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COLEGAO HISTORIA DO PARANA Vida Material Vida Econémica CARLOS ROBERTO ANTUNES DOS SANTO aes aoe f | ll 310282 Levtel-[el Tamm ale lu Met lence elementos mais frequentemente associados a idee lo Mert) ree: Lat: Industrializar e urbanizar oldie Luke tw me ene) ocidental quase que sindénimos ColXeltT label ale Leereuiiies) e social, marcando a passagem da sociedade tradicional para a Dieters No Parana o tema da industrializagao foi algado a condigao de principal objeto da agao governamental logo apés. a Segunda Guerra Mundial, Superar a vocacao agricola do nosso Estado e erigir uma Cree Reet Me LU el um objetivo perseguido por Pet CU Cece ot mod) governos estaduais desde PEER UC MUM UCU piles slim Me LUM erie Uti} graus de éxito. Ja no que se refere a urbanizagao, o Parana pode aspirar a condigao de Unico detentor de uma experiéncia bem sucedida na area do planejamento urbano, No caso, a propria capital do ere lem Este livro se prop6em a interpretar de que forma nosso Estado se industrializou e urbanizou, forjando-se no processo uma rede de cidades, Te Me Tere Mee aa Cd diversificada e uma determinada estrutura de poder, as quais podem ser entendidas como os elementos ri Lela astm telel cists) paranaense contemporanea. bots) sole lielg Dennison de Oliveira eer eM al] aa eran ORR Macs Le: (UNICAMP, 1990); OTe el ere leet (UNICAMP, 1995). Seelam ene etic a de “Estado e Mercado: telecomunicacSes no Brasil” eric hacia i Hei) "Curitiba e o mito da cidade modelo (Editora da UFPR, 2000) bem como de varios artigos em revistas fer Neem Atualmente é professor Ete) Vig oM Ms MEL el- latin lt cel CMa Gr Bessie | bere iet eam eee) Artes da UFPR. CARLOS ROBERTO ANTUNES DOS SANTOS Vida material Vida econdmica 2? edicdo eletrénica Curitiba 2017 Sociedade de Amigos do Museu Paranaense Créditos Governadar do Parana Beto Richa Secretirio de Estado da Cultura Jodo Luiz Fiani Diretora-Geral da SEEC Jader Alves Coordenador do Sistema Estadual de Museus ¢ Diretor do Museu Paranaense Renato Augusto Cameiro Junior Editoragdo¢ preparagio ¢-book Roberto Guiraud — Designer Sociedade de Amigos do Museu Paranaense —SAMP Marionilde Dias Brepohl de Magalhaes Presidente Apoio “"tedpenioas {QCNPq mame Este livro foi reeditado com recursos do CNPq ¢ Fundagio Araucaria. Apresentacao da Colecao © presente exemplar integra wma colegio de 5 livtos que fbi ori- ginelmente publicada em 200] pela Secretaria de Edueacio do Estado do Parana, imtitulada Colegio Histéria do Parana. O objetive eva propiciar 20s educadores o acasso a conhecimantos e interpratacdas da Histaria Regional, abordando diversos aspectos que conferiram identidade ao Estado. Com o tempo, constatou-se que outros leitores se interessavam pela coleso: além dos professores, pesquisadores e estudantes, profissionais das mais diversas areas procuravam obtar os livros para saber mais sobre o Parana; sua formagao econdmica, a populagao que ocupou o tervitério, sua cultura, sua contibuigdo politica a nacido brasileiza. Esta foi a motivagSo que leven o Museu Paranaense, sempre de- dieado a difusie da Hictéria sob uma perspectiva cientifiea, 3 langar uma semunds edipio de material, qua ora 4 denominada ColapSo Parana- Textos introdutarios. Accoleso ¢ composta pelos seguintes titulos: Parana: Ocupacio do Territéric, populagio ¢ migragées, por Sargio Odilon Nadalin; Vida material, vida econémica por Carlos Roberto Antunes dos Santos; Cultura e edueagio uo Parana, por Ftelvina Maria da Castro Trindade e Maria Luiza Andrearza; Parana: politica e governo, por Marion Brepoll: Urbanizacie e Industrializacio do Parana, por Dennison de Oliveira. © leiter que apreciar estes contetides podera comhecer nao ape- nas os fates 2 as comjumias que revelam a tvajetoria social desta regio, mas também familisrizarse com uma rica bibliografia académica que orientow 2 aserita da seus autores, todos eles, professores da Universida- de Federal do Parana. Entetanto, longe de ser uma resposta definitiva, estes estudes ampliam as questées ¢ os debates em tomo do tema, procurando des- pertar a curiosidade intelectual de todos relativamente aos persomagens, experiéncias, institui¢des «movimentos socials que confizuram 3 singu- lavidade de nosso estado. Que a presente colecdo, ao sugerir fontes e métedos de estudos, estimulem trabalhos outros que venham a enriquecer a histéria como instrumento de conhecimento, de educago, de ensino Agradecimentos Agradacemos a Sociedada de Amigos do Museu Paranaense, 3 Funda¢do Araucaria 2 20 Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien- tifico e Teenoldgico - CNPq, pelos recursos destinades a esta publica- ga, a partir, respectivamente, da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura do Governo Federal e do Programa Niclee de Exceléncia — PRONEX, da Secretaria de Cigncia e Teenologia do Estado do Parana em pareeria com o Ministério de Ciéncia e Tecnologia do Governo Federal Colecio Historias do Parana Marion Brepobl de Magalhies Presidente da SAMP Renato Carneiro Jr. Diretor do Museu Paranaense Pesquisa Lorena Beghetto Revisdo bibliogrifica Cleunice Feitoli Editoragio Eletrénica e Capa Amiraldo M. de Gusmio Jr. Lilian Alcantara Soares Depésito legal junto a Biblioteca Nacional, conforme Lei n° 10.994 de 14 de dezembro de 2004 Dados Internacionais de Catalogagiio na Publicagaio (CIP) Bibliotecdria responsavel: Luzia G. Kintopp - CRB/9-1535 Index Consultoria em Informagao e Servigos Ltda. Curitiba - PR Santos, Carlos Roberto Antunes dos $237 Vida material vida econémica [recurso eletrénico] / Carlos Roberto Antunes dos Santos. — Curitiba : SAMP, 2017. Recurso on-line : PDF. ISBN 978-85-673 10-28-2 1. Desenvolvimento econdémico - Parana. 2. Parana - Historia. 3. Agricultura - Parana. 4. Agricultura familiar - Parana. I. Titulo. II. Série. CDD: 338.098162 IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL llustragdo da capa: Imagem invertida de DEBRET, Jean Baptiste - Paranagua, 1827. SUMARIO LISTA DE FIGURAS ... LISTA DE GRAFICOS.... LISTA DE TABELAS oor INTRODUGAO .... 1 PRELUDIO ECONOMIC ... LL POVOAMENTO E OCUPACAO TERRITORIAL .. 1.2 O POVOAMENTO NO SECULO XVIII: O VIVER MINAS E DA PECUARIA...... 2 A ECONOMIA PARANAENSE: DESTINO COLETIVO E PROSPERIDADE COMERCIAL ... 7 2.1 A ECONOMIA DO MATE E AS BO U ATLANTIC ... 22. A PECUARIA; TRERACAS REGIONAL E NACIONAL A ECONOMIA-MUNDO.... 8 3 A CHAVE DO CRESCIMENTO: IMIGRACAO E COLONIZACAO....... 3.1 PEQUENA PRODUCAO FAMILIAR: SUBSISTENCIA ABASTECIMENTO .., 3.20 SISTEMA DE Cx FORMACAO DA ESTRUTURA AGROALIMENTAR ... O71 O71 CONCLUSAO .... 085 BIBLIOGRAFIA E FONTES RECOMENDADAS . 088 FONTES CONSULTADAG........ 092 DISSERTACOES E TESES SOBRE O TEMA BIBLIOGRAFIA.... - LISTA DE FIGURAS 1 O PARANA NO SECULO XVIIL ETAPAS DO POVOAMENTO ...... 2 O PARANA NO SECULO XVII. ETAPAS DO POVOAMENTO - SINTESE......... 3 O PARANA NO SECULO XIX. ETAPAS DO POVOAMENTO 058 4 OPARANAN POVOAMENTO = SINTESE wisicsscnoninininnmiininanenscncs 059 LISTA DE GRAFICOS 1 EXPORTACAO DE ERVA-MATE = VALOR ..... 2 O COMERCIO EXTERIOR DO PARANA ENTRE 1842 E 1861 3 EVOLUCAO DA ARRECADACAO. DE IMPOSTOS SOBRE OS ANIMAIS EM COMPARACAO AO TOTAL DAS RECEITAS DOS. cee PARANAENSES - PERIODO DE 1854 A 1877... somes O62 LISTA DE TABELAS 1 PARANA, 1798. POPULACAO DO LITORAL (PARANAGUA E ANTONINA) SEGUNDO SEXO CONDICAO . ee 2 EXPORTACAO DO MATE DO PARANA 3 EVOLUCAO DO PREGO MEDIO DA TERRA (BRACA QUADRADA OU 4,84 m2) NAS PRADARIAS DOS CAMPOS GERAIS ... ms 4 EVOLUCAO DOS PRECOS DAS TERRAS (BRACA. QUADRADA) DE UMA CABECA DE GADO E DOS ESCRAVOS NOS CAMPOS GERAIS. 5 COMERCIO INTER-PROVINCIA . 033 053 063 6 O TERRITORIO, A POPULAGAO E A RENDA GERAL DAS PROVINCIAS - FIM DO IMPERIO BRASILEIRO DEMONSTRATIVO DE DISTRIBUIGAO DO FUNDO DE EMANCIPAGAO .... Vida Material, Vida Econémica INTRODUCAO '‘O presente estudo compée parte de um projeto do Departamento de Histéria/SCHLA/UFPR em convénio com a Secretaria Estadual de Educagiio (SEED), coordenado pelo Prof. Dennison de Oliveira, com a finalidade de elaborar uma coletinea sobre Historia do Parani, que, no seu todo, aborda temiticas coma: 1. Ocupacio do Territério — Populacdes ¢ ImigragGes; 2. Vida Material, Vida Econémica; 3. Cultura ¢ Educagio no Parana; 4. Estado e Governo no Parana; 5. Industrializagiv ¢ Urbanizagio. A colegio visa contribuir para diminuir o distanciamento da produgio da universidade, suas pesquisas ¢ conteddos com aquilo que esti sendo ministrado na rede de ensino fundamental ¢ médio do Parand. Portanto, dirigida aos professores do ensino fundamental ¢ médio, busca eriar condigées para que o docente seja um multiplicador de conhecimento ¢ nao apenas um reprodutor do saber. Este trabalho que aborda a vida material ¢ a vida ccondmica do Parana Tradicional, de acordo com a classificagio proposta por WESTPHALEN (1969), compreendendo os primérdios da colonizagio até © final do séc, XIX/ inicio do séc. XX, € enderecado aos professores. E por que razio nio pode atingir um publico maior? Pode sim! Nesta conjuntura de final/inicio de século ¢ de comemoragdes dos 500 anos a Historia volta a ser moda, pois o leitor de Historia esta avido de conhecimentos do passado, face as incertezas deste mundo globalizado em que vivemos. A incapacidade manifesta pelo tempo presente em imaginar o futuro ou criar algumas perspectivas, ajuda a entender esta volta ao passado, que nio se explica, exclusivamente, pela nostalgia, pois o leitor, muitas vezes, duvidando de sua identidade, desenterra © sacraliza suas raizes. Desta mancira, a Historia aporta a racionalizagio ao presente ¢ o dota de sentido, sendo ao mesmo tempo uma historia imediata ¢ uma longa histéria, onde perfilam o contingencial ¢ o estrutural, o instantineo ¢ o durivel. Nesse sentido, é importante afirmar € reafirmar a visio de PAUSTO (1995, p.13) que: Historia do Parana sem ignorar a compleddade do processo histérico, a Histéria é uma disciplina acessivel a pessoas com diferentes graus de conhecimento. Mais do que isso, € uma disciplina vital para a formagio da cdadania. Nio chega a ser cidadio quem io (consegue se Orientar no mundo em que vive, a partir do conhecimento da vivenda das peragties passadas. Portanto, a0 historiador no basta o rigor do método ¢ técnicas, que sao cada vez menos autonomos, bem como a fidedignidade das fontes, importa também cm buscar no passado a indagacio pelo cotidiano, a cultura da socicdade ¢ suas representacdes, enfim os lugares da memaria. Face ao desenvolvimento cientifico ¢ tecnoligico da Sociedade do Conhecimento em que vivemos, regida pela informitica ¢ pela comunicagao, a ciéncia, ha tempos, abandonou o seu gucto, fazendo com que o didlogo académico se dé nas fronteiras do conhecimento, construindo um saber cada vez mais hibrido, com as tintas da multi e da interdisciplinaridade, Desta mancira, nos campos da vida material ¢ econémica as reflexdes sobre os problemas tedricos ¢_metodaldgicos sio abordadas a partir de temiticas diferenciadas ¢ com especialistas de diversas formagées, como historiadores, economistas, antropdlogos, sotidlogos, cientistas politicos ¢ outros. Este novo saber hibrido produzido nas fronteiras do conhecimento, da hoje maior importincia 4 pesquisa cientifica do que, propriamente, 4s questécs de método, que foi prioridade, por tanto tempo, de uma historia mais tradicional. Nesse sentido, a renovagio metodoldgica da historia econdmica, neste contemporineo modo de produgio do conhecimento cientifico ¢ tecnoldgica, faz com que esta se ocupe dos problemas ccondmicos ¢ busque explicar as mudangas das estruturas produtivas ¢ o crescimento econdmico, a luz das explicagdes histéricas. Se, no presente trabalho, a vida material constitui, na linha de BRAUDEL (1970) os homens, as trocas, as moedas, os novos produtas, as téenicas, a separagio das cidades e dos campos e é feita de rotinas ¢ inovages, a vida econdémica, expressada pela historia econdmica, busca responder (de forma qualitativa e quantitativa) o que se produz, como se produz ¢ para quem sc produz. A histéria econémica aborda um conjunto de bens ¢ servigos produzidos pelas sociedades, mediante a utilizagio de determinados fatores, incluindo: a constituigio dos processos produtivos; a forma de produgio destes bens € servicos; seus agentes sociais ¢ suas 10 Vida Material, Vida Econdmica técnicas. Do exposto, a histéria econdmica constitui o conhecimento. histérico da estrutura, do funcionamento, da evolugio € dos resultados do. processo pradutivo. A partir destas concepgdes, vida material e vida econdmica aj se entrelagam ¢ se confundem. © historiador econdémico deve pesquisar o passado econémico das sociedades, determinar sua estrutura econdmica, a divisio do trabalho, a distribuigto da propricdade, a forma de exploragdo dos recursos, a densidade demognifica, as tecnologias empregadas, a formacio das rotas de abastecimento, 0 surgimento das’ feiras, dos mercados locais ¢ regionals, as exportagGes ¢ outros. Para tanto, deveri abordar variiveis econdémicas como mocdas, pregos, salarios, produgio, consumo, ¢, ao mesmo tempo, trabalhar com as questes sociais, instirucionais, politicas ¢ ideolégicas de carater mais geral. Implica em situar o capitalismo como momento histérico particular, um capitalismo historico que explica as complexidades da economia-mundo tio cara a WALLERSTEIN (1985), ¢ diferente daquela jé-conhecida como economia mundial. © conceito de economia-mundo indica uma nogao mais estrita ¢ contrastante no plano histérico, com a divisio dos paises em trés categorias: o centro, a semi- periferia © a periferia, A economia-mundo, na tese de WALLERSTEIN, substituiu os impérios-mundos cuja distribuigio de bens se dava através de uma administragio imperial que fixava, por via legal, os pregos ¢ as quantidades © definia, ainda, a repartigio do excedente, A economia- mundo que prevalece desde o séc. XIX ¢ um sistema-mundo onde a produgio ¢ a troca sGo regidas pelo mercado ¢ nio mais pela Ici. E portanto, um sistema-mundo organizado economicamente ¢ nio mais politicamente, atestando que uma economia-mundo sé pode ser capitalista. Desta forma, no imbito do capitalismo histérico (o autor se recusa a usar Os termos capitalismo ¢ sistema capitalista), marco de sua tese, € possivel albergar os procedimentos ¢ as magnitudes da macro ¢ da micro histéria, integrando-as ¢, muitas vezes, surpreendendo o todo pelas partes. Do ponto de vista de uma Histéria Geral do Brasil, a Histéria do Parani ao longo do séc. XIX parece passar desapercebida, extremamente tangenciada do meio das estruturas sociais ¢ econdémicas, tomadas no seu conjunto. No exame da questio regional, a formagio cconémica do Parana tem sido explicada a partir das relagdes centro-periferia, de acordo com a visio cepalina, interpretada por PADIS (1981), cuja tese demonstra iB Colegio Histéria do Parand que a industrializagao de Sao Paulo (centro econdémico) determinou uma cera divisio de trabalho no Pais, cabendo 4s regides periféricas a produgao da subsisténcia (matérias-primas ¢ alimentos) como forma de integracio a uma economia espacial brasileira (PURTADO, 1967). E importante destacar a cxisténcia de outras interpretagdes sobre o desenvolvimento do Parana, com desdobramentos, criticas ¢ alternativas ao modelo proposto por PADIS, salicntando-se: 1. 0 projeto de industrializagao aut6noma, ou modelo autonomista, com o Estado planejando o desenvolvimento, centrado na integragio das regides, sob 0 comando da CODEPAR (Companhia de Desenvolvimento do Parana),e, apés 1968, pelo BADEP (Banco de Desenvolvimento do Estado do Parana); 2. 0 projeto associacionista ou complementar, como reagio a uma forma de intervencio estatal, que pregava uma politica industrial de captacgdo de capitais privados, durante as fases de auge da economia nacional, a partir das vocagées industriais do Estado (OLIVA AUGUSTO, 1978). A partir dos anos setenta, vai acontecer uma crescente industrializagao do Estado, como complementar a industrializagio de Sio Paulo, devido a sua inser¢io maior no mercado nacional ¢ de uma intensa penctragio do grande capital (MAGALHAES FILHO, 1983). Tal fato evidenciava que esta nova fase de desenvolvimento nio decorria de qualquer tipo de agio planejada do governo estadual, fazendo com que para se conhecer melhor estas transformagées, fosse criada uma instituigio para realizar tais estudos. Dessa forma, em 1973 houve a eriagio do IPARDES - Fundagao Edison Vicira - (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econémico ¢ Social), com estas finalidades. As teses acima cxpostas buscam explicagdes para o estigio de desenvolvimento do Parana do periodo da industrializagao até os anos BO, Entendemos que € possivel também enquadrar esses marcos tedricos para a Histérica Econémica do Parana Tradicional, com limites cronolégicos até © inicio do chamado Parana Moderno (portanto antes da economia cafecira ¢ da industrializagio, temas de outro livro desta coletinea), com os olhares da economia-mundo. Nesse sentido, toma-se a liberdade tedrica de conceber, na medida do possivel, a vida material ¢ a vida econdmica do Parana tradicional 4 luz dos dois modelos mais gerais de explicagio histérica sobre a problemitica do desenvolvimento, quais sejam, 0 sistema-mundo alicercado no capitalismo historico, com aquela inerente a visio cepalina, propria dos anos 60 (seguida por PADIS). 12 Vida Material, Vida Econémica © presente livro aborda o Parana Tradicional, que tem o seu preludio econdmico com 6 povoamento ¢ a ocupagio territorial desde o final do sec. XVI, através da empresa da caga ao indio ¢ exploragio de pedras ¢ nictais preciosos no litoral, Neste contexto perfilam personagens como os santistas, Os vicentistas c os paulistas, ocupando as terras do Parana, na busea de novos caminhos, com as suas fundagdes, povoagdes, provincias, redugdes ¢ aldeamentos. A lavoura coletiva, representa, nas redugdes, a expressdo da vida comunitaria, onde se exporta a erva-mate ¢ se produz milho, mandioca ¢ se cria o gado. Nestes ¢ em outros centros a escravidio do indio, e mais tarde do negro, constituia a mio-de-obra que sustentava todas as estruturas superiores da sociedade colonial. A empresa da caga a0 indio passa, inclusive, a atacar as redugdes ¢ aldeamentos na busca de escravos habituados aos trabalhos agricolas ¢ rurais. No sentido de melhorar “os estados do Brasil" as autoridades metropolitanas fizeram investimentos na mincragao em Paranagui, com a demanda de tecnicos alemies especialistas em minas de ouro, ¢ com a instalagio de fundicio para o controle da produgio ¢ da cobranga do quinto exigide pelo governo. Ainda nesta parte do trabalho, verifica-se que em virtude da deeadéncia da economia mincradora cm Paranagua os campos de Curitiba serviram, do ponto de vista material ¢ econdmico, as atividades ligadas a lavoura de subsisténcia ¢ a pecuaria, com a fixagao de pequenos nicleos de habirantes. De acordo com PINHEIRO MACHADO (1987), a ocupagio dos Campos Gerais resultou dos movimentos expansionistas irradiados da Vila de Curitiba ao longo do séc. XVIII ¢ parte do séc. XIX, estruturando- se uma sociedade regional. Nesta nova sociedade, com o aumento da populagao, inicialmente importam-se alimentos, animais de transporte ¢ equipamentos. Com o progresso da pecudria e do tropeirismo, as fazendas de criagdo tornam-se unidades auto-suficientes, fazendo com que $eus. proprietirios acumulassem grandes patriménios. No ambito do comércio das tropas pode-se destacar a atuagio do Bario dos Campos Gerais, que acumulou grandes capitais com o desenvolvimento dos mercados de Sorocaba (WESTPHALEN,1995), constituindo uma das maiores fortunas da jovem Provincia, Nesta parte do trabalho & demonstrade que a fazenda constitula um conjunto econémico e social integrado, fazendo pertilar novos agentes histéricos, como os fazendeiros, 08 capatazes, 05 camaradas, os agregados ¢ os negros escravos. 13 Histérla do Parand E importante destacar que mas fazendas pertencentes a Igreja, os teligiosos acumulavam também grandes patriménios, como proprictirios de terras, animais ¢ escravos, onde a atividade da criagio nao cxigia um mimero expressive de cativos. Através das fontes consultadas, pode-se verificar que a quase totalidade dos escravos envolvidos diretamente nas atividades da pecuaria se encontravam em idade e condigdes de emprego de plena capacidade produtiva. No Parana do séc. XVIII se estabeleceram duas areas econdémicas nao integradas: a area da econdmia da pecudria nos Campos Gerais, integrada 4 economia central do Pais ¢ a area com o prevalecimento de padroes especificos da economia de subsisténcia, situada nas pequenas vilts do planalto ¢ do litoral, isoladas dos grandes mercados ¢ que guardavam ritmo lento de produgio, Na parte intitulada Economia Paranacnse, Destino Coletivo ¢ Prosperidade Comercial, busca-se visualizar a comunidade regional num conjunto mais amplo, isto ¢, sua insergio no ambito da Histéria Econémica brasileira ¢ no processo capitalista da economia-mundo: no final do séc, XVIII ¢ inicio do séc. XIX com a economia do gado e apés, a partir da metade do sée. XIX, com a producio ¢ exportacia do mate, através do Porto de Paranagud para a tegiio do Prata, que o coloca na conjuntura do Atlintico, na linha da integracio centro/periferia, comandada pelo capitalismo histérico. As novas formas de producio ¢ de organizagao social mo Parand indicam um poder rural, expresso na sociedade campeira, incapaz de competir com o poder urbano crescente proveniente da expansao da sociedade ervatcira. A anilise da vida material ¢ vida econémica a0 longo do sée.XIX foi alicergada em fontes manuscritas ¢ impressas que aportam importantes dados para explicar fatores principais sobre a pecuiria ¢ suas evolugdes em relacio 4 variivel prego: do gado, do escravo ¢ da terra, bem como sobre o nivel de desenvolvimento tecnolégico que definiram as etapas de produgao ¢ a qualidade do mate paranaense. Na primeira metade do séc. XIX, a base da economia paranaense Tepousava na monocultura do mate, integrada as rotas da economia brasileira ¢ da economia-mundo e introduzindo internamente as oscilacdes do mercado externo. Este tipo de economia reflexa acabou produzindo crises constantes na economia regional, vinculadas: 1. a ma qualidade, em certos periodos, do produto paranaense; 2. i concorréncia da erva 14 Vids Material, Vida Econdmica produzida no Rio Grande do Sul ¢ no Paraguai; 3. as fases de baixa dos pregos no mercado internacional. As tepercussdes da promulgacio da Lei de Terras e da aboligao do trifico de escravos em 1850, conjugados com a Emancipagio Politica do Parani, a partir de 1853, oferecem 4 nova Provincia a chave para o crescimento, isto ¢, investir na imigragio ¢ colonizagio como condicio essencial para a diversificagio da produgio, com o conseqiiente arranco para a urbanizacio. Os discursos dos Presidentes de Provincia seguem um mesmo tom: diante das crises cofstantes, nfo concentrar esforgos em tomo da monocultura do mate. Desta forma, na segunda metade do séc. XIX, as administragdes da Provincia procuram fortalecer as articulagdes ‘entre a politica de colonizagio ¢ imigragio com a de emancipacio dos ‘escravos, no sentido de aceleragio para uma sociedade totalmente livre. A maxima do Presidente Lamenha Lins preconiza bem esta nova situagio ao afirmar que “a arte de fazer homens ¢ cidadaos ¢ a primeira das fungies para nara sociedade litre". Nesse sentido, a politica oficial de imigragio na Provincia do Parana ultrapassa os objetivos politicos ¢ militares daquela praticada pelo Gaverno Imperial, buscando fixat os imigrantes estrangeiros & terra, visando a formacgio da estrutura de um sistema agroalimentar de abastecimento. A partir dos anos setenta, com a desagregacio do sistema escravista no Brasil, emerge uma nova sociedade do trabalho, que demanda um novo perfil de trabalhador expresso nos colonos “morigerados ¢ laboriasos", termos préprios da moral burguesa em expansio, Desde os primérdios da Comarca até a implantagiio da Provincia do Parana, de maneira geral, as pesquisas ¢ analises regionais revelam inquictudes para a regido, pois tratava-se: 1. de uma economia de tipo periférica bascada inicialmente na agricultura de subsisténcia ¢ na pecuiria ‘¢ apés, na produgio ¢ exportagio do mate pelo Porto de Paranagua; 2. de uma sociedade campeira, onde conviviam o trabalho escravo ¢ livre, dirigida por cla de familias isoladas; 3. de uma sociedade ervateira marcada pela burguesia comercial, mas sujeita ds crises provocadas pelas oscilacdes da economia internacional; 4. de uma regio sem autonomia politica nem administeativa, ainda Comarca de Sio Paulo, cuja emancipagio sé foi conquistada em 1853; 4. de um poder rural decrescente face a0. desenvolvimento urbano, diante das novas formas de produgio ¢ de organizacio social, impostas pela moderizagio. Considerando estas 15 Colegio Histéria do Parand inquictudes, entendemos que a aniilise histérica do processo de desenvolvimento sécio-ceondmico regional parte da premissa de que os condicionamentos advindos das estreitas possibilidades oferecidas pela economia ervateira, ainda ligada ao capital comercial, impediram, em Parte, a geracao de capitais necessirios 4 diversificagio da economia regional e a implantagio do parque industrial no Parani, numa espécie de capitalismo tardio (MELLO, 1982), As explicagdes do comportamento de uma determinada sociedade sio formuladas através de um método, sustentado pela pesquisa cientifica, que permite com que os instrumentos analiticos avancem na direcio de um modelo interpretative, Portanto, ao longo do presente trabalho, Pprocuramos demonstrar que as construgdes econdmicas sio instrumentos da histéria econémica, produto da subordinagdo da Economia 4 Histaria, pois o capitalismo constitui um sistema social histético ¢ é a transcendéncia da pesquisa histérica que contribui para avango cientifico, Vida Material, Vida Econdmica 1 PRELUDIO ECONOMICO 11 POVOAMENTO E OCUPAGAO TERRITORIAL Desde os dltimos decénios do século XVI, o grande centro da economia colonial cra representado pela regido nordestina, através do complexo escravo-agticar. Mas, mesmo assim, os mercados de Sao Paulo e Minas Gerajg suscitaram, também, interesses econdmicos ¢ irradiaram expans6es. A presenga constante de paulistas no litoral sul da Capitania, no final do século XVI, com o duplo objetivo de prear indios, localizar ¢ explorar metais preciosos, visava a satisfazer os citados mercados, cada vez mais exigentes ¢ consumidores. Apos a descoberta do Rio da Prata, os movimentos ao longo de trechos do litoral paranaense ndo eram mais um privilégio de santistas, vicentistas ¢ paulistas, pois essa regido passava também a ser percorrida por espanhois 4 procura de riquezas. A regio paulista ndo produzia, nesse periodo, nenhum produto que pudesse justificar o estabelecimento de relages comerciais com Portugal. © predominio de culturas préprias para consumo, sem maiores conseqiiéncias do ponto de vista econdmico, levava os colonos a utilizarem a mio-de-obra escrava, que lhes representava um fator de subsisténcia. Esta situagio explica a proliferagao de pedidos as autoridades a fim de que se organizassem “bandeiras” para a caca de indios, somando- se ainda a ambigao de encontrar pedras © metais preciosos. Todo este movimento se efetuava em direcio as terras do Parana. E, portanto, a partir da segunda metade do século XVI que ji se pode observar a presenga dominante do sistema de escravidio em praticamente todos os centros econdmicos coloniais, pois “e india, ¢ amais tarde 0 megro, tanto no periods da cicravidio, como mo periode dos aldeamenios, era a méo-de-obra gue sustentava todas as extruturas supertores da sociedade colonia?” ', Com a abertura do caminho pelo Rio da Prata, os espanhdis, amparados pelo Tratado de Tordesilhas, estenderam scus dominios até a fegido ocidental do Parana, no interior do continente. Surge, entio, um grande numero de camiahos ligando pontos transcontinentais, como o de Peabiru, percorrido por Alvar Nufies Cabeza de Vaca, entre 1541 ¢ 1542, ' HISTORIA do Parani, Curitiba: Grafipar, 1965, v. 1, p. 27. 17 Histérla do Parand Todo esse conjunto de caminhos foi percorrido por cspanhdis ¢ portugueses, tendo sempre como objetivo primeiro o preamento de indios ea busca de metais preciosos, Datam desta época proibigoes impostas pelas autoridades espanholas ¢ portuguesas quanto 4 multiplicidade dos caminhos © o conseqiiente desrespeito as linhas de Tordesilhas. Entretanto a formagio da Uniio Ibérica, a partir de 1580, foi motivo suficiente para que aquelas proibicdes nio fossem eficazmente levadas em consideracaio. ‘A dominagio espanhola na parte ocidental do Parand efetivou-se com o estabelecimento de certas povoagées como as de Outiveros, fundada em 1554, junto 4 foz do rio Piquiri, Ciudad Real del Guayra, em 1557, mas proximidades do Salto das Sete Quedas, também junto a foz do Piquiri ¢ Vila Rica do Espirito Santo, em 1576, na confluéncia dos trios ‘Corumbatai ¢ Ivai. A fundacio dessas povoagées foi uma iniciativa do governador espanhol do Paraguai, Martinez de Irada, que, entre autras coisas, almejava: a) estabelecimento de uma provincia — a de Vera — em territorios do Parana ¢ Santa Catarina; b) fechamento do Peabiru aos portugueses ¢, conseqiientemente, maior protegio as minas do Potosi; ¢) aexploracio, sob a forma de “encomiendas', do grande contingente de mao-de-obra indigena que vivia em toda a regiio . Dessa forma os indigenas foram escravizados por uma parte dos castelhanos dos “pueblos” de Ciudad Real ¢ de Vila Rica do Espirito Santo, E, em virtude da reagio dos nativos 4 escravidio, o governador paraguaio, Hernando Arias da Saavedra, sugeriu ao rei Felipe II] que se realizasse um trabalho de conversio ¢ de civilizagdo dos indios pelos missiondrios jesuitas, Em 1608 foi criada, por Carta Régia, a Provincia del Guairi, abrangendo o ocidente paranacnse. O trabalho dos missionirios enfrentou dificuldades provocadas pelas populagdes de Vila Rica do Espirito Santo ¢ de Ciudad Real, que se viram Prejudicadas com a impossibilidade da utilizago da mio-de-obra indigena, mas, ainda assim, organiza-se a Provincia Jesuitica do Guairi. 18 Vida Material, Vida Econémica Apesar das imprecises ¢ discordancias entre os historiadores quanto ao mimero de redugoes jesuiticas na Provincia del Guairi, sabe-se que bi ja existiam as povoagdes oficiais espanholas de Outiveros, Ciudad Real del Guairi e Vila Rica do Espirito Santo. De acordo com a relacio estabelecida por Martim de Moussy ¢ apresentada por R. Martins? , tém-se 13 redugdes, a saber: 1. Nogsa Senhora de Loreto, junto 4 for do Pirapé, no Paranapanema; Santo Inicio Mini 4 esquerda do rio Santo Antonio, afluente do Paranapancma, ‘Sao Francisco Xavier, a esquerda do rio Tibagi; Anuneiacién, & esquerda do rio Tibagi; Sao José, a esquerda do rio Tibagi; ‘Sio Miguel, 4 esquerda do rio Tibagi; Santo Antonio, 4 direita do rio Ivai; |. Sdo Pedro, a direita do Paranapanema; . Sdo Tomé, a esquerda do rio dos Fachinais, afluente do Ivai, 10. Los Angeles, 4 direita do rio dos Fachinais; 11. Concepcion ou Santa Maria, a direita do Iguassu; 12. Sao Paulo, 4 esquerda do rio vai; 13, Jesus Maria, 4 dircita do rio Ivai, pv Sena wey ‘© sistema adotado pelos jesuitas para © trabalho de conversio do indio foi eficaz devido 4 existéncia das redugdes onde havia a assisténcia constante dos religiosos. A vida comunitiria era a base de toda a redugio, a principal atividade econdémica da Provincia del Guairi era representada pela colheita de crva-mate, que se tomou produto de exportagio. Plantavam ainda milho ¢ mandioca e praticavam a criacio de gado, Todos os excedentes provenientes dessas atividades cram igualmente exportados. ‘Aos homens cabiam os trabalhos mais pesados préprios da agricultura, da casa ¢ da pesca, ¢ outros oficios como carpinteiros ¢ ferreiros. As mulheres ocupavam-se da costura, trabalhando com fios de li ¢ de algodio. Estabeleceram-se lavouras coletivas; os produtos cram armazenados para serem distribuidos aos membros da comunidade 4 ? MARTINS, R. Histéria do Parand,. Curitiba: Edit. Guaira, [sd], p. 66-67. 19 Colegho Histéria do Parand ——— medida de suas necessidades. Muitas vezes, em virtude da abundancia, ajudavam aldeamentos mais novos, Na final do século XVI ¢ inicio do século XVII, o governador geral do Brasil, D. Francisco de Souza, encorajou os paulistas a organizarem expedigdes para a exploragio de riquezas. A parir dai aumentou o numero de bandeiras que partiam 4 procura de minérios e ouro pelos sertdes, Entretanto, todas essas expedighes, pouco rentiveis, tornaram-se cada vez mais oncrosas aos bandeirantes. Surge, entio, a ideia de que o preamento de indios - objetivo talvez mais ripido a ser atingido — cra também uma fonte de riquezas, pois ao menos eles poderiam ser utiizados nas prdprias lavouras dos bandeirantes. Sendo assim, multiplicaram-se as expedigdes de caga ao indio que sc tornava um clemento indispensavel aos mercados exportadores da capitania. Desse modo “wo Brastl, ox Jemitas continuam a tutar contra a capa aos escraras pelos bandeirantes”’. As incursdes, inicialmente contra os indios no aldeiados e, em seguida, contra as redugées, aumentaram, entio, sensivelmente. Dava- se pteferéncia 4 caga aos indios ja convertidos das redugdes, porque ai se encontravam reunidos em grande numero ¢ estavam habituados aos trabalhos agricolas ¢ rurais. A “empresa” da caca ao indio era incentivada mesmo pelas autoridades coloniais portuguesas, sendo que a “propria Cimara Municipal de Sao Salvador fez, nessa época, um apelo aos paulistas para a remessa de escravos para o Recéncavo Baiano, recém devastado pelas hostes holandesas"’, Em 1629, os estabelecimentos jesuiticos foram completamente destruidos, com excegio de N. S. de Loreto ¢ Santo Inacio, que estavam siruados mais a0 norte, isto é, fora da vasta regio mais povoada. Em 1632, Vila Rica e Ciudad Real, que resistiam ainda a invasio paulista, foram abandonadas por seus habitantes. Segundo R. MARTINS, “60.000 foi o nimero de indios escravizados ¢ levados aos mercados de Sao Paulo, sendo que tal oferta ocasionou queda no prego por “pega”, que de 1003000 baixow a 208000". ‘Toda essa “empresa” Paulista ocasionou um sensivel recuo das pretensdes de expansio ‘MAURO, F. Des produits et des hommes. Paris: Mouren-Paris-LaHaye, 1972, p. 21, ‘SIMONSEN, RC. Historia Econdmica do Brasil. Sio Paulo: Companhia Editora Nacional, Col. Brasiliana, v. 10, 1969, p. 211. * MARTINS, p. 70, 20 Vida Material, Vida Econémica espanhola rumo ao Atlintico, representada pelas redugdes, Por outro lado, a escassez de mio-de-obra indigena e a auséncia de metais preciosos explicam o fato do ocidente do Parana ter sido abandonado até mesmo pelos paulistas. As questécs de fronteiras entre Portugal ¢ Espanha tornaram-se pontos de confliros devido, sobretudo, 4 demarcagio das linhas de Tordesilhas. Apés a destruigio das missées jesuiticas, o objetivo das incursées pottuguesas seria assegurar a ocupacio do Sul, no Prata, Foi a partir dai que a coroa portuguesa praticou ou permitiu atos de posse ¢ de jurisdi¢do propria nas regides alcancadas: ‘0 objetivo néio seria, pois, a consecugho Go somente de frontciras natunus, mas a recuperagio do comércio de Buenos Aires que se deserwolvera durante o termpo da reuniio das coroas ibéricas, tio rendoso, porém agora obstaculizado pela Restauracao, face sobretude as proibigics do rei da Espanha. De outro lado, o declinio do agicar ¢ a perda dos mercados britinicos, na segunda metade do século XVII, levassem a essa dircita pelo comércio do Prata, através do qual a prata do Potosi podia chegar ao Brasil e Portugal. O pevoamento efetive do litoral paranacnse resultou primeiramente da intensa procura de metal precioso, que se aliou, mais tarde, a outros fatores que promoveram a fixagio do homem 4 terra. Foi durante a administragio do Governador Geral D. Francisco de Souza, em fins do século XVI, que se estabeleceram as bases para a prospecgiio de riquezas minerais a leste do arual Parana, ma regio de Curitiba ¢ Paranagua. No inicio do século XVII jA se faziam referencias 4 existéncia de minas de ouro na Capitania de S. Vicente. Em documento publicado ¢ comentado por F, MAURO® relativo ao Brasil do século XVI, existe um relato eserito pelo Conselho de Portugal, no inicio do século XVII, apresentande um parecer sobre a carta do Provedor das Minas de S. Vicente, Diogo de Quadros. Com base nesse relato, sabe-se que Diogo de ‘Quadros solicita, para a prospecgao do sertio de S. Vicente: dois técnicos alemaes especialistas em minas de ouro, mil negros, 4s expensas do * HISTORIA do Parani, Pp 37. * MAURO, F. i Portuguais, Paris, Tese complementar, Doutorado em Letras, 1960, p.318-319, 21 ‘Historia do Parand Tesouro Real ou com facilidades aos financiadores, privilégios aos encarregados da prospeceio ¢ ainda uma guarda militar para protege-los. Ele justifica estes pedidos com as descobertas de ouro de lavagem ja feitas pelo minerador Jodo Munhios de Puerto. Ainda em relagio a carta de Diogo de Quadros, o Conselho de Portugal comenta: “diz mais ainda © dito Diogo de Quadros que da Villa Rica, terras do Peru foram ter aquella Villa de Sam Paulo terras do Brasil, humas canoas por hum rio que la vai ter ¢ porque seria de grande prejuizo ao servigo de V. M. ter se aquelle caminho aberto devia mandar se cerrasse”*, Esse periodo corresponde ao da Uniiio Ibérica ¢, apesar disso, havia a preocupagio em manter guardadas as riquezas espanholas. Quanto ao caminho fluvial indicado por Diogo de Quadros, trata-se do Parani € do Ticté, sem nenhuma diivida, utilizados pelas “mongdcs bandeirantes"” que deveriam ser fechaclos sobretudo como medida de protecio as minas de prata do Potosi. Diante do pedido do Provedor das minas de 5, Vicente, o Conselho de Portugal ouviu seus membros a fim de deliberar a aprovagao ou a recusa de tal solicitagio. Um dos membros do Conselho de Portugal em Madrid, Diogo de Fonseca, reforgou seu voto dizendo que 0 Padre Antonio Colago, Procurador Geral da Companhia de Jesus em Madrid, “Ihe afirmou que o Provincial do Brasil, estando na dita capitania de 5, Vicente, fora com algumas pessoas ver as ditas minas € pello que Sentira dellas ¢ desposigio da terra ¢ informagio que tomara escrevera a ‘Companhia que eram mui ricas ¢ de grandes esperangas de proveitos‘"”. Essas perspectivas de descoberta de ouro provocaram movimentos constantes tambem na Capitania de Santo Amaro, sabrerudo no litoral de Paranagua ¢ ainda nos campos de Curitiba. Como essas regides fieam afastadas de Sio Paulo, os faiscadores de ouro viram-se obrigades a ali fixarem residéncia. Deste modo, mesmo antes da fundagao das vilas, esses lugares conravam ji com algumas pequenas povoagdes, que nio tinham entreranto nenhuma organizagio ou representagio politica, * MAURO, p. 335. Vida Material, Vida Econémica © interesse por essas regies aumentou a partir do momento em que © Ouro comecou a ser encontrado nos rios, ainda que o principal objetivo fosse a descoberta de minas, De acordo com a Ata de Vereanga de 27 de novembro de 1649, da Camara de Sido Paulo, a primeira mina de Paranagua foi encontrada por Gabricl de Lara. Na coletinca de documentos inéditos sobre “Le Brésil au XVile siécle”, existe um memorial intitulado “Parecer sobre quacs os meios mais faceis para conservar ¢ melhorar_os estados do Brasil", onde o autor, Francisco de Brito Freyre, numa carta dirigida ao rei de Portugal, comentando a quantidade que se tira de ouro de lavagem, diz que: “O ome naz minas ndo # buscado porque exige mito trabalho ¢ capital, mas dizem que & hd, assinr coma diversas minas de prata, principaimente nas serras perto de Pernagsant”'. As minas de Paranagua forneceram ouro durante um certo tempo, o que Justifica a instalagao, em 1649, de uma fundigio, destinada ao controle da produgio ¢ da cobranga do quinto exigido pela Metropole. Pouca antes, em 1648, Gabriel de Lara requer ao Rei de Portugal a elevagao do povoado A categoria de Vila. Fim 6 de janeiro de 1649, depois de eferuadas Parana, Os campos de Curitiba receberam as visitas constantes dos mineradores instalados no litoral, ja quando a produgio aurifera de Paranagua encontrava-se em decadéncia. No planalto nio houve a mesma euforia em relacio ao achamento de ouro, pois exigia sacrificios cnormes para obter recompensa minima, © estabelecimento de habitantes nos campos de Curitiba originou, almente, a fundagio do povoado de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Mais tarde, em 1693, foi criada a Vila de Curitiba, Paranagua era entio a vila litorinea mais meridional do Brasil, ¢ Curitiba passou a ser a mais meridional e ocidental do interior brasileiro. Pelo exposto, verifica-se que, de um movimento expansionista paulista, formou-se em Paranagua, em meados do século XVII, um agrupamento humano que aj se estabeleceu ¢ se organizou, tendo como atividade basica a mineracio. E, conseqiientemente, o povoamento dos " MAURO, p. 366. Memoria cctirada dos manuscritos da Biblioteca Publica de Evora, datada de 1654 que trata sobre a defesa militar ¢ o desenvolvimento econdmico do Brasil. 23 Histéria do Parand campos de Curitiba resultou do descobrimento de parte da populagio de Paranagua, que s¢ dirigia 20 Planalto também 4 procura de riquezas. A auséncia de fontes nado nos permite avaliar a producao das minas de Paranagua, mas “ha indicios de que, j4 em 1659, se reconhecia que essas minas nao corresponciiam as expectativas do governo™. Foi nessa mesma época que, por determinagio governamental, foi transferida para outros centros cconémicos mais ativos, como o Rio de Jariciro, grande parte da populagio escrava indigena que supria a mio-de- obra em Paranagua. * O incentivo por parte do governo portugues para que se continuasse: a busca de metais preciosos trouxe ao litoral paranaense a presenga inclusive de especialistas no “anitier “, que nio tiveram, entreranto, sucesso, Durante o ultimo decénio do século XVII, a Camara de Paranagua solicitava ainda mais indios para os trabalhos de mineracao, visto que os habitantes do litoral se encontrayam em inferioridade, no tocante a mio- de-obra escrava, se comparados ao agrupamento minerador paulista que trabalhava nos campos de Curitiba. De um modo geral, durante a primeira fase econémica paranaense, constituida de economias locais de subsisténcia ¢ de mineragio, houve predominancia da mio-de-obra escrava indigena. Tanto no litoral como no planalto, os indios estavam mais facilmente 4 disposicio dos colonizadores ¢ exigiam menores investimentos para serem transformados em escravos, O grande afluxo de mio-de-obra escrava africana alcangou ainda o final dessa fase econdmica, mas a importacio de cativos esti ligada Principalmente aos novos fatores de ordem externa, Devido as novas descobertas de ouro noutras regides do Brasil, como Minas Gerais ¢ Cuiaba, a regio paranaense foi abandonada pelos paulistas, A partir dai, essa area geografica passou a constituir uma mesma comunidade — a paranaense — tendo por base as vilas de Paranagua ¢ Curitiba, que se mantinham, entretanto, isoladas do conjunto da economia brasileira, A economia mincradora “parnanguara entrou em completa desagregagao, ¢ os habitantes passaram a se dedicar exclusivamente as pequenas plantagdes — como as de arrox ¢ mandioca — para sua propria subsisténcia ¢ para permutas, © pequeno excedente proveniente das °! HISTORIA do Parana, p. 35. 24 Vida Material, Vida Econdmica plantagdes era trocado por certas mercadosias necessirias, wazidas de outros centros por pequenos navios. Em virtude da escassez da producio aurifera, desde 0 inicio, os eampos de Curitiba serviram, do ponto de vista material, a atividades ligadas a lavoura de subsisténcia ¢ 4 pecudria. A area se prestou 4 exploragio do pastoreio, ¢ esse novo género de vida exigiu, pouco a pouco, a fixagao de pequenos niicleos de habitantes, com seus escravos, em torno dos pousos ¢ dos currais de gado, No final do século XVII ¢ inicio do século XVILL, a expansio progressiva da pecudtia no planalto, que se tornou uma atividade cada vez mais lucrativa, integrara, mais diretamente, a comunidade paranacnse 4 estrutura econdmica brasileira. 1.2. O POVOAMENTO NO SECULO XVIE © VIVER DAS MINAS E DA PECUARIA A partir dos primeiros decénios do século XVIII, toda a atividade econémica brasileira teve como pélo central a regiio de Minas. A grande empresa do aguear é substituida pelo arranco da mineragdo que esta ligada 4 conjuntura curopéia. Os movimentos econdmicos da Europa atravessam, nessa epoca, uma fase “A" (alta) que se caracteriza, pela “comjuntera de guerra na Exropa; alte dos propos; descoberta de oure das Minas ¢ cringe do haneo da Ingluterra*’. Em decorréncia disso, houve uma maior aceleragio da produgio brasileira, que visava a atender as demandas do mercado de consurno europeu. Deste modo a economia brasileira participa mais ativamente do jogo da economia européia, onde prevalecem as flutuagdes econdmicas de longa durago, que mio acarretam mudancas freqdentes de estrutura. A empresa de mineragio tomou-se 0 novo ponto de referencia em torno do qual se reestrutura toda a economia brasileira ¢, em particular, a das prandes Areas sulinas. Estas areas se organizaram em fungio do mercado central € inseriram-se num contexto de desenvolvimento até entio nio experimenrado, "MAURO, PF. Des Produits ct des hommes. Paris; Mounton, 1972. p. 80. 25 Colegio Histéria do Parana Segundo C. FURTADO, “a econonnia aincina, atranés de seus efeitos indiretos, permitin que articulassene as diferentes mgites do sul do paif'*, No que se refere ao Parani, essa articulagio € representada, no inicio, pela utilizagiio do campo limpo para a criagio de gado. Estimulados pelas demandas dos mercados centrais (de minenigio), os campos do Parana se integraram rapidamente a esta nova conjuntura econdémica, no papel de fornecedores, Principalmente, de gado. A ocupacio dos “Campos Gerais“ resultou dos movimentos expansionistas da vila de Curitiba, que se efetivaram durante todo © século XVIII ¢ parte do século XIX. Segundo B. PINHEIRO MACHADO, ‘A expansio se fez pelas mgdes dos campos nanurais, sendo, na onganizagao da vida social, os matos apenas serventias da vida campeira, Nessa dinca de expansio, vendo ‘como cen dominante a ddade de Curitiba, estruturou-se uma sociedade regional 3, A expansio da comunidade curitibana possibilirou a fundacio de pequenas cidades ao longo dos caminhos. Um pouco mais tarde estabeleceu-se, paralelamente a criagio de gado, o comércio de muares provenientes do Rio Grande do Sul. A partir dai, os habitantes do planalto tormaram-se criadores de gado ¢ “tropeiros“, construindo um sistema sociocultural que se caractetiza por essas etapas histérico-ccondmicas. 0 estabelecimento de currais favoreceram a penctragao ¢ ocupagio do interior do Parana no século XVII. R. SIMONSEN dix que “nos campos de Curitiba, parece ter sido o gado originirio de Sio Vicente, Os dos campos do sul do Parana, Santa Catarina ¢ Rio Grande, supdem-se terem sido introduzidos principalmente elas missées jesuiticas espanholas". A. corrida do ouro determinou um crescimento populacional considerivel na regio de Minas, onde a mio-de-obra era assegurada por colonos vindos da Europa, por escravos importados © pela migracio “FURTADO, C. Formacio Econdmica do Brasil. Sao Paulo: Editora Nacional, 1967. p. HPINHEIRO MACHADO, B. Formagio da extrutura agniria tradicional dos . B. Univ. Fed. Parand, Contribuigla a0 esmado da histéeia ageiria do Parand. Curitiba, n. 3, 1963, p. 7. ‘SIMONSEN, p. 152. 26 Vida Material, Vida Econémica interna de escravos e¢ colonos, Antes mesmo de 1740, segundo ANTONIL ¢ BOXER, a populagao escrava de minas atingiu um total de 100 mil. Para C. FURTADO, “a davignapio européia para o Brasil no sécelo da prinerapao ado teri sido inferior a 300 mile padent haver aleangacdo meio willie”. Ainda que nas minas a mao-de-obra fosse em grande parte assegurada pelos eseravos, estes “ew wenbum aromento cheganans a conctituir a maioria da papel. Em virtude da excessiva concentragio de recursos humanos para os trabalhos de mincragao, surgiram dificuldades de abastecimento da regio. E, como antes da mineragio nao havia nenhuma estrutura econémica nessa regio, a solugio foi importar, de outras regioes brasilciras, alimentos, animais de transporte ¢ equipamentos. “As atividades ligadas 4 pecudria ¢ ao tropcirismo no sul do Brasil se desenvolveram ainda mais, ¢, devido 4 demanda crescente, os precos dos alimentos ¢ dos animais de transporte clevaram-se rapidamente, Evidentemente, “ena suite afraente vender a cabepa de gado a 120-150 wil nits ma zona da minerapda, clevande os lucros 20 on 3O anos vezes*". Face a esta nova conjuntura cconémica favorivel, a pecuiria nos campos patanacnses aleangou um nove ciclo de desenvolvimento, fazendo aumentar o numero de fazendas de criagio ¢, mais tarde, de invernadas (cercados onde o gaco descansa e recupera 0 peso). As imagens visualizadas nas figuras | ¢ 2 apresentam a evolugio do pevoamento dos campos do Parana no século XVIII, nas regies onde se estabeleceram, mais tarde, as cidades de Castro, Lapa, Pirai, Unio da Vitoria ¢ Tibagi. A figura 1 apresenta uma colegio de mapas mostrando, em cada um, o crescimento do povoado (manchas pretas) em periodos de 20 anos, nas areas do primeiro. ¢ partes do segundo planaltos. A figura 2 mostra, num mapa de sintese, a imagem de conjunto de todas as ctapas deste povoamento, onde se pode constatar a ocupagio, em menos de 100 anos, de todos os campos limpos do primeiro ¢ segundo planaltos do Parana, FURTADO, p, 81; BUESC Janeiro: APEC, 1974. p. 70. Tid, p. 81. 1 BUESCU, p. 83. 27 Cole¢io Histéria do Parand 1-0 PARANA NO SECULO XVIEL ETAPAS DO POVOAMENTO (— S FONTE: “ATLAS HISTORICO DO PARANA CARDOSO, j.A. ATLAS HISTORICO DO PARANA. CURITIBA: IND. GRAF, 1941 28 Vida Material, Vida Econémica 2-PARANA NO SECULO XVII ETAPAS DO POVOAMENTO - SINTESE FONTE: “ATLAS HISTORICO DO PARANA" Os campos de Curitiba, “onde vat crescendo ¢ smultiplicande cada vex mait 0 gedo“™, encontravam-se entio muito bem sitados: préximos aos mercados de Sorocaba (Sao Paulo), eram ainda passagem natural obrigat6ria para toda a exportagio sulina. Em 1725, devido as dificuldades de abastecimento das regides de mineragao, o Governador da Capitania de Sao Paulo, D. Rodrigo César de Menezes, autorizou o transporte do gado vacum do sertio de Curitiba para as minas de Cuiabi, nos seguintes termos: ™ ANTONIL, A.J. Cultura ¢ opuléncia do Brasil, introducdo por CANABRAVA, A, Sio Paulo: Editora Nacional, 1967, p, 264. 29 Histéria do Parana Por ser convenicnte a0 real servigo de V.M., ¢ a0 aumento das novas minas Cuyaba, colocar-se nelas gados vacum para o sustento dos mincims, ¢ demais pessoas, que sc encontam naqueles descobrimentos. Também isso resultri em grande convenitncia 203 moradores desta Capitania que os quizerem mandar, ou leva, par as minas de Cuyabi, e por me coostar que nesta dita capitania, existem vinos moridores que tem currais de gado no sertio de Curitiba dessa “comarca”, donde se podem condurir, para as ditas minas que the resultario de grandes utildades”™. A partir de 1765 ¢ até meados do século XIX, 0 territéno paranacnse, por decisio da Coroa portuguesa, pertenceu i Capitania de Sao Paulo, Somente em 1853 0 territério do Parand, que constituia a 5* Comarca de Sio Paulo, conquistou a sua emancipagio. Depois da Autorizagio Real de 14 de margo de 1702, mandando conceder sesmarias, € que o Govemador D. Alvaro da Silveira ¢ Albuquerque iniciou essa pritica através de um documento expedido a 16 de agosto de 1703, Os pedidos de sesmarias nos campos de Curitiba partiam sobretudo de Sio Paulo, Santos ¢ Paranagui, sendo que, inicialmente, fazia-se a ocupagio do solo com alguns escravos ¢ algumas eabegas de gado. Em seguida, alegando ocupagio anterior, solicitava-se a sesmaria. A sesmaria cedida em 19 de marco de 1704, na regio do rio apo, ao paulista Pedro Taques de Almeida ¢ sua familia, estd diretamente ligada & povoagio de Castro, Uma vasta colegio de documentos do Arquivo Ultramarino Portugués, cujas copias se encontram no Institute Historico, Geografico e Etnogrifico Paranaense, € de interesse para o Parani, Nela encontra-se a relagio de todas as fazendas dos Campos Gerais, com os fnomes de seus proprietirios. As 29 fazendas relacionadas para o ano de 1772 foram distribuidas entre seis proprietirios, sendo cinco deles de Sao Paulo e um de Paranagua. Na relagio de cada fazenda consta o niimeto de animais ¢, freqdentemente, o de escravos negros. A pantr do estabelecimento de uma economia de tipo rural para as regides paramacnses ligadas as atividades da pecuinia, originou-se uma espécie de sociedade rural, caracterizada pelo regime de escravidlio. Ainda que o trabalho eseravo ¢ o trabalho livre coexistissem, a sociedade paranaense, como todo o Brasil, foi envolvida ¢ marcada pelo regime escravista. 4 Citado por R. SIMONSEN, p. 161. 30 Vida Material, Vida Econdmica A decadéncia do ciclo da mineragio no Parand ¢ o impulso proporcionado as atividades da pecuiria pelos mercados centrais da economia brasileira fizeram com que nos primciros decénios do século XVII, a mio-de-obra escrava passasse a ser utilizada nas fazendas. Nesse periodo, a escravidao indigena ainda existia, mas o escravo negro constituia a grande maioria. A mio-de-obra escrava cra cmpregada nos servigos internos da fazenda, juntamente com trabalhadores assalariados. Apds o final da fase da mineragio houve a necessidade de se utilizar os estoques excedentes de escravos que se deslocavam para as regides da pecuaria, pois, desocupados, representavam um Gnus para a economia patanaense. O grupo social da fazenda nao era composto apenas por mestres ¢ escravos, mas também por agregados que apesar de serem pessoas juridicamente livres viviam subordinados 4 classe senhorial. Dessa maneira, “escravos ¢ tamaradas, nas fagendas, desde que amanbecia, saiam em grupos para as invernadas, a fine de fazer 0 rodei’* 2. ‘© estabelecimento da pecudria como empresa econdémica fundamental cristalizou a manuten¢io do trabalho escravo. E nessa conjuntura econdémica houve a transposigio do sistema escravista da mineracao em decadéncia, para a criagio de gado, em plena ascensio. A partic dai, haveri uma mudanga de atividades de grande parte dos habitantes do planalto, ¢ mesmo do litoral, Diante disso, “algums aineradores se figeraan ‘tropriros’, ‘invernadores’ ¢ criadores de gado ¢ retiraram das minas 0 pessoal necessdrio a essas atividader"™, E, ainda através das cartas de concessiio de sesmarias, constata-se a presenga de escravos que acompanham os mestres mas atividades de pastoreio. Nas fazendas dos Campos Gerais pertencentes ao Convento do Carmo, em Itu (Sio Paulo), os frades possuiam "4.000 caberas de gado nacum, 200 dguas, 200 aveibas ¢ 40 eseravos"™, num total de 5 fazendas. Isto equivale a uma média de 8 escravos por fazenda e, nesse caso, é bem provavel a participagio em numero maior de trabalhadores livres. Por outro lado, o Colégio dos Jesuitas de Paranagua era proprietirio de 2 fazendas, em Pitangui ¢ Curitiba, tendo em ambas = PINHEIRO MACHADO, p. 14. ™ MARTINS, p. 221. ™ Colegio de documentos do arquivo histérico ultramarino Pormgués. Photocopie du Instituto Histérico Geogrdfico e Emogrifico Paranaense, Doc. n" M4, 1772. 31

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