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SINOPSE

Lyla Eden passou os últimos anos vendo seus irmãos se


apaixonarem. Enquanto isso, ela está casada com seu trabalho. É em seu
centésimo dia de trabalho consecutivo que sua irmã faz uma intervenção,
expulsando Lyla de sua própria cafeteria. Sem mais nada para fazer, Lyla
parte em sua trilha de caminhada favorita.
É lá que ela vê um homem lavando o sangue das mãos em um
riacho. Em um momento ela está olhando para a cicatriz irregular em seu
rosto. No próximo, a mão dele está em volta do pescoço dela. Mas por
algum milagre, ele a deixa ir.
Abalada profundamente, Lyla relata o incidente à polícia
local. Dois dias depois, Vance Sutter chega à cidade, armado com
perguntas intermináveis e um distintivo manchado.
Vance pode ser rudemente bonito, mas ele é tão misterioso quanto o
homem que estão caçando. E ele vai embora de Quincy em um piscar de
olhos. No entanto, a paixão de Lyla é impossível de parar.
Não importa o quanto Vance tente ignorá-lo, não há como negar a
química entre eles. E evitar Lyla não é uma opção. Depois de anos
perseguindo becos sem saída, ela é sua única pista para encerrar o caso
que assombra sua carreira. Então, juntos, eles vão refazer seus passos.
Para encontrar o homem com cicatrizes que ela conheceu ao lado
de um rio carmesim.
CAPÍTULO UM

LYLA
— Estou organizando uma intervenção.
Não era exatamente a saudação que eu esperava da minha irmã quando ela e
o marido entraram no Eden Coffee um minuto atrás. — Huh?
— Estou te expulsando.
Eu pisquei.
— Daqui. — Eloise apontou o dedo para o balcão que nos separava. —
Agora mesmo. Você tem que sair.
Sair? Eu estava trabalhando. Não havia como me expulsar. A última vez
que verifiquei, este era o meu café. Olhei para ela por um longo momento,
então olhei para Jasper parado ao seu lado. — Ela está bêbada?
— Vou ficar fora disso. Boa sorte, Lyla. — Ele beijou o cabelo de Eloise,
então caminhou até uma mesa contra a parede, sentando-se.
— Você trabalhou cem dias seguidos, — diz Eloise.
Cem? Sem chance. Isso não poderia estar certo. Eu abri minha boca para
argumentar, mas ela me cortou.
— Sim, eu contei. Você não tirou um dia de folga desde aquele domingo de
abril, quando foi a Missoula cortar o cabelo.
Eu zombei. — Tirei outros dias de folga desde então.
— Oh sério? — Eloise arqueou uma sobrancelha. — Quando?
Uh... Bem, era setembro. E a última vez que fui a Missoula foi em abril -
meu cabelo estava em apuros e precisava desesperadamente de outra ida ao
salão. Mas tirei uma folga neste verão, não tirei? Talvez não um dia inteiro,
mas havia dias em que eu saía cedo. Isso foi praticamente o mesmo que
férias, certo?
Ok, então tecnicamente eu vim ao café nos últimos cem dias. Quem se
importava se eu trabalhava muito?
Eu bufei. — O que você é, a fiscal do trabalho? Quem é você para falar,
afinal? Você está sempre no hotel. — Se ela não estava em casa com Jasper,
então ela estava administrando o The Eloise Inn na Main Street. — Vá
embora. Estou ocupada.
— Não. — Ela plantou as mãos nos quadris e, se fosse capaz de fincar
fisicamente os calcanhares, eu teria dois buracos no piso de madeira. Havia
uma teimosia no lindo queixo de Eloise que significava que ela não iria
deixar isso passar.
Minha irmã era incrível e irritante ao mesmo tempo.
— Uma tarde, — ela diz. — Isso é tudo que eu estou pedindo. Você sai
daqui por uma tarde e fazer algo não relacionado ao trabalho.
— Por que? — Eu não poderia simplesmente ser deixada sozinha para
trabalhar em paz?
O sorriso triste que ela me deu me fez sentir amada e patética. — Porque
estou preocupada com você. Não quero que você se queime.
Suspirei. — Eu não vou.
— Mas você pode. — Ela juntou as mãos. — Por favor? Apenas tire o resto
do dia de folga para que eu possa parar de me preocupar.
— Não posso simplesmente partir, Eloise. — Este negócio é o meu tudo.
Minha única coisa.
— Por que não? — Ela acenou para Crystal, minha barista, ao sair da
cozinha carregando uma nova bandeja de scones. — A Crystal está aqui.
Jasper e eu vamos sair e ajudar a fechar.
Jasper pode ser capaz de lidar com isso, mas Eloise? Nunca. Ela era
totalmente desesperada quando se tratava de cozinhar, e eu não confiaria
nela para ferver leite nem se minha vida dependesse disso.
Mas, mais uma vez, no segundo em que abri minha boca para contestar, ela
falou por cima de mim.
— Vá para casa. Relaxe.
— Não posso ir para casa, — eu digo. — Se eu fizer isso, pensarei em tudo
o que precisa ser feito e voltarei imediatamente.
Se alguém pudesse se relacionar, deveria ser Eloise. Ela sabia exatamente o
compromisso necessário para administrar um negócio no centro de Quincy,
Montana. Antes de se casar com Jasper, ela provavelmente passara seus
próprios cem dias consecutivos no hotel.
Mas agora que Eloise havia encontrado o amor, suas prioridades haviam
mudado e ela estava empurrando esse estilo de vida equilibrado goela
abaixo.
Isso foi indiscutivelmente pior do que minha irmã gêmea, Talia, que era
médica no hospital e ficava tentando me arranjar um encontro às cegas com
um técnico de raios-X. Ou minha cunhada, Memphis, que achou o
motorista da UPS local uma gracinha - mesmo de uniforme marrom - e deu
insinuações não tão sutis de que eu deveria convidá-lo para sair na próxima
vez que trouxesse uma entrega para a loja.
Não que eu não quisesse namorar. Eu tinha namorado. Durante anos, tive
encontros às cegas. Eu deixaria as pessoas me arranjarem com seus outros
amigos solteiros. Eu até tentei um aplicativo de namoro - duas
correspondências e dois primeiros encontros horríveis e nunca mais me
aventurei por esse caminho.
Eu só estava... acima dele. Completamente, enfaticamente sobre isso.
Minha devoção ao Eden Coffee era uma coisa tão ruim? Será que todo
mundo não poderia simplesmente deixar a mim e minha vida de solteira e
workaholic em paz?
Meu único aliado era Mateo. Ainda ontem, meu irmão mais novo entrou
reclamando. Aparentemente, eu não era o único Eden sendo constantemente
prostituído para encontros.
— Você poderia ir ao cinema — sugeriu Eloise.
Meh. Eu me importava de ir ao cinema sozinha? Não. Prefiro ficar no
trabalho. — Não estou com vontade de pipoca. Da última vez que estive lá,
comi demais e fiquei com dor de estômago.
— Então não compre pipoca.
— Então qual é a graça de ir ao cinema?
— Você é cansativa. — Ela revirou os olhos. — Vá para uma caminhada
então. Você adora caminhadas e sei que quase não foi neste verão. É um
lindo dia. Tome um pouco de ar fresco. Desconecte. Faça qualquer coisa.
Apenas deixe este prédio até amanhã de manhã.
— Por que? — eu choraminguei. — Eu gosto daqui. Deixe-me ficar. Vou
fazer algo gostoso para você. Croissants de chocolate?
— Tentador. Mas não. — Ela balançou a cabeça. — Este trabalho está se
tornando sua personalidade.
O que? Não, não foi. Eu franzi o nariz. — Exagero.
— Você veio ao hotel na segunda-feira e perguntou se poderia me trazer
mais alguma coisa. No meu prédio.
Certificar-se de que minha irmã tomasse um café ou um biscoito enquanto
ela trabalhava era um maldito crime?
— Você serve e atende as pessoas todos os dias, — disse ela. — Apenas...
por uma tarde, faça algo por você.
Este trabalho era para mim. Eu gostava de ver as pessoas entrando na
minha cafeteria e relaxando. Gostei de ter criado uma atmosfera onde os
amigos pudessem se encontrar para conversar. Onde as pessoas podiam se
deliciar com uma massa, sobremesa ou café com leite sofisticado.
Mas não havia como discutir com Eloise. Hoje não. Ela tinha aquele olhar
determinado em seu rosto, que herdou de papai.
Eu gemi. — Você não vai me deixar em paz até que eu concorde, vai?
— Não.
— Bem. Vou fazer uma caminhada ou sei lá o quê.
— Yay. Obrigado. — Ela não conseguiu esconder um sorriso vitorioso. —
Talvez você encontre o cara dos seus sonhos enquanto estiver caminhando.
Uh-huh, claro. Porque as trilhas de caminhada de Montana estavam repletas
de homens bonitos e elegíveis que adorariam o chão que eu pisasse.
Desamarrei meu avental. — Estou começando a achar que o cara dos meus
sonhos não existe. — E talvez estivesse tudo bem. Talvez essa cafeteria,
minha família, fosse tudo que eu precisava. — Você vai me ligar se algo der
errado.
— Sim, — ela prometeu.
Eu tranquei meus olhos azuis com os dela. — Há muita comida na cozinha,
mas se por algum motivo for necessário cozinhar...
Ela levantou a mão. — Prometo não chegar perto de um forno. É por isso
que eu trouxe Jasper. Ou pedirei a Crystal.
Droga, isso foi estúpido. Eu não queria fazer uma caminhada. Eu queria
ficar na minha cafeteria, cercada pelos aromas de baunilha, grãos de café e
canela. E as paredes com suas molduras gastas. E o chão que precisaria ser
esfregado esta noite. E as mesas pegajosas que precisariam ser limpas.
Então talvez eu estivesse um pouquinho cansada deste lugar.
Além disso, parecia ser algo de que Eloise precisava. E depois do tiroteio
no hotel neste verão, bem... se isso tirasse uma preocupação de seu coração,
então eu poderia dar a ela uma tarde.
— Tudo bem, — eu digo. — Você ganhou. Eu irei. Feliz agora?
— Sim. — Aquele sorriso presunçoso dela se alargou.
Enquanto ela se gabava com Crystal, eu me arrastei até a cozinha para
pegar minhas coisas.
Com o casaco pendurado no braço e a bolsa no ombro, fui para a saída dos
fundos, ignorando Eloise quando ela praticamente me empurrou para fora.
Assim que fiquei sozinha no beco, mostrei a língua para a porta de aço e
para Eloise, que provavelmente estava olhando pelo olho mágico.
— Uma intervenção, — murmurei enquanto subia no meu carro. As
intervenções não deveriam incluir mais de uma pessoa? Jasper não conta,
considerando que ele fugiu depois de cinco segundos.
— O que agora? — Meu dedo hesitou sobre o botão de ignição. Olhei para
o fundo do Eden Coffee. Eu não poderia simplesmente voltar para dentro,
onde era familiar? Não. Suspirei e liguei meu Honda azul marinho. Eu
estaria de volta amanhã às quatro da manhã de qualquer maneira.
Saí do meu espaço e me dirigi para o beco, fazendo minha rota regular para
minha casa nos arredores de Quincy.
A casa estava silenciosa. Sempre foi tranquila. O sofá e a TV eram
tentadores, mas o que eu disse a Eloise era verdade. Se eu ficasse em casa,
pensaria no trabalho e voltaria. Então, troquei os tênis que calçara esta
manhã por minhas botas de caminhada. Então, com um casaco mais quente
e um gorro para cobrir meu cabelo escuro, voltei para meu carro e mirei
meus pneus nas montanhas.
Montana era magnífica nesta época do ano. As árvores que cercavam minha
pequena cidade natal eram uma profusão de cores. As ousadas florestas
perenes foram infundidas com limões, amarelos, laranjas e vermelhos. Uma
camada de névoa e nevoeiro se agarrava ao topo das montanhas.
Enquanto caminhava pela estrada sinuosa que levava à minha área de
caminhada favorita, abri a janela um centímetro, inspirando o ar puro e
fresco.
Meus ombros relaxaram ainda mais no assento. Meu pulso se acalmou.
Talvez depois dessa caminhada eu me sentisse mais eu mesma.
Desde meu trigésimo aniversário nesta primavera, eu lutava para me
sentir... normal. Algo estava acontecendo comigo, mas eu não conseguia
identificar. Era depressão? Ansiedade? Inquietação?
Quincy era minha casa. Sempre foi um lar. A ideia de me mudar para uma
nova cidade fez meu estômago revirar, mas ultimamente eu estava me
perguntando...
Qual o próximo?
Passei a maior parte de uma década estabelecendo meu negócio. Desde o
dia em que me formei na faculdade e me mudei para casa, coloquei tudo no
Eden Coffee. Provei a mim mesmo que poderia ser uma empresária de
sucesso. Eu não era apenas a melhor confeiteira em um raio de 160
quilômetros, mas também tinha inteligência e habilidade para administrar
um negócio lucrativo. Usei minha herança com sabedoria e não desperdicei
o presente de meus pais.
Eu vivia sem dívidas. Tanto o prédio no centro quanto minha casa eram
meus e somente meus. Eu ganhei o suficiente no ano passado na loja para
comprar este carro novo com dinheiro. Além dessa estabilidade financeira,
eu estava cercada por familiares e amigos. Se eu quisesse uma vida social
movimentada - o que não queria -, poderia ter uma.
E os homens, bem... Eu poderia namorar se quisesse. Mas não o fiz.
Do lado de fora, minha vida era sólida como uma rocha. Então, por que eu
não conseguia me livrar desse mal-estar? Essa sensação de que estava
faltando alguma coisa. Esse sentimento de que, de alguma forma, eu falhei.
Que eu estava marchando na direção errada.
Eu estava desequilibrada e não sabia como encontrar estabilidade.
Era mais fácil ignorar esses sentimentos no trabalho. A loja estava
movimentada e impedia que minha cabeça divagasse. Esse era o meu
problema? Eu estava me ignorando por muito tempo?
Eden Coffee era minha personalidade? Eu estava bem com isso?
Eu não tinha uma resposta. Então, em vez disso, concentrei-me na estrada,
dirigindo para um desvio pequeno e familiar na saída da rodovia.
Não havia uma trilha estabelecida ao longo desta parte específica do rio.
Era uma área isolada frequentada principalmente por caminhantes locais
experientes.
Os turistas que afluíam a Quincy todos os verões normalmente se dirigiam
ao Glacier para fazer caminhadas. Aqueles que ficassem por perto usavam
as trilhas mais largas e conservadas.
Este local não era nada mais do que um ponto de acesso ao rio Clark Fork.
A floresta era densa e, a menos que você soubesse o que esperar, não
gritava exatamente: Pare aqui para descobrir Montana!
Na primavera, eu preferia trilhas que levavam a prados abertos onde eu
podia colher flores silvestres. Mas no outono, quando o rio estava baixo e as
margens rochosas secas, eu podia vagar ao longo da água enquanto
apreciava a paisagem.
Foram meus pais que me ensinaram a amar o ar livre. Meu pai sempre disse
que respirar o ar fresco de Montana por uma hora era uma maneira infalível
de curar qualquer doença. Sua maneira preferida de explorar era a cavalo.
Assim como Talia e Griffin. E embora eu adorasse andar a cavalo,
Mercúrio, havia algo de pacífico em caminhar pela natureza com meus
próprios pés.
Minha mochila de caminhada estava no fundo do meu armário por muito,
muito tempo. Eu fechei minhas chaves no bolso da frente, dando um
tapinha na bolsa lateral que continha meu spray de urso. Então, com minha
garrafa de água vazia guardada, vesti meu casaco e chapéu antes de ir para a
floresta, respirando o cheiro de terra e pinho.
Quando cheguei ao rio, um peso havia saído de meus ombros.
Eu nem tinha percebido o quanto eu precisava para fugir. Para ignorar o
estresse do trabalho e apenas... respirar.
Certo, então talvez Eloise tivesse razão. Amanhã, eu teria que dizer
obrigado. Ela nunca me deixaria esquecer isso.
Puxei meu telefone do bolso para verificar a hora e para ter certeza de que
não havia perdido nenhuma ligação. A tela estava em branco.
Alguns anos atrás, eu teria sido inundado com textos em uma tarde de
sexta-feira. Minhas irmãs querendo sair para jantar. Meus irmãos querendo
se encontrar no Willie's para um drink. Mamãe e papai nos convidando para
alguma atividade na cidade.
Mas ultimamente, parecia que cada um tinha sua própria vida.
Era isso que estava me incomodando? Que eu me senti deixada para trás?
Com exceção de Mateo, meus irmãos eram casados. Todos eles estavam
tendo filhos, criando suas próprias famílias. Mamãe e papai estavam se
divertindo com a aposentadoria e os netos.
Eu me recusei a ter ciúmes de sua felicidade. Recusei.
Era mais difícil recusar a solidão.
Com um suspiro, guardei meu telefone e enchi meus pulmões com o ar
fresco da montanha, segurando-o até queimar. Então saí do meu caminho,
seguindo o rio enquanto me aprofundava na floresta.
Outra razão pela qual gostei dessa área foi porque ela mantinha serviço de
celular. Eu tinha meu spray de pimenta para o caso de encontrar um animal,
mas se me perdesse, tinha meu telefone e GPS para encontrar o caminho de
casa. Então caminhei sem pressa, sem destino em mente, respirando cada
vez mais fácil enquanto meus músculos se aqueciam e relaxavam.
O grito de um falcão perfurou o céu, ecoando pelo vale do rio. O pássaro
voou alto e depois desapareceu atrás das copas das árvores.
Depois de uma hora, o suor escorria em minhas têmporas e minha garganta
estava seca. Eu desamarrei minha mochila, tirando minha garrafa de água
vazia, então atravessei as rochas redondas e lisas que margeavam o rio. A
melhor parte desse local era a água limpa e fria.
Eu torci a tampa da garrafa, agachando-me para enchê-la, mas congelei
quando um fio vermelho passou por meus pés como uma nuvem carmesim
flutuando em um riacho.
Sangue.
Cada músculo do meu corpo ficou tenso, meu coração subindo na minha
garganta. Merda.
Lentamente, estiquei um braço para trás, tirando minha lata de spray de
pimenta do bolso. Esse sangue tinha que vir de uma morte recente. Um
veado provavelmente veio ao rio para beber, como eu, e foi emboscado por
um predador.
Eu preferiria um confronto com um leão da montanha ou um urso pardo?
Leão da Montanha. Provavelmente. Caramba.
Por favor, não seja um urso pardo ou um leão da montanha.
Levantei-me, mal respirando enquanto me movia um centímetro de cada
vez. Talvez se eu pudesse me esgueirar, qualquer predador que estivesse
comendo rio acima nem me notaria. Com um passo silencioso, eu me virei,
me preparando enquanto examinava as margens do rio.
Não um urso pardo ou um leão da montanha.
Um caçador.
O ar fugiu dos meus pulmões. Oh! Graças a deus.
Devolvi minha lata de spray de pimenta ao bolso e torci a tampa da minha
garrafa de água.
O caçador estava posicionado de costas para mim. Ele descansou de joelhos
enquanto lavava as mãos ensanguentadas no rio.
Mais perto das árvores, avistei sua presa. Não um cervo, mas um alce. Sua
pele bronzeada havia sido dobrada em um quadrado perfeito. Ele já devia
ter esquartejado o animal porque havia pedaços de carne em sacos de caça
brancos amarrados em sua mochila. Um arco e uma aljava com flechas
estavam apoiados em um tronco próximo. E a cerca de seis metros de sua
mochila estava a pilha de tripas — vermelha e cinza esverdeada e ainda
fumegante.
O caçador se levantou, sacudindo as mãos molhadas.
Eu abri minha boca, prestes a fazer um som para que ele soubesse que não
estava sozinho, quando ele se virou e me viu.
Ele fez uma dupla tomada.
Acenei. — Oi. Desculpe entrar sorrateiramente...
Ele deu passos largos, movendo-se em minha direção com tanta intensidade
que olhei por cima do ombro para me certificar de que não havia realmente
um urso pardo atrás de mim.
Quando olhei para frente novamente, ele ainda estava marchando em minha
direção tão rápido que dei um passo para trás, tropeçando em uma pedra. Eu
me endireitei e levantei as duas mãos, deixando cair minha garrafa de água.
— Desculpe. Eu não queria assustar você. Eu irei embora.
Ele continuou vindo, como uma bala mirando no alvo. Ele se moveu muito
rápido para eu escapar. Muito rápido para eu entender isso.
Corre, Lyla.
Ele me alcançou antes que eu pudesse correr. E antes que eu pudesse gritar
ou emitir qualquer som, ele colocou suas mãos grandes e molhadas em
volta do meu pescoço.
A dor explodiu na minha garganta. Eu tentei puxar uma respiração, mas seu
aperto era incrivelmente forte. Meus olhos ardiam e as lágrimas escorriam
pelo meu rosto.
— Pare. — Minha voz mal era um gorgolejo. Minhas mãos vieram para
seus pulsos, puxando. Batendo e esbofeteando.
Ele apertou com mais força.
Não. Não, isso não estava acontecendo. Este foi apenas um pesadelo. Eu
tropecei em uma vara na floresta e bati com a cabeça. Isso era minha
imaginação pregando peças em mim. Eu estava realmente em casa,
dormindo no sofá e tendo um pesadelo. Porque esse homem iria querer me
matar?
Não, isso não era real.
Eu engasguei, desesperada para encher meus pulmões. Fechando minhas
mãos em punhos, eu bati contra seus antebraços, mas ele era muito forte.
Muito alto. Muito grande.
Eu chutei suas canelas, mas as bordas da minha visão estavam ficando
confusas. A falta de oxigênio já estava puxando a escuridão para mais
perto.
Este homem ia me matar. Era aqui que eu morreria. Ao lado do rio, no meio
do deserto de Montana, estrangulada por um estranho.
Papai estava na equipe de busca e resgate expandida para o condado.
Griffin também. Knox também. Mateo também.
Por favor, não deixe um deles encontrar meu corpo.
Através das lágrimas, eu vi o rosto do meu assassino. Ele tinha cabelo
laranja-avermelhado - um ruivo. A barba por fazer em seu rosto de granito
era da mesma cor. Seus olhos eram de um castanho rico, como os brownies
que eu fiz esta manhã na cafeteria. Havia uma cicatriz irregular em seu
rosto, rosa e com cerca de quinze centímetros de comprimento. Corria do
canto do olho até o queixo.
Como ele conseguiu essa cicatriz? Acho que nunca saberia.
O preto rastejou mais perto, mais rápido.
Por que? Eu murmurei a palavra, incapaz de falar.
Meus braços e pernas estavam ficando tão pesados. Bati em seus pulsos
novamente, usando o que restava de minha força até que minhas mãos
caíssem para os lados e meus joelhos dobrassem. Minhas pálpebras
poderiam muito bem ser feitas de chumbo. Elas se fecharam quando minha
cabeça começou a flutuar.
O spray de urso. Estendi a mão para o bolso, meus movimentos lentos, mas
consegui deslizar meu dedo indicador pelo círculo do gatilho. Mas antes
que eu pudesse pensar em levantar a lata, seu aperto na minha garganta
afrouxou. A lata escorregou da minha mão, batendo no chão aos meus pés.
Então eu estava caindo também.
Meus joelhos estalaram nas pedras e a dor rasgou minhas pernas. Eu
desabei em um ombro, minhas mãos chegando à minha garganta. Queimou
como se ele tivesse colocado fogo, mas suas mãos haviam sumido.
Ele me deixou ir.
Tossi e engasguei, puxando o ar pelo nariz, qualquer coisa para encher meus
pulmões. Eu agarrei meu estômago, enrolada no chão, ofegando por uma
respiração completa. Cada inspiração doía. As lágrimas continuaram
fluindo, minhas entranhas agitando enquanto minha cabeça girava em
círculos.
Ele me deixou ir.
Por que? Forcei meus olhos abertos, arriscando um olhar ao longe. A
mochila, o arco e o homem haviam sumido.
Ele se foi.
Eu me dei três batimentos cardíacos. Então eu me levantei.
Corre, Lyla.
Desta vez, eu corri.
CAPÍTULO DOIS

VANCE
Onde diabos estava minha carteira? Apalpei o bolso da calça jeans pela
décima vez, depois examinei o quarto novamente. Não estava no criado-
mudo. Eu colocaria no criado-mudo. A maldita coisa não poderia ter criado
pernas e ido embora.
— Pelo amor de Deus. — Eu não tinha tempo de procurar minha carteira
quando precisava pegar a estrada, mas antes que pudesse pegar a estrada,
precisava da porra da minha carteira.
— Tiff, — eu gritei, beliscando a ponta do meu nariz.
Ela saiu do corredor e parou na porta, os olhos castanhos ainda brilhando
com a nossa discussão. — O que?
— Minha carteira. Você há viu?
Ela franziu os lábios.
— Tiff, — eu cortei. Ela realmente achava que se me mantivesse aqui por
tempo suficiente, eu mudaria de ideia?
Ela bufou e pescou minha carteira no bolso de trás. Com um movimento do
pulso, ela a jogou na cama para que caísse ao lado da minha mochila e
mala.
Eu cerrei os dentes, segurando um comentário sarcástico. — Obrigado.
— Você está realmente indo. — Ela cruzou os braços sobre o peito, as
narinas dilatadas.
— Eu tenho que ir. — Peguei minha carteira, enfiando-a no bolso, depois
pendurei a mochila no ombro. As costuras do zíper foram esticadas ao
máximo. O mesmo aconteceu com a minha mala. Não tendo nenhuma ideia
de quanto tempo eu ficaria em Montana, eu embalei demais em vez de não
o suficiente.
— Eu quero dizer isso, Vance. Não estarei aqui quando você voltar.
Ela disse o mesmo antes, depois que eu disse a ela que estava indo para
Montana. Realmente não me surpreendeu, provavelmente porque eu
esperava por isso, bem... muito tempo.
— Você não tem nada a dizer? — ela perguntou.
Não. Não, eu não tinha. E meu silêncio só aumentou sua frustração.
Ela jogou uma mão no ar. — Quando você vai desistir disso?
— Nunca, — eu sussurrei.
Até o dia da minha morte, eu nunca desistiria dessa busca. Todos os outros
pararam de procurar por Cormac. Todos os outros haviam abandonado
Norah e as meninas. Eles mereciam justiça. Eles mereciam vingança.
Não havia como desistir.
— Você não vai encontrá-lo, — disse ela.
— Eu poderia.
— Ele. Se. Foi. — Ela socou cada palavra, como se o volume por si só me
fizesse acreditar nelas.
Ele não se foi. Aquele filho da puta não conseguiu ir embora.
Talvez essa pista se transformasse em nada, assim como todas as outras
pistas que eu segui nos últimos quatro anos. Mas se houvesse a menor
chance de pegar o rastro de Cormac, eu o pegaria.
Levantei minha mala do colchão, movendo-me para a porta, mas Tiff se
mexeu e bloqueou meu caminho.
— Eu não posso mais fazer isso. — Seu queixo começou a tremer. — Eu
não posso ficar aqui e esperar enquanto você persegue seus demônios.
— Então não faça isso.
Quando começamos a ficar juntos, Tiff me encorajou a ir. Mas em algum
momento nos últimos três anos, ela se tornou como todo mundo. Ela queria
que eu deixasse para lá e fosse em frente com minha vida.
Eu não conseguia seguir em frente. Eu não. E se ela não entendeu isso,
bem...
— Deixe as chaves no balcão. — Tínhamos acabado. Nós tínhamos
acabado. Era hora de parar de fingir que tínhamos um futuro juntos.
— É isso? — Seus olhos inundaram. — Eu digo que estou me mudando e
você me pede para deixar as chaves no balcão?
Sim. — Eu preciso ir, — eu disse, sacudindo meu queixo para ela sair do
caminho.
Ela se mexeu, apenas o suficiente para eu passar, então me seguiu pelo
corredor. — Você nunca teria feito isso antes do tiroteio.
Minha mandíbula se apertou. — Isso não tem nada a ver com o tiroteio.
— Vance.
Suspirei, virando-me para encará-la. — O que?
— Por favor, não vá. — Lágrimas brilharam em seus olhos. — Fique. Fique
comigo.
Foi por isso que terminamos.
Se ela realmente me amasse, nunca me pediria para ficar.
Eu coloco minha mala e mochila no chão, então coloco minhas mãos em
seus ombros. — Desculpe.
Lamentei não ser o homem de que ela precisava. Lamentei não poder ser o
homem que ela esperava. Eu sentia muito por não a amar também.
— Eu te amo. — Uma lágrima desceu por sua bochecha.
Eu não peguei.
— Tchau, Tiff. — Afastei-me quando um soluço escapou de sua boca.
Então peguei minhas malas e, sem olhar para trás, caminhei até a garagem.
Minha arma já estava carregada no porta-luvas da minha caminhonete,
então com minhas coisas no banco de trás, subi atrás do volante e parti.
Talvez eu devesse ter sofrido, sabendo que Tiff teria ido embora quando eu
chegasse em casa. Em vez disso, eu me senti... aliviado.
Tiff era uma boa mulher que me ajudou em um período difícil da minha
vida. Ela preencheu um vazio, por um tempo. Ela me fez rir quando pensei
que fosse impossível. Mas ela merecia um homem que a amasse
inteiramente.
Esse homem não era eu.
Talvez ela estivesse certa. Talvez essa busca sem fim por Cormac estivesse
arruinando minha vida. Com certeza isso afetou meu trabalho. Mas eu não
ia parar. Então coloquei Coeur d'Alene no espelho retrovisor e corri pela
interestadual em direção a Montana.
Era uma viagem de três horas até Quincy, o que significa que, se eu me
apressasse, chegaria antes de escurecer com tempo para bisbilhotar a cidade
e me orientar. Eu já havia pedido um quarto de hotel com antecedência,
reservando-o por uma semana. Com alguma sorte, eu pegaria o rastro de
Cormac até lá.
Esta pista foi o mais próximo que eu já estive de encontrar aquele bastardo
escorregadio. Fazia dois dias desde que o APB havia sido emitido e,
embora dois dias fossem suficientes para ele desaparecer, talvez ele tivesse
ficado complacente. Talvez ele não sentisse a necessidade de se apressar.
Ou talvez ele não tivesse saído de Montana.
Passei quatro anos perseguindo Cormac Gallagher. De Washington a Utah,
de Oregon a Colorado, o homem provou ser impossível de encontrar. Ele
tinha me vencido a cada passo. Mas desta vez, algo parecia diferente.
Há quanto tempo ele estava em Montana? Por que ele chegou tão perto de
Idaho? Ele estava escondido debaixo do meu nariz por meses? Anos?
Ou isso acabaria sendo outro beco sem saída?
Três anos atrás, eu segui uma pista para o Colorado. A polícia havia
relatado um homem que correspondia à descrição de Cormac. Cabelo
vermelho. Olhos castanhos. Mesma constituição e altura. Mas aquele
homem não tinha uma cicatriz na bochecha, e quando eu o encontrei
escondido em uma casa caindo aos pedaços nas montanhas perto de Fort
Collins, eu o entreguei às autoridades, depois voltei para casa e me afoguei
em uma garrafa de uísque barato.
Seis meses depois, segui uma pista até Utah. Outro engano. Quatro meses
depois, eu estava em Washington. Três meses depois disso, Oregon. Passei
quatro anos perambulando pelo Noroeste do Pacífico, seguindo qualquer
pista.
As chances eram de que minha viagem para Montana seria outra viagem
perdida. Exceto que o boletim de todos os pontos de Quincy descrevia
claramente um homem com uma cicatriz. Nenhum dos outros havia dado
tantos detalhes.
Desta vez, seria diferente. Tinha que ser diferente.
Peguei meu telefone para ligar para o papai. No minuto em que começou a
tocar nos alto-falantes da caminhonete, meu aperto no volante aumentou.
Vá para o correio de voz.
— Olá, — ele respondeu.
Suspirei. — Olá pai.
— Espere um segundo. — Ouviu-se um farfalhar ao fundo. Então veio o
som de uma porta abrindo e fechando. — O que está acontecendo?
Houve um eco, como se ele tivesse se fechado na garagem.
Geralmente era assim que soava quando conversávamos. Ou ele
desaparecia na garagem ou saía para falar comigo onde mamãe não ouviria.
Como isso aconteceu? Como eu me tornei o vilão?
— Estou indo para Montana. Pode demorar uma ou duas semanas, — eu
disse a ele, sabendo que ele não iria perguntar por que ou quanto tempo eu
estaria fora.
Fazer muitas perguntas pode cruzar a linha invisível traçada entre mim e
minha família. Além disso, papai sabia por que saí da cidade. E como Tiff,
ele pensou que eu deveria ter mudado anos atrás.
— Tudo bem, — ele murmurou.
— Saí com pressa. Você se importaria de levar o lixo para o meio-fio na
quarta-feira?
— E quanto a Tiff?
— Ela está se mudando.
— Oh. — Ele fez uma pausa. — Ok.
— E você se importaria de pegar minha correspondência a cada poucos
dias? Só para não acumular.
— Claro.
— Obrigado, pai.
— Sim. — Ele encerrou a ligação.
Essas conversas curtas e abruptas haviam se tornado normais. E de alguma
forma, isso foi minha culpa.
Da próxima vez que saísse, ligaria para um amigo para verificar a casa.
Deixei meu telefone de lado e me concentrei na estrada, observando a
paisagem ao longo do caminho. Muitas montanhas. Densas florestas
perenes. Esta parte de Montana não era tão diferente de Idaho. Talvez fosse
por isso que Cormac havia retornado. Ele queria um gostinho de casa.
A única coisa que ele merecia provar eram três quadrados por dia de uma
lanchonete de prisão.
Porra, mas eu esperava que essa pista fosse algo real. Esperança era um
jogo perigoso para um homem como eu, especialmente no que dizia
respeito a Cormac. Mas a cada quilômetro que passava, ele se agitava,
crescendo em meus ossos.
Quando cheguei a Quincy, meus músculos estavam tensos. Meus dedos
tamborilaram no volante enquanto a estrada desacelerava, virando para a
Main Street. Enquanto descia a estrada, mergulhei na pequena cidade como
uma esponja.
O Eloise Inn, o hotel onde reservei um quarto, era o prédio mais alto à vista,
interrompendo o horizonte recortado da montanha ao longe. Empresas,
restaurantes e alguns bares enchiam o centro da cidade.
Os postes de luz que iluminavam as calçadas estavam envoltos em luzes
cintilantes. As vitrines das lojas foram enfeitadas com decoração de outono,
abóboras e flores em vasos e folhas vibrantes.
Ao passar por uma loja de ferragens, fiz uma anotação mental para parar e
pegar um mapa da área local. Mapas digitais e GPS funcionaram para
alguns, mas eu sempre preferi o papel.
Meu mentor me ensinou isso.
Ele também me ensinou que o tempo era crítico. Se um suspeito tivesse
muita vantagem, alcançá-lo tornava-se impossível. O APB havia sido
postado na tarde de sexta-feira. Infelizmente, era domingo. Mas dois dias
foi mais rápido do que qualquer outra pista que encontrei.
Talvez Cormac pensasse que depois de quatro anos, o mundo havia
esquecido seus crimes. Talvez ele tenha ficado confortável onde quer que
ele estivesse se escondendo. Talvez se ele construísse um abrigo, se
estabelecesse na área, ele poderia não sair tão rápido.
Uma série de talvez. Isso era tudo que eu tinha.
Teria que ser o suficiente.
Estacionei na Main, tirando minhas malas da parte de trás do meu Dodge
prata e arrastando-as para o The Eloise Inn. O recepcionista me registrou
com eficiência, mandando-me para o meu quarto no quarto andar com duas
chaves e recomendações de restaurantes para jantar.
Eu estava ansioso demais para comer muito, então, em vez de parar no
Knuckles, o restaurante do hotel, deixei minhas malas no quarto e saí.
— Olá. — Um homem assentiu quando passei por ele na calçada em frente
ao hotel.
— Noite. — Abaixei meu queixo, já gostando da atmosfera amigável de
Quincy e do fato de que aqui eu era um estranho sem nome e sem rosto.
Eu quase não saí de casa nas últimas duas semanas por causa da recente
atenção da mídia. A única vez que fui ao supermercado, recebi muitos
olhares de soslaio. O caixa tinha me perguntado se eu era aquele policial.
Até aquela tempestade de merda passar, eu estava mais do que feliz em
passar meus dias em Montana.
Irônico, que eu comecei minha carreira para me destacar. Ser um dos heróis.
Para usar meu distintivo brilhante com orgulho. Hoje em dia, a última coisa
que eu queria era atenção. E meu distintivo tinha uma mancha que nenhum
polimento parecia apagar.
Exatamente por isso que o deixei para trás.
Atravessei a Main, indo para a cafeteria. O pequeno prédio verde tinha uma
placa de sanduíche na frente anunciando as promoções do dia. Café com
leite. Presunto, maçã e panini suíço. Biscoitos de chocolate com abóbora.
As palavras foram escritas em letras maiúsculas grossas, cada uma
adornada com flores espiraladas.
As grandes janelas com molduras pretas da loja, ocupavam a maior parte da
parede voltada para a rua, dando aos clientes uma visão clara da calçada e
da rua. À luz do entardecer, eles agiam como um espelho, refletindo tanto
os carros quanto as pessoas que passavam, inclusive eu.
Porra, eu parecia uma merda. Passei a mão pelo meu cabelo, tentando
domar os fios escuros. Precisava de um corte, e eu não fazia a barba há
alguns dias. A barba por fazer no meu queixo era grossa. Talvez eu devesse
deixar crescer a barba.
Tiff odiava barbas.
Isso não importava mais. E uma barba pode distrair das olheiras sob meus
olhos. O sono tinha sido leve desde então, bem... Eu não conseguia me
lembrar da última vez que dormi por mais de quatro ou cinco horas
seguidas.
Penteei meu cabelo com os dedos mais uma vez, mas o esforço foi inútil,
então endireitei a gola da minha jaqueta xadrez antes de chegar à porta do
café.
Eden Coffee estava escrito em letras douradas. Eu a abri e respirei o cheiro
de café e comida. Boa comida. Meu estômago roncou. Acho que eu estava
com fome.
Eu estava no meio do almoço com meu laptop quando me deparei com o
APB do Departamento de Polícia de Quincy. Aquela refeição foi
abandonada no lixo, e eu não parei de novo depois que peguei a estrada.
As paredes da loja eram do mesmo verde profundo do exterior, dando-lhe
uma sensação acolhedora e convidativa. Mesas e cadeiras de madeira
enchiam o espaço de cada lado do corredor que levava a um balcão nos
fundos do café.
A vitrine de vidro transbordava de doces e sobremesas. O silvo da máquina
de café expresso entorpecia a conversa das mesas ocupadas. Minhas botas
batiam no chão de madeira enquanto eu caminhava até o balcão.
A barista usava um avental verde-pinheiro. Seu cabelo preto estava preso
em um rabo de cavalo curto na nuca. Ela tinha um delineador grosso e alado
e seus lábios estavam manchados de roxo. Não ameixa ou vinho, roxo,
como uma goma de uva.
Ela levantou um dedo enquanto terminava de cozinhar sua jarra de leite. —
Me dê um minuto.
— Claro. — Eu balancei a cabeça, examinando o grande menu do quadro-
negro montado na parede atrás do balcão.
Uma mesa no canto ao lado das janelas de vidro me daria uma visão aberta
do Main e também forneceria um espaço de trabalho decente. Melhor do
que a mesa apertada no meu quarto de hotel.
— O que posso pegar para você? — perguntou a barista.
— Panini suíço com presunto, por favor. E um, uh... — Olhei para a vitrine.
— Qual é a sua coisa favorita aí?
— Todos são bons, mas acho que Lyla está terminando uma fornada de
biscoitos de caubói. Altamente recomendado. — Ela apertou os dedos e deu
um beijo de chef.
— Vendido. — Peguei minha carteira, entregando uma nota de vinte no
momento em que uma mulher emergiu do corredor que levava ao interior
do prédio.
Ela carregava uma bandeja de biscoitos, as mãos cobertas por luvas de
forno tangerina. Seu avental era do mesmo tom verde-pinheiro da barista.
Um pó de farinha cobria seu coração e havia uma marca de uma polegada
em sua testa, acima de sua delicada sobrancelha direita.
Suas bochechas estavam coradas no mesmo tom bonito de rosa de seu
beicinho macio. Uma mecha de cabelo escuro escapou do coque bagunçado
no topo de sua cabeça e caiu sobre sua têmpora.
Minha mão se ergueu, agindo por conta própria, seja para colocar aquela
mecha de cabelo atrás da orelha ou enxugar a mancha de farinha.
Seus olhos azul-safira dispararam para mim quando ela colocou a bandeja
no balcão e tirou as luvas de forno.
Mesmo com duas olheiras negras que ela tentou ao máximo cobrir com
maquiagem, ela era de tirar o fôlego.
Ela me ofereceu um pequeno sorriso antes de deixar cair o queixo no
cachecol grosso enrolado em seu pescoço enquanto começava a adicionar
biscoitos à vitrine. Esse cachecol era grosso, mas os hematomas na longa
coluna de sua garganta pareciam determinados a aparecer. Eles espreitaram
sob sua mandíbula delicada.
Olheiras pretas. Garganta machucada. Sinais claros de que alguém havia
colocado as mãos em seu pescoço.
O APB das autoridades locais descreveu Cormac perfeitamente. Melhor do
que qualquer relatório anterior. O boletim afirmava que ele era suspeito de
uma tentativa de homicídio, mas não listava os meios.
Estrangulamento, talvez? Isso foi apropriado. E de acordo com a APB, esse
crime ocorreu fora de Quincy, na floresta. Playground de Cormac.
Havia uma chance de que esta mulher não tivesse nada a ver com ele. Que
eu estava simplesmente desesperado. Mas eu escutei meu instinto por
muito, muito tempo. E gritava que fora ela quem cruzara o caminho de
Cormac.
— Aqui está. — A barista colocou um prato no balcão com meu sanduíche,
algumas batatas fritas, picles e um daqueles biscoitos frescos. — Algo para
beber?
— Água. Por favor.
— Entendi. — Ela assentiu com a cabeça e colocou a mão no ombro da
outra mulher. — Posso terminar com os biscoitos, Lyla.
Ela assentiu enquanto a barista caminhava até a pia nos fundos para me
encher um copo de água. Mas ela não abandonou esses biscoitos. Ela
continuou colocando-os na vitrine.
Lyla. Nome bonito. Linda mulher. Bonita demais para estar coberta de
hematomas.
Era apenas mais um pecado pelo qual Cormac sofreria. Eu faria aquele
bastardo pagar pelo que ele fez com as garotas. Para Norah. E para Lyla.
Ela percebeu que eu estava olhando. Aquele rubor em suas bochechas se
iluminou. — Posso ajudar?
Sua voz era rouca. Crua. Apenas um sussurro.
— Sim. — Eu balancei a cabeça. — Eu acho que você pode.
CAPÍTULO TRÊS

LYLA
Havia algo na maneira como esse homem falava, na maneira como ele
olhava, que me fez ficar um pouco mais ereta. Isso me fez parar de tentar
esconder meu rosto. Era como... ele soubesse.
Impossível.
Ele era indiscutivelmente o homem mais robusto e bonito que eu já vi na
minha vida. Não era um rosto que eu esqueceria, o que significava que ele
provavelmente estava apenas visitando Quincy. As únicas pessoas que
sabiam o que havia acontecido ao longo do rio na sexta-feira eram os
moradores locais - a fofoca galopava pela cidade como uma debandada de
garanhões selvagens.
O boato era que meu incidente de quase morte estaria na primeira página do
Quincy Gazette na edição semanal de quarta-feira.
Eu não estaria lendo o jornal esta semana.
Esse cara provavelmente estava olhando por causa da tentativa de merda
que eu fiz para esconder meus olhos negros. A maior parte da maquiagem
que eu havia colocado às três da manhã havia desaparecido depois de um
longo dia. Ou ele estava olhando por causa desse maldito cachecol. Era
grosso e pesado e, apesar dos meus melhores esforços, o material grosso
não ficava apertado o suficiente sob meu queixo para esconder os
hematomas.
— Podemos conversar um pouco? — Ele apontou com o queixo para as
mesas.
Falar de quê? Como eu parecia o saco de pancadas pessoal de alguém?
Diversão.
— Por favor, — ele implorou.
Lá estava de novo. A sensação de que ele sabia. Quem era ele? Só há uma
maneira de descobrir. Apontei para o sanduíche dele. — Vou deixar você
comer, depois vou juntar em um momento.
— Tudo bem. — Ele pegou seu prato, esperando até que Crystal colocasse
um copo de água gelada no balcão, então o pegou também. — Serei rápido.
— Sem pressa.
Seu olhar disparou para minha garganta, então ele se virou e atravessou a
sala. Ele tinha um passo confiante. Pernas compridas cobertas por jeans
desbotados. Botas gastas. Barba curta. Ombros largos e cabelos
desgrenhados. Alto. Muito alto. Bela bunda.
Exatamente o meu tipo.
É claro que o universo me daria um homem lindo e sexy quando a última
coisa que eu queria era ser tocada. Quando eu não conseguia nem flertar por
causa da porra da minha voz.
Parecia que eu tinha sido uma fumante por toda a vida, e cada sílaba rouca e
enganchada doía.
A dor piorou continuamente no fim de semana. Provavelmente porque
continuei falando. Talia me disse que a maneira mais rápida de se recuperar
era descansar, mas eu me recusei a ficar em casa e me esconder. Eu não iria
me acovardar e dar aquele filho da puta que tentou me matar a satisfação da
minha derrota.
Então aqui estava eu, trabalhando. Ontem de manhã, quando minha mãe e
Crystal apareceram às cinco para abrir o Eden Coffee, eu já estava aqui há
uma hora. Todas as suas tentativas de me enxotar porta afora foram
frustradas com um não inflexível.
Papai e Griffin vieram esta manhã para tentar me convencer a passar uma
semana no rancho me recuperando. Mas eu levantei meu queixo e marchei
para a cozinha para fazer scones de cranberry e laranja.
Se eu tivesse ficado no trabalho na sexta-feira, nada disso teria acontecido.
Não que eu culpasse Eloise, embora ela estivesse determinada a carregar a
culpa de qualquer maneira. Ela estava tão chateada esta manhã quando ela e
Jasper vieram me checar que eu tive que praticamente sacudi-la para ouvir
enquanto eu engasgava como isso não era culpa dela.
Havia uma e apenas uma pessoa para culpar. Aquele caçador filho da puta.
Ainda assim, eu seria amaldiçoada se alguém me expulsasse do meu
próprio prédio novamente.
Era aqui que eu queria estar, então eu ia ficar.
— Crystal. — Eu abaixei minha voz. Não doeu tanto quando sussurrei.
— Sim? — Ela apareceu ao meu lado em um piscar de olhos, abandonando
o café que estava fazendo. Ela tinha sido uma policial, rondando por perto,
pronta para fazer o que eu pedisse. Crystal foi a única pessoa que não tentou
me fazer sair. Eu a amava por isso.
— Você sabe quem é aquele? — Eu balancei a cabeça em direção ao
homem. Ele se sentara na mesa ao lado das janelas e dava uma mordida em
seu sanduíche.
— Não. Nunca o vi antes.
Eu balancei a cabeça, então toquei seu antebraço antes de pegar uma caneca
de café da pilha e enchê-la com água quente. O que quer que aquele homem
quisesse, eu precisaria de algo para beber se fôssemos conversar, então
preparei um chá para mim, deixando-o em infusão enquanto ele devorava
sua refeição.
A movimentada temporada turística de verão havia terminado. Era muito
cedo para visitantes de férias. Nesta época do ano, Quincy viu um influxo
de caçadores e, embora o lado rude e a vibração ao ar livre desse cara se
encaixassem nessa imagem, minha intuição dizia que não era por isso que
ele veio para a cidade.
Por que? Nenhuma ideia. Algo sobre ele apenas parecia... diferente.
Talvez minha experiência de quase morte tenha me dado algum sexto
sentido - ou delírios. Pelo que eu sabia, eu iria até aquela mesa e ele
entregaria uma cantada cafona. Embora com um rosto como o dele, ele
provavelmente apenas torcia um dedo e as mulheres pulavam em sua cama.
Tomei um gole do meu chá, deixando o calor acalmar minha garganta.
Então eu a carreguei pela loja.
Quando ele me viu chegando, o homem limpou os lábios com um
guardanapo, em seguida, enrolou-o e colocou-o em seu prato agora vazio
enquanto eu me sentava na cadeira em frente à dele.
— Vance Suter. — Ele estendeu a mão sobre a mesa.
Minha mão foi diminuída pela dele quando retribuí seu aperto. Seu aperto
era áspero, mas quente. — Lyla Éden.
— Éden. — Seus olhos azul-acinzentados se voltaram para a porta atrás de
mim.
— Esta é a minha cafeteria.
Ele assentiu, estudando meu rosto. Mais uma vez, seu olhar disparou para o
meu cachecol. — Vou direto ao ponto. Estou procurando um homem.
Sentei-me mais reta, meu coração começando a disparar. Oh meu Deus, eu
sabia disso. Eu sabia disso. Ele sabia disso. Como?
— Quem? — eu resmunguei.
— Eu estou supondo que o homem que fez isso com você. — Ele apontou
para minha garganta, então abriu um lado de sua jaqueta, tirando um pedaço
de papel que havia sido dobrado em quatro. Ele o abriu, achatando-o sobre
a mesa. — Encontrei este APB da delegacia de polícia local.
Eu nunca tinha lido ou visto um APB antes. Quando ele virou para me
encarar, armado e perigoso praticamente saltou da página. Havia uma
descrição do homem do rio, e até a leitura das palavras me fez estremecer.
Cabelo vermelho. Olhos castanhos. Cicatriz de quinze centímetros
atravessando sua bochecha, do olho ao queixo.
Eu passei meus braços em volta da minha cintura enquanto meu estômago
dava um nó.
Se eu fechasse os olhos, via seu rosto. À noite, quando tentava dormir,
sentia suas mãos em minha garganta. Eu as senti apertar. Eu as senti liberar.
Na sexta-feira, depois que aquele homem me soltou, saí da margem do rio e
voltei para o carro. A caminhada foi angustiante. Eu corri e tropecei,
lutando para respirar.
O pânico alimentava cada passo meu. Eu tinha certeza de que aquele
homem estava me seguindo. Que talvez fosse algum jogo doentio e
perverso me deixar ir, apenas para me capturar mais uma vez e terminar o
trabalho pela segunda vez.
Felizmente, era apenas paranoia e medo. Cheguei ao meu carro e, no
momento em que deslizei para o banco do motorista e tranquei as portas,
meu corpo desabou contra o volante.
Chorar nunca doeu tanto na minha vida. Os soluços eram tão dolorosos que
me forcei a parar. E quando me recompus o suficiente para conter o tremor,
liguei para papai.
Quando a vida ficava difícil, papai era sempre minha primeira ligação.
Socorro. Isso foi tudo que eu disse. Tudo o que eu poderia dizer.
Uma fração de segundo depois, ouvi sua poltrona se endireitar com um
estalo audível. Então veio uma porta abrindo e fechando junto com o tilintar
das chaves.
Ele me perguntou se eu estava ferida. Sim.
Ele perguntou se eu conseguia dirigir. Sim.
Vá para o hospital, Lyla. Eu estava presa antes disso, trancada em meu
carro silencioso. Esse comando do meu pai me colocou em ação.
Enquanto eu dirigia para a cidade, papai também. Ele ficou na linha comigo
até eu estar em Quincy. Então ele desligou para ligar para minha irmã.
Talia estava esperando no estacionamento quando entrei no Quincy
Memorial. Papai chegou trinta segundos depois, tendo ultrapassado todos os
limites de velocidade do rancho para a cidade.
Eles deram uma olhada no meu rosto e pescoço e me levaram às pressas
para a sala de emergência. Enquanto Talia fazia o exame, papai segurou
minha mão.
Ela prometeu que não houve nenhum dano permanente na minha traqueia.
O inchaço e os hematomas piorariam antes de melhorar. Meus olhos
vermelhos voltariam ao normal. Os olhos negros desapareceriam. Ela me
deu um analgésico para passar pelo pior.
Não foi até o fim do exame que meu pai quebrou. Nós dois quebramos.
Seu ombro sempre foi meu favorito para chorar, então no momento em que
ele me puxou em seus braços, eu desmoronei. Totalmente. O choro destruiu
minha garganta já destruída.
Papai ligou para Winn. Winn ligou para mamãe. Mamãe ligou para Griffin.
Uma hora depois, toda a minha família estava reunida em torno da minha
cama de hospital para ouvir enquanto eu contava toda a provação para
Winn, minha cunhada, chefe de polícia de Quincy.
Levei mais tempo para explicar como quase fui estrangulada até a morte do
que o estrangulamento real. Aquele caçador me sufocou por menos de vinte
segundos, mas toda vez que eu repassava isso em minha mente, parecia que
ele tinha segurado minha garganta por uma eternidade antes de me deixar ir.
Por que ele me deixou ir?
Vance limpou a garganta.
Sacudi minha cabeça. Não foi a primeira vez que me perdi em meus
próprios pensamentos hoje. — Desculpe.
— Não se desculpe. — Ele tirou a carteira do bolso da calça jeans,
vasculhando a carteira de couro. Então ele tirou uma fotografia antiga e a
entregou. — É ele?
Eu engoli em seco. Meu coração subiu na minha garganta quando estendi a
mão para a foto, trazendo-a para mais perto. Minhas mãos tremiam
enquanto olhava para o homem que quase me assassinou.
Cabelo vermelho. Olhos castanhos. Rosto cicatrizado.
Ele estava sorrindo na foto. Sua felicidade era chocante, como se esta
tivesse sido tirada de um homem diferente em uma vida diferente. Mas não
havia erro. Era o filho da puta.
— Sim.
Todo o corpo de Vance relaxou, como se ele esperasse que fosse minha
resposta, mas se preparou para o desapontamento.
As bordas da foto estavam esfarrapadas. Suas cores desbotaram. Quantas
vezes Vance entregou esta foto para alguém? Ou foram seus próprios dedos
que traçaram os cantos até ficarem arredondados e macios?
— Ele já machucou pessoas antes? — Perguntei.
Vance assentiu.
Deixei cair a foto como se estivesse em chamas. — Você está aqui para
encontrá-lo.
— Eu estou. — Sua voz forte e grave estava impregnada de confiança. Essa
certeza contrastava fortemente com a desesperança que senti durante todo o
dia após a atualização de Winn na noite passada.
Depois que ela tomou minha declaração no hospital, ela entrou em ação.
Dentro de uma hora, ela emitiu o APB com a descrição que eu forneci. Ela
se envolveu com o departamento do xerife do condado, que ativou a equipe
de busca e resgate para vasculhar as montanhas.
Meu pai e meus irmãos fizeram parte desse esforço. Mais de vinte pessoas e
três cachorros vasculharam a área onde fui atacada.
Eles ficaram fora até tarde da noite de sexta-feira, bem depois do anoitecer,
e finalmente voltaram para a cidade de mãos vazias. Ontem, mais do
mesmo. Se havia uma trilha para encontrar, ela estava perdida.
Aquele imbecil tinha escapado.
Winn provavelmente estaria aqui em breve com outra atualização. Eu não
esperava um resultado diferente.
— As autoridades locais não o encontraram, — eu disse a Vance. — O que
faz você pensar que pode? — Talvez fosse minha voz rouca, mas eu não
tinha certeza se alguma vez soei mais cínica. Talvez bastasse uma
experiência horrível para esmagar o espírito positivo de uma pessoa.
— Eu tenho procurado por Cormac por anos.
Eu estremeci. — Esse é o nome dele?
— Cormac Gallagher. — Vance assentiu, tirando a foto da mesa e
devolvendo-a à carteira.
— Quem é você? — Travei meu olhar com o dele.
Eu não era o tipo de pessoa que detectava mentiras. Confiar nas pessoas
apenas parecia... normal. O padrão. Exceto que eu imediatamente dei minha
confiança para aquele homem – Cormac – no rio. Eu presumi que ele era
bom.
Então talvez fosse hora de aprender a detectar inverdades. Desconfie de
quem entra nesta loja, incluindo Vance Sutter.
— Sou um policial de Coeur d'Alene. Cormac é o principal suspeito em
uma investigação de assassinato.
— Oh.
Policial. Cormac. Assassinato. Minha cabeça estava girando.
— Quem ele matou? — Era outra mulher inocente em uma caminhada?
Quantas pessoas ele matou? Eles foram estrangulados?
O olhar de Vance foi para a mesa. Ele ficou quieto.
Eu sabia que sem perguntar ele não responderia. Isso foi melhor ou pior do
que uma mentira na minha cara?
Melhor.
Exceto que Vance ainda não havia respondido à minha pergunta anterior.
Por que ele pensou que teria sorte diferente de Winn, a xerife e uma equipe
de pessoas treinadas para procurar nesta área por caminhantes ou caçadores
desaparecidos? Pessoas como meu pai e irmãos que viveram aqui a vida
toda?
— O que faz você ter tanta certeza de que pode encontrá-lo?
— Eu não tenho certeza. — Honestidade cobria aquela voz de barítono. —
Passei quatro anos seguindo pistas sem saída. Isso pode ser outra. As
chances são de que ele se foi há muito tempo. Mas e se ele não for? Esse e
se vale a pena para eu estar aqui. Você é a primeira pessoa em anos que
pode confirmar o paradeiro de Cormac.
— Sorte minha, — eu murmurei.
Vance ofereceu um sorriso amável. — Desculpe. Pelo que ele fez, sinto
muito.
Todo mundo estava arrependido. Eu não precisava de pena. O que eu
precisava era daquele filho da puta apodrecendo em uma cela de prisão.
— De todas as pessoas para quem mostrei aquela foto, ninguém poderia me
dizer definitivamente sim ou não. Algumas vezes, fui atrás de um suspeito
com uma descrição semelhante, mas acabou sendo outra pessoa. Estou aqui
porque conheço Cormac melhor do que qualquer pessoa viva. E gostaria
que ele fosse punido pelo que fez.
Era como se Vance pudesse ler meus pensamentos. A raiva queimando em
meu peito deu a sua voz uma borda afiada. — Eu também.
— Olha. — Ele apoiou os antebraços na mesa, aquela íris cinza-azuladas
brilhando com intensidade. Eles eram tão claros que eram quase
transparentes. Hipnotizante. — Eu entendo se você preferir não passar por
isso novamente. Você já passou por bastante. Mas gostaria de saber de você
o que aconteceu. Faça algumas perguntas se estiver a fim.
Eu estava pronta para isso? Tomei um gole do meu chá, o líquido quente
aliviando um pouco do desconforto na minha garganta.
Antes mesmo de tomar a decisão consciente de confiar em Vance, minha
boca se abriu e a história veio à tona. Desde Eloise me encorajando a fazer
uma caminhada até minha viagem em pânico até o hospital, dei a Vance
tantos detalhes quanto dei a Winn.
Minha voz estava firme. Fria. Era como se eu estivesse lendo um relatório,
não recontando um acontecimento da minha vida. Aparentemente, dois dias
foram o suficiente para eu me desligar do trauma. Isso era bom ou ruim?
Quando terminei, o silêncio desceu sobre a mesa. Uma ruga se formou entre
as sobrancelhas de Vance, como se ele estivesse pegando minha história e
juntando-a com qualquer história que ele tivesse com esse Cormac.
— Por que ele me deixou ir? — Eu sussurrei.
O olhar de Vance estalou no meu. Ele parecia tão inseguro quanto eu. —
Não sei.
Se ele realmente estava fugindo da polícia, se ele realmente pretendia fugir,
me deixar viva não fazia sentido. Agora eu era uma testemunha.
— Não tenho o direito de perguntar isso, mas vou perguntar de qualquer
maneira, — disse ele. — Você iria comigo? Mostrar onde isso aconteceu?
Meu coração parou. — Por que?
— Cormac não será fácil de rastrear. É por isso que ele nos evitou por tanto
tempo. Quanto mais ajuda você puder me dar, mais chance de encontrar
uma trilha.
Deveria ter sido um não fácil. Vance poderia sincronizar com Winn. Ele
poderia trabalhar com a equipe local de busca e resgate para explorar a área.
Ele não precisava de mim como seu guia.
E eu com certeza não precisava voltar lá. Para revivê-lo pessoalmente. A
memória era difícil o suficiente.
— Prazer em conhecê-lo, Sr. Sutter. — Afastei-me da mesa e, com meu chá
na mão, caminhei até o balcão, passando por Crystal enquanto me dirigia
direto para a cozinha. Meu santuário.
No momento em que eu estava fora de vista, soltei a respiração que estava
segurando. Meu coração disparou quando plantei minhas mãos na mesa de
preparação, fechando os olhos quando uma onda de nervosismo fez meu
estômago revirar. Foi por contar minha história a Vance ou apenas pela
ideia de voltar àquele local.
Eu poderia voltar? Eu devo?
— Lyla?
Abri meus olhos com a voz da minha irmã gêmea, girando para a porta
enquanto Talia entrava correndo. Ela estava vestida com um uniforme azul.
Sua barriga de bebê estava começando a esticar seu top. Não muito, mas o
suficiente para que você pudesse dizer que ela estava grávida de minha
futura sobrinha ou sobrinho, que eu planejava estragar.
— Você está bem? — Ela puxou meu cachecol, puxando-o para baixo para
inspecionar meu pescoço.
— Bem. — Eu acenei para ela, tirando a maldita coisa completamente.
Estava quente demais na cozinha para um cachecol. Amanhã eu sofreria
com uma gola alta.
— Você se esforçou demais hoje. — As sobrancelhas de Talia se juntaram.
Ela usava a mesma preocupação que tinha desde sexta-feira. A mesma
expressão que vi em todos os outros rostos da minha família.
Eu balancei minha cabeça, não querendo falar. Conversar com Vance havia
esgotado minha energia, e minha garganta estava seca e áspera.
— Por favor, Lyla. Vá para casa. Precisa descansar.
Eu balancei minha cabeça novamente, dando-lhe um sorriso triste.
Os ombros de Talia caíram. Os cantos de sua boca viraram para baixo. Seus
olhos ficaram vidrados, mas ela não deixou uma lágrima cair.
Minha irmã não chorava na frente dos outros. Pelo menos, não com
frequência. Ela tinha esse aço, essa força incrível. Seja qual for a tragédia
que passou pelas portas do pronto-socorro do hospital, ela aceitou com
calma.
Eu? Eu era a bagunça chorosa. Mostre-me um vídeo sentimental nas redes
sociais ou conte-me uma história triste, eu choraria um rio ao lado da
máquina de café expresso com uma multidão de clientes ao redor para
assistir.
No entanto, aqui estava eu, a irmã de olhos secos na sala. Enquanto isso,
Talia parecia que estava prestes a quebrar.
— Gostaria de falar sobre isso? Ou escrever? — ela perguntou. — Para
poupar sua voz.
— Não. — Eu balancei minha cabeça.
— Tem certeza? Pode ajudar.
Eu balancei minha cabeça novamente.
Normalmente, eu insistia com Talia para se abrir e confessar seus
sentimentos. Eu a encorajei a falar e expor suas lutas - ela raramente o
fazia. Estranho, como tínhamos trocado de papéis.
Tudo parecia diferente. Aquele bastardo tinha virado nossos mundos de
cabeça para baixo e eu simplesmente... Eu não queria chorar. Eu não queria
ser abraçada ou mimada. Eu não queria falar.
Eu queria justiça. Eu queria tanto vingança que mal conseguia enxergar
direito. E como Winn ainda não prendera Cormac Gallagher, tudo o que eu
tinha para manter minha sanidade intacta era o trabalho.
Então forcei um sorriso e peguei a mão de Talia, segurando-a com força
quando sua palma tocou a minha. Então eu a deixei ir e fui até a geladeira,
pegando os ingredientes para os rolinhos de canela.
Talia ficou por uma hora, me observando trabalhar em silêncio. Mandei-a
para casa com um recipiente de sopa para viagem, para que ela e Foster não
tivessem que preparar o jantar. Então passei o resto da noite alternando
entre o trabalho e respondendo mensagens de texto de meus outros irmãos e
pais.
Winn entrou na loja dez minutos antes de fecharmos às sete. Eu soube
imediatamente pelo olhar em seu rosto bonito que ela não estava aqui para
dar boas notícias.
— Oi. — Ela me puxou para um abraço apertado. — Você está bem?
— Claro, — eu menti. — Encontrou alguma coisa?
Seu rabo de cavalo escuro balançava enquanto ela balançava a cabeça. —
Desculpe. A equipe de busca e salvamento fez outra varredura na área com
os cães. Eles os colocaram no alce novamente hoje, fazendo-os rastreá-lo.
Mas a cerca de um quilômetro e meio do rio, eles perderam o rastro.
— Merda. — Fechei os olhos, a decepção caindo como mil quilos em meus
ombros.
— Eu não estou desistindo. — Winn pegou minha mão. — Eu prometo.
— Eu sei que você não vai, — eu sussurrei.
Winn faria tudo ao seu alcance por nossa família. Mas não havia como
perder as olheiras sob seus olhos que estavam lá há semanas. Desde o
tiroteio no hotel.
Quincy deveria ser uma cidade segura. Tiroteios e estrangulamentos não
deveriam acontecer aqui. Tudo estava desmoronando.
E Winn assumiu muito disso para si mesma. Demais.
Eu queria, mais do que tudo, que Cormac fosse preso. Mas se Winn não
pudesse pega-lo, quão pesado isso pesaria em seu coração já
sobrecarregado?
Meu olhar foi para a mesa vazia onde Vance havia se sentado antes. E se ele
fosse a resposta?
— Você quer jantar? — Eu perguntei a Winn.
— Não, tudo bem. Griff ligou no meu caminho para cá e disse que estava
fazendo hambúrgueres.
Um pouco do estresse desapareceu de seu rosto ao ouvir o nome do meu
irmão. Eu não tinha dúvidas de que ela voltaria para casa, para o rancho,
para os braços dele e seus dois filhos, e o brilho voltaria a seu olhar azul
profundo.
— Quer sair? — ela perguntou. — Você poderia passar a noite.
Eu balancei minha cabeça. — Vou limpar aqui, depois vou para casa. —
Um banho bem quente pode aliviar um pouco a dor. Talvez esta noite eu
realmente consiga dormir um pouco.
— Tem certeza?
Eu balancei a cabeça, envolvendo meu braço com o dela e levando-a até a
porta.
— Estamos todos preocupados com você.
Suspirei. — Eu vou ficar bem.
— Todos nós sabemos disso também. Mas ainda vamos nos preocupar. —
Winn me puxou para um abraço, então saiu, levantando a mão enquanto
subia em seu veículo.
Esperando até que as lanternas traseiras estivessem a dois quarteirões da
Main, fechei a porta, girando a fechadura. Então apaguei metade das luzes,
deixando as outras acesas para iluminar o espaço enquanto varria, esfregava
o chão e empilhava as cadeiras.
Crystal se ofereceu para ficar e fechar esta noite, mas eu a mandei para
casa. As noites de domingo eram lentas e, depois que ela saiu, nenhum
cliente apareceu, permitindo que eu limpasse o espaço da cozinha.
Levei menos de trinta minutos para terminar de fechar. A loja cheirava a
açúcar e baunilha e ao polidor cítrico que usei nas madeiras nobres. Eu
estava prestes a desligar o resto das luzes quando olhei pelas janelas da
frente.
Uma figura alta caminhava pela calçada do outro lado da rua, dirigindo-se
ao hotel.
Vance.
Ele andava com as mãos enterradas nos bolsos do paletó. Os postes de luz
iluminavam seu corpo largo. Ele parecia não ter pressa, seu olhar vagando
em todas as direções como se estivesse tentando memorizar Quincy. Ou
talvez ele esperasse que, se olhasse de perto, encontraria uma pista que o
levaria a Cormac.
Eu era essa pista?
Abri a fechadura da porta da frente e coloquei os dedos nos lábios,
assobiando do jeito que meu pai me ensinou quando criança.
O barulho dividiu o ar da noite.
Vance parou. Virou.
Eu balancei a cabeça.
Quando ele estivesse pronto, quer eu estivesse ou não, eu o levaria até o rio.
CAPÍTULO QUATRO

VANCE
A campainha da porta da cafeteria me saudou quando entrei. O som
era leve. Alegre. O carrilhão não fez nada para parar o tornado de
antecipação e pavor que estava revirando minhas entranhas desde que saí da
cama às três da manhã.
As cinco xícaras de café que bebi não ajudaram meus nervos em frangalhos.
Andar de um lado para o outro em meu quarto de hotel me fez sentir como
um animal preso em uma gaiola, então bem antes do amanhecer, eu saí para
explorar Quincy, como fiz na noite passada.
O ar estava frio, minha respiração ondulava enquanto eu caminhava.
Minhas botas deixaram rastros na geada que cobria as calçadas. O sol
estava começando a rastejar em direção ao topo das montanhas, polindo
suas pontas em ouro, mas o céu ainda estava escuro. A única luz na cidade
vinha dos postes e das varandas. Quase todos os prédios da Main estavam
escuros, exceto o Eloise Inn.
E Café Éden.
O café estava vazio. As mesas de cada lado do corredor estavam alinhadas
em fileiras organizadas. As cadeiras foram empurradas, prontas para serem
trocadas e preenchidas.
A barista de ontem saiu correndo do corredor dos fundos, com uma toalha
nas mãos. — Bom dia.
— Bom dia, — eu digo.
— O que posso pegar para você?
Antes que eu pudesse responder, Lyla emergiu do mesmo corredor. Seus
passos vacilaram, apenas ligeiramente, quando ela me viu.
Eu ainda podia ouvir seu assobio da noite passada. Isso ecoou em minha
mente, assim como a visão dela parada na porta da cafeteria parecia
impressa em meu cérebro.
Linda. Corajosa, Lyla.
— Oi. — Sua voz estava tão irregular quanto no dia anterior. — Eu cuidarei
dele, Crystal.
— OK. — Crystal assentiu com a cabeça e saiu correndo.
— Oi. — Parei no balcão, observando o rosto de Lyla, procurando por
qualquer sinal de dúvida. Uma dica de que ela havia mudado de ideia. Mas
se havia alguma incerteza correndo por aquela linda cabeça, ela não deixou
transparecer.
Nós não tínhamos nos falado ontem à noite. Não havíamos trocado detalhes
ou números de telefone. Tinha acabado de ouvir aquele assobio.
Então ela se retirou para dentro da cafeteria enquanto eu permaneci do lado
de fora, observando enquanto as luzes se apagavam.
— Você gostaria de alguma coisa antes de irmos? — ela perguntou.
— Café. Preto. — Peguei minha carteira, mas ela acenou.
Com eficiência praticada, ela encheu um copo de papel para viagem e
colocou um colarinho e uma tampa nele.
Sem cachecol hoje. Lyla usava um suéter preto de gola role para cobrir o
pescoço. Ajustava-se a seu corpo, moldando-se em torno de seus ombros
esguios e a curva de seus seios. A própria gola subia por sua mandíbula,
escondendo quase todos os hematomas, exceto aqueles diretamente abaixo
de suas orelhas. Mas ela manteve seu longo cabelo escuro solto hoje, as
mechas sedosas de chocolate caindo quase até a cintura. As ondas soltas
escondiam a maior parte do que o suéter não escondia.
— Cinco minutos? — Ela colocou meu café no balcão.
— Sem pressa. — Peguei meu café e caminhei até as janelas da frente,
tomando um gole do líquido escaldante enquanto olhava para a rua
sonolenta. Um único caminhão passou no tempo que Lyla levou para pegar
o casaco e colocar um gorro de tricô sobre o cabelo.
Ela enfiou o telefone no bolso do casaco. Se eu tivesse que adivinhar, ela
ligou seus serviços de localização. Ou talvez ela tenha dito a Crystal ou a
um amigo para onde estávamos indo, com medo de que eu fosse um
assassino em série.
— Você gostaria de dirigir? — ela perguntou, puxando um par de luvas.
— Claro. — Abri a porta para ela - ganhando mais daquele som feliz -
então abri caminho até minha caminhonete, estacionada em frente ao hotel.
Lyla agradeceu com a cabeça quando abri a porta para ela, então ela entrou
enquanto eu fazia meu caminho para o lado do motorista.
— Como você está se sentindo hoje? — Coloquei a caminhonete em
marcha à ré, mas mantive o pé no freio. — Tem certeza disso?
— Sim. — Sem hesitação. A falha em sua voz não tinha nada a ver com
uma mudança de opinião, apenas com os efeitos prolongados de seus
ferimentos. — Vá para o norte.
— Tudo bem. — Soltei o freio e segui suas instruções.
Quando chegamos à periferia da cidade e aceleramos pela rodovia, meu
pulso acelerou. Eu não tinha certeza se era a ansiedade dela ou minha, mas
a tensão na caminhonete tornou-se tão espessa, tão pesada, que eu mal
conseguia respirar.
Isso estava quebrando todas as regras. Isso ia contra todos os protocolos,
todas as cortesias que haviam sido inculcadas em mim desde a academia.
Por direito, eu deveria ter checado com as autoridades locais ontem.
Eu sempre joguei pelas regras. Sempre tive consideração pelos outros
departamentos. Onde isso me levou?
Cormac ainda estava foragido, e eu passei quatro anos me esquivando da
burocracia.
Por mais arriscado que fosse, desta vez eu estava trilhando meu próprio
caminho. Eu faria minhas próprias regras. E se eu realmente encontrasse
Cormac, bem... Eu rezaria para que o FBI não se importasse como ele foi
encontrado, apenas grato por ele ser uma pessoa a menos em suas listas de
mais procurados.
Lyla se mexeu no assento, os joelhos balançando enquanto ela apontava
para a estrada. — Vire à esquerda aqui em cima.
— Ok. — Eu aliviei o acelerador. Parte de mim queria perguntar novamente
se ela estava bem. Dê a ela outra chance de virar esta caminhonete. Mas eu
estava muito desesperado. Com muito medo de que ela aceitasse se fosse
oferecida. Então peguei a esquerda e puxei conversa fiada. — Há quanto
tempo você mora em Quincy?
— Além da faculdade, toda a minha vida. Minha família fundou a Quincy.
— Sem brincadeiras.
— Você vai ficar no The Eloise, certo?
— Eu vou. — Era o único hotel da região.
— Minha tataravó era Eloise. Agora minha irmã mais nova, homônima
dela, é a dona. Há uma piada na cidade que você não pode jogar uma pedra
no Main sem atingir um Éden.
— Ah. Teria conhecido algum outro parente?
— Meu irmão Knox é dono do Knuckles e é o chefe de cozinha.
— Eu estava planejando jantar lá esta noite. Alguém mais?
— Provavelmente não. — Ela limpou a garganta e eu esperava que ela
parasse de falar, mas ela continuou, como se parasse, seus medos
venceriam. — Minha irmã gêmea, Talia, é médica no hospital. Meus pais
moram na fazenda da minha família. Assim como meus outros irmãos.
Ambos estão na equipe de busca e resgate junto com meu pai. Minha
cunhada é Winslow Eden. Ela é a chefe de polícia.
Pelo amor de Deus.
Tanto para evitar as autoridades locais. Porra. Quais eram as chances?
Passei a mão pelo rosto, sentindo o raspar da minha barba na palma da mão.
Lyla era minha única conexão com Cormac e, dada a minha típica sorte de
merda, ela também era parente do chefe de polícia. Olá, burocracia.
Meu capitão em Idaho sem dúvida receberia um telefonema. E isso levaria a
perguntas. Muitas e muitas perguntas.
Porra. Eu não precisava que a bagunça em casa infectasse o que eu estava
tentando fazer aqui em Quincy.
— Ouça, Lyla. — Eu olhei, seu impressionante olhar azul esperando. —
Não falei com ninguém em Quincy sobre isso. Se eu estivesse seguindo o
protocolo, já deveria ter falado com sua cunhada.
— Por que você não falou?
— Acho que você poderia dizer que tenho problemas de confiança com
outros policiais. — Um eufemismo. De mais maneiras do que ela jamais
entenderia. — Como te disse ontem, estou procurando por Cormac há
quatro anos. Nunca houve muito o que fazer. Ele desapareceu e tem estado
escorregadio.
Outro eufemismo.
A atenção de Lyla ficou fixa no meu perfil enquanto eu falava. Suas mãos
permaneceram entrelaçadas em seu colo. Pelo bem dela, eu a pouparia dos
detalhes dos crimes de Cormac. Mas para mim, eu precisava que ela ficasse
comigo. Para ver isso, só por hoje.
— No início, quando a mídia estava em toda a história, dicas e avistamentos
se espalharam como uma inundação de primavera. A maioria deles era
falsa. As pessoas alegaram que o viram, mas não puderam fornecer
detalhes. Ainda assim, seguimos quase todas as dicas. Então o FBI se
envolveu. O agente encarregado empurrou os policiais locais para fora do
caminho. Não queria nenhuma entrada. Especialmente de mim.
Eu estava muito perto dos assassinatos. Como se estar investido, dedicado,
fosse coisa ruim.
— Passei um ano observando-os correr atrás do rabo até que passaram para
outros casos e este caiu no esquecimento.
Naquele primeiro ano, não foi fácil coletar informações da equipe federal,
mas mantive meu ouvido no chão e fiz tudo ao meu alcance para me manter
informado.
— O FBI virá aqui? — Lyla perguntou.
— Talvez. — Havia uma chance de que o agente designado para o caso
aberto de Cormac encontrasse o APB. Que eles juntariam as peças também.
Mas eu estava contando com processos federais lentos para atrasar o
envolvimento deles. Talvez isso fosse totalmente esquecido.
A triste verdade é que, sem atenção da mídia ou pressão de familiares, os
casos eram frequentemente esquecidos, especialmente aqueles que estavam
abertos há um período significativo de tempo. E quando se tratava de
Cormac, a única pessoa que realmente parecia se importar com a justiça
para as meninas era eu.
— Depois que o FBI basicamente desistiu, comecei minha própria
investigação. — Não exatamente legal, considerando que eu estava usando
bancos de dados da polícia para coletar informações, mas não fui pego.
Ainda.
— Eu procurei por crimes e criminosos que combinassem com a descrição
de Cormac, — eu disse a Lyla. — Na maioria das vezes, isso me levava a
uma busca inútil. Alguns anos atrás, um homem que correspondia à sua
descrição roubou um posto de gasolina em Oregon. Dezoito meses atrás,
havia um cara que roubou um caminhão em Wyoming com cabelo ruivo e
constituição semelhante. Eu fui para Oregon. Eu fui para Wyoming.
Conversei com as autoridades locais. O homem em Wyoming era outra
pessoa. Mas estou bastante confiante de que Cormac estava em Oregon. Em
ambos os casos, quando convenci os policiais locais a me deixar entrar no
circuito, qualquer chance de encontrar Cormac havia acabado.
— Então, desta vez, você veio direto à fonte.
Eu balancei a cabeça. — Sim.
— Como você sabia que era eu?
— Eu não sabia, — eu digo a ela. — Foi um palpite.
— Bom palpite.
Continuei dirigindo, esperando que ela me mandasse voltar para Quincy.
Esperando que ela ligasse para a cunhada e destruísse meu plano em
pedacinhos.
— Está vendo aquele desvio lá na frente?
— Sim. — Era aí que ela me dizia para virar a caminhonete.
— Foi onde eu estacionei. Vamos caminhar a partir daí.
Obrigado porra. Eu diminuí a velocidade, entrando no desvio. Quando
estávamos estacionados, enfrentei Lyla, prestes a dar a ela uma última
chance de cancelar isso. Mas ela já tinha ido abrindo a porta para sair.
Por baixo do meu casaco, minha Glock estava no coldre de ombro. Peguei
minha mochila no banco de trás, guardando minhas chaves, depois me
juntei a Lyla do lado de fora.
Ela ficou ao lado da caminhonete, com os olhos voltados para a floresta à
frente. — Minha família é protetora.
— Eles não sabem que você está aqui comigo hoje.
— Não. — Ela balançou a cabeça.
— Por que você veio? — Quando ela deixou a mesa no café ontem, eu
esperava que fosse a última vez que eu teria notícias dela. Mas aqui estava
ela, ombros erguidos, punhos cerrados.
Aquela bravura que eu tinha visto nela ontem à noite brilhava tão forte
quanto o amanhecer.
— Winn é uma boa policial. — Ela olhou para mim, esperando até que
nossos olhares se encontrassem. — Não estou aqui porque não tenho fé
nela. Mas ela já tem muito com que se preocupar.
— Eles são protetores de você. E você os protege.
Ela me deu um único aceno. — Quero que ele apodreça na prisão pelo resto
da vida.
— Você está esperando que eu discuta?
— Estou esperando que você faça o que veio fazer aqui. Encontre-o.
A ferocidade em sua voz, a firmeza. Não houve rouquidão. Sem rachadura.
— Então vamos.
Ela soltou um suspiro, então marchou para as árvores, tomando um
caminho acidentado que não tinha muito uso. Esta trilha provavelmente foi
usada apenas por moradores locais. Pescadores. Caçadores.
Caminhamos em silêncio, o único som vindo da própria floresta. Chilrear
dos pássaros. Folhas e galhos farfalhando na brisa. Um galho quebrou sob a
bota de Lyla enquanto ela caminhava. A minha caiu na terra fria e úmida.
À distância, o som ondulante do rio ficou mais alto. O correr e o pingar da
água sobre as rochas logo superaram os outros ruídos.
Lyla virou o curso, saindo do caminho para passar por entre as árvores.
Quando saímos da floresta para a margem do rio, ela parou.
Sua mão chegou à garganta enquanto ela engolia.
— Você está bem?
O rosto de Lyla virou para o meu. Ela piscou, como se tivesse esquecido
que eu estava ao seu lado.
Droga, mas ela tinha olhos lindos. Azul. Quebrado.
Esta caminhada não era apenas para salvar sua cunhada de alguma dor de
cabeça, não é? Era sobre Lyla enfrentar este lugar em seus próprios termos.
— Você consegue fazer isso.
— Eu posso fazer isso, — ela sussurrou, seus olhos se fechando. Quando
ela os abriu novamente, o medo havia desaparecido. Em seu lugar havia
aço.
Ela caminhou na frente, seguindo o caminho do rio.
Eu fiquei perto. Alerta.
O cheiro de podridão flutuava no vento. O ganido de um corvo cortou o ar.
Lyla parou de andar e ergueu a mão, apontando para onde o grande pássaro
preto saltou de uma pedra e levantou voo. — Era onde estava a pilha de
tripas. Do alce que ele matou.
Os necrófagos haviam deixado a área quase limpa. Animais maiores, como
coiotes ou ursos, devem ter arrastado o resto da carcaça para outro lugar
para se banquetear. Tudo o que restou foram alguns pedaços secos de
entranhas e um círculo de sangue seco vermelho-escuro.
— Depois que ele deixou você ir, alguma ideia de para onde ele correu?
— Não. — Lyla balançou a cabeça. — Eu estava fora disso.
— Você se lembra de ter ouvido respingos de água?
— Eu não acho.
Havia uma chance de Cormac ter cruzado o rio. Ou talvez ele tivesse ido rio
acima e sumido de vista.
— Eles estão procurando aqui há dias, — disse Lyla. — Winn veio ao café
ontem à noite. Ela me disse que os cachorros perderam o rastro. Você acha
que é porque ele atravessou a água?
— Os cães podem farejar através da água. Mas Cormac é muito bom em
cobrir seus rastros. Ele sabia como os cães de busca e resgate eram
treinados. E ele sabia como evitar a detecção.
Caminhei até os restos do animal que Cormac havia caçado. Tinha que ser
para comida. Significando que havia uma chance de ele ter construído um
abrigo por aqui. Possivelmente um lugar que ele pretendia ficar durante o
inverno.
— Winn disse alguma coisa sobre busca e resgate encontrando os restos do
alce que ele matou? Você disse que ele o esquartejou, certo? — perguntei a
Lyla.
— Isso é o que parecia. Acho que o encontrei quando ele estava quase
pronto. Havia sacolas de caça amarradas em sua mochila. E seu arco.
Um alce era um animal grande. Se tivesse guardado a maior parte da carne,
teria que secá-la. Preservar. Caso contrário, ele teria ido atrás de um jogo
menor. Coelhos ou peixes eram para uma única refeição. Mas um alce?
Esse era o sustento de longo prazo.
— Quão bem você conhece esta área? — Levantei-me, voltando para Lyla.
— Existem cavernas em algum lugar?
— Não sei. Meus irmãos devem saber.
— Duvido que eles estejam tão dispostos a falar comigo sem a polícia na
sala.
Ela latiu uma risada seca, estremecendo com a dor que isso causou. —
Provavelmente não.
— Está tudo bem. — Eu girei em um círculo, memorizando mentalmente
alguns pontos de referência para que, quando a carcaça daquele alce tivesse
realmente desaparecido, eu ainda tivesse um ponto de referência. — Isso
me dá um lugar para começar. Vamos voltar.
Antes que as autoridades locais saíssem explorando por conta própria hoje.
Lyla se virou, prestes a liderar o caminho de volta para a floresta, mas
parou. Ela girou seu próprio círculo, lentamente. Deliberadamente. — Esta
costumava ser minha trilha de caminhada favorita.
Costumava ser. Cormac a havia roubado dela. — Desculpe.
— Por que ele me deixou ir?
Era a segunda vez que ela fazia essa pergunta. Na segunda vez, não
consegui responder.
Em um momento ela estava olhando para frente, no próximo ela girou tão
rapidamente que sua bota ficou presa em uma pedra.
Meus braços dispararam, pegando-a pela cintura antes que ela pudesse cair.
Suas mãos agarraram meu bíceps enquanto ela endireitava os pés. Mas ela
não se afastou assim que recuperou o equilíbrio.
E eu não a deixei ir.
Nossos olhares se chocaram e, por um momento, deixei-me afogar naquela
íris safiras. O círculo interno era azul, brilhante e estriado de branco. O anel
externo era escuro, quase azul-marinho, como o céu antes de uma
tempestade.
Meu Deus, ela tinha olhos deslumbrantes. Inclinei-me para mais perto,
atraída por aquele azul. Então meu olhar mudou para aquela boca rosada.
Lyla piscou e se afastou. Sua respiração engatou e ela abaixou o queixo,
passando por mim para as árvores.
Porra. O que diabos eu estava fazendo? Esfreguei o rosto com a mão,
limpando a névoa, depois me afastei do rio.
Lyla foi na frente até o Dodge sem olhar para trás. Ela entrou assim que bati
nas fechaduras.
Contornei o capô, guardando minha mochila no banco traseiro. Então
respirei fundo, pronto para me desculpar no momento em que estivesse
atrás do volante. Mas assim que pulei para dentro, uma fungada encheu a
cabine.
Uma lágrima escorreu pelo rosto de Lyla. Sem pensar, estendi a mão e
peguei.
Seus olhos azuis se fixaram nos meus.
Em vez de afastar minha mão, em vez de obedecer a esse limite invisível no
console que separava a metade dela da caminhonete da minha, rocei sua
bochecha lisa. Meus dedos forjaram a trilha que aquela lágrima teria feito.
Tudo isso enquanto me deixei ser sugado por aquelas piscinas de cobalto
mais uma vez.
O que havia com essa mulher? O que havia nesses olhos que eu achava tão
tentadores?
Meu coração batia forte, pulando a cada batida. Eu não conseguia tirar
minha mão de seu rosto. Meu Deus, ela era linda.
Sua pele era incrivelmente lisa. Ela tinha um nariz perfeito, reto e bonito.
Seu queixo chegou a um ponto macio. Ela tinha um cheiro incrível, como
açúcar, baunilha e canela.
Sua boca se abriu. E desta vez, foi o olhar dela que mudou primeiro, caindo
para a minha boca.
Inclinei-me mais perto, atraído pelo ímã que era Lyla Eden, e uma ponta
dura cravou em minha costela.
A Glock.
Eu estava usando minha arma. Porque eu trouxe Lyla aqui para rastrear um
assassino. Sua tentativa de assassinato. E pelo amor de Deus, eu estava
agindo como se fosse beijá-la. De novo.
Deixei cair minha mão, deslocando ambas as palmas para o volante.
— Eu, hum... — Eu liguei a ignição. — Eu levo você para casa.
— A cafeteria. Por favor.
— Claro.
O silêncio no caminho para a cidade era miserável. Nenhum de nós falou,
sobre Cormac ou o rio ou o que diabos aconteceu entre nós.
Algo. Química talvez? Eu nunca senti nada assim na minha vida. Fosse o
que fosse, uma coisa era certa, eu não confiava em mim mesmo para olhar
em seus olhos azuis. Então mantive meu olhar fixo na estrada, e Lyla
estudou o que quer que passasse pela janela do passageiro.
Quando estacionei em frente ao Eden Coffee, esperava que ela voasse porta
afora.
Em vez disso, ela se virou para me encarar. — Não vou contar a Winn o que
você está fazendo. Ou qualquer um.
— Eu não estou pedindo para você manter um segredo de sua família. —
Eu não poderia perguntar isso.
— Todos temos segredos.
Palavras mais verdadeiras nunca foram ditas. — Obrigado.
— O que você vai fazer?
— Passar algum tempo explorando a área. Começar com mapas. Fazer uma
grade. Verificar as caixas, uma por uma.
— O que faz você pensar que ele ainda está por aí?
— Ele pode não estar, — eu digo a ela, querendo definir suas expectativas
de fracasso em vez de sucesso.
— Mas você vai olhar de qualquer maneira?
Eu balancei a cabeça. — Eu vou olhar de qualquer maneira.
Ela me dá um sorriso triste. — Quer um café da manhã?
Café da manhã. Ela estava me convidando para o café da manhã, mesmo
depois de eu ter agido como um idiota. A tensão rastejou de meus ombros.
Minha coluna relaxou. — Sim. Eu gostaria do café da manhã.
— Entre.
Com minha mochila no ombro, eu a segui até a cafeteria. Foi-se o silêncio,
ainda café de antes. Os clientes ocupavam mais da metade das mesas. Uma
linha de três profundidades se formou no balcão.
Lyla foi naquela direção para ajudar enquanto eu me sentava na mesma
mesa que havia comido ontem, a mais próxima da janela, para que eu
pudesse vigiar a Main. Então vasculhei minha bolsa, tirando os mapas da
área que comprei ontem na loja de ferragens.
Vinte minutos depois, um prato apareceu na minha frente. Nela estava o que
parecia ser uma torta de cereja. Ao lado, um sanduíche de café da manhã.
Lyla pousou uma caneca fumegante de café preto fresco.
Nós não falamos. Para qualquer outra pessoa na sala, eu era apenas mais um
cliente.
Mas aqueles olhos azuis encontraram os meus durante toda a manhã.
E neles, uma centelha de esperança.
Esperança em mim.
Fazia muito tempo que alguém não me dava uma fé cega.
Minha determinação de encontrar Cormac se transformou em aço. Ele
pagaria por machucá-la.
Amanhã, eu começaria minha busca.
Para Norah. Para as meninas.
Para Lyla.
CAPÍTULO CINCO

LYLA

Toda vez que o sino tocava no Eden Coffee, eu sorria. Depois de


tantos anos, era automático.
Sino. Sorriso.
Eu treinei meus ouvidos para ouvir aquele ding. Mesmo da cozinha, eu
podia ouvir quando alguém entrava na loja. Mas a maneira como eu escutei
aquele sino nos últimos três dias era nada menos que obsessiva.
Sempre que tocava, minha atenção se voltava para a porta, e não vagava.
Minha respiração prendia, esperando que fosse Vance. Cada vez que não
era, eu escondia minha decepção naquele sorriso automático. E eu esperava,
cumprimentando cliente após cliente, imaginando quando ele finalmente
apareceria.
Até que, como agora, aquele sino tocou para Vance. E o sorriso que dei a
ele estava cheio de alívio.
A bobina de antecipação que estava enrolando cada vez mais apertada à
medida que a tarde avançava se soltou. A rigidez na minha espinha derreteu
quando ele entrou no café, tirando um par de luvas de couro.
As pernas longas de Vance fizeram um trabalho curto no espaço. O meio
sorriso que apareceu no canto de sua boca fez meu coração pular. Ele parou
em seu lado do balcão, trazendo consigo o cheiro de sabão limpo, terra e
vento. — Ei.
— Oi. — Mesmo com a rouquidão na minha voz, saiu ofegante. Este
homem me deixou nervosa, no bom sentido. — Você estava nas montanhas.
Ele assentiu. — Eu estava.
— Alguma coisa?
— Ainda não.
Ele me deu a mesma resposta nos últimos três dias. Mas gostei que ele disse
ainda não em vez de não. A sutil diferença significava que ele ainda tinha
esperança.
Então eu guardaria alguns para mim também.
— Café? — Movi-me para pegar uma caneca, esperando que ele assentisse.
Ele fez. — Com fome?
— Eu estou. — Ele pegou a carteira, mas eu balancei a cabeça. Vance tirou
uma nota de vinte de qualquer maneira, colocando-a no balcão. Por mais
que eu oferecesse comida para ele, ele insistia em pagar. — Surpreenda-me.
— Tudo bem. — Eu reprimi um sorriso, enchendo sua caneca. Quando
coloquei no balcão, ele pegou e se retirou para a mesa perto da janela. A
mesma mesa em que ele se sentava todos os dias, na mesma cadeira.
A cadeira de Vance.
Os meus familiares não tinham uma mesa regular, nenhum espaço no café
que eu considerasse deles. Mas de alguma forma, em menos de uma
semana, Vance reivindicou aquele lugar como seu. Sempre que outro cliente
se sentava lá, isso me irritava.
Por sorte, todas as tardes, quando ele vinha à loja, a cadeira e a mesa
estavam vazias.
Vance estava estabelecendo uma rotina. Ele almoçava tarde. Ele bebia
algumas xícaras de café. E ele ficava sentado aqui por uma hora, às vezes
duas, revisando mapas e anotações.
Não nos falamos muito desde aquele dia em que caminhamos ao longo do
rio. Em parte, porque eu não estava exatamente tagarela no momento. Em
parte, porque eu não sabia o que dizer.
Algo havia acontecido entre nós. Primeiro, ao longo do rio. Então, em sua
caminhonete.
Quando nossos olhos se encontraram, foi como se o mundo ao nosso redor
desaparecesse. Como se houvesse uma corda nos prendendo.
A dor na minha garganta se foi. O medo que Cormac plantou em minha
mente foi apagado. A agitação em meu coração, história antiga.
Havia apenas seus olhos da cor de uma tempestade de inverno.
Ele teria me beijado? Eu o deixaria?
Com tudo acontecendo na minha vida, a última coisa que eu precisava era
de uma ligação romântica com um estranho. No entanto, não consegui
evitar que meu pulso acelerasse quando ele estava na sala. Eu não pude
lutar contra o rubor das minhas bochechas quando ele me deu aquele sorriso
torto.
E não importa quantas vezes eu disse a mim mesma para deixar o homem
em paz, minha atenção vagou para sua cadeira tão automaticamente quanto
o sino, sorriso.
Vance era canhoto. Algo que aprendi nos últimos três dias. Ele sempre
bebia seu café preto. Ele parecia gostar da minha comida - eu ainda tinha
que limpar um prato com mais do que uma migalha deixada para trás.
Seu cabelo escuro estava rebelde e um mês atrasado para um corte. Mas
como hoje, ele cobriu com um gorro. Depois de se aquecer, geralmente após
a primeira xícara de café, ele tirava o casaco, mas o gorro permanecia no
lugar. Sua barba estava crescendo, ficando mais espessa a cada dia. Mais
sexy.
E sempre que eu encontrava seu olhar, o mundo se inclinava sob meus pés,
como se meu estômago estivesse cheio de borboletas tentando ao máximo
me levar para longe.
Talvez eu estivesse apenas imaginando uma faísca entre nós. Talvez eu
estivesse me apegando a qualquer coisa que parecesse normal, e me
apaixonar por um homem incrivelmente bonito parecia normal. Talvez eu
tenha me sentido atraída por ele porque ele me fazia sentir segura.
Seja qual for o motivo, Vance estava constantemente em minha mente.
Ele sentiu aquela corda também? Na maioria das vezes, quando eu olhava
para sua cadeira, seu olhar tempestuoso estava esperando.
Fiz um sanduíche para Vance - frango grelhado com abacate - e entreguei
em sua mesa com um doce da vitrine, deixando-o comer. Enquanto as
outras mesas se esvaziavam, levei os pratos para a cozinha, trabalhando em
silêncio. Eficientemente. Sentindo o olhar de Vance em mim cada vez que
saía da sala e voltava.
A campainha tocou novamente. Meu sorriso apareceu. Minha atenção não
foi tão rápida para a porta, sabendo que não era Vance.
Era Winn.
Sua expressão era de granito, seus ombros rígidos. Meu estômago revirou.
Não era minha cunhada vindo me ver. Esta era a chefe de polícia aqui para
entregar uma atualização para a vítima.
Porra, eu odiava essa palavra.
Winn nem sequer olhou na direção de Vance. Mas por cima do ombro dela,
ele rastreou cada passo dela. O distintivo em seu cinto, ao lado de sua arma,
era impossível de perder hoje, já que ela não usava casaco.
— Oi, — eu disse com cautela.
— Ei. — Seu rosto suavizou. — Tem um minuto?
— Eu não vou gostar do que você tem a me dizer, vou?
Ela me deu um sorriso triste. — Provavelmente não.
Suspirei. — Podemos conversar na cozinha.
Crystal estava de folga hoje. Agora que meus olhos negros tinham
desbotado o suficiente para que meu corretivo pudesse fazer um trabalho
decente cobrindo-os, eu dei a ela um dia de folga. Ela tinha sido incrível,
pulando para ajudar com mais horas do que o normal.
Eu ainda usava gola role e cachecóis para esconder minha garganta, mas dia
após dia eu estava me curando. A evidência do ataque estava
desaparecendo.
Winn me seguiu até a cozinha, parada ao lado da mesa de preparação com
os braços cruzados. — O xerife Zalinski acabou de passar na delegacia.
— E?
— Eles estão cancelando a busca.
— Não faz nem uma semana.
— Eu sei, — ela disse gentilmente.
— Seis dias e ele já está desistindo.
— Desculpe. — Winn se aproximou, colocando a mão no meu ombro. —
Tentei convencê-lo a esperar mais alguns dias, mas ele recusou.
Meus molares rangeram quando a raiva aumentou. — Isso é besteira.
— Sim. — Suas narinas dilataram. — Liguei para o prefeito, mas ele estava
fora, então deixei uma mensagem. Talvez ele tenha mais sorte em mudar a
opinião de Zalinski.
— Dedos cruzados, — eu brinquei.
Xerife Zalinski era um idiota preguiçoso. Eu nunca deveria ter votado nele.
Busca e salvamento caíram sob o guarda-chuva do xerife. A equipe tinha
alguns funcionários dedicados que serviam na área metropolitana do
condado, mas a maioria dos membros de busca e resgate eram voluntários
locais. Pessoas, como meu pai e meus irmãos, que tinham vida própria.
Aposto que Zalinski estava sendo pressionado por alguns dos voluntários
para desistir, e o covarde bastardo estava cedendo.
— O que agora? — Perguntei.
— Temos o APB postado. Todos na estação sabem que devem ficar de olho
em um homem ruivo da mesma altura e com uma cicatriz. O mesmo vale
para os ajudantes do xerife.
Cormac Gallagher.
Winn não tinha um nome para colocar nessa descrição porque não conhecia
Vance. Porque ele não havia seguido o protocolo.
Talvez fosse tolice, mas mantive minha boca fechada.
Zalinski havia desistido. Winn não tinha controle sobre busca e resgate.
A única pessoa que procurava ativamente por Cormac era Vance.
Eu não frustraria suas chances compartilhando um segredo. Se ele tivesse
alguma esperança de encontrar Cormac, eu não colocaria um obstáculo -
minha cunhada - em seu caminho.
— Obrigado por me contar.
— Se a busca e resgate estivesse sob meu controle...
— Eu sei. — Eu dei a ela um sorriso triste. Winn não teria parado. Disso eu
não tinha dúvidas.
— Griff me ligou enquanto eu estava dirigindo para cá. Ele estava no time
da tarde para sair hoje. Ele recebeu o aviso do líder de busca e resgate de
que cancelaram a reunião. Dizer que ele está chateado é um eufemismo.
Assim como seu pai, Knox e Mateo. Aparentemente, Knox sugeriu que eles
dissessem a Zalinski para se foder e apenas procurar por conta própria,
mas...
Mas isso só causaria problemas para Winn. Assim que alguém do
departamento do xerife descobrisse, ela teria uma bagunça para limpar.
Ela lidou com bagunças suficientes nos últimos dois meses.
— Não. Eles devem deixar isso de lado.
Meu pai e meus irmãos me amavam, disso eu não tinha dúvidas. Se eu
pedisse a eles que passassem todos os dias vasculhando aquelas montanhas,
eles sacrificariam seu tempo e fariam exatamente isso.
Mas também não encontraram Cormac. Eles não eram profissionais.
Vance? Talvez ele tivesse uma chance.
— Sinto muito, — disse Winn novamente.
— Não é sua culpa.
— Sinto que falhei com você. — Sua voz falhou. Ela estava tão
determinada a fazer isso direito, a ser a heroína de nossa família, quando ela
já era.
Eu a puxei para um abraço. — Você não falhou comigo.
Suas mãos podem estar atadas, mas as minhas não.
Ela me abraçou de volta, segurando firme, até que um sino ao fundo nos
separou. — É melhor eu deixar você voltar ao trabalho.
O dono da joalheria estava esperando no balcão quando saímos da cozinha.
Enquanto eu trabalhava em um latte de soja e canela, Winn saiu da loja.
Depois de uma rápida mensagem de texto para meu pai e meus irmãos
dizendo a eles que eu sabia sobre a decisão de Zalinski e para não criar
problemas para Winn, fui até a mesa de Vance.
— Eles cancelaram a busca, — eu disse.
Seus olhos encontraram os meus quando ele se reclinou naquela cadeira. A
maneira como ele olhava era chacoalhante. Enervante. Lutei contra a
vontade de desviar o olhar.
Ele olhou como se pudesse ler meus pensamentos. Ninguém nunca tinha
olhado para mim daquele jeito antes. Ele provavelmente daria um ótimo
policial. Eu tive o súbito desejo de contar tudo a ele.
Como eu estava tão cansada e só queria dormir sem pesadelos. Como eu
oscilava entre a raiva e a tristeza cada vez que me olhava no espelho. Como
meu pulso disparava sempre que ele estava por perto.
Ele tinha repetido aquele momento na caminhonete? Ele teria me beijado?
Meu olhar caiu para sua boca e aqueles lábios macios. O que estava errado
comigo? Por que eu não conseguia parar de pensar em um beijo? Isso tiraria
a dor?
A língua de Vance disparou para fora, apenas uma rápida e pequena
lambida de seu lábio inferior, e o desejo se enrolou em minha barriga.
Eu desviei meus olhos, deixando-os cair em seu prato vazio. Ele devorou o
sanduíche e o croissant de chocolate que eu trouxe para ele almoçar. Sua
caneca de café estava vazia e precisava ser recarregada.
— Vou pegar mais café para você.
— Lyla. — Ele me parou e acenou com a cabeça para o assento oposto ao
dele. — Sente-se.
Eu afundei na cadeira.
— Você está bem?
— Não sei, — confessei. — Eu estou brava.
Para todos os outros na minha vida, eu mentiria descaradamente,
prometendo que estava bem. Fingindo ser eu mesma. Foi fácil contar a
verdade a Vance.
— Parte de mim gostaria que eles não tivessem desistido tão cedo. A outra
parte espera que isso signifique que eles estão fora do seu caminho.
Sua expressão mudou. Ele parecia quase... confuso?
— O que?
— Nada. — Ele acenou, então baixou o olhar para a mesa.
Abaixo de seu prato havia um mapa marcado com linhas e círculos
vermelhos. — O que é isso?
Ele colocou o prato na mesa ao lado da nossa, tirando a caneca do caminho
também. Então ele girou o mapa em minha direção, apontando para um X
vermelho ao lado de uma linha curva azul. O Rio.
O ponto de ataque.
A partir desse X, ele desenhou o que parecia ser uma roda de bicicleta, cada
raio convergindo para o ponto central. Dois dos segmentos que ele havia
sombreado com mais vermelho.
— Eu descartei essas áreas. Este aqui com a rodovia. — Ele apontou para
uma seção sombreada. — E este que cerca Quincy. Cormac não se
aventuraria tão perto de áreas densamente povoadas, a menos que estivesse
desesperado.
— O que te faz pensar que ele não está desesperado?
— Ele tem comida. Água. Tudo o que ele precisa para sobreviver na
floresta. A única razão pela qual eu o esperaria perto de uma cidade ou
pessoas seria para suprimentos médicos. Você não notou que ele estava
ferido, notou?
— Não. Não que eu pudesse dizer.
— Meu plano é começar aqui. — Ele apontou para o mapa novamente,
desta vez para a área que seguia direto para o norte a partir daquele X
vermelho. — É o terreno mais acidentado. Se ele está escondendo seu
cheiro, seria mais fácil aqui, onde as montanhas são densas e íngremes.
— Então, seção por seção, você irá procurá-lo.
Vance assentiu. — Exatamente.
— Você realmente acha que ele está lá fora?
— Não sei. Mas se houver uma chance de que ele seja, não vou parar de
procurar.
Não apenas por minha causa. Mas dele. — Quem é ele? O que ele fez?
Vance virou o rosto para a janela, olhando através do vidro. Por um
momento, não pensei que ele fosse me responder. — Ele assassinou a
esposa. E suas filhas.
Engoli em seco tão alto que o casal que tomava café a três mesas de
distância olhou em nossa direção. — Oh meu Deus. Por que?
— Não sei, — disse Vance, baixando a voz. — Ninguém sabe.
Era por isso que Vance estava aqui? Isso foi uma missão para obter
respostas?
Ele enrijeceu, aqueles ombros largos curvando-se para dentro enquanto ele
apoiava os cotovelos na mesa. Seu foco permaneceu firmemente no mapa,
como se estivesse tentando conjurar Cormac para fora do papel.
— Do lado de fora, eles eram a família perfeita e amorosa. Ele era um
marido e pai modelo. Levava a esposa para sair todas as quartas-feiras.
Treinou o time de softball de sua filha mais velha. Quando aconteceu pela
primeira vez, muitas pessoas se recusaram a acreditar que ele era o
assassino.
— Acho que você nunca sabe realmente o que acontece a portas fechadas.
— Não. Acho que não — murmurou ele.
— Como, hum... como ele as matou? — Eu realmente queria saber?
Seu pomo de Adão balança enquanto ele engole em seco. — Ele morava no
lago. Tinha uma doca. Barco. Ele levou suas três filhas para o meio do lago
durante uma tempestade e as jogou na água. Elas se afogaram.
Eu coloquei uma mão sobre minha boca para cobrir meu suspiro neste
momento. Que tipo de pai faria isso? Essas pobres meninas. — E a esposa
dele?
Vance baixou o olhar para o meu pescoço.
Estrangulada.
Ele estrangulou a esposa.
Minha mão deslizou da minha boca para o tecido que cobria minha
garganta. Queimou, não pelo que Cormac tinha feito, mas pela ameaça de
lágrimas.
— Por que ele me deixou ir? — Eu fiz essa pergunta tantas vezes que
estava começando a rastejar sob minha pele. — Isso não faz sentido.
— Concordo, — Vance murmurou, esfregando o queixo, como se sua barba
fosse nova e ele ainda estivesse testando a sensação sob a palma da mão.
— Está tudo embaçado, — eu digo. — Pensei naquele dia tantas vezes que
sinto que não consigo dizer o que era real e o que inventei na minha cabeça
neste momento. Mas sinto que houve um momento em que ele olhou...
assustado? Triste?
O olhar de Vance se voltou para a janela novamente, deixando-a penetrar.
— Sinto muito, Lyla.
Havia tanto por trás desse pedido de desculpas. — Não é sua culpa.
— Não é?
A dor em sua voz, a culpa, me fez afundar ainda mais em meu assento. Ele
realmente se sentia responsável, não é? Isso porque Cormac escapou anos
atrás, foi culpa dele que eu fui atacada.
— Como ele escapou? — Perguntei.
Vance levantou um ombro.
Eu esperei, esperando que ele explicasse, mas aquele encolher de ombros
foi a única resposta que ele daria. Então me levantei e recolhi seus pratos.
Mas antes de deixar sua mesa, parei e observei seu perfil.
Aquela mandíbula de granito estava cerrada. Ele parecia perdido em uma
raiva de quatro anos enquanto olhava através do vidro.
— O que você fará quando encontrá-lo? — Não se, quando.
— Tudo o que eu precisar fazer. — A ameaça o ódio em sua voz era
inquietante.
Um calafrio se espalhou por minhas veias enquanto eu levava seus pratos
para a cozinha.
Quando voltei ao balcão, a cadeira de Vance estava vazia.
CAPÍTULO SEIS

VANCE
Minha bota salpicou uma poça quando saí da minha caminhonete. A
água espirrou na bainha já encharcada da minha calça jeans. O brim
molhado pesava em minhas pernas, e meu casaco, igualmente encharcado,
caía sobre meus ombros. Eu teria que torcer meu gorro na pia do banheiro
do hotel e pendurá-lo para secar.
Embora fosse ficar úmido de novo amanhã. Mas esta não foi a primeira vez
que passei meus dias encharcado enquanto caminhava pelas montanhas.
Dada a previsão de chuva para amanhã, não seria a última.
Peguei minha mochila no banco de trás e bati a porta da caminhonete,
enfiando as chaves no bolso enquanto caminhava em direção ao hotel.
Meu estômago roncou. A cafeteria de Lyla era como um farol dourado
brilhando intensamente em um dia sombrio e cinzento. Eu praticamente
podia sentir o cheiro doce e rico. Um sanduíche, uma xícara de café quente,
alguns de seus doces ajudariam muito a melhorar meu humor.
Mas continuei avançando, longe do Eden Coffee, enquanto caminhava para
o hotel.
Fazia dois dias desde que contei a Lyla sobre os assassinatos de Cormac. O
que eu havia compartilhado era apenas uma ponta daquele iceberg, mas
mesmo compartilhar parte da história tinha sido difícil. Cada vez que eu
falava sobre Cormac, sobre o que ele tinha feito, isso me deixava abalado.
Desgastado.
Quatro anos se passaram e eu ainda não conseguia entender. O que
aconteceu naquela noite? O que fez Cormac explodir? Havia algo que eu
poderia ter feito para detê-lo?
Se Lyla soubesse de toda a história, faria as mesmas perguntas.
Então eu a evitei e aquela charmosa cafeteria completamente. Eu estava
com medo que ela visse através de mim. Eu estava com medo de que ela
exigisse os detalhes que eu havia omitido e não tinha certeza se teria forças
para dizer não a ela.
Exceto se ela soubesse a verdade, isso destruiria sua ilusão. Essa fé cega
que ela tinha em mim desapareceria.
Sua confiança em mim era surpreendente. Viciante.
Ninguém acreditou em mim, não desse jeito. Não, meu capitão. Não os
outros policiais do departamento. Não minha família. Não Tif.
Hoje em dia, as pessoas pareciam esperar meu fracasso. Ou talvez eu só
estivesse acostumado a me decepcionar.
Mas Lyla...
Ela olhou para mim como se eu fosse sua salvação.
A realidade era que eu provavelmente a desapontaria também. E isso ficou
como uma pedra no meu estômago vazio.
Passei dois dias vasculhando as montanhas em busca de qualquer sinal de
Cormac. Cada dia que eu voltava para Quincy, era de mãos vazias.
Ainda assim, eu não iria desistir. Dia após dia, fui eliminando possíveis
locais onde ele poderia ter construído um abrigo. Outro dia, talvez dois, eu
teria uma seção do meu mapa para riscar.
Meu processo não era infalível, mas foi assim que fui ensinado a procurar
fugitivos. E o homem que me ensinou era o melhor.
Sua educação iria me morder na bunda, ou talvez, pela primeira vez na
minha maldita vida, eu teria sorte. Embora a chuva não estivesse ajudando.
A cada gota, o rastro de Cormac estava sendo lavado.
Uma garoa constante me cumprimentou esta manhã quando eu me dirigi
para as montanhas. Finalmente havia parado de chover cerca de uma hora
atrás, assim que a luz do sol começou a desaparecer, um sinal de que meu
dia de caminhada havia chegado ao fim.
Agora era hora de secar e se preparar para amanhã.
Minhas botas rangiam no chão enquanto eu entrava no The Eloise Inn.
Havia um casal na recepção, fazendo o check-in. Malas lotavam seus pés
enquanto eles conversavam com uma sorridente Eloise Vale. Sentado
estoicamente ao seu lado estava seu marido, Jasper.
Na verdade, eu não tinha sido apresentada a Eloise ou Jasper. Um
recepcionista diferente havia me registrado quando cheguei. E ontem à
noite, quando desci para estender minha reserva por duas semanas, ainda
havia uma pessoa diferente na recepção.
Mas eu conhecia Jasper e Eloise do jornal local de Quincy. Do artigo sobre
as reportagens deste verão.
Era por isso que Eloise e Jasper estavam sempre juntos? Nas vezes em que
os vi, eles nunca estavam muito distantes. Meu palpite era que Jasper estava
colado ao lado de sua esposa - o homem havia levado um tiro por ela.
Eu respeitava essa devoção. Em outra vida, eu teria feito questão de me
apresentar. Para apertar sua mão.
Em vez disso, abaixei o queixo e caminhei de cabeça baixa, sem querer
chamar atenção enquanto me dirigia para a escada e subia para o quarto
andar. Mesmo depois de um dia caminhando, empurrando meu corpo, eu
ainda não estava pronto para desistir. A saída física era minha única
liberação. Talvez se eu me esgotasse, eu dormiria um pouco.
Dormir nunca foi fácil, mesmo em casa, na minha própria cama. Seis horas
por noite era demais. Desde que vim para Quincy, tem sido ainda mais
esporádico. Três ou quatro horas foi tudo o que consegui. Eu simplesmente
não conseguia desligar meu cérebro.
Sem nada para fazer a não ser pensar nos meus erros, na confusão que era a
minha vida, eu saía da cama e passava horas mapeando minhas caminhadas.
Eu me debruçava sobre os mapas em minha mochila, memorizando cada
centímetro. E quando isso acabava, eu passava horas lendo notícias sobre
Quincy.
Para uma cidade pequena, esta comunidade tinha sofrido mais do que seu
quinhão de problemas.
Cerca de três anos atrás, houve um assassinato, uma jovem nas montanhas.
Indigo Ridge estava a mais de vinte milhas de onde eu estava procurando
por Cormac. Mas se os arquivos do jornal não detalhassem o crime e como
Winslow Eden prendera o responsável, eu teria me perguntado se ele era o
responsável.
Depois daquele assassinato, houve um incidente em uma creche local e um
alerta AMBER. Possivelmente uma tentativa de sequestro. Como envolvia
um menor, os detalhes não foram divulgados à imprensa. No entanto,
encontrei algumas postagens nas redes sociais que especulavam que a
criança envolvida não era outro senão o filho de Knox Eden.
As dificuldades para a família de Lyla não pararam por aí.
Os artigos de notícias mais recentes giravam em torno de Eloise e do
tiroteio. A irmã de Lyla trabalhava no saguão quando um garoto, ex-
funcionário do hotel, entrou armado com uma pistola. Ele tinha dado alguns
tiros, um dos quais Jasper tinha tomado para Eloise. Então Winslow, que
estava no prédio, derrubou o garoto.
De tudo que li, Winn era uma policial muito boa. Talvez tenha sido estúpido
da minha parte não confiar nela. Mas eu já havia tomado a decisão de voar
sob o radar. Isso significava evitar qualquer pessoa com o sobrenome Eden.
Exceto Lyla.
Mas eu acho... Eu a estava evitando também.
Porque eu temia que ela perguntasse sobre Cormac. E, se eu fosse honesto
comigo mesmo, por causa de como aquela mulher despertou meu sangue.
Eu não apenas acordei à noite inquieto. Acordei duro e ansiando pela
liberação, os olhos marcantes de Lyla assombrando meus sonhos.
Apenas o pensamento de seu lindo rosto fez o sangue correr para o meu
pau.
De todas as mulheres, por que tinha que ser Lyla para capturar meu
interesse? A merda já era complicada o suficiente sem adicionar essa
atração à mistura.
Subi correndo o último lance de escadas até o quarto andar, subindo dois de
cada vez, precisando do calor em minhas coxas para tirar da minha mente a
imagem de sua boca bonita em volta do meu pau. Quando cheguei ao meu
quarto, coloquei minha mochila sobre a mesa e respirei o cheiro limpo de
roupa lavada e frutas cítricas.
Este foi o melhor hotel em que já me hospedei. Era arejado e espaçoso, mas
tinha uma sensação confortável e caseira. A cama king-size era confortável
e seu edredom branco era macio. A camareira havia forrado os travesseiros
contra a cabeceira da cama. As cortinas pesadas que deixei fechadas esta
manhã agora estavam afastadas da janela. Eu tinha uma visão perfeita e
desobstruída da tarde e da névoa que envolvia Quincy.
Atravessei o quarto e fechei as cortinas. Um banho longo e quente estava
chamando meu nome, então me despi, deixando minhas roupas molhadas
caírem no chão. Meu jeans cheirava a chuva e lama. Amanhã à noite, eu
teria que encontrar um lugar para lavar um monte de roupa. Minha mala no
canto estava cheia de roupas sujas - as de hoje foram jogadas na pilha.
Eu tinha um par de jeans limpos e secos deixados na gaveta da cômoda.
Vestindo apenas uma cueca boxer preta, contornei a cama para o criado-
mudo, pegando as duas balas de chocolate que a governanta deixava para
mim todos os dias. Eu comi as duas sem hesitar. Talvez eles me ajudassem
até o jantar.
Talvez eu pedisse serviço de quarto de Knuckles novamente depois do meu
banho. Os hambúrgueres foram ótimos. Mas o que eu realmente queria era
um dos croissants de chocolate de Lyla. Tudo o que aquela mulher fazia era
de primeira linha, mas dane-se esses croissants.
Meu estômago roncou, as dores se tornando lâminas de barbear. Mas antes
que eu pudesse desaparecer no banheiro e começar a tomar banho, meu
telefone tocou. Caminhei até minha mochila, tirando-a do bolso da frente.
Alec.
Ele e eu não éramos exatamente amigos. Éramos colegas de trabalho no
mesmo departamento. Amigáveis, mas não amigos. Eu não tinha muitos
amigos no departamento ultimamente - aprendi que era melhor traçar essa
linha.
— Porra. — Se ele estava ligando, não era para conversar. Talvez ele
tivesse ouvido algo sobre o tiroteio. Talvez o capitão tivesse dito algo em
sua reunião semanal. Seja qual for o ponto, eu me preparei ao aceitar a
ligação. — Ei.
— Oi, Vance. Como tá indo?
— Nada mal, Alec. Você?
— Não posso reclamar.
Eu esperei, cerrando os dentes.
— Encontrei Tiff na loja mais cedo.
Tiff e Alec se conheceram em algumas das reuniões obrigatórias do
departamento ao longo dos anos. Os churrascos de verão. As festas de final
de ano. Eles se uniram por causa de seu amor mútuo pelo karaokê.
Aposto que ela disse a ele onde eu estava e o que estava fazendo. Merda.
— Ok, — eu demorei.
— Ela disse que vocês dois terminaram.
— Nós fizemos.
Alec cantarolava, a desaprovação em seu tom tão espessa quanto o cobertor
de nuvens lá fora.
Eu não precisava dessa merda. — Ouça, estou prestes a sair para jantar e...
— O que você está fazendo, Sutter? Você está tentando ser demitido?
Suspirei, sentando-me na beirada da cama. — Estou de férias.
— Certo. — Alec zombou. — Tiff me contou o que você está fazendo.
Você está indo atrás de Gallagher. De novo?
— Não é como se eu estivesse sobrecarregado de trabalho.
Se houve um momento nos últimos quatro anos para procurar por Cormac,
era agora, quando o capitão me disse para fazer uma pausa. Até que a
atenção da mídia diminuiu. Até que a investigação acabou.
Eu não estava tecnicamente de licença administrativa. Ainda.
— O capitão vai pirar quando souber disso.
— O capitão quer que eu vá embora. Ele já está me empurrando em direção
à porta.
— E daí? Você está desistindo?
— Não. — Meu capitão era um idiota furioso. Eu me recusei a dar a ele a
satisfação de eu desistir. Se ele me quisesse fora da força, ele teria que me
demitir. — Mas este parecia um bom momento para fugir de Coeur d'Alene.
— Você não fez nada de errado. Você não deveria ter que sair da cidade.
— Concordo, — eu murmurei.
Mas todo mundo estava apontando o dedo no momento. Todos estavam
procurando um culpado. Se o capitão precisasse de um bode expiatório,
esse bode expiatório seria eu.
— Olha, eu, uh... — Alec suspirou. — Eu não sei o que dizer.
— Nada a dizer.
— Sinto muito por Tiff.
Talvez eu devesse ter me desculpado também, mas isso era o melhor para
ela. Para nós dois. — Já era tempo.
— Engraçado. Foi exatamente o que ela disse.
Bom. Eu queria que ela fosse em frente. Para me esquecer e encontrar
alguém que fez seu pulso disparar.
— Você encontrou alguma coisa sobre Gallagher? — Alec perguntou.
— Ainda não. — Na semana passada, Cormac poderia ter ido para o
Canadá, pelo que eu sabia. Ou ele pode ter ido para o sul passar o inverno
como um pássaro.
— Acha que vai encontrá-lo?
Se alguma vez houve uma chance, era aqui em Quincy. Mas eu não ia
expressar essas esperanças. Não para Alec. Isso os tornaria muito reais. —
O que está acontecendo com você?
— Estamos ocupados. — Alec me conhecia há tempo suficiente para
concordar com a mudança de assunto. — Temos um homem a menos.
Eu. Eu era esse homem.
Alec e eu trabalhamos para a mesma unidade no interior de Idaho. Eu não o
considerava meu parceiro. Eu não tinha um parceiro nos dias de hoje. Mas
éramos colegas de trabalho.
A nossa equipe era pequena, com um sargento e dois subdelegados.
Respondemos aos chamados e patrulhando as áreas remotas em centenas de
milhares de acres na floresta nacional ao redor de Coeur d'Alene. Passamos
muito tempo em áreas florestais remotas, acessíveis apenas por veículos
off-road ou a pé.
Dada a natureza do nosso trabalho, os diversos terrenos e paisagens,
também passamos um tempo trabalhando com equipes voluntárias de busca
e resgate. O mesmo aconteceu com patrulha marítima e resgate de
mergulho.
Eu era um policial que passava os dias do lado de fora, não preso em uma
viatura ou designado para uma escrivaninha.
Era o emprego dos meus sonhos.
Talvez outro homem com o meu conjunto de habilidades aspirasse a
ingressar no US Marshals. Liderar caçadas federais ou resolver casos
importantes. Mas sempre me contentei como policial. Eu não precisava de
casos chamativos ou elogios brilhantes.
Quando eu voltasse para casa, haveria um emprego esperando? Talvez se eu
tivesse jogado, se tivesse passado mais tempo na delegacia fazendo amigos
e praticando política, teria mais confiança no meu futuro. Eu teria um
relacionamento melhor com o capitão.
— Não trabalhe demais, — eu digo a Alec.
— Tome cuidado. — Alec sabia o suficiente sobre Cormac para saber o que
eu estava enfrentando.
— Tchau. — Encerrei a ligação e joguei meu telefone de lado.
Eu apreciei Alec me verificando. Minha família certamente não tinha.
Mas Alec não diria nada, diria?
Não. Ele manteria isso quieto. Mas e Tiff? Espero que ela não esbarre em
mais ninguém enquanto eu estiver fora e comece a tagarelar. Esperava que
ela não decidisse me punir fazendo uma ligação rápida para o capitão.
A última coisa que eu precisava era que ele soubesse por que eu estava em
Montana. Aquele idiota ligaria para Winslow Eden mais rápido do que eu
poderia piscar, apenas pela satisfação de foder meus planos. Então ele
falaria com o FBI.
Eles não haviam conectado o Quincy APB ao Cormac... ainda.
Quanto tempo levaria até que meus segredos me alcançassem? Quanto
tempo até que a verdade que eu estava tentando esconder de Quincy
aparecesse?
Bastaria uma rápida pesquisa no Google e todos saberiam da minha
história. Lyla estava mais disposta do que eu esperava em manter minha
identidade para si mesma. Quanto tempo até que sua curiosidade levasse a
melhor sobre ela? Quanto tempo até minhas respostas vagas para suas
perguntas específicas começarem a infeccionar?
Era apenas uma questão de tempo até que tudo desmoronasse.
— Porra. — Eu passei a mão pelo meu cabelo.
O que eu estava fazendo? Eu deveria estar em casa. Eu deveria estar
fazendo tudo ao meu alcance para limpar meu nome. Para provar ao mundo
que eu era um bom policial. Tiff me disse uma vez que essa obsessão por
Cormac arruinaria minha vida.
Talvez ela estivesse certa.
Mas a ideia de partir, de ir embora quando nunca estive tão perto, era
impensável.
Eu só tinha que empurrar. Continue até que alguém me faça parar. Cormac
tem que pagar pelo que fez.
A raiva latente, tão familiar quanto minha própria pele, percorreu minhas
veias, afastando qualquer dúvida. Entrei no banheiro e liguei o chuveiro,
permanecendo sob a água quente até que eu estivesse limpo. Depois me
sequei com a toalha, penteando o cabelo com as mãos.
Vapor subia do banheiro enquanto eu saía, com uma toalha enrolada na
cintura, prestes a chamar o serviço de quarto. Mas antes que eu pudesse
tirar o telefone do gancho, ouvi uma batida na porta.
Eu congelei.
Não havia razão para ninguém nesta cidade visitar meu quarto.
Provavelmente era arrumação. Talvez outro hóspede estivesse no quarto
errado. Ou talvez fosse Winslow Eden, e eu estava fodido.
Meu coração subiu à garganta quando atravessei o quarto e verifiquei o olho
mágico.
A respiração que eu estava segurando saiu de meus pulmões. Cristo. Minha
paranoia estava levando a melhor sobre mim. Girei a maçaneta e abri a
porta. — Lyla.
— O-oi. — Aqueles olhos azuis se arregalaram quando eles caíram do meu
rosto para o meu peito nu. Centímetro por centímetro, eles desceram, as
bochechas dela corando. Quando seu olhar alcançou a bainha da minha
toalha, ela caiu como uma pedra em meus pés descalços. — Desculpe. eu,
hum... desculpe. Eu deveria ter ligado primeiro.
Olhei além dela, verificando o corredor, mas ela estava sozinha. — Tudo
certo?
— Você não foi ao café.
Não. Eu a estava evitando espetacularmente.
Por que isso de novo?
Droga, ela era linda. Eu mantive meus braços presos ao meu lado para
evitar alcançá-la. Meu coração batia forte contra meu esterno, como um
martelo batendo em um prego.
Ela estava usando um casaco verde-oliva que batia no meio da coxa em seu
jeans preto rasgado. Seu cachecol era do mesmo tom de sua jaqueta. O
cabelo de Lyla estava preso, as mechas escuras empilhadas no topo da
cabeça em um coque bagunçado. Alguns deles estavam úmidos da chuva,
ondulando em suas têmporas. Ela deve ter saído do café.
Espere. Como ela sabia que este era o meu quarto? Ela perguntou a Eloise
ou Jasper?
Como se ela pudesse ler minha mente, Lyla olhou para o corredor, então se
aproximou. — Ninguém sabe que estou aqui em cima.
— Como você sabia que este era o meu quarto?
— Eu, hum... Esperei até que Eloise e Jasper saíssem, então perguntei ao
recepcionista da noite. Eu disse a ela que você esqueceu sua carteira no
café, e eu iria correr para você.
— Ah. — O recepcionista do hotel deveria ter ligado primeiro, mas o
sobrenome de Lyla provavelmente era muito importante neste prédio. Isso,
e ela era confiável. Eu duvidava que alguém que olhasse para seu rosto
bonito esperasse uma mentira descarada.
Uma pequena rebeldia. Deus, era sexy.
Minha vida inteira, eu fiz a coisa certa. Onde isso me levou? Sozinho, em
Montana, com minha carreira em frangalhos.
Mesmo depois que a investigação foi concluída, eu não tinha ilusões sobre
manter meu emprego. O capitão daria um jeito de tirar meu distintivo,
demitindo-me ou sentando-me em uma mesa, sabendo que eu acabaria me
cansando e me demitiria.
Tudo porque eu tinha feito a coisa certa.
Me arrependi de ter puxado o gatilho? Todo maldito dia. Mas eu era
culpado? Não.
A única coisa a meu favor era a chance de encontrar Cormac. Então foda-se
as regras. Nesse ponto, eu estava pedindo perdão, não permissão.
— Tudo certo? — perguntei a Lyla.
— Sim, eu só... Desculpe. Estou interrompendo sua noite. Eu irei embora.
— Ela se virou, prestes a dar um passo, então parou e se virou. — Eu só
queria saber se você encontrou alguma coisa.
— Ainda não. — Era tolice dar-lhe esperança? Foi tolice guardar alguns
para mim?
— OK. — Ela me deu um pequeno sorriso antes de seu olhar viajar pelo
meu peito novamente, demorando-se no meu abdômen. Sua língua saiu para
lamber seu lábio inferior, e foda-me, meu pau estremeceu.
Eu afundei meus calcanhares mais fundo no chão, cada músculo do meu
corpo travando para que eu não a arrastasse pela soleira.
— Você quase me beijou. Na caminhonete. No dia em que fomos ao rio. —
Sua voz era suave, apenas um sussurro. Aqueles olhos azuis se ergueram
para os meus, e o controle do meu controle começou a vacilar. — Você
quase me beijou, não foi?
Sim. Por que ela estava perguntando quando nós dois sabíamos a resposta?
— Você deveria ter me beijado.
Foda-me.
— Lyla, — eu avisei, forçando-me a dar um passo para trás. — Você
deveria ir. — Antes de enterrar meu rosto naquele cabelo longo e sedoso e
respirar seu doce aroma de baunilha. Antes que eu cedesse e ela fizesse algo
de que se arrependeria pela manhã.
— Eu vejo o rosto dele. À noite. — Ela me parou antes que eu pudesse
fechar a porta. — Pouco antes de adormecer, vejo seus olhos. Essa cicatriz.
Sinto suas mãos na minha garganta.
Ela levantou os dedos, tocando o cachecol em volta do pescoço. — Uma
vez que o vejo, não consigo desligar. Todo mundo fica me dizendo o que eu
preciso. Meus pais. Minhas irmãs. Os meus irmãos. Eu preciso descansar.
Eu preciso ficar em casa. Preciso parar de trabalhar tanto. Eu preciso me
curar. Estou tão cansada de todo mundo me dizendo o que eu preciso. Tudo
que eu quero é esquecer. Por apenas uma noite, preciso esquecer.
Como seria esquecer? Parecia o céu.
Lyla não era a única pessoa com pesadelos.
Eu deveria ter fechado a porta. Eu deveria tê-la mandado embora.
Em vez disso, dei um passo à frente.
E selei minha boca sobre a dela.
CAPÍTULO SETE

LYLA

Bom Deus, este homem sabe beijar.


Meu corpo inteiro pegou fogo quando a língua de Vance deslizou contra a
minha. Faíscas cascatearam pela minha pele e o fogo lambeu minhas veias.
Tudo fora deste quarto desapareceu. Os pensamentos que eu não conseguia
afastar, as preocupações, os medos – desapareceram. Puf. Perdido. Tudo o
que existia era Vance e esse beijo.
Este beijo erótico e consumidor.
Quando eu tinha quinze anos, eu beijei Jason Palmer. Ele foi meu primeiro.
Tinha sido estranho e emocionante. Atrapalhado e rápido. Mas quando eu
compartilhei os detalhes com Talia, eu disse a ela que quando Jason me
beijou, foi como estar envolta em um arco-íris. Aos quinze anos, eu adorava
arco-íris.
Em todos os anos desde então, encontrar um homem que me desse aqueles
arco-íris tinha sido impossível, não importa o quanto eu gostasse de um
cara.
Mas independentemente disso, eu continuei perseguindo arco-íris.
Anos totalmente desperdiçados. Isso era o que eu deveria estar perseguindo.
Faíscas. Fogo. Pecado e sexo. Foi mil vezes melhor do que qualquer arco-
íris.
Vance passou os braços em volta de mim, arrastando-me para seu quarto, a
porta se fechando atrás de mim. Sua língua emaranhada com a minha, sua
boca inclinada para obter um gosto mais profundo.
Eu derreti contra ele, minhas mãos deslizando por aquele peito forte. O
pouco pelo sobre seu coração era áspero contra minhas palmas. Ele era tão
sólido. Duro. Macho. E caramba, mas eu adorava que ele fosse tão alto.
Mesmo ficando na ponta dos pés, eu não era alta o suficiente para alcançar
sua boca. Isso o forçou a se curvar, aquela estrutura imponente se dobrando
sobre mim e ao meu redor.
A barba de Vance raspou contra a pele lisa ao redor da minha boca. O
cheiro de sua pele, picante e limpa de seu sabonete, encheu meu nariz. Ele
tinha força robusta da cabeça aos pés e músculos afiados. Os braços em
volta das minhas costas eram como correntes, me prendendo no lugar.
Um gemido saiu da minha garganta enquanto Vance me devorava inteira,
explorando cada canto da minha boca. Um gemido baixo retumbou no
fundo de seu peito, o som de total satisfação. De necessidade insaciável.
Entre nós, sua excitação pressionou contra meu quadril, duro e longo.
Desejo reunido em meu centro, meu núcleo apertando.
Ele afastou a boca, arrastando os lábios molhados pela linha da minha
mandíbula até minha orelha. — Foda-se, Lyla.
— Sim, — eu sussurrei. Por favor.
Minhas mãos mergulharam em seu cabelo, segurando os fios úmidos. Eles
eram tão grossos e macios quanto eu imaginava. O comprimento tornou
possível segurá-lo para mim, agarrá-lo perto enquanto ele beliscava o
lóbulo da minha orelha.
Rolei meus quadris, balançando contra sua ereção.
Vance sibilou e me soltou, seus braços caindo para os lados. Engolindo em
seco, ele deu um passo para trás. Então outro. Suas mãos se fecharam, como
se ele estivesse se segurando.
O espaço entre nós era como uma janela aberta. O ar frio entrou, levando
consigo as faíscas. E como uma inundação, todas as preocupações, todos os
medos voltaram.
Eu estava tão cansada dos meus malditos pensamentos. Eu queria as faíscas
de volta. Eu queria apenas sentir.
Pela primeira vez desde Cormac, desejei o toque de outra pessoa. O toque
de Vance. Isso parecia um milagre. Então peguei o cachecol em volta do
pescoço e o soltei, deixando-o cair no chão.
Os olhos de Vance permaneceram fixos nos meus. O tormento, a restrição,
queimava naquela íris de luz.
Contenção de merda.
Arranquei minha jaqueta, o movimento violento, e joguei no chão. Então
estendi a mão para a bainha da minha camiseta, jogando-a sobre a minha
cabeça. Em seguida, veio meu sutiã de renda marfim. Juntou-se aos outros
itens no chão.
Vance me queria. A protuberância em sua toalha era evidência suficiente.
Mas ele ficou imóvel como uma estátua, recusando-se a cruzar a linha
invisível entre nós.
Nunca na minha vida eu tinha sido tão descarada ou ousada. A dúvida
rastejou sob minha pele, minha confiança murchando a cada segundo que
ele ainda não se movia. Ele estava mesmo respirando?
Meu coração batia forte enquanto nos olhávamos. Seu pomo de Adão
balançou, mas, fora isso, ele poderia muito bem ser uma estátua de granito.
O tempo todo eu fiquei seminua, exposta, machucada e desesperada.
O que diabos havia de errado comigo?
Eu estava prestes a pegar minhas roupas do chão e sair correndo deste
quarto quando Vance se moveu.
Com um movimento de seu pulso, sua toalha se foi caída em seus pés
descalços. Seu pênis, duro e grosso, saltou livre, projetando-se entre nós.
Eu engoli em seco. Oh doce senhor. Cada parte deste homem era enorme.
Com um único passo, ele cruzou o espaço entre nós, sua boca reivindicando
a minha mais uma vez.
Se o primeiro beijo foi de faíscas e fogo, este foi um inferno de chamas
azuis. Meu pulso explodiu em meus ouvidos quando sua língua torceu com
a minha. Não havia nada de gentil naquele beijo. Nada lento. Foi um beijo
que ecoou com uma única palavra.
Foda.
Nós íamos foder.
Assim como antes, ele limpou minha mente.
Vance estendeu a mão entre nós, abrindo o botão da minha calça jeans e
abrindo o zíper. Ele os empurrou para fora do meu quadril tão rápido que eu
tropecei. Mas antes que eu pudesse cair, ele me pegou pelas costelas, me
levantando no ar. Então ele me jogou.
Eu gritei quando caí no colchão com um salto.
Nenhum homem jamais me desejou tão desesperadamente que me jogou em
uma cama.
Minha risada era selvagem, o som tão histérico quanto meus movimentos
enquanto eu chutava meus sapatos no chão.
Vance se moveu freneticamente, arrancando meu jeans. Então, com um
punho, ele agarrou minha calcinha de renda e a rasgou do meu corpo. O
tecido rasgado voou sobre seu ombro enquanto ele afundava nos meus
quadris.
Sua boca colidiu com a minha. Sua língua saqueou e acariciou enquanto ele
se alinhava na minha entrada. Não perdemos tempo com preliminares.
Nenhum de nós precisava disso. Eu estava encharcada do beijo sozinha.
Com um impulso, ele dirigiu até o fundo.
Eu engasguei em sua garganta, meus olhos se fechando enquanto eu me
ajustava ao seu tamanho. Para o delicioso alongamento do meu corpo ao
redor dele.
Vance ficou imóvel, afastando a boca. — Tão fodidamente apertada, — ele
rangeu.
Minha respiração veio em ofegos difíceis. — Mexa-se.
Ele empurrou para frente, fazendo minhas costas arquearem para fora do
colchão.
— Vance, — eu gritei. Nenhum homem jamais foi tão fundo.
— Pegue, Lyla. Pegue a porra toda.
Eu choraminguei em sua boca suja. Sim. Meus dedos cavaram em sua pele,
agarrando seus ombros enquanto ele relaxava.
Ele bateu para dentro novamente, forte o suficiente para sacudir a cama e
ganhar outro grito. — Você sente...
— Tão bom, — eu ofeguei.
Enquanto ele balançava em mim, envolvi minhas pernas em torno de suas
coxas volumosas, acompanhando seu ritmo. Então eu levantei minha cabeça
do travesseiro, colocando minha boca em seu ouvido. — Foda-me, Vance.
Ele gemeu, saindo para bater dentro novamente. Ele estabeleceu um ritmo
rápido e difícil enquanto nossos corpos se chocavam.
Não era gracioso. Não era doce ou gentil. Mas Deus, era bom. Tão, tão,
bom.
O pelo em seu peito roçou meus mamilos duros, transformando-os em
pedra. A sensação dele era como nenhuma outra, e minhas entranhas se
transformaram em líquido enquanto eu me segurava para o passeio.
Vance mergulhou os lábios, arrastando-os ao longo da minha garganta. Ele
beijou cada marca, cada contusão, enquanto seus quadris se moviam, seu
pau afundando dentro do meu corpo. Ele me manteve presa à cama,
diminuída por seu grande corpo.
Nunca na minha vida me senti tão desejada. Adorada. Protegida.
Meu orgasmo foi construído com um poder feroz, minhas paredes internas
vibrando.
Vance me levou ao limite, golpe após golpe, até minhas pernas começarem
a tremer. Até que meus dedos dos pés se enrolaram e foi impossível encher
meus pulmões. Calor floresceu em minha pele, minha respiração ficou
presa na minha garganta.
— Deixe ir, — ele ordenou. — Venha até mim.
Eu quebrei. Cada músculo do meu corpo pulsava quando eu gozei com um
grito. Meus membros tremeram. Estrelas atravessaram minha visão, minha
mente alegremente em branco.
Vance não parou. Ele me fodeu, mais forte. Mais rápido. Perseguindo sua
própria libertação. — Puta merda. — Ele soltou um rugido antes de
derramar dentro de mim.
Eu me agarrei a ele, segurando firme até que os tremores secundários
começaram a desaparecer e eu flutuei de volta à realidade. Nossos corpos
estavam escorregadios de suor e meu cabelo estava por toda parte, o nó nele
solto. Meu coração disparou como se eu tivesse acabado de correr dez
quilômetros.
Vance desabou em cima de mim, seu peso me esmagando por uma fração
de segundo enquanto me envolvia com força. Então ele rolou, seu peito
arfando como o meu enquanto ele trabalhava para recuperar o fôlego. —
Foda-se.
Eu cantarolava. — Sim nós fizemos.
O canto de sua boca se ergueu.
Uma risadinha escapou e lutei contra a vontade de me beliscar. Eu vim ao
seu quarto para obter respostas, não sexo. Dois dias sem uma palavra de
Vance e meus medos levaram o melhor de mim. De alguma forma, em
apenas alguns dias, tê-lo em minha cafeteria se tornou uma âncora. Minha
esperança estava diretamente ligada à sua presença.
Então ele desapareceu.
Na caminhada até o hotel, eu me convenci de que ele havia partido. Que ele
já havia verificado e não haveria chance de encontrar Cormac Gallagher.
Mas eu tinha que saber.
Então eu menti para o recepcionista sobre Vance deixar sua carteira na loja.
Eu não era uma boa mentirosa. Mas, aparentemente, isso mudou na semana
passada, porque ela nem piscou duas vezes antes de procurar o número do
quarto dele.
Minha capacidade de contar uma mentira não foi a única mudança. Dois
anos atrás, eu me proibi de encontros de uma noite. Sexo ruim e bêbado
com um estranho que conheci em um bar foi o catalisador. As conexões
sempre me deixaram me sentindo barata e vazia.
No entanto, aqui estava eu, nua na cama de Vance, sem ilusões de que isso
era mais do que uma noite.
Oh meu Deus, nós tínhamos feito sexo. Sexo louco e imprudente. A
evidência estava pingando pela minha fenda.
— Não usamos camisinha, — sussurrei, mais para mim mesma do que para
Vance. — Estou tomando anticoncepcional.
Ele ergueu a mão, arrastando-a sobre a barba. — Desculpe. Fui pego.
— Eu também. — Suspirei. — Faz tempo que não fico com ninguém.
— Acabei de sair de um relacionamento. Fomos exclusivos por três anos.
Eu era um rebote então.
Um ano, um mês, uma semana atrás, isso teria me deixado em parafuso. Eu
era uma mulher que amava relacionamentos e compromissos. Depois de
testemunhar meus pais viverem suas vidas loucamente apaixonados, eles se
tornaram o padrão ouro.
Talvez, para mim, esse padrão fosse alto demais.
No momento, eu me sentia muito frágil para impor minhas próprias regras.
Insistir para que qualquer homem que eu leve para a cama seja um bom
marido.
Então deixei passar. Tudo isso.
Vance era um visitante em Quincy, como a maioria dos hóspedes deste
hotel. Ele iria embora mais cedo ou mais tarde. Se tudo o que ele tivesse
para me dar fosse um orgasmo, então eu seria o rebote. Eu seria a conexão.
Eu seria o caso fácil de uma noite.
Movendo-me para sentar, joguei minhas pernas para fora da cama, prestes a
me levantar e me vestir. Mas antes que meus pés pudessem tocar o chão, a
mão de Vance envolveu meu cotovelo.
— Espere. — Ele me soltou, saiu da cama e caminhou em direção à minha
pilha de roupas, curvando-se para pegar minha calcinha rasgada no
caminho.
Seu corpo era realmente uma obra de arte. Músculo perfeito e esculpido.
Poder masculino e virilidade. Os globos de sua bunda eram de dar água na
boca, redondos e duros. Se fosse mais de uma noite, eu passaria horas
lambendo sua cintura estreita e traçando as covinhas na base de sua espinha.
Os ombros de Vance estavam cobertos com minúsculas luas crescentes.
Minhas unhas. Eu já havia marcado um homem antes? Não. Mas eu gostei.
Um sorriso puxou o canto da minha boca.
Definitivamente não sou eu ultimamente.
Ele pegou minhas roupas e as trouxe. Mas quando estendi a mão para elas,
ele as puxou de volta, seu olhar varrendo meu corpo nu. Um músculo em
sua mandíbula se contraiu. A mesma expressão conflituosa que ele tinha
anteriormente arruinou seu belo rosto.
Estendi a mão para o meu sutiã.
Vance balançou a cabeça. Então minha bola de roupas voou pelo quarto,
batendo na cômoda embaixo da TV.
— O que...
Ele se curvou e esmagou sua boca na minha, silenciando qualquer protesto.
Suas mãos desceram pelas minhas costelas, arrastando-se sobre meus
quadris. Com uma elevação rápida, ele me levantou e me tirou do chão
antes de me levar para o chuveiro.
Então Vance me mostrou como uma noite pode ser boa.
****
Minha respiração ondulava em uma nuvem branca enquanto eu
corria pela calçada em direção ao café.
Uma névoa se instalou sobre Quincy na noite passada enquanto eu dormia
na cama de Vance. Os postes de luz lançavam halos na névoa espessa.
Olhei por cima do ombro para Eloise.
O mesmo funcionário da noite anterior ainda estava parado na recepção. Eu
escapuli pela porta do beco esta manhã, querendo evitar ser vista. Era
madrugada, muito antes de Eloise e Jasper chegarem para o trabalho, mas
eu não queria arriscar perguntas.
Acima do saguão e do primeiro andar, a única luz visível era a do canto
superior do quarto andar. Vance estava na janela de seu quarto, com as mãos
apoiadas no parapeito superior enquanto me observava passar pela
cafeteria, indo para o beco onde meu carro estava estacionado desde ontem.
O para-brisa estava coberto de gelo, então destranquei as portas, me
acomodei no banco frio e liguei o motor, deixando o degelo explodir
enquanto repassava a noite anterior.
Meu corpo doía. Meus músculos não trabalhavam tanto há anos. Meus
mamilos estavam sensíveis contra meu sutiã e a carne entre minhas pernas
estava sensível. Abaixei o visor, inspecionando meus lábios inchados no
espelho.
Vance e eu tínhamos trabalhado duro na noite passada. Toda vez que eu
pensei que ele estava esgotado, ele estendeu a mão para mim. Nós
alternamos sexo e sono. Eu deveria estar exausta, mas eu tinha mais energia
agora do que em dias.
Porra, que noite.
Um ano, um mês, uma semana atrás, teria me incomodado saber que eu era
apenas uma aventura. Um encontro. Uma distração.
Vance tinha segredos. Ele se esquivou de muitas das minhas perguntas
durante nossas conversas no café.
Talvez ele confiasse em mim, me contasse toda a história. Talvez não.
Neste ponto, eu não me importava. Ontem à noite foi a primeira vez desde o
rio que consegui desligar minha mente. Eu consegui dormir sem o rosto de
Cormac invadindo meus sonhos.
Um ano, um mês, uma semana atrás, eu teria desejado mais de Vance. Eu
teria desejado um relacionamento. Um namorado.
E ele provavelmente teria se tornado meu próximo ex-namorado. O
próximo homem a partir meu coração.
Agora... ele era um meio para um fim. Ele era minha chance de justiça. E
ele estava indo embora.
Vance não estaria aqui tempo suficiente para me machucar.
Então eu coloquei meu carro em marcha à ré e me afastei da cafeteria.
E quando passei pelo O Eloise a caminho de casa, não me permiti olhar
para a janela do quarto andar para ver se Vance ainda estava lá olhando.
CAPÍTULO OITO

VANCE
Uma onda de nervos me atingiu quando abri a porta da cafeteria.
Foda-se, mas eu esperava que a noite passada com Lyla não tivesse sido um
erro.
A campainha da porta tilintou. O calor da sala penetrou em meu casaco
úmido. Os cheiros doces e reconfortantes encheram meu nariz e fizeram
meu estômago roncar. A barra de granola que comi no caminho para a
cidade não foi suficiente para satisfazer minha fome.
Atrás do balcão, o olhar de Lyla virou em minha direção. Ela estava com
um sorriso. Não caiu quando ela me viu. Também não aumentou. Foi
apenas... seu lindo sorriso. Um sorriso gentil para um cliente ou amigo. Era
o mesmo sorriso que ela tinha me dado antes da noite passada.
Sexo sempre foi mais complicado do que casual, pelo menos na minha
experiência. Não importa quantas vezes uma mulher dissesse que não
precisava de um compromisso - inferno, mesmo que eu assumisse um
compromisso - ela geralmente acabava magoada.
Para o bem dela, esperava que Lyla fosse a exceção. O sexo tinha sido. Sem
dúvida, a noite passada foi o melhor momento que já tive com uma mulher.
Talvez pudéssemos nos divertir enquanto eu estivesse aqui. Aquele sorriso
dela me deu esperança.
A respiração presa na minha garganta se soltou, trabalhando livremente
enquanto eu atravessava a sala.
Ela pegou uma caneca de cerâmica branca, enchendo-a com café preto. —
Parece que você precisa disso.
— Sim. — Eu balancei a cabeça, pegando a caneca que ela entregou e
deixando minhas mãos mergulharem em seu calor.
Eu tive outro longo dia nas montanhas tomando chuva. O frio que se
instalou profundamente em meus ossos só iria embora depois de um banho
quente. Embora o café fumegante ajudasse. Tomei um gole, deixando
aquecer minhas entranhas.
— Obrigado, Blue.
A cabeça de Lyla tombou para o lado. — Blue?
Eu pisquei.
— Oh. — Suas bochechas coraram. E aqueles impressionantes olhos azuis
– olhos dignos de um apelido – brilhavam. — Com fome?
— Faminto.
— O que você gostaria?
Tomei outro gole de café. — Surpreenda-me.
— Tudo bem. — Ela sorriu, mais largo desta vez.
Eu lutei contra a vontade de alcançá-la, beijá-la como eu tinha feito antes
que ela saísse do meu quarto de hotel esta manhã.
Tive que me esforçar para me concentrar enquanto eu estava caminhando
hoje. Muitas vezes eu me permitia imaginar seu rosto, imaginar aqueles
olhos escurecendo enquanto eu me movia dentro dela. A certa altura,
tropecei em um graveto porque estava muito ocupado imaginando-a
pingando no meu chuveiro.
Esta mulher era encantadora, a química entre nós palpável. Nunca na minha
vida o corpo de uma mulher ganhou vida sob meu toque como o de Lyla.
Ela pulsou e apertou ao redor do meu pau como a porra de um torno, e eu
praticamente desmaiei de prazer.
Meu pulso acelerou, meu pau mexendo atrás do meu zíper.
Lyla puxou o lábio inferior entre os dentes, seu olhar caindo como se ela
estivesse pensando na noite passada também. Depois de um rápido e sexy
pigarrear, ela começou a trabalhar na minha surpresa, girando para pegar
um prato e abrir a vitrine.
Recuei para minha mesa habitual ao lado da janela, feliz por vê-la vazia, e
coloquei minha mochila no chão. Com meu casaco pendurado nas costas de
uma cadeira sobressalente, sentei-me e tomei um gole de café até que Lyla
apareceu com um prato em uma das mãos e uma cafeteira na outra.
Hoje ela me trouxe um sanduíche de frango grelhado com algum tipo de
pesto. Ao lado havia um brownie com cobertura de chocolate.
Fiquei com água na boca. Para a comida. Para a mulher.
Ela encheu minha caneca. — Algo mais?
— Não, isso é ótimo. Obrigado.
— Claro. — Ela olhou por cima do ombro, verificando se ninguém estava
prestando atenção em nós. — Você estava fora hoje.
— Eu estava.
— Qualquer coisa?
Eu balancei minha cabeça, odiando o flash de decepção em seu olhar. Um
dia, eu queria dar a ela um relatório diferente. Mas minha busca nas
montanhas foi infrutífera.
Cormac não ia facilitar as coisas. O filho da puta.
— Avise-me se quiser outra recarga, — disse Lyla, depois voltou ao balcão.
Uma sensação estranha apertou quando ela saiu. Eu não gostei que ela
parecia tão... normal.
A última coisa que eu precisava era de uma mulher pegajosa. Além de
orgasmos, eu tinha muito pouco a oferecer a Lyla. Ela parecia perfeitamente
feliz em fazer sexo casual e não o discutir no dia seguinte.
Isso era exatamente o que eu queria. Então, por que me incomodou tanto
vê-la se afastar?
Você está se perdendo, Sutter.
Afastei a sensação e mergulhei na minha refeição, inspirando a comida. Eu
estava bebendo os últimos restos do meu café quando a porta da loja se
abriu e Winslow Eden entrou, carregando uma linda menininha. Sua filha?
A menina tinha cabelos escuros, como os da mãe, e eram cacheados em
mechas ao lado das orelhas. Ela era linda como um botão e não poderia ter
muito mais do que um. Quando Winslow a colocou no chão para andar, a
garota levou um momento para recuperar o equilíbrio.
— Emma! — Lyla deu a volta no balcão.
A garota deu a Lyla um sorriso babado enquanto ela disparava, tentando
correr. Ela tropeçou, caindo para frente, mas se segurou e empurrou de volta
antes de Lyla agarrá-la em um abraço.
— Como está minha garota? — Lyla beijou sua bochecha.
— Agitada — respondeu Winn. — Ela está ganhando um dente novo. Griff
levou Hudson para fazer algumas coisas no rancho depois do almoço, então
decidimos vir para a cidade para um deleite.
— Que tal um brownie? — Lyla fez cócegas no lado de Emma. — E um
café com leite triplo para sua mãe?
— Sim por favor. — Winn bocejou, seguindo Lyla até o balcão.
Emma andava de um lado para o outro, deixando impressões digitais na
vitrine, enquanto Winn e Lyla conversavam. Eu estava muito longe para
entender a conversa, mas Lyla estava preparando o café com leite quando
sua expressão endureceu.
Winn deve ter dado a ela uma atualização sobre o caso. Provavelmente,
nenhuma atualização.
Lyla assentiu, forçando um sorriso que não chegava aos olhos. Então ela
terminou com o café e colocou meio brownie em um prato.
As três sentaram-se juntos à mesa, as mulheres observando enquanto Emma
bagunçava sua guloseima. Depois de limpar o rosto cor de chocolate da
filha, Winn deu um abraço de despedida em Lyla e se dirigiu para a porta.
Fingi estar intrigado com a tela em branco do meu telefone até que ela saiu
pela porta.
Quando procurei por Lyla, ela já vinha caminhando em minha direção.
— Você está bem? — Perguntei.
Ela levantou um ombro e puxou a cadeira em frente à minha, caindo no
assento. — Eu perguntei se ela tinha ouvido alguma coisa e ela disse que
não. É o que eu esperava.
Esperava, mas ainda decepcionante. Quanto tempo mais eu tinha até que ela
também se sentisse desapontada com minhas visitas?
— Winn disse que eles estão apenas vigiando a cidade, — Lyla murmurou,
sua voz baixa. — E você disse que não havia razão para ele vir para a
cidade.
— Não é provável.
Ela voltou o olhar para o vidro, dando-me um momento para estudar aquele
belo perfil. Eu tinha feito o mesmo ontem à noite, na luz silenciosa da meia-
noite. Deitei-me ao seu lado e tracei a linha de seu rosto, desde sua testa
lisa, descendo pela ponte reta de seu nariz, passando por aqueles lábios
macios até seu queixo gracioso, e então descendo pela coluna de seu
pescoço esguio.
O cachecol que ela usava hoje era verde caçador. Ficaria ótimo no chão do
meu quarto de hotel. Assim como sua camiseta preta Eden Coffee e aqueles
jeans justos. O calor percorreu minhas veias.
— Como ele conseguiu a cicatriz? — A pergunta dela poderia muito bem
ter sido um balde de água gelada jogado na minha cabeça.
Quanto mais ela queria saber sobre Cormac, mais isso me abria para
perguntas que eu não podia — não queria — responder.
— Foi da esposa dele? Na noite em que ele, hum... — Estrangulou-a. — Ela
revidou?
Eu gostaria de poder dizer a ela que sim. Mas a verdade era que, dado que
não havia nenhuma evidência de luta, presumia-se que Cormac havia
pegado Norah desprevenida. Que ela ficou tão chocada com suas ações
quanto todos os outros.
Talvez ela tenha tentado revidar, mas ele era muito grande, muito forte. Seu
relatório de toxicidade sanguínea mostrou que ela tinha bebido,
provavelmente alguns copos de vinho no jantar. Ela provavelmente estava
muito chocada e confusa para responder, e para ele sufocá-la até a morte
levaria apenas alguns segundos.
— Ele ficou com a cicatriz de um acidente de carro. — Das perguntas de
Lyla, essa parecia ser a mais fácil de responder. — Ele estava em seus vinte
anos, eu acredito. Ele estava correndo um dia por um bairro. Havia um
garoto jogando basquete em sua garagem. A bola escapou dele e rolou para
a rua. O garoto correu atrás dela, sem ver que havia um carro se
aproximando. Cormac estava perto. Viu o que estava para acontecer. Correu
para a rua e conseguiu tirar o garoto do caminho. Ganhou aquela cicatriz
quando o para-choque do carro o atingiu.
— Oh. — As sobrancelhas de Lyla se juntaram, confusão contorcendo seu
rosto. — Isso não é nada do que eu esperava que você dissesse.
— Sim.
Ela provavelmente pensou que eu contaria a ela uma história sobre um
criminoso endurecido em uma briga de faca.
Era difícil conciliar um herói e um vilão que compartilhavam o mesmo
rosto cheio de cicatrizes.
Lyla afastou a confusão e voltou sua atenção para meu prato vazio. Ela se
levantou rapidamente, recolhendo-o e meu guardanapo amassado. — Posso
trazer mais café?
— Não, obrigado. Eu provavelmente vou decolar.
— Ok. — Ela me deu um aceno de cabeça, então se dirigiu para o lado
oposto da cafeteria.
Mais uma vez, indo embora como se fosse qualquer outro cliente, não o
homem que a tinha fodido quatro vezes na noite passada.
Outro dia, eu me sentaria aqui e estudaria meus mapas. Marcaria o país que
havia atravessado hoje e traçaria o plano de amanhã.
Mas no momento, sua normalidade estava cavando sob minha pele. Então
eu peguei minhas coisas e saí pela porta do café, fazendo meu caminho para
onde estacionei minha caminhonete fora do hotel.
Em vez de entrar e tomar um banho quente, sentei-me ao volante e dirigi
pela Main, seguindo a estrada que se transformava na rodovia que levava
para fora da cidade.
Eu disse a Lyla que Cormac não viria para Quincy. Eu ainda duvidava que
ele fosse aparecer em qualquer cidade, especialmente a mais próxima de
onde seu encontro com ela ocorreu. Mas eu queria ter uma ideia melhor da
área, então dirigi até a cidade vizinha, a oitenta quilômetros de distância.
Não passava de um pontinho com alguns negócios, incluindo um posto de
gasolina, um bar e um pequeno hotel. Era o tipo de lugar onde Cormac e
aquela cicatriz se destacavam como um letreiro néon. Não é um lugar que
ele iria a menos que fosse uma emergência.
A maior cidade da região era Missoula, mas ficava a horas de carro. Dias a
pé. Talvez ele tivesse caminhado pela floresta para chegar àquela cidade
maior. Talvez não.
Onde ele estava? Para onde ele iria?
Eu não tinha ideia do porquê, mas meu instinto me dizia para ficar com
Quincy. Então eu me virei e voltei, contornando o hotel mais uma vez para
parar no supermercado.
Meu estoque de café da manhã e lanches para caminhadas estava
diminuindo. Então, atravessei as portas duplas da loja, puxei uma cesta da
pilha e perambulei pelos corredores. Eu estava estudando minhas opções de
barras de proteína quando uma mulher passou no final do corredor.
Ela desapareceu com um flash de cabelo ruivo.
Meu batimento cardíaco fraquejou. Meus músculos ficaram tensos. A
resposta foi involuntária.
O cabelo ruivo me lembrou de Cormac. Das meninas. Em minha mente, eu
sabia que não havia como ele estar nesta mercearia. Que uma das garotas
estava comprando sorvete ou Lucky Charms.
Ainda assim, parte de mim queria seguir aquela mulher. Ver o rosto dela.
Descartá-la. Não seria a primeira vez que seguiria uma estranha ruiva.
Mas era apenas cabelo ruivo.
Eu arrastei a mão sobre o meu rosto, sacudindo-a. Quantos anos levaria até
que eu pudesse ver uma ruiva e não olhar duas vezes?
Se eu não encontrasse Cormac, talvez para sempre.
Ele era o fantasma que assombrava minha vida cotidiana. Ele era o passado
que eu não conseguia deixar ir. Até que ele fosse encontrado, não haveria
paz.
Então peguei cinco caixas de barras de granola, o suficiente para esta
semana, e voltei para o hotel.
Meu banho foi demorado e quente. Deixei o vapor aliviar a tensão em meus
ombros e coxas. Eu cobri um terreno acidentado hoje que teria sido íngreme
em um bom dia, mas com toda a chuva, estava escorregadio, aumentando o
desafio.
Minha energia estava diminuindo, mas se Lyla aparecesse, eu encontraria
um segundo fôlego.
Quando finalmente desliguei a água, minha pele estava em carne viva e
vermelha. Eu estava na pia, meus ouvidos treinados para a porta, esperando
uma repetição da noite anterior. Pela batida suave de Lyla. Mas não havia
sons além deste quarto, então sequei meu cabelo com a toalha e vesti um
moletom.
Sem mais nada para fazer, peguei o controle remoto da TV, prestes a ligar
um jogo ou algo assim.
E lá estava.
A batida.
Meu pau inchou quando atravessei a sala, sem me preocupar em verificar o
olho mágico enquanto abria a porta.
Lyla estava parada no corredor, sem fôlego. Suas bochechas estavam
coradas como se ela tivesse acabado de subir as escadas. Era um domingo.
Eloise e Jasper não estiveram aqui hoje, mas Lyla provavelmente tentou
escapar da atenção do recepcionista.
— O café está fechado, — disse ela. — Não quero ir para casa.
— Então não vá. — Abri mais a porta.
Ela entrou. — Eu...
Eu selei meus lábios sobre os dela, parando o que quer que ela fosse dizer.
Minha língua acariciou a costura de seus lábios, saboreando seu sabor doce.
Ela se abriu para mim e eu a arrastei para dentro, devorando cada
centímetro de sua boca. Então fiz exatamente como havia planejado
anteriormente. Tirei seu cachecol e o joguei no chão.
Suas mãos trilharam meu peito, suas unhas cravando em minha carne. Esta
mulher gostava de deixar sua marca, e eu adorava isso. Se ela viesse até
mim com as unhas como fez ontem à noite, meus ombros estariam em
pedaços pela manhã. Eu não dou a mínima.
Eu a tirei de suas roupas enquanto ela empurrava meu moletom dos meus
quadris. Então eu a peguei e a prendi contra a parede mais próxima. —
Você está molhada para mim?
— Sim, — ela ofegou enquanto eu lambia sua garganta. Suas pernas
envolveram minha cintura.
Eu pressionei contra seu centro, sentindo aquele calor escorregadio contra a
coroa do meu pau. Em outra noite, eu teria provado sua doce boceta, mas
estava muito impaciente. Então eu me alinhei com sua entrada e empurrei
para casa. — Porra.
— Vance. — Com um braço, ela se agarrou aos meus ombros enquanto se
ajustava ao redor do meu comprimento. Sua outra mão mergulhou em meu
cabelo, suas unhas curtas raspando meu couro cabeludo e puxando as
raízes. — Foda-me.
— Diga por favor.
Sua cabeça pendeu para o lado, suas pálpebras tremulando fechadas. — Por
favor, foda-me.
Eu puxei para fora e bati para dentro. Duro.
Lyla gritou, suas paredes internas já começando a pulsar.
— Dá-me esse Blue.
Levou um momento, mas eu esperei, enterrado ao máximo, até que ela
abriu os olhos, travando-os com os meus.
Eu a mantive firmemente contra a parede, segurando seu olhar precioso
enquanto a fodia. Golpe após golpe, eu me perdi em seu corpo ágil.
— Oh Deus. — Ela gozou mais rápido do que eu esperava, um suspiro
escapando de seus lábios como se tivesse surpreendido a nós dois. O aperto
no meu cabelo aumentou e havia uma chance real de ela ter arrancado uma
mecha do meu couro cabeludo quando terminamos.
Eu saboreei a picada, a dor, e continuei dirigindo em seu calor apertado
enquanto ela pulsava ao redor do meu eixo. Aquele aperto delicioso
desencadeou a construção na base da minha espinha. Então eu estava vindo
em um rugido.
— Foda-se, Blue. — Minha liberação estremeceu através de meus ossos.
Minha visão ficou em branco, e tudo que eu senti foi ela.
Quando finalmente desci, Lyla havia caído contra meu ombro, seu corpo
ainda pulsando ao meu redor enquanto ela se agarrava ao meu corpo, mole.
Eu a tirei da parede e a levei para a cama, puxando as cobertas e colocando-
a sobre os lençóis. Então fui ao banheiro pegar um pano quente para limpá-
la.
Seus olhos se abriram enquanto eu pressionava a toalha entre suas pernas.
— Você me faz esquecer.
— Você me faz esquecer também.
Esquecer não era uma opção, não com o que vim fazer em Quincy. Mas isso
não me impediu de acender as luzes e subir na cama.
Ou de passar o resto da noite certificando-se de que nós dois esquecermos.
CAPÍTULO NOVE

LYLA
O Eloise Inn estava na minha família há gerações. Quando criança,
eu brincava no saguão enquanto mamãe cuidava da recepção,
cumprimentando e ajudando os hóspedes. Quando adolescente, eu passava
meus verões aqui como camareira, limpando quartos para comprar roupas e
dinheiro para gasolina.
Mas foi só na semana passada que, pela primeira vez, compreendi
verdadeiramente o encanto deste hotel. Porque na última semana, eu
basicamente fui uma convidada.
Todas as noites, depois do trabalho, eu subia a escada até o quarto de Vance
no quarto andar. Passávamos horas na cama macia, desgastando um ao
outro até a exaustão. Tomávamos um banho quente juntos no meio da noite,
depois nos enxugávamos com toalhas macias que cheiravam a chuva de
primavera. Então eu caía, dormindo como uma morta até que meu alarme
tocasse às quatro. Eu acordava cedo para fugir do prédio e ir para minha
cafeteria do outro lado da rua.
Este hotel tornou-se um santuário. Ou talvez fosse apenas Vance.
— Você vai para o trabalho ou para casa? — ele perguntou.
Vestido apenas com sua calça de moletom cinza familiar, seu cabelo torto
por causa dos meus dedos, ele abriu a porta, inclinando-se para verificar o
corredor. Quando ele confirmou que estava vazio, ele se posicionou contra
sua face, mantendo-a bem aberta.
— Trabalhar. — Eu mantive minha voz baixa do meu assento na beira da
cama, curvada para amarrar meus tênis.
As mechas mais longas do meu cabelo ainda estavam úmidas do banho da
noite passada, então eu o torci em um nó. Minha pele cheirava a Vance,
uma mistura inebriante de sabão, especiarias e terra. E, além da calcinha
limpa que eu tinha guardado na bolsa, eu estava usando as roupas de ontem.
Uma camiseta e um jeans estavam esperando por mim no meu escritório.
Eu me esgueirava até a loja e me trocava, ninguém sabia que eu não dormia
na minha própria cama há uma semana.
O segredo era uma adrenalina. Até agora, consegui evitar minha família
indo ao The Eloise todas as noites e saindo antes do amanhecer todas as
manhãs. De certa forma, eu me sentia como uma adolescente apaixonada
por um garoto pela primeira vez na vida.
Não que Vance pudesse ser confundido com um menino. Não com aquela
estrutura de um metro e noventa.
Seus bíceps flexionaram quando ele cruzou os braços sobre o peito,
relaxando contra a porta. O pouco de pelos sobre seus peitorais só o fazia
parecer mais largo. Mais forte. Ontem à noite, eu tracei cada centímetro de
seu abdômen tanquinho com a minha língua.
— Você vai sair hoje? — Olhei por cima do ombro para as janelas.
Estávamos tão envolvidos um com o outro ontem à noite, desde o momento
em que ele me puxou para o quarto, mal nos separamos. E quando
finalmente caímos, nenhum de nós tinha reunido energia para fechar as
cortinas.
Além do vidro, apenas as luzes suaves do Main iluminavam o contorno dos
telhados e edifícios.
— Sim, — disse Vance. — Vou subir antes da primeira luz.
— Cuidado com os ursos pardos. — Fiquei de pé, cruzando o espaço entre
nós.
Vance emoldurou meu rosto em suas mãos, inclinando-se para roçar um
beijo em meus lábios. Sua língua estalou para fora, lambendo meu lábio
inferior.
Um arrepio percorreu minha espinha e, enquanto eu tremia, ele aprofundou
o beijo, sua língua deslizando para dentro e acariciando a minha com um
redemoinho preguiçoso. Quando me levantei na ponta dos pés, buscando
mais, ele passou os braços em volta de mim, puxando-me para o plano duro
de seu peito.
Então ele me beijou. Deus, o jeito que esse homem me beijou.
Era como se eu fosse o ar dele. Sua razão para respirar. Tolice,
considerando que estávamos apenas brincando enquanto ele estava na
cidade. Ainda assim, eu afundei no beijo enquanto uma pulsação floresceu
em meu centro. Desejo enrolado na parte inferior da minha barriga.
Mas antes que eu pudesse tirar aquele moletom de seus quadris estreitos, ele
se afastou. — Se não pararmos agora...
Não pararíamos por horas. E embora eu não precisasse mencionar a Vance
que estava entrando e saindo furtivamente, fazendo o possível para passar
despercebida, ele sabia. Se as pessoas nos vissem juntos, isso só levaria a
perguntas.
Não estávamos respondendo a perguntas, nem mesmo um ao outro.
Vance não me contou muito sobre sua vida em Idaho. Ele não havia
oferecido mais detalhes sobre Cormac. A conversa de travesseiro na semana
passada se concentrou em um tópico seguro - eu.
Nós conversamos sobre minha família. Sobre a vida crescendo em Quincy.
Como minha mãe me ensinou a cozinhar e assar. Ontem à noite, ele me fez
pergunta após pergunta sobre a cafeteria, então contei a ele como usei
minha herança para iniciar o negócio e alguns dos obstáculos que superei ao
longo do caminho - funcionários e despesas.
Ele ouviu com muita atenção. Talvez eu devesse ter ficado lisonjeada.
Nenhum homem antes de Vance havia demonstrado um interesse tão ávido
por minha vida. A maioria dos caras com quem namorei via o Eden Coffee
como uma competição por atenção.
A curiosidade genuína de Vance era revigorante. Ainda assim, algo sobre
seu interesse me incomodou. Talvez porque fosse muito forte.
Porque se estávamos falando de mim, não estávamos falando dele.
Ele não tinha compartilhado um pedacinho de informação pessoal. Nenhum
fragmento ao qual eu pudesse me agarrar.
Aquilo era apenas sexo. Sexo incrível, alucinante e emocionante. Antes de
Vance, eu nem sabia como deveria ser um orgasmo. Meu corpo se desfez
sob suas mãos. Eu me vi ficando mais ousada, tendo o prazer que eu
desejava. E Vance entregou, uma e outra vez.
Outra mulher poderia estar bem traçando essa linha. Ela simplesmente
ficaria grata por ser fodida por um Adônis todas as noites.
No entanto, eu ansiava por mais. Esse era o meu problema? Que eu sempre
quis mais?
Eu queria o que este homem não poderia me dar.
Eu estava bem com isso? Talvez. Talvez não.
— Você decidiu quanto tempo vai ficar? — Eu perguntei, pegando meu
casaco de onde ele havia caído no chão na noite passada. — Você precisa
voltar ao trabalho?
— Ainda não tenho certeza, — disse ele. — Eu aviso você.
Ele iria embora? Ou eu viria a este quarto uma noite e descobriria que ele se
foi?
Essa era uma pergunta que eu não queria responder, então peguei minha
bolsa, pendurando-a no ombro, e fui até ele para um beijo casto. — Até
mais.
— Tchau, Blue.
Aquele apelido, como a campainha da cafeteria, sempre me fazia sorrir.
Minhas bochechas esquentaram quando entrei no corredor, fazendo minha
própria verificação para garantir que estava sozinha. Então corri para a
escada, olhando para trás por um breve momento antes de passar pela porta.
Vance não estava.
Desci as escadas correndo, pegando a saída que levava ao beco e ao
estacionamento atrás do The Eloise. Então fechei o zíper do meu casaco,
enfiando as mãos nos bolsos para mantê-las aquecidas enquanto contornava
o prédio e corria pela rua principal.
Quando cheguei à calçada do lado de fora da cafeteria, olhei para o hotel,
procurando por Vance na janela. Sua estrutura preencheu o vidro.
Eu não acenei. Apenas no caso de alguém me ver na rua, eu não queria
arriscar essa exposição. Simplesmente me virei e caminhei até a cafeteria,
tirando as chaves da bolsa para destrancar a porta da frente.
A quietude na loja acalmou meu coração acelerado. A necessidade era a
razão pela qual comecei a ir à loja às quatro da manhã. Enquanto o resto de
Quincy dormia, eu podia trabalhar em silêncio sem distrações.
Então, depois de trocar rapidamente de roupa, ocupei-me na cozinha. Hoje,
apeteceu-me uma fatia de torrada integral caseira com manteiga de sal e
compota de damasco para o café da manhã, por isso pus mãos à obra.
O cheiro de fermento e farinha normalmente era tão reconfortante quanto
qualquer abraço, mas enquanto deixei a massa crescer, esperei que a tensão
escapasse de meus ombros. Esperei pela paz que normalmente encontrava
nessas horas tranquilas da madrugada.
Não veio. Havia algo estranho nas minhas manhãs por semanas. Desde o
rio.
Em vez de saborear um café com leite antes de acender o restante das luzes
da loja e abri-la para o público, encontrei-me sentada na cadeira de Vance,
olhando para a rua.
A caminhonete dele ainda estava estacionada do lado de fora do hotel.
A luz de seu quarto estava apagada.
Minha mão veio à minha garganta, sentindo minha pele. Eu estava cansada
de cachecóis, então não trouxe um para usar hoje.
Os hematomas estavam desaparecendo dia após dia e, além disso, não era
como se todos na cidade não soubessem o que havia acontecido. A fofoca
viajou mais rápido que uma bala em Quincy, Montana.
Era por isso que eu queria saber tudo sobre Vance? Porque fui treinada por
esta pequena cidade para alimentar minha curiosidade? Que os segredos
não eram sagrados, eram um desafio?
Ou talvez eu fosse apenas uma mulher que queria saber sobre o homem que
ela deixou entrar em seu corpo.
Afastei o pensamento. Era a primeira segunda-feira de outubro. Às
segundas-feiras costumavam ser lentas, especialmente nesta época do ano,
quando tínhamos poucos turistas na cidade.
Em um dia como este, eu geralmente deixava Crystal fazer café e servir os
clientes enquanto eu passava horas decorando essas janelas, pintando à mão
teias de aranha brancas nos cantos do vidro. Eu teria biscoitos assustadores
no forno e um pote de milho doce no balcão para decoração.
Eu ansiava pelo Halloween todos os anos. Mas apenas o pensamento de
encontrar meu pincel e decorar as janelas fez meu lábio se curvar.
Deus, o que havia de errado comigo? Quando eu iria começar a me sentir
como eu de novo? Fazia semanas desde o rio. Quando isso pararia de pesar
tanto em minha alma?
— Lyla.
— Ah! — Eu pulei, praticamente pulando da cadeira quando a mão de
Crystal tocou meu ombro. — Oh meu Deus. Você me assustou.
— Eu sinto muito. Achei que você tinha me ouvido entrar pela porta dos
fundos.
— Tudo bem. — Eu acenei, então respirei fundo, desejando que meu
coração saísse pela minha garganta.
— O que você está fazendo? — ela perguntou. — Apenas sentado no
escuro?
— Oh, eu estava apenas, hum... tentando descobrir como poderia pintar
teias de aranha e depois transformá-las em flocos de neve depois do Dia de
Ação de Graças, — eu menti.
— Boa ideia. Eu me ofereceria para ajudar, mas não tenho jeito com
projetos de arte. — Ela me deu uma carranca exagerada.
Seu batom era laranja hoje, a cor das cenouras. Crystal tinha uma cor de
batom diferente para cada dia do mês, variando do azul ao vermelho e ao
verde.
Sua natureza peculiar era parte do motivo pelo qual a contratei. Ela não se
importava que alguns dos velhos mal-humorados da cidade lhe lançassem
olhares estranhos quando ela usava batom roxo. Ela estava confiante em seu
estilo e em si mesma.
Eu geralmente sentia o mesmo. Apenas, não ultimamente. Não desde o rio.
Foram os hematomas? Eu me sentiria como eu novamente uma vez que eles
tivessem ido embora?
Meu olhar se voltou para as janelas novamente. — E se não houvesse teias
este ano? E se pulássemos os flocos de neve?
— O que você quer dizer? — perguntou Crystal. — Como fazer outra
coisa? Aranhas ou o que?
Ou sei lá o que.
— Vou inventar alguma coisa, — eu disse, dando a ela um sorriso forçado.
Então eu a segui até o balcão e ajudei a preparar o dia.
Fingi que estava tudo normal. Eu sorri como se eu quisesse dizer isso.
Menos de dez minutos depois que Crystal destrancou a porta da frente às
seis, a campainha tocou e eu olhei para cima de onde estava preparando
aquele latte para mim.
Vance atravessou a loja, parando no balcão. — Oi.
— Bom dia. — Eu presumi que ele já teria ido para as montanhas, mas com
Crystal aqui, eu não perguntei.
Seu gorro cobria seu cabelo rebelde. Seu casaco moldava aqueles ombros
largos. Aqueles olhos brilhantes e claros percorreram meu corpo, da cabeça
aos pés. — Café.
— Eles não tinham nenhum no hotel?
— O seu é melhor.
Sim, era. — Pra levar?
Ele assentiu. — Por favor.
Por favor. Ontem à noite, Vance me fez dizer por favor toda vez que eu quis
gozar. Ele me fez implorar, e isso tornou a liberação muito mais doce.
Minhas bochechas coraram enquanto eu enchia seu copo de papel.
O cronômetro que eu trouxe da cozinha apitou, sinalizando que o pão estava
pronto.
— Eu vou pegar, — diz Crystal, deixando-nos sozinhos.
— Você gosta disso, não é? — A voz de Vance era um murmúrio profundo.
— Eu, pedindo por favor.
— Sim. Mas eu também gosto de dizer por favor — sussurrei.
— Anotado. — O canto de sua boca se ergueu. — Eu vou fazer você dizer
isso mais tarde.
— Você está por sua conta, Sutter. — Eu entreguei seu café, balançando a
cabeça quando ele tentou pagar. — É por minha conta.
Vance pegou a carteira e tirou uma nota de cinco dólares. Ele piscou
enquanto o colocava no balcão. — Até mais, Blue.
Ele se afastou, café na mão. Ele estava fugindo para as montanhas.
Uma sensação estranha tomou conta de mim enquanto ele se dirigia para a
porta. Parecia muita... inveja.
Pela primeira vez na minha vida, o último lugar que eu queria estar era
dentro dessas paredes. Eu não queria assar e servir e sorrir.
— Vance? — Eu chamei, parando-o.
Ele parou. — Sim?
— Posso ir com você hoje? — O que eu estava perguntando? Eu precisava
trabalhar. Eu precisava?
— Claro, — ele concordou sem hesitar.
Meu coração galopou. Espontaneidade não era, bem... eu. Mas a ideia de
abandonar o trabalho parecia tão certa. — Preciso levar meu carro para
casa. Encontre-me no beco em cinco minutos?
— Ok.
Eu corri para longe do balcão tão rápido que quase tropecei em meus
próprios pés. Então corri para a cozinha, onde Crystal estava colocando
meus pães em bandejas de resfriamento. — Ei, você se importaria se eu
saísse hoje?
Ela piscou, como se aquela pergunta a tivesse deixado em silêncio. — Você
não deveria trabalhar às segundas-feiras.
— Huh?
— Quando você me contratou, você disse que tiraria folga nas segundas-
feiras.
— Oh. — No entanto, nunca a deixei trabalhar sozinha.
Não tinha nada a ver com ela. E tudo a ver comigo.
— Bem, se você estiver bem com isso, eu vou embora hoje.
— Claro. — Ela sorriu, ficando mais alta. Seus olhos castanhos brilharam.
— Eu dou conta disso.
— Eu sei que você pode, — eu disse a ela, então corri para meu escritório
para pegar meu casaco e as roupas de ontem.
Com eles enfiados na minha bolsa para que Crystal não notasse, fui para o
meu carro. Como acontecia todas as manhãs, as janelas estavam cobertas de
gelo. Joguei minhas coisas dentro e rapidamente raspei o vidro, terminando
assim que Vance estacionou sua caminhonete no beco.
Subi no carro e guiei o caminho para minha casa.
Não havia muitas casas novas em Quincy, mas, além de comprar e reformar
o prédio na Main para o Eden Coffee, usei minha herança para construir a
casa dos meus sonhos a cerca de três quilômetros da cidade.
Era estilo fazenda, com lindo revestimento branco e uma varanda pitoresca.
As persianas pretas combinavam com a sombra do telhado de zinco. Havia
três quartos, uma cozinha espaçosa e um escritório. As outras casas do
bairro abrigavam famílias em crescimento. Isso era o que eu tinha
imaginado para esta casa. Uma família.
Quando entrei na garagem e estacionei, observando minha charmosa casa,
um peso se instalou em meu peito.
E se não houvesse família? E se fosse só eu?
A batida da porta da caminhonete de Vance me tirou desse pensamento, e
eu desliguei meu carro e saí, juntando-me a ele na garagem para que
pudéssemos entrar pela porta da frente.
— Lugar legal. — Ele absorveu tudo, de cima a baixo, como costumava
fazer comigo.
Esse era o jeito dele, não era? Ele escaneou. Avaliando.
— Eu só quero vestir algo mais quente, — eu disse.
— Sem pressa. — Ele me seguiu para dentro, fechando a porta atrás de nós
enquanto eu corria pelo corredor para o meu quarto.
Levou apenas alguns minutos para vestir um moletom grosso e botas de
caminhada. Então peguei um casaco, gorro e luvas, levando-os para a sala
de estar, onde encontrei Vance inclinando-se para estudar um quadro
emoldurado pendurado na parede.
— Esta é a sua família? — ele perguntou, sem tirar os olhos da foto.
— É sim. Esses são meus pais e meus irmãos e irmãs. — Eu fui para ficar
ao seu lado, tirando a foto datada. Estranho como eu passava por essa foto
todos os dias, mas não a olhava há algum tempo.
— Aquele foi o último ano de Knox no ensino médio, — eu disse. — A
mamãe estava dizendo outro dia que precisávamos tirar uma nova foto
agora que nossa família cresceu muito.
Maridos. Esposas. Crianças.
Mateo e eu estaríamos juntos, sem dúvida, como as duas únicas pessoas
solteiras em nossa família.
— Você tem uma família grande?
Vance se endireitou, virando-se da foto. Nenhuma palavra escapou de seus
lábios.
Aparentemente, sua família, junto com todos os outros tópicos pessoais,
estava fora dos limites.
— Certo, — eu murmurei. — Muito pessoal. Você pode me foder sem
sentido todas as noites, mas é aí que termina.
— Lyla...
— Tudo bem. — Eu sacudi meu pulso. Não estava bem. Nada agora estava
bem. Se eu fosse honesta comigo mesmo, aquela explosão tinha mais a ver
comigo do que com Vance.
Tirei o gorro que acabara de colocar, sentindo muito calor. O moletom de
repente estava sufocando. — Na verdade, acho que vou ficar em casa hoje.
Você vai sem mim.
O rosto de Vance era ilegível. Talvez ele tenha ficado aliviado. Talvez ele
estivesse arrependido. Talvez ele estivesse irritado. Foda-se se eu soubesse.
— Outro dia. — Ele me deu um único aceno de cabeça, então caminhou
pela entrada e saiu pela porta.
Eu não o impedi. Em vez disso, peguei a bainha do meu moletom e o
rasguei do meu torso, jogando-o no chão. — Gah!
O que estava errado comigo? Eu não queria estar no trabalho. Eu não queria
estar em casa - não queria estar em lugar nenhum. Eu estava dormindo com
Vance e não sabia nada sobre ele.
Tudo estava errado.
E eu não sabia como fazer isso direito.
Desgrudei os pés, indo para a cozinha. Talvez meu cômodo favorito da casa
me fizesse sentir mais eu mesma. Mas então meu próprio reflexo chamou
minha atenção no espelho decorativo que pendurei em uma das paredes da
sala.
Isso me deixou paralisada.
Minha garganta era uma lavagem de amarelo esverdeado. Mas havia alguns
círculos ainda pretos e azuis. Aproximei-me do espelho, observando
aqueles círculos.
Ponta dos dedos. Eram da ponta dos dedos de Cormac.
O filho da puta.
— Cormac.
Foi a primeira vez que eu disse o nome dele em voz alta.
— Cormac. — Minha voz era mais forte. Mais firme. Mais irritada.
Eu sabia o nome dele. Eu conhecia seus crimes. Eu sabia por causa de
Vance. Porque eu acreditei em cada palavra que ele me disse sobre meu
atacante.
Enquanto isso, ele não falava de sua família. Amigos dele. O trabalho dele.
A vida dele. Tudo o que ele realmente compartilhou foi sobre Cormac.
Os cabelos da minha nuca se arrepiaram.
Quem era Vance? E se eu estivesse errada? Ele me disse que era policial,
mas nunca me mostrou um distintivo. Eu nunca pedi para ver um.
Winn nunca ia a lugar nenhum sem o dela. Mesmo quando ela foi para a
casa de mamãe e papai para um jantar em família no rancho, ela trouxe seu
distintivo.
Passei uma semana dormindo no quarto de hotel de Vance sem nenhum
distintivo à vista.
— Oh meu Deus. — Eu passei meus braços em volta da minha cintura,
minha cabeça girando.
Tudo o que ele me disse eu escondi de Winn. Ele me pediu para ficar quieta
e eu concordei. E se eu tivesse cometido um grande erro?
No dia em que encontrei Cormac naquele rio, presumi que ele diria olá.
Presumi que falaríamos sobre o tempo antes de seguirmos caminhos
separados. Eu presumi que ele poderia ser confiável.
E eu confiei em Vance.
Eu acreditei cegamente em Vance porque ele me disse tudo o que eu queria
ouvir. Meu estômago revirou.
— Você é uma idiota do caralho, — eu bati no meu reflexo, então eu corri,
pegando minhas chaves antes de correr para a garagem.
E enquanto dirigia até a delegacia, fingi que não estava traindo Vance.
CAPÍTULO DEZ

VANCE
No momento em que atravessei a soleira do hotel, senti uma pontada
de consciência. De injustiça. Senti um nó no estômago desde que saí da
casa de Lyla esta manhã.
Desatado.
Não porque eu não tivesse que me preocupar. Mas porque eu poderia parar
de temer o inevitável.
Winslow Eden estava ao lado da mesa de mogno da recepção, seus olhos
fixos em mim enquanto eu atravessava o espaço.
A seu lado, Eloise se sentava mais alta, estreitando os olhos. O rosto de
Jasper era de granito, seu corpo travado e as mãos fechadas. Ele parecia
pronto para pular na frente de sua esposa e protegê-la do perigo. De novo.
Isso não era uma porra de vergonha? Que essas pessoas pensavam que eu
era uma ameaça?
Quando eu estava a três metros da mesa, Winn empurrou sua borda,
fechando a distância entre nós. Vestindo uma camisa preta de botão e um
jeans, seu cabelo escuro solto e caindo sobre os ombros, ela não deveria ser
imponente. Mas seu distintivo era inconfundível. E aquela arma.
Esta era uma mulher que não tinha medo de usá-lo.
Paramos a um metro de distância. Ela ergueu o queixo para manter meu
olhar.
— Chefe Éden. — Eu abaixei meu queixo.
— Oficial Sutter. — Sua voz era legal. Calma. Letal.
Então ela sabia que eu era policial. Não foi uma surpresa, mas ainda assim
foi uma merda. Merda.
— Acho melhor termos uma conversa, — disse Winn.
Olhei ansiosamente para a lareira do saguão e os sofás de couro dispostos
em torno de uma mesa de café. Sem chance de estarmos tendo essa
conversa aqui, não é?
— Seu carro? Ou o meu?
****
Duas horas depois de chegar à delegacia de polícia de Quincy,
levantei-me da cadeira que havia sido meu captor e estendi a mão sobre a
mesa de Winslow.
— Agradeço por você me ouvir, — eu disse.
Ela se levantou também, apertando minha mão com um aceno de cabeça. —
Lyla estava chateada quando desceu mais cedo. Ela merece a verdade.
— Ela merece. Se estiver tudo bem, eu gostaria de ser o único a dizer a ela.
— Essa noite. — Winn arqueou uma sobrancelha, uma ameaça silenciosa.
Se eu quisesse ser o único a contar a Lyla a verdade, o relógio estava
correndo.
— Essa noite. — Peguei meu casaco no encosto da cadeira e o vesti. Então
amarrei a mochila que tinha levado comigo para a caminhada.
Winn não me deixou deixá-la no quarto. Em vez disso, ela me arrastou
diretamente para a estação em seu equipamento sem identificação. Eu
esperava que ela sentasse na minha bunda em uma sala de interrogatório,
mas ela não me mostrou nenhuma piedade e escolheu seu escritório para
esta conversa ao invés.
Só os policiais entendiam que o escritório de um chefe ou capitão era pior
do que uma sala de interrogatório.
Um arquivo com meu nome estava sobre a mesa dela quando entramos,
deixado bem à vista para eu ver. Mas ela não tocou nele desde que
chegamos aqui. Provavelmente porque nós dois sabíamos o que havia
dentro.
Meus demônios.
Cormac. O tiroteio.
Em vez de me contar o que sabia, ela pediu minha história e depois ouviu.
Quando eu terminei, ela me entregou a mastigação de todas as mastigações
de bunda.
Eu sempre pensei que meu capitão era o melhor em matar um homem, mas
caramba, Winn poderia lhe dar aulas.
Ela me repreendeu por não a contatar em relação a Cormac. Por não
compartilhar informações sobre um criminoso. Por potencialmente
contaminar uma cena de crime. Ela me colocou no meu maldito lugar e não
mediu palavras no processo.
O inferno disso era que eu gostava dela. Ainda. Eu gostava dela. Essa
mastigação de bunda foi feita com respeito. Equilíbrio.
Eu a admirava muito por isso. Aposto que os policiais trabalhando na
delegacia, fora de seu escritório a admiravam muito também. Eles seriam
tolos de outra forma.
— Eu deveria dar um telefonema para o seu capitão, — disse Winn. —
Então dizer a você para dar o fora da minha cidade.
— Você deve. — Mas ela iria?
— Minha jurisdição é Quincy, — disse ela. — O xerife tem condado, bem
como busca e salvamento.
Significando além dos limites da cidade, suas mãos estavam atadas.
As minhas não estavam.
Winn sorriu enquanto ela encolheu os ombros. — Não posso impedir as
pessoas de fazer caminhadas.
E se eu fosse seu único recurso no momento para rastrear o homem que
machucou Lyla, ela não iria ficar no meu caminho.
— E quanto ao FBI? — Perguntei.
Suas sobrancelhas se juntaram enquanto ela pensava nisso por um longo
momento. — Vou passar o APB para um agente local. Se eles decidirem
investigar, não vou ficar no caminho deles.
Bem, foda-se.
Eu acho que teria sido bom demais para ser verdade para mim ser deixado
sozinho. Mas ela não podia exatamente me ensinar a seguir os canais
apropriados enquanto os ignorava também.
— Tudo bem. — Eu balancei a cabeça, então abri a porta e saí de seu
escritório.
Senti olhares em mim enquanto caminhava em direção à saída, mas mantive
meu olhar para frente até estar fora da estação.
No segundo em que o ar frio de outubro atingiu meu rosto, percebi que não
tinha um veículo. — Filho da puta.
O inverno estava chegando e os dias estavam ficando cada vez mais curtos.
Eram apenas seis, mas o sol já havia se posto atrás das montanhas. A
escuridão havia caído sobre Quincy e, embora eu já tivesse passado a maior
parte do dia caminhando, coloquei um pé na frente do outro e me arrastei
até o hotel. Mas, em vez de entrar, tirei as chaves do bolso do casaco e fui
direto para a caminhonete.
As luzes da casa de Lyla estavam acesas, douradas e brilhantes devido à
abundância de janelas. Eu estacionei em sua garagem, mas não consegui
desligar o motor.
Talvez eu devesse ter ficado com raiva dela por ter ido para Winn. Talvez
eu devesse ter me sentido traído.
Mas isso estava em mim.
Havia muitos segredos fodidos.
Por quanto tempo guardei tudo para mim? Nem mesmo Tiff sabia toda a
verdade. Começamos a namorar depois que Cormac desapareceu e, embora
ela tivesse ouvido algumas partes da história, ela nunca tinha ouvido tudo.
Se eu saísse desta caminhonete, se batesse na porta da frente de Lyla, ela
entenderia porque Cormac era tão importante.
Ela estava pronta para isso? Eu estava?
Fazia quatro anos, e porra, eu estava cansado de carregar isso sozinho. Eu
estava cansado de falhar. Eu estava cansado de noites sem dormir.
O melhor sono que tive em anos foi na semana passada. Lyla e eu passamos
muitas horas fazendo sexo, mas quando nos exaurimos, eu desabei, não
acordando até que o alarme dela tocou às quatro.
Winn tinha me dito para vir aqui, mas a verdadeira razão pela qual eu estava
olhando para esta casa de fazenda era porque eu não estava pronto para
perder Lyla.
Isso viria em breve. Isso viria quando eu voltasse para casa.
Ou esta noite, quando ela batesse à porta na minha cara.
Desliguei minha caminhonete e desci, enfiando as mãos nos bolsos
enquanto subia as escadas até a varanda dela. Então apertei a campainha e
prendi a respiração.
Passos soaram lá dentro. Seu rosto apareceu no vidro da porta enquanto ela
ficava na ponta dos pés para ver quem estava do lado de fora. No momento
em que ela me viu, seu lindo rosto endureceu.
Parecia estranho em seu rosto adorável. Fora de lugar. E foda-me por ser o
idiota que fez seu sorriso desaparecer.
Eu era tão ruim quanto Cormac por isso.
Lyla hesitou, parada do seu lado da porta, imóvel.
Pareceram horas que fiquei ali, minha respiração rasa branca no ar frio da
noite. Então, finalmente, ela abriu o ferrolho.
Obrigado porra. O ar fugiu de meus pulmões quando ela parou na soleira.
Seus pés estavam descalços. Seus dedos dos pés ficariam frios. Mas eu não
pedi para entrar.
Ela não me deixaria de qualquer maneira.
— Você é mesmo um policial? — ela perguntou.
Minha testa franziu. Se essa era sua primeira pergunta, significava que ela
estava questionando tudo. Que ela pensou que eu estava mentindo para ela
desde o início. Droga.
— Sim, — eu digo. — Eu sou um policial. Sou delegado do Gabinete do
Xerife do Condado de Kootenai, na Unidade Back Country. Eu não tenho
meu distintivo. Seria inútil em Montana, então deixei para trás.
Era mais ou menos a verdade.
Alguns segredos não eram para esta noite.
— Eu cresci em Coeur d'Alene. Eu sempre amei ao ar livre. Caminhada.
Pescaria. Caçada. Mas também queria ser policial. Acho que você poderia
dizer que meu trabalho é o melhor dos dois mundos.
Embora talvez eu devesse ter me tornado um guia. Talvez eu devesse ter ido
trabalhar para uma empresa de equipamentos, bajulando os turistas ricos
que vinham para o Noroeste do Pacífico em busca de uma aventura na
selva.
Inferno, talvez eu não devesse descartar isso ainda. Dependendo do
resultado da investigação, essa pode ser minha opção alternativa.
— Como eu posso acreditar em você? — Um lampejo de culpa cruzou seu
rosto, como se ela odiasse até mesmo perguntar. Como um mês atrás, ela
não teria que pedir.
Mas então ela conheceu Cormac.
E eu sabia em primeira mão como ele podia destruir a capacidade de uma
pessoa confiar.
Pesquei meu telefone no bolso da calça jeans, rapidamente puxando um
artigo de jornal. — Nesta primavera, dois garotos de dezesseis anos foram
fazer caminhadas. Uma tempestade caiu rapidamente e eles se perderam. Eu
saí e os encontrei.
O jornal havia me chamado de herói. Irônico que apenas alguns meses
depois, eu me tornei o cara mau.
Rolei o artigo até a foto que eles tiraram de mim e de Alec após o resgate.
Nós dois estávamos vestidos com calças de caminhada de lona bege e
camisas de botão combinando. Meu distintivo brilhava sob o sol de verão
tão intensamente quanto a careca de Alec.
Passando o telefone para Lyla, esperei enquanto ela examinava o artigo e
inspecionava a foto. Seus ombros caíram quando ela chegou ao fim.
— Obrigado. — Ela devolveu meu telefone e cruzou os braços. — Eu disse
a Winn quem você é.
— Acabei de chegar da estação.
Outro flash de culpa cruzou seu rosto.
— Está tudo bem, — eu disse a ela.
Lyla olhou por cima do meu ombro, encarando a escuridão. Ela olhou para
qualquer lugar, menos para o meu rosto.
— Seus dedos dos pés estão frios?
Ela baixou o olhar, como se tivesse esquecido seus próprios pés. — Sim.
— Pegue algumas meias. Vou esperar.
Com um aceno de cabeça, ela se virou, fechando parcialmente a porta. Ela
voltou um minuto depois, com os pés cobertos por grossas meias de lã. Ela
vestiu um suéter também.
Ela se protegeu do frio porque eu não fui convidado a entrar em sua casa.
Droga.
Pelo menos eu poderia dar a ela a verdade que ela merecia, então deixá-la
sozinha para encontrar sua paz com isso.
— Alec é o cara na foto comigo, daquele artigo, — eu disse. — A unidade
Back Country é uma pequena parte do departamento do xerife, então, na
maioria das vezes, trabalho sozinho. Mas, de certa forma, você pode
considerá-lo meu parceiro. Ele só existe há quatro anos. Antes disso, meu
parceiro era um cara do Alasca.
Lyla se mexeu, apoiando-se no batente da porta enquanto ouvia, como se
aquele dia a tivesse desgastado tanto que ela precisasse de apoio.
— Seu amor pelo ar livre era dez vezes maior do que o meu. Ele gostava de
coisas de sobrevivência. Ele falou sobre se inscrever para participar daquele
programa Alone1. Você já viu?
— Sim, — ela murmurou.
— Ele tinha muitas habilidades. Ele me ensinou muito. Mais do que eu já
aprendi como escoteiro.
— Você era um escoteiro?
— Sim. — Eu balancei a cabeça. — Outros caras jogaram basquete ou
futebol americano no ensino médio. Eu era um escoteiro.
Literalmente. Figurativamente.
Ninguém ficou surpreso quando decidi entrar na polícia.
— Aquele homem do Alasca era Cormac. Ele era meu parceiro.
O suspiro de Lyla soou alto na noite silenciosa.
— Não apenas meu parceiro. Ele era meu melhor amigo. Meu mentor.
Seu olhar estalou para o meu. — É assim que você sabe tanto sobre ele.
— Ele era um bom homem. Eu olhei para ele. Eu aprendi com ele. De certa
forma, ele era quem eu queria me tornar.
— Vance...
— Não faz sentido. O Cormac que eu conhecia adorava sua esposa. Ele
adorava seus filhos e tratava sua família como se fossem seu mundo inteiro.
Ele era um bom homem. Ou então eu pensei. — Faz quatro anos. Como não
vi o monstro que ele se tornou? Como eu perdi isso? Como posso estar tão
errado?
Aqueles olhos azuis brilhantes eram tão sinceros. Tão honesto. —
Desculpe.
— Eu também. — Eu dei a ela um sorriso triste. — Se eu não o encontrar,
ninguém o encontrará. Ele é bom demais. Cuidadoso demais. Mas preciso
saber o que aconteceu naquela noite. Eu tenho que saber por que ele... —
Os assassinou.
O rosto de Lyla suavizou quando o desespero rachou minha voz. — Eu
estraguei tudo hoje? Indo para Winn?
— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Eu deveria ter procurado ela
desde o começo.
— O que ela disse?
— Ela disse que não consegue impedir um cara de caminhar.
A sombra de um sorriso cruzou os lábios de Lyla. — Realmente?
— Ela quer que Cormac seja encontrado pelo que ele fez com você. Eu sou
a melhor chance dela.
— E minha. — Ela fechou os olhos, respirando fundo. Então, quando ela
exalou, ela ficou reta. — Obrigado por me contar.
— Desculpe não ter feito isso antes.
— Provavelmente não é a coisa mais fácil de reviver.
Claro que ela entenderia por que eu guardei para mim. Havia algo
excepcionalmente especial em Lyla Eden. O coração dela.
Ela era a mulher que esperava na cafeteria com um sorriso gentil. A mulher
tão firme, tão constante, que não contar tudo a ela custou muito esforço.
— Boa noite. — Eu me virei para sair. Minhas botas bateram nas tábuas da
varanda, mas antes que eu pudesse correr escada abaixo, Lyla chamou meu
nome.
— Vance?
Eu torci. Aqueles lindos olhos esperavam.
Ela deu um passo para trás para dentro da casa, então escancarou a porta. —
Entre.
— Tem certeza?
— Por favor.
O canto da minha boca se ergueu.
Parecia uma vida inteira atrás, mas foi apenas esta manhã que prometi fazê-
la dizer por favor.
Hora de cumprir essa promessa.
Então atravessei a varanda e entrei, fechando a porta. Então, bem ali na
entrada, selei meus lábios sobre os dela e tirei aquele suéter e aquelas
meias. O resto de suas roupas também saiu.
E quando ela foi pressionada contra a parede, meu pau enterrado dentro
dela, inclinei meus lábios para seu ouvido. — Diga por favor se você quiser
gozar.
Um arrepio rolou sobre seus ombros enquanto sua boceta tremulava ao
redor do meu comprimento. — Por favor.
CAPÍTULO ONZE

LYLA
— Você está tirando o dia de folga? — As sobrancelhas de Crystal
se ergueram, praticamente roçando a linha do cabelo. — De novo?
— Hum, eu não preciso. — Eu queria faltar ao trabalho hoje, mas não faria
se isso a deixasse desconfortável. — Eu posso ficar.
— Não! — Ela balançou a cabeça e acenou com os braços no ar. — Fiquei
apenas surpreso. Vá.
— Você está sur...
— Até mais.
Um pouco de culpa formigou, mas eu empurrei o sentimento para longe
enquanto dava uma última olhada ao redor da cozinha. Eu estava aqui
cozinhando desde as quatro da manhã. A vitrine e o refrigerador foram
abastecidos. A maior parte do trabalho de preparação foi feita e todos os
pratos e xícaras de café estavam limpos.
Pelo segundo dia consecutivo, eu estava deixando o Eden Coffee nas mãos
de Crystal. Se hoje fosse como ontem, eu não tinha com o que me
preocupar.
Quando cheguei esta manhã, a loja estava impecável e a cozinha brilhando
sob as luzes fluorescentes. Crystal havia reorganizado as prateleiras ao lado
da lava-louças, trocando as tigelas e pratos, colocando os últimos para
baixo. Usávamos os pratos duas vezes mais do que as tigelas e agora eram
mais fáceis de pegar.
Foi uma pequena mudança, uma que eu nem pensei em fazer. Agora era
extremamente óbvio que deveríamos ter feito isso há muito tempo. O que
mais eu estava perdendo porque me recusei a me afastar?
— Obrigado, — eu disse a Crystal, fazendo uma nota mental para lhe dar
um aumento.
— Claro. — Ela sorriu, seus lábios verde-limão se abrindo.
Ela ficaria bem sozinha hoje, mas talvez fosse hora de contratar outro
barista. Alguém para ajudá-la se eu não estiver. Um funcionário de meio
período para trabalhar fins de semana ou um dia como este, quando eu tinha
outro lugar que queria estar.
Vance e eu íamos para as montanhas hoje, na caminhada que eu não tinha
feito ontem. Eu o deixei na minha cama mais cedo, seu cabelo despenteado
e selvagem enquanto ele abraçava um travesseiro branco. Antes de eu sair
do quarto, ele acordou apenas o suficiente para perguntar se eu queria ir
junto em sua busca.
Depois de sua confissão sobre Cormac na noite passada, dizer sim tinha
sido fácil.
Mas primeiro, eu precisava ter certeza de que Crystal ficaria feliz em
assumir o comando. Mais do que feliz, a julgar pelo sorriso em seu rosto.
— A morena mais bonita que já vi, apareceu ontem, — diz ela. — Nós
flertamos um pouco. Eu realmente espero que ela volte hoje.
— Ooh. — Eu ri. — Espero que ela volte também.
Não seria a primeira vez que ela sairia com um homem ou uma mulher que
conheceu na loja. Crystal era tão doce quanto os pastéis de maçã que eu
acabara de tirar do forno, e parte do motivo de a ter contratado era porque
ela era tão amigável e aberta. Mas ela tinha uma tendência a fofocar com os
clientes, então eu sempre me certificava de que, se houvesse algo particular
para discutir, eu o fizesse onde ela não pudesse escutar.
— O que você vai fazer hoje? — ela perguntou enquanto eu colocava meu
casaco.
— Limpar minha casa, — menti. Eu adorava Crystal, mas meu encontro
com Vance acabaria com Quincy se eu deixasse escapar. — Talvez vá para
o rancho. Veremos.
— Bem, não se preocupe com a loja.
— Eu não vou. — Na verdade, eu também acreditava nisso. Qual foi o pior
que poderia acontecer? O prédio queimar? Uma vez, isso teria sido o fim do
meu mundo. Agora... eu ficaria triste. Mas eu me recomporia.
Assim como eu tinha feito semanas atrás ao longo da margem do rio.
— Estou feliz que você esteja tirando um dia para si mesma, — disse
Crystal.
— Eu também. — Com um aceno rápido, deixei-a terminar de abrir a loja,
saí pela porta dos fundos para o beco e dirigi para casa.
A caminhonete de Vance estava na garagem, mas estacionada mais perto da
porta do que quando eu saí esta manhã. Entrei na garagem e entrei.
Na cozinha, ele estava vestido com as roupas do dia anterior — calças
Carhartt de lona grossa, um casaco cinza de mangas compridas e seu
habitual casaco de flanela macia. O gorro que eu estava acostumada a tirar
de seu cabelo estava preso no lugar.
Ele estava mexendo no telefone enquanto tomava café em um copo de
papel coberto com uma tampa preta. Aqueles não eram os copos para
viagem do hotel, mas do posto de gasolina.
Aquele café tinha gosto de alcatrão.
— Não bebemos esse lodo queimado nesta casa, — eu digo.
Vance olhou para cima, aqueles olhos azul-acinzentados dançando enquanto
guardava o telefone e colocava o copo de lado. — Você não me deixou
escolha a não ser pegar isso no posto de gasolina. Você não estava aberta
quando eu dirigi para a cidade.
— Eu teria trazido café para você. — Encurtei a distância entre nós, ficando
na ponta dos pés, mas não conseguia alcançar seus lábios, então puxei seu
colarinho, puxando-o para mais perto para beijar o canto de sua boca.
Ele se inclinou, dobrando em torno de mim, e enfiou as mãos nos bolsos de
trás da minha calça jeans, dando um aperto brincalhão na minha bunda. —
Prepare-se.
Eu arrastei meus lábios para a parte inferior de sua mandíbula. — Estamos
com pressa?
Ele amassou minhas curvas, mas antes que eu pudesse alcançar o botão de
sua calça jeans, ele colocou as mãos em meus ombros, me girando. Com
um rápido tapa na bunda, ele me mandou para o meu quarto.
— Puritano, — eu murmurei.
Sua risada profunda me seguiu pelo corredor enquanto eu me apressava
para trocar de roupa.
A cama estava feita, a colcha branca lisa. Como o exterior da casa, a
maioria dos cômodos era pintada de branco ou creme. Eu gostava de
espaços claros e abertos com detalhes em madeira e diferentes texturas para
adicionar calor.
A infinidade de travesseiros estava bem arrumada contra minha cabeceira
de tufo bege. Ele até fez o golpe de caratê, vincando-as no topo. Nenhum
homem na minha vida sabia sobre o golpe de caratê.
A ex de Vance o ensinou a fazer a cama assim?
O ciúme rodou, mas eu o empurrei para longe, entrando no meu closet para
vestir um suéter e meias mais quentes.
Vance não era meu. Eu não tinha direito sobre seu coração ou corpo.
Enquanto ele estava aqui, isso era apenas sexo. Sexo incrível e viciante. E
todas as noites que dividíamos a cama, a dele ou a minha, eu dormia sem
pesadelos.
Isso tinha que ser o suficiente. Sexo e sono.
E hoje, procurando por Cormac.
Então terminei de me vestir e peguei o mesmo casaco, chapéu e luvas que
planejei usar ontem. Então, com uma garrafa de água enfiada na dobra do
braço, segui Vance para fora e subi em sua caminhonete Dodge prata.
A viagem em direção às montanhas foi silenciosa, lembrando
estranhamente a viagem que fizemos juntos duas semanas atrás em direção
ao rio. Tinham realmente sido apenas duas semanas? Houve momentos em
que parecia que eu o conhecia há anos.
Na realidade, éramos apenas estranhos. Amantes, por um tempo. Ele
voltaria para sua ex depois que ele deixasse Montana? Esse ciúme surgiu
novamente, mais difícil de ignorar desta vez.
Quando ele estava saindo? Depois que ele encontrasse Cormac?
E se o encontrássemos hoje? Seu rosto brilhou em minha mente, fazendo
minhas entranhas se contorcerem. Como é que eu não tinha pensado nisso
ainda? Hoje não era uma caminhada tranquila nas montanhas com Vance.
Estávamos atrás de um assassino.
Vance se espreguiçou e colocou a mão na minha coxa. — Lyla.
— Sim?
Seu polegar acariciou minha rótula.
Meus joelhos estavam quicando. Eu nem tinha notado.
— Estou bem.
— Você consegue fazer isso. — Ele disse a mesma coisa semanas atrás.
— Eu posso fazer isso.
Vance manteve a mão no meu joelho, um aperto firme, mas suave, até que
precisou de ambas as mãos para entrar no terreno de cascalho onde
estaríamos deixando sua caminhonete.
No momento em que saí e respirei o ar fresco da montanha, um pouco dos
meus nervos se acalmara. Estas eram as minhas montanhas. Esta era a
minha casa. Cormac Gallagher não conseguiu roubar isso de mim.
Vance guardou minha garrafa de água em sua mochila, prendendo-a em
ambos os ombros e, sem dizer uma palavra, partiu para a trilha.
Acompanhei-o enquanto atravessávamos o caminho por cerca de um
quilômetro.
— Você já esteve aqui antes? — A pergunta de Vance me assustou e quase
tropecei em uma pedra.
Estávamos andando tão silenciosamente que presumi que era porque ele
queria manter algum nível de discrição. Mas ele falou com sua voz normal,
sua bota pisando em um galho que quebrou sob seu peso.
— Sim, — eu sussurrei. — Mas não em anos.
Ele olhou para trás. — Cormac não está em nenhum lugar por aqui.
— Como você sabe? — As árvores que margeavam o caminho eram
densas. Alguns deviam ter mais de cem anos, seus troncos largos o
suficiente para esconder um homem.
— Ele não vai chegar perto de uma trilha estabelecida.
— Oh. — Minha testa franziu. — Então por que estamos procurando em
uma trilha?
Vance parou, movendo-se para deslizar uma alça de sua mochila para fora
de um ombro. Ele abriu o zíper do bolso maior, tirando um mapa. Com
facilidade praticada, ele desdobrou e redobrou para me mostrar uma seção.
Parte dela foi marcada com uma série de linhas paralelas vermelhas.
— Aqui é onde estacionamos. — Ele apontou para o mapa, seu dedo
arrastando ao longo do papel enquanto falava. — Este é o início da trilha.
Ontem, caminhei por esta área.
A área sombreada com as linhas vermelhas.
— Hoje, vamos caminhar por aqui. — Vance desenhou um círculo
imaginário no mapa, diretamente acima de onde estivera ontem. — O
caminho mais rápido é o início da trilha. Assim que percorrermos mais um
quilômetro, sairemos do caminho.
— Ah ok. — Era impressionante que ele se sentisse tão confortável na
floresta. E atrativos. Ele era uma fantasia robusta de homem da montanha
que ganhou vida. — Então, uma vez que saímos da trilha, o que estamos
procurando?
Vance deu de ombros, devolvendo o mapa à mochila. — Qualquer coisa.
Com ele seguro, continuou andando, seus passos fáceis, provavelmente para
que eu pudesse acompanhá-lo. De jeito nenhum ele vasculhou toda a área
que tinha ontem neste ritmo lento.
— Estou procurando o que não me pertence, — disse ele.
— Como uma pegada? — Eu me virei, inspecionando o caminho atrás de
nós. Em alguns dos pontos fracos, o entalhe de sua bota havia marcado a
terra. — Está lamacento. Isso provavelmente é uma coisa boa, certo?
— Bom e ruim, — disse ele. — Uma pegada seria pelo menos um sinal de
que alguém estava na área. Talvez de Cormac. Talvez não. As
possibilidades são, eu estaria perseguindo outra pessoa. Cormac se apegaria
às áreas densamente florestadas, onde as agulhas oferecem uma boa
proteção e camuflagem no solo.
— Interessante. — Passei a maior parte da minha juventude explorando o
rancho. Caminhada na adolescência. Andar a cavalo com meus pais e
irmãos. Nem uma vez eu pensei sobre os rastros que deixei para trás. Ou
como mascará-los.
Continuamos ao longo da trilha, caminhando em silêncio enquanto o
terreno se inclinava. Quando Vance parou, pegando minha água, o suor
escorria em minhas têmporas por baixo do gorro.
Enquanto isso, ele mal parecia sem fôlego. Era assim que ele mantinha
aquele corpo magnífico em forma? Como ele tinha tanta resistência para
brincar com o meu por horas e horas todas as noites? Viva para
caminhadas.
— Vamos fazer uma pausa. — Ele caminhou até uma árvore caída, usando
sua bota para chutar um pedaço de casca em decomposição. Abaixo dela, a
madeira era lisa e escura.
— Posso continuar.
— Sente-se, — ele ordenou. — Eu preciso que você economize um pouco
de energia para mais tarde.
— Por que? O que vem depois? — Eu me virei em um círculo. Um
penhasco rochoso surgiu ao longe. Não estávamos escalando isso hoje,
estávamos?
— Mais tarde, eu estou transando com você naquele sofá chique na sua sala
de estar.
— Oh. — Meu rosto ardeu. — Mais tarde.
Vance piscou. Era tão divertidamente sexy que meu coração disparou, então
me sentei, recuperando o fôlego enquanto ele se encostava no tronco de
uma árvore vizinha.
— Com fome? — ele perguntou.
Eu levantei um ombro.
Ele vasculhou sua mochila, tirando duas barras de granola, jogando uma
para mim antes de rasgar a própria embalagem. Ele não engoliu ou parecia
estar com pressa de seguir em frente.
Hoje não foi realmente sobre a busca, foi?
Hoje, ele estava brincando comigo. Trazendo-me aqui porque talvez ele
soubesse que eu precisava de uma folga do café. Ou talvez ele soubesse que
eu precisava de mais dias nessas montanhas para recuperá-las para mim.
— Há quanto tempo você e Cormac eram parceiros? — Perguntei.
— Sete anos. — A leveza nos olhos de Vance desapareceu.
— Não precisamos falar sobre ele.
— Não, está tudo bem. — Ele olhou para a floresta, seu olhar perdendo o
foco. — Eu não falo sobre ele há muito tempo. Meio que fiz questão de não
fazer isso.
— Nós realmente não precisamos.
Ele enrolou seu invólucro agora vazio e se inclinou mais fundo na árvore.
— Depois da academia, passei alguns anos como policial fazendo um
trabalho bastante rotineiro. Principalmente colocando meu tempo, provando
a mim mesmo. Conheci Cormac em uma festa de fim de ano do
departamento. Começamos a conversar e eu disse a ele que estava
interessado em trabalhar para a unidade rural. Ele me levou para passear na
semana seguinte. Neve até a cintura. Frio como o inferno. Ele me empurrou
ao extremo, mas eu mantive o ritmo com ele até o cume. Vista maravilhosa.
Valeu o trabalho.
Sua voz se acalmou enquanto ele falava, quase como se estivesse andando
na ponta dos pés em torno dessas memórias, tomando cuidado para não as
perturbar.
— Eu não percebi até voltarmos para a cidade que era um teste, — diz ele.
— Cormac mexeu alguns pauzinhos e, naquele verão, fui transferido. Ele se
tornou meu mentor. Parceiro. Amigo.
Até que Cormac explodiu e assassinou sua família.
— Passei muito tempo com ele e sua família, — diz Vance. — Eu disse a
você que ele era o treinador do time de softball de sua filha?
— Sim.
— Eu era o assistente técnico. Ensinei suas filhas a talhar colheres de pau.
Quando Cormac estava trabalhando, eu levava suas gêmeas para o treino da
equipe de natação. Essas meninas eram a coisa mais próxima de minhas
próprias filhas que eu já tive.
E ele as havia perdido. Meu coração se partiu. — Sinto muito.
— Ele era um bom pai. — Vance balançou a cabeça, as sobrancelhas se
unindo. — Ele era um ótimo pai. Ele amava aquelas garotas.
Então por que? Por que ele as matou? A menos que...
— Você acha que ele realmente fez isso? — Eu odiava até mesmo fazer
essa pergunta. Depois do que Cormac fez comigo, não tive problemas em
pensar nele como um assassino. Mas a dúvida escrita no rosto de Vance
rastejou em minha mente.
— Na minha cabeça— – ele bateu na têmpora – — ele os matou. Ele
estrangulou Norah.
Norah. Um nome bonito. Eu já tinha pena dela pelo jeito que ela morreu.
Eu esperava, para o bem dela, que ela não soubesse que ele havia matado
suas filhas.
— Não há dúvida, — Vance continuou. — Eu examinei as evidências
inúmeras vezes. Tudo aponta para Cormac. E o fato de ele ter fugido.
— Homens inocentes não fogem.
— Não, eles não. — Ele suspirou. — Na minha cabeça, todas as peças se
encaixam. Mas no meu coração, não consigo entender isso.
Porque para Vance, Cormac tinha sido um amigo e mentor também. Não
um assassino de sangue frio. — É por isso que você precisa encontrá-lo.
Você quer respostas.
Vance ficou quieto novamente, seu olhar percorrendo as árvores próximas.
— Começando a pensar que talvez não consiga.
— Espero que você faça.
— Eu também, — ele murmurou, engolindo em seco.
Eu me levantei do meu assento, limpando o tecido da minha calça jeans.
Então entreguei a Vance minha garrafa para colocar em sua mochila com
meu próprio invólucro de barra de granola. — Ok, estamos procurando
pegadas, mas não estamos procurando pegadas. O que mais?
— Cormac estava caçando quando você o encontrou. Não para esporte, mas
comida. O que significa que ele provavelmente tem um abrigo na área. Não
encontrei sinais dele perto do rio, então ele provavelmente teve o cuidado
de caçar longe de onde está acampado.
— Então por que ele veio ao rio naquele dia? — Aquele lugar não ficava
perto da estrada, mas também não era exatamente isolado.
— Época de caça. Talvez ele pensou que iria se misturar como apenas outro
caçador de arco. Talvez ele estivesse rastreando o alce e foi para lá que ele o
levou.
Eu acho que quando você vive na floresta para se alimentar, você aproveita
as oportunidades oferecidas. — Que distância ele colocaria entre seu
acampamento e onde estava caçando?
Vance deu de ombros. — Dez milhas? Vinte? Talvez mais.
— Vinte milhas? — Um círculo mental se estendeu em minha cabeça, sua
borda se estendendo cada vez mais para dentro da floresta. Vinte milhas em
uma estrada lisa e plana levariam pelo menos cinco horas para caminhar.
Mas através desta floresta? Dias.
A magnitude dessa busca, a improbabilidade de ser bem-sucedida, rolou
sobre mim como a densa névoa que se agarra aos picos irregulares das
montanhas.
Isso era desesperador?
Como se tivesse arrancado a pergunta dos meus pensamentos, Vance
estendeu a mão, sua palma segurando minha bochecha. Naquele olhar claro,
eu vi a verdade que ele estava escondendo por semanas.
Isso era impossível, não era? No entanto, ele ainda estava aqui, vasculhando
esta floresta dia após dia.
Ele não havia desistido, ainda não. Então eu também não.
— O que mais você procura?
— Armadilhas de animais. — Seu polegar acariciou minha pele antes de
abaixar a mão e ajustar a mochila. — Tocos de árvores que parecem ter sido
cortados, não quebrados. E ele ficaria relativamente perto de um suprimento
de água.
— Mas não o rio?
— Provavelmente não. Há uma abundância de riachos de montanha ao
redor. Em vez disso, ele usará um deles como fonte.
Um fluxo. Ou... uma cachoeira.
Eu girei em um círculo lento, tentando me orientar. — Existem duas
cachoeiras neste início de trilha.
— Duas? — Vance pergunta. — De acordo com os guias locais, só existe
uma. Tem certeza?
— Positivo. Esta trilha leva à principal. — Daí o motivo de ter até uma
trilha para começar e um estacionamento na base. — Mas há outra
cachoeira aqui também. Simplesmente não há trilha que leve a ela. Não sei
quanto andamos e faz uma eternidade desde que vim para cá. Mas eu quero
dizer cinco milhas, talvez? Acho que vou reconhecer o caminho para chegar
lá? Dedos cruzados.
— Tudo bem. Lidere o caminho.
— Promete não ficar com raiva de mim se eu nos perder?
Ele se aproximou e roçou um beijo na minha testa. — Você nos faz perder.
Vou fazer com que sejamos encontrados.
CAPÍTULO DOZE

VANCE
— Como você sabe sobre essa cachoeira? — pergunto a Lyla enquanto ela
abria caminho entre as árvores.
— Eu vim aqui algumas vezes no ensino médio. — Ela diminuiu a
velocidade, olhando para a esquerda, depois para a direita, antes de
continuar em frente.
Pela frequência com que ela parava para girar em um círculo lento, eu tinha
quase certeza de que ela estava perdida. Mas eu tinha uma boa ideia de
onde estávamos - incontáveis horas estudando mapas locais foram um
tempo bem gasto.
Se ela se virasse, eu conseguiria encontrar o caminho de volta para a
caminhonete. Então eu a deixei continuar, meu olhar alternando entre a
floresta e sua deliciosa e doce bunda.
Eu estava lutando duro desde que ela assumiu a liderança. Não é
exatamente o que eu deveria focar hoje. Mas Lyla precisava dessa
caminhada. Ela não disse nada, eu só tive um palpite.
Hoje era mais sobre ela recuperar um pedaço de si mesma do que rastrear
Cormac.
Mas um tempo bem gasto.
— Eu tive um namorado no meu primeiro ano que adorava caminhar. Ele
era um ano mais velho e passava muito tempo caminhando nessas
montanhas. Ele encontrou esta cachoeira e me trouxe junto. — Ela olhou
por cima do ombro, com um sorriso tímido na boca enquanto pressionava
dramaticamente a mão no coração. — Achei tão romântico ele descobrindo
essa cachoeira só para mim.
Portanto, este foi um ponto de conexão. Uma lança de ciúme atravessou
meu peito, de um lado e saiu do outro.
Lyla olhou para frente antes que ela pudesse ver minha mandíbula cerrar.
Pelo amor de Deus.
Ciúmes de um namorado do colégio. O que diabos estava acontecendo
comigo? Eu não conseguia me lembrar da última vez que senti ciúmes.
Nenhum dos antigos amantes de Tiff me irritou. Inferno, ela trabalhava com
um ex, e eu não me importava - talvez eles voltassem a ficar juntos agora.
Bom para eles.
Então, por que apenas a menção da antiga paixão de Lyla me fez querer
socar uma árvore?
Não havia motivo para ficar com ciúmes. Não há razão para se apegar. Isso
acabaria logo.
Comigo encontrando Cormac. Ou eu saindo de mãos vazias.
Até então, Lyla era uma adorável distração, um bálsamo para uma ferida
que eu duvidava que algum dia fosse cicatrizar. Uma mulher que precisava
de uma fuga tanto quanto eu precisava esquecer. Ela era um milagre,
realmente.
Quando ela estava na cama comigo, eu até consegui algumas noites
decentes de sono.
Esta manhã, tinha sido muito fácil voltar a dormir depois que ela saiu para
Eden Coffee, seu perfume persistente nos travesseiros.
Quando foi a última vez que dormi depois das cinco? anos. Quatro, para ser
exato. Quando o mundo fazia sentido, antes de tudo ficar tão fodido, eu
adorava dormir até tarde.
Isso foi antes dos mortos me assombrarem em meus sonhos.
— O que mais aconteceu com Winn ontem? — A pergunta de Lyla me tirou
da cabeça.
— O que eu te disse ontem à noite. Ela basicamente disse que eu estraguei
tudo vindo aqui e não fazendo da estação dela a minha primeira parada.
Lyla me lançou uma carranca exagerada por cima do ombro. — Aí.
— Ela não está errada. Eu quebrei o protocolo. Ela tinha o direito de estar
chateada.
— Mas você ainda está aqui.
— Ainda estou aqui. — Para outro dia. Outra semana. Talvez mais um mês.
Lyla só perguntou uma vez quanto tempo eu ficaria em Quincy. Eu não
tinha respondido porque não tinha certeza. Eu ficaria o máximo possível,
nada mais.
— Winn é uma boa policial, — eu digo. — Ela seguirá as regras. Ela é uma
boa cunhada também. As mãos dela estão atadas, as minhas não. Então eu
continuo procurando com o entendimento de que se eu estragar essa
investigação, ela vai me castrar.
A risada de Lyla encheu o ar. Deus, esse som. Eu não a tinha ouvido rir o
suficiente enquanto estive em Quincy.
— Eu li sobre o que Winn fez como chefe no jornal, — eu digo.
Lyla parou, virando-se para mim. — Você leu sobre o tiroteio?
— Eu li. Desculpe. Isso deve ser difícil para sua família.
— Foi, especialmente para Eloise. Jasper também. Eu me preocupo com ela
depois do que ela teve que fazer. — Os ombros de Lyla caíram. — Você já
teve que atirar em alguém?
— Duas vezes.
— Eles morreram?
— Uma vez.
Os olhos de Lyla se encontraram com os meus, a simpatia neles tão
profunda que fez meu peito se apertar. Ela diminuiu a distância entre nós,
sua mão espalmada em meu coração. — Sinto muito.
— Eu também. — Eu segurei sua bochecha, meu polegar traçando a linha
suave de sua bochecha.
Estranho, mas eu não pensava nisso há algum tempo. Eu costumava
reproduzi-lo diariamente.
Anos atrás, um caçador deu a dica de que havia tropeçado em uma casa de
metanfetamina nas montanhas. Eu só trabalhava com Cormac há cerca de
um ano e, naquela época, fazíamos tudo juntos. Verdadeiros parceiros.
Amigos. Então nós dois fomos fazer um reconhecimento para ver se
conseguíamos encontrar a cabana. O plano era apenas fazer o escopo e, em
seguida, chamar a força-tarefa antidrogas locais para derrubá-los.
Nós encontramos o lugar com bastante facilidade. Era uma velha cabana de
merda, a quilômetros de qualquer estrada ou casa. Paramos a cerca de
cinquenta metros de distância, perto o suficiente para Cormac localizar o
local no GPS e tirar algumas fotos.
Ele tinha acabado de tirar o telefone do bolso quando ouvimos um galho
estalar. Então tudo aconteceu em câmera lenta.
O cara que morava naquela cabana estava na floresta, fazendo tudo o que os
viciados em metanfetamina fazem. Ele nos viu se aproximar e planejou nos
matar para manter seu esconderijo em segredo. Pelo menos, foi o que eu
presumi.
Se ele não tivesse pisado em um galho, eu provavelmente estaria morto. Em
vez disso, isso me deu um aviso suficiente para sacar minha arma e atirar
nele quatro vezes no peito.
Cormac estava mais perto. Ele teria sido atingido primeiro. Mas eu salvei
sua vida.
Talvez tenha sido aí que tudo deu errado. Se eu soubesse o que aconteceria,
talvez tivesse deixado aquele viciado matar nós dois.
— Vance. — A voz de Lyla me puxou da memória. Ela encostou a
bochecha na palma da minha mão.
Limpei a garganta quando soltei minha mão. — Winn parece sólida. Não
acho que você tenha motivos para se preocupar, mas deveria apenas
perguntar a ela se ela está bem. As possibilidades são, ela vai dizer sim. Se
ela quis dizer isso ou não. Mas continue perguntando.
— Foi isso que fizeram por você? Ficou perguntando se você estava bem?
— Sim.
— Quem? Sua família?
Não, não minha família.
Cormac.
E foi assim que ele se tornou minha família.
Mas Lyla não iria querer essa resposta. Isso tornava Cormac muito
simpático. Bom demais. Então fiz o que fazia de melhor: mudei de assunto.
— Winn sabe que estamos dormindo juntos, não é?
Lyla piscou, pega de surpresa por um momento. Mas em nosso curto tempo
juntos, ela já havia percebido que quando eu terminava um assunto, eu
terminava. Então ela assentiu. — Sim, mas eu pedi a ela para manter isso
entre nós.
Um segredo. Essa foi minha ideia. Então, por que eu odiava tanto?
— Eu nunca mantive um homem em segredo antes, — diz Lyla. — É
estranho.
— Não estou pedindo para você guardar um segredo.
— Você está indo. Conheço o que está em jogo aqui.
As apostas. A porra das apostas. Sim, eu também os conhecia.
— Não vou mentir para minha família. Honestamente, alguém vai descobrir
de qualquer maneira. Estou surpresa que ainda não o tenham feito.
— Por que você diz isso?
— Tenho o hábito de usar meus sentimentos como joias, brilhantes para o
mundo ver. Eu confio nas pessoas só porque as pessoas podem confiar em
mim. Foi assim que fui criada. É o que eu sou. Ultimamente, eu só... — Ela
deixou seu olhar deslizar para longe, sem foco além do meu ombro. — Não
me sinto como eu.
Claro que ela não se sentiria ela mesma.
— Ei. — Enganchei meu dedo sob seu queixo, inclinando-o para cima até
que seus olhos voltaram aos meus. — Você está bem?
Lágrimas encheram seus olhos. — Na verdade não.
Meu coração apertou. Maldito Cormac. Isso foi com ele. Essas lágrimas
estavam sobre ele. — O que posso fazer?
Ela fungou, estendendo a mão para enxugar o canto dos olhos. — Ajude-me
a encontrar esta cachoeira.
Se uma cachoeira era o que ela precisava, então uma cachoeira era o que
encontraríamos.
Peguei-a pelos ombros, virando-a. Então eu bati na bunda dela. Duro. —
Mostre o caminho, Blue.
Isso não me rendeu uma risada, mas eu continuaria tentando fazê-la sorrir.
Caminhamos por mais uma hora, principalmente em silêncio. Mas qualquer
peso que tinha sobre Lyla parecia desaparecer enquanto sua frustração
crescia.
Ela parou de andar tão rapidamente que quase a derrubei.
— O que? — Perguntei.
Ela bufou e jogou as mãos para cima. — Estou perdida.
Ela estava? Houve um leve ruído à distância. Eu tinha ouvido isso nos
últimos minutos, presumindo que ela também.
— Shh, — eu disse.
Ela ficou tensa. — Por que?
— Ouça.
— Para quê?
Esta mulher. Eu apertei minha mão sobre sua boca, ganhando um rosnado.
Então, com a mão livre, tirei seu gorro para que ela não tivesse nada sobre
as orelhas.
No momento em que ela ouviu, seu olhar se ergueu por cima do ombro para
encontrar o meu. Aqueles olhos azuis brilharam como estrelas.
Água.
Ela correu em direção ao som, saltando sobre um tronco caído enquanto
corria.
Eu ri, balançando a cabeça enquanto corria para alcançá-la.
A menos de trinta metros de distância, passando por um aglomerado de
arbustos, o chão da floresta dava lugar a rochas negras e úmidas, algumas
manchadas de musgo. Um riacho escorria de uma pequena piscina
alimentada por uma cachoeira suave.
A corrente era lenta. O tempo frio estava descendo cada vez mais as
montanhas e, em breve, isso estaria congelado. A cachoeira em si tinha
apenas um metro e meio de altura, mas era o suficiente para encher o ar
com um ruído constante.
Lyla caminhou ao longo das rochas escorregadias, com os braços bem
abertos e pronta para se segurar se o pé escorregasse.
Fiquei para trás, observando enquanto ela navegava em seu caminho,
centímetro a centímetro, ao redor do perímetro da piscina. Então, quando
ela estava perto o suficiente, ela tirou uma luva, estendeu a mão e a deixou
desaparecer na cachoeira.
Lá estava o sorriso. Branco e largo, iluminando todo o rosto.
Foda-se, mas ela era linda. Eu não conseguia desviar os olhos, nem mesmo
em um lugar como este, onde a natureza se exibia. A água fresca e clara. A
floresta verde vívida. Era um lugar lindo, digno de pinturas ou fotografias.
Mas eu não conseguia tirar os olhos de Lyla.
Ela moveu os dedos para dentro e para fora da água, deixando-a dançar
sobre os nós dos dedos. Então ela a puxou, provavelmente quando o frio
ficou muito forte, e depois de secar a mão na calça jeans, ela se apressou em
colocar a luva de volta. Com o mesmo cuidado com que se moveu para a
água, ela se afastou.
— Eu encontrei. — Seu sorriso era de tirar o fôlego quando ela parou ao
meu lado.
— Você encontrou.
O sorriso desapareceu. Os olhos de Lyla se encheram de novo e, como
antes, ela enxugou os cantos, parando as lágrimas antes que caíssem.
— Você está bem? — Eu continuaria fazendo essa pergunta. Enquanto eu
estava aqui, perguntava todos os dias.
Ela olhou ao redor, seu olhar não deixando nada intocado. — Estar aqui é
quase como entrar em uma vida diferente. E me sinto uma pessoa
totalmente diferente da garota que era quando cheguei aqui, tantos anos
atrás.
Eu nem conseguia me lembrar quem eu era naquela idade. Muita coisa
aconteceu. Muita coisa havia mudado.
— Estou feliz por termos vindo aqui, — ela sussurrou.
— Mas...
Ela suspirou. — Mas é uma dura verdade encarar que a vida que você está
vivendo, a vida que você construiu dia após dia por causa dos sonhos que
teve quando era jovem, pode não ser a vida que você deseja. De certa
forma, parece que a garota que veio aqui há tanto tempo entendeu errado.
— Ela fez?
Lyla deu de ombros. — Não sei. Talvez. Parcialmente. Ela provavelmente
discutiria comigo. Sinto falta da confiança que eu tinha. Sinto falta da fé de
que tudo seria justo... daria certo.
A imagem mental de Lyla, de dezessete anos, era clara como o dia. Olhos
azuis brilhantes, cheios de sonhos.
Eu conheci outra garota de dezessete anos assim uma vez.
— Tenho trinta anos, — disse Lyla. — Em algum lugar ao longo do
caminho, perdi aquela garota. Você é bom em encontrar pessoas, certo?
Talvez depois de pegar Cormac, você possa me ensinar seus truques.
Eu me aproximei, tão perto que nem mesmo uma lufada de vento poderia se
interpor entre nós. Então eu coloquei minha mão no centro de seu peito. —
Você não precisa de mim para encontrá-la. Ela está bem aqui. Onde ela
sempre esteve.
Os olhos de Lyla procuraram os meus como se ela não pudesse acreditar em
mim. Então ela caiu para frente, em meus braços, enterrando o rosto em
meu peito. — Obrigada.
— De nada. — Eu dei um beijo em seu cabelo, então a deixei ir.
Ela deu alguns passos para longe, voltando-se para a cachoeira novamente.
Esta foi a minha chance de memorizar este paraíso escondido. Para
absorver tudo. Mas, novamente, tudo que eu podia fazer era olhar para Lyla.
Éramos dois lados da mesma moeda. Duas pessoas tentando encontrar o
caminho de volta ao centro.
Talvez fosse tarde demais para eu voltar. Mas para Lyla, eu queria que ela
encontrasse um vislumbre daquela garota de dezessete anos. Para encontrar
a faísca.
— É melhor irmos andando, — eu digo. — Não quero ficar preso aqui no
escuro.
— Nem eu. E estou morrendo de fome.
— Quer outra barra de granola?
Ela ergueu a mão, impedindo-me de tirar uma da minha mochila. —
Estamos recebendo cheeseburgers. Cheeseburgers duplos.
Eu ri. — Cheeseburgers duplos. Com fritas.
— Obviamente. — Ela sorriu e, quando lhe ofereci a mão, ela segurou com
força, deixando-me guiá-la pelas pedras escorregadias de volta ao solo da
floresta.
— Vamos seguir o riacho um pouco, — eu digo a ela. — Eu estou supondo
que será mais rápido. Então vamos trabalhar nosso caminho de volta para a
trilha.
— Tudo bem, — diz ela, ficando perto enquanto caminhávamos.
Sempre foi mais difícil na viagem de volta, seus músculos se esforçando
para manter o equilíbrio com a gravidade trabalhando contra você. Cortei
meu passo normal pela metade, certificando-me de que ela não se sentisse
apressada.
Ao nosso lado, o riacho escorria, ficando mais largo e mais profundo à
medida que descíamos a montanha.
Não era um rio, não era algo que você encontraria em um mapa. Mas era
maior do que eu esperava encontrar hoje. Talvez seja um bom lugar para eu
começar amanhã.
Eu estava prestes a mudar de rumo, seguir em direção às árvores e caminhar
até chegarmos ao caminho que nos levaria ao início da trilha, quando um
ganido ecoou atrás de mim. Eu girei bem a tempo de ver os pés de Lyla
varrendo o ar.
E ela caiu na terra com um baque.
— Lyla, — eu engasguei, correndo para o lado dela e me agachando,
minhas mãos vagando por seu corpo, procurando por ferimentos. — Você
está machucado?
— Ai. Não, eu estou bem. — Ela inclinou a cabeça para o céu, respirando
fundo, então examinou os danos. — Merda.
Um lado de seu jeans estava coberto de lama que ela havia escorregado.
Ela o limpou, mas a única maneira de sair era lavando. — Eu odeio lama.
— Eu tenho um cobertor no caminhão. Nós vamos voltar e tirar você desse
jeans molhado.
— Ora, Sr. Sutter. — Lyla agitou os cílios. — Você está flertando comigo?
Eu ri, meu coração afundando de volta na minha garganta.
Era bom rir, e Lyla tinha um jeito de libertá-lo. Eu ri mais em Quincy do
que em, bem... quatro anos.
Levantei-me, oferecendo-lhe a mão para ajudá-la a se levantar. — Vamos.
Quando ela estava de pé, Lyla se virou para inspecionar a parte de trás de
sua calça jeans – também coberta de lama – então soltou uma série de
palavrões que fariam a maioria dos caras da polícia corar. Quando ela olhou
para o meu rosto, ela inclinou a cabeça para o lado. — O que?
Só que eu não estava olhando para ela.
Eu estava olhando para o riacho, logo acima do ombro dela.
— Vance? — Ela seguiu meu olhar para a água. — O que? O que estamos
olhando?
— Fique aqui. — Passei por ela, dando passos lentos e deliberados em
direção à água. Certifiquei-me de que cada passo estava em uma rocha para
que minhas pegadas não aparecessem. Então me agachei, espiando através
do córrego límpido.
E ali, no centro, havia um cone entrelaçado de ramos de salgueiro.
Uma armadilha para peixes.
— Foda-me. — Olhei em volta, examinando as árvores. Meu pulso
martelava em meus ouvidos.
Não é uma armadilha para peixes que alguém compraria, mas uma feita.
— Vance? — A voz de Lyla vacilou.
— Não se mexa, Blue.
— É um urso?
— Você viu isso? — Apontei para a água. — É uma armadilha para peixes.
O cone externo tinha uma extremidade larga que se afunilava em um
orifício menor. Na abertura larga, cabe dentro outro cone, mais curto, com o
mesmo furo menor. Os peixes podiam nadar dentro do cone - eu não sabia
dizer se havia isca lá dentro sem retirá-la da água - e, uma vez dentro do
cone, ficavam presos, incapazes de sair dos buracos menores.
No momento estava vazio. Ou porque não havia peixes neste riacho, ou
porque alguém passou por aqui recentemente para colocá-lo no lugar.
— Filho da puta, — eu murmurei, então me levantei e me afastei, tomando
tanto cuidado quanto antes para pisar apenas nas pedras enquanto
caminhava até Lyla.
Havia pegadas em todos os lugares onde ela escorregou. Droga.
— Você acha que Cormac fez aquela armadilha? — Lyla perguntou.
— Talvez. — Eu me virei, olhando para a montanha de onde viemos.
Parte de mim não queria ter esperança. A outra parte não queria nem
considerar que isso poderia ser possível.
Mas aquela armadilha...
Tinha o nome de Cormac escrito nele. Sempre que íamos acampar, ele
passava a noite perto do fogo, tecendo galhos e juncos para se divertir
enquanto as meninas assavam e faziam marshmallows.
Talvez ele tenha feito essa armadilha. Talvez ele ainda não tivesse saído da
área.
Talvez eu encontre aquele bastardo depois de tudo.
CAPÍTULO TREZE

LYLA
Meu coração disparou quando Vance entrou na cafeteria, seu rosto
ilegível.
— Oi — eu suspirei quando ele chegou ao balcão.
— Ei. — Ele passou os últimos dois dias nas montanhas, procurando por
sinais de quem fez aquela armadilha para peixes.
Por mais que eu quisesse ir com ele, Crystal estava de folga e eu precisava
estar na loja. Isso, e eu só atrasaria Vance.
Exceto deixado para trás, eu não tinha nada para fazer a não ser me
preocupar e esperar. Hoje, eu estava tão abalada que deixei cair uma caneca
de café. Os restos de cerâmica quebrada estavam agora na lata de lixo ao
lado dos meus pés. Mas uma xícara perdida foi melhor do que o meu
acidente ontem - uma fornada dupla inteira de massa de biscoito se
espatifou no chão da cozinha quando eu estava tão distraída que derrubei
minha tijela.
— Está com fome? — Levei tudo ao meu alcance para não fazer a pergunta
que eu estava morrendo de vontade de fazer.
Você encontrou Cormac?
Acho que ele estar aqui foi resposta suficiente. Se Vance tivesse encontrado
Cormac, provavelmente estaria na delegacia. Ou possivelmente arrumando
seu quarto de hotel.
— Sim, — diz ele. — Eu empurrei forte hoje. Comi uma barra de granola
no caminho de volta para a cidade, mas se você tiver um sanduíche ou algo
assim, seria ótimo.
— Eu vou trazer. — Eu balancei a cabeça, já indo trabalhar em um prato.
Vance dirigiu-se para a janela, sentando-se no seu lugar habitual. Ele não
tinha trazido sua mochila hoje. Isso era bom?
Ele tirou o gorro, seu cabelo despenteado, muito parecido com esta manhã,
quando eu o deixei na minha cama para vir trabalhar às quatro.
Eu geralmente perseguia caras que penteavam o cabelo com pentes, não
com os dedos. Eu nunca, jamais seria capaz de olhar para um homem bonito
e limpo novamente sem desejar que ele tivesse o cabelo bagunçado de
Vance.
Grosso e macio, nada jamais pareceu melhor em minhas mãos.
Quantos dias, quantas noites nos restam?
Dois dias e tudo mudou. Era como se tivéssemos começado isso, seja lá o
que fosse, em um ritmo lento e sem pressa. Como o modo como meu pai
dirigia pelos pastos do rancho, lento o suficiente para sentir cada solavanco
nas pistas de terra.
Agora o pedal estava no fundo e estávamos dirigindo a cem milhas por
hora, indo direto para uma parede de tijolos.
O fim estava chegando.
A cada dia que passava, Vance estava um passo mais perto de deixar
Quincy.
Quando?
Eu queria que ele encontrasse Cormac. Mais do que tudo, eu queria que
Vance obtivesse suas respostas. Para obter o fechamento. Para colocar seus
demônios para descansar. Ao mesmo tempo...
Eu não queria que ele encontrasse Cormac.
Quão ridículo era isso? Aquele idiota era um criminoso. Ele me virou do
avesso e merecia passar o resto de sua vida apodrecendo na prisão, não
apenas pelo que ele fez para mim, mas para sua família.
Vance tinha que encontrar Cormac.
Mas quando essa confusão terminasse, Vance voltaria para Idaho. E eu?
Talvez eu voltasse ao normal.
Normal soava... horrível.
Servi a Vance uma xícara de café fumegante, levando-a e um sanduíche de
peru para a mesa dele. — Aqui está.
— Obrigado. — Seu sorriso era fraco. Cansado.
Mais do que tudo, eu queria deslizar em seu colo, envolver meus braços em
volta daqueles ombros largos e enterrar meu nariz na curva de seu pescoço.
Isso teria que esperar até esta noite, quando estivéssemos seguros atrás das
minhas portas fechadas.
Não havia muitos clientes na loja no momento, mas Emily Nelsen estava do
outro lado da sala, a cinco mesas de distância.
Ela era repórter do Quincy Gazette, o jornal local de propriedade de seus
pais. Emily e eu havíamos nos formado juntas no colegial e, além de alguns
incidentes de pequenos dramas adolescentes, tínhamos nos dados muito
bem.
Ela costumava entrar e beijar minha bunda por causa de sua paixão por
Griffin. Mas desde que ele se casou com Winn, as bajulações pararam.
Agora ela entrava na loja porque adorava fofoca. E Eden Coffee era uma de
suas paradas regulares para notícias.
O cabelo loiro de Emily estava preso, revelando os fones de ouvido brancos
que ela havia colocado antes quando começou a trabalhar em seu laptop.
Talvez ela estivesse ouvindo música ou um podcast. Talvez fosse um
estratagema para fazer as pessoas pensarem que ela não estava espionando.
Então eu fiquei de pé. Se Emily estava assistindo, eu estava simplesmente
sendo gentil com um cliente.
— Como foi hoje? — Eu perguntei, mantendo minha voz baixa.
— Nada. — Ele franziu a testa, então deu uma mordida em seu sanduíche,
sua mandíbula forte flexionando enquanto mastigava. Quando ele engoliu,
seus ombros caíram, como se seu corpo estivesse finalmente relaxando
agora que ele estava lhe dando uma comida decente.
— Você acha que ele viu nossas pegadas?
— Talvez, — ele murmurou.
Fizemos o possível para escondê-las, pegando alguns galhos para arrancá-
las da lama e da sujeira. Vance esperava que, com a chuva de outono que
recebíamos todas as noites, nossos rastros desaparecessem. Mas não havia
garantia.
— Ou talvez não seja ele. — Vance suspirou.
— É ele. — Tinha que ser ele.
— Hoje montei algumas câmeras camufladas na área. Uma apontada
diretamente para o riacho.
— Inteligente.
— Veremos. — Sua voz era tão plana. Dois dias atrás, ele tinha ficado
nervoso depois de encontrar aquela armadilha. Mas a montanha-russa que
era Cormac Gallagher agora estava no fundo da pista, junto com o espírito
de Vance.
Para cima e para baixo. Para baixo e para cima.
Ele deu outra mordida em seu sanduíche, fazendo o que Vance fazia quando
o assunto estava ficando muito pesado. Ele mudou de assunto. — Isto é
muito bom.
— Obrigado.
Ele piscou, forçando um meio sorriso. — Como está indo seu dia?
— Além da caneca quebrada na lata de lixo, está tudo bem.
— Você está bem?
— Você está?
— Eu perguntei a você primeiro, Blue.
— Estou bem. — Eu balancei a cabeça, e hoje, era a verdade. Eu estava
mais preocupada com ele do que comigo mesmo. E talvez o que eu
precisava o tempo todo era conversar. Desabafar. Ele me deu aquela válvula
de escape na cachoeira.
Ninguém conhecia esses sentimentos. Não meus pais. Não meus irmãos.
Mas havia algo em Vance que me fez confessar tudo. Talvez porque parecia
que ele entenderia.
— Você vai continuar procurando? — Perguntei. — Ou apenas confiar nas
câmeras camufladas?
— Vou continuar. — Seu casaco estava pendurado nas costas da cadeira.
Ele enfiou a mão em um bolso interno, tirando o mesmo mapa que havia me
mostrado enquanto caminhávamos. Estava dobrado de forma diferente
agora, reduzido à área ao redor daquele riacho. — Até nevar.
O que? Meu coração caiu no chão. Até nevar. Era isso?
Pode nevar a qualquer momento. Meus olhos dispararam para as janelas e
para o céu acima de Main. A luz do final da tarde havia quase desaparecido
à medida que os dias ficavam cada vez mais curtos.
O céu estava claro para variar. As nuvens de chuva se dissiparam enquanto
Vance estava caminhando. As estrelas dariam um show esta noite, mas esse
adiamento não duraria. Especialmente nas montanhas.
A neve estava chegando.
Eu não estava pronta para deixá-lo ir. Ainda não.
— Por que a neve? — Eu perguntei, esperando que ele não pudesse ouvir a
tristeza em minha voz.
— É muito difícil esconder rastros.
— Certo. — Claro. Como a lama, qualquer rastro ajudaria a encontrar
Cormac. Mas eles também alertariam Cormac sobre alguém na área.
E se houvesse outra maneira? — Meu irmão, Mateo, é piloto. Se nevar,
Cormac não precisaria de fogo ou algo assim para se aquecer? E se você
procurasse de avião?
— Talvez. Embora isso possa assustá-lo.
— Mas tenho certeza de que onde quer que ele esteja se escondendo, ele
ouviu aviões voando.
Vance murmurou. — Vou pensar sobre isso.
Se ele fosse parecido com meu pai, acho que isso significava não.
A campainha tocou atrás de mim, a porta se abriu e, com ela, uma rajada de
ar frio entrou.
Mamãe entrou, com as bochechas coradas e um sorriso brilhante. — Oi.
— Ei mãe.
— Como tá indo? — Ela se aproximou, puxando-me para um abraço. — Eu
só vim dizer oi e ver se você precisa de um par extra de mãos na cozinha.
Estou com vontade de assar, mas seu pai me disse que queria perder cinco
quilos, então não pude fazer uma torta. Dou-lhe uma semana.
Eu rio. — Eu também.
— Então... precisa de mão de obra gratuita?
— Claro. — Olhei para Vance.
Ele acenou com a cabeça para mamãe, um olá silencioso enquanto
mastigava mais daquele sanduíche.
— Oi, — mamãe diz, olhando entre nós dois. — Oh, desculpe. Estou
interrompendo?
— Não, está tudo bem. Estávamos apenas conversando. — Olhei para
Vance. — Vou deixar você comer.
Ele acenou com a cabeça novamente e, enquanto eu me dirigia ao balcão,
mamãe ao meu lado, senti seus olhos em mim.
— Mel. — Mamãe se inclinou para sussurrar. — Quem é aquele?
— Apenas um cliente.
Ela zombou. — E eu tenho vinte e nove anos.
Estar perto de sua mãe era maravilhoso. A maior parte do tempo. Mas ela
sempre teve essa habilidade incrível de saber quando eu estava mentindo.
De suas três filhas, por que eu era aquela que ela lia como seu livro
favorito? Eloise estava casada com Jasper há um mês antes de qualquer um
de nós descobrir. E nas poucas vezes que Talia e eu quebramos o toque de
recolher na escola, não foi minha irmã gêmea que interrogou. Fui eu.
Pega. Toda maldita vez.
Winn era a única pessoa na minha família que sabia sobre Vance, e ela
manteve isso em segredo simplesmente porque eu pedi. Griffin
provavelmente sabia, mas sempre se preocupou mais com a escolha de
homens de Eloise, não com a minha.
Para ser justa, antes de Jasper, Eloise tinha escolhido alguns desastres como
namorados. Acho que posso considerar um ponto de orgulho que meu irmão
mais velho confie em mim para ser um bom juiz de caráter.
— Qual o nome dele? — Mamãe perguntou.
Olhei por cima do ombro enquanto passávamos pelo balcão, certificando-
me de que Emily Nelsen estava fora do alcance da voz. Então acenei com a
cabeça para mamãe me seguir até a cozinha.
— Vance, — eu disse a ela quando estávamos sozinhos.
— Ele é... uau. — Mamãe abanou o rosto. — Uau. Diferente da maioria dos
homens com quem você já namorou. Muito robusto e ele parece alto. Ele é
alto? Ele é novo na cidade? Diga-me que ele acabou de se mudar para cá.
— Sim, ele é alto. Não, ele está apenas de visita.
— De onde? — Mamãe perguntou, abrindo o zíper do casaco. — Missoula?
— Idaho.
— Oh. — O rosto da mamãe se contraiu. — Isso é mais longe do que
Missoula.
— Tudo bem. — Eu levantei um ombro. — Eram apenas... está tudo bem.
— Oh querida. Não está bem. Você gosta dele.
Assim muito. Mas mergulhar nos detalhes sobre por que ele estava aqui e
quando Vance partiria só levaria a perguntas que eu não responderia.
— Eu estava pensando em fazer pão de abóbora com creme de queijo para
amanhã, — eu digo. Se Vance tinha me ensinado alguma coisa além de
como o sexo pode ser bom, foi como mudar de assunto quando o assunto
atual estava indo para um caminho perigoso. — Quer assumir a liderança?
Mamãe me deu um olhar plano.
— Ou poderíamos fazer gotas de chocolate em vez do cream cheese.
— Lyla. — Mamãe não largaria isso.
Suspirei. — Sim, eu gosto dele. Mas ele está indo embora. Não é nada
sério. E agora, eu preciso disso. Ele é uma fuga.
Seus olhos se desviaram para minha garganta. Não importa quantos anos se
passassem, ela sempre veria aqueles hematomas, não é?
— Pedaços de chocolate ou cream cheese? — Perguntei.
— Cream Cheese. — Ela me deu um sorriso triste, então caminhou até a
prateleira enfiada no canto de trás da cozinha, trocando seu casaco por um
avental verde.
Peguei os ingredientes secos das minhas prateleiras, colocando-os na mesa
de preparação, enquanto mamãe foi até o balcão pegar ovos, manteiga e
creme. — Ok, eu vou verificar as coisas lá fora e deixar você com isso.
— Vou convidá-la para jantar em família no rancho na sexta-feira.
— Ok-— Huh. — O que?
— Jantar no rancho sexta-feira. Se ele está visitando, isso significa que ele
está comendo fora em todas as refeições. Não seria bom ter algo feito em
casa?
— Primeiro, não vou me ofender com essa declaração, considerando que a
maioria de suas refeições foi aqui. Segundo, não. Apenas... não mãe.
— Você acha que seria estranho se eu fosse lá e o convidasse?
— Além de estranho.
— Você provavelmente está certa. Eu poderia emboscá-lo no saguão do
hotel.
— Isso se chama perseguição. Difícil não.
— É só jantar.
— Mãe, — eu avisei.
— Bem. — Ela acenou. — Vou dar o fora.
— Obrigado.
Ela se aproximou, colocando uma mecha do meu cabelo escuro atrás da
orelha. — Estou preocupada com você. Eu te amo.
Duas declarações que significavam a mesma coisa. — Eu também te amo.
— Aqui está uma ideia. — Ela bateu no meu nariz com um dedo, então se
virou para a mesa. — E se cobrirmos este pão de abóbora com algumas
sementes de girassol torradas? Dê uma pitada de sal.
— Sim. Eu tenho sementes de girassol?
— Você volta para o balcão. Vou vasculhar a despensa.
— OK. — Eu a deixei com sua tarefa, sabendo que sua criação de pão de
abóbora seria uma maravilha.
Emily tinha ido embora quando voltei para o balcão, sua caneca e prato
vazios deixados para trás, então eu rapidamente os recolhi e limpei a mesa
antes de voltar para o canto de Vance.
Seu prato também estava vazio.
— Posso servi-lo em algo mais?
— Estou bem. — Ele apontou para a cozinha. — Você e sua mãe são
parecidas.
— Somos parecidas. Ela está lá atrás, assando. — Agora que Emily se fora,
puxei a cadeira em frente à dele e me sentei. — Ela me ensinou a cozinhar.
Knox também.
Eu tinha inúmeras lembranças da minha infância, passando horas e horas
com mamãe na cozinha. Na época, eu não tinha percebido o quanto eu
estava aprendendo com ela enquanto ela estava perto do fogão.
Ela me ensinou sobre trabalho duro. Sobre o orgulho que veio com a
realização. Ela me ensinou paciência. Graça.
E em todas as refeições, mamãe nos ensinou tudo sobre o amor.
— Eden Coffee era o emprego dos meus sonhos, — eu disse a Vance. — De
certa forma, acho que foi para a mamãe também.
Vance apoiou os cotovelos na mesa, sem falar, apenas ouvindo. Seus olhos
azul-acinzentados se fixaram nos meus.
Quanto mais tempo eu passava perto dele, mais eu aprendia a ler aqueles
olhos marcantes. Perdiam o foco sempre que ele se perdia na memória. Eles
escureciam cada noite antes de ele me foder para dormir. E quando se
interessava por uma história, absorvendo cada palavra como agora, tinham
um brilho que tornava sua íris quase iridescentes.
Se ao menos tivéssemos mais tempo juntos.
Eu aprenderia todas as cores dos olhos de Vance Sutter.
— Enquanto meu pai trabalhava no rancho e administrava os negócios da
família, mamãe administrava o hotel, — eu digo a ele. — Ela ama The
Eloise. Não do jeito que Eloise ama The Eloise, mas mamãe gostou de
trabalhar lá até se aposentar. Mas acho que se ela pudesse fazer tudo de
novo, ela teria um restaurante. Talvez não como Knox fez com Knuckles,
mas algo menor. Algo assim.
— É bom que você a deixe vir aqui.
— Não é nenhuma dificuldade. Confie em mim. Ela é uma cozinheira
incrível. Melhor que eu.
Vance zombou. — Duvido.
A reação dele foi tão rápida, tão confiante, que esqueci o que estava prestes
a dizer.
Ele gostou da minha comida. Por que isso me surpreendeu? Ele comia tudo
o que eu colocava em seu prato. Ele nunca deixou nem uma migalha para
trás. Ainda assim, foi bom ouvir.
Eu não tinha percebido até agora o quanto eu queria que ele gostasse da
minha comida. Gostasse de mim. Eles eram um e o mesmo.
A porta se abriu, roubando a atenção de Vance enquanto ele olhava por
cima do meu ombro.
Aquele maldito sino. Eu estava começando a me ressentir do som.
Com um suspiro, me virei na cadeira, sorrindo quando Sandy entrou. Ela
dirigia a loja de artigos de cozinha na rua, uma loja popular entre turistas e
moradores locais.
— Ei, Sandy, — eu digo, me levantando.
— Olá, Lyla. — Ela afastou uma mecha de cabelo grisalho do rosto. —
Estou congelando. Algo está errado com a fornalha da loja, então estou aqui
para pegar um de seus lattes mágicos para afugentar o frio.
— Um café com leite mágico. — Eu ri. — Eu posso fazer isso. Baunilha,
como sempre?
— É o meu favorito.
— Mamãe está na cozinha, se você quiser ir dizer oi.
— Ah, que bom. Não a vejo há semanas, então adoraria conversar.
— Vou trazer seu café de volta em alguns minutos.
Ela assentiu com a cabeça, olhando para Vance, mas não se apresentou. Ela
apenas vagou pela loja e entrou na cozinha.
As pernas da cadeira de Vance rasparam no chão enquanto ele se levantava
e pegava o casaco. — Eu estou indo para o meu quarto. Tomar um banho.
— Ok. — Eu nunca perguntei se ele viria à minha casa mais tarde. Para seu
crédito, ele veio todas as noites, mas ainda assim, eu nunca perguntei. Eu
não queria que ele pensasse que eu era pegajosa. Eu não queria ouvi-lo
dizer não.
Não éramos um casal. Não fizemos planos. Nós não namoramos. Era
melhor assim, certo?
Eu me virei para o balcão, prestes a sair, mas parei. Espere. Por que não
podíamos fazer planos?
— Você quer ir ao rancho na sexta-feira para jantar? — Eu soltei antes de
pensar nisso. Soou tão estranhamente como a voz da minha mãe que eu me
encolhi.
Ela colocou a ideia na minha cabeça e ela simplesmente escapou. Caramba.
— Sem pressão. — Meu rosto começou a arder. — Mamãe está planejando
um jantar em família no rancho na sexta-feira e mencionou isso. Se você
está cansado de comer em restaurantes todas as noites e quer algo caseiro...
Era oficial. Eu odiava a palavra caseiro. E, assim como minha mãe, agora
eu estava insultando meu próprio negócio. Legal, Lyla.
— Desculpe. Isso é estranho. — Eu acenei. — Ignore-me. Minha família é
grande, e eu só queria oferecer caso...
— Blue.
Oh Deus. Aqui veim o declínio educado. E provavelmente também não o
veria esta noite.
Eu não conseguia encontrar seu olhar. Eu não queria saber de que cor seus
olhos ficavam quando estavam cheios de pena. Então, em vez disso, encarei
o chão. — Sim?
— Que horas é o jantar na sexta-feira?
CAPÍTULO QUATORZE

VANCE
Os Édens eram barulhentos.
Não apenas em volume - embora a família de Lyla risse como se houvesse
uma cota de decibéis a cumprir durante o jantar. Eles eram barulhentos de
outras maneiras. Seus sorrisos. Seus abraços. O amor deles.
Fazia muito tempo que eu não ia a um jantar da família Sutter. Talvez
minha memória estivesse falhando, mas a única vez que me lembrei de
minha família falando alto foi no último jantar. Aquele em que tudo
desmoronou. Não foi um bom barulho.
Os Edens eram um bom barulho.
Anne e Harrison sentaram-se em lados opostos da mesa da sala de jantar e,
entre eles, seus filhos e netos.
A mesa em si, uma peça lisa de nogueira preta com cadeiras combinando,
era nova. Faltavam-lhe os arranhões e imperfeições de móveis que tinham
visto mais do que um punhado de funções familiares. Era um pouco grande
demais para o espaço, mas provavelmente porque havia sido comprado com
essa multidão de pessoas em mente.
Uma família numerosa precisava de uma mesa grande. Mesmo que
estivesse lotado, Anne e Harrison provavelmente queriam que cada pessoa
aqui se sentasse. Eles até abriram espaço para os pequenos e suas cadeiras
altas.
Nenhuma surpresa, os pais de Lyla eram boas pessoas. Anne tinha me
recebido com um abraço. Harrison com um aperto de mão firme. E então os
irmãos de Lyla desceram, intrometidos, mas não intrusivos.
Eles fizeram perguntas, mas não se intrometeram na minha vida pessoal.
Em vez disso, eles aprenderam esta noite que eu preferia uísque a cerveja.
Que eu gostava dos meus bifes mal passados. E que minha cor favorita era
azul.
Lyla é azul.
Embora eu não tivesse sido tão específico quando Eloise perguntou alguns
momentos atrás.
— Azul teria sido uma boa escolha de cor, — disse Knox.
— Eu não queria azul. — Anne ergueu o queixo. — Eu queria amarelo.
— Mas não é amarelo, mãe.
— Claro que é amarelo. — Anne havia pintado recentemente o lavabo no
final do corredor. Esta noite foi a primeira que alguém, exceto Harrison,
viu. — A cor se chama mostarda. A mostarda é amarela.
— Parece cocô de bebê, — disse Griffin.
— Griff, — Winn repreendeu.
— O que? Parece.
— Não é a cor do cocô de bebê. — Anne bufou, então ajustou a filha de
Griff e Winn, Emma, em seu colo. — Troque a fralda da sua filha de vez em
quando e você saberá a diferença.
Griffin apenas riu e balançou a cabeça, fazendo uma careta para seu filho de
dois anos, Hudson, que estava fazendo uma bagunça infernal em seu
assento elevatório com um pouco de massinha.
Alguns pais não trocavam fraldas, mas eu suspeitava que nenhum dos
homens aqui evitava uma Pampers lotada.
— É uma espécie de cocô de bebê, mãe, — Talia disse, sua mão espalmada
em sua barriga grávida.
Ela e o marido, Foster, estavam esperando um menino. As opções de nomes
atuais eram Kaiden ou Jude. Eu tinha votado em Jude.
— Todos os meus filhos são daltônicos? — Anne perguntou ao quarto. — É
amarelo.
Harrison escondeu o riso na garrafa de cerveja pressionada contra os lábios.
— Não é tão ruim. — O braço de Jasper estava ao redor do espaldar da
cadeira de Eloise, sua mão em seu ombro. Ele raramente estava longe dela,
e se ela estava perto, ele a tocava de alguma forma.
Eu já tinha visto esse tipo de toque constante antes. A obsessão de Jasper
por Eloise me pegou de surpresa no início. Talvez apenas pela minha
própria história pessoal, mas os cabelos da minha nuca se arrepiaram
enquanto eu os observava com o canto do olho quase constantemente.
Mas depois de vê-los juntos por horas, percebi que era diferente de Andrea
e Brandon.
Jasper não tocou em Eloise para possuí-la, para controlá-la. Ele a tocou
como se ela fosse sua amarra na terra. Como se sem ela, ele se afastasse em
uma brisa. Ele a amava.
Havia muito amor nesta mesa.
Mesa da sorte.
— Obrigado, Jasper. — Anne deu a ele um sorriso orgulhoso.
— Beije minha bunda, — brincou Knox. — É horrível.
— Não é horrível. — Memphis, a esposa de Knox, deu a Anne um sorriso
doce. — Eu gosto disso também.
Knox e Memphis tinham cada um uma criança nos braços. Memphis estava
alimentando seu filho, Harrison Eden, com uma mamadeira. Knox acariciou
as costas do filho mais velho.
Drake havia adormecido cerca de uma hora atrás, mesmo com todo aquele
barulho. Nós terminamos a sobremesa. Os pratos sujos ainda estavam
espalhados pela mesa. Ele comeu seu último pedaço de brownies e sorvete,
então se arrastou para os braços de Knox. Ele descansou a cabeça no ombro
de seu pai, e cinco minutos depois, ele desmaiou.
— Estamos fazendo uma enquete. — Anne apontou seu olhar para Foster
sentado próximo a ela. — O que você acha?
— Eu gosto disso, — disse ele, compartilhando um olhar rápido com
Jasper.
Eu soube esta noite que os dois trabalharam juntos por anos enquanto
Foster estava no UFC. Jasper foi o treinador de Foster até ele se aposentar, e
ambos se mudaram para Quincy mais ou menos na mesma época.
Eles trocaram alguns olhares esta noite, mensagens não ditas voando por
esta mesa.
Uma vez, eu tive esse tipo de amizade. Fraternidade.
Com Cormac.
Lyla colocou a mão na minha coxa debaixo da mesa, seu toque delicado
afugentando o passado.
Cobri seus dedos com a palma da mão, desenhando círculos em sua pele
com o polegar.
— Lyla? — Anne arqueou as sobrancelhas para a filha, esperando seu voto.
— Não acho que seja a cor do cocô de bebê, mãe. Mais como sopa de
ervilha.
O queixo de Anne caiu. — Não é verde.
— Tem uma tonalidade verde.
Cerrei os dentes, lutando contra a risada que os irmãos de Lyla não
conseguiam esconder.
— Vance? — Anne perguntou, seus olhos suplicantes.
— Amarelo, — menti. — É definitivamente amarelo. — Era verde ervilha,
cocô de bebê.
Seu rosto inteiro se iluminou.
O de Lyla também. Ela sorriu, sabendo que eu menti pelo bem de sua mãe.
— Precisamos mesmo votar? — Mateo perguntou. — Eu só vou te dizer
como vai ser. Seus filhos odeiam a cor. Seus filhos postiços também odeiam
a cor, mas eles te amam demais para dizer a verdade.
— Então você não está apenas criticando meu gosto, agora está dizendo que
não me ama. — Anne pegou seu guardanapo de pano e jogou na cabeça
dele. — Saia. Você não é meu filho.
Mateo pegou o guardanapo e riu, uma gargalhada profunda e sincera, igual
à do pai e dos irmãos.
Eu precisava de duas mãos para contar as semelhanças entre os homens do
Éden. E o mesmo aconteceu com Lyla, sua mãe e irmãs.
Como gêmeas, Lyla e Talia tinham o mesmo formato de rosto, nariz e boca.
As gêmeas de Cormac eram quase impossíveis de distinguir para a maioria
das pessoas. Levei meses para saber qual era Hadley ou Elsie. Mas mesmo
que Lyla e Talia tivessem as mesmas feições, eu reconheceria Lyla em
qualquer lugar.
Os olhos de Talia eram azuis, mas não os mesmos de Lyla.
E quando se tratava de almas gêmeas e personalidades, Lyla era muito
parecida com Anne.
— Que tal eu repintar o banheiro para você neste fim de semana? — Lyla
perguntou. — Poderíamos escolher um cinza bonito ou verde floresta.
— Não. — Ana suspirou. — Você está ocupada. Eu vou fazer isso. Talvez.
Ou talvez eu apenas faça todos vocês sofrerem com o cocô de bebê
amarelo.
— Falando em cocô de bebê. — Memphis estava com o bebê no braço. —
Volto logo.
Ela se curvou e beijou a testa de Knox, depois saiu da sala.
— Ok, vaqueiro. — Griffin pegou uma bola de massinha de Hudson e a
colocou em seu recipiente amarelo. — Hora de irmos para casa, entrarmos
na banheira e depois irmos para a cama.
— Não. — A boca de Hudson virou para baixo nos cantos, então ele se
dobrou, caindo para frente quando começou a chorar.
— Ah, meu filho. — Winn estava fora de sua cadeira em um piscar de
olhos, pegando Hudson para um abraço.
Ele envolveu as pernas em volta da cintura dela e os braços pequenos em
volta dos ombros dela, como se ela fosse seu anjo salvador. Ela
provavelmente era. Embora Winn provavelmente ainda fizesse seu filho
tomar banho.
— Vamos para casa. — Ela beijou a bochecha de Hudson, então o carregou
com ela enquanto se movia para pegar a sacola de fraldas.
O resto de nós ficou de pé, levando pratos e copos para a cozinha.
Talia e Foster foram os primeiros a decolar, seguidos de perto por Jasper e
Eloise. Então Knox e Memphis carregaram seus filhos e voltaram para casa.
Mateo acenou adeus enquanto subia em sua caminhonete, indo para a
cabana onde morava nas montanhas.
Griffin e Winn não fizeram uma longa viagem até sua casa no rancho, então
eles ficaram por mais tempo para se despedir.
— Bom ver você, Vance, — Winn disse enquanto estávamos ao lado da
porta.
— Você também. — Antes do jantar, eu tinha muito respeito por Winslow
Eden como policial. Depois do jantar, esse respeito só aumentou, vendo-a
como esposa e mãe, leal e amorosa.
Tanto quanto eu poderia dizer, ela era a única pessoa que sabia sobre minha
situação em Coeur d'Alene. O desastre que era o meu trabalho. O tiroteio.
Que ela deixaria isso ficar entre nós, bem... Eu não tinha muito a oferecer
como agradecimento, mas se ela precisasse de um favor, eu moveria
montanhas para que isso acontecesse.
— Que bom que você conseguiu sair. — Griffin apertou minha mão, então
puxou Lyla para um abraço, beijando o topo de seu cabelo. — Mamãe disse
que havia algumas coisas na loja que precisavam de conserto. O porta-
toalhas do banheiro e a porta do escritório não fecham direito. Papai e eu
vamos passar amanhã para dar uma olhada.
— Não é nada grave, — diz Lyla.
— Então não vai demorar muito. — Ele a deixou ir, então abriu a porta,
conduzindo sua família para fora, deixando Lyla e eu com seus pais.
— Obrigado por me receber. — Peguei a mão estendida de Harrison e me
inclinei para beijar a bochecha de Anne. — O jantar estava delicioso.
— Foi tão maravilhoso conhecer você. — Anne sorriu para mim, depois
para sua filha. — Amo você.
— Também te amo, mãe. — Lyla abraçou seus pais. — Tchau, pai.
— Até amanhã, querida. — Harrison segurou a porta aberta para nós,
parado na soleira enquanto cruzávamos a varanda. Então, com um aceno,
ele desapareceu lá dentro com sua esposa.
O ar cheirava a neve. Estava chegando, mais cedo ou mais tarde. Mas
respirei fundo, sentindo o cheiro de feno, animais e terra. Um homem
poderia viver uma vida muito boa cheirando aquela combinação todos os
dias. Eu invejava os Edens que chamavam isso de lar.
— Quando eu era criança, queria ser caubói, — contei a Lyla.
Lyla riu enquanto descíamos as escadas da varanda. — Você queria?
— Sim. Eu, com dez anos estaria no céu agora.
Embora eu aos trinta e quatro anos, também estivesse perto do céu no
momento.
Estrelas cobriam o céu de ônix. A lua lançava um tom prateado nas
montanhas irregulares à distância. E embora fosse uma noite de tirar o
fôlego, sua beleza empalidecia em comparação com a mulher ao meu lado.
— Vamos. — Lyla agarrou minha mão, entrelaçando nossos dedos, então
me puxou para longe de onde havíamos estacionado minha caminhonete.
Eu não tinha certeza de onde ela estava me levando, mas segui o passo ao
lado dela, mantendo sua mão na minha enquanto cruzávamos o terreno
aberto de cascalho ao lado da casa de Anne e Harrison.
Três grandes edifícios ficavam em frente à sua casa - um celeiro, uma loja e
os estábulos. Lyla os havia apontado quando chegamos mais cedo. As luzes
do pátio iluminavam cada uma de suas frentes. Atrás deles, além das cercas
e currais, estava escuro como breu.
Mas quando Lyla e eu saímos antes do jantar, chegamos antes do anoitecer.
Isso me deu a chance de ver o rancho da família dela. Era um cenário
magnífico, com prados e florestas verdes indomáveis e cadeias de
montanhas em todas as direções.
Paraíso.
— Quer conhecer nosso mais novo cavalo? — ela perguntou, levando-me
para os estábulos.
— Claro.
Ela soltou minha mão para abrir uma porta de correr e entrar.
Eu me juntei a ela, apertando os olhos enquanto ela acendia as luzes. Então,
quando meus olhos se ajustaram, absorvi o enorme espaço, respirando os
aromas de cavalos, couro e palha. Uma rua larga tomava o centro do
edifício. De cada lado havia uma fileira de estábulos.
Ela caminhou até uma baia, espiando por cima de um portão.
Eu ocupei o lugar ao lado dela. Dentro da baia, um potro preto estava com
uma estrela branca na cabeça. Sua mãe se aproximou, cutucando o braço de
Lyla.
— Ele não é fofo? — Lyla acariciou a bochecha lisa e redonda do cavalo,
então se afastou, entrando mais fundo no prédio. Ela passou por baias
vazias, seu passo lento. — Meu cavalo, Mercury, e a maioria dos outros
estão no pasto. Mas se você quiser viver seus sonhos de infância, podemos
voltar outro dia. Para cavalgar.
Deus, isso parecia divertido. Eu cavalguei algumas vezes ao longo dos
anos, embora nunca com frequência. Quando eu ia para as montanhas,
geralmente era a pé. E por mais que eu adorasse passar um dia com Lyla
aqui, explorando o rancho Eden, não era por isso que eu estava em
Montana.
E o tempo estava se esgotando.
Logo as montanhas estariam cobertas de neve, tornando qualquer tentativa
de procurar por Cormac mais difícil do que já era. Se ele planejava passar o
inverno nessas montanhas, reuniria suprimentos suficientes para ficar em
qualquer buraco que cavasse para si mesmo. Ele limitaria o movimento,
escondendo-se até a primavera.
Se ele estivesse aqui.
— Talvez, — eu disse a Lyla.
Ela ouviu o não e me deu um sorriso triste quando chegamos ao outro lado
dos estábulos.
— Ei. — Eu agarrei a mão dela, prendendo-a na minha. Com um puxão,
puxei-a para perto. — Obrigado por me trazer aqui esta noite.
— De nada. — Sua mão livre deslizou pelo meu peito, seu dedo indicador
roçando cada um dos botões do Henley sob minha jaqueta de flanela.
— Eu gosto da sua família. Eu gosto de como eles são barulhentos.
Seu rosto suavizou. — Eu gosto disso também.
— Eu tenho uma grande família. — As palavras saíram antes que eu
pudesse engoli-las.
O olhar de Lyla disparou para o meu. Talvez ela esperasse que eu me
afastasse, mudasse de assunto. Normalmente, eu faria.
Não essa noite.
— Você já se sentiu perdido no meio da multidão? — Perguntei.
— Às vezes, — ela sussurrou. — É assim que é com a sua família?
— Não perdido. Fora.
Sua mão veio até minha barba, acariciando meu queixo com os nós dos
dedos. — Sua família sabe que você está aqui?
— Meu pai sabe. Minha mãe e eu não nos falamos há... um tempo.
— Sinto muito.
— Eu também.
Havia mais para explicar. Uma história para contar. E maldita seja, eu
queria colocar isso em cima dela. Eu queria desabafar meu coração
novamente.
Ela não tinha ideia de quanto isso ajudou, compartilhar minha história com
Cormac. Descarregando pela primeira vez em anos. Talvez ajudasse a
entender as besteiras da minha família também se eu contasse a ela sobre
isso. A maneira como Lyla ouvia, a maneira como ela absorvia cada palavra
minha, tornava tudo tão tentador.
Mas tivemos uma noite tão boa. Talvez se não houvesse uma data de
validade, talvez se a neve não viesse, eu desistiria.
Em vez disso, fechei minha outra mão sobre a dela, tirando-a do meu rosto
e torcendo-a atrás das costas, prendendo-a logo acima de sua bunda. Então
me aproximei mais, segurando-a contra mim enquanto me curvava e
tomava sua boca.
Ela se abriu para mim instantaneamente, e quando deslizei minha língua
para dentro, acariciando a dela, o passado desapareceu. Não havia nada
além dessa mulher e o doce sabor de seus lábios.
Meu pau inchou, meu corpo desejando o dela.
Lyla gemeu enquanto eu pressionava minha ereção contra seu quadril.
Quantas vezes nos resta? Cinco. Dez. Não era o suficiente. Eu já sabia, não
importa o número, não seria o suficiente. Então, arrastei-nos para a
superfície mais próxima, pressionando Lyla contra uma larga viga de
madeira.
Separei minha boca da dela, arrastando-a ao longo de sua mandíbula até o
lóbulo de uma orelha. — Você já foi fodida aqui?
— Não, — ela ofegou, estendendo a mão entre nós. Sua palma pressionou
com força contra minha ereção, ganhando um gemido. — Vance.
Porra, mas eu amei como ela disse meu nome.
Quase tanto quanto gostei que ela tivesse usado um vestido esta noite. Era
uma gola alta caramelo, o corpo tricotado grosso e macio. A forma
quadrada não deveria ser sexy, mas era curta, atingindo o meio da coxa,
então uma sugestão daquelas pernas suaves e tonificadas poderia me
provocar a noite toda. Suas botas sensuais quase chegavam aos joelhos.
— Eu queria subir este vestido a noite toda. — Eu juntei o tecido em
minhas mãos, arrastando-o até seus quadris. Exatamente o que eu queria
fazer desde o momento em que a vi sair do quarto, o cabelo cacheado em
ondas longas e soltas e um brilho nas pálpebras.
Minha mão deslizou sob a bainha do vestido, mergulhando para o centro de
sua calcinha.
— Você já está encharcada, — eu rosnei contra seu pescoço enquanto
deslizava o tecido para o lado, deslizando meus dedos por sua fenda para
provocar seu clitóris.
— Sim, — ela ronronou, arqueando em meu toque.
— Você quer meus dedos? Ou meu pau?
— Ambos.
— O que você diz?
Ela se inclinou para um beijo rápido e sussurrou a palavra mágica. — Por
favor.
Agarrei a calcinha e, com um único e rápido puxão, arranquei-a de seu
corpo.
Lyla engasgou, seus olhos se abrindo e me lançando um olhar feroz. —
Vance.
Ela poderia fingir estar chateada o quanto quisesse. Nós dois sabíamos que
ela ficava molhada pra caralho quando eu rasgava sua calcinha. Talvez ela
percebesse antes de eu sair que não fazia sentido usá-los.
— Minha. — Eu sorri e enfiei a renda arruinada no bolso do meu casaco.
Então, com uma mão apalpando sua bunda, mergulhei um dedo em seu
calor apertado.
Ela derreteu contra mim, choramingando enquanto eu brincava com ela,
trabalhando-a cada vez mais alto. — Eu amo seus dedos.
— Meus dedos amam sua boceta. — Acrescentei um segundo dedo,
acariciando-a profundamente até que suas pernas começaram a tremer.
Ela gozou na minha mão várias vezes, mas esta noite, eu queria senti-la
explodir no meu pau, então me afastei, ganhando outro olhar.
Eu rapidamente abri meu jeans, segurando meu eixo e dando alguns golpes.
Então levantei Lyla mais alto contra o poste, segurando suas coxas
enquanto a prendia com meus quadris.
— Boca, — eu ordenei.
Ela me beijou imediatamente, sua língua emaranhada com a minha. Eu me
alinhei em sua entrada e com um impulso, me enterrei dentro dela, minha
mandíbula apertada enquanto eu lutava para manter o controle. — Porra.
Você é tão boa, Blue.
Suas paredes internas estremeceram. — Mais rápido.
Um impulso, e ela estava pronta para gozar.
Eu puxei para fora, bati para dentro. Então estendi a mão entre nós e
pressionei meus dedos molhados em seu clitóris.
— Vance. — Seu grito ecoou pelas vigas quando ela se desfez, pulsando ao
meu redor enquanto eu nos balançava juntos, mais e mais.
Não demorou muito para eu segui-la até a borda, meu corpo desabando
sobre o dela, nós dois sem ossos e moles contra o poste.
Um cavalo relinchou do outro lado do prédio.
Lyla deu uma risadinha, aquela risada musical bem no meu ouvido.
— Você está bem? — Perguntei.
— Sim. Você está?
— Mais do que bem.
Ela cantarolava, sonolenta e doce. Ela provavelmente cairia no caminho de
volta para a cidade. Então eu a coloquei de pé, e com meu gozo escorrendo
por sua coxa nua, eu a tirei dos estábulos e a levei para casa.
Lyla dormiu antes mesmo de chegarmos à rodovia.
E enquanto ela dormia, observei o céu marcado pelas estrelas, rezando para
que esse clima durasse apenas mais algumas semanas.
Não apenas para ter uma chance de encontrar Cormac, mas porque
precisava de tempo com Lyla.
Exceto quando acordei na manhã seguinte, sozinho na cama de Lyla porque
ela já tinha saído para trabalhar, além das janelas do quarto havia uma fina
camada de neve gelada.
CAPÍTULO QUINZE

LYLA
Vance me prendeu contra a parede do chuveiro. O vapor aumentou ao nosso
redor, e uma gota de água se agarrou ao seu lábio inferior enquanto ele
martelava dentro de mim, sua respiração tão irregular quanto a minha.
Minhas mãos agarraram seus ombros, segurando firme. Quanto mais eu
cravava minhas unhas, mais ele me fodia.
— Oh Deus. — Cada músculo do meu corpo tremeu quando meu orgasmo
correu em minha direção como uma avalanche. Minhas mãos se agarraram
a seus ombros, minhas unhas como garras em sua pele escorregadia.
— Lyla. — A maneira como ele gemeu meu nome enviou um arrepio na
minha espinha. Era erótico. Desesperado. Ele estava perto, à beira de sua
própria liberação, mas não ousaria parar até que eu gozasse primeiro.
Suas mãos fortes seguraram minha bunda, me segurando no lugar. Ele
apertou, as pontas dos dedos cavando em minha carne, e aquela pontada de
dor foi o gatilho.
— Vance. — Eu quebrei em mil pedaços quando ele rugiu meu nome.
Meu corpo pulsava em torno de seu comprimento. Estrelas brancas
consumiram minha visão.
Ele derramou dentro de mim, uma série de sons incoerentes escapando de
sua garganta.
Meu coração trovejou enquanto eu descia do orgasmo, meus braços e
pernas tão apertados ao redor dele que ele teria que me soltar. Não que ele
parecesse com pressa de me deixar ir.
Seu grande corpo envolveu o meu enquanto seus braços serpenteavam em
volta da minha cintura, sua testa caindo para o azulejo nas minhas costas.
Vance me manteve presa contra a parede até que a água mudasse de quente
para morna.
Eram quatro horas da manhã e eu chegaria tarde ao café. Eu tinha acabado
de enxaguar meu cabelo quando a porta do chuveiro se abriu e Vance
entrou.
Seus dias de ficar na cama enquanto eu saía antes do amanhecer tinham
acabado. Algo havia mudado nos últimos quatro dias, desde aquela noite
nos estábulos.
Sexo com Vance sempre foi poderoso, mas agora havia uma vantagem. Este
desejo frenético. Era como se nós dois soubéssemos que o tempo estava se
esgotando, então nenhum de nós desperdiçou a chance de ficarmos juntos.
Ele se afastou, dando um beijo em meu pulso enquanto me colocava de pé.
Então ele afastou o cabelo molhado de minhas têmporas, segurando meu
rosto em suas mãos enquanto seus olhos procuravam os meus.
Isso também era novo. Ele olhou para mim como se estivesse tentando
memorizar cada detalhe. Meus olhos. Meu nariz. Meus lábios. Ficar parada,
deixando seu olhar percorrer minhas feições enquanto eu tentava esconder a
tristeza em meu coração, era uma tortura.
— Vou me atrasar para o trabalho.
Ele suspirou, dando uma última olhada longa, então assentiu e me soltou.
Saí do chuveiro, me enxugando enquanto o cheiro de seu xampu enchia o
banheiro.
Este fim de semana, ele apareceu com sua mala do hotel. Sua reserva havia
terminado. Em vez de prolongá-lo, ele apenas trouxe seus pertences para cá.
Olhei para sua escova de dentes no suporte ao lado da minha. No estojo de
couro no balcão ao lado da pia. Havia uma navalha dentro que ele
claramente não tocava há semanas. Não que eu me importasse. Eu adorava
a barba de Vance e como ela parecia espessa sob meus dedos.
Como ele seria sem isso?
Eu nunca saberia.
Meu coração se contorceu. Vance viveria para sempre em minha memória
exatamente como ele era hoje.
Outra mulher iria vê-lo envelhecer. Ela conseguiria testemunhar fios
grisalhos em seu cabelo chocolate escuro. Ela conseguiria ver as rugas de
expressão nos cantos da boca dele se aprofundarem na próxima década. Ela
dormiria em seu peito largo e faria café pela manhã.
A ideia de café me tirou dos meus pensamentos e me apressei com o resto
da minha rotina matinal.
Quando Vance saiu do banho, enrolou uma toalha na cintura e passou as
mãos pelo cabelo úmido. Então ele passou a palma da mão no espelho
embaçado. Gotículas escorriam por sua superfície e, quando voltasse para
casa hoje à noite, teria que usar limpador de vidro para apagar os riscos.
Outra mulher reclamaria dos riscos. Talvez ela tentasse quebrá-lo desse
hábito.
— Lyla.
Eu pulei, desviando meus olhos do espelho. — Sim?
— O que está errado?
— Nada. — Forcei um sorriso, depois me inclinei para passar uma camada
de rímel. — Você vai passar na loja quando voltar para a cidade?
— Sim.
— Esteja a salvo. — Eu beijei o centro de seu peito, então saí do banheiro
para o meu armário adjacente.
Vestindo um e jeans e uma camiseta de gola redonda macia, parei na
cozinha para ligar a cafeteira para Vance. Então peguei minhas chaves e
corri para a garagem, atravessando a cidade e estacionando na vaga de
sempre no beco atrás da loja.
A cada dia, era cada vez mais difícil vir trabalhar. Vance não precisava que
eu o acompanhasse nas montanhas como uma distração enquanto ele estava
procurando, mas as horas passadas no Eden Coffee eram horas que eu
poderia ter passado com ele.
Saí do carro, meu pé pisando no cascalho úmido. Desviei de uma poça no
caminho para a porta da cafeteria.
A neve da sexta-feira havia derretido. Graças a Deus. Quando acordei no
sábado e vi o chão coberto de branco, chorei no chuveiro antes de Vance se
juntar a mim.
Claro, no ano em que eu precisava desesperadamente de um outono longo e
prolongado, o hálito gelado do inverno descia em cascata pelo meu
pescoço. Mas o tempo havia esquentado o suficiente para transformar a
neve em lama.
As primeiras horas foram silenciosas, como de costume, então eu as passei
na cozinha, assando o que me apeteceu.
As escolhas de hoje foram scones de mirtilo e croissants de chocolate. Em
parte, porque Vance os amava. Em parte, porque o chocolate escuro, quase
preto, combinava com o meu humor.
Com o cozimento e a preparação do café da manhã terminados, continuei
com minhas tarefas normais para abrir a loja. Eu fazia lattes e cappuccinos
para os clientes regulares que vinham todas as manhãs. Aqueci burritos para
o café da manhã e servi parfaits de iogurte. Servi pãezinhos de canela e
muffins de amoras silvestres, tudo com um sorriso inabalável.
Eu tinha acabado de limpar uma mesa quando Winn entrou.
Ela estava vestida com um de jeans de lavagem escura e uma camisa branca
de botão. Ela estava com um blazer preto hoje, seu comprimento quase
escondendo seu distintivo e arma.
— Oi. — Dei-lhe um abraço rápido antes de ir para trás do balcão,
preparando-lhe um café com leite. — Quer café da manhã?
— Papai disse que você tinha croissants de chocolate.
— Eu tenho. — Eu ri.
O avô de Winn foi a razão pela qual guardei três croissants para Vance nos
fundos. Covie diria a qualquer um que visse hoje que eu tinha croissants.
Ele estava aposentado agora, mas quando era prefeito, eu teria vendido
todos em uma hora. Hoje, eles duram até o meio-dia.
— Também estou aqui a negócios, — disse Winn enquanto eu lhe entregava
café e croissants.
Engoli um gemido. — OK?
— Podemos conversar na cozinha?
— Hum, claro. — Examinei o espaço, certificando-me de que as poucas
pessoas nas mesas estavam atendidas por enquanto, então me dirigi para os
fundos. — E aí?
— Quando cheguei à delegacia esta manhã, recebi uma mensagem de um
agente do FBI. Ele estava retornando uma ligação que fiz na semana
passada.
Meu pulso acelerou. Seria bom para Vance se o FBI agora estivesse
envolvido? Ou não, seria ruim? — Ok, — eu demorei.
— O agente com quem falei está encarregado do caso Cormac Gallagher.
Contei a ele sobre você e tenho motivos para acreditar que Cormac é quem
a atacou.
— E você contou a ele sobre Vance?
— Não. — Winn balançou a cabeça. — Vance já tem problemas suficientes
com seus superiores desde o tiroteio. Eu não queria que ele pegasse
nenhuma crítica por estar aqui. No que me diz respeito, ele está em
Montana de férias e fazendo muitas caminhadas.
Tiroteio. Que tiroteio? Do que Winn estava falando? Vance não havia
mencionado um tiroteio.
— Vou ligar para Vance mais tarde, — disse Winn, tomando um gole de
café. — Acho que ele está nas montanhas hoje.
Consegui um aceno de cabeça, ainda tentando desacelerar minha mente.
Que tiroteio?
— Liguei para o FBI porque o caso é deles. Se for realmente Cormac
Gallagher, então é federal. Eles têm jurisdição.
— Então isso significa que eles estão vindo para cá?
— Não. — Ela balançou a cabeça. — O agente me garantiu que se fosse
Cormac – não tenho certeza se ele realmente acreditou em mim – ele já
teria saído de Quincy há muito tempo. Que sem rastro ou pista, não haveria
nada para encontrar. O agente era, hum... não exatamente feliz por não os
ter notificado imediatamente após o incidente no rio.
Eu zombei. — Nós nem sabíamos quem ele era naquele momento.
Poderíamos nunca saber se não fosse por Vance.
— Bem, o agente deixou claro que a razão pela qual Cormac ainda estava
foragido era por minha causa e pelas deficiências das autoridades locais.
— Isso não é justo.
Seus ombros caíram. — Talvez. Mas sinto muito por não o termos
encontrado.
— Não é sua culpa. Você tentou.
— Talvez devêssemos ter tentado mais.
— Mesmo assim. Eu não acho que teria importado. — Era a dura realidade
que eu não queria enfrentar.
Cormac se foi.
Ele deixou esta área depois do rio, levando com ele não apenas minha
chance de justiça, mas a chance de Vance de fechamento.
— Ele se foi, não foi? Cormac? — Eu não poderia perguntar a Vance. Eu
não o faria responder.
— Provavelmente.
— É por isso que você deixou Vance continuar procurando?
— Sim e não. Dada a sua experiência, se houvesse algo para encontrar, ele
teria sido o único a encontrá-lo. Mas também acho que ele precisava dessa
busca para esquecer todo o resto.
O tiroteio?
— Depois de algo tão terrível, às vezes, você só precisa se lembrar por que
você é um policial. — O olhar de Winn estava desfocado enquanto ela
olhava para um ponto invisível no chão. — Para fazer algo de bom. Eu não
ia tirar isso dele.
Por isso, eu sempre serei grata. — Eu te amo, Winn.
— Eu te amo, Lyla. — Os olhos dela se suavizaram. — Você está se
apaixonando por Vance, não está?
Não adiantava mentir, mas eu ia me esquivar. — Ele está indo embora.
Talvez outra amiga, outra irmã, teria me incentivado a pedir que ele ficasse.
Talvez tenha sugerido que tentássemos de longa distância. Mas Winn
simplesmente me deu um abraço, sussurrando: — Sinto muito, — antes de
sair da cozinha e voltar ao trabalho na delegacia.
No momento em que ela se foi, tirei meu telefone do bolso e digitei uma
busca.
Vance Sutter tiroteio.
Mas antes que eu pudesse adicionar Idaho aos critérios, meus dedos
pararam. Olhei para a tela por um longo momento, depois apaguei tudo e
coloquei o telefone de volta no meu jeans.
Havia uma razão para Vance mudar de assunto com tanta frequência. Havia
uma razão pela qual ele evitava me contar sobre seu trabalho ou sua família.
Ele não queria que eu soubesse.
Eu não era a namorada dele.
Eu era simplesmente sua fuga.
Por que eu sempre fui a pessoa em um relacionamento que caiu longe
demais? Quem se importava demais? Quem esqueceu as regras?
Quem deixou seu coração liderar o caminho?
Eu não me arrependi. Nem um minuto. Não com Vance.
Talvez isso acontecesse, depois que ele deixasse Quincy. Mas hoje, se ele
precisasse de uma fuga, eu seria esse refúgio. Então endireitei os ombros,
abaixei minha curiosidade e voltei ao balcão para sorrir e atender meus
clientes.
Vance chegou por volta das quatro, vestido como na maioria dos dias, com
calças Carhartt e um casaco térmico de mangas compridas por baixo do
grosso casaco de flanela. Tanto o gorro quanto as luvas estavam enfiados
nos bolsos do casaco.
Que tipo de roupa ele usava no verão? Durante sua próxima ida ao barbeiro,
quão curto ele cortaria o cabelo? Além de foder uma mulher sem sentido, o
que ele fazia para se divertir?
Que tiroteio?
Perguntas que não fiz.
— Ei, Blue.
— Oi. — Todas as suas amantes receberam apelidos? Ou apenas eu? —
Você falou com Winn?
Ele suspirou. — Sim. Recebi a mensagem dela. Liguei para ela no caminho
de volta. Não posso dizer que estou surpreso ou desapontado. É melhor
assim.
— Como foi? Encontrou alguma coisa?
— Frio. E não.
Não. Ele costumava dizer ainda não.
Engoli minha decepção. — Café?
— Sim. Isso seria bom.
— Eu vou trazer.
— Obrigado. — Ele abaixou o queixo, então se virou, indo para seu assento
regular.
Essa cadeira era dele. A mesa também, mas principalmente aquela cadeira.
Pelo resto dos meus dias, não seria capaz de olhar para aquele canto e não
pensar em Vance.
Ele se lembraria de mim também?
De todas as perguntas que flutuavam na minha cabeça, essa era a que mais
me aterrorizava. Então, em vez de pensar, enchi uma xícara de café.
Coloquei um croissant de chocolate.
E quando levei os dois para Vance, lembrei-me da simples verdade.
Ele estava praticamente longe.
CAPÍTULO DEZESSEIS

VANCE
Eu não era o tipo de homem que se perdia. Norte. Sul. Leste. Oeste.
Minha bússola interna sempre foi verdadeira.
Mas caramba se eu não me perdia em Montana.
Enquanto eu estava no topo de um afloramento rochoso, a vista à minha
frente era nada menos que magnífica. Ao longe havia uma cadeia de
montanhas índigo. Entre nós, o sopé era uma mistura espetacular de verdes
e dourados. A neve cobriu as copas das árvores com um branco cintilante.
A quilômetros de distância, o rio serpenteava pelo vale, cortando seu
caminho sinuoso pela paisagem.
Enchi meus pulmões com o ar frio e fresco, segurando-o até queimar. Até
que afugentou qualquer dúvida.
Era isso.
O último dia.
Sob os troncos das árvores, três polegadas de agulhas cobertas de neve e
folhas caídas. Foi diferente da neve do fim de semana passado. Ela veio
para ficar. Mesmo que o clima esquentasse na cidade, as temperaturas não
mudariam muito aqui. Os flocos que caíram ontem à noite ficariam aqui até
a primavera. Elas estavam aqui para ficar.
Não haveria mais como esconder minha presença. Não haveria como cobrir
meus rastros. Se Cormac estivesse aqui, ele provavelmente saberia sobre
mim muito antes de eu saber sobre ele.
E se eu fosse honesto comigo mesmo, provavelmente não havia nada para
encontrar.
Provavelmente não houve nada para encontrar durante todo o mês.
Eu só vasculhei uma fração dessas montanhas. A área era tão vasta, tão
selvagem, que eu poderia ter passado um ano procurando e ainda não
encontraria Cormac. Era hora de encarar a verdade.
Ele ganhou. Ele tinha me batido, vez após vez.
Queimou. Porra queimou. O couro das minhas luvas rangeu quando minhas
mãos se fecharam em punhos apertados. Admitir a derrota não era da minha
natureza, mas caramba, ele me derrotou.
Era uma estranha mistura de emoções, a frustração que vinha só de pensar
no nome de Cormac e a maneira como me sentia tão em paz olhando para a
paisagem de Montana. No final, a raiva venceu.
— Foda-se, Cormac. — As palavras desapareceram em uma brisa.
Com eles, a justiça. Com eles, resolução. Com eles, esperança.
Não era fodidamente justo.
Ele ganhou.
— Sinto muito, Norah. Droga, desculpe, meninas.
Minha garganta começou a fechar, pensando em seus rostos brilhantes.
Sobre as vidas que deveriam ter vivido. Seu pai, sua carne e sangue, os
roubou cegamente.
— Foda-se, Cormac! — Meu grito ricocheteou nos penhascos atrás de mim,
ecoando à distância para ninguém ouvir.
A dor no meu peito era paralisante.
Sinto muito.
Eu apertei meus olhos fechados, o fracasso tão pesado em meus ombros que
me fez cair de joelhos.
Sinto muito Lyla.
Como dizer a ela que estava desistindo? Como eu estava esmagando sua
esperança?
Como dizer adeus?
Eu me mexi, caindo sentado, então apoiei meus antebraços nos joelhos. A
neve abaixo de mim começou a derreter e encharcar a lona grossa de
minhas calças. Mas mesmo quando minha bunda ficou molhada, mantive
meus olhos na vista, agarrando-me à sua paz. Seu silêncio.
Este costumava ser o meu sonho, passar meus dias nas montanhas na
solidão.
Quando ficou tão solitário? Quando foi que ficou assim... frio?
O melhor dia que tive nestas montanhas foi o dia em que levei Lyla à sua
cachoeira. O dia em que me lembrei de como era bom ter mais alguém na
trilha.
Esse alguém costumava ser Cormac. Passamos incontáveis horas juntos.
Falando sobre nada. Falando sobre tudo.
Deus, eu perdi meu amigo. Eu odiava sentir falta dele. Sua ausência havia
deixado um buraco irregular.
O que aconteceria quando eu deixasse Quincy? Que pedaço eu deixaria aqui
com Lyla?
Suspirei e abaixei a cabeça.
A última semana tinha sido igualmente incrível e agonizante. À noite, nos
agarramos um ao outro, saboreando cada momento. Cada toque. Se
estivéssemos sozinhos, então eu estava dentro dela.
Lyla Éden.
Blue.
A surpresa da minha vida.
Eu bufei uma risada. Aquele filho da puta do Cormac. Se não fosse por ele,
eu não a teria conhecido. Eu o odiava pelo que ele tinha feito com ela. Pelas
marcas que ele deixou, tanto físicas quanto mentais. Mas caramba, eu
estava feliz por tê-la encontrado.
Mesmo que fosse apenas por um mês.
— Foda-se, Cormac, — eu sussurrei.
Ele ganhou.
Mas talvez eu tenha vencido também.
Talvez fosse hora de dar uma olhada na bagagem que eu carregava. Talvez
fosse hora de fazer algumas mudanças.
Eu me mantive sentado, olhando para longe até que minha bunda estava
encharcada e começando a ficar dormente. Foi só quando o sol começou a
se pôr que me levantei, coloquei um pé na frente do outro e desci a
montanha até minha caminhonete.
No momento em que eu estava ao volante, a porta fechada, o silêncio
poderia muito bem ter sido a tampa de um caixão se fechando.
Feito. Estava feito.
Da próxima vez que uma dica ou pista surgisse sobre Cormac, eu não estava
perseguindo.
Então liguei a caminhonete e coloquei o pé no acelerador, mantendo os
olhos grudados na estrada enquanto as montanhas e árvores passavam pelo
meu para-brisa.
A cada quilômetro, a pressão em meu peito diminuía, mas levou todo o
caminho até Quincy para meus ombros relaxarem. E não respirei fundo pela
primeira vez até estacionar do lado de fora do Eden Coffee.
Lyla estava lá dentro. Ela estava de costas para as janelas, o quadril apoiado
no balcão. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, os fios sedosos
caindo por sua espinha.
Foda-se, mas eu sentiria falta daquele cabelo no meu peito enquanto
dormíamos.
Ela estava conversando com Crystal, que estava fazendo algo na máquina
de café expresso. Lyla se afastou do balcão, sorrindo enquanto desaparecia
na cozinha.
Saí da caminhonete e entrei, sem me preocupar em parar no balcão.
— Hum... — O olhar arregalado de Crystal foi ignorado enquanto eu me
dirigia para a cozinha.
Quando entrei pela porta aberta, Lyla ergueu os olhos de seu lugar ao lado
de uma grande mesa de aço inoxidável no centro da cozinha. Seu rosto se
iluminou como uma super lua contra um céu noturno escuro. — Ei.
Sim, eu ganhei também.
Atravessei a distância entre nós, tomando seu rosto em minhas mãos.
— Você está bem...
Eu esmaguei minha boca na dela.
Levou um segundo para ela relaxar, mas então suas mãos vieram para o
meu casaco, agarrando as lapelas enquanto ela ficava na ponta dos pés.
Lambi a costura de seus lábios, exigindo entrada, e quando ela se abriu para
mim, eu devorei, saboreando cada centímetro doce da boca dessa mulher
enquanto ainda tinha chance.
Ela gemeu, afundando mais fundo no beijo. Suas mãos se moveram,
vagando pelo meu peito e descendo pelas minhas costelas. Ela pressionou
as palmas das mãos contra minhas costas, achatando-as contra meus
músculos enquanto as deslizava para minhas calças. Então ela enfiou as
mãos nos meus bolsos de trás e deu um tapa forte na minha bunda enquanto
eu mordia o canto da boca dela.
Nós nos beijamos como se estivéssemos em seu quarto, não na cozinha.
Nós nos beijamos como se não houvesse amanhã, chupando e lambendo até
nossas bocas ficarem inchadas e molhadas. Até que ela estava sem fôlego e
eu estava duro como pedra, dolorido para sentir sua pulsação em volta do
meu pau.
Afastei minha boca, o peito arfando, e me afoguei em seus olhos cor de
safira. — Ei, Blue.
Minha Blue. Por mais um pouco.
— Oi, — ela sussurrou.
Encostei minha testa na dela. — Vai ser difícil me afastar de você.
Seus olhos se fecharam enquanto ela suspirava. — Vai ser difícil ver você ir
embora.
Mas ela iria. Ela me deixaria ir.
Ela não me pediria para ficar.
Havia tanto que ela ainda não sabia. Tanto que eu não tinha certeza de como
explicar.
No entanto, de alguma forma, ela sabia que eu não poderia ficar em Quincy.
A melhor parte sobre ela? Ela não iria perguntar, porque ela não iria me
fazer dizer não.
Foda-se, mas eu amava isso nela.
As emoções de hoje, desta viagem, giravam como uma violenta tempestade.
Então bloqueei o barulho, silenciei tudo beijando Lyla de novo. No
momento em que minha boca estava na dela, o mundo ficou quieto. A única
emoção que importava era o desejo.
— Ah, hum... desculpe.
Lyla se separou ao ouvir a voz de Crystal.
Pego.
Ela riu.
O som era tão puro e inocente, tão feliz, que fechei os olhos, guardando-o
para os dias sombrios que viriam.
A mão de Lyla veio à boca quando ela se inclinou para o lado e olhou por
cima do meu braço. — Está tudo bem, Cristal. Nós estávamos apenas, uh...
Namorando. Quando se tratava de Lyla, eu era como um adolescente
excitado, desesperado para tê-la sob minhas mãos.
Lyla limpou a garganta, passando por mim. — Eu não acho que vocês dois
se conheceram oficialmente. Vance, aqui é Crystal. Crystal, este é Vance.
Eu me virei o suficiente para dar a ela um aceno de cabeça, mas não o
suficiente para revelar a protuberância esticando meu zíper. — Prazer em
conhecê-la.
— Você também. Desculpe. Eu ia pegar a vassoura e a pá, mas vou só... —
Crystal desapareceu quando sua frase foi sumindo.
— Oh meu Deus. — Lyla riu de novo, depois enxugou os lábios. — Isso foi
indiscutivelmente pior do que a vez em que meu pai me pegou beijando
meu namorado no banco de trás do carro dele no último ano do ensino
médio.
Eu levantei um dedo. — Chega de falar sobre o namorado do ensino médio.
Ela riu, aqueles lindos olhos dançando. — Como foi sua caminhada?
— Bem. — Eu diria a ela mais tarde que foi a última. Mais tarde, depois
que me preparei para ver aquela luz fraca em seus olhos. — Vou deixar
você voltar ao trabalho.
— Você está saindo?
Ainda não. — Vou pegar um café. Comer alguma coisa.
— Crystal está saindo em cerca de uma hora. Ela tem um evento de família
hoje à noite, então terei que encerrar. Mas como é domingo, será mais cedo
do que o normal.
— Vou ficar até você terminar. — Assim como ontem à noite. E todas as
noites da semana passada. Quando eu dirigia até a casa dela, era para segui-
la até em casa e carregá-la para a cama.
— OK. — Seus ombros caíram, alívio lavando sua expressão. — Eu vou
fazer o jantar para nós mais tarde.
— Ou eu posso cozinhar.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Eu sei cozinhar.
— Tudo bem, Sutter. — Ela se aproximou e puxou meu casaco, meu sinal
para me curvar para que ela pudesse beijá-la. — Estou dentro.
Eu ri e a deixei na cozinha, sabendo que eu tinha me fodido de verdade.
Comparado com Lyla, eu era um cozinheiro de merda. Mas eu faria queijo
grelhado ou ovos mexidos.
Depois de um orgasmo.
Minha mesa estava vazia, como sempre. Estava mais frio perto das janelas,
provavelmente por isso que a maioria optou por se sentar mais fundo no
café. Por mim tudo bem.
Passei pelo balcão, pedi um bolinho de café com sementes de papoula e me
afastei para a minha cadeira para olhar pelas janelas da frente.
Os mapas estavam na minha mochila, trancados na caminhonete. Eu não
precisava mais deles.
Meu telefone vibrou no meu bolso com um texto. Eu tirei. Alec.
Você está de volta em casa?
Eu digitei minha resposta.
Não exatamente
Alec tinha me enviado algumas mensagens nas últimas semanas,
verificando se eu havia encontrado algum rastro de Cormac. Nossas trocas
foram breves.
Assim que chegasse em casa, sairíamos para tomar uma cerveja. Eu
contaria sobre o que aconteceu aqui. Bem, a maior parte do que aconteceu.
Lyla, eu guardaria para mim. Ela seria minha e só minha.
Eu estava colocando meu telefone na mesa quando um flash de vermelho na
janela chamou minha atenção. Como eu fiz por quatro anos, aquele cabelo
ruivo atraiu minha atenção.
Uma mulher passou pela janela. A cortina de seu cabelo escondia a maior
parte de suas feições. A maioria, mas não todos. Não escondia as maçãs do
rosto salientes. O nariz reto. O queixo familiar e a boca carrancuda.
— O que...
Eu conhecia aquele rosto.
Eu voei para fora da minha cadeira, levantando-me tão rápido que a parte
de trás dos meus joelhos o fez raspar no chão.
A mulher lá fora se foi em um piscar de olhos. Tão rápido que era como se
ela não estivesse lá para começar.
Não. Não, não pode ser ela. Ela estava morta. Em minha mente, eu sabia
que ela estava morta. Mas foda-se, a semelhança era incrível.
— Vance? — Lyla veio correndo, com uma cafeteira na mão.
— Um segundo. — Eu levantei um dedo, contornando a mesa.
A curiosidade, aquele cabelo ruivo, tomou conta de mim, como havia
quatro anos. Então eu caminhei até a porta, abrindo-a enquanto corria para
fora.
Eu precisava de um olhar mais atento. Eu precisava tirar aquele rosto da
minha maldita mente.
Exceto que não havia nenhuma mulher ruiva na calçada. Quem quer que ela
fosse, ela se foi.
Corri até a esquina mais próxima, procurando na rua lateral. Vazio. Eu girei
em um círculo lento, procurando em todos os lugares por um toque daquele
vermelho. Pela joalheria. O hotel. O banco. Nada.
Não havia ruiva. A única mulher na calçada era Lyla.
— Vance. — Ela correu na minha direção desde o café, sua respiração
ondulante. Ela não estava usando um casaco, então tirei o meu, colocando-o
sobre seus ombros.
— Vista isso.
— O que foi? O que está errado?
— Nada. Não é nada. — Apenas eu perdendo a porra da minha mente.
Esfreguei a mão no rosto e suspirei. — Eu estou apenas... vendo fantasmas.
CAPÍTULO DEZESSETE

LYLA
A fechadura virou com um baque. Com aquele som, meus ombros
caíram de meus ouvidos.
Eu queria fechar a loja por horas para poder falar com Vance sobre o que
havia acontecido antes, o que o fez sair correndo porta afora. Mas eu tive
que esperar meu tempo até fechar. Finalmente, estávamos sozinhos.
Apaguei as luzes, sem me preocupar em esfregar o chão ou limpar as mesas
— faria isso de manhã. O trabalho poderia esperar.
Vance saiu da cozinha, seu corpo largo delineado pela luz fraca. — E a
limpeza?
Algumas noites trabalhando comigo aqui e ele já havia aprendido minha
rotina.
— Farei isso amanhã. — Eu o encontrei atrás do balcão, entrando em seu
espaço para colocar minhas mãos em seus quadris. — Ei.
— Ei. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, seu olhar
traçando meu nariz antes de deixar cair seus lábios nos meus. No momento
em que abri para ele, ele chupou minha língua em sua boca.
Eu esperava um beijo casto, e sua urgência me pegou de surpresa.
Suas mãos deslizaram pelas minhas costas, descendo para segurar minha
bunda.
Com uma mão plantada em seu coração, dei-lhe um pequeno empurrão, o
suficiente para que ele arrancasse sua boca. Mas ele apenas mudou seu
beijo dos meus lábios para o meu pulso.
— Devemos conversar, — eu respirei, enfiando minhas mãos em seu
cabelo.
Ele me ignorou e me tirou do chão com um movimento rápido em seus
braços. Com um giro, ele se virou e nos levou até o balcão, me colocando
em sua superfície. Então ele lambeu a costura dos meus lábios, provocando
um gemido baixo no meu peito enquanto o desejo reunia em meu núcleo.
Esta foi apenas outra tática para mudar de assunto. — Vance.
— Lyla, — ele murmurou, arrastando sua boca ao longo da minha
mandíbula, aquela barba deixando um arranhão delicioso contra minha pele
macia.
Minha cabeça pendeu para o lado enquanto meus dedos continuavam
puxando seus fios grossos e indisciplinados. — Fale comigo.
— Ainda não, Blue. — Ele puxou o lóbulo da minha orelha entre os dentes.
Minha respiração engatou.
Maldição, eu estava cedendo. Eu sempre cedi.
Eu o deixaria fazer o que quisesse com meu corpo e as conversas
importantes não seriam ditas. Como o tiroteio que Winn havia mencionado.
Como o que quer que tenha acontecido hoje. Como quem ele pensou ter
visto na calçada.
— Você já fodeu neste balcão? — Sua voz rouca estava cheia de desejo.
Eu engoli em seco. — Não.
— Então eu estou tomando isto. Quando você vier trabalhar todos os dias,
quero que você pense em mim dentro de você.
Ele deixaria sua marca e eu nunca me recuperaria. Ele mudaria este lugar
para sempre.
E eu ia deixá-lo.
Talvez eu me arrependa algum dia. Talvez quando eu conhecesse o homem
com quem me casaria - se eu conhecesse esse homem - eu me arrependesse
de deixar Vance reivindicar este espaço.
Mas esta noite, eu só queria ter algo dele que nunca esqueceria. Então eu
alcancei entre nós e desabotoei seu jeans, abrindo o zíper para que eu
pudesse mergulhar em sua cueca boxer. No momento em que agarrei seu
eixo, um silvo escapou de seus lábios.
— Sem volta, — alertou.
Eu o amava por saber que eu me lembraria dele. Eu o amava por me dar a
chance de parar e guardar isso para outra pessoa.
Eu o odiava por esperar que houvesse outra pessoa.
Com minha mão livre, eu agarrei sua camisa, segurando-a tão forte quanto
eu tinha feito seu pau. Então puxei sua boca para a minha. Agora era minha
vez de calá-lo.
Eu mergulhei dentro, explorando cada canto de sua boca. Deixando minha
própria marca e memória. Eu o beijei com todo amor e ódio que corria em
minhas veias.
Boa sorte para a mulher que veio a seguir. Ela teria muito trabalho para me
apagar da mente dele.
Sua língua emaranhada com a minha enquanto ele rasgava meu jeans, de
alguma forma tirando-o dos meus quadris enquanto me impedia de cair do
balcão. Então, quando outro par de calcinhas foi rasgado no chão, ele se
posicionou na minha entrada e empurrou para dentro.
— Vance, — eu gritei, minha voz preenchendo o espaço escuro.
— Foda-se, — ele rangeu.
Eu já estava tremendo, minhas paredes internas vibrando.
Seu olhar passou por cima do meu ombro, então eu o segui, olhando para as
janelas que davam para a rua.
Estávamos envoltos em escuridão, escondidos de qualquer um que passasse.
Mas se alguém parasse, se olhasse de perto, nos veriam juntos. Minha
boceta apertou.
— Você quer que alguém nos veja, Blue?
Meus olhos chicotearam para os dele.
— Você quer que alguém passe, pare no vidro e se incline, só um
pouquinho, não é? Talvez eles coloquem as mãos em concha sobre os olhos
para ver por dentro. — Ele puxou para fora, em seguida, empurrou seus
quadris para frente novamente. — Você quer alguém para me ver te foder.
Eu gemi.
— Diga, Lyla.
— Sim, — eu sussurrei.
— Feche seus olhos.
Eu obedeci, me perdendo na sensação dele deslizando para dentro e para
fora.
— Isso é meu. — Ele estendeu a mão entre nós, seu dedo encontrando meu
clitóris.
— Oh Deus. — Aqueles círculos lentos e perfeitos que só ele sabia
desenhar seriam minha ruína.
— Você pode pensar em algum estranho nos observando juntos, mas você é
minha, Lyla. Para beijar. Para foder.
Eu choraminguei quando seu dedo se moveu mais rápido, meu orgasmo
crescendo cada vez mais rápido.
— Diga. Diga que você é minha.
— Não. — Como eu me prometi a ele quando ele estava indo embora?
— Diga, Lyla.
Eu balancei minha cabeça.
Vance soltou um gemido frustrado. — Blue.
Eu abri meus olhos, seu olhar esperando.
Ele balançou para frente, seu pênis encontrando aquele ponto tão profundo
que me fez sentir como se tivesse sido colocada nesta terra para ele e
somente para ele. — Por favor.
Todas essas semanas ele me fez dizer por favor. Implorar por um orgasmo.
Cada vez, tinha sido impulsionado pelo desejo. Mas este por favor, seu por
favor, era diferente. Desesperado.
Esse, por favor, fez lágrimas brotarem em meus olhos.
Então eu segurei sua bochecha. — Sua. Apenas sua.
Ele bateu sua boca na minha, engolindo meu suspiro. Então ele se moveu
mais rápido, nos unindo até que o único som fosse nossos corpos colidindo,
nossas respirações irregulares.
Eu vim com um grito, meu grito ecoando nas paredes. Ele estava perto de
seguir, derramando longo e quente dentro do meu corpo. E quando eu
desabei, sem ossos contra seu peito, seus braços me envolveram como
correntes.
Deus, eu queria chorar. Por que ele tinha que sair? Por que ele tinha que ter
essa vida além de Quincy? Essa vida que eu não sabia?
Lágrimas ameaçaram novamente, mas eu apertei meus olhos fechados,
recusando-me a chorar. Ainda não. Eu choraria quando ele se fosse. Parecia
bobagem desperdiçar o pouco tempo que nos restava com lágrimas.
Então eu me agarrei a ele, meu rosto enterrado na curva de seu pescoço para
sugar aquele aroma fresco e terroso. Segurei firme até que nós dois
recuperássemos o fôlego e ele se afastou, escondendo-se antes de me ajudar
a sair do balcão e colocar meu jeans.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Você está?
Ele não respondeu.
— Vance? — Eu sussurrei. — Fale comigo. O que aconteceu antes?
— Estou perdendo a porra da cabeça. — Ele suspirou, passando a mão pelo
cabelo. Então ele me levantou novamente, me colocando no balcão. Ele
andou de um lado para o outro no balcão. Duas vezes. — Eu pensei ter visto
a filha de Cormac.
Sua filha? Ele não a tinha matado?
Vance parou de se mexer, me dando um sorriso triste. — Ela está morta. Eu
sei que ela está morta.
A maneira como sua voz falhou naquela palavra terrível. Morta. Minha mão
veio ao meu peito.
— Às vezes eu vejo cabelo ruivo e isso me faz pensar que é uma de suas
garotas. Eu sei que não é, mas a dor é... simplesmente nunca vai embora. —
Ele esfregou a mão sobre o coração, como se estivesse tentando apagar a
dor. — Sua filha mais velha teria vinte e um anos. Eu poderia tê-la levado
para tomar uma cerveja. Talvez ela estivesse na faculdade. As gêmeas
teriam quatorze anos.
Aos quatorze anos, Talia e eu éramos calouras no ensino médio. Estávamos
preocupadas com a acne e com qual garoto nos convidaria para o baile de
inverno.
Vance não me disse seus nomes. Isso foi porque eles eram muito difíceis de
falar?
— Como eram elas? — Perguntei.
— Elas eram luzes. — Ele engoliu em seco, seu pomo de Adão balançando.
— As gêmeas eram uma personalidade. Individualmente. Juntas. Elas eram
donas de todos os cômodos em que entravam. Era impossível não sorrir
quando elas estavam por perto. Elas eram dramáticas e tinham essas
imaginações. Você nunca viu tanta imaginação. Elas inventavam histórias e
as representavam durante os jantares, completas com fantasias e
maquiagem.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha. Como era possível chorar por
crianças que eu nunca conheci? Mas o amor, a perda na voz de Vance era
avassalador.
— A mais velha de Cormac era a minha favorita. — Ele encontrou meu
olhar e a dor em seus olhos quebrou meu coração em mil pedaços. — Você
a teria amado, Blue. Ela tinha uma energia. Era contagioso. Ela estava
sempre em movimento. Sempre pronta para a próxima coisa, como se ela
ficasse parada, ela morreria. E Deus, ela era doce. Sempre que a via, ela
corria para a frente e abria os braços, gritando ‘Tio Vance’ a plenos
pulmões. Ela amava sua família. Eu era um de sua família.
Tio Vance.
Ele seria um bom tio. — Eu não sei o que dizer, — eu sussurrei. — Eu sinto
muito.
— Você não precisa dizer nada. Você está ouvindo.
Claro que eu estava ouvindo. Por que ele disse isso como se fosse algo
importante? As pessoas em sua vida não o ouviram? Ou esta foi a primeira
vez que ele compartilhou?
— Eles eram minha família, — diz ele.
E Cormac os havia roubado. O filho da puta.
— Ele as afogou, Lyla. — Vance passou as mãos pelos cabelos. — Ele
apagou as luzes. Como ele pôde fazer isso? Como ele pôde tirar minha
família?
As lágrimas eram constantes agora, impossíveis de conter. — E a sua
família?
Ele começou a andar de novo, para frente e para trás. Ele seguiu o mesmo
caminho que eu fiz um milhão de vezes, desde a máquina de café expresso
até a prateleira onde eu guardava as canecas de café extras. Vai e volta. Vai
e volta. A cada passo, a cada curva, minhas esperanças diminuíam ainda
mais.
Era quando ele mudava de assunto. Era quando ele tirava minha roupa de
novo, qualquer coisa para escapar do compartilhamento.
Então eu olhei ao redor da minha cafeteria escura, observando as paredes
enquanto ele caminhava.
Este lugar era especial. Quando as pessoas entravam no meu prédio, elas
compartilhavam segredos. Eles confidenciaram lutas com amigos e
familiares. Comemoravam conquistas ou noivados. Eu tinha ouvido mais de
um anúncio de gravidez.
A única pessoa que parecia imune à magia do Eden Coffee era Vance Sutter.
Eu estava prestes a pular do balcão, para encerrar esta noite, quando ele
parou tão de repente que eu congelei.
Seus ombros caíram. Seu queixo caiu. Então ele caminhou até o balcão e
sentou-se no espaço ao lado do meu. Suas pernas eram tão longas que ele
não precisava pular. Ele apenas se sentou ao meu lado, nossas coxas se
tocando.
— Eu tenho três irmãs. Não falo com elas há seis anos.
Seis anos? Meu queixo caiu. A ideia de não falar com meus irmãos era
insondável. Claro, discutíamos, mas sempre fazíamos as pazes. Sempre. —
O que aconteceu?
— Eu sou o mais velho. Andrea é um ano mais nova. Rochelle é seis anos
mais nova e Jacie oito anos mais nova. Por causa da diferença de idade,
Andrea e eu sempre fomos os mais próximos. Quando crianças, íamos
juntos a aventuras, construindo fortes e esconderijos em nosso quintal.
Ficamos firmes durante todo o ensino médio. Ela era minha irmãzinha.
Todos os caras sabiam que se fodessem com ela, eles fodiam comigo. Acho
que Griffin e Knox eram da mesma maneira.
— Protetor? Sim, eles eram. Mateo também. — Mesmo sendo o irmão mais
novo, todos em Quincy sabiam que se você mexesse com Talia, Eloise ou
Lyla Eden, haveria um inferno a pagar.
— Andrea foi para a faculdade no Arizona, — diz ele. — Não perdemos
contato, mas perdemos essa proximidade. Ela conheceu um cara, Brandon,
e voltou para casa noiva no último ano. Eles se casaram logo após a
formatura e se mudaram para Idaho.
— Você não gostou dele, — eu adivinhei.
— Ele não era quem eu escolheria para ela, mas mantive minha boca
fechada.
— Do que você não gostou?
— No começo, eram pequenas coisas. Ele diria a ela o que não vestir. O que
não comer. Então, em vez do que não fazer, exatamente o que fazer. Ele dita
toda a sua vida. Como ela penteia o cabelo. Onde ela vai todos os dias. E
ele a convenceu de que é para o bem dela. Que ele a ama tanto que está
tudo bem quando ele a soca e quebra suas costelas.
Engoli em seco, fechando os olhos. — Oh meu Deus.
— Ela escondeu bem por muito tempo. Isso, ou ele não começou a bater
nela até que eles estivessem casados por um tempo. Mas planejávamos nos
encontrar para um café ou almoço e ela ficava doente. Ela se escondia até
que os hematomas desaparecessem.
— Como você descobriu?
— Seis anos atrás, no Natal, eles apareceram na casa de mamãe e papai. Ela
tinha um olho roxo. Fez o possível para encobrir, mas...
— Algumas contusões são difíceis de esconder. — Eu sabia por experiência
recente que um tubo de corretivo não ia tão longe.
— Eu perdi minha mente sempre amorosa e dei uma surra em Brandon. —
A voz de Vance pingava veneno enquanto ele falava o nome daquele idiota.
— Aquele filho da puta chamou a polícia. Ele estava abusando da minha
irmã e me prendeu por agressão.
— Merda.
— Bastante, — ele murmurou. — Desnecessário dizer que isso não foi um
bom presságio para minha carreira. Mas Cormac interveio. Falei com o
capitão. Pedi um favor a um amigo advogado. Me ajudou a resolver. Ganhei
uma marca negra na minha ficha, mas mantive meu emprego. E Andrea
convenceu Brandon a desistir.
— Ela o deixou?
— Não. — Vance balançou a cabeça. — Eu pensei que ela iria. Depois que
todos soubessem o que ele estava fazendo, eu tinha certeza que ela
escaparia. Mas ela ficou. Ele disse a ela o quanto a amava. Ele prometeu
que mudaria e conseguiria ajuda.
— Ele fez?
— Não. Três meses depois, tivemos um jantar de aniversário para minha
sobrinha na casa de mamãe e papai. Andrea estava mancando. Quando
perguntei a ela sobre isso, ela disse que torceu o tornozelo em uma corrida.
Então, quinze minutos depois, eu a ouvi conversando com Jacie. Disse que
ela escorregou em um lugar molhado na cozinha.
Então aquele bastardo ainda estava abusando dela. — E seus pais?
— Andrea escolheu Brandon. E como o agressor que ele é, ele fez tudo o
que pôde para afastá-la de seus amigos e de nossa família. Para isolá-la.
Mas de alguma forma, mamãe, papai, Jacie e Rochelle se agarraram a ela.
Eles ficaram ao lado dela para que ela não estivesse sozinha. Eles vão beijar
a bunda de Brandon. De certa forma, acho que eles se convenceram de que
ele não é tão ruim assim. Que ele não a está machucando. Talvez essa parte
seja verdade. Espero que seja, pelo menos. Eles fizeram o que precisavam
para manter Andrea por perto, para que, se ela decidisse deixá-lo, tivesse
apoio. Não é que eu não queira ser uma tábua de salvação para ela, mas não
é uma opção agora.
— Por que? — Perguntei.
— Foi parte do acordo que Andrea fez com Brandon para que ele retirasse
as acusações de agressão. Eu não faço parte da vida dela. Ele deu um
ultimato a Andrea. As acusações de agressão ou ela me expulsaria.
Então Andrea escolheu defender Vance. No entanto, ao fazê-lo, ele perdeu
sua família.
— Eu nunca deveria ter ido atrás daquele filho da puta. — Vance balançou
a cabeça. — Eu fodi tudo.
— Acho que muitos irmãos mais velhos teriam feito o mesmo. — O meu
incluído.
Vance balançou a cabeça, como se não pudesse acreditar que esse era o
resultado. Eu também não conseguia. — Eu argumentei contra isso por
muito tempo. Tentei convencer a todos que o que realmente precisava
acontecer era que Andrea deixasse Brandon. Por fim, essa discussão criou
uma brecha, especialmente com mamãe e minhas irmãs.
— E quanto ao seu pai?
— Ele apoia minha mãe e minhas irmãs. Nós enviamos mensagens de texto.
Falo de vez em quando, mas é superficial. Eu o deixo saber onde estou.
Check-in. Mas ele não gosta de ficar no meio, e empurra, ele está do lado
da mamãe. Eles não vão cortar os laços com Andrea. Ela precisa deles mais
do que eu. Eu fiz as pazes com isso. Na verdade, não vejo papai há mais de
um ano.
Um ano? Eu não poderia imaginar não ver meu pai em mais de um ano.
— Andrea e Brandon têm uma filha. Rochelle tem duas filhas. Jacie tem
dois filhos. Mando presentes de aniversário, embora não receba mais
convites para as festas. O mesmo com o Natal. A filha de Andrea gosta de
dançar. Papai costumava me enviar por e-mail os horários de seus recitais e
eu entrava, me esgueirava, sentava sozinho e assistia. Mas cerca de um ano
atrás, Brandon me viu. Não deve ter gostado porque foi a última vez que
soube de um recital.
Inclinei-me para o lado dele, deixando minha cabeça cair em seu ombro. —
Para o registro, eu não acho que você fodeu chutando a bunda daquele
bastardo. Mas lamento que tenha acabado assim.
— Obrigado. — Vance pôs a mão no meu joelho.
Era tão injusto. Ele perdeu sua família real, então ele perdeu a de Cormac.
Deus, eu queria abraçá-lo. Para trazê-lo para o rebanho da família Eden,
porque embora não fôssemos perfeitos, meus pais e irmãos acreditavam na
família. Até o fim.
Em vez disso, ele partiria e voltaria para Idaho.
Estúpida Idaho.
Vance se mexeu, enganchando o dedo embaixo do meu queixo, inclinando
meu rosto para cima até que estivéssemos olhando um para o outro. —
Lyla, eu tenho uma porra de bagunça em casa. Por mais que eu queira
ignorá-lo...
— Você não pode. — Suspirei.
Então ele partiria para enfrentá-lo. Para limpar essa bagunça. Sozinho.
— É mais do que apenas minha família, — disse ele.
Foi também o tiroteio, não foi? — O que aconteceu?
— Quantas histórias você quer esta noite?
Coloquei minha mão na dele e entrelacei nossos dedos. — Tantas quantos
você me disser.
CAPÍTULO DEZOITO

VANCE
Por onde eu começo?
Todos em casa sabiam o que havia acontecido no posto de gasolina, até
minha família. Não porque eu mesmo disse a eles. Não, eles eram como
qualquer outra pessoa em Coeur d'Alene. Eles leram sobre o tiroteio no
jornal.
Tiff incluída. Ela estava chateada como o inferno comigo por não ter
contado a ela. Mas as únicas pessoas com quem falei eram do departamento
do xerife: o capitão e o subdelegado que ele havia encarregado da
investigação.
A ideia de explicar tudo isso fez meu estômago revirar. Parte de mim queria
varrer Lyla deste balcão, carregá-la em minha caminhonete e levá-la para
casa, passar o resto da noite adorando seu corpo. Mas ela merecia saber
toda a verdade. Ela merecia saber por que eu tinha que ir para casa e
enfrentar qualquer destino que estivesse esperando.
Ela merecia saber por que eu estava indo embora.
— Você me perguntou há pouco se eu já atirei em alguém.
Lyla assentiu. — Duas vezes, você disse.
— Eu vou te contar sobre isso. Mas também sei o que aconteceu no hotel.
Com Eloise. Com Winn. Se preferir...
— Eu gostaria de saber.
Então ela saberia. Ela ouviria isso de meus lábios.
— Cerca de duas semanas antes de vir para Quincy, eu estava correndo uma
manhã. Provavelmente eram cinco. Escuro. Quieto. Nos dias em que não
estou trabalhando, tento correr ou ir à academia.
— Para ficar em forma para o trabalho?
Eu levantei um ombro. — Parcialmente. E, para ser totalmente honesto, os
treinos matinais foram uma boa desculpa para evitar Tiff.
— Tiff é sua ex?
— Sim. Ela é uma boa mulher. Mas as coisas entre nós têm sido difíceis por
um tempo. — Ao invés de falar, tinha sido mais fácil simplesmente evitá-la.
Não havia necessidade urgente de apenas estar em sua companhia, não
como havia com Lyla.
Então eu encontrava desculpas para evitar a casa. Eu faria turnos extras. Eu
iria pescar ou fazer caminhadas. E nas manhãs, quando não estava
trabalhando, eu fazia uma longa corrida, certificando-me de ficar fora o
tempo suficiente para que ela já tivesse saído para o trabalho quando eu
voltasse para casa.
Não era chocante que Tiff tivesse ido embora.
O que mais me surpreendeu foi quanto tempo ela ficou.
Embora talvez se eu não tivesse sido tão covarde, evitando minha
namorada, eu não estaria naquele posto de gasolina.
— Quanto tempo vocês ficaram juntos? — Lyla perguntou.
— Três anos.
— Oh. — Lyla enrijeceu. Talvez por ciúme. Talvez por medo de estar a
usando para superar um ex.
— Eu cuidei de Tiff, como eu disse, ela é uma boa mulher. Mas eu nunca a
amei, não do jeito que ela me amou. E eu deveria ter terminado antes. Não
éramos bons juntos.
Tiff foi morar comigo um ano atrás, e eu soube em dois meses que tinha
sido um erro.
— Ela não entende por que prefiro passar meus dias nas montanhas do que
trabalhar em um escritório no departamento para poder cumprir um horário
das oito às cinco. Ela adora se arrumar e sair nas noites de sexta-feira,
enquanto eu me contento em ficar em casa e ler um livro. Somos apenas
pessoas muito diferentes. E ela odeia que eu continue tentando encontrar
Cormac depois de todos esses anos. Ela acha que eu deveria deixá-lo ir.
Lyla olhou para cima, esperando até que nossos olhos se encontrassem.
Então ela me deu um pequeno sorriso. Sem palavras, apenas um sorriso. Ela
entendeu. Ela sabia por que eu precisava encontrar Cormac.
Fechamento. Vingança. Justiça.
Lyla nunca me pediria para parar, não é?
— Então você estava fora para uma corrida, — disse ela.
— Eu estava fora para uma corrida. — Talvez eu devesse parar de correr.
Sexo com Lyla parecia uma alternativa muito melhor para exercícios
aeróbicos.
— Há um posto de gasolina a cerca de oito quilômetros da minha casa. É
pequeno. Tão velho que as bombas não têm leitores de cartão de crédito.
Não fica na melhor área da cidade, mas conheci o dono anos atrás. Ele tinha
um modelo mais antigo da Ford Ranger à venda. Cormac comprou para a
filha mais velha quando ela completou dezesseis anos. Fui com ele buscá-lo
para que ele pudesse surpreendê-la em seu aniversário.
Eu nunca esqueceria o jeito que ela gritou de alegria quando Cormac deu a
ela as chaves daquela velha caminhonete.
Depois que ela morreu, fui eu quem vendeu aquela picape. Tinha sido um
dos piores dias da minha vida.
— O homem negociou com Cormac por vinte minutos antes de chegarem a
um acordo sobre o preço. Enquanto isso, passei aqueles vinte minutos
dentro do posto de gasolina, escolhendo doces para as gêmeas.
Elsie gostava muito do chocolate. Hadley, qualquer coisa com canela.
— Conheci a esposa do cara enquanto fazia compras. Ela estava
trabalhando na caixa registradora. Nunca na minha vida conheci uma
pessoa que pudesse preencher cinco minutos com tantas palavras. Ela e o
marido eram donos do posto de gasolina havia quinze anos. A filha deles
havia acabado de sair da faculdade e também trabalhava lá. Ela era
escorpiana e filha única de pais que se mudaram de Atlanta para Idaho. Ela
era alérgica a frutos do mar e tinha um problema de tireoide. No momento
em que saí pela porta, eu tinha toda a história de sua vida.
Lyla encostou a cabeça no meu ombro novamente. Ela se encaixava tão
perfeitamente contra mim que tornava a conversa mais fácil. Não é fácil,
mas mais fácil. — Você gostou dela.
— Imediatamente. Alguns dias depois, quando me levantei cedo para
correr, fui naquela direção. Tem sido minha rota há anos. Algumas manhãs,
ela está trabalhando. Outras vezes, é o marido ou a filha, Celeste.
Celeste não era tagarela como a mãe. Ela também não estava tão alegre,
especialmente às cinco da manhã. Mas ela era uma pessoa legal. E depois
de anos correndo para aquele posto de gasolina, aprendi muito sobre ela
também. Como a razão pela qual ela abandonou a faculdade.
Não que Celeste não gostasse da escola. Ela pediu desistiu para ajudar os
pais a administrar o negócio após o segundo ataque cardíaco do pai.
— Ela estava trabalhando com mais frequência do que nunca. A saúde de
seu pai estava em declínio. Normalmente, àquela hora do dia, eu era a única
pessoa na loja. No dia do tiroteio, eu estava encostado na parede dos
fundos, escondido da porta da frente por estantes. Eu tinha acabado de
pegar uma garrafa de água do refrigerador quando ouvi a porta se abrir.
Então esse cara começou a gritar com Celeste para dar a ele o dinheiro da
caixa registradora.
— Ela foi roubada?
— Esse era o plano.
— Você o parou?
A maneira como ela disse isso me fez parecer um herói. Eu não era nenhum
herói. Apenas um cara para correr que sabia como disparar uma arma.
— Eu me esgueirei atrás do cara. Ele era jovem. Muito jovem para estar
segurando uma arma. Ele tinha apontado bem no rosto de Celeste. Ela
estava tremendo, tentando tirar o dinheiro do caixa. E ele continuou
gritando com ela. Toda vez que ele gritava, ela se encolhia e jogava
dinheiro no chão.
Seu próprio barulho foi a única razão pela qual eu fui capaz de abrir um
corredor. Ele estava gritando e xingando e chamando-a de puta idiota
sempre que ela deixava cair alguma coisa. Quando ela se abaixava para
pegar o dinheiro que ele queria, ele gritava ainda mais alto para ela manter
as mãos levantadas.
— Celeste me viu chegando. Ela olhou por cima do ombro do cara, e
quando o fez, ele rastreou seu olhar e se virou. Nesse ponto, eu estava perto
o suficiente para derrubá-lo no chão. A arma disparou, mas a bala
atravessou uma parede.
Lyla soltou um longo suspiro. — E Celeste?
— Ilesa, — eu disse. — Fisicamente.
Emocional e financeiramente, quem sabe como eles se recuperariam. Antes
de vir para Montana, ouvi dizer que eles fecharam o posto de gasolina. De
acordo com o Google, ele estava atualmente listado para venda. Eu não
tinha certeza se alguém iria comprá-lo, não agora, não naquele bairro. Mas,
pelo bem de Celeste e de seus pais, esperava que vendesse.
— Tirei a arma da mão do cara. Enfiei no cós da minha calça. Então eu
disse a Celeste para ligar para o 9-1-1.
Cada vez que repassei aquela manhã, ainda não tinha certeza de quando
tudo havia dado tão errado. Como eu perdi o grito de fora até que fosse
tarde demais.
— O cara não estava sozinho, — eu disse a Lyla. — Havia dois deles. Um
para entrar. O outro para dirigir. Eu ainda estava de joelhos, segurando o
primeiro cara, quando a porta se abriu. Seu amigo de fora deve ter notado
que algo estava errado e entrou com sua própria arma apontada para
Celeste. Eu acabei de... reagiu.
Em um momento, a arma daquele cara estava encostada na minha espinha.
No seguinte, estava em minhas mãos.
— Atirei no peito do outro cara e ele simplesmente caiu — estalei os dedos
— Assim. A arma que ele tinha nem estava carregada.
— Mas você não poderia saber disso. Você fez o que achou melhor.
Não, eu reagi apenas por treinamento e instinto. Não pensei muito na minha
reação. — Ele está vivo.
Lyla sentou-se ereta. — Ele viveu?
— Mirei no coração dele. Era um ângulo estranho de onde eu estava no
chão. A bala atravessou o peito e acertou a coluna. Ele passará o resto de
sua vida em uma cadeira de rodas como tetraplégico.
Paralisado do pescoço para baixo.
— Ele tem dezesseis anos, Lyla. Ele era o irmão mais novo do outro cara. E
eu roubei qualquer chance que ele tivesse de uma vida normal.
— Você fez a escolha certa, — disse ela.
— Eu fiz? — Se fosse o certo, todo o resto não teria dado errado. — Os
pais das crianças têm um advogado. Eles estão planejando me processar, ou
o departamento do xerife ou Celeste. Inferno, talvez eles vão processar
todos nós. É a porra de uma confusão.
Lyla zombou. — Eles querem processar você? Isso é besteira. O que você
deveria fazer? Deixá-los roubar Celeste? Atirar nela? Atirar em você?
— Não sei. — Suspirei. — Mas estou sendo investigado.
— O que? — Lyla pulou do balcão, virando-se para mim com os olhos
arregalados e o queixo caído. — Você está brincando.
— Gostaria de estar, Blue.
— Eu não entendo. Como isso é sua culpa? — Ela começou a andar, seu
caminho o mesmo que o meu antes.
— Meu chefe é um capitão que quer se tornar uma delegado geral.
— Ok, — ela demorou. — O que isso significa?
— Ele precisa de policiais que não façam bagunça.
E eu não fiz nada além de agitar as águas.
— O capitão amava Cormac. É a razão pela qual não perdi meu distintivo
depois de toda aquela merda que aconteceu com Brandon. Cormac foi
rebater por mim e o capitão ajudou a suavizar.
— Mas então Cormac... — Lyla não precisou terminar a frase.
Cormac saiu dos malditos trilhos. — As coisas entre mim e o capitão estão
tensas desde então. Quando ele olha para mim, ele vê o melhor amigo de
Cormac. Parceiro de Cormac. Ele vê a confiança que não deveria ter dado.
É estranho. Nós dois odiamos Cormac pelo que ele fez. Você pensaria que
isso nos aproximaria. Mas tem sido o oposto.
Com a morte de Cormac, eu era o único cara para o capitão culpar.
— Eu não tenho sido exatamente o policial mais confiável, — eu admito.
— Se eu descobrisse uma pista sobre Cormac, largaria tudo e decolaria,
geralmente sem avisar. Eu usei cada minuto de férias. Não tenho mais dias
de desculpa. Então eu não estava em boas condições para começar. Então o
tiroteio aconteceu.
— Ele não pode culpá-lo por isso, Vance.
— Não, ele me culpa pelo problema que veio depois. — A atenção da
mídia. Os possíveis processos judiciais.
Meu temperamento.
— Quando recebi a notícia de que o garoto estava paralítico, não aceitei
muito bem. Eu estava na estação. O capitão me chamou em seu escritório.
Disse-me para tirar alguns dias de folga. Então fui pegar algumas coisas no
meu armário. Outro policial estava lá. Fez um comentário sobre eu ser feliz
no gatilho.
— Idiota, — Lyla murmurou.
— Foi o que eu disse. Então eu quebrei o nariz dele.
— Ooh. — Ela estremeceu. — Eu estou supondo que isso não foi bem com
o seu chefe.
— Em vez de alguns dias de folga, ele me disse para fazer uma pausa até
que a investigação do tiroteio terminasse. Não estou oficialmente demitido.
Ainda tenho meu distintivo. Mas também não sou bem-vindo.
Lyla parou de andar, plantando as mãos nos quadris. — Você fez o que
tinha que fazer.
Qualquer outro policial teria feito a mesma coisa, independentemente de
estarem de serviço ou fora de casa. Não havia como saber que a arma do
garoto estava vazia. — Mas ainda me arrependo de ter puxado o gatilho.
— Então o que acontece agora?
— Aguardo o resultado da investigação, — eu digo — Mais do que
provavelmente, serei inocentado. Mas se o capitão quiser que eu vá embora,
ele encontrará uma maneira de fazer isso acontecer. Ou me sentando em
uma mesa, sabendo que eu odiaria cada minuto disso. Ou dando alguma
desculpa para me dispensar, como se estivesse reduzindo o departamento.
— Então ele é um idiota também, — ela murmurou. Ela não estava errada.
— E se essa família processar você?
— Com alguma sorte, isso não vai acontecer. Mas se acontecer, eu contrato
um advogado. Vou daí.
Eu lutaria pela minha reputação. Pelo meu nome.
Os molares de Lyla cerraram-se com tanta força que pude ouvi-los cerrar.
Então, bufando, ela começou a andar de novo. — Isso é uma bagunça do
caralho.
Sim. Sim, é.
E agora ela sabia por que eu tinha que voltar para Idaho.
— Não é justo. — Ela jogou um braço no ar, sua raiva palpável. Foda-se,
mas eu gostei disso. Que ela ficaria ferida por minha causa.
Tiff não. Nem uma vez. Ela estava chateada, preocupada. Mas nunca com
raiva.
Lyla tinha o direito de estar com raiva. E porra, eu também.
Por semanas, eu a mantive escondido. Eu ataquei uma vez, naquele
vestiário, e isso basicamente me custou meu emprego. Então eu guardei. Eu
guardei esses sentimentos. Eu me recusei a falar sobre o tiroteio porque
estava com raiva.
Ou eu estava. Algo sobre a fúria no rosto de Lyla, ela fervendo, fez com que
grande parte da minha frustração desaparecesse. Ela me deu a saída que eu
não tinha percebido que precisava desesperadamente.
— Venha aqui, Blue.
Ela continuou andando. — Seu capitão deve estar atrás de você. Cantando
seus louvores.
— Para ser justo, o idiota que eu dei um soco, o outro policial? É o filho
dele.
Lyla deu uma risadinha. Veio tão livremente que ela colocou a mão sobre a
boca.
Eu ri. Como foi que pudemos terminar essa conversa rindo?
Foda-se, mas eu ia sentir falta dela.
— Obrigado.
Ela tirou a mão da boca e deu de ombros. — Eu não fiz nada.
— Você fez.
Ela nem percebeu o quanto ela significava para mim, não é? Quanto eu a
apreciei de pé no meu canto?
— Eu odeio como isso aconteceu, Lyla. Odeio que Cormac tenha te
machucado e é por isso que vim para Quincy. Mas também estou feliz por
ter vindo para cá. Eu precisava vir aqui.
Para encontrá-la.
Lyla mudou de rumo, caminhando para ficar entre meus joelhos. Então ela
se levantou na ponta dos pés, pegando meu rosto em suas mãos para beijar
meu lábio inferior. — Estou feliz que você veio também. Você o encontrará.
Eu sei isso.
Eu não estava falando sobre Cormac, mas não a corrigi. Porque isso parecia
muito com um adeus.
Então eu a beijei.
E amanhã, eu diria adeus.
Amanhã, eu diria a ela que era hora de ir para casa.
CAPÍTULO DEZENOVE

LYLA

O coração de Vance estava apitando. Bips curtos e rápidos, como o


som do meu micro-ondas quando o timer disparou.
Estávamos na cafeteria, sentados à mesa dele. Ele estava falando,
gesticulando para os mapas abertos entre nós, mas tudo que eu podia ouvir
era seu coração.
Bip. Bip. Bip.
Acordei sobressaltada, levantando do seu peito. Um sonho. Foi apenas um
sonho. Exceto que eu ainda podia ouvir o bipe, mas não de seu coração.
Estava vindo de seu telefone.
— Vance. — Dei um tapinha em seu ombro.
Ele resmungoi, sua mão descendo pela minha espinha nua. Ele deslizou
pelo cós da minha calcinha para segurar minha bunda.
— Seu telefone.
Suas pálpebras se abriram, lentas de sono. Mas no momento em que
registrou o bipe, seu corpo se acalmou. Então ele foi voando para fora da
cama e correndo do quarto vestindo apenas a cueca boxer que vestiu antes
de dormirmos na noite passada.
Ele havia deixado o telefone na cozinha, conectado ao carregador ao lado
do meu. Eu não gostava da distração de tê-lo no meu quarto, e Vance estava
mais do que disposto a me dar toda a sua atenção na cama.
Afastei as cobertas das minhas pernas e me levantei, pegando a roupa
térmica de Vance do chão e puxando-a enquanto corria atrás dele.
O luar entrava pelas janelas da cozinha, lançando-nos em tons de prata e
cinza. O relógio no forno marcava 3:23.
— O que é? — Eu perguntei, correndo para o lado dele.
O brilho de seu telefone iluminou seu rosto enquanto ele passava o dedo
pela tela.
O bipe parou.
— Porra.
— O que? — Fiquei na ponta dos pés, espiando por cima de seu braço.
O vídeo que ele puxou era preto e branco granulado. Era de uma das
câmeras camufladas que ele havia deixado nas montanhas. Ele deve ter
escondido em uma árvore, porque o canto inferior esquerdo do vídeo era
um close de agulhas de pinheiro.
Ainda assim, não havia como confundir a localização. Era o riacho onde
Vance e eu caminhávamos. O lugar onde eu escorreguei e caí na lama. O
local onde ele encontrou aquela armadilha para peixes.
Ao lado da água, agachado, estava um homem.
— Oh meu Deus, — eu engasguei. — É ele?
O homem estava de costas para a câmera. Estava muito escuro e confuso
para eu distinguir seu rosto.
Vance olhou para a tela, sem piscar, como se não pudesse acreditar em seus
olhos. Então ele inclinou a cabeça para o lado, seu olhar se estreitando. —
Ele ainda está aqui.
Meu coração caiu. — Você tem certeza?
— Tenho certeza. — Ele não desviou o olhar da tela. Nenhum de nós o fez.
Na câmera, Cormac não fez nenhum movimento para tirar a armadilha da
água. Em vez disso, ele ficou baixo. A área foi iluminada pela lua. Tinha
que ser por isso que ele foi verificar a armadilha. Foi brilhante o suficiente.
Em um segundo ele estava agachado, no próximo ele se levantou e se
contorceu. Apenas seu torso se moveu enquanto ele examinava um círculo
inteiro. Então seu olhar se desviou para as árvores ao seu redor, como se
estivesse procurando. Como se ele pudesse sentir-nos olhando para ele.
Quaisquer rastros que deixamos para trás tinham que ser cobertos pela
neve. Não havia como ele saber que estivemos lá, certo?
Exceto que Cormac estava estranhamente imóvel. Tão deliberado em cada
movimento. O chão ao redor dele estava coberto de branco, mas não
consegui distinguir nenhuma pegada. Como ele chegou lá sem deixar
rastro?
Ele deu um passo e eu tive minha resposta. Seus pés estavam na água, onde
o riacho corria sobre suas botas. Com um puxão rápido, ele pegou a
armadilha e a enfiou debaixo do braço. Então ele se moveu de uma pedra
clara para a próxima, escolhendo cuidadosamente seu caminho para fora da
visão da câmera.
— Caramba. — Vance deixou o telefone de lado e passou a mão pelo
cabelo.
— Ele poderia ter visto a câmera?
— Não sei. — Suas narinas dilataram. — Duvido, mas algo o assustou.
— O que agora? Você irá atrás dele?
Vance olhou para a janela sobre a pia, olhando para o meu quintal escuro
com as mãos apoiadas no balcão. Os músculos de seus ombros se
flexionaram. Sua mandíbula estalou enquanto o silêncio se estendia. Então
ele se levantou e, com um aceno de cabeça, pegou o telefone.
Para quem ele ligou, o tom era alto o suficiente na minha cozinha
silenciosa, eu podia ouvi-lo tocar. Então veio uma voz, abafada, mas
familiar.
— Winn — disse Vance. — Desculpe acordá-la. Encontrei Cormac.
Encontrei Cormac.
Uma única frase. Por quanto tempo esperei por essas palavras? Quantas
vezes eu rezei para que ele fosse pego?
Exceto que não havia alívio em ouvi-los. Essa única frase soou muito como
um coração partido.
Meu.
Este era o fim. Eu veria Vance novamente? Ele voltaria?
Estudei seu perfil enquanto ele falava com Winn, absorvendo cada linha.
Cada detalhe. A linha reta e masculina de seu nariz. O bico de seus lábios.
O ângulo de suas maçãs do rosto. A varredura de seus cílios escuros.
Aquela mecha de cabelo que sempre parecia cair em sua testa.
Ele estendeu a mão para mim, seu braço livre em volta dos meus ombros
para me puxar para perto. — Sim, estou com Lyla, — ele disse a Winn,
esperando por sua resposta. — Estamos a caminho.
Ele encerrou a ligação e colocou o telefone de lado, envolvendo-me
naqueles braços fortes.
Minhas mãos serpentearam em torno de sua cintura estreita, e eu me
enterrei profundamente em seu peito, arrastando o cheiro de sua pele,
segurando-o em meus pulmões até queimar.
Seus lábios chegaram ao meu cabelo. — Nós temos que ir, Blue.
Eu balancei a cabeça, mas não conseguia deixar ir. Em vez disso, eu o puxei
incrivelmente para perto, como se talvez se eu fosse forte o suficiente, eu
pudesse rastejar dentro de seu coração e ficar para sempre. — Eu não estou
pronta, — eu sussurrei.
— Nem eu. — Seu aperto aumentou, apenas por um segundo. Então ele
levou as mãos ao meu rosto, segurando minhas bochechas e me forçando a
recuar. O beijo que ele me deu foi lento. Macio. Triste.
E muito, muito curto.
Mas isso me desarmou o suficiente para que ele pudesse escapar. Ele me
pegou pelos ombros, virando-me em direção ao corredor que levava ao meu
quarto. — Vista-se. Winn quer que a gente vá até a casa dela.
— OK. — Corri de volta para o quarto.
Haveria tempo para lamentar Vance mais tarde.
Agora, era hora de pegar aquele filho da puta do Cormac Gallagher.
*****
Havia uma fila de caminhonetes na casa de Griff e Winn no rancho.
Cada um deles pertencia a um Éden - papai, Griffin, Knox e Mateo.
O Dodge de Vance ocupou seu lugar na fila e, no momento em que
estacionou, nós dois saltamos, correndo para a varanda.
Griff abriu a porta antes que pudéssemos bater. — Ei.
— Oi. — Deixei que ele me puxasse para um abraço, depois passei por ele
enquanto ele apertava a mão de Vance.
O cheiro de café me cumprimentou enquanto eu passava pela sala de estar
de conceito aberto para a cozinha.
Mamãe, encostada no fogão, bebia de uma caneca fumegante. Ela estava
vestindo uma calça de pijama de flanela, um moletom desbotado Eden
Ranch e seus chinelos favoritos.
Mateo, Knox e papai estavam na ilha, ambos debruçados sobre um mapa.
Winn emergiu do corredor, arregaçando as mangas de uma flanela que
obviamente havia roubado de Griffin. — Ei. Você é rápido.
— Nós dirigimos rápido. — Dei um abraço nela, depois fui até a cozinha e
tirei duas canecas de café do armário, enchendo uma para mim e a outra
para Vance. — Aqui.
— Obrigado. — Ele passou o polegar pela minha bochecha e depois se
juntou a meu pai e meus irmãos na ilha.
— Oi, querida. — Mamãe colocou o braço em volta dos meus ombros
quando fiquei ao seu lado.
— Ei mãe.
A sala zumbia com energia e antecipação. A esperança que havíamos
perdido havia surgido para uma nova vida.
— O xerife Zalinski está a caminho com dois policiais e um cão de busca e
resgate, — disse Winn à sala enquanto se posicionava ao lado de Griff. —
Ele chamou a equipe do condado, mas nenhum de nós queria perder muito
tempo. Então vamos partir com uma equipe menor, partindo do ponto de
partida.
Uma equipe menor, ou seja, minha família. Era por isso que todos aqui
vestiam roupas grossas de casacos e botas. A única pessoa que ficaria para
trás era a mãe para cuidar dos filhos de Griff e Winn.
— Vamos repassar tudo enquanto esperamos, — disse Mateo, acenando
para Vance.
— Tudo bem. — Vance se inclinou sobre o mapa para desenhar círculos
invisíveis com os dedos enquanto explicava onde havia colocado as
câmeras camufladas e para onde suspeitava que Cormac iria.
Descansei minha cabeça no ombro de mamãe, ouvindo a voz profunda de
Vance enquanto ele informava minha família.
Papai e meus irmãos estavam aqui por mim. Para encontrar o bastardo que
quase me matou.
Mas eu estava aqui por Vance.
Ele não tinha falado muito no caminho para o rancho. Ele se concentrou na
estrada, seguindo minhas instruções para a casa de Griff enquanto eu as
recitava. Mas quando perguntei por que ele ligou para Winn primeiro, ele
me disse que não estava estragando tudo. Que quando Cormac fosse
contratado, ele não queria erros. Sem furos.
Vance queria que Cormac passasse o resto de sua vida na prisão e não
arriscaria um tecnicismo.
Então aqui estávamos nós, seguindo as regras.
Eu só esperava que isso não significasse que perdemos nossa chance. Que
desta vez, Cormac realmente iria desaparecer.
As portas do carro bateram do lado de fora.
Winn foi até a entrada, abrindo a porta enquanto o xerife Zalinski entrava e
apertava sua mão.
— Lyla. — Vance ergueu o queixo para que eu me juntasse a ele em um
canto tranquilo da cozinha. — Você quer ir?
— Eu não quero te atrasar.
— Você não vai.
Eu poderia. Nós dois sabíamos que eu iria. Mas se eu quisesse ir, ele
diminuiria o passo. — Tem certeza?
Ele respondeu olhando por cima da minha cabeça para Mateo, parado atrás
de nós. — Lyla está vindo.
— Parece bom. — Mateo assentiu. — Vou ficar com vocês dois.
Isso nos tornou todos membros da equipe de busca e salvamento, não é?
— Espere. — Meu coração parou. Caramba. — A cafeteria.
— Não se preocupe com isso, — disse a mãe. — Eu falarei com Talia e
Eloise. Eles cuidarão disso e ligarão para Crystal se precisarem de ajuda.
Eu realmente amava minha família. — Obrigado.
Mamãe me deu um aceno de cabeça, como se ela estivesse orgulhosa de
mim por ter ido hoje.
Winn caminhou até um armário na cozinha, alto o suficiente para que as
crianças não pudessem tocá-lo. Lá dentro estava o cofre de sua arma. Ela
digitou o código, tirando sua pistola e distintivo. Com a arma no coldre e o
distintivo preso ao cinto, ela abraçou a mãe. — Obrigado por ser babá.
— Sempre.
— Obrigado, mãe. — Griff beijou sua bochecha, então seguiu Winn para os
ganchos do casaco, cada um deles se preparando.
Um por um, nós nos arrastamos para fora da porta e para nossos respectivos
veículos.
— Preparada? — Vance perguntou quando meu cinto de segurança estalou
na trava.
Olhei para ele do outro lado da cabine da caminhonete, observando aqueles
olhos claros. Eu estava pronta para hoje? Eu estava pronta para isso acabar?
Não.
Mas eu disse: — Sim.
CAPÍTULO VINTE

LYLA
— Não o que? — Winn perguntou ao xerife Zalinski.
— Não sei. — Ele abriu a porta de sua viatura. Frustração e suor saíam de
sua cabeça enquanto ele bufava.
Estávamos todos chateados, embora, ao contrário de Zalinski, estivéssemos
tentando esconder.
Seus dois ajudantes e o cão de busca já haviam deixado o estacionamento.
Knox também havia partido, precisando voltar para a cidade e para o
restaurante.
Papai, Griff e Mateo ficaram em posições semelhantes - pernas bem
plantadas, braços cruzados - esperando que o xerife lhes desse a permissão
para voltar amanhã.
— Se alguém está aqui em cima, por que o cachorro não sentiu o cheiro no
riacho? — Zalinski perguntou.
— Se alguém estivesse aqui em cima? — Mateo ergueu a mão. — Você
assistiu àquela filmagem, assim como o resto de nós. Ele está aqui em cima.
— Não sei quem era aquele homem, Mateo. — Zalinski fez uma careta para
meu irmão. — Poderia ser qualquer um.
— Não foi qualquer um, — Griff disse. — Era ele.
— Você não pode saber disso. — Zalinski olhou para Vance. — Você tem
certeza sobre a localização dessa câmera?
— Tenho certeza. — A mandíbula de Vance apertou.
Zalinski havia questionado tudo e qualquer coisa hoje, desde o momento
em que estacionamos até o momento em que voltamos após um dia longo,
miserável e desanimador.
— Cormac não quer ser encontrado. Ele não vai facilitar e divulgar sua
localização. E de alguma forma, ele sabe que está sendo caçado. Ele viu
uma câmera ou uma pegada.
— Uma de suas pegadas. — O xerife apontou para as botas de Vance.
— Sim. — Vance olhou-o diretamente nos olhos. — Teria sido uma das
minhas, já que sou o único aqui procurando.
A boca do xerife franziu em uma linha fina. A dúvida estava gravada em
seu rosto envelhecido.
— Nenhum local se daria ao trabalho de mascarar seu cheiro ou esconder
uma trilha, — disse papai. — Se fosse qualquer um, então os cachorros
deveriam ter sentido o cheiro. O homem que procuramos é experiente. Ele
não está escalando essas montanhas para se divertir. É ele. Ele está morando
aqui e é perigoso. Ele tentou assassinar minha filha, Zalinski. Então você
vai apenas ficar aí parado ou fazer algo a respeito?
— Harrison, calma...
— Ele se foi. — Vance silenciou o grupo. — Está feito. Se não encontramos
Cormac hoje, não encontraremos amanhã, nem seguinte, nem no dia
seguinte.
A derrota em sua voz era fisicamente dolorosa de ouvir.
— Xerife Zalinski. — Winn deu um passo para longe de Griffin, mudando
de posição para interromper nosso círculo e se posicionando entre o xerife e
papai. — Não há mais nada que possamos fazer hoje. Você e eu podemos
nos reagrupar amanhã e formular um plano.
Ele assentiu, deixando escapar outro suspiro. — Não estou feliz que haja
um criminoso à solta no meu condado.
— Eu sei disso, — disse Winn.
— Se eu pudesse colocar um policial aqui, eu o faria. Mas tenho poucos
funcionários e recursos limitados.
— Entendido. — Winn se aproximou, estendendo a mão para apertar a dele.
Então ela deu a ele um sorriso caloroso que não alcançou seus olhos quando
ele subiu em sua viatura e foi embora.
— Fodido Zalinski, — Griffin murmurou.
— Que babaca. — Mateo balançou a cabeça. — Quando ele será reeleito?
— Dois anos, — papai disse distraidamente, seu olhar voltado para as
encostas das montanhas que vasculhamos hoje.
Nós nos dividimos em três grupos esta manhã, começando neste ponto e
caminhando lentamente em direção ao riacho onde Vance colocou a câmera
camuflada que capturou Cormac.
O cachorro estava conosco - Vance, Zalinski, Mateo e eu. Quando
chegamos ao riacho, ele parecia ter sentido um cheiro. Ele disparou para as
árvores, movendo-se devagar o suficiente para que pudéssemos segui-lo.
Mesmo naquele ritmo, eu me esforcei para acompanhá-lo, arrastando-me
pela neve e tomando cuidado para não escorregar em um pedaço de gelo.
Minhas pernas pareciam macarrão mole, apesar da rigidez em meus
músculos. Mas eu me recusei a deixar a dor aparecer.
Não quando meu coração doía muito, muito pior.
O cachorro perdeu o cheiro de Cormac a cerca de cem metros do riacho.
Como, eu ainda não tinha certeza. Eu esperava encontrar uma trilha de
pegadas na neve, qualquer coisa para continuar. Em vez disso, o cachorro
nos rodeou em círculos, focinho no chão, correndo ao longo do riacho, sem
encontrar nada que nos levasse adiante.
Continuamos procurando, nossos grupos se espalhando em busca de rastros.
Quando nenhum foi encontrado, todos nós nos reagrupamos no riacho
novamente. Então Vance nos levou até suas outras câmeras, verificando
suas respectivas áreas uma a uma, descartando qualquer sinal de um homem
escondido na floresta.
No início da tarde, o xerife Zalinski insistiu que voltássemos ao
estacionamento para não correr o risco de alguém se perder ou se machucar.
Ainda restavam horas de luz do dia. Horas que poderíamos estar
procurando.
— Volto amanhã. — A declaração de Mateo não me surpreendeu.
Nem a resposta de Griffin. — Vamos todos nos encontrar no rancho às sete.
Você está bem com isso, baby?
Winn assentiu. — Até onde eu sei, você está caminhando com Vance.
Cansei de ouvir as desculpas de Zalinski. Vamos encontrar Gallagher.
Prendê-lo. Bater na cabeça dele com uma pedra e dizer que foi uma
tentativa de resgate de um caminhante desconhecido, pelo que me importa.
Mas não perco essa chance. De novo não.
— Eu concordo. — Mateo empurrou o queixo em direção a sua
caminhonete. — Vejo você pela manhã.
Papai me deu um abraço rápido e caminhou até sua própria caminhonete.
Winn e Griff fizeram o mesmo antes de irem para o deles.
O tempo todo Vance permaneceu imóvel, olhando para longe, seus olhos
desfocados.
Esperei até que estivéssemos sozinhos, até que as luzes traseiras
desaparecessem em uma curva da estrada. — Você está bem?
— Porra. — Ele balançou a cabeça, então inclinou a cabeça para o céu e
rugiu. Suas mãos se fecharam ao lado do corpo enquanto a frustração
escorria de sua garganta. Ele gritou por nós dois. E quando ele parou e
olhou para mim, o pedido de desculpas em seus olhos me quebrou em cem
pedaços, como o cascalho sob nossas botas. — Sinto muito, Lyla.
— Sinto muito também. — Engoli o nó na garganta.
Lamento que ele não tenha encerrado hoje. Que ele nunca teria a chance de
descobrir por que Cormac havia assassinado sua esposa e filhos.
O que dizia sobre nós que nos preocupávamos mais em encontrar Cormac
para a outra pessoa do que para nós mesmos? Talvez fosse isso que o amor
verdadeiro e altruísta realmente significava.
— Não desista, — eu sussurrei. Se Cormac não estava aqui, isso não
significava que toda a esperança estava perdida. Significava apenas que da
próxima vez que Vance conseguisse uma pista, provavelmente não o levaria
para Montana.
— Eu quase fiz, — ele admitiu. — Ontem, decidi que era hora de desistir.
Para o bem.
Foi por isso que ele confessou tanto na cafeteria na noite passada? Porque
ele já havia tomado a decisão de partir?
— Ele ainda está aqui. — O olhar de Vance mudou para as montanhas.
— Como ele se escondeu do cachorro? Como ele poderia andar sem deixar
nenhum tipo de rastro? — Minhas pegadas estavam por toda parte agora,
congeladas na neve. E elas não estavam sozinhos.
— Não sei, — disse Vance. — Ele me ensinou muito sobre habilidades de
sobrevivência, mas isso? Nunca tivemos que esconder nossos rastros.
Fomos nós que os encontramos.
— O que agora?
Sua expressão endureceu. — Eu o encontrei uma vez. Vou encontrá-lo
novamente. Mesmo que demore mais quatro anos.
Mesmo que isso significasse sacrificar sua própria vida, seu próprio
trabalho e felicidade.
Ele faria isso pela família que havia perdido. Para as garotas que ele amava.
Por mim.
— Você vai encontrá-lo. — Até os ossos, eu acreditava em Vance. Ele
encontraria Cormac. Talvez amanhã, quando ele for caminhar com meus
irmãos. Talvez semanas a partir de agora, quando ele não tivesse ninguém
para atrasá-lo.
— Vamos. — Ele desgrudou os pés, pegou meu cotovelo e me acompanhou
até a caminhonete. Então ele nos levou de volta à cidade, direto para o café.
Ele não precisava perguntar se eu queria fazer o check-in, ele apenas sabia
que eu faria.
Talia estava na máquina de café expresso quando entramos pela porta da
frente. No momento em que ela nos viu, todo o seu corpo relaxou. — Você
o encontrou? — ela perguntou quando cheguei ao balcão.
— Ainda não. — Escolhi essas palavras deliberadamente. — Obrigado por
ajudar hoje.
— A qualquer momento. Foster está na cozinha. Ele encontrou um livro de
receitas e está experimentando sua quiche Lorraine.
— Ele não precisava fazer isso.
Ela acenou. — Ele não pode ser parado. Ele está em uma missão porque eu
disse a ele que estava desejando quiche.
E já que Foster adorava o chão sob os pés da minha irmã gêmea, ele faria
tudo ao seu alcance para satisfazer esses desejos de gravidez.
— Crystal veio? — Perguntei.
— Sim, mas tem sido lento, então a mandamos para casa. Foster está
adorando isso. Ele pode pedir a você um emprego de meio período.
Eu ri, olhando por cima do ombro para Vance.
Eu esperava que ele estivesse perto, mas ele se aproximou de sua cadeira.
Não que ele estivesse sentado. Ele ficou na janela, com as mãos enfiadas
nos bolsos, e olhou para fora.
— Obrigado, — eu disse a Talia. — Eu sei que não é assim que você queria
passar o seu dia de folga.
— Ajudando minha irmã? É exatamente assim que quero passar meu dia de
folga. — Ela olhou para Vance. — Vocês deveriam ir. Nós temos isso.
— Tem certeza?
— Positivo. — Havia uma suavidade em seus olhos. Uma tristeza. Como se
ela quisesse que eu passasse o máximo de tempo possível com Vance
porque ele estava indo embora.
— Eu ligo para você amanhã, — eu disse a ela, então me juntei a Vance,
abraçando seu braço. — Vamos dar um passeio.
Nós caminhamos o dia todo, mas eu me preocupava com o que aconteceria
quando parássemos de nos mover. Preocupava-me que ele me dissesse que
estava indo embora. Então partimos pela Main, caminhando em um ritmo
fácil.
Vance pegou minha mão, entrelaçando nossos dedos. Levou três quarteirões
até que seus ombros relaxassem. Mais quatro até que sua mandíbula
relaxou. A essa altura, quase chegamos a mercearia que tinha um balcão do
lado de fora que funcionava como um suporte para livros em um lado da
rua principal.
— Está com fome? — Não era nem perto da hora do jantar, mas tudo o que
tínhamos para comer hoje eram as barras de granola amassadas que Vance
guardava em sua mochila. — Poderíamos ir às compras. Encontrar algo
para o jantar.
— Claro, — disse ele, olhando para os dois lados antes de atravessar a rua.
Mas assim que pisamos no meio-fio da calçada oposta, Vance congelou.
— O que? — Eu perguntei, seguindo seu olhar.
Estava trancado em uma jovem caminhando pelo estacionamento da
mercearia. Seu cabelo ruivo estava em um rabo de cavalo longo e grosso.
A mão de Vance largou a minha. Ele deu um único passo.
A garota contornou um carro, então se virou, caminhando direto em nossa
direção. Ela tinha os olhos apontados para o chão, o queixo contraído como
se estivesse tentando ser invisível.
Um carro passou na Main. Isso chamou sua atenção e ela olhou para cima,
observando-o passar. Mas antes que ela pudesse se concentrar na calçada
novamente, seu olhar mudou e pousou em Vance.
Como ele, ela congelou. Seus olhos se arregalaram, tão grandes que pude
ver cada pedacinho de reconhecimento. Cada grama de medo. A cor sumiu
de seu rosto já pálido.
Ela tinha duas sacolas plásticas enroladas no antebraço. Em um único
movimento, ela os balançou em seu peito, segurando-os com força.
— Pare! — ele gritou.
A mulher deu um passo para trás. Então ela atravessou a rua e fugiu.
Vance a perseguiu.
CAPÍTULO VINTE E UM

VANCE
Foda-se, ela era rápida. Ela sempre foi rápida.
— Pare! — Eu gritei de novo, minhas botas batendo na calçada.
Ela continuou correndo.
Então eu cerrei os dentes e encontrei a próxima marcha.
Atravessamos uma rua lateral, seu rabo de cavalo vermelho balançando em
seu rosto enquanto ela procurava por carros antes de disparar pelo asfalto.
Ela arriscou um olhar por cima do ombro e, quando me viu, aqueles olhos
continham puro terror.
De mim.
Ela estava com medo de mim. Por que?
Essa pergunta só me fez forçar mais. Meus pulmões estavam pegando fogo.
Minhas pernas estavam cansadas da caminhada hoje, mas eu corri.
Corremos por um bairro residencial, as charmosas casas passando enquanto
descíamos a calçada.
Ela era rápida. Mas não rápida o suficiente para ultrapassar meu passo mais
longo. Levei quase dois quarteirões da Main para chegar ao meu alcance.
Na rua à frente, um ônibus escolar amarelo estava parado, com as luzes
vermelhas piscando, enquanto uma fila de crianças saltava.
Uma mãe veio andando pela calçada de sua casa, provavelmente para
receber seu filho. Quando ela nos viu correndo, seu queixo caiu e ela
piscou, como se não tivesse certeza do que estava acontecendo.
Merda. Eu não precisava de um pai chamando a polícia. Ainda não. Não até
que eu tivesse respostas.
— Pare de correr, — eu lati. — Porra, Vera. Pare.
Talvez fosse eu dizendo o nome dela ou talvez ela estivesse ficando sem
fôlego, mas ela diminuiu a velocidade o suficiente para que eu pudesse
envolvê-la.
— Não. — Ela lutou, jogando os cotovelos em minhas costelas. As sacolas
plásticas que ela segurava contra o peito bateram em nós, mas não caíram.
— Vera. — Como isso era possível? Como eu estava dizendo o nome dela?
Como ela estava em meus braços?
— Deixe-me ir.
— Não. — Eu a segurei com mais força, o mundo girando sob meus pés.
Vera. Esta era Vera. Ela estava viva. Ela estava aqui em Montana.
Um grito escapou de sua boca, mas ela continuou jogando aquelas
cotoveladas, algo que Cormac havia lhe ensinado em suas sessões de
autodefesa na garagem. Ele sempre quis que suas meninas estivessem
seguras.
Antes que ele os matasse.
Só que ele não tinha. Vera não.
Eu apertei com mais força, prendendo-a em mim. — Pare. Por favor.
— Vance, — Lyla ofegou, parando ao nosso lado. Seus olhos estavam
arregalados e seu peito arfava por nos perseguir. Seu olhar disparou para
Vera, que continuou lutando contra mim. Então ela olhou ao redor, sem
dúvida observando aquela mãe que nos viu antes.
Lyla levantou a mão, sinalizando que estava tudo bem. A mulher assentiu
com a cabeça e conduziu o filho até a casa deles.
A distração deu a Vera uma abertura. Ela levantou um pé e bateu o
calcanhar na minha canela.
A dor se espalhou pela minha perna, mas eu a engoli, meu domínio sobre
ela tão forte como sempre.
— Vera. — Minha voz era baixa. Estável. Puxei-a ainda mais para perto,
meu coração disparado quando coloquei minha bochecha em seu cabelo. —
Vera. Sou eu.
Ela se acalmou. Completamente.
Então seu corpo inteiro ficou mole. As sacolas de compras que ela
carregava caíram no chão. Se não fosse por meus braços, ela teria se
amontoado na calçada ao lado deles.
Seu peito começou a tremer enquanto ela chorava. — V-você tem que ir!
Você não pode estar aqui. Você não pode me ver.
— Por que?
— Porque eu estou morta. — Ela chorou mais forte, soluços de corpo
inteiro que sacudiram seus ombros e partiram meu coração. — Tio Vance,
estou morta.
Tio Vance.
Palavras que nunca pensei que ouviria Vera dizer novamente. Palavras que
me partiram em duas.
Ela girou em meus braços e enterrou o rosto no meu peito. — Tio Vance.
— Ei, garota, — eu sussurrei, deixando minha bochecha cair em seu cabelo
enquanto eu a segurava forte, piscando minhas próprias lágrimas. — Estou
aqui.
— Eu estou tão cansada.
— Te peguei. — Desta vez, eu não a deixaria ir.
Vera desabou contra mim, encharcando a frente do meu casaco com suas
lágrimas. Como se ela as tivesse segurado por quatro anos.
E eu apenas a inspirei, sentindo seus ombros e costelas. Ela não era mais
uma adolescente. Quatro anos e ela terminou de crescer. Ela era mais alta,
magra, mas forte.
— Senti sua falta, Vera.
Ela acenou com a cabeça, suas mãos agarrando meu casaco enquanto ela
continuava chorando.
Viva. Ela estava viva.
Foi por isso que não encontraram o corpo dela no lago. Os mergulhadores
haviam recuperado as gêmeas. Fui eu quem identificou seus corpos. Mas
Vera não.
Seu corpo nunca havia sido encontrado. Com o tamanho e a profundidade
do lago Coeur d'Alene, todos presumiram que ela estava perdida.
Mas não havia corpo para encontrar. Ela estava viva.
O que isso significa? O que estava acontecendo? Olhei para Lyla. O choque
escrito em seu rosto provavelmente combinava com o meu.
— Vera, — ela balbuciou.
Eu balancei a cabeça. Vera.
Filha de Cormac.
A criança que ele assassinou.
Ou não.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

LYLA
A sua garota precisava de um banho quente. Ela precisava de uma
refeição quente. Ela precisava de um frasco de xampu e uma cama macia.
Talvez se ela dormisse por alguns dias, aquelas olheiras sob seus olhos
desapareceriam.
Mas não haveria banho, comida ou cama. Vera ficava olhando para a porta,
parecendo mais um animal enjaulado pronto para escapar do que a garota
vibrante e feliz que Vance havia descrito. Ela ia fugir e quebrar seu coração,
não é?
Bem, ela teria que passar por mim primeiro. Até que ela explicasse, eu seria
um bloqueio humano naquela porta.
— Eu tenho que ir, — ela disse a Vance de seu assento ao lado dele no meu
sofá. — Não posso me atrasar.
— Não até que você me diga o que está acontecendo. — A mão dele estava
no joelho dela. Provavelmente foi um toque gentil, mas eu não tinha
dúvidas de que se ela tentasse se levantar, ele a apertaria com força e
colocaria sua bunda de volta no chão.
Vera apertou as sacolas da mercearia contra o peito.
O rótulo da caixa azul de absorventes internos aparecia através do fino
plástico branco. Ela também comprou baterias, Tylenol, pomada de
primeiros socorros e alguns tamanhos diferentes de bandagens. Fui eu quem
pegou tudo na calçada e devolveu para as sacolas enquanto Vance pegava
uma Vera chorosa em seus braços, embalava-a contra o peito e a carregava
para sua caminhonete.
Ela se recompôs no caminho para minha casa. O choro havia parado,
embora suas bochechas ainda estivessem manchadas e seus olhos
vermelhos.
Ela não queria entrar, mas Vance apontou para a casa, seu rosto tão severo.
Tão paternal. Era um olhar que eu não tinha visto nele antes. Um de sua
vida antes de Quincy, quando ele era tio Vance.
Foi um olhar que Vera deve ter conhecido porque ela me seguiu para
dentro, e depois que ele fez as apresentações rápidas, ele disse a ela para se
sentar no sofá. Ela tinha feito exatamente isso.
Enquanto eu estava na cozinha, pegando um copo de água gelada para ela,
ela pegou aquelas sacolas para segurar. Ela estava com medo de que as
tirássemos dela? Alguém se machucou? Cormac, talvez?
— Aqui. — Entreguei-lhe a água.
— Obrigado. — Ela o pegou, olhando para ele por um longo momento. —
Faz tempo que não vejo um cubo de gelo.
Vance ficou tenso. Não o suficiente para Vera notar, mas aqueles ombros
largos avançavam levemente em direção às orelhas dele. Havia uma
tempestade de perguntas furiosas dentro daquele homem, mas ele as
manteria dentro de si.
Ele ficaria forte para a jovem ao seu lado que não parava de tremer.
Ela olhou para ele, seus grandes olhos castanhos cheios de lágrimas. Os
mesmos olhos castanhos que eu encarei semanas atrás, quando pensei que
Cormac Gallagher iria me matar.
— Papai está me esperando, — disse ela. — Eu tenho que ir ou então ele
virá me procurar. Ele não pode vir à cidade, mas virá se estiver preocupado.
Eu tenho que chegar ao nosso ponto de encontro para que possamos ir para
casa.
— Casa? — Vance perguntou.
— Para o nosso abrigo.
As sobrancelhas de Vance se juntaram. — Você tem um abrigo? Onde?
— Nas montanhas.
— Você está morando nas montanhas. — Ele continuou repetindo tudo
como se ainda não pudesse acreditar.
— Sim.
Onde nas montanhas? Há quanto tempo eles estavam lá? Como ela estava
viva? Havia tantas perguntas, mas fiquei quieta, ficando de lado e
observando enquanto Vance se sentava com ela.
— Vera, o que aconteceu? Você se foi há quatro anos. Todo mundo pensa
que você está morta.
Sua mão tremia quando ela levou o copo de água aos lábios para um gole.
Então ela fungou, sentando-se um pouco mais ereta. Endireitando esses
ombros. — Eu estou bem com isso.
— Você está bem com o mundo pensando que você está morta?
— Se é isso que é preciso para manter o papai seguro.
Vance balançou a cabeça, piscando muitas vezes. Ele passou quatro anos
odiando Cormac por matar sua família. Mas Cormac os assassinou? E as
gêmeas? E a esposa de Cormac? Se Vera estava viva, o que diabos
realmente aconteceu há quatro anos?
— Sou tudo o que resta a ele, — sussurrou Vera, com a voz embargada. —
Somos tudo o que resta de qualquer um de nós.
Então sua mãe, suas irmãs, se foram. Minha mão espalmou sobre meu
coração, pressionando a dor.
— Você tem a mim. — Vance enganchou o dedo sob o queixo dela, seu
olhar se suavizando enquanto observava seu rosto doce. — Fale comigo,
garota.
— Não posso. — Seu queixo começou a tremer. — Eu realmente tenho que
ir.
Ele a encarou por um longo momento, então em um piscar de olhos, ele
estava de pé. — Então vamos.
— Você não pode vir. — Ela se levantou também.
— Ah, já estou indo. — Vance se levantou, olhando para ela enquanto
cruzava os braços sobre o peito. O olhar do pai. Eu tinha recebido isso
muitas vezes de meu próprio pai e tio. — Seu pai e eu temos muito o que
conversar.
— Ele não vai falar com você.
— Ele vai. — A voz de Vance suavizou.
— Não vou deixar você vir, não se isso significar que ele irá para a cadeia.
— Ele não vai para a cadeia.
Mas Cormac pertencia à prisão, não é? Minha cabeça estava girando,
minhas emoções girando. Eu odiava aquele idiota pelo que ele tinha feito
para mim. Pela dor que ele causou. Mas o coração palpitante de Vera
mudou tudo.
Se ela estava viva, o que isso significava?
O bastardo ainda tinha me estrangulado. Mas e se ele tivesse feito isso para
proteger sua filha? E se tudo que eu presumi estivesse errado?
— Onde vamos encontrá-lo? — Vance perguntou a ela.
— Tio Vance...
— Sem argumentos. — Falou como um homem que já havia lhe dado
ordens antes. Ordens que ela obedecia. Ele era seu tio, talvez não de sangue,
mas de prática. Ele apontou com o queixo para o corredor. — Quer usar o
banheiro antes de irmos?
Um olhar estranho passou pelo rosto de Vera. Era uma combinação de
alívio, exaustão e euforia, como usar um banheiro, com água corrente e
descarga, era um luxo que ela raramente experimentava.
— Primeira porta à sua esquerda, — eu disse, oferecendo a ela um pequeno
sorriso.
— Obrigada, — ela murmurou, então passou por Vance e caminhou pelo
corredor.
No momento em que a porta se fechou, ele soltou um longo suspiro. Ambas
as mãos mergulharam em seu cabelo, puxando as mechas. — Que porra é
essa? Como isso é real?
— Não sei.
— Ela está viva. — Ele olhou para um ponto na parede, seu olhar
desfocado. — Ele a manteve escondida por quatro anos. Todos pensávamos
que ele a tinha matado. Se ele não o fez... o que mais nós erramos?
— As gêmeas?
Vance balançou a cabeça. — Fui eu quem identificou os corpos. Norah
também.
Então era só Vera.
— Por que ele a esconderia? — Perguntei.
— Não sei. Nada sobre isso faz sentido. — Ele soltou um gemido frustrado,
então estendeu um braço. Um convite.
Então eu me movi para ele, envolvendo meus braços em volta de sua
cintura enquanto ele me puxava para perto.
— Eu lamentei por ela, Lyla. Eu chorei por ela. Mas ela está aqui. Ela está
no banheiro, não está? Estou sonhando com isso?
— Ela está aqui.
— Eu não sei o que pensar, Blue.
— Você tem que ir com ela. Você tem que falar com Cormac. Inclinei meu
queixo para trás para encontrar seu olhar. — E eu vou com você.
— Lyla...
— Sem argumentos. — Eu roubei suas próprias palavras. — Há mais nessa
história. Eu tenho o direito de saber a verdade.
Vance não era o único que queria respostas. Eu precisava saber se o homem
que tentou me matar, que não me matou quando teve a chance, era
realmente o vilão.
Eu precisava saber por que ele me deixou ir.
— É muito perigoso. Não faço ideia de como ele vai reagir. Ele foi violento
com você uma vez.
— A filha dele estará lá. — Eu estava contando com Vera agindo como um
amortecedor.
— Não.
— Por favor? E se você precisar de uma testemunha?
— Lyla. Não vou arriscar que algo aconteça com você.
— Eu preciso disso, Vance. Enfrentá-lo. — E estar presente quando Vance
enfrentasse Cormac também. — Juntos somos mais fortes.
Vance suspirou, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. —
Não sei o que vai acontecer.
— Há uma chance de você deixá-lo ir embora, não é?
— Eu não sei, — ele murmurou.
— Você vai me manter segura. E eu confio em você. — Dependendo do que
Cormac tivesse a dizer, Vance faria o que achava certo. E se ele deixasse
Cormac ir, não seria porque ele não queria que o homem pagasse pelo que
ele fez para mim. Seria porque quaisquer verdades que aprendemos hoje
ditariam o destino de Cormac.
— Não posso pedir para que você mantenha isso em segredo, — disse ele.
Da minha família. De Winn. — Você não precisa.
— Lyla. — Seus olhos procuraram os meus. Seus dedos se enfiaram no
cabelo da minha têmpora. Havia algo em seu olhar, algo grande e poderoso
e algo que eu queria desesperadamente que ele dissesse. — Eu...
A porta do banheiro se abriu.
E assim, estávamos sem tempo.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

VANCE
A maneira como Vera caminhava pela floresta era tão parecida com
a forma como Cormac se movia que era incrível. Ela escolheu seus passos
deliberadamente. Não havia como esconder nossos rastros na neve, mas
ainda assim ela pisou com cuidado, o único som sendo o gelo sob suas
botas.
Seu passo era rápido, mas não apressado. Seu olhar varreu para frente e
para trás por entre as árvores, procurando por ameaças e observando pontos
de referência.
Ele a ensinou muito nos últimos quatro anos, não foi?
— Você está morando aqui, — eu digo.
— Sim. — Vera olhou por cima do ombro, mantendo a voz baixa enquanto
falava. Hábito, sem dúvida. Cormac a ensinou a viver aqui sem ser
detectada, e ele fez um ótimo trabalho.
— Por quanto tempo?
— Estamos em Montana há dois anos, eu acho? Eu perdi a noção. Papai
sabe.
Eu suspirei.
Atrás de mim, Lyla ficou perto. Suas bochechas estavam coradas enquanto
ela seguia meus passos. Ela devia estar cansada de mais cedo, mas seguiu
em frente, sua força e resiliência tão impressionantes quanto sua beleza.
— Bem? — Eu perguntei, estendendo a mão para ela.
Ela pegou e assentiu. — Bem.
— Podemos desacelerar. — Vera parou à nossa frente, virando-se para nos
encarar. — Eu sempre sou aquela que tenta acompanhar, então eu sei como
é. Desculpe.
— Estou bem, — diz Lyla.
Agarrei-a com mais força e acenei para que Vera continuasse.
Ela iria desacelerar. Eu sabia antes mesmo de ela dar um único passo que
ela diminuiria para Lyla. Aquele doce coração dela ainda estava lá, apesar
de tudo o que havia acontecido.
Tudo o que ela não quis me contar.
— Com que frequência você vem à cidade? — Perguntei.
Talvez as duas vezes que vi aquele cabelo ruivo em Quincy não tenham
sido minha imaginação ou um estranho. Talvez realmente tivesse sido Vera.
— Normalmente uma vez por mês, — diz ela.
— Para absorventes, — Lyla sussurrou tão baixinho que só eu pude ouvir.
Havia uma caixa naquelas sacolas que ela carregava.
— Seu pai vem junto?
— Nunca, — diz Vera.
Lyla e eu trocamos um olhar. Então isso foi parte de como ele sobreviveu
aqui. Ele fez Vera entrar furtivamente em Quincy, onde ela seria apenas um
rosto normal.
Só não para mim. Se eu não tivesse vindo para Montana, ninguém jamais
teria suspeitado que ela era a ligação com um assassino.
Ele era um assassino?
— Como você paga pelas coisas? — Lyla perguntou.
— Dinheiro. Papai pegou o máximo que pôde quando saímos de Idaho. Isso
acabou há um tempo atrás, então ele, hum...
— Roubou um posto de gasolina no Oregon, — terminei.
Vera se encolheu. — Como você sabia?
— Eu fui para o Oregon.
Ela parou, virando-se para nós novamente. — Ele disse que sempre haveria
pessoas nos perseguindo. Eu não acreditei nele. Achei que depois de tanto
tempo, seríamos esquecidos. Mas papai é sempre cuidadoso, só por
precaução. Acho que ele estava certo. Era você, não era? Você deixou a
câmera camuflada perto do riacho onde colocamos uma armadilha para
peixes.
Porra. — Ele viu a câmera.
— Esta manhã. — Ela assentiu. — Ele disse que sentiu como se alguém o
estivesse observando, então ele circulou de volta assim que o sol nasceu.
Encontrando.
Ele deve ter surgido por trás, caso contrário, meu alarme teria disparado
novamente.
— Sim, — eu digo a ela. — Era eu.
Os ombros de Vera caíram. — Estamos saindo por causa disso. Hoje foi
minha última viagem à cidade.
Droga. Quão fodidamente sortudo era Lyla querer caminhar ao longo da
Main?
— Papai está estranho ultimamente, — diz Vera. — Ele não quis me dizer
por que, mas ele nos manteve perto do abrigo. Ele me manda para a cidade
com mais frequência do que o normal para comprar suprimentos. Eu tive
que pegar rotas diferentes e mais longas para ter certeza de que ninguém
seria capaz de me seguir de volta. Eu pensei que era apenas uma preparação
normal para o inverno. Estocagem de alimentos, baterias e suprimentos de
primeiros socorros. Mas ele saiu para verificar a armadilha esta manhã e
voltou em pânico. Disse que tínhamos que sair. Acho que ele está se
preparando há semanas, mas não quis me contar.
Cormac estava agindo de forma estranha por causa de Lyla, não estava?
Mas ele não havia contado a Vera o que havia feito. Sobre o rio. Talvez ele
esperasse que as equipes locais desistissem de sua busca. Para ser justo, ele
estava certo.
Só que ele não contava comigo.
— Estamos quase lá. — Vera olhou para a direita, depois para a esquerda.
— Eu acho que seria melhor se você me desse um minuto.
— Eu não vou deixar você fora da minha vista. — Eu amava Vera, mas toda
essa situação estava fodida.
Pelo que eu sabia, ela não estava nos levando a lugar algum. Nós
estacionamos a quase um quilômetro de distância de onde eu estava
procurando. Por mais que eu a amasse, não confiava nela. Havia uma
chance muito real de que, no minuto em que ela se fosse, ela desapareceria
novamente.
Cormac a teria ensinado a se esconder.
Mesmo de mim.
— Achei que você diria isso. — Ela soltou um longo suspiro, então colocou
as mãos em concha sobre a boca, deixando escapar um assobio penetrante.
O som ricocheteou em árvores e rochas, até que a floresta o engoliu inteiro.
Ficamos em silêncio, o único som do meu coração batendo forte.
Então veio, fraco e quase inaudível. Outro assobio.
— Ele está vindo, — diz Vera, lançando-me um olhar suplicante. — Apenas
se esconda atrás de uma árvore ou algo assim. Deixe-me avisá-lo primeiro.
Por favor?
— Vera, — eu avisei.
— Não vou fugir, tio Vance. Eu prometo.
Pelo amor de Deus. — Tudo bem, — eu cortei, levando Lyla a um grande
pinheiro. Posicionei-a de costas para o tronco, ficando de frente para ela,
tanto como escudo quanto para ficar de olho em Vera.
— Você pode ficar aqui mesmo, — eu digo a Lyla. — Você não precisa vê-
lo.
— Sim eu preciso. — Sua resposta não me surpreendeu nem um pouco.
— Ok. — Eu dei um beijo em sua testa, então ajustei meu aperto em sua
mão. Não importa o que, eu não iria deixá-la ir.
— Você está atrasado. — A voz de Cormac encheu o ar.
Meu corpo congelou. Aquela voz era a mesma que eu lembrava, mas
diferente. Em pânico. Abatida.
— Você está bem? — perguntou a Vera. — O que aconteceu? Eu estava
ficando preocupado.
— Estou bem, — diz Vera.
— Temos que ir. Logo vai escurecer. Dê-me essas sacolas. Eu as carrego.
— Pai, espere.
— O que?
Não esperei que Vera fizesse um grande anúncio. Dei um passo para o lado,
saindo de trás da árvore e encarando o homem — meu amigo, meu irmão,
aquele que rezei para encontrar por quatro anos.
— Vance. — Cormac enrijeceu, mas por outro lado, ele não parecia
chocado. Isso mudou quando Lyla saiu de trás da árvore. Foi quando o rosto
de Cormac empalideceu.
Agarrei a mão de Lyla, observando enquanto ela levantava o queixo.
Observando enquanto ela o nivelava com um olhar frio.
Essa é minha garota. Eu estava tão orgulhoso dela.
Ele tinha me abatido. Eu o deixaria vencer.
Lyla não. Bem aqui, agora, ela estava recuperando seu poder. Ela estava
pegando de volta o que ele havia roubado.
Foda-se, mas eu a amava.
Eu estava apaixonado por Lyla Eden.
Eu estive por semanas.
Cormac saiu de seu transe, estendendo a mão para Vera. Ele a pegou pelo
braço, puxando-a para trás dele e a mochila amarrada em suas costas. —
Saia daqui, Vera. Corra. Agora.
— Não. — Ela balançou a cabeça.
— Vá. — Ele a empurrou com tanta força que ela quase tropeçou.
— Pai, pare!
— Espere. — Eu dei um passo, segurando minha mão livre. — Eu só quero
conversar.
— Vera, corra! — O berro de Cormac era doloroso e frenético.
Lágrimas brotaram dos olhos de Vera enquanto suas mãos se fechavam em
punhos, balançando a cabeça. — Não. Chega de correr.
— Você tem que sair.
Ela não se mexeu. — Não podemos continuar fazendo isso.
— Temos que fazer, amor. — Cormac era tão largo e alto quanto anos atrás.
Mas ele parecia menor agora. Quebrado pela culpa e tristeza.
— Eu não vou dizer nada. — A voz de Lyla era firme. — Se é com isso que
você está preocupado, não vou contar a ninguém que vi você ou Vera. Mas
você deve a Vance a verdade.
Aqui estava ela, lutando por mim, não por si mesma.
Como eu deveria me afastar dela agora?
Apertei a mão dela com mais força.
Cormac olhou para Lyla, o pedido de desculpas escrito em seu rosto cheio
de cicatrizes. Ele voltou esse mesmo pedido de desculpas para sua filha. —
Eu só quero te manter segura.
— Eu sei, papai. — Ela estendeu a mão e agarrou a mão dele. — Mas estou
tão cansada. Por favor. Fale com o tio Vance.
A fé que ela tinha em mim para consertar isso era impressionante. Agarrei-
me à mão de Lyla, pegando emprestado um pouco de sua força, enquanto
enfrentava Cormac.
Há quanto tempo eu esperava por isso? Ficar cara a cara com ele?
Não era nada como eu esperava. Nada como eu tinha planejado. Olhei para
ele e não vi um assassino de sangue frio. Não vi um homem que tivesse
traído minha amizade. Eu não vi um mentiroso ou manipulador.
Eu vi um pai desesperado.
— Por favor, — Vera sussurrou.
Eu sabia antes que ele assentisse que ele diria sim. Era impossível dizer não
para aquela garota às vezes.
Ele segurou sua bochecha. — Ok.
Ela se inclinou para ele, fechando os olhos.
Ele pegou as sacolas plásticas dela, colocando-as em sua mochila. Então,
com ela pendurada nos ombros novamente, ele se virou e conduziu a filha
por entre as árvores, ordenando: — Siga-me.
Dei um passo, esperando que Lyla ficasse ao meu lado, mas seus pés
pareciam grudados na neve. Talvez eu tenha roubado muito de sua força. —
Ei.
Seus olhos se voltaram para os meus. — Eu deveria odiá-lo. Por que não o
odeio?
— Por que eu também não?
Lyla olhou para trás. — Você consegue encontrar o caminho de volta para a
caminhonete à noite?
— Sim, Blue. — Inclinei-me para beijar o topo de sua cabeça. — Não
vamos nos perder.
Caminhamos de mãos dadas, seguindo Cormac e Vera até que a floresta
ficou cada vez mais densa, forçando-nos a ficar em fila única.
Não querendo que Lyla fosse a última, coloquei-a na minha frente, um olho
fixo constantemente em Cormac. Havia muitas incógnitas aqui, mas sem
dúvida, ele a machucou uma vez. Eu não o deixaria fazer isso de novo.
O sol estava se pondo no horizonte, a luz escurecendo. No entanto,
caminhamos e caminhamos, avançando com força para onde quer que
Cormac e Vera nos levassem.
Lyla escorregou em um pedaço de gelo, seu pé escorregando debaixo dela.
Corri para pegá-la e ajudá-la a se levantar. — Você está bem?
Ela estava sem fôlego, mas assentiu. — Estou bem.
Vera, que caminhava atrás de Cormac, virou-se, oferecendo a Lyla um
sorriso gentil. Ela havia diminuído mais cedo, mas não pediria a seu pai
para ir com calma agora. Então, subimos em um ritmo difícil pelo terreno
íngreme.
As árvores eram tão densas que havia trechos onde a neve ainda não havia
chegado. Eles ficariam cobertos à medida que o inverno avançasse, mas,
por enquanto, a terra, as pinhas e as agulhas estavam cobertas apenas por
uma espessa geada.
— Fique longe da neve, — diz Cormac. — Siga apenas onde eu pisar.
Lyla olhou para trás e, quando assenti, ela obedeceu. Alguns trechos eram
tão largos que ela e Vera tiveram que pular.
Continuamos por mais um quarto de milha assim até chegarmos a um
afloramento de rochas que rompeu as árvores.
Cormac parou, tirando a mochila do ombro para pegar um borrifador.
Dentro havia um líquido claro.
— O que ele está fazendo? — Lyla perguntou, ofegante quando paramos.
— É alvejante e água, — diz ele. — Vá para cima, amor.
Vera assentiu e passou por ele para escalar uma seção da rocha com cerca
de 2,5 metros de altura, usando alguns entalhes e pontos de apoio para
escalar sua face plana. Quando chegou ao topo, deitou-se de bruços,
esticando-se para pegar a mochila que ele ergueu.
— Você é a próxima. — Cormac ergueu o queixo para que Lyla o seguisse,
mas isso significaria ultrapassá-lo. Estar ao alcance do braço.
— Lyla. — Eu me mexi na frente dela. — O nome dela é Lyla Eden.
Cormac encontrou meu olhar, encolhendo-se ligeiramente. Então ele baixou
o queixo. — Lyla Éden. Sinto muito pelo que fiz no rio.
— O que você está falando? — Vera perguntou. — O que aconteceu no rio?
Ele olhou-a. — Eu vou explicar mais tarde. Estamos ficando sem luz e
precisamos nos apressar.
— Não vamos para casa esta noite, vamos? — Lyla me perguntou.
— Não é provável.
Ela se arrastou para mais perto da minha mochila.
— Vocês sobem. Vera, continue. Eu alcanço. — Cormac passou por nós,
dando espaço para Lyla. Ele desceu a encosta cerca de vinte metros, então
começou a borrifar a água sanitária no chão antes de correr ainda mais
longe.
— O que ele está fazendo? — Lyla perguntou a Vera.
— Ele vai correr em um loop para deixar seu cheiro em um círculo. Se um
cachorro subir aqui, não saberá exatamente que direção escolher.
— E o alvejante?
— Ele diz que pode mexer com o nariz de um cachorro. Dominar seus
sentidos.
— Droga. — Então foi assim que ele disfarçou seu cheiro com os
cachorros. E ainda por cima, ele escolheu um caminho que nenhum
cachorro poderia seguir naquela face da rocha.
— Vamos. — Eu cutuquei Lyla para frente. — Eu ajudo você a se levantar.
Além da face da rocha não havia nada além de rochas íngremes e molhadas.
Não havia árvores aqui, apenas terreno irregular que seria um inferno para
descer.
Sim, sem chance de sairmos esta noite. Não no escuro.
Vera escalou, de alguma forma encontrando um caminho entre as rochas,
provavelmente porque já havia feito isso centenas de vezes. E cerca de
quinze minutos depois, Cormac pigarreou atrás de mim.
Eu não tinha certeza do que mais ele tinha feito para mascarar nossos
cheiros, mas eu suspeitava que se alguém viesse nos procurar esta noite ou
amanhã de manhã, eles encontrariam uma trilha de pegadas na neve que
apenas... parou.
A respiração de Lyla tornou-se difícil enquanto subíamos. Ela afastou uma
mecha de cabelo suado da têmpora.
— Quer uma pausa? — Perguntei.
Ela balançou a cabeça.
— Estamos quase lá, — Vera nos disse.
O cheiro de neve, rocha e vento enchia o ar. Respirei o ar frio, pairando
perto de Lyla com as mãos prontas para o caso de ela escorregar.
Quando olhei de volta para Cormac, seu olhar estava grudado em Lyla. Em
minhas mãos. — Vocês estão juntos.
— Sim. — E se ele chegasse perto dela, se ele olhasse para ela do jeito
errado ou a deixasse desconfortável, eu cortaria a porra de sua garganta.
Cormac assentiu e recuou, dando-nos mais espaço.
Caminhamos por mais dez minutos até que o solo se nivelasse em um
desfiladeiro entre penhascos. Aglomerados de árvores e arbustos cresciam
no chão do desfiladeiro. Examinei a área, presumindo que continuaríamos,
mas pensei duas vezes quando avistei um abrigo escondido contra uma
rocha maciça.
A cabana era maior do que eu esperava. Tinha quatro paredes todas feitas
de pequenos troncos de árvores. O telhado estava coberto de musgo e
folhagem para manter o calor dentro.
Cormac havia construído uma casa para sua filha.
Estava longe de qualquer trilha conhecida. Ninguém a veria de uma vista
aérea. E dado o caminho sinuoso e miserável para chegar aqui, era
improvável que qualquer caminhante ou caçador aleatório chegasse tão
longe.
Não é à toa que eles viveram aqui sem serem detectados por dois anos.
O corpo de Vera relaxou enquanto caminhávamos em direção ao abrigo. Ela
abriu a porta, segurando-a aberta para Lyla. — Entre.
Lyla passou por ela, entrando. Vera seguiu.
Fiquei para trás e, quando Cormac estava perto o suficiente, ataquei tão
rápido que ele nem percebeu. Meu punho bateu em seu nariz.
O sangue jorrou de suas narinas, escorrendo pelo queixo.
— Foda-se, — ele sibilou, beliscando-o com as duas mãos.
— Isso foi por Lyla, seu filho da puta.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

VANCE
— Pai! — Vera engasgou quando entramos no abrigo. Casa. Cabana. Seja
lá o que diabos eu deveria chamar este lugar. — Oh meu Deus.
— Estou bem. — Cormac levantou uma mão manchada de sangue. O
sangramento parou e ele fez o possível para limpar o nariz e o rosto do lado
de fora antes de recolocar o osso que quebrei, mas ele ainda parecia uma
merda. — Eu, hum... tropecei.
— Você tropeçou? — Vera olhou entre nós.
Cormac não tropeçou.
— Sim, — ele murmurou, indo para uma pequena tigela posicionada contra
a parede. Estava cheio de água fresca. Eles devem ter um suprimento em
algum lugar próximo. Ele pegou um pano sujo que já tinha visto dias
melhores, depois lavou o rosto. Mas mesmo sem sangue, sua pele estava
rosada e inchada.
Eu bati nele com tudo que eu tinha, e amanhã, seus olhos estariam tão
negros quanto os de Lyla no dia em que nos conhecemos. Serviu bem para o
idiota. Meus dedos estavam começando a doer, mas caramba, isso foi bom.
Lyla se moveu para o meu lado, posicionando-se tão longe de Cormac
quanto o espaço apertado permitia.
Coloquei meu braço em volta dos ombros dela, prendendo-a perto,
enquanto examinava o quarto individual.
Contra a parede do fundo havia dois sacos de dormir. Cada um deles
descansava em uma plataforma de madeira que levantava os cobertores
cerca de trinta centímetros do chão. As camas, semelhantes às paredes do
abrigo, eram feitas de galhos bem cortados e aparados com cerca de sete a
dez centímetros de espessura. Eles foram mantidos juntos com corda de
paraquedas. Sem dúvida alguma coisa que Vera comprou durante suas
viagens por várias cidades.
Os nós que mantinham os galhos juntos eram familiares e limpos.
Em nossos anos juntos na polícia, Cormac me ensinou muito, mas a única
área em que sempre tive mais conhecimento foi em amarrar nós. Quadrado.
bolina. Prusik. Pescador duplo. Eu tinha que agradecer aos escoteiros por
essa habilidade. Quando criança, eu praticava amarrar nós por horas e
horas. Então eu ensinei Cormac.
Então ele usou aqueles nós para fazer esta casa para sua filha. Ele construiu
um lugar para mantê-la longe do mundo. De mim.
— Hora de explicar, — eu disse, cruzando os braços sobre o peito.
Cormac dobrou o pano ensanguentado e o colocou de lado. Ele olhou para
Vera, arqueando as sobrancelhas.
Uma conversa silenciosa passou entre eles. Eles tiveram isso antes também,
como se pudessem ler os pensamentos um do outro.
O que quer que tenha acontecido entre eles a fez balançar a cabeça. — Vou
buscar água fresca para o jantar.
Ela pegou uma lanterna de uma pequena prateleira feita à mão ao lado de
seu saco de dormir e saiu.
Cormac observou Vera sair, então exalou. Quando ele olhou para cima, não
era para mim, mas para Lyla. — Sinto muito pelo que fiz com você. Vera
não sabe.
Lyla enrijeceu. — E eu estou supondo que você gostaria de mantê-lo assim?
— Não tenho muitos segredos para minha filha. Ela sabe quem eu sou. Está
ok se você quiser contar a ela.
— Por que não? — Lyla perguntou.
Ele engoliu em seco. — Não estou exatamente orgulhoso...
— Que você tentou me matar.
— Eu não tinha intenção de matar você. Eu entrei em pânico. Desci mais
baixo do que o normal para caçar. Estamos estocando para o inverno e tem
sido estressante. Quando você pisou em mim assim... muitas pessoas não
podem se aproximar de mim. E além de Vera, não vejo outra pessoa há
muito tempo. Precisava ter certeza de que você ficaria quieta o tempo
suficiente para eu dar o fora de lá. — Cormac estremeceu e um olhar
estranho e distante brilhou em seu rosto. Era quase como se ele não pudesse
acreditar no que tinha feito. — Eu me assustei.
— Então você me sufocou até quase desmaiar e me deixou ao lado de uma
pilha de tripas, onde qualquer outro predador poderia ter chegado e
terminado o trabalho que você começou.
Ela não ia tornar isso fácil para ele. Bom para você, Blue.
— Eu vi você se levantar, — diz ele. — Eu me certifiquei de que você
estava bem. Então eu segui você de volta para o seu carro.
Os olhos de Lyla se estreitaram. — Como eu sei que isso é verdade?
— Você dirige um Honda azul marinho.
— Ah, — ela murmurou.
Então Cormac a machucou, então a seguiu para se certificar de que ela
estava bem. Isso foi alguma coisa, eu acho. Eu, com certeza não iria
agradecê-lo, mas talvez eu não devesse ter batido nele com tanta força.
Não. Ele merecia levar um soco de novo pelo que tinha feito.
Por todos nós.
Lyla soltou um longo suspiro e ficou quieta. Aparentemente, ela terminou
de falar sobre o rio. Hora de passar para uma discussão diferente.
— Devemos esperar por Vera? — Eu empurrei meu queixo para a porta.
Cormac caminhou até seu colchonete e sentou-se, apoiando os cotovelos
nos joelhos. — Ela não vai falar sobre isso. Quatro anos e ainda não sei
tudo o que aconteceu naquela noite.
— O que? — Quatro anos e ela não tinha falado sobre isso. — Por que?
— Eu costumava perguntar. Eu implorava para ela me contar. Ela
simplesmente parava de falar completamente. Depois de um tempo, decidi
que realmente não importava. Hadley e Elsie se foram. — Sua voz falhou.
— Eu não ia arriscar perder Vera também.
Então ele não sabia o que tinha acontecido? Que porra estava acontecendo?
E a Norah? As evidências eram indiscutíveis. Ele a matou, certo? Por que
Vera era a única que sabia o que havia acontecido?
— Você pode querer se sentar. — Cormac gesticulou para o chão de terra
batida. — Vera não vai voltar para dentro até terminarmos de conversar.
Serei rápido porque não quero que ela fique sozinha no escuro por muito
tempo. Mas muita coisa aconteceu. Muita coisa que eu nunca te contei.
Sem merda. Guardei esse comentário para mim e me sentei no chão. Este
provavelmente seria o local onde dormiríamos esta noite. Eu pegaria o chão
e deixaria Lyla dormir no meu peito. De jeito nenhum eu arriscaria levá-la
montanha abaixo, não em uma subida tão íngreme após o anoitecer.
Lyla reivindicou o espaço ao meu lado, seu corpo dobrado perto. Então
esperamos, ambos observando enquanto Cormac olhava para a porta, como
se quisesse estar em qualquer lugar menos nesta cabana.
— A melhor maneira de fazer isso é começar do começo. Bem no começo,
— disse. — Já contei que Norah e eu nos conhecemos em um bar?
— Sim. — Uma vez. — Você estava lá com amigos. Ela estava sozinha.
Você deu uma olhada nela e abandonou sua turma. Então você pediu em
casamento no dia seguinte.
Ele bufou. — Não exatamente como aconteceu. Essa foi a história que ela
inventou para as meninas. A verdade é que eu estava lá com amigos. Ela
estava sozinha. Fui ao banheiro masculino e a encontrei desmaiada em uma
cabine com uma agulha de heroína enfiada no braço.
Eu me encolhi tão violentamente que Lyla engasgou. — Que porra é essa?
— Eu não propus no dia seguinte, — disse Cormac, arrastando a palma da
mão sobre sua bochecha com barba por fazer. Ele tinha mais cabelos
grisalhos agora do que anos atrás. Os fios brancos se misturavam com os
ruivos. — Fui visitá-la no hospital para onde a levei do bar. Dia depois
disso, voltei novamente. Eu disse a ela que assim que ela saísse da
reabilitação para me ligar. Eu disse que compraria para ela um milk-shake
de biscoitos e creme do meu restaurante favorito.
Sua voz era plana. Morta. Nada parecido com a maneira como ele
costumava falar sobre sua esposa.
O amor de sua vida.
Este homem amara Norah com cada fibra de seu ser. Como ele poderia falar
sobre ela sem um pingo de emoção?
— Ela ficou limpa. E quando ela saiu da reabilitação, ela me encontrou.
Comprei aquele milk-shake para ela. — Sua mandíbula se apertou como se
ele estivesse segurando uma maldição.
— Fomos devagar, — disse ele. — Ou planejamos ir devagar. Até que
engravidamos da Vera. Isso mudou tudo. Norah e eu nos casamos. Ela ficou
em casa com o bebê enquanto eu trabalhava. E por um tempo, tudo foi
perfeito. Perfeito demais, eu acho. Quando Vera tinha cerca de nove meses,
voltei para casa e encontrei Norah desmaiada e bêbada na banheira. Vera
estava no berço, fralda suja, gritando. Morrendo de fome. Porque sua mãe
decidiu que, em vez de tomar um café da manhã normal ela engoliu um litro
de vodca.
Isso era uma piada. Isso tinha que ser uma piada, certo? Uma mentira? Só
que eu conhecia Cormac. Mesmo depois de quatro anos o odiando, eu sabia
que essa era a verdade. — Você nunca me contou nada disso.
— Ninguém realmente sabia. Tudo aconteceu quando morávamos no
Alasca. Norah prometeu que nunca mais aconteceria. Ela disse que era
depressão pós-parto. Isso e os longos e escuros invernos. Então nós a
colocamos em alguns medicamentos. Comecei a procurar empregos nos
quarenta e oito estados mais baixos. Desembarquei em Idaho.
Cormac era dez anos mais velho que eu, e sempre o admirei como um
irmão. Claramente, um irmão que eu não sabia a porra toda. Era como se
ele tivesse toda essa outra vida que nunca havia compartilhado.
— Norah ficou melhor depois que nos mudamos. Estações normais, sol,
ajudaram. Estar longe da família ajudou. Eles eram tão tóxicos quanto
aquelas drogas nas quais ela estava viciada quando eu a encontrei. Mas há
uma razão pela qual esperei muito para ter mais filhos. Eu precisava ter
certeza de que Norah era sólida. Estável.
Norah tinha sido sólida. Ela estava estável. Ela amava suas filhas. Ela as
adorava como o resto de nós. O máximo que eu já a vi beber foram alguns
copos de vinho tinto com um jantar ocasional. Talvez uma cerveja se
estivéssemos todos no barco no calor do verão.
Ela tinha sido uma boa mãe. Ela sempre se certificou de que as meninas
escovassem os dentes e fizessem o dever de casa. Ela trançou seus cabelos e
os fez comer pelo menos duas mordidas de vegetais antes que eles
pudessem comer.
Meu mundo estava virando de cabeça para baixo novamente, como se eu
estivesse vivendo em uma ampulheta e não conseguisse descobrir para que
lado a areia estava fluindo. Quem era o cara mau aqui?
Cormac? Norah?
Tudo que eu pensei, tudo que eu acreditei, era besteira. Eu estava vivendo
em um mundo de fumaça e espelhos.
Essas pessoas que eu amava haviam omitido muito da verdade. Eu não
tinha certeza do que pensar. Eu não podia confiar neles. Eu não podia
confiar em minhas próprias memórias.
A mão de Lyla escorregou para a minha.
Um toque. Os pensamentos vertiginosos pararam. A frustração diminuiu.
Eu olhei para aqueles olhos azuis deslumbrantes e a encontrei firme.
Lyla segurou minha mão e eu segurei a dela. E ouvimos Cormac continuar a
repintar o passado com cores feias.
— Eu a observei como um falcão depois que as gêmeas nasceram. Eu
raramente a deixava sozinha. Se eu estivesse trabalhando, teria amigos
aparecendo aleatoriamente. Eu ligaria constantemente. Ela estava... ótima.
Feliz. Nós éramos ótimas. Nós éramos felizes. — Cormac lançou uma mão.
— Inferno, por que estou te contando isso? Você estava lá.
— Sim. — Eu estive lá. Eu testemunhei essa grande felicidade.
Até que tudo pegou fogo.
— Quando meus pais morreram, usei minha herança para comprar a casa no
lago. Comprei o barco porque queria ensinar as meninas a praticar esqui
aquático. Ela começou a fazer álbuns de recortes porque estava preocupada
que não nos lembrássemos de como as meninas eram quando eram
pequenas. Tudo estava bom. — Cormac fechou os olhos. — Aquela vadia
me fez acreditar que tudo estava bem.
Eu estremeci. Nunca, nem uma vez, eu tinha ouvido Cormac chamar Norah
de vadia. Mesmo que eles estivessem em uma briga, ele nunca mancharia o
nome dela.
— As meninas estavam ocupadas, — disse ele. — Eu estava ocupado.
Tínhamos uma atividade todas as noites. Basquetebol. Softball. Natação.
Hadley queria ter aulas de atuação. Elsie decidiu que queria escrever um
livro. — Os olhos de Cormac se encheram de lágrimas e ele fungou,
enxugando uma lágrima. — Ainda dói... dizer seus nomes.
E era por isso que eu raramente as falava.
Ele levou um minuto, respirando através da dor. Lá estava sentado um pai
com saudades de duas lindas filhas. Luto por duas lindas filhas.
Não um assassino.
Ele não as matou.
Eu acreditei que sim, por quatro anos. Talvez. Ou talvez, no fundo, a razão
pela qual eu estava tão determinado a encontrá-lo era porque eu sabia em
minha alma que ele não teria matado as meninas.
Ele respirou fundo, se recompondo.
— Um amigo de Norah do ensino médio veio nos visitar em Idaho. Eu
nunca conheci o cara. Ele estava em sua vida antes de eu conhecê-la.
Sinceramente, não pensei muito nisso. Eles se encontraram uma vez para
almoçar, depois ele foi embora. Acho que bastou aquele almoço.
— Bastou para quê?
— Bastou para ela espiralar.
De jeito nenhum. Nós teríamos visto.
Cormac encontrou meu olhar, aqueles olhos tristes perfurando os meus. —
Você está pensando que deveríamos ter notado, certo? Se ela estava
bebendo ou usando, deveríamos ter visto os sinais?
— Nós deveríamos.
— Eu deveria. — Ele deu um tapa no peito com tanta força que fez Lyla
pular. — Eu deveria ter visto. E eu não tinha a porra de uma pista. Não até
eu voltar para casa naquela noite. Não até que eu a encontrasse bêbada.
Alta. Sozinha.
Cormac enterrou o rosto nas mãos, como se ele se isolasse fisicamente do
mundo, pudesse fazê-lo desaparecer, pudesse parar de falar sobre aquela
noite.
O aperto de Lyla em minha mão aumentou quando ela olhou para a porta,
como se pudesse ver Vera através dos galhos.
Vera estava lá com Norah naquela noite. Com Hadley e Elsie. E o que quer
que tenha acontecido provavelmente a marcou para o resto da vida.
Cormac abaixou a cabeça, as lágrimas incontroláveis enquanto pingavam na
terra. — Eu beijei as meninas naquela manhã antes de entrarem no ônibus,
mas não disse a elas que as amava. Deveria ter dito a elas que as amava.
Mas eu estava com pressa, então apenas beijei suas cabeças e os arrastei
porta afora. Depois fui trabalhar.
Comigo.
Ele veio trabalhar comigo.
— Dia normal. — Ele fungou. — Aquela tempestade havia rolado, mas fora
isso, apenas um dia normal.
— Sim. — Tinha sido um dia normal. O último dia normal.
— Eu tive aquela reunião na escola depois do trabalho, lembra? Todos os
treinadores voluntários tiveram que entrar e fazer seu treinamento de
concussão. Foi uma noite de folga pela primeira vez. As meninas não
tinham nada. Mandei uma mensagem para Norah dizendo que traria uma
pizza para o jantar depois da reunião.
Havia uma pizza na casa deles — a cena do crime. Metade pepperoni,
metade vegetariana.
Estava na mesinha de centro da sala, não na cozinha. A caixa estava
fechada, a comida intocada. Como se ele tivesse se distraído, então a pizza
foi deixada de lado.
— Ela estava louca. — Cormac baixou a voz, ou porque era difícil de falar
ou porque temia que Vera estivesse ao alcance da voz. — Ela ficava
resmungando sobre aulas de natação. Como as meninas precisavam de mais
aulas de natação. Como eles não poderiam sair no barco novamente até que
tivessem mais prática de natação.
Que porra? As meninas eram ótimas nadadoras, principalmente Vera. Ela
estava na equipe de natação da escola. Não havia muitos fins de semana de
verão em que Cormac e eu não levávamos as meninas para boia ou esqui
aquático.
— Eu me assustei, — disse ele.
Foi a mesma coisa que ele disse a Lyla. Foi por isso que ele a sufocou no
rio? Porque isso o lembrava muito de Norah? Talvez ele estivesse pensando
em sua esposa naquele momento. Talvez ele estivesse pensando nas filhas e,
quando Lyla o surpreendeu, ele explodiu.
— Fiquei perguntando a Norah sobre o que ela estava falando, — disse ele.
— Cheguei perto o suficiente e senti o cheiro da bebida. Vi como seus olhos
estavam vidrados. Ela nem me reconheceu. Ela pensou que eu era um salva-
vidas. Ela me perguntou se eu poderia ir buscar suas filhas na piscina
porque era hora do jantar.
Eles não tinham piscina.
Apenas o lago.
— Eu fui para fora. Eu gritei, gritei e gritei pelas meninas. O barco havia
sido levado para a margem, não amarrado ao cais. As ondas, elas eram... —
Um soluço escapou de sua boca. — Minhas filhas eram boas nadadoras.
Mas não tão boas. Não nesse tipo de tempestade.
A cabana ficou quieta por alguns longos minutos. O único som veio de
Cormac enquanto ele chorava e enxugava as lágrimas.
— Voltei para dentro e dei um tapa nela. Eu bati nela com tanta força,
Vance. Só para ela sair dessa. Contar o que aconteceu.
A autópsia mostrou um ferimento em sua bochecha. A causa da morte,
estrangulamento. Havia álcool em sua corrente sanguínea, mas todos nós
assumimos que ela tinha bebido muitos copos de vinho da garrafa aberta na
cozinha. Não havia nenhuma nota de drogas. Embora dependendo do que
ela estava tomando, algumas substâncias como o LSD metabolizavam
rapidamente. Ainda assim, o legista teria sequer pensado em testar
narcóticos?
Cidade pequena. Família conhecida. Incidente trágico. Nem uma única
pessoa, inclusive eu, pensou em investigar Norah.
Não quando Cormac correu e cimentou sua culpa em nossas mentes.
— Ela disse que as levou para aulas de natação. — Cormac olhou para a
porta.
Meu olhar rastreou o dele.
Lá fora estava a única pessoa que sabia o que havia acontecido naquele
barco.
— Eu a matei.
Eu me virei para encará-lo. Não havia remorso em sua voz. Apenas fato.
— Ela as afogou. Ela afogou minhas filhas. — Seus olhos brilharam por
trás de mais lágrimas. — Então eu a matei.
Foi por isso que ele fugiu. Todas as evidências que apontavam para ele
eram verdadeiras. Ele matou Norah.
Essa maldita cadela.
Quatro anos, eu culpei Cormac por suas mortes. Acho que conseguiria os
próximos quarenta para odiar Norah por isso.
Lyla limpou a própria bochecha, pegando algumas lágrimas pelas crianças
que ela nunca conheceu. Eu a amava por isso também. Ela se inclinou mais
para o meu lado, um abraço silencioso, então segurou minha mão com força
enquanto esperávamos que Cormac secasse o rosto.
— Desculpe. — Ele balançou a cabeça, sentando-se mais alto. — Nunca
falei sobre isso.
— Não com Vera? — Perguntei.
— Não. Nós não... é mais fácil.
Mais fácil se eles não mencionassem aquela noite. Mais fácil se eles não
falassem os nomes de Hadley ou Elsie.
— Eu mandei cremar as meninas, — eu soltei.
O testamento de Norah e Cormac exigia que fossem enterrados em terrenos
que haviam comprado em um cemitério. Mas não houve nenhum desejo
específico para as meninas. Os pais não planejaram a morte de seus filhos.
Não havia dois espaços abertos ao lado de Norah no cemitério, apenas um
para Cormac. E eu não queria separar as gêmeas.
Uma bênção agora que eu sabia a verdade. Então eu as tinha cremado.
— Lembra daquela trilha que encontramos há muito tempo, aquela que
levava àquela campina com todas as flores silvestres?
Cormac assentiu.
— Levei as cinzas delas para lá. — Tinha sido o dia mais difícil da minha
vida.
Ele colocou a mão sobre o coração, como se estivesse tentando impedi-lo
de quebrar. — Eu sabia que você cuidaria delas.
Enquanto ele cuidava de Vera.
— Como você encontrou Vera? — Perguntei.
— Depois de Norah, peguei o barco. Eu não tinha a menor ideia de onde
procurar. Estava escuro. Chuva torrencial. Ondas batendo no casco. Fiquei
fora até ter certeza de que me afogaria com elas. Só voltei para a praia
porque precisava de mais gasolina. Então lá estava ela, deitada no cais.
Encharcada. Dormente. Ela conseguiu voltar. As irmãs dela não.
Lyla se apoiou em meu braço, abafando o som de seu próprio choro na
manga do meu casaco.
Oh Deus. Minha garganta fechou. Meu nariz queimou. Meus próprios olhos
ficaram borrados com lágrimas, uma delas caindo em cascata pelo meu
rosto.
A que horror Vera sobrevivera? Quão assustadas as gêmeas estavam antes
de serem puxadas para baixo?
Apertei a ponta do nariz, respirando pela boca enquanto meu coração se
partia pelo que parecia ser a milésima vez.
Hadley e Elsie se foram. Mortas pela mãe, não pelo pai. E maldita seja, eu
senti falta deles.
Não era justo. Não era fodidamente justo.
— Sinto muito, — eu sussurrei.
— Eu também.
— Por que você fugiu?
Cormac encolheu os ombros. — Era fugir ou ir para a prisão. Eu não estava
deixando Vera, não depois disso.
Então ele encontrou uma maneira de eles ficarem juntos.
— Vera disse que você está deixando Montana, — disse Lyla.
Cormac assentiu. — Não podemos ficar. Se Vance me encontrou, é apenas
uma questão de tempo até que alguém se depare com a gente. Estamos aqui
há muito tempo de qualquer maneira.
Meu estômago deu um nó com a ideia de ele levá-la embora. De
desaparecer novamente.
— Onde você irá?
— O objetivo sempre foi chegar ao Canadá, mas alguns anos atrás,
estávamos passando por essa região e a Vera ficou doente. Encontrei este
lugar. Ela não queria ir embora.
— Ainda não quero ir embora. — Vera empurrou a porta, os braços
cruzados sobre o peito.
Há quanto tempo ela estava ouvindo?
— Não está em discussão. — Cormac se levantou, seu cabelo quase
roçando o teto do abrigo. Ele fez esta casa alta o suficiente para que ele
pudesse andar sem bater com a cabeça.
— Eu não vou desta vez, — diz ela. — De novo não.
— E o que você vai fazer? Viver aqui? Sozinha?
Vera suspirou, deixando cair o queixo. — Você poderia ficar.
Ele atravessou o espaço, puxando-a em seus braços. — Você sabe por que
eu não posso.
Não, ele não podia ficar. E esta não era uma vida para uma jovem de 21
anos. Ela merecia mais.
Ela merecia o mundo.
— Ela pode vir comigo. — Eu me levantei, ajudando Lyla a ficar de pé.
Talvez Cormac não pudesse ficar. Talvez ele estivesse bem vivendo uma
vida fora da grade. Mas isso não era uma vida para Vera.
— O que? — Cormac girou, um brilho em seu rosto.
— Você realmente quer que esta seja a vida dela? — Eu circulei um dedo
no ar.
Seu olhar brilhou e foi para o teto que ele colocou sobre suas cabeças.
Então desapareceu, mais rápido do que eu poderia piscar. Ele
provavelmente já tinha pensado nisso. Ele provavelmente olhou para o
futuro e sabia que algo acabaria por acontecer.
Esta não era a vida que ele queria para sua filha.
Ele a encarou, dando-lhe um sorriso triste. Mas quando ele falou, sua voz
era firme. Absoluta. — Você vai com Vance.
Talvez ele esperasse que Vera discutisse.
Mas ela sussurrou: — Tudo bem.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

LYLA
Desde o momento em que acordamos no abrigo esta manhã, eu estava
pronta para deixar esta montanha.
Mas para Vera, a manhã chegou cedo demais.
— Talvez eu devesse ficar. — Vera começou a tirar a mochila amarrada em
seus ombros, mas as mãos de Cormac pousaram sobre as dela, parando-a
antes que ela pudesse tirá-la.
— Não, amor. Você precisa ir com Vance.
— Mas, pai...
— Você estava certa. — Ele se inclinou para beijar sua testa. — Não
podemos fazer isso para sempre. Você não pode viver assim.
— E você? — Seus olhos nadavam com lágrimas não derramadas. — Você
ficará?
Ele segurou sua bochecha, dando-lhe um sorriso triste. Mas ele não
respondeu.
A confiança de Vera nessa decisão havia vacilado desde a noite anterior.
Cormac tinha cimentado.
Era madrugada. Os picos das montanhas cobertas de neve bem acima de
nossas cabeças estavam tingidos de amarelo-canário. Mal havia luz
suficiente para ver a floresta escura pela qual teríamos que caminhar até a
caminhonete de Vance.
Com alguma sorte, voltaríamos a tempo de eu ligar para meus irmãos e
dizer que não nos juntaríamos a eles na busca de hoje, para que não se
preocupassem.
Em vez disso, assim que deixássemos essas montanhas, iríamos
imediatamente para minha casa para esconder Vera e fazer um plano. E,
com sorte, descansar um pouco. Minha cabeça estava confusa, a falta de
sono fazendo meus membros doloridos e cansados parecerem lentos.
Ninguém havia dormido bem naquela cabana apertada. Cormac se ofereceu
para dormir na terra enquanto Vera pegava seu colchonete - eu não queria
dormir na cama dele. Vance deve ter sentido isso, então ele pediu a Vera
para pegá-lo. Então nós dormimos enrolados no dela.
Ele me segurou a noite toda, seu coração pressionado contra minha espinha,
nossas roupas e um cobertor fino para nos manter aquecidos. Isso e o
pequeno fogo que Cormac havia alimentado durante a noite. O sono
chegara em minutos, em vez de horas. Todos naquele abrigo estavam
ansiosos demais para realmente desligar.
Todos nós temíamos o que esta manhã traria.
Mágoa.
Mudança irrevogável.
Um adeus angustiante.
Vance estava ao meu lado, com a mão nas minhas costas. Ele estava pronto
para o caso de eu cambalear.
Doía ver Vera e Cormac juntos, essas duas pessoas que contavam apenas
um com o outro nos últimos quatro anos. Eles compartilharam a dor. Eles
compartilharam essa tragédia impensável.
A história de Cormac se repetiu em minha mente ontem à noite. A imagem
vívida que ele pintou de Norah. Daquela noite.
Eu provavelmente a teria estrangulado também.
Minha mão levantou para minha garganta. Os hematomas e a sensibilidade
haviam desaparecido. Eu estava totalmente curada, por dentro e por fora.
Tudo o que restou foi meu ódio por Cormac. Exceto que era diferente esta
manhã. Suave e frágil.
Eu gostaria de Cormac Gallagher? Não. Eu sempre guardaria um pouco de
raiva, talvez um pouco de medo, quando imaginava seu rosto e a cicatriz
que interrompia sua bochecha.
Mas eu não o odiaria. Pena, sim. Mas não ódio.
— Dê-me um abraço, — disse ele a Vera, puxando-a para o peito.
Ela começou a chorar, seu corpo tremendo contra o dele. — Amo você,
papai.
— E eu te amo, Vera. — Ele beijou seu cabelo, engolindo em seco. Ele
estava segurando as lágrimas, mas apenas mal. — Nunca esqueça o quanto
eu te amo.
— Vou ver você de novo?
— Claro.
Parecia uma mentira.
Vance baixou o queixo, sua mandíbula apertada enquanto ele trabalhava
para manter suas próprias emoções sob controle.
Não havia como saber se Cormac veria sua filha novamente. Outro homem
poderia ter recusado a oferta de Vance. Poderia ter insistido em manter Vera
por perto.
Talvez por ter um pai tão bom, eu pudesse apreciar Cormac como pai.
Respeitar seu sacrifício por sua filha.
— OK. — Cormac a beijou novamente, então a soltou. — Vamos.
Vera deu uma olhada longa e duradoura no abrigo que havia sido seu lar nos
últimos dois anos. Lágrimas escorriam de seus olhos castanhos. Mas ela não
moveu os pés. Em vez disso, como se não pudesse dar o primeiro passo, ela
estendeu a mão.
Cormac pegou.
Ele pegou a mão dela porque a tinha segurado por toda a vida. Ele foi o
homem que o segurou em seu primeiro passo. Agora ele estava tomando
novamente, possivelmente pela última vez, para ajudá-la a caminhar para
uma vida melhor.
Meu coração. Afastei-me deles, escondendo minhas lágrimas.
Vance também se virou, o maxilar estalando. Seus olhos doíam. Mas havia
uma certeza em seu olhar também. Em seu coração, ele sabia que esta era a
escolha certa para Vera. Então escolhi confiar nele, dar-lhe essa fé.
Com um aceno de cabeça, ele começou a se afastar do abrigo. De alguma
forma, ele sabia exatamente o caminho certo para dominar o terreno
rochoso, embora só o tivéssemos atravessado uma vez.
Caminhamos os quatro em silêncio, uma fila de corações solenes, até
chegarmos à face da rocha que teríamos que descer para depois caminhar
pela floresta.
Vance foi primeiro, depois ficou no fundo, os braços estendidos para me
segurar enquanto eu pulava.
— Obrigado, — eu disse a ele, sem fôlego. Como é que caminhar ladeira
abaixo era quase mais difícil do que subir?
— Você está bem? — ele perguntou, a voz baixa.
Não. — Você está?
Ele segurou meu rosto, seu polegar acariciando minha bochecha. — Não.
Talvez hoje não fosse nosso adeus, mas estava chegando. Afastei esse
pensamento e observei enquanto Vera escalava a rocha com facilidade
praticada.
Ela chegou ao fundo e olhou para Cormac, provavelmente esperando que
ele descesse em seguida.
Mas no topo da rocha, onde ele estivera apenas um momento atrás, não
havia nada.
Cormac se foi.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

LYLA
Nove horas. Isso era tudo que Vance e eu tínhamos. Nove horas.
Não foi o suficiente.
Nunca na minha vida dois dias passaram tão rápido. Fiquei desejando que o
tempo diminuísse, mas desde o momento em que descemos aquela
montanha com uma chorosa Vera, os segundos, minutos e horas
evaporaram.
Segunda-feira foi quando Vance e eu acordamos com aquele alarme sonoro
da câmera camuflada. Agora era quinta-feira. Como já era quinta-feira?
Eles partiriam amanhã. Sexta-feira.
Em apenas nove horas.
Enquanto eu estava na pia da cozinha, lavando os pratos do jantar, eu me
recusei a olhar para a janela na minha frente. Recusei-me a reconhecer que
o sol já havia se posto. Essa sexta-feira estava quase chegando. Mas mesmo
na minha periferia, eu podia ver o azul escuro rastejar em meu quintal. Pude
ver o brilho daquelas primeiras estrelas corajosas.
Eu realmente precisava de uma cortina para cobrir aquela maldita janela.
Vance entrou na cozinha, os pés descalços pesados contra a madeira. Ele
colocou o telefone no balcão, encostado nele e cruzando os braços. — O
capitão e eu vamos nos encontrar na segunda-feira de manhã.
— Bom. — Isso era bom, certo? Este era o plano. Mas meu coração estava
em queda livre, afundando cada vez mais rápido. — Você contou a ele
sobre Vera?
— Não. Vou guardar isso para segunda-feira. Ele acha que eu quero falar
sobre o tiroteio. Provavelmente esperando que eu desista.
Ele desistiria?
Se o trabalho de Vance não o mantivesse em Idaho, ele voltaria? Eu estava
com medo de perguntar. Aterrorizada ao saber que eu não era o suficiente
para ele desistir da sua vida. Então eu não perguntei.
— Como você acha que ela está? — Vance perguntou, olhando para o teto.
No andar de cima ficava o quarto de hóspedes. Vera pediu licença depois do
jantar para tomar um banho quente. Ela vivia dizendo que era porque sentia
falta de água corrente quente. Sério, acho que ela entrou lá para não
ouvirmos o seu choro.
Nas últimas duas manhãs, acordei me perguntando se encontraria o quarto
de hóspedes vazio. Se Vera decidisse que se tornar parte da sociedade era
superestimado e partisse para rastrear Cormac. Se alguém pudesse
encontrá-lo novamente, seria ela.
No entanto, apesar dos meus medos, todos os dias ela descia as escadas
arrastando os pés, meio adormecida, com os olhos inchados e vermelhos
das lágrimas que chorara no travesseiro, e dizia bom-dia.
— Ela ainda está aqui. Isso é um bom sinal. — Sequei minhas mãos em um
pano de prato, depois me aproximei dele, pressionando meu nariz em seu
peito e sentindo aquele cheiro de Vance.
Eles iriam embora logo. Mas esta noite, ambos estavam aqui.
Meu telefone tocou no balcão, então Vance se esticou para pegá-lo e
entregá-lo.
— Ei, — eu respondi.
— Como você está se sentindo? — Mateo perguntou.
— Em recuperação.
A mentira tinha um gosto amargo na minha língua, mas manter o segredo
de Vera era fundamental. Então eu menti para minha família e disse a eles
que fiquei doente depois daquela caminhada com o xerife Zalinski. Minha
doença repentina foi a razão pela qual não nos encontramos no Griff na
manhã seguinte. E era a razão pela qual eu não ia trabalhar há dias.
A culpa por sobrecarregar meus pais e irmãos com a cafeteria rastejou sob
minha pele. Mas eu aguentei, sabendo que seria de curta duração. Amanhã
de manhã, eu me despediria de Vance e Vera e voltaria ao trabalho. Voltar
para a minha vida.
Eden Coffee seria mais uma vez meu santuário.
— Volto amanhã, — disse a Mateo. — Como foi hoje?
— Crystal tentou me ensinar a usar a máquina de café expresso.
Eu fiz uma careta. — Por favor, me diga que não está quebrada.
— Não está quebrada. — Ele riu. — Mas nunca mais posso tocá-la.
Mamãe havia passado suas habilidades culinárias para Knox e para mim.
Talia não era indefesa na cozinha, mas cozinhar não era seu passatempo
preferido. Mateo e Eloise, bem... eles estavam desamparados.
— Obrigado por estar aí Matty, — eu digo a ele.
— Sem problemas. Foi tranquilo. Crystal fez a maior parte do trabalho.
Fiz uma anotação mental para mandar uma mensagem de agradecimento
para ela. Sem ela, sem todos eles, eu não teria tido esse tempo extra com
Vance.
— Griff precisa de ajuda amanhã no rancho, — ele diz. — Mas posso ir à
cidade se precisar de mais um dia.
Mateo era piloto e havia passado o ano anterior no Alasca, pilotando aviões
para entregar suprimentos em áreas remotas do estado. Mamãe estava
convencida de que Matty nunca voltaria para casa, considerando o quão
difícil ele estava visitando. Nesta primavera, ele voltou para Quincy para o
que eu presumi que fossem férias, exceto que ele não havia partido. Todos
nós ficamos tão felizes por ele ter se mudado para casa que nenhum de nós
questionou o porquê.
E ele não ofereceu muita explicação.
Desde que ele voltou, Mateo ajudou em todos os lugares, incluindo o café.
Onde quer que ele fosse necessário, ele vinha. Como todos nós, ele passou a
adolescência trabalhando no rancho e no hotel.
Achei que esse arranjo duraria um ou dois meses. Que ele ficaria inquieto e
voltaria para o Alasca. Talvez ele começasse a voar por Montana. Mas, até
onde eu sabia, ele não havia passado muito tempo em seu avião.
E como uma irmã mais velha chata, eu não tinha pressionado.
Mais tarde, depois que Vance fosse embora, eu encontraria o momento certo
para pressionar. Só não essa noite.
Além disso, Mateo não parecia pronto para compartilhar. Mas eu não queria
que o que quer que ele estivesse sentindo apodrecesse, não do jeito que os
segredos de Cormac e Vera pioraram depois de muitos anos sendo mantidos
dentro de casa.
Não muito tempo atrás, tudo que eu queria era tempo. Tempo para pensar.
Tempo para sentir. Tempo para lamentar. Talvez Mateo só precisasse de
mais tempo. Então, por enquanto, ele tinha um indulto.
— Não, você não precisa vir amanhã. Tenho certeza de que ficarei bem. —
Outra mentira. Amanhã, eu definitivamente não estaria bem. — Obrigado
novamente.
— Tudo certo? — Vance perguntou enquanto eu encerrava a ligação e
colocava meu telefone de lado.
— Sim. Tenho sorte de tê-los.
Ele descansou sua bochecha no topo da minha cabeça. — Eu vou entender
se você quiser dizer a eles a verdade.
— Não. — Este era um segredo que eu guardaria de todos até o fim dos
meus dias.
Por Vera. Por Vance.
Nos últimos dois dias, Vance raramente saía do lado dela. Ele sempre esteve
por perto, pronto para abraçá-la quando novas lágrimas apareciam. Se havia
alguém para ajudá-la nessa fase difícil, era seu tio Vance.
Ele a guiaria de volta à vida. Ele carregaria os segredos. Ele contaria as
mentiras.
Passamos dois dias formulando um plano para Vera se tornar uma morta-
viva sem enviar o FBI perseguindo as montanhas de Montana em busca de
seu pai.
Vance ia deixar Montana de repente. Eu diria a todos aqui que ele recebeu
um telefonema sobre a investigação do tiroteio em Idaho. Mesmo Winn não
saberia a verdade.
Seria melhor se o mundo acreditasse que Vera nunca havia posto os pés em
Quincy, Montana.
Vance a levaria para Idaho amanhã e eles passariam o fim de semana
instalando-a em sua casa. Por sorte, ela era quase do meu tamanho, então
dei algumas roupas para ela. As que ela usava há anos estavam no fundo da
minha lata de lixo.
Na segunda-feira, Vance se encontraria com seu capitão na estação. Ele
pode até levar Vera junto.
A história deles seria o mais próximo possível da verdade.
Esperançosamente, isso garantiria que fosse crível. E que, se fosse
pressionada a fornecer detalhes, Vera não teria dificuldade em responder às
perguntas. A verdade. Apenas não toda a verdade.
Cormac havia levado Vera naquela noite, quatro anos atrás. Verdade.
Ele havia matado Norah. Verdade.
Ele a manteve no deserto remoto desde então. Verdade.
Eles deixariam de fora a história de Norah. Nesse ponto, seria muito difícil
convencer o mundo de que Cormac era inocente. Além disso, ninguém
sabia de seu paradeiro atual, inclusive Vera.
Para o mundo, Norah permaneceria inocente. Cormac continuaria sendo o
vilão.
Ele sempre foi o vilão, certo?
Não caia bem. Não mais.
Quanto ao que aconteceu com suas irmãs, bem... Vera não havia contado a
Cormac. Ela não tinha contado a Vance. Cada vez que o assunto era
abordado, ela saía da sala. De jeito nenhum ela contaria à polícia. Não havia
dúvida em minha mente.
Essa história era dela e só dela. Talvez ela compartilhasse algum dia.
Suspeitei que quem ganhasse aquela confissão provavelmente ganharia seu
coração partido também. Mas, por enquanto, estava trancado.
— Você acha que isso funcionará? — perguntei a Vance.
— Não sei. — Ele suspirou. — Espero que sim.
— Você acha que o FBI virá aqui e procurará por Cormac?
— É duvidoso, considerando que eles não vieram quando Winn ligou
semanas atrás. Mas há uma chance de que eles o visitem depois que Vera
reaparecer. Eles podem fazer as rondas para todos os lugares que ela disser
que eles estiveram e investigar. Mas se fizermos um bom trabalho em
vender a mentira, eles vão se concentrar em Idaho.
Onde ela alegaria ter se separado de seu pai.
— Você acha que eles vão encontrá-lo?
Vance zombou. — Sem chance.
Vera contaria às autoridades cada um dos estados para onde ela e Cormac
viajaram nos últimos quatro anos. Ela diria a eles onde Cormac poderia ir.
Ela também diria a eles por que ela ficou com ele. Ela compartilharia mais
verdades.
Ela admitiria que queria ir com o pai. Que ela ficou com ele, nunca
tentando escapar ou fugir. Mas depois de quatro anos, ela não queria mais
viver aquela vida. Então ela finalmente se libertou.
Quando chegasse aos detalhes que precisavam ser contados, Vance seria o
único a entregar as maiores mentiras.
Que coincidência ele estar em Montana, tentando localizar o pai dela.
Enquanto isso, ela estava indo até a porta dele em Idaho. Parecia mais fácil
inventar uma coincidência do que admitir que Vance havia encontrado
Cormac e Vera, e depois soltou Cormac.
Seu capitão, as autoridades, acreditariam nessa história?
Deus, eu esperava que sim.
— Nove horas, — Vance murmurou.
— Achei que era o único que estava contando. — Eu me inclinei para trás,
ficando na ponta dos pés enquanto ele se inclinava para tomar minha boca.
Sua língua varreu meu lábio inferior, mas antes que pudéssemos aprofundar
o beijo, passos descendo as escadas nos separaram.
Vera entrou na cozinha com os cabelos úmidos e os olhos tristes. — Acho
que vou para a cama. Vejo você de manhã?
— Provavelmente não. — Amanhã, eu estava indo para a loja às quatro
para colocar a confeitaria em dia antes de abrirmos. Vance e Vera
planejavam deixar Quincy por volta das seis.
Seu queixo tremeu. — Obrigado por tudo, Lyla.
— De nada. — Aproximei-me e puxei-a para um abraço, depois sussurrei
em seu ouvido: — Cuide dele.
Ela assentiu. — Eu vou.
— Cuide-se também.
Vera assentiu, me abraçando com tanta força que me pegou de surpresa. Era
quase como se ela não percebesse sua própria força. Mas caramba, ela era
corajosa. Alguns podem pensar que viver fora da rede, escondido nas
montanhas de Montana, seria uma vida difícil. Acho que o que ela estava
fazendo agora era o verdadeiro desafio.
Ela poderia fazer isso. Vance não a deixaria cair.
Eu a deixei ir e engoli o nó na minha garganta. — Boa noite.
Adeus. Eu a veria novamente?
— Boa noite, garota. — Vance tomou meu lugar, dando-lhe um abraço.
— Noite. — Ela cedeu contra ele por um longo momento, então com um
aceno, ela recuou escada acima.
Ele esperou até que ela se foi, então me encarou. Em nosso tempo juntos, eu
nunca o tinha visto tão miserável. Eu nunca tinha visto aqueles olhos
tempestuosos tão cheios de arrependimento. — Não sei o que vai acontecer.
Além de planejar o ressurgimento de Vera, não conversamos sobre o que
aconteceria depois de amanhã. Nós não tínhamos falado sobre nós.
Eu não queria falar sobre nós. Eu não queria que ele dissesse que ligaria,
apenas para esquecer se estivesse ocupado. Eu não queria que ele dissesse
que faria uma visita, apenas para isso fracassar.
— Sem promessas. — Eu não queria promessas que ele pudesse quebrar.
— Lyla...
— Por favor. Por favor, não me faça promessas.
Eu o amava. Eu o amava tanto que doía em cada célula do meu ser saber
que ele partiria em breve.
Se ele quebrasse essas promessas, eu ficaria ressentida com ele. Meu amor
se transformaria em ódio.
Eu só queria amá-lo.
Ele baixou a cabeça e assentiu. — Ok, Blue.
— Obrigada.
Vance agarrou minha mão e se virou, puxando-me atrás dele enquanto
caminhava pela casa, apagando as luzes enquanto caminhávamos para o
quarto. — Temos nove horas. Não vamos gastá-los na cozinha.
Foi emocionante. Foi uma miséria. Esta seria nossa última noite, a menos
que...
Não, Lyla. Essa era uma estrada que eu não iria trilhar. Se eu me entregasse
à esperança de que Vance pudesse voltar, toda a minha vida pararia. Eu
esperaria, esperaria e esperaria por este homem.
E nessa espera, eu murcharia, dia após dia. Morrendo um pouco se ele não
voltasse.
Portanto, este tinha que ser o nosso adeus.
Chegamos ao quarto e Vance girou, batendo a boca na minha assim que
cruzamos a soleira.
A dor em meu coração foi deixada de lado por enquanto, pelo movimento
de sua língua contra a costura dos meus lábios.
Eu me abri para ele, absorvendo cada momento daquele beijo. A suavidade
de seus lábios. O gosto de sua língua. O calor de sua boca deliciosa. O
arranhão daquela barba.
Se esta era a última noite, então eu queria que fosse uma noite que nenhum
de nós jamais esqueceria, então dei a ele tudo o que tinha. Minhas palmas
espalmadas no plano de ferro de seu peito, seu coração martelando debaixo
de sua camisa.
Uma de suas mãos se estendeu atrás das minhas costas, fechando a porta.
Então ele se curvou, me colocou debaixo da minha bunda e me carregou
para a cama.
Nós caímos, uma confusão de membros emaranhados e beijos frenéticos
enquanto trabalhávamos para tirar nossas roupas.
O calor irradiava de seu corpo, quente e liquefeito contra minha pele nua.
Eu derreti no colchão quando ele colocou seu peso sobre mim, quase
esmagador e tão poderoso. Deus, eu adorava estar presa debaixo deste
homem.
Sua língua estalou contra a minha, enviando um arrepio na minha espinha.
Então ele se separou, arrastando sua boca molhada ao longo da minha
mandíbula até meu ouvido. — Foda-se, mas eu quero você, Lyla.
— Então me leve, — eu respirei, envolvendo minhas pernas ao redor de
seus quadris.
Ele estendeu a mão entre nós, agarrando seu pau enquanto o arrastava pelo
meu centro encharcado. — Isso não vai ser doce ou lento.
— Sim, — eu sibilei.
— Você vai me sentir por dias.
Dias depois que ele se foi.
Eu arqueei para ele, meus mamilos eretos, duros, zunindo enquanto eles
esfregavam contra o pelo áspero em seu peito.
Ele me encheu com um único impulso.
— Vance. — Seu nome era um gemido enquanto meu corpo se esticava ao
redor dele. Minhas unhas cravaram nos músculos tensos de sua coluna.
Eu também deixaria minha marca.
Inclinando-me, agarrei-me ao seu pulso enquanto beijava e chupava sua
clavícula. Eu o mordi, meus dentes deixando uma mordida suficiente para
que ele gemesse.
— Você quer mais difícil? — Ele forçou seus quadris para frente, enviando
seu pênis impossivelmente profundo.
— Oh, Deus, — eu gemi. — Sim.
— Foda-se, eu sinto você. — Ele puxou apenas para martelar dentro
novamente.
Golpe após golpe, ele não me deu a chance de recuperar o fôlego. Toda vez
que ele nos dirigia juntos, o ar saía de meus pulmões.
Ele rosnou quando uma camada de suor cobriu seu corpo. Então ele se
curvou e pegou minha garganta em sua boca, chupando com tanta força que
eu sabia exatamente o que encontraria quando me olhasse no espelho.
Marcas vermelhas salpicadas ao longo da coluna do meu pescoço.
Pelo resto da minha vida, não veria os hematomas invisíveis de Cormac.
Em vez disso, veria os chupões que Vance me dera.
Eu te amo. Eu não diria essas palavras, mas elas correram em minha mente
enquanto ele me beijava.
Ele foi meticuloso. Ele foi deliberado.
Vance me marcou como dele.
Não que ele precisasse. Eu era dele por semanas.
— Demais. — Meu orgasmo estava correndo em minha direção muito
rápido, muito forte. Isso me deixaria em ruínas. — É muito.
— Não é o suficiente. — Vance não parou. Na verdade, meu gemido apenas
o estimulou a ir mais rápido. A cabeceira estofada bateu contra a parede em
um mudo baque, baque, baque.
Meus dedos dos pés se curvaram. Minhas costas arquearam quando o prazer
inundou minhas veias. E então eu tinha ido embora, despedaçando-me no
esquecimento. Estrelas explodiram atrás das minhas pálpebras enquanto
minha boceta se apertava ao redor do comprimento de Vance.
Ele não parou ou diminuiu a velocidade, não até que ele plantou fundo e
gozou com um rugido na curva do meu pescoço.
O corpo de Vance balançou junto com o meu, seus músculos tensos e
trêmulos. Então ele caiu em cima de mim, me dando todo o seu peso por
alguns momentos enquanto nossas respirações irregulares preenchiam o
quarto. Com um movimento rápido, ele se mexeu para que eu deitasse
desossada em seu peito.
Meu ouvido estava pressionado contra seu coração e fechei os olhos,
memorizando aquele som.
A mão de Vance desceu pela minha espinha. Não foi um movimento
ausente e irracional. Havia muita pressão em seu toque. Ele não desenhou
padrões aleatórios. Ele me tocou com intenção. Memorizando?
Sua outra mão veio para minha garganta, tocando as marcas que eu sabia
que estavam florescendo. — Você ainda tem seus cachecóis?
— Sim. — Um sorriso surgiu em meus lábios.
— Bom.
Ele se apoiou em um cotovelo, olhando para o relógio no meu criado-mudo.
Uma carranca arruinou seu belo rosto. — Oito horas.
Antes que meu coração tivesse a chance de afundar, ele nos rolou
novamente, mais uma vez me prendendo quando suas mãos encontraram as
minhas, apertando-as enquanto ele me dava um beijo terno e doce.
Oito horas.
Nós usamos todas elas. Todo minuto. Todo segundo.
****
Muito cedo, eu estava sentada atrás do volante do meu carro,
lentamente saindo da garagem.
Vance estava parado no concreto, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça
jeans.
Nós não tínhamos nos despedido. Saímos da cama trinta minutos atrás e,
enquanto eu tomava banho, ele começou a arrumar as roupas na mala.
Então ele me acompanhou até a garagem, me beijando antes de eu deslizar
para o banco do motorista. E agora ele estava me seguindo pela entrada da
garagem.
Dei ré na rua.
Vance parou na beira da calçada.
Estava escuro, mas eu o vi tão claramente como se fosse em plena luz do
dia. E era assim que eu me lembraria dele.
Cabelos desgrenhados. Uma mão em seu queixo, esfregando sua barba.
Aquele corpo alto e largo lançado nas sombras do crepúsculo com as
estrelas mais brilhantes lutando contra o amanhecer. Olhos azul-
acinzentados fixos nos meus.
Ele ergueu a mão no ar.
Eu pressionei uma contra o vidro.
Então mirei meus olhos na estrada.
E enquanto me afastava, não me permiti olhar para trás.
CAPÍTULO VINTE E SETE

LYLA
— Lyla? — A voz de Talia soou pela cozinha da cafeteria.
— Um segundo, — eu chamei da geladeira. Minha voz estava áspera. Eu
vim aqui esperando que o ar frio acalmasse a queimação na minha garganta.
Era inevitável que eu tivesse que dizer à minha família que Vance havia
partido, que ele partiu esta manhã. Mas eu esperava que fosse Mateo ou
Knox ou Griffin quem viesse à loja primeiro. Seria mais fácil dizer a um
deles para divulgar a notícia.
Ao contrário de minhas irmãs, meus irmãos não gostariam de falar sobre
meus sentimentos. Eu não queria falar sobre meus sentimentos. Eles eram
muito crus.
Talvez eu tivesse sorte e Talia quisesse passar a hora do almoço falando
sobre nomes de bebês. Dedos cruzados.
Fortalecendo minha coluna, peguei um pedaço de queijo e manteiga, então
os levei para a mesa de preparação antes de colocá-los para abraçar minha
irmã. — Oi.
— Ei. — Talia estava vestida com uniforme azul, sua barriga de grávida
redonda e adorável. Cada uma de nós prendia o cabelo escuro em um rabo
de cavalo hoje, e as pessoas sempre diziam que éramos mais fáceis de
distinguir quando estávamos com o cabelo preso.
— Quer almoçar? Eu só ia fazer um queijo grelhado.
— Claro.
Eu estava grata pela tarefa de cozinhar. Isso significava que eu não tinha
que fazer contato visual. Minha irmã veria muito rapidamente que eu mal
estava me controlando.
— Se sentindo melhor? — ela perguntou.
— Muito. — Fatiei dois pedaços de queijo.
— O que estava errado?
— Não sei. Eu apenas me senti mal.
— Você teve febre?
— Hum, não?
— Quais eram seus sintomas? — Esse era o problema de ter um médico na
família. Os médicos faziam perguntas e bons médicos, como Talia, podiam
dizer a diferença entre uma doença falsa e uma doença real.
— Eu estava meio dolorida. Dores no corpo? Acho que exagerei na
caminhada.
Seu olhar queimou em meu perfil. Eu não precisava olhar para ela para
saber que seus olhos estavam estreitados. Que ela podia ouvir a mentira na
minha voz.
— Lyla.
— Sim? — Fui até a prateleira e peguei um pedaço de pão.
— Vance se foi, não foi?
Merda. Isso não demorou muito para ela descobrir, não é? Meus ombros
caíram. Então eu balancei a cabeça, mantendo minhas costas para minha
irmã. Se eu dissesse as palavras em voz alta, se olhasse para ela, choraria.
E por algum milagre, eu não tinha chorado. Ainda não.
Não desde o momento em que deixei Vance na minha garagem. Não
durante toda a minha rotina matinal. Lutei contra as lágrimas como uma
guerreira. Mas esta era uma batalha que eu perderia. Não era uma questão
de se, mas quando. As lágrimas viriam em uma onda devastadora.
Ainda não.
Elas teriam que esperar. Eu tinha que passar pelo meu dia de trabalho
primeiro. Eu tinha que fazer sanduíches de queijo grelhado.
— Você está bem? — Tália perguntou.
Não. Nem um pouco.
Dei de ombros, voltando para a mesa. Encontrei uma faca serrilhada e
comecei a cortar o pão. — Sempre soube que isso aconteceria.
— Ele disse alguma coisa sobre voltar? Talvez ficar?
Eu amava minha irmã, mas Deus, nós tínhamos que falar sobre isso agora?
Eu balancei minha cabeça, o fogo em minha garganta ardendo mais quente
do que nunca. — Não é desse jeito. Eu não sou...
— Não o quê? — Talia colocou sua mão sobre a minha, me forçando a
parar de cortar.
— Eu não sou o tom certo de azul.
No fundo, eu sabia que o motivo da saída de Vance não tinha nada a ver
comigo. Mas as dúvidas estavam se insinuando, paralisantes e de partir o
coração. Ele teria ficado para outra mulher?
As sobrancelhas de Talia se juntaram. — Huh?
— Deixa para lá. — Eu deslizei minha mão livre da dela e coloquei a faca
para baixo, movendo-me para ligar o fogão.
— Você não quer falar sobre isso agora, não é?
Eu balancei minha cabeça.
— Ok. — Ela foi ao meu escritório, empurrando minha cadeira. Então,
minha linda e feliz irmã passou os trinta minutos seguintes conversando
comigo sobre nomes de bebês enquanto comia seu sanduíche antes de voltar
ao trabalho.
Com o passar do dia, o cansaço de uma noite sem dormir começou a cobrar
seu preço. Meus ossos pareciam muito pesados. Meus músculos fracos.
Mas, de alguma forma, eu perseverei e, quando finalmente tranquei a porta
da frente e virei a placa para fechada, dei um suspiro.
Estendi a mão para o interruptor de luz, mergulhando a loja nas sombras. O
poste de luz do lado de fora lançava sua tonalidade branca pelas janelas da
frente. Normalmente, essa luz se espalharia, mal iluminando um terço da
frente da loja. Hoje à noite, era como se um holofote brilhasse diretamente
na mesa vazia e na cadeira perto da janela.
A cadeira de Vance.
Um soluço escapou da minha garganta. Eu cedi à queimação na minha
garganta. E as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto.
A guerra acabou. Então eu parei de lutar.
Em vez disso, enterrei meu rosto em minhas mãos e chorei pelo homem que
mudou minha vida. O homem que eu amava.
O homem que tinha ido embora.
CAPÍTULO VINTE E OITO

VANCE
O trajeto da estação até minha casa levou onze minutos.
Nos últimos onze minutos, senti como se tivesse esquecido algo no
escritório do capitão.
Não apenas algo.
Meu distintivo.
A partir de hoje, eu não era mais um policial do Gabinete do Xerife do
Condado de Kootenai. E mesmo que eu tivesse planejado isso, onze
minutos não foram longos o suficiente para que essa nova realidade fosse
absorvida.
Eu não era policial, não mais.
Havia uma mochila no banco de trás da minha caminhonete cheia de tudo
que eu tinha enfiado no meu armário no trabalho. Embora ainda faltassem
algumas semanas para o Natal, a esposa de Alec tinha feito uma lata de
biscoitos para mim. Eles estavam no banco do passageiro.
Eu puxei tudo para fora da caminhonete, mas deixei em uma prateleira na
garagem, não tendo energia para lidar com isso agora, então entrei em casa.
No momento em que entrei pela porta da lavanderia, Vera apareceu
correndo no canto. Seus pés cobertos com meias deslizavam como patins de
gelo no chão de madeira. — Então? Como foi? Você desistiu?
— Foi. E sim, eu desisto. — Suspirei, colocando minhas chaves em cima da
secadora.
Costumava haver um gancho ao lado da porta onde eu pendurava minhas
chaves. Mas quando chegamos a Idaho, seis semanas atrás, o gancho havia
sumido junto com uma longa lista de outras coisas que Tiff havia levado
quando se mudou.
Nas últimas seis semanas, não me preocupei em encontrar um novo gancho.
Ou novas mesinhas de cabeceira para o meu quarto. Ou uma mesa de centro
na sala de estar.
A mobília era minha, embora aparentemente Tiff não tivesse se importado.
Vera não parecia se importar que houvesse buracos onde deveriam estar os
móveis. E eu não dava a mínima para, bem... nada. Pelo menos não muito
aqui em Idaho.
No último mês e meio, tornou-se óbvio que eu havia deixado muito, muito
de mim mesmo em Montana.
Com Lyla.
— Você está bem? — Vera perguntou.
— Tudo bem, — eu menti. — Você cortou o cabelo.
Ainda era longo, os fios laranja-avermelhados roçando seu coração, mas era
quinze centímetros mais curto do que quando saí esta manhã.
— Ainda estava quebrado. — Ela puxou uma mecha. — Precisava ser mais
curto.
O que foi exatamente o que o estilista disse a ela na primeira vez que fomos
ao salão - Vera levou quase um mês para sair de casa sem mim, então eu a
levei para o primeiro corte de cabelo. E apesar do conselho do estilista, Vera
não queria perder muito comprimento.
Ela gostava de seu cabelo comprido. E acho que ela temia que, se houvesse
muitas mudanças, ela se perderia. Ela perderia a garota que passou aqueles
anos no deserto com seu pai.
Fiquei orgulhoso dela por ter ido lá hoje. Por fazer outra mudança.
— Parece realmente ótimo.
— Obrigado. — Ela deu de ombros. — Eu gosto disso.
— Então isso é tudo que importa. — Tirei as botas e depois o casaco de
inverno, feliz por não ter para onde ir hoje, porque as estradas ao redor da
cidade estavam escorregadias e cobertas de neve. — Talvez seja hora de eu
cortar o cabelo também.
No dia em que levei Vera, também cortei o meu, mas isso foi semanas atrás
e estava ficando comprido de novo. Sem Lyla por perto para passar os
dedos por ele, não parecia haver muito sentido em deixá-lo crescer.
— Podemos caminhar até o salão amanhã, — disse Vera.
— Ou você pode praticar direção.
Ela balançou a cabeça.
Vera não estava pronta para dirigir de novo, ainda não. Sem nenhuma
prática nos últimos quatro anos, ela teve muito que reaprender. Por
enquanto, onde quer que ela precisasse ir, ela andava. Mesmo assim, ela
raramente saía de casa.
— Na volta, peguei coisas na loja para fazer sopa. Está pronto e eu ponho a
mesa. Está com fome?
Não. Meu estômago estava embrulhado o dia todo e precisaria de um tempo
para se desfazer. A ideia de comida só piorava o enjoo.
Mas, há uma semana, Vera havia declarado que queria contribuir mais com
a casa e que eu precisava deixá-la contribuir mais com a casa.
Aparentemente, eu a estava mimando. Então, em um esforço para recuar, eu
a colocaria no comando do jantar todas as noites.
Se ela tinha feito sopa, então era hora de comer sopa.
— Sopa em um dia frio parece ótimo.
— Ok. — Ela ficou um pouco mais reta. Um pequeno sorriso enfeitou sua
boca antes que ela se virasse e deslizasse pelo chão em direção à cozinha.
Aquele sorrisinho era quase tanta alegria quanto Vera mostrava naqueles
dias. Era difícil lembrar como ela era quando estava realmente feliz. Não
havia riso nela. Sem sorrisos ofuscantes e cheios de dentes.
Eu perdi isso Vera. E eu não tinha certeza de como recuperá-la.
Então eu me concentrei nos aspectos práticos.
Acontece que... trazer uma criança de volta à vida era um monte de
papelada e ceticismo.
A maioria das pessoas, como Alec, precisou de uma visita pessoal para
acreditar em nossa história de que Vera apareceu na minha porta seis
semanas atrás.
Depois que eu liguei para dizer a ele, deixando-o ser o teste antes do meu
encontro com o capitão, Alec correu e olhou para Vera, sem palavras, por
quase trinta minutos.
Outras pessoas, como meu capitão, exigiram testes de DNA para provar que
Vera era de fato Vera.
Foi estranho não sentir o peso do meu distintivo no cinto? Sim. Mas porra,
eu estava feliz por nunca ter que ver a cara daquele idiota novamente.
Organizar a bagunça tinha sido um pesadelo, mas nós conseguimos. O
mundo agora sabia que Vera Gallagher estava viva - os jornais locais
haviam colocado sua foto na primeira página por semanas. Algumas fontes
de notícias nacionais também pegaram a história.
Mas a história que inventamos em Quincy com a ajuda de Lyla se manteve.
Como esperado, Vera ainda se recusou a falar sobre aquela noite com a
mãe. Como não havia nada que as pessoas pudessem fazer para fazê-la
falar, eles tiveram que aceitar o resto dos detalhes.
Cormac tinha levado Vera. Eles viveram fora da rede por quatro anos. E,
finalmente, ela partiu. Ela voltou para casa para um amigo da família. Tio
Vance.
O FBI correu para Idaho na esperança de encontrar Cormac, mas também
como esperado, eles não o encontraram. E assim como antes, eles passariam
para outros casos. Agora que eu não estava procurando por Cormac, o
mundo provavelmente esqueceria que ele existia.
A atenção da mídia diminuiu, embora não rápido o suficiente para o meu
gosto. Eles não apenas haviam descoberto os detalhes daquela noite anos
atrás, mas desde que eu estava ligado a Cormac, o tiroteio no posto de
gasolina ressurgiu também.
Felizmente, essa investigação acabou.
Eu tinha sido inocentado de qualquer irregularidade, graças a Deus. Mas o
estrago já estava feito. O capitão queria que eu mantivesse o perfil discreto,
então ele me colocou no trabalho de escritório. Os rumores sobre a família
processando o departamento haviam desaparecido - provavelmente porque
eles perceberam que suas chances de ganhar eram quase nulas. Ainda
assim, ele não queria correr nenhum risco. Não queria divulgar meu rosto
para o público.
Aparentemente, a atenção que eu estava recebendo com Vera já era demais.
Então, nas últimas seis semanas, estive cuidando da papelada. Um monte de
merda de papelada. Isso quase me enviou ao limite. Mas eu resisti. Por
Vera.
Eu queria estar na delegacia, no departamento com alguns recursos à minha
disposição, até que ela se tornasse um membro pleno da sociedade.
Ela teve seu cartão de segurança social restabelecido. Ela tinha carteira de
motorista. Ela tinha uma conta corrente e um cartão de crédito.
E como o FBI parecia ter esgotado as perguntas para ela, bem... Eu estava
pensando que estávamos fora de perigo. Então, hoje, eu desisti.
— Você quer leite ou água? — Vera perguntou da cozinha.
— Água, por favor, — respondi, andando pela casa enquanto um arrepio
passou por meus ombros. — Está frio aqui?
— Na verdade não.
— Huh. — Talvez fosse apenas esta casa.
Sempre foi tão frio e estéril? Sim. Mesmo quando Tiff morava aqui e eu não
sentia falta de móveis, este lugar não tinha muita personalidade. As paredes
eram de um cinza opaco que parecia sugar a luz. Minha falta de habilidades
em decoração de casa significava que não havia quadros para trazer cor ao
espaço. Não tinha almofadas nem mantas ou plantas domésticas.
Não era nada como a acolhedora e convidativa casa de fazenda nos
arredores de Quincy, Montana.
Porra, senti falta de Lyla.
Eu deveria ter feito promessas a ela, mesmo quando ela me pediu para não
fazer.
Tudo o que eu queria era pegar o telefone e ouvir a voz dela. Todos os dias,
eu lutava contra o desejo de dirigir até Montana para dar uma olhada em
seu lindo rosto. Me matou pensar nela seguindo em frente.
Mas eu não diria a ela que estava voltando, não até saber que era verdade.
Eu não iria ligar para ela, arrastá-la e fazer promessas que talvez não
conseguisse cumprir.
Ela estava bem? Ela sentia minha falta uma fração do quanto eu sentia dela?
— Colher grande ou colher pequena? — Vera perguntou.
— Grande. Vou pegar guardanapos.
Com eles na mão, fui até a mesa e sentei no meu lugar de sempre.
Vera carregava uma tigela de sopa feita com caldo dourado, cenoura,
macarrão e frango.
— Parece delicioso.
— Nunca fiz sopa de macarrão com frango antes.
Mexi por um minuto, deixando esfriar, então dei aquela primeira mordida
fumegante. Sal encheu minha boca. Foi como engolir um gole de água do
mar, mas lutei contra uma careta e a sufoquei. — Sim.
Vera deu sua própria mordida. E imediatamente cuspiu de volta na tigela.
— Oh meu Deus. É horrível.
— Não é. — Dei outra mordida. Porra, era horrível.
— Eu provei e não estava salgado o suficiente, então acrescentei um pouco,
mas... — Ela colocou a colher de lado quando os cantos de sua boca
viraram para baixo. — Desculpe.
— Não se desculpe. Você é uma boa cozinheira. Uma sopa salgada não é o
fim do mundo.
Seu queixo começou a tremer.
— Vera. — Cobri sua mão com a minha enquanto as lágrimas enchiam seus
olhos. — É só sopa.
— Não é nem sobre a sopa. — Ela fungou, enxugando os cílios. — O caixa
da loja hoje me perguntou se eu era aquela garota do jornal.
Merda. — O que aconteceu?
— Eu menti e disse que não.
Porque senão Vera seria bombardeada com perguntas. As pessoas não
tinham escrúpulos em ultrapassar os limites se isso significasse satisfazer
sua curiosidade. As pessoas eram as piores.
— Estou cansada de mentir, tio Vance. Estou cansada de ser reconhecida
em todos os lugares que vou. — Ela pegou outra lágrima. — E eu sinto falta
do meu pai.
— Eu sei que você sente, garota.
— Eu pensei... Achei que seria diferente estar aqui. Achei que me sentiria
mais em casa. Eu pensei... — Vera parou e baixou o olhar para a sopa
salgada.
— Pensou o quê?
— Pensei que iria senti-las.
Hadley e Elsie.
Talvez, se pudéssemos visitar o local onde espalhei suas cinzas, Vera teria
sentido essa conexão. Mas a neve veio para ficar. Se ela quisesse visitar,
teria que ser nesta primavera.
— O que você está fazendo aqui? — Ela fungou, secando os dois olhos. —
Você sente falta de Lyla.
Eu sentia tanto a falta dela que era difícil respirar.
Se Vera quisesse voltar para Quincy, começaria a fazer as malas esta noite.
Mas eu também precisava que ela dissesse as palavras. Para escolher esse
caminho para si mesma.
A única razão pela qual eu estava em Idaho era por causa de Vera. Para dar
a ela qualquer vida que ela quisesse. Mas se voltássemos para Montana, era
isso. Não havia a mínima chance de eu deixar Lyla novamente.
— O que você está dizendo, Vera?
— Eu estou dizendo... Acho que cometemos um erro. Acho que devemos
voltar para Montana.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

LYLA
Crystal entrou na cozinha com a boca aberta. — Você pintou flocos
de neve nas janelas.
— Bem, sim. Eu faço todos os anos.
— Mas geralmente depois do Halloween. Quando você não fez isso no Dia
de Ação de Graças, imaginei que não faria nada.
Dei de ombros. — Só demorei um pouco mais para entrar no espírito
natalino.
Era mentira. O único espírito atualmente ocupando meu corpo era a miséria.
Mas se eu aperfeiçoei alguma coisa nas últimas seis semanas, foi fingir ser
feliz. Fingindo normal.
Todos os anos, pinto flocos de neve nas janelas do Eden Coffee para que,
quando turistas e moradores locais venham para um cappuccino ou um
doce, sejam recebidos com uma charmosa decoração de inverno. Então
ontem à noite, depois de fechar a loja, passei cinco horas enfeitando o vidro
com flocos de neve de várias formas e tamanhos.
Já passava bem da meia-noite quando cheguei em casa e desmaiei. Então eu
acordei às quatro, voltando para a loja para passar outro dia fingindo.
— Você não está usando batom hoje, — eu digo, observando o rosa suave
de sua boca.
Ela deu de ombros. — Não consegui escolher a cor.
— Bem, batom ou não, você está bonita. — Eu sorri. Era domingo e seu dia
de folga. Por que ela entrou na loja? — O que você vai fazer hoje?
— Vim ao centro para comprar presentes de Natal. Mas está cheio, então
queria aparecer e me certificar de que você não precisava de ajuda.
— Obrigado por verificar, mas eu vou ficar bem.
Peguei a bandeja de muffins que tirei do forno mais cedo e deixei esfriar.
Com Crystal atrás de mim, carreguei-os até o balcão, examinando a sala
para ter certeza de que ninguém havia entrado enquanto eu estava lá atrás.
Quase todas as mesas estavam cheias. Todas as mesas, menos aquela contra
a janela.
A mesa de Vance.
E o motivo de não estar cheio era porque eu havia tirado a cadeira dele.
Ambas as cadeiras, na verdade. Parecia ridículo ter uma mesa vazia no
canto? Sim. Mas eu não suportaria ver outra pessoa naquele lugar. Ainda
não.
No minuto em que apareci com muffins frescos, três pessoas vieram ao
balcão, cada uma comprando um para levar para seus lugares. Um homem
que eu nunca tinha visto antes pediu para reabastecer seu café.
Nesta época do ano, haveria uma infinidade de rostos desconhecidos em
Quincy. Os fins de semana a partir de agora até o Ano Novo seriam
fechados na loja. Os turistas se reuniam em nossa pequena cidade para fazer
compras ou desfrutar de uma escapadela de inverno na atmosfera
encantadora.
Os postes de luz ao longo da Main estavam todos cheios de luzes brancas
cintilantes. A minha não foi a única vitrine decorada para a estação. E
Eloise me disse ontem que o último quarto vago no hotel acabou de ser
reservado. Não havia vagas até janeiro.
— Então eu tive uma ideia. — Crystal apoiou o quadril no balcão depois
que todos os clientes foram atendidos. — Vamos entrar em um aplicativo de
namoro.
Isso foi ideia dela? Passe difícil. — Estive lá, fiz isso. Acho que não sou do
tipo que gosta de aplicativos de namoro.
Meses atrás, ela poderia ter me convencido a tentar novamente. Mas agora?
Tudo era diferente.
Nas últimas seis semanas, não tive notícias de Vance. Nenhuma palavra.
Não que eu esperasse uma ligação ou mensagem. Não quando fui eu quem
insistiu para que ele não fizesse promessas.
Mas ele também não havia realmente desaparecido.
Eu li as notícias sobre Vera. Sobre ele. E além disso, ele estava aqui. Ele
estava nesta loja, um fantasma à mesa sem cadeiras. Um fantasma vagando
pelos corredores da minha casa, lembrando-me todas as manhãs e noites
que eu estava sozinha.
Eu sentia falta dele a cada batida do meu coração solitário.
Fazia seis semanas. Ele não estava voltando, estava?
Não. Ele não ia voltar.
— E se eu configurar o perfil para você? — perguntou Crystal. — Então
tudo o que você precisa fazer é passar por todas as correspondências.
— Existe mesmo um pool de namoro em Quincy?
— Emily Nelsen esteve aqui ontem e me disse que está saindo com um cara
em Missoula. Eles se conheceram em um aplicativo.
— Crystal, eu não...
— Apenas pense nisso. — Ela ergueu a mão antes que eu pudesse protestar.
— Isso é tudo que eu estou pedindo.
Suspirei. — Ok. Vou pensar sobre isso.
Eu queria entrar em um aplicativo de namoro? De jeito nenhum. Pronto. Já
pensei sobre isso.
— Obrigado. — Ela sorriu quando a porta da frente da loja se abriu e o sino
tocou.
Mateo entrou, com a cabeça coberta por um boné de beisebol preto que
parecia acentuar os cantos pontiagudos de sua barba por fazer. Foi-se meu
irmão mais novo esguio. Ele se tornou um homem forte e bonito, a
semelhança com Griff e Knox quase incrível.
As bochechas de Crystal ficaram rosadas, como se ela tivesse ficado tímida
sem uma cor forte nos lábios. Se Mateo mostrasse um mínimo de interesse,
essa ideia de aplicativo de namoro dela sairia voando pelas minhas janelas
enfeitadas com flocos de neve.
Mas sua vida amorosa consistia em um caso ocasional com uma turista que
ele pegava em um bar. Nenhuma vez desde que voltou do Alasca ele levou
uma mulher para sair. Ele era tão alérgico a relacionamentos quanto a
mariscos.
— Ei, — disse ele, colocando as mãos no balcão.
— Oi. — Fiquei na ponta dos pés enquanto ele se inclinava para beijar
minha bochecha.
— Crystal. — Ele baixou o queixo e o rosto dela mudou de rosa para
vermelho brilhante.
— Ei, Mateo. — Ela olhou para todos os lados, menos para o rosto dele,
com as mãos inquietas. Então ela empurrou o balcão e fez uma reverência
com um aceno de dedo. — Vejo você mais tarde, Lyla.
— Tchau.
Ela correu ao redor do balcão, então correu para a porta.
— Ela acabou de fazer uma reverência? — Mateo perguntou.
Eu ri. — Eu acho que ela tem uma quedinha por você.
— Achei que ela gostava de mulheres.
— Pessoas.
— Ah. — Ele assentiu. — Se ela tem uma queda por mim, vai ficar
estranho?
— Eu duvido. É uma paixão pequenininha. Principalmente, acho que ela
apenas acha você bonito de se olhar.
— Obviamente. — Ele sorriu.
Eu sacudi a ponta do nariz dele como costumava fazer quando éramos
crianças. — E aí?
— Praticamente nada. Vim à cidade para pegar algumas coisas que Griff
precisa no rancho. Pensei em passar por aqui e ver se você precisa de
alguma coisa.
Mateo ainda estava focado em ajudar a todos. Griffin no rancho. Eloise no
hotel. Talia e Foster tinham acabado de construir uma casa no rancho e,
como ela dar a luz a qualquer momento, Mateo passou semanas ajudando-
os a fazer as malas e a se mudar.
Ele era um bom tio, sempre visitando seus sobrinhos e sobrinhas. Ontem à
noite, ele cuidou dos meninos para que Knox e Memphis pudessem ir a um
encontro. E sempre que eu precisava de ajuda, Matty estava a apenas um
telefonema de distância.
— Estou bem. Você está?
Ele ergueu um ombro. — Sim.
— Posso te perguntar uma coisa? — Eu empurrei meu queixo para ele dar a
volta no balcão.
Mateo ocupou o lugar onde Crystal estava encostada. — Atire.
— Por que você deixou o Alasca?
Eu queria fazer essa pergunta a ele por semanas, mas nunca pareceu um
bom momento. Sempre estivemos ocupados ou trabalhando. Mas eu percebi
ontem à noite enquanto pintava flocos de neve com dias de atraso, eu
poderia perder minha chance totalmente.
Se as últimas seis semanas me ensinaram alguma coisa, foi que tudo pode
mudar em um piscar de olhos.
— Senti saudades de casa, — disse.
Embora eu não duvidasse que a resposta fosse verdadeira, parecia...
superficial. — Mateo.
— Lyla.
— Estou preocupada com você.
— Essa é a minha fala.
Eu dei a ele um sorriso suave. — Então é.
Mateo havia feito essa declaração inúmera vezes. Assim como todos os
outros membros da minha família.
Por mais que eu tentasse fingir que estava feliz, todo mundo sabia que
quando Vance deixou Quincy, ele levou um pedaço de mim com ele.
— Eu estava dormindo com uma mulher. — A declaração de Mateo me
surpreendeu. Talvez ele também estivesse cansado de fingir. — Era para ser
casual.
— Ela desenvolveu sentimentos.
— Eu desenvolvi sentimentos.
— Oh.
Ele encolheu os ombros. — Não era isso que ela queria, então terminamos.
Meio que fodeu comigo. Eu adorava voar todos os dias. Eu amei o Alasca e
fiz alguns amigos decentes. Mas...
— Não era em casa.
— Não era Montana.
— Para que conste, estou feliz por você estar aqui.
— Eu também.
— Mais uma pergunta. — Eu levantei um dedo, ganhando um revirar de
olhos provocador. — Se você adora voar todos os dias, por que parou?
Seu olhar azul, da mesma cor que o meu, passou por cima do meu ombro
para um ponto vazio na parede. — Eu acho... Fui para o Alasca, esperando
encontrar o que precisava. Não funcionou bem assim.
Então ele voltou para casa e, em vez de explorar suas próprias paixões,
perseguir seus próprios sonhos, ajudou seus irmãos com os deles porque era
mais fácil. Familiar.
Exigia que ele não tomasse nenhuma decisão sobre seu próprio futuro. Não
corria riscos. Foi uma solução temporária, mas, mais cedo ou mais tarde,
esperava que Mateo encontrasse sua própria direção. Seu próprio propósito.
— Ok, chega de ser pesado. — Desviei do assunto, sentindo que ele
também estava pronto para uma mudança. — Quer algo para comer?
Acabei de fazer muffins.
— Claro.
Passamos a hora seguinte conversando sobre nada enquanto eu atendia
meus clientes. Depois que ele partiu para o rancho, fiz um bule de café
fresco, servindo-me de uma caneca fumegante para conter o bocejo que não
parava.
Sem Vance na minha cama, o sono parecia indescritível. Ainda assim,
mantive meu sorriso fixo no lugar enquanto as horas passavam em outro
dia.
O sol se punha tão cedo nesta época do ano que já estava escuro antes
mesmo da hora do jantar. Enquanto os dias eram corridos e agitados, as
pessoas tendiam a se retirar para o calor e a segurança de suas casas quando
a noite caía.
Deixando-me sozinha em uma cafeteria por mais uma hora até que eu
pudesse ir para casa.
E ficar sozinha lá também.
A loja estava vazia, as mesas limpas, então fui até a cozinha e fiz um
sanduíche de manteiga de amendoim, banana e mel. Enquanto comia, tirei
meu telefone do bolso.
Eu tinha perdido seis mensagens. Três de Eloise. Um de Tália. A última da
mamãe.
Nada de Vance.
Um mês atrás, eu passei por um período em que fiquei com muita raiva
dele. Eu estava furiosa por ele ter simplesmente voltado para sua vida. Que
ele poderia me esquecer tão facilmente. Mas essa raiva durou pouco.
Eu nunca fui do tipo que ficava com raiva de alguém que amava.
E, oh, como eu amava Vance Sutter.
Mesmo que vivêssemos nossas vidas separados. Mesmo que eu nunca mais
visse seu rosto. Eu amaria Vance pelo resto da minha vida.
A campainha da porta tocou, então enfiei o último pedaço do sanduíche na
boca. Então eu bebi um gole de água antes de secar meus lábios e correr
para o balcão.
Três passos no corredor, eu congelei.
Um homem estava parado na entrada, de costas para mim. Seu olhar estava
voltado para a mesa contra as janelas.
Minha mão pressionada contra o meu coração.
Eu reconheceria aqueles ombros largos e aquele cabelo escuro e
desgrenhado em qualquer lugar.
Fechei os olhos, certa de que ele teria ido embora quando eles se abriram.
Ele não foi.
Vance ficou imóvel, olhando para o lugar onde antes estava sua cadeira.
Arrisquei mais um passo, mas parei novamente. Se eu chegasse muito
perto, ele desapareceria em uma nuvem de fumaça?
Ele se virou, deu um passo por conta própria, então se virou para olhar a
mesa novamente. Sua mandíbula estalou. Quando ele olhou para frente, foi
com uma carranca. Seu olhar varreu o balcão vazio. Em seguida, disparou
pelo corredor e, quando me viu, parou. Sua expressão em branco.
Meu coração subiu na minha garganta enquanto eu descolava meus pés e
saía, parando quando estava a um metro de distância.
Deus, ele parecia bom. Como um sonho. Eu estava sonhando?
Os olhos azul-acinzentados de Vance traçaram uma linha de cima a baixo
em meu corpo, da cabeça aos pés.
Eu estava em jeans e uma Henley carvão. Sua Henley. Ele se misturou com
a minha roupa e, quando ele fez as malas, ele deixou para trás. Mesmo
tendo que arregaçar as mangas e enfiá-la para dentro para que não parecesse
um vestido, eu o usava pelo menos duas vezes por semana.
— Oi. — Sua voz era rouca, como se sua garganta estivesse seca.
— Oi.
A carranca de Vance se aprofundou e ele plantou as mãos nos quadris. —
Onde diabos está minha cadeira, Blue?
Lágrimas inundaram. Meus joelhos vacilaram. Uma risada escapou, ou
talvez fosse um soluço.
Qualquer que fosse o barulho, relaxou seu corpo. Então ele surgiu, fechando
a distância entre nós, e me puxou em seus braços.
Eu enterrei meu rosto em seu peito e inspirei. Sabão e especiarias, terra e
vento. Paraíso. — Isto é real? Você está aqui?
— Estou aqui. — Ele respirou no meu cabelo. — Foda-se, mas eu senti sua
falta.
— Você sentiu?
— Todo santo dia.
Eu apertei meus olhos fechados, enrolando seu casaco em meus punhos
para impedi-lo de se mover. — Eu guardei sua cadeira. Eu não poderia
olhar para ela vazia todos os dias. Não consigo olhar para ela vazia todos os
dias.
Se ele ia sair de novo, ele precisava ir. Agora. Enquanto eu ainda pudesse
ficar de pé sozinha.
Ele me puxou para trás para enquadrar meu rosto em suas mãos grandes,
seus polegares acariciando minhas bochechas. — Não vai ficar vazia.
Nunca mais. Isso é uma promessa, Lyla.
Uma promessa que ele manteria. — Eu gosto de promessas.
O canto de sua boca se ergueu. Então ele bateu sua boca na minha. Sua
língua acariciou meu lábio inferior, macia e lenta, persuadindo minha boca
a se abrir. Quando ele deslizou para dentro, foi lento. Torturante. Ele
explorou minha boca como se fosse o primeiro beijo.
De certa forma, talvez fosse.
Eu derreti contra ele, a dor em meu peito diminuindo a cada beijo suave até
que ele se separou, seu olhar colidindo com o meu.
— Eu te amo, Lyla. — Aqueles olhos azul-acinzentados eram tão brilhantes
quanto as estrelas. Era uma cor que eu já tinha visto neles antes. Eu só não
tinha nomeado ainda. Amor.
— Eu também te amo.
— Eu te amo tanto pra caralho. — Seu domínio sobre mim aumentou. —
Eu não conseguia respirar quando estávamos separados.
— Nunca mais me deixe.
— Sem chance. — Um grunhido escapou de sua garganta quando sua boca
esmagou a minha mais uma vez, me beijando até que eu ficasse sem fôlego.
Então nos agarramos um ao outro, seus braços em volta das minhas costas.
Seu rosto enterrado no meu cabelo.
Eu serpenteei meus braços ao redor de sua cintura, pressionando minha
bochecha em seu ombro enquanto me moldava em torno de seu corpo duro
e largo.
Ficamos trancados juntos até que algo vibrou entre nós. bolso de Vance. Ele
se mexeu, deixando-me ir apenas o suficiente para desenterrar seu telefone.
— É Vera, — disse ele.
— Onde ela está?
— No hotel. Ela acabou de enviar uma mensagem para dizer que está
cansada da viagem e só vai nos ver pela manhã.
A última reserva no The Eloise. Era ele.
Fechei os olhos, encostada em seu coração, ouvindo sua batida e sentindo o
calor de seu corpo irradiar para o meu.
Ele realmente terminou com Idaho? E o trabalho dele? O que aconteceu
com a investigação sobre o tiroteio?
Haveria tempo para perguntas. Haveria tempo para falar sobre o futuro.
Mas ainda não. Hoje à noite, eu só queria levá-lo para casa.
— Eu sou a única aqui esta noite e ainda preciso fechar.
— Vou esperar até que você termine. — Ele pegou meu rosto em suas mãos
mais uma vez, seu olhar cheio de amor e algo novo.
Paz. Ele estava em paz. E era de tirar o fôlego.
— Vou pegar sua cadeira.
EPÍLOGO

LYLA

Três meses depois...


Quatro conversas flutuaram na cozinha dos meus pais.
Papai estava contando a Griff e Knox sobre o pneu furado que ele teve na
quarta-feira.
Talia estava lamentando com mamãe e Winn sobre o fim de sua licença
maternidade.
Foster e Jasper estavam discutindo alguma luta do UFC.
Memphis, Eloise e Vera estavam reunidas ao telefone, comprando os
presentes do primeiro aniversário de Harrison.
— Nós vamos nos casar.
Todas as quatro conversas cessaram a um ponto insuportável.
Vance balançou a cabeça e riu. — Tanto para manter isso para nós mesmos
até Mateo chegar aqui.
— Ele está atrasado. — Dei de ombros. — Isso não é problema meu. Além
disso, alguém deve ter notado o anel.
E eu me recusei a tirá-lo.
Minha família, momentaneamente atordoada, ficou boquiaberta, então
todos pareceram se mover ao mesmo tempo. Houve abraços e apertos de
mão. Mamãe enxugou as lágrimas com o canto dos olhos. E quando as
conversas sobrepostas recomeçaram, desta vez o assunto era nosso noivado
e planos de casamento.
O barulho na sala aumentou, a excitação infundindo o ar. As crianças,
sentindo a energia, entravam e saíam correndo da cozinha, correndo por um
caminho invisível que contornava pernas, cadeiras e alguns brinquedos
espalhados, enquanto os adultos conversavam.
O anel de diamante solitário no meu dedo ainda parecia um pouco estranho
contra a minha junta. Mas algum dia, depois de tê-lo usado por décadas,
esperava que, sempre que o tirasse, veria sua reentrância em minha pele.
Vance tinha me levado em uma caminhada esta manhã. O clima havia
esquentado nas últimas duas semanas, o suficiente para que parte da neve
tivesse derretido no sopé das colinas. Era apenas março e sem dúvida
teríamos mais uma ou duas tempestades, mas ele queria aproveitar a folga
do inverno e meu dia de folga.
A trilha que ele encontrou nos levou a um prado isolado na floresta. Talvez
ele tivesse planejado a caminhada. Talvez ele tenha mapeado a área com
antecedência. Talvez ele tivesse tido sorte de encontrar uma clareira tão
pitoresca entre as árvores.
Eu não tinha certeza e não estava perguntando.
No minuto em que atravessamos a linha das árvores, Vance caiu de joelhos
e me pediu em casamento.
Minhas bochechas coraram só de pensar em como Vance tinha me fodido
contra o tronco de um choupo próximo depois que eu disse sim. Então nós
comemoramos novamente na parte de trás de sua caminhonete. E
novamente quando chegamos em casa. Duas vezes.
Como se ele pudesse ler meus pensamentos, o olhar de Vance encontrou o
meu do outro lado da sala.
— Eu te amo, — eu murmurei.
Ele piscou.
— Onde está Mateo? — Eloise perguntou, colocando uma cenoura da
bandeja de legumes em sua boca.
— Não sei. — Mamãe verificou seu telefone. — Ele disse que vinha.
— Bem, estou ficando com fome, — disse papai. — Vou ligar a grelha.
Podemos assar seu hambúrguer quando ele chegar aqui.
Uma fila de homens, cada um carregando um coquetel, se arrastava da
cozinha para o deque. Aparentemente, eram necessários seis homens para
fazer um churrasco.
— Então, onde você quer o casamento? — Mamãe perguntou, pegando os
hambúrgueres que ela preparou mais cedo na geladeira.
— Eu estava pensando no celeiro. Se estiver tudo bem para vocês.
— Claro. — Ela bateu palmas, tonta de excitação. — E a cerimônia?
— O tempo é sempre um risco, mas talvez possamos tê-lo lá fora.
— Poderíamos montar tendas para o caso de chuva, — disse Winn.
— Oh, eu vi essa foto incrível outro dia de um altar. — Memphis percorreu
a infinidade de fotos de inspiração de casamento que ela salvou em seu
telefone como planejadora de eventos. Ela encontrou a foto certa e o
estendeu para que todos nós olhássemos. — Não é bonito com os arcos de
madeira e flores? Poderíamos facilmente adicionar um telhado ou
cobertura.
— Eu amo isso. — Eu sorri. — Você será minha planejadora de casamento?
— Ah. — Ela pressionou a mão contra o coração e me abraçou. — Eu
ficaria honrada.
— Como vão suas aulas, Vera? — Tália perguntou.
Vera tornou-se uma presença regular em nossos jantares de família nos
últimos três meses. Na verdade, ela se tornou uma frequentadora assídua da
casa de mamãe e papai, ponto final.
Depois que Vance voltou para Quincy, ele me contou sobre as semanas em
que estivemos separados. Como eles foram infelizes por Vera.
Sua casa em Idaho foi vendida há algumas semanas, junto com a maior
parte de sua mobília. Nós todos voltamos para um fim de semana para
empacotar seus pertences restantes e movê-los para minha casa.
O plano era que Vera continuasse morando no quarto de hóspedes da nossa
casa. Mas então ela declarou que queria seu próprio lugar. Ela queria
começar a viver como uma mulher normal de 21 anos.
Vance não achava que ela estava pronta para ficar totalmente sozinha
novamente. Talvez ele estivesse apenas sendo protetor, mas depois de
quatro anos de isolamento, concordei que facilitar as coisas era
provavelmente a melhor aposta.
Então eu liguei para meus pais.
Havia um loft acima do celeiro. Mateo morou lá por um tempo depois da
faculdade. Então meu tio Briggs morou quando sua demência piorou e
papai queria seu irmão mais perto. Depois que a demência se tornou muito
avançada, Briggs foi para uma casa de repouso.
O loft estava vazio desde então.
Parecia o lugar perfeito para Vera encontrar seu equilíbrio.
Meus pais a adoravam. Eles a convidavam para jantar pelo menos três vezes
por semana. Papai assumiu a responsabilidade de ajudá-la a atualizar suas
habilidades de direção. E mamãe estava ensinando-a a cozinhar.
Enquanto isso, Vera queria mergulhar direto em um emprego de tempo
integral, mas, em vez disso, nós a encorajamos a obter seu GED primeiro.
Ela havia se saído bem nos testes no mês passado e começara dois cursos
online desde então.
— Gosto muito deles, — disse Vera. — Ainda não tenho ideia do que quero
fazer, mas, por enquanto, gosto de ter opções.
Ela estava matriculada em uma aula de nutrição e um curso de psicologia.
Dois tópicos totalmente diferentes, mas ambos pareciam despertar seu
interesse. Por dinheiro, ela trabalhava na cafeteria. Entre ela e Crystal, eu
conseguia folgar nas sextas e sábados.
Eu não tinha certeza de quanto tempo conseguiria mantê-la na loja. Mamãe
e papai praticamente adotaram Vera nos últimos três meses, então, se
chegasse o dia em que ela quisesse se mudar para a faculdade ou uma
carreira, eles sentiriam muita falta dela.
Mas, por enquanto, ela parecia contente. Quando não estava trabalhando,
passava muito tempo livre com Vance. E dia a dia, seu doce sorriso aparecia
cada vez mais.
Embora eu quisesse dar crédito a Vance, minha família e minha cafeteria
por sua felicidade crescente, suspeitava que parte disso tinha tudo a ver com
as caminhadas que ela fazia na floresta.
Ela estava procurando por seu pai.
Nem Vance e eu perguntamos se ela o havia encontrado. Ficamos quietos,
deixando-a fazer o que ela precisava fazer.
Pobre papai. A primeira vez que ela fez uma caminhada sozinha, papai
entrou em pânico, temendo que ela se perdesse ou se machucasse. Vance
havia prometido a meus pais que falaria com ela. E ele assegurou-lhes que
se alguém estava seguro na floresta, era Vera Gallagher.
Ninguém além de nós três sabia que havíamos encontrado Vera com
Cormac. Meus pais, como o resto do mundo, acreditavam que Vera tinha
acabado de aparecer na porta de Vance em Idaho.
E embora eu tivesse me preparado para isso - e Winn também - ninguém do
FBI se preocupou em visitar Quincy.
A porta do deque se abriu e os caras voltaram para a cozinha. Vance veio
para o meu lado, puxando-me para perto. Ele cheirava a sabão e terra, vento
e... meu.
— Zalinski veio almoçar no restaurante hoje. — Knox puxou Memphis
contra seu peito. — Ele mencionou se aposentar em breve. Eu não sabia que
ele estava considerando isso.
— Novidade para mim, — disse Winn.
— Mesmo aqui. — Papai assentiu. — Mas acho que está na hora.
— Você está interessado em concorrer a xerife? — Jasper perguntou a
Vance.
— Não. Muita política. — Ele sorriu para Winn. — Além disso, eu gosto da
minha nova chefe.
— Obrigado. — Winn sorriu de volta. — Se você quer se candidatar a
xerife, sabe que vou apoiá-lo. Mas egoisticamente, por favor, não me deixe.
Vance riu. — Eu não estou indo a lugar nenhum.
Winn havia me dito há pouco tempo que Vance era como uma lufada de ar
fresco na estação. A maioria dos policiais que trabalhavam para ela
cresceram em Quincy ou arredores. Vance trouxe uma perspectiva diferente.
Experiência diferente. Ela apreciava sua natureza firme, sua total aversão a
fofocas ou drama. E ela sabia que ele era leal. Ele a teria de volta.
A porta da frente se abriu e passos de botas soaram pelo corredor antes que
Mateo aparecesse.
— Aí está você... — Os olhos de mamãe se arregalaram. — O que está
errado?
O bom humor de apenas alguns segundos atrás desapareceu quando todos
nós vimos seu rosto pálido.
— Eu, hum... — Ele piscou, balançando a cabeça como se estivesse em
uma névoa. — Eu tenho que ir para o Alasca. Essa noite.
— Essa noite? — Papai perguntou. — Por que? O que está acontecendo?
Mateo engoliu em seco. — Eu penso... Acho que tenho uma filha?
A sala explodiu em perguntas que Mateo não respondeu.
Ele já estava fora da porta.
****
— Você está bem? — Vance perguntou enquanto voltávamos do
rancho para casa.
— Sim. — Suspirei. — Preocupada.
O jantar tomou um rumo totalmente diferente após o anúncio de Mateo.
Mamãe passou o resto da noite tentando ligar para ele - ele não atendeu. E
mantive minha boca fechada enquanto todos especulavam sobre a
possibilidade de Mateo ser pai.
Ninguém mais parecia saber sobre a mulher que ele me contou meses atrás.
A mulher de sua aventura não tão casual. Então presumi que ele não queria
que ninguém soubesse. Eu o deixaria explicar aos nossos pais e irmãos.
Mas eu definitivamente estava contando ao meu noivo.
— Um tempo atrás, Mateo me disse que estava saindo com uma mulher no
Alasca. Ele esperava que fosse a algum lugar, mas ela não estava
interessada. Você acha que é a mãe? Deste bebê? —Perguntei. Vance não
saberia a resposta, mas não pude deixar de pensar em voz alta.
— Eu não sei, Blue. — Ele esticou um braço sobre o console, pegando
minha mão e levando-a para seu colo.
— Eca. Eu odeio não saber o que está acontecendo.
— Ele vai descobrir. Dê-lhe tempo. — Ele levou meus dedos aos lábios. —
Seu pai disse que estava tudo bem com a nossa recepção de casamento no
celeiro.
Vance sempre sabia quando era hora de mudar de assunto. E ele estava
certo. Tudo o que podíamos fazer era dar tempo a Mateo. Quando ele
soubesse o que estava acontecendo, ele nos contaria.
— Eu quero um grande casamento, — eu disse, acompanhando o novo
tópico. — O vestido branco. O bolo. A festa. Quero um dia de Lyla e
Vance. — Esse era o casamento dos meus sonhos.
— Um dia de Lyla e Vance, — ele murmurou, como se estivesse provando
a ideia para ver se era doce.
— Se você preferir algo pequeno...
— Eu te amo, Lyla. Se você quer um grande casamento, então faremos um
grande casamento.
— Eu também te amo.
— Posso lançar uma ideia?
— Claro.
Ele diminuiu a velocidade da caminhonete, indo para o lado da estrada. Mas
não havia nada para ver, apenas escuridão e nossos faróis na estrada à
frente.
Vance desafivelou o cinto de segurança, então se curvou sobre o console,
dobrando o dedo até que eu estivesse perto o suficiente para beijar. Foi
lento e preguiçoso, o redemoinho de sua língua contra a minha causando
uma dor baixa em meu centro.
Quando ele se separou, desafivelei meu próprio cinto de segurança, pronta
para subir no banco de trás e repetir nossa brincadeira anterior. Eu
montando nele, balançando a caminhonete até que ambos gritamos de
êxtase.
Mas antes que eu pudesse me mover, Vance levantou um dedo. — Sobre
este casamento.
— Sim, — eu disse lentamente.
— Você quer isso neste verão.
— Preferencialmente.
— Fechado. — Seus olhos azul-acinzentados se fixaram nos meus enquanto
um sorriso se espalhava por aquela boca sexy. — Mas você tem que deixar
eu te engravidar primeiro.
Nada do que eu esperava que ele dissesse. Foi a melhor ideia que ouvi a
noite toda. — Estou dentro, Sutter.

Notes
[←1]
Programa de Tv – Parecido com Largados e Pelados.

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