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Fernanda Paixão de Souza Gouveia, Rosane de Abreu Farias e Rosemary Lopes Soares da Silva 3
Salvador-Bahia
2023
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ 7
Rosemary Lopes Soares da Silva
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa,
Luciene Souza Santos
APRESENTAÇÃO
"Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta [...]”
(Maria, Maria – Milton Nascimento e Fernando Brant) 1
1
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
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Trecho do artigo de Aline de Oliveira Costa dos Santos.
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3
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Fernanda Paixão de Souza Gouveia, Rosane de Abreu Farias e Rosemary Lopes Soares da Silva 9
1
EDUCAÇÃO BÁSICA, TRABALHO PEDAGÓGICO E
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: RELAÇÃO COM A
INTERSECCIONALIDADE
Fernanda Paixão de Souza Gouveia 4, Rosane de Abreu Farias 5,
Rosemary Lopes Soares da Silva 6
INTRODUÇÃO
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Fernanda Paixão de Souza Gouveia é doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – PPFH/UERJ. Atua como docente em História na Educação Básica na Rede Municipal de Teresópolis/RJ.
Também é Técnica em Assuntos Educacionais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro –
IFRJ e professora colaboradora da Pós-Graduação Lato Sensu em Educação de Jovens e Adultos – EJA e da Pós-Graduação
em Práticas de Letramento, deste mesmo Instituto, campus Nilópolis e campus São João de Meriti, respectivamente. E-mail:
fernanda.gouveia@ifrj.edu.br.
5
Rosane de Abreu Farias é doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – PPFH/UERJ e graduada em Pedagogia pela UERJ. Atualmente é professora especialista supervisora educacional
da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: ro.afarias@gmail.com
6
Rosemary Lopes Soares da Silva é doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela universidade do Estado do Rio
de Janeiro – PPFH/UERJ e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. É coordenadora pedagógica
da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC-BA e coordena o Grupo de Estudos, Pesquisas e Experimentações
Educacionais, cadastrado no CNPq, vinculado a Coordenação de Estudos e Experimentações Educacionais da Diretoria de
Formação e Experimentação dos Profissionais da Educação do Instituto Anísio Teixeira –GEPEE/IAT/DIRFE/SEC-BA. E-
mail: roselsoares@yahoo.com.br.
10 Educação Básica, trabalho pedagógico e avaliação da aprendizagem: relação com a interseccionalidade
sinalizar como determinados grupos sociais sofrem concomitantemente mais de uma forma de
opressão/exploração no modo de acumulação capitalista neoliberal.
Para tal, reconhecemos que a acumulação capitalista ainda que apresente regularidade
em seu desenvolvimento, a mesma ocorre de forma a adaptar-se à cultura socioeconômica de
cada país ou região. Assim, as formas de opressão/exploração que se realizam a partir da
contradição capital-trabalho tendem a ser resultado da maneira como é vivenciada pelo sujeito
em sua realidade social. Nesse percurso, o conceito de interseccionalidade aproxima-se do
materialismo histórico-dialético por reconhecer que a identificação das formas de opressão/
exploração que os sujeitos mais sofrem dentro de seu grupo social revelam também as maneiras
pelas quais é possível resistir e lutar para sua transformação.
Desta maneira, no presente texto realizamos uma discussão sobre a diferenciação e
utilização entre conceitos e categorias a partir do campo do materialismo histórico-dialético na
produção de conhecimento. A seguir, buscamos identificar as aproximações do materialismo
histórico-dialético com a interseccionalidade, que aqui assume o lugar de categoria de
conteúdo, conforme Kuenzer (2008) analisa, já que o objeto tomado na especificidade de sua
relação com outros objetos e com a totalidade carece adentrar ao conteúdo, na particularidade
do fenômeno. Investigar as relações, os conceitos, as formas de estruturação e organização, em
recortes particulares, “[...] sempre definidos a partir do objeto e da finalidade da investigação”
(Kuenzer, 2008, p. 66) é próprio desta.
Por fim, buscamos sinalizar como a análise da organização do trabalho pedagógico,
seguindo a perspectiva de Freitas (2010), pode a partir da categoria da interseccionalidade
direcionar para as formas como o mesmo tende a configurar-se como uma produção de
exclusão e subordinação dos sujeitos sociais com a finalidade de melhor adaptá-los ao modo
de produção capitalista.
Destaca-se que as opções epistemológicas aqui realizadas foram orientadas pela
perspectiva da práxis transformadora e de superação da realidade desigual e excludente
vigente no mundo atual.
mentais (afetivos, emocionais, intelectuais etc.) em situação de relação com outros tantos seres.
Podem designar conteúdos de ordem geral, quanto de natureza específica.
Os conceitos, por sua etimologia (conceptus, concepção), dão conteúdo teórico aos
termos, a exemplo de economia, sociedade, classe, cultura etc. Os conceitos gerais devem
servir ao universo amplo de todos os seres e podem ser objeto de estudo das ciências sociais,
da história e da historiografia. As categorias ordenam, classificam os seres (de acordo com sua
etimologia, κατηγορία, atributo), a exemplo de animais vertebrados e invertebrados, seres
minerais, vegetais ou animais etc., nas ciências sociais, quando falamos nas classes sociais,
classes de alta, de média ou de baixa renda. Quais categorias são gerais e quais são específicas
é uma questão do universo de seres (fenômenos, sujeitos, objetos) aos quais se referem.
Em Kuenzer (2008, p. 62-66), destaca-se que nenhum objeto de investigação “[...] é
bem definido, nem sua determinação mais simples é identificada, permanecendo no nível do
que Marx chama de abstrato”. Neste sentido, temos o tratamento das categorias
metodológicas, que expressam uma perspectiva universal e que definem a forma de
investigação, como ponto de partida para o entendimento dos fatos em sua concretude, na
dinamicidade e especificidade, em articulação com a totalidade; e as categorias de conteúdo,
mais específicas e particulares, que neste trabalho são fundamentais para dar sentido à relação
da interseccionalidade com a educação.
A relação entre as características singulares e mais simples do fenômeno social e os
processos mais amplos é tratada por também Ciavatta (2001) na tentativa de entender este
mesmo fenômeno em sua totalidade concreta. No nível mais simples, singular, o fenômeno é
superficial, fragmentado, individual. As questões apresentadas pelo objeto estudado nesta
etapa se isolam do geral e do próprio processo histórico. Sua compreensão mais profunda se
dá no âmbito das determinações universais, nas quais residem as determinações que interferem
nas relações sociais e de poder, nas leis, nas ações do Estado e do mercado. Isto significa que a
superação da superficialidade e imediaticidade do fenômeno analisado implica na relação, na
mediação, entre o singular e universal (Gouveia, 2018).
A singularidade constitui a superficialidade do objeto, sua aparência, o primeiro nível de
seu conhecimento. As questões que dela emergem são fragmentadas, imediatas e
individualizadas. A análise da realidade social a ela não pode se ater, pois sua compreensão se
encontra isolada do processo histórico. A universalidade é o seu oposto, onde habitam as
determinações universais que interferem nas relações sociais e de poder, nas leis, nas ações do
Estado e do mercado, ou seja, determinações que se relacionam com as questões sociais e
políticas mais amplas e que ultrapassam a dimensão da superficialidade. Já a particularidade é
o elo entre o universal e o singular, ou seja, o campo das mediações. O estudo de Pontes a
define como um espaço vivo, em movimento, necessário para superar a imediaticidade do
fenômeno e nele se aprofundar.
Neste caminho, lembramos Pontes:
[...] a razão cognoscente, tendo negado e superado a imediaticidade (aparência), vai
processar o nível do concreto pensado, penetrando em um campo de mediações, onde se
entrecruzam vários sistemas de mediação, sistemas estes responsáveis pelas articulações,
passagens e conversões histórico-ontológicas entre os complexos componentes do real
(Pontes, s/d, p. 16).
12 Educação Básica, trabalho pedagógico e avaliação da aprendizagem: relação com a interseccionalidade
trabalho tende a produzir modos de ser e estar no mundo, ou seja, uma cultura.
Por um lado, tais críticos equivocam-se pelo simples fato de que o capitalismo consiste num
sistema social único, que subverte e homogeneíza todas as relações sociais previamente
constituídas, tendendo à subordinação de todas as relações humanas à contradição capital-
trabalho. Assim, torna-se impossível compreender as relações familiares e generificadas
contemporâneas, o conflito étnico-racial e comunitário, ou a crise ecológica, sem
examinarmos as relações subjacentes descritas acima. Pois, a família, a questão étnica e o
ambiente natural estão todos condicionados pelo modo de produção capitalista (Anderson,
2020, p. 1507).
Conforme ressalta Barbara Araújo (2013) ao pensar em interseccionalidade e
materialismo, “não é estranho ao marxismo reconhecer que a realidade material é complexa e
determinada por múltiplos fatores, pelo contrário”. É um dos pressupostos do método
materialista histórico-dialético reconhecer as mediações do fenômeno estudado em suas
relações de particularidade e totalidade. Outro ponto importante que a autora destaca é que
não devemos atacar cada forma de opressão/desigualdade de forma fracionada, mas considerar
suas formas e intersecções, desta maneira não se nega a questão de classe, mas a considera em
cruzamento com as questões de gênero e raça.
Entre as “contradições mutáveis” identificadas por Harvey (2016, p. 169) está a
“reprodução social” que o autor definiu como “a contradição entre as condições necessárias
para garantir a reprodução social da força de trabalho e as condições necessárias para
reproduzir o capital”. Assim os capitalistas perceberam que alguns aspectos tornavam a
produção mais lucrativa, tais como: maior instrução, horários rotineiros, constituição familiar, e
passaram a influenciar na forma como os trabalhadores organizavam sua vida fora de seu
horário de trabalho, incidindo assim no trabalho realizado sem remuneração. Nessa discussão,
o autor citado sinaliza como as mulheres sempre assumiram a maior parte dessa atividade.
A reprodução social absorve uma imensa quantidade de trabalho não remunerado, em
grande parte realizado pelas mulheres, tanto no passado quanto hoje, como sempre
apontaram corretamente as feministas. Para o capital, a reprodução social é uma esfera
ampla e conveniente em que os custos reais são terceirizados para as famílias e outras
entidades comunais e incidem desproporcionalmente sobre diferentes grupos da população
(Harvey, 2016, p. 175).
Podemos identificar que, ainda que não apareça o conceito de interseccionalidade como
categoria de conteúdo, sua utilização ocorre quando o autor sinaliza as mulheres como grupo
que mais assume essa reprodução social não remunerada. Se observarmos a função social da
mulher na atualidade, logo aparece como principal problema feminino o acúmulo de funções
domésticas, familiares (principalmente a criação dos filhos) e profissionais, a chamada
sobrecarga mental. Esse tema cada vez mais presentes nas pesquisas acadêmicas, só pode ser
detectado quando observada a intersecção entre classe e gênero, pois as mulheres das classes
trabalhadoras recebem uma carga mental ainda maior que as demais por desempenhar todas
as funções, enquanto as mulheres com maior poder aquisitivo por um lado podem contratar
mão de obra (das mulheres da classe trabalhadora) para desempenhar suas funções domésticas
e familiares enquanto cuidam de sua carreira profissional, ou por outro podem dedicar-se a
criação dos filhos e a realização do trabalho doméstico (ou em alguns casos apenas a sua
administração) enquanto seus esposos dedicam-se a carreira profissional provendo
14 Educação Básica, trabalho pedagógico e avaliação da aprendizagem: relação com a interseccionalidade
financeiramente a família.
Se nessa intersecção colocarmos as mulheres negras da classe trabalhadora, poderemos
identificar como as mesmas estão ainda mais subordinadas nessa hierarquia social, sendo
aquelas que por vezes sujeitam-se aos piores trabalhos para prover suas famílias, não havendo
para elas sequer a possibilidade de compartilhar com um companheiro a dimensão financeira
da reprodução social ou receber qualquer contribuição nas funções familiares e domésticas.
Desta forma, o destaque que Crenshaw (2017) realiza na possibilidade de empoderamento e
resistência que a interseccionalidade proporciona ao ser utilizada como categoria nos mostra
que há subgrupos a serem observados e defendidos dentro da estrutura de classes do
capitalismo.
Claramente, há um poder desigual, mas existe, no entanto, algum grau de agência que as
pessoas podem e exercem na política de nomeação. E é importante notar que a identidade
continua a ser um local de resistência para membros de diferentes grupos subordinados.
[...] Um é o poder exercido simplesmente através do processo de categorização; o outro, o
poder de fazer com que a categorização tenha consequências sociais e materiais. Enquanto
o poder anterior facilita o último, as implicações políticas de desafiar um sobre o outro são
muito importantes. Podemos analisar os debates sobre a subordinação racial ao longo da
história e ver que, em cada caso, houve a possibilidade de desafiar a construção da
identidade ou o sistema de subordinação com base nessa identidade (Crenshaw, 2017, p. 3
da parte 4).
7
A categoria da “práxis”, como realizar individual e social, é central para toda a produzida por Karl Marx ao abordar os
problemas da produção e da ciência. Em seus escritos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, Marx sinaliza que: “Assim
como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele”. Assim a “práxis humana” não é apenas o
trabalho enquanto atividade produtiva, mas todas as relações sociais e culturais objetificadas por ele. Apesar de Gramsci
não ter conhecido esta obra marxiniana, o termo “filosofia da práxis”, utilizado por ele é uma concepção de unidade entre
teoria e prática. Discutindo sobre a tese 11 de Marx, que propõe mudar o mundo e não mais interpretá-lo, Gramsci destaca
Fernanda Paixão de Souza Gouveia, Rosane de Abreu Farias e Rosemary Lopes Soares da Silva 15
Por sua vez, Sharon Smith (2017) demonstra evocando a historicidade do conceito de
interseccionalidade que o mesmo recebe duas formas distintas de interpretação: a do
feminismo negro, tendo a ideia de cruzamento de formas de opressão sobre as mulheres negras
sido utilizada antes mesmo de se construir o referido conceito; e a do pós-estruturalismo
enquanto oposição a ideia de coletividade vinculada ao marxismo, defendendo a
individualidade e o empoderamento das minorias. A autora declara que seu objetivo é mostrar
que “a tradição do feminismo negro avança em direção ao projeto de construir um movimento
unificado para lutar contra todas as formas de opressão, algo que é central a um projeto
socialista”.
Collins e Bilge (2020) iniciam sua obra destacando a polissemia no entendimento do
termo interseccionalidade,
[...] em determinada sociedade, em determinado período, as relações de poder que
envolvem raça, classe e gênero, por exemplo, não se manifestam como entidades distintas
e mutuamente excludentes. De fato, essas categorias se sobrepõem e funcionam de
maneira unificada. Além disso, apesar de geralmente invisíveis, essas relações
interseccionais de poder afetam todos os aspectos do convívio social (Collins; Bilge, 2020,
p. 17).
Ainda que as autoras identifiquem como elemento central de suas construções teóricas
a categoria poder, precisamos compreender que a vinculação da mesma para a análise com
base na interseccionalidade não deveria ser desprezada, uma vez que a acumulação de capital
historicamente promove a hierarquização social e a opressão manifesta pelo poder em suas
diversas faces. As próprias autoras assumiram no livro a constatação da teórica feminista Zillah
Eisenstein de que “O capital é interseccional. Ele sempre intersecciona os corpos que produzem
o trabalho. Logo, o acúmulo de riqueza está incorporado nas estruturas racializadas e
engendradas que o aumentam” [grifo da autora] (apud Collins; Bilge, 2020, p. 35). Logo,
podemos constatar que mesmo que as autoras assim não reconheçam, estabelecem
indiretamente a relação capital-trabalho como contradição principal do sistema de acumulação
capitalista, no qual o uso da interseccionalidade como categoria de conteúdo permite refinar
os estudos realizados.
Smith destaca que representantes do movimento feminista negro americano definiam-
se como marxistas, mas identificavam que apenas o conceito de classe não dava conta das
múltiplas opressões sofridas simultaneamente pelas mulheres negras, sendo assim, tornava-se
importante fracionar as especificidades para compreendê-la e fortalecer a unificação das lutas
sociais, ou seja, “ele deve ser baseado não nas necessidades dos menos oprimidos, mas sim nas
necessidades daqueles que são mais oprimidos – pois é isso que está no âmago da questão da
solidariedade” (Smith, 2017).
Collins e Bilge (2020) sinalizam que a categoria interseccionalidade normalmente é
utilizada para auxiliar na resolução de problemas sociais enfrentados, sendo solucionados pela
via da reivindicação por melhores estruturas. Por isso, as mesmas a conceituam como uma
ferramenta analítica. Acreditamos que seu uso está além da perspectiva prática de utilização,
mas como dito acima a mesma é uma categoria ao configurar-se como uma relação indissociável
que a mesma não configura-se como um descartar da teoria, mas como o compromisso com a indissociabilidade entre elas.
Para o autor a separação entre elas leva a abstração sem sentido.
16 Educação Básica, trabalho pedagógico e avaliação da aprendizagem: relação com a interseccionalidade
Crenshaw (2017) destaca que “(...) a dimensão da dominação racial que tem sido mais
irritante para os afro-americanos não foi a categorização social como tal, mas a miríade de
maneiras pelas quais aqueles de nós tão definidos foram sistematicamente subordinados.” (p.
4 da parte 4) Quando acrescentamos a questão de classe, tão importante para as análises do
campo materialista histórico-dialético, podemos perceber como a subordinação capitalista
produz hierarquias de sujeitos espoliados (Harvey, 2016), que no caso do Brasil, muito bem
caracterizado por Marini (1973) como capitalismo dependente, tem na categoria de raça os
sujeitos mais expropriados do sistema, uma vez que são os descendentes dos negros
escravizados que vivenciam o resultado do racismo estrutural. Desta maneira, a categoria
interseccionalidade como uma categoria de conteúdo permite reconhecer as múltiplas relações
de exploração/opressão que ocorrem para os grupos minoritários na totalidade da sociedade
brasileira, interpretação realizada pelo movimento feminista negro.
Conforme sinalizado por Anderson (2021), os escritos de Marx identificavam
intersecções da exploração realizada pelo movimento de acumulação do capital, demonstrando
que seria necessário análise sobre esses aspectos.
Torna-se crucial compreender tanto suas brilhantes formulações gerais sobre a sociedade capitalista,
quanto perceber as formas concretas pelas quais examinou não apenas a classe, mas também o
gênero, a raça, o colonialismo, e o que hoje pode ser denominado a interseccionalidade de tudo isso.
Seu humanismo revolucionário subjacente era o inimigo de todas as formas de abstração que
negavam a variedade e a multiplicidade da experiência humana, especialmente pelo fato de que a
sua visão se estendeu para além da Europa Ocidental (Anderson, 2021. p. 1522).
O movimento feminista negro reconheceu que dentro da classe havia grupos que
sofriam mais exploração/opressão que outros, e para isso seria necessário reconhecer cada
forma de opressão e fazer o cruzamento das mesmas para assim propor formas de superá-las.
O materialismo histórico-dialético ao propor que a análise parta das mediações entre as
particularidades de uma totalidade sinaliza também para a identificação das diversas relações
existentes no fenômeno analisado, o que conflui para a percepção da intersecção dessas
mediações, nas quais não são isto ou aquilo, mas isto e aquilo.
Isto posto, reconhecendo as especificidades do espaço escolar no contexto social e
histórico em que está circunscrito, a análise da organização do trabalho pedagógico, seguindo
a perspectiva de Freitas (2010), sob o olhar da interseccionalidade nos permite analisar como
se produzem as formas de exclusão e subordinação dos sujeitos sociais na escola, estas
comprometidas com a adaptação ao modo de produção capitalista.
A defesa de que a organização do trabalho escolar não se restringe a sala de aula, mas
dela, saltar para as relações sociais, implica em enfatizar que a organização global da escola
serve de elemento mediador entre tais relações sociais e a própria sala de aula. A concepção
alargada de didática nos estudos de Freitas (2009), considera, para além da sala de aula e das
relações sociais, a organização do trabalho pedagógico na escola como um todo.
A escola sofre influência das grandes determinações do processo de trabalho na sociedade
capitalista, as quais incorporam-se na forma de organização do trabalho pedagógico. Não é
apenas a didática que deve estar sob análise, mas sim a escola, sua organização e seus
métodos, enquanto processos históricos (Freitas, 2009, p. 58).
Conforme Freitas (2009), o reconhecimento de que o conteúdo e a forma da escola,
inclusive seus métodos didáticos, estão moldados pela função social da escola na sociedade
capitalista, ainda que não de forma mecânica e inevitável, por considerar toda a população
como uma só cultura com os mesmos interesses e vontades, somente separada pela sua
condição financeira. A inclusão na cultura escolar se torna um instrumento de aculturação de
uma parcela da população que deve apagar a sua própria identidade para se tornar incluída na
sociedade e distanciar-se de suas raízes “bárbaras”. Freitas (2010), ao concordar com
Tragtenberg (1982), que diz que uma das funções sociais da escola para adequar os estudantes
ao poder escolar é a subordinação, extrapola que a inclusão tem esse componente de
subordinação ao poder que estrutura o acesso à cultura escolar oficial, é reconhecer que a
inclusão e a subordinação devem ser discutidas juntas, por fazer parte do mesmo processo.
Na reflexão acerca da função social da escola capitalista que é a de produzir a
subordinação, a conformidade com o sistema, de acordo com Freitas (2010), é importante
entender que as relações sociais e econômicas determinam a forma como a educação é
organizada e utilizada na sociedade. Colaboram com este pressuposto os estudos de Gonçalves
Filho, Fernandes e Pinto (2019), em que a educação é constituída de características que
propiciam a manutenção da hierarquia social, contribuindo para o controle das classes
dominadoras sobre as dominadas.
O estudo sobre a “forma escola” e a organização do trabalho pedagógico da escola é o
mote para a crítica ao problematizar que mesmo se nos munirmos de todos os melhores jargões
da educação inclusiva, a inclusão se apresenta como uma subordinação aos valores e visões de
mundo daquele que inclui. De modo que a própria inclusão se apresenta como uma
subordinação, ao pensarmos de forma interseccional quais serão os valores disseminados pela
mesma. É importante entender que a própria forma escolar atual não é inclusiva, nem nula, ela
serve e ocorre dentro de uma sociedade e suas dinâmicas de poder. De acordo com Freitas
(2010), a simples inclusão na escola já ensina a partir das relações de poder vivenciadas, ou seja,
antes mesmo do conteúdo e da avaliação, nas quais a interseccionalidade pode sinalizar para
as formas como são exercidas tais relações e quais sujeitos mais sofrem com as mesmas. Desse
modo, para além da educação inclusiva é necessário repensar e modificar a atual “forma escola”.
Ainda em Freitas (2010), isso tudo nos leva a afirmar que a luta pela inclusão e acesso
ao conteúdo escolar não pode separar-se da luta pela modificação da atual forma escolar,
geradora de subordinação. De acordo com Vincent, Lahire e Thin (2001), a “forma escola”
exprime um tipo específico de relação social, como relação com regras impessoais e relação
com outras formas sociais, dentre estas, principalmente, relações com formas de exercício do
Fernanda Paixão de Souza Gouveia, Rosane de Abreu Farias e Rosemary Lopes Soares da Silva 19
do aluno ao longo do processo; e 2) a subordinação do aluno, menos percebida, mas muito real.
Na atualidade podemos afirmar que a avaliação se materializa como mediação na produção da
exclusão e subordinação do trabalho pedagógico que produz a opressão dos estudantes. A
forma da escola atual ao atrelar a inclusão e a subordinação de tal maneira que uma sempre
leva a outra se não houver resistência, deve atrelar igualmente a luta pela inclusão e acesso ao
conteúdo escolar à luta pela modificação do atual sistema escolar.
O debate proposto por Collins e Bilge (2020, p. 212), inspiradas pela Pedagogia do
Oprimido, de Paulo Freire, acerca das questões sobre as opressões de classe, raça, gênero,
sobre as desigualdades sociais, a inclusão, a diversidade em uma convergência crítica com a
interseccionalidade e a educação, vão no sentido de rejeitar as análises das relações de poder
baseadas apenas em classe, defendendo a linguagem mais robusta e carregada de poder dos
“oprimidos”. Ao evocar como desigualdades interseccionais de classe, raça, etnia, idade, religião
e cidadania afirma-se as necessidades das pessoas oprimidas por justiça. A defesa de Collins e
Bilge (2020) é de que a educação crítica nos lembra que a práxis é importante, sobretudo para
o compromisso da interseccionalidade com a justiça social. Em síntese, o estudo da
interseccionalidade como forma de análise e práxis críticas visam a tocar em questões mais
profundas sobre educação, transformação e justiça social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
busca da materialidade para mudar o trabalho pedagógico que acontece na escola capitalista,
uma estrutura posta pelo capital e voltada para duas funções sociais: a exclusão do aluno ao
longo do processo e a subordinação do aluno, sobretudo pela avaliação da aprendizagem que
se materializa como mediação na produção da exclusão e subordinação do trabalho pedagógico
que ao mesmo tempo, produz a opressão dos estudantes.
O direito de todas as pessoas terem acesso ao conhecimento sistematizado construído
pela humanidade ao longo da história e ao próprio processo social de construção desse
conhecimento, implica na organização do trabalho pedagógico comprometido em aprender
ciência, entretanto, é preciso formar as pessoas para construir conhecimentos, compreender e
transformar o mundo em que se vive, sobretudo, formar para a cidadania que não perde de
vista o horizonte dos direitos humanos e a dignidade humana, que não tolera nenhuma das
formas de opressão produzidas historicamente e socialmente, sejam elas, as opressões de raça,
classe, gênero, etnia, etarismo, sexismo.
É preciso relacionar a educação com a prática, e para isso o conceito de
interseccionalidade nos ajuda a perceber as diversas formas que cada sujeito social no interior
da escola produz ou por ela é produzido em função de seu lugar social e das formas de
opressão/desigualdade que sofrem na sociedade.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
8
Trabalho apresentado em 2023 como requisito para conclusão do Curso de Licenciatura em Pedagogia, do
Departamento de Ciências da Educação, da Universidade Estadual de Santa Cruz – DCIE/UESC.
9
Caliane Santana Matos é licenciada em Pedagogia, pelo Departamento de Ciências da Educação, da
Universidade Estadual de Santa Cruz – DCIE/UESC. E-mail: csmatos.pdg@uesc.br.
10
Michelle Ferreira Bispo é licenciada em Pedagogia, do Departamento de Ciências da Educação, da
Universidade Estadual de Santa Cruz – DCIE/UESC. E-mail: mfbispo.pdg@uesc.br.
11
Genigleide Santos da Hora é doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA;
especialista em Didática do Ensino Superior e em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador –
UCSAL; pedagoga pela UCSal. Atua como professora e pesquisadora do Departamento de Ciências da Educação,
da Universidade Estadual de Santa Cruz– DCIE/UESC, nas áreas de formação professores, políticas públicas,
educação especial e inclusiva. É vice-coordenadora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Experimentações
Educacionais, do Instituto Anísio Teixeira, da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – GEPEE/IAT/SEC-BA.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7429029261141451; Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1824-9608. E-mail:
gshora@uesc.br.
12
Apesar de ainda não existir no Brasil uma uniformização na grafia do nome de Vygotski, no decorrer do
trabalho optamos pelo registro de “Vygotski” como recurso para referenciar as variadas formas de escrita do
nome do autor.
Inclusão de alunos com Transtornos de Déficits de Atenção e Hiperatividade: uma revisão de literatura
24
entre 2014 e 2021
quando negligenciadas, suas ações inclusivas ficam impraticáveis no âmbito relacional; bem
como, em especial, nas ações voltadas às intervenções do professor no processo da
observação, avaliação das características predominantes e do planejamento didático do aluno
com TDAH.
Nessa perspectiva, entende-se que o processo de aprendizagem é estabelecido a partir
da percepção do professor, das condições sociais – saúde mental e física do aluno – e da
interação estabelecida entre o professor e aluno. O planejamento didático por sua vez, que
deverá atender as exigências de conteúdos, é postulado a partir do Plano Nacional de Educação
– PNE que propõe viabilizar a compreensão dos alunos incluídos, com o intuito de promover
um conhecimento igualitário no espaço institucional e o ensino integrativo para os alunos com
dificuldades cognitivas e/ou sensoriais (Brasil, 2014).
Assim, objetiva-se com o estudo evidenciar a relação professor-aluno no processo de
inclusão de alunos com o TDAH, a configuração deste processo no âmbito escolar e a
necessidade da formação especializada para a educação inclusiva. Dessarte, essa necessidade
de inclusão no âmbito escolar, conforme as políticas públicas, e a recorrência de alunos com o
TDAH (que apresentam dificuldade em manter a sua atenção e o controle de seus impulsos)
nos despertou o interesse em investigar o tema. Para Vygotski (1997), as emoções são funções
psicológicas superiores, portanto, culturalizadas e passíveis de desenvolvimento,
transformação ou novas aparições.
Além disso, a concepção vygotskiana de emoção coloca esse processo psicológico em
estreita relação com outros do psiquismo humano. Ainda, chegou à seguinte conclusão “[...]
para inseri-las na estrutura de todos os outros processos psíquicos” (Vygostski, 1997, p. 149)
e, de acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o homem age na realidade e, também, reage a ela.
Essa teoria seguramente “[...] figurou-se como um dos marcos basilares da história
epistemiológica das ideias vygotskianas [...]” (Hora, 2020, p.192) processo da inclusão e
transformação social das gerações.
Vale considerar, que o autor realizou a complementaridade entre o biológico e o social
nos sentimentos: sem eliminar as reações instintivas, mas sim restringi-las, assim, não privilegia
os polos, o social ou o biológico; porém, se uma emoção é expressa por um signo (palavra,
gesto), persiste na interatividade linguística, em um plano intersubjetivo – por conseguinte,
social e que acompanha cada palavra, situado no tempo e na história. Assim, opinamos que a
tentativa de compreender os processos de inclusão dos alunos com TDAH é uma aposta nas
relações complexas entre o biológico e o social, o cognitivo e o emotivo, conectadas à questão
de aprendizagem, que estão diretamente imbricadas com as normas e os valores culturais.
Este capítulo é composto por duas seções, a primeira nomeada de A gênese e a diagnose
dos alunos com TDAH, o qual conduz à abordagem teórica que corrobora com a categorização
do TDAH, tratando de conceitos, causas, impactos sociais, cognitivos e escolares. Na segunda
seção, TDAH e a relação professor-aluno, contemplamos as análises de dados dos artigos
obtidos, considerando os pontos de convergência e divergência na orientação argumentativa.
Por fim, as considerações finais, espaço em que retomamos as discussões dos dados analisados,
propiciando o entendimento para as especificidades das aprendizagens e emoções do aluno
com TDAH na sala de aula por considerarmos uma valorosa advertência e por ser uma temática
Caliane Santana Matos, Michelle Ferreira Bispo e Genigleide Santos da Hora 25
restringida ou depreciada, pois, “se o aluno for inserido em práticas discursivas desfavoráveis
ao seu desenvolvimento na escola, é possível que adentre a um processo de baixa autoestima
em relação à sua condição de sujeito/aprendiz”. (Signor, 2016, p. 312). Portanto, compreende-
se que as pessoas com TDAH devem, a priori, ter um diagnóstico coerente visando mitigar os
aspectos da disfunção mental e, consequentemente, serem conduzidas a um processo de
socialização especializado e multidisciplinar.
13
Diante da seleção dos descritores, do recorte temporal e do referencial teórico, conclui-se que as pesquisas do repositório
da SciELO atendem aos critérios de triagem de forma integral ou em sua maioria, além de ser uma plataforma de
reconhecimento e referência nacional e internacional no âmbito da educação. Portanto, justifica-se a escolha.
Caliane Santana Matos, Michelle Ferreira Bispo e Genigleide Santos da Hora 29
2014 Educação 1 Revisão sistemática das políticas de educação inclusiva para formação de professor
14
INGLES, M. A; ANTOSZCZYSZEN, S.; SEMVIK, S. I. A. L.; OLIVEIRA, J. P. Revisão sistemática acerca das
políticas de educação inclusiva para a formação de professores. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 20,
p. 461- 478, 2014.
15
Considera-se este termo excludente e inapropriado para se utilizar no âmbito educacional, diante das
inúmeras discussões acadêmicas. Portanto, é preferível utilizar o termo “deficiência”. A exemplo das inúmeras
discussões da Lei Brasileira da Inclusão, n. 13.146, de 6 de julho de 2015, também conhecida como Estatuto da
Pessoa com Deficiência, “[...] destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”
(Brasil, 2015).
Inclusão de alunos com Transtornos de Déficits de Atenção e Hiperatividade: uma revisão de literatura
30
entre 2014 e 2021
para esse processo a fim de viabilizar a efetivação dela nos padrões necessários e coerentes às
limitações do indivíduo, como proposto na legislação.
As repercussões ressaltaram a visão equivocada, por parte da sociedade, da educação
inclusiva, a qual foi consolidada na perspectiva de educação de qualidade para todos, não
atendendo, exclusivamente, aos preceitos da inserção devida de crianças com necessidades
educacionais especiais. Salienta-se, portanto, imprescindível para a educação inclusiva a
especialização do corpo docente no intuito de atender as particularidades dos transtornos, bem
como do planejamento adequado, da (re)socialização e encorajamento do indivíduo acometido
pelo transtorno e das práticas e políticas de inclusão na/para educação.
Desse modo, considerando o estudo acerca da formação do professor para a educação
inclusiva, depreende-se que há discussões teóricas e ponderações relativas às políticas de
formação docente e à educação inclusiva, porém apenas a prática pedagógica não promove a
inclusão, isto é, embora tenha (e tem) sido sinalizado pelo Ministério da Educação (Brasil, 2014),
a necessidade de incorporar os conteúdos da educação especial nos cursos de graduação,
sobretudo, os de licenciaturas, as práticas pedagógicas evidenciam especificidades no processo
inclusivo que não são priorizadas e nem atendidas, ainda, na formação básica e especializada
do professor e no processo didático, as quais destacam a fragilidade da inclusão e do
desenvolvimento dos indivíduos acometidos pelos transtornos e outras necessidades de
caráter especial.
Em 2015, foram encontrados cinco artigos. O primeiro deles, intitulado “Os significados
do TDAH em discursos de docentes dos anos iniciais”, escrito por Silva, Santos e Oliveira Filho
(2015)16. No estudo, foi aplicado um questionário aos professores da educação básica de
Pernambuco considerando o conhecimento sobre o TDAH, sua causa, seu efeito, a intervenção
e os impactos na aprendizagem. Os autores analisaram os discursos dos professores acerca do
TDAH e de superdotação (hiperfoco) no contexto escolar. Dessa forma, percebe-se a
incompatibilidade entre a definição do TDAH e a compreensão dos educadores, cujo destaque
é a importância da capacitação e do planejamento individualizado para os casos de educação
inclusiva.
E, ratificado para política pública, visa o reconhecimento e a garantias de direitos, a Lei
Federal nº 14.254/21, dispõe sobre o acompanhamento integral aos educandos com dislexia,
TDAH e outros transtornos de aprendizagem. Estabelece que:
As escolas da rede pública e privada devem garantir acompanhamento específico,
direcionado à dificuldade e da forma mais precoce possível, aos estudantes com dislexia,
TDAH ou outro transtorno de aprendizagem que apresentam instabilidade na atenção ou
alterações no desenvolvimento da leitura e da escrita (Brasil, 2021).
A percepção do corpo docente, salientada na pesquisa, acerca da categorização das
características do TDAH se mostra de forma genérica, isto é, os professores não possuíam
conhecimento suficiente acerca do transtorno e concluíam as definições e intervenções
pautadas no conhecimento superficial, o que inviabilizava a educação inclusiva efetiva na sala
de aula e, consequentemente, no âmbito social. Assim, conclui- se que a ausência ou
16
SILVA, S. P.; SANTOS, C. P.; OLIVEIRA FILHO, P. Os significados do TDAH em discursos de docentes dos
anos iniciais. Pro-Posições, v. 26, p. 205-221, 2015.
Caliane Santana Matos, Michelle Ferreira Bispo e Genigleide Santos da Hora 31
17
COSTA, C. R.; MOREIRA, J. C. C.; SEABRA JÚNIOR, M. O. Estratégias de ensino e recurso pedagógicos para o ensino de
alunos com TDAH em aulas de educação física. Revista Brasileira da Educação Especial, v. 21, p. 111- 126, 2015.
18
MENDONÇA, F. L. R.; SILVA, D. N. H. A formação docente no contexto da inclusão: para uma nova metodologia.
Cadernos de Pesquisa, v. 45, p. 508-526, 2015.
Inclusão de alunos com Transtornos de Déficits de Atenção e Hiperatividade: uma revisão de literatura
32
entre 2014 e 2021
19
NUNES, S. S.; SAIA, A. L.; TAVARES, R. E. Educação inclusiva: entre a história, os preconceitos, a escola e a
família. Psicologia: ciência e profissão, v. 35, p. 1106-1119, 2015.
20
OLIVEIRA, C. T.; DIAS, A. C. G. Psicoeducação do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade: O que,
como e para quem informar?. Trends in Psychology, v. 26, p. 243-261, 2018.
21
TAVARES, L. M. F. L.; SANTOS, L. M. M.; dos; FREITAS, M. N. C. A educação inclusiva: um estudo sobre a
formação docente. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 22, p. 527-542, 2016.
Caliane Santana Matos, Michelle Ferreira Bispo e Genigleide Santos da Hora 33
por meio de entrevistas com professores regentes, de apoio e de diversas disciplinas, obtiveram
a percepção acerca da problemática sobre a formação insuficiente do docente e o
distanciamento entre teoria e prática.
Nessa perspectiva, constatou-se que os impactos na educação inclusiva ocorrem devido
a uma “falha”22 na formação dos professores, visando discussões, vivências e análises teóricas
ainda na graduação; insuficiência das políticas públicas no que concerne a reformulação do
sistema, infraestrutura e apoio multissetorial; extinção das incoerências nas
avaliações/diagnóstico e promoção do acompanhamento profissional adequado a fim de
mitigar prováveis consequências dos transtornos nas séries iniciais. Em atenção para a Lei
Federal nº 14.254/21, que determina “aos sistemas de ensino devem capacitar os professores
da educação básica para identificação precoce dos sinais relacionados aos transtornos de
aprendizagem ou ao TDAH”.
Nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 não houve publicações científicas que
atendessem aos descritores da pesquisa em questão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
22
Observamos novamente a utilização de mais um termo utilizado de forma equivocada e inapropriado para o
âmbito educacional. Uma falha é a causa raiz de um ou mais defeitos identificados pela observação etc. Portanto,
opta-se, preferivelmente, utilizar o termo: “lacunas teóricas”.
Inclusão de alunos com Transtornos de Déficits de Atenção e Hiperatividade: uma revisão de literatura
34
entre 2014 e 2021
REFERÊNCIAS
ABDA. Associação Brasileira de Déficit de Atenção (2021). Disponível em:
http://www.tdah.org.br/ Acesso em: 10 set. 2022.
ALMEIDA, A. R. S. A emoção na sala de aula. 5.ed. Campinas: Papirus, 2005.
BRASIL. Lei n. 14.254, de 30 de novembro de 2021. Dispõe sobre o acompanhamento integral
para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)
Caliane Santana Matos, Michelle Ferreira Bispo e Genigleide Santos da Hora 35
INTRODUÇÃO
23
Cláudia Pereira Oliveira é mestra em Ciências da Educação, Género, Corpo e Violência pela Universidade do Porto, em
Portugal e pedagoga. Atua como coordenadora pedagógica na rede estadual de educação da Bahia. E-mail:
claudiacoordena@gmail.com.
38 Inclusão escolar: desafios e expectativas
brasileira particularmente nos estados da Região Norte e Nordeste do país. Este problema de
inclusão na educação se torna particularmente dramático para as pessoas com deficiência
(física, mental, intelectual e sensorial), devido a um conjunto de problemas que incluem desde
incumprimento ou insuficiência de aplicação dos parâmetros legais e normativos para
implantação e execução da educação especial e/ou inclusiva, até a falta de recursos materiais
e humanos.
Ademais, as pessoas com deficiência são marcadas por preconceito, discriminação social
e exclusão, enraizadas ao longo da história da humanidade (Silva, 1986). Sabe-se de vidas
marcadas por extermínio e abandono, passando por segregação. No Brasil, desde os anos 1960,
é possível traçar um esforço estatal de implantação de atendimento educacional às pessoas
com deficiência, chamadas no texto de “excepcionais” – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) (Lei n. 4.024, 1961). Apesar desta lei, os problemas para a inclusão das
pessoas com deficiência permanecem até à atualidade.
Os problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência têm grande extensão,
começando com o preconceito e a falta de apoio às questões conceituais e terminológicas que
lhes são aplicadas. O conceito de deficiência, já incorporado pela Constituição Federal 1988
define no Art. 2º:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei n. 13.146/2015).
24
O Glossário da Educação Especial do Censo Escolar de 2019 define que o Transtorno do Espectro Autista – TEA
compreende as “pessoas que apresentam quadro clínico caracterizado por alterações qualitativas nas interações sociais
recíprocas e na comunicação, tendo um repertório de interesses e atividades restrito e repetitivo”, enquanto “Altas
habilidades/superdotação” incluem as “pessoas que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas,
isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, artística, psicomotora e de liderança, além de apresentar grande
criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse”.
Cláudia Pereira Oliveira 39
No início da Idade Média, os/as deficientes físicos/as e mentais eram vistos como
possuídos pelos demônios, sendo frequentemente queimados/as em muitas regiões da Europa
medieval como bruxas/os. Neste mesmo período, o nascimento de pessoas com deficiência era
visto como castigo de Deus pela população, já os supersticiosos viam nessas pessoas poderes
especiais de bruxarias (Silva, 1986).
Sabe-se que a história da pessoa com deficiência foi marcada por extermínio,
discriminação e preconceito. Sem alternativas, os que sobreviviam, viviam à margem da
sociedade ou eram por ela explorados, como por exemplo, pessoas conhecidas com nanismo e
“tolas naturais”, eram aproveitadas para apresentação de rua, em feiras, ou afastadas das suas
famílias e levadas para entreter a realeza, denominadas como bobos da corte. Em sociedades,
onde a miséria predomina, pobres, pedintes, mendigos e ex-criminosos viviam misturados com
pessoas com deficiências de nascença, adquiridas por acidentes ou pela aplicação de penas
corporais que as mutilavam (Silva, 1986).
Nas épocas já referidas, a cegueira era utilizada para castigar, se vingar ou mesmo como
sentença judicial. Destacamos a sentença do Basílio II, imperador de Constantinopla, que,
depois de ter vencido os búlgaros (século XI), ordenou a retirada dos olhos de 15 mil homens
prisioneiros antes do retorno à sua pátria (Silva, 1986).
De acordo com alguns/mas historiadores/as e antropólogos/as, antes dos europeus
chegarem à América, no Brasil, já havia práticas de exclusão entre os indígenas:
Quando nascia uma criança com deformidades físicas, era imediatamente rejeitada, acreditando-
se que traria maldição para a tribo, dentre outras consequências. Uma das formas de se livrar
desses recém-nascidos era abandoná-los nas matas, ou atirá-los de montanhas e, nas mais radicais
atitudes, até sacrificá-los em chamados rituais de purificação (Figueira, 2021, p. 20).
Os indígenas praticavam a exclusão, por horror e nojo das doenças. O pajé, curandeiro
da comunidade, poderia trazer tanto a saúde como a morte. De acordo com Figueira (2021),
aqueles desenganados pelo pajé eram desprezados pelos demais e deixados à própria sorte até
morrer (p. 21). Entretanto, o missionário La Margelle, em 1578, e o pesquisador alemão Carl
Friedrich von Martius, em 1794, afirmaram a existência de indígenas com deficiência em
território brasileiro (Figueira, 2021).
Ademais, o período colonial e imperial brasileiro destaca-se pelo tráfico de povos
africanos oriundos de Angola, Moçambique, Guiné e Benin. Trazidos em embarcações
superlotadas e em péssimas condições, os/as escravizados/as, quando não morriam durante a
longa viagem, adquiriam doenças que provocavam sequelas e/ou deficiências (Figueira, 2021).
Eram castigos corporais comuns, permitidos por lei e com a permissão da Igreja. Documentos que
legitimavam o açoite, a mutilação e até a execução desses negros. [...] Mutilações eram inevitáveis,
uma vez que muitos eram retalhados dos fundilhos com faca e cauterização das fendas com cera
quente; açoitados com chicote em tripas de couro duro, com palmatória, com uma argola de
madeira parecida com uma mão para golpear as mãos dos escravos. Existiam os Pelourinhos,
lugares oficiais para tais açoites, onde os escravos ficavam com as mãos presas ao alto, recebendo
lombadas de acordo com a infração cometida (Figueira, 2021, p. 41).
Para abordamos a educação inclusiva, temos que falar da história da educação especial.
As primeiras ações educativas tinham caráter assistencialista, dispensando as pessoas
Cláudia Pereira Oliveira 41
experiência da exclusão social está também articulada com as diferenças de gênero, etnia,
religião, classe social e outros. Assim, Diniz (2012) considera que “Há desigualdades de poder
no campo da deficiência que não serão resolvidas por ajustes arquitetónicos [...]”(p. 69) e
acrescenta “[...] o que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da
diversidade corporal como diferentes estilos de vida” (p. 8).
Nesta conjuntura, não podemos deixar de enquadrar ao tema a questão da violência
como fenômeno complexo e multidimensional e a sua importância nos debates para a
construção da mudança social, seja em contextos educacionais formais ou não formais. Com o
conceito de Matriz de Dominação, Collins (1990) permite-nos visibilizar as diversas dimensões
da opressão- discriminação-exploração que muitas meninas e mulheres sofrem. Na matriz,
interseccionam as variantes gênero, raça, orientação sexual, religião, idade e classe social.
Pensamos que “deficiência” venha, futuramente, a emergir como nova variante ao conceito.
Ao longo da história da humanidade, foram diversos os cenários que marcaram e ainda
hoje marcam a vida de pessoas com deficiência, seja de nascença ou adquirida, resultante de
processos de opressão, extrema violência e apartação
social.
O estigma da inferioridade mantém-se presente
na vida das pessoas com deficiência e das suas
respectivas famílias. O preconceito, a discriminação e a
segregação seguem em passos firmes adentrando os
contextos escolares da nossa sociedade que validam
rótulos de outrora. “ Já existia a segregação, apoiando-se
no tripé: preconceito, estereótipo e estigma. Surgia o
seguinte mecanismo em um círculo vicioso: o
preconceito gera um estereótipo, que cristaliza o
preconceito, fortalecendo o estereótipo, que atualiza o
preconceito” (Figueira, 2021, p. 23).
Em contrapartida, os movimentos das pessoas com deficiência têm surtido efeitos
positivos para este novo século, pois se distanciam da hegemonia do corpo belo e perfeito e
imprimem novos modos de reconhecimento da diferença, em termos políticos e sociais.
(Carvalho, 2011).
Para os teóricos do modelo social, o resultado foi o revigoramento do modelo médico, com
a devolução da deficiência ao campo das doenças ou consequências de doenças. Mais do
que nunca, a deficiência resumiu-se a uma questão biomédica, um retrocesso inadmissível
para o modelo social Diniz (2012, p. 41).
Dessa forma, as narrativas sobre deficiência corroboram para fortalecer o entendimento
que pessoas com deficiência são originadas de um erro médico ou de um acidente, algo
inesperado. Uma tragédia pessoal e não como um estilo de vida, dispondo rótulos de
ineficiência e incapacidade, “uma desumanização do corpo com deficiência” (Marco, 2020, p.
18).
Em 1994, com a Declaração de Salamanca, o debate sobre a deficiência e práticas
inclusivas ocupava o cenário internacional (Brasil, 1997), especialmente nas investigações
científicas.
Desse modo, a investigação sobre as deficiências foi implementada de forma mais
abrangente, pois incorporou o conceito de limitação de atividades para identificar deficiências
em relação à capacidade de realização, ao comportamento e participação social.
Elaborado e difundido pela Organização Mundial de Saúde – OMS, o conceito de base
segue as recomendações internacionais, especialmente da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF, 2001). Esta inclui diversos níveis de limitação para
as atividades e, com isso, foi possível revelar um aumento significativo de pessoas que se
declararam com alguma deficiência.
Até mesmo os estudos estatísticos de recenseamento demográfico do Brasil,
incorporaram novos conceitos para investigação sobre deficiência, na medida em que outrora
ainda não havia considerável sensibilidade em relação às deficiências e às pessoas com
deficiência.
Além disso, Cantorani et al., (2015) evidencia que:
No Censo Demográfico de 1940 o levantamento das deficiências ainda se limitou às
deficiências sensoriais: cegos e surdos-mudos. No entanto, houve uma novidade em relação
a esta investigação. O levantamento dos dados a respeito dos cegos foi acrescido da
investigação da natureza dessas deficiências sensoriais (p. 161).
Por este prisma, deduzimos que o aumento da condição de deficiência está relacionado
ao aumento da idade. Naturalmente, à medida que as pessoas envelhecem, aumenta a
proporção de pessoas com alguma deficiência, seja para enxergar, ouvir e/ou se locomover.
Assim, podemos concluir que a idade gera incapacidades e inclui pessoas à condição de
deficiência, o fato insere todos em rota de encontro com a deficiência.
Em sociedades que primam por um padrão social de “normalidade”, a ideia de
capacitismo ganha amplitude, desde os anos 2000. Pessoas com deficiências ficam em
desvantagem, numa experiência sofrida, e segregadas dos espaços socialmente esperados.
(Carvalho, 2011).
Somente em 2006, início do século XXI, pela Convenção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (ONU, 2006), foi estipulada, no seu artigo 1º, nova conceituação para deficiência:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas (Convenção dos Direitos
da Pessoa com Deficiência, 2006).
25
PCD – Pessoa com Deficiência
Cláudia Pereira Oliveira 45
mulheres, negros/as, pessoas com deficiência e/ou pessoas que se distanciam da orientação
sexual normatizada socialmente são alvo da exclusão. Além disso, há uma concepção de que
sempre seremos independentes, não envelheceremos e/ou não ficaremos doentes.
As sociedades têm sido capacitistas, as potencialidades da pessoa são banalizadas. O
indivíduo é percebido pelo que falta em termos assistenciais e não pelo seu potencial latente,
que exige oportunidades para manifestação e desenvolvimento, conforme a seguinte ideia:
Capacitismo é a opressão e o preconceito contra pessoas que possuem algum tipo de
deficiência, o tecido de conceitos que envolve todos que compõem o corpo social. Ele parte
da premissa da capacidade, da sujeição dos corpos deficientes em razão dos sem
deficiência. Acredita que a corporalidade tangue à normalidade, a métrica, já o capacitismo
não aceita um corpo que produza algo fora do momento ou que não produza o que
acreditam como valor. Ele nega a pluralidade de gestos e de não gestos, sufoca o desejo,
mata à vontade e retira, assim, a autonomia dos sujeitos que são lidos como deficientes
(Marco, 2020, p. 18).
O combate ao capacitismo deve começar com a própria família que, por vezes, enxerga
a pessoa com deficiência como um fardo. O sujeito é visto apenas na sua deficiência, não há
relação com o indivíduo, antes com a deficiência. Fato que limita o sujeito de se conhecer a si
e ao próprio corpo. De acordo com Marco (2020, p. 19), o problema está nas diversas
valorações das diferenças: É uma ideia binaria de melhor e de pior, mais forte e mais fraco,
sendo que não existe uma lei universal que encontre um padrão de corpo, porque ele é variante.
A exclusão social é percebida: na escola, no trabalho, no lazer, na cidadania, no lazer, na
acessibilidade, dentre outros. Um fenômeno que se exprime no conjunto da sociedade com
implicações geracionais distintas.
A exclusão social não é um fenómeno conjuntural ou um elemento epifenoménico das
realidades sociais. Pelo contrário, encontra-se associada ao crescimento das desigualdades
sociais, em especial [...] nos países com os índices mais baixos de desenvolvimento humano
e nos contextos sociais mais vulneráveis a processos de discriminação étnica, racial ou
cultural e com vínculos mais precários com o trabalho [...] (Sarmento, 2003, p. 76).
Com base nisso, o conceito de inclusão e diversidade são necessários para o mundo em
que vivemos, sendo importante para a nossa evolução. Entretanto, estes conceitos ainda não
são bem incorporados ou mesmo compreendidos na nossa sociedade, configurando-se em
problemas sociais contemporâneos (Rodrigues, 2003).
Até mesmo na atualidade, nos deparamos com determinadas denominações para
designar pessoas com deficiência. Estas reforçam a segregação, o preconceito e,
consequentemente, a exclusão. Como afirma Diniz (2012, p. 10) “ para os precursores dos
estudos sobre deficiência, a linguagem referente ao tema estava carregada de violência e de
eufemismos discriminatórios[...].” Denominações depreciativas como: “ceguinho”, “manco”,
“aleijado”, “mongoloide”, “débil mental”, “defeituoso”, entre tantas outras expressões ainda
vigentes em nosso vocabulário “de modo geral, carregam significados negativos, [...] apontam
para um certo determinismo ou fatalismo, o que suscita diversas emoções” (Carvalho, 2011, p.
25).
Convém destacar que, a partir de meados de 1980, começaram a adotar expressões
como “pessoa portadora de deficiência”, “portadores de deficiência”, “especiais”, “pessoas com
necessidades especiais”, termos que ressaltam a deficiência frente à pessoa, através de rótulos
a partir de características física, auditiva ou intelectual. Em 1981, passou a ser adotado o termo
46 Inclusão escolar: desafios e expectativas
“deficientes” por influência da ONU, através do Ano Internacional e da Década das Pessoas
Deficientes. Somente por volta da metade da década de 1990, passou a ser “pessoa com
deficiência”.
Sobre as sutilezas das expressões, Diniz (2012) complementa:
Há sutilezas no debate sobre cada uma dessas expressões. Os primeiros teóricos optaram
por “pessoa deficiente” e “deficiente” para demonstrar que a deficiência era uma
característica individual na interação social. “Pessoa com deficiência” foi uma escolha que
seguiu uma linha argumentativa semelhante e é expressão mais comum no debate
estadunidense” (Diniz, 2012, p. 11).
Portanto, o tema deficiência será emergente para as políticas públicas futuras,
especialmente quanto ao caráter distributivo e de proteção social. Deve considerar-se o novo
conceito de deficiência como instrumento de justiça social e não simplesmente como assunto
familiar ou individual (Diniz, 2012). Além disso, a sociedade atual tem recusado discursos
exclusivistas e discriminatórios e é por isso que demanda ações afirmativas que supram as
necessidades de atendimento justo e de qualidade às pessoas com deficiência, sujeitos de
direitos.
Nacional – LDBEN (1996) prevê formação adequada para professores do AEE, bem como para
professores classes regulares “professores com especialização adequada em nível médio ou
superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns” (Art. 59, III).
Neste mesmo contexto, o Censo 2020 evidência que 68,8% dos professores do ensino
fundamental possuem grau acadêmico de licenciatura e 10,2% com nível médio ou inferior.
Todavia, com vistas na formação acadêmica, os dados não explicitam quantos
professores/as têm capacitação para atuar no sistema educacional inclusivo e,
consequentemente, aptos/as a elaborar e a implantar novas propostas e práticas de ensino
inclusivo.
Nesta lógica, Prieto (2006) nos alerta que a mera matrícula de alunos/as com deficiência
“pode acentuar a resistência de alguns profissionais da educação e não contribuir para que os
sistemas de ensino e suas escolas se constituam também em espaços para educação para esses
alunos em classes regulares.” (p. 67).
Entendemos que o trabalho docente, sobretudo na educação básica no Brasil são
indispensáveis para transformar a atual conjuntura educacional, para tanto, “[..] é essencial que
o professor tenha uma formação teórica e metodológica adequada com domínio do
conhecimento a ser transmitido, a fim de contribuir efetivamente para o processo de
humanização dos indivíduos com deficiência” (Dambros et al., 2021, p. 114). E reitera que, “uma
prática pedagógica voltada para apropriação de conceitos científicos oportunizará uma
revolução favorável para transpor o senso comum à consciência filosófica” (Dambros et al.,
2021).
Ademais, são necessárias políticas públicas e/ou ações que validem o que já
prescreveram as legislações internacionais e nacionais há algum tempo no que se refere à
educação sem exclusões de qualquer ordem. Por este ângulo, Pietro (2006) complementa que
dois grandes desafios estão colocados para os sistemas de ensino e para a sociedade brasileira
“fazer que os direitos ultrapassem o plano do meramente instituído legalmente e construir
respostas educacionais que atendam às necessidades dos alunos” (p. 69).
Mantoan (2013) considera que há muitas barreiras a serem transportadas no que se
refere a uma escola de todos, a citar determinadas práticas educativas até mesmo no ensino
superior. Para a autora, professores geralmente têm dificuldades de entender princípios
inclusivos, devido à formação acadêmica e/ou profissional e, nem mesmo cursos esporádicos
conseguirão transmitir inovações educacionais. Ademais, a formação de professores/as, seja
inicial ou continuada, deve centrar em problemas reais, concretos, relativos ao ensino nas
escolas e do aproveitamento deste ensino para os estudantes.
A relutância de certos/as professores/as à inclusão escolar conta com a falta de preparo
para ensinar toda uma turma, sem discriminações, com ensino adaptado, diferenciado. O foco
reduz-se à aprendizagem padronizada, sendo oportunidades diferentes de aprender
desprezadas, esquecidas (Mantoan, 2013).
Nesta questão, Sartoretto (2013) complementa que o argumento do despreparo dos
professores não deve continuar sendo álibi para impedir a inclusão escolar de pessoas com
deficiência e afirma:
48 Inclusão escolar: desafios e expectativas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão de Pessoa com
deficiência. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n.127, 7 jul. de 2015. Acesso em: 26 ago.
2019.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da
educação básica 2020. Brasília: INEP. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicaco
es/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2020.pdf. Acesso
Cláudia Pereira Oliveira 51
INTRODUÇÃO
26
Jacilane Benevides Reis Soares é graduada em Fisioterapia pela Faculdade Salvador – FACSAL. E-mail:
jacilanebenevidesreis@hotmail.com.
27
Maria Penha Oliveira Belém é doutora em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia – UFBA; mestra em
Ciências Morfológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; graduada em Odontologia pela UFBA. É
professora associada 3 do Departamento de Biomorfologia da UFBA. E-mail: mapbelen@gmail.com.
28
Leila Valverde Ramos é doutoranda em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas pela Universidade Federal da Bahia
– UFBA; mestra em Pedagogia do Movimento Humano pela Universidade de São Paulo – USP; graduada em Fisioterapia
pela Universidade Católica do Salvador – UCSal; licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Bahia –FACIBA. É
professora substituta do Departamento de Biomorfologia da UFBA e coordenadora da linha de pesquisa “Educação, saúde
e formação profissional para atuação na Política Nacional de Atenção Básica” do Grupo de Estudos, Pesquisas e
Experimentações Educacionais do Instituto Anísio Teixeira, da Secretaria da Educação do Estado da Bahia –
GEPEE/IAT/SEC-BA. E-mail: leila.valverde@ufba.br.
54 Funcionalidade e qualidade de vida: um estudo comparativo entre idosos institucionalizados e não
institucionalizados
familiares na mesma residência é essencial, seja para ajudar a resolver questões do dia a dia
(física ou financeira), seja para manter o contato com os entes queridos. Para outros, esse
convívio pode ser indesejado e a alternativa plausível é a institucionalização. Existe, igualmente,
a hipótese de o idoso morar sozinho, o que pode ser uma opção para os que não possuem
família e se esforçam para permanecer em seus próprios lares. Essa alternativa, possivelmente,
os ajudará a manterem a autonomia e a independência por mais tempo (Borges; Filippi; Batista,
2013).
A perda da autonomia, comum em idosos institucionalizados, é capaz de acarretar fortes
impactos na saúde dos idosos, visto que se associa diretamente à independência – capacidade
de fazer o que deseja, e, à liberdade de locomoção (Michel; Kressig; Gold, 1997). Por outro lado,
é necessário referir que os idosos não institucionalizados, ainda que com alguma doença
crônica, têm a possibilidade de se manterem ativos e inseridos na sociedade. Tal fato,
geralmente, não ocorre com os indivíduos institucionalizados, os quais tendem a perder esse
convívio social e, por vezes, seu direito de escolha. Sob essa perspectiva, embora o estereótipo
negativo das ILPI ainda permaneça no Brasil, as concepções relacionadas à questão da
institucionalização têm-se alterado, ligeiramente, nos últimos tempos. Assim, muitas ILPI têm
surgido com novas propostas que envolvem maior interatividade, de modo a manter os idosos
mais ativos e independentes (Juthavantana et al., 2021).
Diante do exposto, com o propósito de apresentar informações relacionadas ao
desenvolvimento de estratégias terapêuticas para minimizar os impactos da incapacidade e
gerar QV mais favorável, este estudo objetiva comparar, por meio de uma revisão narrativa da
literatura, o nível da funcionalidade e da QV dos idosos institucionalizados e não
institucionalizados.
METODOLOGIA
A presente pesquisa trata-se de uma revisão narrativa da literatura, realizada nas bases
de dados eletrônicas SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde – BVS e Pubmed. Os artigos foram
publicados no período entre 2012 a 2022, sem restrições de idioma. Utilizou-se como palavras-
chave os seguintes termos e respectivos equivalentes na língua inglesa: International
Classification of Functioning, Disability and Health (Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde); aged (idosos); quality of life (qualidade de vida); health of institutionalized
elderly (saúde do idoso institucionalizado).
Os estudos selecionados foram analisados de acordo com a qualidade metodológica,
sendo incluídos artigos com textos completos de estudos clínicos publicados em periódicos
oriundos de dados primários que abordassem acerca da funcionalidade e da QV em idosos
institucionalizados e não institucionalizados. Excluíram-se as revisões de literatura; estudos
experimentais in vitro e in vivo; pesquisas que não disponibilizasse o acesso integral dos textos;
artigos anteriores a 2010; estudos relacionados à COVID-19 ou outras patologias;
investigações com o propósito de testar efeitos de medicamentos; estudos de validação de
instrumentos; e, pesquisas sem comparação entre idosos institucionalizados e não-
institucionalizados.
Jacilane Benevides Reis Soares, Maria Penha Oliveira Belém e Leila Valverde Ramos 55
RESULTADOS
Inicialmente, encontrou-se um total de 19 artigos, distribuídos nas bases de dados
SciELO (n=11), BVS (n=7) e Pubmed (n=1). Após análise do título e do resumo, desse total, cinco
foram excluídos por estarem fora da temática; três por duplicidade; e, um por não ter sido
possível acesso ao texto integral. Dos dez artigos selecionados para leitura completa, após a
aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, nove artigos foram selecionados para integrarem
a presente revisão, condizentes com objetivo e critérios pré-estabelecidos (Figura 1).
Figura 1. Artigos selecionados após critérios de inclusão e exclusão
N. de artigos encontrados nas bases de dados (n=19):
SciELO (n=11); BVS (n=7); Pubmed (n=1)
(continuação)
Principais resultados e
Título/autor/ano Objetivo Participantes Método
conclusões
Os idosos do Centro Dia,
independente do sexo, possuem
Foram utilizados um instrumento de maiores índices de QV em
coleta de dados para a caracterização comparação aos asilados.
sociodemográfica (sexo, raça, anos de Considera-se que a
Comparar a QV de idosos 48 idosos: 27 asilados
4. Estudo comparativo da estudo, uso da TV, quantidade de institucionalização não proporciona
institucionalizados e (11 mulheres e 16
qualidade de vida de idosos doenças e realização de atividades piora na QV da pessoa idosa e sim,
frequentadores do homens) e 21
asilados e frequentadores domésticas) e dois questionários de que a percepção dessa qualidade
Centro Dia do Asilo Vila frequentadores do
do centro dia (Simeão et al., avaliação da QV, o WHOQOL-BREF e pode já estar comprometida quando
Vicentina, no município Centro Dia (16
2018) WHOQOL-OLD, respondidos se procura a institucionalização. Por
de Bauru/SP mulheres e 5 homens)
conjuntamente. Todas as análises outro lado, a assistência
foram realizadas ao nível de 5% de proporcionada no Centro Dia
significância potencializou melhora ou
manutenção da QV dos
participantes
O estudo mostrou que os idosos
não institucionalizados
40 idosos: 20
apresentaram melhor QV, em
participavam do grupo
Para a obtenção dos dados foram comparação com os
Avaliar de modo Alegria de Viver,
5. Comparando a qualidade utilizados dois instrumentos – o institucionalizados. Os resultados
comparativo a QV de configurando-se como
de vida de idosos formulário de caracterização ressaltam a necessidade de
idosos institucionalizados não institucionalizados
institucionalizados e não- socioeconômica e demográfica dos desenvolver ações que visem a
e não institucionalizados e 20 foram
institucionalizados. participantes; e o questionário de reintegração do idoso
no município de Cuité, identificados como
Nogueira et al. (2016) mensuração da QV de idosos institucionalizado à sociedade e
estado da Paraíba institucionalizados,
WHOQOL-OLD suscita a efetiva implementação de
uma vez residentes no
políticas públicas direcionadas a
Asilar
esse público, com o intuito de
promover melhores níveis de QV
Os idosos moradores de ILPI
apresentaram pior desempenho da
Comparar o desempenho
49 indivíduos de mobilidade, do equilíbrio e da
6. Avaliação funcional de funcional de idosos
ambos os sexos (≥ 60 Foram aplicados seguintes testes marcha em comparação aos da
idosos institucionalizados e residentes na
anos de idade): 20 funcionais: Berg Balance Scale, Dynamic comunidade, com maior risco de
não institucionalizados comunidade e
recrutados no Ciclo de Gait, Performance-Oriented Mobility declínios futuros nas AVD e quedas.
independentes para a institucionalizados e
Palestras e 29 Assessment of Gait and Balance e o Portanto, os resultados obtidos
marcha (Rodrigues; Molnar; analisar a correlação
recrutados em uma Timed Up and Go Test apontam para a necessidade de
Abreu, 2016) entre os diferentes testes
ILPI estratégias terapêuticas para
clínicos aplicados
minimizar o impacto da
institucionalização
136 idosos com 60
Os resultados demonstraram
anos ou mais divididos
7. Avaliação da qualidade se relevância significativa entre os
em dois grupos: Grupo
vida: Comparação entre grupos, tanto na avaliação da QV
1, composto por 100 Para a coleta de dados, utilizaram-se
idosos não Avaliar a QV de idosos por meio do instrumento
idosos, sendo 37 dois instrumentos de avaliação da QV
institucionalizados participantes de um WHOQOL-OLD, como na utilização
homens e 63 da OMS – WHOQOL–BREF e o
participantes de um centro centro de convivência, do WHOQOL-BREF. Os idosos
mulheres, que vivem WHOQOL-OLD, que foram aplicados
de convivência e idosos que não são institucionalizados apresentaram
na sociedade; Grupo 2, por um dos pesquisadores. Realizou-se
institucionalizados em Ji- institucionalizados e grau de satisfação inferior em todos
composto por 36 testes de inferência estatística para
paraná/RO (Dagios; avaliar a QV de idosos os domínios, enquanto os idosos
idosos, sendo 25 verificar possíveis associações entre as
Vasconcellos; Evangelista, residente em uma ILPI que vivem em sociedade e
homens e 11 variáveis.
2015) participam do centro de
mulheres, que residem
convivência, de uma forma geral, a
no Lar do Idoso
avaliação foi melhor.
Aurélio Bernardi
Ser institucionalizado ou residir na
A amostra comunidade nas regiões
Comparar a QV de idosos
probabilística do selecionadas não teve influência na
de duas regiões
8. Qualidade de vida de estudo foi constituída Os dados do primeiro estudo foram QV. Já os fatores idade,
brasileiras, cenários de
idosos da comunidade e de por 292 pessoas coletados por meio de inquérito escolaridade, autoavaliação de
pesquisa de uma tese de
instituições de longa idosas. A amostra do domiciliar e, no segundo estudo, nas saúde e possuir atividade de lazer,
doutorado, realizada em
permanência: estudo segundo estudo foi ILPI, por amostragem não quando controlados
Porto Alegre, RS, e uma
comparativo (Vitorino; constituída por 76 probabilística por quotas. A QV foi estatisticamente, interferiram na
dissertação de Mestrado,
Paskulin; Vianna, 2013) idosos. As duas avaliada pelo instrumento WHOQOL- percepção da QV dos idosos. Os
desenvolvida em Porto
pesquisas incluíram BREF idosos mineiros foram
Alegre e Santa Rita do
participantes acima de institucionalizados e se percebiam,
Sapucaí, MG
60 anos. de modo geral, com pior QV porque
eram mais velhos.
A análise dos escores da MIF
mostrou que os idosos
9. Avaliação da Foram utilizadas escalas de Medida de entrevistados apresentaram escores
Investigar a correlação
independência funcional e 63 participantes, com Independência Funcional (MIF) e elevados, o que indicou pouca
entre a independência
da qualidade de vida de idade igual ou superior WHOQOL-OLD na Investigação da QV dependência para a realização das
funcional e a QV de
idosos institucionalizados a 60 anos. em idosos. As análises estatísticas com AVD. A média dos escores de QV
idosos institucionalizados
(Murakami; Scattolin, 2010) nível de significância de 5% (p<0,05) nesta pesquisa foi de 69,81, o que
sugere a avaliação da QV como
pouco comprometida
Fonte: Dados da pesquisa
Jacilane Benevides Reis Soares, Maria Penha Oliveira Belém e Leila Valverde Ramos 57
DISCUSSÃO
Este estudo objetivou comparar, por meio de uma revisão narrativa da literatura, o nível
da funcionalidade e da QV dos idosos institucionalizados e não institucionalizados.
Relativamente à funcionalidade, Rodrigues, Molnar e Abreu (2016) analisaram 49 idosos de
ambos os gêneros, dentre os quais, 20 foram recrutados em um ciclo de palestras e 29 em uma
ILPI. Os pesquisadores utilizaram a escala de Berg para avaliar o equilíbrio e a mobilidade.
Verificaram que idosos residentes em ILPI apresentaram desempenho inferior no que se refere
à mobilidade, ao equilíbrio e à marcha, comparativamente aos idosos da comunidade, o que
pode acarretar, à posteriori, maior propensão às quedas e declínio nas AVD. Esse fato, aponta
para a necessidade de se aperfeiçoarem as estratégias terapêuticas para minimizar o impacto
da institucionalização.
Souza et al. (2013) acrescentam que as quedas são importantes causas de
morbimortalidade na população idosa, com consequências que vão desde pequenas lesões até
a morte. A avaliação da funcionalidade pode ser usada para predizer o risco das quedas e para
mensurar o resultado de intervenções que visem reduzir a sua ocorrência. Esses pesquisadores
verificaram que a mobilidade funcional é maior entre os idosos residentes na comunidade, os
quais, apresentam menor risco e sugeriram intervenções que auxiliem os diferentes grupos de
idosos a incrementarem sua mobilidade, diminuindo, portanto, o risco das quedas.
No tocante à capacidade de realizar AVD, segundo o estudo de Mugo (2018), 270
idosos foram analisados pelo Índice de Barthel Modificado, entre os quais, 135 eram
institucionalizados e, 135 não institucionalizados. Os pesquisadores observaram que havia mais
idosos totalmente dependentes nas instituições (9,4%), comparativamente aos idosos não
institucionalizados (2,2%). A maioria dos idosos não institucionalizados (93,7%) eram homens e
conseguiam viver de forma independente. Mais de 60% de todos os idosos eram capazes de
realizar AVD. Corroborando esses achados, o trabalho de Teixeira e colaboradores (2019),
analisou 42 idosos, sendo 21 institucionalizados e 21 não institucionalizados. Aplicou-se o Mini
Exame do Estado Mental, o Questionário de Pfeffer e a Escala de Barthel, bem como a coleta
de dados sociodemográficos. Baseado no que foi pesquisado e discutido foi possível comprovar
que os idosos institucionalizados apresentam maior dependência, quando comparado aos
idosos não institucionalizados. Além disso, observaram que a mobilidade e a capacidade
funcional diminuem com o avançar da idade.
Nesse contexto, Pongiglione, Ploubidis e Stavola (2017) ressaltam a importância de se
esclarecer o significado das palavras independência e autonomia. A primeira refere-se à
capacidade de realizar atividades físicas da vida diária – tomar banho, comer, preparar
refeições, fazer compras, administrar dinheiro –, enquanto a autonomia associa-se mais à
capacidade de tomar decisões, de raciocinar, de expressar uma opinião apropriada em uma
determinada situação.
Relativamente à QV, Simeão e colaboradores (2018) analisaram 48 idosos, sendo, 27
asilados e 21 frequentadores de um Centro Dia. Os pesquisadores aplicaram os questionários
Whoqol-Bref e Whoqol-Old que apontaram resultados para os idosos do Centro Dia,
independente do gênero, possuírem maiores índices de QV em comparação aos
institucionalizados, pois apresentam uma vida e um espectro social mais amplo, maior número
58 Funcionalidade e qualidade de vida: um estudo comparativo entre idosos institucionalizados e não
institucionalizados
de AVD e maior autonomia para executá-las, o que contribuiu para uma autoestima mais
elevada e um bom nível de saúde.
Segundo o estudo de Dagios, Vasconcellos e Evangelista (2015), que analisou 136
idosos distribuídos em dois grupos – 100 não institucionalizados e 36 institucionalizados e
utilizaram Whoqol-Bref e o Whoqol-Old como instrumento de avaliação, observaram diferença
estatisticamente significativa entre os grupos, tanto na avaliação da QV por meio do
instrumento Whoqol-Old como na utilização do Whoqol-Bref. Os idosos institucionalizados
apresentaram grau de satisfação inferior em todos os domínios. Enquanto os idosos que viviam
em sociedade e participavam do centro de convivência, o resultado da avaliação foi melhor de
forma geral. É importante ressaltar que as ILPI não devem possuir características de “prisões”
ou “depósitos de idosos”. É preciso inseri-los na sociedade, possibilitar momentos de convívio
com as famílias daqueles que ainda as possuem, de forma a manter o vínculo afetivo com vistas
ao bem-estar físico-mental-social e incremento da QV.
Reforçando os achados dos estudos acima, o trabalho de Nogueira et al. (2016), com
uma amostra de 40 idosos, aplicaram o questionário de QV Whoqol-Old, e mostrou que idosos
não institucionalizados apresentaram uma melhor QV, em comparação com os
institucionalizados. Os resultados desses estudos propõem de modo específico, a necessidade
de desenvolver ações que visem a reintegração do idoso institucionalizado à sociedade. Além
disso, suscita a efetiva implementação de políticas públicas direcionadas a esse público, com
vistas a promover melhores níveis de QV.
A esse respeito, no estudo de Costa, Tiggemann e Costa (2018), com 32 idosos, não
foram encontradas diferenças quanto à mobilidade funcional entre idosos institucionalizados e
não institucionalizados. Os pesquisadores avaliaram o nível de atividade física, por meio do
Questionário Internacional de Atividade Física – IPAQ; para a avaliação da mobilidade funcional
foi usado o Teste Timed Up-and-Go – TUG; para verificar indicadores de QV, utilizaram o
questionário genérico SF – 36. Em relação aos resultados obtidos sobre a QV dos idosos, pôde-
se constatar que os grupos apresentaram valores similares nos oito domínios da QV. Já quanto
ao nível de atividade física, ficou evidente que idosos domiciliados são mais ativos quando
comparado aos seus pares institucionalizados. A partir desses resultados, pôde-se constatar o
impacto que pode ser gerado na funcionalidade e na QV quando o idoso está institucionalizado
e pouco estimulado no âmbito físico e socioemocional.
A pesquisa de Freitas e Scheicher (2010), com 36 idosos, utilizou para avaliação da QV
o Medical Outcome Study 36 - item Short Form – MOS SF-36. Os pesquisadores perceberam
que a QV dos idosos analisados foi superior quando comparada a outros estudos,
provavelmente, devido às diferenças entre as instituições avaliadas nos trabalhos. Os
resultados permitiram concluir que QV em idosos institucionalizados tende a ser insatisfatória,
principalmente em ILPI que não oferecem alternativa como recreação e/ou fisioterapia. Em
concordância com o estudo anterior, Vitorino, Paskulin e Vianna (2013) analisaram 292 idosos
não institucionalizados na primeira pesquisa e na segunda analisaram 76 idosos
institucionalizados. A avaliação da QV foi pela Whoqol-Bref, a qual observou que ser
institucionalizado ou residir na comunidade nas regiões selecionadas não teve influência na QV
nos modelos de análise realizados. Já os fatores idade, escolaridade, autoavaliação de saúde e
Jacilane Benevides Reis Soares, Maria Penha Oliveira Belém e Leila Valverde Ramos 59
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se, portanto, que a maioria dos artigos analisados apontou para uma redução
dos níveis de funcionalidade e QV dos idosos institucionalizados, comparativamente aos não
institucionalizados. Observou-se que essa diferença ocorre, provavelmente, devido ao estímulo
reduzido oferecido nas ILPI; poucas ações que visem à reintegração do idoso à sociedade; a
falta do convívio familiar; e, reduzida oferta de alternativas como atividade recreativas, lazer
e/ou fisioterapia. Infere-se, desse modo, que os idosos institucionalizados, geralmente,
apresentam maiores chances de envelhecer com algum grau de dependência e se ressalta a
importância de serem ofertadas estratégias terapêuticas sob a perspectiva interdisciplinar, com
o intuito de atuar não só na disfunção, mas, principalmente, na prevenção das incapacidades,
mantendo os indivíduos mais ativos e autônomos. Ter-se-ão, assim, idosos mais integrados
socialmente, o que propiciará, um envelhecimento com mais funcionalidade e QV.
60 Funcionalidade e qualidade de vida: um estudo comparativo entre idosos institucionalizados e não
institucionalizados
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a/XXZmZcxrKjDWtTc7L4PGFCv/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 30 dez. 2022.
62
29
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Vanina Figueiredo Santos Silva e Genigleide Santos da Hora 63
5
REVISÃO SISTEMÁTICA: POLÍTICAS PÚBLICAS QUE
AMPARAM ALUNOS COM DISLEXIA30
Vanina Figueiredo Santos Silva 31, Genigleide Santos da Hora 32
É sabido que a aprendizagem da leitura é uma ação complexa que requer a conversão
de símbolos gráficos (grafemas) nos sons (fonemas) referentes e envolve um simultâneo
desempenho de inúmeras funções neurocognitivas e o acionamento de assinaladas regiões
cerebrais. Ações neurocognitivas para um vasto número de crianças a aprendizagem da leitura
desenvolve‐se com relativa naturalidade, contudo, para outras esta aprendizagem é
particularmente difícil, caracterizando dificuldade na habilidade, precisão e/ou fluência na
leitura de palavras com reduzidas competências ortográficas. Além disso, as dificuldades na
leitura resultam de um déficit fonológico da linguagem, com reduzidas competências cognitivas
e condições educativas correspondentes.
No entanto, o desempenho nas mencionadas alcances de inúmeras funções
neurocognitivas deverá ser corroborado com instrumentos de recursos para as provas de
referência conduzidas individualmente, com base nas avaliações clínica abrangente que
necessitará incluir a coleta de informação médica, desenvolvimental, escolar e dos adventos
sintomatológicos, bem como uma avaliação psicológico-cognitiva e psicopedagógica. Assim,
certamente, as dificuldades na descodificação da leitura não resultarão apenas de dificuldade
intelectual, atraso global do desenvolvimento, agitações sensoriais, inquietações neurológicas
e/ou psicomotoras.
São vários os indícios para identificar a dislexia, mas para que obtivéssemos com
criteriosidade os diferentes aspectos, requereu uma avaliação essencialmente interdisciplinar
em função de tratar-se de um transtorno de base orgânica (neurológica) e genética assinalada
em decorrência das falhas nos mecanismos cerebrais responsáveis pelo domínio da estrutura
sonora das palavras e/ou pela dificuldade na transposição da representação gráfica em seu
correspondente fonológico, daí a inabilidade específica de aprendizagem, anteriormente
definida também como um distúrbio, transtorno de aprendizagem ou dificuldades de
aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração.
E, para ampliarmos as discussões acerca da dislexia, consultamos Martins (2006) sobre
a origem do termo Dificuldades de Aprendizagem – DA que evidenciou ter surgido por volta
dos anos de 1960, com os termos disfunção/lesão cerebral mínima, dificuldades de
aprendizagem neuropsicológicas, dislexia, ou dificuldades perceptivas etc., e que estes
constituíram um conjunto de características que, posteriormente, foram denominadas por
dificuldades de aprendizagem. A autora destaca a lista elaborada por Fonseca (1984):
- dificuldade de leitura adquirida (Lordat, 1843); - impercepção (Broadbent, 1872; Jackson,
1876); - cegueira verbal congénita (congenital word blindness) (Kussman, 1877;
Hinshelwood, 1900); - dificuldades específicas da leitura (Morgan, 1896); - dislexia (Berlin,
1898); - dislexia específica e estrefossimbolia (Orton, 1937); - distúrbios perceptivos
(Strauss & Lehtinen, 1942); - neurfrenia (Doll, 1951); - alexia congénita evolutiva; -
sindroma de Strauss (Stevens & Birch, 1957); - aprendizagem lenta (slow learner) (Kephart,
1954); - dislexia (clumsy child); - dificuldades visuomotoras; - hiperactividade; e - disfunção
cerebral (Bax & Mackeith, 1963) (Fonseca, 1984, p. 225-226 apud Martins, 2006, p. 30).
A autora também destaca que Fonseca (1984), com o seu apanhado conceitual,
organizou um arcabouço teórico e histórico acerca do termo Dificuldades de Aprendizagem –
DA e que incidiu nas concepções da dislexia. A tese de Martins (2006), comparativa com
diversos países para tentar compreender o fenômeno das DA, identificou terminologias
Vanina Figueiredo Santos Silva e Genigleide Santos da Hora 65
34
Acesso através do link: http://www.dislexia.org.br.
66 Revisão sistemática: políticas públicas que amparam alunos com dislexia
Um dos aspectos, a ser destacado em nosso texto, é abordar questões decisivas para a
efetivação de uma política de inclusão entre outros aspectos atrelados aos indivíduos com
dislexia, além de propor a disseminação e discussões educacionais para que, de fato,
contribuam com o processo ensino e aprendizagem destes alunos com dislexia, distúrbio,
transtorno ou dificuldades de aprendizagem entre outras condições atípicas de
desenvolvimento.
A Resolução n. 2/2001, da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de
Educação – CEB/CNE, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Especial, trazem que os sistemas de ensino passam a se organizar para incluir todos
os alunos para atender suas Necessidades Educacionais Especiais – NEE. Os eixos dessas
diretrizes são: a) concepção das NEE em contraposição ao trabalho pedagógico tradicional; b)
defesa de um trabalho pedagógico voltado na diversidade e no reconhecimento das diferenças.
Ainda, vale considerar neste documento os aspectos legais que o fundamentou com ações
garantidoras para ratificar essas diretrizes nacionais como a Constituição Federativa Brasileira
– CFB (1988); o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990); a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDBEN (1996); o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei n.
10.172/2001); a Declaração de Educação para Todos – DET, Tailândia (1990) e; a Declaração
de Salamanca – DS, Espanha (1994).
Vanina Figueiredo Santos Silva e Genigleide Santos da Hora 67
estudo indagou quais concepções de dislexia foram encontradas nos anais do III Congresso
Internacional de Educação Inclusiva – III CINTEDI, cujos objetivos eram identificar e analisar a
partir da revisão sistemática a concepção de dislexia, com base nos dados secundários do
evento científico e; refletir sobre as políticas públicas que protegem os alunos com dislexia
amparados na Lei n. 14.254/2021.
Ancoramos o pressuposto desta revisão sistemática na Teoria Sócio-Histórico-Cultural,
de Vygotsky (1995) para fundamentarmos os achados sobre as concepções de dislexia e as
práticas pedagógicas, de modo a gerar uma compreensão mais consistente do fenômeno
estudado.
prática que auxilie os discentes com dislexia, considerando as particularidades desses discentes
no que diz respeito à idade, a cultura corporal e os seus interesses individuais.
Os 4 (quatro) artigos encontrados nos anais do III CINTEDI interessam à pesquisa, a
partir dos descritores anteriormente citados, por isso foram analisados.
Tabela 1. Artigos publicados na plataforma CINTEDI, 2018
Autor/ano Definição Características
Argumentamos que uma abordagem inclusiva mais explícita para nossas análises e
interpretações dos textos quando fundamentados nas obras de Vygotsky podem acrescentar a
inteireza e a confiabilidade dos argumentos teóricos que os pesquisadores da área
proporcionam em seu nome.
Tabela 2. Artigos publicados na plataforma CINTEDI, 2018
Autor/ano Diagnóstico Avaliações e intervenções
Continuação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Convenção sobre os direitos das pessoas
com deficiência. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008. Disponível em:
https://www.oab.org.br/arquivos/a-convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-
deficiencia-comentada-812070948.pdf. Acesso em: 23 fev. 2018.
______. Lei n. 14.254, de 30 de novembro de 2021. Dispõe sobre o acompanhamento integral
para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)
ou outro transtorno de aprendizagem. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci
vil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 10 mai. 2022.
______. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.go
v.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 26 abr. 2020.
______. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica. Brasília: SEESP, 2001.
______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20
jun. 2021.
______. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa
Civil, 1998.
CINTED. Congresso Internacional de Educação Inclusiva, IV. 2018. Campina Grande. Anais
Realize Eventos Científicos & Editora, 2018. Disponível em:
https://editorarealize.com.br/edicao/detalhes/anais-do-iv-cintedi. Acesso em: 10 mai.2022.
CBEE - Congresso Brasileiro de Educação Especial NOME. IX. 2021, Anais. 2021. Disponível
em: https://cbee2021.faiufscar.com/anais#/trabalhos. Acesso em: 10 mai.2022.
74 Revisão sistemática: políticas públicas que amparam alunos com dislexia
Sites
Associação Brasileira de Dislexia – ABD
http://www.dislexia.org.br.
Aline de Oliveira Costa dos Santos 75
INTRODUÇÃO
defende que esse processo de transposição didática passa por movimentos externos e internos
à escola. O espaço social no qual acontecem esses movimentos é denominado pelo autor de
noosfera, e os processos para transformar um saber científico em escolar incluem o processo
de descontextualização, des-historicização e recontextualização.
Para Alice Casemiro Lopes (1997), esse processo de transposição retira do conceito
científico sua historicidade e sua problemática, prejudicando a forma de apropriação do
conhecimento pela escola. Nesse processo, o saber a ser ensinado surge sem origem, sem
produto e sem lugar, não representando, assim, a ideia de (re)construção de saberes na
instituição escolar, uma vez que o próprio termo sugere a ideia de “transportar”. Por isso,
defende a utilização do termo mediação didática, considerando a mediação no sentido dialético:
processo de constituição de uma realidade através de mediações contraditórias, de relações
completas não imediatas e com um profundo sentido dialógico.
De acordo com Lopes (1997), a mediação didática ou didatização do conhecimento
científico não é meramente a adaptação de um conhecimento produzido nos centros de
pesquisa/universidades. Trata-se de uma atividade de produção original que resgata o papel da
escola como produtora e socializadora de conhecimentos.
Analisando historicamente as teorias/concepções pedagógicas que influenciam a
prática escolar, é possível perceber que a forma como a escola lida com o conhecimento, ao
longo do tempo, reforça a defesa do termo mediação didática em lugar de transposição, tendo
em vista, principalmente, o movimento crítico e reflexivo do pensamento educacional brasileiro
apresentado através das tendências pedagógicas e no movimento da didática crítica, em torno
da construção de uma escola comprometida com a formação humana integral.
escolar do conjunto das escolas brasileiras, embora algumas experiências tenham sido exitosas.
A hegemonia da Pedagogia Nova perdurou até a década de 1960, quando começou a
entrar em declínio. Nessa etapa, o ensino da didática assume uma perspectiva idealista e
centrada na dimensão técnica. Idealista, porque a realidade pedagógica das escolas não era
objeto de reflexão. Acreditava-se que as práticas pedagógicas dependiam, exclusivamente, da
“vontade” e do “conhecimento” dos professores, desconsiderando-se os condicionantes sociais
e políticos. A Tendência Tecnicista surge com o desenvolvimento da Tecnologia Educacional e
do Ensino Programado, exercendo forte impacto na prática docente. Durante a Ditadura Militar
(1964-1985) o modelo tecnicista se estabeleceu em todo o ensino brasileiro, por meio de leis
e coação político-ideológica. A concepção de educação ancorada nos princípios da Teoria do
Capital Humano passou a ser vista a partir da relação linear com o mercado de trabalho, visando
ao lucro e à produtividade.
O modelo industrial penetra na educação, e a didática é considerada estratégica para o
alcance dos “produtos” do processo de ensino-aprendizagem. O enfoque sistêmico passa a
vigorar com a formulação de objetivos instrucionais, taxionomias, construção de instrumentos
de avaliação, treinamento de habilidades de ensino. Segundo Candau (2014), as tendências
Renovadora e Tecnicista se diferenciam em muitos aspectos, mas partem de um pressuposto
comum: “o silenciar da dimensão política”. Silêncio que se assenta no pressuposto da
neutralidade do técnico.
Ainda sob a égide do tecnicismo, surgiram no Brasil as teorias crítico-reprodutivistas,
denunciando a seletividade social do sistema educacional francês. Essas teorias contribuíram
para análise da realidade brasileira. Tornaram-se ainda mais explícitas a dualidade do nosso
sistema educacional, a precariedade das escolas, as sala de aulas superlotadas e as práticas
pedagógicas excludentes. A didática ensinada nos cursos de formação não encontrava respaldo
na realidade e sua importância passou a ser contestada. Foi um período de afirmação da
dimensão política do processo de ensino-aprendizagem e de negação da dimensão técnica, o
período da antididática.
A Tendência Pedagógica Libertadora exerceu forte influência antes, durante e depois
da Ditadura Militar. As contribuições de Paulo Freire (1996) – principal representante dessa
tendência – para análise e reflexão de uma prática docente elitista, alienada, opressora e
excludente conclamou os professores a repensar da prática, a partir de uma visão crítica das
questões sociais e políticas da sociedade brasileira. Ao denunciar a educação que denominou
de “bancária” , Freire (1996) criticava, principalmente, o tradicionalismo e o tecnicismo na
educação.
Do ponto de vista didático, é possível afirmar que a Tendência Libertadora propõe uma
mediação entre conhecimento científico, conhecimento popular e conhecimento escolar. Para
essa Pedagogia, o contexto sociocultural em que o aluno está inserido é o material principal da
prática docente. Para Freire (1996), educar é, antes de tudo, um ato político, e o professor
precisa ter clareza se sua atuação é direcionada para transformar ou manter a sociedade
capitalista e o seu sistema de desigualdade.
Entre o final de década de 1970 e início de 1980, havia uma cisão entre os educadores:
de um lado, aqueles que defendiam a competência técnica na formação de professores; de
Aline de Oliveira Costa dos Santos 79
outro, os que defendiam que o compromisso político era mais importante. É nesse contexto
que surgem duas tendências pedagógicas: a Crítico Social dos Conteúdos, formulada por José
Carlos Libâneo e a Histórico-Critica por Demerval Saviani. O elo entre as duas tendências é
justamente o esforço de apresentar uma proposta que contemple a multidimensionalidade do
processo de ensino-aprendizagem.
Para Libâneo (2013), a Tendência Crítico Social dos Conteúdos busca fazer uma síntese
superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova. A partir da
valorização da escola pública e do trabalho do professor, do ensino de qualidade para o povo
que contemple o acesso ao conhecimento científico de forma sólida, crítica e comprometida,
como condição para participação do povo nas lutas sociais. A didática para essa pedagogia tem
muita importância, pois é ela que vai pensar nas finalidades sociopolíticas e pedagógicas do
processo de ensino-aprendizagem e nas condições e meios-formativos, de modo que o aluno
assuma uma postura ativa no processo.
Para a Pedagogia Histórico-Crítica, a educação é entendida como mediação no seio da
prática social global. A prática social se põe como porta de partida e de chegada da prática
educativa, visto que a educação é entendida como o “ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2019).
Em termos didáticos, a Pedagogia Histórico-Crítica se desenvolve em cinco momentos:
no primeiro momento, o método pedagógico parte da prática social em que alunos e
professores encontram-se igualmente inseridos, em posições distintas. No segundo momento,
serão destacadas questões para uma problematização. No terceiro momento, teremos a
instrumentação, entendida como apropriação dos instrumentos teóricos práticos para
responder às questões detectadas. No quarto momento, chamado de catarse, é quando ocorre
a efetiva incorporação dos instrumentos culturais transformados em elementos ativos da
transformação social. No quinto momento, a chegada na prática social pode-se se concluir uma
alteração qualitativa da compreensão e da vivência da prática social (Saviani, 2009).
Retomando a prerrogativa de que toda prática docente está impregnada de uma
concepção de ensino-aprendizagem, a partir da análise dos pressupostos de cada tendência
pedagógica, é possível afirmar que o termo transposição didática estaria mais coerentemente
colocado em práticas influenciadas pelas tendências Tradicional e Tecnicista, enquanto o termo
mediação didática coincide com os pressupostos da Tendência renovadora e das tendências
Progressivas e ou Críticas.
Conforme explicita Franco (2012; 2014), práticas pedagógicas são práticas sociais
exercidas com a finalidade de concretizar expectativas educacionais solicitadas/requeridas por
uma dada comunidade social. Enquanto prática social, ela produz uma dinâmica social entre o
dentro e o fora da escola. Ancorada numa visão da didática, é a construção de conhecimentos
que possibilite a mediação do que é preciso ensinar e do que é necessário aprender, entre as
80 Transposição ou mediação didática? reflexões históricas e contemporâneas sobre a prática docente
REFERÊNCIAS
CANDAU, V. M. (org.). A didática em questão. 36.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica: del saber sabio al saber enseñado. La Pensée
Sauvage, Argentina, 1991.
FRANCO, M. A. R. S. Pedagogia e prática docente. 1.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, J. C. As tendências pedagógicas na prática escolar. 2013. Disponível em:
https://praxistecnologica.files.wordpress.com/2014/08/tendencias_pedagogicas_libaneo.pdf.
Acesso em: 22 mai. 2021.
LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar: processos de seleção cultural e de mediação didática.
Educação & Realidade, v. 22, n. 1, p. 95-112, jan./jun. 1997. Disponível em:
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2022.
OTT, M. B. Ensino por meio de solução de problemas. In: CANDAU, V. M. (org.). A Didática em
questão. 36.ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 66-75.
MARIN, A. J. Didática geral. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd. Caderno de
Formação: formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 16-
32, v. 9
PICONEZ, S. C. B. Prática de ensino e o estágio supervisionado: a aproximação da realidade
escolar e a pratica da reflexão. In: PICONEZ, S. C. B. (coord.). Prática de ensino e o estágio
supervisionado. 24.ed. Campinas: Papirus, 2012.
SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4.ed. Campinas. Autores Associados,
2013.
SAVIANI, D. Formação de Professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto
brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, p. 143-155, jan./abr. 2009.
82 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
36
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Dulciene Amparo dos Anjos 83
INTRODUÇÃO
37
Dulciene Amparo dos Anjos é doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Atua como docente do
Departamento de Linguística, Letras e Artes, campus II (Alagoinhas), da Universidade do Estado da Bahia – DLLARTES-
II/UNEB. E-mail: dasilva@uneb.br.
84 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
Waldorf38, destaca a percepção desses educandos com relação ao tema deste artigo: a relação
entre a Pedagogia Waldorf e o desenvolvimento da expressão oral.
Como bem o sinalizam os egressos Waldorf, os estudantes que tiveram acesso a essa
orientação pedagógica apresentam um perfil diferenciado com relação a estudantes do sistema
tradicional de ensino. Eles se destacam, dentre outras prerrogativas, por apresentarem um
desempenho comunicativo oral marcado por uma notória autonomia – o que faz com que, em
diferentes plateias, independente do grau de formalidade do registro de linguagem, consigam
se expressar com razoável segurança.
Pesquisas realizadas a partir de entrevistas com ex-estudantes Waldorf (Gerwin;
Mitchell, 2007; Barz; Randoll, 2007), cujo propósito foi identificar os efeitos dessa proposta
educacional em sua vida prática e conhecer o percurso de vida pessoal, estudantil e profissional
que esses indivíduos empreenderam a partir da conclusão do seu ensino médio, apontam que,
de fato, os egressos de escolas Waldorf costumam apresentar um perfil diferenciado com
relação a ex-estudantes do sistema convencional de ensino. Tais pesquisas demonstraram que,
além de valorizarem a oportunidade de pensarem por si próprios e de terem uma forte
inclinação para por em prática as suas ideias, demonstrando ter um pensamento autônomo e
grande capacidade criativa, esses indivíduos “são guiados por uma bússola moral interior” que
imprime um teor ético às suas condutas em sua vida profissional e privada, valorizando as
relações humanas e buscando formas de participação ativa no meio em que vivem. São
portadores, pois, do que o psiquiatra e psicanalista Erik Erikson, responsável pelo
desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, denominou de “generatividade”,
ou seja, a capacidade de promover ações em retorno à comunidade e à cultura da qual fazem
parte, demonstrando um real interesse pelo mundo em que vivem.
Tanto no cenário estudantil quanto no profissional, esses estudantes destacaram-se por
atuarem cooperativamente e buscarem soluções criativas e coletivas para os problemas,
demonstrando grande habilidade para o diálogo e as interações sociais, além de uma excelente
capacidade de se expressarem através da linguagem verbal. Como depõem seus professores
universitários entrevistados, “all have the same broad approach to education. They are flexible,
creative, and willing to take intellectual risks”. [...] “His imagination, his nuanced verbal skills,
and his leadership qualities had been richly nourished in him by his prior schooling” 39 (Gerwin;
Mitchell, 2007, p. 13).
Diante desse panorama, algumas questões se anunciam para a compreensão das
relações entre educação e desenvolvimento da expressão oral: o que faz com que os estudantes
Waldorf, conforme atestam estudos e depoimentos, apresentem um domínio satisfatório da
expressão oral? Quais são os fundamentos e princípios dessa Pedagogia – e de que modo eles
se relacionam com o estímulo à fluência expressiva desses indivíduos? Para elucidar essas
questões, este artigo apresentará, em primeiro lugar, um breve apanhado sobre o tema
educação e desenvolvimento da expressão oral, para, em seguida, após localizar as bases
38
Esta epígrafe é uma versão condensada e revisada do texto produzido por ex-estudantes Waldorf da capital paulista
publicado no site da Sociedade Antroposófica do Brasil: http://sab.org.br/pedag-wal/artigos/gea-sabe-waldorf.htm.
39
“Todos têm a mesma abertura para a educação. Eles são flexíveis, criativos e dispostos, intelectualmente, a correr riscos”.
[...] Sua imaginação, suas nuances verbais, suas qualidades de liderança certamente foram ricamente nutridas em sua
escolarização anterior”. Tradução livre do original. In: http://www.waldorflibrary.org/Journal_Articles/GradPhase2.pdf.
Dulciene Amparo dos Anjos 85
falar e escrever), como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), tornando
também a oralidade objeto da reflexão linguística sistemática e cotidiana. Do ponto de vista da
área da educação, é essencial que o processo de mediação da aprendizagem esteja
comprometido com a superação da orientação instrumental e estritamente racionalista que tem
atribuído ênfase irrestrita ao ensino de noções e conteúdos acadêmicos em detrimento do
desenvolvimento das demais habilidades dos educandos - inclusive aquelas que são essenciais
para o seu melhor desempenho comunicativo e expressivo.
Ao localizar na Pedagogia Waldorf uma alternativa educacional comprometida com o
desenvolvimento do ser humano em suas diferentes dimensões e potencialidades, identifiquei
em suas proposições um fértil campo para aprofundar, no doutorado em Educação (Andrade e
Silva, 2010), a compreensão acerca das relações intrínsecas entre educação integral e o
desenvolvimento da expressão oral.
Nas últimas décadas, tem sido expressivo o número de estudos que, fundamentados
nos pressupostos do paradigma cientifico da contemporaneidade, têm chamado atenção para
a necessidade de superação do viés formalista e estritamente racionalista no ensino, de modo
a buscar reintegrar o que fora descartado na educação moderna em função da ênfase ao
racionalismo estrito. Esses estudos têm chamado a atenção para a necessidade de se promover
uma educação que não esteja essencialmente focada no desenvolvimento das habilidades
acadêmicas dos educandos, mas que também considere o seu desenvolvimento emocional e
afetivo, o cultivar de sua sensibilidade e de suas habilidades sociais. Enfim, uma educação que,
transcendendo a ênfase no pensar, e buscando um processo de aprendizagem significativo,
possa também orientar-se para o sentir e o fazer do educando, voltando-se para o
desenvolvimento do SER inteiro.
Orientações institucionais que recentemente se propuseram a nortear a Educação
Básica igualmente têm-se apresentado bastante consoantes com essa perspectiva de se atribuir
à Educação a função de promover o desenvolvimento global do ser humano, a partir de uma
compreensão do educando como uma totalidade integrada e sinalizando que “a educação deve
contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade,
sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade” (Delors, 2001, p. 99). Para isso,
insiste na necessidade de que “se ultrapasse a visão instrumental da educação (...) e se passe a
considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a
ser” (p. 90).
Entretanto, embora tais estudos e proposições venham apontando para um novo modo
de conceber a Educação que tem contribuído para a difusão da noção de que o educando
participa da construção do conhecimento não apenas com o uso predominante do raciocínio e
da percepção do mundo exterior pelos sentidos (como nos ensinou o pensamento cartesiano e
o positivista), a concretização de modelos pedagógicos fundados nesses propósitos tem se
deparado com várias dificuldades. O cotidiano da sala de aula ainda revela que os professores,
88 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
40
Dados extraídos do sítio https://www.freunde-waldorf.de/en/waldorf-worldwide/waldorf-education/waldorf-world-
Dulciene Amparo dos Anjos 89
2022 pelo Diretório Internacional da Pedagogia Waldorf , existem atualmente mais de 1.270
escolas Waldorf (além de 1.928 “Jardins de Infância” Waldorf) em 75 países do globo terrestre.
Em território nacional, a Federação das Escolas Waldorf do Brasil – FEWB divulgou, em 2019,
a existência de 97 instituições Waldorf filiadas distribuídas em 21 estados brasileiros. Ainda de
acordo com a FEWB, no Estado da Bahia há, atualmente, nove instituições que atendem à
Educação Infantil (sendo que apenas uma já se encontra formalmente associada; as demais
ainda em vias de preencher os requisitos obrigatórios para constituir-se uma escola Waldorf),
seis que atendem até o primeiro ciclo do Ensino Fundamental (sendo apenas três já federadas)
e apenas duas que oferecem formação até o segundo ciclo do Ensino Fundamental (ambas em
vias de formalizar associação)41.
O crescimento exponencial da Pedagogia Waldorf no mundo e os resultados positivos
que suas escolas têm alcançado em diferentes países têm chamado a atenção de organismos
que, como a UNESCO, têm buscado conhecer essa pedagogia. Em outubro de 1994, na 44ª
sessão da Conferência Internacional sobre Educação, em Genebra, o “Internacional Bureau of
Education” solicitou ao organismo internacional que responde pela Pedagogia Waldorf que lhes
apresentasse a sua proposta educativa. Talvez não seja coincidência que, no Relatório da
Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, elaborado por Delors (2001) para a
UNESCO, são identificadas proposições e metas para a educação em grande consonância com
os propósitos da Pedagogia Waldorf.
A Pedagogia Waldorf é uma aplicação prática da Antroposofia à educação. De acordo
com a Antroposofia, o ser humano é um ente cuja constituição é trimembrada, ou seja, é
constituído de corpo físico, alma e espírito, aos quais estão relacionadas, respectivamente, as
faculdades do fazer, do sentir e do pensar. Ampliando a teoria aristotélica sobre a estruturação
da vida segundo os setênios, Steiner (2003) explica o desenvolvimento humano a partir de
princípios evolutivos que compreendem etapas de sete anos. Segundo ele, embora latentes
desde o momento no nascimento físico, aqueles três constituintes têm o seu desenvolvimento
inicial ancorado gradualmente nos três primeiros setênios. Esta especificidade faz com que em
cada um dos três primeiros setênios, as energias vitais estejam mais fortemente centradas em
um determinado aspecto do desenvolvimento humano - o que acarreta modificações
biológicas, fisiológicas e cognitivas específicas que irão exigir da educação atitudes e
orientações diferenciadas. Assim, todo o currículo Waldorf é estruturado a partir desses
fundamentos, de modo a orientar-se pelas características e necessidades da criança em cada
fase de seu desenvolvimento (Mizoguchi, 2006).
Segundo a Antroposofia, no primeiro setênio (do nascimento físico aos sete anos,
aproximadamente), o cenário do desenvolvimento infantil tem como pano de fundo a
individuação somática. É o período em que todas as energias vitais da criança estão investidas
no desenvolvimento de seu organismo físico, exigindo-lhe intensa atividade corporal. Assim, a
educação infantil Waldorf prioriza o movimento, a experiência corporal que faz uso da
motricidade, como também o movimento da imaginação, da fantasia da criança, pois
compreende que o movimento será a base para não apenas o seu desenvolvimento físico e
motor, mas também para o seu desenvolvimento emocional, neurológico e até mesmo
cognitivo, preparando as estruturas neurológicas para a aprendizagem a ser requerida
posteriormente em seu processo de escolarização.
Contrariando a vocação da educação infantil que, orientada pelo signo do pensar
intelectual utilitarista, tem estimulado a alfabetização linguística e matemática precoce, a
Pedagogia Waldorf defende que, uma vez que nesse estágio de desenvolvimento as crianças
ainda não apresentam habilidades mentais necessárias à manipulação de símbolos, já que os
prolongamentos de seus neurônios não completaram o processo de mielinização 42, só sejam
alfabetizadas a partir dos seis anos e meio 43.
Uma vez concluído o processo inicial de maturação orgânica, o foco do
desenvolvimento, no segundo setênio (dos 7 aos 14 anos, aproximadamente), volta-se,
conforme a Antroposofia, para o funcionamento psicoemocional da criança, mobilizando suas
faculdades psíquicas (para possibilitar a sua progressiva utilização a serviço do pensamento e
da aprendizagem) e, ao mesmo tempo, proporcionando uma intensa vivência emocional
(favorecida pelo desenvolvimento das suas emoções, dos seus sentimentos). Desse modo,
embora nesse momento de seu desenvolvimento a criança já evidencie que consegue raciocinar
aproximando-se da lógica adulta, os seus esquemas conceituais e ações executadas
mentalmente ainda necessitam ser manipulados ou imaginados de forma concreta 44. Em
atenção e respeito a essa especificidade no desenvolvimento do educando, o processo de
aprendizagem no ensino fundamental Waldorf é conduzido não de forma abstrata e teórica,
mas a partir da vivência, da observação e da descrição dos fenômenos (Lanz, 2003).
Ademais, em consonância com a disposição sentimental e estética latente nos
educandos que passam por esta fase, o currículo Waldorf elege a arte como a mediadora
primordial de toda a educação. Conforme esclarece von Kügelgen (1989), nessa Pedagogia não
há nenhum domínio de aprendizagem que não seja enriquecido pela atividade artística, através
da qual se aprofunda a experiência. Entretanto, diferentemente do que acontece na grande
maioria das escolas convencionais, as atividades artísticas não têm um espaço restrito no
currículo, e não ocorrem à margem dos demais estudos: são “o laço de união entre as diversas
matérias”. Aliás, o lugar atribuído à arte apresenta-se muito bem configurado no pensamento
de Steiner (2003, p. 125): “a pedagogia não pode ser uma ciência - deve ser uma arte. E onde
existe uma arte que se possa aprender sem viver constantemente em sentimentos?”.
O sentido da arte na educação Waldorf transcende, assim, o aspecto da mera
possibilidade de promoção de atividades artísticas: a arte é concebida como o próprio processo
42
Trata-se do processo de revestimento dos axônios por uma capa ou bainha de mielina, substância lipoproteica que
possibilita aumentar a velocidade da transmissão dos estímulos nervosos ou impulsos elétricos (sinapses), atribuindo maior
eficiência na transmissão da informação pelos neurotransmissores.
43
Essa orientação, inclusive, está de acordo com o que também diz o epistemólogo suíço Jean Piaget (1967, 1975) em seus
estudos sobre o desenvolvimento cognitivo, segundo os quais dos dois até os seis/sete anos, aproximadamente, as crianças
encontram-se no estágio pré-operacional, não demonstrando possuir recursos cognitivos e/ou neurológicos suficientes
para as operações objetivas.
44
Assim como Steiner, também Piaget (1967, 1975), em sua teoria psicogenética, compreende que no período dos seis/sete
até os doze anos, aproximadamente, a que denomina de estágio operatório concreto, embora já manipule objetos da
realidade, aproximando-se das regras, das operações lógicas, a criança ainda não o faz com abstração característica da
próxima etapa, o estágio das operações formais ou abstratas.
Dulciene Amparo dos Anjos 91
45
Também para Piaget (1967, 1975) é nesse estágio, a que denomina de estágio das operações formais ou abstratas, que o
adolescente apresenta estruturas mentais que o permitem realizar operações baseadas num tipo de raciocínio abstrato.
92 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
46
A Euritmia é uma arte gestual-poético-musical criada por Steiner que desenvolve os gestos e os movimentos do corpo
humano para que sejam a expressão visível e artística daquilo que, na fala e na música, se ouve mas não se vê. Busca, através
de movimentos não arbitrários que acompanham a recitação de uma obra poética ou musical, a expressão formada no
movimento do fluxo de ar no organismo fonador ao emitirmos os fonemas. Cf.: www.sab.org.br/euritmia/euritmia.htm
47
No cérebro humano, a área motora que controla movimentos do braço e mão direitos encontra-se próxima a área de
Broca, setor responsável pelo processamento da linguagem e produção da fala, localizada no hemisfério cerebral esquerdo.
Segundo Greenfield (1991, 1998), essas áreas derivam da mesma estrutura nos níveis ontogenético e filogenético e uma
grande evidência de sua íntima conexão é a facilidade de se redirecionar as funções linguísticas da área de Broca para a
mão, como ocorre na aprendizagem da linguagem escrita ou da linguagem de sinais.
Dulciene Amparo dos Anjos 93
os adjetivos, as preposições, por exemplo, o professor, ciente de que nesse estágio em que se
encontram as crianças ainda não possuem a capacidade de interpretação intelectual, esforça-
se para que elas compreendam a qualidade vinculada a cada uma dessas classes de palavras, e
não o seu conceito, como usualmente se faz nas pedagogias convencionais - já que o conceito,
como já mencionado, é uma abstração que eles só conseguem compreender, de fato, por volta
do terceiro setênio.
A terceira fase da aula é a fase do fazer: o professor solicita que seus estudantes
exercitem, através da escrita e/ou do desenho, o conteúdo apresentado no dia anterior. Nesse
momento, os estudantes constroem o seu material didático, já que não há a adoção de livros
didáticos nessa Pedagogia. À cada Época, os estudantes trabalham na construção de um
caderno no qual, com desenhos e textos coloridos, vão expondo, eles próprios, o conteúdo
trabalhado, de modo que, ao final, eles têm a matéria que foi trabalhada em cada Época
específica sintetizada a partir de sua própria elaboração pessoal.
Assim como acontece na educação infantil, também no ensino fundamental Waldorf os
professores contam histórias ao final da aula principal. Mas, desta vez, elegem não mais contos
de fadas, e sim outros textos gradualmente mais extensos e/ou mais complexos, narrados em
capítulos. Também antes de começar um novo capítulo, os estudantes realizam oralmente uma
retrospectiva do capítulo do dia anterior.
Diante dessa exposição sobre a organização curricular e os procedimentos didáticos da
Pedagogia Waldorf, portanto, é possível identificar o seu compromisso em considerar, no
processo formativo do educando, a sua multimensionalidade – o que aponta para o seu
pioneirismo no sentido de superar a abordagem formalista e instrumental do processo de
aprendizagem, inclusive atribuindo à arte uma dimensão fundamental para o desenvolvimento
integral do educando. Resta, após essas primeiras considerações acerca dos fundamentos
epistemológicos e didático-pedagógicos da Pedagogia Waldorf, compreender em especial
como tais princípios se articulam com o desenvolvimento da expressividade de seus educandos:
tarefa desenvolvida no tópico a seguir.
48
Tais pilares são: a associação mantenedora (sociedade civil composta por associados que podem ser pais, professores e
amigos da escola que, além de administrar as receitas e as despesas da escola, responde por ela juridicamente), a direção
pedagógica (formada por um grupo de professores que tem como tarefa gerenciar pedagogicamente a escola) e o conselho
94 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
de mães e pais (órgão deliberativo da comunidade de pais composto por representantes dos pais ou responsáveis dos
estudantes, eleitos anualmente).
49
Ao aceitar o desafio para a criação da primeira escola Waldorf, Steiner estabeleceu quatro condições: que a escola
atendesse a crianças de qualquer procedência, capacidade, raça e religião; que fosse coeducacional, instituindo a
modalidade de interação sociocomunitária; que possuísse um currículo unificado de doze anos; e que, sem fins lucrativos,
funcionasse sob os moldes da autogestão colegiada.
Dulciene Amparo dos Anjos 95
diante dos demais colegas o seu verso individual 50, nem todos conseguiam, no início do ano
letivo, trazer seus novos versos com espontaneidade, assim como nem todos se apresentaram
confortáveis nessas situações. Mais de um terço revelou dificuldade de encarar os colegas, ora
mantendo a cabeça baixa ao falar – e falando em tom de voz muito baixo, ou falando rápido
demais, de modo que a dicção e a entonação ficassem prejudicadas e que o texto fosse
anunciado de forma muito mecânica –, ora demonstrando muita timidez, deixando flagrar uma
excessiva movimentação corporal. Ou seja, dentre aqueles estudantes identificados como
portadores de várias habilidades com relação à expressão oral, havia um grupo que ainda não
explorava de forma mais plena seu potencial expressivo em função das limitações impostas
pela timidez.
Outra variável que se mostrou significativa foi “dificuldades expressivas versus ano de
ingresso na escola Waldorf”: estudantes que iniciaram a escolarização em escolas
convencionais (quer públicas, quer particulares) apresentavam muitas limitações associadas ao
seu desempenho expressivo e comunicativo oral - o que os diferenciava muito dos veteranos
Waldorf. Suas dificuldades expressivas se relacionavam à falta percepção de si (não saber
anunciar seus incômodos ou opiniões), à falta de percepção do essencial para a comunicação
(ser evasivo, não destacar o fundamental a ser comunicado) e à falta de percepção do outro
(não respeitar os turnos de fala alheios). Além dessas dificuldades, a agressividade e a
dificuldade de ouvir foram também identificados nos estudantes que não haviam iniciado sua
escolaridade em instituições de ensino Waldorf.
Ora, como nas escolas convencionais são priorizadas estratégias relacionadas ao
desenvolvimento da linguagem escrita, e a ênfase do trabalho pedagógico recai sobre os
conteúdos acadêmicos ou conceituais, seus educandos são privados de desenvolver
habilidades essenciais às situações de interação verbal, faltando-lhes uma visão abrangente do
“todo comunicativo” no qual estão inseridos e, consequentemente, uma percepção do outro
enquanto elemento da interlocução. Ademais, em um modelo onde a expressão subjetiva e
pessoal não é estimulada, dificilmente lhes é possível desenvolver um senso de percepção que
os possibilite ter clareza de si. Por outro lado, uma vez que não foram estimulados a perceber
seus incômodos nem encorajados a expressá-los para que pudessem desenvolver um maior
domínio sobre suas emoções (especialmente as mais primitivas) e sobre modos menos
intempestivos de expressá-las, em situações de discordância com o outro, comumente
manifestam-se com violência e agressividade.
Uma vez que, dos nove estudantes beneficiados pelo programa de integração social da
escola, oito apresentavam dificuldades com relação ao seu potencial comunicativo e expressivo
(e inclusive a metade deles compunha o grupo das maiores dificuldades, ainda que estudassem
na escola desde o Jardim de Infância, como uma estudante portadora de necessidades
especiais), a variável classe social também mostrou-se muito significativa. Pertencentes a um
substrato social cuja cultura não é valorizada pelas classes dominantes, e inclusive por serem
portadores de uma variante linguística que é estigmatizada e desprestigiada socialmente
50
Na Pedagogia Waldorf, é prática recorrente que, ao final do ano letivo, a professora de classe elabore um verso para cada
estudante, em seu boletim. No ano letivo seguinte, apenas aqueles cujo aniversário correspondem ao dia de semana
específico da aula se dirigem à frente da sala, juntos, para, individualmente, recitarem, um de cada vez, o seu verso particular.
96 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
suas múltiplas linguagens, como a literatura, o teatro, a dança, a música, a pintura, o desenho,
além de trabalhar capacidades psíquicas que influenciam a aprendizagem (como a percepção, a
imaginação, a observação, a reflexão, o raciocínio, a organização do pensamento) e
proporcionar um maior domínio do próprio corpo, possibilita a criança exteriorizar, através de
diferentes linguagens, não somente o que pensam e sentem, mas também elementos de sua
própria personalidade - o que lhes amplia as possibilidades expressivas, potencializando a sua
expressividade oral.
Cumpre ainda observar que, no próprio trabalho com a Língua Portuguesa, também se
destacaram estratégias especificamente relacionadas ao desenvolvimento da expressão oral
dos estudantes. Diferentemente do que tem sido usual no sistema convencional de ensino, no
qual a ênfase de todo o trabalho com essa disciplina recai sobre as habilidades do ler e do
escrever, e na crença de que o ensino de teoria gramatical é suficiente e necessário para
desenvolver essas habilidades linguísticas, o currículo Waldorf evidencia uma real orientação
para que as quatro habilidades da língua (o ouvir, o falar, o ler e o escrever) sejam trabalhadas
com a mesma ênfase e prioridade – e convoca a que todo conteúdo gramatical seja um
facilitador – e não a finalidade – desse processo.
Chamou a atenção o enfoque para que toda a produção textual do estudante, quer em
linguagem escrita, quer em linguagem oral, estivesse voltada ao desenvolvimento de uma
maneira individual e particular de falar e de se expressar - a exemplo do que também acontece
com as expressões artísticas. Assim, embora as diretrizes curriculares para o 5º e o 6º anos
escolares com a modalidade oral, em seus aspectos discursivos, não enfatize, ainda, a
necessidade de se promover atividades que exijam do educando um julgamento pessoal,
variadas foram as indicações para que o estudante pudesse, nesse período, familiarizar-se com
situações de exposição nas quais necessitasse se expressar oralmente.
Finalmente, na última etapa da pesquisa empírica, as mesmas técnicas de coleta
utilizadas na sondagem inicial possibilitaram configurar, desta vez, um diagnóstico final da
expressão oral dos estudantes. O objetivo foi identificar os efeitos das intervenções
pedagógicas realizadas pela professora da classe ao longo dos dois anos letivos e, em especial,
verificar se houve algum progresso no que diz respeito às dificuldades localizadas por ocasião
do diagnóstico inicial dos estudantes matriculados no 5º ano.
A sondagem final revelou que houve um crescimento significativo do grupo como um
todo com relação às habilidades comunicativas e expressivas. Desde uma postura mais solta,
passando por um maior domínio da gesticulação corporal e um maior controle do tom de voz,
até a segurança geralmente manifesta nas situações de interação e/ou apresentação oral em
classe, os estudantes, que ao final da pesquisa estavam cursando o 6º ano, demonstraram um
maior domínio com relação a suas habilidades comunicadoras. Também a qualidade de seus
enunciados mereceu destaque pela clareza, organização e estruturação, evidenciando a
capacidade de reflexão e/ou autorreflexão desses estudantes ao anunciarem com fluidez e
desenvoltura o que pensavam, o que sabiam, o que queriam, o que gostavam ou não. Muitos
dos mais tímidos também progrediram no sentido de adquirir maior desenvoltura e naturalidade
nas situações de exposição oral - embora não demonstrassem ter superado totalmente suas
dificuldades nesse âmbito. Mas era notório que já demonstravam avanços significativos nessa
Dulciene Amparo dos Anjos 99
51
Para preservar as crianças informantes da pesquisa, optei por substituir aleatoriamente seus nomes.
100 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
Mamão e o Circo demonstraram ter exercido um significativo efeito para que esses estudantes
conquistassem novas possibilidades expressivas. O primeiro estudante mencionado, por meio
das linguagens circense e dramática, através da possibilidade de representar situações ou
papeis, foi estimulado a se confrontar com situações que, no contexto de sua vida social, o
constrangiam e/ou o ameaçavam. Assim, pôde experimentar, nas situações cênicas, as
possibilidades e soluções vislumbradas por ocasião desses “jogos”, desenvolvendo um
sentimento de segurança e de confiança em si mesmo que, pouco a pouco, lhe possibilitou, em
outros contextos, apropriar-se desse arsenal já organizado em sua experiência psicoemocional,
ampliando as suas possibilidades expressivas.
O processo com o Circo também exerceu um significativo efeito para que a estudante
mencionada conquistasse novas possibilidades expressivas. Através de uma das modalidades
circenses, a estudante (que inclusive apresentava dificuldades em algumas habilidades lógico-
matemáticas e linguísticas) pôde expressar o seu potencial e ter a oportunidade de ver também
valorizada uma de suas aptidões pessoais. Certamente o sentimento de realização ali
experimentado, ao fortalecer a sua autoestima e a autoconfiança, lhe possibilitou expandir essa
conquista para outras instâncias de sua vida, ampliando o seu repertório expressivo inclusive
na linguagem oral.
Outras linguagens artísticas, a exemplo da música, do desenho e da pintura foram
também atuantes no propósito de proporcionar experiências de autossuperação e de conquista
de novas possibilidades que intercederam favoravelmente nas habilidades comunicadoras e
expressivas dos estudantes. Assim, a arte, que nessa pedagogia extrapola, como assinalado, a
prática aleatória de atividades artísticas, consistindo no esteio fundamental dessa pedagogia,
demonstrou exercer, a partir do que foi possível verificar com a pesquisa, um papel essencial
no desenvolvimento da expressividade do educando como um todo - o que repercutiu,
inclusive, no desenvolvimento de suas habilidades relacionadas à linguagem verbal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo compreender as relações entre a Pedagogia Waldorf e o
desenvolvimento da expressão oral dos estudantes, recorrendo, para tal, a um estudo de caso
realizado com uma classe de estudantes de uma escola Waldorf localizada no estado de São
Paulo. A partir do diagnóstico da expressão oral dos estudantes ao início e ao final da pesquisa,
o estudo empírico buscou verificar os efeitos das intervenções pedagógicas realizadas ao longo
de dois anos letivos no desempenho linguístico desses educandos, bem como localizar, através
de observação sistemática em sala de aula, do exame do currículo para as respectivas séries
escolares e do planejamento docente, aspectos específicos da organização didática e
metodológica do ensino Waldorf que pudessem estar associados a esse desenvolvimento.
O diagnóstico inicial revelou que, muito embora a maioria dos estudantes da classe
tenha demonstrado um bom domínio da oralidade, manifestando-se com clareza, organização
e adequação ao registro específico de linguagem requerido pelas situações comunicativas
promovidas, a timidez, localizada como o maior impedimento para o domínio de uma expressão
oral mais espontânea na classe, se apresentava ou já havia se apresentado como um fator
Dulciene Amparo dos Anjos 101
restritivo também à expressividade oral de alguns desses estudantes. E, uma vez que, dentre
os estudantes beneficiados pelo programa de integração social da escola, 88,88% apresentaram
dificuldades com relação ao seu potencial comunicativo e expressivo, o fator classe social
revelou-se muito significativo com relação ao desempenho oral da classe.
Também a variável ano de ingresso na escola repercutiu na configuração desse
diagnóstico, apontando uma grande diferença entre os matriculados na escola Waldorf desde
o início de sua escolarização e aqueles que chegaram para a classe no meio do ensino
fundamental. Além de não terem manifestado facilidade para exprimirem seus pensamentos e
seus sentimentos, demonstrando muita dificuldade para destacar o objetivo e essencial para a
comunicação, os novatos oriundos de escolas convencionais frequentemente utilizavam a fala
de modo agressivo e/ou desrespeitavam os turnos de fala alheios, evidenciando uma grande
dificuldade de ouvir e partilhar o espaço de enunciação – o que os diferenciava muito dos
veteranos da classe.
Desde as primeiras sessões de observação, foi possível constatar que os estudantes
usavam muito a linguagem oral, tanto em atividades artísticas envolvendo a fala, quanto em
atividades de caráter discursivo, desfrutando de uma quantidade de turnos de fala
proporcionalmente correspondentes àqueles utilizados por sua professora, o que evidenciou
que a fala, na Pedagogia Waldorf, não consiste em uma atividade eminentemente docente: ao
contrário, o elemento rítmico da comunicação oral, que se expressa através da dinâmica do
ouvir (contração) e do falar (expansão) mostrou-se um elemento chave em todo o processo de
aprendizagem – o que ilustra a importância atribuída, nessa pedagogia, aos aspectos
comunicativos e expressivos em linguagem oral.
Com relação ao trabalho específico com a língua materna, foi possível identificar que
havia um planejamento sistemático para o trabalho com a modalidade oral, de modo que o ouvir
e o falar eram, ao mesmo tempo, exercitados em suas especificidades, com a mesma ênfase e
prioridade com que eram tratadas as outras habilidades linguísticas.
Por sua vez, o diagnóstico final possibilitou constatar que houve um crescimento
significativo do grupo com relação às suas habilidades comunicadoras, quer na qualidade dos
enunciados, quer na segurança e desenvoltura manifestas nas ocasiões de exposição oral -
inclusive em se tratando daqueles que haviam se destacado por apresentarem maior timidez.
Entretanto, por se tratar de uma classe que, além de ser composta por indivíduos que possuem
singularidades e histórias de vidas diferenciadas, atende a estudantes com realidades
socioeconômicas e culturais distintas e também convive com indivíduos portadores de
habilidades e necessidades cognitivas e psicoemocionais específicas, essas conquistas não
foram asseguradas de modo uniforme. Os progressos relacionados ao desempenho
comunicativo e expressivo dos estudantes indubitavelmente foram assegurados: todos
demonstraram estar em um movimento crescente nesse sentido, embora o desenvolvimento
de alguns estudantes tenha sido mais expansivo.
Um destaque coube ao papel das atividades artísticas do currículo Waldorf no
desenvolvimento da expressividade desses estudantes. Uma vez que as disciplinas artísticas
buscaram estimular que o estudante exteriorizasse, através de seus veículos específicos, a sua
vivência interior com os temas em questão, elas exerceram um papel fundamental no sentido
102 Quando o falar quer dizer sobre a Pedagogia Waldorf: considerações sobre a contribuição da educação
steineriana para o desenvolvimento da expressão
de abrir canais que possibilitassem aos educandos a expressão de suas percepções e de seus
sentimentos através de diferentes linguagens. Evidentemente, ao proporcionar o
desenvolvimento de uma expressão pessoal plena de sentido e significado, essas atividades
acabam por favorecer que esses estudantes, gradualmente, se apropriassem das ferramentas
que fortaleceram o seu potencial expressivo como um todo, inclusive o que se manifesta
através da fala.
Assim, quer pelas habilidades comunicadoras que exercitaram (nesse caso quando essas
atividades estavam diretamente associadas à linguagem oral, envolvendo dicção, articulação,
tom de voz, postura, etc), quer pelas possibilidades expressivas globais que evocaram (quando
não necessariamente a linguagem oral era requisitada, mas, ainda assim, o indivíduo era
clamado a se expressar em alguma linguagem), quer pelos conteúdos emocionais que
mobilizaram (quando era favorecido o confronto e a superação de determinadas limitações não-
físicas, como timidez, medo, insegurança, autoestima...), essas atividades demonstraram
exercer um importante papel nas conquistas asseguradas pelos estudantes no que diz respeito
à sua expressividade - inclusive a que se manifesta através da linguagem oral. O que a pesquisa
empírica revelou foi que, muitos dos estudantes que demonstravam muita timidez, ou
mostravam-se inseguros e pouco confiantes para expressarem nas situações em que lhes era
demandada o uso da palavra falada, graças às possibilidades asseguradas em uma ou outra
modalidade de expressão artística, foram gradualmente expandindo essas conquistas a outros
domínios expressivos, inclusive o da fala, e já evidenciavam, por ocasião da sondagem final,
maior autoconfiança e espontaneidade para enfrentarem as situações de exposição oral. A
dimensão estética dessa pedagogia, portanto, se destacou no que tange às relações entre
Pedagogia Waldorf e desenvolvimento da expressão oral.
A arte, como observado, é o grande instrumento da Pedagogia Waldorf. Ao destacá-la
como pilar essencial para fundamentar a sua Educação e ao elegê-la como estratégia primordial
para mediar a integração das faculdades humanas do sentir, do pensar e do fazer, Steiner atribui
à arte o papel que, desde Platão, lhe era reservado. Mostrou-se, pois, como um dos pioneiros
(senão o primeiro) a conceber uma educação verdadeiramente voltada para a formação
estética, articulando, no currículo vivo praticado pelos professores de sua pedagogia, essa
intencionalidade.
Entretanto, o que a pesquisa empírica também sinalizou é que, subjacente a esses
aspectos pragmáticos do currículo, e que comprovadamente atuaram de modo a desenvolver
o potencial comunicativo e expressivo dos estudantes, há algo que potencializa e amplia o
espectro de ação dessas atividades - e é exatamente nesse “algo” que localizo uma grande
chave para a compreensão do binômio “Pedagogia Waldorf e desenvolvimento expressivo dos
educandos”. Esse algo tem a ver com a compreensão que os seus professores demonstram ter
sobre o que é o educar, sobre quem é o estudante que se porta diante de si, sobre o sentido e
o significado da sua mediação pedagógica.
Para o professor Waldorf, o estudante não é visto como um depositório a quem se deve
oferecer, através de estratégias impessoais e desconectadas das suas vivências e dos seus
interesses, conteúdos e informações. Ele é uma essência individual única, de modo que seu
processo de educação deve favorecer que sua singularidade possa se expressar e se
Dulciene Amparo dos Anjos 103
REFERÊNCIAS
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oral dos educandos: um estudo sobre a Pedagogia Waldorf. 2010. 370 f. Tese (Doutorado em
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São Paulo: Antroposófica, 2003.
Vânia Santos de Souza e Lilian Aparecida Carneiro Oliveira 105
INTRODUÇÃO
52
Vânia Santos de Souza é especialista em Psicopedagogia e Inteligência Emocional pela Faculdade Descomplica; em
Gestão Educacional: Supervisão, Inspeção e Orientação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de
Minas Gerais – IFSULDEMINAS; em Práticas Assertivas da Educação Profissional Integrada à pelo Instituto Federal da Bahia
– IFBA; em Gestão Escolar pela Faculdade Venda Nova do Imigrante – FAVENI; pedagoga pela Universidade Norte do
Paraná – UNOPAR. E-mail: vaniass1914@gmail.com.br.
53
Lilian Aparecida Carneiro Oliveira é mestra em Educação pela Universidade Federal de Viçosa – UFV e pedagoga do
Instituto Federal Sudeste MG – campus Rio Pomba. É tutora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul
de Minas Gerais – IFSULDEMINAS, campus Três Corações. E-mail: liliancarneiro085@gmail.com.
106 Reflexões sobre a Pedagogia Histórico-Crítica no contexto escolar
proporções do espaço escolar. O educador que experienciar a teoria que embasa sua prática,
pode mudar a consciência dos alunos e demais colegas, alcançando condições sociais que
tornam o processo de ensino e aprendizagem muito importante, propício à transformação da
educação e da sociedade atual.
Para atingir tais objetivos, realizamos uma pesquisa bibliográfica com base em estudos
que problematizam a relevância do método da PHC. Em seguida, cruzamos as informações
obtidas com as várias experiências partilhadas nesses espaços, com intuito de provocar novas
construções e novos diálogos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A experiência vivenciada e relatada indica que o método da PHC é uma teoria aplicável
a qualquer segmento, nível e modalidade de ensino. Em qualquer área, matemática, literatura,
português, dentre outras disciplinas. É indispensável vincular a teoria à pratica social global,
empregando instrumentos para compreender a nossa realidade. O objetivo central da PHC é a
elevação do nível cultural das massas para entender e intervir sobre a realidade na qual estão
inseridos.
Para a PHC, o papel da escola é possibilitar o acesso dos indivíduos aos conhecimentos
formais, a cultura letrada, através da socialização do conhecimento sistemático. Refere-se as
instituições que possibilitam o conhecimento sistemático, o conhecimento detalhado e uma
cultura aprendida. É a existência de uma nova geração de conhecimento sistemático que torna
necessário a existência da escola. “A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos
instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio
acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir
dessa questão” (Saviani, 2013, p. 14).
Em uma sociedade como a brasileira, marcada pelo mascaramento das diferenças sociais
a fim de disfarçar preconceitos, discriminações e reproduções de vantagens sociais, as
instituições escolares têm um relevante papel à medida que se configuram como um lócus de
educação e socialização de sujeitos provindos de contextos considerados de risco. Observamos
que essas instituições tanto podem contribuir para a perpetuação das diferenças de classes e
Vânia Santos de Souza e Lilian Aparecida Carneiro Oliveira 109
privilégios sociais como podem auxiliar os sujeitos a ultrapassarem os limites dados pelo
contexto social de origem, passando a ver sua condição na sociedade como construída, e não
como natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
54
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Fernanda Pereira de Brito, Andréia Bárbara Serpa Dantas, Débora Correia dos Santos e Jancarlos 111
9
Menezes Lapa
INTRODUÇÃO
55
Fernanda Pereira de Brito é licenciada em Química pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, mestranda em Educação
Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal da Bahia – IFBA, Salvador/Bahia. Professora da rede estadual no Colégio
Estadual da Bahia – Central. E-mail: fernanda.brito1@enova.educacao.ba.gov.br.
56
Andréia Bárbara Serpa Dantas é mestra em Ciências Ambientais pelo Instituto Federal Baiano – IF Baiano, Serrinha/Bahia,
licenciada em Química pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Professora da rede estadual no Colégio Estadual
Helena Magalhães. E-mail: andreia.dantas@enova.educacao.ba.gov.br.
57
Débora Correia dos Santos é doutora em Ciências da Energia e Meio Ambiente e licenciada em Química pela Universidade
Federal da Bahia – UFBA, Salvador/Bahia. Professora da rede estadual no Colégio Estadual Maria Odette Python Raynal.
E-mail: debora.correia@enova.educacao.ba.gov.br.
58
Jancarlos Menezes Lapa é doutor em História, Filosofia no Ensino de Ciências pela Universidade Federal da Bahia –
UFBA, licenciado em Física pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Professor do Instituto Federal da Bahia –
IFBA. E-mail: jancarloslapa@ifba.edu.br.
112 Clube de Ciências Orbitz do Colégio Estadual da Bahia – Central: espaço não formal na promoção da
iniciação científica
METODOLOGIA
O relato de experiência neste trabalho tem como pressuposto o ensino por investigação
dentro de um Clube de Ciências. Inicialmente a professora responsável pela proposta de
implementação do Clube Orbitz, com a chegada do Novo Ensino Médio no Colégio Estadual da
Bahia – Central , passou a lecionar além do componente curricular de química a unidade
curricular Iniciação Científica no ano de 2020. Com isso, foi elaborado um planejamento
fundamentado nos documentos da Feira de Ciências, Empreendedorismo e Inovação da Bahia
– FECIBA, com foco na construção de projetos, cujos temas foram trazidos pelos alunos. Assim
a ideia do Clube de Ciências começou a ser pensada como uma possibilidade de introduzir um
trabalho mais abrangente e de adesão espontânea do aluno.
Destarte, em um contexto pandêmico e de trabalho remoto no Colégio Estadual da
Bahia – Central foi fundado o Clube de Ciências do Central posteriormente denominado Clube
de Ciências Orbitz, que passou a desenvolver inúmeras ações como palestras, oficinas,
parcerias, planejamento de projetos a partir das necessidades demonstradas pelos estudantes,
que na época contava com apenas três alunas clubistas. As pesquisas desenvolvidas possuíam
114 Clube de Ciências Orbitz do Colégio Estadual da Bahia – Central: espaço não formal na promoção da
iniciação científica
Robótica, Energia Solar, Maus Tratos de Animais, Consumo da geração Z, Cultura da Paz na
escola, Equipe de podcast e Mídias Digitais. Além disso, são realizadas reuniões da gestão do
Clube composta por alunos clubistas eleitos, palestras com convidados e cursos em parceria
com outras instituições, participação em concursos e olimpíadas de conhecimento, e
organização de feiras na unidade escolar.
É importante destacar que no Clube Orbitz há estagiários de licenciatura em Química
da Universidade Federal da Bahia – UFBA atuando como apoio nas atividades. Destarte, além
da aprendizagem focada nos alunos do ensino médio, as atividades do Clube também
contribuem para a formação inicial de alunos da licenciatura. Destaca-se o empenho da gestão
escolar na formação integral e humanizada, disposta a abrir a escola para a universidade. Sem
esse apoio, seria difícil o crescimento do Clube. Infere-se que o professor não faz nada sozinho,
logo um trabalho harmônico e exitoso é feito por diferentes sujeitos dispostos a construir uma
educação que favoreça experiências com mais significados para os alunos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que os participantes do Clube Orbitz, têm adquirido novos saberes antes
desconhecidos ao desenvolverem seus projetos. Em nossa vivência podemos pontuar diversos
aspectos positivos de um Clube de Ciências em uma escola, tais como: aprofundamento do
ensinar e aprender, desenvolvimento da capacidade criativa e interativa do aluno, compreensão
e solução de problemas, autogestão dos alunos, maior engajamento em atividades extraclasse,
melhora da oralidade e escrita, maior diálogo e interação entre professores e alunos. As aulas
de iniciação científica propiciam tanto o conhecimento curricular como a formação de pessoas
autônomas e capazes de pensar de maneira crítica.
Percebe-se que a iniciação científica dentro de um Clube de Ciências ocorre a partir de
uma relação horizontal entre estudantes e professores, em que ambos trocam saberes para
construção de projetos que desenvolvam proatividade e curiosidade para resolução de
problemas. Sendo propósito do Clube Orbitz normalizar a aprendizagem fora da sala de aula.
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implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 2-10.
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sobre ciência, natureza da ciência e iniciação científica numa rede municipal de ensino. Revista
Fernanda Pereira de Brito, Andréia Bárbara Serpa Dantas, Débora Correia dos Santos e Jancarlos 117
Menezes Lapa
59
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 119
10
Santos
INTRODUÇÃO
Walter Benjamim (1994) tem já há algum tempo alertado sobre o desaparecimento dos
narradores, ressaltando assim o risco de extinção da arte de narrar por conta de uma nova
forma de comunicação que é a informação. Esta dá acesso a conhecimentos importantes,
porém muitas vezes distantes, que tão logo se esvaem. A informação dá explicações, verdades.
Mas a narrativa, não; ela perdura por anos e pode ser interpretada de variadas formas; não tem
compromisso com a verdade; não se explica; ela é. Diante desse cenário, em que as pessoas
buscam constantemente por interpretações, a narrativa não sobrevive. Nas palavras de
Benjamim (1994, p. 203):
Cada manhã, recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em
histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de
explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e
quase tudo está a serviço da informação (Benjamin, 1994, p. 203).
No entanto, um dos motivos que mais nos chama a atenção em relação a tal
desaparecimento está vinculado a outro desaparecimento: o do/a ouvinte. De acordo com
Benjamim (1994, p. 205), o tédio contribui para a assimilação e memorização, portanto,
atividades pacatas e silenciosas, como o tecer, contribuem para a memorização de histórias: “as
atividades intimamente associadas ao tédio já se extinguiram na cidade e estão em vias de
extinção no campo”, sendo que esses são cenários perfeitos para ouvir e contar histórias.
Entretanto, nós vivemos em uma sociedade que adotou a pressa, onde se é exigido rapidez na
execução do trabalho, contribuindo assim para o desaparecimento do ouvinte. A arte da
65
É possível acessar acervo parcial já coletado e disponibilizado no endereço: https://geppouefs.wixsite.com/uefs.
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 121
Santos
narrativa é compreendida, portanto, como uma espécie de artesanato das palavras, pois
“durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela
própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação” (Benjamin, 1994, p. 205).
Sabendo que o ofício de mestres/as da tradição não é dado (ninguém nasce sabendo
contar histórias), mas é construído, ao passo que se alimenta da memória, através da escuta
atenta, os/as mestres/as contadores são memorialistas. Nesse sentido, o ouvir é
preponderante, pois o narrador/a narra não apenas suas experiências, mas também aquelas
que ele/a escuta no seu cotidiano, e assim constrói o seu repertório de contos, de cantigas, de
piadas, de disse-que-me-disse, e até mesmo de fofocas. É comum ouvirmos de um contador/a
de histórias frases como: “os mais antigos contavam”, “ouvi de minha comadre”, “era assim que
contavam os mais velhos”, pois então, antes de levantar para contar suas histórias, eles/as
sentaram para ouvi-las de outro/as. Nas palavras de Benjamin (1994), “os narradores gostam
de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos
fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência
autobiográfica” (p. 205).
Independente da forma que a palavra toma, o narrador/a tem a destreza para manipulá-
la, e a manipula como ninguém, mas para isso, foi e é necessário aprender a arte de ouvir. Mas
então, por que não queremos mais ouvir as histórias e as narrativas dos contadores/as? Como
vamos escutar os nossos mais velhos se eles foram e continuam sendo silenciados?
Essas reflexões nos ajudam a compreender a importância de pensarmos formas de
remar em direção a possibilidades de valorizar saberes, vivências, pessoas e vozes que mantêm
vivo o patrimônio cultural imaterial, que são bibliotecas vivas e transferem saberes ancestrais
apesar de nunca terem, muitas vezes, tocado em caneta ou papel.
Apesar da falta de valorização da oralidade no mundo contemporâneo, ela funcionou (e
ainda funciona em determinados contextos), durante muito tempo, como canal central da
transmissão dos valores culturais.
O fato de o conhecimento passar a ser armazenado nos textos escritos, levou os estudiosos
a dar menor valor e atenção às formas artísticas orais. Sinal disto, é possuirmos um termo,
“literatura”, para designar o conjunto dos escritos, mas não possuirmos um outro que
designe satisfatoriamente a herança oral. No passado, criaram a expressão “literatura oral”,
empregada ainda hoje por alguns, mas que é gritantemente imprópria, já que a palavra
“literatura” vem de “letra” (do alfabeto) (Filho et al., 2004).
Sobre tal aspecto, Gislayne Matos (2005), quando tenta diferenciar os contadores de
histórias tradicionais de outros “artistas da palavra”, aborda sobre o fato de que a palavra do
contador está relacionada com a performance e essa afirmação se articula com o conceito de
Oralitura, que para Leda Maria Martins (2002):
Não nos remete univocamente ao repertório de formas e procedimentos culturais da
tradição verbal, mas especificamente, ao que em sua performance indica a presença de um
traço residual, estilístico, mnemônico, culturalmente constituinte, inscrito na grafia do
corpo em movimento e na vocalidade (Martins, 2002, p. 87).
Com isso, percebemos que ao narrar uma história do passado, o contador performa,
reencena e, até mesmo, revive aquela narrativa. O seu corpo não está distante dali, não é
apenas a sua voz. Segundo Martins (2002, p. 88), a Oralitura é “do âmbito da performance, sua
122 Tradição oral e cultura popular a partir de contadores de histórias: iniciando o processo de escuta na
comunidade quilombola da Ilha de Maré
âncora; uma grafia, uma linguagem, seja ela desenhada na letra performática da palavra ou nos
volejos do corpo”. É a escrita do e pelo corpo, ou seja, a tradição oral não se perpetua apenas
pelas narrativas que os narradores contam, mas também pelo corpo que carrega essas
memórias e as reescrevem, as reencenam, as revivem.
Assim, cabe relembrar que, nas sociedades de tradição oral, as histórias eram
reservatórios de saberes e meios de transmissão dos mesmos, memória e palavra em
movimento. Por exemplo, na África subsaariana, o povo peul acreditava que Deus, Maa, criara
o homem para ser seu interlocutor, Maa Ngala, e dera a este o poder da palavra para que
pudessem se comunicar (Ribeiro, 2010). Diante dos expostos, é possível entender que:
A tradição oral é a grande escola da vida, e dela recupera e relaciona todos os aspectos.
Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a
mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas. Dentro da
tradição oral, na verdade, o espiritual e material não estão dissociados. Ao passar do
esotérico para o exotérico, a tradição oral consegue colocar-se ao alcance dos homens,
falar-lhes de acordo com o entendimento humano, revelar-se de acordo com as aptidões
humanas. Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte,
história, divertimento e recreação, uma vez que todo pormenor sempre nos permite
remontar à Unidade primordial. Fundada na iniciação e na experiência, a tradição oral
conduz o homem à sua totalidade e, em virtude disso, pode-se dizer que contribuiu para
criar um tipo de homem particular, para esculpir a alma africana. Uma vez que se liga ao
comportamento cotidiano do homem e da comunidade, a “cultura” africana não é, portanto,
algo abstrato que possa ser isolado da vida. Ela envolve uma visão particular do mundo, ou,
melhor dizendo, uma presença particular no mundo – um mundo concebido como um Todo
onde todas as coisas se religam e interagem (Hampâté Bâ, 1982, p. 183).
Considerando que a cultura africana, veiculada através da tradição oral, não é algo
abstrato que possa ser isolado da vida, é imprescindível que ela esteja visível nas concepções
curriculares, assim como nas experiências e práticas educacionais desenvolvidas pelos
contextos formais e informais de ensino/aprendizagem.
Uma das formas que isso pode ser feito é levando as crianças a pesquisar em sua
comunidade receitas culinárias, contos de assombração, brincadeiras ou receitas de
remédios naturais que vêm sendo passados de uma geração a outra. Todos esses
conhecimentos permanecem através do tempo por meio de diferentes gêneros orais que
são adotados pelas pessoas para interagirem com as novas gerações e com os que fazem
parte de seu convívio. Se as crianças tomam consciência disso, elas passam a valorizar mais
aqueles com os quais convivem e, consequentemente, a se valorizarem mais (Leal; Brandão;
Lima, 2018, p. 4).
Observa-se, portanto, que nem o tempo foi capaz de apagar as memórias que se
passaram de maneira intergeracional, sem que se perdesse a raiz, a base que até hoje dá frutos,
visto que a oralidade tem um caráter permanente, é imprescindível. Mergulhando nas águas da
tradição oral, compreendemos que essa permanência se dá por diferentes fatores, no entanto,
diferente do que se pensa, a cultura popular não precisa de inspiração externa, ela se alimenta
e respira sozinha. Muitos são os meios de sobrevivência e do não desaparecimento, visto que
a cultura popular, a narrativa oral, tem utilidade para além do divertimento, ela carrega
memórias e valores de uma sociedade, além de proporcionar a manutenção de hábitos e
costumes. É preciso, portanto, apostar na tradição oral, pois ainda somos reflexo dela. Que
possamos aprender a ser bons ouvintes da nossa própria história ancestral.
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 123
Santos
METODOLOGIA
O projeto apresenta uma metodologia comum a todos os contextos nos quais tem
acontecido, salvo pequenas adaptações conforme cada realidade. No contexto específico da
comunidade quilombola de Ilha de Maré o percurso metodológico tem acontecido a partir das
seguintes etapas:
1) Pesquisa e estudo bibliográfico das principais obras de autores que discutem a
formação do contador de histórias e a valorização das narrativas orais;
2) Identificação dos Mestres e Mestras da comunidade a partir das vivências e
experiências realizadas por uma das estudantes pesquisadoras, nativa e moradora da
comunidade;
3) Realização da entrevista narrativa, registrada por meio de câmera de celular, após
prévia autorização do entrevistado/a e assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido – TCLE e o termo de autorização de uso de imagem. Sobre tal técnica, a
dinâmica
“[...] é deixar os entrevistados contarem suas histórias. O pesquisador precisa mostrar-se
atento, interessado por elas; expor interesse não verbal ou para-linguístico; formular as
perguntas imanentes para, quando o entrevistado fizer a “coda narrativa”, como chama
Schütze (2011), aproveitar e dar continuidade à narrativa” (Moura; Nacarata, 2017, p. 18-
19).
4) Transcrição dos contos coletados para posterior catalogação e organização do acervo
no repositório virtual;
5) Sistematização e intercâmbio a partir do trabalho realizado em cada uma das
universidades.
Ressalta-se que o projeto foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa.
Os resultados parciais que serão aqui descritos e discutidos referem-se às primeiras quatro
etapas acima citadas.
Ebomi Cici, mestra griot, exala nessa frase citada acima, um sentimento compartilhado
entre os guardiões da memória. O/A contador/a de histórias acredita nas histórias narradas,
mesmo que essas sejam alocadas em um lugar de descrédito pelos ouvintes. Pertenço 67 à
66
UFSB, Auditório virtual. Redemoinho de Saberes: Jornada de pesquisa em Narração Oral: Encontro com mestres 3 -
Ebomi Cici. Youtube, 5 de novembro de 2021. Disponível em: https://youtu.be/_gHH6XVBiLE . Acesso em: 4 mar. 2022.
67
Reflexões feitas pela pesquisadora, nativa da comunidade de Ilha de Maré, Elisabeth Lopes dos Santos.
124 Tradição oral e cultura popular a partir de contadores de histórias: iniciando o processo de escuta na
comunidade quilombola da Ilha de Maré
68
Lima, H. P. UFSB, Auditório virtual. Redemoinho de Saberes: Jornada de pesquisa em Narração Oral: Mesa 2 - Do griô
africano ao mestre-griô em território brasileiro: apropriações e ressignificações. Youtube, 19 de dezembro de 2021.
Disponível em: https://youtu.be/9Z0lYJWO8Vs. Acesso em: 31 mar. 2022.
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 125
Santos
as palavras, principalmente por me saber estando diante de uma pessoa que é mestre no que
faz. Segundo Oswaldo Elias (1967), a narrativa popular, no folclore, é a mais fascinante e
também a mais difícil de ser coletada. Percebi toda essa fascinação e dificuldade na prática. Em
alguns momentos, parecia que estava viajando por épocas longínquas; o corpo arrepiava de
tanta emoção. Entretanto, houve momentos de completo silêncio, silêncio de boca cheia, mas
sem saber o que dizer (se é que devia dizer algo). Em momentos como esse, fiquei quieta e
deixei que o mestre guiasse a entrevista, visto que para ele era um cenário de contação de
histórias.
Mestre Djalma
Ernandes Carlos Lopes, mais conhecido como Djalma, contou-me sobre suas aventuras
na infância, sua labuta na roça e no mar. Foi necessário retornar à sua casa muitas vezes para
coletar algumas histórias69 e canções.
Djalma é um grande compositor e tem vários cadernos com todas as suas músicas. A
sua forma de palavra é o canto e ele o utiliza para expressar o seu amor pela sua esposa Vilma,
como também o amor por seu lugar de pertencimento. Em uma de suas letras, ele declara:
“Minha ilha só tem mato, mas é boa de viver, eu não troco minha ilha nem por mim e nem por
você”. Essa música é conhecida por todos da comunidade e tem um enorme peso por ser uma
composição de um de nós, falando sobre nós. “O canto é, assim, uma forma de palavra. Na
cultura mandingue, de acordo com Salia Traoré, informante Burkinabe, ele é considerado a
palavra mais vasta de todas” (Ribeiro, 2013, p.55). Já na tradição guarani, “o canto é uma palavra
prenhe do espírito e carregada de poder” (Casoy, 2009, p. 19).
O mestre Djalma com toda a sua cantoria costurou uma relação entre política e
produção artista popular, de quanto em quanto, ele foi me dizendo a sua opinião sobre a
situação de exclusão pelo qual os negros e as negras foram e são submetidos. Em uma de suas
canções, ele declara “Eu sou africano de pele e de cor”, mostrando-me que ainda está aceso em
seu peito o amor pela mãe África, mesmo depois de tantos anos de exílio. Segundo ele, nem
todas as suas músicas estão registradas no cartório, só que ele passou essa tarefa para sua neta,
Clara, que herdou todo o seu repertório de músicas e a responsabilidade de registrá-las e de
gravá-las.
Seguem abaixo algumas das suas cantigas coletadas:
69
É possível acessar os podcasts “Histórias da Mãe D’Água”, contada pelo Mestre Djalma nos seguintes endereços:
https://open.spotify.com/episode/3GwgAoZ1aYynmH8bEMAseT e
https://open.spotify.com/episode/7rwPKC13WpMj9uKWk5ZcNJ. Coleta realizada por Belisa Andrade do Amaral, pelo
Projeto de Extensão Brinquedoteca de Histórias (UNILAB, 2020).
126 Tradição oral e cultura popular a partir de contadores de histórias: iniciando o processo de escuta na
comunidade quilombola da Ilha de Maré
Eu sou africano
Eu sou africano de pele e de cor
Eu tenho muito orgulho, eu tenho muito amor
Eu sou Zumbi ê, eu sou Zumbi
Vocês mataram ele, mas eu estou aqui
Vocês são brasileiros e eu sou africano
Eu estou aqui por um grande engano
Eu vou voltar ê, eu voltar
A África é minha terra, eu vou voltar pra lá.
Sr. Noca
Para entrevistar Claudionor, conhecido como Sr. Noca, tive de atravessar de barco para
a comunidade de Praia Grande. Fiz essa travessia e encontrei o mestre Noca sentado em sua
varanda. O mestre Noca me contou um pouco sobre sua infância, mas tive muita dificuldade
para fazê-lo relembrar histórias de sua vida, de contos que ouviu quando criança, etc. Segundo
Laricia, integrante do projeto Ancestralidade Griot e também moradora da comunidade, o Sr.
Noca narrava muitas experiências de seu passado e também contava muitas histórias, mas de
uns tempos para cá, vinha-se esquecendo de muita coisa. No entanto, no momento da
entrevista, tentei rememorá-lo, a fim de que se lembrasse de alguma narrativa. Daí veio-lhe à
mente sua relação com os seus pais.
Mestre Noca tem 92 anos e mora sozinho. Parte do seu tempo é dedicada ao seu velho
rádio e a cuidar de pássaros que mantém em gaiolas. O dia passa com ele sentado em sua
varanda, vendo as pessoas passarem, mas poucas são aquelas que vão à sua casa ouvir suas
histórias, pedir seus conselhos e ensinamentos. Nesse contexto de esquecimento, o narrador
não sobrevive, porque a memória precisa ser exercitada, e é a oralidade que a alimenta, que a
exercita.
Dona Janira
Agosto, período de maré grande, é quando saímos para lançar as redes, e a minha rede
pescou uma contadora de histórias. No fim da entrevista com o Mestre Noca, uma senhora me
chamou para saber de quem eu era filha e o que eu estava fazendo: “você é a neta de Dona
Sica?”, perguntou-me ela, e eu respondi-lhe que sim, eu era. Curiosa, como toda contadora de
histórias, ela quis saber o porquê da entrevista com o Senhor Claudionor. Falei-lhe sobre o
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 127
Santos
projeto e ela me disse que também queria contar uma história. E eu, que não sou de acreditar
em milagres, senti as mãos sagradas da tradição oral orientando-me para ser vista. Confesso
que estava um tanto desanimada com a ideia de que os narradores estão em um lugar de
desaparecimento, mas a chamada daquela senhora me deu uma gota de esperança.
Ela pediu para me achegar e me ofereceu café. Aceitei-o e começamos a bater um papo.
Janira dos Reis Moraes Neves é devota de Nossa Senhora das Neves, padroeira de Ilha de Maré.
Segundo ela, na sua infância, era preciso ajudar os pais trabalhando para sobreviver e a
educação escolar não era prioridade. Dona Janira me contou que em certo dia ela chorou muito
para ir à escola, mas o pai disse-lhe: “você vai chorar pitangas, mas não vai à escola”.
Por isso, ela desistiu de insistir e seguiu trabalhando. Ela casou-se muito cedo com
Berivaldo do Nascimento Neves, e tiveram três filhos. Berivaldo tem 80 anos e é baleeiro, assim
como a sua esposa.
A história que Dona Janira me contou se relaciona com o contexto religioso e social do
qual ela faz parte, mas também pontifica a fé com a magia. Ouvi de seus lábios a história da
aparição de Nossa Senhora das Neves, em Ilha de Maré. A partir de seu relato, comecei a refletir
sobre alguns pontos.
A narrativa apresentada relata a história de um casal que tinha uma plantação de fava,
e toda lua cheia uma mulher subia das águas para se alimentar dessa plantação. Quando
percebia que a lua se despedia, a mulher retorna para o seu leito/mar. A narrativa popular
fundamenta-se, constrói-se, por muitas vezes, respeitando o contexto que está sendo
transmitida. Pode-se dizer que essa história não foi criada na ilha (até porque se parece bastante
com uma variante do conto da Mãe-d’água70), mas foi adaptada para ser aderida pelos ouvintes.
Evoco, para reforçar a minha fala, a escritora e pescadora Elionice Conceição Sacramento
(2022, p. 61) quando diz que somos determinados “pelos horários das marés, pelas fases da lua
e pela direção e força dos ventos”. Sendo assim, a narrativa passa também por esses processos
e as histórias, os contos e os cantos aderem e se encaixam nessa organização social. Por isso,
encontramos na aparição de Nossa Senhora elementos como a lua, o mar e a plantação.
Em comunidades que utilizam a oralidade como predominante, todas as atividades
exercidas pelas pessoas vão-se relacionar. A religião, o trabalho, as formas de se manter
culturalmente, tudo terá um único propósito: a manutenção do modo de vida. Portanto, nesse
cenário, as narrativas religiosas irão vincular-se com as águas, a roça, a culinária, a família, etc.
Tudo é uma coisa só e sem muito se explicar.
As lágrimas de dona Janira rolaram ao narrar a história da Nossa Senhora das Neves, e
nesse momento, senti a fascinação que Oswaldo Elias Xidieh retrata em “Narrativas Populares”,
assim como me fez recordar a fala de Ebomi Cici, já aqui citada: “eu acredito nas histórias que
conto”. Esse “acreditar” traz uma sensação de vivência, ou seja, pode até não ter sido uma
experiência do narrador, mas a transmissão e o processo de rememoração transformam a
história em algo ainda emocionante. Essa é, pois, a forma que a literatura popular encontra para
70
Era um homem muito pobre que tinha sua plantação de favas na beira do rio; porém, quando elas estavam boas para
colher, não apanhava uma só, porque, da noite para o dia, desapareciam. Afinal, cansado de trabalhar para os outros
comerem, tomou a resolução de espiar quem era que lhe furtava as favas. Um dia, estava à espreita, quando viu uma moça,
bonita como os amores, no meio do faval, abaixo e acima, colhendo as favas todas”. Maravilhas do conto popular. Adaptação
de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.
128 Tradição oral e cultura popular a partir de contadores de histórias: iniciando o processo de escuta na
comunidade quilombola da Ilha de Maré
Matos (2005), ao parafrasear Hampâtê Bá, nos adverte que no ensinamento tradicional
71
XIDIEH, O. E. Narrativas populares: estórias de Nosso Senhor Jesus Cristo e mais São Pedro andando pelo mundo.
Editora Itatiaia, 1993.
Elisabeth Lopes dos Santos, Laércia Pereira Baptista, Ana Rita de Cássia Santos Barbosa , Luciene Souza 129
Santos
africano existem coisas que não podem ser explicadas. Portanto, para compreendê-las é preciso
experimentá-las. Assim, é preciso apostar na cultura oral, pois ainda somos reflexo dela.
Retomando essa reflexão produzida por Laércia Baptista, proveniente da Guiné Bissau, país do
continente africano, e uma das pesquisadoras que esteve envolvida no projeto 72, percebemos
uma conexão com o significado de Sankofa, símbolo Andinkra representado pela imagem de
um pássaro que necessita olhar para trás para poder prosseguir adiante. Através dos contos,
rezas, cânticos e palavras, ditas e não ditas, pelos mestres e pela mestra participantes deste
estudo, tentamos iniciar um pouco desse processo de olhar para trás, consultando nossas
bibliotecas vivas. Até os silêncios e o esquecimento do Sr. Noca nos diz algo: nos faz refletir
sobre a importância de manter vivo o interesse dos ouvintes. Em tal contexto é papel, também
da escola e das universidades, fomentar ações para a valorização e divulgação de todo o
repertório cultural emanado pela tradição oral. Não apenas por conta da obrigatoriedade do
ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, através da implementação das
Leis n. 10.639/03 e n. 11.645/08. Mas, sobretudo, porque queremos ser ouvintes. Desejamos
olhar para trás e sabermos quem somos. E quanto mais olharmos para trás, no sentido de
conhecermos cada vez mais toda a história e cultura que nos foi estruturalmente negada,
“escondida” e deixada à margem, saberemos como caminhar e trilhar no tempo presente, pois
conheceremos mais um pouco sobre nós mesmos. Nesse sentido, os resultados parciais
apresentados nos indicam uma conexão profunda entre as narrativas coletadas e o território
no qual os sujeitos da pesquisa se inserem. Eles nos apresentam outras epistemologias e outras
formas de ver e conceber a vida, a partir de suas próprias experiências. Percebemos portanto
que este é apenas o início de um longo caminho que precisa ser percorrido a fim de destacar e
visibilizar a história, a vida e os saberes dos mestres e mestras da tradição, que têm na oralidade
o principal veículo de difusão da cultura popular, emanada de geração em geração. Há muitas
e muitas águas que precisam ainda vir à tona, do fundo dessa Cacimba.
Ao visitarmos e entrevistarmos Seu Mano, por exemplo, morador da Ilha do Paty 73,
bastante conhecido pelas histórias guardadas na memória, percebemos que suas palavras
fluíam cada vez mais à medida que ele teve a oportunidade de contá-las, sentindo-se assim
ouvido, valorizado, convidando-nos para retornar pois havia ainda mais histórias para nos
contar. Seu Mano nos faz reconhecer, dentro do próprio processo de pesquisa de campo, que
os mais velhos sentem a necessidade de serem ouvidos. Isso de fato é uma grande verdade.
Contudo essa é uma outra história e falaremos mais sobre ela em outra oportunidade... Que
possamos, cada vez mais, multiplicar e divulgar reflexões sobre a tradição oral, aprendendo
sobretudo com as comunidades quilombolas, locais preciosos como uma grande e rara
biblioteca, que guardam tantos mestres e mestras que ainda precisam ser ouvidos.
REFERÊNCIAS
72
Laércia Baptista participou da pesquisa de campo realizada na Ilha do Paty, comunidade quilombola de São Francisco do
Conde-Bahia.
73
“O lugar é um distrito de São Francisco do Conde — município a 72 quilômetros de Salvador, próximo a Santo Amaro e
conhecido por sua atual importância na indústria do petróleo. Na ilha, as principais fontes de renda ainda são a pesca, o
roçado e ser funcionário da prefeitura”. Trecho retirado do livro de Lázaro Ramos intitulado “Na Minha Pele”, publicado em
2017.
130 Tradição oral e cultura popular a partir de contadores de histórias: iniciando o processo de escuta na
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Editora Appris, 2022.
XIDIEH, O. E. Narrativas pias populares. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros -USP, 1967.
Jocelia Oliveira Almeida 131
INTRODUÇÃO
74
Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em Pedagogia em março de 2022.
75
Jocelia Oliveira Almeida é licenciada em Pedagogia. E-mail: joceliaw1@hotmail.com.
76
O PNAIC foi criado em 2012 e tinha como principal desafio garantir que todas as crianças brasileiras até 8 anos (3 º ano
do Ensino Fundamental) fossem alfabetizadas plenamente. Para isso, contemplava a participação da União, estados,
municípios e instituições de todo o país com base em quatro eixos de atuação: formação continuada de professores;
materiais didáticos e pedagógicos; avaliações; gestão, controle social e mobilização.
132 Alfabetização na idade certa: pontuando os desafios e as possibilidades enfrentadas durante a pandemia
METODOLOGIA
DESENVOLVIMENTO
A escolha deste tema foi influenciada pela relevância presente no exercício da profissão
de professora alfabetizadora. Atuar como professora é de suma importância para orientar e
134 Alfabetização na idade certa: pontuando os desafios e as possibilidades enfrentadas durante a pandemia
Processo de alfabetização
136 Alfabetização na idade certa: pontuando os desafios e as possibilidades enfrentadas durante a pandemia
desenvolvê-la com muito cuidado para que não se torne uma tarefa chata para os pequenos. É
muito importante que o professor saiba apresentar a leitura como algo agradável, lúdico,
fazendo com que a criança vivencie um momento de descontração para que esta prática ganhe
um lugar de grande relevância na vida da criança, se faça um processo contínuo e se torne um
hábito, pois também pode ser trabalhada dentro e fora do contexto escolar. Freire (1996) diz
que “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção” (p. 52). O professor aberto às indagações dos alunos e
a curiosidade.
O relato de experiência falado na introdução deste artigo trata-se muito sobre essa
ludicidade: uma criança de 7 anos que gostava muito de brincar, confinada em casa por causa
da pandemia aprendeu de forma lúdica com a mãe, que sabendo do perfil da filha, adaptou
brincadeiras e criou jogos para que houvesse aprendizado, desenvolvimento e autonomia. Essa
alfabetização foi feita fora da escola e precisou ter sido feita nesse momento, sem poder deixar
para depois, tendo em vista o momento de confinamento e a importância da alfabetização na
idade certa.
Um exemplo dessa ludicidade foi a invenção da mãe do Dominó das palavras; esse
planejamento metodológico teve como objetivo promover o aprendizado da criança no
processo de aquisição da leitura e da escrita. O jogo possibilita um conjunto de vivências
recreativas, que mobilizam a familiarização com a escrita e a leitura. Assim tal método tem como
objetivo levar a criança a refletir para, então, construir a formação de conceitos e
conhecimentos para conquista da autonomia essencial a todo ser.
O dominó é um jogo bastante conhecido, sendo descrito em sua apresentação com
peças retangulares, é um jogo de estratégia, no seu formato tradicional possui 28 peças e pode
ser jogado em duplas, grupos de 4 ou mais pessoas. Os jogadores começam com 7 peças e ao
distribuir para os participantes o restante das peças fica como reserva para as próximas jogadas.
O dominó das palavras, que foi elaborado pela própria mãe, pode ser aplicado aos estudantes
do Ensino Fundamental do 1º e 2º dos anos iniciais com intuito de ajudar nesse processo da
alfabetização e aprendizagem da língua materna, para potencializar o estudo da fonética da
classificação das palavras dissílaba e trissílabas.
O jogo dominó das palavras foi elaborado para trabalhar as dificuldades com a interação
com a língua materna, identificando os sons das palavras, suas semelhanças e diferenças. A mãe
precisou encarar o desafio de assumir uma postura de professora e mãe ao mesmo tempo, de
modo que pudesse envolver o conhecimento e o domínio que queria ensinar principalmente
quando o assunto é alfabetizar.
A ludicidade contribui muito positivamente nesse processo de alfabetização; a mãe
aplicava atividades, cantava cantigas de rodas, contava historinhas, brincava e dançava. A
alfabetização é em si o ensino de código alfabético e ortográfico, enquanto a ludologia, é estudo
do que é lúdico, ou seja, do movimento humano que gera aprendizagem. Não se pode pensar
no lúdico só como brincadeira, pois é através da brincadeira que se ensina a criança de uma
forma mais leve, descontraída. Para Santos (2002),
[...] é uma necessidade do ser humano em qualquer que seja a idade e não pode ser vista
apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o
desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora uma boa saúde mental, facilita os
138 Alfabetização na idade certa: pontuando os desafios e as possibilidades enfrentadas durante a pandemia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
“Maria, Maria
mistura a dor e a alegria
[...]”
(Maria, Maria – Milton Nascimento e Fernando Brant) 77
77
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
12
Janille da Costa Pinto 143
A I Feira Científica Integrada das Escolas do Campo dos Territórios do Sul da Bahia –
INTEGRA CAMPO, coordenada pela pesquisadora Janille Pinto, em parceria com os integrantes
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo – GEPEC-Litoral Sul e a equipe da
Diretoria de Educação dos Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria da Educação do
Estado da Bahia – SEC-BA, nasce em 2022 mediante a inquietação dos integrantes do
supracitado grupo de estudos e pesquisa em constatar que a rede estadual de educação da
Bahia não possuía um espaço específico para discutir a produção de conhecimento, nem
promover o incentivo a pesquisa científica focalizadas nas especificidades da modalidade da
educação do campo.
Então, em julho de 2022, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – MCTI, por
meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, torna
pública a Chamada CNPq/MCTI/FNDCT n. 06/2022 Feiras de Ciências e Mostras Científicas
a ser executada com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
– FNDCT. Convida os interessados a apresentarem propostas para poder “apoiar projetos que
visem contribuir significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e a
inovação do país, por meio da realização de Feiras de Ciências e Mostras Científicas em âmbito
nacional, estadual e municipal, em todas as áreas do conhecimento” (Brasil, p. 1, 2022).
Nesse momento, a coordenador do grupo GEPEC-Litoral Sul mobilizou os integrantes e
juntos construíram a proposta para a Linha 2 - Abrangência Estadual e fizeram inscrição. A
proposta foi aprovada com a nota 9,56, recebeu financiamento e quarenta bolsas de Iniciação
Científica Júnior – ICJ, quatro bolsas de Apoio Técnico em Extensão no País Nível Superior –
ATP-A e duas bolsas de Apoio à Difusão do Conhecimento – ADC-1C.
Assim, a equipe começou o processo de mobilização com a Diretoria de Educação dos
Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC-BA e
78
Janille da Costa Pinto é mestra em Ciências da Educação; especialista em Docência para Educação Profissional e
Tecnológica; em Docência do Ensino Superior; em Linguagens, suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho; em EAD; em
Produção em Mídias para Educação Online; em Gestão do Trabalho Pedagógico: Orientação e Supervisão Escolar; licenciada
em Pedagogia e bacharela em Administração. É professora da rede municipal de Ilhéus-Bahia; coordenadora pedagógica
(Estado da Bahia) e pesquisadora do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação do Campo e
da Cidade – GEPEMDECC/UESB; do Grupo de Estudos, Pesquisas e Experimentações Educacionais – GEPEE/IAT/SEC-BA.
É coordenadora do Grupo de Estudos e pesquisas em Educação do Campo no Território Litoral Sul – GEPEC- Território
Litoral Sul); coordenadora da Feira Integra Campo vinculada ao CNPq. e-mail: janille_80@hotmail.com.
I Feira Científica Integrada das Escolas do Campo dos Territórios do Sul da Bahia (Integra Campo):
144
intercâmbio de saberes
os Núcleos Territoriais da Educação Litoral Sul – NTE 05, Extremo Sul – NTE 07, Costa do
Descobrimento – NTE 27 e Baixo Sul - NTE 06, visto que na chamada do CNPq para a
realização da feira de abrangência estadual as propostas deveriam seguir as regras a seguir:
a) Reúnam, no mínimo, 80 trabalhos científicos de estudantes do ensino fundamental,
ensino médio e técnico, de escolas públicas e privadas de pelo menos 10% dos municípios
do Estado ou, no caso do Distrito Federal, de pelo menos 20% de suas escolas; b) Divulguem
o evento e a inscrição de trabalhos com amplitude estadual, respeitando-se as regras de
participação e seleção definidas pela instituição proponente (Brasil, p. 1, 2022).
Mediante essa exigência, a equipe organizadora da feira, por fazer parte do NTE 05 -
Litoral Sul, decidiram envolver todos NTEs localizados no Sul da Bahia, para assim, promover
um intercâmbio de saberes e conhecimento dos estudantes matriculados nas escolas do/no
campo, visto que cada NTE possui suas especificidades e abrangência como podemos notar a
seguir:
• Litoral Sul – NTE 5: ocupa uma área aproximada de 14.665 Km2, o que corresponde a
2,6% do território estadual (Bahia, 2015, p. 147), sendo composto por 26 municípios:
Almadina, Arataca, Aurelino Leal, Barro Preto, Buerarema, Camacan, Canavieiras,
Coaraci, Floresta Azul, Ibicaraí, Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Itaju do Colônia, Itajuípe, Itapé,
Itapitanga, Jussari, Maraú, Mascote, Pau-Brasil, Santa Luzia, São José da Vitória,
Ubaitaba, Una, Uruçuca. Nesse Território de Identidade, a rede estadual de ensino é
composta por 93 unidades escolares (incluindo os anexos localizados nas comunidades,
vilas, distritos e povoados);
• Baixo Sul – NTE 6: ocupa uma área de 7.695 Km2, o que corresponde
aproximadamente 1,4% do território estadual (Bahia, 2016, p. 87), sendo composto por
15 municípios: Aratuípe, Cairu, Camamu, Gandu, Ibirapitanga, Igrapiúna, Ituberá,
Jaguaripe, Nilo Peçanha, Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá,
Teolândia, Valença, Wenceslau Guimarães. Nesse Território de Identidade, a rede
estadual de ensino é composta por 53 unidades escolares (incluindo os anexos
localizados nas comunidades, vilas, distritos e povoados);
• Extremo Sul – NTE 7: ocupa uma área de quase 18.536 Km², o que corresponde
aproximadamente 3,9% do território estadual (Bahia, 2015, p. 202), sendo composto
por 14 municípios: Alcobaça, Caravelas, Ibirapoã, Itamaraju, Itanhém, Jucuruçu, Lajedão,
Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viçosa, Prado, Teixeira de Freitas, Vereda. Nesse
Território de Identidade, a rede estadual de ensino é composta por 83 unidades
escolares (incluindo os anexos localizados nas comunidades, vilas, distritos e povoados);
• Costa do Descobrimento – NTE 27: ocupa uma área de cerca de 12.132 Km2,
corresponde aproximadamente 2,2% do território estadual. Sendo compostos por 8
municípios: Belmonte, Eunápolis, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro
e Santa Cruz Cabrália (Bahia, 2015, p. 235). Nesse Território de Identidade, a rede
estadual de ensino é composta por 46 unidades escolares (incluindo os anexos
localizados nas comunidades, vilas, distritos e povoados).
Janille da Costa Pinto 145
CONSIDERAÇÕES
Ao final do presente relato, embasada nas leituras realizadas durante todas as etapas
para a realização da INTEGRA CAMPO e das ações concretizadas no dia 17 de agosto de 2023,
percebe-se que já era tempo para essa modalidade de educação ter um evento específico para
sua realidade dentro da rede estadual de educação da Bahia.
Identificamos que foram (e está sendo) diversas ações realizadas durante A INTEGRA
CAMPO, desde encontros virtuais e presenciais de alinhamento com a equipe organizadora,
SEC-BA, NTEs, parceiros e equipes escolares e, principalmente, no dia presencial de realização
da Feira. Esse momento foi de uma riqueza imensurável, de um grande intercâmbio entre as
Janille da Costa Pinto 151
redes municipais, estaduais e federais, bem como de saberes e conhecimento científico, cultural
e artísticos dos povos do campo.
Percebe-se a necessidade de realização de novas edições da INTEGRA CAMPO (não
somente nos Territórios de Identidade localizados no Sul da Bahia) para motivar os estudantes
e equipes escolares que residem e/ou estudam no campo a pesquisarem e estudarem sobre
sua realidade locar e fortalecer suas práticas pedagógicas nas escolas do/no campo com sentido
e significado.
Ademais, as ações da INTEGRA CAMPO perpassaram a formação continuada dos(as)
profissionais e estudantes envolvidos, pois possibilitou mudanças na postura e pensamentos
sobre os objetos de conhecimentos pesquisados, bem como a luta que a educação do/no
campo trava há tempos para uma estrutura física e pedagógica condizente com as
especificidades do campo e a necessidade de ressignificação da prática e metodologia dos(as)
professores(as) e comunidade escolar.
REFERÊNCIAS
79
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Marlene Gonzaga Bitencourt 153
INTRODUÇÃO
80
Marlene Gonzaga Bitencourt é especialista em Novas Tecnologias Educacionais pela Universidade Federal da Bahia -
UFBA; em Educação Especial pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB; em Alfabetização pela UFBA; em Supervisão
Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas; e pedagoga pela Universidade Estadual de
Santa Cruz – UESC. É professora aposentada da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC-BA e coordenadora
pedagógica da Secretaria Municipal da Educação de Salvador - SMED. É formadora especializada no Programa de
Enriquecimento Instrumental – PEI (níveis I e II) pelo International Center for the Enhancement of Learning Potential – ICELP,
em Jerusalém/Israel, desde 1999. E-mail: marlenegbitencourt@yahoo.com.br
Aula mediada na construção do conhecimento: contribuições de Reuven Feuerstein na atuação do
154
professor/mediador com jogos eletrônicos
à propensibilidade de o ser humano se adaptar a novas situações, visto ter sido esse o seu
triunfo evolutivo. Facilitar a adaptação às condições da sociedade cognitiva atual implica lançar
mão de programas de enriquecimento cognitivo, combatendo os índices de baixo rendimento,
de insucesso, de disfuncionamento mental e de privação cultural, que obstaculizam novas
oportunidades de potenciar a cognição do RH.
Para superar o perigo crescente de indivíduos excluídos de condições mínimas de
qualificação e empregabilidade, exige-se uma tomada de consciência sobre os novos desafios
de gestão dos postos e das competências de emprego, da organização do trabalho, da formação
profissional e do desenvolvimento de organizações de aprendizagem em todos os setores.
Em todos eles o investimento na cognição é fundamental, não só para responder as
mudanças abruptas de qualificação e desqualificação, como para promover formas adequadas
de motivação que travem a tendência redutora do subaproveitamento dos RH em muitas
organizações. Ultrapassar este problema envolve apostar em programas de intervenção
cognitiva que aceleram a modificabilidade das pessoas, que ampliem os seus processos mentais,
as suas funções cognitivas, o seu domínio tecnológico, bem como reduzam a resistência
psicológica e emocional às permanentes transformações.
Em síntese, é urgente assumir uma crença no potencial do indivíduo, na sua
disponibilidade estrutural para aprender e reaprender, para generalizar e transferir as suas
aquisições aprendidas para situações diversas e imprevisíveis, pois esta imprevisibilidade dos
RH é a única previsibilidade em que as organizações têm que se concentrar no futuro.
Aprender novas formas de raciocínio, desenvolver competências de comunicação,
redesenvolver funções cognitivas deteriorizadas, traumatizadas e diminuídas por formas de
trabalho puramente motoras, braçais ou gestuais, pobres intelectualmente, minimamente
reflexivas e simbólicas e cognitivamente desestruturadas, é certamente uma das respostas mais
necessárias para se observar a adaptação à sociedade cognitiva.
A adaptação a esta sociedade atual exige abandonar a segurança do conhecido, do
familiar e do habitual e voltar-se para uma aventura do inédito e do imprevisível; a hipótese da
mobilidade só se torna viável através da flexibilidade das funções cognitivas. Numa sociedade
supersimbólica, com uma economia global baseada numa revolução computacional, o poder do
conhecimento ganha novos contornos de poder, não só no mundo dos negócios como no
mundo da formação e da qualificação de RH.
Apostar na inteligência é hoje uma estratégia de sobrevivência de muitas organizações,
na medida em que dá a cognição um papel fundamental na gênese e no desenvolvimento da
adaptação e da aprendizagem, de onde podem emergir novos hábitos mentais, novas aquisições
tecnológicas, novos poderes criativos, novas estratégias de resolução de problemas, novos
conhecimentos e atitudes, novos desenvolvimento de teorias e de potenciais de transferência
para as mais diversas situações.
Os RH do futuro terão que ser, inevitavelmente, mais talentosos, triunfadores e mais
solucionadores das situações-problemas que surgirão nos seus locais de trabalho. A revolução
cognitiva, que se aproxima de todo o tipo de organizações, vai produzir indivíduos cada vez
mais inovadores, mais decisores inteligentes, mais aprendizes eternos, verdadeiros atores do
desenvolvimento nos seus locais de trabalho, e não meros espectadores desinteressados e
Aula mediada na construção do conhecimento: contribuições de Reuven Feuerstein na atuação do
156
professor/mediador com jogos eletrônicos
com o meio, é um componente adaptativo altamente modificável, sem o qual não seria possível
a construção do mundo civilizado e a adaptabilidade à variedade de situações experienciais de
seu processo sócio-histórico. A inteligência fez o Homo sapiens e vice-versa, estruturou o seu
comportamento e a sua afetividade, por isso, tornou-se a condição vital da sua adaptação à
mudança e do seu desenvolvimento social e cultural. A sua plasticidade, surgida de estágios
integrados, permitiu novas formas de pensamento e de ação, implicando o acesso ao
pensamento científico. Numa concepção imutável da inteligência, o ser humano não evoluiria,
petrificar-se-ia mentalmente e a sua cultura estabilizar-se-ia inexoravelmente.
É, portanto, um erro considerar a inteligência como fixa e é também um erro categorizar
pessoas como débeis ou deficientes mentais, na medida em que elas, na sua essência, podem
se transformar por efeitos da educação e da formação. Conceber o indivíduo como fixo é
acientífico, mesmo à luz da psicologia científica, porque baseada em medições questionáveis.
Conceber a inteligência como calculável foi uma tragédia, pensá-la como reduzida a um
quociente mental – QI x ou y, explicitando qualquer atraso, é um reducionismo perigoso,
segregativo e tautológico.
A inteligência decorre efetivamente da aprendizagem, uma espécie de condenação a
que nenhum ser humano pode escapar em qualquer cultura que se posicione, pois só uma
dimensão expositiva à complexidade da experiência de aprendizagem mediada (Feuerstein,
1985), a modificabilidade da sua inteligência pode operar-se em certa medida explicar o
sucesso na vida de muitos indivíduos com QI baixo, mas que mostram potencial de
aprendizagem, e é esta que interessa potenciar e mediatizar em termos educativos ou
formativos. Por se ter adotado no passado, o QI fixo e imutável nos sistemas de educação e de
formação, a segregação da situação de aprendizagem instalou-se, originando, como
consequência, uma visão inútil e desumana sobre o potencial de muitos indivíduos
irremediavelmente perdidos para a vida.
Proporcionar ao indivíduo, pelo contrário, oportunidades de aprendizagem
mediatizadas, intencionais, significativas, transcendentes e centradas sobre as suas disfunções
cognitivas, modelando o seu comportamento e a sua reorganização mental (funções de input,
integração-elaboração e output), pode fazer a diferença na sua inteligência, e várias pesquisas
na educação cognitiva têm demonstrado isso (Feuerstein, 1980; Haywood et al., 1992;
Fonseca; Santos; Cruz, 1994a, 1994b).
Para pôr em prática esta concepção de formação e qualificação, teremos que destruir
os estereótipos de muitas gerações que definiram o potencial intelectual como inalterável, visto
que ela postula a modificabilidade das estruturas cognitivas e propõe um enriquecimento
cognitivo e um modelo dinâmico de avaliação. A necessidade de adaptação, exigida pela
sociedade cognitiva, é um desafio constante à inteligência dos RH para desenvolvermos
efetivamente. É preciso ter uma abordagem ativa e otimista sobre os RH, pois seu
autoaperfeiçoamento e sua automodificabilidade só podem ser alcançados por meio de
processos de aprendizagem baseados nas funções cognitivas. Aprender a aprender vai ser tão
possível, e devido a essa modificabilidade, os RH tornar-se-ão mais competentes, flexíveis e
tolerantes. O ser humano, um recurso inesgotável, não pode se desperdiçar, ele por si próprio
está aberto ao desenvolvimento de novas estruturas, de novos sistemas e de novos modelos
Marlene Gonzaga Bitencourt 159
de pensar e agir, que podem ampliar o seu repertório experimental para se adaptar a diversos
contextos, tornando possível a modificabilidade da sua qualificação para um mundo em
mudança acelerada.
O futuro exige que a adaptação dos RH se faça através da inteligência da sua
plasticidade e flexibilidade; só por esses meios lhe podemos ascender. Mais do que nunca, a
qualificação dos RH precisa investir na sua modificabilidade cognitiva.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. Sua primeira publicação foi Filosofia da Biologia; 1. Sua primeira publicação foi sobre a Cultura Judia;
2. Psicologia centrada na criança, um adulto incompleto em pequenas 2. Psicologia centrada na criança um adulto incompleto em pequenas
quantidades, memórias de um adolescente e de uma criança consegue quantidades, adolescentes e adultos são iguais em retenção da
reter em pequenas quantidades; memória sendo que a criança em pequenas quantidades;
3. Desenvolve fenômenos linguísticos ao longo da sua infância. 3. Desenvolve fenômenos linguísticos ao longo da infância;
4. O desenvolvimento da criança é da ação, ou seja, no final do processo 4. O desenvolvimento da criança é da ação do pensamento, ou seja,
se converte em pensamento; no final do processo se converte em pensamento;
5. Do sensório motor para esquemas de pensamento 5. Do sensório motor para esquemas de pensamento.
informação. Portanto, uma mudança estrutural, uma vez iniciada, irá determinar o curso futuro
do desenvolvimento individual. A “modificabilidade cognitiva” acontece através de intervenção
que facilitará a geração do crescimento contínuo tornando o organismo receptivo e sensível a
estímulos internos e esternos.
Modificabilidade, portanto, é uma saída significativa, substancial e durável de um traço
de desenvolvimento além do que se poderia predizer, com base na medida tradicional do nível
esperado de funcionamento do indivíduo. Só em casos muito raros é possível ocorrer
modificabilidade substancial a partir da própria iniciativa do indivíduo, pois é pressuposto que
tal modificabilidade usualmente requer uma intervenção intensiva e sistemática.
A TMCE postula que a modificabilidade pode ser conseguida apesar dos obstáculos
severos no indivíduo ou em suas condições de vida. Feuerstein insiste em dizer que a não ser
nas lesões genéticas e orgânicas mais graves, o organismo humano está aberto a
modificabilidade em todas as idades e estágios de desenvolvimento. A TMCE sublinha a
cognição por três razões: primeiro, cognição é de importância capital nas atividades humanas e
nos processos de adaptação do indivíduo. Pouquíssimas atividades humanas não têm um
componente cognitivo significativo. Segundo, na vida moderna, especialmente numa sociedade
tecnológica, há demandas fortes ao funcionamento cognitivo do indivíduo. O estatuto
educacional, ocupacional e socioeconômico do indivíduo se relaciona, fortemente, com suas
conquistas ou feitos cognitivos. Cognição é um dos determinantes mais potentes da adaptação.
Terceiro, cognição é uma avenida acessível para intervenção no meio ambiente.
Feuerstein (1980) fala de disfunções cognitivas ou de funções cognitivas deficientes
quando o ato mental não é efetuado adequadamente, definições cuja lista está apresentada
mais adiante, que afetam a performance e o rendimento cognitivo e se constituem raízes
etiológicas do insucesso na aprendizagem, quando elas ocorrem por carência ou insuficiente
da EAM.
O termo estrutural refere-se a estrutura mental como em um sistema total e integrado, que
é composto por elementos ou subsistemas interconectados e interdependentes, que se
influenciam, combinam, coíbem e afetam mutuamente uns aos outros, daí que uma
disfunção cognitiva quer no input, quer na integração – elaboração ou no output, possa
produzir mudanças no todo cognitivo que constituem as operações mentais da inteligência
necessárias a qualquer tipo de aprendizagem (Fonseca, 1998, p. 46).
A estrutura mental em Feuerstein possui três características principais, diferentemente
das estruturas físicas que são de natureza estática, as estruturas psicológicas contêm
componentes dinâmicos que são expressos através dessas características:
• primeiro, a estrutura é caracterizada por uma forte coesão entre o todo – isto é a
estrutura propriamente dita – e seus componentes. Consequentemente, experiências
que se referem a um ou mais componentes das estruturas e afetarão não só aquelas
diretamente envolvidas, mas também todos os outros componentes de estruturas. Por
exemplo: a memória que é uma das estruturas cognitivas de base, depende da atenção
e da concentração que, por sua vez, condicionam a percepção e esta a compreensão,
isto é, no ato mental inerente a qualquer aprendizagem, todas as funções se interligam
e influenciam e o produto final resulta de uma multiplicidade de processos cognitivos
Marlene Gonzaga Bitencourt 163
dinamicamente interiorizados;
• segundo, a estrutura é caracterizada pelo transformismo. Transformismo é a tendência
da estrutura de mudar seu modo de funcionamento. Essas mudanças podem, por
exemplo, ser refletidas no ritmo da atividade. Atividades que anteriormente requeriam
muito podem, através do aprendizado, ser resolvidas mais rapidamente. As crianças
podem também mostrar graus mais altos de intensidade e flexibilidade na solução de
atividades. Estas mudanças vão afetar, por último, o funcionamento da estrutura.
• a terceira característica da estrutura é possivelmente a mais importante no
desenvolvimento do ambiente adaptacional interno do indivíduo autopercepção,
autorregulação.
Como resultado destes componentes energéticos, a estrutura psicológica tende a atuar
regulando a si mesmo e perpetuar sua modificabilidade cognitiva. Isto se expressa no uso
repetido, quando o indivíduo considera a ativação de tal estrutura como importante na solução
de certos problemas ou enfrentamento de certas situações. O uso bem-sucedido de uma
estrutura, para sobrepor-se a uma dificuldade, reforça não só a própria estrutura em si, mas
também o indivíduo, ambos chegando ao mais alto grau de proficiência. Os aspectos de
autorregularão da estrutura psicológica são referidos especialmente à quantidade de energia
necessária para ativar a estrutura.
Toda obra de Feuerstein está fundamentada numa crença principal: Todo ser humano
é modificável. Ele acredita no desenvolvimento da inteligência e no trabalho dos mediadores
para atingir a modificabilidade cognitiva, que define como uma mudança estrutural no
repertório do indivíduo, que adota pré-requisitos cognitivos inexistentes até então,
expressando uma permeabilidade entre os diversos sistemas pessoais. A crença é fator
energético para compreensão da teoria e para a intervenção, através da EAM.
Dentro da teoria de Feuerstein, a modificabilidade está relacionada às mudanças que o
indivíduo pode produzir na sua personalidade, na sua maneira de pensar e no seu processo de
adaptação. Não são mudanças acidentais ou circunstanciais e sim modificabilidade da estrutura
de funcionamento do indivíduo, provocando um desenvolvimento cognitivo qualitativo. É uma
mudança sólida e durável.
A cognição está relacionada ao processo de coleta (input), processamento (elaboração)
e comunicação (output) das informações. Feuerstein (1955) define estrutura cognitiva como
sistemas organizados de informação armazenada, uma representação organizada de
experiências prévias e é resultado da união, de forma coerente, das operações mentais. Estas,
por sua vez, são definidas como um conjunto de ações interiorizadas, organizadas e
coordenadas, pelas quais se elabora a informação procedente das fontes internas e externas
de estimulação.
As funções cognitivas, componentes básicos do ato mental, são pré-requisitos da
inteligência são “estruturas psicológicas interiorizadas, que incluem um conjunto de
componentes interdependentes, os quais se expressam por meio de um determinado padrão
de comportamento” (Rand, 1994, p. 71). Cada função cognitiva possui três componentes
básicos: capacidade, necessidade e orientação.
A “capacidade é uma habilidade característica, inata ou adquirida de uma pessoa, que
Aula mediada na construção do conhecimento: contribuições de Reuven Feuerstein na atuação do
164
professor/mediador com jogos eletrônicos
faz com que ela se saia bem numa determinada atividade ou realize uma ação num certo grau
de complexidade” (Rand, 1994, p. 72).
Já a
necessidade é um sistema psicológico energizado internalizadamente que é ligado à função.
Ela faz com que a pessoa realize uma ação e haja de uma forma específica sobre o ambiente
interno e externo. A intensidade e força da necessidade são determinantes importantes da
persistência com que a pessoa ativa uma função específica (Rand, 1994, p .72).
Ea
orientação é o componente direcional da função cognitiva. Ela determina a escolha que a
pessoa faz do conteúdo bem como do contexto para o qual se dirigem os esforços de
resolução de problema. Ela determina também o método e a estratégia de abordagem a ser
aplicada de uma determinada situação ou um determinado conjunto de estímulos” (Rand,
1994, p. 73).
As funções cognitivas podem funcionar deficientemente, no sentido de que não
aparecem espontaneamente, regularmente e previsivelmente no comportamento cognitivo do
indivíduo. Essa deficiência é um estado e se explica pela falta de capacidade. É a falta de
necessidade que origina o baixo nível de funcionamento. Essa necessidade poderá ser
despertada por meio da orientação para objetivos concretos. O despertar da necessidade por
meio da orientação, produz a modificação da capacidade e como resultado, o melhor
funcionamento das operações mentais. Rand (1994) sugere ainda que existe uma relação
interativa entre os três componentes da função cognitiva. “Quando esses três componentes
estão presentes, a função cognitiva – considerada uma atividade mental interiorizada –
manifesta-se externamente em uma operação mental” (Rand, 1994, p. 74).
Finalizo esta fundamentação com um trecho de Gomes (2002) quando afirma que “na
busca por novos caminhos, Feuerstein oferece ao navegante um novo mapa, nova carta para
os mistérios da mente, lembrando-nos que a origem de todo caminho é a crença em um destino
melhor” (Gomes, 2002, p. 288).
As tendências da vida atual, num mundo cada vez mais mutável, não atravessam só a
economia global e os meios de informações; elas estão se projetando na educação e na
qualificação dos recursos humanos nela envolvidos. Este novo modo de pensar e agir está
exigindo que nos preparemos educacionalmente de forma dinâmica e eficaz. Nessa perspectiva,
o objetivo das aulas de hoje não é mais a transmissão de conhecimentos por parte do professor,
esta é a função dos livros. As aulas são para exercitar a capacidade de raciocínio dos alunos
ensinando-os a pensar, a ser objetivos, analisar, planificar, resolver conflitos de opinião e chegar
a um comum acordo, assim construindo o conhecimento.
O professor/mediador deve ensinar operações mentais, funções cognitivas e pré-
requisitos básicos para aprender a aprender. Assim sendo, a necessidade de mudança da prática
pedagógica, num sistema complexo como a organização escolar, requer do pesquisador a
Marlene Gonzaga Bitencourt 165
escolha de um modelo conceitual que mais atenda à realidade e englobe o maior número de
aspectos relevantes possível. Considerando-se que a TMCE concebe a inteligência humana
como um construto dinâmico e modificável, os processos de ensino e de aprendizagem são
possíveis pela ação de um mediador que se interpõe entre os estímulos e o organismo.
A EAM, definida como a qualidade de interação do organismo e o meio, produz-se pela
interposição de um ser humano iniciado e intencionado, que medeia o mundo e o organismo,
criando, no indivíduo, a propensão ou tendência à mudança pela interação direta com os
estímulos. A EAM promove a flexibilidade, a autoplasticidade na existência humana e, em última
instância, oferece-lhe a opção de modificabilidade, tal como temos descrito (Feuerstein, 1997,
p. 15).
formalizar. Assim, aprender através de conteúdos significativos é dar sentido à linguagem que
usamos, é estabelecer relações entre os vários elementos de um universo simbólico, é
relacionar o conhecimento elaborado com os fatos do dia a dia, vividos pelo mediado.
Nessa perspectiva, trabalhar mediando conteúdos significativos envolve a preservação
de valores, atitudes culturais e pessoais do mediador para com o mediado. Significado é o fator
de interação que mais mobiliza o aspecto afetivo, a troca de experiências e vivências. É a ponte
entre o plano cognitivo e o plano afetivo motivacional. Quando o mediador medeia o
significado aos mediados, não só dá a sua visão de mundo, mas também prepara o outro para
que ele igualmente possa ter a sua própria visão, a sua própria interpretação do mundo. Assim
uma interação humana somente ganha sentido em sua intenção quando é provida, qualificada
e enriquecida, a todo o momento, de significado.
Desse modo, o mediador, ao planejar uma aula mediada, escolhe conteúdos
significativos, onde ressalta o valor dos vários conteúdos para a vida do mediado, torna
explícitas as operações mentais e as funções cognitivas requeridas.
necessidade de mediar seus alunos, para que criem estratégias para solucionar os problemas
apresentados, durante as aulas mediadas, verifiquei que o mesmo respondeu que “sempre”
medeia seus alunos para o desenvolvimento de estratégias.
A partir dos dados coletados, pude inferir que o professor/mediador medeia seus alunos
para que contenham a impulsividade, desenvolvendo estratégias para solucionar os novos
problemas apresentados.
REFERÊNCIAS
FEUERSTEIN, R. La teoria de la Modificabilidad Estructural Cognitiva. Zaragoza: Mira Editores,
1955.
______. Instrumental enrichment: an intervention program for the cognitive modificability.
Glenview: Universit Park Press, 1980.
KOZULIN, Alex. Instrumentos psicológicos: la educación desde una perspectiva sociocultural.
Barcelona: Paidós, 2000.
POZZO, J. I. (org.). A solução de problema: aprender a resolver, resolver para aprender. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
RAND, Y. Deficient cognitive function and non-cognitive determinants - An integrated model:
assessment and learning implictions. London: Freund Publishing House, 1994.
Aula mediada na construção do conhecimento: contribuições de Reuven Feuerstein na atuação do
172
professor/mediador com jogos eletrônicos
81
Trecho da canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os direitos autorais da letras de Maria Maria
pertencem à Três Pontas Edições Musicais Ltda e Nascimento Edições Musicais.
Márcia Lidiane Rodrigues Santana 173
INTRODUÇÃO
“Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela
sejam diferentes das minhas” (Audre Lorde).
Discutir a questão de gênero tornou-se uma causa importante para lutar, se engajar e
dar visibilidade ao nosso olhar sobre injustiças sociais, visto que, na atualidade, o índice de
violência contra a mulher tem aumentado significativamente. Segundo dados do 11º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, 2017, que compila e analisa dados de registros policiais sobre
criminalidade, informações sobre o sistema prisional e gastos com segurança pública, entre
outros recortes introduzidos a cada edição apresenta novos dados.
Assim, o anuário informa que em 2016, no Brasil, 49.479 mulheres foram estupradas,
revelando um crescimento de 3,5% em relação ao ano de 2015. No que se refere aos homicídios
e feminicídios, em 2016,1 mulher foi assassinada a cada 2 horas, mas, apenas 621 casos foram
classificados como feminicídio, o que demonstra uma grande dificuldade da implementação da
Lei Maria da Penha. Na Bahia, a situação não difere muito da nacional, pois em 2015 foram 424
mulheres assassinadas e em 2016, 471 o que representa uma variação de 11% entre os anos.
Vale salientar ainda que dos 895 casos registrados apenas 18 foram classificados como
feminicídio.
Além dos dados fornecidos, podemos encontrar também no anuário vários textos
analíticos com reflexões acerca da conjuntura atual de Segurança Pública no país. Na edição
pesquisada foi encontrada, também, a publicação de alguns textos que nos ajudam a entender
como se desenrola a dinâmica das violências como, por exemplo, “combate à violência de
gênero e proteção dos direitos das mulheres”, de Marina Pinheiro (FBSP). Diante do contexto
apresentado torna-se fundante discutir sobre a relevância dos movimentos sociais feministas
como uma estratégia para o enfrentamento das situações de violências vivenciadas pelas
mulheres, bem como sobre quais foram os aspectos que fomentaram a participação das
mulheres nesses movimentos sociais.
82
Márcia Lidiane Rodrigues Santana é pedagoga pela Faculdade Visconde de Cairu; pesquisadora do Núcleo de Estudos
Africanos e Afro-brasileiros em Línguas e Cultura – NGEALC/UNEB e do Grupo de Estudos, Pesquisas e Experimentações
Educacionais, do Instituto Anísio Teixeira, da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – GEPEE/IAT/ SEC-BA. Integrante
da Rede Um Grito Pela Vida – RUGPV/CRB, atuando na prevenção e erradicação do trabalho escravo, tráfico de pessoas e
exploração sexual. Integrante do Coletivo de Mulheres do Lemarx - Grupo de Estudos de Angela Davis – FACED/UFBA; e
do Grupo de Estudos ERÊ – Educação e Relações Étnicos Raciais na Educação Infantil. Possui experiência em Práticas
Formativas para Grupos Populares, Lideranças Jovens e Comunitárias. É ativista social dos Direitos Humanos e Direito das
Mulheres. E-mail: marcia.santana52@enova.educacao.ba.gov.br.
174 Gênero e movimentos sociais: ação dos movimentos feministas na cidade de Salvador
É pertinente comentar que ser feminista hoje é quase uma afronta aos “machos” que
sempre estiveram no comando. É como lembrá-los que as netas das “bruxas” que eles não
conseguiram queimar assumiram seus papéis de formadoras de opiniões, guardiãs da coragem
e defensoras das tantas “liberdades” necessárias à população. Diria ainda mais, que a educação
é, por excelência, feminina e que toda e qualquer revolução sem uma educação popular sólida
e eficaz não seria possível. As mulheres como ocupam a maioria dos espaços – por sermos
maioria na sociedade –, descobrem pouco a pouco as maneiras sutis de se fazer entender e
atender, só falta a muitas, o despertar desta consciência.
Sendo assim, podemos inferir que os grupos ou organizações não governamentais
alimentam em si a necessidade de reafirmar dia após dia a importância da manutenção de
políticas públicas que viabilizam o direito de cada cidadã e cada cidadão usufruírem de
benefícios que lhes proporcionem um mínimo de dignidade, pois, como afirma Paiva (2010)
a política de reconhecimento visa corrigir o reconhecimento incorreto de grupos sociais
marginalizados desconstruindo os significados de diferença social. Suas estratégias
específicas são planejadas para retratar sob uma luz mais positiva as características desses
grupos e para agir contra seu apagamento das narrativas da nação, da história e do
progresso (Paiva, 2010, p. 66).
Isso poderia nos ajudar a compreender de forma mais simples que trabalhar ou debater
sobre as questões de gênero vai mais além do que a dualidade simplista na qual vivemos ou
compreendemos, no que se refere a igualdade x diferença. Assim, Paiva (2012) nos faz perceber
que
os programas de estudos sobre as mulheres e o gênero ficaram presos nesse enigma, que
acompanha de perto as tensões inerentes aos debates ‘igualdade versus diferença’ dos anos
1960 e 1970. Por um lado, esses programas reivindicam um território intelectual específico
– o estudo de gênero – para o feminismo. Mas o objetivo essencial da pesquisa feminista
não é transformar os estudos sobre gênero num gueto dentro de programas acadêmicos
que são, eles mesmos, frequentemente marginalizados, mas difundir o estudo sobre gênero,
isto é, transformar todas as disciplinas acadêmicas de modo que o gênero seja uma variável
em todo paradigma teórico e em toda agenda de pesquisa (Paiva, 2012, p. 68).
Partindo dessas reflexões percebemos o esforço feito pelos movimentos sociais,
feministas e organizações não governamentais – ONGs para ressignificar as lutas travadas
contra todas as “forças” que vão contra ao trabalho desenvolvido por elas e as tentativas
contínuas em criminalizá-lo. Neste sentido, a autora afirma que
As diferenças culturais podem se tornar políticas e um dos maiores sucessos do movimento
tem sido transportar novos significados sobre diferenças de gênero para os sistemas
político, legal e econômico, abrindo espaços para mudanças em nível institucional. Ao
mesmo tempo, expor as bases culturais dos discursos, práticas e programas políticos é a
função central de qualquer política cultural (Paiva, 2012, p. 73).
Nesse sentido, a nossa entrevistada Ana Júlia, mulher negra, comenta que o movimento
social esteve sempre presente na sua vida como uma forma de reestruturação e ressignificação
política, social, cultural e acadêmica. Ela diz:
Márcia Lidiane Rodrigues Santana 175
Eu sempre fui militante de movimento social... Então assim ser mulher, ser preta já me faz
ser ativista todo dia, então, desde o período dos estudos secundaristas eu já fazia parte do
movimento social, já ia pra rua e fazia militância. Quando eu entrei na faculdade não deixa
de ser diferente né, então eu começo a fazer parte do diretório acadêmico o DCE e aí hoje
eu escolhi seguir, criar uma ONG e a partir dessa ONG acompanhar as mulheres em
situação de violência. [sic].
E complementa o seu pensando explicitando a sua compreensão sobre o sentido dos
Movimentos Sociais. “Eu acho que o movimento social na verdade ele é fundamental, porque
a gente não pauta nada de mudança social se não for a partir de um movimento de rua, de luta,
de questionamento enfim” [sic] (Ana Júlia, 2017).
Já Cristina Paz, mulher negra e representante do Programa Força Feminina, nos fala
sobre a importância das parcerias para desenvolver uma ação coletiva em prol do apoio as
mulheres, em especial as mulheres em situação de prostituição. “os projetos sociais têm muito
em si, um processo de parceria, hoje a gente não trabalha sozinha, não tem como existir projeto
social que faça esse trabalho sozinho, mas as parcerias são importantíssimas nesse processo”.
[sic] (Cristina Paz, 2017).
ONG TamoJuntas
A ONG TamoJuntas é uma instituição criada a partir de uma ação desenvolvida por
advogadas objetivando atender gratuitamente mulheres vítimas de violência, ação denominada
“Campanha #MaisAmorEntreNos”, que tinha como propósito uma corrente de ação autogerida
de solidariedade entre mulheres, além da assessoria jurídica. Neste âmbito, a TamoJuntas busca
o fortalecimento das mulheres a partir de conhecimento, com divulgação de conteúdos sobre
direitos da mulher através das redes sociais e em eventos. Vejamos o que diz Ana Júlia sobre o
surgimento dessa importante instituição: “a TamoJuntas hoje, quando eu fiz o post eu acho que
não tinha noção, a TamoJuntas nasce a partir de um post que eu fiz parte, que eu fiz que é da
campanha “Mais amor entre nós” e aí quando eu fiz este post eu não tinha noção que ia ganhar
essa repercussão que ganhou, enfim” [sic] (Júlia, 2017).
Na sua narrativa, Júlia revela como surgiu a ONG TamoJuntas, motivada pelo
lançamento de um post seu, essa ação lhe proporcionou conhecer outras advogadas com os
mesmos sonhos e vontade de ajudar as mulheres, então, elas se somaram para fortalecer a luta,
e, mais recentemente, após o surgimento da fanpage, mais uma advogada feminista se une à
luta para garantir mais efetividade da atuação da ONG, cujo objetivo é tirar dúvidas das
mulheres, orientá-las e atendê-las a partir da oferta dos seguintes serviços: articulação e apoio
com advogadas e redes para mulheres fora de Salvador e atendimento advocatício gratuito para
mulheres vítimas de violência em Salvador. No que se refere às mulheres residentes fora de
Salvador, a instituição busca articular advogadas e redes de forma a possibilitar uma assistência
para essas mulheres.
A grande demanda pelos serviços prestados e a gravidade dos casos atendidos
demonstrou a necessidade de oferecer uma atenção multidisciplinar. Foi assim que, a partir de
um convite para que novas voluntárias se unissem, psicólogas, assistentes sociais e outras
advogadas de todo o Brasil ofereceram serviços voluntários. Atualmente, há 70 (setenta)
voluntárias em todo o país, sendo 30 (trinta) em Salvador, onde o TamoJuntas surgiu, e
176 Gênero e movimentos sociais: ação dos movimentos feministas na cidade de Salvador
encontra-se presente nas cinco regiões brasileiras abrangendo cerca de 30 cidades. A fala de
Ana Júlia relata sobre a abrangência da instituição:
A gente se organiza nessa perspectiva de sermos equipes multidisciplinares. Aqui em
Salvador, mas, também em outros Estados a gente já está tendo isso, a gente já está em 18
Estados hoje atuando nessa perspectiva. Quem a gente atende, são mulheres e em alguns
casos, as crianças dentro das situações de violência, então a gente tem tentado fazer um
trabalho na perspectiva da pedagogia, da psicologia infantil, tentado trazer um pouco disso
[sic] (Ana Júlia).
Vale evidenciar que desde seu surgimento, a ONG já organizou várias ações com vistas
a divulgar a Lei Maria da Penha e atender as mulheres vítimas de violência tais como: Mutirões
de Atendimento da Lei Maria da Penha; Seminários sobre os 10 anos da Lei Maria da Penha,
Violência contra as Mulheres LBT, Saúde e Violência contra as Mulheres, Feminicídio das
Mulheres Negras e Direitos Humanos e Humanas Sem Direitos. Além de organizarem curso
EaD hospedado na plataforma Moodle com participação de cerca de 700 mulheres de todos os
estados brasileiros com a temática da Violência de Gênero: Aspectos Jurídicos, Psicológicos e
Sociais. Outras ações também foram desenvolvidas, como a Roda de Diálogo sobre Feminismo
e Religiosidade, a I Conferência Nacional de Voluntárias TamoJuntas e o curso Direito e
Gênero: Lei Maria da Penha na Prática, em parceria com a Escola Superior da Advocacia.
Em comemoração a um ano de existência na luta contra a violência que acomete muitas
mulheres, a TamoJuntas realizou um grande Ovulário, na Escola Superior da Advocacia, sobre
temas diversos relacionados ao Feminismo e aos Direitos das Mulheres. Além desses eventos,
a ONG desenvolve os seguintes projetos: a) Série: Nós, Mulheres Negras; b) Assistência
Multidisciplinar a Mulheres em Situação de Violência; c) Mutirão de Atendimento Lei Maria da
Penha; d) curso “Violência de Gênero: Aspectos Jurídicos, Sociais e Psicológicos”; e) rodas de
diálogo; f) curso “Direito e Gênero: Lei Maria da Penha na Prática”.
Esta ONG nos revela a verdadeira preocupação com o processo formativos das
mulheres além da proteção e apoio as mesmas. Veja o que nos diz Ana Júlia (2017):
E aí, hoje eu entendo que a TamoJuntas tem um diferencial absurdo, nesse processo tanto
educativo como num processo de fortalecimento de mulheres, que é entender a mulher
como sujeito de direito, e fazer com que essa mulher entenda que ela não está sozinha, e
que apesar dela talvez não ter uma rede de família, uma rede de amigas/os, elas têm
advogadas que vão acompanhar elas, elas têm uma assistente social que vai saber como ela
está, que vai tentar retomar a vida dela. Uma psicóloga que vai fazer com que ela entenda
que ela não é a culpada... enfim.
Hoje eu entendo o quanto a TamosJuntas é importante na vida dessas mulheres que são
vítimas de violência todos os dias [sic] (Ana Júlia, 2017).
Uma das bandeiras de luta a favor levantada pela ONG é a busca de uma equidade de
oportunidade e direitos para mulheres, o que só será possível a partir de um empoderamento
dessas mulheres, e esse processo de fortalecimento das mulheres vítimas das múltiplas
violência é evidenciando na fala de Ana Júlia quando fala sobre a equipe multidisciplinar que
desempenha uma relevante ação em apoio a essas mulheres.
Sobre a importância do trabalho educativo desenvolvido com as mulheres vítimas de
violência a nossa entrevistada comenta sobre a necessidade do conhecimento dos nossos
direitos, “a gente não pode fazer nada se a gente não conhece nossos direitos, porque se a
Márcia Lidiane Rodrigues Santana 177
gente não consegue a gente não vai reivindicar. Então pensar sempre nessa perspectiva” [sic].
Ana Júlia (2017).
Compreendendo ainda o processo formativo da ONG, Ana Júlia complementa com a
seguinte informação:
O aprendizado é diário. Eu gosto de dizer que na advocacia especialmente, lutar contra a
violência contra a mulher é um desafio diário, está certo. [...] Cada dia é uma coisa nova pra
gente estar dialogando, estar debatendo, pra gente fazer estudo de caso, a gente faz muito
estudos de casos pra poder entender e com essa perspectiva multidisciplinar. Ouvindo qual
é a opinião da assistente social, ouvindo qual é a opinião da psicóloga, para poder entender
que rumo à gente vai dar para aquele processo. Que às vezes a gente sabe que o processo
não vai dar em nada, mas que essa mulher pode sair fortalecida dessa situação [sic] (Ana
Júlia, 2017).
Para realização desse trabalho educativo desenvolvido pela instituição, faz-se
necessário que o mesmo esteja estruturado de forma a potencializar o trabalho proativo e
interligado que as participantes realizam. Neste sentido, Ana Júlia (2017) sinaliza que ONG
TamoJuntas é uma instituição que “esta organização em Estatuto é FEMINISTA, e que só pode
ter os cargos exercidos por mulheres e nós só temos voluntárias mulheres e assistidas mulheres.
Então esse compromisso perpassa pela bandeira do feminismo” [sic],
A nossa entrevistada complementa, ainda, sobre ação da ONG e o compromisso da rede
de mulheres em apoio a outras mulheres:
Enfim, eu acho que tem uma coisa que faz com que o laço e o vínculo que essas mulheres
estabelecem em ser voluntárias, ele se dá muito por uma razão pessoal assim, são mulheres
que normalmente sofreram violência, ou que já tiveram algum tipo de violência na família
ou entende que o feminismo é realmente necessário para a construção de uma nova
sociedade. [sic] (Ana Júlia, 2017).
Porque diante de tantas angústias, vamos entendendo o real significado de frases
repetidas tantas vezes por todas que de uma maneira ou outra abraçaram a causa, como por
exemplo; “Uma sobe e puxa a outra!”, “Nós por nós” e “Ajudem aquela”.
83
Informações retiradas do site da instituição, disponível em: http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br/.
178 Gênero e movimentos sociais: ação dos movimentos feministas na cidade de Salvador
Com a chegada das Irmãs Oblatas à Bahia, em Juazeiro, a pedido do então Bispo Dom
José Rodrigues para desenvolver o trabalho na Pastoral da Mulher, em 1981 e em 1997, em
Salvador, especificamente no bairro do Lobato e se inseriram em um trabalho de Comunidades
Eclesiais de Base - Cebs; deu-se início a um processo de aproximação das mulheres em situação
de prostituição, com o propósito de conhecer a realidade dessas mulheres, a fim de desenvolver
um trabalho de apoio. Para tanto, as Irmãs Oblatas se articularam com um grupo de voluntárias
que já iniciavam um trabalho com essas mulheres de forma a potencializar essa ação.
Foi a partir dessa articulação que se originou o Projeto Força Feminina, que se inicia em
1998 com um grupo de religiosas do Instituto das Irmãs Oblatas do Saníssimo Redentor e
voluntárias que começaram a desenvolver atividades artesanais e socioeducativas nos espaços
concedidos pelas Igrejas São Francisco e Conceição da Praia.
Inicialmente foram desenvolvidas observações nos locais de prostituição, com o intuito
de realizar a sondagem, conhecer a realidade das mulheres no Centro Histórico, bem como,
suas aspirações, demandas e perspectivas. Em 2000, no Centro Histórico, foi inaugurada
oficialmente a sede do Projeto Força Feminina, local escolhido estrategicamente por ser espaço
onde se encontra um maior número de prostitutas que necessitam de um apoio, bem com
espaço integrado a rota do turismo sexual. Desde então, busca-se melhorar sua atuação e
intervenção junto ao público-alvo. Para operacionalização dessa ação a nossa interlocutora
comenta:
Nós temos parcerias com outros movimentos sociais, aqui em Salvador a gente está ligada
a Arquidiocese e a ASA, que seria a Ação Social Arquidiocesana que aí tem todas as
Pastorais Sociais juntas. E os outros movimentos a gente tem uma parceria, porque assim,
a mulher não tem só a especificidade da mulher, ela tem o filho que você pode encaminhar
para o Projeto Axé, ela tem outras demandas [sic] (Cristina Paz, 2017).
Sobre o processo educativo desenvolvido pelo projeto subsidiada em uma proposta
pedagógica organizada e planejada em processos, sendo concebida em quatro etapas:
Sensibilização, Formação/Capacitação integral, Organização e Seguimento. Vale salientar que
essas etapas não são desarticuladas, todo o processo se desenvolve de maneira gradual e
interligadas. As experiências cotidianas servem como elemento “provocador” que ajudam no
processo de crescimento da mulher, por isso a proposta pedagógica deve ser desenvolvida com
as mulheres e não para elas, colaborando dessa forma para o fortalecimento das suas opções e
autonomia.
84
Dados da pesquisa do Projeto Força Feminina – 2007, disponível em: http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br/.
Acesso em: 12 jan. 2018.
180 Gênero e movimentos sociais: ação dos movimentos feministas na cidade de Salvador
fé diferente. Então pra gente essa questão de ser da Igreja católica está ligada muito mais
a que você respeite o credo do outro, respeite essa presença do sagrado que tem o outro,
do que naturalmente ser católica [sic] Cristina Paz (2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
85
Supervivemos = Força usada para além do normal, que serve para enfrentar e superar
adversidades cotidianas sem desanimar (Márcia Rodrigues).
Márcia Lidiane Rodrigues Santana 181
“Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não
serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas
de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.”
(Mãos dadas, Carlos Drummond de Andrade)
Seria este poema o anúncio utópico do que seja realmente a solidariedade humana?
Creio que sim. Pois, buscamos insistentemente encontrar em meio ao nosso ativismo a
superação do individualismo que exclui e mata, através da coletividade, da solidariedade e da
perseverança.
REFERÊNCIAS
GEBARA. I. Disponível em: https://www.cese.org.br/plateia-lotada-recebe-ivone- gebara-em-
roda-de-dialogo-sobre-estado-laico-e-teologia-feminista/. Acesso em: 15 jan. 2018.
PAIVA, A. R. (org.). Direitos humanos em seus desafios contemporâneos. Rio de Janeiro, RJ:
Editora PUC RIO; Pallas, 2012.
Informações retiradas do site da instituição disponível em
<http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br> acessado em 12 de jan de 2018.
Disponível em http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/10o-anuario-
brasileiro-de-seguranca-publica/
182 Gênero e movimentos sociais: ação dos movimentos feministas na cidade de Salvador
Márcia Lidiane Rodrigues Santana 183