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LEITURA E

INTERPRETAÇÃO
DE DADOS NO
JORNALISMO
Limites éticos do
jornalismo de dados
Marcilene Forechi

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Questionar a prática hacker no contexto da mineração de dados.


>> Identificar os aspectos éticos da espionagem e seu uso no jornalismo.
>> Contextualizar os casos de Edward Snowden e Julian Assange no jornalismo
de dados.

Introdução
As mudanças tecnológicas das últimas décadas provocaram mudanças em todos
os campos da sociedade. No jornalismo, essas mudanças passaram pela estrutura
e pela organização das redações e por novos modos de produzir informação,
levando ao questionamento da própria atividade. Internet em larga escala, dis-
positivos móveis e aplicativos que permitem produzir e distribuir conteúdos são
elementos que se fazem presentes na sociedade e têm orientado mudanças na
prática jornalística.
Uma dessas mudanças está relacionada ao que se chama de jornalismo de
base de dados e seus limites éticos, uma vez que nem sempre se conhece a origem
das fontes e os dados podem ser obtidos de grandes massas, de onde se extraem
informações valiosas.
Neste capítulo, você vai ver como podemos questionar a prática hacker no
contexto da mineração de dados, identificar aspetos éticos da espionagem e como
o jornalismo se vale desse contexto, além de contextualizar os casos específicos
de Edward Snowden e Julian Assange.
2 Limites éticos do jornalismo de dados

A prática hacker no contexto da mineração


de dados
Mineração de dados, ou data mining, é uma prática que consiste em iden-
tificar informações valiosas em grandes bancos de dados, com o objetivo
de encontrar padrões e estabelecer correlações. Com essas informações
em mãos, é possível fazer projeções ou antever situações futuras nas mais
diferentes áreas e com diferentes finalidades. A era da informação ou do
conhecimento é, também, a era do excesso de informação (VAZ, 2013), sendo
possível associar, então, a mineração de dados a outro processo: o de gestão
do conhecimento.
Isso significa que apenas ter a posse de grande volume de dados não é
suficiente para que se produzam conhecimentos úteis e aplicáveis; é preciso
que essas informações sejam coletadas, sistematizadas, comparadas, organi-
zadas e distribuídas para que gerem algum valor para a sociedade e para as
organizações. Cardoso e Machado (2008, documento on-line), nesse sentido,
afirmam que “Processar e analisar as informações geradas pelas enormes
bases de dados atuais de forma correta estão entre os requisitos essenciais
para uma boa tomada de decisão”.
Esse grande volume de informações armazenadas em banco de dados
digitais é resultado das facilidades de produção observadas atualmente, com
as novas tecnologias e o amplo acesso à internet. Sabemos que a informa-
ção, por si só, não pode ser considerada conhecimento. Por isso, o processo
chamado descoberta de conhecimento em banco de dados (DCBD), ou KDD,
do inglês knowledge discovery in databases, tem se tornado tão essencial.
Cardoso e Machado (2008) destacam que, para extrair as informações,
é preciso usar técnicas e ferramentas de mineração de dados, capazes de
identificar padrões em um conjunto de dados com as seguintes características.
Confira-as a seguir.

„„ Validade: a descoberta de padrões deve ser válida em novos dados


com algum grau de certeza ou probabilidade.
„„ Novidade: os padrões são novos, o que significa que não foram detec-
tados em outras abordagens.
„„ Utilidade potencial: os padrões devem ter potencial para serem usados
em tomadas de decisão úteis e medidas por alguma função.
„„ Capacidade de assimilação: esses padrões devem ser assimiláveis ao
conhecimento humano.
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A mineração de dados, portanto, deve ser entendida como parte do pro-


cesso de DCBD, que, por sua vez, divide-se em sete etapas:

1. definição do problema;
2. seleção de dados;
3. eliminação de incongruências ou filtragem dos dados;
4. enriquecimento dos dados;
5. codificação dos dados;
6. data mining;
7. relatórios.

Podemos perceber, então, que a mineração de dados é uma etapa que,


após o cumprimento de todas as outras, processa as informações em busca
dos padrões que gerarão os relatórios.
Para fazer a mineração da dados, é preciso, primeiro, explorar os dados
que já foram selecionados, filtrados, enriquecidos e codificados. Esse traba-
lho exploratório busca encontrar padrões consistentes ou relacionamentos
sistemáticos entre variáveis. Por fim, é preciso que as informações sejam
validadas e direcionadas para um novo conjunto de dados.
A prática de mineração de dados é amplamente utilizada pelo mundo, mas
nem sempre de forma lícita. Uma vez que os dados se encontram em grandes
bancos de dados, não é sempre que se pode saber de onde se originaram,
o que cria questões éticas para quem se apropria e faz uso desses dados.
Além de dados produzidos por organizações, pessoas deixam rastros de
informações pela internet.
Alguns poderão acreditar que a prática se assemelha à estatística, mas é
importante saber que a estatística busca compreender determinada realidade
a partir de dados específicos e da análise de um conjunto de dados igualmente
específico. No caso da mineração de dados, não há um objetivo específico, e
os “mineradores” não estão interessados em analisar os dados em si, como
ocorre na estatística. Eles buscam padrões sugeridos pelo cruzamento e
extração de dados para criarem novas possibilidades.
Garcia (2018) acredita que essa “despreocupação” com a origem dos dados
se constitui em um dos primeiros problemas do processo de data mining. O
segundo problema apontado pelo autor é que, se determinados dados refletem
uma realidade seletiva, os dados minerados reforçarão essa segmentação,
criando percepções distorcidas da realidade.
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O autor dá como exemplo o uso do data mining para detecção de eventuais


criminosos e a existência da seletividade penal, “[...] que atinge pobres e ne-
gros de regiões periféricas com mais intensidade” (GARCIA, 2018, documento
on-line). Garcia destaca que se os dados estão ancorados nessa seletividade,
o “[...] data mining vai apenas reforçá-la, indicando padrões existentes” (2018,
documento on-line). O argumento de Garcia (2018) é que, se a base de dados
for “enviesada”, não será possível a produção de informações confiáveis.
O conhecimento produzido por meio de técnicas ou ferramentas de data
mining pode ser apresentado de diferentes modos: agrupamentos, hipóteses,
regras, árvores de decisão, grafos ou dendrogramas. O jornalismo é uma das
possibilidades de uso da mineração de dados, mas, nesse contexto, somos
levados a outra questão, que é a necessidade de transparência quando às
fontes de informação.
Uma das questões que se coloca para o jornalismo é se o uso de base de
dados como fonte poderia ser um modo de diferenciação. Essa questão faz
sentido, pois vivemos uma época na qual toda e qualquer pessoa pode pro-
duzir informações sobre diferentes assuntos e fazê-las circular pela internet.
No entanto, o uso de dados no jornalismo vai além de fazer circular essas
informações; a prática diz respeito ao próprio modo como as informações são
coletadas. De acordo com Foletto (2013), há vários estudos apontando que o
jornalismo não desaparece frente às novas tecnologias e, sim, transforma-se.
O pesquisador aponta as “novas ocupações” do jornalista, entre as quais
se encontram o jornalista especialista em banco de dados e o jornalista pro-
gramador. Essas ocupações, segundo Foletto, são as que mis se aproximam da
cultura que se “[...] originou em torno da denominação hacker [...]” (FOLETTO,
2013, documento on-line). Os hackers são, de acordo com Castells, uma das
quatro camadas da cultura da internet. São eles um dos “[...] principais res-
ponsáveis pela ideologia da liberdade amplamente disseminada pela rede”
(FOLETTO, 2013, documento on-line).
Foletto (2013) descata que o jornalismo tem se aproximado naturalmente
da cultura e da ética hacker. Como decorrência dessa aproximação, há dois as-
pectos a considerar: o institucional e o ético. No campo institucional, segundo
o autor, há organizações nascidas com esse propósito e núcleos organizados
dentro das redações jornalísticas. Em relação ao segundo aspecto, talvez,
o que mais interesse para essa relação entre cultura hacker e jornalismo,
Foletto (2013) destaca que o jornalismo tem sido “contaminado” pela ética
hacker, já sendo possível falar, por exemplo, em jornalismo de código aberto,
em que o público sabe exatamente em quais fontes o jornalista foi buscar
as informações que oferece.
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Existem três termos bastante usados quando se trata de dados na


internet e que possuem significados distintos. O primeiro dele é
data mining, que, com vimos, diz respeito à busca por informações valiosas
em grandes bancos de dados. O segundo termo, bastante comum, é big data,
que nada mais é do que todo o volume de dados recolhidos pelas ferramentas
digitais e que constituem uma massa intangível de informações. Já a terceira
expressão, data warehouse, é o local onde os dados são armazenados e que
pode ser chamado, também, de “armazém digital” (PATEL, [20--?]).

Aspectos éticos da espionagem e seu uso


no jornalismo
O pesquisador Paulo Vaz, em um artigo intitulado “Esperança e Excesso”,
aponta que vivemos a era do excesso da informação e que esse fato tem
provocado mudanças culturais na sociedade. Segundo o autor, um exemplar
do The New York Times contém mais informação do que toda aquela adquirida
por um cidadão culto do século XVIII em toda a sua vida.
Atualmente, há uma grande quantidade de informação gerada e armaze-
nada no que chamamos de big data e, segundo Romão (2002 apud GRILO JR,
2010), esses enormes bancos de dados podem conter informações valiosas
para a tomada de decisões por empresas e instituições públicas.
Grilo Jr (2010), por sua vez, destaca que data mining é um tipo de ferramenta
de análise e que, em vez de fazer uma pergunta para os dados, pergunta-se
se existe algo relevante naqueles dados. Enquanto os relatórios de consultas,
que já possuem relações estabelecidas, “[...] o trabalho do data mining é des-
cobrir o que não se sabe que existe no banco de dados” (GRILO JR, 2010, p. 39).
Esse pesquisador destaca que a ferramenta pode ser usada para identificar
padrões de consumo, para estabelecer correlações em diferentes indicadores
financeiros e identificar superfaturamento em grandes obras públicas.
Apesar de consolidado como uma prática comum, o data mining apre-
senta algumas questões éticas que se referem muito mais ao modo como
são coletados e armazenados os dados do que às questões apontadas pela
ferramenta ou técnica.
Em uma palestra sobre “Ética, privacidade e big data”, o professor Paulo
Cesar Masiero ([201-]) estabelece a questão da privacidade como fundamental
para que se pense no processo de mineração de dados em uma perspectiva
da ética. Segundo ele, em uma definição simplificada, privacidade seria o
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estado de estar sozinho ou não estar sendo observado (MASIERO, [201-]).


Dessa definição, outro aspecto se sobressai: o direito à privacidade.
Nesse sentido, Masiero ([201-]) destaca que o uso de dados para oferecer
experiências de consumo personalizadas é aceito como algo útil e necessário,
mas a questão que se coloca como mais emblemática: quem usa os nossos
dados e como saber quando e como esses dados estão sendo coletados?
Um aspecto bastante importante levantado pelo professor é que as em-
presas são obrigadas a informar que estão coletando seus dados e os estão
armazenando (MASIERO, [201-]). O que podemos observar é que essa imposição
legal não parece oferecer escolha o usuário, uma vez que, na maioria dos casos,
se ele não concede permissão para que seus dados de navegação fiquem
registrados, dificilmente conseguirá acesso às informações que precisa.
Segundo Masiero ([201-]), temos quatro tipos de possibilidade de coletar
dados, como você confere a seguir.

„„ Coletadores de dados: empresas de TI coletam, armazenam, usam e


repassam dados obtidos cada vez que um usuário aciona dispositivos
de cartão de crédito.
„„ Mercadores de dados: plataformas em que indivíduos, empresas, agên-
cias governamentais, entre outras, podem buscar dados específicos,
podendo baixá-los de graça ou mediante pagamento.
„„ Usuários de dados: pessoas ou organizações que têm acesso livre a
conjuntos de dados específicos para atender suas necessidades.
„„ Reguladores/protetores: agências que monitoram questões de priva-
cidade e que estão envolvidas em política regulatória; os governos,
fundações privadas, blogueiros, etc.

Além desses agentes que coletam dados no big data e fazem o garimpo
de informações por meio de técnicas e ferramentas de data mining, há outro
tipo de coleta protagonizado por agências governamentais, em um processo
chamado de espionagem de dados. Uma reportagem publicada pela BBC
News Brasil (2013) apresenta as quatro formas pelas quais as agências de
inteligência coletam informações.
A primeira delas é feita por meio do acesso a informações de empresas de
tecnologia e de comunicação, como Google, Facebook e YouTube. A segunda
forma ocorre por meio da extração da dados de cabos de fibra ótica, que
carregam informações sobre o uso de internet e telefone. Outra forma bastante
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comum de se coletar dados é a escuta telefônica e a última, e talvez a que


mais desperte discussões sobre ética, é a espionagem dirigida, protagonizada,
principalmente por governos (BBC NEWS BRASIL, 2013).
Você deve estar se perguntando o que essas práticas de mineração de
dados, promovidas por governos e empresas, têm a ver com o jornalismo e,
mais especificamente, com a ética jornalística. Antes de refletirmos sobre
essa questão, vamos destacar uma nova vertente do jornalismo que tem sido
praticada e que se convencionou chamar de jornalismo guiado por dados
(data-driven journalism), que tem se consolidado como uma prática cada vez
mais comum nas redações (TRÄSEL, 2014 documento on-line).
O uso de informações provenientes de bancos de dados não é uma prática
que surge com o jornalismo digital ou com o que chamamos de jornalismo
de base de dados. Antes da cultura digital, o uso de pesquisas e documen-
tos como fontes para produção de notícias era comum. O que muda, na
atualidade, é a potencialização do uso desses dados. Essa característica,
que inclui uma enorme variedade e diversidade de fontes, impõe que se
pense sobre os padrões éticos que orientam a coleta, o uso e a distribuição
dessas informações.
Quando informações confidenciais vazam de organismos públicos e são
usadas pela imprensa, raramente se questiona o jornalista a respeito dos
meios pelos quais obteve informações, sendo-lhe garantido o direito ao
sigilo de suas fontes. Mas a pergunta que podemos fazer é: quando se trata
de uso de dados garimpados em grandes bancos de dados, o jornalismo lida
com informações que não foram dadas na condição de fonte? É o caso, por
exemplo, do uso de informações coletadas nas redes sociais para apontar
tendências em pesquisas eleitorais.

Apesar de pouco comentada, a espionagem de dados dirigida a


jornalistas, principalmente em países autoritários é bem comum. De
acordo com Jorge Luis Sierra (2017), a espionagem pode ser conduzida em massa,
como forma de saber o que os jornalistas estão fazendo e quais dados eles estão
acessando. Já existem outros casos em que a espionagem é específica e, nesses,
utiliza-se a vigilância eletrônica como forma de acompanhar o trabalho de um
profissional específico. Em muitos países, a prática é tida como normal pelos
jornalistas, ainda que possa colocar em risco suas vidas e a de suas fontes.
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Edward Snowden e Julian Assange


no jornalismo de dados
Träsel define o jornalismo guiado por dados como a “[...] aplicação de técnicas
computacionais e científicas na apuração, edição, publicação e circulação de
produtos jornalísticos, que podem tomar a forma de textos, audiovisuais,
narrativas hipertextuais, visualizações gráficas, ou aplicativos noticiosos”
(TRÄSEL, 2014, p. 15). Trata-se, portanto, de um modelo de jornalismo no
qual as bases de dados definem a organização e a estrutura das redações.
O jornalismo guiado por dados (JDG) pode ser definido, então, como “a
aplicação de técnica computacionais e científicas na apuração, edição, pu-
blicação e circulação de produtos jornalísticos, que podem tomar a forma
de textos, audiovisuais, narrativas hipertextuais, visualizações gráficas, ou
aplicativos noticiosos” (TRÄSEL, 2014, documento on-line). O relacionamento
com as fontes é modificado, ampliando a capacidade de investigação das
questões sociais. Existem legislações em diversos países no mundo, incluindo
o Brasil, que obrigam a disponibilização de dados públicos, como é o caso
da Lei de Acesso à Informação.
Podemos identificar, segundo Barbosa e Torres (2013), quatro categorias
que distinguem as práticas de jornalismo guiado por dados, como você con-
fere a seguir.

„„ Mashups: abrange a combinação de fontes variadas.


„„ Data/dados: equipes e seções de veículos que trabalham com dados.
„„ Sistema de recomendação da notícia: oferecem, por exemplo, listas
das mais lidas e comentadas.
„„ Fontes: tratam das informações divulgadas pelo poder público e tam-
bém pelas empresas jornalísticas.

Uma das questões que se discute bastante na atualidade diz respeito à


forma como jornalistas têm acesso a informações provenientes de bancos
de dados pertencentes a governos. Dois casos de divulgação de informações
sigilosas pela imprensa ficaram famosos por terem sido responsáveis por
revelar redes de espionagem e uso de informações de segurança. A seguir,
você confere esses casos para perceber como o acesso a informações de
bancos de dados pode ser usado e apropriado pelo jornalismo para produzir
reportagens.
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Julian Assange e o WikiLeaks


O WikiLeaks é uma plataforma digital criada em dezembro de 2006, por Julian
Assange (Figura 1), com o objetivo de “denunciar” anonimamente fatos ocorri-
dos em “regimes opressores”. Os governos que tiveram seus dados expostos
pela plataforma e boa parte do jornalismo, no entanto, consideravam-na
como um site de vazamento de dados sigilosos. O WikiLeaks ganhou noto-
riedade em 2010, quando divulgou imagens mostrando a ação de soldados
norte-americanos atirando, do alto de um helicóptero, contra civis no Iraque.

Figura 1. Julian Assange.


Fonte: ESHOJE (2019, documento on-line).

Assange disse, em uma entrevista à BBC, em 2011, que criou métodos


especiais para receber documentos sigilosos. Segundo ele, foi preciso crip-
tografar e espalhar telecomunicações e pessoas ao redor do mundo para
“[...] ativar leis de proteção em diferentes jurisdições nacionais” (BBC NEWS
BRASIL, 2019, documento on-line).
A atuação de Assange e do portal WikiLeaks nos leva a questionamentos
que envolvem os limites da prática jornalística, o dilema entre a confiden-
cialidade de dados e o direito de informar, entre outras questões, como o
financiamento de tais produções. No caso do WikiLeaks, o portal sobrevivia
de doações, muitas delas bloqueadas após os vazamentos de 2010.
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Há questionamentos sobre se o WikiLeaks faz jornalismo, uma vez que


lança mão de práticas de espionagem e roubo de dados para produzir seus
conteúdos. Se, em alguns casos, pode ser configurado o “vazamento” por
alguma fonte, como ocorreu em 2007, quando o portal publicou o manual de
procedimento militar no Campo Delta, na base de Guantánamo, em Cuba, em
outros, configura-se a prática de espionagem, como ocorreu com a divulgação,
em 2008, de fotos e trechos de e-mails pessoais da governadora do Alasca e
candidata a vice-presidente dos Estados Unidos Sarah Palin.
O ano de 2010 foi marcado pela publicação de diversos documentos sigilo-
sos e pela primeira prisão de Assange, acusado de crime sexual na Suécia. Em
abril, foram publicadas as imagens que mostram soldados americanos atirando
contra civis no Iraque. No mês de julho, foram publicados 91 documentos
secretos sobre a Guerra no Afeganistão e, em outubro, mais 391 documentos
sigilosos sobre o Pentágono. No mês seguinte, mais 250 documentos diplo-
máticos confidenciais dos Estados Unidos são divulgados pelo Wikileaks.

Edward Snowden
O ex-técnico da CIA Edward Snowden (Figura 2) foi acusado, em 2013, de “vazar”
documentos sigilosos dos Estados Unidos, deixando o mundo perplexo diante
dos escândalos de espionagem protagonizado pelos Estados Unidos contra
diversos países e pessoas. Em seu livro, escrito no exílio na Rússia, Snowden
conta como montou e desvendou o “[...] maior esquema de espionagem do
mundo” (GEARINI, 2020, documento on-line).

Figura 2. Edward Snowden.


Fonte: Reuters (2017, documento on-line).
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Foi em 2013 que o mundo ficou sabendo sobre os sistemas de informações


usados pelos Estados Unidos para extrair dados confidenciais de cidadãos
americanos e de outras países. Dois jornais publicaram as informações de
Snowden: The Guardian e The Washington Post. Ainda em 2013, Snowden
repassou informações para os jornalistas Glenn Greenwald e Laura Poiters
que comprovavam a vigilância em massa feita pelo governo dos Estados
Unidos. “Conhecido como PRISM, o projeto de monitoramento global foi
responsável por espionar conversas sigilosas de líderes mundiais, como da
ex-presidente Dilma Rousseff” (GEARINI, 2020, documento on-line).
Há muitas questões importantes para serem observadas nesse caso envol-
vendo o ex-técnico da CIA, mas podemos pensar em três que se sobressaem
nesse caso. A primeira delas é o uso de informações sigilosas para produção
de reportagens pela grande imprensa, a partir do recebimento delas por uma
fonte considerada “confiável”. A segunda questão diz respeito à responsa-
bilização pelo uso e divulgação das informações — Snowden foi acusado
pelo governo dos Estados Unidos de espionagem, roubo e transferência de
propriedade norte-americana. Já a terceira questão se refere à prática de
mineração de dados — no caso, a coleta em massa de informações pelos
Estados Unidos, com o pretexto de que era necessário tomar providências
após os atentados de 11 de setembro de 2001.
A partir desses casos de Julian Assange e Edward Snowden, mundialmente
famosos, podemos refletir e posicionar-nos a respeito de questões éticas
que permeiam a prática jornalística de diferentes maneiras. No entanto, in-
dependentemente desse posicionamento, as reflexões que nos proporcionam
são fundamentais para um olhar atualizado sobre a prática jornalística, em
constante e expansiva transformação em função do uso de dados para a ela-
boração de reportagens.

Referências
BARBOSA, S. O. TORRES, V. O paradigma digital “jornalismo em base de dados”: modos
de narrar, formatos e visualização para conteúdos. Galáxia, V. 3, n. 25. p. 152–164, 2013.
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Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131030_inteligen-
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BBC NEWS BRASIL. Julian Assange: quem é o fundador do Wikileaks, preso em Londres
após quase sete anos de asilo na embaixada do Equador. 2019. Disponível em: https://
www.bbc.com/portuguese/internacional-47895584. Acesso em: 19 out. 2020.
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CARDOSO, O. N. P.; MACHADO, R. T. M. Gestão do conhecimento usando data mining:


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n. 3, p. 495–528, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rap/v42n3/a04v42n3.
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ESHOJE. Julian Assange é preso na embaixada do equador em Londres. 2019. Disponível
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FOLETTO, L. F. Cultura hacker e jornalismo: práticas jornalísticas do it yourself na
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GRILO JR, T. F. Aplicação de técnicas de data mining para auxiliar no processo de fis-
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MASIERO, P. C. Ética, privacidade e big-data. [201-]. Disponível em: https://edisciplinas.
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VAZ, P. Esperança e excesso. In: PARENTE, A. (org). Tramas da rede: novas dimensões
filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2013.
Limites éticos do jornalismo de dados 13

Leituras recomendadas
DEUTSCHE WELLE. Entenda o caso Assange e Wikileaks fato a fato. 2019. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/mundo/entenda-o-caso-assange-e-wikileaks-fato-
-a-fato/. Acesso em: 19 out. 2020.
ROMÃO, W. Descoberta de conhecimento relevante em banco de dados sobre ciência
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SACKS, S. Quando o espião é a fonte. 2014. Disponível em: http://www.observatorio-
daimprensa.com.br/educacao-e-cidadania/caderno-da-cidadania/_ed785_quando_o_
espiao_e_a_fonte/. Acesso em: 19 out. 2020.
SNOWDEN, E. Eterna vigilância: como montei e desvendei o maior sistema de espionagem
do mundo. São Paulo: Planeta, 2019.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
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