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178 outziaers comportamento, Cumpre vé-Io simplesmente como um tipo de comportamento que alguns reprovam e outros valorizam, estudando 0s processos pelos quais cada uma das perspectivas ou anibas, € consteuida e conservad : contra qualquer dos do pessoas que estudamos, a. Talvez a melhor garantia -lrerins seja o contato estveito com as | | | 10 A teoria da rotulacao reconsiderada* 0s fenémenos desviantes proporcionam hi muito tempo um dos temas centrais do pensamento sociol6gico. Nosso interesse tebrico pela natureza da orde por agdes consideradas prejudiciais aos indivicuos ¢ & sociedde, dirigindo nossa atengio para a ampla arena dos comportamentos que, segundo 0 caso, sio chamadlos de crime, vicio, Inconformisme, aberragio, excentricidade ou loucura. Quer concebamos isso como uum fracasso da socializagao e do sistema de sangdes ou simples: ‘mente como transgressio e mau comportamento,jueremios saber por que pessoas agem de maneitas desaprovadas. Nos iltimos anos, uma ahordagem naturalistica desses fend- rhenos' passou a se concentrar numa interagao entre aqueles que social combina-se com o interesse pritica sdo acusados de estar envolvidas na transgressio ¢ us que fazem essa acusagio. Vairias pessoas? conteibuiram para 0 desenvolvimento do que foi chamado de mai Desde as formulagdes iniciais, muitos criticaram, ampliaram ¢ questionaram esses esforgos; outeos contibuiram com importantes resultados de pesquisa Gostaria de reconsiderar esses desenvolvimentos e ver em que pé estamos.’ Que foi realizado? Que eriticas foram feitas? Que mudangas devemos fazer em nossas concepgbest Tres topicos em especial merecem discussio: a concepgio do desvio como ago coletivasa desmistificagao do desvio;e os dilemas morais da teoria cira infeliz de “teoria da rotulagio” * Este artigo foi apretentado pels primeira ver na reuniso da British Sociological Association, Londres, em abril de 1971, Viris amigas fzeram comentdros Utes sobre tim rascunho anterior. Quero agradecer especialmente a Eliot Freidson, Blanche Geer, Irving Louis Horowitz e Job I, Kitsuse. 179 180 Outsiders A teotia da rotulagdo raconsiderada do desvio, Ein cada caso, pretendo que minhas consideragoes se apliquem a pesquisa ¢ & anilise sociolégica de maneira geral reafirmando a fé de que o campo do desvio ndo € nada especia apenas mais um tipo de atividacle humana a ser estudado e com preendido, Eu poderia comegar resolvendo de forma suméria algunas questées em aparéncia Giffceis, de uma maneiza que deixard clare minha insatisfagdo com a expressio “teoria da rotulaga pensei que as formulagdes originais feitas por mim mesmo e por uttros merecessem ser chamtadas de teorias, pelo menos ndo teorias Nunca do tipo inteiramente sistematizado —o que elas vém sendo criti, dasagora por nif ser. Muitos autores queixaram-se de que a teor' da rotulagao nao fornece uma explicagio etiolégica do desvio.’ nem diz come as pessoas que cometem atos desviantes passam 31 fa lo —e especialmente por que elas o fazem, enquanto outras 4 sua volta nao, Por veres os criticos sugerem que uma teoria foi roposta, mas estava errada, Assim, alguns pensaram que a tori tentava explicar 0 desvio pelas reagd 5 que outros manifestavam, com relagio a ele, Depois que alguém era rotulado de desviant, segundo essa parifrase, comecava a fazer coisas dlesviantes, mas nio antes. Pode-se refutar facilmente essa teoria pela t fatos da experiencia cotidiana, Os proponentes originais da posigo, comtudo, nio presen taram solugdes para @ questio choldgica. Tinham objetivos mais modestos. Queriam ampliara érea abarcada pelo estud dos fend- menos desviantes, incluindo nela atividades de outros, além do ator pretensamente desviante, Supunham, é claro, que ao fazé-lo, ¢ 8 medida que novas fontes de variagao fossem incluidas nos céleulos, todas as questdes que os estudiosos do desvio convencionalmente consideravam ganhariam um aspecto diferente. Alem disso, «ato de rotular, tal como praticado por empreen: dedores morais, embora importante, nao pode ser concebido como 4 linica explicaguo para o que pretensos desviantes realmente fazem, Seria tolice propor que assaltantes atacam simplesmente porque alguém os rotulou de assaltantes, ou que tudo que um homos- sexual faz resulta do fato de alguém t2-lo chamaclo de homoxse- xual. No entanto, uma das contribuigdes mais importantes dessa abordagem foi centrar a atengio no modo como a rotulagdo poe © ator em ciicunstincias que tornam mais dificil para ele levar adiante as rotinas normais do vida cotidiana, incitando-o a agoes “anormais” (como quando um registro de passagem pela prisio torna mais dificil ganhar a vida numa ocupagio convencional, predispondo assim o sujeito a ingressar numa atividade ilegal). © {gra em que a rotulagdo tem esse efeito é,contudo, uma questo empirica, a ser resolvida pela pesquisa emi casos especificos e nito pot fiat tebrico$ Finalmente, a teotia, quando concentra a atengio nas aces inegiveis daqueles oficialmente encarreyados de definir desvio, 1ndo faz uma caracterizagio empfrica dos resultados de instituigoes sociais particulares. Sugerir que definir alyuém como desviante pode, em certas circunstncias, dispd-lo a uma linha particular de agao nao é o mesmo que dizer que hospiiais psiquidtricos sempre tornam as pessoas louicas, ou que prisdes sempre transformam pessoas em criminosos contumazes. A rotulagao aleangou sua importine inteiramente diferente, Classes de atos, v exemplos particulares deles, podern ou nao ser considerados desviantes por qualquer das varias audiéncias pertinentes que os vem. A diferenga na de- finigdo, no rétulo aplicado ao ato, influencia o que cada um, tanto puiblicos quanto atores, faz subseqiient Como observou Albert Cohen.*a teoria criou um espaco de propriedades de quatro células mediante a combinacdo de duas varisveis dicot6micas, 0 cometimento ouo ndo-cometimento de um dado ato ea definigao desse ato como desviante ou no, Nao se trata de uma teoria sobre uma das quatro células resultantes, mas sobre todas quatro e suas inter-relagdes. Em qual dessas células efetivamente localizamos © desvio propriamente dito é menos importante (apenas uma ques- tio de definigio, embora, como todas essas questOes, ndo-trivial) que compreender 0 que perdemos ao considerar apenas qualquer ‘uma das células sem ver sua conexao com as outras. teérica de uma maneira 181 182, Outsiders Minha propria formulagto original criow alguma confusie a9 referir-sea uma dessas variveis como compos tamento“obediente” (em contraposigao a “infeator da “gra”). A distingdo sus existéncia anterior de uma determinagao de que a infrigio da regra ocorrera, embora, claro, forse justamente o que a teoria se propunha a questionar. Penso que é melhor desereer a dimensio como comelimentoen cometimenio de um dado ato. Em geral, Eclaro, estudamos aqueles atos que wutros provavelmente definem como desviantes; isso maximiza nossas chances de ver o complevo drama deacusagio v definigan que esti no centro de nosso campo de estudo, Assim, podemos estar interessados em saber sv uma pessoa fama maconha ou se envolve em atos homossexuais em banheiros piblicos, em parte porque essesatos tem probabiladade de ser definidos como desviantes quando descobertos. No. os examinamos também, cla ‘omo tendmenos interessantes sob outros aspectos. Assim, ao estudar » uso de maconha, podemos focalizar o modo com as pessoas aprendem, por intermédio experincia fisiea? Au estudar encontros homussexuais em banheitos puiblicos, podemos examinar como as pessoas coordenam suas atividades por meio de comunicagao tacita.* Podemos também perguntar conio a alta probabilidade de que 0 ato seja definido como desviante afeta o aprendizado da atividade e sua continuagao. E uti ter um termo ue indique que outros irdo provavelmente definirtais atividades como desviantes sem fazer diss um juizo cientitico sobre se 0 ato é de fato desviante, Sugiro qute chamemos tais atos de “potencial- mente desviantes”. A teoria da rotulagio, portanto, nem é uma teoria, com today as realizagoes e obrigacdes que o titulo implica, nem esta tho exclu- sivamente centrada no ato da rotulagdo como alguns pensara-n, E maneira de considerar um dominio geral da atividade humana; urva perspectiva cujo valor aparecerd, se aparecer, na natior compseens Mes obscuras, (Movido por meu desagrado pelo rétulo convencional dadoa teoria, vou me referira ela, duqui em diante, como uma teoria interacionista do desvio,) interagao social, a interpretar sua propr antes am: 10 de coisas a A teoria da rotulagdo reconsiderada 0 desvio como ago coletiva 0s sacidlogos concordam que o que estudim a sociedade, mas ‘© consenso s6 persiste se nao examinarmoscom muita atengao a natureza da sociedade, Preluro pensar o que estudlamios em termos de agio colesiva. As pessoas agem, como principalmente Mead ¢ Blumer’ deixaram claro, juntas. Blas frzem 0 que fazem com um lho no que outras fizeram, esido fazendo e podem fazer no futuro. Uma pessoa tenta adequar sua propria linha de agio as agdes de outras, assim como cada unta delas ajusta stuls préprias agSes etn desenvolvimento 20 que vé outros tendo ¢ espera que fagam. © resultado de todo esse ajustamento ¢ acomodacéo pode ser chamado de alo coletiva, especialmente se tivermos em mente que © termo cobre mais que apenas um acordo coletivo cons- ciente para, digami \do-se também a Participar de uma aula na escola, fazer uma reieigfo juntos, ou atravessar a rua — cada uma dessas coisas vista como algo feito por uma grande quantidade de pessoas juntas Nao pretendo, ao usir termos como “ajustamento” e “acomo- dagio”, sugerir uma visio excessivamente pacitica da vida social, ou qualquer necessidade de queas pessoas sucumbam a coagoes socials, Quero dizer apenas que em geral as pessoas levam em conta 0 que std acontecendo a sua volta e 0 que provavelmente ind acontecer, depois que clas deciditem o que fara0. O ajustamento pode consistir em decidir que, como a policia vai olhar aqui, vou por a bomba ali bbem como em resolver que, como a polica vai vigian acho que: ‘You mais fazer bomba nenhuma nem pensar mais nisso. Nao pretendi tampouco, na discussdo anterior, sugeric que a vida social consiste apenas em encontros face a face entre individuos, As pessoas podem se envolver em interacZo intensa persistente ainda que nunca tentiam se encontrado face a face: a interagio de colecionadores de selos tem lugar em grande parte pelo correio, Além disso, o dar etomar da interagao,aacomodagio € oajustamento miituo de linhas de atividade ocorrem igualmente entre grupos ¢ organizagbes. O processo politico que envolve o entrar em greve, estende 183 184 Outsiders drama do desvio tem esse carater. Organizagdes econdmicas, asso- ciagdes profissionals, sindicatos, lobistas, empreendecores morais ¢ legisladores, todos interagem para estabelecer as condigGes em que aqueles que representam o Estado a0 impor as leis, por exemplo, interagem com aqueles ype presumivelmente as violaram, Se podemos ver quaiquer tipo de atividade humana como vole tiva, também podemos fazé-lo com o desvio, O que redunda disso? Um resultado éa visto geral que quero chamar de“interacionista” Em sua forma mais simples, teoria insiste que consideremos toxias as pessoas envolvidas em qualquer episédio de pretenso desvia, Quande 0 fazemos, descobrimos que essas atividades exigem i ‘cooperagao uberta ou tacita de muitas pessoas para ocorrer de tal maneira. Quando trabalhadores ‘s40 industria, eles o favem com a ajuda te inspetores, homens da ‘amam para restringir a produ. manutengao © o homer no depésito de ferramentas."* Quando membros de uma firma industyial furtam, eks o fizens com a cooperagio ativa de outies acinna © aixo deles nia hierarquia dda empresa." Bssas observagiics, por si s6s, langam d:ivida sobre teorias que procuram as origens de atos desvinntes na psicologia individual, pois teriamos de postular um encontro miraculoso de formas individuais de patologia para explicar as formas com- Plicadas de atividede coletiva que observamos. Como é¢ ifieit

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