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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ

CAMPUS IGUATU
DEPARTAMENTO DE ENSINO
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL

MARIA WILIANA ALVES LUCAS

NAS TRILHAS DA INFORMALIDADE: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS


CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO LIXÃO DE IGUATU - CE

IGUATU-CE
2015
1

MARIA WILIANA ALVES LUCAS

NAS TRILHAS DA INFORMALIDADE: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS


CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO LIXÃO DE IGUATU - CE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Bacharelado em Serviço Social do
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará, campus Iguatu, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Prof. Ms. Luana Paula Moreira


Santos

IGUATU-CE
2015
2

Aos catadores/as de materiais recicláveis por tudo


aquilo que com ele/as aprendi, por manter em seus
sonhos e práticas a esperança de dias melhores,
mesmo diante de um cotidiano adverso e desafiador;

À Deus pela bondade, e por querer e efetuar em mim


a sua vontade!
3

AGRADECIMENTOS

Momento de agradecer é momento de reconhecer os que seguiram conosco o caminho e que


proporcionaram as alegrias da caminhada.

A Deus - luz maior que ilumina a vida; a Ele toda honra, todo mérito e toda glória.

A Luana Paula Moreira Santos, pela calma e serenidade que sempre marcaram suas
orientações, pelo incentivo e apoio para a realização deste estudo e por sempre acreditar na
minha capacidade em momentos decisivos como a decisão em pesquisar esta temática, a
desafiante entrada ao campo de pesquisa e todo o momento de construção deste trabalho, o
que possibilitou que este estudo - que também era um sonho - fosse realizado.

A minha mãe Francisca Alves pelo amor, preocupação, apoio, incentivo e esforço diário.

A meu pai José Lucas pela vida e pelo amor.

Aos irmãos Wesley, Werton e Weverton, pelo amor de irmãos e pelo apoio
intransferível/incondicional.

As primas Gabriela e Myllena, que aqui representam o amor de família. A toda a minha
família, aqui representada pela tia Marizô (materna sempre) por proporcionar as condições
materiais para a conquista deste objetivo.

Aos queridos colegas de turma Marília, Kamila, Sandy, Larisce, Leandro, Raissa, Andressa,
Brenno, Pâmella, Samilly, Heleysânia, Mayra, Rafaela e Keyle, por todos os momentos de
brincadeiras, sorrisos, conversas, companheirismo, viagens e aprendizados.

Aos amigos e amigas da faculdade aqui representados por Sandy, Larisce e Vanágila, pela
amizade sincera, alegrias, conselhos e abrigos (tantos) – uma prova que viver vale a pena. A
Neuma, Ismael, Sâmya e Mikaelle, que mesmo tendo chegado quase no final, tornaram essa
caminhada mais alegre e recompensadora.

A Evelyne Medeiros Pereira - presença imprescindível em minha trajetória acadêmica, por ter
sido a professora que primeiro me ensinou a escrever e também por tantos despertares,
inclusive ao estudo desta temática.

A Adriana Alves, pelas importantíssimas contribuições acadêmicas e também dadas a este


estudo.

A Chythia Studart Albuquerque, pelas orientações no Projeto de Extensão “Rede Iguatu de


Ações Integradas sobre o Crack”, rica experiência repleta de despertares, reflexões,
indagações, instigações e conhecimentos – momento fundamental e rico na minha formação
profissional e humana.

A banca examinadora pela disponibilidade em contribuir decisivamente para a conclusão


deste trabalho.
4

A Ana Havenna Ribeiro Rocha, pelo ensino da prática e pelo carinho e dedicação despendidos
a mim durante o processo de estágio.

A todos os que fazem parte do Projeto de Extensão “Cooperar Reciclando, Reciclar


Cooperando”, pela acolhida e por ter tornado mais fácil e sereno o contado com o meu campo
de pesquisa.

A Gean Duarte, pela amizade e companheirismo de sempre, e principalmente pela


disponibilidade em contribuir com esta pesquisa no momento decisivo de entrada ao campo.

A Hildemberg Palácio, pela fé, leveza e serenidade com que me acalmou nos momentos finais
de construção deste trabalho, tornando tudo mais alegre; também gosto muito de você!

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – instituição que me


possibilitou o ingresso na vida acadêmica, além de todas as oportunidades para uma
qualificada formação profissional.

A todas as pessoas que contribuíram com a minha trajetória acadêmica e com a realização
desta pesquisa, aqui impossíveis de serem citadas individualmente; o meu muito obrigada!
5

É POR NATUREZA?!

É por natureza
Que tenho vontade de desler
Cada linha do insustentável desenvolvimento
Por natureza
Não entendo o “dês” – desenvolvimento da justiça e
da humanidade em nossas vidas
nem a cor da mais fria desigualdade
pois, por natureza,
apesar de todas as diferenças somos iguais
É por natureza que eu não queria que se
chamasse sonho o desejo de mudança
Pois já não consigo respirar o cheiro corpulento da violência
Ora, por natureza
Temos alma de pássaro
E, no entanto, vivemos em gaiolas arranha-céus
e por estas vemos o sol nascer quadrado
são janelas e nelas mil vidas
Somos arbustos condicionados à sobrevivência
Que desenvolvimento!!!
Penso, se por natureza sucumbimos os mangues
Extinguindo a maternidade do mar...
Até se por ela não temos olhos para ver a agressão
da fome e da miséria
Mas não compreendo o porquê
de transformar tudo em lixo:
relações descartáveis
pessoas desprezíveis
velhos inúteis
restos de sentimentos
Mas não acredito
que mesmo estando endurecidos feito pedra
Por natureza
Podemos fazer brotar em nós lírios.

Laís Weinstein et al. – 2003 (8ª série)


6

RESUMO

Este estudo teve como objetivo, compreender e analisar as condições de trabalho, vida e
sobrevivência dos trabalhadores que têm sua subsistência garantida a partir da coleta de
materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu-Ce. Partindo do pressuposto de que o
trabalho representa a primeira forma de sociabilidade construída entre os homens, o situamos
como categoria ontológica central para a vida humana. E devido à importância laboral em
nossa sociedade, percebemos como as inflexões do modo de produção capitalista, em
particular do atual processo de reestruturação produtiva, vem se constituindo como elo central
de promoção da degradação, desregulamentação e precarização do mundo do trabalho. Neste
contexto, entendemos a atividade dos catadores de materiais recicláveis em meio ao lixo,
como reflexos negativos do mercado de trabalho precário atual onde estão inseridos. Portanto,
buscamos delinear as trilhas que demarcam o cotidiano destes catadores. Para tanto,
priorizamos como percurso metodológico a abordagem qualitativa articulada ao método
histórico crítico dialético e as técnicas etnográficas. Como técnicas de coleta de dados,
utilizamos: a observação campo; diários de campo; aplicação de questionário; e entrevistas
semiestruturadas com 10 (dez) trabalhadores, cujo os dados obtidos foram articulados à
pesquisa bibliográfica presente durante todo o processo de elaboração teórica. Os resultados e
discussões realizadas, atestam um cotidiano de trabalho adverso e desafiador, que submetidos
à lógica do capital é marcados pela inserção informal e autônoma do mercado de trabalho,
vivenciam condições de precariedade e exploração. Verifica-se o agravamento destas
condições, em decorrência da inexistência de uma política pública efetiva de gestão de
resíduos sólidos em âmbito municipal, conforme preconiza a Política Nacional de Resíduos
Sólidos, o qual submete esta parcela de trabalhadores a intensificação da exploração
substanciada pelo estado e pela capital.

Palavras-chave: Trabalho; Reestruturação Produtiva; Questão Social; Catadores de Materiais


Recicláveis.
7

ABSTRACT

This study aimed to understand and analyse the working conditions, life and survival of
workers has guaranteed their livelihoods from collecting recyclable materials at the dump in
the town of Iguatu- Ce. On the assumption that the work represents the first form sociability
built between men, are as central ontological category for human life. And because of the
importance in our society, we perceive as the inflections of the capitalist mode of production,
in particular of the current restructuring process, has been productive and how central link
degradation promotion, deregulation and precariousness of labour world. In this context, we
understand the activity of scavengers of recyclables in the trash, as a negative reflection of the
current precarious labour market where they are inserted. Therefore, we seek to delineate the
trails that demarcate the everyday life of these scavengers. To this end we prioritize how
methodological path the qualitative approach articulated by critical historical dialectic method
and ethnographic techniques. How we use data collection techniques: the observation field;
field diaries; questionnaires, and semi structured interviews with 10 (ten) employees, whose
data were articulated the bibliographical research present during the entire process of
elaboration theory. Results and discussions, attest to a daily life of adverse and challenging
work, which subjected the logic of capital and market by inserting autonomous and informal
labour market, experiencing conditions of precariousness and exploitation. The worsening of
these conditions, due to the lack of an effective public policy of solid waste management in
municipal scope, as advocates the Brazilian Solid Waste Policy, which submits this
installment of the intensification of farm workers substantiated by the state and by capital.

Keywords: Work; Productive Restructuring; Social Issue; Recyclable Material Collectors.


8

LISTA DE SIGLAS E/OU ABREVIATURAS

BPC Benefício de Prestação Continuada


CAS-ÚNICO Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CE Ceará
CLT Consolidação das Legislações Trabalhistas
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MNCR Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis
Ms Mestre
OMS: Organização Mundial da Saúde
PBF Programa Bolsa Família
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos
Profº/Profª Professor/Professora
S/D Sem Data
9

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Sexo ................................................................................................................66

GRÁFICO 2 – Quantidade de anos de trabalho .....................................................................67

GRÁFICO 3 – Escolaridade ...................................................................................................68

GRÁFICO 4 – Cor/Etnia ........................................................................................................69

GRÁFICO 5 – Religião ..........................................................................................................69

GRÁFICO 6 – Estado civil .....................................................................................................70

GRÁFICO 7 – Quantidade de filhos ......................................................................................71

GRÁFICO 8 – Rendimento mensal ........................................................................................72


10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FOTO 1 – Foto da chegada ao lixão .......................................................................................83

FOTO 2 – Lixo em processo de incineração ...........................................................................87

FOTO 3 – Na foto, os catadores em processo de catação .......................................................89


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23
O TRABALHO COMO EXPRESSÃO SOCIETÁRIA: O SIGNIFICADO PARA A
VIDA HUMANA E SUAS ATUAIS CONFIGURAÇÕES ................................................. 23
1.1 A duplicidade do trabalho na sociedade do capital: a centralidade e o significado
para a vida humana .............................................................................................. 23
1.2 O modo de produção capitalista: considerações sobre o século XX e a atualidade32
1.3 Reestruturação produtiva, mundo do trabalho e questão social ........................... 37
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 44
LIXÃO COMO ESPAÇO OCUPACIONAL DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA
VIDA ........................................................................................................................................ 44
2.1 Questão ambiental em foco: uma análise a partir das contradições do modo de
produção capitalista ............................................................................................. 45
2.2 Estratégias produzidas pelo mercado ....................................................................... 50
2.3 Estratégias produzidas pelo Estado .......................................................................... 54
2.4 Entre os elos da invisibilidade: A organização política dos catadores de materiais
recicláveis .............................................................................................................. 57
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 63
CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: ANÁLISES SOBRE AS
CONDIÇÕES DE TRABAHO, VIDA E SOBREVIVÊNCIA ........................................... 63
3.1 Perfil socioeconômico e cultural dos trabalhadores ................................................ 63
3.2 Motivos e determinações para o trabalho com a coleta de materiais recicláveis . 75
3.3 Compreensão e percepção do trabalho sob a ótica dos catadores ......................... 78
3.4 Desafios que entrelaçam o cotidiano de vida e trabalho ......................................... 82
3.5 O trabalho dos catadores entre os elos da cadeia produtiva da reciclagem .......... 94
3.6 Sonhos que indicam o caminhar ............................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 102
REEFERÊNCIAS ................................................................................................................. 107
APÊNDICES ......................................................................................................................... 113
ANEXOS ............................................................................................................................... 119
12

INTRODUÇÃO

Objetivamos com esta pesquisa realizar um estudo sobre a forma como se


materializa as condições de vida e sobrevivência dos trabalhadores1 catadores de materiais
recicláveis no espaço do lixão do município de Iguatu – Ceará. Nessa perspectiva, partimos
do pressuposto inicial de que o trabalho é condição ontológica e fundante do ser social e, por
isso objetivamos compreender de que forma a atividade laboral desenvolvida pelos catadores
de materiais recicláveis que trabalham no lixão do município de Iguatu contribui para o
processo de humanização ou desumanização destes sujeitos, sem que tenhamos perdido de
vista que nos marcos do capital, a realidade do trabalho seja alienante e não emancipadora.
Nosso foco é perceber o impacto desta atividade laboral nas suas condições de vida e
sobrevivência.
A investigação tem como pano de fundo a realidade contemporânea que apresenta
como marco central o fenômeno da reestruturação produtiva, também denominado regime de
acumulação flexível, a qual problematizamos suas implicações para o mercado de trabalho,
para a intervenção estatal mediante políticas públicas, e como estas determinações implica
diretamente sobre as condições de vida e sobrevivência da classe trabalhadora.
Com efeito, as mudanças ocorridas nos últimos anos no capitalismo para
ampliação da acumulação e margem de lucro tem acirrado a questão social2, e ampliado suas
expressões, principalmente ao se atrelarem cada vez mais as condições de sobrevivências
precárias e ao representarem as condições de aprofundamento das desigualdades sociais em
plena fase superior do desenvolvimento capitalista (LÊNIN apud NETTO; BRAZ, 2006).
Cabe ressaltar que dentre as diversas expressões da questão social, a questão
ambiental se destaca como reflexo da produção capitalista e que atinge de forma degradante
todas as esferas da vida humana e social. A questão ambiental desenvolve-se estritamente
ligada à produção capitalista, mais precisamente à esfera do consumo, articulada a vivenciada

1
Destacamos aqui que todas as vezes que nos referimos a “trabalhadores” ou “catadores” estamos nos referindo
aos dois gêneros – masculino e feminino – o que também não representa uma maior predominância de
trabalhadores do gênero masculino, tendo em vista que a maioria das pessoas que trabalham com a coleta de
materiais recicláveis no lixão são mulheres. Assim, a utilização das concordâncias verbais no masculino é aqui
utilizada apenas para fins didáticos.
2
A questão social na sociedade capitalista representa o conflito entre o capital e o trabalho gerando diversas
expressões na realidade social, em que de acordo com Iamamoto e Carvalho (2011, p.83-84), a questão social “é
a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia (...)”.
13

“cultura da descartabilidade” e do “consumo em massa” o que de acordo com Mészáros


(2011, p.987) poderá levar a “(...) exaustão dos recursos ecológicos de nosso planeta (...)”.
A descartabilidade intrinsecamente ligada à intensa produção de lixo e a sua
destinação incorreta na sociedade capitalista tem desencadeado vários debates e tomado
dimensões perversas na medida em que devido à inexistência de políticas públicas efetivas
voltadas para a coleta seletiva na maioria das cidades brasileiras, o lixo é destinado
incorretamente, o que resulta em agravos à problemática ambiental. As suas consequências
são tanto sociais e ambientais, quanto econômicas, tento em vista o nicho de lucratividade que
o lixo produzido diariamente proporciona a grandes empresas, especialmente do ramo da
reciclagem, é o que denominamos cadeia produtiva do lixo que tem nas grandes corporações e
nos repassadores – deposeiros3 os maiores lucros desta relação, já aos trabalhadores sobram
apenas condições de subsistência e precariedade.
Em meio a essas transformações e consequências da sociedade do capital que
refletem sobre o mundo do trabalho, tão necessárias à continuidade do processo de
desenvolvimento da produção destrutiva deste modo de produção, frente ainda a entrada dos
cidadãos no mercado de trabalho formal que tem se tornado cada vez mais escassa,
especialmente para as parcelas da população que historicamente convivem com a negação dos
direitos fundamentais e sociais, se desenvolvem novas e precárias formas de trabalho com o
objetivo de garantir a sobrevivência; dentre estas o trabalho com a catação de materiais
recicláveis nos lixões, que emergem como alternativa ao desemprego e em decorrência de
vários fatores macroestruturais como: aumento do consumo, precarização das relações de
trabalho, “cultura da sustentabilidade” 4, e desemprego em massa.
Os catadores, pobres e precarizados em suas condições de vida e sobrevivência
desenvolvem a catação de materiais recicláveis como necessidade de sobrevivência e
contribuem em contrapartida para a lucratividade de grandes empresas. A prática da
5
reciclagem é permeada pelo discurso do “desenvolvimento sustentável” e da promoção de

3
Deposeiros é o nome nacionalmente atribuído aos responsáveis por comprar o material coletado pelos catadores
e repassa-los à grande indústria recicladora. A diferença de ganho dos desposeiros e catadores chega a quase
500%, esta proporção não consegue nem ser calculada em relação a grande indústria, pois a margem de
lucratividade é exorbitante.
4
Frente ao aumento do consumo e ao agravamento da problemática ambiental, se desenvolvem estratégias por
parte dos diversos atores sociais que objetivam a preservação do meio ambiente, porém que não se articula aos
fundamentos da própria sociedade capitalista baseada na produção, consumo e descarte das mercadorias. Assim,
desenvolve-se uma “cultura da sustentabilidade”, baseada fundamentalmente na responsabilidade individual pela
preservação ao meio ambiente, obscurecendo a própria destrutividade do capital.
5
Tal afirmativa se remete a suposta possibilidade de garantia do desenvolvimento capitalista articulado a
sustentabilidade social e ambiental, ideologia bastante alardeada em tempos de crise.
14

um ambiente ecologicamente correto, o que obscurece em suas estruturas, vidas suprimidas


cotidianamente de condição dignas de vida e cidadania em suas relações sociais e de trabalho.
Os trabalhadores catadores de materiais recicláveis ocupam os piores espaços na
cadeia produtiva da reciclagem, ganham as menores taxas de lucratividades e sobrevivem de
forma precária, mesmo contribuindo de forma decisiva para o processo de produção do
valor, “(...) o catador é quem menos ganha, mesmo sendo responsável por cerca de 60% de
todos os resíduos que são reciclados hoje no Brasil o catador vive na miséria, nas ruas e nos
lixões por todo o Brasil”.6 Tal realidade evidencia as condições precárias em que sobrevive
essa parcela da população brasileira, que procura garantir a sobrevivência em meio à catação
de resíduos sólidos representados por restos de mercadorias que tem o seu valor de uso
esgotado para uma parte da população, mas que encontram novamente valor de uso e de troca
para os catadores e posteriormente para as indústrias recicladoras.
Nesse sentido, o trabalho com o lixo representa em contrapartida a contraditória
lucratividade das empresas capitalistas especializadas no ramo da reciclagem, o que mais uma
vez corrobora com a exploração do trabalho pelo capital e com a desproteção social ao
trabalho presente na sociedade capitalista.
Mesmo desenvolvendo trabalhos fundamentais para esta cadeia produtiva, estes
trabalhadores são negligenciados pelo Estado, desvalorizados socialmente e explorados pelo
capital, no qual o trabalho vivo por eles desenvolvido torna-se invisíbilizado. Nos lixões o
trabalho é desenvolvido em meio ao mau cheiro, fumaça, moscas e urubus. Impossível não
nos remetermos à música de Chico Science, gravada pela Nação Zumbi – “Fui no mangue
catar lixo / Pegar caranguejo / Conversar com urubu”. Pensar que o mangue para a realidade
dos catadores do município do Iguatu representaria o lixão, espaço em que o lixo descartado
pela sociedade tem valor, serve de alimento ou proporciona alimento e os urubus são as
companhias inevitáveis e que não mais assustam, aqueles que na busca pela sobrevivência se
submetem às mais degradantes e insalubres condições de trabalho, parecem-nos representados
na letra de Chico Science.
Como agravante dessa realidade, encontramos no município de Iguatu a ausência
de coleta seletiva de lixo, o que ocasiona o destino incorreto dos materiais recicláveis em
conjunto com vários outros resíduos tóxicos e perfurocortantes com potencial para
transmissão de doenças infectocontagiosas, sexualmente transmissíveis, entre outras, o que
ratifica as condições desprotegidas às quais os catadores encontram-se submetidos.

6
Disponível em: http://www.mncr.org.br/box_2/instrumentos-juridicos/classificacao-brasileira-de-ocupacoes-
cbo Acesso em: 02/05/2014.
15

Na sociedade capitalista o acesso a direitos torna-se condição precípua para o


reconhecimento da condição de cidadania, desenvolvendo assim uma função dicotômica em
que ao mesmo tempo que o acesso aos direitos fundamentais, políticos e sociais integra os
sujeitos a vida social, a sua ausência permeada pelo histórico de negação destes, marginaliza e
usurpa a identidade e a condição de cidadania humana.
Frente à luta por direitos, um importante avanço para essa parcela de
trabalhadores reporta-se ao reconhecimento da categoria dos catadores como trabalhadores
pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que representa avanços especialmente
no que se refere à possibilidade de avanços na cobertura por parte do sistema de seguridade
social por meio do acesso as políticas públicas de saúde, assistência social e previdência
social, especialmente esta última que prima sobre a proteção social ao trabalho. Na CBO, o
catador de material reciclável é classificado pelo código 5102-057.
Outro importante avanço, fruto de conquista das lutas dos catadores, refere-se a
institucionalização da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, estabelece o fechamento dos lixões até o ano de 2014 e responsabiliza o
poder público municipal, estadual e federal, pela retirada desses trabalhadores e suas famílias
das situações de risco e vulnerabilidade social nas quais encontram-se inseridos, seja através
da oferta de cursos profissionalizantes, inserção em programas federais, programas de
transferência de renda, seja por meio do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (PBC);
responsabiliza o estado pela criação de cooperativas de catadores integradas e inseridas a
coleta seletiva dos municípios.8
Esta lei ainda não se encontra em completa efetividade tendo em vista a
continuidade da existência de lixões a céu aberto no Brasil e trabalhadores que garantem a sua
sobrevivência através da coleta de materiais recicláveis nestes espaços. Neste aspecto, o
município de Igautu se insere dentre as cidades que não dispõe de aterro sanitário ou coleta
seletiva de lixo em desacordo com o que preconiza o marco legal de abrangência nacional.
Toda essa problemática macro e micro estrutural que condiciona a existência de
trabalhadores que garantem o seu sustento a partir do trabalho com a coleta de materiais
recicláveis, nos instigaram a reflexão sobre alguns questionamentos que embasaram o
presente estudo, dentre os quais, como vivem esses catadores? Como realizam seu trabalho?
Qual a sua percepção destes sobre sua atividade? A partir destas inquietações iniciais,

7
Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/downloads.jsf^>. Acesso em: 03/02/2014.
8
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2014/janeiro/governo-intensifica-acoes-de-
protecao-social-voltadas-a-catadores> Acesso em: 04/05/2014.
16

objetivamos com a presente investigação responder a seguinte questão problema: De que


forma se materializa as condições de vida e sobrevivência dos trabalhadores que tem sua
subsistência garantida a partir da coleta de materiais recicláveis no lixão do município de
Iguatu – Ceará?
Assim traçamos como objetivo geral deste trabalho: Compreender e analisar as
condições de trabalho, vida e sobrevivência dos trabalhadores que tem sua subsistência
garantida a partir da coleta de materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu - CE.
Para tanto os objetivos específicos foram: compreender a dinâmica estruturante da
sociedade do capital, bem como o processo de reestruturação produtiva, seus reflexos para o
mundo do trabalho e sua contribuição para a intensificação e radicalização das expressões da
questão social; traçar um perfil sócio econômico e cultural dos catadores de materiais
recicláveis do lixão do município de Iguatu – CE; entender o trabalho dos catadores de
materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu – CE na esfera da produção e
reprodução social do trabalho a partir da cadeia produtiva da reciclagem; compreender a
percepção dos catadores de materiais recicláveis do lixão de Iguatu sobre o próprio trabalho
que realizam; refletir acerca dos desafios e possibilidades que envolvem o trabalho e a vida
dos catadores de materiais recicláveis do lixão.
Este estudo visou contribuir para a reflexão acerca do tema, enquanto trabalho e
labor, podendo subsidiar ações e políticas públicas por parte do poder público que objetivem a
melhoria das condições de vida e trabalho dessa parcela da população. Este estudo também
representa uma forma de contribuição para a produção de conhecimentos na área das Ciências
Sociais Aplicadas, auxiliando outras pesquisas relacionadas a temática, constituindo-se como
dimensão imprescindível para a qualificação do processo de formação profissional.
A sua realização também representa uma forma de denúncia às condições
precárias em que sobrevive essa categoria de trabalhadores e inclusive a existência irregular
de lixões a céu aberto, bem como despertar a atenção por parte do poder público municipal no
que se refere ao desenvolvimento de ações que objetivem promover alternativas de trabalho e
de vida para esse segmento populacional.
A instigação inicial ao estudo desta temática ocorreu durante a participação em
um projeto de pesquisa intitulado “Trabalho, Organização Produtiva e Questão Social no
município de Iguatu – Ceará”, desenvolvido no âmbito do curso de Bacharelado em Serviço
Social do IFCE, no qual participei na condição de pesquisadora voluntária, o qual
proporcionou reflexões acerca das transformações contemporâneas e seus reflexos para o
mundo do trabalho, com expressões através do desemprego, das desregulamentações das
17

legislações trabalhistas, das terceirizações, das ofensivas as organizações sindicais, dentre


outras formas de precarizações que atingem diretamente o trabalho; mesmo o foco da
pesquisa não estando diretamente relacionada a problemática dos catadores de materiais
recicláveis, estes debates foram decisivos para o desencadear deste estudo.
Outro fator de motivação foi à participação como bolsista na monitoria da
disciplina de Economia Política e a participação no grupo de estudos intitulado “O capital:
legado e atualidade”, experiências que despertou o interesse em estudar sobre os fundamentos
estruturais da sociedade capitalista e suas consequências políticas, econômicas e sociais, além
do gosto encontrado pelo estudo da Economia Política. O interesse pela temática também é
fruto do empenho pessoal em conhecer de que forma vivem e sobrevivem essa parcela de
trabalhadores, inseridos a margem das relações formais de trabalho e imersos em uma
realidade degradante e precária.
Destacamos, portanto, a relevância da realização da presente pesquisa por se
constituir como possibilidade de fomento e disseminação da compreensão mais aprofundada
de uma problemática muitas vezes obscurecida, representada pelos trabalhadores que
cotidianamente se inserem nos espaços dos lixões na busca de garantir sua sobrevivência e
reprodução social. Reconhecer que se trata de uma atividade precária, insalubre, desprotegida
e desvalorizada socialmente, o que demanda ações efetivas por parte dos órgãos públicos
competentes.
Para a realização deste trabalho os caminhos percorridos tiveram início com a
pesquisa bibliográfica sobre a temática, que versou sobre a abordagem do trabalho enquanto
categoria ontológica central e suas configurações no capitalismo; o atual processo de
reestruturação produtiva e suas implicações para o mundo do trabalho; a questão ambiental
como expressão da questão social no capitalismo contemporâneo e os rebatimentos para a
classe trabalhadora, particularizando os reflexos para a categoria dos catadores de materiais
recicláveis.
A entrada no campo de pesquisa representou a etapa posterior a ser percorrida. O
contato inicial com os sujeitos da pesquisa foi bastante desafiante, em decorrência do
estranhamento com os mesmos, tendo em vista que os primeiros contatos com os sujeitos
pesquisados ocorreram no momento do trabalho de campo. Esta aproximação inicial ocorreu
por meio do projeto de extensão realizado no âmbito do IFCE denominado “Cooperar
Reciclando, Reciclar Cooperando”, voltado para a organização política e a qualificação
profissional dos catadores de materiais recicláveis.
18

Este contato via projeto de extensão permitiu a construção de uma relação de


confiança junto aos sujeitos da pesquisa o que permitiu a realização do trabalho de campo. A
etapa inicial deste processo ocorreu por meio da observação de campo e conversa com os
catadores, seguida de construção de diários de campo. Posteriormente foram aplicados
questionários e entrevistas semi estruturadas junto a 10 (dez) catadores que constituíram o
universo dos pesquisados, que para efeito de identificação e como forma preservar o
anonimato dos interlocutores, os denominamos aleatoriamente de: Entrevistado 1, 2, 3, 4, 5, 6,
7, 8, 9, 10.
No âmbito do Serviço Social o processo de pesquisa encontra-se diretamente
articulado ao que preconiza o projeto ético político da profissão, presente tanto no meio
acadêmico, quanto no exercício profissional. Assim, no que tange a profissão a investigação
se constitui como estratégia para o conhecimento da realidade socioeconômica e das
necessidades dos sujeitos com os quais desenvolve o exercício profissional, além de
possibilitar o planejamento das ações de intervenção de forma crítica e em uma perspectiva de
totalidade.
Nestes termos, com vistas a uma maior aproximação com o real, buscamos no
decorrer deste trajeto de pesquisa compreender a realidade dos catadores de materiais
recicláveis a partir de uma perspectiva crítica articulada a dinâmica contraditória e desigual da
sociedade capitalista, que produz e reproduz diversas formas de desigualdade.
Para isso, priorizamos o método marxista histórico crítico dialético por entender a
sua importância para a compreensão da complexidade da dinâmica social e sua contribuição
para produção de conhecimentos na área das ciências sociais. Sobre isso afirma Netto,
Buscar a legalidade de cada processo social é, em primeiro lugar, determinar os
processos sociais; em segundo lugar, compreender sua dinâmica específica; e, em
terceiro lugar, vincular essa dinâmica específica a outras dinâmicas específicas em
outros processos sociais (NETTO apud PONTES, 2007, p.84).

O método em Marx busca o conhecimento a partir da realidade concreta, da


estrutura e dinâmica do próprio objeto, “(...) tal com ele é em si mesmo, na sua existência real
e efetiva (...)” (NETTO, 2011, p. 20), o que evidencia que o processo de construção do
conhecimento deve buscar a reprodução do real a partir da fidelidade ao objeto. Sobre isso
Netto (2011, p.23) afirma que, “(...) a relação sujeito/objeto no processo do conhecimento
teórico não é uma relação de externalidade, tal como se dá, por exemplo, na citologia ou na
física; antes é uma relação em que o sujeito está implicado no objeto”. Ainda sobre o mesmo
assunto, Marx apud PONTES (2007, p. 64), afirma que
19

A investigação tem de apoderar-se da matéria em seus pormenores, de analisar suas


diferentes formas de desenvolvimento, e perquirir a conexão íntima que há entre
elas. Só depois de concluído este trabalho é que se pode descrever, adequadamente,
o movimento do real.

Em decorrência dos objetivos da pesquisa optamos pela abordagem qualitativa


que conforme Martinelli (1999) representa uma perspectiva inovadora por buscar a
significação dada pelos sujeitos as suas experiências sociais, apresentando também uma
dimensão política, por devolver aos sujeitos da pesquisa o conhecimento produzido, além de
se materializar através de uma construção coletiva, em que vários sujeitos interagem e
colaboram, tendo como atores principais – pesquisador e pesquisado.
Ao adotar a abordagem qualitativa, não pretendemos corroborar com uma suposta
dicotomia entre as pesquisas sociais através da oposição entre o método qualitativo e
quantitativo, mas sim confirmar a defesa da relação de complementariedade tão importantes
para as ciências sociais entre as duas abordagens. Neste sentido concordamos com Minayo,
(1993, p.11) ao afirmar que,
Frente à problemática da quantidade e da qualidade a dialética assume que a
qualidade dos fatos e das relações sociais são suas propriedades inerentes, e que
quantidade e qualidade são inseparáveis e interdependentes, ensejando-se assim a
dissolução das dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade e
exterioridade com que se debatem as diversas correntes sociológicas.

Como uma pesquisa de abordagem qualitativa os principais desafios foram a


busca pela apreensão das múltiplas mediações que compõe a realidade social, a sua
contraditoriedade e o movimento dialético. Para isso, conforme preconiza Guerra (2007),
utilizamos o método histórico crítico-dialético como forma de buscar a compreensão da
essência a partir de aproximações sucessivas com a realidade social e da relação entre os
sujeitos pesquisados e objetivações ideais, na qual teoria e prática não se desvencilham, a fim
de construir uma síntese sobre o objeto de pesquisa a partir do desvendamento do real.
O lócus do estudo foi o lixão a céu aberto localizado no bairro Chapadinha na
periferia do município de Iguatu – Ceará, a 380 quilômetros de Fortaleza9 (capital). O lixão
abriga o lixo coletado na cidade que é jogado sem nenhuma classificação ou separação.
Alguns moradores das proximidades se utilizam desse espaço para a coleta de materiais com
propriedades passiveis de serem vendidas e recicladas.
Os sujeitos da pesquisa foram os catadores de materiais recicláveis que trabalham
autonomamente no lixão a céu aberto de Iguatu, em um total de 10 (dez). Os critérios para a

9
Disponível em: <http://iguatu.ce.gov.br/a-cidade/>. Acesso em: 22/12/2014.
20

escolha dos sujeitos foram aleatórios entre os trabalhadores que necessitam sobreviver a partir
do trabalho com a coleta de materiais recicláveis no lixão e indispensavelmente aqueles que
por livre e espontânea vontade aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Por compreendermos o processo de pesquisa como importante mecanismo para o
conhecimento da realidade buscamos durante a pesquisa a reflexão aprofundada sobre
condições de vida e sobrevivência dos trabalhadores que garantem o seu sustento a partir do
trabalho com a catação de materiais recicláveis no espaço do lixão. Também levamos em
consideração que os pesquisados se constituem como sujeitos históricos inseridos em uma
sociedade marcada pela contradição e pelo movimento dialético, que muitas vezes determina
a forma de sobrevivência dos indivíduos.
Para a coleta de dados utilizamos durante todo o decorrer do processo, a pesquisa
bibliográfica em literatura pertinente e em trabalhos já realizados sobre a temática, além da
coleta de informações na Secretária Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo do referido
município.
Ainda na coleta de dados realizamos também a pesquisa de campo, por meio da
aplicação das seguintes técnicas e instrumentos: observação de campo, diário de campo,
entrevista semi estruturada e questionário com perguntas fechadas. Os momentos de
observação de campo e construção dos diários de campo foram realizados a partir da
utilização de técnicas etnográficas o que permitiu uma aproximação mais aprofundada da
realidade social ali existente.
Sobre a abordagem etnográfica no processo de investigação Gérin-Lajoie (2009,
p.15) assim a descreve: “uma abordagem de investigação cujo objecto é observar, no terreno,
as práticas sociais no seu quadro natural. Interessa-se pelas experiências de vida das actrizes e
dos actores sociais tentando compreender como tais práticas sociais são interpretadas pelos
mesmos”. Gérin-Lajoie ao tratar da etnografia crítica entende que os sujeitos envolvidos em
determinadas realidades devem ser percebidos como capazes de perceber e identificar os
desafios em que estão inseridos, ainda que sob o impacto das determinações estruturais tais
elementos sejam invisibilizados, não podemos negar a condição de “ator” do seu cotidiano.
Em outras palavras, utilizarmos elementos da etnografia crítica é buscar nas
particularidades que os objetos de pesquisa apresentam, a síntese entre micro e macroestrutura
na qual nem sujeito, nem objeto se desvencilham. Esta proposta de etnografia está em
consonância com o método histórico crítico dialético que escolhemos como caminho teórico-
metodológico a ser perseguido.
21

Para a entrevista utilizamos gravador de voz após autorização dos entrevistados,


cujos depoimentos foram anexados e ilustrados na analise dos dados, resguardados a
identidade e o sigilo através de pseudônimos.
A pesquisa não apresentou risco à integridade física e psicológica dos sujeitos
participantes e em caso de desconforto com algum questionamento, foi garantido o direito de
não responder a pergunta realizada, e ainda a informação da possibilidade de desistência da
participação em qualquer momento sendo mantido o sigilo e anonimato sem qualquer
constrangimento.
Cabe destacar que os métodos e técnicas escolhidos para esse estudo tiveram
como referência autores que trabalham metodologias científicas, que muito nos auxiliaram no
alcance dos objetivos aqui propostos.
De acordo com Severino (2007, p. 125), a observação de campo “é todo
procedimento que permite acesso aos fenômenos estudados. É etapa imprescindível em
qualquer tipo ou modalidade de pesquisa”. Assim, possibilita captar aspectos do não dito na
realidade vivenciada pelos sujeitos.
Ainda para o mesmo autor o questionário representa um “conjunto de questões,
sistematicamente articuladas que se destinam a levantar informações escritas por parte dos
sujeitos pesquisados (...)” (Idem). Dessa forma, o questionário deve ser aplicado com vistas a
obter informações precisas sobre determinado grupo de indivíduos. De acordo com Oliveira
(2012, p.83) o questionário se constitui como “(...) técnica para obtenção de informações
sobre sentimentos, crenças, expectativas, situações vivenciadas e sobre todo e qualquer dado
que o pesquisador (a) deseja registrar para atender os objetivos de seu estudo”. Nesta pesquisa
a aplicação da técnica do questionário visou traçar um perfil sócio-econômico e cultural dos
catadores de materiais recicláveis.
No que se refere à entrevista semi estruturada Severino (2007) afirma que, “por
meio delas, colhem-se informações dos sujeitos a partir do seu discurso livre. O entrevistador
mantém-se em escuta atenta, registrando todas as informações e só intervindo discretamente
para, eventualmente, estimular o depoente” (p. 125).
Os dados obtidos foram analisados e sistematizados para a construção do texto
final, especialmente no que se refere à análise dos dados obtidos nas entrevistas, questionários
aplicados e diários de campo.
A pesquisa obedeceu aos aspectos éticos inerentes à pesquisa realizada com seres
humanos conforme preconiza a resolução Nº 466 do Conselho Nacional de Saúde. Assim, os
22

entrevistados foram esclarecidos sobre os objetivos, interesses e inexistência de ricos, dentre


outras informações importantes no que se refere a participação na pesquisa. Para isso,
utilizamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com versão anexa a este
trabalho, assinado pelos participantes em duas vias a partir da sua concordância com o
exposto, cujas cópias permaneceram uma com a pesquisadora responsável e a outra com o
trabalhador entrevistado.
Esta postura está em consonância com o que preconiza Barroco (2009, p. 133) ao
afirmar que, “o compromisso ético-político com os sujeitos da pesquisa objetiva-se na medida
em que ela não lhes cause danos durante todo o processo”.
O trabalho está estruturado em três capítulos acrescidos das considerações finais.
O primeiro capítulo intitulado “O trabalho como expressão societária: o significado para a
vida humana e suas atuais configurações”, versa sobre a centralidade do trabalho enquanto
categoria ontológica fundante do ser social, no qual se particulariza as suas configurações no
decorrer das transformações históricas do capitalismo. A atual formatação do mundo trabalho
é retratada por meio do debate sobre o atual processo de reestruturação produtiva, que
apresenta dentre os reflexos a precaridade das diversas formas de inserção no mundo do
trabalho, particularizando a catação de materiais recicláveis.
O segundo capítulo que tem como título “Lixão como espaço ocupacional de
produção e reprodução da vida”, destaca a dialética e a precariedade que envolve o trabalho
com a catação de materiais recicláveis nos espaços dos lixões, o qual possui como dimensão
macroestrutural a problema da questão ambiental como refração da questão social alardeada
no capitalismo contemporâneo.
Já o terceiro capítulo denominado “Catadores de materiais recicláveis: um olhar
sobre as condições de trabalho, vida e sobrevivência”, retrata sobre os achados da pesquisa de
campo articulado a reflexão teórica construída durante a revisão bibliográfica. Neste capítulo,
traçamos o perfil do grupo pesquisado, abordamos os motivos que levaram a catação, a
compreensão do trabalho sob a ótica dos catadores, as principais dificuldades que entrelaçam
o cotidiano de vida e trabalho, a relação do trabalho dos catadores com a cadeia produtiva da
reciclagem, além dos sonhos e projetos para o futuro.
Por fim, apresentamos as considerações finais na qual buscamos realizar uma
síntese das análises construídas no decorrer dos capítulos anteriores e as principais
considerações traçadas durante o processo de pesquisa.
23

CAPÍTULO I

O TRABALHO COMO EXPRESSÃO SOCIETÁRIA: O SIGNIFICADO PARA A


VIDA HUMANA E SUAS ATUAIS CONFIGURAÇÕES

Neste capítulo pretendemos situar a categoria trabalho em meio às


particularidades e contradições do modo de produção capitalista, a partir da reflexão acerca da
centralidade e do significado deste para a vida humana. Ao analisar a evolução histórica do
sistema capitalista, mais particularmente como vem suas cofigurações e expressões do século
XX à contemporaneidade, pretendemos refletir sobre o atual processo de reestruturação
produtiva e como este vem impactando e conformando o mundo trabalho.
Situaremos ainda o trabalho dos catadores de materiais recicláveis realizado
mediante processo de informalidade, como expressão das configurações e formatações do
mundo do trabalho no atual processo de reestruturação produtiva, refletindo sobre as
particularidades locais atrelada a realidade macrossocial.

1.1 A duplicidade do trabalho na sociedade do capital: a centralidade e o significado


para a vida humana

A atividade humana denominada trabalho sempre acompanhou a evolução e


existência do homem em sociedade, o qual permite a construção dos instrumentos e meios
necessários para suprir suas necessidades. Foi através dessa atividade que o homem
desenvolveu a linguagem, conseguiu organizar-se em grupos e aguçar a sua sociabilidade ao
desenvolver estratégias para atender a suas necessidades imediatas e mediatas. Assim, o
trabalho esta na base da construção da sociabilidade humana, e ao longo da história a única
atividade capaz de produzir e acumular riquezas.
24

De acordo com os escritos marxistas é mediante o trabalho que o homem constrói


a realidade, transforma a natureza para a sua própria subsistência, transformação, reprodução
e evolução da sociedade. Ao Partir deste pressuposto inicial, destacamos o trabalho como a
categoria ontológica central do ser social “(...) através do trabalho, uma posição teleológica é
realizada no interior do ser material, como nascimento de uma nova objetividade” (LUKÁCS
apud ANTUNES, 20009, p. 136-137). Nesse sentido, o trabalho torna-se condição precípua e
fundamental de toda a vida humana, ao produzir os bens úteis e necessários a sua reprodução
e subsistência e constituir a etapa primeira de promoção da humanidade. De acordo com
Marx,
Antes de tudo o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla
seu intercambio com a natureza. Defronta-se como uma de suas forças (...) atuando
assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza (MARX, 2008, p.212).

É esta particularidade humana mediatizada pelo trabalho, que o diferencia das


demais espécies animais. De acordo com Antunes (2009, p. 136), “o trabalho constitui-se
como categoria intermediaria que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para
o ser social”. Sobre o mesmo assunto, afirma Lukács,
Só poderei falar razoavelmente em ser social quando entendermos que sua gênese,
seu elevar-se em relação à sua própria base e aquisição de autonomia, se baseia no
trabalho, na realização contínua de posições teleológicas (Lucáks apud Antunes,
2009, p. 137).

Nesse sentido, o trabalho em todas as suas formas de expressões é acima de tudo


uma ação teleológica voltada para a realização de um determinado fim, pois, ao realizar o
intercambio orgânico com a natureza como uma posição teleológica primária o homem
produz valores de uso, necessários a sua subsistência, relacionados as necessidades de cada
período histórico.
Assim, a atividade do trabalho em seu significado ontológico é desenvolvido com
o objetivo de suprir uma necessidade humana, em que no sentido primitivo realiza-se
mediante a transformação da natureza em um produto novo, em valor de uso 10. Essa
transformação produz novas necessidades que resultam na transformação do próprio homem,
dos seus sonhos e aspirações, assim como da sociedade em que vive. Dessa forma, o homem

10
As mercadorias só se constituem como mercadoria por possuírem uma duplicidade, serem ao mesmo tempo
valores de uso quanto também veículos de valor. O valor de uso é a forma natural ou material do objeto,
possuindo tal valor pela capacidade que tem de atender alguma necessidade humana; para tornar-se mercadoria
necessita do acréscimo da forma de valor. Nesse sentido, o valor de uso e o valor de troca conformam polos
distintos da mesma unidade que é a mercadoria (MARX, 2013).
25

vai constrói e reconstrói a sua história, passando a ter novas necessidades a partir do momento
em que são supridas as necessidades que a antecederam. Sobre isso, afirma Netto e Braz
(2006, p.31):
(...) o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de
necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto de
necessidades que sempre deve ser atendido (alimentação, proteção contra
intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse atendimento variam
muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites, de novas
necessidades.

Nesse sentido, as atividades que se baseavam apenas no âmbito da reprodução


biológica evoluem, demandando agora o atendimento das necessidades advindas também do
espírito e da fantasia, o que demarca a própria evolução do ser social e da autorrealização da
humanidade. Antunes (2009, p.142) afirma que, “o trabalho tem, portanto, quer em sua
gênese, quer em seu desenvolvimento, em seu ir-sendo e em seu vir-a-ser, uma intenção
ontologicamente voltada para o processo de humanização do homem em seu sentido amplo”.
Vale ressaltar que no decorrer do desenvolvimento histórico da sociedade as
formas de trabalho sofrem transformações e reconfigurações que caracterizam um novo
período de evolução da sociedade, articulado ao novo estágio de desenvolvimento das forças
produtivas. Segundo Ramalho (2012, p.127-128), ao se referir ao desenvolvimento das forças
produtivas na sociedade do capital, afirma que, “(...) a posição teleológica (por teleológico)
tornou-se cada vez mais influenciado por valores e/ou necessidades historicamente existentes
– de mercado e de projetos de vida – que muitas vezes se imbricam”.
No momento em que o trabalho torna-se social, constitui-se também como
trabalho coletivo, ou seja, passa a ser desenvolvido a partir da colaboração e contribuição de
muitas pessoas. Com o advento do modo de produção capitalista, estruturado a partir da
propriedade privada dos meios de produção fundamentais, o trabalho em âmbito perceptível é
destituído de sua condição ontológica, ou seja, transforma-se em uma mercadoria comparável
e submetido à relação de troca, assim como as demais outras, não promovendo a humanização
do homem, mas o estranhamento nas diversas esferas da sua vida que passa a possuir como
base primeira o trabalho abstrato11.

11
De acordo com Bottmore (2001), a atividade direcionada a um determinado fim e que produz valores de uso
com o objetivo de suprir as necessidades humanas, é considerada como trabalho “útil”, concreto. Já o dispêndio
de força de trabalho para a produção exclusiva de valor constitui o trabalho abstrato referente à sociedade
capitalista. Ainda sobre o mesmo assunto, afirma Netto e Braz (2006, p.105), “(...) mas não se trata, obviamente,
de dois trabalhos: trata-se da apreciação do mesmo trabalho sob ângulos diferentes: do ângulo do valor de uso,
trabalho concreto; do ângulo do valor de troca, trabalho abstrato”.
26

Nesse momento, a força de trabalho e os capitalistas encontram-se sob dois polos


opostos, ambos livres para estabelecerem relação de compra e venda e negociarem os preços e
as condições sobre as quais será desenvolvido o trabalho humano. Sob essas relações, o
trabalho torna-se livre, o que se diferencia dos demais estágios de desenvolvimento das forças
produtivas que antecederam o capitalismo, como o escravismo e o feudalismo. Nestes
estágios, apesar da já presente exploração do homem pelo homem e das condições precárias
de trabalho, muito em decorrência de processos de escassez, a força de trabalho não era livre,
ou seja, as relações de trabalho ocorriam por meio da força e da obrigação.
A particularidade que caracteriza a sociedade capitalista é que as relações de
trabalho são permeadas pela igualdade, tendo em vista que ambos os negociantes são livres
para as negociações. Porém, o que diferencia a força de trabalho neste estágio é que a
liberdade está atrelada a destituição dos meios de produção fundamentais, o que a submete a
obrigatoriedade da sua venda para a garantia da sobrevivência e reprodução e
consequentemente a exploração do trabalho pelo capital. Granemann (2009), ao refletir sobre
a relação de compra e venda que se estabelece entre o trabalhador e o proprietário na
sociedade capitalista, afirma que essas relações sociais são convertidas em relações
econômicas, na medida em que se equipara a relação entre as demais mercadorias, mas apenas
por um determinado período de tempo, pois o trabalhador continua sendo proprietário da sua
força de trabalho que lhe é física, ou seja, mesmo negociada, a força física continua a ser de
propriedade do trabalhador, sofrendo expropriação apenas dos frutos de seu trabalho.
Sobre a contraditoriedade inerente a sociedade do capital, vale ressaltar que esta
forma de sociabilidade, necessita e mantém o trabalho concreto, mesmo negando-o e
invizibilizando-o, ou seja, essa característica ontológica e estruturante do trabalho é condição
precípua para a continuidade de sua produção e reprodução mesmo em tempos de crise e
regressão das formas de sociabilidade burguesa, pois é a única atividade produtora de riqueza,
de novos bens e de valores de uso, indispensáveis a sociedade. De acordo com Chagas (2009,
p.28),
(...) em toda formação social baseada na propriedade privada, o trabalho deixa de ser
uma atividade positiva, consciente, livre, com a qual o homem se identifica, e se
transforma numa atividade sobre o controle de um outro, numa potência negativa,
estranha e hostil ao homem.

Esta afirmação, contudo, não exclui o fato de ser o trabalho abstrato constituído
pelo trabalho concreto, pois este conforma materialmente os objetos construídos para suprir as
necessidades humanas, ou seja, a riqueza e os valores de uso existentes na sociedade. Porém,
27

sob as formas de relações de produção que se estruturam esta sociedade, o valor de uso é
invisiblizado para as relações de compra e venda que representam os objetivos precípuos dos
donos dos meios de produção, o que torna aparente na imediaticidade, apenas o valor de
troca12, fator este que permite o intercambio entre as mercadorias. Assim, da mesma forma
que os valores de uso e de troca das mercadorias conformam uma unidade, o trabalho
concreto e abstrato que as produz também. Sobre isso Bottmore (2001, p.386), afirma que, “o
trabalho concreto e o trabalho abstrato não são atividades diferentes, mas sim a mesma
atividade considerada em seus aspectos diferentes”.
Dentre os autores que discutem a categoria trabalho, alguns mais vinculados ao
campo das ideologias pós-modernas13 afirmam a negação e o fim da centralidade do trabalho
no atual estágio de desenvolvimentos das forças produtivas e das relações sociais, o que
relaciona-se com a defesa da incapacidade de organização política da classe trabalhadora, e,
portanto, a impossibilidade de construção de uma consciência de classe, que também está
atrelada ao fim do antagonismo e das relações de exploração. Isso se deve ao fato de que o
atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas promove profundas alterações na
organização do trabalho, mais especificamente pelas flexibilizações, reduções dos postos de
trabalho e substituição do trabalho vivo direto pelas inovações tecnologias com maior
capacidade para alavancar a produtividade.
Essa conjuntura impacta na aceitação de trabalhos cada vez mais precários e
submissos ao capital, conformados por uma ideologia de que os trabalhadores se submetem as
condicionalidades impostas para ocuparem determinados postos de trabalho que surgem cada
vez mais escassos na dinâmica atual da sociedade, ou estarão irremediavelmente a mercê do
desemprego.
As determinações no mundo das mercadorias incidem diretamente sobre o mundo
do trabalho e sobre as condições de vida e sobrevivência da parcela da população que
sobrevive a partir da venda de sua força de trabalho. As condições de vida da classe
trabalhadora, que ao ser explorada pelo capital produz a mais-valia responsável pela riqueza
socialmente existente, na maioria dos casos são precárias. Neste aspecto, o trabalho perde a
sua característica precípua, de ser fundante do ser social, deixa de ser algo prazeroso para ser
uma obrigação desgastante e desumanizante.

12
De acordo com Mészáros (1989, p.22), “o capital não trata valor-de-uso (que corresponde diretamente à
necessidade) e valor-de-troca meramente como dimensões separadas, mas de uma maneira que subordina
radicalmente o primeiro ao último”.
13
Também conhecida como pós-estruturalismo, a ideologia pós-moderna se remete a uma forma fragmentada de
compreensão da realidade social e de negação das teorias macrossociais. Essa forma de explicação da realidade
social se desenvolve com uma suposta crise da modernidade e das relações que a estruturam.
28

Algumas categorias de trabalhadores ao se inserirem no campo da informalidade


são ainda mais exploradas pelo capital, pois mesmo não fazendo parte da relação formal de
emprego, realizada mediante relação de compra e venda da força de trabalho, a organização e
frutos do trabalho encontra-se sob a órbita do capital. Destacam-se em meio a estas parcelas
de trabalhadores, os catadores de materiais recicláveis que vendem os frutos de seu trabalho
aos atravessadores. Dessa forma, mesmo não estando sob relações diretas de emprego, os
preços do trabalho produzido são ditados pelos compradores.
De acordo com Antunes (2009), é inicialmente na esfera do trabalho que o homem
constrói a sua humanidade, porém as demais atividades desenvolvidas em sociedade também
constituem momentos essenciais para a humanização em seu sentido completo e profundo.
Assim,
Dizer que uma vida cheia de sentido encontra na esfera do trabalho seu primeiro
momento de realização é totalmente diferente de dizer que uma vida cheia de sentido
se resume exclusivamente ao trabalho, o que seria um completo absurdo. Na busca
de uma vida cheia de sentido, a arte, a poesia, a pintura, a literatura, a música, o
momento da criação, o tempo de liberdade, têm um significado muito especial
(Idem, p. 143).

Para os catadores que trabalham com a coleta de materiais recicláveis, realizar


outras atividades como passeios, lazer, estudar, dentre outras, constitui uma tarefa quase
impossível de ser realizada com frequência após um dia de trabalho, pois a longa e exaustiva
jornada enfrentada, acrescida de fatores como o sol, a fumaça, a chuva e a poeira, aumenta o
nível de cansaço e de desgaste, tornado necessário o descanso para preparar-se para um novo
dia.
É nesse sentido que o trabalho humano desenvolvido sobre as bases da
contraditoriedade da sociedade capitalista, tem suprimida a sua capacidade de humanização
dos homens em sua esfera primitiva, o que inviabiliza as possibilidades para o
desenvolvimento das demais formas de sociabilidades complementares e indispensáveis à
completude do sentido da vida, como a poesia, a arte, o acesso à cultura, dentre outras, pois
em grande medida estas esferas também estão permeadas pela mercantilização e inacessíveis
a todos os segmentos da classe trabalhadora.
Nesta forma de sociabilidade o tempo de trabalho confunde-se com o tempo livre,
ao subsumir todas as esferas da vida humana às determinações impostas pelo capital e pelas
formas de relações sociais vigentes. Assim, a liberdade que é suprimida no processo de
trabalho, é também extraída das demais esferas da vida, por meio da ação dialética dos
29

determinantes sociais do estranhamento14 inerentes ao mundo das mercadorias, nas demais


dimensões da existência e organização dos homens em sociedade.
Tais determinantes não se desenvolvem de forma livre, mas passam por
constantes pressões da classe trabalhadora na luta por melhores condições de vida e
sobrevivência. De acordo com Antunes (2009, p.172), “desde o advento do capitalismo a
redução da jornada de trabalho tem sido central na ação dos trabalhadores, condição
preliminar, conforme diz Marx, para uma vida emancipada”. Isso significa que as leis de
mercado15 na sociedade do capital não se desenvolvem livremente, mas encontram limites
resultantes da sua própria estrutura edificante e contraditória, como a histórica resistência dos
trabalhadores ao intenso grau de exploração imposto pelo capital.
O mesmo autor ressalta que a luta contra a exploração do trabalho no mundo
contemporâneo não se resumem apenas ao âmbito produtivo, mas também as demais esferas
da vida submetidas aos ditames do capital, pois, a redução da jornada de trabalho não
significa necessariamente a redução do tempo de trabalho dedicado ao capital, tendo em vista
a intensificação da exploração (Antunes, 2009). É partir disso que o sentido da vida está
diretamente permeado pelo sentido encontrado dentro do trabalho, neste aspecto, “em alguma
medida, a esfera fora do trabalho estará maculada pela desefetivação que se dá no interior da
vida laborativa” (Idem, p. 173).
Sendo assim, a busca pelo tempo livre, ontologicamente se constitui como uma
luta contra o capital e consequentemente contrária ao trabalho abstrato, do contrário, a práxis
humana estaria resignada a subordinação irreversível aos ditames da sociabilidade burguesa
(Antunes, 2009). Nesse sentido, a insatisfação na esfera do trabalho não deve estar destituída
de questionamentos sobre os fundamentos da atual forma de sociabilidade, impregnada pelo
individualismo, cultura do consumo, destruição e privatização permanente dos recursos
naturais e consequentemente das formas de viver efetivamente humanas. Assim, “se o
trabalho torna-se dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da
poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá
humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo” (Idem, p. 175).

14
De acordo com Bottomore (2001, p.5), o sentido de estranhamento confunde-se com o de alienação, ou seja, se
remete à “ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade, se
tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria
atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e - além
de, e através de [1], [2] e [3] - também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas construídas
historicamente)”.
15
De acordo com Netto e Braz (2006), as leis de mercado se desenvolvem como reflexos da estrutura edificante
da sociedade capitalista, sobre as quais a vontade humana não pode interferir, apresentando como consequências
dessas leis externas a concorrência, o desemprego e as crises cíclicas e estruturais predominantes nesse sistema.
30

As lutas históricas realizadas pela classe trabalhadora pela diminuição da jornada


de trabalho, em contrapartida relaciona-se também com a luta pelo direito ao trabalho, tendo
em vista que a condição de ingressar no mercado de trabalho, mesmo que explorado e
estranhado é condição preponderante para garantia da sobrevivência e reprodução enquanto
classe trabalhadora. Sobre isso afirma Antunes (2009, p.176),
(...) estar fora do trabalho, no universo do capitalismo vigente, particularmente para
a massa de trabalhadores e trabalhadoras, (...) desprovidos completamente de
instrumentos verdadeiros de seguridade social, significa uma desefetivação,
desrealização e brutalização ainda maiores do que aquelas já vivenciadas pela
classe-que-vive-do-trabalho.

Sendo assim, ambas as lutas tornam-se necessariamente complementares, ao


considerar que as lutas por melhores condições de trabalho e emprego é também uma luta
contra o capital, as suas desigualdades, exclusões, marginalidades, descriminações, ou seja,
contra as suas leis inerentes e estruturantes.
Dentre as tendências edificantes do modo de produção capitalista encontra-se a
manutenção e permanência de um exército industrial de reserva também chamado de
superpopulação relativa, ou seja, pessoas não absorvidas pelo mercado formal de trabalho
devido a fatores que variam desde a baixa escolaridade, a determinantes étnico-raciais,
situação de pobreza ou mesmo o excesso de oferta de mão de obra que o capitalismo por suas
leis próprias não consegue absorver. Isto ocorre devido ao decréscimo do trabalho vivo e a
sua substituição progressiva pelo trabalho morto, em que mesmo não o dispensando por
completo, diminui a sua necessidade ao capital e por consequência dificulta a abertura de
novos postos de trabalho, especialmente formais.
Netto e Braz (2006), ao se referirem ao exército industrial de reserva afirmam que
este é composto por formas variadas, as quais são representadas principalmente por: a
flutuante, formado por aqueles que não estão garantidos no emprego, estando hora
empregados, hora desempregados; a latente que surge a partir da expansão capitalista no
campo, e que migra para a cidades quando há oportunidade; e a estagnada que representa a
parcela de trabalhadores que nunca conseguem emprego fixo e desenvolvem apenas
atividades variadas para a garantir a sobrevivência. Também como componente desta parcela
da população está o lúpem-proletariado, formado por trabalhadores há muito tempo fora do
mercado de trabalho e imersos em condições degradantes de vida e sociabilidade, na miséria e
no pauperismo16.

16
Netto e Braz (2006, p.135) ao referir-se ao pauperismo na sociedade capitalista o define de duas formas:
absoluta e relativa. Dessa forma “a pauperização absoluta registra-se quando as condições de vida e trabalho dos
31

Para os capitalistas, a manutenção de uma população excedente sem acesso ao


mercado formal de trabalho é condição imprescindível aos seus interesses individuais, tendo
em vista a possibilidade de pressionar para baixo o valor da força de trabalho e diminuir a
capacidade organizativa da classe trabalhadora contraria a subordinação real e formal ao
capital. Neste sentido,
A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude
do trabalho excessivo da outra parte, torna-se fonte de enriquecimento individual
dos capitalistas e acelera ao mesmo tempo a produção do exército industrial de
reserva, numa escala correspondente ao progresso da acumulação de capital (Marx
apud Carneiro e Corrêa, 2008, p.138).

Devido a isto, uma parcela da população livre para se reproduzir a partir da venda
da sua força de trabalho, ao não encontrarem possibilidades para esta negociação, buscam
garantir a sobrevivência a partir de formas precárias e desumanas de trabalho, dentre elas a
catação de materiais recicláveis em lixões a céu aberto em várias cidades do Brasil, cujos
materiais coletados podem voltar-se tanto para o próprio consumo quanto para a venda, pois
ao serem reinseridos no processo produtivo tornam-se lucrativos ao capital.
Estes trabalhadores que por variados motivos não ingressaram formalmente no
mercado de trabalho buscam estratégias de sobrevivência em espaços destituídas de condições
mínimas de salubridade, conforto e bem estar, elementos fundamentais para o
desenvolvimento da humanidade e da sociabilidade entre os sujeitos sociais ali envolvidos.
Segundo Carneiro e Corrêa (2008), dentre os diversos atores sociais envolvidos
com a cadeia produtiva da reciclagem, os são os mais invisibilizados no decorrer do processo,
as suas contribuições estão atreladas a coleta dos materiais que facilmente serão incorporados
ao processo produtivo e transformados em novas mercadorias lucrativas ao capital.
Destituídos de quaisquer direitos trabalhistas, esta categoria encontra-se isenta de condições
mínimas de segurança ou de saúde, pois as empresas ou “atravessadores” com os quais
negociam os seus produtos não estabelecem com os mesmos quaisquer outras formas de
relações, exceto as comerciais.
Dessa forma compreendemos o trabalho desenvolvido pelos catadores de como
uma das etapas necessárias ao processo produtivo das mercadorias que será efetivado dentro
das empresas recicladoras e passadas a esfera da circulação, como um trabalho permeado por

proletários experimentam uma degradação geral: queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e
moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do desemprego. A pauperização relativa é distinta: pode
ocorrer mesmo quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e
moradia mais elevados; ela se caracteriza pela redução da parte que lhes cabe do total dos valores criados,
enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas".
32

relações de alienação que perpassa a sociedade capitalista, ou seja, um dispêndio de força


física humana realizada com o intuito principal de garantir a sobrevivência e não como
atividade auto-realizadora e humanizante. Porém, de forma dialética e contraditória, são sobre
as bases dessa mesma atividade exaustiva, precária e desgastante que poderá ser desenvolvida
a capacidade auto-organizativa desses sujeitos, na busca por melhores condições de vida e
sobrevivência, ou mesmo como forma de contestação desta ordem societária e suas estruturas
edificantes.
Levando em consideração as discussões iniciais acima sobre o trabalho enquanto
categoria ontológica para a construção da sociabilidade humana, bem como a sua relação
dúplice que se desenvolve sob a égide do modo de produção capitalista, tendo destaque para a
permanência da sua centralidade na constituição das relações entre os homens e para a
produção da riqueza socialmente existente, temos como desafio pela frente a análise mais
aprofundada da sociedade do capital, das transformações societárias contemporâneas, e seus
reflexos para o mundo do trabalho, por meio do dialogo com a realidade local.
Para a reflexão acerca do atual processo de reestruturação produtiva, priorizamos
inicialmente por traçar alguns elementos do percurso histórico do desenvolvimento capitalista,
mais precisamente em seu estágio dito monopolista, iniciado nas primeiras décadas do século
XX e que se estende até a contemporaneidade em sua fase dita madura.

1.2 O modo de produção capitalista: considerações sobre o século XX e a atualidade

Para discussão da produção capitalista na atualidade retomamos o pressuposto


inicialmente abordado neste estudo, de que a sociedade capitalista estrutura-se a partir de
relações antagônicas estabelecidas entre as classes sociais, sendo dialeticamente produzida, e
produzindo diversas formas de explorações e desigualdades.
Pretendemos assim, refletir sobre como as leis gerais fundamentais do capital e as
suas contradições inerentes, elencadas inicialmente por Marx em O Capital opera e se
reconfigura ao longo do tempo e, perpetua-se no atual estágio de desenvolvimento do
capitalismo atrelado às novas determinações impostas pelo capital.
Com efeito, historicamente o modo de produção capitalista se submete a diversas
formas de reconfigurações e transformações em âmbito aparente, o que em essência significa
a manutenção da sua base de fundamentação, objetivando a continua produção e reprodução
33

das relações sociais e de produção estruturadas sob sua égide, especificamente as altas taxa de
lucratividade.
Assim, num esforço de compreensão desse sistema e de suas formas de expressões
assumidas ao longo da história, cabe aqui ressaltar que em meados do século XVIII o
capitalismo assume o estágio dito concorrencial que articulado a determinações econômicas e
políticas, estende-se pelo decorrer do século XIX e se assenta sob as bases da grande
indústria. Esse processo de acordo com Netto e Braz (2006), provoca um aumento da
urbanização sem precedentes, além da criação do mercado mundial aprofundado com a
chegada do capitalismo ao estágio dos monopólios; neste estágio dito monopolista são
relações comerciais que passam a apresentar-se como determinante para a articulação entre
povos e nações nos lugares mais distantes e afastados do planeta.
É nesse período, marcado pela intensa concorrência entre capitalistas individuais,
mediante possibilidade de investimento em negócios e garantia da lucratividade, que se
desenvolvem as primeiras formas de manifestações concretas de oposição entre trabalhadores
e capitalistas, ao constituir o antagonismo entre as classes sociais em sua atual formatação,
que se fará presente durante toda a evolução posterior do capitalismo (Idem).
A chegada do capitalismo monopolista ou imperialista conforme denomina Lênin
(2012), demarca um novo estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capital já no
final do século XIX e início do século XX. Dentre as principais características deste estágio se
destacam o predomínio dos monopólios, a concorrência elevada ao extremo (só que entre
grupos monopolistas, se contrapondo a concorrência entre capitalistas individuais),
acirramento e fortalecimento das tendências capitalistas, dentre elas a concentração e a
centralização17, a financeirização do capital, a reconfiguração do papel do Estado, além da
privatização e destruição dos recursos naturais.
Afirma Harvey (1992), que o modo de produção capitalista adentra ao século XX
marcado pelo regime de acumulação fordista, o qual tem como objetivo a adequação do
trabalhador as novas determinações do capital, com vistas a garantir intensa produtividade
atrelada ao aumento da capacidade de consumo das classes.

17
Sobre as tendências capitalistas a concentração e a centralização, Netto e Braz (2006) as definem como parte
da dinâmica capitalista e decorrem da concorrência entre os próprios capitalistas. Assim, o processo de
concentração expressa o acumulo cada vez maior de riquezas por parte dos capitalistas individuais, que atrela-se
a centralização, por meio da união entre vários capitais. A articulação entre estas duas tendências conforma os
monopólios. Sobre o mesmo assunto, Marx afirma que “o que temos agora é a concentração dos capitais já
formados [...] a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em
muitos capitais grandes [...]” (Marx apud Montaño e Duriguetto 2011, p.156).
34

Ao atingir o ápice numa conjuntura pós-Segunda Guerra Mundial e pós-crise de


recessão capitalista na década de 1930, esse regime de acumulação capitalista articulou uma
nova forma de organização e racionalidade do trabalho entrelaçado à necessidade de
construção de estratégias com vistas ao crescimento econômico.
Na busca pela retomada do crescimento econômico e de lucratividades capitalista,
se constata ser necessário à intervenção estatal na regulamentação de condições essenciais
para a continuidade da produção. É nesse momento que se estrutura o modelo de intervenção
de Estado dito keynesiano, que atrelado ao capitalismo “se dedicou a um surto de expansões
internacionalistas de alcance mundial que atraiu para a sua rede inúmeras nações
descolonizadas” (Harvey, 1992, p. 125).
A retomada do crescimento aliada à intervenção estatal na área econômica e social
ficou conhecida como os anos de ouro do capitalismo, e teve como ponto alto a ação estatal
principalmente por mediar à combinação da expansão econômica com padrões de proteção
social, sem, contudo, perder o caráter capitalista.
Cabe lembrar que o Estado Keynesiano agregou-se ao pacto fordista numa
combinação de produção em massa para o consumo de massa, edificado nos acordos coletivos
com os trabalhadores em torno dos ganhos de produtividade do trabalho.
Esse período que buscava a articulação entre crescimento econômico e promoção
de bem estar social, valendo destacar - de forma desigual -, ficou conhecido como Welfare
State ou Estado de Bem Estar Social (Behring e Boschetti, 2011). Por tratar-se da busca pela
articulação entre interesses divergentes, não se distanciava dos interesses do capital, mas
garantia as condições necessárias a continuidade da sua produção mediante intervenção na
área social neste período da história.
Caracterizado sobretudo pela divisão pormenorizada das etapas do processo
produtivo, a hierarquização das funções, para produção em massa de produtos padronizados,
esse regime de produção para êxito buscou a construção de um novo homem adaptado a uma
nova forma de sociedade. Esse novo homem deveria articular tanto o disciplinamento e a
adaptação necessária para a produção em larga escala no espaço da indústria, como também a
capacidade de consumo dos bens produzidos (Harvey, 1992).
É nesse sentido que concordamos com a máxima de que nesta sociedade, o modo
de viver sempre esteve vinculado às determinações impostas pelo capital, ou seja, as
necessidades concretas da produção encontram-se em constante articulação com as
necessidades de reprodução da força de trabalho.
35

Denominado monopolista, imperialista ou capitalismo maduro (Mandel, 1982),


em virtude da expansão do capital se dá para áreas ainda pouco desenvolvidas, inclusive nas
mais diversas esferas da vida humana que vivencia um processo de extrema mercantilização,
esse processo garantiu um longo período de expansão para o capital que se alastrou até
meados da década de 1970 e permitiu a ascensão de grandes e inúmeras indústrias em
decorrência de avanços tecnológicos, além da reconstrução de economias devastadas no
período da guerra (Harvey, 1992). Diante disso, ainda de acordo com o pensamento de
Harvey (1992, p.125),
O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes
institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para
seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado
teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de
trabalho e nos processos de produção.

Tal reordenamento no campo produtivo não ocorreu de forma unilateral, mas sim
entrelaçado de disputa por hegemonia e por projetos societários divergentes, destacando-se o
enfraquecimento das lutas operárias e dos movimentos sindicais que também contribuíram
para o fortalecimento do regime de acumulação fordista. Assim, “com seu principal
adversário sobre controle, os interesses da classe capitalista puderam resolver o que Gramsci
denomina antes problema de ‘hegemonia’ e estabelecer uma base aparentemente nova para as
relações de classes conducentes ao fordismo” (Idem, p.128).
Ressalta-se que as formas de intervenção do estado na economia, nos movimentos
sindicais e de trabalhadores, assim como na própria garantia das condições necessárias a
expansão do capital, historicamente não ocorreram de forma padronizada, variando entre
economias, países e regiões, o que atesta a tendência ao “desenvolvimento desigual e
18
combinado do capital” em escala mundial, e particularmente no Brasil. Assim, nem todos
os países e regiões foram beneficiados pelas políticas publicas de Estado, pela inserção
igualitária no mercado de trabalho formal, pelas negociações salariais ou em último caso pela
riqueza socialmente produzida.
Com vistas a evitar uma visão romântica sobre o capitalismo, vale ressaltar as
diversas contradições e desigualdades que permearam esse período, principalmente nos países
periféricos de economias pouco desenvolvidas, em que conforme Harvey (1992, p.132), nesse

18
Para Behring e Bochetti (2011, p. 113), a tendência ao desenvolvimento desigual e combinado do capital se
remete a “(...) um vínculo estrutural entre desenvolvimento e subdesenvolvimento”, ou seja, mesmo
apresentando uma característica comum que é a busca pela extração de superlucros, o capitalismo se desenvolve
de forma desigual a depender das condições objetivas; além da necessidade de pessoas subordinadas e dependes
da sua lógica.
36

processo “as desigualdades resultantes produziram sérias tensões sociais e fortes movimentos
sociais por parte dos excluídos – movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a
raça, o gênero e a origem étnica costumavam determinar quem tinha ou não acesso ao
emprego privilegiado”.
Todo esse processo adormeceu uma questão social vivenciada tanto nos países
centrais, quanto nos países dependentes, com maiores contundências nestes, levando a inércia
movimentos sociais e organizações coletivas da classe trabalhadora. O acesso a direitos
sociais e trabalhistas por uma parcela da população reveste as desigualdades por meio da
falácia da promoção da cidadania mediante intervenção estatal.
Fatores como a desvalorização do dólar nos Estados Unidos, bem como a
concorrência em âmbito internacional, onde entravam nessa corrida países de economias
periféricas, mediante expansão do mercado interno, começaram a colocar em cheque a onda
expansionista do período pós-guerra. Nesse momento as contradições capitalistas tornam-se
mais visíveis e mais difíceis de serem escondidas pelo regime de acumulação
fordista/keynesiano (Harvey, 1992), o que apontava para a necessidade de um reordenamento
profundo, porém superficial no campo produtivo e nas relações de produção.
Um dos problemas encontrados na nova dinâmica referia-se a rigidez dos
processos, tanto no que se refere aos investimentos, quanto aos contratos e relações de
trabalho, que emperravam planejamentos mais flexíveis. Essa rigidez fazia-se presente
também nas formas de intervenção do Estado, na área social e econômica (Idem).
A política monetária desenvolvida pelos Estados Unidos como estratégia para
“salvar” o mundo capitalista, que se baseava na desregulamentação dos mercados financeiros
em desacordo com o preconizado em acordos com instituições internacionais como o Sistema
de Bretton Woods19, resultou no aumento da inflação e contribuiu para a crise da longa onda
expansionista.
Tal inflação resultou em uma crise do mercado financeiro e imobiliário, além da
presença de uma grande quantidade de excedente inutilizável pelas empresas. Assim, tornou-
se necessário o processo de mudanças e de reestruturação do trabalho e das relações
“econômicas e políticas”. Dentre as principais medidas tomadas pelos agentes comprometidos
com o avanço e a legitimidade do capital, tem-se “a mudança tecnológica, a automação, a

19
De acordo com Montaño e Duriguetto (2011, p.152), o Sistema de Bretton Woods é “desenvolvido com o
objetivo de gerenciar a economia internacional, estabelecendo regras para as relações comerciais e financeiras,
foi aprovado pelas 44 nações aliadas, presentes na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, em
julho de 1944 (...). Dentre as disposições pactuadas nesse acordo tem-se “(...) a obrigação de os países adotarem
uma política monetária de câmbio de suas moedas indexadas ao dólar (o padrão ouro-dólar)”.
37

busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de
controle do trabalho mais fácil, as funções e medidas para acelerar o tempo de giro do capital
(...)” (Idem, p. 141).
Estas mudanças demarcam a passagem do regime de acumulação fordista, para
outro com características novas e que permanece até a contemporaneidade, mesmo que em
algumas regiões e principalmente em economias periféricas o novo ainda conviva com a
permanência do arcaico. Este modelo denominado por Harvey de “acumulação flexível”
apoia-se fundamentalmente “(...) na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (Ibid).
De acordo com Netto e Braz (2006, p.224), “a onda longa expansiva é substituída
por uma onda longa recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da
dinâmica capitalista: agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando episódicas as
retomadas”.
Tal formatação do modo de produção capitalista gestada no final do século XX e
que adentra o século XXI, articula uma nova expansão capitalista para áreas ainda não
atingidas ou poucas atingidas pela órbita do capital, em uma articulação instantânea e
mundial, favorecida pelos avanços tecnológicos no ramo da comunicação e de transporte.
Assim, a classe trabalhadora passa a ser atingida profundamente, nas condições de
trabalho, vida e sobrevivência; e como marca histórica do desenvolvimento capitalista se
acirram a coalizão entre interesses divergentes, que resultam na disputa por interesses e
projetos societários antagônicos.

1.3 Reestruturação produtiva, mundo do trabalho e questão social

A crise capitalista que se expressa a partir da década de 1970, gesta-se através das
próprias contradições do capital na busca por garantir a continuidade da longa onda expansiva
que se desenvolvia após a década de 1930. Assim, a partir de 1960 iniciam-se os indicativos
de diminuição das taxas de lucratividade do capital, culminado com a longa onda recessiva
que se estende e permanece até os dias atuais (Behring e Boschetti, 2011). Tal crise que se
alastrou em decorrência da queda do padrão de acumulação fordista/keyneisiano e que resulta
no atual processo de reestruturação produtiva, demarca e recoloca como debate central as
38

contradições inerentes ao capitalismo e a sua incapacidade de conciliação entre apropriação


privada de riqueza e promoção de cidadania, democracia e bem estar social.
No início do século XXI conforme Alves (2004), o sistema sóciometabólico do
capital adquire novas configurações e acirra as expressões da questão social que assumem
novas expressões societárias. De acordo com o mesmo autor o capitalismo no atual estágio de
desenvolvimento das forças produtivas, ao tornar-se incapaz de promover uma nova
sociabilidade humana inverte-se “(...) em forças destrutivas da sociabilidade moderna,
explicitando múltiplas formas de irracionalidades societárias ampliadas, dessocializando o
mundo do trabalho e constituindo o sócio-metabolismo da barbárie” (ALVES, 2004, p.32).
Frente a esta realidade de transformações do capital, ganha destaque a estratégia
neoliberal que permeia todo esse processo e que vai substituir as estratégias keyneisianas de
intervenção do Estado, incidindo também sobre as condições de vida e sobrevivência da
classe trabalhadora, inclusive ao indicar padrões de vida e comportamento marcados pelo
individualismo, consumismo e etc.
De acordo com Montaño e Duriguetto (2011, p.192-193), no atual estágio de crise
do capital a estratégia neoliberal estrutura-se sob três eixos fundamentais e dialeticamente
articulados “a) a ofensiva contra o trabalho e suas formas de organização e lutas; b) a
reestruturação produtiva; e c) a (contra) reforma do Estado”.
Nesta conjuntura a ação estatal se distancia da garantia de políticas sociais
estruturantes, para o investimento em programas focalizados para a população pobre e incapaz
de inserir-se formalmente no mercado de trabalho. Este processo também é perpassado pela
privatização dos direitos sociais e sua transformação em serviços ofertados pelo mercado,
“sob o comando do capital financeiro” (Idem, p. 208).
Dessa forma o regime capitalista pautado pela estratégia neoliberal e com vistas à
garantia da permanente lucratividade, busca estratégias para o reestabelecimento das
condições adequadas a continuidade da produção, que tem como agravante principal para a
classe trabalhadora o retrocesso dos direitos sociais e trabalhistas conquistados durante os
governos de bases keyneisianas.
Neste contexto, as principais estratégias do capital contra o trabalho, pautadas
pelo ideário neoliberal, são o “enfraquecimento das organizações sindicais e trabalhistas”
(Idem, p.195), apresentando como premissa básica por parte dos governos, a repressão as
organizações e greves da classe trabalhadora e o não atendimento as suas demandas; “o
desprestígio das lutas e das organizações dos trabalhadores perante a opinião pública” (Ibid),
o que é corroborado por meio do apoio dos meios de comunição que conformam uma opinião
39

negativa no senso comum acerca das manifestações públicas das organizações da classe
trabalhadora, por meio de processos que invertem a compreensão da realidade; além da
“desregulamentação do mercado de trabalho e precarização do emprego” (Ibid), que se
expressa por meio das crescentes taxas de desemprego ou dos empregos precários com perdas
de direitos.
Conforme sinaliza Montaño e Duriguetto (2011, p. 187), “o colapso do socialismo
real”, demarcado pela queda do Muro de Berlim no final do século XX, atrelado à crise do
Welfare State também veio a contribuir com o enfraquecimento das lutas sindicais e dos
movimentos contra hegemônicos ao capital. Nas palavras dos autores “(...) a ‘crise do
socialismo real’ (ampliada pela ‘crise do capitalismo democrático’) vai golpear
profundamente as esquerdas no mundo inteiro, favorecendo largamente o capital e o projeto
neoliberal” (Idem, p. 188).
Estas atuais configurações da sociedade capitalista que refletem sobre o mundo do
trabalho, apresentando como agravante principal à crise estrutural do capital, expressa-se
dentre outras formas, através do desemprego estrutural, das condições precarizadas de
inserção no mundo do trabalho, além da relação degradante estabelecida entre o homem e a
natureza, voltadas para produção de mercadorias e para os interesses de valorização do
capital (ANTUNES, 2009).
Sobre os reflexos para o mundo do trabalho nesta nova forma de acumulação
capitalista, (Harvey 1992, p.141) destaca que, “a acumulação flexível parece implicar níveis
relativamente altos de desemprego ‘estrutural’ (em oposição a ‘friccional’), rápida destruição
e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais (...) e o
retrocesso do poder sindical (...)”.
Nesta ótica, o desemprego torna-se um fenômeno estrutural que atravessa a
dinâmica capitalista contemporânea, em que de acordo com Behring e Boschetti (2011,
p.117), após a recessão de 1970 “(...) o desemprego passa a ser crescente, numa dinâmica na
qual em cada recessão ele aumenta, sem ser revertido na retomada, considerando pequenos
ciclos dentro da onda longa recessiva”.
Assim, o mundo do trabalho passa a ser atravessado por um conjunto de ofensivas
e contradições que aviltam cada vez mais as condições de vida e sobrevivência da classe
trabalhadora, destituindo muitas vezes da condição de humanidade. Os empregos flexíveis e
informais ganham grande expansão em uma dinâmica cuja taxa de desemprego alcança
índices alarmantes, o que se contrapõe a falácia e a incoerência da justificativa de que o
desemprego não decorre de determinações estruturantes do capital, especialmente em
40

momentos de crise, mas sim, devido à carência de mão de obra qualificada para ocupação de
cargos demandantes de maior qualificação.
Pochmann (2006, p.62) ao refletir sobre o desemprego estrutural e as distintas
formas de precarização do trabalho no Brasil, a partir das duas últimas décadas do século XX,
afirma que este desemprego de um fenômeno homogêneo, torna-se um “(...) fenômeno
complexo e heterogêneo, atinge de forma generalizada praticamente todos os segmentos
sociais, inclusive camadas de maior escolaridade, profissionais com experiências em níveis
hierárquicos superiores e em altos escalões de remuneração”.
Esta tese de Pochmann vem sendo corroborada por alguns autores que passam a
defender a existência de uma nova composição da classe trabalhadora no Brasil, formada pelo
precariado, estes são constituídos por trabalhadores inseridos informalmente e/ou de forma
precária no mercado de trabalho, mesmo com um alto índice de escolaridade. De acordo com
Alves (2013), o precariado é formado por “(...) jovens empregados ou operários altamente
escolarizados, principalmente no setor de serviços e comércio, precarizados nas suas
condições de vida e trabalho, frustrados em suas expectativas profissionais (...)” (p.3)20.
Dentre as ofensivas para a classe trabalhadora, ressalta-se também o processo de
automação decorrente dos avanços tecnológicos que resultam na substituição em escala
sempre crescente do “trabalho vivo” pelo “trabalho morto”. De acordo com Mandel apud
Behring e Boschetti (2011, p.115) “a automação intensifica as contradições do mundo do
capital, quais sejam: a socialização crescente do trabalho agregada à redução do emprego e a
apropriação privada; a produção de valores de uso e a realização de valores de troca; o
processo de trabalho e o de valorização”.
Assim, as contradições capitalistas se acirram e atingem dimensões ainda
inatingíveis em outros períodos de desenvolvimento do capital, o qual apresenta como
agravante o desenvolvimento tecnológico associado à robótica e a microeletrônica, que tem
propiciado o descarte de trabalhadores, além de formas flexibilizadas de trabalho, que
também demarcam um processo de perdas de direitos trabalhistas associado ao
aprofundamento da subsunção real do trabalho ao capital.
Em meio a esta dinâmica, a capacidade de organização política e de luta da classe
trabalhadora também é atingida, em decorrência da fragmentação das demandas, o que
fragiliza diretamente a consciência de classe. Assim, os altos avanços tecnológicos

20
ALVES, Giovanni. O que é precariado? 2013. Disponível em:
http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/ Acesso: 16/05/2014.
41

alcançados pela humanidade ao ser capturados pela lógica do capital subsumem-se aos seus
interesses, em detrimento do atendimento as necessidades humanas. Nesta direção Braverman
apud Montaño e Duriguetto (2011, p. 167), afirma que “isto foi realizado por meio da
transformação da ciência mesma numa mercadoria comprada e vendida como os outros
implementos e trabalhos de produção”.
Tais inovações tecnológicas resultam no aumento da composição orgânica do
capital21 e possibilita a este o aumento da extração de superlucros mediante extração de mais-
valia relativa22, que se materializa a partir da capacidade do capital em substituir a força de
trabalho humana por maquinários e tecnologias avançadas. Conforme aponta Montaño e
Duriguetto (2011, p.202), “as inovações tecnológicas levaram à substituição de amplos
contingentes de trabalhadores e linhas de montagem por máquinas automatizadas, o que vêm
produzindo o chamado desemprego estrutural”.
Desta forma, o avanço tecnológico resulta na eliminação de postos de trabalho,
não por excluir a necessidade do trabalho humano, mas por concentra-lo e incorporá-lo a uma
máquina, em que uma pequena quantidade de trabalhadores altamente qualificados passam a
operar os seus comandos e garantir a produção. Nesta ótica, o poder de barganha da classe
trabalhadora é atingindo profundamente, em que além da fragmentação dos sindicatos, estes
na maioria dos casos encontram-se atrelados à lógica empresarial.
De acordo com Iamamoto (2011, p. 107) “o que é obscurecido nessa nova
dinâmica do capital é o seu avesso: o universo do trabalho – as classes trabalhadoras e suas
lutas -, que cria riquezas para outros, experimentando a radicalização dos processos de
exploração e expropriação”.
Dentre as novas formas de organização do trabalho, merece destaque o setor da
informalidade, que vem ganhando destaque nos últimos anos na chamada era da acumulação
flexível. Estes trabalhadores mesmo utilizando-se de seus próprios meios de produção,
encontram-se imersos pela lógica capitalista, atende a sua lógica de lucratividade e extração
de mais-valia e não diminui o poder do capital sobre a organização e os frutos do seu trabalho.
Para Alves e Tavares (2006, p.436), “a flexibilização é, geralmente apresentada como

21
Conforme afirma Netto e Braz (2006), a composição orgânica do capital é constituída a partir da relação entre
o capital constante (maquinários) e o capital variável (trabalho humano), sendo que a composição orgânica do
capital aumenta a medida em que aumenta-se a utilização de maquinários e avanços tecnológicos em detrimento
da diminuição da requisição da força de trabalho humana.
22
A extração de mais-valia relativa ocorre ao passo em que o capital adquire a capacidade de diminuir o tempo
de trabalho necessário ao pagamento do salário aos trabalhadores, aumentando em contrapartida o tempo de
trabalho excedente a produção de riquezas aos capitalistas (Idem).
42

geradora de emprego, é uma das mais eficientes modalidades de exploração do trabalho já


utilizadas pelo capital”.
Nesse processo, o trabalho é destituído das condições básicas de humanidade nos
mais variados espaços de trabalho, como ventilação (no caso dos trabalhos realizados em
ambiente doméstico), espaço adequado, jornada de trabalho dissonante com as legislações
trabalhistas, se configurando como uma das faces da destruição dos direitos no atual estágio
de desenvolvimento do capital, conquistados por meio de lutas históricas.
Vale ressaltar que a espoliação do trabalhador se desenvolve atrelada a capacidade
aumentada do capital em concentrar e centralizar riqueza, por meio de uma economia
articulada em escala mundial. Sobre isso ressalta Mota (2009, p.13),
O mesmo processo que determina a expulsão de trabalhadores da produção intensiva
de mercadorias também ocasiona a inserção precarizada dessa força de trabalho em
novos processos combinados de trabalho, cujos sujeitos são conceituados de
trabalhadores informais, temporários ou por conta própria.

Segundo a mesma autora dentre as expressões mais degradantes de inserção


trabalhista na atual conjuntura encontra-se os catadores de materiais recicláveis; os pequenos
trabalhadores rurais, além das mulheres costureiras que realizam o trabalho no ambiente
doméstico para as grandes fábricas (Idem).
No que se refere aos catadores de materiais recicláveis, a sua inserção informal no
mercado de trabalho acarreta na desproteção social quanto aos direitos trabalhistas, tanto por
parte do Estado quanto pelas indústrias do ramo da reciclagem, as quais se apropriam dos
frutos do seu trabalho.
No município de Iguatu estes trabalhadores não são contribuintes do regime de
previdência social como segurança de aposentadoria. Desta forma, além de desprotegidos em
suas atividades atuais, não dispõem também de uma segurança futura, o que poderá acarretar
na necessidade de continuar no trabalho mesmo durante o período de velhice.
Vale ressaltar que estes são apenas alguns aspectos que demarcam a atual
dinâmica capitalista e que por meio de um processo dialético refletem nas condições de vida e
sobrevivência da classe trabalhadora. Temos em mente a incapacidade de abordar todos os
aspectos que conformam a complexidade da presente conjuntural; sendo assim, elencamos os
pontos a nosso ver centrais para o debate e a reflexão acerca da atualidade do mundo trabalho,
tais como a crise estrutural do capital, a atual reestruturação produtiva, e a ideologia
neoliberal com seus reflexos para a vida humana. Percebemos a importância da análise destes
processos macrossociais para a compreensão do fenômeno da existência de trabalhadores que
43

garantem a sua sobrevivência em espaços como os lixões por meio da coleta de materiais
recicláveis em uma sociedade que dispõe de alta produção e concentração de riquezas.
O lixão como espaço sócio ocupacional de trabalho, local em que os catadores
desenvolvem a catação, constitui-se como reflexos do desenvolvimento capitalista, que
ontologicamente se estrutura a partir da produção e consumo de mercadorias e da destinação
incorreta dos resíduos sólidos produzidos. O consumo em larga escala tem agravado cada vez
mais a questão ambiental, como expressão da questão social em suas formatações
contemporâneas.
Assim, temos como desafio pela frente refletir sobre a problemática ambiental
como determinante da forma de organização e estruturação da sociedade capitalista fundada
na produção de mercadorias e na destruição da sociabilidade humana.
44

CAPÍTULO II

LIXÃO COMO ESPAÇO OCUPACIONAL DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA


VIDA

Neste capítulo pretendemos trazer elementos para a reflexão acerca da temática da


questão ambiental, compreendendo-a como reflexo da vivenciada crise estrutural do capital e
como elemento estruturante da dinâmica contemporânea, bem como compreender sobre como
esta realidade intensifica as condições de precariedade nas quais se inserem o mundo do
trabalho. Particularizamos os reflexos para as condições de vida e trabalho dos catadores de
materiais recicláveis. Neste sentido, partimos do pressuposto inicial de que a questão
ambiental se constitui como expressão da questão social compreendida como a oposição entre
o capital e o trabalho, em suas diversas expressões ao longo do desenvolvimento histórico do
capitalismo.
A produção destrutiva do capital tem desencadeado diversas formas de destruição
ao meio ambiente como forma de perpetuar a sua lógica de produção e reprodução. Para isso,
a intensa produção e realização das mercadorias promovem uma cultura dita da
descartabilidade e como consequência a produção de lixo em larga escala.
Frente a essa questão algumas medidas são adotadas pelo Estado, pelo mercado e
pelas próprias organizações da sociedade civil, as quais procuraremos problematiza-las ao
longo do desenvolvimento desta seção.
No contexto da produção capitalista e da problemática ambiental agravada no
século XX e início do século XXI, entram em cena os catadores de materiais recicláveis, que
desenvolvem seus trabalhos tanto nas ruas das cidades, quanto em lixões a céu aberto ainda
existentes. Buscaremos assim, refletir sobre a problemática que envolve a inserção destes
trabalhadores no mercado do trabalho desprotegido e via informalidade.
45

2.1 Questão ambiental em foco: uma análise a partir das contradições do modo de
produção capitalista

Ao longo do desenvolvimento histórico, a natureza produtiva do capital sofre


modificações tanto no que se refere ao padrão e a forma de consumo, quanto na própria esfera
produtiva. Tal relação determina as relações estabelecidas entre o homem com a natureza e a
sociedade.
Em decorrência dos fundamentos estruturais intrínsecos a sociedade do capital, os
quais apresentam como eixo central a produção socializada de riqueza e a sua apropriação
privada, uma ampla parcela da população permanece destituída de condições dignas de
trabalho e sobrevivência; vivenciando a ausência de diversos direitos básicos como a moradia,
o trabalho, o lazer, a saúde, a educação, dentre outros. Assim, as diversas manifestações da
questão social no capitalismo contemporâneo apresentam uma articulação direta com a
dinâmica capitalista baseada na produção de mercadorias, que é garantida mediante
exploração do trabalho, violação de direitos, degradação da natureza e da vida humana.
Dentre as expressões da questão social vale ressaltar a questão ambiental que se
agrava a partir da cultura da descartabilidade, resultante de estratégias capitalistas com vistas
à produção e consumo de mercadorias, evitando uma crise de superprodução.
Segundo Mészáros (1989), uma tendência que marca a sociedade capitalista em
seu estágio avançado tem sido a tendência à taxa de uso decrescente das mercadorias, ou seja,
as mercadorias que deveriam ser produzidas com valor de uso durável são descartadas
prematuramente, devido à necessidade da realização da produção capitalista via consumo.
Neste sentido, os bens de consumo duráveis são descartados antes de finalizado o valor de
uso, o que promove uma sociedade de descartáveis. O montante de lixo como agravante da
questão social no capitalismo avançado é gerado tanto a partir do descarte de mercadorias,
quanto pelo próprio processo de produção em que se requisita intensa destruição de recursos
naturais como fontes de matéria prima.
Ainda de acordo com o pensamento de Mészáros apud Silva (2010, p. 63),
A sociedade se mantém como um sistema produtivo, manipulando até mesmo a
aquisição dos chamados “bens de consumo duráveis” que necessariamente são
lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ferros-velhos, como os “cemitérios de
automóveis” etc.) muito antes de esgotada sua vida útil.
46

Isto ocorre devido à necessidade imanente do sistema, de manutenção de seu


círculo produtivo, ao articular produção, distribuição e consumo. Dessa forma, cria-se uma
cultura do sempre novo, do modelo do ano, do novo produto lançado ao mercado, descartando
produtos que ainda dispõem de valor de uso. Este valor de uso é encontrado pelos catadores
de materiais recicláveis que se apropriam desses produtos seja para uso próprio a partir de um
pequeno conserto, seja para a venda aos negociantes envolvidos no ramo da reciclagem. Esta
lógica constitui a subutilização das mercadorias em um submundo do capital, que ao chegar às
empresas recicladoras ganham vida nova.
O impulso capitalista ao consumo mesmo que dissonante das reais necessidades
humanas e atrelado as necessidades “auto-reprodutivas do capital”, tem em Marx uma
reflexão. Segundo este autor “a despeito de todos os discursos “piedosos”, ele (o capitalista)
busca meios para impulsionar (os trabalhadores) ao consumo, procura dar aos seus produtos
novos encantos, inspirar novas necessidades pela propaganda constante, etc.” (MARX apud
MÉSZÁROS, 1989, p. 53).
Dentre as ofensivas do capital nesse estágio de desenvolvimento das forças
produtivas, para além do incentivo ao consumo por parte daqueles que dispõem de poder
aquisitivo, o capital passa a investir na obsolescência das mercadorias e na utilização de todos
os recursos disponíveis para manipular os indivíduos acerca do curto tempo de duração de
seus produtos (NETTO e BRAZ, 2006).
Desta forma, a obsolescência planejada bem como a obsolescência embutida são
estratégias utilizadas pelo capital para a continuidade da sua auto-realização expansiva
(MÉSZÁROS, 1989). Outra estratégia utilizada é a destruição direta das mercadorias em
momentos de superprodução, além da adoção de medidas de incentivo ao consumo pelos
diversos segmentos de classes sociais.
Destaca-se nesse contexto o mito do consumo, embutido neste discurso, pois
mesmo a classe trabalhadora dispondo de maiores possibilidades de acesso a bens materiais,
por meio de diversos mecanismos impulsionados pela própria classe burguesa, coexistem em
meio a este processo uma parcela da população privada do acesso as necessidades básicas de
sobrevivência, como alimentação e água potável. Para Dupas apud Martins (2003, p. 51),
(...) a sociedade se dividiria em três grupos: os que podem comprar (os
permanentemente incluídos); os que gostariam de comprar, mais ainda não tem
como fazê-lo, e aguardam a oportunidade de penetrar no paraíso da sociedade
consumista (os excluídos provisórios); e um terceiro grupo, de pessoas que se situam
totalmente à margem das possibilidades de consumo (os permanentemente
excluídos).
47

Tal realidade é atestada a partir de dados das Nações Unidas retratados por
Maranhão (2010), ao afirmar que existem na atualidade aproximadamente 2,5 milhões de
pessoas em todo o mundo em situação de fome crônica, sobrevivendo com menos de dois
dólares por dia. Esta realidade demonstra a disparidade entre o avanço da ciência e a
capacidade de atendimento as necessidades humanas, tendo em vista cada vez mais o descarte
de força de trabalho humana por parte das empresas e o índice irreversível de desemprego, o
que dificulta a garantia do sustento por meio de esforço próprio.
Sobre isso afirma Mészáros (1989, p. 60), “a razão pela qual tal mudança é
possível, nos parâmetros do sistema de produção estabelecido, é porque consumo e destruição
são equivalentes funcionais do ponto de vista perverso do processo de ‘realização’
‘capitalista’”. Assim, a forma como ocorrerá à realização capitalista dependerá das condições
mais viáveis a obtenção de lucros, o que articula em alguns momentos a combinação das duas
formas, para tanto não necessariamente será levada em consideração as necessidades
humanas.
Como reflexos da não garantia de direitos e como agravante da questão social,
destaca-se a falta de planejamento urbano, marcado pela superlotação das cidades em
decorrência da migração campo/cidade, o que ocasiona um processo de degradação da vida
também neste espaço, pois apenas uma parcela de indivíduos tem acesso a moradia digna em
condições adequadas que possibilitem o acesso a serviços sociais como energia, saneamento
básico, entre outros, ficando o restando a margem destes direitos de cidadania.
O aglomerado de pessoas nos centros urbano que acarreta no crescimento das
cidades não articulado a oferta de serviços públicos capacitados ao atendimento a esta
demanda, apresenta desafios aos órgãos públicos e como agravante da questão social. Dentre
estes o aumento do consumo que acarreta em um maior acumulo de resíduos sólidos e na
necessidade do descarte correto, contraditoriamente muitas vezes não é acompanhado pelo
planejamento quanto ao destino final e acarreta na destinação em lixões a céu aberto, que se
transformam em nichos para sobrevivência humana.
Nestes termos, afirma Netto e Braz (2006 p. 236-237), “urbanização e
suburbanização se mesclam, se confundem e se invertem e são refuncionalizadas segundo
lógicas que concretizam processos de apartação socioespacial”. Assim, como reflexo do
desenvolvimento desigual e combinado, centro e periferia se distinguem, se apartam e
segregam indivíduos que não conseguem acesso a direitos fundamentais básicos.
Para Martins (2003, p. 18), o processo pelo qual a população de mais baixa renda
é submetida frente ao desenvolvimento desigual das cidades e a ausência de acesso a direitos
48

“(...) consiste na exclusão e marginalização pura e simples” de segmentos da população que


passam a sobreviver em áreas desvalorizadas e com várias limitações. Por sua vez, a própria
aplicação dos recursos públicos é direcionada para áreas onde predominam interesses dos
segmentos de classe mais abastados e permanecem as populações residentes das periferias
urbanas, destituídas das necessidades primeiras como emprego formal ou condições de
moradia adequadas.
No município de Iguatu os catadores de materiais recicláveis trabalhadores do
lixão a céu aberto, em grande maioria são moradores da Chapadinha - bairro periférico da
cidade e localizado nas proximidades do lixão -, que por estes fatores, além da precária oferta
de serviços públicos como a inexistência de serviço de saneamento básico, esgoto,
pavimentação, os seus moradores sofrem estigmas e preconceitos. Vale destacar que os
investimentos públicos muitas vezes são direcionados aos bairros mais centrais da cidade em
detrimento de locais em que a maioria de seus moradores pertencem a classe social baixa.
Sobre a problemática urbana Mandel (1982, p.354), afirma que esse processo
decorre de elementos históricos articulados a dinâmica capitalista em curso,
A deformação gritante do desenvolvimento urbano a partir da Revolução Industrial é
o produto inequívoco de condições sociais: propriedade privada da terra;
especulação de bens imóveis; subordinação sistemática do planejamento urbano ao
desenvolvimento dos ‘setores em crescimento’ da indústria privada;
subdesenvolvimento geral dos serviços especializados.

Segundo Mészáros (1989), o capital busca a linha de menor resistência, ou seja,


as formas ou estratégias que proporcionem maior facilidade ao seu percurso. Podemos citar a
extração da mais-valia relativa em complementação à mais-valia absoluta, que potencializa a
capacidade de burlar legislações trabalhistas além das pressões exercidas pelos trabalhadores
e de se utilizar dos ganhos desta classe em beneficio próprio.
Frente à problemática ambiental, a prática da reciclagem é permeada pelo discurso
do desenvolvimento capitalista sustentável e pela espoliação do trabalhador diretamente
inserido no processo de catação. Essas ações vêm sendo ressignificadas frente ao possível
esgotamento dos recursos naturais do planeta frente a lógica consumista e descartável adotada
pelos países de economia desenvolvida, em que segundo Novaes “(...) se o mundo consumisse
na mesma proporção dos norte-americanos, alemães e franceses, o homem precisaria de três
planetas e não um, para poder sobreviver” (NOVAES apud CONCEIÇÃO, 2003, p.17).
Dentre as consequências da crise ambiental vivencia-se no atual estágio de
desenvolvimento das forças produtivas a crescente ameaça à escassez dos recursos naturais do
planeta, fundamentais a vida humana e a continuidade da produção capitalista. Neste
49

contexto, inúmeros desafios são enfrentados com consequências que poderão atingir a todos,
porém com reflexos mais degradantes para a classe trabalhadora. Dentre os desafios vale
destacar o alardeado processo de privatização dos bens naturais que assim como os demais
bens já pertencentes à propriedade privada, são disputados por poderosos grupos capitalistas.
A temática do lixo permeia uma gama de fatores ambientais que devem ser
destacados, a produção em larga escala e a alta descartabilidade exige uma exaustiva
utilização de recursos naturais para produção de novas mercadorias. Por outro lado, a
reciclagem que aparece como alternativa à essa realidade se configura como outras práticas
ecologicamente correta como estratégia de lucratividade, para que isso se concretize a
indústria recicladora tende a atribuir um maior valor aos produtos reciclados, como forma de
potencializar o ecologicamente correto.
Outro elemento que envolve a questão do lixo, refere-se a sua destinação final, os
lixões, realidade em muitos municípios brasileiros, causam impactos elevadíssimos ao ar, à
terra e aos recursos hídricos, por meio das queimadas e eliminação de substâncias tóxicas ao
ambiente; pelo alto empobrecimento do solo em que esses resíduos são destinados e; pelo
chorume que alcança os lençóis freáticos e torna impróprio para utilização grande parte dos
recursos hídricos disponíveis nas regiões em que se situam os lixões.
A privatização é defendida sob o argumento de se constituir como único
mecanismo viável a garantia da permanência do acesso a bens necessários a humanidade,
mesmo que restrito e via mercado. Silva (2010, p.118) ao refletir sobre o processo de
privatização dos recursos naturais afirma: “propõe, então a privatização como possibilidade
objetiva e única de protegê-los, seja diretamente através da definição dos direitos de
propriedade sobre estes ou, indiretamente, pela valorização econômica da degradação”.
Este processo de valorização ocorre via comercialização do direito de poluir por
parte de empresas ou países. A partir do momento em que não conseguem reduzir os índices
de poluição ou degradação do meio ambiente, paga-se um valor que servirá como
justificativa.
Mandel (1982) ao refletir sobre a forma como o desenvolvimento das forças
produtivas no capitalismo resulta em agravos ao meio ambiente, concorda com Commoner ao
afirmar que,
A terra não está sendo poluída porque o homem seja uma espécie animal
particularmente suja, nem porque sejamos muito numerosos. O erro está na
sociedade humana – nas formas que a sociedade escolheu para ganhar, distribuir e
usar a riqueza extraída do planeta pelo trabalho humano. Assim que as origens
sociais da crise se tornem claras, podemos começar a planejar ações sociais
adequadas para resolvê-la (COMMONER apud MANDEL, 1982, p.354).
50

Tal assertiva desmistifica análises que atrelam a crise ambiental aos índices de
crescimento populacional e reafirma as suas raízes intrínsecas em um modo de produção
mercantil que de forma esquizofrênica busca ultrapassar todas as barreiras existentes à
garantia do lucro, mesmo que as consequências canalizem mais destruição do que produção.
Como expressão da crise ambiental a intensa produção de lixo e a destinação
incorreta tem desencadeado vários debates e tomado dimensões perversas a medida que
inexistem políticas públicas efetivas voltadas para a coleta seletiva na maioria das cidades
brasileiras, o lixo é destinado incorretamente e repercute também em uma grave problemática
social. As suas consequências são tanto sociais e ambientais, quanto econômicas, tento em
vista o nicho de lucratividade que o lixo produzido diariamente proporciona às grandes
empresas, especialmente do ramo da reciclagem.
Sobre isso, Silva (2010) ressalta que a intensa produção de resíduos sólidos se
destaca como uma das expressões mais agravantes da questão ambiental, atrelada as
dificuldades econômico políticas de gerenciamento final por parte do Estado, do mercado e da
sociedade. Dados retratados pela mesma autora atestam que “com uma produção de cerca de
dois milhões de toneladas de lixo domiciliar por dia (cerca de 730 milhões de toneladas ao
ano) o planeta demonstra evidentes sinais de esgotamento de sua capacidade de absorver os
dejetos da produção humana” (Idem, p.112).
A problemática do lixo envolve amplos debates por parte de vários segmentos
sociais que requerem ações efetivas por parte das instituições e órgãos competentes. Neste
cenário, dentre as ações desenvolvidas pelo mercado vale destacar a expansão do ramo da
reciclagem e a chamada logística reversa23 que se materializa via ações ditas de
responsabilidade ambiental. Já no que se refere às ações produzidas pelo Estado merece
destaca a aprovação de legislações voltada ao tratamento e monitoramento dos resíduos
sólidos a ser implementada pelos três entes federativos, União, estados, municípios e Distrito
Federal.

2.2 Estratégias produzidas pelo mercado


23
Miguel ao delinear considerações sobre a logística reversa, afirma que, “a logística reversa se caracteriza pelas
habilidades de gerenciamento logístico e atividades envolvidas na redução, no gerenciamento logístico e
atividades envolvidas na redução, no gerenciamento e no descarte de resíduos, perigosos ou não, de embalagens
ou produtos. Isto inclui distribuição reversa, que faz com que produtos e informações fluam no sentido oposto
das atividades da logística normal” (MIGUEL apud MAGERA, 2012, p.116).
51

Como uma problemática que envolve amplos segmentos da sociedade por meio de
discursos que visam articular estratégias unificadoras do desenvolvimento econômico e da
sustentabilidade social e ambiental, entram em cena atores como o Estado, o mercado,
organizações internacionais, ONGs, movimento sociais e religiosos e pessoas da sociedade
civil em geral. As estratégias produzidas têm como foco central a busca de alternativas que
reduzam o processo de depredação e degradação ambiental que se expressam de forma mais
contundente no cenário contemporâneo, mesmo que não apresentem como debate central a
estrutura produtiva do capital.
Contraditoriamente, o capital como grande impulsionador dos agravos a questão
ambiental desenvolve estratégias pautadas na preservação ao meio ambiente e em estratégias
ditas de sustentabilidade ambiental e social. Sobre isso, Silva (2010, p.143) destaca que,
Ao mesmo tempo em que assegura a continua produção e reprodução da ‘questão
ambiental – assim como ocorre com a questão social -, o capital se empenha em
atenuar as suas manifestações, administrando suas contradições através do
impulsionamento de programas compensatórios, lastreado pelo discurso do
solidarismo, do respeito aos direitos humanos e da defesa do meio ambiente.

Assim, estruturado fundamentalmente destrutivo, seja dos recursos naturais, seja


da força de trabalho, seja das formas de sociabilidade verdadeiramente humanas, o capital
entra em cena, na busca por estratégias que possam atenuar os efeitos degradantes de sua
produção à humanidade e ao meio ambiente. Ainda que tenhamos clareza que todas as ações
nos marcos do capital para reduzir os impactos de sua ‘lógica destrutiva’ sejam capazes
apenas de retardar a degradação que este sistema produz. De fato, o que reiteramos é que
nenhuma forma de sustentabilidade e de equilíbrio ambiental pode ser garantida por um modo
de produção que tem como princípio a lucratividade e a exploração dos recursos naturais e do
homem.
Ainda de acordo com a mesma autora, os principais mecanismos impulsionados
pelo mercado frente à problemática ambiental tem se constituído por meio dos seguintes
elementos: “(...) mercantilização dos recursos naturais, a gestão ambiental empresarial e a
reciclagem dos resíduos sólidos (...)” (SILVA, 2010, p.186).
Como estratégia de gestão ambiental empresarial se destaca a reciclagem como
possibilidade dialética e contraditória de minimização do lixo produzido, impulsionado pela
produção descartável e pela obsolescência programada embutida na maioria dos produtos
especialmente do ramo tecnológico.
52

A cadeia produtiva do lixo inicia-se com a produção de mercadorias, em que o


capitalista produtivo portador de capital monetário, investe nos meios de produção
fundamentais, “capital constante” e “capital variável”24, que ao produzir as mercadorias são
repassadas ao capitalista comercial, que impulsionará a realização das mercadorias por meio
da venda e posterior consumo. O lucro ou a mais-valia extraída com a produção das
mercadorias será dividida entre as três esferas do capital: produtivo, comercial e bancário. Ao
entrar na esfera do capital bancário a mais-valia extraída do processo de trabalho permite a
lucratividade desta esfera, além de ser disponibilizado ao capital produtivo via empréstimos
para iniciar um novo ciclo de produção ou aumentar investimentos.
As empresas recicladoras fazem parte da esfera produtiva do capital e iniciam o
processo de produção a partir do momento em que as mercadorias são realizadas, ou seja,
quando são descartadas mediante o consumo em decorrência do esgotamento de seu valor de
uso. Neste momento, entram em cena os catadores que ao coletarem os materiais recicláveis
vendem aos deposeiros ou atravessadores, que repassam como matérias-primas para as
empresas recicladoras.
Este processo ocorre devido à expulsão ou não inserção de muitos trabalhadores
no mercado formal de trabalho, compondo a superpopulação relativa flutuante e estagnada25,
componentes do exército industrial de reserva, que passam a ocupar os lixões a céu aberto
como espaço de produção e reprodução da vida ao não disporem de outras possibilidades de
garantia da sobrevivência pelas vias formais. Ressaltamos também que parte desses catadores
compõem o que Marx denomina de lupem proletariado, trabalhadores que nunca foram
absorvidos pelo mercado de trabalho e que diante das determinações em que estiveram
inseridos desde o nascimento, têm pouquíssimas probabilidades de vir a ser. O que damos
ênfase é que esse processo de inserção de seres humanos nos lixões envolvem uma dimensão
de segregação, exploração e subordinação que antecede a chegada àquele espaço. A própria
realidade determina o local e o papel destinado a cada sujeito, a falácia da meritocracia

24
De acordo com Netto e Braz (2006, p.98) o capital constante refere-se a parcela do capital produtivo investido
na compra dos meios de produção, ou seja, “(...) instalações, máquinas, instrumentos, matérias (brutas ou
primas) e insumos (energia, combustível etc.) , já o capital variável refere-se ao montante destinada a compra da
força de trabalho dos operários. As duas formas de capital constituem a composição orgânica do capital e ao
serem acionadas pelo capitalista são responsáveis pelo processo de produção das mercadorias.
25
Conforme Marx apud Maranhão (2010), existem três formas de superpopulação relativa: a flutuante que se
remete aos trabalhadoras que são descartados pelas empresas e passam a não dispor de um vínculo formal de
trabalho; a latente que se refere a população do campo que em decorrência do avanço tecnológico na agricultura
passam a não dispor de trabalho no campo e necessitam migrar para a cidade e engrossar a fila de espera por
emprego; e a estagnada que subdivide-se em duas formas, uma parte pelo segmento de trabalhadores com
ocupações irregulares e bastante precárias e outra parcela que é integrada “(...) pelo mais profundo sedimento da
superpopulação relativa que vegeta no inferno da indigência” (p. 105).
53

burguesa não se concretiza para aqueles que estão inseridos na miséria e na escassez de
recursos materiais, direitos e condições dignas de existência.
Silva (2010, p.78), ao refletir sobre as estratégias produzidas pelas empresas
recicladoras no que tange a transformação do lixo em fonte de lucratividade, afirma que,
Contraditória e dialeticamente, os efeitos da degradação ambiental convertem-se em
mercadorias, a partir da produção de um crescente “mercado de reparações”
ecológicas, numa demonstração inconteste da capacidade do sistema do capital de
transformar em fonte de lucratividade os obstáculos com que se depara.

O discurso do desenvolvimento econômico sustentável tem sido adotado por


diversas empresas de outros ramos da produção não necessariamente da reciclagem. Tais
práticas garantem a estas empresas o acréscimo de valor aos seus produtos, além do
reconhecimento social articulando possibilidades de propagandear produtos e ações. Sobre
este assunto Silva (2010, p.125) afirma que,
(...) ao “capitalizar” os “ativos ambientais” a empresa abriria espaços para obter
ganhos como: sucesso perante os clientes, fortalecimento da marca, colher vantagens
do pioneirismo, aumento da rentabilidade e conquista da confiança do mercado,
dado o fato de a empresa explorar, estrategicamente, as oportunidades emergentes.

Nesse sentido, o sistema capitalista absorve como estratégias e fontes de


lucratividade aquilo que representa os anseios da sociedade em geral. A ideologia da
sustentabilidade ambiental atrelada a dita sustentabilidade econômica, não leva em
consideração os antagonismos e disparidades que distanciam tais discursos imbuídos pela
lógica contraditória do capital.
É sob esta perspectiva que as empresas do ramo da reciclagem se inserem no
mercado da reciclagem. Não queremos com estas reflexões deslegitimar tais iniciativas, pois
frente a problemática ambiental e a partir das possibilidades meramente capitalistas a
reciclagem se constitui como uma prática necessária, porém envolvida por uma totalidade
dialética e repleta por contradições que envolvem desde a expropriação dos trabalhadores
envolvidos com o fornecimento de matérias primas, quanto pela a busca incessante pelo lucro.
Mészáros apud Silva (2010, p.79-80), traz considerações acerca da produção
capitalista e seus reflexos para o agravamento da questão ambiental.
A devastação sistemática da natureza e a acumulação contínua do poder de
destruição – para as quais se destina globalmente uma quantia superior a um trilhão
de dólares por ano – indicam o lado material amedrontador da lógica absurda do
desenvolvimento do capital. Ao mesmo tempo ocorre a negação completa das
necessidades elementares de incontáveis milhares de famintos: o lado esquecido e
que sofre as consequências dos trilhões desperdiçados. O lado humano paralisante
deste desenvolvimento é visível não só na obscenidade do “subdesenvolvimento”
forçado, mas em todos os lugares, inclusive na maioria dos países de capitalismo
54

avançado (...). Desse modo, ao manter milhares de excluídos e famintos, quando os


trilhões desperdiçados poderiam alimentá-los mais de cinquenta vezes, põe em
perspectiva o absurdo desse sistema de dominação”.

É sob este ponto de vista que as estratégias de mercado com vistas à preservação
do meio ambiente, ao não romperem com a lógica de produção para a destruição sob a qual se
estrutura o modo de produção capitalista, não possibilitam alcançar os fundamentos da
questão ambiental e intervir sob suas refrações sociais, ambientais e econômicas, na realidade
tal discurso é permeado por fetichismos e obscurecimentos da realidade.

2.3 Estratégias produzidas pelo Estado

O Estado enquanto mecanismo de regulação das relações sociais e enquanto


aparelho de disputa por hegemonia, historicamente tem atendido prioritariamente aos
interesses da classe dominante, ou seja, aquela que no embate por interesses divergentes,
consegue maior legitimidade quando as suas demandas e interesses. Isto não exclui a
possibilidade da disputa por hegemonia permitir em determinados momentos que esse quadro
seja revertido e resulte em ganhos para a classe subalterna.
No capitalismo, a classe burguesa tem conseguido impor os seus objetivos e
auferir hegemonia quanto às ações do Estado. Dessa forma, este passa a constituir-se como
aparelho regulatório das relações sociais capitalistas e permitir a sua auto-reprodução. Sendo
que apenas em alguns momentos os interesses da classe trabalhadora são inseridos em sua
agenda como meio final de garantir a própria continuidade do sistema.
Vaca apud Simionatto (1999, p.71), ao retratar o pensamento de Gramsci sobre o
Estado afirma que “(...) a forma concreta do Estado nasce do modo pelo qual as classes
fundamentais conseguem organizar a interira trama das relações entre governantes e
governados e este conjunto particular constitui o Estado em carne e osso”. Desta forma,
delineia-se a existência do Estado em função do antagonismo entre as classes, da oposição
entre os que governam e os governados, permitindo que esta estrutura se reproduza via
legitimidade de ambas as classes.
Desta feita, o Estado tem articulado ao longo do desenvolvimento histórico
mecanismos de atendimento aos interesses divergentes das classes antagônicas, seja por meio
de pressões da classe trabalhadora seja da classe dominante. No que se refere às ações
55

pautadas no enfrentamento a problemática ambiental, o Estado divide-se entre o atendimento


as demandas do capital por meio de vários mecanismos dentre eles a aprovação do atual
código florestal, a venda de ativos ambientais e a privatização inclusive do direito de poluir; e
entre os interesses da classe trabalhadora por meio da aprovação de marcos legais voltados
para a garantia de direitos tanto a preservação do meio ambiente, quanto aos direitos inerentes
aos trabalhadores imbuídos neste processo.
Vale ressaltar dentre o que preconiza esta política as ações voltadas para a
extinção dos lixões a céu aberto e a responsabilização do poder público municipal pela
construção de cooperativas, implantação de sistemas de coleta seletiva de lixo e pela retirada
dos trabalhadores inseridos nos lixões e, todas as ações deveram ser realizadas em parceria
com os catadores de materiais recicláveis e com pessoas de baixa renda, como forma de
possibilitar a estes formas alternativas de sustento.
A partir desta política fica estabelecido que a União por meio do Ministério do
Meio Ambiente se responsabilizará pela construção do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o
que deve conter dentre as metas, “metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas
à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis” (BRASIL, 2012, p. 18)26.
Assim, cabe aos estados e municípios a construção dos planos locais de gestão de
resíduos sólidos, sendo papel dos municípios o plano municipal de resíduos sólidos, que
poderá ser construído a partir da gestão integrada junto a municípios vizinhos. Vale ressaltar
que tanto a construção dos planos estaduais quanto municipais constituem mecanismos
necessários ao repasse de recursos federais no que concerne às ações de limpeza urbana e de
gestão de resíduos sólidos (BRASIL, 2012).
As metas para eliminação e recuperação dos lixões, assim como a inclusão dos
catadores devem ainda estar presentes nos respectivos planos estaduais e municipais.
Conforme o estabelecido pela política, são atividades proibidas de serem realizadas no local
de destino final dos resíduos sólidos dentre outras ações a “utilização dos rejeitos dispostos
como alimentação, catação, fixação de habitações temporárias ou permanentes” (BRASIL,
2012, p.36).
O estado do Ceará não dispõe de uma política efetiva de resíduos sólidos em
consonância com o que preconiza o marco normativo nacional. Dessa forma, o processo de

26
Disponível em: <http://fld.com.br/catadores/pdf/politica_residuos_solidos.pdf>. Acesso em: 09/04/2015.
56

discussão e consulta pública, resultou até o momento apenas em um anteprojeto de lei27 que
visa à instituição da política no estado do Ceará. Os desafios para implementação desta
política no estado requerem cada vez mais organização coletiva dos catadores para que a
mesma seja homologada e implementada e que sejam inseridas neste marco legal as
necessidades específicas dos catadores.
Como realidade também verificada nos municípios, encontramos no município de
Iguatu alguns limites e desafios que marca a gestão municipal de resíduos sólidos,
principalmente no que se refere à paralisação das obras de construção do aterro sanitário,
inexistência de coleta seletiva de lixo e cooperativas em parcerias com os catadores. Devido à
ausência destes mecanismos, o destino final dos resíduos sólidos tem sido o lixão a céu aberto
localizado no bairro Chapadinha, local em que muitos moradores ocupam como espaço de
trabalho e garantia do sustento.
A partir de dados coletados na Secretária Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo, inexiste no município de Iguatu um Plano Municipal de Resíduos Sólidos
conforme preconiza a legislação em vigor. Outra disparidade verificada tem sido a presença
diária de trabalhadores que ocupam este local.
Dentre as estratégias produzidas pelo Estado destaca-se o apoio e incentivo aos
processos ligados a reciclagem por representar mecanismo de contribuição para a gestão dos
resíduos sólidos. Para isso, o Estado também se apropria gratuitamente do trabalho dos
catadores, pois a coleta dos materiais nas ruas das cidades, lixões, aterros sanitários ou
cooperativas, possibilita a limpeza e a diminuição de lixo nesses locais, cujas ações são de
responsabilidade do poder público.
É importante destacar que em cidades como Iguatu com total ausência de uma
política de gestão dos resíduos sólidos, além da apropriação do trabalho nos deparamos com a
invisibilidade desses trabalhadores frente aos governos locais, o acesso a políticas públicas
básicas é precário, muitos destes catadores ocupam os lixões em condições desumanas de
existência ou em bairros próximos desprovidos de serviços públicos de qualidade. A
tendência em colocar a população pobre cada vez mais distante dos centros urbanos tem
ampliado estas condições de falta de acesso às políticas públicas, aos direitos sociais e a uma
vida digna. A realidade dos catadores do lixão do Iguatu demonstra como esta afirmação é
verdadeira.

27
Para acesso ao anteprojeto de lei que institui a política estadual de resíduos sólidos no âmbito do estado do
Ceará, ver endereço eletrônico:
<http://www.conpam.ce.gov.br/images/stories/noticias/arquivos/politica_estadual_de%20_residuos_solidos.pdf>
. Acesso em: 11/04/2015.
57

Vale ressaltar que as ações desenvolvidas tanto pelo estado quando pelo mercado
e sociedade civil em geral não trazem como horizonte estratégico a necessidade de construção
de uma nova ordem societária, em que a produção material dialogue com as verdadeiras
necessidades humanas e não apenas de uma minoria, proprietária dos meios de produção e da
riqueza socialmente produzida. Nestes termos articulam medidas necessárias e que requerem
ações efetivas e vontade política, mas que não ultrapassam os limites da produção capitalista,
aqui entendida como cerne estrutural da questão ambiental e demais expressões da questão
social.

2.4 Entre os elos da invisibilidade: A organização política dos catadores de materiais


recicláveis

De acordo com a literatura específica, a mais de meio século os catadores


desenvolvem a atividade de catação, porém, é apenas nos anos finais do século XX, quando a
aprovação do primeiro marco legal no qual responsabiliza o Estado pelo manejo dos resíduos
sólidos e pela preservação ambiental, é que esta categoria começa a se organizar
politicamente e a unificar pautas, seja via associações, cooperativas, seja por meio de outros
processos organizativos (BORTOLI, 2013).
É a partir destas organizações iniciais que surge o Movimento Nacional de
Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que articula lutas em âmbito nacional, regional
e local a partir de seus núcleos, na defesa dos direitos do trabalho, além das pautas voltadas
para a preservação do meio ambiente e de seus locais de trabalho. De acordo com Bortoli
(2013, p.251)
O MNCR atua a partir de princípios de autogestão, democracia e ação direta,
independência e solidariedade de classe e com uma estrutura que comporta desde a
participação e decisão das bases orgânicas até a representação nacional. Com esses
princípios e estrutura, constitui-se em uma instância de organização e defesa dos
interesses dos catadores pelos próprios catadores.

Conforme site oficial do citado movimento, o mesmo surgiu no ano e 1999 tendo
como marco a realização do 1º Congresso Nacional de Catadores de Papel, porém chega a sua
fundação apenas em 2001 quando ocorre o 1º Congresso Nacional dos Catadores(as) de
Materiais Recicláveis. Foi a partir da unificação de interesses e necessidades coletivas da
58

categoria em todo o país que se tornou possível à organização de um movimento de


abrangência nacional28.
Dentre as ações públicas realizadas pelo MNCR como estratégias visa
proporcionar visibilidade e pressionar os governantes quanto as suas necessidades, destaca-se
o 1º e o 2º Congresso Latino-americano de Catadores realizados em 2003 e 2005
respectivamente e a marcha realizada em Brasília em 2006 que contou com a participação
expressiva de catadores. Como frutos destes eventos foram lançados documentos nos quais
contém as principais pautas e necessidades dos catadores inseridos tanto nas ruas quanto em
lixões a céu aberto em todo o Brasil e America Latina29.
Como forma de resistência as condições impostas pelo capital e como estratégia
de organização política da categoria, o MNCR em suas lutas discute dentre outras questões a
defesa da coleta seletiva de lixo, a intervenção estatal por meio de políticas públicas
intersetoriais, a preservação do meio ambiente, e, prioriza a luta contra a insineração e a
privatização do lixo.
A partir de um ponto de vista político da categoria o MNCR compreende a
inserção do catador no mundo do trabalho a partir das relações contraditórias e antagônicas
sob as quais se estruturam a sociedade burguesa. Neste sentido, incluem o trabalho dos
catadores como reflexo de uma sociedade desigual, fundada no antagonismo de classe, na
exploração do trabalho e expropriação da riqueza socialmente produzida.
Nestes termos, dentre as pautas do movimento destaca-se a defesa por parte dos
catadores da apropriação de toda a cadeia produtiva da reciclagem, em contraposição a forma
de materialização de seu trabalho, caracterizada pelo isolamento e distanciamento da
produção efetiva de riqueza, que participa enquanto integrante do trabalhador coletivo30 como
elo fundamental deste processo, mas não ultrapassa os limites do fornecimento de matérias
primas.
Sobre isso, Netto e Braz (2006) afirmam que é exatamente o controle sobre todo o
processo de trabalho que interessa ao capitalista, estabelecendo uma relação de antagonismo
com os interesses da classe trabalhadora, pois é a partir deste que o capitalista consegue
apropriar-se do tempo de trabalho excedente e garantir o processo de “valorização do capital”

28
Disponível em: <http://www.mncr.org.br/box_1/sua-historia>. Acesso em: 10/04/2015.
29
Idem.
30
Netto e Braz ao refletirem sobre o pensamento de Marx, assim define o que seja um trabalhador coletivo, “(...)
o trabalhador coletivo é o conjunto dos envolvidos na produção, desempenhem eles atividades manuais ou não:
sob a grande indústria capitalista, na qual se operou a subsunção real do trabalho ao capital, ‘não é o operário
singular, mas, cada vez mais, uma capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente real
do processo de trabalho em seu conjunto’” (MARX apud NETTO; BRAZ, 2006, p.123).
59

31
. Desta forma, o controle sobre o processo de trabalho constitui a razão de ser do modo de
produção capitalista e é assim que “(...) o capital subordina por inteiro (formal e realmente) o
trabalho pelo controle do processo de trabalho” (Idem, p.122).
Alguns avanços que demarcam a disputa por interesses divergentes mesmo que
em contrapartida não retirem o trabalhador da sua condição de subalternidade e exploração
podem ser percebidos principalmente no que se refere à aprovação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos que permite uma centralidade junto a aplicação da política, além de demais
decretos anteriores a consolidação deste marco normativo, por mais que efetivamente o
catador não seja prioridade pelos gestores públicos.
Destaca-se também o reconhecimento da categoria profissional na CBO, a
construção de cooperativas articuladas à implantação de sistemas de coletas seletivas de lixo
por parte de alguns municípios, dentre outros. Vale ressaltar que tais avanços são parcos e
localizados o que acarreta em desafios constantes e diários a esta categoria.
O acesso a direitos junto a política de previdência social ainda se constitui como
um desafio e como pauta de luta dessa categoria, tendo em vista que à condição de
informalidade na qual estão inseridos tornam desprotegidos socialmente quanto a este regime
voltado para garantias trabalhistas. Frente a isto os catadores lutam pela sua inserção como
segurado especial, possibilitando o direito a aposentadoria sem a necessidade de prévia
contribuição, assim como ocorre com os trabalhadores agrícolas.
Destacamos que a organização política desta categoria encontra diversos desafios,
o que acarreta na dificuldade de organização dos mesmos em defesa de seus direitos e
interesses. Ressaltamos que os catadores que trabalham no lixão do município de Iguatu não
possuem articulação com MNCR, participando majoritariamente de um único processo
organizativo que é a associação de catadores local. Estes trabalhadores não participam da
associação de moradores do bairro, utilizando-se apenas daquele processo organizativo para
pautar as suas lutas e necessidades.
Este processo vem sendo permeado por inúmeros desafios, dentre eles a falta de
união em torno de uma pauta que unifique as necessidades e ações dos associados. Mesmo
diante dos desafios, esta forma de organização também representa uma possibilidade para

31
Sobre isso, destacamos o pensamento dos mesmos autores ao refletirem sobre a objetivação do trabalho no
modo de produção capitalista ao afirmarem que, “(...) o trabalho é, além de processo de criação de valor,
processo de valorização do capital. A criação de valor opera-se no tempo de trabalho necessário; a valorização
opera-se no tempo de trabalho excedente – se não há tempo de trabalho excedente, não há valorização mas,
apenas, criação de valor” (NETTO; BRAZ, 2006, p.121).
60

articulação de diálogos junto a instituições públicas e privadas, conseguindo doações,


negociações ou mesmo momentos formativos.
Dentre os desafios encontrados pela categoria para o processo organizativo
principalmente em cidades mais periféricas em que as instituições ou organizações da
sociedade civil em geral desenvolvem parcos trabalhados com esta categoria, destaca-se o
desconhecimento por parte de alguns catadores de seus próprios direitos conquistados
historicamente por meio de lutas e enfrentamentos diversos.
Nestes termos, a organização coletiva representa necessidade proeminente ao
alcance de condições dignas de trabalho, garantia de direitos, formulação e implementação de
políticas públicas e inclusive a contraposição às determinações impostas pelo capital
materializadas por meio das empresas do ramo da reciclagem e pelos atravessadores que
condicionam a realização do trabalho sob condições ainda mais aviltantes de exploração.
Como representação das contradições da sociabilidade burguesa, os catadores nos
lixões são herdeiros de um processo de exclusão, sofrendo na atualidade com a precarização
das condições e relações de trabalho, além da ausência ou pouca expectativa de inserção
formal no mercado de trabalho. Mesmo ao dispor de um código de identificação na CBO,
estes trabalhadores não são reconhecidos socialmente além de sofrerem preconceito, o que
contribui para a precarização das condições de vida em decorrência da atividade
desenvolvida.
Sobre a desproteção social e a relação de exploração que perpassa a atividade do
catador Birbeck apud Medeiros e Macedo (2006, p. 65), afirma que “(...) o auto-emprego não
passa de ilusão, pois os catadores se auto-empregam, mas na realidade eles vendem sua força
de trabalho à indústria da reciclagem, sem contudo terem aceso a seguridade social do mundo
do trabalho”.
Na busca pela continuidade de um sistema que nas suas expressões
contemporâneas caracteriza-se pela barbárie, as contradições capitalistas são elevadas ao
extremo, em que “enquanto se exponencia a possibilidade da produção de riquezas, um terço
da humanidade vive em condições animalescas” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 244). Isso
demarca a articulação entre as tendências fundamentais do capitalismo que se expressam de
diversas formas através da pobreza, fome, violência e miséria. Neste momento, “a pobreza vê-
se naturalizada e já não se põe mais a questão de suprimi-la: o que a ordem burguesa tem a
oferecer-lhe, para reduzi-la, é uma assistência social refilantropizada” (Idem).
Assim frente à ausência de direitos sociais básicos como o trabalho, em que a
inserção formal com garantias trabalhistas torna-se um privilégio de pequenas quantidades de
61

indivíduos altamente qualificados, a política de assistência social é expandida também de


forma precária e focalizada, tendo como critério basilar para o acesso a comprovação de
extrema pobreza.
No caso brasileiro de acordo com Maranhão (2010, p. 120), frente à “(...) situação
atual de mundialização do capital financeiro, a economia brasileira, que se encontra
amplamente subordinada aos desígnios dos especuladores internacionais, está fadada a
produzir altas taxas de desemprego, subemprego e precarização das relações salariais”.
Como estratégia de manutenção e reprodução desta ordem, a classe dominante
utiliza-se prioritariamente do Estado e desenvolve mecanismos de contenção da classe
trabalhadora e de promoção de acesso mínimo ao consumo. Neste estágio as políticas sociais
são formatadas e focalizadas com vistas ao atendimento aos segmentos mais pobres e
precarizados da população, destituídas do acesso ao emprego formal e com garantias
trabalhistas.
Particularmente no Brasil as principais estratégias de intervenções via estado tem
se pautado nas “diversas políticas de renda mínima”, acrescidas das “políticas de formação
profissional” (Idem, p.126) que também dispõem do apoio empresarial, com o objetivo de
capacitar a força de trabalho especialmente juvenil para as demandas do mercado.
Nesse processo, a atividade de catador de acordo com Calderoni apud Martins
(2003, p. 74) se constitui como “uma alternativa à marginalidade”, em uma sociedade que
fundamentalmente não dispõe da capacidade de inserção formal de todos os membros no
mercado de trabalho e do acesso igualitário a condição de cidadania; mesmo que
ontologicamente a desconcentração de riquezas pudesse garantir dignidade a todos.
É sob este ponto de vista que os trabalhadores orgulham-se da atividade realizada,
pois possibilita garantir a sobrevivência de forma digna, o que quer dizer o não envolvimento
com atividades ilícitas para garantir a sua reprodução social.
A atividade de catador ainda é perpassada pela visão dualística, de um lado a
concebe como prática que contribui para a preservação do meio ambiente, e de outro o ponto
de vista que a deslegitima e a desvaloriza socialmente, especialmente em decorrência da sua
relação periculosa e insalubre com o lixo. Assim, desprotegidos pelo estado quanto as
legislações trabalhistas, explorados pelo capital por meio das empresas recicladoras e
desvalorizados socialmente é que os catadores se inserem no mundo do trabalho nas suas
atuais facetas e reconfigurações.
É preciso dizer que as formas de resistência desse segmento não permitem que os
mesmos se subjuguem a toda essa gama de fatores desumanizadores. Os sorrisos são largos, a
62

fé na vida é constante e os sonhos não cessam. Elementos que compõem o diferencial da


humanidade, que garantem sentido e força para enfrentar um cotidiano adverso que teria
endurecido e obscurecido a alegria de muitos que não cresceram sob os ditames da exploração
e da precariedade da vida. Se o lixão tem as condições objetivas capazes de desumanizar, há
nos catadores uma energia que permite enxergar esperança e força para seguir em frente.
63

CAPÍTULO III

CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: ANÁLISES SOBRE AS


CONDIÇÕES DE TRABAHO, VIDA E SOBREVIVÊNCIA

Nesta seção, que versa sobre os resultados obtidos na pesquisa de campo,


delineamos sobre os achados do estudo que tem como objetivo central compreender e analisar
de que forma se materializam as condições de trabalho, vida e sobrevivência dos catadores de
materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu - CE.
O capitulo está estruturado em categorias, construídas a partir dos objetivos geral
e específicos. A síntese do objeto de estudo, foi realizada a partir da articulação entre a
pesquisa de campo e a pesquisa bibliográfica presente nos capítulos antecedentes. Para tanto,
utilizamos como técnicas de coleta de dados, a aplicação de questionários, entrevistas
semiestruturadas, além de técnicas etnográficas aplicadas durante a observação de campo,
seguida da construção de diários de campo.

3.1 Perfil socioeconômico e cultural dos trabalhadores

A construção do perfil dos catadores de materiais recicláveis neste trabalho,


constitui um dos objetivos específicos e um dos caminhos percorridos para o alcance da
compreensão sobre a forma de materialização das suas condições de trabalho, vida e
sobrevivência. Para tanto, utilizamos como percurso metodológico a aplicação de
questionários, além de dados extraídos dos diários de campo e das entrevistas anexas,
aplicadas junto a 10 (dez) catadores que representam o universo dos pesquisados, seguindo os
critérios de elegibilidade estabelecidos no trajeto metodológico.
64

Para este fim, os eixos orientadores do questionário versaram sobre dados


relativos à identificação pessoal, níveis de escolaridade, cor/etnia, religião, condições de
moradia, condições infraestruturais do bairro de moradia, composição familiar, recebimento
de benefícios sociais, participação em movimentos sociais, religiosos ou associativismo e
situação de contribuição para o regime de previdência social.
A partir destes procedimentos, podemos constatar que os catadores são pessoas
majoritariamente em idade adulta, com variação entre 27 (vinte e sete) e 44 (quarenta e
quatro) anos, o que não exime a existência de pessoas idosas trabalhando no lixão, conforme
realidade constada em diário de campo.
Encontramos por acaso uma senhora de 65 anos que estava sentada dentro da
barraca que estávamos ao lado conversando; assim ficamos sabendo que no lixão
também trabalham pessoas idosas. A mesma afirmou também ser catadora e se
dispôs a conversar conosco. Sua aparência demonstrava um pouco de debilidade e
incapacidade para a continuidade neste tipo de trabalho, mas quando o carro do lixo
chegou, as 10h da manhã, a mesma se dirigiu junto com o restante dos catadores
para a realizar a coleta (Diário de campo, 07/02/2015).

Durante a permanência no campo de pesquisa, também foi perceptível a presença


esporádica de crianças que por vezes ocupam este espaço, seja para acompanhar os pais nos
contraturnos escolares ou em períodos de férias, seja a procura de materiais presentes no
lixão.
A última visão que tivemos do lixão foram duas crianças de aparentemente uns sete
ou oito anos de idade em cima de umas barreiras de lixo coletando alumínio, o que
constatou o anteriormente afirmado pelos catadores de que às vezes as crianças
frequentavam o lixão para coletar alumínio e venderem. Esta visão me surpreendeu,
causando um misto de emoção por constatar uma hipótese do meu objeto de estudo e
ao mesmo tempo indignação e revolta por essa realidade degradante e deformante
das crianças enquanto ser social. As duas catadoras que nos acompanharam um
pouco mais até perto da saída do lixão nos informaram que essas crianças eram
filhas de catadores que ali trabalhavam. Essas foram as nossas últimas conversas,
nos despedimos, agradecemos e dissemos que voltaríamos outras vezes (Diário de
campo, 07/02/2014).

No que se refere ao gênero à maioria efetiva dos catadores é constituída por


mulheres; dado verificado tanto durante os momentos de observações de campo, quanto
durante a aplicação dos questionários, em que do total de 10 (dez) participantes, apenas 01
(um) era do sexo masculino. Constatamos que as mulheres catadoras enfrentam uma dupla
jornada de trabalho; iniciada no lixão e finalizada no ambiente doméstico ou de forma
contrária. Neste aspecto, a intensificação da exploração do capital sobre sua força de trabalho
é despendida tanto na esfera produtiva quanto reprodutiva.
O gráfico abaixo demonstra a composição de gênero entre os pesquisados, o qual
retrata claramente a totalidade dos trabalhadores do lixão.
65

GRÁFICO 1

Sexo

Feminino
Masculino

Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto à orientação sexual a heterossexualidade representa uma unanimidade


entre o grupo pesquisado, o que já não pode ser estendido a todo o restante dos trabalhadores,
tendo em vista que devido a natureza própria da pesquisa e a opção metodológica não foi
possível abranger todo o universo dos catadores, mas apenas um grupo amostral.
Ocorre também uma rotatividade entre os trabalhadores que se utilizam do lixão
como espaço de trabalho, o que abre precedente para considerarmos a possibilidade de que
haja pessoas com orientação sexual gay, lésbica, bissexuais, transexuais e travestis, porém não
foi possível constatar. Essa reflexão é significativa, pois, partimos do pressuposto que sujeitos
são dotados de sexo, sexualidade, “raça”, classe e como tais sofrem os rebatimentos oriundos
de um sistema classista, heteronormativo, racista e patriarcal.
Estes trabalhadores apresentam um histórico de longos anos de trabalho com a
coleta de materiais recicláveis, o que vale destacar que as poucas tentativas de realização do
trabalho no espaço urbano, diretamente nas lixeiras ou em instituições públicas parceiras que
dispunham de coleta seletiva de lixo interno, não foram bem sucedidas, pois acarretava em
menores rendimentos do que o trabalho direto no lixão.
Verificamos incipientes ou inexistes ações por parte da gestão pública no que
tange ao apoio a esta atividade, o que coloca o município de Iguatu em desacordo com o
preconizado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, especialmente no que se refere à
obrigatoriedade dos municípios em incluir os catadores na política municipal de resíduos
66

sólidos, como forma de promover condições dignas de acesso ao trabalho e fonte de renda as
pessoas com baixa renda.
Assim, a maioria destes trabalhadores dedicaram-se durante longos anos a esta
atividade como única fonte de renda. A longa trajetória de trabalho no lixão é retratada no
gráfico a seguir:
GRÁFICO 2

Quantidade de anos de trabalho


20
18
16
14
12
10
8
6 Quantidade de anos de
4 trabalho
2
0

Fonte: Dados da pesquisa.

Todos os trabalhadores residem em um bairro periférico da cidade denominado


Chapadinha, marcado pelo escasso acesso aos serviços públicos, localizado nas proximidades
ao lixão. Tal proximidade representa uma facilidade no deslocamento ao local de trabalho e
possibilita a realização do trajeto diário a pé. Porém, verificamos aspectos negativos
decorrentes de tal proximidade, tendo em vista que constitui a comunidade mais atingida
pelos efeitos nocivos do lixão a saúde de seus moradores, em decorrência do contato diário e
contínuo com a fumaça poluída resultante do processo de incineração do lixão, além de
fatores ambientais como o mau cheiro.
As condições de precariedade do bairro são atestadas pela inexistência de serviços
de coleta de esgoto, porém todos os moradores dispõem de acesso à energia elétrica e água
encanada.
Quanto à situação de moradia os pesquisados em grande maioria residem em
casas próprias, cuja maior parte foi construída pela prefeitura por meio de projetos
67

habitacionais. Apenas em 02 (dois) casos os catadores afirmam residirem em casas cedidas,


mas que em vista disso não realizam dispêndio mensal ao pagamento de alugueis.
Apesar de todos residirem atualmente no município de Iguatu, diferem quanto ao
município de origem, variando entre Iguatu, Mombaça,Crato, Assaré, Exu e Acopiara. Os
motivos influenciadores para tais deslocamentos - das cidades de origem para a atual - não
cabem aos limites desta pesquisa.
No que se refere à formação escolar, a maior parte sabe ler e escrever, sendo que
apenas uma das entrevistadas declarou apenas assinar o próprio nome e cursado até a 3ª
série32. Neste aspecto, a maioria dos catadores concluíram apenas a 8ª série, em uma
quantitativo de 06 dos 10 participantes da pesquisa e o restante variam entre a 3ª série, 6ª
série, 1º ano do Ensino Médio e o Ensino Médio completo.
GRÁFICO 3

Fonte: Dados da pesquisa.

Estas informações atestam que o desemprego na contemporaneidade atinge os


mais diversos segmentos que compõem a classe trabalhadora, dado que implica na extensão
de tal realidade aos diversos graus de escolarização. Em outras palavras, não é exclusividade
da parcela de trabalhadores analfabetos ou de baixa escolaridade os rebatimentos do
desemprego, este atinge também trabalhadores com alta escolarização – nível superior, pós-
graduados e etc. Vale destacar aqui que a alta escolaridade não condiz com a realidade dos
catadores de materiais recicláveis e que a precariedade das condições e relações de trabalho é
intensificada com maiores contundências no segmento de classe com mais baixo nível de
escolaridade.

32
Terminologia utilizada pelos catadores.
68

É nesse contexto, que alguns autores como Giovanni Alves (2013)33, defendem a
tese da existência do precariado como nova tendência que atinge a composição da classe
trabalhadora no atual estágio de desenvolvimento do capital. Segundo este autor, o precariado
é composto por indivíduos escolarizados ou altamente escolarizados, mas precarizados nas
suas condições de vida e sobrevivência, pois não dispõem de expectativas de inserção formal
no mercado de trabalho ou de realização dos sonhos construídos durante a formação escolar.
Em relação ao aspecto cor/etnia, a maioria dos catadores se auto declaram pardos,
em um quantitativo de 07 (sete); em contraposição a 03 (três) que se consideram brancos.
Estes dados retratam a condição de subalternidade com que a maioria da população negra se
encontra inserida, evidenciando uma sociedade em que o preconceito racial muitas vezes
determina a inserção no mercado de trabalho.
GRÁFICO 4

Cor/Etnia

Pardos
Brancos

Fonte: Dados da pesquisa.

Majoritariamente os catadores são seguidores da religião católica, em um total 08


(oito), já que apenas 02 (dois), afirmam serem seguidores de religiões evangélicas.

33
Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/. Acesso: 16/05/2014.
69

GRÁFICO 5

Religião

Católica
Evangélica

Fonte: Dados da pesquisa.

Apesar da maior parcela dos pesquisados se autodeclararem pardos, nenhum deles


afirmou ser seguidor de religiões de matrizes africanas, como umbanda ou candomblé.
Relacionamos esta constatação ao processo de preconceito e intolerância no que se refere as
religiões chegadas ao Brasil por parte da população negra. Neste aspecto, o preconceito racial
que entrelaça as relações sociais construídas nesta sociedade, também se expandem para
dimensões subjetivas como a religião, em que não raro as religiões de origens africanas são
associadas a práticas nocivas.
Quanto ao estado civil a maioria declara união estável, em um quantitativo de 05
(cinco); 03 (três) encontram-se solteiros e apenas 01 (um) casado e (um) 01 outro divorciado.
GRÁFICO 6

Estado civil

1
1 União estável
Solteiros
5
Casado
Divorciado
3

Fonte: Dados da pesquisa.


70

A condição de provedores da renda somada à presença unanime de filhos na


composição familiar, muitas vezes pressiona estes trabalhadores a encararem os desafios
cotidianos do trabalho, tendo em vista que esta opção muitas vezes constitui a única
alternativa, ou até mesmo a escolhida diante de possibilidades que não ultrapassam o âmbito
da informalidade.
A composição familiar em geral é formada pelo trabalhador, companheiro e pelos
filhos, em que apenas em alguns casos é acrescida de mães, irmãos e netos. De forma
majoritária os pesquisados não possuem na composição familiar pessoas com idades igual ou
superior a 60 (sessenta) anos ou que seja aposentado, pensionista ou beneficiário do Benefício
de Prestação Continuada (BPC), exceto uma catadora que reside com a sua mãe aposentada.
A quantidade de filhos chega a ser elevada, variando entre 01 (um) a 07 (sete),
entre as fases da infância, adolescência e juventude. O gráfico a seguir identifica a quantidade
de filhos por grupo familiar.
GRÁFICO7

Quantidade de filhos

7
6
5
4
3
2 Quantidade de filhos
1
0

Fonte: Dados da pesquisa.

A maioria dos catadores possuem um ou mais de um filho em idade inferior a 09


(nove) anos, o que justifica a incapacidade de contribuírem para o provimento da renda. A
maioria dos filhos fazem ou já fizeram parte do Programa para Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI) no âmbito do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) vinculado a
71

política de assistência social, o que atesta as condições de baixa renda nas quais as famílias
estão inseridas.
Todos os catadores são inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CAD-ÚNICO), o que novamente ratifica a condição de baixa renda por
parte dos mesmos. O benefício social de transferência de renda – Programa Bolsa Família
(PBF) - ocupa lugar central na complementação da renda, chegando a compor quase metade
da renda mensal extraída na catação.
Sob estas condições, a forma de inserção no mundo do trabalho torna o
trabalhador necessariamente dependente de um complemento de renda, aqui possibilitado via
PBF, o que atesta as condições de precariedade e os baixos rendimentos proporcionados pela
ocupação desenvolvida, tendo em vista que as formas de materialização das políticas sociais
no Brasil estabelecem de um lado o direito ao trabalho e de outro o direito a assistência social
como polos opostos e antagônicos, em contraposição a uma perspectiva de
complementaridade (SITCOVSKY, 2012). Desta forma, os beneficiários do PBF variam entre
pessoas à margem do direito ao trabalho ou por trabalhadores inseridos precariamente no
mercado de trabalho, os quais vivenciam relações de informalidade, exploração e baixa
remuneração.
O rendimento mensal advindos do trabalho em geral é inferior a um salário
mínimo, com variação entre R$300,00 à R$600,00 a depender do esforço individual de coletar
a maior quantidade possível de materiais. Constatamos durante a pesquisa de campo um
agravamento desta realidade em decorrência da baixa nos preços dos produtos por parte dos
atravessadores. Desta forma, o rendimento mensal é ainda mais rebaixado, ou acarreta na
exigência de um maior grau de esforço físico e desgaste diário para a manutenção da mesma
renda. Na tabela a seguir é destacado o rendimento mensal dos catadores.
72

GRÁFICO 8

Rendimento mensal

1 1
R$ 300,00
1
R$ 350,00
2
R$ 400,00
R$400,00 à R$500,00
R$ 500,00
3
2 R$500,00 à R$600,00

Fonte: Dados da pesquisa.

A condição de provedores da renda, atrelado ao baixos rendimentos e a uma


composição familiar numerosa, resulta na insuficiente capacidade de atendimento a todas as
necessidades. Ao dispor apenas quando possível da ajuda de membros familiares, de
benefícios de transferência de renda ou com o desenvolvimento de outras atividades atípicas
“bicos”, que também estão inseridas no âmbito da informalidade, estes trabalhadores não
podem dispor de fontes efetivas de suprimento de suas necessidades.
O rendimento diário não é possível ser quantificado tendo em vista que a venda
ocorre em um espaço de tempo quinzenal, mensal ou trimestral. A demora pela venda não
ocorre devido a uma opção dos catadores, mas em decorrência da imprevisibilidade dos
atravessadores em realizarem a compra.
Os catadores enfrentam uma extensa jornada de trabalho, em geral superior a 08
(oito) horas diárias, o que dialoga com a condição de informalidade e a consequente definição
dos próprios horários de trabalhos, em geral incompatíveis com o que preconiza a
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), segundo a qual a jornada não deve exceder 08
(oito) horas diárias34.
No caso dos catadores, a jornada de trabalho chega a estender-se entre 08h e
30min à até 11h diárias. A chegada ao lixão ocorre bastante cedo, entre 07 e 08 horas da
manhã e a volta pra casa apenas quando a noite se aproxima, pois a ausência de iluminação no
34
Disponível em: <https://www.empregasaopaulo.sp.gov.br/IMO/aprendiz/pdf/CLT%20-
%20Consolidacao%20das%20Leis%20Trabalhistas.pdf>. Acesso em: 15/04/2015.
73

local dificulta a continuidade dos trabalhos. Devido à dependência do horário de chegada do


caminhão coletor de lixo urbano, os trabalhadores não podem voltar pra casa no horário de
almoço, pois perderiam a coleta a ser realizada no caminhão que chega por esse horário. Desta
forma, as refeições diárias são realizadas no espaço de trabalho, ao contar com o auxilio das
barracas construídas para este fim e para a guarda dos pertences.
Tal realidade é retrata por Alves e Tavares (2006), ao afirmar que o trabalho
informal ou autônomo, alardeado em fase de crise estrutural do capital, encontra-se
impregnado por sua lógica, não mantendo com esta uma relação de autonomia ou
independência, ao contrário, o trabalhador inseri-se na lógica de exploração igualmente
presente nos espaços formais de trabalho ou até de forma mais intensa, mesmo não contando
com a figura física de um patrão. Nesta forma de inserção, também os frutos do trabalho e a
mais-valia produzida são apropriadas pelo capital.
Desta forma, o tempo de trabalho socialmente necessário35 também é ditado pelo
capital, em decorrência do fato de que as ausências no trabalho ou o não estabelecimento de
uma jornada extensiva acarreta em dificuldades para garantir o mínimo de renda mensal.
A precariedade com que estes trabalhadores se inserem no mundo do trabalho,
também é expressa pela ausência coletiva de contribuição por parte dos mesmos para o
regime de previdência social. O que acarreta na impossibilidade de aposentadoria na fase da
velhice e na consequente necessidade de manter-se no trabalho, mesmo diante de limitações.
Dentre os motivos retratos como empecilhos para a não contribuição, destacou-se
predominantemente a ausência de conhecimentos e informações necessárias para este
procedimento, acrescido de fatores como: descuido, descrédito no regime de previdência
social, carência de condições financeiras, descobertura por parte do regime de previdência
social, além da não procura por informações relacionadas ao assunto.
Sob este aspecto, Alves (2015)36 conforme abordado no capítulo I, retrata a
existência não só do precariado, mas também do gerontariado como nova composição da

35
Conforme sinaliza Netto e Braz (2006), o tempo de trabalho necessário no capitalismo, corresponde ao tempo
gasto para a reprodução do trabalhador. Sob a condição de assalariamento o tempo de trabalho necessário se
remete ao tempo gasto para a produção do valor correspondente ao seu salário, em contraposição ao tempo de
trabalho excedente que compõe os lucros do capitalista. No que tange aos catadores que vivenciam condições de
informalidade, o tempo de trabalho necessário, se refere ao tempo gasto para a quantificação do valor a ser
recebido por parte dos atravessadores. Nestes termos, o restante do trabalho mensal por eles desenvolvidos
corresponde ao trabalho excedente que lhes é expropriado e compartilhado entre o restante da cadeia produtiva
da reciclagem.
36
Disponível em: http: <//blogdaboitempo.com.br/category/colunas/giovanni-alves/>. Acesso em: 03/03/2015.
74

classe trabalhadora no Brasil, o que demarca uma nova face da precarização estrutural que
atinge o mundo do trabalho. Nestes termos, o gerontariado é composto em geral por
trabalhadores acima de 60 (sessenta) anos, que necessitam permanecer ativos em sua
atividade laboral, mesmo que disponham de aposentadorias ou pensões.
No caso dos catadores, a precariedade que certamente incidirá sob a fase da
velhice, caracteriza-se pela ausência de formas alternativas para a garantia da sobrevivência, o
que reflete na necessidade de permanência no trabalho como forma de manutenção da renda.
Tal realidade foi constatada durante a observação de campo em que a constatação de pessoas
com 60 (sessenta) anos ou mais trabalhando no lixão ratificam a precarização que atinge todas
as fases da vida destes trabalhadores.
Tal realidade também é retratada por Tavares e Sitcovsky (2012, p.197-198), ao
analisarem dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Segundo o IBGE (2008), mais de 44 milhões de brasileiros caminham para a
desproteção social quando atingirem a velhice. São trabalhadores informais, por
conta própria (autônomos), sem carteira assinada, ou seja, aqueles que não
contribuem para a previdência social e que representam 47,9% da população
ocupada.

Ao tratamos sobre a participação em movimentos sociais, religiosos ou algum tipo


de associativismo, a maior parte dos pesquisados afirmam participarem da associação de
catadores como único processo organizativo; apenas 02 (dois) dos pesquisados acrescentou
participar também da associação de moradores do bairro e em outro caso a participação em
movimentos religiosos vinculados à igreja evagélica. Tal realidade demonstra um
distanciamento quanto a outros processos organizativos presentes tanto no próprio bairro
como a associação de bairro, quanto no âmbito da categoria, como o MNCR de abrangência
nacional.
Esta realidade é retratada por Vasapollo (2005, p.385), ao afirmar que o
trabalhador precarizado apresenta como uma das principais características a dificuldade na
organização enquanto sujeitos coletivos. Nas palavras do autor, “essa condição, em sua
materialidade, significa dificuldades não apenas em organização mas também de ele se
considerar como sujeito, para todos os efeitos”. É nestes termos que sob as atuais
configurações do mundo trabalho, o poder de barganha da classe trabalhadora contraria a
exploração do capital, sofre declínio.
Apesar dos avanços, a condição de isolamento quanto a pautas mais gerais e a
articulação com outros catadores, fragilizam a luta em defesa de suas necessidades em âmbito
75

local e formação de uma consciência de classe, muitas vezes reduzida a parcas formações
políticas vivenciadas.

3.2 Motivos e determinações para o trabalho com a coleta de materiais recicláveis

Para a construção deste subitem e dos subitens a seguir, utilizamos como técnicas
de coleta de dados a entrevista semi estruturada aplicadas junto a 10 (dez) catadores, além dos
diários de campo construídos durante a observação de campo. Para a sua construção
buscaremos realizar uma síntese das nossas constatações a partir da pesquisa de campo
articulada à pesquisa bibliográfica que fundamenta este estudo.
Para isso, partimos do pressuposto inicial de que a vida social é envolvida por
uma complexidade de relações sociais, estruturadas a partir da realidade concreta e material. É
sob esta ótica, que autores vinculados a teoria social crítica defendem a construção do ser
social a partir da base material, que tem objetividade na atividade econômica, proporcionada
pelo trabalho.
Neste sentido, conforme afirmado por Antunes (2009) no capítulo I, o trabalho
constitui-se como a primeira forma de sociabilidade entre os homens, complementada pelas
demais atividades tão fundamentais quanto esta, tais como a arte, o lazer, a cultura, a
educação, dentre outras. É neste sentido que o homem apresenta como necessidade imanente
enquanto ser social e para a produção dos meios necessários a subsistência e reprodução, o
desenvolvimento do trabalho, cuja atividade entrelaça a vida humana desde os primórdios.
Com o advento da sociedade do capital, o estranhamento como pilar estruturante
desta sociedade, passa a estruturar também as diversas esferas da vida humana e transforma o
trabalho em uma atividade que expropria o trabalhador de sua própria humanidade.
Consoante a isto, diversos motivos inferem para a entrada no mundo do trabalho,
tanto quanto necessidade ontológica que envolve o ser social; quanto pela necessidade de sua
auto produção e reprodução; mesmo sob as condições de estranhamento impostas pela
sociedade do capital.
No que tange aos catadores de materiais recicláveis do lixão de Iguatu, uma
complexidade de determinações envolvem o seu vivenciar cotidiano e o seu histórico de vida
que muitas vezes determinam a escolha por este trabalho, tanto por escolha própria diante de
76

alternativas de trabalho também informais, precária e com baixos rendimentos, ou mesmo


como única alternativa encontrada para o sustento próprio e familiar.
A necessidade de garantir a sobrevivência e dos filhos, muitas vezes atrelada a
ausência de outras fontes de renda ou da contribuição por parte de um companheiro para o
provimento da renda familiar, responsabiliza a mulher – mãe - por esta função. Desta forma, a
ausência de vagas no mercado de trabalho formal contribui para que o trabalho com a coleta
de materiais recicláveis no lixão represente uma alternativa, conforme depoimentos coletados
durante o trabalho de campo.
O motivo que fez eu vir pra cá foi porque o meu ex-marido ele bebia muito, muito
mesmo, ai eu me encontrei com dois meses de aluguel atrasado, meu bebê esse de
dez anos que esta ai, ele estava completando um mês, o dono da casa chegou lá em
casa e disse pra mim que estava com dois meses de aluguel atrasado, e não tinha
nada para os meninos e eu me obriguei a vim (...) Ai eu vi o pessoal vindo pra cá e
vim tentar arriscar e deu pra ir sobrevivendo e hoje eu consegui, tudo o que eu
consegui até hoje foi daqui. E agradeço muito por ter encontrado essa forma de
sobreviver sem depender dos outros (entrevistada 1).

A fome (entrevistada 4).

Sabe o que foi? Não tem aquele ditado que diz que quando a gente não vem por
amor, vem pela dor? Eu não trabalhava em casa de família, eu não trabalhava...
Quando eu me juntei nova, com 14 anos, ai não trabalhava, ai perdi o meu marido,
meu primeiro marido, ai minha cunhada começou, vamos para o lixo, catar o lixo, ai
eu dizia, não mulher eu acho que eu não dou pra ali não, eu tenho nojo, ai comecei e
me empolguei, pronto, ai eu acho que eu dei pra coisa (risos) (entrevistada 9).

Ah, problemas financeiros, sem ter nada em casa e tudo, ai a gente achou aqui, o
lixão, ai ficamos (entrevistada 10).

A fome citada direta ou indiretamente por todas as entrevistadas é uma realidade


que muitos de nós desconhecemos, porém ainda é presente na vida daquelas pessoas que a
margem das regalias garantidas por uma pseudo meritocracia, democrática vivem as agruras
da lógica destrutiva do capital. A fome e a necessidade de garantir uma fonte de renda são os
dados colocados nas falas, porém o trabalho com a coleta de materiais recicláveis muitas
vezes torna-se preferível em comparação a outras formas de trabalho também inseridas no
âmbito da informalidade. A ausência de uma submissão, diretamente, a uma figura física – o
patrão, se configura como um dos motivos expostos para a preferência deste trabalho em
relação a outros, como os empregos domiciliares que muitas vezes se constitui como única
alternativa para esta parcela da população a margem do acesso ao emprego formal. Tal
realidade é constada na fala de algumas das pessoas entrevistadas.
Por que aqui a gente trabalha por conta própria né? No dia que da certo vim a gente
vem, no dia que não da, a gente não vem e não tem ninguém mandando, no dia que a
gente quer sair mais cedo, sai (entrevistada 6).
77

Por que é muito bom, só em você não viver nas casas aguentando abuso das pessoas,
porque as vezes você arruma um emprego nas casas, pra você ganhar uma mixaria,
você além de ganhar uma mixaria, todo santo dia que você esteja sadia que você
esteja doente você tem que ir, que é a sua obrigação. E aqui não, aqui se você estiver
doente você não vem, não tem ninguém pra mandar em você, não tem ninguém pra
lhe gritar, aqui é um serviço próprio que você trabalha e você gosta, que realmente
eu trabalho aqui eu gosto de trabalhar aqui (...) porque só em você não ser mandada
por ninguém, é bom demais (entrevistada 7).

Desta forma, constatamos que a catação de materiais de materiais recicláveis se


constitui como atividade realizada por uma quantidade expressiva de trabalhadores
provenientes de classe social baixa e com inserção precária no mundo do trabalho, conforme
dados retratados nesta pesquisa. Historicamente estes trabalhadores ocupam tanto as ruas da
cidade quanto os lixões a céu aberto. Assim, para além das determinações objetivas e
subjetivas que influenciam a realização deste trabalho, alguns motivos também condicionam
para que o trabalho seja realizado no espaço propriamente do lixão e não nas ruas da cidade.
Quanto aos catadores pesquisados, inseridos no processo de catação diretamente
no lixão, é unanime a realização do trabalho neste único espaço, tendo em vista que as
condições objetivas tornam o lixão mais propício do que as ruas. A não propriedade dos
meios de trabalho como as carroças que representam um transporte indispensável para os
longos trajetos nas ruas, além da distância em relação ao local de moradia é frequentemente
retratada dentre os motivos influenciadores para a escolha do lixão como espaço de trabalho,
conforme depoimentos.
Teve um tempo ai que a gente fez na rua, mas ai ficava muito difícil porque a gente
não tinha transporte, não tinha carrinho de mão, a gente pagava uma carroça, quando
era no final da semana não dava nem pra pagar o frete da carroça que a gente “tava”
alugando, então não compensava. A melhor forma é só aqui mesmo que o prejuízo
sai menos (entrevistada 1).

A gente não faz na rua porque a gente não tem, eu acho assim que na rua a gente não
ganha do tanto que ganha aqui né? Porque aqui é mais coisa e devido você não ter
transporte para você ir “pra” rua. “Pra” cá a gente já vem a pé e volta todo dia a pé,
sem transporte, imagine daqui para a rua né? (entrevistada 7).

Para estes trabalhadores a necessidade de alugar o meio de transporte a ser


utilizado contribuiria para a precarização do trabalho, proporcionando rendimento ainda mais
baixos. A proximidade do local de moradia ao espaço de trabalho também se destaca como
um fator influenciador, sendo ratificada pelo fato de todos os catadores residirem do bairro
Chapadinha.
Esta realidade é retratada por Martins (2008) no capitulo II, ao afirmar que os
catadores compõe a parcela mais pobre da população expurgada para os bairros periféricos
das cidades e com limitações no acesso a direitos básicos. Em vista do distanciamento, o
78

deslocamento ao trabalho especialmente quanto localizado em áreas centrais resulta em


dificuldades e muitas vezes na impossibilidade de realização do trajeto.
O sentimento de pertencimento ao local de trabalho também ganha relevância em
um contexto de disputa pelos materiais recicláveis. No espaço urbano identifica-se uma
quantidade mais expressiva de catadores, o que acarreta em uma disputa por territórios de
atuação, já no lixão a maior quantidade de materiais, associada a menor quantidade de
trabalhadores, contribui para a garantia de melhores rendimentos e para que não ocorra
disputa pelo menos entre os que ali trabalham diariamente conforme sinalizado nos relatos
dos catadores.

3.3 Compreensão e percepção do trabalho sob a ótica dos catadores

Conforme a teoria social critica, o trabalho constitui a razão de ser do homem


social, para tanto, representa a categoria ontológica central com cuja atividade as pessoas em
sociedade constroem os meios necessários a sobrevivência e transformação. Por estes
motivos, é no âmbito do trabalho que o homem encontra a primeira fonte de significação e
razão para a vida.
O trabalho dos catadores é permeado pela contraditoriedade e dialética que
perpassa a sociedade capitalista. Ao não articular a atividade do catador a totalidade da
dinâmica do capital, muitas compreensões se desenvolvem de forma fragmentada, superficia e
o não ultrapassam o âmbito aparente.
Nestes termos, a compreensão e percepção sobre o significado do trabalho de
catador sob a ótica dos próprios sujeitos da pesquisa, compõe um dos objetivos específicos
deste estudo.
Na sociedade do capital o trabalho é subsumido as próprias determinações do
capital, em que a dimensão concreta que representa a dimensão ontológica do trabalho torna-
se refém da dimensão abstrata. Como uma atividade opressora e desgastante o trabalho muitas
vezes destitui o homem de sua própria humanidade.
Vale ressaltar, que é a própria contradição que envolve esta forma de
sociabilidade que permite que o trabalho continue apresentando uma centralidade para a vida
e a sociabilidade entre os homens, o que contraria as teses defendidas por autores pós-
79

modernos ou pós-estruturalistas, de que vivenciamos uma era marcada pelo fim da


centralidade do trabalho.
Nestes termos, o que se delineia é que mesmo o capital tornando invisível a
dimensão concreta e tornando aparente apenas a dimensão abstrata do trabalho, fundamentada
na exploração, no fetichismo e nas relações entre mercadorias, ao constituir uma unidade de
contrários, o capital não destitui a dimensão concreta do trabalho, produtora de riqueza e de
sentido para a vida humana, mas apenas a invizibiliza para as relações de compra e venda,
para com as quais não estão ausentes o trabalho de catador.
Nesse sentido, uma catadora afirma o quanto o trabalho com a catação de
materiais recicláveis no espaço do lixão, foi importante para que construísse laços sociais e
alcançasse alguns objetivos, confirmando o apontado por Antunes (2009) de que a primeira
esfera de construção da sociabilidade humana encontra-se no trabalho.
Depois que eu passei a trabalhar aqui no lixo, eu aprendi a ter conhecimento, foi
onde eu aprendi a conhecer mais as pessoas. Antes disso eu não conhecia, não tinha
conhecimento com ninguém, nem via, não sabia nem como era que o mundo existia
pra melhor lhe dizer. Depois que eu vim pra cá foi que as coisas melhoraram pro
meu lado, que foi quando o meu cartão veio aprovado, do Bolsa Família, ai me
envolvi com as pessoas que tinham mais conhecimento, ai consegui minha casa. E
graças a Deus eu me sinto bem e sou feliz no que faço (entrevistada 1).

Uma entrevistada que afirma sentir depressão como agravo a saúde, ressalta a
importância do trabalho para a distração, o qual conforma uma realização positiva para a sua
vida.
Muito importante porque eu estando trabalhando eu estou me distraindo, melhor até
para minha doença (entrevistada 4).

Ele é bom assim, porque você se distrai lá, quando você ta trabalhando você não ta
pensando coisa ruim, imaginando só em juntar muita coisa pra vender (entrevistada
5).

Ao retratar a importância do trabalho destacado pelas entrevistadas 5 e 6 como


forma de sociabilidade entre os colegas de profissão, não se pretende naturalizar as condições
degradantes de trabalho aos quais encontram-se submetidos dentro do lixão, muito menos a
inserção de trabalhadores com sofrimentos psíquicos em locais de trabalho marcado pela
insalubridade e exploração, mas destacar a ontologia do trabalho em sua dimensão concreta,
qual seja a de dar significação e sentido para a vida humana em sua primeira instância.
Para o capitalista o que importa é a mais-valia proporcionada durante o tempo de
trabalho excedente. Para este não importa as condições de físicas ou de trabalho as quais os
trabalhadores estão submetidos, o que importa resumi-se a apropriação dos frutos do trabalho,
80

ou seja, do esforço físico despendido durante a jornada de trabalho, pois constitui a razão de
ser da acumulação de riquezas.
O trabalho com a catação também é constantemente identificado como bom por
representar a fonte da renda e de sustento familiar, o que de acordo com os catadores, justifica
os riscos e danos a que estão submetidos diariamente.
Pra mim é bom, em outros pontos eu corro risco, por que tem muito risco aqui que a
gente corre, que a gente carrega muito peso, também tem assim muitas bactérias,
tem risco de pegar né? Porque é um trabalho que assim, não tem patrão. Eu acho
assim, melhor assim. É onde eu tiro o meu sustento (entrevistada 9).

Eu gosto de ser catadora, mas é muito perigoso o meu trabalho, muito seboso
também, é, a gente vê muita dificuldade, se você luta dentro do lixo, você luta com
tudo quanto não presta, pega em tudo mesmo o que não presta, então você esta
sujeito a tudo mesmo, dentro do lixo. A corte de vidro, a uma doença, micose, tudo o
quanto é ruim né! Nada quanto é bom (risos). Também acho bom o meu trabalho
porque tira a renda, tira o dinheirinho e é do que nós vivemos (entrevistada 10).

É por que não da “pra” viver sem trabalhar, não dá pra viver sem ter um trocadinho,
sem comprar suas coisas, sem pagar suas contas, é muito ruim ficar sem trabalhar.
Eu já “to” quase três meses parada, é horrível, horrível ficar sem trabalhar. Então a
importância do trabalho é essa, você possuir suas coisas, você ser dona do seu
próprio nariz né? Ter as condições puder comprar o que você quiser, sem ter que
esta pedindo nada a ninguém (entrevistada 2).

Se nos ativermos a gênese do capital industrial, lembraremos de elementos da


literatura infantil que visava fortalecer a perspectiva do trabalho dignificante e via única de
existência, não estamos aqui tratando do trabalho ontológico, o trabalho que estas literaturas
enfatizavam/enfatizam é o trabalho alienado dentro do capital. As condições de exploração e
existência da classe trabalhadora são tão degradantes e precárias no capital, que desde o seu
início foi preciso incutir neste segmento que o trabalho é o dignificante, sem trabalho no
capital não há vida. Esse sentimento atrelado ao consumo inerente ao modo de produção
vigente são armas poderosas para a garantia da reprodução do capital. Esse sentimento, essa
cultura faz com que os catadores se sintam formigas de La Fontaine ao estarem no lixão, com
uma carga horária excessiva de trabalho. Estar fora dessa dinâmica é ser cigarra, que ao
cantar, “perde a dignidade da vida”. Nenhum modo de produção sustenta-se sem um
arcabouço ideo-cultural que o legitime, o produza e reproduza cotidianamente.
Ao retomarmos as falas, podemos destacar que o trabalho dentro do lixo é
caracterizado como insalubre e seboso o que representa a não existência das condições básicas
de segurança para a garantia da saúde e ‘dignidade’ do trabalho. Apesar das condições
infraestruturais do ambiente, a possibilidade de garantia do sustento, faz com este trabalho
tenha um sentido fundamental na vida dos catadores.
81

O trabalho também significa vencer na vida, lutar para alcançar os objetivos e


perspectivas de futuro. Desta forma, é a partir desta atividade que torna possível a conquista
de alguns objetivos, mesmo que estes estejam reduzidos apenas ao sustento próprio e familiar.
O meu trabalho eu vejo que graças a Deus eu luto muito pra poder eu batalhar o pão
de cada dia, todo santo dia pra nunca faltar na minha casa, para eu não ver meu filho
em casa de ninguém nem eu ta com uma bacia pedindo nas casas, que é a coisa mais
importante que tem, e é o suor mais sagrado que Deus deixou no mundo foi esse, de
você trabalhar (entrevistada 7).

Significa muita coisa, ser vencedora, lutar por aquilo que a gente quer, muita coisa
(entrevistada 8).

O sentido do trabalho na percepção dos catadores, também está associada ao


status de ter uma profissão. Em alguns relatos percebemos que os catadores já possuem o
conhecimento da inserção da ocupação na CBO, mesmo que essa compreensão seja apenas de
modo superficial. Tal inserção reconhece a atividade de catador de material reciclável por
meio do código de classificação 5192-05.
Acho que é uma profissão né? Não tem assim como é que se diz, não é uma coisa
credenciada com os direitos, mas é uma profissão, é um trabalho digno, como
qualquer um (entrevistado 9).

É ter uma profissão... é porque diz que ser catador não é ter uma profissão né?
Porque não é legalizado no país nem nada né? Mas agora já tem uma lei né? Mas
significa que nós estamos catando, além de nós estar trabalhando, estamos ajudando
o meio ambiente, tirando um bocado de lixo do solo (entrevistada 10).

Conforme explicitado nas falas, o reconhecimento da ocupação de catador como


profissão representa um avanço em suas lutas mesmo que de forma bastante escassa e não
acompanhada por conquistas efetivas de direitos, especialmente no que tange ao não acesso a
política de previdência social. Assim, ao passo que a condição de autonomia não possibilita
renda suficiente para a contribuição autônoma, o regime de previdência social também não os
reconhece enquanto segurados especiais, emperrando o processo de aposentadoria durante a
velhice.
Para alguns catadores o significado do trabalho não é compreendido
profundamente, sendo percebido apenas como uma consequência do próprio destino e não
como projeto de vida ou escolha realizada e compreendida pelos próprios sujeitos.
Eu acho que não tem nenhum significado não, a gente não sabe nem o que é ser
catadora, a gente vira catadora de uma hora pra outra (entrevistada 2).

Ah ser catador é assim, é um negócio que é isolado, porque eu acredito assim que
ninguém quer... Ser catador é você ser uma pessoa isolada, mas ao mesmo tempo
também você faz uma função importante, que é tirar o sustento da sua família. Ser
um catador, pra mim eu não sei nem explicar direito, mas é bom, por enquanto até
agora está bom demais (entrevistado 6).
82

O entrevistado 6 em seu relato, demonstra não compreender o real significado do


trabalho para sua vida, o único sentido se encontra na garantia do sustento familiar. A
ausência de compreensão sobre o significado da própria atividade desenvolvida como forma
de garantir a subsistência demarca um processo de alienação explicitado nas entrelinhas das
falas dos entrevistados.
Contudo, para quem desafia as determinações macroestruturais que teimam em
retirar desses trabalhadores as condições de vida e existência, tal significado muito representa.
Sair da base das estatísticas de morte prematura, inserção na criminalidade, dentre outras
destinadas à população pobre, é suficiente para quem conhece de perto as consequências do
“bom funcionamento” da ordem sociometabólica do capital.
Portanto, faz se necessário discutir também acerca dos desafios que entrelaçam o
cotidiano de vida e trabalho dos catadores. Entendermos como estes desafios são enfrentados
e quais as formas pensadas ou não para a sua superação/aceitação é de fundamental
importância.

3.4 Desafios que entrelaçam o cotidiano de vida e trabalho

“Um homem se humilha


Se castram seus sonhos
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre se mata...”
Gonzaguinha

A visão de chegada ao lixão é marcada por barreiras de lixo, logo no início é sentido
o mau cheiro, Gardo37 me explicou que hoje não estava cheirando tão mau, mas em
outros momentos que esteve no lixão, o cheiro ruim estava bem mais forte. Ao
sairmos de lá não conseguimos descobrir por que neste dia o cheiro estava menos
forte. Conseguimos ver logo de início alguns urubus e muitas moscas, e uma única
árvore dentro do terreno, que demarca a chegada ao lixão. Ao lado da árvore
caminhamos por uma estrada ao lado direito do lixão e ao levantarmos a visão já
conseguimos enxergar algumas barracas e catadores, já no processo de catação,
rodeados de lixo por todos os lados. É em meio a barreiras de lixo que estes
trabalhadores realizam a coleta de materiais apropriados a venda e posteriormente a
reciclagem (Diário de campo, 07/02/2014).

37
Intermediário da minha entrada a campo e do contato com o grupo social em estudo.
83

FOTO 1: Foto da chegada ao lixão38.

Por meio dessas anotações feitas em diário de campo, é possível perceber que o
cotidiano vivenciado por estes catadores no espaço do lixão é marcado por inúmeros desafios
que necessitam ser encarados cotidianamente para a realização do trabalho.
As condições de precariedade e insalubridade as quais estão inseridos conformam
um ambiente de trabalho atípico entrelaçado por desafios e adversidades, com os quais a
convivência cotidiana durante longas jornadas e anos de trabalho, faz com que tais desafios já
sejam enfrentados com maior facilidade. Como discutido por Vasapollo (2006), o trabalho
atípico é marcado pela ausência de uma ou mais características presentes nas relações formais
de trabalho, que obedecem a normas contratuais, a quantidade de tempo determinada e a
garantias trabalhistas.
As dificuldades encontradas versão desde as condições infraestruturais do
ambiente, baixos rendimentos, agravos à saúde - ocasionados pela composição do lixo e pela
exposição a fatores físico-químicos -, cansaços, preconceitos, além da ausência de apoio por
parte dos órgãos públicos na realização do trabalho.
Alguns catadores inicialmente afirmavam não encontrarem dificuldades para a
realização do trabalho, sendo justificado pela quantidade de tempo dedicado a realização da
mesma atividade, estando assim mais acostumados com os fatores com potencialidades para

38
Ao lado direito da única árvore existente na entrada do lixão, encontra-se a estrada pela qual da acesso as
barracas dos catadores.
84

causar incomodo. Na fala a seguir identificamos um processo de adaptação às adversidades do


ambiente de trabalho, as quais estiveram mais presentes no período de inicio, mesmo que no
decorrer das entrevistas sejam destacados outras dificuldades que enfrentam na realidade
diária.
Eu não acho mais dificuldade assim, no inicio ate sim, a fumaça incomodava, o mau
cheiro incomodava, o sol quente, a chuva, tudo incomodava assim, mas agora o que
incomoda mesmo não é nem o sol, a chuva, no tempo chuvoso, no tempo do
inverno, incomoda por causa do lameiro que fica, a gente fica atolando, mas é só por
causa disso mesmo, outra coisa não incomoda não, porque a gente já esta
acostumado né? (...) No início me incomodava muito o mau cheiro, os mosqueiros
incomodava muito, ficava sentado na gente e aquela coisa e sol quente também né?
Devido as roupas que a gente usa, mas agora nada disso me incomoda mais não. Eu
sinto é falta (entrevistada 2).

Já em outros relatos tornam-se evidentes as várias dificuldades que entrelaçam o


cotidiano de vida e trabalho. O início do trabalho com a coleta de materiais recicláveis é
marcado pelos desafios para a adaptação e enfrentamento a vergonha, preconceitos e estigmas
sentidos em decorrência do próprio trabalho. Estas constatações são bastante evidentes na nas
falas de duas entrevistadas.
Primeiramente eu nunca tinha nem visto falar, diretamente ver um lixo, eu só ouvia
falar, ai quando eu cheguei aqui eu me acanhei muito, ficava pelos aceiros, eu não ia
catar nos carros que nem o pessoal. Ai do meio pro fim eu fui vendo como era que
todo mundo ia fazendo, ai eu fui botando na cabeça que eu tinha que trabalhar,
porque eu tinha meus filhos para sustentar, então eu decidi que eu ia enfrentar
qualquer coisa, obstáculos, o que tivesse na frente eu ia enfrentar de cabeça erguida,
que eu não estava fazendo nada de errado, tava simplesmente trabalhando para
ganhar o sustento (entrevistada 1).

No inicio foi mais vergonha mesmo dos outros e assim a dificuldade, não tem muita
dificuldade não pra você catar materiais recicláveis não, embora seja tirando do lixo,
ali de dentro, as dificuldades é essa porque você tem que enfrentar a catinga, o mau
cheiro, o preconceito dos outros, né? (entrevistada 2).

Apesar de se constituir como uma estratégia de trabalho, tendo em vista a


ausência de outras alternativas garantidores de melhores rendimentos, o trabalho com a coleta
de materiais recicláveis dentro do lixão é constantemente associado à situação de mendicância
por parte da população que observa as condições de trabalho a partir da sua zona de conforto,
apenas ao passar em frente ao lixão e perceber a inserção dos mesmos em um espaço coberto
por amontoados de lixo, mau cheiro, presença de insetos e animais. Assim afirma Ana:
“Somos vistos como se fossemos lixo também” (Diário de campo, 07/02/2015).
Sobre o preconceito que entrelaça o cotidiano de vida e trabalho, uma catadora
afirma está associado tanto ao fato de trabalharem no lixão, quanto por residirem em um
bairro periférico da cidade.
85

A gente já tem um preconceito muito grande, a gente já encara um preconceito


muito grande por ser moradora da Chapadinha, só por você morar próximo ao lixo,
você já tem um preconceito. Então quando as pessoas sabem que trabalha lá dentro,
ai ferrou, o preconceito toma conta mesmo (...). Ás vezes as pessoas tentam até
disfarçar, mas o preconceito é devido ao lixo, a pessoa trabalha no lixo, uma coisa
que fede, uma coisa que tem imundice, uma coisa que tem carniça (entrevistada 2,
grifos nossos).

A partir de tais relatos, percebemos que o preconceito se constitui como uma


quebra da condição ontológica do homem enquanto ser social, a partir do não reconhecimento
do outro em si próprio. O distanciamento que se estabelece entre os trabalhadores do lixão e a
as pessoas que desconhecem esta realidade, inseridas em ambientes de trabalho ausentes dos
diversos elementos que determinam a insalubridade presente no lixão, faz com que a condição
ontológica que iguala os seres humanos entre si seja rompida ou fragilizada, pois um homem
já não se reconhece em seu semelhante.
Para além dos preconceitos e estigmas vivenciados, o cotidiano de trabalho dos
catadores também é permeado pelo enfrentamento contínuo ao sol, a chuva, a fumaça e a
poeira. Tais fatores além de dificultar a realização do trabalho, também constituem elementos
com potencial para ocasionar agravos à saúde, o que ratifica as condições de insalubridade
presentes no ambiente de trabalho.
Quando ta chovendo, o mela-mela é grande. Agora não, por que a chuva ta assim
temporária, mas quando é época de inverno cria aqui um bicho de pé que não tem
noção. Às vezes a gente não quer nem vim, mas é o jeito vim porque se não vier a
gente já faz diferença no trabalho, no material da gente. Na seca a poeira, a fumaça a
gente tem problema de asma, da falta de ar, na vista também, ataca a vista da gente,
da dor de cabeça. O sol acaba com nós, tanto na pele como na cabeça também que a
gente fica doidinha. Dói a cabeça, mesmo que a gente se proteja (entrevistada 9).

Delineamos a partir desta fala que a condição de autonomia com a qual o


trabalhador catador se insere no mundo do trabalho, não o isenta da submissão aos ditames do
capital, pois mesmo dispondo da autonomia em ausentar-se quando necessário, tal prática
acarreta na ainda maior diminuição dos rendimentos mensais, o que obriga o trabalhador a
permanecer no trabalho mesmo em condições adversas, como em tempos chuvosos em que o
lixo fica encharcado de água e com a presença de isentos prejudiciais a saúde.
Sobre isso, concordamos com Cacciamali e Jakobsen et al., apud Alves e Tavares
(2006) ao afirmar que a inserção do trabalhador informal na divisão social do trabalho sob a
égide do capitalismo contribui para que se efetive o circuito da produção capitalista, além de
se submeter a condições de exploração, em decorrência da condição de precariedade, do não
acesso aos direitos referente a proteção social do mundo do trabalho – mais precisamente os
86

direitos previdenciários – acrescidos da perca integral da renda nos momentos em que


necessitam se ausentar.
Devido ao processo de incineração sempre constante, tanto em decorrência da
própria composição do lixo que facilita o processo espontaneamente, quanto pelo fato de que
os próprios catadores ateiam fogo no restante dos resíduos que já passaram pela catação e que
não dispõem mais de materiais com valor de uso, o local de trabalho apresenta temperatura
bastante elevada. As dificuldades relacionadas a presença de fogo no espaço de trabalho é
explicado por esta catadora.
Atrapalha porque assim, é uma coisa tão quente, porque além da quentura de cima é
a quentura de baixo, tem horas que você ta que acho que se você tiver problema de
pressão pensa assim “vou ter um treco”. Você começa a derramar tanto líquido de
suor que você acaba perdendo até as forças e a coragem e quando entra na barraca
pra sair, você só sai porque finalmente você diz assim “eu tenho comedor de
rapadura em casa” porque se não você desistia até de sair (entrevistada 1).

Uma catadora destaca o quanto o fogo também contribui para o prejuízo,


chegando a queimar tanto o material ainda não coletado, o que acarreta na disputa dos
trabalhadores contra o próprio fogo para a realização do trabalho, quanto também na queima
dos materiais já coletados. Quando o fogo atinge as barracas, utilizadas para a guarda dos
pertences e dos materiais coletados, o prejuízo torna-se ainda mais grave, pois precisam serem
reconstruídas.
(...) o fogo também as vezes ele atrapalha porque as vezes, por exemplo, você sai de
tardizinha ai vem chegando muita coleta boa que você diz assim “amanhã quando eu
chegar eu vou catar aquilo dali, que não da mais tempo”, mas ai o fogo já tem vindo
e tem levado pra você. O fogo também colabora para o prejuízo da gente (...) Já
umas três vezes aqui que eu fiquei só com uma mão na frente e outra atrás. Teve
uma vez que eu tinha enchido a barraca de plástico, era pra pagar uma feira do mês
seguinte, o homem vinha buscar três dias depois que eu ia vender, o fogo veio e
deixou só a cinza (entrevistada 1).

Nós já perdemos, eu já perdi duas barracas aqui cheia, lotada de coisa aqui nesse
lixo, duas lotadas e as duas vezes que queimou eu estava em uma precisão grande,
não tinha nada dentro da minha casa (entrevistada 7).

Constamos aqui que a existência de fogo transforma o cotidiano de trabalho em


um processo bastante árduo e desafiador, cujos frutos do trabalho correm o risco de serem
consumidos pelo fogo e a fonte de subsistência ser totalmente destruída. Sob estas
circunstâncias, resta ao trabalhador o reinicio das atividades e realizar a venda apenas no mês
seguinte, ficando durante aquele mês sem a sua fonte de renda.
Além dos prejuízos causados, o fogo constante também representa um risco de
queimadura para os trabalhadores, tendo em vista que muitas vezes a presença de resquícios
de fogo não ser percebida ao estar encobertos por cinzas. Desta forma, ao caminhar os
87

catadores estão sempre sujeitos a queimar os calçados ou os próprios pés. Este é um dos
fatores que condicionam o pouco tempo de durabilidade dos sapatos ou botas utilizadas no
processo de catação. Uma catadora relata a situação de contato com o fogo no ambiente de
trabalho.

Eu não cheguei a mim queimar, mas eu já cheguei a cair dentro de fogo (risos), mas
eu fui mais esperta, cai fora. Mas é por que assim, pega fogo né? O lixo ele já esta
em um estado de gravidade tão grande que ele não precisa mais você tocar fogo, ele
mesmo, você coloca uma coisa que tenha facilidade de pegar fogo, ele já incendeia,
então quando tem um foguinho, ai é que incendeia mesmo, então tem local que você,
que chega sente aquela quentura como se estivesse saindo de baixo, entendeu?
Aquela quentura. E tem local que pega fogo que quando pega fogo fica só aquela
cinzinha né? E a gente acaba pisando dentro, pensando que não esta acesa, mas
quando você pisa dentro, quando você vê esta quente e acaba se queimando. Então
já aconteceu isso comigo já, mas eu caiu fora e tiro o sapato, bato a poeira e pronto,
não me queimo não (entrevistada 2).

FOTO 2: Foto do lixo em processo de incineração.

Durante a minha presença no campo de pesquisa pude perceber o quanto a estes


fatores tornam o local mais quente e dificultam a realização do trabalho, por mais que esta
percepção seja intensificada pela minha condição de estranhamento ao ambiente, por não estar
acostumada tanto quanto os trabalhadores que lá estão cotidianamente, pois as primeiras
visitas e permanência no lixão ocorreram durante o trabalho de campo.
Durante o tempo em que fiquei observando os catadores no processo de trabalho os
meus pés estavam quentes, o que causava receio de pisar em algum local que tivesse
fogo e o meu tênis fosse queimado, pois o local em que estávamos pisando era
88

repleto de cinzas quentes e pedaços de vidro por todos os lugares o que também
dava medo de cortar-se. Mesmo tendo ouvido algumas catadoras reclamarem do
calor e que estavam com a boca ressecada, talvez os seus organismos já estivessem
mais adaptados aquele ambiente tão precário, pois realizam diariamente os seus
trabalhos submetidos às mesmas condições, o que não os isenta das possíveis
agressões a saúde e ao desenvolvimento de doenças seja a curto, seja a logo prazo
(Diário de campo, 13/02/2015).

Quanto a possibilidade de adoecimento a maioria dos relatos evidencia já ter


sentindo em algum momento agravos a saúde em decorrência do trabalho realizado. Apesar
de todos os resíduos sólidos serem depositados de forma misturada, inclusive os lixos
hospitalares, os catadores não relatam haver contraído algum tipo de doença grave por
contaminação ou infecção, mas apenas agravos considerados “leves” por parte dos mesmos.
Ultimamente eu venho sentindo tanta dor de cabeça, mas eu não sei dizer, não posso
acusar que é do lixo (risos). Agora a dor nas costas não, é realmente do lixo, é do
peso que você pega. Eu acho que é do peso que você pega, ai você começa a sentir
porque tudo o que você bota na cabeça aquilo pesado, você sente (entrevistada 1).

Aqui mesmo, é só mais a fumaça, agrava muita coisa, mais é a visão da gente, tem
hora que os olhos da gente ardem pior do que pimenta. A dor nas costas nem tanto,
porque em casa a gente também pega peso, aqui é mais só a visão mesmo
(entrevistada 8).

Os ossos da gente, tem dias que a gente sente dor nas costas, cansaço, as pernas
cansadas, ai eu acho que é daqui, que a gente carrega muito peso, da problema de
escoliose. Na época do inverno coceira de pele não, mas micose, meus pés ficam na
carne viva (entrevistada 9).

Micose todos os anos a gente tem, micose que é através do trabalho né! Que a gente
pega e problema de coluna, também tenho muito, devido a catar o lixo abaixada e
pegar peso, carregar os sacos (...). Aliás, eu já tenho até Hérnia de Disco. Mas tem
outros colegas que tem, como é que diz? Tem asma, cansaço, já é através do lixo,
não pode mais nem trabalhar. Adquiriu aqui no lixo. Problema de vista, a gente
adquire muito devido a fumaça e modo o sol, a gente fica muito no sol. Os cortes
que a gente leva, isso ai é normal, muito corte, muito mesmo (aponta para as marcas
de corte no corpo), leva muitos golpes, corta muito no lixo, injeção assim, problema
de lixo hospitalar, tem muito, junto com os moedor, que não era pra vim
(entrevistada 10. Grifos nossos).

Destacamos a partir destes relatos que a condição de exposição diária a tais fatores
ambientais e infraestruturais do local de trabalho acarreta em agravos a saúde, mesmo que não
sejam percebidos a curto prazo ou que não associados diretamente por alguns deles ao
trabalho realizado. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) o contato
diário com a fumaça aumenta os riscos de desenvolvimento de câncer de pulmão ou doenças
similares39.
Na fala da entrevistada 10, bem como nas demais falas retratas acima percebemos
o quanto a saúde destes trabalhadores é atingida, desde os adoecimentos leves, a até mesmo o

39
Disponível em: <http://www.hc.unicamp.br/?q=node/265>. Acesso em: 24/04/2015.
89

desenvolvimento de problemas incapacitantes a continuidade da vida laboral, como os graves


problemas respiratórios ocasionados pelo contato com a fumaça. Os cortes e furos sofridos no
processo de trabalho chegam a ser naturalizado pelos catadores, por acontecerem com
frequência expressiva.
Os agravos à saúde aos quais estes trabalhadores se submetem durante o processo
de trabalho intensificam-se pela ausência do uso de Equipamentos de Proteção Individuais
(EPI’s). A parca utilização destes, principalmente no que tange a luvas e máscaras, os expõe
com um maior grau de insalubridade aos riscos presentes no lixo, como cortes, contaminações
ou problemas respiratórios. Anotações feitas em diário de campo retratam a percepção da
usência de EPI’s durante o processo de trabalho.
Todos os catadores utilizavam o mesmo instrumento de trabalho para facilitar a
catação, abrindo o lixo e coletando os materiais que majoritariamente eram plásticos,
seguidos de alumínio e borracha em pequena quantidade. Para a realização do
trabalho necessitavam subir no lixo e abrir as sacolas com as mãos “limpas”, sem o
auxílio de luvas ou qualquer outro tipo de proteção. Assim, rasgavam as sacolas com
as próprias mãos e retiravam os materiais adequados para a venda (Diário de campo,
13/02/2015).

FOTO 3: Na foto, os catadores em processo de catação.

Constatamos que as formas de proteção utilizadas reduzem-se a roupas fechadas,


chapéus e botas ou tênis. Assim fazem-se ausente o uso de luvas, máscaras, óculos, protetor
solar, dentre outros.
O não uso de EPI’s é associado majoritariamente nos relatos dos catadores tanto a
falta de acesso pois não são ofertados de forma satisfatória e adequada as necessidades dos
90

mesmos por parte da gestão pública; quanto pela dificuldade em adaptação ao uso. No que se
refere ao uso de botas, uma catadora explica que devido ser construída de borracha, o uso não
protege de queimaduras ou acidentes, o que faz com que optem pelo tênis.
Eu tenho umas botas lá na barraca, mas a bota é mais ruim pra você andar, quando
eu estava com ela, nesse dia eu ia me queimando de verdade, ai eu não tinha
percebido porque assim tava apagado, ai eu passei, no que eu pisei a brasa veio
pregada nela, se eu não tivesse tirado tão rápido, eu senti a quentura chegando no
meu pé, quando eu olhei era a brasa pregada na bota, ai eu achei melhor uma outra
coisa que não queimasse tão rápido (entrevistada 1).

Apesar do não uso de EPI’s ser predominante entre os catadores, é reconhecido de


forma majoritária a importância para a proteção a saúde, inclusive afirmando que fariam o
uso, caso fossem acessíveis e em consonância com as necessidades inerentes ao trabalho
desenvolvido.
Eu acho que uma luva se ela for realmente adequada, ela vai evitar que você se fure
com uma agulha. Não to falando dessas luvinhas que eles usam lá pra essa vidinha
mansa, tinha que ser uma luva mais grossa, aquela luva mais fornida porque ela não
ia diretamente chegar já na sua pele, você já ia ter uma coisa pra te proteger um
pouquinho. Eu acho que era bom as luvas (entrevistada 1).

De ser importante é né? É importante porque vai proteger a gente de alguma coisa,
de pisar em vidro, de se cortar, até de se queimar mesmo, mas só que se a gente pisar
no fogo a gente se queima (risos) de qualquer jeito né? Que é de borracha e queima
mesmo, mas é importante para a proteção da própria saúde da gente né?
(entrevistada 2).

Sob outro ponto de vista, o uso de EPI’s é percebido tanto como algo importante
para a própria proteção, quanto como algo dificultoso para a realização do trabalho. No caso
das luvas, a dificuldade associada ao uso, se remete ao fato de a mesma suar e escorregar nas
mãos, o que de um lado protege o trabalhador, mas de outro dificultaria o processo de
trabalho.
Muito bom né? Porque a gente não se sujaria tanto as mãos né? Pegando no lixo. Só
que também era uma dificuldade muito grande porque escorrega, de luvas escorrega
(entrevistada 4).

A bota é bom porque evita a gente se cortar né? Nos vidros pisando; as luvas não era
pra melar as mãos né? Mas mela sempre. Sendo aquelas de plásticos soa, soa, que
ninguém aguenta, e as de pano mela; as máscaras pra respirar menos poluição né?
Que tem ai no lixo (entrevistada 10).

Os obstáculos para acesso a estes equipamentos, a dificuldade em adaptação ao


uso, associado à inapropriação dos parcos equipamentos acessíveis, compõem os motivos
frequentemente mais relatados pelos catadores para o não uso de EPI’s.
Inácio (2010) ao refletir sobre o uso de EPI’s ou Equipamentos de Proteção
Coletiva (EPC) em ambientes de trabalho que ofereçam potenciais riscos a saúde do
91

trabalhador, afirma que o uso destes equipamentos não previne os danos ou acidentes de
trabalho, pois não extinguem os fatores causadores de riscos, mas apenas impedem que seus
efeitos sejam materializados na saúde do trabalhador. Desta forma, mesmo não eliminando os
riscos, protegeriam que estes atingissem o trabalhador.
As condições de trabalho dentro do lixão acarretam em uma jornada de trabalho
bastante desgastante e exaustiva, ocasionadas tanto pelas condições infraestruturais já
destacadas, quanto pelo esforço despendido no processo de trabalho, ao abrir as sacolas,
separar os materiais coletados e carregá-los sobre os ombros ou a cabeça. Diante destas
condições, ao fim de um dia de trabalho relatam sinais de enorme desgaste físico que é
buscado restituir durante o descanso noturno, para uma nova jornada no dia seguinte.
Ah você fica enfadada, eu acho que devido o sol mesmo, você só quer saber de
tomar banho, quando você chega em casa, você só quer saber de tomar banho,
comer, sentar diante de uma televisão e assistir ou então de deitar em uma rede e
dormir (risos), porque o cansaço é uma coisa assim... uma coisa assim que sufoca,
um calor, uma quentura, sei lá, um cansaço que não tem explicação, mas que você
deita, dorme, pra no dia seguinte você começar tudo de novo (entrevistada 2).

Tem dias que a gente chega em casa que só da tempo aquele banho, tem dias que é
morta, com sequelas mesmo de carregar peso, e muito cansada, do sol quente, o sol
ele da problema ate na vista da gente, tem dias que a gente ta cega, cega, cega
(entrevistada 9).

Os catadores também destacam que devido ao excesso de desgaste e cansaço não


encontram disposição para realizar outras atividades, como passeios ou lazer após uma
jornada de trabalho, cujas atividades são substituídas apenas pelo descanso.
Ah, quando eu chego em casa o meu destino é só de tomar banho, armar uma rede e
me deitar. Mas a não ser, não tenho assim coragem pra dizer assim “não, eu vou pra
tal canto”, as vezes o povo diz “ah vai lá em casa” sem coragem, eu fico sem ir,
porque cansa né? Todo dia (entrevistada 3).

Rapaz tem dias que eu mando a mulher pisar em cima de mim, que eu fico com as
costas doendo, e é grande o cansaço, as vezes eu me deito no chão porque no chão
você fica mais assim a vontade. É grande o cansaço, mas não tem lazer, não tem
nada, porque nós já passa o dia trabalhando (entrevistado 6).

Sobre isso Antunes (2009) destaca que uma vida cheia de sentido tem a sua base
primeira fundamentada no trabalho, porém, as demais esferas da vida como a arte, a cultura, a
poesia, o lazer, a educação, também constituem momentos indispensáveis e fundamentais
para uma vida repleta de sentido, pois representam momentos secundários para a
humanização do homem. Na sociedade do capital, ao ser transformado o trabalho em uma
atividade estranha e opressora, materializada de forma desgastante e exaustiva com o intuito
apenas de garantir a sobrevivência, a primeira esfera de humanização do homem transforma-
92

se em uma força hostil e opressora (CHAGAS, 2009), o que acarreta na perda de sentido nas
demais esferas da vida.
Somada a isto, a dupla jornada de trabalho vivenciada pelas mulheres
trabalhadoras que compõem a maior parcela das catadoras do lixão, que após o retorno
iniciam as atividades domésticas, associada aos cuidados com os filhos, evidenciam condições
de intensa exploração do trabalho feminino. Mesmo em outros relatos tendo sido sinalizado a
dupla e desgastante jornada de trabalho enfrentada pelas mulheres, a fala de uma catadora é
bastante ilustrativa desta realidade.
O cansaço depois de um dia de trabalho, se você realmente pudesse você chegava
em casa, tomava um banho e ali você malhava, mas ser Dona de Casa e trabalhar é
um problema tão grande, quando você chega, você não se da nem conta que ta
cansada porque já tem tantas outras coisa pela frente. Você já levanta, já vai botar
panela no fogo, já vai fazer comida que é pra trazer almoço, já vai levar menino pra
colégio, pra deixar no colégio, ai quando você deixa já tudo pronto, você vem
trabalhar. Quando você chega em casa de tarde de novo ai tem de novo aquela
mesma ladainha de fazer janta, cuidar de menino, banhar, organizar ali, olhar se tem
tarefa pronta, ai vem aquilo, quando você vai se dar conta que ta cansada é 10 horas
da noite, pronto ali você já malha e pronto (entrevistada 1).

A inserção precarizada das mulheres no mundo do trabalho é retratada por


Antunes (2003), ao delinear reflexões sobre a nova morfologia do trabalho na
contemporaneidade. De acordo com este autor, a inserção das mulheres no mercado de
trabalho tem aumentando significativamente, acalcando o patamar de 40% da força de
trabalho em vários países, porém, predominantemente marcada pela precariedade e
informalidade. Nestes termos e contraditoriamente, ao mesmo tempo em que representa um
avanço das mulheres contra a subordinação masculina no espaço doméstico, a submissão aos
ditames do capital em suas facetas atuais, somada a dupla jornada realizada também no
ambiente doméstico tem exacerbado as desigualdades e a condição de exploração da força de
trabalho feminina.
Ainda sobre o mesmo assunto, Nogueira (2010, p.206) ressalta que, “(...) além de
o capital intensificar a desigualdade de gênero na relação de trabalho, ele acentua a dimensão
dúplice da sua exploração, ou seja, explora o trabalho feminino tanto no espaço produtivo
quanto depende deste no espaço reprodutivo”. Assim, entre os elos da precarização e da
exploração é que a mulher catadora se insere no mundo do trabalho via coleta de materiais
recicláveis.
O acumulo de desgaste e cansaço físico acarreta muitas vezes na necessidade de
ausentar-se no trabalho durante dias, semanas ou meses; processo necessário para o descanso
físico e a recomposição das energias, tendo em vista que o tempo de descanso apenas durante
93

o período noturno quando já se tem realizado todas as demais tarefas do ambiente doméstico e
familiar no caso das mulheres, nem sempre é suficiente para enfrentar mais um dia de
trabalho. Algumas falas dos catadores deixam claro que por vezes não é possível retornar ao
trabalho sempre no dia seguinte.
Teve um dia ai que eu passei foi dois dias cansado demais, ai eu digo “não hoje eu
vou ficar em casa” ai fico o dia deitado (entrevistado 6).

As vezes, segunda eu não vim, porque passei o domingo, fui arrumar a minha casa,
ai já fiquei cansada, a gente carrega peso, também as vezes excesso de peso acaba
com os ossos gente né? Da problemas de hérnia de disco, essas coisas, mas qualquer
doença essas coisas assim, a gente evita vim, passar uns dias em casa se
recuperando, mas ali já vai fazendo diferença no material da gente (entrevistada 9).

Nessa outra fala, identificamos que o acumulo de cansaço nem sempre é apenas
físico, mas também mental o que retrata o processo de sofrimento psíquico vivenciado pela
classe trabalhadora nas atuais configurações do mundo do trabalho. O trabalho com a catação
de materiais recicláveis representa dialeticamente de um lado uma atividade que promove a
sociabilidade entre estes trabalhadores muitas vezes destituídos de outras formas de interação
social como o lazer; e de outro, o processo de adoecimento psíquico vivenciado pela falta de
sentido encontrada no trabalho.
Não é que eu resolvi tirar férias, é que eu amanheço o dia, eu não sinto animo, eu
não sinto vontade de subir, a noite eu digo “ah, amanhã eu vou subir”, quando eu
amanheço o dia que eu to dormindo, eu não tenho vontade de me levantar (risos),
não sinto forças sabe? Me faltou uma coragem tão grande, é uma falta de coragem
que eu acabo não subindo, ai eu não sei, eu ainda estou em consenso com o meu eu
pra mim ver o que é que esta acontecendo porque eu não sinto dores no corpo né! Eu
sinto problemas nos ossos, como eu já falei que eu tenho osteoporose, eu sinto,
problemas nos ossos, tem dia que o pé incha, problemas nas juntas e tal, mas isso
não é empecilho, nunca foi. O problema mesmo é, eu acho que é aqui (aponta para a
cabeça) psicológico, o meu psicológico que não esta deixando eu reagir (...)Tem
haver com o cansaço mesmo. De qualquer forma tem haver com o trabalho porque a
gente se cansa, a gente se cansa daquela situação e quando a gente ver que “ah vai
melhorar, vai melhorar”, ai a gente se empolga né? E demora porque a gente sabe
que tudo é demorado, ai a gente fica triste e acaba ficando emotiva um pouco, mas
tem haver com o trabalho, tem haver com o cansaço do dia a dia como qualquer
outro trabalho, eu costumo dizer que o meu trabalho é como qualquer outro, a gente
se cansa, a gente tem que tirar férias, a gente aqui acolá tira umas feriazinhas que
nem agora, ta acabando o mês (risos), quando acabar quem sabe se eu não volte a
luta (entrevistada 2).

Durante a entrevista a trabalhadora parecia desmotivada e sem ânimo, afirmando


que as ausências no trabalho não tinham tanta relação com acúmulo de cansaço e desgaste
físico, mas sim com a falta de vontade e com o desanimo, o que a fez faltar durante um mês, e
no momento da pesquisa de campo a mesma ainda afirmava não estar preparada
psicologicamente para o retorno as atividades diárias.
94

A formatação do mundo do trabalho nos moldes capitalistas, ao apropriar-se não


só da força física de trabalho, mas do próprio trabalhador e de todo o seu tempo livre, faz com
que as demais esferas da vida humana também percam o sentido, contribuindo para o
processo de adoecimento não só físico, mas também mental do trabalhador. Conforme
sinaliza Alves (2004, p.34), ao refletir sobre os impactos da mundialização do capital para a
vida humana afirma que “é apenas o eufemismo da barbárie que não é apenas da miséria
física, mas espiritual das massas, da objetividade e subjetividade. A precarização (e a neo-
precariedade) são instituídas pelo sócio-metabolismo da barbárie”.
Assim, o processo de trabalho que é criação, ao ser transformado sob lógica do
capital, materializado por meio do trabalho abstrato, inverte-se em fontes de destruição ou
degradação das diversas esferas da vida da classe que sobrevive do trabalho.
A relação perigosa com o lixo hospitalar também é algo que marca o cotidiano de
trabalho dos catadores. Tal relação ocorre devido ao fato de que um buraco construído ao lado
do lixão é destinado apenas ao lixo produzido pelo hospital público da cidade – Hospital
Regional - sendo os advindos de clinicas e hospitais particulares misturados com os materiais
coletados pelos catadores. Apesar de compreender os riscos de contração de doenças ou de
acidentes com equipamentos cortantes, a catação se faz necessária por constituir a fonte de
renda.
Muitas vezes a gente pega o moedor e é cheio de lixo das clínicas, você acha agulha,
você acha soro, você acha tudo (...). Mas é muito arriscado, você não sabe quem
usou aquilo dali, nem onde foi que passou, é muito arriscado você levar uma furada
de uma agulha daquela (entrevistada 1).

Ele prejudica a gente né? Porque se a gente se furar com uma agulha, se a gente se
cortar com algum objeto cortante né? Hospitalar, então vai causar problema para a
nossa saúde. Embora nós saiba disso, nós vamos catar o lixo, porque tem que catar
né! Porque se nós não catar (...) ou você cata o lixo, ou você não cata, então você
corre risco (entrevistada 2).

O contato diário com o lixo hospitalar, mesmo evitado pelos catadores, representa
um grande determinante para as condições de precariedade e insalubridade das condições de
trabalho. O risco de furar-se em seringas é sempre presente no cotidiano de trabalho, pois
estes materiais são encontrados misturados com as sacolas que os catadores abrem com as
mãos desprotegidas a fim de coletar os materiais.

3.5 O trabalho dos catadores entre os elos da cadeia produtiva da reciclagem


95

Em decorrência da destrutividade ambiental acarretada pela produção capitalista,


o que a torna não apenas um modo de produção, mas um modo de destruição, impactando
gravemente os recursos naturais e a vida humana, a problema ambiental vem se configurando
como eixo central de debates que envolve amplos segmentos da sociedade.
Dentre as estratégias utilizadas pelo mercado e sob o apoio do Estado a indústria
da reciclagem se consolida como amplo ramo de expansão e lucratividade do capital, o que
em contrapartida contribui para a diminuição dos resíduos sólidos descartados em lixões e
aterros sanitários. Ao articular uma ampla cadeia produtiva, os catadores de materiais
recicláveis - essenciais ao fornecimento de matérias primas - não possui relação contratual
com a empresa, mas encontram-se espalhados pelas ruas das cidades, em lixões a céu aberto,
aterros sanitários e cooperativas; duplamente desprotegidos e exploradores tanto pelo Estado,
quanto pelo capital.
Nestes termos, ao compor o universo do trabalhador coletivo, os catadores de
materiais recicláveis encontram-se na ponta, desenvolvendo um trabalho atípico, precário e
insalubre, por vezes compreendido socialmente de forma antagônica.
A importância do trabalho para a preservação do meio ambiente é largamente
propalada, o que faz deste trabalhador um agente ambiental não remunerado pelo Estado e
explorado pelas empresas recicladoras. O reconhecimento social do trabalho de catador
muitas vezes advém desta contribuição dada ao meio ambiente, o que é reafirmado pelos
próprios catadores.
Ser catadora pra muita gente não significa nada, pra muita gente acha que os
catadores é um Zé ninguém, mas é por que eles não sabem a importância do catador
para o meio ambiente. A gente ta ajudando limpar a cidade, contribuindo com a
limpeza do meio ambiente e sem os catadores eu acho que o mundo seria bem mais
contaminado e existia bem mais lixo no mundo (...). Eu sou catadora e tenho muito
orgulho disso (entrevistada 1).

Eu como catadora eu me acho importante. Eu acho importante o trabalho que eu


faço, estou cuidando do meio ambiente, estou cuidando da natureza, não estou assim
cuidando muito de mim né? Devido as condições do meu trabalho, mas só em eu
esta... eu estou feliz, eu não me sinto triste quando eu estou trabalhando, eu me sinto
muito mais triste quando eu não estou trabalhando do que quando eu to trabalhando,
por causa dos meus colegas, por causa do cotidiano, então eu acho que é importante
o trabalho que eu faço, pode até não ser, mais eu acho que é (entrevistada 2).

Pra mim significa muito, de muita importância, porque tem muita gente que não da
muita importância pra gente, mas pra gente que trabalha aqui dentro é muito
importante, porque é uma coisa que a gente ta ajudando o meio ambiente, porque já
pensou se não fosse nós aqui dentro? Aqui não era tão vazio, aqui já tinha lixo que
eu acho que já tinha encostado ai na pista né? (entrevistada 3).

Verificamos nestes depoimentos que a contribuição para os cuidados com o meio


ambiente, materializados pela retirada de uma parcela dos resíduos sólidos depositados no
96

lixão, constitui uma das motivações para orgulhar-se da atividade desenvolvida, mesmo que
esta não proporcione seguranças a saúde ou uma possibilidade de ascensão social.
A contradição que reveste o discurso sustentável das empresas do ramo da
reciclagem nos termos de Silva (2010) é questionada por não incluir o trabalhador catador
enquanto elo indispensável a produção de riquezas, esta por sua vez, representa a contradição
que envolve a percepção do trabalhador catador enquanto um agente ambiental. Nas palavras
da autora, “a má-remuneração e a desproteção social, além da discriminação de que são
vítimas esses trabalhadores, revelam um quadro de barbárie social em contraste com os
avanços científicos e tecnológicos utilizados na produção de reciclados” (SILVA, 2010,
p.132).
Dessa forma o trabalho realizado na ponta acarreta em baixas remunerações, cujos
preços das mercadorias coletadas é ditado pelas grandes empresas e pelos atravessadores e
não pelo próprio trabalhador. Assim, uma problemática constante tem sido a baixa dos preços
das mercadorias em escala regressiva ao aumento do salário mínimo e dos produtos no
mercado.
A venda, o preço do material, muito baixo. E a venda, que só tem um comprador,
bota pé no bucho, quando quer vim comprar vem, passa outros tempos sem vim, e
baixa o preço e aumenta e fica naquilo, e prejudica muito a gente, a gente só tem a
perder nessa parte ai (entrevistada 10).

Sobre a monopolização dos preços das mercadorias Silva (2010, p.128) ressalta
que, “(...) a cadeia do lixo integra a produção globalizada, controlada pelos grandes grupos
econômicos, de sorte que os preços dos produtos não são mais definidos localmente, mas
obedecem às regras do mercado internacional”. Tal realidade atesta a submissão do
trabalhador as determinações impostas pelo capital, o que se contrapõe a dita autonomia da
inserção no mundo do trabalho.
A condição de trabalho dentro do lixão também acarreta na diminuição dos
materiais a ser coletados, tendo em vista que o lixo quando depositado no destino final já tem
passado por vários processos de catação, tanto pelos catadores urbanos, quanto pelos garis que
trabalham nos caminhões do serviço de coleta de resíduos sólidos urbanos. Nestes termos,
resta para os trabalhadores do lixão apenas uma parcela pequena dos materiais recicláveis
produzidos na cidade.
Os coletores de lixo, eles já tem o trabalho deles, eles já tem o salário deles, então
eles já tiram de nós, até por que não é só nós catadores do lixão né? Dentro de Iguatu
é só o que tem é catadores de porta né? De rua. Então além dos catadores de rua,
ainda tem eles que coletam o melhor, que é o alumínio, a borracha né? O metal, o
cobre, então o mais caro eles pegam né? E tem alguns que ultimamente até o
97

plástico ta pegando né? Até o plástico, então o que vai acabar em nada (entrevistada
2).

Quando vem no carro já vem só terra. Em vez da gente tirar o plástico, vem só terra,
só bicho morto, porque quando vem lá da rua já vem todo catado e lá na rua a gente
sabe muito bem que tem muito catador né? Ai tem os daqui, ai já vem todo catado
(entrevistada 3).

Assim, a realização do trabalho no espaço do lixão, em decorrência das próprias


condições objetivas, acarreta para estes trabalhadores diminuição dos materiais a ser
coletados, além da coleta majoritária apenas do plástico que é vendido a preços mais baixos
aos atravessadores, em contraposição a materiais como alumínio, cobre ou plásticos melhores
que também já são coletados por outros catadores.

3.6 Sonhos que indicam o caminhar

Mesmo diante de um cotidiano adverso a maioria dos catadores afirmam


possuírem um sonho que gostariam de realizar ou relatam sobre sonhos já conquistados a
partir do trabalho. A maioria dos sonhos versa sobre a perspectiva de melhoria das condições
de trabalho a partir da construção de uma cooperativa e da implantação de um sistema de
coleta seletiva no município como forma de ter garantido uma renda fixa mensal em um
espaço de trabalho com melhores condições infraestruturais. Em geral as perspectivas de
melhorias para o futuro estão associadas às mudanças nas condições de trabalho, assim como
na possibilidade de implantação do um negócio próprio.
O meu sonho realmente pro futuro é poder abrir um negócio próprio como uma
lanchonete, qualquer uma outra coisa, mas que seja próprio, ou então sair, eu tenho
um sonho que saia essa cooperativa, esse aterro, pra que eu possa ganhar mais e
economizar pra futuramente eu ter meu próprio negócio e aumentar minha casa
(entrevistada 1).

Desta forma os catadores afirmam sentirem-se satisfeitos e gostarem do trabalho


com a coleta de materiais recicláveis. As condições do trabalho dentro do lixão é que não
proporcionam satisfação.
Eu gosto de trabalhar com material reciclável, então eu gostaria de ter um trabalho
mais digno né? Assim, não viver dentro do lixão, trabalhar com material reciclável
mas numa cooperativa ou num aterro sanitário que tem aquela esteira pra você esta
catando ali, não está dentro do lixão. Mas assim, eu gosto de ser catadora
(entrevistada 10).
98

Percebemos nesta fala que a realização do trabalho dentro do lixão não faz parte
de uma escolha individual, mas da ausência de outros espaços em que a realização do trabalho
contasse com maior salubridade e segurança, o que conforme retratado nesta pesquisa faz-se
ausente no ambiente do lixão.
Em outra fala, uma catadora afirma que talvez não fosse possível encontrar outro
emprego devido a sua idade. Podemos perceber que ao longo de muitos anos dedicados ao
trabalho, a possibilidade de desenvolvimento de outra atividade ou ocupação também torna-se
dificultosa, o que evidência que o trabalho no lixão sob as condições em que vem se
materializando nos termos desta pesquisa, em geral não permitem aos catadores aquisição de
novas habilidades
Mesmo a perspectiva de fechamento do lixão associada a construção de uma
cooperativa por parte da gestão pública e da inserção dos catadores nestas ações ser sempre
alimentada nos sonhos dos catadores, muitos relatam a falta de esperanças da sua
concretização, tendo em vista que uma vida de trabalho no lixão, representa uma vida e
promessas de melhorias não materializadas.
Eu não tenho muito, eu já tive muita esperança, agora eu não tenho mais não, não
tenho mais esperanças, não tenho mais esperança do lixão melhorar, não tenho mais
essa esperança. De primeiro eu tinha, agora eu não tenho mais não. De tanto ouvir,
vai melhorar, vai melhorar, cansei, são sete anos, tem gente ali a 15 anos ali dentro,
tem gente ali a 20 anos ali dentro, do tempo que o lixo foi fundado, então a gente
acaba desistindo (entrevistada 2).

Uma entrevista com uma catadora que afirma sofrer de depressão foi bastante
marcante, pois no decorrer da entrevista a mesma se emocionou ao falar da relação do
trabalho com a sua doença e sobre as perspectivas de futuro. A mesma afirmou que o trabalho
representa a única alternativa encontrada para a garantia da sobrevivência, tendo em vista que
devido aos sintomas da depressão não conseguia trabalhar como empregada. O choro também
marcou o momento em que ao ser interrogada sobre os sonhos e projetos para o futuro a
mesma afirmou não ter futuro.
Desta forma, a realização do trabalho como forma de garantia da sobrevivência e
inclusive como fonte de distração, não possibilita para esta catadora, novas conquistas e
sonhos de um futuro melhor, pois o trabalho está associado a mera sobrevivência.
Na realidade, a concretização de alguns sonhos encontra empecilhos em
decorrência dos baixos rendimentos advindos do trabalho, que conforme dados retratados
nesta pesquisa não ultrapassam o valor de um salário mínimo contando com o complemento
99

de renda do PBF. A ausência de perspectivas de futuros é algo bem presente nos relatos dos
catadores, o que está associado as poucas condições possibilitadas pelo trabalho no lixão.
Assim, ao longo de muitos anos de trabalho no lixão o que representa a realidade
da grande maioria dos catadores abordados nesta pesquisa, poucas foram as conquistas
materiais. Sobre isso Vasapollo (2006, p.52) afirma que diante da atual conjuntura de
precarização e desemprego “se observarmos a situação do ponto de vista dos trabalhadores,
imperam a insegurança econômica, a total falta de perspectivas, as dificuldades de
administração do tempo, a precariedade em cada fase da própria existência, etc”. Sob os
ditames das atuais configurações do mundo do trabalho, imperam sobre os diversos
segmentos da classe trabalhadora, com maiores contundências para setores ditos autônomos
ou informais, as mais diversas formas de precariedade e insegurança no futuro.
O sonho de construção da casa própria conquistado pela grande maioria dos
catadores, o que acarretou na economia de mais um gasto mensal, adveio de programas
habitacionais construídos pela gestão pública municipal, permanecendo ainda nos sonhos
destes, a possibilidade de melhoria da casa própria.
Ah Senhor! É tantos que se eu for dizer da um livro, mas a maioria do que a gente
tem vontade a gente já conseguiu que foi a moradia, que era o mais difícil e já tem
(entrevistada 3).

A ausência de apoio por parte da gestão pública contribui para a precariedade com
que se delineia o trabalho nestes catadores. Vale destacar que mesmo estando inseridos no
espaço do lixão, os catadores dispõem de amplos conhecimentos sobre a cadeia produtiva da
reciclagem, além da necessidade e importância de ações efetivas em âmbito municipal.
Informações coletadas junto a Secretária Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo atestam a ausência de ações desenvolvidas em âmbito municipal direcionadas a
melhoria das condições de vida e trabalho dos catadores de materiais recicláveis inseridos
diretamente no lixão. A ausência de dados é ratificada pelo próprio desconhecimento por
parte da gestão pública no que tange a quantidade de catadores que sobrevivem diariamente a
partir deste trabalho no lixão.
No que se refere às perspectivas de futuro para os filhos, a maioria dos catadores
depositam a confiança nos estudos como esperança de um futuro melhor. O desejo de que os
filhos realizem outro trabalho não relacionado a catação dentro do lixão é unanime entre os
catadores. O que nos remete ao entendimento que apesar de afirmarem que estão felizes com
o trabalho desempenhado, de ressaltarem os desafios, mas, de enfatizarem as vantagens, os
100

catadores sabem do impacto deste trabalho em suas vidas e não desejam que o lixão seja o
local de trabalho de seus filhos.
Já para os meus filhos eu sempre costumo dizer pra eles que eu não quero que eles
tenham o mesmo futuro que eu, por isso que eu dou a maior força pra eles estudarem
e tudo. Digo pra eles “enquanto tiver estudando, vocês vão estudar porque eu não
quero que vocês passem um quarto do que o que eu já passei no mundo pra
sobreviver”. Eu sei que o que eu quero para os meus filhos é um futuro
completamente diferente, que eles terminem os estudos deles, consigam fazer curso
e consigam um emprego que seja mais digno, pra eles não estarem aqui. Não que eu
esteja dizendo que aqui não é digno, que pra mim todo emprego é digno, não
importa o que ele seja, o que importa é que você esteja trabalhando honestamente,
mas pra eles eu quero coisa bem melhor do que isso aqui (entrevistada 1).

Em outro momento da entrevista a mesma catadora afirma que diante das


possibilidades encontradas, caso os filhos não encontrassem algo melhor, concordaria que
trabalhassem no lixão para que não se envolvessem com atividades ilícitas, o que corrobora
com a tese defendida por Martins (2003) de que o trabalho no lixão muitas vezes se constitui
como uma alternativa a marginalidade.
Pra não ver eles se envolverem com outra coisa eu aceitaria sim trabalhar aqui, mas
depois que terminasse os estudos e tivesse de maior (entrevistada 1).

Já em outro caso, uma catadora afirma que mesmo que o projeto de vida para as
suas filhas fosse diferente e que não gostaria que trabalhassem no lixão ou em outro local
também precário, as oportunidades de término do ensino médio e ingresso no nível superior
não foram acessíveis, o que reflete as varias faces da negação de direitos ao qual estão
submetidos.
Ah, para as minhas filhas, parece que elas vão ter o mesmo futuro que eu, mas eu
gostaria que elas terminassem os estudos, que elas fossem alguém na vida né?
Fizesse uma faculdade, qual é a mãe que não quer né? Que faça uma faculdade, que
se der bem na vida? Mas parece que não vai rolar não, nem os estudos elas não
terminaram (entrevistada 2).

Quando associado à possibilidade de constituir-se como alternativa de trabalho e


garantia da sobrevivência futura dos filhos, os catadores de forma unanime consideração este
trabalho desgastante, não reconhecido, marcado pelo sofrimento e pelo aviltamento da vida e
do trabalho, o que não gostariam que seus filhos também enfrentassem. Dessa forma, a
possibilidade de trabalho no lixão é vista como inexistente ou existente apenas diante da
ausência de outra alternativa.
A vida “dentro do lixo” é marcada pela precariedade e pela insalubridade, a qual
não se pretende perpetuar como exemplo a ser seguido pelos filhos. A possibilidade de
continuidade nos estudos é percebida como alternativa plausível para a construção de um
101

futuro melhor. Assim, o esforço direcionado a garantia da educação dos filhos perpassa a
maior parte dos esforços realizados pelos catadores.
Alguns elementos devem ser tomados como centrais no debate que hora
desenvolvemos aqui neste capítulo. Pois, ao tempo em que o reconhecimento das condições
precárias de trabalho se manifesta para os catadores como algo ruim que não deve ser repetido
pelos filhos, também estão presentes na fala dos interlocutores um “orgulho” da função que
realizam. Estes profissionais sabem o papel que desempenham na cadeia produtiva do lixo,
entretanto, a dificuldade de conseguirem se articular com o movimento de catadores e a falta
de pressão política junto a Prefeitura e Governo do Estado impede que este trabalho se
materialize sob condições mais dignas e capazes de remunerar tais trabalhadores o
equivalente ao seu tempo e dispêndio de força de trabalho.
Muito se precisa avançar, as condições de vida e trabalho são desumanas, porém
sabemos que o MNCR nacionalmente possui uma ampla organização e tem conseguido
inserção com o Governo Federal para discutir as pautas do movimento, porém, o desafio é
fazer valer o hino do catador, garantir a união para a pressão política necessária para mudar a
realidade de trabalho deste segmento. “Há quem diga olé, olé, olé, olá, catador de norte a sul e
de acolá, nessa marcha sem parar, caminhar é resistir, e se unir é reciclar”.
102

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central proposta nesta pesquisa: “De que forma se materializa as


condições de trabalho, vida e sobrevivência dos catadores de materiais recicláveis no
município de Iguatu – CE?” foi respondida a partir dos dados obtidos no trabalho de campo
articulado ao material bibliográfico de domínio público relacionado a temática que embasou a
construção deste trabalho.
As indagações transversais articuladas ao questionamento central também foram
respondidas. A metodologia utilizada possibilitou traçar o perfil dos objetos de estudo; a
compreensão do trabalho de catador sob a ótica dos próprios sujeitos pesquisados, as suas
significações e motivações sobre o trabalho desenvolvido; a apreensão do trabalho com a
catação frente à cadeia produtiva da reciclagem; bem como os desafios e possibilidades que
entrelaçam o cotidiano de vida e trabalho.
A conjuntura que envolve o mundo do trabalho na contemporaneidade aponta para
diversos desafios com potencial para intensificar diversas expressões de precariedade e
exploração. As principais inflexões delineiam-se no campo da informalidade e da denominada
autonomia, intensificada em tempos de crise do capital e de consequente regressão dos
direitos sociais.
O trabalho com a catação de materiais recicláveis destaca-se como uma das
formas de inserção informal no mercado de trabalho, marcado por insalubridade e exploração,
tendo em vista a expropriação de parcela da mais-valia produzida entre o restante dos
membros da cadeia produtiva da reciclagem.
Em meio aos desafios, o trabalho com a catação representa uma fonte de renda
para o grupo familiar destituído de outras possibilidades de sobrevivência ou que dispõem
apenas de alternativas de trabalho com menores rendimentos, como o trabalho doméstico.
As constatações identificadas na realidade local atestam um cotidiano de vida
precário e condições de trabalho atípicas e desafiadoras, manifestadas dentre outras formas
pela insalubridade inerente ao lixão, o que condiciona o contato diário e contínuo com toda a
diversidade de resíduos sólidos. Dentre eles o lixo hospitalar, cuja composição apresenta
potencialidade para ocasionar acidentes de trabalho como cortes e furos, além de demais
agravos à saúde como contaminações e infecções.
Os baixos rendimentos proporcionados pelo trabalho dificulta o suprimento das
principais necessidades, o que acarreta em precariedade nas condições de vida e
103

sobrevivência, tendo em vista a primeira necessidade a ser atendida se referir a alimentação, o


que ocasiona na debilidade ao atendimento das demais. Vale destacar, que as necessidades
humanas evoluem ao longo do processo histórico e que comida e moradia representam
necessidades fundamentais do ser humano, que ao serem supridas, novas surgirão, sejam
advindas do espírito, seja da fantasia.
Nossas conclusões sobre as condições de vida e sobrevivência destes
trabalhadores é que os frutos do trabalham são suficientes apenas ao atendimento das
necessidades primeiras e fundamentais próprias e do grupo familiar; cujas demais
necessidades são atendidas parcialmente apenas em segundo plano, em que conforme relatado
pelos nossos interlocutores, roupas e calçados são comprados apenas em determinados
períodos, como finais de ano. Além da jornada extensa no lixão e nas responsabilidades do lar
(haja vista a grande maioria dos catadores ser de mulheres) que muitas vezes retira desses
trabalhadores a condição de lazer necessária para uma vida plena.
Em decorrência da informalidade em que adentram ao mundo do trabalho e da
condição de autonomia, estes trabalhadores apresentam uma especificidade em relação ao
acesso aos direitos sociais inerentes ao trabalho, especialmente no que se refere aos seguros
de trabalho como auxilio doença, aposentadoria por invalidez ou tempo de trabalho, dentre os
demais direitos que integram a política de previdência social, pois estão à margem do acesso a
estes direitos.
Assim, engrossando a fila dos desprotegidos socialmente, estes trabalhadores são
invisibilizados pelo Estado, mesmo realizando para este, trabalho gratuito, ao retirar do
espaço do lixão grande quantidade de resíduos descartados em todo o município e ali
destinados diariamente.
A posição que ocupam na cadeia produtiva da reciclagem transforma o catador em
agente indispensável a produção do valor, ao fornecer a matéria prima utilizada no processo
produtivo. Porém, a não vinculação formal as empresas - que constituem os expropriadores do
trabalho excedente - desresponsabiliza a estas, pelos riscos e danos aos quais os trabalhadores
são submetidos.
Apesar da existência de uma associação de catadores local, alguns fatores indicam
fragilidade na organização destes trabalhadores enquanto sujeito político, dentre elas a
ausência de articulação com outros movimentos de abrangência nacional como o Movimento
Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, como forma de unificação de pautas e
avanços. Outro motivo também destacado pelos catadores remete-se a ausência de união entre
as pautas locais, o que dificulta o fortalecimento da luta entre os interesses da categoria.
104

Ao traçar o perfil desses catadores percebemos alguns traços que influenciam a


entrada precária no mundo do trabalho, tais como a predominância de baixa escolaridade, a
grande maioria do sexo feminino e em geral de cor parda. Assim, articulamos estes dados as
determinações presentes nesta forma de sociabilidade em que o preconceito racial, o
maxismo, a exploração entre as classes, e a negação de direitos fundamentais, dentre outros
fatores, condicionam a precariedade das condições de vida, trabalho e sobrevivência de uma
ampla parcela da população.
Frente aos desafios identificados no cotidiano de vida e trabalho, também
podemos identificar a importância e centralidade ocupada pelo trabalho na vida destes
catadores a partir de suas próprias percepções, o que ratifica a permanência da ontologia do
trabalho concreto mesmo diante das determinações e precariedade impostas pelo capital.
Assim, nossas conclusões permitem identificar que o trabalho com a catação
constitui a fonte de renda utilizada por estes catadores para a garantia da sobrevivência, o que
indica que este trabalho apresenta significado central para a vida dos mesmos. Nas afirmações
dos catadores também podemos perceber a importância do trabalho para o processo de
sociabilidade e aquisição de conhecimentos, o que vale destacar as relações construídas ao
longo dos anos dedicados a atividade, tanto com os colegas de trabalho quanto com outras
pessoas conhecidas a parir do trabalho no lixão.
A partir destas percepções iniciais a pesquisa aponta que o trabalho com a catação
ao mesmo tempo em que representa uma alternativa ao desemprego, frente a crise estrutural
do capital que atinge diretamente e de forma negativa a classe trabalhadora sob diversas
formas já delineadas neste trabalho, também constitui uma forma de inserção precária,
marcada pela exploração e pelo aviltamento que atinge as diversas esferas da vida destes
trabalhadores, muitas vezes é reduzida ao trabalho e ao descanso.
Identificamos a necessidade de ações efetivas por parte da gestão pública local,
como forma de minorar os riscos e danos físicos, sociais e econômicos advindos desta forma
de trabalho, articulada a uma política de resíduos sólidos em âmbito municipal que dialogue
com as normatizações nacionais, como forma de promover à inserção econômica dos
catadores e pessoas de baixa renda nas ações voltadas a coleta seletiva de lixo e a construção
de cooperativas a ser realizada a partir do fechamento do lixão.
Verifica-se também incipientes avanços na gestão de resíduos sólidos em âmbito
estadual, o que também reflete como desafios para a construção de políticas e planos
municipais, o que emperra ações em benefícios dos trabalhadores e da população em geral
que sofrem as consequências negativas da existência do lixão a céu aberto, tais como fumaça
105

e mau cheiro, em especifico os moradores do bairro Chapadinha ou que transitam por estes
espaços.
Permitimos-nos afirmar que mesmo não eliminando as condições de precariedade
que envolve o trabalho com a catação, mas apenas minimizando-as, estas ações fazem-se
necessárias, sendo inclusive relatada de forma unânime pelos catadores, por representar uma
forma de inserção menos insalubre.
Assim, a construção de um aterro sanitário, uma cooperativa de catadores para
que os produtos sejam vendidos diretamente as empresas recicladoras, articulada a coleta
seletiva de lixo em âmbito municipal representam os principais anseios defendidos pelos
catadores.
Verifica-se a necessidade do fortalecimento da consciência política e da
organização dos catadores, via associação ou outros meios viáveis, como possibilidade de
avanços em suas lutas, tanto em âmbito municipal, estadual ou federal. A formação de uma
consciência política constitui possibilidade de ressignificação da atividade desenvolvida, de
defesa do acesso aos direitos sociais e do trabalho, e como estratégia de enfrentamento a
exploração imposta pelo capital.
Destacamos que o debate acerca da precariedade que envolve o trabalho dos
catadores, bem como as alternativas necessárias para mudanças imediatas e mediatas na
realidade dos mesmos não devem estar desvinculadas das determinações macroestruturais da
sociedade do capital em tempos de crise e da sua produção destrutiva, as quais conformam o
pilar das diversas expressões da questão social, dentre elas a questão ambiental retrata neste
trabalho.
Desta forma, a partir das observações da pesquisa tanto no material bibliográfico
quanto na realidade cotidiana dos catadores, constatamos que as mudanças necessárias
constituem desafios que perpassam por um reordenamento econômico estrutural viabilizada
por meio da superação da sociedade do capital. O horizonte estratégico deve permanecer
presente nas lutas da classe trabalhadora por representar o único mecanismo eficaz de
superação das opressões e da destruição ambiental e humana promovida pelo modo de
produção vigente.
Os apontamentos e percepções retratadas neste trabalho não pretendem esgotar o
objeto de estudo, tendo em vista que a pesquisa constitue um processo inesgotável na
construção do conhecimento. O presente trabalho faz parte de um processo continuo, árduo e
gratificante na busca pela apreensão da realidade vivenciada pelos catadores, o que poderá
contribuir para o desenvolvimento de pesquisas futuras.
106

Outras investigações necessitam serem realizadas especialmente no que


transcende a questão de gênero presente na realidade do lixão, tendo em vista ser esta
ocupação realizada majoritariamente por mulheres, em geral provedoras da renda e que
enfrentam uma duplicidade na jornada de trabalho também no ambiente doméstico. Desta
forma vivenciam a exploração tanto na esfera produtiva quanto reprodutiva do capital.
Estudos voltados para o conhecimento dos agravos a saúde a que estes
trabalhadores estão inseridos também se fazem necessários, tendo em vista que o processo de
adoecimento advindo da atividade perpassa o cotidiano dentro do lixão. A compreensão desta
particularidade no âmbito da saúde coletiva pode representar formas de denúncias às
condições de trabalho, garantias de direitos no âmbito da seguridade social como
aposentadorias por invalidez e auxilio doença ou mesmo em estratégias de redução de danos
frente aos fatores de riscos aos quais estão expostos. Os impactos do lixão aos moradores do
bairro Chapadinha também necessitam de investigação, bem como a existência irregular deste
no município, em desacordo com o preconiza a legislação específica. Que esta pesquisa
possibilite novos estudos e compromissos com a realidade da população de invisíveis que
desempenham um importante papel para a sociedade.
107

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113

APÊNDICES
114

APÊNDICE - A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da pesquisa: “Nas trilhas da informalidade: a precarização do trabalho dos catadores


de materiais recicláveis no lixão de Iguatu - CE”.
Professora Orientadora: Luana Paula Moreira Santos
Estudante pesquisadora: Maria Wiliana Alves Lucas

Prezado(a) Sr(a).,

O(a) Senhor(a) esta sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa científica


que tem como objetivo realizar um estudo com o objetivo de compreender e analisar as
condições de trabalho, vida e sobrevivência dos trabalhadores que tem sua subsistência
garantida a partir da coleta de materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu – Ceará.
A partir disso almeja-se traçar um perfil sócio econômico e cultural das condições
de vida dos catadores de materiais recicláveis do lixão do município de Iguatu – CE; delinear
o desenvolvimento do trabalho dos catadores de materiais recicláveis no lixão do município
de Iguatu – CE; situar o trabalho dos catadores de materiais recicláveis no lixão do município
de Iguatu – CE na esfera da produção e reprodução social do trabalho; assim como
compreender a percepção dos catadores de materiais recicláveis do lixão de Iguatu sobre o
próprio trabalho que realizam.
A pesquisa não apresenta risco à integridade física e psicológica aos sujeitos
participantes e em caso de desconforto com algum questionamento, será dado o direito de não
responder a este, e ainda a desistência da participação em qualquer momento da pesquisa,
sendo mantido o sigilo e anonimato sem qualquer constrangimento.
O estudo visa como benefício à reflexão acerca do tema, podendo contribuir para
a formulação e planejamento de políticas públicas direcionadas a população catadora por
parte da gestão pública, bem como uma forma de denúncia sobre as relações precárias e
degradantes sobre as quais as mesmas estão inseridas. Poderá contribuir positivamente
também para a produção de conhecimentos na área das Ciências Sociais Aplicadas.
115

Como percurso metodológico utilizaremos durante todo trabalho a pesquisa


bibliográfica e como técnicas e instrumentais de coletas de dados: a observação de campo, a
entrevista semi-estruturada e o questionário.
A sua participação na pesquisa ocorrerá por meio de entrevista e questionário, em
que no caso especifico das entrevistas caso autorize utilizaremos gravador de voz, para
posterior transcrição e análise, podendo os depoimentos serem anexados e ilustrados na
análise dos dados, resguardados a identidade e o sigilo através de pseudônimos.
Durante toda a pesquisa ou após o seu término qualquer dúvida pode ser tirada
junto à pesquisada Maria Wiliana Alves Lucas, por meio do e-mail:
willianaalves@yahoo.com.br ou via celular: (88) 9903-0736.
Vale destacar que a sua participação na pesquisa não acarretará nenhum tipo de
despesa ou complicação legal e os resultados da pesquisados serão publicados em revistas ou
eventos científicos apenas após o seu término, resguardando o sigilo e o anonimato dos
participantes.
Os procedimentos adotados nesta pesquisa buscará obedecer ao que preconiza a
resolução Nº 466 do Conselho Nacional de Saúde, que se refere aos aspectos éticos relativos à
pesquisa com Seres Humanos, com vistas a garantia das condições éticas durante toda a
investigação.
Assim, cientes dos objetivos da pesquisa, dos procedimentos aos quais será
submetida, do percurso teórico-metodológico, dos possíveis riscos ou danos que poderá
ocasionar, além da garantia da confidencialidade e sigilo das informações coletas, e da
garantia de esclarecimentos quanto a qualquer dúvida, estando livre para deixar de participar
da pesquisa a qualquer momento, solicitamos a assinatura deste documento em duas (02) vias,
que permanecerá uma cópia com o pesquisador e outra com o participante, como
comprovação da sua livre decisão e aceitação em participar da presente pesquisa.

____________________________________________________
Assinatura do entrevistado (a)
____________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora Responsável
116

APÊNDICE - B
QUESTIONÁRIO
Perfil
1. Nome: ___________________________________________________________________
2. Idade: ________
3. Endereço: ________________________________________________________________
4. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
5. Orientação Sexual: Hétero ( ) Gay ( ) Lésbica ( )
Travesti ( ) Transexual ( )
5. Município de origem: __________________
6. Escolaridade:

( ) estuda ( ) não estuda

Caso sim, qual o grau de


escolaridade? ____________

7. Cor/Etnia:
( ) Parda ( ) Indígena ( ) Branca
( ) Amarela ( ) Negra ( ) Outra

8. Religião:
( ) Católica ( ) Evangélica ( ) Espírita
( ) Religiões de matrizes ( ) Não possui religião
africanas definida
( ) Outros: _____________________________
9. Moradia:
( ) Própria ( ) Cedida ( ) Alugada
( ) Financiada

10. Disponibilidade de abastecimento de água encanada:


( ) sim ( ) não
11. Disponibilidade de energia elétrica:
( ) sim ( ) não
12. Disponibilidade de serviço de coleta de esgoto:
( ) sim ( ) não
13. Estado Civil:
117

( ) Solteiro (a) ( ) Casado (a) ( ) Viúvo (a) ( ) Divorciado (a) ( ) União estável
14. Filhos:
( ) sim ( ) não
Em caso positivo quantos em que idades _________________________
Em caso positivo, os filhos estão inseridos no PETI? ( ) sim ( ) não
14.1. Qual a composição familiar?
Mãe ( ) Pai ( ) Avó ( ) Avô ( ) Irmãos ( ) ________
Irmãs ( ) _________ Cunhado/a ( )__________ Sobrinhos/as ( ) ___________
Filho ( ) _________ Filha ( ) ___________ Companheiro/a ( )
Outros: _____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
14.2 Em caso de maior de 60 anos na composição familiar:
Recebe BPC? ( ) sim ( ) não
Aposentado/a ou Pensionista? ( ) sim ( ) não
15. Rendimento mensal: __________________________
16. Rendimento diário:___________________________
17. Inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CAD-
UNICO:
( ) sim ( ) não
18. Benefício Social: _____________________________
19. Jornada de Trabalho diária: __________________________
20. Participação em movimento social, religioso ou associativismo:
( ) sim ( ) não
Em caso positivo qual__________________________________________
21. Contribuição para a previdência social:
( ) sim ( ) não
Em caso negativo, quais os motivos que levam a não contribuição:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
118

APÊNDICE - C
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Sobre as condições de vida e sobrevivência dos catadores de materiais recicláveis


1. Há quanto tempo trabalha com a coleta de materiais recicláveis?
2. Faz coleta na rua ou só no lixão?
3. Desenvolvia algum outro trabalhado ou emprego anteriormente?
4. Quais os motivos que o levaram a catação de materiais recicláveis?
5. A catação é a única fonte de renda familiar? Quanto você consegue tirar por mês a
partir desse trabalho? Esta renda é suficiente?
6. Gostaria de ter outra profissão? Qual?
7. Como você vê o seu trabalho? O que poderia ser feito para melhorar as condições de
trabalho?
8. Existem alguma ação ou política pública municipal voltada para melhoria das suas
condições de vida e sobrevivência?
9. Existe algum outro órgão que seja privado ou religioso que desenvolvam algum tipo
de ação?
10. Quais as principais dificuldades encontradas para a realização do trabalho no lixão
com materiais recicláveis?
11. Já teve algum acidente de trabalho ou algum tipo de doença associada ao trabalho que
realizam?
12. Faz uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI’S)? Já teve acesso a esses
equipamentos? Se fossem disponibilizados a vocês, vocês utilizariam? Qual a
importância desse material para o trabalho que vocês realizam?
13. (Só para quem tem filhos) Qual a perspectiva de futuro que você tem para seus/suas
filhos/as? Você concordaria se eles/as trabalhassem com a catação de materiais
recicláveis?
14. O que significa ser catador?
15. O que é preciso saber para a realização da coleta de materiais recicláveis?
16. Você percebe algum tipo de preconceito por parte das outras pessoas quando se
intitula catador?
17. Compreendem que o trabalho que realizam contribuem para a preservação do meio
ambiente?
18. Quais os seus sonhos/projetos para o futuro?
119

ANEXOS

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