidade, e o que deve ser silenciado, pois, como nos diz Fentress (1992), o significado
da memória social, tal como “seu modo de transmissão”, não é modificado pela sua verdade, pois,
muitas vezes, ela é afetada pela seletividade e distorção, mas, se as pessoas “[...] sempre acharem
socialmente relevante recordar e narrar um acontecimento da maneira como originalmente foi
sentida” (p. 10), ela não será afetada em sua essência. O controle sobre as comemorações se
centralizou sobre festividades e produção de representações, construindo uma memória que deixa
pequenas brechas para a memória agir livremente, sem as influências dos símbolos produzidos
durante as festividades.
Ainda sobre a organização da festa, apontamos que a imprensa teve função fundamental, pois,
além de serem rotineiros os informes ou solicitações sobre os seus preparativos, também
proporcionou amplo envolvimento de jornalistas na programação do evento e na produção de
representações sobre a Cidade, como a obra “O Centenário: Álbum Histórico Comemorativo do 1º
centenário da cidade de Sobral”, na qual sacralizava o passado glorioso e o presente modernista que
“a cidade” almejava divulgar com o seu aniversário. A programação foi divulgada pelo Jornal Correio
da Semana, com o título de “festejos do centenário”:

4
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP, Correio da Semana, 18 abr. 1941, p.2.
Sumário ISBN 978-85-000
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Dia 25: Missa Campal às 6 h na Praça da Cathedral. 9h – abertura da exposição regional agro
pecuário – comemorativa do centenário. 13 h – Sessão cívica no Paço Municipal. O jornalista
Craveiro Filho entregará ao Exmo Sr, interventor federal, um exemplar do Álbum do
Centenário. 19 h – Inauguração da Avenida Getúlio Vargas. 20 h – Festejos populares no
recinto da exposição Dia 26: 18 h – Inauguração da Av. Menezes Pimentel Dia 27: 17 h –
desfile das Escolas, manifestações da classe operária e conservadora da cidade. 5

Embora os ideais de realização do primeiro Centenário não tenham atingido todos os anseios
de seus organizadores, conseguiram mobilizar participantes de todos os setores da sociedade. O
calendário da programação leva a refletir sobre a participação popular nas comemorações, pois os
jornais silenciaram após as comemorações, tampouco fizeram referências à forma de distribuição do
álbum produzido na ocasião. No entanto, pelo caráter do lançamento desse álbum, segundo a
programação, fomos induzidos a pensar que o mesmo teve distribuição restrita.

SILÊNCIOS E FRAGMENTOS: A COMEMORAÇÃO DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DE


SOBRAL

As comemorações do Centenário de Sobral, conforme apresentadas sucintamente, foram


compreendidas a partir das fontes pesquisadas, jornais e álbum do Centenário como parte da
idealização de um grupo de intelectuais de Sobral, não deixando claro a participação da população
em geral, a não ser pelos anúncios da festa, assim como pelas solicitações realizadas pelo Bispo à
população sobre como deveriam se preparar para as festividades.
Percebendo a ausência do povo nas notas das festas de comemoração, utilizamo-nos das
memórias dos velhos para identificar como as comemorações das festas do Centenário ficaram
marcadas nas memórias dos nossos depoentes.
Durante as visitas e conversas com os narradores, tentamos deixá-los à vontade quanto as suas
narrativas, e, mesmo com relação ao contato com as imagens, não sentimos tanta necessidade de
intervir nos primeiros momentos, ou seja, em relação às memórias desencadeadas pelas fotografias,
pois falavam livremente sobre os espaços, relatando curiosidades, algumas histórias “pitorescas”
sobre a Cidade e alguns personagens. Isso fez com que os encontros fossem prazerosos para ambos,
narradores e entrevistadora.
Apesar dessa receptividade pela pesquisa, fomos, aos poucos, percebendo que o álbum era
objeto desconhecido para a maioria, apenas dois entrevistados recordavam a sua existência. Isso nos
levou a intervir nas narrativas para inferir sobre as suas memórias das festas do Centenário de Sobral.
Não foi surpresa ao percebermos que não são nítidas as memórias sobre as festas de comemoração
do Centenário. Em meio a tal percepção, surgem questões, tais como, a confusão de lembranças entre
a festa do Centenário e a festa do Núncio, apostólico do Bispo Dom José6, que ocorreu juntamente
com as comemorações do Centenário da Cidade.
Pensando essas imbricações das memórias em relação às festas, recorremos a Fentress (1992,
p. 48) para entender essa problemática a qual nos leva a percepção de que “[...] na memória, há sempre
uma tendência para a simplificação e esquematização”, ou seja, devido às festividades terem ocorrido
em continuidade, houve na memória uma simplificação das mesmas, já que as comemorações ficaram
restritas a apenas uma parte da sociedade, enquanto o encontro dos bispos se ampliou não apenas para
a população da Cidade, mas, também, para as cidades vizinhas.
Do aniversário da cidade eu num lembro de nada não, mais a mamãe contava, que em
quarenta teve uma festa muito grande, a festa do Bispo, foi bem ali, na praça São
Francisco(...) não naquele tempo o nome não era esse ai não! Era a praça avenidinha,
construída pelas pessoas da sociedade que moravam ao redor, depois da festa do Bispo foi
que fizeram a construção dessa igreja, a do São Francisco, antes era só uma capelazinha(...)
Sim pois é, a mamãe contava que a festa foi linda, quetinha muita gente, veio gente de todo

5
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP – Correio da Semana, 13 jun. 1941. p. 1
6
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
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canto, que a praça estava cheia, todo mundo bem alinhado, porque todo mundo veio alinhado!
(...) sim, participava todo mundo, tinha umas cadeiras pras pessoas mais importantes e o resto
do povo assistia em pé! Foi uma festona mesmo, é só você ir lá na Praça que naquela coluna
que tem bem no meio, tem as informações bem direitinho(...) do aniversário de cem anos eu
num lembro de nada não!7

O narrador ainda era uma criança no período em que ocorreram ambas as festividades, porém,
sua mãe falava sobre as festas ocorridas por ocasião do “Núncio apostólico”, o que, na sua memória,
ficou como uma grande festa que ela gostava de contar para seu filho, Xerez, o qual possui uma pós-
memória, oriunda das histórias que a sua mãe contava sobre a Cidade.
A pós-memória pode ser compreendida como a memória dos pais que passa para os filhos, ou
seja “[...] a memória da geração seguinte àquela que sofreu ou protagonizou os acontecimentos”
(SARLO, 2007. p. 91). Dessa maneira, as memórias de seu Xerez foram transmitidas por sua mãe,
sendo, portanto, mediadas a partir das experiências de outros, que viveram essas experiências, e as
transmitiram.
A utilização da pós-memória do narrador se justifica pelo fato de que, mesmo não tendo vivido
experiências narradas, ele as adquiriu. Sua mãe lhe narrou as histórias da Cidade, quando era criança,
o que despertou nele uma curiosidade sobre as histórias de Sobral, e, até mesmo, um orgulho de
pertencer a mesma. A percepção desse interesse de Xerez sobre a Cidade nos veio a partir da
necessidade que, durante as entrevistas, o mesmo tinha de buscar fotografias antigas, tanto de sua
família como de alguns espaços, as quais, acreditamos, surgiam como testemunhas de suas narrativas.
A fala do personagem nos mostra que as memórias sobre as comemorações do Centenário da
Cidade ficaram imersas em relação à festa do Núncio apostólico. Não existem fatos na fala do
entrevistado que abordem sobre nenhum dos eventos comemorativos em relação ao aniversário de
Sobral. Ao ser questionado sobre o “Álbum do Centenário”, Xerez8 nos fala que nunca soube da sua
existência, tampouco lembra de ter ouvido sua mãe falar sobre a existência do mesmo.
Mamãe contava muitas histórias, ela gostava de contar, porque era professora, era uma das
melhores professoras. Naquele tempo ela ensinava em casa, depois é que as crianças iam pra
escola mesmo. E como professora ela gostava de contar as coisas da cidade, mais não lembro
dela falar nada sobre esse álbum não9!

Ele recorre a experiência da mãe como professora, o que nos parece uma forma de dá
autoridade às experiências da mesma, a ausência de narrativas sobre as festas do Centenário, ou
mesmo sobre o álbum, leva-nos a acreditar que a sua importância na Cidade foi restrita, ou talvez
tenha ficado “esquecida” frente à amplitude que as comemorações do Núncio tomaram na Cidade.
Ainda sobre as memórias das comemorações do Centenário, Dona Zuleica Viana nos sinaliza
com fragmentos de suas lembranças. No entanto, há momentos em que se torna perceptível a confusão
que a sua memória faz em relação ao período.
Eu sei que foi uma festa muita bonita, mais não me lembro muito não, eu era menina tinha
uns dez anos! Ouvi falar do álbum mais não vi esse álbum não [...] Quem fez o álbum foi o
Craveiro Filho que era jornalista [...] mais grande mesmo foi a festa de Encontro dos Bispos,
uma festa grande. [...] O prefeito, era o Antenor Ferreira Gomes, ele era muito bom, foi
prefeito em Toda a Ditadura Vargas e fez muita coisa aqui! Lá na Praça Deputado Francisco
Monte, antes era São Francisco, mais antes era Praça da Independência, Foi lá que foi feita
as festas da visita do Núncio, uma festa muito grande [...]10.

A fala da narradora apresenta fragmentos de todo o período que corresponde à época do


Centenário de Sobral. De forma geral, ela fala sobre o poder político, sobre as comemorações e de

7
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
8
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
9
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
10
Narrativa de Zuleica Viana, secretaria. Entrevista realizada com em fevereiro de 2010, Sobral.
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suas extensões. No entanto, são vazios de informações concretas sobre da festa. Isso é algo corriqueiro
quando trabalhamos com a memória, afinal, a memória é uma extensão do corpo humano e, como é
normal, algumas informações vão sendo diluídas com o passar do tempo, o que nos leva a refletir
sobre a memória fragmentária, ou mesmo acerca de resquícios de memória.
A narrativa da depoente pode ser entendida como percepção construída a partir de saberes
pré-estabelecidos do período ou mesmo como esquecimento, afinal, esquecer não é mesmo diferente
de não perceber. Contudo, os resquícios de memórias apresentadas são importantes, pois ajudam a
construir perspectivas de entendimento sobre os fatos narrados que vão além do real, pois, distorções
ou generalizações sempre são apresentadas na recomposição do passado narrado. Nesse sentido,
Fentress (1992) afirma que “[...] a nossa memória exprime a ligação do nosso espírito ao nosso corpo
e do nosso corpo com o mundo social e natural que nos rodeia. No entanto essa continuidade é
também fonte de esquecimento normal” (p.57).
Tal como cotidianamente esquecemos coisas importantes, ou não tão significativas, o
processo de (re)memoração está sujeito ao esquecimento, afinal, não somos capazes de captar e
lembrar todos os acontecimentos importantes de nossas vidas, com a riqueza de detalhes neles
contidos. Isso decorre do fato de nossa memória está intimamente relacionada com as experiências e
com os contatos socioculturais que mantemos com o “evento” a ser lembrado ou esquecido.
O senhor Paulo, ao falar sobre o período das comemorações, diz não se lembrar de nem um
dos acontecimentos, tampouco do centenário ou da festa do Núncio, chegando mesmo a afirmar que
não foram da sua época.
Eu não lembro da festa, nem da visita desses bispos, acho que nessa época eu era muito
pequeno [...] A gente trabalhava tudo com meu pai, e trabalhamos na construção da igreja
São Francisco, foi muito tempo lá, antes era só uma capela pequenininha, lembro que na
época meu irmão sofreu um acidente, lá! A gente fazia a construção com umas tabua, e
amarrava pela cintura, era muito cansativo, porque ficava segurando a massa até ficar dura,
e um dia ele caiu lá de cima! Foi horrível teve que dexar de trabalhar [...] nesse tempo chegou
um casal de pintor, pra pintar o 197 FENTRESS. Op. Cit. p.57. 143 teto da igreja, foi um
comentário só, porque a pintora usava caça comprida e mulher naquele tempo se vestia feito
mulher de saia e vestido [...]11.

A narrativa de seu Paulo mostra uma ausência de memórias sobre as comemorações da Cidade
na década de 1940. Ele chega a falar que era muito criança e não se lembra desse período festivo. No
entanto, a reforma da igreja, por ele narrada com detalhes, aconteceu logo em seguida às festas. O
que ocorre é que o mesmo não reteve nem mesmo lembranças fragmentares da festa do Centenário,
tampouco em relação à presença do Núncio na Cidade, o que nos leva a conclusão de que as
comemorações das festas do Centenário foram restritas à elite, ou seja, foram comemorações
produzidas por e para uma classe específica, um grupo privilegiado que fazia parte das
comemorações. Ainda nessa perspectiva, deparamo-nos com a narrativa de seu Antonio Torres, o
qual apresenta o mesmo silenciamento sobre esse período:

Trabalhava com tudo que desse certo, nesse tempo, era tudo difícil e quando tinha muié e
menino pra criar, então eu trabalhei em serraria, na serraria do seu Didi, fui lá que aprendi o
ofiço de carpinteiro, quando sai di lá fui trabalhar pro Dom José [...] era um homem muito
bom até me deu um emprego lá no abrigo, trabalhei lá e ele disse que si mode eu quisesse
podia ficar lá de vigia, mais ganhava pouco como vigia, e voltei a trabalhar noutra serraria
[...] O Dom José eu conheci, mais num mi alembro dessa festa não! Hoje em dia é que os
prefeito faz festa de aniversário da cidade, mais anti num tinha não(...)A festa do Dom José
foi uma festança só, a cidade todinha foi, Eli tinha a mania de pedir ajuda pros branco pra
mode fazer as coisa que Eli queria na cidade, e nessa festa todos o branco deram dinheiro [...]
Tinha muita gente a cidade tava cheia, só pra essa festa [...]12.

11
Entrevista realizada com Antonio Torres, 96 anos, carpinteiro Setembro de 2009, Sobral. 144
12
Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral.
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A presença do Bispo na vida de seu Antonio Torres representa a possibilidade de trabalhar e


viver próximo de uma pessoa que, segundo ele, era um homem bom, que pedia contribuições aos
“brancos” para a realização das obras que realizava na Cidade. Segundo o depoente, não havia festas
durante o aniversário da Cidade, somente nos dias atuais é que existem tais comemorações. Essa
afirmação nos leva a refletir sobre as possibilidades levantadas, a partir das narrativas anteriores, ou
seja, as comemorações do aniversário da Cidade eram solenidades realizadas para um grupo
específico, talvez o grupo responsável por manter e construir a tradição sobre a Cidade. Esse grupo
que desejava uma cidade moderna e, para tanto, construiu representações que divulgavam as suas
transformações, com o intuito de que essas ganhassem eco pelos jornais da capital e do país. A
tradição divulgada pretendia estabelecer como patrimônio da Cidade um imaginário de progresso e
modernização.
O caráter dado a essa comemoração, em especial a do primeiro Centenário de Sobral, foi
moldado para ecoar em outras cidades, quiçá no mundo. Afinal, a elite local se orgulhava-se dos seus
contatos diretos com a Europa e o Sul do país. Entretanto, a memória social pouco guardou do grande
feito, pois, em diferentes espaços da Cidade, não mais se lembram ou não ouviram falar de tão
significativa comemoração.
Compreender as memórias, a partir das imagens reproduzidas no álbum do centenário, fez-nos
refletir sobre a construção de uma narrativa diferenciada que se faz das experiências com o social.
Por isso, devemos levar em consideração a generalização que os narradores fazem a partir de saberes
pré-estabelecidos. Entretanto, é imprescindível a fragmentação dessa memória, ocasionada pelo
esquecimento, ou mesmo pela volatilidade dos contatos com esses acontecimentos, sem olvidar dos
diferentes espaços e suas multiplicidades, locais que compõem a paisagem urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar Sobral na década de 1940 do século XX se tornou possível a partir do trabalho com
as imagens reproduzidas no álbum do primeiro Centenário, articuladas com as memórias dos velhos.
Foi possível compreender a Cidade e os desejos dos ordenadores do espaço urbano, da mesma forma
que perceber como as representações produzidas sobre Sobral ficaram marcadas na memória de seus
habitantes.
As memórias, concebidas como fontes nesta pesquisa, foram “[...] adquirindo um peso e uma
diversidade que levam a identificação do próprio mundo exterior” (GUIMARÃES, 1997, p.11). Ou
seja, foram elas os guias que nos ajudaram a entender como a cidade era vivenciada pela população
que não estava inserida no meio de seus ordenadores, entendendo, dessa maneira, como os espaços
representados no álbum eram por eles praticados e pensados.
Assim, o universo dessas representações sofria apropriações e utilizações diversas para
aqueles que, mesmo não sendo instigados a “desejar a Cidade”, construíam as suas próprias histórias
e representações sobre a mesma. A interpretação dessas memórias e, às vezes, do silêncio dos
depoentes, fizeram-nos revelar a existência de múltiplas cidades, em uma única, o que não seria
perceptível através apenas dos documentos escritos.
A compreensão de Sobral e da instituição de seu imaginário acerca da Cidade e de suas
tradições não são perceptíveis apenas com o estudo de um evento, em especial o Centenário. Foi
possível perceber que existem várias formas de pensar a Cidade. Formas essas que, às vezes, não
estão impressas em documentos ou em jornais, mas que se encontram presentes na memória daqueles
que são parte constituinte desses espaços.

REFERÊNCIAS

CONNERTON. Paul. Cerimônias Comemorativas. In: Como as sociedades recordam. Oleiras: Celta, 1993.p.15.
FRENTRESS, James. Memória Social: Novas perspectivas sobre o passado. Ed. Teorema, 1994.

Sumário ISBN 978-85-000


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GUIMARÃES, Cesar. Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte: Editora da UFMG,1997,
p.11.eorema, Lisboa, 1992.
LOFEGO. Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado e o futuro. São Paulo:
Annablume, 2004. p.26.
POLLAK. Michael, Memória e identidade social. IN: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p.200 -
212.

Sumário ISBN 978-85-000


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ARTE NO ESPAÇO PÚBLICO:


A INVENÇÃO DE OUTRAS CIDADES
Carla Galvão Farias

“A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais
dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para
nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente”.1

A cidade onde o artista vive pode influenciar o seu processo de criação, seja pela seleção de
materiais que estão mais disponíveis ali do que em outros lugares, seja pelas imagens, cenários e
estética que existem naquela cidade, pelos sons que ela emite, o cotidiano que ela favorece, etc.
A arte confere certa atmosfera à cidade e a cidade influencia no processo de criação do artista,
pois esse processo envolve muitas vezes, as experiências sociais e urbanas dele, o seu cotidiano, além
de seus intercâmbios com outros.
Alguns artistas assumem essas influências, produzindo trabalhos voltados a determinados
lugares, com a intenção de criar novos significados a esses espaços, valorizando lugares que estavam
abandonados ou subutilizados, levando beleza aonde existia esquecimento.
Às vezes a intenção do artista é questionar determinados lugares, pelo modo como estão sendo
ocupados. Um exemplo disso acontece quando o artista tem a opção de expor em uma galeria de arte,
mas ainda assim, cria algo para ser exposto no espaço público, acessível a todos.
Por vezes, a proposta parte mesmo da ideia de criticar o lugar ou o espaço público de modo
mais abrangente. Questionando sobre como esses espaços são habitados, quem está sendo
privilegiado, quem está sendo excluído, visando promover o pensamento crítico e mudanças.
É necessário fazer certa distinção entre termos utilizados aqui, que se aproximam, mas que
têm sentidos diferentes: Cidade e espaço público.
A cidade é tanto um espaço geográfico, físico, como também uma ideia que cada sujeito
“inventa” no seu cotidiano, através de sua experiência, de suas memórias, dos lugares onde viveu
alegrias e tristezas, das ruas conhecidas e das ruas desconhecidas, etc. Cada habitante da cidade faz
dela um mapa único, traçado pelos afetos que lhe atravessam.
A cidade não se constitui apenas de edifícios, de construções humanas, mas também de
cultura, trazendo em si marcas da população que a habita, que vive e produz significados a ela.
São os sujeitos com a sua cultura e seus modos de se organizar e de pensar que constroem as
cidades. De modo que sua estrutura revela o modo como a população a habita, trabalha, vive nela.
O espaço público é onde se desenrola a ação política, espaço dos dissensos, que por ser
público, deve ser comum a todos, que é disputado de diversas formas, pois todos querem ter direito a
ele e opinar sobre como habitar e se mover nesse espaço.
Mas os sujeitos que disputam esse espaço nem sempre possuem o que Arendt (1972 apud
SERPA, 2014) denomina de capacidade de julgamento, a habilidade de analisar os fatos sob uma
perspectiva plural, não apenas individual, compreendendo que na esfera pública, as ações de um
interagem com as dos demais ou podem afetá-los.
O espaço público é, portanto, o espaço da política, onde pensamos sobre o que deve ser comum
a todos e como esse “comum” deve ser partilhado entre os sujeitos.
Compreendendo aqui o termo política à luz de Rancière (1996) que relaciona o princípio da
ideia de política ao domínio do ser humano sobre a palavra falada e escrita. Retomando o filósofo

1
CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. p. 53. Ed. Biblioteca Folha. 1972.
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Aristóteles, Rancière (1996) reafirma ser o homem um animal político, justamente por possuir a
habilidade de falar, que o diferencia dos outros animais.
Ele analisa o surgimento da política na Grécia antiga, e como o direito à fala nos espaços
públicos não era algo que se aplicasse a todos, pois os escravos e os bárbaros não eram considerados
como seres que possuíssem tal habilidade, embora também fossem considerados seres humanos.
Portanto, eles não participavam da política, eles não tinham igualdade na partilha do espaço público.
Desse modo, ainda que todos pudessem frequentar o espaço da Ágora, aos estrangeiros
(metecos) e aos escravos não era permitido participar de grande parte dos eventos políticos que
aconteciam ali, como corrobora Sennet (2003).
Sennet (2003) descreve a Ágora como um lugar caótico, onde se realizavam diversas
atividades simultaneamente, como danças religiosas, atividades financeiras, apresentações teatrais,
além de haver espaços para comer, negociar e conversar. Esse era o espaço público, o espaço da
política.
O homem do povo não era considerado um ser falante, tampouco era considerado apto a
debater com os patrícios, porque ele não possuía nem títulos, nem riquezas e estava, portanto, restrito
à esfera da vida privada.
A abrangência do espaço público hoje se ampliou, com o surgimento de mais espaços,
inclusive virtuais, que são espaços de discussão, de comunicação e de atuação política. Mas ainda há
bastante exclusão nesses espaços, onde nem todos têm acesso ou são ouvidos.
O espaço público e a cidade são espaços políticos, por serem permeados por diferenças,
dinâmicos, visíveis, externos. São espaços coletivos, idealizados e construídos pelas pessoas, pois o
modo como uma cidade se desenvolve materialmente, revela a subjetividade de seus habitantes, assim
como o modo como o espaço público é compartilhado também surge do modo de pensar e agir dos
sujeitos.
Assim como a cidade e o espaço público, a arte também se origina da subjetividade humana,
ou ainda, ela é em si mesma um modo de ser e de viver, pois o artista é aquele que vive a arte,
inventando olhares e perspectivas sobre a realidade. Como se utilizasse uma lupa, ele pode ampliar
um pequeno recorte da realidade e torná-lo visível, quando ele não era, ou pode lhe propor novos
significados, pode problematizá-lo.
A cidade e o espaço público são os espaços onde a arte se dissemina, se propaga e são por ela
transformados e (re)inventados. A arte se relaciona com a estética da cidade, com a beleza que está
além das formas, mas que está também no significado que damos ao que nos cerca.
Partindo disso, analiso uma intervenção artística realizada em Fortaleza, em 2013, no contexto
das manifestações populares que ocorreram diversas cidades brasileiras, começando pelo Movimento
Passe Livre (MPL), em São Paulo, contra o aumento no preço das passagens de ônibus.
Essas manifestações geraram profícuos debates sobre a mobilidade urbana, o direito de
manifestar-se no espaço público, a democracia, a manipulação das notícias pelos veículos de
comunicação em massa, etc.
Nesse período, a cidade experimentou um estado de comoção inusitado, que surpreendeu por
ter crescido de forma tão vertiginosa e sem precedentes.
Nesse contexto, o coletivo Massa Crítica2 promoveu em Fortaleza, a pintura de uma ciclofaixa
com extensão de 3 km na Rua Ana Bilhar, no dia 04 de agosto de 2013, problematizando o modo
como se compartilhava aquele espaço público até então, onde não havia espaço destinado ao tráfego
de ciclistas.
Essa faixa foi pintada com tinta à base de água, sem a solicitação de uma autorização da
prefeitura. Mas essa pintura, ainda que feita com uma tinta que tinha pouca durabilidade, por ser
facilmente removível, tornaria visível uma cidade que existia apenas para os ciclistas que transitavam
diariamente por ali sem a segurança de um espaço destinado a eles.

2
Mais informações sobre o coletivo em: <https://www.facebook.com/MassaCriticaFortaleza? fref=ts>. Acesso em:
21/12/2014.
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Figura 1: Massa Crítica. Ciclofaixa (2013)3.

Fonte: vide nota de rodapé.

O coletivo Massa Crítica promoveu uma intervenção que pode ser considerada arte, pensando
pela perspectiva da arte contemporânea, que propõe a abertura para múltiplas interpretações,
promovendo a invenção plural de significados, onde o espectador é de certo modo um cocriador.
Nesse caso, os espectadores seriam os sujeitos que transitavam por aquela rua e as suas
reações, ou o modo como a intervenção os afetava, era parte da obra.
Assim como nessa intervenção, a arte contemporânea evoca a ideia de provocação e muitas
vezes não é bem compreendida. Ela provoca a questionar conceitos que foram naturalizados.
Revolvendo a zona do normal, deslocando personagens, revirando conceitos enraizados.

Figura 2: Massa Crítica. Material utilizado. 4(2013).

Fonte: vide nota de rodapé.

3
Disponível em: <http://vadebike.org/2013/08/ciclofaixa-ana-bilhar-fortaleza/>. Acesso em: 21 Dez.2014.
4
Disponível em: <http://vadebike.org/2013/08/ciclofaixa-ana-bilhar-fortaleza/>. Acesso em: 05 Jul.2019.
Sumário ISBN 978-85-000
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A intervenção do Massa Crítica dialoga com a arte e com a política, pois como afirma Rancière (1996),
a política surge quando a ordem da partilha do comum é alterada pelos que não tem parcela, ou seja, pelo povo,
de modo que se põe em questão a própria partilha, problematizando-se o modo como ela ocorre e o que cabe
a cada um.
A arte está na esfera do visível, ou melhor, daquilo que é apreendido pelos sentidos. Ela transita entre
os sujeitos, comunicando, tornando-se uma experiência a ser não apenas vista como também sentida,
experimentada.
O que a arte proporciona está intrinsecamente relacionado com o modo de estar no mundo, como o
sujeito aprende, conhece, cria, constrói, habita, vive, pensa, sente e opera no espaço.
A arte propõe experiências. Experiência no sentido de (auto)observação, de consciência sobre si
mesmo, sobre a sua relação com os outros e com o meio circundante. A arte toca nesse lugar, da experiência.
Benjamin (1933 apud BONDÍA, 2002) observa que a pobreza de experiências é característica dos
tempos atuais, onde o excesso de informações provoca uma aparência de que muitas coisas sucedem, mas a
experiência, como eles a entendem, trata-se de algo raro.
Considero experiência a invenção de subjetividades, algo que modifica a relação com o tempo e com
o espaço, que desloca o olhar condicionado para algo inesperado, que possibilita ao corpo expressar modos
inexplorados.
A intervenção do Massa Crítica provavelmente surpreendeu muitos ciclistas que estavam
acostumados a transitar por aquela rua sem tal faixa. Ela possibilitou uma experiência a diversas
pessoas que passaram por aquele espaço, tocando na questão da mobilidade urbana, produzindo
afetos.
Essa intervenção filmada e alguns vídeos foram disponibilizados na internet5. Em um deles,
que dura um pouco mais de três minutos, eles denominam a ação de “intervenção urbana”, e contam
o processo de criação da ciclofaixa, como o custo dos materiais para a pintura, entre outros aspectos.
Eles também conversam com alguns transeuntes, inclusive policiais, que passam pelo local, e
defendem a intervenção, afirmando, entre outras coisas, que intencionavam conhecer a reação das
pessoas, se elas iriam realmente utilizar a faixa, que sua proposta era estimular o trânsito em bicicletas
e incentivar a prefeitura a criar ciclofaixas na cidade.
Além disso, eles afirmam que a tinta não é permanente, que se apaga em poucos dias, de modo
que eles não estariam causando uma mudança definitiva do espaço público, mas apenas uma
intervenção temporária.
Após a intervenção, houve uma resposta da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços
Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). O vice-presidente da AMC, Arcelino Lima, afirmou6
que se tratava da “violação de um bem público”.
Acredito que se houve alguma violação, não foi do bem público, pois a intervenção visava
provocar uma reconfiguração desse bem, da forma como ele era partilhado entre os sujeitos e suas
diferentes formas de mobilidade.
Talvez o que ele considerava violação era o fato de que uma parcela da população que não
costuma “ter voz” estava tomando decisões sobre o espaço público.
No dia seguinte à intervenção, a ciclofaixa foi apagada pela prefeitura, mas em setembro, um
mês depois, a AMC implantou uma ciclofaixa unidirecional naquela rua.

5Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Roq26AWROZk>. Acesso em: 21 Dez.2014.


6
Disponível em: <http://vadebike.org/2013/08/ciclofaixa-ana-bilhar-fortaleza/>. Acesso em: 21 Dez.2014.

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Figura 3: Ciclo faixa na Ana Bilhar 7(2013)

Fonte: Vide nota de rodapé.

A inauguração dessa ciclofaixa foi divulgada na ocasião e a explicação da escolha do local para início
desse tipo de obras na cidade foi a seguinte:

Inicialmente, apenas a Rua Ana Bilhar foi contemplada com essa sinalização. Entretanto, após o
término das obras de recapeamento da Rua Canuto de Aguiar, será implantada a ciclofaixa
também nesta via, no sentido oeste/leste, complementando o binário a fim de ampliar as
possibilidades de mobilidade.8

A notícia não menciona a intervenção do Massa Crítica, não a aponta como um dos motivos para
aquela ciclofaixa. A inauguração da faixa exclusiva para os ciclistas é informada como sendo uma obra
realizada “em atendimento à solicitação do prefeito Roberto Cláudio de oferecer opções de deslocamentos seguros
aos ciclistas.” 9
A cidade de Fortaleza atualmente possui diversas ciclofaixas, que passaram a fazer parte do cenário urbano
e aos poucos foram sendo assimiladas pela cultura local.
Vejo como necessária a criação de ciclofaixas em todas as ruas para que a distribuição desse espaço se
aproxime mais da equanimidade entre as diversas formas de mobilidade.
Para uma distribuição igualitária, há que se pensar não apenas nos ciclistas, mas também nos pedestres, nas
pessoas com dificuldades de locomoção, nos idosos, etc.
A partilha do espaço público é algo dinâmico, que pode ser transformado a partir da ação dos sujeitos e a
arte pode contribuir para essa transformação, através da criação de imagens, de intervenções visuais, sonoras, táteis,
ou melhor dizendo, sensíveis, que provocam debates, levando as pessoas a pensarem, imaginando outras possíveis
cidades.
A arte pode mexer com a imaginação e com a sensibilidade, provocando experiências, mais do que ideias
e palavras, ações. Abrindo espaço para o surgimento do novo.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó-SC: Argos, 2009.


ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

7
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar Acessado em: 05/07/2019.
8
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar
9
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar
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BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Universidade de Barcelona, Espanha.
Tradução de João Wanderley Geraldi. Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Lingüística. Revista
Brasileira de Educação Nº 19 – Jan/Fev/Mar/Abr, 2002.
RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política – São Paulo: EXO experimental – Ed. 34, 2005.
______. O Espectador Emancipado. Editora: WMF Martins Fontes, 2010.
RODRIGUES, Kadma Marques. A Beleza e a Rua: Considerações sobre a arte e o grafite na “Fortaleza Bela”. In:
VIEIRA, Carla; (Org.). Arte Contemporânea e seus públicos – Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2011.
SENETT, Richard. Carne e Pedra. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
SERPA, Angelo. O Espaço Público na Cidade Contemporânea. 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2014.

Sumário ISBN 978-85-000


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CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI PARA A EDUCAÇÃO:


BREVES APONTAMENTOS 1

Sirneto Vicente da Silva


Antônio Marcos Rocha de Carvalho
Antônio Marques de Oliveira
Daniela Glícea Oliveira da Silva

INTRODUÇÃO

Vigotski apresenta uma perspectiva teórica cujas bases estão fundamentadas no materialismo
histórico-dialético de Marx, o qual compreende que o processo de conhecimento é formado pela
síncrese, análise e síntese2, momentos interligados que contribuem para a compreensão da realidade
concreta.
Tomando a abstração e a forma de cultura mais desenvolvida, Vigotski propõe que o ensino
parta do conhecimento cotidiano para chegar ao conhecimento científico, essencial para o
desenvolvimento humano. Neste processo, o psicólogo russo argumenta a importância da interação
entre criança, indivíduo em desenvolvimento, e o adulto, um ser desenvolvido, como fonte que
impulsiona o desenvolvimento cultural da criança.
O objetivo deste capítulo é propor uma discussão sobre a aprendizagem a partir de uma
abordagem histórico-cultural, cuja base está fundamentada no método e nos princípios teóricos do
materialismo histórico-dialético.
Para tanto, realizou-se um estudo bibliográfico apoiado em Vigotski (1998), Rego (1994),
Oliveira (1993), Leontiev (1978) e Duarte (2008), uma vez que este tipo de pesquisa “[...] se utiliza
fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto [...]” (GIL,
1991, p. 51).
O texto está organizado em duas partes: a primeira, apresenta as bases que fundamentam os
estudos de Vigotski, enquanto a segunda discorre sobre a relação entre desenvolvimento e
aprendizagem, a partir da Zona de Desenvolvimento Proximal.

1
Este texto é parte do artigo “Os Pilares da Educação e os Direitos de Aprendizagem: Interfaces do Sistema Capitalista”,
apresentado na XXII Semana Universitária da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em 2017.
2
Estes três momentos compõem o método da economia política desenvolvido por Marx para compreender a realidade
concreta. Marx (2016) coloca que o concreto só pode ser desvelado se tomarmos a realidade em sua totalidade, a qual se
apresenta, inicialmente, como um todo caótico (síncrese), que por meio da análise, poderíamos chegar aos conceitos mais
simples, sendo necessário fazer o caminho de volta para que se possa perceber o concreto, isto é, a síntese das múltiplas
determinações sociais, a totalidade em que se encontra a realidade, chegando, portanto, ao conhecimento mais complexo
(MARX, 2016; DUARTE, 2008). Para uma melhor compreensão sobre o método materialismo histórico-dialético,
consultar MARX, Karl. O Método da Economia Política. In: MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política.
Tradução: Maria Helena Barreiro Alves. 5ª edição – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016. p. 246-258; e
DUARTE, Newton. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a
questão do saber objetivo na educação escolar. In: DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das
ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. 1 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
(Coleção polêmicas do nosso tempo, 86). Cap. 3, p. 39-83.
Sumário ISBN 978-85-000
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APRENDIZAGEM: APROPRIAÇÃO DA CULTURA SÓCIO-HISTÓRICA

Após a Revolução Russa de 19173, a psicologia soviética estava dividida em duas


contraditórias tendências: uma que buscava explicar os processos sensoriais simples e os reflexos,
baseando-se em pressupostos da filosofia empirista e positivista, e outra voltada para a descrição dos
processos superiores, inspirada em premissas da filosofia idealista e racionalista.
A primeira tendência, denominada concepção ambientalista4, “[...] atribui exclusivamente ao
ambiente a constituição das características humanas e privilegia a experiência como fonte de
conhecimento e de formação de hábitos de comportamento” (REGO, 1994, p. 88). Logo, as
características dos indivíduos são estabelecidas por fatores externos e o desenvolvimento e a
aprendizagem se confundem e ocorrem simultaneamente.
A concepção inatista5, é uma tendência defensora de que as capacidades básicas do ser
humano, como a personalidade, o potencial, os valores, os comportamentos e as formas de pensar e
de conhecer são inatas, isto é, “[...] já se encontram praticamente prontas no momento do nascimento
ou potencialmente determinadas e na dependência do amadurecimento para se manifestar” (REGO,
1994, p. 86). Assim, os fatores maturacionais e hereditários delimitam a constituição do ser humano
e seu processo de conhecimento, excluindo, portanto, as interações socioculturais que contribuem
para a formação das estruturas comportamentais e cognitivas.
É neste contexto histórico de pós-revolução, que surge a abordagem sociointeracionista de
Vigotski6, o qual “Ao mesmo tempo que tecia críticas contundentes às correntes idealista e
mecanicista, buscava a superação desta situação através da aplicação de métodos e princípios do
materialismo dialético, para a compreensão do aspecto intelectual humano” (REGO, 1994, p. 28).
Vigotski propôs uma teoria que, além de descrever, buscasse explicar as funções psicológicas
superiores, a partir de uma psicologia nova baseada na teoria marxista, elaborada por Karl Marx, a
qual “[...] forneceu uma análise teórica da natureza social do homem e do seu desenvolvimento sócio-
histórico [...]” (LEONTIEV, 1978, p. 267).
Neste sentido, Rego (1994) evidencia que
O pensamento marxista também foi para ele uma fonte científica valiosa. Podemos identificar
os pressupostos filosóficos, epistemológicos e metodológicos de sua obra na teoria dialético-
materialista. As concepções de Marx e Engels sobre a sociedade, o trabalho humano, o uso
dos instrumentos, e a interação dialética entre o homem e a natureza serviram como
fundamento principal às suas teses sobre o desenvolvimento humano profundamente
enraizado na sociedade e na cultura (REGO, 1994, p. 32).

3
A Revolução Russa de 1917 foi marcada por uma série de eventos políticos que resultou no estabelecimento do poder
soviético sob o controle do partido bolchevique. Composta por duas fases: a Revolução de Fevereiro em que se deu a
derrubada da autocracia do Czar Nicolau II da Rússia e a Revolução de Outubro, através da qual o governo provisório foi
derrubado, impondo-se o governo socialista soviético, o resultado deste processo foi a criação da União Soviética, que
durou até 1991. Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/ef2/revolucaorussa/>. Acesso em: 22.09.2016.
4
A concepção ambientalista é uma abordagem também denominada de associacionista, comportamentalista ou
behaviorista.
5
A abordagem inatista também é conhecida como apriorística ou nativista.
6
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, em Orsha, pequena província da Bielo-Rússia. Sua
família era de origem judaica. Seu pai trabalhava em um banco e numa companhia de seguros e sua mãe era professora
formada. Seu percurso acadêmico foi marcado por estudos realizados em diversas áreas do conhecimento. Começou sua
carreira aos 21 anos de idade após a Revolução Russa de 1917. Preocupava-se com questões ligadas à pedagogia.
Interessou-se pela psicologia acadêmica, a partir de seu contato com os problemas de crianças com defeitos congênitos
como cegueira, retardo mental severo e afasia, o que significou uma oportunidade para compreender os processos mentais
humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa. Faleceu de tuberculose, no dia 11 de junho de 1934,
em Moscou.
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Nesta perspectiva, os estudos realizados tanto pelo psicólogo russo, como por seus
seguidores7, buscaram comprovar que o pensamento adulto é culturalmente mediado, sendo que a
linguagem é o meio principal desta mediação. Vigotski, portanto, tendo como base os princípios do
materialismo dialético, buscou construir uma psicologia que “[...] integra, numa mesma perspectiva,
o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie
humana e participante de um processo histórico” (OLIVEIRA, 1993, p. 23).
Para melhor compreender a abordagem sócio-histórica ou sociointeracionista, faz-se
necessário conhecer os principais pressupostos que sustentam a teoria deste pesquisador8. Vigotski,
em seu primeiro pressuposto, defende que as características tipicamente humanas não são presentes
no indivíduo desde o seu nascimento, nem são resultados do meio externo. Afirma, portanto, que
estas características “[...] resultam da interação dialética do homem e o seu meio sociocultural. Ao
mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas,
transforma-se a si mesmo” (REGO, 1994, p. 41, grifos do autor). Assim, o ser humano não nasce
humano, torna-se humano a partir do momento em que transforma o ambiente, integrando, portanto,
aspectos biológicos e sociais, numa relação entre indivíduo e sociedade.
Seu segundo pressuposto teórico é uma extensão do primeiro. Através dele, Vigotski
evidencia que as “[...] funções psicológicas especificamente humanas se originam nas relações do
indivíduo e seu contexto cultural e social” (REGO, 1994, p. 41). Infere-se que é a partir das interações
sociais que o ser humano se desenvolve, sendo a cultura, um elemento indispensável para este
desenvolvimento, pois é através dela que o homem internaliza os modos historicamente determinados
e culturalmente organizados de operar com informações.
Através do terceiro pressuposto, o psicólogo russo sustenta que o cérebro é a base biológica
do funcionamento psicológico. O cérebro é percebido como órgão principal da atividade mental;
sendo “[...] produto de uma longa evolução, é o substrato material da atividade psíquica que cada
membro da espécie traz consigo ao nascer” (REGO, 1994, p. 42). Assim sendo, o cérebro não é um
sistema imutável e fixo, ao contrário, é “[...] um sistema aberto de grande plasticidade, cuja estrutura
e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual”, como ressalta Oliveira (1993, p. 24).
Vigotski apresenta o quarto pressuposto teórico, asseverando que toda atividade humana é
mediada. A mediação, para tanto, é realizada através dos instrumentos técnicos e os sistemas de
signos, construídos ao longo da história da humanidade, os quais fazem a mediação entre os seres
humanos e destes com o mundo ao seu redor. Neste sentido, “[...] a linguagem é um signo mediador
por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana”
(REGO, 1994, p. 42). Para Vigotski (1998), a linguagem9 tem um papel primordial no processo de
pensamentos, uma vez que permite ao homem lidar com objetos do mundo exterior, mesmo que estes
objetos estejam ausentes; propicia ao homem a abstração e a generalização, e viabiliza o
desenvolvimento da função de comunicação entre os homens, garantindo que as informações e
experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história sejam preservadas, transmitidas e
assimiladas.

7
Vigotski teve grandes colaboradores, dentre eles destacaram-se Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei
Nikolaievich Leontiev (1904-1979).
8
Vigotski investigou sobre os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética
(história evolutiva da espécie), histórico-social e ontogenética (desenvolvimento do indivíduo da fecundação à
maturação). Interessou-se em estudar o comportamento e psiquismo dos animais com o objetivo de identificar as
principais semelhanças e possíveis diferenças com o ser humano. Em linhas gerais, concluiu que: a) todo comportamento
animal conserva sua ligação com os motivos biológicos; b) o comportamento humano não é forçosamente determinado
por estímulos imediatamente perceptíveis ou pela experiência passada; c) as fontes de comportamento do homem são
transmitidas pela experiência das gerações anteriores (VIGOTSKI, 1998; REGO, 1994; OLIVEIRA, 1993).
9
Para o psicólogo russo, a linguagem representa um marco no desenvolvimento do pensamento humano, pois tanto
expressa o pensamento como age como organizadora deste pensamento. A linguagem escrita também desempenha papel
fundamental, uma vez que “[...] representa um novo e considerável salto no desenvolvimento da pessoa” (REGO, 1994,
p. 68).
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 134

O último pressuposto explicita que os processos psicológicos complexos são próprios dos
seres humanos e, ao serem analisados devem ser conservadas suas características básicas, pois “[...]
os processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos mais elementares e não podem,
portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos” (REGO, 1994, p. 43). Neste sentido, a consciência
humana, enquanto produto da história social, deve ser estudada levando em consideração as mudanças
do desenvolvimento mental dentro de um contexto social.
Com estes principais pressupostos, Vigotski fundamenta sua psicologia, defendendo que “[...]
o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes interações com o meio social em
que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social.” (REGO, 1994, p.
60-61), sendo mediadas pelos signos e pelo outro10.
Destarte, faz-se necessário ressaltar o lugar de destaque que Vigotski atribui ao aprendizado,
no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Para o estudioso, a
aprendizagem é um elemento basilar, uma vez que colabora para o desenvolvimento pleno do ser
humano que se realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação que estabelece com
outros sujeitos.
O ser humano deve, portanto, ter acesso aos conhecimentos historicamente construídos ao
longo do desenvolvimento da humanidade, através da aprendizagem, pois “[...] o aprendizado é o
aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características
psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas” (REGO, 1994, p. 71).

A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

A relação entre desenvolvimento e aprendizagem é entendida como complexa. Para tal, o


psicólogo a examina observando a relação entre aprendizado e desenvolvimento, por um lado e, por
outro, as peculiaridades desta relação no período escolar. Assim, ele identifica dois níveis de
desenvolvimento, os quais denomina de nível de desenvolvimento real ou efetivo e nível de
desenvolvimento potencial, que compõem a Zona de Desenvolvimento Proximal, descrita por
Vigotski como “[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes” (VIGOTSKI, 1998, p. 112).
Isto posto, o primeiro nível é caracterizado pelos conhecimentos já consolidados pela criança,
uma vez que ela consegue realizar sozinha, determinadas atividades, sem a cooperação de alguém
mais experiente da cultura, ou seja, a mãe, o pai, o professor, um colega. Neste nível, “[...] o
desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos
de desenvolvimento já completados” (VIGOTSKI, 1998, p. 111).
O segundo, é caracterizado pelo que a criança é capaz de fazer, porém com a ajuda de uma
pessoa mais experiente. Neste nível, a criança consegue realizar tarefas, solucionar problemas através
da mediação do diálogo, da imitação, da experiência apresentada por outro, de pistas fornecidas.
De acordo com Rego (1994),
A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de
desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de
seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotsky
chamou de “zona de desenvolvimento potencial ou proximal”. [...] O aprendizado é o
responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação
com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de
desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer (REGO, 1994, p.
73-74, aspas do original).

10
Vigotski atribui ao instrumento e ao signo, elementos da mediação simbólica, papel fundamental, pois explica que o
primeiro tem a função de regular as ações sobre os objetos e o segundo a função de regular as ações sobre o psiquismo
dos seres humanos, o que significou um salto evolutivo da espécie humana (REGO, 1994).
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Neste contexto, duas observações devem ser realizadas: uma em relação à importância de que
a escola, ao discutir e planejar as atividades voltadas ao ensino e à aprendizagem, tem uma
fundamentação singular a qual deve seguir, que é o estudo da zona de desenvolvimento potencial ou
proximal proposta por Vigotski, a qual privilegia a interação a partir da cultura. A outra observação,
igualmente significativa, é que o conhecimento tido como no nível de desenvolvimento proximal,
passará para o nível de desenvolvimento real, desde que aconteça a mediação por alguém
culturalmente com mais experiência. Cabe, portanto, entender que o ambiente por si só não
contribuirá para elevar o nível de aprendizagem e, portanto, de desenvolvimento da criança.

A APRENDIZAGEM ESCOLAR E O PAPEL DO PROFESSOR NA CONCEPÇÃO


VIGOTSKIANA

Para Vigotski (1998, p. 113), “[...] a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear
o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não
somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em
processo de maturação”. O papel do professor, neste contexto, é o de intervir na zona de
desenvolvimento proximal, proporcionando atividades que contribuam para que os alunos avancem
no aprendizado dos conteúdos historicamente acumulados, uma vez que a aprendizagem não ocorre
espontaneamente.
Em relação aos níveis que compõem a zona de desenvolvimento potencial ou proximal, Rego
(1994) faz uma crítica às escolas, pois estas acabam por avaliar os alunos que supostamente
apresentam-se no nível de desenvolvimento real, quando os alunos que merecem maior atenção são
os que se encontram no nível de desenvolvimento potencial, os quais melhor indicam o seu nível de
aprendizagem:
Nas escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, costuma-se
avaliar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é capaz de
fazer, sem a colaboração de outros, é que é representativo de seu desenvolvimento. [...] Este
nível (o nível de desenvolvimento potencial) é, para Vygotsky, bem mais indicativo de seu
desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha” (REGO, 1994, 73,
grifos nossos).

Partindo destas reflexões, depreende-se que as escolas terminam por não conhecer o
desenvolvimento mental de seus alunos, uma vez que privilegiam apenas o nível de desenvolvimento
real em suas avaliações como uma maneira de perceber o desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
Deste modo, as escolas deixam de conhecer os ciclos de aprendizagem já completados e de elaborar
estratégias pedagógicas para auxiliarem os que ainda estão no nível proximal em relação a
determinadas aprendizagens. No entanto, “[...] a escola tem o papel de fazer a criança avançar em sua
compreensão do mundo a partir de seu desenvolvimento já consolidado e tendo como meta etapas
posteriores, ainda não alcançadas” (OLIVEIRA, 1993, p. 62).
Fica claro, por conseguinte, que tanto o aprendizado de modo geral, como o aprendizado
escolar, especialmente, possibilita e orienta processos de desenvolvimento mental dos indivíduos.
Para Vigotski (1998), o desenvolvimento e a aprendizagem encontram-se inter-relacionados desde o
nascimento do sujeito. No entanto, ele explica o papel da escola no processo de desenvolvimento do
indivíduo distinguindo os conhecimentos construídos na experiência pessoal, identificados como
conceitos cotidianos ou espontâneos11 e os conhecimentos adquiridos por meio do ensino sistemático,
identificados como conceitos científicos12. Para tanto, “[...] o psicólogo soviético mostra que os
conceitos científicos, superam por incorporação os conceitos cotidianos, ao mesmo tempo em que a
aprendizagem daqueles ocorre sobre a base da formação destes [...]” (DUARTE, 2008, p. 48).
11
São conceitos construídos a partir da observação, manipulação e vivência direta da criança. No cotidiano a criança pode
construir o conceito de gato, distinguindo-o de outras categorias como livro, mesa, por exemplo (REGO, 1994).
12
Estes conceitos dizem respeito a eventos não acessíveis diretamente através da observação ou ação imediata da criança.
São conceitos adquiridos de forma sistematizada a partir de interações escolarizadas (REGO, 1994).
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Embora diferentes, conforme explica Rego (1994), “[...] os dois tipos de conceitos estão
intimamente relacionados e se influenciam mutuamente, pois fazem parte, na verdade, de um único
processo: o desenvolvimento da formação de conceitos” (REGO, 1994, p. 78). Logo, ao entrar em
contato com um conceito sistematizado, porém desconhecido, a criança tentará significá-lo através
de aproximações com outros conhecimentos elaborados e internalizados anteriormente. Por
conseguinte, tanto os conceitos cotidianos quanto os conceitos científicos apresentam-se como
imprescindíveis no processo de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo, embora talvez se
torne relevante lembrar que o processo de ensino e aprendizagem não deve contentar-se apenas com
o conhecimento espontaneísta.
Para Vigotski (1998), o ensino de conceitos não se dá de forma mecânica, por meio de
treinamento ou memorização, mas através de um meio ambiente desafiador, que estimule o intelecto
do indivíduo para que este conquiste estágios mais elevados de raciocínio, pois a formação do
pensamento conceitual não depende exclusivamente do esforço individual, porém, principalmente do
contexto em que o indivíduo está inserido. Para tanto, o ensino escolar desempenha papel
fundamental neste processo, como bem coloca Rego (1994):
A escola propicia às crianças um conhecimento sistemático sobre aspectos que não estão
associados ao seu campo de visão ou vivência direta (como no caso dos conceitos
espontâneos). Possibilita que o indivíduo tenha acesso ao conhecimento científico construído
e acumulado pela humanidade. Por envolver operações que exigem consciência e controle
deliberado, permite ainda que as crianças se conscientizem dos seus próprios processos
mentais (processos cognitivos) (REGO, 1994, p. 79).

Conforme explicita muito bem a autora, é através do ensino sistematizado13 que os sujeitos
têm acesso ao conhecimento científico construído socialmente ao longo do desenvolvimento humano.
Acrescenta-se que é na fase escolar que as funções superiores estão em amadurecimento, reforçando
a relevante função da escola.
Portanto, a partir das exposições realizadas, conclui-se que “Vygotsky, inspirado nos
princípios do materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura
humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural” (REGO,
1994, p. 93), em que organismo e meio influenciam-se reciprocamente, uma vez que o homem
transforma e é transformado através das relações dialéticas que estabelece, mediadas por uma
determinada cultura. É com base nesta relação que se desenvolve o que o psicólogo russo denomina
de pensamento sociointeracionista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aprendizagem fundamentada na abordagem histórico-cultural de Vigotski, leva em


consideração o desenvolvimento da complexidade da estrutura humana através do processo de
apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural. Assim, o desenvolvimento das funções
superiores do ser humano acontece a partir da interação dialética, desde o nascimento, entre o ser
humano e o meio social e cultural em que está inserido.
Para tanto, ao assegurar que é através da aprendizagem que o ser humano se desenvolve,
Vigotski apresenta a zona de desenvolvimento proximal como elemento primordial a ser levado em
consideração quando propostas as atividades pedagógicas. Por outro lado, ressalta que a linguagem é
um signo mediador e que a mediação é fundamental para o processo de aprendizagem. Outro fator
importante colocado pelo estudioso é o brinquedo, uma vez que a brincadeira contribui para que o
indivíduo desenvolva o pensamento abstrato.

13
Para Vigotski, a função da brincadeira também é responsável pelo progresso da zona de desenvolvimento proximal da
criança e deve ser utilizada no âmbito do ensino sistematizado. Neste contexto, o termo brinquedo é uma referência,
principalmente ao ato de brincar, o qual envolve a fala e a imaginação das crianças numa relação com o mundo (REGO,
1994; OLIVEIRA, 1993).
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Nesta abordagem, o professor tem um papel fundamental no processo de ensino e


aprendizagem: de agente exclusivo de informação e formação dos alunos, passa a ser mediador das
interações entre as crianças e destas com os objetos do conhecimento. Logo, o professor é alguém
mais experiente frente à cultura acumulada ao longo da história da humanidade.
Neste contexto, no ambiente escolar, as abordagens inatista e empirista não colaboram para o
desenvolvimento das funções cognitivas complexas do ser humano, pois, enquanto a primeira percebe
o indivíduo como alguém que nasce com qualidades biológicas que vão amadurecendo quando em
contato com o meio, a segunda abordagem advoga que a aprendizagem se dá prioritariamente a partir
das experiências do indivíduo com o meio. Estas abordagens, embora distintas, muitas vezes são
utilizadas para justificar uma perspectiva pedagógica espontaneísta, por reforçarem a ideia de que as
crianças aprendem ou não por razões inatas ou adquiridas.

REFERÊNCIAS

DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em
filosofia da educação. 1 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção polêmicas do nosso tempo, 86)

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1991.

LEONTIEV, A. O homem e a cultura. In: _____________. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Livros


Horizonte, 1978. p. 261-284.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Tradução: Maria Helena Barreiro Alves. 5ª edição – São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 1993. (Série Pensamento e Ação no Magistério)

REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 9ª ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1994.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.


Organizadores: Michel Cole et al. Tradução: José Cipolla Neto et al. Martins. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.
(Psicologia e Pedagogia).

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CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E REFLEXÕES ACERCA DA


COGNIÇÃO HISTÓRICA DOS SUJEITOS ANALISADOS
NO ÂMBITO ESCOLAR
Maria Aline Silva Carvalho
Yasmin Ferreira Maia
Diana Nara da Silva Oliveira

INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que a Didática do Ensino de História passou por uma colossal metamorfose,
que se configurou como sendo uma virada necessária para a sua consolidação enquanto campo que
se preocupa em analisar o processo do aprendizado histórico. Com as modificações sofridas, a
disciplina passou a ter um caráter diferenciado que se centraliza, essencialmente, no conceito de
“consciência histórica”. Além disso, a disciplina se preocupa em trazer uma perspectiva mais
reflexiva da sociedade em geral e do produto da própria História, os seres humanos que, por sua vez,
são sujeitos históricos que possuem a capacidade de tornar o seu presente inteligível, por meio de sua
consciência histórica.
No interior dessas discussões fez-se necessário a realização de uma pesquisa de campo em
uma determinada escola da educação básica1. Essa pesquisa de campo sustentou-se nas observações
das aulas de História na escola, bem como na aplicação de um questionário com alunos e professor,
almejando perceber elementos que possibilitem entender como é encarado o conhecimento histórico
e, sobretudo, perceber com mais ênfase a consciência histórica dos sujeitos em questão. O
questionário apresenta perguntas específicas que foram baseadas em compreensões acerca da
disciplina de Didática do Ensino de História2, que já fazem parte de nosso entendimento acadêmico.
O escopo deste artigo baseia-se em compreender como se dá a consciência histórica de alunos
e professores. Para que esse objetivo fosse alcançado, foram necessárias observações empíricas a fim
de oferecer dados qualitativos que possibilitem o entendimento do contexto em que os sujeitos se
encontram com relação ao conhecimento histórico.

TECENDO EMPIRIA E TEORIA SOBRE A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DOS SUJEITOS


DA PESQUISA

A Didática do Ensino de História sofreu uma mudança paradigmática que eliminou elementos
metodológicos associados ao ensino de História, que antes tinha como forte aliada a Pedagogia, e
depois da virada dos anos 1960/70 passou a ser fortemente vinculada ao campo da Teoria da História.
Essa, por sua vez, foi uma das propostas de Rüsen acerca da Didática da História.
O conceito de consciência histórica apresenta-se como sendo o conceito em que a Didática do
Ensino de História mais carrega em seu “calcanhar”. Constitui-se como a força motriz dessa
disciplina. O primeiro equívoco a ser desfeito para a introdução deste assunto é que nem todos os

1
Nesta pesquisa não identificamos a escola nem os participantes, visto que não fomos autorizados pelo gestor da
instituição.
2
Disciplina obrigatória da matriz curricular do Curso de Licenciatura plena em História da Faculdade de Filosofia Dom
Aureliano Matos Campus da Universidade Estadual do Ceará, do qual fomos egressas.
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seres humanos possuem consciência histórica, o que se caracteriza como um verdadeiro engano, uma
vez que a consciência histórica é inerente à existência humana, conforme afirma Cerri (2001).
Refletir sobre consciência histórica não é uma tarefa fácil, ao contrário é uma tarefa muito
espinhosa, porém é importante entender que a mesma é um sólido alicerce para que os alunos possam
orientar-se no tempo. Essa orientação no tempo se dá de uma maneira em que o aluno consegue
articular os três grandes pilares temporais: passado, presente e futuro, conseguindo fazer leituras do
presente e conduzindo seus entendimentos para a vida. De acordo com Rüsen, a consciência histórica
manifesta-se quando há por parte do indivíduo o exercício de dialogar com “o passado em um inter-
relacionamento mais explícito com o presente, guiado por conceitos de mudança temporal e por
reivindicações de verdade” (RÜSEN, 2009, p. 166).
Com a intenção de que seja ouvida a voz dos sujeitos históricos da escola, foi necessária a
aplicação de um questionário aos mesmos, que objetivou responder as questões postas inicialmente.
Quanto a isso, diante da pergunta acerca de se enxergar como sujeito histórico, o relato da aluna A se
mostrou confuso, pois a mesma disse: “Não muito, sei lá, eu não me considero uma pessoa histórica
e tal, só que eu tento viver a vida fazendo coisas que possam ficar marcadas”. A pergunta era básica,
mas diante dessa resposta torna perceptível que alguns alunos não possuem certas dimensões que
deveriam ser lidadas pelo professor de História. Essa ausência de se entender e enxergar-se como
sujeito histórico é comum entre muitos, porém mesmo a aluna não se vendo como tal, ela aponta
indiretamente que suas ações fazem parte da História e que a própria se esforça ao máximo para fazer
“coisas que possam ficar marcadas”. Sendo assim, observamos aqui, mesmo de forma simples, sinais
de sua consciência histórica.
A aluna B se posicionou da seguinte forma diante dessa pergunta: “Sim, com certeza, porque
eu vou deixar a minha História, a minha cultura para, por exemplo, os meus filhos.” Enquanto que o
aluno C respondeu ao questionamento de forma bastante completa, cuja resposta deixa claro que ele
se enxerga como sujeito histórico.

Eu, como tenho um pensamento assim bem amplo, costumo não pensar por mim só, mas
pelos outros também, eu me considero, sim, um sujeito histórico, assim como eu considero
os meus colegas e as pessoas que compõem a sociedade, também como sujeitos históricos,
porque a sociedade não se move por um único ser, a História não é construída por um único
fato, os fatos que estão por trás de todos os fatos, por fato de tudo que vem acontecendo e já
aconteceu existem os protagonistas, e os protagonistas somos nós, então eu me considero um
ser histórico (ALUNO C).

Percebe-se que a resposta do aluno C demostrou que ele possui certas dimensões que o
qualifica como um ser que, além de histórico, é um protagonista da sociedade, o próprio consegue
perceber que essa questão é inerente à existência humana. A aluna B se visualiza também como um
sujeito histórico, sendo aquela que possui dentro da sociedade a capacidade de proporcionar heranças
através de suas influências históricas e culturais.
Dessa forma, avaliando as visões acerca do questionamento feito aos alunos, podemos inferir
que mesmo estes estando na mesma escola e tendo contato com praticamente os mesmos professores,
a percepção e/ou posicionamento varia entre eles; cada um de acordo com suas próprias vivências.
Outro fator relevante seria justificar o não pertencimento de alguns deles com relação a enxergar-se
como sujeito histórico, pelo fato de não possuírem contato com essa dimensão. Isso constataria o
posicionamento de alguns que possuem essa realidade alheia a eles, ou mesmo presumem que ser
sujeito histórico é ter o nome marcado em livros.
O Professor respondeu se ele consegue perceber que os alunos se compreendem como sujeito
histórico, o qual responde da seguinte forma:

Existem questões que fazem com que eles se sintam ou não se sintam. Eu vejo mais o não
pertencimento, e pela forma talvez que a História um dia foi trabalhada com eles. Eu acho
que no momento que os alunos sentirem essa vontade de estudar História e o professor puder
proporcionar isso, a gente muda a coisa (PROFESSOR).

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Pode-se entender que o professor com posse desse saber deve fazer com que seus alunos
formulem concepções de História que lhes permitam compreender dimensões cruciais para a sua
realidade, isto é, demonstrar para eles o papel do aprendizado histórico pautado na vida prática, além
de fazê-los perceberem-se como sujeitos históricos. Assim, segundo Bittencourt, o ensino de História
“deve contribuir para libertar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante dos
acontecimentos, entendendo que cidadania não se constitui em direitos concedidos pelo poder
instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes em suas diversas dimensões” (BITTENCOURT,
1997, p.20).
No que compete ao raciocínio de Bittencourt, podemos compreender que o ensino de História
passa a ser indispensável, visto que a disciplina propõe ao indivíduo reflexões que o possibilitam
inserir-se nos contextos de sua realidade, passando de um estado imobilizado frente aos
acontecimentos contemporâneos para um estado de mobilidade em função de sua atuação na
sociedade.
Com o objetivo de perceber como os alunos entendem a disciplina de História, foi direcionada
a eles a seguinte pergunta: Qual é a importância da disciplina de História para você? A pergunta em
questão obteve respostas interessantes. A aluna A disse: “Eu amo História, porque eu consigo
entender, tipo, de onde vem às coisas e tal, às vezes a gente se pergunta como é que surgiu isso e tal?
Fica aquele suspense e tal. Acho muito bom a História.” Já a aluna B se colocou da seguinte forma:
“Eu acho muito importante, porque no futuro eu pretendo fazer História, eu gosto muito do conteúdo,
de saber o que aconteceu com meu país antigamente, e com outros países também”.
Enquanto que o aluno C faz uma análise sobre a importância da disciplina socialmente, da
seguinte forma:

A História contribui de uma maneira maior, porque diferentemente de algumas disciplinas


que você estuda, a História você precisa dela na formação da sociedade, tem essa visão,
porque quando eu aprendo História eu vou carregar isso para o resto da minha vida, porque
é como ela disse, aquilo aconteceu e se aconteceu é porque realmente tem importância, e
aquilo vai ser vertente para que alguma venha acontecer a partir daquilo que já foi
desenvolvido para aquilo que já vem sendo trabalhado nas escolas. Então tudo isso que
aconteceu na História tem sua importância não só para o passado, mas para o futuro e para o
presente, porque a gente trabalha em cima daquilo que já aconteceu (ALUNO C).

A filósofa Agnes Heller afirma que “O homem é quem faz a História, e esta é a substância da
sociedade” (2002, p.140). Partindo dessa reflexão, entendemos que é importante que os alunos
percebam a disciplina de História como fundamental para entender certas dimensões que fazem parte
da sociedade, na qual eles são vinculados; que a História feita por eles é a substância da sociedade, e
que deve ser pensada de forma integrada. É no bojo desse contexto que se insere o modo como a
disciplina é encarada.
Libânio (1994) questiona o tradicionalismo do ensino e argumenta que,
[...] A atividade de ensinar é vista, comumente, como transmissão da matéria aos alunos,
realização de exercícios repetitivos, memorização de definições e fórmulas. O professor
‘passa’ a matéria, os alunos escutam, respondem o ‘interrogatório’ do professor para
reproduzir o que está no livro didático, praticam o que foi transmitido em exercícios de classe
ou tarefas de casa e decoram tudo para a prova. Este é o tipo de ensino existente na maioria
de nossas escolas, uma forma peculiar e empobrecida do que se acostuma chamar de ensino
tradicional (LIBÂNIO, 1994, p.78, grifos do autor).

A fim de perceber aspectos de sua aula, foi perguntado ao professor quais eram os artifícios
que ele utilizava em sala de aula envolvendo o conhecimento histórico, de modo que traga
concepções, distanciando-se do material didático. O mesmo3 descreve o cotidiano escolar,

3
Trecho da fala do Professor: Eu monto uma metodologia, no calendário a gente tem 25 dias letivos pra acontecer a
prova, aí em cada semana de aula eu tenho uma metodologia diferente, tipo tem alguma aula eu trago um vídeo que tem
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apresentando as metodologias que usualmente utiliza em sala de aula como tentativa de tornar o
processo de ensino-aprendizagem mais significativo. Ele deixou claro que a diversificação das aulas
é necessária, visto que proporciona maior participação dos alunos, utilizando-se de várias formas para
fazer com que os alunos despertem o interesse pelo conhecimento histórico.
Partindo desse diagnóstico foi perguntado aos alunos se eles conseguem durante a aula obter
reflexões importantes para sua formação enquanto sujeito social e histórico. A aluna A afirma:
“Lógico, sim, sim. Eu consigo refletir nas aulas.” A aluna B respondeu apenas: “Sim, muitas vezes.”
O aluno C, por sua vez, faz uma análise bastante completa, expressando-se da seguinte forma:

Claro que na disciplina de História nas aulas a gente fica voando, porque quando a gente
tenta focar naquilo que está sendo dado, ministrado pelo professor, eu posso estar entendendo
o conteúdo, mas eu quero entender o porquê, eu quero entender como que aconteceu, então
a gente viaja em um mundo para saber o porquê e qual a importância. E quando a gente ver
a importância e entende o porquê que aconteceu, aí se dá o valor que tem a História, aí se dá
a importância que se tem o ensino de História, um ensino de uma História correta de um por
que da História. E o ensino da maneira melhor dada para que alunos avancem o conteúdo e
que os alunos possam interagir mais com os professores, porque o interessante de você
ensinar não é você dar o conteúdo e morrer ali, mas realmente querer instruir os alunos para
que eles venham a querer buscar mais, e a História por si própria ela automaticamente dar
esse ar de curiosidade pra gente. Pra nós saber o porquê que aconteceu, como foi isso, ela
proporciona essa série de indagações que costumam contribuir de uma maneira muito
positiva pra que o aprendizado possa ser explorado e para que o aprendizado possa ser
atrelado à História do nosso Brasil, à História do nosso mundo (ALUNO C).

É notório presumir que há diferenças visíveis na importância da disciplina para cada um, isso
pode ser provado com a formulação das respostas. Enquanto alguns apenas dizem que conseguem
obter reflexões, outros respondem e exemplificam sua opinião, se mostrando ativamente conectado
com a entrevista, fazendo-nos perceber que o processo de ensino-aprendizagem não é homogêneo,
pelo contrário cada sujeito aprende de forma diferenciada e em tempos também distintos.
Desse modo, recorremos às discussões empreendidas por Rüsen acerca da consciência
histórica, ao afirmar que:
[...] a consciência histórica não é meta, mas uma das condições de existência do pensamento:
não está restrita a um período da história, a regiões do planeta, a classes sociais ou indivíduos
mais ou menos preparados para a reflexão histórica ou social geral. Para isso a “história” não
é entendida como disciplina ou área especializada do conhecimento, mas como toda produção
de conhecimento que envolva indivíduos e coletividades em função do tempo (RÜSEN, 2010
apud CERRI, 2001, p.28).

Dentre os aspectos descritos por Rüsen podemos destacar o fato de que a consciência histórica
não deve ser encarada como uma meta a ser atingida. Para o autor, “O conhecimento histórico é um
modo particular de um processo genérico e elementar do pensamento humano” (RÜSEN, 2010 apud
CERRI, 2001, p.56). Dessa forma, a consciência histórica é uma condição da existência do
pensamento, assim como não necessita obrigatoriedade de um grupo social, e aflora
independentemente do tempo histórico. No âmbito escolar, a consciência histórica pode ser
desenvolvida por meio da apreensão do conhecimento histórico; que também pode realiza-se em
ambientes extraescolares.

a ver com o conteúdo e a gente debate e tem aulas que é puramente expositivas com o conteúdo, a gente também pode
trazer um jogo, por exemplo hoje eu estava falando de ditadura militar e eu trouxe um RPG pra sala e foi bem legal, um
jogo bem legal que eles participavam. Levar um questionário também é importante para fixar a coisa. Você pode trabalhar
com metodologias diferentes, aqui na escola com relação ao ENEM a gente tem questões direcionadas para o ENEM, a
finalidade desse trabalho é o que? É colocar o aluno a par da realidade, tipo você vai encontrar questões que estão próximas
ao que o ENEM exige, e esses tipos de práticas é que dão um melhoramento na aula e uma compreensão do conteúdo,
entender como aconteceram os processos é importante, e essa proporcionalidade que a História pode dá pra gente, e o
campo que a gente tem, a História, tem uma série de modos como você pode trabalhar (PROFESSOR).
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Em linhas gerais, o aluno possui fora dos limites territoriais da escola dimensões acerca do
conhecimento histórico. Essas dimensões se dão por meio do contato com outras pessoas, a partir das
experiências que adquirimos com elas e também com os meios de comunicações, como a televisão,
o rádio, jornais e a própria internet, a qual hoje proporciona vastas informações. Tais informações
permitem as pessoas captarem sentidos, valores e percepções, além de formar opiniões que fazem
com que cada um enxergue os acontecimentos e tudo aquilo que nos envolve de formas diferenciadas,
ou seja, depende das subjetividades de cada indivíduo.
Logo, fica claro que a instituição escolar não é o único espaço que o aluno pode fortalecer sua
cognição histórica e fornecer a si próprio subsídio para sua consciência histórica. Porém essa
afirmativa não desloca os objetivos do ensino de história na educação básica, que é auxiliar esses
sujeitos em idade escolar a construir as noções dos conceitos históricos.
O conceito de consciência histórica ampara a Didática do Ensino de História, no sentido de
que a partir de seu conceito a mesma não poderia ser vista mais como um conjunto de métodos
debruçados ao ensino; ela passa a ter um caráter bem mais abrangente que vai além do que é refletido
em sala de aula, tendo em vista que os aspectos sociais são cruciais para a formação de qualquer
indivíduo, se fazendo necessário estabelecer esse elo.
Desse modo, percebe-se que a consciência histórica trata-se de uma autoconsciência e de uma
autorreflexão que o indivíduo constrói ao longo do exercício do seu pensamento; processos que estão
inteiramente ligados também à noção de tempo, seja do passado, presente ou até mesmo do futuro.
Muitas vezes o indivíduo articula esses três elementos sem notar que isso é um vestígio da consciência
histórica que se manifesta continuamente em nosso cotidiano.
A História não possui uma utilidade prática imediata como algumas ciências, sendo ela uma
ciência que tem como objeto o homem. A História, segundo o historiador Marc Bloch (2001), estuda
o homem no tempo e como tal deve ser encarada como uma ciência problematizada. Nesse sentido,
após apresentá-los essa concepção, perguntamos aos alunos: O que a História propõe? Será que ela é
uma ciência tão simples como a maioria dos alunos a rotulam? A aluna A respondeu: “[...] tipo... a
gente estuda História, mas como a gente vai aplicar isso e tal?! Eu percebi que ela é muito importante
para gente entender um pouco sobre o que aconteceu no passado, saber as causas, pra não ficar meio
perdido, é bem interessante assim...descobrir.” A aluna B respondeu da seguinte maneira: “Acho que
não, pra mim a História visa muito o que a gente não sabe, saber os nossos primeiros antepassados,
saber as guerras e o que a[s] levou, e tipo, saber quantas pessoas já morreram sobre o conteúdo de
Hitler...matou muitos judeus”
Já o aluno C afirma que a História tem papel importante na construção da consciência crítica
do aluno, deixando claro que a disciplina é fundamental para a compreensão da realidade enquanto
construção histórica.

A História, eu costumo pensar e acreditar que a História possui um ar de criticidade, ela abre
um leque de debates para as situações que estão presentes atualmente, dar esse apoio e essa
bagagem para que a gente possa realmente debater sobre o que é hoje e o que foi antes. Ela
tem uma visão assim bem ampla, porque quando você é embasado, quando você tem um teor
de conhecimento sobre a História, quer seja sobre o Brasil, quer seja sobre o mundo, porque
a História ela não é restrita, não é limitada, ela bem é ilimitada, vamos dizer assim. Então
quando eu tenho um conhecimento sobre a História ela me proporciona por si própria um
debate, um debate para as questões que estavam aqui hoje e para as questões que
aconteceram. Então esse poder de debate que a História dar de graça pra gente, ele é
maravilhoso, certo, porque eu vou continuar me desenvolvendo em sociedade com esse apoio
que a História vem dando desde os primórdios da História até o que possa acontecer dela que
já foi desenvolvida há muito tempo atrás (ALUNO C).

Com isso inferimos que alguns alunos têm, mesmo que de uma forma não tão lapidada, a
consciência de que a História não é uma simples disciplina que não tem utilidade na vida das pessoas,
como muitos consideram. Por isso é importante que se façam debates em sala de aula sobre a
relevância dessa disciplina.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 143

Nessa perspectiva, recorro às palavras do Professor, que diz:


A principal importância que a gente tem quanto professor de História é auxiliar a desenvolver
esse senso crítico. Eu sempre digo para os meninos (as), que pelo menos eu enquanto
professor, não vou ter finalidade nenhuma se quando vocês saírem daqui não tiverem
embasamento crítico, é a importância principal, e tanto que eu digo muito a eles que não tem
coisa melhor do que você discutir com alguém que tem base [...] E quando você tem esse
embasamento crítico você é capaz de mudar mentalidades [...] (PROFESSOR).

Diante disso foi perguntado ao professor como ele enquanto historiador encara o desafio de
fazer com que os alunos compreendam a História e suas construções ao longo do tempo, o qual4
enfatiza as dificuldades existentes no desenvolvimento das suas atividades em sala de aula.
Percebemos, então, que o professor assume claramente que há grandes dificuldades para que
essa compreensão histórica venha a se tornar para os alunos algo totalmente inteligível, e para isso o
mesmo afirma que tenta, através de seu conhecimento histórico, demonstrar que há nele correlações
com o cotidiano, com a vida prática, isto é, o professor tenta fazer com que os seus alunos sintam-se
pertencentes à História por meio da apropriação e do entendimento do conhecimento histórico.
Almejando explicar como a Cultura Escolar,5 vinculada ao exercício do historiador, traz
limitações e como o professor6 em questão as encara, o mesmo disserta sobre o papel do livro didático
na prática docente, bem como no processo de ensino- aprendizagem, revelando os erros cometidos
em relação à ferramenta de trabalho.
O professor expressa uma opinião bastante forte com relação à principal ferramenta que os
professores utilizam, que é justamente o livro didático. Mesmo o professor ressaltando que é
importante usá-lo, ele também deixa bastante claro que é imprescindível trazer materiais
extracurriculares para que o aluno consiga compreender para além do conteúdo que está sendo
discutido no livro, uma vez que os assuntos sociais, políticos, entre muitos outros que estão em torno
da nossa sociedade, são indispensáveis para debates no âmbito escolar. Dessa forma, os alunos
compreenderiam os acontecimentos com mais clareza e criticidade.

4
Trecho da fala do Professor: [...] Existem ‘n’ dificuldades, o princípio geral são os meninos não sentirem o pertencimento
na História, tipo se você for trabalhar um fato histórico, Revolução Francesa [...] E eu acho que o professor tem que ser
capaz de mostrar que isso vai ter mudanças na sociedade, iniciando lá na França e que vai ressoar por todo mundo. [...]
Aí a gente tem que trabalhar isso e fazer uma ligação com o cotidiano [...] É essa possibilidade que o professor tem que
ter de fazer esse elo, fazer o aluno se sentir pertencente à História, essa questão do aluno se sentir extemporâneo à História
é a dificuldade maior, mas a gente tem que se “rebolar” para fazer o aluno perceber que a História é necessária [...] A
História tem essa necessidade e essa finalidade, já como diz que a História é a mestra da vida, eu acredito muito nisso e
sempre digo pra eles (PROFESSOR).
5
Podemos avaliar a Cultura Escolar como algo que está relacionado com normas direcionadas ao conhecimento escolar,
que é de certa forma, imposto a todos os professores, incluindo os professores de História. Júlia Dominique define Cultura
Escolar como “[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto
de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”.
6
Trecho da fala do Professor: A primeira coisa é a questão do livro didático, você encarar um livro didático como a
verdade [...]. A gente precisa trabalhar essas outras perspectivas da História, não é dizer que a História é única, que só
existe uma perspectiva da História, você precisa trazer os discursos, que é o mais importante, não adianta você passar o
curso de História todinho lutando contra isso, vendo que isso existe, e chegar na sala de aula e não fazer nada [...]. O
aluno tem que ter um conhecimento como um todo sobre aquele assunto, aí eu falo pra vocês essa questão do livro didático
ser o grande nome a História, acho que a gente tem que desfazer essa ideia, o professor deve usar o livro didático, é uma
ferramenta muito importante, mas não só se concentrar no livro didático, trazer outras ferramentas [...]. A gente cursa
com toda aquela vontade de fazer diferente, mas aí a gente se depara com outra realidade, porque o aluno tem tempo pra
desenvolver as atividades, mas o professor que ensina o dia todo e que só tem uma aula de planejamento, e ensina várias
turmas, para um professor preparar uma aula dinâmica pra cada uma delas, e aí como é que fica? A gente gostava daquele
discurso apaixonado pela educação, que queria transformar, mas o discurso se depara com a práxis, e elas são diversas,
na prática você tem que dar aulas, preparar aulas e na teoria a gente tem que fazer aquela coisa estupenda [...]
(PROFESSOR).

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 144

Analisando as respostas dos alunos, percebemos que falar de consciência histórica é mais
complicado do que se imagina, existem muitos que ainda não possuem claramente a noção do que
seja isto, alguns nem minimamente, o que é um grande problema, principalmente para o ensino de
História. Os indivíduos, em sua maioria, além de não aprenderem isso, não percebem que suas ações
são responsáveis pela mudança, tanto do seu presente quanto do seu futuro, e não ressoa em um
indivíduo apenas, mas em toda a coletividade; é daí que temos uma identidade coletiva, que significa
a forma como esse povo percebe e lida com o seu passado.

ENTRE PINCÉIS E CANETAS, SABERES E FAZERES: COMPREENDENDO O ESPAÇO


ANALISADO COMO UM ESPAÇO DE SOCIABILIDADE DO CONHECIMENTO
HISTÓRICO

A escola é um espaço de sociabilidade, nela está presente uma gama de contextos que faz dela
um âmbito social. Esse espaço é um espaço híbrido capaz de proporcionar grandes transformações e
moldar mentalidades. A esse respeito, Gusmão afirma que a escola é “[...] um espaço de
sociabilidades, ou seja, um espaço de encontros e desencontros, de buscas e de perdas, de descobertas
e de encobrimentos, de vida e de negação da vida. A escola por essa perspectiva é, antes de tudo, um
espaço sociocultural” (GUSMÃO, 2003, p.94).
Compreender a escola nessa ótica significa compreendê-la de modo ambivalente. Assim como
a escola, a sala de aula estabelece relações de sociabilidade. Contudo, é importante destacar que se
constitui, antes de tudo, um espaço de sociabilidade do conhecimento, seja ele histórico, seja ele em
outra categoria. Outrossim, esse espaço configura-se como sendo um espaço de relações muito
complexas, essas relações são tecidas por professores e alunos, sujeitos que permitem-se compartilhar
saberes e produzir fazeres.
É essa relação que procuramos abordar, principalmente no que diz respeito ao ensino da
História dentro da sala de aula, pois se sabe que há uma série de fatores que fazem com que ela seja
refletida de forma extremamente limitada e empobrecida.
A pesquisa de campo realizada possibilitou o levantamento de alguns aspectos vinculados às
aulas de História. A análise feita propôs reflexões importantes acerca de como é encarado o
conhecimento histórico e de como perpassa a consciência histórica dos sujeitos.
Nas observações foi possível perceber que havia uma série de fatores problemas que
dificultavam o andamento da aula, tanto por parte do professor como também por partes dos alunos.
O primeiro fato importante a ser destacado é que, diferente da resposta do Professor ao questionário
sobre o uso do livro, observamos que, em muitos momentos, este se tornava refém do livro didático,
mantendo assim uma linearidade na medida em que a aula ocorria, mesmo porque, os profissionais
da educação básica são muito cobrados por seus superiores hierarquicamente, dessa forma muitas
vezes se veem obrigados a adotarem práticas das quais não compartilham em nome de resultados.
As observações revelaram que os alunos, algumas vezes, não conseguiam compreender as
dimensões históricas pautadas pelo professor, uma vez que o professor simplesmente “transmitia”
rapidamente o conteúdo não causando as reflexões e as problematizações necessárias para que os
alunos conseguissem produzir a criticidade sobre o assunto abordado. Para Schimidt e Cainelli (2004,
p.34),

[...] O professor de História ajuda a adquirir as ferramentas de trabalho necessárias para


aprender a pensar historicamente, o saber-fazer, o saber-fazer-bem. Responsável por ensinar
ao aluno como captar e valorizar a diversidade das fontes e dos pontos de vistas históricos,
levando-o reconstruir, por adução, o percurso da narrativa histórica.

Durante as observações na escola percebeu-se que o conhecimento compartilhado pelo


professor se caracterizava como um conhecimento histórico muito incipiente e reducionista. O
assunto ligado à abdicação de D. Pedro I não fora tratado com a devida problematização necessária,
sendo as explicações muito ínfimas acerca do assunto. Percebeu-se a partir disso que o professor se
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manteve não muito ativo no que tange as construções históricas e suas significações, porém no início
da aula o professor refletiu sobre a ciência na qual o historiador lida. Cada aula apresenta um cenário
diferenciado, dessa forma alguns dias fluem com maior facilidade a depender do tema trabalhado e
na metodologia empregada pelo professor não se percebe apropriação do conhecido de forma
significativa.
Mediante as discussões propostas ao longo do texto podemos analisar que o Ensino de História
na educação básica apresenta muitos desafios e dificuldades. Alguns alunos não percebem a história
enquanto essa ciência, nem tampouco a importância dela na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho carrega metodologicamente aspectos da etnografia, pois busca através da


observação e interação social tecer reflexões sobre consciência histórica e o processo de cognição.
Buscou compreender as concepções que os alunos apresentam de História, analisando como se dá o
conhecimento histórico no espaço escolar, bem como compreender como se manifesta a consciência
histórica dos mesmos. A pesquisa realizada proporcionou avaliar uma série de elementos que tornou
possível refletir sobre a temática, por exemplo, os saberes escolares dos sujeitos envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem.
A partir do que foi abordado ao longo do texto, podemos inferir que a consciência histórica
mesmo sendo algo inerente aos seres humanos, ela não é totalmente refletida entre os mesmos, isto
é, nem todos tem a consciência que a possuem, e mesmo a escola sendo um dos lugares onde deveriam
ser aflorados essa noção nos alunos, por meio das análises feitas, percebe-se que isso não acontece
de forma completa, uma vez que muitos alunos não se sentem pertencentes à História, como o próprio
professor ponderou, eles não possuem o conhecimento de que a consciência histórica nos situa no
tempo e no espaço.
Desse modo conseguimos enxergar o quão distante alguns alunos se mantêm do real
significado da ciência histórica, alguns não enxergam e não percebem que toda História é
contemporânea. Detectamos, ainda, que algumas vezes o professor não se posiciona enquanto
historiador, tornando sua prática uma reprodução de conteúdo, fato que nos permite refletir sobre a
própria formação docente. Recorrendo a Freire (1996, p.12) para afirma que “a reflexão crítica sobre
a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blablablá
e a prática, ativismo”. Nos levando a questionar de que forma está se dando a formação docente na
Academia? Para que estamos formando professores? Realmente estamos formando
professores/pesquisadores comprometidos com as transformações sociais?

REFERÊNCIAS

GUIMARÃES, G. D. Aspectos da teoria do cotidiano: Agnes Heller em perspectiva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
BITTENCOURT, C. “Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História”. In: BITTENCOURT, C.
(org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. p. 20.
CERRI, L. F. Os Conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história. Revista de História
Regional, v. 6, n. 2, p. 93-112, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
(coleção Leitura)
GUSMÃO, N. M. M. Os desafios da diversidade na escola. In: GUSMÃO, N. M. M. (org.). Diversidade, cultura e
educação: olhares cruzados. São Paulo: Editora Biruta, 2003. p. 83-105.
LIBÂNIO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
BLOCH, M. A história, os homens e o tempo. In: Apologia da História ou O ofício do Historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
RÜSEN, J. "Como dar sentido ao passado. Questões relevantes de meta-história". Tradução de Valdei Araújo e Pedro S.
P. Caldas. História da Historiografia, n. 2, 163-209, 2009. p 166.

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_________. Razão histórica. Teoria da História: fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende
Martins. Brasília: UNB, 2001.
_________. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa, v. 1, n. 2,
p. 7-16, 2006.
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004, p.34.

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TRANSDISCIPLINARIDADE E TOPONÍMIA:
REFLEXÕES PARA O ENSINO
Patrícia de Oliveira Batista

1 POR QUE TRANSDISCIPLINARIDADE?

O conhecimento humano é marcado historicamente por uma abordagem fragmentada que


acumula incoerências e inadequações, que inibem uma percepção holística da humanidade como
pertencente a uma totalidade. A produção de conhecimentos tem sido marcada pela perspectiva
cartesiana, ou seja, tem priorizado o que é objetivo e racional, ainda que fragmentado,
descontextualizado e simplificado, em detrimento do reconhecimento de outras dimensões da vida, a
saber, a emoção, a sensibilidade, a intuição, o sentimento, entre outras.
Há incoerência, por exemplo, no fato de que, em todas as situações, os seres humanos são
transdisciplinares, menos quando lidam com o conhecimento, especialmente com a aprendizagem
desse conhecimento no âmbito escolar, contexto em que predomina uma organização
compartimentalizada, de forma justaposta e pouco articulada. No entanto, para resolver problemas
rotineiros, o ser humano recorre a várias habilidades e a diferentes tipos de conhecimento. Nesse viés,
Santos (2005, p. 2) considera que a vida não pode ser explicada por uma ciência especializada em um
único objeto.
O entrave nessa questão repousa sobre o fato de que o conhecimento especializado não
necessariamente está a favor do equilíbrio entre indivíduos, sociedade e natureza. Ao contrário disso,
são cada vez mais comuns as violações ao meio ambiente e às culturas autóctones, por exemplo, que,
em descompasso com o crescimento das populações, estão desaparecendo cada vez mais.
A explicação para tal fenômeno está relacionada ao que é conveniente à ordem mundial, ao
modelo econômico que prioriza a propriedade e a exploração de recursos, e o que vai de encontro a
essa visão é considerado inferior. Nessa perspectiva, a humanidade carece de uma mudança radical
em defesa de sua sobrevivência (D’AMBROSIO, 1997).
Ainda que favoreça o alto desempenho de algumas áreas, a grande proliferação de disciplinas,
de especialidades e a supervalorização do conhecimento acadêmico contribuem para a percepção de
superioridade daqueles que detêm tais conhecimentos, em detrimento das inúmeras outras
experiências de indivíduos que não estão nesse seleto rol, o que representa a detenção de um poder
simbólico, que não assume a diversidade como condição natural da espécie humana.
Assim, discussões recentes em torno da aquisição, produção e proliferação do conhecimento
humano têm apontado para a necessidade de se repensar a disciplinaridade. Deve-se respeitar todo e
qualquer processo de aquisição do conhecimento, para, então, romper com a assimilação da ideia de
superioridade, ou seja, é necessário transcender, o que permite concluir que “A percepção desse
processo como integrado a um ciclo, subordinado a uma dinâmica resultante da intra e da
interculturalidade inevitáveis e essenciais como propulsoras da criatividade, é a essência da
transdisciplinaridade.” (D’AMBROSIO, 1997, p. 18).
Esse pensamento é corroborado pela definição de Santos (2005) de transdisciplinaridade como
sendo a busca pelo sentido da vida, recorrendo aos diversos saberes de forma democrática, a saber,
as ciências exatas, humanas, as artes, entre outros. É o que o autor considera como “democracia
cognitiva”, já que reconhece a importância de todos os saberes.

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Considerando que a produção do conhecimento e a busca por explicações de problemas


cotidianos, em todas as épocas, estiveram relacionadas à conjuntura social, cultural e natural, entende-
se que é no seio da construção do conhecimento que um dado grupo social cria suas regras de
comportamento, suas técnicas, meios de produção, a divisão do trabalho e é onde surgem suas
percepções em relação ao mundo, consequentemente surgem as línguas, as ciências, as manifestações
artísticas e as religiões, por exemplo.
Dessa forma, D’Ambrosio (1997) expõe os motivos para escolher a transdisciplinaridade
como caminho para modificar o que precisa ser modificado na humanidade, a fim de se construírem
novas perspectivas de futuro, que respeitem a diversidade de culturas, de pensamentos, de
conhecimentos, que respeitem o indivíduo, a natureza e a realidade como um todo. A partir desse
aspecto, como uma iniciativa para a preservação de cada cultura e da humanidade de modo geral,
surge a necessidade de se romper com a visão monocultural, estática e homogeneizadora, tão
pertinente ao colonialismo que marcou diversos povos.
Nessa perspectiva, considera-se que os estudos toponímicos, essencialmente
transdisciplinares, muito têm a contribuir para o conhecimento sobre diferentes culturas, a partir da
análise dos nomes de lugares por elas cunhados, uma vez que os topônimos podem evidenciar
informações valiosas sobre um povo e sua relação com o ambiente físico e social em que está inserido
e com outros povos que se fixaram em suas terras.
O presente trabalho tem o objetivo de lançar algumas reflexões sobre a relação entre
transdisciplinaridade e toponímia, como perspectivas de estudos que podem, juntas, favorecer o
aprendizado de inúmeros aspectos da realidade humana, na dimensão linguística, histórica, geográfica
e social, por exemplo, de forma integral e articulada.
A partir de uma investigação bibliográfica sobre transdisciplinaridade, toponímia, cultura e
ensino, serão apresentadas possibilidades de articulação dessas áreas como um importante recurso a
ser utilizado no âmbito escolar.

2 A TRANSDISCIPLINARIDADE NA TOPONÍMIA

Todas as formas de conhecimento estão registradas no tesouro da língua, o léxico. A


nomeação da realidade, segundo Biderman (2001), é uma das primeiras etapas no conhecimento
humano sobre o mundo. É inegável a relação que a linguagem e o comportamento natural de
nomeação estabelecem com outros domínios do conhecimento, pois, nos nomes, especialmente nos
nomes de lugar, os chamados topônimos, ficam registrados as crenças, as percepções físicas do
ambiente, as homenagens, os marcos históricos, entre outras informações que influenciaram o ato de
nomeação e que variam conforme a cultura.
O léxico de uma língua pode situar preferências culturais de uma dada
comunidade, refletindo mais as coisas que estão diretamente ligadas à sua vida
diária. Conforme a atividade dessa comunidade, seus membros terão especificidade
lexical mais desenvolvida numa área, predominando as referências aos objetos,
materiais, ações, conceitos relacionados a essa atividade.
Assume-se, neste trabalho, a ideia de cultura como uma representação coletiva (linguagem,
símbolos, rituais, instituições), como o modo de ser, pensar e agir que está em constante contato com
outras formas de representação, sendo, portanto, de natureza multifacetada, em que reside a
pluralidade de valores. Dessa forma, no processo de nomeação do lugar, o homem não registra apenas
aspectos biofísicos da realidade que o cerca, mas também informações históricas, sociais e pessoais,
suas emoções, crenças e impressões sobre o lugar nomeado, ou seja, sua cultura.
Compreende-se, no âmbito dos estudos linguísticos, que a toponímia estuda os nomes próprios
de acidentes geográficos físicos e humanos. Dick (1990) define a palavra toponímia como tendo
origem nas palavras gregas topos (lugar) e onyma (nome), significando “nome de lugar”, ou seja, a
ciência que estuda a origem e a significação dos nomes de lugares. A pesquisadora considera que o

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estudo toponímico abrange os designativos geográficos de natureza física (rios, riachos, córregos,
serra etc) e os de natureza antropocultural (aldeias, povoados, cidades, bairros, patrimônios etc).
Atualmente, os estudos em toponímia têm mostrado que o designativo de lugar não cumpre
apenas uma função identificadora, mas pode revelar pistas de fatores extralinguísticos que
influenciaram o ato de nomeação. O ato de nomear lugares acompanha o homem desde sua existência,
já que surge pela necessidade de identificar o espaço de que toma posse, para indicar sua identidade
e a de seu grupo e garantir sua fixação local.
Através dos topônimos, que integram o acervo lexical de uma língua, é possível resgatar
elementos da cultura e da história de um povo. Como afirma Dick (1992, p. 22), os topônimos
[...] além de distinguirem, identificarem os acidentes de um determinado espaço geográfico,
também se constituem como verdadeiros testemunhos históricos, podendo registrar fatos e
ocorrências de momentos diferentes da vida de uma população, razão pela qual o nome
adquire um valor que transcende ao próprio ato da nomeação. Assim, se a toponímia de uma
região pode ser considerada como a crônica de um povo, registrando o presente para o
conhecimento das gerações futuras, o topônimo configura-se como o instrumento dessa
projeção temporal.

Ao diagnosticar componentes linguísticos diferentes em um conjunto de topônimos de um


dado território e ao relacioná-los aos povos que ali se instalaram, são evidenciados fatores culturais,
linguísticos e sociais que constituem a memória coletiva de um povo, tornando os topônimos
verdadeiros tesouros, testemunhos de sua história.
Quando povos que pertencem a culturas diferentes entram em confronto, seus hábitos, valores,
crenças e seus modos de expressão linguística poderão ser aceitos ou repudiados, modificados ou
valorizados, de tal forma que poderão resistir ao tempo e às interferências externas ou se perderão e
serão substituídos ao longo do desenvolvimento do lugar.
Povos dominadores, por exemplo, tenderam pela substituição dos nomes considerados
“bárbaros” por nomes de seus lugares de origem, considerados “civilizados”. No caso do Brasil, as
marcas socioculturais dos principais povos que constituíram sua formação étnica podem ser
identificadas na língua, de modo geral, e, consequentemente, na toponímia do país. Dick (1982)
menciona um importante repertório de documentos históricos, como mapas, diários de navegação dos
primeiros colonizadores e registros de ocupação de territórios, nos quais se encontram impressões,
crenças e costumes que motivaram diferentes grupos humanos na nomeação de acidentes geográficos
brasileiros.
Uma das informações constatadas nesses documentos é a de que os europeus que primeiro
chegaram ao território brasileiro desconheciam a prática nomeadora dos povos indígenas. Dessa
forma, no início da ocupação, os lugares foram nomeados conforme as tradições culturais
portuguesas, especialmente pela forte influência religiosa. Em alguns casos, houve superposição
toponímica, termo utilizado por Dick (1982) para caracterizar o fato de que os lusitanos ignoraram a
existência de nomes de batismo de tradição indígena em prol de registros toponímicos portugueses,
que, em sua maioria, caracterizavam-se pelos topônimos que encerravam homenagens a santos e a
atividades religiosas. Ao passo que os povos indígenas apreendiam a realidade a partir de
circunstâncias imediatas do próprio ambiente, como tamanho, extensão e tipos de recursos naturais,
os lusitanos propagavam pela toponímia o catolicismo.
Sobre a influência de diferentes culturas na toponímia brasileira, Dick (1982) também lança
mão do conceito de nome transplantado, aquele originalmente registrado em dado lugar cujo povo
utilizou em outro espaço geográfico quando para este imigrou. O nome foi, nesse caso, deslocado,
por intenção do imigrante, motivado ora pela vontade de homenagear a terra natal, ora pela
semelhança desta com o lugar recém-ocupado. Como exemplos, a linguista menciona os casos de
Ilha da Cananea e Ilha de San Sebastião para se referirem, respectivamente, a Itacoatiara e Majepim.
(DICK, 1982, p. 79).
No processo de batismo de lugares conforme as tradições dos colonizadores portugueses,
houve um momento da história em que a espontaneidade foi artificializada pela imposição régia de

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Marquês de Pombal, em 1758, que determinou a substituição de todos os nomes de lugares de origem
indígena por nomes de origem lusitana. No Ceará, por exemplo, temos o caso do topônimo Sobral, o
qual remete ao município de Vizeu, localizado ao norte de Portugal, onde nascera Carneiro e Sá,
Ouvidor do Ceará. (FALCÃO, 1993).
Entretanto, alguns topônimos portugueses fizeram o caminho contrário e foram substituídos
pelos nomes indígenas originais. Segundo Batista (2011), por exemplo,

A Aldeia da Caucaia foi elevada à vila com a denominação Vila Nova Soure, em 1759. A
Vila Nova Soure foi extinta e restaurada várias vezes, até que em 1943, Soure passou a
denominar-se Caucaia. As mudanças taxonômicas, neste caso, revelam a necessidade de se
preservar um pouco da história do lugar por meio de seu topônimo, registrando na memória
quem foram os povos que primeiro habitaram a região.

Assim como ocorreu com Caucaia, alguns nomes geográficos não resistiram ao peso histórico
do topônimo e à sua importância como relíquia da memória do povo que primeiro ocupou e nomeou
o lugar na língua autóctone.
Outra contribuição de origem estrangeira à toponímia brasileira decorre da imigração
propriamente dita, aquela iniciada a partir do século XIX influenciada pela abertura dos portos e pela
concessão de terras a estrangeiros, que, além de nomearem um lugar motivados pelo saudosismo,
utilizaram-se também como pretexto para a escolha do nome o prestígio que um dado lugar possuía
em sua terra natal a ponto de replicar o nome no lugar de chegada.
Percebe-se, assim, que a toponímia reflete a heterogeneidade própria aos distintos povos que
ocuparam o país ao longo de sua história e que ela serve como registro do passado, das etnias que
aqui viveram. O topônimo é sensível à necessidade de apropriação de um lugar, seja para a
familiarização de quem o ocupa, seja para marcar a identidade de quem chegou.
Esses comportamentos diferentes revelam as variáveis culturais, as quais apontam para a
cosmovisão que orienta cada povo, por vezes, elucidada em sua amplitude apenas com o auxílio de
estudos aprofundados sobre a constituição histórico-social de cada grupo humano. Sabe-se que alguns
povos, como os indígenas, no Brasil, privilegiavam elementos descritivos no momento do batismo
dos acidentes geográficos, de modo que eram ressaltadas características físicas do lugar,
objetivamente apreendidas, o que não corresponde a uma prática comum aos outros povos que
nomearam espaços geográficos brasileiros.
A toponímia representa um grande complexo linguístico-cultural. Uma vez que do topônimo
se podem depreender informações de ordem linguística, social, histórica, geográfica, psicológica e
cultural, o objeto de estudo não pode ser analisado plenamente por uma perspectiva exclusiva, daí
decorre sua relação com outras áreas do conhecimento, estabelecendo uma relação de alimentação
mútua. Ao passo que a história, a geografia, a biologia, a botânica, a antropologia, a sociologia, para
mencionar algumas, esclarecem a motivação toponímica, a toponímia também registra e retém
informações dessas áreas em seus designativos, funcionando como fósseis de informações
multifacetadas.
Apropriar-se das manifestações culturais de seu próprio povo é buscar a transcendência pela
compreensão de como os diferentes grupos interagiram ao longo da história. Desse modo, tomar
conhecimento dos processos de nomeação de acidentes geográficos físicos e humanos de um dado
território é uma forma de conhecer os antepassados, as relações sociais e políticas entre diferentes
grupos humanos. Resistir à imposição colonizadora é uma busca pela preservação dos nomes
representativos do espírito coletivo de um povo. É também uma forma de conscientizar para se evitar
cometer novamente o erro histórico de imposição e suplantação cultural.

3 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS TOPONÍMICOS PARA O ENSINO

A escola pode ser considerada o espaço ideal para o reconhecimento do outro como diferente,
mas não como inferior, de tal forma que venha possibilitar a identificação da nossa própria identidade
e da identidade do outro, estabelecendo ações colaborativas para o desenvolvimento de todas as
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culturas. Dessa forma, uma educação intercultural e transdisciplinar, capaz de provocar profundas
mudanças sociais, deve ser pautada na tolerância e na alteridade. Nesse sentido, a toponímia pode dar
suas contribuições, pois, como afirma Batista (2011, p. 94),

Ao descobrir fatos, crenças e ideologias que marcaram a história de um lugar e de seus


habitantes, naturalmente compreendemos melhor nossa relação com o lugar em que vivemos,
com os outros e consigo mesmos, pois nos topônimos enxergamos uma extensão do próprio
comportamento humano. Os topônimos podem evidenciar informações valiosas sobre um
povo e sua relação com o ambiente físico e social em que está inserido e com outros povos
que por suas terras passaram.

A partir dessa compreensão, sugere-se, neste trabalho, a apropriação do conhecimento sobre


toponímia no âmbito escolar como caminho para o respeito e a preservação do patrimônio cultural
coletivo.
Considerando os diferentes métodos de pesquisa que recobrem a investigação sobre
designativos de lugar, é possível fazer uma busca em dicionários, em documentos históricos sobre a
constituição de um território, buscando em acervos públicos registros dos antepassados do lugar.
Pode-se, também, recorrer a entrevistas com moradores mais antigos, de modo a reconstituir uma
memória individual e coletiva de um dado lugar, evidenciando informações que, muitas vezes, não
foram registradas em documentos oficiais, ou em fotografias, mas que o saudosismo é capaz de
descrever em detalhes.
Outro fenômeno a ser verificado em uma pesquisa toponímica é de natureza linguística.
Quando se descreve a composição do sintagma toponímico, é possível identificar a etimologia das
palavras, recuperando suas línguas de origem, seja de base portuguesa, indígena ou africana. O
topônimo pode preservar essas línguas, pelo menos em forma de nome próprio, ainda que não se
identifiquem mais um falante nativo naquele território.
Tomando-se a microtoponímia como ponto de partida, pode-se trabalhar a origem linguística
dos nomes de acidentes geográficos de bairros ou municípios, por exemplo, com suas ruas, praças,
ou mesmo os acidentes geográficos físicos, como rios, riachos, praias, serras, entre outros.
Um empreendimento que buscou relacionar as contribuições de diferentes áreas do
conhecimento com a toponímia no ambiente escolar foi desenvolvido por Velasco e Tavares (2017),
pautando o trabalho na proposta interdisciplinar mencionada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998)1, compreendendo como interdisciplinar a ação de “lançar uma ponte” entre disciplinas.
(VELASO; TAVARES, 2017, p. 21).
As autoras lançaram dez propostas de atividades para o ensino fundamental relacionando
toponímia, língua portuguesa, história, geografia, cartografia, botânica, zoologia, antropologia,
sociologia, entre outras áreas. As atividades perpassam: o exercício da oralidade por meio de debates
sobre o conhecimento do lugar em que os estudantes moram e o conhecimento de seu antropônimo;
utilização de computador e internet para acessar os dados sobre os municípios disponibilizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); o exercício das habilidades de escrita e de
reescrita, para desenvolver um texto sobre os topônimos pesquisados na etapa anterior; uma pesquisa
sobre o nome homenageado no batismo da escola; o topônimo referente à cidade em que moram, no
caso a cidade de Dourados, utilizando recursos cartográficos e outros imagéticos; estudo sobre a
distinção entre antropônimos e topônimos e pesquisa sobre a classificação léxico-semântica que
registra a motivação para cada nome; reunião dessas informações em uma produção escrita;
sistematização das informações da turma e construção de um mural.
As atividades propostas por Velasco e Tavares (2017) são bastante pertinentes ao estudo
exploratório da toponímia, especialmente por envolverem diferentes áreas do conhecimento e por
estarem dispostas em uma sequência de desenvolvimento de diferentes habilidades. No entanto, cabe
agregar a essa importante contribuição a necessidade de articular esses conhecimentos como um todo

1
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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integrado, visando ao reconhecimento não apenas da relação entre toponímia e uma disciplina
específica, ou entre várias disciplinas e a toponímia simultaneamente, mas da natureza do próprio
conhecimento humano, promovendo a percepção, nos estudantes, da importância de se valorizar todas
as áreas em prol de uma unidade do conhecimento, de forma contextualizada e crítica.
No caso desse agrupamento de atividades criado por Velasco e Tavares (2017), caberia, por
exemplo, além da investigação sobre a origem e o significado do nome e a construção do lugar ao
longo da história, reflexões sobre os embates entre os povos que passaram pelo lugar, muitas vezes
motivados pelo monoculturalismo, pela imposição de uma cultura sobre a outra.
Outro trabalho dessa natureza foi desenvolvido por Gonçalves e Silva (2018) quando
propuseram estudar a toponímia em torno do rio Jacarezinho, no município de Breves, no estado do
Pará, com alunos do 6º ano do ensino fundamental. A motivação dos pesquisadores partiu da
identificação de dois fatores: primeiro, o reconhecimento de “[...] uma arena cultural tensa de relações
linguísticas vivenciadas no interior da floresta marajoara.” (GONÇALVES; SANTOS 2018, p. 2),
devido às relações entre a língua geral amazônica, a língua portuguesa e o banto, trazido por escravos
africanos que chegaram à região; segundo, o reconhecimento da necessidade de se estudar o léxico
dessas línguas presente no cotidiano dos próprios estudantes, especialmente registrado nos
topônimos, em detrimento de uma abordagem pedagógica voltada para o léxico de origem portuguesa
de forma isolada, ou até mais, o vocabulário de origem latina e grega.
Recorrendo às contribuições teórico-metodológicas da Toponímia, da Transdisciplinaridade,
da Etnografia e da Análise do Discurso, Gonçalves e Silva (2018, p. 2) envolveram os discentes desde
a reflexão inicial sobre língua, variação linguística e toponímia, passando pela concepção de uma
pesquisa e pela execução das entrevistas com familiares e moradores.
O trabalho desenvolvido pelos professores culminou com um debate sobre as informações
coletadas, concluindo com reflexões sobre a relação entre léxico, cultura e história das comunidades
ribeirinhas e sobre os significados dos topônimos, os quais evidenciaram a religiosidade, o
misticismo, as lendas, a diversidade de elementos da fauna e da flora, entre outras características.
Além disso, os professores pesquisadores, com esse tipo de trabalho, identificaram que

O universo de usos linguísticos criou, com essas línguas, diferentes contatos entre indígenas,
africanos e portugueses, sobretudo, a resistência da língua Nheengatu e Banto presentes, hoje,
em topônimos que envolvem as práticas sociais dessa região. Assim, a relação que se
estabelece entre o ato de nomear e o lugar nomeado não encerra em si mesmo, mas transcende
a própria ação da nomeação expressando os significados com suas trajetórias históricas,
culturais e construindo uma memória social.

Os autores mencionam que esse tipo de pesquisa empolgou os estudantes e que superou a
rotina do estudo de língua portuguesa, muitas vezes apenas gramatical, preso ao livro didático,
ampliando o olhar dos discentes sobre a riqueza presente na diversidade linguística e cultural local.
Entretanto, também identificaram que existem silenciamentos e até apagamentos dos significados dos
designativos de lugar, pois “[...] diante das mudanças linguísticas – nheengatu para o português –
muitos léxicos foram perdendo seus sentidos culturais e outros foram surgindo com as novas histórias
do lugar de existência dos moradores.”, tornando difícil a reconstituição semântica do topônimo.
Nos dois exemplos mencionados, constata-se que o topônimo resguarda duplamente um valor
histórico: pelo seu significado do nome em si e pela sua resistência, ou desaparecimento, quando
assim for constatado, evidenciando no componente linguístico a marca do contato entre diferentes
povos.
O conhecimento desses fenômenos é imprescindível a qualquer ser humano que se interesse
por sua história, pela formação do lugar em que vive e do seu povo. A abordagem transdisciplinar, a
partir da toponímia, pode favorecer essa tomada de consciência no ambiente escolar, especialmente
se forem promovidas atividades pertinentes à realidade dos próprios estudantes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou, brevemente, discutir sobre a pertinência de uma perspectiva


transdisciplinar no ensino, propondo o estudo da toponímia como importante componente cultural
capaz de relacionar diferentes áreas do conhecimento e evidenciar a possibilidade de desenvolver
práticas transdisciplinares nas diversas séries escolares.
Os topônimos são objetos multifacetados, que resguardam as contribuições das diversas
civilizações que já se fixaram no território brasileiro, embora sua existência material tenha sido
ameaçada. Os topônimos são, portanto, uma forma de salvar na memória coletiva, pelo uso
linguístico, nossas origens e tradições, a exemplo de topônimos indígenas, que revelam os hábitos de
nossos antepassados.
Reconhecendo as estreitas relações entre as procedências linguísticas dos nomes de lugares
geográficos com os hábitos de seus nomeadores, inspirados que são, no momento do batismo, pelas
características mais proeminentes de seu grupo e da época da nomeação, entende-se que os topônimos
são verdadeiros tesouros da cultura e das tradições humanas manifestadas pela linguagem.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Patrícia de Oliveira. A toponímia cearense no século XIX. 2011. 144 f. Dissertação (Mestrado em
Linguística) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.
BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do léxico. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO,
Aparecida Negri. (Orgs.). As ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia. 2 ed. Campo Grande: Ed.
UFMS, 2001, p. 14-22.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997.
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições do
Arquivo do Estado, 1990.
______. Origens históricas da toponímia brasileira: os nomes transplantados. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros, São Paulo, n. 24, p. 75-96, 1982. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/69706>.
Acesso em: 22 jul. 2019.
______. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de estudos. 3 ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1992.
FALCÃO, Márlio Fábio Pelúcio. Pequeno dicionário toponímico do Ceará. Fortaleza: Quadricolor, 1993.
GONÇALVES, Clizana Pereira; SILVA, Joel Pantoja da. O ensino de português e o estudo da toponímia: linguagens e
culturas indígenas e africanas pelo Jacarezinho – Breves/PA. In: COLÓQUIO DE LETRAS, 4., 2018, Marajó.
ANAIS... Marajó, 2018, p. 72-94. Disponível em: <http://www.coloquiodeletras.ufpa.br/downloads/iv-
coloquio/clizana.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019.
SANTOS, Akiko. O que é transdisciplinaridade? Rural semanal, Rio de Janeiro, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, set. 2005. Disponível em: <http://ufrrj.br/leptrans/arquivos/O_QUE_e_TRANSDISCIPLINARIDADE.pdf.>
Acesso em: 08 ago. 2019.
VELASCO, Denise de Oliveira Barbosa; TAVARES, Marilze. Estudando língua portuguesa, história e geografia por
meio da toponímia: uma proposta. Revista Arredia, Dourados, Editora UFGD, v. 6, n. 11, p. 16-36, jul./dez. 2017.
Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/arredia/article/view/6884>. Acesso em: 28 jul. 2019.

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ETNOMATEMÁTICA: UMA POSSIBILIDADE


TRANSDISCIPLINAR PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA
Carina Brunehilde Pinto da Silva

INTRODUÇÃO

As discussões sobre as possibilidades de uma educação transdisciplinar no contexto brasileiro


não são novidade e já aparecem de maneira explícita em importantes documentos que direcionam a
educação brasileira, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC).
É urgente que os estudantes possam ser formados a partir de uma concepção ética e humana,
capaz de ajudar a superar as heranças negativas que refletem os processos de colonização e
globalização e pautam uma educação mercantilista, que é ao mesmo tempo elitista e excludente.
Longe disso, os processos educacionais devem buscar a harmonia entre indivíduo, sociedade e
natureza, desenvolvendo saberes e conhecimentos capazes de lidar com questões que englobem a
totalidade do ser humano, aspectos que um ensino disciplinar muitas vezes não consegue dar conta.
Outro importante aspecto da transdisciplinaridade é não priorizar ou exaltar alguns saberes
em detrimento de outros, tanto na comparação entre disciplinas, como na dicotomia entre saberes
formais e empíricos. A transdisciplinaridade reconhece a importância de todos os conhecimentos no
repertório cultural de cada indivíduo.
No entanto, embora necessária, a efetiva transdisciplinaridade apresenta muitos desafios, que
vão desde a logística de organização das escolas e dos currículos à formação de professores.
Neste artigo, nosso objetivo é discutir a importância de uma formação transdisciplinar na
formação dos cidadãos, bem como apresentar o Programa Etnomatemática como uma possibilidade
de abordagem transdisciplinar da disciplina de matemática, uma das mais temidas do currículo
escolar.

PARA QUÊ (QUEM) SERVE A EDUCAÇÃO?

O ser humano é complexo em essência. Muitos são os elos que se interligam na construção de
uma pessoa, bem como no seu processo de aquisição de conhecimento.
A educação brasileira, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), tem como finalidades “[...]
o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.” (BRASIL, 1996). Entretanto, a ciência e a educação têm se desenvolvido de modo
que a importância da preparação profissional se sobressai em detrimento das outras finalidades, em
nome do desenvolvimento e do progresso.
Dentre todas as discussões pró ou contra os modelos científicos, e consequentemente
educacionais, que estão postos, destacamos dois aspectos importantes a serem considerados quando
se reflete sobre os efeitos que a globalização e as sociedades cada vez mais tecnológicas exercem
sobre o papel da educação na formação dos cidadãos e na construção das sociedades.
O primeiro deles é que, muitas vezes, o almejado progresso se dá às custas da exploração do
homem e da natureza, sem medir esforços ou consequências, “[...] incapaz de prever se o que resultará
do seu desenvolvimento contemporâneo será a aniquilação, a escravidão ou a emancipação.” (WEIL;
D’AMBRÓSIO; CREMA, 1993, p.33). Seja pela exploração do trabalho humano ou por considerar
a natureza e o universo como poços infindáveis de riquezas e matérias-primas, a ausência de ética e
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valores nos coloca em uma situação insustentável em todas as vias de relação entre o homem, a
natureza e a realidade.
D’Ambrósio (2011) resume a vida nas resultantes da relação entre indivíduo, natureza e o
outro (sociedade), representada a partir do triângulo exposto na figura 1. Estabelecer o equilíbrio nas
relações entre esses entes é fundamental para um desenvolvimento consciente e harmônico de nossa
civilização deve ser um dos objetivos principais da educação, culminando na paz para as gerações
futuras.

Figura 1: Ciclo das relações da vida

Fonte: D’Ambrósio (2011).

Além disso, o segundo aspecto importante a se considerar, destacado por Vergani (2007), é
certo desprezo que a ciência atribui à indissociabilidade homem/cultura, ressaltando apenas o valor
utilitário do conhecimento, em detrimento dos valores culturais, sociais, estéticos e formativos.
Incorporar os aspectos culturais de um grupo na construção do currículo, por exemplo, além de
agregar mais significado ao conteúdo a ser trabalhado, contribui para o fortalecimento das raízes deste
povo.
Sobre a importância desse movimento de conhecer e respeitar nossas origens, D’Ambrósio
(2011, p.) afirma que “A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que estão em
transição da subordinação para a autonomia, é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo
e respeitando suas raízes.”, e mais, entendendo os processos históricos que aos quais a colonização
nos submeteu, buscar uma educação que não repita, por meio da globalização, os erros do
colonialismo.
Acontece que os sistemas atuais de ensino, em sua organização disciplinar e cartesiana, apenas
corroboram os aspectos negativos citados acima, distanciando a educação de seu papel, segundo
D’Ambrósio (1997, p.70), de “[...] levar cada indivíduo a desenvolver seu potencial criativo, e
desenvolver a capacidade dos indivíduos de se engajarem em ações comuns”.
Muitas são as consequências resultantes dessa constrangedora incapacidade de assumir a
vastidão de uma atividade educadora crítica, criativa, multidimensional e integrativa. Vergani (2007)
aponta que não pautar a educação na totalidade do potencial humano gera repercursões negativas na
formação dos cidadãos, tais como: apatia, desenraizamento sociocultural, obediência resignada a
normas exteriores, dentre outras.
Nesse contexto, cabe indagar: “Haveria como construir outros modos de escolarização, uma
outra escola, que incluísse outros conteúdos e não somente aqueles que usualmente circulam no
currículo escolar?” (KNIJNICK et al., 2012, grifo da autora).
Na tentativa de responder essa questão, várias discussões são levantadas, mas é indiscutível a
necessidade de considerarmos o caráter holístico da educação, o que, muitas vezes, um ensino
categorizado em disciplinas não consegue alcançar. A educação transdisciplinar apresenta-se, então,
como uma excelente possibilidade, sobre a qual discutiremos com mais detalhes nas seções a seguir.

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A IMPORTÂNCIA DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Aulas de segunda à sexta, de 5 a 6 aulas em um turno, com duração de aproximadamente 50


minutos, divididas, geralmente, em: matemática, português, inglês, história, geografia, sociologia,
filosofia, física, química, biologia e educação física. Entra o professor de uma disciplina, saí o de
outra. Discussões, atividades e provas geralmente também se dão assim, “cada um no seu quadrado”.
Via de regra, salvo algumas exceções, essa é a estrutura escolar regular vigente para um aluno de
ensino médio, por exemplo.
O problema é que a vida real não acontece dessa maneira compartimentalizada, a toda hora
somos desafiados a resolver problemas que acionam diferentes conhecimentos, escolares ou não, e é
preciso articulá-los de maneira integralizada, o que a escola, muitas vezes, não nos prepara para fazer.
Afinal, à medida que nos aprofundamos cada vez mais nas minúncias e detalhes das disciplinas,
subdisciplinas e especialidades, mais estamos susceptíveis ao risco de perder a visão do todo
(D’AMBRÓSIO, 1997).
Santos (2008) coloca que a estrutura disciplinar atual trabalha com práticas de ensino
insuficientes para a compreensão significativa do mundo, além de desconsiderar os mais diversos
modos de conhecimento e níveis de realidade. Assim, forma cidadãos com dificuldade de perceber a
complexidade dos fenômenos em geral e a multirreferencialidade da realidade. Por outro lado, o autor
propõe uma reconstrução da prática pedagógica a partir de um ensino transdisciplinar, uma vez que
este, “[...] torna o aprender uma atividade prazerosa na medida em que resgata o sentido do
conhecimento (perdido em razão de sua fragmentação e descontextualização)” (SANTOS, 2008,
p.76).
Mas afinal, o que é transdisciplinaridade? As discussões sobre este conceito são relativamente
recentes e estão em constante construção epistemológica. Mello, Barros e Sommerman (2002)
definem que “[...] etimologicamente, trans é o que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através
das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas” (MELLO; BARROS; SOMMERMAN,
2002, p. 10, grifo dos autores).
Então, a ideia seria assumir uma postura educacional que reconheça a importância do tempo,
do espaço e do contexto na construção e na aquisição do conhecimento de cada indivíduo, de modo
a proporcionar uma maior integração entre os saberes dentro e fora do ambiente educacional, seja
este a escola ou a academia. Essa perspectiva é fundamental para confrontar estruturas que
desconsideram a importância dos saberes oriundos da vivência, desarticulando falsas dicotomias
muitas vezes perpetuadas, como saber versus fazer ou teoria versus prática.
Outro aspecto importante da educação transdisciplinar é atribuir a todos os sistemas de
explicação e conhecimento o mesmo grau de importância. Follmann (2014) coloca que a segmentação
disciplinar do conhecimento estimulou a competitividade entre ramos da ciência que deveriam se
complementar, estabelecendo-se, inclusive, hierarquias entre saberes.
Um exemplo claro deste fenômeno é a exagerada importância que o senso comum atribui às
ciências ditas “exatas”, em detrimento das “ciências humanas”. Essa denominação já é por si só
equivocada, uma vez que, desenvolvidas pelos homens, todas as ciências são humanas. D’Ambrósio
(1997, p.79) afirma que a transdisciplinaridade “[...] reside na postura de que não há espaço nem
tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar como mais corretos – ou mais certos
ou mais verdadeiros– os diversos complexos de explicação e convivência com a realidade.”, o que
Santos (2008) denomina como democracia cognitiva (grifo da autora).
Durante essa reflexão, o leitor pode pensar que, então, o ideal seria abolir as disciplinas.
Entretanto, Santos (2008) coloca que os conhecimentos disciplinares e transdisciplinares não se
antagonizam, mas se complementam. Follmann (2005) afirma que as disciplinas em nenhum
momento devem ser descuidadas, uma vez que não pode haver transdisciplinaridade se não houver
disciplina. O caminho proposto é a busca da integralização entre as disciplinas, pois, é a partir da
promoção da humildade e do respeito mútuo entre os saberes, inclusive aqueles adquiridos fora dos
processos de educação formal, que se dá a transdisciplinaridade.

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Um dos desafios dessa proposta é a formação dos professores. Se os professores, em sua


maioria, foram formados sob a perspectiva disciplinar, como poderão formar jovens com
pensamentos transdisciplinares? É preciso formar professores capazes de trabalhar na proposta da
transdisciplinaridade.
Follmann (2005) ressalta que professores capazes de imprimir em seu ofício um olhar
transdisciplinar conseguem verdadeiramente promover uma educação que proporcione uma visão
integral da pessoa humana, e isto pode ser o grande diferencial entre a formação de verdadeiros
profissionais e de meros técnicos da profissão.
Neste capítulo, objetivamos discutir especificamente possibilidades transdisciplinares para
formação do professor de matemática, uma vez que a esta disciplina, indiscutivelmente, é dado grande
destaque, seja nos currículos, nas avaliações em larga escala ou até mesmo pelo senso comum, sendo
inclusive considerada mais importante do que outras áreas do conhecimento. Além disso,
socialmente, alunos que se saem bem em matemática são considerados melhores e mais inteligentes
que os demais.
É preciso desenvolver propostas pedagógicas e metodologias que desmistifiquem esse caráter
elitista atribuído à disciplina ao longo dos anos, e essa é a proposta do Programa Etnomatemática, o
qual discutiremos na próxima seção.

ETNOMATEMÁTICA

É senso comum a resistência que os estudantes da educação básica, em geral, têm com relação
à matemática. A disciplina é encarada como uma das mais difíceis do currículo escolar. Como reflexo
desse contexto, os estudantes brasileiros amargam baixos níveis de proficiência em matemática em
avaliações de larga escala nacionais e internacionais.
Das muitas problemáticas que estão relacionadas com o ensino e a aprendizagem dessa
disciplina, queremos destacar duas. Primeiramente, o excesso de formalismos com o qual geralmente
a matemática é abordada, distanciando-se do conhecimento matemático praticado no dia a dia, o que
faz com que, muitas vezes, os estudantes sintam dificuldade de identificar o significado desse
importante saber na “vida real”.
O segundo é a maneira como a matemática é encarada, como se fosse a mais importante das
disciplinas, capaz de imprimir um caráter de absoluta racionalidade e certeza a qualquer argumento
ou pensamento que se use para justificar um fato. Essa maneira isolada, tradicional e tecnicista com
que a disciplina costuma ser abordada na escola a torna elitista e excludente, além de corroborar as
estruturas de poder desiguais vigentes em nossa sociedade atual. Skovsmose (2014) denomina essa
característica da matemática de ideologia da certeza.
Na busca de soluções para essas questões, várias tendências e metodologias em Educação
Matemática vem sendo desenvolvidas. Dentre elas, o Programa Etnomatemática coloca-se como um
possível caminho, cujas implicações pedagógicas podem colaborar na construção de uma nova visão
da matemática, por parte dos estudantes e, consequentemente, da sociedade em geral.
Proposta por D’ Ambrósio (2011), em meados dos anos 80, a etnomatemática busca “[...]
procurar entender o saber/fazer matemático ao longo da história da humanidade, contextualizado em
diferentes grupos de interesse, comunidades, povos e nações.” O autor destaca ainda que seu objetivo
não é estabelecer uma nova disciplina, pois isso acarretaria na preocupação em propor uma
epistemologia ou uma proposta fechada para a pesquisa, e a proposta não é essa, “[...] mas sim de
entender a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de comportamentos”
(D’AMBRÓSIO, 2011, p.17).
O termo etnomatemática se deu a partir da junção de três radicais etno, matema e tica, que se
referem à busca de novos modos e técnicas (tica) para entender, explicar e aprender (matema) com o
ambiente social, natural e cultural (etno) de uma comunidade. É importante destacar que esse estudo
não se refere apenas à análise dos conhecimentos específicos de etnias, mas de toda comunidade ou
grupo de pessoas, que dividem um espaço geográfico, um ofício ou certa condição social, que

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compartilha conhecimentos e compatibiliza comportamentos, ou seja, que constroem juntos uma


cultura (D’AMBROSIO, 2011).
Nessa perspectiva, a etnomatemática apresenta-se como um “[...] campo de investigação
através do qual a matemática assume cognitiva e explicitamente o seu caráter transdisciplinar no seio
de uma experiência conhecidamente antropológica.” (VERGANI, 2007, p.24).
Assim como a transdisciplinaridade não propõe o fim da organização disciplinar do
conhecimento, a etnomatemática não almeja substituir ou questionar a importância da matemática
formal ou acadêmica. O objetivo, segundo Vergani (2007), é preencher um ensino cuja abordagem é
vazia de sentido e intencionalidade, a partir de práticas pedagógicas que promovam um diálogo entre
identidade e alteridade local a partir da linguagem matemática.
D’Ambrósio (2011) coloca ainda que boa parte da matemática que desenvolvemos hoje é
baseada na concepção eurocêntrica da ciência, que para muitos povos colonizados ou dominados,
como indígenas, negros, campesinos ou crianças de baixa renda, por exemplo, representa a imposição
do modo de aquisição de conhecimento de seus dominadores e manifestam o exercício do poder para
a eliminação de suas próprias culturas. Então, o autor propõe que a matemática da forma como a
conhecemos hoje seja trabalhada ao mesmo tempo que problematiza essas questões culturais e sociais
e reforça as raízes de povos excluídos e marginalizados.
Uma vez que constatamos que, a partir da etnomatemática, é possível dar um enfoque
transdisciplinar ao ensino da matemática, é necessário refletir como essa proposta poderia ser
operacionalizada. A ideia não é ensinar etnomatemática ou criar uma disciplina equivalente nas
escolas. Mas uma possibilidade seria incluir as discussões e reflexões do Programa nos currículos, já
em nível de graduação, dos cursos de licenciatura em matemática das universidades brasileiras, indo
ao encontro da necessidade de formar professores com olhares transdisciplinares, discutida nas seções
anteriores.
Sobre essa possível inserção, Vergani (2007) coloca que
a importância de uma disciplina de educação etnomatemática no sistema universitário
de ensino terá como primeira consequência impedir que o ensino superior da
matemática continue a repecutir cegamente no ensino fundamental e médio, à maneira
de reprodução cíclica de um sistema cruelmente fechado e implacavelmente
alimentado pelas exclusões em cadeia programadas pelas próprias instituições
docentes. (VERGANI, 2007, p. 45).

Essa recomendação não é inédita, visto que já existem cursos de Licenciatura em Matemática
no Brasil que apresentam a disciplina Etnomatemática em seus programas de graduação ou pós-
graduação, alguns como disciplina obrigatória outros como disciplina optativa. Mas é inovadora uma
vez que o quantitativo de instituições com essa oferta ainda está longe de abranger a totalidade dos
cursos brasileiros.
Esse fortalecimento da formação de professores de matemática do país pode colaborar
fortemente na descoberta do significado da matemática em termos de valor social/educacional/pessoal
e no desenvolvimento de uma visão holística do saber matemático por parte dos estudantes, para que
os mesmos possam estabelecer as ricas conexões que esta ciência pode estabelecer com outras
disciplinas, bem como com a vida real. (VERGANI, 2007)
A partir desses estudos e reflexões, os professores podem buscar desenvolver atividades que
considerem e exaltem a cultura dos estudantes. Vergani (2007) aborda a Educação Etnomatemática
em 4 fases, das quais discutiremos 3 com forte potencial de aplicação pedagógica. A autora destaca
que essas fases não se configuram como etapas, ou seja, não obedecem a ordens cronológicas,
podendo ser desenvolvidas simultaneamente.

• 1° fase: Buscar conhecer e reconhecer a forma como conhecimento matemático foi,


ou ainda é, desenvolvido por diferentes povos e grupos, a fim de traduzi-lo e apresentá-
lo aos estudantes comparando com a linguagem matemática vigente.

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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 159

• 2° fase: Evitar trabalhar apenas com as atividades matematizantes dos povos, mas
buscar conscientizar os estudantes da carga de significado que os costumes e tradições
estudados apresentam na construção da cultura desse povo.

• 3° fase: Propor atividades que levem os grupos de estudantes a refletir e buscar


soluções para as questões de sua própria comunidade.

Reiteramos que, como coloca D’Ambrósio (2011), o Programa Etnomatemática é muito


abrangente e não se configura como uma disciplina com ementa pré estabelecida, logo os professores
devem buscar conhecer a comunidade na qual sua escola está inserida a fim de identificar
possibilidades transdisciplinares para o ensino da matemática, a partir de uma visão etnomatemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, buscamos discutir a importância que uma educação transdisciplinar pode
proporcionar na formação de cidadãos éticos, críticos e reflexivos, capazes de conviver em harmonia
consigo mesmo, com a sociedade e com a natureza.
A educação, no formato disciplinar e dicotômico com que é colocada nos dias de hoje, não é
capaz de atender a todos os anseios e respostas que o ser humano busca, seja individual ou
coletivamente, sendo a transdisciplinaridade uma possibilidade de abordagem educacional que atenda
a essa demanda.
Além disso, apresentamos o Programa Etnomatemática como uma possibilidade para um
ensino de matemática que abdique do ensino tradicional e tecnicista em detrimento de uma
abordagem que busque abranger a totalidade e a complexidade do ser humano.
Uma tarefa dessa magnitude apresenta inúmeros desafios, um deles é a formação de
professores, o qual buscamos discutir mais enfaticamente, na perspectiva da Educação
Etnomatemática. Para tanto, apresentamos fases de aplicação da etnomatemática para nortear as
práticas de professores e futuros professores interessados em fortalecer a importante característica
transdisciplinar que a etnomatemática agrega ao ensino da matemática.

REFERÊNCIAS

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Ministério da Educação, 1996.

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FOLLMANN, J. I. Dialogando com os conceitos de transdisciplinaridade e de extensão universitária: caminhos para o
futuro das instituições educacionais. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 11, n. 1,
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ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL DE EDUCAÇÃO


BILÍNGUE FRANCISCO SUDERLAND BASTOS MOTA:
UMA ESCOLA BILÍNGUE PARA SURDOS?
Maria Izalete Inácio Vieira
Sara de Araújo Mateus

A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Para entendermos o conceito de Educação Bilíngue para surdos, analisaremos a trajetória


educacional de surdos. Para isto, apresentaremos, de maneira sucinta, as principais abordagens
educacionais para surdos e seus desdobramentos desde a Antiguidade até os dias de hoje. Esperamos
que, com isto, possamos entender um pouco melhor a importância de uma Escola Bilíngue para a
comunidade surda.
A princípio, é importante definirmos a concepção de indivíduo surdo em cada momento
histórico a que iremos nos referir, visto que cada momento possui sua marca que segue os estudos
humanos e científicos da época a que se refere. Reportando-nos à Idade Antiga e Média, para algumas
civilizações, como a egípcia, os surdos eram entendidos como deuses. A ausência de comunicação a
que viviam submetidos se justificava pela ideia de que seres divinos não mantinham comunicação
com seres mortais através da fala (REICHERT, 2014).
Para as civilizações clássicas, como Grécia e Roma, devido a cultura de culto ao corpo,
perfeição e a arte da guerra, eram tidos como inúteis. Para a guerra, estariam em desvantagem e para
a perfeição estariam incompletos. Sob esse olhar eram sentenciados à morte ainda quando crianças.
Segundo Aristóteles, eram incapazes de raciocinar por não possuírem linguagem. Para a igreja,
segundo o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, a fé vem pelo ouvir. Sob essa concepção,
portanto, não podiam acessar a salvação (CAPOVILLA, p.02. 2009). Podemos inferir que para essas
sociedades o indivíduo surdo era invisível ou irracional. No entanto, a partir da Idade Moderna,
principiados pelas novas concepções sociais e humanas trazidas pelo movimento Iluminista, esses
conceitos são revestidos com novas roupagens (PERLIN, p. 6, 2014.)
Ao analisarmos este período histórico, em especial, poderemos facilmente perceber as duas
vertentes que se firmaram com conceitos e abordagens distintas, além de olhares contrários sobre o
indivíduo surdo e sua educação. Por um lado, crescia na França, com os estudos e experiências de
Charles Michel L’Epée, uma metodologia que utilizava a gestualidade na educação de surdos. Com
o sucesso desta metodologia, os alunos surdos de L’Epée se tornaram também professores
(MESERLIAN; VITALIANO, pg. 06, 2014). Enquanto que na Alemanha, a vertente educacional
utilizada foi a Oralista, desenvolvida por Samuel Heinicke, que tinha como premissa o
desenvolvimento da fala oral para a integração dos surdos à sociedade (MESERLIAN; VITALIANO,
p. 6, 2014). Para Soares (1996, p. 2),

O Oralismo, ou método oral, é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na


compreensão e na produção da linguagem oral e que parte do princípio que o indivíduo
surdo, mesmo não possuindo o nível de audição para perceber os sons da fala, pode-se
constituir em interlocutor por meio da linguagem oral.

Após o Congresso de Veneza, em 1872, com o qual definiu-se que apenas por meio da língua
oral seria possível a expressão do pensamento, o método Oralista foi legitimado, mas somente em
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1880, com o Congresso de Milão é que a língua de sinais é banida das salas de aula e o Oralismo
torna-se a política dominante para educação de surdos na época. Esta política vigorou longos anos.
No entanto, seu fracasso se deu, como afirma Sacks (1990, p. 45), devido a não socialização do surdo,
posto que os níveis de surdez - leve, moderada, severa e profunda, (BISOL; VALENTINI, 2011) -
interferem diretamente no desenvolvimento da oralidade dificultando assim a socialização do
indivíduo. A extinção da língua de sinais deteriorou todos os avanços conquistados para a instrução
de surdos. Logo, seria evidente a rejeição a este método pela comunidade surda (MESERLIAN;
VITALIANO, p. 8, 2009).
Com o enfraquecimento do método Oralista, a Comunicação Total – método que se
utilizou/utiliza dos gestos, sinais e da oralização para o ensino de surdos –, surge nesse contexto como
um novo caminho para o ensino e aprendizagem de crianças surdas. Houve, de fato, um grande avanço
quanto a comunicação entre a comunidade surda e ouvinte, mas no que diz respeito a escrita e leitura
os resultados foram, inesperadamente, insatisfatórios. Ao passo que os professores sinalizavam e
oralizavam simultaneamente, não havia solidez no ensino de nenhuma das duas línguas envolvidas.
Como consequência disso, não havia entendimento pleno dos conteúdos expostos a partir deste
método pelas crianças surdas. Sendo assim, houve um desprestigio em relação a Comunicação Total,
aos olhos dos pesquisadores, e a língua de sinais aos poucos foi se tornando uma área relacionada ao
desenvolvimento de estudo da linguagem. (CAPOVILLA, p. 10, 2000).
Devido ao insucesso da filosofia da Comunicação Total, ficou entendido que a utilização de
duas línguas num mesmo contexto de ensino, de forma conjunta e simultânea não era viável. No
entanto, com o surgimento da abordagem educacional Bilíngue, a utilização de duas línguas num
mesmo contexto de ensino, de forma conjunta e não simultânea se tornou essencial à educação de
surdos. A língua de sinais, neste contexto, segundo os estudos de Stokoe (VIOTTI, p.3, 2008), passou
a ser aceita enquanto língua natural do surdo. Nessa abordagem é valorizada a identidade, cultura e
língua da comunidade surda, ou seja, há um interesse em compreender as questões antropológicas
que subjazem a comunidade surda e sua condição perante a educação (QUADROS, 1997).
A Educação Bilíngue se diferencia das propostas anteriores devido a sua estruturação que se
constrói a partir de uma educação que integra o indivíduo surdo ao ambiente de ensino, subsidiando
o aprendizado a partir da concepção de que o indivíduo surdo possui especificidades linguísticas e
uma cultura visual. Outrossim, oferece-lhe a oportunidade de acompanhar os conteúdos da matriz
curricular na sua língua, ou seja, o acesso aos conhecimentos básicos em sua primeira língua, em
semelhança ao ensino de alunos ouvintes.

A EDUCAÇÃO BILÍNGUE

É importante que saibamos de que maneira a perspectiva de uma Educação Bilíngue para
surdos chegou até o Brasil. Para tanto, voltaremos ao período Imperial -1855, data em que o professor
Ernest Huet chega ao Brasil trazendo, pela primeira vez, a Língua de Sinais como instrumento direto
de aprendizagem para os alunos surdos, a convite de Dom Pedro II. As causas que levaram a esse
convite não se podem garantir como verdade. Segundo Strobel (2008), “deduz-se que o imperador D.
Pedro II se interessou pela educação dos surdos devido ao seu genro, o Príncipe Luís Gastão de
Orléans, (o Conde d’Eu), marido de sua segunda filha, a princesa Isabel, ser parcialmente surdo”.
A chegada de Ernest Huet, teve como objetivo principal a fundação de uma escola para surdos,
em que a Língua de Sinais fosse presente e que por meio dela os alunos pudessem ser alfabetizados,
viabilizando o acesso aos demais conhecimentos. Esse instituto, atualmente conhecido como Instituto
Nacional de Educação de Surdos - INES, fundado em 1857, na cidade do Rio de Janeiro, utilizava a
Língua de Sinais Francesa, que misturada aos sinais já existentes aqui, deu origem a Língua Brasileira
de Sinais (MORI; SANDER, 2015. p. 9)
O INES, que ainda hoje funciona, faz parte de um conjunto de escolas que atuam nessa
perspectiva de Educação Bilíngue para surdos. No Ceará, possuímos três principais instituições que
desempenham esse papel: a primeira delas é o Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES,
fundado em 1961, que, inicialmente, se utilizou da abordagem Oralista, adquirindo ao longo de seus

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anos práticas bilíngues. Hoje, é considerado a mais antiga instituição de ensino para surdos do Ceará.
Atualmente a instituição atende cerca de 238 alunos entre Ensino Fundamental e EJA. A instituição
atende apenas alunos surdos, contando ainda com um corpo docente formado por 13 professores
surdos e 31 ouvintes, segundo informações encontradas no sitio http://educacao.fortaleza.ce.gov.br/ ,
consultado em 06 de Agosto de 2019.
O Instituto Fillipho Smaldone, fundado em 1988, também iniciou seus atendimentos a alunos
surdos com abordagem Oralista. Na medida em que a Educação Bilíngue ia ganhando espaço e a
Língua de Sinais conquistando legalidade e direito à existência como instrumento de comunicação
oficial, a instituição foi se apropriando de práticas Bilíngues. A administração da instituição é
filantrópica. Entretanto, recebe apoio da rede pública de ensino municipal de Fortaleza por meio de
convênio. De acordo com informações do Núcleo Gestor, colhidas por meio de entrevista, o Instituto
atende alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental e está apto a receber alunos surdos e
familiares de surdos (primos, irmão, sobrinhos...). A instituição conta com uma equipe de professores
e profissionais especialistas em diversas áreas como Fonoaudiologia, Psicologia e Assistência Social
que, além de atender aos alunos, também prestam assistência aos pais dos alunos com surdez.
Ambas as instituições não nasceram intencionalmente Bilíngues, mas emergiram da
necessidade de atender essa parcela da população. Contudo, pautaram-se inicialmente no Oralismo.
Antes de analisarmos a terceira instituição e suas características, devemos nos atentar sobre o que
caracteriza tais práticas e em quais níveis estão presentes para que, com clareza, possamos identificar
como se configura uma Escola Bilíngue:
O Bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngue, ou seja, deve
adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos
e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (...) os autores ligados ao bilinguismo
percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores Oralistas e da Comunicação Total.
Para os bilinguistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo
assumir sua surdez (GOLDFELD, 1997, p. 38).

A Educação Bilíngue se dá a partir da ideia de se constituir um indivíduo surdo bilíngue,


alfabetizado em sua língua materna, além de desenvolver fluência na modalidade escrita da língua
oficial de seu país, como segunda língua – L2 (SANTOS, 2013. p. 35). Os estudos apontam essa
proposta como mais adequada ao ensino de crianças surdas visto que considera a língua de sinais
como natural e parte dessa premissa para o ensino da língua oral em modalidade escrita (QUADROS,
1997.) É um diferencial dessa abordagem em relação às demais a aceitação da surdez e a compreensão
da pessoa surda como sendo abastada de cultura, identidade linguística e política.
Quanto às questões psicossociais e culturais, compreende também que é de extrema
importância que o aluno surdo mantenha contato com outros indivíduos surdos (BORDAS, p.2,
2009). O ideal é que a escola promova esse contato através de ações integradoras tais como
professores surdos, funcionários surdos. Além disso, garantir à família, a oportunidade de aprender
sobre a comunidade surda e sobre a Língua de Sinais (QUADROS, 1997).

O ENSINO BILÍNGUE NO ÂMBITO DA ESCOLA MUNICIPAL DE TEMPO INTEGRAL


FRANCISCO SUDERLAND BASTOS MOTA

Afirmando estar assentada sob tais princípios surge a Escola Municipal de Tempo Integral
Francisco Suderland Bastos Mota. Uma escola criada com o objetivo de alfabetizar crianças surdas
por meio da abordagem da Educação Bilíngue. Segundo documentos consultados in loco, esta trata-
se de uma escola do sistema público municipal de Fortaleza inaugurada em 09 de novembro de 2015.
As discussões sobre seu projeto de criação foram dirigidas por um grupo de trabalho formado por
entidades representantes da comunidade surda, Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos - FENEIS, Associação dos Surdos do Ceará - ASCE, Associação dos Pais e Amigos dos
Deficientes Auditivos - APADA, Associação dos Profissionais Tradutores Intérpretes da Língua de
Sinais do Ceará - APILCE, bem como da Prefeitura de Fortaleza – Técnicos da Secretaria de

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Educação, amparados pela lei de n° 10.436/02 e seu Decreto de regulamento, 5.626/05 (BRASIL,
2002; 2005).
A escola se localiza no bairro Parque Dois Irmãos, na Av. Bernardo Manuel n° 9970.
Atualmente, conta com corpo docente formado por 11 professores, em sua maioria professores
ouvintes bilíngues (Libras/Português), dos quais sete são polivalentes - pedagogos - e 4 de áreas
específicas: Educação Física, Língua Portuguesa e Libras. Há, na composição do quadro docente,
apenas um professor surdo, sendo este responsável pela disciplina de Libras. Quanto ao Núcleo
Gestor, a instituição é dirigida por profissionais ouvintes – Diretora, Coordenador, Coordenador
Financeiro (CAF), Articuladora e Secretária, todos com proficiência em Libras.
A Instituição conta com 7 salas, além de uma sala de informática, biblioteca e quadra
atendendo um público de 95 alunos compreendendo entre a Educação Infantil e Ensino Fundamental
I, dos quais 22 são surdos e os demais, ouvintes com outros comprometimentos, familiares ouvintes
de surdos e ouvintes sem nenhum parentesco ou comprometimento com a comunidade surda. A
escola funciona em período integral e como instituição pública municipal de ensino, está submetida
às diretrizes e normas previstas na legislação, mais precisamente a Lei Federal 9394/96, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as Diretrizes complementares da Secretaria
Municipal de Educação de Fortaleza (SME).
A instituição não possui sala de AEE. Entretanto, devido à quantidade de alunos laudados com
inúmeros outros comprometimentos além da surdez, totalizando 26 (vinte e seis) dos 95 (noventa e
cinco) matriculados, a escola alcança o perfil necessário para receber profissional capacitado para
Atendimento Especializado de tais alunos. Este é cedido pela escola polo mais próxima – E.M.E.I.F
Casimiro Montenegro. A escola não conta com o apoio de profissionais de áreas como
Fonoaudióloga, Assistência Social, Psicologia e Psicopedagogia como propõe o Programa e Saúde
na Escola - PSE – em suas ações: Componente I: Avaliação das condições de saúde; Componente II:
Promoção da saúde e prevenção das doenças e agravos; Componente III: Capacitação permanente
dos profissionais de saúde e educação.
Em seu Projeto Político Pedagógico – PPP se ressalta a posição superior da Libras em relação
a língua portuguesa:

Ao tratarmos de uma escola bilíngue se faz necessário determinar uma hierarquia linguística
no ambiente, em cumprimento à determinação legal de que a Língua de Sinais é a primeira
língua da pessoa surda (Lei 10.436/2002, Decreto 5.626/2005 e Decreto Legislativo
186/2008), e a Língua Portuguesa sua segunda língua, por ser a língua do país onde vivemos.
Assim, a comunidade escolar deve utilizar, não apenas na sala de aula, mas em toda a
dinâmica da sala de aula e sim em todo cotidiano escolar, a Língua de Sinais como dominante.

A despeito da presente citação, a carga horária da disciplina de Língua Portuguesa encontra-


se superior à disciplina de Libras, com 46 horas, enquanto há apenas 10 horas destinadas ao ensino
da Libras. Além disso, a disciplina de Libras está situada na base diversificada do currículo, tendo
em sua composição disciplinas como Tecnologia da Informação e Comunicação –TIC;
Aprendizagem Orientada; Protagonismo e Eletivas, ou seja, não compõe a Base Comum Curricular
como é sugerido a partir dos estudos do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº 1.060/2013
e nº 91/2013 do MEC/SECADI.
Como dito anteriormente, a escola conta com um contingente de 95 alunos, dos quais 22 são
surdos e diluídos dentre os demais há outros que apresentam algum tipo de comprometimento, como
deficiência auditiva, paralisia cerebral, Síndrome de Down, deficiência múltipla e deficiência
intelectual. A admissão de alunos ouvintes com outros tipo de necessidades específicas que não
possuem vínculo com a comunidade surda é assegurado pelo art.53 do Estatuto da Criança e
Adolescente - ECA: “O Estado deve garantir o acesso à escola pública e gratuita próximo da
residência do estudante”. A escola, como entidade pública, não pode negar ao aluno o direito de
pleitear a vaga.

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A inserção de alunos com diversos outros comprometimentos, somados a surdez ou não,


fazem com que o público, que deveria ser especificamente formado por surdos e ouvintes que
tivessem vínculo familiar com surdos, fuja do perfil ao qual a escola se propunha a atender:

A Escola Bilíngue oferece matrículas para alunos não-surdos que desejarem estudar.
Esclarecemos que não se trata de uma escola especial, como se observa no Art. 22 do Decreto
5.626/2005, elas são formas sobre as quais se realiza a “inclusão de alunos surdos ou com
deficiência auditiva” no sistema educacional.

Esse público, formado por surdos, ouvintes com outras deficiências diferentes da surdez,
ouvintes sem deficiência e sem vínculo familiar com surdos e surdos com outros comprometimentos
associados, dificulta a execução do planejamento de aula pelos professores, segundo o que os próprios
relataram: “Eu preciso explicar o conteúdo, mas não consigo porque a turma tem muito ouvinte e não
consigo fazer com que eles olhem pra mim, então chamo o intérprete pra me ajudar. (Professor Sandro
Quintela, surdo, ministrante da disciplina de artes)”
Semelhantemente, os professores ouvintes relatam dificuldades para reter a atenção dos alunos
surdos e ainda dificuldade na produção de atividades que atendam a todos os alunos de maneira
igualitária, principalmente para a disciplina de Língua Portuguesa em que os alunos surdos a tem
como segunda língua-L2 e os ouvintes como primeira língua-L1. Não há separação das turmas para
as aulas de Português. Ambos, surdos e ouvintes, assistem a mesma aula e utilizam o mesmo livro.
Faz-se importante salientar, a partir deste contexto, que a abordagem Bilíngue para surdos
considera que o ensino da Língua Portuguesa deve utilizar-se de metodologias e estratégias
equivalentes ao ensino de segundas línguas:

Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, a proposta bilíngue para surdos concebe o seu
desenvolvimento baseado em técnicas de ensino de segundas línguas. Tais técnicas partem
das habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas diante das suas
experiências naturais com a LIBRAS (QUADROS, 1997, p. 29).

Os educadores mencionam ainda, ser necessário explanar o conteúdo em Libras primeiro para
o público surdo e em seguida verbalizá-lo para os ouvintes, em decorrência das turmas mistas de
surdos e ouvintes. Dessa forma, segundo eles, os alunos teriam acesso ao conteúdo sem prejuízo e
sem prevalência de uma língua em relação a outra no momento da aula. No entanto, esta estratégia
gera ociosidade entre os segmentos de alunos durante o uso de uma língua e outra. A Escola acredita
que ao lançar mão desta estratégia está garantindo aos alunos acesso aos conteúdos em suas
respectivas línguas maternas, como o PPP propõe:

A Escola Municipal de Educação Bilíngue Francisco Suderland Bastos Mota tem como
filosofia o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima
da pessoa com surdez e ouvintes, o fortalecimento e respeito pelos direitos humanos e pela
diversidade humana. Destaca-se também a promoção da identidade cultural e lingüística
específica das pessoas com surdez com base na Língua de Sinais e na Cultura Surda.

Além disso, o professor surdo explicita que:

Os alunos ouvintes, no começo, estranham um professor surdo. Quando estes querem ir ao


banheiro me pedem falando. Com o tempo eles entendem que precisam aprender em libras
porque eu não posso ouvi-los. Os ouvintes gostam de aprender Libras. Eu vejo os surdos
ensinando os ouvintes. Eles aprendem. Isso também acontece entre os alunos surdos, um
ensina o outro. Essa boa interação entre eles é importante. (Professor Haroldo Guilherme,
surdo.)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É imprescindível ressaltar a importância, no contexto da Educação Bilíngue para surdos, da


interação dos alunos surdos, mediada pela língua de sinais, com os demais alunos ouvintes e com os
profissionais da escola, para o seu desenvolvimento linguístico, cultural e psicossocial (QUADROS,
1997, p.29). O processo de interação do surdo com a comunidade escolar é decisivo para a
consolidação da linguagem, bem como salienta Goes, (1996, p. 38), quando afirma que "não há
limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez. Tudo depende das possibilidades oferecidas pelo
grupo social para seu desenvolvimento".
Assim, podemos concluir que a Escola Municipal de Tempo Integral Francisco Suderland
Bastos Mota, cumpre com a sua função de promover a interação social, mas dificulta a aplicação de
conteúdos necessários e específicos à comunidade surda. Além disso, coloca a Libras em segundo
plano em relação ao ensino da Língua Portuguesa, quando dedica a esta última maior tempo de ensino.
As crianças com outras deficiências tornam difícil a tarefa do professor, que ao ingressar na escola se
propõe apenas ao ensino Bilíngue para surdos. Todavia, a Escola nasceu com o “Bilingue” no nome,
mas como as demais, será constituída como tal pelo seu fazer ao longo do tempo e pelas imposições
que virão a partir das demandas da comunidade surda local.

REFERÊNCIAS

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2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de
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MOVIMENTO ESTUDANTIL E RESISTÊNCIA: DO MAIO


DE 1968 NA FRANÇA À ATUAÇÃO DA UNE NO PERÍODO
DA DITADURA MILITAR
Daniele Kelly Lima de Oliveira
Eliomar Araújo de Sousa
José Rafael Barros de Moraes

Neste artigo apresentamos a história do movimento estudantil (ME), a partir do conhecido


Maio de 1968, na França, passando por uma análise da influência desse movimento no Brasil.
Trazemos o exemplo da atuação da União Nacional dos Estudantes (UNE), durante os períodos da
ditadura militar, destacando a relevância das organizações estudantis neste tempo histórico, como
espaços de resistência e organização.
O trabalho em tela é resultado dos estudos realizados no projeto de pesquisa Educação e
Movimento Estudantil: gênese e desdobramento dos movimentos sociais; nos grupos de estudos
Gramsci e a Formação do Educador; Lutas Universitárias, Trabalho e Educação (GELUTE), todos
abrigados no Grupo de Pesquisa e Estudos Educação, Movimentos Sociais, Políticas Públicas e
Diversidade (GPEEMPODERAR), sediado na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA),
vinculado ao curso de Pedagogia e coordenados pela professora Daniele Kelly.
Nossa reflexão sobre o movimento estudantil como um espaço de resistência e organização
social parte do movimento conhecido como Maio de 1968, por sua relevância e lições pedagógicas
que o mesmo deixou na história de resistência e organização estudantil, mas devemos informar que
o movimento estudantil no Brasil remonta um tempo muito anterior.
De forma breve, exemplificamos, apoiados em Poerner (2004), que desde os tempos do Brasil
Colônia várias iniciativas de movimentos sociais contaram com a participação estudantil, como em
1710, contra a invasão francesa, e em 1789, na Inconfidência Mineira. No período imperial os
estudantes também se fizeram presentes na luta em favor da abolição da Escravatura e da proclamação
da república.
É preciso compreender que embora contando com a presença estudantil nos movimentos
sociais ao longo de toda a história do país, estas participações tinham um caráter de fragmentação,
isolamento e descontinuidade. Ao examinarmos o Maio de 1968, em Paris, inferimos um marco de
unificação e fortalecimento das lutas sociais e estudantis em vários países. Da mesma forma podemos
identificar no Brasil, a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1937, como um marco
na história de unificação das pautas de reivindicações, e sistematização na atuação do movimento
estudantil no Brasil.
Lembremos que o contexto histórico lança luzes sobre os fatos para que possamos
compreender melhor o porquê desses dois marcos. No campo mundial, no começo de 1960, o cenário
era de insatisfação social com uma “[...] situação internacional peculiar, que dominou até a queda da
URSS: o constante confronto das superpotências que emergiram da Segunda Guerra chamada de
Guerra Fria” (HOBSBAWN, 1995, p. 223), e seus desdobramentos na vida cotidiana. Já no Brasil as
Instituições de Ensino Superior (IES) surgem apenas no século XIX, e as universidades como
conhecemos hoje, baseadas no tripé ensino, pesquisa e extensão remontam meados do século XX,
com a criação das universidades do Rio de Janeiro, em 1920, a de Minas Gerais, em 1927 e a de São
Paulo, em 1934. Isso porque economicamente o país estava entrando no processo de [...]

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“industrialização e inserção subordinada, do país, no sistema mundial do capital” (DIAS, 2006, p.


44).
Daqui já podemos perceber que o movimento estudantil não está restrito apenas à lutas por
interesses imediatos, como seria no seu caso, pela educação pública, mas historicamente o movimento
estudantil tem sido foco de mobilizações sociais por diversas pautas de reivindicações. Pensando à
luz da totalidade com Montaño e Duriguetto (2011) entendemos o movimento estudantil como
desdobramento do processo de organização e luta dos trabalhadores, partindo da revolução industrial
no século XIX, que com o tempo impulsionou diversos movimentos sociais, como o dos trabalhadores
sem terra, das mulheres, dos indígenas, da população negra e dos estudantes. Nesse sentido, é de suma
importância para os estudantes conhecerem sua própria história e se apropriarem das lições
pedagógicas que emergem como consequência dessa práxis social.

DO MAIO DE 1968 NA FRANÇA À ATUAÇÃO DA UNE NO BRASIL

O ano de 1960 se iniciou marcado por um clima tenso entre duas potências mundiais, de um
lado os Estados Unidos, que representava os interesses capitalistas, de outro a União Soviética das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), representando o bloco socialista. Esse conflito ficou
conhecido como Guerra Fria e trouxe vários desdobramentos para a vida cotidiana. “Gerações inteiras
se criaram à sombra de batalhas nucleares que, acreditava-se firmemente, podiam estourar em
qualquer momento e devastar a humanidade.” (HOBSBAWN, 1995, p. 224).
Cardoso (2008) informa que entre 1950 e 1960, ocorreram diversos movimentos que
demonstravam a insatisfação generalizada com o ambiente de Guerra Fria: Guerra na Argélia, os
Panteras Negras, as Guerrilhas, os movimentos pacifistas e etc. Essa mesma variedade foi percebida
pós 1968:
Devemos perceber a simultaneidade dos movimentos que aconteceram no âmbito do
capitalismo central, na periferia do capitalismo e no Leste europeu. O feminismo , a
libertação sexual trouxeram modificações na estrutura familiar, sentimos a flexibilixação da
hierarquia adulto/criança, aluno/professor etc. Introduziu-se um novo modo de fazer política,
não apenas a partir das macro-relações Estado e Sociedade, capital versus trabalho, mas agora
também no cotidiano. Questões ecológicas e a cultura da jovialidade foram instituídas,
fortalecendo um imaginário na fraternidade capaz de produzir uma nova ideia de revolução,
de transformação real da sociedade. (CARDOSO, 2008, p. 8).

Nesse contexto, 1968 foi um ano eivado por uma onda de conflitos políticos em diversos
países, como nos informam Montaño e Duriguetto (2011), marcando o protagonismo do movimento
estudantil na mobilização de várias lutas sociais. Embora vários países estivessem unidos contra a
intervenção norte-americana no Vietnã, foi na França que a juventude estudantil se expressou com
maior radicalidade, especialmente pela aliança entre estudantes e trabalhadores que culminou numa
greve geral que paralisou o país. Em muitas situações eram os estudantes que compunham a linha de
frente no setor automobilístico, têxtil, de combustíveis, minerais, gás, eletricidade e água.
O Maio de 1968 materializava a reação das pessoas diante das sanções criadas pela Guerra
Fria. O movimento implicou em combates às imposições econômicas, políticas e culturais.
[...] lutaram contra a sociedade de consumo que emergia, recusaram o automóvel como
sinônimo de modernidade, denunciaram o trabalho industrial e o burocrático como
embrutecedores. Questionaram os meios de comunicação de massa e a publicidade como
adestradores de desejos, bem como o mundo científico e utilitário. Recusaram a pobreza
espiritual de uma sociedade regida apenas por condicionantes econômicos. Lutaram contra
as burocracias totalitárias do Leste europeu e contra a sociedade de espetáculo do mundo
ocidental. Criticaram todas as formas de alienção, não só a material, como também a estética
e moral. (CARDOSO, 2008, p. 9).

Nesse contexto histórico, os muros das cidades foram pichados, uma forma que os estudantes
encontram para mostrar para o mundo sua realidade, o descaso e a falta de políticas públicas. Com

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essas ações o movimento estudantil ganhou a simpatia de uma parcela da classe média, e resistiu ao
governo ditatorial francês do general De. Gaulle.
Montaño e Duriguetto (2011), apoiados em Ernest Mandel, afirmam que o Maio de 1968 teve
também o papel de fortalecer as lutas e as revoltas estudantis contra o papel que a universidade passou
a ter no contexto da divisão social e técnica do trabalho.
Em um cenário pós-guerra, com organização do trabalho vigente, que era o fordismo e com o
crescimento da economia, surgiu a necessidade de uma mão de obra qualificada, com isso fez com
que uma fração da classe trabalhadora e da classe média buscasse concluir o ensino médio e entrar
no ensino superior. O fordismo implicou na aceleração da imposição de um modelo de financiamento
empresarial às universidades, o objetivo disso era formar mão de obra barata, e qualificada nas áreas
de ciência, da tecnologia e de produção.
O Maio de 1968 ficou conhecido também como “revolução cultural”, isso por que eles
desejavam romper com a ordem social burguesa. Também tivemos a “Época de Ouro” que foi uma
das raízes das revoltas dos estudantes, assim como o processo de industrialização que marcou o
ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a crise na família nuclear burguesa, e o crescimento e
ingresso massivo dos jovens no ensino superior, que acabou concentrando a juventude no espaço
universitário possibilitando o desenvolvimento de novas relações e ações coletivas.
Essa “revolução cultural” se dava pela informalidade dos estilos de vida tais como o de
vestimentas, músicas, linguagem que estavam ligadas desde o modo de falar, como as gírias,
palavrões e palavras de ordem, e no uso de drogas e da livre prática de orientação sexual. Isso tudo
acarretou na contribuição dos famosos cartazes de Paris de 1968. “É proibido proibir”. Esse
movimento defendia a autonomia da subjetividade e das escolhas de vida pessoais. (HOBSBAWN,
1995)
O ano de 1968 foi também emblemático para as resistências no Brasil. O ano iniciou-se com
as lutas dos secundaristas e de estudantes do restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, as
reivindicações eram a exigência de mais vagas nas universidades e melhorias no restaurante.
Com o movimento ganhando força, o restaurante acabou sendo invadido pelas tropas militares
que assassinaram o secundarista Edson Luís. A morte do estudante marcava um novo começo de
manifestações que reuniu no dia 26 de junho de 1968, estudantes, artistas, intelectuais e ativistas
políticos. Ocuparam as ruas do Rio de Janeiro na maior mobilização popular contra a ditadura militar,
que ficou conhecida como a passeata dos Cem Mil. O evento tinha como reivindicações principais a
luta contra os atos de repressão contra os estudantes, o fim da ditadura e a redemocratização do país,
este evento foi dedicado à memória do estudante Edson Luís.
Como já dissemos anteriormente, embora tenhamos contado com participações estudantis em
diversos movimentos sociais ao longo da história do Brasil, foi com o surgimento da União Nacional
dos Estudantes (UNE), no ano de 1937, que se notou uma unificação e fortalecimento das pautas do
movimento estudantil, esse fato conseguiu gerar uma forte atuação dos estudantes, ampliando as lutas,
que antes já aconteciam, mas de forma isolada. O reconhecimento da UNE, como entidade máxima
de representação dos estudantes brasileiros, unificou as lutas estudantis e os deixou mais expressivos
e articulados em âmbito nacional. A atuação da UNE, desde sua criação até a década de 1950, definiu
a participação estudantil em grandes lutas no cenário político nacional, como por exemplo as
mobilizações contra o Estado Novo.
A partir da década de 1960, as lutas estudantis passaram a ser em torno da questão de
instituições de ensino superior públicas, gratuitas e de qualidade, mas de acordo com a afirmação de
Montaño e Duriguetto (2011) o objetivo era outro dentro do sistema:
Nos tempos da autocracia burguesa, as pautas de lutas giravam em volta de “denunciar a
interferência norte-americana na educação por meio de MEC – Usaid (agência dos estados
Unidos para o “desenvolvimento Internacional”) criada em 1961 que foi criado para
desenvolver programas de assistência econômica e humanitária, que visava à privatização do
ensino superior. (p. 271).

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As ditaduras militares foram o resultado de acontecimentos que expressavam a crise dentro


do capitalismo. Em segundo lugar, foram ações tomadas pelo imperialismo e a hegemonia do grande
capital, como forma de inibir as lutas sociais.
Nos regimes ditatorial-militares, as Forças Armadas assumem o papel dominante porque
controlam os “postos de comando essenciais” e os “centros de poder real” do sistema
institucional dos aparelhos do Estado” Isso implica em investigar as lutas internas em torno
de projetos políticos específicos que se desenvolvem no próprio seio do aparelho militar
(CODATO, 2004, p.13).

A América Latina foi invadida pelas ditaduras militares orientados pela Doutrina de Seguro
Nacional, que tinha como objetivo combater a “subversão” e barrar as revoltas sociais criadas no cone
Sul latino-americano, que ficou conhecido como operação Condor, era um tipo de aliança político-
militar entre os regimes militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, e Uruguai. Esse
regime foi vigente durante os anos 1970, até a redemocratização em meados dos anos 1980
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011).
Para melhor compreendermos esse movimento na história, observemos a seguir um
levantamento de todas as ditaduras militares que acorrerem no mundo:
Na República Dominicana, com Leónidas Trujillo (1931-1961); no Paraguai, com Alfredo
Stroessner (1954-1989); no Haiti (1957-1985), com François Duvalier (ou Papa Doc)
(1957p-1971) e sua guarda pessoal “Tontons Macoutes”, sucedido pelo filho Jean-Claude
Duvalier ( ou Baby Doc) (1971-1985); no Brasil (1964-1985), mediante a golpe militar contra
João Goulart, com Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), Artur da Costa Silva
(1967-1969), que promulgou o Ato Institucional nº 5 (A-I5) em 1968, seguido por uma Junta
Militar (1969), Emílio Médici (1969-1974), Ernesto Geisel(1974-1979) e João Figueiredo
(1979-1985); [...] (MONTAÑO E DURIGUETTO, 2011, p. 257).

Após esse percurso histórico nos atentaremos a partir de agora a atuação do movimento
estudantil durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). “Entre 1956 e 1964, o movimento
estudantil no Brasil, atingiu nível de atuação e de influência política acentuado, sobretudo no primeiro
quinquênio dos anos 60.” (MEDEIROS, 2014. p. 180).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) cresceu em um grau de representatividade e
programação, material, propostas e manifestações em seus congressos e se preocupava com uma
variação de problemas que eram principalmente relacionados com os povos oprimidos da Ásia, África
e América Latina. Também se preocupava com as atividades políticas-sociais e a luta por mais vagas
e mais verbas para a educação.
Com o movimento ganhando força, apoiou a posse de João Goulart, e em seguida a volta ao
presidencialismo. Um pouco mais tarde também apoiou as reformas de base, isso fez com que aos
poucos o movimento mostrasse a sua inquietude com as propostas reformistas.
No cenário de crise econômica que ganhava expansão na economia com Juscelino Kubitschek
os estudantes estavam presentes em âmbito nacional. A UNE não vivia apenas das passeatas ou dos
congressos; participava de comícios, mas envolvia-se na produção e difusão cultural. (MARTINS,
1980).
O movimento estudantil era cercado por disputas políticas, o que demonstra um pouco sobre
os sujeitos que atuavam na época.
Disputavam a hegemonia do movimento, e da UNE, por conseguinte, o PCB, PC do B (depois
de 1962), a Política Operária (POLOP), Organização Revolucionária Política Operária
(ORMPO), a Juventude Operária Católica (JUC) e, depois (1963) a Ação Popular (AP), que
se expressavam com propostas específicas. A dominância, no seio do Movimento Estudantil
- ME (doravante ME) era reformista. A chamada “esquerda festiva” ocupava muito espaço
de participação na UNE (MEDEIROS; CASTANHO, 2014, p. 81).

Em 13 de março de 1964, no caminho das “reformas de base”, a UNE usou seu poder de voz
e articulação para se pronunciar em defesa de alterações que pudessem tirar o país da estagnação.

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Em 31 de março de 1964, se instaurava o Golpe Militar no Brasil, com isso iniciava um


período de repressões políticas e perseguições para com a “esquerda”. Em um processo de
desarticulação do movimento, a UNE foi posta na clandestinidade e sua sede foi incendiada. Vale
lembrar que a UNE já sofria perseguições muito antes do período da ditadura militar. “Desde antes
do golpe, os grupos de direita já promoviam campanha contra a UNE. Em 1962, por exemplo, o Jornal
do Brasil publicara uma série de reportagens sob o título “UNE, Menina dos olhos do PC”, e em 1963
o IPES9 financiou o livro “UNE Instrumento de subversão” (MEDEIROS; CASTANHO, 2014.
p.181).
A UNE passou a atuar com muita dificuldade, pois se tornou o canal de lutas de diversas
camadas que eram contra o regime militar, e principalmente pelas opressões políticas e o momento
de crise das esquerdas. Ela passou a ser responsável por organizar algumas manifestações, já que
estava sendo o único canal de participação da esquerda, uma dessas manifestações foi a setembrada,
de 1966, na qual a UNE ficou a frente.
A classe média teve importante papel na implementação da ditadura militar, apoiando-a
objetivando o aumento intenso das vagas no ensino superior. Entretanto, num segundo período essas
expansões foram retiradas, isso impulsionou as mobilizações e fez surgir duas grandes reivindicações:
mais verbas e mais vagas. Além disso, ainda tinham as preocupações com o acordo “MEC- USAID”
que também impulsionou diversas greves.
Ainda nesse mesmo período, o Ato Institucional nº 5, AI-5/477, foi um momento marcado por
perseguições e desaparecimentos, o movimento estudantil tentava segurar suas entidades e essas
poucas entidades foram caindo nas mãos da direita – estudantes de direita que apoiavam a ditadura
militar. Apesar desse cenário, ainda havia resistência.
Esse ato de resistência contrariava as normas do sistema vigente, e fez com que ocorressem
eleições diretas para vários diretórios centrais dos estudantes (DCE´s), no ano de 1974. No ano
seguinte com grandes dificuldades conseguiram realizar o I Encontro Nacional de Estudantes (I ENE)
o que culminou criação do DCE Livres da USP (1975), que impulsionou outros DCE’s e Diretórios
acadêmicos – DAs, gerando sucessivas greves nas universidades por melhores condições e redução
das mensalidades.
Em 1977, ocorreu a greve da PUC/RIO, contra o aumento de anuidades (29 de março), surgiu
a passeata, em SP, por mais verbas e melhores condições de ensino (30 de março), ocorreram
novas passeatas, em SP, contra a prisão de estudantes e trabalhadores, greve geral dos
estudantes da UNB, em protesto contra punição de colegas que, em 31 de maio, participaram
do “Dia Nacional de Luta pela Anistia”; tentativa de realização do III ENE, em Belo
Horizonte, quando foram presos 800 estudantes (4 de junho), greve na UNB (16 de junho),
novas passeatas em São Paulo (15 de junho), greve na USP em solidariedade aos estudantes
expulsos da UNB (em 3 de agosto); passeatas em São Paulo, Porto Alegre, Campinas e
Salvador, em 23 de agosto, por liberdades democráticas, realização do III ENE,
clandestinamente, na PUC/SP, em 22 de setembro, quando foi criada a comissão pró-
reconstrução da UNE. (MEDEIROS; CASTANHO, 2014. p. 185).

O ano de 1978, foi marcado por grandes passeatas e homenagens à Edson Luis Viana Sauto
(assassinado em 28 de março de 1968), e a Alexandre Vanucchi Leme (assassinado pela polícia) que
reuniu grandes personalidades artísticas e simpatizantes, e também estava em pauta a realização do
IV ENE, que definiu a realização do XXXI Congresso da UNE, para o ano seguinte e o apoio eleitoral
aos candidatos populares do MDB.
Todos esses movimentos e manifestações fizeram com que a inquietação se reinstaurasse, já
que o movimento estudantil estava retomando à sua movimentação e articulação no processo de luta
pela universidade, tendo somada a participação dos professores. As pautas de reivindicações giravam
em torno não só do ajuste salarial, mas principalmente das questões dos currículos, das decisões
departamentais do conjunto das reflexões sobre o ato de ensinar, o papel da universidade e o destino
na ciência.
Em 29 e 30 de maio de 1979, a UNE foi reconstruída, apesar dos ataques para desarticular o
movimento estudantil, aconteceu o XXXI Congresso da UNE em Salvador, Bahia e contou com a

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participação de 2.304 delegados estudantis de todos as Estados do Brasil. A UNE era composta por
várias correntes e no XXXI congresso da UNE expuseram suas ideias e reivindicações.
A Liberdade e Luta (LIBELU) entendia que a UNE seria “junto às lutas do estudante, o nosso
maior instrumento de combate contra a ditadura militar”28 e propunha a aliança estudantil-
operária-camponesa para mudar o país. Já a tendência Viração (Caminhando) advogava que
a UNE encaminhasse “as lutas mais gerais, como a defesa da Amazônia, a anistia ampla,
geral e irrestrita e [...] lutar por um governo amplamente democrático, que convoque uma
assembleia nacional constituinte soberana e livremente eleita”. “Sangue Novo” defendia a
unificação do ME em torno de bandeiras gerais e que a UNE deveria atuar como reforço “na
luta pela liberdade do movimento do povo brasileiro”. A alternativa socialista para o ME era
proposta pelo movimento “Combate”, que via a UNE como reflexo do avanço das lutas dos
trabalhadores e da necessidade de uma unificação nacional das lutas estudantis.
(MEDEIROS; CASTANHO, 2014. p.186).

No XXXI Congresso da UNE foi aprovada uma carta de princípios que nos mostra na íntegra
as formas de atuação da UNE.
1) A UNE é uma entidade máxima e representativa dos estudantes brasileiros na defesa de
seus interesses e direitos; 2) A UNE é uma entidade livre e independente, subordinada
unicamente ao conjunto dos estudantes; 3) a UNE deve pugnar em defesa dos interesses e
direitos dos estudantes, sem qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo ou convicção
política, religiosa ou social; 4) a UNE deve prestar solidariedade à luta de todos os estudantes
e entidades estudantis do mundo; 5) a UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e
popular; 6) A UNE deve lutar pelo ensino voltado para os interesses da população brasileira,
de forma gratuita em todos os níveis; 7) A UNE deve lutar contra todas as formas de opressão
e exploração e prestar irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores do mundo inteiro.
(MEDEIROS; CASTANHO, 2014. p. 187).

Neste mesmo congresso foram tiradas as principais e imediatas lutas que giravam em torno
de um combate a privatização da educação, por mais investimento na educação pública, pela anistia
ampla, geral e irrestrita, pela filiação de entidade de base (diretórios e centros acadêmicos) à UNE,
por uma Assembleia Nacional Constituinte, soberana e livremente eleita; e pela defesa da Amazônia

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do exposto podemos perceber a atuação do movimento estudantil no Maio de 1968,


em âmbito internacional e no Brasil. Foi um período marcado por perseguições, avanços e retrocessos
na luta por uma universidade melhor, pública, gratuita e de qualidade, pela queda do regime militar e
por eleições diretas. Ressaltamos que nesse cenário os riscos que os estudantes sofriam eram de
repressões, mortes e mesmo assim eles continuavam na luta.
Já no período contemporâneo, o movimento estudantil tem a característica de atuar nas
contrarreformas na área educacional, que são operados pelos governos neoliberais pós década de
1990. O movimento estudantil passou por várias formas de repressões da autocracia burguesa no pós-
1968, que ocasionou o enfraquecimento dos processos de mobilizações dos estudantes. As ações
repressivas, que eram comuns nesse período, cujo ápice foi o AI-5, significava um descenso nas lutas
e manifestações dos estudantes. Também destacamos a Lei nº 477 como medida repressiva, pois esta
tinha como objetivo proibir os docentes, discentes e funcionários das instituições de ensino no país,
tornando as greves e mobilizações estudantis atos infracionais.
O ano de 1975 marcou o ressurgimento do movimento estudantil, o que gerou nas décadas
seguintes o seu crescimento em várias partes do país. Suas ações centrais desencadearam ocupações
de reitorias, passeatas e greves pelas lutas mais gerais, o que fazia o movimento estudantil se juntar
com outras organizações populares e sindicatos. Lutavam pelo retorno ao Estado democrático de
direito, como a defesa da anistia, a participação ativa na campanha pelas “Diretas já” e também por
uma assembleia Nacional Constituinte, nas mobilizações em defesa do impeachment do presidente
Collor (1992), movimento que ficou conhecido como os “caras pintadas.”

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Nesse ressurgimento do movimento estudantil, as lutas também estavam em torno de


melhorias e gratuidade do ensino, da liberdade de organizações estudantis, o aumento das verbas para
a educação, e mobilizações contra o ensino pago e o aumento abusivo das mensalidades nas
universidades privadas, com isso a UNE foi reorganizada em 1979. Essas pautas de luta ainda hoje
estão entre nós, pois vemos cada dia mais a precarização das universidades públicas, da educação
básica.
Dentro do movimento estudantil existem algumas fragmentações, ou seja, estudantes podem
compor outros movimentos sociais ligados a grupos específicos, que tem as suas próprias pautas de
lutas, bandeiras e formas de organização.
Embora saibamos que a UNE apresenta contradições, visto que nos anos 2000, num cenário
de manifestações contra a reforma do ensino superior, provocou dentro do movimento estudantil uma
grande ruptura, pois ela estava de acordo com essas políticas educacionais propostas pelo governo, e
os estudantes tinham a necessidade da construção de uma nova forma de organização, destacamos
seu caráter de resistência e organização social durante o período de ditadura militar no Brasil.
Mesmo com essas questões acontecendo dentro do movimento estudantil, conseguimos
enxergar sua importância enquanto entidade de resistência e organização social, assim como vem
afirmar Montaño e Duriguetto (2011) “O movimento estudantil tem uma perspectiva emancipatória,
comprometida com as lutas das classes subalternas e com uma formação profissional crítica” (p. 291).

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Raquel Dias. O movimento estudantil nos tempos da barbárie: a luta dos estudantes da UECE em defesa
da universidade pública. 2006, 286f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Cear, Faculdade de Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2006.
ARAÚJO, Medeiros de. Ruy Hermann; CASTANHO, Sérgio Eduardo Montes. Trajetória do movimento estudantil e
expectativas sociais dos estudantes brasileiros: 1960-1980. Revista HISTEDBR On-Line, v. 14, n. 55, p. 180-194,
2014.
CARDOSO, Lucileide Costa. Ecos de 1968: 40 anos depois. Revista Recôncavo, vol. 2, número 1, p. 5-12, 2008.

CODATO, Adriano Nervo. O golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas. 2004.
HOBSBAWN, Eric J., 1917 – Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
MARTINS, Carlos Estevam. “História do CPC” “Arte em Revista”, São Paulo: Kairós Livraria, n. 3, p. 77-87, mar.
1980.
MEDEIROS, Ruy H. D. A.; CASTANHO, Sérgio E. M. Trajetória do movimento estudantil e expectativas sociais
dos estudantes brasileiros: 1960-1980. Revista HISTEDBR On-Line, v. 14, n. 55, p. 180-194, 2014.
MONTANO, Carlos, DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimentos sociais. São Paulo: Cortez, 2011.
POERNER, Arthur José. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. Rio de Janeiro.
Booklink, 2004.

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A QUESTÃO RACIAL SOB O PRISMA


DE FLORESTAN FERNANDES
Marcos Andrade Alves dos Santos
Jarles Lopes de Medeiros
Antoniele Silvana de Melo Souza

INTRODUÇÃO

O atual contexto político brasileiro suscita discussões importantíssimas sobre as formas de


mobilização que os movimentos sociais precisam desenvolver para enfrentar violência das classes
hegemônicas – ao assumirem a hegemonia política, as elites procuram por todas as formas sufocar os
protestos das massas e obstruir sua cidadania. Os conflitos se acirraram, as tensões se elevaram e às
populações ameaçadas se impõe pensar em como podem construir alianças que lhes permitam
prosperar em meio à precariedade induzida pelo Estado Brasileiro.
A crítica dos movimentos sociais contra os ataques encontra condições de possibilidade em
muitas instâncias de produção social. A rua, a universidade, a política, o cinema, as mídias sociais se
tornaram espaços de disputa e de produção de resistências pelos grupos. Em contrapartida, estes
espaços estão sendo cada vez mais campos de imposição e disseminação dos ideais das elites, como
evidenciamos nos processos que tiverem como desfechos o impeatcheman de Dilma Roussef e a
eleição de Jair Bolsonaro. Recentemente, o documentário Democracia em Vertigem têm possibilitado
no âmbito do cinema uma crítica ao contexto de golpe político brasileiro e suscitado debates sobre a
democracia no Brasil entre o público em diversos espaços.
Neste cenário, a questão racial merece destaque por sua pertinência nas configurações da
sociedade brasileira do período colonial até os dias atuais. De partida, cumpre afirmar que para os
negros a sociedade brasileira jamais se consolidou como ambiente favorável. Esta parte – mais
numerosa – da população brasileira desde o princípio esteve exposta a precariedade e ao dano, tendo
a sua humanidade negada e a vida ameaçada em diferentes esferas da vida social. Não a toa essa
população constituiu movimentos sociais que enfrentam as problemáticas que passam a atingir de
modo mais visível agora a outras populações, isto quer dizer que a luta política pelo direito de viver
nunca esteve ausente da experiência social dos negros.
Sob muitas perspectivas a questão racial foi posta no plano de análise e algumas contribuições
puderam ser destacadas por Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda, sendo amplamente
debatidas e criticadas nas décadas posteriores. Uma destas contribuições corresponde à ideia de
democracia racial, que fora objeto de intensa crítica por Florestan Fernandes (2017) e Cunha Junior
(2013) , entre outros autores que deram estaque mais realístico a experiência dos negros e de outras
parcelas da população não alcançadas pelos privilégios das classes hegemônicas (BASTIDE E
FERNANDES, 1955; BICUDO, 1995; FRANCO, 1997).
Nossa sociedade se constituiu a partir de diferenças raciais, quero dizer, a partir de violentos
conflitos raciais (que são constitutivos aos conflitos de classe) que estão presentes desde o período da
colonização. As diversas violências sofridas pelos negros em nossa sociedade, que se manifestam na
interdição de suas humanidades e na obstrução de suas cidadanias, revelam que vivemos num quadro
de racismo e de democracia insuficiente, embora ainda se diga de modo falacioso que temos uma
democracia racial ou “certa harmonia entre as raças” (FREIRE, 2005).
Neste ensaio, pretendemos seguir as orientações metodológicas de Florestan Fernandes (2017)
no que se refere a pensar a questão racial de modo interseccional, para problematizar a relevância do
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debate racial no contexto político brasileiro. Neste esforço, tentaremos discutir como esse debate pode
influenciar nosso olhar acerca do que compreendemos como democracia.

A QUESTÃO RACIAL EM FLORESTAN FERNANDES A PARTIR DO LIVRO O


SIGNIFICADO DO PROTESTO NEGRO

O livro O significado do Protesto Negro (2017), relançado pela Expressão Popular e Fundação
Perseu Abramo como forma de contribuir para os debates no atual contexto de crise democrática no
Brasil, possui uma particular relevância na divulgação das proposições de Florestan Fernandes sobre
o preconceito racial e as formas de mobilização contra este. O escrito trata de uma compilação de
textos que foram escritos pelo autor em circunstâncias diversas abordando os limites e as
possibilidades da reflexão sobre a questão racial no Brasil.
De certo modo, o livro tenciona questões que são elementares para a compreensão das
contranarrativas produzidas pelo movimento social negro como forma de questionar nossa sociedade
racista. Essas narrativas, que se constituíram a partir do momento que os intelectuais negros tiveram
condições objetivas de lançar publicamente seu protesto na década de 30, evidenciavam a injustiça
que marcava a condição do negro no Brasil (FERNADES, 2017). Marcada pelo racismo estrutural,
que exerce influência em todos os níveis nas interações sociais, nossa sociedade hierarquizada elabora
formas de opressão e eliminação contra os negros.
Como exemplo, basta pensar em como atuam as políticas de divisão do trabalho, quando os
negros não tem acesso às mesmas posições de trabalho que os brancos ou quando ocupa posição
semelhante, sua força de trabalho é paga abaixo do valor real. Da mesma forma, quando a polícia
aborda seletivamente pessoas negras, agindo com violência e causando dano, então se evidencia que
as instituições sociais possuem uma orientação racista e atuam de modo a legitimar a violência contra
pessoas negras. Neste caso, o próprio Estado comete violências contra as populações negras.
Entretanto, essa mesma sociedade lança mãos de artifícios para encobrir suas violências. Esse
é o papel que Fernandes (2017) atribui ao mito da democracia racial que emerge das obras de Freire
(2005) e Holanda (1995). A chamada democracia racial – enquanto mito incorporado às explicações
das elites para os conflitos raciais – serve ainda hoje para manobrar a percepção das massas e mesmo
dos esclarecidos ou dos afetados negativamente pelas injustiças raciais. Assim gera-se a falsa
percepção de uma harmonia entre as raças, quando os fatos que compõe a realidade sustentam que
vivemos numa sociedade violenta e segregadora contra as pessoas negras.
O procedimento metodológico que Fernandes (2017) articula para trabalhar a questão negra
consiste em opor os fatos ao mito. O autor está convencido que os fatos recuperados no âmbito da
convivência social são reveladores dos conflitos raciais e da desigualdade que acompanha a
experiência negra no Brasil desde os tempos da Colonização. Isso significa que o olhar fornecido por
Freire (2005) precisa ser reavaliado sob um ponto de vista crítico, pois diz o autor:
Teria sido mesmo “um crime escravizar o negro e leva-lo à America?”, pergunta Oliviera
Martins. Para alguns publicistas foi erro e enorme. Mas nenhum nos disse até hoje que outro
método de suprir as necessidades do trabalho poderia ter adotado o colonizador português no
Brasil (FREIRE, 2005, p. 323).

Discursos como este cumprem o papel de legitimar o processo cruel e devastador de


expropriação dos negros de suas terras e de suas culturas, como o que se deu em virtude da
Colonização. Entretanto, é preciso ter em mente que a Colonização se fez ao custo da desumanização
das populações negras, a sua utilização como escrava, a violação de suas vidas e que essa realização
não deixa de produzir efeitos no modo como nos relacionamos socialmente no Brasil. O investimento
de Gilberto Freire (2005) e de outros que tentaram mascarar a violência colonizadora sob o mito da
democracia racial, desconsidera o percurso forçado da imigração dos negros assim como “serviu
como ideologia para evitara as consequências dos protestos dos movimentos negros” (CUNHA
JUNIOR, 2013, p. 84).

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Se a questão racial possui potencial revolucionário, como destaca Fernandes (2017) é por
causa de sua capacidade de promover efetivamente uma revolução social a partir da
interseccionalidade. A diferença racial, portanto, no pensamento do autor é analisada como aquela
capaz de fortalecer o debate sobre a transformação social, precisamente por sua capacidade de
associar-se estrategicamente a outras diferenças e promover o intercruzamento de problemáticas. O
autor está convencido que a direção mais potencializadora de uma revolução social está contida no
intercruzamento das problemáticas raciais com as problemáticas de classe. A elas poderiam ser
estrategicamente articuladas as questões de gênero, a sexualidade.
Nesta perspectiva, cabe ressaltar que Florestan Fernandes promove uma direção perturbadora
para os estudos das questões raciais e ao enfrentamento político da violência racial. Perturbadora no
sentido de sua abrangência e de sua proposta política. Fernandes (2017) une à análise da raça aos
conflitos de classe, afirmando uma diferença em relação a outras abordagens marxistas, qual seja a
de que a raça não pode ser tratada apenas como problemática de classe, mas a partir dos
entrecruzamentos entre raça e classe.
Essa configuração de intercruzamento de problemáticas alude considerar que o enfrentamento
do racismo implica no enfrentamento da desigualdade social e econômica que marca nossa sociedade.
É precisamente sobre esse ponto de vista que este enfrentamento representa a potência transformadora
das estruturas sociais no Brasil, tanto do ponto de vista subjetivo quanto do objetivo num sentido
boudieusiano.
Assim em O significado do Protesto Negro é possível observar um Florestan Fernandes que
atua em duas frentes objetivas. Em primeiro lugar, a da reflexão teórica, a qual se torna um campo de
análise sobre a realidade social a partir de trajetórias localizadas. Em segundo lugar, a da militância
política. As reflexões de Florestan (2017, 2012) – sobretudo sobre a temática racial – não podem ser
desvinculadas de suas provocações acerca da militância ou de uma ação social transformadora. Seus
escritos insistem nessa necessidade de mobilização dos movimentos sociais em busca da construção
de estratégias políticas de rupturas com o hegemônico, o estabelecido, aquilo que as elites prescrevem
como ordem.
Essas questões, de certo modo, podem ser pensadas a partir das proposições de Butler (2018)
sobre a resistência e as novas formas de mobilização dos movimentos sociais frente à escalada de
Estados militarizados e nacionalistas. Encontramo-nos num instante histórico no qual as democracias
ao redor do mundo se encontram ameaçadas, de retomada do tradicionalismo, do revestimento de
preconceitos, de renovação das dominações. Nestas condições, as mobilizações dos movimentos
sociais configuram-se em enfrentamentos imprescindíveis diante das ameaças e retrocessos.
Sem dúvidas que tanto Butler (2018) quanto Fernandes (2017), considerando as respectivas
distinções, realizaram reflexões sobre a democracia e sobre como é possível construir uma
democracia onde as diferenças sejam respeitadas, protegidas contra o assédio e a violência
(principalmente quando o Estado comete violências1), tendo seu direito de aparecer assegurado. E
indo além, poderia dizer que os dois estão interessados em discutir como é possível estabelecer
alianças entre as diferenças sociais, de modo a superar a violência e a precariedade que marca
determinadas parcelas da população.
Fernandes (2012) ao tomar a realidade brasileira como objeto de análise constrói perspectivas
que se revelam pertinentes nas reflexões mais contemporâneas sobre o panorama político brasileiro.
Ainda hoje as elites defendem um projeto de democracia racial para esconder a manutenção de
privilégios. Esse mito mascara a crueldade da realidade social para negros e negras que se veem
expostos a abjeção e ao apagamento. No período de instabilidade democrática, a violência contra os

1
Ganhou repercussão na mídia e nas pautas dos movimentos negros o caso do músico negro que fora assassinado com
80 tiros no mês de abril de 2019, em razão do fuzilamento do carro em que estava com a família, pelo exército brasileiro.
O atual presidente da república, Jair Bolsonaro, foi a público afirmar que não houve seletividade na ação e que se tratava
de um incidente, eximindo o exército de sua responsabilidade sobre o caso. Exemplos como este demonstram como o
Estado legitima a violência contra populações negras e silencia diante de ações de extermínio cometidas por suas
instituições, não tratando com o devido senso de responsabilidade a perca das vidas negras. Quando o Estado, portanto,
induz a precariedade contra determinadas vidas, então ele se torna criminoso na acepção a compreensão de Butler (2018).
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negros e a desigualdade social assume níveis alarmantes, como evidencia os dados do Atlas da
Violência no Brasil (2019). E isso porque as formas mais silenciosas e disfarçadas de violação contra
a população negra nem sempre são referidas ou são tratadas como incidentes.
Deste modo, a reflexão sobre a problemática racial se torna uma chave que ilumina caminhos
sobre a democracia brasileira, seus limites, sua abrangência e as necessidades de transformação
inerentes a ela para que os negros e negras e a diferença social possam existir. Nada poderia ser mais
adequado que relançar uma obra que amplia os debates e leva a pensar como a mobilização dos negros
e outros atores sociais em prol de uma sociedade mais equitativa deve ser construída – se este for um
dos propósitos de O Significado do Protesto Negro.

CONSIDERAÇÕES

Se a liberdade não é dada, senão conquistada, como propõe Fernandes (2017), então a
democracia resulta dos intensos processos de lutas que conduzem a transformações sociais. As lutas
em prol da democracia historicamente perpassam as pautas dos movimentos sociais (GOHN, 2011).
E não poderia ser diferente, pois a democracia quando pensada do ponto de vista da participação
viceja condições de florescimento de debates sobre os lugares dos grupos subalternizados.
Na Brasil, como no contexto mais amplo da América Latina, nos encontramos em um período
de esgotamento do Estado e de crise na legitimidade de suas instituições. Isso nos leva as condições
que produzem um Estado de exceção, expondo cada vez mais determinadas populações ao dano e a
violência. Como aponta Zavaleta (2015) o esgotamento institucional pode conduzir a regimes que
eliminem a democracia, por isso o autor ocupa-se em complexificar a noção de democracia,
procurando responder como é possível uma elevação da hegemonia da sociedade civil sobre o Estado.
Este procedimento necessário pode revelar novos caminhos para uma politização da sociedade,
criando assim as condições objetivas para a criação de um partido histórico que transforme a
dimensão do Estado. Por outro lado, se reconhece que movimentos negros têm insistido na destruição
do Estado por causa de sua insuficiência para trabalharem suas questões.
As reflexões de Florestan Fernandes (2017) acerca do negro na sociedade brasileira recolocam
a “democracia racial” como uma transformação simultânea das relações raciais e de classe. Essa
transformação não pode acontecer sem a participação efetiva do negro nos processos que induzem a
uma revolução. Classe e raça devem se entremear-se, relacionar-se num esforço pela descolonização,
pela democratização da sociedade, pois as opressões não acontecem de modo separado, mas de modo
conjunto, potencializado pelos marcadores sociais da diferença que se materializam nos corpos.
O negro tem papel central numa revolução que se irradia de baixo para cima, que possui como
perspectiva a destruição de estruturas históricas que mantém privilégios e autoriza violências
(FERNANDES, 2017). Neste contexto, portanto, o negro é o agente histórico de maior potencial na
proposição de estratégias que conduzam a uma verdadeira revolução social.
Nestas condições, discutir com Florestan Fernandes as questões raciais na atual sociedade
brasileira, torna possível olhar para um lugar social identificado com a potência. Certamente que é
preciso refletir como esse lugar social se liga a outros e quais articulações podem ser feitas para o
enfrentamento à violência e precariedade, quando a democracia ameaça declinar sob o mando das
elites.

REFERÊNCIAS

Atlas da violência 2019. / Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos na cidade de São Paulo:
Editora Anhembi Limitada, 1955.

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BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes dos alunos dos grupos escolares com a côr dos seus colegas. In: BASTIDE,
Roger; FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos na cidade de São Paulo: Editora Anhembi
Limitada, 1955.
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia.
Tradução Fernanda Siqueira Miguens; Revisão Técnica Carla Rodrigues – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2018.
CUNHA JUNIOR, H, Crítica ao pensamento das senzalas e casa grande. Revista espaço acadêmico – Número 150 –
novembro de 2013.
FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São Paulo: Expressão Popular / Fundação Perseu Abramo,
2017.
___________________. O que é Revolução? In: Clássicos sobre a revolução brasileira. Caio Prado Jr. E Florestan
Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
FRANCO, Maria Silva de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Unesp, 1997.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global Editora, 2005.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. 9. ed. São Paulo:
Loyola, 2011.
HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.
ZAVALETA Mercado, René. La autodeterminación de las masas / René Zavaleta ; antología y presentación, Luis
Tapia. — México, D. F. : Siglo XXI Editores ; Buenos Aires : CLACSO, 2015. 392

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