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EDUCAÇÃO EM DEBATE
POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E
INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS
Capa/Diagramação
Magno Nicolau
Ilustração da capa
Ragale Sanzio, 1509-1511
Revisão
Dos respectivos autores
ISBN 978-85-463-0504-9
CDU 37
__________________________________________________________________________________
EDITORA
www.ideiaeditora.com.br
SOBRE OS AUTORES 7
PREFÁCIO 15
Dr. Cícero Edinaldo dos Santos
PARTE I
EXPERIÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E DE GESTÃO ESCOLAR
DE PERTO SE VER O LONGE: NOTAS SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL 17
Isabelle de Luna Alencar Noronha
Kaégila Maria Vieira da Silva
Ilyara Monteiro Leite
PARTE II
CAMINHOS DA PESQUISA E TRABALHO EM EDUCAÇÃO
PARTE III
PERCURSOS, MEMÓRIAS E ORALIDADES EDUCACIONAIS
SOBRE OS AUTORES
PREFÁCIO
A palavra educação tem origem em dois termos latinos: educare (nutrir) e educere (conduzir
para fora). Abrange interfaces complexas entre distintas gerações, bem como a vontade de
uniformidade ou diversidade dos modos de existência. É ressignificada ao longo do tempo, com
especificidades espaciais, a partir de práticas pedagógicas cotidianas e pesquisas acadêmicas sobre
suas variadas configurações.
Atualmente, os professores-pesquisadores são convidados a debaterem sobre a educação
nacional, no passado e no presente, apontando alternativas para o futuro que se anuncia. No entanto,
imersos em disputas em torno do papel da educação, são atravessados por pessimismos e incertezas
sobre a eficácia de seus ideais. Dia após dia, pontes inovadoras são demolidas ou restringidas na
formação docente. Alargam-se os fossos e fissuras entre o que se diz e o que se faz nas políticas
públicas. Propostas salvacionistas são providenciadas com bases ideológicas conservadoras e
preconceituosas. Tudo que se refere à educação está numa vertigem sem precedentes.
Nessa tensa conjuntura histórica, o livro Educação em Debate: Política, Formação Docente
e Inovações Pedagógicas tem o propósito de despertar reflexões sobre os saberes e fazeres que
atravessam a educação brasileira, destacando os seus dilemas e potencialidades. É composto por 25
artigos, escritos por professores-pesquisadores de distintos campos do conhecimento, com múltiplas
experiências profissionais ou ainda em formação. Apesar das singularidades de cada artigo
apresentado, nota-se que o conjunto deles trazem em si temas oportunos e críticas construtivas.
O livro abrange um vasto prisma de temáticas, tais como: pensadores da educação, gestão
escolar e universitária; conteúdos disciplinares e suas problematizações; memórias e experiências
pedagógicas, trabalho e produção de conhecimentos históricos; recursos didático-pedagógicos e
instrumentais de pesquisa; Arte, sexualidade, gênero e diversidade étnico-racial. Trata de temas
polêmicos e revisões epistemológicas, com múltiplas abordagens e metodologias, além de estar
atravessado por aportes interdisciplinares, a fim de aprofundar o foco investigativo.
Parece-me que, em tempos obscuros, carecemos – urgentemente – (re)inventar as nossas
formas de ver e entender a educação. Nutrindo e externalizando proposições, o livro Educação em
Debate: Política, Formação Docente e Inovações Pedagógicas se torna um referencial de leitura
contemporânea, inserindo novos lampejos de esperança naqueles que ainda acreditam na
potencialidade transformadora da educação. É uma forma de resistência criativa. É um convite à
reflexão.
EXPERIÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS
E DE GESTÃO ESCOLAR
INTRODUÇÃO
Como disciplina das séries iniciais do Ensino Fundamental, a História está presente, com
diferentes concepções, desde o início do processo de escolarização formal na História da Educação
no Brasil. No Decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 1827, encontramos que caberia à história
o dever de ensinar a ler, a escrever e a contar, utilizando, para tanto, a Constituição do Império e
História do Brasil, bem como os textos bíblicos (BITTENCOURT, 2004; BRASIL, 1997b).
No Decreto supracitado percebemos que a História carrega uma perspectiva interdisciplinar
que a articula com a Língua Portuguesa e a Matemática, embora não tenhamos conhecimento como
isso aconteceu na prática, ou como acontece hoje em dia, senão em experiências pontuais. Tal
afirmação advém do fato de que a nossa experiência como docentes e pesquisadores evidencia que o
Ensino de História tem ocorrido, na maioria das vezes, independentemente de outras disciplinas na
instituição escolar. Outra evidência que queremos chamar a atenção é que esse ensino carrega traços
do passado que o constituiu como um ensino mnemônico1, desprovido de críticas. Isso porque a
disciplina se estruturou com o objetivo de formar no país uma identidade nacional, e, dentro desses
parâmetros, bastaria conhecer os fatos e os sujeitos em seus respectivos tempos históricos. Assim, de
acordo com a concepção positivista, necessitaria desenvolver apenas a habilidade de decorar e
reproduzir com fidelidade as informações nas avaliações escolares.
Na década de 1930, por exemplo, o Ensino de História foi utilizado para ajudar a desenvolver
no país um sentimento patriótico. Assim, uma galeria de heróis e seus feitos extraordinários ganharam
as páginas dos livros didáticos e o dia a dia dos fazeres escolares com as festas cívicas, dando a essa
disciplina um caráter privilegiado à política de então. Um detalhe interessante é que essa história,
tentando construir sentimentos patriotas, era vista e concebida a partir de fora. Dessa forma é que o
“eurocentrismo” fora aplicado de maneira tão marcante que a História do Brasil se tornava apenas
um apêndice da História Universal. Fato que, segundo Fonseca (1993, p. 51), foi se modificando “[...]
à medida em que o país ‘deixa de ser ‘bárbaro’, ‘atrasado’ e começava a se organizar ‘à imagem da
Europa”. A história do Brasil, assim, passa a ser parte mais presente no currículo.
No plano da educação elementar uma prática que iniciou com os renovadores na década de
1930 foi juntar as disciplinas de História e Geografia, criando os Estudos Sociais, os quais teriam,
praticamente, os mesmos objetivos de ambas as disciplinas citadas, mas, de forma sucinta. Essa
junção, que inicialmente recebeu adesão não obrigatória de escolas e educadores, veio a se consolidar
com a Lei 5.692/1971, durante o governo compreendido como Regime Militar, que também tinha por
objetivo difundir o “amor à pátria” e desprover o ensino de seu conteúdo crítico.
1
Muito difundido no ensino de história, o método mnemônico foi proposto pelo historiador francês Ernest Lavisse, na
prática “significava saber de cor uma maior quantidade possível de história nacional” (BITTENCOURT, 2004, p. 69)
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 18
Em movimento contrário, a luta por um ensino mais crítico ligado à história social, cultural e
do cotidiano, começa a ganhar forma com as críticas da primeira geração da Escola dos Annales
(1929), contestando o positivismo, e, com as lutas de profissionais ligados, especialmente, à
Associação Nacional de História (ANPUH) e à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), que
culminaram redefinindo propostas curriculares a partir da redemocratização do Brasil nos anos de
1980.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996) e a introdução
dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997a), a História e a Geografia retomam
os seus lugares como disciplinas autônomas e com novas concepções de ensino e metodologias. Nesse
contexto, outros desafios surgem para o ensino de História, classificados por Fermiano e Santos
(2014) como: conceber o aluno como sujeito histórico; partir da realidade do aluno e ajuda-lo na
formação do pensamento crítico; educar para a construção da cidadania e da solidariedade; e, também,
trabalhar com os temas transversais.
Nos PCNs de História para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998) o eixo curricular do
primeiro ciclo é a história local e do cotidiano, e, no segundo ciclo, a história das organizações
populacionais. Percebemos um avanço no que tange ao ensino da História do Brasil e a introdução da
história local.
Nossa questão, então, para este artigo, toma forma, e perguntamos: situados em um país tão
grande e diverso, considerando que a história nacional passou por tantos entraves para ser ensinada,
tais como o “eurocentrismo”, o “encurtamento do seu tempo” com a introdução dos Estudos Sociais,
dentre outros, como fica o ensino da história local?
Gostaríamos de saber o que mudou no ensino de História a partir da localidade em que nos
concentramos, o Cariri cearense, e, também, como a história local tem sido abordada nas escolas de
Ensino Fundamental das séries iniciais.
Este artigo é o recorte de uma pesquisa que estamos desenvolvendo, na qual analisamos livros
didáticos de história, adotados em escolas públicas para o Ensino Fundamental, séries iniciais. Nossa
busca é encontrar as formas de como a história local adentra as salas de aulas, se pelos livros didáticos,
ou pelo uso de outros recursos ou se simplesmente ela não entra. Entendemos que o livro didático
ainda se configura como o recurso pedagógico mais utilizado pelo docente para as aulas de História.
No entanto, como o mesmo aborda ou incentiva o professor e o aluno ao conhecimento de suas
localidades? Esta é a pergunta que nos guia.
Situando o que aludimos no título, o lugar de onde falamos é a região do Cariri cearense, assim
conhecida em virtude dos índios Kairis/Kariús que aqui habitavam A região é divulgada nos meios
de comunicação midiática como um “caldeirão cultural”, isso porque ainda temos presente, e bem
preservadas, a influência das culturas indígenas, africanas e portuguesas no nosso modo de ser, de
fazer e de conviver. É possível dizer, também, que o ambiente natural, mesmo com o crescimento
econômico-social, do qual a região tem sido alvo, ainda continua preservado, tendo a Chapada do
Araripe como representação do cenário. Assim, em meio ao semiárido, o Cariri cearense é o lugar do
verde, das fontes de águas naturais e do “Soldadinho do Araripe”, ave nativa descoberta em 1996, e
descrita em 1998 com o nome científico de Antilophia bokermanni.
O Cariri cearense se destaca no âmbito religioso com a figura enigmática do Padre Cícero
Romão Batista, que foi prefeito da cidade que ajudou a fundar, considerado como benfeitor da
pobreza, por orientar as famílias a vencer pelo trabalho e pela oração. Para tanto, o religioso
enfatizava que era preciso criar “[...] em cada sala um altar, e, em cada quintal uma oficina”. É
considerado santo popular, atraindo, desde o suposto milagre da hóstia que virou sangue na boca da
beata Maria de Araújo, milhares de romeiros durante todo o ano à cidade de Juazeiro do Norte.
No campo religioso, há que se colocar, ainda, as tradições populares, como as muitas festas
de padroeiros que acontecem em todas as cidades e vilarejos locais, dentre estas as comemorações
alusivas ao santo casamenteiro, Santo Antônio de Pádua, com o seu dia do Pau da Bandeira. A festa
foi tombada como patrimônio cultural do Brasil (09/2015) pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) em 2015.
A festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio reúne muitos e diversos grupos folclóricos, tais
como: reisados; bandas cabaçais; quadrilhas, capoeiras; dança de fitas; Mateu, Catirina e bumbas meu
boi; grupos de maneiro pau; a tradicional cachaça do seu vigário e o cortejo com os carregadores do
pau.
Para os grupos citados é uma importante oportunidade de se mostrarem, de expor os seus
rituais profanos e/ou sagrados aos olhos de uma multidão de curiosos que observam, curtem, dançam
e cantam. Ao educador, no entanto, é importante lembrar que tais grupos são constituídos por famílias,
cidadãos/cidadãs comuns que trabalham, estudam e, à noite (em horas vagas), conseguem, nos
terreiros, brincar, socializar saberes e fazeres, manter viva a memória de um passado que não viveram,
mas, que aprenderam a respeitar pela história e pelas tradições.
Assim, considerando o livro didático um artefato cultural e genérico, como é possível
encontrar essas histórias em suas páginas? Mesmo sem encontra-las, estará o professor preparado
para identificar, em sua sala de aula, quem participa de grupos folclóricos? Ou, propor rodas de
conversas entre alunos e integrantes dos grupos? Estudar a cultura e histórias locais?
A capoeira, por exemplo, segundo Lacerda et. al. (2015), está presente em todos os cantos do
Brasil e em mais de 150 países. Tem reconhecida relevância histórica, cultural e educacional, sendo
tombada como patrimônio histórico imaterial pelo IPHAN. A capoeira é pouco encontrada nas
páginas dos livros didáticos, e, quando aparece, é tratada de forma superficial. Porém, é preciso
reconhecer que, se o aluno a pratica, ou a conhece, se faz ela parte do seu convívio, vai ficar mais
fácil partir dela para entender o processo de colonização das Américas, dentre outros conteúdos
históricos. Além do que, tal atitude docente contribui para a autoestima e o fortalecimento dos grupos.
Além disso, a Lei Federal 10.639/2003, sancionada pelo então presidente Lula, determina a
inclusão do estudo da “História e Cultura Afro-Brasileira” nas redes de ensino brasileiras. As
manifestações afro-brasileiras, marginalizadas ou silenciadas na cultura escolar, tornaram-se
parte integrante dos currículos escolares. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), por sua vez, determina que este conteúdo seja trabalhado nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio, sobretudo nas áreas de Educação Artística, Literatura e História
Brasileiras (LACERDA et. al., 2015, p. 78-79).
Este é apenas um exemplo de como a história local pode se imbricar aos conteúdos
curriculares do livro didático e ajudar na formação da cidadania para a construção de um mundo mais
igualitário.
A julgar pela quantidade de grupos folclóricos anteriormente citados, é possível perceber o
quanto a região do Cariri cearense é rica no sentido de oferecer subsídios para o ensino da histórica
local e do cotidiano, e que, agindo assim, o docente estará, também, cumprindo o que pede a Base
Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) que coloca como uma das habilidades a serem
desenvolvidas no ensino fundamental:
Identificar e comparar pontos de vista em relação a eventos significativos do local em que
vive, aspectos relacionados a condições sociais e à presença de diferentes grupos sociais e
culturais, com especial destaque para as culturas africanas, indígenas e de migrantes
(BRASIL, 2018, p.361).
valores ecológicos, paisagísticos, históricos e culturais” (NUVENS, 2008, p. 16). A região do Cariri
abriga a Floresta Nacional do Araripe (FLONA), a primeira do Brasil, criada por decreto em 1945
(ALENCAR, 2008), e dela advém a riqueza ambiental da região, com sua fauna e flora, e uma grande
quantidade de fontes de águas naturais. É importante salientar que o envolvimento da História com a
educação ambiental deve promover o desenvolvimento de ações, conhecimentos, atitudes e
habilidades que possam fazer refletir e aprimorar uma relação de boa qualidade entre o homem e a
preservação ambiental.
A FLONA, em suas matas, esconde pinturas rupestres e formações rochosas, das quais
emanam contos, mitos e lendas que exprimem as concepções de mundos compartilhadas ao longo
dos tempos pela oralidade.
A Fundação Casa Grande (FCG), situada na cidade de Nova Olinda, abriga o Memorial do
Homem Kariri, e, junto com os estudos arqueológicos que realiza, salvaguarda e socializa o
patrimônio material e imaterial, tal como as lendas, os mitos e os contos da região do Cariri cearense.
Importante salientar o protagonismo infantil e juvenil da supracitada Fundação, posto que em
seu interior as crianças e jovens da comunidade local é que cuidam, organizam e recebem os visitantes
dos museus, atuando como guias e administradores. Para tanto, dispõem, além do museu, de uma
rádio comunitária, teatro, biblioteca, DVDteca, editora, espaço para recreação, laboratório para as
pesquisas paleontológicas, tudo dialogando com o espaço em que a FCG está incluída.
O Memorial do Homem Kariri é um dos principais museus da região do Cariri cearense, de
reconhecimento internacional, e, ainda, um dos únicos lugares em que se é possível conhecer um
pouco da história dos índios kariris.
Engendrada no cenário turístico do Cariri cearense, que engloba história, religiosidade, festas
populares, poetas populares, riquezas ecológicas, paleontológicas e arqueológicas, parques
temáticos, dentre outros valores materiais e imateriais, percebemos que, observando os
projetos desenvolvidos, os arquivos de textos e documentários feitos, a experiência
educacional da FCG trabalha substancialmente com a cultura local sem abdicar dos
conhecimentos globais. (ALENCAR, 2008, p.135).
Voltamos ao tema deste artigo, “de perto se ver o longe”: é assim que os meninos e meninas
da FCG ganham o mundo, trocando experiências com pessoas de lugares longínquos sem abdicarem
de suas identidades.
Trazemos, então, os museus, lugares onde a educação patrimonial está presente. Neles é
possível um contato maior com o passado em suas cores, formas e objetos. Outro museu de relevante
importância na região é o Museu de Paleontologia, situado na cidade de Santana do Cariri, lá
acontecem estudos paleontológicos. O referido museu reúne mais de sete mil peças de fósseis dos
períodos geológicos, como o jurássico e o cretáceo, com cerca 100 e 145 milhões de anos. Também
possuem como guias os jovens da comunidade local, os quais recebem uma bolsa como incentivo e
participam das atividades promovidas pelo museu. São jovens que encontram, nesse contexto,
oportunidades de crescimento intelectual. No Museu de Paleontologia se pode observar réplicas de
seres vivos que habitaram o nosso planeta antes da existência do homem.
Há, ainda, na cidade de Assaré, o Memorial de Patativa do Assaré, em homenagem ao poeta
popular Antônio Gonçalves da Silva, cuja obra tem grande destaque na cultura cearense. Como
exemplo, citamos, dentre outras, a poesia Triste Partida, que, musicalizada e eternizada na voz do
cantor e compositor Luiz Gonzaga, ganhou o mundo narrando a saga de uma família nordestina
fugindo da seca para as terras do sul. Citamos, também, na vizinha região do Cariri pernambucano,
cidade de Exú, o Museu do Gonzagão, que guarda e socializa a obra de Luiz Gonzaga, O Rei do
Baião. Poetas importantes que, cantando as suas terras, ganharam o mundo e promoveram o
desenvolvimento local.
É preciso salientar que a realização da prática educativa em museus deve ser pensada e
organizada pelo professor de História, ou, de forma interdisciplinar, por um conjunto de professores.
O roteiro de observação e a definição de objetivos que se quer alcançar são fundamentais. Assim, é
que:
Conhecer o passado de modo crítico significa, antes de tudo, viver o tempo presente como
mudança, como algo que não era, que está sendo e que pode ser diferente. Mostrando relações
historicamente fundamentadas entre objetos atuais e de outros tempos, o museu ganha
substância educativa, pois são construídas relações entre o que passou, o que está passando
e o que pode passar (RAMOS, 2004, p. 7)
Para finalizar, identificamos, neste texto, muitos elementos da história do Cariri cearense que
poderiam/deveriam ser abordados em aulas de História, mesmo sem os livros didáticos trazerem tais
conteúdos, isso porque os mesmos não são produzidos para um único lugar. O que os livros didáticos
trazem, por vezes, são indicações de como o professor deve agir para trabalhar com o local.
Assim, para este artigo, apresentamos algumas formas de exploração da história da região do
Cariri cearense. Ressaltamos que, dentre os objetivos do ensino de História para o Ensino
Fundamental, séries iniciais, está a construção da identidade do sujeito, o “eu”, o reconhecimento do
“outro” e a coletividade do “nós”, a partir do contexto social local. Isso traz a história local para centro
dos objetivos a serem atingidos no ensino: o desenvolvimento da noção de cidadania; o conhecimento
e a vivência de valores humanos; o reconhecimento e o respeito à diversidade; e a efetivação dos
cinco processos propostos pela BNCC (identificação, comparação, contextualização, interpretação e
análise). Nesse âmbito, a construção da identificação com o lugar em que se vive para, a partir desse
lugar, ganhar o mundo em novos conhecimentos, culturas, saberes e fazeres.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Isabelle de Luna. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e
interfaces com a educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008 (Dissertação Mestrado, 270f)
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004
(Coleção Docência em Formação. Série Ensino Fundamental / coordenação Antônio Joaquim Severino, Selma Garrido
Pimenta)
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.393, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros
curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997a.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História, Geografia. Brasília:
MEC/SEF,1997b.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: MEC /SEF,
1998.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular: educação é a
base. Brasília, Distrito Federal, 2018.
FERMIANO, Maria Belintane; SANTOS, Adriane Santarosa dos. Ensino de História para os Fundamental I, Teoria e
Prática. São Paulo: Contexto, 2014.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. 6 ed. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho
Pedagógico). Campinas, SP: Papirus, 1993.
LACERDA, Aroldo Dias [et al]. Patrimônio Cultural, em oficinas: Atividades em contextos escolares. 1 ed. Belo
Horizonte, MG: Fino Traço, 2015.
NUVENS, Plácido Cidade. Apresentação. In: COSTA FILHO (org.) O Geopark Araripe. Crato. Edições URCA,
2008.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. Museu, Ensino de História e Sociedade de Consumo. Fortaleza: Museu do Ceará
/Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2004.
INTRODUÇÃO
O artigo apresenta uma reflexão acerca da prática docente sob o ponto de vista da construção
dialógica da práxis educativa no âmbito da pedagogia dialética. Nossa reflexão parte da experiencia
como educadoras/professoras ao observamos o desenvolvimento do ato de ensinar e aprender, na sala
de aula da educação fundamental de uma escola localizada no município de Iguatu, Ceará. Propomos
um olhar para a prática docente a partir do pensamento crítico presente na pedagogia dialética, no
legado deixado por Paulo Freire (2018), quando este afirma a necessidade do educador ser educado
enquanto educa.
A importância de o educador organizar a sua prática educativa a fim de incluir nela momentos
para observar as ações, conversas, atitudes, comportamentos, concepções de vida da comunidade de
educandos, etc., é fundamental para que se conheça a realidade dos educandos, os desafios que estes
enfrentam e as perspectivas que constroem no âmbito do dinamismo social no qual estão inseridos.
A preocupação central é a de que o educador na sua práxis pedagógica faça do ato de ensinar uma
ação dialógica visando a percepção do sentido do conhecimento, por parte do educando. Por
considerarmos a importância da perspectiva dialógica no processo formativo é que ressaltamos a
necessidade de “aprender para apreender”.
Assim, dialogamos com os educadores da escola observada, em suas práticas pedagógicas,
pois, ao enfatizarmos aqui a relevância da observação das ações dos educandos como princípio
educativo para o educador, é por entendermos que conhecer as características sociais, culturais,
familiar e psicossociais a influenciarem na formação dos alunos, interfere no processo de ensino e
aprendizagem. Como afirma Farias (2014, p. 91), “[...] é no processo de trabalho que surge a
necessidade de avaliar os comportamentos humanos”. Para a autora, o espaço escolar é, de modo
específico, um espaço de formação humana que se efetua na relação entre os educandos e os
educadores.
Essa relação como processo formativo, muitas vezes, passa despercebida pelo educador, e, na
dinâmica de seu cotidiano de trabalho, não é valorizada. O educador/professor já se sente tão ocupado
em atividades referentes às funções que desempenha na escola que a observação pedagógica fica
comprometida pelo cansaço, deixando o professor de perceber a dimensão pedagógica contida nas
relações cotidianas da escola inclusive quando estas se dão nos momentos recreativos.
Consideramos assim o quão relevante é observar as atitudes das crianças, principalmente nas
suas brincadeiras e momentos de recreação, uma vez que a prática educativa dos docentes possibilita
estimular e cultuar novas experiências. Não desprezamos aqui os componentes que cercam o espaço
escolar inserido na lógica de mercado, própria do sistema capitalista. Todavia, enfatizamos o papel
do educador e sua responsabilidade como sujeito histórico em refletir sobre sua prática tendo em vista
o pensar criticamente sobre a realidade imbuído da consciência de poder transformá-la. A construção
da mentalidade de seus educandos é parte norteadora de todo processo formativo, e,
consequentemente, influenciará na percepção dos educandos, eles mesmos como sujeitos na
A educação como princípio formador é uma atividade essencialmente humana, pois envolve
trocas, produção e reprodução de saberes e experiências oriundos da vida cotidiana. Além disso,
envolve um conjunto de práticas que regem a vida no espaço social, cultural, histórico e político. “A
educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2018, p. 96), que ultrapassa a ideia de
transmissão de conhecimentos historicamente acumulados, para a formação de características
individuais e coletivas. É “[...] a fé na educação e a crença no que se pode fazer na escola” que
impulsiona a sua perpetuação, através das gerações, enfatiza Brandão (1986, p. 9), ao acrescentar
elementos da subjetividade humana à prática educativa.
Alguns saberes da prática pedagógica são construídos no cotidiano das experiências com os
educandos e o corpo escolar. Não há uma fórmula mágica e/ou uma preparação definitiva para essa
função. Aprendemos que a experiência do educador é construída diariamente diante dos inúmeros
desafios encontrados na comunidade escolar, nas relações com os educandos, a coordenação, o corpo
docente, os pais dos alunos e a comunidade como um todo, fazendo-se necessário que elementos
presentes nessas relações se tornem objetos da ação educativa e sua relação com a práxis pedagógica.
No ato de refletir a sua prática, Farias (2014, p. 91), defende que “[...] o professor evidencia a
natureza crítico-reflexiva de sua ação”, buscando estratégias para resolver os problemas encontrados
em sua ação pedagógica. Esta postura evidencia a preocupação com o sujeito que está em formação,
ao considerar sobretudo a formação como um processo contínuo. Assim, há a compreensão da
educação em sentido mais amplo que o espaço escolar, figurativo da sala de aula. A educação é
considerada em suas variadas dimensões da formação - orientação científica, psicológica, ética,
formação para a vida, etc., e envolve todos os aspetos da vida social, coletiva e individual. Paulo
Freire (1983, p. 57) reforça esta dimensão da educação para além do espaço escolar ao perceber que
“[...] a reflexão, se realmente reflexão, conduz a prática”, está investida de mudança.
Assim, necessitamos aprender a apreender o sentido do conhecimento tomando como
referência os momentos cotidianos de interação e troca de experiências, que muitas das vezes revelam
o significado educativo enraizado em concepções morais e éticas de extensão social. Como enfatiza
Farias (2014, p.107) “[...] a prática educativa, como intencional e sistemática, precisa ser organizada
previamente, o que se concretiza por meio do planejamento das ações didáticas e pedagógicas da
escola”. A autora sugere serem as ações didáticas e pedagógicas formas de organizar conhecimentos
e saberes que não necessariamente se restringem, em suas origens e objetivos, ao espaço de sala de
aula. O educador pode utilizar os diversos momentos do aluno na escola para analisar sua postura
social.
A dimensão ética da docência, portanto, se sustenta no fato de esta profissão estar voltada
para a formação de outras pessoas, prática que reclama reflexão crítica constante sobre seu
significado e implicações no conjunto de valores necessários ao convívio em sociedade.
(FARIAS, 2014, p. 89).
Desta forma, o ato de planejar a rotina e o tempo das aulas costuma ser oportuno para se pensar
em articular atividades que permitam ao educador conhecer o desenvolvimento da aprendizagem de
seus alunos. A rotina da sala de aula precisa ser organizada estrategicamente a fim de aproximar
afetivamente a relação professor-aluno, pois o ato de “[...] ensinar pressupõe saberes a aprender”
Farias (2014, p. 93), tanto para os educandos quanto para os docentes.
A ideia não é sobrecarregar os educadores com múltiplas atividades no espaço escolar,
preenchendo seu tempo de trabalho - o tempo dedicado à sala de aula, tempo de planejamento, e
tempo dedicado ao intervalo entre aulas. A intenção educativa é munir-se de um olhar crítico ao
observar as ações dos seus alunos, em momentos do processo educativo que, muitas vezes não
compõem a organização pedagógica dos conteúdos, a exemplo dos momentos de intervalo entre aulas
e/ou de recreação, ou mesmo em sala, no decorrer da aula. A depreciação e desvalorização desses
momentos no cotidiano escolar talvez seja culturalmente reforçada pelo fato do não reconhecimento
do valor científico que tais momentos possuem para a formação do aluno.
Torna-se necessário o questionamento pedagógico-reflexivo-prático, ou seja, partir da
realidade concreta constituída de elementos de experiências partilhadas com os sujeitos envolvidos
no processo educativo, percorrendo o caminho da ação-reflexão-ação (FARIAS, 2014).
Observamos o diálogo como instrumento de objetivação das emoções e conhecimentos,
aproximar educador-aluno na partilha de experiências e reconhecimento do outro como sujeito
humano, propício ao erro e ao acerto. Como afirma Paulo Freire (1983, p. 93), “[...] o diálogo é este
encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, na relação eu-
tu.” É dialogando que nos entendemos, que conhecemos o outro; ação essencial no ato de quem ousa
educar. Nesse sentido, “[..] a práxis [...] é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-
lo” (FREIRE, 1983, p. 40). No ato da reflexão da nossa prática pedagógica encontramos os meios
facilitadores da aprendizagem visando a transformação dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem.
Qualquer pensar consciente do educador sobre o seu trabalho, só pode ser o pensar crítico
que reveja e renove a sua prática todos os dias. Porque, além do mais, este exercício
pedagógico que é fazer a crítica política da educação, é a nossa maior responsabilidade.
(BRANDÃO, 1986, p. 74).
Primeiramente, o educador muda sua consciência acerca das circunstâncias que permeiam sua
prática, transcende o discurso de puro ativismo ou de que alunos “indisciplinados” são incapazes de
aprender, como bem nos ensina Paulo Freire:
É imprescindível, portanto, que a escola instigue constantemente a curiosidade do educando
em vez de “amaciá-la” ou “domesticá-la”. [...] que o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência no mundo e não apenas o de recebedor da que lhe
seja transferida pelo professor. (FREIRE, 2018, p. 121, grifos do autor).
Em segundo plano, é mister que o educador reflita a modificar estratégias de ação que incluem
desde o planejamento de suas aulas até a organização das disciplinas e dos conteúdos. Um produtivo
planejamento das aulas tem como fim aproximar o aluno do conhecimento e vice-versa,
discriminando as ferramentas para sua efetivação. O educador adquire a consciência da não existência
da neutralidade de suas ações e de seus educandos, de que tudo tem suas consequências, bem como
de que o processo não é algo decorrente de fatalidades, mas é essencialmente construído.
Segundo Nosella e Buffa (2009, p. 35), “A instituição escolar não é uma realidade homogênea,
fixa no tempo; ao contrário, supõe uma grande diversidade de trajetórias de alunos”, na qual o desafio
é aprender a respeitar as diversidades, valorizando suas peculiaridades. É uma trajetória contínua, que
exige do educador muita sabedoria para lidar com todas essas diversidades.
Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem progressivamente vai alcançando alunos
e educadores, na compreensão de sua historicidade, de sua transitoriedade e mudanças apreendidas e
compreendidas, na perspectiva da acumulação e da produção do conhecimento, nas partilha do
entendimento de que “[...] somos: professores, trabalhadores do ensino e sujeitos politicamente
comprometidos, não apenas com a educação, mas com toda a sociedade, através da educação”
(BRANDÃO, 1986, p. 78, grifo do autor).
Como salienta Freire (1986), se faz necessário, por parte dos educadores, não pensar sua
prática pedagógica como algo estagnado, fragmentada em muitas partes individuais, cada qual com
suas características individualizadas, entre as quais os conteúdos, os objetivos, os métodos, os
recursos, as atividades, a avaliação, pois todas as etapas do ato de educar e de ensinar e aprender o
processo formativo do sujeito.
Nossa reflexão baseia-se na descrição do cotidiano de uma escola a partir do nosso olhar de
professoras e educadoras sobre a experiencia/vivencia do ato de ensinar e aprender. São algumas
experiencias que expressam de aprendizado na carreira docente, especificamente no ensino
fundamental, muitas vezes não valorizada, mas essencial para aqueles que estão em formação ou
desejam aprimorar a sua prática docente, e, como afirma Brandão, consideram
[...] a esperança da pratica de uma nova educação que, de algum modo, aponte para um novo
mundo, e que comece, portanto, por reinventar essa própria pratica pedagógica, através de
incluir o sentido de uma verdadeira luta política dentro de um verdadeiro trabalho do
educador. (BRANDÃO, 1986, p. 09).
Ao adentrarmos na escola foco desta experiencia a primeira etapa do ato educativo é a acolhida
dos alunos, que ocorre com músicas, brincadeiras em grupos, rodas de conversas nas quais
solicitamos para as crianças que desenhem fatos importantes de suas vidas pessoais, promovendo,
por meio desse instrumento, a socialização entre os alunos. O foco pedagógico nesta atividade é
cultivar valores socialmente aceitos e/ou existentes, como mediação de sociabilidade. Analisamos
que as crianças demonstram satisfação em compartilhar acontecimentos importantes de suas vidas
Algumas das atividades educativas são preparadas para serem realizadas em casa. Vale
ressaltar que a correção da atividade enviada para casa é por nós considerado um momento que tem
por finalidade verificar se as crianças estão recebendo a assistência familiar para a execução de sua
tarefa escolar, visto que é um momento de aprimorar saberes aprendidos na sala de aula e em casa.
Essa estratégia é para nós um meio de observarmos as relações familiares e os valores aí
estabelecidos, e percebermos como esses fatores influenciam no desenvolvimento do educando em
suas expressões na sala de aula ao lidar com o conhecimento e a partilha de suas vivencias com seus
colegas de sala.
Percebemos que no âmbito escolar ainda há uma fragilidade no uso dessas observações e a
presença ou não da família no assessoramento do educando em suas atividades realizadas em casa
ainda é visto apenas como uma função da família separada da escola, ficando aí a dimensão afetiva e
sua importância no desenvolvimento dos educandos do ensino fundamental um fator sem importância
pedagógica. O professor lida com esse fato de modo isolado, pois não percebemos uma sistemática
pedagógica na escola conduzida por um projeto pedagógico que considere a afetividade como um
fator fundamental e facilitador para o desenvolvimento dos educandos.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 27
O momento do intervalo dos educandos, destinado para lanchar, ir ao banheiro, tomar água e
recrear, são singulares em suas possíveis experiências, pois o que parece ser desestímulo (pelos
inúmeros desafios que surgem) à observação para fins de conhecer a realidade dos educandos e trazer
essas observações para a reflexão pedagógica e/ou como conteúdo a ser trabalhado a partir das
vivencias partilhadas ali; é um laboratório vivo de experiências significativas, tanto para os
educandos, pois têm como legado a construção de sua identidade, personalidade, quanto para os
educadores/professores que consideram a importância do brincar no processo de aprendizagem.
As brincadeiras desenvolvidas pelas crianças ultrapassam a nossa imaginação em sua
fundamentação científica, entre as mais comuns estão o correr, o pega-pega, a amarelinha, polícia-
ladrão, pique-esconde, estátua, batatinha frita, dentre outras. Além disso, cantam músicas infantis,
reproduzem as relações familiares e situações da sala de aula por meio da imitação do comportamento
das pessoas adultas.
Algumas atividades esportivas se diferenciam quanto ao gênero, sendo destinado o futebol e
futsal para os meninos e danças para as meninas. Nessa abordagem, analisamos a assimilação de
padrões de comportamentos e atitudes a definirem o que é ou não aceito como “natural” ou “normal”
pelo grupo e pela sociedade. Isso gera preconceitos e impede o exercício da identificação de cada um,
porém, promove a percepção de que há uma discriminação de atividades “femininas” e “masculina”,
são trabalhados conteúdos diversificados, como a linguagem, e a socialização, por meio da troca de
experiências, bem como a formulação de argumentam e a observação de coisas antes despercebidas.
O educador necessita ter a ousadia e enfrentar o desafio de aprender diariamente, ser receptivo
aos saberes trazidos pelos educandos de suas vivências cotidianas para o espaço de sala de aula, bem
como aprender a pesquisar novas estratégias do fazer docente. Por outro lado, precisam ter domínio
científico do conteúdo a ser abordado.
No estudo das disciplinas como Português, Matemática, Ciências, Geografia, História, Inglês
e Artes, conhecimentos científicos e culturais, defendidos pela nossa sociedade como essenciais,
tornam-se fundamentais para a compreensão da realidade do educando, com uso da criatividade do
educador em fornecer material concreto com inúmeras possibilidades, compreendendo, como
esclarece Gramsci (2011), que a criança tem necessidade de dominar tais saberes, como a dialética
de conhecer sua historicidade e atuar sobre sua vida.
Diagnosticamos que as crianças assimilam melhor os conteúdos estudados por meio do
brincar, pois esta ação possibilita a aprendizagem de outros fatores que estão associados ao jogo,
como, por exemplo, a assimilação de regras, desenvolvimento de raciocínio lógico, entre outros.
Aprendemos que a prática docente é uma forma de experimentar momentos de aprender brincando,
como forma de se obter do educando a atenção e a concentração necessárias à aprendizagem e ao
desenvolvimento emocional, construindo um alicerce entre o brincar e o saber científico, a fim de
facilitar a assimilação dos conteúdos propostos.
O final da aula é propício para o incentivo de brincadeiras em grupos e individuais, com uso
de brinquedos infantis e massinhas de modelar, deixando-os livres para criarem objetos, animais e
reproduzirem as relações sociais, como o relacionamento familiar e a conjuntura de sala de aula, ao
representarem situações e personagens, simulando diálogos e assim, abordando temas vivenciados no
dia e na sala de aula.
Uma experiência apreendida com a prática docente, no espaço escolar, foi a necessidade do
educador ser coerente e ético na sua prática educativa, como Freire (2018, p. 101) nos diz “[...] a
coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço”, pois diariamente o educando observa, analisa
e reproduz as atitudes do educador, tomando como exemplo para suas ações em diferentes espaços
sociais. espaços sociais.
É necessário o professor inovar na sua forma de organizar e executar a dinâmica educativa,
procurando refletir e aperfeiçoar suas ações como forma de estar em constante aprimoramento de sua
didática. Na mesma linha de raciocínio, o docente deve compreender a relação entre a teoria e prática,
como também a relação entre os pressupostos científicos que articulam seu fazer. Assim, “[...] esse
entendimento exige do profissional de ensino a percepção do conhecimento como produto das
interações dos sujeitos” (FARIAS, 2014, p.169).
A educação institucionalizada necessita ser, mais do que nunca, praticada como ação que
motiva a prática da liberdade, como nos alertou Paulo Freire (1986). Durante o tempo em que nos
dedicamos ao ensino e à observação do cotidiano escolar e seus sujeitos, aprendemos a necessidade
de reunir as dimensões da aprendizagem (conteúdo e forma) para transformar o ato educativo numa
práxis, contida de uma pedagogia dialética que subentende a interatividade e conscientização do
educando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cotidiano na sala de aula necessita ser um espaço onde professores e alunos aprendam
juntos. Ao educador cabe refletir acerca da sua práxis pedagógica, numa perspectiva dialética, que
possa aproximar a realidade do educando do sentido do conhecimento traduzido nos conteúdos
curriculares. O ato de educar proporciona a criação de estratégias de ensino visando a realização da
aprendizagem no sentido mesmo da apreensão do conhecimento e de saberes relativos à formação da
autonomia do educando, como sujeito no mundo.
A necessidade de aprender a apreender diz respeito a todos nós educadores pelo fato de ser
esta uma necessidade fundante de todo processo formativo, humanizador, ético e transformador,
tendo a autonomia e a emancipação como norte. Isso nos impele a refletir sobre a nossa prática
pedagógica, pois requer um olhar diferenciado para os educandos, considerando-se que a realidade
dos educandos indica elementos mediadores de sentido para a aprendizagem e a conscientização de
que tanto tematizou Paulo Freire (2018;1986;1983).
O educador que analisa reflexivamente as situações do dia a dia e utiliza elementos colhidos
no cotidiano escolar ao observar os alunos em diversificadas situações e vivencias, desenvolve
condições de aprendizagem mais propícias ao processo de apreensão do conhecimento pelos alunos,
que passam a incorporar novos saberes quando são interpelados pelos desafios cotidianos, e a
formularem entendimentos sobre o mundo.
A relação pedagógica, reconhecendo os princípios educativos que os seus educandos refletem,
tende a promover, a longo prazo, uma transformação na sua prática docente, em processos formativos
visando a construção do conhecimento para a emancipação humana e, portanto, libertação das
subjetividades, como a apontar a educação para a liberdade, no sentido da construção da autonomia
do educando.
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NOSELLA, Paolo; BUFFA, Ester. Instituições escolares: por que e como pesquisar. Campinas, SP: Editora Alínea,
2009.
Num campo de muitas águas. Os buritis faziam alteza, com suas vassouras de
flores. Só um capim de vereda, que doidava de ser verde – verde, verde,
verdeal. Sob oculto, nesses verdes, um riachinho se explicava: com a água
ciririca – "Sou riacho que nunca seca..." – de verdade, não secava. Aquele
riachinho residia tudo. Lugar aquele não tinha pedacinhos. A lá era a casa do
Boi. (ROSA, 1956, p. 278).
Começamos nossa caminhada da alteza dos buritis, revelada na história do Vaqueiro Menino
com o Boi Bonito, contada por velho Camilo, um contador de histórias da tradição oral. Trata-se de
um personagem/narrador de uma das obras de Guimarães Rosa, em que histórias são contadas dentro
da história. Na novela Uma estória de amor (ROSA, 1956), o autor apresenta contadores de histórias
e cantadores de cantigas, oferecendo ao leitor minúcias a respeito dos desempenhos desses
personagens. Ao descrever a capacidade narrativa do velho Camilo, quando apresenta ambiente,
imagens e cores, Rosa (1956) aponta a força visual da narração.
O velho contador de história desenovela o conto de tal maneira que faz com que todos “vejam”
o riacho, quem sabe até “ouçam” o marulhar das suas águas. A capacidade narrativa do velho Camilo
é tão envolvente que os personagens/ouvintes “veem” tudo; e nós, os leitores de Guimarães Rosa, que
também nos presentificamos nesse duplo ambiente narrativo, da mesma forma que os personagens,
conseguimos ouvir o riacho e ver a alteza dos buritis.
É comum encontrarmos argumentos que evidenciam a importância da literatura para a
educação, seja ela oral ou escrita. Esse discurso é banhado por um vasto contingente de autores que
vêm abordando e mobilizando debates em torno da relevância das narrativas literárias em contextos
educativos. A maioria desses debates aborda, principalmente, o viés pedagógico e utilitário imposto
às histórias, lidas e/ou contadas de memória; em contraposição à sua importância artística e
possibilidades de favorecer um espírito crítico nos leitores/ouvintes.
As discussões em relação ao potencial da Literatura, enquanto elemento de formação,
ampliam-se, principalmente, quando suscitam dimensões filosóficas e epistemológicas, que
certamente contemplam o universo desse produto da cultura humana, que, por sua vez, ocupa
sociedades e contextos educativos, mesmo aqueles que antecedem a criação da instituição escolar. A
própria história nos mostra que “[...] o processo de aprender por meio de histórias e parábolas é uma
estratégia arquimilenar [...]” (MACHADO 2015, p. 32).
Diante de tal relevância, a tônica principal da proposta reflexiva, que aqui apresentamos, é
lançar um olhar específico para a literatura na prática pedagógica da Educação Infantil. Como
paisagem inicial de referência para origem deste artigo, tivemos uma pesquisa desenvolvida por uma
estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia da URCA - Universidade Regional do Cariri, para
seu TCC - Trabalho de Conclusão do Curso no primeiro semestre de 2019. A referida pesquisa teve
como objetivo “analisar a percepção dos estudantes de Pedagogia sobre a literatura infantil na sua
atuação docente” (SANTOS, 2019, p. 7).
Para tanto, realizou-se um estudo de campo de abordagem qualitativo exploratório, por meio
da aplicação de questionários com estudantes que já tivessem atuando como professores da Educação
Infantil, por no mínimo dois anos, bem como estar cursando os dois últimos semestres do Curso de
Licenciatura em Pedagogia. Tais critérios de inclusão dos participantes da pesquisa decorrem de uma
característica marcante da região do Cariri cearense1, a qual os estudantes dos últimos semestres são
constantemente contratados por escolas privadas ou públicas para atuarem como auxiliares ou
professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mesmo sem supracitada
titulação. Assim, foram encontrados onze estudantes que se encontravam no perfil traçado para a
concretização da pesquisa.
Por meio da busca por compreender a percepção das estudantes que responderam ao
questionário, uma série de reflexões se fizeram presentes ao longo da investigação, reflexões estas
que atravessavam sua formação com as narrativas literárias, bem como a coerência das práticas
pedagógicas realizadas com esses textos literários, a partir do seu contributo e para além da formação
de leitores, ampliando o nosso olhar para os pressupostos de uma formação humana e o fomento do
interesse pelas narrativas literárias na Educação Infantil.
Na percepção das onze estudantes que responderam ao questionário, foi visto também os
desafios que ainda precisam ser vencidos para a condução do trabalho com a literatura na sua atuação
docente, como: a falta de recursos materiais com acervo literário limitado e a necessidade de um
processo de formação que contemple os saberes necessários à sua prática, pois todas apontaram que
ao longo da sua trajetória no curso de Pedagogia, em nenhum semestre tiveram uma disciplina
específica sobre Literatura Infantil. Foi apontado que somente em algumas disciplinas que cursavam
destacou-se a importância da literatura para desenvolvimento da criança.
Além disso, observou-se que as estudantes entrevistadas identificaram, de certo modo, que há
uma necessidade de formação para o docente atuar, mas não conseguiram identificar a dimensão
humana como o principal escopo desses saberes oriundos da Literatura Infantil, porque essa lógica
demanda um processo de formação que quebre paradigmas e amplie o olhar para o vasto mundo de
possibilidades com esta temática.
Dessa forma, inspirados pelo olhar da pesquisa realizada como TCC e pelas vozes da
percepção sobre a literatura infantil das estudantes participantes da pesquisa, este estudo busca
ampliar o coro dessa longínqua discussão para situar a literatura para crianças como conteúdo da
Educação Infantil, que possa preferencialmente ser identificado enquanto produto cultural produzido
pelo ser humano, em direção a outros seres humanos e à própria humanidade.
Assim como Coelho (1997, p. 24), entendemos que Literatura é, antes de tudo, arte:
“fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática; o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização”. A partir
desse argumento, podemos seguir para a compreensão de que os textos literários, orais ou escritos,
criados ou adaptados para o que seria o universo infantil, falam das singularidades humanas,
pertencem ao grande acervo dessa humanidade, que vem acumulando narrativas literárias desde o
princípio da sua existência.
As histórias nasceram na oralidade, há milênios os textos da tradição oral são narrados em voz
alta por um sujeito a um grupo ou a um único ouvinte. O movimento sonoro da narração de histórias
configura-se numa prática humana, existente desde o princípio dos tempos, no seio de famílias,
1
Essa microrregião também é chamada de Território da Cidadania do Cariri e se localiza ao sul do Estado do Ceará,
abrangendo um total de 28 municípios, que são: Abaiara, Barbalha, Caririaçu, Crato, Farias Brito, Granjeiro, Jardim,
Juazeiro do Norte, Missão Velha, Várzea, Aurora, Barro, Brejo Santo, Jati, Mauriti, Milagres, Penaforte, Porteiras,
Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Nova Olinda, Potengi, Salitre, Santana do Cariri, Tarrafas.
Ela faz fronteira com os Estados brasileiros de Piauí, Pernambuco e Paraíba (BRASIL, 2010).
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 31
grupos e sociedades. Sendo uma atividade social por natureza, podemos considerar a experiência com
as narrativas literárias como um movimento de socialização, educação e vínculo, que marca a história
da humanidade.
Contar e ouvir histórias permanece como um costume comum, mesmo que sem a assiduidade
e recorrência da ancestralidade. Amadou Hampâté Bâ (2010), africano e estudioso da cultura do
continente original, enfatiza em sua obra o lugar significativo ocupado pela oralidade para a
constituição humana:
[...] os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o cérebro dos homens. Antes de
colocar seus pensamentos no papel, o escritor ou estudioso mantém um diálogo secreto
consigo mesmo. Antes de escrever um relato, o homem recorda os fatos tais como lhe foram
narrados ou, no caso de experiência própria, tais como ele mesmo os narra. (HAMPÂTÉ BÂ,
2010, p. 168)
Na perspectiva desse ser humano que narra, podemos avançar para a compreensão dessas
narrativas em contextos educativos, principalmente por sua capacidade de estabelecer vínculos,
passar conhecimento, valorizar culturas e preservar identidades. Firmados em saber que a literatura
nasceu na oralidade, compreendemos a razão pela qual sua gênese oral permanece marcada,
perpetuando-se como elemento da própria condição humana. A esse respeito, o educador brasileiro
Paulo Freire (2002) enfatiza que “[…] não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2002, p. 78).
O argumento do educador favorece nossa compreensão de que a constituição do homem é
feita pela palavra, pela comunicação, portanto, faz-se necessário lembrar que esse homem, produtor
e transmissor de conhecimento, costumes e valores, permanece fazendo uso de textos orais em seus
contextos comunicativos e formativos. Ao longo da sua vida e em todas as suas inter-relações vem
comunicando-se, partilhando sentimentos, conhecimentos e experiências cotidianas, por meio de
histórias. Dessa compreensão nasce o termo Literatura Oral.
[...] se por um lado os velhos contadores tradicionais estão desaparecendo porque nas
comunidades rurais a televisão ocupa implacavelmente seu lugar, nos grandes centros
urbanos a quantidade de pessoas que se dedicam a essa arte está crescendo. (MACHADO,
2015, p. 33)
exclusivamente como instrumento para o ensino da língua materna ou para impor abordagens que
atendam a conteúdos atitudinais, ou ainda com o objetivo de ampliar conteúdos escolares e/ou
conquistar comportamentos desejados, especialmente no segmento da Educação Infantil (CÂNDIDO,
1995, p. 256). Nessa faixa etária, como as crianças encontram-se em processo de desenvolvimento
das habilidades com os textos escritos, a literatura ocupa um lugar de destaque, principalmente com
a função de contribuir com conteúdos específicos da escola.
Ainda é difícil para pais e professores compreender a diferença entre livros para crianças
(informativos, educativos) e literatura para crianças. Alguns livros informativos são de
excelente qualidade e podem ser úteis em atividades pedagógicas, mas não são literatura
infantil. Qual adulto leitor suporta ler somente livros técnicos? (ACIOLI, 2006)
A pergunta da escritora nos provoca a quebrar esses modelos já postos, fazendo-nos perceber
a urgência em ressignificarmos o tratamento dado à literatura, o que não é impeditivo de
promovermos diálogos entre essa literatura e outros saberes, principalmente no trabalho da Educação
Infantil, justamente por consequência desse apelo didático presente nos trabalhos com o livro infantil,
aqui já identificado. Urge cada vez mais a dar continuidade à nossa jornada reflexiva, à busca por
aspectos pedagógicos que envolvam a formação docente para identificar os conceitos que
fundamentam sua prática, também do ponto de vista didático-metodológico, para alcançarem a
necessidade de romper com um trabalho literário afastado das possibilidades de privilegiar espaços
de fruição e deleito com essas obras.
A nossa questão que se segue é se os educadores identificam a dimensão humana como o
principal escopo desses saberes, se eles entendem que a literatura contribui para a formação da
personalidade, para o desenvolvimento estético e crítico da criança, sobre seus próprios valores, bem
como da sociedade a qual pertence (PAIVA, 2010, p.41). O questionamento, que ao mesmo tempo
se faz argumento, remete-nos à compreensão de que a jornada de formação pedagógica desse
educador que atua com crianças da Educação Infantil necessita apresentar contextos formativos para
que o universo literário, em todas as suas dimensões, também faça sentido para ele.
É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes, como a tristeza, a
raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a tranquilidade, e
tantas outras mais, e viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as
ouve – com toda amplitude, significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar...
Pois é ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário. (ABRAMOVICH, 1993, p. 43)
Ao mergulharmos no convite feito pela autora para que possamos “viver profundamente o que
as narrativas nos provocam”, em contraponto à forma utilitária e equivocada com que essas mesmas
narrativas têm sido tratadas na escola, reencontramos a obra de Edgar Morin (2005, p. 60), que nos
convida a romper com os processos historicamente vigentes na educação escolar, o qual apresenta os
saberes desassociados, principalmente quando separa, de forma evidente, o que seria o saber
científico da formação humana como um todo, ou seja, de suas inter-relações pessoais, emocionais e
sociais.
O pensamento, que divide a educação em saberes departamentalizados produzidos pela lógica
cartesiana, é fortemente combatido pelo autor, que questiona uma educação que separa cognição de
emoção, afirma tratar-se de uma lógica que nos apresenta o conhecimento de forma fragmentada, em
partes separadas de um todo, e dessa forma nos afasta do que ele identifica como conhecimento
global. Identificamos tais aspectos no cotidiano escolar, porém, raramente estabelecemos uma
reflexão a partir dessa lógica da complexidade. Somos capazes de ver, entretanto, temos dificuldades
para enxergar e/ou criticar que essa separação do saber, historicamente constituído, acaba por adquirir
a invisibilidade das coisas que cotidianamente estão no mesmo lugar.
Seria essa a razão pela qual a literatura, quando não massacrada de forma utilitária, é vista na
escola como mais apropriada apenas para os eventos? Seria essa a lógica que faz com que não só as
obras literárias, mas também outras linguagens da arte sejam desvalorizadas diante da sua capacidade
producente de saber?
Se considerarmos que a Literatura pode ser a escola do entendimento sobre a complexidade
humana (MORIN, 2005), como educadores não podemos apresentá-la afastada de tudo o que está no
entorno da existência humana, na sua relação com tudo o que é e está presente nesse mundo complexo
em que vivemos. Reafirmar a importância da leitura e favorecer o acesso aos textos de literatura
infantil, sejam eles orais ou escritos, permanece como um importante discurso para a formação do
professor em formação ou que já exerce seu ofício. Além disso, nosso chamado é para que possamos
pensar a Literatura a partir de princípios que envolvam cognição, emoção, estética e criatividade. A
compreensão desses princípios deve fazer parte das atribuições do saber e da ação docente.
O trocadilho com os dizeres de despedida de uma sessão de contos, comumente usados por
contadores de histórias, aponta para a necessidade de continuarmos com essa jornada de busca, pois
desejamos que as considerações apresentadas aqui suscitem o início de outros diálogos, para
elaboração de novas histórias de investigação.
Acreditamos que, talvez, a reflexão mais importante que apresentamos no decorrer destas
linhas até aqui escritas é o reconhecimento de que as narrativas literárias, sejam orais ou escritas, são
um nicho de possibilidades formativas e informativas, banhadas de subjetividade humana, e quanto
mais vasto o contato com essa diversidade de narrativas, mais condições as crianças terão de enfrentar
o mundo de forma consciente, crítica, empática e humanitária. As crianças, desde a Educação Infantil,
devem ter acesso aos livros, aos textos literários na sua inteireza, enfatizando a importância do aqui
e agora, permitindo que a criança exista hoje, em suas singularidades enquanto ser, sem se prender
na possibilidade de poder ser útil, ou não, para o que virá no porvir, porque essa criança imagina e
pensa no hoje, quando escuta uma história.
Dessa forma, faz sentido que a ação docente amplie as possibilidades de diálogos para além
da relação utilitária da Literatura, quase que exclusivamente utilizada nas escolas para a compreensão
de habilidades nas diferentes áreas do conhecimento, como leitura, produção de texto, saberes da
matemática, da história, geografia e outras, ou ainda, para ensinar e mostrar aspectos moralizantes,
determinando como a criança deve ou não se comportar.
A Literatura na escola deve ser para fruição, para provocar as mais diversas sensações, ampliar
as possibilidades imaginativas e criativas, para apreciar a constituição estética de um texto escrito,
parafraseando o poeta Manoel de Barros, ao afirmar que aprendeu a “gostar do equilíbrio sonoro das
frases. Gostar quase do cheiro das letras”. O sábio poeta nos motiva a produzir imagens e construir
paisagens na imaginação das crianças, na leitura e escuta de uma história.
Portanto, a provocação que aqui apresentamos é que o docente da Educação Infantil possa
apresentar as narrativas literárias para ampliar possibilidades de seu acesso e contato, para assim
promover o interesse das crianças, construir pontes com os demais saberes contemplados na escola e
buscar as pontes da Literatura para a apreensão estética e formação humana.
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SANTOS, Maria Anália Pereira dos. As percepções dos estudantes de pedagogia sobre a literatura infantil na sua
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Cariri, 2019.
INTRODUÇÃO
1
Professor orientador do artigo.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 37
As relações de gênero estão na escola assim como estão na sociedade, portanto, devem ser
questionadas. Vivemos um período histórico marcado pela construção social dos papéis masculinos
e femininos que advêm da relação de poder estabelecida entre homens e mulheres. Tais diferenças,
porém, têm privilegiado os homens, na medida em que a sociedade ainda não oferece as mesmas
oportunidades de inserção social e exercício de cidadania a todos/as (PEREIRA et al, 2007).
Sabemos que as desigualdades de gênero vivenciadas no dia a dia são frutos de uma
consciência preestabelecida por nossa sociedade, que dá vazão a comportamentos preconceituosos e
de exclusão, e a criança, inserida no meio social, tende a abarcar tais comportamentos e retratá-los no
decorrer de sua vida. Diante dessa problemática, é função da escola, através do professor, oferecer
um ambiente de interação social que suscite discussões que visem à empatia e ao respeito à
diversidade dentro e fora do ambiente pedagógico.
Partimos da compreensão de que a diversidade está para além de características visíveis.
Extrapolamos essa percepção quando percebemos que as diferenças de gênero, raça, etnia e idade,
que consideramos aparente são determinantes para a construção de rótulos no ser humano, estando
também atreladas às habilidades mentais e físicas, à identidade sexual, às escolhas religiosas, aos
níveis educacionais e ao poder aquisitivo. Comprovamos nosso pensamento ao nos depararmos com
extensos escritos sobre essas temáticas que consideram o homem um ser diverso.
Dessa forma, constatamos que o olhar aparente para as diferenças tem desencadeado uma
onda de violência no Brasil. Apesar das políticas públicas, os levantes de movimentos sociais e os
debates nas academias, as estatísticas da violência de gênero alcançam números cada vez mais
crescentes, denotando o caminho inverso percorrido pela sociedade ao se propor o respeito à
diversidade de gênero em detrimento de uma cultura machista.
Embora o tema da violência de gênero tenha encontrado espaço nas mídias e nas redes sociais,
o discurso inverso ocupa os mesmos locais, recebendo, ao mesmo tempo, oposição e apoio à prática
de atrocidades contra mulheres e contra pessoas consideradas Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT)2. Entendemos como violência de gênero o que afirma
Silva (2018) ao dizer que “[...] é uma ofensa à dignidade humana; são atitudes oriundas das relações
de poder que mantém as desigualdades entre homens e mulheres e desqualifica outras diversidades e
identidades sexuais que não são ‘heteronormativas’” (p. 83).
Segundo o autor, constitui-se como violência de gênero toda forma de atrocidade, física ou
psicológica, praticada pela negação do reconhecimento da igualdade entre os gêneros e da imposição
da condição biológica de ser homem ou ser mulher. Para este trabalho, ao iniciarmos as leituras,
deparamo-nos com um universo de literaturas sobre a violência de gênero, entretanto, os escritos, em
sua maioria, ora tratavam da violência praticada contra a mulher, ora praticada contra as pessoas
LGBTs.
Salientamos que trataremos aqui da diversidade de gênero considerando gênero não como
uma diferença biológica entre homem/mulher ou masculino/feminino. Portanto, é necessária uma
análise acerca do conceito e da categoria gênero no campo das ciências humanas e sociais para as
quais os conceitos se referem à construção social a partir das diferenças percebidas entre os sexos.
Por gênero, compreende-se a condição social por meio da qual nos identificamos como
masculinos e femininos sem levar em conta exclusivamente a anatomia dos seus corpos. O gênero
não é algo que está dado, mas é construído social e culturalmente, portanto, concebe-se o mesmo
como uma categoria de dimensão relacional a qual não é exata, tampouco imutável, como propõe
Louro (1996):
[...] gênero, bem como a classe, não é uma categoria pronta e estática. Ainda que sejam de
naturezas diferentes e tenham especificidade própria, ambas as categorias partilham das
características de serem dinâmicas, de serem construídas e passíveis de transformação.
2
Neste artigo, ao falarmos em pessoas LGBTs estamos nos referindo aos diferentes grupos que compõem as variações
da sigla.
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Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente pela sociedade, mas
com referência a ambos supõe-se que os sujeitos sejam ativos e ao mesmo tempo
determinados, recebendo e respondendo às determinações e contradições sociais. Daí advém
a importância de se entender o fazer-se homem ou mulher como um processo e não como um
dado resolvido no nascimento. O masculino e o feminino são construídos através de práticas
sociais masculinizantes ou feminizantes, em consonância com as concepções de cada
sociedade. Integra essa concepção a ideia de que homens e mulheres constroem-se num
processo de relação (LOURO, 1996, p. 57)
Segundo Louro (1996), devemos analisar gênero sempre procurando estabelecer a relação
entre o masculino e o feminino como conceito e categoria histórica, buscando relacionar e analisar
criticamente acontecimentos e fatos históricos com a finalidade de compreender a função social e
política dos textos, discursos e mensagens registradas na história humana. Tal leitura nos remete a
uma discussão sobre o lugar e as práticas que as interpretações de gênero impõem às pessoas na
sociedade a partir das diferenças sexuais, necessitando serem repensadas para que se conquiste uma
educação não sexista e a favor da equidade de gênero.
Segundo o documento, o professor deve transmitir aos alunos noções de valores, de igualdade
e de respeito entre as pessoas a fim de contemplar o Art.º29. A da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB (BRASIL, 1996) que diz:
Art. 29º.A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Ensino Fundamental passasse a ter nove — e não oito anos de duração. Ou seja, as crianças de 6 (seis)
anos que eram atendidas na Educação Infantil passariam a frequentar o primeiro ano do Ensino
Fundamental (BRASIL, 2006).
Observamos que a Educação Infantil teve um percurso intrínseco, o qual para ser
compreendido requer um entendimento que ultrapasse a perspectiva de uma história única. Isto é, de
um processo que partiu de uma ação assistencialista para uma política educativa. Discutir a Educação
Infantil como direito da criança e de sua família é considerar todas as lutas, tanto na dimensão
ideológica quanto na dimensão econômica e social. É trazer para o debate as discussões referentes à
função da mulher e da família, a igualdades de direitos entre homens e mulheres e o direito da criança
(SCHIFINO, 2015).
No dia a dia, frases como “meninas não gritam” e “meninos não choram”, configuram
situações que facilmente encontramos no cotidiano e que são naturalizadas por grande parte das
pessoas. Notamos que são carregadas de estereótipos que reforçam o que é ser mulher e o que é ser
homem em nossa sociedade, e esses procedimentos acabam por desrespeitar a individualidade e as
preferências de cada criança.
Por esses motivos é importante se trabalhar a igualdade de gênero na escola, especialmente
com meninos e meninas da Educação Infantil. Faz-se necessária como forma de eliminar os
estereótipos relacionados aos estereótipos de gênero e, consequentemente, de prevenir situações de
discriminação sexista no futuro.
O ambiente escolar, por ser um dos primeiros espaços sociais que frequentamos longe da
presença familiar, colabora no processo de construção da identidade do sujeito e esse contato com a
diversidade cultural e social fará com que cada menino(a) descubra a si mesmo(a) como ser humano
único e perceba também o outro. É na percepção do outro que ocorre o exercício do respeito à
diversidade, permitindo a prática da compreensão que, segundo Morin (2011), deve ser cultivada no
ambiente escolar para resgatar a empatia que permite a comunicação humana, evitando a visão
unilateral na relação de gênero.
A busca pela percepção do outro e pela formação integral do indivíduo que favoreça a
emancipação do homem e/ou da mulher, além de promover uma sociedade inclusiva, proporciona o
surgimento de propostas de reformulação do sistema educacional, como, por exemplo, a Orientação
Sexual proposta nos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL,
1997).
Os PCNs foram criados em 1997 e são compostos por orientações curriculares que formam
um conjunto de documentos que apresentam as propostas de uma nova estruturação curricular para a
educação, contemplando o ensino de temas sociais, os chamados Temas Transversais, que incluem
discussões como: Ética, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Dentro
desta última temática se encontra um dos eixos norteadores da discussão deste artigo, o tópico
Relações de Gênero.
Esse eixo propõe o “questionamento de papéis rigidamente estabelecidos a homens e mulheres
na sociedade[...]” (BRASIL,1997, p.28). O texto inicia sua discussão explicando e diferenciando os
conceitos de sexo e gênero, esclarecendo que, enquanto o sexo está relacionado às características
anatômicas, os gêneros feminino e masculino são construções sociais.
Segundo Louro (1997) e Braga (2007), o termo gênero passou a ser usado com o propósito de
marcar as diferenças entre homens e mulheres, que não são apenas de ordem física e biológica. Para
as autoras, a diferença sexual anatômica não pode ser pensada de forma isolada das construções
sociais e culturais da qual fazem parte. Dessa forma:
Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os sujeitos
se fazem homem ou mulher num processo continuado, dinâmico [...]; como também nos leva
a pensar que gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas
instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a igreja etc. são
“genereficadas”, ou seja, expressam as relações sociais de gênero). (LOURO, 1997, p. 103).
Vale ressaltar que a criança é um ser social cujo processo de desenvolvimento depende do
contexto sócio-histórico em que vive. A escola é um dos locais em que a criança manifesta relações
diversas, sendo um dos primeiros lugares em que os sujeitos se deparam com as diferenças, tais como
as de gênero. Trata-se de um ambiente em que as meninas e os meninos disputam/dividem espaços,
reproduzem/superam valores, entram em conflitos.
Desse modo, compreende-se a relevância de se trabalhar as diferenças sexistas no espaço
escolar. Como observa Louro (1997), a escola é um dos lugares onde os espaços são delimitados,
servindo-se de símbolos e códigos, afirmando o que cada um pode ou não fazer. Ao mesmo tempo
em que agrega, separa e institui normas, valores e crenças. Além disso:
[...] através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles (as) que deverão
ser modelos e permite, também, que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos. O
prédio escolar informa a todos (as) a sua razão de existir. Suas marcas, seus símbolos e
arranjos arquitetônicos “fazem sentido, instituem múltiplos sentidos, constituem distintos
sujeitos [...] (LOURO, 1997, p.58).
Ao mesmo tempo em que a escola reproduz preconceitos e estereótipos, também produz novas
condutas, reforçando e criando preconceitos em relação às diversidades sexuais e estereótipos de
gênero (AQUINO, 1998). Reafirmamos, por fim, que o papel do(a) professor(a) é fundamental no
processo de construção do conhecimento e desconstrução de estereótipos, uma vez que atua como
mediador(a) de afetos, crenças e valores dos(as) alunos(as), conduzindo-os(as) a uma reflexão que
possibilitará a busca da autonomia para eleger os seus valores, tomar posições e ampliar seus
universos de conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Olhar para a diversidade é constatar que as desigualdades de gênero, impostas no nosso dia a
dia, são frutos de uma consciência e paradigma já preestabelecidos, que foram construídos — e vêm
sendo mantidos — há tempos. A perpetuação dos estereótipos e, consequentemente, da violência de
gênero são alguns exemplos das repercussões da falta de preocupação com a abordagem dessas
temáticas desde a infância não só na escola, mas também na família. Urge, portanto, que na Educação
Infantil o(a) professor(a), consciente de sua função, desenvolva um senso positivo a respeito das
questões de gênero e igualdade, trabalhando ativamente para neutralizar preconceitos e reduzir danos,
contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade sem violência física e psicológica.
Dessa forma, o(a) professor(a) é um pilar necessário para a construção de uma infância
baseada no respeito, na desconstrução de paradigmas e ideias preestabelecidas. As crianças observam,
absorvem e, consequentemente, perpetuam muitos padrões, atitudes e discursos. Trabalhar a
desconstrução desses padrões na Educação Infantil é garantir que elas cresçam em segurança e se
tornem adultos(as) livres de preconceitos, compreendendo e defendendo a igualdade de gênero. Não
se trata de uma tarefa fácil, tampouco há um manual de instrução. Portanto, cabe ao(à) orientador(a)
ficar atento às ações diárias que refletem e reforçam as desigualdades, tentando combatê-las.
REFERÊNCIAS
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atuais para uma educação descolonizadora. Campinas, SP: Edições Leituras Críticas; Associação de Leitura do Brasil –
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INTRODUÇÃO
Precisamos de um nome para o novo replicador, um nome que transmita a ideia de uma
unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. “Mimeme” provém de uma
raiz grega adequada, mas eu procuro uma palavra mais curta que soe mais ou menos como
“gene”. [...] “meme” guarda relação com “memória”, ou com a palavra francesa même.
(DAWKINS, 2007, p. 330, grifos do autor).
Embora tenha se acentuado o uso dos memes, ultimamente, é preciso equiparar os contextos
que levaram ao surgimento dessa modalidade comunicacional. Um dos principais motivadores é o
advento de mídias sociais mais dinâmicas e interativas, característica expressa no campo dos memes,
que possuem amplo potencial comunicativo. Assim, infere-se que, do século XX até os dias atuais,
os processos comunicativos vêm caminhando para evoluções mais dinâmicas e fluidas; incluindo o
meme, que perpassa questões cotidianas até críticas político-sociais.
É vital romper paradigmas acerca de práticas com o objetivo de envolver o aluno no atual
contexto escolar, entretanto, é preciso efetivar os estudos aprofundados e contextualizados, que sejam
propulsores de uma educação de qualidade.
O estudo foi realizado em uma Instituição Federal, no Estado do Ceará, e teve como sujeitos de
pesquisa sete alunos do terceiro ano do Ensino Médio da rede estadual de educação. Os sujeitos
foram subdivididos em grupos, para facilitar a coleta das discussões com seus pares: Grupo 1 (G1)
- Alunos 1 e 2 (A1, A2); Grupo 2 (G2) - Alunos 3, 4 e 5 (A3, A4 e A5); e Grupo 3 (G3) - Alunos 6
e 7 (A6 e A7).
A coleta de dados apontou que 100% dos alunos nunca saíram reprovados. Ao serem
questionados, 71,4% afirmaram que sempre realizam a leitura de livros, revistas ou jornais, e 100%
acessam a internet todos os dias. Um total de 57,1% permanece navegando por mais de seis horas
diariamente. Cinco alunos afirmaram ter a disciplina de Português como preferência, entre os
conteúdos abordados na escola.
Como caminhos metodológicos, a etapa 1 (E1) foi dividida em três momentos: (1)
Organização e delimitação do tema; (2) Levantamento bibliográfico acerca das produções que
permeiam a concepção e o uso do RMDM em espaços educacionais; e (3) Subsídios para a coleta
de dados e as análises pelos parâmetros da pesquisa qualitativa.
Na etapa 1 ainda foi analisada a produção e feitas reflexões a respeito das interações com o
uso do diário de campo e questionários aplicados on-line.
Ao longo da oficina, etapa 2 (E2), ocorreu a coleta de dados, quando foram observados dois
momentos (M1 e M2): (M1) Teoria e prática na produção de RMDM; (M2) Aprofundamento dos
conteúdos de Português.
Na etapa 2 também constaram as reflexões e questões aplicadas e, como instrumentos de
coleta, foram utilizadas entrevistas. A seguir, o Quadro 1 traz a estrutura das coletas.
Quadro 1 - coleta de dados
Oficina Coleta Análises Instrumentos de Coleta
M1 Teoria e prática da produção do Por meio das etapas de Observação - diário de campo
RMDM produção dos memes e Questionários on-line
interações entre professor e
alunos
Como base científica, Minayo (1994); Chizzotti (2003; 2006); e Feldman (2002) indicam
que a pesquisa qualitativa ressalta a relevância de aspectos coletados em situações reais do cotidiano,
buscando os dados na fonte e tendo um olhar sensível e aprofundado sobre ações e situações ocorridas
naquele momento.
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Ao serem questionados acerca dos elementos que compõem práticas inovadoras, as respostas
se relacionam. A ação docente torna-se inovadora se o “professor sair da lousa” (A6, relato oral);
com isso, percebe-se que considera inovação uma quebra da rotina, marcada pela permanência do
professor no quadro.
A rotina em sala de aula deve contemplar uma organização e não a repetição de atividades
exaustivas, bem como considerar um conjunto de acordos com os alunos, que envolva ações e
atividades em sala.
Um professor inovador representa aquele docente que “tenta chamar o aluno para estudar”
(A2, relato oral). Nota-se que, para os alunos, a demanda principal na rotina escolar são os diálogos
entre professor, aluno e conteúdo, e a correlação entre interação e inovação. Essa relação favorece,
segundo Freire (2013), uma aproximação entre professor e aluno.
Ao longo da oficina, foram produzidos ao todo quinze RDMDs, com temáticas recorrentes,
tais como: política, cotidiano, drogas, relações afetivas, medo, mas a de maior projeção, em todos
os grupos (G1, G2 e G3), foram as vivências em sala de aula, relativas à obtenção de notas.
Percebeu-se que os processos avaliativos incidiram, frequentemente, nas produções dos
alunos, talvez pelo fato de estarem imersos em espaços em que a avaliação se dá, prioritariamente,
em função de diagnosticar o que o aluno “absorveu” em determinado mês e a partir de então
atribuir-lhe uma porcentagem de aprendizado, assumindo esse processo como classificatório
(LUCKESI, 1997).
Os memes produzidos refletem: “Quando você estuda, mas tira 3,5” (G2) e revelam que,
embora o aluno tenha estudado, a nota alcançada não satisfez às suas expectativas, evidenciando uma
aflição do cotidiano escolar e processo avaliativo. Ainda foram produzidas mais quatro memes,
sobre o esforço dos discentes para atingir a nota desejada.
Apesar de não ter sido especificado, no início da oficina, um número máximo ou mínimo
de criações, cada grupo produziu cinco memes. Há, contudo, outros fatores relevantes na discussão,
em especial, este: “Quando o professor fala que você não vai ter futuro” (G3), tendo em vista que
catastrófica; isso não significa que, ao revés, deva-se incentivá- lo, mas, isso sim, incorporá-lo como
uma possibilidade de se chegar a novos conhecimentos” (CORTELLA, 2006, p. 11).
Feita essa breve discussão acerca das produções, conduzimos o segundo momento da oficina,
que relacionava os memes com as habilidades a serem desenvolvidas na disciplina de Português.
Apresentamos o conteúdo programado e mediamos o processo de construção dos enunciados,
incentivando, nesses dois momentos, a autonomia dos alunos na criação dos memes, visto que “ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a produção ou a sua construção”
(FREIRE, 2013, p. 25).
A dinamicidade, nos dois momentos da oficina, ofertou aos alunos a possibilidade de
construir e, ao mesmo tempo, interagir com os colegas, consultando-os sobre propostas de melhoria
nos enunciados; erros de Português; como utilizar algumas ferramentas do editor de texto; e como
adequar o meme escolhido à proposta da questão. Adiante, serão dispostas a avaliação e futuras
investigações.
5 AVALIAÇÃO
REFERÊNCIAS
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CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes, 2006.
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Instituto Paulo Freire, 2006.
DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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INTRODUÇÃO
que as diárias? A legislação da educação está a favor da gestão dos recursos destinados a tal fim?
Desse modo, o presente trabalho tem como proposta de pesquisa um artigo bibliográfico que
será realizado com a contribuição de autores como, Quintas (2001), em o projeto pedagógico na
gestão democrática e Lück (1998) em a escola participativa, o trabalho do gestor escolar e a
legislação vigente, como a LDB 9.394/1996 e a própria Constituição Federal do Brasil de 1988.
OS RECURSOS DA EDUCACAO
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a) pré-escola; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
b) ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
c) ensino médio; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
1º) ampliação da jornada de trabalho tanto para professores quanto para alunos;
2º) atendimento integral à criança e adolescentes; 3º) participação comunitária.
Esses elementos estão sustentados por um pressuposto mais amplo: o da maior autonomia
das escolas. Podemos encontrar esses três elementos também nas reformas empreendidas
hoje por outros países [...]. Não quero concluir daí que hoje o debate sobre a autonomia seja
um debate puramente pedagógico. Quero afirmar que ele tem hoje outra qualidade e nessa
qualidade pedagógica tem um papel importante (p. 34).
Compreendemos que o fato dá educação brasileira ter maior dificuldade se refere a ausência
de propostas e ações que ela merece, enquanto a liberação de recursos voltados para a área pública,
sobretudo os financeiros, exigem planejamento, credores, burocracia, normatizações as crianças
ficam desassistidas dos seus direitos a educação de qualidade. Existe a necessidade de mudar a forma
e as propostas de atuação das escolas públicas brasileiras. Uma delas seria a autonomia da escola de
forma plena.
Ainda de acordo com Gadotti (1995):
Por isso, a origem dos recursos e a quantidade destinada para a implementação de projetos,
programas entre outros, cabe uma discussão neste cenário político, mas que atualmente o sistema
político estão preocupados com a economia, enfim, importante faz-se estabelecer um percentual
advindo do tesouro nacional. Geralmente, se tira da educação, quando se fala em redução de gastos,
em enxugamento da folha, como se a educação brasileira tivesse um alto investimento que fosse
preciso reduzir.
Conforme Bezerra (2010):
Está cada vez mais evidenciado, que a dificuldade não está só no gestor escolar, mas sobretudo,
no Ministério da Educação e nas políticas públicas partidárias em gerir os recursos, em administrá-los
da melhor forma possível. Isso fica mais evidente quando o cenário político toma conta dos jornais,
das mídias sociais e invadem os veículos de comunicação propagando as crises, os desvios a fins de
obterem apoio popular, se escondendo no discurso que é preciso fazer a economia crescer, para gerar
mais empregos, renda e melhorar a educação.
Em se tratando da gestão escolar, ela e um ato político, no sentido de que essa atuação se
concebe através da participação da Comunidade Escolar, através de algumas ações institucionais.
No entanto, segundo Quintas (1998), em o projeto político democrático, de nada adianta o gestor
saber decorado a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394, ou seja, se não souber trabalhar
com a autonomia, que e uma coisa que não se vê, mas faz muita diferença na gestão democrática,
portanto, já respondendo a indagação, a legislação de certo ponto, não atrapalha, mas não ajuda
como deveria ajudar, porque o que poderia ser um belo presente, pode não ser.
Essa autonomia deve ser construída, conquista, forjada na participação efetiva de todos,
quando temos ações centralizadoras e autoritárias, se torna prejudicial, à medida que não sabemos
as perspectivas que estão sendo postas diante da escolha e da participação. Compreendemos que os
familiares acreditam nas funções da escola, para muitos a escola é a única detentora e responsável,
conforme a lei pela educação de todas as crianças e jovens.
Assim, os ensinos e as aprendizagens dos filhos ficam sujeitos a determinações institucionais,
principalmente quando as famílias não tem formação pedagógica, didática e metodológica para
compreender as ações dos gestores educacionais, coordenadores pedagógicos, professores e
funcionários, por isso, muitas famílias delegam a educação para uma escola que está cada vez mais
assumindo uma função que é de todos.
Quando a gestão fica sem saber colocar propostas de ação e sem parâmetros para lidar com
essas situações das relações família e escola, os núcleos gestores, coordenadores pedagógicos,
secretários de educação dos municípios, colocam, em alguns contextos, a carga de resultados para
essa problemática nos professores. Diante de uma necessidade que surge na comunidade, no dia a
dia da realidade escolar, os professores vêm sempre aparecendo como solução para todos os
problemas que ocorrem na escola.
O fato de que a legislação foi um processo longo de discussões e foi concebida, criada para
regular, disciplinar, dar um norte a educação. Ela veio diante de desafios sociais e educacionais que
são dinâmicos e interativos, assim a lei veio a tempo de promover mudanças e possivelmente, corrigir
algumas injustiças. Buscando cada vez mais colocar cada profissional na educação no seu papel e
ajudar acima de tudo para uma educação que busca a qualidade. Temos de ter consciência de que
uma legislação, quando discutida e debatida e mais para dentro de uma perspectiva de indução das
ações na sociedade.
Atualmente, infelizmente não estão discutindo, estão impondo, e isso causa muito estranheza
nas discussões que se fazem, em forma de decretos ou nas oratórias acaloradas das câmaras
legislativas. Enfim, é o que estamos vendo em nosso dia a dia. Diante do que podemos constatar e
que há cada vez mais novas interpretações, novos conceitos, novos problemas que também surgem,
advindo das mudanças sociais e pedagógicas, uma vez que os professores não é só a figura do
exemplo, mais desempenha outras funções dentro do espaço escolar deveriam ser mais valorizado e
assistido pela políticas públicas da educação.
Algumas problemáticas da educação convergem para conflitos e buscas constantes de
resoluções e todas as soluções, através das possiblidades devem ser de uma participação mais ampla,
que muitas vezes, criar leis não significa resultado concreto, existe muitas variáveis na educação que
a própria legislação não conseguir abarcar, por isso, a escola precisa da autonomia, para lidar com
suas próprias problemáticas.
A escola brasileira necessita rever urgente o papel da gestão escolar, porque os problemas, as
dificuldades do aluno são também de competência dos professores, dos coordenadores, dos gestores
e dos funcionários, visto que estes devem cuidar do seu aprendizado, do seu bem-estar, mas que
socialmente acaba se envolvendo bastante.
Consideramos que existe uma concepção sobre saber como a escola pública, sobretudo na
atualidade, já que vem sofrendo com os cortes de gastos, poderá sobreviver no futuro,
principalmente, no sentido de que muitos são unanimes em considerar que a educação é um
investimento necessário, que tem maiores possiblidades de retorno do que outros instrumentos
institucionais, como as prisões, a fiscalização da sociedade etc.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais
Hoje em dia não basta visar à capacitação dos estudantes para futuras habilitações nas
especializações tradicionais. Trata-se de ter em vista a formação dos estudantes para o
desenvolvimento de suas capacidades, em função de novos saberes que se produzem e que
demandam um novo tipo de profissional. Essas relações entre conhecimento e trabalho
exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, a máxima ‘aprender a
aprender’ parece se impor à máxima aprender determinados conteúdos”. (BRASIL, 1998a,
p. 44).
A educação deve ser olhada de uma forma plural, com entendimento a longo prazo, sem
economias, nem mendigações, porque a sua efetiva contribuição repercute nas outras áreas, como:
saúde e segurança sempre gerando tranquilidade e bem-estar da população em geral. E importante
lembrarmos que a educação do futuro exigira das gestões muito mais que agora devido a demanda
gritante por conhecimento e tecnologia.
E importante lembrarmos que cada vez mais vemos na escola, um espaço físico que o aluno
se sinta bem e use-o como espaço de interação social, de construção de conhecimento afetivos e
cognitivos. Para que isto possa se efetivar, e preciso repensar os cortes na educação. O estudante de
escola pública e pobre e muitas vezes não come em casa, necessitando do auxílio da merenda escolar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios fazem parte da vida, os desafios da gestão escolar são um sinal da complexidade
institucional que se instala na escola e estão sendo processos que moldam as realizações dos gestores
em detrimento da perfeita ordem jurídica, moral e ética. Portanto, proporcionar ao gestor escolar,
condições mínimas de trabalho e cumprir a Lei de Diretrizes e Bases, e dar a população o respeito e
a dignidade preconizadas na Constituição é algo que no dia a dia se torna complexo e dinâmico.
Este trabalho nos permite mostrar que os interesses devem caminhar juntos para um mesmo
objetivo, embora a realidade não seja sempre assim, tendo em vista o valor mercantil que se sobrepõe
a cada aluno em oposição a qualidade que este mesmo aluno merece. Também se ressalta, a
importância da escola pública na sociedade brasileira, que desde os primeiros anos de vida e
responsável pela maioria da educação do povo brasileiro, e cala, neste ponto a fala de políticos que
desejam a privatização do ensino.
Outro aspecto relevante no trabalho realizado foi o fato da autonomia e as suas interligações
com a prática vivida, humanizada, que representa e se esconde no autoritarismo de alguns gestores,
uma vez que estes, utilizam o termo para traduzir em benesses próprias. Ademais, quando o gestor
ou núcleo gestor se apropria da escola e porque os demais professores estão, de certa forma, sendo
coniventes.
E só consultar a Projeto Político Pedagógico para saber se os objetivos estão sendo
alcançados, se a comunidade participa do processo de aprendizagem ou se ela, ao menos vai as
reuniões do Conselho Escolar. O fato considerado e que os professores não utilizam o P.P.P como
norte nas suas práticas pedagógicas, evidenciando assim, o improviso, e o descompasso com a sua
própria pratica pedagógica, tendo em vista que a ideia de Projeto não se encerra ali, ela vai se
construindo ao longo da jornada.
Se faz necessário o profissionalismo, a ética, a missão de se cumprir o Plano Pedagógico da
Escola, para que se entenda a evolução ou não dos processos. Importante incentivar a participação
da família, uma vez que embora tenha aumentado a sua frequência, ainda se sente a falta da
participação sobretudo nas reuniões do Conselho, estimulando as ações autoritárias em favor das
gestões. E preciso diante desse cenário, reunir todos os entes, comunidade, gestão, alunos frente a
criar e a recriar, construir um plano que beneficie a todos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n.º
9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.
______. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais. terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental. (1998a). Estabelece os parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: Ministério da Educação e
do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. 1998.
GADOTTI, Moacir. Escola vivida, escola projetada. 2ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.
______. Escola cidadã. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
INTRODUÇÃO
1
O conceito de Organização Escolar é definido por Oliveira (2010, p. 134) em referência “às condições objetivas sob as
quais o ensino está estruturado”, passando desde as competências administrativas dos órgãos públicos responsáveis pela
educação escolar até o currículo praticado em sala de aula, incluindo, neste processo, as metodologias de ensino e os
processos de avaliação.
2
Por sua vez, o conceito de Organização do Trabalho Escolar, também definido por Oliveira (2010, p. 133), está
relacionado à forma como o trabalho é dividido dentro da escola, tratando-se, pois, de um conceito de viés econômico,
compreendendo “uma forma específica de organização do trabalho sob o capitalismo”.
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3
O marco inicial da educação no Brasil é a chegada dos Jesuítas em 1549. Sua obra educativa predominou oficialmente
até a expulsão dos mesmos em 1759, pelo Marquês de Pombal. O período iniciado com as reformas pombalinas
representou o primeiro passo na construção da educação estatal no Brasil, que só foi consolidado a partir da década de
1930. Nesse percurso até a consolidação da educação pública estatal, segundo Saviani (2013), houve uma imprecisão em
torno dos rumos da educação brasileira. Esta havia passado da responsabilidade da Igreja, que tinha uma estrutura
educacional bem organizada, por meio dos jesuítas, para o Estado, que, por situações de mudança e instabilidade política,
pouco avançou nas questões da área, apesar das diversas ideias pedagógicas que permearam o período.
4
Ainda segundo Ananias (2012), o período imperial marcou um ajuste do Brasil ao capitalismo internacional, iniciando
uma transição do modelo de sociedade predominantemente agrária de subsistência para um modelo mais moderno e
avançado, embora ainda de base agrária.
5
Nesse contexto, ocorreram diversas mudanças no cenário educacional brasileiro, influenciadas pelos ideais iluministas
que permearam a formação intelectual do Brasil. No entanto, embora a Ilustração tenha contribuído para o avanço do
pensamento educacional brasileiro, as suas contribuições não representavam o interesse das camadas mais pobres, das
mulheres ou dos escravos, pelo contrário, representava a burguesia nascente. Dessa forma, os avanços na educação
permaneceram limitados a uma pequena parcela da população, como se pode notar na alta taxa de analfabetismo no Brasil
de 1890, ultrapassando 67%.
6
Para manter um padrão, optou-se por utilizar, ao longo do texto, apenas a nomenclatura “diretor de escola” ou “diretor
escolar”.
7
O poder dentro das escolas ficaria concentrado nas mãos do diretor, incluindo o controle sobre o trabalho dos
professores. Inicialmente, a nomeação do diretor era feita pelo Governo, escolhido entre os professores, e continuava na
regência de sala, auxiliado por um adjunto.
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Dessa forma, a função do diretor de escola passava a ter um caráter contraditório, pois, a despeito da
autoridade e da posição hierárquica que lhes eram atribuídas, o diretor encontrava-se subordinado à
legislação, o que restringia a sua autonomia e lhe exigia o cumprimento do cargo de reprodutor das
políticas públicas. Uma das exigências que essa condição impôs ao trabalho do diretor de escola foi
a formação especializada na área administrativa em detrimento da formação pedagógica
(GALLINDO; ANDREOTTI, 2012).
Com a aprovação da Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961, a qual estabeleceu as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), passou-se a exigir que o diretor de escola fosse um educador
qualificado. Segundo Clark, Nascimento e Silva (2012), a definição de “educador qualificado” foi
dada pelo Parecer nº 93/1962 do Conselho Federal de Educação, compreendendo:
[...] aquele que reunisse qualidades pessoais e profissionais que o tornassem capaz de infundir
à escola a eficácia do instrumento educativo por excelência e de transmitir a professores,
alunos e à comunidade sentimentos, ideias e aspirações de vigoroso teor cristão, cívico,
democrático e cultural (CLARK, NASCIMENTO E SILVA, 2012, p. 163).
defendiam que houvesse uma formação específica para o cargo. Nesse caso, a formação especializada
acabou transformando o diretor escolar em um burocrata a serviço do poder público dentro da escola
(OLIVEIRA, 2010).
A tendência permaneceu na época do Regime Militar. Nesse período da educação brasileira,
em geral, o diretor de escola era cooptado para exercer uma função semelhante à do gerente da
empresa, qual seja, “[...] atuar como agente controlador e fiscalizador das atividades desenvolvidas
na instituição escolar, com o intuito de assegurar a manutenção da ordem vigente” (CLARK,
NASCIMENTO E SILVA, 2012, p. 170). Esse perfil assumido pelo diretor de escola foi bastante
criticado na década de 1980 por movimentos democráticos, emergindo, assim, a busca pela
democratização da gestão educacional (OLIVEIRA, 2010).
O trabalho do diretor escolar, no período de transição para a Nova República, a partir da
segunda metade da década de 1980, foi permeado por um cenário de lutas dos movimentos de
educadores pela democracia, bem como da implementação da reforma educacional decorrente das
conquistas constitucionais de 1988. Esse quadro compõe o contexto de ascensão do modelo gerencial,
o qual será abordado no próximo tópico.
(2007), a atuação do ministro aperfeiçoou o ideal meritocrático, abrindo espaço para o setor público
não estatal. Em relação às implicações da reforma da administração pública sobre o campo da
educação, Castro (2007) assinala que houve uma substituição do modelo burocrático de gestão
pública pela forma gerencial inspirada no setor privado, caracterizada pela flexibilização da gestão e
pelo aumento da autonomia de decisão dos gestores.
Castro (2007) ainda mostra que os organismos internacionais “[...] tiveram um papel
importante na difusão do consenso sobre um novo modelo de gestão” (p. 132), o qual teve como uma
das suas propostas para a educação a descentralização:
[...] baseada numa concepção que enfatiza ganhos de eficiência e efetividade, reduz custos e
aumenta o controle e a fiscalização dos cidadãos sobre as políticas públicas, além de
desresponsabilizar o Estado de parte de suas obrigações com os serviços sociais (CASTRO,
2007, p. 133).
A perspectiva apontada por Lima (2013) na análise da emergência do cargo de diretor revela
a contraditória condição do diretor escolar, que se torna, por um lado, um sujeito que concentra
poderes sobre os seus subordinados dentro da organização escolar, e, consequentemente,
concentrando mais atribuições e competências, mas que, por outro lado, é colocado na condição de
subordinado e dependente do poder central. Tal condição também é assinalada por Paro (2016).
Todavia, o autor acrescenta uma segunda ordem de contradição que:
[...] advém do fato de que, por um lado, ele deve deter uma competência técnica e um
conhecimento dos princípios e métodos necessários a uma moderna e adequada
administração dos recursos da escola, mas, por outro, sua falta de autonomia em relação aos
escalões superiores e a precariedade das condições concretas em que se desenvolvem as
atividades no interior da escola tornam uma quimera a utilização dos belos métodos e técnicas
adquiridos (pelo menos supostamente) em sua formação de administrador escolar, já que o
problema da escola pública no país não é, na verdade, o da administração de recursos, mas o
da falta de recursos (PARO, 2016, p. 15-16).
REFERÊNCIAS
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SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.
INTRODUÇÃO
1
O nome do Projeto da Universidade Federal do Ceará foi modificado em decorrência da preservação do nome da
Instituição pesquisada.
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esse serviço, cuja responsabilidade era do setor de educação especial pertencente às redes de ensino
dos municípios e estados, em parceria com o Ministério da Educação.
Faz-se necessário ressaltar que na época supracitada, o público da educação especial era de
alunos com altas habilidades, condutas típicas, deficiência auditiva, deficiência física, deficiência
mental, deficiência múltipla, deficiência visual e crianças de alto risco, ou seja, as crianças que se
encontravam hospitalizadas, que não eram deficientes, ora poderiam se enquadrar em condutas
típicas, ora poderiam se enquadrar como crianças de alto risco (MEC, 1994, p. 13). Atualmente, esse
público da educação especial se reconfigurou, sendo necessária uma nova política que determine o
local de atuação desse serviço no sistema de ensino brasileiro.
Em 2002, foi elaborado o documento orientador “Classe Hospitalar e Atendimento
Pedagógico Domiciliar: estratégia e orientação”, que se tornou um marco para o atendimento
educacional hospitalar, pois expõe referências acerca dos princípios e fundamentos da classe
hospitalar e atendimento domiciliar, os objetivos, a organização e funcionalidade administrativa e
pedagógica, além dos recursos humanos. Com esse documento, foi possível compreender como o
serviço deve ser colocado em prática. Ainda segundo o Ministério da Educação:
Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias
e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico-educacional do processo de
desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados
ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que se encontram
impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente, e garantir a
manutenção do vínculo com as escolas, por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado,
favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar
correspondente, como parte do direito de atenção integral. (MEC, 2002, p. 14).
Desse modo, podemos reconhecer que o documento orientador do MEC propõe que esse
serviço aconteça para todas as crianças, matriculadas ou não na escola regular, e que se encontram
internadas, tendo como um dos principais objetivos o vínculo com a rede de ensino. Isso quer dizer
que os profissionais que atuam nesse setor devem se articular com a escola de origem do aluno, para
que ao retornar, a criança dê continuidade à sua vida escolar, sem prejuízos dos conteúdos
curriculares. Essa ação passa a ser essencial no desenvolvimento do serviço mencionado, e continua,
atualmente, sendo um dos grandes obstáculos vivenciados pelos profissionais do atendimento
educacional no ambiente hospitalar com as redes de ensino, por isso, o papel do pedagogo torna-se
essencial para a realização dessa ação.
No decorrer de muitos anos, a Pedagogia sofreu grandes mudanças, como, por exemplo, em
relação ao campo de atuação do pedagogo, pois tal campo acabou expandindo-se bastante. Contudo,
é importante salientar que esses profissionais devem estar atentos e reconhecerem as particularidades
de cada local que irão atuar, e, consequentemente, agir, a partir de determinada realidade. A área da
educação escolar é muito ampla e consolida-se tanto em espaços escolares, quanto em espaços não
escolares, como ONGs, presídios, hospitais, dentre outros. Ou seja, a escola deixou de ser o único
ambiente que proporciona uma educação para indivíduos, assim, o pedagogo possui diversas áreas de
atuação.
Neste trabalho, teremos como foco os espaços não escolares, mais precisamente os hospitais.
O pedagogo que atua nos hospitais apresenta-se como um mediador entre a hospitalização e a
escolarização do aluno-paciente, portanto, ele deve buscar a garantia de uma continuidade do ensino
dentro do espaço hospitalar, evitando uma futura evasão escolar. Tal mediação ocorre por meio da
comunicação entre o hospital e a escola, sendo o hospital o local para onde deverão ser encaminhadas
as atividades pedagógicas desenvolvidas durante a internação do aluno-paciente. De acordo com a
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001:
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem
organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar
as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento
ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1º As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade
ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em
escolas da educação básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e
desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no
sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.
Portanto, o pedagogo que atua nos hospitais precisa ter uma formação que busque conhecer
os aspectos das singularidades e possibilidades da área, pois esta se constitui como multifacetada e
interdisciplinar. É também necessário ressaltar a importância da troca de saberes e experiências entre
os docentes que atuam no ambiente hospitalar, pois essa ação promove a reflexão sobre as práticas
pedagógicas, apontando novos olhares, caminhos e propostas para tal modalidade da
educação. Ainda sobre a formação do pedagogo hospitalar, é estabelecido pelo MEC, segundo o
documento orientador “Classe hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e
orientações”, o seguinte:
O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em educação especial ou
em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre as doenças e condições
psicossociais vivenciadas pelos educandos e as características delas decorrentes, sejam do
ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo. Compete ao professor adequar e
adaptar o ambiente às atividades e os materiais, planejar o dia a dia da turma, registrar e
avaliar o trabalho pedagógico desenvolvido. (BRASIL, 2002, p.22).
É importante elencar que o pedagogo que atua no ambiente hospitalar vai, aos poucos,
adquirindo conhecimentos básicos em relação às patologias e rotinas, sendo assim, ele consegue
ampliar a consciência de seu trabalho, promovendo uma ação conjunta, apropriando-se da realidade
do aluno-paciente, bem como compreendendo a sua enfermidade e buscando articular a sua prática
pedagógica com a situação atual da criança ou do adolescente internado. Tais saberes podem ser
construídos mediante as vivências do cotidiano, palestras, encontros, seminários e reuniões, que
oportunizam a troca de experiências com a equipe multiprofissional. Além disso, o profissional
adquire conhecimentos sobre higienização dos materiais utilizados, dos limites da sua locomoção
dentro do hospital e infecção cruzada, sendo necessário que ele concilie suas práticas à realidade do
local onde está atuando.
Portanto, o binômio cuidar-educar deve se fazer presente durante toda a trajetória da criança
e do adolescente, mas para que isso aconteça, é essencial que o docente tenha uma postura sensível,
no sentido de procurar reconhecer a realidade de cada indivíduo e, a partir das informações obtidas,
planejar de maneira atenta e responsável atividades que proporcionem o desenvolvimento efetivo
daquele indivíduo.
Percebendo a inconstância da rotina no ambiente hospitalar, enfatizamos o pedagogo como
um profissional flexível, pois tal fato requer que o professor trabalhe em diversos ambientes – classe
hospitalar, leito, ambulatório e brinquedoteca – e com crianças de diversas idades, níveis de
aprendizagem e interesses. Consequentemente, sua prática deve ser flexível e levar em consideração
a situação da criança ou do adolescente, seus saberes prévios, suas dificuldades de aprendizagem e
potencialidades. Neste sentido, o pedagogo deverá sair da sua zona de conforto e confrontar-se com
a realidade hospitalar e seus desafios.
Ao educador, como participante da equipe de saúde não cabe, assim, postura estanque.
Construir conhecimentos para abrir novos horizontes significa navegar em águas turbulentas,
em que o timoneiro, atento, vive a mutabilidade do fazer e do agir continuamente, tendo em
vista as múltiplas possibilidades que emergem e o desafiam em todo o momento. (MATOS
e MUGIATTI, 2006, p. 24).
Assim, o educador, nesse contexto, será aquele que olhará além do desenvolvimento cognitivo
do aluno e dos saberes já sistematizados. Será alguém que poderá mudar a realidade do aluno-
paciente, pois o olhará como um ser completo, com diversas habilidades a serem reconhecidas.
Torna-se essencial mencionar ainda que a leitura é considerada uma forma de conhecer outros
mundos, de explorar o "eu", de nutrir a alma, conhecer a arte, a poesia e desenvolver a imaginação.
Logo, o contato com os livros pode ser libertador para a criança que está em situação de internamento
e confinada a conviver sem a sua vontade no ambiente hospitalar, cercada de outras crianças doentes
e médicos, vivendo uma rotina que não é própria para a infância, uma fase de descobertas e grandes
aprendizagens. Para alguns autores, a literatura possibilita o desenvolvimento da personalidade das
crianças, para outros, representa o conhecimento da realidade social, podendo trazer momentos de
diversão e aprendizado. Nessa perspectiva, a literatura passa a ser de extrema importância no
cotidiano hospitalar, precisando estar presente nas práticas pedagógicas do professor.
A abordagem da leitura na Pedagogia Hospitalar pode ser feita de forma individual com a
criança ou adolescente e isso acontece quando o atendimento é no leito2. Na leitura dos livros, o
profissional pedagogo precisa buscar diversas formas de estimular a imaginação do aluno-paciente,
podendo, também, trazer conteúdos escolares após essa leitura, além de apresentar diversos gêneros
literários, objetivando a ampliação do conhecimento cultural e científico. A contação de histórias, por
exemplo, na classe hospitalar, também pode atrair diversas crianças. O diálogo e a troca de saberes
estabelecidos durante uma contação de história fortalecem os laços entre o docente e quem o ouve,
estimulando a participação e integração do grupo e, assim, docente e grupo, juntos, podem imaginar
e criar finais felizes.
É importante que o pedagogo, com o apoio do hospital, promova projetos que facilitem o
acesso aos livros e fortaleçam a vontade de leitura, pois é sabido que, muitas vezes, esse acesso é
dificultado pela condição social da família e pelo distanciamento da literatura. Consequentemente,
esses projetos podem desenvolver atividades relacionadas aos livros, que minimizem os efeitos do
internamento e da doença, levando a imaginação da criança a viajar por outros mundos, promovendo,
desta forma, efeitos terapêuticos, a partir da leitura, viabilizando, também, um processo de
humanização da criança e do adolescente, que serão vistos mais do que como pacientes alheios a
condições humanas ou como receptores apenas do sofrimento, da ansiedade e do medo. Pereira (2012)
fala da importância de apresentar literaturas que possam aproximar-se do que é vivido no hospital:
Existem no mercado, alguns livros que trabalham o ambiente hospitalar, onde trazem uma
mensagem de reflexão e conforto sobre o momento da hospitalização. Rubem Alves lançou
uma coleção de livros para esse fim, voltados para crianças com histórias próprias, entre elas
pode-se destacar: “A operação de Lili”, onde o autor conta a história de uma elefantinha que
precisava fazer uma operação para tirar o Gregório da sua trompa, seu amigo sapo, que lá foi
lançado após uma brincadeira. Lili estava cheia de medos, mas uma fadinha, a Fada da
Floresta, ajudou-a a superá-los fazendo-a dormir para que tivesse vários sonhos bonitos
enquanto a operação acontecia. Desse modo, Lili não sentia nenhuma dor e, quando acordou,
seu amigo Gregório já estava salvo, além de muito contente. O livro traz uma breve reflexão
sobre a condição da criança hospitalizada, entretanto, a forma leve e engraçada faz com que
a leitura seja atraente a qualquer leitor. (PEREIRA, 2012, p. 06).
2
Ressalta-se que os livros utilizados no atendimento pedagógico no leito devem ser higienizados como os outros
materiais, assim, o material do livro deverá permitir que essa higienização aconteça, sendo critério de escolha para
material pedagógico.
3
O nome do projeto da Instituição Hospitalar pesquisada é fictício, visando à preservação do local.
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[...] Aqui no projeto, nós desenvolvemos atividades de leitura e escrita, sempre abordando
conteúdos curriculares. Nosso objetivo é oferecer os conteúdos trabalhados na escola.
(Entrevista realizada em JUNHO de 2019).
Uma sala para desenvolvimento das atividades pedagógicas com mobiliário adequado e uma
bancada com pia são exigências mínimas. Instalações sanitárias próprias, completas,
suficientes e adaptadas são altamente recomendáveis e espaço ao ar livre adequado para
atividades físicas e ludo-pedagógicas. (MEC, 2002, p.16).
Ou seja, percebemos que o local tem um ambiente propício para que o processo de ensino e
aprendizagem aconteça. Perguntamos ao bolsista 02 como é realizado o primeiro contato com o
aluno-paciente, ou seja: o que fazem? Como acontece a abordagem? E obtivemos a seguinte resposta:
A primeira ação é conhecer a criança e fazer uma espécie de triagem: saber o seu nome,
idade, se ainda frequenta a escola, a série em que está ou parou de frequentar e os seus
interesses, para que, a partir dessa coleta, a gente possa planejar a melhor atividade para
ela. (Entrevista realizada em JUNHO de 2019).
O atendimento se dá de uma criança por cada vez, ou seja, fazemos um levantamento geral
das crianças que estão dispostas e aptas para nos receber e preparamos o material. Essa
preparação é feita, primeiramente, com a separação do que será usado, se atentando para o
material dos produtos e a higienização. O critério de escolha se detém pela idade da criança,
seus saberes prévios e interesses. Assim, buscamos levar atividades escritas, bem como jogos
pedagógicos e/ou livros paradidáticos para a leitura e apreciação. (Entrevista realizada em
JUNHO de 2019).
Com isso, percebemos que há uma preocupação em as atividades estarem de acordo com a
realidade de cada uma das crianças e/ou adolescentes que são atendidos, ao mesmo tempo em que
podemos perceber a valorização dos conhecimentos prévios desses alunos-pacientes. Portanto, é
extremamente importante que o profissional atuante na área tenha esse olhar sensível e afetuoso.
Constatamos que a Instituição Hospitalar tem, na maioria das vezes, feito um trabalho que
acontece de acordo com as orientações do Ministério da Educação. Logo, acabamos observando, em
conversa com os bolsistas, um aspecto de bastante relevância em relação ao Documento Orientador,
quando este estabelece que “o professor deve ter acesso aos prontuários dos usuários das ações e
serviços de saúde, sob atendimento pedagógico, seja para obter informações, seja para prestá-las, do
ponto de vista de sua intervenção e avaliação educacional.” (Brasil, 2002, p. 18).
Contudo, percebemos que os bolsistas não têm acesso aos prontuários, o que ocasiona um
prejuízo na sua intervenção pedagógica, pois eventualmente eles se deparam com crianças recebendo
alta no momento da intervenção, além de vivenciarem situações nas quais as crianças se encontram
no meio do tratamento da quimioterapia, ou ainda de precisarem perguntar diretamente aos pais o
laudo médico, na tentativa de se aproximarem do que a criança está vivendo e sentindo, e isso acaba
se tornando um momento até desagradável para os pais e mais ainda para as crianças, tendo em vista
o fato de relembrarem tudo pelo qual já passaram e ainda estão passando.
No hospital onde realizamos a investigação existem diversos tipos de projetos que são
executados por voluntários. Esses projetos contam com a ajuda dos voluntários na brinquedoteca, na
sala para os adolescentes e na própria classe hospitalar – local em que ocorre o Projeto “Atendimento
Pedagógico na Classe Hospitalar”. Focando o olhar na classe hospitalar, podemos perceber alguns
aspectos dos voluntários que estavam presentes, ao mesmo tempo em que dialogávamos para saber
das suas práticas. Perguntamos como ocorria o processo para se tornarem voluntários e a resposta
que obtivemos do voluntário 01 foi a seguinte:
No início, passamos por um treinamento periódico para exercer essa função. O treinamento
acontece através de palestras, onde nos esclarecem quais as minhas ações no projeto em que
fui encaminhado, como devo agir, quais os procedimentos que devo ter, etc. (Entrevista
realizada em JUNHO, 2019).
Perguntamos ainda sobre o vínculo deles com a educação, se tinham alguma formação
acadêmica na área ou se havia alguma continuidade nos treinamentos para lidarem com o processo
educativo daquelas crianças. Sobre essas questões, o voluntário 02 respondeu:
Passamos por esse treinamento, mas falando da educação, no sentido de saber como levar
esses ensinamentos às crianças, ainda é superficial, pois não existe uma continuidade no
treinamento. Não temos nenhuma formação acadêmica na área da Educação. Às vezes,
participamos de outras palestras, mas não estão diretamente ligadas ao processo de como
educar, por exemplo, e acabamos fazendo do nosso jeito, além da supervisão da
psicopedagoga. (Entrevista realizada em JUNHO, 2019).
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Essas informações foram encontradas no site da Instituição pesquisada.
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assumindo a sua responsabilidade, como consta na LDB 9394/96, Art. 4º A, que estabelece o direito
à educação que os sistemas de ensino devem oferecer para todas as crianças da educação básica que
estão hospitalizadas.
Outro ponto é sobre a grande rotatividade dos voluntários, no que tange aos dias, já que cada
um tem a obrigação de cumprir apenas poucas horas de voluntariado e uma vez na semana. Assim,
acaba ocorrendo uma interrupção no acompanhamento das crianças, que apenas entram na classe,
fazem algumas atividades ou jogam, e se retiram. Ou seja, enfatizamos a negação de uma das
recomendações do MEC:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível que a educação acontece ao longo de todo o percurso da vida do ser humano e
que não está restrita apenas à escola, ou seja, espaços não escolares também promovem a educação,
como é o caso dos hospitais. O atendimento educacional em ambiente hospitalar, que ocorre na classe
hospitalar, aparece como um local que deve proporcionar conforto e ludicidade e, consequentemente,
aproxima-se de um lugar de acolhimento marcado pelo cuidado e atenção ao bem-estar da criança e
do adolescente. Por isso, surge como um lugar de refúgio também, onde se pode vivenciar uma
pluralidade de atividades e sensações que faz os que ali se encontram esquecer, por momentos, a dor,
o sofrimento e a angústia.
É importante salientar que apesar desses sujeitos estarem dentro dos hospitais, muitas vezes
acamados, a maioria dos pacientes mantém suas funções cognitivas preservadas, o corpo doente não
impõe uma totalidade de debilitação. Auxiliar no desenvolvimento físico e mental das crianças e
adolescentes é uma ação que faz parte do estudo, e este, por sua vez, promove uma estreita relação
entre educação e saúde, e é no hospital que esses vínculos se aprofundam. Toda essa abordagem
torna-se uma maneira de acreditar na infância e preservar a integridade e o direito à construção de
saberes. Então, a possibilidade de dar prosseguimento aos estudos tranquiliza essas crianças e
adolescentes, fazendo-as se sentirem capazes, valorizadas e incluídas socialmente.
Ressaltamos ainda ser por meio do Atendimento Pedagógico no Ambiente Hospitalar que o
prazer do estudo é evidenciado, desenvolvendo na criança e no adolescente a autonomia, o respeito
ao ritmo de aprendizagem nos aspectos cognitivos e afetivos, levando em conta também as condições
físicas e atrelando todas essas questões à sua realidade. Assim, esse serviço proporciona momentos
de descoberta, conhecimento e possibilidade de um desenvolvimento mais completo para a
construção da aprendizagem do indivíduo.
Os resultados apontaram que nenhum dos voluntários que tivemos contato possuía algum
vínculo e/ou formação em alguma licenciatura, além de não possuírem nenhum conhecimento sobre
o Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar, ou seja, a Pedagogia Hospitalar. Foi possível
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perceber também que, de modo geral, os funcionários não conseguem definir um planejamento
didático para as crianças que vão apenas a consultas.
No dia a dia das intervenções, observou-se que os voluntários fazem um acordo com as
crianças, para que elas realizem primeiro a atividade escrita e depois brinquem. Apesar disso, muitas
crianças preferem apenas brincar, devido à rotina hospitalar, além de não haver estratégias
pedagógicas, por parte dos voluntários, que as incentivem a estudar.
Em relação aos bolsistas, ressaltamos que eles vão para a intervenção no hospital duas vezes
por semana, e têm ainda mais uma reunião, que também acontece semanalmente, na própria
Universidade Federal do Ceará (UFC), mediada por uma professora especializada no assunto, e junto
com ela são discutidos textos que tratam sobre a formação do pedagogo e a presença dele dentro do
ambiente hospitalar, além de haver a troca de conhecimento entre todos, com o objetivo de buscar
sempre uma formação mais efetiva, responsável e concreta.
Elencamos ainda que a prioridade para o atendimento que os bolsistas fazem está nos leitos,
pois como bem sabemos, as crianças e adolescentes que se encontram lá não podem sair,
consequentemente, não frequentam a classe hospitalar. Além disso, os voluntários que participam,
atuam diretamente na classe hospitalar juntamente com algum bolsista que não vai para o leito, em
decorrência da falta de atendimento, porque o próprio paciente-aluno não quer e/ou estar disposto, ou
ainda por já ter algum outro bolsista na enfermaria e não poder permanecer mais de um no mesmo
ambiente, devido a normas do hospital – por temerem as infecções cruzadas.
Este fato nos leva a refletir que tais espaços deveriam estar sendo ocupados por profissionais
pedagogos formados e especializados para a área, e que, a partir do momento em que os voluntários
assumem essa posição, dando uma falsa sensação de trabalho pedagógico, as redes hospitalares e o
estado se poupam de contratar os profissionais adequados. Isso é fortalecido, pois não há um
documento oficial que diga com clareza qual o profissional que deve assumir o trabalho no
atendimento educacional no ambiente hospitalar, para realizar a Pedagogia Hospitalar, deixando essa
questão em aberto. Essas circunstâncias nos permitem observar que tal abordagem torna-se
permissiva, e o trabalho pedagógico acaba sendo efetivado por, na maioria das vezes, voluntários que
não possuem pelo menos o conhecimento básico para desenvolver métodos pedagógicos que ajudarão
na evolução e no desenvolvimento das crianças, consequentemente, não existindo nenhuma
intencionalidade pedagógica, algo primordial para um desenvolvimento efetivo.
Conclui-se, portanto, a necessidade de efetivar os profissionais que atuam na classe hospitalar
da instituição investigada, para que o direito à educação seja efetivado, pois a presença de voluntários
sem formação adequada para o exercício da docência descaracteriza os objetivos da classe hospitalar.
Embora a psicopedagoga do hospital tente instruir os voluntários, a prática é feita de acordo com o
que eles acreditam que seja o correto, sem muitas estratégias pedagógicas. Assim, não há qualquer
conhecimento sobre intenções educativas para atuar com o público atendido.
Portanto, recomendamos a elaboração pelo poder público de uma política pública para o
atendimento educacional em ambiente hospitalar, de forma que sejam especificados o perfil, as
atribuições e funções que devem reger o profissional em questão. A elaboração dessa política pode
ser o primeiro passo para a efetivação do direito à educação para crianças e adolescentes
hospitalizados.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 35.
Brasília, 1988.
_________, Ministério da Educação. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e
orientações. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/ Secretaria de Educação Especial, 2002.
__________, (2001). Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. Estabelece as Diretrizes Nacionais de
Educação Especial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF.
CARDOSO, C. M. Uma visão de holística de educação. São Paulo: Summus, 1995.
MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO
E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Elandia Ferreira Duarte
Josefa Jackline Rabelo
Maria Clea Ferreira Monteiro
Maria das Dores Mendes Segundo
Vítor Maia Saboia
Em meados do século XX, o acirramento da crise teórica nas Ciências Sociais é expresso pelo
dualismo centrando entre subjetividade e objetividade na constituição do conhecimento. Analisamos
neste ensaio, alguns aspectos conceituais e metodológicos que alimentam o debate atual sobre o
conhecimento científico, buscando, na contramão, demonstrar, sob a perspectiva ontológica do
marxismo, os elementos fundamentais que alicerçam a compreensão do real, em sua totalidade, a
partir das raízes históricas-filosóficas e do horizonte da emancipação humana, superando, nestes
termos, o antagonismo entre sujeito e objeto na construção do conhecimento.
Nas Ciências Humanas e Sociais, o caminho para alcançar o conhecimento é definido, em
muitos manuais de metodologia do conhecimento científico, como sendo de aplicar: o método, a
técnica, as proposições, os paradigmas, enquanto diversos conceitos de uma pesquisa na área das
Ciências Humanas.
Em linhas gerais, problematizamos que o exercício da pesquisa nas Ciências Sociais, vem
sofrendo entendimentos considerados rasos e preconceituosos quanto a sua veracidade e sua
validação, sendo atestado como uma investigação difícil de ser provada, uma vez que o terreno
pesquisado se pauta no fazer propriamente humano, mutável e consolidado em bases passíveis de
serem apreendidas apenas na realidade histórica concreta.
Dito de outro modo, o conhecimento produzido pelas Ciências Sociais vem padecendo de
profundas limitações, demarcado por retrocessos de natureza positivista, que divulga como critério
de verdade, àquelas pesquisas materializadas em dados pragmáticos, para a construção de um
determinado saber, sobretudo, pontual e/ou imediato, esvaziados de conhecimento histórico. Este viés
pragmático nas Ciências Humanas consolida, por outro lado, investigações baseadas em
subjetivismos e ideologizações advogando uma pseudomultiplicidade da realidade, que justificaria
múltiplos olhares sobre o mesmo fenômeno, aproximando-se assim, da corrente pós-moderna do fazer
científico, interferindo diretamente na consolidação conceitual dessa área.
No campo da educação, não há consenso entre os autores quanto a denominações e formas de
construir pesquisa científica. Há os que defendem metodologia como sendo as técnicas utilizadas para
coleta de dados, como a junção entre teoria e métodos de pesquisa, por vezes, se reduzindo a
conceituação e não a assimilação de todo o processo, (GHEDIN; FRANCO, 2011); há aqueles, que
reclamam um maior rigor teórico-metodológico nas pesquisas nessa área (TRIVIÑOS, 1987); e há
ainda os que utilizam o termo ‘paradigma’, para ampliar e unir numa mesma definição teoria, método,
técnicas ( MAZZOTTI, 1996).
No entanto, o debate é consensual no campo das Ciências Sociais, quando se coloca a questão
da existência da pesquisa qualitativa e suas possibilidades de diálogo com a abordagem quantitativa
no sentido de se construir especificidade e validação na forma de ser ciência. Nos parece, entretanto,
que para além da perspectiva de definição entre qualitativo e/ou quantitativo, é preciso buscar clareza
na compreensão de qual concepção de mundo valida e para quem serve o conhecimento que o
pesquisador está construindo.
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No que concerne à necessidade de uma apreensão maior e mais ampla sobre os caminhos e
bases que norteiam o percurso teórico do pesquisador, que não se constitui em um percurso simples
ou secundário, o que fundamenta e define os resultados da pesquisa, se coloca como central no
processo de investigação de qualquer objeto. Vale ressaltar que método de pesquisa dialoga com os
procedimentos metodológicos da pesquisa, mas que nem sempre são assimilados como idênticos.
Para fins de delimitação desse trabalho, destacamos que iremos partir da concepção de que:
1. teoria é a definição concreta de mundo e a compreensão da realidade por parte do pesquisador, é
sua maneira de captar, perceber e estar no mundo produzindo conhecimentos; 2. método, é o corpo
teórico que possibilita determinadas escolhas, que define seus caminhos e o próprio fim a que se
chegar com o trabalho proposto se conjugando com a totalidade do movimento do real em suas ricas
e complexas mediações – fim aqui, é colocado no sentindo de finalidade teórica, e não definição
preliminar de resultados, sempre na direção de alcançar o objeto no movimento do real – e, 3. técnicas
são as ferramentas que possibilitam esse percurso, viabilizam a coleta de dados para construção do
trabalho, sendo inclusive contraditório definir essas técnicas no início da pesquisa, visto que a
investigação se vai desenhando e solicitando do pesquisador escolhas e não o contrário.
Portanto, a teoria que norteia uma investigação liga-se direta e indissociavelmente ao método
que irá consolidá-la e as técnicas necessárias para sua construção, mas não se confundem e cumprem,
cada uma a seu modo, papel diferente e necessário na análise.
A perspectiva ontológica inaugurada por Karl Marx e resgatada por György Lukács estabelece
um novo patamar de investigação sobre as diversas esferas do ser social, a exemplo da educação. A
crítica ontológica desconstrói a concepção de essência imutável ou a-histórica do homem. A ontologia
marxiana fundamenta que a essência do homem é regida pelo processo histórico e as determinações
naturais, biológica e inorgânica estão presentes, mas, o ser social é construto do e pelo trabalho,
colocando, portanto, o homem como autor de sua própria história.
Nesse sentido, o presente artigo almeja se juntar ao debate onto-histórico que interpreta que o
materialismo histórico-dialético é uma teoria de mundo que contém um modo inovador de produzir
conhecimentos, e que pode fazer uso das mais diversas formas de técnicas para consolidar esse fim,
respeitando sempre as ricas determinações do movimento do real. É uma teoria de mundo que ajusta
sua existência a uma transformação concreta da realidade humana, buscando muito além de fazer
ciência, contribuir no projeto de transformar a sociedade capitalista em uma sociedade emancipada,
pautada no trabalho livremente associado, conforme já apontava Marx em O Capital.
Assim, concebe que entender o materialismo histórico-dialético em sua essência requer um
posicionamento novo do pesquisador, que precisa superar por incorporação todo o arcabouço sobre
método científico anterior a ele, que separa o sujeito do objeto, e perceber método como um processo
da busca de assimilar coerentemente a realidade em sua totalidade e suas amplas determinações a fim
de transformá-la, emancipá-la; não sendo, meramente, um pensar epistemológico ou como um
simples paradigma científico. É válido ressaltar que totalidade não significa simplesmente a soma das
partes, mas sim “realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer
(classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 1976, p.
35, Grifos do Autor).
Karl Marx, ao advogar uma transformação radical da sociedade capitalista, inaugura uma nova
forma de fazer ciência. O método onto-marxiano é uma ruptura no sistema científico ao consolidar
para si uma utilização para além da teorização acadêmica. O método que nasce da teoria marxiana ao
partir do real concreto, impõe o retorno para esse real de forma elevada e reorganizada teórica e
praticamente, sem em nenhum momento se desvincular desse real que não seja apenas abstratamente.
Para Marx, o ponto de partida do conhecimento são os fatos, a empiria e a realidade fática que
constituem a expressão do real – ou seja, a aparência, que apesar de ser importante, não se encerra
nela própria. De acordo com Marx, o investigador precisa ir além da aparência fenomênica do real,
pois esta sinaliza, revela, mas também mistifica e oculta. Para entender e desvelar o real, a princípio
caótico e mistificado, é indispensável o conhecimento teórico e o levantamento rigoroso dos fatos,
em que cabe ao pesquisador identificar e analisar os processos indicados pela realidade. De posse
destas informações, o pesquisador faz o caminho de volta, elaborando a abstração do movimento do
real contraditório, retornando, assim, ao ponto de partida, agora com ricas determinações,
apreendendo o real na sua essência e totalidade.
Para melhor definirmos essa questão de rompimento realizada por Marx com toda a tradição
filosófica e científica anteriores a ele recorremos aqui a (TONET, 2013), que entende, para o construto
do conceito de cientificidade atual, se faz necessário pensar ciência durante todo o percurso histórico
da humanidade, visto esse fator ser determinante para o pensamento científico de cada época-período
histórico da vida humana.
Segundo a referência por último citada, a conceituação de ciência teve três grandes períodos
históricos e consequentemente três padrões científicos: o padrão greco-medieval, o padrão moderno
e o padrão marxiano. Para fins de limites e finalidades desse trabalho, iremos nos situar
especificamente sobre este último conceito.
Em tese, Tonet (2013) destaca que, no período greco-medieval, o conhecimento, ainda que
de forma a-histórica, era pautado na objetividade do mundo real. Desta realidade deriva a
característica metafisica, idealista e ético-política do conhecimento deste período. Já no período
considerado moderno, que surge com o capitalismo, as mudanças na constituição do homem em
sujeito social, implicam uma mudança de centralidade do coletivo para o individual, da objetividade
do real para a subjetividade do sujeito singular. Temos, assim, a lógica do interesse particular se
sobrepondo ao coletivo.
Elucidado isso, começamos por situar que o materialismo histórico-dialético é antes de tudo
uma teoria de mundo que contém em seus fundamentos um método de pesquisa, e isso define a
imposição da realidade humana por sobre o objeto a ser pesquisado, sendo impensável destituir tal
método de sua ligação direta com o projeto coletivo de transformação da realidade social capitalista,
pois, para essa teoria, o que se impõe como centralidade não é pensar o mundo como finalidade em
si mesmo, mas pensar o mundo para transformá-lo (MARX; ENGELS, 1998).
O onto-método marxiano, ao efetivar um pensar sobre o mundo que não se limita ao pensar
acadêmico, mas se vincula diretamente à realidade da classe trabalhadora buscando desvelar suas
amarras e limites impostos pelo capital, apresenta-se, como um momento de ruptura com todo o
legado anterior de construção de ciência, ruptura que, todavia, carrega no seu cerne, como não
poderia deixar de ser, à custa de ser contraditório com sua própria proposta, uma continuidade
histórica com o conhecimento acumulado anteriormente:
[...] Numa palavra: Marx não fez tábula rasa do conhecimento existente, mas partiu
criticamente dele. Cabe insistir na perspectiva crítica de que era legatário. Não se trata, como
pode parecer a uma visão vulgar de “crítica”, de se posicionar frente ao conhecimento
existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o “bom” do “mal”. Em
Marx a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-
os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo
tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processors
históricos reais. É assim que ele trata a filosofia de Hegel, os economicistas políticos ingleses
(especialmente Smith e Ricardo) e os socialistas que o precederam (Owen, Fourier et alii)
(PAULO NETTO, 2011, p. 18).
E também,
Trata-se, antes, de assimilar, também nesse caso, a concepção marxiana da realidade: ponto
de partida de todo pensamento são as manifestações factuais do ser social. Isso não implica,
porém, nenhum empirismo, embora, como já vimos, este também possa conter uma intentio
recta ontológica, ainda que incompleta e fragmentária. Todo fato deve ser visto como parte
de um complexo dinâmico em interação com outros complexos, como algo que é
determinado, tanto interna como externamente, por múltiplas leis. A ontologia marxiana do
ser social funda-se nessa unidade materialista-dialética (contraditória) de lei e fato (incluídas
naturalmente as relações e as conexões). A lei só se realiza no fato; o fato recebe
determinações e especificidade concreta do tipo de lei que se afirma na intersecção das
interações. Se não se compreende tais entrelaçamentos, nos quais a produção e a reprodução
sociais reais da vida humana constituem sempre o momento predominante, não se
compreende nem sequer a economia de Marx (LUKÁCS, 2012, p. 338).
[...] para viver, é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas
mais. O Primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem satisfazer
essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso mesmo constitui um fato
histórico, uma condição fundamental de toda a história que se deve, ainda hoje como há
milhares de anos, preencher dia a dia, hora a hora, simplesmente para manter os homens com
vida (MARX; ENGLES, 1998, p.21).
A partir desse entendimento podemos perceber que esse primeiro fato histórico é o elemento
fundante do ser social e imprescindível para qualquer objeto de investigação em que se queira fazer
uma análise profunda, visto ser a partir de seu surgimento que podemos falar da realidade humana.
Para Marx,
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo
em que o ser humano, como sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em
movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de
apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria
natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio as
forças naturais (Marx, 2012, p .211).
Qualquer pesquisa, que leve em consideração a história como uma totalidade e não apenas
como abstrações isoladas, tem possibilidade de elaborar um conhecimento mais próximo da essência
do objeto estudado.
A concepção supracitada, que nas palavras de Marx na própria obra, consiste, resumidamente,
em um resultado geral que, uma vez obtido, serviu de guia para seus estudos, também deve assistir
como pressuposto para os esforços de quem tenta compreender determinado objeto a partir do método
inaugurado pelo filósofo alemão.
Pensar o trabalho como forma de garantia do surgimento e da manutenção da vida é ter claro
que as condições materiais de qualquer época, precisam ser levadas em consideração em qualquer ato
de investigação da ciência. Como ato fundador do ser social, o trabalho carrega em si a eterna busca
do novo, que ao nascer e suprir as necessidades de subsistências do ser social, gera novas
necessidades, sendo esse um ato histórico interminável e contínuo, por isso sendo necessário
acompanhar suas modificações e suas interferências para cada época da história humana.
Ressaltamos, no entanto, que é importante não cair na compreensão mecanicista de que a
determinação da estrutura econômica sobre a superestrutura ocorre de forma unilateral, como uma
via de mão única. Apesar de extensa, acreditamos ser relevante expor a seguinte citação em que
Engels, em carta a Bloch, chama a atenção para não cairmos nesse erro.
Segundo a concepção materialista da história, o fator que, em última instância, determina a
história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez se
quer, algo mais do que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fator econômico é o
único fato determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata e absurda. A situação
econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as
formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida
uma batalha, a classe triunfante redige, etc, as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de
todas essas lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas,
filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num
sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em
muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante. Trata-se de um jogo
recíproco de ações e reações entre todos esses fatores, no qual, através de toda uma infinita
multidão de acasos (isto é, de coisas e acontecimentos cuja conexão interna é tão remota ou
tão difícil de demonstrar que podemos considerá-la inexistente ou subestimá-la), acaba
sempre por impor-se, como necessidade, o movimento econômico. Se não fosse assim, a
aplicação da teoria a uma época histórica qualquer seria mais fácil que resolver uma simples
equação de primeiro grau (Grifos nossos).
A partir de tal exposição é preciso ter claro que a estrutura econômica de qualquer época e sua
consequente superestrutura precisam ser levadas em consideração em qualquer ato de investigação
científica de viés social. Os desdobramentos da forma que os seres humanos produzem a vida e suas
consequências interferem ativamente nos objetos de estudo que lançamos mão de compreender.
Partindo dessa premissa, parece-nos necessário pontuarmos que no atual momento o capital
se encontra em crise estrutural sem precedentes1 iniciada, mais ou menos, no começo da década de
1
Apoiamo-nos aqui na definição de Mészáros (2011), que indica que atual crise sofrida pelo capital, é sem precedentes e
não apenas mais uma crise cíclica como as anteriores, para ele a atual situação do sistema é insuperável e nos levará
irrevogavelmente ao socialismo ou a barbárie total.
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1970, e que cada vez mais se agrava e atinge a humanidade em toda a sua totalidade objetiva e
subjetiva. A crise estrutural do capital atinge a sociedade em todos os seus âmbitos: da economia, a
política, a arte, até diretamente a construção da subjetividade dos indivíduos inseridos nesse sistema.
Toda ação humana por menor que seja e por mais individualizada que se proponha, é atravessada por
este fato: a atual crise estrutural do sistema capitalista.
Neste sentido, uma pesquisa que se assenta no materialismo histórico-dialético na atualidade,
precisa partir das determinações impostas por tal crise a sociedade, para desvelar, com rigor científico,
os seus desdobramentos e rebatimentos no objeto investigado.
Por fim, ainda que tendo consciência da abordagem limitada exposta aqui, compreendemos,
portanto, da necessidade de apreender o método onto-histórico marxiano, como importante construto
de pesquisa e de elaboração do conhecimento filosófico-cientifico, na busca de uma pesquisa social
que se paute no movimento do próprio real e que sempre aponte no horizonte a transformação da
lógica desumana da sociedade capitalista,
Estamos diante de um quadro tão adverso e de obscurantismo em relação à ciência e ao
conhecimento acadêmico, com a expansão da negação do conhecimento sistematizado e teorizado.
Nesta direção, a ofensiva ao marxismo torna-se mais agressiva, o que faz necessário o resgate dessa
teoria, de natureza radical, crítica e classista, uma vez que o onto-método se mostra como o mais
coerente e com mais possibilidades analíticas mais ricas e complexas frente ao o perverso mundo
capitalista que interpõe limites ao processo e construção de conhecimento efetivo, obstacularizando
o pleno desenvolvimento das reais necessidades do gênero humano.
REFERÊNCIAS
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. O debate atual sobre os paradigmas de pesquisa em educação. Cadernos de
pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso). São Paulo: v. 96, n. 96, p. 12-23, 1996.
ENGELS, Friedrich. Carta para Joseph Bloch. Disponível em:
<http://www.unioeste.br/projetos/histedopr/bibliografia/Carta_Engels_Bloch.pdf>. Acesso em 27 ago. 2019.
FILHO, José Camilo dos Santos; GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. 3 ed. São
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A RELAÇÃO ONTOLÓGICA
ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO
Rita Oliveira de Carvalho
Rosani de Lima Domiciano
Mirela Máximo Bezerra
INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva tratar da relação ontológica entre trabalho e educação, possibilitando aos
leitores uma visão acerca da temática e trazendo a contribuição do trabalho como ato fundante para
o desenvolvimento do homem e da sociedade, sua relação ontológica, bem como a contribuição da
educação enquanto ato social fundante que constitui o ser social. Todo caminhar metodológico
ocorreu a partir de estudos baseados em pesquisas de autores como: Lima (2009), Mendes Segundo
(2005), Santos (2013; 2017), Marx (2010; 2013), entre outros, que remetem às noções de educação e
trabalho e sua relação ontológica.
Para Marx (2013), o trabalho é o ato que funda o sujeito em meio à natureza, mas não é o que
o esgota, pois existem outros elementos essenciais que são fundamentais para este desenvolvimento.
Este estudo se justifica por considerarmos o trabalho e a educação como ferramentas fundamentais
para o desenvolvimento do ser humano como sujeito na sociedade e, portanto, pela urgente
necessidade da continuidade dessa relação. Neste intuito buscamos neste artigo mostrar a importância
do desenvolvimento do trabalho relacionado a educação como ponte de contribuição para o
desenvolvimento do sujeito de forma significativa, e sem exploração do sujeito.
Como pontua Marx (2013), é por meio do e pelo trabalho que nos tornamos humanos. Além
do trabalho existem outros complexos, a exemplo da educação, responsável pela transmissão para as
gerações dos conhecimentos produzidos pela humanidade. Ao longo da relação homem e natureza,
em que ambos se transformam, o homem adquire conhecimentos e habilidades, desenvolvendo as
forças produtivas.
Neste desenvolvimento da força produtiva, o homem faz uma ampliação de suas habilidades
na construção de aprendizagens significativas, percorrendo sua história no meio da sociedade a partir
de seu do trabalho. E como elucida Lima,
O fundamento ontológico do devir humano dos homens, conforme a concepção
marxiana/lukasiana, reside nas ações humanas, tem caráter imanente. Os homens fazem a sua
história porque são seres sociais, cuja realização de posições causais tem caráter consciente
(2009, p. 21).
Esse caráter consciente é assumido por meio da transformação que o homem faz no seu
processo de transformações no meio social, que está inserido através de seu trabalho. Em outras
palavras, Marx (2010) afirma que é por meio do trabalho que ocorre todo o processo de transformação
da natureza, através do qual o ser humano, em seu processo de manutenção da vida, tem de utilizar
do trabalho como convivência para a sobrevivência. Nessa esteira, Santos (2017) diz que “é o trabalho
que opera a humanidade no homem. Isto é, o que diferencia dos outros animais é o trabalho, pois para
transformar a natureza, transformando-se com ela, ele planeja antecipadamente suas ações” (2017, p.
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44). No processo de formação do sujeito, são necessários vários elementos para o seu
desenvolvimento, e o trabalho é um fator primordial para a transformação deste que dia a dia vai
sendo moldado na sociedade, pois, como indica Marx,
Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem. Uma
aranha executa operações semelhantes a do tecelão, e uma abelha envergonha muitos
arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é o fato de que primeiro tem a colmeia em sua mente antes de
construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já está
presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que
já existia idealmente (2013, p. 255/256).
Neste sentido, o trabalho sendo um ato fundante é uma forma de transformação do sujeito, sua
relação direta com a natureza que tem seu poder de propiciar ao homem novos conceitos e
conhecimentos. Nessa perspectiva, Lima (2009, p. 22) aponta que “o trabalho, ato gênese da
humanidade do homem, ao realizar a ruptura com o âmbito estrito da naturalidade, inaugura a história
humana como resultante das relações sociais efetivado pelo próprio homem”. Diante disso, o homem
passa a encarar os desafios existentes no meio natural e, ultrapassando este momento, faz um salto
para uma transformação real do conhecimento. Nesse salto, o homem faz uma mudança significativa
que possibilita avanços em seu desenvolvimento.
Nessa mesma perspectiva, ocorre uma mediação entre a natureza e o homem para a produção
do novo pelo trabalho, acontecendo um salto1 do natural para a natureza transformada através da
mediação do homem. Assim, este desempenha a função de transformador na natureza e a si próprio,
e isso se chama “trabalho” que, ao fundar o sujeito, o transforma em um novo ser. Este novo homem
volta para a sociedade como um novo ser, transformado, mas carregando em si sua essência enquanto
sujeito que convive em meio a conhecimentos e transformações cotidianamente. Como aponta Marx,
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e natureza, processo em
que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza. Defronta-se com a natureza com uma de suas forças (MARX, 1987,
p. 2002).
Essa participação envolve a transformação do sujeito através de seu ato com a natureza, como
bem esclarecem Lessa e Tonet, “o trabalho é o processo de produção da base material da sociedade
pela transformação da natureza” (2011, p. 121). Essa transformação ocorre no cotidiano da sociedade
em que o homem está inserido, participando e convivendo no meio social. Como aponta Tonet,
Vale notar, ao longo deste processo, também vão se constituindo as duas grandes classes que
serão eixos fundamentais desta nova sociedade: a classe burguesa e a classe proletária. A
primeira, através da transformação da maioria dos servos e camponeses em comerciantes e
depois em industriais e a segunda através da transformação da maioria dos servos em força
de trabalho livre. Deste modo, vai se constituindo a célula mantedora da nova forma de
sociabilidade: o ato de compra e venda de força de trabalho, com todas as suas exigências e
consequências (2016, p. 36).
Ocorre, portanto, uma transformação do trabalho por meio da divisão de classes que fazem
dessa divisão uma exploração de mão de obra dos proletariados para o poder da burguesia. Na esteira
Lukács (2004, p.92), apud Costa, Paula e Morais (2013, p.43),
O desenvolvimento do trabalho contribui para basear cada vez mais em decisões alternativas
da práxis humana, do comportamento do homem frente ao ambiente a ele mesmo, como
descobridor do antes desconhecido, que passa a ser parte de sua formação como sujeito que
aprende cotidianamente.
1
Na compreensão de Lukács (1981, p. 17-18), todo salto implica uma mudança qualitativamente e estrutural do ser, onde
a fase inicial certamente contém em si determinadas premissas e possibilidades [...] (apud Ferreira Lima, 2009, p. 23).
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Para Lukács (2004) “[...] o trabalho é, portanto o momento predominante que inaugura o novo
ser, o ser social/humano (apud COSTA, PAULA E MORAES, 2013, p. 91). Este ser, ao desenvolver
sua função no trabalho, aprende novos conhecimentos e transforma seu meio e a si mesmo. Nessa
esteira, Santos afirma que,
[...] o trabalho tem na sua essência a capacidade de lançar o homem para além de sua própria
efetivação. A transformação a natureza através do trabalho possibilita a criação de algo novo,
completamente inexistente no âmbito natural biológico. O processo de criação do novo,
inaugurado pelo trabalho, não se restringe a produção de objetos, pois ao transformar o meio
natural, o trabalho age sobre o próprio homem, transformando-o de ser biológico em ser
social. Dessa forma da atividade vital do homem origina-se uma nova esfera do ser social
(2013, p. 23).
Sem trabalho não há homem socialmente constituído, já que, através do trabalho, os homens
obtêm uma transformação por meio da natureza e, a partir dessa nova fase, saltam e rompem com o
natural. Este salto ocorre através da transformação que o sujeito desenvolve no meio da sociedade a
partir do trabalho.
Dessa maneira, como já analisado, o trabalho, em um complexo ontológico, é o que funda o
ser social, levando este a obter novos conhecimentos e transformações no meio em que está inserido.
No âmbito deste debate,
Afirmar o trabalho como categoria fundante do ser social não significa entender que haja
uma separação cronológica entre o trabalho e outros complexos do ser social, como a
linguagem e a consciência cuja efetivação derivou do salto ontológico que rompeu com a
esfera natural e inaugurou a sociabilidade humana (LIMA, 2009, p. 29).
Este salto ontológico derivou com os novos conhecimentos e transformações que o homem
foi fazendo e envolvendo no meio social através de seu trabalho. Assim, ao perceber que este
elemento poderia levar a novas descobertas e novas aprendizagens, foi se desenvolvendo e
construindo novos elementos dia a dia. Ainda para a autora:
Como podemos perceber na citação elencada acima, o trabalho, sendo produzido pelo homem,
o transforma, possibilitando a este um desenvolvimento novo, o qual é inaugurado a partir do
trabalho. Para Lessa e Tonet (2012), é pelo trabalho, sendo ato fundante, que se realiza o intercâmbio
do homem com a natureza, fazendo este desenvolver suas potencialidades na sociedade (2012, p.18).
Como abordam os autores, o trabalho faz parte de um desenvolvimento histórico, podendo ser
modificado a partir das transformações da sociedade, que se modificam cotidianamente. Assim, como
apontam Freres, Rabelo e Mendes Segundo:
O trabalho é criador dos homens. Na medida em que o homem transforma o existente para a
satisfação de suas necessidades, transforma também a si enquanto ser genérico, pois nesse
processo de modificações do existente, adquire novas habilidades e novos conhecimentos
que precisam ser universalizados. Em cada objetivação/exteriorização, surge uma nova
situação histórica que impõe os indivíduos a descoberta de novas possibilidades de realização
de necessidades, complefixicando o gênero humano cujo desenvolvimento caminha para a
universalização de sua história e ampliação das individualidades (2008, p.1).
conhecimentos que, por sua vez, são transformados em novas aprendizagens significativas como
objetivação. Isso nos remete à citação de Lessa e Tonet quando dizem que:
O resultado do processo de objetivação é, sempre, alguma transformação da realidade. Toda
objetivação produz uma nova situação, pois tanto a realidade já não é mais a mesma (em
alguma coisa ela foi mudada) quanto também o indivíduo já não é mais o mesmo, uma vez
que ele aprendeu algo com aquela ação (2012, p. 19).
Lima diz que “o ser social, cujo momento predominante repousa no trabalho, não perde o
liame ontológico com as demais esferas, produzindo como resultado um caráter unitário do ser em
geral (2009, p. 24)”. Neste sentido, o sujeito carrega consigo sua essência, mesmo com a
transformação do trabalho, o ser tem em si uma essência natural e essa naturalidade faz parte de cada
sujeito que, ao se deparar com uma nova transformação do trabalho, deve saber identificar sua
transformação, mas permanecer com sua essência natural.
Como aponta Ribeiro (2015, p. 35), “o trabalho faz com que o conhecimento do homem acerca
da realidade e acerca de si mesmo, torne-se cada vez mais ampliado”. Dessa forma, torna-se
fundamental reforçar que o trabalho desenvolve no sujeito um conhecimento aprofundado,
transformando a si e o meio social. Já o espaço educacional deve oferecer uma educação que seja
democrática e transformadora, voltada para a emancipação. Neste sentido, o ser social tem todo seu
processo de desenvolvimento, permitindo-se um novo salto, inaugurando um novo mundo, um novo
sujeito, uma nova aprendizagem significativa, levando este novo homem a conviver na sociedade
com novas formas de conhecimentos e aprendizagens significativas. Como aponta Ribeiro:
A categoria trabalho se universaliza como instrumento do intercâmbio entre a natureza e o
homem [...]. A educação, por sua vez é chamada a garantir a transmissão dos conhecimentos,
habilidades, e valores necessários para que o ser humano se torne sujeito apto a viver em
sociedade e responda as necessidades, surgindo na práxis social, para pensar em algo novo,
projetando a superação das condições que atormentam a humanidade em sua trajetória
histórica (2015, p. 30).
O trabalho é intercâmbio entre a natureza e homem, pelo qual ocorre o salto transformador. A
educação, por sua vez, é caracterizada pela transmissão de conhecimento, para um desenvolvimento
necessário ao sujeito inserido na sociedade, fazendo na sua práxis social o desenvolver da superação
das ordens vigentes que mascaram o sistema, estabelecendo a importância da transformação e
valorização do aperfeiçoamento de novos conceitos. Para Freres, Rabelo e Mendes Segundo:
A complexidade das relações sociais impôs ao homem a criação de outras atividades que
tenham a função de mediar à reprodução social. Surge, portanto, a educação, atividade
fundada pelo trabalho. Sua função é, pois, a reprodução do ser dos homens cujas objetivações
precisam ser universalizadas para todos os indivíduos. Assim, a educação surge como
atividade que, além de repassar o saber historicamente acumulado pelos homens, atua na
subjetividade, influenciando os indivíduos para agirem dessa ou daquela maneira (2008, p.
2).
Como aponta Lima (2009), a educação possibilita, no meio da sociedade, uma interação,
conhecimento e aprendizagem que deve possibilitar ao sujeito significativas transformações
fundamentais para a qualificação profissional. Ainda para a autora, a “educação é imprescindível em
todos os modos de organização social porque sua função consiste em articular ao genérico,
reproduzindo no individuo as objetivações produzidas ao longo do desenvolvimento do gênero
humano e, com isso, possibilitando a continuidade do ser social” (LIMA, 2009, p.109).
Nestes termos, a educação desempenha um papel importante na sociedade, levando os
indivíduos a desenvolver novos conceitos que se tornam fundamentais ao passo que leva estes a
unificar os complexos da educação aos complexos do trabalho, transformando-os através de seu
desenvolvimento enquanto sujeitos em constantes mudanças significativas. Para Pereira:
É o trabalho o complexo base sobre o qual a práxis social se move, processual e
historicamente sem esgotar jamais as possibilidades da criação de algo novo na realidade
humana. Nesse sentido, a educação, assim como outros complexos, está inserida na realidade
social compondo o quadro da totalidade, para cumprir necessidades humanas estabelecidas,
tanto no plano da singularidade dos indivíduos como da generidade, mediante apropriação e
transmissão do patrimônio cultural. Com efeito, a educação é um complexo de formação
humana que se relaciona com o complexo do trabalho com a totalidade social e como esfera
do conhecimento (2015, p. 32).
Neste caminhar, educação e trabalho, em seus termos ontológicos, são as bases para a
possibilidade da transformação do sujeito enquanto ser em processo de transformação no dia a dia,
em busca de conhecimento. Dentro dessa lógica, Lima diz que a “Educação surge para desempenhar
essa função imprescindível: através dela cada indivíduo singular se apropriam das objetivações que
constituem os traços de sociabilidade, as características humano–genérico produzido pelos próprios
homens” (2009, p. 109).
Como podemos perceber a educação é articulada aos diversos complexos existentes na
sociedade, que se aproximam de conhecimentos significativos e produzem novos conceitos que
servem para sua transformação como sujeito em busca de aprimoramento.
Por meio do trabalho, ocorre um salto ontológico, a partir do qual são inaugurados novos
elementos para uma construção de uma nova esfera. Assim, a educação lançada em sentindo restrito
atende apenas a uma particularidade da sociedade, enquanto que a educação em sentido lato atende
toda a população, sem restrições. Mas o que se observa na contemporaneidade condiz com que aponta
Lima:
A corporação exige uma educação em sentido restrito, orientada para aquela formação
específica. Com a manufatura e a industrialização, as exigências postas para a formação e os
indivíduos alargam-se ainda mais e produzem consequências significativas no complexo da
educação. A principal dela se traduz no terceiro movimento que encontramos como
consequência da influência da complexificação do trabalho sobre o complexo da educação e
consiste na transformação da educação de um complexo universal, espontaneamente
reproduzido, em sentido amplo, para a educação em sentido restrito, todavia não se traduz na
eliminação da educação em sentido lato (2009, p. 115).
A educação em sentido restrito surge para atender aos interesses da sociedade de classes; neste
sentido, burguesia e proletariado são as classes fundamentais do modo de produção capitalista. Para
Lima:
Ainda pondera a autora que, “por outro lado, em sentido lato, a educação é reproduzida
espontaneamente e não pressupõe a divisão de classe; já em sentido restrito sua reprodução é
influenciada pelos antagonismos da classe” (2009, p. 115). Para Lima (2009), a diferença entre esses
dois tipos de educação é que a primeira, a educação estrito sensu, serve para uma educação particular
e a segunda, a educação lato, se realiza pela síntese dos atos que fazem parte de toda uma sociedade.
A segunda busca propiciar uma educação transformadora ao sujeito, levando-o a se desenvolver de
forma qualificada para enfrentar os desafios existentes na sociedade, enquanto que a primeira serve
para impor ideologias dominantes à classe do proletariado.
Nessa perspectiva, Lima diz que “a educação em sentido restrito, ao incidir sobre a educação
em sentido lato, estende a ela a ideologia dominante que influencia sua prática” (2009, p.116). Nessa
esteira, compreende-se que a educação unificada ao trabalho segue uma proposta voltada para a
burguesia, para o crescimento do capital. A educação como ato fundado deve favorecer uma
transformação real do sujeito, levando-o a uma qualificação fundamental perante a sociedade. Já no
trabalho como ato fundante do sujeito, é pertinente que este desenvolva cotidianamente sua
transformação, levando-o a saltos de transformação que favoreçam possibilidades significativas
perante a sociedade.
Como diz Lessa, “[...] o trabalho é atividade de transformação da natureza pela qual o homem
constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social da qual é partícipe”
(2012, p. 26). Como aponta o autor, o trabalho é base de transformação do sujeito na sociedade,
levando-o a se desenvolver cotidianamente. Para Sousa Junior, “quanto mais profundo for o processo
de transformação do homem, tanto mais ele ultrapassará as limitações do desenvolvimento unilateral
burguês, tanto mais livre este estará dos valores, ideologias e condicionamentos da sociedade do
capital” (2010, p.35).
Portanto, por meio do complexo da educação, os homens podem pleitear uma verdadeira
mudança social, a emancipação. Quanto mais instruído for um povo, uma nação, menos se deixará
alienar.
CONSIDERAÇOES PRÉVIAS
Neste estudo foi possível compreender que o trabalho em seu sentido ontológico transforma
o ser, levando-o a identificar que, através de salto ontológico, ocorre todo processo de
desenvolvimento e transformação, colaborando para um conhecimento que contribui em seu processo
de homem livre. Aponta Lessa que “o trabalho enquanto categoria fundante é o complexo que cumpre
a função social de realizar o intercâmbio material do homem com a natureza, é o conjunto de relações
sociais encarregado da reprodução da base material da sociedade” (2012, p. 28). Neste sentido, o
trabalho fornece ao sujeito uma função de realização de sua transformação como pessoa que busca
conhecimentos e aprendizagens em seu caminhar.
Já a educação fornece suporte necessário e primordial ao sujeito, levando-o ao pleno
desempenho de aprendizagens significativas para uma obtenção de qualificação profissional. Para
Freres, “[...] o salto ontológico entre o ser e as outras esferas é o surgimento do homem como um ser
capaz de trabalhar e produzir sua própria vida” (2008, p. 23). Nestes termos, a educação e trabalho
em seu sentido ontológico são bases fundamentais para a transformação do ser enquanto sujeito que
busca a construção de conceitos antes não adquiridos.
À guisa de conclusão, a educação institucionalizada, ou seja, a Escola, é o lugar, por
excelência, de aprendizagem dos conhecimentos sistematizados, podendo contribuir para a
construção da necessária emancipação dos homens e mulheres, desejosos de libertação dos grilhões
do sistema capitalista de produção com todas as suas barbáries.
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TONET, Ivo. Método Científico: uma abordagem ontológica. 2. ed. Maceió: coletivo Veredas, 2016.
INTRODUÇÃO
Nem sempre o óbvio é tão óbvio quanto a gente pensa que ele é. E, às vezes, quando a gente
se aproxima da obviedade e toma a obviedade na mão, e dá uma rachadura na obviedade, e
entra na obviedade para vê-la desde dentro e de dentro e por dentro (isto é, ver o óbvio de
dentro e dentro dele olhar para fora), é que a gente vê mesmo que nem sempre o óbvio é tão
óbvio (BRANDÃO, 1982, p. 92).
O excerto que abre este artigo serve para nos mostrar um caminho de desvelamento da
realidade. Percurso esse que pode ser percorrido com o auxílio de instrumentos que permitem melhor
conhecer o real. Tais instrumentos são eivados de concepções, de métodos e de procedimentos
próprios para tal tarefa. Esta, é realizada, dentre outras formas, por meio da pesquisa científica1.
Espaço de criação e de formulação de saberes que funcionam como “lentes” para melhor
visualizarmos as diferentes possibilidades do objeto a ser observado.
A tarefa da ciência não se limita apenas a descrever o mundo real, mas, também, explica-lo.
Para tanto, faz-se necessário a utilização de metodologias que melhor se adequem ao tipo de
abordagem que o pesquisador pretende adotar. A metodologia escolhida foi desenvolvida com base
nas concepções do sujeito que pesquisa, mas, também, da natureza do fenômeno a ser observado.
Ambos os critérios são inter-relacionados e não excludentes.
A pesquisa, principal forma de se fazer ciência ou realizar essa elaboração sobre o real,
encontra bastantes desafios, seja pela própria natureza das coisas, o caráter não explícito dos
fenômenos, seja pelas necessidades estruturais2 (materiais, local de análise, financiamento, eventuais
auxiliares/parceiros de pesquisa, etc.) de tal empreitada. Esse desvelar que a empreitada científica
realiza ocorre pelo fato de “[...] a realidade não ser transparente. A aparência e a essência dos
fenômenos não coincidem, embora uma revele elementos da outra” (GOHN, 2005, p. 255). Daí a
necessidade do trabalho científico e das pesquisas sobre a realidade.
Para a nossa concepção de trabalho docente, a pesquisa deve ser revestida de características
especiais. Sobretudo quando se debruça sobre espaços educativos (formais e não formais). Falamos
isso, pois, enxergamos a relação ensino-pesquisa como uma unidade indissolúvel. Se a nossa defesa
é de práticas educativas dialógicas e emancipadoras, não visualizamos de forma diferente o trabalho
de pesquisa educacional.
1
A Arte e a Filosofia também lidam com a realidade. A diferença é que à primeira, cabe a reprodução ou crítica do real.
Já a segunda tem a incumbência de levantar questionamentos sobre ele.
2
Necessidades que, não raro, tornam-se verdadeiros problemas. Um exemplo atual e emblemático é o corte de gastos na
educação que afeta os órgãos de financiamento e apoio à pesquisa nas universidades públicas.
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A pesquisa em Educação se revela, assim como uma “lente”, a partir da qual o pesquisador
melhor compreenderá a realidade em que está inserido. Tal instrumento, no entanto, não deve ser fim
em si mesmo, mas, intermediário para a expressão e movimento do objeto na relação com o sujeito
que pesquisa, uma vez que:
[...] um objeto de pesquisa nunca é dado; é construído. Ou seja, não é um pacote fechado
que o pesquisador abre e investiga. É um conjunto de possibilidades que o pesquisador
percebe e desenvolve, construindo, assim, aos poucos, o seu objeto (NOSELLA, 2009, p.57).
O referencial teórico a partir do qual deve ser pautada a pesquisa em educação é de extrema
importância, uma vez que estará combinado às concepções e aos métodos que o pesquisador,
porventura, adotará na pesquisa. O referencial é importante, seja no desenvolvimento do estudo seja
na própria prática docente. Não é raro os professores em sala de aula realizarem o trabalho docente
sem se preocuparem com qual teoria irá se embasar. No entanto, involuntária e inconscientemente,
ao ter determinada postura em sala, está a se aproximar ou a se concretizar determinada concepção
educacional.
3
Claro que não são todas as metodologias de pesquisa que apresentam essa abordagem. O Positivismo, por exemplo,
pretende utilizar as formas de compreensão típicas das ciências naturais e não ciências humanas, como a mera observação
dos fenômenos e extração de dados.
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O fragmento acima nos traz um dos objetivos mais marcantes, talvez o principal, da pesquisa
em educação: melhorar o sistema educacional. Tornar mais aptos e eficazes os processos educacionais
de formação de sujeitos, ao mesmo tempo em que se constroem melhor as relações sociais insertas
nos espaços educativos. A sala de aula deve ser um espaço de afetos, de paixões e de barulhos, mas,
sobretudo, de formulações próprias de saberes. É a “velha” pedagogia da autonomia defendida por
Paulo Freire que deve entrar em ação.
Por fim, é necessário realizar um percurso que demonstre ser o objeto revestido de
características que o tornem universal. Quer dizer, o estudo sobre determinado problema deve estar
relacionado a uma estrutura que o conecte a um todo mais amplo. Exemplo: fechamento de escolas
do campo no Município de Jaguaruana-CE. Tal problemática deve ser vista sob a perspectiva que
atente para quais políticas estatais se relacionam com isso, se o fenômeno é pontual ou algo
generalizado no Ceará ou no Brasil, se há outras dinâmicas relacionadas que influem nesse problema.
Daí a importância da escolha de um adequado método de pesquisa.
O método dialético, por exemplo, tenta trilhar tal percurso de ida e de volta, particular-geral-
particular, além de relacionar o particular com o contexto de forma a integrá-lo em um todo. Nos
estudos sobre educação, tal método “[...] investiga a conexão íntima entre a forma pela qual a
sociedade produz a sua existência material e a instituição escolar que cria. [...] o fundamental do
método está [...] na relação constitutiva entre eles, pois esses termos só existem nessa relação
(NOSELLA, 2009, p. 78).
bancária4. Os estudos sobre a AJUP, por sua vez, propõem-se a apresentar alguns elementos da
prática político-pedagógica freireana para uma perspectiva de formação do jurista com vieses
dialógicos, horizontais e emancipatórios, bem como exercícios de expansão da positividade jurídica
que podem produzir reflexos na prática e na teoria jurídica.
Numa sociedade crescentemente complexa e conflituosa, identificamos nas assessorias
populares possibilidades de contribuições para esse tipo de formação, uma vez que elas caminham na
contramão de um fazer pedagógico no curso de Direito expressado e legitimado como conhecimento
jurídico acrítico, insuficiente para a resolução de conflitos. Tais problemas vão formar um aplicador
da lei ideologicamente desideologizado5 e distante dos problemas do seu tempo e dos diversos fatores
que influenciam a formação jurídica.
Daí a necessidade de uma formação do jurista que implique saberes reflexivos que pensem a
própria teoria enquanto se fazem prática e vice-versa. A pesquisa cumpre função importante nesse
sentido, seja como denúncia desse tipo de formação antidialógica e acrítica, seja como elemento que
possibilite enxergar e incluir contribuições no Ensino Jurídico.
O tipo de trabalho educativo que a inserção em práticas de assessoria popular realiza pode
instaurar uma nova cultura jurídica na qual percebemos possibilidades de se poder realizar uma
educação jurídica popular. Um modelo educativo, que leve em consideração os âmbitos político,
econômico e cultural, configurando um quadro:
“[...] em que a atuação do profissional tende a ser crítica e transformadora da realidade social
[...]” reverberando no “[...] surgimento de um jurista engajado, em busca da aplicação
libertadora do direito, como instrumento de contestação política e de resgate das classes
sociais que permanecem à margem da ordem jurídica liberal burguesa [...]” (MACHADO,
2009, p. 210).
4
Modelo de ensino voltado para a mera transmissão de conteúdo, envolvendo hierarquização de saberes e distanciamento
entre aluno e professor. À educação bancária, Freire vai propor a Pedagogia da Autonomia, fundada na ética da docência
e no amor pela formação de sujeitos que se envolvem no processo de educação, identificados como atores protagonistas
da apreensão do conhecimento. Aqui a realidade do educando é observada e reconhecida como pré-saber e será
problematizada por essa educação que será política por que eivada de intencionalidades: a da emancipação e da libertação
do povo oprimido (FREIRE, 1996).
5
Expressão utilizada por Roberto Lyra Filho, autor que trouxe a reflexão marxista para o direito. Lyra vai afirmar que o
profissional formado nos bancos das faculdades de Direito, essas mesmas que aplicam a educação bancária, segue
destilando a dogmática jurídica juspositivista e nos moldes do Estado Burguês sem problematizações a fundo ou tentativas
de utilização alternativa dos possíveis instrumentos emancipatórios do direito. O que significa reproduzir a ideia da
neutralidade do direito e da desideologização dele. É assim que esse futuro profissional vai sendo ideologicamente
desideologizado (LYRA, 1985).
6
No campo jurídico, a Teoria Crítica vai questionar: o caráter científico do direito, por lhe faltar a pretendida objetividade
que decorreria de uma irreal aplicação mecânica da norma ao fato, com base em princípios e conceitos genericamente
válidos; a alegada neutralidade política, ao denunciar sua função ideológica de reforçador e reprodutor das relações sociais
estabelecidas; a pureza científica, ao preconizar a interdisciplinaridade como instrumental indispensável à formação do
saber jurídico. (2009, p. 4)
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 93
É exatamente a esse enriquecimento do processo pedagógico de que nos fala o autor que a
prática do AJUP alimenta. A participação em projetos dessa natureza gera inquietações diversas e
levanta questionamentos nos jovens que poderiam surgir dentro das salas de aula. Além disso, os
debates educacionais podem se servir de tal contribuição (recíproca!) para avançar no
desenvolvimento de processos de pesquisa que toquem na epistemologia e Didática das ciências
humanas como um todo.
Portanto, percebemos não só a relevância das pesquisas acerca do AJUP, mas, também, a
contribuição recíproca entre essas e as próprias pesquisas educacionais. É um vaivém que só poderá
trazer bons frutos e suscitar mais inquietações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esperamos ter traçado um percurso que seja compreensível ao leitor. Mais que isso, que tenha
sido clarificada uma proposta de aproximação geradora de novas reflexões para os pesquisadores em
educação e áreas afins, bem como iniciativas de pesquisa na área.
O trabalho nos AJUPs vem trazer essa contribuição para a crítica do Ensino Jurídico e, de
certa forma, da prática jurista profissional também, além de possibilitar um horizonte de formação
com vieses dialógicos, emancipatórios e horizontais. Não há mais que se falar no operador jurídico
tradicional que reproduz fórmulas e cânones que aprendeu na faculdade e na prática jurídica. Torna-
se cada vez mais premente o (re)surgimento de juristas engajados politicamente e munidos de teorias
libertadoras que possam estar atentos aos conflitos e contradições sociais.
A pesquisa em educação assume relevância extremada dado o contexto de conflituosidade
social em que vivemos. O se debruçar sobre objetos interdisciplinares que possibilitem a crítica à
formação de sujeitos e sujeitas condicionados à reprodução de tecnicismos e de atuações acríticas
sobre a realidade social se torna central nessa conjuntura. A teoria e práticas jurídicas se enriquecem
e as teorias de pesquisa em educação acrescem elementos para os estudos da realidade educacional
do país.
REFERÊNCIAS
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Graal, 1982.
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São Paulo, v.7, n.2, p. 253 – 274, jul/dez. 2005.
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perspectivas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2014.
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NOSELLA, Paolo. Instituições escolares – por que e como pesquisar. Campinas, SP: Editora Alinea, 2009.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
1 Esse intervalo foi definido em face dos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) sobre Educação Superior abrangerem esse período.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 96
Na Figura 1 visualiza-se uma série histórica que contém o percentual de matrículas em cursos
de graduação de 2007 a 2017. Na representação, observa-se o peso das Instituições de Ensino Superior
(IES) privadas que, em 2017, registraram 75,3% (6.241.307) do total de matrícula nesse nível de
ensino, enquanto a rede pública participou com 24,7% (2.045.356). Em comparação com 2016, a
quantidade de matrículas na rede pública, em 2017, foi 2,8% maior, ao passo que a rede privada
assinalou um crescimento de 3,0%. No acumulado de 2007 a 2017, a variação do número de
matrículas na rede privada foi da ordem de 159,4%, enquanto a rede pública registrou 153,1%.
Ao investigar o fenômeno da expansão do Ensino Superior e o financiamento, Carvalho
(2014) aponta que, no período de 2008 a 2015, os Ifes e as Universidades tiveram significativa
expansão. Contudo, persistiu a hegemonia do setor privado na oferta de matrículas, sobressaindo a
lógica de mercado empresarial, combinada com mecanismos de renúncia fiscal e desoneração
tributária, a exemplo do Programa Universidade para Todos (PROUNI).
A autora destaca, ainda nessa fase, a retomada dos gastos, por meio de investimentos, nos Ifes
e assinala a adoção de um modelo de financiamento do ensino federal no qual o estado retoma seu
protagonismo. Entretanto, observou-se a ampliação da abrangência do financiamento destinado ao
sistema privado, via criação do Prouni, e ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
No entendimento de Sguissardi (2015, p. 877), programas como o Prouni, Fies e a Lei das
Cotas focam na democratização do acesso e permanência do estudante na graduação, mas inserem-se
no conceito de políticas focais, uma vez que se destinam “a parcelas da população trabalhadora ou
excluída e têm alcance limitado, pois não atuam sobre as causas da desigualdade social produtora da
exclusão” (p.877).
As escolhas políticas no tocante à expansão do Ensino Superior, em parte, justificam-se em
face da demanda de jovens fora desse nível de ensino. Estatísticas oficiais revelam que apenas 18,1%
dos jovens de 18 a 24 anos frequentavam essa etapa em 2015. Esse indicador, nomeado de Taxa de
Matrícula Líquida, faz parte da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê seu aumento
para 33% em 2024.
Atender a essa demanda via expansão massiva do setor privado causa apreensão, uma vez que
os ditames do mercado tendem a impor à educação uma lógica prioritariamente financeira, limitando
sua oferta como serviço público e direito de todo cidadão, independentemente de renda, classe social,
gênero, origem étnica, etc.
As instituições públicas de Ensino Superior desempenham papel relevante no
desenvolvimento social, econômico e cultural do País. A importância dessas instituições é apontada
em estudos recentes, inclusive em pesquisa desenvolvida por Andriola e Suliano (2015), que
avaliaram as repercussões sociais da instalação de unidades da UFC em municípios cearenses após
sua adesão ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni).
A pesquisa contou com uma amostra de 129 docentes e 503 discentes dos campi avançados
da UFC, nas cidades de Sobral, Quixadá, Juazeiro do Norte e Barbalha. Além desses, foram
incorporados 191 moradores locais. Mediante entrevista, aplicação de questionário, audiência com os
participantes e revisão bibliográfica, Andriola e Suliano (2015, p. 295) apontam o impacto positivo
da expansão dessa universidade para o interior do estado. Processo este, segundo os autores,
acompanhado do incremento no “desenvolvimento econômico e social” das populações locais.
Nessas condições, em agosto de 2010, iniciaram-se as aulas com a oferta dos cursos de
Tecnologia em Gastronomia e Técnico em Hospedagem. Na atualidade, também são ofertados os
cursos de Tecnologia em Hotelaria, Licenciatura em Letras Português/Inglês, Técnico em
Administração e pós-graduação lato sensu em Ciências de Alimentos. Dentre os cursos mencionados,
destacamos o de Tecnologia em Gastronomia, por tratar-se de uma das unidades de análise desta
pesquisa.
Essa graduação tecnológica foi constitucionalizada pela Resolução 023, de 31 de maio de
2010, do Conselho Superior do IFCE. O Projeto Pedagógico Curricular (PPC) do curso defende a sua
implantação na cidade de Baturité dada a oportunidade de agregar recursos tecnológicos e serviços a
empreendimentos voltados direta ou indiretamente para a área de alimentos e em uma cidade de
ligação entre a capital e cidades serranas, espaço em que despontam o turismo e a agricultura, de
modo a desenvolver a potencialidade gastronômica dessa cidade e do entorno, denominado Maciço
de Baturité.
O mesmo PPC (IFCE, 2017, p. 20) nomeia o egresso do curso como tecnólogo em
Gastronomia, dotado de perfil profissional que lhe permita:
Utilizar adequadamente o ambiente, equipamentos e utensílios nas áreas de Alimentos e
Bebidas; atender às normas e práticas de higiene na aquisição, pré-preparo, armazenamento,
preparo e apresentação de alimentos/refeições; Elaborar preparações culinárias em
conformidade com a legislação vigente; elaborar pratos com finalização atrativa e
sensorialmente aceitáveis; Interagir com a cultura já estabelecida, recriando-a de modo
inventivo e inovador, a partir de várias influências gastronômicas e culturais; construir
empreendimentos em serviços de alimentação, buscando alternativas e conquistando novos
mercados.
Como graduação de curta duração, a matriz curricular espelha o foco de um curso com ênfase no
mercado de trabalho, conforme preconiza a legislação, a exemplo do Parecer CNE/CP 29/2002
(BRASIL, 2002). Abrel e Salles (2015), ao investigar a formação dos egressos dos cursos de
Tecnologia em Gastronomia, no estado de São Paulo, identificaram a influência do mercado de
trabalho na estrutura da matriz curricular desses cursos e as limitações de uma formação mais ampla
desses profissionais.
Por sua vez, ao entrevistar os coordenadores desses cursos sobre as motivações para mudanças
nas disciplinas, os pesquisadores mapearam razões como: readequação de carga horária de disciplina;
adequação ao mercado; e atualização de alguma técnica gastronômica.
A partir dos achados da pesquisa, os autores apontam a necessidade de uma formação mais
alargada e interdisciplinar dos tecnólogos em Gastronomia, indo além da compreensão de formar
exclusivamente para o mercado e limitada apenas ao preparo de pratos. Para tanto, discute-se, a
seguir, o esforço necessário para superar esse estreitamento.
Esse destaque do marco legal elege a iniciação científica e a pesquisa como estratégias fundamentais
na formação dos profissionais da Gastronomia. A pesquisa realizada no percurso da graduação e pós-
graduação faz parte do que, no presente estudo, está definido como produção acadêmica.
Refinando esse conceito, a produção acadêmica pode ser compreendida como o conjunto de
ações desenvolvidas no âmbito do Ensino Superior por sujeitos vinculados à comunidade acadêmica
que adotam a pesquisa científica como eixo central na sua trajetória formativa. Os Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC) elaborados nos cursos tecnológicos ilustram o conceito.
A graduação em Tecnologia em Gastronomia do IFCE Baturité apresenta matriz curricular
com cinco semestres, e a disciplina de TCC aparece como obrigatória no quinto semestre,
computando carga horária de 40 horas. Por esse componente curricular, almeja-se que o futuro
egresso de Tecnologia em Gastronomia desenvolva uma pesquisa que conjugue elementos teóricos,
vistos no decorrer da formação, aliados à prática profissional, atividade que servirá “como uma
espécie de treinamento a fim de consolidar a transição entre o status de estudante e o status de
profissional” (IFCE, 2017, p. 34).
A pesquisa científica, assim como outros métodos de apropriação do conhecimento, requer do
investigador uma etapa de maturação. No transcorrer desse percurso formativo, o tempo, convívio
com abordagens distintas, a discussão, entre outras práticas, integra um conjunto de competências
inerente ao método científico.
Esse rito de passagem para estudantes que, em sua maioria, vivenciam pela primeira vez uma
graduação, pode resultar em dilemas com desfechos nem sempre de sucesso. Portanto, é oportuno
conhecer as revelações de alguns estudos sobre essa questão.
2 METODOLOGIA
Essa investigação pautou-se pela utilização da pesquisa descritiva, uma vez que não se
almejou exercer controle sobre as variáveis em estudo (PRODANOV; FREITAS, 2013). Para tanto,
adotou-se uma perspectiva qualitativa, visto que os sujeitos participantes constituíram a principal
fonte de dados (GIL, 2008; CHIZZOTTI, 2006). Esses sujeitos, que totalizaram 22 discentes, foram
convidados a responder a um questionário misto com questões fechadas e abertas, aplicado no campus
IFCE Baturité, no intervalo da aula.
Importante ressaltar que a presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do IFCE e os
entrevistados responderam ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nos Apêndices
deste texto, constam os modelos do TCLE e também do questionário.
Quanto à amostra, adotou-se como critério de inclusão os estudantes do curso tecnólogo em
Gastronomia do IFCE Baturité, maiores de 18 anos até a data de aplicação do questionário e
matriculados na disciplina de TCC. Esses participantes foram nomeados com a sigla S, de Sujeito,
seguida de uma numeração. Assim, os discentes ficaram identificados como S1, S2, S3, etc.
Os dados que emergiram do questionário, a partir das questões abertas, foram submetidos à
análise de conteúdo para facilitar a compreensão do fenômeno (BARDIN, 2010). As questões
fechadas passaram por uma tabulação com base na estatística descritiva. Quanto à análise e
interpretação dos dados, a revisão bibliográfica do tema serviu de suporte na mediaç
ão do diálogo entre aspectos teóricos e empíricos desta pesquisa, apresentados no tópico a
seguir.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O perfil dos sujeitos da pesquisa revelou quantidade significativa de jovens na turma do curso
de Tecnologia em Gastronomia do IFCE, pois 64% dos entrevistados apresentam-se na faixa etária
entre 20 e 24 anos. Quanto à cidade de procedência, 72% eram do Maciço de Baturité. Cerca de 77%
dos sujeitos concluíram o Ensino Médio em escola pública e chegaram ao Ensino Superior via
Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Desses, 45% declararam ter ingressado por meio de algum tipo
de ação afirmativa.
Esses dados sugerem o impacto da instalação do IFCE Baturité no âmbito da política de
expansão e interiorização do Ensino Superior no Ceará, corroborando com os estudos de Andriola e
Suliano (2015). Também ilustram o êxito dessa política, mesmo com as críticas de Pinheiro (2018),
pois são jovens que, por intermédio do ingresso no Ensino Superior, tiveram ampliadas suas
potencialidades de empregabilidade e consequente inclusão social.
De acordo com os dados obtidos, cerca de 95% dos estudantes revelaram vivenciar esse nível
de ensino pela primeira vez e 36% contaram com a oportunidade de participar de grupo de pesquisa
no transcorrer do curso, quer seja como bolsista voluntário ou remunerado. Esse conjunto de
elementos, em tese, pronunciam a magnitude do “desafio pessoal” (OLIVEIRA SORRENTINO et
al. 2017) desses alunos na elaboração dos seus estudos finais.
Na ocasião em que foram perguntados a quanto tempo estavam elaborando seus TCCs, as
respostas variaram de um até seis meses. Além disso, com relação ao tipo de TCC, somente um
estudante informou estar desenvolvendo uma monografia e 95% declararam estar produzindo artigo.
Por sua vez, 55% dos sujeitos, quando questionados se iriam submeter suas pesquisas ao
Comitê de Ética, declararam que “não”. Alguns dos motivos para a não submissão estão ilustrados
nas seguintes falas: “… não, devido à burocracia envolvida que acaba atrasando o cronograma”
(S5), “… por que não é pesquisa que envolve seres humanos” (S10) e “não terá a participação de
seres humanos, pela burocracia e demora do processo” (S 12).
O Comitê de Ética cumpre papel relevante nos Ifes. A sua institucionalização vem auxiliando
pesquisadores na incorporação de valores éticos aos seus estudos. No entanto, é salutar refletir se os
trâmites para a submissão das pesquisas, o desconhecimento do manuseio da plataforma, ou, ainda, a
falta de consistência nas propostas submetidas ao comitê, podem estar levando os educandos a optar
por estudos sem mediação direta ou indireta com seres humanos, resultando, no caso específico desta
pesquisa, em trabalhos majoritariamente no formato de artigo.
Ainda sobre a produção do TCC, 82% apontaram ter enfrentado desafios, conforme descritos
na Tabela 1 que também traz a quantidade de respondentes.
Quantidade
Desafios
de Respostas
1. Formatação 5
2. Dificuldade na escrita e/ou redação 4
3. Escassez de referencial teórico 4
4. Normatização 4
5. Gestão do tempo 2
6. Definição do objeto de estudo 2
7. Submissão ao Comitê de Ética 1
8. Bloqueio 1
9. Seleção dos participantes 1
10. Metodologia 1
Total 25
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do questionamento inicial a respeito dos desafios na elaboração dos TCCs no IFCE
Baturité, este estudo baseou-se na perspectiva dos estudantes. A pesquisa evidenciou, numa escala
mais reduzida, desafios cuja superação encontra-se na esfera da conduta pessoal do estudante. Por
outro lado, os achados mostram enfrentamentos na elaboração do TCC. Embora digam respeito ao
desenvolvimento da política educacional brasileira, dependem, em certa medida, de intervenções
institucionais locais para sua superação.
Essa investigação selecionou como lócus e público, respectivamente, o curso de Gastronomia
e seus estudantes. No entanto, é pertinente que modelos de estudos com essa temática sejam
replicados em outros cursos e com outros sujeitos, tanto do IFCE quanto de outras organizações, com
oferta de cursos tecnológicos. Com isso, será possível testar as validades interna e externa de
pesquisas que versem sobre esse tema.
Pensando nos avanços desse campo de estudo, faz-se necessário propor pesquisas que se
projetem para além da identificação dos desafios na produção do TCC. Nesse sentido, evoluir
mapeando as experiências, no enfrentamento dessa questão, apresenta potencial para contribuir com
o processo mais amplo de melhoramento da qualidade do Ensino Superior tecnológico.
REFERÊNCIAS
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jun. 2019.
INTRODUÇÃO
A dificuldade presente no processo de ensino da Matemática, nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(AIEF), é um tema recorrente em pesquisas sobre a formação de professores. Essa ciência ocupa lugar ímpar
na formação humana e no currículo, desde os primeiros anos da escolarização. O conhecimento matemático
constitui-se instrumento de apropriação e transformação da vida em sociedade.
As rápidas informações provindas da internacionalização da economia, como as novas
tecnologias, acabam que por exigir novas aprendizagens. Da mesma maneira, a matemática, dentro
da conjuntura internacional, exerce papel fundamental na promoção da autonomia e formação cidadã.
Essa ciência ocupa lugar ímpar na formação humana e no currículo, desde os primeiros anos da
escolarização.
Se a discussão sobre a importância da Matemática para o exercício da cidadania é um tema
importante, por outro lado, surge a discussão sobre como a Matemática é ensinada na escola e quem
ensina essa disciplina? Machado (2012) aponta a falta de compreensão de o porquê ensinar os
conceitos matemáticos, como fator dificultador do ensino e da aprendizagem dessa ciência. Muitos
professores não conseguem justificar para si ou para seus alunos, a necessidade de aprendizagem dos
conteúdos previstos no currículo dos diferentes níveis escolares. Frequentemente, a Matemática é
apresentada, com a ideia de que não há espaço para imprecisão; que o conhecimento está pronto e é
exato. Dessa forma, distancia-se a disciplina da realidade, deixando de relacionar conceitos e
procedimentos com a solução de problemas da vida diária.
Parece claro, portanto, que a exatidão da Matemática esteja ligada aos pressupostos de que as
afirmações ou são verdadeiras ou falsas, não havendo espaço para um meio termo. Essa
impossibilidade de um meio termo não deixa espaço para a existência de situações matemáticas que
os alunos não encontram uma solução possível. Além disso, esta crença nos faz crer que as estratégias
desenvolvidas para resolver situações são irrefutáveis e que só podem ser expressas numericamente.
Outro ponto aceito pela sociedade é o que afirma que conhecimento matemático é para gênios,
estando, portanto, restrito àqueles que nasceram com habilidades especiais, assim as relações
matemáticas são vistas como aquelas que exigem mais dos alunos quando comparada às demais
disciplinas.
Necessário considerar-se que cada disciplina exige dos alunos a construção de relações entre
fatos e acontecimentos, que têm complexidade e importância tanto quanto as relações matemáticas.
Percebendo dessa maneira, o conjunto das disciplinas ganha relevo, podendo colaborar com a
desmistificação do referido slogan.
Um terceiro aspecto reconhecido diz respeito à afirmação de que o conhecimento matemático
é abstrato. Trata-se de conotação, que por vezes está atrelada a uma visão negativa. De acordo com
Machado (2011, p. 53) “a maior parte das conotações negativas associadas ao termo abstrato decorre
A pouca afinidade e domínio dos conceitos também influencia a dimensão didática: como é
possível o professor ser capaz de planejar atividades e realizar avaliações diagnósticas, quando ele
também sente dificuldades em ensinar tais conteúdos e conceitos para as crianças. Sendo assim, esta
secção pretende trazer elementos acerca da necessidade de o professor que se propõe a ensinar
Matemática ter conhecimentos na dimensão conceitual e na dimensão pedagógica, como ensinar e
quando ensinar. Nesse sentido, a formação de professores que ensinam matemática vem a contribuir
para o desenvolvimento profissional do professor em sala de aula.
O parecer n° 9/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) determina que os cursos de
formação de professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental incluam uma
visão inovadora ao explorar as relações e conteúdos das áreas do conhecimento. É preciso, diante
dessa orientação, que o professor se preocupe em fundamentar sua prática de ensino nos conteúdos,
apresentando aos alunos as relações do conhecimento matemático.
O conhecimento lógico-matemático é o tipo de conhecimento apreendido a partir do
estabelecimento de relações entre os objetos. Os conceitos matemáticos não podem ser meramente
repassados, em especial através daquela concepção que entende de forma equivocada, que a lógica
matemática pode ser ensinada por repetição das definições e dos algoritmos, sem o entendimento das
relações ali estabelecidas. O ensino da Matemática deve contemplar as relações percebidas e
estabelecidas pelos indivíduos a partir das atividades propostas a eles. Na escola cabe ao professor a
elaboração dessas situações.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o pedagogo possui a formação inicial para a
docência na Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e ainda nas disciplinas
pedagógicas do curso de Formação de Docentes (Ensino Médio), tendo ainda possibilidade de
trabalhar com gestão escolar e exercer atividades didáticas pedagógicas em diversas dependendo do
contexto.
O professor que ensina matemática deve mobilizar seus conhecimentos, a fim de compreender
a natureza dessa ciência. Segundo Ball (1991) os professores precisam conhecer os princípios e
procedimentos matemáticos. Incluem-se, também, os conhecimentos do fazer matemático em seu
discurso e prática pedagógica.
Esses conhecimentos, segundo Ball, Thames e Phelps (2008), são importantes e devem ser
tomados como base para a prática de ensino. Desta forma, duas categorias de conhecimento são
apresentadas, a saber: conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico do conteúdo (BALL;
THAMES; PHELPS, 2008). Concentrando-se no trabalho de como ensinar o conteúdo matemático,
Ball, Thames e Phelps (2008) consideram que os professores que ensinarão os conteúdos matemáticos
necessitam desenvolver percepções, raciocínios, habilidades e competências matemáticas que os
tornem capazes de compreender as implicações do trabalho pedagógico em sala.
Essa variedade de conhecimentos que é requisitada aos professores, para a prática eficaz de
ensino de Matemática, ressalta que, aos professores, cabe dominar os conceitos, compreender a
função do conteúdo que estará ensinando, a sua organização no currículo escolar, e o comportamento
dos alunos frente ao que está sendo trabalhado.
METODOLOGIA
A 21 Pedagogia 3° Noite
B 28 Pedagogia 8° Noite
C 21 Pedagogia 5° Noite
D 22 Pedagogia 8° Noite
E 23 Pedagogia 8° Manhã
F 23 Pedagogia 7° Noite
G 21 Pedagogia 6° Manhã
H 22 Pedagogia 5° Noite
I 30 Pedagogia 5° Noite
J 30 Pedagogia 5° Noite
Foi percebido por meio das análises que os graduandos em Pedagogia têm dificuldades em
alguns conteúdos trabalhados nos AIEF. Com isso, a pesquisa está dividida em duas categorias: i)
relação dos participantes com a Matemática e ii) quais os conteúdos matemáticos os participantes têm
mais dificuldades.
PARTICIPANTE A: para mim sempre foi uma das melhores matérias ao longo da minha
formação acadêmica, porém atualmente não estou tendo contato.
PARTICIPANTE E: eu sempre me interessei por compreender matemática meu avô era
pedreiro e sempre quando ia fazer medições ou calcular material ele pedia minha ajuda. Hoje
sempre que posso faço atividades (participo) que envolvam matemática.
PARTICIPANTE B: eu gosto, mas infelizmente em certos momentos não consigo entender.
PARTICIPANTE F: Nunca fui muito boa, sempre tive dificuldade. sempre achei muito
difícil, desde pequena.
PARTICIPANTE C: escolar; mais não tive um bom proveito da mesma, pois meus
professores eram muito conteudistas.
PARTICIPANTE D: não gosto muito, porém utilizo em vários momentos.
PARTICIPANTE G: Complicada, mas através da sala de aula e teorias na faculdade venho
melhorando mais.
Nacarato, Mengali e Passos (2009) explicam que os professores que ensinam matemática
tendem a relatar problemas com a disciplina. Nas falas das participantes F, E, D e G é possível
constatar que não há uma proximidade com a disciplina. Para a participante F, o fator dificultador é
a matemática ser difícil, o que a faz não ser boa na disciplina. A frustração em não ser “boa” na
disciplina fez a participante acreditar não ser capaz de aprender, levando-a a se distanciar da
disciplina. Cabe destacar o fato do “ser bom” em matemática sendo aquele aluno que tira notas
elevadas na disciplina.
Já na visão da participante E o problema está no fato dos professores serem conteudistas.
Segundo Nacarato, Mengali e Passos (2009) falam sobre o grande desafio de um currículo matemático
transcendente, onde as aulas de matemática deixem de ser centralizadas apenas no ensino mecanizado
dos conteúdos. Os professores devem propor em suas aulas momentos em que os alunos possam
ampliar suas estratégias. É observado na fala da participante D que a matemática só tem valor se tiver
uma aplicação, o que valeria como argumento para sua aprendizagem. Por fim, a participante G
demonstra uma fase transitória no processo de formação de professores que ensinam matemática, pois
apesar de relatar que os conteúdos são complicados, a graduação tem oferecido teorias que sustentam
a prática do professor em sala de aula.
Sobre isso, no grupo de participantes, foi possível observar que há relatos de boas experiências
com a disciplina e que tais fatos estão interligados a relações extraescolares. Evans (2016) destaca
que as questões afetivas tem destaque no processo de aprendizagem da matemática. Há variados
fatores que podem contribuir para dificuldade na elaboração conceitual, sendo um deles a afetividade
entre o conteúdo e as experiências pessoais dos alunos.
A participante E explica que sua relação com seu avô fez com que ela desenvolvesse uma boa
relação com a disciplina. Além disso, o fato do seu avô ser pedreiro, oportunizou a participante
observar, mesmo que sem explicações formais de conteúdo, alguns conceitos serem postos em
prática. A participante A relata que gosta da disciplina de matemática, mas que atualmente não está
tendo contato com os conteúdos. Por fim, a participante B gosta da disciplina, mas que não consegue
entender alguns conteúdos. Fica claro que ainda que as participantes relatem gostar da disciplina,
ainda é possível identificar em suas falas resquícios de uma formação conteudística.
Sobre as dificuldades relatadas pelas participantes durante o curso, foi possível observar que
as participantes, no geral, possuem lacunas conceituais matemáticas em mais de um conteúdo.
Segundo Nacarato e Paiva (2006) é preciso romper com a ideia de que para se ensinar matemática
basta dominar o conteúdo. Concordamos com Ball (1991) que os professores que ensinarão
matemática devem conhecer os conteúdos, mas que também as propriedades matemáticas,
organização e procedimentos. A partir das falas das participantes, percebe-se que a unidade temática
Números é aquela em que as participantes relataram ter mais dificuldades com os conteúdos. Os
conteúdos foram, divisão, fração e porcentagem, participantes A, B, C e F. A unidade temática
Geometria, teve como principais dificuldades relatadas os conteúdos ângulo, sendo relatado pelas
participantes D e E. Por fim, a participante G explica que suas dificuldades eram em todos os
conteúdos da disciplina.
PARTICIPANTE A: que eu lembre nenhuma, porém creio que funções mais complexas e
frações não tenho mais tanto conhecimento.
PARTICIPANTE B: fração, porcentagem.
PARTICIPANTE C: divisão
PARTICIPANTE F: equações envolvendo frações, porque o resultado não existia.
PARTICIPANTE D: geometria.
PARTICIPANTE E: ainda tenho dificuldade em geometria. não consigo compreender a
questão de ângulos, quando deve somar, ou quando são iguais.
Sobre as dificuldades nos conteúdos, Ball, Thames e Phelps (2008) argumentam que os
professores que ensinarão matemática devem ter conhecimentos sobre a disciplina. As participantes
A, B e F, relatam que suas dificuldades são referentes ao conteúdo de frações. Segundo Merlini (2005)
as dificuldades em fração são em decorrência de um ensino voltado aos usos dos algoritmos. Além
disso, segundo Vergnaud (2009) para ampliação do campo conceitual, os professores devem trabalhar
com todos os significados da fração (número, parte-todo, medida, quociente e operador). Também é
possível constatar que a participante B tem dificuldades no conteúdo porcentagem, que ao lado da
fração e decimais, compõe o que chamamos de números racionais.
Outro assunto que os estudantes que as participantes relataram ter dificuldade é na unidade
temática Geometria. As participantes D e E relatam ter dificuldades nos conteúdos geométricos.
Ainda é especificado, pela participante E que dentro da geometria, o conteúdo que ela tem dificuldade
no assunto ângulos. De acordo com Santana e Silva (2013) a Geometria não tem ocupado lugar na
prática dos professores que ensinam matemática. Segundo Bittar e Freitas (2005) a geometria é pouco
explorada em sala de aula.
Com a falta de entendimento os professores polivalentes não se sentem à vontade em abordar
conteúdos na qual eles não têm domínio, isso acaba se tornando um ciclo. Muitos professores
carregam essa dificuldade em geometria desde a educação básica, e quando chegam no ensino
superior a disciplina de matemática não consegue suprir as necessidades do estudante. A falta de
contextualização da geometria na educação básica também contribui para que esse ciclo de
dificuldades continue.
CONSIDERAÇÕES
Esta pesquisa propôs trazer uma reflexão sobre: os problemas enfrentados na formação de
professores do curso de pedagogia. Foi percebido que essa ausência de afinidade e apropriação dos
conteúdos. Surge pela deficiência de didáticas e pela não compreensão dos assuntos que a Base
Nacional Comum Curricular aborda.
Levando em consideração os questionários os professores precisam conhecer primeiro quais
são os princípios matemáticos, depois compreender os procedimentos, sem memorizar os processos.
Além disso, a didática do professor auxilia nesse processo de ensino-aprendizagem, pois o mesmo
tem que ser apenas o facilitador na formação dos estudantes, criando situações problemas.
REFERÊNCIAS
BALL, D. Knowledge and reasoning in mathematical pedagogy: examining what prospective teachers bring to
teacher education. (Tese de doutorado), 1991.
BALL, D; THAMES, M; PHELPS, G. Content knowledge for teaching: what makes it special? In: Journal of Teacher
Education, v. 59, n. 5, p. 389-407, 2008.
BITTAR, M.; FREITAS, J.L.M. Fundamentos e Metodologia de Matemática para os ciclos iniciais do ensino
fundamental. Campo Grande: Ed. UFMS, 2005.
EVANS, J. Pensamento matemático, afeto e emoção. In: CASTRO FILHO, J.A. ET AL (Orgs.). Matemática, Cultura
e Tecnologia: perspectivas internacionais. 1° Ed. - Curitiba: CRV, 2016.
MACHADO, N.J. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 6° ed. São Paulo: Cortez,
2011.
MERLINI, V.L. O conceito de fração em seus diferentes significados: um estudo diagnóstico com alunos de 5° e 6°
séries do Ensino Fundamental. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2005.
NACARATO, A. M; PAIVA, M.A.V. A formação do professor que ensina matemática: estudos e perspectivas a partir
das investigações realizadas pelos pesquisadores do GT7 da SBEM. In: NACARATO, A.M; PAIVA, M.A.V. (Org). A
formação do professor que ensina matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. S.; PASSOS, C. L. B. (Orgs.). A matemática nos anos iniciais do ensino
fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SANTANA, L.E; SILVA, S.H. Conhecimento de professoras polivalentes em Geometria. In: BARRETO, M.C. et al
(Org.). Matemática, aprendizagem e ensino. Fortaleza: EdUECE, 2013.
INTRODUÇÃO
O presente estudo teve como objetivo compreender a formação do pedagogo, tomando como
referência a matriz curricular do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA), Sobral – Ceará. Pretende-se, desse modo, refletir acerca da formação do Pedagogo na região
noroeste do Estado do Ceará, pós implementação dos últimos três currículos no referido curso.
Para tanto, realizamos um corte temporal do histórico da construção dos três últimos
currículos desenvolvidos no curso, de 2001 a 2011, a fim de melhor compreender as mudanças sociais
e políticas que motivaram o redirecionamento da proposta curricular, durante esse período.
Apresentamos, ainda, uma síntese da matriz recém-reformulada no ano de 2018, resultado das demais
modificações que perpassaram o curso de Pedagogia da UVA.
Diante de um cenário de debates e discussões sobre os currículos dos cursos de Pedagogia,
algumas inquietações se apresentavam, de como se estabeleceu o processo de construção da formação
do pedagogo no curso, e como tal processo reflete na formação deste profissional da educação.
Partindo da premissa que o currículo se destina a formação ampla do pedagogo para atuação em
espaços escolares e não escolares, de que forma tais alterações contribuíram para sua formação?
Outro ponto que mereceu destaque foi o fato do Curso de Pedagogia, durante o processo de
reformulação de sua matriz curricular, apesar das divergências, percebia-se em todos o desejo de
mudança. Os professores que lecionavam neste período, incentivavam os acadêmicos a participar dos
debates a fim de provocar a reflexão sobre a formação e identidade do pedagogo, sem perder de vista
as mudanças no cenário político educacional brasileiro.
Desse modo, o curso de Pedagogia da UVA, se propunha a avançar no sentido de se adequar
as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia publicadas no ano de
2006, bem como dos campos de atuação do pedagogo, ao notar o engajamento e participação dos
professores e demais membros da comunidade acadêmica encarando o desafio de reorganizar o
currículo.
Considerando a importância desta temática, este estudo foi/é fundamental para o registro de
dados documentados da própria história do curso de Pedagogia da UVA, através do resgate das
memórias vivas de docentes participantes desse processo, trazendo as falas destes sujeitos para
legitimar o percurso de construção do referido curso.
Vale ressaltar que, em sua essência, os cursos de Pedagogia no Brasil, tradicionalmente, dão
ênfase à docência em sala de aula. Porém, com as mudanças ocorridas na sociedade brasileira,
especificamente no mercado de trabalho, evidencia-se a necessidade de profissionais para atuar em
espaços não escolares, considerando-se as particularidades de cada região, permitindo que a profissão
do pedagogo conquistasse novos espaços de atuação. A partir dessas mudanças o Curso de Pedagogia
teve que adaptar as suas matrizes curriculares para atender essa nova visão da docência além do
espaço escolar.
Nessa perspectiva, o Projeto do Curso de Pedagogia da UVA, caminha no sentido de
acompanhar essas novas reformulações, fato que podemos perceber nas modificações realizadas no
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 112
currículo nos últimos anos, oferendo uma formação ampla destinada aos vários campos de atuação
do pedagogo, a fim de formar profissionais qualificados para a Gestão, Educação Infantil, Anos
Inicias do Ensino Fundamental e Movimentos Sociais e Educação Popular, e noutros campos de
atuação.
Deste modo, esta pesquisa de caráter exploratório e descritiva, consistiu numa abordagem
qualitativa, desenvolvida através de entrevistas narrativas, as quais foram aplicadas com sete docentes
do Curso de Pedagogia da UVA. E ainda a análise documental dos Projetos Pedagógicos do Curso.
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados a partir dos seguintes critérios: Docentes: ser professor
(a) veterano do Curso de Pedagogia UVA, ser ou ter sido coordenador(a) do curso. Para fundamentar
este estudo buscou-se aprofundamento teórico em alguns autores tais como Brandão (1981), Libâneo
(2007), Freire (2007), Silva (2005), entre outros.
Nesta perspectiva, este trabalho encontra-se organizado por mais uma seção, além desta
Introdução e das Considerações Finais. Na segunda seção, apresenta-se o histórico de constituição do
Curso de Pedagogia na cidade de Sobral, recorrendo as narrativas de docentes do curso para validar
o seu processo de constituição e de mudanças que ocorreram durante esse período, utilizando como
fonte documental os Projetos Pedagógicos do Curso (PPC) de 2011 e 2018. Para finalizar, as
considerações finais refletem os principais resultados e aprendizado deste estudo.
No final da década de 1990 o currículo do Curso de Pedagogia da UVA, como quase todos
no Brasil, era direcionado para formar pedagogos para a administração, supervisão e
orientação escolar. Era concebido muito mais para transmitir conhecimentos sobre estas
funções – administrar, supervisionar e orientar – e menos sobre os processos de
aprendizagem, para o trabalho docente. Ainda assim, já havia no colegiado, uma significativa
preocupação com a formação do profissional docente. Preocupação demonstrada pela
atenção dada aos estudos das concepções pedagógicas da escola moderna capitalista; pelo
acompanhamento da discussão teórica contemporânea sobre os rumos da pedagogia; pela
busca de situar o Curso no contexto das mudanças políticas e legais (LDB) que estavam
acontecendo no Brasil. (Docente 1).
Com base no PPC (2018) após a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº
9394/96, que estabelece no artigo 64 a formação dos “especialistas” em nível de graduação nos cursos
de Pedagogia, retoma-se o debate em torno da formação do educador, conforme vinha discutindo a
Associação Nacional pela Formação do Profissional da Educação (ANFOPE). A Comissão de
Especialistas de Ensino de Pedagogia da SESU/MEC, ao pensar nas Diretrizes para os cursos de
Pedagogia entende o Pedagogo como “[...] um profissional habilitado a atuar no ensino, na
organização e gestão de sistema, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do
conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo à docência como base obrigatória de sua
formação e identidade profissional” (BRASIL,1999).
Além do currículo considerado tradicional, um novo currículo do curso de pedagogia da
Universidade Estadual Vale do Acaraú, nesse período, inicia a ampliação dos horizontes
curriculares, incluindo o campo social ou pedagogia social no sentido de o pedagogo passar
a atuar não só no âmbito escolar, mas também, nos espaços sociais informais. (Docente 2).
[...] em 2008 fizemos a reforma com base na resolução de 2006, que já se tinha diretrizes
estabelecidas, se tinha a carga horária mínima, os eixos do currículo, uma orientação para
estágio, para prática de ensino, uma série de orientações que antes não tínhamos. (Docente
4).
Vale ressaltar que a estrutura da matriz curricular de 2008 representou uma mudança
significativa no direcionamento da proposta de formação do futuro pedagogo, conforme fica expresso
na fala dos docentes do curso.
E ainda orientava para a formação do aluno nas três áreas de atuação no mesmo curso:
Educação Infantil, Séries Iniciais e Movimentos Sociais, fato que não ocorria em currículos
anteriores.
[...] em 2005, nós tínhamos um currículo em que o curso na verdade funcionava três cursos
em um. Então o aluno quando chegava na metade do curso ele escolhia trabalhar com
Educação Infantil, Séries Iniciais ou na área de Movimentos Sociais. [...]essa dinâmica
dificultava bastante o andamento do curso, trouxe muitos problemas, mas ai veio a resolução
nacional que unificou essa formação em pedagogia. (Docente 6).
O curso de Pedagogia da UVA tem como finalidade formar profissionais críticos e reflexivos
para atuar na educação, formando-os através do ensino, pesquisa e extensão estabelecidos por meio
de conhecimentos teóricos metodológicos e da prática propiciada na realização dos estágios
curriculares obrigatórios, habilitando-os para atuar na esfera pública ou privada no exercício da
gestão, docência na Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental e demais modalidades
de ensino bem como em espaços educacionais não escolares.
Nessa perspectiva, para atender a proposta formativa desafiadora que o curso apresenta,
conforme consta no PPC (2018) o quadro de professores é composto por profissionais qualificados,
sendo 3 pós-doutores,11 doutores,11 mestres, 7 especialistas e 1 graduado, conforme dados obtidos
no PPC (2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
fazem o curso de Pedagogia, que o currículo desenvolvido durante a sua formação inicial exerce um
papel significativo em sua atuação profissional.
Diante das narrativas dos docentes, constata-se que o curso de Pedagogia em suas
reformulações curriculares pretende acompanhar os direcionamentos da profissão do pedagogo frente
as mudanças sociais, do mercado de trabalho, bem como das particularidades da região, se
estabelecendo como um dos principais formadores de profissionais para a Educação Básica.
Percebeu-se, que tanto nos documentos como nas narrativas dos sujeitos, que dois aspectos
motivaram as mudanças no direcionamento do currículo do curso de Pedagogia: o aspecto externo,
no que diz respeito a adequação do currículo as normas que orientam a formação dos cursos de
Pedagogia, acompanhando os rumos da identidade da profissão e os campos de atuação.
E o interno, provocado pelo movimento de (auto)avaliação do curso, ao identificar as
fragilidades, necessidades de mudança da formação ofertada na perspectiva de melhorar a
qualificação dos profissionais da educação. Junte-se a esta necessidade, a importância de qualificação
continuada dos próprios professores efetivos do curso, cujo quadro atual já contempla um número
expressivo de professores doutores.
Desse modo, compreende-se que a formação do pedagogo no Curso de Pedagogia da UVA
parte do princípio de formar profissionais da educação numa perspectiva mais crítica, de olhar seja a
escola, seja as demais instituições não-escolares, como ambientes de aprendizagem e construção da
prática cidadã.
Portanto, a construção deste trabalho teve grande importância para compreender a formação
do pedagogo nos últimos dez anos, ressaltando a relevância da Universidade na região noroeste do
Estado do Ceará, dando ênfase aos novos espaços de atuação destes profissionais, sob a ótica dos
próprios sujeitos envolvidos neste processo: os docentes.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP Nº 1/2006. Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação em Pedagogia. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p.11, 2006.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 02 fev. 2019.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP Nº 2/2015. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 01 de julho de 2015, Seção 1, p.8-12, 2015.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991. Acesso em: 28 mar. 2019
CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. PIBID- Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência. Brasília, 2019. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educaçãobasica/capespibid/pibid>.
Acesso em: 08 fev. 2019.
CAPES. Programa de Residência Pedagógica. Brasília, 2019. Disponível em: http:/www.capes.gov.br/educacao-
basica/programa-residencia-pedagogica. Acesso em: 08 fev. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia, pedagogos para quê? São Paulo: Cortez, 2007.
MOURA, Jónata Ferreira; NACARATO, Adair Mendes; A Entrevista Narrativa: dispositivo de produção e análise
de dados sobre trajetórias de professoras. Disponível em:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/6801/4383. Acesso em: 11 abr.
2019.
PPC, Projeto Político do Curso de Pedagogia. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2011.
PPC. Projeto Político do Curso de Pedagogia. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2018.
Relatório Final do Seminário Dores e Delícias. Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. 2008.
INTRODUÇÃO
A proposta desse artigo é refletir sobre a capacidade dos indivíduos de perceber as cidades
não apenas em suas formas concretas, tampouco em seus registros oficiais, mas, na possibilidade de
ouvir os sussurros que ecoam pelas calçadas e observar os olhos que se deparam com os espaços da
cidade desejada, ao reviverem os encantos e os sonhos que habitam entre a frieza do concreto e o
calor dos desejos.
O trabalho com a memória nos revela que não nos cabe questionar a verdade daqueles que nos
receberam amavelmente e nos presentearam com as suas memórias sobre os “tempos antigos”,
revelando-nos outras formas de perceber e sentir o cotidiano, mostrando que a cidade não era apenas
um desejo dos que a “reordenavam, controlavam, transformavam”.
Entre as muitas possibilidades de estudar a cidade, optamos pela história cultural1, que se
propõe a estudar a cidade partindo de suas representações, sendo elas uma das fascinantes formas de
ouvir os sons e perceber os sentidos que a cidade emite por meio de sua literatura, arquitetura,
cotidiano, práticas sociais, imagens, costumes e tradições que constituem o imaginário da cidade.
Nesse contexto, buscamos compreender a Cidade de Sobral através das memórias que foram
construídas em seu entorno e da comemoração do seu primeiro centenário, durante a década de 1940.
Nessa perspectiva, podemos pensar sobre o poder que essas representações tiveram no modelo
idealizado e como influenciaram nas transformações registradas. Entendemos que a Cidade tem seus
espaços transformados e produzidos, a partir das relações de significados socialmente estabelecidos,
que são ressignificados por seus usuários em forma de representações.
Nosso objetivo é, pois, entender a Cidade nos anos quarenta do século passado, através da
memória daqueles que tiveram, direta ou indiretamente, contato com esse marco temporal,
ressaltando o processo de constituição das representações reveladas. Visualizar Sobral, a partir do
prisma da memória social, é possibilitar o conhecimento de outra cidade, levando em consideração
não apenas o papel dos “homens ilustres” que estiveram envolvidos na organização do evento, mas,
de outros agentes que, na simplicidade de suas experiências cotidianas, fazem-nos melhor
compreender a complexidade das práticas urbanas, vivenciadas em espaços diferenciados, mas
constitutivos de uma paisagem social.
A interpretação desse cotidiano, revelado por diferentes memórias de múltiplas opções de
fazer, possibilita-nos, assim, pensar o período estudado como a apresentação de uma paisagem
urbana, composta por desejos múltiplos, de transformação, definidora de uma identidade, composta
pelo “verso e reverso” da Cidade.
Como pensar o imaginário da cidade a partir da memória na primeira metade do século XX
em Sobral se ainda hoje permanece forte na Cidade o mito de Dom José e a sua influência sobre a
transformação da Cidade no período abordado?
1
Sobre história Cultural, ver: BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro; Zahar, 2005.ROSSINI, Miriam
de Souza; WEBER, Nádia Maria; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (orgs.). Narrativas imagens e práticas sociais: percursos
em história cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 118
A memória, como afirma Polack (1992), “[...] é um elemento constituinte de identidade, tanto
individual como coletiva”. Dessa forma, pode-se pensar que ela é passível de conflitos, afinal, o
indivíduo constrói uma identidade para si e para os outros, sendo, pois, na reconstituição da instituição
de um imaginário local, totalmente cabível essa disputa, ou, até mesmo, uma tentativa de
enquadramento da memória. Assim, tentou-se compreender como esse imaginário foi instituído na
Cidade a partir da memória dos velhos (POLLAK. 1992, p.205).
2
A comissão organizadora foi aqui citada da mesma forma como é apresentada pelo Jornalista Craveiro Filho, IN:
CRAVEIRO FILHO. Antonino. O centenário: Álbum Histórico Comemorativo do 1º centenário da cidade de Sobral.
Sobral, S/E, 1941.
3
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP, Correio da Semana, 24 jan. 1941. p.1.
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 119
Impressiona não apenas a organização das festividades, mas, também, a amplitude que essa
data toma na construção da história e da memória sobre a Cidade, pois a comemoração se constituía
como momento da construção de símbolos para a história da Cidade, o qual buscava a sacralização
de um passado sobre Sobral. Nesse sentido, organizou-se uma programação para sacralizar o passado
glorioso, a partir do cenário progressista que a Cidade apresentava naquele momento. Para tanto,
elabora-se uma programação de atividades cívicas, com inaugurações, sessões públicas, exposições,
atividades religiosas e manifestações populares.
Cabe, aqui, lembrar que o lugar social dessa comemoração está diretamente ligado a
determinado setor da população, o qual um dos próprios organizadores denomina de intelectuais,
além de ressaltar que, mesmo nas manifestações populares incluídas na programação, essas são
representadas pela classe operária, que, devemos lembrar, estava organizada em sindicatos.
Percebemos que há um controle das comemorações pela elite intelectual da Cidade, a qual
pode ser pensada como estratégia de dominação da memória da grande população, pois, segundo
Lofego (2004, p.26): “Nos rituais comemorativos, é possível o ‘reviver’ do passado que foi escolhido
pelos guardiões da memória. O simbolismo de passado cria uma identidade para o presente”.
Observamos que a organização dos eventos partiu de um grupo, que teve poder de escolha do
que destacar e do que silenciar durante as comemorações. Nesse sentido, pensamos que as
transformações urbanas ocorridas naquele tempo, tais como as reformas e construções na Cidade,
tinham o intuito de associar a imagem da mesma ao progresso, esquecendo o passado de decadência,
relacionado à crise das oficinas e da produção algodoeira.
Novamente, a memória surge como elemento principal no estudo sobre a comemoração, pois,
percebemos que a comissão organizadora institui um controle sobre o que deve ser lembrado durante
o Centenário da Cidade, e o que deve ser silenciado, pois, como nos diz Fentress (1992), o significado
da memória social, tal como “seu modo de transmissão”, não é modificado pela sua verdade, pois,
muitas vezes, ela é afetada pela seletividade e distorção, mas, se as pessoas “[...] sempre acharem
socialmente relevante recordar e narrar um acontecimento da maneira como originalmente foi
sentida” (p. 10), ela não será afetada em sua essência. O controle sobre as comemorações se
centralizou sobre festividades e produção de representações, construindo uma memória que deixa
pequenas brechas para a memória agir livremente, sem as influências dos símbolos produzidos
durante as festividades.
Ainda sobre a organização da festa, apontamos que a imprensa teve função fundamental, pois,
além de serem rotineiros os informes ou solicitações sobre os seus preparativos, também
proporcionou amplo envolvimento de jornalistas na programação do evento e na produção de
representações sobre a Cidade, como a obra “O Centenário: Álbum Histórico Comemorativo do 1º
centenário da cidade de Sobral”, na qual sacralizava o passado glorioso e o presente modernista que
“a cidade” almejava divulgar com o seu aniversário. A programação foi divulgada pelo Jornal Correio
da Semana, com o título de “festejos do centenário”:
4
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP, Correio da Semana, 18 abr. 1941, p.2.
Sumário ISBN 978-85-000
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Dia 25: Missa Campal às 6 h na Praça da Cathedral. 9h – abertura da exposição regional agro
pecuário – comemorativa do centenário. 13 h – Sessão cívica no Paço Municipal. O jornalista
Craveiro Filho entregará ao Exmo Sr, interventor federal, um exemplar do Álbum do
Centenário. 19 h – Inauguração da Avenida Getúlio Vargas. 20 h – Festejos populares no
recinto da exposição Dia 26: 18 h – Inauguração da Av. Menezes Pimentel Dia 27: 17 h –
desfile das Escolas, manifestações da classe operária e conservadora da cidade. 5
Embora os ideais de realização do primeiro Centenário não tenham atingido todos os anseios
de seus organizadores, conseguiram mobilizar participantes de todos os setores da sociedade. O
calendário da programação leva a refletir sobre a participação popular nas comemorações, pois os
jornais silenciaram após as comemorações, tampouco fizeram referências à forma de distribuição do
álbum produzido na ocasião. No entanto, pelo caráter do lançamento desse álbum, segundo a
programação, fomos induzidos a pensar que o mesmo teve distribuição restrita.
5
Biblioteca Pública Menezes Pimentel - BPMP – Correio da Semana, 13 jun. 1941. p. 1
6
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
Sumário ISBN 978-85-000
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canto, que a praça estava cheia, todo mundo bem alinhado, porque todo mundo veio alinhado!
(...) sim, participava todo mundo, tinha umas cadeiras pras pessoas mais importantes e o resto
do povo assistia em pé! Foi uma festona mesmo, é só você ir lá na Praça que naquela coluna
que tem bem no meio, tem as informações bem direitinho(...) do aniversário de cem anos eu
num lembro de nada não!7
O narrador ainda era uma criança no período em que ocorreram ambas as festividades, porém,
sua mãe falava sobre as festas ocorridas por ocasião do “Núncio apostólico”, o que, na sua memória,
ficou como uma grande festa que ela gostava de contar para seu filho, Xerez, o qual possui uma pós-
memória, oriunda das histórias que a sua mãe contava sobre a Cidade.
A pós-memória pode ser compreendida como a memória dos pais que passa para os filhos, ou
seja “[...] a memória da geração seguinte àquela que sofreu ou protagonizou os acontecimentos”
(SARLO, 2007. p. 91). Dessa maneira, as memórias de seu Xerez foram transmitidas por sua mãe,
sendo, portanto, mediadas a partir das experiências de outros, que viveram essas experiências, e as
transmitiram.
A utilização da pós-memória do narrador se justifica pelo fato de que, mesmo não tendo vivido
experiências narradas, ele as adquiriu. Sua mãe lhe narrou as histórias da Cidade, quando era criança,
o que despertou nele uma curiosidade sobre as histórias de Sobral, e, até mesmo, um orgulho de
pertencer a mesma. A percepção desse interesse de Xerez sobre a Cidade nos veio a partir da
necessidade que, durante as entrevistas, o mesmo tinha de buscar fotografias antigas, tanto de sua
família como de alguns espaços, as quais, acreditamos, surgiam como testemunhas de suas narrativas.
A fala do personagem nos mostra que as memórias sobre as comemorações do Centenário da
Cidade ficaram imersas em relação à festa do Núncio apostólico. Não existem fatos na fala do
entrevistado que abordem sobre nenhum dos eventos comemorativos em relação ao aniversário de
Sobral. Ao ser questionado sobre o “Álbum do Centenário”, Xerez8 nos fala que nunca soube da sua
existência, tampouco lembra de ter ouvido sua mãe falar sobre a existência do mesmo.
Mamãe contava muitas histórias, ela gostava de contar, porque era professora, era uma das
melhores professoras. Naquele tempo ela ensinava em casa, depois é que as crianças iam pra
escola mesmo. E como professora ela gostava de contar as coisas da cidade, mais não lembro
dela falar nada sobre esse álbum não9!
Ele recorre a experiência da mãe como professora, o que nos parece uma forma de dá
autoridade às experiências da mesma, a ausência de narrativas sobre as festas do Centenário, ou
mesmo sobre o álbum, leva-nos a acreditar que a sua importância na Cidade foi restrita, ou talvez
tenha ficado “esquecida” frente à amplitude que as comemorações do Núncio tomaram na Cidade.
Ainda sobre as memórias das comemorações do Centenário, Dona Zuleica Viana nos sinaliza
com fragmentos de suas lembranças. No entanto, há momentos em que se torna perceptível a confusão
que a sua memória faz em relação ao período.
Eu sei que foi uma festa muita bonita, mais não me lembro muito não, eu era menina tinha
uns dez anos! Ouvi falar do álbum mais não vi esse álbum não [...] Quem fez o álbum foi o
Craveiro Filho que era jornalista [...] mais grande mesmo foi a festa de Encontro dos Bispos,
uma festa grande. [...] O prefeito, era o Antenor Ferreira Gomes, ele era muito bom, foi
prefeito em Toda a Ditadura Vargas e fez muita coisa aqui! Lá na Praça Deputado Francisco
Monte, antes era São Francisco, mais antes era Praça da Independência, Foi lá que foi feita
as festas da visita do Núncio, uma festa muito grande [...]10.
7
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
8
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
9
Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.
10
Narrativa de Zuleica Viana, secretaria. Entrevista realizada com em fevereiro de 2010, Sobral.
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suas extensões. No entanto, são vazios de informações concretas sobre da festa. Isso é algo corriqueiro
quando trabalhamos com a memória, afinal, a memória é uma extensão do corpo humano e, como é
normal, algumas informações vão sendo diluídas com o passar do tempo, o que nos leva a refletir
sobre a memória fragmentária, ou mesmo acerca de resquícios de memória.
A narrativa da depoente pode ser entendida como percepção construída a partir de saberes
pré-estabelecidos do período ou mesmo como esquecimento, afinal, esquecer não é mesmo diferente
de não perceber. Contudo, os resquícios de memórias apresentadas são importantes, pois ajudam a
construir perspectivas de entendimento sobre os fatos narrados que vão além do real, pois, distorções
ou generalizações sempre são apresentadas na recomposição do passado narrado. Nesse sentido,
Fentress (1992) afirma que “[...] a nossa memória exprime a ligação do nosso espírito ao nosso corpo
e do nosso corpo com o mundo social e natural que nos rodeia. No entanto essa continuidade é
também fonte de esquecimento normal” (p.57).
Tal como cotidianamente esquecemos coisas importantes, ou não tão significativas, o
processo de (re)memoração está sujeito ao esquecimento, afinal, não somos capazes de captar e
lembrar todos os acontecimentos importantes de nossas vidas, com a riqueza de detalhes neles
contidos. Isso decorre do fato de nossa memória está intimamente relacionada com as experiências e
com os contatos socioculturais que mantemos com o “evento” a ser lembrado ou esquecido.
O senhor Paulo, ao falar sobre o período das comemorações, diz não se lembrar de nem um
dos acontecimentos, tampouco do centenário ou da festa do Núncio, chegando mesmo a afirmar que
não foram da sua época.
Eu não lembro da festa, nem da visita desses bispos, acho que nessa época eu era muito
pequeno [...] A gente trabalhava tudo com meu pai, e trabalhamos na construção da igreja
São Francisco, foi muito tempo lá, antes era só uma capela pequenininha, lembro que na
época meu irmão sofreu um acidente, lá! A gente fazia a construção com umas tabua, e
amarrava pela cintura, era muito cansativo, porque ficava segurando a massa até ficar dura,
e um dia ele caiu lá de cima! Foi horrível teve que dexar de trabalhar [...] nesse tempo chegou
um casal de pintor, pra pintar o 197 FENTRESS. Op. Cit. p.57. 143 teto da igreja, foi um
comentário só, porque a pintora usava caça comprida e mulher naquele tempo se vestia feito
mulher de saia e vestido [...]11.
A narrativa de seu Paulo mostra uma ausência de memórias sobre as comemorações da Cidade
na década de 1940. Ele chega a falar que era muito criança e não se lembra desse período festivo. No
entanto, a reforma da igreja, por ele narrada com detalhes, aconteceu logo em seguida às festas. O
que ocorre é que o mesmo não reteve nem mesmo lembranças fragmentares da festa do Centenário,
tampouco em relação à presença do Núncio na Cidade, o que nos leva a conclusão de que as
comemorações das festas do Centenário foram restritas à elite, ou seja, foram comemorações
produzidas por e para uma classe específica, um grupo privilegiado que fazia parte das
comemorações. Ainda nessa perspectiva, deparamo-nos com a narrativa de seu Antonio Torres, o
qual apresenta o mesmo silenciamento sobre esse período:
Trabalhava com tudo que desse certo, nesse tempo, era tudo difícil e quando tinha muié e
menino pra criar, então eu trabalhei em serraria, na serraria do seu Didi, fui lá que aprendi o
ofiço de carpinteiro, quando sai di lá fui trabalhar pro Dom José [...] era um homem muito
bom até me deu um emprego lá no abrigo, trabalhei lá e ele disse que si mode eu quisesse
podia ficar lá de vigia, mais ganhava pouco como vigia, e voltei a trabalhar noutra serraria
[...] O Dom José eu conheci, mais num mi alembro dessa festa não! Hoje em dia é que os
prefeito faz festa de aniversário da cidade, mais anti num tinha não(...)A festa do Dom José
foi uma festança só, a cidade todinha foi, Eli tinha a mania de pedir ajuda pros branco pra
mode fazer as coisa que Eli queria na cidade, e nessa festa todos o branco deram dinheiro [...]
Tinha muita gente a cidade tava cheia, só pra essa festa [...]12.
11
Entrevista realizada com Antonio Torres, 96 anos, carpinteiro Setembro de 2009, Sobral. 144
12
Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar Sobral na década de 1940 do século XX se tornou possível a partir do trabalho com
as imagens reproduzidas no álbum do primeiro Centenário, articuladas com as memórias dos velhos.
Foi possível compreender a Cidade e os desejos dos ordenadores do espaço urbano, da mesma forma
que perceber como as representações produzidas sobre Sobral ficaram marcadas na memória de seus
habitantes.
As memórias, concebidas como fontes nesta pesquisa, foram “[...] adquirindo um peso e uma
diversidade que levam a identificação do próprio mundo exterior” (GUIMARÃES, 1997, p.11). Ou
seja, foram elas os guias que nos ajudaram a entender como a cidade era vivenciada pela população
que não estava inserida no meio de seus ordenadores, entendendo, dessa maneira, como os espaços
representados no álbum eram por eles praticados e pensados.
Assim, o universo dessas representações sofria apropriações e utilizações diversas para
aqueles que, mesmo não sendo instigados a “desejar a Cidade”, construíam as suas próprias histórias
e representações sobre a mesma. A interpretação dessas memórias e, às vezes, do silêncio dos
depoentes, fizeram-nos revelar a existência de múltiplas cidades, em uma única, o que não seria
perceptível através apenas dos documentos escritos.
A compreensão de Sobral e da instituição de seu imaginário acerca da Cidade e de suas
tradições não são perceptíveis apenas com o estudo de um evento, em especial o Centenário. Foi
possível perceber que existem várias formas de pensar a Cidade. Formas essas que, às vezes, não
estão impressas em documentos ou em jornais, mas que se encontram presentes na memória daqueles
que são parte constituinte desses espaços.
REFERÊNCIAS
CONNERTON. Paul. Cerimônias Comemorativas. In: Como as sociedades recordam. Oleiras: Celta, 1993.p.15.
FRENTRESS, James. Memória Social: Novas perspectivas sobre o passado. Ed. Teorema, 1994.
GUIMARÃES, Cesar. Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte: Editora da UFMG,1997,
p.11.eorema, Lisboa, 1992.
LOFEGO. Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado e o futuro. São Paulo:
Annablume, 2004. p.26.
POLLAK. Michael, Memória e identidade social. IN: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p.200 -
212.
“A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais
dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para
nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente”.1
A cidade onde o artista vive pode influenciar o seu processo de criação, seja pela seleção de
materiais que estão mais disponíveis ali do que em outros lugares, seja pelas imagens, cenários e
estética que existem naquela cidade, pelos sons que ela emite, o cotidiano que ela favorece, etc.
A arte confere certa atmosfera à cidade e a cidade influencia no processo de criação do artista,
pois esse processo envolve muitas vezes, as experiências sociais e urbanas dele, o seu cotidiano, além
de seus intercâmbios com outros.
Alguns artistas assumem essas influências, produzindo trabalhos voltados a determinados
lugares, com a intenção de criar novos significados a esses espaços, valorizando lugares que estavam
abandonados ou subutilizados, levando beleza aonde existia esquecimento.
Às vezes a intenção do artista é questionar determinados lugares, pelo modo como estão sendo
ocupados. Um exemplo disso acontece quando o artista tem a opção de expor em uma galeria de arte,
mas ainda assim, cria algo para ser exposto no espaço público, acessível a todos.
Por vezes, a proposta parte mesmo da ideia de criticar o lugar ou o espaço público de modo
mais abrangente. Questionando sobre como esses espaços são habitados, quem está sendo
privilegiado, quem está sendo excluído, visando promover o pensamento crítico e mudanças.
É necessário fazer certa distinção entre termos utilizados aqui, que se aproximam, mas que
têm sentidos diferentes: Cidade e espaço público.
A cidade é tanto um espaço geográfico, físico, como também uma ideia que cada sujeito
“inventa” no seu cotidiano, através de sua experiência, de suas memórias, dos lugares onde viveu
alegrias e tristezas, das ruas conhecidas e das ruas desconhecidas, etc. Cada habitante da cidade faz
dela um mapa único, traçado pelos afetos que lhe atravessam.
A cidade não se constitui apenas de edifícios, de construções humanas, mas também de
cultura, trazendo em si marcas da população que a habita, que vive e produz significados a ela.
São os sujeitos com a sua cultura e seus modos de se organizar e de pensar que constroem as
cidades. De modo que sua estrutura revela o modo como a população a habita, trabalha, vive nela.
O espaço público é onde se desenrola a ação política, espaço dos dissensos, que por ser
público, deve ser comum a todos, que é disputado de diversas formas, pois todos querem ter direito a
ele e opinar sobre como habitar e se mover nesse espaço.
Mas os sujeitos que disputam esse espaço nem sempre possuem o que Arendt (1972 apud
SERPA, 2014) denomina de capacidade de julgamento, a habilidade de analisar os fatos sob uma
perspectiva plural, não apenas individual, compreendendo que na esfera pública, as ações de um
interagem com as dos demais ou podem afetá-los.
O espaço público é, portanto, o espaço da política, onde pensamos sobre o que deve ser comum
a todos e como esse “comum” deve ser partilhado entre os sujeitos.
Compreendendo aqui o termo política à luz de Rancière (1996) que relaciona o princípio da
ideia de política ao domínio do ser humano sobre a palavra falada e escrita. Retomando o filósofo
1
CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. p. 53. Ed. Biblioteca Folha. 1972.
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Aristóteles, Rancière (1996) reafirma ser o homem um animal político, justamente por possuir a
habilidade de falar, que o diferencia dos outros animais.
Ele analisa o surgimento da política na Grécia antiga, e como o direito à fala nos espaços
públicos não era algo que se aplicasse a todos, pois os escravos e os bárbaros não eram considerados
como seres que possuíssem tal habilidade, embora também fossem considerados seres humanos.
Portanto, eles não participavam da política, eles não tinham igualdade na partilha do espaço público.
Desse modo, ainda que todos pudessem frequentar o espaço da Ágora, aos estrangeiros
(metecos) e aos escravos não era permitido participar de grande parte dos eventos políticos que
aconteciam ali, como corrobora Sennet (2003).
Sennet (2003) descreve a Ágora como um lugar caótico, onde se realizavam diversas
atividades simultaneamente, como danças religiosas, atividades financeiras, apresentações teatrais,
além de haver espaços para comer, negociar e conversar. Esse era o espaço público, o espaço da
política.
O homem do povo não era considerado um ser falante, tampouco era considerado apto a
debater com os patrícios, porque ele não possuía nem títulos, nem riquezas e estava, portanto, restrito
à esfera da vida privada.
A abrangência do espaço público hoje se ampliou, com o surgimento de mais espaços,
inclusive virtuais, que são espaços de discussão, de comunicação e de atuação política. Mas ainda há
bastante exclusão nesses espaços, onde nem todos têm acesso ou são ouvidos.
O espaço público e a cidade são espaços políticos, por serem permeados por diferenças,
dinâmicos, visíveis, externos. São espaços coletivos, idealizados e construídos pelas pessoas, pois o
modo como uma cidade se desenvolve materialmente, revela a subjetividade de seus habitantes, assim
como o modo como o espaço público é compartilhado também surge do modo de pensar e agir dos
sujeitos.
Assim como a cidade e o espaço público, a arte também se origina da subjetividade humana,
ou ainda, ela é em si mesma um modo de ser e de viver, pois o artista é aquele que vive a arte,
inventando olhares e perspectivas sobre a realidade. Como se utilizasse uma lupa, ele pode ampliar
um pequeno recorte da realidade e torná-lo visível, quando ele não era, ou pode lhe propor novos
significados, pode problematizá-lo.
A cidade e o espaço público são os espaços onde a arte se dissemina, se propaga e são por ela
transformados e (re)inventados. A arte se relaciona com a estética da cidade, com a beleza que está
além das formas, mas que está também no significado que damos ao que nos cerca.
Partindo disso, analiso uma intervenção artística realizada em Fortaleza, em 2013, no contexto
das manifestações populares que ocorreram diversas cidades brasileiras, começando pelo Movimento
Passe Livre (MPL), em São Paulo, contra o aumento no preço das passagens de ônibus.
Essas manifestações geraram profícuos debates sobre a mobilidade urbana, o direito de
manifestar-se no espaço público, a democracia, a manipulação das notícias pelos veículos de
comunicação em massa, etc.
Nesse período, a cidade experimentou um estado de comoção inusitado, que surpreendeu por
ter crescido de forma tão vertiginosa e sem precedentes.
Nesse contexto, o coletivo Massa Crítica2 promoveu em Fortaleza, a pintura de uma ciclofaixa
com extensão de 3 km na Rua Ana Bilhar, no dia 04 de agosto de 2013, problematizando o modo
como se compartilhava aquele espaço público até então, onde não havia espaço destinado ao tráfego
de ciclistas.
Essa faixa foi pintada com tinta à base de água, sem a solicitação de uma autorização da
prefeitura. Mas essa pintura, ainda que feita com uma tinta que tinha pouca durabilidade, por ser
facilmente removível, tornaria visível uma cidade que existia apenas para os ciclistas que transitavam
diariamente por ali sem a segurança de um espaço destinado a eles.
2
Mais informações sobre o coletivo em: <https://www.facebook.com/MassaCriticaFortaleza? fref=ts>. Acesso em:
21/12/2014.
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O coletivo Massa Crítica promoveu uma intervenção que pode ser considerada arte, pensando
pela perspectiva da arte contemporânea, que propõe a abertura para múltiplas interpretações,
promovendo a invenção plural de significados, onde o espectador é de certo modo um cocriador.
Nesse caso, os espectadores seriam os sujeitos que transitavam por aquela rua e as suas
reações, ou o modo como a intervenção os afetava, era parte da obra.
Assim como nessa intervenção, a arte contemporânea evoca a ideia de provocação e muitas
vezes não é bem compreendida. Ela provoca a questionar conceitos que foram naturalizados.
Revolvendo a zona do normal, deslocando personagens, revirando conceitos enraizados.
3
Disponível em: <http://vadebike.org/2013/08/ciclofaixa-ana-bilhar-fortaleza/>. Acesso em: 21 Dez.2014.
4
Disponível em: <http://vadebike.org/2013/08/ciclofaixa-ana-bilhar-fortaleza/>. Acesso em: 05 Jul.2019.
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A intervenção do Massa Crítica dialoga com a arte e com a política, pois como afirma Rancière (1996),
a política surge quando a ordem da partilha do comum é alterada pelos que não tem parcela, ou seja, pelo povo,
de modo que se põe em questão a própria partilha, problematizando-se o modo como ela ocorre e o que cabe
a cada um.
A arte está na esfera do visível, ou melhor, daquilo que é apreendido pelos sentidos. Ela transita entre
os sujeitos, comunicando, tornando-se uma experiência a ser não apenas vista como também sentida,
experimentada.
O que a arte proporciona está intrinsecamente relacionado com o modo de estar no mundo, como o
sujeito aprende, conhece, cria, constrói, habita, vive, pensa, sente e opera no espaço.
A arte propõe experiências. Experiência no sentido de (auto)observação, de consciência sobre si
mesmo, sobre a sua relação com os outros e com o meio circundante. A arte toca nesse lugar, da experiência.
Benjamin (1933 apud BONDÍA, 2002) observa que a pobreza de experiências é característica dos
tempos atuais, onde o excesso de informações provoca uma aparência de que muitas coisas sucedem, mas a
experiência, como eles a entendem, trata-se de algo raro.
Considero experiência a invenção de subjetividades, algo que modifica a relação com o tempo e com
o espaço, que desloca o olhar condicionado para algo inesperado, que possibilita ao corpo expressar modos
inexplorados.
A intervenção do Massa Crítica provavelmente surpreendeu muitos ciclistas que estavam
acostumados a transitar por aquela rua sem tal faixa. Ela possibilitou uma experiência a diversas
pessoas que passaram por aquele espaço, tocando na questão da mobilidade urbana, produzindo
afetos.
Essa intervenção filmada e alguns vídeos foram disponibilizados na internet5. Em um deles,
que dura um pouco mais de três minutos, eles denominam a ação de “intervenção urbana”, e contam
o processo de criação da ciclofaixa, como o custo dos materiais para a pintura, entre outros aspectos.
Eles também conversam com alguns transeuntes, inclusive policiais, que passam pelo local, e
defendem a intervenção, afirmando, entre outras coisas, que intencionavam conhecer a reação das
pessoas, se elas iriam realmente utilizar a faixa, que sua proposta era estimular o trânsito em bicicletas
e incentivar a prefeitura a criar ciclofaixas na cidade.
Além disso, eles afirmam que a tinta não é permanente, que se apaga em poucos dias, de modo
que eles não estariam causando uma mudança definitiva do espaço público, mas apenas uma
intervenção temporária.
Após a intervenção, houve uma resposta da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços
Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). O vice-presidente da AMC, Arcelino Lima, afirmou6
que se tratava da “violação de um bem público”.
Acredito que se houve alguma violação, não foi do bem público, pois a intervenção visava
provocar uma reconfiguração desse bem, da forma como ele era partilhado entre os sujeitos e suas
diferentes formas de mobilidade.
Talvez o que ele considerava violação era o fato de que uma parcela da população que não
costuma “ter voz” estava tomando decisões sobre o espaço público.
No dia seguinte à intervenção, a ciclofaixa foi apagada pela prefeitura, mas em setembro, um
mês depois, a AMC implantou uma ciclofaixa unidirecional naquela rua.
A inauguração dessa ciclofaixa foi divulgada na ocasião e a explicação da escolha do local para início
desse tipo de obras na cidade foi a seguinte:
Inicialmente, apenas a Rua Ana Bilhar foi contemplada com essa sinalização. Entretanto, após o
término das obras de recapeamento da Rua Canuto de Aguiar, será implantada a ciclofaixa
também nesta via, no sentido oeste/leste, complementando o binário a fim de ampliar as
possibilidades de mobilidade.8
A notícia não menciona a intervenção do Massa Crítica, não a aponta como um dos motivos para
aquela ciclofaixa. A inauguração da faixa exclusiva para os ciclistas é informada como sendo uma obra
realizada “em atendimento à solicitação do prefeito Roberto Cláudio de oferecer opções de deslocamentos seguros
aos ciclistas.” 9
A cidade de Fortaleza atualmente possui diversas ciclofaixas, que passaram a fazer parte do cenário urbano
e aos poucos foram sendo assimiladas pela cultura local.
Vejo como necessária a criação de ciclofaixas em todas as ruas para que a distribuição desse espaço se
aproxime mais da equanimidade entre as diversas formas de mobilidade.
Para uma distribuição igualitária, há que se pensar não apenas nos ciclistas, mas também nos pedestres, nas
pessoas com dificuldades de locomoção, nos idosos, etc.
A partilha do espaço público é algo dinâmico, que pode ser transformado a partir da ação dos sujeitos e a
arte pode contribuir para essa transformação, através da criação de imagens, de intervenções visuais, sonoras, táteis,
ou melhor dizendo, sensíveis, que provocam debates, levando as pessoas a pensarem, imaginando outras possíveis
cidades.
A arte pode mexer com a imaginação e com a sensibilidade, provocando experiências, mais do que ideias
e palavras, ações. Abrindo espaço para o surgimento do novo.
REFERÊNCIAS
7
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar Acessado em: 05/07/2019.
8
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar
9
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-de-fortaleza-conclui-implantacao-de-ciclofaixa-na-
rua-ana-bilhar
Sumário ISBN 978-85-000
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BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Universidade de Barcelona, Espanha.
Tradução de João Wanderley Geraldi. Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Lingüística. Revista
Brasileira de Educação Nº 19 – Jan/Fev/Mar/Abr, 2002.
RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política – São Paulo: EXO experimental – Ed. 34, 2005.
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RODRIGUES, Kadma Marques. A Beleza e a Rua: Considerações sobre a arte e o grafite na “Fortaleza Bela”. In:
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SENETT, Richard. Carne e Pedra. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
SERPA, Angelo. O Espaço Público na Cidade Contemporânea. 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2014.
INTRODUÇÃO
Vigotski apresenta uma perspectiva teórica cujas bases estão fundamentadas no materialismo
histórico-dialético de Marx, o qual compreende que o processo de conhecimento é formado pela
síncrese, análise e síntese2, momentos interligados que contribuem para a compreensão da realidade
concreta.
Tomando a abstração e a forma de cultura mais desenvolvida, Vigotski propõe que o ensino
parta do conhecimento cotidiano para chegar ao conhecimento científico, essencial para o
desenvolvimento humano. Neste processo, o psicólogo russo argumenta a importância da interação
entre criança, indivíduo em desenvolvimento, e o adulto, um ser desenvolvido, como fonte que
impulsiona o desenvolvimento cultural da criança.
O objetivo deste capítulo é propor uma discussão sobre a aprendizagem a partir de uma
abordagem histórico-cultural, cuja base está fundamentada no método e nos princípios teóricos do
materialismo histórico-dialético.
Para tanto, realizou-se um estudo bibliográfico apoiado em Vigotski (1998), Rego (1994),
Oliveira (1993), Leontiev (1978) e Duarte (2008), uma vez que este tipo de pesquisa “[...] se utiliza
fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto [...]” (GIL,
1991, p. 51).
O texto está organizado em duas partes: a primeira, apresenta as bases que fundamentam os
estudos de Vigotski, enquanto a segunda discorre sobre a relação entre desenvolvimento e
aprendizagem, a partir da Zona de Desenvolvimento Proximal.
1
Este texto é parte do artigo “Os Pilares da Educação e os Direitos de Aprendizagem: Interfaces do Sistema Capitalista”,
apresentado na XXII Semana Universitária da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em 2017.
2
Estes três momentos compõem o método da economia política desenvolvido por Marx para compreender a realidade
concreta. Marx (2016) coloca que o concreto só pode ser desvelado se tomarmos a realidade em sua totalidade, a qual se
apresenta, inicialmente, como um todo caótico (síncrese), que por meio da análise, poderíamos chegar aos conceitos mais
simples, sendo necessário fazer o caminho de volta para que se possa perceber o concreto, isto é, a síntese das múltiplas
determinações sociais, a totalidade em que se encontra a realidade, chegando, portanto, ao conhecimento mais complexo
(MARX, 2016; DUARTE, 2008). Para uma melhor compreensão sobre o método materialismo histórico-dialético,
consultar MARX, Karl. O Método da Economia Política. In: MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política.
Tradução: Maria Helena Barreiro Alves. 5ª edição – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016. p. 246-258; e
DUARTE, Newton. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a
questão do saber objetivo na educação escolar. In: DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das
ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. 1 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
(Coleção polêmicas do nosso tempo, 86). Cap. 3, p. 39-83.
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3
A Revolução Russa de 1917 foi marcada por uma série de eventos políticos que resultou no estabelecimento do poder
soviético sob o controle do partido bolchevique. Composta por duas fases: a Revolução de Fevereiro em que se deu a
derrubada da autocracia do Czar Nicolau II da Rússia e a Revolução de Outubro, através da qual o governo provisório foi
derrubado, impondo-se o governo socialista soviético, o resultado deste processo foi a criação da União Soviética, que
durou até 1991. Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/ef2/revolucaorussa/>. Acesso em: 22.09.2016.
4
A concepção ambientalista é uma abordagem também denominada de associacionista, comportamentalista ou
behaviorista.
5
A abordagem inatista também é conhecida como apriorística ou nativista.
6
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, em Orsha, pequena província da Bielo-Rússia. Sua
família era de origem judaica. Seu pai trabalhava em um banco e numa companhia de seguros e sua mãe era professora
formada. Seu percurso acadêmico foi marcado por estudos realizados em diversas áreas do conhecimento. Começou sua
carreira aos 21 anos de idade após a Revolução Russa de 1917. Preocupava-se com questões ligadas à pedagogia.
Interessou-se pela psicologia acadêmica, a partir de seu contato com os problemas de crianças com defeitos congênitos
como cegueira, retardo mental severo e afasia, o que significou uma oportunidade para compreender os processos mentais
humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa. Faleceu de tuberculose, no dia 11 de junho de 1934,
em Moscou.
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Nesta perspectiva, os estudos realizados tanto pelo psicólogo russo, como por seus
seguidores7, buscaram comprovar que o pensamento adulto é culturalmente mediado, sendo que a
linguagem é o meio principal desta mediação. Vigotski, portanto, tendo como base os princípios do
materialismo dialético, buscou construir uma psicologia que “[...] integra, numa mesma perspectiva,
o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie
humana e participante de um processo histórico” (OLIVEIRA, 1993, p. 23).
Para melhor compreender a abordagem sócio-histórica ou sociointeracionista, faz-se
necessário conhecer os principais pressupostos que sustentam a teoria deste pesquisador8. Vigotski,
em seu primeiro pressuposto, defende que as características tipicamente humanas não são presentes
no indivíduo desde o seu nascimento, nem são resultados do meio externo. Afirma, portanto, que
estas características “[...] resultam da interação dialética do homem e o seu meio sociocultural. Ao
mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas,
transforma-se a si mesmo” (REGO, 1994, p. 41, grifos do autor). Assim, o ser humano não nasce
humano, torna-se humano a partir do momento em que transforma o ambiente, integrando, portanto,
aspectos biológicos e sociais, numa relação entre indivíduo e sociedade.
Seu segundo pressuposto teórico é uma extensão do primeiro. Através dele, Vigotski
evidencia que as “[...] funções psicológicas especificamente humanas se originam nas relações do
indivíduo e seu contexto cultural e social” (REGO, 1994, p. 41). Infere-se que é a partir das interações
sociais que o ser humano se desenvolve, sendo a cultura, um elemento indispensável para este
desenvolvimento, pois é através dela que o homem internaliza os modos historicamente determinados
e culturalmente organizados de operar com informações.
Através do terceiro pressuposto, o psicólogo russo sustenta que o cérebro é a base biológica
do funcionamento psicológico. O cérebro é percebido como órgão principal da atividade mental;
sendo “[...] produto de uma longa evolução, é o substrato material da atividade psíquica que cada
membro da espécie traz consigo ao nascer” (REGO, 1994, p. 42). Assim sendo, o cérebro não é um
sistema imutável e fixo, ao contrário, é “[...] um sistema aberto de grande plasticidade, cuja estrutura
e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual”, como ressalta Oliveira (1993, p. 24).
Vigotski apresenta o quarto pressuposto teórico, asseverando que toda atividade humana é
mediada. A mediação, para tanto, é realizada através dos instrumentos técnicos e os sistemas de
signos, construídos ao longo da história da humanidade, os quais fazem a mediação entre os seres
humanos e destes com o mundo ao seu redor. Neste sentido, “[...] a linguagem é um signo mediador
por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana”
(REGO, 1994, p. 42). Para Vigotski (1998), a linguagem9 tem um papel primordial no processo de
pensamentos, uma vez que permite ao homem lidar com objetos do mundo exterior, mesmo que estes
objetos estejam ausentes; propicia ao homem a abstração e a generalização, e viabiliza o
desenvolvimento da função de comunicação entre os homens, garantindo que as informações e
experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história sejam preservadas, transmitidas e
assimiladas.
7
Vigotski teve grandes colaboradores, dentre eles destacaram-se Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei
Nikolaievich Leontiev (1904-1979).
8
Vigotski investigou sobre os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética
(história evolutiva da espécie), histórico-social e ontogenética (desenvolvimento do indivíduo da fecundação à
maturação). Interessou-se em estudar o comportamento e psiquismo dos animais com o objetivo de identificar as
principais semelhanças e possíveis diferenças com o ser humano. Em linhas gerais, concluiu que: a) todo comportamento
animal conserva sua ligação com os motivos biológicos; b) o comportamento humano não é forçosamente determinado
por estímulos imediatamente perceptíveis ou pela experiência passada; c) as fontes de comportamento do homem são
transmitidas pela experiência das gerações anteriores (VIGOTSKI, 1998; REGO, 1994; OLIVEIRA, 1993).
9
Para o psicólogo russo, a linguagem representa um marco no desenvolvimento do pensamento humano, pois tanto
expressa o pensamento como age como organizadora deste pensamento. A linguagem escrita também desempenha papel
fundamental, uma vez que “[...] representa um novo e considerável salto no desenvolvimento da pessoa” (REGO, 1994,
p. 68).
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O último pressuposto explicita que os processos psicológicos complexos são próprios dos
seres humanos e, ao serem analisados devem ser conservadas suas características básicas, pois “[...]
os processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos mais elementares e não podem,
portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos” (REGO, 1994, p. 43). Neste sentido, a consciência
humana, enquanto produto da história social, deve ser estudada levando em consideração as mudanças
do desenvolvimento mental dentro de um contexto social.
Com estes principais pressupostos, Vigotski fundamenta sua psicologia, defendendo que “[...]
o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes interações com o meio social em
que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social.” (REGO, 1994, p.
60-61), sendo mediadas pelos signos e pelo outro10.
Destarte, faz-se necessário ressaltar o lugar de destaque que Vigotski atribui ao aprendizado,
no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Para o estudioso, a
aprendizagem é um elemento basilar, uma vez que colabora para o desenvolvimento pleno do ser
humano que se realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação que estabelece com
outros sujeitos.
O ser humano deve, portanto, ter acesso aos conhecimentos historicamente construídos ao
longo do desenvolvimento da humanidade, através da aprendizagem, pois “[...] o aprendizado é o
aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características
psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas” (REGO, 1994, p. 71).
10
Vigotski atribui ao instrumento e ao signo, elementos da mediação simbólica, papel fundamental, pois explica que o
primeiro tem a função de regular as ações sobre os objetos e o segundo a função de regular as ações sobre o psiquismo
dos seres humanos, o que significou um salto evolutivo da espécie humana (REGO, 1994).
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Neste contexto, duas observações devem ser realizadas: uma em relação à importância de que
a escola, ao discutir e planejar as atividades voltadas ao ensino e à aprendizagem, tem uma
fundamentação singular a qual deve seguir, que é o estudo da zona de desenvolvimento potencial ou
proximal proposta por Vigotski, a qual privilegia a interação a partir da cultura. A outra observação,
igualmente significativa, é que o conhecimento tido como no nível de desenvolvimento proximal,
passará para o nível de desenvolvimento real, desde que aconteça a mediação por alguém
culturalmente com mais experiência. Cabe, portanto, entender que o ambiente por si só não
contribuirá para elevar o nível de aprendizagem e, portanto, de desenvolvimento da criança.
Para Vigotski (1998, p. 113), “[...] a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear
o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não
somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em
processo de maturação”. O papel do professor, neste contexto, é o de intervir na zona de
desenvolvimento proximal, proporcionando atividades que contribuam para que os alunos avancem
no aprendizado dos conteúdos historicamente acumulados, uma vez que a aprendizagem não ocorre
espontaneamente.
Em relação aos níveis que compõem a zona de desenvolvimento potencial ou proximal, Rego
(1994) faz uma crítica às escolas, pois estas acabam por avaliar os alunos que supostamente
apresentam-se no nível de desenvolvimento real, quando os alunos que merecem maior atenção são
os que se encontram no nível de desenvolvimento potencial, os quais melhor indicam o seu nível de
aprendizagem:
Nas escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, costuma-se
avaliar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é capaz de
fazer, sem a colaboração de outros, é que é representativo de seu desenvolvimento. [...] Este
nível (o nível de desenvolvimento potencial) é, para Vygotsky, bem mais indicativo de seu
desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha” (REGO, 1994, 73,
grifos nossos).
Partindo destas reflexões, depreende-se que as escolas terminam por não conhecer o
desenvolvimento mental de seus alunos, uma vez que privilegiam apenas o nível de desenvolvimento
real em suas avaliações como uma maneira de perceber o desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
Deste modo, as escolas deixam de conhecer os ciclos de aprendizagem já completados e de elaborar
estratégias pedagógicas para auxiliarem os que ainda estão no nível proximal em relação a
determinadas aprendizagens. No entanto, “[...] a escola tem o papel de fazer a criança avançar em sua
compreensão do mundo a partir de seu desenvolvimento já consolidado e tendo como meta etapas
posteriores, ainda não alcançadas” (OLIVEIRA, 1993, p. 62).
Fica claro, por conseguinte, que tanto o aprendizado de modo geral, como o aprendizado
escolar, especialmente, possibilita e orienta processos de desenvolvimento mental dos indivíduos.
Para Vigotski (1998), o desenvolvimento e a aprendizagem encontram-se inter-relacionados desde o
nascimento do sujeito. No entanto, ele explica o papel da escola no processo de desenvolvimento do
indivíduo distinguindo os conhecimentos construídos na experiência pessoal, identificados como
conceitos cotidianos ou espontâneos11 e os conhecimentos adquiridos por meio do ensino sistemático,
identificados como conceitos científicos12. Para tanto, “[...] o psicólogo soviético mostra que os
conceitos científicos, superam por incorporação os conceitos cotidianos, ao mesmo tempo em que a
aprendizagem daqueles ocorre sobre a base da formação destes [...]” (DUARTE, 2008, p. 48).
11
São conceitos construídos a partir da observação, manipulação e vivência direta da criança. No cotidiano a criança pode
construir o conceito de gato, distinguindo-o de outras categorias como livro, mesa, por exemplo (REGO, 1994).
12
Estes conceitos dizem respeito a eventos não acessíveis diretamente através da observação ou ação imediata da criança.
São conceitos adquiridos de forma sistematizada a partir de interações escolarizadas (REGO, 1994).
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Embora diferentes, conforme explica Rego (1994), “[...] os dois tipos de conceitos estão
intimamente relacionados e se influenciam mutuamente, pois fazem parte, na verdade, de um único
processo: o desenvolvimento da formação de conceitos” (REGO, 1994, p. 78). Logo, ao entrar em
contato com um conceito sistematizado, porém desconhecido, a criança tentará significá-lo através
de aproximações com outros conhecimentos elaborados e internalizados anteriormente. Por
conseguinte, tanto os conceitos cotidianos quanto os conceitos científicos apresentam-se como
imprescindíveis no processo de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo, embora talvez se
torne relevante lembrar que o processo de ensino e aprendizagem não deve contentar-se apenas com
o conhecimento espontaneísta.
Para Vigotski (1998), o ensino de conceitos não se dá de forma mecânica, por meio de
treinamento ou memorização, mas através de um meio ambiente desafiador, que estimule o intelecto
do indivíduo para que este conquiste estágios mais elevados de raciocínio, pois a formação do
pensamento conceitual não depende exclusivamente do esforço individual, porém, principalmente do
contexto em que o indivíduo está inserido. Para tanto, o ensino escolar desempenha papel
fundamental neste processo, como bem coloca Rego (1994):
A escola propicia às crianças um conhecimento sistemático sobre aspectos que não estão
associados ao seu campo de visão ou vivência direta (como no caso dos conceitos
espontâneos). Possibilita que o indivíduo tenha acesso ao conhecimento científico construído
e acumulado pela humanidade. Por envolver operações que exigem consciência e controle
deliberado, permite ainda que as crianças se conscientizem dos seus próprios processos
mentais (processos cognitivos) (REGO, 1994, p. 79).
Conforme explicita muito bem a autora, é através do ensino sistematizado13 que os sujeitos
têm acesso ao conhecimento científico construído socialmente ao longo do desenvolvimento humano.
Acrescenta-se que é na fase escolar que as funções superiores estão em amadurecimento, reforçando
a relevante função da escola.
Portanto, a partir das exposições realizadas, conclui-se que “Vygotsky, inspirado nos
princípios do materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura
humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural” (REGO,
1994, p. 93), em que organismo e meio influenciam-se reciprocamente, uma vez que o homem
transforma e é transformado através das relações dialéticas que estabelece, mediadas por uma
determinada cultura. É com base nesta relação que se desenvolve o que o psicólogo russo denomina
de pensamento sociointeracionista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
13
Para Vigotski, a função da brincadeira também é responsável pelo progresso da zona de desenvolvimento proximal da
criança e deve ser utilizada no âmbito do ensino sistematizado. Neste contexto, o termo brinquedo é uma referência,
principalmente ao ato de brincar, o qual envolve a fala e a imaginação das crianças numa relação com o mundo (REGO,
1994; OLIVEIRA, 1993).
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REFERÊNCIAS
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filosofia da educação. 1 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção polêmicas do nosso tempo, 86)
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1991.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Tradução: Maria Helena Barreiro Alves. 5ª edição – São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 1993. (Série Pensamento e Ação no Magistério)
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 9ª ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1994.
INTRODUÇÃO
Não há dúvidas de que a Didática do Ensino de História passou por uma colossal metamorfose,
que se configurou como sendo uma virada necessária para a sua consolidação enquanto campo que
se preocupa em analisar o processo do aprendizado histórico. Com as modificações sofridas, a
disciplina passou a ter um caráter diferenciado que se centraliza, essencialmente, no conceito de
“consciência histórica”. Além disso, a disciplina se preocupa em trazer uma perspectiva mais
reflexiva da sociedade em geral e do produto da própria História, os seres humanos que, por sua vez,
são sujeitos históricos que possuem a capacidade de tornar o seu presente inteligível, por meio de sua
consciência histórica.
No interior dessas discussões fez-se necessário a realização de uma pesquisa de campo em
uma determinada escola da educação básica1. Essa pesquisa de campo sustentou-se nas observações
das aulas de História na escola, bem como na aplicação de um questionário com alunos e professor,
almejando perceber elementos que possibilitem entender como é encarado o conhecimento histórico
e, sobretudo, perceber com mais ênfase a consciência histórica dos sujeitos em questão. O
questionário apresenta perguntas específicas que foram baseadas em compreensões acerca da
disciplina de Didática do Ensino de História2, que já fazem parte de nosso entendimento acadêmico.
O escopo deste artigo baseia-se em compreender como se dá a consciência histórica de alunos
e professores. Para que esse objetivo fosse alcançado, foram necessárias observações empíricas a fim
de oferecer dados qualitativos que possibilitem o entendimento do contexto em que os sujeitos se
encontram com relação ao conhecimento histórico.
A Didática do Ensino de História sofreu uma mudança paradigmática que eliminou elementos
metodológicos associados ao ensino de História, que antes tinha como forte aliada a Pedagogia, e
depois da virada dos anos 1960/70 passou a ser fortemente vinculada ao campo da Teoria da História.
Essa, por sua vez, foi uma das propostas de Rüsen acerca da Didática da História.
O conceito de consciência histórica apresenta-se como sendo o conceito em que a Didática do
Ensino de História mais carrega em seu “calcanhar”. Constitui-se como a força motriz dessa
disciplina. O primeiro equívoco a ser desfeito para a introdução deste assunto é que nem todos os
1
Nesta pesquisa não identificamos a escola nem os participantes, visto que não fomos autorizados pelo gestor da
instituição.
2
Disciplina obrigatória da matriz curricular do Curso de Licenciatura plena em História da Faculdade de Filosofia Dom
Aureliano Matos Campus da Universidade Estadual do Ceará, do qual fomos egressas.
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seres humanos possuem consciência histórica, o que se caracteriza como um verdadeiro engano, uma
vez que a consciência histórica é inerente à existência humana, conforme afirma Cerri (2001).
Refletir sobre consciência histórica não é uma tarefa fácil, ao contrário é uma tarefa muito
espinhosa, porém é importante entender que a mesma é um sólido alicerce para que os alunos possam
orientar-se no tempo. Essa orientação no tempo se dá de uma maneira em que o aluno consegue
articular os três grandes pilares temporais: passado, presente e futuro, conseguindo fazer leituras do
presente e conduzindo seus entendimentos para a vida. De acordo com Rüsen, a consciência histórica
manifesta-se quando há por parte do indivíduo o exercício de dialogar com “o passado em um inter-
relacionamento mais explícito com o presente, guiado por conceitos de mudança temporal e por
reivindicações de verdade” (RÜSEN, 2009, p. 166).
Com a intenção de que seja ouvida a voz dos sujeitos históricos da escola, foi necessária a
aplicação de um questionário aos mesmos, que objetivou responder as questões postas inicialmente.
Quanto a isso, diante da pergunta acerca de se enxergar como sujeito histórico, o relato da aluna A se
mostrou confuso, pois a mesma disse: “Não muito, sei lá, eu não me considero uma pessoa histórica
e tal, só que eu tento viver a vida fazendo coisas que possam ficar marcadas”. A pergunta era básica,
mas diante dessa resposta torna perceptível que alguns alunos não possuem certas dimensões que
deveriam ser lidadas pelo professor de História. Essa ausência de se entender e enxergar-se como
sujeito histórico é comum entre muitos, porém mesmo a aluna não se vendo como tal, ela aponta
indiretamente que suas ações fazem parte da História e que a própria se esforça ao máximo para fazer
“coisas que possam ficar marcadas”. Sendo assim, observamos aqui, mesmo de forma simples, sinais
de sua consciência histórica.
A aluna B se posicionou da seguinte forma diante dessa pergunta: “Sim, com certeza, porque
eu vou deixar a minha História, a minha cultura para, por exemplo, os meus filhos.” Enquanto que o
aluno C respondeu ao questionamento de forma bastante completa, cuja resposta deixa claro que ele
se enxerga como sujeito histórico.
Eu, como tenho um pensamento assim bem amplo, costumo não pensar por mim só, mas
pelos outros também, eu me considero, sim, um sujeito histórico, assim como eu considero
os meus colegas e as pessoas que compõem a sociedade, também como sujeitos históricos,
porque a sociedade não se move por um único ser, a História não é construída por um único
fato, os fatos que estão por trás de todos os fatos, por fato de tudo que vem acontecendo e já
aconteceu existem os protagonistas, e os protagonistas somos nós, então eu me considero um
ser histórico (ALUNO C).
Percebe-se que a resposta do aluno C demostrou que ele possui certas dimensões que o
qualifica como um ser que, além de histórico, é um protagonista da sociedade, o próprio consegue
perceber que essa questão é inerente à existência humana. A aluna B se visualiza também como um
sujeito histórico, sendo aquela que possui dentro da sociedade a capacidade de proporcionar heranças
através de suas influências históricas e culturais.
Dessa forma, avaliando as visões acerca do questionamento feito aos alunos, podemos inferir
que mesmo estes estando na mesma escola e tendo contato com praticamente os mesmos professores,
a percepção e/ou posicionamento varia entre eles; cada um de acordo com suas próprias vivências.
Outro fator relevante seria justificar o não pertencimento de alguns deles com relação a enxergar-se
como sujeito histórico, pelo fato de não possuírem contato com essa dimensão. Isso constataria o
posicionamento de alguns que possuem essa realidade alheia a eles, ou mesmo presumem que ser
sujeito histórico é ter o nome marcado em livros.
O Professor respondeu se ele consegue perceber que os alunos se compreendem como sujeito
histórico, o qual responde da seguinte forma:
Existem questões que fazem com que eles se sintam ou não se sintam. Eu vejo mais o não
pertencimento, e pela forma talvez que a História um dia foi trabalhada com eles. Eu acho
que no momento que os alunos sentirem essa vontade de estudar História e o professor puder
proporcionar isso, a gente muda a coisa (PROFESSOR).
Pode-se entender que o professor com posse desse saber deve fazer com que seus alunos
formulem concepções de História que lhes permitam compreender dimensões cruciais para a sua
realidade, isto é, demonstrar para eles o papel do aprendizado histórico pautado na vida prática, além
de fazê-los perceberem-se como sujeitos históricos. Assim, segundo Bittencourt, o ensino de História
“deve contribuir para libertar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante dos
acontecimentos, entendendo que cidadania não se constitui em direitos concedidos pelo poder
instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes em suas diversas dimensões” (BITTENCOURT,
1997, p.20).
No que compete ao raciocínio de Bittencourt, podemos compreender que o ensino de História
passa a ser indispensável, visto que a disciplina propõe ao indivíduo reflexões que o possibilitam
inserir-se nos contextos de sua realidade, passando de um estado imobilizado frente aos
acontecimentos contemporâneos para um estado de mobilidade em função de sua atuação na
sociedade.
Com o objetivo de perceber como os alunos entendem a disciplina de História, foi direcionada
a eles a seguinte pergunta: Qual é a importância da disciplina de História para você? A pergunta em
questão obteve respostas interessantes. A aluna A disse: “Eu amo História, porque eu consigo
entender, tipo, de onde vem às coisas e tal, às vezes a gente se pergunta como é que surgiu isso e tal?
Fica aquele suspense e tal. Acho muito bom a História.” Já a aluna B se colocou da seguinte forma:
“Eu acho muito importante, porque no futuro eu pretendo fazer História, eu gosto muito do conteúdo,
de saber o que aconteceu com meu país antigamente, e com outros países também”.
Enquanto que o aluno C faz uma análise sobre a importância da disciplina socialmente, da
seguinte forma:
A filósofa Agnes Heller afirma que “O homem é quem faz a História, e esta é a substância da
sociedade” (2002, p.140). Partindo dessa reflexão, entendemos que é importante que os alunos
percebam a disciplina de História como fundamental para entender certas dimensões que fazem parte
da sociedade, na qual eles são vinculados; que a História feita por eles é a substância da sociedade, e
que deve ser pensada de forma integrada. É no bojo desse contexto que se insere o modo como a
disciplina é encarada.
Libânio (1994) questiona o tradicionalismo do ensino e argumenta que,
[...] A atividade de ensinar é vista, comumente, como transmissão da matéria aos alunos,
realização de exercícios repetitivos, memorização de definições e fórmulas. O professor
‘passa’ a matéria, os alunos escutam, respondem o ‘interrogatório’ do professor para
reproduzir o que está no livro didático, praticam o que foi transmitido em exercícios de classe
ou tarefas de casa e decoram tudo para a prova. Este é o tipo de ensino existente na maioria
de nossas escolas, uma forma peculiar e empobrecida do que se acostuma chamar de ensino
tradicional (LIBÂNIO, 1994, p.78, grifos do autor).
A fim de perceber aspectos de sua aula, foi perguntado ao professor quais eram os artifícios
que ele utilizava em sala de aula envolvendo o conhecimento histórico, de modo que traga
concepções, distanciando-se do material didático. O mesmo3 descreve o cotidiano escolar,
3
Trecho da fala do Professor: Eu monto uma metodologia, no calendário a gente tem 25 dias letivos pra acontecer a
prova, aí em cada semana de aula eu tenho uma metodologia diferente, tipo tem alguma aula eu trago um vídeo que tem
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apresentando as metodologias que usualmente utiliza em sala de aula como tentativa de tornar o
processo de ensino-aprendizagem mais significativo. Ele deixou claro que a diversificação das aulas
é necessária, visto que proporciona maior participação dos alunos, utilizando-se de várias formas para
fazer com que os alunos despertem o interesse pelo conhecimento histórico.
Partindo desse diagnóstico foi perguntado aos alunos se eles conseguem durante a aula obter
reflexões importantes para sua formação enquanto sujeito social e histórico. A aluna A afirma:
“Lógico, sim, sim. Eu consigo refletir nas aulas.” A aluna B respondeu apenas: “Sim, muitas vezes.”
O aluno C, por sua vez, faz uma análise bastante completa, expressando-se da seguinte forma:
Claro que na disciplina de História nas aulas a gente fica voando, porque quando a gente
tenta focar naquilo que está sendo dado, ministrado pelo professor, eu posso estar entendendo
o conteúdo, mas eu quero entender o porquê, eu quero entender como que aconteceu, então
a gente viaja em um mundo para saber o porquê e qual a importância. E quando a gente ver
a importância e entende o porquê que aconteceu, aí se dá o valor que tem a História, aí se dá
a importância que se tem o ensino de História, um ensino de uma História correta de um por
que da História. E o ensino da maneira melhor dada para que alunos avancem o conteúdo e
que os alunos possam interagir mais com os professores, porque o interessante de você
ensinar não é você dar o conteúdo e morrer ali, mas realmente querer instruir os alunos para
que eles venham a querer buscar mais, e a História por si própria ela automaticamente dar
esse ar de curiosidade pra gente. Pra nós saber o porquê que aconteceu, como foi isso, ela
proporciona essa série de indagações que costumam contribuir de uma maneira muito
positiva pra que o aprendizado possa ser explorado e para que o aprendizado possa ser
atrelado à História do nosso Brasil, à História do nosso mundo (ALUNO C).
É notório presumir que há diferenças visíveis na importância da disciplina para cada um, isso
pode ser provado com a formulação das respostas. Enquanto alguns apenas dizem que conseguem
obter reflexões, outros respondem e exemplificam sua opinião, se mostrando ativamente conectado
com a entrevista, fazendo-nos perceber que o processo de ensino-aprendizagem não é homogêneo,
pelo contrário cada sujeito aprende de forma diferenciada e em tempos também distintos.
Desse modo, recorremos às discussões empreendidas por Rüsen acerca da consciência
histórica, ao afirmar que:
[...] a consciência histórica não é meta, mas uma das condições de existência do pensamento:
não está restrita a um período da história, a regiões do planeta, a classes sociais ou indivíduos
mais ou menos preparados para a reflexão histórica ou social geral. Para isso a “história” não
é entendida como disciplina ou área especializada do conhecimento, mas como toda produção
de conhecimento que envolva indivíduos e coletividades em função do tempo (RÜSEN, 2010
apud CERRI, 2001, p.28).
Dentre os aspectos descritos por Rüsen podemos destacar o fato de que a consciência histórica
não deve ser encarada como uma meta a ser atingida. Para o autor, “O conhecimento histórico é um
modo particular de um processo genérico e elementar do pensamento humano” (RÜSEN, 2010 apud
CERRI, 2001, p.56). Dessa forma, a consciência histórica é uma condição da existência do
pensamento, assim como não necessita obrigatoriedade de um grupo social, e aflora
independentemente do tempo histórico. No âmbito escolar, a consciência histórica pode ser
desenvolvida por meio da apreensão do conhecimento histórico; que também pode realiza-se em
ambientes extraescolares.
a ver com o conteúdo e a gente debate e tem aulas que é puramente expositivas com o conteúdo, a gente também pode
trazer um jogo, por exemplo hoje eu estava falando de ditadura militar e eu trouxe um RPG pra sala e foi bem legal, um
jogo bem legal que eles participavam. Levar um questionário também é importante para fixar a coisa. Você pode trabalhar
com metodologias diferentes, aqui na escola com relação ao ENEM a gente tem questões direcionadas para o ENEM, a
finalidade desse trabalho é o que? É colocar o aluno a par da realidade, tipo você vai encontrar questões que estão próximas
ao que o ENEM exige, e esses tipos de práticas é que dão um melhoramento na aula e uma compreensão do conteúdo,
entender como aconteceram os processos é importante, e essa proporcionalidade que a História pode dá pra gente, e o
campo que a gente tem, a História, tem uma série de modos como você pode trabalhar (PROFESSOR).
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 142
Em linhas gerais, o aluno possui fora dos limites territoriais da escola dimensões acerca do
conhecimento histórico. Essas dimensões se dão por meio do contato com outras pessoas, a partir das
experiências que adquirimos com elas e também com os meios de comunicações, como a televisão,
o rádio, jornais e a própria internet, a qual hoje proporciona vastas informações. Tais informações
permitem as pessoas captarem sentidos, valores e percepções, além de formar opiniões que fazem
com que cada um enxergue os acontecimentos e tudo aquilo que nos envolve de formas diferenciadas,
ou seja, depende das subjetividades de cada indivíduo.
Logo, fica claro que a instituição escolar não é o único espaço que o aluno pode fortalecer sua
cognição histórica e fornecer a si próprio subsídio para sua consciência histórica. Porém essa
afirmativa não desloca os objetivos do ensino de história na educação básica, que é auxiliar esses
sujeitos em idade escolar a construir as noções dos conceitos históricos.
O conceito de consciência histórica ampara a Didática do Ensino de História, no sentido de
que a partir de seu conceito a mesma não poderia ser vista mais como um conjunto de métodos
debruçados ao ensino; ela passa a ter um caráter bem mais abrangente que vai além do que é refletido
em sala de aula, tendo em vista que os aspectos sociais são cruciais para a formação de qualquer
indivíduo, se fazendo necessário estabelecer esse elo.
Desse modo, percebe-se que a consciência histórica trata-se de uma autoconsciência e de uma
autorreflexão que o indivíduo constrói ao longo do exercício do seu pensamento; processos que estão
inteiramente ligados também à noção de tempo, seja do passado, presente ou até mesmo do futuro.
Muitas vezes o indivíduo articula esses três elementos sem notar que isso é um vestígio da consciência
histórica que se manifesta continuamente em nosso cotidiano.
A História não possui uma utilidade prática imediata como algumas ciências, sendo ela uma
ciência que tem como objeto o homem. A História, segundo o historiador Marc Bloch (2001), estuda
o homem no tempo e como tal deve ser encarada como uma ciência problematizada. Nesse sentido,
após apresentá-los essa concepção, perguntamos aos alunos: O que a História propõe? Será que ela é
uma ciência tão simples como a maioria dos alunos a rotulam? A aluna A respondeu: “[...] tipo... a
gente estuda História, mas como a gente vai aplicar isso e tal?! Eu percebi que ela é muito importante
para gente entender um pouco sobre o que aconteceu no passado, saber as causas, pra não ficar meio
perdido, é bem interessante assim...descobrir.” A aluna B respondeu da seguinte maneira: “Acho que
não, pra mim a História visa muito o que a gente não sabe, saber os nossos primeiros antepassados,
saber as guerras e o que a[s] levou, e tipo, saber quantas pessoas já morreram sobre o conteúdo de
Hitler...matou muitos judeus”
Já o aluno C afirma que a História tem papel importante na construção da consciência crítica
do aluno, deixando claro que a disciplina é fundamental para a compreensão da realidade enquanto
construção histórica.
A História, eu costumo pensar e acreditar que a História possui um ar de criticidade, ela abre
um leque de debates para as situações que estão presentes atualmente, dar esse apoio e essa
bagagem para que a gente possa realmente debater sobre o que é hoje e o que foi antes. Ela
tem uma visão assim bem ampla, porque quando você é embasado, quando você tem um teor
de conhecimento sobre a História, quer seja sobre o Brasil, quer seja sobre o mundo, porque
a História ela não é restrita, não é limitada, ela bem é ilimitada, vamos dizer assim. Então
quando eu tenho um conhecimento sobre a História ela me proporciona por si própria um
debate, um debate para as questões que estavam aqui hoje e para as questões que
aconteceram. Então esse poder de debate que a História dar de graça pra gente, ele é
maravilhoso, certo, porque eu vou continuar me desenvolvendo em sociedade com esse apoio
que a História vem dando desde os primórdios da História até o que possa acontecer dela que
já foi desenvolvida há muito tempo atrás (ALUNO C).
Com isso inferimos que alguns alunos têm, mesmo que de uma forma não tão lapidada, a
consciência de que a História não é uma simples disciplina que não tem utilidade na vida das pessoas,
como muitos consideram. Por isso é importante que se façam debates em sala de aula sobre a
relevância dessa disciplina.
Diante disso foi perguntado ao professor como ele enquanto historiador encara o desafio de
fazer com que os alunos compreendam a História e suas construções ao longo do tempo, o qual4
enfatiza as dificuldades existentes no desenvolvimento das suas atividades em sala de aula.
Percebemos, então, que o professor assume claramente que há grandes dificuldades para que
essa compreensão histórica venha a se tornar para os alunos algo totalmente inteligível, e para isso o
mesmo afirma que tenta, através de seu conhecimento histórico, demonstrar que há nele correlações
com o cotidiano, com a vida prática, isto é, o professor tenta fazer com que os seus alunos sintam-se
pertencentes à História por meio da apropriação e do entendimento do conhecimento histórico.
Almejando explicar como a Cultura Escolar,5 vinculada ao exercício do historiador, traz
limitações e como o professor6 em questão as encara, o mesmo disserta sobre o papel do livro didático
na prática docente, bem como no processo de ensino- aprendizagem, revelando os erros cometidos
em relação à ferramenta de trabalho.
O professor expressa uma opinião bastante forte com relação à principal ferramenta que os
professores utilizam, que é justamente o livro didático. Mesmo o professor ressaltando que é
importante usá-lo, ele também deixa bastante claro que é imprescindível trazer materiais
extracurriculares para que o aluno consiga compreender para além do conteúdo que está sendo
discutido no livro, uma vez que os assuntos sociais, políticos, entre muitos outros que estão em torno
da nossa sociedade, são indispensáveis para debates no âmbito escolar. Dessa forma, os alunos
compreenderiam os acontecimentos com mais clareza e criticidade.
4
Trecho da fala do Professor: [...] Existem ‘n’ dificuldades, o princípio geral são os meninos não sentirem o pertencimento
na História, tipo se você for trabalhar um fato histórico, Revolução Francesa [...] E eu acho que o professor tem que ser
capaz de mostrar que isso vai ter mudanças na sociedade, iniciando lá na França e que vai ressoar por todo mundo. [...]
Aí a gente tem que trabalhar isso e fazer uma ligação com o cotidiano [...] É essa possibilidade que o professor tem que
ter de fazer esse elo, fazer o aluno se sentir pertencente à História, essa questão do aluno se sentir extemporâneo à História
é a dificuldade maior, mas a gente tem que se “rebolar” para fazer o aluno perceber que a História é necessária [...] A
História tem essa necessidade e essa finalidade, já como diz que a História é a mestra da vida, eu acredito muito nisso e
sempre digo pra eles (PROFESSOR).
5
Podemos avaliar a Cultura Escolar como algo que está relacionado com normas direcionadas ao conhecimento escolar,
que é de certa forma, imposto a todos os professores, incluindo os professores de História. Júlia Dominique define Cultura
Escolar como “[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto
de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”.
6
Trecho da fala do Professor: A primeira coisa é a questão do livro didático, você encarar um livro didático como a
verdade [...]. A gente precisa trabalhar essas outras perspectivas da História, não é dizer que a História é única, que só
existe uma perspectiva da História, você precisa trazer os discursos, que é o mais importante, não adianta você passar o
curso de História todinho lutando contra isso, vendo que isso existe, e chegar na sala de aula e não fazer nada [...]. O
aluno tem que ter um conhecimento como um todo sobre aquele assunto, aí eu falo pra vocês essa questão do livro didático
ser o grande nome a História, acho que a gente tem que desfazer essa ideia, o professor deve usar o livro didático, é uma
ferramenta muito importante, mas não só se concentrar no livro didático, trazer outras ferramentas [...]. A gente cursa
com toda aquela vontade de fazer diferente, mas aí a gente se depara com outra realidade, porque o aluno tem tempo pra
desenvolver as atividades, mas o professor que ensina o dia todo e que só tem uma aula de planejamento, e ensina várias
turmas, para um professor preparar uma aula dinâmica pra cada uma delas, e aí como é que fica? A gente gostava daquele
discurso apaixonado pela educação, que queria transformar, mas o discurso se depara com a práxis, e elas são diversas,
na prática você tem que dar aulas, preparar aulas e na teoria a gente tem que fazer aquela coisa estupenda [...]
(PROFESSOR).
Analisando as respostas dos alunos, percebemos que falar de consciência histórica é mais
complicado do que se imagina, existem muitos que ainda não possuem claramente a noção do que
seja isto, alguns nem minimamente, o que é um grande problema, principalmente para o ensino de
História. Os indivíduos, em sua maioria, além de não aprenderem isso, não percebem que suas ações
são responsáveis pela mudança, tanto do seu presente quanto do seu futuro, e não ressoa em um
indivíduo apenas, mas em toda a coletividade; é daí que temos uma identidade coletiva, que significa
a forma como esse povo percebe e lida com o seu passado.
A escola é um espaço de sociabilidade, nela está presente uma gama de contextos que faz dela
um âmbito social. Esse espaço é um espaço híbrido capaz de proporcionar grandes transformações e
moldar mentalidades. A esse respeito, Gusmão afirma que a escola é “[...] um espaço de
sociabilidades, ou seja, um espaço de encontros e desencontros, de buscas e de perdas, de descobertas
e de encobrimentos, de vida e de negação da vida. A escola por essa perspectiva é, antes de tudo, um
espaço sociocultural” (GUSMÃO, 2003, p.94).
Compreender a escola nessa ótica significa compreendê-la de modo ambivalente. Assim como
a escola, a sala de aula estabelece relações de sociabilidade. Contudo, é importante destacar que se
constitui, antes de tudo, um espaço de sociabilidade do conhecimento, seja ele histórico, seja ele em
outra categoria. Outrossim, esse espaço configura-se como sendo um espaço de relações muito
complexas, essas relações são tecidas por professores e alunos, sujeitos que permitem-se compartilhar
saberes e produzir fazeres.
É essa relação que procuramos abordar, principalmente no que diz respeito ao ensino da
História dentro da sala de aula, pois se sabe que há uma série de fatores que fazem com que ela seja
refletida de forma extremamente limitada e empobrecida.
A pesquisa de campo realizada possibilitou o levantamento de alguns aspectos vinculados às
aulas de História. A análise feita propôs reflexões importantes acerca de como é encarado o
conhecimento histórico e de como perpassa a consciência histórica dos sujeitos.
Nas observações foi possível perceber que havia uma série de fatores problemas que
dificultavam o andamento da aula, tanto por parte do professor como também por partes dos alunos.
O primeiro fato importante a ser destacado é que, diferente da resposta do Professor ao questionário
sobre o uso do livro, observamos que, em muitos momentos, este se tornava refém do livro didático,
mantendo assim uma linearidade na medida em que a aula ocorria, mesmo porque, os profissionais
da educação básica são muito cobrados por seus superiores hierarquicamente, dessa forma muitas
vezes se veem obrigados a adotarem práticas das quais não compartilham em nome de resultados.
As observações revelaram que os alunos, algumas vezes, não conseguiam compreender as
dimensões históricas pautadas pelo professor, uma vez que o professor simplesmente “transmitia”
rapidamente o conteúdo não causando as reflexões e as problematizações necessárias para que os
alunos conseguissem produzir a criticidade sobre o assunto abordado. Para Schimidt e Cainelli (2004,
p.34),
manteve não muito ativo no que tange as construções históricas e suas significações, porém no início
da aula o professor refletiu sobre a ciência na qual o historiador lida. Cada aula apresenta um cenário
diferenciado, dessa forma alguns dias fluem com maior facilidade a depender do tema trabalhado e
na metodologia empregada pelo professor não se percebe apropriação do conhecido de forma
significativa.
Mediante as discussões propostas ao longo do texto podemos analisar que o Ensino de História
na educação básica apresenta muitos desafios e dificuldades. Alguns alunos não percebem a história
enquanto essa ciência, nem tampouco a importância dela na sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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(org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. p. 20.
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(coleção Leitura)
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educação: olhares cruzados. São Paulo: Editora Biruta, 2003. p. 83-105.
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RÜSEN, J. "Como dar sentido ao passado. Questões relevantes de meta-história". Tradução de Valdei Araújo e Pedro S.
P. Caldas. História da Historiografia, n. 2, 163-209, 2009. p 166.
_________. Razão histórica. Teoria da História: fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende
Martins. Brasília: UNB, 2001.
_________. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa, v. 1, n. 2,
p. 7-16, 2006.
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004, p.34.
TRANSDISCIPLINARIDADE E TOPONÍMIA:
REFLEXÕES PARA O ENSINO
Patrícia de Oliveira Batista
2 A TRANSDISCIPLINARIDADE NA TOPONÍMIA
estudo toponímico abrange os designativos geográficos de natureza física (rios, riachos, córregos,
serra etc) e os de natureza antropocultural (aldeias, povoados, cidades, bairros, patrimônios etc).
Atualmente, os estudos em toponímia têm mostrado que o designativo de lugar não cumpre
apenas uma função identificadora, mas pode revelar pistas de fatores extralinguísticos que
influenciaram o ato de nomeação. O ato de nomear lugares acompanha o homem desde sua existência,
já que surge pela necessidade de identificar o espaço de que toma posse, para indicar sua identidade
e a de seu grupo e garantir sua fixação local.
Através dos topônimos, que integram o acervo lexical de uma língua, é possível resgatar
elementos da cultura e da história de um povo. Como afirma Dick (1992, p. 22), os topônimos
[...] além de distinguirem, identificarem os acidentes de um determinado espaço geográfico,
também se constituem como verdadeiros testemunhos históricos, podendo registrar fatos e
ocorrências de momentos diferentes da vida de uma população, razão pela qual o nome
adquire um valor que transcende ao próprio ato da nomeação. Assim, se a toponímia de uma
região pode ser considerada como a crônica de um povo, registrando o presente para o
conhecimento das gerações futuras, o topônimo configura-se como o instrumento dessa
projeção temporal.
Marquês de Pombal, em 1758, que determinou a substituição de todos os nomes de lugares de origem
indígena por nomes de origem lusitana. No Ceará, por exemplo, temos o caso do topônimo Sobral, o
qual remete ao município de Vizeu, localizado ao norte de Portugal, onde nascera Carneiro e Sá,
Ouvidor do Ceará. (FALCÃO, 1993).
Entretanto, alguns topônimos portugueses fizeram o caminho contrário e foram substituídos
pelos nomes indígenas originais. Segundo Batista (2011), por exemplo,
A Aldeia da Caucaia foi elevada à vila com a denominação Vila Nova Soure, em 1759. A
Vila Nova Soure foi extinta e restaurada várias vezes, até que em 1943, Soure passou a
denominar-se Caucaia. As mudanças taxonômicas, neste caso, revelam a necessidade de se
preservar um pouco da história do lugar por meio de seu topônimo, registrando na memória
quem foram os povos que primeiro habitaram a região.
Assim como ocorreu com Caucaia, alguns nomes geográficos não resistiram ao peso histórico
do topônimo e à sua importância como relíquia da memória do povo que primeiro ocupou e nomeou
o lugar na língua autóctone.
Outra contribuição de origem estrangeira à toponímia brasileira decorre da imigração
propriamente dita, aquela iniciada a partir do século XIX influenciada pela abertura dos portos e pela
concessão de terras a estrangeiros, que, além de nomearem um lugar motivados pelo saudosismo,
utilizaram-se também como pretexto para a escolha do nome o prestígio que um dado lugar possuía
em sua terra natal a ponto de replicar o nome no lugar de chegada.
Percebe-se, assim, que a toponímia reflete a heterogeneidade própria aos distintos povos que
ocuparam o país ao longo de sua história e que ela serve como registro do passado, das etnias que
aqui viveram. O topônimo é sensível à necessidade de apropriação de um lugar, seja para a
familiarização de quem o ocupa, seja para marcar a identidade de quem chegou.
Esses comportamentos diferentes revelam as variáveis culturais, as quais apontam para a
cosmovisão que orienta cada povo, por vezes, elucidada em sua amplitude apenas com o auxílio de
estudos aprofundados sobre a constituição histórico-social de cada grupo humano. Sabe-se que alguns
povos, como os indígenas, no Brasil, privilegiavam elementos descritivos no momento do batismo
dos acidentes geográficos, de modo que eram ressaltadas características físicas do lugar,
objetivamente apreendidas, o que não corresponde a uma prática comum aos outros povos que
nomearam espaços geográficos brasileiros.
A toponímia representa um grande complexo linguístico-cultural. Uma vez que do topônimo
se podem depreender informações de ordem linguística, social, histórica, geográfica, psicológica e
cultural, o objeto de estudo não pode ser analisado plenamente por uma perspectiva exclusiva, daí
decorre sua relação com outras áreas do conhecimento, estabelecendo uma relação de alimentação
mútua. Ao passo que a história, a geografia, a biologia, a botânica, a antropologia, a sociologia, para
mencionar algumas, esclarecem a motivação toponímica, a toponímia também registra e retém
informações dessas áreas em seus designativos, funcionando como fósseis de informações
multifacetadas.
Apropriar-se das manifestações culturais de seu próprio povo é buscar a transcendência pela
compreensão de como os diferentes grupos interagiram ao longo da história. Desse modo, tomar
conhecimento dos processos de nomeação de acidentes geográficos físicos e humanos de um dado
território é uma forma de conhecer os antepassados, as relações sociais e políticas entre diferentes
grupos humanos. Resistir à imposição colonizadora é uma busca pela preservação dos nomes
representativos do espírito coletivo de um povo. É também uma forma de conscientizar para se evitar
cometer novamente o erro histórico de imposição e suplantação cultural.
A escola pode ser considerada o espaço ideal para o reconhecimento do outro como diferente,
mas não como inferior, de tal forma que venha possibilitar a identificação da nossa própria identidade
e da identidade do outro, estabelecendo ações colaborativas para o desenvolvimento de todas as
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 151
culturas. Dessa forma, uma educação intercultural e transdisciplinar, capaz de provocar profundas
mudanças sociais, deve ser pautada na tolerância e na alteridade. Nesse sentido, a toponímia pode dar
suas contribuições, pois, como afirma Batista (2011, p. 94),
1
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 152
integrado, visando ao reconhecimento não apenas da relação entre toponímia e uma disciplina
específica, ou entre várias disciplinas e a toponímia simultaneamente, mas da natureza do próprio
conhecimento humano, promovendo a percepção, nos estudantes, da importância de se valorizar todas
as áreas em prol de uma unidade do conhecimento, de forma contextualizada e crítica.
No caso desse agrupamento de atividades criado por Velasco e Tavares (2017), caberia, por
exemplo, além da investigação sobre a origem e o significado do nome e a construção do lugar ao
longo da história, reflexões sobre os embates entre os povos que passaram pelo lugar, muitas vezes
motivados pelo monoculturalismo, pela imposição de uma cultura sobre a outra.
Outro trabalho dessa natureza foi desenvolvido por Gonçalves e Silva (2018) quando
propuseram estudar a toponímia em torno do rio Jacarezinho, no município de Breves, no estado do
Pará, com alunos do 6º ano do ensino fundamental. A motivação dos pesquisadores partiu da
identificação de dois fatores: primeiro, o reconhecimento de “[...] uma arena cultural tensa de relações
linguísticas vivenciadas no interior da floresta marajoara.” (GONÇALVES; SANTOS 2018, p. 2),
devido às relações entre a língua geral amazônica, a língua portuguesa e o banto, trazido por escravos
africanos que chegaram à região; segundo, o reconhecimento da necessidade de se estudar o léxico
dessas línguas presente no cotidiano dos próprios estudantes, especialmente registrado nos
topônimos, em detrimento de uma abordagem pedagógica voltada para o léxico de origem portuguesa
de forma isolada, ou até mais, o vocabulário de origem latina e grega.
Recorrendo às contribuições teórico-metodológicas da Toponímia, da Transdisciplinaridade,
da Etnografia e da Análise do Discurso, Gonçalves e Silva (2018, p. 2) envolveram os discentes desde
a reflexão inicial sobre língua, variação linguística e toponímia, passando pela concepção de uma
pesquisa e pela execução das entrevistas com familiares e moradores.
O trabalho desenvolvido pelos professores culminou com um debate sobre as informações
coletadas, concluindo com reflexões sobre a relação entre léxico, cultura e história das comunidades
ribeirinhas e sobre os significados dos topônimos, os quais evidenciaram a religiosidade, o
misticismo, as lendas, a diversidade de elementos da fauna e da flora, entre outras características.
Além disso, os professores pesquisadores, com esse tipo de trabalho, identificaram que
O universo de usos linguísticos criou, com essas línguas, diferentes contatos entre indígenas,
africanos e portugueses, sobretudo, a resistência da língua Nheengatu e Banto presentes, hoje,
em topônimos que envolvem as práticas sociais dessa região. Assim, a relação que se
estabelece entre o ato de nomear e o lugar nomeado não encerra em si mesmo, mas transcende
a própria ação da nomeação expressando os significados com suas trajetórias históricas,
culturais e construindo uma memória social.
Os autores mencionam que esse tipo de pesquisa empolgou os estudantes e que superou a
rotina do estudo de língua portuguesa, muitas vezes apenas gramatical, preso ao livro didático,
ampliando o olhar dos discentes sobre a riqueza presente na diversidade linguística e cultural local.
Entretanto, também identificaram que existem silenciamentos e até apagamentos dos significados dos
designativos de lugar, pois “[...] diante das mudanças linguísticas – nheengatu para o português –
muitos léxicos foram perdendo seus sentidos culturais e outros foram surgindo com as novas histórias
do lugar de existência dos moradores.”, tornando difícil a reconstituição semântica do topônimo.
Nos dois exemplos mencionados, constata-se que o topônimo resguarda duplamente um valor
histórico: pelo seu significado do nome em si e pela sua resistência, ou desaparecimento, quando
assim for constatado, evidenciando no componente linguístico a marca do contato entre diferentes
povos.
O conhecimento desses fenômenos é imprescindível a qualquer ser humano que se interesse
por sua história, pela formação do lugar em que vive e do seu povo. A abordagem transdisciplinar, a
partir da toponímia, pode favorecer essa tomada de consciência no ambiente escolar, especialmente
se forem promovidas atividades pertinentes à realidade dos próprios estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Linguística) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.
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DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições do
Arquivo do Estado, 1990.
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GONÇALVES, Clizana Pereira; SILVA, Joel Pantoja da. O ensino de português e o estudo da toponímia: linguagens e
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Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/arredia/article/view/6884>. Acesso em: 28 jul. 2019.
INTRODUÇÃO
O ser humano é complexo em essência. Muitos são os elos que se interligam na construção de
uma pessoa, bem como no seu processo de aquisição de conhecimento.
A educação brasileira, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), tem como finalidades “[...]
o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.” (BRASIL, 1996). Entretanto, a ciência e a educação têm se desenvolvido de modo
que a importância da preparação profissional se sobressai em detrimento das outras finalidades, em
nome do desenvolvimento e do progresso.
Dentre todas as discussões pró ou contra os modelos científicos, e consequentemente
educacionais, que estão postos, destacamos dois aspectos importantes a serem considerados quando
se reflete sobre os efeitos que a globalização e as sociedades cada vez mais tecnológicas exercem
sobre o papel da educação na formação dos cidadãos e na construção das sociedades.
O primeiro deles é que, muitas vezes, o almejado progresso se dá às custas da exploração do
homem e da natureza, sem medir esforços ou consequências, “[...] incapaz de prever se o que resultará
do seu desenvolvimento contemporâneo será a aniquilação, a escravidão ou a emancipação.” (WEIL;
D’AMBRÓSIO; CREMA, 1993, p.33). Seja pela exploração do trabalho humano ou por considerar
a natureza e o universo como poços infindáveis de riquezas e matérias-primas, a ausência de ética e
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 155
valores nos coloca em uma situação insustentável em todas as vias de relação entre o homem, a
natureza e a realidade.
D’Ambrósio (2011) resume a vida nas resultantes da relação entre indivíduo, natureza e o
outro (sociedade), representada a partir do triângulo exposto na figura 1. Estabelecer o equilíbrio nas
relações entre esses entes é fundamental para um desenvolvimento consciente e harmônico de nossa
civilização deve ser um dos objetivos principais da educação, culminando na paz para as gerações
futuras.
Além disso, o segundo aspecto importante a se considerar, destacado por Vergani (2007), é
certo desprezo que a ciência atribui à indissociabilidade homem/cultura, ressaltando apenas o valor
utilitário do conhecimento, em detrimento dos valores culturais, sociais, estéticos e formativos.
Incorporar os aspectos culturais de um grupo na construção do currículo, por exemplo, além de
agregar mais significado ao conteúdo a ser trabalhado, contribui para o fortalecimento das raízes deste
povo.
Sobre a importância desse movimento de conhecer e respeitar nossas origens, D’Ambrósio
(2011, p.) afirma que “A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que estão em
transição da subordinação para a autonomia, é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo
e respeitando suas raízes.”, e mais, entendendo os processos históricos que aos quais a colonização
nos submeteu, buscar uma educação que não repita, por meio da globalização, os erros do
colonialismo.
Acontece que os sistemas atuais de ensino, em sua organização disciplinar e cartesiana, apenas
corroboram os aspectos negativos citados acima, distanciando a educação de seu papel, segundo
D’Ambrósio (1997, p.70), de “[...] levar cada indivíduo a desenvolver seu potencial criativo, e
desenvolver a capacidade dos indivíduos de se engajarem em ações comuns”.
Muitas são as consequências resultantes dessa constrangedora incapacidade de assumir a
vastidão de uma atividade educadora crítica, criativa, multidimensional e integrativa. Vergani (2007)
aponta que não pautar a educação na totalidade do potencial humano gera repercursões negativas na
formação dos cidadãos, tais como: apatia, desenraizamento sociocultural, obediência resignada a
normas exteriores, dentre outras.
Nesse contexto, cabe indagar: “Haveria como construir outros modos de escolarização, uma
outra escola, que incluísse outros conteúdos e não somente aqueles que usualmente circulam no
currículo escolar?” (KNIJNICK et al., 2012, grifo da autora).
Na tentativa de responder essa questão, várias discussões são levantadas, mas é indiscutível a
necessidade de considerarmos o caráter holístico da educação, o que, muitas vezes, um ensino
categorizado em disciplinas não consegue alcançar. A educação transdisciplinar apresenta-se, então,
como uma excelente possibilidade, sobre a qual discutiremos com mais detalhes nas seções a seguir.
A IMPORTÂNCIA DA TRANSDISCIPLINARIDADE
ETNOMATEMÁTICA
É senso comum a resistência que os estudantes da educação básica, em geral, têm com relação
à matemática. A disciplina é encarada como uma das mais difíceis do currículo escolar. Como reflexo
desse contexto, os estudantes brasileiros amargam baixos níveis de proficiência em matemática em
avaliações de larga escala nacionais e internacionais.
Das muitas problemáticas que estão relacionadas com o ensino e a aprendizagem dessa
disciplina, queremos destacar duas. Primeiramente, o excesso de formalismos com o qual geralmente
a matemática é abordada, distanciando-se do conhecimento matemático praticado no dia a dia, o que
faz com que, muitas vezes, os estudantes sintam dificuldade de identificar o significado desse
importante saber na “vida real”.
O segundo é a maneira como a matemática é encarada, como se fosse a mais importante das
disciplinas, capaz de imprimir um caráter de absoluta racionalidade e certeza a qualquer argumento
ou pensamento que se use para justificar um fato. Essa maneira isolada, tradicional e tecnicista com
que a disciplina costuma ser abordada na escola a torna elitista e excludente, além de corroborar as
estruturas de poder desiguais vigentes em nossa sociedade atual. Skovsmose (2014) denomina essa
característica da matemática de ideologia da certeza.
Na busca de soluções para essas questões, várias tendências e metodologias em Educação
Matemática vem sendo desenvolvidas. Dentre elas, o Programa Etnomatemática coloca-se como um
possível caminho, cujas implicações pedagógicas podem colaborar na construção de uma nova visão
da matemática, por parte dos estudantes e, consequentemente, da sociedade em geral.
Proposta por D’ Ambrósio (2011), em meados dos anos 80, a etnomatemática busca “[...]
procurar entender o saber/fazer matemático ao longo da história da humanidade, contextualizado em
diferentes grupos de interesse, comunidades, povos e nações.” O autor destaca ainda que seu objetivo
não é estabelecer uma nova disciplina, pois isso acarretaria na preocupação em propor uma
epistemologia ou uma proposta fechada para a pesquisa, e a proposta não é essa, “[...] mas sim de
entender a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de comportamentos”
(D’AMBRÓSIO, 2011, p.17).
O termo etnomatemática se deu a partir da junção de três radicais etno, matema e tica, que se
referem à busca de novos modos e técnicas (tica) para entender, explicar e aprender (matema) com o
ambiente social, natural e cultural (etno) de uma comunidade. É importante destacar que esse estudo
não se refere apenas à análise dos conhecimentos específicos de etnias, mas de toda comunidade ou
grupo de pessoas, que dividem um espaço geográfico, um ofício ou certa condição social, que
Essa recomendação não é inédita, visto que já existem cursos de Licenciatura em Matemática
no Brasil que apresentam a disciplina Etnomatemática em seus programas de graduação ou pós-
graduação, alguns como disciplina obrigatória outros como disciplina optativa. Mas é inovadora uma
vez que o quantitativo de instituições com essa oferta ainda está longe de abranger a totalidade dos
cursos brasileiros.
Esse fortalecimento da formação de professores de matemática do país pode colaborar
fortemente na descoberta do significado da matemática em termos de valor social/educacional/pessoal
e no desenvolvimento de uma visão holística do saber matemático por parte dos estudantes, para que
os mesmos possam estabelecer as ricas conexões que esta ciência pode estabelecer com outras
disciplinas, bem como com a vida real. (VERGANI, 2007)
A partir desses estudos e reflexões, os professores podem buscar desenvolver atividades que
considerem e exaltem a cultura dos estudantes. Vergani (2007) aborda a Educação Etnomatemática
em 4 fases, das quais discutiremos 3 com forte potencial de aplicação pedagógica. A autora destaca
que essas fases não se configuram como etapas, ou seja, não obedecem a ordens cronológicas,
podendo ser desenvolvidas simultaneamente.
• 2° fase: Evitar trabalhar apenas com as atividades matematizantes dos povos, mas
buscar conscientizar os estudantes da carga de significado que os costumes e tradições
estudados apresentam na construção da cultura desse povo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, buscamos discutir a importância que uma educação transdisciplinar pode
proporcionar na formação de cidadãos éticos, críticos e reflexivos, capazes de conviver em harmonia
consigo mesmo, com a sociedade e com a natureza.
A educação, no formato disciplinar e dicotômico com que é colocada nos dias de hoje, não é
capaz de atender a todos os anseios e respostas que o ser humano busca, seja individual ou
coletivamente, sendo a transdisciplinaridade uma possibilidade de abordagem educacional que atenda
a essa demanda.
Além disso, apresentamos o Programa Etnomatemática como uma possibilidade para um
ensino de matemática que abdique do ensino tradicional e tecnicista em detrimento de uma
abordagem que busque abranger a totalidade e a complexidade do ser humano.
Uma tarefa dessa magnitude apresenta inúmeros desafios, um deles é a formação de
professores, o qual buscamos discutir mais enfaticamente, na perspectiva da Educação
Etnomatemática. Para tanto, apresentamos fases de aplicação da etnomatemática para nortear as
práticas de professores e futuros professores interessados em fortalecer a importante característica
transdisciplinar que a etnomatemática agrega ao ensino da matemática.
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Após o Congresso de Veneza, em 1872, com o qual definiu-se que apenas por meio da língua
oral seria possível a expressão do pensamento, o método Oralista foi legitimado, mas somente em
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 162
1880, com o Congresso de Milão é que a língua de sinais é banida das salas de aula e o Oralismo
torna-se a política dominante para educação de surdos na época. Esta política vigorou longos anos.
No entanto, seu fracasso se deu, como afirma Sacks (1990, p. 45), devido a não socialização do surdo,
posto que os níveis de surdez - leve, moderada, severa e profunda, (BISOL; VALENTINI, 2011) -
interferem diretamente no desenvolvimento da oralidade dificultando assim a socialização do
indivíduo. A extinção da língua de sinais deteriorou todos os avanços conquistados para a instrução
de surdos. Logo, seria evidente a rejeição a este método pela comunidade surda (MESERLIAN;
VITALIANO, p. 8, 2009).
Com o enfraquecimento do método Oralista, a Comunicação Total – método que se
utilizou/utiliza dos gestos, sinais e da oralização para o ensino de surdos –, surge nesse contexto como
um novo caminho para o ensino e aprendizagem de crianças surdas. Houve, de fato, um grande avanço
quanto a comunicação entre a comunidade surda e ouvinte, mas no que diz respeito a escrita e leitura
os resultados foram, inesperadamente, insatisfatórios. Ao passo que os professores sinalizavam e
oralizavam simultaneamente, não havia solidez no ensino de nenhuma das duas línguas envolvidas.
Como consequência disso, não havia entendimento pleno dos conteúdos expostos a partir deste
método pelas crianças surdas. Sendo assim, houve um desprestigio em relação a Comunicação Total,
aos olhos dos pesquisadores, e a língua de sinais aos poucos foi se tornando uma área relacionada ao
desenvolvimento de estudo da linguagem. (CAPOVILLA, p. 10, 2000).
Devido ao insucesso da filosofia da Comunicação Total, ficou entendido que a utilização de
duas línguas num mesmo contexto de ensino, de forma conjunta e simultânea não era viável. No
entanto, com o surgimento da abordagem educacional Bilíngue, a utilização de duas línguas num
mesmo contexto de ensino, de forma conjunta e não simultânea se tornou essencial à educação de
surdos. A língua de sinais, neste contexto, segundo os estudos de Stokoe (VIOTTI, p.3, 2008), passou
a ser aceita enquanto língua natural do surdo. Nessa abordagem é valorizada a identidade, cultura e
língua da comunidade surda, ou seja, há um interesse em compreender as questões antropológicas
que subjazem a comunidade surda e sua condição perante a educação (QUADROS, 1997).
A Educação Bilíngue se diferencia das propostas anteriores devido a sua estruturação que se
constrói a partir de uma educação que integra o indivíduo surdo ao ambiente de ensino, subsidiando
o aprendizado a partir da concepção de que o indivíduo surdo possui especificidades linguísticas e
uma cultura visual. Outrossim, oferece-lhe a oportunidade de acompanhar os conteúdos da matriz
curricular na sua língua, ou seja, o acesso aos conhecimentos básicos em sua primeira língua, em
semelhança ao ensino de alunos ouvintes.
A EDUCAÇÃO BILÍNGUE
É importante que saibamos de que maneira a perspectiva de uma Educação Bilíngue para
surdos chegou até o Brasil. Para tanto, voltaremos ao período Imperial -1855, data em que o professor
Ernest Huet chega ao Brasil trazendo, pela primeira vez, a Língua de Sinais como instrumento direto
de aprendizagem para os alunos surdos, a convite de Dom Pedro II. As causas que levaram a esse
convite não se podem garantir como verdade. Segundo Strobel (2008), “deduz-se que o imperador D.
Pedro II se interessou pela educação dos surdos devido ao seu genro, o Príncipe Luís Gastão de
Orléans, (o Conde d’Eu), marido de sua segunda filha, a princesa Isabel, ser parcialmente surdo”.
A chegada de Ernest Huet, teve como objetivo principal a fundação de uma escola para surdos,
em que a Língua de Sinais fosse presente e que por meio dela os alunos pudessem ser alfabetizados,
viabilizando o acesso aos demais conhecimentos. Esse instituto, atualmente conhecido como Instituto
Nacional de Educação de Surdos - INES, fundado em 1857, na cidade do Rio de Janeiro, utilizava a
Língua de Sinais Francesa, que misturada aos sinais já existentes aqui, deu origem a Língua Brasileira
de Sinais (MORI; SANDER, 2015. p. 9)
O INES, que ainda hoje funciona, faz parte de um conjunto de escolas que atuam nessa
perspectiva de Educação Bilíngue para surdos. No Ceará, possuímos três principais instituições que
desempenham esse papel: a primeira delas é o Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES,
fundado em 1961, que, inicialmente, se utilizou da abordagem Oralista, adquirindo ao longo de seus
anos práticas bilíngues. Hoje, é considerado a mais antiga instituição de ensino para surdos do Ceará.
Atualmente a instituição atende cerca de 238 alunos entre Ensino Fundamental e EJA. A instituição
atende apenas alunos surdos, contando ainda com um corpo docente formado por 13 professores
surdos e 31 ouvintes, segundo informações encontradas no sitio http://educacao.fortaleza.ce.gov.br/ ,
consultado em 06 de Agosto de 2019.
O Instituto Fillipho Smaldone, fundado em 1988, também iniciou seus atendimentos a alunos
surdos com abordagem Oralista. Na medida em que a Educação Bilíngue ia ganhando espaço e a
Língua de Sinais conquistando legalidade e direito à existência como instrumento de comunicação
oficial, a instituição foi se apropriando de práticas Bilíngues. A administração da instituição é
filantrópica. Entretanto, recebe apoio da rede pública de ensino municipal de Fortaleza por meio de
convênio. De acordo com informações do Núcleo Gestor, colhidas por meio de entrevista, o Instituto
atende alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental e está apto a receber alunos surdos e
familiares de surdos (primos, irmão, sobrinhos...). A instituição conta com uma equipe de professores
e profissionais especialistas em diversas áreas como Fonoaudiologia, Psicologia e Assistência Social
que, além de atender aos alunos, também prestam assistência aos pais dos alunos com surdez.
Ambas as instituições não nasceram intencionalmente Bilíngues, mas emergiram da
necessidade de atender essa parcela da população. Contudo, pautaram-se inicialmente no Oralismo.
Antes de analisarmos a terceira instituição e suas características, devemos nos atentar sobre o que
caracteriza tais práticas e em quais níveis estão presentes para que, com clareza, possamos identificar
como se configura uma Escola Bilíngue:
O Bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngue, ou seja, deve
adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos
e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (...) os autores ligados ao bilinguismo
percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores Oralistas e da Comunicação Total.
Para os bilinguistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo
assumir sua surdez (GOLDFELD, 1997, p. 38).
Afirmando estar assentada sob tais princípios surge a Escola Municipal de Tempo Integral
Francisco Suderland Bastos Mota. Uma escola criada com o objetivo de alfabetizar crianças surdas
por meio da abordagem da Educação Bilíngue. Segundo documentos consultados in loco, esta trata-
se de uma escola do sistema público municipal de Fortaleza inaugurada em 09 de novembro de 2015.
As discussões sobre seu projeto de criação foram dirigidas por um grupo de trabalho formado por
entidades representantes da comunidade surda, Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos - FENEIS, Associação dos Surdos do Ceará - ASCE, Associação dos Pais e Amigos dos
Deficientes Auditivos - APADA, Associação dos Profissionais Tradutores Intérpretes da Língua de
Sinais do Ceará - APILCE, bem como da Prefeitura de Fortaleza – Técnicos da Secretaria de
Educação, amparados pela lei de n° 10.436/02 e seu Decreto de regulamento, 5.626/05 (BRASIL,
2002; 2005).
A escola se localiza no bairro Parque Dois Irmãos, na Av. Bernardo Manuel n° 9970.
Atualmente, conta com corpo docente formado por 11 professores, em sua maioria professores
ouvintes bilíngues (Libras/Português), dos quais sete são polivalentes - pedagogos - e 4 de áreas
específicas: Educação Física, Língua Portuguesa e Libras. Há, na composição do quadro docente,
apenas um professor surdo, sendo este responsável pela disciplina de Libras. Quanto ao Núcleo
Gestor, a instituição é dirigida por profissionais ouvintes – Diretora, Coordenador, Coordenador
Financeiro (CAF), Articuladora e Secretária, todos com proficiência em Libras.
A Instituição conta com 7 salas, além de uma sala de informática, biblioteca e quadra
atendendo um público de 95 alunos compreendendo entre a Educação Infantil e Ensino Fundamental
I, dos quais 22 são surdos e os demais, ouvintes com outros comprometimentos, familiares ouvintes
de surdos e ouvintes sem nenhum parentesco ou comprometimento com a comunidade surda. A
escola funciona em período integral e como instituição pública municipal de ensino, está submetida
às diretrizes e normas previstas na legislação, mais precisamente a Lei Federal 9394/96, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as Diretrizes complementares da Secretaria
Municipal de Educação de Fortaleza (SME).
A instituição não possui sala de AEE. Entretanto, devido à quantidade de alunos laudados com
inúmeros outros comprometimentos além da surdez, totalizando 26 (vinte e seis) dos 95 (noventa e
cinco) matriculados, a escola alcança o perfil necessário para receber profissional capacitado para
Atendimento Especializado de tais alunos. Este é cedido pela escola polo mais próxima – E.M.E.I.F
Casimiro Montenegro. A escola não conta com o apoio de profissionais de áreas como
Fonoaudióloga, Assistência Social, Psicologia e Psicopedagogia como propõe o Programa e Saúde
na Escola - PSE – em suas ações: Componente I: Avaliação das condições de saúde; Componente II:
Promoção da saúde e prevenção das doenças e agravos; Componente III: Capacitação permanente
dos profissionais de saúde e educação.
Em seu Projeto Político Pedagógico – PPP se ressalta a posição superior da Libras em relação
a língua portuguesa:
Ao tratarmos de uma escola bilíngue se faz necessário determinar uma hierarquia linguística
no ambiente, em cumprimento à determinação legal de que a Língua de Sinais é a primeira
língua da pessoa surda (Lei 10.436/2002, Decreto 5.626/2005 e Decreto Legislativo
186/2008), e a Língua Portuguesa sua segunda língua, por ser a língua do país onde vivemos.
Assim, a comunidade escolar deve utilizar, não apenas na sala de aula, mas em toda a
dinâmica da sala de aula e sim em todo cotidiano escolar, a Língua de Sinais como dominante.
A Escola Bilíngue oferece matrículas para alunos não-surdos que desejarem estudar.
Esclarecemos que não se trata de uma escola especial, como se observa no Art. 22 do Decreto
5.626/2005, elas são formas sobre as quais se realiza a “inclusão de alunos surdos ou com
deficiência auditiva” no sistema educacional.
Esse público, formado por surdos, ouvintes com outras deficiências diferentes da surdez,
ouvintes sem deficiência e sem vínculo familiar com surdos e surdos com outros comprometimentos
associados, dificulta a execução do planejamento de aula pelos professores, segundo o que os próprios
relataram: “Eu preciso explicar o conteúdo, mas não consigo porque a turma tem muito ouvinte e não
consigo fazer com que eles olhem pra mim, então chamo o intérprete pra me ajudar. (Professor Sandro
Quintela, surdo, ministrante da disciplina de artes)”
Semelhantemente, os professores ouvintes relatam dificuldades para reter a atenção dos alunos
surdos e ainda dificuldade na produção de atividades que atendam a todos os alunos de maneira
igualitária, principalmente para a disciplina de Língua Portuguesa em que os alunos surdos a tem
como segunda língua-L2 e os ouvintes como primeira língua-L1. Não há separação das turmas para
as aulas de Português. Ambos, surdos e ouvintes, assistem a mesma aula e utilizam o mesmo livro.
Faz-se importante salientar, a partir deste contexto, que a abordagem Bilíngue para surdos
considera que o ensino da Língua Portuguesa deve utilizar-se de metodologias e estratégias
equivalentes ao ensino de segundas línguas:
Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, a proposta bilíngue para surdos concebe o seu
desenvolvimento baseado em técnicas de ensino de segundas línguas. Tais técnicas partem
das habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas diante das suas
experiências naturais com a LIBRAS (QUADROS, 1997, p. 29).
Os educadores mencionam ainda, ser necessário explanar o conteúdo em Libras primeiro para
o público surdo e em seguida verbalizá-lo para os ouvintes, em decorrência das turmas mistas de
surdos e ouvintes. Dessa forma, segundo eles, os alunos teriam acesso ao conteúdo sem prejuízo e
sem prevalência de uma língua em relação a outra no momento da aula. No entanto, esta estratégia
gera ociosidade entre os segmentos de alunos durante o uso de uma língua e outra. A Escola acredita
que ao lançar mão desta estratégia está garantindo aos alunos acesso aos conteúdos em suas
respectivas línguas maternas, como o PPP propõe:
A Escola Municipal de Educação Bilíngue Francisco Suderland Bastos Mota tem como
filosofia o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima
da pessoa com surdez e ouvintes, o fortalecimento e respeito pelos direitos humanos e pela
diversidade humana. Destaca-se também a promoção da identidade cultural e lingüística
específica das pessoas com surdez com base na Língua de Sinais e na Cultura Surda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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lado os Estados Unidos, que representava os interesses capitalistas, de outro a União Soviética das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), representando o bloco socialista. Esse conflito ficou
conhecido como Guerra Fria e trouxe vários desdobramentos para a vida cotidiana. “Gerações inteiras
se criaram à sombra de batalhas nucleares que, acreditava-se firmemente, podiam estourar em
qualquer momento e devastar a humanidade.” (HOBSBAWN, 1995, p. 224).
Cardoso (2008) informa que entre 1950 e 1960, ocorreram diversos movimentos que
demonstravam a insatisfação generalizada com o ambiente de Guerra Fria: Guerra na Argélia, os
Panteras Negras, as Guerrilhas, os movimentos pacifistas e etc. Essa mesma variedade foi percebida
pós 1968:
Devemos perceber a simultaneidade dos movimentos que aconteceram no âmbito do
capitalismo central, na periferia do capitalismo e no Leste europeu. O feminismo , a
libertação sexual trouxeram modificações na estrutura familiar, sentimos a flexibilixação da
hierarquia adulto/criança, aluno/professor etc. Introduziu-se um novo modo de fazer política,
não apenas a partir das macro-relações Estado e Sociedade, capital versus trabalho, mas agora
também no cotidiano. Questões ecológicas e a cultura da jovialidade foram instituídas,
fortalecendo um imaginário na fraternidade capaz de produzir uma nova ideia de revolução,
de transformação real da sociedade. (CARDOSO, 2008, p. 8).
Nesse contexto, 1968 foi um ano eivado por uma onda de conflitos políticos em diversos
países, como nos informam Montaño e Duriguetto (2011), marcando o protagonismo do movimento
estudantil na mobilização de várias lutas sociais. Embora vários países estivessem unidos contra a
intervenção norte-americana no Vietnã, foi na França que a juventude estudantil se expressou com
maior radicalidade, especialmente pela aliança entre estudantes e trabalhadores que culminou numa
greve geral que paralisou o país. Em muitas situações eram os estudantes que compunham a linha de
frente no setor automobilístico, têxtil, de combustíveis, minerais, gás, eletricidade e água.
O Maio de 1968 materializava a reação das pessoas diante das sanções criadas pela Guerra
Fria. O movimento implicou em combates às imposições econômicas, políticas e culturais.
[...] lutaram contra a sociedade de consumo que emergia, recusaram o automóvel como
sinônimo de modernidade, denunciaram o trabalho industrial e o burocrático como
embrutecedores. Questionaram os meios de comunicação de massa e a publicidade como
adestradores de desejos, bem como o mundo científico e utilitário. Recusaram a pobreza
espiritual de uma sociedade regida apenas por condicionantes econômicos. Lutaram contra
as burocracias totalitárias do Leste europeu e contra a sociedade de espetáculo do mundo
ocidental. Criticaram todas as formas de alienção, não só a material, como também a estética
e moral. (CARDOSO, 2008, p. 9).
Nesse contexto histórico, os muros das cidades foram pichados, uma forma que os estudantes
encontram para mostrar para o mundo sua realidade, o descaso e a falta de políticas públicas. Com
essas ações o movimento estudantil ganhou a simpatia de uma parcela da classe média, e resistiu ao
governo ditatorial francês do general De. Gaulle.
Montaño e Duriguetto (2011), apoiados em Ernest Mandel, afirmam que o Maio de 1968 teve
também o papel de fortalecer as lutas e as revoltas estudantis contra o papel que a universidade passou
a ter no contexto da divisão social e técnica do trabalho.
Em um cenário pós-guerra, com organização do trabalho vigente, que era o fordismo e com o
crescimento da economia, surgiu a necessidade de uma mão de obra qualificada, com isso fez com
que uma fração da classe trabalhadora e da classe média buscasse concluir o ensino médio e entrar
no ensino superior. O fordismo implicou na aceleração da imposição de um modelo de financiamento
empresarial às universidades, o objetivo disso era formar mão de obra barata, e qualificada nas áreas
de ciência, da tecnologia e de produção.
O Maio de 1968 ficou conhecido também como “revolução cultural”, isso por que eles
desejavam romper com a ordem social burguesa. Também tivemos a “Época de Ouro” que foi uma
das raízes das revoltas dos estudantes, assim como o processo de industrialização que marcou o
ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a crise na família nuclear burguesa, e o crescimento e
ingresso massivo dos jovens no ensino superior, que acabou concentrando a juventude no espaço
universitário possibilitando o desenvolvimento de novas relações e ações coletivas.
Essa “revolução cultural” se dava pela informalidade dos estilos de vida tais como o de
vestimentas, músicas, linguagem que estavam ligadas desde o modo de falar, como as gírias,
palavrões e palavras de ordem, e no uso de drogas e da livre prática de orientação sexual. Isso tudo
acarretou na contribuição dos famosos cartazes de Paris de 1968. “É proibido proibir”. Esse
movimento defendia a autonomia da subjetividade e das escolhas de vida pessoais. (HOBSBAWN,
1995)
O ano de 1968 foi também emblemático para as resistências no Brasil. O ano iniciou-se com
as lutas dos secundaristas e de estudantes do restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, as
reivindicações eram a exigência de mais vagas nas universidades e melhorias no restaurante.
Com o movimento ganhando força, o restaurante acabou sendo invadido pelas tropas militares
que assassinaram o secundarista Edson Luís. A morte do estudante marcava um novo começo de
manifestações que reuniu no dia 26 de junho de 1968, estudantes, artistas, intelectuais e ativistas
políticos. Ocuparam as ruas do Rio de Janeiro na maior mobilização popular contra a ditadura militar,
que ficou conhecida como a passeata dos Cem Mil. O evento tinha como reivindicações principais a
luta contra os atos de repressão contra os estudantes, o fim da ditadura e a redemocratização do país,
este evento foi dedicado à memória do estudante Edson Luís.
Como já dissemos anteriormente, embora tenhamos contado com participações estudantis em
diversos movimentos sociais ao longo da história do Brasil, foi com o surgimento da União Nacional
dos Estudantes (UNE), no ano de 1937, que se notou uma unificação e fortalecimento das pautas do
movimento estudantil, esse fato conseguiu gerar uma forte atuação dos estudantes, ampliando as lutas,
que antes já aconteciam, mas de forma isolada. O reconhecimento da UNE, como entidade máxima
de representação dos estudantes brasileiros, unificou as lutas estudantis e os deixou mais expressivos
e articulados em âmbito nacional. A atuação da UNE, desde sua criação até a década de 1950, definiu
a participação estudantil em grandes lutas no cenário político nacional, como por exemplo as
mobilizações contra o Estado Novo.
A partir da década de 1960, as lutas estudantis passaram a ser em torno da questão de
instituições de ensino superior públicas, gratuitas e de qualidade, mas de acordo com a afirmação de
Montaño e Duriguetto (2011) o objetivo era outro dentro do sistema:
Nos tempos da autocracia burguesa, as pautas de lutas giravam em volta de “denunciar a
interferência norte-americana na educação por meio de MEC – Usaid (agência dos estados
Unidos para o “desenvolvimento Internacional”) criada em 1961 que foi criado para
desenvolver programas de assistência econômica e humanitária, que visava à privatização do
ensino superior. (p. 271).
A América Latina foi invadida pelas ditaduras militares orientados pela Doutrina de Seguro
Nacional, que tinha como objetivo combater a “subversão” e barrar as revoltas sociais criadas no cone
Sul latino-americano, que ficou conhecido como operação Condor, era um tipo de aliança político-
militar entre os regimes militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, e Uruguai. Esse
regime foi vigente durante os anos 1970, até a redemocratização em meados dos anos 1980
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011).
Para melhor compreendermos esse movimento na história, observemos a seguir um
levantamento de todas as ditaduras militares que acorrerem no mundo:
Na República Dominicana, com Leónidas Trujillo (1931-1961); no Paraguai, com Alfredo
Stroessner (1954-1989); no Haiti (1957-1985), com François Duvalier (ou Papa Doc)
(1957p-1971) e sua guarda pessoal “Tontons Macoutes”, sucedido pelo filho Jean-Claude
Duvalier ( ou Baby Doc) (1971-1985); no Brasil (1964-1985), mediante a golpe militar contra
João Goulart, com Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), Artur da Costa Silva
(1967-1969), que promulgou o Ato Institucional nº 5 (A-I5) em 1968, seguido por uma Junta
Militar (1969), Emílio Médici (1969-1974), Ernesto Geisel(1974-1979) e João Figueiredo
(1979-1985); [...] (MONTAÑO E DURIGUETTO, 2011, p. 257).
Após esse percurso histórico nos atentaremos a partir de agora a atuação do movimento
estudantil durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). “Entre 1956 e 1964, o movimento
estudantil no Brasil, atingiu nível de atuação e de influência política acentuado, sobretudo no primeiro
quinquênio dos anos 60.” (MEDEIROS, 2014. p. 180).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) cresceu em um grau de representatividade e
programação, material, propostas e manifestações em seus congressos e se preocupava com uma
variação de problemas que eram principalmente relacionados com os povos oprimidos da Ásia, África
e América Latina. Também se preocupava com as atividades políticas-sociais e a luta por mais vagas
e mais verbas para a educação.
Com o movimento ganhando força, apoiou a posse de João Goulart, e em seguida a volta ao
presidencialismo. Um pouco mais tarde também apoiou as reformas de base, isso fez com que aos
poucos o movimento mostrasse a sua inquietude com as propostas reformistas.
No cenário de crise econômica que ganhava expansão na economia com Juscelino Kubitschek
os estudantes estavam presentes em âmbito nacional. A UNE não vivia apenas das passeatas ou dos
congressos; participava de comícios, mas envolvia-se na produção e difusão cultural. (MARTINS,
1980).
O movimento estudantil era cercado por disputas políticas, o que demonstra um pouco sobre
os sujeitos que atuavam na época.
Disputavam a hegemonia do movimento, e da UNE, por conseguinte, o PCB, PC do B (depois
de 1962), a Política Operária (POLOP), Organização Revolucionária Política Operária
(ORMPO), a Juventude Operária Católica (JUC) e, depois (1963) a Ação Popular (AP), que
se expressavam com propostas específicas. A dominância, no seio do Movimento Estudantil
- ME (doravante ME) era reformista. A chamada “esquerda festiva” ocupava muito espaço
de participação na UNE (MEDEIROS; CASTANHO, 2014, p. 81).
Em 13 de março de 1964, no caminho das “reformas de base”, a UNE usou seu poder de voz
e articulação para se pronunciar em defesa de alterações que pudessem tirar o país da estagnação.
O ano de 1978, foi marcado por grandes passeatas e homenagens à Edson Luis Viana Sauto
(assassinado em 28 de março de 1968), e a Alexandre Vanucchi Leme (assassinado pela polícia) que
reuniu grandes personalidades artísticas e simpatizantes, e também estava em pauta a realização do
IV ENE, que definiu a realização do XXXI Congresso da UNE, para o ano seguinte e o apoio eleitoral
aos candidatos populares do MDB.
Todos esses movimentos e manifestações fizeram com que a inquietação se reinstaurasse, já
que o movimento estudantil estava retomando à sua movimentação e articulação no processo de luta
pela universidade, tendo somada a participação dos professores. As pautas de reivindicações giravam
em torno não só do ajuste salarial, mas principalmente das questões dos currículos, das decisões
departamentais do conjunto das reflexões sobre o ato de ensinar, o papel da universidade e o destino
na ciência.
Em 29 e 30 de maio de 1979, a UNE foi reconstruída, apesar dos ataques para desarticular o
movimento estudantil, aconteceu o XXXI Congresso da UNE em Salvador, Bahia e contou com a
participação de 2.304 delegados estudantis de todos as Estados do Brasil. A UNE era composta por
várias correntes e no XXXI congresso da UNE expuseram suas ideias e reivindicações.
A Liberdade e Luta (LIBELU) entendia que a UNE seria “junto às lutas do estudante, o nosso
maior instrumento de combate contra a ditadura militar”28 e propunha a aliança estudantil-
operária-camponesa para mudar o país. Já a tendência Viração (Caminhando) advogava que
a UNE encaminhasse “as lutas mais gerais, como a defesa da Amazônia, a anistia ampla,
geral e irrestrita e [...] lutar por um governo amplamente democrático, que convoque uma
assembleia nacional constituinte soberana e livremente eleita”. “Sangue Novo” defendia a
unificação do ME em torno de bandeiras gerais e que a UNE deveria atuar como reforço “na
luta pela liberdade do movimento do povo brasileiro”. A alternativa socialista para o ME era
proposta pelo movimento “Combate”, que via a UNE como reflexo do avanço das lutas dos
trabalhadores e da necessidade de uma unificação nacional das lutas estudantis.
(MEDEIROS; CASTANHO, 2014. p.186).
No XXXI Congresso da UNE foi aprovada uma carta de princípios que nos mostra na íntegra
as formas de atuação da UNE.
1) A UNE é uma entidade máxima e representativa dos estudantes brasileiros na defesa de
seus interesses e direitos; 2) A UNE é uma entidade livre e independente, subordinada
unicamente ao conjunto dos estudantes; 3) a UNE deve pugnar em defesa dos interesses e
direitos dos estudantes, sem qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo ou convicção
política, religiosa ou social; 4) a UNE deve prestar solidariedade à luta de todos os estudantes
e entidades estudantis do mundo; 5) a UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e
popular; 6) A UNE deve lutar pelo ensino voltado para os interesses da população brasileira,
de forma gratuita em todos os níveis; 7) A UNE deve lutar contra todas as formas de opressão
e exploração e prestar irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores do mundo inteiro.
(MEDEIROS; CASTANHO, 2014. p. 187).
Neste mesmo congresso foram tiradas as principais e imediatas lutas que giravam em torno
de um combate a privatização da educação, por mais investimento na educação pública, pela anistia
ampla, geral e irrestrita, pela filiação de entidade de base (diretórios e centros acadêmicos) à UNE,
por uma Assembleia Nacional Constituinte, soberana e livremente eleita; e pela defesa da Amazônia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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da universidade pública. 2006, 286f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Cear, Faculdade de Educação,
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CARDOSO, Lucileide Costa. Ecos de 1968: 40 anos depois. Revista Recôncavo, vol. 2, número 1, p. 5-12, 2008.
CODATO, Adriano Nervo. O golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas. 2004.
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1980.
MEDEIROS, Ruy H. D. A.; CASTANHO, Sérgio E. M. Trajetória do movimento estudantil e expectativas sociais
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MONTANO, Carlos, DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimentos sociais. São Paulo: Cortez, 2011.
POERNER, Arthur José. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. Rio de Janeiro.
Booklink, 2004.
INTRODUÇÃO
debate racial no contexto político brasileiro. Neste esforço, tentaremos discutir como esse debate pode
influenciar nosso olhar acerca do que compreendemos como democracia.
O livro O significado do Protesto Negro (2017), relançado pela Expressão Popular e Fundação
Perseu Abramo como forma de contribuir para os debates no atual contexto de crise democrática no
Brasil, possui uma particular relevância na divulgação das proposições de Florestan Fernandes sobre
o preconceito racial e as formas de mobilização contra este. O escrito trata de uma compilação de
textos que foram escritos pelo autor em circunstâncias diversas abordando os limites e as
possibilidades da reflexão sobre a questão racial no Brasil.
De certo modo, o livro tenciona questões que são elementares para a compreensão das
contranarrativas produzidas pelo movimento social negro como forma de questionar nossa sociedade
racista. Essas narrativas, que se constituíram a partir do momento que os intelectuais negros tiveram
condições objetivas de lançar publicamente seu protesto na década de 30, evidenciavam a injustiça
que marcava a condição do negro no Brasil (FERNADES, 2017). Marcada pelo racismo estrutural,
que exerce influência em todos os níveis nas interações sociais, nossa sociedade hierarquizada elabora
formas de opressão e eliminação contra os negros.
Como exemplo, basta pensar em como atuam as políticas de divisão do trabalho, quando os
negros não tem acesso às mesmas posições de trabalho que os brancos ou quando ocupa posição
semelhante, sua força de trabalho é paga abaixo do valor real. Da mesma forma, quando a polícia
aborda seletivamente pessoas negras, agindo com violência e causando dano, então se evidencia que
as instituições sociais possuem uma orientação racista e atuam de modo a legitimar a violência contra
pessoas negras. Neste caso, o próprio Estado comete violências contra as populações negras.
Entretanto, essa mesma sociedade lança mãos de artifícios para encobrir suas violências. Esse
é o papel que Fernandes (2017) atribui ao mito da democracia racial que emerge das obras de Freire
(2005) e Holanda (1995). A chamada democracia racial – enquanto mito incorporado às explicações
das elites para os conflitos raciais – serve ainda hoje para manobrar a percepção das massas e mesmo
dos esclarecidos ou dos afetados negativamente pelas injustiças raciais. Assim gera-se a falsa
percepção de uma harmonia entre as raças, quando os fatos que compõe a realidade sustentam que
vivemos numa sociedade violenta e segregadora contra as pessoas negras.
O procedimento metodológico que Fernandes (2017) articula para trabalhar a questão negra
consiste em opor os fatos ao mito. O autor está convencido que os fatos recuperados no âmbito da
convivência social são reveladores dos conflitos raciais e da desigualdade que acompanha a
experiência negra no Brasil desde os tempos da Colonização. Isso significa que o olhar fornecido por
Freire (2005) precisa ser reavaliado sob um ponto de vista crítico, pois diz o autor:
Teria sido mesmo “um crime escravizar o negro e leva-lo à America?”, pergunta Oliviera
Martins. Para alguns publicistas foi erro e enorme. Mas nenhum nos disse até hoje que outro
método de suprir as necessidades do trabalho poderia ter adotado o colonizador português no
Brasil (FREIRE, 2005, p. 323).
Se a questão racial possui potencial revolucionário, como destaca Fernandes (2017) é por
causa de sua capacidade de promover efetivamente uma revolução social a partir da
interseccionalidade. A diferença racial, portanto, no pensamento do autor é analisada como aquela
capaz de fortalecer o debate sobre a transformação social, precisamente por sua capacidade de
associar-se estrategicamente a outras diferenças e promover o intercruzamento de problemáticas. O
autor está convencido que a direção mais potencializadora de uma revolução social está contida no
intercruzamento das problemáticas raciais com as problemáticas de classe. A elas poderiam ser
estrategicamente articuladas as questões de gênero, a sexualidade.
Nesta perspectiva, cabe ressaltar que Florestan Fernandes promove uma direção perturbadora
para os estudos das questões raciais e ao enfrentamento político da violência racial. Perturbadora no
sentido de sua abrangência e de sua proposta política. Fernandes (2017) une à análise da raça aos
conflitos de classe, afirmando uma diferença em relação a outras abordagens marxistas, qual seja a
de que a raça não pode ser tratada apenas como problemática de classe, mas a partir dos
entrecruzamentos entre raça e classe.
Essa configuração de intercruzamento de problemáticas alude considerar que o enfrentamento
do racismo implica no enfrentamento da desigualdade social e econômica que marca nossa sociedade.
É precisamente sobre esse ponto de vista que este enfrentamento representa a potência transformadora
das estruturas sociais no Brasil, tanto do ponto de vista subjetivo quanto do objetivo num sentido
boudieusiano.
Assim em O significado do Protesto Negro é possível observar um Florestan Fernandes que
atua em duas frentes objetivas. Em primeiro lugar, a da reflexão teórica, a qual se torna um campo de
análise sobre a realidade social a partir de trajetórias localizadas. Em segundo lugar, a da militância
política. As reflexões de Florestan (2017, 2012) – sobretudo sobre a temática racial – não podem ser
desvinculadas de suas provocações acerca da militância ou de uma ação social transformadora. Seus
escritos insistem nessa necessidade de mobilização dos movimentos sociais em busca da construção
de estratégias políticas de rupturas com o hegemônico, o estabelecido, aquilo que as elites prescrevem
como ordem.
Essas questões, de certo modo, podem ser pensadas a partir das proposições de Butler (2018)
sobre a resistência e as novas formas de mobilização dos movimentos sociais frente à escalada de
Estados militarizados e nacionalistas. Encontramo-nos num instante histórico no qual as democracias
ao redor do mundo se encontram ameaçadas, de retomada do tradicionalismo, do revestimento de
preconceitos, de renovação das dominações. Nestas condições, as mobilizações dos movimentos
sociais configuram-se em enfrentamentos imprescindíveis diante das ameaças e retrocessos.
Sem dúvidas que tanto Butler (2018) quanto Fernandes (2017), considerando as respectivas
distinções, realizaram reflexões sobre a democracia e sobre como é possível construir uma
democracia onde as diferenças sejam respeitadas, protegidas contra o assédio e a violência
(principalmente quando o Estado comete violências1), tendo seu direito de aparecer assegurado. E
indo além, poderia dizer que os dois estão interessados em discutir como é possível estabelecer
alianças entre as diferenças sociais, de modo a superar a violência e a precariedade que marca
determinadas parcelas da população.
Fernandes (2012) ao tomar a realidade brasileira como objeto de análise constrói perspectivas
que se revelam pertinentes nas reflexões mais contemporâneas sobre o panorama político brasileiro.
Ainda hoje as elites defendem um projeto de democracia racial para esconder a manutenção de
privilégios. Esse mito mascara a crueldade da realidade social para negros e negras que se veem
expostos a abjeção e ao apagamento. No período de instabilidade democrática, a violência contra os
1
Ganhou repercussão na mídia e nas pautas dos movimentos negros o caso do músico negro que fora assassinado com
80 tiros no mês de abril de 2019, em razão do fuzilamento do carro em que estava com a família, pelo exército brasileiro.
O atual presidente da república, Jair Bolsonaro, foi a público afirmar que não houve seletividade na ação e que se tratava
de um incidente, eximindo o exército de sua responsabilidade sobre o caso. Exemplos como este demonstram como o
Estado legitima a violência contra populações negras e silencia diante de ações de extermínio cometidas por suas
instituições, não tratando com o devido senso de responsabilidade a perca das vidas negras. Quando o Estado, portanto,
induz a precariedade contra determinadas vidas, então ele se torna criminoso na acepção a compreensão de Butler (2018).
Sumário ISBN 978-85-000
EDUCAÇÃO EM DEBATE: POLÍTICA, FORMAÇÃO DOCENTE E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS | 178
negros e a desigualdade social assume níveis alarmantes, como evidencia os dados do Atlas da
Violência no Brasil (2019). E isso porque as formas mais silenciosas e disfarçadas de violação contra
a população negra nem sempre são referidas ou são tratadas como incidentes.
Deste modo, a reflexão sobre a problemática racial se torna uma chave que ilumina caminhos
sobre a democracia brasileira, seus limites, sua abrangência e as necessidades de transformação
inerentes a ela para que os negros e negras e a diferença social possam existir. Nada poderia ser mais
adequado que relançar uma obra que amplia os debates e leva a pensar como a mobilização dos negros
e outros atores sociais em prol de uma sociedade mais equitativa deve ser construída – se este for um
dos propósitos de O Significado do Protesto Negro.
CONSIDERAÇÕES
Se a liberdade não é dada, senão conquistada, como propõe Fernandes (2017), então a
democracia resulta dos intensos processos de lutas que conduzem a transformações sociais. As lutas
em prol da democracia historicamente perpassam as pautas dos movimentos sociais (GOHN, 2011).
E não poderia ser diferente, pois a democracia quando pensada do ponto de vista da participação
viceja condições de florescimento de debates sobre os lugares dos grupos subalternizados.
Na Brasil, como no contexto mais amplo da América Latina, nos encontramos em um período
de esgotamento do Estado e de crise na legitimidade de suas instituições. Isso nos leva as condições
que produzem um Estado de exceção, expondo cada vez mais determinadas populações ao dano e a
violência. Como aponta Zavaleta (2015) o esgotamento institucional pode conduzir a regimes que
eliminem a democracia, por isso o autor ocupa-se em complexificar a noção de democracia,
procurando responder como é possível uma elevação da hegemonia da sociedade civil sobre o Estado.
Este procedimento necessário pode revelar novos caminhos para uma politização da sociedade,
criando assim as condições objetivas para a criação de um partido histórico que transforme a
dimensão do Estado. Por outro lado, se reconhece que movimentos negros têm insistido na destruição
do Estado por causa de sua insuficiência para trabalharem suas questões.
As reflexões de Florestan Fernandes (2017) acerca do negro na sociedade brasileira recolocam
a “democracia racial” como uma transformação simultânea das relações raciais e de classe. Essa
transformação não pode acontecer sem a participação efetiva do negro nos processos que induzem a
uma revolução. Classe e raça devem se entremear-se, relacionar-se num esforço pela descolonização,
pela democratização da sociedade, pois as opressões não acontecem de modo separado, mas de modo
conjunto, potencializado pelos marcadores sociais da diferença que se materializam nos corpos.
O negro tem papel central numa revolução que se irradia de baixo para cima, que possui como
perspectiva a destruição de estruturas históricas que mantém privilégios e autoriza violências
(FERNANDES, 2017). Neste contexto, portanto, o negro é o agente histórico de maior potencial na
proposição de estratégias que conduzam a uma verdadeira revolução social.
Nestas condições, discutir com Florestan Fernandes as questões raciais na atual sociedade
brasileira, torna possível olhar para um lugar social identificado com a potência. Certamente que é
preciso refletir como esse lugar social se liga a outros e quais articulações podem ser feitas para o
enfrentamento à violência e precariedade, quando a democracia ameaça declinar sob o mando das
elites.
REFERÊNCIAS
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