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CAMPUS IGUATU
DEPARTAMENTO DE ENSINO
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
IGUATU-CE
2015
1
IGUATU-CE
2015
2
AGRADECIMENTOS
A Deus - luz maior que ilumina a vida; a Ele toda honra, todo mérito e toda glória.
A Luana Paula Moreira Santos, pela calma e serenidade que sempre marcaram suas
orientações, pelo incentivo e apoio para a realização deste estudo e por sempre acreditar na
minha capacidade em momentos decisivos como a decisão em pesquisar esta temática, a
desafiante entrada ao campo de pesquisa e todo o momento de construção deste trabalho, o
que possibilitou que este estudo - que também era um sonho - fosse realizado.
A minha mãe Francisca Alves pelo amor, preocupação, apoio, incentivo e esforço diário.
Aos irmãos Wesley, Werton e Weverton, pelo amor de irmãos e pelo apoio
intransferível/incondicional.
As primas Gabriela e Myllena, que aqui representam o amor de família. A toda a minha
família, aqui representada pela tia Marizô (materna sempre) por proporcionar as condições
materiais para a conquista deste objetivo.
Aos queridos colegas de turma Marília, Kamila, Sandy, Larisce, Leandro, Raissa, Andressa,
Brenno, Pâmella, Samilly, Heleysânia, Mayra, Rafaela e Keyle, por todos os momentos de
brincadeiras, sorrisos, conversas, companheirismo, viagens e aprendizados.
Aos amigos e amigas da faculdade aqui representados por Sandy, Larisce e Vanágila, pela
amizade sincera, alegrias, conselhos e abrigos (tantos) – uma prova que viver vale a pena. A
Neuma, Ismael, Sâmya e Mikaelle, que mesmo tendo chegado quase no final, tornaram essa
caminhada mais alegre e recompensadora.
A Evelyne Medeiros Pereira - presença imprescindível em minha trajetória acadêmica, por ter
sido a professora que primeiro me ensinou a escrever e também por tantos despertares,
inclusive ao estudo desta temática.
A Ana Havenna Ribeiro Rocha, pelo ensino da prática e pelo carinho e dedicação despendidos
a mim durante o processo de estágio.
A Hildemberg Palácio, pela fé, leveza e serenidade com que me acalmou nos momentos finais
de construção deste trabalho, tornando tudo mais alegre; também gosto muito de você!
A todas as pessoas que contribuíram com a minha trajetória acadêmica e com a realização
desta pesquisa, aqui impossíveis de serem citadas individualmente; o meu muito obrigada!
5
É POR NATUREZA?!
É por natureza
Que tenho vontade de desler
Cada linha do insustentável desenvolvimento
Por natureza
Não entendo o “dês” – desenvolvimento da justiça e
da humanidade em nossas vidas
nem a cor da mais fria desigualdade
pois, por natureza,
apesar de todas as diferenças somos iguais
É por natureza que eu não queria que se
chamasse sonho o desejo de mudança
Pois já não consigo respirar o cheiro corpulento da violência
Ora, por natureza
Temos alma de pássaro
E, no entanto, vivemos em gaiolas arranha-céus
e por estas vemos o sol nascer quadrado
são janelas e nelas mil vidas
Somos arbustos condicionados à sobrevivência
Que desenvolvimento!!!
Penso, se por natureza sucumbimos os mangues
Extinguindo a maternidade do mar...
Até se por ela não temos olhos para ver a agressão
da fome e da miséria
Mas não compreendo o porquê
de transformar tudo em lixo:
relações descartáveis
pessoas desprezíveis
velhos inúteis
restos de sentimentos
Mas não acredito
que mesmo estando endurecidos feito pedra
Por natureza
Podemos fazer brotar em nós lírios.
RESUMO
Este estudo teve como objetivo, compreender e analisar as condições de trabalho, vida e
sobrevivência dos trabalhadores que têm sua subsistência garantida a partir da coleta de
materiais recicláveis no lixão do município de Iguatu-Ce. Partindo do pressuposto de que o
trabalho representa a primeira forma de sociabilidade construída entre os homens, o situamos
como categoria ontológica central para a vida humana. E devido à importância laboral em
nossa sociedade, percebemos como as inflexões do modo de produção capitalista, em
particular do atual processo de reestruturação produtiva, vem se constituindo como elo central
de promoção da degradação, desregulamentação e precarização do mundo do trabalho. Neste
contexto, entendemos a atividade dos catadores de materiais recicláveis em meio ao lixo,
como reflexos negativos do mercado de trabalho precário atual onde estão inseridos. Portanto,
buscamos delinear as trilhas que demarcam o cotidiano destes catadores. Para tanto,
priorizamos como percurso metodológico a abordagem qualitativa articulada ao método
histórico crítico dialético e as técnicas etnográficas. Como técnicas de coleta de dados,
utilizamos: a observação campo; diários de campo; aplicação de questionário; e entrevistas
semiestruturadas com 10 (dez) trabalhadores, cujo os dados obtidos foram articulados à
pesquisa bibliográfica presente durante todo o processo de elaboração teórica. Os resultados e
discussões realizadas, atestam um cotidiano de trabalho adverso e desafiador, que submetidos
à lógica do capital é marcados pela inserção informal e autônoma do mercado de trabalho,
vivenciam condições de precariedade e exploração. Verifica-se o agravamento destas
condições, em decorrência da inexistência de uma política pública efetiva de gestão de
resíduos sólidos em âmbito municipal, conforme preconiza a Política Nacional de Resíduos
Sólidos, o qual submete esta parcela de trabalhadores a intensificação da exploração
substanciada pelo estado e pela capital.
ABSTRACT
This study aimed to understand and analyse the working conditions, life and survival of
workers has guaranteed their livelihoods from collecting recyclable materials at the dump in
the town of Iguatu- Ce. On the assumption that the work represents the first form sociability
built between men, are as central ontological category for human life. And because of the
importance in our society, we perceive as the inflections of the capitalist mode of production,
in particular of the current restructuring process, has been productive and how central link
degradation promotion, deregulation and precariousness of labour world. In this context, we
understand the activity of scavengers of recyclables in the trash, as a negative reflection of the
current precarious labour market where they are inserted. Therefore, we seek to delineate the
trails that demarcate the everyday life of these scavengers. To this end we prioritize how
methodological path the qualitative approach articulated by critical historical dialectic method
and ethnographic techniques. How we use data collection techniques: the observation field;
field diaries; questionnaires, and semi structured interviews with 10 (ten) employees, whose
data were articulated the bibliographical research present during the entire process of
elaboration theory. Results and discussions, attest to a daily life of adverse and challenging
work, which subjected the logic of capital and market by inserting autonomous and informal
labour market, experiencing conditions of precariousness and exploitation. The worsening of
these conditions, due to the lack of an effective public policy of solid waste management in
municipal scope, as advocates the Brazilian Solid Waste Policy, which submits this
installment of the intensification of farm workers substantiated by the state and by capital.
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23
O TRABALHO COMO EXPRESSÃO SOCIETÁRIA: O SIGNIFICADO PARA A
VIDA HUMANA E SUAS ATUAIS CONFIGURAÇÕES ................................................. 23
1.1 A duplicidade do trabalho na sociedade do capital: a centralidade e o significado
para a vida humana .............................................................................................. 23
1.2 O modo de produção capitalista: considerações sobre o século XX e a atualidade32
1.3 Reestruturação produtiva, mundo do trabalho e questão social ........................... 37
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 44
LIXÃO COMO ESPAÇO OCUPACIONAL DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA
VIDA ........................................................................................................................................ 44
2.1 Questão ambiental em foco: uma análise a partir das contradições do modo de
produção capitalista ............................................................................................. 45
2.2 Estratégias produzidas pelo mercado ....................................................................... 50
2.3 Estratégias produzidas pelo Estado .......................................................................... 54
2.4 Entre os elos da invisibilidade: A organização política dos catadores de materiais
recicláveis .............................................................................................................. 57
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 63
CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: ANÁLISES SOBRE AS
CONDIÇÕES DE TRABAHO, VIDA E SOBREVIVÊNCIA ........................................... 63
3.1 Perfil socioeconômico e cultural dos trabalhadores ................................................ 63
3.2 Motivos e determinações para o trabalho com a coleta de materiais recicláveis . 75
3.3 Compreensão e percepção do trabalho sob a ótica dos catadores ......................... 78
3.4 Desafios que entrelaçam o cotidiano de vida e trabalho ......................................... 82
3.5 O trabalho dos catadores entre os elos da cadeia produtiva da reciclagem .......... 94
3.6 Sonhos que indicam o caminhar ............................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 102
REEFERÊNCIAS ................................................................................................................. 107
APÊNDICES ......................................................................................................................... 113
ANEXOS ............................................................................................................................... 119
12
INTRODUÇÃO
1
Destacamos aqui que todas as vezes que nos referimos a “trabalhadores” ou “catadores” estamos nos referindo
aos dois gêneros – masculino e feminino – o que também não representa uma maior predominância de
trabalhadores do gênero masculino, tendo em vista que a maioria das pessoas que trabalham com a coleta de
materiais recicláveis no lixão são mulheres. Assim, a utilização das concordâncias verbais no masculino é aqui
utilizada apenas para fins didáticos.
2
A questão social na sociedade capitalista representa o conflito entre o capital e o trabalho gerando diversas
expressões na realidade social, em que de acordo com Iamamoto e Carvalho (2011, p.83-84), a questão social “é
a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia (...)”.
13
3
Deposeiros é o nome nacionalmente atribuído aos responsáveis por comprar o material coletado pelos catadores
e repassa-los à grande indústria recicladora. A diferença de ganho dos desposeiros e catadores chega a quase
500%, esta proporção não consegue nem ser calculada em relação a grande indústria, pois a margem de
lucratividade é exorbitante.
4
Frente ao aumento do consumo e ao agravamento da problemática ambiental, se desenvolvem estratégias por
parte dos diversos atores sociais que objetivam a preservação do meio ambiente, porém que não se articula aos
fundamentos da própria sociedade capitalista baseada na produção, consumo e descarte das mercadorias. Assim,
desenvolve-se uma “cultura da sustentabilidade”, baseada fundamentalmente na responsabilidade individual pela
preservação ao meio ambiente, obscurecendo a própria destrutividade do capital.
5
Tal afirmativa se remete a suposta possibilidade de garantia do desenvolvimento capitalista articulado a
sustentabilidade social e ambiental, ideologia bastante alardeada em tempos de crise.
14
6
Disponível em: http://www.mncr.org.br/box_2/instrumentos-juridicos/classificacao-brasileira-de-ocupacoes-
cbo Acesso em: 02/05/2014.
15
7
Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/downloads.jsf^>. Acesso em: 03/02/2014.
8
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2014/janeiro/governo-intensifica-acoes-de-
protecao-social-voltadas-a-catadores> Acesso em: 04/05/2014.
16
9
Disponível em: <http://iguatu.ce.gov.br/a-cidade/>. Acesso em: 22/12/2014.
20
escolha dos sujeitos foram aleatórios entre os trabalhadores que necessitam sobreviver a partir
do trabalho com a coleta de materiais recicláveis no lixão e indispensavelmente aqueles que
por livre e espontânea vontade aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Por compreendermos o processo de pesquisa como importante mecanismo para o
conhecimento da realidade buscamos durante a pesquisa a reflexão aprofundada sobre
condições de vida e sobrevivência dos trabalhadores que garantem o seu sustento a partir do
trabalho com a catação de materiais recicláveis no espaço do lixão. Também levamos em
consideração que os pesquisados se constituem como sujeitos históricos inseridos em uma
sociedade marcada pela contradição e pelo movimento dialético, que muitas vezes determina
a forma de sobrevivência dos indivíduos.
Para a coleta de dados utilizamos durante todo o decorrer do processo, a pesquisa
bibliográfica em literatura pertinente e em trabalhos já realizados sobre a temática, além da
coleta de informações na Secretária Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo do referido
município.
Ainda na coleta de dados realizamos também a pesquisa de campo, por meio da
aplicação das seguintes técnicas e instrumentos: observação de campo, diário de campo,
entrevista semi estruturada e questionário com perguntas fechadas. Os momentos de
observação de campo e construção dos diários de campo foram realizados a partir da
utilização de técnicas etnográficas o que permitiu uma aproximação mais aprofundada da
realidade social ali existente.
Sobre a abordagem etnográfica no processo de investigação Gérin-Lajoie (2009,
p.15) assim a descreve: “uma abordagem de investigação cujo objecto é observar, no terreno,
as práticas sociais no seu quadro natural. Interessa-se pelas experiências de vida das actrizes e
dos actores sociais tentando compreender como tais práticas sociais são interpretadas pelos
mesmos”. Gérin-Lajoie ao tratar da etnografia crítica entende que os sujeitos envolvidos em
determinadas realidades devem ser percebidos como capazes de perceber e identificar os
desafios em que estão inseridos, ainda que sob o impacto das determinações estruturais tais
elementos sejam invisibilizados, não podemos negar a condição de “ator” do seu cotidiano.
Em outras palavras, utilizarmos elementos da etnografia crítica é buscar nas
particularidades que os objetos de pesquisa apresentam, a síntese entre micro e macroestrutura
na qual nem sujeito, nem objeto se desvencilham. Esta proposta de etnografia está em
consonância com o método histórico crítico dialético que escolhemos como caminho teórico-
metodológico a ser perseguido.
21
CAPÍTULO I
10
As mercadorias só se constituem como mercadoria por possuírem uma duplicidade, serem ao mesmo tempo
valores de uso quanto também veículos de valor. O valor de uso é a forma natural ou material do objeto,
possuindo tal valor pela capacidade que tem de atender alguma necessidade humana; para tornar-se mercadoria
necessita do acréscimo da forma de valor. Nesse sentido, o valor de uso e o valor de troca conformam polos
distintos da mesma unidade que é a mercadoria (MARX, 2013).
25
vai constrói e reconstrói a sua história, passando a ter novas necessidades a partir do momento
em que são supridas as necessidades que a antecederam. Sobre isso, afirma Netto e Braz
(2006, p.31):
(...) o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de
necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto de
necessidades que sempre deve ser atendido (alimentação, proteção contra
intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse atendimento variam
muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites, de novas
necessidades.
11
De acordo com Bottmore (2001), a atividade direcionada a um determinado fim e que produz valores de uso
com o objetivo de suprir as necessidades humanas, é considerada como trabalho “útil”, concreto. Já o dispêndio
de força de trabalho para a produção exclusiva de valor constitui o trabalho abstrato referente à sociedade
capitalista. Ainda sobre o mesmo assunto, afirma Netto e Braz (2006, p.105), “(...) mas não se trata, obviamente,
de dois trabalhos: trata-se da apreciação do mesmo trabalho sob ângulos diferentes: do ângulo do valor de uso,
trabalho concreto; do ângulo do valor de troca, trabalho abstrato”.
26
Esta afirmação, contudo, não exclui o fato de ser o trabalho abstrato constituído
pelo trabalho concreto, pois este conforma materialmente os objetos construídos para suprir as
necessidades humanas, ou seja, a riqueza e os valores de uso existentes na sociedade. Porém,
27
sob as formas de relações de produção que se estruturam esta sociedade, o valor de uso é
invisiblizado para as relações de compra e venda que representam os objetivos precípuos dos
donos dos meios de produção, o que torna aparente na imediaticidade, apenas o valor de
troca12, fator este que permite o intercambio entre as mercadorias. Assim, da mesma forma
que os valores de uso e de troca das mercadorias conformam uma unidade, o trabalho
concreto e abstrato que as produz também. Sobre isso Bottmore (2001, p.386), afirma que, “o
trabalho concreto e o trabalho abstrato não são atividades diferentes, mas sim a mesma
atividade considerada em seus aspectos diferentes”.
Dentre os autores que discutem a categoria trabalho, alguns mais vinculados ao
campo das ideologias pós-modernas13 afirmam a negação e o fim da centralidade do trabalho
no atual estágio de desenvolvimentos das forças produtivas e das relações sociais, o que
relaciona-se com a defesa da incapacidade de organização política da classe trabalhadora, e,
portanto, a impossibilidade de construção de uma consciência de classe, que também está
atrelada ao fim do antagonismo e das relações de exploração. Isso se deve ao fato de que o
atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas promove profundas alterações na
organização do trabalho, mais especificamente pelas flexibilizações, reduções dos postos de
trabalho e substituição do trabalho vivo direto pelas inovações tecnologias com maior
capacidade para alavancar a produtividade.
Essa conjuntura impacta na aceitação de trabalhos cada vez mais precários e
submissos ao capital, conformados por uma ideologia de que os trabalhadores se submetem as
condicionalidades impostas para ocuparem determinados postos de trabalho que surgem cada
vez mais escassos na dinâmica atual da sociedade, ou estarão irremediavelmente a mercê do
desemprego.
As determinações no mundo das mercadorias incidem diretamente sobre o mundo
do trabalho e sobre as condições de vida e sobrevivência da parcela da população que
sobrevive a partir da venda de sua força de trabalho. As condições de vida da classe
trabalhadora, que ao ser explorada pelo capital produz a mais-valia responsável pela riqueza
socialmente existente, na maioria dos casos são precárias. Neste aspecto, o trabalho perde a
sua característica precípua, de ser fundante do ser social, deixa de ser algo prazeroso para ser
uma obrigação desgastante e desumanizante.
12
De acordo com Mészáros (1989, p.22), “o capital não trata valor-de-uso (que corresponde diretamente à
necessidade) e valor-de-troca meramente como dimensões separadas, mas de uma maneira que subordina
radicalmente o primeiro ao último”.
13
Também conhecida como pós-estruturalismo, a ideologia pós-moderna se remete a uma forma fragmentada de
compreensão da realidade social e de negação das teorias macrossociais. Essa forma de explicação da realidade
social se desenvolve com uma suposta crise da modernidade e das relações que a estruturam.
28
14
De acordo com Bottomore (2001, p.5), o sentido de estranhamento confunde-se com o de alienação, ou seja, se
remete à “ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade, se
tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria
atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e - além
de, e através de [1], [2] e [3] - também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas construídas
historicamente)”.
15
De acordo com Netto e Braz (2006), as leis de mercado se desenvolvem como reflexos da estrutura edificante
da sociedade capitalista, sobre as quais a vontade humana não pode interferir, apresentando como consequências
dessas leis externas a concorrência, o desemprego e as crises cíclicas e estruturais predominantes nesse sistema.
30
16
Netto e Braz (2006, p.135) ao referir-se ao pauperismo na sociedade capitalista o define de duas formas:
absoluta e relativa. Dessa forma “a pauperização absoluta registra-se quando as condições de vida e trabalho dos
31
Devido a isto, uma parcela da população livre para se reproduzir a partir da venda
da sua força de trabalho, ao não encontrarem possibilidades para esta negociação, buscam
garantir a sobrevivência a partir de formas precárias e desumanas de trabalho, dentre elas a
catação de materiais recicláveis em lixões a céu aberto em várias cidades do Brasil, cujos
materiais coletados podem voltar-se tanto para o próprio consumo quanto para a venda, pois
ao serem reinseridos no processo produtivo tornam-se lucrativos ao capital.
Estes trabalhadores que por variados motivos não ingressaram formalmente no
mercado de trabalho buscam estratégias de sobrevivência em espaços destituídas de condições
mínimas de salubridade, conforto e bem estar, elementos fundamentais para o
desenvolvimento da humanidade e da sociabilidade entre os sujeitos sociais ali envolvidos.
Segundo Carneiro e Corrêa (2008), dentre os diversos atores sociais envolvidos
com a cadeia produtiva da reciclagem, os são os mais invisibilizados no decorrer do processo,
as suas contribuições estão atreladas a coleta dos materiais que facilmente serão incorporados
ao processo produtivo e transformados em novas mercadorias lucrativas ao capital.
Destituídos de quaisquer direitos trabalhistas, esta categoria encontra-se isenta de condições
mínimas de segurança ou de saúde, pois as empresas ou “atravessadores” com os quais
negociam os seus produtos não estabelecem com os mesmos quaisquer outras formas de
relações, exceto as comerciais.
Dessa forma compreendemos o trabalho desenvolvido pelos catadores de como
uma das etapas necessárias ao processo produtivo das mercadorias que será efetivado dentro
das empresas recicladoras e passadas a esfera da circulação, como um trabalho permeado por
proletários experimentam uma degradação geral: queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e
moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do desemprego. A pauperização relativa é distinta: pode
ocorrer mesmo quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e
moradia mais elevados; ela se caracteriza pela redução da parte que lhes cabe do total dos valores criados,
enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas".
32
das relações sociais e de produção estruturadas sob sua égide, especificamente as altas taxa de
lucratividade.
Assim, num esforço de compreensão desse sistema e de suas formas de expressões
assumidas ao longo da história, cabe aqui ressaltar que em meados do século XVIII o
capitalismo assume o estágio dito concorrencial que articulado a determinações econômicas e
políticas, estende-se pelo decorrer do século XIX e se assenta sob as bases da grande
indústria. Esse processo de acordo com Netto e Braz (2006), provoca um aumento da
urbanização sem precedentes, além da criação do mercado mundial aprofundado com a
chegada do capitalismo ao estágio dos monopólios; neste estágio dito monopolista são
relações comerciais que passam a apresentar-se como determinante para a articulação entre
povos e nações nos lugares mais distantes e afastados do planeta.
É nesse período, marcado pela intensa concorrência entre capitalistas individuais,
mediante possibilidade de investimento em negócios e garantia da lucratividade, que se
desenvolvem as primeiras formas de manifestações concretas de oposição entre trabalhadores
e capitalistas, ao constituir o antagonismo entre as classes sociais em sua atual formatação,
que se fará presente durante toda a evolução posterior do capitalismo (Idem).
A chegada do capitalismo monopolista ou imperialista conforme denomina Lênin
(2012), demarca um novo estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capital já no
final do século XIX e início do século XX. Dentre as principais características deste estágio se
destacam o predomínio dos monopólios, a concorrência elevada ao extremo (só que entre
grupos monopolistas, se contrapondo a concorrência entre capitalistas individuais),
acirramento e fortalecimento das tendências capitalistas, dentre elas a concentração e a
centralização17, a financeirização do capital, a reconfiguração do papel do Estado, além da
privatização e destruição dos recursos naturais.
Afirma Harvey (1992), que o modo de produção capitalista adentra ao século XX
marcado pelo regime de acumulação fordista, o qual tem como objetivo a adequação do
trabalhador as novas determinações do capital, com vistas a garantir intensa produtividade
atrelada ao aumento da capacidade de consumo das classes.
17
Sobre as tendências capitalistas a concentração e a centralização, Netto e Braz (2006) as definem como parte
da dinâmica capitalista e decorrem da concorrência entre os próprios capitalistas. Assim, o processo de
concentração expressa o acumulo cada vez maior de riquezas por parte dos capitalistas individuais, que atrela-se
a centralização, por meio da união entre vários capitais. A articulação entre estas duas tendências conforma os
monopólios. Sobre o mesmo assunto, Marx afirma que “o que temos agora é a concentração dos capitais já
formados [...] a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em
muitos capitais grandes [...]” (Marx apud Montaño e Duriguetto 2011, p.156).
34
Tal reordenamento no campo produtivo não ocorreu de forma unilateral, mas sim
entrelaçado de disputa por hegemonia e por projetos societários divergentes, destacando-se o
enfraquecimento das lutas operárias e dos movimentos sindicais que também contribuíram
para o fortalecimento do regime de acumulação fordista. Assim, “com seu principal
adversário sobre controle, os interesses da classe capitalista puderam resolver o que Gramsci
denomina antes problema de ‘hegemonia’ e estabelecer uma base aparentemente nova para as
relações de classes conducentes ao fordismo” (Idem, p.128).
Ressalta-se que as formas de intervenção do estado na economia, nos movimentos
sindicais e de trabalhadores, assim como na própria garantia das condições necessárias a
expansão do capital, historicamente não ocorreram de forma padronizada, variando entre
economias, países e regiões, o que atesta a tendência ao “desenvolvimento desigual e
18
combinado do capital” em escala mundial, e particularmente no Brasil. Assim, nem todos
os países e regiões foram beneficiados pelas políticas publicas de Estado, pela inserção
igualitária no mercado de trabalho formal, pelas negociações salariais ou em último caso pela
riqueza socialmente produzida.
Com vistas a evitar uma visão romântica sobre o capitalismo, vale ressaltar as
diversas contradições e desigualdades que permearam esse período, principalmente nos países
periféricos de economias pouco desenvolvidas, em que conforme Harvey (1992, p.132), nesse
18
Para Behring e Bochetti (2011, p. 113), a tendência ao desenvolvimento desigual e combinado do capital se
remete a “(...) um vínculo estrutural entre desenvolvimento e subdesenvolvimento”, ou seja, mesmo
apresentando uma característica comum que é a busca pela extração de superlucros, o capitalismo se desenvolve
de forma desigual a depender das condições objetivas; além da necessidade de pessoas subordinadas e dependes
da sua lógica.
36
processo “as desigualdades resultantes produziram sérias tensões sociais e fortes movimentos
sociais por parte dos excluídos – movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a
raça, o gênero e a origem étnica costumavam determinar quem tinha ou não acesso ao
emprego privilegiado”.
Todo esse processo adormeceu uma questão social vivenciada tanto nos países
centrais, quanto nos países dependentes, com maiores contundências nestes, levando a inércia
movimentos sociais e organizações coletivas da classe trabalhadora. O acesso a direitos
sociais e trabalhistas por uma parcela da população reveste as desigualdades por meio da
falácia da promoção da cidadania mediante intervenção estatal.
Fatores como a desvalorização do dólar nos Estados Unidos, bem como a
concorrência em âmbito internacional, onde entravam nessa corrida países de economias
periféricas, mediante expansão do mercado interno, começaram a colocar em cheque a onda
expansionista do período pós-guerra. Nesse momento as contradições capitalistas tornam-se
mais visíveis e mais difíceis de serem escondidas pelo regime de acumulação
fordista/keynesiano (Harvey, 1992), o que apontava para a necessidade de um reordenamento
profundo, porém superficial no campo produtivo e nas relações de produção.
Um dos problemas encontrados na nova dinâmica referia-se a rigidez dos
processos, tanto no que se refere aos investimentos, quanto aos contratos e relações de
trabalho, que emperravam planejamentos mais flexíveis. Essa rigidez fazia-se presente
também nas formas de intervenção do Estado, na área social e econômica (Idem).
A política monetária desenvolvida pelos Estados Unidos como estratégia para
“salvar” o mundo capitalista, que se baseava na desregulamentação dos mercados financeiros
em desacordo com o preconizado em acordos com instituições internacionais como o Sistema
de Bretton Woods19, resultou no aumento da inflação e contribuiu para a crise da longa onda
expansionista.
Tal inflação resultou em uma crise do mercado financeiro e imobiliário, além da
presença de uma grande quantidade de excedente inutilizável pelas empresas. Assim, tornou-
se necessário o processo de mudanças e de reestruturação do trabalho e das relações
“econômicas e políticas”. Dentre as principais medidas tomadas pelos agentes comprometidos
com o avanço e a legitimidade do capital, tem-se “a mudança tecnológica, a automação, a
19
De acordo com Montaño e Duriguetto (2011, p.152), o Sistema de Bretton Woods é “desenvolvido com o
objetivo de gerenciar a economia internacional, estabelecendo regras para as relações comerciais e financeiras,
foi aprovado pelas 44 nações aliadas, presentes na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, em
julho de 1944 (...). Dentre as disposições pactuadas nesse acordo tem-se “(...) a obrigação de os países adotarem
uma política monetária de câmbio de suas moedas indexadas ao dólar (o padrão ouro-dólar)”.
37
busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de
controle do trabalho mais fácil, as funções e medidas para acelerar o tempo de giro do capital
(...)” (Idem, p. 141).
Estas mudanças demarcam a passagem do regime de acumulação fordista, para
outro com características novas e que permanece até a contemporaneidade, mesmo que em
algumas regiões e principalmente em economias periféricas o novo ainda conviva com a
permanência do arcaico. Este modelo denominado por Harvey de “acumulação flexível”
apoia-se fundamentalmente “(...) na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (Ibid).
De acordo com Netto e Braz (2006, p.224), “a onda longa expansiva é substituída
por uma onda longa recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da
dinâmica capitalista: agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando episódicas as
retomadas”.
Tal formatação do modo de produção capitalista gestada no final do século XX e
que adentra o século XXI, articula uma nova expansão capitalista para áreas ainda não
atingidas ou poucas atingidas pela órbita do capital, em uma articulação instantânea e
mundial, favorecida pelos avanços tecnológicos no ramo da comunicação e de transporte.
Assim, a classe trabalhadora passa a ser atingida profundamente, nas condições de
trabalho, vida e sobrevivência; e como marca histórica do desenvolvimento capitalista se
acirram a coalizão entre interesses divergentes, que resultam na disputa por interesses e
projetos societários antagônicos.
A crise capitalista que se expressa a partir da década de 1970, gesta-se através das
próprias contradições do capital na busca por garantir a continuidade da longa onda expansiva
que se desenvolvia após a década de 1930. Assim, a partir de 1960 iniciam-se os indicativos
de diminuição das taxas de lucratividade do capital, culminado com a longa onda recessiva
que se estende e permanece até os dias atuais (Behring e Boschetti, 2011). Tal crise que se
alastrou em decorrência da queda do padrão de acumulação fordista/keyneisiano e que resulta
no atual processo de reestruturação produtiva, demarca e recoloca como debate central as
38
negativa no senso comum acerca das manifestações públicas das organizações da classe
trabalhadora, por meio de processos que invertem a compreensão da realidade; além da
“desregulamentação do mercado de trabalho e precarização do emprego” (Ibid), que se
expressa por meio das crescentes taxas de desemprego ou dos empregos precários com perdas
de direitos.
Conforme sinaliza Montaño e Duriguetto (2011, p. 187), “o colapso do socialismo
real”, demarcado pela queda do Muro de Berlim no final do século XX, atrelado à crise do
Welfare State também veio a contribuir com o enfraquecimento das lutas sindicais e dos
movimentos contra hegemônicos ao capital. Nas palavras dos autores “(...) a ‘crise do
socialismo real’ (ampliada pela ‘crise do capitalismo democrático’) vai golpear
profundamente as esquerdas no mundo inteiro, favorecendo largamente o capital e o projeto
neoliberal” (Idem, p. 188).
Estas atuais configurações da sociedade capitalista que refletem sobre o mundo do
trabalho, apresentando como agravante principal à crise estrutural do capital, expressa-se
dentre outras formas, através do desemprego estrutural, das condições precarizadas de
inserção no mundo do trabalho, além da relação degradante estabelecida entre o homem e a
natureza, voltadas para produção de mercadorias e para os interesses de valorização do
capital (ANTUNES, 2009).
Sobre os reflexos para o mundo do trabalho nesta nova forma de acumulação
capitalista, (Harvey 1992, p.141) destaca que, “a acumulação flexível parece implicar níveis
relativamente altos de desemprego ‘estrutural’ (em oposição a ‘friccional’), rápida destruição
e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais (...) e o
retrocesso do poder sindical (...)”.
Nesta ótica, o desemprego torna-se um fenômeno estrutural que atravessa a
dinâmica capitalista contemporânea, em que de acordo com Behring e Boschetti (2011,
p.117), após a recessão de 1970 “(...) o desemprego passa a ser crescente, numa dinâmica na
qual em cada recessão ele aumenta, sem ser revertido na retomada, considerando pequenos
ciclos dentro da onda longa recessiva”.
Assim, o mundo do trabalho passa a ser atravessado por um conjunto de ofensivas
e contradições que aviltam cada vez mais as condições de vida e sobrevivência da classe
trabalhadora, destituindo muitas vezes da condição de humanidade. Os empregos flexíveis e
informais ganham grande expansão em uma dinâmica cuja taxa de desemprego alcança
índices alarmantes, o que se contrapõe a falácia e a incoerência da justificativa de que o
desemprego não decorre de determinações estruturantes do capital, especialmente em
40
momentos de crise, mas sim, devido à carência de mão de obra qualificada para ocupação de
cargos demandantes de maior qualificação.
Pochmann (2006, p.62) ao refletir sobre o desemprego estrutural e as distintas
formas de precarização do trabalho no Brasil, a partir das duas últimas décadas do século XX,
afirma que este desemprego de um fenômeno homogêneo, torna-se um “(...) fenômeno
complexo e heterogêneo, atinge de forma generalizada praticamente todos os segmentos
sociais, inclusive camadas de maior escolaridade, profissionais com experiências em níveis
hierárquicos superiores e em altos escalões de remuneração”.
Esta tese de Pochmann vem sendo corroborada por alguns autores que passam a
defender a existência de uma nova composição da classe trabalhadora no Brasil, formada pelo
precariado, estes são constituídos por trabalhadores inseridos informalmente e/ou de forma
precária no mercado de trabalho, mesmo com um alto índice de escolaridade. De acordo com
Alves (2013), o precariado é formado por “(...) jovens empregados ou operários altamente
escolarizados, principalmente no setor de serviços e comércio, precarizados nas suas
condições de vida e trabalho, frustrados em suas expectativas profissionais (...)” (p.3)20.
Dentre as ofensivas para a classe trabalhadora, ressalta-se também o processo de
automação decorrente dos avanços tecnológicos que resultam na substituição em escala
sempre crescente do “trabalho vivo” pelo “trabalho morto”. De acordo com Mandel apud
Behring e Boschetti (2011, p.115) “a automação intensifica as contradições do mundo do
capital, quais sejam: a socialização crescente do trabalho agregada à redução do emprego e a
apropriação privada; a produção de valores de uso e a realização de valores de troca; o
processo de trabalho e o de valorização”.
Assim, as contradições capitalistas se acirram e atingem dimensões ainda
inatingíveis em outros períodos de desenvolvimento do capital, o qual apresenta como
agravante o desenvolvimento tecnológico associado à robótica e a microeletrônica, que tem
propiciado o descarte de trabalhadores, além de formas flexibilizadas de trabalho, que
também demarcam um processo de perdas de direitos trabalhistas associado ao
aprofundamento da subsunção real do trabalho ao capital.
Em meio a esta dinâmica, a capacidade de organização política e de luta da classe
trabalhadora também é atingida, em decorrência da fragmentação das demandas, o que
fragiliza diretamente a consciência de classe. Assim, os altos avanços tecnológicos
20
ALVES, Giovanni. O que é precariado? 2013. Disponível em:
http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/ Acesso: 16/05/2014.
41
alcançados pela humanidade ao ser capturados pela lógica do capital subsumem-se aos seus
interesses, em detrimento do atendimento as necessidades humanas. Nesta direção Braverman
apud Montaño e Duriguetto (2011, p. 167), afirma que “isto foi realizado por meio da
transformação da ciência mesma numa mercadoria comprada e vendida como os outros
implementos e trabalhos de produção”.
Tais inovações tecnológicas resultam no aumento da composição orgânica do
capital21 e possibilita a este o aumento da extração de superlucros mediante extração de mais-
valia relativa22, que se materializa a partir da capacidade do capital em substituir a força de
trabalho humana por maquinários e tecnologias avançadas. Conforme aponta Montaño e
Duriguetto (2011, p.202), “as inovações tecnológicas levaram à substituição de amplos
contingentes de trabalhadores e linhas de montagem por máquinas automatizadas, o que vêm
produzindo o chamado desemprego estrutural”.
Desta forma, o avanço tecnológico resulta na eliminação de postos de trabalho,
não por excluir a necessidade do trabalho humano, mas por concentra-lo e incorporá-lo a uma
máquina, em que uma pequena quantidade de trabalhadores altamente qualificados passam a
operar os seus comandos e garantir a produção. Nesta ótica, o poder de barganha da classe
trabalhadora é atingindo profundamente, em que além da fragmentação dos sindicatos, estes
na maioria dos casos encontram-se atrelados à lógica empresarial.
De acordo com Iamamoto (2011, p. 107) “o que é obscurecido nessa nova
dinâmica do capital é o seu avesso: o universo do trabalho – as classes trabalhadoras e suas
lutas -, que cria riquezas para outros, experimentando a radicalização dos processos de
exploração e expropriação”.
Dentre as novas formas de organização do trabalho, merece destaque o setor da
informalidade, que vem ganhando destaque nos últimos anos na chamada era da acumulação
flexível. Estes trabalhadores mesmo utilizando-se de seus próprios meios de produção,
encontram-se imersos pela lógica capitalista, atende a sua lógica de lucratividade e extração
de mais-valia e não diminui o poder do capital sobre a organização e os frutos do seu trabalho.
Para Alves e Tavares (2006, p.436), “a flexibilização é, geralmente apresentada como
21
Conforme afirma Netto e Braz (2006), a composição orgânica do capital é constituída a partir da relação entre
o capital constante (maquinários) e o capital variável (trabalho humano), sendo que a composição orgânica do
capital aumenta a medida em que aumenta-se a utilização de maquinários e avanços tecnológicos em detrimento
da diminuição da requisição da força de trabalho humana.
22
A extração de mais-valia relativa ocorre ao passo em que o capital adquire a capacidade de diminuir o tempo
de trabalho necessário ao pagamento do salário aos trabalhadores, aumentando em contrapartida o tempo de
trabalho excedente a produção de riquezas aos capitalistas (Idem).
42
garantem a sua sobrevivência em espaços como os lixões por meio da coleta de materiais
recicláveis em uma sociedade que dispõe de alta produção e concentração de riquezas.
O lixão como espaço sócio ocupacional de trabalho, local em que os catadores
desenvolvem a catação, constitui-se como reflexos do desenvolvimento capitalista, que
ontologicamente se estrutura a partir da produção e consumo de mercadorias e da destinação
incorreta dos resíduos sólidos produzidos. O consumo em larga escala tem agravado cada vez
mais a questão ambiental, como expressão da questão social em suas formatações
contemporâneas.
Assim, temos como desafio pela frente refletir sobre a problemática ambiental
como determinante da forma de organização e estruturação da sociedade capitalista fundada
na produção de mercadorias e na destruição da sociabilidade humana.
44
CAPÍTULO II
2.1 Questão ambiental em foco: uma análise a partir das contradições do modo de
produção capitalista
Tal realidade é atestada a partir de dados das Nações Unidas retratados por
Maranhão (2010), ao afirmar que existem na atualidade aproximadamente 2,5 milhões de
pessoas em todo o mundo em situação de fome crônica, sobrevivendo com menos de dois
dólares por dia. Esta realidade demonstra a disparidade entre o avanço da ciência e a
capacidade de atendimento as necessidades humanas, tendo em vista cada vez mais o descarte
de força de trabalho humana por parte das empresas e o índice irreversível de desemprego, o
que dificulta a garantia do sustento por meio de esforço próprio.
Sobre isso afirma Mészáros (1989, p. 60), “a razão pela qual tal mudança é
possível, nos parâmetros do sistema de produção estabelecido, é porque consumo e destruição
são equivalentes funcionais do ponto de vista perverso do processo de ‘realização’
‘capitalista’”. Assim, a forma como ocorrerá à realização capitalista dependerá das condições
mais viáveis a obtenção de lucros, o que articula em alguns momentos a combinação das duas
formas, para tanto não necessariamente será levada em consideração as necessidades
humanas.
Como reflexos da não garantia de direitos e como agravante da questão social,
destaca-se a falta de planejamento urbano, marcado pela superlotação das cidades em
decorrência da migração campo/cidade, o que ocasiona um processo de degradação da vida
também neste espaço, pois apenas uma parcela de indivíduos tem acesso a moradia digna em
condições adequadas que possibilitem o acesso a serviços sociais como energia, saneamento
básico, entre outros, ficando o restando a margem destes direitos de cidadania.
O aglomerado de pessoas nos centros urbano que acarreta no crescimento das
cidades não articulado a oferta de serviços públicos capacitados ao atendimento a esta
demanda, apresenta desafios aos órgãos públicos e como agravante da questão social. Dentre
estes o aumento do consumo que acarreta em um maior acumulo de resíduos sólidos e na
necessidade do descarte correto, contraditoriamente muitas vezes não é acompanhado pelo
planejamento quanto ao destino final e acarreta na destinação em lixões a céu aberto, que se
transformam em nichos para sobrevivência humana.
Nestes termos, afirma Netto e Braz (2006 p. 236-237), “urbanização e
suburbanização se mesclam, se confundem e se invertem e são refuncionalizadas segundo
lógicas que concretizam processos de apartação socioespacial”. Assim, como reflexo do
desenvolvimento desigual e combinado, centro e periferia se distinguem, se apartam e
segregam indivíduos que não conseguem acesso a direitos fundamentais básicos.
Para Martins (2003, p. 18), o processo pelo qual a população de mais baixa renda
é submetida frente ao desenvolvimento desigual das cidades e a ausência de acesso a direitos
48
contexto, inúmeros desafios são enfrentados com consequências que poderão atingir a todos,
porém com reflexos mais degradantes para a classe trabalhadora. Dentre os desafios vale
destacar o alardeado processo de privatização dos bens naturais que assim como os demais
bens já pertencentes à propriedade privada, são disputados por poderosos grupos capitalistas.
A temática do lixo permeia uma gama de fatores ambientais que devem ser
destacados, a produção em larga escala e a alta descartabilidade exige uma exaustiva
utilização de recursos naturais para produção de novas mercadorias. Por outro lado, a
reciclagem que aparece como alternativa à essa realidade se configura como outras práticas
ecologicamente correta como estratégia de lucratividade, para que isso se concretize a
indústria recicladora tende a atribuir um maior valor aos produtos reciclados, como forma de
potencializar o ecologicamente correto.
Outro elemento que envolve a questão do lixo, refere-se a sua destinação final, os
lixões, realidade em muitos municípios brasileiros, causam impactos elevadíssimos ao ar, à
terra e aos recursos hídricos, por meio das queimadas e eliminação de substâncias tóxicas ao
ambiente; pelo alto empobrecimento do solo em que esses resíduos são destinados e; pelo
chorume que alcança os lençóis freáticos e torna impróprio para utilização grande parte dos
recursos hídricos disponíveis nas regiões em que se situam os lixões.
A privatização é defendida sob o argumento de se constituir como único
mecanismo viável a garantia da permanência do acesso a bens necessários a humanidade,
mesmo que restrito e via mercado. Silva (2010, p.118) ao refletir sobre o processo de
privatização dos recursos naturais afirma: “propõe, então a privatização como possibilidade
objetiva e única de protegê-los, seja diretamente através da definição dos direitos de
propriedade sobre estes ou, indiretamente, pela valorização econômica da degradação”.
Este processo de valorização ocorre via comercialização do direito de poluir por
parte de empresas ou países. A partir do momento em que não conseguem reduzir os índices
de poluição ou degradação do meio ambiente, paga-se um valor que servirá como
justificativa.
Mandel (1982) ao refletir sobre a forma como o desenvolvimento das forças
produtivas no capitalismo resulta em agravos ao meio ambiente, concorda com Commoner ao
afirmar que,
A terra não está sendo poluída porque o homem seja uma espécie animal
particularmente suja, nem porque sejamos muito numerosos. O erro está na
sociedade humana – nas formas que a sociedade escolheu para ganhar, distribuir e
usar a riqueza extraída do planeta pelo trabalho humano. Assim que as origens
sociais da crise se tornem claras, podemos começar a planejar ações sociais
adequadas para resolvê-la (COMMONER apud MANDEL, 1982, p.354).
50
Tal assertiva desmistifica análises que atrelam a crise ambiental aos índices de
crescimento populacional e reafirma as suas raízes intrínsecas em um modo de produção
mercantil que de forma esquizofrênica busca ultrapassar todas as barreiras existentes à
garantia do lucro, mesmo que as consequências canalizem mais destruição do que produção.
Como expressão da crise ambiental a intensa produção de lixo e a destinação
incorreta tem desencadeado vários debates e tomado dimensões perversas a medida que
inexistem políticas públicas efetivas voltadas para a coleta seletiva na maioria das cidades
brasileiras, o lixo é destinado incorretamente e repercute também em uma grave problemática
social. As suas consequências são tanto sociais e ambientais, quanto econômicas, tento em
vista o nicho de lucratividade que o lixo produzido diariamente proporciona às grandes
empresas, especialmente do ramo da reciclagem.
Sobre isso, Silva (2010) ressalta que a intensa produção de resíduos sólidos se
destaca como uma das expressões mais agravantes da questão ambiental, atrelada as
dificuldades econômico políticas de gerenciamento final por parte do Estado, do mercado e da
sociedade. Dados retratados pela mesma autora atestam que “com uma produção de cerca de
dois milhões de toneladas de lixo domiciliar por dia (cerca de 730 milhões de toneladas ao
ano) o planeta demonstra evidentes sinais de esgotamento de sua capacidade de absorver os
dejetos da produção humana” (Idem, p.112).
A problemática do lixo envolve amplos debates por parte de vários segmentos
sociais que requerem ações efetivas por parte das instituições e órgãos competentes. Neste
cenário, dentre as ações desenvolvidas pelo mercado vale destacar a expansão do ramo da
reciclagem e a chamada logística reversa23 que se materializa via ações ditas de
responsabilidade ambiental. Já no que se refere às ações produzidas pelo Estado merece
destaca a aprovação de legislações voltada ao tratamento e monitoramento dos resíduos
sólidos a ser implementada pelos três entes federativos, União, estados, municípios e Distrito
Federal.
Como uma problemática que envolve amplos segmentos da sociedade por meio de
discursos que visam articular estratégias unificadoras do desenvolvimento econômico e da
sustentabilidade social e ambiental, entram em cena atores como o Estado, o mercado,
organizações internacionais, ONGs, movimento sociais e religiosos e pessoas da sociedade
civil em geral. As estratégias produzidas têm como foco central a busca de alternativas que
reduzam o processo de depredação e degradação ambiental que se expressam de forma mais
contundente no cenário contemporâneo, mesmo que não apresentem como debate central a
estrutura produtiva do capital.
Contraditoriamente, o capital como grande impulsionador dos agravos a questão
ambiental desenvolve estratégias pautadas na preservação ao meio ambiente e em estratégias
ditas de sustentabilidade ambiental e social. Sobre isso, Silva (2010, p.143) destaca que,
Ao mesmo tempo em que assegura a continua produção e reprodução da ‘questão
ambiental – assim como ocorre com a questão social -, o capital se empenha em
atenuar as suas manifestações, administrando suas contradições através do
impulsionamento de programas compensatórios, lastreado pelo discurso do
solidarismo, do respeito aos direitos humanos e da defesa do meio ambiente.
24
De acordo com Netto e Braz (2006, p.98) o capital constante refere-se a parcela do capital produtivo investido
na compra dos meios de produção, ou seja, “(...) instalações, máquinas, instrumentos, matérias (brutas ou
primas) e insumos (energia, combustível etc.) , já o capital variável refere-se ao montante destinada a compra da
força de trabalho dos operários. As duas formas de capital constituem a composição orgânica do capital e ao
serem acionadas pelo capitalista são responsáveis pelo processo de produção das mercadorias.
25
Conforme Marx apud Maranhão (2010), existem três formas de superpopulação relativa: a flutuante que se
remete aos trabalhadoras que são descartados pelas empresas e passam a não dispor de um vínculo formal de
trabalho; a latente que se refere a população do campo que em decorrência do avanço tecnológico na agricultura
passam a não dispor de trabalho no campo e necessitam migrar para a cidade e engrossar a fila de espera por
emprego; e a estagnada que subdivide-se em duas formas, uma parte pelo segmento de trabalhadores com
ocupações irregulares e bastante precárias e outra parcela que é integrada “(...) pelo mais profundo sedimento da
superpopulação relativa que vegeta no inferno da indigência” (p. 105).
53
burguesa não se concretiza para aqueles que estão inseridos na miséria e na escassez de
recursos materiais, direitos e condições dignas de existência.
Silva (2010, p.78), ao refletir sobre as estratégias produzidas pelas empresas
recicladoras no que tange a transformação do lixo em fonte de lucratividade, afirma que,
Contraditória e dialeticamente, os efeitos da degradação ambiental convertem-se em
mercadorias, a partir da produção de um crescente “mercado de reparações”
ecológicas, numa demonstração inconteste da capacidade do sistema do capital de
transformar em fonte de lucratividade os obstáculos com que se depara.
É sob este ponto de vista que as estratégias de mercado com vistas à preservação
do meio ambiente, ao não romperem com a lógica de produção para a destruição sob a qual se
estrutura o modo de produção capitalista, não possibilitam alcançar os fundamentos da
questão ambiental e intervir sob suas refrações sociais, ambientais e econômicas, na realidade
tal discurso é permeado por fetichismos e obscurecimentos da realidade.
26
Disponível em: <http://fld.com.br/catadores/pdf/politica_residuos_solidos.pdf>. Acesso em: 09/04/2015.
56
discussão e consulta pública, resultou até o momento apenas em um anteprojeto de lei27 que
visa à instituição da política no estado do Ceará. Os desafios para implementação desta
política no estado requerem cada vez mais organização coletiva dos catadores para que a
mesma seja homologada e implementada e que sejam inseridas neste marco legal as
necessidades específicas dos catadores.
Como realidade também verificada nos municípios, encontramos no município de
Iguatu alguns limites e desafios que marca a gestão municipal de resíduos sólidos,
principalmente no que se refere à paralisação das obras de construção do aterro sanitário,
inexistência de coleta seletiva de lixo e cooperativas em parcerias com os catadores. Devido à
ausência destes mecanismos, o destino final dos resíduos sólidos tem sido o lixão a céu aberto
localizado no bairro Chapadinha, local em que muitos moradores ocupam como espaço de
trabalho e garantia do sustento.
A partir de dados coletados na Secretária Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo, inexiste no município de Iguatu um Plano Municipal de Resíduos Sólidos
conforme preconiza a legislação em vigor. Outra disparidade verificada tem sido a presença
diária de trabalhadores que ocupam este local.
Dentre as estratégias produzidas pelo Estado destaca-se o apoio e incentivo aos
processos ligados a reciclagem por representar mecanismo de contribuição para a gestão dos
resíduos sólidos. Para isso, o Estado também se apropria gratuitamente do trabalho dos
catadores, pois a coleta dos materiais nas ruas das cidades, lixões, aterros sanitários ou
cooperativas, possibilita a limpeza e a diminuição de lixo nesses locais, cujas ações são de
responsabilidade do poder público.
É importante destacar que em cidades como Iguatu com total ausência de uma
política de gestão dos resíduos sólidos, além da apropriação do trabalho nos deparamos com a
invisibilidade desses trabalhadores frente aos governos locais, o acesso a políticas públicas
básicas é precário, muitos destes catadores ocupam os lixões em condições desumanas de
existência ou em bairros próximos desprovidos de serviços públicos de qualidade. A
tendência em colocar a população pobre cada vez mais distante dos centros urbanos tem
ampliado estas condições de falta de acesso às políticas públicas, aos direitos sociais e a uma
vida digna. A realidade dos catadores do lixão do Iguatu demonstra como esta afirmação é
verdadeira.
27
Para acesso ao anteprojeto de lei que institui a política estadual de resíduos sólidos no âmbito do estado do
Ceará, ver endereço eletrônico:
<http://www.conpam.ce.gov.br/images/stories/noticias/arquivos/politica_estadual_de%20_residuos_solidos.pdf>
. Acesso em: 11/04/2015.
57
Vale ressaltar que as ações desenvolvidas tanto pelo estado quando pelo mercado
e sociedade civil em geral não trazem como horizonte estratégico a necessidade de construção
de uma nova ordem societária, em que a produção material dialogue com as verdadeiras
necessidades humanas e não apenas de uma minoria, proprietária dos meios de produção e da
riqueza socialmente produzida. Nestes termos articulam medidas necessárias e que requerem
ações efetivas e vontade política, mas que não ultrapassam os limites da produção capitalista,
aqui entendida como cerne estrutural da questão ambiental e demais expressões da questão
social.
Conforme site oficial do citado movimento, o mesmo surgiu no ano e 1999 tendo
como marco a realização do 1º Congresso Nacional de Catadores de Papel, porém chega a sua
fundação apenas em 2001 quando ocorre o 1º Congresso Nacional dos Catadores(as) de
Materiais Recicláveis. Foi a partir da unificação de interesses e necessidades coletivas da
58
28
Disponível em: <http://www.mncr.org.br/box_1/sua-historia>. Acesso em: 10/04/2015.
29
Idem.
30
Netto e Braz ao refletirem sobre o pensamento de Marx, assim define o que seja um trabalhador coletivo, “(...)
o trabalhador coletivo é o conjunto dos envolvidos na produção, desempenhem eles atividades manuais ou não:
sob a grande indústria capitalista, na qual se operou a subsunção real do trabalho ao capital, ‘não é o operário
singular, mas, cada vez mais, uma capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente real
do processo de trabalho em seu conjunto’” (MARX apud NETTO; BRAZ, 2006, p.123).
59
31
. Desta forma, o controle sobre o processo de trabalho constitui a razão de ser do modo de
produção capitalista e é assim que “(...) o capital subordina por inteiro (formal e realmente) o
trabalho pelo controle do processo de trabalho” (Idem, p.122).
Alguns avanços que demarcam a disputa por interesses divergentes mesmo que
em contrapartida não retirem o trabalhador da sua condição de subalternidade e exploração
podem ser percebidos principalmente no que se refere à aprovação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos que permite uma centralidade junto a aplicação da política, além de demais
decretos anteriores a consolidação deste marco normativo, por mais que efetivamente o
catador não seja prioridade pelos gestores públicos.
Destaca-se também o reconhecimento da categoria profissional na CBO, a
construção de cooperativas articuladas à implantação de sistemas de coletas seletivas de lixo
por parte de alguns municípios, dentre outros. Vale ressaltar que tais avanços são parcos e
localizados o que acarreta em desafios constantes e diários a esta categoria.
O acesso a direitos junto a política de previdência social ainda se constitui como
um desafio e como pauta de luta dessa categoria, tendo em vista que à condição de
informalidade na qual estão inseridos tornam desprotegidos socialmente quanto a este regime
voltado para garantias trabalhistas. Frente a isto os catadores lutam pela sua inserção como
segurado especial, possibilitando o direito a aposentadoria sem a necessidade de prévia
contribuição, assim como ocorre com os trabalhadores agrícolas.
Destacamos que a organização política desta categoria encontra diversos desafios,
o que acarreta na dificuldade de organização dos mesmos em defesa de seus direitos e
interesses. Ressaltamos que os catadores que trabalham no lixão do município de Iguatu não
possuem articulação com MNCR, participando majoritariamente de um único processo
organizativo que é a associação de catadores local. Estes trabalhadores não participam da
associação de moradores do bairro, utilizando-se apenas daquele processo organizativo para
pautar as suas lutas e necessidades.
Este processo vem sendo permeado por inúmeros desafios, dentre eles a falta de
união em torno de uma pauta que unifique as necessidades e ações dos associados. Mesmo
diante dos desafios, esta forma de organização também representa uma possibilidade para
31
Sobre isso, destacamos o pensamento dos mesmos autores ao refletirem sobre a objetivação do trabalho no
modo de produção capitalista ao afirmarem que, “(...) o trabalho é, além de processo de criação de valor,
processo de valorização do capital. A criação de valor opera-se no tempo de trabalho necessário; a valorização
opera-se no tempo de trabalho excedente – se não há tempo de trabalho excedente, não há valorização mas,
apenas, criação de valor” (NETTO; BRAZ, 2006, p.121).
60
CAPÍTULO III
GRÁFICO 1
Sexo
Feminino
Masculino
sólidos, como forma de promover condições dignas de acesso ao trabalho e fonte de renda as
pessoas com baixa renda.
Assim, a maioria destes trabalhadores dedicaram-se durante longos anos a esta
atividade como única fonte de renda. A longa trajetória de trabalho no lixão é retratada no
gráfico a seguir:
GRÁFICO 2
32
Terminologia utilizada pelos catadores.
68
É nesse contexto, que alguns autores como Giovanni Alves (2013)33, defendem a
tese da existência do precariado como nova tendência que atinge a composição da classe
trabalhadora no atual estágio de desenvolvimento do capital. Segundo este autor, o precariado
é composto por indivíduos escolarizados ou altamente escolarizados, mas precarizados nas
suas condições de vida e sobrevivência, pois não dispõem de expectativas de inserção formal
no mercado de trabalho ou de realização dos sonhos construídos durante a formação escolar.
Em relação ao aspecto cor/etnia, a maioria dos catadores se auto declaram pardos,
em um quantitativo de 07 (sete); em contraposição a 03 (três) que se consideram brancos.
Estes dados retratam a condição de subalternidade com que a maioria da população negra se
encontra inserida, evidenciando uma sociedade em que o preconceito racial muitas vezes
determina a inserção no mercado de trabalho.
GRÁFICO 4
Cor/Etnia
Pardos
Brancos
33
Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/. Acesso: 16/05/2014.
69
GRÁFICO 5
Religião
Católica
Evangélica
Estado civil
1
1 União estável
Solteiros
5
Casado
Divorciado
3
Quantidade de filhos
7
6
5
4
3
2 Quantidade de filhos
1
0
política de assistência social, o que atesta as condições de baixa renda nas quais as famílias
estão inseridas.
Todos os catadores são inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CAD-ÚNICO), o que novamente ratifica a condição de baixa renda por
parte dos mesmos. O benefício social de transferência de renda – Programa Bolsa Família
(PBF) - ocupa lugar central na complementação da renda, chegando a compor quase metade
da renda mensal extraída na catação.
Sob estas condições, a forma de inserção no mundo do trabalho torna o
trabalhador necessariamente dependente de um complemento de renda, aqui possibilitado via
PBF, o que atesta as condições de precariedade e os baixos rendimentos proporcionados pela
ocupação desenvolvida, tendo em vista que as formas de materialização das políticas sociais
no Brasil estabelecem de um lado o direito ao trabalho e de outro o direito a assistência social
como polos opostos e antagônicos, em contraposição a uma perspectiva de
complementaridade (SITCOVSKY, 2012). Desta forma, os beneficiários do PBF variam entre
pessoas à margem do direito ao trabalho ou por trabalhadores inseridos precariamente no
mercado de trabalho, os quais vivenciam relações de informalidade, exploração e baixa
remuneração.
O rendimento mensal advindos do trabalho em geral é inferior a um salário
mínimo, com variação entre R$300,00 à R$600,00 a depender do esforço individual de coletar
a maior quantidade possível de materiais. Constatamos durante a pesquisa de campo um
agravamento desta realidade em decorrência da baixa nos preços dos produtos por parte dos
atravessadores. Desta forma, o rendimento mensal é ainda mais rebaixado, ou acarreta na
exigência de um maior grau de esforço físico e desgaste diário para a manutenção da mesma
renda. Na tabela a seguir é destacado o rendimento mensal dos catadores.
72
GRÁFICO 8
Rendimento mensal
1 1
R$ 300,00
1
R$ 350,00
2
R$ 400,00
R$400,00 à R$500,00
R$ 500,00
3
2 R$500,00 à R$600,00
35
Conforme sinaliza Netto e Braz (2006), o tempo de trabalho necessário no capitalismo, corresponde ao tempo
gasto para a reprodução do trabalhador. Sob a condição de assalariamento o tempo de trabalho necessário se
remete ao tempo gasto para a produção do valor correspondente ao seu salário, em contraposição ao tempo de
trabalho excedente que compõe os lucros do capitalista. No que tange aos catadores que vivenciam condições de
informalidade, o tempo de trabalho necessário, se refere ao tempo gasto para a quantificação do valor a ser
recebido por parte dos atravessadores. Nestes termos, o restante do trabalho mensal por eles desenvolvidos
corresponde ao trabalho excedente que lhes é expropriado e compartilhado entre o restante da cadeia produtiva
da reciclagem.
36
Disponível em: http: <//blogdaboitempo.com.br/category/colunas/giovanni-alves/>. Acesso em: 03/03/2015.
74
classe trabalhadora no Brasil, o que demarca uma nova face da precarização estrutural que
atinge o mundo do trabalho. Nestes termos, o gerontariado é composto em geral por
trabalhadores acima de 60 (sessenta) anos, que necessitam permanecer ativos em sua
atividade laboral, mesmo que disponham de aposentadorias ou pensões.
No caso dos catadores, a precariedade que certamente incidirá sob a fase da
velhice, caracteriza-se pela ausência de formas alternativas para a garantia da sobrevivência, o
que reflete na necessidade de permanência no trabalho como forma de manutenção da renda.
Tal realidade foi constatada durante a observação de campo em que a constatação de pessoas
com 60 (sessenta) anos ou mais trabalhando no lixão ratificam a precarização que atinge todas
as fases da vida destes trabalhadores.
Tal realidade também é retratada por Tavares e Sitcovsky (2012, p.197-198), ao
analisarem dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Segundo o IBGE (2008), mais de 44 milhões de brasileiros caminham para a
desproteção social quando atingirem a velhice. São trabalhadores informais, por
conta própria (autônomos), sem carteira assinada, ou seja, aqueles que não
contribuem para a previdência social e que representam 47,9% da população
ocupada.
local e formação de uma consciência de classe, muitas vezes reduzida a parcas formações
políticas vivenciadas.
Para a construção deste subitem e dos subitens a seguir, utilizamos como técnicas
de coleta de dados a entrevista semi estruturada aplicadas junto a 10 (dez) catadores, além dos
diários de campo construídos durante a observação de campo. Para a sua construção
buscaremos realizar uma síntese das nossas constatações a partir da pesquisa de campo
articulada à pesquisa bibliográfica que fundamenta este estudo.
Para isso, partimos do pressuposto inicial de que a vida social é envolvida por
uma complexidade de relações sociais, estruturadas a partir da realidade concreta e material. É
sob esta ótica, que autores vinculados a teoria social crítica defendem a construção do ser
social a partir da base material, que tem objetividade na atividade econômica, proporcionada
pelo trabalho.
Neste sentido, conforme afirmado por Antunes (2009) no capítulo I, o trabalho
constitui-se como a primeira forma de sociabilidade entre os homens, complementada pelas
demais atividades tão fundamentais quanto esta, tais como a arte, o lazer, a cultura, a
educação, dentre outras. É neste sentido que o homem apresenta como necessidade imanente
enquanto ser social e para a produção dos meios necessários a subsistência e reprodução, o
desenvolvimento do trabalho, cuja atividade entrelaça a vida humana desde os primórdios.
Com o advento da sociedade do capital, o estranhamento como pilar estruturante
desta sociedade, passa a estruturar também as diversas esferas da vida humana e transforma o
trabalho em uma atividade que expropria o trabalhador de sua própria humanidade.
Consoante a isto, diversos motivos inferem para a entrada no mundo do trabalho,
tanto quanto necessidade ontológica que envolve o ser social; quanto pela necessidade de sua
auto produção e reprodução; mesmo sob as condições de estranhamento impostas pela
sociedade do capital.
No que tange aos catadores de materiais recicláveis do lixão de Iguatu, uma
complexidade de determinações envolvem o seu vivenciar cotidiano e o seu histórico de vida
que muitas vezes determinam a escolha por este trabalho, tanto por escolha própria diante de
76
Sabe o que foi? Não tem aquele ditado que diz que quando a gente não vem por
amor, vem pela dor? Eu não trabalhava em casa de família, eu não trabalhava...
Quando eu me juntei nova, com 14 anos, ai não trabalhava, ai perdi o meu marido,
meu primeiro marido, ai minha cunhada começou, vamos para o lixo, catar o lixo, ai
eu dizia, não mulher eu acho que eu não dou pra ali não, eu tenho nojo, ai comecei e
me empolguei, pronto, ai eu acho que eu dei pra coisa (risos) (entrevistada 9).
Ah, problemas financeiros, sem ter nada em casa e tudo, ai a gente achou aqui, o
lixão, ai ficamos (entrevistada 10).
Por que é muito bom, só em você não viver nas casas aguentando abuso das pessoas,
porque as vezes você arruma um emprego nas casas, pra você ganhar uma mixaria,
você além de ganhar uma mixaria, todo santo dia que você esteja sadia que você
esteja doente você tem que ir, que é a sua obrigação. E aqui não, aqui se você estiver
doente você não vem, não tem ninguém pra mandar em você, não tem ninguém pra
lhe gritar, aqui é um serviço próprio que você trabalha e você gosta, que realmente
eu trabalho aqui eu gosto de trabalhar aqui (...) porque só em você não ser mandada
por ninguém, é bom demais (entrevistada 7).
A gente não faz na rua porque a gente não tem, eu acho assim que na rua a gente não
ganha do tanto que ganha aqui né? Porque aqui é mais coisa e devido você não ter
transporte para você ir “pra” rua. “Pra” cá a gente já vem a pé e volta todo dia a pé,
sem transporte, imagine daqui para a rua né? (entrevistada 7).
Uma entrevistada que afirma sentir depressão como agravo a saúde, ressalta a
importância do trabalho para a distração, o qual conforma uma realização positiva para a sua
vida.
Muito importante porque eu estando trabalhando eu estou me distraindo, melhor até
para minha doença (entrevistada 4).
Ele é bom assim, porque você se distrai lá, quando você ta trabalhando você não ta
pensando coisa ruim, imaginando só em juntar muita coisa pra vender (entrevistada
5).
ou seja, do esforço físico despendido durante a jornada de trabalho, pois constitui a razão de
ser da acumulação de riquezas.
O trabalho com a catação também é constantemente identificado como bom por
representar a fonte da renda e de sustento familiar, o que de acordo com os catadores, justifica
os riscos e danos a que estão submetidos diariamente.
Pra mim é bom, em outros pontos eu corro risco, por que tem muito risco aqui que a
gente corre, que a gente carrega muito peso, também tem assim muitas bactérias,
tem risco de pegar né? Porque é um trabalho que assim, não tem patrão. Eu acho
assim, melhor assim. É onde eu tiro o meu sustento (entrevistada 9).
Eu gosto de ser catadora, mas é muito perigoso o meu trabalho, muito seboso
também, é, a gente vê muita dificuldade, se você luta dentro do lixo, você luta com
tudo quanto não presta, pega em tudo mesmo o que não presta, então você esta
sujeito a tudo mesmo, dentro do lixo. A corte de vidro, a uma doença, micose, tudo o
quanto é ruim né! Nada quanto é bom (risos). Também acho bom o meu trabalho
porque tira a renda, tira o dinheirinho e é do que nós vivemos (entrevistada 10).
É por que não da “pra” viver sem trabalhar, não dá pra viver sem ter um trocadinho,
sem comprar suas coisas, sem pagar suas contas, é muito ruim ficar sem trabalhar.
Eu já “to” quase três meses parada, é horrível, horrível ficar sem trabalhar. Então a
importância do trabalho é essa, você possuir suas coisas, você ser dona do seu
próprio nariz né? Ter as condições puder comprar o que você quiser, sem ter que
esta pedindo nada a ninguém (entrevistada 2).
Significa muita coisa, ser vencedora, lutar por aquilo que a gente quer, muita coisa
(entrevistada 8).
É ter uma profissão... é porque diz que ser catador não é ter uma profissão né?
Porque não é legalizado no país nem nada né? Mas agora já tem uma lei né? Mas
significa que nós estamos catando, além de nós estar trabalhando, estamos ajudando
o meio ambiente, tirando um bocado de lixo do solo (entrevistada 10).
Ah ser catador é assim, é um negócio que é isolado, porque eu acredito assim que
ninguém quer... Ser catador é você ser uma pessoa isolada, mas ao mesmo tempo
também você faz uma função importante, que é tirar o sustento da sua família. Ser
um catador, pra mim eu não sei nem explicar direito, mas é bom, por enquanto até
agora está bom demais (entrevistado 6).
82
A visão de chegada ao lixão é marcada por barreiras de lixo, logo no início é sentido
o mau cheiro, Gardo37 me explicou que hoje não estava cheirando tão mau, mas em
outros momentos que esteve no lixão, o cheiro ruim estava bem mais forte. Ao
sairmos de lá não conseguimos descobrir por que neste dia o cheiro estava menos
forte. Conseguimos ver logo de início alguns urubus e muitas moscas, e uma única
árvore dentro do terreno, que demarca a chegada ao lixão. Ao lado da árvore
caminhamos por uma estrada ao lado direito do lixão e ao levantarmos a visão já
conseguimos enxergar algumas barracas e catadores, já no processo de catação,
rodeados de lixo por todos os lados. É em meio a barreiras de lixo que estes
trabalhadores realizam a coleta de materiais apropriados a venda e posteriormente a
reciclagem (Diário de campo, 07/02/2014).
37
Intermediário da minha entrada a campo e do contato com o grupo social em estudo.
83
Por meio dessas anotações feitas em diário de campo, é possível perceber que o
cotidiano vivenciado por estes catadores no espaço do lixão é marcado por inúmeros desafios
que necessitam ser encarados cotidianamente para a realização do trabalho.
As condições de precariedade e insalubridade as quais estão inseridos conformam
um ambiente de trabalho atípico entrelaçado por desafios e adversidades, com os quais a
convivência cotidiana durante longas jornadas e anos de trabalho, faz com que tais desafios já
sejam enfrentados com maior facilidade. Como discutido por Vasapollo (2006), o trabalho
atípico é marcado pela ausência de uma ou mais características presentes nas relações formais
de trabalho, que obedecem a normas contratuais, a quantidade de tempo determinada e a
garantias trabalhistas.
As dificuldades encontradas versão desde as condições infraestruturais do
ambiente, baixos rendimentos, agravos à saúde - ocasionados pela composição do lixo e pela
exposição a fatores físico-químicos -, cansaços, preconceitos, além da ausência de apoio por
parte dos órgãos públicos na realização do trabalho.
Alguns catadores inicialmente afirmavam não encontrarem dificuldades para a
realização do trabalho, sendo justificado pela quantidade de tempo dedicado a realização da
mesma atividade, estando assim mais acostumados com os fatores com potencialidades para
38
Ao lado direito da única árvore existente na entrada do lixão, encontra-se a estrada pela qual da acesso as
barracas dos catadores.
84
No inicio foi mais vergonha mesmo dos outros e assim a dificuldade, não tem muita
dificuldade não pra você catar materiais recicláveis não, embora seja tirando do lixo,
ali de dentro, as dificuldades é essa porque você tem que enfrentar a catinga, o mau
cheiro, o preconceito dos outros, né? (entrevistada 2).
Nós já perdemos, eu já perdi duas barracas aqui cheia, lotada de coisa aqui nesse
lixo, duas lotadas e as duas vezes que queimou eu estava em uma precisão grande,
não tinha nada dentro da minha casa (entrevistada 7).
catadores estão sempre sujeitos a queimar os calçados ou os próprios pés. Este é um dos
fatores que condicionam o pouco tempo de durabilidade dos sapatos ou botas utilizadas no
processo de catação. Uma catadora relata a situação de contato com o fogo no ambiente de
trabalho.
Eu não cheguei a mim queimar, mas eu já cheguei a cair dentro de fogo (risos), mas
eu fui mais esperta, cai fora. Mas é por que assim, pega fogo né? O lixo ele já esta
em um estado de gravidade tão grande que ele não precisa mais você tocar fogo, ele
mesmo, você coloca uma coisa que tenha facilidade de pegar fogo, ele já incendeia,
então quando tem um foguinho, ai é que incendeia mesmo, então tem local que você,
que chega sente aquela quentura como se estivesse saindo de baixo, entendeu?
Aquela quentura. E tem local que pega fogo que quando pega fogo fica só aquela
cinzinha né? E a gente acaba pisando dentro, pensando que não esta acesa, mas
quando você pisa dentro, quando você vê esta quente e acaba se queimando. Então
já aconteceu isso comigo já, mas eu caiu fora e tiro o sapato, bato a poeira e pronto,
não me queimo não (entrevistada 2).
repleto de cinzas quentes e pedaços de vidro por todos os lugares o que também
dava medo de cortar-se. Mesmo tendo ouvido algumas catadoras reclamarem do
calor e que estavam com a boca ressecada, talvez os seus organismos já estivessem
mais adaptados aquele ambiente tão precário, pois realizam diariamente os seus
trabalhos submetidos às mesmas condições, o que não os isenta das possíveis
agressões a saúde e ao desenvolvimento de doenças seja a curto, seja a logo prazo
(Diário de campo, 13/02/2015).
Aqui mesmo, é só mais a fumaça, agrava muita coisa, mais é a visão da gente, tem
hora que os olhos da gente ardem pior do que pimenta. A dor nas costas nem tanto,
porque em casa a gente também pega peso, aqui é mais só a visão mesmo
(entrevistada 8).
Os ossos da gente, tem dias que a gente sente dor nas costas, cansaço, as pernas
cansadas, ai eu acho que é daqui, que a gente carrega muito peso, da problema de
escoliose. Na época do inverno coceira de pele não, mas micose, meus pés ficam na
carne viva (entrevistada 9).
Micose todos os anos a gente tem, micose que é através do trabalho né! Que a gente
pega e problema de coluna, também tenho muito, devido a catar o lixo abaixada e
pegar peso, carregar os sacos (...). Aliás, eu já tenho até Hérnia de Disco. Mas tem
outros colegas que tem, como é que diz? Tem asma, cansaço, já é através do lixo,
não pode mais nem trabalhar. Adquiriu aqui no lixo. Problema de vista, a gente
adquire muito devido a fumaça e modo o sol, a gente fica muito no sol. Os cortes
que a gente leva, isso ai é normal, muito corte, muito mesmo (aponta para as marcas
de corte no corpo), leva muitos golpes, corta muito no lixo, injeção assim, problema
de lixo hospitalar, tem muito, junto com os moedor, que não era pra vim
(entrevistada 10. Grifos nossos).
Destacamos a partir destes relatos que a condição de exposição diária a tais fatores
ambientais e infraestruturais do local de trabalho acarreta em agravos a saúde, mesmo que não
sejam percebidos a curto prazo ou que não associados diretamente por alguns deles ao
trabalho realizado. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) o contato
diário com a fumaça aumenta os riscos de desenvolvimento de câncer de pulmão ou doenças
similares39.
Na fala da entrevistada 10, bem como nas demais falas retratas acima percebemos
o quanto a saúde destes trabalhadores é atingida, desde os adoecimentos leves, a até mesmo o
39
Disponível em: <http://www.hc.unicamp.br/?q=node/265>. Acesso em: 24/04/2015.
89
mesmos por parte da gestão pública; quanto pela dificuldade em adaptação ao uso. No que se
refere ao uso de botas, uma catadora explica que devido ser construída de borracha, o uso não
protege de queimaduras ou acidentes, o que faz com que optem pelo tênis.
Eu tenho umas botas lá na barraca, mas a bota é mais ruim pra você andar, quando
eu estava com ela, nesse dia eu ia me queimando de verdade, ai eu não tinha
percebido porque assim tava apagado, ai eu passei, no que eu pisei a brasa veio
pregada nela, se eu não tivesse tirado tão rápido, eu senti a quentura chegando no
meu pé, quando eu olhei era a brasa pregada na bota, ai eu achei melhor uma outra
coisa que não queimasse tão rápido (entrevistada 1).
De ser importante é né? É importante porque vai proteger a gente de alguma coisa,
de pisar em vidro, de se cortar, até de se queimar mesmo, mas só que se a gente pisar
no fogo a gente se queima (risos) de qualquer jeito né? Que é de borracha e queima
mesmo, mas é importante para a proteção da própria saúde da gente né?
(entrevistada 2).
Sob outro ponto de vista, o uso de EPI’s é percebido tanto como algo importante
para a própria proteção, quanto como algo dificultoso para a realização do trabalho. No caso
das luvas, a dificuldade associada ao uso, se remete ao fato de a mesma suar e escorregar nas
mãos, o que de um lado protege o trabalhador, mas de outro dificultaria o processo de
trabalho.
Muito bom né? Porque a gente não se sujaria tanto as mãos né? Pegando no lixo. Só
que também era uma dificuldade muito grande porque escorrega, de luvas escorrega
(entrevistada 4).
A bota é bom porque evita a gente se cortar né? Nos vidros pisando; as luvas não era
pra melar as mãos né? Mas mela sempre. Sendo aquelas de plásticos soa, soa, que
ninguém aguenta, e as de pano mela; as máscaras pra respirar menos poluição né?
Que tem ai no lixo (entrevistada 10).
trabalhador, afirma que o uso destes equipamentos não previne os danos ou acidentes de
trabalho, pois não extinguem os fatores causadores de riscos, mas apenas impedem que seus
efeitos sejam materializados na saúde do trabalhador. Desta forma, mesmo não eliminando os
riscos, protegeriam que estes atingissem o trabalhador.
As condições de trabalho dentro do lixão acarretam em uma jornada de trabalho
bastante desgastante e exaustiva, ocasionadas tanto pelas condições infraestruturais já
destacadas, quanto pelo esforço despendido no processo de trabalho, ao abrir as sacolas,
separar os materiais coletados e carregá-los sobre os ombros ou a cabeça. Diante destas
condições, ao fim de um dia de trabalho relatam sinais de enorme desgaste físico que é
buscado restituir durante o descanso noturno, para uma nova jornada no dia seguinte.
Ah você fica enfadada, eu acho que devido o sol mesmo, você só quer saber de
tomar banho, quando você chega em casa, você só quer saber de tomar banho,
comer, sentar diante de uma televisão e assistir ou então de deitar em uma rede e
dormir (risos), porque o cansaço é uma coisa assim... uma coisa assim que sufoca,
um calor, uma quentura, sei lá, um cansaço que não tem explicação, mas que você
deita, dorme, pra no dia seguinte você começar tudo de novo (entrevistada 2).
Tem dias que a gente chega em casa que só da tempo aquele banho, tem dias que é
morta, com sequelas mesmo de carregar peso, e muito cansada, do sol quente, o sol
ele da problema ate na vista da gente, tem dias que a gente ta cega, cega, cega
(entrevistada 9).
Rapaz tem dias que eu mando a mulher pisar em cima de mim, que eu fico com as
costas doendo, e é grande o cansaço, as vezes eu me deito no chão porque no chão
você fica mais assim a vontade. É grande o cansaço, mas não tem lazer, não tem
nada, porque nós já passa o dia trabalhando (entrevistado 6).
Sobre isso Antunes (2009) destaca que uma vida cheia de sentido tem a sua base
primeira fundamentada no trabalho, porém, as demais esferas da vida como a arte, a cultura, a
poesia, o lazer, a educação, também constituem momentos indispensáveis e fundamentais
para uma vida repleta de sentido, pois representam momentos secundários para a
humanização do homem. Na sociedade do capital, ao ser transformado o trabalho em uma
atividade estranha e opressora, materializada de forma desgastante e exaustiva com o intuito
apenas de garantir a sobrevivência, a primeira esfera de humanização do homem transforma-
92
se em uma força hostil e opressora (CHAGAS, 2009), o que acarreta na perda de sentido nas
demais esferas da vida.
Somada a isto, a dupla jornada de trabalho vivenciada pelas mulheres
trabalhadoras que compõem a maior parcela das catadoras do lixão, que após o retorno
iniciam as atividades domésticas, associada aos cuidados com os filhos, evidenciam condições
de intensa exploração do trabalho feminino. Mesmo em outros relatos tendo sido sinalizado a
dupla e desgastante jornada de trabalho enfrentada pelas mulheres, a fala de uma catadora é
bastante ilustrativa desta realidade.
O cansaço depois de um dia de trabalho, se você realmente pudesse você chegava
em casa, tomava um banho e ali você malhava, mas ser Dona de Casa e trabalhar é
um problema tão grande, quando você chega, você não se da nem conta que ta
cansada porque já tem tantas outras coisa pela frente. Você já levanta, já vai botar
panela no fogo, já vai fazer comida que é pra trazer almoço, já vai levar menino pra
colégio, pra deixar no colégio, ai quando você deixa já tudo pronto, você vem
trabalhar. Quando você chega em casa de tarde de novo ai tem de novo aquela
mesma ladainha de fazer janta, cuidar de menino, banhar, organizar ali, olhar se tem
tarefa pronta, ai vem aquilo, quando você vai se dar conta que ta cansada é 10 horas
da noite, pronto ali você já malha e pronto (entrevistada 1).
o período noturno quando já se tem realizado todas as demais tarefas do ambiente doméstico e
familiar no caso das mulheres, nem sempre é suficiente para enfrentar mais um dia de
trabalho. Algumas falas dos catadores deixam claro que por vezes não é possível retornar ao
trabalho sempre no dia seguinte.
Teve um dia ai que eu passei foi dois dias cansado demais, ai eu digo “não hoje eu
vou ficar em casa” ai fico o dia deitado (entrevistado 6).
As vezes, segunda eu não vim, porque passei o domingo, fui arrumar a minha casa,
ai já fiquei cansada, a gente carrega peso, também as vezes excesso de peso acaba
com os ossos gente né? Da problemas de hérnia de disco, essas coisas, mas qualquer
doença essas coisas assim, a gente evita vim, passar uns dias em casa se
recuperando, mas ali já vai fazendo diferença no material da gente (entrevistada 9).
Nessa outra fala, identificamos que o acumulo de cansaço nem sempre é apenas
físico, mas também mental o que retrata o processo de sofrimento psíquico vivenciado pela
classe trabalhadora nas atuais configurações do mundo do trabalho. O trabalho com a catação
de materiais recicláveis representa dialeticamente de um lado uma atividade que promove a
sociabilidade entre estes trabalhadores muitas vezes destituídos de outras formas de interação
social como o lazer; e de outro, o processo de adoecimento psíquico vivenciado pela falta de
sentido encontrada no trabalho.
Não é que eu resolvi tirar férias, é que eu amanheço o dia, eu não sinto animo, eu
não sinto vontade de subir, a noite eu digo “ah, amanhã eu vou subir”, quando eu
amanheço o dia que eu to dormindo, eu não tenho vontade de me levantar (risos),
não sinto forças sabe? Me faltou uma coragem tão grande, é uma falta de coragem
que eu acabo não subindo, ai eu não sei, eu ainda estou em consenso com o meu eu
pra mim ver o que é que esta acontecendo porque eu não sinto dores no corpo né! Eu
sinto problemas nos ossos, como eu já falei que eu tenho osteoporose, eu sinto,
problemas nos ossos, tem dia que o pé incha, problemas nas juntas e tal, mas isso
não é empecilho, nunca foi. O problema mesmo é, eu acho que é aqui (aponta para a
cabeça) psicológico, o meu psicológico que não esta deixando eu reagir (...)Tem
haver com o cansaço mesmo. De qualquer forma tem haver com o trabalho porque a
gente se cansa, a gente se cansa daquela situação e quando a gente ver que “ah vai
melhorar, vai melhorar”, ai a gente se empolga né? E demora porque a gente sabe
que tudo é demorado, ai a gente fica triste e acaba ficando emotiva um pouco, mas
tem haver com o trabalho, tem haver com o cansaço do dia a dia como qualquer
outro trabalho, eu costumo dizer que o meu trabalho é como qualquer outro, a gente
se cansa, a gente tem que tirar férias, a gente aqui acolá tira umas feriazinhas que
nem agora, ta acabando o mês (risos), quando acabar quem sabe se eu não volte a
luta (entrevistada 2).
Ele prejudica a gente né? Porque se a gente se furar com uma agulha, se a gente se
cortar com algum objeto cortante né? Hospitalar, então vai causar problema para a
nossa saúde. Embora nós saiba disso, nós vamos catar o lixo, porque tem que catar
né! Porque se nós não catar (...) ou você cata o lixo, ou você não cata, então você
corre risco (entrevistada 2).
O contato diário com o lixo hospitalar, mesmo evitado pelos catadores, representa
um grande determinante para as condições de precariedade e insalubridade das condições de
trabalho. O risco de furar-se em seringas é sempre presente no cotidiano de trabalho, pois
estes materiais são encontrados misturados com as sacolas que os catadores abrem com as
mãos desprotegidas a fim de coletar os materiais.
Pra mim significa muito, de muita importância, porque tem muita gente que não da
muita importância pra gente, mas pra gente que trabalha aqui dentro é muito
importante, porque é uma coisa que a gente ta ajudando o meio ambiente, porque já
pensou se não fosse nós aqui dentro? Aqui não era tão vazio, aqui já tinha lixo que
eu acho que já tinha encostado ai na pista né? (entrevistada 3).
lixão, constitui uma das motivações para orgulhar-se da atividade desenvolvida, mesmo que
esta não proporcione seguranças a saúde ou uma possibilidade de ascensão social.
A contradição que reveste o discurso sustentável das empresas do ramo da
reciclagem nos termos de Silva (2010) é questionada por não incluir o trabalhador catador
enquanto elo indispensável a produção de riquezas, esta por sua vez, representa a contradição
que envolve a percepção do trabalhador catador enquanto um agente ambiental. Nas palavras
da autora, “a má-remuneração e a desproteção social, além da discriminação de que são
vítimas esses trabalhadores, revelam um quadro de barbárie social em contraste com os
avanços científicos e tecnológicos utilizados na produção de reciclados” (SILVA, 2010,
p.132).
Dessa forma o trabalho realizado na ponta acarreta em baixas remunerações, cujos
preços das mercadorias coletadas é ditado pelas grandes empresas e pelos atravessadores e
não pelo próprio trabalhador. Assim, uma problemática constante tem sido a baixa dos preços
das mercadorias em escala regressiva ao aumento do salário mínimo e dos produtos no
mercado.
A venda, o preço do material, muito baixo. E a venda, que só tem um comprador,
bota pé no bucho, quando quer vim comprar vem, passa outros tempos sem vim, e
baixa o preço e aumenta e fica naquilo, e prejudica muito a gente, a gente só tem a
perder nessa parte ai (entrevistada 10).
Sobre a monopolização dos preços das mercadorias Silva (2010, p.128) ressalta
que, “(...) a cadeia do lixo integra a produção globalizada, controlada pelos grandes grupos
econômicos, de sorte que os preços dos produtos não são mais definidos localmente, mas
obedecem às regras do mercado internacional”. Tal realidade atesta a submissão do
trabalhador as determinações impostas pelo capital, o que se contrapõe a dita autonomia da
inserção no mundo do trabalho.
A condição de trabalho dentro do lixão também acarreta na diminuição dos
materiais a ser coletados, tendo em vista que o lixo quando depositado no destino final já tem
passado por vários processos de catação, tanto pelos catadores urbanos, quanto pelos garis que
trabalham nos caminhões do serviço de coleta de resíduos sólidos urbanos. Nestes termos,
resta para os trabalhadores do lixão apenas uma parcela pequena dos materiais recicláveis
produzidos na cidade.
Os coletores de lixo, eles já tem o trabalho deles, eles já tem o salário deles, então
eles já tiram de nós, até por que não é só nós catadores do lixão né? Dentro de Iguatu
é só o que tem é catadores de porta né? De rua. Então além dos catadores de rua,
ainda tem eles que coletam o melhor, que é o alumínio, a borracha né? O metal, o
cobre, então o mais caro eles pegam né? E tem alguns que ultimamente até o
97
plástico ta pegando né? Até o plástico, então o que vai acabar em nada (entrevistada
2).
Quando vem no carro já vem só terra. Em vez da gente tirar o plástico, vem só terra,
só bicho morto, porque quando vem lá da rua já vem todo catado e lá na rua a gente
sabe muito bem que tem muito catador né? Ai tem os daqui, ai já vem todo catado
(entrevistada 3).
Percebemos nesta fala que a realização do trabalho dentro do lixão não faz parte
de uma escolha individual, mas da ausência de outros espaços em que a realização do trabalho
contasse com maior salubridade e segurança, o que conforme retratado nesta pesquisa faz-se
ausente no ambiente do lixão.
Em outra fala, uma catadora afirma que talvez não fosse possível encontrar outro
emprego devido a sua idade. Podemos perceber que ao longo de muitos anos dedicados ao
trabalho, a possibilidade de desenvolvimento de outra atividade ou ocupação também torna-se
dificultosa, o que evidência que o trabalho no lixão sob as condições em que vem se
materializando nos termos desta pesquisa, em geral não permitem aos catadores aquisição de
novas habilidades
Mesmo a perspectiva de fechamento do lixão associada a construção de uma
cooperativa por parte da gestão pública e da inserção dos catadores nestas ações ser sempre
alimentada nos sonhos dos catadores, muitos relatam a falta de esperanças da sua
concretização, tendo em vista que uma vida de trabalho no lixão, representa uma vida e
promessas de melhorias não materializadas.
Eu não tenho muito, eu já tive muita esperança, agora eu não tenho mais não, não
tenho mais esperanças, não tenho mais esperança do lixão melhorar, não tenho mais
essa esperança. De primeiro eu tinha, agora eu não tenho mais não. De tanto ouvir,
vai melhorar, vai melhorar, cansei, são sete anos, tem gente ali a 15 anos ali dentro,
tem gente ali a 20 anos ali dentro, do tempo que o lixo foi fundado, então a gente
acaba desistindo (entrevistada 2).
Uma entrevista com uma catadora que afirma sofrer de depressão foi bastante
marcante, pois no decorrer da entrevista a mesma se emocionou ao falar da relação do
trabalho com a sua doença e sobre as perspectivas de futuro. A mesma afirmou que o trabalho
representa a única alternativa encontrada para a garantia da sobrevivência, tendo em vista que
devido aos sintomas da depressão não conseguia trabalhar como empregada. O choro também
marcou o momento em que ao ser interrogada sobre os sonhos e projetos para o futuro a
mesma afirmou não ter futuro.
Desta forma, a realização do trabalho como forma de garantia da sobrevivência e
inclusive como fonte de distração, não possibilita para esta catadora, novas conquistas e
sonhos de um futuro melhor, pois o trabalho está associado a mera sobrevivência.
Na realidade, a concretização de alguns sonhos encontra empecilhos em
decorrência dos baixos rendimentos advindos do trabalho, que conforme dados retratados
nesta pesquisa não ultrapassam o valor de um salário mínimo contando com o complemento
99
de renda do PBF. A ausência de perspectivas de futuros é algo bem presente nos relatos dos
catadores, o que está associado as poucas condições possibilitadas pelo trabalho no lixão.
Assim, ao longo de muitos anos de trabalho no lixão o que representa a realidade
da grande maioria dos catadores abordados nesta pesquisa, poucas foram as conquistas
materiais. Sobre isso Vasapollo (2006, p.52) afirma que diante da atual conjuntura de
precarização e desemprego “se observarmos a situação do ponto de vista dos trabalhadores,
imperam a insegurança econômica, a total falta de perspectivas, as dificuldades de
administração do tempo, a precariedade em cada fase da própria existência, etc”. Sob os
ditames das atuais configurações do mundo do trabalho, imperam sobre os diversos
segmentos da classe trabalhadora, com maiores contundências para setores ditos autônomos
ou informais, as mais diversas formas de precariedade e insegurança no futuro.
O sonho de construção da casa própria conquistado pela grande maioria dos
catadores, o que acarretou na economia de mais um gasto mensal, adveio de programas
habitacionais construídos pela gestão pública municipal, permanecendo ainda nos sonhos
destes, a possibilidade de melhoria da casa própria.
Ah Senhor! É tantos que se eu for dizer da um livro, mas a maioria do que a gente
tem vontade a gente já conseguiu que foi a moradia, que era o mais difícil e já tem
(entrevistada 3).
A ausência de apoio por parte da gestão pública contribui para a precariedade com
que se delineia o trabalho nestes catadores. Vale destacar que mesmo estando inseridos no
espaço do lixão, os catadores dispõem de amplos conhecimentos sobre a cadeia produtiva da
reciclagem, além da necessidade e importância de ações efetivas em âmbito municipal.
Informações coletadas junto a Secretária Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo atestam a ausência de ações desenvolvidas em âmbito municipal direcionadas a
melhoria das condições de vida e trabalho dos catadores de materiais recicláveis inseridos
diretamente no lixão. A ausência de dados é ratificada pelo próprio desconhecimento por
parte da gestão pública no que tange a quantidade de catadores que sobrevivem diariamente a
partir deste trabalho no lixão.
No que se refere às perspectivas de futuro para os filhos, a maioria dos catadores
depositam a confiança nos estudos como esperança de um futuro melhor. O desejo de que os
filhos realizem outro trabalho não relacionado a catação dentro do lixão é unanime entre os
catadores. O que nos remete ao entendimento que apesar de afirmarem que estão felizes com
o trabalho desempenhado, de ressaltarem os desafios, mas, de enfatizarem as vantagens, os
100
catadores sabem do impacto deste trabalho em suas vidas e não desejam que o lixão seja o
local de trabalho de seus filhos.
Já para os meus filhos eu sempre costumo dizer pra eles que eu não quero que eles
tenham o mesmo futuro que eu, por isso que eu dou a maior força pra eles estudarem
e tudo. Digo pra eles “enquanto tiver estudando, vocês vão estudar porque eu não
quero que vocês passem um quarto do que o que eu já passei no mundo pra
sobreviver”. Eu sei que o que eu quero para os meus filhos é um futuro
completamente diferente, que eles terminem os estudos deles, consigam fazer curso
e consigam um emprego que seja mais digno, pra eles não estarem aqui. Não que eu
esteja dizendo que aqui não é digno, que pra mim todo emprego é digno, não
importa o que ele seja, o que importa é que você esteja trabalhando honestamente,
mas pra eles eu quero coisa bem melhor do que isso aqui (entrevistada 1).
Já em outro caso, uma catadora afirma que mesmo que o projeto de vida para as
suas filhas fosse diferente e que não gostaria que trabalhassem no lixão ou em outro local
também precário, as oportunidades de término do ensino médio e ingresso no nível superior
não foram acessíveis, o que reflete as varias faces da negação de direitos ao qual estão
submetidos.
Ah, para as minhas filhas, parece que elas vão ter o mesmo futuro que eu, mas eu
gostaria que elas terminassem os estudos, que elas fossem alguém na vida né?
Fizesse uma faculdade, qual é a mãe que não quer né? Que faça uma faculdade, que
se der bem na vida? Mas parece que não vai rolar não, nem os estudos elas não
terminaram (entrevistada 2).
futuro melhor. Assim, o esforço direcionado a garantia da educação dos filhos perpassa a
maior parte dos esforços realizados pelos catadores.
Alguns elementos devem ser tomados como centrais no debate que hora
desenvolvemos aqui neste capítulo. Pois, ao tempo em que o reconhecimento das condições
precárias de trabalho se manifesta para os catadores como algo ruim que não deve ser repetido
pelos filhos, também estão presentes na fala dos interlocutores um “orgulho” da função que
realizam. Estes profissionais sabem o papel que desempenham na cadeia produtiva do lixo,
entretanto, a dificuldade de conseguirem se articular com o movimento de catadores e a falta
de pressão política junto a Prefeitura e Governo do Estado impede que este trabalho se
materialize sob condições mais dignas e capazes de remunerar tais trabalhadores o
equivalente ao seu tempo e dispêndio de força de trabalho.
Muito se precisa avançar, as condições de vida e trabalho são desumanas, porém
sabemos que o MNCR nacionalmente possui uma ampla organização e tem conseguido
inserção com o Governo Federal para discutir as pautas do movimento, porém, o desafio é
fazer valer o hino do catador, garantir a união para a pressão política necessária para mudar a
realidade de trabalho deste segmento. “Há quem diga olé, olé, olé, olá, catador de norte a sul e
de acolá, nessa marcha sem parar, caminhar é resistir, e se unir é reciclar”.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
e mau cheiro, em especifico os moradores do bairro Chapadinha ou que transitam por estes
espaços.
Permitimos-nos afirmar que mesmo não eliminando as condições de precariedade
que envolve o trabalho com a catação, mas apenas minimizando-as, estas ações fazem-se
necessárias, sendo inclusive relatada de forma unânime pelos catadores, por representar uma
forma de inserção menos insalubre.
Assim, a construção de um aterro sanitário, uma cooperativa de catadores para
que os produtos sejam vendidos diretamente as empresas recicladoras, articulada a coleta
seletiva de lixo em âmbito municipal representam os principais anseios defendidos pelos
catadores.
Verifica-se a necessidade do fortalecimento da consciência política e da
organização dos catadores, via associação ou outros meios viáveis, como possibilidade de
avanços em suas lutas, tanto em âmbito municipal, estadual ou federal. A formação de uma
consciência política constitui possibilidade de ressignificação da atividade desenvolvida, de
defesa do acesso aos direitos sociais e do trabalho, e como estratégia de enfrentamento a
exploração imposta pelo capital.
Destacamos que o debate acerca da precariedade que envolve o trabalho dos
catadores, bem como as alternativas necessárias para mudanças imediatas e mediatas na
realidade dos mesmos não devem estar desvinculadas das determinações macroestruturais da
sociedade do capital em tempos de crise e da sua produção destrutiva, as quais conformam o
pilar das diversas expressões da questão social, dentre elas a questão ambiental retrata neste
trabalho.
Desta forma, a partir das observações da pesquisa tanto no material bibliográfico
quanto na realidade cotidiana dos catadores, constatamos que as mudanças necessárias
constituem desafios que perpassam por um reordenamento econômico estrutural viabilizada
por meio da superação da sociedade do capital. O horizonte estratégico deve permanecer
presente nas lutas da classe trabalhadora por representar o único mecanismo eficaz de
superação das opressões e da destruição ambiental e humana promovida pelo modo de
produção vigente.
Os apontamentos e percepções retratadas neste trabalho não pretendem esgotar o
objeto de estudo, tendo em vista que a pesquisa constitue um processo inesgotável na
construção do conhecimento. O presente trabalho faz parte de um processo continuo, árduo e
gratificante na busca pela apreensão da realidade vivenciada pelos catadores, o que poderá
contribuir para o desenvolvimento de pesquisas futuras.
106
REEFERÊNCIAS
CARNEIRO, Eder Jurandir; CORRÊA, Petterson Ávila. A produção social da catação. In:
KEMP, Valéria Heloisa; CRIVELLAN, Helena Maria Tarchi (org.). Catadores na cena
urbana: construção de políticas socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do serviço social. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 22ª ed. São Paulo, Brasil: Edições Loyola, 1992.
INÁCIO, José Reginaldo. Ação e política sindical: uma percepção crítica à saúde do
trabalhador. In: SANT’ANA, Raquel Santos (org.)... et al. Avesso do trabalho II: trabalho,
precarizaçao e saúde do trabalhador. 1 ed. São Paulo: Expressão popular, 2010.
MANDEL, Ernest, 1923. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. 31ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
_______. O Capital: crítica da economia política: livro I. São Paulo: Nova Cultura, v.2, 3.
ed., 2008.
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método em Marx. 1 ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
111
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. V.1. São
Paulo: Cortez, 2006.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes
2012.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª Ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
APÊNDICES
114
APÊNDICE - A
Prezado(a) Sr(a).,
____________________________________________________
Assinatura do entrevistado (a)
____________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora Responsável
116
APÊNDICE - B
QUESTIONÁRIO
Perfil
1. Nome: ___________________________________________________________________
2. Idade: ________
3. Endereço: ________________________________________________________________
4. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
5. Orientação Sexual: Hétero ( ) Gay ( ) Lésbica ( )
Travesti ( ) Transexual ( )
5. Município de origem: __________________
6. Escolaridade:
7. Cor/Etnia:
( ) Parda ( ) Indígena ( ) Branca
( ) Amarela ( ) Negra ( ) Outra
8. Religião:
( ) Católica ( ) Evangélica ( ) Espírita
( ) Religiões de matrizes ( ) Não possui religião
africanas definida
( ) Outros: _____________________________
9. Moradia:
( ) Própria ( ) Cedida ( ) Alugada
( ) Financiada
( ) Solteiro (a) ( ) Casado (a) ( ) Viúvo (a) ( ) Divorciado (a) ( ) União estável
14. Filhos:
( ) sim ( ) não
Em caso positivo quantos em que idades _________________________
Em caso positivo, os filhos estão inseridos no PETI? ( ) sim ( ) não
14.1. Qual a composição familiar?
Mãe ( ) Pai ( ) Avó ( ) Avô ( ) Irmãos ( ) ________
Irmãs ( ) _________ Cunhado/a ( )__________ Sobrinhos/as ( ) ___________
Filho ( ) _________ Filha ( ) ___________ Companheiro/a ( )
Outros: _____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
14.2 Em caso de maior de 60 anos na composição familiar:
Recebe BPC? ( ) sim ( ) não
Aposentado/a ou Pensionista? ( ) sim ( ) não
15. Rendimento mensal: __________________________
16. Rendimento diário:___________________________
17. Inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CAD-
UNICO:
( ) sim ( ) não
18. Benefício Social: _____________________________
19. Jornada de Trabalho diária: __________________________
20. Participação em movimento social, religioso ou associativismo:
( ) sim ( ) não
Em caso positivo qual__________________________________________
21. Contribuição para a previdência social:
( ) sim ( ) não
Em caso negativo, quais os motivos que levam a não contribuição:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
118
APÊNDICE - C
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
ANEXOS