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RESENHA: “COMO ESTRELAS NA TERRA”

João Lucas T. Cavalcante

Título original: Taare Zameen Par; Direção: Aamir Khan; Roteiro: Amole Gupte,
Estúdio/Distrib: Aamir Khan Productions; Índia, 2007, 140min.

O Filme retrata um período da vida de um estudante com dislexia, explorando suas


dificuldades e o ambiente familiar. Além disso, oferece uma crítica incisiva aos sistemas
educacionais e às abordagens escolares adotadas para lidar com questões de aprendizado.

O protagonista, Ishaan Awasthi, é um menino de 9 anos que enfrenta desafios


significativos com escrita e leitura. Desde o início do filme, ele é retratado como uma fonte
de perturbação para sua família, vizinhança e colegas de classe. As dificuldades que ele
enfrenta são indicativas de dislexia, mas não são compreendidas nem pela família nem pelos
profissionais escolares. Após repetir o terceiro ano e diante do temor de mais um ano perdido,
o pai de Ishaan toma a decisão de matriculá-lo em um internato, afastando-o da família no
meio do ano letivo.

O pai interpreta as dificuldades escolares e nos relacionamentos como preguiça,


resultantes de excesso de mimo por parte da mãe e falta de atenção. No filme, ele é retratado
como intolerante com os erros e falhas, lutando para expressar afeto pelos filhos. A mãe,
embora acolhedora, é representada como submissa e inconsciente das dificuldades do filho. O
filme mostra inúmeras comparações entre os filhos, com o irmão de Ishaan sendo visto como
o exemplo "ideal" a ser seguido.
A obra retrata de forma vívida as complexidades e dinâmicas familiares envolvendo
um filho com dificuldades de aprendizagem, destacando como esses desafios se intensificam
em ambientes hostis. Desde o início do filme, as interações dos professores e dos pais,
marcadas por gritos, evidenciam a intolerância e impaciência, especialmente em relação às
questões da infância e, consequentemente, às manifestações do transtorno de linguagem.
Quando o pai declara ao professor que tentaram de tudo e que a única opção restante é
colocar o filho em um colégio interno, isso aponta para a crítica às famílias sobrecarregadas
pelas pressões e expectativas excessivas, impostas por um sistema que valoriza a
competitividade e aprovação. A intolerância do pai diante da situação problemática funciona
como catalisador para agravar as dificuldades do garoto.

O longa duração oferece uma crítica perspicaz ao sistema educacional, destacando as


atitudes agressivas e intolerantes dos professores diante de salas de aula lotadas, enfatizando
a ênfase na disciplina, ordem e competitividade. A falta de conexão entre os educadores e os
alunos é vividamente retratada, evidenciando um contato distante e repreensões vociferantes
para chamar a atenção. Por meio de diversas perspectivas, o filme ilustra como um problema
pode ser exacerbado para uma criança quando o professor não demonstra genuíno interesse
na profissão que escolheu.
Em uma de nossas atividades anteriores, discutimos temas semelhantes através do
texto de Freitas e do vídeo da Naked Heart Foundation. Ambos os recursos exploram a ideia
de exclusão e desafiam a crença de que ela é inerente à natureza humana. Contrariando a
noção de um "ser humano excludente por natureza", o vídeo demonstra que a exclusão é um
comportamento aprendido, muitas vezes de maneira não intencional. Ele destaca como essa
aprendizagem pode levar as pessoas a rejeitarem aqueles que são diferentes, especialmente
aqueles considerados "defeituosos" pela sociedade. Logo, a dedicação e a postura de um
professor em investigar as causas por trás do comportamento do aluno fora da sala de aula
são evidenciadas, essa postura contrária ao comportamento “normal” se revelará de grande
importância ao enredo do filme E até para aqueles que desejam seguir uma carreira como
essa. A satisfação profissional é retratada no filme, juntamente com a empatia que o professor
sente pelo aluno devido às dificuldades acadêmicas enfrentadas, semelhantes às de Ishaan. O
prazer em ensinar é manifestado tanto nos momentos passados na escola de Ishaan quanto em
outra instituição, onde ele trabalha com alunos especiais. A paixão pelo trabalho revela-se nas
ações do professor.
O carismático professor substituto de artes, Nikumbh é acompanhado por uma trilha
sonora envolvente ao longo do filme. Cada música utilizada é habilmente selecionada para
refletir os momentos de angústia do protagonista ou de alegria quando o novo professor de
artes entra em cena para sua primeira aula. A coragem do professor se destaca nesta obra,
evidenciada por sua decisão de investir em alguém que já estava estigmatizado pelos colegas
de trabalho. Enquanto isso, a abordagem dos outros professores é retratada como uniforme e
desinteressada pelos alunos, culminando no intrigante momento da palmatória. Suas posturas
são todas semelhantes, justificadas pela direção como uma forma de manter a disciplina.
Uma cena retrata a rigidez presente em muitas instituições, quando o novo professor
de artes solicita permissão para colocar os desenhos dos alunos no armário, apenas para ser
confrontado pela resposta de que ali só devem ficar os livros. O armário é reservado
estritamente para o que está estabelecido, sem espaço para questionamentos ou adaptações. A
resistência à mudança se manifesta quando o novo professor é rotulado como "flautista
maluco". Apesar disso, ele busca apoio do diretor para trabalhar com Ishaan. Este momento é
o ápice do filme, quando o professor e o aluno começam a dedicar três horas adicionais após
as aulas. O comprometimento e a devoção do professor, aliados ao esforço do aluno,
começam a transformar as primeiras cenas do filme em relação ao processo de ensino e
aprendizagem.
Dois momentos marcantes nesta obra destacam a postura do professor em relação ao
pai do aluno em duas cenas distintas: primeiro, quando ele visita a casa da família de Ishaan e
solicita que o pai o ensine a ler em chinês, ao que o pai responde que é impossível; o
professor então desafia o pai a se colocar no lugar do filho, chamando-o de insolente e
instando-o a fazer um esforço maior. O segundo momento ocorre quando o pai vai à escola
para conversar com o professor, buscando alterar a primeira impressão deixada pela visita
anterior; novamente, o professor evidencia que o pai não está verdadeiramente preocupado
com o próprio filho. Esses confrontos resultam em momentos de reflexão para o pai, graças à
postura incisiva do professor. A frase "Cada criança possui capacidades e habilidades únicas"
é usada pelo professor para enfatizar aos pais de Ishaan que estavam absorvendo as
exigências do sistema educacional, perdendo de vista o potencial singular de seus filhos para
além de suas dificuldades.
Os talentos em desenho e pintura de Ishaan vêm à tona quando o Professor
demonstra preocupação pelo aluno ao visitar sua casa. Esse é um ponto crucial para sua
abordagem educacional com o aluno. A metodologia empregada pelo professor, que resgata
os interesses mais profundos do aluno, resulta no sucesso de Ishaan em leitura e escrita. Isso
reforça a boa formação do professor Nikumbh. “[...] os objetivos da formação inicial deveria
incluir dimensões relativas aos conhecimentos, destrezas, processo de atenção à diversidade
dos alunos.” (GONZÁLEZ, 2002, p. 245).
A iniciativa de promover um concurso de pintura entre alunos e professores no
filme proporciona um momento de interação e descontração significativos. O desafio
proposto pelo professor de artes mobiliza tanto os alunos quanto os docentes, transformando
um ambiente anteriormente hierárquico em um espaço de aprendizado mútuo e
compartilhamento de risadas. Ishaan vence o concurso, além de ganhar uma nova perspectiva
dentro da escola. Essa experiência abre caminho para que alunos e professores enxerguem
uns aos outros de maneira diferente. A pintura de Ishaan é selecionada para ser a capa do
anuário da escola, e seus pais comparecem ao encerramento do ano letivo antes das férias,
recebendo boas notícias.

Esta obra, sem sombra de dúvida, não só se destina aos profissionais docentes, mas
também é altamente recomendada para pais e profissionais da psicologia e da área da saúde
que trabalham com crianças e adultos diagnosticados com transtorno de dislexia e outros
transtornos similares. Ela oferece uma profunda exploração da realidade da educação e dos
diversos discursos que a cercam. Além disso, ela expõe de maneira contundente as enormes
dificuldades enfrentadas na educação, assim como as lutas dos profissionais para lidar e
oferecer apoio adequado às demandas das pessoas com necessidades especiais. Esta obra não
apenas lança luz sobre essas questões, mas também serve como um chamado à ação para uma
abordagem mais inclusiva e eficaz na educação e no tratamento de transtornos específicos.

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