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SINDICATO DE MÁGICOS:
Uma história cultural da Igreja Universal do Reino de Deus (1977-2006)
ASSIS
2006
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Proença, Wander de Lara
Sindicato de Mágicos: uma história cultural da Igreja Universal do Reino
de Deus (1977-2006). Wander de Lara Proença. Assis, 2006.
374p.
Tese – Doutorado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis –
Universidade Estadual Paulista.
1. Brasil – Religiosidade 2. Igreja Universal do Reino de Deus 3. História
Cultural 4. Sindicato de Mágicos 5. Roger Chartier - Representações 6.
Sociologia – Pierre Bourdieu.
CDD 289.94
WANDER DE LARA PROENÇA
COMISSÃO JULGADORA
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Milton Carlos Costa, que sempre soube conjugar sua notável
erudição no conhecimento historiográfico com a dedicação e o zelo no trabalho de orientação
de cada etapa desta pesquisa.Tornou-se para mim um grande amigo, um grande mestre, sendo
um referencial seguro de rumos, delineamentos e correções a que a tese foi submetida.
Sempre solícito e prestativo na disponibilização de horários para os procedimentos de
orientação, muitos dos quais em finais de semanas e feriados. Quando estabeleci os primeiros
contatos com a Unesp, prontamente aceitou-me como aluno especial da disciplina que
ministrava. Em seguida, acreditou no projeto ainda em fase de elaboração, reprogramando,
inclusive, seus compromissos de orientação a fim de disponibilizar mais uma vaga ao
processo seletivo para que fosse possível meu ingresso no Programa de Doutorado. Lembro-
me das desafiadoras palavras que dele ouvi após a primeira leitura que fez do meu projeto de
pesquisa: “Ainda há uma lacuna na historiografia brasileira sobre a abordagem de temas
relacionados ao neopentecostalismo”. Se este trabalho, agora concluído, vier a contribuir para
o alcance daquele objetivo, os méritos advém das imprescindíveis orientações acadêmicas
recebidas do Prof. Milton.
Aos professores Dr. Eduardo Basto de Albuquerque e Dr. Ruy de Oliveira Andrade Filho,
pelas relevantes observações e recomendações feitas à tese quando participaram do Exame de
Qualificação. A presença desses docentes também na Banca de Defesa enobrece o nível que
essa investigação se propôs a alcançar.
Aos funcionários da Unesp/Assis, pelo modo sempre prestativo e atencioso dedicado aos
alunos do Programa de Pós-Graduação. Profissionais que, além da competência, demonstram
satisfação e zelo no desempenho de suas funções.
Ao Prof. André Luiz Joanilho, pelo auxílio e direcionamento na elaboração das primeiras
pesquisas historiográficas que desenvolvi sobre o pentecostalismo brasileiro, ainda durante o
6
Mestrado, e também por ter intermediado os primeiros contatos com o Prof. Milton para que
pudesse ser meu orientador.
À Fabiana Rondon, pelo auxílio nas pesquisas de campo e no acesso às fontes documentais
próprias da Igreja Universal do Reino de Deus.
À prof.ª Rosalee Ewell, pela tradução do resumo desta tese para o inglês.
À Daniela Selmini, bibliotecária da Faculdade Teológica Sul Americana, pelo auxílio nas
constantes pesquisas realizadas naquele local.
Ao Alfredo Oliva, pela amizade e companheirismo na travessia dos cinco anos em que fomos
colegas de curso no Programa de Doutorado em História da Unesp, compartilhando os
desafios e a fascinação que o estudo do campo religioso brasileiro proporciona.
À Faculdade Teológica Sul Americana, com especial menção ao Prof. Jorge Henrique Barro,
pelo auxílio e apoio na disponibilização da estrutura da FTSA para o desenvolvimento de
minhas pesquisas. O acervo documental sobre o pentecostalismo brasileiro, existente na
Biblioteca dessa Instituição, foi de significativa importância para o aprofundamento do tema
aqui abordado.
À CAPES, com especial registro, pela bolsa de estudos que subsidiou recursos
imprescindíveis ao desenvolvimento deste projeto, especialmente por propiciar condições
para as viagens do trabalho de campo e os constantes deslocamentos que se fizeram
necessários aos acervos documentais.
7
Pierre Bourdieu
8
PROENÇA, Wander de Lara. Sindicato de Mágicos: uma história cultural da Igreja Universal
do Reino de Deus (1977-2006). Assis: Unesp, 2006. 356 fl. Tese (Doutorado em História
Social) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2006.
RESUMO
Em 1977, com o nome de Igreja Universal do Reino de Deus, surgiu o mais instigante
movimento religioso no cenário brasileiro contemporâneo, não apenas pelo explosivo
crescimento numérico, mas principalmente pela inauguração de práticas que transpõem as
categorias conceituais explicativas classicamente utilizadas para a análise das manifestações
de fé. Abordagens jornalísticas, religiosas e sociológicas não deram conta de compreender a
abrangência e os impactos promovidos por esse segmento. O desafio foi então lançado à
historiografia. Com o propósito de contribuir para o preenchimento dessa lacuna, esse
trabalho se propôs a pesquisar, com profundidade, as práticas e as representações que
notabilizaram o fenômeno iurdiano. Para isso, a partir de parâmetros teórico-metodológicos
da História Cultural - articulados com os pensamentos de Roger Chartier e Pierre Bourdieu -
realizaram-se incursões investigativas nos documentos próprios da igreja, conjugando-as com
observações participantes nos cultos e ritos, cruzando-se ainda tais fontes com depoimentos
de líderes e fiéis, além de gravações sistematizadas de programas midiáticos, transcritos e
catalogados para análise. Constatou-se que o fenômeno iurdiano: não é dissidência e nem
continuidade de outras expressões religiosas, mas é criador de algo novo a partir de
apropriação e resignificação de compósitos culturais arraigados na longa duração histórica;
estabeleceu um marco divisor no campo religioso quando chegou às massas e atingiu a matriz
cultural brasileira, recuperando elementos liminares de crenças folclóricas, que perpassam
todos os níveis sociais, tornando-os prioritários; surgiu e cresceu no contexto de uma
explosão urbana, marcada por instabilidade, crise e violência, tornando-se um espaço de
salvação, de socorro e ajuda. Sindicato de mágicos configura-se, pois, como um título
plausível para classificar a operacionalidade da alquimia do conjunto observada nas práticas
desse movimento, capaz de combinar elementos aparentemente contraditórios: denomina-se
igreja, mas caracteriza-se por magia e profetismo; possui líderes carismáticos, pelas regras
coletivas do campo e não pela excepcionalidade individual; desenvolve um tipo de
messianismo, de configurações rurais, mas vivenciado com encanto no mundo urbano; as
crenças que necessita combater são decisivas para o seu funcionamento; as benesses do
paraíso apocalíptico já são antecipadas para o tempo presente, alterando inclusive a geografia
do além-pós-morte; elementos encantados são habilmente conjugados com recursos
ultramodernos; o biblicismo da leitura é substituído pelo emblema do rito; polêmicas
estratégias de arrecadação financeira são denegadas pela economia da oferenda; no lugar da
abstenção de bens materiais como preparação para a salvação, a prosperidade e o usufruto de
valores do tempo presente como sinais de alcance do reino idílico; sendo instituição, possui a
capacidade mágica de não permitir a magia institucionalizar-se; deu certo no contexto
brasileiro por recuperar um elemento essencial e identitário do cristianismo: o mistério.
PROENÇA, Wander de Lara. Sindicato de Mágicos: uma história cultural da Igreja Universal
do Reino de Deus (1977-2006). Assis: Unesp, 2006. 356 fl. Tese (Doutorado em História
Social) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2006.
ABSTRACT
In 1977 was inaugurated, with the name Universal Church of the Kingdom of God - Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD) - the most provocative religious movement in
contemporary Brazil, not simply due to its explosive numerical growth, but mainly because
of its practices that went beyond classical conceptual categories employed in analyses of faith
manifestations. Journalistic, religious, and sociological approaches were not sufficient to
account for the range and impact of this segment. The challenge was then submitted to
historiography. With the purpose of answering some of these lacunae, the present work
proposes to research in depth the practices and representations that most mark the IURD
phenomenon. For that, using theoretical-methodological parameters from cultural history,
articulated in the works of Roger Chartier and Pierre Bourdieu, we shall make incursive
investigations into the documents of the church, placing these alongside the observations
made by participants in the church’s rites and practices, then comparing these with additional
statements from the church’s leadership and faithful followers. We will also examine
Transcripted and catalogued information gathered from various media programs. It was
found that the IURD phenomenon was not due to dissidence nor continuity with other
religious expressions, but was instead the creation of something new based on an
appropriation and resignification of long-standing historical and cultural composites. It
established a dividing mark in the religious field when it reached the level of the masses and
hit a Brazilian cultural matrix, recovering hidden elements of popular folklore, that reach all
social strata, thus making them priorities. It started and grew in a context of urban explosion,
marked by instability, crises and violence, making it a place of salvation and help.
“Magicians´ Union”, therefore, is a plausible title under which to classify the functionality of
the group alchemy observed in the practices of this movement, capable of combining
apparently contradictory elements: calling itself “church”, but characterized by magic and
prophecy; having charismatic leaders determined by the collective rules of the field and not
according to individual gifts; developing a type of messianism of rural configurations, but
living in a charmed urban world. The beliefs against which it must fight are decisive for its
functioning; the blessings of apocalyptic paradise are anticipated to the present time, altering
the geography of post-beyond-death. Elements of enchantment are ably paired with
ultramodern technology; literal biblicism is substituted by an emblem of rite; polemical
strategies for financial gain are disallowed by an economy of offering; instead of abstaining
from material goods in preparation for salvation, prosperity and the enjoyment of this present
day are signs of reaching the idyllic kingdom. As an institution, it has the magical capacity of
not allowing magic to institutionalize itself. It has been successful in the Brazilian context
because it recovered an essential element of Christian identity: mystery.
Keywords: Universal Church of the Kingdom of God; cultural history, magicians´ union;
charisma; Brazilian religious field.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................353
12
INTRODUÇÃO
1
DOSSIÊ: Religiões no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, USP, n. 52, p. 15, 2004.
14
TV, ou mesmo pela aquisição desses meios de comunicação para o anúncio de sua
mensagem; grande ênfase no dinheiro como parte da vida religiosa, promovendo enorme
visibilidade social e projeção econômica da Igreja, com altas taxas de arrecadação financeira,
posse de milhares de templos, além de diversos empreendimentos paralelos tais como,
gravadoras, editoras, livrarias, instituições bancárias e do ramo da construção civil.
A Igreja Universal, evidentemente, não consiste em um movimento isolado,
mas participa de um processo de transformação do campo religioso brasileiro ocorrido
sobretudo nas três últimas décadas. Nessas mutações, as expressões de fé genericamente
identificadas como “evangélicas”,2 têm obtido os melhores resultados em termos de
crescimento. Dados catalogados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
relativos aos censos demográficos realizados em tal período, constatam essa afirmativa. Em
1940, os evangélicos representavam 2,6% da população; em 1950, 3,4%. Em 1970, de uma
população composta de pouco mais de 90 milhões, os evangélicos somavam 5,17%; em
1980, eram cerca de 120 milhões de brasileiros, e os evangélicos totalizavam 6,62%. Os
dados relativos ao Censo Demográfico realizado em 1991, indicaram uma população de mais
de 146 milhões e um total de 8,98% de fiéis. No início da década de 1990, a revista Veja -
exibindo como manchete de capa “A fé que move multidões avança no país” - também
apontava para esta projeção:
Cerca de 16 milhões de pessoas no país, especialmente a imensa
massa de descamisados colocados à margem da modernidade e
progresso, já rezam pela cartilha dessas igrejas barulhentas que em
seus cultos cheios de cânticos e emoções prometem curas, milagres
e prosperidade instantânea na terra.3
2
No campo religioso brasileiro torna-se cada vez mais difícil delimitar ou conceituar com maior precisão a
categoria “evangélico”, já que engloba um número importante de igrejas com grande diversidade
organizacional, teológica e litúrgica. Em geral, remete a um conjunto de características que traçam um perfil
relativamente definido de um grupo que engloba um número cada vez mais significativo de pessoas, mas com
muitas fragmentações e divergências internas. Assim, gozando de extraordinária autonomia, cada uma se projeta
no espaço social segundo iniciativa dos pastores ou de suas comunidades locais, por não possuir um órgão
institucional que as normatize ou as regularize. Cf MONTES, Maria Lucia. As figuras do sagrado: entre o
público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). História da vida privada no Brasil 4. Contrastes da
intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia da Letras, 2002, p. 87.
3
Revista Veja, São Paulo, n. 19, p. 40-44, 16 maio 1990.
4
Estudos Avançados. Op. cit., p. 15, 16.
5
Ver SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. O Sagrado num mundo em transformação. São Paulo: Edições ABHR, 2003,
p. 26, 27.
15
que, dos números anteriormente apresentados pelas pesquisas nas duas últimas décadas, “de
cada dez crentes sete se declaram pentecostais ou neopentecostais”.6 O censo realizado pelo
ISER, em 1991, revelava que já se abria naquele momento um templo evangélico a cada dia
útil no Rio de Janeiro. Segundo dados atuais do IBGE, cerca de 600 mil brasileiros se
convertem a cada ano a alguma denominação com esse perfil religioso.
Em decorrência de tal projeção, há inclusive hoje uma assimilação cultural
da liturgia e do vocabulário evangélico, fazendo que cada vez mais nas ruas e locais públicos,
por exemplo, pessoas exibam camisetas e estampem adesivos nos seus automóveis com
dizeres que representam essa nova tendência religiosa.
Em meio a essas remodelações do campo religioso brasileiro, o fenômeno
iurdiano se apresenta, pois, um instigante desafio aos que se dedicam a compreendê-lo,
especialmente por atuar em fronteiras da liminaridade, estabelecida como flexibilidade do
que se convenciona classificar como sagrado e profano, ortodoxo e herético, erudito e
folclórico, sacerdócio e magia. E é justamente pelos aspectos emblemáticos que envolvem tal
segmento religioso que advém o título dado a essa pesquisa: “Sindicato de Mágicos”. Ainda
que à guisa de introdução, vale justificar o emprego desses termos para intitular o presente
trabalho. Em relação à “magia”, pode-se conceituá-la como tudo aquilo que, baseado na
“lógica do natural e do sobrenatural”, tenta inverter as formas naturais das coisas, ou seja, a
crença de que determinadas pessoas são capazes de controlar forças ocultas (pessoais ou
impessoais) e intervir nas leis da natureza por intermédio de procedimentos rituais. Os
adeptos da magia acreditam que por palavras ou encantamentos podem alterar o curso dos
acontecimentos. “Conectados com os mitos”,7 os ritos mágicos permitem que os seus
adeptos, através da manipulação de forças imaginárias da natureza ou apelos a espíritos
imaginários, obtenham forças para buscar seus objetivos. Essa força tem sido entendida
normalmente como “uma atividade de substituição nas situações em que faltam meios
práticos para conseguir um objetivo; e uma de suas funções é dar ao ser humano coragem,
alívio, esperança, tenacidade”:
D aí a f o r m a m i m é t i c a d o s r i t o s , a c o n v e r s ã o d e a t o s s u g e r i d o s p e l o s
fins visados. Assim, a magia produz o mesmo resultado subjetivo
que a ação empírica teria conseguido, restaura-se a confiança, e seja
qual for o programa em que esteja engajada, ele pode ser levado
a va n t e . 8
6
Revista Eclésia, Rio de Janeiro, p. 46, abr. 2000.
7
PIERUCCI, Antônio Flávio. Magia. São Paulo: PubliFolha, 2001, p. 78.
8
EVANS-PRITCHARD, E. E. Antropologia social da religião. Rio de Janeiro: Campus, 1978, p. 53, 61.
16
12
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Rio de Janeiro: Perspectiva, 2000.
18
Por isso mesmo, o culto é novidade todo dia, sem cair no formalismo litúrgico da tipologia
eclesiástica institucional ou sacerdotal. Cada reunião se torna um novo espetáculo, com
plenitude de sentido, de emoção compartilhada, comungada na mesma paixão, “ligando os
homens às potências sagradas que o animam”.13 Os ritos são criativamente renovados, numa
atualização permanente, propiciando um leque de novas opções a serem trilhadas a qualquer
momento, sem o “engessamento” cerceador encontrado nas grandes instituições religiosas.
Não estando preso à instituição, o bispo Macedo, por exemplo, tem autonomia de
mobilidade. É bispo sem deixar de ser profeta, de ser mago ou xamã. Este fator contribui para
que a história da IURD seja construída na vividez do inesperado e do desconhecido, envolta
pelo elemento do mistério que emblematicamente configura a crença em suas expressões
mais encantadas.
Outro aspecto relacionado ao título “Sindicato de Mágicos” se refere ao
poder de alquimia o qual magicamente faz que o grupo iurdiano não apenas rompa em suas
práticas coletivas com alguns conceitos ou tipologias - que classicamente têm sido utilizados
por teóricos ou pesquisadores de temas religiosos - mas também requeira novas abordagens
para a compreensão de um novo tipo de experiência envolvendo o sagrado no cenário
religioso brasileiro. Essa Igreja consegue eficazmente aglutinar vários outros elementos
configurados no campo e que aparentemente seriam opostos ou concorrentes entre si. Assim,
são vivenciados, ali, aparentes paradoxos ou contradições, mas que emblematicamente
ganham sentido e coerência a partir de regras que o campo religioso é capaz de promover:
denominando-se “igreja”, esse segmento possui práticas notadamente caracterizadas por
magia, por messianismo ou profetismo; as representações messiânicas nela configuradas
ocorrem não mais no contexto rural - como tradicionalmente se denotou nos movimentos
com tais perfis – fazendo que as fronteiras convencionalmente estabelecidas entre o que é
rural e urbano sejam rompidas, tornando assim a cidade, teoricamente definida como lugar de
“desencantamento”, local de magificação do sagrado em suas expressões mais “primitivas”.
Ao mesmo tempo em que combate as crenças afro-brasileiras, a IURD diretamente delas
depende para a constituição de suas práticas, reeditando-as, inclusive, com outros nomes. Os
líderes, denominados pastores ou bispos – como dito anteriormente - assumem para os fiéis
diferentes representações: mago, messias, profeta, fato que caracteriza um movimento
surgido com proposta profética, passando a se aproximar de uma instituição, sem permitir,
contudo, a institucionalização de suas práticas. Ao mesmo tempo em que se denomina
13
SCHMITT, Jean-Claude. Ritos. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). Dicionário temático
do ocidente medieval. Bauru: EDUSC, 2002, p. 416.
19
enquanto viés de análise a ser utilizado e, por conseguinte, propósito maior da tese ora
desenvolvida: compreender o fenômeno iurdiano a partir da historiografia, proporcionando
com isso uma nova abordagem, que vá além das análises e explicações até agora
apresentadas quase sempre sob outras perspectivas. Vale dizer que, não só pelo crescimento e
projeção, mas também pelo aspecto emblemático que a envolve desde o seu surgimento, a
IURD tem se tornado objeto de várias “explicações”, suscitando diferentes esforços por
compreendê-la enquanto expressão do sagrado produzido pelo campo religioso brasileiro, em
suas remodelações mais recentes. Podem ser destacados três setores que têm se empenhado
em descrever ou interpretar o movimento iurdiano: a mídia, outros segmentos religiosos e a
academia.
Por parte da mídia, até mesmo por perceber o crescimento da concorrência
pelo controle dos meios de comunicação, a religiosidade iurdiana quase sempre tem sido
classificada em tom de estigmatização, sob acusação de charlatanismo, mercantilização da fé
ou curandeirismo, como se fosse apenas uma forma “maquiavélica” de explorar
financeiramente a “boa fé” de pessoas humildes ou desavisadas, conforme se pode observar
no exemplo abaixo:
S ur g e m e m m e i o a e s t a q u e s t ã o , f a l s o s l í d e r e s q u e u s a m e s s a s
técnicas de pregação em benefício do próprio bolso. Exatamente por
essa razão são raras as capitais brasileiras onde pelo menos um
pastor não esteja sendo alvo de um processo criminal por
c ha r l a t a n i s m o , e n r i q u e c i m e n t o i l í c i t o e a t e n t a d o à e c o n o m i a
popular.17
17
Revista Veja, São Paulo, p. 40, 16 maio 1990.
18
Revista Veja, São Paulo, 03 jan. 1996.
21
D av i M i r a n d a , f u n d a d o r d a D e u s É A m o r , p o r e v a s ã o d e d i v i s a s . A
I gr e j a R e n a s c e r e m C r i s t o e n f r e n t a m a i s d e c i n q ü e n t a p r o c e s s o s
movidos por ex-fiéis. Seus fundadores, o apóstolo Estevam
H er n a n d e s e a b i s p a S o n i a H e r n a n d e s , s ã o a c u s a d o s d e d a r u m
calote de 12 milhões de reais.19
19
Revista Veja, São Paulo, p. 93, 03 jul. 2002.
20
Ibid.
21
O presbiterianismo consiste numa das ramificações do calvinismo, surgido em Genebra, na Suíça, sob a
liderança de João Calvino, no período da Reforma Protestante, no século XVI. Tal segmento protestante tem
como um dos seus pressupostos teológicos a acumulação de lucro pela ética do trabalho como um sinal da
eleição e bênção divinas.
22
BOAVENTURA, Luís Pereira. Jornal O Paraná Evangélico, Londrina – PR, p. 02, jun. 1980. Exemplar
disponível no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa em História - Faculdade Teológica Sul Americana,
em Londrina – PR.
22
23
http: // www.ricardogondim.com.br/artigos. Acesso em: 27 jul. 2005.
23
minoria no país e também nos estudos sobre religião”.24 Mas foi a partir de 1980, com mais
de 13 milhões de adeptos e 80 anos no Brasil, englobando centenas de denominações de
pequeno, médio ou grande porte, que as novas expressões evangélicas se tornaram finalmente
objeto de grande interesse das pesquisas acadêmicas, rendendo a publicação de vários artigos
e livros. A seguir, são apresentados alguns desses principais trabalhos que representam
diferentes olhares ou interpretações de autores brasileiros sobre a Igreja Universal. O
propósito é observar algumas de suas contribuições, mas, principalmente, os seus limites
explicativos, para que melhor se perceba a necessidade de se avançar no alcance de análise a
partir de um outro parâmetro de investigação: o viés historiográfico.
Um detalhado mapeamento da configuração do campo religioso brasileiro,
referente ao período que delineia o advento iurdiano, é feito por Maria Lucia Montes, na obra
História da Vida Privada no Brasil, volume 4. Nesse texto , a autora aponta para um
deslocamento do público para o privado que a “economia do simbólico” tem sofrido no
contexto brasileiro. São sinais dessas mudanças e da ascensão de “novos” fenômenos
religiosos os seguintes aspectos:
A evidente ampliação e diversificação do “mercado dos bens da
salvação”. Igrejas enfim gerenciadas como verdadeiras empresas. Os
modernos meios de comunicação de massa postos a serviço da
c on q u i s t a d a s a l m a s . I n s t i t u i ç õ e s r e l i g i o s a s q u e , d o p o n t o d e v i s t a
organizacional, doutrinário e litúrgico, pareciam fragilizar-se ao
e xt r e m o , m a i s o u m e n o s e n t r e g u e s à i m p r o v i s a ç ã o a d h o c s o b r e
sistemas de crenças fluídos, deixando ao encargo dos fiéis
c om p l e m e n t a r e m à s u a m a n e i r a a r i t u a l i z a ç ã o d a s p r á t i c a s r e l i g i o s a s
e o conjunto de valores espirituais que elas supõem. Uma maior
a ut o n o m i a r e c o n h e c i d a a o s i n d i v í d u o s q u e , u m p a s s o a d i a n t e , s e r i a m
julgados em condição de escolher livremente sua própria religião,
diante de um mercado em expansão. (...) Proliferação de seitas,
f ra g m e n t a ç ã o d e c r e n ç a s e p r á t i c a s d e v o c i o n a i s , s e u a r r a n j o
c on s t a n t e a o s a b o r d e c r e n ç a s e p r á t i c a s p e s s o a i s o u d a s v i c i s s i t u d e s
da vida íntima de cada um.25
24
FERNANDES, R. C. Religiões populares: uma visão parcial da literatura recente. Boletim Informativo de
Ciências Sociais, ANPOCS/ USP, São Paulo, p. 84, 1984.
25
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 63-171.
26
Id., ibid., p. 68.
24
27
Id., ibid., p. 69.
28
Id., ibid.
29
Id., ibid., p. 71.
30
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola,
1999.
25
31
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento
neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.
26
32
CORTEN, André; DOZON, Jean-Pierre; ORO, Ari Pedro (Orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus: os
novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 23.
33
CAMPOS, Hélide Maria Santos. Catedral eletrônica. Itu – SP: Ottoni Editora, 2002, p. 14.
34
Revista Veja, São Paulo, p. 30, 14 nov. 1990.
27
35
OLIVEIRA, Estevam Fernandes. Conversão ou adesão. Uma reflexão sobre o neopentecostalismo no Brasil.
João Pessoa: Proclama Editora, 2004.
36
ALMEIDA, Ronaldo R. M. A Universalização do Reino de Deus. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 44,
p. 12-23, 1996.
37
Id., ibid, p.16.
28
um imaginário filtrado pela leitura bíblica sem os crivos exegéticos dos dogmas
institucionais.
Anders Ruuth, em tese de doutorado sobre da Igreja Universal do Reino de
Deus, destaca que, dentre outros fatores, a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, gerou
grande falta de sacerdotes e religiosos oficiais a serviço da Igreja Católica, fato este que
contribuiu ainda mais para o desenvolvimento de expressões de crenças sem maior controle
institucional, as quais teriam estabelecido o solo no qual movimentos contemporâneos, como
a Igreja Universal, fincam suas raízes. As práticas vivenciadas pela IURD poderiam ser assim
descritas revitalizações do modo
( .. . ) c o m o u m a p e s s o a , l i v r e d a s r e g r a s e r i t u a i s d a s i g r e j a s o f i c i a i s ,
particularmente da instituição religiosa dominante, expressa e
realiza os seus anseios religiosos, aproveitando diferentes modelos,
a nt i g o s o u c o n t e m p o r â n e o s , c r i s t ã o s e n ã o - c r i s t ã o s p a r a b u s c a r a
D eu s . A p e s s o a é l i v r e p a r a s o l i c i t a r a j u d a d e r e p r e s e n t a n t e s
religiosos, preferencialmente, para presentear seus deuses como
também para oferecer algo em troca.38
38
RUUTH, Anders. Igreja Universal do Reino de Deus. Estudos de Religião. São Bernardo do Campo, UMESP,
ano XV, n. 20, p. 85, jun. 2001. Artigo extraído da tese de doutorado em Teologia sobre a Igreja Universal do
Reino de Deus, defendida no ISEDT, Buenos Aires, maio 1995.
39
MAFRA, Clara. Os evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 37.
29
agravaram sobre o país nas últimas décadas - como responsáveis pela recorrência a tais
práticas. Assim, a antinomia “riqueza-pobreza” continua a ser recorrentemente utilizada para
análise do pentecostalismo em suas diferentes tipologias como forma de se conviver ou se
combater a pobreza, como o demonstram os trabalhos de Cecília Loreto Mariz e de Maria das
Dores Campos Machado. Afirmam essas autoras que a extrema privação gera uma sensação
de baixa estima, exclusão, insegurança e que as religiões pentecostais oferecem experiências
que ajudam a superar esses sentimentos e a restabelecer a dignidade do pobre de diferentes
maneiras.42
42
MACHADO, Maria das Dores Campos; MARIZ, Cecília Loreto. Sincretismo e trânsito religioso:
comparando carismáticos e pentecostais. Comunicações do ISER, Rio de Janeiro, n. 45, ano 13, 1994.
43
SHAULL, Richard; CESAR, Waldo. O pentecostalismo e o futuro das igrejas cristãs. Petrópolis: Vozes: São
Leopoldo: Sinodal, 1999, p. 45.
44
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 106, p. 70, 2004.
45
Folha Universal, Rio de Janeiro, n. 631, 09 maio 2004.
31
clivagem cultural não coincide com a estratificação social”.46 Nesse sentido, Paulo Bonfatti,
psicólogo, acredita que um dos pontos favoráveis ao crescimento da aceitação da Universal
na sociedade foi sua facilidade de adaptação com a linguagem e os costumes do país. Além
disso, afirma que a presença dela na mídia também pode ser apontada como de grande
organização, pois gera um efeito positivo. A igreja mudou sua própria linguagem e ficou
mais sintonizada com a classe média. A própria estética da programação em suas mídias
passou a abordar discussões mais elaboradas, com a presença de especialistas. Acredita que
esteja ocorrendo um fenômeno bilateral em relação a Universal. As classes mais altas estão
tendo maior simpatia pela Igreja Universal porque ela está mudando seu discurso e por sua
vez, o discurso da IURD está mudando pela demanda das classes mais altas.47
As incursões feitas por diferentes autores, anteriormente destacadas,
apontam elementos importantes que marcam a atual configuração do sagrado no campo
religioso brasileiro. Porém, não obstante as contribuições de análise para os propósitos mais
específicos de suas respectivas áreas de conhecimento, esses trabalhos apresentam dois
principais limites: primeiro, não avançam no âmbito cultural, e isso impossibilita uma
compreensão mais profunda do que ocorre nas práticas da Igreja Universal do Reino de
Deus;48 segundo, não utilizam parâmetros teórico-metodológicos mais propriamente
historiográficos para investigação das fontes disponíveis para análise deste objeto. Em outras
palavras, há uma lacuna de pesquisas com perspectivas mais propriamente historiográficas,
sobretudo pelo viés da cultura, na abordagem de tal temática. Nesse sentido, vale citar
Ronaldo Vainfas quando observa que “nossos historiadores” quase não se dedicaram ao
estudo das “religiosidades”, “traço essencial da história e da vida do Brasil”, deixando assim
uma “lacuna que prejudica a compreensão histórica de nossa sociedade”:
N ão d e i x a d e s e r i n t r i g a n t e e s s a l a c u n a , s e n d o o B r a s i l a t é h o j e
embebido de religião, país católico onde se multiplicam seitas
protestantes e onde o sincretismo religioso está em toda parte, como
na Umbanda carioca. Isso sem falar nas africanidades, como o
candomblé baiano, e noutros ritos de morfologia complexa, como os
catimbós tradicionais ou o “moderno” Santo Daime. É evidente o
46
LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa:
Editorial Estampa, 1980, p. 210.
47
BONFATTI, Paulo. A expressão popular do sagrado. São Paulo: Paulinas, 2000.
48
Algumas abordagens que têm acenado, neste sentido, para um viés mais antropológico, podem ser observadas
nos seguintes trabalhos: no levantamento feito por Luiz Eduardo Soares, no artigo “A guerra dos pentecostais
contra o afro-brasileiro; dimensões democráticas de conflitos religiosos no Brasil”. Cadernos do ISER, Rio de
Janeiro, n. 44, ano 12, 1992; na análise feita por Pierre Sanchis “O repto pentecostal à cultura católico-
brasileira”. In: ANTONIAZZI, A. et al. Nem anjos nem demônios. Interpretações sociológicas do
pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1996; no artigo de Otávio VELHO, “Globalização: antropologia e religião”.
Mana, vol. 3, n. 1, 1997. Nesses trabalhos pode-se observar um processo de “pentecostalização” do campo
religioso brasileiro.
32
c on t r a s t e e n t r e a f o r ç a d e n o s s a r e l i g i o s i d a d e e a d e s a t e n ç ã o d e
nossa historiografia.49
54
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Difel: Lisboa, 1990, p. 22.
55
Ibid.
56
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 94.
35
57
Id., Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 21, 98.
36
integram esse segmento religioso, ou seja, investigam-se “as práticas que visam fazer
conhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar
simbolicamente um estatuto e uma posição”.58
Observa-se que a investigação aqui desenvolvida procura manter o devido
cuidado quanto a um possível juízo de valor, a partir de qualquer referencial de ortodoxia ou
concepção teológica, em relação às práticas e representações vivenciadas pela Igreja
Universal do Reino de Deus. Até porque, segundo Durkheim, não há “religiões que sejam
falsas. Todas são verdadeiras à sua maneira. Todas respondem, ainda que de maneiras
diferentes, a determinadas condições da vida humana”.59 O que se objetiva, portanto, é
compreender como na IURD, através de uma história cultural, “o presente pode adquirir
sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço, decifrado”.60 Assim, ao pesquisador de temas
religiosos cabe não a preocupação com a “verdade” ou “falsidade” dos elementos que
envolvem seu objeto de pesquisa, mas, ao contrário, a compreensão de que as crenças e as
experiências com o sagrado consistem em práticas culturais e sociais, devendo ser, por isso
mesmo, historicamente investigadas.
58
CHARTIER, R. Op. cit., p. 22.
59
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 31.
60
Id., ibid., p. 17.
37
64
FALCON, Francisco. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História.
Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 76.
65
Id., ibid, p. 27, 28.
66
CHARTIER, R. Op. cit., p. 14.
67
FALCON, F. Op. cit., p. 89.
68
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Edunesp, 2003, p. 18.
39
69
RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Orgs.) Para uma História Cultural. Rio de Janeiro: Editorial
Estampa, 1998, p. 20.
70
BURKE, Peter. Variedades de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.11-37; 231-
267.
71
Id., ibid., p. 234.
72
BURKE, P. O que é História Cultural?, p. 10.
40
a sociedade ou dar pouca ênfase a ela, demonstrando uma ausência de fundamentos quanto à
infra-estrutura econômica, estrutura política e social na maneira como é postulada. Segundo,
apresenta dependência do conceito de unidade ou consenso cultural. Argumenta-se que não é
possível falar em consenso e homogeneidade culturais, pois tanto no que se convencionou
chamar de cultura elitizada como na chamada cultura popular, há variações e divisões, como
por exemplo, de uma região para outra, entre homens e mulheres, entre ricos e pobres etc.
Terceiro, havia a idéia de herança ou legado cultural pela tradição, pressupondo que a
recepção do que fora dado não sofria variações. Pondera-se que a cultura é marcada por
variações, transformações, modificações. Quarto, adota a idéia de cultura implícita,
convencionando-se estabelecer como cultura a “alta cultura”; por isso, atualmente, os
historiadores devem, segundo ele, buscar recuperar a história da cultura das pessoas
chamadas comuns. E por último, a História Cultural clássica foi escrita pelas elites européias
a respeito de si mesmas. Não pode haver uma única grande tradição, um monopólio de
legitimidade cultural. Ressalta ainda que é preciso que os historiadores reconheçam cada vez
mais o valor de outras tradições culturais em vez de encará-las como barbarismo ou ausência
de cultura. Hoje, o apelo da História Cultural é mais amplo e diversificado em termos
geográficos e sociais. A história precisa ser reescrita a cada geração a fim de que o passado
continue a ser inteligível para um presente modificado.
Peter Burke considera cinco aspectos que marcam este novo viés
historiográfico da cultura. Primeiro, ao se tornar bastante tributária da Antropologia, a Nova
História Cultural promove uma redescoberta da importância dos símbolos na história, o que
costuma ser chamado de “antropologia simbólica”. Assim, a história pode se tornar uma
tradução da linguagem cultural do passado para o presente, dos conceitos da época estudada
para os de historiadores e seus leitores contemporâneos. Segundo, possibilita uma redefinição
de cultura em relação ao modelo clássico, ampliando o seu sentido: não apenas o escrito, mas
o oral; não apenas o drama, mas o ritual; não apenas a filosofia, mas as mentalidades das
pessoas chamadas comuns. Burke cita Pierre Bourdieu ao ressaltar que “A vida cotidiana ou
a ‘cultura cotidiana’ é fundamental para essa abordagem, sobretudo as ‘regras’ ou
convenções subjacentes à vida cotidiana”, e acrescenta: “Como sugere Bourdieu, o processo
de aprendizagem inclui um padrão mais flexível de respostas a situações que ele chama de
‘habitus’”.73 Em terceiro lugar, compreende que as tradições não persistem automaticamente.
Citando o conceito de “reprodução cultural”, empregado por Pierre Bourdieu, Burke destaca
73
BURKE, P. Variedades de História Cultural, p. 247.
41
Esse novo viés investigativo passou a contemplar a “história das práticas culturais”, que
a pr e s e n t a a d e n s i d a d e d e u m s ó c i o - c u l t u r a l f i r m e m e n t e f i x a d o n o
horizonte da investigação, revisitando a religião vivida, as
74
Id., ibid., p. 109 - 128.
75
Id., ibid., p. 148, 149.
76
Id., ibid., p. 352.
77
RIOUX, J. - P. ; SIRINELLI, J. - F. (Orgs.). Op. cit., p. 19, 20.
42
78
Id., ibid., p. 21, 22.
79
LE GOFF, Jacques (Org.) História, novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
80
Id., ibid., p. 106 - 136.
81
ELIADE, Mircea. La nostalgie es origines: méthodologie et histoire des religions. Paris: Gallimard, 1978, p.
18.
82
HUNT, Lynn (Org.) A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 9.
43
A cultura, ressalta Chartier, “não está acima nem ao lado das relações
econômicas e sociais”, e não existe prática que não se articule sobre as representações pelas
quais “os indivíduos constroem o sentido de sua existência”:
Todas as relações e percepções do mundo social são ao mesmo
tempo “culturais”, já que traduzem em atos as maneiras plurais
c om o o s h o m e n s d ã o s i g n i f i c a ç ã o a o m u n d o q u e é o s e u . P o r t a n t o ,
toda história, quer se diga econômica, social ou religiosa, exige o
estudo dos sistemas de representação e dos atos que eles geram. Por
isso ela é cultural.84
( .. . ) o d e s e n v o l v i m e n t o d e u m a c o n s c i ê n c i a c a d a v e z m a i o r e n t r e o s
historiadores, da forma como aquilo a que chamam “realidade” se
e nc o n t r a r m e d i a t i z a d o p o r c o n s t r u ç õ e s o u r e p r e s e n t a ç õ e s c u l t u r a i s ,
ou seja, uma consciência cada vez maior da importância e da
difusão do simbolismo.90
89
Id., ibid., p. 104.
90
BURKE, Peter. O mundo como teatro. Estudos de Antropologia Histórica. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 26.
91
ROCHE, Daniel. Uma declinação da luzes. In: RIOUX, J. - P. ; SIRINELLI, J. - F. (Orgs.). Op. cit., p. 2.
45
a pr o p r i a ç ã o c o m o a e n t e n d e m o s , t e m p o r o b j e t i v o u m a h i s t ó r i a
social das interpretações, remetidas para as suas determinações
f un d a m e n t a i s ( q u e s ã o s o c i a i s , i n s t i t u c i o n a i s , c u l t u r a i s ) e i n s e r i d a s
nas práticas específicas que as produzem.92
Em suas pesquisas sobre a leitura na França, esse autor argumenta que era
praticamente impossível rotular objetos ou práticas culturais como “populares”. As elites da
Europa Ocidental, no começo dos tempos modernos, eram “biculturais”. Afirma que o
popular era ali normalmente definido por sua diferença com aquilo que ele não era: a
literatura erudita de um lado, catolicismo dos clérigos do outro. Mas “é justamente esse
postulado, e a distinção popular/erudito que o fundamenta, que parece ser necessário
questionar” – ressalta Chartier, pois, “onde se acreditava descobrir correspondências estritas
entre clivagens culturais e oposições sociais, existem antes circulações fluídas, práticas
compartilhadas, diferenças indistintas”.96 Logo, não se deve “sobrepor clivagens sociais e
diferenças culturais”:
92
Id., ibid., p. 16, 17.
93
BURKE, P. Variedades de História Cultural, p. 41.
94
BOSI, Alfredo (Org.). Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987, p. 7.
95
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 18, 19.
96
Id., ibid., p. 8.
46
Essa “travessia” dos horizontes sociais pode ser exemplificada nas palavras
de Victor Turner: “As pessoas da floresta, do deserto e da tundra reagem aos mesmos
processos como as pessoas das cidades, das cortes e dos mercados”.106 A essa compreensão se
aplicam ainda as palavras de Chartier, quando destaca os desafios que se apresentam ao
trabalho historiográfico:
Enfim, ao renunciar ao primado tirânico do recorte social para dar
c on t a d o s d e s v i o s c u l t u r a i s , a h i s t ó r i a e m s e u s ú l t i m o s
desenvolvimentos mostrou, de vez, que é impossível qualificar os
motivos, os objetos, ou as práticas culturais em termos
imediatamente sociológicos e que sua distribuição e seus usos numa
dada sociedade não se organizam necessariamente segundo divisões
sociais prévias, identificadas a partir de diferenças de estado e de
f or t u n a . D o n d e a s n o v a s p e r s p e c t i v a s a b e r t a s p a r a p e n s a r o u t r o s
modos de articulação entre as obras ou as práticas e o mundo social,
sensíveis ao mesmo tempo à pluralidade das clivagens que
atravessam uma sociedade e à diversidade dos empregos de
materiais ou de códigos partilhados.107
109
Id., ibid., p. 10.
110
Id., ibid., 28.
111
CHARTIER, Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 15.
112
Id., ibid., p. 13.
113
Id. Ibid., p. 18.
49
sobre o passado “por meio do inquérito que ele mesmo fora refinando como método de
trabalho”.124 Ao analisar sua carreira acadêmica, o autor descreve um método de trabalho
tendo como referenciais os conceitos que nortearam as suas pesquisas. Primeiro, a formação
de seu habitus, marcada pela origem social humilde, pela vivência familiar e pelos ritos de
passagem na adolescência; segundo, a sua inserção no campo acadêmico e a relação com as
respectivas regras nele existentes, marcadas pelo êxito escolar, pela experiência como
sociólogo na Argélia e, principalmente, pelos conflitos causados no campo, tanto pelo espaço
que conquista, quanto pela forma com que o modifica; terceiro, a disputa pela consagração e
pela constituição de um capital simbólico envolvendo as disciplinas e os pensadores nas
ciências humanas no campo intelectual de que faz parte.
Vale dizer que elementos da Antropologia125 consistem em fonte de
reflexão eminente para Bourdieu, principalmente em relação à importância dos sistemas de
relação entre indivíduos e grupos sociais para compreender os fenômenos sociais. Em tal
perspectiva, postula-se que é fundamental considerar dois elementos: primeiro, o sentido que
os agentes conferem às suas ações; segundo, a noção de estratégia, segundo a qual os agentes
sociais têm a capacidade de enfrentar situações imprevistas e constantemente renovadas,
sabendo estabelecer, nos diversos campos sociais, relações entre os meios e os fins para
adquirir bens raros. Nesse sentido, cabe ainda observar que, em termos de filiação teórica,
Bourdieu tem como uma de suas importantes matizes Max Weber, de quem adota
principalmente o papel das representações na análise da sociedade assim como o conceito de
legitimidade. Postulando que o conhecimento da ação social passa pelo sentido que o
indivíduo lhe confere, a posição de Weber se opõe à explicação puramente naturalista,
objetivista, fundando assim a sociologia compreensiva. Em tal perspectiva, a ação humana se
orienta de acordo com um sentido que se deve compreender, para torná-la inteligível. Os
comportamentos humanos têm a especificidade de se deixarem interpretar de modo
compreensivo.
Outra importante contribuição do pensamento de Bourdieu para a pesquisa
historiográfica – e, de modo particular, para a investigação do objeto aqui em análise - reside
na aproximação que consegue promover de aspectos conceituais-metodológicos normalmente
conflitivos na elaboração da pesquisa científica. Segundo ele, essas oposições artificiais não
124
Id., ibid., contra-capa.
125
Pierre Bourdieu desenvolveu trabalho de campo na Argélia. Em 1972, publicou Esquisse d’une théorie de la
pratique, obra em que analisa refinadamente fatos sociais como o desafio, o parentesco e a casa cabila. O
próprio Bourdieu destaca a importância desta experiência como etnólogo: “Eu me pensava como filósofo e levei
muito tempo para confessar a mim mesmo que me tornara etnólogo”, apud BONNEWITZ, Patrice. Primeiras
lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 14.
52
constitui, sem dúvida, “uma das transformações mais marcantes da nova historiografia”,
consistindo “uma espécie de mutação de uma história ontem focalizada numa abordagem que
se pretendia objetiva sobre realidades percebidas como tal”.128
Afirma Chartier que as representações consistem em “configurações sociais
próprias de um tempo e de um espaço”, e assim como “as estruturas do mundo social não são
um dado objetivo” - tradicionalmente postuladas como “um real bem real”, existindo por si
mesmo - as representações também não são simples reflexos daquelas”.129 Por isso, há a
necessidade de superação da dúvida cartesiana que pressupõe a idéia do homem sendo
exterior ao seu mundo, de onde decorre a concepção de que a representação é o produto
artificial ou abstrato de seu intelecto. Ponto central na teoria simbólica de Norbert Elias, e
que supera a armadilha da “verdade absoluta” e de sua “impossível” representação, é que os
símbolos, de que compõem a linguagem, por exemplo, possuem certo grau de congruência
com a realidade, com os dados que eles pretendem representar.130 Acrescentam-se a isso as
palavras de Bourdieu:
O mundo social também é representação e vontade (...) O que nós
c on s i d e r a m o s c o m o r e a l i d a d e s o c i a l é e m g r a n d e p a r t e r e p r e s e n t a ç ã o
ou produto da representação, em todos os sentidos do termo.(...) (O
discurso) produz um novo senso comum e nele introduz as práticas e
as experiências até então tácitas ou recalcadas de todo um grupo,
a go r a i n v e s t i d o d e l e g i t i m i d a d e c o n f e r i d a p e l a m a n i f e s t a ç ã o p ú b l i c a
e pelo reconhecimento coletivo.131
128
VOVELLE, Michel. In: D’Alessio, Márcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. São Paulo: UNESP,
1998, p. 83.
129
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 23.
130
CARDOSO, C. Flamarion; MALERBA, Jurandir (Orgs.). Representações: contribuição a um debate
transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000, p. 208.
131
BOURDIEU, P. Coisas ditas, p. 70, 71, 119.
132
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 17.
54
objetivas que definem as categorias sociais, mas “do ser percebido por si mesmo ou pelos
outros”, daí a luta constante de classificações:
o trabalho de classificação e delimitação produz as configurações
intelectuais múltiplas, das quais a realidade é contraditoriamente
c on s t r u í d a p e l o s d i f e r e n t e s g r u p o s , s e g u i d a m e n t e , a s p r á t i c a s q u e
visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira
própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e
uma posição (...).133
133
Id., ibid., p. 23.
134
Id., ibid., p. 26.
135
Id., ibid., p. 17.
136
LARA, Silvia H. História Cultural e História Social. Diálogos. Maringá, UEM, n.1, p. 26, 1997.
137
DUBOIS, Claude Gilbert. O Imaginário da Renascença. Brasília: UNB, 1985, (contra-capa).
138
JÚNIOR, Hilário Franco. Cocanha: a história de um país imaginário. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 16, 17.
55
Chartier associa “práticas” a um outro conceito que pode lhe servir como
fundamento: o habitus - que Bourdieu conceitua nos seguintes termos:
146
Id., ibid.
147
Id., ibid., p. 310.
148
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 86, 87.
57
P or s u a p r ó p r i a e t i m o l o g i a – h a b i t u s é o q u e f o i a d q u i r i d o , d o v e r b o
habeo -, devia significar muito concretamente que o princípio das
ações ou das representações e das operações da construção da
realidade social, pressupostas por elas, não é um sujeito
transcendental (...) É o habitus, como estrutura estruturada e
estruturante, que engaja, nas práticas e nas idéias, esquemas
práticos de construção oriundos da incorporação de estruturas
sociais oriundas, elas próprias, do trabalho histórico de gerações
sucessivas (...).149
149
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996, p. 158.
150
Id. Meditações pascalianas, p. 169.
151
Id. A economia das trocas simbólicas, p. XLVII.
152
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a história, p. 152.
153
Id. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 19
58
154
Cf. BONNEWITZ, P. Op. cit., p. 75.
155
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 1996, p. 91.
156
Id., Le sens pratique. Paris: Les Éditions de Minuit, 1980, p. 88, 89, apud BONNEWITZ, P. Op. cit., p. 77.
157
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 213.
158
Id., ibid., p. 160.
59
159
Id., ibid., p. 171.
160
Id., ibid., p. 160.
161
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, p. 19.
162
Id. Razões práticas, p. 160, 161.
163
BURKE, P. O que é História Cultural?, p. 77.
164
BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, L. J. D. Réponses... Pour une anthropologie réflexive. Paris: Le Seuil,
1992, p. 108, 109. Tradução de Lucy Magalhães.
165
BURKE, P. O que é História Cultural? , p. 130.
60
166
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 26, 27.
167
Id., ibid.
168
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 147, 148.
169
Id. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Edunesp, 2004, p.
20.
61
Os campos não são estáticos, sendo por isso transformados pelo dinamismo
da história, mediante as práticas dos agentes que nele se enfrentam, promovendo relações de
força e conseqüentes mutações:
Todo campo é um campo de forças e um campo de lutas para
c on s e r v a r o u t r a n s f o r m a r e s s e c a m p o d e f o r ç a s . ( . . . ) S ã o l u g a r e s d e
relações de forças que implicam tendências imanentes e
probabilidades objetivas.171
170
BOURDIEU, P. ; WACQUANT. L. J. D. Op. cit., p. 175, 176.
171
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico, p. 22.
172
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a história, p. 141.
173
Id., ibid.
174
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 149, 150.
62
175
CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 238.
176
BOURDIEU, P. A leitura: uma prática cultural. Debate com Roger Chartier. In: CHARTIER, R. (Org.).
Práticas da leitura, p. 240.
177
A esta obra se atribui certo pioneirismo na elaboração de uma história com interface antropológica. Cf.
BLOCH, Marc. Op. cit, p. 9.
178
Id., ibid., p. 274.
63
milagrosa dos seus monarcas.179 Tal pesquisa tem como ponto de partida e inspiração as
experiências pessoais vividas por Bloch, durante a Guerra de 1914-18. No campo de batalha,
inicialmente, sua atenção foi despertada para investigar como a propagação de “notícias
falsas” entre os soldados - sob o filtro e a manipulação dos escritos pelo exame repressivo -
exercia influência sobre eles antes e depois de serem confrontadas com a “realidade” dos
acontecimentos. Assim, compreendendo o passado pelo presente, esse autor reporta-se ao
milagre régio constatando que a força da lenda e do mito, legada por substratos da tradição
oral, sobrepõe-se ao que se convenciona chamar de verdadeiro, racional ou cientificamente
comprovável. Dessa forma, mesmo que o poder taumatúrgico do rei fosse uma “gigantesca
notícia falsa” - uma vez que “apenas uma parcela dos doentes recuperava a saúde”; ou ainda
que as feridas, na verdade, desaparecessem de “forma espontânea”, para reaparecerem mais
tarde, a idéia da realeza santa e do milagre régio continuava a ser propagada com a força de
um testemunho acumulado em várias gerações, cujo imaginário não pressupunha o juízo da
dúvida. Além do que, ocorria aí uma plausibilidade que lhes conferia sentido à vida. Em
suma, a existência do milagre se dava na mesma proporção em que se acreditava nele. Assim
entendido, o poder sacro e curativo dos reis era elemento que representava “um tesouro de
legendas, de ritos curativos, de crenças meio eruditas, meio populares”, ancorado em fatos
que adquiriram identidade histórica em determinada época, circunstâncias e contexto.180
Em segundo lugar, o campo religioso é espaço onde alguns agentes
disputam e adquirem maior capital simbólico do que outros. Notadamente se observa como
um dos elementos característicos presentes nas práticas da Igreja Universal a existência de
uma “grife do nome” de seu líder-fundador e as representações de poder que dele se acercam:
o nome “Igreja Universal” quase que automaticamente remete à expressão “igreja do bispo
Macedo”. Edir Macedo ganhou capital e poder simbólicos não somente no âmbito do grupo,
mas também como referência das novas expressões religiosas no Brasil contemporâneo. Os
demais que ostentam titulação diferenciada, na IURD - obreiros, pastores e bispos – tornam-
se igualmente agentes admirados perante o grupo, ostentando posições de destaque,
adquirindo maior capital simbólico, à semelhança do que analisa Bourdieu quando elabora
179
Ruy de Oliveira Andrade Filho analisa, com profundidade, como a partir de origens vétero-testamentárias,
acrescido por diferentes influências históricas, o rito da unção régia foi incorporado por monarcas medievais,
através do qual reforçavam perante o povo o caráter divino da sua autoridade. Ver ANDRADE FILHO, Ruy de
Oliveira. Imagem e reflexo: religiosidade e monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séc. VI – VII). São Paulo:
USP, 1997. 250 fl. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade de São Paulo, 1997.
180
BLOCH, M. Op. cit., p. 23, 187.
64
uma síntese original da clássica tipologia weberiana181 sobre os agentes religiosos: sacerdote,
profeta, mago/feiticeiro – aspectos esses que serão detalhadamente abordados mais adiante
nesta pesquisa. Ainda dentro desse item, é preciso fazer uma observação: ao se pensar sobre a
trajetória de vida de um dado personagem deve-se estabelecer a articulação entre essa
trajetória e o campo em que está inserido, ou seja, “a sua trajetória social, a sua condição, o
seu estado, a sua profissão, as suas produções durante toda a sua vida”:
N ão s e p o d e p e n s a r a v i d a d e u m i n d i v í d u o s e m s i t u á - l a d e f o r m a
relacional, dentro do espaço global ou específico no qual se
e nc o n t r a . E v e r q u e e l e p o d e m u d a r , p o r q u e e l e m e s m o m u d a o u
porque muda o espaço. A trajetória individual está vinculada a um
mundo social inteiro. O indivíduo está em relação com os outros.
D es t a m a n e i r a , a b i o g r a f i a s e m p r e i m p l i c a e m c o l e t i v i d a d e . 1 8 2
1.3 - Fontes para pesquisa historiográfica sobre a Igreja Universal do Reino de Deus
181
Tem-se procurado estabelecer o devido limite dos conceitos de Weber, tirados da tradição judaico-cristã
(mago, sacerdote, profeta, leigo, igreja, seita, carisma), uma vez que são elementos atribuídos por Weber ao
modelo de campo religioso da cristandade européia. Mas, vale dizer também, que este limite não é somente de
Weber e sim da sociologia da religião de um modo geral.
182
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a História, p. 175.
183
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, p. 9.
184
GURIÊVITCH, Aaron. A síntese histórica e a escola dos anais. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 61.
65
MACEDO, Edir. Caráter de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal, 1986.
____. Pecado e arrependimento. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal, 1986.
____. O avivamento do Espírito de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal, 1986.
____. As obras da carne & os frutos do Espírito. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal,
1986.
____. Nos passos de Jesus. 8 ed. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal, 1986.
____. O diabo e seus anjos. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora Universal, 1995.
185
NAPOLITANO, Marcos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005,
p. 266.
186
Destaca os cultos e grandes eventos realizados pela IURD, com ênfase nas atividades do bispo Macedo.
187
Considerada o braço de divulgação do trabalho assistencial da IURD.
66
respectiva semana. Também se destaca a coluna dos “testemunhos de fé”, dedicada aos
depoimentos dos fiéis, em que se relatam os “milagres” recebidos nas diferentes
programações da igreja. O jornal é bastante acessível ao pesquisador, fica diariamente
disponível ao público à entrada de seus templos, podendo também ser acessado pelo site
oficial.188 Além do que, há um acervo atualizado do mencionado jornal no Centro de
Documentação e Pesquisa em História - CDPH, da Faculdade Teológica Sul Americana, em
Londrina – PR.189
A utilização das fontes, até aqui mencionadas, para estudo da IURD coloca
o pesquisador frente a aspectos que envolvem a história da leitura, no desenvolvimento de
“uma história cultural em busca de textos, de crenças e de gestos aptos a caracterizar a
cultura (...).190 Entendendo que “a leitura e sua compreensão permitem o acesso à
inteligibilidade do passado”, o historiador Cláudio DeNipoti destaca a “circulação de idéias”
advindas dessa prática:
A leitura passa a ser vista como um objeto possível da história, em
particular da história cultural (...) A leitura tem sido tratada como
objeto de pesquisa e análise, utilizando-se de diversas abordagens
( .. . ) c o n f r o n t a n d o o s d i v e r s o s m o m e n t o s h i s t ó r i c o s e s o c i e d a d e s
c om a s d i f e r e n t e s f o r m a s d e l e i t u r a q u e f o r a m d e s e n v o l v i d a s ( . . . )
Marcadamente influenciada por conceitos antropológicos, de cultura
( no c a s o d e R . D a r n t o n , p a r t i c u l a r m e n t e a a n t r o p o l o g i a
interpretativa derivada de Clifford Geertz) a história da leitura
busca apreender a circulação das idéias (...).191
188
http:// www.arcauniversal.com.br .
189
Rua Martinho Lutero, 277 – Londrina – PR.
190
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 7.
191
DENIPOTI, Cláudio. A sedução da leitura: livros, leitores e história cultural – Paraná (1880 – 1930).
Curitiba: UFPR, 1998, p. 14, 15. 300 fl. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal do Paraná, 1998.
192
CHARTIER, R. Práticas da leitura, p. 78.
68
Tal prática consiste, pois, num “fenômeno cultural” que tem sintonia com o
enraizamento dos grupos sociais que a desenvolvem. Ao aprender a ler, a pessoa reinveste,
193
Id., ibid.
194
DARNTON, Robert. A história da leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas
. São Paulo: UNESP, 1992, p. 219.
195
Id., ibid., p. 234.
196
CHARTIER, R. Práticas da leitura, p. 233.
197
Id., ibid.
198
Id., ibid., p. 26.
69
no domínio do escrito, as práticas culturais mais gerais do seu meio imediato. Portanto, o ato
de ler é, em grande parte, “um processo de produção de sentido, fazendo uma capitalização
cultural específica de cada leitor”, o qual reativa suas aquisições culturais anteriores.
Portanto, deve ser pensada como processo de confirmação cultural.199 Assim, cabe analisar o
papel que a leitura desempenha sobre as práticas e as representações dos fiéis da IURD, ou
ainda, como estes se apropriam e interagem com as mensagens contidas nos textos. Para isto,
devem ser observados alguns passos metodológicos.
Primeiro, a relação imbricada entre textos e gestos. Compreender o ato de
ler significa perceber que tal prática não requer necessariamente a alfabetização: “Pelas
sociabilidades diversas da leitura em voz alta, existe uma cultura do escrito mesmo entre
aqueles que não sabem nem produzir nem ler um texto” – afirma Chartier, no estudo que
realiza sobre as práticas de leitura no Antigo Regime:
As relações tecidas entre os escritos e os gestos, longe de constituir
duas culturas separadas, elas se encontram, de fato fortemente
articuladas. Por um lado, numerosos textos têm por função anular-se
c om o d i s c u r s o e p r o d u z i r , n o e s t a d o p r á t i c o , a s c o n d u t a s e
c om p o r t a m e n t o s t i d o s c o m o l e g í t i m o s p e l a s n o r m a s s o c i a i s o u
religiosas. (...) Por outro, o escrito está no próprio centro das
f or m a s m a i s g e s t u a i s e o r a l i z a d a s d a s c u l t u r a s ( . . . ) . É o q u e o c o r r e
nos rituais freqüentemente apoiados na presença física e na leitura
efetiva de um texto central na cerimônia. Entre textos e gestos, as
relações são, portanto, estreitas e múltiplas, obrigando a considerar
em toda a sua diversidade as práticas do escrito.200
199
Id., ibid., p. 39.
200
CHARTIER, R. Leituras e leitores e leitores na França do Antigo Regime, p. 11, 12.
201
Id., ibid., p. 12.
202
CHARTIER, Roger. Textos, Impressão, Leituras. In: HUNT, L. Op. cit., p. 211. Chartier refere-se aqui às
indagações feitas por Fernando Rojas no “Prólogo” que escreve para a “Celestina”, quanto às razões da sua obra
“ter sido entendida, apreciada e utilizada de modos tão diversos”.
70
203
DARNTON, R. História da leitura, p. 218-234.
204
FREIRE, Paulo. Apud BARZOTTO, Valdir Heitor (Org.). Estudo de leitura. Campinas: Mercado de Letras,
1999, p. 73.
205
Id., ibid., p. 74.
206
ORLANDI, Eni Puccinelli (Org.). A leitura e os leitores. Campinas: Pontes, 1998, p. 111, 112.
207
Id., ibid., p. 20.
208
CHARTIER, Roger. Crítica textual e História Cultural: o texto e a voz – século XVI e XVII. Leitura: teoria
e prática. Campinas: Associação de Leitura no Brasil - ALB, n. 30, p. 67-75, 1997.
71
209
DARNTON, História da leitura, p. 128.
210
MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artemed, 2001, p.177.
211
EVANS-PRITCHARD, E. E. Op. cit., p. 18.
212
GEERTZ, C. Op. cit., p. 24.
72
213
Id., ibid., p. 23.
214
Id., ibid., p. 24.
215
Id., ibid., p. 27.
216
Id., ibid., p. 28.
73
parte daquele ambiente para melhor entender as ações daqueles que ocupam e produzem
culturas, apreender seus aspectos simbólicos, os quais incluem costumes e linguagem.
Victor Turner emprega as expressões “exegese nativa dos símbolos” ou
“perspectiva de dentro” para se referir à compreensão dos símbolos rituais, procurando
entender como os próprios membros do grupo explicam e interpretam-nos. Destaca que “não
há incongruência com a realidade para os membros do grupo” e que “cada elemento
simbólico relaciona-se com algum elemento empírico de experiência”. Os referentes são
“tirados de muitos campos da experiência social”. 217 Conforme esse autor, para se conhecer
mais profundamente um ritual “é preciso vencer qualquer tipo de preconceito e investigá-lo”,
e destaca a importância da inserção no grupo em estudo: “Uma coisa é observar as pessoas
executando gestos estilizados e cantando canções enigmáticas que fazem parte da prática dos
rituais, outra coisa é tentar alcançar a adequada compreensão do que os movimentos e a
palavras significam para elas”.218 Nesse sentido, vale destacar também as observações
metodológicas de Jacques Le Goff, quando afirma que os ritos e os símbolos consistem num
“sistema de gestos” que “permite uma “recuperação para a documentação histórica, para
além do escrito e da palavra (...) este terceiro dado fundamental, que na maioria das vezes é,
aliás, o seu complemento”. 219 Assim, “a história faz-se com documentos e idéias, com fontes
e com imaginação”.220 O mesmo autor, em capítulo intitulado “o historiador e o homem
quotidiano”, mostra que a visão etnográfica propõe à investigação historiográfica uma nova
documentação: “sem desprezar o documento escrito, o historiador é chamado a pôr-se ao lado
do homem quotidiano, num universo sem textos”. Assim, nos ritos e nos símbolos, o
pesquisador pode investigar a história dos gestos, das mentalidades, das crenças, dos
comportamentos. 221
Evidentemente, tem havido críticas ao método da observação participante.
Afirma-se, por exemplo, que quem o utiliza supõe já saber o que é importante a ser anotado
ou observado, ou seja, como se o pesquisador buscasse tão somente a testagem ou
comprovação de idéias ou aspectos teóricos previamente elaborados. Para não incorrer em tal
erro metodológico, deve o historiador construir o conhecimento de seu objeto a partir das
experiências e da realização das investigações detalhadas e meticulosas que a observação
participante possibilita em termos de recursos. Dessa forma, no caso específico da IURD, é
217
TURNER, V. W. Op. cit., p. 60.
218
Id., ibid., p. 20.
219
LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 64.
220
Id., Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no Ocidente, p. 9.
221
Id., ibid., p. 321.
74
preciso que se tenha o devido cuidado quanto à interpretação a partir do que, a priori, se
conhece sobre tal segmento religioso através de informações que advém, por exemplo, da
imprensa, que, grosso modo, costuma referir-se às práticas iurdianas quase sempre em tom de
denúncia ou julgamento, como se “maquiavelicamente” só existissem ali pessoas de “boa fé”
sendo financeiramente lesadas por práticas de charlatanismo.
Uma outra crítica suscitada refere-se ao risco de envolvimento demasiado
do pesquisador com o seu objeto, o que poderia comprometer um olhar mais crítico que a
investigação requer, pois “o contato direto do pesquisador com o fenômeno observado” deve
ocorrer sem que haja um demasiado envolvimento daquele.222 Tendo tal consciência, o
trabalho de campo deve então ocorrer na tensão entre uma “descrição densa” do fenômeno e
o cuidado com o necessário distanciamento do objeto, de modo a garantir maior
plausibilidade em termos de parâmetros epistemológicos que envolvem a investigação
historiográfica.
Considerando mais especificamente o caso da Igreja Universal, a
observação e a interpretação participantes podem possibilitar diferentes perspectivas de
análise e composição de fontes. Primeiramente, permitem a visualização das imagens e a
estética dos rituais desenvolvidos nos cultos. Significa “descrever o rito na própria
consumação do rito”.223 No culto e nos ritos iurdianos denotam-se códigos emissores e
receptores de comunicação. Há, neles, um universo mítico que se dá a representar. Os ritos,
ali,
tornam-se um revelador maior das clivagens, tensões e
representações que atravessam uma sociedade. (...) o lugar de um
c on f l i t o e m q u e s e c o n f r o n t a m , a o v i v o , l ó g i c a s c u l t u r a i s
c on t r a d i t ó r i a s ; p o r i s s o , a u t o r i z a m u m a a p r e e n s ã o d a s c u l t u r a s
“ po p u l a r ” e e r u d i t a n o s s e u s c r u z a m e n t o s . ( . . . ) O s r i t o s s ã o u m a d a s
f or m a s s o c i a i s e m q u e é p o s s í v e l o b s e r v a r t a n t o a r e s i s t ê n c i a
popular às injunções normativas quanto a remodelagem segundo os
modelos culturais dominantes dos comportamentos da maioria.224
226
LE GOFF, J. Para um novo conceito de Idade Média, p. 318.
227
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
p. 94.
228
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 75-106.
229
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a História, p. 157.
76
exemplo, mais próxima da realidade poderão ser as suas interpretações. Além do que, o
tempo pode gerar uma relação de maior intimidade e confiabilidade entre os envolvidos no
processo. Um maior envolvimento pessoal permitirá que o pesquisador seja capaz de não
apenas entender melhor os significados e as ações que o grupo realiza, como também obter
acesso a um mundo mais privado ou “de bastidores”. Em relação ao lugar, o pesquisador
deve considerar também que há influência das condições físicas sobre as ações. Por isso cabe
registrar não apenas as interações observadas, mas também o ambiente físico no qual elas
acontecem.
Nesse aspecto, tomando como referência a IURD, o “onde” deve ser
bastante considerado no processo de crença e comportamento ali vivenciados. Robert
Darnton,230 quando analisa a história das práticas da leitura, afirma que o “onde” pode exercer
influência sobre o leitor por colocá-lo num ambiente que lhe propicia sugestões sobre a
natureza da sua experiência. Nos templos também há exposição de fotos, quadros ou objetos
testificando os milagres alcançados pelos fiéis, tendo sempre ao lado versículos bíblicos os
quais procuram fomentar a compreensão sobre o significado do que está exposto. Em uma
das observações participantes realizadas no templo da IURD, em Londrina,231 notou-se
visivelmente exposto à entrada do templo, um grande mural com fotos, atestados médicos
comprovando curas recebidas; fotocópia da carteira de trabalho, provando o emprego
alcançado e escrituras de imóveis, atestando a aquisição de bens materiais obtidos a partir das
campanhas ou “correntes de oração” feitas na Igreja. Em relação às circunstâncias sociais,
quanto mais variadas as oportunidades do observador relacionar-se com o grupo, tanto em
termos de status, de papel e de atividades, maior poderá ser o entendimento dele. Inserindo-
se nas diferentes atividades vivenciadas pelo grupo em pesquisa, os pesquisadores terão
maior domínio da linguagem no seu sentido mais amplo, incluindo não apenas as palavras e
os significados que elas transmitem, mas também as comunicações não-verbais como as
expressões faciais e corporais em geral. Por conseguinte, familiarizam-se com esse aspecto
do contexto social, aprendem a linguagem da cultura e registram as suas impressões e
quaisquer mudanças de comportamento do grupo em análise. Nesse ponto, o observador
deverá ser capaz de indicar como os significados são empregados na cultura e compartilhados
entre as pessoas, ou seja, sob quais condições e situações são transmitidos.
Templo situado à rua Benjamin Constant, 1649 – centro. Observação participante realizada em 16 maio de
231
espaço é estratégica, pois é, hoje, o mais utilizado pela IURD, para a transmissão dos cultos
em rede nacional, pela TV Record e outras emissoras nas quais a igreja mantém programas
diários. Também é nele que o bispo Macedo comparece mais regularmente para participar de
reuniões, especialmente aos finais de semana.
No caso de Londrina, a escolha é igualmente estratégica pelo fato de ter
essa cidade, ao longo de sua formação histórica, desenvolvido um contexto favorável para a
operosidade iurdiana: formação de imaginários milenaristas;235 abruptos e intensos processos
de urbanização, formadores de grandes periferias, decorrentes de crises instauradas no
campo. A escolha dessas duas cidades para observação e análise representa importante
estratégia também pelas suas diferenças ou contrastes como, por exemplo, em termos de
números de habitantes - Londrina, com cerca de 500 mil e São Paulo com mais de 20
milhões; ou ainda, quanto ao de tempo de existência - Londrina, com 71 anos e São Paulo
com quase meio milênio. Não obstante os contrastes ou disparidades, o movimento iurdiano
tem obtido expressivo êxito em ambos os contextos, isto por encontrar elementos comuns que
se tornam favoráveis à sua operosidade, sobretudo, no âmbito cultural.
Obviamente, o recorte espacial estabelecido para as observações significa
uma amostra de um segmento que atualmente se faz representar nas mais diferentes regiões
do país. Entretanto, ao menos dois aspectos favorecem a abrangência de tal amostragem.
Nota-se, inicialmente, uma certa padronização dos cultos e rituais realizados diariamente. As
dramaturgias seguem um mesmo modelo para todos os templos, sendo devidamente
planejadas pelas autoridades centrais, o colégio de bispos, em reuniões comandadas,
pessoalmente ou por telefone, por Edir Macedo. Essa sensação de unidade é partilhada pelos
fiéis, ao que se aplica bem a frase de Pierre Bourdieu: “pertencer ao grupo significa ter no
mesmo momento do dia e do ano o mesmo comportamento de todos os outros membros do
grupo”.236 Somado a esse fato, há a veiculação em rede nacional de seus programas religiosos,
tanto através da televisão, pela Rede Record, quanto pelo rádio, mediante a cadeia
235
A Companhia inglesa responsável pela colonização do Norte do Paraná, a partir da década de 1930,
empreendeu forte apelo propagandístico que apontava para o aspecto paradisíaco dessa região. Esse imaginário
de Terra da Promissão, da Nova Canaã e do Novo Eldorado, pode ser observado nos termos empregados nas
matérias publicadas pelo jornal da Companhia colonizadora: “A cadeia é lugar de descanso (...) O paraíso
perdido pode ser encontrado nos domínios da Companhia de Terras Norte do Paraná, onde não há ladrões, os
crimes são raros, conflitos de certa gravidade raramente acontecem (...); todos os que habitam este pedaço
dadivoso, da grande zona que é o Norte do Paraná, e onde o jornal vai agir no sentido de propagar-lhe a riqueza,
concretizada na fertilidade inigualável do seu solo (...) neste pedaço de terra americana, onde várias raças se
misturam na mais comovedora das harmonias”. Cf. Jornal Paraná-Norte, Londrina, n. 1, 9 de out. 1934.
(Material disponível no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica - CDPH, da Universidade Estadual de
Londrina).
236
BOURDIEU, Pierre. O desencantamento do mundo: estruturas econômicas e estruturas temporais. São Paulo:
Perspectiva, 1979, p. 48.
79
BAUER, Martin; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes,
238
2002, p. 343.
80
BURKE, Peter. A fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge
239
maior que a linguagem (...)”.240 Usavam-se também os retratos da sua imagem, os discursos e
as aparições públicas: “Luís sabia como vender suas palavras, seu sorriso, até seus
olhares”.241 Burke observa no caso de Luís XIV “a ritualização ou mesmo a teatralização de
boa parte da sua vida cotidiana”.242 As encenações ocorriam nos espetáculos, na intimidade e
nas aparições públicas do rei: “Não é forçar demais o termo descrever essas ocasiões como
‘rituais’, pois tinham o propósito de comunicar uma mensagem”, mas “pode ser mais
esclarecedor referir-se às atividades como mais ou menos ritualizadas (mais ou menos
simbólicas)”.243 Burke ressalta ter procurado enfatizar “que o rei era continuamente criado ou
recriado” por meio das performances em que desempenhava seu papel, sendo que tais
representações se configuravam em práticas: “Essas representações tornavam-se realidade, no
sentido de que afetavam a situação política”.244
O rei também contava com uma equipe de assessores a qual elaborava
estratégias e meios para a fabricação da sua imagem: “ministros e conselheiros tinham grande
preocupação com a imagem real” procurando “dar atenção a todo sistema de
comunicação”;245 cuidavavam para que o rei “aparecesse erguendo o bastão, não apoiado
nele”.246 Logo, a analogia feita às práticas iurdianas são quase inevitáveis. Em 1995, quando
emissoras de TV exibiram um vídeo que teria sido gravado por um pastor dissidente da
IURD, no qual Macedo aparecia dando um treinamento aos seus pastores em relação à
240
Id., ibid., p. 19.
241
Id., ibid., p. 16.
242
Id., O que é História Cultural?, p. 114.
243
Id., ibid.
244
Id., ibid., p. 116.
245
Id., ibid.
246
Id., ibid., p. 14.
82
e nf r e n t a r o D i a b o ; o p o v o q u e r s e r p r o v o c a d o , c h a m a d o p a r a u m
desafio contra o demônio para vencê-lo (...).247
247
Gravação em fita de vídeo feita pelo ex-pastor iurdiano Carlos Magno de Miranda e levada ao ar pela Rede
Globo de Televisão, em dezembro de 1995.
248
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 376.
249
ALBERTI, Verena. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p.
156.
250
Id., ibid., p. 165.
251
Sérgio Von Helde, bispo da IURD, em 12 de outubro de 1995, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida,
em um programa levado ao ar pela TV Record, sob a alegação de ser esta “objeto de idolatria”.
83
252
AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de M. (Orgs.). Usos e abusos da História Oral. 5 ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2002, p. 236.
253
Id., ibid., p. 234.
84
veículo informador, isto é, não há nada que impeça a fonte escrita de conter elementos de
subjetividade tanto quanto a fonte oral. É preciso ressaltar ainda que o mesmo
direcionamento e papel de escolha pelo historiador também ocorrem no uso que se faz de
fontes escritas; escolha e seleção de conteúdos que interessam à temática que se está
investigando, por exemplo. E, de igual modo, também houve seleção de temas por parte
daqueles que produziram os registros, depois transformados em “documentos escritos”. Além
do que, geralmente o historiador utiliza a fonte oral como a única fonte para o seu trabalho.
Ao contrário do trabalho jornalístico, que tem como maior preocupação colher depoimentos e
transmiti-los, o historiador deve problematizar os depoimentos, fazendo o devido cruzamento
com outros documentos.
Também os que se dedicam ao estudo da História Oral costumam ressaltar
que a elaboração de um roteiro de entrevistas prévio é parte importante do uso desse método:
N en h u m a e n t r e v i s t a d e v e s e r r e a l i z a d a s e m u m a p r e p a r a ç ã o
minuciosa: consulta a arquivos, a livros sobre o assunto, à vida do
depoente, leitura de suas obras, se houver alguma, bem como
referência sobre as principais etapas de sua biografia. Cada
e nt r e v i s t a s u p õ e a a b e r t u r a d e u m d o s s i ê d e d o c u m e n t a ç ã o . A p a r t i r
dos elementos escolhidos, elabora-se um roteiro de perguntas do
qual o informante deve estar ciente durante toda a entrevista. 257
Nesta mesma obra, Usos e Abusos da História Oral, adverte-se ainda sobre
os cuidados que se deve ter na elaboração de um questionário de entrevistas, para que não
dirija passo a passo a testemunha e assim, “a mesma fique presa a um roteiro que não lhe
permite desenvolver seu próprio discurso”. Por outro lado, se a testemunha for deixada
totalmente livre, há o risco de se afastar do tema tratado. Por isso, “a entrevista semidirigida é
com freqüência um meio-termo entre um monólogo de uma testemunha e um interrogatório
direto”. À medida que a entrevista prosseguir, o roteiro terá, às vezes, que ser modificado. “O
entrevistador deverá adaptar-se à testemunha e nunca dar por encerrada uma entrevista antes
de acabar o questionário”.258
Em síntese, os recursos metodológicos da História Oral demonstram
relevância para a investigação da IURD principalmente pelo fato de possibilitarem maior
aproximação das práticas e vivências cotidianas de seus membros. Para tanto, há que se ter
consciência também das limitações desse método de pesquisa. Por isso, as fontes produzidas
por tal recurso foram nesta pesquisa cruzadas com outros documentos disponíveis.259 Aliás, o
257
AMADO, J. ; FERREIRA, M. M. Op. cit, p. 236.
258
Id., ibid., p. 237.
259
Para o uso que aqui se fará da História Oral, serão adotados alguns parâmetros propostos, por exemplo, pelas
obras: PORTELLI, A. Memória e Diálogo: Desafios da História Oral para a ideologia do século XXI. Fio Cruz
- Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2000, p. 67-71; PORTELLI, A. O que faz a História Oral diferente.
86
olhar” ou uma “ruptura epistemológica”.266 Segundo esse autor, as rápidas mudanças sócio-
culturais estimulam alguns atores a adquirir uma visão perspicaz e crítica da própria
sociedade em processo de ebulição, sendo isso um elemento fundamental aos que se dedicam
à compreensão da sociedade: “As rupturas epistemológicas são muitas vezes rupturas sociais,
rupturas com as crenças do corpo de profissionais, com o campo de certezas partilhadas que
fundamenta a comnunis doctorum opinio” - afirma.267 Em outras palavras, a convivência com
as tensões do campo religioso pode permitir não somente uma melhor proximidade do objeto,
mas principalmente a possibilidade de se compreender o fenômeno a partir de novos
conceitos ou reformulações de postulados teóricos que já não mais conseguem responder às
mutações geradas pelo processo histórico.
Em termos de fontes e documentos, a investigação de um objeto do tempo
presente também significa que tais recursos se produzem simultaneamente ao trabalho do
pesquisador. Mas a plausibilidade de tal investigação pode ser fundamentada nas
considerações feitas por Eric Hobsbawm, quando apresenta a sua própria experiência na
atenção que dedicou em seus escritos à história do tempo presente: “O breve século XX
quase coincide com meu tempo de vida (...) Falo como alguém que atualmente tenta escrever
sobre a história de seu próprio tempo (...)” - e acrescenta: “toda história é história
contemporânea disfarçada”.268
Feitas tais observações teórico-metodológicas, pode-se concluir com as
considerações apresentadas por Eduardo Albuquerque ao afirmar que “o estudioso acadêmico
da religião sabe que em vários momentos de sua pesquisa surgem questões as quais requerem
elementos de análise que rompem fronteiras epistemológicas”, sendo importante, neste caso,
escolher perspectivas de abordagem “conforme exigir o objeto e, mesmo assim, em um
momento ou segmento da pesquisa”.269
266
BOURDIEU, P. O poder simbólico, p. 39.
267
Id., ibid.
268
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 243.
269
ALBUQUERQUE, E. B. Op. cit., p. 66.
88
huguenotes, pudessem praticar livremente a fé reformada, uma vez que sofriam duras
perseguições religiosas em seu país de origem. Como desdobramento ainda desse projeto, em
10 de março de 1857, chegaram em solo brasileiro pastores enviados por João Calvino, da
cidade de Genebra, Suíça, com o propósito de difundir o culto protestante. 278 Em decorrência
de conflitos com líderes políticos e religiosos portugueses,279 a expedição teve seu término
com a expulsão, em 1860, de todos os franceses e a desativação da colônia que havia sido
organizada por Villegaignon.
Um segundo esforço de inserção no Brasil se deu no século XVII, entre
1630 e 1654, dessa vez com holandeses, através do empreendimento denominado
“Companhia das Índias Ocidentais”, que se estabeleceu inicialmente em Pernambuco e,
depois, em outras áreas do Nordeste brasileiro. O objetivo principal era o comércio de açúcar.
280
Maurício de Nassau, líder do projeto, também se preocupou em trazer ao Brasil pastores
da Igreja Reformada Holandesa, que chegaram a desenvolver um trabalho religioso não
apenas com a comunidade holandesa, mas também com outros grupos existentes no país.
Com esse propósito, foi elaborado até mesmo um catecismo nas línguas holandesa,
portuguesa e tupi, sendo organizadas inclusive algumas igrejas que praticaram o culto
reformado. Em 1654, conflitos políticos e econômicos provocaram o fim desse
empreendimento, desaparecendo também com isso os vestígios institucionais do cristianismo
protestante holandês em solo brasileiro.281
No início do século XIX, em 7 de março de 1808, sob a alegação de refúgio
frente à ameaça de invasão napoleônica em seu território europeu, a Família Real Portuguesa
desembarcou na cidade do Rio de Janeiro. Com esse episódio, o Brasil deixaria de ser apenas
uma colônia portuguesa, adquirindo um novo estatuto político, o de Reino Unido, fato que
iria modificar substancialmente tanto sua relação com outras nações como seus arranjos
sociais internos. Era o início de um novo capítulo na história da religião no país. Já em 25 de
novembro do mesmo ano, D. João VI emitiu um decreto garantindo a todos os imigrantes
considerados aceitáveis, “independente de nacionalidade e religião”, condições atrativas de
trabalho em solo brasileiro. Um pouco mais tarde, em 19 de fevereiro de 1810, registra-se a
278
Fazia parte desse grupo um jovem estudante de teologia, chamado Jean de Léry, que vinte anos mais tarde
publicaria uma obra que se tornou um importante documento sobre o Brasil, em tal período, denominada
Viagem à Terra do Brasil.
279
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo:
Paulinas, 1984; LESTRIGANTE, Frank. A outra conquista: os huguenotes no Brasil. In: NOVAES, Adauto. A
descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
280
REILY, Duncan. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1993.
281
MENDONÇA, A. G. Op. cit., p. 17.
91
Artigo 5º da Constituição do Brasil, promulgada em 24 de março de 1824. Apud FERREIRA, Júlio Andrade.
283
284
SIEPIERSKI, C. T. Op. cit., p. 33, 34.
285
HAHN, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil São Paulo: ASTE, 1995.
286
“Colportores” era a identificação que se dava aos missionários enviados pelas sociedades Bíblicas européias e
norte-americanas, com finalidade de propagar a fé protestante na América Latina, tentativa esta que já havia
sido feita, esporadicamente, e sem maiores êxitos, por piratas e corsários protestantes, durante o período
colonial. Cf. DEIROS, Pablo. História del cristianismo en la América Latina. Buenos Aires: FTLA, 1992, p.
250.
287
João Ferreira de Almeida nasceu em 1628, na cidade portuguesa de Torre de Tavares. Educado num lar
católico, converteu-se ao protestantismo aos quatorze anos de idade. Ligou-se à Igreja Reformada Holandesa e,
mais tarde, partiu para o sudeste asiático como missionário. Em Málaca (atual Malásia), iniciou a tradução da
Bíblia para o idioma português com base em versões latinas, italianas e francesas derivadas dos originais em
grego e hebraico. Esta tarefa consumiu-lhe a vida, já que ao morrer, em 1691, ele ainda estava no livro de
Ezequiel, no Antigo Testamento – embora o Novo Testamento já estivesse traduzido por ele desde 1677. A
tradução completa da Bíblia foi concluída três anos depois, pelo pastor holandês Jacobus den Arrer. Os textos
de Almeida foram submetidos a uma série de revisões e correções por parte da instituição a que estava
subordinado, antes de publicá-los – o que ocorreu somente em 1748, mais de meio século após sua morte. Cf.
Revista Eclésia, Rio de Janeiro, p. 41, abr. 2000; FERREIRA, A. J. Op. cit., p. 75-80.
93
288
FILHO, Prócoro Velasques; MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Introdução ao protestantismo no Brasil. São
Paulo: Edições Loyola, 1990.
289
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 81.
94
290
WISSENBACH, Maria Cristina. In: SEVECENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil 3:
república, da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 91.
291
CARVALHO, José Murilo. Cidadãos ativos: a revolta da Vacina. Os bestializados: o Rio de Janeiro e
república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 91-139.
95
entretanto, reagiu energicamente àquelas medidas, promovendo uma grande revolta nas ruas,
mobilizando milhares de pessoas “de todas as classes sociais”.292
Dentre os aspectos “mais consistentes” que desencadearam aquela
resistência, destaca-se um elemento de motivação cultural-religiosa. José Murilo afirma que
aquelas populações “não aceitavam qualquer intromissão do governo, poder material, no
domínio da saúde pública, reservado ao poder espiritual. Irritava-os particularmente o
monopólio exercido pelos médicos sobre a saúde prinvada e pública”.293
Observa-se, portanto, através de tais episódios, que um universo folclórico -
com imaginários fincados no mundo rural, segundo o qual a cura das doenças advém por
outros meios, que não os “científicos” - apresenta-se como um ingrediente cultural bastante
sólido no contexto brasileiro, capaz de efetivar resitências e mobilizar massas. E foi nesse
contexto e período que veio a se desenvolver em solo brasileiro uma nova tipologia cristã: o
pentecostalismo, disposto a vivenciar a fé numa dismensão folclorizada.
O marco histórico de origem desse segmento pode ser situado em 1901, em
Topeka, Kansas, Estados Unidos. Charles Fox Parhan, evangelista metodista - ligado aos
movimentos de santidade dos séculos XVIII e XIX e fundador e dirigente da Escola Bíblica
Betel - passou a ensinar a seus alunos ser possível contemporaneizar ou reviver os sinais de
êxtase que teriam ocorrido com cristãos do primeiro século da era cristã, conforme relato do
texto bíblico Atos 2:1-4. Segundo tal narrativa, cerca de 120 cristãos que estavam reunidos
na cidade de Jerusalém, teriam recebido o “dom” ou a capacidade divina de “falar outras
línguas”. Esse episódio é lembrado como Pentecostes, por ter ocorrido no dia em que se
celebrava uma festa judaica que trazia esse nome em alusão aos cinqüenta dias que a
separavam da Páscoa. Daí a atribuição do nome “pentecostalismo”. A manifestação de um
fenômeno de êxtase, atribuído ao Espírito Santo, semelhantemente àquele descrito pelo texto
bíblico, teria se dado inicialmente com a jovem Agnes Ozman, aluna da escola dirigida por
Parhan. O fenômeno teria ocorrido posteriormente com outros estudantes, vindo também a
espalhar-se rapidamente por outros lugares no âmbito de várias igrejas.
Influenciado pela experiência pentecostal de Topeka , no ano de 1906, em
Los Angeles - EUA, o pregador negro William J. Seymour, membro da igreja Holiness,
passou a realizar cultos carismáticos em um salão alugado na Rua Azusa, 312, onde
oficialmente fundou a primeira denominação pentecostal, chamada de “Missão Evangélica da
Fé Apostólica”. A ênfase à obra do Espírito Santo evidenciada por êxtases tornou-se, em
292
Id., ibid., p. 102.
Id., ibid., p. 97, 98.
293
96
pouco tempo, uma sensação local e, mais tarde, um fenômeno de alcance mundial. Os jornais
locais passaram a divulgar amplamente os episódios miraculosos que ali se afirmava ocorrer,
o que contribuiu para que muitos visitantes de vários lugares procurassem Los Angeles no
intuito de conhecer e depois também propagar aqueles sinais carismáticos. Estas reuniões na
Rua Azusa aconteceram diariamente por três anos, de onde surgiram inúmeros pregadores
responsáveis pela difusão do movimento em outras partes do mundo.
Além da alusão feita ao acontecimento bíblico já anteriormente descrito, é
preciso salientar que o pentecostalismo tem raízes precursoras que se reportam a imaginários
de movimentos religiosos de longa duração. Uma delas pode ser localizada nas práticas
montanistas ocorridas no segundo século da era cristã, sob a liderança de Montanus, o qual,
ao tornar-se cristão e receber o batismo no ano 156, entrou em êxtase e começou a falar em
línguas desconhecidas. Esse episódio foi classificado por alguns cristãos como manifestação
do Espírito Santo, como ocorrera no Pentecostes, não, porém, para a igreja institucional, a
qual classificou aquele ato como algo estranho ao cristianismo. Expulso da igreja como
herege, o novo profeta passou a liderar um movimento que atraiu muitos seguidores,
anunciando que a revelação divina ocorre diretamente através de seus profetas, sem a
mediação institucional. Além disso, Montanus se considerava o escolhido para anunciar o
novo advento messiânico, passando a afirmar que o fim do mundo estava próximo e prestes a
ser estabelecida, na Frígia294 - região onde morava - a nova Jerusalém, para onde, inclusive,
dirigiam-se muitos dos seus fiéis.
Sementes pentecostais também podem ser encontradas em movimentos
pietistas ou de “santidade” decorrentes da Reforma Protestante, entre os séculos XVI e
XVIII, na Europa ocidental.295 Um desses, foi o movimento puritano Quaker. Jorge Fox
(1642-1691), líder desse segmento cristão, passou a pregar que “o Espírito de Deus não fala
somente pelas Escrituras”, mas que também o faz diretamente através daqueles que
“interiormente são iluminados”. Afirmava ainda que era preciso “rejeitar o ministério
profissional dos clérigos”.296
Outro movimento que ganhou maior projeção e desempenhou maior
influência foi o metodismo, sob a liderança de John Wesley, na Inglaterra, no século XVIII.
294
Montanus viveu em meados do século II, na Frígia, interior da Ásia Menor, região “de há muito notável pela
religião de tipo extático nela existente”. Cf. WALKER, W. História da igreja cristã. Vol. 1, 2. São Paulo:
ASTE, 1980, p. 86, 87; DREHER, Martin. A Igreja no Império Romano. São Paulo: Sinodal, 1994, p. 36.
295
DARNTON, R. A história da leitura, p. 219.
296
WALKER, W. Op. cit., p. 160. Por volta de 1652, no Norte da Inglaterra, formou-se a primeira comunidade
Quaker, que espalhou-se posteriormente para vários outros lugares, inclusive nas colônias inglesas da América
do Norte.
97
O metodismo tem sido considerado como um ramo tardio da Reforma Protestante. Segundo
Peter Burke, os processos de reforma religiosa ocorridos entre os séculos XVI e XVII
ficaram mais restritos às elites. O referido autor observa que tais reformas devem ser
compreendidas como o esforço do clero católico e protestante em promover transformações e
controles no universo da cultura folclórica. Depois de esforços fracassados nos séculos XVI e
XVII, ocorreu, no século XVIII, uma tentativa não a partir de estratos sociais superiores, mas
com a participação mais efetiva de categorias sociais populares. O metodismo representou
então uma forma dessa penetração dos valores da Reforma Protestante na cultura folclórica.
A partir do metodismo também ocorreu o chamado “reavivamento” de
grupos internos das igrejas protestantes nos Estados Unidos, no século XIX, aspecto no qual
podem ser encontradas as raízes mais próximas do que viria a se denominar pentecostalismo,
no início do século XX. Conseguindo romper com controles dogmáticos e institucionais,
movimentos avivalistas daquele período davam grande ênfase à experiência mística e direta
com o Espírito Santo, evidenciada por êxtases e fortes emoções:
A função do pregador era convencer seus ouvintes de seus pecados,
levá-los ao arrependimento e torná-los responsáveis pela aceitação
ou rejeição da salvação. Para isso, era necessário que se criasse um
clima altamente emocional, onde choros, desmaios e ataques
histéricos eram habituais.297
297
FILHO, P. V.; MENDONÇA, A. G. Op. cit., p. 85.
298
O Metodismo pregava a santificação como uma segunda obra da graça após a justificação: “não conhecemos
um só caso, em qualquer lugar de uma pessoa receber, no mesmíssimo momento, a remissão dos pecados, o
testemunho permanente do Espírito, e um coração novo e limpo”, dizia John Wesley. A origem do movimento
de santidade norte-americano nas décadas de 1840-1850, no qual o pentecostalismo viria também fincar suas
raízes, tinha a intenção de preservar e propagar o ensino de Wesley: O processo de salvação nesse movimento
envolvia duas fases: a conversão (justificação), significando a libertação dos pecados cometidos; e a inteira ou
plena santificação, entendida como a libertação da falha da natureza moral que leva a pecar. Cf. SEMANA DE
ESTUDOS TEOLÓGICOS, XI, 1992, Londrina. Anais: o neopentecostalismo brasileiro. Londrina: STL, 1992.
299
Id., ibid.
98
igreja, mas isto não é obstáculo, pois entendem que apenas os eleitos hão de permanecer, isto
é, os “verdadeiros chamados”, por isso, como destaca Mendonça, “neste sentido, eles são
mais presbiterianos que os presbiterianos brasileiros”.302
O pesquisador Carl J. Hahn destaca que os “anciãos”, além de não
possuírem formação teológica específica, são obreiros voluntários e nada recebem por seu
trabalho:
As coletas recolhidas regularmente vão para uma tesouraria central
para serem aplicadas na construção de novos templos. Há um fundo
diaconal, constituído por contribuições espontâneas dos membros,
que é usado para ajudar os que estão em dificuldades prementes.303
302
MENDONÇA, A. G. Introdução ao protestantismo no Brasil, p. 49.
303
HAHN, C. J. Op. cit., p. 346.
304
CAMPOS, L. S. ; GUTIÉRREZ, B. (Orgs.), p. 111.
100
305
A Assembléia de Deus possui atualmente mais de 8 milhões de adeptos no Brasil. Esta denominação continua
ostentando com ampla vantagem o primeiro lugar quanto ao número de membros entre as igrejas evangélicas no
país.
306
CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil - Belém 1911-1961. Rio de Janeiro: Livraria
Evangélica, 1960, p. 14.
101
imaginário messiânico presente no pentecostalismo brasileiro, pois tal região do país tem
forte tradição histórica de messianismo, como o veremos mais adiante.
Na Assembléia de Deus, a hierarquização interna está centralizada na figura
do pastor. Nas comunidades locais, essa liderança se subordina à dos templos–sede, e estes a
uma convenção nacional. Os pastores assembleianos eram, inicialmente, leigos e sem preparo
teológico, o que os levava a se identificar bastante com o povo na forma de pensar, falando-
lhe na mesma linguagem, causando com isso grande empatia na projeção de suas mensagens.
Atualmente, exige-se dos líderes ao menos uma formação teológica básica. Coincidência ou
não, o fato é que essa igreja já não mais apresenta escalonários índices de crescimento como
ocorrera anteriormente.
O grande contingente que aflui à sua mensagem é atraído, dentre outros
fatores, pela fraternidade que agrega ali pessoas dos mais diferentes níveis culturais e sociais
e, principalmente, pela oportunidade que lhes é outorgada de exercer cargos de liderança
através dos diferentes programas de evangelização desenvolvidos pela denominação. A partir
do momento em que o converso torna-se membro pelo rito do batismo de imersão em água,
passa a buscar o chamado “batismo com o Espírito Santo”, evidenciado pela glossolalia e
seguido de diversos dons ou carismas, mediante os quais se tem a oportunidade de provar que
são “vocacionados pelo Senhor”.
O sociólogo Ricardo Mariano resume os primeiros anos do pentecostalismo
brasileiro da seguinte forma:
C om p o s t a s m a j o r i t a r i a m e n t e p o r p e s s o a s p o b r e s d e p o u c a
escolaridade, discriminadas por protestantes históricos e
perseguidas pela Igreja Católica, essas igrejas se caracterizavam por
um ferrenho anticatolicismo. Em 30 anos, seus templos já estavam
em todos os Estados brasileiros. 307
ditames de Roma e obrigada a reencontrar para si um novo lugar na sociedade, a Igreja desde
meados dos anos 1920 abandonaria a posição defensiva em que se encontrava ante o avanço
da laicização do Estado e a ideologia do progresso inspirada no positivismo, para engajar-se,
com um novo espírito triunfante, na implementação da “restauração católica”.
A inauguração da estátua do Cristo Redentor na cidade do Rio de Janeiro,
em 1931, e, dois anos mais tarde, a realização do II Congresso Eucarístico Nacional
representam o espírito militante com o qual, recorrendo à tradição para solucionar suas
longas décadas de crise, no mais puro estilo conservador, o catolicismo atravessará as
décadas de 1930 e 1940, procurando dar corpo ao projeto de recriação de um “Brasil católico,
uma nação perpassada pelo espírito cristão”. Por isso, os “inimigos” da Igreja Católica são,
nesse período, o protestantismo e as religiões afro-brasileiras, genericamente incorporadas
pela designação de “espiritismo”, ao lado do pensamento cientificista e da secularização que
ameaçavam a posição institucional e a hegemonia espiritual do catolicismo, num Brasil
“verdadeiramente cristão”.308
A década de 1930 assinalará acontecimentos importantes pela força do seu
simbolismo:
Em toda a década de 30, a Igreja Católica perseguirá o objetivo de
c on s o l i d a r s u a u n i d a d e e m p l a n o n a c i o n a l , a t r a v é s d e u m a
centralização e coordenação da direção episcopal e do apostolado
dos leigos. Esta unidade havia sido assegurada durante o período
c ol o n i a l p e l o s m e c a n i s m o s d o P a d r o a d o , o n d e o E s t a d o d e t i n h a o
c on t r o l e d a I g r e j a . O r e i e d e p o i s o i m p e r a d o r e r a m v i r t u a l m e n t e o
c he f e d a I g r e j a n o p a í s . P r o c l a m a d a a R e p ú b l i c a e m 1 8 8 9 c r i a - s e u m
vazio de poder, logo preenchido por Roma, quando fracassam as
tentativas dos bispos brasileiros de criarem seus próprios
mecanismos de articulação interna, guardando um certo controle
sobre a Igreja brasileira.309
308
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 73, 75, 76.
309
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In:
FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização brasileira. O Brasil republicano. São Paulo: Difel, 1986,
p. 293.
310
Id., ibid., p. 294.
103
Império e mantido mesmo após a entrada da República - para uma representação oriunda dos
estratos populares:
S ua h i s t ó r i a é s i n g e l a . T i r a d a d a s á g u a s d o P a r a í b a p o r p e s c a d o r e s
e nc a r r e g a d o s d o p e i x e p a r a a c o m i t i v a d o C o n d e d e A s s u m a r , e m
viagem de São Paulo para Minas, em 1717, é guardada na casa de
Felipe Pedroso. Só em 1743, pede o vigário de Guaratinguetá
licença ao bispo do Rio de Janeiro para erigir uma capelinha no
local. (...) Aparecida pouco a pouco se tornaria um dos santuários
de maior devoção popular no país.311
311
Id., ibid.
312
Id., ibid., p. 295.
313
Id., ibid.
104
A pa r e c i d a f o i a p r e s e n t a d a c o m o a m e l h o r b a r r e i r a à p e n e t r a ç ã o d o
c om u n i s m o n o B r a s i l , a p a l a v r a c o m u n i s m o s e r v i n d o o m a i s d a s
vezes de fachada à reação das classes dominantes a reformas e
mudanças necessárias para a sobrevivência do próprio povo.314
314
Id., ibid., p. 296.
315
Id., ibid., p. 297.
316
ROSÁRIO, Maria Regina do Santo. O cardeal Leme (1882-1942). Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1962, p. 227, 228.
105
V ar g a s e d o C a r d e a l d . S e b a s t i ã o L e m e , o m e s m o q u e a t u a r a u m a n o
a nt e s n a d e s t i t u i ç ã o d e W a s h i n g t o n L u í s . 3 1 7
320
BEOZZO, O. Op. cit., p. 331.
321
DELGADO, Lucila de A. N.; FERREIRA, Jorge (Orgs.). Op. cit., p. 98.
322
Id., ibid., p. 100.
323
FAUSTO, Boris (Org.). Op, cit, p. 277, 278.
107
329
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 527, 528.
330
Id., ibid., p. 522.
331
O BRASIL EM SOBRESSALTO. 80 anos de história contados pela Folha de S. Paulo. Op cit., p. 56, 57.
332
Id., ibid.
109
mais se separa nem se distingue de sua pessoa, uma vez que não se
f un d a e m i n s t i t u i ç õ e s p ú b l i c a s n e m s e r e a l i z a a t r a v é s d e m e d i a ç õ e s
sócio-políticas.333
a ut o m ó v e i s , p a r a v o t a r n a ú n i c a e s p e r a n ç a q u e l h e s r e s t a v a : n a q u e l e
que se proclamava o pai dos pobres, o messias-charlatão.338
sua própria estruturação interna. Inicialmente, houve divergência entre a cúpula da Igreja, na
avaliação do golpe. No final do mês de maio daquele ano, a Comissão Central da CNBB
emitiu pronunciamento extremamente cauteloso e ambíguo. A violência das inúmeras
punições pelo governo militar fez que o colegiado episcopal assumisse em um documento
oficial duas posições aparentemente contraditórias: procurava, por um lado, reafirmar sua
aliança com o Estado, apoiando a ação militar que “arrancou o país do comunismo”, que
deveria continuar para “consolidar a vitória, mediante o expurgo das causas desordem”; por
outro, lembrava a necessidade de que os acusados não fossem punidos pela força e tivessem o
direito à defesa, pois a restauração da ordem social não viria “apenas com a condenação
teórica e a repressão policial do comunismo”. O apoio ao Estado ocorre em nome da luta
contra o avanço comunista no país. Na mensagem da CNBB declaram os bispos que estão
“prontos a prestigiar, acatar e facilitar a ação governamental”, mas não silenciando “a voz a
favor do pobre e das vítimas da perseguição e da injustiça”.346
Conflitos e desgastes de relacionamentos, porém, se seguiram. No primeiro
aniversário do golpe militar, D. Hélder Câmara se negou a celebrar a missa comemorativa,
alegando o caráter político do ato de exclusiva competência do governo militar e não da
igreja. Novas repercussões se deram no segundo aniversário, quando se reeditou o mesmo
argumento do religioso. Uma outra situação de conflito entre a igreja e o governo foi
provocada pela proibição, em julho de 1966, da realização em Belo Horizonte, do 28.º
Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Sob a alegação de que o referido órgão
de representação nacional dos estudantes universitários fora extinto, a polícia federal proibiu
aos hotéis da capital mineira que recebessem os congressistas. Dominicanos, franciscanos e
monjas beneditinas se solidarizaram com os membros da UNE, abrigando-os em suas casas
religiosas e permitindo assim que o congresso previsto se realizasse. Nos anos de 1967 e 68,
os conflitos entre Igreja e Estado se multiplicariam na medida mesma em que “a nova ordem
estatal escalava o caminho da direita e da força e voltava contra a sociedade o rosto do
terror”. 347
Em 1968, quando o governo promulgava o AI-5, armando o Estado com o
seu “instrumento mais discricionário”, a Igreja Católica se reunia em Melellín, com a
presença do Papa Paulo VI, definindo posições de vanguarda da Igreja, que se tornavam
346
DECLARAÇÃO DA COMISSÃO CENTRAL DA CNBB, de 27 maio 1964. REB 24 (2), p. 491-493, jun.
1964.
347
FAUSTO, B. (Org.). Op. cit., p. 375, 376.
112
354
Id., ibid., p. 404.
355
FERNANDES, Florestan. Dados sobre a situação do ensino. In: EDUCAÇÃO e sociedade no Brasil. São
Paulo: Dominus Editora, 1966, apud DELGADO, Lucila de A. N. ; FERREIRA, Jorge (Orgs.). Op. cit., p. 404.
356
Id., ibid., p. 405.
357
Id., ibid., p. 82.
358
Terminologia empregada por Paul Freston. Cf. FRESTRON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da
constituinte ao impeachment. Campinas: UNICAMP, 1993. 350 fl. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa
de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Estadual de Campinas, 1993.
115
divina”,359 notabilizado pela figura das “tendas divinas”, cujas igrejas “rapidamente se
implantam e passam a ganhar centenas de milhares de adeptos em velocidade crescente,
sobretudo entre as camadas mais modestas da população”.360 Esse pentecostalismo passaria a
representar, de fato, ameaças à hegemonia católica e transformações no âmbito do próprio
protestantismo:
Missionários norte-americanos invadiram o país implantando uma
nova liturgia, mais espontânea, com cultos informais e grandes
c on c e n t r a ç õ e s d e m a s s a . O m o v i m e n t o e v a n g é l i c o s e u r b a n i z a v a ,
c om s u r g i m e n t o d e g r a n d e s g r u p o s p e n t e c o s t a i s , c o m o a I g r e j a
Q ua d r a n g u l a r , O B r a s i l P a r a C r i s t o , N o v a V i d a e a I g r e j a D e u s é
Amor. Ao mesmo tempo, segmentos das igrejas históricas se
renovavam, principalmente batistas e metodistas. O pentecostalismo
se firmava como tendência irreversível da igreja brasileira. 361
também a atenção da imprensa, tornaram-se objeto de muitos artigos nos jornais da época,
que noticiavam o comparecimento de milhares de pessoas às sessões de cura, obrigando
inclusive, a interdição de ruas do bairro para melhor locomoção das massas.
O resultado dessa série de reuniões no Cambuci foi um conflito com as
cúpulas das igrejas hospedeiras. A direção da Igreja Presbiteriana Independente (IPI) exigiu
explicações do pastor daquela comunidade presbiteriana local, Rev. Silas Dias, acerca das
práticas ali adotadas e que fugiam ao perfil teológico presbiteriano. Esse embate terminou
com a recusa das denominações protestantes em ceder outros templos a esse tipo de
atividade, bem como o desligamento da igreja do Cambuci da IPI, fato que deu origem à
Igreja Evangélica do Cambuci. Com a cisão, a solução foi comprar e armar tendas – lonas de
circo – em terrenos próximos à igreja, onde continuaram as reuniões. Muitas outras igrejas
presbiterianas independentes também foram atingidas pelo fenômeno pentecostal, sendo por
isso também forçadas a se desligar da IPI e cada uma se constituiu de forma autônoma,
abandonando a doutrina e a eclesiologia presbiterianas e assumindo uma nova identidade
marcadamente pentecostal.
Com o passar do tempo, o trabalho de curas e exorcismos realizado nas
tendas desvinculou-se da igreja do Cambuci, expandindo-se por todo o país. As tendas eram
montadas nos centros das grandes e médias cidades brasileiras. Esse “movimento de tendas”
ficou conhecido como Cruzada Nacional de Evangelização. Para organizar as novas igrejas
que foram surgindo em decorrência da atuação das cruzadas, os missionários criaram, ainda
em 1954, a Igreja da Cruzada, mas, já no ano seguinte, associaram-se formalmente à Igreja
do Evangelho Quadrangular dos Estados Unidos, mudando não somente o nome, mas
estabelecendo vínculos doutrinários com a igreja americana. O que tinha sido pensado
inicialmente apenas como um movimento de avivamento no interior das igrejas existentes
logo se transformou em uma nova denominação. Inovaram também ao infundir sua
mensagem através do rádio, principal meio de comunicação de massa da época, dos
ajuntamentos itinerantes com tendas de lonas, das concentrações em praças públicas, ginásios
de esportes e estádios de futebol. Ainda que mantivessem a ênfase no batismo com o Espírito
Santo, como os primeiros pentecostais, sua mensagem era agora principalmente concentrada
na cura divina.
A atuação da Cruzada, portanto, causou um enorme impacto no campo
evangélico-protestante brasileiro, provocando cismas em praticamente todas as
117
denominações, sejam históricas ou pentecostais.364 No caso das pentecostais, que até então
eram representadas quase que exclusivamente pelas igrejas Congregação Cristã e Assembléia
de Deus, a fragmentação denominacional foi enorme. Como resultado, surgiram várias novas
igrejas, entre elas a própria Igreja do Evangelho Quadrangular,365 além de O Brasil para
Cristo, Deus é Amor e várias outras de menor porte:
A partir da Igreja do Evangelho Quadrangular, a semente do
espantoso movimento de cura divina estava lançada para germinar
em grande escala no país. Embora tipicamente pentecostal, essa
igreja inseriu nos seus fundamentos teológicos a chave do
neopentecostalismo, como por exemplo, a ênfase à cura divina e à
e xp u l s ã o d e d e m ô n i o s . 3 6 6
364
Observando-se ainda a importância a Cruzada Nacional de Evangelização no cenário religioso brasileiro,
pode se dizer que tal segmento tornou-se uma espécie de matriz de “sindicato de mágicos”: a partir dela líderes
dissidentes deram início a outros movimentos concorrentes e firmaram escola. O movimento iurdiano, mais
tarde, também via brotar aí uma de suas raízes.
365
A Igreja Quadrangular com o passar do tempo se consolidou institucionalmente e, em 1991, segundo dados
da própria denominação, contava com aproximadamente 3.000 igrejas e 4.000 congregações (igrejas menores
sem autonomia, vinculadas ainda a uma igreja-mãe), comandadas por cerca de 10.000 pastores, dos quais 35%
são mulheres.
366
MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais e ecumênicos. O campo religioso e seus personagens. São
Bernardo do Campo: UMESP, 1997, p. 158.
118
principalmente pela oração e relatos de curas dela decorrentes através de tais programações
diárias.
O intenso emprego das emissoras de rádio como estratégia de apoio às
concentrações, para divulgação das curas divinas, possibilitava também o contato com um
rebanho disperso por inúmeras cidades no interior do País. A ousadia de Manoel de Mello era
notória naquele contexto. A partir de 1958 passou a realizar grandes concentrações religiosas
que lotavam estádios de futebol, em São Paulo. Essas concentrações eram chamadas de
“tardes da bênção” e tinham grande ênfase em milagres e curas divinas. A mídia dava uma
certa cobertura a esses eventos. Seguindo a estratégia da Cruzada, Mello também passou a
usar tendas de lona e, assim, a partir de São Paulo, a igreja espalhou-se por todo o Brasil. Foi
a igreja pentecostal a estar em evidência na mídia na década de 60, pois suas campanhas de
cura divina, ao mesmo tempo em que atraíam grande multidão, também rendiam muitos
processos de charlatanismo contra Manoel de Mello. Desde o final dos anos 50, a imprensa,
mais a religiosa que a chamada “secular”, publicou inúmeras críticas sobre sua atuação. Ele
foi o primeiro a alugar cinemas para as reuniões evangelísticas, rompendo com o que até
então era considerado espaço sagrado, apropriando-se de lugares tidos profanos, como
cinemas e estádios. Participou inclusive de programas de auditório, um escândalo para
protestantes históricos e, principalmente, para os pentecostais. Mello realizava concentrações
de cura em estádios de futebol em dias de feriado nacional e convidava autoridades civis e
militares para participar das reuniões. Em 1958, conseguiu levar ao estádio do Pacaembu, em
São Paulo, numa “tarde da bênção”, cerca de 150 mil pessoas. Nessas concentrações, embora
os seguidores de Mello dissessem haver milagres, jornais da época o denunciavam por
charlatanismo, como por exemplo, O Estado de S. Paulo, de 08/07/1959, o que custou a
Mello processos na justiça. Todavia esses processos acabaram sendo arquivados por falta de
provas. Em 13/03/1960 Mello realizou na Praça da Sé uma “tarde da vitória”, atraindo 50 mil
pessoas para comemorar o despacho da 8ª Vara Criminal de São Paulo, arquivando um
processo aberto contra ele por charlatanismo e prática ilegal da medicina.
Outro projeto de Manoel de Mello foi a construção de um grande templo no
Largo da Pompéia, em São Paulo, que de maneira ufanística era apresentado na época como
o “maior templo evangélico do Brasil e do mundo”. A construção foi concluída em 1979.
Mello já demonstrava também atitude dessacralizadora do espaço sagrado em relação a
outros segmentos evangélicos:
O povo precisa sentir-se à vontade no templo. Por exemplo: na
minha igreja eu permito que até à hora do culto o povo converse
119
dessas orações, Miranda suplicava em favor das autoridades da nação e, especialmente, pelo
governo de Paulo Maluf em São Paulo (que naquela época procurava petróleo, por meio da
companhia estatal Paulipetro), usando as seguintes palavras:
Oh Deus, que as autoridades possam tomar decisões sábias e pagar a
dívida externa (...) Abençoa as pesquisas para encontrar petróleo,
pois tu fizestes todas as coisas e sabes onde o ouro negro está
escondido e também sabes Senhor, o quanto o Brasil precisa
disso.368
pelos fiéis. E, por fim, o novo pentecostalismo inovava ainda, num país majoritariamente
católico, do ponto de vista teológico e organizacional: suas igrejas prescindiam da hierarquia
sacerdotal e “negavam ao catolicismo o monopólio da salvação, agora colocada nas mãos dos
próprios fiéis”:372
Para esses novos fiéis, a adesão às igrejas pentecostais emergentes
seguramente representaria uma “subversão simbólica” da estrutura
tradicional do poder. (...) Ao rejeitarem também a hierarquia
sacerdotal tradicional da Igreja Católica, elas promovem adesão a
um sistema de crenças religiosas que colocam o sobrenatural ao
alcance imediato de todos os que abraçam a nova fé.373
372
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 83.
373
Id., ibid., p. 84.
374
Id., ibid.
375
Id., ibid.
376
Id., ibid.
123
povo”.379 Essa proposta de maior envolvimento social e político procura levar o fiel a uma
conduta mais voltada para a dimensão pública que para a interioridade da fé na vida privada.
Esse processo, porém, levaria o catolicismo a pagar um preço:
Longe da vida pública, da política e de compromisso com os pobres
e suas causas sociais, uma grossa massa de fiéis, ricos assim como
pobres, não mais se reconheceria nessa nova Igreja, vista por muitos
c om o i n c a p a z d e l h e s f o r n e c e r r e s p o s t a s q u a n d o a s e x i g ê n c i a s d a f é
não encontravam equivalência necessária no plano da política, como
ao precisar de conforto diante das agruras da dor íntima, da perda
pessoal ou da carência espiritual, no âmbito da vida privada.380
urbano passa a representar. Num processo de urbanização que se modelava, “a igreja, com
sólidas raízes na zona rural, sentia que seu futuro podia estar comprometido se de algum
modo não tornasse ativa sua presença junto às classes populares em constituição nas
cidades”.382 Na medida do avanço progressivo e rápido das formas capitalistas de organização
da produção, os fiéis católicos nas cidades eram, em número cada vez maior, assalariados,
operários, funcionários. Para pôr em execução sua estratégia reformulada de reconquista
desses contingentes, a Igreja Católica faz “alianças táticas oportunas”:
Preocupada sim com a própria sobrevivência e aceitação entre as
massas que então se mobilizavam, valeu-se de órgãos do governo
federal para “minorar os males” advindos das “condições subumanas
de vida” de grande parte da população brasileira, conscientemente
ou à revelia (...) a sua essencial ambigüidade casou-se, num plano
de quase intimidade, com a ambigüidade do próprio Estado no
período populista.383
382
BEOZZO, O. Op. cit., 299.
383
Id., ibid., p. 367.
384
Id., ibid.
385
Id., ibid., p. 368.
386
OLIVEN, Rubem Georg. Urbanização e mudança social no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1984.
126
crescente “desespero” por parte das massas, cria-se espaço para maior operosidade de outras
organizações religiosas.387
387
DELGADO, Lucila de A. N. ; FERREIRA, Jorge (Orgs.). Op. cit., p. 362.
388
Id., ibid., p. 6.
389
FICO, Carlos. Reiventando o otimismo. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 89-147.
390
Id., ibid.
391
NOVAIS, Fernando. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit, p. 560.
392
PAES DE ALMEIDA, Jozimar. Errante no campo da razão. Londrina: UEL, 1996, p. 54.
127
393
Apud NETO, José Miguel Arias. O Eldorado: representações da política em Londrina - 1930-1975.
Londrina: UEL, 1998, p. 9.
394
ANDERSON, Perry. In: SADER, Emir (Org.). Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado
Democrático. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1995, p. 10, 11.
395
SADER, Emir (Org.). Op. cit., p. 83.
396
Id., ibid.
397
Id., ibid.
398
NOVAIS, Fernando A. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit, p. 562.
128
408
Folha de Londrina, Londrina, 22 maio 1984, Caderno 2.
409
NOVAIS, Fernando. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit, p. 601.
410
ZALUAR, Alba. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.
411
DELGADO, Lucila de A. N. ; FERREIRA, Jorge (Orgs.). Op. cit., p. 197.
412
ALAMBERT, Francisco. A cultura no Brasil. In: 500 anos de Brasil: histórias e reflexões. São Paulo:
Scipione, 1999, p. 102.
131
419
Id., ibid., p. 9.
420
ALAMBERT, F. Op. cit., p. 105,106.
421
NOVAIS, Fernando. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 640, 641.
422
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 440.
133
423
Cf. estudos realizados por MAGGIE, Yonne. Medo do feitiço: Relações entre magia e poder no Brasil. Rio
de Janeiro: Ministério da Justiça, 1992.
424
Em seu livro A Noite da Madrinha, publicado em 1972, e recentemente relançado pela editora Companhia das
Letras, em que trata de programas televisivos, Sérgio Miceli descreve tal episódio referindo-se à “macumbeira
que bebeu pinga e fez o auditório entrar em transe no programa do Chacrinha e do Flávio Cavalcanti, em 1971”.
Cf. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 set. 2005, p. E1.
425
O Globo, Rio de Janeiro, 03 set. 1971.
426
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 04 set. 1971.
427
A Notícia, Rio de Janeiro, 09 set. 1971.
428
Última Hora, Rio de Janeiro, 13 set. 1971.
134
episódio, ao lado de outros, foi usado pela ditadura militar para estabelecer a censura dos
programas de auditório, então transmitidos ao vivo. Tecnicamente, a televisão brasileira já
havia incorporado os recursos do vídeo-tape, o que facilitou o cumprimento de tal exigência
e, ao mesmo tempo, facilitaria mais tarde a presença mais efetiva de programas religiosos na
TV.
Foi nesse contexto e período que também surgiu um elemento marcante no
campo religioso brasileiro: a Igreja de Nova Vida, fundada em agosto de 1960, no bairro
Botafogo, Rio de Janeiro, pelo pastor canadense Walter Robert McAlister. Ele publicou mais
de 40 livros e livretos sobre libertação de demônios. Durante os anos 60 McAlister fixou-se
no Brasil como missionário, morando no Rio de Janeiro, e pregava semanalmente no
auditório ABI – Associação Brasileira de Imprensa, iniciando a Cruzada de Nova Vida. Essa
igreja desempenhou um papel importante na demarcação do campo religioso brasileiro: nela
se formou um habitus pentecostal, desencadeador e provedor de quadros de liderança das
duas das maiores igrejas neopentecostais do país: Universal do Reino de Deus e Internacional
da Graça de Deus – respectivamente lideradas por Edir Macedo e R.R. Soares, originários
daquela igreja.
Ao lado da Igreja O Brasil para Cristo, a Nova Vida foi também pioneira no
uso da televisão como veículo de divulgação de sua mensagem. Através da TV Tupi,
McAlister transmitia seus programas religiosos, no período de 1965 a 1967. No Rio de
Janeiro, a Nova Vida é proprietária da Rádio Relógio. Ela criou a sua própria editora e, desde
1994, passou a editar a revista mensal Voice, cuja tiragem alcança 20 mil exemplares,
distribuídos gratuitamente ao público, em geral através de bancas de revistas, especialmente
no Rio de Janeiro.
Mas foi a partir de meados da década de 1970 que surgiu uma nova
tipologia429 pentecostal denominada “terceira onda”, por Paul Freston,430 e que Mendonça,
Bittencourt e Mariano designam “neopentecostalismo”,431 nomenclatura também empregada
por Leonildo Campos.432 A opção feita neste trabalho pelo termo neopentecostalismo se deve
429
MARIANO, R. Op. cit., p. 23-49.
430
FRESTON, P. Op. cit.
431
Ricardo Mariano afirma que “não é possível supor que através de uma construção tipológica se dê conta de
um universo religioso tão complexo e heterogêneo. A divisão em três ondas visa apenas ordenar a realidade
observada, tornando-a mais inteligível”. Cf. MARIANO, R. Op. cit., p. 35-36.
432
O debate em torno da tipologia ocorre pelo fato de não haver propriamente rupturas bruscas entre o que seria
uma “onda” e outra, ou seja, existem vários elementos comuns nas supostas “fases”. Ricardo Mariano faz um
balanço crítico das principais tipologias apresentadas e aponta suas inconsistências e imprecisões, acentuando
que o termo “neopentecostal” tem sido empregado com imprecisão, mas é o que mais vem sendo empregado
pelos pesquisadores. Cf. CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal. Op. cit.
135
não somente ao fato de ter se tornado esse um termo de uso mais freqüente nas pesquisas
acadêmicas, assim como no uso mais popular, mas, porque embora mantendo certas ênfases
das denominações pentecostais mais antigas, as novas igrejas “acrescentam elementos
totalmente inovadores (...) constituindo-se em algo qualitativamente diferente”,433
características distintivas que conferem a tal segmento identidade e estatuto próprio em
relação ao protestantismo histórico, configurado pela Reforma Protestante no século XVI, e
também quanto aos modelos predecessores de pentecostalismo, como o veremos mais adiante
no desenvolvimento dessa tese.
Finalizando esse item, vale sintetizar os aspectos anteriormente observados,
destacando que a IURD foi fundada em um contexto de urbanização - a cidade do Rio de
Janeiro – que obviamente possui suas especificidades, mas que reflete situações de outros
contextos brasileiros. É uma cidade que já convivia, na década de 1970, com a expansão da
violência, da máfia, do jogo do bicho e das mazelas sociais presentes nas favelas que a
contornam. Sob o ponto de vista cultural, caracterizada pela promoção de mega-eventos e
shows, facilitando assim os movimentos de concentração popular. Sob o ponto de vista
religioso, traduz, de certa forma, a natureza plural da religiosidade brasileira, marcada pela
forte presença de pessoas da raça negra e, também, por inúmeros locais de culto das crenças
afro-brasileiras. Politicamente, naquela época, o Rio de Janeiro vivia sob a influência do
populismo personificado em Leonel Brizola. Portanto, a fundação da IURD, nesse contexto
nacional-urbano, desde cedo encontrou um “terreno fértil” para o seu desenvolvimento e
expansão, respondendo a ele com uma mensagem inovadora em relação às demais igrejas
evangélicas e outros segmentos religiosos, ao procurar trazer o “céu” com todas as suas
benesses para a terra, no aqui e no agora, apresentando-se como o “pronto-socorro
espiritual”, falando às questões emocionais do ser humano, tratando de assuntos de natureza
afetiva, financeira, familiar e de saúde.
O advento da Igreja Universal do Reino de Deus, no Brasil, portanto, está
temporalmente situado num período de intenso processo de urbanização, assim como de
agravamento das condições sociais de vida. Por isso mesmo, sua mensagem encontrou
ressonância no tipo de discurso com forte apelo popular que se buscava naquele momento. A
IURD se apresenta, assim, como a materialização deste universo. E mais: a Igreja Universal
saberá utilizar com uma eficácia sem precedentes os meios de comunicação de massa para
veiculação de sua mensagem nas mais diferentes regiões do país, como o veremos mais
adiante.
438
Georgino Matias de Freitas, comerciante, membro da Igreja Presbiteriana, residente na cidade de Cambé –
PR, desde 1934, região pertencente à área metropolitana de Londrina. Depoimento concedido em 17 jul. 2003
(Material em CD-ROM, disponível no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica – CDPH, da
Faculdade Teológica Sul Americana, à Rua Martinho Lutero, 277, Londrina – PR.).
439
Id., ibid.
138
440
Id., ibid.
441
Uzias Stultz é agricultor, membro da Igreja Presbiteriana, residente na região desde 1944. A cidade de
Astorga localiza-se nas adjacências de Londrina. Existe hoje, na praça desta cidade, um monumento dedicado à
Bíblia em alusão aos episódios acima descritos. Depoimento concedido em 10 out. 2003 (Material em CD-
ROM, disponível no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica – CDPH, da Faculdade Teológica
Sul Americana, à Rua Martinho Lutero, 277, Londrina – PR.).
442
Depoimento de Georgino Matias de Freitas, cf. já citado.
443
Durante décadas, desde a inserção do protestantismo no Brasil, permaneceu a expressão feita por católicos,
em tom de certa desconfiança ou suspeita, de “Bíblia dos protestantes” ou “Bíblia dos crentes”, em alusão ao
texto bíblico utilizado pelo protestantismo no Brasil. Tal referência decorre, principalmente, do fato da Bíblia
usada por estes conter sete livros a menos do que a Bíblia adota pelo catolicismo.
444
Depoimento de Uzias Stultz, cf. já citado.
139
445
FAUSTO, B. (Org.). Op. cit., p. 360.
446
PIO XII – Normas aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos. Rio de Janeiro,
REB 17 (4), 1060, dez. 1975.
447
CÂMARA, D. Helder. CNBB – Apresentação do Plano de Emergência. Rio de Janeiro: Livraria D. Bosco
Editora, 1962, p. 3.
448
LE GOFF, J. Op. cit., p. 214.
140
práticas, destacando a Igreja Católica como plenamente atuante na vida pública, “capaz de
acomodar-se, em curiosa mistura, ao etos da sociedade em que se inseria e assim incorporar
sistemas de crenças particulares e locais, adaptar-se à devoção de cunho privado”. 449 Nas
práticas mais folclóricas da fé, formas simbólicas foram introjetadas por “culturas africanas e
indígenas”, permitindo que por meio dela se interagissem segmentos étnicos distintos à
sociedade e à cultura brasileira em formação.450 Esse catolicismo, nos tempos coloniais, na
distância da metrópole, “aqui se reinventa, nas devoções e na lassidão dos trópicos”, no
convívio com índios e negros, incorporação pelas festas e rituais, “desses diferentes estoques
étnicos e culturais que aqui se confrontam e aos poucos se fundem num Brasil em
formação”.451 Neste mesmo sentido, A. Otten diz que desenvolveu-se no Brasil um
catolicismo “longe do clero que estava a serviço do Estado e dos senhores e se limitava a
ministração sumária dos sacramentos”; “o catolicismo oficial” deixou assim uma lacuna que
acabou sendo preenchida pela “elaboração de formas religiosas leigas”. 452
Entretanto, por mais que o catolicismo tenha empreendido esforços para
manter o controle hegemônico no campo religioso brasileiro, o maior adversário não
provinha do protestantismo, o pentecostalismo e nem das crenças afro-brasileiras,
nominalmente identificados, a grande força concorrente provinha de modo silencioso e
sutilmente impregnado em todas essas manifestações de fé: a magia.
449
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 101.
450
Id., ibid., p. 116.
451
Id., ibid., p. 103.
452
OTTEN, A. O contexto histórico-religioso. In: Só Deus é grande. São Paulo: Loyola, 1990, p. 93, 132.
141
453
PIERUCCI, A. F. Magia. Op. cit., p. 44.
454
Id., ibid., p. 55.
455
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
p. 170.
456
Cf. GONZALEZ, Justo. A era dos mártires. São Paulo: Edições Vida Nova, 1992; DREHER, Martin. A
igreja no mundo medieval. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
457
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
p. 171.
142
O historiador inglês Keith Thomas também afirma que no contexto da Idade Média,
do religioso. Segundo Weber, essa história de rivalidade começou com a religião judaica,
séculos antes de Cristo. No universo do magismo, nas religiões com origem na Índia, na
Mesopotâmia, na Pérsia, no Egito, na China, os deuses e espíritos são imanentes ao mundo,
não transcendentes. Javé, para o judaísmo, é um Deus pessoal e único, totalmente
transcendente ao mundo terreno. Isto fez que se introduzisse um dualismo básico que
separava a figura de Deus da esfera da natureza criada – Deus é uma realidade, e o mundo,
porquanto criatura, uma esfera totalmente distinta. Conforme Weber, esse é o verdadeiro
começo da idéia de desencantamento do mundo, a saber: este mundo não é sagrado.
Fundamentado no monoteísmo como dogma central, o principal pecado para o judaísmo era a
idolatria, e essa poderia ser cometida pela recorrência à magia (Deuteronômio 18; 9-15). Os
profetas bíblicos em sua pregação ética deflagram verdadeira guerra contra a magia. Esta
passa a ser concebida como pecado de idolatria: prática de inspiração diabólica, moralmente
condenada. Aos olhos de Javé, toda feitiçaria não pode ser senão arte do demônio,
abominação, diz a Bíblia, por isso, a Moisés teria ordenado: “não deixarás viver a feiticeira”
(Ex. 22:17). Os principais responsáveis por essa postura de rejeição moralizante da magia
foram os profetas de Israel, portadores de um tipo inédito de profecia na história das religiões
– a profecia ética.462 Eles condenaram a magia no âmbito do próprio “povo eleito”, exigindo
das autoridades sua repressão em nome da aliança com Javé. Segundo Weber,463 assim
procedendo, os profetas bíblicos davam início a um longuíssimo processo histórico-cultural
de “desencantamento religioso do mundo”, o qual veio a atingir o seu ápice no radicalismo
dos movimentos protestantes surgidos na Europa dos séculos XVI e XVII. Antes desse
período, durante a vigência do catolicismo medieval como religião do ocidente, magia e
religião viviam em simbiose, não podendo separar-se facilmente. Foi o surgimento das
formas puritanas de protestantismo que precipitou a separação entre as duas, separação
tornada reflexiva pela teologia calvinista do século XVII.
Em sua obra, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber
aborda o processo de desmagificação do cristianismo, na transição do catolicismo de feitio
sacramental e ênfase ritualística, para o protestantismo puritano dos séculos XVI e XVII, de
feitio ascético e acento moralista. Desde então, reformadores, inquisidores, tanto protestantes
como católicos, saíram a campo decididos a converter à “verdadeira fé” seus
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo/Brasília: Pioneira/EdUNB, 1981.
463
144
contemporâneos, classificados como pagãos pela magia que praticavam e, por isso mesmo,
heréticos e pecaminosos.464 Assim,
as vertentes religiosas mais desencantadas, isto é, menos mágicas,
seriam judaísmo profético, protestantismo puritano e catolicismo
intelectual. Elas assumem em relação às crenças e práticas mágicas
uma postura primeiro superior, depois, excludente. Pode-se dizer
que o catolicismo é menos desencantado que o protestantismo
histórico, sobretudo o de feitio puritano;o pentecostalismo, mais
e nc a n t a d o q u e o s o u t r o s r a m o s d o p r o t e s t a n t i s m o . 4 6 5
464
GODBEER, Richard. The Bevil´s Dominion: magic and religion in early new england. Cambridge:
Cambridge University Press, 1994.
465
MARIANO, Ricardo. Igreja Universal do Reino de Deus: a magia institucionalizada. Revista USP, n. 31, p.
121, set./nov., 1996.
466
Id., ibid., p. 66-70.
145
474
Id., ibid., p. 140.
475
SOUZA, L. M. Inferno Atlântico, p. 56.
476
PIERUCCI, A. F. Magia, p. 86.
477
Id., ibid., p. 53.
478
WEBER, Max. Economia de sociedade. V. 1. Brasília: UNB, 1991, p. 292.
147
protestantismo pela sua aridez simbólica, discurso racional e por constituir-se em uma
religião tipicamente urbana no mundo moderno. Além de um estilo de culto com linguagem
inacessível e espaço quase inexistente à liderança leiga, aspectos que marcavam um fosso
cultural entre a cultura folclórica e o racionalismo da cultura eclesiástica. No catolicismo
oficial, a erudição das missas em latim também se tornava grande obstáculo. Tampouco o
discurso militante da Teologia da Libertação foi capaz de atrair essa massa que precisava de
respostas imediatas, sem poder esperar pelos processos de conscientização promovidos nos
grupos de reflexão e catequese das Comunidades Eclesiais de Base e a conseqüente
transformação da sociedade pela revolução dos oprimidos ou proletariados. Com ênfase nas
questões de natureza social e na politização da fé, essa opção religiosa acabou gerando
vulnerabilidade e muitos desses simpatizantes acabariam atraídos a uma “solução” mais
rápida e de caráter mais “sobrenatural”. Assim, acaba ocorrendo algo semelhante ao
identificado por Jacques Le Goff no cristianismo medieval, quando afirma que, não obstante
“haver um bloqueamento da cultura inferior pela cultura superior, as influências não são
unilaterais”, é preciso considerar “duas culturas diversamente eficazes, em níveis diferentes”,
e por isso “o fosso que separa a elite eclesiástica não impede, porém, que esta se torne
permeável à cultura folclórica, da massa rural”.488
Pessoas experimentando intensas incertezas na vida urbana, nos quadros de
uma economia capitalista em processo de remodelação, aliado a um processo de
desarticulação dos modos de vida, provocado dentre outros aspectos pelo deslocamento de
grandes contingentes populacionais do campo para os espaços urbanos, buscavam, na
verdade, oportunidade para o emprego de rituais que reduzissem as incertezas e restaurassem
nos indivíduos a crença de que o mundo pode deixar de ser não-manipulável e arbitrário. Ou
seja, tornava-se emergente a aparição de um espaço que permitisse a esta massa que,
deixando o catolicismo ou as religiões de origem afro, pudesse manter ou reviver um
fertilíssimo mundo de práticas tipicamente mágicas e híbridas que constituíam seu imaginário
primevo. Foi em tal ambiente – onde o ato mágico se tornou necessário para preencher o
489
vazio do desconhecido, sob a “pressão psicológica do indeterminismo” - que surgiu uma
resposta aos anseios emergentes: um “sindicato de mágicos”. Um movimento com propostas
de soluções mais instantâneas e mediadas pelo “sobrenatural” do sagrado apresentar-se-ia
como um caminho mais sedutor para um imaginário cultural-religioso de um contingente
urbano que não mais podia esperar. Assim, com o nome Igreja Universal do Reino Deus, essa
488
LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no ocidente, p. 215.
489
GEERTZ, C. Op. cit., p. 140.
151
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
490
p. 85.
152
Quanto à sua trajetória mais propriamente religiosa, vale destacar que, antes
de fundar a sua própria igreja, foi católico, depois participante da umbanda e candomblé além
de peregrinar por igrejas evangélicas, fato que o torna figura bastante representativa da
configuração de elementos culturais-religiosos dispostos no campo:
A própria trajetória de Edir Macedo é ilustrativa dessa fusão de
referentes culturais, pois Macedo nasceu de uma família de
católicos devotos, passou por uma iniciação no Candomblé, pelo
pentecostalismo clássico e pelas ondas renovadas do
pentecostalismo norte-americano. Mas foi de modo paulatino que a
nova igreja se transformou em um marco do que viria a ser
c on h e c i d o c o m o o n e o p e n t e c o s t a l i s m o . ( . . . ) 4 9 4
495
Apud MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, p. 69.
496
http:// www.igrejauniversal.org.br . Acesso em: 20 abr. 2004.
497
http://www.igrejauniversal.org.br . Acesso em 21 abr. 2004.
498
Folha Universal, Rio de Janeiro, 11 jul. 2004, p. 7.
154
para iniciar sua própria igreja. O primeiro passo foi iniciar um programa de rádio que ia para
o ar logo após uma outra programação religiosa, apresentada por uma mãe-de-santo. O
programa, ao vivo, garantia que Edir contrapusesse os discursos, as cosmologias e,
principalmente, os resultados práticos de uma religiosidade e outra. Durante esse período,
com o auxílio de Romildo Ribeiro Soares, seu cunhado, (hoje, conhecido como “missionário
R.R. Soares”), Roberto Augusto Lopes e Samuel Fidélis Coutinho, fundou a Igreja Cruzada
do Caminho Eterno. Logo depois, Macedo e R. R. Soares consagraram-se mutuamente
pastores, sendo que Edir Macedo passou a acumular também o cargo de tesoureiro da
cruzada. Vale dizer que antes de fundarem a Igreja do Caminho Eterno, esses dois líderes
nunca haviam exercido qualquer cargo eclesiástico; contudo – mesmo sem qualquer
formação teológica específica – obtiveram a consagração para tal função.
Três anos mais tarde ocorreu uma cisão no grupo. Foi quando Macedo,
após também pedir demissão de seu emprego na Loterj, com o apoio de R. R. Soares, fundou,
no dia 9 de julho de 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus. Nas palavras da própria
IURD assim é descrito o surgimento da Igreja:
N um s é c u l o e m q u e a c r i m i n a l i d a d e , a i n s e g u r a n ç a e a d i s c ó r d i a
imperam, falar da Igreja Universal do Reino de Deus é o mesmo que
descrever uma bonita história de amor. Essa história vem sendo
levada para as pessoas carentes. É bem verdade que nada começou
de uma hora para outra. Sem condições de alugar um imóvel, o
e nt ã o p a s t o r E d i r M a c e d o i n i c i o u a s s u a s p r i m e i r a s r e u n i õ e s n u m
c or e t o d o J a r d i m d o M é i e r . O r i e n t a d o p e l o E s p í r i t o S a n t o e
revestido de uma fé inabalável, as suas palavras logo deram início à
I gr e j a q u e a t u a l m e n t e m a i s c r e s c e n o m u n d o . E m 9 d e j u l h o d e
1977, abriam–se oficialmente as portas da Igreja Universal do Reino
de Deus. Foi alugada uma antiga fábrica de móveis no número 7.702
da Avenida Suburbana que parecia ser o local ideal para iniciar a
obra, O galpão se tornou o grande templo da Abolição, com
capacidade inicial para 1.500 fiéis. Mas logo foi preciso ampliar a
capacidade para duas mil pessoas.499
Ao ser venerado pelo movimento que fundou, esse líder recebe como
destaque o atributo de grande empreendedor:
I de a l i z a d o r e f u n d a d o r d a E d i t o r a G r á f i c a U n i v e r s a l , h o j e
incorporada pela Holding Universal Produções. Fundador do Portal
A rc a U n i v e r s a l ( I n t e r n e t ) . P r e s i d e n t e d o C o n s e l h o d a s R e d e s
Record, Mulher e Rede Família de Televisão. Criador e presidente
do Conselho da Rede Aleluia de Rádio (Rede Nacional de
Radiocomunicação para a Evangelização do Povo de Deus).
F un d a d o r e r e s p o n s á v e l d i r e t o p e l a I g r e j a U n i v e r s a l d o R e i n o d e
D eu s e m m a i s d e 1 0 0 p a í s e s d a E u r o p a , Á s i a , Á f r i c a e A m é r i c a s .
A ut o r d e i n ú m e r o s e i n f l u e n t e s l i v r o s . J o r n a l i s t a - c o l a b o r a d o r
responsável por artigos periódicos em vários veículos de
c om u n i c a ç ã o , d e s t a c a n d o - s e : j o r n a l s e m a n á r i o F o l h a U n i v e r s a l , c o m
tiragem superior a 1,4 milhão de exemplares em edição nacional;
Jornal Hoje em Dia (vespertino diário editado em Belo Horizonte,
c om d i s t r i b u i ç ã o p a r a t o d o o E s t a d o d e M i n a s G e r a i s ) ; J o r n a l d o
Brasil (vespertino diário editado no Rio de Janeiro); Jornal “Pare de
S uf r i r ! ” e “ S t o p S u f f e r i n g ! ” ( a m b o s e d i t a d o s e m N o v a Y o r k ,
simultaneamente, nos idiomas espanhol e inglês); Jornal “City
N ew s ” ( L o n d r e s ) ; T a b l ó i d e “ F o l h a U n i v e r s a l ” ( e d i t a d o p a r a
P or t u g a l e comunidades africanas de Língua Portuguesa
(Moçambique, Cabo Verde e Angola); Jornal “Universal SHINBUN”
(Japão); Jornal “El Universal” (Buenos Aires); Revista “Plenitude”
( di r e c i o n a d a p a r a t o d a a c o m u n i d a d e e v a n g é l i c a , e m e d i ç ã o
nacional, com tiragem mensal de 450 mil exemplares); Revista
“ Ob r e i r o d e F é ” ( d i r i g i d a a o b r e i r o s e o b r e i r a s d e c o m u n i d a d e s
cristãs em busca de ensinamentos bíblicos - tiragem de 100 mil
e xe m p l a r e s ) . R a d i a l i s t a , a p r e s e n t a d o r e c o m e n t a r i s t a d e p r o g r a m a s
e va n g é l i c o s e m v á r i a s r e d e s d e t e l e v i s ã o e r á d i o , n o B r a s i l e n o
e xt e r i o r , d e s t a c a n d o - s e a R e d e R e c o r d d e T e l e v i s ã o e a R e d e
Aleluia de Rádio. Organizador de concentrações evangélicas no
Brasil e em outros países: 1994 (Aterro do Flamengo - RJ) - mais de
um milhão de pessoas; 1995 (Vale do Anhangabaú - SP) - mais de
um milhão de pessoas e arrecadação de 700 toneladas de alimentos
não-perecíveis para as comunidades carentes; 1998 (Praça da
A po t e o s e - R J ) - 2 0 0 m i l p e s s o a s c o n c e n t r a d a s e m c l a m o r a D e u s ;
09 de abril de 2004, por ocasião da Páscoa (no aterro do Flamengo,
no Rio de Janeiro – RJ) 1,5 milhão de pessoas. Destaca-se, também,
na liderança de concentrações evangélicas em todos os estádios do
Brasil, além de eventos internacionais, concentrando grande número
de pessoas de vários países em Israel.501
500
L. M. S. é pastor da IURD na cidade de Londrina. Entrevista concedida em nov. 2004. Gravação em K7,
transcrita para uso como fonte.
501
http://www.igrejauniversal.org.br . Acesso em: 02 maio 2004.
156
Mas a igreja transfere todas estas representações para o nível do eufemismo religioso,
recalcado pela alquimia da “consagração”, pela representação de serviço prestado à
divindade,503 ao lembrar que:
Edir Macedo, líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus,
a br i u m ã o d e u m a v i d a e s t á v e l p a r a s e r v i r e x c l u s i v a m e n t e a D e u s .
S ua s p r i m e i r a s p r e g a ç õ e s a c o n t e c e r a m n u m m o d e s t o c o r e t o d o
Méier, subúrbio do Rio de Janeiro. Hoje, Catedrais imponentes se
espalham por mais de cem países. Na época em que abandonou seu
emprego de funcionário público para se dedicar à obra do Senhor
Jesus, foi criticado até mesmo por familiares. No entanto, acreditou
em seu sonho e atualmente a IURD é a igreja evangélica que mais
cresce no Brasil e no mundo. Nestes 28 anos de lutas e conquistas
ele sofreu diversas perseguições, foi preso e humilhado, mas sempre
superou seus desafios e se manteve firme no propósito de levar a
Palavra de Deus aos desamparados e sofridos.504
Distrito Federal. Em 1989, eram 571 locais de culto. Na década de 1990, passou a cobrir
todos os Estados do território brasileiro. Em 1999, numa vigília, reuniu multidão suficiente
para lotar, ao mesmo tempo, o enorme estádio do Maracanã e o Maracanãzinho, evento
registrado de forma entusiástica pela Folha Universal:
A noite de 29 de outubro entra para a história como a data em que
se reuniu o maior número de pessoas em um evento religioso
realizado num estádio de futebol no país: 250 mil pessoas. Ônibus,
trens e metrô completamente lotados, traziam, a cada nova viagem,
centenas de pessoas (...) Caravanas, utilizando mais de três mil
ônibus, de vários pontos do país, passaram pelos portões do maior
estádio do mundo, porém pequeno para abrigar o grande número de
membros da IURD.506
Nesse acontecimento, a Universal ousou novamente ao alugar dois trens, cada um com oito
vagões, que saíram da Baixada Fluminense, transportando os fiéis até o local da reunião.
Comentando esse crescimento da Igreja, Ricardo Mariano destaca a
distinção obtida pelo movimento liderado por Macedo:
Q ua l q u e r u m q u e t i v e s s e v i s t o a I U R D s u r g i r n a s a l a d e u m a e x -
f un e r á r i a d o b a i r r o d a A b o l i ç ã o , s u b ú r b i o d a Z o n a N o r t e d o R i o ,
não sustentaria grandes expectativas a seu respeito. (...) No entanto,
a pe s a r d a r e m o t a p r o b a b i l i d a d e d e ê x i t o , a h i s t ó r i a l h e f o i a s s a z
generosa, milagrosa até.507
506
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 69, ano 18, p. 69, 1999.
507
MARIANO, R. Neopentecostais: o pentecostalismo está mudando, p. 43.
508
JUSTINO, Mário. Nos bastidores do reino. A vida secreta na Igreja Universal do Reino de Deus. São Paulo:
Geração Editorial, 1995, p. 29.
158
Segundo o bispo uma das atitudes que tem colaborado para o crescimento
da IURD em todo o mundo é uma receita bem simples: “fazer dos limões (que representam
os problemas), uma boa limonada (representando a vitória)”. A igreja enfrentou períodos de
grande perseguição e rejeição de alguns de seus pastores em alguns lugares onde se
estabeleceu. “Essas dificuldades têm sido encaradas pelos líderes da Igreja Universal como
oportunidades ideais para o exercício da fé e para a ação do poder de Deus”.511
A igreja reconhece essa ousadia de seu líder, afirmando que “não deu
importância às barreiras e às palavras negativas que se levantavam a cada dia”, 512 experiência
que se tornou inspiração para os demais líderes:
A Igreja Universal do Reino de Deus tem ultrapassado as fronteiras
a be n ç o a n d o o s p o v o s e m m a i s d e c e m p a í s e s . T o d o s o s d i a s ,
milhares de pessoas testemunham milagres de cura, vitória e
prosperidade – um sinal da manifestação do poder de Deus – que
fazem com que a IURD se mantenha firme em sua trajetória. Nas
r ua s , p r i s õ e s , h o s p i t a i s e a t r a v é s d o s m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o , b i s p o s ,
pastores e obreiros devotam cada minuto de suas vidas, dedicando
todas suas forças para ajudar os necessitados.513
509
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 122, p. 10, jul. 2005.
510
Id., ibid.
511
Id., ibid., p. 12.
512
Id., ibid.
513
Folha Universal, Rio de Janeiro, 25 dez. 2005, p. 5.
159
cidade de Curitiba – PR, estendeu-se a partir desta capital paranaense ao solo londrinense.
Neste, seguiu um roteiro quase que padrão: alugou um grande espaço na área central da
cidade, antes ocupado por uma loja, em frente ao terminal de transporte coletivo urbano,
onde passou a realizar reuniões diárias em diferentes horários. Literalmente, as pessoas que
saíam do movimentado terminal de transportes se encontravam imediatamente às portas da
igreja. Também passou a desenvolver programas diários em uma das emissoras de rádio
local, a Atalaia AM, a qual posteriormente adquiriu. O passo seguinte foi a compra um mega
espaço antes ocupado pelo “Supermercados Pastorinho” - um estabelecimento comercial
bastante tradicional na cidade – e de uma nova emissora de rádio: a Gospel FM de Londrina,
anteriormente pertencente à Igreja O Brasil Para Cristo, emissora que mantém
ininterruptamente programação exclusiva da denominação. Finalmente, a IURD de Londrina
transformou-se em sede regional, instalando-se num grande complexo antes pertencente a
uma rede de lojas de eletrodomésticos, comprado por uma suntuosas quantia. Este espaço,
agora denominado “Templo Maior da Fé”, comporta milhares de pessoas em seu auditório,
além de oferecer salas para escritório, livrarias para a divulgação dos produtos da
denominação e estúdios transmissores de programas de rádio e TV.
Atualmente, um dos pastores líderes da IURD atuantes em Londrina é
Renato Lemes. Natural do interior de São Paulo, Lemes trabalhou na roça até os 16 anos,
sendo depois metalúrgico e comerciário. Tornou-se pastor da Igreja Universal em 1985,
começando a atuar no interior de São Paulo, de onde se transferiu para Santa Catarina e, em
1996, para o Paraná, como pastor da igreja na cidade de Curitiba. Chegou a Londrina em
2003 para atuar no pastorado e também coordenar a campanha dos deputados estaduais do
Partido Liberal - PL. Envolvido com a proposta estratégica da IURD de ocupar cada vez mais
espaços na política, em 3 de outubro de 2004 foi eleito vereador para o seu primeiro mandato
na Câmara Municipal de Londrina, pelo Partido Social Liberal (PSL), com 3.245 votos.
Atualmente, Lemes também coordena os programas de rádio “Momento do Presidiário”,
veiculado pelas emissoras Atalaia AM e Gospel FM, e “Bom dia Londrina”, pela rádio
Atalaia AM.516 A IURD já estabeleceu um total de sete templos na cidade, além de dezenas
de outros espalhados nas regiões adjacentes. A pesquisa Tendências Demográficas, realizada
pelo IBGE, 2000, apontam o Paraná como o maior Estado do Sul do país em número de
evangélicos, perfazendo 16,6% da população. Inegavelmente, a presença da IURD no Estado
tem sido responsável pela projeção desses números.
516
http://www.camaramunicipaldelondrina.com.br . Acesso em: 10 fev. 2005.
161
Maria da Graça, 64 anos, atesta o alcance desse recurso utilizado pela Igreja:
Estava desenganada pela medicina, em decorrência a cinco
meningites sofridas, por isso cheguei a pensar em suicídio. Numa
521
Segundo reportagem da Revista Isto É Senhor, São Paulo, 22 nov. 1989.
522
Entrevista 107. Londrina, Rádio Universidade FM, 07 jul. 2006. Programa de rádio.
523
Folha Universal, Rio de Janeiro, 07 nov. 1998, p. 6.
163
524
Folha Universal, Rio de Janeiro, 16 abr. 2006, p. 8.
525
Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 fev. 2003.
164
a dv e r s á r i o s r e l i g i o s o s e p a s t o r e s c o n c o r r e n t e s , a c u s a d o p e l a p o l í c i a ,
pela Justiça e pela imprensa de charlatanismo, estelionato,
c ur a n d e i r i s m o e d e e n r i q u e c i m e n t o à s c u s t a s d a e x p l o r a ç ã o d a
miséria, ignorância e credulidade alheias. Edir vai, em parte graças
ao Diabo que tanto ataca, interpela e humilha, construindo a passos
largos seu império.526
526
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: os pentecostais estão mudando. São Paulo: USP, 1995, p. 42, 43.
250 fl. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade
de São Paulo, 1995.
527
Revista Veja, São Paulo, 17 jul. 1991.
528
JUSTINO, M. Op. cit., p. 49.
529
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 dez. 1988.
165
estelionato. Sua prisão teve origem num inquérito aberto, em 1989, por cinco ex-fiéis
alegando terem doado dinheiro e bens à igreja em troca de milagres, que não teriam ocorrido.
O Ministério Público de São Paulo acatou a denúncia e determinou a prisão. Mas três dias
antes de ser detido, Macedo também fora indiciado com base no artigo 15 da Lei do
Colarinho Branco, acusado de usar a IURD como instituição financeira clandestina.532 A
acusação principal era de que o bispo teria adquirido grande patrimônio, graças à sua
atividade frente à Universal. Segundo o Ministério Público, o patrimônio pessoal de Macedo
chegava, em 1992, ao equivalente a 100 milhões de reais. Vale observar que, antes, esse
mesmo tribunal, a 21ª Vara Criminal de São Paulo, já havia absolvido Edir Macedo em
outros dois processos. Um deles, que tratava de ataques contra cultos afro-brasileiros,
acusava quatro pastores da IURD de terem invadido um templo de umbanda em Diadema,
município da grande São Paulo, em abril de 1990. Nesse processo, Macedo foi acusado de
estimular publicamente os ataques a adeptos daquela religião que, segundo ele, eram
“adoradores do demônio”. Num outro inquérito, o bispo era acusado de vender “óleo bento”
aos fiéis que participavam dos cultos de sua igreja.533
Traduzida como símbolo da existência de perseguição religiosa no país, sua
prisão também foi capaz de mobilizar fiéis, pastores e políticos evangélicos. Em primeiro de
junho de 1992, preso há oito dias, “cerca de dois mil fiéis da IURD formaram uma corrente
humana em volta da Assembléia Legislativa de São Paulo para protestar contra a sua
detenção”.534 Entendendo ser esta uma questão de liberdade religiosa, líderes evangélicos
também reagiram imediatamente. Logo vários políticos, evangélicos e não evangélicos,
solidarizaram-se com Macedo. Curiosamente, até mesmo alguns dos segmentos religiosos
que se sentiam concorrencialmente ameaçados pela atuação da IURD, uniram-se naquele
momento, em prol de um interesse comum. Duzentos pastores protestaram na Assembléia
Legislativa de São Paulo, argumentando que a prisão fora manipulada por grupos ligados ao
setor de comunicações que a propriedade da Rede Record estava ameaçando, e os setores
religiosos, que estavam tendo seus membros captados pelo discurso da Universal. Reunidos
no interior da Assembléia, os pastores, representando 34 igrejas, e 30 deputados redigiram
documento repudiando o ocorrido, o qual apresentava o seguinte teor:
O Brasil vive nos últimos dias momentos de preocupação no que diz
respeito aos direitos de expressão religiosa e suas garantias
c on s t i t u c i o n a i s . O s 3 5 m i l h õ e s d e e v a n g é l i c o s e m t o d o o p a í s
532
O Globo, Rio de Janeiro, 25 maio 1992.
533
Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 set. 1995.
534
MARIANO, R. Neopentecostais: os pentecostais estão mudando, p. 61.
167
e xi g e m o c u m p r i m e n t o d a C o n s t i t u i ç ã o e o f i m d e t o d o t i p o d e
discriminação religiosa.535
Doze dias depois, Macedo foi solto. Vale ressaltar a habilidade sempre
demonstrada por ele em lidar com as “regras do campo”, fato que lhe tem permitido grande
capacidade de reverter obstáculos em benefício do grupo. Quando esteve preso, representou
bem o papel de vítima, recorrendo comparativamente à imagem de sofrimento de Cristo e dos
apóstolos. Dizia-se “orgulhoso de estar preso em nome de Deus”. Atrás das grades, ao
conceder entrevistas ou deixar-se fotografar, aparecia lendo ou portando uma Bíblia. Até bem
pouco tempo, quem tomava a Folha Universal para uma primeira leitura teria sua atenção
despertada para uma imagem: em seu logotipo uma foto do bispo em uma cela de presídio,
fazendo a leitura da Bíblia. A imagem no jornal ajuda a preservar e a manter vivo na
memória dos fiéis o ato heróico do seu líder, cuja confiança se observa no depoimento de um
obreiro da IURD:
O bispo não mente conforme as revistas e a televisão dizem por aí.
Ele é um servo de Deus, dedicado, honrado, infelizmente, caiu nas
garras da mídia, mas Deus fala através dele e as pessoas que têm fé
crêem nisso. Eu acredito em tudo o que o bispo Macedo fala, pois
sei que ele é iluminado, inspirado por Deus.536
535
Id., ibid.
536
João Luís M. Depoimento concedido em ago. 2004. Gravação em K7, transcrita para uso como fonte.
537
http://www.igrejauniversal.com.br . Acesso em: 03 mar. 2005.
168
Devido à grande demanda dos que recorrem aos espaços sagrados sob seu
comando, inegavelmente há muito trabalho a ser feito pelos líderes da Igreja Universal. Por
isso, permanecem diariamente de plantão nos templos. Lidam no dia-a-dia com os mais
diferentes dramas das pessoas que ali chegam. Não têm folga, dormem pouco, vivem
atarefados com os cultos, programas de rádio e TV, vigílias, entre outros. Não se sabe ao
certo sobre a remuneração que recebem. Apenas que têm suas despesas cotidianas custeadas
pela Igreja tendo direito ainda a moradia, telefone, carro, escola paga para os filhos. Segundo
a linguagem de Bourdieu, criou-se uma representação de que os agentes especializados do
sagrado não precisam mais se ocupar com a produção de sua existência material, pois seu
sustento é assegurado pelos serviços religiosos os quais estão socialmente autorizados a
desempenhar. Ademais, a alquimia em relação a tais pastores se mostra eficaz à medida que a
ostentação apresentada de um estilo de vida próspera e bem sucedida, acaba se convertendo
favoravelmente em seu favor no sentido de referendar o discurso proferido sobre a
prosperidade, acenando positivamente aos fiéis ao mostrar a possibilidade de semelhante
performance.
É possível observar uma economia de produção e circulação de bens
simbólicos nas práticas da IURD. Uma primeira característica a se destacar dessa
operosidade refere-se à denegação do interesse econômico possibilitada por uma “economia
de oferenda” que ali ocorre. Se, em relação aos fiéis iurdianos, o dinheiro e a fé se
amalgamam em sedutora proposta de acesso à prosperidade e riqueza, o mesmo não se dá
quando este assunto envolve os líderes, os quais são vistos no âmbito do grupo como agentes
“desinteressados” pelos bens materiais. Nesse sentido, lembra Bourdieu que, embora “não
exista ato desinteressado”, uma das principais características do campo religioso – e também
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: os pentecostais estão mudando, p. 58.
538
dinheiro não seria pastor, seria político, com bom salário e mordomias (...) O Brasil ainda é
uma província e a imprensa não traduz a verdade”.544 Ao se queixar da “perseguição” movida
pela mídia contra ele e sua igreja, argumentou:
N ão d e v e r i a m s e r t r a t a d o s c o m o l a d r õ e s e c h a n t a g i s t a s a q u e l e s q u e
dedicam suas vidas para servir o outro. O título de mercantilista não
cabe a nenhuma organização religiosa que esteja inserida em um
sistema no qual sem dinheiro nada se pode fazer; muito mais quando
este sistema é injusto, corrupto, sujo e, pior, aceito, propagado e
imposto aos cidadãos, no uso de uma racionalidade mentirosa,
hipócrita, maldosa e sem Deus.545
544
O Globo, Rio de Janeiro, 29 abr. 1990.
545
Folha Universal, Rio de Janeiro, 15 out. 1995.
546
MACEDO, Edir. Nos passos de Jesus. 8 ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Universal, 1986, p. 76.
547
http://www.igrejauniversal.org.br . Acesso em: 08 abr. 2005.
548
Jornal Soma, Goiânia, - GO, ano 4, n. 9, dez. 2000, p. 8.
171
549
Fala Que Eu Te Escuto. São Paulo, Rede Record, 15 jul. 2005. Programa de TV.
550
Revista Exame, ano 40, n. 17, p. 20, 30 ago. 2006.
551
Folha Universal, Rio de Janeiro, 31 dez. 2005, p. 1.
552
Folha Universal, Rio de Janeiro, 25 dez. 2005, p. 6.
172
trabalho coletivo de recalque só é possível se os agentes são dotados das mesmas categorias
de percepção e de avaliação” – afirma Bourdieu.553 E acrescenta:
A reconversão permanente do capital econômico em capital
simbólico (...) só pode ter sucesso com a cumplicidade de todo o
grupo: o trabalho de denegação que está na origem de alquimia
s o c i a l é , c o m o a m a g i a , u m e m p r e e n d i m e n t o c o l e t i v o . 5 5 4 [grifo nosso]
553
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. p. 199, 200.
554
Id. A produção da crença, p. 211, 212.
555
Revista Veja, apud Bonfatti, P. Op. cit., p. 32.
556
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 191.
557
Id., ibid., p. 192.
173
O comentário que esse autor faz em relação ao que ocorre na Igreja Católica
pode ser perfeitamente aplicado ao caso da IURD: embora a igreja seja uma empresa
econômica, nega-se como tal, sendo esta ambigüidade uma propriedade geral da economia da
oferenda:
O templo funciona, assim, objetivamente como uma espécie de
banco, que não pode, no entanto, ser percebido ou pensado como
tal, e até sob a condição de que não seja nunca visto como tal. A
empresa religiosa é uma empresa com dimensões econômicas que
não pode se confessar como tal e que funciona em uma espécie de
negação permanente de sua dimensão econômica.560
563
Id., ibid., p. 21.
564
Id., ibid., p. 22.
565
CAMPOS, L. S. ; GUTIÉRREZ, B. Op. cit., p. 96.
566
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 43, 44.
175
567
BONNEWITZ, P. Op. cit., p. 103.
568
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 177.
569
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982, p. 340.
176
Esse capital simbólico, denominado carisma, portanto, torna-se nas práticas iurdianas um
poder simbólico:
O capital simbólico tem como característica surgir em uma relação
social entre as propriedades possuídas por um agente e outros
a ge n t e s d o t a d o s d e c a t e g o r i a s d e p e r c e p ç ã o a d e q u a d o s : e n t e
percebido, construído, de acordo com categorias de percepção
específicas, o capital simbólico supõe a existência de agentes
c on s t i t u í d o s , e m s e u s m o d o s d e p e n s a r , d e t a l m o d o q u e c o n h e ç a m e
reconheçam o que lhes é proposto, e creiam nisso, isto é, em certos
casos, rendam-lhe obediência e submissão.570
571
Na obra A Produção da Crença, em que oferece uma análise crítica
sobre o processo de criação, circulação e consagração dos bens culturais, Bourdieu ressalta
que o princípio da eficácia de todos os atos de consagração não é outro senão o próprio
campo, lugar de capital simbólico socialmente acumulado.
A qu i l o q u e d e f i n e a e s t r u t u r a d e u m c a m p o n u m d a d o m o m e n t o é a
estrutura da distribuição do capital entre os diferentes agentes
e ng a j a d o s n e s s e c a m p o . M u i t o b e m , d i r ã o , m a s o q u e v o c ê e n t e n d e
por capital? Só posso responder brevemente: cada campo é o lugar
de constituição de uma forma específica de capital. 572
eram vistos como especialmente possuídos pelo Espírito do Deus Iavé, para o desempenho de
suas funções. No advento da era cristã tais idéias estavam ainda muito presentes no cotidiano
do apocalipsismo judaico que projetava em líderes taumaturgos capacidade de cura, de
exorcismo e de controle sobre fenômenos da natureza. Em segundo lugar, das chamadas
“religiões de mistério” oriundas do Egito, da Síria e da Pérsia, bastante difundidas e
popularizadas no mundo greco-romano quando do surgimento do cristianismo. Nos cultos,
com cerimônias secretas, acreditava-se que pessoas iluminadas eram possuídas por forças
divinas, podendo assim, em êxtase, mediar a cura de enfermidades físicas e estabelecer
comunicação com o mundo espiritual. A comunidade cristã, em parte, se apropriou desse
imaginário religioso, re-significando-o à luz do ensino apostólico. Terceiro, da idéia grega do
“homem divino”, ou do conceito romano de facilitas, que pressupunham a habilidade inata
do herói para levar um projeto ao sucesso, graças à sua ligação com o sagrado. Os gregos, de
acordo com suas mitologias, acreditavam que os deuses por eles adorados não estavam
separados dos homens por uma fronteira bem definida, razão porque alguns desses poderiam
ser colocados na comunhão divina, tornando-se filhos da divindade, podendo mediar
benesses sagradas aos que se punham sob sua liderança.
Bourdieu, ao fazer uma releitura de Weber, propõe um avanço na
compreensão do carisma ao associá-lo não ao indivíduo isolado, mas sim ao grupo em que se
desenvolve tal representação, mediante a força do capital simbólico e da crença existente no
campo:
O poder carismático, conferido a indivíduos supostamente dotados
de qualidades especiais que lhes asseguram uma irradiação social
e xc e p c i o n a l , e s t á b a s e a d o n u m a d e l e g a ç ã o d e p o d e r d o s l i d e r a d o s
em benefício dos que lideram, que só faz exercer sobre aqueles o
poder que eles próprios depositaram em suas mãos (...) É isso que
e xp l i c a o f a t o d e q u e a l g u n s i n d i v í d u o s , d o t a d o s i n i c i a l m e n t e d e
talentos comuns, mas bem servidos por circunstâncias comuns,
tenham galgado posição de poder.573
573
BONNEWITZ, P. Op. cit., p. 104.
574
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 218.
575
Id., ibid., p. 177.
576
Id., ibid., p. 187.
178
577
Id., ibid,. 107, 177.
578
DURKHEIM, Émile. The elementary forms of religious life. Nova York: Free Press, 1965, p. 29.
579
Id., ibid., p. 387.
580
BOURDIEU, P. A produção da crença, p. 154.
179
585
BOURDIEU, P. O poder simbólico, p. 7, 8.
586
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a História, p. 168.
587
BACZKO, B. Op. cit., p. 301.
181
588
Id., ibid., p. 156.
589
Id., ibid., p. 163, 164.
590
BOURDIEU, P. ; WACQUANT, L. J. D. Op. cit., p. 143.
591
PINTO, L. Op. cit., p. 137.
182
Assim, pela crença nas relações sociais “bem terrenas”, por meio de uma
transfiguração, as práticas e representações religiosas são transferidas para o “absoluto”, o
“sobrenatural” ou o “transcendente”. Desse modo ocorre um processo de socialização que
possibilita a aceitação das práticas como se fossem disposições “naturais” e não socialmente
construídas, promovendo compatibilidade estrutural entre o sistema religioso e a sociedade
na qual ele existe, ainda que tal sistema religioso seja estruturalmente divergente dela.593
Portanto, é preciso que o campo esteja constituído com os elementos
necessários para a configuração do capital simbólico do qual o líder se apropria e mobiliza
em seu favor, dando origem ao seu carisma. Da mesma forma que ocorre em relação ao
artista, é necessário existirem condições sociais para que o líder carismático pareça e
aparente.594 O líder carismático iurdiano é, assim, construído no campo, modelando-o ao
passo que é também por ele modelado:
Se o mundo social, com suas divisões é algo que os agentes sociais
têm a fazer, a construir, individual e sobretudo coletivamente, na
c oo p e r a ç ã o e n o c o n f l i t o , r e s t a q u e e s s a s c o n s t r u ç õ e s n ã o s e d ã o n o
vazio social. A posição ocupada no espaço social comanda as
representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para
c on s e r v á - l o o u t r a n s f o r m á - l o . 5 9 5
592
Id., ibid., p. 136.
593
BERGER, Peter L. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Paulinas, 1985.
594
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 188.
595
Id., ibid., p. 27.
596
Id., ibid., p. 177.
597
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 12.
598
Id., ibid., p. 188.
183
599
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 94.
600
BURKE, P. O que é História Cultural?, p. 130.
601
WEBER, Max. Economia e sociedade, v. 1. Op. cit.
184
títulos ou rótulos oficiais, mediante o que “a instituição impõe um dever-ser aos agentes
consagrados, agindo sobre a representação que os receptores do discurso institucional têm da
realidade”.602 É preciso, portanto, que os agentes a quem se dirige a instituição estejam
preparados para submeter-se aos seus veredictos – é o caso dos sacerdotes. Já os profetas,
acumulam veredictos dispostos no campo em que estão inseridos, dos quais aparecem como
porta-vozes.603 E, nesse sentido, no caso da IURD, seus líderes se tornaram produtores diretos
dos bens de seu mundo religioso; criaram seus próprios meios de relação direta com o
sagrado, rompendo ou eliminando as mediações sacerdotais do catolicismo ou do
clericalismo erudito postulado pelo protestantismo clássico.
A trajetória de consagração religiosa de Edir Macedo e de seus líderes
auxiliares, ocorre de modo sem precedentes no campo religioso brasileiro em relação ao
protestantismo e ao pentecostalismo clássicos. No caso do protestantismo histórico,
representado, por exemplo, pelas igrejas luterana, presbiteriana, batista e metodista, constata-
se que há um critério institucional bem definido para a nomeação daqueles que devem
exercer a liderança pastoral. Após se inserirem no Brasil, a partir do século XIX, essas igrejas
receberam orientação religiosa de pastores estrangeiros, oficialmente designados pelos países
de origem. E, quando finalmente constituíram as suas primeiras escolas de formação
teológica, seguiram o modelo norte-americano ou europeu: pastores só devem exercer este
ofício após cursarem teologia por um período de quatro a cinco anos, com a
complementação de mais um ano de licenciatura prática, sob a tutela de um pastor mais
experiente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o primeiro seminário teológico
protestante criado no Brasil, nas dependências de uma Igreja Presbiteriana, a 14 de maio de
1867. Os primeiros professores eram os pastores-missionários, todos de nacionalidade
estrangeira. A primeira turma foi constituída por três alunos brasileiros, que receberiam toda
a formação segundo a teologia e os dogmas da igreja-mãe norte-americana. Já em seguida, os
seus dirigentes providenciaram para que chegassem ao Brasil livros que comporiam a
primeira biblioteca para estudos e pesquisas. Foi assim que, em 1868, sob encomenda do
missionário Ashbel Green Simonton, fundador daquela escola, vieram não apenas obras
teológicas, mas também de Física e Astronomia. Segundo o pesquisador Júlio Andrade
Ferreira604 além de matérias mais específicas do campo teológico, como Grego e Homilética,
602
BONNEWITZ, P. Op. cit., p. 101.
603
Id., ibid., p. 102.
604
FERREIRA, Júlio A. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. 2 ed. v. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 1959,
p. 85; GOMES, Antônio Máspoli de Araújo. Origens e imagens do protestantismo brasileiro no século XI numa
perspectiva calvinista e weberiana. Ciências da Religião. História e Sociedade, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 71-106, 2003.
185
605
Revista Igreja, São Paulo, jul. 2007.
606
Revista Veja, São Paulo, p. 84, 12 jul. 2006.
607
WEBER, Max. Economia e sociedade, v. 1, p. LI.
608
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, p. 108.
609
Revista Isto É, São Paulo, 14 dez. 1994.
186
C om o o b j e t i v o d e p r e g a r o e v a n g e l h o a t o d a c r i a t u r a e l e v a r a s
pessoas a encontrarem o verdadeiro caminho da paz e da felicidade
eterna, há cerca de vinte e cinco anos, o jovem pastor, Edir Macedo,
usava toda a sua fé e determinação numa praça do Méier, subúrbio
do Rio de Janeiro, para realizar várias pregações. Em julho de 1977,
este jovem, auxiliado por outras pessoas, que compartilhavam da
mesma fé, fundava a primeira Igreja Universal do Reino de Deus.
N ão d e m o r o u m u i t o p a r a q u e a I U R D m o s t r a s s e q u e t i n h a s u r g i d o
pela vontade do Espírito Santo. O poder de Deus se manteve tão
f or t e s o b r e a I g r e j a q u e , l o g o , o u t r o s e s p a ç o s p r e c i s a r a m s e r
alugados para dar lugar a mais fiéis. Naquela época, a divulgação
dos cultos era feita por dez obreiros, que colavam folhetos nos
postes e convidavam as pessoas para assistirem às reuniões.610
610
Id., ibid.
611
ROLIM, F. C. Op. cit., p. 73.
612
WEBER, Max. Economy and socity. Berkeley: University of California Press, 1978, p. 117.
613
WACH, Joachim. Sociologia da religião. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 416.
187
614
CRESCIMENTO DA IGREJA UNIVERSAL – do Brasil para o mundo. Rio de Janeiro: Universal
Produções, 2000. Documentário em vídeocassete.
615
Revista Eclésia, Rio de Janeiro, ano V, n. 50, p. 12, jan. 2000.
616
TURNER, Victor W. Op. cit., p. 5.
617
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. Cit., p. 08.
618
Id., ibid.
619
TURNER, V. Op. cit., p. 155.
188
freqüentemente surgem dentre o povo mais simples”.620 Esta compreensão está de acordo
com a visão dos fundadores do movimento iurdiano:
Os melhores pastores não saem dos seminários. Pastor é que nem
jogador de futebol: eles saem das escolinhas; eles surgem,
a pa r e c e m . D e p o i s s ó p r e c i s a m s e r l a p i d a d o s . C o m o p a s s a r d o s a n o s ,
eles vão ficar muito mais preparados do que jamais ficariam num
seminário normal. Os grandes homens de Deus surgiram do nada,
sem preparação.621
O pastor iurdiano J. Cabral observa que para ser pastor na Universal, “os
requisitos são a conversão, a dedicação e o desejo de fazer a obra de Deus”. O aprendizado
para exercer o pastorado ocorre mediante a “atuação prática e direta nas igrejas”. Assim, para
o aspirante a pastor é fundamental aprender a reproduzir corretamente o que os pastores
titulares fazem no púlpito. Este caráter do chamado divino para o exercício da função
pastoral é destacado pela igreja:
C on s c i e n t e d a u r g ê n c i a q u e a p o p u l a ç ã o m u n d i a l t e m d e o u v i r a
Palavra de Deus, a Igreja Universal compreende a necessidade da
imediata formação de pastores. Por isso, levanta homens de Deus em
caráter emergencial e os encaminha para cumprir o “ide” de Jesus.
Para a Igreja Universal do Reino de Deus não é preciso estudar
cinco anos de Teologia para falar do que o amor, a misericórdia e o
poder de Jesus podem fazer na vida dos que O aceitam como
Salvador. A IURD prega uma fé prática, ativa e dinâmica. Seus
pastores são orientados a levar o povo a vivê-la, não buscando
a pe n a s s a b e d o r i a . Q u e m d e t e r m i n a o c h a m a d o p a r a a o b r a é o
Espírito Santo, de acordo com o caráter, a fé e a disponibilidade do
candidato.622
Pastores e bispos iurdianos são, portanto, leigos quase que na sua totalidade;
não fizeram curso teológico, até porque não lhes é exigido. São-lhes designados tais títulos e
funções pela desenvoltura e habilidade no exercício do seu carisma:
Esses pastores [da IURD], bem como os “obreiros” e “obreiras”, são
selecionados segundo seu carisma e seu dom de oratória, num
reconhecimento da graça dada ao indivíduo (...) aspecto não-
desprezível frente a origem humilde da maioria deles.623
620
Id., ibid.
621
Revista Eclésia, Rio de Janeiro, n. 67, p. 30, abr. 2001. Palavras de R. R. Soares, cuja perspectiva é
compartilhada por Edir Macedo quando demonstra aversão à erudição teológica clássica, como se observa em
seu livro Libertação da Teologia. Op. cit.
622
http://www.igrejauniversal.org.br Acesso em: 25 mar. 2005.
623
MAFRA, C. Op. cit., p. 43, 44.
189
reportagem jornalística.624 Começam lendo os livros do bispo Macedo, depois passam por um
curto treinamento, que dura em média três meses, ganhando em seguida o título de pastor.
Inicialmente como obreiro, depois auxiliar de pastores, pastor e, finalmente, bispo. É lá, junto
a outro pastor e, sob a sua orientação, que o candidato a pastor recebe um preparo prático de
como conduzir o público, dar orientações, realizar milagres e fazer exorcismos. É no
cotidiano que o futuro líder assimila ou reconfigura não apenas um universo simbólico, mas
também os procedimentos práticos que lhe compete no exercício dessa função, assim como a
confiança e a respeitabilidade por parte dos fiéis.
P or s e r u m a o b r a d e D e u s , a I U R D n ã o p á r a d e c r e s c e r . P o r i s s o
mesmo, necessita cada vez mais de novos bispos, pastores, obreiros
e membros para socorrerem os mais necessitados. É importante dizer
que o braço direito da Igreja Universal é composto de homens e
mulheres, que um dia tiveram uma experiência com o Espírito Santo
e colocaram suas vidas a serviço de Deus.625
624
Revista Veja, São Paulo, 06 set. 2000.
625
http://www.igrejauniversal.com.br . Acesso em: 27 mar. 2005.
626
BOURDIEU, P. A economia da trocas simbólicas, p. 92, 93.
627
Id., ibid., p. 83.
628
MACEDO, Edir. A libertação da teologia. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal, 1990.
629
Id., ibid.
190
630
http://www.igrejauniversal.com.br . Acesso em: 25 jul. 2005. Vale observar que alguns desses cursos podem
ser feitos a distância, por correspondência ou por outros recursos magnéticos ou eletrônicos, sem necessidade,
por exemplo, de freqüência às aulas.
191
631
http://www.igrejauniversal.org.br. Acesso em: 02 ago. 2004.
632
MACEDO, Edir. Nos passos de Jesus. 13ª ed. Rio de Janeiro. Gráfica Universal, 2004, p. 5.
633
http;//www.igrejauniversal.org.br . Acesso em: 20 set. 2005.
634
JUSTINO, M. Op. cit., p. 28.
635
CHARTIER, R. Práticas da leitura, p. 241.
636
BOURDIEU, P. A economia da trocas simbólicas, p. LVI.
192
637
Id. ibid., p. 74, 75.
638
Depoimento de Paulo Guimarães, bispo da IURD. CRESCIMENTO DA IGREJA UNIVERSAL – do Brasil
para o mundo. Rio de Janeiro: Universal Produções, 2000. Documentário em vídeocassete.
193
e nc o n t r a r u m a p o r t a a b e r t a q u e l h e s o f e r e c e s s e s o c o r r o e a m p a r o e m
momentos de desespero e angústia. Por isso trazemos desde o início
da igreja, como lema, a mensagem: “Pare de sofrer”.639
639
CRESCIMENTO DA IGREJA UNIVERSAL – do Brasil para o mundo. Rio de Janeiro: Universal
Produções, 2000. Documentário em vídeocassete.
640
Id., ibid.
641
Id., ibid.
642
Id., ibid., p. 243.
643
Id., ibid., p. 92, 93.
194
tive um encontro real com Jesus e enfrentei todos os meus problemas. Logo passei a ganhar o
respeito de todos de minha família e do meu trabalho, até que um dia fui chamado para ser
pastor”. A IURD faz questão de destacar o impacto da atuação desse líder hoje: “Quem
assiste a um culto do bispo Romualdo percebe a força da dedicação desse homem de Deus.
Nesses cultos a presença do Espírito Santo é sentida de tal maneira que as pessoas vão as
lágrimas e têm um verdadeiro encontro com Jesus”.
Também o bispo Clodomir dos Santos, 38 anos, apresentador de um dos
principais programas televisivos denominado “Fala que eu te escuto”, ressalta em seu
testemunho de vida que enfrentou a “miséria, vícios, marginalidade na infância e
adolescência”, mas que através da fé conquistou “uma nova vida”. Em uma infância marcada
pela miséria financeira e a família desestruturada, chegou a envolver-se com armas e drogas:
C om d o z e a n o s c o m e c e i a c o n s u m i r c o c a í n a . M i n h a f a m í l i a e r a
dividida, com muitos sofrimentos em casa. A fome chegou. Eu e
meu irmão entramos para uma quadrilha e começamos a roubar.
Tornei-me em pouco tempo um dos traficantes mais procurados nas
favelas do Rio de Janeiro. Quando estava ameaçado de morte por
grupos rivais, tive de mudar-me do bairro onde vivia com a família.
Recebi um livro de um homem da Igreja Universal do Reino de Deus
c ha m a d o O r i x á s , C a b o c l o s e G u i a s , d o b i s p o E d i r M a c e d o . C o m e c e i
a ler e a tremer; eu pensava em suicídio a noite, fui a igreja
U ni v e r s a l d o b a i r r o o n d e m o r a v a . C h e g u e i l á a f l i t o , s e m s a b e r o q u e
fazer, pensando em morrer. Mas a partir da ida ao templo minha
vida começou a mudar. Lá me acolheram e me ajudaram a exercitar
a fé. Naquela semana foi aberta uma possibilidade de emprego. Oito
meses depois, fui levantado a obreiro – na ocasião, passei a
f re q ü e n t a r a I U R D d o M a r a c a n ã . T e m p o s d e p o i s d e i x a v a o e m p r e g o
para ser auxiliar de pastor pelas mãos do bispo Sérgio von Helde.646
IURD. Tornou-se evangelista, pastor e bispo, além de escritor de livros sobre experiências
com entorpecentes.647
Bourdieu ressalta que é preciso superar o postulado da “representação do
carisma como propriedade associada à natureza de um indivíduo singular”.648 Lembra que há
em Weber essa perspectiva quando este afirma que “a criação de um poder carismático [...]
constitui sempre o produto de situações exteriores inauditas”, ou de uma “excitação comum a
um grupo de homens, suscitada por alguma coisa extraordinária”. É possível então
compreender que o líder carismático iurdiano obtém êxito no campo em que atua não por
causa de sua genialidade, como se exercesse um papel de criador onipotente e se localizasse
fora do grupo, mas sim, pelo fato de encontrar uma ressonância interativa por parte dos fiéis
que também estão inseridos no mesmo campo.649 O poder simbólico de que se cerca o líder
iurdiano procede, portanto, do próprio grupo do qual faz parte:
O poder do profeta tem por fundamento a força do grupo que ele
mobiliza por sua aptidão para simbolizar em uma conduta exemplar
e/ou em um discurso (quase) sistemático, os interesses propriamente
religiosos de leigos que ocupam uma posição determinada na
estrutura social.650
Há, assim, uma cumplicidade entre líderes e fiéis na vivência das práticas e
das representações que ocorrem no âmbito iurdiano. Nesse sentido, vale destacar a fértil
reelaboração feita por Bourdieu da tipologia religiosa proposta por Weber, ao sublinhar que
não se pode criar uma dicotomia de mercado religioso que separa produtores de bens
religiosos – especialistas - e consumidores, destituídos da capacidade de produzirem eles
mesmos os bens religiosos que dão sentido à sua existência – os leigos. Pois é preciso
entender que os chamados “leigos” também são produtores coletivos dos referidos bens,
ainda que na condição de não-especialistas. Bourdieu afirma que não pode existir a produção
647
Folha Universal, Rio de Janeiro, 12 fev. 2006, p. 3.
648
A compreensão de Marcel Mauss, citado por Bourdieu, também vai nesta direção: “fomes e guerras suscitam
profetas, heresias (...) não se deve confundir essas causas coletivas, orgânicas, com a ação dos indivíduos, que
delas são muito mais intérpretes do que senhores (...)”, cf. BOURDIEU, P. A Economia das trocas simbólicas,
p. 74, 75.
649
BOURDIEU, P. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 317-368.
650
Id., A economia da trocas simbólicas, p. 92, 93.
651
Id., A economia das trocas lingüísticas, p. 87, 89.
197
de bens simbólicos ex-niilo. O que pode ocorrer é uma expropriação do trabalho religioso
popular pelos especialistas, para devolvê-los como um bem simbólico apto a atender sua
demanda de sentido:
as significações religiosas por eles [não-especialistas] produzidas
ficam em estado bruto até que os especialistas trabalhem,
lapidando-as para as apresentarem como se fossem uma intuição ou
revelação original.652
652
OLIVEIRA, P. A. R. Op. cit., p. 101.
653
BOURDIEU, Pierre. A economia da trocas simbólicas, 1982, p. 49.
654
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 77.
655
Id., A produção da crença, p. 57.
656
www.igrejauniversal.com.br . Acesso em: 20 jan. 2004.
198
pelos fiéis, conseguindo estabelecer comunicação em linguagem que descortina anseios e faz
emergir representações que impregnam o imaginário coletivo:
( .. . ) d o t a d a d e s e n t i d o e d o a d o r a d e s e n t i d o , a p r o f e c i a l e g i t i m a
práticas e representações que têm em comum apenas o fato de serem
e ng e n d r a d a s p e l o m e s m o h a b i t u s ( p r ó p r i o d e u m g r u p o o u d e u m a
classe) (...) porque a própria profecia tem como princípio gerador e
unificador um habitus objetivamente coincidente com o dos seus
destinatários.657
657
BOURDIEU, P. A produção da crença, p. 94.
658
Folha Universal, Rio de Janeiro, 24 jul. 1994.
659
MACEDO, E. A Libertação da teologia, p. 21.
660
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, ano VII, n. 50, p. 2, 1990.
199
F oi e l a q u e c o m e ç o u a p r o m o v e r M a r i a . E l a n ã o p a s s a v a d e u m a
serva de Deus, um instrumento usado para trazer Jesus ao mundo. O
c ul t o m a r i a n o é u m a a g r e s s ã o a J e s u s e a e l a m e s m a . H á u m t r e c h o
na Bíblia em que Jesus se dirige à mãe, dizendo “Mulher, que tenho
eu contigo?” Veja bem, ele não disse “mamãe”. Maria então
e nt e n d e u q u e J e s u s e r a D e u s , o D e u s h o m e m . E e l a p e d i u a t o d o s
para obedecer a Jesus. Nós fazemos apenas o que ela mesma
indicou. A Igreja Católica faz o contrário. Ela promove a imagem de
Maria porque é lucrativo. O Vaticano tem fábrica de santos, fábrica
de estátuas. E eles sabem que qualquer imagem feminina faz
sucesso. E tem mais, o problema não é só com ela. Quando vejo a
imagem de Jesus ensangüentado na cruz, fico com pena dele.661
Prossegue, Edir, afirmando que em 1980, quando esteve pela primeira vez
em solo brasileiro, “o papa abençoou o Brasil através de um ídolo chamado Senhora da
Aparecida. Como conseqüência o país entrou numa onda de maldição incontrolável”. Destaca
as conseqüências danosas decorrentes daquele ato: “Sérios problemas políticos. Inflação
galopante. Tremendas secas no Nordeste. O nascimento do cruzado. O enxerto do cruzado
novo. O presidente Collor. O aumento da violência. Seqüestros generalizados. Terremotos no
Ceará... e por aí a fora”.662
O bispo também culpa o catolicismo pela formação de um habitus que
impede o usufruto de uma vida melhor, segundo o qual a dor, o sacrifício, o sofrimento e a
pobreza são vistos como uma espécie de caminho de redenção ou de penitência a ser
percorrido pelo cristão em sua trajetória de fé:
A Bíblia apresenta Jesus como a face do sol ao meio-dia. O que a
I gr e j a C a t ó l i c a f a z é o o p o s t o . É c o m o s e e u f o s s e v i s i t a r u m
parente terminal de câncer e, pouco tempo antes dele [sic] morrer,
eu tirasse fotografia do rapaz, em coma, semimorto. E pegasse
a qu e l a f o t o g r a f i a , p i n t a s s e u m q u a d r o , f i z e s s e u m a i m a g e m d e g e s s o
e levasse para sua casa e colocasse no lugar mais aparente da casa
[ .. . ] P a s s a - s e a i d é i a d e q u e , s e e l e s o f r e u , n ã o h á m a l a l g u m n o f i e l
sofrer também. Então a humanidade passa a aceitar a derrota como
uma coisa natural. Como as religiões não atendem a necessidade das
pessoas que estão sofrendo, elas se justificam diante delas com uma
imagem de alguém que supostamente foi derrotado. “Olha, vocês
estão no fundo do poço, Jesus também esteve e ninguém salvou.
Está lá, morreu.” Esta idéia faz com que as pessoas acatem os seus
sofrimentos, aceitem os seus carmas ou sua desgraça como uma
cruz.663
661
Revista Veja, São Paulo, 06 dez. 1995.
662
Folha Universal, Rio de Janeiro, 19 out. 1997, p. 2
663
Revista Veja, São Paulo, 06 dez. 1995.
200
664
Os números entre parênteses referem-se às edições do jornal Folha Universal utilizados para a pesquisa.
Exemplares disponíveis no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica – FTSA, Londrina - PR.
665
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 65.
666
O bispo Von Helde recebeu uma pena de dois anos de prisão domiciliar em regime aberto por causa deste
episódio. Como era réu primário, cumpriu em liberdade. Cf. Revista Eclésia, Rio de Janeiro, ano V, n.50, p. 11,
jan. 2000.
201
Nesse aspecto, ele aponta para o que entende ser diferencial nas práticas da
Igreja que comanda:
A Igreja Universal do Reino de Deus tem consciência da supremacia
da fé em relação à razão (...) Talvez esse seja um dos aspectos mais
importantes que a fazem diferente de outras organizações religiosas
( .. . ) C r i s t o p a s s o u m u i t o m a i s t e m p o e x p u l s a n d o d e m ô n i o s e
c ur a n d o m i r a c u l o s a m e n t e a s p e s s o a s d o q u e p r e g a n d o s e r m õ e s o u
distribuindo comida para os pobres (...).671
667
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 66, p. 28, 1999.
668
Folha de S. Paulo, São Paulo, 01dez. 1995.
669
Folha Universal, Rio de Janeiro, 28 jan. 1996.
670
MACEDO, Edir. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? Rio de Janeiro: Graça Editorial, 1988, p.
131.
671
Folha de S. Paulo, São Paulo, 01 out. 1995.
202
c om p r e e n d e m . F a l e m b e m o u m a l , m a s I U R D c o n s e g u e t o c a r n o
c or a ç ã o d a s p e s s o a s p o r q u e m e x e l á n o f u n d o d a f e r i d a . E s t a m o s
sempre com as portas abertas de segunda a segunda abertas para que
o mundo possa encontrar-se com Deus. Atendemos todos os tipos de
pessoas com seus respectivos problemas.672
atitude, na verdade, caracteriza a Igreja Universal desde o seu nascimento, especialmente nas
primeiras décadas de seu funcionamento. Um dos elementos que credenciava com êxito o
pastor da IURD era a habilidade e ousadia que tal líder demonstrava para fechar um certo
número de terreiros de candomblé e umbanda. E, envolvidos pelo “espírito militante dos
fiéis”, notabilizavam-se por “agredir a golpes de Bíblia pais-de-santo e iaôs em dia de festa
de terreiro”.675 Nélson de Omulu, pai-de-santo, descreve alguns dos conflitos e agressividades
cometidos por líderes e fiéis contra os cultos afro:
Primeiro, eles só atacavam nas rádios. Depois começaram a invadir
terreiros. Agora, eles resolveram bagunçar nossas festas. Aconteceu
isso na festa do final do ano passado, quando o Bispo Macedo e seus
seguidores (cerca de 15 mil) invadiram a Praia do Leme, com
a qu e l e s a l t o - f a l a n t e s , p a r a d e s t r u i r n o s s a s h o m e n a g e n s a I e m a n j á .
Na festa da criança, que a gente realizou na Quinta da Boa Vista, os
e va n g é l i c o s q u e b r a r a m v á r i a s i m a g e n s e q u e i m a r a m a t é r o u p a s d e
santo.676
675
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 137.
676
O Globo, Rio de Janeiro, 23 out. 1988.
677
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 124, p. 39, out. 2005.
204
680
MACEDO, Edir. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?, p. 2.
681
Id., ibid.
682
Id., ibid., p. 9.
683
Id., ibid., p. 10.
206
De acordo com a 5ª Vara Federal Cível de São Paulo, não houve como
negar o ataque feito às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas
são adeptas. Segundo a juíza responsável pelo caso: “Nos programas gravados há
depoimentos de pessoas que antes eram adeptas das religiões afro-brasileiras e se
converteram; nos templos da nova religião essas pessoas realizam sessões de descarrego ou
consultoria espiritual. Assim, é de se concluir que não negam as tradições e os ritos de
religiões de matriz africana, porém afirmam que nos terreiros os seguidores praticam o mal, a
feitiçaria e a bruxaria”.688
684
Id., ibid., p. 13.
685
Id., ibid., p. 14, 15.
686
Id., ibid., p. 44.
687
Folha Online. www1.folha.uol.com.br . Acesso em: 14 maio 2005.
688
Jornal da Manhã, Marília – SP., 20 nov. 2005, p. 2.
207
689
Folha Universal, Rio de Janeiro, 27 nov. 2005, p. 6.
690
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p.122, 123.
208
Universal sob alegação de não ter ela teologia691 nem coerência doutrinária com a leitura que
faz dos textos bíblicos pelo fato de não utilizar métodos hermenêuticos ou exegéticos
adequados para a leitura e interpretação da Bíblia. Assim, com uma mensagem caracterizada
“profética” – porque inovadora e contestatória em relação à religião estabelecida - o
“profeta” e seus discípulos iurdianos passaram a ser duramente combatidos pelos
“sacerdotes”:
A força de que dispõe o profeta (empresário independente de
salvação) cuja pretensão consiste em produzir e distribuir bens de
salvação de um tipo novo e propenso a desvalorizar os antigos (...)
depende da aptidão de seu discurso e de sua prática para mobilizar
os interesses religiosos virtualmente heréticos de grupos ou classes
determinantes de leigos, graças ao efeito de consagração que o mero
fato da simbolização e de explicitação exerce.692
provinham dos pastores, que se utilizavam de seus púlpitos e de programas de rádio para
alertar os seus respectivos rebanhos. O próprio Conselho de Pastores de Londrina chegou a
fazer pronunciamentos oficiais e emitir notas que questionavam a “identidade evangélica” da
igreja liderada por Macedo.
Mais recentemente, no ano de 2006, a IURD concorreu à compra de um
grande terreno existente no centro da cidade, onde intenciona construir a “Catedral da Fé do
Norte do Paraná”, projeto arquitetonicamente já elaborado. Entretanto, no processo de
licitação, mesmo fazendo uma proposta financeira superior aos valores feitos pelos demais
concorrentes – no caso, grandes grupos do setor comercial – a aquisição do terreno está
embargada devido à articulação de moradores da região, apoiados por lideranças católicas, e
de estabelecimentos comerciais localizados nas proximidades, que se opõem à construção de
um templo religioso naquele endereço. O processo, por esse motivo, tramita na Justiça e a
IURD luta por fazer valer seu direito de compra do terreno.
Semelhante reação proveio da Igreja Católica que passou a perder milhares
de seus fiéis para os segmentos evangélicos. Reportagens jornalísticas, no início dos anos 90,
apontavam para o poder de arregimentação e atração exercida por tais movimentos sobre
adeptos do catolicismo romano:
Mais de seiscentas mil pessoas, por ano, abandonam o catolicismo
para juntar-se a uma igreja evangélica. A mensagem pregada pelas
seitas evangélicas é muito mais simples e melhor do que a
mensagem do Catolicismo, que pregava por meio dos padres de
esquerda, uma maior participação política. 698
698
Revista Veja, São Paulo, 16 maio 1990, p. 40-44.
211
699
Id., ibid., p. 80.
700
Id., ibid.
701
A primeira pesquisa acusa principalmente governos de direita de fomentar a expansão de seitas “alienantes” e
conservadoras do status quo na América Latina para dificultar a ação da igreja “progressista”. Em 1987,
procurando evitar explicações simplistas ou preconceituosas, passou a pesquisar as causas mais profundas do
fenômeno. E, depois que a Igreja Universal passou a comandar a Rede Record, a preocupação da cúpula
Católica cresceu ainda mais, tornando a expansão das “seitas” tema quase constante das Assembléias Gerais da
CNBB.
702
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, p. 55.
212
determinados agentes ou instituições exercem sobre os que estão a eles agregados: “Os
dominados podem recusar progressivamente o que haviam incorporado, ou ainda, um
acontecimento brutal pode dilacerar o tecido ordinário da reprodução e introduzir uma crise
violenta”.703 Pode-se dizer, então, que líderes e fiéis iurdianos, “não são partículas
passivamente conduzidas pelas forças do campo”, mas “têm disposições adquiridas” pelo
habitus, isto é, “maneiras de ser permanentes, duráveis que podem, em particular, levá-los a
resistir, a opor-se às forças do campo”.704 Esse efeito se exerce em parte, por meio de
“confronto com as tomadas de posição de todos ou de parcela daqueles que também estão
engajados” nesse espaço de atuação, sendo fundamental para isto “encarnações entre um
habitus e um campo”.705
Em sua obra Coisas Ditas,706 esse autor amplia ainda mais a “imagem da
sociedade como um campo de batalha operando com base na força e no sentido”, ao afirmar
que:
Os agentes que estão em concorrência no campo de manipulação
simbólica têm em comum o fato de exercerem uma ação simbólica.
São pessoas que se esforçam para manipular as visões de mundo (e,
desse modo, para transformar as práticas) manipulando a estrutura
da percepção do mundo (natural e social), manipulando as palavras,
e, através delas, os princípios da construção da realidade social.707
Assim, os agentes podem recriar esse espaço do qual fazem parte e estão
inseridos e, sob certas condições estruturais, transformá-lo:708
D es c r e v o o e s p a ç o s o c i a l g l o b a l c o m o u m c a m p o , c a m p o d e f o r ç a s ,
c uj a n e c e s s i d a d e s e i m p õ e a o s a g e n t e s q u e n e l e s e e n c o n t r a m
e nv o l v i d o s , e c o m o u m c a m p o d e l u t a s , n o i n t e r i o r d o q u a l o s
a ge n t e s s e e n f r e n t a m . 7 0 9
o mesmo já não ocorre nos campos culturais, pois esses “não são juridicamente
codificados”.711 Assim, a inexistência de codificações formalmente estabelecidas faz com que
nos campos culturais se promovam lutas de representação, conflitos, na busca pela definição
e classificação de quem é considerado ou se considera participante legítimo.
Semelhantemente, pode-se dizer, “rivais num campo gravitacional regido por expectativas de
prestígio e consagração”,712 para produzir, proteger ou conquistar capital simbólico, os
agentes religiosos também acabam travando intensos conflitos e lutas no campo em que
atuam.
Em sua obra As Regras da Arte, Bourdieu analisa como esses conflitos, para
definir essas identidades, remetem à luta pelo direito ou pelo monopólio do poder da
consagração. Uma luta pela classificação, como observa Chartier:
As representações simplistas e solidificadas da dominação social ou
da difusão cultural devem então ser substituídas por uma maneira de
c om p r e e n d ê - l a s q u e r e c o n h e c e a r e p r o d u ç ã o d a s d i f e r e n ç a s n o
interior dos próprios mecanismos de imitação, as concorrências
dentro das divisões, a constituição de novas divisões pelos próprios
processos de divulgação.713
711
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a História, p. 142.
712
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, contra-capa.
713
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Op. cit., p. 17.
714
Id., A história cultural: entre prática e representações, p. 23.
715
Id. Pierre Bourdieu e a História, p. 143.
214
Dessa forma, o campo religioso pode ser entendido como o espaço em que
o conjunto de atores e instituições religiosas - em interação e conflitos - produzem,
reproduzem e distribuem bens simbólicos de salvação, ou seja, um “espaço especializado de
produção cultural”.717 Tais mudanças originam-se da própria estrutura nele existente, isto é,
das posições sincrônicas entre posições antagônicas no campo global, da posição na estrutura
de distribuição do capital específico de reconhecimento, posição esta fortemente
correlacionada entre o que é ortodoxo e o que é herético,718 pois a história do campo é “a
história da luta pelo monopólio da imposição das categorias de percepção e apreciação
legítimas; é a própria luta que faz a história do campo”.719 Assim, orientados por um habitus,
e tendo certa liberdade para agir, os líderes iurdianos acabam incorrendo no que se pode
chamar de “desvio”, devido ao comportamento que rompe ou se afasta de normas
estabelecidas pelos segmentos religiosos oficiais, o que os levou à organização de novos
espaços de atuação, promovendo intensas disputas pela classificação, autoridade e
legitimidade de atuação.
Todos esses fatores de conflitos, anteriormente mencionados, acabaram
contribuindo para que a IURD continuasse crescendo, instigando e promovendo mutações de
impacto no campo religioso brasileiro. Os fatos que pareciam ser grandes obstáculos para
essa igreja, acabaram revertendo-se, na verdade, em fatores que sedimentaram ainda mais a
força aglutinadora do movimento. Razão porque o hino oficial da IURD também traz como
tema principal a perseguição que o seu líder maior sofreu no país naquele momento em que
iniciava o que entendem ser o cumprimento de uma vocação, ou chamado divino, como a
própria IURD faz questão de ressaltar:
A seriedade e o compromisso com o Evangelho deram lugar a uma
igreja abençoada e fiel aos seus membros. Mesmo encontrando no
caminho pedras e tribulações, a Igreja nunca desistiu de seu
objetivo: levar a Palavra de Deus aos carentes e desesperados. A
cada dia, Bispos e pastores travam uma luta diferente com as forças
ocultas. Em todo lugar tem sempre alguém em busca de paz interior,
precisando das orientações desses homens de Deus. No entanto, eles
716
Id., ibid., p. 151.
717
BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise, p. 15.
718
Id. Razões práticas, p. 68.
719
Id. A Produção da crença, p. 87.
215
720
http:// www.universal.org.br . Acesso em: 16 mar. 2005.
721
Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 out. 1995.
722
WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 1, p. 294.
723
PIERUCCI, A. F. Magia, p. 9.
216
Nas práticas iurdianas está também muito presente a oferenda como meio
de troca pela realização do desejo:
O fiel paga primeiro. Coloca-se na posição de credor, coagindo
D eu s a r e t r i b u i r a b u n d a n t e m e n t e . O d e s a f i o f i n a n c e i r o , a n t e s d e
c on s t i t u i r a r r i s c a d a a p o s t a , r e p r e s e n t a a c e r t e z a d a e f i c á c i a d a f é
c om o m e i o d e p r o p i c i a r a i n t e r v e n ç ã o d i v i n a s o b r e d e t e r m i n a d o
infortúnio.733
728
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 44, 45.
729
Id., ibid.
730
Expressão usada por Pierre Bourdieu em sua obra A Economia das Trocas Simbólicas, op. cit.
731
MACEDO, Edir. Vida com abundância. 10ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Universal, 1990, p. 56.
732
WEBER, Max. Economia e sociedade, p. 292, 293.
733
MARIANO, R. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando, p. 131.
218
734
PIERUCCI, A. F. Magia, p. 36.
735
WEBER, Max. In: GERTH, H.; MILLS, C. (Orgs.) Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.
182.
736
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 149.
219
Prandi comenta esse aspecto da recuperação da magia nas práticas dos segmentos religiosos
aos moldes iurdianos:
O que há de mais característico na multiplicação mais recente de
religiões e na expansão da conversão ou reconversão a essas novas
ou renovadas formas de crenças é a falta de compromisso com
qualquer postura que releve o caráter racional, científico e
historicista fundante da sociedade na sua presumida modernidade
desencantada. Essas religiões não estão preocupadas em reter nos
seus conteúdos explicativos e orientadores da conduta fundamentos
importantes do desencantamento do mundo. O desencantamento
significa o refluxo da magia (...) mas o que as novas propostas
religiosas fazem e professam significa voltar atrás, recuperando a
magia com muito vigor.737
a um processo de nova irrupção do carisma autônomo, sectário. Este carisma vive, então, um
processo oscilante entre a manifestação e a latência: a institucionalização é o período de
latência do carisma autônomo que, ao se manifestar, promove a desinstitucionalização:
Os movimentos de renovação carismática ou de reavivamento
a pa r e c e m p r e c i s a m e n t e q u a n d o a s s o c i e d a d e s r e l i g i o s a s , i g r e j a s ,
alcançaram um grau de burocratização, que já não dá lugar para a
espontaneidade (...) A irrupção ou manifestação do carisma toma,
no início, a forma orgânica de uma seita, que depois evolui até
tomar a forma de uma igreja (...).740
740
CAMPOS, Bernardo. Da Reforma Protestante à pentecostalidade da igreja: debate sobre o pentecostalismo
na América Latina. São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 50.
741
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 113.
742
TURNER, V. O processo ritual, p. 202.
743
Id., ibid., p. 245.
744
Id., ibid., p. 27.
221
a qu i l o q u e n ã o é l í c i t o e x i s t i r : t u d o q u e e s t á f o r a d a o r d e m ( d e f i n i d a
c om o n a t u r a l o u d i v i n a ) é a n a t e m a t i z a d o c o m o “ p e c a d o ” . 7 4 5
745
OLIVEIRA, P. A. R. A teoria do trabalho religioso em Bourdieu, p. 187.
746
Cf. Jornal da Tarde, São Paulo, 06 abr. 1991.
747
Cf. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 05 jun. 1992.
222
Apud BOURDIEU, Pierre. A produção da crença. Contribuição para uma economia dos bens simbólicos.
748
749
MENDONÇA, Antonio de Gouvêa. Protestantes, pentecostais e ecumênicos. O campo religioso e seus
personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997, p. 161.
750
TURNER, V. Op. cit., p. 222.
751
MARIANO, R. Igreja Universal do Reino de Deus: magia institucionalizada?. Op. cit.
752
MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais e ecumênicos. O campo religioso e seus personagens, p. 161.
753
PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1991, p. 188.
224
de controle mágico, para substituir os remédios oferecidos pela religião clerical, ou teria o
próprio protestantismo violado suas premissas, para elaborar uma magia própria.754
Finalizando esse item, é plausível afirmar que a IURD surgiu como um
rompimento ao modelo de protestantismo que se quis averso ao elemento mágico, provando
que as fronteiras estanques convencionalmente estabelecidas entre magia e religião possuem
porosidades, pois são elementos imbricados. Dessa forma, aos moldes de um sindicato, é
vivenciado um tipo de “magia protestante”, ou “magia evangélica”, num dinamismo eficiente
que permite a magia e a instituição clerical agirem conjuntamente, complementando-se,
inclusive. Ao combater as práticas católicas e afro-brasileiras, o segmento iurdiano, em
aparente ambigüidade, repõe assim em seus rituais práticas que escandalizam os protestantes
clássicos e desafiam a concorrência católico-romana, pois o campo religioso tem se tornado
“um campo de manipulação simbólica mais amplo”755 do que as fronteiras estabelecidas pela
religião institucionalizada.
754
THOMAS, K. Op. cit., p. 75.
755
BOURDIEU, P. Coisas ditas, p. 121.
756
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa e Omega, 1982, p.
25.
757
DOBRORUKA, Vicente. História e milenarismo. Ensaio sobre tempo, história e milênio. Brasília: UNB,
2004, p. 115.
225
conhecem a figura de um messias nos moldes judaico-cristãos, ainda que tal emprego deva
merecer certo cuidado:
Existem aqueles que supõem que os movimentos messiânicos
somente podem ocorrer em sociedades que tenham tido algum
c on t a t o c o m a h e r a n ç a j u d a i c o - c r i s t ã ( . . . ) e p o r o u t r o l a d o o s q u e
afirmam ser a expectativa da vinda de um redentor e a instauração
de uma “idade de ouro” traços universais, encontráveis em todo o
mundo e em todas as sociedades.758
758
Ibid., p. 114.
759
TÖPFER, Bernhard. Escatologia e milenarismo. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
Op. cit., p. 353.
760
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. V. 1. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 233.
226
Maria Isaura, quando qualifica o campo religioso brasileiro como solo fértil
para o florescimento de messianismos milenaristas, apresenta ainda outros aspectos: credita
às crenças religiosas e míticas a importância dos elementos constitutivos desses fenômenos.
Crenças apocalípticas que se fazem presentes no imaginário popular de vastos segmentos
sociais, catalisaram a fermentação de um clima propício à eclosão desses surtos. De acordo
com essa autora, esses movimentos decorrem do encontro do imaginário ameríndio com uma
intensa tradição de representações salvacionistas da sociedade européia colonizadora da
América. O desenvolvimento de uma mentalidade messiânica, desde os tempos coloniais no
Brasil, aglutina, pois, um cristianismo de penitência e de apocalipse, marcado por
redefinições peculiares, influências indígenas e africanas. É o universo do capelão, que
desconhece os dogmas católicos, mas se encarrega na costumeira ausência das autoridades
eclesiásticas da condução dos ritos, das orações e ladainhas que acompanham as práticas
religiosas da população pobre do campo. É também a religião das festas, da devoção aos
santos, das romarias, das penitências, manifestações muitas vezes avessas aos agentes oficiais
da igreja. Afirma, Maria Isaura, que esse distanciamento, por vezes tenso, em relação ao
catolicismo oficial, é o ventre fecundo dos líderes religiosos leigos, penitentes, “santos” e
beatos que “se acredita serem os verdadeiros representantes de Deus, que os inspira
diretamente, enquanto o padre é antes um funcionário da igreja”. E também não é raro que
este último fosse estrangeiro, tendo por isso muitas vezes dificuldades de bem compreender
os costumes locais.
Detalhando ainda mais a definição desse compósito cultural, na
classificação que apresenta, Maria Isaura identifica a primeira tipologia nos messianismos
mais autóctones inspirados na mitologia indígena e nas visões de mundo que antecederam e
permaneceram após a chegada dos colonizadores ibéricos. Foi assim com os Tupi e com os
Guarani, quando as tribos, em massa, peregrinavam periodicamente em solo brasileiro na
busca do seu “paraíso”, a Terra sem Mal, cuja existência é aventada no corpus mítico desses
povos como um lugar em que o arco e flecha caçariam sozinhos, ninguém envelheceria, nem
adoeceria ou morreria.762 Também Jean Delumeau, ao se referir aos messianismos que se
exprimiram na civilização ocidental como sendo a “nostalgia do paraíso perdido”, ou ainda
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Messinic Miths and Movements. Diogene’s, Paris, n. 90, 1975.
761
como “a duradoura esperança de reencontrar no futuro o paraíso terrestre das origens”,763 cita,
dentre outras culturas, o caso “dos guaranis”.764 Tais povos se apegavam às orientações de
seus líderes espirituais, xamãs ou pajés, que assumiam papéis de profetas e guias religiosos
conhecedores do caminho para a condução ao paraíso sonhado. Arrebatados pelos inflamados
discursos dos profetas-xamãs, cujas pregações anunciavam a iminência do fim do mundo e
outras catástrofes, expressivos contingentes daqueles indígenas deixavam suas aldeias à
procura da Terra sem Males,
A peculiaridade destes messianismos consiste, pois, em que
surgiram endogenamente, causados por uma mitologia messiânica.
As migrações foram produzidas sob a condução de um profeta
c ar i s m á t i c o , n a m a i o r i a d o s c a s o s u m x a m ã ( p a j é ) , b u s c a n d o a
“terra sem males” para o leste, mais além-mar, o que explica o
trajeto desde o interior para a costa.765 [grifo nosso]
fim do século XV. Antonio Gouvêa Mendonça afirma: “a profecia joaquiniana é também
responsável por boa parte da mentalidade messiânica que perpassa o movimento
pentecostal”.770 Esta esperança messiânica medieval sustentou a empresa das Cruzadas, vindo
influenciar, inclusive, Cristóvão Colombo, que esperava financiar a retomada de Jerusalém
através das riquezas dos países que descobrira.771 Dessa forma, estas concepções se
deslocaram para a América como parte do imaginário dos conquistadores europeus, sendo
alimentadas pelo desejo de se encontrar tal paraíso perdido, conforme bem demonstrou
Sérgio Buarque de Holanda.772
O Padre Manoel da Nóbrega, em uma carta escrita em 1549, menciona um
movimento entre os tupiniquim e os tupinambá:
S om e n t e e n t r e e l e s s e f a z e m c e r i m ô n i a s d a m a n e i r a s e g u i n t e : D e
certos e certos anos vêm uns feiticeiros de mui longe terras,
fingindo trazer santidade e ao tempo de sua vinda lhes mandam
limpar os caminhos e vão recebe-los com dança e festas, segundo o
c os t u m e ( . . . ) E m c h e g a n d o o f e i t i c e i r o . . . l h e s d i z q u e n ã o c u i d e m d e
trabalhar, nem vão à roça, que o mantimento por si virá a casa e que
as enxadas irão cavar e as flechas irão ao mato por caça para seu
senhor e que hão de matar muitos dos seus contrários, e cativarão
muitos para seus comeres e promete-lhes larga vida, e que as velhas
vão se tornar moças...773
felicidade espiritual e, não obstante, terrestre”, cf. DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente (1300 –
1800), p. 445.
770
MENDONÇA, A. Gouvêa. In: Sociologia da religião no Brasil. São Paulo: UMESP, 1998, p. 74.
771
Ibid., p. 446-447.
772
HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do paraíso. São Paulo: Nacional, 1969. Outro pesquisador, Ronaldo
Vainfas, ao falar sobre milenarismo, reporta-se ao conceito de “mito”, conforme o conceitua Mircea Eliade: “o
mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso
dos começos”. Apontando para este modelo de anúncio apocalíptico que ocorrera na América após a conquista,
Vainfas afirma que a “previsão apocalíptica implica necessariamente a indicação do recomeço”. Cf. VAINFAS,
Ronaldo. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 35.
773
VAINFAS, R. A heresia dos índios, p. 99.
774
Ibid., p. 109.
775
CANDIDO, Antônio. Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975.
229
reforçado no fértil solo indígena do mito da “terra sem males”, presente no contexto
brasileiro. O “sebastianismo” significou a crença, muito difundida em Portugal, nos séculos
XVI e XVII, em relação ao regresso vitorioso do rei D. Sebastião, morto na batalha de
Alcácer-Quibir, atualmente Marrocos, em 1578. Ao tornar-se rei, Sebastião foi chamado “O
Desejado” e ao morrer foi aguardado como o “Encoberto”. Isto porque, dadas as
circunstâncias misteriosas da sua morte, desenvolveu-se a crença de que talvez tivesse
sobrevivido à batalha e se tornado prisioneiro dos mouros ou estivesse escondido
(“encoberto”) na África. Daí a espera pelo seu retorno.
Esse imaginário português transferiu-se para o Brasil com a colonização,
fincando raízes especialmente na região Nordeste. A partir de 1640, o principal disseminador
dessas idéias foi o padre Antonio Vieira, fato que muito provavelmente tenha ajudado a
impregnar de sebastianismo as crenças religiosas no Brasil. Logo a crença sebastianista deu
lugar à expectação de um salvador no sentido mais geral, aproximando-se sensivelmente do
messias de Israel, ao desenhar o anseio popular pelo aparecimento de um personagem
redentor messiânico. O “Encobertismo”, como é também conhecido o sebastianismo, teve,
inclusive, muita guarida entre os judeus e é possível que os cristãos-novos também tenham
dado sua contribuição para propagar tal crença no Brasil. Também as longas migrações de
milhares de indígenas, anotadas desde o século XVI, em busca de imortalidade e descanso
eternos, podem ter alimentado ou oferecido solo propício para diversos movimentos
sebastianistas no século XIX, quase todos eles com desenlaces trágicos.776
O pesquisador Antonio Gouvêa Mendonça, analisando movimentos com
tais perfis, afirma:
De fato, a história da colonização brasileira manifesta um clima
messiânico e, possivelmente, uma mentalidade messiânica.(...) Os
estudiosos desses movimentos concordam, regra geral, que eles
surgem em populações rurais subalternas em situações anômicas ou
de mudança social, em que os modos de vida tradicionais são
ameaçados. Quando a estes fatores soma-se a falta de assistência
religiosa, como ocorreu durante quase todo o desenvolvimento da
sociedade brasileira “rústica”, as condições para a emergência de
messianismos são bastante favoráveis. Creio ser válida a hipótese de
que a junção das crenças indígenas sobre a “Terras sem Males” com
as crenças sebastianistas formou na “civilização rústica” brasileira
uma mentalidade messiânica.777
importantes” no país.778 Destaca que no século XIX, por exemplo, ocorreram no Brasil
diversos movimentos sociais de inspiração sebastianista, como o de Pedra Bonita, em
Pernambuco, em 1817; O Reino Encantado, também iniciado em Pernambuco, por volta de
1836; A Cidade Santa (Juazeiro, Ceará), fundada em 1872 pelo Padre Cícero, o mais extenso
movimento messiânico brasileiro, pois que hoje ainda permanece. Assim, merece registro o
fato de o pentecostalismo, por exemplo, ter se desenvolvido inicialmente no Norte e no
Nordeste brasileiros - regiões tradicionalmente marcadas por movimentos religiosos
populares com perfis messiânicos.
Já no século XX, registra-se o movimento milenarista do Contestado, mais
ou menos com as mesmas características dos anteriores. Na “Guerra do Contestado”, como
ficou conhecida, de 1912 a 1916, na região fronteira entre Paraná e Santa Catarina, velhas
tradições e concepções culturalmente folclorizadas revigoraram-se até mesmo no plano
militar e redefiniram profundamente a vida diária da população regional, sacralizando e
militarizando o cotidiano no grande embate entre o bem o mal, entre a justiça e a injustiça.
Tais movimentos são revoltas camponesas diante da penetração do modelo econômico
capitalista no campo, da ruptura das antigas formas de relações de produção e de relações
sociais. Nesse sentido, Maurício Vinhas de Queiroz, em trabalho publicado em 1965,779
buscou uma explicação global para a eclosão desse tipo de reação popular. Esse autor
encontra a explicação para a Guerra Sertaneja do Contestado, por exemplo, “numa crise de
estrutura, em que problemas sociais acumularam-se e agravaram conflitos latentes entre
diferentes classes sociais”.780
O pesquisador René Ribeiro considera que para se compreender a
constituição de um movimento messiânico, além de causas sócio-culturais e “a atração
estética que exerce a idéia de uma era perfeita”, é necessário levar em conta “o fascínio que
os novos líderes exercem”.781 Jean Delumeau, quando se refere a movimentos milenaristas
dos séculos XIX e XX, apresenta, dentre outros fatores que propiciam o seu florescimento, os
“desequilíbrios surgidos no interior de uma sociedade dada ou de uma desorganização social
provocada por fatores externos”, os quais podem recrutar adeptos em todos os níveis
sociais.782 Maria Isaura também situa o fenômeno milenarista numa lógica social, destacando-
o como uma força ativa e não apenas uma espera contemplativa por uma intervenção divina.
778
LEVINE, Robert. O sertão prometido. O massacre de Canudos. São Paulo: Edusp, 1995, p. 309.
779
QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social. A Guerra Sertaneja do Contestado 1912-
1916. São Paulo: Ática, 1981.
780
HERMAN, Jacqueline. In: CARDOSO, C. F. ; VAINFAS, R. Op. cit., p. 349.
781
Apud LEVINE, R. O sertão prometido. O massacre de Canudos, p. 327.
782
DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente (1300 – 1800), p. 155.
231
Ajudam nas mobilizações da luta contra a morte social, contra a perda de identidade,
construindo ações articuladas, criando esperança na possibilidade do novo. Entretanto, para
essa autora esse universo simbólico deve ser reposicionado especialmente nos setores da
população rural. Contextos de expropriação ou de privação a que camponeses pauperizados
estão submetidos, por esse motivo são apontados como fatores responsáveis por tais
manifestações. 783
Todas essas revoltas, enfim, buscam na religião seu ponto de partida e sua
força de aglutinação. O imaginário religioso é que expressa essas redefinições, constituindo
como uma espécie de documento cultural sobre mudanças nas mentalidades.
A Igreja Católica, mantendo sua postura institucional, tem historicamente
marcado distância de todas essas expressões populares. Foi a primeira a condenar o que
chamou de fanatismo religioso dos seguidores de Conselheiro e a emprestar seu apoio à
repressão do Estado que se seguiu àquele movimento. Não foi diferente sua atitude com o
Padre Cícero de Juazeiro, suspenso de ordens até o fim de sua vida, ou com o monge José
Maria, do Contestado:
Toda igreja constituída tem, sem dúvida, seus místicos, mas ela
desconfia deles, ela lhes delega seus confessores e seus diretores
para dirigir, canalizar, controlar seus estados extáticos (...) Os
movimentos de reforma, as heresias, os messianismos, os
milenarismos são expressões sociais do desejo de volta a um
passado vibrante e efervescente de “deuses sonhados”. 784
785
CHARTIER, R. Leitura e leitores na França do Antigo Regime, p. 376.
786
MENDONÇA, A. Gouvêa. Cristo no Céu e a Igreja Ausente. Ciências da Religião, São Bernardo do Campo,
n. 6. p. 170, abr. 1989.
233
pobres”.787 Nesse aspecto, vale também retomar o fato de que o movimento pentecostal
também consiste num desdobramento do chamado “grande avivamento” religioso que
ocorrera nos Estados Unidos no século XVIII e XIX.788 Dentre os pregadores avivalistas,
naquele momento, destacou-se Jonathan Edwards, a quem Jean Delumeau faz referência
como propagador de idéias milenaristas,789 as quais estavam associadas à noção de
“progresso” e “prosperidade econômica”790 que sucederiam àquele despertar religioso
mediante um grande advento apocalíptico. Nesse sentido, a IURD apresenta uma proposta
inovadora de milenarismo: não há mais necessidade de espera pelo “Grande Dia” do devir
escatológico, marcado pelo retorno de Cristo à Terra e inauguração do milênio. O reino já
chegou e suas benesses já podem ser usufruídas. Essa escatologia se configura não como um
apocalipsismo, mas como um messianismo-milenarista voltado à presença do “reino de
Deus” na terra, aqui e agora, com acesso imediato pelos fiéis através dos meios
disponibilizados pela igreja. As palavras de Ricardo Mariano também constatam essa
perspectiva:
Se os primeiros pentecostais enfatizavam o abrupto fim apocalíptico
deste mundo, ao qual se seguiria a bem-aventurança dos eleitos no
paraíso celestial, os novos pentecostais, por seu lado, priorizam a
vida aqui e agora, eles querem ter sucesso nesse mundo.791
787
CAMPOS, L. S. ; GUTIERREZ, B. (Orgs.). Op. cit., p. 16.
788
FILHO, Prócoro Velasques; MENDONÇA, A. Gouvêa. Op. cit., p. 82-109.
789
DELUMEAU, Jean. Uma travessia do milenarismo ocidental. In: NOVAES, Adauto et al. A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 449.
790
Delumeau acrescenta que “laços uniram, no século XVIII, o milenarismo e a crença no progresso”, cf. Id.,
ibid, p. 451. Assim, o discurso iurdiano encontra afinação entre o seu compósito de crença com a idéia de
sucesso, prosperidade e usufruto dos bens de consumo, propostos pelo sistema capitalista.
791
MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, p. 8.
234
nesse sentido, vale observar que empresários ou empreendedores que têm emprego a
oferecer, costumam normalmente dar preferência aos membros da mesma igreja que também
freqüentam para a ocupação de tais cargos e funções. Desta maneira, converter-se numa
igreja local significa inserir-se numa rede de ajuda mútua, ampliar consideravelmente
possibilidades de se ter novos clientes, novas portas de emprego abertas, e assim por diante.
Com isto, o comerciante passa a vender mais, o taxista a ter mais passageiros, o médico a ter
mais pacientes, o trabalhador autônomo mais opções de emprego. Daí ser possível
compreender que resultados concretos como esses acabem transmitindo ainda mais aos fiéis a
firme convicção de que a chamada “teologia da prosperidade” é de fato funcional e eficaz.
Um segundo aspecto do messianismo iurdiano se configura no fato dessa
Igreja representar amparo e sentido frente a um contexto de crise e desestabilidade. De
acordo com Maria Isaura, grupos sociais que estão “imersos numa sociedade em intensa crise
sócio-econômica e política, acham-se normalmente mais predispostos a se reunirem em torno
da figura carismática de um líder messiânico”.794 Norman Cohn destacou que dentre as
manifestações da cultura se encontram os movimentos religiosos, “chamados milenaristas”,
que surgem no meio das “massas desarraigadas e desesperadas, ... vivendo à margem da
sociedade (estruturada, complexa)”.795
Também Weber e Durkheim concordam que o carisma é uma força criadora
e regeneradora favorecida em tempos de mal-estar e sofrimentos sociais, quando formações
sociais fragmentadas necessitam especialmente de uma revigoração através da participação
carismática. A figura de um líder carismático consegue então agregar partícipes de uma
mesma convicção em torno de um anseio idílico, projetando expectativas de superação das
mazelas existenciais. A participação da comunidade no ritual coletivo pode proporcionar uma
sensação interior de propósito elevado, necessário para os indivíduos que precisam de um
objeto transcendente para escapar do desespero e do isolamento. 796 Roger Bastide igualmente
observa que “o messianismo (...) representa um despertar que sempre acaba levando a uma
percepção de causas da privação”.797 Peter Berger afirma que “manifestações do messianismo
religioso, do milenarismo e da escatologia, como seria de se esperar, associam-se
historicamente aos tempos de crise e desastre, de causas naturais ou sociais.”798 “A influência
794
Apud CARDOSO, C. F. ; VAINFAS, R. Op. cit., p. 349.
795
COHN, Norman. The pursuit of the millenium. New York: Harper Torch Books, 1961, Apud TURNER, V. O
processo ritual. Op. cit., p. 19.
796
Apud LINDHOLM, Charles. Carisma. Êxtase e perda de identidade na veneração do líder. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1990, p. 44.
797
apud LEVINE, R. O sertão prometido. O massacre de Canudos, p. 326.
798
BERGER, P. Op. cit., p. 53.
236
799
Id., ibid, p. 323.
800
LEVINE, R. O sertão prometido. O massacre de Canudos, p. 327.
801
Id., ibid., p. 218, 219.
237
802
BITTENCOURT FILHO, J. Op cit., p. 102,103.
803
CAMPOS, L. S. ; GUTIÉRREZ, B. (Orgs.). Op. cit., p. 15.
804
FRY, Peter; HOW, Gary Nigel. Duas respostas à aflição: umbanda e pentecostalismo. Debate e Crítica. São
Paulo: HUCITEC, n. 6, 1975.
238
constituir respostas à aflição decorrente das situações de crise a que as populações urbanas
passaram a estar submetidas em tal contexto.
Diante deste quadro social, é preciso considerar que a IURD é uma igreja
essencialmente urbana, cuja mensagem é voltada para alcançar os “excluídos” da cidade.
Num contexto, como o descrito anteriormente, ela surgiu como um movimento agressivo,
inovador, determinado a realizar o “milagre” que todos esperam e há muito tempo não vêem.
Isso faz lembrar as palavras de Pierre Bourdieu, quando em entrevista concedida a uma
autora brasileira foi indagado acerca da seguinte questão: “O senhor acredita que a enorme
massa de sofrimento – que no Brasil se expressa em violência, miséria, exclusão,
insegurança, incerteza sobre o futuro - produzida pelo neoliberalismo poderá um dia dar
origem a um movimento capaz de acabar com ele? E as religiões que crescem de forma
proporcional a esse estado de coisas, têm alguma chance de se voltar contra a sociedade?” A
resposta de Bourdieu:
As situações de crise são situações críticas nas quais o mundo cai
em pedaços. As pessoas perdem as referências, ficam sem
instrumentos para totalização. Max Weber diz que a função
principal da religião é dar sentido e coerência prática, não teórica, à
e xi s t ê n c i a , d e m o d o q u e a p e s s o a s e e n c o n t r e , s e o r i e n t e .
I nf e l i z m e n t e , o s p r o f e t i s m o s r e l i g i o s o s c o s t u m a m s e s i t u a r n a l ó g i c a
do escapismo, conduzindo a visões milenaristas que se afastam do
político no que ele tem de brutal e insuportável. Poderíamos nos
perguntar onde seria possível encontrar forças sociais para mudar
esse mundo. (...) Penso que o que está acontecendo é muito grave e
que a humanidade está ameaçada.805
805
BOURDIEU, Pierre. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002,
p. 39.
806
Id., ibid, p. 22, 23.
239
O bispo Macedo faz questão de ressaltar que acolher pessoas nesta situação
de sofrimento e redimensionar-lhes o sentido de vida faz parte do dia-a-dia da IURD.
Segundo ele, “a mudança de vida não é difícil quando se está no fundo do poço [...] e
qualquer pessoa quando chega até nós é porque está no fundo do poço. E quando ela está lá
tende a subir ou morrer. Baixar mais não pode”.809
A IURD representa, para os que a ela recorrem, um lugar aonde se vai
quando não se tem mais para aonde ir, quando se está sofrendo, sozinho e sem saída. Num
contato inicial tais pessoas são simplesmente acolhidas sem questionamentos ou exigências.
Cria-se então uma relação de ajuda que obedece em linhas gerais a seguinte ordem:
807
Sandra Regina Ribeiro, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 07 jul. 2005, p. 4.
808
Marcos Antonio de Paula, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 14 mar. 2005, p. 8.
809
Revista Veja, São Paulo, 06 dez. 1995.
240
universo simbólico. Não se questiona a lógica simbólica da IURD, pois não é ela que deve
mudar, mas a atitude do fiel dentro dessa lógica. Isto faz que o adepto permaneça ligado à
Igreja. Tal perspectiva se assemelha aos milagres régios estudados por Marc Bloch:
Se o doente a quem o milagre falhara era mal-educado o bastante
para queixar-se, os defensores da realeza não tinham dificuldade em
responder-lhe. Replicava-se-lhe, por exemplo, que lhe faltara fé (...)
Ou concluía-se que houvera erro de diagnóstico.813
ascensão perante o grupo ao qual pertencem, dando-lhes, por exemplo, uma certa liderança
que lhes confere uma honra pouco acessível no mundo em que vivem. No âmbito da IURD
ocorre a criação e o desenvolvimento de uma forma de poder ou capital simbólico, podendo
chegar ao exercício dos cargos eclesiásticos mais elevados e à obtenção de títulos e prestígio
conferidos pelo poder simbólico. No grupo no qual estão inseridos, são chamados por títulos
como: bispos, pastores, obreiros. Constata-se também grande presença de pessoas vitimadas
por algum tipo de preconceito na sociedade: pobres, negros, mulheres, semi-analfabetos etc.
Líderes e fiéis encontram no segmento iurdiano um espaço acolhedor que lhes confere
dignidade, prestígio, ascensão social mediante os cargos e funções que passam a
desempenhar – oportunidades essas que muitas vezes se apresentam inacessíveis na
sociedade em geral.
Um terceiro aspecto que envolve representações messiânicas neste
segmento religioso pode ser observado na mobilização de símbolos e na auto-compreensão de
ser um grupo divinamente eleito para um combate ao reino do mal. Como observado
anteriormente, nas últimas décadas a cidade se tornou cada vez mais lugar do medo. Os
efeitos da pobreza e da urbanização acelerada promoveram um aumento espetacular da
violência. Os meios de comunicação de massa passaram a estampar diariamente informações
que propagam o medo, sobretudo pelo crime e morte violentos. 816 Isso desencadeou uma
busca de amparo e proteção por meios que ultrapassam os recursos convencionais advindos
de órgãos públicos ou organizações privadas.
Observa-se também, pelos testemunhos, que os participantes da IURD dela
se aproximam orientados por um habitus marcado por um “encantamento”, cujo mundo é
intensamente habitado por forças espirituais. Dessa forma, é comum nos depoimentos sobre a
entrada na Igreja Universal perceber a idéia de que Deus, em todo tempo, estava querendo
mostrar o caminho ao ainda não convertido por meio de inúmeros sinais, aos quais se opunha
a todo tempo o Demônio, numa batalha espiritual: ter sido abordado na rua para recebimento
de panfletos com propaganda da IURD, assistido circunstancialmente ao programa de rádio e
TV (em que naquele programa, viu-se a própria vida sendo relatada pelos testemunhos
alheios), ou então, ter sentido tremuras nas pernas quando passou em frente da Igreja pela
primeira vez, e o Diabo fez que ele não quisesse entrar... 817 Ou ainda, como descreve outro
depoimento, ter chegado à Igreja em condição de fracasso financeiro e crise familiar: “Havia
sido abandonado pela mulher e estava derrotado, ficando dias perambulando pela rua, sem
816
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.
817
Paulo César Oliveira, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 25 maio 2004.
243
rumo, até que Deus fez com que fosse parar em frente à Igreja, foi quando ouvi uma cantoria
e o meu corpo ficou arrepiado e então decidi entrar. Então comecei a chorar e não conseguia
parar... era Deus que estava me chamando”.818
O espaço da crença se torna assim estratégico para a obtenção de amparo
por meios “sobrenaturais”, mágicos, pois no espaço iurdiano se opera um combate, uma
guerra contra as forças operantes do mal. A IURD entende que a origem do mal se deu a
partir de uma rebelião dos anjos no céu, comandada por Lúcifer, “querubim da guarda”,
culminando com a sua expulsão e a de seus seguidores. O orgulho teria feito que almejasse
ocupar a posição de Deus. Estaria aí a razão de sua queda. Edir Macedo, por exemplo,
fundamenta tal explicação na interpretação que dá a dois textos bíblicos do Antigo
Testamento: Isaías 14:12,14 e Ezequiel 28:11-19. Em sua obra Orixás, Caboclos e Guias, o
bispo explica que Lúcifer, tendo sido anjo criado por Deus, teve essa condição original até se
rebelar contra o Criador, pelo que foi amaldiçoado e, conseqüentemente, tornado-se demônio.
Esclarece que antes da “queda dos anjos”, Satanás liderava uma estrutura hierárquica desses
seres. “Dotados de livre arbítrio, eles podem escolher entre o obedecer a Deus ou rebelar-se
contra Ele. Prova é que numerosos anjos, um terço, decidiram seguir a rebelião de Satanás e
819
transformaram-se em demônios” – declara Macedo. Assim, após ter sido expulso da
presença de Deus, perdendo sua condição original, Satanás teria organizado os anjos
decaídos, os demônios, para atuarem em áreas e regiões distintas em toda terra com o
objetivo de dominá-la, passando a fustigar o mundo e a humanidade a partir do momento em
que esta também veio a ser criada. Cheios de ódio e vingativos fazem de tudo para prejudicar
a obra de Deus, principalmente o ser humano.
A partir de uma configuração cultural, portanto, no âmbito do “grupo
eleito” iurdiano, em que entram teologias, teogonias, antropogonias e uma série de mitos
ancestrais, a cosmologia iurdiana se assemelha à visão tripartida do imaginário religioso
hebreu, descrito nas Escrituras Bíblicas, que separava o cosmos em três dimensões: céu,
morada de Deus e de seus anjos; terra, uma criação divina entregue aos seres humanos;
inferno, regiões inferiores destinada a acolher as almas dos mortos e demônios. O mundo é
assim concebido como uma arena onde se trava a luta entre Deus, o Diabo e seus anjos. O
objeto dessa guerra é o ser humano. Para a IURD os demônios existem, estão soltos e cada
vez mais astutos no propósito de causar diversos males na vida das pessoas. “Vivemos em
Afonso Vítor Martins, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 13 jun. 2005.
818
MACEDO, Edir. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. V. 1. Rio de Janeiro: Gráfica Universal,
819
1998, p. 105.
244
plena era do mal” - enfatiza o bispo Macedo.820 Em seu Manual do Obreiro, a Igreja expressa
bem o imaginário permeado por forças do mal em que desenvolve suas práticas:
A cr e d i t a m o s q u e o s d e m ô n i o s a t u a m n a v i d a d a s p e s s o a s c o m o
propósito de afastá-las de Deus e não deixá-las e conseqüentemente,
e nt e n d e r o p l a n o d i v i n o p a r a s u a s v i d a s . D a í e n t e n d e r m o s q u e a
primeira coisa que deve ser feita com alguém, para trazê-lo ao
Senhor e libertá-lo do poder e da influência do diabo e dos seus
a nj o s , o s d e m ô n i o s ( . . . ) U m a v e z l i b e r t a d o d e s s a i n f l u ê n c i a , a
pessoa pode encontrar forças para perseverar em seguir ao Senhor
Jesus e caminhar a vida cristã de uma maneira vitoriosa.821
820
MACEDO, Edir. A libertação da teologia, p. 117.
821
MANUAL DO OBREIRO: Estatuto e regimento interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Op. cit.
822
MACEDO, Edir. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. V. 2. Rio de Janeiro: Gráfica Universal,
1999, p. 58.
823
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, p. 14-16, mar. 1999.
245
824
QUEIROZ, M. I. P. Messianismo no Brasil e no mundo, p. 165ss.
825
MACEDO, Edir. O Espírito Santo. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1993, p. 134.
826
CAMPO, Bernardo. Op. cit., p. 53.
827
MACEDO, Edir. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?, p. 14.
828
Id., ibid., p. 91.
246
829
Id., ibid.,
830
MACEDO, Edir. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. V. 2. Rio de Janeiro: Gráfica Universal,
1999, p. 93, 94.
831
Luiz Henrique Camargo, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 18 abr. 2005.
247
832
MACEDO, E. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?, p. 138.
248
833
Apud NARBER, Gregg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. Op. cit., 2003, p. 22.
834
CAMPOS, L. S. ; GUTIERREZ, B. (Orgs.) Op. cit., p. 14.
835
CAMPOS, Bernardo. Op. cit., p. 37.
836
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural, p. 236.
837
Id., ibid., p. 230.
838
Id., ibid., p. 235.
249
limite”, tornam-se os elementos mais profundos em tais mobilizações sociais, como afirma
Joanilho:
Para que as idéias possam congregar pessoas, além da situação-
limite é preciso que atinjam as expectativas, criem possibilidades
( .. . ) p a r a q u e a s p e s s o a s s e a s s o c i e m a u m a i d é i a p a r a m u d a r
determinada situação, devem ver nela uma ressonância de seus
desejos e aspirações. É preciso que vejam nela uma saída (...)
Assim, todo movimento de revolta procura estabelecer alguns
símbolos que lhe dão identidade, tentando atingir e representar
esses desejos, (...) e formar uma cumplicidade na ação coletiva.839
semelhante a que é identificada por Jacques Le Goff quando emprega o termo “obliteração”
para se referir ao esforço empreendido pelo catolicismo medieval no sentido de realizar uma
“sobreposição dos temas, das práticas e dos monumentos cristãos sobre os antecessores
pagãos”. Naquele contexto, “luta-se por não haver sucessão; há uma abolição. A cultura
clerical encobre, oculta e elimina a cultura folclórica” – afirma Le Goff.855 Já nos primeiros
esforços de inserção empreendidos pelo protestantismo no Brasil, ficava demonstrada a
inabilidade para lidar com as regras existentes neste novo campo. Enquanto que, com
plasticidade, o português – durante o período colonial - “americanizava-se” ou “africanizava-
se” conforme fosse preciso, cedendo com “docilidade ao prestígio comunicativo dos
costumes, da linguagem e das seitas dos indígenas”, o protestantismo era inflexível diante de
elementos culturais, como observa Sérgio Buarque de Holanda:
Ao oposto do catolicismo, a religião reformada oferecia nenhuma
espécie de excitação aos sentidos ou à imaginação dessa gente, e
assim não proporcionava nenhum terreno de transição por onde sua
religião pudesse acomodar-se aos ideais cristãos.856
855
LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no ocidente, p. 214.
856
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 65.
857
ALVES, Rubem. Protestantismo: dogmatismo e tolerância. São Paulo: Paulinas, 1982.
858
MENDONÇA, A. G. O celeste porvir, p. 55.
253
mais populares e a perda de espaço “na luta entre diferentes empresas de bens de
salvação”:859
A ética protestante rompia com diversos padrões do catolicismo
medieval. Além de redirecionar a ascese, o protestantismo nega
vários sacramentos, a devoção aos santos questionando milagres. Ao
mesmo tempo em que diminui a quantidade de rituais, rejeita a
prática de promessas e rezas tradicionais, estimulando a leitura e
interpretação da Bíblia por todos. Era assim uma religião menos
ritualista, mais intelectualizada, mais ética, menos encantada,
menos “mágica”. A racionalização moderna ocidental se expressa
bem nessa tentativa protestante de se livrar de qualquer
proximidade com o que Weber define como o tipo ideal de magia.860
859
MICELI, Sérgio. A força do sentido. In: BOUDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. XIII.
860
MARIZ, Cecília Loreto. A sociologia da religião de Max Weber. In: TEIXEIRA, Faustino (Org.). Sociologia
da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 77.
861
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 67, p. 34, 1999.
254
ressonância identitária com o capital simbólico cultural nele disposto, do qual se apropria.
Esse compósito cultural ou folclórico pode ser entendido como:
O conjunto de representações coletivas sedimentadas que,
transmitidas de uma geração para outra, formaram um substrato
c om u m a t o d o s , u m a e s p é c i e d e m a t r i z r e l i g i o s a , q u e p e r m a n e c e
subjacente ao catolicismo, a certas formas de kardecismo e religiões
afro-brasileiras. Esse terreno contém o húmus no qual o
neopentecostalismo se alimenta tanto ritual como teologicamente,
ao se apropriar de símbolos, linguagens e visões de mundo
preexistente ao seu surgimento na história.862
Paulo De Velasco, pastor da IURD - e, na ocasião, deputado federal – em depoimento à Revista Isto É, São
868
869
Folha Universal, 02 abr. 2004.
870
Nereida Shlishia, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 29 maio 2005.
871
Folha Universal, 26 nov. 2003.
257
872
ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins
Fontes, 1991, p. 8, 9.
873
LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural, p.
209.
874
Ibid., p. 223.
875
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. Lisboa: Edição Livros do Brasil, s.d, p.
81, 82.
876
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa, p. 496.
877
MICELI, Sérgio. A força do sentido. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. LIV.
258
momento de aflição, há uma identificação, uma noção de pertença a tal universo. Mediante o
dinamismo das práticas, o habitus iurdiano se tornou um conjunto de “esquemas que
permitiram aos agentes gerar uma infinidade de práticas adaptadas a situações que se
modificam de modo ininterrupto”,878 engendrando “esquemas” que habilitam os agentes a
gerar uma infinidade de ações adaptadas a um sem fim de situações de mudança.879 Passível
de atribuição a um dado grupo social, o habitus880 se torna, desta maneira, responsável por
capacidades “criadoras”, produto da história, que produz práticas individuais e coletivas,
estabelecendo os limites dentro dos quais os indivíduos são “livres” para optar entre
diferentes estratégias de ação:
O h a b i t u s a pa r e c e c o m o o t e r r e n o c o m u m e m m e i o a o q u a l s e
desenvolvem os empreendimentos de mobilização coletiva cujo
ê xi t o d e p e n d e f o r ç o s a m e n t e d e u m c e r t o g r a u d e c o i n c i d ê n c i a e
acordo entre as disposições dos agentes mobilizadores e as
disposições dos grupos ou classe cujas aspirações, reivindicações e
interesses, os primeiros empalmam e expressam através de uma
c on d u t a e x e m p l a r a j u s t a d a à s e x i g ê n c i a s d o h a b i t u s e a t r a v é s d e u m
discurso “novo” que reelabora o código comum que cimenta tal
aliança.881
882
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 126, p. 54-55, nov. 2005.
260
Q ua n d o u m a s o c i e d a d e , g r u p o s o u m e s m o i n d i v í d u o s d e u m a
sociedade se vêem ligados numa rede comum de significações, em
que símbolos (significantes) e significados (representações) são
criados, reconhecidos e apreendidos dentro de circuitos de sentido;
( .. . ) s ã o c a p a z e s d e m o b i l i z a r s o c i a l m e n t e a f e t o s , e m o ç õ e s e d e s e j o s
( .. . ) E s t e i m a g i n á r i o s o c i a l s e t r a d u z c o m o s i s t e m a d e i d é i a s , d e
signos e de associações indissoluvelmente ligado aos modos de
c om p o r t a m e n t o e d e c o m u n i c a ç ã o . 8 8 3
890
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 105, 118.
891
Id., ibid., p. 123.
892
Id., ibid., p. 117, 118.
893
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit, p. 607, 608.
262
necessidades mais urgentes nos negócios e na vida familiar. Segundo Procópio, esse
catolicismo de devoções populares sempre manteve relativa autonomia com respeito ao
catolicismo institucional e aos representantes oficiais da igreja, por isso sofreu o embate
violento da assim chamada “romanização”, que marcou o processo de instauração no Brasil
de um “catolicismo universalista”, caracterizado pelo maior controle sobre os leigos e suas
associações e de adequação do catolicismo brasileiro às diretrizes centralizadoras de Roma.894
Como já mencionado, nas décadas de 1930 e 1940, o clero dirigiu às
expressões da fé populares um “combate sem tréguas”. Principalmente nas cidades, ocorreu
um maior esforço por controle dos padres sobre o rebanho. “É para esse catolicismo do
devocionário popular que a Igreja, sob o império da romanização, volta decididamente as
costas”, por considerá-lo forma de exteriorização “vazia” da fé, expressão da ignorância do
povo ou obra de perversão da maldade – ressalta Montes.895 Para o novo catolicismo
romanizado e as “elites modernizadoras”, era preciso definir com precisão as fronteiras entre
o sagrado e o profano, o público e o privado, “para que a civilização triunfasse e a Igreja
pudesse firmar em outras bases o poder da fé”,896 razão porque o sistema popular de crenças e
práticas rituais deveria ser eliminado. Um exemplo dessa reação dos representantes
institucionais, visando enquadrar essas manifestações de fé e estabelecer fronteiras de
delimitação entre o sagrado e o profano, pode ser observado nas palavras a seguir:
De mais, é necessário que se compreenda que a religião não consiste
em passeatas que chamam de procissões, acompanhadas de ruidoso
f og u e t ó r i o e d e l u z e s a r t i f i c i a i s . É p r e c i s o q u e s e s a i b a q u e é u m a
acerba ironia e uma sacrílega irrisão querer coroar uma festa
religiosa com baile e outros divertimentos profanos e perigosos,
onde o homenageado é sempre o demônio (...).897
894
CAMARGO, C. Procópio F. Op. cit., p. 32.
895
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 111.
896
Id., ibid., p. 116.
897
Palavras de D. Antonio Mazarotto, carta pastoral, fev. 1931, apud AZZI, Riolondo. A neocristandade: um
projeto restaurador. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 96.
898
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 117.
263
BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São
900
903
Id., ibid.
904
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 179.
266
analisará mais detalhadamente este universo cultural que recreativamente se retraduz nas
representações vivenciadas por este fenômeno religioso.
267
O espaço inicial da antiga funerária logo deu lugar a edificações cada vez
mais imponentes para as práticas da Igreja Universal do Reino de Deus. Buscando atingir
escalonariamente as massas, a IURD desde o início procurou estabelecer-se em grandes
espaços, em lugares públicos de notória visibilidade, como cinemas e teatros, supermercados
e galpões, chamando a atenção por sua presença extensiva, contrastando com os modelos
arquitetônicos padrão sempre adotado por segmentos pentecostais, como são os casos da
Assembléia de Deus e Congregação Cristã. Na fachada, em letras góticas, sempre muito
visíveis, a frase Jesus Cristo é o Senhor, ao lado de “Igreja Universal do Reino de Deus”,
logo se tornou uma referência dos templos iurdianos. As várias portas, sempre abertas,
também se constituíram outra característica típica. O escritor Caio Fábio D’Araújo Filho
descreve bem este aspecto ao afirmar: “É só porta. A IURD não tem porta, ela é uma porta. A
arquitetura dela é uma porta (...) fica aquela boca assim aberta, gulosa, aberta e na
calçada...”.905
Com a expressão “não erguemos esse templo para possuirmos conforto ou
luxo, mas para termos mais trabalho para o Senhor Jesus”, o bispo Macedo declarou
inaugurada a Catedral Mundial da Fé, “a glória do novo Israel de Deus” – como é
denominada pelos líderes - na cidade do Rio de Janeiro, no ano 2000. Com auditório para
comportar 12 mil pessoas confortavelmente assentadas, o suntuoso e moderníssimo templo
agrega ainda em seu complexo uma espécie de shopping-center com lojas de roupas,
livrarias, praça de alimentação, cinema, parques infantis, museu com exposição de objetos
trazidos de Israel. A inauguração desse templo marcou uma nova tendência da IURD:
edificar megas “catedrais da fé” nas principais cidades brasileiras, começando pelas capitais
dos diferentes Estados do país.
Ao contrário do que ocorre com as igrejas tipologicamente pertencentes ao
protestantismo clássico, na IURD os templos permanecem abertos todos os dias, das 7 da
manhã às 10 da noite, sendo que muitas vezes esses horários se estendem pelas madrugadas
nas programações de vigílias que freqüentemente se realizam. Com isto, a Igreja faz jus a um
de seus slogans: “Há sempre um pastor e um milagre esperando por você!” E, mesmo fora
dos horários pré-estabelecidos das reuniões ou correntes, sempre há pelo menos um obreiro
ou obreira (auxiliares dos pastores) para acolher e atender a quem procura pela Igreja. São
solícitos e muitas vezes ficam à porta dos templos convidando os transeuntes para participar
das reuniões ou simplesmente para entrar e conversar ou receber uma oração. Sobre isso,
Montes afirma que os templos, disponibilizados pela IURD, em movimentados locais
públicos do mundo urbano, têm como uma de suas funções estabelecer “mediações que, no
domínio do sagrado, se interpõem entre o indivíduo e a vida social mais ampla”:
A IURD promoveu extensão da rede física dos seus locais de culto,
c om s u a s p o r t a s s e m p r e a b e r t a s e s e u s p a s t o r e s d i s p o n í v e i s e m
diversos horários para pregação e oração comunitária dos fiéis (...)
I ns t a l a d o s e m p o n t o s e s t r a t é g i c o s , p e r m i t e m q u e a s p e s s o a s q u e
saem apressadas dos escritórios, lojas de comércio, à sua volta,
possam aproveitar as reuniões nos intervalos de almoço ou nos
finais de expedientes (...) Esses templos situados em locais de
grande movimento respondem, para os fiéis, a uma demanda
individual pelo sagrado (...) recriando para eles, diante do
a no n i m a t o e m q u e s e p e r d e m , n a v o r a g e m d a v i d a u r b a n a , u m c e r t o
ar de família (...) Cria-se, com isso, uma rede de sociabilidade,
recriando para seus freqüentadores um novo sentido de
pertencimento à cidade.906
906
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
p. 149.
269
o protestantismo clássico à medida que este contribuiu diretamente para que o “pensamento
iconoclasta imperasse entre nós”,908 ao retirar dos seus templos as imagens que eram comuns
nos espaços sagrados do catolicismo.
908
BERNARDO, Teresinha. Técnicas qualitativas na pesquisa da religião. In: Sociologia da religião no Brasil.
São Paulo: PUC/ UMESP/ Edições Simpósio, 1998, p. 140.
909
Prática típica dos terreiros de umbanda, segundo a qual os devotos recebem “passes” de benzimentos para que
o corpo fique, por exemplo, protegido contra doenças e outros males causados por forças negativas.
910
BLOCH, M. Op. cit., p. 171.
272
estrutura simbólica. Nota ainda, este autor, que em tal período “o livro essencial, a Bíblia,
tem uma estrutura simbólica. A cada personagem, a cada acontecimento do Velho
Testamento, corresponde uma personagem e um acontecimento do Novo Testamento”. O
homem medieval é assim um “decodificador contínuo, o que reforça a sua dependência em
relação aos clérigos, peritos em simbologia”. “O analfabetismo, que restringe a ação do texto
escrito, confere às imagens um poder muito maior sobre os sentidos e sobre o espírito do
homem medieval. Representações iconográficas”. 911
Podem ser identificadas algumas finalidades representacionais no emprego
dos símbolos feitos nas práticas iurdianas. Primeiro, a utilização para ensino de ilustrações de
relatos bíblicos. Afirmando que a Bíblia é um livro “cuja linguagem é repleta de símbolos”, o
bispo Macedo ressalta que “os símbolos devem ser empregados para transmitir
ensinamentos”, acrescentando ainda que “um objeto é figura ou idéia que representa e
garante a realidade daquilo que está sendo simbolizado”.912
Em segundo lugar, o emprego dos objetos visa instigar a imaginação dos
participantes daquele universo para o que chamam de “exercício da fé”. Macedo faz questão
de frisar que os objetos simbólicos são “pontos de contato, elementos usados para despertar a
fé das pessoas, de modo que elas tenham acesso às respostas de Deus para seus anseios”:
Muitas pessoas têm dificuldade para colocar sua fé em prática, por
isso precisam do ponto de contato, que podem ser o óleo de unção, a
á gu a , a r o s a , u m a p e ç a d e r o u p a e o u t r o s e l e m e n t o s . E s s e s o b j e t o s
despertam o coração e as mentes das pessoas para a realidade de que
o Senhor está presente para abençoá-las.913
914
Estatuto e Regimento Interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Cap. VI. Rio de Janeiro: Gráfica e
Editora Universal, s.d, p. 50.
915
Apud CAMPOS, Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
p. 79.
916
Ponto de Luz. Londrina, Rádio Atalaia AM, 20 ago. 2004. Programa de rádio. Material gravado em K7,
transcrito para uso como fonte.
274
Assim, não obstante condenar a prática do culto mariano, para conseguir que sua mensagem
fique mais tangível, a IURD mantém estrategicamente um elemento de grande apelo de
massa “pela sua potencialidade de mobilizar as pessoas”. Com este símbolo, consegue
desempenhar papel importante na vida imaginativa pelo fato de representar “uma idéia
abstrata por meio de um objeto concreto”.917
Também, recentemente, a Igreja organizou uma campanha denominada
“escada de Jacó”, alusiva ao episódio bíblico relatado no livro do Gênesis, em que esse
personagem bíblico teve num sonho a visão de uma escada que ligava a terra ao céu,
representando as conquistas materiais que obteria em sua vida e posteridade. Para representar
tal experiência, a IURD confeccionou uma escada e a colocou como parte do cenário do
templo, a fim de ser recorrentemente utilizada como ilustração pelo pastor em sua prédica.
Ao final do seu discurso, o pastor desafiou os fiéis a subirem pela escada em busca da
realização de seus sonhos e da conquista do que Deus lhes pode conceder.
Chama também a atenção o que ocorre na reunião denominada “corrente da
família”. Freqüentada quase sempre por pessoas sozinhas, e não por famílias, essas pessoas
comparecem trazendo retratos de filhos, roupas do marido e garrafas pertencentes àqueles
que “têm problema de bebida”, por exemplo. Os objetos são trazidos para ser abençoados nos
rituais da Igreja, mesmo que as pessoas por eles representadas não façam parte dela ou não
estejam ali naquele momento. A IURD se empenha na crença de que uma só pessoa da
família pode ser o grande ponto de partida para a transformação de toda a família envolvida
em algum tipo de crise. Seria o caminho inverso no sentido de se reverter o processo que
originou tais malefícios. O bispo Macedo procura mostrar como isto ocorre:
O Demônio pode se apossar de toda uma família, pode entrar na
vida de uma pessoa por hereditariedade, por algum trabalho, quando
a mãe estava grávida, pode entrar e se alojar na família quando
alguém desta freqüenta ou freqüentou algum centro espírita.918
que iriam, segundo os pastores, despertar a fé das pessoas, as quais os receberam como se
fossem objetos mágicos: dia 07/08, o “óleo de Israel” e dia 14/08, a “vara de Jacó”. Em
relação a este último anúncio, um pastor da IURD, em um de seus programas de rádio,
ressaltava: “Venha para o nosso templo e você vai receber a ‘vara de Jacó’. Com ela você
poderá apontar para o carro, para a empresa em que você quiser trabalhar e Deus vai-lhe dar
tudo o que você pedir. Toda maldição e amarração que estiver no seu caminho serão
queimadas ou afastadas”.921 Um programa na televisão entrevistou uma mulher que
testemunhou dizendo ter colocado a “varinha” na garagem e recebido um carro. Disse o
pastor: “Ela possuía só uma varinha, não tinha mais nada; com uma varinha que nós damos
na Igreja Universal, ela colocou na garagem e ganhou um carro”... (mostrando então no vídeo
aquele objeto, e acrescentando): “vá também domingo e receba a sua varinha e conquiste o
que você deseja (...) você vai determinar e Deus vai atender”.922 A finalidade dessa campanha
é mostrar que o milagre se encontra acima do “senso comum”, na dimensão da fé, instância
inatingível pela lógica rotineira da vida.
No templo de Santo Amaro, em outra reunião, pessoas receberam fitas azuis
e vermelhas para serem amarradas nos pulsos, adquirindo-se assim sorte e proteção contra os
malefícios demoníacos. Vale ressaltar que as cores azul e vermelha têm significação nos
cultos afro-brasileiros.923 Numa sexta-feira, na “vigília da mesa branca”, as pessoas, em fila,
passavam as mãos sobre uma toalha branca, estendida sobre a “mesa energizada”, para
adquirir bênçãos e proteção para a vida. Aquele objeto teria sido energizado pela imposição
de mãos de pastores, que teriam passado “24 horas em oração e santo jejum” para aquela
finalidade.924
A IURD também reedita uma prática típica ocorrida com grande evidência
no período medieval: peregrinações a Israel e aquisição de objetos tidos como sagrados da
Terra Santa. As campanhas de fé denominadas “campanha do Monte Sinai” e “fogueira santa
de Israel” ostentam especial destaque nos ritos propostos pela IURD. Visto como um “solo
sagrado”, Israel está à espera de uma peregrinação concreta, para os que tiverem condições
ou por procuração, feita pelos fiéis aos pastores, bastando para isso preencher uma folha de
papel com os seus “pedidos de fé”, cujas cinzas serão, segundo os pastores, por eles levadas
para Israel. É estabelecida, desta forma, uma conexão simbólica entre a Terra Santa e o
templo iurdiano por meio de objetos como água, pedra, sal, óleo, trazidos pelas caravanas de
921
Ponto de Luz. Londrina, Rádio Gospel FM, 07 ago. 2004. Programa de rádio.
922
O Despertar da Fé. São Paulo, Rede Record, 04 ago. 2004. Programa de TV.
923
Observações participantes realizadas no templo da IURD em Santo Amaro, fev. 2005.
924
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, 11 nov. 2004.
276
pastores e fiéis que periodicamente fazem turismo àquele país. Nesse imaginário, Israel é
mais do que um território, pois transcende as fronteiras geográficas e adquire uma dimensão
mítica nas pregações dessa Igreja. Israel é a terra “abençoada”, onde tudo dava certo para os
que temiam a Deus, e está pontuada por locais “carregados de poder”, tais como os montes
Carmelo e Sinai, o Rio Jordão, o mar da Galiléia, as minas do rei Salomão e o túmulo de
Jesus, entre outros. Como espaço mítico, Israel serve de suporte para nele se apoiarem as
necessidades e desejos concretos a serem satisfeitos, como se pode observar no exemplo de
uma propaganda, transcrita a seguir:
N ão p e r c a a “ u n ç ã o d o s d i z i m i s t a s ” . N o p r ó x i m o d o m i n g o , h a v e r á a
c on s a g r a ç ã o d o s d i z i m i s t a s c o m ó l e o s a n t o , q u e o B i s p o P a u l o
estará trazendo de Israel e na segunda-feira iremos apresentar as
imagens das peregrinações, que 300 pessoas de nossa Igreja fizeram
a Israel. Foram momentos inspiradores, inesquecíveis mesmo, como
a Santa Ceia no Getsêmane, com a participação do Bispo Macedo.925
milagres que estariam ocorrendo por meio de seus atos religiosos. Segundo Maria Isaura
Pereira de Queiroz, que dedicou estudos a esse caso, esse padre recomendava que, à hora da
bênção das seis da tarde, as pessoas colocassem as suas mãos, garrafas de água ou roupas de
enfermos sobre os aparelhos de rádio, afirmando também que, naquela hora, cada aparelho de
rádio se transformaria numa “sucursal de Tambaú”, podendo-se receber os milagres em
casa.929
A numerologia tem importante significado nos ritos iurdianos. É o que
ocorre, por exemplo, em relação ao número 7,930 pois, como afirmam, “representa a perfeição
divina: sete são os dias da semana; sete foram os altares que Balaão pediu para Balaque
edificar (Números 23:1); sete são as bem-aventuranças (Mateus 5); sete foi o número dos
primeiros diáconos da igreja”.931 Em uma programação de rádio, o pastor iurdiano deu a
seguinte instrução para a cura de uma fiel que iria amputar a perna: “Olha, a senhora virá à
reunião, irá pegar três petalazinhas da rosa que iremos distribuir, fazer um chá, um banho e
vai durante sete dias de manhã banhar a perna em nome de Jesus com toda a fé. Fazendo isso
não precisará mais cortar a perna”.932 Ocorre algo semelhante ao que Le Goff também
observa: “Também, o homem medieval vive fascinado pelo número simbólico: o três,
número da trindade; o sete, número dos sete sacramentos; 12, número dos apóstolos”.933 Em
setembro de 2003, apareceram em programas televisivos da IURD, pastores contando que se
banharam sete vezes no mar com roupas de pessoas doentes, dizendo que garantiam a cura
para os que viessem a usar tais peças de roupas.934 É também comum pessoas trazerem para
as reuniões, seguidamente por sete dias, garrafas com água, fotografias de parentes e roupas
de enfermos e colocá-los sob a cruz de madeira para receber a bênção. Durante os meses de
março e abril de 2006, a Igreja realizou a campanha “Sete Segredos Para a Virada
Econômica”. Nesse rito os fiéis recebiam uma carta selada contendo um segredo para a
respectiva semana, devendo ser aberto somente no momento da reunião. No texto da carta
elaborada, aparecem indagações que desafiam os fiéis: “Por que os incrédulos mantêm o
controle das indústrias, bancos, lojas, empresas ou meios de comunicação do mundo? Por que
os filhos de Deus, normalmente, são subordinados dos incrédulos? Será que Deus é pobre e o
929
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Cultura, sociedade rural, sociedade urbana no Brasil. São Paulo:
LTC/Edusp, 1990, p. 135-208.
930
Número também bastante utilizado nos ritos das crenças afro-brasileiras.
931
Folha Universal, Rio de Janeiro, 30 jul. 2000, p. 4.
932
Ponto de Luz. Londrina, Rádio Atalaia AM, Londrina, 20 jun. 2006.
933
LE GOFF, J. (Org.). O homem medieval, p. 27.
934
Uma alusão ao episódio bíblico de I Reis. Segundo tal narrativa, o rei acometido de lepra banhou-se por sete
vezes no rio Jordão sob recomendação do profeta Eliseu, sendo por isso curado de sua enfermidade.
278
diabo é rico? Não! Deus é proprietário de tudo o que existe nesse mundo e por isso deseja
que os seus filhos estejam no comando de tudo o que Ele criou”.935
Nas práticas e representações da IURD se crê que, de forma mágica, os
objetos têm a capacidade de proteger a casa, o indivíduo e as relações sociais contra todos
aqueles males atribuídos e personalizados na figura do Demônio. Os símbolos desempenham
ali importante papel na “construção do mundo como representação”, pelo fato de promover
uma “relação compreensível entre o signo visível e o referente por ele significado”.936 Os
imaginários sociais entram em cena quando a linguagem simbólica comunicável exprime
representações. Contribui diretamente para a vivência do universo representacional iurdiano,
num processo de identificação com os elementos culturais-religiosos do contexto brasileiro, o
fato de muitos dos seus fiéis já terem pertencido ao catolicismo de devoção folclórica e às
religiões afro, além das igrejas do pentecostalismo clássico, havendo, portanto, na vivência
religiosa de tais membros, um fertilíssimo substrato cultural que retrata bem a “matriz
religiosa brasileira”, a qual, segundo Bittencourt Filho, é constituída por “catolicismo ibérico,
magia européia, religiões indígenas, religiões africanas, espiritismo europeu e catolicismo
romanizado”.937 Há, pois, uma relação de continuidade com o mundo mágico das religiões
afro-brasileiras e do catolicismo de devoção popular, imaginário este que é - parafraseando
Marc Bloch - “herdeiro tanto das tradições do cristianismo quanto das velhas idéias [ditas]
pagãs”, e que tem demonstrado grande capacidade de filtrar elementos de uma tradição cristã
mais elitizada, legada do protestantismo, que se desenvolveu no Brasil a partir de
“prerrogativas da estirpe”,938 arraigadas como substrato cultural desde o período colonial e
que se reportam, até mesmo, ao mundo do medievo.
nesses dias liminares que circunscrevem as mudanças entre períodos de trabalho e descanso.
Suas horas consagradas são as de mudanças de períodos, como a meia-noite. Por isso,
preferencialmente nesses dias são feitas as giras de exus nos terreiros de umbanda e lhes são
entregues oferendas em locais de passagem, como encruzilhadas e cemitérios. Sexta-feira é
também consagrada a Oxalá, no candomblé, quando muitos iniciados se vestem de branco. A
associação desse dia ao da crucificação de Cristo, também o torna uma referência de morte.
Nas práticas da IURD, as sessões de libertação ou de descarrego realizadas às sextas-feiras à
noite ganharam especial evidência, sendo as mais concorridas. À meia-noite, “hora grande”
de sexta para sábado, é o momento em que os Exus se manifestam e trabalham, é justamente
nessa mesma hora que nas igrejas estão sendo realizadas as cerimônias onde esses Exus são
invocados para, em seguida, serem expulsos dos corpos das pessoas presentes. O mês de
agosto, no calendário afro, é dedicado à terra onde se depositam os corpos dos mortos e se
veneram os ancestrais. Na IURD, essa época foi declarada o “mês dos encostos”, espíritos
malignos dos cemitérios.
Também esse calendário se utiliza das homenagens aos santos católicos.
Em janeiro, por exemplo, devido ao dia de São Sebastião, os terreiros saúdam Oxóssi, deus
da caça associado ao mártir cristão que fora torturado com flechas lançadas sobre o seu
corpo. Nesses rituais, é comum, por exemplo, que os caboclos recomendem benzimentos com
ervas, uso de sal grosso, óleo etc. Na IURD esses mesmos elementos fazem parte de rituais
feitos nos templos ou recomendados pelos pastores para que os fiéis o façam em casa. Em
suas programações de rádio, o pastor Gilberto convida os telespectadores para a busca do
“sabão abençoado”, com o qual iriam “lavar a peça de roupa daquela pessoa que está
internada, que está com Exus em cima, está com Tranca-Rua, com Omolu, alguém que
colocou seu nome lá no cemitério na cabeça de defunto fresco”.939
Nos templos iurdianos há, pelas razões anteriormente apresentadas, especial
espaço para a ação cênica, cujos agentes interagem com a presença de uma simbologia
devidamente compartilhada pelos participantes. Destaca-se a capacidade dos líderes na
condução desses ritos realizados durante os cultos. Edir Macedo, por exemplo, demonstra
notável habilidade para manter a atenção dos ouvintes quando conduz essas reuniões.
Durante sua prédica - que pode durar cerca de uma hora – o público o observa estaticamente,
ao ponto de raramente se retirar alguém do templo antes que sua mensagem se encerre. É
939
SILVA, Vagner Gonçalves da. Concepções religiosas afro-brasileiras e neopentecostais: uma análise
simbólica. RevistaUSP, Religiosidade no Brasil, n. 67, p. 164 set./nov. 2005.
280
como se fosse um momento “mágico”. Alguns choram como se aquelas palavras estivessem
sendo proferidas única e exclusivamente para eles:
Q ua n d o a s s i s t o a o s c u l t o s d i r i g i d o s p e l o B i s p o M a c e d o , s i n t o q u e
D eu s e s t á f a l a n d o d i r e t a m e n t e c o m i g o . O b i s p o p r e g a p r a t o d o s , m a s
o Espírito Santo fala ao meu coração de um modo que eu não posso
me conter e choro, choro muito. Aquelas palavras que ele diz são
pra mim, tenho certeza disso.940
940
Beatriz Gonçalves, em depoimento à Folha Universal, Rio de Janeiro, 05 fev. 2006, p. 7.
281
941
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
p. 101.
942
CARDOSO, C. F. ; MALERBA, J. Op. cit., p. 215.
943
LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o quotidiano no ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 64.
282
Igreja, mediante o uso de objetos como fotos, carteiras de trabalho, peças de roupas que,
levados para a casa, podem beneficiar com purificação espiritual a pessoa a quem se destina.
Umberto Eco afirma que os elementos presentes nas celebrações religiosas
obedecem a uma estética kitsch, compreendendo este conceito como uma “comunicação que
tende à provocação de um efeito”.944 Assim, desde o emocionalismo dos discursos dos
pastores, passando pelas repetitivas letras de músicas, até a cenografia do templo, tudo se
dirige como um apelo às emoções do público. Nas palavras do próprio Umberto Eco, todos
os elementos se apresentam como “efeitos já confeccionados”. Assistir ao culto é também
participar de um espetáculo visualmente bem construído, no qual a performance do líder
religioso ganha centralidade a ponto de arrancar palmas, gritos e outras formas de emoções
da platéia. De toda ação desenvolvida no palco se exige dramaticidade, que pressupõe a idéia
de uma presença, expondo uma situação significativa, “que evoca um encadeamento de
ações, tornando presente o destino, a vida, o mundo – tanto em seu aspecto visível quanto em
suas significações invisíveis”.945
Pode-se dizer que a IURD, em seus ritos, traz para dentro do templo o
espírito das festas populares e das procissões católicas, promoveu aproximação do
devocionário popular, à medida que incorpora algumas de suas práticas rituais, invertendo,
quando necessário, o seu significado. Exemplo disso é a campanha religiosa intitulada
“novena da sagrada família” – não coincidentemente iniciada no período da Quaresma no
calendário católico - segundo a qual os fiéis são desafiados a comparecer à Igreja durante
nove semanas ininterruptas em busca de solução para problemas que estejam afligindo a
família. Seguindo ainda este mesmo calendário, a Universal costuma realizar também a
campanha “Quarentena da Fé – quarenta dias de vitória”, cujo objetivo é realizar em todas as
noites nos dias de domingo, segunda, quarta e sexta-feira reuniões em busca de milagres. 946
Assim, as convocações para grandes eventos em estádios de futebol ou ginásios de esportes
relembram cortejos católicos festivos para conduzir os fiéis a esses lugares. Essas festas de
devoção também se reeditam no âmbito dos templos, nos rituais que semanalmente se
realizam. Por esse motivo, o culto se transforma num espetáculo do qual fiéis participam
intensamente. No decorrer da encenação há deslocamento de pessoas, movimentos corporais,
formação de filas e realização de procissões. É como se aquelas manifestações populares
deixassem as ruas e acontecessem no interior do templo, mediante o que os fiéis dramatizam
944
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993, p.73.
945
Id., ibid., p. 84.
946
Campanha divulgada nas programações de rádio e TV, no período de março a julho de 2005.
283
uma trajetória que vai da aflição ao milagre, do profano ao sagrado, apresentando à divindade
as ofertas, pagando promessas e recebendo as dádivas divinas. Numa dessas correntes,
observou-se intensa movimentação e mobilidade corporal do público na passagem pelo
“corredor dos milagres”, formado por “setenta pastores”. Também, na campanha “travessia
do rio Jordão”,947 no meio do corredor jogou-se “água do rio Jordão”, devendo os fiéis, tal
como Moisés, apontar o cajado (miniaturas que haviam recebido no início da reunião) para
aquela água “determinando” conquistas em sua vida, assim como ocorrera em relação à “terra
prometida” alcançada pelo povo hebreu após a longa peregrinação do Êxodo. Em outra vez,
realizou-se a campanha das “Portas Abertas”:948 pessoas formaram filas para passar por uma
porta aberta dentro de uma enorme cruz de madeira, sob promessa de sucesso profissional e
financeiro e uma efusiva presença do poder de Deus em suas vidas. De igual modo, o toque
de trombetas na “Queda dos Muros de Jericó”,949 em que os participantes da reunião recebiam
trombetas de plástico que, no momento oportuno do ritual, deveriam ser tocadas,
rememorando assim o episódio bíblico da queda dos muros de Jericó quando da conquista
desta cidade pelo povo hebreu sob liderança de Josué.
Os cultos iurdianos são assim, por excelência, os momentos em que se
vivenciam vários elementos do universo simbólico em que estão inseridos líderes e fiéis.
Devido a esse papel preponderante, tais atividades são realizadas, em média, quatro ou cinco
vezes todos os dias da semana. Há inclusive uma agenda semanal com horários e objetivos
estabelecidos para cada dia, que segue uma programação padronizada em todos os templos,
ainda que – uma vez iniciada cada reunião – o templo se transforme num espaço de
espetacularização do sagrado sem um roteiro rígido, havendo sempre uma expectativa para o
inédito e o inusitado. A grade de programação segue, em linhas gerais, o seguinte
cronograma:
Segunda-feira: Corrente da prosperidade
Terça-feira: Corrente de libertação e sessão de descarrego
Quarta-feira: Corrente de cura divina e milagres
Quinta-feira: Corrente da família (problemas conjugais, dificuldades com os filhos etc.)
Sexta-feira: Corrente de libertação e sessão de descarrego
Sábado: Terapia do amor (dedicada àqueles que desejam conseguir um casamento ou
solucionar problemas relacionados à vida sentimental)
947
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, 10 mar. 2004.
948
Observação participante realizada no templo da IURD em Santo Amaro, 20 abr. 2004.
949
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, 22 ago. 2004.
284
Nas reuniões que dirige, Edir Macedo costuma ser enfático: “Cobre de Deus
o que você tem direito”.951 A Igreja argumenta que existem várias promessas da Bíblia para
este assunto, razão porque “na IURD todos são ensinados a conquistar cada vez mais bênçãos
materiais”:
P or i s s o n a s n o i t e s d e s e g u n d a - f e i r a m i l h a r e s d e p e s s o a s s e r e ú n e m
em templos da Igreja Universal espalhados pelo país para clamar a
D eu s p e l o s u c e s s o n o s e m p r e e n d i m e n t o s . S ã o f i é i s q u e d e s e j a m s e r
empresários, donos do próprio negócio, se tornar patrões. Eles
querem ser cabeça e não calda, estar por cima e não por baixo. Os
cânticos estimulam a fé, nas orações os bispos e pastores
incentivam as pessoas a determinarem a vitória, para que possam
obter prosperidade, já que as promessas estão na Bíblia: “O Senhor
te abrirá o seu bom tesouro, o céu... emprestarás a muitas gentes,
porém tu não tomarás emprestado. O Senhor te porá por cabeça e
não por calda; e só estarás em cima e não debaixo...” (Deuteronômio
28:12-13).952
950
Folheto divulgado pela Igreja Universal do Reino de Deus, recolhido para pesquisa em 2003.
951
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 mar. 2000, p. 12.
952
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 67, p. 41, 1999.
285
miséria e das dívidas”, chegando ao “topo do sucesso e da prosperidade, sem o risco de sofrer
quedas inesperadas” – lembra a Igreja, ressaltando que outros se tornaram empresários bem
sucedidos, conseguindo reerguer-se financeiramente: “É devido a esse resgate que muitas
pessoas que viviam na sarjeta, completamente arrasadas por problemas econômicos se
recuperam e de novo prosperam”.953 Ainda em tom de desafio se afirma:
Embora as pesquisas sejam pessimistas e coloquem a miséria como
uma ameaça da virada do século, milhares de pessoas têm saído de
uma vida de derrotas para a prosperidade através do Senhor Jesus.
Testemunhos não faltam na Igreja Universal para mostrar que crise
se vence com fé.954
953
Id., ibid.
954
Folha Universal, Rio de Janeiro, 01 abr. 2006, p. 8.
955
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 93, p. 46, 2003.
956
Folha Universal, Rio de Janeiro, 30 mar. 2003, p. 8.
286
cumprido tais requisitos – ensina Macedo - o fiel fica no direito de exigir algo de Deus ou
então determinar o que deseja que a divindade lhe faça. Descobrir tal direito é um “despertar
da fé”, título este do primeiro livro publicado por Macedo assim como de vários programas
de rádio e televisão realizados pela IURD. O usufruto da prosperidade se caracteriza, pois,
por uma tríade: ter paz espiritual, boa saúde e sucesso financeiro:
Q ue m g a n h a c o m i s s o ? D e u s e v o c ê , p o r q u e t e n d o s u a r e n d a
a um e n t a d a , v i v e r á m a i s t r a n q ü i l o e m a i s f e l i z , e D e u s , p o r q u e v o c ê
trará mais à Sua igreja, terá mais dinheiro para usar em favor de
outras pessoas que estão necessitando ser abençoadas.961
Sobre a idéia de que Jesus teria sido pobre, Macedo reage incisivamente:
Este é um tremendo engano. Jesus nunca foi pobre. Ele disse: “Sou
o senhor dos senhores, o rei dos reis”. Um rei nunca é pobre, a
menos que esteja destronado. Sendo rei dos reis Jesus era rico. Ele
veio ao mundo na pobreza para sentir na pele o que é ser pobre, o
que é viver na condição mais insignificante do ser humano. Mas
Jesus não era pobre.962
961
MACEDO, Edir. Vida com abundância. 10ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Universal, 1990, p. 74.
962
Revista Veja, São Paulo, 14 nov. 1990.
963
MACEDO, E. Vida com abundância, p. 42.
964
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, set. 2004.
288
pé, dizer: - 'Estou aqui, estou precisando'”.965 O depoimento de uma freqüentadora assídua da
IURD demonstra como essas palavras ganham interatividade e ressonância entre os fiéis:
Era uma sexta-feira, eu estava orando enquanto o Bispo clamava ao
Espírito Santo que tocasse nos nossos corações. Isso no momento
das ofertas. Senti o Espírito Santo entrar em mim, um calor imenso
tomou conta de mim, comecei a falar em línguas, em seguida, abri
minha bolsa e dei tudo o que tinha na carteira (R$ 70,00). Ao sair
do templo, fui a um caixa eletrônico sacar uma quantia para poder
voltar para minha casa e para passar o fim de semana. Por tentação
do inimigo, para que eu me arrependesse de minha doação, meu
cartão ficou preso na máquina e eu só o recuperei na terça-feira.
Q ua l f o i a m i n h a s u r p r e s a ? H a v i a R $ 1 9 0 , 0 0 e m d e p ó s i t o f e i t o p e l a
empresa que eu trabalhava antes de me aposentar. Tratava-se de uma
diferença que eles ficaram me devendo. Orei ali mesmo no Banco,
a gr a d e c e n d o a D e u s p e l o s e u f e i t o . B e m q u e o B i s p o n o s f a l o u , q u e
se a gente desse tudo o que tinha, Deus iria multiplicar.966
Ponto de Fé. Londrina, Rádio Gospel FM, 01 ago. 2005. Programa de rádio.
970
290
Prossegue dizendo que muitos criticam a oferta que é dada com a intenção
de se receber algo em troca. Lembra que Deus, na realidade, “não precisa de nada, pois é
dono de tudo, no entanto, quando estabelece este tipo de relacionamento com o ser humano
está “se preocupando com a sua obra na terra, que necessita da assistência da sua criatura”. E,
recorrendo à Bíblia, observa que “uma das mais importantes ofertas é a do dízimo”, e que no
texto Malaquias 4 se afirma que quando se oferta há uma recompensa. “Essa relação de troca
é o próprio Deus que estabelece” – ressalta.973 Essa mensagem da Igreja é referendada pelos
fiéis. Angela Maria da Conceição, 49 anos, empresária no ramo de cosméticos, declara:
“Tudo começou a mudar na minha vida financeira quando cheguei a Igreja Universal e
descobri que quanto mais nos damos a Deus, muito mais Ele nos dá. É algo recíproco”.974
971
A IURD mantém em seu site oficial um espaço para que qualquer pessoa possa esclarecer dúvidas ou receber
orientação espiritual. Http://www.arcauniversal.com.br Acesso em: 12 mar. 2006.
972
MACEDO, Edir. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. V. 2, p. 34, 36.
973
Folha Universal, Rio de Janeiro, 01 nov. 1998, p. 6.
974
Folha Universal, Rio de Janeiro, 09 abr. 2006, p. 9.
291
979
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p. 122ss.
980
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 74, 2001.
981
MACEDO, Edir. Nos passos de Jesus, p. 64.
293
982
O Globo, Rio de Janeiro, 29 abr. 1990.
983
Folha Universal, Rio de Janeiro, 09 fev. 2003, p. 2.
984
MICELI, Sérgio. A força do sentido. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. Op. cit, p. LII,
LIII.
294
empresário, tinha uma vida financeira estável, em Brasília, quando “de uma hora para outra
tudo começou a desmoronar”:
De repente, as vendas começaram a cair em minhas duas
revendedoras de automóvel e tive que fechá-las. Contraí dívidas
altíssimas, tive bens penhorados, cheques devolvidos e perdi o
imóvel em que eu morava. Os oficiais de Justiça viviam em minha
casa. Eu estava no fundo do poço e não conseguia enxergar uma
solução. Desesperado, cheguei ao ponto de tentar o suicídio. Foi
quando resolvi procurar a Igreja Universal mais próxima no anseio
de achar uma saída, pois ouvia falar da IURD e dos inúmeros
milagres que lá aconteciam. No momento em que cheguei na Igreja o
pastor falou algo que foi diretamente para mim: ‘você que tentou a
morte o Senhor Jesus está falando que sua vida tem jeito e Ele quer
mudá-la’. Pensei, se esse Deus existe então vou mudar. Daquele dia
em diante parei de questionar o que o homem de Deus falava. O que
D eu s t e m f e i t o e m m i n h a v i d a n u m c u r t o p e r í o d o c h e g a a s e r
inacreditável para muitas pessoas. Já adquiri três imóveis, entre
eles uma cobertura, além de carros importados. Tenho consciência
de que todas as minhas conquistas são pela fé, fruto da participação
nas reuniões e, acima de tudo, da minha fidelidade a Deus. Venci
porque aprendi na reunião dos 318 a ter visão de coisas grandes.985
985
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 93, p. 46, 2003.
986
Id., ibid.
295
c om p u t a d o r e s , o q u a l t e m p r o s p e r a d o m u i t o . H o j e p o s s u o t r ê s l o j a s
no ramo da informática.987
987
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 90, p. 31, 2002.
988
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 out. 2003, p. 8.
296
fazer o apelo, enumerando valores em escala decrescente a ser oferecido. Primeiro, pediu aos
que gostariam de ofertar cinco mil reais, depois por etapas reduzindo os valores: mil reais,
quinhentos, cem, cinqüenta, dez e, finalmente, cinco. A cada apelo, ressaltava: “O Diabo é
contra a doação, não deixe que ele fique cochichando ao seu ouvido...”. Encontrando certa
dificuldade para atingir o seu alvo financeiro, indagou em tom apelativo: “Vamos sair daqui
derrotados? Quem não prospera é porque não tem coragem de dar um passo de fé”. E,
ilustrando, ressaltou: “Se você não tiver coragem de saltar, o pára-quedas não abre!” Após
todas estas etapas cumpridas, o pastor finalmente dirigiu-se ao público com entusiasmo:
“Irmãos, alcançamos nosso alvo!”
A segunda modalidade de ritos visando a prosperidade envolve
peregrinações à Terra Santa, mediante a campanha denominada “fogueira santa de Israel”.993
De acordo com o bispo Macedo, essa campanha “serve para tornar possível em sua vida
aquilo que é impossível. Esse é o propósito. Não é para dar o seu dinheiro ou a sua oferta
para a igreja. O objetivo é determinar que coisas grandes, magníficas aconteçam na vida
daqueles que acreditam que aquilo que Deus prometeu é verdade”. O Bispo explica porque é
necessário levar os pedidos das pessoas para Israel: “Esse país é disputado por muçulmanos,
cristãos e judeus, não por causa de ouro, petróleo ou pedras preciosas. O produto mais forte
de Israel se chama fé, por causa dela há um desenvolvimento no turismo. O mundo inteiro vai
a Israel, pois quer sentir naquela terra o que os profetas do passado sentiram. Israel representa
a existência de Deus nos dias de hoje. Por que não foi construído como os demais países.
Israel nasceu por obra do próprio Deus no coração de Abraão. Deus escolheu aquele lugar,
separado de todos os demais lugares, para que fosse santo, sagrado, para que tivesse um povo
que não fosse semelhante aos demais povos pagãos. Até hoje, tudo naquele lugar leva para a
fé do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. A vida abundante é o resultado que essa fé
produz. É pela fé que você irá prosperar. É a fé que tornará todos os seus sonhos em realidade
e trará cura a todas as enfermidades, independente de sua gravidade. Esse é o sentimento que
faz a pessoa ser parceira de Deus, então não terá inimigo que possa barrar seu caminho de
conquistas”.994
Na entrada do ano 2000, a IURD realizou uma grande campanha
denominada “fé e sacrifício no monte de Deus”. Exatamente à meia-noite do dia 31 de
993
As caravanas da IURD à Terra Santa tiveram início em 1995. No primeiro grupo havia 52 peregrinos. “O
objetivo maior é refazer os passos de Jesus Cristo, caminhando exatamente pelos mesmos locais nos quais Ele
esteve” – destaca a Igreja. Já naquela época a IURD conseguiu “levar milhares de fiéis a Israel”, cf. Folha
Universal, Rio de Janeiro, 27 nov. 2005, p. 1.
994
Folha Universal, Rio de Janeiro, 04 dez. 2005, p. 2.
298
995
Folha Universal, Rio de Janeiro, 27 dez. 2005, p. 7.
996
Folha Universal, Rio de Janeiro, 11 jul. 2004, p. 3.
997
Folha Universal, Rio de Janeiro, 27 dez. 2005, p. 7.
299
surpreendentes. Conseguimos comprar um sobrado com três pisos, carro zero, uma loja de
decoração. Depois de mais algum tempo compramos mais um sobrado que está em
construção. Todos os meus sonhos foram realizados na fogueira santa, mas o maior deles foi
a conquista da paz interior, restauração familiar e a compra de meu sobrado” – finaliza
Elenir.998
O depoimento de Francisco Alves da Silva, 42 anos, também segue a
mesma ênfase:
Q ua n d o p a s s a v a p o r m u i t a s d i f i c u l d a d e s f i n a n c e i r a s , f u i c o n v i d a d o
a participar de uma reunião na Igreja Universal. Ao aceitar o
c on v i t e p e r c e b i q u e h a v i a a l g o d e e r r a d o , q u e m e u s o f r i m e n t o e r a
causado por espíritos malignos. Decidi então lutar para a minha
libertação total e não mais aceitar viver na miséria. Hoje minha
família está completamente liberta, nunca mais passamos por
necessidades e estamos conquistando as bênçãos de Deus.999
998
Id. ibid.
999
Folha Universal, Rio de Janeiro, 30 jul. 2000, p. 11.
1000
Folheto publicado pela Igreja Universal do Reino de Deus, de Londrina, recolhido para pesquisa em Janeiro
de 2004. A divulgação destes rituais também se faz diariamente, em nível nacional, através de programações
diária de rádio e TV, como registro feito, por exemplo, no dia 22/03/04: O Despertar da Fé. São Paulo, Rede
Record, 22 mar. 2004. Programa de TV. Ponto de Luz. Londrina, Rádio Atalaia AM, 22 mar. 2004. Programa
de rádio.
1001
Uma edição re-significada do ebó, que, nos cultos afro-brasileiros, consiste num ritual de limpeza para
descarregar o indivíduo de energias estranhas, que sobrecarregando o indivíduo, podem provocar desequilíbrios
que resultam em doenças físicas ou psíquicas ou, de modo geral, em empecilho à realização de seus projetos e
suas tarefas cotidianas. Cf. MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o prinvado. In:
SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 151, 152.
300
Um panfleto, apresentando como slogan “venha libertar-se dos encostos!”, dá detalhes sobre
o que a IURD entende por tal expressão:
Encosto é uma força espiritual negativa que se aproxima das pessoas
causando sofrimento, transtorno, confusões, virando a vida do
a ve s s o d o d i a p a r a a n o i t e c o m o n u m p i s c a r d e o l h o s . O f e i t i ç o , a
inveja, o olho-grande são os meios mais comuns de se lançar um
e nc o s t o e m a l g u é m . S e v o c ê t e m v í c i o s , i n s ô n i a , d e p r e s s ã o ,
nervosismo, dores de cabeça constantes, desmaios ou ataques, vê
vultos, ouve vozes, tem desejos de morrer; se tudo tem dado errado
pra você ... Há um encosto em sua vida!1003
1002
Folha Universal, Rio de Janeiro, 02 abr. 2006, p. 21.
1003
Folheto publicado pela Igreja Universal do Reino de Deus, recolhido para pesquisa em 2004.
301
porque existe um adversário que o impede: o Diabo e seus demônios. Por isso o fiel precisa
tomar conhecimento disto e engajar-se numa batalha espiritual para vencer o inimigo. A
participação nos ritos oferecidos pela igreja é o “modo como o fiel trava esses infindáveis
combates”, mediante o que se desvendam “as figuras do sagrado por trás das quais o Maligno
revela sua ação” – destaca Maria Lucia Montes, que acrescenta:
Os cultos da Igreja Universal se povoam de feitiços e macumbarias
de exus e pomba-giras, de trabalhos da direita ou da esquerda, de
orixás malévolos e falsos santos, de benzimentos, rezas, pajelanças
e operações espirituais, além de falsas promessas de pais-de-santo
de umbanda e candomblé ou beatos milagreiros que enganam um
povo incrédulo e ignorante.1004
1004
MONTES, M. L. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit., p. 123.
1005
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 mar. 2003, p. 8.
1006
Folheto recolhido para pesquisa em junho de 2004.
302
1007
Ponto de Luz. Londrina, Rádio Gospel FM, 12 ago. 2005. Programa de rádio.
1008
MACEDO, Edir. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. V. 2, p. 63, 64.
1009
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, mar. 2005.
303
ajudá-lo no último ritual daquela noite: libertar aquelas vidas. Antes, porém, lançou um
provocativo desafio: “Você que não acredita que isto aqui é demônio ... eu te desafio a vir
aqui à frente e tocar nestas pessoas. Porém, se o demônio sair daquela pessoa e entrar em
você, eu não vou tirar não... Você vai pra casa com ele! ...[risos]”. A multidão começou, de
forma sincronizada, a gesticular e a gritar repetitivamente “queima demônio!”, enquanto o
pastor e auxiliares passaram a travar uma verdadeira luta corporal contra os “demônios” em
cima do altar: agarrões, quedas ao chão, gritos veementes, davam o tom da dramaticidade e
representação do embate que naquele momento ocorria. Usando o microfone, o pregador
perguntou para a multidão de fiéis: “Ele sai ou não sai?” A reposta veio em coro: “Sai em
nome de Jesus!”. O pastor então pediu mais ajuda à multidão: “Mais fé gente! Mais poder! O
nosso Deus é maior!” A sessão de exorcismos continuou com gritos histéricos até que, cerca
de dez minutos depois de iniciado o combate, finalmente os demônios foram “vencidos”. Em
seguida, aqueles que experimentaram a libertação deram testemunhos em público afirmando
que não se lembravam de nada do que havia ocorrido durante todo o tempo em que ali
haviam permanecido, mas que naquele instante já desfrutavam de intensa sensação de bem-
estar. Encerrou-se aquele momento com a multidão, em êxtase, aplaudindo mais um
espetáculo cúltico e tendo nítida certeza de que naquele lugar estava o poder de Deus, capaz
de oferecer vitória mesmo diante dos mais temerosos desafios que a vida apresenta. Antes de
saírem daquele santuário, entretanto, os fiéis foram mais uma vez advertidos a não deixarem
de usar a fita de proteção que receberam e voltarem na sexta-feira seguinte para continuar a
campanha até que se completassem sete dias. Para a próxima reunião deveriam empenhar-se
em trazer mais um visitante para participar do ritual em que o “leão” seria destruído.
O que se observa, portanto, é que o exorcismo geralmente se realiza de uma
forma coletiva. Quando demônios se manifestam entre o público reunido no templo, com a
intervenção dos obreiros e apoio ativo dos presentes com seus gritos estridentes “Sai!”
“Queima!”, acompanhados de gestos enérgicos, o exorcismo realizado tem caráter de um
espetáculo. No altar também se costuma desenrolar um diálogo entre o pastor e a pessoa
endemoninhada, que com os seus braços cruzados às costas é obrigado a responder a
perguntas do pastor, como por exemplo: Qual o teu nome? Por que estás molestando esta
pessoa? Que trabalho foi feito contra a vida desta pessoa? Antes de “expulsar” os demônios,
é costume o pastor demonstrar o seu poder obrigando o demônio a fazer movimentos como
dobrar as pernas, caminhar para trás. Às vezes, o pastor e seus auxiliares agarram os
endemoninhados pela cabeça, demonstrando uma cena bastante agressiva. Acredita-se que a
305
cabeça é a sede em que se alojam os espíritos malignos. Os exorcismos, sempre com tal
intensidade dramática e uso de fortes e numerosas expressões “Sai em nome de Jesus”, são ao
final aplaudidos calorosamente pelos fiéis.
Quando se desenvolve o ritual de descarrego, o templo se transforma em
palco de uma batalha, uma luta “dramática entre espíritos protetores e espíritos malfazejos
pela conquista e domínio de uma alma”.1010 Na realização desse drama, Deus e o Diabo
possuem papéis bem definidos. Esse espetáculo de “batalha espiritual”, em que o Diabo é o
antagonista por ser a figura causadora de tudo aquilo que impede toda sorte de bênçãos
materiais e espirituais, é muitas vezes transmitido também através do rádio ou da TV,
mostrando pastores e equipe de obreiros auxiliares nas sessões de exorcismo realizando um
verdadeiro talk show do além, presentemente materializados. “Nestes segmentos religiosos a
promessa de cura divina e exorcismos durante os cultos se tornaram cada vez mais próximos
de um espetáculo”- destaca uma reportagem jornalística.1011 O agente publicitário José
Szekely,1012 que trabalha com venda de programas evangélicos para a TV, também acrescenta
que “o demônio é o principal instrumento da mídia para atrair fiéis”, argumentando que a
audiência desses programas aumenta quando o Diabo é realçado. Nas sessões de exorcismo
os demônios acabam se tornando “vítimas”, pois antes de serem expulsos dos corpos têm o
dever de dar entrevistas para maior “esclarecimento” do público ouvinte. Trata-se do
surgimento de um fenômeno que inverte as condições comumente aceitas da relação ser
humano/Diabo, uma vez que seus entrevistadores o utilizam como artifício na conquista de
audiência bem como de fiéis. Os demônios tornam-se espécie de marionetes nas mãos dos
exorcistas, aspectos esses que conferem noções de segurança e proteção aos que vivenciam
tal universo, além de dar-lhes garantia de que “outras” expressões religiosas, como as de
tradição afro-brasileira, estão sob o engano do Demônio, pois ouviram pela própria voz das
entidades espirituais tal confissão.
Há convergentes proximidades simbólicas entre os rituais iurdianos e uma
sessão umbandista. Isto se deve, em parte, ao fato de o próprio líder-fundador da IURD ser
ex-umbandista, algo que também ocorre em relação aos demais bispos e pastores que, em sua
maioria, têm uma história de vida anteriormente ligada a essas crenças. Tais raízes são
visivelmente detectadas, por exemplo, no momento da expulsão de demônios. Os bispos e
pastores iurdianos, inclusive, chamam os demônios por seus nomes, nomes estes conhecidos
1010
LÉVI-STRAUSS, C. O feiticeiro e sua magia. In: Antropologia Estrutural, p. 222.
1011
Gazeta do Povo, Curitiba, 10 set. 2000, p. 4.
1012
Revista Veja, São Paulo, 31 jul. 1996, p. 7.
306
e citados nos rituais umbandistas. Ainda que algumas diferenças sejam observadas entre os
rituais de exorcismo desses dois segmentos religiosos, o que se constata, entretanto, é que o
princípio acaba sendo o mesmo: invocação, pelo líder, de uma força espiritual mediante
possessão. Tanto o ritual de exorcismo de uma sessão umbandista como o iurdiano apresenta
uma linguagem verbal e corporal bastante afins. Nos rituais dos cultos afro-brasileiros se
observa que o médium, ao incorporar um determinado “guia” ou espírito, comporta-se como
se estivesse munido de toda a capacidade para retirar espíritos perturbadores das pessoas
presentes. No caso da IURD, a primeira providência do pastor-exorcista é obrigar a vítima
dos demônios a ficar de joelhos e colocar as mãos para trás, simbolizando assim o
reconhecimento, por parte do espírito rebelde, do poder de Jesus corporificado no pastor. Às
vezes, acontece de algum exorcista usar alguma forma de coerção física, mas será através do
diálogo que se tentará arrancar-lhe o nome, procedimento simbólico essencial, que garante a
soberania de Jesus sobre o intruso. Depois de muita insistência, o nome é dito entre urros,
suspiros e intensas agitações corporais. Assim, na IURD, o Demônio é retirado da vítima em
nome de Jesus mediante o poder do Espírito Santo que se apossa do bispo ou do pastor; na
umbanda, atribuem-se tais poderes ao “guia”, o espírito que entrou no corpo de um
determinado médium para cumprir aquela função. Ainda quanto a esse aspecto, cabe destacar
que, depois das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, Salvador - BA é a capital em que a
IURD tem obtido seus maiores êxitos em relação ao número de templos. Não é sem motivo
que isto acontece: essas cidades estão entre as que apresentam o maior número de adeptos do
kardecismo, umbanda e dos cultos afro-brasileiros, havendo, portanto, um universo cultural
afim às práticas e representações da operosidade iurdiana.
Maria Lucia Montes ressalta que o que se exorciza nas práticas da Igreja
Universal é sobretudo o conjunto das entidades do panteão afro-ameríndio incorporado às
religiosidades populares das devoções e práticas mágico-rituais do catolicismo ainda
conservadas às religiões de negros perseguidos e depois apropriadas por diferentes estratos
sociais também das populações urbanas.1013 Percebe-se a importância da dramatização do
confronto entre as forças do bem e do mal realizadas no culto, com a espetacularidade dos
rituais de libertação, cumprindo plenamente o papel de comprovar suas crenças. E mais, ali
as pessoas têm como argumentos de persuasão - em relação ao aspecto “farsante” das demais
religiões - não somente as palavras do líder, mas a voz dos próprios demônios que se auto-
nomeiam identificando-se, principalmente, com as divindades dos cultos afro-brasileiros.
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). Op. cit.,
1013
p. 122.
307
Observações participantes realizadas nos templos de Santo Amaro e Londrina, mar./abr. 2006.
1014
1015
Programas: Fala que Eu te Escuto e Mistérios, ambos levados ao ar pela Rede Record. Gravação para
pesquisa realizada em março e abril de 2006.
308
Alex Cabral Borges, 39 nos, declara ter atuado como “bruxo” durante 20
anos:
Eu tinha 200 filhos de encostos diretos e mais 800 indiretos. Eu
fazia trabalhos que normalmente visavam a destruição das pessoas.
P or i s s o f i q u e i c o n h e c i d o c o m o p a i A l e x , a p e s a r d e t u d o i s s o , f i q u e i
muito doente e minha esposa morreu juntamente com minha filha
ainda no período de gestação. Os encostos me levaram à miséria.
Finalmente uma pessoa me convidou para ir a Igreja Universal onde
senti grande impacto com o que vi naquele lugar. Quando cheguei só
me lembro de ter lido Jesus Cristo é o Senhor, depois disso
manifestei vários encostos. Naquele dia vi com os meus próprios
olhos aqueles que se apresentavam como deuses se rendendo ao
poder de Deus. Fiquei revoltado, decidindo então abandonar toda
a qu e l a m e n t i r a . H o j e s o u n o v a c r i a t u r a , t o t a l m e n t e l i b e r t a d a s
f or ç a s d a s t r e v a s . 1 0 1 8
1016
BRANDÃO, C. R. Op.cit., p. 131-132.
1017
Folha Universal, Rio de Janeiro, 01 abr. 2006, p. 21.
1018
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 mar. 2003, p. 5
309
1019
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 97, p. 30, 2003.
1020
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 mar. 2003, p. 8
1021
CHARTIER, R. Pierre Bourdieu e a história, p. 154.
1022
Id. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 21.
1023
Id., ibid., p. 22.
310
“Pare de sofrer! – Existe uma solução!” Este tem sido um dos slogans
característicos proclamados pela IURD desde a sua fundação. Por isso a Igreja mantém uma
campanha que apresenta permanente variação de tipologia e estética ritualística. Reporta-se
geralmente a episódios relatados na Bíblia, em grande parte no Antigo Testamento,
estabelecendo ao mesmo tempo, de maneira bastante original, uma conjugação entre os ritos
católicos, afro-brasileiros e protestantes. “Dificuldades financeiras, crise no casamento,
doenças, vícios e muitos outros problemas têm levado um número incontável de pessoas para
a Igreja Universal” – propaga a própria Igreja, que acrescenta: “elas têm a oportunidade de
participar de vários propósitos de oração, já que a IURD realiza reuniões diárias”.1027
O anúncio publicado no panfleto transcrito a seguir retrata bem o amplo
leque de opções que o fiel encontra nos cultos e ritos da IURD, na busca de respostas para
seus problemas:
P A R E D E S O F R E R – V oc ê q u e t e m a l g u n s d e s s e s p r o b l e m a s m a r q u e
um X: inveja, vítima de olho gordo, feitiçaria, prestação atrasada,
quer emagrecer ou engordar, passar em concurso público, doenças,
insônia, falência, desemprego, aluguel atrasado, possessão maligna,
a po s e n t a r - s e , d o r e s d e c a b e ç a , d í v i d a s , d e p r e s s ã o , a n g ú s t i a , e t c .
1024
Id. Pierre Bourdieu e a História, p. 154.
1025
Id., ibid.
1026
Id., ibid..
1027
Folha Universal, Rio de Janeiro, 05 fev. 2006, p. 7.
311
Traga este folheto, receba uma oração forte e uma rosa ungida!
Sábado, a 1:00 hora da tarde, na Igreja Universal, Rua Benjamim
C on s t a n t , 1 4 8 8 , c e n t r o – L o n d r i n a . 1 0 2 8
1028
Folheto distribuído pela Igreja Universal do Reino de Deus de Londrina, setembro e outubro de 2002.
1029
Entendendo tal conceito como referindo a um tipo de catolicismo que, mesmo mantendo-se ligado à Igreja
Católica oficial, muitas vezes se organiza à margem desta, com expressões tipicamente sincréticas, rurais,
extrapolando o controle dos dogmas oficiais. Cf. CHAUÍ, M. Raízes teológicas do populismo no Brasil:
Teocracia dos dominantes, messianismo dos dominados. CHAUÍ, M. et ali. Anos 90 - Política e sociedade no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
1030
Id., ibid., p. 128.
1031
MANUAL DO OBREIRO. Estatuto e regimento interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Op. cit.
1032
Revista Veja, São Paulo, 06 dez. 1995.
312
é que temos que curar, libertar e abençoar... Em nome do Senhor Jesus Cristo!”1033 Mostra
ainda a eficácia de tal procedimento na obtenção da cura: “(...) às vezes, gradativamente, às
vezes instantaneamente, dependendo da fé da pessoa”.1034
A Revista Plenitude destaca que a “corrente de Jericó – derrubando todas as
muralhas do mal”, tem como objetivo despertar a fé sobrenatural das pessoas através da qual
encontrarão forças para derribarem os muros que as tem impedido de usufruir as promessas
de Deus:
P or m a i s q u e a s p e s s o a s s e e s f o r c e m , s e m p r e e x i s t e u m o b s t á c u l o ,
uma barreira que as impede de atingir seus objetivos. No ponto de
vista humano, as muralhas das dívidas, do fracasso sentimental e
profissional, das doenças, entre outra, parece ser intransponíveis.
P or é m m u i t o s e s t ã o c o n s e g u i n d o d e r r u b a r e s s a s b a r r e i r a s a o
participarem da Corrente de Jericó. A reunião tem despertado no
c or a ç ã o d o s q u e c o m p a r e c e m , a f é s o b r e n a t u r a l , a t r a v é s d a q u a l
muitos encontram forças para vencer os obstáculos e darem um
basta ao sofrimento.1035
1033
MACEDO, Edir. O poder sobrenatural da fé. 3ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Universal, 1991, p. 157.
1034
Id. O Espírito Santo. 4 ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Universal, 1992, p. 96.
1035
Revista Plenitude, Rio de Janeiro, Universal Produções, n. 95, p. 29, 2003.
1036
Folha Universal, Rio de Janeiro, 23 jan. 2003, p. 8.
1037
Ao estabelecer o número de “setenta” pastores a IURD se apropria de crenças judaicas que valorizam a
numerologia, conforme registros apresentados principalmente no Antigo Testamento.
313
sobre a enfermidade, para que “o Senhor estivesse completando a obra dele”.1038 Nesse
sentido, a IURD resignificativamente reedita a festa de Pentecostes ou do Espírito Santo
praticada pelo catolicismo, na qual também uma larga tira de pano vermelho, amarrada ao
altar, é estendida em todo o comprimento do templo por sobre a cabeça dos fiéis, sendo
recortada em pequenos retalhos para ser distribuídos aos fiéis. Pode se constatar também uma
versão da “Bênção do Divino” - bastante tradicional no catolicismo - mediante a qual os
devotos reverentemente beijam bandeiras, cobrindo com ela por um instante a cabeça, com o
propósito de buscar resultados com caráter mágico especialmente em situações de grande
aflição.
Em culto realizado por Edir Macedo na IURD do bairro do Brás, na capital
paulista, constatou-se, numa observação participante, que o templo, com capacidade para
aproximadamente 5 mil pessoas, estava completamente lotado. O bispo desenvolveu sua
pregação enfatizando “as respostas que Deus dá aos aflitos que a ele recorrem em templos de
aflição e angústia”. No momento da oração, chamou à frente os que desejavam se “libertar de
seus males e angústias”. O altar foi tomado pela multidão. O bispo canta e desafia o povo a
entoar junto com ele uma letra que convida a “entregar-se completamente a Deus”. Um
estado de profunda emoção toma conta do lugar. O líder então profere palavras de repreensão
ao demônio, “determinando” a cura, o milagre, a prosperidade. Após o êxtase coletivo, passa-
se ao momento do ofertório. Macedo indaga os fiéis:
Q ua n t o s e s t ã o a q u i p o r q u e o u v i r a m a m e n s a g e m d a i g r e j a a t r a v é s
de um programa de rádio? Através da televisão? Ou conheceram a
igreja através de literaturas? Alguém deu sua oferta para patrocinar
estes programas ou para pagar o aluguel do imóvel quando o templo
f oi a q u i i n s t a l a d o . P o r i s s o , a s u a o f e r t a h o j e s i g n i f i c a t a m b é m a
oportunidade que outros terão para ouvir esse evangelho através dos
diferentes projetos da igreja.
1038
Observações participantes realizadas no templo da IURD em Santo Amaro, out. 2004.
1039
Observação participante realizada no templo da IURD no Brás, em São Paulo, 05 mar. 2006.
314
na ocasião.1040 Para esse rito, os fiéis são convocados a vir ao templo e, no momento oportuno
do ritual, efetuar uma substituição do anjo da guarda que têm tido até então – em razão de
terem pertencido ao catolicismo ou de outras crenças até então professadas – por outro que,
funcionalmente, passará a ser, de fato, eficaz. Segundo o bispo Macedo, em reunião realizada
na Catedral da Fé, no Rio de Janeiro, essa corrente visava pedir que os anjos poderosos
viessem guardar os fiéis: “porque balas perdidas têm ceifado muitas vidas nessa cidade. A
coisa está incontrolável. Só Deus para mudar essa situação”. Durante a reunião, o bispo
Macedo enfatizou que “diante de tantos problemas como violência, desemprego,
desentendimentos nos lares, entre outros, a pessoa necessita ter um anjo mais forte para
acompanhá-la”. A idéia da campanha surgiu a partir da leitura do texto bíblico de Daniel
10:13, que diz: “mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por 21 dias; porém Miguel, um
dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia”.1041
Em setembro de 2004, por exemplo, a IURD realizou a “campanha da
revolta”, mediante a qual os iurdianos poderiam exteriorizar situações de amarguras, revoltas
contra o Diabo e esperanças de mudanças. Em uma de suas programações de rádio, 1042 foi
possível registrar o quadro descrito, a seguir. Atendendo os ouvintes ao telefone, o pastor
usou os seguintes termos: “Alô, irmã, tá revoltada? Vá até à Igreja para manifestar a sua
revolta, pegue o seu envelope”. A ouvinte responde: “Estou revoltada contra esse Diabo
desgraçado, que é o responsável pelo baixo salário de cento e sessenta reais que estou
ganhando”. Ao saber que a ouvinte ainda não havia retirado o respectivo envelope de
contribuição e de inclusão dos motivos de sua revolta, o pastor disse: “Então você não está
revoltada nada, porque ainda não tomou a decisão”, insistindo que a mulher procurasse um
templo e retirasse o envelope, dizendo que as pessoas, fazendo isso, estariam “pegando o
Diabo pelo pescoço”.
Vale ressaltar que a prática de duelos e desafios é um elemento muito
presente na cultura brasileira, isto não só no plano artístico, expresso em composições
musicais e poéticas, como também nas celebrações religiosas. Esse capital simbólico se faz
presente em romarias e peregrinações, quando as pessoas expressam suas relações com o
sagrado por meio de um duelo que envolve promessas e pagamento do prometido, quase
sempre por meio de sacrifícios corporais, de tempo ou de dinheiro. Por meio desses gestos
demonstra-se à divindade a coragem, ousadia e disposição dos devotos. Rubem César
1040
Gravação de programas veiculados pela Rede Record de Televisão e rádios Atalaia AM e Gospel FM, de
Londrina, em fevereiro de 2006.
1041
Folha Universal, Rio de Janeiro, 13 ago. 2004, p. 8.
1042
Ponto de Luz. Londrina, Rádio Atalaia AM, 29 set. 2004. Programa de rádio.
315
Fernandes se refere a tais formas de expressão social num estudo sobre os romeiros a um
santuário católico, localizado na cidade de Pirapora do Bom Jesus. Para alguns daqueles
peregrinos, “romaria é coisa para corajosos”, para “pessoas ousadas” e nunca para
“medrosos”.1043 Também Carlos Rodrigues Brandão analisa as festas populares como “folia
de reis”, “folia do divino” e, especialmente, as cavalhadas, como reminiscências de guerras
mantidas por portugueses e mouros na Idade Média.1044 Esses rituais são de desafios e contra-
desafios, que podem ser usados pelo povo como expressão de seu inconformismo a
determinadas situações, expressando de uma maneira simbólica sua disposição de vencer as
dificuldades da vida, sempre atribuídas à presença de forças do mal.
Percebe-se com isso a forte presença cultural que reside na compreensão de
“desafio” nos ritos que a IURD realiza. Participar dos rituais, seja “campanha” ou “corrente”
de fé, é ser colocado diante de um repto que envolve provocações e exige mudança nas
condutas. É constante o fiel ser ali desafiado a desempenhar papéis que mexem com os seus
brios. Essa atitude de desafio pode ser a de ir à Igreja, contribuir financeiramente, ir à frente
no altar, no momento em que o pastor faz um apelo para um determinado compromisso, de
acordo com os diferentes ritos que se desenvolvem. Os ritos dramatizam “batalhas” ou uma
“guerra espiritual” que está em andamento, entre as forças de Deus e dos demônios, diante da
qual não se pode permanecer neutro.
Em relação à eficácia dos rituais, pode-se dizer que essa se deve a “um
sistema coerente que fundamenta o universo” cultural na qual os participantes estão
inseridos. É esse “universo mítico que executa as operações” - observa Lévi-Straus.1045 No
momento em que o ritual se organiza “mecanismos se ajustam espontaneamente, para chegar
a um funcionamento ordenado”.1046 E, vale citar que, se os elementos simbólicos “não
correspondem a uma realidade objetiva, não tem importância: os participantes acreditam
nela, e eles são membros de uma sociedade que também acredita”.1047 Orientados por um
habitus, ao mesmo tempo que produtores de novos habitus, os ritos e símbolos praticados
pela IURD promovem, assim, indissociabilidade entre o “físico e o espiritual” – elementos
comumente distinguidos. Destaca-se o fato do simbólico não ser entendido como mero
reflexo do real, nem como simples subjetividade, o que aponta para a necessidade de
superação da dúvida cartesiana que pressupõe a idéia da humanidade ser exterior ao seu
1043
FERNANDES, Rubem César. Os cavaleiros do Bom Jesus: Uma introdução às religiões populares. São
Paulo: Brasiliense, 1982.
1044
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Cavalhadas de Pirinópolis. Goiânia: Edições Oriente, 1974.
1045
LÉVI-STRAUSS, C. O feiticeiro e sua magia, p. 228.
1046
Id., ibid., 229.
1047
Id., ibid., p. 228.
316
considera seitas,1052 usando para isto a força de seus dogmas. Entretanto, parece ocorrer algo
já observado por Weber:
Q ua n t o m a i s a r e l i g i ã o s e t o r n o u l i v r e s c a e d o u t r i n á r i a , t a n t o m a i s
literária tornou-se e mais eficiente foi no estímulo ao pensamento
leigo racional, livre do controle sacerdotal. Dos pensadores leigos,
porém, saíram os profetas, que eram hostis aos sacerdotes; bem
c om o o s m í s t i c o s , q u e b u s c a v a m a s a l v a ç ã o i n d e p e n d e n t e d e l e s e
dos sectários.1053
1052
O historiador Cláudio DeNipoti, ao analisar a obra de David Hall, sobre a Nova Inglaterra, afirma que a
mesma apresenta interessante contribuição para se verificar “como ministros protestantes buscaram impedir que
ocorressem excessos na livre interpretação da Bíblia, principalmente através da perseguição de profetas e
visionários que se diziam inspirados por Deus, cujo exemplo máximo são os julgamentos de supostos
feiticeiros, em Salém, em 1692”. Cf. DENIPOTI, Cláudio. Op. cit., p. 22.
1053
Weber, Max. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: Weber, Max et al. Ensaios de Sociologia. 5
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, p. 402.
1054
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 17.
1055
Id., ibid., p. 116.
1056
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um empreendimento
neopentecostal, p. 82.
1057
Id., ibid., p. 50.
1058
CHARTIER, R. Leitura e leitores na França do Antigo Regime, p. 126.
318
1059
Id., ibid., p. 270.
1060
Apud. CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Brasília: UNB, 1999, p. 13,14.
1061
Neste sentido, pode-se afirmar que a prática de leitura iurdiana trabalha na contramão do sistema escolar que
propõe eliminar este caráter místico, conforme análise feita por Bourdieu. Para este autor o sistema escolar tem
esse efeito de se contrapor ao caráter místico de leitura, desenraizando a expectativa de “profecia”, no sentido
weberiano de “resposta sistemática a todos os problemas da existência”. In: CHARTIER, R. Práticas da
Leitura, p. 241.
1062
BOURDIEU, P. Razões práticas, p. 107.
1063
CHARTIER, R. Práticas da leitura, p. 64.
1064
DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras,
1990, p. 147.
319
Assim, tais sistemas de esquemas de “percepção, apreciação e ação”, geradas pelo habitus,
permitem tanto operar atos de reconhecimento prático, fundados no
mapeamento e no reconhecimento de estímulos condicionais e
c on v e n c i o n a i s a q u e o s a g e n t e s e s t ã o d i s p o s t o s a r e a g i r , c o m o
também engendrar, sem posição explícita de finalidades nem cálculo
racionais de meios, estratégias adaptadas e incessantemente
renovadas, situadas porém nos limites das constrições estruturais de
que são o produto e que as definem voltou-se para a construção de
uma teoria da ação, são as “estruturas estruturadas e estruturantes”
que viabilizam a própria vida social.1073
1070
WOLFGANG, Iser. O ato da leitura: Uma teoria do efeito estético. Vol. II. São Paulo: Editora 34, 1999, p.
82.
1071
DENIPOTI, C. Op. cit., p. 14, 20.
1072
BOURDIEU, P. Razões práticas. Sobre a teoria da ação, p. 144.
1073
Id., Meditações pascalianas, p. 169.
1074
Observação participante realizada no templo da IURD em Londrina, 20 maio 2005.
321
Chartier, no sentido de que “as obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades
físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou narra,
declamadas num palco de teatro”.1075
Na IURD “os textos constroem representações e imagens”.1076 Observa-se
que o papel da fala, nos rituais, “não é apenas comunicação, mas poder e sabedoria; não
consiste somente num aglomerado de palavras e de sentenças, mas tem valor ontológico”,
sendo capaz de “remodelar o ser” dos que dele participam ao promover a passagem de uma
condição para outra, a substituição de uma condição anterior.1077 Nesta elevação simbólica a
posições de autoridade, “os fracos passam a agir como se fossem fortes”.1078 Exemplo disso
também se pode observar por ocasião do batismo: nas instruções preparatórias são citados
recorrentemente aos neófitos textos que lhes asseguram ser “despojados” de sua condição de
pecado, de maldição e de “velha vida” para o renascimento a uma “nova vida” de posição de
“filhos de Deus”, adquirindo-se, dessa maneira, o direito de viver com todos os “privilégios”
que tal condição representa. Pelo ato das palavras, naquele momento os ritos promovem
“status”.1079 A IURD opera num campo de leituras codificadas, de saberes populares,
promovendo, ao mesmo tempo, uma resignificação das leituras já existentes no referido
campo. Essas dramatizações proporcionam também aos participantes uma saída momentânea
do presente e um reencontro com dimensões sagradas da existência, conforme estudos feitos
por Mircea Eliade.1080 Esse tempo sagrado, segundo Eliade, é percebido pelo ser humano
como indestrutível e capaz de promover ordem. Volta-se a ele nos rituais e festas. Estes
permitem a invasão e alteração do presente por forças do passado, fazendo que as pessoas
distantes no tempo e no espaço se tornem “contemporâneas dos deuses”.1081 E, nas práticas da
IURD se observa, por exemplo, que os chamados pontos geográficos sagrados da Terra Santa
são conectados com os “espaços sagrados” em que estão localizados os fiéis.
Ainda neste item, constata-se que nessa Igreja a leitura bíblica se torna
como que uma chave usada para abrir espaços temporais residentes no imaginário dos seus
adeptos. A participação nos ritos, mediada pela leitura da Bíblia, representa não só um
mergulho nos “tempos bíblicos”, como também em um imaginário moldado pela tradição
1075
CHARTIER, R. A ordem dos livros, p. 8.
1076
Id. Leitura e leitores na França do Antigo Regime, p. 377.
1077
Id., ibid., p. 127.
1078
Id., ibid., p. 202.
1079
Essas expressões são enfatizadas pelo bispo Macedo quando fala sobre o significado do batismo, em artigo
na Folha Universal, intitulado “Batismo, o ato de sepultar a carne”. In: Folha Universal, Rio de Janeiro, 08 out.
2006, p. 2.
1080
ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões, p. 102,117.
1081
Id. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 313, 314.
322
ininterrupta do texto”, acrescentando-se que tal “recorte pode ter implicações fundamentais
quando se trata de um texto sagrado”, por “provocar uma obliteração à coerência da palavra
de Deus”, propiciando maior facilidade a cada “seita ou partido religioso de fundar a sua
legitimidade sobre os fragmentos da Escritura que mais lhe pareçam confortáveis”. 1084 Essa
mesma temeridade, portanto, poderia paralelamente retratar a opinião do protestantismo ou
mesmo do catolicismo atuais a respeito do que vem ocorrendo nas práticas da IURD:
Basta a ele (o fiel de uma igreja qualquer) munir-se de certos
versículos das Santas Escrituras contendo palavras e expressões de
fácil interpretação (...) para que o sistema, que os terá integrado à
doutrina ortodoxa de sua Igreja, logo os faça advogados poderosos e
irrefutáveis de sua opinião. Essa é a vantagem de frases separadas e
da fragmentação das Escrituras em versículos que, rapidamente,
tornar-se-ão aforismos independentes.1085
1084
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros,, p. 18, 19.
1085
Id., ibid.
1086
NICHOLS, R. Op. cit., p. 151.
324
1087
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 39.
1088
CHARTIER, Roger. In: CHARTIER, Roger et al. Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado
de Letras, 2000, p. 31.
1089
Michel de Certeau. In: CHARTIER, A ordem dos livros, p. 12.
1090
CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 13, 14.
1091
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 93.
1092
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações, p. 123.
325
Sendo as práticas, por meio das quais o leitor se apropria do texto, histórica
e socialmente determináveis, o livro está “suscetível a uma pluralidade de usos, sendo
tomado dentro de uma rede de práticas culturais e sociais que lhe dá sentido” – afirma
Chartier, acrescentando ainda que “a leitura não é uma invariante histórica, mas um gesto,
individual ou coletivo, dependente das formas de sociabilidade, das representações, das
concepções da individualidade”.1095
1093
Id., ibid., p. 24.
1094
Ibid., p. 25, 26.
1095
CHARTIER, R. Leitura e leitores na França do Antigo Regime, p. 173.
1096
LE GOFF, J. O maravilhoso e o quotidiano no ocidente medieval, p. 63.
1097
Id., ibid., p. 67.
326
provocadas pelos demônios. Esse segmento religioso toma essas imagens projetadas para o
futuro e as antecipa, identificando sua ocorrência principalmente nos terreiros afro. As
sessões de exorcismo, feitas no templo, encarregam-se de reproduzir tais manifestações,
tornando-se momentos estratégicos para demonstração de que o diabo já está antecipando
para o tempo presente, o que anteriormente se costumava projetar para o devir escatológico.
Jacques Le Goff, no texto anteriormente citado, também mostra que no
conjunto gestual medieval proposto para o cristão, caracterizava-se o gesto da “subida e o da
interiorização; uma atração do alto e interior”. Na Igreja Universal, há uma inversão do fato:
as representações estão voltadas para “baixo”, para o terreno, para o plano material e para o
“exterior”, o que é demonstrado na ostentação de riquezas, saúde e prosperidade financeira.
Esse “terrestre presente” também promove uma alteração na própria escatologia cristã: a
“nova Jerusalém”, descrita como a cidade ideal, na mensagem do Apocalipse (Ap. 22),
projetada para o Além, na IURD a Jerusalém atual, geograficamente localizada na Ásia é que
tem valor simbólico, razão porque se tornou centro de peregrinação de líderes e fiéis iudianos
para a realização de seus ritos, como já observado anteriormente.
Em relação propriamente à morte, vale dizer que consiste num elemento
muito presente na cultura e na religiosidade brasileiras, ocupando, na longa duração, grande e
importante espaço na vivência da fé. O historiador Philippe Ariès, em notável pesquisa sobre
as atitudes do ser humano diante da morte, no Ocidente católico, entre a Idade Média e
meados do século XVIII, apresenta uma relação de muita proximidade entre vivos e mortos.
Usa a expressão “morte domesticada” para se referir à maneira como parentes, amigos,
irmãos de confrarias e vizinhos acompanhavam no quarto dos moribundos seus últimos
momentos. Observa também, como prática característica, a partir do século V, o costume
cristão de se enterrar os corpos dos mortos no interior das igrejas que freqüentavam ou em
cemitérios absolutamente integrados à vida da comunidade. “Uma sociedade em que
coabitavam os vivos e os mortos, em que o cemitério se confunde com a igreja no coração da
cidade” – destaca.1098
Essa prática religiosa-cultural de proximidade e inter-relação entre os
mundos dos vivos e dos mortos fincou também raízes no Brasil ao longo do período colonial.
O historiador João José dos Reis afirma que na Bahia da primeira metade do século XIX, por
exemplo, havia “uma cultura funerária com as características de raízes em Portugal e África”.
Destaca que em ambos os lugares prevalecia a idéia de que o indivíduo devia se preparar para
1098
REIS, João José dos. A morte é uma festa. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 73.
327
a morte, arrumando bem a sua vida, cuidando de seus santos de devoção ou fazendo
sacrifícios a seus deuses e ancestrais:
Tanto africanos como portugueses eram minuciosos no cuidado com
os mortos (...) Em ambas as tradições aconteciam cerimônias de
despedida, vigílias durante as quais se comia e bebia com a
presença de sacerdotes, familiares e membros da comunidade. Tanto
na África como em Portugal, os vivos – e quanto maior o número
destes melhor – muito podiam fazer pelos mortos, tornando sua
passagem para o além mais segura, definitiva, até alegre (...). Os
mortos ganharam maior importância no catolicismo popular, ainda
impregnado de fortes componentes mágicos e pagãos.1099
1099
Id., ibid., p. 90.
1100
Id., ibid., p. 91.
1101
Id., ibid., p. 267.
328
atribuições dos pastores. Em seu regimento interno, artigo 32, que trata das funções do
pastor, não há nenhuma menção à assistência às famílias enlutadas. Em outras igrejas
evangélicas é comum os pastores dirigirem ofícios fúnebres nos velórios, templos, casas de
família ou cemitérios. Já os pastores iurdianos, simplesmente se calam diante da morte. Em
entrevista com famílias, em Londrina, perguntando sobre os procedimentos da IURD quando
do falecimento de algum membro, os depoimentos apresentaram informações comuns:
estando ainda hospitalizado, antes de morrer, o doente, nos casos em que houve solicitação
da família, recebeu uma visita de um obreiro da Igreja, o qual orou pela cura do enfermo,
desafiando-lhe a acreditar que seria possível ocorrer um milagre. São oportunas as
observações feitas por Philippe Ariès sobre as mudanças de comportamento diante da morte
no mundo contemporâneo:
H oj e , n o s h o s p i t a i s , e c l í n i c a s e m p a r t i c u l a r , n ã o h á m a i s
c om u n i c a ç ã o c o m o m o r i b u n d o . E l e n ã o é m a i s e s c u t a d o c o m o u m
ser racional, é apenas observado como um caso clínico, isolado, na
medida do possível, como um mau exemplo (...) Na medida do
possível, ele se beneficia de uma assistência técnica mais eficaz que
a companhia cansativa de parentes e vizinhos. Mas tornou-se, ainda
que bem cuidado e por muito tempo conservado vivo, uma coisa
solitária e humilhada.1104
1104
ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, p. 298, 299.
JUSTINO, M. Op. cit., p. 65.
1105
330
trabalho espiritual com terra de cemitério”; “alguém, tomado de inveja e de maldade, pegou
terra de cemitério e jogou no quintal da sua casa ou no pátio da sua empresa” – costumam
alertar os pastores. Assim, como parte de sua atividade, pastores e obreiros periodicamente
deslocam-se até aos cemitérios, especialmente à noite, para travar uma “batalha espiritual” e
desfazer os trabalhos de feitiçaria realizados naquele local contra a vida de pessoas que
passaram a freqüentar os seus templos.
Também por essas razões no túmulo de adeptos da IURD não se observa
nenhuma representação imagética que lembre, por exemplo, os costumes católicos. Por isso,
uma sepultura comum, sem inscrições lapidais e ornamentação sacra é o modelo
normalmente adotado. A ida ao cemitério no Dia de Finados, outro costume religioso
presente no contexto brasileiro, também só ocorre com um propósito: entregar panfletos
evangelísticos e fazer convite para que as pessoas compareçam à Igreja. O cemitério é visto
como representação viva das mazelas realizadas por aquele que “veio para matar, roubar e
destruir”, o Diabo.
332
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1108
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas, p. 92.
335
SCHMITT, Jean-Claude. Ritos. In: LE GOFF, Jacques ; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). Op. cit. p. 423,
1110
424.
336
Uma análise sobre o crescimento da IURD em outros países, em diferentes contextos, pode ser encontrada na
1112
obra: CORTEN, André; DOZON, Jean-Pierre; ORO, Ari Pedro (Orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus: os
novos conquistadores da fé. Op. cit.
337
Tal quadro social evidentemente gera uma busca desenfreada por respostas mais rápidas,
pelos meios “sobrenaturais”, criando-se, então, um terreno fértil para a operosidade da magia.
Porém, há mecanismos internos que garantem o funcionamento dessa
Igreja, independentemente de crises externas: um universo de crenças que concebe o Diabo
como um agente causador de permanente ameaça à vida pessoal e familiar; a prática do
exorcismo e conseqüente proteção em face do mal; a proposta de vida mais longa e feliz; a
antecipação das benesses do paraíso para o mundo presente; a construção de identidade no
âmbito de um grupo; ou então, a necessidade de se legitimar o acúmulo de dinheiro e a posse
de bens, pois como observa Max Weber, “os ricos não se contentam em serem poderosos e
felizes: querem ser assegurados que sua felicidade terrena é a recompensa celeste por sua
prática de virtudes”.1113
Por toda a abordagem desenvolvida ao longo desta investigação
historiográfica constata-se que a IURD, evidentemente, não é apenas magia. Ela opera
eficazmente a combinação de vários elementos presentes no campo religioso brasileiro.
Desafiando os instrumentos conceituais explicativos, a alquimia iurdiana faz que o conjunto
de elementos, alguns inclusive aparentemente contraditórios, funcione com êxito e nisto
reside o seu principal segredo. Esses elementos que dão sustentação às suas práticas estão
culturalmente constituídos, daí a necessidade de se pontuar as raízes históricas de suas
práticas, como especificado, a seguir.
Terceiro, o movimento iurdiano exige novos parâmetros conceituais
explicativos. Há novidades, há rupturas apresentadas pela Igreja Universal que definem a
vivência de novas tipologias em relação ao sagrado. Essa inovadora e emblemática
configuração religiosa no Brasil contemporâneo extrapola os instrumentos conceituais
normalmente utilizados para análise do campo religioso em suas manifestações. Desse modo,
a IURD desafia historiadores, antropólogos e sociólogos, convocando-os inclusive a rever
conceitos ou categorias de análise até então empregadas para a compreensão das expressões
de fé. A Universal, por exemplo, inovou no emprego da magia. Suas práticas quebraram
paradigmas clássicos, a saber: “a magia tem uma clientela, não se constituindo, portanto, em
“igreja”;1114 “há nos procedimentos do mago algo de profundamente anti-religioso”, sendo
por isso necessário “encontrar o ponto em que se distingue”.1115 Convencionalmente, religião
e magia também têm sido separados em relação à garantia do efeito desejado: na religião, o
1113
Apud OLIVEIRA, P. A. R. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu. Op. cit., p. 100.
1114
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa, p. 76.
1115
Id., ibid., p. 75.
338
em bacias cheias de água benta e sal aspergidos nos fiéis para que sejam libertos, o que indica
uma apropriação desse universo de uma magia popular difusa, mas muito comum nos rituais
de umbanda. O simbolismo do fogo também está presente numa relação com os rituais afro-
brasileiros. A arruda às vezes é conduzida pelo fiel para captar o mal existente em casa e nos
moradores, sendo depois levada de volta ao templo para ser queimada. Envelopes contendo
dinheiro e os pedidos dos fiéis iurdianos escritos num papel também são levados para a “terra
santa de Jerusalém”, onde são queimados ritualmente. Nos ritos de encenação praticados esse
segmento religioso entende ocorrer a vivência do Evangelho. A emoção compartilhada se dá
numa plenitude de sentido, num eixo “vertical” que liga os homens às potências sagradas que
o mobilizam. O mito está inextricavelmente misturado ao “rito”, cujo desenrolar desempenha
funções. E vale considerar que o mito encontra-se imerso na história e também nas
transformações inerentes à duração histórica, por isso, o seu sentido reside, antes de tudo, no
seu desempenho no presente e se torna real e eficaz quando é recriado. Com isso, modifica-se
a cada ocorrência, já que a forma, as circunstâncias e os agentes nunca são exatamente os
mesmos – razões por que na IURD sofreram mutações.
Quinto, a Igreja Universal conquistou um capital simbólico decisivo no
campo religioso brasileiro: o transe. Quando são analisados os dados estatísticos de filiação
religiosa no Brasil, surge uma inevitável questão: por que a IURD escolheu o candomblé, a
umbanda e o espiritismo como principais alvos de seu ataque, considerando-se que, juntos –
segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000 – essas expressões religiosas somam apenas
1,7 da população, enquanto que o catolicismo representa, segundo estas mesmas fontes, 73%
do cenário nacional? Esse combate às religiões afro-brasileiras parece operar, então, como
uma estratégia às avessas, ou seja, objetiva-se tomar posse de um dos principais bens
simbólicos para um grande segmento da população, que é a experiência do transe religioso,
transformando-os em um valor interno do sistema iurdiano.
Há um capital simbólico de crenças mediúnicas constituídas no campo e a
IURD empreendeu a conquista desse valor cultural. Na configuração religiosa do país, o
transe ocupa um papel histórico central na mediação entre os grupos étnicos e sociais
portadores, a princípio, de diferentes patrimônios culturais que entraram em contato. Mircea
Eliade1120 utiliza o termo xamã para se referir ao mago ou ao feiticeiro que acredita, através
do estado de transe, entrar em contato com seres sobrenaturais sejam eles as almas dos
antepassados ou diferentes tipos de espíritos. Este é caso da maioria dos líderes espirituais
ELIADE, Mircea. El chamanismo y las técnicas arcaicas de extasis. México: Fondo de Cultura Económica,
1120
1994.
341
indígenas.1121 A maior parte do trabalho do xamã consiste em efetuar curas por meio do
controle dos espíritos que provocam as doenças e, até mesmo, a morte. Durante o ritual de
cura o pajé entra em transe ao receber o espírito. “É durante esse transe, enquanto está
possuído pelo espírito, que o pajé cura”.1122 Foi também por meio do transe que deuses
africanos romperam suas linhagens e se “abrasileiraram” ao descerem nos corpos dos seus
filhos na nova terra - negros, mestiços e, finalmente, brancos; ou que índios e escravos, na
condição de divindades veneradas, puderam voltar à terra para a remissão das injustiças
sociais e habitar os mais diferentes corpos na forma de caboclos e pretos-velhos. O
pentecostalismo clássico, pela experiência do “batismo com o Espírito Santo” - evidenciado
pela capacidade de se falar em “outras línguas” – reintroduziu no campo das religiões cristãs
uma relação de proximidade do indivíduo com o sagrado, mediada pelo corpo em êxtase, que
há muito vinha sendo combatida em virtude da proposta de conversão racional e
desencantamento. A possibilidade de receber “na pele” o próprio espírito de Deus recupera a
experiência extática no cristianismo, das devoções folclóricas mais próximas que descartam
os intermediários e enfatizam o monoteísmo na figura do Espírito Santo. Daí a importância
do episódio de pentecostes como mito bíblico legitimador desse movimento, nomeando-o,
inclusive.
Em relação ao transe religioso, observa-se, entretanto, que na
operacionalização desses elementos a IURD promove uma ruptura com práticas do próprio
pentecostalismo: as divindades da umbanda assumiram lugar na cosmogonia do culto,
inclusive em detrimento do transe do próprio Espírito Santo. O ápice desse transe ocorre no
momento das sessões de exorcismo, com aqueles que “manifestam” possessão por “espíritos
malignos”, com os quais o líder fala diretamente entrevistando-os, num “diálogo do além”.
Às vezes, o pastor não se contenta com a resposta e pergunta novamente ao demônio se ele é
o espírito mais forte entre os inúmeros que estão ocupando aquele corpo. “Quem é o mais
forte?” “Quem é o chefe?” - enfatiza. Nota-se que a língua utilizada para esta comunicação
entre o mundo terreno e o mundo do “além”, neste caso, não é mais a “dos anjos”, e sim, a
língua dos homens e de sua cultura, no vernáculo dos líderes e fiéis.
Dessa forma, a IURD pretende monopolizar a experiência do sagrado,
vivenciada no próprio corpo, característica que tradicionalmente esteve sob o controle das
religiões afro-brasileiras e do espiritismo. Com tal estratégia, o movimento iurdiano objetiva
1121
A palavra tupi-guarani que designa xamã significa pai, grafada em português como pajé.
LARAIA, Roque de Barros. Religiões indígenas. Revista USP, Religiosidade no Brasil, São Paulo, n. 67, p.
1122
9, set./nov., 2005.
342
criar uma forma de atrair fiéis ávidos pela experiência com forte apelo mágico e extático,
retirando fiéis daquelas expressões de fé, com a vantagem da legitimidade social conquistada
pelo campo religioso cristão. Da apropriação de certos termos da linguagem, dos ritos, dos
símbolos, produzem-se alquimias que se transformam em instrumentos de combate em favor
da constituição e do monopólio do capital simbólico disposto no campo. Quando a Universal
admitiu o transe, recriando-o de forma específica, cravando-o no centro de seu ritual mais
elaborado, as entidades puderam irromper no seu universo religioso. Mais que o transitar de
entidades, o que de fato transitou e adquiriu uma nova fórmula foi o próprio transe,
conseguindo por meio de um processo de aculturação conjugar o pluralismo religioso do
campo religioso brasileiro. Nesse sentido, a Igreja Universal combate aquilo que, em parte,
ajudou a criar.
Sexto, há também, nas práticas iurdianas, um procedimento de
“desnaturação” de crenças existentes no campo. O termo “desnaturação” é utilizado por Le
Goff para se referir ao processo de luta da cultura clerical contra a cultura folclórica no
período medieval, quando “os temas folclóricos mudavam radicalmente de significado nos
seus substitutos cristãos”.1123 Um exemplo disso pode ser observado na experiência de
“audição de vozes”, identificada pela IURD como um dos dez sintomas que caracterizam a
possessão demoníaca. A Igreja rompe com práticas da tradição cristã, católica ou pentecostal,
que classifica tal elemento como recepção de sinais ou mensagens divinas, envolvendo
geralmente místicos, monges, ou santos.
Outro exemplo de desnaturação tem relação com os deuses das crenças
afro-brasileiras, pois uma das características da teologia da batalha espiritual empregada pela
IURD está na identificação dos demônios ou forças operantes do mal nas práticas daqueles
segmentos religiosos. O livro mais impactante de Edir Macedo deixa isso bem claro ao
apresentar em seu título uma provocativa questão: Orixás, caboclos e guias: deuses ou
demônios?
Também pode ser classificada como mudança de natureza a atitude
apresentada pela Igreja Universal em relação à morte. Nas práticas adotadas por católicos,
protestantes e outras religiosidades que operam no campo religioso brasileiro, há diversas
atitudes voltadas à preparação e às formas de “bem morrer”. Philippe Ariès situa na longa
duração os comportamentos preparatórios ocidentais em face da morte, destacando que entre
os séculos XI e XVI o indivíduo fazia o aprendizado da “morte de si”, numa representação
1123
LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no ocidente, p. 214.
343
mais individualizada, e depois, entre os séculos XV e XVI, preparações para a morte passam
a revelar sentimentos comuns e práticas coletivas. No mundo contemporâneo, porém,
mudanças de atitudes promoveram um “novo consenso [que] exige que se esconda aquilo que
antigamente era preciso exibir e mesmo simular, o seu sofrimento”. 1124 Por isso, na
civilização ocidental, passou-se “da exaltação da morte na época romântica, começo do
século XIX, à recusa da morte hoje”. Ariès destaca alguns fatores que contribuem
diretamente para isso. Inicialmente, os “novos donos” do domínio da morte não são mais os
familiares e os religiosos, mas a equipe do hospital, médicos e enfermeiros. Depois, o local
de se morrer não é mais a residência: “a morte recuou e deixou a casa pelo hospital”; esse
espaço restrito e privativo dificulta o ajuntamento de familiares e amigos. Em seguida, o
tempo previsto de chegada da morte se tornou muito mais “imprevisível”: em meio a
modernos recursos técnicos, o moribundo não mais sente a morte chegar; o seu tempo de vida
pode ser prorrogado por aparatos que “prolongam a vida”, “a morte não chega na hora
prevista, na hora certa”, o que dificulta a realização de cerimonial preparatório de “bem
morrer”. E por fim, além do individualismo que permeia as sociedades contemporâneas,
Ariès usa a expressão “os moribundos não têm mais status” para se referir ao abandono do
costume que as sociedades tradicionais tinham de rodear o moribundo e de receber suas
comunicações até seu último suspiro. 1125
Rompendo com comportamentos culturais de longa duração em relação à
morte, a IURD se aproxima das atitudes de escamoteamento típico da sociedade urbana e
industrial, indo, inclusive, além dessa indiferença: concebe a morte, o ambiente de hospital e
o cemitério como representações do mal, elementos que procura combater em suas práticas e
discursos. Ao contrário de preparativos para o “bem morrer”, luta-se para afugentar essa
ameaça por completo, pois é vista como uma presença demoníaca, sendo preciso, portanto, o
exercício da fé para não permitir que prevaleça. A morte se torna, portanto, símbolo de
derrota ou fracasso que confronta diretamente a mensagem, a proposição teológica e a função
dos ritos realizados pela Igreja: assegurar vida abundante e longa aos seus fiéis na dimensão
da existência terrena.
Sétimo, essa Igreja promoveu mutações ou revoluções culturais no campo
religioso brasileiro ao inovar as práticas de leitura da Bíblia. Mesmo recebendo identificação
de igreja evangélica ou protestante, a IURD rompe com procedimentos adotados por essas
tipologias na maneira de ler a Bíblia. Do modo tradicional de leitura pelo protestantismo - a
1124
ARIÈS, P. Op. cit., p. 149.
1125
Ibid., p. 293, 294.
344
início do século XX, os quais, segundo Bourdieu, eram vistos como “depositários de
segredos mágicos climáticos, de um saber para iniciados, com uma aura sacralizada”.1128 Ou
ainda, algo semelhante à leitura paradigmática,1129 identificada por Roger Chartier em
estudos que realiza sobre maneiras de ler ocorridas na Europa Ocidental, no século XVIII.
Naquele contexto também se adotavam “estilos de leitura religiosos e espirituais” que
promoviam “o acesso à verdade absoluta”,1130 sendo responsáveis pela orientação da vida em
diferentes dimensões. De igual modo, pela “freqüentação intensa dos mesmos textos lidos e
relidos” que “molda os espíritos, habituados pelas mesmas citações”,1131 a leitura mágica
iurdiana orienta a busca de proteção, prosperidade financeira nos negócios, saúde,
estabelecendo os ritos para guerrear e vencer o demônio. Por essa prática são criadas as
regras de comportamento, elaborados os argumentos para a entrega de “dízimos” e ofertas; é
ela que também dá sustentação ao poder exercido pelo líder e legitimação aos títulos que
ostenta, conferindo-lhe autoridade perante o grupo a fim de conduzi-lo.
Outra característica que se notabiliza é a prática de leitura coletiva,1132 que
transforma a Igreja Universal numa “comunidade de leitores”.1133 Diferentemente do
protestantismo clássico, ou mesmo do pentecostalismo - cujos fiéis prezam pela leitura
individual do texto bíblico, mantendo também o hábito de conduzir a Bíblia nas mãos quando
se dirigirem aos seus cultos - na IURD, os fiéis não costumam levar a Bíblia ao templo e nem
cultivam o hábito de ler individualmente as Escrituras como regra de sua espiritualidade. O
ato de ler possui, como principal característica a prática coletiva, mediada por uma leitura em
voz alta, feita pelo pastor ou bispo dirigente da reunião. Esta condução pelo líder se dá de
maneira participacional: os fiéis incansavelmente respondem à incitação do pregador para
que repitam os versos bíblicos no momento em que desenvolve a sua prédica. Transliterando
Chartier, pode-se dizer que nessa Igreja a leitura coletiva
visa engajar mesmo os mais humildes, mesmo os analfabetos que só
podem receber o escrito por intermédio de uma fala (...) mistura na
fé aqueles que lêem e os que ouvem. (...) Reunindo homens e
mulheres, letrados e analfabetos, fiéis de profissões e de bairros
diferentes, os cultos [iurdianos] são um dos lugares em que se
opera, em comum, a aprendizagem do livro.1134
A IURD, nesse aspecto, mais uma vez consegue atingir com eficácia um
dos elementos que marcam a sociedade brasileira, fazendo que a leitura se torne viável
mesmo a quem não dispõe de tal habilidade lingüística, como observa Sérgio Miceli, ao dizer
que “a televisão brasileira é integrada a uma função paraescolar”, tendo como um dos fatores
para o sucesso de audiência com esta qualificação, o “alicerce do analfabetismo”.1137
Pode-se dizer, então, que em suas práticas de leitura, a IURD promove a
vivência da fé mediante a reatualização de um processo histórico de longa duração, cortado
por novas técnicas ultra-modernas, que atingem a vida privada e o cotidiano. Com isso, em
tempos de novos e agressivos recursos de comunicação e expressão, a leitura
1135
DARNTON, R. História da leitura, p. 216.
1136
Apud BARZOTO, Valdir H. (Org.). Estudo da leitura. Campinas: Mercado das Letras, 1999, p. 65.
1137
Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 set. 2005, p. E1.
347
1138
Folha Universal, Rio de Janeiro, 30 abr. 2006, p. 18.
Id., ibid.
1139
348
iurdianos não cansam de enfatizar que “é dando (dinheiro) que se recebe”, destacando
inclusive uma relação eqüitativa entre a quantia doada e a proporção do milagre desejado. O
caminho de acesso a uma vida próspera e economicamente bem-sucedida, passa
necessariamente pelo ato de ofertar. Nesse sentido, a Igreja opera de acordo com as regras do
campo, promovendo modificações em relação ao protestantismo. Maria Isaura de Queiroz,
quando aponta para um substrato religioso que configurou o catolicismo rural no Brasil,
afirma que o culto dos santos, a festa da novena, as orações têm por objetivo assegurar a boa
vontade dos seres sobrenaturais e “uma retribuição”. Desta forma, a relação religiosa básica
entre os homens e o sobrenatural é a do “ut des, ou seja, dou para receber em troca”.1140 É o
princípio da reciprocidade e da troca, observado, por exemplo, no catolicismo folclórico, com
suas promessas individuais ou coletivas aos santos. Vale notar que essa prática de oferecer
algo para se obter o socorro divino, ou o pagamento pelos serviços do feiticeiro, é também
um componente do repertório simbólico das crenças afro-brasileiras.
O protestantismo, quando de sua inserção no Brasil, trouxe consigo uma
prática diferente: o chamado “evangelho da graça”, o qual pedia nada ou quase nada em
troca. Aliás, preocupou-se mais em oferecer gratuitamente literaturas, serviços religiosos tais
como educação, atendimento em hospitais e outros projetos de cunho social. Já a IURD, ao
contrário, não rompe com as regras culturalmente estabelecidas no campo: enfatiza a oferta
ou o sacrifício financeiro como mediação dos serviços religiosos que presta. Ao agir com
essas regras do campo religioso brasileiro, pela denegação da alquimia da oferenda, o
segmento iurdiano acaba se protegendo e se defendendo de acusações de charlatanismo ou
exploração financeira dos fiéis.
Mas a teologia da prosperidade, surgida inicialmente nos Estados Unidos,
com pregadores e autores de auto-ajuda, também ganha evidência nas práticas iurdianas por
modificar radicalmente um habitus católico: enquanto que para o catolicismo a ascese ou
abstinência de bens é vista como preparação para salvação, na IURD se enfatiza o mundo, ou
seja, ter bens é sinal ou prova da salvação alcançada. Sendo a miséria vista como sinônimo de
atuação do Demônio na vida das pessoas e conseqüente sujeição ao pecado e ao mal; obter
prosperidade e sucesso material representa estar mais próximo de Deus ou ser pertencente ao
seu reino. Enfaticamente, os pastores proclamam que ao crente está destinado não apenas ter
um bom emprego, mas tornar-se patrão ou empregador, ser rico e não pobre.
1140
QUEIROZ, Maria Isaura P. de. O campesinato brasileiro. Petrópolis / São Paulo: Vozes / EDUNESP, 1973,
p. 94.
349
1141
Também neste aspecto, generalizando, Eric Hobsbawm afirma que “a história dos vinte anos após 1973 é a
de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise” cf. HOBSBAWM, E. A era
dos extremos: breve século XX, p. 393.
1142
BASTIDE, Roger. Brasil, terra de contrastes. 5 ed. São Paulo: Difel, 1973, apud QUEIROZ, Renato da
Silva. Mobilizações sociorreligiosas: os surtos messiânico-milenaristas. Revista Usp, Religiosidades no Brasil,
n. 67, p. 133, 2006.
1143
Folha de Londrina, Londrina, 12 fev. 1976, p. 01 (Material disponível no acervo de Jornais da Biblioteca
Pública de Londrina).
350
1144
LEVINE, R. O sertão prometido: o massacre de Canudos, p. 330.
1145
OLIVEN, Ruben G. A antropologia de grupos urbanos. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 42.
1146
Robert Levine, referindo-se à experiência vivida pelos participantes do movimento de Canudos. Cf.
LEVINE, R. O sertão prometido: massacre de Canudos, p. 321.
1147
BOURDIEU, P. O desencantamento do mundo: estruturas econômicas e estruturas temporais, p. 102.
351
1148
Id., A economia das trocas simbólicas, p. 79.
352
compreensão plausível do fenômeno iurdiano requer abordagem pelo viés de uma história
cultural, como destacado nesta pesquisa.
A partir de parâmetros da História Cultural aqui utilizados foi possível
perceber mais profundamente que o êxito da Igreja Universal do Reino de Deus está na
combinação de elementos produzidos como capital simbólico no campo religioso brasileiro.
Nessa igreja, magia e instituição deixam de ser elementos opostos e se tornam
complementares. Enquanto “sindicato de mágicos”, a IURD não opera apenas com a magia.
Em sua alquimia, faz a combinação de elementos que a tornam simultaneamente também
igreja, movimento profético, com caráter messiânico-milenarista. No espaço iurdiano, bispos
e profetas, magos e messias, complementam-se no exercício de sua função. O conjunto de
seus ritos agrega compósitos culturais-religiosos legados pelo protestantismo,
pentecostalismo, catolicismo folclórico, religiosidade afro, tradições judaicas. O sagrado, em
seu estado mais encantado, é transversalmente cortado pelo emprego de recursos
ultramodernos. Sofisticadas estratégias de arrecadação financeira são adotadas sem que se
perca o aspecto emblemático da economia da oferenda em atos coletivos que transfiguram as
especulações meramente mundanas. A posse e o usufruto de riquezas materiais são obtidos
com mecanismos “sobrenaturais”. A geografia do “Além” pode ser alterada. O devir
escatológico já se torna presente. O messianismo também ocorre nas grandes metrópoles. A
cidade pode ser lugar de encantamentos em seu estado mais verticalizado. Enfim, a história
recente esconde raízes profundamente fincadas em substratos estabelecidos na longa duração;
a religiosidade pode ser historicamente construída, articulada a lugares sócio-econômicos e
políticos específicos, permitindo ser compreendida a partir de suas transformações no interior
das experiências vivenciadas pelos indivíduos e grupos sociais.
Portanto, nas práticas dessa Igreja, flutuações históricas criaram outros
deuses, propagados por novos agentes, seguidos por antigos e novos fiéis, que transformam o
campo religioso na mesma dimensão com que também são por ele transformados. Desse
modo, o cristianismo - que é uma religião de mistério - o revive na sua intensidade, com o
emblema do encanto, da força recriativa e da riqueza cultural historicamente estabelecidos e
perpetuados no folclórico contexto brasileiro.
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