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UNIVERSIDADE POSITIVO

ISABELLE SOARES NERI VICENTINI

A FOTOGRAFIA COMO FERRAMENTA DE SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL


COM MULHERES DAS COMUNIDADES REMANESCENTES QUILOMBOLAS DA
LAPA – PARANÁ

Curitiba
2019
2

ISABELLE SOARES NERI VICENTINI

A FOTOGRAFIA COMO FERRAMENTA DE SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL


COM MULHERES DAS COMUNIDADES REMANESCENTES QUILOMBOLAS DA
LAPA – PARANÁ
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Gestão
Ambiental no Programa de Pós-Graduação em
Gestão Ambiental, Universidade Positivo.

Orientador: Prof. Dr. Mario Sergio Michaliszyn

CURITIBA
2019
3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca da Universidade Positivo - Curitiba – PR
Elaborada pela Bibliotecária Damaris Cardoso de Oliveira Vieira (CRB-9/201803/P)

V633 Vicentini, Isabelle Soares Neri


A fotografia como ferramenta de sensibilização ambiental com
mulheres das comunidades remanescentes quilombolas da Lapa –
Paraná. / Isabelle Soares Neri Vicentini. ― Curitiba : Universidade
Positivo, 2019.
192 f. : il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Positivo, Programa de


Pós-graduação em Gestão Ambiental, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Mario Sergio Michaliszyn.

1. Gestão Ambiental. 2. Educação ambiental. 3. Fotografia.


I. Michaliszyn, Mario Sergio. II. Título.

CDU 77.03:502.131.1-055.2(043.3)
4

Aos meus amores que me dão todos os dias


a dose de força e inspiração necessária: meu filho
Miguel e meu marido Ari Vicentini.
5

AGRADECIMENTOS

A Deus pai, pela luz e inspirações nos momentos precisos.


Ao meu marido Ari Vicentini, meu grande companheiro, amigo e incentivador na
estrada da vida.
Ao meu filho Miguel, pela compreensão, carinho e amor.
Aos meus pais, que me incentivaram nas trilhas da vida e do conhecimento.
Ao meu orientador, Dr. Mario Sergio Michaliszyn, pelo incentivo, pelos
questionamentos necessários para a busca do conhecimento e por todas as orientações que
foram profundamente pontuais para a realização da pesquisa.
À coordenadora do curso de Fotografia da Universidade Positivo, Dra. Maria Zaclis
Veiga, por todo o apoio antes e durante a realização da pesquisa.
À Universidade Positivo pelo incentivo e concessão da bolsa de mestrado.
Aos professores Dra. Cíntia Mara Ribas, Dra. Priscila Rodrigues Gomes e Dr. Marcelo
Lima pelo incentivo e contribuição trazidos durante a qualificação e defesa da dissertação.
À Leila Klenk, pelo incentivo na pesquisa e colaboração nas informações sobre as
Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa – Paraná.
A todas as famílias das Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa, que me
receberam nas suas casas, contaram muito das suas histórias. Meu profundo agradecimento e
carinho eterno. Desejo que o Brasil reconheça a grande sabedoria e conhecimento dessas
populações tradicionais que têm muito a nos ensinar.
6

RESUMO

O papel da mulher no desenvolvimento sustentável tem caráter fundamental, já que ela


desempenha atividades que envolvem a educação ambiental. Mais que necessidade, é
emergencial que os direitos da mulher sejam igualitários na sociedade, assim como seu papel
como protagonista no desenvolvimento sustentável. O presente estudo de caso analisa as
condições de vida de mulheres das comunidades remanescentes quilombolas da Lapa (PR) e
sua relação com o meio ambiente. O objetivo da pesquisa foi construir uma proposta de
sensibilização pela imagem (fotografia), enfatizando a importância da proteção e dos cuidados
ambientais, bem como refletir sobre o papel da mulher nestes contextos e suas contribuições
para minimizar problemas em suas comunidades. Foram identificadas e aplicadas estratégias
de educação ambiental por meio da fotografia e exposições itinerantes nas Comunidades
Remanescentes Quilombolas do Feixo, Vila Esperança e Restinga. A pesquisa foi de natureza
qualitativa, com abordagem interdisciplinar, que se deu na junção entre a fotografia no
contexto da educação ambiental e as relações de gênero e etnicidade, utilizando-se de
entrevistas com moradores das comunidades pesquisadas. Para tanto, as imagens da
comunidade foram utilizadas em conversas e também como ferramenta na identificação de
pontos-chave do problema e nas variáveis determinantes da situação, como identidade,
gênero, trabalho feminino e meio ambiente. Foram utilizadas entrevistas pré-estruturadas.
Cada participante do grupo apresentou questões, que foram incorporadas aos temas abordados
e envolviam gênero, etnia e meio ambiente. A coleta de dados ocorreu pela técnica “bola de
neve” e se esgotou no momento em que ocorreram repetições significativas das informações
prestadas pelo grupo. A pesquisa contribui na articulação da discussão teórica e da prática
sobre o uso da fotografia e da antropologia visual no campo ambiental, com a finalidade de
melhorar a qualidade de vida e apontar caminhos, tendo como produto final a produção de
materiais educativos que subsidiam ações junto a essas comunidades tradicionais.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Gênero e etnia. Mulheres. Fotografia e meio ambiente.


7

ABSTRACT

The role of women in sustainable development has a fundamental character since it


performs activities that involve environmental education. More than necessary, it is urgent for
women to have equal rights in society, as well as their protagonist role in sustainable
development. The present case study analyses the living conditions of women in the
remaining “quilombola” communities of Lapa (PR) and their relationship with the
environment. The research objective was to build an awareness-raising proposal through
image (photography), emphasizing the importance of environmental protection and care, as
well as reflecting on the women’s role in these contexts and their contributions to minimize
problems in their communities. Environmental education strategies were identified and
applied through photography and traveling exhibitions in the remaining Quilombolas
Communities of Feixo, Vila Esperança and Restinga. The research is of qualitative nature,
with an interdisciplinary approach, which took place at the merger between photography in
the context of environmental education and the relations of gender and ethnicity, using
interviews from surveyed resident communities. In order to do so, community images were
used in conversations, and also as a tool to identify key problem points and variables that
determine the situation, such as identity, gender, women's work and the environment. Pre-
structured interview scripts were used. Each participant in the group presented questions,
which were incorporated into the themes covered and involved gender, ethnicity and the
environment. The “snowball” technique was used for the data collection and was exhausted at
the time of significant repetition of the information provided by the group. The research
contributes to the articulation of the theoretical and practical discussion about the use of
photography and visual anthropology in the environmental field, with the purpose of
improving life quality and pointing out ways, having as a final result the production of
educational materials that subsidize actions in conjunction with these traditional communities.

Keywords: Environmental Education. Gender and ethnicity. Women. Photography and


environment.
8

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 - Grupo de Vaqueanos fotografados por Claro Jansson, considerado o 34


fotógrafo do Contestado.
FIGURA 02 – Fase inicial da pesquisa qualitativa 50
FIGURA 03 – Segunda fase da pesquisa qualitativa 51
FIGURA 04 – Pesquisa qualitativa – sistematização de estratégias 52
FIGURA 05 – Projeto Fotográfico – sistematização de estratégias 53
FIGURA 06 – Diagrama de Cooper 56
FIGURA 07 - População Negra e Comunidades Quilombolas do Paraná 60
FIGURA 08 - Casa da Fazenda Santa Amélia, atualmente é o Assentamento 62
Contestado localizado na Lapa-Pr
FIGURA 09 – Local onde ficava a senzala da Fazenda Santa Amélia 62
FIGURA 10 - Fotografia que serviu de inspiração para a pintura em acrílica sobre tela 68
do artista plástico Ari Vicentini, durante a fase da pesquisa na CRQ da Restinga
FIGURA 11 - Pintura em acrílica sobre tela do artista plástico Ari Vicentini, durante a 69
fase da pesquisa na CRQ da Restinga. Autor Ari Vicentini (2018)
FIGURA 12 - As ruas da CRQ Restinga são de terra com paisagens bucólicas 70
FIGURA 13 - Criação de Biofossa 74
FIGURA 14 - Plantação de orgânicos na CRQ da Restinga 77
FIGURA 15 - Adubo de peru 78
FIGURA 16 - Plantação de hortaliças e verduras orgânicas 79
FIGURA 17 - Área da CRQ Restinga 81
FIGURA 18 - Trabalho Feminino na CRQ da Restinga 82
FIGURA 19 - Trabalho Feminino na CRQ da Restinga 83
FIGURA 20 - Associação de Moradores da Restinga 87
FIGURA 21 - Cadeado fechado encontrado na CRQ da Restinga 90
FIGURA 22 - CRQ do Feixo 91
FIGURA 23 - Pintura da CRQ do Feixo 92
FIGURA 24 - Casas na CRQ do Feixo 93
FIGURA 25 - Rua da CRQ do Feixo 94
FIGURA 26 - A pesquisadora com a benzedeira 95
FIGURA 27 - CRQ Vila Esperança 96
9

FIGURA 28 - Pintura da CRQ da Vila Esperança. Autor Ari Vicentini (2018) 97


FIGURA 29 - CRQ Vila Esperança 98
FIGURA 30 - Residência na CRQ da Vila Esperança 101
FIGURA 31 - Residência na CRQ da Vila Esperança 101
FIGURA 32 - Residência na CRQ da Vila Esperança 102
FIGURA 33 - Imagem de São Benedito, santo protetor dos negros, localizada na 104
Paróquia Imaculada Conceição de Mariental, na Lapa
FIGURA 34 - A igreja é frequentada por católicos da CRQ Vila Esperança e Restinga 105
FIGURA 35 - Rio CRQ da Vila Esperança 106
FIGURA 36 - Rio CRQ da Vila Esperança localizado dentro de propriedade privada 107
FIGURA 37 - As mulheres atuaram no I Encontro Quilombola realizado na CRQ do 109
Feixo, que uniu as três CRQs da Lapa
FIGURA 38 - As mulheres atuam em serviços pesados na CRQ do Feixo 109
FIGURA 39 - Trabalhos manuais são fontes de renda das mulheres da CRQ do Feixo 110
FIGURA 40 - Trabalho Feminino na CRQ da Vila Esperança 111
FIGURA 41 - Vista parte superior da CRQ da Vila Esperança 113
FIGURA 42 - O declive do acesso à comunidade dificulta o acesso de caminhões. O 114
caminhão de lixo atende à comunidade uma vez por semana
FIGURA 43 - Exposição na Restinga 121
FIGURA 44 - Devolutiva de Imagens 122
FIGURA 45 - Convite Virtual 125
FIGURA 46 - Exposição na Restinga fez parte da devolutiva de imagens às mulheres 124
da comunidade
FIGURA 47 - Exposição fotográfica com resultado parcial da pesquisa na 124
comunidade
FIGURA 48 - Exposição fotográfica com resultado parcial da pesquisa na 125
comunidade
FIGURA 49 - Exposição na CRQ da Restinga 126
FIGURA 50 - Exposição Fotográfica na CRQ do Feixo 127
FIGURA 51 - Exposição Fotográfica na CRQ do Feixo 128
FIGURA 52 - Assinatura do TCLE, 19 de maio de 2018. CRQ do Feixo, Lapa 129
FIGURA 53 - Moradora da CRQ do Feixo 130
FIGURA 54 - Exposição fotográfica na CRQ da Vila Esperança 131
FIGURA 55 - Exposição fotográfica na CRQ da Vila Esperança 132
10

FIGURA 56 - Imagens guardadas, devolutivas de imagens realizada na Vila 133


Esperança – Lapa Pr
FIGURA 57 - Devolutiva de imagens realizada na Vila Esperança – Lapa Pr 134
FIGURA 58 - Momentos distintos 134
FIGURA 59 - Momentos distintos 134
FIGURA 60 - Momentos distintos 134
FIGURA 61 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 137
FIGURA 62 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 138
FIGURA 63 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 139
FIGURA 64 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 140
FIGURA 65 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 141
FIGURA 66 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 142
FIGURA 67 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 143
FIGURA 68 - Jogo da Memória CRQ da Restinga 144
FIGURA 69 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 145
material de educação ambiental
FIGURA 70 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 146
material de educação ambiental
FIGURA 71 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 147
material de educação ambiental
FIGURA 72 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 148
material de educação ambiental
FIGURA 73 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 149
material de educação ambiental
FIGURA 74 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 150
material de educação ambiental
FIGURA 75 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 151
material de educação ambiental
FIGURA 76 - Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como 152
material de educação ambiental
FIGURA 77 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 153
como material de educação ambiental
FIGURA 78 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 154
como material de educação ambiental
11

FIGURA 79 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 155
como material de educação ambiental
FIGURA 80 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 156
como material de educação ambiental
FIGURA 81 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 157
como material de educação ambiental
FIGURA 82 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 158
como material de educação ambiental
FIGURA 83 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 159
como material de educação ambiental
FIGURA 84 - Carta do jogo da memória CRQ da Vila Esperança, que será utilizada 160
como material de educação ambiental
FIGURA 85 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 164
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 86 - Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 164
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 87 - Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 165
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 88 - Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 165
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 89 - Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 166
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 90 - Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica 166
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 91 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 167
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 92 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 167
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola.
FIGURA 93 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 168
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 94 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 169
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 95 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 169
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
12

FIGURA 96 - Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica 170
Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 97 - Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 170
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 98 - Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 171
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 99 - Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 171
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 100 - Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 172
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 101- Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 173
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 102 - Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição 173
fotográfica Olhar ancestral: memória e cultura quilombola
FIGURA 103 – Capa do fotolivro Olhar ancestral: memória e cultura quilombola 176
13

LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 - Categorias que compõem a Educação Ambiental 55


14

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 - Comunidades Remanescentes de Quilombos do Paraná - Mesorregião 60


Metropolitana de Curitiba - População por faixa etária e sexo
TABELA 02 - CRQs do Paraná – Mesorregião Metropolitana de Curitiba – População 63
por faixa etária e sexo
TABELA 03 - Índice de escolaridade 65
TABELA 04 - Distância entre escola e comunidade 66
TABELA 05 - Distância entre posto de saúde/hospital e comunidade 66
TABELA 06 - Índice de escolaridade de mulheres na CRQ Restinga 72
TABELA 07 - Índice de escolaridade de mulheres na CRQ Feixo 99
15

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRQ: Comunidade Remanescente Quilombola


CRQs: Comunidades Remanescentes Quilombolas
PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
ITCG: Instituto de Terras, Cartografia e Geociências
MDS: Ministério do Desenvolvimento Social
ADI: Ação Direta de Constitucionalidade
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
GEFBI - Global Environment Facility Benefits Index
MRG: Microrregião
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
EMATER: Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
CRAS: Centro de Referência de Assistência Social
16

SUMÁRIO

1.1 INTRODUÇÃO 22
1.2 OBJETIVOS 23
1.2.1 Objetivo geral 23
1.2.2 Objetivos específicos 24

2 REVISÃO DE LITERATURA 25
2.1 Meio ambiente 25
2.2 Comunidades, grupos e populações tradicionais 27
2.3 Comunidades Remanescentes Quilombolas (CRQs) 30
2.3.1 Aspectos históricos da presença africana no Brasil 30
2.3.2. Aspectos culturais 34
2.3.3 As mulheres nas CRQs 35
2.3.4 As comunidades remanescentes quilombolas 36
2.3.5 Políticas públicas para CRQs 37
2.4 A Fotografia e a Antropologia Visual como ferramentas da Educação Ambiental 39

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 48
3.1 Público da pesquisa 48
3.1.1 Critérios de inclusão 48
3.2 Pesquisa documental e tratamento de dados públicos 49
3.3 Coleta e análise de dados 49
3.3.1 Registros fotográficos 54
3.3.2 Educação Ambiental como estratégia metodológica 55
3.3.3 Exposição 57
3.3.4 Produção de recursos didáticos 57

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 58
4.1 Local da Pesquisa 58
4.2 As Comunidades Remanescentes Quilombolas 59
4.3 As Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa - Pr 61
4.3.1 Preconceito e distinções sociais 64
17

4.3.2 Acesso à Educação 65


4.3.3 Saúde 66
4.4 Comunidade Remanescente Quilombola da Restinga 67
4.4.1 Aspectos gerais da comunidade 67
4.4.2 Educação 71
4.4.3 Saúde 73
4.4.4 Condições socioeconômicas e relações de trabalho 75
4.4.5 Trabalho feminino na CRQ da Restinga 82
4.4.6 Religiosidade na CRQ da Restinga 84
4.4.6 Identidade quilombola na Restinga 86
4.4.7 Preconceito na Restinga 88
4.5 Comunidade Remanescente Quilombola do Feixo e da Vila Esperança 91
4.5.1 Aspectos gerais das comunidades 91
4.5.2 Educação 98
4.5.3 Saúde 99
4.5.4 Condições socioeconômicas e relações de trabalho 100
4.5.5 Trabalho feminino na CRQ do Feixo e Vila Esperança 108
4.5.6 Identidade quilombola no Feixo e Vila Esperança 115
4.5.7 Preconceito no Feixo e Vila Esperança 116

5 SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL POR MEIO DA IMAGEM 119


5.1 Exposições e devolutivas das fotografias 119
5.2 Devolutiva de imagens 120
5.2.1 CRQ Restinga 121
5.2.2 CRQs Feixo e Vila Esperança 126
5.3 Produção de material didático e estratégias metodológicas para seu uso 135
5.3.1 Jogo da memória 135
5.3.2 Exposição itinerante 161
5.3.1 Fotolivro 174
18

CONSIDERAÇÕES FINAIS 177


REFERÊNCIAS 181
APÊNDICES 187
ANEXO 192
19

APRESENTAÇÃO

O lugar de onde vê, ouve, sente, reflete e fala a pesquisadora

Formada em jornalismo pela Universidade Positivo em 2003, desde então, a produção


audiovisual tem sido alvo de minha atenção e, por meio dela, produzi trabalhos que
impactaram minhas escolhas profissionais. Na disciplina de Sociologia, tive aula com o
professor Mario Sergio Michaliszyn, que orientou meu grupo de estudos na produção de um
trabalho com ciganos. Na ocasião, elaboramos um documentário gravado com ciganos, que se
encontravam acampados num terreno no município de Ponta Grossa.
Posteriormente, durante a elaboração do projeto de conclusão de curso, optei por
conhecer a realidade guarani dentro de uma aldeia localizada na Ilha da Cotinga, em
Paranaguá. Realizei uma produção multimídia, contendo site, cd-rom e documentário gravado
com depoimentos daquela nação indígena. Trabalhei na produção com orientação da
professora Zaclis Veiga, atual coordenadora dos cursos de Fotografia e Jornalismo da
Universidade Positivo, e coorientação do professor e orientador da minha pesquisa, Mario
Sergio Michaliszyn.
Esse trabalho provocou em mim o desejo e gosto por contar histórias com imagens.
Descobrir, encontrar, dar voz a grupos e minorias, desvendando narrativas. Além dos
trabalhos com populações tradicionais, sou neta de pescador tradicional.
Hoje trabalho como produtora cultural, assessora de imprensa e fotógrafa de algumas
das produções culturais em Curitiba, atuando principalmente com grupos de teatro, shows
musicais e exposições de artes visuais. Também sou professora do curso de Fotografia da
Universidade Positivo, desde fevereiro de 2013. Sou uma contadora de histórias com imagens.
Amo o que faço e gosto de dividir essa arte com os meus alunos. Dar aula de fotografia é
ensinar a ver, a desvendar quem são os narradores das histórias. É mostrar que é possível
sensibilizar através da imagem, aliado a responsabilidade social e ética.
Meu interesse em pesquisar populações tradicionais está no fato de entender e
compreender melhor minha própria origem. O respeito que os habitantes locais têm pelo
relógio da natureza, o tempo da ação muito diferente das grandes cidades. Esse tempo
necessário para o próprio usufruto. Sensibilizar pela fotografia é tarefa de contadores de
histórias, é o meu trabalho como fotógrafa. Entrar numa comunidade tradicional é conhecer
essa realidade comum aos moradores; suas histórias precisam urgentemente ser contadas
como forma de preservar memórias, fortalecer e gerar o empoderamento social.
20

Nas CRQs da Lapa encontrei casas muito parecidas com a casa da minha infância: o
café no bule, o cheiro de lenha, a cortina de chita. Sim, tem muitas outras coisas diferentes,
mas o respeito pela natureza, pelo meio ambiente e pelo outro é muito similar.
A pesquisa é um convite para entrarmos por meio da imagem no universo de mulheres
das Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa e compreender a realidade feminina
dentro da comunidade num momento fundamental para o reconhecimento do valor da cultura
quilombola.
É dar valor ao sensível, ao artesanal, ao fogão a lenha esquentando o feijão, ao labor
delicado e forte produzido nas comunidades remanescentes quilombolas, que irradia a
esperança de dias melhores. A narrativa faz parte de histórias que busco agora, precisam ser
contadas, valorizadas e relembradas, para que sejam preservadas no tempo, demarquem a
história, demonstrando a resistência de um povo, cujos rostos e gestos, eternizados pelo
registro fotográfico, permanecerão guardados às gerações futuras.
21

Fotografamos o que vemos e o que vemos


depende de quem somos
José Medeiros
22

1 INTRODUÇÃO

As populações tradicionais são importantes fontes de estudo para a compreensão da


qualidade ambiental. É necessário entender como o desenvolvimento sustentável é inerente ao
conhecimento e às ações diárias dessas populações. As comunidades remanescentes
quilombolas pesquisadas têm proximidade entre si, mesma influência histórica, qualidade de
vidas e perfis diferentes.
As influências históricas e o legado frente a situações envolvendo a problemática
territorial quilombola são importantes como forma de compreensão da atual situação das
comunidades pesquisadas e suas interações com o meio ambiente.
As atividades de sensibilização e educação ambiental em comunidades tradicionais
contribuem para a melhoria da qualidade vida, bem como com o repensar dos processos
produtivos, sob o olhar da sustentabilidade. Nesse aspecto, a fotografia foi utilizada como
ferramenta auxiliar no debate sobre gênero, etnia e na sensibilização de mulheres sobre a
problemática ambiental em áreas quilombolas. Além de orientação na questão ambiental, a
pesquisa teve como objetivo sensibilizar a comunidade em particular e a sociedade em geral,
para a compreensão do posicionamento e influência da mulher na estruturação da
comunidade.
A fotografia como ferramenta de pesquisa é um dos elementos presentes na
triangulação de técnicas de coleta de dados qualitativos (observação, entrevistas, registro e
análise de dados visuais), (BANKS, 2009).
A pesquisa está inserida na linha de pesquisa: Planejamento, Conservação e
Desenvolvimento Socioambiental e como projetos associados: Planejamento e Implantação de
Propostas de Educação Ambiental. A pesquisa também faz parte do grupo de estudos
“Populações Tradicionais: antropologia, educação, saúde e gestão ambiental”, que tem por
objetivos: estimular o desenvolvimento de estudos, pesquisas e intervenções interdisciplinares
na área socioambiental, junto a populações tradicionais e construir modelos e metodologias
para ações integradas e participativas junto a diferentes grupos populacionais que vivem em
áreas de interesse ambiental.
Para a construção de uma base teórica que sustente a temática em estudo, foram
selecionadas categorias, as quais foram pesquisadas utilizando-se as bases de dados Capes,
Greenfile e Business Source Premier. As categorias ou palavras-chave foram: Educação
Ambiental, gênero e etnia, mulheres, fotografia e meio ambiente e suas correspondentes em
23

língua inglesa. Com a pesquisa das palavras-chave “Educação Ambiental”, foram encontrados
6210 artigos na base de dados Capes, 2077 na Greenfile e 551 na Business Source Premier.
Para “gênero e etnia”, na base de dados Capes, foram encontrados 3435 artigos; 64 na
Greenfile e 709 na Business Source Premier. A busca realizada com a palavra “mulheres”
levou a 36316 artigos na base de dados Capes, na Greenfile 4584 e 263822 na base Business
Source Premier. Já com as palavras-chave “fotografia” e “meio ambiente”, foram localizados
1051 artigos na base de dados Capes, 19 na Greenfile e 30 na base de dados Business Premie.
Com base nos resultados obtidos com a bibliometria, foram selecionados 28 artigos
em função da proximidade com o tema da pesquisa. Dos artigos selecionados, os principais
autores são: Lima (2014); Souzas (2015); Oliveira (2013); Souza e Lara (2011), Furtado,
Sucupira e Alves (2014) e Costa (2016) que, em seus trabalhos descrevem o que poderá ser
melhor identificado na descrição do referencial teórico.
A partir dos resultados obtidos com a pesquisa, foram elaborados materiais didáticos
distintos e definidas estratégias para sua utilização em ações de educação ambiental. Do
conjunto de recursos foram criados um jogo da memória, uma exposição itinerante e um
fotolivro. Com base na Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que alterou a Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira”. Foi criado o Jogo da Memória que busca, justamente, o
fortalecimento de iniciativas junto às CRQs.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 OBJETIVO GERAL

Construir uma proposta de sensibilização pela imagem (fotografia) junto a mulheres


de Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa - Pr, sobre a importância da proteção e
dos cuidados ambientais, bem como sobre o seu papel dessas mulheres nesse contexto e suas
contribuições para minimizar problemas.
24

1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Construir material didático e estratégias metodológicas para seu uso, com vistas à
divulgação da condição feminina e da realidade socioambiental das comunidades
remanescentes quilombolas da Lapa - Paraná.
25

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Meio ambiente

A busca pela harmonia entre o ser humano e o meio ambiente faz parte do percurso
para o entendimento dos caminhos rumo ao desenvolvimento sustentável. Aliar mudanças
climáticas e diferenças culturais à harmônica vivência com o meio ambiente faz parte da
busca do gestor ambiental para uma melhor compreensão do mundo.
Possuir o olhar com sustentabilidade como paradigma para a qualidade de vida é
elemento indispensável nesse sentido. Da mesma forma, é necessário ter o olhar dirigido para
uma abordagem interdisciplinar e holística, com respeito à diversidade, unindo todas as áreas
do conhecimento científico e trabalhando em prol de sábios procedimentos para o
aproveitamento e uso dos recursos da natureza. O aproveitamento racional e a conservação da
natureza necessitam caminhar juntos. É preciso ter consciência para o uso produtivo e
racional dos recursos para que todas as atividades ligadas à economia estejam alicerçadas no
ambiente natural, sem que com isso prejudique ou destrua o meio ambiente (SACHS, 2002).
O bem-estar do ser humano e o desenvolvimento econômico dependem dos recursos
do planeta. Se a degradação ambiental permanecer, será impossível o desenvolvimento
sustentável. Os recursos da terra, se manejados de forma sustentada e eficiente, serão
suficientes para atender as necessidades de todos os seres vivos (DIAS, 2011).
Entende-se que a solução para o desenvolvimento envolve a educação, a organização,
a participação e o fortalecimento das pessoas, uma vez que o desenvolvimento sustentado é
concentrado nas pessoas e não na produção. Este precisa ser igualitário e agradável, pois, se
existe má distribuição de custos e benefícios durante um longo período, principalmente, se
submete parte da população ao estado crônico de pobreza, e o sistema social não pode ser
mantido (DIAS, 2011).
A dificuldade está na transformação do conhecimento dos povos sobre o ecossistema,
traduzido pelas etnociências, como ponto inicial para a invenção de uma moderna civilização
de biomassa, reposicionada em ponto diferente do progresso e do conhecimento da
humanidade (SACHS, 2002).
Comenta Dias (2011) que os processos de tomada de decisão produzem incertezas.
Portanto, é preciso avaliar os riscos e observar quando os resultados podem ser irreversíveis e
26

devastadores. Neste caso, o ideal é avaliar atentamente e acompanhar a experimentação,


observando os resultados e, se necessário, alterar estratégias.
A sustentabilidade pode ser definida como a possibilidade de assegurar que futuras
gerações tenham oportunidades iguais de acesso aos recursos naturais ou que gerações futuras
tenham acesso ao meio ambiente não mais danificado que hoje. Ainda pode ser caracterizada
como modelo de desenvolvimento economicamente viável, justo e sem agressão ao meio
ambiente (BOTKLIN; KELLER, 2011).
A necessidade de fomentar novos paradigmas sustentáveis significa reconhecer que
práticas atuais e hábitos não podem ser considerados sustentáveis. Ações persistentes ligadas
ao aumento da poluição e consumo excessivo de recursos naturais não levam à
sustentabilidade. É necessária a reformulação de novos conceitos determinantes nos interesses
ambientais, sociais e industriais de forma integrada e equilibrada. É também preciso atentar-se
à reformulação e construção de uma nova referência como alternativa aos atuais modelos da
sociedade e da geração de riquezas. Para tanto, são considerados como características do novo
paradigma a evolução nos valores envolvendo estilos de vida sustentáveis, justiça social,
ambiental e econômica, bem como a elevação do padrão de vida das populações, de maneira
sustentável e sem comprometer o meio ambiente. Indica-se ainda o planejamento de ações,
buscando atender aos problemas populacionais, a ausência de recursos, tragédias naturais,
sendo proativos como Princípio da Precaução. Toda pessoa que defende o meio ambiente
precisa atrair novas pessoas com o olhar à sustentabilidade, tendo como base argumentação
científica com valores adequados. Por fim, indica-se que a justiça social seja praticada
visando à redução de custos de produção de bens ou produtos (BOTKLIN; KELLER, 2011).
Segundo Botklin e Keller, existem duas vertentes no enfoque dos problemas
ambientais: a primeira é a associação das ações humanas como culpadas dos problemas
ambientais e que a finalização dessas ações seria a solução. A segunda vertente inicia com a
pesquisa científica de um contraponto ambiental, alterando do confronto para auxiliar na
resolução problemática e o fortalecimento do pensamento da união entre o homem e a
natureza, proporcionando resoluções para as questões ambientais (BOTKLIN; KELLER,
2011).
A integração entre ser humano e natureza fortalece ambos e estão diretamente ligados,
em razão da dependência humana do meio ambiente para a aquisição de recursos materiais,
desde água, madeira a oxigênio, assim como para o bem-estar e recreação (BOTKLIN;
KELLER, 2011).
27

A decisão frente aos problemas ambientais envolve valores e ciência. Quanto mais a
tecnologia avança para a civilização humana, mais conhecimento será necessário na resolução
das questões ambientais. O conhecimento científico não é definitivo, necessita sempre da
evolução do conhecimento com novas análise de dados, hipóteses avaliadas e novas ideias
(BOTKLIN; KELLER, 2011).
A degradação da qualidade ambiental faz com que o ser humano reflita sobre sua
postura em relação ao aproveitamento dos recursos naturais. Esta preocupação é indispensável
para a melhoria do controle ambiental, o amadurecimento dos conceitos de desenvolvimento
sustentável e educação ambiental como caminhos para a percepção de problemas ambientais,
propondo soluções e análises críticas para a sustentabilidade.
Dentre os diferentes contextos geográficos de interesse ambiental, se encontram
também aqueles ocupados por populações tradicionais.

2.2 Comunidades, grupos e populações tradicionais

Para se viver bem em sociedade, é preciso conhecer e respeitar o outro, suas


diferenças. Cada indivíduo é único, é singular e esta característica, o identifica e o diferencia.
O desejo de se tornar parte da coletividade gera a busca pela igualdade (MICHALISZYN,
2014). O estar só não fortalece, é o grupo que alia, une forças e cria as muralhas invisíveis
dessa identificação que os une.
Bauman (2001) comenta a necessidade de pertencer não a um grupo, mas a algum
lugar em particular. Dessa forma, segundo o autor, é desenvolvida a lealdade e o
compromisso. Michaliszyn (2014) intensifica a afirmação de Bauman (2001) quando diz que,
pela necessidade de inclusão em um grupo, busca-se no “outro”, pontos de semelhanças,
como forma de provar a identidade (MICHALISZYN, 2014)
Bauman ainda enfatiza a sensação paternalista de pertencimento e proteção, bem como
a acolhida necessária e esperada sob a proteção do Estado. O Estado era representado pela
situação segura do “viver em sociedade”, uma forma de corrigir injustiças sociais. A falência
desse estar seguro pode ser preenchida pelo pertencimento a uma comunidade local
(BAUMAN, 2001).
O fortalecimento advém da união em grupo. É a comunidade que acolhe, ao invés do
Estado, proporcionando isolamento e proteção ou a sensação ilusória de proteção (BAUMAN,
2001).
28

O respeito pelo ser diferente advém da necessidade de compreender a pluralidade


cultural, o respeito à individualidade, que também é traduzida pela necessidade de
identificação com os outros, buscando o reconhecimento por meio de regras, valores e
padrões. Esse aspecto pode gerar o preconceito pelo “ser diferente”, o outro que contrapõe os
valores e distingue o modelo a ser seguido (MICHALISZYN, 2014).
Os seres humanos são interdependentes não somente por fazerem parte de um mesmo
mundo, mas também por compartilharem um destino em comum. Existem deveres a cada
indivíduo, e para alguns não é possível lidar individualmente com eles. A ação coletiva
fortalece o grupo. Bauman (2001) também credita a “mesmice” à comunidade, a ausência do
Outro, especialmente um outro que é diferente.
Já ao analisar os temas etnia e raça, Krieger (2003) diz tratar-se mais de uma categoria
social do que biológica, algumas vezes compartilhando a herança ancestral e cultural, que é
marcada por sistemas opressivos de relações raciais identificados pela ideologia. Bauman, por
sua vez, ao tratar dos guetos e a relação com a separação étnica/racial, afirma que se trata de
oposição homogeneidade/heterogeneidade, uma forma de impor limites. Para Krieger, o
racismo é prejudicial à saúde e, ao discutir as hipóteses que o levam a essa afirmação, diz que
a saúde é prejudicada não apenas por crimes hediondos contra a humanidade, como
escravidão, linchamento e genocídio, mas também por duras realidades econômicas e
sociais,” (KRIEGER, 2003).
As populações tradicionais ou populações originais, ou ainda comunidades
tradicionais, são definidas como aquelas compostas por ribeirinhos, caiçaras, seringueiros,
quilombolas e indígenas. Geralmente ocupam a região há muito tempo e têm o uso de
recursos naturais direcionados principalmente para a subsistência, baseado na mão de obra
familiar intensiva, tecnologias de pouco impacto derivadas de conhecimentos herdados de pai
para filho e de base sustentável (ARRUDA, 1999).
Convivem harmonicamente com a natureza. O respeito à vida, à diversidade, traduz o
desenvolvimento sustentável. Nesse aspecto, a segurança em pertencer a uma comunidade alia
necessidades e interesses de cada integrante do grupo (BAUMAN, 2001).
As populações tradicionais têm uma representação simbólica da natureza, que lhes
fornece os meios de trabalho, de subsistência e de produção dos aspectos materiais das
relações sociais, enfim, os que compõem a estrutura de uma sociedade. A representação
simbólica é vista, principalmente, em comunidades indígenas brasileiras justificando o tempo
de ações como plantar, caçar e pescar a mitos ancestrais, não sendo tão evidentes nas culturas
caiçara e ribeirinhos amazônicos (DIEGUES, 2001).
29

A separação forçada entre a cultura tradicional e a natureza representa a imposição do


mito moderno da natureza intocada e intocável. Para Diegues (2001), há uma distinção entre
as concepções sobre a natureza difundida e praticada por populações que vivem em áreas
urbanas, rurais e os povos indígenas e das zonas rurais. Segundo o autor, as populações
residentes em áreas urbanas e que vivem longe do ambiente natural dependem da natureza e a
vêem como fonte de matéria-prima, enquanto os povos indígenas, convivendo com a natureza,
com ela buscam harmonia e a percebem como sua casa.
Neste ponto, a compreensão sobre o território é essencial, bem como a concepção
sobre o grupo que o ocupa e justifica a sua localização. É a união dos registros da história do
grupo, experiências individuais e coletivas do passado e presente (ANJOS; CYPRIANO,
2006).
A exploração dentro da capacidade de recuperação das espécies de plantas utilizadas e
de animais é um aspecto importante no conceito de culturas tradicionais. É a existência de
sistemas de manejo dos recursos naturais com nítido respeito aos ciclos naturais, resultado de
conhecimentos transmitidos de geração a geração, de símbolos e mitos que levam à
preservação e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais (DIEGUES, 2001).
Segundo Diegues (2001), as culturas e sociedades tradicionais se caracterizam pela:
a) simbiose e dependência com a natureza, envolvendo os ciclos naturais a partir da
construção de um modo de vida;
b) conhecimento profundo da natureza e dos seus ciclos, refletindo na criação de
estratégias de uso e manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é oral,
transferido de geração em geração;
c) compreensão de lugar ou território onde o grupo vive socialmente e
economicamente;
d) residência e ocupação desse território por várias gerações, ainda que tenha
deslocamento de alguns integrantes para os centros urbanos;
e) importância de trabalhos de subsistência;
f) menor acumulação de capital;
g) valorização da família e das relações de parentesco para a prática de atividades
culturais, econômica e sociais;
h) importância dos símbolos, rituais e mitos ligados à pesca, caça e atividades
extrativistas;
30

i) uso de tecnologia de pouco impacto sobre o meio ambiente e relativamente simples.


Valorização do trabalho artesanal, com reduzida separação social e técnica, sendo o
produtor como agente dominador do processo até o produto final;
j) pouco poder político, geralmente exercido por grupos de poder dos centros urbanos;
k) autorreconhecimento ou identificação pelos outros de pertencimento a uma cultura
distinta (DIEGUES, 2001).

Um dos critérios fundamentais para a definição de culturas ou populações tradicionais


é o reconhecimento como indivíduo pertencente àquele grupo social particular. Este ponto faz
menção à identidade ao autorreconhecimento (DIEGUES, 2001).
Se para a área ambiental o debate sobre população tradicional e a discussão sobre o
seu papel e a sua importância são relevantes, automaticamente há que se considerar a
relevância das CRQs como parte dessa população tradicional, vivendo em espaços protegidos.
Esse é o caso, por exemplo, das comunidades que vivem no Paraná, em particular das
comunidades quilombolas que vivem no município da Lapa.

2.3 Comunidades Remanescentes Quilombolas (CRQs)


2.3.1. Aspectos históricos da presença africana no Brasil

Segundo Reis e Gomes (1996), a escravidão na América traz a marca de 15 milhões de


mulheres e homens arrancados de suas terras na África. O Atlântico foi cenário do tráfico de
escravos, que distinguiu a criação de um sistema econômico mundial e o nascimento do
mundo moderno. Chegaram ao Brasil aproximadamente 40% da população escravizada
africana, e seus descendentes formaram a força de trabalho primordial ao longo de mais de
trezentos anos de escravidão. Onde existiu escravidão, houve resistência, mesmo sob as
ameaças de agressões ou chicotes. A resistência se traduzia em fugas e constituição de grupos
de escravos fugidos. Os grupos tinham diferentes nomes conforme a localização: na América
espanhola, eram conhecidos por palenques ou cumbes; na francesa, grand marronage; na
inglesa, marrons e no Brasil eram denominados mocambos e quilombos. Seus membros
chamados de mocambeiros, calhambolas ou quilombolas (REIS; GOMES, 1996).
A denominação quilombo foi definida pelo Conselho Ultramarino, órgão criado em
Portugal no ano de 1964 com artibuições administrativas e financeiras, como habitação de
mais de cinco negros fugidos, que não tenham ranchos levantados. Esta definição marcou o
conceito clássico, que também caracteriza quilombo durante os tempos em que vigorou a
31

escravidão, associando-os a grupos de afastamento da população negra (SCHIMITT;


TURATTI; CARVALHO, 2002). Lima (2014) discorre sobre a definição de quilombo na
contemporaneidade, relacionando a inserção da mulher na comunidade.
Durante a escravidão, a história da mulher negra tem a representação enquanto mãe
negra numa posição estratégica, possuindo um papel central no agrupamento familiar. Isso se
dá em dois aspectos: as condições da escravidão, em que não existiam casamentos legais, a
questão social do negro, que era derivado da mãe e não do pai; e em decorrência de que a
grande maioria da população negra era oriunda da África Ocidental, em que a posição social
da mulher era relativamente superior se confrontada com mulheres europeias (REIS;
GOMES, 1996).
Antigos pesquisadores e historiadores do tráfico negreiro contam o depoimento de
viajantes que citavam o amor da mãe africana por seus filhos como inigualável, pelo que foi
presenciado. Existem relatos sobre o sacrifício pessoal de mães do leste africano, que se
ofereciam como escravas para os comerciantes com a finalidade de salvar os filhos, da mesma
forma como a abdicação de comida de mulheres em períodos de fome até terem seus filhos
alimentados (SILVA; FERREIRA, 2017). As influências históricas e o legado frente a
situações envolvendo a problemática territorial quilombola, são importantes como forma de
compreensão da atual situação das comunidades quilombolas. Caracterizadas pela cultura,
com o reconhecimento da ancestralidade negra, são identificadas como comunidade negra de
quilombos, o que as diferencia de outras formações socioeconômicas do país (GTCM 2008).
Refletir sobre um quilombo pode levar a um impulso inconsciente de idealizar um
local habitado por negros, envolvidos em uma luta sangrenta, desejando a liberdade com a
fuga, retirando-se do campo mais direto de batalha para continuarem em outras frentes de
luta. A senzala e a casa grande sempre foram espaços de organização e luta política
(FREITAS; CABALLERO; MARQUES; HERNÁNDEZ; ANTUNES, 2011).
Uma referência negativa no processo de ensino de história nas escolas brasileiras é a
forma de abordagem aos quilombos, como se não existissem na história do Brasil. Somente
recentemente, houve alterações, principalmente na literatura e produções científicas (ANJOS;
CYPRIANO, 2006).
O escritor Monteiro Lobato é indicado, principalmente, nas escolas de primeiro grau
como grande autor infanto-juvenil. A série Sítio do Picapau Amarelo, de grande repercussão
na tv, é inspirada nos seus livros e fez parte da formação de muitas crianças e adolescentes.
Seu texto deixa clara a posição preconceituosa e racista.
32

[...] Afinal as duas velhas apareceram – Dona Benta no vestido de gorgorão,


e Nastácia num que Dona Benta lhe havia emprestado. Narizinho achou
conveniente fazer a apresentação de ambas por haver ali muita gente que as
desconhecia. Trepou em uma cadeira e disse: – Respeitável público, tenho a
honra de apresentar vovó, Dona Benta de Oliveira, sobrinha do famoso
Cônego Agapito Encerrabodes de Oliveira, que já morreu. Também
apresento a Princesa Anastácia. Não reparem por ser preta. É preta só por
fora, e não de nascença. Foi uma fada que um dia a pretejou, condenando-a a
ficar assim até que encontre um certo anel na barriga de um certo peixe.
Então o encanto se quebrará e ela virará uma linda princesa loura
(LOBATO, 1959).

Ao abordar as principais questões conceituais sobre quilombolas, Lobão (2014)


comenta as diferenças entre as comunidades quilombolas e as das cidades vizinhas. Sem
impostos, a comunidade quilombola prosperava em relação de convivência harmônica,
mesmo ocorrendo casos de escravidão entre os próprios quilombolas. A relação era uma
busca de proteção com o diferencial de não ocorrer abusos nem castigos, lembrando a relação
amistosa entre senhores feudais e camponeses na Idade Média.
Oliveira (2013) observa as relações entre desigualdades étnico-raciais de exclusão
religiosa na comunidade quilombola Manoel do Rego, Rio Grande do Sul, envolvendo
colonos alemães e brasileiros, denominados “brancos”, e a “comunidade dos morenos”. As
comunidades são distantes entre si em apenas 5 km, mas divergem bastante na questão social.
Souza e Lara (2011) investigam as produções acadêmicas sobre a temática quilombola no
Estado do Paraná e as respectivas reflexões sobre o conteúdo dessas pesquisas, abordando
principalmente a identificação de práticas corporais e de que forma são apresentadas em
recentes produções acadêmicas. A pesquisa demonstra a produção de conhecimento recente e
a identificação das principais categorias pesquisadas.
As diferenças raciais precisam ser discutidas. A pesquisadora Mara Viveros comenta
que existem distinções de raças na Colômbia, Equador e Peru, diferenças entre negros,
andinos e indígenas. Segundo ela, na Colômbia, as regiões estão mais racializadas: as costas
são mais negras, o interior é andino e as selvas são áreas mais indígenas. As influências são
históricas, acarretando numa geografia com ordem sociorracial. Quando se discute raça,
segundo Viveros, é uma forma de combater o racismo. Se não é falado em raça, o tema fica
em torno da etnia (CEVALLOS, 2017).
Furtado, Sucupira e Alves (2014) analisam as relações entre cultura, identidade e
subjetividade, tendo como base o imaginário social quilombola. O artigo considera o histórico
escravagista, a formação de quilombos e as influências na construção da identidade
quilombola. Silva da Costa (2016) apresenta trabalho de campo realizado em duas
33

comunidades quilombolas da região amazônica, Macapazinho e Boa Vista do Itá, localizadas


no município de Santa Isabel do Pará. O estudo de caso utiliza a fotografia como ferramenta
de interpretação do grupo estudado e como possibilidade de ir além das convenções
metodológicas.
A falta de valorização do negro no Paraná é resultado de uma política de
branqueamento, implantada no final do século XIX e início do século XX, que considerava os
africanos como seres inferiores (ANJOS; CYPRIANO, 2006).
Essa política de branqueamento deixou resquícios na história, como pode ser visto no
filme O Contestado – Restos Mortais (2010), do diretor Silvio Back. O jornalista JB dos
Santos comenta a forte atuação dos negros nas frentes de batalha da Guerra do Contestado.
No mesmo filme, Abel Costa fala da atuação do pai na Guerra do Contestado e comenta o
preconceito racial sofrido pelos negros na época. Segundo relatos do pai, os negros faziam a
frente de batalha, lutando com facões e espadas. Os sertanistas brancos vinham atrás, armados
com armas de fogo. Entre os relatos de historiadores e o depoimento de Abel Costa, no filme
é abordado o final da Guerra do Contestado, onde o exército brasileiro apoiado pelos
vaqueanos, soldados civis, assassinaram muitas pessoas.
Claro Gustavo Jansson fotografou a Guerra do Contestado, como pode ser observado
na figura 01, a revolta camponesa que reuniu caboclos e sertanejos seguindo o líder religioso,
o monge José Maria.
Na Lapa, incomoda falar com muitos moradores sobre a presença negra. Existem
várias famílias tradicionais que são descendentes de senhores de escravos. Esse passado
vergonhoso e triste os silencia. Optam pelo silêncio e a negação dos anos de escravidão
(NASCIMENTO, 2009).
34

FIGURA 01 – Grupo de Vaqueanos fotografados por Claro Jansson, considerado o fotógrafo do Contestado.
Fonte: Tesser (2016).

O peso do racismo e preconceito contra os negros são fatores primordiais para o


descaso em relação às CRQs da Lapa. É rara qualquer informação na historiografia da região.
Quando se fala sobre a Fazenda Santa Amélia, de onde se originou a população escravizada
das CRQs da Lapa, e a doação das terras aos negros, as histórias são contadas apenas
oralmente, o que acentua a necessidade de documentação das memórias dessas comunidades
(PAULA, 2007).

2.3.2 Aspectos culturais

A cultura precisa ser compreendida como campo simbólico, pois possibilita a leitura
de significações de seus atores por meio de signos, símbolos, valores e práticas. Nesse
aspecto, as comunidades passam a ser compreendidas pela sua estrutura, individualidade
própria e singularidade. Considera-se a conduta social do grupo em relação ao seu ambiente
natural (FURTADO; SUCUPIRA; ALVES, 2014).
A contribuição do negro como agente cultural inicialmente foi mais passiva que ativa,
marcada principalmente pela sua presença como trabalhador. Os negros foram obrigados a
35

incorporar-se na cultura brasileira, deixando cair no esquecimento boa parte de sua


diversidade linguística e cultural. Na época os negros não estavam destinados a atender às
necessidades de suas comunidades e sim do senhor da casa grande. Foram aculturados pela
imposição e impedimento da expressão de sua cultura (RIBEIRO, 2006).
Na época da colonização do Brasil, a maioria dos países africanos, de onde as
populações escravizadas foram trazidas, era regida por atividades comunitárias,
diferentemente da doutrina mercantilista das famílias portuguesas, em que cada família
buscava acumular riquezas para o aumento de poder e preponderava a individualidade da
família e não a força comunitária. Esta tradição permaneceu nos antigos quilombos e ainda
continua em algumas CRQs (LOBÃO, 2014).
As tradições das comunidades quilombolas são passadas de geração a geração por
meio da oralidade, ou seja, os mais velhos ensinam aos mais jovens seus costumes e
descrevem a vida dos antepassados por meio de exemplos e histórias (LOBÃO, 2014).
No Brasil, assim como em outros países, o conhecimento da cultura negra foi
subjugado. A internalização dos afrodescendentes por valores etnocêntricos, que
erroneamente consideraram a cultura branca como superior, se refletiu em aceitar e
internalizar esses valores, tidos como corretos, e renegar a sua própria cultura (FURTADO;
SUCUPIRA; ALVES, 2014).
A necessidade de resguardar a memória de uma comunidade reside na importância da
preservação de uma cultura. Se determinado grupo possui uma cultura relevante e que tenha a
necessidade de ser preservada, todo e qualquer direito individual que poderia possuir
questionamentos sobre as diferenças do grupo deve ser restringido (BAUMAN, 2001).

2.3.3 As mulheres nas CRQs

As questões de gênero observadas sem maior atenção são semelhantes às condições


gerais e nas formas explícitas das condições da sociedade brasileira. Existe um número
significativo de mulheres na liderança de comunidades e associações. A presença feminina é
marcante na organização de atividades do dia a dia e na manutenção de ritos e práticas que
contribuem nas questões referentes à identidade e elemento étnico-raciais. As mulheres
reúnem em si, crença, luta, obstinação e paciência, valentia e coragem para a luta, tudo aliado
à diplomacia, com habilidade e persistência. Vivem em muito do que trouxeram gerações
anteriores, da mesma forma como vivem e viverão seus descendentes (GOMES JUNIOR;
36

SILVA; COSTA, 2008). Souza (2015) analisa a discriminação e o preconceito nas narrativas
de mulheres quilombolas da mesorregião centro-sul da Bahia.
A liderança assumida por mulheres em comunidades quilombolas é uma observação
importante para compreensão do grupo. Existe a necessidade do reconhecimento étnico e
racial como fator preponderante para a importância de uma luta política na demarcação de
terras quilombolas (LIMA, 2014).
Já na etnia matlatzinca, um dos povos tradicionais do México que mais tem sofrido
diminuição no último séculoo papel feminino também tem destaque. Nessa comunidade existe
um grupo de mulheres produtoras, na faixa etária de 33 a 70 anos, que se reúnem para
produzir vestidos tradicionais. O campesinato demonstra que atividades agrícolas
diversificadas garantem a preservação da biodiversidade. No campo de estudos feministas, o
empoderamento é uma das ferramentas analíticas mais importantes para o estudo de modelos
de gênero (RUBIO; BORDI; ORTIZ; MURO, 2017).
Diferentes estudos demonstram a importância da atuação feminina. Lima (2014)
comenta a definição do conceito de quilombo na atualidade, relacionando a trajetória de mulheres no
interior da Bahia. A autora enfatiza a importância da atuação feminina em comunidades quilombolas,
especificamente na Comunidade do Tucum (remanescente quilombola), localizada na região da
Chapada Diamantina, no município de Tanhaçu / BA. Lima acrescenta também a dificuldade
que é para as comunidades quilombolas afirmarem-se no contexto da escravidão e serem
descendentes diretos de escravizados africanos.
Nesse sentido, Souza (2015) aborda a questão da mulher quilombola na mesorregião
centro-sul da Bahia e os define como “os negros do sertão”.
Em face dos problemas enfrentados pelas mulheres nessas comunidades e no padrão
de vida que elas levam se entende como estratégia para o enfrentamento desses
empoderamento.

2.3.4 As comunidades remanescentes quilombolas

A palavra quilombo tem origem na língua banto e apresenta como sinônimo as


palavras habitação e acampamento. Na região central da Bacia do Congo, também significa
“lugar para estar com Deus”. A palavra também faz menção à liberdade, o sentir-se livre além
da escravidão. Já o Conselho Ultramarino definiu que qualquer grupo que contasse com mais
de cinco escravos fugidos recebia o perigoso nome de quilombo (ANJOS; CYPRIANO,
2006).
37

Comunidade quilombola é um grupo étnico que se autodefine com base nas relações
com a terra, seu uso, costumes e práticas culturais próprias (BRASIL, 2003). O
reconhecimento como comunidade quilombola exige mais que a autodefinição, exige que o
grupo esteja além do preconceito, unido como grupo social.
A importância de atualizar o conceito de quilombo deve-se à necessidade de estar além
do significado trivial fuga-resistência. A relação da sociedade escravocrata e escravos vai
muito além desse conceito. A produção científica contribuiu para a inclusão das solicitações
das comunidades afrorrurais como a definição de um segmento específico dos movimentos
sociais, influenciando na preparação da constituição de 1988 (SCHMITT; TURATTI;
CARVALHO, 2002).
No conteúdo da Lei Áurea, Brasil (1888), constam apenas dois artigos, curtos e
simples, alforriando a população negra. Retirados de suas terras, longe de suas famílias, num
país estranho, tratados como animais. O preconceito racial vem como sombra, marcando a
população pela cor de sua pele, seguidos por gerações.
As comunidades afrodescendentes trazem estas cicatrizes. Apresentam explicitamente
essas marcas em comunidades com significativa vulnerabilidade social. Quando um aperto de
mão é vago, quando o olhar é submisso e autoestima é tão baixa que não têm coragem de
impor um olhar altivo. Nesse caso, o direito ambiental surge com a força da gestão aliada à
educação ambiental. Propor alternativas para que essas populações compreendam seus
direitos. Compreendam e entendam a força histórica de suas populações.

2.3.5 Políticas públicas para CRQs

No ano de 2004, o governo brasileiro criou o Programa Brasil Quilombola e, a partir


da consolidação dos marcos dessa política pública, também foi criada a Agenda Social
Quilombola, por meio do Decreto 6261/2007. O documento define uma pauta de ações
voltadas para a certificação e titulação de terras, acesso à habitação, saneamento, eletrificação,
comunicação, saúde, educação e assistência social. A agenda em questão apresenta ainda
ações que visam à inclusão produtiva e o desenvolvimento local, baseado na valorização e
reconhecimento da identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território,
buscando sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades,
além do estimulo à participação.
A coordenação do programa é de responsabilidade da Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada com o objetivo de enfrentar o racismo no
38

Brasil. Atualmente está vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania (MJC). O SEPPIR


trabalha unido a 11 ministérios, que compõem o comitê gestor.
São estruturados comitês estaduais que articulam junto ao governo federal as ações
necessárias do Programa Brasil Quilombola (PBQ). A gestão atua junto a órgãos estaduais e
municipais de promoção da igualdade racial (PIR).
O Estado do Paraná é um dos cinco estados que iniciaram o processo de constituição
de Comitês Gestores Estaduais. Para tanto, foram implementados os Seminários de Ações
Integradas do Programa Brasil Quilombola.
Segundo o site do governo federal, o tema das comunidades quilombolas entrou no
PPA, conceituado como instrumento previsto no art. 165 da Constituição Federal destinado a
organizar e viabilizar a ação pública, com vistas a cumprir os fundamentos e os objetivos da
República, de 2004-2007. A página ainda comenta o Plano Brasil Maior - PPA 2012-2015,
que aborda ações de monitoramento, coordenação e avaliação das ações governamentais
direcionadas às comunidades quilombolas. Outras ações também são previstas em mais de 14
programas temáticos envolvendo praticamente todos os ministérios, que compõem o comitê
gestor do Programa Brasil Quilombola.
O Projeto Quilombo das Américas é uma experiência ligada a governos, organizações
comunitárias e organizações internacionais e promove a importância e contribuição histórica
das comunidades afrorrurais. No Brasil é coordenado pela Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência (SEPPIR/PR), internacionalmente tem o apoio
da Corporação de Desenvolvimento Afro-equatoriano da Presidência da República do
Equador (Codae) e da Secretaria Executiva para a Etnia Negra da Presidência da República do
Panamá (SEEN).
A pesquisa objetiva aperfeiçoar a ação de políticas públicas, garantindo o acesso a
direitos sociais, culturais, políticos e econômicos em três países, direcionados a comunidades
afrorrurais. A sua primeira edição ocorreu entre agosto a novembro de 2011 e envolveu
pesquisas: no Quilombo de Empata Viagem, no município de Maraú (Bahia, Brasil); no
território ancestral afro-equatoriano composto por Valle del Chota, La Concepción e Salinas,
nas províncias de Carchi e Imbabura (Equador); e o corregimento de Garachiné, na província
de Darién (Panamá). Foram realizados levantamentos de aspectos econômicos, alimentares,
sociais, institucionais e culturais; e também a políticas públicas direcionadas às populações
quilombolas. Dessa forma o projeto delineia as necessidades de cada comunidade, avaliando a
qualidade e o acesso às políticas públicas de cada país.
39

Dentre as leis que regulamentam os direitos das populações afrodescendentes e seus


territórios ancestrais, destacam-se na Constituição Federal de 1988 os Artigos 215 e 216 e o
Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Esses artigos
abordam a valorização e a memória das manifestações culturais das comunidades
quilombolas, bem como a obrigatoriedade do Estado em emitir os títulos das terras por elas
ocupadas (Brasil, 1998); (SEPPIR, 2012).
Com base na Constituição Federal de 1998, em 2003, foi instituído o Decreto nº 4.887,
que discorre sobre a regularização e titulação de territórios quilombolas (SEPPIR, 2012). No
mesmo ano, a Lei nº 10.639, alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.
No ano de 2007, foi instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
para Povos e Comunidades Tradicionais, por meio do Decreto no 6.040. Também em 2007,
foi instituída a Agenda Social Quilombola, por meio do Decreto no 6.261 (SEPPIR, 2012).
Em 2010 foi promulgado o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho
de 2010, que referencia as comunidades quilombolas em seu Artigo 8º, determinando
incentivos específicos para a garantia do direito à saúde dessas populações e estimulando o
acesso à terra (SEPPIR, 2012). O Artigo 31 reconhece os remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras, a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos (SEPPIR, 2012).
Da mesma forma e na mesma lei, os Artigos 32 e 33 garantem que o Poder Executivo
federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento
sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de
proteção ambiental das comunidades, bem como, receberão dos órgãos competentes
tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento
público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura (SEPPIR,
2012).

2.4 A Fotografia e a Antropologia Visual como ferramentas da Educação Ambiental

A fotografia possibilita mostrar um panorama histórico de determinada época, período


ou grupo e é tão importante para a compreensão das relações sociais e do intrincado jogo da
construção da realidade, que vários livros fazem uso dela como documento.
40

A antropologia tem várias possibilidades de atuação pela imagem, entre elas a


produção de documentários etnográficos. Um filme etnográfico quase nunca é um resumo da
pesquisa; a maioria dos filmes oferece uma visão particular de um assunto, já que um filme
possui uma forma linear construída por meio de imagens originais, pesquisa de fundo,
entrevistas, decisões de sala de edição, feedback crítico e as imprevisíveis ocorrências de
trabalho de campo. Quase todos os documentários apresentam muito mais do que está incluso
(COOVER, 2007).
Collier (1967) comenta o percurso do olhar de um antropólogo na comunidade.
Segundo ele, se o antropólogo pudesse sobrevoar uma comunidade, poderia iniciar a
observação a partir dela, considerando as posições geográficas do local. A câmera, segundo o
autor, pode reunir em pouco tempo uma série de observações sobre a cultura regional. Se não
fotografadas podem perder a precisão, como as impressões guardadas apenas pela vista
humana com o tempo perdem a nitidez (COLLIER,1967).
Gallo (2011) comenta a produção de livros voltados para a fotografia mexicana.
Segundo o autor, as contribuições acadêmicas transformaram o sujeito de pesquisa,
possibilitando a escolha de diferentes metodologias para estudar a fotografia mexicana dos
séculos XIX e XX.
Um dos grandes mestres da fotografia norte-americana é Robert Frank, que percorreu
48 estados americanos fotografando a população norte-americana. Seu livro Os Americanos,
com texto de Jack Kerouac, foi um marco na história do fotodocumentarismo. O
fotodocumentarismo é um termo utilizado para caracterizar a fotografia documental, ou seja, a
fotografia utilizada como documento. Apresentou a sociedade norte-americana sob enfoque
nunca visto até então. As trivialidades do dia a dia retratadas, deixando à mostra os contrastes
da sociedade americana, são de fundamental importância pois possibilitam a reflexão sobre a
sociedade retratada durante a década de 60 (FRANK 2017).

[...] os rostos não manifestam opiniões, não criticam nem dizem outra coisa
senão: “É assim que somos na vida real e, se você não gostar, pouco me
importa, porque a vida é minha, e eu vivo como quiser. E que Deus abençoe
todos nós, quem sabe... se merecermos (KEROUAC, FRANK 2017).

Fotografia documental ou fotodocumentarismo é popularmente compreendida como


uma história contada por imagens pelo fotógrafo. É uma narrativa fotográfica sobre uma
pessoa, um lugar ou acontecimento. Como gênero fotográfico, em algumas situações, teve o
conceito deturpado com o significado simplista de apenas registrar o mundo real. Atualmente,
41

a fotografia documental é encontrada em diferentes lugares: revistas, galerias ou monografias


de fotógrafos. A linguagem fotográfica no fotodocumentarismo tem espaço para uma
abrangência maior na narrativa e possibilita abordagens mais sutis (FOX; CARUANA, 2014).
A fotografia documental mostra os percalços do estudo antropológico. Ela mostra a
outros olhares o que foi visto para a pesquisa. A fotografia, para Rosane de Andrade, deve
possuir um observador que participe e procure detalhes, assim como na antropologia, “farejar
com seu olhar o alvo e o objeto de suas lentes e de sua interpretação. Mas, essencialmente, ver
com olhos livres é possuir um olhar estrangeiro, um olhar de espanto e ‘uma vontade de
conhecer’” (ANDRADE, 2002).

As pessoas “possuem” as imagens, tentam guardar nos “armários” as imagens da


história pessoal, desde as mais corriqueiras de infância, as fotos dos ídolos, os bons momentos
guardados da vida. A fotografia cita a presença, faz menção à memória. Guardadas nas
carteiras, bolsas ou porta-retratos, traz a presença de quem é amado pela imagem. Uma forma
de tornar presente a pessoa ausente. Essa memória individual é fundamental para a afirmação
da identidade. O fotógrafo mantém viva essa memória pela imagem, (ANDRADE, 2002). São
os caminhos resguardados da fotografia, a imagem é necessária porque, a partir dela, é
possível ter a história visualizada. Para Rosane de Andrade, a diversidade de caminhos não
exclui a fonte primordial da antropologia, a observação... e da observação se tem a matéria
bruta para a pesquisa antropológica (ANDRADE, 2002).

Costa (2016) aborda a utilização da fotografia em pesquisa da área de antropologia


contemporânea. O trabalho de campo foi realizado, de forma fragmentada de 2002 a 2011, em
duas comunidades rurais, Macapazinho e Boa Vista do Itá, localizadas no município de Santa
Isabel do Pará, região norte, Amazônia, Brasil.
A investigação e a pesquisa são elementos essenciais da atividade do fotógrafo. A
união proporciona a realização de projetos fotográficos. O conhecimento adquirido por meio
de pesquisa de narrativas, observação, lendo, ouvindo e a reflexão crítica são possibilidades
de atuar com a pesquisa em fotografia. A forma como o fotógrafo faz ou produz uma imagem
é a parte apaixonante no processo de pesquisa (FOX; CARUANA, 2014).
Todo o processo no desenrolar de uma pesquisa em fotografia, desde ideias iniciais,
influências, início do projeto, leituras de livros, programas que poderiam fazer a interferência
no processo de criação, pode interferir na criação de uma obra. Depois de validar o valor real
da pesquisa, é preciso fazer anotações e registrar todo o processo. A documentação do
42

processo possibilita a reflexão crítica e a avaliação para onde a pesquisa precisa evoluir
(FOX; CARUANA, 2014).
O fotógrafo tem responsabilidade na representação do mundo por meio da fotografia.
A representação pode possibilitar novas ideias e conceitos históricos aplicados à prática, e as
ideias teóricas podem fazer parte do processo da prática na pesquisa (FOX; CARUANA,
2014).
Segundo Fox e Caruana (2014), as fases da pesquisa em fotografia são:
1. Planejamento: caracteriza os estágios iniciais da pesquisa. É fundamental que
seja feita uma pesquisa de contexto histórico e exploração de teorias relevantes, o que será
avaliado como ponto positivo na justificativa para realização do trabalho fotográfico. A
pesquisa contextualiza, informa e determina as imagens finais do projeto fotográfico. A
capacidade na produção de uma proposta bem-sucedida é quesito fundamental para qualquer
profissão em fotografia. Durante o planejamento da pesquisa, é importante que o fotógrafo
defina a forma como o projeto fotográfico será finalizado: exposição, publicação, arte pública
ou nova possibilidade de apresentação. A plataforma decidida e o meio de apresentação irão
definir a abordagem da proposta. Orçamento e cronograma são relevantes como preparação
para a realização do projeto.
2. Desenvolvimento de ideias através da pesquisa: nesta fase, o fotógrafo
precisa visitar lugares e avaliar elementos que possam contribuir no processo da pesquisa. Ao
pesquisador cabe fazer entrevistas com possíveis personagens ou investigar lugares onde
existem fotografias: bibliotecas, museus, espaços culturais, galerias. A formação de repertório
imagético fortalece o olhar do fotógrafo na criação de narrativas. É preciso visitar, ouvir,
entrevistar ou ler, fazer atividades que possam agregar informação ao processo de produção
da pesquisa fotográfica. Conforme a evolução do projeto, o pesquisador perceberá que criou
um modelo que poderá ser utilizado em futuros projetos.
3. A prática como pesquisa: a prática na pesquisa precisa ser exploratória, e
busca definir o tema e avaliar se a pesquisa será realizada com imagens próprias ou não.
Durante a prática é fundamental que o fotógrafo perceba o que está fotografando,
considerando o significado das questões básicas da narrativa fotográfica:
3.1 quando, onde, como, por que e a que público é direcionado. Se haverá ou não
personagens na narrativa fotográfica e quem serão.
3.2 validar a experiência por meio das informações e projetos planejados.
43

3.3 explorar gênero, estilo e possibilidades de narrativas fotográficas. Experimentar


equipamentos, formatos, lentes diferentes, iluminação ou diferenças na pós-produção
das imagens (tratamento da imagem).
3.4 possibilidades técnicas que podem modificar e influenciar na linguagem e na
narrativa fotográfica. A documentação das experiências do ato fotográfico possibilita
ao fotógrafo uma referência experimental para a posteridade. A análise de resultados
permite a compreensão e desenvolvimento do percurso de todo o processo de
produção fotográfica. As experiências vão fortalecer o olhar do fotógrafo e o que
pretende como produto final da narrativa fotográfica. Importante que a cada fase o
fotógrafo exerça a reflexão crítica para, posteriormente, poder avaliar e validar o
processo.
4. Compilação da pesquisa: a organização no processo da pesquisa contribui no
desenvolvimento do trabalho. Cada fotógrafo tem um método pessoal no arquivamento de
imagens e o sucesso no arquivamento é o que possibilitará, posteriormente, refletir sobre todo
o processo e desenvolvimento final da narrativa fotográfica. Os materiais da pesquisa
precisam estar compilados de forma que sejam acessíveis, seja para o fotógrafo, seja para que
outros pesquisadores compreendam o processo da pesquisa e possam ser utilizar dela. Cada
fotógrafo tem a sua forma ou método para compilação de dados da pesquisa. É preciso que o
fotógrafo encontre a sua forma ideal para catalogar ou armazenar sua pesquisa, buscando
organizar e estruturar as informações.
5. Pesquisa e prática: unidas determinam um processo contínuo de trabalho e
estão interligadas na evolução do processo criativo. O fotógrafo precisa experimentar
possibilidades, analisar funcionalidades e verificar se a prática atinge ao público-alvo.
Geralmente, o fotógrafo faz a impressão das imagens, tenta avaliar as mudanças ou alterações
em uma imagem ou numa série. Tonalidades diferentes, balanço de cor podem ser pontos de
inclusão ou exclusão na narrativa final editada. É fundamental ter o tempo para a reflexão da
pesquisa, que permite avaliar... seja para excluir possibilidades, seja para explorar novas
ideias. Importante também considerar o público da pesquisa e a ética na produção de imagens.
6. O impacto da pesquisa: os métodos para avaliação e reflexão na pesquisa
possibilitam aperfeiçoar o trabalho futuramente. O trabalho de curadoria em fotografia
proporciona a reflexão na produção de fotografias. Uma fotografia não se cria do nada (FOX;
CARUANA, 2014).
A produção de livros de fotografias, também chamados fotolivros, cresceu
significativamente nos últimos anos. É um novo nicho no mercado, impulsionado pelo
44

colecionismo, valorizado e se contrapõe à tendência de comercialização de publicações


digitais. Muitos fotógrafos e artistas se envolvem na produção de seus próprios livros, seja
como publicação de livro de artista, com tiragem limitada, seja na produção digital. Um livro
de fotografia assume formas variadas e possui infinitas formas de apresentação: livros
sanfonados, jornais, fanzines, encadernações, impressões diferenciadas, etc. (FOX;
CARUANA, 2014).
A encadernação de livros é uma atividade multidisciplinar e abrangente, que pode
envolver fotografia, ilustração, design gráfico, entre outros ofícios artísticos. Ela desperta o
interesse em pessoas criativas, que personalizam seus livros artesanais (RIVERS, 2016).
Os fotolivros possibilitam explicar influências, estilos, semelhanças, o que une e o que
separa fotógrafos. Fotolivros viajam, migram e emigram, chegam a todos os lugares. O hábito
de fotógrafos em carregar ou trocar fotolivros permite essa troca, esse vai-e-vem de olhares.
O interesse por fotolivros no Brasil é recente, tem apenas dez anos. Muitos fotógrafos se
restringem a conseguir apenas uma imagem-história, outros fotógrafos já optam por série,
ensaio ou livro, organizando as imagens com objetivo previsto (FERNÁNDEZ, 2011).
O fotolivro é um forte meio de apresentação de conjuntos fotográficos. A exposição
atinge menos pessoas e fica restrita ao espaço de apresentação. Nos fotolivros as ideias voam.
Recentemente apenas certas fotografias eram avaliadas como objetos artísticos por estudiosos,
apreciadores ou colecionadores. Atualmente, alguns fotolivros já são considerados arte. O
colecionador aprecia a escassez, o caro. É importante que o autor tenha estruturado um
conjunto de fotografias, um elegível trabalho visual (FERNÁNDEZ, 2011).
O fotolivro segue uma forma de criação e expressão selecionado pelo fotógrafo/autor
para publicação de suas melhores imagens. Uma biblioteca especializada é um modelo viável
de museu fotográfico. O olhar do fotógrafo sobre a publicação do fotolivro é importante, pois
impõe o olhar autoral e a sua intervenção como quesito imprescindível na criação
(FERNÁNDEZ, 2011).
Fotolivros latino-americanos recriaram o muralismo de pintores de afrescos. O poeta
Guilherme de Almeida descreveu os poemas como “simples-legendas”. Fotografias eram
frequentes nas publicações do poeta Paulo Neruda. Na Argentina existem livros de poesia e
narrativa com fotografias desde a década de 40, sendo o auge na década de 60
(FERNÁNDEZ, 2011).
Geralmente, a fotografia é conhecida por meio do trabalho de curadores ou
pesquisadores, que as apresentam ao público. O contexto particular precisa ser desvendado.
45

Não existe tal obstáculo em fotolivros, pois possibilitam a percepção da realidade do artista
(FERNÁNDEZ, 2011).
O fotolivro é original do século XX, nasceu para pontuar a história dos livros e a
história da fotografia. Sua importância só aumenta e busca atender às necessidades dos
tempos atuais. O registro se torna importante, muitas vezes, pelos textos não serem capazes de
documentar com a mesma força que as imagens são apresentadas, como no Álbum histórico
gráfico, que retrata a Revolução Mexicana, ou como no caso do livro Candomblé, que
eterniza as imagens da polêmica reportagem fotográfica As Noivas dos Deuses Sanguinários,
com imagens de José Medeiros, veiculadas no jornal O Cruzeiro. O fotolivro de Medeiros foi
publicado seis anos depois da veiculação da matéria, com capa magnífica e encadernação com
cartonagem, pintada pelo irmão do fotógrafo Anísio Medeiros. O que era sensacionalista na
revista, tornou-se documentação no fotolivro, aliado à ciência e ao respeito (FERNÁNDEZ,
2011).
A imagem, hoje, está unida ao saber científico. Na antropologia, é utilizada como
suporte de pesquisa e também como meio de expressão e comunicação do comportamento
cultural. Na antropologia visual a imagem esclarece o saber científico e auxilia para a melhor
compreensão (ANDRADE, 2002).
As qualidades da imagem no seu uso em práticas de pesquisas sociais e humanas
incluem realismo, poder de evocação e precisão (na criação de um campo de investigação,
que responde quesitos autônomos de cientificidade). Atualmente, a literatura abundante,
dedicada há mais de vinte anos na consolidação de um conjunto de práticas de pesquisa
tornam a imagem como ferramenta fundamental. Justamente pela importância, é necessária
maior exigência na qualidade da fotografia quando utilizada como parte de um dispositivo de
pesquisa etnológica (DARBON, 2005).
À antropologia são conferidos os aspectos de ciência social, ciência humana e ciência
natural. As idéias de Beals e Hoijes são reconceituadas, classificando a antropologia como
elemento englobador de formas físicas, primitivas e atuais da sociedade, caracterizando assim
as manifestações culturais do homem. A antropologia permite este reconhecimento cultural,
em que se possibilita melhor compreensão da sociedade e, consequentemente, da própria
história da humanidade. A antropologia pouco se desenvolveu até o século XVIII. Entretanto,
esta ciência recebeu grandes contribuições de cronistas, viajantes, soldados, missionários e
comerciantes que visavam explorar um novo mundo de terras recém-descobertas, conhecendo
para detalhar, esmiuçar e contar as aventuras de viajantes errantes (MARCONI; PRESOTTO,
2001).
46

Vale lembrar que Laplantine (1991) cita a necessidade de apoiar a antropologia nas
demais artes, propondo múltiplas possibilidades de compreender o outro. A antropologia
visual permite melhor entendimento dos significados culturais, tornando as investigações e as
pesquisas mais completas. A diversidade de caminhos não exclui a fonte primordial da
antropologia, a observação, que é a matéria bruta para a pesquisa antropológica (ANDRADE,
2002).
A etnografia estuda grupos sociais e suas respectivas características sociais, culturais e
antropológicas. A utilização da fotografia como ferramenta na pesquisa etnográfica é definida
como uma fotoetnografia e pode ser inserida em publicações, exposições ou trabalhos
científicos, podendo ser considerada como objeto de pesquisa, estudo, ilustração e referencial
como compilação de dados de conhecimento. Também possibilita resgate e documentação
imagética de informações relacionadas a diferentes etnias. Na pesquisa de campo possibilita
ao pesquisador utilizar critérios de análise e interpretação para conceber um perfil etnológico
do grupo pesquisado (BONI; MORESCHI, 2007).
Importante considerar a experiência do fotógrafo envolvendo antropologia e do
pesquisador em conhecimento de técnicas fotográficas, desta forma evita-se a distorção na
coleta e objetivo da pesquisa. O etnólogo, pesquisador ou profissional de fotografia necessita
fazer a captação das imagens seguindo os preceitos antropológicos, tendo como ponto inicial
o estudo da comunidade a ser fotografada. É necessário conhecer bem a comunidade, já que o
resultado do estudo depende da inserção do pesquisador na comunidade. Observar a vida
cotidiana e estar atento além das aparências (BONI; MORESCHI, 2007).
A apresentação final do trabalho fotoetnográfico já deve ser planejada
antecipadamente pelo pesquisador, que precisa ir a campo com a montagem da exposição já
em mente. Dessa forma, o pesquisador construirá a narrativa visual com descrição visual
(ACHUTTI, 2004).
Com o objetivo da pesquisa e o planejamento do produto da pesquisa definidos, é o
momento de o pesquisador ir à campo e conhecer as comunidades que serão pesquisadas.
As comunidades remanescentes quilombolas do Feixo, Vila Esperança e Restinga
fazem parte da memória dos afrodescendentes do Estado. A melhor forma de valorizar e
buscar a história, é investigá-la pela imagem. Nesse aspecto, a fotografia documental valoriza
a memória, resguarda os rostos e traços das comunidades. Grava feições, traz a conhecimento
público esses olhares, comportamentos que podem ser analisados e incorporados a reflexões
ambientais.
47

Paula (2006) faz registro fotográfico documental das comunidades do Feixo e da


Restinga. O livro apresenta de forma geral alguns personagens principais das comunidades e a
relação social que os envolve.
A maioria dos participantes de um projeto de pesquisa visual geralmente fica satisfeita
quando recebe cópias das imagens. Qual o motivo disso ocorrer, já que a palavra escrita é tão
universal? A leitura imagética possui múltiplos significados dependendo de quem é o leitor
das imagens. Uma imagem com algumas pessoas poderá ter um significado para um
pesquisador e outro para um parente de uma das pessoas fotografadas. Independentemente
disso, dificilmente alguém emoldurará a página do artigo, mas isso poderá ocorrer com a
fotografia (BANKS, 2009).
48

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa é de natureza qualitativa, com abordagem interdisciplinar, que se dá na


junção entre fotografia, comunicação ambiental e gestão ambiental. A pesquisa qualitativa é
direcionada para o caráter investigatório, sendo num primeiro momento necessário explorar a
fim de encontrar variantes e propriedades.
Foram utilizadas as técnicas da etnografia (observação em campo) e entrevistas
sequenciais, por indicação da primeira pessoa entrevistada nas comunidades pesquisadas, em
iguais condições. A estratégia de seleção de entrevistados por meio de indicação é
denominada pelas ciências sociais como bola de neve, uma vez que o número de entrevistados
tende a se ampliar, na medida em que o pesquisador se insere no campo pesquisado e se
esgota pela repetição da informação advinda de diferentes sujeitos da pesquisa (BIERNACKI;
WALDORF, 1981).
A realização da pesquisa foi autorizada pela Associação de Afro-descendentes da
Região (Lapa), conforme Apêndice D. A pesquisa foi submetida à avaliação pelo Comitê de
Ética em Pesquisa, por meio de protocolo junto ao SISNEP/Plataforma Brasil CAAE
93172718.9.0000.0093 e Número do Parecer 2.893.326. Foi aprovado em 13 de setembro de
2018.

3.1. Público da pesquisa

Mulheres residentes nas Comunidades Remanescentes Quilombolas do Feixo, Vila


Esperança e Restinga, Distrito de Mariental, na Lapa.

3.1.1 Critérios de inclusão

As entrevistadas foram selecionadas devido a critérios pré estabelecidos, os quais


precisaram ser todos aplicáveis, por exigência metodológica.
- Mulheres residentes nas Comunidades Remanescentes Quilombolas do Feixo, Vila
Esperança ou Restinga, Distrito de Mariental;
- Possuir vínculo social com o grupo pesquisado;
- Moradoras há, pelo menos, dois anos em uma das comunidades pesquisadas;
- Disponibilidade e aceitação em participar da pesquisa;
49

- Possuir a idade mínima para participar da pesquisa, 16 anos.

3.2 Pesquisa documental e tratamento de dados públicos

Foram utilizados dados publicados no relatório de pesquisa elaborado pelo Grupo de


Trabalho Clovis Moura (GTCM), que mesmo sendo de 2008, são atualmente utilizados pela
Prefeitura Municipal da Lapa e também pela Emater na realização de constantes ações nas
CRQs da região.
Os dados apresentados nas publicações do GTCM são unificados e em boa parte
gerais. Os dados trabalhados pelas comunidades Restinga e Vila Esperança foram fornecidos
pela Emater. Nessas informações são apresentados dados separados por famílias, nome
completo, idade, sexo, a existência de documentos, grau de instrução, titulação da terra e se
possui energia elétrica na residência, que foram utilizados como identificação de dados das
comunidades pesquisadas, tais como quantidade de mulheres que possuem documentação,
grau de escolaridade, trabalho, entre outras informações.. As informações gerais foram
publicadas como resultado do GTCM em 2008 e 2010. Já os dados referentes ao público-alvo
da pesquisa foram tabulados. Para essa distinção temporal entre o que foi publicado pelo
grupo e a realização da pesquisa atual, foi considerada a diferença de 10 anos, o que foi
mostrado pela diferença de idade de algumas entrevistadas na pesquisa.
Com a tabulação dos dados fornecidos pela Emater, foi possível observar melhor a
distinção entre as três comunidades.
As informações da CRQ da Vila Esperança no GTCM as associam à CRQ do Feixo,
sendo citada, inclusive, como “CRQ Vila Esperança – Feixo”. As informações passadas pela
Emater estão unificadas entre as duas comunidades como Feixo. Por isso, existe uma
diferença na quantidade de moradores. Outra questão é sobre os dados informados, que não
distinguem quem é morador da CRQ do Feixo ou da CRQ Vila Esperança. Nesse aspecto,
para a presente pesquisa, foram considerados os dados para tabulação como CRQ do Feixo e
as duas comunidades serão apresentadas no mesmo item de discussão.

3.3 Coleta e análise de dados

O diagnóstico da realidade foi realizado por meio da técnica da observação direta e da


aplicação de questionários (vide anexo), considerado como etapa inicial da investigação. Os
50

dados coletados por meio de observação foram registrados em diário de campo. A figura
apresenta fluxograma da fase incial da pesquisa qualitativa.

FIGURA 02: Fase inicial da pesquisa qualitativa

Processo de Pesquisa de campo

Observação direta Questionários Termo de Consentimento Livre e


(dados registrados em Esclarecido
diário de campo)

Autorização para fotografar e


registro de entrevistas

Entrevistas livres Imagens

A cada saída de campo, foram realizadas entrevistas informais com os atores sociais.
Durante as entrevistas, foi solicitada a autorização para a realização das fotografias e registro
de entrevistas (gravação de áudio). Após a autorização, mediante assinatura de Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C), a conversa foi gravada e foram clicadas
as imagens.
A coleta de dados se esgotou no momento em que ocorreu repetição de respostas e
procedimentos característicos. As entrevistas gravadas foram transcritas, buscando a descrição
objetiva, sistemática e quali-quantitativa do conteúdo dos depoimentos.
A segunda fase do processo de coleta e análise de dados, figura 3, abordou as
subcategorias (definidas na etapa anterior) se uniram as observações do pesquisador durante a
fase inicial da pesquisa, buscando-se construir o segundo instrumento de coleta de dados, a
entrevista semi-estruturada.
51

FIGURA 03: Segunda fase da pesquisa qualitativa

Processo de Pesquisa de campo

Observação direta Questionários Termo de Consentimento Livre e


(dados registrados em Esclarecido
diário de campo)

Autorização para fotografar e


registro de entrevistas

Entrevistas livres Imagens

Entrevista semi-estruturada

Posteriormente, o material foi analisado por meio de técnica de análise de conteúdo


(BARDIN, 2012) e de triangulação de dados qualitativos (soma das diferentes percepções), de
onde foram extraídos os aspectos subjetivos relevantes (BARDIN, 2012).
A triangulação é utilizada pelo pesquisador quando este tem a necessidade de ir além,
utilizando mais de um método de análise. A principal associação entre qualidade da pesquisa
qualitativa e triangulação é a possibilidade de ampliação das atividades de pesquisa. Os
procedimentos metodológicos possuem quatro regras:
1. Na captação da realidade social, são indicados métodos qualitativos e quantitativos;
2. Precisam ser coletadas ações subjetivas e fatos objetivos;
3. As observações devem ser finalizadas por material histórico;
4. Fundamental aplicar observações não evidentes da espontaneidade e entrevistas
diretas e planejadas (FLICK, 2009).
Os conteúdos foram analisados visando obter por métodos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens indicadores que permitissem a dedução de
conhecimentos relativos às categorias de produção/recepção destas mensagens, ou seja, a
52

descrição detalhada do conteúdo das imagens, relacionando as categorias de análise: gênero,


étnica, trabalho feminino, religiosidade e comunidade.
A terceira e última fase do processo de coleta e análise de dados partiu do referencial
teórico construído para elaborar a interpretação da análise. Novas observações puderam ser
agregadas às informações pelo pesquisador em relação ao objeto de pesquisa, mesmo sem
estar previstas. As interpretações precisavam estar apoiadas em provas de validação, baseadas
na literatura de especialidade ou em práticas observadas no ambiente pesquisado. A figura 04
apresenta a sistematização geral na aplicação de estratégias da Pesquisa Qualitativa.

Processo de pesquisa de campo

Observação Questionários Entrevistas livres Imagens Entrevistas semi-


estruturadas

Triangulação

Análise de dados

Caso único

FIGURA 04 – Pesquisa Qualitativa – sistematização de estratégias

A metodologia da estratégia direcionada ao trabalho com fotografias apresenta


considerações específicas a projetos imagéticos, conforme pode ser observado na figura 05.
Desde a fase inicial da pesquisa as imagens já são direcionadas para a formatação do produto
final, o que não diferencia do processo de captação. A principal distinção está no processo de
edição final, quando os produtos precisam de formatação específica: se fotolivro ou
exposição.
53

Tema a ser fotografado

Pesquisa inicial. Como foi abordado por outros fotógrafos/artistas?

O que posso criar como projeto fotográfico?

Exposição Fotolivro Pesquisa Jogo da memória quilombola

Pesquisa

Planejamento (orçamento, custos, produção)

Produção

Se Exposição Se Fotolivro

Captação das Imagens

Edição

Formato (plataforma, Formato (tamanho,


local, individual / quantidade de páginas,
coletiva) tiragem)

FIGURA 05 – Projeto Fotográfico – sistematização de estratégias

A CRQ da Restinga possui 271 habitantes, foram entrevistadas 17,23% das mulheres
da comunidade. A Restinga, devido a importância e diferenciação das mulheres, na análise o
grupo foi separada das demais comunidades. A CRQ do Feixo e da Vila Esperança possuem
54

600 habitantes, sendo 49% mulheres. No Feixo foram entrevistadas 12 mulheres dos grupos
Pavão e Rincão, sendo este o maior núcleo no quesito número de habitantes, com a faixa
etária de 16 a 80 anos. Já na Vila Esperança foram entrevistadas 12 mulheres com a faixa
etária de 16 a 76 anos. Foram entrevistadas 8,60% do total de mulheres do Feixo e Vila
Esperança.

3.3.1 Registros fotográficos

Existe uma diferença significativa entre os momentos da ação do primeiro clique


fotográfico à devolutiva da última imagem. A fotografia exige uma troca entre o fotógrafo, e o
ator social a ser fotografado, harmônica ou não, estará presente na fotografia do retratado. Na
pesquisa envolvendo fotografia ou mesmo num simples ato de fotografar, é fundamental a
ética na imagem, que o fotógrafo solicite autorização, compreenda a realidade onde está se
inserindo, principalmente por ser um “contador de histórias com imagens”, e desvende esses
universos que, muitas vezes, se apresentam como significativos (FOX, 2013).
A liderança assumida por mulheres em comunidades quilombolas é uma observação
importante para a compreensão do grupo. Existe a necessidade do reconhecimento étnico e
racial como fator preponderante da luta política na demarcação de terras quilombolas (LIMA,
2014). Nesse caso, a importância das atividades desenvolvidas pelas mulheres fortalece não
apenas a identidade quilombola, mas também auxilia no desenvolvimento de ações
envolvendo questões ambientais, tais como geração de resíduos, saneamento e compreensão
da localização das CRQs da Lapa-Pr em área de interesse ambiental.
Nas CRQS pesquisadas, batendo de porta em porta, buscou-se compreender a
realidade e a inserção social dos grupos pesquisados. Mulheres com relatos de preconceito e
também altivez, que na sua grande maioria, são as primeiras numa família a acordar e as
últimas a dormir.
Inspirada por Laplantine (1991), a presente pesquisa sensibiliza pela imagem,
apresentando e envolvendo questões de quilombolas, gênero e educação ambiental. É a
fotografia acompanhando o percurso do pesquisador e sendo utilizada como proposta de
educação ambiental.
Os registros fotográficos adotaram como estratégia metodológica e de análise a
etnofotografia, seguindo os parâmetros da Antropologia Visual. Esta recomenda que o
pesquisador em campo tenha um bom posicionamento dentro da comunidade, considerando o
formato final do trabalho fotográfico e as formas de acesso aos resultados as imagens
55

fotografas. Esses cuidados foram necessários, buscando valorizar o trabalho imagético e o


estudo da etnia retratada, sendo apresentado o mais possível do real. Considerou-se a
importância da utilização de uma linguagem de fácil assimilação para a melhor compreensão
das informações textuais e imagéticas, independente da plataforma de apresentação (livro,
revista ou exposição) (BONI; MORESCHI, 2007).
A fotografia, como ferramenta de pesquisa, é um dos elementos fundamentais na
triangulação de dados qualitativos (observação, entrevistas e imagens) (FLICK, 2009).

3.3.2 Educação ambiental como estratégia metodológica

A educação ambiental foi utilizada como estratégia de pesquisa e intervenção junto às


comunidades. Por este motivo, também se constituiu em procedimento metodológico. A
sensibilização pela imagem pretendeu orientar as mulheres nas questões ambientais e produzir
resultados que fundamentassem a temática em estudo.
Observa-se que algumas comunidades tradicionais têm vulnerabilidade social, caso
das CRQs da Lapa – Paraná. Nesse caso, a educação ambiental possibilita não somente a
conscientização ambiental da área em que vivem, como também o fortalecimento dos atores
sociais, tendo a fotografia como ferramenta de documentação imagética dos grupos
pesquisados. Nesse aspecto, a fotografia fortalece a identidade quilombola, como
comunidade, o que une e suas relações como grupo social.
A valorização do conhecimento prático e do conhecimento local proporciona uma
melhor abordagem na compreensão do diagnóstico ambiental, além de se caracterizar como
um exercício da democracia na produção de conhecimento (FOLADORI; TAKS, 2004).

Foram então consideradas as categorias que compõem a educação ambiental, como


pode ser observado no quadro 01:

Quadro 01 - Categorias que compõem a educação ambiental


Categoria Ação educativa Metodologia da Ação
Educativa
CONSCIÊNCIA Auxilia na sensibilização de Exposição fotográfica e
indivíduos e grupos sociais a devolutiva das fotografias, que
compreender o meio ambiente e incluíram imagens ligadas às
suas questões condições sociais das
comunidades.
56

CONHECIMENTO Une experiências a compreensão Conversas e entrevistas que


sobre o meio ambiente e seus abordaram questões ambientais
problemas; como cuidados com a geração
de resíduos, saneamento e água.
COMPORTAMENTO Gera o comprometimento com Conversas, entrevistas,
uma série de valores aliados ao exposições e devolutivas
interesse, a participação e a fotográficas que abordaram
melhoria do meio ambiente; questões ambientais como a
produção de orgânicos e a
localização das CRQs em área
de interesse ambiental.
HABILIDADE Orienta na aquisição de Ações educativas informais que
habilidades necessárias à foram inseridas nas conversas
identificação e resolução de com as mulheres pesquisadas
problemas ambientais; das CRQs.
PARTICIPAÇÃO Possibilita a participação ativa O envolvimento das mulheres
nos trabalhos que objetivam a pesquisadas na devolutiva das
resolução de problemas imagens envolvendo a
ambientais. problemática ambiental, tais
como imagens com esgoto a
céu aberto e geração e
destinação adequada de
resíduos dentro das CRQs
pesquisadas.
QUADRO 01 - Estes objetivos podem ser visualizados por meio do Diagrama de Cooper (DIAS, 2011, p.111).

FIGURA 06- Diagrama de Cooper.

Como dinâmica foi utilizado o enfoque participativo, por meio de conversas informais,
que seguiram um roteiro preestabelecido e imagens colhidas em campo. O conteúdo
programático das conversas abordou as questões relacionadas às comunidades tradicionais
com ênfase direcionada a comunidades quilombolas, definição, história, legislação e direitos.
57

Os contatos com os entrevistados, ora realizados em visitas informais, ora em


reuniões e eventos da comunidade, ocorreram ao longo de 2018.

3.3.3 Exposição

Como estratégia para a devolutiva de resultados às entrevistadas e às comunidades


foram realizadas exposições fotográficas. As exposições fotográficas aconteceram nas três
CRQs (Feixo, Vila Esperança e Restinga) e na Universidade Positivo. Em cada uma das
exposições realizadas nas CRQs, as imagens foram doadas aos participantes fotografados.
A devolutiva é o retorno ao fotografado, ao ator social. É o respeito e consideração que
o fotógrafo precisa destinar a quem posou ou participou da pesquisa. O destino dessa imagem
contribui para a pesquisa e a pesquisa pode contribuir de alguma forma ao ator social, seja
pela imagem salva num arquivo pdf de um artigo, seja resguardada num portarretrato,
salvaguardando memórias de uma comunidade.

3.3.4 Produção de recursos didáticos

De posse dos resultados da pesquisa, foram elaborados recursos didáticos (exposição


itinerante, jogo da memória e fotolivro) a serem utilizados em atividades de educação
ambiental. Por tratar-se de resultado do processo de pesquisa, os respectivos materiais serão
descritos e apresentados e subitem específico no capítulo Resultados e Discussão.
58

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Local da pesquisa


Saindo de Curitiba, no caminho percorrido em direção às comunidades, pela BR-476,
cruza-se com os municípios de Araucária e Contenda e chega-se às CRQs da Lapa. Vindo da
Lapa é preciso pagar o pedágio, localizado a poucos quilômetros das comunidades.
A Lapa foi desmembrada de Curitiba em 13 de junho de 1872. O município faz limite
com as cidades de Contenda, Quitandinha, Campo do Tenente, Rio Negro, Antônio Olinto,
São João do Triunfo, Palmeira, Porto Amazonas e Balsa Nova. Segundo o IPARDES (2018),
possui população de eleitores formada majoritariamente por mulheres, sendo 17.540 mulheres
de um total de 34.773. As principais atividades econômicas são a agricultura, pecuária,
produção florestal, pesca e aquicultura, com 6.639 pessoas trabalhando nas atividades (IBGE,
2010).
A agricultura conta com o cultivo principal temporário de soja, bata-inglesa, feijão,
milho, trigo e cebola. Já o cultivo permanente inclui maçã, pêssego, erva-mate, pera e uva
(IBGE, 2010). Os dados fornecidos são generalistas e não diferenciam a produção feita nas
comunidades. Nas três comunidades pesquisadas foram encontradas mulheres que atuam na
agricultura. Nas entrevistas das mulheres das CRQs foram utilizados pseudônimos para
preservar a identidade das entrevistadas.
O município recebe recursos do ICMS Ecológico, em razão da existência na região de
Unidades de Conservação e áreas de manancial, como é o caso da Escarpa Devoniana, que
assegura a proteção do limite natural entre o Primeiro e Segundo Planalto. A APA da Escarpa
Devoniana possui 392.363,38 de hectares e abrange as cidades de Jaguariaíva, Lapa, Porto
Amazonas, Ponta Grossa, Castro, Tibagi, Sengés, Piraí do Sul, Palmeiras e Balsa Nova. O
município da Lapa ainda inclui a Estação Ecológica da Floresta Estadual do Passa Dois, com
275,61 hectares, e o Parque Estadual do Monge, com 297,83 hectares (IAP, 2002).
Na Lapa ocorre sobreposição de áreas com unidades de conservação ambiental e áreas
de mananciais de abastecimento, recebendo somente pelo maior índice, o de conservação. Em
2010, o município recebeu R$ 239.775,26, segundo dados do site www.icmsecologico.org.br.
Já em 2017, o município recebeu R$ 219.578,34.
O IBGE (2010) apresenta os dados censitários segundo cor: branca 32.112, negra
1.372, amarela 185 e parda 11.228. Dessa forma, é possível afirmar que no município da
Lapa, a raça negra totaliza 39,23% da população.
59

Historicamente, o Estado do Paraná apresenta nos dados da população indicativo de


afrodescendência. Em 1822, segundo a cor de pele, pardos e negros somavam 32,18% da
população; já em 1874, mesmo com a influência da imigração europeia, pardos e negros
totalizavam 32,34 % da população paranaense (GTCM, 2008).
A miscigenação na população brasileira é caráter constitutivo da diversidade cultural
presente na identidade do povo brasileiro. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD, 2015), indivíduos pardos e negros somam 53,92% da
população brasileira. Esses dados demonstram a importância da pesquisa nas CRQs da Lapa,
como forma de voltar os olhos para a história, reconhecer o legado da cultura africana sobre a
população brasileira e compreender a própria história do país.
Segundo dados da Fundação Palmares, existem mais de 3.500 comunidades
quilombolas com certidões expedidas no país e, segundo o GTCM, mais de 86 no Paraná,
destas, 36 são certificadas pela FundaçãoPalmares, três são referentes às comunidades do
Feixo, Restinga e Vila Esperança, localizadas na Lapa e certificadas em 13 de dezembro de
2006. Isso demonstra a necessidade de fortalecer à sociedade o reconhecimento cultural e
social dessas populações, proporcionando ações de educação ambiental por meio da
sensibilização pela imagem.
O município da Lapa possui dois hospitais: Hospital Regional da Lapa São Sebastião
(localizado na Rodovia do Xisto) e Hospital Hipólito Amélia Alves de Araújo (localizado no
centro da cidade). Se houver necessidade de atendimento emergencial fora do horário ou
necessidade de internação hospitalar, o atendimento mais próximo é no Hospital Regional da
Lapa São Sebastião.

4.2 As Comunidades Remanescentes Quilombolas

O Estado do Paraná possui mais de 86 comunidades com influência da história


africana e afrodescendente, ainda que nem todas sejam quilombolas. Segundo a Fundação
Cultural Palmares, o Paraná possui 36 Comunidades Remanescentes Quilombolas certificadas
e autorreconhecidas.
Nas CRQs da Mesorregião Metropolitana de Curitibana encontram-se as CRQs:
Microrregião de Cerro Azul (Adrianópolis, Doutor Ulisses); Microrregião de Curitiba
(Bocaiúva do Sul, Campo Largo); Microrregião da Lapa (Lapa); Microrregião de Paranaguá
(Guaraqueçaba).
60

No mapa a seguir (FIGURA 07) visualiza-se a distribuição das Comunidades


Remanescentes Quilombolas presentes no Estado do Paraná e a população de negros e pardos.

FIGURA 07 - População negra e Comunidades Quilombolas do Paraná Fonte: ITCG - Instituto de Terras,
Cartografias e Geociências http://www.guiageo-parana.com/mapas/quilombolas.htm Acesso: 06/08/2017.

Em todas as CRQs, é frequente a ausência de documentação, o que contribui para a


inexatidão da distribuição etária, uma vez que 15% da população não possui certidão de
nascimento.
De acordo com dados colhidos pelo GTCM, a distribuição por faixa etária e sexo nas
CRQs da Mesorregião Metropolitana de Curitiba indica maior índice de pessoas entre 18 e 65
anos de idade, com significativo equilíbrio entre os sexos. Relevante também observar o
número de idosos, ou seja, a população com idade acima de 65 anos. O maior número de
mulheres se encontra na faixa etária de 18 a 65 anos, representando quase 50% da população
total das CRQ do Paraná. Nesta faixa etária os números entre sexos também denotam
equilíbrio, totalizando 95 pessoas, como se pode observar na tabela a seguir:

Tabela 01 - Comunidades Remanescentes de Quilombos do Paraná - Mesorregião


Metropolitana de Curitiba - População por faixa etária e sexo
Faixa etária População total Sexo masculino Sexo feminino
61

<=1 ano 68 35 33
> 1 e <= 6 anos 199 110 89
> 6 e <= 14 anos 379 191 188
> 14 e <= 18 anos 165 92 73
> 18 e <= 65 anos 797 400 397
> 65 anos 95 48 47
Total 1703 876 827
TABELA 01. Fonte: Base de Dados GTCM, 2008.

Os habitantes de grupos que reivindicam o status de quilombolas vivem em precárias


condições de vida e pertencem aos grupos mais pobres da sociedade brasileira. Segundo
dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), 74,7% das famílias quilombolas
vivem abaixo da linha de pobreza e apenas 30% das famílias têm acesso à água potável
(COSTA, 2017).

4.3 As Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa - Pr

A realidade das CRQs do Paraná é similar à de outras CRQs já espalhas pelo todo o
país, ou seja, são comunidades carentes e que durante muito tempo foram ignoradas e
excluídas pelo poder público, necessitando a urgente implementação de políticas públicas que
façam a inclusão social (GTCM 2008).
As Comunidades Remanescentes Quilombolas do Feixo, Restinga e Vila Esperança,
localizadas no Município da Lapa, são comunidades afrorrurais que tiveram influência de
outras etnias e possuem forte influência e participação feminina. Mesmo localizadas dentro do
município, ficam a poucos quilômetros da área urbana e são separadas da cidade da Lapa, por
um pedágio, dificultando o acesso dos moradores ao centro da cidade.
Faziam parte da Fazenda Santa Amélia, de propriedade de Hipólito Alves de Araújo,
como pode ser observado na FIGURA 08. A população escravizada foi liberta antes da
promulgação da Lei Áurea, de 13 maio de 1888. Quando libertos, receberam as terras que já
cultivavam. As tradições dos antepassados foram mantidas até a chegada de imigrantes
italianos, russos, poloneses e alemães (PAULA, 2007). A figura 09 apresenta características
da senzala localizada nas dependências da fazenda.
62

FIGURA 08 – Casa da Fazenda Santa Amélia, atualmente é o Assentamento Contestado localizado na Lapa-Pr

FIGURA 09 – Local onde ficava a senzala da casa da Fazenda Santa Amélia


63

Leila Klenk, engenheira agrônoma e técnica da Emater, na Lapa, foi entrevistada e


comentou sobre a origem das comunidades. Segundo ela, o Feixo tem um sotaque peculiar.
Falam com mais arrastado, meio cansado, diferente dos moradores da Restinga, que derivam
da mesma família. Leila acrescenta que as famílias da Restinga são famílias que vieram do
Feixo, uma parte delas.

São derivados da fazenda Santa Amélia, todos. Sempre tenho dúvida em


relação a isso, porque o Hipólito Alves e a Amélia Alves Araújo eram os
donos, no período da fazenda Santa Amélia. Agora eu não sei se eles tinham
parentesco com os Braga, mas eu sei que não tem outra fazenda daquele lado
lá. A família que os negros da Restinga, do Feixo e da Vila Esperança, são
todos da Fazenda Santa Amélia. (Excerto de entrevista, Leila Klenk,
engenheira agrônoma e técnica da Emater)

O GTCM levantou dados referentes à documentação, tais como RG, CPF e título de
eleitor das CRQs do Estado do Paraná. Existe uma discrepância entre a quantidade de pessoas
das CRQs do Estado e a quantidade de pessoas que possuem a documentação, o que também
possibilita acesso políticas públicas voltadas a afrodescendentes. A média varia entre 46,29%
a 52% de remanescentes quilombolas quem possuem RG, CPF e/ou título de eleitor.
Durante a pesquisa, em uma reunião com moradores afrodescendentes da comunidade
do Feixo que foram selecionados para a obtenção de casas quilombolas, foi observada a
dificuldade de alguns moradores locais devido à ausência de documentação. Já que, para dar
continuidade ao processo de receber a casa quilombola, foi necessária a apresentação de
documentos pessoais.

Tabela 02- Comunidades Remanescentes de Quilombos do Paraná -


Mesorregião Metropolitana de Curitiba - População por faixa etária e sexo
Faixa etária População total CPF Registro Geral Título de Eleitor
<=1 ano 33 0 0 0
> 1 e <= 6 anos 112 0 0 0
> 6 e <= 14 anos 183 8 12 1
> 14 e <= 18 anos 88 36 51 30
> 18 e <= 65 anos 382 307 343 333
> 65 anos 38 36 36 34
Total 836 387 442 398

TABELA 02. Fonte: Base de Dados GTCM, 2008.


64

4.3.1 Preconceito e distinções sociais.

A população das CRQs da Lapa é formada por agricultores com poucos recursos
financeiros e que sempre trabalharam para os fazendeiros da região. Com os olhos voltados
para os heróis da Lapa, os historiadores valorizaram as famílias mais ilustres e ícones
militares, deixando de lado os afrodescendentes. Antigos moradores lembram nomes que
contribuíram para a resistência à revolução federalista de 1894, mas a história renega os
cidadãos humildes (PAULA, 2007).
Em maio de 2018 foi realizado o “1° Encontro da Juventude da Lapa, intitulado
Direitos e Identidade” na CRQ do Feixo. O objetivo do evento foi apresentar e discutir a
identidade quilombola, unindo as três CRQs da Lapa: Restinga, Feixo e Vila Esperança.
Na abertura do evento, uma das participantes e também entrevistada da pesquisa
comentou as distinções sociais, bem como, aspectos relacionados ao preconceito, que
permeiam a vida de negros e afrodescendentes.
A gente trabalha a questão da história do livro, e então a gente que é do
Feixo, da Restinga e Vila Esperança, a gente estuda na Mariental, então a
gente sabe muito bem o que é isso. (...) Vamos trabalhar a história da África,
de uma forma muito negativa. A África é um continente extremamente pobre
e de pessoas negras, AIDS e fome, e não é isso. Na hora de falar por
exemplo de nossos ancestrais e de onde descendemos, de onde viemos, então
vem aquele orgulho, eu sou descendente de europeu, de alemães, e sabem
tudo. Fazem a árvore genealógica desde lá, e nós não fazemos isso. E por
que a gente não consegue? A gente precisa fazer este diálogo.
E com relação à representatividade nas escolas a gente vê, por exemplo, nos
murais, sempre são imagens para os brancos. Isso para nós como negros não
é produtivo. Sobre a cultura africana e dos afrodescendentes e possa levar
esses conhecimentos para as escolas e assim a gente não continue
perpetuando essa ideia de que somos inferiores. (Excerto de entrevista,
Mariana, mulher e estudante de ensino superior)

O depoimento da entrevistada Mariana, durante a abertura do evento, representa um


conjunto de ações que a sociedade brasileira impõe aos negros e afrodescendentes: a falta de
visibilidade do negro brasileiro e o sentido pejorativo, quando mencionada a cultura negra.
Como a própria imagem que o continente africano tem no país, sinônimo de pobreza e
fome. O orgulho e tradições que descendentes de imigrantes que apresentam expõem a sua
história familiar. Para um afrodescendente é quase inviável descrever a sua árvore
genealógica e pontuar a origem de sua família em meio à dor da escravidão. A cultura
africana precisa ser difundida nas escolas, museus, espaços culturais para que seja
65

compreendida e sensibilize o país, que possui mais da metade da população formada por
negros e afrodescendentes.
De acordo com pesquisas desenvolvidas pelo GTCM (2008), as comunidades negras
paranaenses não possuem os seus direitos constitucionais garantidos no que se refere à saúde
e sofrem diariamente racismo ambiental, grande parte imposto por empresas estrangeiras do
ramo florestal. O racismo ambiental é caracterizado como referência a qualquer prática,
diretiva ou política que prejudique ou altere, de formas diferenciadas, voluntariamente ou
involuntariamente, as comunidades, grupos ou pessoas por razão de cor ou raça (GTCM
2008).
Diante disso, é necessário que a CRQ assuma a afrodescendência para possuir o direito
à regulamentação da terra. É o que foi instituído no Decreto nº 4.887, que discorre sobre a
regularização e titulação de territórios quilombolas. DIEGUES (2001) acentua a importância
do autorreconhecimento, a relação de identidade e de pertencer ao grupo social específico.

4.3.2 Acesso à Educação


Nas CRQs do Estado foi observado alto índice de analfabetismo: 20%. A média da
população que concluiu o ensino da 1ª a 4ª série é de 51,42% e menos de 5% de adultos (18 a
65 anos) concluiu o ensino médio, conforme se pode observar no gráfico a seguir apresentado
(GTCM, 2008). No mesmo relatório, o GTCM indica que a falta de qualificação compromete
o desenvolvimento profissional.

Tabela 03 - Índice de escolaridade


Escolaridade Percentual
Analfabetos 20,00
E.F. Séries Iniciais 51,42
E.F. Séries Finais 16,76
Ensino Médio 4,38
Pós-Médio 1,90
Fora de Idade Escolar 5,54

TABELA 03- FONTE: Base de Dados GTCM, 2008.

Atualmente, a CRQ do Feixo é a única CRQ da região a possuir escola, mesmo assim
somente com ensino fundamental. As CRQs da Vila Esperança e da Restinga não possuem
66

escolas. A distância das CRQs à escola varia entre 5 a 7 km, esta localizada em Mariental
(GTCM, 2008).

Tabela 04 - Distância entre escola e comunidade


CRQ Escola na comunidade Distância até escola
CRQ da Restinga Não existe 5ª. à 8ª. - 5 a 7 km
E. M. - 5 a 7 km
CRQ do Feixo 1ª. à 4ª. 5ª. à 8ª. - 5 a 7 km
E. M. - 5 a 7 km
a) Núcleo Rincão
b) Núcleo Maria Antonia
c) Núcleo Campina
d) Núcleo Pavão
CRQ do Feixo: Vila Esperança Não existe 5ª. à 8ª. - 5 a 7 km
E. M. - 5 a 7 km
TABELA 04- Nota: informações parciais. Fonte: GTC, 2008.

4.3.3 Saúde
As três CRQs (Feixo, Restinga e Vila Esperança) não possuem posto de saúde. As
comunidades citadas são atendidas pelo posto de saúde de Mariental, localizado entre 5 a 7
km de distância.
Segundo o GTCM, as doenças de maior incidência nas CRQs são o alcoolismo e a
hipertensão.

Tabela 05 - Distância entre posto de saúde/hospital e Comunidade

Distância
CRQ posto de saúde Distância hospital Doenças de maior incidência
5 a 7 km -
5ª. à 8ª. - 5 a 7 km
CRQ da Restinga Mariental Hipertensão e alcoolismo

5 a 7 km -
5ª. à 8ª. - 5 a 7 km
CRQ do Feixo Mariental Hipertensão e alcoolismo

a) Núcleo Rincão
b) Núcleo Maria Antonia
c) Núcleo Campina
d) Núcleo Pavão
CRQ do Feixo: Vila 5 a 7 km - 20 km (aprox.)
Esperança Mariental Lapa Não indicado

Tabela 05- Nota: informações parciais. Fonte: GTCM, 2008.


67

Segundo a técnica da Emater que atua nas CRQ da Lapa e conhece as diferenças entre
a Restinga, Feixo e Vila Esperança, a força feminina nas CRQs é muito grande e existem
distinções entre as mulheres e homens nas comunidades.
Havia recurso do governo para reforma de casa ou paiol. Os homens iam
pedir ou paiol ou no máximo (verba para reforma) do telhado e todas as
mulheres pediam um local coberto para o tanque, ligação de água com o
local onde o esgoto pudesse escorrer. Então é muito interessante
isso.(Excerto de entrevista, Técnica L.K.)

Sobre a distinção entre as comunidades do Feixo e da Restinga, Klenk comenta que


O Feixo é uma comunidade muito maior, muito mais heterogênea, com
muito mais dificuldades econômicas. A comunidade tem uma pobreza mais
acentuada, situações de vulnerabilidade social grande, com doenças básicas,
verminose e outras. E a Restinga já não. A Restinga é uma comunidade com
um pouco mais de condição econômica. (Excerto de entrevista, Técnica
L.K.)

A diferença citada pela entrevistada ficou evidente durante a pesquisa. A articulação


de ideias, no desenrolar das entrevistas das mulheres da Restinga proporcionaram resultados
melhores e positivos. A abordagem e fluência possibilitaram que as mulheres da comunidade
abordassem e contassem mais sobre a própria história. A questão da identidade quilombola
envolve esse aspecto. O fato de assumirem, se identificarem, buscarem pontos e referências
na história de suas famílias fortalece o grupo social, já que o ponto de vista da história
tradicional não apresenta o olhar para essas comunidades, fato comentado por Paula (2007).

4.4 Comunidade Remanescente Quilombola da Restinga


4.4.1 Aspectos gerais da comunidade

Restinga é CRQ da região da Lapa com o segundo maior número de habitantes.


Segundo dados do GTCM (2008), a comunidade possui 67 famílias, 271 habitantes no total
sendo 133 mulheres. Foram entrevistadas 23 mulheres com a faixa etária de 16 a 90 anos.
A imagem contida na figura 10 demonstra o olhar do fotógrafo pesquisador sobre a
comunidade, confrontadas pelo olhar do artista plástico (na figura 11) em relação ao mesmo
ambiente. Denota-se que a percepção ambiental é constituída por olhares e sensibilidades
distintas, e tais singularidades necessitam ser respeitadas, ao se caminhar pelas ações da
educação ambiental. É imprescindível destacar que o campo de estudo se constitui em área de
68

relevante interesse ambiental e espaço histórico-cultural da ancestralidade africana no estado


do Paraná. Logo, o grupo que ali reside, se constitui em população tradicional, ou seja, grupos
que ocupam a região há muito tempo e têm o uso de recursos naturais direcionados
majoritariamente à subsistência, baseado no uso intensivo de mão de obra familiar,
tecnologias de pouco impacto derivadas de conhecimentos herdados na família e de base
sustentável (ARRUDA, 1999).

FIGURA 10 – Fotografia que serviu de inspiração para a pintura em acrílica sobre tela do artista plástico Ari
Vicentini, durante a fase da pesquisa na CRQ da Restinga
69

FIGURA 11 – Pintura em acrílica sobre tela do artista plástico Ari Vicentini, durante a fase da pesquisa na CRQ
da Restinga. Autor Ari Vicentini (2018)

A CRQ da Restinga está localizada a doze quilômetros da Lapa, precisamente, a dois


quilômetros do pedágio antes de chegar na cidade. O pedágio foi colocado quase na entrada
da comunidade. Poucos moradores têm acesso livre à Lapa, grande parte tem direito a dez
passagens por mês e, atualmente, representantes da comunidade procuraram a Defensoria
Pública, justamente para tentar o livre acesso da comunidade ao município da Lapa. As ruas
de acesso na CRQ da Restinga não são pavimentadas, como mostrado na figura 12. No
caminho existem casas de alvenaria e madeira.
70

FIGURA 12 – As ruas da CRQ Restinga são de terra com paisagens bucólicas

Consta no relatório elaborado pelo GTCM (2008) o relato de Ana Maria Martins
Santana, descendente de escravos e moradora da comunidade. Nele, Ana Maria comenta que
herdou uma história de luta e resistência e que tentaram tirar sua mãe, Setembrina Caetano de
Lima, à força, mas a mãe tinha a documentação necessária comprovando a posse da terra. O
trabalho nas roças é feito por mulheres e homens, que cultivam milho e feijão em terras
arrendadas (GTCM 2008). Os relatos de moradoras apresentam a principal característica da
comunidade, a luta e a resistência, já que a Restinga, entre as três comunidades pesquisadas,
possui o diferencial de valorizar o passado histórico, o passado de afrodescendentes. Em
várias casas, de mulheres entrevistadas para a pesquisa, foram observados objetos que faziam
menção à afrodescendência, além de imagens de parentes ascendentes. A busca por esse
reconhecimento não vem apenas de um reconhecimento pela titularidade da terra, mas por um
orgulho e valorização da própria história.
Ao ser indagada sobre o desejo de residir em outra comunidade, uma das entrevistadas
assim comentou:

“Tenho mas não posso deixar minha irmã. Tem meus filhos, que vão estudar
e trabalhar, e a gente pensa em ir, mas daí a gente vai ficando, mas não tem
problema”. (Excerto de entrevista, Valdete, mulher, 53 anos)
71

A entrevistada demonstra o desejo de deixar a comunidade, mas os laços familiares


fazem com que permaneça morando na Restinga. A grande maioria das mulheres das três
comunidades gosta do lugar e, muitas das mulheres que precisam sair para buscar melhores
condições de estudo ou trabalho, retornam à comunidade anos mais tarde.
É fator preponderante a compreensão sobre o território quilombola, bem como a
concepção sobre o grupo que o ocupa e justifica a sua localização. Ocorre a união dos
registros da história do grupo, experiências coletivas e individuais do presente e passado
(ANJOS; CYPRIANO, 2006).

4.4.2. Educação
Os dados coletados na Restinga indicam que 50,38% das mulheres possuem
documento de identidade, 51,88% das mulheres são inscritas no Cadastro de Pessoa Física
(CPF) e 48,87% têm título de eleitor. O índice mostra que o número médio das mulheres da
comunidade possui documentos, que também proporcionam o acesso à educação.
A CRQ da Restinga não possui escola, tal qual a CRQ da Vila Esperança. Em razão
disso, a Prefeitura Municipal da Lapa disponibiliza ônibus para o transporte das crianças. As
mães e/ou responsáveis acompanham as crianças até o ponto de ônibus e aguardam a chegada
ao veículo no retorno das aulas. O ponto de ônibus é localizado somente na entrada da
comunidade. É comum, no horário de ida e retorno da escola, encontrar mães caminhando em
grupos. As ruas não são asfaltadas (figura 12), o caminhar é tranquilo em dias de sol. Porém,
em dias de chuva, a areia e o barro dificultam o acesso, prejudicando a ida das crianças à
escola.
Segundo dados do GTCM (2008), 51,42% da população das CRQ da Lapa possui a
escolaridade no ensino fundamental das séries iniciais.
O grau de instrução, diante das informações coletadas pelo GTCM, é identificado em
51,88% das mulheres de primeira à quarta série; 18,80% das mulheres de quinta à oitava série
e 9,09% das mulheres com ensino médio, não informando se concluído ou não. Foi observado
pelo GTCM, na época da coleta de dados, a ausência de incidência de casos de analfabetismo,
pós-médio e terceiro grau.

Tabela 06 - Índice de escolaridade de mulheres na CRQ Restinga


Escolaridade Percentual
Analfabetos 0
72

E.F. Séries Iniciais 51,88


E.F. Séries Finais 18,80
Ensino Médio 9,09
Pós-Médio 0
Terceiro Grau 0
TABELA 06. Fonte: Emater/Pesquisador.

Comparando com os dados tabulados fornecidos pela Emater, é observado que a


maioria de mulheres da comunidade apresentava como grau de instrução as séries iniciais do
ensino fundamental. Não havia casos de mulheres com grau superior na comunidade em 2008.
Atualmente, porém, é o que distingue a comunidade, pela coesão e ação das mulheres que
assumem a liderança e interagem em ações coletivas em prol da comunidade. A maioria das
mulheres entrevistadas da CRQ da Restinga estudou até o ensino médio ou cursou curso
universitário.
As mulheres entrevistadas da Restinga possuem, em sua maioria, nível de instrução
maior, se comparadas às mulheres das outras comunidades. Algumas das entrevistadas
possuem formação no ensino superior, em Letras, Enfermagem, Direito. Outras são estudantes
universitárias.
Ao referir-se às condições e nível de escolaridade entre as mulheres, as informações
obtidas com as entrevistas evidenciam a diferença significativa entre o grau de instrução. A
entrevistada Nanda, por exemplo, é solteira, tem um filho de 14 anos e comenta que está
concluindo o ensino médio. Uma das entrevistadas é enfermeira aposentada com mestrado e
doutorado pela USP. Outra entrevistada relata que é estudante de Pedagogia e comenta:

Eu estou fazendo pedagogia. Há muitos anos atrás, quando terminei o ensino


médio, eu consegui uma bolsa pelo Prouni mas era muito gasto e acabei
desistindo. Ano passado fiz o Enem e tirei nota boa e resolvi fazer
pedagogia. (Excerto de entrevista, Paulina, 31 anos, agricultora e estudante
de curso superior)

“O estudo é difícil. Tem que sair fora para trabalhar”. (Excerto de entrevista,
Valdete, 53 anos, artesã)

As duas entrevistadas acentuam a dificuldade de acesso à educação, o que também


prejudica as condições de trabalho. A entrevistada E também comentou essa questão,
73

principalmente o fato de a CRQ da Restinga não possuir escola e nem creche. A entrevistada é
técnica do meio ambiente, atua como professora e é formada em Direito.

Na escola, para o ensino médio, as crianças vão para Lapa. A prefeitura


fornece ônibus que não paga e quando não fornece o ônibus, tem que pegar
e preferem estudar em Curitiba. Daí já migram para Curitiba e ficam (por) lá.
Daí tem moradia lá e aqui e é obrigado a ter lá porque não tem renda, não
tem como estudar e trabalhar. Todas as mulheres que se aposentam querem
voltar para Restinga, onde nasceram. Aqui tem a ancestralidade, identidade e
família. (Excerto de entrevista, Elis, mulher, 42 anos,e professora)

É importante considerar que a Organização Mundial de Saúde, ao definir qualidade de


vida e saúde, aponta como indicadores as condições de saúde, trabalho, transporte, habitação,
lazer, educação, acesso a serviços essenciais, e a ausência de algum destes indicadores
implica diretamente no bem-estar do indivíduo e de sua comunidade.
Tal qual a entrevistada Elis, durante as entrevistas, foram encontradas várias situações
de mulheres que saíram da CRQ Restinga em busca de melhores condições e retornaram à
comunidade. Mesmo quando afastados, os atores sociais mantêm o vínculo com o local de
origem, retornando para a comunidade quando mais velhas. Em seu relato, a técnica da
Emater L. K., acentuou esse fato. Segundo ela, a maioria das pessoas quilombolas da
Restinga que foi embora está voltando para a comunidade, reencontrando com seus
familiares.
Uma comunidade quilombola também é caracterizada pelo conhecimento oral,
passado de geração a geração, principalmente na forma como os mais velhos ensinam os mais
jovens seus costumes e descrevem a vida dos antepassados por meio de exemplos e histórias
(LOBÃO, 2014).

4.4.3. Saúde
A CRQ da Restinga não possui posto de saúde. A comunidade é assistida pelo posto
de saúde de Mariental, localizado entre 5 a 7 km de distância, que atende à comunidade de
segunda à sexta-feira, das 8h às 16h e inclui o atendimento de assentados (próximo à CRQ
existe o Assentamento Contestado), geral e da escola do distrito.

“A maioria das casas tem esgoto a céu aberto, isto é um probleminha bastante
frequente por aqui”. (Excerto de entrevistada Dinorah)
74

As condições de saneamento básico afetam a qualidade de vida na comunidade. Nesse


aspecto, existe a necessidade de que o poder público e a própria Prefeitura da Lapa volte a
atenção e proporcione melhores condições aos moradores da comunidade.
Leila Klenk comenta que o trabalho da Emater com as CRQs da Lapa vem sendo
realizado desde 1998. Desde então foram realizados vários cursos na área de transformação de
alimentos, produção de grãos, produção orgânica, formação de compostagem, etc.
Em julho de 2018 a Emater ofereceu curso de construção de biofossa na CRQ da
Restinga, como pode ser observado pela figura 13. Alguns moradores da comunidade
estiveram presentes. A Emater orientou quanto ao material necessário para a construção da
fossa verde. Um dia antes, uma das entrevistadas da pesquisa auxiliava o marido na
preparação do bambu, que foi utilizado na construção da fossa verde.

FIGURA 13 – Criação de Biofossa

O curso ocorreu em dois dias na casa de duas entrevistadas pela pesquisa, sendo mãe e
filha. No segundo dia (figura 13), após a finalização da construção da fossa, foi realizada pela
Emater uma palestra com imagens da utilização da fossa verde em outros locais e também
sobre sua importância na proteção do meio ambiente.
75

Os participantes no curso demonstraram interesse e estiveram presentes nos dois dias


de duração do curso. Algumas pessoas gravaram as explicações dos técnicos e tiraram
fotografias. Nas imagens são evidenciadas atitudes de interesse pela oficina dos moradores da
comunidade nas ações de educação ambiental propostas pela Emater.

4.4.4. Condições socioeconômicas e relações de trabalho

Os dados coletados sobre a Restinga indicam a presença de 271 moradores. Destes,


49,08% são do sexo feminino. Deste percentual, 8,27% atuam como boias-frias, 8,27%
possuem carteira de trabalho assinada e 6,77% são aposentadas. A titulação de terras é fator
importante a ser considerado, já que resguarda o direito à propriedade, 8,27% não possuem o
título da terra e 6,02% possuem o título pelo INCRA. Do número total de mulheres, 13,53%
não faz parte do público-alvo abordado pela pesquisa, possuindo idade inferior a 16 anos.
Dados GTCM (2008) e tabulados pela autora (2019).
A atuação feminina nas famílias é de liderança. Responsáveis pelas atividades
domésticas e direcionamento da educação de crianças e adolescentes, as mulheres trabalham
também em outras atividades, por exemplo, o trabalho nas roças que é feito por mulheres e
homens no cultivo de milho, feijão em terras arrendadas, (GTCM, 2008). Durante as
entrevistas, foram encontrados casos de cultivo em terras próprias e não foram encontrados
casos de cultivo em terras arrendadas. Uma constante entre as entrevistadas que trabalham no
cultivo da terra é a preocupação em produzir frutas e verduras sem agrotóxicos. A consciência
e preocupação ambiental das mulheres da CRQ Restinga é marcante, faz parte do cotidiano.
Elas buscam soluções dentro do conhecimento que possuem e têm o apoio da Emater, que
frequentemente auxilia em cursos e oficinas com foco ambiental.
Na região existe uma empresa de produção de frangos que emprega moradoras das
CRQs Restinga, Vila Esperança e Feixo. Mesmo a empresa atuando na região, a
empregabilidade é baixa, conforme comentário de uma das entrevistadas.

A maioria busca emprego fora porque aqui tem pouca renda, pouca opção de
emprego. Aqui na verdade só tem uma empresa que dá mais emprego para
toda a população da cidade, que é a Da Granja, o abatedouro de aves. Só que
agora com a crise, ela (a empresa) acabou mandando bastante gente embora.
Eu trabalhei lá 6 anos e fui uma das que foi mandada embora. Com esta
situação a gente acabou optando por plantar verdura orgânica, para gerar
uma renda por aqui mesmo, mas aqui mesmo no lugar é bastante complicada
76

a geração de renda. (Excerto de entrevista, Paulina mulher, 31 anos,


agricultora e estudante de curso superior)

A entrevistada pertence a uma das famílias da Restinga, que planta hortaliças e


legumes orgânicos. Três mulheres da família atuam na plantação, sendo uma delas casada e o
marido auxilia no cultivo. A família é associada a uma cooperativa, que faz o transporte e
distribuição dos alimentos cultivados para serem direcionados e distribuídos à merenda
escolar.

Nossa ideia é buscar mercado fora. A gente procura um mercado tipo feira
em Curitiba, mas a nossa dificuldade é o transporte. Não tem veículo para
chegar até lá. No momento a gente tem um grupo, que é lá do Feixo, que a
gente participa, são 11 famílias. (Excerto de entrevista, Paulina, mulher, 31
anos, agricultora e estudante de curso superior)

O cultivo e a convivência harmonicamente com a natureza caracterizam o respeito à


vida e à diversidade, evidenciando o desenvolvimento sustentável. Esse aspecto apresenta a
segurança em pertencer a uma comunidade, aliando necessidades e interesses de cada
integrante do grupo (BAUMAN, 2001).
A família conta com o apoio de duas cooperativas, que auxiliam no transporte e
distribuição de legumes e hortaliças. Uma das cooperativas é formada por produtores das
CRQ do Feixo e da Restinga, constituída por 11 famílias das duas comunidades
remanescentes quilombolas. Muitas das famílias adotam o plantio orgânico de hortaliças,
como se pode observar na figura 14.

“O único bem é a terra que a gente tem, então a gente planta, retira nosso
alimento porque é saudável. Uma alimentação saudável para nossa família,
não tem coisa melhor”. (Excerto de entrevista, Paulina, mulher, 31 anos, ,
agricultora e estudante de curso superior)

A opinião da entrevistada Paulina mostra a valorização da qualidade na produção


agrícola e como isso resulta na qualidade saudável da alimentação da família. Esse fator
demonstra o aproveitamento racional e a conservação da natureza, que necessitam caminhar
juntos. A entrevistada demonstra ter a consciência para o uso produtivo e racional dos
recursos, sem que com isso prejudique ou destrua o meio ambiente (SACHS, 2002).
77

“Acho que é uma coisa que a gente priva muito, é conservar o meio
ambiente e o que a gente tem. Conservar o pouco que a gente tem”. (Excerto
de entrevista, Teodora, mulher, 36 anos e agricultora)

A entrevistada Teodora associa a conservação do meio ambiente à qualidade de vida.


A entrevistada demonstra conhecimento sobre o manejo sustentável e eficiente para atender as
necessidades dos seres vivos (DIAS, 2011).
Vale lembrar que, como afirma Diegues (2001), as populações tradicionais têm uma
representação simbólica da natureza, que lhes fornece os meios de trabalho, de subsistência e
de produção dos aspectos materiais das relações sociais, enfim, que compõem a estrutura de
uma sociedade (DIEGUES, 2001).

FIGURA 14 – Plantação orgânica de uma família da CRQ da Restinga

O marido da entrevistada Paulina da Restinga comentou que cultiva, na área de terras


da família, orgânicos e somente três pessoas trabalham no cultivo. Falta apoio e toda a
produção vai para a cooperativa. A plantação é cultivada com adubo orgânico composto por
fezes de peru. Como repelente dos insetos é manuseado álcool com alho e, para o combate de
fungos, é utilizado cinza de lenha.
78

Como consequência da utilização do adubo de peru (figura 15), as folhagens ficam


mais escuras (figura 16).

FIGURA 15 – O adubo de peru

A beterraba orgânica produzida pela família, quando cozida permanece com cor forte,
o que distingue da beterraba produzida com agrotóxico que, quando cozida, perde a cor,
ficando quase transparente. Segundo ele, também é cultivado mel orgânico e a qualidade do
mel é prejudicada porque algumas abelhas vão para longe e acabam indo para plantações com
agrotóxicos.
79

FIGURA 16 – Plantação de hortaliças e verduras orgânicas

A entrevistada Elis comenta sobre a vida na comunidade, trabalho, valorização do


trabalho feminino e a necessidade da saída da comunidade na busca de melhores condições.
Segundo ela, muita gente (da Lapa) não conhece a Restinga, mesmo sendo área próxima à
cidade. A entrevistada possui moradia na Restinga e também em Piraquara.

É uma vida de luta, em busca da melhoria da renda, da saúde. Têm que ir


atrás da lenha, do leite. Se não tem em casa, tem que ir na chácara onde tem
leite para comprar, o leite para a sobrevivência. A vida aqui tem bastante
coisa para evoluir. Não sei se todas sentem essa necessidade, mas da renda
elas sentem, muito, por isso elas fazem o artesanato. Elas ficam felizes
quando vem gente de fora e gostam e compram. É uma valorização do
trabalho, que é para melhorar a renda. E os jovens daqui... eu mesma não
fiquei porque não tinha emprego, e ainda que tenha a fábrica ali de frango
(não ajuda). E o reconhecimento do próprio bairro Restinga que muita gente
não conhece, meus avós moravam aqui, meus bisavós eram daqui e você vai
para a cidade e não conhecem, mas é que a cidade é muito grande. (Excerto
de entrevista, Elis, mulher, 42 anos, casada, com graduação superior)

Na fala da entrevistada percebe-se as dificuldades em situações simples do dia a dia,


como a busca pela lenha ou leite, pela distância de um centro urbano, a dificuldade na busca
de um emprego e também pela ausência de reconhecimento da própria comunidade.
Essa distância que não abrange somente ao centro da cidade mais próxima, também
ronda as relações de vizinhança, principalmente no que tange à compreensão e preocupação
80

ambiental. Foi o que aconteceu quando a entrevistada A comentou a sensação de mal-estar


quando percebeu que o vizinho do terreno ao lado, utilizava agrotóxico na plantação. A
preocupação com o meio ambiente existe em maior grau do que nas demais CRQs da Lapa,
mas, ainda assim, não é total. Existe necessidade de um processo de educação ambiental que
precisa ser difundido na comunidade, pois, como afirma Botklin;Keller (2011), a integração
entre homem e natureza fortalece ambos e eles estão diretamente ligados, em razão da
dependência humana do meio ambiente para a aquisição de recursos materiais.
Na Restinga também existem animais selvagens. Uma das famílias pesquisadas,
mencionou a existência na região de cachorro selvagem, jaguatirica, raposa e outras espécies
nativas.
Uma das entrevistadas da Restinga atua como professora de curso técnico em meio
ambiente. Das práticas por ela desenvolvidas, incluem-se o aproveitamento de resíduos, a
identificação das condições do solo da região e ainda, a criação de obras artísticas, como
carimbos em madeira com formatos de símbolos africanos. A didática da entrevistada
representa a busca pela sensibilização dos alunos sobre as questões ambientais e sociais numa
região violenta. Segundo a professora, uma das turmas iniciou o curso com 30 alunos e
atualmente há somente 3 alunos. A escola foi construída no local onde antes era um lixão.
Quando chove, segundo ela, fica inviável chegar até a escola.

Estamos fazendo coleta de solo da região. Levamos para o laboratório


novinho da escola. Converso com eles sobre o solo. Criamos tinta com solo.
Fiz curso de artes sobre isso. Vamos criar o carimbo com tinta e com solo.
Carimbo com resto de madeira, que a gente coleta pela região, no lixo e
pretendo fazer uma exposição com esse material. (Excerto de entrevista,
Elis, 42 anos, casada, com graduação superior)

A entrevistada compreende que a solução para o desenvolvimento é a educação, a


organização, a participação e o fortalecimento das pessoas. Ela se utiliza da educação
ambiental propondo conscientização aos estudantes do ensino médio (DIAS, 2011).
A produção agrícola também é feita por famílias quilombolas. O local mostrado na
figura 17 é propriedade privada de uma das famílias da CRQ da Restinga e conta com a
produção agrícola.
81

FIGURA 17 – Área da CRQ Restinga

Ao investigar sobre os interesses da comunidade e os motivos de escolha do local de


moradia, observou-se que no caso da CRQ da Restinga foi a proximidade com rios. Há muitos
anos a aquisição de terras ocorria por posse ou doação. O morador e irmão de uma das
entrevistadas acrescentou o que diferenciava na qualidade de uma área. A água como
elemento de sobrevivência e distinção da qualidade local. Se existe água no local, existem
condições para plantar e colher.

Pois olha, é muito difícil da gente falar. Antigamente não existia esse
negócio de compra de terra. As pessoas indicavam um ponto de água boa.
Água para você não vai faltar, era assim. O cara chegava lá, se instalava um
tempo, depois ia para frente. Não existia negócio de terra – Irmão de uma
das entrevistadas da Restinga.)

No tempo que a gente morava aí, no lampiãozinho era difícil, não tinha
energia elétrica, nada. Hoje tá totalmente diferente. A primeira geração foi
sofrida. Ter que plantar feijãozinho, abóbora, batata para comer no mesmo
ano. Tinha que plantar pouquinho porque não adiantava, não tinha para
quem vender, – Irmão de uma das entrevistadas da Restinga.)
82

4.4.5 Trabalho feminino na CRQ da Restinga

As mulheres da CRQ da Restinga produzem trabalhos manuais, tais como tricô, crochê
e artesanato, como pode ser observado nas figuras 18 e 19.

FIGURA 18 – Trabalho Feminino na CRQ da Restinga


83

FIGURA 19 – Trabalho Feminino na CRQ da Restinga

É interessante observar o estilo de vida nas CRQs, pois difere dos hábitos de quem
mora nos grandes centros urbanos. A percepção de mundo é mais ligada à terra, às raízes. A
composição dos espaços é aberta, livre. É perceptível a liberdade das crianças, que se sentem
livres, com muito espaço para correr e brincar, se relacionar com os cachorros, gatos, insetos.
Um dos comentários da entrevistada Carmela é que ela tem problemas na perna,
segundo ela, resquício do trabalho na lavoura e o consequente contato com o agrotóxico
utilizado. Após isso, os filhos não mais permitiram que a mãe cuidasse da plantação e a
orientaram que ficasse somente com atividades no interior da casa.
84

Carmela comenta que tem grande demanda de trabalho e conta com o auxílio de um
dos filhos que com ela reside. Ela cria galinhas e cuida da plantação. No terreno há plantação
de abóboras e no pomar, uma variedade significativa de frutas. Sobre suas atividades, assim a
entrevistada comenta:

Eu trabalho com artesanato e na terra. Mas faz alguns anos abriu uma ferida
na perna de arrancar feijão, onde tinha passado veneno. Ensopou a meia e
começou a arder. Desde aquele dia, durante alguns anos, as meninas não
deixaram mais eu cuidar da terra. Mas eu não deixo de plantar meus feijões
em casa, mas nada de veneno. A perna está feia que Deus o livre! Estourou
veia, o pé gigante, inchado. Estou proibida de estar sem meia. Gosto de fazer
tapete, crochê, gosto também de ensinar as meninas a fazer.

Ao referir-se à vida na comunidade, a entrevistada enfatiza o desemprego e descreve


seu trabalho artesanal.

É bem frágil, não tem emprego.Gosto de fazer os trabalhos domésticos de


noite. Não gosto muito de TV, assisto TV sempre fazendo alguma
coisa.Quando comecei a fazer estas palhas aqui eu fiquei um ano morando
com meu irmão no RJ. – a entrevistada mostra o trabalho e explica: -Está
meio fortinho, a gente vai amarrando e vai endireitando.

4.4.6. Religiosidade na CRQ da Restinga

Na região da Restinga tem duas capelas católicas - uma de São Sebastião e outra de
São Benedito, e há uma igreja evangélica. Duas mulheres entrevistadas comentaram ser
evangélicas, frequentam a igreja localizada nas proximidades.
O difícil acesso aos serviços de saúde leva, algumas vezes, os moradores locais a optar
temporariamente por cuidados alternativos, principalmente a procura por benzedeiras.

“Pois eu não sei benzer, mas eu faço oração e as pessoas saram, ficam
melhor, alivia. Eu faço oração pra Deus, que dê alivio”, diz a
entrevistada Beatriz.
A sobrinha a corrige:

– Ela não se reconhece como benzedeira, mas quando ela benze,


melhora na hora.

O irmão da entrevistada Beatriz acrescenta: ”Isso depende da fé, né... diz que a fé
remove montanha, mas eu não acredito muito”.

Ao referir-se aos benzimentos, ela assim comenta:


85

Eu sei que desenvolvi sem estudar e sem saber o que era espiritismo (...) Eu
não conhecia umbamda e não sabia o que era umbamda. Quando fui para
Curitiba meus patrões eram todos espíritas. Eles começaram a me levar e eu
não sabia o que era e tinha usado de umbamda. Eles chegavam lá e ficavam
tão alegres e diziam “a feiticeira chegou, a feiticeira chegou”. Eu não
gostava e ficava brava. Da outra vez eu disse que não ia mais, eles me
chamavam de feiticeira.

Beatriz continua a contar que saiu do centro espírita e começou a frequentar outro e
que ela não ficava em silêncio. Foi orientada, fez os trabalhos que foram passados e,
posteriormente, foi convidada a trabalhar na casa espírita.

Pensei, católica sou, de Deus eu sou, diz que Deus é um só, então aqui
também tem Deus, né?(...) desenvolvi lá com eles, gosto de lá, adoro meu
centro (...) Confio muito em Deus e na força divina. Mas sinceramente o que
é e o que não é, eu não procuro saber. Outro dia veio uma menina com dor
de dente, eu benzi e ela não precisou ir ao dentista. Eu confio muito em
Deus, para mim é Deus e mais nada. Se Deus não quiser, eu é que não posso
fazer nada, não adianta.

A entrevistada Nanda da Restinga, comenta que é evangélica. Frequenta a igreja Deus


é Amor, localizada próxima à comunidade.

“Desde criança não fui acostumada a ir nas festas da Lapa, aí eu não tenho o
hábito de ir. Sou evangélica. A gente vai muito na própria igreja evangélica”.

A entrevistada Jacira quando questionada sobre o fato de não casar relata sobre a
falta de opções. Dentre suas escolhas da vida, a entrevistada comenta que priorizou o trabalho
e os estudos e diz:

“Não achei nenhum... que me quisesse, por isso fiquei só estudando e


trabalhando. Quando mais jovem, por pouco não casei. Não era para mim.
Não quis ter filho sozinha”. (Entrevista 11/05/2018).

Dentre suas escolhas da vida, a entrevistada comenta que priorizou o trabalho e os


estudos.
Outra entrevistada na Restinga optou por não se casar.

“Nunca casei, nunca quis homem. Vivi minha vida trabalhando sozinha”.
86

4.4.6. Identidade quilombola na Restinga

A aceitação em ser quilombola é fruto de um processo no qual a própria comunidade


ainda está envolvida. A entrevistada E acentuou essa questão, principalmente em conhecer
mais profundamente a própria história da família. A identidade do remanescente quilombola
vem da autoidentificação, em descobrir elementos da cultura relacionados à vivência do
grupo. Histórias contadas pelos avós, tios e familiares, muitas envolvidas em preconceito que
a própria sociedade brasileira impõe dia a dia.
Ao se compreender a cultura como campo simbólico, apreende-se também as
significações dadas pelos atores que a praticam por meio de seus signos, símbolos, valores e
práticas. Nesse aspecto, as comunidades passam a ser compreendidas pela sua estrutura,
individualidade e singularidade (FURTADO; SUCUPIRA; ALVES, 2014).

Engraçado que quando a gente se encontra com essa identidade, a gente fica
mais forte, a gente se fortalece. Porque, por exemplo, nós que somos negros,
para a gente sempre está faltando alguma coisa, a nossa identidade nunca
está completa. Primeiro a gente adquire identidade e se reconhece como
negro, tem esse fortalecimento. Ser negro é você ter orgulho de sua cultura,
de toda sua história, entender que não é só a história contada nas escolas, que
os negros foram escravos e foram menos que os outros, porque é isso que a
escola ensina. (Excerto de entrevista, Mariana, 32 anos, solteira, com
graduação superior)

Diegues (2001) caracteriza as culturas e sociedades tradicionais pela residência e


ocupação de território por várias gerações, mesmo ocorrendo deslocamento de alguns
integrantes para os centros urbanos.

Ana, uma das mulheres entrevistadas, define o que é ser quilombola:

“Ser quilombola é sempre manter as tradições, né? Que nem agora estamos
fazendo bastante artesanato, que era fazido lá antigamente. Relembrando
também a cultura negra”.

A entrevistada, quando questionada sobre a identidade quilombola, comenta: “Sim. A


gente não conheceu mas, bem antes dos meus avós eram todos, né”. Quando questionada
sobre a definição de quilombola, ela acrescenta:

“É o povo negro. De uma certa forma é uma cultura diferente mas pouco,
que não aparece muito, né, bem pouco, por exemplo, aqui no nosso lugar a
comunidade que o povo são. É diferente das outras”.
87

A entrevistada Carmela se reconhece, se autodefine e também acrescenta o


autorreconhecimento como sendo diferente das outras culturas, como o limite geográfico da
comunidade.
“Eu me vejo como quilombola pela luta da minha mãe. Meu pai era negro
mesmo, bem negro. Minha mãe era mais falante que eu, ela contava muita
coisa. Mostra os livros. A minha mãe criou 10 filhos, 6 homens e 4
mulheres”.

A entrevistada Carmela comentou que dorme entre uma e duas da manhã e acorda 6
horas da manhã. Dorme 5 horas por noite ou até menos. Trabalha durante o dia e estuda o
curso de Administração, à noite. É casada, tem uma filha de sete anos.
A comunidade já possuía uma Associação de Moradores. Em 2018, a Associação
tomou novo fôlego e aprovou um novo estatuto. A Associação é composta em sua maioria de
mulheres que trabalham com artes manuais, produzem artesanato e comercializam em feiras e
eventos. Participaram da Jornada de Agroecologia (como mostrado na figura 20), evento
organizado pelo Movimento Sem Terra (MST), comercializaram vários trabalhos e têm
agenda para participar de várias feiras em outros municípios, inclusive em Curitiba.
As culturas e sociedades tradicionais se caracterizam, na concepção de Diegues
(2001), pela valorização do trabalho artesanal, com reduzida separação social e técnica, sendo
o produtor como agente dominador do processo até o produto.

FIGURA 20 – Associação de Moradores da Restinga


88

A forma como as mulheres da comunidade se organizaram, principalmente pela


Associação de Moradores, possibilita a produção de artesanato, trabalhos manuais e a
comercialização em feiras ou eventos.
Essa liderança assumida por mulheres em comunidades quilombolas é uma observação
importante para compreensão do grupo. A necessidade do reconhecimento étnico e racial
acentua a importância de uma luta política na demarcação de terras quilombolas (LIMA,
2014). Bauman (2001) também comenta a necessidade de pertencer não a um grupo, mas a
um lugar em particular. Dessa forma, segundo ele, são desenvolvidos o compromisso e a
lealdade. O fortalecimento surge pela união do grupo.
A entrevistada Beatriz é participante da Associação de Moradores da Restinga e
comentou a produção.
Eu adoro o campo, a mata, eu gostava de acordar cedo e ver as teinhas de
aranha no capim. Aquele sereninho da manhã. Parece que as aranhas faziam
um crochê, um trançadinho, coisa bonita. Adoro o campo, adoro o mato, a
água, adoro a pedra, adoro tudo.

A sobrinha de Beatriz a interrompe e acrescenta: “o respeito pela natureza a tia tem


muito. Até as pedras ela pega com amor e carinho”.
Beatriz associa a ação da natureza, o ato da aranha de tecer a teia, à criação do trabalho
artesanal, ao crochê. E acrescenta os valores dos trabalhos:
“Eu faço o jogo, toalha de banho e de rosto, R$ 150”.

Emprego, há 80 anos atrás, não existia, era só fazenda, né! Hoje é muito
diferente, tem a parte agrícola que funciona muito bem. Irmão de Beatriz da
Restinga.

4.4.7. Preconceito na Restinga

A CRQ da Restinga recebeu grande número de imigrantes e descendentes de russos,


italianos, alemães e poloneses. Em vários relatos de entrevistadas foram citadas situações de
preconceito, oriundas principalmente de imigrantes. PAULA (2007) também comenta o
descaso com as CRQs da Lapa, principalmente no que se refere à localização na literatura na
história regional, quanto a informações sobre as comunidades da Restinga e do Feixo.
89

Uma das entrevistadas, quando questionada se já sofreu preconceito, respondeu:

Sim, com certeza, desde sempre. Por exemplo, eu estudei na Mariental, que é
uma colônia de alemães e russos. Então a gente acaba identificando que a
gente é negro quando vai para estes locais, você começa a sentir que você é
diferente. Eu não sofria no começo, no primeiro e segundo ano. Eu até acho
que por eu ter uma mãe que ia muito na escola para ver como eu estava, não
sofria tanto, porque também eu era uma boa aluna, mas por parte dos outros
alunos tinha, tinha muito preconceito. Na escola ali até hoje tem muito
preconceito em relação à cor e outras etnias.(Excerto de entrevista, Mariana,
32 anos, solteira, com graduação superior)

A entrevistada Valdete comentou que sofreu preconceito no mesmo local:

“Dos mais formados da Mariental, que tratavam a gente como os


negros da Restinga”.(Excerto de entrevista, Valdete, mulher, 53 anos,
casada, artesã)

Oliveira (2013) observa as mesmas relações entre desigualdades étnico-raciais de


exclusão religiosa na comunidade quilombola Manoel do Rego, no Rio Grande do Sul,
envolvendo colonos alemães e brasileiros, então denominados “brancos”, e a “comunidade
dos morenos”.

Outra entrevistada acrescentou:

“Existe preconceito, principalmente pela questão da melanina, da cor


mesmo. Ser negra chama mais a atenção que ser branca. O preconceito é
parte da sociedade”

“Essa aí...desde os 12 anos foi escravisada aí, como empregada doméstica”


(irmão da entrevistada Beatriz da Restinga).

A entrevistada Ana comentou o fato de encontrar um cadeado antigo no terreno, como


mostrado na figura 21.

“Nesse modelo não existe mais desse cadeado, agora é tudo diferente,
porque a corrente tão aqui dentro, ó a argola. Umas pessoas falavam
assim que não era bem ficar lembrando, mas é nossa
memória”.(Excerto de entrevista, Ana, mulher, 43 anos, casada e
artesã)
90

FIGURA 21 – Cadeado fechado encontrado na CRQ da Restinga

A entrevistada Mariana falou sobre os seus descendentes.

São afrodescendentes, mas não são negros, porque se meus netos forem
brancos, não vão sofrer racismo. Eles podem até se conhecer como
afrodescendentes, e conhecer a cultura negra, mas não podem se apresentar
como negros. Porque é o negro que sofre de racismo, dos estereótipos e os
estigmas. Eles não vão sofrer isso. Não vão nem saber o que é racismo. O
branco não sabe o que é racismo. Não vão passar por isso.(Excerto de
entrevista, Mariana, mulher, 32 anos, solteira, com graduação superior)

Também sobre preconceito, a entrevistada Beatriz comentou:

“Isso eu nem ligo, sabe? Para mim é tudo igual. Eu não me queixo de ser preta e gosto
de gente bem preta. Aqueles pretão, né, aqueles bem alto. Acho que nunca fui
chateada nem por branco nem por negro”.

Outra entrevistada da Restinga comentou que o preconceito existe e, às vezes, até da


“própria gente”, não da forma como muitos acham de preconceito dos negros contra os
brancos e dos brancos contra os negros.
91

4.5 Comunidades Remanescentes Quilombolas do Feixo e da Vila Esperança

4.5.1 Aspectos gerais das comunidades

As Comunidades Remanescentes Quilombolas do Feixo e da Vila Esperança estão


localizadas a aproximadamente 13 quilômetros da cidade da Lapa. Dentre as três CRQs
pesquisadas, o Feixo é a que concentra o maior número de moradores. Segundo dados da
Emater, as comunidades quilombolas do Feixo e da Vila Esperança contam com 600
habitantes, distribuídos em 134 famílias. O GTCM (2008) acrescenta que a área ocupada
pelos remanescentes quilombolas do Feixo era uma antiga fazenda de propriedade da família
Braga. Esta informação também foi registrada por PAULA (2007). Porém, segundo uma
entrevistada, a antiga propriedade era a Fazenda Santa Amélia, hoje área do Assentamento do
Contestado. A área ocupada pelos quilombolas da Vila Esperança é o resultado de negociação
feita entre os moradores e um fazendeiro local, como será adiante descrito. A formação da
Vila Esperança é recente, menos de 30 anos, segundo dados informados por entrevistadas.
A imagem contida na figura 22 demonstra o olhar do fotógrafo pesquisador sobre a
CRQ do Feixo, confrontada pelo olhar do artista plástico em relação ao mesmo ambiente,
figura 23.

FIGURA 22 - CRQ do Feixo


92

FIGURA 23 – Pintura da CRQ do Feixo. Autor Ari Vicentini (2018)

A comunidade do Feixo possui características de comunidade rural e possui quatro


núcleos: Rincão, Maria Antonia, Campina e Pavão. Silvia Ferreira e Juvenal Pedroso, filho de
Vitória Barbosa e de Vitalino Pedroso, conta que seus antepassados nasceram e morreram no
Feixo e que haviam sido escravizados pela família Braga, da qual, após serem alforriados,
ganharam as terras onde ele vive atualmente. Mesmo depois da abolição, continuaram
trabalhando para a família Braga e permaneceram morando no local. O casal ainda relata que,
antigamente, não haviam negros no local e, com o passar dos anos, as terras foram ocupadas
por imigrantes europeus. (GTCM 2008).
Dos dados obtidos em campo, denota-se a presença de 279 mulheres na CRQ do
Feixo. Destas, 12,79% não foram atingidas pela pesquisa por se encontrarem fora dos critérios
de inclusão definidos.
Como afirma Diegues (2001), a união de grupos, bem como, a valorização da família e
relações de parentesco para a prática de atividades culturais, econômica e sociais caracteriza
as culturas e sociedades tradicionais. As famílias que vivem no Feixo e na Vila Eperança
possuem terrenos que medem em média um alqueire e dividem estas áreas em aglomerados de
pequenas casas, segundo informações obtidas junto a técnicos da Emater do município da
93

Lapa. A comunidade é unida. As famílias se conhecem, acompanham o desenrolar de suas


histórias. A figura 24 apresenta a distribuição das casas dentro da comunidade. Os núcleos
famíliares dividem o terreno, ocupado por vários integrantes da família e, muitas vezes, não
possuem cerca ou muro fazendo o limite da área.

FOTO 24 – Casas na CRQ do Feixo

Conforme havia sido apontado pelo GTCM, confirma-se logo na chegada da


comunidade a união do grupo que vive em estruturas esparsas, onde cada grupo familiar é
responsável por um quinhão de terras herdado de seus ancestrais. Denota-se o fortalecimento
por meio da união do grupo e das famílias, que, vivendo num mesmo terrreno, reproduzem
características similares à formação de quilombos contemporâneos, com distribuição
aleatória.
Um dos critérios fundamentais para a definição de culturas ou populações tradicionais,
é o reconhecimento como indivíduo pertencente àquele grupo social particular. Este ponto faz
menção à identidade, o autorreconhecimento (DIEGUES, 2001).
Na estrada de terra, que se segue, percebe-se uma antiga camada de antipó, conforme
pode ser observado pela figura 25, as ruas cobertas por camadas de terra. Em algum
momento, o poder público chegou até ali, num pequeno trecho. O restante é terra e muito
94

buraco, o que não desmerece em nada a beleza do lugar. Um lugar tranquilo, com ares
campestres. Muitas casas de material, outras de madeira.

FIGURA 25 – Rua da CRQ do Feixo

Cenas bucólicas, lugar silencioso com cheiro de campo. São poucos ou raros os
carros avistados pelo caminho. Das imagens que chamam à atenção: uma capelinha na beira
da rua, uma lembrança da passagem do monge Zé Maria pelo lugar e a antiga escola, hoje
desativada e ocupada pelo CRAS da Prefeitura da Lapa.
De portas e janelas abertas, como é comum de se perceber em comunidades pequenas
e unidas, somadas a afetuosidade e alegria da acolhida, é como os moradores recebem quem
vem de fora para o interior do Feixo, Vila Esperança ou Restinga. Após poucos encontros
com a comunidade, se é acolhido com falas que retratam a satisfação com a chegada do
visitante, como diz uma entrevistada, “Você já é de casa. Venha para passar o dia”. (Excerto
de entrevista, A, mulher, 77 anos, viúva e mãe de quinze filhos) e pode ser observado na
figura 26. No contato com o grupo, as horas vão passando e a vontade de ficar é natural pela
forma acolhedora com que recebem os visitantes e pela tranquilidade local.
95

FIGURA 26 – A pesquisadora com a benzedeira

Do contato com as mulheres pesquisadas, observou-se que nas três comunidades o


número de víuvas entre as mulheres com mais idade é elevado. Após a perda do companheiro,
grande parte delas ficam sozinhas e criam seus filhos em meio a muita luta diária. São poucas
as situações de separação ou abandono.
A entrevistada Alice, quando questionada se tinha vontade de morar em outro local,
respondeu: – Não! Daqui vou para o cemitério. Já tenho o túmulo pronto para não incomodar
ninguém.
A resposta da entrevistada é comum a quase todas as mulheres das CRQ da Lapa.
Existem reclamações referentes à condições de emprego, estudo, problemas sociais, mas o
desejo de ficar na comunidade permanece.
Ao descrever as características da CRQ do Feixo e sua relação com o grupo de
moradores, a técnica da EMATER comentou que, logo no início, dos trabalhos com a
comunidade, um senhor, já falecido, disse que “foi a primeira vez que alguém chegou aqui no
Feixo perguntando o que nós queríamos, e sorrindo”. A técnica acrescenta que essa situação a
marcou muito.
E nós começamos a conhecer esta comunidade lindíssima, trabalhadora,
responsável e com uma vontade muito grande de ter mais do que eles tinham
e acertar na vida. Ali o projeto prosperou bastante, com uma melhoria
96

significativa dentro das casas, no saneamento rural, e foi um processo de


conhecer cada um e cada uma delas. Em segundo entrou o Programa Federal
dos Quilombolas, o reconhecimento das comunidades, que foi um grande
passo para essa sociedade e para essa população no Paraná e no Brasil todo.
E eu voltei para cá e encontrei novamente uma comunidade desamparada,
sozinha, com pouquíssimas políticas públicas. Não havia olhar diferenciado
para eles e eles não se reconheciam como pessoas quilombolas. Não tinham
orgulho daquela negritude que eles traziam, da herança cultural toda que eles
tinham.

Referindo-se às relações sociais estabelecidas entre grupos e famílias, uma das


entrevistadas assim comenta:
As comunidades aqui são muito unidas em torno da mãe. Há uma unidade
bastante grande e elas são a força viva no trabalho e também da força da
mulher. É fundamental a importância da mulher como um todo. Acho que a
mulher quilombola representa a força de manter a família unida, e muitas
vezes criar a família sozinha. Não são poucos os casos que tem aqui de
mulheres que foram abandonadas pelos seus maridos, que criaram filhos, 10,
12 filhos, sozinhas, dando para eles a dignidade, a comida básica que eles
necessitavam e mantendo a família unida.

A imagem contida na figura 27 demonstra o olhar do fotógrafo pesquisador sobre a


CRQ do Feixo, confrontadas pelo olhar do artista plástico em relação ao mesmo ambiente,
figura 28.

FIGURA 27 – CRQ Vila Esperança


97

FIGURA 28 – Pintura da CRQ da Vila Esperança. Autor Ari Vicentini (2018)

A Vila Esperança é CRQ da região da Lapa com o menor número de habitantes. É aqui
apresentada juntamente com o Feixo, pois os documentos oficiais a inserem como uma
extensão dessa CRQ. Segundo dados do GTCM (2008), a comunidade possui 10 famílias, 74
habitantes. A estrada de acesso à comunidade não possui pavimentação. É de terra e pela
pouca conservação, apresenta muitos buracos. Por meio dela, chega-se a um vale, onde os
moradores construíram um campo de futebol, como pode ser observado na figura 29. O
espaço de lazer é valorizado pela comunidade por caracterizar-se em local de encontro e
manutenção de relações e vínculos.
Com formação recente, a Vila Esperança traz na história da sua fundação a usurpação
de terras e engano vestindo o assistencialismo. Segundo relatos dos entrevistados e
confirmados pelo levantamento do GTCM, um fazendeiro lindeiro negociou terras e propôs às
famílias remanescentes quilombolas permuta pelas terras por casas, em alvenaria e com
banheiros, com a documentação toda legalizada. As famílias entregaram suas terras, que eram
localizadas no Feixo e se mudaram para a Vila Esperança. Após a mudança descobriu-se que
98

as terras eram resultado de invasões e o fazendeiro não cumpriu a construção adequada das
casas nem o referente à documentação (GTCM 2008).

FIGURA 29 – CRQ Vila Esperança

4.5.2. Educação
Dentre as três comunidades, a CRQ do Feixo é a única que possui escola, mesmo
assim somente de 1ª a 4ª série. Para o ensino de 5ª a 8ª série, é preciso se deslocar de 5 a 7 km
para estudar. É disponibilizado ônibus pela Prefeitura Municipal da Lapa para o transporte das
crianças. As mães e/ou responsáveis acompanham as crianças até o ponto de ônibus e
aguardam, também, a chegada o veículo.
Na Vila Esperança, o ponto de ônibus é localizado somente na entrada da comunidade,
em frente ao criadouro. É comum, no horário de ida e retorno à escola, encontrar mães
caminhando em grupos. As ruas não são asfaltadas, o caminhar é tranquilo em dias de sol.
Porém, em dias de chuva, a areia e o barro dificultam o acesso. Neste caso, a escolarização é
prejudicada pela dificuldade de acesso.
Observa-se que 56,27% das mulheres entrevistadas no Feixo possuem carteira de
identidade, 48,39 das mulheres estão inscritas no Cadastro de Pessoa Física (CPF) e 49,46%
99

possuem título de eleitor. O índice mostra que mais da metade das mulheres da comunidade
possuem documentação, que também proporcionam o acesso à educação.
Segundo dados do GTCM (2008), 51,42% da população das CRQ da Lapa possui a
escolaridade no ensino fundamental das séries iniciais.
O grau de instrução, diante das informações coletadas pelo GTCM, é identificado por
7,17% de analfabetismo entre as mulheres, 52,33% das mulheres com grau de instrução de
primeira a quarta série; 19% das mulheres de quinta a oitava série e 5% das mulheres com
ensino médio, não informando se concluído ou não. Foi observado pelo GTCM, na época da
coleta de dados, a ausência de incidência de casos de pós-médio e terceiro grau, como se pode
constatar pelos dados contidos na tabela 07.

Tabela 07 - Índice de escolaridade de mulheres na CRQ Feixo


Escolaridade Percentual
Analfabetos 7,17
E.F. Séries Iniciais 52,33
E.F. Séries Finais 19,00
Ensino Médio 5,02
Pós-Médio 0,00
Terceiro Grau 0,00
Tabela 07. Fonte: GTCM (2008).

A maioria das mulheres entrevistadas da CRQ da Feixo estudou até o ensino


fundamental. Das entrevistadas, nenhuma possuía ensino superior e um caso de
analfabetismo. Já na Vila Esperança, a maioria das mulheres entrevistadas da CRQ da Vila
Esperança estudou até o ensino fundamental. Poucos casos com grau de instrução no ensino
médio.
A entrevistada Alice comenta que os homens não tinham aproximação na educação
dos filhos, o que reforça a importância do papel da mulher na educação, carinho e
socialização das crianças.

4.5.3. Saúde

Ao contrário da CRQ do Feixo, a CRQ da Vila Esperança não possui posto de saúde.
A comunidade tem acesso a poucos serviços e, quando necessário, o atendimento mais
especializado somente é disponível na Lapa, como afirma uma das entrevistadas.
100

Não tem quase nada também. A gente gostaria que tivesse as coisas, mas não
tem nada. A gente gostaria de, para ter, tipo, tirar um sangue, a gente ir num
laboratório, porque é complicado pegar ônibus e ir até a Lapa para tirar
sangue essas coisas. Fazer exame essas coisas a gente gostaria de ter, mas
aqui não tem quase nada (Excerto de entrevista Isadora, 40, professora)

Os moradores da comunidade contam com cuidados de uma parteira e uma benzedeira,


moradora da CRQ da Restinga.

4.5.4. Condições socioeconômicas e relações de trabalho

Os dados do GTCM, mesmo sendo de 2008, são trabalhados pela Prefeitura Municipal
da Lapa e pela Emater, que realiza constantes ações na CRQ do Feixo, desenvolvendo cursos
de capacitação e sensibilização ambiental. As ações são propostas pelos técnicos da Emater
ou pela comunidade.
A técnica Leila Klenk falou sobre a associação de moradores do Feixo. Segundo ela, a
associação é muito forte e participativa. Pois debate e toma iniciativas constantemente sobre
as condições de educação, saúde, relações de trabalho, cobra resultados e é mais politizada.
Leila Klenk também comentou que a Emater trabalha com a CRQ do Feixo desde 1998. Entre
os cursos ali realizados estão a transformação do alimento, produção de grãos, produção
orgânica, formação de compostagem, etc.
Num dos cursos de compostagem realizado no Feixo, uma das mulheres da
comunidade comentou: O problema aqui não é a compostagem, é a falta de luz. Nós não
podemos estudar ou sair de madrugada para trabalhar, pelo risco desta falta de luz. Segundo
Leila, a fala orientou suas ações, quando então prefeita do município da Lapa. A troca de
necessidades entre a Emater e a CRQ traz ganho para a CRQ e para a própria Emater.
A Vila Esperança apresenta grande vulnerabilidade social. As condições de
saneamento são precárias, mas, nem por isso menos bela e receptiva que as demais
comunidades visitadas. Está localizada a um quilômetro adiante da entrada do Feixo.
Esperança é muito mais que o nome do lugar, é o que a comunidade sente, ou seja, que o
poder público chegue até ali, com possibilidades de trabalho e melhores condições de vida, ou
a oferta de ações assistenciais.
O ambiente é constituído por raras casas de alvenaria e muitas de madeira, como pode
ser observado nas figuras 30,31 e 32. As casas são mais singelas, mas nem por isso, menos
acolhedoras. As casas, na sua maioria, têm piso de terra batida e são cobertas por telha.
101

FIGURA 30 – Residência na CRQ da Vila Esperança

FIGURA 31 – Residência na CRQ da Vila Esperança


102

FIGURA 32 – O ambiente na CRQ da Vila Esperança é constituído por casas em volta, raras de alvenaria e
muitas de madeira.

A Vila Esperança é uma comunidade muito carente, em todos os sentidos,


em organização, financeiramente, saúde. Ela (a comunidade) ainda é alvo de
políticos inescrupulosos, ela é sensível ainda vive muito dessa troca, porque
a necessidade deles ainda é muito básica, claro que com exceções. Mas é
legal de ver a organização e seriedade das comunidades. São comunidades
muito fáceis de trabalhar onde os resultados são possíveis. Não na Vila
Esperança, nela não é fácil, os resultados são lentos. Várias propostas que
fizemos, de cotas, hortas comunitárias, empreendedorismo, não frutificou lá,
porque a questão é social (Excerto de entrevista, técnica Leila Klenk).

Em entrevista com o líder comnunitário, este assim comentou:

Eu quero muito que este lugar melhore. A gente não pode receber uma visita
aqui pra jogar no campinho ou pra uma festa. O nosso barzinho nem
banheiro tem. Isso é ruim e a gente tem vergonha. Eu pedi pro prefeito e ele
mandou as máquinas pra abrir mais o terreno. A gente quer muito construir
uma igreja lá em cima (Excerto de entrevista, líder comunitário),

Percebe-se pela fala do líder comunitário, o desconhecimento sobre os problemas que


podem ocorrer pelo uso e a ocupação irregular do terreno, bem como sobre os efeitos que
podem provocar a retirada de terra do local utilizado para a construção do campinho. Tal
103

situação denota a importância e a urgência do desenvolvimento de ações de sensibilização


ambiental.
Na Vila Esperança predomina a religião católica, visto que poucas das mulheres
entrevistadas afirmaram ser de convicção evangélica. Uma das entrevistadas comenta a
importância da catequese para as crianças. Segundo ela, os filhos fazem aula na Paróquia
Imaculada Conceição de Marienthal. As relações entre os moradores de Mariental e a Vila
Esperança não são tão harmoniosas como se espera de comunidades pequenas. Mariental é
um distrito que mescla a presença do afrodescendente com a de imigrantes europeus, russos,
poloneses, alemães e ucranianos. Esse fato pode ser percebido na fala a seguir:

Lá em Mariental eles dizem que nós somos do potreiro. Querem


tratar a gente feito bicho, só porque falam que um dia, o lugar
que a gente mora é mesmo um potreiro. (Excerto de entrevista,
Isadora, 40)

Outra entrevistada conta a estória de uma briga ocorrida entre integrantes da


comunidade e moradores de Mariental numa festa de igreja. A festa terminou em desavenças
que estimularam ainda mais o preconceito e a discriminação entre grupos.
A festa de São Benedito, santo negro da igreja católica, é comemorada no mês de
dezembro. Tem imagem do santo (figura 33) na capela de Mariental (figura 34), localizada
entre 5 e 7 quilômetros das comunidades Feixo e Vila Esperança. Na cidade da Lapa acontece
a apresentação da Congada da Família Pereira. Em maio de 2018, em evento que abordou a
identidade quilombola, os integrantes comentaram a falta de incentivo à tradição cultural da
família pelo poder público local.
104

FIGURA 33 – Imagem de São Benedito, santo protetor dos negros, localizada na Paróquia Imaculada Conceição
de Mariental, na Lapa
105

FIGURA 34 – A igreja é frequentada por católicos da CRQ Vila Esperança e Restinga

Numa das conversas com a técnica Leila Klenk falou sobre água e saneamento na
CRQ da Vila Esperança. Segundo ela, não tinha água tratada na comunidade em 2002.

Me lembro da Vila Esperança, que não tinha água em 2002, não tinha água
tratada, e rede de esgoto ainda não existe. É muito ruim. E as mulheres
através de um trabalho que nós fizemos, usando a metodologia da Emater,
que é o diagnóstico rural participativo. Nós fomos atrás e conseguimos que a
Sanepar fizesse uma extensão de água para aquela comunidade”. (Excerto de
entrevista, técnica L. K.)

Segundo relatos de entrevistadas, não havia luz nem água tratada na comunidade. As
mulheres lavavam roupas num rio dentro da comunidade. Atualmente esse rio está localizado
106

no interior de uma propriedade privada. As figuras 35 e 36 apresentam imagens do rio


localizado dentro da Vila Esperança, notadamente poluído.

FIGURA 35 – Rio CRQ da Vila Esperança


107

FIGURA 36 –Rio CRQ da Vila Esperança localizado dentro de propriedade privada

Em consequência das condições de vida e pobreza locais, diferentes ações assistenciais


passaram a fazer parte do cotidiano dos moradores que acabaram por acostumar-se a receber
benefícios públicos. Tal fato, porém, não trouxe como implicação o descaso para com o
plantio de subsistência. Muitas famílias plantam o feijão, a mandioca e frutíferas para
consumo próprio.
A entrevistada Keila, moradora da comunidade há 26 anos, descreveu a vida das
mulheres na Vila Esperança como sendo muito difícil. Segundo ela, falta o poder público
fazer bastante coisa.
108

Nós vamos para roça. Aqui falta esgoto e água encanada. (Excerto de
entrevista, Keila, 60 anos, viúva).

As famílias apresentam forte senso de união e compartilham o mesmo terreno para a


edificação de suas casas, características similares à formação de quilombos contemporâneos
(ANJOS E CYPRIANO, 2006), conceituada como estrutura esparsa com distribuição
aleatória, com características de formação de núcleos familiares responsáveis por um quinhão
de terra. Como afirma Bauman (2001), o fortalecimento advém da união. É a comunidade
que acolhe ao invés do Estado, proporcionando isolamento e proteção ou a sensação ilusória
de proteção (BAUMAN, 2001).

4.5.5 Trabalho feminino na CRQ do Feixo e Vila Esperança

As mulheres da CRQ do Feixo desempenham diversas atividades: desde trabalhos


domésticos, o cultivo na agricultura a trabalhos manuais, entre outros. Várias dessas
atividades podem ser observadas nas figuras 37 e 38.
A entrevistada Alice do Feixo é a benzedeira local. Segundo ela, descendente de um
italiano com uma bugrinha de olhos azuis. Em sua fala, ela demonstra o preconceito acerca de
si mesma e que é comum na comunidade.
Ficou viúva há 31 anos e permanece só. Tem 15 filhos, sendo 12 mulheres e 3
homens. A filha mais jovem tem 31 anos, nasceu no mesmo ano em que o marido foi morto.
Quando questionada sobre a vida da mulher em outros tempos, disse:

Antigamente as mulheres eram escravas dos maridos! Hoje é bonito


ver o amor de um pai pelos filhos. Antigamente não era assim, os pais
nem pegavam os filhos. Só olhavam. O marido escolhia o que
comprar.

Além das atividades domésticas, as mulheres também trabalhavam na lavoura. Isto,


porém, não lhes conferia autonomia, como se pode observar na fala a seguir:

A gente plantava feijão. Lembro que uma vez, colhi meio saco e queria
vender para comprar uma mesa com cadeiras para casa, mas meu
marido não quis. Preferiu comprar um animal para o ajudar na roça.
(Excerto de entrevista, Keila, 60 anos, viúva, mãe de 10 filhos).
109

FIGURA 37 – As mulheres atuaram no I Encontro Quilombola realizado na CRQ do Feixo, que uniu as três
CRQs da Lapa

FIGURA 38 – As mulheres atuam em serviços pesados na CRQ do Feixo


110

Mesmo com dificuldades, antigamente havia mais emprego ligado à lavoura. Hoje as
dificuldades são maiores como afirmou a entrevistada.

Antigamente tinha mais emprego por aqui, agora tem pouco, por isso
o pessoal trabalha fora. Tem gente que sai às 4 horas para ir para
Contenda trabalhar.

Outra entrevistada comenta a diferença do tempo de produção com arado, utilizando


cavalos, do trabalho elaborado quando realizado com trator.

Aqui não tinha fazenda, era tudo no arado, com cavalos. O trator tirou
muito trabalho das pessoas. Hoje o que está valendo é o estudo, sem
estudo não pega serviço. Os jovens agora querem ter independência,
não querem pedir tudo para os pais. (Excerto de entrevista, Denise, 60
anos, viúva)

A produção de trabalhos artesanais, figura 39, é um traço característico das mulheres


das comunidades quilombolas e estas passam o conhecimento entre gerações. No caso
específico da Vila Esperança, ainda que este traço esteja presente, ele se expressa em menor
grau, se comparado às atividades desenvolvidas nas demais comunidades. A maioria das
mulheres da comunidade é do lar, sem trabalho fora.

FIGURA 39 - Trabalhos manuais são fontes de renda das mulheres da CRQ do Feixo
111

Sobre a rotina Vila Esperança, as mulheres teceram alguns comentários. Destacam a


dinâmica doméstica, a alimentação dos filhos, maridos, o trabalho feito por mulheres, que
geralmente acordam cedo e dormem tarde. Produzem também trabalhos artesanais, como
pode ser observado na figura 40.

FIGURA 40 – Trabalho feminino na CRQ da Vila Esperança

Dormimos cedo para acordar cedo. Tem criança para ir para a escola,
tem marmita para fazer para o marido.

As questões de gênero observadas são semelhantes às condições gerais e nas formas


explícitas das condições da sociedade brasileira. Existe um número significativo de mulheres
na liderança de comunidades e associações. A presença feminina é marcante na organização
112

de atividades do dia a dia e na manutenção de ritos e práticas, que contribuem nas questões
referentes à identidade e elementos étnico-raciais. As mulheres reúnem em si, crença, luta,
obstinação e paciência, valentia e coragem para a luta, tudo aliado à diplomacia com
habilidade e persistência. Vivem em muito do que trouxeram gerações anteriores, da mesma
forma como vivem e viverão seus descendentes (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).

A entrevistada Karen acrescenta que a vida na comunidade é difícil. Ela trabalhou na


roça. Segundo ela, falta na comunidade esgoto e água encanada.

“Às 4:30h a gente está de pé pra pegar e arrumar a marmita e esperar o


ônibus ali em cima”. (Excerto de entrevista, Karen, mulher, 60 anos e
viúva)

O ônibus de acesso a outros centros, seja à Lapa, Contenda ou Curitiba, não percorre a
comunidade. Vai somente até a entrada da comunidade.
A entrevistada Íris comenta que falta saneamento básico e que as fossas estão sempre
cheias. Segundo ela, para melhorar é importante o acesso da comunidade à estrada.
Ao serem perguntadas sobre as condições de vida na Vila Esperança, a entrevistada
Lorena, assim respondeu:

“É daquele jeito, né. Sofrido porque nós dependemos de vocês. Daí é


difícil achar emprego também. Às veis vai na Lapa, não tem em
Curitiba. Às veis não se encaixa no serviço também. Daí o último
recurso é na lavoura”. (Excerto de entrevista, Lorena, mulher, 27
anos).

A declaração da entrevistada demonstra a dependência do assistencialismo, ou seja, a


espera de que alguém de fora da comunidade traga a ajuda necessária. É um perfil que se
diferencia do observado nas demais comunidades. A entrevistada mora há 3 anos na Vila
Esperança. Anteriormente, morava na CRQ do Feixo. Ela acrescentou que sempre trabalhou
na lavoura. Geralmente dorme entre 20h e 21h e acorda às 4h30 para trabalhar.
As mulheres são muito autênticas e sinceras ao descrever suas necessidades. Quando
perguntadas sobre a necessidade de distribuição de cestas básicas, uma delas imediatamente
respondeu:
113

“A gente não precisa de cesta básica. Aqui, de todos, quem mais


precisa é a ... porque ela está desempregada. Nós não. A gente planta e
se vira com o que tem”.

Como se vê, o senso de pertencimento e de preocupação com as necessidades do outro


se fazem presentes a cada fala, a cada situação. Este cuidado também é característica de
comunidades pequenas e da ênfase por elas dada a solidariedade e valorização do espírito de
grupo.
Outra entrevistada comenta as dificuldades de acesso à comunidade (figuras 41 e 42),
comparando os dias atuais aos de sua chegada à região.

“É melhor, antigamente era mais difícil. Tinha que andar a pé,


quilômetros a pé com enxada nas costas, sacola, o saco”.

FIGURA 41 – Vista parte superior da CRQ da Vila Esperança


114

FIGURA 42 – O declive do acesso à comunidade dificulta o acesso de caminhões. O caminhão de lixo atende à
comunidade uma vez por semana

No início da ocupação, a região apresentava poucas condições de acesso e moradia, o


que dificultava bastante a vida na comunidade. Segundo uma entrevistada, a comunidade, sem
água encanada, tomava banho no rio.
Meus pais contava bastante como era antigamente. Era sofrido. Tinha
que sair dos banhado aí com palanque nas costas, descalço, sem roupa,
às vezes.

Embora a área seja considerada de relevante interesse ecológico, em razão da presença


de nascentes de rios e mata ciliar, os moradores demonstram pouca preocupação em relação
ao ambiente e sua manutenção.
Das memórias do grupo, o Cerco da Lapa é lembrança significativa.

“Eles contava bastante história, que eles vieram lá do Rio Grande


brigando e terminaram de brigar alí que é agora a praça Santo
Antônio, alí que eles acabaram a guerra”.

A guerra comentada pela entrevistada é o Cerco da Lapa, que ocorreu entre Maragatos
e Pica-paus. O Museu Histórico da Lapa, inaugurado em 2003, tem no acervo vários objetos e
115

narrativas que fortalecem as questões históricas do município sobre este evento. Ainda assim,
a presença do negro na história do Paraná é pouco difundida.

4.5.6 Identidade quilombola no Feixo e Vila Esperança

A entrevistada Nina associa a comunidade tradicional quilombola às dificuldades


financeiras da família.

– É a pessoa que trabalha e constrói as coisas com o seu suor, que planta.
Quando morava com meus pais, chegamos a passar fome e, às vezes, não
tinha calçado. Depois que casei, melhorou. (Excerto de entrevista, Nina, 35
anos, casada e mãe de dois filhos)

Leila Klenk comentou que, logo no início, quando começou a trabalhar com a
comunidade do Feixo, um senhor disse que “foi a primeira vez que alguém chegou aqui no
Feixo perguntando o que nós queríamos, e sorrindo”. Leila acrescenta que essa situação a
marcou muito.

A entrevistada Helena falou sobre as diferenças da mulher nos dias atuais.


– Nossa senhora, muita diferença!! Antigamente tinha mulher, hoje tem
pedaço de mulher. Antigamente as mulheres lavavam roupa no rio. Tinha
respeito e o homem não passava, Deus o livre se o marido soubesse que
tinha outro homem por perto quando ela lavava roupa, o marido chegava e
dava bordoada. Antigamente as mulheres tinham respeito. Eu fiquei
separada, andava por tudo e não encontrei um homem para mexer comigo,
hoje não tem respeito e já vão agarrando.(Excerto de entrevista, Helena,
mulher, 77 anos)

A entrevistada critica o comportamento da mulher e do homem nos dias atuais. Em


outro ponto. A entrevistada Denise acrescenta e conta que foi abandonada pelo marido:

– Na verdade meu marido me deixou e nunca mais apareceu. Nunca mais foi
descobrido. Ele me deixou quando a Chiquinha tinha 6 meses. Tive cinco
filhos. Para criar eles, me ajudavam, pus na escola, no catecismo, o que eu
pude fazer. Nossa senhora! Tinha que trabalhar na roça. (Excerto de
entrevista, Denise, mulher, 80 anos)

A entrevistada Helena comentou sobre as diferenças na preparação de alimentos nos


dias atuais.
– Agora está tudo mais fácil. Para fazer fubá tinha que ir no moinho para
fazer polenta para as crianças. Levava uma hora e pouco. As crianças
chorando e nós na panela. Hoje é fogão a lenha, antes, às vezes, nem tinha
116

fogão à lenha. Cozinhava feijão e arroz na roça colocando duas forquilhas, o


caldeirãozinho de água e o fogo embaixo. A gente fazia bolo de fubá com
brasa em cima, em panela de ferro e para fazer polenta não tinha azeite, era
só banha de porco. Eu tenho uma neta que diz que não come polenta porque
não é cachorro. Feijão a gente debulhava em casa, num balaio de manhã para
cozinhar no almoço. (Excerto de entrevista, Helena, 77 anos, viúva)

A exploração dentro do limite de recuperação das espécies de plantas utilizadas e de


animais é um aspecto fundamental no conceito de culturas tradicionais. Existe o respeito dos
ciclos naturais aos sistemas de manejo, consequência de conhecimentos adquiridos de geração
a geração, de símbolos e mitos que levam à preservação e ao uso sustentado dos ecossistemas
naturais (DIEGUES, 2001).
A entrevistada Júlia comenta a questão social da mulher. A entrevistada não se vê
como quilombola, ela é originalmente da comunidade do Feixo. Veio junto com a família há
27 anos. É mãe de quatro filhos e trabalha num posto de gasolina, localizado próximo à
comunidade. A entrevistada dorme à uma da manhã e acorda às 7h.
– A vida na comunidade é boa. Não vejo a diferença. Hoje as
mulheres estão ganhando dos homens. Sou mãe e pai das crianças.
(Excerto de entrevista, Júlia, mulher, 39 anos e separada)

4.5.7 Preconceito no Feixo e Vila Esperança


O tema preconceito paira sobre as comunidades. A ocupação do território quilombola
por descendentes de escravizados e imigrantes europeus tornou comum os comentários
racistas direcionados àquela população tradicional, como comentam as entrevistadas.

– “Existe por parte das pessoas que rebaixam a gente por sermos
pobres”.

No Brasil, assim como em outros países, o conhecimento da cultura negra foi


subjugado. A internalização dos afrodescendentes por valores etnocêntricos, que
erroneamente consideraram a cultura branca como superior, se refletiu em aceitar e
internalizar esses valores, tidos como corretos, e renegar a sua própria cultura (FURTADO;
SUCUPIRA; ALVES, 2014).

Leila Klenk também comentou a realização do Primeiro Encontro da Juventude


Quilombola, realizado no mês de maio na CRQ do Feixo, no qual foram realizadas várias
atividades e foram ministradas palestras sobre identidade e cultura quilombola. Na ocasião, a
técnica abordou qualidade de vida, saneamento básico, dando ênfase a necessidade da
117

biofossa, das zonas de tratamento de raízes no esgoto. Uma das mulheres da CRQ da Restinga
comentou a necessidade de fazer o curso de biofossa na CRQ da Restinga.
E aí surgiu este curso. As mulheres foram atrás. Elas compraram, elas
começaram a entender de ligação hidráulica, que até então para elas era
desconhecido muito grande. Elas tinham a necessidade do tratamento de
esgoto, da qualidade de vida. Isso parte do feminino. Havia recurso do
governo para reforma de casa ou paiol. Os homens iam pedir ou paiol ou
reforma no máximo do telhado e todas as mulheres pediam um local coberto
para o tanque, ligação de água com o local onde o esgoto pudesse escorrer. É
muito interessante isso. Esse curso que aconteceu na Restinga, é fruto já de
um outro. Fruto também da Associação. (Excerto de entrevista, Técnica
Leila Klenk)

A entrevistada A comentou o preconceito racial no bairro de Mariental:


Na Mariental não queriam os pretos. Minha vó dizia que ia lavar roupa no
rio, mas ia levar comida no mato para os que estavam se escondendo. Porque
queriam matar os negros naquele tempo. Não queriam que descendente de
carambola ficasse, queriam matar. Daí minha vó levava comida debaixo do
balaio e colocava a roupa por cima e punha o balaio na cabeça, era um pote
de barro em cima da cabeça. Aqui na serrinha tem um lugar onde ele (o
monge) se ajoelhou e onde ficou o sinal do joelho dele. Eles colocaram uma
cruz. Tem muita gente que vai cumprir promessa lá. (Excerto de entrevista,
Helena, mulher, 77 anos)

Bauman, por sua vez, ao tratar dos guetos e a relação com a separação étnico-racial,
afirma que se trata de oposição homogeneidade/heterogeneidade, uma forma de impor limites.
A entrevistada faz menção à Guerra do Contestado, onde ocorreu genocídio caboclo,
conforme foi comentado no filme Restos Mortais, Back (2012).

Na Vila Esperança, várias mulheres entrevistadas também reconheceram a


convivência com atitudes preconceituosas em relação às comunidades quilombolas. Uma
delas, para referir-se ao preconceito em relação aos afrodescendentes, perguntou: O que você
diz para o seu filho? Como ele veio ao mundo? Em resposta ao questionamento, surgiu a
história da sementinha: o pai deu a semente para a mãe. Na sequência da conversa, a
entrevistada, surpresa, respondeu:
– “Meu filho me pergunta porque eu escolhi a semente escura”.
No Brasil, assim como em outros países, o conhecimento da cultura negra foi
subjugado. A internalização dos afrodescendentes por valores etnocêntricos, que
erroneamente consideraram a cultura branca como superior se refletiu em aceitar e
internalizar esses valores, tidos como corretos, e renegar a sua própria cultura (FURTADO;
SUCUPIRA; ALVES, 2014).
118

A entrevistada Helena acrescentou uma resposta referente a um comentário racista,


quando chamada de negra.
– Sou negra. Deus me fez assim e você é branca porque o diabo te fez
assim.

Outra entrevistada sobre o tema, reiterou a origem do preconceito.


– Dos filhos da gente, né.

Bauman (2001) credita a “mesmice” à comunidade, a ausência do outro, especialmente


um outro que é diferente.
Ao referirem-se ao preconceito, as entrevistadas demonstram que, não bastando a
sociedade agredir com situações e comentários racistas, muitas vezes se origina no contexto
familiar, por parte daqueles a quem elas mais amam, quando negam as origens, a
ancestralidade africana.
O respeito pelo ser diferente advém em compreender a pluralidade cultural, o respeito
à individualidade, que também é traduzida pela necessidade de identificação com os outros,
buscando o reconhecimento por meio de regras, valores e padrões. Esse aspecto pode gerar o
preconceito pelo “ser diferente”, o outro que contrapõe os valores e distingue o modelo a ser
seguido (MICHALISZYN, 2014).
119

5 SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL POR MEIO DA IMAGEM

5.1 Exposições e devolutivas das fotografias

O uso da fotografia como ferramenta de sensibilização junto às mulheres das CRQs da


Lapa-Paraná se deu tanto por meio de devolutivas de imagens para as mulheres da
comunidade, quanto pela realização de exposições fotográficas. As exposições contribuíram
com o processo de empoderamento social, o reconhecimento e o fortalecimento da identidade
quilombola, à medida em que eram realizadas em situações e eventos promovidos e
organizados pelas próprias comunidades. A Educação Ambiental foi utilizada como estratégia
de pesquisa e intervenção. A sensibilização pela imagem orientou as mulheres nas questões
ambientais e na produção de resultados que fundamentassem a temática em estudo (DIAS,
2011).
Foram então consideradas as categorias que compõe a Educação Ambiental:
 A categoria Consciência, proposta por Dias (2011), contribuiu na
sensibilização das mulheres das três comunidades a compreender o meio
ambiente e suas questões. Foi trabalhada por meio de exposição
fotográfica,devolutiva das fotografias e conversas informais, que incluíram
imagens ligadas às condições sociais das comunidades.
 A categoria Conhecimento uniu experiências a compreensão sobre o meio
ambiente e seus problemas envolvendo as comunidades pesquisadas. Foi
trabalhada em conversas e entrevistas que abordaram questões ambientais
como cuidados com a geração de resíduos, saneamento e água.
 A categoria Comportamento gerou o comprometimento com uma série de
valores aliados ao interesse, a participação e a melhoria do meio ambiente.
Ocorreram conversas, entrevistas, exposições e devolutivas fotográficas que
abordaram questões ambientais como a produção de orgânicos e a localização
das CRQs em área de interesse ambiental.
 A categoria Habilidade proporcionou aquisição de habilidades necessárias à
identificação e resolução de problemas ambientais. Foram elaboradas ações
educativas informais que foram inseridas nas conversas com as mulheres
pesquisadas das CRQs.
 A categoria Participação possibilitou a participação ativa nos trabalhos que
120

objetivam a resolução de problemas ambientais. Ocorreu o envolvimento das


mulheres pesquisadas na devolutiva das imagens envolvendo a problemática
ambiental, tais como imagens com esgoto a céu aberto e geração e destinação
adequada de resíduos dentro das CRQs pesquisadas.
Buscou-se aumentar a capacidade da comunidade na detecção de problemas reais, no
auxílio para soluções inovadoras e criativas. A educação ambiental foi então apresentada ao
grupo pesquisado de maneira informal, utilizando as imagens da comunidade, na identificação
de pontos chave dos problemas por elas apontados e nas variáveis determinantes da situação.
Desta forma, nas rodas de conversas informais, eram discutidos temas como a valorização do
território quilombola, da identidade e o fortalecimento das raízes africanas que constituem o
grupo, as relações de trabalho e a força da mulher em todos os momentos da vida comunitária.

5.2 Devolutiva de imagens

As ações envolvendo as devolutivas de imagens e os resultados da análise das


informações contidas nos questionários e entrevistas, fizeram com que as mulheres
pesquisadas refletissem sobre a questão de gênero, a ligação com a identidade quilombola e a
conscientização ambiental. Foi possível observar esses resultados mediante conversas durante
as exposições, mesmo para os moradores que não são afrodescendentes, foi possível refletir
sobre o papel da mulher numa comunidade remanescente quilombola e relação direta ou
indireta com a cultura negra. A fotografia possibilitou essa reflexão através da apresentação
dos rostos das personagens fotografadas e do meio em que vivem.
Como estratégia para a devolutiva de resultados às entrevistadas e às comunidades,
foram realizadas exposições fotográficas. As exposições fotográficas aconteceram nas três
CRQs (Feixo, Vila Esperança e Restinga) e na Universidade Positivo. Em cada uma das
exposições realizadas, as imagens foram doadas aos participantes fotografados. A devolutiva
da exposição para as fotografadas aconteceu de duas formas. Inicialmente composta pela
impressão em papel fotográfico tamanho A5 (15 x 21 cm), figura 44. No segundo momento,
as fotografias foram impressas em tecidos brancos do tipo oxford. A opção pela impressão em
tecido se deu por valorizar o trabalho artesanal feminino, unindo-o ao resultado da pesquisa e
à produção artística. Os tecidos foram cortados no tamanho 40 X 50 cm e o barrado foi feito
em máquina overloque para o acabamento, ficando a margem com costura em fio preto.
Posteriormente, as imagens foram impressas no tamanho 20 cm X 30 cm, na técnica de
sublimação, que é elaborada com a impressão em papel especial (sublimático). Na fase
121

seguinte, o papel é colocado sobre o tecido dentro de uma prensa plana. O processo de
impressão ocorre por transfer, a impressão é passada para o tecido em altas temperaturas (no
caso, 200º C.).

5.2.1 CRQ Restinga


A exposição na CRQ da Restinga aconteceu no dia 21 de julho de 2018 em ritmo de
festa julina, que servia como motivação para a discussão da implementação da Associação de
Moradores. As mulheres que foram fotografadas receberam as imagens como segunda parte
da devolutiva, como pode ser observado na figura 43.
Muitas famílias compareceram, e o clima que envolvia era de uma comunidade
unida, com direito a jantar feito no fogão a lenha, quadrilha com música ao vivo, pinhão feito
no fogo de chão e uma fogueira de quase 3 metros.

FIGURA 43: Exposição na Restinga

FIGURA 43 – Vista noturna da exposição fotográfica realizada na CRQ da Restinga

Foi uma noite muito alegre em razão da festa, pelo retorno das imagens, por se
acharem bonitas e com cuidado especial com as imagens da exposição. A mostra da Restinga
122

foi a única que permaneceu por dois dias, sob os cuidados da Associação de Moradores da
Restinga e, na sequência, foram entregues às mulheres.
Foi realizado um teste preliminar dessa estratégia de educação ambiental quando foi
realizada a primeira devolutiva com as mulheres da Vila Esperança. Na ocasião, as primeiras
imagens foram expostas num varal fotográfico.

FIGURA 44 – Devolutiva de imagens

FIGURA 44 – Devolutiva entregue ao primeiro grupo de mulheres pesquisadas da Comunidade Remanescente


Quilombola da Vila Esperança – Lapa

A identidade quilombola, a afrodescendência e o preconceito foram temas abordados


numa mesa redonda organizada por uma das mulheres entrevistadas da Restinga. O evento
ocorreu no Colégio Estadual do Campo Contestado, local onde a entrevistada trabalha como
professora. A pesquisadora foi convidada a fazer parte da mesa redonda, abordando a
pesquisa, e também apresentar a exposição fotográfica já mostrada na Restinga no local do
123

evento, como pode ser observado o convite virtual, figura 45. O Assentamento Contestado
está localizado dentro da antiga Fazenda Santa Amélia, local histórico. Os comentários
durante o evento fortaleceram a pesquisa, principalmente na questão histórica envolvendo a
fazenda Santa Amélia. Também foi observada o ponto de vista das mulheres sobre o resultado
parcial da pesquisa, como tendo aceitação por parte da comunidade e também como
ferramenta de sensibilização social para as questões das comunidades.

FIGURA 45 - Convite virtual

Tal como ocorreu na CRQ da Vila Esperança e Feixo, as mulheres fotografadas


também já haviam sido avisadas que as imagens da exposição seriam doadas. Elas posaram
124

para uma nova imagem ao lado da fotografia impressa na exposição (figura 47) e receberam
as fotografias impressas, ao término da exposição, figura 46.

FIGURA 46- A exposição na Restinga fez parte da devolutiva de imagens às mulheres da comunidade.

FIGURA 47 – Exposição fotográfica com resultado parcial da pesquisa na comunidade


125

No momento que as fotografias eram devolvidas às mulheres, se observava a reação


delas frente à fotografia, como pode ser observado nas figuras 47, 48 e 49, e o que elas diziam
sobre sua realidade. Esses dados serviram para complementar as entrevistas que já tinham
sido realizadas.
Uma das frases mais ouvidas foi que a pesquisadora as deixava bonitas nas imagens.
Uma das entrevistadas comentou que havia sido fotografada logo que acordou, pela manhã e,
mesmo colhendo verduras na horta, estava bonita na fotografia, como numa imagem de
revista. Sentir-se bem frente a própria fotografia representa autoaceitação, estarem inseridas
frente a imagens representando a comunidade e também a identidade quilombola.

FIGURA 48 – Exposição fotográfica com resultado parcial da pesquisa na comunidade.


126

FIGURA 49 – Exposição na CRQ da Restinga

5.2.2 CRQs Feixo e Vila Esperança

A exposição na CRQ Feixo aconteceu no dia 19 de maio de 2018 junto ao “1°


Encontro da Juventude da Lapa”, intitulado Direitos e Identidade. O evento ocorreu durante
todo o dia e contou com uma série de palestras e ações direcionadas as CRQs Feixo, Vila
Esperança e Restinga. O evento contou com o apoio da Emater, houve a presença de
representantes do Ministério Público, representantes de outras CRQs, entre outras entidades
ligadas com ações e oficinas relacionadas à identidade quilombola. Nessa ocasião foram
mantidos os primeiros contatos com integrantes da Associação de Moradores da Restinga,
composta em sua maioria de mulheres.
A exposição ocorreu no período da manhã e parte da tarde. As mulheres que foram
fotografadas receberam as imagens como segunda parte da devolutiva. Essas fotografias,
nesse contexto, contribuíram em discussões sobre o fortalecimento da identidade quilombola,
a emancipação e o empoderamento das mulheres.
As mulheres fotografadas e atores sociais da narrativa fotográfica, tal como ocorreu
na CRQ da Vila Esperança, também já haviam sido avisados de que as imagens da exposição
127

iriam ser doadas. Elas posaram para uma nova imagem ao lado da fotografia impressa na
exposição e, ao término, receberam as fotografias impressas.
No momento em que as fotografias eram devolvidas as mulheres, foram observadas
as reações frente a fotografia e o que elas diziam sobre sua realidade. Esses dados serviam
para complementar os dados obtidos com as entrevistas realizadas, utilizados para a análise de
conteúdo, como pode ser observado nas figuras 50 e 51.

FIGURA 50 – Exposição Fotográfica na CRQ do Feixo


128

FIGURA 51 – Exposição Fotográfica na CRQ do Feixo

Antes do almoço fui até a casa da benzedeira da comunidade do Feixo para que ela
pudesse ver a exposição. Já que ela estava com problemas de saúde e mobilidade reduzida.
Fui buscá-la de carro e a trouxe para ver a mostra. Observar a sua reação frente as imagens,
resultado parcial da pesquisa. Reencontrou conhecidos e pessoas que não via há algum tempo.
Comentou a importância de outras mulheres na sua história. Ela observou as imagens e fez
comentários sobre a exposição.
Durante o dia do evento na CRQ do Feixo, várias devolutivas de imagens puderam
ser realizadas, como é mostrado nas figuras 51 e 52.
129

FIGURA 52 – Assinatura do TCLE, 19 de maio de 2018. CRQ do Feixo, Lapa

No encontro das amigas benzedeiras, elas abordaram a questão da saúde da mulher e


comentaram que, antigamente não havia tantos casos de câncer feminino. Fizeram menção
aos cuidados que a mulher tinha no pós-parto, envolvendo o chamado “resguardo” e que hoje
não era mais respeitado. Segundo as benzedeiras, “antigamente” não existiam tantos casos de
câncer como nos dias atuais.
130

FIGURA 53 – Moradora da CRQ do Feixo

A exposição na CRQ Vila Esperança aconteceu na tarde do dia 11 de novembro, uma


festa de final de ano, que contou com atividades relacionadas a produção artesanal, atividades
direcionadas às crianças, produção de caricaturas para as crianças da comunidade e a
exposição fotográfica. Como pode ser observado nas figuras 54 e 55, as mulheres que foram
fotografadas e receberam as imagens como segunda parte da devolutiva, enquanto eram
desenvolvidas outras ações com a comunidade. Foi construído um varal fotográfico numa das
casas, localizada ao lado de um campo de futebol. As fotos impressas em tecido, no tamanho
20 X 30 foram disponibilizadas às mulheres fotografadas, bem como fotografias impressas no
tamanho 15 X 21 em papel fotográfico colocadas num envelope amarelo com o nome dos
atores sociais fotografados.
O varal foi montado em meio a grande movimentação da comunidade. A
comunidade já havia sido avisada da ação. No varal fotográfico foram colocadas fotografias
das mulheres, das casas, atividades fotografadas dentro da comunidade e imagens
relacionadas com o meio ambiente.
O melhor retorno ao fotógrafo é ter uma reação positiva frente ao trabalho
apresentado, que o fotografado aprecie o retorno do olhar do fotógrafo. A imagem clicada é o
recorte, a moldura do olhar técnico e artístico. Na pesquisa com abordagem imagética, a
131

devolutiva é parte essencial do processo. É o momento em que o ator social devolve também
o ponto de vista frente ao trabalho do fotógrafo-pesquisador.
Após o início da colocação das imagens em tecido no varal fotográfico, as primeiras
mulheres se aproximaram. Enquanto continuava a colocar as imagens no varal, percebi os
primeiros sorrisos. Nos rostos uma alegria e também um misto de orgulho frente a outras
pessoas. Na exposição tinham apenas as imagens relacionadas às mulheres pesquisadas,
relações familiares, retratos, casas, etc. A CRQ da Vila Esperança se mostrou aberta para a
pesquisa.

FIGURA 54 – Exposição fotográfica na CRQ da Vila Esperança

As mulheres posaram para uma nova imagem ao lado da fotografia impressa na


exposição e receberam as fotografias impressas, ao término da exposição. No momento da
entrega das fotografias, se observava a reação das mulheres e o que elas diziam frente as
imagens.
No momento que as fotografias eram devolvidas as mulheres, suas reações de
contentamento puderam ser observadas e novas informações sobre a realidade eram por elas
132

descritas. Esses dados serviram para complementar os dados anteriormente obtidos por meio
de entrevistas.

FIGURA 55 – Exposição fotográfica na CRQ da Vila Esperança

Fui à casa de uma das entrevistadas durante o evento. Quando entrei, uma das
minhas imagens, que fez parte da primeira devolutiva impressa, estava num quadro
emoldurado pendurado na parede de madeira, junto a um salmo da bíblia, como pode ser visto
na figura 56. As imagens das devolutivas guardadas representam memórias da comunidade. A
fotografia documental servindo de referencial. A exposição devolutiva contou com a presença
das entrevistadas da comunidade, como pode ser observado na imagem 57.
133

FIGURA 56 – Imagens guardadas, devolutivas de imagens realizada na Vila Esperança – Lapa Pr

No quadro, duas fotografias que haviam sido doadas na devolutiva: uma imagem da
mãe do ator social da narrativa e a fotografia da filha.
134

FIGURA 57 – Devolutiva de imagens realizada na Vila Esperança – Lapa Pr

Figuras 58, 59 e 60– Momentos distintos

A primeira fotografia foi clicada no primeiro encontro, quando a pesquisadora


conheceu a entrevistada. A segunda fotografia foi captada na quarta visita à comunidade, após
a primeira devolutiva impressa no tamanho 15 X 21 cm. A última imagem foi clicada na
exposição fotográfica na CRQ da Vila Esperança. Das primeiras idas às comunidades, os
135

primeiros registros eram registros fotográficos em que as mulheres aparentavam timidez e


sofrimento. Como se pode observar nas figuras 58, 59 e 60 acima, na medida em que os laços
entre pesquisadora e comunidade se estreitavam, se ampliava o sorriso e a expressão dessas
mulheres.
Não existe um “deixar bonita”, existe a forma de rever a imagem e conciliar com os
valores de cada ator social. É a fotografia como ferramenta de sensibilização e
empoderamento social proporcionando ações e reflexões.
Segundo Banks (2009), a interpretação social das imagens faz parte de um conjunto
amplo de significados e conceitos. O pesquisador precisa considerar o conjunto amplo de ação
social – oral, gestual e visual, incluindo emoções e sentimentos das pessoas envolvidas.
As imagens apresentadas serviram como material para discussão sobre a problemática
ambiental, os cuidados com a destinação de resíduos, a água, a produção e cultivo da terra.

5.3 Produção de material didático e estratégias metodológicas para seu uso

Com base nos resultados obtidos com a pesquisa, foram elaborados materiais didáticos
distintos e definidas estratégias para sua utilização em ações de educação ambiental. Para
tanto, foram selecionados imagens e temas geradores.
Do conjunto de recursos foram criados um jogo da memória, uma exposição itinerante
e um fotolivro. Tais recursos, vêm ao encontro do disposto no Decreto 4.887:

5.3.1 Jogo da memória

Com base na Lei nº 10.639, que alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, foi criado o
jogo da memória, que busca justamente o fortalecimento de iniciativas junto às CRQs.
Constituído por 56 cartas, das quais cada conjunto de 16 cartas (com imagens
duplicadas) impressas no tamanho 5,0 x 7,0 cm, retratam 8 características da realidade e
cultura de cada comunidade. Cada dupla de cartas é acompanhada por uma carta com textos e
indicação de temas para debates em grupo. O jogo é utilizado para estimular discussões sobre
os temas:
136

1. Memória e cultura quilombola


2. Identidade e relações étnico-raciais
3. Gênero e papel da mulher na comunidade quilombola
4. Trabalho feminino
5. Família
6. Comunidade
7. Meio ambiente
8. Práticas sustentáveis

Para tanto, o jogo é acompanhado por um líder de grupo, também denominado agente
multiplicador, que abre a discussão sobre o tema, por meio da carta contendo o texto para
discussão ao serem relevadas as duplas de cartas pelos participantes.
Entende-se por multiplicador o agente, ou ator social,

Implicado em ações de cunho social e, por intermédio de tarefas definidas,


promove ou contribui com a mobilização mais ampla de grupos
populacionais específicos na reflexão e na busca de soluções para questões
inerentes à sua estrutura social e política. Ao mesmo tempo, com seu
trabalho, beneficia diretamente parcelas consideráveis de cidadãos
brasileiros, vítimas de processos de exclusão. (MICHALISZYN, 1999:94).

A seguir, serão apresentadas as imagens das cartas e do texto base que constituem o
jogo.

FOTOS DO JOGO
Cartas imagéticas da CRQ da Restinga (Figuras 61 a 68)
137

FIGURA 61 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

1. Memória e cultura quilombola


As tradições das comunidades quilombolas são passadas de geração a geração por meio da
oralidade, os mais velhos ensinam aos mais jovens seus costumes e descrevem a vida dos
antepassados (LOBÃO, 2014).
Esta foto apresenta um aspecto da cultura e do dia a dia das mulheres da CRQ da Restinga.
Quais atividades diárias da comunidade você conhece?
O que deve ser feito para valorizar a cultura quilombola dentro da CRQ da Restinga?
138

FIGURA 62 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

2. Identidade e relações étnico-raciais


A compreensão sobre a área em que vivem e sobre a história do grupo é o que justifica a
sua localização. É a união dos registros da história do grupo, experiências individuais e
coletivas do passado e presente que caracterizam a identidade quilombola (ANJOS;
CYPRIANO, 2006).
Comente pelo menos dois fatos que podem descrever a história da comunidade.
139

FIGURA 63 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

3. Gênero e papel da mulher na comunidade quilombola


A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia a dia e na manutenção
de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e elemento étnico-
raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Quais as principais características das mulheres que vivem na CRQ da Restinga?
140

FIGURA 64 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

4. Trabalho feminino
A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia a dia e na
manutenção de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e
elemento étnico-raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Como é a rotina de trabalho das mulheres da CRQ da Restinga? O que fazem?
141

FIGURA 65 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

5. Família
A mão de obra familiar é uma das características de populações tradicionais,
utilizando tecnologias de pouco impacto e derivadas de conhecimentos herdados de
pai para filho e de base sustentável (ARRUDA, 1999).
Todos os integrantes das famílias participam das atividades econômicas
(agricultura, pecuária, produção artesanal)? Que aspectos importantes descrevem
as famílias que vivem na CRQ da Restinga?
142

FIGURA 66 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

6. Comunidade
O fortalecimento advém da união em grupo. É a comunidade que acolhe (BAUMAN,
2001).
O que mantém unida a CRQ da Restinga? Quais as principais atividades comunitárias
(festas, trabalho, relações familiares) responsáveis pela união do grupo?
143

FIGURA 67 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

7. Meio ambiente
A busca pela harmonia entre o homem e o meio ambiente faz parte do caminho para a
compreensão direcionada ao desenvolvimento sustentável (SACHS, 2002).
Como isso pode ser feito dentro da CRQ da Restinga? Quais os principais problemas que
interferem no meio ambiente? Como poderiam ser solucionados?
144

FIGURA 68 – Jogo da Memória CRQ da Restinga

8. Práticas sustentáveis
É preciso ter consciência para o uso produtivo e racional dos recursos para que todas as
atividades ligadas à economia estejam alicerçadas no ambiente natural, sem que com isso
prejudique ou destrua o meio ambiente (SACHS, 2002).
O que são práticas sustentáveis? De que forma é possível utilizar os recursos da natureza,
sem agredi-la? Como realizar práticas sustentáveis dentro da CRQ da Restinga?
145

Cartas Imagéticas da CRQ do Feixo (Figuras 69 a 76)

FIGURA 69 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

1. Memória e cultura quilombola


As tradições das comunidades quilombolas são passadas de geração a geração por meio
da oralidade, em que os mais velhos ensinam aos mais jovens seus costumes e descrevem
a vida dos antepassados (LOBÃO, 2014).
A CRQ do Feixo é uma das mais antigas comunidades quilombolas da Lapa. O que
conhecemos sobre sua história? Que mudanças aconteceram na comunidade desde a sua
criação? O que se ensina na escola sobre o Feixo?
146

FIGURA 70 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

2. Identidade e relações étnico-raciais


A compreensão sobre a área em que vivem e também a história do grupo é o que justifica
a sua localização. É a união dos registros da história do grupo, experiências individuais e
coletivas do passado e presente que caracterizam a identidade quilombola (ANJOS;
CYPRIANO, 2006).
Quando podemos dizer que uma pessoa pertence a uma Comunidade Quilombola? Qual a
origem deste nome? Como são as relações entre os moradores da CRQ do Feixo com
outras comunidades da Lapa?
147

FIGURA 71 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

3. Gênero e papel da mulher na comunidade quilombola


A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia-a-dia e na
manutenção de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e
elemento étnico-raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Como é o dia-a-dia das mulheres que vivem na CRQ do Feixo? Que trabalhos realizam?
Quais suas atividades de lazer?
148

FIGURA 72 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

4. Trabalho feminino
A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia a dia e na
manutenção de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e
elemento étnico-raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Em que as mulheres do Feixo trabalham? Como ocupam o tempo ao longo do dia?
149

FIGURA 73 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

5. Família
A mão de obra familiar é uma das características de populações tradicionais, utilizando
tecnologias de pouco impacto e derivadas de conhecimentos herdados de pai para filho e
de base sustentável (ARRUDA, 1999).
Quais são as características das famílias na CRQ do Feixo?
150

FIGURA 74 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

6. Comunidade
Comunidade quilombola é um grupo étnico que se autodefine com base nas relações com
a terra, seu uso, costumes e práticas culturais próprias (BRASIL, 2003). O fortalecimento
advém da união em grupo. É a comunidade que acolhe (BAUMAN, 2001).
O que pode ser feito para fortalecer a CRQ do Feixo?
151

FIGURA 75 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

7. Meio ambiente
A busca pela harmonia entre o homem e o meio ambiente faz parte do caminho para a
compreensão direcionada ao desenvolvimento sustentável (SACHS, 2002).
Como isso pode ser feito dentro da CRQ do Feixo?
152

FIGURA 76 – Carta do jogo da memória da CRQ do Feixo, que será utilizada como material de educação
ambiental

8. Práticas sustentáveis
A sustentabilidade é a possibilidade de assegurar que futuras gerações tenham oportunidades
iguais de acesso aos recursos naturais ou que gerações futuras tenham acesso ao meio
ambiente não mais danificado que hoje. Ainda pode ser caracterizada como modelo de
desenvolvimento economicamente viável, justo e sem agressão ao meio ambiente
(BOTKLIN; KELLER, 2011). Para alcançá-la, é preciso ter consciência para o uso produtivo
e racional dos recursos para que todas as atividades ligadas à economia estejam alicerçadas no
ambiente natural, sem que com isso prejudique ou destrua o meio ambiente (SACHS, 2002).
Como realizar práticas sustentáveis dentro da CRQ do Feixo?

Cartas imagéticas da CRQ da Vila Esperança (Figuras 77 a 84)


153

FIGURA 77 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

1. Memória e cultura quilombola


As tradições das comunidades quilombolas são passadas de geração a geração por meio da
oralidade,os mais velhos ensinam aos mais jovens seus costumes e descrevem a vida dos
antepassados (LOBÃO, 2014).
Esta foto apresenta um aspecto da cultura e do dia a dia das mulheres da CRQ da Vila
Esperança. Quais atividades diárias da comunidade você conhece?
O que deve ser feito para valorizar a cultura quilombola dentro da CRQ da Vila Esperança?
154

FIGURA 78 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

2. Identidade e relações étnico-raciais


A compreensão sobre a área em que vivem e sobre a história do grupo é o que justifica a
sua localização. É a união dos registros da história do grupo, experiências individuais e
coletivas do passado e presente que caracterizam a identidade quilombola (ANJOS;
CYPRIANO, 2006).
Comente pelo menos dois fatos que podem descrever a história da comunidade.
155

FIGURA 79 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

3. Gênero e papel da mulher na comunidade quilombola


A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia a dia e na manutenção
de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e elemento étnico-
raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Quais as principais características das mulheres que vivem na CRQ da Restinga?
156

FIGURA 80 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

4. Trabalho feminino
A presença feminina é marcante na organização de atividades do dia a dia e na
manutenção de ritos e práticas, que contribuem nas questões referentes à identidade e
elemento étnico-raciais (GOMES JUNIOR; SILVA; COSTA, 2008).
Como é a rotina de trabalho das mulheres da CRQ da Vila Esperança? O que fazem?
157

FIGURA 81 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

5. Família
A mão de obra familiar é uma das características de populações tradicionais,
utilizando tecnologias de pouco impacto e derivadas de conhecimentos herdados de
pai para filho e de base sustentável (ARRUDA, 1999).
Todos os integrantes das famílias participam das atividades econômicas (agricultura,
pecuária, produção artesanal?) Que aspectos importantes descrevem as famílias que
vivem na CRQ da Vila Esperança?
158

FIGURA 82 – Jogo da memória CRQ da Vila Esperança

FIGURA 82 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

6. Comunidade
O fortalecimento advém da união em grupo. É a comunidade que acolhe (BAUMAN,
2001).
O que mantém unida a CRQ da Vila Esperança? Quais as principais atividades
comunitárias (festas, trabalho, relações familiares) responsáveis pela união do grupo?
159

FIGURA 83 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

7. Meio Ambiente
A busca pela harmonia entre o homem e o meio ambiente faz parte do caminho para a
compreensão direcionada ao desenvolvimento sustentável (SACHS, 2002).
Como isso pode ser feito dentro da CRQ da Vila Esperança? Quais os principais
problemas que interferem no meio ambiente? Como poderiam ser solucionados?
160

FIGURA 84 – Carta do jogo da memória da Vila Esperança, que será utilizada como material de educação
ambiental

8. Práticas Sustentáveis
É preciso ter consciência para o uso produtivo e racional dos recursos para que
todas as atividades ligadas à economia estejam alicerçadas no ambiente natural, sem
que com isso prejudique ou destrua o meio ambiente (SACHS, 2002).
O que são práticas sustentáveis? De que forma é possível utilizar os recursos da
natureza, sem agredi-la? Como realizar práticas sustentáveis dentro da CRQ da Vila
Esperança?
161

6.2 Exposição itinerante

Sob o título Olhar ancestral: memória e cultura quilombola, a exposição final conta
com duas imagens impressas abordando a localização geográfica das três CRQs, importância
da escarpa devoniana e da mata atlântica e texto abordando a identidade quilombola.
A exposição apresenta no total 18 fotografias impressas em tecido poliéster, nos
tamanhos 130 X 90 cm e 150 X 100 cm, totalizando 18 fotografias e mais duas imagens
abordando questões ambientais, conforme se pode observar nas figuras 82 a 102.
Por meio de sua característica itinerante e da possibilidade de exposição a diferentes
condições climáticas, a mostra fotográfica cumpre seu papel educativo ao estimular o debate
em torno da problemática ambiental e da realidade vivenciada pelas comunidades
remanescentes quilombolas da Lapa. Para tanto, serão considerados os mesmos temas
geradores utilizados para a elaboração do jogo da memória:
1. Memória e cultura quilombola
2. Identidade e relações étnico-raciais
3. Gênero, papel e trabalho da mulher na comunidade quilombola
4. Família
5. Comunidade
6. Meio ambiente e práticas sustentáveis

Inicialmente, a mostra foi exposta nas dependências da Universidade Positivo e, na


sequência, nas comunidades participantes da pesquisa, no município da Lapa e demais
municípios e instituições que demonstrem interesse pelo aprofundamento da temática.
A seguir serão apresentados o texto e as imagens que integram a exposição (Figuras 89
a 106).
Texto de abertura

OLHAR ANCESTRAL: MEMÓRIA E CULTURA QUILOMBOLA


Isabelle Neri Vicentini

Saindo de Curitiba, no caminho percorrido em direção às comunidades, pela BR-476


cruza-se com os municípios de Araucária e Contenda e chega-se às Comunidades
Remanescentes Quilombolas da Restinga, Feixo e Vila Esperança, no município da Lapa
162

(PR). São comunidades afrorrurais, que tiveram influência de outras etnias e possuem forte
influência e participação feminina.
O município recebe recursos do ICMS Ecológico em razão da existência na região de
Unidades de Conservação e áreas de manancial, como é o caso da Escarpa Devoniana, que
assegura a proteção do limite natural entre o Primeiro e Segundo Planaltos Paranaenses. Na
Lapa ocorre sobreposição de áreas com unidades de conservação ambiental e áreas de
mananciais de abastecimento, recebendo somente pelo maior índice, o de conservação.
Segundo dados da Fundação Palmares, existem mais de 3.500 comunidades
quilombolas com certidões expedidas no país e, segundo o GTCM, mais de 80 estão
localizadas no Paraná.
Historicamente, o estado do Paraná apresenta nos dados da população, indicativo de
afrodescendência. A miscigenação na população brasileira é caráter constitutivo da
diversidade cultural presente na identidade do povo brasileiro. De acordo com dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2015), indivíduos pardos e negros
somam 53,92% da população brasileira. No município da Lapa, a raça negra totaliza 39,23%
da população. Esses dados demonstram a importância da pesquisa nas CRQs da Lapa, como
forma de voltar os olhos para a história, reconhecer o legado da cultura africana sobre a
população brasileira e compreender a história do país.
Faziam parte da Fazenda Santa Amélia, de propriedade de Hipólito Alves de Araújo.
A população das CRQs da Lapa é formada por agricultores com poucos recursos financeiros e
que sempre trabalharam para os fazendeiros da região.
Cenas bucólicas, lugar silencioso com cheiro de campo. São poucos ou raros os carros
avistados pelo caminho. De portas e janelas abertas, como é comum de se perceber em
comunidades pequenas e unidas, somadas a afetuosidade e a alegria da acolhida, é como os
moradores recebem quem vem de fora para o Feixo, Vila Esperança ou Restinga. Atualmente,
a CRQ do Feixo é a única da região a possuir escola, mesmo assim somente com ensino
fundamental. As CRQs da Vila Esperança e da Restinga não possuem escolas. Nenhuma das
comunidades possui posto de saúde e são atendidas pelo posto de saúde de Mariental,
localizado entre 5 a 7 km de distância.
As mulheres entrevistadas reafirmam sua identidade quilombola e, algumas delas
falam em seus relatos sobre a aquisição de uma herança histórica de luta e resistência. O
trabalho nas roças é feito por mulheres e homens, que cultivam milho e feijão em terras
arrendadas. Em várias casas, foram observados objetos que faziam menção a
afrodescendência, além de imagens de ascendentes. A busca por esse reconhecimento não
163

vem apenas de um reconhecimento pela titularidade da terra, mas por um orgulho e


valorização da própria história.
No Feixo, as famílias possuem terrenos que medem em média um alqueire e dividem
estas áreas em aglomerados de pequenas casas. Confirma-se logo na chegada da comunidade
a união do grupo, que vive em estruturas esparsas, onde cada grupo familiar é responsável por
um quinhão de terras herdado de seus ancestrais. A comunidade é unida. As famílias se
conhecem, acompanham o desenrolar de suas histórias. Os núcleos familiares dividem o
terreno, ocupado por vários integrantes da família e muitas vezes não possuem cerca ou muro
fazendo o limite da área.
Segundo relatos de entrevistadas da Vila Esperança e confirmados pelo levantamento
do GTCM, um fazendeiro lindeiro negociou terras e propôs às famílias remanescentes
quilombolas permuta pelas terras por casas, em alvenaria e com banheiros, com a
documentação toda legalizada. As famílias entregaram suas terras, que eram localizadas no
Feixo e se mudaram para a Vila Esperança. Após a mudança descobriu-se que as terras eram
resultado de invasões e o fazendeiro não cumpriu a construção adequada das casas nem o
referente à documentação (GTCM 2008).
A produção de trabalhos artesanais é um traço característico das mulheres das
comunidades quilombolas e estas passam o conhecimento entre gerações. Na Restinga, a
produção artesanal é fortalecida pela Associação de Moradores da Restinga, presente em
várias feiras e eventos.
A exposição é resultado da pesquisa A fotografia como ferramenta de sensibilização
ambiental com mulheres das comunidades remanescentes quilombolas da Lapa – Paraná, com
orientação do professor Dr. Mario Sergio Michaliszyn para o Programa de Pós-Graduação em
Gestão Ambiental da Universidade Positivo.
A mostra é um convite para entrarmos, por meio da imagem, no universo de mulheres
das três Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa – Restinga, Feixo e Vila
Esperança – e compreender a realidade feminina dentro da comunidade num momento
fundamental para o reconhecimento do valor da cultura quilombola. É uma forma de dar valor
ao sensível, à artesania, ao fogão a lenha esquentando o feijão, ao labor delicado e forte
produzido nas comunidades remanescentes quilombolas, que irradia a esperança de dias
melhores. Essas imagens fazem parte da história que encontrei e que precisam ser contadas,
valorizadas e relembradas para que o tempo tenha essas histórias e rostos guardados às
gerações futuras.
164

FIGURA 85 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória
e cultura quilombola.

FIGURA 86 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória
e cultura quilombola.
165

FIGURA 87 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória
e cultura quilombola.

FIGURA 88 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição Olhar ancestral: memória e cultura
quilombola.
166

FIGURA 89 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição Olhar ancestral: memória e cultura
quilombola.

FIGURA 90 – Fotografia da CRQ da Restinga que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória
e cultura quilombola.
167

FIGURA 91 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.

FIGURA 92 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.
168

FIGURA 93 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.
169

FIGURA 94 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.

FIGURA 95 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.
170

FIGURA 96 – Fotografia da CRQ do Feixo que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral: memória e
cultura quilombola.

FIGURA 97 – Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.
171

FIGURA 98 – Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.

FIGURA 99– Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.
172

FIGURA 100 – Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.
173

FIGURA 101 – Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.

FIGURA 102 – Fotografia da CRQ da Vila Esperança que fará parte da exposição fotográfica Olhar ancestral:
memória e cultura quilombola.
174

5.3.1 Fotolivro

Considerado produto oriundo da pesquisa apresentada nesta dissertação, o fotolivro


tem como propósito servir como subsídio e recurso didático para ações educativas junto às
comunidades pesquisadas e outros grupos comunitários e escolas. Como recurso didático,
integra a exposição fotográfica e complementa as discussões travadas ao longo do jogo da
memória. Para tanto, foram consideradas as indicações teóricas que norteiam o campo da
educação ambiental, ao tempo em que se acentuou o cuidado na seleção das imagens,
valendo-se de teorias relacionadas à fotografia e a antropologia visual.
A elaboração do fotolivro foi pautada pela análise das impressões da comunidade ao se
perceberem nas imagens captadas. Portanto, para demonstrar como ocorreu sua construção,
foi necessário conhecer as ações e reações da comunidade ao deparar-se com os registros
fotográficos. Entre as ações observadas enquanto as imagens eram captadas estavam as
ligadas à timidez e a estética: “não sou bonita” ou “não fico bem em fotografias”. Durante as
primeiras exposições fotográficas, as reações das mulheres fotografadas ao se depararem com
suas imagens impressas no tecido, eram de orgulho. Elas mostravam as imagens a outras
pessoas. Algumas exclamavam: – Você me deixou bonita! É o orgulho vindo através do
sentimento de empoderamento.
A publicação do fotolivro permite que novas ações aconteçam e interajam com outras
comunidades e com a própria sociedade, proporcionando reflexão e sensibilização. O
fotolivro possibilita ir além do limite das exposições, uma vez que permite trazer e apresentar
os rostos dessas mulheres, sua realidade e traços culturais do grupo a que pertencem, para
outras comunidades.
O fotolivro traz fotografias das mulheres e de seu cotidiano, vivendo nas três CRQs,
tendo como subdivisão dos capítulos o nome de cada comunidade e breve texto abordando a
origem das comunidades e os problemas socioambientais ali identificados.
Optou-se pela impressão do fotolivro no formato:
Capa: tamanho 50 x 20 cm, 4 x 4 cores impresso no papel couche fosco, 300g. O
miolo terá 68 páginas, tamanho 25 x 20 cm, 4 cores e impresso no papel couche fosco 150g.
Dobrado, duas paralelas uma em cruz, intercalação automática, cola Pur.
O primeiro capítulo contém a introdução sobre as CRQs da Lapa, apresentando a
distinção entre as comunidades. Na sequência, aborda o meio ambiente, a localização do
município na escarpa devoniana (área de interesse ambiental), sua importância, a Mata
Atlântica (localização e importância da preservação); e identidade quilombola (o que
175

identifica uma CRQ). Os textos são breves, de fácil leitura e se utilizam do referencial teórico
apresentado nesta dissertação. Serão considerados os mesmos temas geradores utilizados para
a elaboração do jogo da memória e da exposição itinerante:
1. Memória e cultura quilombola
2. Identidade e relações étnico-raciais
3. Gênero, papel e trabalho da mulher na comunidade quilombola
4. Família
5. Comunidade
6. Meio ambiente e práticas sustentáveis

Cada capítulo apresenta especificidades das comunidades pesquisadas, destacando-se


nas imagens o trabalho feminino, cultura quilombola, religiosidade e gênero. Pouco texto e
muitas imagens, captadas durante a pesquisa.
Sob o título Olhar ancestral: memória e cultura quilombola, o fotolivro terá sua
primeira edição, com uma tiragem inicial de 10 (dez) exemplares, programada para o mês de
maio de 2019. Em seguida, será elaborado projeto para obtenção de apoio financeiro,
encaminhado para possíveis patrocinadores. Seu propósito é servir como material didático,
para utilização em ações de educação ambiental em escolas e espaços informais de educação.
176

FIGURA 103 – Capa do fotolivro Olhar ancestral: memória e cultura quilombola


177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento sustentável é limite ao conhecimento e às ações diárias das


comunidades afrodescendentes da Lapa. O labor diário, o contato com a natureza, a tradição
oral passada de mãe para filho trazem o respeito à natureza e o olhar voltado para a
sustentabilidade.
A pesquisa teve como objetivo inicial a construção de uma proposta de sensibilização
pela imagem junto a mulheres de Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa, sobre a
importância da proteção e dos cuidados ambientais, bem como sobre o papel dessas mulheres
nesse contexto e suas contribuições para minimizar problemas.
A experiência que a pesquisa proporcionou de bater de porta em porta, conversar com
as mulheres das comunidades, conhecer e desvendar essa realidade, compreender a história a
partir de um ponto de vista não tradicional demonstram que a história contada em salas de
aula é parcial. Não reconhece boa parte das famílias brasileiras, principalmente,
afrodescendentes.
Histórias que demonstram muito do preconceito vivenciado, desde a mais tenra idade
e, muitas vezes, morando e originadas dentro da própria casa. Nesse aspecto, a fotografia
surge com o poderoso diferencial de acolher cada história e, a partir dela, sensibilizar. Já que
cada pessoa tem o vínculo da memória, do passado e da imagem. A memória procura
reconstituir rostos, descrever histórias, a fotografia permite relembrar rostos e ter a
documentação imagética do passado.
A pesquisa possibilitou conhecer um outro país, um outro Brasil encoberto pelas
cinzas de uma história oficialmente construída e apresentada nas escolas. Reconhecer e
valorizar a afrodescendência vai muito além da tentativa de curar as feridas que o preconceito
gerou aos seus descendentes.
Os produtos gerados como ferramentas de sensibilização ambiental – o fotolivro, a
exposição itinerante e o jogo da memória –, cada qual fortalece de forma diferenciada a
sensibilização ambiental nas comunidades pesquisadas.
O fotolivro proporciona visualizar através das imagens os rostos das mulheres das
CRQs da Lapa, conhecer seu dia a dia, ações, trabalhos, de forma a ultrapassar as fronteiras
das comunidades. Um livro que pode ser visto e lido por mulheres de outras comunidades
remanescentes quilombolas distantes, fortalecendo-as com relação à teoria da educação
ambiental e sensibilizando a sociedade por meio da fotografia, sem limites geográficos ou
178

fronteiras. É uma possibilidade de ter um conjunto narrativo de imagens com a portabilidade


de um livro de fotografias.
A exposição itinerante permite visibilidade maior na comunidade em que esteja sendo
exposta, fortalecendo o debate e a sensibilização. Permite um “ver ampliado”, aliado ao
tecido, que pode ser exposto ao ar livre, ao sabor do vento, como as roupas coloridas dos
varais quilombolas da Lapa.
O jogo da memória, além de ser um exercício lúdico para reflexão sobre a valorização
da afrodescendência na sociedade, abre questionamentos nas comunidades sobre questões
referentes à identidade quilombola. A memória quilombola precisa ser resguardada, discutida
e valorizada. Discutida inicialmente dentro de cada comunidade, para que cada
afrodescendente tenha orgulho das histórias que compartilha dentro do seu grupo, da sua
comunidade. É a valorização da identidade do afrodescendente essencial para o
reconhecimento e também titulação das terras.
Os três produtos gerados propõem à reflexão e educação ambiental de alcance e
formas diferenciadas de atingir o público-alvo. Alcançaram a sensibilização por onde
passaram. Nos rostos das mulheres quilombolas mostrando orgulhosas suas imagens, pedindo
para que fotografasse suas casas, seus filhos, suas famílias. Testemunhos de mulheres que
sentiram vontade de ter fotografias da sua família, que se sentiram mais bonitas nas imagens,
mais empoderadas. A fotografia fortalece o empoderamento social, fortalece a história dessas
comunidades. Daqui a 30 anos, numa gaveta guardada, um adolescente pode abrir essa gaveta
e descobrir os rostos dessas mulheres, pode questionar. Como era o trabalho dessas mulheres?
Como era o meio ambiente e como encaravam a sustentabilidade. Possibilidades que o futuro
permite pelas ferramentas hoje criadas.
Academicamente, a pesquisa possibilita novas formas de encarar e rever a própria
produção científica, tendo o foco ambiental aliado à fotografia documental. Fortalecendo o
campo da pesquisa e auxiliando, também, na elaboração de novos produtos, novas
ferramentas que possibilitem não somente a conscientização ambiental como também a
sensibilização.
Os produtos e materiais gerados pela pesquisa permitem que as Comunidades
Remanescentes Quilombolas da Lapa conversem, discutam, revejam e fortaleçam a identidade
afrodescendente. A identidade quilombola é um processo que demanda tempo, como foi
comentado por entrevistadas durante a produção da pesquisa. Esses produtos gerados
fortalecem o questionamento ao encontrar os pontos necessários para essa autoidentificação.
179

Hoje o Brasil passa por um momento histórico decisivo, com a necessidade de se


fortalecer questões ambientais, a necessidade de fortalecimento também no processo de
licenças ambientais. Hoje, tristemente, o país reconhece que um erro na concessão de licença
ou um aval para liberação de uma barragem de minério, pode gerar centenas de mortes. O país
aplaca dolorosamente a necessidade dessa conscientização.
O olhar direcionado à sustentabilidade aliada à responsabilidade ambiental possibilita
melhor qualidade de vida da população. Gerar produtos organicamente saudáveis para a mesa
de qualquer brasileiro. Valorizar a essência do conhecimento dessas populações tradicionais,
de ribeirinhos, indígenas, ciganos ou quilombolas. Valorizar a sabedoria dos povos
tradicionais.
Para trabalhos futuros, envolvendo a sensibilização por meio da imagem em
populações tradicionais, sugere-se:
 Entrar na comunidade com o olhar de um contador de história, buscando
preservar e contar essa história de forma verdadeira e honesta, considerando o
outro como a si mesmo;
 Documentar os atores sociais, com respeito a suas histórias e retornar a
devolutiva dessas imagens como parte da pesquisa;
 Construir novas propostas e novos produtos e dividir o resultado com as
comunidades.
A pesquisa possibilitou conhecer mulheres especiais, mulheres que valorizam a
territorialidade, a história da família de uma forma especial, que muitas vezes seguem
por outros caminhos, mudam de cidade, mas mantém o diferencial, a comunidade
onde nasceram, e sonham retornar para a mesma terra, para a mesma comunidade.
Inenarráveis as vivências que perpassam as entrelinhas deste trabalho, como
conhecer pratos e sabores feitos por elas, da compota de abóbora feita por uma
benzedeira, da linguiça em metro, vendida na porta das casas, do alface colhido fresco,
da abobrinha cortada em tiras, do pão assado no forno a lenha, ou ainda, dos sabores
da comida feita no fogão a lenha, orgulhosamente cuidado em toda casa quilombola.
Comprar hortaliças orgânicas e vê-las sendo colhidas frescas e preparadas para o
almoço.
Tomar conhecimento das dores e feridas, originadas pelo racismo e
discriminação praticados por uma sociedade que desconhece ou encobre a história da
resistência africana e de seus descendentes em solo brasileiro.
180

Espera-se que a pesquisa seja um sopro inquietante, que renasça e fortaleça no


íntimo de outros pesquisadores o desejo por pesquisar e envolver-se em contextos
semelhantes, para que conheçam de perto as populações tradicionais e descubram o
verdadeiro conceito de desenvolvimento sustentável, por elas construído e praticado ao
longo de gerações.
181

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UFRGS/Tomo, 2004.

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187

APÊNDICE A

CARTA DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM

(Nome completo da pessoa) ________________________________________,


RG___________________, residente à __________________________________
_____________________________________, autorizo Isabelle Soares Neri Vicentini, RG
6490044-7, CPF 977967199-49, a utilizar a minha imagem como participante da exposição e
pesquisa sobre quilombolas com exclusividade no tocante à realização desta pesquisa, em
qualquer veículo de mídia, inclusive por meio de publicação impressa, internet, exibir em
público e reproduzir em peças gráficas e promocionais do evento, por tempo indeterminado,
para fins de divulgação ou educacionais.

Declaro, ainda para todos os fins e efeitos de direito que da utilização das imagens para as
finalidades citadas acima não decorrerá qualquer tipo de ônus para a acima citada.

Curitiba, __ de ______________de 2018.

_______________________________________
Assinatura
188

APÊNDICE B

Proposta de roteiro de entrevista


1. Nome.
2. Idade.
3. Estado civil.
4. Escolaridade.
5. Tem filhos? Se sim, nome, idade e se estuda (local).
6. Quantas pessoas moram na casa?
7. Trabalha? Se sim, qual atividade?
8. Se tem companheiro (a), qual atividade e idade?
9. Como é a vida das mulheres na comunidade?
10. Horário que dorme e acorda?
11. Quanto tempo mora na comunidade. Se veio de outro local, qual?
12. História da família na comunidade?
13. Tem desejo de morar em outro local?
14. O que falta no local. O que o poder público poderia fazer para melhorar?
15. Qual a atividade de lazer? Tem alguma comemoração da cidade de que goste?
16. Qual a religião e se é praticante?
17. O que tem na comunidade que não gostaria que existisse?
18. O que é ser quilombola? Você se vê como quilombola?
19. Existe preconceito com os quilombolas? Por parte de quem?
189

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Título da pesquisa: A Fotografia como ferramenta de sensibilização ambiental com mulheres das
comunidades remanescentes quilombolas da Lapa, Paraná. Instituição: Universidade Positivo

Pesquisador(a)-responsável: Isabelle Soares Neri Vicentini


Orientador: Mario Sergio Michaliszyn

Você está sendo convidada a participar desta pesquisa, realizada no âmbito do programa de
pós-graduação em Gestão Ambiental da Universidade Positivo (Curitiba- PR), a qual tem como
objetivo construir uma proposta de sensibilização pela imagem (fotografia) junto a mulheres de
Comunidades Remanescentes Quilombolas da Lapa - Pr, sobre a importância da proteção e dos
cuidados ambientais, bem como sobre o seu papel nestes contextos e suas contribuições para
minimizar problemas.
Pretendo apresentar por meio de imagens e textos a realidade vivida por mulheres das
Comunidades Remanescentes Quilombolas localizadas na Lapa-Pr, bem como as condições
ambientais a que estão submetidas.
Sua participação consistirá na observação do pesquisador e em responder um questionário
acerca das questões de vida e questões ambientais da comunidade: o tempo de duração é de
aproximadamente vinte minutos; não haverá qualquer remuneração pela participação do sujeito na
pesquisa; haverá o sigilo da identidade dos participantes, salvo quando houver autorização expressa e
documentada para utilização de imagem. A metodologia da pesquisa também conta com a observação
participante direta e participação em rodas de conversas, com a duração de não mais de uma hora.
Como riscos, o entrevistado pode sentir possível desconforto causado pela participação durante as
entrevistas ou na observação; o participante possui direito de recusa e/ou desistência sem qualquer
penalidade; após a conclusão do estudo, o material será incorporado ao acervo da instituição a que o
pesquisador pertence; em caso de dúvida sobre a pesquisa, poderá entrar em contato com a
pesquisadora por e-mail Isabelle Soares Neri Vicentini (isabelleneri@gmail.com) ou pelo telefone (41)
99906-8423, ou com o professor orientador Mario Sergio Michaliszyn (telefone: (41) 3317-3452 / e-
mail: msmzyn@gmail.com), bem como no Comitê de Ética da Universidade Positivo – telefone: (041)
3317-3260 ou no endereço: Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300, Campo Comprido, Curitiba. Ou
com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP – telefone: (061) 3315-5878 e (061) 3315-
5879 ou no endereço: Esplanada dos Ministérios, Bloco “G” – Edifício Anexo, Ala “B” – 1º andar,
sala 103B, Brasília/DF.

Declaro que fui devidamente esclarecido sobre a pesquisa e aceito participar. Para tanto,
assino o presente termo em duas vias. Uma via ficará comigo e a outra com o pesquisador
responsável.
Lapa – Paraná

__________________________________________________
[assinatura]

[NOME do participante]

__________________________________________________
Assinatura do pesquisador responsável
190

Contatos institucionais do pesquisador(a)-responsável:


Tel: 41-99906-8423 / email: isabelleneri@gmail.com

Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Positivo


Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300. Sala 8 do Bloco Amarelo (Térreo).
Horário de funcionamento: das 8h às 11h e das 14h às 17h.
E-mail: cep@up.edu.br
Telefone (41) 3317- 3260
191

APÊNDICE D

Imagem 17 – Carta de autorização digitalizada

Fonte: A autora (2018)


192

ANEXO A

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