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AS TEORIAS QUÂNTICAS DE CAMPOS

o
Carlos A. Aragão de Carvalho F

I. Um pouco de história

As teorias quânticas de campos nasceram da tentativa de formulação de


uma mecânica quântica relativística. Incorporar as idéias da teoria da
relatividade à mecânica quântica era, na década de 1920, o desafio que
levaria à descrição de elétrons com velocidades comparáveis à luz.

A mecânica quântica havia introduzido o indeterminismo na física.


Elétrons deixaram de ser vistos como partículas clássicas e passaram a ser
descritos por uma “função de onda”, que determinava a probabilidade de
encontrá­los no entorno de um dado ponto do espaço, num dado instante de
tempo; viu­se que suas energias podiam, sob certas condições, assumir
valores discretos, o que levou à compreensão do átomo de hidrogênio;
aprendeu­se que o resultado da medida de uma grandeza física
correspondia a uma média ponderada, com pesos codificados na função de
onda, sobre os vários estados acessíveis (de probabilidade não nula) ao
elétron.

Além de alterar a visão clássica em relação aos elétrons, a mecânica


quântica a alterou, também, em relação à luz. Vista como um fenômeno
ondulatório ao final do século dezenove, com o advento do século vinte ela
passou a também ser encarada com uma coleção de fótons, “quanta” de
energia para a radiação eletromagnética. Às partículas clássicas associava­
se uma onda (de probabilidade); às ondas clássicas do eletromagnetismo
associavam­se fótons. Por trás disso tudo, um princípio fundamental: o
princípio de incerteza de Heisenberg, que incorporou a dualidade onda­
partícula à descrição do mundo físico.

A teoria da relatividade, contemporânea da mecânica quântica no início do


século vinte, havia introduzido a noção de que a física poderia ser descrita
em qualquer sistema de referência, sem que suas leis se alterassem. As
medidas de grandezas físicas podiam variar de referencial para referencial,
mas as leis fundamentais deveriam ser as mesmas. Além disso, postulava­

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se que a velocidade da luz era uma constante universal, assumindo o
mesmo valor, de cerca de 3 x 1010 cm/s, independentemente do observador.

Na relatividade, os efeitos relativísticos manifestavam­se aos compararmos


as descrições de dois observadores com velocidade relativa próxima à da
luz. Isso porque a relação entre tais descrições diferia da que era prevista
pela visão clássica de Newton. Os observadores verificavam as mesmas
relações entre grandezas físicas, mas os valores das medidas dessas
grandezas diferiam de observador para observador de uma maneira que não
coincidia com as previsões da descrição Newtoniana. Essa coincidência, no
entanto, seria verificada no limite em que a velocidade relativa dos
observadores fosse muito menor que a da luz.

Elétrons ultra­rápidos requeriam a fusão das duas teorias. Como suas


velocidades em relação ao observador (um físico, em seu laboratório) eram
comparáveis à da luz, a descrição do observador deveria incorporar os
efeitos relativísticos ausentes na mecânica de Newton. Contudo, a
mecânica quântica havia sido formulada a partir de generalizações desta
última; era preciso compatibilizá­la com a relatividade.

A primeira tentativa de escrever uma equação de onda quântica relativística


para o elétron ocorreu em 1925 e resultou na equação de Klein­Gordon.
Problemas com a interpretação probabilística das funções de onda que a
resolviam fizeram com que ela fosse inicialmente abandonada. Foi apenas
em 1928 que Dirac escreveu a equação que leva seu nome. Ela descrevia
corretamente o elétron relativístico, mas introduzia estados de energia
negativa, tão negativa quanto se desejasse! A menos que houvesse uma
nova interpretação, seria natural esperar que o elétron ocupasse energias
cada vez mais baixas: o elétron seria, portanto, instável!

Graças à criatividade de Dirac, esse problema foi resolvido de forma


extremamente original. À época, já se conhecia o princípio de exclusão de
Pauli, que proíbe elétrons com os mesmos números quânticos de ocuparem
um mesmo estado de energia. Dirac propôs então que todos os níveis de
energia negativa deveriam estar ocupados, cada um com dois elétrons, que
diferiam apenas no seu número quântico de “spin”. Como, para elétrons, tal

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número só pode assumir dois valores, os níveis de energia negativa
estariam repletos, constituindo um “mar” de elétrons que corresponderia ao
estado de menor energia possível. Se a esse estado quiséssemos agregar
novo elétron, este teria, forçosamente, energia positiva. O novo estado
assim obtido seria observado como o estado de uma partícula, isto é, o
estado de um único elétron. O mar de Dirac seria, portanto, um estado sem
partículas, ou estado de vácuo.

A proposta de Dirac ia muito além de uma solução teórica para o problema.


Ele propunha que a existência do mar levaria a conseqüências
experimentais de impacto: os elétrons do mar poderiam ser excitados, ou
seja, poderiam absorver energia, por meio de interações com a radiação
eletromagnética, sendo promovidos a níveis de energia positiva, deixando
um déficit de carga eletrônica no mar de Dirac. Como isso diferia da
situação anterior por uma unidade de carga eletrônica, Dirac percebeu que,
para o mundo das partículas de energia positiva, a nova situação equivalia
ao aparecimento de outra partícula, juntamente com o elétron excitado e
com igual energia, cuja carga elétrica deveria ter sinal oposto à dele. Dirac
caracterizou o novo parceiro como a antipartícula do elétron e o denominou
pósitron.

A interpretação de Dirac causou verdadeira revolução. Modificava­se o


conceito de estado de mais baixa energia, que a mecânica quântica
denominava estado fundamental, para acomodar o mar de Dirac. O mar era
caracterizado pela ausência de elétrons de energia positiva (no jargão dos
físicos, estados de partícula), sendo chamado de (estado de) vácuo da teoria
por não conter partículas. Os níveis de energia negativa do mar, totalmente
ocupados, representavam um imenso reservatório de elétrons que poderiam
ser excitados, criando pares de elétron e pósitron no mundo das energias
positivas. As idéias de Dirac foram consagradas quando, em 1932,
descobriu­se experimentalmente o pósitron.

O processo de criação de pares partícula­antipartícula levou, em última


análise, à teoria quântica dos campos. A mecânica quântica não previa que
o número de partículas de um sistema de elétrons interagindo com a
radiação pudesse ser alterado. No entanto, sua fusão com a relatividade

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requeria que tal ocorresse, via criação de pares. A solução veio com a
reinterpretação do significado da função de onda do elétron.

Uma teoria quântica de campos associava ao elétron um campo capaz de


atuar sobre o vácuo da teoria (estado sem partículas que continha o mar),
criando estados com um número arbitrário de partículas, via atuações
sucessivas do campo. A função de onda do elétron seria, simplesmente, a
caracterização do estado de uma partícula. Por analogia com o que
acontecera na mecânica quântica, quando grandezas físicas passaram a ser
encaradas como operadores matemáticos em um espaço subjacente (o dos
estados quânticos), essa extensão teve o nome de “segunda quantização”.
Isso porque ela introduzia espaço subjacente ao espaço dos campos, que
continha o vácuo e os estados de várias partículas.

O formalismo desenvolvido nas décadas de 30 e 40 terminou por chegar a


uma teoria quântica de campos que descrevia, com precisão, a interação
entre elétrons e fótons. A eletrodinâmica quântica, de Dyson, Feynman,
Schwinger e Tomonaga, em que os campos dos elétrons interagiam com
os campos dos fótons da radiação eletromagnética, podendo criar pares e
dar origem a processos ainda mais complexos, foi um marco. Com ela,
podia­se calcular e prever valores de grandezas físicas com grande precisão
(até uma parte em 1012, hoje em dia!)

Ao final dos anos 40, o trio Lattes, Occhialini e Powell descobriu o


méson­pi, uma nova partícula a ser adicionada aos prótons, nêutrons,
elétrons e pósitrons já conhecidos. Essa descoberta, que inaugurou o que
hoje denominamos física experimental de altas energias, abriu caminho
para que o povoamento do vácuo fosse ampliado. Cada nova partícula tinha
como parceira uma antipartícula, que poderia ser extraída do vácuo via
processos de interação suficientemente energéticos para promover a
criação de pares.

A constatação de que, para descrever o mundo físico, precisávamos


conviver com um fantástico reservatório de pares de partícula e
antipartícula levaria, inevitavelmente, à conexão entre as idéias da teoria
quântica dos campos e as da termodinâmica. Esta última havia sido
promovida, no fim do século dezenove, à categoria de uma respeitável

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teoria de primeiros princípios, chamada mecânica estatística. Nela,
estudavam­se sistemas com grande número de partículas, em contato com
reservatórios que podiam trocar, com esses sistemas, tanto energia, quanto
partículas. O vácuo povoado era, obviamente, um reservatório onipresente
que se prestava a esse fim.

Essa linha de pensamento mostrou­se cada vez mais frutífera, na medida


em que se descobriam situações físicas a exigir o estudo da termodinâmica
de sistemas de partículas e antipartículas. Ao invés dos gases de moléculas
da termodinâmica dos séculos XVIII e XIX (hélio, neônio, etc.), os gases
(ou plasmas, quando carregados) aqui envolvidos eram constituídos das,
outrora (isto é, há 40 anos) chamadas, partículas elementares: elétrons,
muons, neutrinos, etc. O estudo do próprio universo, e de sua evolução no
tempo, teria de ser visto como o estudo da evolução de um fantástico
plasma de partículas e antipartículas, sendo resfriado ao longo do tempo, à
medida que o universo se expande. Conhecer a termodinâmica dos campos
quânticos era, e é, uma imposição da física moderna.

As sucessivas descobertas de novas partículas subatômicas, nas décadas de


50 e 60, levaram os físicos teóricos a descobrir e estudar novas teorias
quânticas de campos. Dessas, as teorias de calibre, que generalizavam a
eletrodinâmica quântica, permitiram chegar à unificação de duas das quatro
interações fundamentais da natureza: a eletromagnética e a fraca, esta
última responsável por processos radiativos como o decaimento beta, em
que um nêutron se transforma em um próton, um elétron e um neutrino.
Apesar de aparentemente díspares, viu­se que ambos os fenômenos eram
manifestações de uma mesma interação, que passou a ser conhecida como
eletrofraca (descrita por Glashow, Salam e Weinberg).

A interação forte, outra interação subatômica, também passou a ser descrita


por uma teoria de calibre, a cromodinâmica quântica. Ela e a interação
eletrofraca foram colocadas, lado a lado, no que hoje se conhece como
modelo padrão (“Standard Model”). O modelo padrão descreve, de
maneira precisa, as interações entre as três famílias de quarks e leptons,
que constituem toda a matéria conhecida, através do intercâmbio dos, assim
chamados, bósons de calibre da radiação. O paradigma dessa descrição é

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ainda a eletrodinâmica, onde elétrons e fótons fazem os papéis de um e
outro.

Até hoje, ainda não se conseguiu unificar as interações forte e eletrofraca,


muito menos uni­las à interação gravitacional, que completa o quarteto. No
entanto, a crença dos físicos teóricos é de que todas as interações são
diferentes manifestações de uma mesma interação fundamental, descrita
por uma teoria única. Como então explicar as diferenças que medimos hoje
entre os fenômenos dessas quatro classes?

Novamente, a tentativa de resposta está na mecânica estatística das teorias


quânticas de campos, isto é, na termodinâmica dos campos quânticos. À
medida que o universo, depois da explosão inicial (o “Big Bang”),
começou a se expandir e resfriar (como ocorre, usualmente, na expansão de
um gás), acredita­se que ocorreram transições de fase, análogas às que
ocorrem quando um gás se liquefaz, ou quando um metal passa de sua fase
paramagnética (não imantada) para a ferromagnética (imantada).

Essas transições são acompanhadas por quebras (reduções) de simetria,


modificando­se a forma de organização da matéria. Assim, enquanto na
fase paramagnética os pequeninos ímãs atômicos das substâncias
magnéticas possuem simetria de rotação, podendo apontar em qualquer
direção espacial, na ferromagnética eles se organizam em bloco, apontando
em direções preferenciais em regiões de tamanho macroscópico,
denominadas domínios. Perde­se, portanto, a simetria de rotação original
devido ao alinhamento ao longo de uma dada direção.

De modo análogo, a teoria quântica que deveria unificar todas as interações


da natureza, a teoria unificada, perseguida desde os tempos de Einstein,
teria passado por quebras (reduções) de simetria. Uma primeira quebra
teria distinguido a interação gravitacional das demais, quando a
temperatura (kBT) do universo era da ordem de 1019 GeV. Seguiu­se uma
segunda, na escala de 1015 GeV, em que as interações forte e eletrofraca
passaram a ser distinguíveis e, finalmente, a uma temperatura de 102 GeV,
teria ocorrido a transição que distinguiu entre o eletromagnetismo e a
interação fraca.

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As quebras de simetria a que nos referimos levam a diferentes regimes de
correlação dos campos. Tomando a interação eletrofraca como exemplo,
acredita­se que, acima de 102 GeV, ela seja de alcance finito, o que indica
uma correlação de longo alcance. Ao passarmos pela transição que
distingue a interação fraca da eletromagnética, apenas o eletromagnetismo
permanece de alcance infinito, enquanto a interação fraca passa a ter um
alcance da ordem de 10­17cm. Como o alcance da interação é inversamente
proporcional à massa do bóson de calibre que a media, entende­se, dessa
forma, porque o fóton tem massa zero, enquanto os bósons W+, W­ e Z0,
intermediadores das interações fracas, tem massas entre 80 e 100 GeV.

A essa altura, o leitor deve estar­se perguntando como é possível obter


informação experimental sobre a ocorrência desses fenômenos. Afinal, as
energias neles envolvidas são muito altas e os aceleradores de partículas
atuais não conseguem superar 1TeV, ou seja, quando muito aceleram
partículas a energias dessa ordem. Na verdade, necessitamos um plasma
com densidades de energia superiores a vários GeV/fm3 (Gigaeletronvolt
por Fermi cúbico) para pensarmos em observar transições de fase.

Há, no entanto, dois tipos de informação experimental disponível:


resultados de colisões de íons pesados em aceleradores como os do CERN
ou Fermilab; registros em câmaras de emulsão fotográfica dos eventos que
ocorrem em raios cósmicos. Em ambas as situações, é possível obter
densidades de energia suficientemente altas para observar transições de
fase. Em particular, as observações de raios cósmicos têm, no Brasil, um
pioneiro: o Professor César Lattes que, à frente de um grupo de
pesquisadores da UNICAMP produziu, durante anos, no âmbito de uma
colaboração Brasil­Japão, dados importantes para o estudo do tema.

No que se segue, procuraremos familiarizar o leitor com os principais


conceitos que levaram à construção do modelo padrão das interações
fundamentais. A base dessa construção, como já adiantamos, consiste em
teorias de calibre, teorias quânticas de campos especiais descobertas por
Yang e Mills em 1954. Vamos admitir certa familiaridade com conceitos
matemáticos, mas procuraremos suprir informações adicionais sempre que
isso puder contribuir para uma melhor compreensão do texto.

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No entanto, o objetivo destas notas é dar uma primeira visão geral da
importância das teorias quânticas de campos e de como elas levaram à
formulação do modelo padrão das interações entre partículas e campos. Ao
final do texto apresentaremos uma lista de referências para que o leitor
interessado aprofunde seus conhecimentos e preencha as lacunas que este
texto introdutório certamente conterá. Esperamos que estas notas
estimulem a curiosidade e contribuam para divulgar os grandes avanços
obtidos com as teorias quânticas de campos.

II. O Modelo Padrão

As forças de interação conhecidas na natureza têm intensidades distintas.


O quadro abaixo ilustra bem as diferenças de intensidades relativas entre
elas. É importante notar a enorme diferença entre a força gravitacional e as
demais. Não por acaso, a gravitação ainda não faz parte de um modelo
unificado. Uma teoria unificada, no entanto, deveria incorporar a
gravitação, o que continua a ser um grande desafio.

Forças Intensidade Relativa

Eletromagnética 10­2

Fraca 10 ­5

Forte 1

Gravitacional 10­38

As forças refletem a interação entre matéria e radiação representada


esquematicamente na figura abaixo por meio de um diagrama de
Feynman. Nele, um elétron (e­) é espalhado por outro devido ao
intercâmbio de um fóton (γ):

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e­ e­

e ­ e­

A matéria consiste de quarks e leptons, partículas denominadas férmions,


que possuem momento magnético intrínseco (o spin s) s=1/2 e obedecem
ao princípio de exclusão de Pauli, que as impede de ocuparem o mesmo
estado quântico. Já a radiação consiste de quanta denominados gluons, na
interação forte, bósons intermediários (W+, W­, Z0), na interação fraca, e
fótons (γ), na interação eletromagnética. Todos são bósons de spin s=1.

As denominações férmions e bósons referem­se a spins semi­inteiros e


inteiros, respectivamente. Essa distinção tem profundas implicações no
comportamento estatístico de sistemas compostos de partículas de cada
uma dessas duas classes.

Como já adiantamos na primeira seção, a revolução científica do início do


século XX levou à descoberta da mecânica quântica e da teoria da
relatividade. Na verdade, essas descobertas se baseavam em dois conceitos
fundamentais da física moderna: quantização e simetria.

O primeiro levou ao desenvolvimento da mecânica quântica por Planck,


Einstein, Bohr, Schrödinger, Heisenberg, Pauli e Dirac, entre outros, e
introduziu uma nova constante física, a constante de Planck, h.

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O segundo foi introduzido na teoria da relatividade de Einstein, em sua
versão especial (ou restrita) de 1905, que elevou o status da velocidade da
luz, c, ao de constante fundamental, e generalizado em 1915 na teoria da
relatividade geral, com destaque para a constante gravitacional de Newton,
G. A incorporação da idéia de simetria levaria às simetrias de calibre (do
inglês gauge), base do modelo padrão.

mecânica quântica & relatividade especial

Max Planck Albert Einstein

As figuras acima, de Max Planck e Albert Einstein, simbolizam as


origens da mecânica quântica (ambos) e da teoria da relatividade
(Einstein). Na seqüência aparece a figura de Paul Dirac, responsável por
reunir aspectos quânticos e relativísticos nas teorias quânticas de campos.

Paul Adrien Maurice Dirac

teoria quântica de campos

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Como explicado anteriormente, foi a teoria quântica de campos que
permitiu uma descrição consistente de uma dinâmica que fosse, ao mesmo
tempo, quântica e relativística, ainda que restrita à relatividade especial.

Para tanto, ela introduziu o conceito de campos quantizados para tratar


partículas relativísticas. A dualidade onda­partícula, introduzida pelo
princípio de incerteza de Heisenberg, era subjacente à descrição, pois
partículas e campos estavam indissociavelmente ligados.

Com o intuito de mostrar como os conceitos de quantização e simetria


constituem a base das teorias quânticas de campos, vamos apresentá­los
separadamente, para depois incorporá­los na construção da eletrodinâmica
quântica, teoria paradigmática que representou o grande sucesso da década
de 1940.

II.1 Quantização e Simetria

A idéia de simetria decorre de impormos que as leis físicas sejam


invariantes por mudanças de referencial inercial (RI). Mudanças de RI são
implementadas por transformações geométricas entre sistemas de
referência. Essas transformações em geral pertencem a grupos de simetria,
cujo estudo e classificação representam um vasto domínio da matemática.

As transformações podem ser: i) discretas versus contínuas (dependendo


da natureza dos parâmetros que as caracterizam); ii) espaço­temporais
versus internas, sendo que as últimas podem ser globais ou locais (também
chamadas de calibre); abelianas versus não­abelianas (no que tange à
comutação).

Um grupo de transformações espaciais abelianas é o das rotações em 2D:

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Rotações em 2D

O
J J

θ A
A
O’

J’

A’

Produto Escalar: J.A = J1A1+ J2A2 = |J| |A| cos θ

Os vetores J e A podem ser descritos por um sistema de referência O, cujos


eixos estão à esquerda, ou por O’, cujos eixos estão à direita. Como os
eixos de O foram girados de 900 no sentido anti­horário para se chegar a
O’, os vetores observados por O’, J’ e A’, aparecem girados em sentido
horário.

No entanto, em ambas as descrições, o produto escalar se mantem


invariante. Além disso, se aplicarmos duas rotações sucessivas, a ordem
em que as aplicamos é irrelevante: o resultado final independe dela.

Já o caso de rotações em três dimensões é exemplo de grupo não­abeliano.


Uma rotação de 900 em torno do eixo x, seguida de outra de 900 em torno do
eixo y, dará resultado distinto daquele que obteríamos invertendo a ordem
(use um livro e verifique por conta própria).

Para quaisquer rotações, o produto escalar continua invariante. Na verdade,


para o vetor xi = (x1,x2,x3), a variação infinitesimal dl2 = dxi dxi = dx12 +

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dx22 + dx32 é sempre invariante por mudança de referencial (usamos a
notação de Einstein, em que índices repetidos denotam soma). O dl2 é
chamado de intervalo infinitesimal; a invariância desse intervalo
caracteriza as rotações.

A incorporação do tempo (multiplicado pela velocidade da luz, por razões


dimensionais) como coordenada permite definir um quadrivetor (de índice
grego para distinguir dos vetores espaciais) xμ = (ct,x1,x2,x3). O grupo de
transformações relevantes para a relatividade especial é o grupo das
transformações de Lorentz, ou grupo de Lorentz, que preserva o intervalo
ds2 = dxμ dxμ = dx12 + dx22 + dx32 ­ c2 dt2.

As transformações de Lorentz são definidas como as transformações


lineares que preservam esse intervalo. Einstein postulou que as leis da
física deveriam ser invariantes por mudanças de referenciais inerciais do
tipo Lorentz. Uma conseqüência dessa invariância é o fato de que a
velocidade da luz é uma constante universal, valendo o mesmo em
qualquer RI.

A invariância por transformações de Lorentz leva naturalmente à definição


de quadrivetores associados a grandezas físicas. Assim, da mesma forma
que o tempo aparece como uma quarta coordenada, caracterizando o
espaço­tempo de Lorentz, é possível definir uma quadricorrente
eletromagnética Jμ a partir de densidades de carga ρ e de corrente ρvi (as
três componentes da velocidade estão representadas na notação, já que
i=1,2,3). O quadrivetor corrente pode ser escrito como Jμ = (J0, Ji) = (ρc,
ρvi).

De modo análogo, os potenciais elétrico A0 e magnético Ai, permitem


definir o quadripotencial Aμ = (A0 , Ai). Uma forma de interação entre
quadricorrente e quadripotencial que satisfaz a invariância de Lorentz pode
ser construída usando o produto escalar induzido pela definição de
intervalo de Lorentz: Jμ Aμ = Ji Ai – J0 A0 = ρvi Ai – ρc A0, em que
novamente usamos a notação de Einstein.

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Essa estrutura é um escalar, logo é invariante por transformações de
Lorentz, ou seja, tem mesmo valor em qualquer referencial inercial (RI).
Esquematicamente, temos a quadricorrente associada a uma seta que é
espalhada pelo quadrivetor (ondulado), o que altera sua direção.

Jμ Aμ

Do que foi visto anteriormente, fica claro que o requisito de invariância


frente a uma dada simetria impõe restrições sobre a forma da interação.
Falta ainda incorporar o caráter quântico à descrição, ou seja, quantizar a
teoria.

Modernamente, a quantização pode ser implementada por meio da técnica


de integração funcional. Consideremos, por simplicidade, uma
configuração de campo escalar φ = φ (x) (um campo escalar permanece o
mesmo quando submetido a uma transformação de Lorentz), cuja ação
(energia­tempo) seja dada por S = S[φ].

A quantização por integração funcional associa um peso quântico


(estatístico), P[φ] = exp [2πi (S/h)], à configuração de campo φ (x) e
calcula valores esperados das grandezas físicas tomando a média sobre as
configurações com os pesos quânticos.

Assim, o valor médio ou esperado do campo seria dado por:

<φ(x)> = { ∫ [Dφ] φ(x) P[φ]} / {∫ [Dφ] P[φ]},

onde as integrais representam somas sobre funções φ (x). Mais adiante,


veremos exemplos concretos de como grandezas físicas são escritas em
termos dos campos de uma teoria. Portanto, ao tomarmos médias sobre os
campos, estaremos calculando os valores médios, ou valores esperados das
grandezas.

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II.2 A Eletrodinâmica Quântica

Os requisitos de simetria e a integração funcional permitem escrever


teorias de campos e quantizá­las. Há, no entanto, que compatibilizar essas
teorias com o conhecimento preexistente do mundo físico. Assim, a
descrição de campos eletromagnéticos parte de uma teoria clássica de
campos, que nada mais é que a teoria de Maxwell, escrita em linguagem
que explicita suas propriedades quando submetida a transformações de
Lorentz.

Como vimos anteriormente, aparece o quadrivetor potencial, Aµ = (A0,Ai) ;


Aµ = (­A0,Ai), a partir do qual pode­se obter o tensor de campo
eletromagnético
Fµν = ∂µAν ­ ∂νAµ ,

que contém toda a informação sobre os campos elétricos e magnéticos

F0i = ­Ei & Fij= Bk.

O tensor é antissimétrico,
Fµν = ­ Fνµ,

e permite escrever a ação do campo eletromagnético

Sem = ∫ d4x {­ ¼ Fµν Fµν}.

Se extremizarmos a ação, obteremos as equações de Maxwell no vácuo,


equações para campos bosônicos (s = 1).

Para descrever campos fermiônicos, como o do elétron (e­), devemos


utilizar um espinor, ou seja, algo que se transforma por uma
representação espinorial (spin s = 1/2) do grupo de Lorentz.

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Com um campo espinorial para o elétron, Ψα(x), α = 0,1,2,3, e matrizes
(4x4) de Dirac, γµ, µ = 0,1,2,3, podemos escrever a ação fermiônica,

Sf = ∫ d4x Ψ+γ0 {iγµ∂µ ­ m}Ψ,

Em que a combinação Ψ ≡ (Ψ+γ0) é associada ao campo do pósitron (e+),


antipartícula do elétron. Extremizando a ação vem a equação de Dirac,

(iγ ∙∂ ­ m)Ψ = 0,

na realidade um conjunto de quatro equações de primeira ordem. Os


campos fermiônicos obedecem ao princípio de exclusão de Pauli.

Com os campos eletromagnéticos e os campos fermiônicos de elétron e


pósitron, podemos escrever a teoria que se tornou o paradigma das teorias
quânticas de campos, a eletrodinâmica quântica (conhecida pela sigla em
Inglês, QED). Nela, a interação entre esses campos envolve a
quadricorrente, escrita em termos dos campos fermiônicos,

Jµ = ­e Ψ+γ0γµΨ,

e tem a forma,

Sint = ∫ d4x JµAµ = ­e ∫ d4x Ψ+γ0γµΨ Aµ,


de modo que a ação completa para a eletrodinâmica se escreve

SQED = ∫ d4x { Ψ+ γ0 (iγ∙D – m) Ψ – ¼ F∙F},

onde Dµ ≡ ∂µ ­ i e Aµ é chamada derivada covariante e o produto interno


(escalar) γ∙D é o de Lorentz.

A eletrodinâmica quântica é uma teoria de campos fermiônicos e bosônicos


quantizados, cuja constante de acoplamento (interação) é dada pela
constante de estrutura fina, constante adimensional definida como

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α = 2π (e2/hc) = 1/137 << 1.

O pequeno valor (comparado com a unidade) da constante de acoplamento


permite tratar o termo de interação como uma perturbação, o que leva à
utilização de um formalismo geral chamado de teoria de perturbação. Nele,
integrais que contribuem para o cálculo de grandezas físicas são
representadas por diagramas de Feynman, como os que aparecem abaixo:

Os cálculos de teoria de perturbação levam a quantidades não físicas, que


podem inclusive ser divergentes, o que requer todo um procedimento
sistemático de redefinição das quantidades envolvidas para relacioná­las
com grandezas físicas. Tal procedimento é chamado de renormalização da
teoria. Graças a ele é possível obter grandezas físicas.

QED possui simetrias internas que têm conseqüências importantes para a


descrição física. Ela possui uma simetria global (mesma transformação em
todos os pontos do espaço­tempo) por um grupo abeliano chamado U(1),
que corresponde à multiplicação por uma fase complexa, o que deixa a
ação invariante.

U(1) global: Ψ → eiθ Ψ.

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Essa simetria leva, graças a um teorema matemático devido a Noether, à
conservação da carga associada à interação, ou seja, da carga elétrica. Da
equação:

∂∙J = 0 com Jµ = ­e Ψ+γ0γµΨ,

chega­se à conservação da carga no tempo

de/dt = 0 com ­e = ∫ d3x J0(ct,xi).

Além da simetria U(1) global, a teoria também possui uma simetria U(1)
local (transformação que depende do ponto no espaço­tempo), também
chamada de calibre:

Uem(1) local: Ψ → eiθ(x) Ψ.

Para garantir a invariância da ação, essa transformação dos campos


fermiônicos deve vir acompanhada das seguintes transformações dos
campos eletromagnéticos, por essa razão também conhecidos como campos
de calibre (ou de gauge, em Inglês):

A → A – (1/e) ∂θ,

o que acarreta

DΨ → eiθ(x) DΨ.

A simetria interna de QED serviu, como veremos mais adiante, de base


para extensões naturais, que levaram a teorias para as interações fortes e
fracas.

O enorme êxito de QED quando confrontada com dados experimentais


pode ser avaliado pela precisão com que se previu um deslocamento de
linha espectral no hidrogênio, denominado de deslocamento de Lamb

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(Lamb shift) , bem como o fator giromagnético anômalo do elétron (g­2):
em ambos os casos, a precisão é de uma parte em 1012.

II.3 A Cromodinâmica Quântica

Dentre as teorias de campos que constituem a base do modelo padrão há


teorias de calibre com diferentes grupos de simetria interna. A
cromodinâmica quântica (conhecida pela sigla inglesa QCD), que
descreve as interações fortes, possui uma simetria interna caracterizada
por:

Ψa → {exp [iθn(x) Tn]}ab Ψb a,b =1,2,3.

Os Tn são os geradores da álgebra do grupo de transformações SU(3) c, com


n =1,...,8. O subscrito c refere­se a “cor”, nome que foi dado à carga de
Noether que é conservada pela simetria, o análogo da carga elétrica no
caso eletromagnético. As generalizações:

DabΨb = ∂ Ψa – i gs An [Tn]ab Ψb,

Fµνn = ∂µAνn ­ ∂νAµn + gs fnml AµmAνl,

definem a derivada covariante e o tensor cromomagnético, em termos da


constante de acoplamento forte gs (s vem do inglês strong). No caso
eletromagnético, a constante de acoplamento coincide com a carga do
elétron e. A ação para QCD é dada por:

SQCD = ∫ d4x {Ψa(i γ∙D – m)abΨb – ¼ Fn ∙Fn},

onde suprimimos os índices de Minkowski e explicitamos apenas os


índices internos de SU(3)c, sempre com a convenção de que índices
repetidos estão somados.

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A teoria descreve quarks (os férmions) em três cores, Ψa, a=1,2,3, e gluons
(os bósons) de oito tipos, Aµn, n=1,...,8. Como já dissemos, a carga
conservada é a COR. Duas importantes características de QCD são a
liberdade assintótica e o confinamento da cor.

A primeira corresponde ao fato de a constante de acoplamento forte, gs(E),


como função da energia, tender para zero quando E >> ΛQCD, esta última a
escala típica das interações fortes, algo em torno de 200 MeV. A segunda
corresponde ao fato de gs(E) tender a infinito à medida que a energia se
aproxima de ΛQCD, ou seja, a baixas energias.

Graças a essas propriedades, podemos utilizar teoria de perturbação para a


descrição de fenômenos de altas energias (comparadas com ΛQCD), mas
necessitamos métodos não­perturbativos para baixas energias. O
confinamento da cor se traduz no fato de o potencial entre quark e
antiquark, V(R), crescer com a distância R. A cor é confinada em mésons
(formados por quark e antiquark) e bárions (formados por três quarks).

Um problema de grande interesse atual é a investigação das possíveis fases


de QCD, à medida que variamos temperatura e densidade de partículas. O
diagrama de fases abaixo mostra o que se pretende confirmar nos
laboratórios de Brookhaven (com o colisor RHIC, Relativistic Heavy Ion
Collider) e do CERN (com o experimento ALICE, A Large Ion Collider
Experiment), ou seja, a existência de uma fase desconfinada dominada por
um plasma de quarks e gluons a altas temperaturas e densidades, e
possivelmente, uma fase supercondutora de cor a altas densidades.

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A seguir, uma foto gerada por simulação de uma colisão de íons pesados de
chumbo:

21
II.4 A Teoria Eletrofraca

Enquanto as interações fortes são descritas pela cromodinâmica quântica,


as interações fracas e eletromagnéticas admitem uma descrição unificada,
por meio da teoria eletrofraca (cuja sigla em Inglês é QFD, o F denotando
flavor, sabor, nome da carga conservada nesse caso), proposta por
Glashow, Weinberg e Salam.

Na teoria eletrofraca, o grupo de calibre é um produto direto de dois grupos


de Lie, SU(2)L x U(1)Y, com o índice L denotando quiralidade esquerda
(que será definida mais adiante), enquanto o índice Y denota hipercarga,
grandeza que permite escrever a carga elétrica como

Q = T3 + Y/2.

T3 representa o isospin fraco (um dos geradores do SU(2)L).

Os bósons de calibre, nesse caso, são chamados bósons intermediários, Wµm


(m=1,2,3) & Bµ, e correspondem aos dois grupos envolvidos. A quiralidade
dos férmions define o alinhamento do momentum com o spin e se escreve

ΨL= [(1­ γ5)/2]Ψ & ΨR= [(1+ γ5)/2]Ψ,

em termos de uma matriz 4x4 de Dirac, γ5. A teoria distingue as


quiralidades esquerda (left) e direita (right). Suprimindo os índices de
Lorentz, pode­se escrever a derivada covariante como:

DΨ= (∂ ­ i g Wm Im – i g’ B Y/2) Ψ.

Os acoplamentos g e g’ também se referem aos dois grupos envolvidos.

As partículas fermiônicas, ou seja, os quarks e leptons, com suas


respectivas quiralidades, valores de isospin fraco, carga elétrica e
hipercarga, aparecem nos quadros abaixo.

Leptons T T3 Q Y

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νL 1/2 1/2 0 ­1
eL 1/2 ­1/2 ­1 ­1
eR 0 0 ­1 ­2

Quarks T T3 Q Y
uL 1/2 1/2 2/3 1/3
dL 1/2 ­1/2 ­1/3 1/3
uR 0 0 2/3 4/3
dL 0 0 ­1/3 ­2/3

A ação para a teoria eletrofraca consiste de uma parte que só envolve


férmions e bósons intermediários, e de outra parte que envolve um campo
escalar, chamado de campo de Higgs, Φ, um dubleto cujas componentes
são Φ≡ (φ+, φ­). Esta última parte é responsável pelo fenômeno da quebra
espontânea da simetria (QES).

Assim, suprimindo todos os índices, vem

SEF = ∫ d4x {Σq,l[Ψ(i γ∙D – M)Ψ]– [¼ W ∙W + ¼ B ∙B]} + SQES,

com a ação escalar dada pela expressão

SQES = ∫ d4x {DΦ+DΦ + µ2 Φ+Φ ­ λ (Φ+Φ) 2}; λ > 0.

O campo de Higgs, devido à forma do potencial (chapéu mexicano),


adquire valor esperado no vácuo, o que leva à quebra espontânea da
simetria (o vácuo se orienta ao longo de uma das direções do chapéu, como
em um ferromagneto), via um mecanismo descoberto por Peter Higgs,
responsável por gerar massas para três dos bósons intermediários,

W± = (W1 ± W2) /√2 & Z0 = cos θw W3 – sen θw B.

O quarto, que permanece sem massa, é o fóton do eletromagnetismo

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A = sen θw W3 + cos θw B.

As expressões acima são parametrizadas por um ângulo, θw, conhecido


como ângulo de Weinberg, que relaciona a carga do elétron com os
acoplamentos g e g’ da interação eletrofraca:

g = e/ sen θw & g’ = e/ cos θw.

A constante de Fermi, que aparece no decaimento beta (um nêutron decai


em próton, elétron e neutrino) pode ser escrita em termos da massa dos
bósons intermediários carregados:

GF = √2 g2 / 8 MW2.

O mecanismo de Higgs gera massas mantendo invariância de calibre e


pressupõe a existência da partícula escalar de Higgs, alvo de busca
experimental nos modernos aceleradores.

II.5 O Modelo Padrão e Extensões

Temos agora todos os ingredientes do modelo padrão, uma teoria de calibre


baseada no produto direto SU(3)c x SU(2)L x U(1)Y, que inclui as simetrias
internas das interações forte e eletrofraca.

O modelo possui oito gluons, três bósons intermediários e o fóton, como


campos bosônicos de calibre, três famílias de quarks e leptons, como
campos fermiônicos, e, possivelmente, o ainda não descoberto bóson
escalar de Higgs. As três famílias de quarks e leptons aparecem abaixo.

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As três cores dos quarks simbolizam a carga conservada na interação forte,
enquanto os leptons incluem elétron, muon, tau e seus respectivos
neutrinos.

O modelo padrão tem sido exaustivamente testado em experimentos


realizados em grandes aceleradores como o do CERN. Até o momento, as
quantidades físicas calculadas com o modelo padrão têm coincidido com
dados experimentais dentro de suas faixas de incerteza.

O problema atual a ser confrontado é como avançar além do modelo


padrão. Generalizações envolvendo uma supersimetria, que permite a
transmutação de bósons em férmions, de modo a termos sempre parceiros
superssimétricos, bem como aquelas que pretendem incluir a gravitação e
envolvem supercordas (talvez descritas por uma teoria unificada
denominada teoria M) têm sido amplamente estudadas ainda que, até o
momento, não haja nenhuma indicação experimental de sua relevância.

De qualquer modo, o modelo consegue descrever um número bastante


grande de fenômenos nucleares e sub­nucleares. Ele nos permite estudar de
forma consistente três forças da natureza. O quadro abaixo ilustra
graficamente alguns processos e as interações envolvidas, todos descritos e
calculados no âmbito do modelo padrão.

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O modelo padrão deverá passar por testes ainda mais rigorosos com a
entrada em funcionamento do LHC (Large Hadron Collider) do CERN
(Centre Européen de la Recherche Nucléaire), localizado em Genebra,
Suíça. Trata­se de um acelerador de partículas que estudará colisões de
feixes de hadrons ao longo de uma circunferência de 28 km. Tais colisões
não apenas permitirão testar o modelo, mas também as propostas para
estendê­lo.

A figura abaixo exibe uma vista aérea do CERN, o laboratório europeu que
continuará a ter papel central no desenvolvimento da física de partículas e
campos nos próximos anos.

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III. Conclusão

A física, com seu método científico, tornou­se um paradigma para todas as


ciências naturais e esteve na origem da revolução tecnológica do final do
século XX. Sua importância política e sócio­econômica teve
reconhecimento universal.

Nos países industrializados, físicos passaram a participar de comissões


governamentais em que se definiam políticas para a sociedade graças ao
impacto de sua ciência na vida do planeta. Não há como negar que o
poderio nuclear, a guerra eletrônica, o hardware da sociedade da
informação e outros condicionantes da geopolítica mundial refletem
claramente esse impacto.

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Essa ciência tão rica, cuja missão é tão intimamente ligada à saga da
humanidade rumo ao conhecimento do mundo ao seu redor, inicia o
milênio acreditando saber contar a história do universo desde 10­43 s até
sua idade atual, estimada em 14 x 109 anos (~1017 s), uma história que
envolve pelo menos 50 bilhões de galáxias distribuídas em gigantescos
filamentos que se alternam com imensos vazios.

Dos megaparsecs da astrofísica, aos 10­17cm investigados pelos


aceleradores de partículas, a física observa, detecta e mede com precisão
cada vez maior, teoriza com ousadia, a ponto de abrir novas áreas na
matemática, e se aventura rumo a sistemas cada vez mais complexos,
embarcando integralmente na multidisciplinaridade que há de ser a marca
registrada do novo milênio.

As teorias quânticas de campos representaram, ao longo do século XX, a


grande conquista teórica que levou ao modelo padrão das interações e
permitiu que nosso conhecimento do universo se estendesse ao mundo
subatômico. Um grande desafio nesse novo milênio será encontrar como
generalizá­las para quantizar a gravitação e avançar em nossa compreensão
da história e do futuro de nosso universo.

Sugestões para leitura

1. “Do Átomo Pré­Socrático às Partículas Elementares: a Estrutura


Quântica da Matéria”, J. Leite Lopes, editado por UFRJ, Academia
Brasileira de Ciências e Ed. Erca (1992).
2. “Inward Bound”: Of Matter and Forces in the Physical World”, A.
Pais, Oxford University Press, New York; Clarendon Press, Oxford
(1986).
3. “Teoria Quântica dos Campos”, Marcelo Otavio Caminha Gomes,
Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo (2002).

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