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ELIANA MARQUES ZANATA
ANTONIO FRANCISCO MARQUES
VERA LÚCIA MESSIAS FIALHO CAPELLINI
(organizadores)

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: PRÁXIS E


TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

2018

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Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”

Realização
Departamento de Educação
PPG Docência para Educação Básica
Faculdade de Ciências – Unesp – Campus Bauru
Av. Eng. Edmundo Carrijo Coube, 14-01
Bauru – SP - CEP 17.033-360 - Tel. (14) 3103-6081 FAX (14) 3103-6095

Reitor
Sandro Roberto Valentini
Vice- reitor
Sergio Roberto Nobre
Pró-reitor de Planejamento Estratégico e Gestão
Leonardo Theodoro Bull
Pró-Reitora de Extensão Universitária
Cleopatra da Silva Planeta
Pró-Reitora de Graduação
Gladis Massini-Cagliari
Pró-reitor de Pós-graduação
João Lima Sant'Anna Neto
Pró-Reitora de Pesquisa
Carlos Frederico de Oliveira Graeff
Chefe de Gabinete
Carlos Eduardo Vergani
Secretário Geral
Arnaldo Cortina
Chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa
Fábio Mazzitelli de Almeida
Diretor da Faculdade de Ciências de Bauru
Jair Lopes Júnior
Vice-Diretor da Faculdade de Ciências de Bauru
Vera Lucia Messias Fialho Capellini
Chefe do Departamento de Educação
Maria José da Silva Fernandes
Vice-Chefe do Departamento de Educação
Antonio Francisco Marques

Conselho Editorial
Ana Maria Andrade Caldeira (Faculdade de Ciências - UNESP Bauru – São Paulo); Luciana Ponce Bellido Giaraldeli (Universidade Federal de
Goiania – Goiás); Relma Urel Carbone Carneiro (Faculdade de Ciências e Letras - UNESP Araraquara – São Paulo); Maria José da Silva
Fernandes (Faculdade de Ciências - UNESP Bauru – São Paulo)

Autores
Sylvia hHelena Souza da Silva Batista; Ana Maria Lombardi Daibem; Luis Paulo Leopoldo Mercado; Ana Maria Klein; Neiza de Lourdes Frederico
Fumes; Maria Quitéria da Silva; Eliane Cristina Moraes de Lima; Soraya Dayanna Guimarães Santos.

Zanata, Eliana Marques.


Educação e formação humana: práxis e transformação social
[recurso eletrônico] / Eliana Marques Zanata / Antonio
Francisco Marques e Vera Lúcia Messias Fialho Capellini
(organizadores). -- São Paulo : Cultura Acadêmica, 2018

135 p.

Disponível em: https://www.fc.unesp.br/#!/ensino/pos-


graduacao/programas/mestrado-profissional-em-docencia-para-a-
educacao-basica/publicaes/
ISBN 978-85-7983-989-4

Inclui bibliografia

1. Prática de ensino. 2. Estágio curricular. 3.


Formação de professores. I. Zanata, Eliana Marques. II.
Antonio Francisco Marques. III. Capellini, Vera Lúcia Messias
Fialho. IV. Título.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: PRÁXIS E TRANSFORMAÇÃO 19


SOCIAL
Sylvia Helena Souza da Silva Batista

A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SEUS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO E NA 22


SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Luis Paulo Leopoldo Mercado

A ESCOLA PARA TODOS E AS CONDIÇÕES DE APRENDIZAGEM: 39


POLÍTICAS E PRÁTICAS
Ana Maria Lombardi Daibem

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, TRANSVERSALIDADE E PROJETOS 50


Ana Maria Klein

A DOCÊNCIA E A INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NA EDUCAÇÃO 64


SUPERIOR: POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL
Soraya Dayanna Guimarães Santos
Eliane Cristina Moraes De Lima
Maria Quitéria da Silva
Neiza de Lourdes Frederico Fumes

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR PARA UMA EDUCAÇÃO COM 84


QUALIDADE SOCIAL? UM OLHAR CRÍTICO FRENTE VELHOS DESAFIOS,
NOVAS POSSIBILIDADES
Vandeí Pinto da Silva

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Apresentação

O livro “Educação e Formação Humana: práxis e transformação social”


abarca os textos que deram origem as conferências e palestras proferidas por
educadores no decorrer do VI Congresso Brasileiro de Educação. Este se propõe a
ser o primeiro de uma série que pretende divulgar as pesquisas e produções
científicas compartilhadas nas edições futuras do congresso realizado pelo
Departamento de Educação e Programa de Pós Graduação Docência para a
Educação Básica da Faculdade de Ciências, campus de Bauru da Universidade
Estadual Paulista – UNESP.
Estes são os textos geradores das discussões e questões que envolvem a
formação humana e em especial a práxis do professor da educação básica no Brasil
em busca da uma transformação social, tema este que têm sido um dos mais
debatidos na atualidade. Abordam temas diversos, de diferentes áreas do
conhecimento, transversais e que constituem focos específicos da educação básica
ao ensino superior reunidos neste volume, como o a própria questão da práxis, as
demandas latentes que incluem ciência é tecnologia, a busca pela garantia da
educação enquanto um direito humano, reflexões acirradas sobre a Base Nacional
Comum Curricular, culminando com a apresentação de uma pesquisa sobre a
inclusão no ensino superior. Estas temáticas em especial configuram-se, portanto,
como subsídios para a reflexão e intervenção na educação brasileira tendo por base
não só os aspectos teóricos, mas também a valorização da dimensão prática.
No texto Educação e Formação Humana: práxis e transformação social
Sylvia Helena Souza da Silva Batista, em sua conferencia de abertura aborda o
contexto contemporâneo, o qual em suas múltiplas determinações e condicionantes
traz demandas, questões e desafios para uma educação comprometida com uma
formação humana transformadora da ordem societária.
Ancorando sua discussão em princípios morais no desenvolvimento e
divulgação de pesquisas Luis Paulo Leopoldo Mercado discute a integridade na
pesquisa relacionada à conduta do pesquisador no tratamento dos dados e na

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publicação da pesquisa, enfatiza que nos tempos atuais, a verdade está sendo
relativizada e enfraquecida pelo poder das TDIC, através do uso das redes sociais.
Em se tratando da Educação em Direitos Humanos - EDH, Ana Maria Klein
objetiva em seu capítulo apresentar e discutir as principais orientações relacionadas
à EDH e propor a transversalidade e o trabalho com projetos como estratégia
coerente e viável para o desenvolvimento da EDH nas escolas.
Finalizando esta síntese de estudos apresentados no Congresso Brasileiro
de Educação , não menos instigante, e objeto de discussões, críticas e defesas no
campo educacional, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC é abordada por
Vandeí Pinto da Silva com o proposito de promover reflexões na perspectiva do
questionamento sobre uma educação com qualidade social, trazendo um olhar
crítico frente velhos desafios e propondo novas possibilidades.
Com discussões profundas e específicas em sua singularidade todos os
textos contemplaram a temática proposta “Educação e Formação Humana: práxis e
transformação social” com ênfase na Educação Básica. Acreditamos que a leitura
proporcionará aos congressistas um retorno às discussões que foram realizadas no
evento e, àqueles que não tiveram a oportunidade de lá estar conosco, a
possibilidade de se apropriar das ideias debatidas.
Desejamos bons momentos de leitura e reflexão.

Organizadores

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: PRÁXIS E
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Sylvia Helena Souza da Silva Batista

POR ENTRE PRETEXTOS E CONTEXTOS


Que honra, responsabilidade, alegria e gratidão por viver este momento: sou
uma professora universitária, graduada em psicologia, com mestrado e doutorado
em Psicologia da Educação (PUCSP), estou na docência desde 1987 (completei 30
anos no dia 21 de fevereiro deste ano), na educação desde 1984 e desde 1989
envolvida com o ensino na saúde. Cheguei ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelas
portas e estradas da escola pública da minha cidade Belém, do meu Estado Pará.
Honra e responsabilidade, pois inúmeros educadores e educadoras, com
trajetórias muito mais meritórias do que a minha aqui, poderiam estar. Honra e

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responsabilidade, pois sou neta de D Consuelo que foi, por anos, única professora
de uma cidade chamada Peixe Boi, interior do Estado do Pará e como somente tinha
a quarta série era até esta série que todos estudavam. Mãe de 21 filhos, tendo
criado 17, ensinou-nos a lutar com alegria, esperança e força. Sou filha do seu filho
mais velho: Francisco que casado com Clarice (uma sergipana que a tudo
abandonou para casar e seguir seu amor), construiu uma família de seis filhos
(Júnior, Consuelo, Mônica, Sylvia, Paulo e Simone) e teve na escola sua grande
âncora: a educação é a nossa herança para vocês, nos prometeram sempre!!! Devo
a Deus a possibilidade da vida! Devo a esta grande familia (em quantidade, mas
principalmente em partilha espiritual e amorosa) muito do que hoje sou como
pessoa. Honra e responsabilidade, pois quando estive pela primeira vez em sala de
aula na condição de aprendiz da docência (no estágio curricular da Licenciatura
Plena em Psicologia, UFPA, 1984), simultaneamente começava atuar na Secretaria
de Estado de Educação em Belém, na Divisão da Educação Pré-Escolar, no
Departamento de Ensino de Primeiro Grau, e fui percebendo que as teias da
educação eram vigorosas, potentes, encantadoras, mas exigiam permanente
cuidado para que pudessem envolver a todos e todas.
Alegria e gratidão, pelo encontro com amigos, pela oportunidade singular de
partilhar este momento com tantos educadores e educadoras, pela chance de poder
mais uma vez, afirmar que nestes itinerários a educação e a formação de
professores foram se desenhando como meus espaços, também, de constituição
como pessoa. Devo à escola pública as lições de cidadania, de luta por direitos, de
encantamento com o ensinar, da alegria de aprender! Alegria e gratidão de
reabastecer as energias e os sonhos por um pais justo, equânime, inclusivo, espaço
e território para experiências formativas que busquem o diálogo com o trabalho e
com as políticas púbicas.
E navegando pelas águas da honra, da responsabilidade, da alegria e
gratidão, empresto as palavras de Érico Verissimo em Solo de Clarineta (1978, p.
44-45):

[...] tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor
pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é
acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo,
evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos

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assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da
náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica,
acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos
fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos
nosso posto.

E do lugar de mulher, professora, pesquisadora, cidadã, mãe (minha melhor


produção chama-se Clara e em co-autoria, com Nildo), trouxe para partilhar os
fósforos que tenho acendido: mas, reconheço em cada lampejo produzido, tantas
marcas, tantas vozes, tantos exemplos. Não tenho acendido sozinha, mas continuo
acendendo porque tenho companheiros e companheiras.

INCERTEZA E ESPERANÇA: POR ENTRE LÂMPADAS E FÓSFOROS

A temática proposta Educação e formação humana: práxis e


transformação social nos remete ao educador, filósofo, teórico Paulo Freire (2002,
p.68):

A Educação qualquer que seja ela é sempre uma teoria do


conhecimento posta em prática.
Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda.

As ideias e projetos freireanos estão atravessados pela perspectiva histórica e


dialética da educação como prática social, interconectando culturas, articulando
experiências e produzindo conhecimentos e modos de ser no mundo.

A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não


pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à
discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, 2002, p.
104)

Educar implica escolhas, intenções e tensões entre diferentes e até mesmo


antagônicas visões de sociedade. Educar expressa sua natureza política e ética ao
concretizar formas humanas culturalmente condicionadas e historicamente
construídas. (FREIRE, 2002)

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Como nos dizem Larossa e Kohan (2004):

Também a experiência, e não a verdade, é o que dá sentido à


educação. Educamos para transformar o que sabemos, não para
transmitir o já sabido. Se alguma coisa nos anima a educar é a
possibilidade de que esse ato de educação, essa experiência em
gestos, nos permite liberar-nos de certas verdades, de modo a
deixarmos de ser o que somos, para ser outra coisa para além do
que vimos sendo (p. 1).

Experienciar e educar... Educar e experienciar... verbos que mobilizam


saberes, relações, culturas, aprendizagens em tempos históricos e sociais,
politicamente condicionados, eticamente impregnados. Não há neutralidade:

Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes


desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às
classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.
(FREIRE, 1984, p. 89)

Assim, aprendi junto com “tanta gente, diferente gente” que se posicionar por
uma educação como prática de liberdade implica reconhecer a que projeto
societário disponho meu estar no mundo: é um permanente indagar-se, como
Clarice Lispector , “ser feliz é para conseguir o quê?” Talvez seja uma fugaz
felicidade clandestina (principalmente em tempos tão nublados), mas que se
manifesta e se refaz na educação, que causa deslocamento, que move mulheres e
homens:

Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente.


(FREIRE, 2002, p.94)
A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte
do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da
procura, fora da boniteza e da alegria. (FREIRE, 2002, p.142)

A dialética das práticas educativas delineia um contexto em que a formação


extrapola a dimensão cognitiva, transmissiva e reprodutível:

Formação traz em si uma intencionalidade que opera tanto nas


dimensões subjetivas (caráter, mentalidade) como nas dimensões
intersubjetivas, aí incluídos os desdobramentos quanto ao trajeto de
constituição no mundo de trabalho (conhecimento profissional).

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Portanto, não se trata de algo relativo a apenas uma etapa ou fase
do desenvolvimento humano, mas sim como algo que percorre,
atravessa e constitui a história dos homens como seres sociais,
políticos e culturais” (BATISTA, 2001, p.134)

Participar de espaços formativos, considerando a dinâmica de (re)significação


das vivências e dos conteúdos científicos, traz para a formação demandas de
alteração (melhor seria dizer inversão?) dos modos de articular a cognição (em seu
par razão e emoção), as relações interpessoais e o social em uma perspectiva
histórico-cultural. Exigem-se, dessa forma, deslocamentos fundamentais, saindo da
ênfase na informação, na abordagem biotecnológica das condições de vida e das
relações de causalidade linear entre sujeito e objeto.
Sair desse espectro significa dimensionar uma formação que se funde nas
condições de vida, tanto no plano material (condicionantes sociais e culturais), como
no plano psicológico (representações, crenças, pressupostos). Por outro lado, essa
formação deve possibilitar o desenvolvimento para o trabalho coletivo. Inserem-se,
assim, conexões com o outro, suas histórias e expectativas.
Configura-se a formação como processo que se movimenta em direções
múltiplas, conhecendo conflitos, mas também produzindo as possibilidades de
negociação, de atribuição de significados e de compromisso comum com a
integralidade na assistência. Processo, pois alunos e professores de diferentes
cursos da área da saúde vão se formando no decorrer da vida acadêmica, com seus
itinerários e verdades, reconstruindo-os em suas interações com a assistência, com
a comunidade e suas demandas e lutas.

Cada qual, com sua ação (liberdade) e iniciativa, no horizonte de


suas circunstâncias, irá “iniciar” algo novo, instituir sua trajetória, seu
mundo, sempre atento ao olhar do outro e ao reconhecimento da
alteridade e da diferença, essenciais na sua própria existência.
Desse modo, tornam-se obra e ação coletivas, fundadas nas
relações inter-pessoais. (VON ZUBEN, 2003, p. 82)

Imbricada situa-se a formação como projeto, construindo espaços de


aprendizagem que estejam coadunados com as necessidades e demandas sociais,
respondendo aos desafios contemporâneos da ética, da crítica e da cidadania.
Projeto, na medida em que, em meio às interações sociais, sentidos são elaborados,

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parcerias construídas. Compreender a formação como construção de autoria implica
reconhecer o enfoque da autoformação, a partir do qual podemos compreender que
formar e formar-se no encontro, na discussão coletiva, na elaboração própria, na
busca contínua do conhecimento, na experiência de sermos pessoas em interação,
delineiam um modo de apropriar-se da própria história. (PINEAU, 2005)

Esta abordagem de formação parece articular-se com a perspectiva de rede:


inspirada na compreensão de Mauss (no célebre Ensaio sobre a dádiva) o
entendimento de rede ancora-se na circulação simbólica, nas interações horizontais,
na organização coletiva. Explicita-se, desta maneira, que não apenas se realça a
ruptura com projetos formativos centrados na técnica, como também se assume a
dimensão sócio-política que constitui todo e qualquer modo de educar e formar.
(FREIRE, 2001; DE SIMONE, 2004)
A rede incorpora constituintes individuais e sociais em uma dialética que se
inscreve em dados lugares e tempos. E assim, os movimentos pessoais/coletivos
(busca de parceiros, cenários e ferramentas de formação) e os movimentos
institucionais (espaços intencionalmente construídos, fomentados) tecem e re-tecem
modos de ser e fazer no campo da formação humana.
As redes formativas no mundo contemporâneo tem faces da incerteza e da
esperança:

[...] até no capim vagabundo há desejo do sol. (Clarice Lispector,


1995 p. 28)
[...] só às vezes piso com os dois pés na terra do presente: em geral
um pé resvala para o passado, outro pé resvala para o futuro. E fico
sem nada. (Clarice Lispector, 1978, p.20)

Bauman (2016) analisa a incerteza e a esperança como constituintes dos


tempos de hoje, alertando para a sensação de vulnerabilidade que nos parece tão
conhecida: valores, formas conhecidas de organização social, conquistas sociais,
tudo expressa-se com fugacidade e emergem como frágeis. A competição acirrada
quase ao seu ápice, nubla a potência da cooperação e da movimentação.

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E ainda, nos alerta para os riscos das redes serem tomadas como espaços
do homogêneo”, em que a contradição e o debate perdem espaço e sentido. As
redes para serem possibilidades de novas conexões, como nos propõe Mauss,
precisam abandonar a crença da discordância como um mal, reconhecendo na
diferença um eixo estruturante. As redes que operam na incerteza e na esperança
na perspectiva da autonomia, da produção de opções abertas, da Ação política.
(BAUMAN, 2016)
E o interjogo da incerteza e a esperança anuncia um tempo de transição:
Silva (2000, p.181) ao fazer a resenha do livro Educação como Prática de Liberdade,
de Paulo Freire, coloca que perspectiva de Freire

[...] uma época que se esvaziava e uma nova que ia se


consubstanciando, tinha algo de alongamento e de adestramento.
Neste embate entre os velhos e os novos temas ou a sua nova visão,
a vitória destes ou desta não se faz facilmente e sem exigências de
sacrifícios. O dinamismo do período de trânsito se fazia com idas e
vindas, avanços e recuos que confundiam ainda mais o homem. E a
cada recuo se lhe falta a capacidade de perceber o mistério de seu
tempo, o que pode corresponder a uma trágica desesperança; um
medo generalizado.

Bauman afirma que o que mantém a vida é a esperança, pois afirma que : “o
mundo dos seres humanos é um reino de possibibilidades-probabilidades, não de
determinações e necessidades”. (p. 61) E como nos ensinou Paulo Freire (1992,
p.9):

[...] A esperança não floresce na apatia. Cabe ao pedagogo, ao


filósofo, ao político, aos que estão compreendendo a razão de ser da
apatia das massas - e às vezes da apatia de si mesmos - a briga
pela esperança. Eu não posso desistir da esperança porque eu sei,
primeiro, que ela é ontológica. Eu sei que não posso continuar sendo
humano se eu faço desaparecer de mim a esperança e a briga por
ela. A esperança não é uma doação. Ela faz parte de mim como o ar
que respiro. Se não houver ar, eu morro. Se não houver esperança,
não tem por que continuar o histórico. A esperança é a história...

E nesta esperança que desloca e cria, faz eco as palavras de Clarice


Lispector (2008, p.20)

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Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é
passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.

E em meio às redes formativas, a educação abre espaços para a práxis


transformadora: penso na produção de primaveras.

Meu querer pelas flores nasceu pelas mãos sujas de terra da mãe.
Lembro-me que ela vivia a pelejar flores no nosso quintal quando eu
era pequena, Mas só de vez em quando uma daquelas mudas
vingava. Era quase estéril o nosso chão. Mesmo assim, a mãe não
desistia.
Quando, por um generoso milagre da natureza, uma margarida
pegava, ela se esmerava em protegê-la com todos os cuidados que
era capaz de arquitetar. Regava a planta de amanhã e à tarde, fazia
pequenas cercas de gravetos em torno dela e, às vezes, colocava
casca de ovo ou de batata bem perto da raiz. (PAULINO, 2005, p.53)

As práxis transformadoras mostram-se plurais, diversas, tradutoras de valores


éticos coadunados.

REFERÊNCIAS

BATISTA, S.H.S.S. Formação. In: FAZENDA, I (org) Dicionário da Interdisciplinaridade. São


Paulo: Cortez, 2001.

BAUMAN,Z; MAURO, E. Babel - entre a incerteza e a esperança. 3 ed. São Paulo: Zahar,
2016.

DE SIMONE, D. Identitity onthe university profesor is formulated overtime requiring self-


discovery followed by being intellectual scholar and teacher. Education. 2001. Disponível
em www.findarticles.com/p/article. Acessado em 10 de julho de 2017.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, P. Nós podemos reinventar o mundo. (entrevista). Rev. Nova Escola. Novembro
de 1993.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 58 Ed. [1968]. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. 25 Ed


[1996]. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

16
LAROSSA e KOHAN. Prefácio. In: RANCIÈRE, J. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a
emancipação intelectual. Trad. Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. (Série:
Educação. Experiência e sentido).

LISPECTOR, C. Um Sopro de Vida (Pulsações). 3. Ed. Rio de Janeiro: Editora Nova


Fronteira, 1978.

LISPECTOR, C. A hora da estrela. 23. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.

LISPECTOR, C. Água Viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2008.

PAULINO, S. Abraços Negados. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

PINEAU, G. Autoformação no decurso da Vida. Disponível em www.cetrans.com.br


(Acessado em 30 de junho de 2017

SILVA, E. B. Educação como prática da liberdade. Rev. Bras. Educ.[online]. 2000,


n.14 [cited 2017-10-22], pp.180-186.

VERISSIMO, E. Solo de Clarineta. São Paulo: Paz e Terra, 1978.

VON ZUBEM, A. Formação de professores: da incerteza à compreensão. In: BICUDO,


M.A.V. (org) Formação de Professores? Da incerteza à compreensão. São
Carlos/SP:EDUSC, 2003.

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A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SEUS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO E NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Luis Paulo Leopoldo Mercado

Introdução

Neste texto abordarei a importância das TDIC para a pesquisa, a promoção


da cultura da integridade na pesquisa e as estratégias educativas para prevenir o
plágio através do uso de softwares para detectar plágios.

A pesquisa, tradicionalmente apresenta muitas finalidades, dentre elas,


transformar o homem e o mundo, criar objetos e concepções, encontrar explicações
e avançar previsões, descobrir respostas para problemas. O processo de pesquisa
envolve a realização de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida
através de processos científicos. É um procedimento reflexivo, sistemático,
controlado e crítico que permite descobrir novos fatos ou dados, soluções ou leis,

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em qualquer área do conhecimento. A pesquisa tem por objetivo encontrar soluções
para os problemas propostos e basicamente exige a elaboração de um problema,
justificativa de escolha, quadro teórico (conhecimento da temática), descrição de
objetivos a serem alcançados e metodologias aplicadas no desenvolvimento da
pesquisa.

O ato de pesquisar sofre transformações e rupturas com o avanço das


tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC), modificando a
investigação científica e o cotidiano de pesquisadores, pesquisados, editores e
avaliadores de periódicos científicos, exigindo formação para lidar com estas
tecnologias. Para Mantovani (2017), as TDIC vêm se caracterizando por uma maior
abertura à participação dos sujeitos, não apenas no que se refere às formas de
acesso à informação, mas principalmente nas questões relativas à produção e a
distribuição dos conteúdos que circulam nas redes digitais. Na Ciência, o movimento
de abertura da internet gera questões que vão desde as discussões sobre o acesso
livre ao conhecimento passando pelas práticas colaborativas em rede, até as
questões sobre direito de propriedade intelectual.

A qualidade da pesquisa se materializa na produção de novos


conhecimentos, no rigor nos procedimento de investigação utilizados, na
comunicação/discussão dos resultados, na introdução de dimensão crítica, na
reflexão sobre fontes, métodos e modos de trabalho, na coleta de dados
sistematizada e nas interpretações com base em teorias reconhecidas e atuais
contribuindo para a elaboração de uma problemática e ampliando o conhecimento
científico conhecido e disponibilizado na literatura científica.

Toda pesquisa gera algum tipo de impacto em vários cenários: científico,


permitindo o progresso do conhecimento; político, subsidiando a elaboração de
legislação e políticas públicas; organizacional, fundamentando a gestão de
organizações; tecnológico, permitindo a inovação em produtos, serviços e
processos; econômico, subsidiando a geração de riquezas; saúde, provocando
aumento da expectativa de vida, prevenção e tratamento de doenças; cultural,
permitindo transformações nas habilidades e atitudes; ambiental, contribuindo com a
conservação da biodiversidade; simbólico, permitindo a associação de empresas a

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pesquisadores; social, oferecendo condições de melhoria do bem-estar e qualidade
de vida; educacional, subsidiando a construção do currículo e ferramentas
pedagógicas.

Para Macias-Chapula (1998, p.134), a “publicação dos resultados de


pesquisa tem três objetivos: divulgar descobertas científicas, salvaguardar a
propriedade intelectual e alcançar a fama”. Os resultados das pesquisas atendem a
três critérios fundamentais: confiabilidade, na qual o pesquisador confronta suas
interpretações com as dos sujeitos pesquisados ou com as de outros pesquisadores
(juízes) como forma de controle da própria ideologia; credibilidade que envolve a
busca da garantia de que o estudo tem alto grau de exatidão, avaliando a qualidade
e a quantidade das observações efetuadas e das informações colhidas; e na
possibilidade de transferibilidade ou generalização, ou seja, estender as conclusões
a outros contextos.

TDIC na Pesquisa Científica

Na sociedade atual as TDIC se transformam em artefatos nos quais


convergem várias mídias numa só tecnologia, além de terem portabilidade, na
medida em que um aparelho celular converge funções relativas à televisão, ao
computador e a telefonia. Segundo Colnago (2015, p. 3), “o processo de
digitalização e virtualização dos meios de comunicação, viabilizado a partir do
desenvolvimento das TDIC, ampliou largamente o acesso dos usuários a
informações dos mais diversos gêneros, gerou enormes possibilidades de produção
de conteúdos e potencializou, em grande dimensão, a comunicação entre os
indivíduos, promovendo a interação social e criando novas oportunidades de
socialização, que atualmente extrapolam os limites geográficos.”

As TDIC oferecem várias contribuições para a pesquisa científica, tais como:


ferramentas de pesquisa e construção colaborativa com o uso de fóruns, wikis e
mundos virtuais; instrumento de divulgação em vários veículos, como bibliotecas
virtuais, periódicos científicos, blogs, jornais e revistas; veículo de acesso irrestrito a
inúmeros bancos de dados públicos e privados, informações diversas e notícias em
tempo real no mundo todo; meio para a realização de pesquisas qualitativas online;

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recursos que facilitam a coleta de dados, o acesso a públicos diversificados e
análise de dados; diminui o tempo de acesso dos participantes aos documentos de
pesquisa; materiais na forma de arquivos ampliada por métodos de armazenamento
e recuperação digital (digitalização).

Além disso, as TDIC permitem a visibilidade científica materializada nos


Diretórios de Grupos de Pesquisa, Currículo Lattes, Orcid, DOI – Publicações em
páginas do Facebook, blogs de pesquisadores e centros de pesquisa, páginas
institucionais das instituições envolvidas.

Um dos problemas que se vivencia em cenários de pesquisa com TDIC é a


necessidade da formação crítica dos pesquisadores para diferenciar conteúdos que
tem relação com a realidade daqueles que são inventados ou mentirosos (fake).
Num mundo em que a pós-verdade (post-truth) torna-se um perigo dos tempos
atuais englobando a irrelevância dos fatos para a formação de uma opinião, o da
preponderância da emoção e das crenças pessoais em oposição à realidade, levam
pesquisadores a ficarem diante de um sério questionamento: em que consiste a
noção de verdade de uma informação?.

Quanto ao uso de ferramentas digitais na divulgação da Ciência, para Tárcia


(2017), cresce a importância dos canais digitais como fonte de informação sobre
ciência. Na era da pós-verdade fatos científicos são descartados e substituídos por
visões pessoais, principalmente no universo político. Mentiras circulam a partir de
fontes consideradas credíveis e se espalham rapidamente pelas redes sociais
digitais, abandonando pontos basilares da Ciência como pensamento crítico,
investigação sustentada e revisão de crenças baseada em evidências (HIGGINS,
2016, p. 9). Esta situação pode ocasionar olhares enviesados, no qual a
subordinação do relato científico à coerência ideológica ou ao ativismo político.

São necessárias novas estratégias por parte da comunidade científica em


seus esforços para divulgar a ciência e popularizar seu alcance. Para Thurman
(2011, p), as mídias sociais e suas ferramentas online criam “bolhas de filtro” que
reforçam as perspectivas ideológicas e replicam exponencialmente as informações
com uso de algoritmos produzindo informações vinculadas ao que o usualmente é

22
clicado pelos usuários, proporcionando acesso apenas as informações que o usuário
quer ver.

Outro problema são as publicações de falsas pesquisas em revistas


científicas online, editadas por empresas sem padrão de qualidade, têm sido
denunciadas com frequência. Para Tarcia (2017), editores predatórios produzem
documentos por um preço, com uma revisão mínima pelos pares ou muitas vezes
sem revisão, induzindo pesquisadores a erros. Segundo Oransky e Marcus (2016),
essa fragilidade do sistema de publicação científica é usado para apresentar teorias
pouco sustentáveis ou especular sobre dados de outras pesquisas.

Uma publicação original de pesquisa é arbitrada pelos pares e com ampla


circulação. Os espaços mais relevantes para a publicação são os periódicos,
congressos internacionais das diversas áreas, livros e repositórios de conteúdos
científicos, que oferecem conteúdos validados por outros cientistas, como Bioline
International, Directory of Open Acess Journals, SpringerLink, Open Library, Vadlo,
Anthropology Review Database, Psycline, Social Science Research Network, Biology
Browser.

Os pesquisadores são responsáveis por garantir que os estudos e os


experimentos que realizam são feitos de forma ética e responsável, e que os
resultados são registrados com precisão e relatados honestamente (CASSIMIRO,
2017, p.44), num contexto em que o fenômeno social e cultural forte nos dias atuais
das notícias e trabalhos falsos ou fictícios são abundantes e nas redes sociais
ganham verdade e tem efeitos destruidores, muitos não sabem discernir o que é
verdadeiro em dados manipulados e inventados.

Para isso, no reconhecimento de evidência científica é fundamental


identificar fontes, reconhecer lacunas, incongruências ou insuficiência nos dados,
além de investigar evidências e pistas que vão contra seu palpite, suas paixões e
suas referências e quando essa evidência for irrefutável, dar espaço na pesquisa.

Outro contexto trazido pelas TDIC é o Big Data ou megadados, conjunto


gigantesco de informações no mundo digital, permitindo reunir e analisar dados com
velocidade impensável até pouco tempo atrás. Vivemos o paradigma da abundância

23
de informações, do aumento exponencial do número de periódicos e de artigos
científicos que são inseridos na literatura.

Este contexto gera muitas preocupações aos pesquisadores, pois aumentam


a possibilidade de estudos que falsificam dados, provocando a retirada de artigos da
literatura científica, além de gerarem excesso de materiais a serem lidos, podendo
gerar leituras periféricas somente em resumos e abstracts. Aparentemente todos
leem o tempo todo, mas nada além de manchetes, pedaços de frases e caixas de
comentários. Estas situações podem levar a uma crise de credibilidade caso os
códigos de conduta e ética na pesquisa não sejam seguidos à risca.

Integridade da Pesquisa no Contexto da Cultura Digital

A integridade na pesquisa está relacionada à conduta do pesquisador no


tratamento dos dados e na publicação da pesquisa. É nesta esfera que se definem
as orientações e normas das agências de fomento, associações de pesquisadores e
instituições de pesquisa que buscam evitar fraudes, tais como o plágio, o autoplágio,
a fabricação e/ou segmentação de dados, a autoria indevida, dentre outras.

Para Debenedito Silva (2017) o termo integridade científica se refere ao


respeito às normas éticas nas publicações científicas para evitar a divulgação de
desvios de condutas científicas, de etapas ou da totalidade da pesquisa, por parte
do pesquisador. O tema é pouco discutido no meio acadêmico e na formação do
pesquisador, o que pode gerar a prática de condutas inadequadas na produção
científica por falta de reconhecimento das mesmas pelos pesquisadores.
(VASCONCELOS, 2014).
Para Morais e Baptista (2016, p. 85), “o fazer científico é uma das muitas
atividades humanas que se caracteriza por reuniões, associações e publicações que
permitem que um conhecimento específico seja compartilhado por um número maior
de indivíduos e comunicar os seus achados de maneira clara, objetiva, imparcial e
honesta aos outros indivíduos com interesses semelhantes”. A publicação assegura
a originalidade, o escrutínio público, a reprodutibilidade dos dados e experimentos e
a disseminação para os pares e grande público, além do fato de que o conhecimento

24
científico para ser reconhecido e possa subsidiar outras investigações, necessita
circular.

Os artigos científicos publicados em periódicos científicos indexados


constituem o principal caminho para a divulgação, pelos pesquisadores, dos
resultados de estudos e da comunidade científica tomar conhecimento dos
resultados gerados por uma pesquisa (CASTRO, 2005). O reconhecimento do
trabalho pelos pares é essencial para a construção da carreira científica, o que
requer a divulgação adequada dos resultados das pesquisas realizadas.

Neste contexto, surgiram as conferências World Conference on Reseasch


Integrity, realizadas desde 2007, tem como objetivo sensibilizar cientistas e editores
para a necessidade de promover a conduta responsável na Ciência e enfatizam a
correção na publicação da literatura científica e a importância da credibilidade da
Ciência junto à Sociedade, usando a promoção da cultura da integridade na
pesquisa e os mecanismos de correção na literatura científica. Para Souza (2016,
p.182), “pesquisadores, institutos de pesquisa, universidades, entidades/agências de
financiamento devem estar comprometidos a observar e promover os princípios da
integridade científica deve estar alinhada aos princípios da honestidade, confiança,
objetividade, imparcialidade e independência, comunicação aberta, dever de
cuidado, equidade e responsabilidade para as futuras gerações da ciência”.

A integridade na pesquisa ganhou complexidade em virtude das TDIC e da


intensificação das práticas de pesquisa. O avanço de tecnologias trouxe inúmeras
facilidades para o acesso e a manipulação de informações, o que pode proporcionar
más condutas e também o surgimento e o aprimoramento dos softwares de
detecção de plágio que oferecem novas ferramentas para o combate à fraude
científica.

A integridade na pesquisa foca principalmente a escrita e a divulgação dos


resultados da pesquisa, buscando eliminar plágios e desenvolver a responsabilidade
da comunicação científica, a correção ética das publicações científicas. Para isso,
vem sendo divulgados por agencias de pesquisa e documentos norteadores da
integridade na pesquisa, com a definição de Padrões Éticos e de Práticas a serem

25
seguidas por autores e editores, enfocando a qualidade da produção científica,
visando a correção dos erros da literatura. (PHITAN e OLIVEIRA, 2016)
Documentos nacionais e internacionais regulam a integridade na pesquisas
internacionais trazem posicionamentos de instituições de fomento e sociedades de
pesquisa que propõem ações preventivas e pedagógicas relacionadas à cultura da
integridade na pesquisa. Indicam as condutas inadequadas e traçam diretrizes para
práticas com integridade científica. Preveem o respeito às normas éticas de
publicação científica com o objetivo de evitar fraudes, tais como a falsificação ou
fabricação de dados, a duplicidade na publicação e plágio. (PHITAN e OLIVEIRA,
2016). Segundo La Fare et al (2014, p. 253) “fazem parte, dessas diretrizes, critérios
para a coautoria, citação de referências desnecessárias ao texto (escutam-se boatos
de que algumas revistas privilegiam artigos que tenham citado suas publicações,
como forma de aumentar seu fator de impacto), o cuidado com fontes primárias e
secundárias, publicação redundante e segmentada etc”.

Os principais documentos que tratam das práticas científicas e editoriais das


publicações dos resultados das pesquisas são: Código de Ética da Associação
Australiana de Pesquisa Educacional (AARE, 1993); Código de Ética da Associação
Americana de Pesquisa Educacional (AERA, 2011); Código de Ética da Associação
Americana de Antropologia (AAA, 1998); Code of Ethics Ethical Guidelines for
Educational Research – British Educational Research Association (BERA, 2011);
Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq (CNPq, 2011); Code of
Ethics of Deutsche Gesellschaft für Erziehungswissenschaft (DGFE, 1999);
Fostering Integrity in Reasearch (THE National Academy Press, 2017); The
European Code of Conduct for Research Integrity.(European Science Foundation,
2017); Scottish Educational Research Association Ethical Guidelines for Educational
Research – (SERA, 2005); Orientações Éticas da Commission for Research Integrity
da Austrian Agency for Scientific Interity (ÖeAWI, 2006); Código de Boas Práticas
Científicas da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP,
2011); Commits on Publication Ethics. Code of Conduct (COPE, 1994); Declaração
Conjunta sobre Integridade Científica do II Encontro Brasileiro Integridade em
Pesquisa, ética na Ciência em Publicações (BRISPE, 2012); Diretrizes Básicas para
a Ética na Comunicação Científica (CNPq, 2011); Critérios, políticas e

26
procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos científicos – Educa -
Fundação Carlos Chagas (FCC, 2015); National Scientific Foundation. Semiannual
Report of the Congress (NSF, 1992); Documentation for Non-Medical Research
Ethics Board Researcgers – full board and Delegated Board Review (CANADA
OFFICE OF Research Ethics, 2013); Guidelines for Research Ethics in the Social
Sciences, law and the Humanities (NESH, 2006); Guia de Recomendações de
Políticas Responsáveis da Academia Brasileira de Ciências (ABC, 2013).

A publicação dos resultados de pesquisas é um dos principais indicadores


usados para medir a produtividade dos cientistas. Os critérios de qualidade de uma
pesquisa são: produção de conhecimento relevante; procedimento de investigação
rigoroso; comunicação/discussão dos resultados; introdução de uma dimensão de
crítica; reflexão sobre as fontes, métodos e modos de trabalho; sistematização de
coleta de dados; presença de interpretações com base em teorias reconhecidas e
atuais contribuindo para a elaboração de uma problemática.

A fase da textualização e publicação dos resultados de uma pesquisa envolve


a composição do estudo científico, o atendimento aos critérios de originalidade e
inovações trazidas pelo estudo. É a fase de comunicação e divulgação que tornará o
estudo público e será conhecido pelos outros pesquisadores, necessária porque
todo conhecimento da Ciência só tem validade quando publicado.

A revisão de um trabalho científico não termina em sua publicação. Um artigo


científico ao ser publicado passa pelo crivo da comunidade científica especialista em
determinada área, que é mais eficaz na identificação de erros ou de má conduta
científica do que os revisores vinculados a um dado periódico. Como consequência,
muitos artigos são retratados somente nesse período pós-publicação. (LINS, 2014).

A publicação em periódicos científicos outorga prestigio e reputação a seus


autores e é uma ferramenta indispensável na avaliação universitária. É importante
verificar a qualidade e confiabilidade do conhecimento produzido, considerando a
aderência aos critérios de integridade e ás boas práticas científicas. (FERNANDES
et al, 2011).

Associação Brasileira de Editores Científicos e o Commitee on Publication


Ethic (COPE, 2017) alertam para a necessidade de políticas definidas para que o

27
periódico científico exerça seu papel de orientar a comunidade científica sobre boas
práticas editoriais e prevenir más condutas no processo de publicação, tais como
casos de plágio, fraude,, falsificação de dados, duplicidade e segmentação de
resultados, autoria indevida, conflitos de interesses, etc.
O rigor da avaliação dos artigos busca assegurar que os periódicos publiquem
estudos de qualidade, que sejam lidos e usados em outros trabalhos, elevando o
fator de impacto da publicação, o número de citações que os artigos de um periódico
recebe em um determinado período. Editores assumem posição privilegiada no
processo de promoção de práticas adequadas de publicação, evitando a publicação
dos dados que podem, quando plagiados, falsificados ou fabricados, causar sérios
danos à sociedade. (BOSCH et al, 2012).
Alguns mecanismos para manter a integridade da construção coletiva da
Ciência como patrimônio coletivo é a retratação, o cancelamento e a manifestação
de preocupação com artigos científicos, geralmente aplicados pelos editores de
periódicos em situações de condutas inadequadas, como: manipulação de imagens,
não submissão da pesquisa ao Comitê de Ética, Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) ignorados no estudo, fabricação e falsificação de dados
(manipulação intencional de equipamentos, processos e materiais), utilização dos
mesmos dados para gerar diversos trabalhos, omissão de dados ou resultados “não
interessantes”, plágio de dados, ideias ou textos, atribuição indevida de autoria,
ocultação de conflitos de interesse, publicação do mesmo artigo em periódicos
diferentes.

O cancelamento de artigos e a consequente despublicação (WATANABE,


2014) ocorre quando um periódico publica nota informando que um dado artigo já
publicado não vale e não deve ser referenciado. Isso pode ocorrer no caso de
fraude, suspeita de fraude, erro, plágio, resultados duplicados ou no caso de quebra
de procedimentos éticos, ou mesmo, de ações ilegais como a fabricação e
falsificação de dados. A despublicação de um artigo significa sua exclusão do corpus
do conhecimento científico certificado e é um recursos usado para corrigir a literatura
científica e para evitar a disponibilização de dados comprometidos junto aos grupos
científicos.

28
A manifestação de preocupação sobre um artigo científico é um recursos que
pode ser utilizado pelo editor para registrar que há dúvidas sobre um artigo
publicado em um periódico, mas ainda não há evidências conclusivas suficientes
para uma retratação ou outra medida a tomar. Deve ser utilizada sempre que há
aspectos em dúvida na conduta ou integridade do trabalho. (LINS, 2014).

A republicação de artigos por um mesmo grupo de pesquisadores pode ser


facilmente detectada. É denominado autoplágio e essa situação de replicação, tem
sido constatado em número crescente. Muitas vezes os artigos são publicados em
línguas diferentes, dificultando a sua identificação.
Os problemas de conduta científica expõem fragilidades de todo um sistema.
A definição de padrões éticos é fundamental para o desenvolvimento científico frente
ao viés para resultados positivos, desencadeando dados fraudulentos, a fabricação
e manipulação de dados, a publicação duplicada, a autoria honorária, o uso de
citações indevidas e ao uso não ético dos dados, dentre outras. Um dos principais
problemas é o risco de produção de análises enviesadas, porque muitos programas
de computador “aprendem” com os dados processados. Os softwares são
desenvolvidos para indicar padrões ao longo do tempo e incorporá-los à sua
capacidade de análise.

O Plágio na Pesquisa

O advento das TDIC proporciona acesso irrestrito à muitos bancos de dados,


oficiais e privados, publicações científicas online, informações diversas e noticias em
tempo real. Para Feijó e Crippa (2016, p.41), o plágio é facilitado pelo uso das TDIC
ensejando uma maior utilização de trabalhos alheios sem que ocorra o devido
crédito. É a cópia literal, parcial ou integral, do conteúdo escrito por outras pessoas e
a apropriação indevida das ideias de outrem, sem referir a fonte verdadeira da busca
nem dar o crédito correto do autor. Com a praticidade de copiar e colar textos pelo
computador, muitos usuários formatam seus trabalhos e monografias, apropriando-
se de obras de outros autores, sem os créditos devidos, cometendo graves ilícitos
até intitulando-se, falsamente, criadores de obras criadas por terceiros.

29
O plágio se caracteriza com a apropriação ou expropriação de direitos
intelectuais. O termo “plágio” vem do latim pagiarius, um abdutor de plagiare ou seja,
“roubar”. Uma das práticas desonestas ou fraudes na Ciência mais presentes é o
plágio, que é a cópia do trabalho de outra pessoa - violações da propriedade
intelectual de outros cientistas, além do autoplágio, variação do plágio, definido
como a postura que “consiste na apresentação total ou parcial de textos já
publicados pelo mesmo autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores”
(CNPq, 2011, p. 3).

Segundo Pinto (2000), o plágio é o ato pelo qual um individuo faz crer aos
outros, mesmo que por omissão, que um determinado trabalho intelectual é de sua
autoria, assinando-o com seu nome, sem declarar explicitamente que porção ou
porções são pertencentes a determinado autor, por meio de uma referencia,
quando, na verdade, é copia de algum outro anterior. Para a Fapesp (2011), o plágio
é a utilização de ideias ou formulações verbais, orais ou escritas, de outrem sem
dar-lhe por elas, expressa e claramente, o devido crédito, de modo a gerar
razoavelmente a percepção de que sejam ideias ou formulações de autoria própria.

A prática de plágio “vem se tornando um grande desafio para as instituições


devido a extraordinária evolução dos mecanismos de busca de informação via web,
o que tem propiciado grande facilitação para se copiarem conteúdo” (SANCHEZ e
INNARELLI, 2012, p. 47). O plágio acadêmico (PITHAN e VIDAL, 2013) é a cópia
total ou parcial de trabalhos acadêmicos por parte dos estudantes e professores.
Este tipo de plágio tem sido objeto de crescentes preocupações no meio acadêmico
brasileiro. Agências de fomento da pesquisa cientifica, como o CNPq, a CAPES e a
FINEP, tem emitido documentos para orientar que as IES tomem medidas
preventivas e punitivas em casos de fraude – dentre as quais se inclui o plágio.

A Capes (2011) emitiu documento no qual se pronunciou sobre o plágio,


recomendando as IES que adotem políticas de conscientização e informação sobre
a propriedade intelectual, adotando procedimentos específicos que visem coibir a
prática do plágio quando da redação de teses, monografias, artigos e outros textos
por parte de alunos e outros membros de sua comunidade.

30
Quando um autoplágio é detectado num manuscrito submetido à publicação,
os editores podem solicitar que o autor reescreva trechos repetidos, se a reciclagem
for considerada insignificante ou justificada. Se o reuso for extenso e sugerir que a
contribuição do artigo não é nova, o caminho será a rejeição do manuscrito,
comunicando ao autor as razões da medida. Se o problema for encontrado em
artigos já publicados, os editores devem considerar a possibilidade de publicar uma
correção ou de fazer a retratação do artigo. Quando a cópia for extensa,
comprometer a originalidade do artigo e/ou infringir direitos autorais será necessário
a retratação.

A retratação é uma declaração pública para corrigir ou cancelar uma


informação anteriormente que estava incorreta por motivos de erros ou
irregularidades. A retratação de artigos científicos (retracted) é um dos mais graves
problemas da divulgação científica (FANG et al, 2012). É um instrumento público
para registrar e/ou corrigir problemas de um artigo publicado ou comunicar o seu
cancelamento. Quando uma inconsistência grave é apontada em um artigo, o editor
do periódico que publicou o texto “marca” o artigo de alguma maneira, que pode ser
com uma tarjeta preta, uma menção no site do periódico ou em um dos fascículos
posteriores à publicação do artigo com erros. Um artigo é retratado quando os
pesquisadores ou editores constatam uma inadequação ética ou metodológica, que
pode gerar questionamentos sobre a validade dos conhecimentos gerados.
(GOLDIM, 2013). A retratação é a “retirada do artigo”, a desqualificação do estudo e
invalida os resultados da publicação. Quem tentar acessar os trabalhos é informado
do cancelamento do mesmo. Os artigos nessa situação são chamados de recolhidos
ou corrigidos. Os erros podem ser de diversas origens: plágio, dados inconsistentes
ou fraudulentos, duplicações de dados e outros tipos de vieses que desqualificam os
trabalhos científicos.

Algumas situações em que um artigo científico publicado deve ser cancelado


ou “retratado”: se a contribuição não é original ou se há fraude ou falsificação de
dados, como erro de dados ou cálculos, plágio, duplicação de publicação. A
responsabilidade sobre a veracidade dos resultados de um artigo científico não se
limita ao pesquisador/autor, mas também aos editores, às instituições em que a
pesquisa foi realizada e às agências de fomento que financiam a pesquisa.

31
Uma das soluções encontradas para o combate ao plagio é a utilização das
TDIC através do uso de softwares para detecção de plágio, como Anti-Plagiarism,
AntiPlagiarist – ACNP Software, Aprobo, Canexus, CheckForPlagiarism.net,
Compilatio, CopioNic, Copy Spider, Copycatch, Crosscheck, Déjà Vu, DOC Cop,
Document Source Analysis (DSA), DupliChecker, Ephorus, Essay Have, Etblast,
EVE-2, Farejador de Plágio, Ferret, Glatt Self-Detection Test, Integriguard,
iThenticate, Jplag, MOSS, PaperRater, Plag Tracker, Plag.es, PlagAware, Plagiarism
Advice, Plagiarism Checker, Plagiarism Detect, Plagiarism Detection, Plagiarism
Finder, Plagiarism Software, Plagiarism Stoppers, Plagiarism.org,
Plagiarism.org.plagiarism, Plagiarisma Online, Plagiarism-Detect, Plagiserve.com,
Plagium, Plagius, PlagScan, Quetex.com, Safe Assign, Salid Seo Tools, Search
Engine Reports, SeeSources, Small Seo Tools, TBLAST, Turnitin, Urkund, Viper,
WCopyfind, Wordcheck. Yap.

Os softwares de detecção de plágios comparam documentos, buscam


similaridades na internet e em bancos de dados, realizam a leitura eletrônica dos
textos apresentados, analisam a estilometria do texto, fazem o rastreamento
comparativo em vários sites de busca na internet e em bases de dados, verificando
se foi copiada uma frase ou um parágrafo, por exemplo. Informam o percentual de
similaridade e disponibilizando um relatório para a análise dos resultados que
informa as possíveis fontes do plágio. (TORRES e ALVES, 2017; COMAS et al,
2014).

Esses softwares de detecção de plágio são apenas sinalizadores de


possibilidades de plágios envolvendo transcrição total ou parcial de um texto,
necessitando de aprimoramento para uma detecção mais ampliada e confiável com
relação às demais tipologias de plágio e as “estratégias criativas” utilizadas pelos
plagiadores.

Considerações Finais

Nos tempos atuais, a verdade está sendo relativizada e enfraquecida pelo


poder das TDIC, através do uso das redes sociais. A pós-verdade ganhou escala
global na revolução tecnológica que transforma todos os aspectos da vida dos

32
indivíduos atingindo também os processos e produtos da pesquisa, como a literatura
científica.

No início as TDIC incentivaram os indivíduos a conversar com outros de


diferentes culturas, origens e opiniões, incentivam o pluralismo e a compreensão,
mas proporcionou também meios para os indivíduos formarem grupos que reforçam
seus preconceitos. Os algoritmos das redes sociais foram projetadas para isso e a
verdade se perde e ocorre a polarização,

Notícias falsas, artigos forjados, distribuição de conteúdos inexatos ou


manipulados, destinados a despertar entendimentos errados, viés ideológicos,
amplificação deliberada de informações tendenciosas e até a criar provas para fatos
inverídicos podem contaminar a literatura científica, o que leva a preocupação atual
com a integridade na pesquisa, abordada neste capítulo e os mecanismos de
diminuição destas fragilidades, além o combate ao plágio acadêmico, cenário no
qual as TDIC oferecem softwares para detecção de copias de materiais de outros
autores.

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37
38
A escola para todos e as condições de aprendizagem:
políticas e práticas
Ana Maria Lombardi Daibem

Reflexões iniciais

Inicio o tema proposto partilhando algumas concepções que foram aprendidas


e assumidas ao longo de uma trajetória de vida que já completa meio século no
campo da educação.
Parto do princípio que: Dialogar compreende a intenção de articular a
dimensão individual que nos distingue um a um, `a dimensão sócio-histórica que nos
envolve, sem perder de vista as determinações e contradições que a vida nos
proporciona.

39
Neste VI Congresso Brasileiro de Educação que destaca em seu eixo
temático a “Formação Humana”, peço-lhes licença para deixar registrada a seguinte
reflexão: a opção pela educação não constitui apenas uma escolha de ordem
profissional de preparação para a subsistência no mundo do trabalho, mas consiste
numa opção de vida a serviço de uma causa, ou seja, das razões que dão sentido a
existência. Nessa perspectiva recordamos CAMUS quando vemos “(...) muitas
pessoas morrerem porque julgam que a vida não é digna de ser vivida (...) outras,
paradoxalmente sendo mortas por ideias ou ilusões que lhe dão uma razão para
viver – razões para viver são excelentes razões para morrer. Concluo, portanto que
o sentido da vida é a mais urgente das questões”. ( in ALVES, 1984, p.20)
Segundo Nilson Machado: “Cada projeto de vida tende a caracterizar-se como
a realização de uma vocação, de um apelo, de um chamamento vindo, a um tempo,
de dentro e de fora, representando o mais harmonioso encontro entre as aspirações
individuais e os interesses coletivos.” (2001, p.27)
Articular interesses individuais e interesses coletivos requer muito bom senso
de todos nós, que poderá nos conduzir ao consenso que se constrói a partir dos
dissensos com muito diálogo, fruto da inquietação daqueles que buscam
incansavelmente, a verdade com honestidade e coragem.
Nessas reflexões iniciais lhes trago Juan Carlos Tedesco (2004) que em sua
obra “ O novo pacto educativo” trata da ‘Ausência de sentido” afirmando que a
socialização atual está enfraquecida com a perda de ideais, a ausência de utopia, a
falta de sentido, a perda de finalidades, que faz desaparecer a promessa social ou
política de um futuro melhor. Ficamos reféns de condutas de curto prazo com temas
tais como por exemplo: mercado financeiro... desempenho empresarial...
competitividade...
Nesse contexto nós educadores corremos o risco de atuar sem pontos de
referencia, quando clássicas e indispensáveis perguntas ficam sem respostas tais
como: Por quê? Para quê? Para onde?
Para a educação esse quadro é dramático! Além da ausência de sentido “A
transmissão é considerada conservadora e a transformação destruidora.”
(TEDESCO, 2004, p.43).

40
Falta identidade e esta urge ser reconstruída. O imobilismo é fortalecido, a
competitividade é estimulada, ao invés de avançarmos para superar a exclusão com
uma mensagem socializadora na qual cada um encontre seu lugar.

A escola para todos e as condições de aprendizagem

Na opção pela escola pública reside a essência da escola para todos, desde
que trabalhada pelo educador progressista a ela compromissado. Sua atuação deve
“(...) favorecer de modo planejado, racional, a emergência do sentido da vida através
do trabalho material ou não material. O trabalho aliado ao conhecimento e á
solidariedade ainda é a base da boa pedagogia.” (VALE, 2002, p.27)
Segundo Misael Ferreira do Vale, a escola pública: “Combatida por muitos,
criticada por professores, alunos e pais, vilipendiada pelos ‘privatistas’ de plantão
que se aproveitam do descaso generalizado do poder público em relação ao ensino
público, mal administrada por profissionais sem compromisso com a educação
básica e superior, considerada ‘terra de ninguém’, a escola pública, da Educação
Infantil `a Universidade, resiste `as ações de forças poderosas que, articuladas aos
grupos hegemônicos internacionais, querem impor modelos externos `a opção
histórica brasileira de escola mantida pelo poder público Municipal, Estadual e
Federal.” (VALE, 2002, p.21)
Segundo Tedesco:

Nenhum sistema baseado na exclusão e no autoritarismo pode ser


sustentável no longo prazo. (...) qualidade para todos constitui a
alternativa socialmente mais legítima. Essa exigência de
democratização no acesso ao domínio das competências
socialmente mais significativas têm, além de um fundamento ético,
um evidente fundamento sócio-político. (2004, p.57)

Vale lembrar que competência e competitividade têm origem comum no verbo


competir que originariamente significava “buscar junto com, esforçar-se junto com,
ou pedir junto com”. No latim tardio passou a significar “ disputar junto com “,
agregando o sentido de exclusão.

A missão fundamental da educação é ajudar cada indivíduo a


desenvolver todo seu potencial e a tornar-se um ser humano

41
completo e não um instrumento para a economia. A aquisição de
conhecimentos e competências deve ser acompanhada da educação
do caráter, da abertura cultural e do despertar da responsabilidade
social. (TEDESCO, 2004, p.51)

Portanto a formação para o trabalho e a formação para a cidadania requerem


ações comuns.
Vale lembrar, também, para melhor compreendermos as circunstâncias em
que sobrevive a escola pública, que muito se cobra sua competência, porém sem
proporcionar por exemplo, condições adequadas de trabalho aos educadores, maior
quantidade de verba pública, preparo adequado de professores, igualdade de
acesso ao conhecimento historicamente elaborado.
José Misael Ferreira do Vale (2002) destaca a importância do Conselho de
Escola , do trabalho do professor no interior da sala de aula, que requer domínio dos
conteúdos de ensino e tino pedagógico para optar por métodos de ensino que
favoreçam a apropriação do conhecimento e da cultura letrada pelos alunos, classes
menos numerosas, período integral de trabalho do professor em uma única escola,
tempo destinado ao aperfeiçoamento docente, revitalização do HTPC.
Segundo Antonio Francisco Marques:

A articulação teoria-prática imbrica-se com a discussão coletiva, na


medida em que realça a necessidade do conhecimento
sistematizado, assim como aponta para as riquezas das práticas.
Sobretudo a reflexão sobre os afazeres. É o confronto entre o
instituído e o instituinte que revigora posturas, altera
posicionamentos, possibilitando que os envolvidos no contexto
educacional participem, de forma crítica e consistente das práticas
educacionais, criando juntos, novas formas de atuação. (MARQUES,
2002, p.43-44).

O autor destaca ainda a importância do trabalho em grupo no interior da


escola, a participação dos alunos no Conselho de Classe para serem ouvidos nas
avaliações de suas aprendizagens, assim como na avaliação da prática docente do
professor.
Oxalá sejam também nossas e se tornem vida as considerações de Alba
Maria Ferreira Rossi:

42
Como trabalhar a Educação e as competências na Escola Pública se
as atuais políticas educacionais e governamentais só enxergam o
espaço escolar como atividade pedagógica? Embora o
desenvolvimento das competências seja aspecto bastante importante
na formação dos educadores, esta visão não pode ser exclusiva. A
escola também é cidadela política. Creio que o nosso maior desafio
atual como educadores seja inverter o foco de atenção do ensino por
competências para centrarmos as luzes sobre a finalidade da vida e
do ser humano no planeta. As competências seriam meios de
realizarmos nosso projeto de cidadania nacional e global. Talvez
assim pudéssemos participar de uma humanidade mais civilizada,
pois, o que nos adiantará a competência em um mundo destruído
pela ambição de poucos? (ROSSI, 2002, p.123).

Talvez já conheçam o que passo a relatar, mas como costuma afirmar nossa
inesquecível companheira de departamento Professora Maria da Glória Minguili, se
não conhecem precisam saber e se já sabem é preciso recordar para não esquecer
jamais. Trata-se de trecho de um discurso proferido por Antônio Carlos Caruso
Ronca em 1997, à época reitor da PUC/SP. Este reproduz mensagem encontrada
após a segunda guerra mundial, num campo de concentração nazista, deixada aos
professores por autor desconhecido: “Prezado Professor: Sou sobrevivente de um
campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.
Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por
médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e
bebês fuzilados e queimados, por graduados de colégios e universidades. Assim,
tenho minhas suspeitas sobre Educação. Meu pedido é: ajudem seus alunos a
tornarem-se mais humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros
treinados ou psicopatas hábeis. Ler , escrever e saber aritmética só são importantes
se fizerem nossas crianças mais humanas”.
Sobre a questão da humanização CHAVES (In: PINHO, 2008, p.52) assim
conceitua:

[...] educar o homem significa humaniza-lo, isto é, tornar o homem


cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação
para intervir nela, transformando-a no sentido de ampliação da
liberdade, comunicação e colaboração entre os homens.

Considerando as reflexões apresentadas, o caminho para a construção da


escola pública de qualidade para todos, deve ser retomada com o compromisso da

43
luta democrática por uma sociedade que queremos “(...) economicamente justa,
politicamente democrática, culturalmente plural e socialmente fraterna, condições
básicas para o re-encontro do ser humano com sua humanidade”. (DAIBEM, 1997,
p.14-15)

Políticas e Práticas

Considerando que nos dois itens aqui anteriormente abordados buscamos


partilhar propostas fundamentadas em princípios e valores que acreditamos
indispensáveis para uma educação pública de qualidade, apresento a seguir
algumas experiências vivenciadas no cotidiano desse meio século dedicado a
educação. Estas existiram porque buscamos construí-las coletivamente, com clareza
de suas finalidades, a partir das condições existentes, ora plenamente sustentadas
por políticas públicas compromissadas com uma concepção democrática de
sociedade e educação, ora transitando sofridamente na contra mão de tendências
elitistas, conservadoras, mas que nos preencheu de uma alegria imensa pela
oportunidade de estar interferindo de forma consequente na história da educação.
As ações que ora passo a relatar indicam possibilidades sonhadas e realizadas
tendo em vista garantir condições de aprendizagem.
Em se tratando de formação inicial cito a Formação de professores neste
campus da UNESP de Bauru em Curso de Pedagogia, a partir do ano de 2002,
norteado por um Projeto Político Pedagógico cuja matriz curricular era articulada do
primeiro semestre de curso até o último pelo eixo denominado Prática Pedagógica.
Esta proposta de formação articulava teoria e prática desde a primeira semana de
aula, cuja primeira atividade dos alunos era conhecer o PPP do curso e desenvolver-
se progressivamente a partir do estágio de observação, para as atividades de
participação na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, planejando,
executando e avaliando práticas pedagógicas em programas de no mínimo 30hs
aulas ministradas para alunos e ou professores dos citados níveis de ensino no
ultimo ano do curso. Os projetos realizados ao final do curso articulavam ensino,
pesquisa e extensão enquanto metodologia de construção do conhecimento e
formação de educadores, com vistas a formulação de alternativas para superação

44
da diversidade de problemas que comprometem o bom desempenho das escolas
públicas.
Dentre os programas de formação contínua de professores da educação
básica cito o denominado PEC – Programa de Educação Continuada que se realizou
em convenio com a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo nos
anos 1996/7 e 8 para professores da educação básica de escolas públicas. Destaco
nesse caso a participação de professores universitários e pós-graduandos das mais
diversas áreas de conhecimento, interagindo com o coletivo das escolas públicas
por meio da metodologia ação-reflexão-ação, vivenciando os cinco passos da
pedagogia histórico crítica. Com plena liberdade optamos por concepção e
metodologia de ensino que entendemos compromissada com a escola pública de
qualidade para todos.

Ações à frente da Secretaria Municipal de Educação de Bauru também nos


proporcionou investir em prol de uma escola pública de qualidade desenvolvendo:
Formação contínua de professores e equipe técnico –administrativa,
planejada curso por curso por professores da própria rede municipal que junto aos
professores convidados buscavam responder `as demandas requeridas pelas
escolas reais; promovendo incontáveis oportunidades de participação dos servidores
públicos em eventos científicos, em programas de pós-graduação. Não foi fácil
enfrentar a pressão de empresas privadas que queriam vender pacotes formadores
pré-fabricados para o poder público; enfrentar imprensa, Câmara Municipal, Tribunal
de Contas, Ministério Público, aos quais nada ficamos devendo e mantivemos a
honra pessoal, profissional e de compromisso com políticas públicas em prol da
dignidade humana. Sim, incomodamos muito aqueles que tinham o interesse de
perpetuar práticas de desserviço ao bem comum.
Re-elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos de todas as escolas de
educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos, com
assessoria da universidade pública, respeitando as opções teóricas quando
devidamente fundamentadas.

45
Construção de 10 polos de educação de jovens e adultos que passaram a
oferecer ambiente apropriado e digno para aqueles cuja educação foi negada na
infância e juventude.
Assessoria especializada para formação contínua em educação especial e
implantação de 27 salas de recurso para atender alunos especiais de todas as
modalidades de ensino; recuperando para atuar na rede pública municipal em torno
de 70 professores concursados em Educação Especial , mantidos pelo poder público
e que a 30 anos atuavam em instituições filantrópicas conveniadas, ou seja, não
prestavam serviços na rede pública.
Implantação de polos de informática em 16 escolas de ensino fundamental,
no Departamento de Educação de Jovens e Adultos, assim como no Napem (Núcleo
de Aperfeiçoamento da Educação Municipal – espaço criado `a época para
concentrar as ações de formação) com formação contínua e monitoria especializada
a serviço dos professores e alunos.
Sofremos muito com a falta de recursos para a educação infantil nos tempos
do FUNDEF, mas quando faltavam 1 ano e oito meses para concluir nossa
administração, passamos a receber o FUNDEB que nos permitiu primeiramente
ampliar o padrão salarial de todos os professores da rede municipal assim como
iniciar um amplo programa de construções e reformas das escolas de educação
infantil.
As ações apresentadas são alguns exemplos de políticas públicas que
visaram a escola de qualidade para todos, com a certeza de que muitas outras
pessoas aqui poderiam vir relatar muito mais.
O importante é deixar dito que é possível fazer acontecer projetos sonhados,
quando temos um coletivo compromissado com finalidades e valores, consciente
das condições existentes e das que precisam ser geradas.
Cabe lembrar segundo Misael Ferreira do Vale que projeto significa “(...)
capacidade humana de não aceitar a realidade como determinada e imutável, em
contrapartida, estabelecer alvos e metas que transformem o contexto numa
realidade mais adequada aos fins e desejos humanos”.(VALE, 1995,p.3)

Considerações Finais

46
Segundo Leonardo Boff:

Sabemos que as sociedades civilizadas se constroem sobre três


pilastras fundamentais: a participação (cidadania), a cooperação
societária e o respeito aos direitos humanos. Juntos criam o bem
comum (...) Em seu lugar, entraram as noções de rentabilidade, de
flexibilização, de adaptação e de competitividade. ( 2015, p.4)

Imperioso é...

Associamo-nos àqueles que acenam com a possibilidade de uma


contra-educação, cuja consciência crítica se desenvolve no seio da
sociedade capitalista através do exercício da análise crítica da
realidade, pelo estímulo à produção científica, pela adesão ao
diálogo e pelo incentivo à contradição, com vistas à conquista de
uma unidade qualitativamente superior. (DAIBEM,1997,p.16)

Conforme Coelho (1996) é preciso termos a ousadia de inventar, de produzir


nosso próprio caminho. A conquista da liberdade é um desafio `a reflexão e `a
prática de sujeitos históricos concretos.
Chiara Lubich (2004) assim se pronunciou: Hoje os meios de comunicação
globalizam o medo, mas poderiam globalizar a esperança! Precisamos ter a
coragem de inventar a paz.
Concluo evocando dizeres que nos trazem a esperança:

O primado da práxis, a reflexão crítica, a utopia enquanto inspiração


de todas as possibilidades são elementos fundamentais que
permitem organizar e viabilizar, operacionalmente, a esperança.
(DAIBEM, 1991, p. 5)

Paulo Freire em entrevista a Rede Vida em 1997 afirmou: “Não há


intervenção sem a esperança”.

A esperança é a virtude do árduo, mas possível, aquela que convida


, sim, a nunca baixar os braços, mas não de um modo simplesmente
voluntário e sim encontrando a melhor forma de mantê-los em
atividade, de fazer com isso algo real e concreto. Uma virtude que
em dados momentos nos leva a avançar, a guiar e desfazer a
tendência `a falta de ação, `a resignação e `a queda. Mas que, em
outras ocasiões, nos convida a nos calarmos e a sofrer, alimentando

47
nosso interior com os desejos, ideais e recursos que nos permitam,
quando chegar o momento propício – o kairós – apresentar
realidades mais humanas, mais justas e fraternas. (BERGOGLIO,
2013, p.147).

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48
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49
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, TRANSVERSALIDADE E PROJETOS

Ana Maria Klein1

Na última década a Educação em Direitos Humanos (EDH) ganha destaque e


espaço nos meios educacionais. Em 2003 o Brasil formula e divulga o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos, PNEDH (BRASIL, 2003/2006),
assumindo o compromisso de desenvolver este tipo de educação. Em 2012 mais um
passo importantíssimo foi dado com a criação das Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012), tornando-a obrigatória da
Educação Infantil à Pós-graduação.

1
Professora do Departamento de Educação da UNESP/São Jose do Rio Preto. Docente do Programa de Pós-
graduação em Ensino e Processos Formativos. Consultora UNESCO em Educação em Direitos Humanos foi
membro da Comissão Relatora que elaborou as Diretrizes Nacionais para EDH.

50
Mas de que tipo de educação falamos? A EDH tal qual proposta pelo PNEDH
e ratificada pelas Diretrizes é um processo multidimensional que visa a formação de
seres humanos críticos, cidadãos conscientes de seu papel, abertos à convivência e
à valorização das diversidades humanas, aptos a enxergarem os direitos humanos
como modo de orientação da vida social e pessoal, comprometidos com o respeito,
com a promoção e com a luta por novos direitos. Trata-se de uma educação
comprometida com a emancipação das pessoas e com a construção de sujeitos de
direitos, portanto, almeja-se uma dimensão transformadora da sociedade, com
cidadãos capazes de enxergar no outro alguém tão humano quanto si próprio.
A formação desejada pressupõe muito mais do que conteúdos específicos, é
necessária a organização das atividades pedagógicas de modo a viabilizar a
reflexão, a possibilidade de escuta de diferentes visões de mundo, o despertar da
empatia pelo outro (com todas as suas diferenças). Neste sentido, há que se buscar
maneiras de organização dos conteúdos e metodologias que favoreçam a
participação ativa e reflexiva dos/das estudantes.
O presente capitulo tem por objetivo apresentar as principais orientações
relacionadas à EDH e propor a transversalidade e o trabalho com projetos como
estratégia coerente e viável para o desenvolvimento da EDH nas escolas.

Educação em Direitos Humanos: de que educação estamos falando?

Elegemos dois documentos nacionais destinados a orientar todas as esferas


educacionais do pais (federal, estadual e municipal) e as instituições que as
integram para definirmos e discutirmos a amplitude da EDH, são eles: Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos, PNEDH (BRASIL, 2006) e as
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, DNEDH (BRASIL,
2012).
O PNEDH define a EDH a partir da articulação de cinco dimensões:

A educação em direitos humanos é compreendida como um


processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do
sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões:
a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre
direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional,
nacional e local;

51
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a
cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente
em níveis cognitivo, social, ético e político;
d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de
construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos
contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e
instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos
direitos humanos, bem como da reparação das violações (BRASIL,
2006, p. 25).

Pela definição apresentada podemos compreender a EDH como um


processo, ou seja, não se resume a uma atividade, uma disciplina ou uma aula, ela
deve ser contínua. A multidimensionalidade enxerga o ser humano em sua
complexidade e nas suas diferentes dimensões (cognitiva, afetiva, social, biológica)
e ao mesmo tempo refere-se ao contexto da aprendizagem que não se limita à
transmissão de conteúdos uma vez que pressupõe a formação crítica pautada por
valores e que resultem em práticas cidadãs. Um dos caminhos para conseguir tal
formação são os processos metodológicos participativos e de construção coletiva
que visam à formação de uma consciência cidadã. Essa consciência orienta-se para
o fortalecimento de práticas individuais e sociais em favor da promoção, da proteção
e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das suas violações.
A resolução que regulamenta as DNEDH (BRASIL 2012, p. 1) diz em seu
artigo 3º:

A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a


educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se
nos seguintes princípios:
I - dignidade humana;
II - igualdade de direitos;
III - reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades;
IV - laicidade do Estado;
V - democracia na educação;
VI - transversalidade, vivência e globalidade; e VII - sustentabilidade
socioambiental.

E em seu artigo 7º especifica como pode se dar a inserção da EDH nos


currículos:

A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação em Direitos


Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da

52
Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas: I - pela
transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos
Humanos e tratados interdisciplinarmente; II - como um conteúdo
específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar;
III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e
disciplinaridade. (BRASIL, 2012, p.2).

Os fins visados pela EDH, expressos no artigo 3º da Resolução, requerem a


transcendência da mera transmissão de conteúdos e envolvem ações protagonistas
por parte dos estudantes, um processo ativo de construção e significação dos
conhecimentos construídos. São princípios que implicam em um modo de vida, um
modo de orientar as relações na escola e dentro da sala de aula. No artigo 5º da
Resolução:
A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo central a
formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano
dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social,
política, econômica e cultural nos níveis regionais, nacionais e
planetário. (BRASIL, 2012, p.2)

Quando nos referimos ao modo de realizar algo é imprescindível a reflexão


sobre as metodologias que serão utilizadas nos processos de ensino e
aprendizagem. Logo, não é qualquer metodologia de ensino que se adéqua ao
desenvolvimento da EDH, e esta é uma questão central à sua efetivação nas
instituições de educação.
Levar a EDH para dentro da sala de aula implica na compreensão e
interpretação da realidade. Para tanto, fazem-se necessárias capacidades cognitivas
(compreender os conteúdos e os conceitos relacionados aos temas trabalhados) e
capacidades afetivas e subjetivas (valorar e atribuir significado). O aprendizado em
Direitos Humanos conjuga a experiência dos indivíduos às ações coletivas. Neste
sentido, as orientações dos documentos nacionais são claras quanto às suas
dimensões: como a construção coletiva do conhecimento, o uso de metodologias
que atribuam papel central aos estudantes e que o trabalho transversal com as
temáticas referentes aos Direitos Humanos.

Interdisciplinaridade e transversalidade

53
Os conceitos de disciplinar, pluridisciplinar, transdisciplinar e interdisciplinar
dizem respeito ao conhecimento e a maneira como ele está organizado no currículo.
Não se trata apenas de uma organização de conteúdos, adotar uma ou outra
concepção implica na divisão do tempo escolar, na escolha metodológica, na
organização do espaço da escola e da sala de aula, nas atividades e avaliações que
serão propostas aos estudantes. Adotamos as definições propostas pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013, p. 28),
documento segundo o qual a pluridisciplinaridade estuda um objeto específico de
uma disciplina pelo ângulo de várias outras, mas seu foco está na disciplina
específica a qual o objeto se relaciona. A transdisciplinaridade ultrapassa os limites
da disciplina, busca a unidade do conhecimento, a articulação de diferentes
dimensões. A interdisciplinaridade pressupõe a articulação de duas ou mais
disciplinas, esta forma de organização curricular possibilita o trabalho com temas
transversais.
A transversalidade é uma forma de organização do trabalho pedagógico, ou
seja, não tem uma dimensão epistemológica como os conceitos que trazem em sua
nomenclatura o sufixo disciplinar. Por meio da transversalidade os temas são
integrados às disciplinas, perpassando por elas.
Yus (1998) discute a necessidade dos temas transversais nas sociedades
contemporâneas. Segundo o autor muitos destes temas surgiram de preocupações
governamentais que entenderam como uma exigência social que se levasse para a
educação ações destinadas a enfrentar problemas em determinadas áreas como
saúde, meio-ambiente, ética, dentre outras. Tais temas não surgiram
simultaneamente uma vez que se articulam com realidades específicas de uma
época ou de um local. No Brasil, os temas transversais chegam exatamente pelas
mãos do governo que por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais propõe o
trabalho com: pluralidade cultural, ética, meio ambiente, saúde, orientação sexual
(BRASIL, 1997). Estes não são os únicos temas transversais possíveis, estão
contextualizados em necessidades e problemáticas da década em que foram
lançados. Duas décadas depois, novos temas podem e devem ser acrescentados a
esta relação, dentre eles incluem-se os Direitos Humanos.

54
Ainda que os temas possam variar de sociedade para sociedade e que novos
temas passem a ser incorporados ao currículo, há características comuns a todos
eles. Segundo Yus (op. cit, p.39), todos os temas transversais:

1. têm componentes atitudinais;


2. envolvem valores e atitudes comprometidos com valores
socialmente desejáveis, como igualdade, solidariedade, justiça e
liberdade;
3. possibilitam que a visão sobre o fato estudado seja enriquecida
a partir de diferentes perspectivas;
4. têm processos didáticos semelhantes com alguns pontos que os
diferenciam.

Em relação aos enfoques educativos que se traduzem em práticas


educativas, os temas transversais visam (YUS, idem, p.39-40):

 promover visões interdisciplinares, globais e complexas que


buscam a compreensão de fenômenos dificilmente explicáveis
apenas pela visão parcial de uma disciplina
 romper com visões dominantes, etnocêntricas, androcêntricas,
trazendo diferentes perspectivas e olhares para o tema/problema
em questão;
 aulas cooperativas e participativas com envolvimento de
estudantes e professores críticos, intelectuais e criadores do
currículo;
 estabelecer conexão com elementos da vida cotidiana, provocar
empatia.

As características e objetivos da transversalidade trazem alguns desafios às


práticas escolares, tais como: trabalhar com as dimensões axiológica (valores) e
atitudinal (aplicar o que aprendeu na vida cotidiana); promover a discussão de um
mesmo problema sob diferentes perspectivas; utilizar os conhecimentos das
disciplinas em favor da compreensão e análise dos temas/problemas estudados;
promover a participação ativa e colaborativa dos estudantes.
Em relação à dimensão axiológica, trata-se de construir valores e práticas
capazes de transformar as atitudes de cada um dos envolvidos a partir do despertar
de uma consciência moral autônoma. É importante destacar que, em sociedades
plurais e multiculturais, temos realidades morais cada vez mais diversas. A mera
incorporação de valores tradicionais que são transmitidos de geração em geração
não são mais suficientes para convivermos socialmente diante das diversidades do

55
mundo atual. As novas circunstâncias nos obrigam a criar novos modos de vida e
isso implica autonomia moral e criatividade. A dimensão dos valores relacionados à
EDH pode nos ajudar a aprender a viver de forma dialógica, seguindo, às vezes, um
caminho já posto, e outras, utilizando uma bússola para encontrar o melhor caminho.
São princípios éticos essenciais para guiar as pessoas em contextos novos, em que
ainda não se estabeleceram ou consolidaram regras morais.
Outro desafio refere-se a uma das características centrais da
transversalidade, a relação que se estabelece entre aprender conhecimentos
teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real
(aprender na realidade e da realidade). Não se trata de criarmos novas disciplinas
escolares que se destinam apenas à transmissão de informações sobre determinado
tema, nem mesmo de realizarmos palestras para “esclarecer” a comunidade. Temas
transversais relacionam-se à vida cotidiana da comunidade, à vida das pessoas e
aos seus interesses.
A problematização da realidade é fundamental à EDH, pois os Direitos
Humanos não são abstrações ou apenas um conjunto de normas, eles tratam de
direitos que deveriam fazer parte da vida cotidiana de todos. Assim, olhar para o
mundo com a lente dos direitos humanos possibilita perceber sua violação,
reconhecer iniciativas voltadas à sua promoção e desenvolver ações criativas,
capazes de transformar a realidade.
A transversalidade, ao trazer a realidade como pauta de reflexão e mote para
a aprendizagem, pressupõe a articulação de diferentes conhecimentos. A
complexidade da vida e de suas questões nos impõem a necessidade de lançarmos
mão de diferentes conhecimentos e competências para compreendermos e
analisarmos tais temas. Por isso, os temas transversais devem aproximar a vida das
pessoas do currículo formal da escola, ou seja, eles constituem uma oportunidade
de desenvolvermos conteúdos de diferentes disciplinas a partir da discussão de um
tema relevante socialmente. Daí decorre a sua relação com a interdisciplinaridade.
Direitos Humanos necessitam da interdisciplinaridade para a sua análise,
compreensão e promoção. Assim, ao introduzi-los transversalmente nos currículos
escolares, a discussão sobre os Direitos Humanos nos impõe a necessidade de
lançar mão de diferentes conhecimentos e competências para compreendermos e

56
analisarmos tais temáticas. Conhecimentos relacionados à história, geografia,
sociologia, filosofia, ciências da natureza, artes, matemática, língua materna e outros
são necessários para compreendermos o sentido e a extensão da conquista
histórica dos direitos, para a dimensionarmos a amplitude e a complexidade de
princípios como dignidade, democracia, liberdade, igualdade e solidariedade. Sem a
articulação entre os conhecimentos historicamente construídos pela humanidade, os
Direitos Humanos podem ser reduzidos a uma lista de 30 artigos que integram a
Declaração universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), destituídos de história,
contexto e significado humano, social e pessoal.
A aprendizagem a partir de temas cotidianos, problematizados sob as lentes
dos Direitos Humanos, é capaz de dotar de sentido aquilo que os estudantes
aprendem. Tais temas nos confrontam com dilemas éticos, uma vez que
problematizam a realidade e possibilitam que, situações de violações de direitos,
talvez invisíveis até então, se tornem visíveis e passíveis de reflexão, discussão,
posicionamento e ação. Torna-se possível problematizar preconceitos,
discriminações, desigualdades, injustiças, enfim formas de desrespeito à dignidade
humana. Com isso, espera-se que os estudantes construam uma visão de mundo
crítica e cidadã e sejam capazes de compreender a realidade e, desejavelmente,
atuar no sentido de transformá-la.
Coloca-se, então, uma questão: como concretizar tais princípios e objetivos
nas salas de aulas?

O trabalho com projetos e os DH

Uma das respostas possíveis à indagação anterior é o uso de projetos como


metodologia capaz de problematizar a realidade a partir de temas transversais,
trabalhar interdisciplinarmente e viabilizar o papel ativo dos estudantes durante todo
o processo.
A palavra projeto em sua origem etimológica “deriva do latim projectus,
particípio passado de projícere, significando algo como um jato lançado para a
frente” (MACHADO, 2000, p.1). Para Machado (op.cit) há três características
fundamentais na definição de projeto: referência ao futuro, abertura para o novo e a

57
ação projetada. A primeira relaciona-se à antecipação de uma ação, à pretensão de
fazer algo transformador que se concretizará no futuro; a segunda implica na
indeterminação e possibilidades do futuro - se o futuro já está determinado não há
projeto possível, da mesma forma que onde existem apenas dúvidas não há base
para a construção de um projeto – o projetar consiste na fixação de metas que
podem ser atingidas. A terceira característica relaciona-se às ações e ao sujeito
(individual ou coletivo) que as projeta. Não podemos ter projetos pelos outros. Dessa
forma, projetos referem-se a “antecipação de uma ação que busca uma meta em um
futuro não determinado cuja realização depende, efetivamente, de seus agentes”
(MACHADO, op.cit. p.7). Entendemos que, assim concebidos, os projetos emanam
das ações dos próprios sujeitos que se percebem, enquanto seres capazes de dar
forma ou de transformar uma situação.
A definição de Machado transcende a dimensão individual de projetos ao
trazer a possibilidade de sujeitos coletivos atuarem com vistas a metas comuns.
Aproximando essa ideia do universo escolar, talvez possamos tomar os projetos
temáticos, a realização de eventos, os trabalhos em grupo, dentre tantas outras
atividades que envolvem a coletividade, como exemplos de projetos com metas
comuns.
O uso dos projetos como uma metodologia de ensino tem sua origem no
trabalho de William Kilpatrick, seguidor das ideias de Dewey, ele utiliza a expressão
“método de projetos” pela primeira vez em 1919, ao defender a utilização destes
como método didático. Esta proposta constituiu uma nova perspectiva que atribuiu
papel ativo àquele que aprende e ao conhecimento atribuiu-se um caráter
contextualizado na realidade dos estudantes.
Ao utilizarmos projetos como metodologia de ensino há algumas etapas
básicas comuns a maioria dos projetos:
1ª Definição do tema.
2ª Problematização do tema.
3ª Planejamento das ações para responder aos problemas levantados.
4ª Organização e divisão de tarefas para a busca de informações e coleta de
dados nas fontes de pesquisa.
5ª Tratamento e análise dos dados.

58
6ª Elaboração do relatório final.
7ª Socialização do projeto.
8ª Avaliação da aprendizagem pelo professor e pelos estudantes envolvendo
conteúdos factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais dos
participantes.
Cada etapa envolve diferentes ações e procedimentos, assim a extensão
temporal de cada uma pode variar entre um dia e semanas.
Uma característica central dos projetos é a participação dos estudantes em
todas as etapas do processo. Desde a escolha da temática do projeto, passando
pela sua problematização e suas fases iniciais necessitam ser estabelecidas e
criadas coletivamente por aqueles que estarão envolvidos em seu desenvolvimento.
Os projetos não podem ser criados/idealizados somente pela equipe de
coordenação, gestão ou mesmo pelos educadores, uma vez que o projeto deve
contemplar a vida, a realidade e os interesses dos/as estudantes. Esse é o motivo
pelo qual não é possível que o projeto seja feito por outros; é necessário que seja
criado de maneira cooperativa e coletiva.
Aproximando esta metodologia dos Direitos Humanos, o passo inicial pode se
dar com a apresentação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,
1948) e a discussão dos artigos a partir da realidade dos estudantes. Outras
possibilidades são a discussão de uma noticia, de um filme, de uma letra de música
ou ainda de algum acontecimento do cotidiano escolar que possibilitem a relação
com os DH. Esta discussão inicial deve ser planejada intencionalmente pelo docente
para que se transcenda a dimensão do senso comum e novos conhecimentos façam
parte da problematização. Convém destacar que o desconhecimento do tema
inviabiliza a formulação de questões significativas e complexas, afinal como ter
dúvidas ou questionamentos sobre algo que não se conhece? Assim, informações
adicionais e diferentes pontos de vista sobre o tema devem constituir esta etapa a
fim de que os estudantes consigam formular suas dúvidas e questões a cerca do
tema.
Desde o inicio a interdisciplinaridade está presente no projeto, compete ao
professor selecionar os conteúdos de cada disciplina que podem contribuir para a
problematização e desenvolvimento do projeto. Por exemplo, em relação à primeira

59
etapa, se a opção for iniciar pela apresentação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (ONU, 1948) há possibilidades de trazer conteúdos relacionados à história
e à geografia ao contextualizar este documento no pós-guerra. Além disso, seus
artigos remetem aos princípios da Revolução Francesa (liberdade, igualdade,
solidariedade) e trazem a democracia como sistema imprescindível aos DH. Os
conteúdos de língua portuguesa e matemática são instrumentos para a
compreensão de textos e dados sobre os DH. As artes abordam os DH por meio de
outras linguagens. Enfim, cada professor a partir do conhecimento específico de
suas disciplinas terá condições de estabelecer as conexões entre o tema e os
conteúdos que deve ministrar.
Para que estas conexões sejam estabelecidas é necessário o planejamento
docente integrando as aulas de suas disciplinas ao desenvolvimento do projeto.
Simultaneamente, as tarefas relacionadas à pesquisa devem ser planejadas em
conjunto com os estudantes.
O registro das atividades pode ser realizado individualmente por meio de
portfolios nos quais cada estudante seleciona e registra aquilo que considera mais
significativo para a sua aprendizagem. São instrumentos subjetivos que abrem
possibilidade para cada estudante registrar seu próprio percurso no processo de
aprendizagem, a partir de critérios estabelecidos por eles. Neste sentido são
instrumentos únicos que traduzem a singularidade de cada sujeito.
O produto final, resultado do esforço coletivo do grupo classe e/ou dos
subgrupos e estabelecido no inicio do projeto, pode ser um relatório escrito, um
filme, uma peça de teatro, um painel com fotografias, enfim, há diferentes linguagens
que podem ser utilizadas para a socialização do trabalho realizado. Todas elas
envolvem planejamento, definição de objetivos, divisão de tarefas.
A avaliação não se restringe à aferição dos conteúdos disciplinares
abordados. Trata-se de um processo contínuo que avalia cada ação visando
adequar o projeto aos objetivos estabelecidos tendo como foco a aprendizagem dos
estudantes. A avaliação pode abranger componentes de autoavaliações individuais
e/ou coletivas, análise de desempenho, de resultados e de aprendizado dos
estudantes.

60
No que concerne à dimensão axiológica, os valores estão presentes o tempo
todo no cotidiano escolar, na postura docente, nas relações interpessoais, nas
metodologias escolhidas. Adotar tal metodologia implica na participação ativa dos
estudantes em cada etapa, abrindo caminho para tomarem decisões, expressarem
opiniões e aprenderem a conviver e respeitar opiniões e modos de vida diferentes
dos seus. Desenvolver a capacidade de conviver, respeitar e valorizar as
diversidades é um dos desafios centrais da EDH e seu espaço privilegiado é a
escola, pois é nesta instituição que temos como tarefa central a educação do ser
humano e mais do que isso, é neste ambiente que as diversidades se reúnem. Mas
para que isso aconteça é necessário planejamento e ação docente intencional.

Por uma sociedade que reconheça as diversidades

Uma sociedade pautada pelos DH implica necessariamente no


reconhecimento do direito e da humanidade do “outro” com todas as suas
especificidades, diferenças, modos de viver, pensar, existir por mais divergentes e
distantes das crenças pessoais de cada um. Todos merecem o mesmo respeito, o
que significa compreender que um grupo não pode oprimir o outro em razão de
qualquer diferença seja biológica, cultural, religiosa ou ideológica.
Ainda precisamos caminhar muito para alcançar este ideal, mas a escola é
uma das instituições que pode colaborar para estabelecermos relações sociais
respeitosas, livre de discriminações, explorações e prejuízo de uns em favor de
outros.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais: apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação
Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Resolução CNE/CP 1/2012. Estabelece Diretrizes Nacionais para a


Educação em Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de maio de
2012 – Seção 1 – p. 48.

61
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Conselho Nacional da
Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/
Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e
Educação Integral. – Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

MACHADO, N. J. Educação: Projetos e valores. São Paulo: Escrituras Editora,


2004.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Genebra: 1948.

YUS, R. Temas Transversais: em busca de uma nova escola. Porto Alegre:


Artmed, 1998.

62
63
A DOCÊNCIA E A INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR: POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL2

Soraya Dayanna Guimarães Santos


Eliane Cristina Moraes De Lima
Maria Quitéria da Silva
Neiza de Lourdes Frederico Fumes

INTRODUÇÃO

A inclusão de alunos com deficiência na Educação Superior ainda enfrenta


barreiras, que são muitas e se apresentam de diversas formas. Estas se configuram como
um entrave à permanência e à aprendizagem desse tipo de alunado. Para Olivares (2016,
p. 42):

2
Pesquisa financiada pela CAPES.

64
Crê-se ser de caráter essencial o estímulo à reflexão sobre a aceitação da
diversidade inerente à condição humana, por meio da eliminação e
adequação de barreiras, sejam elas arquitetônicas, educacionais e
atitudinais, incluindo socialmente toda a comunidade acadêmica por
intermédio da educação (OLIVARES et al, 2006, p. 42)

Dessa maneira, a inclusão das pessoas com deficiência na Educação Superior


vem provocar uma mudança no contexto universitário, principalmente na prática
pedagógica dos professores imbricados nesse processo. Com isto, o papel do professor
precisa ser transformado, de modo que ele (juntamente com a rede de apoio que deve
estar constituída) tenha uma prática pedagógica que consiga transpor as diversas
barreiras que possam existir para dificultar/impedir a construção do conhecimento pelo
aluno com deficiência. Acreditamos que professor é o principal agente mediador do
processo de aprendizagem.
Na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica (PSH), o sujeito se constitui no
convívio com o outro, numa relação mediada3 por diversos meios, principalmente pela
linguagem. É por meio dessa mediação que o homem se constitui enquanto sujeito social.
Zanolla (2012, p. 08) explica que:

[...] a mediação cria as possibilidades de reelaboração (recriação) da


realidade. Realidade esta estabelecida, segundo o próprio Vigotski, como
um elo de ligação em que o signo, a atividade e a consciência interagem
socialmente. Imperativamente, a categoria de mediação possibilita a
aquisição de funções superiores.

É pelas/nas mediações que o sujeito se constitui homem. Nessa pesquisa, iremos


observar que as mediações tiveram esse papel fundamental na constituição de novas
significações do sujeito, que contribuíram para o desenvolvimento de uma proposta
pedagógica pautada nos princípios da inclusão. Com isto, queremos reafirmar que o
professor é um agente mediador e transformador, assim como, é transformado em suas
particularidades pelas relações sociais. Segundo Soares (2011, p. 34), “como ser
histórico, o homem está, portanto, sempre se transformando, ao mesmo tempo em que
também transforma o mundo com o qual se relaciona”.

3
Acerca da mediação, como uma das categorias da Psicologia Sócio-Histórica (PSH), Aguiar e Ozella
(2013, p. 04) dizem que: “Ao utilizarmos a categoria mediação possibilitamos a utilização, a intervenção de
um elemento/processo em uma relação que antes era vista como direta, permitindo-nos pensar em
objetos/processos ausentes até então”.

65
Este processo constitutivo envolve aspectos intelectuais, emocionais e afetivos, em
que os sentidos vão se formando, ou até mesmo, sendo modificados. “Esse processo é
historicamente mediado por experiências simbólicas e emocionais de atuação do sujeito
em diferentes espaços sociais” (SOARES, 2011, p. 84).
Por sua vez, a prática pedagógica, como uma atividade humana, está carregada de
sentidos e significados, os quais não estão dissociados um do outro. De acordo com
Vigotski (2001), o significado é fixo, imóvel, estável, enquanto que o sentido muda a
palavra facilmente, dependendo do seu contexto. Por isso, neste artigo, partimos do
empírico para as zonas de sentido, verificando o que existe além da fala do docente, o
que está implícito.
Considerando estes fundamentos teóricos, acreditamos ser necessária a
apreensão dos sentidos e significados constituídos pelos professores da Educação
Superior sobre suas práticas pedagógicas quando turmas heterogêneas estão sob sua
responsabilidade, principalmente quando estão envolvidos alunos com deficiência. Deste
modo, essa pesquisa buscou apreender as significações de uma professora universitária
do curso de Educação Física sobre a inclusão de um aluno surdo em sua prática docente,
após a consultoria colaborativa.

METODOLOGIA
Essa pesquisa se alicerça na Psicologia Sócio-Histórica, postulando que o homem
é um sujeito histórico e dialético, constituído nas relações sociais vivenciadas ao longo da
vida.
Participou da pesquisa a professora universitária Lilli4, 43 anos de idade, graduada
em Educação Física e Mestre em Ciências da Saúde. A docente lecionava a disciplina
“Ginástica de Academia”, no 7º período do Curso de Bacharelado em Educação Física, de
uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada da cidade de Maceió, atuando na
Educação Superior desde 2006.
Participou como elemento essencial dessa pesquisa o aluno surdo da professora
participante, chamado aqui de Luan, com 28 anos de idade e que cursava o 7º período do
Curso Bacharelado em Educação Física.

4
Todos os nomes apresentados no corpo do texto são fictícios com o propósito de garantir o
anonimato, respeitando os princípios éticos da pesquisa.

66
Outro participante da pesquisa foi Leonardo, Tradutor/Intérprete de Língua
Brasileira de Sinais do Curso de Bacharelado em Educação Física, da referida Instituição
de Ensino Superior privada da cidade de Maceió.
Ainda que as análises dos dados incidiram na professora, também participaram
desta pesquisa dois consultores colaborativos: João e Ana, que contribuíram com
orientações didático-pedagógica à Lilli sobre o ensino e a aprendizagem do aluno surdo
em um contexto inclusivo.
Na produção dos dados utilizamos fragmentos da história de vida da professora,
obtidos por meio de entrevista, por entendermos que as experiências e os fatos ocorridos
com o sujeito são partes dos processos históricos que formaram a sua subjetividade.
Fizemos uso também da observação participante. Deslandes e Gomes explicam-na
como “[...] processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma
situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica” (2013, p. 70). Por
meio dessa técnica acompanhamos a prática docente, a qual também foi registrada em
vídeos. Os registros escritos, “notas de campo”, também foram realizados por uma das
pesquisadoras e continham, principalmente, informações dos acontecimentos relevantes
para a pesquisa.
Empregamos ainda a técnica da Autoconfrontação Simples (ACS). De acordo com
Clot (2007 p. 135), “[...] trata-se de uma atividade em si em que o trabalhador descreve
sua situação de trabalho para o pesquisador”. Na ACS, o sujeito e a pesquisadora
assistiram o episódio em análise e, em seguida, o sujeito fez algumas reflexões,
pontuando suas observações em relação ao seu fazer pedagógico. “[...] As verbalizações
servem sem dúvida para trazer à luz as realidades do trabalho” (CLOT, 2007, p. 135).
Consideramos importante esclarecer que os dados aqui analisados integram uma
das pesquisas (SANTOS, 2016) desenvolvida no âmbito do projeto PROCAD “Tecendo
redes de colaboração no ensino e na pesquisa em Educação: um estudo sobre a
dimensão subjetiva da realidade escolar”.
Antes de iniciarmos com a pesquisa, entramos em contato com o coordenador e o
diretor da IES e explicamos os objetivos da pesquisa. A partir deste contato, ficou definido
que a pesquisa seria desenvolvida com uma professora do curso de Bacharelado em
Educação Física, que lecionava para um aluno surdo. A professora foi consultada e, após

67
os esclarecimentos de diferentes aspectos da pesquisa, consentiu livremente em
participar.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Alagoas
(protocolo número 439.400). Conforme as exigências éticas, pedimos que professora
assinasse o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e, por fim, entregamos
uma cópia deste documento para a mesma.
A análise dos dados foi realizada à luz dos núcleos de significação, propostos por
Aguiar e Ozella (2006). Inicialmente, fizemos leituras flutuantes e destacamos as palavras
que se mostraram relevantes na fala do sojeito, sejam por maior frequência, carga
emocional, etc., formando assim, os pré-indicadores. Em seguida, aglutinamos os pré-
indicadores conforme sua similaridade ou contraposição, constituindo-se nos indicadores.
Posteriormente, avançamos para o processo de articulação desses indicadores, formando
os núcleos de significação, que apontaram os pontos fundamentais que trouxeram
implicações para o sujeito, o envolveram emocionalmente e revelaram as suas
determinações constitutivas, os quais foram nomeados tematicamente.
Neste capítulo apresentaremos dois núcleos de significações, construídos a partir
da autoconfrontação simples: “Caminhando para uma prática inclusiva” e “Significações
docente para uma prática inclusiva”.
O processo de produção de dados durou três meses e 16 dias, tendo sido
realizadas várias sessões de ACS a partir de 6 episódios (1, 2, 3, 4, 5 e 6). Neste
capítulo, utilizamos apenas o corpus constituído pelas transcrições das ACS dos
Episódios 3 e 6, os quais são recortes de diferentes aulas diferentes, após o processo da
consultoria colaborativa.

Descrição da aula: Episódio 3


O objetivo dessa aula prática foi mostrar a intensidade dos métodos intervalados
intensivo e extensivo numa aula de bike indoor. Nesse episódio, a professora iniciou a
aula pedindo ajuda ao intérprete para desenrolar um barbante, que foi um dos recursos
que a mesma utilizou para demonstrar aos alunos como regular a distância do banco da
bicicleta.
Enquanto o intérprete tentava realizar essa tarefa, a professora explicava mais
detalhes sobre a percepção do esforço nas intensidades das aulas, fato que impediu que

68
Luan entendesse essas explicações, pois o intérprete estava envolvido em outra atividade
e suas estavam mãos ocupadas, impedindo-o de sinalizar para o aluno surdo.
Após dois minutos e 30 segundos do início da aula, o intérprete conseguiu
desenrolar o barbante e a professora demonstrou como usar o barbante com um anel
pendurado na bicicleta para formar um ângulo de 90º e fazer o alinhamento do corpo para
preservar as articulações do joelho e tornozelo. Em seguida, utilizou um álbum seriado
com gravuras e umas figuras de carinhas coladas no quadro para demonstrar o esforço
nos exercícios contínuos de intensidade.
Apesar de o intérprete ter passado quase todo esse episódio sem interpretar a aula
para o aluno surdo, Luan conseguiu acompanhar e participar da aula devido à posição em
que a professora se encontrava, de frente para os alunos e dos recursos pedagógicos
utilizados por ela.

Descrição da aula: Episódio 6


A aula foi realizada na sala de ginástica, a qual não era ampla e possuía alguns
colchonetes.
Essa aula prática era da apresentação de trabalhos em grupo, sendo que Luan foi
o modelo para a demonstração do alongamento. Neste momento, o intérprete explicou ao
Luan qual o tipo de alongamento deveria fazer.
A professora orientou um outro aluno que iria demonstrar o alongamento junto com
Luan que, ao chegar ao seu limite da amplitude articular, sinalizasse para que Luan
parasse com o movimento.
O intérprete se posicionou em frente ao Luan indicando o movimento que deveria
executar, e este, por sua vez, executava os alongamentos descritos no trabalho.
Concluída a apresentação da equipe, Luan mostrou-se satisfeito com sua participação.

Resultados e Discussões

Núcleo de Significação do Episódio 3: “Caminhando para uma prática


inclusiva”

69
Analisando esse núcleo de significação podemos verificar que a Professora Lilli
começou a esboçar, no episódio, elementos para uma prática pedagógica inclusiva, pois,
ao se ver nas filmagens da ACS, conseguiu perceber pontos positivos e negativos acerca
dos recursos pedagógicos utilizados na aula. Considerou que alguns deles foram
eficientes para tornar acessível a aprendizagem do aluno surdo, enquanto outros não
atingiram seu objetivo.
Como aspectos positivos indicados por Lilli, tivemos:

[...] mostrar na prática a intensidade dos métodos usando as carinhas de


percepção de esforço.
[...] as carinhas eram para perceber a característica da intensidade dentro
dos dois métodos.
Eu usei o retroprojetor para poder mostrar as fotos [...].
[...] o fato de ter aquelas carinhas ali, não precisava mais de nada.

Os recursos iconográficos utilizados favoreceram a compreensão do Luan,


considerando que sua comunicação é por meio de recurso visual, bem como a sua
percepção do mundo. Ferreira e Chagas (2016) consideram que:

[...] outros recursos não menos importantes, também são utilizados


na comunicação com os surdos: desenhos e fotografias, por
exemplo, são importantes aliados, pois enriquecem o conteúdo
através da ilustração do tema abordado [...] (FERREIRA; CHAGAS,
2016, p. 94).

Com o uso deste recurso (ícones relativos à percepção de esforço), Lilli significou
como ter garantido possibilidades para a aprendizagem de Luan nesse momento da aula,
justamente pelo fato de estes se situarem no âmbito visual.
Ainda analisando os recursos didáticos que usou na aula, a professora reconheceu
que deveria ter adotado outra postura em dado momento da aula e, por isso, considerou-
os como pontos negativos:

[...] eu devia não ter pedido para o intérprete. Eu devia ter pedido
para uma outra pessoa continuar desenrolar [barbante][...].
[...] tinha mais gente que eu poderia ter pedido para deixar as mãos
do intérprete livre.
[...] isso aí é uma das anotações que eu coloquei depois da aula
[pedir para outra pessoa desenrolar o barbante].

70
Nessas reflexões, vemos que os sentidos da professora estão caminhando para
uma perspectiva inclusiva – a mesma já consegue identificar recursos pedagógicos
necessários para inclusão do aluno surdo, como também, a importância da presença do
intérprete durante a aula, bem como o seu papel. Acerca disso, Pinto et al (2015)
explicam:

[...] O papel principal do intérprete de Libras em sala de aula é facilitar a


comunicação entre alunos surdos, alunos ouvintes, professores e
funcionários. Essa comunicação é a ponte da língua fonte à língua alvo
que envolve diretamente aos alunos surdos (PINTO et al, 2015, p. 178).

Foi justamente pelo fato de a professora ter dado outra função ao intérprete que a
comunicação entre ela e Luan foi interrompida, prejudicando a participação do aluno. No
processo de co-análise, Lilli percebeu seu equívoco ao atribuir ao intérprete de Libras a
função de seu auxiliar.
Outra estratégia usada por Lilli e que foi considerada por si como acertada para o
aprendizado de seus alunos foi o trabalho em dupla. Ao ser autoconfrontada com a
filmagem de sua aula, a professora disse: “nessa aula, eu gostei muito, porque na hora
que eu fiz em dupla ele [Luan] interagiu com outro colega. Ele regulou o banco, regulou a
distância, regulou o guidão, [...]”.
Lilli entendeu que a atividade conjunta com um colega facilitou a aprendizagem do
aluno surdo, como também do colega em questão. Face a esta discussão, trazemos as
contribuições de Vigotski (2007) sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que é
entendida como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


determinar através da solução independente de problema, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VIGOTSKI, 2007, p. 97).

Dessa maneira, percebeu-se que a atividade em dupla contribuiu para


compreensão e realização da tarefa pelo aluno surdo. É importante enfatizar que
interações sociais são fundamentais para o aprendizado do sujeito, visto que, nessa
relação, o par mais experiente, que já possui um determinado conhecimento, intervém
dando um direcionamento para que o companheiro que ainda não alcançou determinado

71
conhecimento venha a alcançar. Nesse contexto, as medições que se deram durante a
atividade foram percebidas como elemento essencial para o sucesso da atividade.
Continuando com suas reflexões, a professora Lilli significou sua prática
pedagógica como inclusiva ao interagir com o aluno na aula:

[...] ele pedalou no ritmo correto, tanto na reta, como na subida [...], eu
perguntei se o Luan tinha entendido [a cadência].
Ele me explicou que era 60, 80, 90, 110. reta.

Mesmo tendo motivos para desenvolver uma prática pedagógica inclusiva, Lilli
mostrou-se ainda um pouco confusa acerca de certos aspectos específicos da surdez,
principalmente no que tangia à comunicação com o aluno:

Tem uma coisa que eu preciso melhorar muito: eu sou muito verbal. Eu
preciso ser um pouco mais visual e gestual. Eu preciso treinar isso!
Como a gente está dando aula para um deficiente auditivo [surdo], você
não pode usar muito a voz. Você tem que usar mais o gesto, então a
comunicação tem que ser mais gestual do que verbal.

O fato da docente ter um aluno surdo em sua aula não significa que sua prática
pedagógica deva estar exclusivamente direcionada para atendê-lo. É preciso considerar a
heterogeneidade do seu alunado, de modo a não trazer prejuízo aos demais. Batista e
Nicodem (2016, p. 4) apontam que:

Tendo-se em vista que as escolas de ensino comum optaram por um


ensino inclusivo, faz-se necessário que os professores, de uma forma
geral, estejam preparados para atender aos alunos com necessidades
específicas, de forma a propiciar uma educação que oportunize a todos.

Partindo desse pressuposto, a prática docente inclusiva não consiste em evidenciar


o aluno com deficiência para o mesmo tenha sua visibilidade e suas especificidades
sobrepostas às dos demais colegas, mas sim, para oportunizar a todos os alunos a
participação na aula na máxima medida de suas possibilidades.
Nos pré-indicadores anteriores, a professora Lilli expressou o quanto aprendeu
sobre a forma de se comunicar com a pessoa surda, ainda que não tivesse domínio da
Libras. Nesse contexto, Ferreira e Chagas (2016, p. 92) discorrem:

O uso da LIBRAS, como qualquer outra língua, possui aspectos


linguísticos específicos e diferencia-se da Língua Portuguesa, por utilizar-

72
se de sinais e caracterizar-se na modalidade gestual-visual, por seu canal
ou meio de comunicação constituir-se de movimentos gestuais e
expressões faciais perceptíveis à visão.

Muito embora não dominasse a Língua de Sinais, a professora entendeu a


importância de aprendê-la, ainda que minimamente, para se comunicar com o aluno
surdo. O diálogo entre professor e aluno é essencial no processo de aprendizagem, uma
vez que o primeiro é o mediador desse processo.
Verificamos também que, em meio a essas reflexões acerca de sua prática
docente, a professora deixou claro que começou a mudar seus sentidos acerca de sua
atividade pedagógica, a partir da participação da pesquisadora e dos consultores
colaborativos. Um dos pré-indicadores evidencia isso: “eu acho que a participação da
pesquisadora e do consultor colaborativo desde o início foi espetacular”.
Algumas das mediações entre os colaboradores e da pesquisadora estão
apresentadas a seguir:

Quando você colocar essas imagens com as carinhas, usar o quadro


branco, não é só o aluno surdo que ganha, ganham todos (Pesquisadora).
[...] o caminho é esse. Como você fez hoje, na aula. [...] recurso imagético,
a importância de está comunicando com todos, utilizando as expressões, o
máximo possível [...] (João, consultor colaborativo).
[Use] uma estratégia visual pra que ele [aluno surdo] compreenda (Ana,
consultora colaborativa).
Porque aí, no final da aula, você vai falar tanto, vai usar tanto: relaxa;
alonga agora; respira; que você não vai precisar especificamente do
intérprete para mandar ele relaxar, para mandar ele alongar. Você mesma
já pode direcionar o olhar pra ele e pedir que ele faça isso. Porque é
importante que ele foque isso, que a professora dele é você (Ana,
consultora colaborativa).

Dessa maneira, entendemos que a consultoria colaborativa auxilia na construção


de uma prática docente inclusiva por contribuir com novos conhecimentos e/ou
reorganização de já existentes. Esta intervenção:

[...] consiste no diálogo frequente e sistemático entre o professor da sala


regular com o professor especial para garantir a escolarização do aluno
público alvo da educação especial, desde a construção do planejamento,
adequações nos procedimentos de ensino, adaptações curriculares e de
materiais até a avaliação (CABRAL et. al, 2014, p. 393).

73
No caso em análise, os consultores colaborativos (especialistas em Educação de
Surdos) e a pesquisadora (experiente na inclusão na Educação Superior) propiciaram
mediações fundamentais para despertar a mudança nos sentidos da professora. Atuaram
como interlocutores entre a professora e os desafios da docência, como ainda, auxiliaram
com orientações acerca de recursos pedagógicos para tornar o processo de ensino e
aprendizagem inclusivo, dicas sobre a comunicação com o aluno surdo e a função do
intérprete. Todos estes últimos aspectos foram importantes por não integrarem os
saberes de Lilli.
Ainda na ACS, a professora refletiu sobre sua preocupação naquele momento com
as pessoas com deficiência: “tudo que eu faço agora, eu fico pensando [nas pessoas com
deficiência]. Aí agora eu estou lendo umas coisas [sobre as pessoas com deficiência]”.
Entretanto, sua história de vida mostrava que ela já tinha sido afetada anteriormente por
vivências com pessoas com deficiência em sua família, amigos, colegas de escola e do
trabalho. Vejamos alguns recortes de sua história de vida:

Deficiência física em todos os lugares que eu trabalhei, sempre teve algum


presente, sempre.
Tive amigos surdos, mudos (sic), cegos, amputação de membros por
algum acidente, cadeirante.
[...] na época, devia ter entre 9 e 10 anos [...] e sempre me chamou
atenção esse tipo de pessoa, se a gente pode dizer assim [...] então eu
acabava me aproximando, dava pirulito, chocolate. Teve uma coisa que
minha mãe lembra até hoje, minha tia também lembra, que eu dei uma flor,
um rapaz que tinha paralisia total.

Sobre a história de vida, Sarmento (2013) assegura que:

Prosseguindo numa linha interacionista, a apreensão dos significados


atribuídos por cada pessoa-professor ocorrerá na interação social pelo que
a compreensão dos pontos de intersecção entre a biografia e a sociedade
se torna essencial. Nesta perspectiva, a interpretação que cada sujeito dá
à sua vida corresponde a um ato partilhado com os referentes próximos ou
distantes - a família, os amigos, os colegas de trabalho, os alunos, as
comunidades, os investigadores, as figuras públicas ou anônimas etc.
(SARMENTO, 2013, p. 239).

Isto nos leva a considerar que as vivências de Lilli com pessoas com
deficiência tornavam mais urgente o seu desejo de mudar enquanto professora e
desenvolver uma prática pedagógica mais aberta à diversidade.
Ainda na sessão de ACS, Lilli enfatizou que as mudanças em sua prática docente
contribuíam com o aprendizado de todos os alunos, e não apenas o aluno surdo, como

74
mostra o pré-indicador: “todo mundo ganha”. Sobre isso, Caldas et al (2014, p. 02)
afirmam que: “O norte desta proposta [inclusiva] demanda que o ambiente escolar seja
um local único, onde o foco seja a classe como um todo, não reduzindo o processo de
ensino-aprendizagem às diferenças individuais dos alunos”.
Desta forma, tudo aquilo que o docente utilizou enquanto estratégias de
ensino e/ou recursos pedagógicos para garantir o aprendizado do aluno com surdez,
possivelmente, também foi benéfico e proporcionou melhorias na aprendizagem de toda
turma.

Núcleo de significação – Episódio 6 – “Prática pedagógica inclusiva: não há receita


pronta”
Este núcleo revelou as diversas mudanças na prática pedagógica de Lilli para
efetivar, pelo menos em sua sala de aula, a inclusão do aluno surdo. Como já
antecipamos, as novas significações e uma outra prática pedagógica floresceram
(possivelmente) pelas múltiplas mediações vivenciadas pela professora durante o
processo se pesquisa. Vejamos um pouco mais sobre este processo.
A professora, ainda que mergulhada em um processo de mudança e,
possivelmente, atuando em sua ZDP (com a colaboração dos mais experientes), propôs
durante a ACS a utilização de outros recursos didáticos para garantir a aprendizagem do
estudante surdo:
[Eu poderia] ter colocado um boneco, alguma coisa ali para poder mostrar.
Eu poderia ter trazido um elástico para mostrar a elasticidade do tendão.
Eu poderia ter trazido uma corda mais rígida que mostre realmente o que é
ligamento, o que é tendão.

Galdino, Costa e Ferreira (2016, p. 04) acreditam que “o uso de diversos materiais
pedagógicos, possibilita ao docente o reconhecimento na potencialidade de seu
educando, e no ensino superior, são amplos os métodos de ensino que possam utilizar na
sala de aula, de forma a promover o processo de aprendizagem do aluno surdo”.
Nessa perspectiva, saber diversificar os recursos pedagógicos que irão despertar a
aprendizagem do estudante surdo, bem como a de seus colegas ouvintes, ampliando as
possibilidades de participação nas atividades propostas é uma tarefa importante do
docente que trabalha na perspectiva inclusiva.

75
Observamos no episódio 6 que a professora continuou com a estratégia de
trabalho em equipe que tinha proposto no episódio 3, que permitia a interação do aluno
surdo com os demais colegas, como ainda poderia fomentar a mediação entre o menos
experiente com mais experiente, como já discutimos anteriormente.
Durante a sessão de ACS, a professora Lilli refletiu sobre a possibilidade de uso de
algumas outras estratégias para garantir a participação e aprendizagem do surdo nas
aulas:
Se tivesse algo mais visual, que pudesse auxiliar seria muito melhor.
[Colocar] Ele [Luan] para fazer o alongamento sozinho, tentar tirar alguma
coisa dele, mas não expondo ele demais.
Eu poderia ter trazido o próprio vídeo com um pedacinho de uma aula, ou
até mesmo eu fazendo o alongamento [...].

As estratégias pedagógicas como estas foram indicadas em momentos da


consultoria colaborativa e parecem ter mediado o processo de co-análise vivenciado pela
professora Lilli, como aponta os seguintes recortes:
Você trazendo essas formas visuais, tendo essas figuras, por exemplo,
com certeza vai facilitar a vida dele [Luan].
Deixa ele [Luan] executar o exemplo. Isso é muito importante para o surdo.
Para que ele pegue e bote a mão na massa mesmo [...] (ANA, consultora
colaborativa, Diário de Campo).

O caminho é esse. [...] Recurso imagético, a importância de estar


comunicando com todos, utilizando as expressões, o máximo possível [...]
(JOÃO, consultor colaborativo, Diário de Campo).

Quando a gente passa a usar determinadas estratégias dentro de sala,


uma coisa você pode ter certeza absoluta, você vai estar viabilizando o
conhecimento para ele [Luan] (ANA, consultora colaborativa, Diário de
Campo).

Na consultoria colaborativa foram fornecidas orientações, como também,


apresentadas sugestões e estratégias de ensino por especialistas em educação inclusiva
para a professora da classe regular, no intuito de colaborar para uma prática pedagógica
inclusiva em relação aos alunos com deficiência, configurando-se um trabalho de
parceria. De acordo com Lago (2009),

[...] Neste tipo de trabalho é essencial que os colaboradores também


possuam conhecimentos sobre ensino, aprendizagem e procedimentos
eficazes que direcionem a participação do aluno com deficiência no
currículo geral. Na colaboração é preciso acreditar que a aula pode ser
modificada e organizada para que alunos com necessidades especiais

76
possam aprender ou diminuir as dificuldades com relação aos demais
colegas (LAGO, 2009, p. 2940).

Ainda que tenha demonstrado avanços com as diversas mediações na construção


de uma prática pedagógica inclusiva, como mostram os pré-indicadores, Lilli, ao refletir
sobre o seu fazer pedagógico, acreditava que precisava melhorar ainda mais: “Eu vejo
que eu preciso melhorar” (Lilli).
A reflexão sobre a prática docente inclusiva é um enfrentamento desafiador e
elucida possíveis barreiras existentes que precisam ser superadas. No caso da
professora Lilli, a mesma se dispôs ao desafio de construir uma prática inclusiva,
mostrando-se comprometida com o seu fazer docente.
Avançando em sua análise, a comunicação com o aluno Luan foi um dos
elementos em que Lilli apresentou mais dificuldades. Diante disso, e mesmo com o auxílio
do intérprete de Libras, a professora se sentiu incomodada, percebendo a necessidade de
se comunicar com o aluno surdo por meio da Língua Brasileira de Sinais,
comprometendo-se a estudar a língua.
Souza, Rodrigues e Silva (2015, p. 246) defendem que o papel do professor “[...] é
de mediador para o desenvolvimento das funções cognitivas dos indivíduos, para que
possam buscar na aprendizagem sua autonomia e construção do conhecimento”.
Galdino, Costa e Ferreira (2016) explicam melhor o que se espera de um professor
inclusivo:

Constitui-se tarefa do professor procurar reformular suas metodologias


para que possa desenvolver o conhecimento que chega a todos os alunos.
[...] é preciso garantir um ensino com equidade por meio da adequação de
materiais pedagógicos considerando o ritmo de aprendizado do acadêmico
com deficiência e sua particularidade (GALDINO; COSTA; FERREIRA,
2016, p. 06-07).

Se comprometendo com a prática pedagógica inclusiva, durante a sessão de ACS,


Lilli apontou situações que ainda precisavam ser mais modificadas para alcançar novos
avanços. A exemplo disto, apontou para o seu posicionamento em sala diante do
estudante surdo – indicou que este elemento deveria ser melhorado para garantir que
Luan tivesse uma boa visualização, assim como para que o intérprete pudesse vê-la. Esta

77
mudança, consequentemente, iria melhorar a interação entre aluno-intérprete-professora,
professora-intérprete e professora-aluno.

Eu fiquei andando demais.


[...] Eu tinha que estar perto do intérprete aqui.
Fiquei muito longe do intérprete, estava muito afastada dele.
Eu deveria estar na frente e foi falha minha. (Lilli)

Diante destas observações, compreende-se que a técnica da ACS promoveu uma


reflexão sobre o seu fazer pedagógico. De acordo com Clot (2007, p. 135), “[...] a
linguagem, longe de ser para o sujeito apenas um meio de explicar aquilo que ele faz ou
aquilo que se vê, torna-se um meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir segundo a
perspectiva do sujeito”.
Os pré-indicadores permitiram considerar que Lilli já tinha consciência de suas
carências e que, mais uma vez, as diversas mediações presentes no processo de
pesquisa colaboravam para isto. Especificamente em uma delas, relacionada a este
aspecto, uma das pesquisadoras do PROCAD trouxe algumas orientações:

[...] Deveria se posicionar mais perto do intérprete para facilitar a


visualização [do estudante surdo].
[...] Fechar blocos de ideias e perguntar se o aluno entendeu. Quando o
conteúdo for muito denso esse bloco deve ser mais curto (SANTOS, 2016).

Também pudemos notar que novas significações, no que se refere ao tato


pedagógico diante do estudante surdo, foram constituídas pela professora Lilli:

Não é possível que você não perceba algumas mudanças, algumas


características importantes da pessoa [com deficiência].
Agora eu faria um monte de coisas diferentes aqui.
Eu vou ter que pensar em melhorar para o ano que vem.

Martins e Rausch (2012, p. 252) explicam que “tato pedagógico que abrange a
compreensão do ritmo singular de seus acadêmicos, no que tange às suas dificuldades
referentes ao processo ensino aprendizagem”. Galdino, Costa e Ferreira (2016, p. 03)
acrescentam que “[...] os professores devem conhecer e respeitar as particularidades do
acadêmico surdo, sendo necessário uma adequação nos materiais pedagógicos, bem
como, é preciso conhecer as características de aprendizagem do mesmo”.

78
Com isto, podemos salientar que a prática pedagógica inclusiva requer
conhecimento das formas particulares de aprendizagem do estudante, de como ainda o
docente precisa estar disponível para inovar, construindo meios ou utilizando estratégias
para promover a inclusão do estudante com deficiência na aula. No caso de Lilli, se
mostrou muito favorável para esse processo. Ao analisar a prática da professora,
entende-se que a mudança não é algo imediato. É um processo que vai se constituindo
ao longo das vivências em que os elementos cognitivos e emocionais constituintes do
sujeito são afetados.
E, Lilli prossegue sua análise durante a sessão de ACS: “a gente sempre tem que
pensar em outras formas”, evidenciando que tinha se comprometido com o processo
inclusivo e apontava para a necessidade de buscar continuamente outros meios para
promover a aprendizagem do estudante surdo. Clot (2007, p. 135) considera que “[...] As
verbalizações servem sem dúvida para trazer à luz as realidades do trabalho”.
Durante o percurso enfrentam-se barreiras e situações contraditórias. É nessa
conjuntura que se pauta a Psicologia Sócio-Histórica, em que o sujeito é histórico e
dialético. Soares (2011) esclarece que:

Nos estudos sócio-históricos, a história é uma categoria que nos ajuda a


romper, fundamentalmente, com a ideia de que o homem é um ser
estático, ou simplesmente que seu desenvolvimento é marcado por uma
sequência linear de características sobrepostas (SOARES, 2011, p. 32).

Desta forma, as barreiras e dificuldades encontradas fazem parte do processo de


constituição de novas significações, visto que o sujeito é histórico e dialético, perpassa
por diversas situações contraditórias que engendram na totalidade e promovem o
movimento histórico dialético. Assim, é na relação com o outro que o sujeito se constitui e
se modifica, como pudemos observar as novas significações da prática pedagógica da
professora Lilli.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise dos dois Episódios 3 e 6, acompanhamos o processo de mudança e as


novas constituições de significações da professora Lilli acerca da sua prática docente no

79
processo de inclusão do aluno surdo em suas aulas, como também, as possibilidades da
pesquisa colaborativa para o desenvolvimento profissional docente.
Ao se contemplar nas filmagens da ACS do Episódio 3, a professora fez reflexões
críticas acerca do seu fazer pedagógico, ora ressaltando pontos positivos, como o fato de
ter feito uso de recursos imagéticos, ora ressaltando pontos negativos, como no momento
em que delegou uma função ao intérprete que não era a dele. Porém, deixou claro que já
conhecia bastante acerca da inclusão do aluno surdo, muito embora ainda precisasse
melhorar.
Na ACS do Episódio 6 constatamos que os conhecimentos específicos na área de
aprendizagem de surdos trazidos pela consultoria colaborativa contribuíram para que a
docente adotasse meios (recursos didáticos e/ou estratégias pedagógicas) para que o
estudante surdo participasse ativamente da aula.
Também verificamos que os múltiplos instrumentos utilizados na pesquisa (a
ACS, a história de vida e a observação participante, associada à consultoria colaborativa),
trouxeram uma riqueza de dados que permitiram apreender as determinações
constitutivas do sujeito, como também, as novas significações que foram constituídas com
as mediações vivenciadas durante o processo de pesquisa e com os elementos
cognitivos e afetivos constituintes do sujeito.
Pudemos ainda constatar que a técnica da autoconfrontação simples permitiu que
a professora refletisse sobre suas ações e, a partir de então, compreendesse seu fazer
docente, agindo para a promoção da inclusão do estudante surdo.
Enfim, o processo de constituição de novas significações do sujeito se fez num
movimento dialético, em que a professora passou por enfrentamentos de novas
metodologias, reconheceu quando falhava e teve avanços na direção da construção de
uma proposta inclusiva.

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BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR PARA UMA EDUCAÇÃO COM
QUALIDADE SOCIAL? UM OLHAR CRÍTICO FRENTE VELHOS DESAFIOS,
NOVAS POSSIBILIDADES
Vandeí Pinto da Silva5

O presente texto tem como objetivo suscitar análises, reflexões e


encaminhamentos acerca da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular –
BNCC, apresentada pelo Ministério da Educação – MEC ao Conselho Nacional de
Educação em 2017.

5
Professor Doutor - Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília - Departamento de Didática e
Programa de Pós-Graduação em Educação - vandeips@marilia.unesp.br

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Considerando-se o contexto brasileiro de precarização dos serviços públicos,
de desqualificação da educação e de crescente privatização, há que se
problematizar, antes de tudo, os reais objetivos de uma BNCC e em quais aspectos
ela avançaria em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às Diretrizes
Curriculares Nacionais vigentes.
Em que pese a prerrogativa legal do MEC de fixar uma BNCC, esta devia se
fundamentar exclusivamente na atribuição que lhe cabe de zelar pela boa qualidade
da formação escolar básica nos diferentes sistemas de ensino: federais, estaduais,
municipais e particulares.
A tendência de centralização do currículo presente na BNCC, em vez de
estabelecer parâmetros mínimos de qualidade socialmente referenciada tende a se
converter em estratégia de controle, por meio de avaliações em larga escala, sobre
os diferentes sistemas de ensino, as escolas, professores e estudantes. Tal
mecanismo reforça o papel de tutela do Estado quanto aos fins educacionais, em
prejuízo da autonomia das escolas e liberdade acadêmica dos professores.
Favorece o rentável mercado de apostilas.
Há que se reconhecer que num país em desenvolvimento como o Brasil, a
qualidade de vida da população depende da melhoria da qualidade da educação, o
que pressupõe o aumento do percentual do PIB – Produto Interno Bruto destinado à
Educação, como previsto no Plano Nacional de Educação - PNE, não o seu
congelamento por duas décadas, tal como foi aprovado pela PEC n. 95/2016, em
flagrante descumprimento do PNE.
A organização do presente texto percorrerá os seguintes três momentos
interconectados:
1. Tese: caracterização do modelo de BNCC proposto pelo MEC em sua 3ª
versão: os motivos que dão sustentação ao documento, autorias, instituições
parceiras interessadas em sua elaboração e elementos constitutivos.
2. Antítese: contraposição ao discurso oficial contido na BNCC por meio de
outras concepções de escola, interdisciplinaridade, aprendizagem e
desenvolvimento humano.
3. Síntese: estará na esfera nas intervenções possíveis por parte dos
educadores, afinal, “as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens

85
fazer as circunstâncias” (MARX E ENGELS, 1989, p. 36) e o educador também
precisa ser educado (SILVA, 2014).

1. Tese. Caracterização da Base da Nacional Comum Curricular


Da caracterização do Modelo de BNCC proposto pelo MEC em sua 3ª versão:
autoria, parcerias e apoio; embasamento legal que dá sustentação ao documento e
justificativas; fundamentos, estrutura e elementos constitutivos.

1.1 Autoria, parcerias e apoio. Como se pode ler na 3ª Versão do Texto da


Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASL, 2017), trata-se de documento
normativo dirigido à educação escolar básica que define “o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver”
(p. 7).
A BNCC deverá ser homologada em 2017, contendo apenas as normativas
para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, pois a parte do Ensino Médio
ainda não foi consolidada e deverá ser concluída em 2018.
A produção e organização do documento incluiu membros de associações
científicas de diversas áreas do conhecimento de Universidades Públicas (estas nas
duas primeiras versões), o Conselho Nacional dos Secretários de Educação
(CONSED), a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME),
representantes da classe empresarial que compõem a ONG Movimento pela Base
Nacional Comum e consulta pública.
Assinam o documento o Ministro de Estado da Educação Mendonça Filho, a
Secretária Executiva Maria Helena Guimarães de Castro e a Secretária de
Educação Básica Rossieli Soares da Silva. São parceiros o Conselho Nacional de
Secretários de Educação – CONSED e a União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação – UNDIME. Apoio: Movimento pela Base.
Além desses apoios reconhecidos são flagrantes as manifestações de apoio
por parte da Fundação Lemann e da Nova Escola por meio de anúncio patrocinado
no facebook, as quais se somam à propaganda oficial do próprio governo. A
Fundação Vanzolini também integra o rol de instituições diretamente interessadas
por ser a sistematizadora da BNCC por meio de contrato de prestação de serviços

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pelo qual essa fundação assume os processos necessários à consolidação,
disponibilização, divulgação e discussão da terceira versão da BNCC (conforme
publicação no DOU de 23/3/17: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/
index.jsp?jornal=3&pagina=23&data=23/03/2017). Registre-se que a Fundação
Vanzolini foi a contratada para a implantação da reforma curricular no estado de São
Paulo denominada de São Paulo Faz Escola. A reforma implantou o sistema
apostilado de ensino atrelado ao currículo paulista.

1.2 Embasamento legal e justificativas. Do ponto de vista legal a iniciativa


do MEC de elaborar a BNCC encontra-se amparada na legislação educacional
brasileira, especialmente a LDB 9394/96 e o PNE de 2014.
Na LDB em vigor pode-se ler:

Os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do


Ensino Médio devem ter base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos. (BRASIL, 1996, LDB, art. 26)

Com base nesse texto o documento tenta esclarecer que não se trata de um
currículo, mas de apenas bases para a construção curricular: a BNCC faz
proposições e ao currículo compete a sua materialização na realidade dos diferentes
sistemas de ensino. Essa tentativa de esclarecimento se contradiz com o grau de
detalhamento dos conteúdos discriminados na BNCC. No caso do Ensino Médio, é
declarada a pretensão de que 60% da carga horária deverá ser destinada ao Núcleo
Comum e os demais 40% à parte diversificada, a ser estabelecida pelos diferentes
sistemas de ensino. Além do adiamento da BNCC do Ensino Médio, a referida
pretensão se esvazia ante o caráter centralizador da contrarreforma do Ensino
Médio.
No PNE 2014-2024, promulgado pela Lei n. 13.005/2014, há a seguinte
proposição:

[...] estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa


[União, Estados, Distrito Federal e Municípios], diretrizes

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pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos
currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino
Fundamental e Médio, respeitadas as diversidades regional, estadual
e local. (BRASIL, 2014)

No contexto do pacto interfederativo a BNCC ressalta as diversidades


regionais e a necessidade de assegurar equidade e igualdade.

Assim, a equidade requer que a instituição escolar seja


deliberadamente aberta à pluralidade e à diversidade, e que a
experiência escolar seja acessível, eficaz e agradável para todos,
sem exceção, independentemente de aparência, etnia, religião, sexo,
identidade de gênero, orientação sexual ou quaisquer outros
atributos, garantindo que todos possam aprender. (p. 11)

No regime de colaboração destaca:

A primeira tarefa de responsabilidade direta da União será a revisão


da formação inicial e continuada dos professores para alinhá-las à
BNCC. (...) vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e
ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à
formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos
educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada
para o pleno desenvolvimento da educação. (p. 9) (grifos nossos).

A baixa qualidade do ensino básico verificada pelas avaliações em larga


escala e pelos diferentes sistemas de ensino, a evasão escolar e as baixas
estatísticas de concluintes do ensino básico são também evocadas como justificativa
para a implementação da BNCC.
Reza o texto da BNCC:

Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas


Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN), a
BNCC soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira
para a formação humana integral e para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva. (p.7)

Apesar do já mencionado destaque acerca da diferença entre a BNCC e o


Currículo (que seria prerrogativa dos sistemas de ensino, escolas e professores), o

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documento simultaneamente afirma o papel de complementariedade dessas duas
instâncias:

A BNCC e os currículos se identificam na comunhão de princípios e


valores que, como já mencionado, orientam a LDB e as DCN. Dessa
maneira, reconhecem que a educação tem um compromisso com a
formação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões
intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica. (p. 12)

1.3. Fundamentos, estrutura e elementos constitutivos da BNCC


Nos fundamentos pedagógicos da BNCC os conteúdos curriculares são
colocados a serviço do desenvolvimento de competências. O texto evoca os Artigos
32 e 35 da LDB para justificar a opção restritiva centrada em conhecimento
mobilizado, operado e aplicado.

[...] na educação formal, os resultados das aprendizagens precisam


se expressar e se apresentar como sendo a possibilidade de utilizar
o conhecimento em situações que requerem aplicá-lo para tomar
decisões pertinentes. A esse conhecimento mobilizado, operado e
aplicado em situação se dá o nome de competência (p.15).

O documento quer expressar também o compromisso com a educação


integral: “No novo cenário mundial, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico,
participativo, produtivo e responsável requer muito mais do que a acumulação de
informações”. (p. 17)
Deve-se portanto garantir “à formação e ao desenvolvimento humano global,
o que implica romper com visões reducionistas que privilegiam a dimensão
intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva”. (p. 17)
Quanto à sua estrutura o BNCC apresenta aprendizagens esperadas para a
Educação Infantil (creche e pré-escola) em três grupos de crianças por faixa etária:
até 1 ano e meio, de 1 ano e meio a 3 anos completos e de 4 a 5 anos. Seis são os
direitos de aprendizagem previstos: Conviver, Brincar, Participar, Explorar,
Expressar e Conhecer-se. (p.23)
Discrimina objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os diferentes
Campos de Experiência: O eu, o outros e o nós, Corpo, gestos e movimentos,

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Traços, sons, cores e formas, Oralidade e escrita, Espaços, tempos, quantidades,
relações e transformações. (p. 23)
Exemplos relacionados ao campo de experiência “O eu, o outro e o nós”:
1. Crianças de zero a 1 ano e 6 meses (EI01EO01). Perceber que suas ações
têm efeitos nas outras crianças e nos adultos.
2.Crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses (EI02EO01). Demonstrar
atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos.
3. Crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses (EI03EO01). Demonstrar empatia
pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos,
necessidades.
Considerando-se o princípio de que se deve atribuir às diferentes etapas da
Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e
Ensino Médio) significação próprias e reconhecimento de sentido nelas mesmas,
causa estranheza o fato de, já na Educação Infantil, terem sido estabelecidas na
BNCC as “sínteses das aprendizagens esperadas” com vistas à “transição para o
Ensino Fundamental I”, mesmo com a ressalva de se ratar de elementos
“balizadores” e “indicadores” e não de “condição” ou “pré-requisito” (p. 49). Nesse
sentido, apresenta-se demasiadamente sofisticada para uma criança pré-escolar, a
síntese dela esperada no campo de experiência da Oralidade e escrita: “Conhecer
diferentes gêneros e portadores textuais, demonstrando compreensão da função
social da escrita e reconhecendo a leitura como fonte de prazer e informação”. (p.51)
Ademais, a “escrita espontânea” não conflui para tal sofisticação.
No ensino Fundamental I e II tem-se a distribuição detalhada de temas pelas
4 grandes áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências e ciências
humanas), ano a ano, disciplina por disciplina e tópicos detalhados dos conteúdos.
Exemplo:
1. Unidade temática: Apropriação do sistema alfabético de escrita. Objeto de
conhecimento: conhecimento do alfabeto. Habilidade: (EF02LP31): Recitar o
alfabeto na ordem das letras. (p. 81) Registre-se que este tipo de habilidade é
altamente questionável quanto à sua pertinência no contexto das teorias de
alfabetização que consideram o processo e o sentido da escritura.

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2. Unidade temática: A noção de espaço público e privado. Objeto de
conhecimento: A cidade e seus espaços: espaços públicos e espaços domésticos.
Habilidades: (EF03HI09) Mapear os espaços públicos no lugar em que vive (ruas,
praças, escolas, hospitais, prédios da Prefeitura e da Câmara de Vereadores etc.) e
identificar suas funções. (EF03HI10) Identificar as diferenças entre os espaços
públicos e o espaço doméstico, compreendendo a importância dessa distinção. (p.
361) Note-se que para Arendt, a tradução moderna de zoon politikon por animal
social, em vez da tradução por animal político, contribui com a indistinção entre
público e privado e reduz o universo da vida activa (Arendt, 2008).
O Ensino Médio não foi incorporado à proposta de BNCC, com prejuízos
evidentes à integração do Ensino Básico como um todo. Postergar a BNCC do
Ensino Médio gera questionamentos sobretudo quanto à suposta urgência da
Medida Provisória (MP) n. 746, do Ensino Médio. Com efeito, a conciliação das
discussões iniciadas nas primeiras versões da BNCC mostrou-se problemática com
a edição da MP do Ensino Médio.

2. Antítese – Oposição ao discurso oficial contido na BNCC: outras concepções


de sociedade, escola, interdisciplinaridade, aprendizagem e desenvolvimento
humano.

2.1 Sociedade, Escola e interdisciplinaridade


Em contraposição ao trocadilho ostentado no subtítulo da BNCC “Educação é
a Base”, cumpre destacar: de fato a Educação Escolar é uma das importantes bases
da formação, mas BNCC não!
A BNCC não contém uma análise estrutural e conjuntural criteriosa acerca do
papel da escola na sociedade contemporânea. De uma perspectiva neoliberal
considera que a sociedade encontra-se harmonizada e propõe a formação da
classes populares com um viés técnico elementar. O discurso de formação integral
do estudante se esfacela ante ao descuido com o trabalho interdisciplinar, com o
Projeto Político Pedagógico - PPP e a Medida Provisória do Ensino Médio, que
exclui a obrigatoriedade de disciplinas fundamentais da área de humanidades. O

91
interesse é formar trabalhadores adaptados a um sistema produtivo que privilegia o
grande capital e não a superação das desigualdades, a autonomia e realização do
trabalhador.
A tensão permanentemente enfrentada pela escola nos âmbitos da adaptação
e da mudança não devia ser omitida. Note-se que na história da humanidade os
processos educativos sempre buscaram cumprir o objetivo de integrar os indivíduos
entre si e ao contexto social em que estiveram inseridos. Tal como Silva et al (2015)
apontam em Interdisciplinary Formation and Social Integration in Present-Day, uma
inserção social adequada supõe formação para a participação ativa nos processos
de trabalho e de vivência cultural. A gestão democrática da escola e a
interdicisplinaridade são fundamentais ao preparado de um sujeito criticamente
inserido no contexto histórico por ele vivido.
A formação interdisciplinar pode representar um avanço na constituição do
perfil formativo do homem contemporâneo, aqui concebido como o que se desafia a
sintetizar as experiências do passado e os projetos do futuro na configuração do
presente, no qual é chamado a viver, por vezes de forma inatual, profanando
convencionalidades habituais (Agamben, 2010).
Cumpre enfatizar que o conceito de formação interdisciplinar implica a
preservação do disciplinar: inter disciplinar, tal como o próprio termo expressa. A
perspectiva interdisciplinar coloca o disciplinar no conjunto das demais disciplinas e
áreas do conhecimento, numa relação dialogal e integrada que facilita aos indivíduos
uma melhor compreensão de si mesmo, dos outros, da natureza e da sociedade.
Rios (2008), coloca-se o problema da globalização e suas consequências na
fragmentação do conhecimento, sua massificação e homogeneidade. Nesse
contexto, advoga a consideração das diferenças e especificidades dos saberes e
práticas num trabalho interdisciplinar e coletivo. “É necessário, assim, refletir sobre o
sentido da interdisciplinaridade. Não se pode ter interdisciplinaridade se não se tiver,
de início, disciplinaridade, muito especificamente falando”. (RIOS, 2008, p. 58)
Em suma, a perspectiva interdisciplinar se configura antes de tudo no
currículo e na construção do Projeto Político Pedagógico da escola, os quais, por
sua vez, são pautados pela definição do papel social da escola na formação do
indivíduo. Nesse sentido, as seleções dos conteúdos, metodologias e estratégias de

92
ensino deverão guardar relação entre as dimensões disciplinares, interdisciplinares e
transdisciplinares. Tais elementos são desprezados na BNCC, com o agravante de
afrontar autonomia das escolas e dos professores na proposição dos conteúdos, ao
prescrever o rol detalhado dos conteúdos para cada disciplina.

2.2 Fundamentos: perspectiva tecnocrática


A análise da BNCC para além dos discursos contidos na propaganda oficial e
na propaganda das instituições privadas interessadas em produzir materiais
didáticos e estabelecer convênios com as instituições públicas escolares, revela:

[...] a ausência de referência em relação aos conteúdos científicos,


artísticos e filosóficos, e a ênfase em métodos, procedimentos,
competências e habilidades voltadas para a adaptação do indivíduo
aos interesses do grande capital. Expressando a hegemonia da
classe empresarial no processo de elaboração do documento”
(MARSIGLIA et al, 2017, p. 109)

A diretoria da Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação -


ANPED, publicou uma Nota sobre a citada BNCC em sua terceira versão, na qual
destacou, dentre outros elementos:

- A BNCC é um documento inspirado em experiências de


centralização curricular, tal como o modelo do Common Core
Americano, o Currículo Nacional desenvolvido na Austrália, e a
reforma curricular chilena - todas essas experiências amplamente
criticadas em diversos estudos realizados sobre tais mudanças em
cada um desses países;
- A retirada do Ensino Médio do documento fragmentou o sentido da
integração entre os diferentes níveis da Educação Básica, ao
produzir centralização específica na Educação Infantil e Ensino
Fundamental;
- É preocupante também a retomada de um modelo curricular
pautado em competências. Esta “volta” das competências ignora
todo o movimento das Diretrizes Curriculares Nacionais construídas
nos últimos anos e a crítica às formas esquemáticas e não
processuais de compreender os currículos;
- A retirada de menções à identidade de gênero e orientação sexual
do texto da BNCC reflete seu caráter contrário ao respeito à
diversidade e evidencia a concessão que o MEC tem feito ao
conservadorismo no Brasil;
- A concepção redutora frente aos processos de alfabetização e o
papel da instituição escolar na educação das crianças. (ANPED,
2017)

93
Em relação ao último aspecto apontado verifica-se um retorno ao chamado
“método fônico”. A BNCC desconsidera que o processo de alfabetização teve uma
evolução significativa ao longo das últimas três décadas. A ênfase nos métodos e
técnicas foi superada pelos trabalhos de Emília Ferrero e continuadores e teóricos
da Teoria Histórico-Cultural, de matriz Vigotskiana. Tais pesquisas trouxeram uma
importante contribuição ao enfatizar o fato de que as crianças se alfabetizam
pensando e refletindo sobre a escrita, que a língua se constitui em contextos
históricos e sociais próprios e carregados de sentidos e significados.
A partir daí, a questão que se coloca é: qual escrita se deve oferecer as
crianças? Portanto, são questionadas as práticas de professores alfabetizadores
centradas num ensino da língua pautado na relação grafema/fonema. Desde há um
bom tempo, já se deslocou a ênfase das unidades individuais e ditas simples – as
letras – para as mais complexas – sílabas/frases/textos. Desta perspectiva, o
resultado das práticas centradas no fônico e alfabético não têm garantido um
processo de alfabetização adequado, pois o foco fica na extração de sons para ler e
escrever. Apesar de muita coisa ter melhorado ao longo do tempo, ainda é preciso
avançar mais, pois as práticas que circundam a escola ainda priorizam que as
crianças decodifiquem o que leem e codifiquem o que escrevem, o que não condiz
com a formação capacitação de um leitor/escritor proficiente.
Estudos recentes apontam a necessidade de uma prática que considere a
alfabetização como prática discursiva. Desse modo, parte-se do gênero textual para
se ensinar a língua.

2.3 – Baixa qualidade de ensino e omissão do Estado


A baixa qualidade do ensino é o grande vilão utilizado para justificar as
diferentes reformas e contrarreformas. Quanto à baixa qualidade do ensino básico, a
evasão e o restrito número de jovens que concluem o ensino médio, cumpre
destacar, antes de tudo a omissão do Estado na solução desses problemas. As
propostas de reformas e contrarreformas, frequentemente se pautam em análises
unilaterais que culpabilizam os professores, as unidades escolares e os agentes do
seu entorno.

94
Mészáros, em A educação para além do capital (2005, p. 53), parafraseia
José Martí ao lembrar: “as soluções não podem ser apenas formais, elas precisam
ser essenciais”. (2005, p. 53)
Dessa perspectiva, nada adiantam as ditas propostas de reformas
educacionais se elas vêm justificadas em fatos acidentais e desconsideram, por
exemplo, os vários séculos de história do Brasil sem investimento na educação
básica do povo e o descaso dos estados, munícipios e da federação com as
condições de formação e de trabalho dos professores.
Nesse sentido, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) do IBGE são reveladores.
Ensino Fundamental Completo (até 16 anos): em 2004: 58,9%; em 2014: 73,3%.
Ensino Médio Completo (até 19 anos): 2005: 41,4%; 2014: 56,7%.
Ensino superior completo: 2000: 4,4%; 2010: 7,9%.
Os percentuais citados falam por si mesmos. O grave problema da educação
escolar brasileira ainda reside baixa e desqualificada oferta de vagas e a carência de
investimentos, aspectos essenciais e elementares não objetivados pelas
contrarreformas.
Como se pode constatar, o percentual de brasileiros com nível superior
completo passou de 4,4%, em 2000, para 7,9% em 2010. A meta do PNE é que o
percentual de matriculados no ensino superior em 2024 atinja 50% e o percentual de
formados 33%, sendo 40% das novas matrículas no seguimento público (Brasil,
2014, p. 73).
A Medida Provisória n. 746, sob o pretexto de fomentar Escolas de Ensino
Médio em tempo integral, realiza, na verdade profundas mudanças de concepção na
formação do jovem.
A marca tecnocrática da BNCC também se expressa pelos códigos
alfanuméricos, os quais detalham em excesso os conteúdos a serem ministrados,
restringindo o papel do professor e das escolas na formulação de suas propostas
pedagógicas. A intenção da BNCC é facilitar os mecanismos de avaliação, a
elaboração de apostilas e o treinamento de professores em conformidade com a
BNCC. Tal mecanismo negará a prerrogativa do professor de preparar seu material

95
didático, pois impõe a ele um material padronizado, o que destoa dos princípios da
elaboração participativa do PPP e da gestão democrática da escola.

3. Síntese. Construção de novas possibilidades

No contexto político e ideológico atual temos assistido a tentativa do Estado,


por meio de seus representantes políticos, de controlar cada vez mais a educação,
controlar o que se ensina do ponto de vista ideológico e do ponto de vista dos
conteúdos. Para isso contribui uma BNCC nos moldes da que está sendo
institucionalizada no Brasil. Uma BNCC que deixa de ser a referência mínima aos
currículos dos diferentes sistemas de ensino e escolas para se arvorar na referência.
Uma BNCC que serve como mecanismo de fiscalização dos sistemas de ensino, do
trabalho do professor e dos estudantes, para que sejam avaliados em conformidade
com os parâmetros padronizados de larga escala.
Constranger os sistemas de ensino e professores a atuarem em função de
uma BNCC nos moldes apresentados não representará melhoria da qualidade de
ensino. Se converte em falácia a afirmação de que serão consideradas as
peculiaridades regionais, os diferentes contextos culturais e a diversidade dos
estudantes, pois a pressão exercida pelas avaliações externas secundarizam esses
aspectos.
Formar professores alinhados a uma BNCC é uma afronta à autonomia das
Universidades e Instituições de Ensino Superior dedicadas à formação de
professores e, também, a negação do professor como um intelectual, produtor e
criador de conhecimentos, pois a BNCC remete aos especialistas o de gabinete o
papel de pensar, produzir e criar conhecimentos.
Com efeito, no contexto da lógica do apostilamento não há de fato interesse
em professores autônomos, sujeitos de seu próprio trabalho. Ao contrário, quanto
mais esvaziado o professor se encontrar quanto ao sentido, ao significado e à
autoria do seu próprio trabalho, mais receptivo estará aos programas apostilados e
disposto a pagar por uma formação continuada dirigida ao manuseio técnico do
material que lhe foi imposto.

96
Nos processos de formação de professores urge resistir também propiciando
formação qualificada, compreendendo o professor como um intelectual, condição
para sua contribuição na superação das condições de alienação do trabalho.
Precede o enfrentamento de questões centrais aprovadas no Plano Nacional
de Educação atinentes à gestão democrática da escola, à melhoria da formação dos
professores, das suas condições salariais e de trabalho e de melhoria da
infraestrutura das escolas, questões estas negligenciadas pela BNCC. Em contexto
exacerbação das avaliações, cumpre empreender rigorosa avaliação acerca do
flagrante descumprimento do PNE por parte governo brasileiro no contexto das
políticas educacionais.
Em suma, a escola não pode mais se dedicar apenas à preparação para o
trabalho. Os objetivos da escola devem transcender à meta de preparação para o
trabalho, incluindo a formação humana omnilateral, de todos os lados, que inclui
simultaneamente formação intelectual, corporal e tecnológica (Marx e Engels, 2004),
o oposto do contido na Reforma do Ensino Médio, marcadamente disciplinar e
unilateral.
A negação da subjetividade dos estudantes e a redução de sua formação ao
viés da preparação elementar para o trabalho consistirá num equívoco grave para as
atuais e futuras gerações, pois o contexto histórico e social está a reclamar
exatamente o contrário: pessoas críticas, criativas, abertas ao novo e conscientes do
seu papel na construção de uma sociedade justa, igualitária e sustentável.

REFERÊNCIAS

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2010.

ANPED. Nota da ANPEd sobre a entrega da terceira versão da Base Nacional


Comum Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE)
http://www.anped.org.br/sites/default/files/nota_da_anped_sobre_a_entrega_da_terc
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/
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Fundamental. Brasília. MEC/SEF, 1997.

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http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-
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