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sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer NIETZSCHE, VONTADE DE POTENCIA E IRRACIONALISMO* Nildo Viana" Resumo: artigo apresenta as ideias fundamentais de Nietosche, reconstituindo 0 seu pensamento como uma totalidade coerente, apesar da falta de sistematicidade, que é oriunda de sua flosofia. O texto aponta para a hipétese de que sua concepgdo é irracionalista e que a ideia fundamental de toda sus filosofa e que _fornece coeréncia ao seu pensamento é a da “vantade de poténcia’, ‘9 que é complementado com algumas consideragies eriticas sobre 0 se pensamento. Palavras-chave: Irracionalivmo. Nietzsche, Vontade de Poder. filosofia de Nierzsche é uma das mais dificeis de compreensio. Isto derivado tanto de sua forma de exposicio (aforismos, por exem- plo), quanto pelas diversas mudangas ocorridas em scu pensamento ¢ da falta de clareza tipico das especulagdes filoséficas, o que & reforgado pela diversidade de interpretagées de sua obra. Para alguns, Nietzsche é 0 precursor do nazismo; para outros, é um autor préximo ao anarquismo. Hoje, ele € resgatado pelo pés-estruturalismo. Outras interpretagoes cexistem e muitas vezes antag6nicas. Partimos de uma perspectiva determinada, como nao pod de ser. Toda interpretagio parte de uma determinada perspectiva ponto de partida é a perspectiva geral que possuimos aliada minada forma de leitura derivada desta perspectiva. Porém, a forma como FHUGAETUS DE CULUL, Gosia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, selout. 2010. 369 bitpsiiseerpucgoias.edu-briindex.phprragmentosaricleview/1637/1031 se sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer compreendemos a perspectiva é bem diferente daquela apresentada por Nictasche com seu perspectivismo (VIANA, 2007a; VIANA, 20076), que discutiremos adiante. Assim, analisaremos a obra de Nictzsche buscando compreender a sua esséncia ¢ 0 seu processo de formacio, Nao se trata, como diversos co- mentarista fzeram, de comentar suas diversas obras cronologicamente. Este procedimento, alm de ser pouco didatico para o leitor © pouco claro, tal ver revelando no compreensio da toralidade do pensamento do autor em questo, € muito pouco ‘til para apresentar a concepsio de um pensador, getando, inclusive, diversas repetigoes. Pretendemos aqui sintetizar em pou- ‘as piginas os elementos fundamentais de seu pensamento. As repetigées, no entanto, ocorrerio, jf que o pensamento de Nietzsche ¢ bastante circular, voltando sempre ao mesmo ponto. Mas nao somente devido a isso, jf que a repetigio est presente em toda sua obra, juntamente com a falta de uma maior organizagio do pensamento deste flésofo, 0 que faz cle ir¢ voltar 20 ‘mesmo tema ¢ problema, retomar € ir adiante retomando mais uma vez. Sendo assim, nao apresentaremos, como alguns fazem, 0 seu pensa- mento em trfs fases (MARTON, 1993) ¢ sim expor suas ideias fundamer tas, tomando como fundamental a sua iiltima fase, ¢, as obras das demais fascs sio percebidas como forma rudimentar de algumas teses desenvol- Vidas ali ou problemas que néo recebiam ainda a solugéo posterior. Em tal processo — por questo de espago, que limita a possibilidade de uma andlise mais extensa da obra deste filésofo —, alguns temas relativamente importantes no conjunto do pensamento de Nietasche ¢ outros diversos sem grande importincia terdo que ser deixados de lado. Neste sentido, nossa leitura parte da eoncepsio de que 2 obra de Nietzsche forma um todo coerente, embora sua coeréncia seja si generis isto & marcada pela falta de sistematicidade e organizacio, oriunda de sua prépria filosofia, ral como colocaremos no decorrer deste texto AVONTADE DE POTENCIA A base da filosofia nietaschiana € 0 irracionalismo. Apesar de alguns contestarem esta intexpretagio, 0 conjunto da obra deste filésofo € su teses fundamentais apontam para isso, O ponto de partida de Nictzsche é a critica da metafisica, identificado com o platonismo e outras expresses filoséficas que partem da rxzéo como elemento fundamental da reflexio filos6fica. A chamada primeira fase de seu pensamento expressa um filb- sofo iniciante buscando na filosofia e cultura existentes manifestar suas 570 PUGET UE CUE, Goitnia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, se-Zout. 2010. ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 221 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer ideias ainda em elaboragio. A ligagio com Richard Wagner, a influéneia de Kant principalmente Schopenhauer, expressam esta procura. A fase da procura é desdobrada na fase seguinte, marcada pela influéncia positivista pela preocupagio metodoligica, No entanto, nao se deve iludir com tal influéncia, Nictasche nZo cra um positivista neste perfodo, como alguns dizem, pois era apenas um pensador que, durante sua busca, teve influ- ncias que, no entanto, nao eram a forma do seu pensamento ¢ sim uma apropriagio indecisa e ecética. A terceira fase &a fase da sintese e organiza- ‘40 do seu pensamento, embora de forma pouco organizada e sistematica, 0 contririo de outros sistemas filos6ficos produzidos por outros filbsofos! (Os aforismos sio no apenas exemplo de estilo, mas de produto de uma determinada perspectiva. A grande questio para o pensamento de Nietzsche e que éa base de sua construgio filoséifica € a chamada “vontade de poténcia”. A origem da concepcio nictzschiana de vontade de poténcia remonta sua visio da Gré- cia antiga. A oposigio entre 0 dionisiaco € 0 socritico esté na base de sua Formulagio de vontade de poténcia, Nietzsche parte da critica de Sdcrates © da filosofia geega posterior a ele, socrética, tal como em Platio e Avistteles, colocando que este filsofo iniciou a longa carreira da metafisica c originou a separagio entre pensamento e vida, Neste sentido, Séerates ¢ Platio so pseudo-gregos” ou “antigregos’. Essa ireveréncia de considerar os grandes sibios como tipos de decadéncia nasce em mim precisamente num caso em que © preconceito letrado ile trado se opem com maior forga:reconheci em Sécrates¢ em Platio sinto- smas de decadéneia,instrumentos da decomposicio grega, pscudo-gregos, anti-gregos (NIET'ZSCHE, 1984, p. 18). Isto significou uma decadéneia da filosofia. O filésofo-legislador, aquele que manifestava a vida ativa eo pensamento afirmativo, o filésofo pré-socritico, é substituido pelo fildsofo metafisico. O primeiro realizava a critica de todos os valores estabelecidos ¢ era um criador de novos valores, ‘enquanto que © metafisico passou a enquadrar a vida € opor a ela valores considerados superiores. Sécrates — 0 mais sibio dos tagarclas, segundo Nictrsche ~ ¢ 0 fundador da metafisica, pois ele foi o responsive pela se- paracio entre a esséncia e a apartncia, a verdade e a falsidade, o inteligivel surge 0 filésofo metafisico em oposicio ao fildsofo dionista- co e trigico que 0 antecedeu. O trigico, ligado a vida, é substituido pelo ‘4GAENIS UE CWA, Gotdnia, v.20, n. 9/10, p. 569-89, setJout. 2010. sn ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 324 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer metafisico, © pensamento separado da vida. Surge uma era da razi0, no ‘qual os valores superiores passam a ser 0 Verdadciro, o Belo, o Bem, entre ‘outros. A concepgio anterior, expressa na tragédia grega, revela a unidade da vida c da morte, pensamento ¢ vida. Para Nietzsche (1984a, p. 17), “cm todos os tempos os sdbios fizeram © mesmo juizo da vida: cla nao vale nada", Sécrates, que pertencia ao populacho, era feio, € a feitita € o sinal le uma evolugio descendente, tal como os criminélogos dizem que o tipo ccriminoso é feio (NIETZSCHE, 1984a). Assim, 0 pensamento socritico ‘e metafisico, doravante hegemOnico, substitui a unidade de pensamento Vida presente na visio de mundo dionisiaca e realiza a decadéncia da filo- sofia, e isto vai ter continuidade no plaronis ‘A partir da oposigéo entre homem teérico ¢ homem t sche considera toda a filosofia grega posterior, identificada por ele com 0 platonismo, como manifestagio da metafisica ¢ do predominio do primei- ro sobre o segundo. Daf sua critica c negagio da metafisica. Porém, o cris- tianismo também passa a ser alvo do filésofo e, no entanto, nao significa nada mais do que a continuagso da metafisica, segundo sua concep¢ao. Para Nietzsche, o cristianismo é um plaronismo popular, ou, em outras palavras, um platonismo de escravos. A relagéo entre cristianismo moral los escravos é um dos pontos bisicos da filosofia nictaschiana: ‘A rebeliio dos escravos na moral comegou quando o dio comegou a pro- duzir valores o édio que tinha a contentar-se com uma vinganga imagins- ria, Enquanto toda a moral arstocritica nasce de uma riunfanteafirmagio de si mesma, a moral dos escravos opée um ‘nao’ a tudo 0 que nao é seus ‘ete ‘no’ € 0 seu ato criador. Fsta mudanga total do ponto de vista é a pripria do ddio: a moral dos escravos necessitou sempre de estimulantes ‘externos para entrar em agios a sua ago & uma reagio. O eontririo acon- tece na moral aristocritica: opera e cresce espontaneamente ¢ iio procura ‘0 seu antipoda senio para se afirmar a si mesma com maior alepria: o seu conceito nepativo ‘baixo ‘vulgat’, ‘mau’, nio 6 senso um palido contraste ‘© muito tard, se se comparar com o seu conceito fundamental impreg- nado de vida e de paixio, ‘nds os aristocratas. nds os bons, os formosos. 05 feliz. Quando o sistema aristocritico errae peca contra a realidade, esta numa esfera que desconhece e desdenha, éesfera do povo baixo, Mas por muito que falseie a imagem percebida, este costume de orgulhoso desdém ‘ede superioridade, nao ¢ tanto como a desfiguragio violenta que o rancor ¢ ‘0 6dio, péem na imagem do adversiio. No descém aristocritico hi muita negligencia e descuido, muita alegria intima e pessoal, para que o objeto om PUGET UE CUE, Goitnia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, se-Zout. 2010. ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 424 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer possa transformar-se numa caricatura, num mostro (NIETZSCHE, 1990, p. 28-9), ‘A moral dos escravos surge do ddio ¢ esta é a origem do cristia- rnismo. Os fracas querem um dia ser fortes. Um dia chegaré o seu reino, afirma Nietzsche, ¢ cles humildemente 0 chamam de “o Reino de Deus’. Segundo Nietzsche, “por cima da porta do paraiso cristao da ‘bem-aventu- ranga eterna’ poder-se-ia escrever com maior razao: ‘também a mim o édio eterno me eriou! |..|” (NIETZSCHE, 1990, p. 38). (© que a metafisica da filosofia ea moral dos escravos produriram foi uma perversio dos instintos. Os valores cristios sio valores de escravos. Ela se forma a partir de uma moral do ressentimento. Esta moral do ressenti- ‘mento tem como pilares a culpabilizaco do outro pela propria fraqueza, 0 sentimento de culpa co ideal ascético (ais, €aqui que muits irdo ver seme- Ihangas entre a filosofianietzschiana ¢ a psicandlise) (NIETZSCHE, 1990). Na minha Gencalogia da Moral apresentei, pela primeira ver, psicolo- gicamente, a ideia de contraste entre uma moral nobre e uma moral de ressentimento, a itima nascida do ‘nao’ respeito da primeita: & a moral judaico-cristt por inteiro. Para poder der ‘no’ em resposta a tudo 0 que representa 6 movimento ascendente da vida, o bem nascido, 0 poder, a beleza, a afirmacio de si sobre a terra, foi preciso que o instnto de ressen- timento convertido em génio, inventasse ‘outro’ mundo, por onde aquela ‘afirmagio' da vida nos aparecesse como o mal, como a coisa reprovivel em. si (NIETZSCHE, 2000b, p. 38). Em oposicio a esta decadéncia da flosofia © 20 dominio da meta- fisica, Nietzsche contrapée a vontade de poténcia. A vontade de poténcia um dos termos fundamentais da filosofia nietzschiana, mas € um dos menos compreendides um dos menos abordados por alguns dos espe- cialistas cm scu pensamento, E na vontade de poténcia que reside a base da concepgio nietaschiana da filosofiae de sua critica da metafisiea e do cristianismo, bem como de sua concepsao perspectivista ¢ seu imoralismo, tal como colocaremos adiante. que € a vontade de poténcia? Este termo, como alguns ji colo caram, é geralmente mal interpretado, Devido & concepgio de Descartes, segundo a qual a vontade é uma faculdade, muitos (Karl Jaspers, Martim Heidegger) interpretaram equivocadamente este conceito nietaschiano (MOURA, 2005). © priprio Nictsche fez questio de distinguir sua con- ‘4GAENIS UE CWA, Gotdnia, v.20, n. 9/10, p. 569-89, setJout. 2010. 573 ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 521 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer cxpsio e a concepsio cartesiana (NIETZSCHE, 2004). Para Nietzsche, a vontade de poténcia nao é uma faculdade, nao produto da consciéncia. A consciéncia foi transformada em algo em si que, no fundo, nao existe. AA filosofia passou. a buscar um mundo-verdade, criando ¢ cvocando um valor sublime que nao passa de uma criagio de uma ficgio itil ao seu cria- dor. Assim, Nietasche busca destruir as bases desta concepgio metafisica, ‘equestiona também a ideia de causa ¢ 0 mecanicismo. Nietzsche também contesca o hedonismo 2 colocar que o homem no busca o prazer e nio se esquiva do desprazer. Em substituigio a tudo isso, Nietzsche iré erguer um novo edificio ideolgico que terd como base a vontade de poréncia. ‘A vontade de poténcia nio é a mesma coisa que luta pela sobs -a de Nictasche a Darwit Darwin postula algumas teses que entrario em desacordo com a filosofia vivéncia, Aqui reside um dos motivos da crit nietzschiana, Para Darwin, distinguindo-se de Lamarck, 0 meio cumpre tum papel fundamental no processo da evolucio (VIANA, 2003). Nictas- che ird questionar a “influéncia das circunstancias exteriores”, bem como 0 papel do que é itl ser preservado. Além disso, para Nietzsche, nao sio os mais aptos que sobrevivem, pois estes sio uma minoria que é suplantada pela maioria dos menos aptos. A critica nietaschiana de Darwin tem sua ratio de sera sua propria definigao de vontade de poténcia. Para cle, 0 or ¢ganismo nio lura pela vida, simplesmente, nfo busca a mera sob Ele quer mais. E este querer mais que ¢ a base da vontade de poténcia. Ele forncee um exemple que ajuda a catender sua concepeio: “Tomemos 0 caso mais simples, o da nuttigio primitiva: © protoplasma ‘estende seus pseudépodes para busca algo que Ihe resista; ~ néo porque tenha fome, mas para por em agéo sua vontade de poténcia. Depois tenta suplantar esse algo, aproprié-lo, incorpori-lo. O que chamamos nuttigio simplesmente a conseqiiéncia, a aplicagio dessa vontade primitiva de ‘omar-se mais forte (NIETZSCHE, 2004, p. 265). Assim, notamos a diferenga entre a concepso nictzschiana c a darwi- nista, pois apesar das semelhangas, inclusive conseqiiéncias convergentes, tal como na idcia da luta pela sobrevivéncia ea sobrevivéncia dos mais aptos que pode, tal como na doutrina da vontade de poténcia, resultar na defesa dos fortes contra os fracos, 0 que se pode perceber em certos momentos na obra nietzschiana, as bases das duas concepgdes sio bem diferentes. O desprazer pode ser tanto um estimulo para superar obstéculos ‘quanto pode, no caso do esgotamento, ser um processo que representa a oma PUGET UE CUE, Goitnia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, se-Zout. 2010. ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 621 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer diminuigio e enfraquecimento da vontade de poténcia. O desprazer, por- tanto, ao contrério do que pensa a flosofia hedonista, pode tanto fortalecer ‘como enfraquecer a vontade de poténcia. © prazes, da mesma forma, pode também exccutar os dois papéis. Para Nictrsche, existem duas espécies de prazer. A primeira espécie € a do adormecer. Os seres esgotados querem justamente a primeira espécie, querem o repouso, a pars a trangiilidade. Este € 0 ideal de felicidade das religiSes e das filosofias nillistas, © € a pre- fertncia dos fracos. Ao contririo, “os ricos e os vivos querem a vitdria, os adversirios suplantados, o transbordar do sentimento de poténcia sobre dominios novos” (NIETZSCHE, 2004, p. 265). Segundo Nietasche, as fungSes sadias de um organismo apontam todas para a luta pelo crescimen- to dos sentimentos de poténcia. © homem nao aspira 3 felicidad, como coloca a psicologia, tam- bém amplamente criticada por Nictasche. Assim, Nietesche diz.que a plan- ta nao aspira & felicidade ¢ as 4rvores em uma floresta ndo lutam entre si pela felicidade ¢ sim pela poténcia. Daf o scu postulado fundamental: Meu postulado ~ & necessrio recolocar o agente na acao, depois que o retiraram de uma forma abstrata, tendo sid a ago assim esvaziada de seu contetdo; é nevessirio retomar na ago o objeto da agio, 0 ‘escopo's a ‘in- tencio’, 0 ‘fim’ apds ré-losretirado de forma superficial, tendo sido a acto destarteesvaziada de sou contetdo; todos os ‘scopes, todos os ‘fins, todos 0s Ssentidos, nfo sio mais que meios de expressio e metamorfose de uma Ainica vontade, inerente a tudo que acontece, a vontade de poténcias ter fins, escopos, intengées, nuuma palavra querer, equivale a querer tornar-se mais fort, querer crescer ~e querer também os meios paraiso: 0 instinto ‘mais geral e mais profundlo em toda ago, na pritica, obedecemos sempre {sua ordem, porque nds somos essa ordem (NIETZSCHE, 2004, p. 268) Avontade de poténcia € um pathos que gera um devie © uma ago A vontade de poténcia & sempre a busca de “ser mais”. Eo desejo de tor- nar-ser mais forte, é “desejo de se apropriar, de se tomar senor, de auumen- tar, dese converter cm mais forte” (NIETZSCHE, 2004). E um constante superara si mesmo (NIETZSCHE, 1984). Porém, pode se perguntar: isto ‘corre na esfera individual? Sendo assim, nao haveria uma luta de todos contra todos? Jf que a vontade de pottncia io é uma caracteristica apenas do ser humano, mas um princfpio vital de todos os organismos ¢ seres vi- ‘vos, entio a natureza nio seria paleo de uma eterna e infinita luta entre os seres existentes? Segundo Nietesche: na narureza, existe uma diversidade de ‘4GAENIS UE CWA, Gotdnia, v.20, n. 9/10, p. 569-89, setJout. 2010. 575 ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 721 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer quanta de forcas cm agio, que tem como esséncia exercer a poténcia sobre coutras quanta de forgas. A vida é vontade de acumular forga, nenhuma ‘quer to-somente conservar-se, mas sim ampliar-se. A vida aspira a um maximo de poténcia, aspirando a um excedente de poténcias. Assim, para Nictasche, a vontade de poténcia é a busca de mais forca. IRRACIONALISMO E CRITICA DA METAFISICA A base da concepcao nietaschiana ¢a idcia de vontade de poténcia. Accritica que ele faz 20 racionalismo ea metafisca tem sua origem em tal ideia. J colocamos alg uma “vontade de poténcia’ que cle ird recuperar o que pode ser chamado “Visto dionisiaca do mundo”. E por isso que o mundo grego ¢ sua tragédia serio abordados em varias obras de Nietasche. A base do irracionalismo nictzschiano reside na vontade de poténcia. E por isso que Nictusche iri questionar a verdad, a metafisica, a religito, Elas seriam nada mais que ilusbes. Ou, em suas palavras, “aparén- as ieis". Sua critica da verdade & bastante ampla e jd realizamos alguns «elementos desta tese. por parr da Idela de apontamentos sobre cla, “Todas as hipsteses do mecanicismo, a materia, © dtomo, a pressio, 0 choque nao sio fatos em si, mas interpretagSes com auxilio de ficgées psiquicas” (NIETZSCHE, 2004, p. 259). Mas o seu fandamento reside na idcia de que a vontade de poténcia é0 princfpio vital determinante © que a realidade € um caos. Ela 6, tal como jé foi colocado, tum processo de forgas em luta para adquirir mais forga, Em sua critica 4 légica aristotélica, cle desenvolve alguns aspectos de sua concepgio da realidade. O principio da nio-contradigio é 0 aspee to basilar de toda © qualquer demonstragao, Este prinefpio, no entanto, afirma algo sobre a realidade, © que pressupée um conhecimento deste por outro meio, ¢ assim tal prinefpio quer dizer que nio podemos atribuir princ{pios conteirios 3 realidade, No entanto, também pode significar que rnio devemos atribuir prinefpios contratios 3 realidade. No primeiro caso, ‘8 axiomas légicos correspondem 3 realidade; no segundo caso, si0 medi- das para ctiar 0 conceito de realidade como se fosse coisa real, de acordo com sua utlidade. “Ora, para poder afirmara primeira, impunha-se, como jAindiquei, 0 prévio conhecimento do ser — 0 que, em absoluto, nao € 0 caso, O principio no contém, portant, um critério de verdade, mas um imperative ao tema do que deve passar por verdadeiro” (NIETZSCHE, 2004, p. 239). Assim, a légica aristorélica € reduzida a uma construgio ficcionale itil, nada mais do que isso. 576 PUGET UE CUE, Goitnia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, se-Zout. 2010. ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 321 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer A verdade, por conseguinte, é também uma fiesio ttil. Nao se trata de buscar uma nova verdade, pois cla é tdo-somente disfarce da vontade de poréncia. A reflexio nictzschiana sobre a ciéncia, quando confrontada com a problemética da arte em seus primeiros escritos, tem como tema central uma critica da verdade, O mesmo acontece quando a re- lacio é estabelecida com a moral. Em Nieczsche, a critica nunca € uma teoria do conhecimento que tenha por objetivo denunciar os pscudoconhecimentos, suas ilusdes, seus erros ¢ estabelecer as, condigées de possibilidade da verdade, 0 ideal do conhecimen- to verdadciro. A novidade ea importincia do projeto nictzschiano cem todas as fases de sua realizagio € a critica, nao dos maus usos do conhecimento, mas do proprio ideal de verdade; é a questo, no da verdade ou falsidade de um conhecimento, mas do valor que se atribui & verdade, ou da verdade como valor superiors & a negagao da prevaléncia da verdade sobre a falsidade (MACHADO, 2002, p. 51). Para Nictzsche, © conccito ¢ uma eriagio de algo igual em coisas desiguais, tal como no exemplo da folha. O conecito de folha é algo im- pensivel. S6 se pode pensar em tal conceito abolindo as diferencas indivi- duais existentes. E um processo no qual se deixa de lado o que ¢ distintivo criase uma igualagio inexistente na realidade. A verdade, assim, é uma criagio de um conjunto de construgées que se tornam, apés longo uso, candnicas, obrigatérias. “as verdades sio ilusdes, das quais se esqueceu 0 que sio [..” (NIETZSCHE, 1991, p. 34). A sua definigio de verdade the retira qualquer cariter de valor superior: A ‘verdade’ no é, conseqiientemente, algo que exista € que devamos en- contra e descobrit— mas algo que € preciso criar, que dé seu nome a uma joperagio, melhor ainda, 8 vontade de alcangar uma vit6ria, vontade que. por si mesma, é sem finalidade: introdurir a verdade & um processus in in _finiswm, uma determinagio ativa — e nio a manifestagio na consciéncia de algo que seja em si fixo e determinado. F uma palavra para a‘vontade de poténcia! (NIETZSCHE, 2004, p. 245). Se nao existe uma verdade ow a verdade, se ela ¢ apenas uma fies Gril, um meio que se utiliza para manifestar a vontade de poténcia, entio ‘como se percebe as formas de conceber 0 mundo, a realidade? Ao lado da ‘4GAENIS UE CWA, Gotdnia, v.20, n. 9/10, p. 569-89, setJout. 2010. 7 ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 921 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer concepgio da realidade como um encontro de forcas casticas buscando ficar ainda mais fortes ¢ da critica da verdade, temos o complemento que 6a concepeio nietzschiana das interpretagies, o chamado perspectivismo. A consciéncia produz uma imagem subjetiva do mundo. Este é 0 perspectivismo da consciéncia. O homem, ¢ nao sé ele, constréi, partindo de si mesmo, um mundo. Este mundo construido, é assim feito por cada tum de acordo com sua vontade de poténcia, Todo corpo expecifico aspira a rornar-se mais forte e repelir © que impede sua expansio. Ele se choca, assim, com os outros corpos que possem a mesma aspiragio. Neste pro- «cesso, ele acaba por criar um atranjo com outros corpos que sio semelhan- tes e realizam uma conspiragio para conquistar a poréncia. As reses do perspectivismo podem ser assim resumidas: 1) As categoria pelas quais todo 0 conhecimento & possivel sio construct, ficgSes ites, a primeira vista, ao servigo de uma fundamental forca de autopreservagio ou vontade de viver. 2) Bxiste algo como coisa em si que & referido sob varias denominagies — caos, quantidade pura, diferenea absolura, devir continuo, etc. ~a que no hi acesso diet e é sempre ‘radurivel’ em formas subjetivas ou, mais ‘comtetamente, interpretadas. 3) Toda perspectiva ¢ interpretagio ¢ ficcao reguladora 4) As fcgbes reguladoras, categoras, ndo serio usadas num programa de inversio dos valores, isto & de seu uso pela ‘grande raz’, como instrumen- tos de objetivagio e sistematizasio, mas seu uso visaré sobretudo a des- coberta da singularidade e a constituigio de complexidades nao abstratas (MARQUES, 2003, p. 71) Embora a terpretagio de Marques referente A Nietzsche seja exces- 1 ¢ a forma de exposicio acima tenha, devido a isso, elementos questiondveis, podemos dizer que temos um resumo itil do sig- nificado do perspectivismo nietaschiano. Realmente, para Nietzsche, as cate- _gptias ¢ 0 conhecimento sio ficgdes ites ¢ reguladoras que estio a scrvigo da vontade de poténcia, elemento que Marques coloca posteriormente em sua anilise em substituigao a autopreservagao e vontade de viver. A realidade é ‘0 ca0s ¢ ¢ interpretada a partir de uma perspectiva, que € uma ficg30 r dora criado por um corpo ou, no caso dos seres humanos, por um ini la rduo (que pode, como vimos, realizar “arranjos” com outros individuos a partir de determinadas semelhangas). A perspectiva ideal visa nao constituir leis ou sistemas e sim descobrie singularidades e complexidades nio-abstratas. 378 PUGET UE CUE, Goitnia, x. 20, n. 9/10, p. 369-589, se-Zout. 2010. ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 1021 sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer Assim, a propria existéncia é perspectivista, estcncialmente inter pretativa. E possivel pensar diferente, pois o espirito humano, durante tal anilise, partiré de sua perspectiva e unicamente dela, o que significa negar as demais perspectivas. Isto & exemplificada na metifora: “sé podemos ver ‘com nossos olhos” (NIETZSCHE, 2006, p. 251). Assim, o mundo ¢ pal- cco de uma infinidade de interpretagées. A realidade € o caos eas interpre- tagées dela também. CRITICA DA MORAL E IMORALISMO Assim como a ravio, a ciéncia, a ideia de verdade, a moral também é analisada por Nietzsche como sendo manifestagio da vontade de po- téncia. Nietzsche comega por demolir a concepgio de moral a partir de sua gencalogia c etimologia. A palavra bom deriva, em toda as linguas, de uma mesma mutacio de sentido. Ela, em sua origem, significava nobre- za ¢ distingio. Assim, a palavra bom revela a matriz principal segundo a qual os nobres se consideravam superiores. Também significou © “puro”, ariano, “de cabelos loiros”, ete. Nietasche questiona se 0 anarquismo, 0 so cialismo ea tendéncia para a Comuna, “nao sio essencialmente senao um, monstruoso efeito de atavismo, de tal modo que a raga dos conquistadores e senhores, a raca ariana esteja a caminho de sucumbir por completo?” (NIETZSCHE, 1990, p. 23). No fundo, segundo Nietzsche, a palavra bom pode ser derivada de “guerreiro” © Bonus scria © homem de luta. Em. alemio, gut significaria der Gocttthich, ito &, “divino”. Nietzsche (1990, p. 13-4) afasta a possivel contradig4o que haveria entreo guerreiro co divino: Se a transformagio do conceito politico da proeminéncia num concsto psi col6gico 6a rege, no constitu uma excegio 0 que a cata mais eleva forma ap mesmo tempo da casta sacerdotal e prefira um titulo que designe as suas fangées, Deste modo a oposigio ‘pure’ e ‘impuro’ serviu primeiramente para clistinguir as casas ali se desenvolveu mais race uma dferenga entre bom e ‘mau’ num sentido jf no imitado & cast. Evitemos aribuir ideia de pure’ € “impuro’ um sentido demasiado tigoroso, demasiado lato, e menos ainda um. sentido simbelico. A palavra ‘puro’ designa simplesmente ‘um homem que se lava, que se abstém de certs alimentos insalubres, que no coabita com as mulheres sujas da plebe e que tem horror ao singue e nada mas. Além disso, a aristocracia sacerdotal tende a espiritualizar as opo- sigSes de valores, tal como esta entre puto ¢ impuro. No entanto, as cas- ‘4GAENIS UE CWA, Gotdnia, v.20, n. 9/10, p. 569-89, setJout. 2010. 579 ntps:fseer,pucgolas.edubrindex. hptragmentosfarticlelview/1637/1031 wat sa1nsi202s, 18:17 PDFs viewer tas comegam a invejar-se mutuamente € querer o dominio. A aristocracia {guerreira ca aristocracia sacerdotal passam a disputar o poder. A aristocra-

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