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2 1 PB
2 1 PB
MORFOLOGIA
3 Editorial
Relatórios
14 1º Congresso do ISUF-Hispânico, Toledo, 2016 C. M. Utanda
Notícias
4 Urban Morphology
14 PNUM 2018: A produção do território – formas, processos, desígnios
26 ISUF 2017: City and territory in the global era
58 3º Workshop PNUM
60 4º International Symposium Formal Methods in Architecture
Editor: Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal, vitorm@fe.up.pt
Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. Os Artigos (não deverão exceder as 6 000 palavras, devendo
ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras), as Perspetivas (não deverão exceder
as 1 000 palavras), os Relatórios e as Notícias referentes a eventos futuros deverão ser enviados
ao Editor. As normas para contributos encontram-se na página 2.
Desenho original da capa - Karl Kropf. Desenho das figuras - Vítor Oliveira
3 Editorial
15 R. M. Almeida
‘Uma Cidade Industrial’ de Tony Garnier: repensando a gênese do urbanismo
progressista, no centenário de sua publicação
Perspetivas
Relatórios
Notícias
4 Urban Morphology
14 PNUM 2018: A produção do território – formas, processos, desígnios
26 ISUF 2017: City and territory in the global era
58 3º Workshop PNUM
60 4º International Symposium Formal Methods in Architecture
Normas para contributos para a Revista de Morfologia Urbana
Os textos a submeter à ‘Revista de Morfologia Whitehand, J. W. R. e Larkham, P. J. (eds.)
Urbana’ deverão ser originais, escritos em (1992) Urban landscapes, international
Português, e não deverão estar em apreciação em perspectives (Routledge, Londres).
nenhuma outra revista científica. Os textos serão No caso de publicações com múltiplos
aceites para publicação depois da avaliação autores, todos os nomes devem ser incluídos na
favorável de, pelo menos, dois revisores lista de referências. Apenas as referências citadas
independentes. Os artigos não deverão exceder as devem ser incluídas na lista.
6.000 palavras, devendo ainda incluir um resumo
com um máximo de 200 palavras e até cinco Ilustrações e tabelas
palavras-chave. O título do artigo, o resumo e as Os desenhos e as fotografias deverão ter a
palavras-chave deverão ser bilingue, em dimensão adequada à sua reprodução. Nesse
Português e em Inglês. Como a autoria dos textos sentido, a dimensão das páginas da revista deverá
não é revelada aos revisores, o(s) nome(s) e o(s) ser tida em consideração pelo autor ao desenhar
endereço(s) do(s) autor(es) devem constar de uma as ilustrações. As ilustrações devem ser a preto e
folha em separado. As ‘perspetivas’ (também branco a menos que a cor seja essencial. Devem
sujeitas a ‘revisão por pares’) e os book reviews ser numeradas de forma consecutiva, referidas
não deverão exceder as 1.000 palavras. Os artigos diretamente no texto e submetidas em formato
e as ‘perspetivas’ devem ser formatados em word JPEG ou TIFF. As ilustrações fotográficas
e enviados por e-mail para o Editor deverão ter uma resolução de, pelo menos, 1200
(vitorm@fe.up.pt). Os book reviews deverão ser dpi, e os desenhos de, pelo menos, 600 dpi. Todas
endereçados ao Editor dos Book Review as ilustrações devem ter uma designação. No
(marat.mendes@gmail.com). Os textos deverão final do texto, após a lista de referências, deve ser
ser submetidos em formato de coluna única com incluída uma lista das ilustrações, da seguinte
margens largas. Os autores não deverão tentar forma:
reproduzir o layout da revista. Todas as medições
devem ser expressas no sistema métrico. Figura 1. Análise metrológica de Lower
Os autores são os únicos responsáveis pelas Broad Street, Ludlow
opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. São ainda Deverá ser dedicada uma atenção especial ao
responsáveis por assegurar eventuais permissões layout das tabelas, devendo ser desenhada uma
para reprodução de ilustrações, citações extensas, tabela por página. As tabelas deverão ser
etc. desenhadas com o mínimo recurso a
normalizações quer na vertical quer na horizontal.
Referências Deverão ter margens largas em todos os lados.
Os autores deverão usar o sistema de
referenciação Harvard, no qual o nome do autor Página de título
(sem as iniciais) e a data são apresentados no Numa página em separado deverá ser indicado o
corpo do texto – por exemplo (Whitehand e título do artigo e o nome, a filiação académica
Larkham, 1992). As referências são apresentadas (ou profissional) e o endereço completo
por ordem alfabética no final do texto, sob o (incluindo e-mail) do(s) autor(es).
título ‘Referências’, da seguinte forma:
Títulos
Conzen, M. P. (2012) ‘Urban morphology, ISUF Apenas na primeira letra e nos nomes próprios
and a view forward’, 18th International serão utilizadas maiúsculas. Os títulos deverão
Seminar on Urban Form, Montreal, 26 a 29 de ser justificados à esquerda. Os títulos primários
Agosto. deverão ser a negrito e os secundários em itálico.
Conzen, M. R. G. (1968) ‘The use of town plans
in the study of urban history’, em Dyos, H. J. Números
(ed.) The study of urban history (Edward Deverão ser usados algarismos para todas as
Arnold, Londres) 113-30. unidades de medida, à exceção de quantidades de
Hillier, B. (2008) Space is the machine objetos e pessoas, quando estas se referirem a
(www.spacesyntax.com) consultado em 9 valores compreendidos entre um e vinte. Nesse
Setembro de 2013. caso, os números deverão escritos por extenso.
Kropf, K. S. (1993) ‘An inquiry into the
definition of built form in urban morphology’, Por exemplo: 10 dias, 10 km, 24 habitantes, 6400
Tese de Doutoramento não publicada, m; mas dez pessoas, cinco mapas.
University of Birmingham, Reino Unido.
Moudon, A. V. (1997) ‘Urban morphology as an Provas
emerging interdisciplinary field’, Urban Durante o processo de publicação serão enviadas
Morphology 1, 3-10. provas aos autores. Nesta fase, apenas serão
corrigidos erros de impressão, não sendo
aceitáveis alterações de fundo.
Editorial
A forma física da cidade está em constante que temos vindo a produzir utiliza um critério de
mudança. Se a transformação é um dado uso do solo para dividir o território municipal em
adquirido, o que varia é o ritmo de mudança, diferentes partes, para posteriormente produzir
influenciado por todo um conjunto de fatores diferentes regras de transformação da forma
sociais, económicos e ambientais. Encontraremos urbana para cada uma dessas partes. Tão
diferentes ritmos comparando diferentes cidades, incoerente como esta prática é o facto de na teoria
mas também comparando diferentes tempos de planeamento esta confusão entre usos do solo
históricos de uma mesma cidade (ver, por e forma urbana ser dominante.
exemplo, o conceito de cintura periférica, O zonamento é um dos mecanismos mais
proposto pela abordagem histórico-geográfica – usados na prática de planeamento. Se numa
Conzen, 1960). A cada dia que passa na ‘vida’ de primeira fase da nossa história urbana ele era
uma cidade, um ou vários edifícios sofrem utilizado para segregar usos, numa segunda fase,
alterações mais ou menos profundas. A cada mês, ele passou a ser utilizado para promover a
ou a cada ano, há uma transformação no sistema mistura de usos acautelando, ainda assim, que
de parcelamento dessa cidade, envolvendo a funções incompatíveis não coexistam na mesma
criação de novas parcelas resultando da junção ou zona. Esta mudança de paradigma faz com que,
da subdivisão de outras parcelas. A cada ano há de certo modo, o zonamento funcional tenha
alterações no sistema de espaços coletivos da perdido as razões da sua existência. A ação de
cidade com a redefinição do perfil de ruas dividir o território em diferentes partes para em
existentes ou com a abertura de novas ruas. cada parte dizer que todos os usos são possíveis
Esta transformação inclui diferentes tipos de (acrescentando a isto um ou outro critério de
processos (de natureza coletiva / pública e de forma) não é coerente. No entanto, o zonamento
natureza individual / privada) e envolve é, em si mesmo, um mecanismo neutral. Se
diferentes tipos de atores (diretos e indiretos) com enquanto sociedade acharmos desejável regular a
interesses diferentes e, por vezes, conflituantes. transformação da forma urbana e acharmos que
Se é verdade que, pela especificidade de essa regulação é mais eficaz se nos centrarmos
determinadas sociedades, podemos encontrar nas diferentes partes que compõem a cidade,
cidades em que a ação pública ou a ação privada então o zonamento é uma ferramenta útil. No
é hegemónica, é também verdade que uma parte entanto, tendo em consideração o fenómeno com
significativa das cidades combina estas duas que estamos a lidar, ele deve adquirir uma
ações de natureza diferente. Aceitar esta natureza tipo-morfológica e não funcional. E esta
coexistência, implica perceber que a ação pública é uma diferença fundamental.
deverá materializar-se num conjunto de propostas Num zonamento tipo-morfológico, cujo
de planeamento e projeto, mas também na propósito é regular a transformação da forma
regulação das diferentes ações privadas. urbana, as zonas são definidas com base em
Regular a transformação significa estabelecer critérios de forma. Duas zonas são diferentes
regras ou regulamentos para essa transformação. porque as formas que existem numa delas são
Uma questão que imediatamente se pode levantar diferentes das formas que existem na outra. Por
é se o mesmo conjunto de regras se deve aplicar a exemplo, uma zona poderá corresponder a uma
toda a cidade ou se, pelo contrário, diferentes área de frente urbana consolidada (com uma
conjuntos de regras se devem aplicar a diferentes frente de rua contínua, com parcelas estreitas e
partes da cidade. Tendo em consideração o com edifícios à face da rua) e outra zona poderá
fenómeno específico que queremos regular – a corresponder a uma área de habitação unifamiliar
forma física da cidade – a segunda opção parece (com uma frente de rua descontínua, com
reunir mais vantagens, já que é aquela que terá parcelas largas e com edifícios afastados da rua).
melhores condições para incorporar as inúmeras Naturalmente que a delimitação exata da fronteira
diferenças existentes ao nível da forma urbana. entre duas zonas nem sempre é fácil, aumentando
Assumindo esta necessidade de dividir a a dificuldade à medida que vão aumentando as
cidade em partes, podemos questionar como fazer diferenças morfológicas (Larkham e Morton,
essa divisão. Uma análise da prática de 2011). Mas a morfologia urbana fornece-nos um
planeamento revela que uma boa parte dos planos conjunto de conceitos e métodos que nos podem
Revista de Morfologia Urbana (2017) 5(1), 3-4 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
4 Editorial
auxiliar nesse processo (ver, por exemplo, o modo mais evidente os valores de técnicos e
conceito de região morfológica, proposto pela políticos. Também aqui irão emergir aqueles
abordagem histórico-geográfica – Whitehand, elementos de forma urbana cuja alteração não
2009). implica uma perda para a identidade morfológica
Depois de definidos os limites de cada zona, da zona em que se inserem.
como definir as regras de transformação das ruas,
parcelas e edifícios dessa mesma zona? O que é
expectável que seja informado pela investigação Referências
e análise morfológica e o que é expectável que
dependa dos valores / ideologias dos técnicos e Conzen, M. R. G. (1960) Alnwick
dos políticos? O que é que, em cada zona, é Northumberland: a study in town-plan analysis.
desejável regular e o que deve ser deixado por Institute of British Geographers Publication 27
regular? (George Philip, Londres).
A resposta a estas questões não é fácil nem Larkham, P. J. e Morton, N. (2011) ‘Drawing
linear. Num zonamento tipo-morfológico as lines on maps: morphological regions and
regras para a transformação das formas de uma planning practices’, Urban Morphology 15,
zona devem partir das formas existentes nessa 133-51.
zona. Em cada zona, e até por comparação com Whitehand, J. W. R. (2009) ‘The structure of
as restantes, deve existir uma estratégia clara para urban landscapes: strengthening research and
lidar com as forças de conservação e de rutura. practice’, Urban Morphology 13, 5-27.
Eventualmente nas zonas em que as forças de
rutura sejam mais fortes irão emergir de um Vítor Oliveira
Urban Morphology
Foi publicado em Abril o primeiro número do Manifeste (projetada no século XXI, como
volume 21 da revista Urban Morphology extensão da Cité Ouvrière desenhada no século
(http://www.urbanform.org/online_public/2017_1 XIX) em Mulhouse, França. Concretamente, os
.shtml). Este número inclui quatro artigos. autores procuram perceber como é que o desenho
No primeiro artigo, Ilkka Törmä, Sam de novos conjuntos de habitação social pode
Griffiths e Laura Vaughan exploram a influência aumentar a resiliência de uma zona, bem como a
das formas urbanas existentes nos processos de sua integração social e espacial na área
transformação e permanência em dois subúrbios envolvente.
no sul de Londres (Surbiton e South Norwood). Por fim, Alessandra Feliciotti, Ombretta
Segundo os autores, os edifícios em ruas Romice e Sergio Porta tomam o caso de estudo
movimentadas (não necessariamente as mais de Gorbals, em Glasgow, para analisar a eficácia
movimentadas) são os que sofrem maiores dos masterplans que se estão a produzir face às
alterações devido ao facto de poderem acomodar questões da regeneração urbana e da resiliência
uma grande variedade de usos não residenciais. (entendida segundo cinco elementos –
Phil Jones, Arshad Isajkee, Chris Jam, Colin diversidade, redundância, modularidade,
Lorne e Saskia Warren analisam a relação entre conectividade e eficiência). Os autores
paisagem urbana e ‘atmosfera’ do lugar, desenvolvem uma comparação entre masterplans
explorando a temática da experiência humana elaborados no século XIX, no período modernista
subjetiva. Os autores entendem atmosfera como e na atualidade.
algo criado através da combinação de atividade A revista inclui ainda os seguintes
humana, respostas emocionais individuais e Viewpoints: Practising the science of urban form
perceções subjetivas das formas urbanas. Esta de Laura Narvaez Zertuche, Urban morphology
abordagem, assente em métodos etnográficos, é and world heritage practice de Garyfalia
aplicada em Balsall Heath, Birmingham. Palaiologou, Reflections on the gap between
No terceiro artigo, Fani Kostourou e Kayvan academic research in urban morphology and
Karimi abordam a inserção de novos complexos heritage conservation de Feng Song, Ying Dai e
de habitação social em malhas existentes, Ningting Li e, ainda, Reflections on the teaching
tomando como caso de estudo a Cité of urban morphology de Vítor Oliveira.
Estratégia projetual e configuração urbana: estudo
morfológico de duas cidades novas no Brasil de meados do
século XX
Revista de Morfologia Urbana (2017) 5(1), 5-13 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
6 Estratégia projetual e configuração urbana: estudo morfológico de duas cidades novas no Brasil
Angélica
Conclusão
Referências
A conformação da cidade e a expansão
urbana indicada nos dois projetos revelam as Benevolo, L. (1993 [1975]) História da cidade
estratégias projetuais adotadas pelos (Perspectiva, São Paulo).
Bonfato, A. C. (2008) Macedo Vieira.
projetistas: em Cianorte, a especificidade de Ressonâncias do modelo cidade-jardim (Senac,
cada área urbana foi criada por um processo São Paulo).
de individualização, respondendo à Braga, M. (2010) O concurso de Brasília (Cosac
circunstância do sítio e aos preceitos Naify, São Paulo).
estéticos do urbanismo academicista e Calabi, D. (2012) História do urbanismo europeu
articulando elementos morfológicos (Perspectiva, São Paulo).
Estratégia projetual e configuração urbana: estudo morfológico de duas cidades novas no Brasil 13
Design strategy and urban configuration: morphological study of two new towns in mid-twentieth
century Brazil
Abstract. Cianorte and Angélica are two new towns planned in Brazilian hinterlands’ pioneering
agricultural colonization zone. Both designed in the early 1950s, each one is linked to a specific town
planning tradition: Cianorte late resonated the notion of the city as a work of art, alongside with some
features of the garden city; Angélica early exemplified in Brazil the rationalist urbanism for a functional
city. By contrasting the urban forms of the two cities, this paper explores the adopted design strategies,
and points out their potentialities and weaknesses. As a result, this morphological study unveils, on the
one hand, the layout of a town according to classical precepts of composition and the creation of a
unique townscape; and, on the other hand, the configuration of a radically modern, functionally
standardized and uniform town. In both cases the adopted design strategy impacted the development of
the urban form: in Angélica, the land use pattern and the built form did not follow the revolutionary,
modernist configuration of the morphological elements; in Cianorte, the urban growth ignored the city-
beautiful layout and did not materialize the planning proposals.
Revista de Morfologia Urbana (2017) 5(1), 15-26 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
16 ‘Uma Cidade Industrial’ de Tony Garnier: repensando a gênese do urbanismo progressista
tarde, a forma da cidade moderna, expressa de zoneamento que foi quase contemporâneo
na Carta de Atenas, manifesto do urbanismo ao dos alemães. Inteiramente baseado na
progressista. Diferentemente de outras clareza do desenho e na forma arquitetônica
concepções de cidade da época, em seu plano dos edifícios’. Garnier pretendia, com o
era permitido o crescimento não só da cidade zoneamento e outros elementos, estabelecer
como um todo, mas também de suas partes um contraponto ao processo de expansão do
específicas. tecido urbano das cidades no final do século
A Figura 2 apresenta desenhos realizados XIX e início do século XX (Choay 1998
por Garnier sobre a sua concepção de cidade. [1965]). Com relação a esse processo, ele não
A facilidade de reconhecimento das foi explícito em seu texto, como os utopistas
propostas urbanas através de formas puras foi socialistas foram, ao proclamarem o quanto o
expressada na Cidade Industrial e também capitalismo havia sido a causa determinante
em trabalhos dos teóricos do urbanismo das transformações urbanas e a consequente
progressista. degradação das condições de vida nas
Calabi (2015 [2012], p. 135) revela, que cidades.
‘o plano proposto por Tony Garnier para sua Diversos princípios sustentados por
cidade imaginária é outro exemplo de plano Garnier acabaram por influenciar a forma
20 ‘Uma Cidade Industrial’ de Tony Garnier: repensando a gênese do urbanismo progressista
salubridade da cidade’ (Richardson, 2013 orientada para o sul, bastante grande para que
[1876]), p. 7, tradução do autor). haja luz no cômodo todo e para deixar que os
No plano da Cidade Industrial, as áreas raios do sol entrem amplamente. Qualquer
destinadas à implantação da indústria e o habitação ou outra construção pode
centro antigo foram separadas das demais compreender um ou vários lotes, mas a
áreas, implicando uma rígida setorização e a superfície construída deverá ser sempre
tentativa de proporcionar melhores condições inferior à metade da superfície total, sendo
sanitárias, afastando o uso mais impactante que o restante do lote forma um jardim
do restante da cidade antiga, pois, para público utilizado pelos pedestres; queremos
Garnier, ela possuía um valor simbólico. dizer que cada construção deve deixar, na
Observa-se na forma proposta da Cidade parte não construída de seu lote, uma
Industrial ‘o conceito progressista de ordem, passagem livre que vai da rua à construção
em oposição à pretensa desordem do uso e situada atrás. Esta disposição permite que se
ocupação do solo da cidade do século XIX’ atravesse a cidade em qualquer sentido, sem
(Choay, 1965 [1998], p. 21). Garnier ser preciso passar pelas ruas; o solo da cidade
expressou essa premissa de ordem em seu em qualquer sentido visto em conjunto, é
discurso, quando anunciou parte da ideia de como um grande parque, sem nenhum muro
setorização: ‘A fábrica principal está divisório limitando terrenos’ (Garnier, 1989
localizada na planície, na confluência da [1917], p. 13, tradução do autor).
torrente e do rio. Uma estrada de ferro de A circulação, um dos principais elementos
tráfego intenso passa entre a fábrica e a da forma da Cidade Industrial proposta por
cidade, que está muito acima, num planalto. Garnier, era desenvolvida em espaços
Acima, espalham-se os estabelecimentos próprios, sendo a de pedestres separada do
sanitários; que estão, assim como a própria tráfego automotor e em meio ao verde,
cidade, ao abrigo dos ventos frios, expostos permitindo maior segurança e melhor
ao sul, em terraços do lado do rio. (...) O ambientação humana.
terreno onde serão construídos os bairros As circulações automotoras do modelo de
residenciais divide-se primeiro em ilhotas de Garnier e do próprio progressismo teriam
150 metros no sentido leste-oeste e de 30 menor impacto sobre os espaços habitados,
metros no sentido norte-sul; essas ilhotas ao considerarem a diminuição dos contatos
dividem-se em lotes de 15 por 15 metros, diretos e a previsão de cortinas verdes de
sempre com um lado lindeiro à rua’ (Garnier, separação; enquanto na cidade tradicional, a
1917 [1989], p. 12, tradução do autor). multiplicidade de lotes em contato direto com
É compreensível que este conceito se as vias de circulação dificultaria o isolamento
traduzisse para Garnier (1989 [1917]) não só do tráfego automotor, com seus índices
na especialização funcional dos espaços frequentemente elevados e agressivos de
urbanos, mas também em critérios de poluição sonora e atmosférica.
ocupação do solo que seriam precisos e A eficiência dessa circulação e da
racionais, no controle do adensamento ambientação seria proporcionada por ‘uma
demográfico e das formas de assentamento rede de ruas paralelas e perpendiculares (...)
das edificações no terreno, conforme os seus as ruas norte sul têm 20 metros de largura,
desenhos presentes no livro ‘Uma Cidade arborizadas dos dois lados (...)’ (Garnier,
Industrial’. O autor exaltou a necessidade do 1989 [1917], p. 13, tradução do autor).
controle sobre a produção arquitetônica, a A busca da separação entre pedestres e
ocupação das edificações e os grandes veículos tem raízes diversas e pode-se
espaços verdes que as envolveriam e as mencionar o plano de Idelfons Cerdá para a
isolariam do tráfego – premissas que expansão de Barcelona e o projeto de
passaram a ser adotadas pelo modelo Frederick Law Olmsted para o Central Park
progressista. Segundo Garnier: ‘Ao buscar as em Nova Iorque. Percebe-se que, se por um
disposições que satisfazem melhor as lado, o automóvel possibilitava a difusão de
necessidades materiais e morais do indivíduo, modelos de urbanização periféricos aos
fomos levados a criar regulamentos sobre grandes centros urbanos, por outro, alguns
essas disposições (...). Na habitação, os profissionais buscavam isolá-lo do contato
dormitórios devem ter pelo menos uma janela com os pedestres, possivelmente por
22 ‘Uma Cidade Industrial’ de Tony Garnier: repensando a gênese do urbanismo progressista
fisicamente o modelo tradicional. Ao reduzir Por fim, entende-se que a análise crítica
o número de vias, aumenta-se os grandes das premissas propostas por Garnier, que
espaços verdes por entre as edificações, ideia ainda são referências de projetos urbanos,
utilizada, tanto no modelo da Cidade podem ampliar a discussão de uma cidade
Industrial, como no conjunto Estados Unidos. onde todos tenham acesso mais justo às
Também os elementos de Garnier estão oportunidades que a vida urbana pode
presentes na arquitetura, como a oferecer.
padronização das construções, o uso de
materiais industrializados, a combinação
entre as elevadas densidades demográficas e Referências
as baixas taxas de ocupação do solo, não Benevolo, L. (1998 [1960]) História da
condicionados pela dimensão dos lotes o que arquitetura moderna (Editora Perspectiva, São
possibilita uma implantação livre no terreno Paulo).
em função da eliminação dos lotes. Calabi, D. (2015 [2012]) História do urbanismo
O modelo de Garnier influenciou todo um europeu: questões, instrumentos, casos
conjunto de arquitetos e urbanistas do século exemplares (Perspectiva, São Paulo).
XX, os quais, uns mais, outros menos, Choay, F. (1970) City planning in the 19th century
expressaram em suas propostas urbanísticas e (Brasiller, Nova Iorque).
arquitetônicas parte dos princípios da Cidade Choay, F. (1996) ‘Destinos da cidade européia:
séculos XIX e XX’, Revista de Urbanismo e
Industrial. Passados tantos anos da utilização
Arquitetura 4, 6-21.
desse modelo, critica-se os princípios de Choay, F. (1998 [1965]) O urbanismo: utopias e
organização espacial urbana, que ao final, realidades, uma antologia (Perspectiva, São
subjuga-se ao discurso de um especialista ou Paulo).
de um conjunto de especialistas, apartado das Costa, L. (1991) Plano Piloto de Brasília
vontades e dos anseios da população e (ArPDF, Brasília).
fechado à dinâmica natural dos fatos e Frampton, K. (2003 [1980]) História crítica da
significados urbanos. arquitetura moderna (Martins Fontes, São
Garnier, em seus desenhos e textos, Paulo).
advertiu sobre o avanço da produção do Freitag, B. (2006) Teorias da cidade (Papirus,
Campinas).
espaço capitalista no tecido tradicional das
Garnier, T. (1989 [1917]) Une cité industrielle:
cidades, um tipo de produção que não étude pour la construction des villes
respeitava a ambiência da cidade e a (Architectural Press, Nova Iorque).
qualidade de vida da população, a não ser Geddes, P. (2002 [1915]) Cidades em evolução
quando essas situações começavam a afetar (Papirus, Campinas).
as classes dominantes. As mudanças que Guadet, J. (1896) Elements et theorie de
ocorreram no mundo, nas esferas política, l’architecture (Ecole Nationale Supérieure des
cultural e econômica, a partir do lançamento Beaux Arts, Paris).
do seu livro, não eliminaram a atualidade de Howard, E. (2002 [1898]) Cidades-jardins de
muitos dos elementos que configuravam a amanhã (Editora Hucitec, São Paulo).
Koholsdorf, M. E., Koholsdorf, G. e Holanda, F.
forma urbana da Cidade Industrial. Esses
(2015) Brasília: permanência e metamorfoses.
elementos continuam sendo adotados, em Del Rio, V. e Siembieda, W. (eds.) Desenho
legitimando projetos e práticas urbanas urbano contemporâneo no Brasil (Rio de
atuais, que procuram melhorar a qualidade de Janeiro: LTC) 39-55.
vida nas cidades. La Bibliographie. Tony Garnier. Musée Urbain
Verifica-se resquícios das propostas de Tony Garnier, Lyon (FR)
Garnier nas práticas urbanas (http://www.museeurbaintonygarnier.com)
contemporâneas que promovem consultado em 10 de Outubro de 2016.
megaprojetos, grandes operações urbanas, Le Corbusier (2000 [1923]) Por uma arquitetura
obras de infraestrutura e no discurso (Editora Perspectiva, São Paulo).
Montaner, J. M. (1987) Tony Garnier: la
modernizador de políticos e especialistas,
anticipación de la ciudad industrial, Annals d’
que provocam quebras de laços afetivos arquitectura 4, 81-92.
com as cidades, processos de elitização do Mumford, L. (1998 [1961]) A cidade na história:
espaço e aumento dos processos de suas origens, transformações e perspectivas
segregação espacial. (Martins Fontes, São Paulo).
26 ‘Uma Cidade Industrial’ de Tony Garnier: repensando a gênese do urbanismo progressista
‘The Industrial City’ by Tony Garnier: rethinking the genesis of progressive urbanism, in the centenary of
its publication
Abstract. At the beginning of the twentieth century, the French architect Tony Garnier designed a plan
for a new city called ‘The Industrial City’. However, the proposal was considered too radical by his
peers. In 1917 Garnier used this plan as the basis of the book: Une cité industrielle, étude pour la
construccion des villes. The book received much criticism both by academics and professionals. Yet, some
years later, it was considered by many authors as one of the most significant planning publications of the
twentieth century, becoming a source of inspiration for the proposals of many progressive architects,
such as Le Corbusier, and having significant impact on the urban form of cities around the world. 100
years have passed since the publication of the book. Professionals working in the urban and architectural
fields should reflect on the breadth of the Industrial City proposal. This paper aims at analysing the
elements of urban form proposed by Garnier in his book, as well as the consequences of the use of these
elements and the importance they had in architecture and urbanism. Research is based on primary
sources, namely the book itself, and on secondary sources, including the critique of the book. The paper
concludes that, even after all the years since the publication of the book, many elements proposed by
Garnier in his definition of the urban form of the Industrial City are still informing contemporary urban
projects and practices at many different scales.
Sejam as ruínas do vale do Ur, ou do Nilo, ou da nobres e mais ocultas do que o puro desenho de
Mesopotâmia, ou por outro lado, a visão de formas urbanas. Imediatamente ligado ao domínio
satélite de nossas cidades e zona rural, não há do território sempre estivera ligada a questão de
espaço tocado pelo ser humano, na superfície do quem domina e de quem é dominado (Foucault,
planeta, que não denote alguma estratégia de 2004 [1975]), e evidentemente muito mais o
ocupação do território. Há sempre estratégia nos conceito do panoptico e da simbologia do poder
assentamentos humanos, embora o dominío e do que um desenho idílico da paisagem. Cada
controle de um território possa ocorrer sem que cidade representa uma concentração de poderes
seja feito através de uma forma previamente sociais, políticos, econômicos, seja de hegemonia,
calculada e delineada, ou seja, sem que haja de equilíbrio, ou de embate. Algo que com certeza
planejamento. Tribos indígenas escolhem pode ser percebido na forma urbana. Além disso,
cuidadosamente o local de suas aldeias, ocupando as cidades se diferenciam também pela
e marcando o território. Rykwert (2006) descreve necessidade, inerente a cada cidade, de ser única.
que toda nova cidade do império romano só era Colméias e formigueiros são sempre iguais, como
fundada após uma série de confirmações não são os agrupamentos humanos. Isso evoca
ritualísticas mas que na prática traziam indícios outra questão relacionada ao poder e à disputa de
da salubridade do sítio escolhido, para então poder – a disputa de poder entre as cidades. Esse
proceder à marcação do cardo, do decumanus e aspecto também reflete na forma urbana.
dos limites da futura urbe. A conquista de um É possível, através da forma da cidade,
território nunca é um ato desprovido de perceber quais de suas partes refletem momentos
assertividade. Não é uma tarefa branda, em que os poderes estavam menos ou mais
corriqueira. É um ato de força, realizado por seres concentrados. A geometria costuma ser forte
que se julgam capazes de defendê-lo. Daí a indicador de concentração do poder, embora as
proximidade das cidades, e do urbanismo, com o formas orgânicas nem sempre possam ser
poder. associadas à sua desconcentração. Também é
Essa característica do urbanismo – tanto na possível identificar quando os poderes se
gênese das cidades, quanto na sua transformação esforçaram para dar à cidade uma forma
– de certa forma o associa a questões menos ‘especial’ que a diferenciasse das outras cidades.
Revista de Morfologia Urbana (2017) 5(1), 27-58 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
28 Perspetivas
Referências
das cidades e grandes metrópoles
contemporâneas, é possível utilizar a tipologia Foucault, M. (2004 [1975]) Vigiar e punir
dos traçados, não apenas para a caracterização das (Editora Vozes, Petrópolis).
regiões morfológicas e da evolução do tecido Kostof, S. (1991) The city shaped: urban patterns
urbano. É possível utiliza-los também como uma and meanings through history (Little Brown and
chave de leitura da própria história do poder na Co., Boston).
cidade, da disputa de classes sociais e grupos pela Lefebvre, H. (1999 [1970]) A revolução urbana
ordenação do seu território, pela construção de (UFMG, Belo Horizonte).
sua imagem simbólica: enfim a compreensão do Rykwert, J. (2006) ‘A idéia de cidade: a
seu urbanismo, sempre cativo dos poderes antropologia da forma urbana em Roma, Itália e
hegemônicos. no Mundo Antigo’, Estudos, 234.
30 Perspetivas
O conceito de saúde vigente, desenvolvido pela Contrariamente ao exercício físico, que pressupõe
Organização Mundial de Saúde (OMS), agrega um objetivo concreto e planeado, a atividade
em si uma definição ampla considerando-a como física define-se como qualquer movimento
‘... um estado de bem-estar físico, mental e social, corporal produzido pelos músculos esqueléticos
e não apenas ausência de doença ou enfermidade’ que requer gasto energético (OMS, 2017). A
(OMS, 1946). Assim sendo, a saúde depende de forma como o referido estudo foi elaborado,
uma vasta gama de fatores endógenos, inerentes permitiu que este se destaque dos demais,
ao organismo, e exógenos, relacionados com o sobretudo por se ter desenvolvido a uma escala
ambiente. mundial, abrangendo cinco continentes, dez
Segundo dados da Organização das Nações países, catorze cidades e com uma participação de
Unidas (ONU), atualmente mais de 50% da cerca de 7 000 adultos. As cidades escolhidas
população mundial vive em cidades, estimando-se apresentavam características similares, com a
que em 2050 será atingido o valor de 70% (UN, finalidade de determinar o impacto do espaço
2007). É possível aferir ainda que, cerca de 1 urbano na saúde em oposição aos diferentes
bilião de pessoas (perto de 14% da população estilos de vida dos países.
mundial) vivem em assentamentos informais, A atividade física (moderada a intensa) foi
locais sem as condições mínimas de medida objetivamente através de um acelerómetro
habitabilidade, nomeadamente saneamento, com um Global Positioning System (GPS).
energia elétrica e serviços básicos como a saúde e Wellington foi a cidade que apresentou o melhor
educação (UN, 2013). resultado, onde as pessoas andam cerca de 50
Indubitavelmente a saúde pode-se refletir a minutos por dia, contrariamente a Baltimore, que
partir da qualidade de vida que um determinado apresentou o pior resultado, 29 minutos por dia.
ambiente físico e social é capaz de proporcionar, e Tendo presente que a OMS recomenda uma
tendo em conta que esse ambiente se desenvolve média de 150 minutos por semana de atividade
maioritariamente nas cidades, é inquestionável a física, e que um correto desenho urbano pode
pertinência e a necessidade de relacionar a saúde potenciar 90 minutos por semana, é possível
com o planeamento urbano. concluir que a cidade (e o seu planeamento) têm
A cidade como organismo vivo, está em um papel ativo na promoção de estilos de vida
constante mutação (Pinto, 2013), influencia quem saudáveis que por sua vez poderão ter influência
nela habita e proporciona uma série de no combate de doenças como a obesidade e
oportunidades e desafios. Na medida em que o diabetes.
espaço urbano se desenvolve surgem problemas e Como variáveis com forte interferência, no
a necessidade de lhes dar resposta. A poluição do estudo, têm-se os espaços verdes, a densidade
ar, assim como os acidentes de trânsito e a falta de residencial e a rede de transporte público,
atividade física, são responsáveis por inúmeros independentemente do contexto socioeconómico e
problemas relacionados com o bem-estar. das diferenças culturais. A inclusão de espaços
Diversos estudos têm-se desenvolvido com o verdes no meio urbano, influencia positivamente
intuito de determinar de que modo o ambiente o bem-estar das pessoas, impulsionando a
físico das cidades pode influenciar o estilo de vida atividade física assim como possibilitando uma
e a adoção de hábitos saudáveis por parte dos seus redução significativa do ruído (que pode ter
cidadãos. Contudo os mecanismos dessa efeitos nocivos na saúde). Na conceção destes
influência podem ser bastante complexos, visto espaços é essencial uma correta localização assim
que o indivíduo sofre afetações não apenas do como desenho, pois os mesmos só conseguem
espaço onde se encontra inserido, mas também de atingir os resultados acima supracitados se forem
fatores sociais, culturais e características capazes de proporcionar sensações positivas, tais
individuais, sendo assim difícil estabelecer como a segurança e conforto. Bairros com
relações objetivas. elevada densidade populacional, comummente
Recentemente surgiram avanços nesse âmbito, apresentam usos mistos (restaurantes, lojas),
dos quais é exemplo a realização de um estudo que garantem a compatibilidade e
pela Universidade da Califórnia, em que foi complementaridade de usos, assim como ruas
possível relacionar a atividade física com o com diferentes pontos de intersecção que
espaço urbano (Sallis et al., 2016). permitem a fácil circulação
Perspetivas 31
A forma como o contexto natural influencia a ‘equipadas’ com corredores de árvores que
inserção da cidade na paisagem, desde o momento proporcionem sombra; constrói praças que, para
da sua fundação, passando pelo longo processo de além de serem pontos de confluência de ruas, são
crescimento e estruturação de ruas, parcelas e locais de encontro agradáveis e que favorecem a
edifícios, é um dado consensual na história das permanência de pessoas (porque, de algum modo,
cidades. Por si só, a informação sobre os as escolhas feitas ao nível da forma propiciam
diferentes aspetos deste ‘contexto’ seria suficiente esse desfrute do espaço); cria espaços verdes e
para justificar, e para o observador perceber, aproveita grandes massas de água (lagos, frentes
algumas das grandes diferenças de forma urbana de rio e de mar) como modo de criar cidades mais
que distinguem as cidades, lhes dão identidade aprazíveis e propícias ao lazer. O intenso
própria e constituem o suporte físico da vida dos desenvolvimento tecnológico do último século
seus habitantes, de quem nelas trabalha ou apenas veio aumentar a disponibilidade de
episodicamente as visita. Através da forma urbana soluções ao serviço do desafio de fazer crescer as
o Homem ‘desenha’ soluções para que a sua vida cidades, tornando-as menos agrestes à vivência
seja mais ‘amena’ (no sentido de ser menos diária face às condições naturais de partida.
exposta às inclemências da natureza) e para criar Do conjunto de elementos do contexto natural
cidades mais agradáveis (Curdes, 2010): constrói – topografia, qualidade do solo e subsolo,
edifícios com melhor orientação solar e com exposição solar e clima – este último tem uma
materiais mais propícios para determinadas relevância central que se viu reforçada pela
condições naturais do local; desenha e constrói atualidade e urgência das alterações climáticas e
ruas que, para além de definirem trajetos e dos desafios que coloca às sociedades. A
estruturarem a expansão da cidade, são Morfologia Urbana, à semelhança de outras
32 Perspetivas
disciplinas, tem dado eco a este debate e são cada estamos aqui perante estratégias de
vez mais as referências ao tema, acompanhando descarbonização das cidades, com o objetivo de
um dos grandes debates da contemporaneidade, que se transformem em ‘cidades de baixo
colocando o enfoque no seu objeto: a forma física carbono’), há também, em simultâneo, a
das cidades e as potencialidades que encerra no necessidade de readaptar as cidades, reajustando
desenvolvimento de estratégias de mitigação e de alguns aspetos da sua forma a perfis climáticos
adaptação às alterações climáticas (Oliveira, com novas exigências (alteração nos ‘ritmos’ das
2016). estações do ano, alteração das temperaturas
A inevitabilidade de centrar a discussão nas médias, frequência dos picos de frio e calor,
cidades e, portanto, também na forma urbana, frequência de episódios de chuvas intensas,
assenta num dado inicial e desenvolve-se em duas frequência e duração de períodos de secas, etc.),
vias de intervenção. Em primeiro lugar, o dado de diferentes das que estiveram na base da sua
partida: nas cidades vive grande parte da estrutura e forma inicial. O debate atual sobre as
população mundial e estas são responsáveis por estratégias de combate às alterações climáticas,
67% do uso de energia primária e 71% da veio somar às vertentes de mitigação e de
emissão de Gases com Efeito de Estufa (GEE), adaptação um alerta que resulta da perceção de
essencialmente por via dos transportes, mas que a implementação destas estratégias pode gerar
também pelo consumo massivo de energia para conflitos, no sentido em que a opção por
alimentar as diferentes funções e atividades determinada medida que vai alterar o perfil de
urbanas. Nessa medida, é impossível não as usos do solo (integrada numa estratégia
colocar no centro do debate e da procura de mitigadora, por exemplo) pode inviabilizar ou
soluções. Em segundo lugar, o facto de serem diminuir o alcance de outra medida adaptativa
grandes concentrações de vidas humanas (por exemplo, o objetivo de tornar a cidade mais
transformam-nas em territórios de vulnerabilidade densa pode entrar em conflito com o objetivo de
face a episódios climáticos extremos (chuvas criar mais espaços verdes). Esta complexidade
intensas, picos de frio e calor, por exemplo) com acrescida pode ver-se a todas as escalas (as
um potencial de destruição, de custos humanos e políticas energéticas e climáticas, são um
económicos muito relevante. Perante a evidência exemplo à escala macro / nacional), mas pesam
científica associada aos cenários climáticos já de modo especial as estratégias locais de
construídos para as próximas décadas, afigura-se planeamento associadas às alterações climáticas
como uma imposição o desenvolvimento de (Hamin e Gurran, 2009).
estratégias de adaptação capazes de tornar as Como se percebe, a intervenção na forma
cidades mais resilientes face a esses cenários urbana deve ser considerada uma variável
(IPCC, 2014). relevante na equação das estratégias de mitigação
Como se disse, o combate das sociedades e adaptação às alterações climáticas. A afirmação
urbanas às alterações climáticas faz-se em duas da relevância deste desempenho atribuído assenta
fases (correspondentes a duas vias de em duas ideias-chave: i) por um lado, num
intervenção). Cronologicamente, a primeira a potencial de influência da forma urbana sobre o
merecer mais atenção científica e política foi a consumo de energia (cidades compactas
que integrou as estratégias de mitigação, que consomem menos energia; maiores densidades
consistem na implementação de medidas reduzem a dependência do automóvel; maior
conducentes à redução de emissão de GEE. Nesta diversidade de usos de solo propicia contextos de
primeira fase, a inovação tecnológica, maior proximidade e, portanto, menos
nomeadamente com soluções que permitem a deslocações e menos consumo de energia; uma
substituição do uso de energias fósseis por estrutura de ruas que propicie políticas de
energias renováveis e que incrementam a promoção do transporte público também pode
eficiência energética assumiu o protagonismo contribuir para a redução do uso de transporte
científico, político e mediático. A segunda fase, individual; edifícios com boa orientação solar e
em que nos encontramos atualmente, associa às materiais adequados consomem menos energia
estratégias de mitigação as estratégias de para aquecimento e para arrefecimento do
adaptação, no sentido em que, sendo já ambiente interior; etc.); e ii) por outro lado, é
impossível num futuro de médio e longo prazo, sobre alguns dos elementos da forma urbana
evitar alterações no clima (já visíveis no (edifícios, ruas, e praças) que é necessário operar
presente), tornou-se imprescindível adaptar as intervenções para criar um novo equilíbrio que
sociedades – e as cidades, portanto – às novas torne a cidade mais resiliente face a cenários
realidades (IPCC, 2007; Hamin e Gurran, 2009). climáticos diferentes (mais sombras e ruas que
Ou seja, para além de haver necessidade de facilitem a circulação do ar – com espaços verdes,
reduzir o consumo de energia como forma de alamedas e ruas com perfis adequados – porque
reduzir o ritmo crescente de emissão de GEE (e haverá mais dias de calor e mais intenso; menos
Perspetivas 33
As cidades contemporâneas confrontam-se com são responsáveis por grande parte dos fluxos de
uma multiplicidade de desafios globais, de que energia e de massa das cidades (Deilmann, 2009;
são exemplo o aumento dos fluxos de energia e de Schremmer e Stead, 2009). Acresce que as
massa (Kennedy et al., 2007, Warren-Rhodes e características destes fluxos se encontram
Koenig, 2001) decorrentes do rápido crescimento fortemente relacionadas com fatores como a
de megacidades de economias emergentes no estrutura da malha urbana, a geometria dos
contexto Sul Asiático, dos processos difusos de quarteirões, a volumetria dos edifícios, o seu
urbanização de áreas residenciais periféricas no revestimento e orientação, os usos e atividades
contexto Norte-Americano ou das necessidades que se desenvolvem no edificado e espaço
prementes de manutenção, modernização e público envolvente, ou o sistema viário e de
reabilitação do tecido urbano de cidades em transporte públicos (Kellett et al., 2013) –
processo de declínio urbano no contexto Europeu. elementos estes que, no seu todo, estruturam a
Paralelamente reconhece-se, cada vez mais, forma física, ou a ‘anatomia’, das cidades
que o caráter insustentável dos padrões de (Moudon, 1989).
desenvolvimento urbano resulta, em larga Reconhecendo estes desafios, a orientação
medida, de práticas desadequadas de planeamento Europeia em matéria de política urbana, patente
à microescala urbana (Codoban e Kennedy, em documentos como o ‘Livro verde sobre o
2008). A este nível, veja-se que as atividades de ambiente urbano’ (1990), a ‘Estratégia temática
construção, gestão e mudança dos tecidos urbanos sobre o ambiente urbano’ (2006) ou a ‘Carta de
Perspetivas 37
que grande parte dos fluxos metabólicos das Davoudi, S. e Sturzaker, J. (2017) ‘Urban form,
cidades decorrem de atividades que se policy packaging and sustainable urban
desenvolvem nos tecidos urbanos e que, por este metabolism’, Resources, Conservation and
motivo, importa compreender a relação entre Recycling 120, 55-64.
forma urbana e eficiência metabólica, nesta Deilmann, C. (2009) ‘Urban metabolism and the
Perspetiva sugere-se que o estudo desta relação surface of the city’ em Strubelt, W. (ed.)
seja feito com base na integração de métodos Guiding Principles for Spatial Development in
tradicionais de análise morfológica – Germany (Springer, Berlim) 97-112.
designadamente do método de ‘regionalização Kellett, R., Christen, A. e Coops, N. C. (2013) ‘A
morfológica’ – em abordagens metabólicas systems approach to carbon cycling and
desenvolvidas à microescala urbana – emissions modeling at an urban neighborhood
designadamente, das abordagens ao scale’, Landscape and Urban Planning 110, 48-
neighbourhood metabolism. A operacionalização 58.
desta proposta metodológica, em curso, Kennedy, C., Cuddihy, J. e Engel-Yan, J. (2007)
concorrerá para cimentar o papel da forma urbana ‘The changing metabolism of cities’, Journal of
na promoção de fluxos metabólicos mais Industrial Ecology 11, 43-59.
eficientes e, concomitantemente, na criação de Moudon, A. V. (1989) ‘The role of typo-
ambientes urbanos mais sustentáveis. morphological studies in environmental design
research’, Proceedings of EDRA (EDRA,
Oklahoma) 41-8.
Referências Schremmer, C. e Stead, D. (2009) ‘Restructuring
cities for sustainability – a metabolism
Broto, V. C., Allen, A. e Rapoport, E. (2012) approach’, 5º Urban Research Symposium,
'Interdisciplinary perspectives on urban Marselha, 28 a 30 de Junho.
metabolism', Journal of Industrial Ecology 16, Warren-Rhodes, K. e Koenig, A. (2001)
851-61. ‘Escalating trends in the urban metabolism of
Hong Kong: 1971-1997’, AMBIO: A Journal of
Chrysoulakis, N., Lopes, M. e José, R. S. (2013) the Human Environment 30, 429-38.
‘Sustainable urban metabolism as a link Whitehand, J. W. R. (2009) ‘The structure of
between bio-physical sciences and urban urban landscapes: strengthening research and
planning: the Bridge project’, Landscape and practice’, Urban Morphology 13, 5-27.
Urban Planning 112, 100-17. Zhang, Y., Yang, Z. e Yu, X. (2015) ‘Urban
Codoban, N. e Kennedy, C. A. (2008) metabolism: a review of current knowledge and
‘Metabolism of neighborhoods’, Journal of directions for future study’, Environmental and
Urban Planning and Development 134, 1-21. Science Technology 49, 11247-63.
Figura 2. Arranjo celular da semente da ervilheira, com os espaços intersticiais (ou vazios) a
branco; forma urbana de uma cidade orgânica, Martina Franca, Itália, com os edifícios a preto e os
espaços intersticiais (ou vazios) a branco (fonte: Guerreiro, 2008).
urbano’, para referir algumas das mais relevantes. e dispersas. Pelo contrário, defende-se que a
De entre estas propostas, a mudança de enfoque urbanística deve desenvolver as teorias, os
do plano para o projeto urbano será conceitos e os métodos para lidar com todos os
eventualmente aquela que, em Portugal, atrai tipos de territórios. Em termos físicos, as
ainda hoje um maior número de arquitetos. Na diferentes ‘paisagens urbanas’ que encontramos
minha atividade de ensino, no entanto, continuo a num centro histórico, numa área central
sustentar a relevância do plano urbanístico, por consolidada, numa área em consolidação ou numa
duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, em ocupação difusa, resultam de diferentes padrões
termos genéricos, defende-se que uma prática de combinação dos mesmos elementos físicos –
urbanística em que o projeto urbano adquire o as ruas, os quarteirões, as parcelas e os edifícios.
papel central conduz inevitavelmente à produção Ou seja, em termos físicos, é mais aquilo que os
de fragmentos urbanos. Em segundo lugar, une do que aquilo que os separa.
observando a realidade concreta Portuguesa, Por fim, defende-se um alargamento do campo
verifica-se que o Plano Diretor Municipal (PDM) teórico de suporte ao ensino da urbanística de
continua a desempenhar, no nosso país, um papel modo a incluir um conjunto de abordagens ou
central nos processos de desenvolvimento escolas de pensamento que relacionem (ou que
territorial dos diferentes municípios. Sustenta-se, tornem mais evidente ao estudante) ‘análise’ e
portanto, a necessidade, não de substituir esta ‘desenho’ do território. Alguns exemplos disto
figura, mas sim, de continuar a explorar as mesmo são a abordagem histórico-geográfica
possibilidades que ela permite, enquadrando promovida pela Escola Conzeniana, a abordagem
esse processo de exploração por uma cultura tipológica projetual desenvolvida pela Escola
de avaliação e aprendizagem (Oliveira, Muratoriana, a sintaxe espacial e a análise
2011). Qualquer processo de desenvolvimento espacial, incluindo autómatos celulares, modelos
territorial resulta de uma conjugação de baseados em agentes e fractais (ver Oliveira,
contributos individuais e de contributos 2016, no último número da RMU). Este esforço
planeados. Esses contributos planeados deverão de tornar mais compreensível o modo como se
ter por base uma visão geral do território, visão pode passar da descrição e explicação para a
essa que é sintetizada num plano urbanístico de prescrição deve ser acompanhado de um esforço
grande ou média escala. Esse plano deve ser por uma simplificação da linguagem, de modo a
seletivo naquilo que deve controlar e potenciar uma comunicação efetiva entre os
suficientemente flexível para acomodar diferentes atores envolvidos no processo de
contributos não previstos quando da sua transformação urbana.
preparação, ou seja, não deve negar a ‘incerteza’.
Admite-se ainda, que poderá ser vantajoso
debater uma ação articulada entre plano Referências
urbanístico e projetos urbanos.
Sustenta-se que a urbanística – o ensino e a Cataldi, G. (2015) ‘Didática da morfologia
prática profissional da urbanística – deve evitar urbana’, Revista de Morfologia Urbana 3, 57-9.
um enfoque exclusivo, ou excessivo, sobre Oliveira, V. (2011) Avaliação em planeamento
determinados territórios em detrimento de outros. urbano (Edições UP, Porto).
Nas últimas décadas é possível encontrar esse Oliveira, V. (2016) ‘Morfologia urbana:
enfoque exclusivo em dois tipos de territórios diferentes abordagens’, Revista de Morfologia
distintos – os centros históricos e as áreas difusas Urbana 4, 65-84.
para além da expectável oportunidade de síntese, vontade em relação aos âmbitos disciplinares
um ‘re-olhar’ sobre o contributo produzido para o específicos (conceitos e instrumentos) que
evento. Há visões / entendimentos que se projetar em áreas morfologicamente não-
reforçaram com a coleção das quatro estabilizadas supõe. A ‘abertura’ e a
participações e outras que permaneceram (mais) ‘disponibilidade’ mentais para descobrir e
isoladas, mas que nem por isso são menos interpretar sem preconceitos essas áreas-limite da
pertinentes, pelo menos na perspetiva de quem as cidade consolidada, que concentram uma
apresentou. Alimenta-se, portanto, a discussão em diversidade formal e social difícil de apreender, e
curso com algumas ideias que decorrem do texto a ‘criatividade’ para intuir que elementos e
‘A dimensão urbana nos cursos de arquitetura’ lógicas trabalhar / privilegiar são requisitos
(Oliveira, 2017) e outras que se recuperam da dita necessários, base para operar em cenários mais
apresentação e ampliam as possibilidades reflexivos do que fundamentáveis em receituários
temáticas do debate. No que se refere às questões que neles não encontram cabimento. Aqueles
menos consensuais enumeradas por Oliveira predicados não surgem, no entanto, naturalmente
(2017), fixam-se as duas últimas e delas se deriva e precisam por isso de ser ensinados – pelo menos
para algumas mais – i) a relação entre figuras e os seus princípios – e necessariamente praticados.
escalas, ii) a relação com o ‘sítio’ e as pessoas, e Emerge daqui a importância de favorecer o estudo
iii) a relação entre interdisciplinaridade e de concretas realidades, como as mencionadas,
transdisciplinaridade – ‘relações’ que se abordam em âmbitos académicos (mesmo que
nos contextos de análise / projeto e do ensino da forçosamente simplificadas), melhor se
urbanística em questão, recolhendo inspiração em preparando o futuro profissional para situações
citações de autores referenciais cuja data de largamente presentes e características da cidade
publicação nos confronta, deliberadamente, com contemporânea, cuja complexidade pode ser
uma (des)atualidade a que ainda não se deu particularmente inibidora e por isso exigente de
resposta. aprendizagem específica.
A seleção de áreas de estudo e projeto no Neste sentido ganha especial preponderância o
contexto do ensino da urbanística tende a corpo teórico de suporte ao ensino da urbanística,
privilegiar espaços com determinadas que para além de ampliar importa diversificar,
características na dependência das matérias e preparando o aluno para a intervenção nas
aptidões que se entende mais pertinente treinar. O diferentes realidades edificadas que – exatamente
enfoque num determinado objeto territorial em – constituem a cidade contemporânea.
detrimento de outros é claramente assumido no 4º
ano do Mestrado Integrado em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Fernando Pessoa, o Figuras e escalas
último com um Projeto sequencial desenvolvido
em dois semestres ao longo de um ano letivo, que ‘O futuro da cidade e do território, que agora
é explorado em contextos urbanos não tratados tendem a identificar-se pela grande dimensão da
nos anos anteriores. O privilégio, contudo, não é ‘cidade-região’, da extensão metropolitana e do
dado, como sugere Oliveira (2017), aos âmbitos ‘campo urbanizado’, não se mostram mais pré-
de centro histórico ou de áreas difusas / dispersas figuráveis em termos simples e usuais; a
que pedagogicamente não se consideram os mais complexidade parece necessitar, ao mesmo
interessantes por cada um a seu modo denotar tempo, de um maior nível de abstração e de uma
uma relativa uniformidade, se percebidos alguns maior precisão’ (Secchi, 2006 [2000], p. 146).
códigos de composição. Tornam-se por isso Focando ainda a franja-limite da urbe
menos desafiantes do que as franjas-limite da consolidada, importa proporcionar mecanismos
cidade consolidada, suporte, com frequência, da de leitura e de destreza no manejo de escalas
adição de ‘partes’ urbanizadas em tempos e adequadas ao território (mais) macro equivalentes
segundo lógicas distintos e onde aquela, a cidade aos que, regra geral, os alunos já dominam
consolidada, pode ser ainda tida como ‘uma’ das quando tratam o edifício ou o quarteirão urbano.
referências na definição da solução final, embora A reflexão sobre (pequenos e controlados)
não a única. Nessas geografias, o Projeto Urbano extratos da dimensão metropolitana de que fala
orienta-se, portanto, para a discussão do Secchi é suficiente para perceber a crescente
‘fragmento’, a peça-chave do trabalho em cidade / dificuldade de pré-figurabilidade como constante
território, porque aquela que é diferente, da cidade contemporânea. A compreensão de ‘as
eventualmente dissonante (mesmo quando ruas, os quarteirões, as parcelas e os edifícios’
generalizada), e que é por isso fundamental como ‘elementos-base’ de construção de qualquer
aprender a entender. A franja urbana referida será núcleo, e designadamente das cidades e dos
então o quadro temático ajustado ao diversos tecidos que as compõem, variando ‘tão-
questionamento da capacidade estruturante só’ na articulação e na escala, como referido por
daquele ‘fragmento’ e ao desenvolvimento de à- Oliveira (2017), permite uma aproximação
44 Perspetivas
Urbana, num projeto que alimenta a sensibilidade Bauman, Z. (2013 [2000]) Modernidad líquida
para os princípios da transdisciplinaridade em (Fondo de Cultura Económica, Cidade do
apresentações intermédias e finais desejavelmente México).
partilhadas entre as três cadeiras e comentadas Oliveira, V. (2017) ‘A dimensão urbana nos
pelos docentes (com formações diferentes) cursos de arquitetura’, Revista de Morfologia
envolvidos, sendo este um caminho com interesse Urbana 5, 41-2.
já reconhecido e que por isso se pretende reforçar. Portas, N. (2012) Os tempos das formas II: a
cidade imperfeita e a fazer (EAUM,
Guimarães).
Referências Secchi, B. (2006 [2000]) Primeira lição de
urbanismo (Editora Perspetiva, São Paulo).
Ascher, F. (2010 [2001]) Novos princípios do Solà-Morales, M. (1997) Las formas de
urbanismo seguido de novos compromissos crecimiento urbano (Edicions UPC,
urbanos: um léxico (Livros Horizonte, Lisboa). Barcelona).
Nos anteriores textos, de Oliveira (2017) e de outros. Porém, de acordo com o explanado na
Sucena (2017), publicados no presente número da conferência, também este ponto pareceu ser no
Revista, são levantadas, pelo primeiro, uma série essencial transversal aos diversos oradores,
de questões para o debate, que são desenvolvidas assentando na perspetiva do projeto urbano como
e ampliadas pela segunda. Em termos pessoais, processo, tal como foi referenciado por Oliveira
penso que o debate gerou acima de tudo (2017). Apenas a intervenção deste último
concordâncias nos aspetos essenciais, conferencista apresentou uma perspetiva
independentemente das abordagens distintas que complementar, que foca na morfologia urbana
possam ser praticadas nos diversos cursos de como abordagem ao conhecimento e análise do
arquitetura representados pelos oradores. território. Também este autor defende no seu
A inter ou multidisciplinariedade, a texto de opinião a relevância do plano urbanístico
abordagem inter-escalas e a diminuição em complemento à prática do projeto urbano,
progressiva do peso da área científica do mais generalizada entre os arquitetos.
urbanismo nos cursos, são aspetos consensuais, Este último ponto leva-nos ao que considero
ainda que possam ser efetivados de modos ser o fulcral da discussão do ensino do urbanismo
diferentes conforme as respetivas estruturas no âmbito dos cursos de arquitetura e que se
curriculares. No que respeita à seletividade dos condensa nos dois primeiros pontos elencados por
territórios, as perspetivas poderão ser diferentes, Oliveira (2017): i) a ligação entre urbanismo e
abrangendo áreas consolidadas, em consolidação, arquitetura, e ii) a tensão entre plano e projeto
centrais, periféricas, vazios urbanos, terrain urbano.
vague, formas compactas, dispersas, etc. Contudo, Como preâmbulo é necessário reafirmar o
este aspecto é conjuntural, dependente de óbvio, não estamos a falar do ensino do
contributos teóricos e interesses de investigação, urbanismo, mas do ensino do urbanismo nos
oportunidades estratégicas de intervenção, cursos de arquitetura. Este facto encerra em si
conjugação com outras unidades curriculares, etc, logo um dos problemas iniciais: a relação entre a
não sendo assim um aspeto essencial do ensino da arquitetura e o urbanismo, situação que em
urbanística no âmbito dos cursos de arquitetura, Portugal não é clara, quer ao nível da prática
que se deverá centrar nos métodos e ferramentas a profissional, quer ao nível do ensino. Nos países
fornecer aos discentes e que lhes permitirão no anglo-saxónicos temos uma distinção entre as
futuro abordar todos os territórios. disciplinas de planeamento e de arquitetura, tendo
Tal como mencionado por Sucena (2017), o como disciplina de interface o desenho urbano,
corpus teórico está também relacionado com a que progressivamente se está a autonomizar. Em
abordagem aos territórios, podendo-se afirmar termos nacionais não existe essa distinção
que suporta o interesse por uns em detrimento de profissional, o que se reflete obviamente no
46 Perspetivas
ensino das diversas disciplinas. Se recorrermos do território. De um modo global esta abordagem
aos estatutos da European Association for é praticada no MIA da ESAP e a propósito da
Architectural Education (EAAE, 2014), é intervenção de várias unidades curriculares do
possível verificar que um dos princípios base curso num mesmo território, os respetivos
desta organização é o de promover a melhoria da docentes publicaram uma reflexão que expressa
qualidade do ensino da arquitetura e do desenho esta visão (Marcolin et al., 2015).
urbano. Complementarmente, a mesma Em conclusão, penso que a relação entre
organização produziu a Charter on Architectural urbanismo e arquitetura, no âmbito do ensino,
Research, onde se refere que a essência da deverá ser realizada através do processo / projeto,
investigação em arquitetura reside no design, que permite abordar a arquitetura e o desenho
entendido como o projeto (EAAE, 2012). Esta urbano, escalas naturais de atuação do arquiteto.
visão é ampliada no memorando sobre A ‘soleira da porta’ não é a linha que separa as
investigação do Royal Institute of British práticas do urbanismo e da arquitetura, mas sim
Architects (Till, 2007), onde, entre outros aspetos, as escalas operativas entre projeto e planeamento.
se afirma que o processo de desenvolvimento do Os cursos de arquitetura devem fornecer
projeto de arquitetura é uma das formas de metodologias que permitam abordar a prática do
promover a investigação e que o ambiente urbanismo à escala do projeto e a da arquitetura
académico que promove a formação base do no contexto urbano, enquadrada num
arquiteto pode e deve ser um campo de conhecimento global do sistema de planeamento.
experimentação.
Estes textos suportam aquela que é a minha
visão sobre a dimensão urbana no ensino da Referências
arquitetura e que corresponde à experiência como
docente do Mestrado Integrado em Arquitetura EAAE, European Association for Architectural
(MIA) da ESAP. Assim, sintetizando a reflexão, Education (2012) EAAE Charter on
posso afirmar que num curso de arquitetura o Architectural Research (http://www.eaae.be/ wp
essencial é fornecer as metodologias de projeto, -content/uploads/2014/05/2012-09-03_EAAE
que permitam em primeira instância abordar a Charter-on-Architectural-Research.pdf)
produção da arquitetura e do projeto urbano, que consultado em 1 de Março de 2017.
são as áreas base de atuação do arquiteto. Em EAAE, European Association for Architectural
termos pessoais, estou convicto que o arquiteto Education (2014) European Association for
está vocacionado para escalas que assentam Architectural Education Statutes
exatamente no projeto e não no plano. Assim, a (http://www.eaae.be/wp-content/uploads/2014/
sua formação deverá permitir cumprir estes 11/EAAE-Statutes.pdf) consultado em 1 de
objetivos e, havendo interesse profissional pela Março de 2017.
disciplina do planeamento, haverá necessidade de Marcolin, P., Flores, J., Milão, S. e Fernandes, F.
prosseguir com estudos avançados que permitam (2015) ‘Projetos para a zona das Fontainhas no
completar a formação nesta área, tradicionalmente Porto: desafios e contributos do ensino da
mais relacionada com os campos da geografia ou arquitetura para a qualificação da cidade
da engenharia do território. Inversamente, estas contemporânea’, Dinâmicas: Magazine de
últimas disciplinas não estão também elas Design de Produto 3, 46-53.
vocacionadas para as escalas de projeto e, Oliveira, V. (2017) ‘A dimensão urbana nos
consequentemente, não terão qualificação para o cursos de arquitetura’, Revista de Morfologia
desenho urbano. Isto não significa que a Urbana 5, 41-2.
componente relativa aos planos não seja essencial Sucena, S. (2017) ‘O território instável da
na formação do arquiteto, mas somente que ela urbanística na arquitetura: conceitos e
deverá ser aplicada como enquadramento e não instrumentos que definem um lugar próprio?’,
como competência profissional base a fornecer. Revista de Morfologia Urbana 5, 42-5.
Isto não representa uma posição contrária à de Till, J. (2007) What is architectural research?
Oliveira (2017) relativamente à relevância do architectural research: three myths and one
plano urbanístico, que concordo ser essencial model (Royal Institute of British Architects,
numa perspetiva estratégica sobre o ordenamento Londres).
Perspetivas 47
As frentes de água têm vindo a sofrer, ao longo outras maneiras nos podemos relacionar com a
do tempo, transformações diversas. A partir do água? E de que forma pode a morfologia urbana
período pós-industrial, os espaços deixados vazios promover estas relações?
pela desindustrialização e as mudanças Uma das especificidades das cidades
tecnológicas no transporte marítimo deram portuárias consiste numa estrutura de forma
origem a territórios funcionalmente obsoletos, os subjacente ao tecido urbano, composta por um
quais, por sua vez, motivaram operações de conjunto de eixos paralelos e transversais à frente
reconversão um pouco por todo o mundo. de água, designada como ‘estrutura em pente’
Atualmente, continuamos a assistir a intervenções (Ochoa, 2011). Através dos espaços públicos que
neste âmbito, que não obstante as suas diferenças os integram, estes eixos possibilitam a articulação
e especificidades, parecem partilhar a vontade de física e visual com a frente de água, a partir de
(re)integrar as frentes de água e de as resgatar territórios mais distantes. Atendendo às relações
para os cidadãos, através de novos espaços entre a morfologia urbana e as qualidades visuais
públicos para esse efeito. do espaço, as características físicas destes eixos
Na cidade de Lisboa, depois da importante (forma, topografia, extensão, continuidade), têm
operação de regeneração urbana da zona oriental influência no modo como é visualizada a água.
no âmbito da Expo’98, várias têm sido as Eixos com base numa linha recta, em sentido
abordagens nesse sentido. Sob o lema ‘Devolver o descendente e sem obstáculos visuais, promovem
Tejo às pessoas’ (CML, 2016), a autarquia tem uma visualização constante da frente de água
vindo a impulsionar intervenções nos espaços (Figura 1). Por sua vez, eixos sinuosos, também
ribeirinhos, em particular nas áreas em sentido descendente e sem obstáculos visuais,
compreendidas entre o Cais do Sodré e a zona promovem uma ‘descoberta’ progressiva e
oriental. Os projetos de requalificação do espaço fracionada da frente de água (Figura 2).
público do Cais do Sodré / Corpo Santo, da zona Voltando a Lisboa, não obstante os obstáculos
da Ribeira das Naus ou do Campo das Cebolas / no acesso ao rio que ainda persistem (zonas
Doca da Marinha, são exemplos destas iniciativas. fechadas para uso portuário e uma dupla barreira
Simultaneamente, têm-se verificado rodoferroviária), um significativo número de
intervenções de carácter mais pontual, mas eixos em linha recta aliado a uma topografia
incluindo também espaços de fruição do rio, em acidentada, dá origem a uma dinâmica relação
particular nas suas áreas exteriores. Na zona de visual com a frente de água. Com efeito, é
Belém, o Museu de Arte, Arquitetura e possível usufruir da água em vários pontos da
Tecnologia (MAAT) e o edifício do Museu dos cidade, nomeadamente através de uma rede de
Coches, ou, na zona de Pedrouços, a Fundação miradouros que promove esta contemplação
Champalimaud, constituem exemplos desta (Figura 3).
postura. Embora nem sempre através de espaços Por oposição, observe-se a cidade de
de livre acesso, também estas intervenções Barcelona, cuja frente marítima tem vindo a
acabam por explorar a relação com a frente de sofrer intervenções diversas, em particular desde
água. a não menos importante operação de regeneração
Paralelamente e (também) com o intuito de urbana decorrente dos Jogos Olímpicos de 1992.
conquistar mais espaço na frente de água, Devido à malha do Plan Cerdá, que ocupa grande
continua-se a discutir o papel dos portos e das parte do território, a ‘estrutura em pente’ é aqui
respetivas infraestruturas nas cidades, bem como maioritariamente composta por eixos transversais
formas de atenuar as barreiras que incidem nestes em linha recta, de grande extensão e continuidade
territórios. Mas até que ponto devem as frentes de com o interior da cidade. Simultaneamente, é
água ser intervencionadas? No caso de Lisboa, possível aceder fisicamente à frente de água em
precisaremos de manter os cerca de 17 km de quase toda a extensão da cidade – até ao Moll de
frente de rio completamente abertos? De que Barcelona, onde começa a frente portuária
50 Perspetivas
Figura 2. Eixo transversal de articulação entre a Parada do Alto de São João e a Rua do Bispo
de Cochim, Lisboa (eixos sinuosos, em sentido descendente e sem obstáculos visuais, promovem
uma ‘descoberta’ progressiva e fracionada da frente de água).
Figura 3. Observação da frente de água a partir de pontos altos da cidade, Lisboa (de cima para
baixo: Miradouro do Adamastor; Miradouro de Nossa Senhora do Monte; Miradouro das Portas
do Sol).
Perspetivas 51
Figura 4. Elementos referenciais em cidades portuárias (de cima para baixo da esquerda para a
direita: chaminés em Sant Adrià de Besós, Barcelona; chaminé de fábrica em Alcântara, Lisboa;
farol junto ao Padrão dos Descobrimentos, Lisboa; infraestruturas portuárias, Lisboa; ponte da
fábrica ‘A Nacional’, Lisboa; Ponte 25 de Abril, Lisboa; gasómetros da Fábrica da Matinha,
Lisboa; pórtico da Lisnave, Almada; gasómetros da Fábrica Catalana del Gas, Barcelona).
vedada. Donde se conclui que a cidade se inicialmente pela noção de corredor de contacto
encontra fisicamente bem articulada com a sua entre a terra e a água (Ochoa, 2011), se a
frente de água. No entanto, em termos visuais, a entendermos de forma mais abrangente,
água está pouco presente no espaço urbano; ampliando-a a uma justaposição de realidades
devido a uma topografia eminentemente plana, múltiplas no espaço e no tempo (Costa, 2007),
apenas é possível visualizar a frente de mar obteremos muitos mais territórios e
praticamente junto à mesma. consequentemente muito mais possibilidades para
Mas se a relação com a frente de água não se o seu usufruto. Promover a relação com a água
limita ao seu acesso físico público, ela também significará então, não apenas qualificar os
não se reduz ao seu acesso visual. Esta relação territórios seus confinantes, mas tirar partido
pode passar simplesmente pela sua apreensão. destes, noutros territórios. As operações de
Mais uma vez recorrendo às especificidades das regeneração urbana deverão potenciar estas
cidades portuárias, constatamos a presença de ligações, privilegiando vistas e não obstruindo as
elementos referenciais que nos reportam para as existentes. Deverão igualmente contemplar
frentes de água e para as atividades com elas elementos da paisagem portuária, assumindo o
relacionadas. Objetos pertencentes ao sistema seu papel referencial e simbólico e valorizando a
portuário, tais como faróis, gruas, contentores, sua relação com a forma urbana, cuja importância
chaminés de fábricas, silos, etc… elementos que nestes processos ficou bem patente.
para além do valor plástico que adquiriram a Concluímos por fim que a presença portuária
posteriori (Pol, 2005), fazem parte da identidade não impede o usufruto da frente de água. E que
destas cidades. E que pela sua dimensão (também) este usufruto não implica necessariamente uma
física, mas sobretudo simbólica, cumprem substituição de tecidos, ou seja, não implica ter
igualmente esse papel de ‘exportar’ a frente de uma frente totalmente desocupada. As valências
água para o interior do território (Figura 4). funcionais e de lazer não são incompatíveis, pelo
Apesar de a definição de frente de água passar que as cidades deverão encontrar soluções de
52 Perspetivas
A teoria da sintaxe espacial (Hanson, 1998; concelho, denota-se que em Guimarães – tendo o
Hillier, 1996; Hillier e Hanson, 1984) procura mínimo 1 e o máximo 19 interseções, num total
descrever a configuração do traçado e as de 23 904 linhas – não existe grande
relações entre espaço e sociedade através de discrepância a nível médio, pois sendo uma
medidas quantitativas, as quais permitem cidade média, comporta-se de modo muito
entender um conjunto de aspetos fundamentais semelhante em toda a estrutura espacial; apenas
do sistema urbano. Nos parágrafos seguintes existem alguns pontos onde a relação direta
descreve-se uma aplicação desta abordagem no entre linhas é ligeiramente superior à restante
estudo da evolução da forma urbana da cidade malha estrutural. A integração local analisa os
de Guimarães. Neste caso de estudo, diversos pontos centrais que se definem por
primeiramente, procede-se ao estudo da estrutura conseguir estruturar os vários locais na
espacial contemporânea do concelho de vizinhança próxima organizando assim vários
Guimarães, com o objetivo de perceber qual a pequenos bairros, sendo esta uma rede local.
estrutura base que o organiza, recorrendo à Entende-se, deste modo, que a cidade é
cartografia e a ortofotomapas de 2013 a 2016. desenvolvida em pequenos pontos estruturantes
Considera-se deste modo, como ‘construído’ que fazem com que a estrutura urbana e espacial
(para além dos edifícios) apenas os espaços da cidade de Guimarães tenha um centro
exteriores privados. Sendo assim, elementos principal, que organiza a cidade, e outros
como rotundas, estradas, praças e afins foram pequenos centros (coincidentes com as diversas
considerados espaços vazios; porém quando freguesias) que dão continuidade e fazem com
existem, elementos como campos agrícolas ou que esta funcione como um todo. A integração
conjuntos modernistas foram considerados global mede o quão profunda, ou distante, uma
como ‘construído’. linha axial está de todas as outras linhas do
Após a conclusão do mapa de eixos visuais e sistema. Conseguindo-se assim perceber, o
de movimento, este é importado para o degradé de cores característico da análise
Depthmap, software que possibilita gerar três sintática, entre o vermelho e o azul, valores mais
diferentes tipos de mapas. Centramo-nos no elevados e mais baixos, respetivamente.
mapa axial e em três medidas sintáticas O mapa de 2016 (figuras 1 e 2) evidencia o
clássicas. A conectividade determina o valor de atual centro histórico como centro, ou seja, define
interação entre ruas através da intersecção entre esta zona como a mais integrada na cidade, onde
linhas axiais (eixos visuais). Aplicada ao se repara que as zonas mais segregadas são as da
Perspetivas 53
periferia da cidade, junto aos campos agrícolas e à mantêm-se os mesmos critérios para a definição
Penha (grande área florestal). Constata-se então dos seus eixos visuais.
que a zona mais integrada corresponde também De 1968 até 2013 (Figura 3), vê-se um
ao centro geométrico do limite do concelho. aumento no número de linhas axiais existentes,
Após a análise da cidade no geral, seleciona- passando de 1 211 a 1 952. A construção da
se uma parte central da mesma, aproximando-se Nacional 101 e da autoestrada alteraram
assim do seu centro, onde se desenvolve uma subtilmente o mapa de conectividade, não
investigação da evolução desta área, com havendo um grau elevado de discrepância entre
referência à carta militar de 1968 e ao o número de ruas com maiores e menores
ortofotomapa de 2013. De modo a caraterizar ligações. O mapa de integração global mostra
esta amostra, criam-se limites que a definem e que apesar deste intervalo de 45 anos, a cidade
que a circundam: a Estrada Nacional 101, o de Guimarães continua a estruturar-se com o
limite entre a malha urbana e agrícola e a Penha. mesmo centro de integração.
A fim de manter a coerência na lógica de estudo, De modo a complementar e aprofundar o
54 Perspetivas
caso de estudo, realiza-se uma análise mais termos de integração (global e local), repara-se
pormenorizada do crescimento do atual centro que a amostra mantém a mesma zona de maior
histórico de Guimarães, já considerado integração ao longo dos tempos (passando de
anteriormente como o ponto fulcral para o 130 a 288 eixos), como se pode verificar na
desenvolvimento da mesma, com o intuito de Figura 4.
perceber a evolução e as mudanças desde os Desde os registos mais antigos de
primórdios da cidade até à atualidade, com Guimarães, nota-se que a cidade foi crescendo
base em plantas históricas desde 950 até com base na criação de um ponto de reunião
2016. (atual centro histórico). A estrutura urbana foi
A nível geral, com os dados obtidos, evoluindo e o ponto base que a constitui
percebe-se que com o passar do tempo, como o mantém-se central até hoje (quer a nível
meio de deslocação mudou e houve necessidade territorial quer em termos de importância).
de expansão habitacional, o tipo de rua com Sintetizando, com esta análise, em relação ao
maior importância também se alterou e foram concelho de Guimarães, observa-se uma
criados novos acessos, mantendo as ruas mais estrutura principal e diversos pontos que
intersectadas juntas às praças principais. Em organizam os distintos ‘bairros’ que a
Perspetivas 55
Figura 3. Mapas axiais de integração global de 1968 e 2016, amostra da cidade de Guimarães.
constituem. Denota-se que os eixos principais do ter grande relevância e influência nos mapas
concelho e da cidade são os mesmos, no modelo produzidos no depthmap. As diferentes
sintático e na ‘realidade’, sendo as ruas do densidades de percurso em Guimarães
centro histórico, as mais importantes, mostrando correspondem deste modo às esperadas, pois em
56 Perspetivas
Figura 4. Mapas axiais de integração global de 950, 1863, 1974 e 2016, do centro histórico da
cidade de Guimarães.
Moro no centro de Curitiba, uma cidade brasileira em espaços capazes de potencializar a interação
de quase dois milhões de habitantes e com entre os ‘diferentes’. A segunda tipologia faz
problemas de uma metrópole latina dessa escala. menção aos agrupamentos de edifícios com
Caminho diariamente curtas e médias distâncias e diferentes idades. Neste ponto, Krafta (2012, p.
frente a várias intercorrências encontradas nas 122) refere que ‘a urbanidade da forma está
ruas, direcionei minha atenção a estudos que presente quando os diferentes objetos que a
mostram espaços dotados de vitalidade e compõem são diacrônicos’. A terceira tipologia
civilidade. Encontrei o termo urbanidade e diante da diversidade reporta à mistura de usos das
de inúmeros conceitos replicados por diversos edificações que ‘parece surgir naturalmente em
pesquisadores, percebi a existência de uma áreas mais antigas’ (Figueiredo, 2012, p. 226).
infinidade de definições, todas, porém com Esse fato é corroborado por Aguiar (2012)
significados similares. Assim, podem ser quando critica a falta de urbanidade nas cidades
entendidos como espaços com alto nível de artificiais modernistas. E finalmente, enumera-se
urbanidade aqueles munidos de acolhimento e a alta acessibilidade nas ruas e a elevada
hospitalidade, benevolentes e generosos. Posso densidade populacional nas quadras, lotes e
afirmar ainda que urbanidade está no modo como edifícios como estimulantes, respetivamente, do
as pessoas interagem com o espaço que utilizam, encontro entre estranhos e do contato informal no
e consequentemente, comprovar que componentes espaço público (Netto, 2014).
espaciais influenciam no comportamento e no O interesse pela Morpho aumentou quando
bem-estar das pessoas. percebi a aplicabilidade prática em qualquer
Reuni, então, um conjunto de componentes cenário urbano. Seja na microescala (rua),
espaciais, mas logo percebi a necessidade de mesoescala (bairro) ou macroescala (cidade), a
encontrar critérios de avaliação que me metodologia é capaz de entender como
permitissem mensurar níveis de urbanidade. Para componentes espaciais influenciam no cotidiano
isso me debrucei em estudos relacionados à das pessoas. E para chegar a esse objetivo, a
dimensão física das cidades e descobri uma Morpho estabelece sete critérios de avaliação.
metodologia que analisa morfologicamente os Os dois primeiros critérios revelam que o alto
espaços urbanos, a Morpho (Oliveira, 2013). nível de urbanidade está presente em áreas
Ao estudar a teoria da Morpho, verifiquei que compostas por ruas e lotes interagentes. Isso
os critérios de avaliação que buscava fazem parte explica o sucesso de Manhattan, em Nova Iorque,
de um grupo composto por quatro dimensões: onde ruas são bem conectadas numa trama
acessibilidade, diversidade, densidade e definida por quadras retangulares e lotes estreitos.
continuidade. Onde Oliveira (2016, p. 12) define A interação também é relatada quando o quarto
que um espaço urbano com ‘(...) elevado grau de critério mostra que quadras menores estimulam o
urbanidade significa (...) elevada acessibilidade, convívio e a comunicação das pessoas. No que
elevada densidade, grande diversidade e forte diz respeito às edificações urbanas, o sétimo
sentido de continuidade’. Relacionei, então, a critério revela que a multifuncionalidade dos
proeminência das quatro dimensões da Morpho edifícios também promove uma interação
com os significados de urbanidade apreendidos. espacial. Ainda sobre as edificações, o terceiro
No que se refere ao forte sentido de critério da Morpho destaca a diversidade de idade
continuidade, Holanda (2012) cita a relação do dos edifícios. E salienta que os espaços ocupados
alto nível de urbanidade com a legibilidade da por edifícios construídos em diferentes épocas
rua. Portanto, é possível afirmar que a fomentam a heterogeneidade social. O quinto
continuidade contribui com o diálogo entre critério ressalta a importância da legibilidade
pessoas e cidade, bem como com o convívio entre promovida pelo alinhamento das edificações na
os indivíduos. Com relação à grande diversidade, rua. É o caso da Calle Gran Via em Madrid, onde
pode-se observar a existência de três diferentes o gabarito e o recuo frontal alinhados direcionam
tipologias que se correlacionam. A primeira o caminho a ser percorrido pelo transeunte. Ainda
refere-se ao convívio entre diferentes tipos de com relação ao espaço lindeiro da rua, o sexto
pessoas num único espaço. Sobre essa tipologia, critério indica que a proporção onde os edifícios
Netto (2014) relata que a urbanidade está presente possuem a altura maior que a largura da rua,
58 Perspetivas
3º Workshop PNUM
Vivemos momentos de crise que incidem de Com a terceira revolução industrial nas últimas
modo frontal nos três pilares fundamentais da décadas do século XX, os efeitos demolidores
sociedade surgida da revolução industrial: a do processo urbanizador num cenário global,
democracia, a indústria e a cidade. atingiram até o mais recôndito dos lugares, e
Uma sociedade que nos dias de hoje parece expandem-se a grande velocidade no alvorecer
entrar num ‘multi-verso’, em que se torna de uma quarta revolução que nos permite
necessário e urgente a aceitação da nova escala assistir ‘ao vivo e em direto’ a processos
do ‘campo de jogo’, ao mesmo tempo que se inovadores que se desenvolvem com uma
torna consciente da impossibilidade de receitas velocidade exponencial.
únicas que têm vindo a demonstrar a sua Indefesos no interior das relações globais,
incapacidade de absorver a complexidade emergimos num mundo de incertezas geradas
resultante dos desafios colocados pelos pela entrada em crise de referências culturais
múltiplos e diversos cenários culturais, sociais, nas escalas local, nacional, estatal e
económicos, políticos... internacional da já obsoleta concepção do
Notícias 59
mundo a que pertencemos pela nossa origem. mundo da lusofonia a que pela nossa condição,
Esta nova situação acelera o questionamento e pelo nosso compromisso cultural como
de processos de desenho e produção do urbano galegos, pertencemos: uma condição que
que tinham em comum uma atitude de tabula permite constituir um elo essencial de relações
rasa baseada num princípio de separação, de interuniversitárias para participar na construção
isolamento e de reduccionismo simplificador do de ‘uma ponte entre investigadores e
funcionalismo e da repetição acrítica como profissionais nas áreas relacionadas com o
correlato formal. ambiente urbano, nomeadamente a arquitetura, a
O urbano e as suas formas ‘produzem-se geografia, a história e o planeamento urbano’. E
reproduzindo’ modelos e tópicos que, em mais ainda num campo como o da morfologia
muitos casos, num breve tempo de urbana em que a Rede Lusófona de Morfologia
experimentação de apenas meio século, têm Urbana vem demonstrando, desde há muito
conduzido a enormes fracassos, mas que tempo, a sua excelência docente e elevada
continuam a fazer parte essencial das práticas capacidade de investigação, nomeadamente
cotidianas da grande maquinaria dos, cada vez através das publicações na Revista de
mais potentes, setores imobiliários e das, cada Morfologia Urbana.
vez mais fracas, administrações públicas. As intervenções sobre as diferentes escolas
Não há respostas simples para problemas serão complementadas com a leitura de tecidos
complexos. urbanos da cidade da Corunha.
O território, a cidade, o bairro, o simples Os tecidos selecionados são: i) o tecido da
agregado urbano e as edificações que o cidade de origem medieval, ii) o tecido
compõem apresentam-se interrelacionadas nas suburbano de origem piscatória, e iii) o tecido
suas respectivas escalas, como geradores de de extensão, ou ensanche, na envolvente da
âmbitos espaciais, nos quais se plasmam antiga estação do caminho-de-ferro.
relações de enorme complexidade. E na grande O terceiro tecido é abordado como grande
maioria das experiências construídas, milhares, espaço de urbanidade alternativo. É visto como
milhões de pessoas suportam diariamente a grande oportunidade de experimentação, de um
ineficiência decorrente de decisões que surgem tipo de centralidade contemporânea, que se
de planos e de projetos que serviram de base à torna percetível através da grande complexidade
sua materialização. funcional e formal decorrente da sua condição
Torna-se necessário questionar, através de inicial de periferia, surgida sobre caminhos e
outros olhares, a condição do urbano, no sentido núcleos de origem agrícola e pescatória, à qual
de superar o funcionalismo reducionista e de se sobrepõe a partir do final do século XVIII e
poder visualizar a ‘complexidade’ como ao longo do século XIX toda uma rede de
característica e sinal de identidade do urbano, estradas e de grandes infraestruturas de
entendido como ‘sistema’ em que a cidadania se transporte, que no momento atual podem ser
manifesta em toda a multiplicidade de entendidas como problemas ou, pelo contrário,
contextos. como uma excecional oportunidade de um
As diversas escolas de estudo da forma bairro e de um espaço com significado histórico
urbana – italiana, anglo-saxónica, francesa, – pela sua condição de produtor de recursos e de
catalã – tentam aproximar-se desta riqueza para todo o país.
complexidade incorporando perfis específicos Os dois primeiros casos, cidade e subúrbio,
captados a partir de outras disciplinas (como a são exemplos singulares da persistência de
geografia e a história) que nos últimos anos têm velhos percursos históricos que, apesar das
enrriquecido o sempre difícil salto para o substanciais alterações sofridas, mantêm uma
projeto arquitetónico, o projeto urbano, o plano certa identidade formal pela forte presença de
urbanístico e o ordenamento do território. elementos referenciais, herdeiros do papel que
As diferentes escolas do estudo da forma tiveram como centralidades históricas em
urbana são o marco de referência do Workshop momentos bem diferentes da construção da
de Morfologia Urbana que decorrerá na cidade.
Corunha, de 4 a 7 de Setembro de 2017. Cidade Vella, Pescadería e Barrio da
A presença de Giuseppe Strappa – membro Estacion – A Gaiteira – Os Castros, são
destacado da escola italiana de morfologia atualmente espaços representativos, nas suas
urbana – a participação de Vitor Oliveira, formas, das fortíssimas tensões decorrentes da
Teresa Marat-Mendes, David Leite Viana – da crise urbana que se materializa de modo muito
Rede Lusófona de Morfologia Urbana – e dos diferente em cada um deles. Mas os três casos
professores da Seccion Departamental de têm a presença de ‘um todo vivo, um todo
Urbanística da Universidade da Coruña é uma social, um todo humano’ que, face ao
oportunidade para a participação do surgimento de qualidades inéditas que emergem
Departamento de PAUC e da ETSAC no vasto neste momento de criação de uma nova ordem
60 Notícias
Em meados de Julho de 2017 será anunciado a livro Formal Methods in Architecture and
open call para o 4th International Symposium Urbanism (coordenado por Viana, D. L.,
Formal Methods in Architecture and Urbanism, Franklim, M. e Vaz, J. V.), a ser publicado pela
que decorrerá no Porto em Abril de 2018. O Cambridge Scholars Publishing. Esta edição
domínio científico da quarta edição do simpósio reúne artigos do simpósio realizado em 2015.
manter-se-á nos métodos formais de análise, Paralelamente, decorrerá o 2nd International
projeto e produção espacial. À semelhança de Meeting OPO’Arch, resultante do projeto de
2015, a chamada de artigos enquadra-se nas investigação OPO’Arch: Formal Methods – com
seguintes áreas do conhecimento: autómatos coordenação científica de Jorge Vieira Vaz
celulares; BIM | VDC; CAD | CAM; gramáticas (Escola Superior Artística do Porto) com
da forma; ontologias; processos paramétricos; financiamento do NORTE2020 / FEDER. A
processing; Space Syntax; e SIG. Comissão Científica deste encontro é
Adicionalmente, o próximo simpósio contará constituída por Mário Kruger (Universidade de
com outra área de pesquisa, sobre data tracking, Coimbra), Miguel Serra (Universidade do
mapping & visualization, integrando o cada vez Porto), Rosamund Diamond (University of
mais relevante setor do rastreamento, Nottingham), Tassos Varoudis (University
mapeamento e visualização de dados no College London), Teresa Heitor (Universidade
contexto de comunicações a receber. de Lisboa) e Valério Medeiros (Universidade de
A Comissão Científica é composta por (em Brasília).
ordem alfabética) David Leite Viana No 2nd International Meeting OPO’Arch,
(Nottingham Trent University), Gonçalo Castro Franklim Morais (Escola Superior Artística do
Henriques (Universidade Federal do Rio de Porto) apresentará uma nova ferramenta digital
Janeiro), Isabel Martins (Câmara Municipal do de análise SCAVA (Space Configuration
Porto), José Nuno Beirão (Universidade de Accessibility and Visibility Analysis) – o
Lisboa), José P. Duarte (Penn State University), DepthSpace3D – desenvolvido no quadro do
Nuno Montenegro (Universidade de Lisboa), projeto OPO’Arch.
Sérgio Mendes (Escola Superior Artística do Mais informação será em breve
Porto) e Vítor Oliveira (Universidade do Porto). disponibilizada no website
No simpósio de 2018 será apresentado o www.archformalmethods.wix.com.
REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA
A Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) foi criada em 2010, em Hamburgo, como um
grupo regional do International Seminar on Urban Form. Os objectivos do grupo são: promover
e desenvolver o estudo da forma urbana; consolidar uma verdadeira rede de investigação no
domínio da morfologia urbana, através da organização de reuniões e conferências, e da
publicação da presente Revista; e, por fim, estabelecer uma relação privilegiada com o
International Seminar on Urban Form, através da colaboração com iniciativas de debate e
divulgação do ISUF. Para mais informações consultar o sitío do PNUM em: pnum.fe.up.pt/pt.
Conselho Científico
Perspetivas
27 A tipologia dos traçados urbanos como indicador de poderes concentrados ou dispersos E. Z. Monteiro
30 A cidade como promotora de saúde pública D. Pires
31 Forma urbana e clima – uma relação reforçada pelos desafios das alterações climáticas L. M. Batista
33 Morfologia urbana e ambiente O. Oliveira
36 A influência da forma urbana na eficiência metabólica das cidades: uma reflexão à microescala urbana
R. Fernandes
38 Morfologia urbana e biologia: a cidade como organismo C. Monteiro
41 A dimensão urbana nos cursos de arquitetura V. Oliveira
42 O território instável da urbanística na arquitetura: conceitos e instrumentos que definem um lugar próprio?
S. Sucena
45 O processo urbano no ensino da arquitetura J. Flores
47 O ensino da arquitetura: a arquitetura com consciência urbanística R. Mealha
48 Aceder, ver, perceber: frentes de água em perspetiva R. Ochoa
52 O crescimento da cidade de Guimarães e a evolução da sua estrutura espacial M. Oliveira,
M. Barbosa e M. Viana
57 Apreensões sobre a metodologia Morpho B. Zaitter
Relatórios
14 1º Congresso do ISUF-Hispânico, Toledo, 2016 C. M. Utanda
Notícias
4 Urban Morphology
14 PNUM 2018: A produção do território – formas, processos, desígnios
26 ISUF 2017: City and territory in the global era
58 3º Workshop PNUM
60 4º International Symposium Formal Methods in Architecture