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O QUE É NORMAL NA REALIDADE CONTEMPORÂNEA?

“O amor é eterno - a sua manifestação pode modificar-se, mas nunca a sua essência... através
do amor vemos as coisas com mais tranquilidade, e somente com essa tranquilidade um
trabalho pode ser bem sucedido.”

“Quem não é senhor do próprio pensamento não é senhor de suas ações.”

“Se você perdeu dinheiro, perdeu pouco. Se perdeu a honra, perdeu muito. Se perdeu a
coragem, perdeu tudo.”

“É uma coisa admirável olhar um objeto e achá-lo belo, pensar nele, retê-lo, e dizer em
seguida: Vou desenhá-lo, e trabalhar então até que ele esteja reproduzido. Naturalmente,
contudo, esta não é uma razão para que eu me sinta satisfeito com minha obra a ponto de
acreditar que não precisaria melhorá-la. Mas o caminho para fazer melhor mais tarde é fazer
hoje tão bem quanto possível, e então naturalmente haverá progresso amanhã.”

“Ache belo tudo o que puder. A maioria das pessoas não acha belo o suficiente.”

Lendo as frases acima, sem o conhecimento de quem seja o autor, podemos imaginar que
quem as escreveu seja uma pessoa equilibrada, sensata, lúcida e feliz. Uma pessoa “normal”.

O autor das frases acima é Vincent Van Gogh (1853-1890), pintor holandês pós-impressionista,
considerado um dos maiores pintores de todos os tempos... e nada “normal”. Existem várias
teses sobre o diagnóstico da doença sofrida por Van Gogh, entre eles perturbações epiléticas,
xantopsia, esquizofrenia e transtorno bipolar, o mais aceito. Sem esquecer também das
substâncias químicas ou suas combinações nas tintas usadas pelo pintor, que podem ter sido
inaladas, ingeridas, ou captadas pelo corpo chegando ao cérebro e causando uma série de
doenças, como a enfim “loucura”. Sabe-se que naquela época pouco se conhecia sobre o
efeito nocivo das substâncias dos materiais usados nas tintas, que deveriam ser ainda mais
tóxicos que hoje em dia.

A vida pregressa, o excesso de bebidas, as emoções conflituadas, a alimentação e sono


irregulares e uma visível inadequação ao seu ambiente, podem ter contribuído para o
agravamento do seu caso.

Será que se Van Gogh vivesse hoje, ele teria o mesmo diagnóstico? Será que se ele tivesse tido
um vida mais regrada e mais tranquila, mais adaptada às exigências do seu tempo, ele teria as
perturbações que teve na sua época? Os conceitos de normalidade a anormalidade variam no
tempo e no espaço.

Jung diz: “Partindo da insatisfação do presente, a ânsia do artista recua até encontrar no
inconsciente aquela imagem primordial adequada para compensar de modo mais efetivo a
carência e unilateralidade do espírito da época.” (JUNG: 1991, §130)
O pintor falhou em muitos dos aspectos que importavam para o seu mundo, no seu tempo.
Van Gogh não constituiu família - não se casou e nem teve filhos. Van Gogh foi incapaz de se
auto-gerir, de manter a própria subsistência, sendo custeado por seu irmão mais novo, Theo.

Morreu aos 37 anos. No mundo contemporâneo, não casar-se nem gerar filhos até essa idade,
ou mesmo além dela, parece estar dentro dos comportamentos aceitos como “normais”. Ser
incapaz de gerir-se por um certo período, sendo um artista, uma pessoa sensível que pinta e
expressa a arte com devoção, tendo a ajuda de um membro chegado da família, nos dias
atuais, provavelmente não seria tão massacrante como foi para Van Gogh.

Será que na realidade contemporânea Van Gogh seria considerado “anormal”?

Segundo Jung, nos aparentes traços de doença mental, para os quais a psiquiatria não tem
critério, pode estar ressalvada a “normalidade”: “pode ser uma espécie de sanidade mental,
inconcebível para a inteligência mediana, ou um poder espiritual superior.” (JUNG: 1991, §
173)

Eliana P. L. d’Oliveira - 16.10.2011

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