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Capitulo 5 Luto e stress traumatico Susana Martinho de Oliveira ico 231 jgtem varias semelhangas entre 0 luto complicado e o stress trau- pomeadamente no que diz respeito a sintomatologia presente em pas as manifestagbes sintomaticas, caracterizada por sintomas intru- andes apartamentos de evitamento e aivagio fisologica. A investiga- so monstrado mas interesse ma problemi do stress psa So eatvaente 20 conhesimento do desevevimento da doenga (psrT —Perturbacio de Stress Pés-Traumatico), da sua manutengéo ¢ tr tamento, enquanto que 0 luto complicado carece de mais validago empi- rica. Dadas as caracteristicas que aproximam entio estas entidades noso- Jogicas, 08 modelos teéricos explicativos da PSPT oferecem também um quadro compreensivo do luto complicado, sendo por isso o processo em igualmente muito semelhante nestas duas perturbag6es. sitions terapia i Este capitulo aborda o luto e o stress traumatico e as suas especifici- dades. Na primeira parte, explora-se 0 conceito do processo de luto, abordam-se aspetos importantes a ter em consideracao no diagnéstico e avaliaglo, apresentam-se sumariamente alguns modelos te6ricos para a compreensio e intervengao no luto, destacando-se a conceptualizagao cog- nitivo-comportamental. Por tiltimo, desereve-se 0 processo psicoterapéu- tico, fazendo aluso a um caso clinico e apresentam-se consideragées finais ereflexdes sobre a problematica, Na segunda parte segue-se a apresenta- ao do conceito de stress traumatic, bem como o desenvolvimento da doenga (PSPT), destacam-se os modelos compreensivos da perturbacao, nomeadamente o modelo cognitivo-comportamental e descreve-se 0 pro- cesso psicoterapéutico, com a ilustrago de um caso clinico. Finaliza-se com aspetos relevantes a ter em considerago na intervencdo da PSPT e apresentam-se reflexdes fundamentais sobre o tema. Nas tltimas décadas temos assistido a uma crescente investigagao sobre a eficdcia das terapias de orientagao cognitivo-comportamental em diversas patologias, como é 0 caso da PSPT e do luto complicado. A psi- coterapia para qualquer uma das problematicas realca a intervengio ao nivel da integragio do evento negativo com outras experiéncias de vida do paciente, ao nivel da modificagéo de crengas e distorgSes cognitivas disfuncionais e ao nivel das estratégias de evitamento que mantém o Problema, ~~ PSICOTERAPIAS COBNTWO. CONG, Ae 232 Nag —_—— ss juto complicado peng Perturbacao de luto comp! Persistents . ‘Amorte é um assunto dificil de aes @ maioria g _ sendo ainda um assunto tabu na nossa sociedade. Como reat ia ao século XVIII a morte era encarada como um Acontecimenty te até mesmo familiar e proximo, em que 8 Pessoas morrigm ey wt acompanhadas por familiares, padre e amigos. Atualmente jg om a mento e constrangimento no contacto com a morte e as pessoas hh te, tendencialmente nos hospitas. omen (luto é um processo adaptativo, desenvolvimentista e Uuniversa) que sofre influénca da sociedade, cultura ¢ meio familiar onde tado esta inserido? Na verdade, em algum momento da nossa vida, tod. nés vamos passar por um processo de luto. O grau de Parentesco, ting de morte, a ligagao afetiva com a pessoa que morreu e os recursos inter. nos de cada um sio indicadores que faiitam ou nao a elaboracio den, luto normal. As interpretagGes religiosas sobre a morte também Podem inluenciar a forma como lidamos com a perda (ex.: nas religies como, budismo, que defende que ha uma continuidade entre a vida e a morte ohindufsmo que acredita na reencarnagdo, a morte ni é encarada como uma perda irreversivel). H4, portanto, uma dialética, entre a necessidade de se manter a ligagao com a pessoa que se perde e a necessidade de se continuar a vida sem a sua presenga. Lidar com a morte de um ente que- tido é um processo muito doloroso, uma experiéncia stressante para muitos € quando nao ¢ integrado de modo normal reflete-se em alteragdes no funcionamento cognitivo e emocional do enlutado? O luto sem complicagdes é uma resposta normal, transit6ria e de curte duragéo, Existe a expressio de softimento, tristeza, desespero e saudade, mas o enlutado continua a funcionar nas varias areas da sua vida. Um Processo de luto implica a aceitagéio da perda e a reconstrugao de signilr cado da vida apés essa perda, ou seja, a readaptagio do Eu a nova rer dade. Quando este processo néo se resolve e se reflete em perturb? © Arits, 2000, © Parkes, 998. © Basso & Wainer, 2011, co as enum wi we 233 sq (mental, emocional e comportam, | gat G@ a ental) instal hey io complica Processo de , gstico e avaliagao a9) so de luto é um processo Psicol6gico que j cn que impli o Mesociada a uma perda significativa, envolvendy me elaborar a it lacionadas com a aceitagio da perda e a posterior pee de iptacao es tel . contexto de vida. i vi wviduo ao Seu la. A maior parte das essoas, quando - fronted Tecupera sem complicagdes! coma morte de alguém querido, de luto normal, as reagdes 4 Lp oe 6s a perda, e vao di at eetd® Podem ser intensas, -diatamente ip b ‘iminuindo com 0 tempo, sendo que esta fase a pessoa normalmente preserva certos interesses e Q vivamente ao ambiente quando estimulada, Apés a perda & ae 3 Mando apresentar determinadas reagées emocionais (tristeza, raiva, iedade,culp2 Solidz0, alivio, entorpecimento, choque) isicas (vazio oestomago, aperto no peito ou garganta, boca seca, fraqueza muscular), copnitivas (preocupacao, descrenga, confusio, sensagao de presenca, alu- cinagies) & comportamentais (perturbagdo de sono, perda de apetite, sonhos um a pessoa que morreu, comportamento de evitamento, guardar objetos jy faecid evitamento)? Jé o luto complicado reflete-se numa disfuncio- sulidade como resposta a perda, observando-se uma dificuldade do enlu- tado em manifestar a sua dor, negando-a ou reprimindo-a? As investiga gies tem demonstrado que 10% a 15% das pessoas enlutadas desenvol- vem ]uto complicado# Com base na reviséo da literatura, na reanélise de dados e dos resul- tados em estudos de campo, o DSM-5§ propée critérios que sio titeis na aalacio da perturbagao de luto complicado persistente. A pessoa tem de vivenciar a morte de alguém com quem tinha uma relagao proxima e ‘perienciar na maior parte dos dias e com um grav clinicamente signifi- Se (iano 200 (ght 1998 pe Wainer, 2011, gh, 2004, A, cou, gsrmuwarico raf “ 233 ‘iva (mental, emocional e comportamen eat tal) i te complicado. nstala-se um Processo ée' gnstico eavaliagao ia de luto é um processo psi rocessO 8° PSicolégi ' . a gssociada a uma perda significativa, envolvendo ne oe eos relacionadas com a aceitacio da perda e ae a de iu ao seu contexto de vida. A maior parte das pena ttasto ott comamorte de alguém quetido,reeupera sem complicit No processo de luto normal, as reacdes 4 erda podem ser inte i 7 ediatamente apés a perda, e vio diminuindo com © tempo, send nsas, te esta fase a pessoa normalmente preserva ce ema + Ttos interesses e itivamente 20 ambiente quando estimulada, Apés a perda é nets ealutado apresentar determinadas reagdes emocionais (tristeza, raiva, apsiedade, culpa, solidao, altvio, entorpecimento, choque), fisicas (vazio oestmago, aperto no peito ou garganta, boca seca, fraqueza muscular), cognitivas (preocupacao, descrena, confusio, sensacdo de Presenga, alu- ciagSes) e comportamentais (perturbacao de sono, perda de apetite, sonhos coma pessoa que morreu, comportamento de evitamento, guardar objetos dofalecido, evitamento)? Jé o luto complicado reflete-se numa disfuncio- nalidade como resposta a perda, observando-se uma dificuldade do enlu- tadoem manifestar a sua dor, negando-a ou reprimindo-a3 As investiga- gées tm demonstrado que 10% a 15% das pessoas enlutadas desenvol- vem luto complicados ico que im, Com base na revisao da literatura, na reandlise de dados e dos resul- ‘ados em estudos de campo, 0 DSM-55 propée critérios que so titeis na ‘alagio da perturbagao de luto complicado persistente. A pessoa tem de YWenciar a morte de alguém com quem tinha uma relagéo proxima e petienciar na maior parte dos dias e com um grau clinicamente signifi- . ie (gh, 2004, ig 25.1998, (gt & Wainer, 2011, PSICOTERAPIHE COONTHO-COMRo pray, Tap 234 me ye tem de persistir pelo menos doze Meses ap cativo sintomas 1 de criangas). Assim, o enlutado tem q. .°* Mon . no caso . apy (seis meses ‘um dos sintomas como @ saudade Persistente go tty pelo esa edore smocional em resposta a morte, Preocupa in tidy, mégoa intel . circunstancias da morte, De m falecido € preoeupatio tem de apresentar ainda seis degsog «itty de sntomas@ rte; experienciar entorpecimenty »%: if em aceitar a morte; experien Hl eto emog, ail em relembrar de forma positiva o falecido; amarguy, ein acomde com a perda; avaliagdes peers sobre o pine relagdo ao falecido ou morte; evitamento marcado; desejo de more, se reunir com 0 falecido; dificuldade em confiar; sentimento de so ty ou desigamento dos outros; auséncia de significado de vid; sents idemidae diminoido; erda de interesses ¢ em planear ofatur, Qe pode ser traumatico (em casos de homicidio ou suicidio), 9 enlutay pode apresentar alucinagées (auditivas ou Wisunie), ter a sensagio de pr, senga do falecido e apresentar queixas somaticas (ex.: dor, fadign, qu. xas digestivas). No caso das criangas muitos dos sintomas sao expressys pelas brincadeiras, na regressio do desenvolvimento e em compor. mento ansioso ou de protesto em momentos de separagio ou reunitio, O luto complicado pode ocorrer em qualquer idade, grupo social ¢ cultura, sendo que os sintomas comecam habitualmente nos primeiros meses aps a morte. A prevaléncia oscila entre os 2,4% e 4,8%, sendo mais prevalente no sexo feminino? Existem alguns fatores que poden diminuir ou aumentar 0 risco de um Iuto se tornar complicado (Tabela 1, Alguns autores* tém realgado a semelhanga entre o luto complicadoe a PSPT, no entanto existem diferengas que convém destacar para o disg- néstico diferencial. As imagens intrusivas na PSPT incluem fragments da situacéo traumética, enquanto que no luto complicado o enlutadoter ‘arias memérias com o falecido, incluindo memorias positivas de qua “Pessoa estava viva. Na PSPT o estado emocional dominante ¢ 0 m= associado & meméria traumética, enquanto que no Tuto compliadoé* a « 2 angtstia relacionada com a auséncia do falecido. Por ott? ” S pacientes com PSPT tendem a evitar as memorias relacio™ q APA, 2014, Ex: Stroebe, Schut e Finkenhauer, 2001, 4 295 roblema, enquanto no luto compli ao o os! is 38 memérias com 0 falecido! Pacientes tendem a ar de risco e prot. qobela 1. Fatores! 'etores do luto co Mplicado es de risco? jagéo com ofalecido * Cognicdes do eniuta “er do (crencas reli Te ade do incu aetvo, Confanganasuaprépiaree no (tae dependnci afetiva Sentimento de utlidade eefrene spare OU ANG de cuidan; Se efckciano ato alidade pré-mérbida * Capacidade de Fesolucao de problemas sraraidade dependent, sentimentcs (panifcarativdadesedeenvnrre wrapacaadee de uerbildade); —aematasprate as dod tpenstcstouratices A MOE + Cpacade de autocad , ido (ex: morte por suicidio ca, ( dooste cue i i ‘apacidade de experienciar emoco: sunamiido, mote Inesperada; Positivas, eee pees de doenca docente querido pedo iagndstico da prépria doenca, ressio répida da doenca, duragao fescuidados prestados, sofrimento dodoente até falecer); «crengas elativas & morte; «ators afetivos(incapacidade emexpressar emogbes, raiva, culpa); + Hitria de miltplas perdas {tos recentes ou néo resolvidos); + Fetorescontextuais/familiares (problemas econ6micos, fata de apoio familiar); +Hstria de outras patologias como Adepresséo, ansiedade ou PSPT. ty oe = (op Yan den Hout & van den Bou, 2006. {yy 9998: Worden, 2009; Basso & Wainer, 2011. Neen aons 95 PsI0OTERAPASCOONTHO-COUP OR ye, 8 Ly ty 236 tebricos de intervensa0 NO Processo dey, Ss elo: Moe tualizagoes acerca do luto podem ter di i A fe ‘As teorias & concept mas referem-se todos dor da Perda, ity q fases, Seer asee . focos em os jnicia com a perda de alguém Significatiy ta um processo 4! da morte efetivada) e a sua elaboragio implgg até comer tao a realidade da perd, através de repay th ajustamento do enlutado a Niza, iti .ocional e comportament ee descrevem 0 processo de luto através de fr ie) aaa reensio mais desenvolvimentista ou uma a etapas e seja eat fa processo hé um ponto comum em todas ag = eed do luto, sendo que todas as perspetivas se referem ag Iuto ‘como um processo continuo, que pode ser mais ou menos longo, que implica dor e adaptagao & nova realidade. Durante o século XX defendeu-se a ideia de que para se Tecuperar totalmente de uma perda de um ente querido era necessério que 0 enly. tado se desvinculasse emocionalmente do falecido. Durante esse Deriodo, a compreensio do luto baseava-se no modelo de Freud! descrto em «Lato e Melaneolia», ue define o Iuto como um processo de diminux gradual de energia que lig o enlutado pessoa falecida (objeto perdi) De acordo com este modelo, a principal tarefa do luto é quebrar os lags om a pessoa falecida (ex.: as memérias), redistribuindo a libido noutras Pessoas ou atividades. Quando este processo néo se verifica, melancolia, a identificagao com o objeto libidinal perdido, baixa autoestima e a autoculpabilizacio excessiva, inexi normal. Entretanto, dos na comp dios ou bord. surge a a presenga de istentes no luto foram surgindo outros modelos ao longo dos anos, foca- reensio do processo de «luto normal» e baseados em esti- fases, conceptualizando o luto como um Processo que pode ter Gvangos € Teeuos, que nao implica que a relacdo com o falecido tenha de Ser quebrada, podendo haver um sentimento de presenga interna. Assim, oS anos 80, Bowlby* descreve o luto com base na sua teoria da vincule- S40, definindo quatro fases do luto: choque e negagiio (falha na aceitaca0 © Freud,agsy © Bow, 985, 10 yt88 aul 27 “ da figura de vinculacdo, ficando Paral ermanente de recy, a (tentativa pern are va 10 rgindoa ansiedade, medo e Tevolta); lesespero ed ida rates da ineficécia do Tegresso qj nte querid e ora tristeza, impoténcia, abandong lida vel 08 saudade, vai havendo uma recy ti if " ie estabelecendo novos Ia, ’ Mais recentemente i 1 7 enW gro modelo a destacar, 6 0 de! que Y€M propor cineg fases para a a ne do luto: a negacio (recusa em aereditar Na existéncia da Perda, eo comportamentos como se o falecido @Stivesse vivo); a revolta ota jo da zanga pela perda, Projetando-a nog Outros); a Negociacao (2 mento de algum tipo de sori Para que a sua vida volte a ser juda na religig, Z dantes, procurando ajuda igiao ou em técnicos de satide); a go (ocorre um sofrimento Profundo, surgindo a tristeza, culpa, 50 depres e medo); e a aceitacdo (maior Serenidade face & perda, com aesesperane resolucao de problemas e Comportamentos mais cine nt ta linha, Worden* vem propor um modelo em que se aborda ‘Ainda nest im processo de reaprendizagem Cognitiva, exigindo, por- oto aes de si e do mundo sem o ente querido que morreu. tanto, a aprent T necessariamente uma quebra dos lagos com a pessoa Nao tem de have uma mudanga nessa relagio (o enlutado néo esqueee 0 Se eat a seja posstvel investir em novas relagSes. Assim, eae estados ou fases que que adotam um Cer “finda e orientado do processo de luto, Worden? vem ee so de luto nao é linear. Neste sentido, propoe quatro ae aes © processo de luto, que podem ser revistas, a —— ocorrer simultaneamente (Tabela 2). adaptadas € ’ © Teorganizacag PETaGGO gradual de ing 608 aetivos). 4 eresses Bade ah 3s, 2008. (Baath Kibler-Ross Elizabeth Kibler-Ross, 2 "Worden, 2009, \cOTERAPIAS COGNITIVO-COMPORr, cst TAMENTay YoU 298 We Tabela 2. Modelo das tarefas de Worden (2009) bela 2: ide da perda 1. Aceitara realida | es i nto de procura de elagbo com ofalecido ea sua superas, mportamet a a ognitvaeemocional vas como ovelioe funeral jugar, im aaceitarairreversibiidade da perda). abil _- 2. Ultrapassara dor da perda Trabalhar a dor esuitante da perda,diminuindo comportamentos de evitamenty (estar memésias, evitar falar da perda, evitar locals, recurso a substincias psicoativas..). 3, Ajustamento ao meio onde falta a pessoa que morreu /Adaptacdo externa - desenvolver novos papéis e aprender novas competéncias. ‘Adaptacéo interna - de si mesmo, autoestima, autoeficécia; Adaptacéo ao espiritual -visdo acerca do mundo, das suas crencas, 4, Reposicionara energia emocional e continuar a vida Oprocesso de luto conclu-se quando a pessoa é capaz de falar do falecido sem dor, quando tem novamente interesse pela vida ese sente mais gratifcada, adaptando- {05 novos papéi se ee Mais recentemente, e com foco numa conceptualizacao cognitivo-com- Portamental, Boelen, van den Hout & van den Bout Propdem um modelo explicativo no desenvolvimento e manutengio do luto complicado (Figura 1). Baseando-se nas teorias cognitivas da

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