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«Os Lusíadas» e a «Mensagem»

Os Lusíadas e a Mensagem cantam, em perspetivas diferentes, a grandeza de


Portugal. Os Lusíadas são uma narrativa épica que, em estilo elevado, canta uma ação
heroica passada. Pessoa, no poema épico-lírico, canta de forma fragmentária e numa
atitude introspetiva o Portugal que “falta cumprir-se”.
Camões celebrou o império real, o expansionismo material para Oriente, a
cruzada religiosa, a ultrapassagem dos obstáculos físicos que se erguiam aos
portugueses por terra e por mar. N’ Os Lusíadas, havia já um sentimento de
decadência. A epopeia de Camões não é meramente laudatória, contém um apelo,
sublinha uma lição, valoriza o risco corrido pelos portugueses, justifica pela dor e pela
experiência o prémio alcançado. Camões dirige-se a uma “gente surda e endurecida”
que teima em não o compreender.
O objetivo de Pessoa é perseguir uma “Índia que não há”. É o anunciador de um
novo Quinto Império. O Portugal que antevê no futuro situa-se além do material. “E a
nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em
naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos”. Será talvez um império da
língua portuguesa.
Na epopeia de Camões, ressalta uma antinomia grandeza/decadência, um
contrapor o passado ilustre ao presente de “austera, apagada e vil tristeza”. Os heróis
que Camões canta conquistaram o alto valor por mérito próprio. O caminho de
heroísmo é caminho de sofrimento. O sofrimento é coletivo e generalizado ao povo
que o suporta corajosamente. Abordam-se figuras e factos da História de Portugal.
Pessoa escreve refugiado na pátria dos mitos numa hora de “nevoeiro”
nacional. Há uma antinomia passado/presente, grandeza/ declínio, “Mar
Português/”Nevoeiro”, heroísmo do passado contraposto à hora presente. Também na
Mensagem “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor.”O
sofrimento regressa ao plano interior individual. Torna em Mito as figuras históricas.
Os heróis são mitificados. São apresentados com valores simbólicos. Os heróis, sob a
forma de mito são “o nada que é tudo”, a transfiguração das personagens em símbolos
mitificados.
Camões canta o Portugal que foi, o passado. Objetiva as navegações, nomeia
as terras, os povos, os portos e seus itinerários.
Pessoa canta o Portugal “a haver”, o futuro. Abstrai das viagens, dos padrões e
dos mares a grande significação do navegar enquanto ato de esforço físico e enquanto
metáfora do espírito rumo ao plano do ideal. A matéria da Mensagem não é histórica,
factual; não fala dos acontecimentos e dos lugares, mas de uma essência de Portugal e
de uma missão a cumprir-se.
Os Lusíadas são a mensagem do Passado. O Portugal criado. Império do
Mundo.
A Mensagem são Os Lusíadas do Futuro. O Portugal criador. V Império do
espírito. Exalta as façanhas do passado, em função de um apelo para as grandezas
futuras.

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MENSAGEM

A Mensagem apresenta uma estrutura tripartida: nascimento; vida;


morte/renascimento.

Primeira Parte – “Brasão”


Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit nobis signum
(Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu um sinal)

Na primeira parte “Brasão”, apresentam-se os heróis fundadores da


nacionalidade. Há, no entanto, para além da exposição das questões factuais, uma
preocupação em revelar a inspiração divina dos atos dos heróis.
A primeira parte aponta para a origem e fundação da nacionalidade. Referem-
se mitos e figuras históricas de Portugal. Pretende-se transmitir a imagem de um
Portugal erguido à custa do sacrifício e coragem de muitos heróis, de um Portugal que
há-de ser “rosto” da Europa.
Esta primeira parte encontra-se subdividida em cinco outras partes, sendo a
primeira delas “Os Campos” e que engloba poemas como “O dos Castelos” e “O das
Quinas”. O campo surge como um símbolo de espaço da vida e da consolidação do
reino, sendo o castelo o símbolo da proteção.
A segunda parte, dentro da primeira que se intitula “Brasão”, designa-se “Os
Castelos” que são símbolo de proteção, baluartes de defesa e residência de reis.
Significa, também, as conquistas dos heróis.
Os heróis dos castelos, representados na Mensagem, surgem associados a
desígnios ocultos que necessitam de ser desvendados.
Ulisses foi o fundador mítico de Lisboa, um herói doutro tempo e doutro
espaço, a força do mito e a importância que pode assumir para que Portugal cumpra a
sua missão. “O mito é o nada que é tudo”, ou seja, o mito enquanto estiver oculto
nada vale; quando revelado e explicado, desvenda a Verdade.
Na primeira parte, “Brasão”, desfilam os heróis lendários ou históricos, desde
Ulisses a D. Sebastião, ora invocados pelo poeta, ora definindo-se a si próprios, como
em inscrições lapidares, epigramáticas.
Cada uma das seguintes secções desta parte é constituída por tantos poemas
quantos os elementos representados em cada componente do brasão. Assim, há dois
poemas para os Campos: o dos Castelos e o das Quinas; há sete para os castelos, por
serem sete os castelos tomados aos mouros por D. Afonso III; há cinco para as Quinas,
por serem cinco as chagas de Cristo; há um para a Coroa; e há três para o grifo, sendo
um para a cabeça e dois para as asas.

Segunda Parte – Mar Português


Possessio Maris
(A posse do Mar)
A segunda parte da obra Mensagem, “Mar Português”, subdividida em doze
poemas, simboliza a essência da vocação de Portugal para o mar e para o sonho.
Referem-se personalidades e factos dos descobrimentos portugueses, sempre
encarados na perspetiva de missão que competia a Portugal cumprir.

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Encontramos, em “Mar Português”, os retratos dos heróis impulsionadores da
expansão portuguesa: os marinheiros que descobriram as terras novas: Diogo Cão,
Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães e o mais ilustre de todos, Vasco da Gama.
Em “Mar Português”, é ainda possível detetar a conceção messiânica que
Fernando Pessoa possui da História já que afirma que o processo de criação implica
Deus como causa primeira, o homem como agente intermediário e a obra como efeito:
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.
Os poemas da primeira parte apresentam o valor do mito e do sonho, bem
como as figuras heroicas, já verdadeiros mitos, que contribuíram para a concretização
real desse mesmo sonho. Agora, nesta segunda parte, surge o sonho convertido em
ação, unificando o ato humano e o Destino traçado por Deus.
Esta segunda parte da Mensagem poderia sintetizar-se desta forma: O Infante
(D. Henrique) concebe a ideia de um império marítimo português (“O Infante”);
partem as suas naus em busca de novas terras (“Horizonte”); Diogo Cão toma
oficialmente posse, em nome de Portugal, das terras descobertas (“Padrão”); o
Mostrengo simboliza as dificuldades enfrentadas na aventura marítima (“O
Mostrengo”), mas é simbolicamente vencido por Bartolomeu Dias, ousadia que virá a
pagar com a vida (“Epitáfio de Bartolomeu Dias”); as outras nações europeias lançam-
se também na aventura marítima, mas os seus feitos não passam de uma sombra dos
feitos de Portugal (“Os Colombos”); prosseguem as caravelas do Infante e encontram
as terras do Ocidente, especificamente o Brasil (“Ocidente”); descobertos todos os
novos continentes e ilhas sem fim, procedem os nautas a uma viagem de circum-
navegação, proeza que as forças adversas do universo irão punir (“Fernão de
Magalhães”); obreiros de gestos heroicos, os marinheiros são convertidos em semi-
deuses e ascendem ao Olimpo, como acontecia na Antiguidade (“Ascensão de Vasco
da Gama”); sujeito às leis inexoráveis do tempo, que tudo consome, o império
marítimo português (“Mar Português”) também morre; com a partida de D. Sebastião,
o último navegante do Mar Português, para Alcácer-Quibir – “a noite veio” (“A última
Nau”); mas, ansiosos por se perpetuarem no tempo e no espaço e cientes de que é
esse o seu destino manifesto imploram a Deus que lhes conceda a graça de um
Império que não morra (“Prece”).
Nos 12 poemas de “Mar Português”, historia-se e mitifica-se a saga dos
Descobrimentos. Paralelamente, os Descobrimentos são também um percurso
iniciático de autodescoberta.

Terceira Parte – O Encoberto


Pax in Excelsis
(Paz nas alturas”
Na Primeira Parte, Portugal realiza-se na “terra”; na segunda, realiza-se no
“mar”; e na terceira, realiza-se no “céu”. Podendo, portanto, afirmar-se que, na
economia da Mensagem estão presentes os quatro elementos: a terra na Primeira
Parte; a água na Segunda; e o ar e o fogo na Terceira.
Refere-se que Portugal parece estar encerrado numa “prisão servil”, parece
estar “envolto em trevas”. Apesar disso, um novo império se erguerá, anunciado pelos
símbolos e pelos avisos. O Portugal que hoje é “nevoeiro” regenerar-se-á.
Na Terceira Parte, anuncia-se que o Quinto Império, a criar sob a égide de
Portugal, será essencialmente um império do espírito. O fio condutor dos poemas

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desta terceira parte baseia-se na denúncia da passividade e do desencanto do
presente e na necessidade de fazer renascer Portugal através da construção de um
novo império, o Quinto Império, caracterizado pela expansão eterna e universal da
língua e cultura portuguesas.

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A Mensagem é uma coletânea que reúne poemas de carácter nacionalista e
sebastianista. Na opinião do poeta, havia-se perdido a identidade pessoal, os feitos
heroicos perderam-se com o tempo e só já restava a memória. Então, nada melhor que
recuperar um mito para fazer ressurgir das cinzas uma nação («O mito é o nada que é
tudo», em “Ulisses”). Pessoa acreditava no destino messiânico de Portugal.
Camões cantara os feitos gloriosos dos portugueses, na época dos
Descobrimentos; Fernando Pessoa pretendeu essencialmente enobrecer a maneira
grandiosa que está subjacente à realização dos acontecimentos que engrandeceram a
História nacional. Nesta obra, são enunciados factos históricos, exaltados de uma
maneira que faz ecoar a epopeia, contudo, sentidos por um “eu” que impregna os
poemas de uma subjetividade misturada de uma simbologia que não permite uma
interpretação ingénua dos mesmos. Assim, a Mensagem, apesar de possuir um
carácter lírico, apresenta uma faceta épica, carácter épico-lírico, diferente da de
Camões (que cantava os feitos gloriosos de um herói), pois o poeta modernista
enaltece a heroicidade do ser humano, através da espiritualização progressiva, tirando
partido do mito sebastianista. Através do sonho, poder-se-ia construir um império
perfeito e espiritual que teria como finalidade a construção de uma paz universal.
O sebastianismo é um mito messiânico originado após o desaparecimento do
rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir. Apresenta as seguintes características: o
desaparecimento misterioso do rei na batalha de Alcácer-Quibir; incertezas quanto ao
destino de D. Sebastião; as expetativas quanto ao regresso do rei para restaurar a
independência do país. Em momentos de crise, renasce o mito

Carácter épico-lírico da MENSAGEM


A poesia da Mensagem é uma poesia épico-lírica, não só pela forma
fragmentária como pela atitude introspetiva de contemplação no espelho da alma.
A Segunda Parte (Mar Português) é a mais marcadamente épica, no sentido
tradicional, em consonância com a celebração do mar que se cumpriu. Baseada em
acontecimentos históricos, exaltam-se heróis da história nacional, procedendo à sua
mitificação. Em “Mar Português”, perpassa um sopro épico, exalta-se o esforço
heroico dos portugueses no domínio dos mares
A Terceira Parte (O Encoberto) é aquela onde o lirismo (enquanto expressão de
emoções) mais se faz notar.

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