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Fichamento Lévi-Strauss – O Pensamento Selvagem

Capítulo 1 – A Ciência do Concreto

p. 19 – “Aprouve-nos durante muito tempo, mencionar línguas que faltam termos para
capturar conceitos, tais como os de árvore ou animal, se bem que elas possuam todas as
palavras necessárias a um inventário minucioso de espécies e de variedades. Mas,
invocando esses casos em favor de uma suposta inaptidão dos ‘primitivos’ ao
pensamento abstrato, omitíamos, então, outros exemplos, que atestam que a riqueza em
palavras abstratas não é só apanágio das línguas civilizadas”. – Exemplo dado pelo
autor: chinuque – noroeste da América do Norte (Boas) – Ressalva da crença de Boas
de que estas palavras somente são cunhadas em função das necessidades práticas dos
indígenas.

p. 20 – Handy e Pukui vão no mesmo sentido. Acreditam que “o índio denomina e


conceitua somente em função de suas necessidades (...) ‘A vida era a experiência
investida de exata e precisa significação’ (Handy e ali.). Na verdade, a triagem
conceptual varia conforme a língua”.

P. 21 – “Como na linguagem profissional, a proliferação conceptual corresponde a uma


atenção mais firme, em relação às propriedades do real, a um interesse, mais desperto
para as distinções que aí podem ser introduzidas. Este apetite de conhecimento objetivo
constitui um dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que nós
chamamos ‘primitivos’. (...) o universo é objeto de pensamento, ao menos tanto quanto
meio de satisfazer necessidades. Cada civilização tende a superestimar a orientação
objetiva de seu pensamento; é, por isso, então, eu ela nunca está ausente”. – cita Handy
e Pukui – “Sem dúvida, a agricultura para mercado não se confunde com o saber do
botânico. Mas, ignorando o segundo e considerando exclusivamente a primeira, a velha
aristocrata havaiana repete, por conta de uma cultura indígena, invertendo-o embora a
seu favor, o erro simétrico cometido, por Malinowski, quando pretendia que o interesse
em relação às plantas e aos animais totêmicos só era inspirado aos primitivos pela
queixa de seus estômagos”.
P. 22 – Trecho da citação de Conklin, relativo ao betel dos hanunoo, das Filipinas:
“Contrariamente à opinião segundo a qual as sociedades que vivem em economia de
subsistência só utilizariam uma pequena fração da flora local, esta última é utilizada
numa proporção de 93%".

P. 23 – O autor cita um biólogo, sobre os pigmeus das Filipinas como detentores de


“conhecimento inesgotável dos reinos vegetal e animal” e que este povo “estuda sem
cessar tudo que o cerca”. Após, prossegue: “Depois de haver demonstrado que os
indígenas se interessam também pelas plantes que não lhes são diretamente úteis, por
causa das relações de significação que os ligam aos animais e aos insetos (...)”.

P. 24 – Prossegue nos exemplos sobre como os termos abstratos criados pelos povos
indígenas não correspondem necessariamente a um interesse ou necessidade prática,
assim como a capacidade de aproveitamento dos mesmos sobre os recursos naturais,
como uma população das ilhas Ryukyu, os índios coahuilla (“conheciam nada menos
que 60 plantas alimentícias e outras 28, de propriedades narcóticas, estimulantes ou
medicinais (Barrows)), assim como o léxico botânico dos subanum.

P. 25 – Trecho da citação da Smith Bowen: “Pela primeira vez na minha vida, encontro-
me numa comunidade onde as crianças de dez anos não me são superiores em
matemática, mas estou também num lugar onde cada planta, selvagem ou cultivada, tem
nome e uso bem definidos, onde cada home, cada mulher e cada criança conhece
centenas de espécies. Nenhum deles quererá jamais acreditar que eu seja incapaz,
mesmo que o queira, de saber tanto quanto eles” – em parte isso retoma o argumento
do “Raça e História” no sentido da refutação do evolucionismo cultural e da
afirmação de um etnocentrismo, ao mesmo tempo que introduz sua tese de que é da
natureza humana a conceituação abstrata (uma necessidade intelectual) e não
motivada por um interesse prático imediato – primeiro o conceito, a nomenclatura,
depois o uso.

P. 26 – “Citando um extrato de suas notas de viagem, Concklin quis ilustrar esse contato
íntimo entre o homem e o meio, que o indígena, impõe, perpetuamente, ao etnólogo”.
P. 27 – “Este saber e os meios linguísticos de que dispõe, estendem-se também à
morfologia. A língua tewa usa termos distintos para cada parte, ou quase, do corpo das
aves e dos mamíferos (Henderson e Harrington, p. 9)”.

P. 28 – “É claro que um saber tão sistematicamente desenvolvido não pode estar em


função de simples utilidade prática”. Citação do Speck “Toda classe de répteis (...) não
oferece nenhum interesse econômico para estes índios; ele não comem a carne das
cobras nem a dos batráquios, nem utilizam parte alguma de seu despojo, exceto, em
casos muito raros, para a confecção de amuletos contra a doença ou a bruxaria”.

P. 29 – “Somente entre os buriate, e limitando-se ao urso, a carne deste possui 7


virtudes terapêuticas distintas, o sangue 5, a gordura 9, o cérebro 12, a bile 17 e o pelo
2. (...). De tais exemplos que se poderiam tirar de todas as regiões do mundo, concluir-
se-ia de bom grado, que as espécies animais e vegetais não são conhecidas na medida
em que sejam úteis; elas são classificadas úteis ou interessantes porque são primeiro
conhecidas” – Muito importante, síntese do argumento! Tem a ver com a questão da
natureza humana. – “Objetar-se-ia que tal ciência não pode ser muito eficaz num plano
prático. Mas, precisamente, seu primeiro objetivo não é de ordem prática. Ela responde
a exigências intelectuais antes, ou em vez, de satisfazer necessidades. (...) congruência
(...) aplicação hipotética (...) introduzir um princípio de ordem no universo; porquanto a
classificação, qualquer que seja, possui uma virtude própria em relação à falta de
classificação. Como escreve um técnico moderno em taxinomia:”

PP. 29-30 – citação introduzida na nota anterior: “Os cientistas suportam a dúvida e a
derrota, porque não podem agir de forma diferente. Mas a desordem é a única coisa que
não podem nem devem tolerar. Todo o objetivo da ciência pua é levar, a seu ponto mais
alto e mais consciente, a redução dessa forma caótica de perceber, que teve início num
plano inferior e possivelmente inconsciente, com a origem mesma da vida. (...).
Entretanto, o postulado fundamental da ciência é que a natureza mesma é organizada
(...)”.

P. 30 – “Ora, esta exigência de ordem está na base do pensamento que nós chamamos
primitivo, mas somente na medida em que está na base de qualquer pensamento: (...).
‘Cada coisa sagrada deve estar em seu lugar’, notava, com profundeza um pensador
indígena (Fletcher 2, p. 34). Poder-se-ia mesmo dizer que é isso que a torna sagrada,
pois, suprimindo-a, ainda que, por pensamento, toda a ordem do universo se encontraria
destruída; ela contribui, pois, para mantê-la ao ocupar o lugar que lhe cabe”.

PP. 30-31 – Citação Fletcher: “devemos dirigir um encantamento especial a cada coisa
que encontramos, pois Tirawa, o espírito supremo, reside em todas as coisas e, tudo o
que encontramos em nosso caminho pode socorrer-nos (...). Fomos instruídos para
prestar atenção a tudo o que vemos”.

P. 31 – “Esta preocupação da observação exaustiva e do inventário sistemático das


relações e das ligações pode levar, às vezes, a resultados de boa ordem científica (...).
Mas não será que o pensamento mágico, essa ‘gigantesca variação sobre o tema do
princípio da causalidade’, como diziam Hubert Mauss (2, p. 61), se distingue menos da
ciência pela ignorância ou pelo desprezo do determinismo, do que por uma exigência de
determinismo mais imperiosa e mais intransigente e que a ciência pode, quando muito,
julgar insensata e precipitada”? Citação Evans-Pritchard “Considerada como um
sistema de filosofia natural, ela (witchcraft) implica uma teoria das causas (...). Contra o
búfalo e o celeiro, não se pode intervir. Ainda que sejam também reconhecidos como
causas, não são significativas, no plano das relações sociais”.

PP. 31-32 – “Entre magia e ciência, a diferença primordial seria, pois, deste ponto de
vista, que uma postula um determinismo global e integral, enquanto que a outra opera
distinguindo níveis, dos quais apenas alguns admitem formas determinismo tidas como
inaplicáveis a outros níveis”.

P. 32 – “(...) de sorte que o determinismo fosse globalmente suspeitado e arriscado antes


de ser conhecido e respeitado? Os ritos e as crenças mágica apareceriam, então, como
outras tantas expressões de um ato de fé numa ciência ainda por nascer. Há mais. Não
somente por sua natureza, estas antecipações podem ser, às vezes, coroadas de sucesso,
mas podem também antecipar duplamente; sobre a própria ciência e sobre métodos ou
resultados que a ciência só assimilará num estágio avançado de seu desenvolvimento, se
é verdade que o homem enfrentou primeiro o mais difícil: (...) visto a explicação
científica sempre corresponder à descoberta de uma ‘ordenação’ – toda tentativa deste
tipo, mesmo inspirada em princípios não-científicos, pode encontrar ordenações
verdadeiras. Isto é mesmo previsível, se se admite que, por definição, o número de
estruturas é finito: o ‘pôr em estrutura’, possuiria, então, uma eficácia intrínseca,
quaisquer que fossem os princípios e os métodos em que se inspire”.

P. 33 – “Somente a intuição incitaria a agrupar a cebola, o alho, a couve, o nabo, o


rabanete e a mostarda, quando a botânica separa a liliáceas e das crucíferas.
Confirmando o testemunho da sensibilidade, a química demonstra que essas famílias
estranhas se juntam em outro plano: elas contém enxofre. (...). Ora, isto não é apenas o
efeito de um frenesi associativo, fadado, às vezes, ao sucesso, por uma simples questão
de oportunidade. (...) a exigência de organização é uma necessidade comum à arte e à
ciência e que, em consequência, ‘a taxionomia, que é a organização por excelência,
possui um eminente valor estético (l. c., p. 4)”. – Me lembrou a crítica do juízo do Kant
– “Não voltamos, contudo, à tese vulgar (aliás admissível, na perspectiva estreita em
que se coloca), segundo a qual a magia seria uma modalidade tímida e balbuciante da
ciência: pois nos privaríamos de todos os meios de compreender o pensamento mágico
se pretendêssemos reduzi-lo a um momento ou a uma etapa da evolução técnica e
científica. Mais como uma sombra que antecipa seu corpo, ela é, num sentido, completa
como ele, tão acabada e coerente em sua imaterialidade quanto o ser sólido por ela
simplesmente precedido”.

P. 34 – “(...) forma um sistema bem articulado; independente, neste ponto, desse outro
sistema que constituirá a ciência (...). Em lugar, pois, de opor magia e ciência, melhor
seria coloca-las em paralelo, como duas formas de conhecimento, desiguais quanto aos
resultados teóricos e práticos (pois, sob este ponto de vista, é verdade que a ciência se
sai melhor que a magia, se bem que a magia preforme a ciência, no sentido de que
triunfa também algumas vezes), mas não pelo gênero de operações mentais, que ambas
supõem, e que diferem menos em natureza que em função dos tipos de fenômenos a que
se aplicam. Estas relações decorrem, com efeito, das condições objetivas em que
surgiram o conhecimento mágico e o conhecimento científico”. – O autor nomeia este
contexto do surgimento das condições objetivas em que surgiram o conhecimento
mágico e científico de paradoxo neolítico.

P. 35 -
Capítulo 6 – Universalização e Particularização

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